De letras, sons e imagens
Universidade Federal de Goiás
Centro de Estudos Brasileiros da UFG
Edward Madureira Brasil
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Wolney Unes
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Ricardo Musse (Universidade de São Paulo)
Wolney Unes (UFG)
Wolney Unes
Luma Heyn
Poliana Queiroz
Rosana Araújo Rodrigues
De letras, sons e imagens
Goiânia
2019
De letras, sons e imagens
© Wolney Unes, 2019
Projeto gráfico e diagramação: João Alfredo Unes
Produção: Giulyane Nogueira
Anabella Borghi
Esther Teles
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
(CIP)
U54e
Unes, Wolney, 1962De letras, sons e imagens / Wolney Unes. – Goiânia:
CEB-UFG, 2019.
148 p.
ISBN: xxxxxxx
1. Literatura. 2. Música. 3. Artes 4. Arquitetura 5.
Cânone. I. Título.
CDU: 808-1(811.134.3)
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Musicologia e a Estética da Recepção
Com Luma Heyn
Introdução
Em meados do século 19, a certa altura de seu trabalho, um professor de música alemão, Johann Bernhard Logier,
viu-se na necessidade de “explicar a música aos ouvintes”. O
professor acabou desenvolvendo todo um método pedagógico,
de ensino musical. Para dar nome a seu método, o professor
junta dois termos, música e ciência (Musik e Wissenschaft),
a exemplo de formações similares, como Geisteswissenschaft
ou Naturwissenschaft (ciências humanas e naturais, respectivamente). Mais tarde, em 1827, Logier publicaria, em Berlim,
as linhas gerais de seu método de ensino musical com o título
System der Musikwissenschaften und der praktischen Komposition. Era a primeira vez que o termo “Musikwissenschaft”
aparecia na capa de um livro.
É claro que, antes da cunhagem do termo, o assunto
vinha ocupando a academia havia já algum tempo, de maneira
particularmente mais intensa a partir do Iluminismo. Desde
1736, por exemplo, Lorenz Christoph Mizler já vinha dando
aulas na Universidade de Leipzig sobre o assunto, com o seguinte objetivo: “estabelecer o conhecimento musical, tanto do
ponto de vista da história, como também tanto quanto possível
no âmbito da Antropologia, Matemática, Oratória e Poesia.”
Com isso, pouco a pouco os estudos musicais liberavam-se
das Faculdades de Filosofia.
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Mas não foi senão com o austríaco Guido Adler que
a musicologia ganhou sistematização. Adler foi o primeiro a
ocupar uma cadeira de musicologia numa universidade, em
Viena. Antes disso, o professor austríaco havia publicado seu
célebre Método e Objetivo da Musicologia, em 1885. Para o
austríaco, a nova ciência sistematizava-se em duas seções:
musicologia histórica e comparada. A primeira desenvolveu-se como História da Música, ao passo que a segunda estabeleceu-se como Etnomusicologia, na esteira do eurocentrismo dos séculos 19-20. A partir dos anos 1950 o termo inglês
introduzido por Jaap Kunst, ethnomusicology, obscureceria o
uso da musicologia comparada.
Esse caminho não foi diferente daquele da maioria das
ciências sociais, como já afirmamos em outra oportunidade
(Unes, 1998), nascidas na esteira do colonialismo europeu,
como uma tentativa do homem ocidental de compreender o
novo mundo – o mundo colonial estranho e desconhecido
que se vislumbrava – à luz de seus próprios costumes e usos.
Na analogia está a origem da Musicologia, como também da
Lingüística e da própria Antropologia, entre outras, todas nascidas como ciências comparadas. Com a realização das primeiras pesquisas antropológicas (incluindo aí a musicologia
comparada), linguísticas e cognitivas, buscando um olhar
polissêmico e interdisciplinar, é que surge o termo etnomusicologia, para abarcar todos os aspectos culturais em que se
inserem a música de cada época.
Mas, voltando por um instante à divisão de Adler, a
musicologia se dividia em duas abordagens; histórica e sistemática. A musicologia sistemática concentrava-se, como
ainda o faz, no fenômeno musical em geral, como a Acústica Musical, a Psicoacústica, além da Sociologia, Pedagogia e
Filosofia da Música. Já a musicologia histórica abrangeria os
estudos das fontes musicais e sua interpretação nas diferentes
épocas, o que inclui desde a notação musical (paleografia mu-
mUsicoloGia e a estética da recePção
sical), suas formas e evoluções, até as regras e características
de cada época, aplicadas às composições, sua apreensão e ensino pelos teóricos, como também a organologia.
Se inicialmente a análise musical foi objeto da musicologia histórica, pela sua própria natureza, atualmente é uma
atividade que perpassa essas duas correntes da musicologia:
pode ser objeto tanto da musicologia sistemática quanto da
histórica; pode extrapolar o simples texto musical para incluir
uma análise social, filosófica, de seus próprios significados
dentro de uma sociedade (a recepção). Uma análise musical
verdadeiramente abrangente pode assim proceder de maneira sincrônica e diacrônica, verificando as transformações por
que passam os conceitos, ao mesmo tempo em que se verificam as premissas desses conceitos. Hoje, passados quase dois
séculos da sistematização da musicologia, pode-se proceder
à análise a partir de abordagens tão diversas como motívica,
temática, semiológica entre outras (e não mais apenas rítmica
e melódica ou biográfica).
Neste breve artigo, portanto, pretendemos nos concentrar numa abordagem que vem ganhando fôlego nas últimas
décadas, a partir da Estética da Recepção, centrando foco –
como o próprio nome indica – no ouvinte, no receptor. Mas
antes de nos debruçarmos sobre o ouvinte, convém verificar
alguns dos antecedentes, como o trabalho de Nattiez sobre a
semiologia musical.
Nattiez traz a inquietação do musicólogo que, ao mesmo tempo em que é músico e precisa dedicar seu tempo à produção musical, é historiador e crítico, vendo-se insuficiente
quando sobre seu ombro pesam as duas responsabilidades. O
francês busca uma abordagem musicológica que parta do discurso musical e se encerre no ouvinte, justificando esse falar
sobre música como uma resposta à afirmação do musicólogo
francês Vladimir Jankélévitch (1961, apud nattiez, 2005), de
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que a música “não é feita para que dela se fale, ela é feita para
que se faça”.
Nattiez (ibid, p. 7) apresenta então três desconfortos
que norteiam essa aflição do musicólogo: o discurso da musicologia visto como parasitário; seus segmentarismos e reducionismos, e o julgamento de seu valor. Posiciona-se na busca
de uma intersecção entre padrões universais e a individualidade de outros critérios próprios a determinada sociedade.
Defende uma história semiológica, em que os três eixos fundamentais: unidade, complexidade e intensidade, propostos
no texto musical, caracterizam todas as formas possíveis de
avaliação estética no tempo e no espaço.
O primeiro dos três desconfortos citados por Nattiez
expõe a música como uma linguagem metafórica, que só apresenta sintaxe após sua análise. Neste, a controvérsia é vista
pelo suposto caráter fundamentalmente inefável da música,
que tornaria desnecessário um discurso sobre ela. Com base
nisso, Nattiez localiza a inserção da musicologia nesse “desvão entre a linguagem e a música”. No segundo desconforto
ele expõe diversas linhas dentro da musicologia, de caráter
reducionista, posicionando-a entre os saberes de natureza diferente, como a história, estética, análise, hermenêutica, antropologia, sociologia, psicologia, ciências cognitivas, biologia. E o terceiro apresenta uma dicotomia entre a ideologia
da etnomusicologia: todas as culturas se equivalem, não há,
no interior de uma determinada cultura musical, produção inferior ou superior à outra; o que se precisa compreender é a
significação que cada uma delas têm, no seio de certa cultura,
para aqueles que a produzem, e aqueles que a escutam. Ele
apela para a concepção relativista do julgamento de valor, na
busca por uma intersecção do antes e o depois, o tradicional e
o que dele foge, o desvio. Fala da dialética do permanente e do
variável, defendendo o investimento de estudos sistemáticos
sobre etno-estéticas na busca de uma hierarquia de critérios
estéticos em ação nas sociedades estudadas.
mUsicoloGia e a estética da recePção
No caso específico brasileiro, Volpe (2007) lembra
que grande parte dos trabalhos de pesquisa sobre música com
abordagem interdisciplinar é realizada por pesquisadores de
outras áreas. A autora propõe visão crítica das tendências da
musicologia internacional, uma mudança ideológica focada na construção de uma identidade própria da musicologia
histórica brasileira, que transcende as barreiras da disciplina,
sem abandonar as especificidades técnicas musicais, de forma
que não seja apenas um reflexo da musicologia internacional.
É esse aspecto que pretendemos abordar em seguida.
O pensamento positivista musicológico: suas vantagens e
limitações
São raras as pesquisas musicológicas brasileiras publicadas antes da década de 1960, quando a música brasileira
começa a ser estudada a partir de obras e não apenas de seus
compositores. A partir dessa época, a pesquisa passa a focar
na comprovação de que o Brasil teve uma prática musical nos
anos anteriores, por meio de construção de catálogos, estudos
biográficos de compositores e análises. Ricardo Tacuchian
(1994, apud castaGna, 2008) afirma que essa pesquisa inicial
musicológica foi principalmente positivista e factual, focada
no levantamento de documentos e edições musicais, uma voraz sede de colecionar obras na busca de formação de repertório. Não seria exagero verificar aqui uma similaridade com
os primeiros anos da pesquisa musicológica de Guido Adler,
com a concepção e execução dos Denkmäler der Tonkunst in
Österreich, uma coletânea de manuscritos musicais, cuja publicação foi iniciada em 1894, e que segue até o momento
com 154 volumes publicados. De fato, a ideia de Adler era de
que é preciso primeiramente preservar o patrimônio musical
antes de podermos analisá-lo em perspectiva.
Assim, com a recuperação tardia das fontes musicais
no Brasil, é apenas natural que a musicologia antes de década
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de 1990 tivesse um caráter mais descritivo que reflexivo, era
ma “historiografia positivista, evolucionista e eurocêntrica,
com manutenção do interesse biográfico e muito mais ênfase nos compositores do que em sua música (ibidem, 2008, p.
37)”. Predominantemente positivista e focada no nacionalismo, essa etapa da musicologia brasileira foi necessária por ter
proporcionado o conhecimento de obras passadas produzidas
no País, oferecendo um material que possibilitasse pesquisas
reflexivas, interpretativas ou comparadas. Foi a partir dessa
pesquisa positivista que se construiu (e em grande parte ainda
se constrói) o repertório a que temos acesso hoje.
Nesse cenário, é compreensível que estejamos numa
etapa em que musicólogos em geral (ou mesmo simples herdeiros ou outros tipos de guardiões), ainda monopolizem as
obras sob sua guarda, impedindo o acesso aos demais músicos, quanto mais à sociedade. Sobre essa característica, tivemos já a oportunidade de vivenciar diversas situações, em
especial com o acervo musical bicentenário de cidades como
Pirenópolis e Jaraguá (ambas em Goiás), como também em
Ituiutaba ou São João del Rey (em Minas Gerais) ou mesmo
no Sul da Bahia (Guanambi). Ainda hoje, infelizmente é essa
a regra pelo Brasil Central.
Essa tipo de guarda, se tem o mérito e o condão de preservar acervos, distorce o real propósito colaborativo da pesquisa musicológica em favor de supostos e imaginários lucros
pessoais que nunca se materializam, com a maior parte dos
acervos manuscritos sendo tratados como particulares e sem
uma sistematização que permita o acesso à pesquisa musicológica. Em 1999, foi redigido e assinado um documento, por
musicólogos, no III Simpósio Latino-Americano de Musicologia, defendendo a integridade das pesquisas musicológicas,
visando a democratização da pesquisa (ibid.).
Castagna (ibid.) afirma que o conceito de obra-prima
não leva em consideração o significado da obra no contexto
mUsicoloGia e a estética da recePção
em que ela se insere, e sim em sua relação com o presente. O
foco da musicologia deveria, segundo o autor, “definir quais
são as necessidades do presente e as perspectivas do futuro
que determinaram essa ‘exumação’, pois nenhuma obra do
passado realmente terá lugar aqui e agora se não tiver uma
nova função” (ibid., p. 46). Sobre o assunto, já fizemos anteriormente diversas considerações, em especial no texto Relações histórico-críticas acerca do cânone na literatura e nas
artes, de 2003 (Unesp), em que buscamos verificar os mecanismos de construção, consolidação e cristalização dos cânones nas artes.
Outro aspecto interessante abordado por Castagna é
a influência e cristalização de concepções, paradigmas que
induzem os estudantes em suas futuras pesquisas, como a estagnação de novas pesquisas musicológicas, desde a década
de 1970, prevalecendo uma separação entre a música erudita
e a popular, que poucos pesquisadores se atreveram a abordar,
depois de Guilherme de Mello e Renato Almeida.
Passaram a fazer parte do objetivo das pesquisas musicológicas a questão da própria função da musicologia na sociedade e a praticidade de seus estudos na atualidade. O fim
do discurso centralizador foi associado ao início da superação
do modelo positivista que prevaleceu até a década de 1990
na musicologia brasileira, na busca pela ampliação de novas
perspectivas.
Régis Duprat (1992, p.51) realiza um estudo sobre as
tendências musicológicas positivistas, baseadas num sistema
monista e estruturalista, em que prevaleciam os cinco maiores
métodos vigentes de análise musical, segundo ele, “de natureza retrospectiva e não propositiva”, onde nenhuma teoria
aborda uma metodologia inovadora da análise musical.
Segundo Kerman (1985, apud dUPrat, 1992, p. 54), a
análise sistemática pretendia “propiciar uma visão positivista
da arte, uma crítica que poderia apoiar-se em operações preci-
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samente definidas e aparentemente objetivas”, expelindo seus
aspectos subjetivos. Duprat afirma que o método estruturalista
conduziu à repressão dos conteúdos, os quais perdem importância quando a preocupação do sujeito usuário do método se
estabelece como exclusividade cognitiva.
Assim, uma nova abordagem para a musicologia faz-se também necessária, que seja distante daquela reducionista
da verdade, e se empenhe nos confrontos dos paradigmas da
tradição na busca pela constante ressignificação e na recepção, para que tenha um impacto significativo para a sociedade
de hoje. Uma abordagem que não se atrele exclusivamente a
explicar de forma exaustiva a obra musical. Outra coisa não é
o que propõe a Estética da Recepção.
Uma abordagem sob o viés da Estética da Recepção de
Hans Robert Jauss
Jauss (1994), em sua obra A história da literatura
como provocação à teoria, passeia pelos conceitos de um
historiador e crítico da obra de arte, expondo sua visão sobre as formas reducionistas utilizadas pela maioria dos que se
ocupam em descrevê-las, baseando-se em fatos históricos e
atendo-se à definição do belo como a harmonia entre a forma
e conteúdo, reduzindo a forma “à sua função secundária de
conformar um conteúdo predeterminado” (ibid. p. 53). Critica
o saber congelado nos fatos, defendendo uma visão em que
o contexto histórico de uma obra de arte não constitua uma
sequência de acontecimentos premeditadamente existentes,
para que a arte seja encaixada em pressupostos definidos pela
história, relegando ao receptor o papel de mero observador.
Na visão do autor, o historiador deve assumir seu papel de leitor, “o papel do destinatário a quem, primordialmente, a obra
literária visa” (ibid. p. 23), fundamentando seu próprio juízo,
e somente depois disso, classificar a obra.
mUsicoloGia e a estética da recePção
Como lembra Jauss, o conceito da arte clássica exposto por Hegel influenciou na forma com que a literatura moderna recebia os aspectos estéticos da obra de arte, quando
toda obra que não se deixava apreender segundo o princípio
reducionista entre forma e conteúdo era rechaçada. Segundo
Jauss, verdadeiro historiador é aquele que encontra no objeto
investigado uma ideia que se conecta com os acontecimentos
do mundo, ao mesmo tempo em que amplia os aspectos investigados inicialmente.
Não é apenas raro, mas francamente malvisto, que um historiador
da literatura profira vereditos qualitativos acerca de obras de épocas passadas. Muito pelo contrário, o historiador procura, antes,
apoiar-se no ideal de objetividade da historiografia, à qual cabe
apenas descrever como as coisas efetivamente aconteceram. Sua
abstinência estética funda-se em boas razões. Afinal, a qualidade
e a categoria de uma obra literária não resultam nem das condições históricas ou biográficas de seu nascimento, nem tão somente de seu posicionamento no contexto sucessório do desenvolvimento de um gênero, mas sim dos critérios da recepção, do efeito
produzido pela obra e de sua fama junto à posteridade, critérios
estes de mais difícil apreensão. (JaUss, 1994, p. 7)
Ainda segundo Jauss, a abordagem classicista e formalista desvincula a obra de todas as condicionais históricas,
definindo termos funcionais para sua realização. A separação
entre poesia e literatura é sem efeito, visto que rompe com o
vínculo entre literatura e vida, pois o caráter artístico da obra
literária deve ser investigado a partir da oposição entre linguagem poética e linguagem prática.
Essa visão histórica ancoradas nos fatos constrói uma
separação entre a arte e a história, entre o conhecimento estético e o histórico (JaUss, 1994). Esse abismo pode ser superado quando a história não se limitar a apenas descrever
cronologicamente a história e como ela se delineia em suas
obras, mas revelar, através da “evolução literária”, uma “função verdadeiramente constitutiva da sociedade que coube à
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literatura, concorrendo com as outras artes e forças sociais, na
emancipação do homem de seus laços naturais, religiosos e
sociais (ibidem, p. 57).”
Jauss defende que a literatura não é escrita para ser
interpretada filologicamente por filólogos ou historicamente
por historiadores. Nesse sentido, pode-se reafirmar – por óbvio que seja! – que o principal destinatário de qualquer obra
de arte, seja ela música ou qualquer outra linguagem, é o seu
receptor em geral, e não musicólogos especializados. A obra
que surgiria não é uma novidade absoluta localizada num espaço vazio, mas é interpretada por intermédio de sinais que
são implícitos a seus receptores. Segundo Jauss, a obra
desperta a lembrança do já lido, enseja logo de início expectativas quanto a “meio e fim”, conduz o leitor a determinada postura
emocional e, com tudo isso, antecipa um horizonte geral da compreensão vinculado, ao qual se pode, então – e não antes disso -,
colocar a questão acerca da subjetividade da interpretação e do
gosto dos diversos leitores ou camadas de leitores. (1994, p. 26)
A Estética da Recepção define a qualidade da obra
artística através da experiência vivida do leitor da obra, posicionando-o como parte integrante desta. Numa psicanálise
com a experiência do leitor, essa forma de análise se ocupa
em observar o que acontece com o leitor depois de fruir a
obra de arte. O papel do leitor na construção da obra de arte é
valorizado tanto, que pretende-se mostrar a possibilidade de
existirem tantas obras quanto os seus leitores (Unes, 2003).
Considerações finais
A partir dos estudos dos musicólogos da atualidade,
constata-se a necessidade de novas buscas metodológicas e
novas abordagens para a musicologia, de forma que interajam
com outras formas de arte e outras disciplinas das ciências
humanas. A estética da recepção traz uma abordagem polissê-
mUsicoloGia e a estética da recePção
mica, ampla e aberta, que permite que a obra se misture, tornando-se parte constitutiva do inconsciente coletivo de uma
sociedade em seus processos de ressignificação.
A principal proposta da estética da recepção é romper com os paradigmas tradicionais, estruturais e monoteístas
da obra de arte, como absolutos e eficazes. Essa abordagem
racional e lógica da obra de arte é reconhecidamente insuficiente, passando a não ser mais vista como absoluta, abrindo
espaço para uma época em que os aspectos subjetivos e imaginários são valorizados com a mesma intensidade daqueles
sistemáticos e racionais.
Referências
castaGna, Paulo. “Avanços e Perspectivas na Musicologia
Brasileira.” Revista do Conservatório de Música da UFPel.
Pelotas, nº1, p. 32-57. 2008.
dUPrat, Regis. “Análise, Musicologia, Positivismo.” Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música,
em Salvador, Bahia, Set. 1992.
JaUss, Hans Robert. A história da literatura como provocação
a teoria literária. São Paulo: Ática, Coleção Temas, 36. 1994.
nattiez, Jean-Jacques.” O desconforto da musicologia.” Per
Musi – Revista Acadêmica de Música – n. 11, 136 p. jan-jun,
2005.
Unes, Wolney. Entre Músicos e Tradutores: a figura do intérprete. Goiânia, Editora da Universidade Federal de Goiás,
1998.
_____. “A estética da recepção. Hans-Robert Jauss e Wolfgang Iser.” Goiânia. Revista UCG, v. 30, n. 4, p. 753-766, abr.
2003.
volPe, Maria Alice. “Por uma nova musicologia.” Revista do
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Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade de
Brasília. Ano 1, n. 1, julho de 2007.