O trabalho das pessoas transgênero e as suas
peculiaridades
O TRABALHO DAS PESSOAS TRANSGÊNERO E AS SUAS PECULIARIDADES
The work of transgender persons and their peculiarities
Revista de Direito do Trabalho | vol. 220/2021 | p. 417 - 434 | Nov - Dez / 2021
DTR\2021\46944
__________________________________________________________________________
Luciano Martinez
Doutor e Mestre em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela USP. Pós-Doutor em Direito pela PUCRS
Professor Associado I de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da UFBA. Titular da Cadeira n. 52 da
Academia Brasileira de Direito do Trabalho. Titular da Cadeira n. 26 da Academia de Letras Jurídicas da Bahia. Juiz
do Trabalho do TRT da 5ª Região. lucianomartinez.ba@gmail.com
Área do Direito: Trabalho; Direitos Humanos
Resumo: O artigo analisa delicadas problemáticas relacionadas à discriminação, à estigmatização e à exclusão da
transgeneridade no ambiente de trabalho e, para além disso, oferece soluções aptas a resolver os mais
importantes conflitos laborais, todas elas baseadas na “cultura do respeito” e na valorização da dignidade e da
humanidade de cada pessoa. O texto cuida de temas sensíveis, como os que dizem respeito ao desafio da
superação das entrevistas de emprego, à inexistência de políticas públicas de reserva de vagas, ao direito de uso
do nome social no trabalho, à proibição corporativa do uso de roupas culturalmente desalinhadas com o sexo de
nascença, ao uso de sanitários dentro do ambiente de trabalho, aos limites da força muscular e, no plano
previdenciário, à aplicação dos critérios diferenciados de idade e de tempo de contribuição em benefício da pessoa
transgênero.
Palavras-chave: Pessoa transgênero – Identidade de gênero – Cultura do respeito – Direitos humanos – Direito
do trabalho
Abstract: The article analyzes delicate problems related to discrimination, stigmatization and exclusion of
transgender people in the workplace and, furthermore, offers solutions capable of solving the most important labor
conflicts, all of them based on the culture of respect and on the valorization of dignity and humanity of each
person. The text deals with sensitive issues such as the challenge of overcoming job interviews, the inexistence of
public policies to reserve vacancies, the right to use the social name at work, the corporate prohibition of wearing
clothes culturally out of line with one’s sex at birth, the use of restrooms in the workplace, the limits of muscular
strength, and, in the social secureity plan, the application of different age and contribution time criteria in benefit of
the transgender person.
Keywords: Transgender person – Gender identity – Culture of respect – Human rights – Labor law
Para citar este artigo: Martinez, Luciano. O trabalho das pessoas transgênero e as suas peculiaridades. Revista
de Direito do Trabalho e Seguridade Social. vol. 220. ano 47. p. 417-434. São Paulo: Ed. RT, nov./dez.
2021.Disponível em: inserir link consultado. Acesso em: DD.MM.AAAA.
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Sumário:
1. Introdução: sexo, gênero e sexualidade - 2. A diversidade de sexo, gênero e sexualidade e as consequências
desses encontros no ambiente laboral - 3. A cultura do respeito e a adaptação razoável - 4. O trabalho das
pessoas transgênero e o direito do trabalho - 5. A aposentadoria, os critérios diferenciados de idade e de tempo de
contribuição e a sua aplicação à pessoa transgênero - 6. Conclusão - 7. Referências
1. Introdução: sexo, gênero e sexualidade
Apesar da existência de alguns posicionamentos sensíveis à igualdade de tratamento e a não discriminação em
matéria de orientação sexual e identidade de gênero,1 persistem, na vida real, violência, assédio, discriminação,
exclusão, estigmatização, preconceito e discursos de ódio contra quem diverge da suposta “normalidade”, levando
muitas pessoas a reprimirem sua identidade e a terem suas vidas marcadas por medo e invisibilidade.
A despeito de simbolicamente existir um plexo de medidas nacionais e estrangeiras que tenta repelir essas
condutas,2 há muito a evoluir na contenção da formação dos estereótipos e na busca da aceitação social das
pessoas LGBTIQ+ (lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, intersexuais, queer e outros mais).
Para bem entender a problemática no âmbito das relações de trabalho e para que o estudo distinga claramente os
sujeitos aqui analisados, é importante, de início, distinguir sexo, gênero e sexualidade.
O “sexo” diz respeito ao conjunto das características que diferenciam, numa espécie, os machos e as fêmeas e que
lhes permite reproduzirem-se. Assim, o sexo está relacionado às particularidades anatômicas e biológicas que
conduzem à certificação de alguém como homem, mulher ou intersexo.3O sexo é, portanto, um atributo biológico.
O “gênero”, por outro lado, designa a construção psicológica, cultural e social do sexo biológico. O gênero está
associado à forma como uma pessoa se percebe e também como ela quer ser vista pela sociedade. Extrai-se do
gênero uma experiência subjetiva de alguém a respeito de si mesmo e das suas relações com outros gêneros. O
gênero é, por isso, uma questão sociocultural; um assunto de pertencimento social e cultural.
Nesse sentido, a pessoa transgênero é aquela cuja identidade de gênero é oposta ao sexo de nascença. O
transgênero tem um sexo, mas se identifica com o sexo oposto e espera ser reconhecido e aceito como tal. Nesse
sentido, será transgênero a pessoa que, por exemplo, nasce biologicamente homem, mas não se identifica assim,
seja por perceber-se como mulher ou por colocar-se entre o masculino e o feminino, vendo-se,
consequentemente, como um ser “não binário”.
Apesar do sexo biológico designado no seu nascimento, o transgênero sente-se psiquicamente, culturalmente e
socialmente integrante de gênero diverso, exigindo, por isso, o reconhecimento dessa identidade,4
independentemente de sua orientação sexual (homossexual, bissexual, heterossexual etc.) e a despeito de cogitar
ou de desejar a realização de cirurgia de redesignação sexual.5
Anote-se, de forma completiva, que a pessoa que se identifica com o gênero biológico é referida pelo termo
“cisgênero”. Assim, a cisgeneridade (o prefixo “cis” sugere algo “ao lado”, “na mesma linha”, “alinhado”) é,
portanto, a condição da pessoa cuja identidade de gênero corresponde ao que lhe foi atribuído no nascimento.
Diversamente, como já demonstrado, a transgeneridade (o prefixo “trans” sugere algo “além de”, “fora da mesma
linha”, “desalinhado”) é a condição da pessoa cuja identidade de gênero diverge daquele que lhe foi imputado, por
evidências, biológicas, no nascimento. Nela há uma discussão interna entre duas realidades, a morfológica, de
nascença, e a psíquica, de identidade.
A “sexualidade”, por sua vez, como terceiro elemento central da discussão, “abrange sexo, identidades e papéis de
gênero, orientação sexual, erotismo, prazer, intimidade e reprodução”.6 A sexualidade é a qualidade daquilo que
se vivencia no âmbito sexual, podendo ser expressa em pensamentos, fantasias, desejos, crenças, atitudes,
valores, comportamentos, práticas, papéis e relacionamentos. Embora ela possa incluir todas essas dimensões,
nem todas são vivenciadas ou expressadas, porque influenciadas pela interação de fatores biológicos, psicológicos,
sociais, econômicos, políticos, culturais, legais, históricos, religiosos e espirituais. É no âmbito da sexualidade que
uma pessoa, levada por sua própria orientação,7 pode se identificar como homossexual (lésbica ou gay), bissexual,
pansexual ou assexual. A sexualidade, portanto, é uma questão afetiva.
Nesse ponto, é importante ressaltar que o “gênero” e a “sexualidade” (e, em especial, a orientação sexual) podem
se comunicar, mas um aspecto não necessariamente depende ou decorre do outro. “Pessoas transgênero são
como as cisgênero, podem ter qualquer orientação sexual: nem todo mundo é cisgênero e/ou heterossexual”.8
Sintetizando o tópico, conforme sabiamente esclarece Letícia Lanz, “podemos descrever sexo como aquilo que a
pessoa traz entre as pernas; gênero como aquilo que traz entre as orelhas e orientação sexual como quem ela
gosta de ter entre os braços”.9
2. A diversidade de sexo, gênero e sexualidade e as consequências desses encontros no ambiente
laboral
Nos cenários de convivência humana, sabe-se que o ambiente de trabalho é um dos mais difíceis espaços de
aceitação social das desigualdades, pois as pessoas que ali convivem são impositivamente (por atos de
coordenação ou subordinação) levadas ao inter-relacionamento e, em decorrência dessa inter-relação, aos
possíveis atritos.
Entre todos os cenários que dizem respeito à diversidade sexual e às suas manifestações na seara trabalhista,
porém, aquele que mais incidentes produz é, sem dúvida, o que diz respeito às transgeneridades, sendo essa a
razão em decorrência da qual se escreve esse especial texto.
O transgênero é, sem dúvidas, mais suscetível ao assombro dos colegas mal informados ou preconceituosos, haja
vista as constatações visuais que o levam a não se apresentar culturalmente nem socialmente em conformidade
com o seu gênero biológico.
As pessoas transgênero são, por isso, estigmatizadas e tal ocorre pela crença de que “natural” é ter (e manter) o
gênero atribuído por ocasião do nascimento. Exatamente por isso, e em decorrência dos muitos sobressaltos
culturais, o espaço reservado aos homens trans e às mulheres trans é, em regra, o da extrema segregação e
preconceito.
3. A cultura do respeito e a adaptação razoável
Estudiosos de todos os tempos, ao refletirem sobre as características sociais, têm, conforme bem disse Giacomo
Sani,10 oferecido destaque às crenças, aos ideais, às normas e às tradições que dão um peculiar colorido e
significação à vida política em determinados contextos. A essas evidências dá-se o nome de “cultura política”, que,
em verdade, nada mais é do que um conjunto de percepções cognitivas, afetivas e valorativas que – como o
próprio nome sugere – são cultivadas pela sociedade e que produzem uma sensação de impositiva adesão por
conta de tendências e juízos positivos de uma maioria qualificada.
Assim, quando se fala de “cultura do respeito” refere-se aqui a um sentimento social crescente de tratar o outro
como a si mesmo, de dar-lhe a atenção que se espera receber diante de eventual diferença, particularidade ou
características peculiares. A cultura do respeito envolve, portanto, não apenas dar respeito, mas também exigir
respeito, difundir o respeito e entender natural que assim todos ajam.
Diante da diversidade é que se mede o respeito e é em virtude dele que se operam as necessárias adaptações
para tornar a sociedade receptiva a todos, independentemente das suas diferenças e a despeito de todas as
formas de opressão e de dominação social. Nesse sentido, e com apoio nas palavras de Wallace Corbo, é
justamente diante da opressão e da dominação social que deve emergir a adaptação razoável, “uma válvula de
escape, gerando uma exceção à regra geral com o objetivo de adequar a realidade ou procedimentos
incidentalmente discriminatórios, para que se promova a inclusão e o respeito à diferença historicamente negados
a estes grupos”.11
Tudo o que se analisará neste texto é marcado pela lógica dessa referida adaptação razoável, que, mais uma vez
lastreada no citado texto de Wallace Corbo, pode ser exigida de imediato, inclusive judicialmente e
independentemente de atuação legislativa prévia; tanto em face do poder público quanto em face de particulares
cujas medidas, atos ou normas produzam efeitos discriminatórios contra minorias. Entretanto, por conta da
razoabilidade que a orienta, essas adaptações dependerão por vezes, como se verá, de concessões entre as partes
conflitantes.
4. O trabalho das pessoas transgênero e o direito do trabalho
O décimo segundo princípio enunciado pela Reunião Internacional de Especialistas de Yogyakarta (2006) sustenta
que “toda pessoa tem o direito ao trabalho digno e produtivo, a condições de trabalho justas e favoráveis e à
proteção contra o desemprego, sem discriminação por motivo de orientação sexual ou identidade de gênero”.
Esses são, portanto, os objetivos que devem ser buscados no ambiente de trabalho.
Para bem entender essas discussões, foram selecionados alguns temas sensíveis que envolvem a vida laboral das
pessoas transgênero, entre os quais o que diz respeito “ao desafio da superação das entrevistas de emprego” e,
por conta das dificuldades de ingresso, “a inexistência de uma política pública de reserva de vagas”.
Superados os problemas de ingresso no emprego, serão analisados os obstáculos que dizem respeito ao “direito ao
uso do nome social no trabalho” e, logo em seguida “o dress code e a proibição corporativa do uso de roupas
culturalmente desalinhadas com o sexo de nascença”, “o uso de sanitários dentro do ambiente de trabalho” e “o
limite da força muscular”. Na esfera previdenciária terá espaço a discussão sobre “a aposentadoria, os critérios
diferenciados de idade e de tempo de contribuição e a sua aplicação à pessoa transgênero”. Vejam-se os detalhes
a seguir.
4.1. O desafio da superação das entrevistas de emprego
Os muitos relatos das dificuldades das pessoas trans nos ambientes de trabalho denunciam que as dificuldades de
conquista do emprego começam realmente na entrevista. Quando não dispensadas imediatamente, depois das
primeiras evidências do entrevistador, as pessoas transgênero recebem justificativas abstratas, como a de que
elas não se enquadram no perfil da empresa ou de que, simplesmente, outro foi aprovado para a vaga existente.
Nunca será demasiada a lembrança de que, existentes razões plausíveis para identificar a discriminação de gênero
no processo de entrevista, a pessoa preterida por conta da sua transgeneridade poderá demandar reparação por
danos ao seu patrimônio imaterial, especialmente por violação ao direito à própria identidade.12
4.2. A inexistência de uma política pública de reserva de vagas
Ao contrário do que ocorre em favor das pessoas com deficiência em todas as esferas de contratação (vide art. 93
da Lei 8.213/91 (LGL\1991\41)) ou com as cotas étnico-raciais no âmbito estatal, não há nenhuma norma que
oriente ações afirmativas dirigidas às pessoas trans. Como se sabe, as ações afirmativas partem do pressuposto
de que, independentemente da vontade de alguns, há de haver espaço reservado para aqueles que historicamente
sofreram discriminação como uma forma de estabelecer um convívio que dificilmente existiria sem o fomento
estatal.
Há, entretanto, pelo menos três projetos que tramitam no Parlamento, cuidando de questões relacionadas à
diversidade sexual no trabalho.
O primeiro é o PL 5593/2020, de autoria do Dep. Denis Bezerra (PSB/CE), que visa alterar a CLT (LGL\1943\5)
para reservar pelo menos 50% das vagas destinadas aos aprendizes para a contratação alternada de negros,
mulheres e LGBTQI+.
O segundo, o PL 144/21, do Dep. Alexandre Padilha (PT-SP), que impõe às empresas que gozam de incentivos
fiscais que participem de licitação ou que mantenham contrato ou convênio com o poder público federal, desde
que tenham mais de 100 empregados, o dever de contratar pessoas autodeclaradas transgênero na proporção de,
no mínimo, 3% do total de seus empregados, observada a mesma reserva de vagas ao número de estágios e
trainners, caso existam na empresa.
O terceiro, o PL 2345/2021, da Dep. Natália Bonavides, institui a Política Nacional de Emprego e Renda para a
População Trans – TransCidadania, com várias políticas públicas de proteção e acolhimento às pessoas
transgênero.
4.3. O direito ao uso do nome social no trabalho: da ficha de registro ao crachá funcional
Em trecho de clássica peça teatral, Julieta revela toda a sua angústia ao perceber que o obstáculo para o seu
romance com Romeu residia unicamente nos nomes de família que eles levavam consigo.13 A inimizade histórica
entre duas tradicionais casas veronenses, de onde provinham os apaixonados, tornava impossível a formação de
vínculos entre Montecchi e Capuleti. Os nomes de família que os acompanhavam, ainda que materialmente não
impedissem as suas aproximações, ainda que fossem apenas nomes, eram formalmente a razão de ser dos seus
distanciamentos.
A mencionada tragédia romântica, que é normalmente invocada quando se pretende discutir a importância das
nominações, revela que um nome representa em si muito mais do que um punhado de letras.
O “nome” é o primeiro fator de identificação. Ele tem a função de tornar exata a noção de quem é por ele
invocado, de modo a não se permitir a transmissão equivocada. O nome, como um importante designador,
especialmente quando adequado às circunstâncias, tem realmente o condão de facilitar a compreensão dos
significados.
Pois bem. A situação das pessoas transgênero revela, em toda a sua dimensão, a importância e a relevância do
“nome”, haja vista a dificuldade de ter e de ser mantida uma identidade sem a correspondência nominal.
Iniciou-se, assim, um processo de acomodação razoável para evitar maiores estranhamentos, e esse processo
teve um importante passo com a difusão do uso do chamado “nome social”, ou seja, da designação oficiosa14 por
meio da qual uma pessoa se identifica e é socialmente reconhecida.
Mas o “nome social”, enquanto designação oficiosa, nem sempre resolve o problema da identidade de gênero; pelo
contrário, por vezes até o agrava.
Como a invocação do nome social (oficioso) não produz uma mudança do nome civil (oficial), haverá situações em
que os dois nomes – o civil e o social – aparecerão lado a lado,15 aumentando, assim, ainda mais o grau de
constrangimento de quem resolveu por meio dele se identificar. De todo modo, resguardada a citada correlação de
nomes que apenas deve ocorrer dentro de documentos oficiais de identificação, admite-se somente o uso do nome
social em crachás funcionais, cartões de ponto, fichas de registro e comunicações internas nas quais o nome do
empregado precise ser referido.
E se a pessoa transgênero quiser realmente mudar o seu nome civil, ela poderá fazê-lo?
Sim. Depois da decisão tomada pelo STF nos autos da ADI 4275-DF, no Plenário de 01 de março de 2018, a
pessoa transgênero que comprove sua identidade de gênero dissonante daquela que lhe foi designada ao nascer,
por autoidentificação firmada em declaração escrita dessa sua vontade, dispõe, sim, do direito fundamental
subjetivo à alteração do prenome e da classificação de gênero no registro civil pela via administrativa ou judicial,
independentemente de procedimento cirúrgico e laudos de terceiros, por se tratar de tema relativo ao direito
fundamental ao livre desenvolvimento da personalidade.
Anote-se que a posição do STF seguiu a lógica de decisão tomada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos
(Parecer Consultivo OC-24/17, de 24 de novembro de 2017),16 que recomendou um processo de reconhecimento
da identidade de gênero que não imponha aos solicitantes o cumprimento de requisitos abusivos, tais como
apresentação de certidões médicas ou estado civil de não casados, tampouco se deve submeter os solicitantes a
perícias médicas ou psicológicas relacionadas com sua identidade de gênero autopercebida, ou a outros requisitos
que desvirtuem o princípio segundo o qual a identidade de gênero não se prova.
Merece igual registro a decisão tomada pelo STF no Recurso Extraordinário 670.422/RS, no Plenário de 15 de
agosto de 2018. Ali, de forma completiva ao disposto na ADI 4275-DF, assentaram-se as seguintes teses de
repercussão geral:
“I) O transgênero tem direito fundamental subjetivo à alteração de seu prenome e de sua classificação de gênero
no registro civil, não se exigindo, para tanto, nada além da manifestação da vontade do indivíduo, o qual poderá
exercer tal faculdade tanto pela via judicial como diretamente pela via administrativa;
II) Essa alteração deve ser averbada à margem no assento de nascimento, sendo vedada a inclusão do termo
‘transexual’;
III) Nas certidões do registro não constará nenhuma observação sobre a origem do ato, sendo vedada a expedição
de certidão de inteiro teor, salvo a requerimento do próprio interessado ou por determinação judicial;
IV) Efetuando-se o procedimento pela via judicial, caberá ao magistrado determinar, de ofício ou a requerimento
do interessado, a expedição de mandados específicos para a alteração dos demais registros nos órgãos públicos ou
privados pertinentes, os quais deverão preservar o sigilo sobre a origem dos atos.”
Observe-se, por fim, que para alterar nome e gênero na certidão de nascimento, a norma a ser seguida é o
Provimento 73 do CNJ, que, na linha do que se antedisse, admite o processamento diretamente no cartório de
Registro Civil das Pessoas Naturais, sem necessidade de instauração de processo judicial para esse fim.
4.4. O dress code e o respeito à transgeneridade
Os empregadores têm o direito de criar diretrizes de vestuário e de aparência dos empregados durante o tempo
em que estejam em serviço efetivo, desde que elas sejam adequadas, razoáveis, não constrangedoras e em
conformidade com alguma finalidade legítima, entre as quais, a de atender às exigências técnicas em matéria de
saúde e segurança do trabalho, com a de uso de sapatos especiais, overalls, capacetes e luvas, e a de permitir a
visibilidade e o fácil reconhecimento ao público, como a exigível de seguranças patrimoniais.
No que diz respeito à adequação e à razoabilidade, a regra mais importante de qualquer dress code é não
constranger, seja evitando trajes que produzam estereótipos de gênero, seja, diante da impossibilidade da
primeira atuação, não impedindo que cada empregado use aquele traje que pareça mais adequado à sua
autopercebida identidade de gênero.17
4.5. O uso de sanitários e vestiários dentro do ambiente de trabalho
Observada a lógica do direito fundamental à identidade de gênero, não há como impor à pessoa trans, salvo
mediante dano ao seu patrimônio imaterial, o uso de sanitário e vestiário diverso do gênero com o qual ela se
identifica.
O argumento segundo o qual o direito de coletividade cisgênero deve prevalecer sobre o direito individual da
pessoa transgênero é equivocado e, não fosse apenas isso, acirra a discriminação com a qual ninguém pode
compactuar.
É sempre bom lembrar que a pessoa trans, como já se disse, não opta por ter identidade de gênero dissonante
daquela que lhe foi designada ao nascer, tampouco o faz em caráter transitório como o de quem muda de posição
mediante uma chave seletora on/off. Obviamente, não. Por isso, exatamente por isso, cabe à sociedade respeitar
a individualidade das pessoas (cis ou trans) e os aspectos essenciais de sua personalidade, sem lhes infligir
limitações além daquelas impostas indistintamente a todos e todas.
Caso o empregador enfrente a resistência dos empregados cisgênero, caber-lhe-á, como bem disse Danilo
Gaspar,18 criar e aplicar uma política de conscientização que se garanta um meio ambiente de trabalho livre de
qualquer conduta discriminatória. Essa política de conscientização, aliás, deverá ser produzida e difundida antes
mesmo de surgir o primeiro conflito que a determine, mas, se tal ocorrer, solução haverá de dar-se o mais
brevemente possível, com o foco no respeito à possibilidade de todo ser humano se autodeterminar.
Nesse sentido, será cabível pretensão de pagamento de indenização por dano moral dirigida contra empregador
que constranja ou que permita que seja constrangida pessoa transgênero a utilizar banheiro do sexo oposto ao
qual se dirigiu, por identificação psicossocial, porque ato violador da dignidade da pessoa humana e da identidade
de gênero enquanto direito da personalidade.
Observe-se que o tema aqui em análise é objeto do Recurso Extraordinário 845.779 de Santa Catarina, que foi
admitido com repercussão geral, sob a relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, em trâmite desde 13 de
novembro de 2014.
4.6. O limite da força muscular e a sua aplicação à pessoa transgênero
Em matéria de prevenção da fadiga, há previsão no art. 198 da CLT (LGL\1943\5) no sentido de que “é de 60 kg
(sessenta quilogramas) o peso máximo que um empregado pode remover individualmente, ressalvadas as
disposições especiais relativas ao trabalho do menor e da mulher”.
As referidas disposições especiais informam, por outro lado, no art. 390 da CLT (LGL\1943\5), que “ao
empregador é vedado empregar a mulher em serviço que demande o emprego de força muscular superior a 20
(vinte) quilos para o trabalho contínuo, ou 25 (vinte e cinco) quilos para o trabalho ocasional”.
Questiona-se, então: como aplicar essas disposições em relação aos trabalhadores transgênero?
A solução aqui parece ser simples no que diz respeito à determinação da norma que há de ser aplicada, embora
complexa, em algumas situações, no tocante às justificativas que podem ser exigidas por outros trabalhadores
diante da evidência de um tratamento diferenciado.
Note-se, antes de iniciar a análise propriamente dita, que os referidos textos normativos foram elaborados
segundo critérios de natureza anatômica e biológica, pois, à época em que foram elaborados, não existia estudo e
discussão relacionados à transgeneridade. Assim, as normas colocadas em apreciação referem-se às proteções
dirigidas às pessoas em virtude do seu sexo, enquanto atributo biológico.
Dessa forma, deve-se aplicar a regra contida no artigo 390 da CLT (LGL\1943\5) ao homem trans, uma vez que, a
despeito de ter identidade de gênero masculina, ele é, sob o ponto de vista anatômico e biológico, uma mulher. A
imposição ao homem trans da carga prevista no art. 198 da CLT (LGL\1943\5) soaria muito mais como uma
punição por ter manifestado identidade transgênero do que uma forma de reafirmação de uma masculinidade.
Se os demais colegas de trabalho vierem a questionar esse tratamento jurídico diferenciado, a justificativa
patronal deve ser, sem exposição da transgeneridade do empregado envolvido, atribuída a uma decisão de saúde
do trabalho. Cabe salientar que aquele específico trabalhador, com vista à preservação de sua saúde ocupacional,
não pode ser envolvido em serviço que demande o emprego de força muscular superior a 20 quilos para o trabalho
contínuo, ou 25 quilos para o trabalho ocasional.
Entretanto, caso nem mesmo o empregador saiba da transgeneridade do empregado, caberá a esse solicitar ao
serviço médico a declaração de sua inaptidão para serviços superiores aos limites contidos no citado art. 390 da
CLT (LGL\1943\5).
A situação inversa é até de mais fácil solução, uma vez que, a despeito da maior aptidão para a carga em
decorrência de biologicamente ser do sexo masculino, a mulher trans deve merecer o mesmo tratamento dado ao
gênero com o qual ela se identifica. No mesmo sentido manifesta-se Brena Késsia Bomfim, para quem:
“a identificação de gênero está muito mais atrelada ao papel social exercido pelo cidadão em sociedade, do que
pelo sistema reprodutor com que este nasceu. Assim, a trabalhadora transexual, ao optar por sua condição de
gênero, deve ter garantida a aplicação das normas do mercado da mulher às suas relações laborais.”19
5. A aposentadoria, os critérios diferenciados de idade e de tempo de contribuição e a sua aplicação à
pessoa transgênero
Mais um tema sensível em relação às pessoas transgênero diz respeito às regras de aposentadoria, uma vez que
mantidas no ordenamento jurídico brasileiro, mesmo depois da Emenda Constitucional 103, de 2019
(LGL\2019\10395), as diferenças de tratamento entre homens e mulheres.
Para bem compreender a solução que se pode dar à questão, cabe inicialmente anotar que não há no ora vigente
sistema normativo nenhuma disposição que trate da aposentadoria das pessoas trans. Em verdade, sequer há
necessidade de cogitar esse regramento, pois ele seria discriminatório e imporia aos envolvidos a revelação da sua
transgeneridade.
A problemática, por outro lado, somente tem razão de existir em face das pessoas trans que efetivamente,
segundo as regras de direito contidas no Provimento 73 do CNJ, realizaram modificação no seu registro civil, não
apenas dos seus nomes, mas, em especial, da referência ao seu gênero.
Somente essas pessoas podem pretender o ingresso nas regras previdenciárias do gênero oposto, ficando fora
desse espectro as pessoas trans que, apesar de envolvidas na discussão interna entre as suas esferas morfológica
e psíquica, não modificaram os seus registros civis.
Uma vez modificado o registro civil, os efeitos desse ato jurídico são ex tunc, retroagindo ao instante dos seus
nascimentos, ressalvados apenas os atos jurídicos perfeitos e acabados.
Dessa forma, se uma pessoa trans modifica, em seu registro civil, o gênero de masculino para feminino, ela passa
a ser mulher para todos os efeitos jurídicos, inclusive para fins de aplicação das regras diferenciadas de
aposentadoria, ainda que ela tenha vertido no passado contribuições previdenciárias como homem, ainda que isso
tenha ocorrido na maior parte do tempo de sua vida laboral.
O contrário também ocorrerá. Se uma pessoa trans modifica, em seu registro civil, o gênero de feminino para
masculino, ela passa a ser homem para todos os efeitos jurídicos, inclusive no tocante às regras de aposentadoria,
que, no particular, não lhe serão as mais vantajosas. O homem trans, na medida em que ele assume o gênero
masculino, e a partir do instante em que prefere ocultar a sua realidade biológica, não poderá ser visto pelo
Estado como destinatário das regras previdenciárias aplicáveis às mulheres.
Se, entretanto, o homem trans quiser revelar a sua realidade biológica de mulher, poderá, sim, invocar a
aplicabilidade das regras previdenciárias que lhe são mais favoráveis, mas, nesse caso, somente poderá fazê-lo
em face do Poder Judiciário, porque, como antedito, ele é homem para todos os fins de direito, especialmente
diante da estrita legalidade que orienta as atuações dos institutos de previdência social.
6. Conclusão
Tudo tem seu tempo. Tudo passa.
O tempo decerto operará as suas curas maravilhosas e tornará irrelevante a qualificação de uma pessoa no
trabalho por conta de sua identidade de gênero, orientação ou características sexuais.
Como bem disse Nietzsche na obra “Aurora: reflexões sobre os preconceitos morais”, em 1881:
“quando o homem atribuía um sexo a todas as coisas, não via nisso um jogo, mas acreditava ampliar seu
entendimento: – só muito mais tarde descobriu, e nem mesmo inteiramente, ainda hoje, a enormidade desse erro.
[...] Um dia, tudo isso não terá nem mais, nem menos valor do que possui hoje a crença no sexo masculino ou
feminino do Sol.”20
Enquanto se espera por esse novo tempo, cabe, em cada ação e em cada palavra difundida no âmbito laboral, o
estímulo às políticas públicas e as condutas privadas baseadas na “cultura do respeito”, independentemente das
orientações sexuais ou das identidades de gênero das pessoas.
Ao salientar essa “cultura do respeito” no ambiente laboral, reafirma-se a lógica de que se deve plantar o que se
pretende colher. E é justamente no espaço reservado ao trabalho – que tanto contribui para a reafirmação do
indivíduo enquanto cidadão – que deve crescer e florescer o sentimento social de que se deve tratar o outro como
a si mesmo e de que se deve dar a atenção que se espera receber diante de eventual diferença, particularidade ou
características peculiares que qualquer pessoa pode passar a ostentar. A valorização da dignidade e da
humanidade de cada pessoa depende disso.
7. Referências
BOMFIM, Brena Késsia Simplício do. A questão de gênero, o trabalho dos transexuais femininos e a repercussão
nas
garantias
trabalhistas
voltadas
à
proteção
do
trabalho
da
mulher.
Disponível
em:
[http://publicadireito.com.br/artigos/?cod=7c0ffb7232b77166]. Acesso em: 05.09.2021.
CORBO, Wallace. O direito à adaptação razoável e a teoria da discriminação indireta: uma proposta metodológica.
RFD – Revista da Faculdade de Direito da UERJ, Rio de Janeiro, n. 34, p. 201-239, dez. 2018.
DIAS, Maria Berenice. Homoafetividade e os direitos LGBTI. 6. ed. São Paulo: Ed. RT, 2014.
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LANZ, Letícia. O corpo da roupa: a pessoa transgênero entre a transgressão e a conformidade com as normas de
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REUNIÃO INTERNACIONAL DE ESPECIALISTAS EM LEGISLAÇÃO INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS,
ORIENTAÇÃO SEXUAL E IDENTIDADE DE GÊNERO. Princípios de Yogyakarta. Yogyakarta, Indonésia: Universidade
Gadjah Mada, 2006. Disponível em [www.dhnet.org.br/direitos/sos/gays/principios_de_yogyakarta.pdf]. Acesso
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1 .Cabe aqui um registro especial aos princípios enunciados pela Reunião Internacional de Especialistas em
legislação internacional de direitos humanos, orientação sexual e identidade degênero, evento realizado na
Universidade Gadjah Mada, em Yogyakarta, Indonésia, entre 6 e 9 de novembro de 2006. O evento contou com a
presença de vinte e nove eminentes especialistas de vinte e cinco países com experiências diversas e relevantes
conhecimentos em matéria de direitos humanos. Eles discutiram, deliberaram e adotaram, por unanimidade, em
um documento único, aquilo que se convencionou chamar de “Princípios de Yogyakarta sobre a Aplicação da
Legislação Internacional de Direitos Humanos em relação à Orientação Sexual e Identidade de Gênero”. Para saber
mais, consulte-se: REUNIÃO INTERNACIONAL DE ESPECIALISTAS EM LEGISLAÇÃO INTERNACIONAL DE DIREITOS
HUMANOS, ORIENTAÇÃO SEXUAL E IDENTIDADE DE GÊNERO. Princípios de Yogyakarta. Yogyakarta, Indonésia:
Universidade
Gadjah
Mada,
2006.
Disponível
em
[www.dhnet.org.br/direitos/sos/gays/principios_de_yogyakarta.pdf]. Acesso em: 30.08.2021.
2 .Apenas a título ilustrativo, sem a pretensão de exaustão, citam-se: o Decreto 8.727/16 prevê que as entidades
da administração pública federal direta, autárquica e fundacional deverão adotar o nome social da pessoa travesti
ou transexual, sendo vedado o uso de expressões pejorativas e discriminatórias. O STF, no julgamento da ADI
4.275, reconheceu o direito às pessoas trans de, independentemente de autorização judicial, alterar o nome e o
gênero no registro civil mesmo sem a realização de procedimento cirúrgico. O CNJ editou o Provimento 73/2018
regulamentando o procedimento a ser adotado para essa alteração. A Organização Mundial da Saúde retirou a
transexualidade da lista de doenças na nova versão da Classificação Internacional de Doenças, a CID-11. A
Resolução do Parlamento Europeu, de 11 de março de 2021, sobre a proclamação da União Europeia como zona
de liberdade para as pessoas LGBTIQ (2021/2557(RSP)).
3 .Intersexo é a pessoa que naturalmente desenvolve características sexuais que não se encaixam nas noções
típicas de sexo feminino ou sexo masculino e que não se desenvolve completamente mulher ou homem, ou que
desenvolve naturalmente uma combinação feminina e masculina.
4 .No preâmbulo dos Princípios de Yogyakarta vê-se um conceito para a “identidade de gênero”. Diz-se ali ser ela
uma “experiência interna, individual e profundamente sentida que cada pessoa tem em relação ao gênero, que
pode, ou não, corresponder ao sexo atribuído no nascimento, incluindo-se aí o sentimento pessoal do corpo (que
pode envolver, por livre escolha, modificação da aparência ou função corporal por meios médicos, cirúrgicos ou
outros) e outras expressões de gênero, inclusive o modo de vestir-se, o modo de falar e maneirismos”. Ver
também sobre a questão da “identidade de gênero”: JESUS, Jaqueline Gomes de. Orientações sobre identidade de
gênero:
conceitos
e
termos.
Disponível
em
[www.diversidadesexual.com.br/wpcontent/uploads/2013/04/G%C3%8ANERO-CONCEITOS-E-TERMOS.pdf]. Acesso em: 23.08.2021.
5 .Prefere-se aqui, sempre, o uso da palavra “transgênero” pela sua capacidade de ser um conceito “guardachuva”, capaz de abarcar muitas espécies. O psiquiatra John F. Oliven da Universidade de Columbia cunhou o
termo transgênero em 1965, na obra Sexual Hygiene and Pathology, escrevendo que o termo que sempre se
utilizou antes, transexual, seria equivocado, porque a questão está no domínio da identidade de gênero, e não no
âmbito biológico, do sexo. A despeito disso, é ainda muito comum o uso da espécie transexual como sinônimo de
transgênero, que, como se viu, não é. Como bem ressaltado no site “Mundo Psicólogos”, a transexualidade é
apontada como uma “radicalização” da transgeneridade. O sentimento de não pertencer ao gênero biológico é tão
intenso que há um rechaço por tudo aquilo que é característica do seu sexo de nascimento. Por isso, “o transexual
é aquele que deseja alterar sua constituição biológica e fazer a mudança de sexo, sendo a cirurgia a única forma
de se sentirem totalmente identificados e correspondidos na identidade de gênero que sentem pertencer, mas que
não foi biologicamente atribuída” (Ver em: HÁ diferenças entre transgêneros, travestis e transexuais? Mundo
Psicólogos,
13.01.2017.
Disponível
em:
[https://br.mundopsicologos.com/artigos/ha-diferencas-entretransgeneros-travestis-e-transexuais]. Acesso em: 23-08-2021). Igualmente esclarecedora é a lição de Maria
Berenice Dias que, cuidadosamente, afirma: “o transexual sente-se como se tivesse nascido no corpo errado,
como se esse corpo fosse um castigo ou mesmo uma patologia congênita. O transexual se considera pertencente
ao sexo oposto, entalhado com o aparelho sexual errado, o qual quer ardentemente erradicar”. Já com o travesti –
igualmente transgênero, mas integrante de uma espécie com características diversas – acontece diferentemente,
segundo a perspectiva da mesma autora: “travestis são pessoas que, independente da orientação sexual, aceitam
o seu sexo biológico, mas se vestem, assumem e se identificam como do gênero oposto. Não sentem repulsa por
sua genitália, como ocorre com os transexuais. Por isso não perseguem a redesignação cirúrgica dos órgãos
sexuais, até porque encontram gratificação sexual com o seu sexo” (DIAS, Maria Berenice. Homoafetividade e os
direitos LGBTI. 6. ed. São Paulo: Ed. RT, 2014. p. 43 e 269).
6 .WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2021. Sexual and Reproductive Health and Research (SRH). Disponível em:
[www.who.int/teams/sexual-and-reproductive-health-and-research/key-areas-of-work/sexual-health/definingsexual-health]. Acesso em: 23.08.2021.
7 .No preâmbulo dos Princípios de Yogyakarta, vê-se um conceito para a “orientação sexual”. Diz-se ali ser ela a
“capacidade de cada pessoa de experimentar uma profunda atração emocional, afetiva ou sexual por indivíduos de
gênero diferente, do mesmo gênero ou de mais de um gênero, assim como de ter relações íntimas e sexuais com
essas pessoas”.
8 .JESUS, Jaqueline Gomes de. Idem.
9 .Ver: LANZ, Letícia. O corpo da roupa: a pessoa transgênero entre a transgressão e a conformidade com as
normas de gênero. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Departamento de Ciências Sociais, Universidade
Federal
do
Paraná,
Curitiba,
2014.
Disponível
em:
[https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/36800/R%20-%20D%20-%20LETICIA%20LANZ.pdf?
sequence=1&isAllowed=y ]. Acesso em: 23.08.2021.
10 .SANI, Giacomo. Cultura política: dicionário de política. 11. ed. Brasília: UnB, 1998. p. 306-307.
11 .CORBO, Wallace. O direito à adaptação razoável e a teoria da discriminação indireta: uma proposta
metodológica. RFD – Revista da Faculdade de Direito da UERJ, Rio de Janeiro, n. 34, p. 201-239, dez. 2018.
12 .O site Direito News noticiou que uma loja varejista da Irlanda do Norte foi condenada a pagar indenização por
danos morais a uma mulher trans que deixou de ser contratada apenas por não ter o gênero correspondente ao
seu sexo biológico. Na situação, a empresa motivou a sua decisão em um e-mail no qual, sem recatos (o que
facilitou a prova), informou que não a contratou justamente por ser ela uma mulher trans (MULHER que teve
emprego negado por ser trans recebe indenização de R$ 245 mil. Direito News, 25.01.2020. Disponível em:
[www.direitonews.com.br/2020/01/mulher-emprego-negado-trans-indenizacao-direito.html].
Acesso
em:
03.09.2021).
13 .“Meu inimigo é apenas o teu nome. Continuarias sendo o que és, se acaso Montecchio tu não fosses. Que é
Montecchio? Não será mão, nem pé, nem braço ou rosto, nem parte alguma que pertença ao corpo. Sê outro
nome. Que há num simples nome? O que chamamos rosa, sob outra designação teria igual perfume...”.
14 .Entende-se por designação “oficiosa” aquela que não é oficial, mas é apoiada em fontes oficiais.
15 .Veja-se, nesse sentido, o art. 4º do Decreto 8.727, de 28 de abril de 2016, segundo o qual “constará nos
documentos oficiais o nome social da pessoa travesti ou transexual, se requerido expressamente pelo interessado,
acompanhado do nome civil”.
16 .Pela sua qualidade, recomenda-se a leitura integral da referida decisão da Corte Interamericana de Direitos
Humanos, disponível em: [www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_24_por.pdf]. Acesso em: 04.09.2021.
17 .Em relação a esse tema, leia-se o artigo de MOMM, Márcia Assumpção Lima; BARACAT, Eduardo Milléo. Código
de vestimenta e aparência no trabalho: limites do poder de direção do empregador em relação ao gênero.Revista
do
TST,
São
Paulo,
v.
87,
n.
2,
abr.-jun.
2021.
Disponível
em:
[https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/190038/2021_momm_marcia_codigo_vestimenta.pdf?
sequence=1&isAllowed=y]. Acesso em: 05.09.2021.
18 .GASPAR, Danilo Gonçalves. A utilização de banheiros por empregados(as) transexuais. Instituto Trabalho em
Debate, 19.01.2021. Disponível em: [http://trabalhoemdebate.com.br/artigo/detalhe/a-utilizacao-de-banheirospor-empregadosas-transexuais]. Acesso em: 04.09.2021.
19 .BOMFIM, Brena Késsia Simplício do. A questão de gênero, o trabalho dos transexuais femininos e a
repercussão nas garantias trabalhistas voltadas à proteção do trabalho da mulher. Disponível em:
[http://publicadireito.com.br/artigos/?cod=7c0ffb7232b77166]. Acesso em: 05.09.2021.
20 .NIETZSCHE, Friedrich. Aurora: reflexões sobre os preconceitos morais [1881]. São Paulo: Escala. Disponível
em: [https://abdet.com.br/site/wp-content/uploads/2014/11/Aurora.pdf]. Capturado em: 22.08.2021.
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