Schellenberger Demise Tesis16 PDF
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RESUMEN
RESUMO
O presente trabalho versa sobre o assédio sexual nas relações de trabalho no Brasil
e a atuação do Ministério Público do Trabalho e foi elaborado por Denise Maria
Schellenberger, sob a orientação dos Professores Doutores Francisco Infante Ruiz e
Wilson Ramos Filho, para finalização de curso e obtenção da titulação de Doutorado
em Direitos Humanos e Desenvolvimento na Universidad Pablo de Olavid, no
Programa Máster Oficial em Derechos Humanos, Interculturalidad y Desarrollo, em
Sevilha, Espanha. O trabalho destaca as muitas violações aos direitos humanos dos
trabalhadores, tendo como foco o assédio sexual nas relações de trabalho que, na
maioria das vezes, atinge as mulheres, configurando situação de discriminação e de
opressão. A proposta é analisar a história das mulheres, o patriarcalismo, as teorias
feministas e as lutas pela igualdade das mulheres, suas conquistas históricas e a
situação atual do papel feminino no mercado de trabalho capitalista. Após, a ideia é
contextualizar a questão do assédio sexual nas relações de trabalho, analisando-se a
doutrina e a jurisprudência existentes sobre a questão, na tentativa de ampliação do
conceito, das espécies e dos sujeitos, distinguindo-se o assédio sexual nas relações
do trabalho do assédio moral nestas relações. Os parâmetros de conduta possíveis
para a aferição da existência de assédio sexual no trabalho também são estudados,
bem como a vulneração dos direitos humanos das pessoas trabalhadoras, pelo
assédio sexual nas relações laborais. O tratamento individual dado à situação de
assédio sexual é analisado, observando-se que há um paradigma privado/pessoal. A
seguir, examina-se o tratamento coletivo possível de ser dado à situação de assédio
sexual por meio das instituições (sindicatos, Ministério do Trabalho e Emprego,
Organizações não governamentais e principalmente o Ministério Público do Trabalho),
objetivando, assim, um ponto de inflexão que amplie as possibilidades de tratamento
coletivo da questão, oportunizando a mudança para o paradigma público/coletivo. Ao
final, são analisadas as políticas públicas e a educação para a cidadania e para a
igualdade, entendendo os direitos humanos como processos institucionais e sociais
que possibilitem a abertura e a consolidação de espaços de luta pela igualdade, tal
qual ensinado pelo mestre Joaquín Herrera Flores e Iris Marion Young.
ABSTRACT
This paper deals with sexual harassment in labor relations in Brazil and the role of the
Labor Public Attorneys and was written by Denise Maria Schellenberger, under the
guidance and mentorship of Professors Francisco Ruiz Infante and Wilson Ramos
Filho, to finish course and obtaining Doctoral titling on Human Rights and Development
at the Universidad Pablo de Olavid in the Master program Officer in Derechos
Humanos, interculturalidad y Desarrollo, in Seville, Spain. Justified because the work
of the many human rights violations of workers looms sexual harassment in
employment relationships, which reaches almost in its entirety, working women, setting
situation of discrimination and oppression. In this trabaho seeks to analyze the history
of women, patriarchy, feminist theories and the struggle for women's equality, their
historical achievements and current status of women in the labor market capitalist. The
following seeks to contextualize the issue of sexual harassment in employment
relationships, analyzing the existing doctrine and jurisprudence on the matter, in an
attempt to expand the concept of species and individuals, distinguishing sexual
harassment in the relations bullying work in labor relations. The parameters of conduct
for gauging the possible existence of sexual harassment at work are also studied, as
well as the violation of human rights of working people by sexual harassment in
employment relations. The treatment given to the individual situation of sexual
harassment, is analyzed, noting that there is a paradigm private / personal. Then we
analyze the collective treatment can be given to the situation of sexual harassment,
through the performance of institutions (unions, Ministry of Labour and Employment,
Non-governmental organizations and especially the Ministry of Labour), aiming at an
inflection point that expands the possibilities of collective treatment of the issue,
enabling the paradigm shift to public / collective. At the end are analyzed public policy
and education for citizenship and for equality, understanding human rights as social
and institutional processes that facilitate the opening and consolidation of spaces of
struggle for equality, as is taught by master Joaquín Herrera Flores and Iris Marion
Young.
Keywords: Human Rights. Labor Law. Sexual Harassment. Labor Public Attorneys.
Social struggles. Human dignity.
7
ÍNDICE
INTRODUÇÃO...........................................................................................................09
INTRODUÇÃO
1 NYE, Andrea. Teoria feminista e as filosofias do homem. Rio de Janeiro: Rosa dos tempos, 1995, p.
16.
10
2 HERRERA FLORES, Joaquín. Los derechos humanos como productos culturales. Critica del
humanismo abstrato. Sevilla: Los Libros de la Catarata, 2005. pp. 19-20.
3 Idem. La reinvención de los derechos humanos. Sevilla: Atrapasuenos, 2007, p. 13.
4 Ibidem, p. 11.
5 CAPLAN, Luciana. Direitos Humanos: O Direito do Trabalho e a Teoria Crítica dos Direitos Humanos.
Essência do Direito do Trabalho. (Coords). SILVA, Alessandro, SOUTO MAIOR, Jorge Luiz, FELIPPE,
Kenarik Boujikian e SEMMER, Marcelo. São Paulo: LTr, 2007, pp. 259-260.
16
6RAMOS FILHO, Wilson. Direito Capitalista do Trabalho: histórias, mitos e perspectivas no Brasil. São
Paulo: LTr, 2012, p. 464.
17
7 Ibidem, p. 14.
8 PATEMAN, Carole. O Contrato Sexual. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993, pp. 15-29. Para Pateman
“o contrato sexual, deve enfatizar-se, não está associado apenas à esfera privada. O patriarcado não
é puramente familiarou está localizado na esfera privada. O contrato social cira a sociedade civil
patriarcal em sua totalidade. Os homens passoam de um lado para outro, entre a esfera privadae a
pública e o mandadto da lei do direito sexual masculino rege os dois domínios.
18
9 RIVERA GARRETAS, María-Milagros. Nombrar el mundo em feminino. Barcelona: Icaria, 2003, p. 75.
10 RIVERA GARRETAS, María-Milagros. Op. cit, nota 9, p. 73.
19
inferior, estigmatizada por gregos, romanos e pregadores cristãos e que seria a primeira mulher. A
segunda mulher, para o autor, surge nos séculos XVIII e XIX, já mais valorizada, como mãe e esposa.
LIPOVETSKY, Gilles. La terceira mujer: permanência y revolucion de lo feminino. Anagrama.
Espanha:1999
20
17 A história de Penélope ensejou o que alguns chamam de “complexo de penélope”, como a eterna
espera do ser amado real ou idealizado. Disponível em: <http://tribunadoceara.uol.com.br/blogs/papo-
psi/comportamento/complexo-de-penelope-a-eterna-espera-do-ser-amado/>. Acesso em: 15 maio
2015.
18 SOUSA SANTOS, Boaventura de. Op.cit, nota 16, p.53.
19 GARRACHÓN, Rosa Escapa; Ten, Luz Martinéz. Guia de formación para la participación social y
mulheres no contexto da Revolução Francesa. Revista Eletrônica Tempo Presente. Disponível em:
<http://www.tempopresente.org/index.php?option=com_content&view=article&id=5515:cidadania-e-
genero&catid=36&Itemid=127>. Acesso em: 15 maio 2015.
21 GARRACHÓN, Rosa Escapa; Ten, Luz Martinéz. Op.cit, nota 19, p. 51.
23
22 RANCIÈRE, Jacques. O ódio à democracia. São Paulo: Boitempo, 2014, pp.78-79. Para Rancière,
“Se existe uma ilimitação própria à democracia, é nisso que ela reside: não na multiplicaçãoexponencial
das necessidades ou dos desejos que emanam dos indivíduos, mas no movimento que desloca
continuamente os limites do público e do privado, do político e do social.” (p. 81)
23 Aqui é interessante referir que Wollstonecraft, difamada por suas posições, engravidou do marido
William Godwin, filósofo radical, amigo do panfletista Thomas Paine e do poeta William Black, vindo a
falecer em setembro de 1797, aos 38 anos, onze dias após o nascimento da filha, Mary, que mais tarde
casaria com o poeta Shelley e escreveria vários livros, herdando o talento intelectual da mãe e
tornando-se autora conhecida mundialmente pela novela “Frankenstein” (publicada primeiramente em
1818, sem o nome da autora e de forma revisada e definitiva em 1831), que inspirou várias peças de
teatro e filmes.
24
solução possível para a sobrevivência: "É possível que eu provoque o riso ao fazer a
seguinte insinuação, em que penso existirá no futuro: creio realmente que as mulheres
deveriam ter seus representantes, em lugar de ver-se virtualmente governadas, sem
que as permitam ter nenhuma participação direta nas deliberações do governo”. Mary
Wollstonecraft inspirou muitas mulheres, de Emma Goldmann e Virginia Woolf às
feministas inglesas das décadas de 60 e 70 do século 20.
Rivera Garretas24 ao analisar a mulher como sujeito político, aponta que Mary
Wollstonecraft e Olympe de Gouges, antecedidas por Maríe de Gournay (que
escreveu um livro sobre a igualdade entre os homens e as mulheres, em 1622), são
nomes fundamentais na luta das mulheres para o reconhecimento como “sujeitos
políticos”. Pode ser citada, ainda, a espanhola María de Zayas, que teve sua obra
censurada pela Inquisição espanhola
De outro lado, na obra “O contrato social”, escrita em 1792, Rousseau
apresenta sua visão sobre as relações entre os sexos, defendendo a ideia de divisão
de tarefas: o homem deve ocupar o espaço público, provendo a família e à mulher
cabe o espaço privado do lar, cuidando da família.
A par das pioneiras do século XVIII, somente em 1840 cresceram movimentos
organizados de mulheres. Nos Estados Unidos da América, na Declaração de
Independência, em 04 de julho de 1776, foi proclamado que “todos os homens nascem
iguais”, mas o direito ao voto, pelas mulheres, somente foi conquistado em 1919 com
a aprovação da 19ª. Emenda Constitucional. Antes, em 1848, duas mulheres norte-
americanas, Elisabeth Cady Stanton e Susan Anthony publicaram manifesto acerca
da situação feminina, com o objetivo de criação de novas formas de identidade da
mulher. Nessa época, ocorreu o início do feminismo liberal sufragista25, que perdurou
desde o Manifesto de Seneca Falls, em 1848 (redigido por Cady Stanton), na
localidade de Seneca Falls, no estado de Nova Iorque, durante a primeira convenção
sobre os Direitos da Mulher nos Estados Unidos, considerada como o início do
feminismo nos Estados Unidos da América, até o final da Segunda Guerra Mundial,
24 RIVERA GARRETAS, María-Milagros. Op.cit. nota 9, p. 69. Para Rivera Garretas “Se entende que,
dos siglos después de la Revolución francesa y dos o tres generaciones después de la obtención del
derecho al voto, ser sujeta política no da acceso a lo mismo que ser sujeto politico (no hay, por tanto,
igualdad), ni significa tampoco diferencias exentas de subordinación (no hay, por tanto cabida para las
diferencias que sean resultado de la búsqueda y del ejercicio de la libertad feminina)”
25 GARRACHÓN, Rosa Escapa; Ten, Luz Martinéz. Op.cit, nota 19, p. 47.
25
acrescendo à luta pelos direitos políticos, a luta pela educação. Schreiner, em 1911,
propugnava o nascimento de uma nova mulher e disso surgiria um novo homem, com
uma nova forma de relação, de companheirismo. O século XIX consolidou o modelo
sociopolítico liberal, objetivando dar respostas aos novos problemas trazidos pela
Revolução Industrial.
As mulheres sofreram as consequências diretas da nova situação econômica:
as proletárias foram incorporadas ao trabalho industrial, como mão de obra barata e
submissa; as mulheres burguesas ficaram restritas ao âmbito do lar.
O Código de Napoleão estabeleceu normas restringindo o acesso das mulheres
à vida pública e o Estado Liberal assumiu o conceito de Estado de Rousseau,
concebendo o cidadão como pai de família e relegando a mulher ao âmbito doméstico.
Os principais filósofos do século XIX, com a construção de um discurso
misógino e romântico sobre a mulher, relegando-a à esfera privada, por razões
naturais, contrapondo-se às ideias de Wollstonecraft, Gouges e Condorcet.
O discurso misógino-romântico opõe-se contra a reivindicação de igualdade
entre os sexos. E diante do perigo de transformação da sociedade pelas ideias de
cunho feminista, tem uma grande repercussão nos círculos elitistas, o que se justifica
diante do medo sentido pelas sociedades frente a muitas evidências de mudança26.
Nesse contexto social, as mulheres burguesas se revoltam contra sua situação
de propriedade legal dos maridos e ante a ausência de acesso à educação e ao
trabalho, pois sem direitos civis e políticos, somente lhes resta o casamento ou a
miséria. A situação das mulheres trabalhadoras era ainda pior, pois eram obrigadas a
trabalhar em fábricas ou indústrias domésticas como assalariadas e, apesar de
cumprir extensas jornadas, recebiam salários inferiores aos dos homens, o que era
justificado dizendo-se que as mulheres solteiras não precisavam manter uma família;
já as casadas podiam ser mantidas por seus maridos. Após o parto, a mulher
trabalhadora deveria voltar, imediatamente, ao trabalho. A situação era tão grave que,
em meados do século XIX, foram feitas as primeiras leis protetoras. Se a vida das
mulheres trabalhadoras era dura, a situação das empregadas domésticas era muito
pior, pois, frequentemente, caíam na prostituição. Os índices de natalidade eram muito
altos (talvez à míngua de métodos anticoncepcionais eficientes) e as condições de
26 GARRACHÓN, Rosa Escapa; Ten, Luz Martinéz. Op.cit, nota 19, p. 66.
26
27 Ibidem, p. 67
28 Os Misérables (Os Miseráveis, no Brasil e em Portugal) é um filme britânico dos gêneros drama,
musical e romance, produzido pela Working Title Films e distribuído pela Universal Pictures. O longa-
metragem é baseado no musical de mesmo nome por Alain Boublil, Claude-Michel Schönberg e Herbert
Kretzmer é baseado em Os Miseráveis, o romance francês de 1862 escrito por Victor Hugo. O filme é
dirigido por Tom Hooper e estrelado por Hugh Jackman, Russel Crowe, Anne Hathaway, Eddie
Redmayne, Amanda Seyfried, Sacha Baron Cohen e Helena Bonham Carter. Estreou nos cinemas
norte-americanos, em 3 de janeiro em Portugal e no Brasil o filme teve a sua estreia antecipada para o
dia 1º de fevereiro de 2013. O filme conta a história de Jean Valjean, um prisioneiro que chega à França
nos tempos da Revolução de Julho. Valjean cuida de Cosette depois de decadência da sua mãe,
Fantine, enquanto isso é perseguido pelo inspetor Javert. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Os_Miser%C3%A1veis_%282012%29>. Acesso em: 10 jun. 2015.
29 WILLIAMS, Raymond. Recursos da Esperança: cultura, democracia, socialismo. São Paulo: Editora
<http://cvc.cervantes.es/actcult/storni/default.htm>;
<http://feminismo.about.com/od/publicaciones/fl/Alfonsina-Storni-su-feminismo-en-cinco-
poemas.htm>. Acesso em: 25 jun. 2015.
27
36 que dispõe o seguinte: “Los ciudadanos de uno y otro sexo, mayores de 23 años
tendrán los mismos derechos electorales conforme determinen las leyes”.
Além da atuação política, voltada para a defesa dos direitos da mulher,Clara
Campoamor publicou obras como “El derecho femenino en España”, em 1936 e “La
situación jurídica de la mujer española”, em 193831.
Assim refere Figueiredo Burrieza32, ao escrever quando da comemoração dos
setenta e cinco anos de voto feminino na Espanha:
La ciudadanía que nace con el Estado Liberal de Derecho es um concepto
excluyente. La titularidad de la misma en los inicios es muy restringida; aunque
se amplía con los movimientos revolucionarios de los siglos XIX y XX seguimos
asistiendo a una democracia formal porque no va más allá del pacto social
inicial que sigue siendo homogéneo y permanece inalterado. Se ha ido
ampliando el elenco de sujetos de derechos (se incluyeron todos los varones,
sin distinción de capacidad económica y de raza) y se amplió el derecho de
sufragio; en principio a todos los varones, en plenitud de derechos civiles y
políticos, que hubieran cumplido una cierta edad y, paulatinamente a las
mujeres a lo largo del pasado siglo XX. La mujer española consiguió el estatus
de plena ciudadanía, según los postulados liberales, con la aprobación del
Artículo 36 de la Constitución de la II República, en 1931. Tuvo lugar esa
aprobación el día 1 de octubre del mismo año, gracias al tesón y empeño de
una Diputada feminista del partido Radical: Clara Campoamor.
34 PAMPLONA FILHO, Rodolfo. “Orientação sexual e discriminação no emprego.” VIANA, Marcio Túlio;
RENAULT, Luiz Otávio Linhares (Coord.). Discriminação. São Paulo: LTr, 2000, pp. 380/381.
35 URIARTE, Oscar Ermida. La mujer en el derecho del trabajo: de la protección a la promoción de la
igualdad. A igualdade dos gêneros nas relações de trabalho. PENIDO, Laís de Oliveira (Coord.)
Brasília: ESMPU, 2006, pp. 115-125.
29
a boliviana Adela Zamudio, entre tantas outras pioneiras, lutavam pela igualdade
(incluindo o direito ao voto) e pelo estado laico)39.
A partir de 1968, surgiu o feminismo contemporâneo, que segue em vigor até
hoje, iniciando pela luta dos direitos civis para centrar-se, após, na luta pelos direitos
reprodutivos, de paridade política e no papel das mulheres no processo de
globalização40.
Um pouco antes, porém, em 1963, Betty Friedan publicou o livro "The Feminine
Mystique" (A Mística Feminina), obra muito vendida que se tornou a bíblia do
feminismo liberal americano41, um best-seller que fomentou a segunda onda do
feminismo, abordando o papel da mulher na indústria e na função de dona-de-casa e
suas implicações tanto para a sobrevivência do capitalismo quanto para a situação de
desespero e depressão que grande parte das mulheres submetidas a esse regime
sofriam42.
Nos Estados Unidos da América, as discussões recrudesceram, com críticas
aos papéis tradicionais dos sexos nas relações econômicas e familiares, como
resultado da insatisfação feminina com o tratamento desigual e discriminatório dado
às mulheres. A igualdade43, aliás, é uma das promessas mais inacabadas da
modernidade. A inserção de políticas de igualdade tem importância estratégica na
definição de acesso diferenciado das mulheres aos direitos sociais e ao exercício
efetivo da cidadania. Esta divisão condena as mulheres à escolha entre a
dependência do homem ou à dependência do Estado.
Rompendo com esta lógica, Pateman44 propõe a separação dos direitos sociais
do trabalho com a reinvenção de um denominador comum que satisfaça as
necessidades imediatas de homens e mulheres e favoreça a autonomia das mulheres,
permitindo que definam suas necessidades.
PEDRO, Joana Maria. (Org.) Nova História das Mulheres. São Paulo: Contexto, 2012, pp. 333-360.
42 Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Betty_Friedan>. Acesso em: 25 jun. 2015. Também é
referido que Betty Friedan foi cofundadora da Organização Nacional das Mulheres, nos Estados Unidos,
juntamente com Pauli Murray e Bernard Nathanson, auxiliando na criação do NARAL, organização de
fomento aos direitos reprodutivos, inclusive o do aborto e é considerada uma das feministas mais
influentes do século XX.
43 VARIKAS, Eleni. Igualdade. In: Dicionário Crítico do Feminismo. HIRATA, Helena; LABOURIE,
Françoise; LE DOARÉ, Helène; SENOTIER, Daniele (Orgs). São Paulo: UNESP, 2009, pp. 116/121.
44 PATEMAN, Carole. Op.cit, nota 8, p. 264.
32
45 SUPIOT, Alain. Homo Juridicus. Ensaio sobre a função antropológica do direito. Lisboa: Instituto
Piaget, 2005, p.242.
46 BOBBIO, Norberto. Igualdade e Liberdade. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996, p. 43.
33
47Ibidem, p. 94.
48WOOLF, Naomi. O mito da beleza. Como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres.
Tradução Waldéa Barcellos. Rio de Janeiro: Rocco, 1992, p. 33. Também disponível em:
<http://pt.scribd.com/doc/65304671/O-Mito-Da-Beleza-Naomi-Wolf>. Acesso em: 25 jun. 2015.
49 DAVIS, Ângela. Mujeres, raza y clase. Madrid: Akal, 2004/2005. Também disponível em:
trabalho, ocorre na maioria das vezes de forma precarizada, com forte exploração da
força de trabalho e predomínio de relações de poder patriarcais50.
Se atualmente as mulheres têm mais acesso à escolarização, o que é positivo,
de outro lado, novas questões emergem, pois a cada progresso obtido pelas
mulheres, o capitalismo patriarcal apresenta novas e mais sofisticadas objeções.
Conforme Infante Ruiz51, o panorama, por muito que a sociedade queira mirar-
se no espelho do direito, em que a igualdade formal se proclama altissonante, não é
da igualdade real, mas da desigualdade silenciosa em âmbitos cruciais para o
desenvolvimento pessoal e da felicidade. E a vida pública está impregnada com
parâmetros masculinos em todos os âmbitos, o que determina uma adaptação penosa
das mulheres, em franca desvantagem frente aos homens.
Há novas formas de discriminação que emergem na medida em que as
mulheres se incorporam ao espaço público, obtendo melhores qualificações, com a
criação de novas barreiras, apontando que a melhor qualificação não se reflete nas
posições ocupadas nos espaços públicos. Sendo assim, resulta em um “teto de
cristal”52 que impede as mulheres de superar determinados limites nas empresas e
galgar postos de trabalho mais cobiçados. Dessa forma, fica evidente a existência de
um pacto fraternal entre os homens, que não é novo, mas decorrente do
patriarcalismo, permitindo que os homens sigam monopolizando os recursos sociais
existentes. E se algumas poucas mulheres conseguem alcançar postos mais altos,
servem, muitas vezes, para demonstrar certa “liberalidade” das instituições e impedir
o acesso de outras mulheres a cargos mais elevados sob o argumento de que já há
en los sistemas de cooptación que operan en la selección de los puestos de más alta capacidad de
decisión. Si entende por cooptación el que introduzca la valoración de un elemento que excede la
expertise como relevante a la hora de ser objeto de tal selección”. AMORÓS. Celia. La gran diferencia
y sus pequenas consecuencias...para las luchas de las mujeres. Madrid: Ediciones Catedra, 2006, p.
392. Para Maria Emilia Casas Baamonde “la discriminación em la retribuición es causa y efecto de la
discriminación professional de la mujer produciendo fenómenos como la segregación o feminización de
los trabajos y la imposición de techos – el llamado “techo de cristal”- al ascenso professional de las
mujeres. De ahi que el principio de igualdad de retribuicíon por razón de sexo constituyia un instrumento
básico para la eliminación de las discriminaciones que pesan sobre las mujeres”. BAAMONDE, María
Emilia Casas. Igualdade y diferencia em la regualción jurídica del trabajo de la mujer. A igualdade dos
gêneros nas relações de trabalho. PENIDO, Lais de Oliveira. (Coord.). Brasília: ESMPU, 2006, pp.23-
50.
35
uma ou algumas mulheres em tais cargos, sem levar em conta a paridade entre
mulheres e homens53.
Ao analisar a liberação das mulheres e a questão da igualdade substantiva,
Mészaros54 aduz que o relacionamento entre capital e trabalho é, por sua natureza, a
manifestação tangível da hierarquia estrutural insuperável e da desigualdade
substantiva e por sua própria constituição. Ressalta que o sistema capitalista não pode
ser mais do que a perpetuação da injustiça fundamental, sendo absurdas quaisquer
tentativas de conciliação do sistema com os princípios da justiça e da igualdade.
A manutenção da igualdade formal é útil para o sistema capitalista, entretanto
o mesmo não ocorre com a igualdade substantiva e estando a liberação das mulheres
centrada na questão da igualdade substantiva, uma grande causa histórica entra em
movimento, sem encontrar saídas para sua realização dentro dos limites do sistema
do capital. A causa da emancipação e da igualdade das mulheres envolve os
processos e instituições mais importantes de toda a ordem sociometabólica e é
significativo que desde o aparecimento das formas mais militantes do movimento pela
igualdade das mulheres, até os intelectuais burgueses mais progressistas buscaram
restringir suas reivindicações e avaliar as realizações viáveis em termos dos critérios
formais como H.G.Wells55, que cita as mulheres como argamassa social. Nas palavras
de Mészaros:
escrevendo novelas, histórias, política, comentários sociais, livros de texto e regras para jogos de
guerra, mais lembrado por suas novelas de ficção cientifica. A obra referida por Mészarós chama-se
“The Work, Wealth and Hapiness of Mankind”. Londres: Heinemann, 1932, pp. 557-562.
36
por quatro lindos cavalos baios. A meio caminho, o cocheiro lhe implora para
deixá-lo voltar, dizendo que em sonho tivera uma premonição, e vira o filhinho
dela cair e morrer no fundo do poço que havia no meio do pátio de sua casa.
A senhora o faz calar, com palavras a que ele não poderia replicar: segue,
cocheiro, a carruagem não é tua, os cavalos não são teus, apressa-os! Ao
aproximarem-se de Déva, o mestre-pedreiro os reconhece de longe, pedindo
a Deus para detê-los com um raio na estrada bem diante da carruagem, para
que os cavalos se assustem e deem a volta ou, se isto não funcionar, para
quebrar as pernas dos quatro cavalos, de modo que não conseguissem
chegar... Tudo em vão. A senhora Kelemen chega e os doze pedreiros lhe
contam com palavras muito suaves o destino cruel a que não poderia
escapar. Ela os chama de “doze assassinos”, inclusive seu próprio marido, e
pede que esperem que vá até sua casa e volte, para despedir-se de “minhas
amigas e do meu lindo filhinho” ...Ao voltar, os homens a queimam e utilizam
suas cinzas para fazer a argamassa forte e conseguem erguer a altíssima
fortaleza de Déva, recebendo o prometido “rico pagamento em alqueires de
prata e ouro”. Quando a fortaleza fica pronta e o mestre-pedreiro Kelemen
volta para casa, o filho não para de perguntar pela mãe ausente. Depois de
usar muitas evasivas, no final o pai tem de contar ao menino que sua mãe
está enterrada entre as pedras da fortaleza de Déva. Em desespero, o filho
vai até a fortaleza no alto da montanha e grita três vezes: Mãe, doce mãe,
fala comigo outra vez! A mãe responde e a balada termina assim: “Não posso
falar contigo! O peso das pedras me cala! Estou emparedada e enterrada
nessas pedras tão pesadas...” O coração dela então se partiu e com isso a
terra se abriu, o menino caiu no fundo e ali foi enterrado. A balada folclórica
sobre a triste história da “mulher-argamassa” tem algumas lições a ensinar,
de forma muito diferente, mas infinitamente mais realista do que a do
indulgente conto de fadas romântico de H. G. Wells, escrito no espírito comum
a todos os que usam a desculpa da igualdade formal para negar a igualdade
substantiva. As lições estão implícitas tanto no sofrimento da senhora
Kelemen, cruelmente imposto a ela com a participação, como colegislador,
de seu marido, como no trágico destino de mãe e filho - que não nos fala
apenas do “destino geral das mulheres”, mas do destino longe de
tranquilizador de toda a humanidade, se essas lições não forem aprendidas.
No entanto, não há a menor esperança de que as personificações do capital
(sejam homens ou mulheres) deem a elas a mínima atenção, como
demonstra o papel desempenhado, sob o domínio do capital, até pelo mestre-
pedreiro Kelemen, que apesar de amar sua mulher, deve obedecer ao
fundamento de qualquer lei formal, ou seja, a lei última de ser dirigido pela
necessidade de “alqueires de ouro e prata”.
57 No filme, com elenco estrelado, produzido em quatro países em 2012 e baseado em romance de
2004, de David Mitchell, são mostradas seis histórias entrelaçadas, abrangendo diferentes épocas, com
a intenção de mostrar que tudo está conectado. Na história denominada Neo Seul, ambientada na
Coréia do Sul, 2144, é contada a história de Sonmi-451, um clone humano feminino, geneticamente
fabricado para ser um escravo laboral num restaurante fast food. Sonmi-451 é obrigada a suportar o
assédio sexual no local de trabalho e, diante de sua inconformidade, será morta e reciclada, em uma
metáfora cruel da sociedade capitalista. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Cloud_Atlas_%28filme%29>. Acesso em: 10 jun. 2015.
38
O filme Mad Max: Fury Road58, lançado em 2015, mostra um mundo futurista,
com maciça opressão das mulheres. Além disso, tem sido considerado um filme
feminista59.
É interessante constatar como as mulheres buscam a ampliação de seus limites
e quando alcançam o poder revelam, a mais das vezes, muita competência e atitude.60
Como visto, a história da luta das mulheres pela igualdade, em âmbito mundial,
tem evoluído da situação de total pertencimento aos homens até a situação atual,
graças ao esforço de pensadoras e pensadores que, ao longo da história universal,
dedicam sua obra e suas vidas ao trabalho árduo pela eliminação das desigualdades
entre homens e mulheres. Imprescindível nessa luta os esforços diuturnos das
feministas citadas, além de muitas outras mulheres e de muitos outros valorosos
homens, que muitas vezes permaneceram e permanecem invisibilizados, mas cujo
contributo no processo de repensar o papel das mulheres na sociedade e a própria
divisão de classes, é inestimável.
E se a insatisfação faz o ser humano sair de sua zona de conforto, a crise atual
no capitalismo incita a novos modos de pensar e agir.
Realizados alguns apontamentos sobre a história das mulheres em geral, sem
esquecer que muitas mulheres foram protagonistas pioneiras, sejam ou não
(re)conhecidas, no panorama mundial, esboçar-se-á um breve resumo histórico
acerca da luta das mulheres pela igualdade real no Brasil.
Acesso em: 10 jun. 2015. Eve Ensler, dramaturga e ativista do feminismo conhecida por ter escrito o
texto original da peça teatral Os Monólogos da Vagina, foi contratada pela produção para conversar
com o elenco e a equipe do filme sobre violência contra a mulher no mundo - e, principalmente, em
zonas de guerra. "É o início de uma rebelião feminista contra o patriarcado", disse Ensler sobre o filme,
em entrevista à Time. O filme australiano considerado de ficção pós-apocalíptica e ação, tem
personagens femininas fortes que se rebelam contra o patriarcado dominante.
60 ROSIN, Hanna. The end of men and the rise of women. USA: Riverside Books, 2012. Hanna Rosin
credita o apetite das mulheres na busca de espaços ao que denomina de “underdog feelings”, que seria
o sentimento do cachorro pequeno que precisa brigar para comer, contrapondo-se ao que a socióloga
australiana R. W. Cornell chama de “dividendo patriarcal”, referindo-se aos direitos garantidos do
macho, fórmula que vem se esgotando, mas que ainda persiste, diante da existência de desigualdade
entre homens e mulheres, mesmo em países tidos como avançados.
39
1.2 Apontamentos sobre a história das lutas das mulheres pela igualdade no
Brasil
61 Cf. SIMIONI, Ana Paula C.; NOGUEIRA, Manuela Henrique. Outras telas para outros papéis. Revista
de História da Biblioteca Nacional. Ano 10 n.113 - fevereiro de 2015, pp. 34-39.
62 Gilberto Freyre, ensaísta, historiador, autor de ficção, jornalista, poeta e pintor é considerado por
muitos como um dos mais importantes sociólogos brasileiros do século XX, e escreveu entre 1933 e
1937, três obras tratando sobre a formação da sociedade brasileira: "Casa Grande & Senzala",
"Sobrados e Mucambos" e "Nordeste". "Casa Grande & Senzala"é tida como importante estudo sobre
a formação da sociedade patriarcal brasileira. Freyre, Gilberto. Casa-Grande e Senzala. Global Editora,
São Paulo:2013.
63 GIULANI, Paola Cappelini. “Os Movimentos de Trabalhadoras e a Sociedade Brasileira.” DEL
PRIORI, Mary (org). História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 1997, pp. 658-660.
40
64 ROCHA, Karine. “Sementes da Revolução.” Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 10, n.113
- fevereiro de 2015, pp. 26-29
65 FLORESTA, Nísia. Opúsculo Humanitário (1853). São Paulo: Cortez, INEP, 1989, p. 2.
66 Cf. TELLES, Norma. “Outras Palavras.” Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 10 n.113 -
72LOURO, Guacira Lopes. História das Mulheres no Brasil. DEL PRIORE, Mary; BASSANEZI, Carla
(Coord.) São Paulo: Contexto, 1997, pp. 443-481.
43
descritas como mocinhas infelizes e frágeis, vulneráveis, portanto, sendo presa fácil
da ambição masculina.
Como a documentação produzida na época, sobre o universo das fábricas era
predominantemente masculina, dispondo-se de poucos documentos escritos pelas
mulheres, pode-se dizer que se lida aqui com a construção masculina da identidade
das trabalhadoras. Sendo assim, não é difícil concluir que falar das trabalhadoras da
época implica retratar um mundo de opressão e exploração, em que as mulheres
operárias aparecem como figuras vitimizadas e sem resistência, passivas, sem rosto
e sem expressão política.
A industrialização brasileira iniciou no nordeste do país, no século XIX,
deslocando-se para o sudeste do país, primeiramente com maior concentração no Rio
de Janeiro e, a partir de 1920, em São Paulo, sendo significativo o número de
mulheres imigrantes, que constituíam mão de obra abundante e barata. Assim, de
modo geral, laboravam nas indústrias de fiação e tecelagem, com escassa
mecanização.
As barreiras enfrentadas pelas mulheres na participação no mundo dos
negócios eram grandes, independentemente da classe social a que pertencessem,
enfrentando obstáculos como a variação salarial, a intimidação física, a
desqualificação intelectual e o assédio sexual, entre outros, nas tentativas de ingresso
em um mundo definido como masculino pelos homens e quando conseguiam vencer
as barreiras, ocupavam, muitas vezes, posições secundárias.
A situação das mulheres em relação ao ingresso no mundo do trabalho, em
funções que não as tidas como “femininas”, somente começou a ser modificada com
o advento da segunda guerra mundial, quando o trabalho das mulheres passou a ser
mais requisitado, diante da ausência de homens disponíveis para o trabalho73.
As mulheres, vistas como mais dóceis e menos politizadas, eram preferidas
pelas indústrias, porque aceitavam ganhar menos que os homens.
73RAGO, Margareth. “Trabalho Feminino e Sexualidade.” História das Mulheres no Brasil. DEL
PRIORE, Mary; BASSANEZI, Carla (Coord.) São Paulo: Contexto, pp. 578-606.
44
74 SÍMON, Sandra Lia. O Ministério Público do Trabalho e a proteção do trabalho da mulher. Trabalho
de mulher: mitos, riscos e transformações. REIS DE ARAUJO, Adriane; MOURÃO, Tania Fontenelle
(Coord). São Paulo: LTr, 2007, p. 32.
75 MATOS, Maria Izilda; BORELLI, Andrea. “Espaço feminino no mercado produtivo.” PINSKI, Carla
Bassanezi; PEDRO, Joana Maria. Nova História das Mulheres. São Paulo: Contexto, 2012, pp. 126-
147.
45
Nunca vi fazer tanta exigência, nem fazer o que você me faz. Você não sabe
o que é consciência, não vê que eu sou um pobre rapaz. Você só pensa em
luxo e riqueza. Tudo o que você vê você quer. Ai, meu Deus que saudade da
Amélia. Aquilo sim é que era mulher. Às vezes passava fome ao meu lado. E
achava bonito não ter o que comer. Quando me via contrariado, dizia: “Meu
filho, o que se há de fazer! Amélia não tinha a menor vaidade. Amélia é que
era mulher de verdade77.
No entanto, a Amélia que inspirou a canção era uma pessoa real, Amélia
Ferreira, ex-lavadeira da cantora Aracy de Almeida e sustentava sozinha oito filhos,
com muito trabalho78.
Durante a segunda guerra mundial, conforme Pamplona Filho79, incrementou-
se a utilização da mão de obra feminina em substituição à mão de obra masculina.
Passada a guerra, o aproveitamento das mulheres na indústria europeia,
americana e brasileira foi irreversível, embora fossem vistas agora como concorrentes
indesejadas pelos homens.
Entre os anos 1940 e 1960, houve movimentos de mulheres de conotação de
“esquerda”, buscando mobilizar as mulheres para lutar por uma sociedade mais justa
diante dos desequilíbrios estruturais sociais brasileiros, de forma crítica ao sistema
capitalista, sem muito sucesso, contudo, pois muitos eram vinculados ao Partido
Comunista Brasileiro e acreditava-se que a luta das mulheres era secundária, pois
com o advento do comunismo, a opressão das mulheres seria eliminada, pois
resultante unicamente das condições existentes na sociedade capitalista.
Assim relata Soihet:
80SOIHET, Raquel. “A conquista do espaço público”. Nova História das Mulheres. PINSKI, Carla
Bassanezi; PEDRO, Joana Maria (Coord.). São Paulo: Contexto, 2012, pp. 218-237.
47
81 PEDRO, Joana Maria. Corpo, Prazer e Trabalho. Nova História das Mulheres no Brasil. PINSKI, Carla
Bassanezi; PEDRO, Joana Maria (Coord.) São Paulo: Contexto, 2012, pp. 238-259.
82 Cf. MORAES, Maria Lygia Quartin de. Militância Libertária. Revista de História da Biblioteca Nacional.
a pedido do promotor do caso e o réu foi condenado, o que foi considerado como uma vitória
emblemática das mulheres em relação aos “crimes de honra”, remarcando a ideia de que a honra de
uma mulher é pessoal e exclusiva, não atingindo a esfera pessoal de seu namorado, companheiro ou
marido. Conforme PEDRO, Joana Maria. Meu corpo, minhas regras. Revista de História da Biblioteca
Nacional ano 10 n.113-fevereiro de 2015, pp. 30-33.
48
84 LAGE, Lana. NADER, Maria Beatriz. “Da legitimação à condenação social”. Nova História das
Mulheres. PINSKI, Carla Bassanezi; PEDRO, Joana Maria (Coord.). São Paulo: Contexto, 2012, pp.
286-312.
85 Conforme MORAES, Maria Lygia Quartin de. Op.cit, nota 82, pp. 16-18.
86 GIULANI, Paola Cappelini. Op.cit, nota 63, pp. 658-660
87 MORAES, Maria Lygia Quartin de. Op.cit, nota 82, pp 16-18.
49
91 Ibidem.
92 Ibidem.
93 Disponível em: <http://www.stf.jus.br/>. Acesso em: 15 jun. 2015.
52
gap. A slight decline in the wage equality for similar work and estimated earned income is off set by an
increase in the years with a female head of state since Dilma Rousseff is now in her fourth year of her
presidency. Brazil is 6% closer to closure of the gender gap overall since 2006. In the 2006-2014 period,
it recorded the greatest improvement in the region in terms of primary education enrolment.
97 Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/>. Acesso em: 15 jun.2015.
98 Ibidem.
99Nas palavras de Caplan: O discurso moderno da igualdade formal levou a grandes e, em nome da
100 HERRERA FLORES, Joaquín. De habitaciones próprias y otros espacios negados (Uma teoria
crítica de las opressiones patriarcales). Bilbao: Universidad de Deusto, 2005 p. 18.
101 Idem. El Vuelo de Anteo. Derechos Humanos y Critica de la Razón Liberal. Madrid: Desclée de
hoje, marchamos mais uma vez para dizer que não aceitaremos que palavras
e ações sejam utilizadas para nos agredir. Nenhuma palavra mais vai nos
parar, impedir, restringir ou dividir, pois os direitos das mulheres são de todas.
Enquanto, na nossa sociedade machista, algumas forem invadidas e
humilhadas por serem consideradas vadias, TODAS NÓS SOMOS VADIAS.
E somos todas santas, e somos todas fortes, e somos todas livres para ser o
que quisermos! Somos livres de rótulos, de estereótipos e de qualquer
tentativa de opressão masculina à nossa vida, à nossa sexualidade e aos
nossos corpos. (...) Negras, brancas, indígenas, estudantes, trabalhadoras,
prostitutas, camponesas, transgêneras, mães, filhas, avós. Somos de nós
mesmas, somos todas mulheres, somos todas vadias!104
física das mulheres. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/. Acesso em: 20 jun. 2015.
57
107 GARRACHÓN, Rosa Escapa. Ten, Luz Martinéz. Op.cit, nota 19, p. 47.
58
Tanto o meio ambiente como as mulheres são vistos pelo capitalismo patriarcal
como “coisa útil”, que devem ser submetidos às supostas necessidades
humanas, seja como objeto de consumo, como meio de produção ou
exploração. Além disso, o capitalismo patriarcal apresenta uma intolerância
diante de outras espécies, seres humanos ou culturas que julga subalternas ao
seu poder, buscando, assim, dominá-las. Neste contexto estão inseridos tanto
o meio ambiente quanto as mulheres. O ecofeminismo pode ser dividido em
três tendências: a) Ecofeminismo clássico. Nesta tendência o feminismo
denuncia a naturalização da mulher como um dos mecanismos de legitimação
do patriarcado. Segundo o ecofeminismo clássico, a obsessão dos homens
pelo poder tem levado o mundo a guerras suicidas, ao envenenamento e à
destruição do planeta. Neste contexto, a ética feminina de proteção dos seres
vivos se opõe à essência agressiva masculina, e é fundamentada através das
características femininas igualitárias e por atitudes maternais que acabam pré-
dispondo as mulheres ao pacifismo e à conservação da natureza, enquanto os
homens seriam naturalmente predispostos à competição e à destruição;
b) Ecofeminismo espiritualista do Terceiro Mundo. Teve origem nos países do
Sul, tendo a influência dos princípios religiosos de Gandhi, na Ásia, e da
Teologia da Libertação, na América Latina. Esta tendência afirma que o
desenvolvimento da sociedade gera um processo de violência contra a mulher
e o meio ambiente, tendo suas raízes nas concepções patriarcais de
dominação e centralização do poder. Caracteriza-se também pela postura
crítica contra a dominação, pela luta antisexista, antiracista, antielitista e anti-
antropocêntrica. Além disso, atribui ao princípio da cosmologia a tendência
protetora das mulheres para com a natureza; c) Ecofeminismo construtivista.
108Em http://www.ecodebate.com.br/2009/01/23/do-lado-dos-ultimos-entrevista-com-vandana-shiva/.
Acesso em 30 de junho de 2015.
109 ANGELIN, Rosangela. “Gênero e meio ambiente: a atualidade do ecofeminismo”. Revista Espaço
Acadêmico, n. 58, Maringá, março de 2006. Disponível em
http://www.espacoacademico.com.br/058/58angelin.htm
59
Esta tendência não se identifica nem com o essencialismo, nem com as fontes
religiosas espirituais das correntes anteriores, embora compartilhe ideias como
antirracismo, anti-antropocentrismo e anti-imperialismo. Ela defende que a
relação profunda da maioria das mulheres com a natureza não está associada
a características próprias do sexo feminino, mas é originária de suas
responsabilidades de gênero na economia familiar, criadas através da divisão
social do trabalho, da distribuição do poder e da propriedade. Para tanto,
defende que é necessário assumir novas práticas de relação de gênero e com
a natureza.
Outra corrente que merece destaque é o tecnofeminismo, que busca entender
a relação entre a tecnologia, tão presente na vida contemporânea e os movimentos
feministas. Para Wacjman, o feminismo tem realizado uma contribuição teórica crítica
para a compreensão da ciência e da tecnologia como materiais sociais e políticos e
os movimentos feministas são os que melhor conseguem praticar políticas
“inteligentes” e formar redes sociotécnicas. Em suas palavras:
La promessa del tecnofeminismo es doble. Ofrece uma manera diferente de
compreender la naturaliza de la agencia y del cambio em un mundo
postindustrial, así como los médios para introducir um cambio 110.
110
WAJCMAN, Judy. El Tecnofeminismo. Valencia: Catedra, 2006, p. 196
111BALAGUER, Mária Luisa. Mujer e Constitución. La construcción jurídica del gênero. Madrid:
Catedra, 2005, pp. 26-27.
60
112OSBORNE, Raquel. Apuntes sobre violência de gênero. Barcelona: Edicions bellaterra, 2009, pp.
167-168.
61
olvidando que o âmbito público não está separado do privado e que a perspectiva
temporal deve ser substituída e/ou complementada com a perspectiva espacial.
As quatro vertentes teóricas principais, de forma geral, buscam o abandono do
pensamento neutro e dualista.
Chega-se, porém, a apontar a existência de uma quinta vertente teórica
entendida como o feminismo pós-colonial, com raízes em etnias diversas e autoras
empenhadas na construção de uma nova subjetividade superando os valores da
perspectiva patriarcalista, para concluir que as teóricas feministas de forma plural e
diferenciada entre si, buscam uma nova forma de pensamento, colocando em questão
teorias e práticas dominantes que invisibilizam a diferença existente entre homens e
mulheres, objetivando uma ética e uma política democrática e interativa com filosofia
desconstrutiva e reconstrutiva das relações de dominação e, ainda, uma política de
reconhecimento das diferenças entendidas de forma multicultural e crítica114.
Para tanto, colocam em questão as dualidades e as lógicas colonialistas que
impõe um único código normativo: a crença na neutralidade do signo, ou seja, da
norma moral e jurídica com separação entre sujeito e objeto do conhecimento. É
questionado também o dogma da livre eleição das condições de vida. A escolha das
condições de vida e de luta não pode depender apenas da sorte. A preponderância e
a naturalização dos valores patriarcais induzem a duas situações: a visível, entendida
como esfera dos iguais e a invisível, a dos diferentes.
É relevante a divisão entre as teóricas feministas acerca da diferença e da
igualdade. As feministas que defendem a diferença negam o papel do direito como
espaço de luta social.
Para Sendón de Leon115, a função do feminismo da diferença consiste em
manter a consciência crítica frente ao modelo vigente para propiciar de modo efetivo
a mudança; que não existe somente uma dominação real da qual as mulheres são
vítimas, mas também uma dominação simbólica que está no inconsciente; que há uma
dominação tácita e simbólica que consegue passar por normal o que é aberrante e é
precisamente essa dominação que é objeto de interesse das feministas da diferença;
que falar do simbólico provoca, com frequência, reações céticas e\ou sarcásticas e
que há outra ordem simbólica que existe de modo incipiente e que deve ser criada,
passando pelo processo de recontextualização que é tão difícil como fazer visível o
invisível e exige uma política consciente. Uma maneira efetiva de recontextualização
é através da arte e também da criação de espaços próprios, que devem ser coletivos,
pois criar uma ordem simbólica é uma tarefa coletiva. A aspiração do feminismo da
igualdade é que as mulheres cheguem a ser sujeitos com todas as prerrogativas que
são atribuídas ao “sujeito universal”, com direitos substantivos que levem em conta os
desejos legítimos das mulheres, reclamando-se desde as diferenças, as diferenças
ante o modelo construído para os privilégios masculinos. A igualdade e a diferença
não são irreconciliáveis, pois a igualdade não é o que se opõe à diferença, cabendo
aceitar que não existe feminismo, mas feminismos, que não são antagônicos, nem
irreconciliáveis, conceitualmente.
As feministas que defendem a igualdade centram a estratégia na consecução
da igualdade de oportunidades, estabelecendo uma dicotomia entre igualdade-
diferença.
Rubio Castro116 aposta em uma “igualdade complexa” e adverte que reivindicar
a diferença em interação com a igualdade é reclamar um sistema jurídico abstrato e
geral compatível com a existência de homens e mulheres, não de sujeitos de direito
ou categorias abstratas, pois a diferença não se opõe ao estabelecimento de
determinada igualdade, à existência de normas para todos, indispensável à vida em
sociedade. A cultura que se deseja superar tem utilizado os conceitos igualdade,
solidariedade entre las mujeres constituye nuestro bagage político más poderoso. 9. La lucha por el
poder comienza em la autosignificacíon, la autoridade feminina y el empoderamiento de espacios
creados pelas propias mujeres. 10. El objetivo del poder no consiste en conseguir “cargos” para las
mujeres, sino en lograr una representatividade substantiva, y no abstracta, propia del “sujeto universal
y neutro”. 11. El feminismo da diferencia es una ética fundada em valores que nosotras tedremos que
ir definiendo. 12. El pensamento de la diferencia sustituye la lógica binaria por la lógia analógica, que
tiene que ver com la vida y no con conceptos interessados que la sustituyen. 13. El feminismo de la
diferencia no es una meta, sino un caminho provisional. No es un dogma, sino uma búsqueda. No es
uma doctrina sectária, sino una experiencia ao hilo de la vida.”
116 RUBIO CASTRO, Ana. Feminismo y Ciudadania. Instituto Andaluz de la Mujer. Sevilla: Málaga,
117 SAU, Victoria. Dicionário ideológico feminista. Barcelona: Icaria, 1989, pp. 237-238.
65
120 Em sentido diverso, Avtar Brah refere que “ Las relaciones patriarcales son una forma específica de
las relaciones de género em las que las mujeres habitan uma posición subordinada. Al menos en teoria,
resultaria posible imaginar un contexto social em el que las relaciones de género no estuvieram
asociadas con la desigualdade. Guardo además, serias reservas acerca de la utilidade analítica o
política de mantener líneas de demarcación entre “patriarcado” y la particular formación
socioeconômica y política – por ejemplo, capitalismo o socialismo de Estado – em el que éste se inserta.
Seria de mucha más utilidade compreender como las relaciones patriarcales se articulan con otras
formas de relación social en un determinado contexto histórico. Las estructuras de clase, racismo,
género y sexualidade no pueden tratarse como “variables independentes” porque la opresión de cada
uma está inscrita en las otras – es constituída por y es constitutiva de las otras”. BRAH, Avtar.
“Diferencia, diversidad, diferenciación”. Otras inapropiables. Feminismos desde las fronteras. Madrid:
Traficantes de suenos, 2004, p. 112.
121 Disponível em: <http://www.magmablog.com/2010/05/china-e-suas-plasticas-bizarras.html>.
Acesso em: 20 jun. 2015.
67
126GILLIGAN, Carol. In a diferent voice. Psychological Theory and women´s development. Harvard
University Press, 1993, p. XXVI.
70
127 WOOLF, Virginia. Um cuarto próprio. Traduccion de Maria Milagros Rivera Garretas. Madri: Hora Y
Horas, 2003.
128 WOOLF, Virginia. Op. cit. nota 127.
129 Caplan aponta que a igualdade material não é uma redução dos seres humanos a uma idêntica
condição e sim a garantia concreta de condições idênticas para viver suas diferenças, tratando-se do
empoderamento dos seres humanos em perspectiva de integração, opondo-se às práticas
hegemônicas, para assegurar-lhes a dignidade, conforme concebido pela teoria crítica. CAPLAN,
Luciana. Op.cit, nota 93, pp. 115/130, em especial a p. 121.
130 BODELÓN. Encarna. Feminismo y Derecho: Mujeres que van más allá de lo jurídico. Género y
dominación. Críticas feministas del derecho y del poder. Roberto Bergalli e Iñaki Riveras (Coords.).
Barcelona: Anthropos Editorial, 2009, p. 100.
71
Vocês ganharam quartos próprios na casa que até agora era só dos homens.
Podem, agora, com muito trabalho e esforço, pagar o aluguel. Estão
ganhando suas quinhentas libras por ano. Mas essa liberdade é só o começo;
o quarto é de vocês, mas ainda está vazio. Precisa ser mobiliado, precisa ser
decorado, precisa ser dividido. Como vocês vão mobiliar, como vocês vão
decorar? Com quem vão dividi-lo, e em que termos? São perguntas, penso
eu, da maior importância e interesse. Pela primeira vez na história, vocês
podem fazer essas perguntas; pela primeira vez, podem decidir quais serão
as respostas131.
131 WOOLF, Virginia. Profissões para mulheres e outros artigos feministas. Porto Alegre, L&PM, 2012,
pp. 18-19.
132 BODELÓN. Encarna. Op.cit, nota 130, p. 100.
133 FREITAS DE ALVARENGA, Lúcia Barros. La violência de gênero. Algunas cuestiones básicas.
Discriminación y violência contra la mujer. Uma cuestion de gênero. Porto Alegre: Núria Fabris, 2011
37, p. 253
134 Disponível em: <http://womenshistory.about.com/od/feminism/a/consciousness_raising.htm>.
Acesso em: 25 jun. 2015.
72
A afirmação de que uma distinção clara e simples pode ser estabelecida entre
o político e o pessoal, o público e o doméstico, tem sido básica para a teoria
liberal ao menos desde Locke, e permanece como fundamento de boa parte
da teoria política até os dias atuais. Como as teóricas feministas têm
demonstrado, essa divisão fundamental se baseou nas práticas sociais e
culturais do patriarcado, e não pode ser mantida caso se vislumbre o fim da
longa era do patriarcado. Enquanto algumas feministas argumentaram que
não é necessário manter uma esfera privada, muitas, incluindo eu mesma,
concordariam com os teóricos liberais das correntes hegemônicas quanto à
necessidade de uma esfera de privacidade e, de maneira geral, quanto às
razões dessa necessidade. (...) E concluo que as instituições e práticas de
gênero terão de ser muito alteradas para que as mulheres tenham
oportunidades iguais às dos homens, seja para participarem das esferas não-
domésticas do trabalho, do mercado e da política, seja para se beneficiarem
das vantagens que a privacidade tem a oferecer. (...) A ligação entre as duas
esferas, nunca tão distintas de fato quanto na teoria, continuará a flutuar. Se
nós precisamos manter alguma proteção à vida privada e pessoal em relação
à intromissão e ao controle, a dicotomia entre o público e o doméstico, por
outro lado, não será, provavelmente, na teoria ou nas práticas de um mundo
livre das amarras do gênero, algo tão distinto como o que tem prevalecido na
teoria política hegemônica do século XVII até o presente135.
Para Herrera Flores136, desde Virginia Woolf a luta feminista contra o sistema
de valores dominante e contra a exclusão das mulheres dos privilégios da divisão
capitalista do trabalho encontra apoio para a conquista de espaço público e tempo
próprio, diversos dos permitidos pelo denominado “predador patriarcal”, embora
complemente a metáfora do quarto próprio com a metáfora mais antagônica e
opositiva da consciência “cyborg”, expressão utilizada por Haraway137, entendida
como caminho único para enfrentar realidades com faces múltiplas de opressão e
exploração138.
A consciência “cyborg” exigiria novas propostas antagonistas e de resistência
para a estruturação de práticas a partir de uma metodologia dos oprimidos,
concretizando-se em cinco pontos: em primeiro lugar, uma nova leitura do mundo
135 OKIN, Susan Mooler. Justice, gender and the Family. Nova Iorque: Basic Books, 1989. Também
disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-026X2008000200002&script=sci_arttext>. Acesso em: 20
jun. 2015.
136 HERRERA FLORES, Joaquín.. Op.cit, nota 100, pp. 15-16.
137 HARAWAY, Donna. Ciencia, cyborgs y mujeres. La reinvención de la naturaleza. Col. Feminismos,
1995, p. 253.
138 HERRERA FLORES, Joaquín. Op.cit, nota 100, pp 20-21.
73
140 Idem. La construcción de las garantias. Hacia uma concepción patriarcal da la liberdad y la igualdad.
Igualdade, diferença e direitos humanos. SARMENTO, Daniel, IKAWA, Daniela, PIOVESAN, Flavia
(Coord.). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, pp. 111-146.
141 Idem. Op.cit, nota 94, p. 18.
74
cumplicidade das feministas e dos socialistas com o contrato, deve-se voltar à atenção
para a subordinação e à contradição da escravidão142.
A teoria do contrato estaria assombrada pela contradição da escravidão em
variadas formas, não exorcizada a contento pelos críticos do contrato, e que
reaparecem continuamente, porque a liberdade, como autonomia, está ainda ligada à
dominação sexual.
A igualdade não necessita ser apenas formal, nem apenas um princípio
constitucional, mas deve ser compreendida como igualdade real, sendo importante
destacar que a consideração da diferença não conduz à impossibilidade de
estabelecimento de um patamar de igualdade, ou ao repúdio à existência de regras,
que são necessárias para o convívio social; a diferença tem sido tratada de maneira
essencialista, considerando os grupos como portadores de características inerentes,
sendo preciso, porém, compreender a diferença de modo relacional, produto de
processos sociais e como diversidade, heterogeneidade e não inferioridade143.
Para Rubio Castro144, o que o feminismo necessita para avançar em igualdade,
nas palavras de Antonio Gramsci, é construir um espaço social ampliado, onde exista
intersecção entre os âmbitos públicos e privados; o público e o privado, o social e o
pessoal e esta nova ordem social não será possível sem a construção de novas
subjetividades, tudo supondo a construção de um novo modelo de sociedade, de uma
teoria crítica do direito e da política, demandando um novo pacto social, com
ressignificação da subjetividade, da cidadania, conciliando tempos e espaços de vida
no novo marco imposto pela globalização. Young, ao analisar as diferentes formas de
exclusão de poder, enfatiza a necessidade de exigência, pelas mulheres, de um novo
pacto, inclusivo de todas e todos, simbolizado na democracia paritária.
Rubio Castro defende que a recomposição da subjetividade e da cidadania das
mulheres não ocorre no espaço privado, mas no âmbito da política e, mais
concretamente, no Direito e no Estado, aduzindo que o reconhecimento das mulheres
como parte da sociedade civil e como sujeitos com autoridade faz com que estejam
presentes e reconhecidas como sujeitos iguais, atores políticos, posição que somente
é estabelecida na democracia paritária, sendo imprescindíveis três lutas sociais e
políticas para o avanço da igualdade entre homens e mulheres.
São elas: a primeira, realizar um debate político profundo acerca das
instituições socializadoras do indivíduo, como a família, a escola e os meios de
comunicação, despojando-as dos estereótipos presentes em relação ao masculino e
ao feminino; a segunda, desenvolver em profundidade o princípio da igualdade de
oportunidades, realizando uma correta distribuição de bens materiais e imateriais
(incluindo o combate ao assédio sexual nas relações de trabalho), intervindo também
sobre as normas que determinam a seleção de pessoas para as funções de liderança
e direção; e em terceiro lugar, desenvolver a democracia paritária, criando um conceito
de representação política paritário entre homens e mulheres145.
Os novos desafios da realidade atual exigem o desenvolvimento de novos
espaços com a participação inclusiva de mulheres e homens, pois somente assim
poderão ser alcançados ou promovidos consensos políticos justos com redução da
violência e promoção da democracia146. Complementando, para Herrera Flores:
Nilo Kaway Junior. Florianópolis: Editora Bernuncia, 2007, pp. 124 - 145.
76
mujer no es uma opción. Algunos seres humanos son mujeres, la mitad, más
o menos. E considerando el hecho en sí, no acaban de entender que eso sea
um defecto, o que pueda llegar a parecerlo, por los efectos que tiene el trato
que reciben y las oportunidades que echan em falta. De ahí que este colectivo
se proponga alcanzar las mismas cosas que el conjunto considerada buenas
justamente como es. Y sigue sin tenerlas a mano, sino que se pueda ya
recurrir para explicarlo ni al pecado original ni a la falta de formacion
necessária148.
148 VALCÁRCEL, Amelia. La Política de las Mujeres. Valencia: Catedra, 2005, p. 195.
149 HERRERA FLORES, Joaquín. Op.cit, nota 100, p. 55.
150 Ibidem, p. 114.
77
151 NYE, Andrea. Teoria feminista e as filosofias do homem. Op.cit, nota 1, p. 252.
152 HERRERA FLORES, Joaquín. .Op.cit, nota 100, pp. 65-66.
153 VIANELLO, Mino; CARAMAZZA, Elena. Género, espacio y poder. Para una crítica de las Ciencias
identificando estos derechos como un producto cultural surgido en occidente, donde han jugado un
papel ambivalente como justificación ideológica de la expansión colonialista, al mismo tiempo que como
discurso enfrentado a la globalización de los distintos tipos de injusticias y opresiones. Disponível em:
<http://joaquinherreraflores.org/content/biografia-de-joaquin-herrera-flores>. Acesso em: 15 jul. 2015.
158 Iris Marion Young foi uma das mais importantes cientistas políticas do último quarto do século XX,
conhecida pelo seu trabalho nas teorias de justiça, teoria democrática e teoria feminista. Disponível em:
<http://www-news.uchicago.edu/releases/06/060802.young.shtml>. Acessso em: 10 jun. 2015.
79
1.4 A teoria de Justiça de Iris Marion Young e o assédio sexual nas relações de
trabalho dentro do diamante ético de Joaquin Herrera Flores
A busca de uma teoria da justiça alinhada com a teoria crítica dos direitos
humanos é uma das questões mais importantes dos debates sociológico, filosófico e
jurídico nos tempos atuais, buscando compreender o contexto e as perspectivas de
futuro. Autores como Rawls159 e Walzer160 dedicaram muito de seu trabalho à
elaboração de teorias da justiça. Entretanto, conforme doutrina Herrera Flores, é
dentro das teorias feministas, em especial no trabalho de Iris Marion Young161, que se
encontra uma teoria da justiça contraposta às demais, em especial a de Rawls. Sousa
Santos162 adota posição semelhante ao aduzir não ser por acaso que, nas últimas
duas décadas, a sociologia feminista produziu a melhor teoria crítica, pois sendo
múltiplas as faces da dominação, são múltiplas as resistências e os agentes que as
protagonizam e na ausência de um princípio único, não é possível reunir todas as
resistências e agências na alçada de uma grande teoria comum. Em trabalho mais
recente, Sousa Santos vai além, pois apresenta uma teoria sóciojurídica da
indignação163.
Conforme Sousa Santos164, são múltiplas as faces da dominação e da
opressão, muitas negligenciadas pela teoria crítica moderna, o que é bem visível em
Habermas, como demonstrou Nancy Fraser.
As teorias tradicionais de direitos humanos não oferecem uma resposta
adequada aos problemas enfrentados pelas mulheres e as teorias feministas
159 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
160 WALZER, Michael. Esferas da Justiça. Uma defesa do pluralismo e da igualdade. São Paulo: Martins
Fontes, 2008.
161 YOUNG, Iris Marion. La justicia y La política de La diferencia. Valencia: Catedra. 2000.
162 SOUSA SANTOS. Boaventura de. A crítica da razão indolente. Contra o desperdício da experiência.
estudaram uma reformulação das teorias tradicionais com o objetivo de enfrentar este
conflito ideológico165.
Conforme Matos166, as feministas desempenham papel central nos esforços de
articulação de princípios e práticas de justiça social em um mundo crescentemente
desigual e de destaque político para as diferenças, cabendo destacar que uma “justiça
feminista” ou “de gênero” ou mesmo o potencial das teorias feministas seguem como
trabalhos em andamento. Enfatiza-se aqui a análise de Herrera Flores sobre o
patriarcalismo e sua visão sobre as teorias feministas, perpassando os temas da
liberdade e da igualdade, ressaltando o lineamento de uma teoria da justiça - na
esteira de Iris Marion Young - analisando o conceito de espaço, dentro da separação
entre público e privado. Urgindo aqui a necessidade de reinterpretar o espaço como
um espaço social ampliado, desde uma visão crítica e aprimorada da atividade política
e, ainda, destacando-se a concepção das diferenças como recurso público e a
necessidade do contexto social como referência e caminho para a condução da
dignidade, entendida como a recuperação da potência e da capacidade de fazermos
juntas e juntos o mundo no qual se quer viver, reinterpretando o espaço com visão
crítica e ampliada da política.
Para Herrera Flores, não há oposição absoluta entre igualdade e diferenças,
faces da mesma moeda, sujeitas a tensões difíceis e que repercutem na construção
do espaço de luta pela dignidade humana, tido como o supremo bem social a ser
perseguido. Nas palavras de Herrera Flores:
165 FREITAS DE ALVARENGA, Lúcia Barros. Op.cit, nota 133, pp. 454-455.
166 MATOS, Marlise. Feminismo e teorias da Justiça. Dimensões políticas da justiça. AVRITZER,
Leonardo et al. (Orgs). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013, p. 152-153. Para a autora, não é
possível não reconhecer o esforço das teorias da justiça defendidas pelo feminismo atual em recolocar
o debate na chave de um conhecimento que esteja a serviço da transformação e emancipação sociais,
necessariamente distanciado da produção de conhecimento descorporificado, desencarnado e caduco
das urgências e emergências das nossas sociedades, profundamente desiguais e injustas.
167 HERRERA FLORES, Joaquín. .Op.cit, nota 100, pp. 90-91.
81
Farinãs Dulce168 aponta que o feminismo da igualdade tem sido traduzido como
a exigência de um tratamento igualitário com o sentido, de uma parte, da eliminação
de discriminações manifestas entre mulheres e homens e de outra parte, da
constituição de mulheres como sujeitos dotados de plena autonomia, que rechaçam
regras protetoras; já o feminismo da diferença é manifestado como a busca de um
tratamento especial, que realiza uma igualdade substancial, através da valorização da
diferença, evidenciando a falsa neutralidade do direito.
Já para o feminismo materialista, a igualdade não seria um fato e a realidade
residiria mais nas diferenças e nas diferenciações impostas pelo contexto. Ainda, que
o combate pela lei, ou melhor, pelas conquistas jurídicas trazidas pelas lutas coletivas
pela igualdade e pela liberdade não se trata de produto de uma ação vazia, mas de
práticas contextualizadas de todas e todos a partir das diferenças e contra as
diferenciações, construindo a muralha que consiste ou deve consistir a democracia -
entendida como espaço comum de luta pela dignidade, baseada em igualdade e
também nas diferenças.
A igualdade deve ser entendida como a possibilidade de incluir nos catálogos
de direitos os projetos sociais e pessoais das mulheres. Tal conceito está vinculado
com a liberdade e a igual realização de direitos, uma vez redefinida a concepção dos
direitos e também da liberdade, sendo que a finalidade última da lei e das práticas
jurídicas sejam a construção de um novo modelo de cidadania capaz de reconhecer
e garantir os direitos das mulheres, tornando possível uma sociedade não
androcêntrica169.
Outro aspecto importante apontado refere a separação entre os espaços
públicos e os espaços privados, remarcando-se a necessidade de reinterpretar o
espaço a partir de uma visão crítica de ampliação da política. O avanço de modo
emancipador e não regulatório, de molde a abrir possibilidades de crescimento para
todas e todos significa ressignificar a liberdade de forma conectada à criação de
condições materiais, pois liberdade e igualdade são faces da mesma moeda e, ainda,
buscar novas modalidades de intervenção na realidade eliminando os óbices de forma
168FARINÃS DULCE, Maria José. Las asimetrias del género em el contexto de la globalización. Lo
Público y lo Privado en el contexto de la Globalización. Andalucia: Instituto Andaluz de la Mujer, 2006,
pp. 97-106.
169 BODELÓN. Encarna. Op.cit, nota 130, pp. 113-114.
82
a permitir o acesso de todas e todos aos bens necessários a uma vida digna,
inadmitindo a relegitimação das situações de marginalização e opressão que atingem
de forma especial as mulheres.
De acordo com Gosdal170, ao analisar a obra de Young, a teoria política
moderna reduz a complexidade social e as diferenças inerentes, unificando os temas
políticos e valorando o que é comum, estando a negação da diferença na estruturação
da razão ocidental e sendo os ideais de racionalidade, cidadania e igualdade
entendidos como masculino, negando a imparcialidade à diferença. Propondo, ainda,
que todas as situações sejam tratadas pelas mesmas regras, possibilitando que o
imperialismo cultural apresente determinados valores como universais, percepção
potencializada com a utilização crescente dos meios modernos de comunicação e da
globalização das relações econômicas do trabalho, residindo o grande desafio no
entendimento das diferenças como particularidade, heterogeneidade do corpo e da
afetividade e pluralidade das relações linguísticas e sociais a serem entendidas não
como inferioridade, mas como diversidade.
Young171 destaca que nas últimas análises feministas sobre a separação entre
o privado e o público na teoria política moderna implicam no ideal do cívico público
como imparcial e suscetível de equívocos. Os teóricos políticos e os políticos
modernos pregavam a imparcialidade e a generalização do público, descartando, de
outro lado, parte da população, incluídas as mulheres da participação do público.
Conclui-se que o ideal do cívico público, enquanto expressão do interesse geral e do
ponto de vista imparcial da razão, tem como resultado a exclusão daqueles que não
se ajustam ao modelo de cidadão racional, que pode transcender o corpo e os
sentimentos. Ao revés, uma política emancipadora deveria fomentar uma concepção
do público sem exclusão, em princípio, de nenhuma pessoa e de nenhum aspecto da
vida das pessoas nem qualquer tema de discussão. Conforme Young, um grupo
somente existe em relação a outro grupo172, agrupados mediante identificação
170 GOSDAL. Thereza Cristina. Op. cit, nota 143, pp. 305-318, em especial a p. 311.
171 YOUNG, Iris Marion. Imparcialidad y lo cívico público. Algunas implicaciones de las criticas
feministas a la teoria moral e política. Teoria Feminista y Teoria Crítica. BENHABIB, Seyla e Cornell,
Drucilla. Valencia: Alfons el Magnanin, 1990, pp. 89-117.
172 Ibidem, pp. 89-117.
83
entendida como interação entre coletividades sociais que diferem em suas formas de
vida, associação e hierarquia em relação ao acesso ao poder e seus instrumentos173.
Para Young, a justiça social requer não o desaparecimento das diferenças, mas
a existência de instituições que promovam a reprodução e o respeito das diferenças
de grupos, sem opressão. Embora alguns grupos tenham se formado a partir da
opressão e de que as relações de privilégio estruturem as interações entre os
numerosos grupos, a diferenciação em si não é opressiva. Para que um grupo seja
oprimido depende de que esteja sujeito a uma ou mais das cinco condições que serão
discutidas mais adiante (as cinco faces da opressão: exploração, violência, carência
de poder, imperialismo cultural e marginalização, que muitos entendem como
exclusão).
Essa visão de diferenciação de grupo como múltipla, cruzada, flexível e mutável
acarreta outra crítica ao modelo do sujeito autônomo e unificado, pois nas sociedades
complexas e altamente diferenciadas como a nossa, todos têm identificações
múltiplas e grupais e a cultura, perspectiva e as relações de privilégio destes grupos
diferentes poderá não manter coerência, concluindo-se que a pessoa individual,
constituída parcialmente por afinidades e relações de grupo não pode ser unificada,
pois ela mesma é heterogênea e não necessariamente coerente.
Um grupo pode ser considerado como oprimido por outro quando sofre uma ou
algumas, ou mesmo todas, das seguintes condições: exploração, marginalização,
carência de poder, imperialismo cultural e violência, entendidas como as caras da
opressão.
A exploração é entendida como a transferência dos resultados e consequências
da ação de um grupo social em benefício de outro e determina relações estruturais
entre os grupos sociais. As regras sociais sobre o trabalho (o que é o trabalho, quem
faz o que e para quem, qual a recompensa e quem se apropria dos resultados) atuam
para determinar relações de poder e desigualdade, que se produzem e reproduzem
por meio de um processo sistemático, com a energia das pessoas despossuídas
dedicadas a manter e aumentar o poder e a riqueza das pessoas possuidoras 174. A
opressão das mulheres consiste parcialmente em uma transferência sistemática e
sem reciprocidade de poder para os homens. Para Young, a opressão das mulheres
material das pessoas, sendo uma questão de poder concreto em relação às demais
pessoas.
O imperialismo cultural, de outro lado, é uma forma bastante diferente de
opressão. Decorre da imposição da cultura do grupo dominante sobre o outro,
invisibilizando as características próprias do outro, levando à universalização e
neutralização da experiência e da cultura de um grupo dominante e sua imposição
como norma. Os outros, considerados como o grupo desviado dentro da cultura
dominante, são invisíveis, mas, ao mesmo tempo, diferentes. Conforme Young182, a
injustiça do imperialismo cultural consiste em que as experiências e experimentações
da vida cultural própria dos grupos oprimidos contam com poucas expressões que
afetem a cultura dominante. De outra parte, a cultura dominante impõe aos grupos
oprimidos sua experiência e interpretação da vida social.
A violência, por fim, é aceita dentro do contexto social, que pode, inclusive,
justificá-la. É uma forma de justiça que parece não ser captada pela sua concepção
distributiva, sustenta-se que a violência dirigida contra determinados grupos está
institucionalizada e é sistêmica. Se as instituições e práticas sociais toleram ou
alimentam a violência contra pessoas de determinados grupos como as mulheres, por
exemplo, no ambiente de trabalho, tais instituições e práticas sociais são injustas e
devem ser reformadas, requerendo a redistribuição de recursos ou de posições
sociais, mas, principalmente, uma mudança nas imagens culturais, nos estereótipos
e na reprodução das relações de dominação na vida cotidiana.
Para Young183, a presença de qualquer uma dessas cinco condições é
suficiente para dizer que há opressão de um grupo sobre outro.
Uma teoria de justiça que se proponha a enfrentar o quadro de opressão deve
levar em conta a necessidade de reorganização das instituições e da prática de
tomada de decisões, modificando a divisão de trabalho e dando condições para a
transformação nos âmbitos institucional, estrutural e cultural, entendidos como
complexos e imbricados, criando um ambiente que propicie a denúncia e a alternativa.
A política deve ser entendida como relação social imbricada com a construção
simbólica da realidade, ao contrário do que dizem muitos. Tendo em vista que o
simbólico e o social se cruzam, cabendo destacar as reações culturais que levam aos
desigualdades e há assim três conjuntos de princípios éticos que imbricados entre si,
guardam diferenças conceituais claras. São eles: o princípio da
moralização/absolutização; o princípio da integração/assimilação e o princípio da
subjetivação/política da diferença.
Destes princípios, analisados por Herrera Flores185, salienta-se o da
subjetivação/política da diferença, que realiza uma crítica aos anteriores, o primeiro
por rechaçar a relação social, descabendo alternativas à ordem considerada “natural”;
o segundo por identificar as propostas sob uma visão única do político e do
institucional. Adota-se então uma posição de não redução do político a identificações
simplificadoras e redutoras dos complexos problemas por abordar. Existentes
diferenças em capacidades, possibilidades e estilos, tais diferenças devem ser
atendidas para que se alcance a inclusão e a participação de todos os grupos
integrantes da sociedade nas instituições econômicas e políticas.
Diferenças e desigualdades, conforme Herrera Flores, devem ser levadas em
conta como características, devendo a diferença ser entendida como passível de
interação de tipos particulares de pessoas com estruturas grupais e institucionais
específicas e consequência da história, da cultura e das diferentes configurações de
poder e funcionamento das ideologias, exigindo, portanto, conhecimento e
metodologia relacionais, apresentando-se a diferença como uma função das relações
entre os grupos e da interação dos grupos com as instituições.
Das teóricas feministas que se dedicam ao estudo da teoria política de corte
antipatriarcal são extraídos três mecanismos para a efetividade de práticas
institucionais que reinterpretem a instituição política: a partir das diferenças, no
contexto do enfrentamento, do conflito de capacidades e direitos frente ao poder
instituído.
Em primeiro lugar, as instituições devem apoiar, no âmbito da política, as
atividades de auto-organização dos grupos, proporcionando o empoderamento
coletivo; devem possibilitar a veiculação expressada pelos grupos acerca dos efeitos
das políticas sociais e por fim deve ser outorgado poder de veto às políticas que
afetem diretamente ao grupo, evitando-se assim o estabelecimento de normas de
forma vertical (o direito dado).
O espaço social ampliado avulta como conquista a ser conseguida por meio de
luta social, superando a dicotomia entre o público e o privado, dentre outras
dicotomias, de modo a possibilitar que as mulheres tenham espaços para o exercício
de seus dons, cabendo aqui constatar que cabe às mulheres, como educadoras de
homens e mulheres, dentro do que se convencionou chamar espaço privado, cada
vez mais imbricado ao público, ampliar o sentido da educação para preparar as
cidadãs e os cidadãos do amanhã para o respeito e inclusão das diferenças em um
mundo plural e complexo.
A tomada de consciência a que refere Young, expressão utilizada pelos
movimentos de mulheres desde os finais dos anos 60, descrevendo que através de
um processo de compartilhamento de experiências, encontra-se um modelo comum
de opressão a estruturar as histórias pessoais, descobrindo-se que “lo personal es
político”, lema, como dito antes, cunhado nos anos sessenta pela feminista radical
Shulamith Firestone.
Para Young, nos últimos anos, corporações ilustradas, com motivação em parte
pelo desejo de evitar conflitos, lembrando-se aqui que a Justiça americana tem
arbitrado valores elevados em casos de indenização, tem instalado oficinas para
tomada de consciência quanto aos temas de assédio sexual.
189 Conforme Morin um paradigma impera sobre as mentes porque institui conceitos soberanos sua
relação lógica, disjuntiva, conjuntiva e implicativa, que governam de forma oculta as concepções e
teorias científicas realizadas sob seu império. MORIN, EDGAR. A cabeça bemfeita. Repensar a
reforma. Repensar o pensamento. São Paulo: Editora Bertrand Brasil, 2003, p. 114.
190 RICHTER, Jaqueline, Iranzo, Consuelo. “El trabajo feminino en la legislación venezoelana.”A
igualdade dos gêneros nas relações de trabalho. PENIDO, Lais de Oliveira. (Coord.). Brasília: ESMPU,
2006, pp. 213/242.
191 HERRERA FLORES. Op.cit nota 3, pp. 107-138.
92
Nas palavras de Herrera Flores “trabajemos para los derechos humanos sirvan
para añadir um poco más de verdad en este mundo tan injusto e desigual”192.
No esforço de ensinar a seus alunos a concepção complexa e relacional dos
direitos humanos, Herrera Flores visualizou uma figura que denominou “diamante
ético”, pretendendo oferecer uma imagem que concretizasse a nova perspectiva
proposta para a teoria crítica dos direitos humanos, o que se faz aqui também em
caráter de homenagem.
O diamante ético tem a proposta de ser uma figura afirmativa da indiscutível
interdependência entre os múltiplos componentes que definem os direitos humanos
no mundo contemporâneo e que vistos em sua real complexidade, constituem um
marco para a construção de uma ética que tenha como horizonte a consecução das
condições para que todas e todos possam levar à prática sua concepção de dignidade
humana.
Há transversalidade193 no diamante ético, uma rede de elementos em constante
e necessária comunicação.
Entende Herrera Flores que não há nada mais universal que garantir a todos a
possibilidade de lutar, de forma plural e diferenciada pela sua dignidade.
O diamante ético, como concebido por Herrera Flores, tem três capas, com
pontos de conexão mútua e dois eixos.
No eixo vertical, estão os elementos conceituais como as teorias, a posição, o
espaço, os valores, as narrações e as instituições.
No eixo horizontal, estão as condições materiais, como as forças produtivas, a
disposição, o desenvolvimento, as práticas sociais, a historicidade e as relações
sociais.
Os elementos do diamante ético foram dispostos em uma cruz de coordenadas,
tendo ao centro a dignidade humana, entendida como elemento central no
ordenamento dos elementos conceituais e materiais:
humanos; em segundo lugar, é preciso saber como as teorias são articuladas nas
práticas sociais dos agentes sociais. Como exemplo, questiona Herrera Flores, “cómo
van siendo asumidas socialmente las aportaciones de una teoria feminista que lleva
años reflexionando acerca de la situación de subordinación, teórica y practica, de la
mujer em las diferentes esferas de la vida privada y publica?”197; em terceiro, verificar
como as teorias constituem e reproduzem práticas e formas concretas de produção e
reprodução cultural e social, não podendo reduzir as ideias a um conjunto de
estruturas internas transmitidas aos cidadãos e cidadãs pelas instituições educativas,
políticas e sociais, nem considerar as ideias como resultado passivo da ação de uma
ideologia dominante, pois as ideias formam parte da construção humana e social da
realidade, tendo em vista ideias e teorias que desempenham função importante na
reprodução global da totalidade social, composta por propostas teóricas e por
instituições, colaborando ou não se opondo à disseminação das condições
necessárias para que se dê um determinado tipo de produção. Neste caso, entram as
forças produtivas e das relações associadas às forças produtivas, que são as relações
sociais de produção, sendo importante conhecer as ideias sobre os direitos, pois
consolidam o conhecimento sobre funções e processos sociais.
As teorias são as formas de encarar um processo ou um objeto e nos dão ideia
sobre eles. A situação de assédio sexual nas relações de trabalho é abordada nas
teorias e incluída nas discussões acerca da opressão, buscando sua visibilização.
Os valores são entendidos como preferências individuais e coletivas,
majoritárias e minoritárias a respeito de algo ou de uma situação e que permitam a
relação com os outros, remarcando-se que as normas jurídicas não podem fazer nada
por si só, pois como produtos culturais estão situadas no marco do sistema de valores
emancipatórios ou reacionários. Assim, não sendo as normas nacionais e
internacionais mais que instrumentos dos sistemas de valores e daí a importância,
para as pessoas comprometidas com os direitos humanos, da mudança de um
sistema de valores que justifica um acesso desigual aos recursos em função não das
pessoas, mas dos mercados financeiros. No caso do assédio nas relações de
trabalho, ainda predominam valores patriarcais, que aceitam a opressão sobre as
mulheres.
199
YOUNG, Iris Marion. Op.cit, nota 161, pp. 71-114.
200
VÁSQUEZ, Dolores de La Fuente. Acoso sexual. La Discriminacion Por Razon de Sexo em la
Negociação Coletiva. RIO, Teresa Pereza del. (Coord.) Madrid, Instituto de la mujer. 2005, p. 226.
101
201 PAMPLONA FILHO, Rodolfo Mário Veiga. Assédio sexual: questões conceituais. FRANCO FILHO,
Georgenor de Sousa (Coord.). Trabalho da Mulher: homenagem a Alice Monteiro de Barros. São Paulo:
LTr, 2009, p. 255
202 Conforme o historiador Sebastião Rogério Ponte, aderindo aos modismos, as mulheres livram-se da
aparência que as marcou durante séculos: "(...) as longas madeixas, e os vestidos balões a cobrir
pernas e braços, em que vislumbrar o tornozelo feminino era o máximo de frisson erótico que os
homens podiam obter" (PONTE, 2002:186). Disponível em:
<http://www.adtevento.com.br/intercom/2007/resumos/R2374-1.pdf>. Acesso em: 16 outubro de 2007.
102
203 Cf. GONZÁLEZ, Elpidio. Acoso Sexual. Buenos Aires: Abeledo Perrot, 2010, p. 6.
103
Sancha ergueu a cabeça e olhou para mim com tanto prazer que eu, graças
às relações dela e Capitu, não se me daria beijá-la na testa. Entretanto, os
olhos de Sancha não convidavam a expansões fraternais, pareciam quentes
e intimativos, diziam outra cousa, (...) Quando saímos, tornei a falar com os
olhos à dona da casa. A mão dela apertou muito a minha, e demorou-se mais
que de costume. (...) A modéstia pedia então, como agora, que eu visse
naquele gesto de Sancha uma sanção ao projeto do marido e um
agradecimento. Assim devia ser. Mas o fluido particular que me correu todo
o corpo desviou de mim a conclusão que deixo escrita. Senti ainda os dedos
de Sancha entre os meus, apertando uns aos outros. Foi um instante de
vertigem e de pecado. Passou depressa no relógio do tempo; quando cheguei
o relógio ao ouvido, trabalhavam só os minutos da virtude e da razão205.
209 DAL BOSCO, Maria Goretti. Assédio sexual nas relações de trabalho. Síntese Trabalhista. n. 149,
novembro de 2001, p. 134. Também disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2430>. Acesso em: 16 out. de 2007.
210 FUENTE VASQUEZ apud NOVAIS, Denise Pasello Valente. Discriminação da Mulher e Direito do
Contudo, entende-se que não é a reiteração do ato (ou dos atos) que demonstra
a conduta de assédio. É bem verdade que a reiteração da conduta evidencia e facilita
a comprovação da existência da conduta de assédio sexual.
Mas um único ato pode revestir-se de gravidade suficiente para humilhar,
constranger e intimidar o (a) trabalhador (a)213, não sendo, portanto, a reiteração da
conduta, parâmetro apto a mensurar a existência ou não de conduta de assédio
sexual. O meio é o sexo; o resultado é a opressão.
Assédio Sexual, Assédio Moral e Ações Afirmativas, por meio de comparações entre o Direito do Brasil
e o dos Estados Unidos. São Paulo. LTr, 2006, p. 190
107
Pode haver uma prática única e ao mesmo tempo tão severa que justifique
desde logo, a configuração do assédio. Imagine, por exemplo, o caso de uma
empregada que é vítima de uma proposta sexual do empregador e, ao
recusá-la, recebe a informação de que está demitida. Não há razão para se
considerar necessária uma repetição do ilícito. (...) Por outro lado, a conduta
reiterada, em hipóteses menos graves, pode deixar mais patente que os
avanços do praticante de assédio não eram bem-vindos214.
214Ibidem, p. 190
215RUBIO DE MEDINA, Maria Dolores. Los conceptos de acoso laboral (MOBBING), acoso sexual y
acoso por razón de sexo y su relación com la igualdad de oportunidades. Guía para la empresa y las
personas trabajadoras. VELASCO, Maria Teresa (Directora Portero). MADRID: Editorial Tecnos, 2011,
pp. 11-46, em especial p. 26
108
ações que fogem ao standard, é possível reconhecer que o grupo social consegue
delimitar com razoabilidade o que caracteriza conduta de assédio sexual ou não217.
Dessa forma, há um questionamento acerca do assunto, tendo em vista a
existência de uma sociedade ainda patriarcal e machista, cabendo questionar até que
ponto a delimitação do grupo social não estaria influenciada pela ideologia capitalista
e patriarcal dominante.
Na decisão proferida no caso Ellison vs Brady, da Corte do 9º Circuito de
Apelações da Califórnia, foi adotada uma nova tendência da jurisprudência norte-
americana218 ao fixar que na avaliação da severidade e da agressividade do assédio,
deveria ser utilizada a perspectiva da vítima, afirmando-se ali que o critério para julgar
o assédio sexual não deveria ser mais o critério, até então utilizado, da “pessoa
razoável” e sim mudá-lo para o do sexo agredido, no que foi denominado “critério da
mulher razoável”.
Manuais de conduta americanos já referem ao que denominam “Reasonable
Person Standard”, para designar a adoção por cortes americanas do parâmetro da
pessoa razoável acerca do assédio sexual, com o questionamento sobre como uma
pessoa razoável julgaria a ofensividade de determinado comportamento,
especialmente se continuado e indesejado, advertindo que alguns estados adotam o
denominado “Reasonable Woman’s Standard”, com base na ideia de que homens e
mulheres têm diferentes graus de tolerância acerca de comportamentos ofensivos e
que a maneira segura de evitar a imputação de assédio sexual é evitar inteiramente
tais comportamentos219. Monteiro de Barros também alude a essa tendência ao
afirmar que “a maioria dos Tribunais que tem examinado a matéria (Canadá, Estados
Unidos, Reino Unido) analisa o aspecto da aceitação sob o ponto de vista da mulher
sensata, pois os homens qualificam a conduta sexual de modo diverso e, em geral, é
aquela a maior vítima desse comportamento220”. Conforme Aeberhard-Hodges:
217 SILVA NETO, Manoel Jorge e. Teoria Jurídica do Assédio e sua Fundamentação Constitucional.
São Paulo: Ltr, 2012, pp. 106-107.
218 AEBERHARD-HODGES, Jane. Jurisprudência reciente sobre el acoso sexual em el trabajo. Revista
20 jun. 2015.
220 MONTEIRO DE BARROS, Alice. A mulher e o Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1995, p. 503.
110
221 AEBERHARD-HODGES, Jane. Jurisprudência reciente sobre el acoso sexual em el trabajo. Revista
da Organização Internacional do Trabalho, vol 115, 1996, Disponível em:
<http://www.ilo.org/public/spanish/support/publ/revue/download/pdf/hodges.pdf>. Acesso em: 20 jul.
2015.
222 Julgado 924 F 2d 872, 878-81 (9th Cir. 1991)
111
223
JAKUTIS, Paulo. Op.cit, nota 213, p. 198.
224
LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da decisão judicial. Fundamentos de Direito. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2010, pp.184-185.
112
225
GONZÁLEZ, Elpidio. Op. cit, nota 203, p.12.
226
MARTINEZ-VIVOT. Julio. La Discriminacion Laboral.Despido Discriminatório. Buenos Aires: USAL,
2000, p. 91.
113
228 TOVAR, Ligia Sanchez; ESPEJO, Maria José Del Pino; AZNAR, Maria Pilar Matud; ZINGALES,
Rosalia. Consideraciones psicosociales sobre el acoso sexual em el trabajo. RUBIO DE MEDINA, Maria
Dolores. Los conceptos de acoso laboral (MOBBING), acoso sexual y acoso por razón de sexo y su
relación com la igualdad de oportunidades. Guía para la empresa y las personas trabajadoras.
PORTERO, Maria Teresa Velasco (Directora). MADRID: Editorial Tecnos, 2011, p. 49.
115
229 HUNT, Lynn. A invenção dos direitos humanos: uma história. São Paulo: Companhia das Letras,
2009, pp. 27-28.
230 Como Pamplona Filho, ao tratar de culpa concorrente e culpa concorrente strictu sensu. PAMPLONA
outras campanhas: “Acredite ou não, minha saia curta não tem NADA a ver com
você”231.
Para Novaes Guedes232, aos poucos a sociedade está compreendendo e
aceitando, em razão do crescimento do número de mulheres no mercado de trabalho
que, por trabalhar fora de casa e por estar momentaneamente desacompanhada, a
mulher não está disponível e sabe perfeitamente distinguir a paquera ou a cantada,
caracterizada pela sedução amorosa, do assédio sexual, rejeitado. Em muitos casos,
o assediador é tem um comportamento não disfarçado e inaceitável, utilizando truques
rasteiros, gestos obscenos, piadas de baixo calão, insinuações eróticas e mesmo
pornografia.
Nas palavras de França de Oliveira:
CESÁRIO, João Humberto (coord). Algumas relações do Direito do Trabalho com os direitos civil,
ambiental, processual e eleitoral. São Paulo: LTr, 2007, p. 118.
118
preventiva e punitiva que está en preparación para proteger a la mujer trabajadora en su nuevo medio
de vida es un claro indicador de la dificuldade que tienen las mujeres para hacerse respetar por los
hombres como personas autónomas allá donde vayan”.
236 Disponível em: <www.tst.jus.br>. Acesso em: 13 jun. 2015.
237 Disponível em: <http://www.terra.com.br/mulher/artigos/2002/08/23/000.htm> e <www.tst.jus.br>.
sustentaram que tiveram que suportar algum tipo de assédio e que nos países baixos,
58% das mulheres entrevistadas que trabalham já foram assediadas.
O assédio sexual pode ocorrer em outros âmbitos de relações sociais, como
entre professor e aluno, entre médicos e pacientes, entre religiosos e fiéis, entre
outros. Do que se cuida aqui é especificamente o assédio sexual no âmbito das
relações laborais.
Segundo Lima239, a discriminação por assédio é fenômeno bem conhecido nas
relações laborais e que, recentemente, passou a ser considerado como atitude
discriminatória, sendo prática comum nas relações de trabalho, notadamente dentro
das relações de emprego diante da subordinação do empregado e da necessidade de
manutenção no emprego, tornando-o vulnerável à vontade dos chefes.
Casos que podem ser enquadrados como sendo situações de assédio sexual
foram encontrados antes ainda da Revolução Industrial, sempre decorrentes da
desigualdade existente entre homens e mulheres e entre patrões e empregados.
Desde a antiguidade é constatada a existência de pressões exercidas sobre pessoas
do mesmo ou do sexo oposto como demonstração de autoridade, poder e
superioridade, com o objetivo de obter favores sexuais e submissão. Conforme
Monteiro de Barros240, "alguns autores equiparam o assédio sexual ao uso medieval
do jus primae noctis (direito à primeira noite), que obrigava as recém-casadas a
passarem a noite de núpcias com o senhor do lugar, havendo decisão, de 1409, na
França, declarando ilícita essa prática”. Nas palavras de Fiol, ao falar sobre a violência
de gênero como fenômeno social:
A lo largo de la historia se há ido alimentado e transmitiendo la creencia de que
las mujeres eran inferiores a los hombres tanto desde el punto de vista moral,
como intelectual y biológico. A partir de esta supruesta inferioridad se justificó,
y se justifica, todavíaen muchos aspectos, la utilización de la violência contra
ellas como instrumento de control sobre sus vidas. El pensamento misógino,
es decir, aquel que parte de este desprecio hacia el sexo feminino y de la
superioridade del varón por el simple hecho de serlo, es el máximo responsable
de esta situación, y su supervivencia está ligada a la estrutura patriarcal de la
sociedad em la que en muchos casos sigue siendo el hombre el centro y la
medida de todas las cosas. Em esto universo las mujeres han ocupado y
ocupan todavia en muchos lugares deste planeta, espacios periféricos,
239 LIMA, Firmino Alves. Teoria da discriminação nas Relações de Trabalho. São Paulo: Elsevier
Editora, 2011, pp. 223-226.
240 MONTEIRO DE BARROS, Alice. O assédio sexual no Direito do Trabalho Comparado. Revista
alejadas, no sólo del poder, sino del control sobre sus proprias vidas, y desta
manera mermadas em sus derechos más fundamentales241.
241 FIOL, Esperanza Bosch. “La violência de género como fenómeno social”. La violência de género.
Algunas cuestiones básicas. FIOL. Esperanza Bosch (Comp.). Formación Alcalá: Alcalá la Real, 2007,
pp.19-20.
242 FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala: Formação da família brasileira sob o regime patriarcal.
250 FERRER PÉREZ, Victoria A. Las diversas manifestaciones de la violencia de género. “Las diversas
manifestaciones de la violência de gênero”. La violência de gênero. Algunas cuestiones básicas.
Esperanza Bosch Fiol Comp. Alcalá La Real: Editorial Formación Alcalá, 2007, p. 87.
251 HELLER, Lidia. Voces de mujeres. Actividad laboral y vida cotidiana. Barcelona: Sirpus, 2008, p.
112.
123
252 MOTTA, Cristina e SAEZ, MACARENA. La mirada de los jueces. Bogotá: Siglo del Hombre Editores,
American University Washington College of Law, Center of Reproductive Rights, 2008, pp. 227/251.
253 MACKINNON, Catherine. Sexual Harassment of Working Women. New Haven and London: Yale
Gansler, intitulado “Class Action: The Story of Lois Jenson and the Landmark Case That Changed
Sexual Harassment Law”, contando, de forma romanceada a história de Lois Jensen, que cansada dos
abusos psicológicos e físicos sofridos no trabalho, decidiu processar a mineradora Eveleth Taconite. O
filme tem no elenco estrelas como Charlize Theron (que por este papel obteve indicações ao Globo de
Ouro, Bafta e Oscar de Melhor Atriz), Frances McDormand, Sissy Spacek e Woody Harrelson, sob a
direção da diretora Nikki Caro. No filme é contada a história de uma mulher, que ao fugir do marido
violento, vai morar com o pai, levando junto os dois filhos, enfrentando a opressão a exploração e a
violência contra as mulheres, não só nas ruas, nos espaços públicos, como bares e também no
trabalho, quando resolve trabalhar na mineradora de ferro Eveleth Taconite, na cidade, que fica no
interior do estado de Minnesota, nos EUA e onde há poucas oportunidades de trabalho para as
mulheres. O assédio sexual sofrido pela protagonista, por colegas e superiores hierárquicos, situação
que é enfrentada também por outras colegas de trabalho, bem como a ausência de resultado em suas
reclamações, sendo inclusive sugerido um pedido de demissão caso não esteja gostando do trabalho,
faz com que decida processar a empresa e após muito esforço, convence outras mulheres
trabalhadoras da empresa a aderirem à ação coletiva.
126
258
AZEVEDO, André Boiani e. Assédio sexual e aspectos penais. Curitiba: Juruá, 2005, pp. 50-51
259
GIULIANI, Paola Cappelin. Os Movimentos de Trabalhadoras e a Sociedade Brasileira. História das
Mulheres no Brasil. DEL PRIORI, Mary; BASSANEZI, Carla (Coord.). São Paulo: Contexto, 1997, pp.
658-660.
127
O termo “sexual harassment”, em inglês, foi adotado a partir de 1975, nos EUA,
primeiro país a considerar o problema como um tema de Direito, equivalendo a
“assédio sexual” em português, “acoso sexual” em espanhol, “molestie sessuali”, em
italiano, “seku hara”, em japonês, entre outros. Em inglês é dada a denominação de
“harassment sexual”, lembrando que harass tem origem no verbo francês harasser,
que significa exaurir, esgotar, cansar, fatigar, aborrecer, enfadar, importunar e
incomodar de forma reiterada. Na França é utilizada a expressão “harcèler”, vinda do
francês antigo, com o significado de cansar por ataques diversos, importunar,
atormentar e aborrecer.
260 BUARQUE DE HOLANDA Ferreira, Aurélio. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua
portuguesa; Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999, p. 213
261 HIRIGOYEN, Marie-France. El acoso moral. El maltrato psicológico na vida cotidiana. Barcelona:
Pinho Pedreira262 refere ainda, aos termos usados na Holanda (não querida
intimidade), na Itália (molestamento sexual) e na França (chantagem sexual). Dada à
universalidade do fenômeno, pode-se dizer que quase todas as línguas possuem uma
expressão própria para denominar o que se chama, no Brasil, de “assédio sexual”263.
Na doutrina, há várias definições para o que seja assédio sexual, ressaltando
que a conceituação jurídica do tema é um assunto que, pela relativa novidade da
emergência, desperta controvérsias entre os estudiosos do Direito.
O assédio sexual pode ser classificado em dois grupos: o assédio sexual
laboral, tema do presente trabalho e o assédio sexual que ocorre em outras esferas,
não estando relacionado ao trabalho. Drapeau264 define o assédio sexual laboral como
sendo toda conduta de conotação sexual não desejada, tanto verbal como física, em
geral repetida e de natureza apta a causar um efeito desfavorável no ambiente de
trabalho da vítima, acarretando consequências prejudiciais no emprego ou atentando
contra a integridade física, psicológica ou a dignidade da pessoa.
Segundo Oliveira265, toda e qualquer conduta de natureza sexual, ou
comportamentos outros dirigidos ao sexo, que acarretem situação de constrangimento
ou indignidade ao assediado, homem ou mulher, pode ser considerado como assédio
sexual, podendo a conduta ofensiva ser verbal; escrita ou por meio de gestos
explícitos ou não e mesmo por imitações grosseiras, destacando o constrangimento
e/ou a ou indignidade que sofrem os (as) trabalhadores (as). Na conceituação de
Garmendia266, o assédio sexual seria toda conduta verbal, não verbal ou física, de
natureza sexual, indesejada pela pessoa a quem se dirige e cuja aceitação ou rejeição
é utilizada como base para uma decisão que tenha efeitos sobre o acesso ao emprego
ou às condições de trabalho da pessoa assediada ou para criar um ambiente
intimidador para esta. Há, portanto, a necessidade de que a conduta de assédio sexual
seja base para uma decisão que afete o âmbito laboral ou crie ambiente intimidador.
Pamplona Filho 267conceitua o assédio sexual como toda conduta sexual de
natureza não desejada, reiterada, embora repelida pelo destinatário, com
262 PINHO PEDREIRA. O assédio sexual em face do direito do trabalho. Revista Trabalho & Doutrina.
n. 09, São Paulo: Saraiva, junho de 1996, p. 68.
263 No mesmo sentido: PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op. cit. nota 212, pp. 24-46.
264 DRAPEAU, Maurice. L’Harassment Sexual au Travail. Cowansville. Quebec: Ivon Blair, 1991.
265 OLIVEIRA, Francisco Antonio de. O assédio sexual e o dano moral, Revista LTr 66-01-11, p. 11
266 GARMENDIA, Martha Márquez. Op.cit, nota 203.
267 PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op.cit, nota 201, p 35.
129
discriminação sexual ilegal. Na ação, o juiz Wood P., no primeiro voto, seguido pela
maioria dos julgadores, expressou que o incidente embora único, era suficientemente
sério, constituindo assédio sexual nas relações de trabalho e condenando os autores
materiais e a empresa.
Para Jakutis, quem conhece a doutrina e a jurisprudência não tem dificuldade
em entender que a reiteração evidencia mais o assédio, podendo existir uma prática
única e tão severa que justifique a sua configuração, dando como exemplo o caso de
uma trabalhadora que ao repelir uma proposta de cunho sexual do empregador é
demitida. Tendo em vista o emprego como “bem”, conceito cuja preservação é de
interesse do Direito do Trabalho, se este bem for atingido justifica a intervenção do
Estado para coibir o assédio sexual nas relações de trabalho. Fato ainda mais grave
quando a empregada é vítima de violência física, concluindo-se que um ato único pode
caracterizar o assédio sexual.270
Monteiro de Barros271 aponta para a coincidência entre os diversos conceitos
de assédio sexual, dos seguintes aspectos: comportamento com conotação sexual,
não desejado pela vítima e com reflexos negativos na sua condição de trabalho, sendo
que a conduta do assediador compreende um comportamento físico ou verbal de
natureza sexual, capaz de afetar a dignidade da pessoa assediada no local do
trabalho. Michael Rubinstein272, especialista comunitário na aplicação de diretivas
acerca de discriminação, no ano de 1986, definiu três tipos de condutas na prática do
assédio sexual: a conduta física; a conduta verbal e a conduta não-verbal. A conduta
física pode variar de simples toques ao ataque direto; a conduta verbal constitui a
forma mais comum, pois através da expressão oral o assediador veicula desde
gracejos até ameaças e propostas explícitas. A conduta não-verbal seria mais intuitiva
e desconhecida, realizada através de ardis e subterfúgios como exibição de fotos,
realização de desenhos, entre outros.
Assédio sexual não é um inocente flerte, fruto de atração que ocorre entre
homens e mulheres, convivendo no ambiente de trabalho, mas manifestação de poder
http://www.prevencionintegral.com/Default.asp?http://www.prevencionintegral.com/Novedades/mobbin
g/conclusiones.htm. Acesso em: 20 jul. 2015.
131
273 PIOTRKOWSKI, Chaya S. “Sexual harassment”. ILO Encyclopaedia of Occupational Health and
Safety.
Disponível em: <http://www.ilo.org/public/english/protection/safework/gender/encyclo/psy14ae.htm/>.
Acesso em: 25 jun. 2015.
274 DUNCAN, Chappel; DI MARTINO, Vittorio. Violence at work. 2. ed. Geneva: Internacional Labour
277 TOURAINE, Alain. El mundo de las mujeres. Barcelona: Paidos Ibérica, 2007, pp. 24-25.
278 TOURAINE, Alain. Iguais e diferentes. Poderemos viver juntos? Lisboa: Instituto Piaget: 1997, pp.
52-53.
279 LIPOVETSKY, Gilles. Op. cit, nota 12, p. 81-86.
134
280 PAGLIA, Camille. Vamps e Tramps, más allá del feminismo. Madrid: Valdemar, 2001, pp. 185-191.
135
282 RUBINSTEIN, Michael. Dealing with harassment at work: the experience of industrialized countries.
Conditions of Work Digest. Geneva: Internacional Labour Office, Vol. 11, n. 1. 1992
283 PINHO PEDREIRA. Op.cit, nota 263, p. 68.
284 TOVAR, Ligia Sanchez; ESPEJO, Maria José Del Pino; AZNAR, Maria Pilar Matud; ZINGALES,
2.3 Diferenciação entre assédio sexual nas relações de trabalho, assédio moral
e assédio por razões de sexo, espécies e sujeitos de assédio sexual nas
relações de trabalho
posição de ascendência, o que constitui o assédio sexual por chantagem ou quid pro
quod ou envolvendo colegas da mesma hierarquia, o que constitui o assédio sexual
ambiental, ou por intimidação ou “clima de trabalho”, com ofensa à liberdade sexual,
à dignidade e ao direito a ter um ambiente de trabalho sadio. Cumpre, ainda, destacar
as semelhanças e as diferenças existentes entre assédio moral e assédio sexual,
sinalando que ambos são frequentemente confundidos.
Felker287 destaca que não é raro encontrar alguma dificuldade entre o assédio
moral e o assédio sexual, confusão feita inclusive por magistrados, que segundo o
autor citado, ainda não absorveram a distinção entre ambos.
Não se deve olvidar que muitas vezes um assédio sexual que não atinge seu
objetivo final, pode desencadear o assédio moral, especialmente o assédio
discriminatório. Entre as semelhanças, duas merecem ser ressaltadas: tanto o assédio
moral quanto o assédio sexual podem ser praticados dentro de uma relação
hierárquica, de ascendência ou entre pessoas de mesma hierarquia, embora em
ambos seja bem mais comum a existência de assédio envolvendo relação de poder
formal. Tanto o assédio moral quanto o assédio sexual tem como característica a
existência de constrangimento e perturbação à pessoa assediada.
Agrega-se à definição de assédio uma terceira semelhança, no sentido de que
tanto o assédio sexual quanto o assédio moral podem acarretar dano à personalidade,
à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa ao colocar em perigo
seu emprego e ao degradar o ambiente de trabalho.
Para Araújo288, há também o assédio moral organizacional, configurado pelo
conjunto de condutas abusivas, de qualquer natureza, exercido de forma sistemática
durante certo tempo, em decorrência de uma relação de trabalho e que resulte no
vexame, humilhação ou constrangimento de uma ou mais vítimas, com a finalidade
de obter o engajamento subjetivo de todo o grupo às políticas e metas administrativas,
287 FELKER, Reginald. O dano moral, o assédio moral e o assédio sexual nas relações de trabalho.
Doutrina, jurisprudência e legislação. São Paulo: LTr, 2010, p. 262.
288 ARAUJO, Adriane Reis de. O assédio moral organizacional. São Paulo: LTr, 2012, p. 76. Para Silva
e Neto, haveria também o assédio por competência, entendido como “o comportamente ilícito por meio
do qual se exige maior produtividade do trabalhador em razão de sua especial competência, habilidade
e compromisso técnico profissional, sem que lhe seja destinada remuneração e-ou benefícios
contratuais distintos dos demais trabalhadores que se encontram em idêntica situação funcional”. O
assédio por competência seria distinto do assédio moral organizacional, pois dirigido a indivíduo certo
e determinado (Conforme SILVA E NETO, Manoel Jorge. Assédio por competência nas relações de
trabalho. Revista do Ministério Público do Trabalho na Bahia. Salvador, n. 3, 2008, pp.27-36.)
139
por meio de ofensa a direitos fundamentais, acarretando, muitas vezes, danos morais,
físicos e psíquicos.
González de Rivera289 alude ao assédio sexual como instrumento de assédio
institucional ou de mobbing, caracterizado pela utilização de avanços, piadas e
agressões sexuais para humilhar ou degradar alguém, explorando o gênero da vítima,
considerado pelo assediador como uma “debilidade”. As mulheres são as vítimas
tradicionais deste tipo de assédio.
Pode-se afirmar que tanto o assédio sexual como o assédio moral constituem
grave violação ao direito a um ambiente de trabalho digno. Há, em qualquer caso,
grave violação aos direitos humanos dos trabalhadores, notadamente à dignidade
humana.
Para Hirigoyen290, o assédio sexual não é mais que um passo adiante do
assédio moral, atingindo ambos os sexos, embora admita que a maioria dos casos
descritos ou denunciados corresponda a mulheres agredidas por homens, em geral
superiores na hierarquia, não tendo a ação por objeto principal obter favores de
natureza sexual, mas sim remarcar poder ao considerar a mulher como um objeto à
disposição e que deveria inclusive sentir-se engrandecida pela atenção recebida.
Hirigoyen identifica diferentes categorias de assédio sexual:
“ Se han descrito distintos tipos de hostigadores sexuales – todos tiéne en
común um ideal de rol masculino dominante y unas actitudes negativas con
las mujeres y el feminismo -, y se han identificado diferentes categorias de
acoso sexual: el acoso de género, que consiste em tratar a una mujer de un
modo distinto porque es una mujer, con observaciones o comportamentos
sexistas; el comportamento sedutor; el chantage sexual (el único que se
penaliza em Francia); la atención sexual no deseada; la imposición sexual; el
assalto sexual.”
289 GONZÁLEZ DE RIVERA, José Luis. El maltrato psicológico. Madrid: Espasa Calpe, 2005, p. 122.
290 HIRIGOYEN, Marie-France. Op. cit. nota 262, p. 59. Conforme Hirigoyen, ao sinalar o ponto de
partida do assédio: “Sin embargo, algunas luchas son desiguales de entrada. Por ejemplo, la lucha con
un superior em la jerarquia, o uma lucha em la que um individuo acorralla a outro en una posición de
impotência para, seguidamente agredirlo com absoluta impunidad y sin que pueda replicar.”
291 ARAUJO, Adriane, Reis de. Op.cit, nota 272, p. 86.
140
292 OLIVEIRA DA SILVA, Jorge Luiz de. Assédio Moral no Ambiente de Trabalho. Rio de Janeiro:
Jurídica, 2005, p. 54.
293 HIRIGOYEN, Marie-France. Op. cit. nota 262, p. 59
141
303 GONZÁLEZ DE RIVERA, José Luis. Op. cit. nota 290, p.123.
304 Por todos, Mossin. MOSSIN, Heraclito Antonio. Assedio sexual e crime contra os costumes. São
Paulo: LTr, 2002, p. 19.
305 PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op.cit, nota 201, pp. 47-50.
145
O assédio é uma conduta que pode ser praticada por homens e mulheres, e
que pode existir, inclusive entre pessoas do mesmo sexo. (...) o assédio é,
efetivamente, uma espécie de discriminação sexual, na medida em que
impede que a vítima desenvolva todo o potencial dela no desempenho das
tarefas de trabalho. Finalmente, cabe destacar que a percepção completa do
fenômeno do assédio envolve, de forma acentuada, a idéia de subordinação
(aquela praticada pelo superior hierárquico), mas não pode ficar limitada a
essa concepção, podendo existir, também, entre colegas de trabalho e,
inclusive entre clientes e trabalhadores 309.
Ao analisar o Civil Right Act de 1964 e as proteções trazidas na seção VII, Alves
Lima310 faz referência à decisão da Suprema Corte norte-americana, no caso Merit
Savings Banks, FSB vs. Vinson, considerando discriminatórias duas modalidades de
assédio sexual: a primeira envolvendo a própria condição dos benefícios do emprego
mediante favores sexuais, e a segunda envolvendo a existência de um ambiente hostil
e ofensivo, ainda que o assédio sexual não afete benefícios econômicos.
Para muitos, o assédio sexual somente ocorre entre um empregado e um
superior hierárquico, entendido como pessoa que detém ascendência sobre a vítima
e a posição de tais autores foi reforçada com a adoção da teoria da chantagem,
2006, p.174-175.
147
quando da edição da Lei nº. 10.224 de 15.02.2001, que alterou o Código Penal
(Decreto-Lei nº. 2848, de 07.12.1940), para acrescer o artigo 216 - A, com a seguinte
redação:
311 GOSDAL, Thereza Cristina. Reflexões acerca do assédio sexual no trabalho. Trabalho e Regulação
no Estado Constitucional. RAMOS FILHO (Coord.) Curitiba: Juruá, 2011, v. 3 (Coleção Mirada a
Bombordo)
312 CALIL, Lea Elisa Silingowschi. Direito do Trabalho da Mulher. A questão da igualdade jurídica ante
É bem verdade que não haveria como assediar sem prometer alguma
vantagem à vítima, ou extorqui-la sexualmente sem ameaçá-la com um mal
maior. Só quem é superior na hierarquia da empresa pode oferecer
vantagens como promoções ou outros privilégios, mas a chantagem pode
perfeitamente ser utilizada por qualquer subalterno. Basta imaginar a
hipótese de se exigir sexo mediante a ameaça de revelar algo que possa
comprometer o chefe. O prejuízo iminente nem precisa ser profissional, como,
por exemplo, se o assediador souber que seu superior vive em adultério. 315.
314 SCHIAVI, Mauro. Ações de Reparação por Danos Morais Decorrentes da Relação de Trabalho. São
Paulo: LTr, 2007, p. 125.
315 GONÇALVES JUNIOR, Mario. Chefe também pode ser vítima de assédio sexual. Revista eletrônica
vulneráveis, entendidas como as que contam com o maior número de mulheres, com
trabalho menos valorizado e menor remunerado.
Pesquisa realizada pelo site americano Staffbay.com, com a participação de
cinco mil pessoas que estavam à procura de um emprego, questionou sobre suas
perspectivas de carreira, com as seguintes conclusões: a) 7% dos entrevistados (as)
dormiriam com o(a) chefe em troca de uma promoção; b) 12% admitiram que essa
seria uma proposta que considerariam - embora sem decisão definitiva naquele
momento. O fundador do site, Tony Wilmot, declarou estar chocado com os
resultados, entendendo que os chefes já possuem uma posição de poder, inexistindo
garantias para o cumprimento do trato321.
Na contemporaneidade, o incremento da internet com suas vantagens e
desvantagens, tão discutidas, deve acarretar mudanças no comportamento das
pessoas, porque as informações são passadas em tempo real via redes sociais,
levando à divulgação rápida de fatos que muitos prefeririam esconder. Os
acontecimentos são divulgados assim que ocorrem, suscitando debates e prováveis
ações.
Vive-se em um mundo no qual o segredo está cada vez mais difícil de ser
mantido. WhatsApp, Facebook, Twitter, Instagram, Tinder, Linkedln e outras redes
sociais divulgam fatos em rápida velocidade.
O que se diz aqui é que o assédio sexual nas relações de trabalho na pré-
contratualidade por ser divulgado rapidamente, acarretando discussões e
consequências para o assediador, considerando que nos dias atuais, as empresas,
com medo das possíveis indenizações deferidas judicialmente e da sanção da opinião
pública, tem buscado a prevenção e a repressão de tais situações. Uma campanha
na internet contra uma empresa pode abalar sua credibilidade e a imagem construída.
Aceitando a teoria do assédio sexual na modalidade ambiental, ou como alguns
definem por intimidação ou, ainda, “clima de trabalho”, muitos juízes do trabalho no
Brasil não têm limitado a constatação de assédio sexual no ambiente de trabalho à
existência de superioridade hierárquica ou ascendência inerente ao exercício de
emprego, cargo ou função, na análise dos casos submetidos a julgamento.
importa dizer é que o assédio quase sempre envolve uma relação de poder, senão o
hierárquico, o relacionado à dominação masculina, mas pode se configurar ainda que
não haja essa relação de poder328”.
A conduta de assédio sexual na forma ambiental não abrigaria uma finalidade
sexual, mas uma atitude primitiva, consciente ou inconsciente, de sabotar a presença
da mulher no âmbito da relação de trabalho, por mentalidade atrasada ou por medo
da competência feminina.
De todo modo, o assédio está baseado no sexo da pessoa assediada 329,
podendo-se afirmar, aliás, que o assédio sexual, independente de ocorrer entre
pessoas de sexos distintos ou do mesmo sexo, sempre ocorre em razão do sexo da
pessoa assediada, na maior parte dos casos, uma mulher.
Destaca Puyeski sobre o assédio sexual realizado por colegas homens em
relação a colegas mulheres:
sobre pessoa assediada, no âmbito da relação laboral, que pode ser chamado de
assédio sexual vertical.
Conforme Pinho Pedreira, na maioria dos casos331, o assédio sexual é
consequência de uma posição de poder, de que seu detentor, na maioria das vezes,
um homem, abusa.
Para Puyesky332, embora existam demandas de homens e de mulheres por
assédio sexual, a maioria envolve o sexo feminino como assediado, tratando-se
sempre do poder exercido de cima pra baixo ou na forma horizontal, até os lugares
mais elevados, ocorrendo com mais frequência no mundo do trabalho no qual o
empregado tem dependência econômica e hierárquica do empregador, dependendo
deste para sua subsistência, sendo o assédio sexual intolerável, pois demonstra
atitude escravista que não tem lugar no mundo atual, ao menos no direito.
Há quem, como Pamplona Filho333, defenda que o elemento “abuso de poder”
não seria essencial para caracterizar o assédio sexual sob o ponto de vista doutrinário,
entendendo que o poder atuaria apenas como elemento acidental, facilitando o
enquadramento da situação de assédio sexual nas relações de trabalho. De fato, a
relação de poder entendida aqui como a decorrente da subordinação hierárquica ou
ascendência do assediante sobre a pessoa assediada não é fundamental que se
considere que há uma situação de assédio sexual nas relações de trabalho, na forma
de assédio sexual ambiental.
O mesmo autor admite que a relação de poder como elemento essencial para
que se visualize o assédio sexual por chantagem, uma vez que nesta forma de assédio
a subordinação hierárquica deve ser tal a justificar o temor da pessoa assediada no
tocante às consequências da recusa ao assédio. Há sempre manifestação de poder
na prática da conduta de assédio sexual nas relações de trabalho. O sujeito passivo
no assédio sexual no âmbito das relações de trabalho é sempre um (a) trabalhador
(a), independentemente da existência de relação formal.
As mulheres são as maiores vítimas do assédio sexual no âmbito das relações
de trabalho, que envolve condutas dirigidas a uma mulher em especial ou pode incluir
331
Neste sentido a liçao de PINHO PEDREIRA. Op.cit, nota 263, p. 70.
332
Puieski, Fany. Op.cit, nota 330, p. 5.
311.PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op.cit, nota 201, pp. 52-53.
155
Assédio Sexual não é sexo. É poder. Ela tem. Você não. Se processar pode
nunca mais ter outro emprego nessa área. Se não processar será enterrado
em Austin, um buraco qualquer. Processe, notícias. Não processe, fofocas.
Processe, ninguém acredita. Não processe, sua mulher não acredita. Se
processar, sua vida será um inferno até o caso ser julgado. E por esse
privilégio pagará no mínimo U$ 100 mil. “Esse diálogo forte e denso acontece
no escritório da advogada Catherine Alvarez. Seu cliente é o ator americano
Michael Douglas no papel do executivo Tom Sanders, assediado
sexualmente pela irresistível Demi Moore, que representa a calculista vice-
presidente de poderosa indústria da informática, Meredith Johnson. A cena
está no filme Assédio Sexual, de 1994, mais um sucesso enlatado produzido
por Hollywood. Pura ficção? Nem tanto. O fato de um homem ser
importunado, talvez. Já existem números denunciando que pelo menos 10%
das queixas de assédio sexual registradas pela Comissão de Iguais
Oportunidades no Emprego dos Estados Unidos são movidas por homens.
Mas se o filme não fosse feito dessa maneira, talvez não chamasse atenção
para o sério problema que atinge também os escritórios brasileiros, onde se
repetem cotidianamente cenas muito parecidas nos finais de expediente entre
chefes e subordinadas. O assunto, pois, interessa a homens e mulheres334.
Embora não existam muitos dados sobre o assunto no Brasil, sabe-se que a
proporção de homens assediados sexualmente por mulheres não é significativa em
termos numéricos. Pesquisas realizadas nos EUA335 demonstram que 90% dos casos
registrados de assédio sexual envolvem homens assediando mulheres, 9% dos casos
ocorrem envolvendo pessoas do mesmo sexo e somente 1% dos casos envolvem o
assédio de mulheres contra homens.
Muitos sustentam336 que o assediado pode ser tanto do sexo masculino como
do sexo feminino, mas as mulheres, pela proporção bem maior, constituem o que seria
o “grupo vítima” do assédio sexual, de que fala Maurice Drapeau337. As causas desta
338 Entrevista com Jane Aeberhard-Hodges. Trabajo. Revista de la OIT n. 19, 1997. Disponível em:
<http://vlex.com/vid/119721?issue=%2319>. Acesso em: 25 jul. 2015.
339PINHO PEDREIRA. Op.cit, nota 263, p. 70.
340 PACHÉS, Fernando de Vicente. El acoso sexual y el acoso en razón del sexo desde la perspectiva
Diante do quadro antes exposto, não se duvida que a prática de assédio sexual
nas relações laborais constitua uma afronta à dignidade humana e aos direitos
humanos das pessoas trabalhadoras. Tratar-se-á aqui das questões relacionadas à
normativa relativa ao assédio sexual nas relações de trabalho, no Brasil. Contudo,
para fins de comparação, abordar-se-á antes a normativa existente na ONU, na União
Europeia, com ênfase na Espanha, para após analisar a normativa existente no Brasil,
em breve estudo comparado.
A ONU elaborou, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Esta
declaração, com caráter técnico de recomendação, trata dos temas da igualdade e da
não discriminação nos artigos II e IV. O artigo II preceitua a igualdade essencial de
todo ser humano, sem distinções de quaisquer espécies. O artigo IV, decorrente do
artigo II, assegura a igualdade de todos perante a lei344. Em 1966, foi assinado o Pacto
Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Pacto sobre Direitos
Civis e Políticos, resultado de um compromisso diplomático, de forma a limitar a
344 NOVAIS, Denise Pasello Valente. Op.cit, nota 210, pp. 56-64.
159
Art. 18. O assédio sexual inclui condutas de tom sexual, tais como contatos
físicos e insinuações, observações do tipo sexual, exibição de pornografia e
exigências sexuais, sejam verbais ou de fato. Este tipo de conduta pode ser
humilhante e pode constituir um problema de saúde e segurança; é
discriminatória quando a mulher tem motivos suficientes para crer que sua
negativa poderia causar problemas em relação a seu trabalho, incluindo a
contratação ou ascensão ou quando cria um ambiente de trabalho hostil.
Violência contra a mulher deve ser entendida como incluindo violência física,
sexual e psicológica: (...) b. que tenha ocorrido na comunidade e seja
perpetrada por qualquer pessoa e que compreende, entre outros, violação,
abuso sexual, tortura, maus-tratos de pessoas, tráfico de mulheres,
prostituição forçada, sequestro e assédio sexual no local de trabalho, bem
como em instituições educacionais, estabelecimentos de saúde ou qualquer
outro local351.
353 OLMEDA, Alberto Palomar. El princípio de igualdad y la interdicción. El tratamiento del género em
el ordenamento español. (OLMEDA, Alberto Palomar (Coord.) Tirant lo blanch: Valencia, 2005, pp. 50-
51
164
cria um entorno laboral intimidador, hostil ou humilhante para a pessoa que é objeto
da mesma354.
Em julho de 1991, no Código de Conduta Europeu, o assédio sexual é
conceituado como conduta de natureza sexual ou outros comportamentos baseados
em sexo que afetam a dignidade da mulher e do homem no trabalho.
Em 1998, já existiam leis específicas ou aplicáveis ao assédio sexual no
trabalho em mais ou menos 36 países, remarcando que os Estados Unidos da
América foi o primeiro país a regular o denominado sexual harassment, termo utilizado
pela primeira vez em 1975.
Pesquisa realizada sobre o assédio sexual, publicada em 1999, em
Luxemburgo, nas ações do Programa Comunitário de Igualdade de Oportunidades
entre Homens e Mulheres apresenta o problema do assédio sexual como fenômeno
não ocasional, existente em praticamente todos os lugares e graus de trabalho,
evidenciando que a ausência de uma definição universal da questão traz dificuldades
em sua medição objetiva e a interpretação adequada das pesquisas e estudos.
A pesquisa apresenta como principais conclusões que na comparação dos
estudos verifica-se que a incidência do assédio sexual no trabalho não é menor que
há dez anos; que aproximadamente 10% dos homens sofreram conduta ou
comportamento não desejado em intempestivo; que a maioria dos trabalhadores
reagem ao assédio sexual ignorando o comportamento da pessoa assediadora por
medo; que as características pessoais e profissionais não são as únicas que
determinam a taxa de incidência do assédio sexual sendo determinantes as
características da empresa; muitas investigações partem do princípio de que o
desequilíbrio de forças devido à divisão do trabalho em relação ao sexo é inerente ao
assédio sexual; que à medida em que há maior integração da mulher no mercado de
trabalho, em todos os níveis e em regime de igualdade, o problema do assédio sexual
tende a diminuir; que os resultados da designação de uma pessoa de confiança, talvez
uma ouvidoria, não são satisfatórias, pois poucas das mulheres assediadas
354Conforme Pérez Guardo, R. y Rodríguez Sumaza, C. “Un análisis del concepto de acoso sexual
laboral: reflexiones y orientaciones para la investigación y la intervención social”. Cuadernos de
Relaciones Laborales, Vol. 31, Núm. 1, 2012, pp. 195-219.
166
E não se pode olvidar a Convenção nº. 169 da OIT, sobre povos indígenas e
tribais, de 1991, que obriga os Estados (entre os quais o Brasil, pois foi
promulgada pelo Decreto n. 5.051 de 19.04.2004) a proteger contra o assédio
sexual, no artigo 20, 3, d, nos seguintes termos: “20. Os governos deverão
adotar, no âmbito da legislação nacional e em cooperação com os povos
interessados, medidas especiais para garantir aos trabalhadores
pertencentes a esses povos uma proteção eficaz em matéria de contratação
e condições de emprego, na medida em que não estejam protegidas
eficazmente pela legislação aplicável aos trabalhadores em geral. (...) 3. As
medidas adotadas deverão garantir, particularmente, que: (...) d. os
trabalhadores pertencentes a esses povos gozem da igualdade de
oportunidade e de tratamento para homens e mulheres no emprego e de
proteção contra o acossamento sexual”.
360 IBARRECHE, Rafael Sastre. La accíon positiva para las mujeres en el derecho comunitário. A
igualdade de gênero nas relações de trabalho. PENIDO, Lais de Oliveira (Coord.) Brasilia: ESMPU,
2006, pp. 91-114.
170
361 BRUNEL ARANDA, Susana. Investigaciones de género promovidas por COCO. Um acercamiento
a los estudios de género. Valencia: Germania, 2001, p. 69.
362 MOLINA, Pilar López. El tratamiento del género en el âmbito normativo. El tratamento del género en
el ordenamento español. OLMEDA, Alberto Palomar. Valencia: Tirant lo blanch, 2005, pp. 136-150.
171
A primeira é a direta, que tem critérios objetivos de aferição, pois uma pessoa,
em razão de seu sexo é tratada de maneira menos favorável que outra pessoa, em
situação equiparada.
366 VÁSQUEZ, Yolanda Maneiro; BOTO, José Maria Miranda. Las obligaciones de la empresa em
matereia de acoso moral, acoso sexual y acoso por razones de sexo: los protocolos antiacoso.
MOBBING, acoso laboral y acoso por razóns de sexo. Guía para la empresa y las personas
trabajadoras. Portero, Maria Teresa Velasco (Coord). Madrid: Tecnos, 2011, pp. 65-91, em especial as
pp. 60-70.
175
assédio sexual em âmbito trabalhista pode importar uma indenização por dano moral ao ofendido, se
o empregador foi autor, ou preposto seu, ou outro colega de trabalho, sobretudo se o empregador
houver sido omisso ou conivente com a prática de assédio (...)”.
177
forma expressa sobre o assédio sexual nos artigos 1º, 2º e 3º e seus parágrafos III,
IV, VII e VIII, prevendo o assédio na forma de chantagem, na forma de intimidação,
podendo a vítima, inclusive ser usuária do serviço público.
No âmbito penal, a teoria do assédio sexual por chantagem foi adotada, quando
da edição da Lei nº. 10.224, de 15.02.2001.
Anteriormente não havia referência em lei federal acerca do assédio sexual,
mas apenas algumas menções esparsas em leis estaduais, com discutida
constitucionalidade.
Após a apresentação de alguns projetos, foi promulgada a lei, acrescendo ao
Código Penal o artigo 216-A.
A ênfase da lei ficou restrita aos casos de assédio sexual por chantagem, ligado
à relação hierárquica ou de ascendência entre a pessoa assediante e a pessoa
assediada.
Assim, para os efeitos penais, somente está regulado de forma expressa, até o
presente momento, o assédio sexual laboral, na modalidade de chantagem.
O crime de assédio sexual, previsto no artigo 216-A do Código Penal, é um
crime contra a liberdade sexual; o núcleo do tipo é o verbo constranger, no sentido
etimológico de coagir, forçar, impelir, obrigar, objetivando a vantagem ou
favorecimento de cunho pessoal, frisando que a existência de violência física ou
mesmo moral evidencia a existência de outros delitos, como estupro ou atentado
violento ao pudor.
A tutela penal é a da liberdade sexual; quanto ao tipo objetivo, o artigo fala em
superioridade hierárquica ou ascendência, pressupondo diferença hierárquica; os
sujeitos ativos e passivos podem ser de qualquer sexo, desde que tenham condição
de superioridade hierárquica ou de ascendência de cunho laboral sobre a vítima; o
tipo subjetivo é o dolo direto, devendo concorrer o elemento subjetivo do tipo ou do
injusto; o ato coativo deve visar o benefício do próprio agente; por fim, a consumação
do crime de assédio tem natureza formal, consumando-se com o ato de
constrangimento.
A obtenção do benefício sexual seria exaurimento do crime371.
371 Conforme MOSSIN, Heráclito Antonio. Op.cit, nota 282, pp. 19/25.
178
372 SAVI, Aloisio. O assédio sexual como causa de extinção do contrato de trabalho. Disponível em:
<http://pt.scribd.com/doc/47768050/o -assedio-sexual-como-causa-de-extincao-do-
contrato-de-trabalho>. Acesso em: 18 jul. 2015.
373 GOSDAL, Thereza Cristina. Op.cit, nota 328, pp. 241-241.
179
374 Dados extraídos da Nota Técnica emitida pelo CFEMEA intitulada: O Congresso Nacional e a
discussão do assédio moral e sexual. Fevereiro de 2011. Disponível em:
<http://www.observatoriodegenero.gov.br/eixo/legislacao/monitoramento-de-proposicoes-
legislativas/notas-tecnicas/nota-tecnica-o-congresso-nacional-e-a-discussao-do-assedio-moral-e-
sexual-fevereiro-de-2011/>. Acesso em: 15 jun. 2015.
180
busca ser objetivo no trato da questão, no âmbito penal. Outros projetos darão conta
do tratamento necessário no âmbito da CLT e do Código Civil”375.
Sobre a importância das leis e do Direito na transformação do contexto
visibilizado, Herrera Flores376 sinala que se as leis constituem o lugar da
representação do existente, o lugar da modificação e da transformação é a prática
social.
Na mesma linha, a feminista italiana Bochetti377 aduz que a lei não modifica a
realidade existente, limitando-se a registrar as modificações que vão ocorrendo no
âmbito social.
A realidade não muda com as leis, sendo a lei apenas o lugar de registro do
que ocorre em outro lugar, nos intercâmbios entre os seres humanos.
A fraqueza de uma classe, de um grupo ou de um sexo não está determinada
por leis desfavoráveis, mas por relações de força existentes no âmbito social, sendo
as leis o lugar de representação da realidade existente.
O importante é a vida.
O lugar da modificação da vida é a prática social e não a lei.
Há quem378 comente acerca do papel das leis quando vão mais adiante da
sociedade em que são aplicadas, ao ponto de ter um papel pedagógico e também de
restrição. É referido também que a discriminação de gênero está tão instalada na
sociedade e que a diferença e dependência sexuais estão tão profundamente
inseridas no sujeito, que a lei apenas chega a alcançá-las, concluindo, de outro lado,
que não pode deixar de existir a lei, embora muitas vezes tenha mais um papel
pedagógico do que repressivo, o que efetivamente ocorre, mas pode ser apenas um
estágio no cumprimento da normativa.
A regulamentação legal nos casos de prática da conduta de assédio sexual nas
relações de trabalho, embora realizada de forma parcial, reflete as modificações
ocorridas no âmbito social sobre o tema.
379 PEREIRA DE MELO, Hildete. O Brasil e o Global Gender Gap Index do Fórum Econômico.
Disponível em: <http://www.observatoriodegenero.gov.br/menu/publicacoes/o-brasil-e-o-global-
gender-gap-index-do-forum-economico-mundial/view>. Acesso em: 20 jul. 2015.
380 HERRERA FLORES, Joaquín. Op.cit nota 3, p. 157.
381 RAMOS FILHO, Wilson. Op.cit nota 6, p. 464
382 ZACKSESKI, Cristina. A insegurança feminina e os problemas das políticas contemporâneas de
383PEREIRA DE ANDRADE, Vera Regina. Violência sexual e sistema penal: proteção ou duplicação
da vitimação feminina?
Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/busca.php?acao=abrir&id=4743>. Acesso em: 10 jul.
2015.
183
387 PIOVESAN, Flavia. Direitos Humanos das Mulheres no Brasil: Desafios e Perspectivas. A igualdade
de gênero nas relações de trabalho. PENIDO, Lais de Oliveira (Coord.) Brasilia: ESMPU, 2006, pp.
209/211.
388 Conforme referido por Barzotto. BARZOTTO, Luciane Cardoso. Direitos Humanos e Trabalhadores.
A lei penal deu repercussão à temática do assédio sexual nas relações laborais
ensejando o incremento de ações trabalhistas individuais, o que deve ser visto como
positivo, diante da maior conscientização acerca do tema.
Especialistas como Hirigoyen389, acreditam que ao invés da imitação dos
excessos norte-americanos no que se refere a processos por assédio, caberia o
estabelecimento de políticas de prevenção, impondo o respeito ao indivíduo no
ambiente de trabalho.
Acredita-se que todas as formas de atuação são válidas e passíveis de críticas
e de aperfeiçoamento.
Entende-se que o assédio sexual tem abrangência maior do que a dada pela
lei penal em relação às espécies e aos sujeitos, aplicando-se aqui (e em relação ao
assédio sexual nas relações laborais em geral) os princípios existentes na
Constituição Federal Brasileira, à míngua de regulamentação específica.
Conforme França de Oliveira390, cinco direitos fundamentais, previstos na CF
de 1988, são apontados como vulnerados pela situação de assédio sexual nas
relações de trabalho:
1. o direito ao respeito à dignidade da pessoa humana;
2. o direito à igualdade e a não ser discriminado em razão do sexo;
3. o direito à integridade física e moral; o direito à liberdade sexual;
4. o direito a um meio ambiente de trabalho íntegro e sadio;
5. o direito à dignidade humana e à liberdade sexual, principais direitos
violados pelo assédio nas relações de trabalho.
O direito à dignidade humana seria um direito-mãe em relação aos direitos à
personalidade e à liberdade.
O direito à liberdade compreenderia o direito à liberdade sexual, que pode ser
vista por dois prismas: a possibilidade de dispor do próprio corpo e a possibilidade de
repelir comportamentos de outros de natureza sexual.
A prática da conduta de assédio sexual, constitui prática de opressão às
pessoas trabalhadoras, notadamente as trabalhadoras mulheres, lesiva à dignidade
humana, a par de violações aos direitos à igualdade e a não –discriminação em razão
do sexo, ao direito à integridade física e moral, ao direito à liberdade sexual e ao direito
a um meio ambiente saudável, devendo ser prevenida e combatida por firme atuação
em prol da dignidade da pessoa humana.
A normativa existente no Brasil, deve ser ampliada, abrangendo todos os tipos
e espécies de assédio, verificando-se como positivos e necessários os avanços
doutrinários e legislativos frente ao tema.
Dando seguimento ao trabalho, após as considerações acerca da normativa
legal existente, buscar-se-á analisar o assédio sexual nas relações de trabalho e as
questões ligadas ao trabalho decente, entendido como conjunto mínimo de direitos
das pessoas trabalhadora; aspectos ligados aos princípios da igualdade e da não-
discriminação; os prejuízos acarretados pelo assédio sexual nas relações de trabalho;
aspectos das leis e do papel das leis e também o papel que a Justiça do Trabalho
brasileira pode exercer como espaço possível na luta pelos direitos humanos e no
enfrentamento das situações de assédio sexual nas relações de trabalho.
187
391 Pérez Guardo, R. y Rodríguez Sumaza, Op. cit, nota 355, pp. 195-219.
392 SANTOS, Aloysio. Assédio Sexual nas Relações Trabalhistas e Estatutárias. Rio de Janeiro:
Forense, 1999, p. 24.
393 PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op.cit, nota 201, p. 108.
188
394 Memoria del Director General: Reducir el déficit de trabajo decente - un desafio global. 89a reunión,
junio de 2001. Disponível em:
<http://www.ilo.org/public/spanish/standards/relm/ilc/ilc89/rep-i-a.htm>. Acesso em: 25 jul. 2015.
395 Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/content/o-que-e-trabalho-decente>. Acesso em: 25 jul.
2015.
190
400 BRITO FILHO, José Claudio Monteiro de. Op.cit, nota 368, pp. 49-55.
401 BRITO FILHO, José Claudio Monteiro de. Op.cit, nota 368, p. 95.
192
Woman is the nigger of the world. Yes she is. Think about it. Woman is the
nigger of the world. Think about it. Do something about it. We make her paint
her face and dance. If she won't be a slave, we say that she don't love us. If
she's real, we say she's trying to be a man. While putting her down we pretend
that she's above us. Woman is the nigger of the world. Yes she is. If you don't
believe me. Take a look at the one you're with. Woman is the slave of the
slaves. Oh yeah, better scream about it. We make her bear and raise our
children. And then we leave her flat for being a fat old mother hen. We tell her
home is the only place she should be. Then we complain that she's too
402 BRITO LOPES, Otávio. A Questão da Discriminação no Trabalho. Revista Síntese Trabalhista e
Previdenciária, ano XXV, n. 307, janeiro de 2015, São Paulo, pp. 09-21. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/rev_17/artigos/art_otavio.htm>. Acesso em: 18 jul. 2015.
403 BRITO LOPES, Otávio. Ibidem, pp. 9-21.
194
unworldly to be our friend. Woman is the nigger of the world. Yes she is. If you
don't believe me, take a look at the one you're with. Woman is the slave to the
slaves. Yeah, alright. We insult her every day on TV. And wonder why she
has no guts or confidence. When she's young we kill her will to be free. While
telling her not to be so smart we put her down for being so dumb. Woman is
the nigger of the world. Yes she is. If you don't believe me, take a look at the
one you're with. Woman is the slave to the slaves. Yes she is. If you don't
believe me, you better scream about it. We make her paint her face and
dance404.
404
Disponível em: <http://letras.mus.br/john-lennon/79782/traducao.html>. Acesso em: 30 jun. 2015. A
música pode por ouvida no site <https://www.youtube.com/watch?v=OA8N0xy3hjE>.
195
405 MOURA, Humberto Fernandes de. A Discriminação Indireta, sua natureza jurídica e a possibilidade
de implementação das ações afirmativas nas relações de emprego: algumas breves idéias. Revista
Síntese Trabalhista e Previdenciária, ano XXV, n. 307, janeiro de 2015, São Paulo, p. 34-44.
406 BRITO LOPES, Otávio. Op.cit, nota 403.
407 ROCHA, Carmen Lucia Antunes. Vida digna: direito, ética e ciência (os novos domínios jurídicos e
seus reflexos jurídicos). O direito à vida digna. ROCHA, Carmen Lucia Antunes (Org.). Belo Horizonte:
Fórum, 2004, p. 45.
408 GOSDAL, Thereza Cristina. Dignidade do Trabalhador: um conceito construído sob o paradigma do
Esse problema tem relação com papéis atribuídos aos homens e às mulheres
na vida social e econômica que por sua vez, altera a situação das mulheres
no mercado de trabalho. A empregada é obrigada a escolher entre assentir a
uma demanda sexual ou perder algum benefício, ou a algo que lhe
corresponderia pelo trabalho, até mesmo o próprio emprego. Dado que isso
só pode ocorrer em uma relação em que alguém detenha o poder de dar ou
retirar esse benefício do trabalho, caracteriza-se abuso de autoridade por
parte do empregador. (...) Assédio sexual provoca na vítima: insegurança,
culpa, depressão, problemas sexuais e de relacionamento íntimo, baixa
autoestima, vergonha, fobias, tristeza, revolta, indignação, ansiedade,
desmotivação. Podem ocorrer também, nos casos mais graves, tendências
suicidas e, em elevado número de casos, o stress pós-traumático; isso nos
avaliza a tipificar esses sentimentos como “um intenso sofrimento mental”,
por conseguinte, um comportamento desumano 412.
413Conforme alerta Chaya S. Piotrkowski, Op. cit. nota 274, Acesso em: 15 jul. 2015.
414FERRER PERÉZ, Victoria A. Las diversas manifestaciones de la violência de gênero. La violência
de gênero. Algunas cuestiones básicas. FIOL, Esperanza Bosch (Coord) Alcalá La Real: Formación
Alcalá, 2007, p. 99.
198
415 LIPPMANN, Ernesto. Assédio Sexual – Relações Trabalhistas: Danos Morais e Materiais. Revista
Síntese Trabalhista, Porto Alegre, ano XIII, n. 146, agosto de 2001, pp. 65/66.
416 MARQUES DA FONSECA, Ricardo Tadeu. Saúde mental para e pelo trabalho. Saúde mental no
422 GÕNI SEIN, José Luis. A incidência do campo da saúde mental na relação de emprego. Saúde
mental no trabalho: coletânea do fórum de saúde e segurança no trabalho do Estado de Goías.
FERREIRA, Januário Justino; PENIDO, Laís de Oliveira (Coord.). Goiânia: Cir. Gráfica, 2013, pp. 73-
74.
201
reprodução do poder, advertindo que esse estado de coisas pode e deve ser
modificado, democraticamente425.
Há quem critique a retórica da lei, como Álvares da Silva, que assim leciona:
É preciso dar severo tratamento antivirótico a uma das mais antigas doenças
de nosso sistema jurídico: as leis falam muito e os fatos respondem pouco.
Quanto mais proclamação, menos efetividade. Lembre-se Hamlet:
“POLONIUS(Aside)- How say you by that. Still harping on my daught: yet he
knew me not as first; he said I was a fishmonger: he is far gone, far gone: and
truly in my youth I suffered much extremity for love; very near this. I´llspeak to
him again. What do you read, my lord. HAMLET – Words, words, words.”
Parece que o legislador, ciente de que mudar a realidade é difícil, dá uma
satisfação ao povo através da retórica das leis. O problema é que não
precisamos de palavras, mas sim de ação. É necessário que haja raciocínio
pragmático nos três Poderes da República. É preciso falar menos e agir mais.
Bem dizia a sábia prudência romana: Verba non sufficiunt, ubi opusest
factum-não bastam palavras onde os fatos são necessários. 426
425 CÁRCOVA, Carlos María. A opacidade do direito. São Paulo: LTr, 1998, p. 193
426 ÁLVARES DA SILVA, Antonio. Trabalho da Mulher: Estudos em homenagem a Alice Monteiro de
Barros. FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa (Coord.). São Paulo: LTr, 2009, p.73
427 SOUSA SANTOS, Boaventura. Op.cit, nota 162, p.198-199.
428 Cf. CAMPILONGO, Celso Fernandes. Os desafios do judiciário: um enquadramento teórico. Direitos
Humanos, Direitos Sociais e Justiça. FARIA, José Eduardo (Coord.). São Paulo: Malheiros, 1998,
pp.30/50, em especial a p. 50.
429 FARIA, José Eduardo. “O Judiciário e o Desenvolvimento Sócio-Econômico”. FARIA, José Eduardo
(Coord.). Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça.São Paulo: Malheiros, 1998, pp. 11/26, em
especial as pp. 11-12.
203
Embora o Poder Judiciário, diante da cultura preponderante, seja uma das instituições
de maior credibilidade, houve recente mudança legislativa, realizada pela Lei nº
13.129, de 26.05.2015, com o sentido de alterar a Lei nº 9.307, de 23.09.1996 e a Lei
nº 6.404, de 15.12.1976, para ampliar o âmbito de aplicação da arbitragem e dispor
sobre a escolha dos árbitros quando as partes recorrem a órgão arbitral, a interrupção
da prescrição pela instituição da arbitragem, a concessão de tutelas cautelares e de
urgência nos casos de arbitragem, a carta arbitral e a sentença arbitral, revogando
artigos da Lei nº. 9.307, de 23.09.1996.431
Até agora, soluções alternativas às ações judiciais, embora de todo
recomendáveis, resultam infrutíferas, na maioria dos casos, preponderando a
utilização da via judicial, como resultado da mentalidade de judicialização dos conflitos
existentes no Brasil.
É cedo, ainda, para avaliar os impactos e os resultados do Novo Código de
Processo Civil, sendo interessante referir que no seu artigo 8º é previsto que “ao
aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem
comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a
proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência”432.
Ressalta-se que a CLT admite a aplicação subsidiária das leis civis, no artigo
8º, nos seguintes termos: “As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na
falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela
jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de
direito, principalmente do direito do trabalho e, ainda, de acordo com os usos e
costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de
classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.”
Sobre o papel do Judiciário, Ramos Filho, ao falar sobre a necessária retomada
de processos concretos de mobilização de trabalhadores, em articulação com outros
movimentos sociais, desestabilizando a “paz social”, faz-se necessário motivar o
Judiciário a tutelar de modo distinto as relações entre as classes sociais:
431
Idem.
432 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>.
Acesso em: 23 jun. 2015.
205
lesões de cunho trabalhista que entende praticadas contra si, dentro do devido
processo legal, que não é um conceito de fácil definição, abarcando a definição, no
contexto de um Estado Democrático de Direito de como e por que as leis são
aplicadas439.
No caso do assédio sexual nas relações de trabalho, defende-se aqui, como
será analisado mais tarde, a inversão do ônus da prova, presumindo-se a existência
de discriminação pela pessoa que se diz assediada sempre que presentes os
requisitos da verossimilhança das alegações e da hipossuficiência da parte. O número
de demandas tem crescido, contribuindo, por um lado, para a sobrecarga já existente
e ao mesmo tempo visibilizando a situação de assédio sexual nas relações de
trabalho, por muito tempo tida como naturalizada ou pouco importante.
Conforme o artigo 483 da Consolidação das Leis do Trabalho, o empregado
pode considerar rescindido o contrato e postular a indenização devida, pelos motivos
ali elencados, dos quais podem ser aplicáveis à conduta de assédio sexual, os
contidos nas alíneas “c” (correr perigo manifesto de mal considerável); “d” (não cumprir
o empregador as obrigações do contrato) e “e” (praticar o empregador ou seus
prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama).
O não cumprimento das obrigações do contrato pode constituir o que a doutrina
norte-americana chama de “tangible employment action”, entendida como alteração
contratual relevante, significando mudanças desfavoráveis no contrato de trabalho
para a pessoa assediada, que podem consistir, por exemplo, em óbices na
contratação, despedida, impedimento ou perda em relação a uma promoção ou a um
benefício.
Também podem ser consideradas como descumpridas as obrigações do
empregador, no sentido de manter um ambiente de trabalho com saúde e segurança
para seus empregados.
Conforme Gosdal440, o assédio pode afetar a saúde ambiental não apenas do
assediado, mas de outros empregados, acarretando medos e angústias e criando um
ambiente hostil e desagradável, tendo como consequências o absenteísmo, a baixa
produtividade e também danos físicos em decorrência da tensão psicológica gerada
439 ZANGRANDO, Carlos. Processo do Trabalho. Processo de Conhecimento. Tomo II. São Paulo:
Editora LTr, 2009, p. 1055.
440 GOSDAL, Thereza Cristina. Op.cit. nota 328, p.232.
208
pela situação de assédio sexual nas relações do trabalho, tendo como sintomas, entre
outros, dores de cabeça, problemas digestivos e falta de concentração, podendo ser
necessário, em casos mais graves, o tratamento médico e psicológico do assediado.
O assédio sexual nas relações de trabalho afeta o meio ambiente laboral,
lembrando que uma das obrigações do empregador é proporcionar um ambiente
laboral saudável para seus empregados. Não só a pessoa trabalhadora é afetada
como todas as demais, em maior ou menor grau, que convivem no ambiente laboral.
Em muitos casos, o assédio sexual nas relações de trabalho acarreta
problemas psicológicos de difícil trato, como a depressão, além das manifestações
psicossomáticas no corpo das pessoas.
A prática de ato lesivo da honra e da boa fama, pelo empregador e seus
prepostos é consubstanciada pela conduta de assédio sexual, afrontosa à dignidade
pessoal da pessoa assediada, não podendo olvidar-se que a mera divulgação do
ocorrido, muitas vezes, afeta também sua intimidade.
Nada impede que a pessoa assediada ajuíze ação postulando a indenização
pelos danos decorrentes da conduta de assédio sexual e continue laborando.
Para Martinez-Vivot441, fica claro que, em princípio, não é necessário que a
vítima presumida de um assédio sexual se considere em situação de despedida
indireta para que formule sua denúncia ou reclamação pelo assédio sexual ou, ainda,
para promover a ação que considerar pertinente.
Como alerta Pamplona Filho:
443 Como aponta Pamplona Filho. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op.cit, nota 201.
209
A pessoa que realiza o assédio sexual nas relações de trabalho está sujeita às
consequências trabalhistas, patrimoniais e criminais, diante da ilicitude do ato
praticado.
O empregado que pratica a conduta de assédio sexual, além das sanções
disciplinares, pode ter o contrato de trabalho rescindido, com base no artigo 482 da
Consolidação das Leis do Trabalho, que prevê as hipóteses legais permissivas da
rescisão do contrato de trabalho por justa causa, pelo empregador, entendendo-se
como aplicáveis à conduta de assédio sexual, as constantes nas alíneas “b”
(incontinência de conduta ou mau procedimento); “j” (ato lesivo da honra ou da boa
fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas
condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem) e “k” (ato lesivo
da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e
superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem).
Transcreve-se, a propósito, a seguinte ementa, do acórdão do Processo AIRR
- 8300-50.2010.5.01.0000, da lavra do Ministro Relator Lélio Bentes Correa, publicado
em 23.05.2012 e que chancela a dispensa por justa causa de empregado que
assediou uma colega de trabalho:
O julgado acima tem sua ementa transcrita, diante da admissão, pelo TST do
assédio sexual nas relações de trabalho na forma ambiental, ou seja, feito entre
colegas e pela punição, feita pela empresa ao empregado assediador, despedido por
justa causa, sob o fundamento de incontinência de conduta.
210
444 Como, por exemplo e por todos, Dorval de Lacerda: LACERDA, Dorval de. A Falta Grave no Direito
do Trabalho. Rio de Janeiro: Ed. Trabalhistas, 1964, p. 95.
445 PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op.cit, nota 201, p. 150.
446 MASCARO DO NASCIMENTO, Amauri. Curso de Direito do Trabalho. 18 ed. São Paulo: Saraiva,
18 jul. 2015.
213
artigo 130 do Código de Processo Civil (repristinado no artigo 370 do Novo Código de
Processo Civil452).
Na comprovação das alegações, o autor pode utilizar-se de testemunhas,
bilhetes, mensagens de celular, e-mails, recados nas redes sociais, entre outros meios
de prova, podendo também utilizar-se de indícios, presunções ou prova prima facie,
entendida esta última como a prova por verossimilhança, fundada na probabilidade.
Veja-se, que a teor do artigo 369 do Novo Código de Processo Civil, “ as partes têm o
direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda
que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda
o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz. ” Vale dizer que o texto
não dirime a controvérsia sobre a utilização de gravações sem o consentimento da
parte que está sendo gravada sem saber e que o conceito de meios “moralmente
legítimos” é subjetivo e passível de variadas interpretações.
Brito Filho453 propõe a inversão do ônus da prova, como medida, na solução
jurisdicional, a permitir a proteção contra atos de discriminação. Aponta, de outra
parte, que o artigo 818 da Consolidação das Leis do Trabalho, segundo o qual a prova
das alegações incumbe à parte que as fizer não possui elasticidade suficiente para o
posicionamento pela inversão do ônus da prova, sendo possível a utilização do artigo
6, VIII da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), segundo o qual, a
facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a
seu favor, no processo civil, quando, a critério do juízo, for verossímil a alegação
apresentada ou quando ele for hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de
experiência. Para Brito Filho, a inversão do ônus da prova não deve ocorrer em todos
os casos, mas quando presentes os requisitos da verossimilhança da alegação e da
hipossuficiência. Transpondo para a relação de trabalho, vale dizer que a inversão da
prova pode ocorrer quando presentes os dois requisitos elencados acima e, ainda,
quando os fatos somente podem ser demonstrados pelo empregador, mesmo que
tenha que comprovar as negativas apresentadas na defesa. Para o autor referido, a
esperança de que a norma prevista no Código de Defesa do Consumidor, no sentido
da proteção da parte mais fraca, em relação à prova, inspire norma semelhante na
452Idem.
453BRITO FILHO, José Claudio Monteiro de. Discriminação no Trabalho. São Paulo: LTr, 2002, pp. 94-
96.
214
O assédio sexual é um ato que pela sua própria natureza, em regra se pratica
secretamente. Ele, para usar expressões de Drapeau, acomoda-se melhor
com portas fechadas, no lugar isolado, do que na área comum. Termina por
interrogar: como expor o que procura a sombra e foge da luz?455
A nivel coloquial puede que estos hechos sí se definan como acoso sexual.
Pero jurídicamente no es así. Hace falta que se demuestre que se ha
provocado una situación objetiva, gravemente intimidatoria, hostil o
humillante. Y que la naturaleza de los hechos sea solo sexual. Si no se
cumplen todos esos requisitos no es acoso. Puede ser otro delito, como el de
abusos, pero acoso no. Eso, con todos esos límites, es lo que marca la ley459.
habitualmente aceitos em juízo, que podem ser gravações, ainda que por gravador
oculto.
Há acirrada discussão nas Cortes brasileiras acerca da utilização em juízo de
gravações realizadas sem o conhecimento da outra parte -, cartas, bilhetes, e-mails,
e na ausência de prova documental, a prova testemunhal. De modo geral, há uma
tendência dos julgadores a facilitar a prova nos casos de prática de conduta de
assédio sexual.
Conforme referido por Santos462, uma decisão de 1993 da Suprema Corte
norte-americana, decidiu simplificar os meios de prova em um caso de assédio sexual,
firmando entendimento acerca da desnecessidade de prova de dano psicológico da
vítima, devendo ser considerado como ambiente hostil ou abusivo aquele que uma
pessoa sensata assim o considere; também uma decisão de La Sala Segunda, órgão
máximo da Costa Rica, entendeu pela valoração da conduta pública dos assediantes
embora a inexistência de testemunhas.
Na Espanha, segundo Vásquez, ocorreu o que considera um debilitamento da
carga probatória, admitindo a lei espanhola a prova por indícios e presunções,
devendo a empresa demonstrar o contrário, por razões técnicas, econômicas ou
organizativas463. Assim, a menor exigência, em relação à necessidade de provas,
pelas pessoas assediadas, mostra-se caminho hábil para a busca da Justiça nestes
casos. Cabe lembrar aqui a lição de Martinez-Vivot464, para quem, atendendo a
circunstância de que, geralmente, o assédio sexual ocorre longe da vista de outras
pessoas, acarretando a ausência de testemunhas diretas, dificultando assim a prova
do fato, as normas processuais deveriam conceder ao juiz da causa, nestes casos, a
faculdade de julgar por suas convicções íntimas, devidamente fundamentadas.
Gosdal propõe que sejam admitidos indícios e presunções pelo empregado
reclamante. O empregador, que detém melhores condições para a produção da prova
e que assume o risco da atividade econômica, deve provar a contento a não-
obra, aponta, em relação à discriminação de modo amplo, que alguns países como a Espanha, impõem
ao empregador, invertendo a prova, a demonstração de que não existiu discriminação na despedida,
existindo uma disposição em lei processual estabelecendo a inversão do ônus da prova se a vítima
alega a existência de conduta discriminatória, lembrando ainda que a Civil Rights Act dos EUA, de
1964, mas ocorrida em 1991, introduziu os mesmos critérios nos casos de discriminação
218
467VIANA, Marcio Tulio. A proteção trabalhista contra os atos discriminatórios (Análise da Lei 9.029).
Discriminação. VIANA, Marcio Túlio; RENAULT, Luiz Otávio Linhares (Coord.). São Paulo: LTr, 2000,
pp. 354/367, especialmente as pp. 360-361.
220
473FERRARI, Irany; RODRIGUES MARTINS, Melchíades. Dano moral: múltiplos aspectos nas relações
de trabalho. São Paulo: LTr, 2008, São Paulo, p.147.
225
Alerta-se que todas as três questões suscitadas são passíveis de debate, não
devendo ser desvirtuado, entretanto, a finalidade protetiva da mulher e da sua
dignidade no trabalho.
A ação nos casos de assédio sexual nas relações de trabalho apresenta vários
aspectos processuais, dentre eles estão os analisados no presente subcapítulo,
enfatizando-se aqui questões ligadas aos direitos da pessoa assediada, aos deveres
do empregador; à responsabilidade do empregado assediador, do empregador
assediador e do terceiro assediador, bem como questões ligadas à prova nas
situações de assédio sexual nas relações de trabalho, defendendo-se a inversão do
ônus da prova sempre que presentes a verossimilhança das alegações e a
hipossuficiência da parte trabalhadora, analisando-se ainda a questão da denúncia
falsa e, por fim, a possibilidade e conveniência da denunciação da lide do empregado
assediador pelo empregador.
A seguir, abordar-se-á de forma mais detalhada a questão das indenizações
devidas à parte trabalhadora em decorrência da situação de assédio sexual nas
relações de trabalho, bem como a questão do segredo de justiça nas ações
envolvendo assédio sexual nas relações de trabalho e suas peculiaridades, que
envolvem, de um lado, o direito à intimidade pelas partes e de outro lado, impede a
visibilização das situações de assédio sexual nas relações de trabalho.
474 OLIVEIRA DA COSTA, Walmir. Dano moral nas relações laborais. Competencia e mensuração.
Curitiba: Juruá, 2008, p. 33.
475 MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano Moral Coletivo. São Paulo: LTr, 2012, p. 64.
227
Session: Apreciação de um Precedente Judicial. Revista Eletrônica do TRT da 4. Região. Porto Alegre,
2006, pp. 17/25, em especial a p. 23. Disponível em: < http://www.trt4.jus.br >. Acesso em: 10 jul. 2015.
228
2007, p. 146.
231
empregador em caso de assédio sexual cometido por cliente da empresa, mas desde
que ele não tenha se oposto à conduta desse terceiro.
A Suprema Corte norte-americana, em alguns casos, admitiu a existência, no
assédio sexual da chamada “tangible employment action”484, uma alteração contratual
relevante, impondo a responsabilização do empregador por atos praticados por
superior hierárquico ou pessoa com ascendência, quando a conduta de assédio
sexual significasse mudança nas condições do contrato, como óbices na contratação,
despedida, impedimento ou perda em relação a uma promoção ou a um benefício.
Inexistindo a alteração contratual relevante, o empregador poderia eximir-se da
responsabilização, caso demonstrasse que agiu de forma preventiva e corretiva em
relação a comportamentos ligados ao assédio sexual ainda, a não utilização, pela
pessoa assediada, dos mecanismos de proteção disponibilizados pela empresa.
Parte da doutrina e da jurisprudência tem aplicado a teoria da responsabilidade
objetiva do empregador, nos casos de assédio sexual por superior hierárquico ou com
ascendência, entendendo, de outra parte, injusta a responsabilização objetiva do
empregador no caso de assédio provocado por colega da mesma ou de inferior
hierarquia.
Impõe-se aqui ressaltar que, no Código Civil de 1916, era adotada como regra
geral no tocante à responsabilização civil, a teoria subjetiva, baseada na intenção
subjetiva do agente, pressupondo a conduta ilícita (violação de dever jurídico), a culpa
(ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência), a ocorrência do dano e o
nexo causal.
Com o incremento acelerado da industrialização, a teoria subjetiva começou a
ser questionada em face da demonstrada insuficiência para proteger as pessoas
lesadas pelos procedimentos empresariais e diante da dificuldade em provar a
intenção do causador do dano.
Neste contexto, tomou vulto a teoria do risco, baseada na obrigação de reparar
em razão da propriedade do bem ou da responsabilidade pela atividade causadora do
dano, somada à lesividade potencial da atividade.
484 Conforme JAKUTIS. JAKUTIS Paulo. Op.cit, nota 213, pp. 201-202.
232
485 BESSA, Fabiane Lopes Bueno Netto. Responsabilidade Social das Empresas. Práticas Sociais e
Regulação Jurídica. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, pp. 112-113.
486 MONTEIRO DE BARROS, Alice. Dano Moral da Justiça do Trabalho. Trabalho & Doutrina, n. 16,
março/1998, p. 61.
233
poderia ser diferente, pois se o julgador defere valor maior do que o pedido, realiza
julgamento extrapetita, considerando os termos do artigo 128 do CPC, segundo o qual
o juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta.
Veja-se, por exemplo, o caso do Processo 0001011-35.2013.5.04.0305 (RO),
julgado no TRT da 4. Região, da lavra do Redator Francisco Rossal De Araújo,
publicado em 30.04.2015 e assim ementado:
494
Disponível em: <http://www.trt4.jus.br/portal/portal/trt4/consultas/jurisprudencia/acordaos>. Acesso
em: 15 jul. 2015.
237
497 ALMEIDA NETO, Amaro Alves de. Dano existencial. A tutela da dignidade da pessoa humana. 2015,
p. 18/27. Disponível em: <www.mp.sp.gov.br/portal/page/.../DANO%20EXISTENCIAL.doc>. Acesso
em: 10 junho de 2015
498 Disponível em: <http://www.trt4.jus.br/portal/portal/trt4/consultas/jurisprudencia/acordaos>. Acesso
499 Idem.
241
500 Ressalta-se aqui que já foi promulgado o Novo Código de Processo Civil, pela Lei n. 13.105, de
16.03.2015, com entrada em vigor, de acordo com o artigo 1.045, após decorrido 1 (um) ano da data
de sua publicação oficial.
501 ZANGRANDO, Carlos. Op. cit, nota 440, p. 1063.
502 OLIVEIRA, Francisco Antonio de. Manual de audiências trabalhistas. 5. ed. São Paulo: Revista dos
508WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, Estado e Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989,
pp. 150-151.
246
Caso não ocorra o acordo, o juiz do trabalho de primeiro grau instrui o feito e
julga, proferindo sentença.
Das sentenças, cabe recurso ordinário para o TRT e o recurso ordinário é
apreciado e julgado por turmas constituídas de três juízes, denominados
desembargadores, que proferem acórdão.
Do acórdão proferido pelas turmas, cabe, nas hipóteses legais, recurso de
revista para o TST.
Em hipóteses excepcionais, quando o processo envolver aspectos
constitucionais, cabe, ainda, recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal,
órgão máximo do poder judiciário brasileiro.
Não há estatísticas precisas acerca do número de processos envolvendo a
prática da conduta de assédio sexual nas relações laborais que são ajuizados junto
às varas trabalhistas, o que também é motivado pelo segredo de justiça solicitado
pelas partes em muitos processos. Inobstante, o aumento dos processos envolvendo
assédio sexual tem preocupado os magistrados, a ponto de o TRT da 4ª. Região
editar, em 26.05.2006, a sétima edição especial da revista eletrônica, versando
somente sobre os temas do assédio moral e sexual, em duas partes, trazendo textos
doutrinários, jurisprudência e petições iniciais de ações civis públicas ajuizadas pelo
MPT509.
Em relação aos processos cuja sentença é objeto de recurso ordinário para o
TRT da 4ª. Região, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul é possível aferir os seguintes
dados:
No ano de 2000, foram julgados seis processos envolvendo a prática da
conduta de assédio sexual: em 2001, foram três processos; em 2002, foram quinze
processos; em 2003 foram vinte e um processos; em 2004, foram onze processos; em
2005, foram trinta e dois processos; em 2006, foram vinte e dois processos; em 2007,
foram vinte e um processos; em 2008, foram vinte e dois processos; em 2009, foram
vinte e cinco processos; em 2010, foram trinta e oito processos e em 2011, foram
sessenta e quatro processos.
No caso do processo citado acima, o valor foi majorado para dez mil reais.
Transcreve-se também, acerca dos parâmetros para arbitramento das indenizações
por danos morais, a ementa do acórdão do Processo 0000498-66.2010.5.04.0404
(RO), da lavra do Redator Ricardo Hoffmeister de Almeida Martins Costa, julgado no
TRT da 4. Região e publicada em 15.03.2012:
Neste caso específico, a quantia arbitrada para indenização por danos morais
foi reduzida para o valor de cinco mil reais. A quantia de cinco mil reais foi deferida
em outro processo, no qual foi provido o recurso ordinário da reclamante,
transcrevendo-se aqui a ementa do acórdão do Processo 0001609-90.2010.5.04.0661
(RO), da lavra do Redator Alexandre Corrêa da Cruz, julgado no TRT da 4. Região e
publicada em 27.09.2012:
Em outro processo, o valor da indenização foi aumentado para vinte mil reais,
conforme a ementa do acórdão do Processo 0000153-88.2012.5.04.0741 (RO), da
lavra da Redatora Lucia Ehrebrink, julgado no TRT da 4. Região e publicada em
23.08.2012:
Estes são alguns exemplos dos julgados no TRT da 4ª. Região, havendo, como
visto, uma diversidade de posições e ao mesmo tempo um arbitramento considerado
na média, como baixo, para as indenizações por danos morais em razão do assédio
sexual nas relações de trabalho.
Costuma-se dizer, no contexto capitalista ora vivido, que a Justiça do Trabalho
serve como “algodão entre cristais”, dirimindo conflitos que de outro modo teriam,
talvez solução mais violenta. O crescimento das demandas individuais aponta para a
maior visibilização do problema. De outro lado, o número de ações individuais
trabalhistas e que tende a aumentar indica a existência de um paradigma individual
de solução de um problema que, em realidade, é coletivo, ditado pela opressão das
mulheres no contexto das relações de trabalho e que deve ter tratamento coletivo.
O Tribunal Superior do Trabalho - TST, instância máxima trabalhista no Brasil,
apreciou pela primeira vez um recurso de revista em um caso de indenização por
danos morais, reconhecendo a existência de assédio sexual, na data de 24 de março
de 2010.
Explica-se que em geral, recursos de revista sobre o tema não são conhecidos
pelo TST, por força da disposição do artigo 896 da Consolidação das Leis do Trabalho,
que limita as hipóteses de conhecimento dos recursos. De modo geral, as discussões
255
sobre os casos de assédio sexual ficam limitadas às ocorridas nos Tribunais Regionais
do Trabalho.
O conhecimento do recurso de revista pelo TST no caso em questão e,
principalmente, o seu teor, representa um avanço na visibilização do tema.
A decisão foi amplamente divulgada, remarcando seu ineditismo. No caso, a
8ª turma do TST deu provimento ao agravo de instrumento em recurso de revista,
reformando acórdão do TRT da 12. Região e condenando a empresa prestadora de
serviços de guarda e vigilância ONDREPSB e o Banco do Brasil S A, de forma
subsidiária, como tomador dos serviços, ao pagamento de indenização por danos
morais diante do assédio sexual caracterizado realizado por um gerente do Banco,
em face de uma empregada da prestadora, que laborava nas instalações do Banco.
Transcreve-se aqui a ementa do acórdão do Processo 1900-
69.2005.5.12.0006, da lavra da Relatora Ministra Dora Maria da Costa, julgado no TRT
da 4. Região publicado em 30.03.2010510:
O TRT da 12. Região deu parcial provimento aos recursos ordinários de ambos os
reclamados, com o fim de excluir da condenação o pagamento de indenização por
dano moral. Em julgamento do TST, em 2010, houve o provimento do recurso de
revista no Processo TST-RR - 1900-69.2005.5.12.0006, apresentado pela
trabalhadora, para restabelecer a sentença quanto à condenação dos reclamados, de
forma subsidiária, ao pagamento de indenização por danos morais decorrentes da
configuração de assédio sexual no trabalho, reduzindo o valor inicialmente deferido
de cinquenta mil reais para trinta mil reais, entendido como suficiente para o
atendimento do caráter compensatório, pedagógico e preventivo.
Como visto, o julgado do Processo TST-RR - 1900-69.2005.5.12.0006, ainda
que reconhecendo a existência de assédio sexual nas relações de trabalho - em
caráter duplamente inédito, pois além de ser a primeira vez que o TST apreciou o
mérito de ação envolvendo assédio sexual, aqui o assediador era gerente da agência
bancária e a assediada, uma trabalhadora terceirizada -, reduziu a indenização
arbitrada, que possui, a nosso sentir, um caráter simbólico, diante da condição
financeira das reclamadas, notadamente o Banco do Brasil S/A, de sólido patrimônio
e notável poderio econômico.
A decisão representa, como já dito, um avanço nas discussões sobre o tema e
se não repara de modo suficiente a lesão sofrida pela trabalhadora, serve para
visibilizar o tema, tendo efeito pedagógico, notadamente quanto alude à lesão à
dignidade humana, lembrando que a luta pela dignidade humana é a razão e a
consequência da luta pela democracia e pela Justiça511 e que na luta pela dignidade
está a chave do futuro.
No contexto das lutas sociais pela dignidade e da perspectiva dos direitos como
processos institucionais e sociais que possibilitem a abertura e a consolidação de
espaços de luta pela dignidade humana512, a decisão do TST deve ser saudada.
Mas fica aqui o questionamento se indenizações maiores não teriam efeitos
mais abrangentes tanto em termos pedagógicos/preventivos quanto em termos
coercitivos repressivos.
Ressalta-se que em vários outros julgamentos, ao analisar a questão da
indenização por danos morais em casos envolvendo situações de assédio sexual, o
Ressalta-se aqui que não houve, no julgado acima, recurso de revista da parte
reclamante, o que impediu a eventual majoração do valor da indenização, mantida em
dez mil reais.
Analisando-se o Processo TST-RR –1274-83.2012.5.09.0654, verifica-se que
a sentença deferiu cinco mil reais a título de indenização por dano moral diante de
assédio sexual.
O TRT manteve o valor da indenização arbitrada pelo primeiro grau. No TST,
foi mantido o valor, conforme o julgado em 04.02.2015, tendo como Relator o Ministro
José Roberto Freire Pimenta, do qual se transcreve a ementa, de forma parcial:
513LIMA
FILHO, Francisco das Chagas. O assédio moral nas relações laborais e a tutela da dignidade
humana do trabalhador. São Paulo: Editora Ltr, 2009, pp.117-118.
262
de assédio sexual nas relações de trabalho, que deve, cada vez mais, ser encarada
de forma coletiva, com soluções de caráter coletivo.
Conforme Gosdal514, a mudança de paradigma não importa na desnecessidade
da manutenção dos mecanismos de combate à discriminação.
As situações concretas que chegam ao conhecimento do Judiciário e do
Ministério Público devem encontrar resposta eficaz, a par do necessário
aperfeiçoamento da legislação sobre a matéria.
A discriminação merece tratamento diferenciado, seja do ponto de vista do
MPT, seja por parte dos juízes, sendo necessário que todos os que atuam na área
trabalhista estejam sensibilizados para o combate à discriminação da mulher, aí
incluído o assédio sexual nas relações de trabalho, intolerável em nossa sociedade
ante o grau de conhecimento e de consciência alcançado pela sociedade.
De acordo com Freire Pimenta515, os mecanismos processuais existentes,
embora úteis, não têm se revelado suficientes para assegurar, em termos práticos, a
efetividade do direito do trabalho como instrumento da realização do direito material,
pois de um lado há uma explosão de demandas, abarrotando a Justiça do Trabalho,
cuja atual estrutura não permite os julgamentos em tempo útil, remarcando-se aqui
os esforços realizados para imprimir celeridade aos processos.
Há uma significativa “demanda reprimida”, chamada pelos processualistas
modernos de “litigiosidade contida”, em razão das lesões de caráter trabalhista
diariamente perpetradas, tendo como causa a impunidade absoluta ou relativa de que
gozam os empregadores, e a esta situação o processo do trabalho e a Justiça do
Trabalho não conseguem responder à altura. Ao Direito cabe, na contemporaneidade,
atender às novas necessidades de sociedades de massas nas quais são diariamente
praticadas macro lesões de dimensões coletivas.
Pelo particularismo do Direito do Trabalho, as decisões ditadas pelos tribunais
nos litígios individuais adquirem “forte projeção coletiva” e também um efeito
paradigmático, para além do valor atribuído enquanto precedente judicial. E em outro
sentido, a dimensão coletiva significa que os conflitos trabalhistas, reais ou potenciais,
514GOSDAL. Thereza Cristina. Op.cit, nota 143, pp. 305-318, em especial as pp. 312-317.
515FREIRE PIMENTA, José Roberto. “Aspectos processuais da luta contra a discriminação, na esfera
trabalhista. A tutela antecipada como mecanismo igualizador dos litigantes trabalhistas”. VIANA, Marcio
Túlio; Renault, Luiz Otávio Linhares (Coord.) Discriminação. São Paulo: LTr, 2000, pp. 169-226,
especialmente as pp. 190-191.
263
516 BARBAGELATA, Héctor-Hugo. O particularismo do Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1996, p.
25.
264
520 SOUZA-LOBO, Elisabeth. A classe operária tem dois sexos. Trabalho, dominação e resistência.
São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2011, pp.145-146.
521 ROGERAT, Chantal; ZYLBERBERG-HOCQUARD, Marie-Hélène. Sindicatos. Dicionário Critico do
523Cf. SARDEGNA, Paula Constanza. Trabajo de Mujeres, Perspetiva de Gênero. Contrato de Trabajo.
Normativa Nacional e Internacional. Jurisprudência. Buenos Aires, Argentina: Editora La Ley SA, 2003,
pp. 149-150.
271
falta dessa, em uma delegacia comum. A elaboração de cartilhas traduz ação concreta
de atuação preventiva/educativa dos sindicatos, juntamente com a elaboração e
produção de campanhas de combate ao assédio sexual no trabalho, objetivando
visibilizar a situação e transformá-la. Por exemplo, a Confederação Nacional dos
Trabalhadores do Ramo Financeiro - CONTRAF, em 2014, lançou a segunda edição
de cartilha sobre o assédio sexual no trabalho. Ali é preconizado que o Sindicato
proponha às empresas a adoção de cláusulas em Convenções Coletivas referentes à
prevenção e combate ao assédio sexual; a criação, pelas empresas de regulamentos
de conduta ou códigos de ética com os devidos mecanismos de proteção da pessoa
assediada e o rechaço a qualquer situação de assédio, advertindo-se que as
empresas poderão ser responsabilizadas por casos de assédio sexual que ocorram
em suas dependências, bem como a propugnada a adoção de outras medidas,
concluindo-se assim:
A ação contra o assédio sexual não é uma luta de mulheres contra homens.
Ela é uma luta de todos, inclusive de todos os companheiros homens que
desejam um ambiente de trabalho saudável. Por um mínimo de coerência,
não se pode defender os princípios de igualdade e justiça por um lado, e por
outro tolerar, desculpar ou até mesmo defender comportamentos que
agridam a integridade das mulheres. Derrotar a prática do assédio sexual no
trabalho é parte integrante da luta pela igualdade de direitos e oportunidades
entre homens e mulheres e, portanto, parte da luta por um mundo mais feliz.
524
(...) vale lembrar que nada adianta substituir alguém que veste paletó por
alguém com saia ou vice-versa, para ocupar a mesma função, quando esta é
servir ao mesmo sistema de dominação e de conservação. O assédio sexual
faz parte desse sistema de dominação e talvez seja uma das últimas
ferramentas. Por isso precisa ser combatido da maneira mais consciente e
esclarecedora possível. Sabendo o que é e porque acontece poderemos nos
preparar para enfrentá-lo. "Os avanços sociais e as mudanças periódicas se
operam em razão do progresso das mulheres no rumo da liberdade... a
526 Filme POTICHE - ESPOSA TROFÉU, com direção de François Ozon, 2010, França, que narra a
história de homem desprezível que só pensa nos negócios, mas não se relaciona bem com ninguém:
funcionários, filhos e esposa. Depois de uma greve na fábrica, ele é sequestrado e sua mulher assume
o comando da empresa, se mostrando uma mulher com capacidade e dons incríveis de administrar a
fábrica melhor do que seu marido fazia. Conforme o site: <http://www.filmesdecinema.com.br/filme-
potiche-esposa-trofeu-7681/>. Acesso em: 18 jul. 2015.
527 Disponível em: <http://www.sinsesp.com.br/artigos/assedio/171-assedio-sexual-sistema-de-
dominacao-remanescente>. Acesso em: 18 jul. 2015.
273
528 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. “Ação civil pública e termos de ajuste de conduta: competência da
Justiça do Trabalho”. Revista LTR, São Paulo, v. 62, n. 10, out. 1998.
529 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. “Ação civil pública trabalhista: análise de alguns pontos
controvertidos”. Revista do MPT, Brasília, ano 6º, nº. 12, pp. 47-78, set. 1996, p. 67.
274
530MARTINS FILHO, Ives Gandra. Processo coletivo do trabalho. São Paulo. LTR, 1994.
531PEDRASSANI, José Pedro. Aspectos da tutela judicial de direitos individuais perante a jurisdição
trabalhista. São Paulo: LTR, 2001.
275
532 FERREIRA, Dâmares. O Poder Normativo Coletivo. A promoção da igualdade de oportunidades por
meio de ações afirmativas trabalhistas. Curitiba: Juruá, 2013, p. 207
533 CARELLI, Rodrigo de Lacerda. O Ministério Público da proteção do Direito do Trabalho. Caderno
CRH, v. 24, Salvador, 2011, pp. 59-69. Para o autor: Assim, ao defender a atuação sindical, está o
Ministério Público do Trabalho resguardando todo o sistema trabalhista e o Direito do Trabalho, tanto
em relação aos direitos substanciais quanto aos formais. No entanto, dissocia-se a defesa de direitos
dos trabalhadores realizada pelo Ministério Público daquela feita pelos sindicatos profissionais, ou
pelos trabalhadores diretamente. Enquanto esses últimos defendem interesses, o “parquet” defende
princípios, tendo como norte o resguardo do regime democrático, por meio da tutela dos Direitos
Humanos na relação de trabalho. A tutela realizada pelo Ministério Público não é de interesses
privados. (...)É de extrema importância a divisão de papéis entre os sindicatos, a Fiscalização e o
Ministério Público do Trabalho. Apesar de fazerem parte do sistema protetivo trabalhista e serem
imprescindíveis, como vimos, para o resguardo do Direito do Trabalho, cada um exerce um papel
276
diferenciado, sendo o do “parquet” a tutela dos direitos fundamentais, com vistas ao resguardo do
sistema democrático.
534 ARANTES, Rogério Bastos. Ações coletivas. Dimensões políticas da justiça. AVRITZER, Leonardo
Cabe aos sindicatos assumir papel mais ativo no combate à prática da conduta
de assédio sexual, seja através de medidas preventivas/educativas; seja pela inclusão
do tema nas negociações coletivas ou pelo ajuizamento de ações coletivas.
Não se ignora a existência de casos em que o assédio sexual nas relações de
trabalho ocorre dentro do próprio sindicato, como instituição empregadora de várias
pessoas trabalhadoras, realizando práticas que deveria ajudar a combater, dentro de
um trabalho preventivo/repressivo.
Na verdade, os sindicatos, como instituições, são compostos por pessoas, que
trazem para o trabalho seus valores pessoais, por vezes maculando a imagem da
instituição, que deveria combater as situações de assédio sexual nas relações de
trabalho. Ressalta-se, porém, que o assédio sexual nas relações de trabalho pode
ocorrer em qualquer empregador, inclusive quando o empregador é um sindicato,
embora tal não devesse acontecer e que somente um processo de conscientização,
inicialmente no âmbito interno da instituição, pode prevenir/reprimir as situações de
assédio sexual nas relações de trabalho.
Se o posicionamento dos sindicatos em relação ao tema da prática da conduta
de assédio sexual nas relações laborais é relevante, diante da missão de promover a
defesa dos trabalhadores, também é relevante a atuação das Organizações não
governamentais (ONGs).
As organizações não governamentais (ONGs) têm papel e influência cada vez
mais relevantes no âmbito coletivo, destacando-se a atuação daquelas voltadas para
a defesa dos direitos da mulher. Para Proner, ao falar sobre propriedade intelectual,
mas em afirmação pertinente ao tema em debate e à luta pelos direitos humanos em
geral:
535 PRONER, Carol. Propriedade Intelectual: para uma outra ordem jurídica possível. São Paulo:
Cortez, 2007, p. 114. Para Proner: “O direito ao desenvolvimento encampa, nesse sentido, uma série
de lutas reunidas, com dimensões múltiplas e dinâmicas, possibilitando a compreensão de que os
direitos humanos não são categorias normativas que existem no mundo ideal, imutáves, à espera para
278
serem postos em prática por meio da ação social. Estão em constante criação e recriação à medida
que o sujeito atua no processo de construção social da realidade. Essa concepção de direito se opõe
às demais concepções que tendem a “reificar” as relações sociais sem se preocupar com a realidade
mesma”.
536 WOLKMER, Antonio Carlos. Direito, Poder Local e Novos Sujeitos Sociais. O Direito no Terceiro
537 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia de Bolso, 2010, p. 263.
Sen denunciou o drama das “mulheres que faltam” (missing women), em alguns países asiáticos, diante
do desequilíbrio demográfic entre mulheres e homens, resultante da estrutura tradicional de poder e da
subordinação e desvalorização das mulheres.
538 CONSEJO NACIONAL DE POBLACIÓN. La perspectiva de género. Guía para diseñar, poner en
marcha, dar seguimiento y evaluar proyectos de investigación y acciones públicas y civiles. Daniel
Cazés (coordinador). Marcela Lagarde (assessora). Bernardo Lagarde (colaborador). Conapo, México,
2000, p. 21. Disponível em:
<http://enp4.unam.mx/diversidad/Descargas/G%E9nero%20y%20Salud%20Reproductiva/Nociones%
20y%20definiciones%20perspectiva%20de%20g%E9nero.pdf>. Acesso em: 28 jul. 2015.
280
e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher, realizou na cidade de São Paulo,
no Brasil, Seminário Regional sobre Legislação Penal na América Latina, marcante
para o desenvolvimento de projetos populares na área da educação jurídica das
mulheres.
Em 1998, o Centro para a Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê
da América Latina e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM/Brasil)
denunciaram o Estado brasileiro perante a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos (CIDH) devido à impunidade no crime praticado em 1983, no caso Maria da
Penha539.
A Organização dos Estados Americanos acatou, pela primeira vez, na
Comissão Interamericana de Direitos Humanos, uma denúncia de violência
doméstica, condenando o Brasil por negligência e omissão em relação à violência
doméstica, com recomendações para que fosse criada uma legislação adequada.
O governo federal, através da Secretaria de Políticas Públicas para Mulheres,
criada em 2003, no Governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mediante
a Medida Provisória n. 103-2003, que transformou a antiga Secretaria de Estado dos
Direitos da Mulher, vinculada ao Ministério da Justiça, na Secretaria Especial de
Políticas para as Mulheres, ligada à presidência da República. Criada em 2009, a
Secretaria de Políticas Públicas para As Mulheres transformou-se em Ministério e em
2014, tornou-se uma Unidade Orçamentária reconhecida como uma unidade
independente da Presidência da República sob o comando de Eleonora Menicucci540,
professora da UNIFESP e reconhecida militante feminista. Inobstante, dentro da
readequação dos Ministérios realizada pelo Governo Federal, a Secretaria especial
de Políticas para as Mulheres passou a integrar o Ministério das Mulheres, da
Igualdade Racial e dos Direitos Humanos.
A Secretaria de Políticas Públicas para Mulheres, em parceria com cinco
organizações não governamentais e juristas, atendendo aos tratados internacionais
assinados e ratificados pelo Brasil, criou um projeto de lei que após aprovado por
unanimidade na Câmara e no Senado Federal, foi transformado, em 07 de agosto de
2006, com entrada em vigor em setembro de 2006, na Lei federal 11340, que ficou
conhecida como Lei Maria da Penha, fazendo com que a violência contra a mulher
deixasse de ser tratada como um crime de menor potencial ofensivo.
A lei também acaba com as penas pagas em cestas básicas ou multas, além
de englobar, além da violência física e sexual, também a violência psicológica, a
violência patrimonial e o assédio moral. Atualmente Maria da Penha Maia Fernandes
é líder de movimentos de defesa dos direitos das mulheres e exemplo emblemático
da violência doméstica.
A organização não governamental Themis firmou Protocolo de Intenções com
o MPT da 4ª Região, em Porto Alegre, acerca das violações de gênero, objetivando a
promoção dos direitos das mulheres que são violadas e discriminadas em seu
ambiente de trabalho. O assédio sexual nas relações de trabalho, além do assédio
moral e discriminações por gravidez ou número elevado de filhos, são exemplos da
atuação referente ao Protocolo de Intenções, frisando que já foram assinados
anteriormente três protocolos de intenções sobre os direitos dos portadores de
deficiência, discriminação racial e por orientação sexual, sempre com o objetivo de
promoção dos Direitos Humanos das Mulheres e dos Direitos Humanos em geral.
Trata-se aqui de exemplo de atuação integrada entre instituições da sociedade civil
organizadas de forma autônoma e o MPT em defesa dos direitos humanos dos
trabalhadores, notadamente das mulheres, buscando caráter pedagógico/educativo
antes do ajuizamento de ações judiciais.
Outras organizações não governamentais cuja atuação merece destaque, na
defesa dos direitos das mulheres, especificamente, são a Coletivo Feminino Plural,
sediada em Porto Alegre e a CFEMEA, sediada em Brasília.
Também merece destaque a Conectas Direitos Humanos, fundada em
setembro de 2001 em São Paulo, no Brasil, com o objetivo de promoção e efetivação
dos direitos humanos e do Estado Democrático de Direito, no Sul Global, entendido
como os países da África, da América Latina e da Ásia. A Conectas, desde janeiro de
2006, tem status consultivo junto à ONU (ONU) e, desde maio de 2009, também
possui de status de observador na Comissão Africana de Direitos Humanos e dos
Povos, sempre observando a visão de um mundo mais justo, com um movimento de
282
O objetivo desta cartilha é tratar de um tema que, dia a dia, ganha mais
espaço na mídia e no cotidiano das organizações, vem sendo cada vez mais
discutido, mesmo assim, polêmico em sua essência, sobre o qual se encontra
rara bibliografia. Em razão de sua crescente importância nas relações
trabalhistas e de seus efeitos perversos, o assédio moral e sexual no
ambiente de trabalho deve ser debatido de forma séria e comprometida, não
só pela classe trabalhadora e pelo empresariado, mas por toda a sociedade.
Desmistificar a questão do assédio moral e sexual no local de trabalho é o
caminho seguro para prevenir e erradicar sua presença onde já tiver se
instalado. (...) A Comissão de Igualdade de Oportunidades de Gênero, de
Raça e Etnia, de Pessoas com Deficiência e de Combate à Discriminação
atua por meio de parcerias com os diversos setores da sociedade no
desenvolvimento de ações educativas de sensibilização, como seminários,
oficinas e reuniões técnicas e a realização de mesas de entendimento
decorrentes do recebimento de denúncias de discriminação. São importantes
instrumentos de sensibilização e capacitação de gestores públicos,
empregadores e trabalhadores. Mais do que aplicar sanções, o propósito do
Ministério do Trabalho e Emprego é promover plenamente a igualdade de
oportunidades por meio do entendimento consensual entre as partes
envolvidas nas denúncias, do impulsionamento de ações afirmativas e da
divulgação dos direitos do trabalhador(a) com base na não discriminação. 543
544BRITO FILHO, José Claudio Monteiro de. Op.cit, nota 423, p. 61.
545Conforme o site <http://portal.mte.gov.br/>, no Brasil, a promoção do Trabalho Decente passou a
ser um compromisso assumido entre o Governo brasileiro e a OIT a partir de junho de 2003, com a
assinatura, pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e pelo Diretor-Geral da OIT, Juan
Somavia, do Memorando de Entendimento que prevê o estabelecimento de um Programa Especial de
Cooperação Técnica para a Promoção de uma Agenda Nacional de Trabalho Decente, em consulta às
organizações de empregadores e de trabalhadores. Em maio de 2006 foi elaborada a Agenda Nacional
de Trabalho Decente. Acesso em: 16 jul. 2015.
285
548 DALLEGRAVE NETTO, José Afonso. Responsabilidade civil no direito do trabalho. São Paulo: LTr,
2010, p. 212.
549 CARELLI, Rodrigo de Lacerda. O Ministério Público da proteção do Direito do Trabalho. Caderno
com uma vantagem que pode ser aproveitada pelo sindicatos, que é a tutela
trabalhista mediante a argumentação envolvendo os Direitos Humanos, tendo o
condão de desvincular a fruição dos direitos no trabalho das crises econômicas e do
jogo de forças entre trabalhador e empregador, considerando que em uma conjuntura
favorável ao empregador, a argumentação de põe limites à possibilidade de
aproveitamento do momento de crise pelo capital
Esta atuação do MPT em prol do princípio da dignidade da pessoa humana e
dos Direitos Humanos, não pode nem deve ser realizada de forma isolada, exigindo
articulação constante com os demais agentes políticos e com a sociedade civil, em
processo permanente de integração com a sociedade, por meio de parcerias com o
Ministério do Trabalho e Emprego, com os sindicatos, com as organizações não
governamentais, com outros ramos do Ministério Público e com a OIT, que em 2001
aprovou a Declaração de Princípio de Direito do Trabalho, priorizando, entre outros
aspectos, a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação. Com o
aumento das atribuições do MPT e das demandas relativas aos conflitos do trabalho,
teve início, em 2001, o processo de interiorização, frisando que antes a atuação era
centrada nas capitais dos Estados, em razão da predominância da atividade
interveniente, a mais das vezes, no segundo grau de jurisdição. Intentou-se também
elaborar um planejamento estratégico, em que o Conselho de Procuradores elegeu
seis metas prioritárias, dentre elas estão a promoção da igualdade, para eliminar todas
as formas de discriminação no âmbito do trabalho, tendo em vista a criação de
Coordenadorias Temáticas Nacionais, em 2002, como a Coordigualdade -
Coordenadoria Nacional de Promoção de Igualdade e Combate à Discriminação nas
Relações de Trabalho, com atuação diversificada.
No temário específico da Coordigualdade, está o assédio sexual nas relações
de trabalho que, na acepção de Brito Lopes550, “(...) também resulta em prejuízos na
igualdade de oportunidade constitucionalmente garantida ao empregado.” A
Coordigualdade, em razão da recorrência dos temas e discussões, adotou algumas
deliberações, sem efeito vinculante, adotadas como norte para a atuação institucional.
judiciais. A atuação judicial é aquela que ocorre em um processo judicial, seja como
órgão interveniente (fiscal da lei), seja como órgão agente (parte, autor ou réu).
O combate à discriminação no trabalho implica redefinição da consciência dos
limites e responsabilidades em face da problemática do gênero e do trabalho, por parte
do Poder Legislativo e do Poder Judiciário, implicando em atenta e intensa atuação
do MPT. E as práticas discriminatórias levadas ao MPT e ao Judiciário devem ser
investigadas e penalizadas, influindo, destarte, na alteração dos padrões sociais 554.
Cabe aos membros do MPT agir em prol dos direitos humanos vulnerados pela
prática da conduta de assédio sexual nas relações de trabalho, de forma a
restabelecer o respeito à dignidade da pessoa. Sabe-se sempre que a atuação do
MPT tem também um caráter pedagógico-promocional, devendo sempre ser
priorizada a atuação extrajudicial.
A atuação extrajudicial do MPT ocorre no âmbito administrativo e é prevista nos
artigos 129, III, da CF de 1988, 7, I, II e III, da Lei Complementar n. 75/93, que são
destinados aos Membros do Ministério Público da União, em geral, e nos artigos 83,
XI e art. 84 e incisos, da Lei Complementar nº. 75/93, destinado especificamente aos
Membros do MPT que podem no âmbito de suas atribuições extrajudiciais, entre
outras atribuições, instaurar inquérito civil e outros procedimentos administrativos,
sempre que cabíveis, para assegurar a observância dos direitos sociais dos
trabalhadores; requisitar à autoridade administrativa federal competente, dos órgãos
de proteção ao trabalho, a instauração de procedimentos administrativos, podendo
acompanhá-los e produzir provas; exercer outras atribuições que lhe forem conferidas
por lei, desde que compatíveis com sua finalidade e realizar inspeções e diligências
investigatórias.
O procedimento administrativo inicia com o recebimento de notícia da
existência de lesão. A notícia pode ser feita por Membro do Ministério Público, que
tomou conhecimento do dano pela atuação como órgão interveniente ou por notícia
veiculada nos meios de comunicação ou por denúncia, que pode ser efetuada pelos
lesados, por entidades de classe ou por qualquer pessoa que tenha conhecimento da
ofensa, admitida, inclusive, a denúncia anônima. O Procurador, a quem foi distribuída
a denúncia ou notícia, para apreciação prévia, poderá arquivá-la, desde logo, caso
entenda que não se trata de hipótese de intervenção do Ministério Público. Também
poderá, desde logo, ajuizar a ação reputada necessária, caso entenda presentes fatos
e fundamentos suficientes e poderá instaurar procedimento investigatório, que adota
forma mais simples, ou inquérito civil público, que é revestido de maiores
formalidades.
Ambos, procedimento investigatório e inquérito civil público, objetivam a coleta
de provas e a formação do convencimento para instruir e ajuizar eventual ação ou, a
critério do Procurador, permitir a tentativa de compromisso, firmado
administrativamente, para a correção da conduta lesiva aos direitos dos
trabalhadores, de forma extrajudicial, previamente ao ajuizamento de uma ação civil
pública. Veja-se que as soluções extrajudiciais são eficazes, em muitos casos,
evitando assim o manejo de uma ação judicial em uma Justiça do Trabalho, já tão
sobrecarregada.
No curso do procedimento investigatório ou do inquérito civil público são
colhidas provas para o eventual ajuizamento de uma ação, sempre buscando a defesa
dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, relacionados aos direitos
sociais indisponíveis dos trabalhadores. Estas e outras diligências, no âmbito
administrativo, auxiliam o Ministério Público e podem resultar na celebração de termo
de compromisso de ajustamento de conduta, caso o investigado concorde em adequar
sua conduta de forma espontânea, submetendo-se a cominações; no ajuizamento da
ação competente ou, ainda, no arquivamento do procedimento ou inquérito (este fica
sujeito à homologação pelo Conselho Superior do Ministério Público).
A atuação extrajudicial tem resultado na assinatura de muitos termos de
compromisso de ajustamento de conduta em relação à prática de assédio sexual nas
relações de trabalho. De forma geral, o termo de compromisso de ajustamento de
conduta, firmado pelo empregador, contém cláusulas em que o empregador se
compromete a obrigações de fazer, que podem consistir, a título exemplificativo, na
abstenção de qualquer ato que possa ser caracterizado como assédio sexual nas
relações de trabalho; na instituição de regras objetivas para a contratação de
empregados ou estagiários, bem como o procedimento a ser adotado pelo setor de
recursos humanos, para distribuição dos empregados e estagiários nos diversos
setores da empresa. Ainda, na instituição de uma declaração de princípios
295
De lembrar aqui a falta de efetividade das leis que tutelam os direitos sociais
dos trabalhadores e a impunidade, em muitos casos e por vários fatores (como a
demora na solução jurisdicional e a falta de aparelhamento dos órgãos fiscalizadores
do Ministério do Trabalho, por exemplo), daqueles que descumprem as leis
trabalhistas. A inclusão, nos termos de compromisso de cláusulas, prevendo como
obrigações de fazer a obediência às leis e como obrigações de não fazer a abstenção
de lesar direitos assegurados em lei é um poderoso instrumento de conscientização.
E, também, de coerção, pois em caso de descumprimento das normas legais, a par
das sanções ali previstas, haverá a obrigação de pagar a multa, tornando menos
atrativo o descumprimento das normas legais.
Em 23.03.2009, foi firmado termo de compromisso de ajustamento de conduta,
firmado entre o MPT do RS e um ofício de registro de imóveis, tendo como
peculiaridade a ser destacada a inclusão de cláusulas prevendo a disponibilização aos
empregados de acompanhamento psicológico e/ou psiquiátrico, conforme a
necessidade de cada um, bem como a produção e publicação de anúncios, em jornal
de circulação estadual, abordando temas relativos ao assédio moral e à não
discriminação no ambiente de trabalho.
Mais recentemente, em outro caso, envolvendo a prática da conduta de assédio
sexual nas relações de trabalho, foi publicado anúncio, no jornal Zero Hora, em Porto
Alegre, Rio Grande do Sul, na data de 28.05.2011, alertando para o tema, como
resultado de acordo realizado nos autos do Processo 01049-2006-010-04-00-9,
ressaltando aqui que o acordo foi realizado antes do julgamento, entre o MPT e o
CRECI-RS. Trata-se de interessante atuação do MPT, de caráter emancipatório, pois
alerta as pessoas trabalhadoras em geral, acerca do tema, tratando-se de anúncio
publicado no caderno do periódico destinado aos anúncios de emprego, ao mesmo
tempo em que sanciona a empresa que patrocina a publicação do anúncio,
promovendo a conscientização sobre a questão, em caráter pedagógico/educativo e
contribuindo para a visibilização da situação.
Na atuação judicial como órgão interveniente, o MPT atua como fiscal da lei.
Trata-se de função clássica, embasada nos incisos II, VI, VII, IX e XII do artigo 83 da
Lei nº. 75/93, na qual o MPT examina processos judiciais e se convencido da
existência da prática de conduta de assédio sexual nas relações de trabalho, pode
exarar manifestação que, usualmente, toma a forma de parecer. Embora atualmente
297
a função parecerista seja menos prestigiada em relação à função agente, é certo que
mantém ainda relativa importância, pois a par do convencimento possível do julgador
em prol da tese esposada, a análise dos processos individuais e de dissídios coletivos,
enseja o conhecimento de muitas situações lesivas aos direitos humanos dos
trabalhadores e a subsequente possibilidade de atuação da instituição diante de tais
situações. A atuação parecerista, aliás, nos dissídios coletivos tem sido eficiente para
a inclusão de medidas de caráter preventivo e/ou repressivo, relacionadas à prática
da conduta do assédio sexual nas relações de trabalho. A remessa dos autos, ao
MPT, de feitos envolvendo situação de assédio sexual nas relações de trabalho, tem
ensejado a emissão de pareceres nos processos remetidos e, ainda, a feitura de
denúncias ao primeiro grau de jurisdição para a abertura, se entendida como cabível,
de procedimento extrajudicial que possibilite o possível ajuizamento de ação civil
pública em defesa da parte trabalhadora, dado o interesse coletivo, a ser aferido pelo
Membro Oficiante.
Pode o MPT também ingressar com ações afirmativas, entendidas como
medida temporárias para acelerar a igualdade de fato entre os sexos, objetivando a
correção dos desequilíbrios na contratação de mulheres, o acesso a diferentes cargos
e também a prevenção e correção da prática da conduta de assédio sexual nas
relações de trabalho, assegurando a igualdade real entre homens e mulheres e o
respeito à dignidade humana. Brito Filho aduz que no combate à discriminação,
incluindo-se aqui o assédio sexual nas relações de trabalho como forma de
discriminação, podem ser utilizados dois modelos: o modelo repressor e o modelo da
ação afirmativa, assegurando que a principal diferença entre os dois modelos seria a
postura ativa adotada, para concluir que os modelos não podem ser vistos de forma
isolada, sendo certo considerar o modelo de ações afirmativas como evolução do
modelo repressor. As ações podem ser embasadas no artigo 4º. da Convenção da
ONU, sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra as Mulheres,
ratificada pelo Brasil e aprovada em 2002, e no artigo 7 da Constituição Federal
Brasileira, devendo incentivar a formação científica e técnica da mulher, para facilitar
o acesso da mulher a cargos de chefia e para prevenir e combater o assédio sexual
nas relações de trabalho, sendo tais medidas afirmativas consequência do fato de que
condições singulares exigem tratamento diferenciado, sob pena de gerar ou
intensificar novas diferenças sociais. Com a ação afirmativa pode-se irromper no real,
298
Cada vez mais as relações tendem a ser coletivas e os interesses não mais
individuais, mas metaindividuais, o que reclama instrumentos jurídicos hábeis a
proteger os interesses e direitos decorrentes da massificação das relações.
No Brasil, a CF de 1988 avançou, significativamente, no que tange à proteção
dos direitos coletivos. Esta proteção aos direitos coletivos já era encontrada na
Consolidação das Leis do Trabalho, em que é previsto o dissídio coletivo.
A emergência das relações de massa e o avanço do direito material, quanto ao
reconhecimento dos direitos coletivos daí decorrentes, exigiu o avanço do direito
processual. Ensina Milaré555, em trecho bastante citado pelos estudiosos do tema, a
seguinte lição:
555 MILARÉ, ÉDIS. A ação civil pública na nova ordem constitucional. São Paulo: Saraiva, 1990.
300
O Ministério Público, se não intervém no processo como parte, atua como fiscal
da lei, conforme o artigo 5º, parágrafo 1º, da Lei nº 7347/85, e em caso de desistência
infundada ou abandono da ação, por associação legitimada, o Ministério Público, ou
outro legitimado, assumirá a titularidade ativa, nos termos do parágrafo 3º do artigo
referido.
303
556 MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Op. cit, nota 476, pp. 168-169.
304
o MPT da 10ª Região, foi mantida a condenação do TRT da 10ª Região, quanto à
indenização por dano moral coletivo, imputada ao Banco agravante, no valor de
seiscentos mil reais, destinados ao Fundo de Amparo aos Trabalhadores, em razão
de diversas denúncias de assédio moral, uma delas decorrente de assédio sexual não
correspondido, conforme se infere no depoimento parcial de testemunha ouvida no
feito: “(...) que, em Pernambuco, existe um caso de uma funcionária de 22 anos, recém
empossada, que sofreu assédio sexual e, como não correspondeu ao assediador,
passou a ser vítima de assédio moral, sofrendo grandes abalos em sua saúde; que a
referida funcionária foi dispensada pelo réu e, posteriormente, reintegrada, sendo
certo que, para continuar a trabalhar, a mãe da funcionária tinha que permanecer no
saguão da agência (...).” Veja-se que aqui, em se tratando de dano moral coletivo, já
foi arbitrado um valor maior do que os usualmente deferidos em ações individuais.
O artigo 11 da Lei n. 7347/85 prevê que a determinação, pelo juízo, de ofício,
nas ações que tenham por objeto obrigação de fazer ou não fazer, do cumprimento
da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de
execução ou multa diária, priorizando a execução específica das obrigações de fazer
ou não fazer em relação à conversão em perdas e danos. O pedido cominatório pode
ser pedido de condenação pecuniária pelos danos causados pelo réu, salientando-se
aqui que a possibilidade de cumulação não impede o ajuizamento de ações individuais
ou plúrimas pelos lesados ou pelos sindicatos profissionais, estes na qualidade de
substitutos processuais. A ACP admite a possibilidade de concessão de liminar,
independentemente do ajuizamento de ação cautelar, desde que o juiz esteja
convencido, podendo ser determinado ao réu o cumprimento, desde logo, das
obrigações de fazer ou não fazer postuladas na inicial, sob pena de imposição de
multa ou outras medidas, conforme previsto no artigo 12º da Lei nº. 7347/85, segundo
o qual o juiz pode conceder liminar com ou sem justificativa prévia, em decisão que
está sujeita a agravo, a pedido da pessoa jurídica de direito público interessada, para
evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, e se
interposto recurso para suspender a execução da liminar, pode o Presidente do
Tribunal decidir, cabendo recurso de agravo no prazo de cinco dias, para uma das
turmas julgadoras.
Quanto à coisa julgada na ACP, o artigo 16 da Lei nº 7347/85, com a redação
dada pela Lei nº 9494/9, refere que a sentença civil fará “coisa julgada erga omnes”,
305
nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado
improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado
poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, com nova prova. Inobstante, há
quem defenda que o artigo 16º da Lei nº 7347/85 foi derrogado, tacitamente, pelo
artigo 103º da Lei. nº 8078/90 e que a alteração somente surtiria efeitos se fosse
modificada a redação do artigo 103º e incisos da Lei. nº 1078/90, que era a norma em
vigor sobre a coisa julgada nas ações coletivas. Não há projeção dos efeitos da coisa
julgada nas ações individuais; se os interesses são individuais homogêneos, havendo
sentença de mérito, há coisa julgada e a ação coletiva não pode ser renovada, mas a
improcedência não impede que os interessados que não foram litisconsortes ajuízem
ação a título individual, conforme o artigo 103º, par. 1. da Lei. nº 8078/90. Se a ação
coletiva for julgada procedente, há o aproveitamento in utilibus do conteúdo do
julgamento coletivo. Quanto aos recursos, são cabíveis, na ACP, os mesmos recursos
das demais ações trabalhistas individuais.
Salienta-se que em muitos casos o valor proveniente dos acordos judiciais e
extrajudiciais realizados pelo MPT é destinado para instituições com atuação no local
do dano, o que faz com que diversas instituições procurem o MPT, que na 4ª. Região
organizou um cadastro para a doação de valores. Como antes referido, o direito
processual comum, voltado ao atendimento das demandas originadas de conflitos de
interesses individuais, não estava preparado para responder, de forma rápida e
eficiente, às demandas oriundas das lesões em bloco contra os direitos e interesses
metaindividuais de muitas pessoas. Este despreparo beneficiou os responsáveis pelas
macrolesões, fragmentando os conflitos, essencialmente coletivos, em demandas-
átomo, banalizando-os e abarrotando o Judiciário com muitos processos similares,
aproveitando a morosidade da máquina judiciária, por eles mesmos provocada e
explorando a diversidade de andamentos e sentenças, própria do sistema. Como
instrumento inibitório da estratégia utilizada pelos responsáveis pelas macrolesões, o
direito processual contemporâneo admitiu a defesa dos direitos análogos, mediante
ações coletivas, ajuizadas pelos entes legitimados, destacando-se a ACP.
O MPT, portanto, realiza importante trabalho em termos repressivos e também
preventivos/pedagógicos utilizando os mecanismos legais de atuação extrajudicial e
quando inexitosa a atuação extrajudicial, a atuação judicial, com todos os seus
aspectos.
306
558
No mesmo sentido, GOSDAL, Thereza Cristina. Op, cit, nota 555 p. 318.
559
PIOVESAN, Flavia; PIMENTEL, Silvia. Mulher. Democracia e Desenvolvimento. Jornal Folha de São
Paulo em 9.01.2011, Caderno de opinião, A3.
308
homens (LOI), no artigo 46, que define o Plano de Igualdade como um “conjunto
ordenado de medidas, adoptadas después de realizar un diagóstico de la situación,
tendentes a alcanzar en la empresa la igualdad de trato y de oportunidades entre
mujeres y hombres y a eliminar la discriminacíon por razón de sexo”.
A elaboração do Plano de Igualdade não é imposta a todas as empresas, sendo
adotado um critério misto, ou seja, é obrigatória para algumas e incentivada em outras.
Há quatro situações distintas560: empresas obrigadas legalmente a adotar um Plano
de Igualdade a partir de um ponto de vista qualitativo; empresas obrigadas legalmente
a adotar um Plano de Igualdade a partir de um ponto de vista quantitativo; empresas
cuja obrigação de negociar um Plano de Igualdade decorre de previsão em norma
coletiva e empresas que não são objeto de obrigação legal ou convencional, mas que
podem adotá-lo de forma voluntária, após consulta aos representantes dos
trabalhadores.
No primeiro caso, relativo ao ponto de vista qualitativo, a autoridade laboral
determina à empresa que reiteradamente descumpre a obrigação de não discriminar,
que elabore e aplique um Plano de Igualdade, em substituição à imposição de uma
sanção acessória.
No segundo caso, relativo ao ponto de vista quantitativo, as empresas com
mais de 250 empregados são obrigadas a elaborar o Plano de Igualdade.
No terceiro caso, a obrigação da empresa decorre de norma coletiva, e no
quarto caso, por fim, as empresas que voluntariamente adotam um Plano de
Igualdade, após consulta aos representantes dos trabalhadores.
O Plano de Igualdade tem, basicamente, três fases: a elaboração de um
diagnóstico da situação em matéria de gênero; a negociação e a implantação das
medidas necessárias para atingir o objetivo da igualdade e a observação e avaliação
que poderá levar à negociação e à elaboração de um novo conjunto de medidas de
acordo como o novo diagnóstico da situação.
Sinala-se aqui que o assédio sexual nas relações de trabalho deve constar nas
distintas fases do Plano de Igualdade, conforme disposição expressa da LOI.
560 Cf. MONFORT, Gemma Fabregat. Los Planes de Igualdad como Obligación Empresarial. Analisis
de la Ley Orgánica para la Igualdad Efectiva de Mujeres y Hombres. Albacete: Bomarzo, 2007, pp. 17-
28.
309
Trata-se de mecanismo legal que pode servir de exemplo para o Brasil, que
como já dito, não possui regramento específico acerca da igualdade e do assédio
sexual, embora existam diversos projetos de lei em andamento.
A autora espanhola Rubio Castro, ao falar da igualdade na Espanha, em
palavras que servem também de reflexão para a situação das mulheres no Brasil,
assim adverte:
“Un cambio cultural que conduce a una nueva concepción del espacio urbano,
pero también del tiempo en este mismo espacio, flexibilizándolo y adaptando
su uso a las necesidades personales y cambiantes de diferentes estratos y
565 FERES, João; DAFLON, TOSTE, Verônica; CAMPOS, Luiz Augusto. Ação afirmativa e Justiça.
Dimensões políticas da justiça. AVRITZER, Leonardo et al. (Coord.) Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2013, p. 236.
566 BALAGUER, Mária Luisa. Op.cit, nota 111, p.124.
567 Ibidem, p. 174.
312
constituinte, o Ministério Público integra essa esfera do Estado para nela cumprir o
papel de agente da vontade política transformadora, responsável pela construção da
hegemonia democrática e cotejando o dado formal com a realidade, é de se ver que
o Ministério Público avançou bastante no processo de transição da sociedade política
para a sociedade civil, mas ainda não se consolidou como instituição catártica570.
Quanto às políticas públicas, a atuação da Secretaria de Políticas para
Mulheres, no Brasil, está pautada pelo Plano Nacional de Políticas para as Mulheres
2013-2015, que tem como objetivo geral a promoção da igualdade no mundo do
trabalho e a autonomia econômica das mulheres urbanas, do campo e da floresta,
considerando as desigualdades entre mulheres e homens, as desigualdades de
classe, raça e etnia, desenvolvendo ações específicas que contribuam para a
eliminação da desigual divisão sexual do trabalho, com ênfase nas políticas de
erradicação da pobreza e na valorização da participação das mulheres no
desenvolvimento do país. Entre os objetivos específicos está a ampliação da
participação e a permanência das mulheres no mundo do trabalho, garantindo a
qualidade nas condições e a igualdade de rendimentos.
O Relatório anual socioeconômico da mulher (RASEAM)571 de 2014, relativo a
2012 e lançado em março de 2015, ao tratar das mulheres em espaços de poder e
decisão, remarca que a presença de mulheres nos espaços de poder e decisão
constitui indicador de relevo acerca da igualdade de condições e de oportunidades
vivenciadas por elas na sociedade brasileira. E aponta, ainda, que embora as
mulheres tenham relativa vantagem em termos de escolaridade em relação aos
homens, existe ainda importante desigualdade de gênero na ocupação dos espaços
de poder e decisão, sendo longo o caminho a ser percorrido ainda para o alcance da
igualdade de gênero material, nos espaços de poder. O ano de 2014 apresentou ao
país novas/os representantes políticas/os e a minirreforma eleitoral, resultante da
aprovação da Lei nº 12.034/2010, obrigou os partidos políticos ao preenchimento
efetivo do mínimo de 30% das vagas com candidaturas de mulheres, definindo que o
570 GOULART, Marcelo Pedroso. Elementos para uma teoria geral do Ministério Público. Belo
Horizonte: Arraes, 2013, pp. 120-121. Para o autor, a transição do Ministério Público de sociedade
política para sociedade civil não está ainda finda e depende de vontade coletiva interna democráticaque
permita a passagem da instituição do momento corporativo para o momento ético-político, de catarse
interna, para habilitar-se de forma definitiva como órgão mediador da catarse social.
571 Disponível em: <http://www.spm.gov.br/>. Acesso em: 25 jul. 2015.
314
despertar o interesse das estudantes por tais cursos e evitar a evasão nos anos iniciais
dos cursos universitários de tais carreiras.
Em relação à representação política, conforme o Relatório anual
socioeconômico da mulher (RASEAM), as mulheres ocupam 18% do quadro das
executivas nacionais, destacando-se, contudo, a existência de instâncias de mulheres
na quase totalidade dos partidos políticos com representação no Congresso (91,3%),
avanço que sugere o interesse e o engajamento das mulheres pelo direito de
participar, influenciar e intervir nas decisões de seus partidos políticos.
Houve, conforme o Relatório anual socioeconômico da mulher (RASEAM), o
fomento da implementação de Organismos Executivos de Políticas para as Mulheres
- OPM, atualmente presentes em 11,8% do total de municípios brasileiros e
considerados como instâncias dos governos locais que mais se aproximam das
diretrizes políticas chanceladas pelo Plano Nacional de Políticas para as Mulheres,
que orientam a construção e execução das políticas públicas para as mulheres do
Governo Federal.
Do exposto verifica-se que a existência de Organismos Executivos de Políticas
para as Mulheres - OPM, nos níveis federativos, mostra-se importante para a garantia
da efetividade das políticas para as mulheres.
Conforme Dworkin572, políticas públicas são definidas como padrões de
conduta que propõem objetivos a serem alcançados, em geral melhorias em aspectos
econômicos, políticos ou sociais da comunidade.
Nos termos do artigo 1. V, da antes citada Lei n. 12.288, de 20.07.2010, que
instituiu o Estatuto da Igualdade Racial, políticas públicas são as ações, iniciativas e
programas adotados pelo Estado no cumprimento de suas atribuições institucionais.
Políticas públicas são entendidas como o conjunto de ações estatais, diante de
situações consideradas como de risco, objetivando o interesse coletivo, podendo ser
desenvolvidas somente pelo Estado, entendido aqui como os governos federais,
estaduais e municipais, de forma autônoma ou em parcerias com outras instituições.
Ao analisar a incorporação da perspectiva de gênero pelas políticas públicas e
programas governamentais, Farah573 critica, por um lado, o que chama de a
572
DWORKIN, Ronald. Los derechos em serio. Barcelona: Ariel,1989, p. 72.
FARAH, Marta Ferreira Santos. “Gênero e políticas públicas”. Disponível em:
573
nas relações sexuais, existindo elementos que tornam difícil toda regulamentação
sexual e a tentativa de criar uma nova ética sexual de acordo com os novos métodos
de produção e de trabalho.
Por outro lado, é necessário regulamentar e criar uma nova ética, arriscando-
se aqui a dizer que sua criação deve levar em conta os direitos humanos vistos na
ótica da teoria crítica e considerando a luta pela dignidade como razão e a
consequência da luta por democracia e por justiça.
Os direitos humanos constituem a afirmação da luta dos seres por ver
satisfeitos seus desejos e suas necessidades nos contextos em que estão situados576.
Já Ávila Y Cantos577 defende que a luta das mulheres deve encontrar uma nova
maneira de reinventar o espaço que permita fazer-se visível entre lugares invisíveis -
os não lugares, de que fala Augé578, ou somente apreciáveis para poucos
(hiperlugares), “olhando estes lugares com o sentido de reconstruí-los e talvez
voltando-nos a construir um lugar para nós e para todos”.
Acerca das políticas públicas, Farah aponta que a abertura do processo de
formulação e de implementação de políticas públicas, associada à democratização,
parece favorecer uma maior permeabilidade às necessidades da comunidade,
ponderando, de outro lado, a democratização do programa, tornando-o permeável às
necessidades da comunidade destinária. (...) as políticas e programas analisados
parecem sugerir que entre a invisibilidade das mulheres, suas necessidades e
demandas e uma ação governamental que seja resultado de uma consciencia de
gênero, incorporando a perspectiva de gênero de forma sistemática, há um terreno
intermediário, com incorporação gradual das abordagens propostas por entidades de
mulheres, abrindo caminho para transformações mais profundas e arrojadas”579.
Bandeira580 aponta como fundamental a afirmação dos direitos humanos
através de políticas públicas universais, mas também por meio de políticas específicas
que promovam o direito dos grupos tradicionalmente excluídos, havendo necessidade
O MPT pode ingressar com ações afirmativas tendo por objeto a adoção de
políticas públicas que contemplem a igualdade entre os sexos e a
prevenção/repressão ao assédio sexual nas relações de trabalho, como tem feito em
relação às políticas públicas em relação à erradicação do trabalho infantil,
transcrevendo-se aqui a ementa do acórdão do Processo 05870-2009-024-09-00-2
(AP), da lavra da Relatora Marlene T. Fuverski Subuimatsu, publicada em 21.03.2011,
oriunda do TRT da 9. Região582, em Curitiba, no Paraná:
583Cf. MAFRA, Juliana Beraldo. “O controle social das políticas públicas de saúde do trabalhador - o
papel do Ministério Público e da Justiça do Trabalho”. Disponível em: <http://jus.com.br/>. Acesso em:
25 jul. 2015.
321
584 NASCIMENTO, João do. “Ações afirmativas e políticas públicas de inclusão social”. Disponível em:
<http://meuartigo.brasilescola.com/sociologia/acoes-afirmativas-politicas-publicas-inclusao-
social.htm>. Acesso em: 25 jul. 2015.
585 COURTIS, Cristian; ABRAMOVICH, Victor. Los derechos sociales como derechos exigibles. Madrid:
pelo lugar das mulheres, pelos direitos que lhes são reconhecidos ou pelas violências
exercidas contra elas586, podendo-se incluir aí o assédio sexual.
Não há ainda, uma política pública voltada especificamente para a temática da
prática da conduta de assédio sexual nas relações de trabalho, mas há programas e
campanhas voltadas à implementação da cidadania e da igualdade entre os sexos,
cujos resultados somente poderão ser aferidos mais adiante.
Nas lutas sociais pelos direitos humanos e pela dignidade humana das pessoas
trabalhadoras, pode e deve o MPT, com o aparato que lhe foi dado pela legislação,
notadamente na Constituição Federal brasileira de 1988, juntamente com as demais
instituições, atuar junto à sociedade, buscando a realização e a implementação e a
verificação da efetividade e do real cumprimento de políticas públicas que contemplem
à igualdade entre os sexos, à não discriminação entre homens e mulheres e à
prevenção/repressão do assédio sexual nas relações de trabalho, a exemplo do que
já acontece em relação às políticas públicas para erradicar e prevenir à mão de obra
de crianças voltadas para a proteção das crianças e adolescentes. Em ação proposta
pelo MPT, o TST determinou a remessa dos autos ao primeiro grau de jurisdição,
prevalecendo o voto do ministro José Roberto Freire Pimenta, adotou um visão mais
ampliativa da competência da Justiça do Trabalho, entendendo que o caso
comportava uma aplicação direta e imediata das normas constitucionais e que as
convenções internacionais da OIT e dos Direitos Humanos, ratificadas pelo Brasil, se
equiparam à lei587.
Na sequência do presente trabalho, analisar-se-á as questões ligadas à
cidadania e à educação para a cidadania e para a igualdade.
586 TOURAINE, Alain. Pensar outramente o discurso interpretativo dominante. Rio de Janeiro: Vozes,
2009, p. 197.
587 Conforme o site <http://www.conjur.com.br/2015-ago-11/justica-trabalho-competencia-julgar-acao-
588 CRUANHES, Maria Cristina dos Santos. Cidadania. Educação e Exclusão Social. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris Editora, 2000, p. 75.
589MARQUES-PEREIRA, Bérengere. Cidadania. Dicionário Critico do Feminismo. HIRATA, Helena;
LABOURIE, Françoise; LE DOARÉ, Hélène; SENOTIER, Daniele (Coord.). São Paulo: UNESP, 2009,
pp. 35/39.
590 PATEMAN, Carole. Op. cit, nota 8.
591 A referência mostra-se adequada diante da relevância de Carole Pateman em sua obra sobre o
contrato sexual, referida por Herrera Flores na obra De habitaciones próprias y otros espacios negados
(Uma teoria crítica de las opressiones patriarcales). (Op.cit, nota 100)
324
592 BODELÓN, Encarna. Los limites de las politicas de igualdade de oportunidades y la desigualdade
sexual: la família como problema distributivo y de poder. Lo Público y lo Privado em el contexto de la
Globalización RUBIO CASTRO, Ana; HERRERA FLORES, Joaquín (Coords.). Andalucia: Instituto
Andaluz de la Mujer, 2006, pp. 218-220.
593 Tradução livre. Disponível em: <http://cultura.travelarte.com/libros/2747-las-mujeres-y-el-desarrollo-
595 RUBIO, David Sánchez. La inmigración y la trata de personas cara a cara con la adversidade y los
Derechos Humanos: xenofobia, discriminación, explotación sexual, trabajo esclavo y precarización
laboral. Migrações e Trabalho. PEIXOTO DO PRADO, Erlan José, COELHO Renata (Orgs.) Brasília:
MPT, 2015, pp. 127-162.
596LOPES, Cristiane Maria Sbalqueiro. Migrações, mundo do trabalho e atuação do Ministério Público
do Trabalho. Migrações e Trabalho. PEIXOTO DO PRADO, Erlan José, COELHO Renata (Orgs.)
Brasília: MPT, 2015, pp. 223-232.
327
604 ZAIDMAN, Claude. Educação e socialização. Dicionário Critico do Feminismo. HIRATA, Helena;
LABOURIE, Françoise; LE DOARÉ, Hélène; SENOTIER, Daniele (Coord.). São Paulo: UNESP, 2009,
pp. 80-84.
605 DOURADO FREIRE, Sandra Ferraz de Castillo. A construção do gênero da escola: entre o discurso
básicas. FIOL, Esperanza Bosch (Coord.). Alcalá La Real: Formación Alcalá, 2007, pp. 197-236.
333
608 FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011, pp. 139-
140.
609 Idem. Pedagogia da Autonomia. Saberes necessário à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e
612 HOUTART, François. La ética de la incertidumbre em las Ciencias Sociales. Habana: Edictorial de
Ciencias Sociales, 2006, pp. 65-66.
613 LELOUP, Jean Yves. Caminhos da realização. Dos medos do eu ao mergulho no ser. Petrópolis:
614
HERRERA FLORES, Joaquín. Op.cit nota 2, p. 43.
615LOURO, Guacira Lopes. Gênero, história e educação: construção e desconstrução. Revista
Educação e Realidade. Porto Alegre:, n. 16, jul/dez 1995, pp. 122-125.
337
616 HERRERA FLORES, Joaquín, Op. cit, nota 118, pp. 203-205. Aqui é interessante destacar que a
obra “ A megera domada”, de Shakespeare, teve versões famosas no cinema (uma com Elisabeth
Taylor) e mais recentemente, inspirou o filme “Dez coisas que odeio em você”, com Heath Ledger e
Julia Stilles (https://pt.wikipedia.org/wiki/10_Things_I_Hate_About_You)
338
Petruchio para domar Kate (Catarina), irmã mais velha, bonita e de gênio forte, mulher
indomável que resiste à dominação masculina:
La mujer esta reaccionando contra um tipo de relaciones sociales basadas en
um critério – el patriarcalismo- que impede que as mujeres hablen livremente;
un critério social impuesto por uma moral repressora de las necessidades y las
expectativas de las mujeres y que se presenta como “lo” natural, es decir, lo
inmodificabele, lo no humano (...) Kate cede. Y lo hace asumiendo el critério
que hace de la posición social de Petruchio el patrón oro a partir del cual
enjuiciar toda la realidade. Kate se deshumaniza, por no haber incumplido
alguna norma o valor universal o absoluto que nos obliga inexoravelmente – y
desde fuera de nuestras possibilidades de construcción de las relaciones que
conforman nuestra realidade- a reconhecer a las mujeres como iguales a los
hombres (...)
A personagem Kate, aqui, rebelde em relação às imposições de sua época
(casamento), aparece como ser humano “destoante”, que deve ser reprimido, ou
melhor “educado”, segundo os cânones de determinado contexto, para se adequar a
um entorno patriarcal (sinalando que o pretendente objetiva aumentar sua fortuna ao
casar-se com a “megera”) desumanizando seus valores de pessoa humana. Quanto
a “desumanização” ocorre e a personagem curva-se ao que lhe é imposto (em nome
de um suposto “amor romântico”), há o aplauso e o reconhecimento de seus pares.
Na sequência, na esteira dos ensinamentos de Sousa Santos, Herrera Flores
diferencia o conhecimento regulador e o conhecimento emancipador, apostando na
vertente emancipadora do processo cultural (intercultural, comprometida e rebelde).
Na acepção de Wolkmer,617 o pensamento crítico, aplicando-se aqui à questão
da educação, tem a função de despertar a autoconsciência de subjetividades
oprimidas, vítimas dos segmentos sociais opressores, dos corpos dirigentes
hegemônicos e das formas institucionalizadas de violência de poder local e global,
exigindo-se duas condições para que se constitua uma nova cultura da alteridade e
da pluralidade, seja como forma de destruição da dependência, seja como instrumento
pedagógico da libertação, tais como: a fundamentação na situação econômica e na
práxis concreta das estruturas espoliadas, dependentes, marginalizadas e
colonizadas de forma secular e a busca de construções teóricas e processos de
conhecimento fundados na especificidade das culturas teológica, filosófica e
sociopolítica da América Latina.
617WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução ao pensamento jurídico crítico. São Paulo: Saraiva, 2006,
p. 203.
339
618 ELUF, Luiza Nagib. Os caminhos da emancipação. Brasileiro (a) é assim mesmo. Cidadania e
preconceito. PINSKY, Jaime; ELUF, Luiza Nagib. (Coord.) São Paulo: Contexto, 2000, pp. 80-81.
619 MONTEIRO DE BARROS, Alice. Op.cit, nota 220, p. 316.
340
620LUENGO, Josefa Martín. PAIDEIA, 25 anos de educación libertaria. Mérida: Colectivo Paideia, 2006,
pp 111-112.
341
621 HINKELAMMERT, Franz. Mercado versus Direitos Humanos. São Paulo: Paulus, 2014, pp.123-125.
622 HUNT, Lynn, Op. cit, nota 229, pp. 27-28.
623 STANG DAHL, Tove. O Direito das Mulheres. Uma Introdução à Teoria do Direito Feminista. Lisboa:
necessário envidar esforços para a criação de um direito da mulher como uma nova
disciplina que não só inclua a teoria crítica do direito, mas contribua para transformá-
la em um instrumento e em um discurso de promoção dos direitos humanos e de
respeito pela dignidade de todos os seres deste planeta624.
A ideia de uma disciplina voltada para as mulheres, nas universidades
brasileiras, ainda parece hoje um tanto utópica, embora o ensino jurídico apresente
diversas carências, acarretadas pelos novos modos de ser e estar na sociedade
Talvez a interessante ideia frutifique, necessitando, ainda, de amadurecimento
e maior conscientização. A forma de conhecimento proposta pelos estudos
feministas, extraídos os exageros existentes, é uma forma crítica, com influência
positiva, trazendo pontos de vista diversificados e abrangentes, necessários para a
renovação do pensamento jurídico, que deve ser adequado ao contexto real, para
além das teorias. À teoria deve seguir-se a prática e ambas devem convergir.
A Escola Superior do Ministério Público da União - ESMPU625 proporciona a
realização de vários cursos para os Membros e servidores, acerca de diversos temas
ligados às relações de trabalho, objetivando o aprimoramento profissional,
salientando-se a existência de convênios com universidades do exterior para a feitura
de cursos de pós-graduação.
Variados temas são tratados nos cursos da ESMPU, a partir de sugestões e
propostas dos próprios membros interessados, que muitas vezes atuam como
capacitadores de seus colegas e dos servidores da instituição.
E não se poderia deixar de lado a educação e formação dos magistrados, que
na atual estrutura; e com a cultura da judicialização e ante a inexistência de
alternativas eficazes, são as pessoas que decidem, ao fim e ao cabo, os conflitos
existentes na sociedade e que é aventada por autores como Faria626, quando
questiona se os juízes continuam ainda formados na tradição formalística da
dogmática jurídica ou já estarão recebendo formação capaz de levá-los a preencher
o hiato existente entre a igualdade jurídico-formal e as desigualdades
socioeconômicas, na aplicação das normas abstratas aos casos concretos.
624 FACIO, Alda. Hacia outra teria crítica del derecho. Las fissuras de patriarcado, reflexiones sobre
Feminismo Y Derecho. HERRERA, Gioconda et al. (Coord.). Ecuador: Flacso, 2000, pp. 37-39.
625 Disponível em: <http://www3.esmpu.gov.br/>. Acesso em: 30 jul.2015.
626 FARIA, José Eduardo. Op.cit, nota 430, pp. 11-26, em especial as pp. 11-12.
343
628 BECK, Ulrich. Sociedade de Risco. Rumo a outra modernidade. São Paulo: 34, 2011, p. 150.
629 CHAMBERS, Simone. A política da teoria crítica. RUSH, Fred. Org. Teoria Crítica. São Paulo:
Idéias e Letras, 2008, p. 293-294.
345
Para tanto, o Ministério Público do Trabalho pode e deve realizar atuação como
agente transformador da realidade de todas e todos, incluindo a atuação específica
contra o assédio sexual nas relações de trabalho.
Nesse ponto, é interessante aqui transcrever a lição de Hinkelammert quando
reflete sobre o presente e o tempo linear:
Amanhã é o presente de amanhã. O presente de amanhã, porém, tem
um futuro diferente do futuro de nosso presente. Cada presente tem
seu próprio futuro e o presente futuro é algo que, na melhor das
hipóteses, podemos condicionar. Cada geração faz seu presente.
Vendo a partir do seu presente, ela tem seu próprio futuro e seu próprio
passado. Como tem uma própria história, cada presente também tem
seu próprio passado. Ao mudar com o presente o futuro, muda
igualmente o passado. Não apenas cada geração escreve sua própria
história como também tem seu próprio passado. Precisamente por isso
tem seu próprio futuro. Nosso presente é o futuro de um passado, que
foi o presente antes e que teve seu futuro. Nosso presente, ao mesmo
tempo, é o passado de um presente que haverá no futuro tanto quanto
o presente no futuro de nosso passado (...) A história é a passagem de
um presente a outro presente por vir. Por isso, não há nenhum futuro
definitivo, o futuro nunca é. (...). Faz-se caminho ao andar. O futuro de
cada presente é a reflexão sobre essa passagem. 630
630 HINKELAMMERT, Franz. A maldição que pesa sobre a lei. As raízes do pensamento crítico em
Paulo de Tarso. São Paulo: Paulus, 2012, pp. 277-278
631 HERRERA FLORES, Joaquín. Op. cit. nota 3. p. 202.
346
CONCLUSÃO
Un día escribí 1+1+1: ésta es la fórmula de mi socialismo. Uno más no, más
otro... No quiero cientos, no quiero miles, no quiero millones, ¡no quiero ceros!
Los ceros a la derecha o a la izquierda no sirven para nada en las
agrupaciones humanas. Uno más uno, más uno, más uno. Un individuo, más
otro, más otro. Y cuanto más individuo mejor. Completo, distinto, perfecto si
es posible. (...)633.
O assédio sexual nas relações de trabalho é uma situação antiga, oriunda dos
primórdios da civilização ocidental, resultante de um contrato originário entre homens
e mulheres, que destinou aos homens o espaço público e relegou às mulheres ao
espaço privado, estabelecendo uma sociedade classista, androcêntrica e patriarcal,
na qual não apenas as mulheres são discriminadas, mas todas as pessoas que não
tiveram a “sorte” de nascerem homens, brancas e proprietárias. As demais pessoas
são objeto de opressão e de tratamento desigual e discriminatório.
No trabalho ora apresentado, dentro das propostas do curso “Doctorado en
Derechos Humanos y Desarrollo, sob a coordenação do saudoso mestre Joaquín
Herrera Flores, o que se busca é a análise da situação do assédio sexual nas relações
de trabalho, considerada como situação de desigualdade e de discriminação, bem
como a atuação individual das pessoas assediadas ante a Justiça do Trabalho e a
atuação das instituições como sindicatos e organizações não-governamentais, do
MTPS, enfatizando-se, contudo a atuação existente e a possível, do MPT, à luz da
teoria crítica dos direitos humanos.
No primeiro capítulo do trabalho, denominado “o assédio sexual nas relações
de trabalho e a teoria crítica dos direitos humanos”, analisou-se o assédio sexual nas
relações de trabalho e a teoria crítica dos direitos humanos. A história das mulheres,
em âmbito mundial, na luta pela igualdade e pela não-discriminação mostra que
sempre existiram mulheres conscientes de suas possibilidades de realização como
632 Trecho da música “O sal de terra” de Beto Guedes. Disponível em: <http://letras.mus.br/beto-
guedes/44544/>. Música disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Kiok0T2WHf4>. Acesso
em: 26 jul. 2015.
633 SIERRA, Maria Martínez. Uma mujer por caminos de Espãna. Madrid: Castalia, Instituto de la Mujer,
1989, p. 163.
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pessoa humana e dos limites encontrados em suas épocas e que lutaram contra a
situação de opressão vivida pelas mulheres, muitas vezes com o sacrifício de suas
vidas. A partir da revolução industrial, quando as mulheres assumiram postos de
trabalho, o que acarretou novos problemas, somados aos já existentes, foi
incrementada a luta das mulheres, até chegar aos dias de hoje, em que as
desigualdades persistem, mas já há um arcabouço teórico e uma consciência social
acerca do tema, embora persista o modelo de sociedade ocidental e hegemônico
classista e patriarcal. No Brasil, por muito tempo colônia de Portugal, marcado pela
longa existência da escravidão e da mestiçagem, que por vezes mascara o
preconceito existente em razão de raça, as mulheres brasileiras foram, em muitos
momentos, invisibilizadas em sua atuação, enfrentando os problemas decorrentes da
desigualdade e da discriminação, contando, contudo, com aguerridas pioneiras,
embora o resultado, no enfrentamento entre os sextos, seja muitas vezes frustrante.
As lutas seguem na atualidade, enfrentando novos desafios e abarcando as
realidades múltiplas do século XXI. As lutas das mulheres pela igualdade e pela não-
discriminação enfrentam, tanto em âmbito mundial como no Brasil, um inimigo comum
que é o patriarcalismo, resultante do contrato sexual realizado juntamente com o
contrato social e que acarreta um bloqueio do circuito de reação cultural
consubstanciado nos princípios da dominação; da complementariedade; da
necessidade e da vitimização. As teorias feministas, de forma plural e diferenciadas
entre si, buscam uma nova forma de pensamento, questionando teorias e práticas
dominantes e invisibilizantes da diferença entre mulheres e homens, objetivando uma
ética e uma política democrática e interativa com filosofia desconstrutiva e
reconstrutiva das relações de dominação e, ainda, uma política de reconhecimento
das diferenças entendidas de forma multicultural e crítica, podendo o assédio sexual
nas relações de trabalho ser considerado como um produto do sistema de classes e
do patriarcalismo, dentro da hierarquia imposta entre homens e mulheres e pelo
capital.
Conforme a teoria de justiça de Iris Marion Young, o assédio sexual nas
relações de trabalho é uma forma de opressão contra as pessoas trabalhadoras,
notadamente contra as mulheres, que são, estatisticamente, as maiores vítimas. O
assédio sexual nas relações de trabalho apresenta todas as faces da opressão, dentro
da teoria de justiça proposta por Iris Marion Young: exploração, carência de poder,
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produz, em uma pessoa humana com sensibilidade normal, uma barreira para a feitura
adequada das tarefas atribuídas, excluindo-se, como elementos essenciais para a sua
caracterização, fatores ligados à hierarquia, ao sexo dos envolvidos, ao local de
trabalho, embora o assédio sexual nas relações de trabalho deva guardar relação com
o vínculo empregatício e ainda a não eventualidade do comportamento. O assédio
sexual nas relações de trabalho não pode ser confundido com o assédio moral nem
com o assédio por razões de sexo, apresentando características distintas, embora,
em muitos casos, o assédio sexual frustrado possa levar à ocorrência de assédio
moral, de caráter persecutório. Muitos doutrinadores e juízes consideram apenas
como assédio sexual nas relações de trabalho aquele que ocorre quando há
subordinação entre as partes (assédio por chantagem), previsto e penalizado
criminalmente no direito brasileiro. Conclui-se aqui que o conceito deve ser ampliado
para abranger, não só o assédio sexual cometido por superior hierárquico, mas
também o assédio entre os colegas no ambiente de trabalho (assédio ambiental), bem
como o assédio realizado por terceiros, mas que guarda relação com a relação laboral,
em razão da obtenção de vantagem para o empregador. Quanto aos sujeitos, conclui-
se que a pessoa assediada pode ser empregada, colega e até mesmo superior
hierárquica da pessoa assediante. Quanto à pessoa assediante, pode ser superior
hierárquica, colega e até mesmo terceira à relação laboral, como no caso de cliente
de uma loja, tendo a empresa, de qualquer forma, responsabilidade objetiva.
As normativas existentes na União Europeia e os instrumentos internacionais
da Organização Nacional das Nações Unidas e da Organização Internacional do
Trabalho oferecem parâmetros gerais, servindo de modelo para os países. Na
Espanha, foi editada a Ley Orgánica 3-2007, denominada Lei de Igualdade de
Oportunidades (LOI), que pode servir de exemplo para a legislação brasileira. No
Brasil, a conduta de assédio sexual nas relações de trabalho na modalidade de
assédio por chantagem, realizado por superior hierárquico foi criminalizada por força
da redação do artigo 216-A do Código Penal, dada pela Lei. 10.224 de 15.02.2001.
Nos demais casos, à míngua de disposições trabalhistas e cíveis sobre o assédio
sexual, aplicam-se os princípios constitucionais, carecendo o tema de regramento
legal específico, concluindo-se aqui pela necessidade de uma normativa trabalhista e
cível, no âmbito das leis brasileiras, acerca do tema, a exemplo da existente na
Espanha, com a LOI.
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