Schellenberger Demise Tesis16 PDF

Descargar como pdf o txt
Descargar como pdf o txt
Está en la página 1de 372

UNIVERSIDAD PABLO DE OLAVIDE

DEPARTAMENTO DE DERECHO PRIVADO


PROGRAMA INTERUNIVERSITÁRIO UPO-UNIA
DOCTORADO EN DERECHOS HUMANOS Y DESARROLLO

DENISE MARIA SCHELLENBERGER

EL ACOSO SEXUAL EN LAS RELACIONES LABORALES: UNA


MIRADA DESDE LA TEORÍA CRÍTICA DE LOS DERECHOS
HUMANOS
2

EL ACOSO SEXUAL EN LAS RELACIONES LABORALES: UNA


MIRADA DESDE LA TEORÍA CRÍTICA DE LOS DERECHOS
HUMANOS

DENISE MARIA SCHELLENBERGER

Tesis Doctoral presentada en el Programa de Doctorado en Derechos


Humanos y Desarrolo de la Universidad Pablo de Olavide, como
requisito para obtención del Título de Doctor en Derechos Humanos y
Desarrollo.

Director: Wilson Ramos Filho


Tutor: Francisco José Infante Ruiz

SEVILLA, ENERO, 2016


3

UNIVERSIDADE PABLO DE OLAVIDE


UNIVERSIDADE INTERNACIONAL DE ANDALUCIA
PROGRAMA MÁSTER OFICIAL EM DERECHOS HUMANOS,
INTERCULTURALIDAD Y DESARROLLO

La Comisión Examinadora, abajo firmante aprueba la tésis de Doctorado:

EL ACOSO SEXUAL EN LAS RELACIONES LABORALES: UNA MIRADA


DESDE LA TEORÍA CRÍTICA DE LOS DERECHOS HUMANOS

Elaborada por: Denise Maria Schellenberger

Como requisito parcial para la obtención del Título de Doctor em Derechos


Humanos y Desarrollo

NOMBRES DE LA COMISÍON EXAMINADORA:

DEFENSA EM ENERO, 2016, SEVILLA


4

RESUMEN

En este trabajo se aborda el acoso sexual en las relaciones laborales en Brasil


y el rol del Ministerio Publico del Trabajo y fue escrito por Denise Maria
Schellenberger, bajo la guía de los profesores Francisco Infante Ruiz y Wilson
Ramos Filho para la obtención de la titulación de Doctorado de Derechos
Humanos y Desarrollo de la Universidad Pablo de Olavid en el Oficial de
Programa de Maestría en Derechos Humanos, interculturalidad y Desarrollo, en
Sevilla, España. El trabajo pone de relieve los numerosos violaciónes de los
derechos humanos de los trabajadores, se centra en el acoso sexual en las
relaciones laborales que, en la mayoría de los casos, afecta a las mujeres,
estableciendo situación de discriminación y opresión. El objetivo es analizar la
historia de las mujeres, el patriarcado, las teorías feministas y las luchas por la
igualdad de la mujer, sus logros históricos y la situación actual del papel de la
mujer en el mercado laboral capitalista. Después, la idea es contextualizar el
tema del acoso sexual en las relaciones de trabajo, el análisis de la doctrina y la
jurisprudencia existente sobre el tema en un intento de ampliar el concepto de
especies e individuos, distinguiendo el acoso sexual en las relaciones el trabajo
de la intimidación en estas relaciones. La conducta de los posibles parámetros
para la evaluación de la existencia de acoso sexual en el trabajo también se
estudian, así como la violación de los derechos humanos de las personas que
trabajan en el acoso sexual en las relaciones laborales. Se analiza el tratamiento
individual de la situación de acoso sexual, observando que hay un paradigma
privada / personal. A continuación se examina el posible tratamiento colectivo
que debe darse a la situación de acoso sexual a través de las instituciones
(sindicatos, el Ministerio de Trabajo, las organizaciones no gubernamentales y
especialmente el Ministerio de Trabajo), con el objetivo por lo tanto un punto
inflexión que aumenta las posibilidades de tratamiento colectivo de la cuestión,
proporcionando oportunidades para cambiar el paradigma pública / colectiva.
Por último, se analiza la política pública y la educación para la ciudadanía y la
igualdad, la comprensión de los derechos humanos como los procesos
institucionales y sociales que permiten la apertura y consolidación de espacios
de lucha por la igualdad, como lo enseñó el maestro Joaquín Herrera Flores y
Iris Marion Young.

Palabras clave: Derechos Humanos. Derecho del Trabajo. El acoso sexual.


Ministerio de Trabajo. Las luchas sociales. La dignidad humana.
5

RESUMO

O presente trabalho versa sobre o assédio sexual nas relações de trabalho no Brasil
e a atuação do Ministério Público do Trabalho e foi elaborado por Denise Maria
Schellenberger, sob a orientação dos Professores Doutores Francisco Infante Ruiz e
Wilson Ramos Filho, para finalização de curso e obtenção da titulação de Doutorado
em Direitos Humanos e Desenvolvimento na Universidad Pablo de Olavid, no
Programa Máster Oficial em Derechos Humanos, Interculturalidad y Desarrollo, em
Sevilha, Espanha. O trabalho destaca as muitas violações aos direitos humanos dos
trabalhadores, tendo como foco o assédio sexual nas relações de trabalho que, na
maioria das vezes, atinge as mulheres, configurando situação de discriminação e de
opressão. A proposta é analisar a história das mulheres, o patriarcalismo, as teorias
feministas e as lutas pela igualdade das mulheres, suas conquistas históricas e a
situação atual do papel feminino no mercado de trabalho capitalista. Após, a ideia é
contextualizar a questão do assédio sexual nas relações de trabalho, analisando-se a
doutrina e a jurisprudência existentes sobre a questão, na tentativa de ampliação do
conceito, das espécies e dos sujeitos, distinguindo-se o assédio sexual nas relações
do trabalho do assédio moral nestas relações. Os parâmetros de conduta possíveis
para a aferição da existência de assédio sexual no trabalho também são estudados,
bem como a vulneração dos direitos humanos das pessoas trabalhadoras, pelo
assédio sexual nas relações laborais. O tratamento individual dado à situação de
assédio sexual é analisado, observando-se que há um paradigma privado/pessoal. A
seguir, examina-se o tratamento coletivo possível de ser dado à situação de assédio
sexual por meio das instituições (sindicatos, Ministério do Trabalho e Emprego,
Organizações não governamentais e principalmente o Ministério Público do Trabalho),
objetivando, assim, um ponto de inflexão que amplie as possibilidades de tratamento
coletivo da questão, oportunizando a mudança para o paradigma público/coletivo. Ao
final, são analisadas as políticas públicas e a educação para a cidadania e para a
igualdade, entendendo os direitos humanos como processos institucionais e sociais
que possibilitem a abertura e a consolidação de espaços de luta pela igualdade, tal
qual ensinado pelo mestre Joaquín Herrera Flores e Iris Marion Young.

Palavras-chave: Direitos Humanos. Direito do Trabalho. Assédio Sexual. Ministério


Público do Trabalho. Lutas sociais. Dignidade humana.
6

ABSTRACT

This paper deals with sexual harassment in labor relations in Brazil and the role of the
Labor Public Attorneys and was written by Denise Maria Schellenberger, under the
guidance and mentorship of Professors Francisco Ruiz Infante and Wilson Ramos
Filho, to finish course and obtaining Doctoral titling on Human Rights and Development
at the Universidad Pablo de Olavid in the Master program Officer in Derechos
Humanos, interculturalidad y Desarrollo, in Seville, Spain. Justified because the work
of the many human rights violations of workers looms sexual harassment in
employment relationships, which reaches almost in its entirety, working women, setting
situation of discrimination and oppression. In this trabaho seeks to analyze the history
of women, patriarchy, feminist theories and the struggle for women's equality, their
historical achievements and current status of women in the labor market capitalist. The
following seeks to contextualize the issue of sexual harassment in employment
relationships, analyzing the existing doctrine and jurisprudence on the matter, in an
attempt to expand the concept of species and individuals, distinguishing sexual
harassment in the relations bullying work in labor relations. The parameters of conduct
for gauging the possible existence of sexual harassment at work are also studied, as
well as the violation of human rights of working people by sexual harassment in
employment relations. The treatment given to the individual situation of sexual
harassment, is analyzed, noting that there is a paradigm private / personal. Then we
analyze the collective treatment can be given to the situation of sexual harassment,
through the performance of institutions (unions, Ministry of Labour and Employment,
Non-governmental organizations and especially the Ministry of Labour), aiming at an
inflection point that expands the possibilities of collective treatment of the issue,
enabling the paradigm shift to public / collective. At the end are analyzed public policy
and education for citizenship and for equality, understanding human rights as social
and institutional processes that facilitate the opening and consolidation of spaces of
struggle for equality, as is taught by master Joaquín Herrera Flores and Iris Marion
Young.

Keywords: Human Rights. Labor Law. Sexual Harassment. Labor Public Attorneys.
Social struggles. Human dignity.
7

ÍNDICE

INTRODUÇÃO...........................................................................................................09

1. O ASSÉDIO SEXUAL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO E A TEORIA CRÍTICA


DOS DIREITOS HUMANOS ..................................................................................... 15
1.1 Apontamentos sobre a luta das mulheres pela igualdade em âmbito mundial
.................................................................................................................................. 17
1.2 Apontamentos sobre a história das lutas das mulheres pela igualdade no
Brasil ........................................................................................................................ 39
1.3 As teorias feministas e o Patriarcalismo........................................................ 57
1.4 A teoria de Justiça de Iris Marion Young e o assédio sexual nas relações de
trabalho dentro do diamante ético de Joaquin Herrera Flores ........................... 79

2. CONTEXTUALIZAÇÃO DO ASSÉDIO SEXUAL NAS RELAÇÕES DE


TRABALHO .............................................................................................................. 99
2.1 Parâmetros de conduta possíveis para a aferição da existência de situação
de assédio sexual nas relações de trabalho ....................................................... 101
2.2 Conceituação do assédio sexual nas relações de trabalho ........................ 118
2.3 Diferenciação entre assédio sexual nas relações de trabalho, assédio moral
e assédio por razões de sexo, espécies e sujeitos de assédio sexual nas
relações de trabalho ............................................................................................. 137
2.4 Normativa relativa ao assédio sexual nas relações do trabalho ................. 158

3.TRABALHO DECENTE E AS DEMANDAS INDIVIDUAIS NAS SITUAÇÕES DE


ASSÉDIO SEXUAL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL .................... 187
3.1 O conceito de trabalho decente e o assédio sexual nas relações de trabalho:
considerações sobre os princípios dos direitos humanos; igualdade e
discriminação; prejuízos acarretados pelo assédio sexual; aspectos das leis e
da Justiça do Trabalho ......................................................................................... 188
3.2 Aspectos processuais das ações judiciais individuais movidas em relação à
situação de assédio sexual nas relações de trabalho ....................................... 206
3.3 A indenização nas situações de assédio sexual nas relações de trabalho e a
questão do segredo de justiça ............................................................................. 225
8

3.4 Da evolução jurisprudencial nas ações individuais movidas em face da


situação de assédio sexual nas relações de trabalho – as posições do TRT da
4ª. Região e do TST ............................................................................................... 243

4.TRATAMENTO COLETIVO DAS DEMANDAS RELATIVAS AO ASSÉDIO


SEXUAL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO ......................................................... 264
4.1 Sindicatos, organizações não governamentais e Ministério do Trabalho e
Previdência Social................................................................................................. 265
4.2 Ministério Público do Trabalho ...................................................................... 285
4.3 Empoderamento das mulheres e a atuação possível do Ministério Público do
Trabalho ................................................................................................................. 306
4.4 Cidadania e a educação para a cidadania e para a igualdade ..................... 322

CONCLUSÃO ......................................................................................................... 346


BIBLIOGRAFIA........................................................................................................353
HOME PAGES CONSULTADAS.............................................................................370
ABREVIATURAS.....................................................................................................372
9

INTRODUÇÃO

O se segue não é imparcial. Escrevo de uma posição particular no espaço e


no tempo que compartilho com outras mulheres. Nem é desinteressado. Não
finjo avaliar com justiça todas as teorias feministas anteriores a partir de uma
perspectiva de autoridade isenta. Meu projeto é pessoal, a saber, cogitar até
resolver um problema concreto imediato. Que nos cabe a nós/eu fazer agora?
Qual é a compreensão adequada da situação da mulher que nutrirá a prática?
A questão não é fazer um catálogo de erros, mas aprender a possuir o passado,
lembrar como pensávamos de determinado modo pela primeira vez, e
continuamos pensando, e a dificuldade que tínhamos em agir pensando
daquele modo. Essa é, parece-me, a única maneira de aprender a ser o
passado e ao mesmo tempo não o ser, pois cada novo esforço em
compreender o que foi pensado e feito cria um novo passado e um novo futuro.
Andréa Nye1

Recentemente, uma famosa atriz de Hollywood concedeu uma entrevista


revelando que, no início de sua carreira, há quarenta anos, ao postular um papel em
um filme, foi submetida ao “teste do sofá”, ganhando um papel de pequena expressão
em um filme que hoje prefere esquecer.
Em outro caso, uma moça, empregada de uma padaria, na função de
atendente, recebeu propostas de cunho sexual, não desejadas nem incentivadas, de
um dos sócios da pequena empresa.
Uma jovem executiva, ao conseguir o sonhado cargo em uma grande empresa,
enfrentou um ambiente hostil, pois seus colegas homens, desconsiderando sua
presença, contavam piadas de marcado caráter sexual, comentavam conquistas e
falavam sobre o corpo de mulheres da empresa.
Em outra situação, um funcionário de uma empresa, encantado com a beleza
de uma colega viúva, recentemente admitida, passou a deixar flores todos os dias em
sua mesa.
Todas as situações relatadas acima ensejam questionamentos acerca do que
seria o assédio sexual.
Este trabalho objetiva expor alguns aspectos relevantes, relacionados ao
assédio sexual nas relações de trabalho, com ênfase no tratamento dado à matéria
no Brasil. O assédio sexual nas relações de trabalho é uma situação recorrente e que
acarreta grande sofrimento para a pessoa assediada, no mais das vezes em situação

1 NYE, Andrea. Teoria feminista e as filosofias do homem. Rio de Janeiro: Rosa dos tempos, 1995, p.

16.
10

de vulnerabilidade e que tem sua dignidade humana afrontada com tal


comportamento, tido por muito tempo como naturalizado. O trabalho objetiva também
verificar os mecanismos de atuação para a repressão e a prevenção da conduta de
forma individual e mediante os organismos habilitados para tanto, enfatizando, como
já dito, as possibilidades de atuação do Ministério Público do Trabalho brasileiro, à luz
da teoria crítica dos direitos humanos, com vistas à ampliação da compreensão e
alcance do que realmente seja o assédio sexual nas relações de trabalho, perquirindo-
se acerca da possibilidade de mudança de paradigma em relação ao tema, de
individual para coletivo. O exame do tema foi norteado pelos ensinamentos do mestre
Joaquín Herrera Flores, com base em várias de suas obras, enfatizando-se a teoria
da justiça proposta por Iris Marion Young, na qual um grupo pode ser considerado
como oprimido por outro quando sofre uma, algumas ou mesmo todas as seguintes
condições: exploração, marginação, carência de poder, imperialismo cultural e
violência, entendidas como as faces da opressão. Outros autores também foram
consultados.
No primeiro capítulo, analisa-se, primeiramente, a história das lutas das
mulheres pela igualdade, em âmbito mundial, a partir da premissa estatística de que
a maioria dos casos ocorre entre uma mulher assediada e um homem assediador, em
situação de desigualdade, decorrente do pensamento patriarcal vigente na sociedade
ocidental. A seguir, analisa-se a história das lutas das mulheres pela igualdade no
Brasil, de tradição patriarcal bem marcada, inserindo-se o assédio sexual entre os
problemas enfrentados pelas pessoas trabalhadoras no âmbito do mundo do trabalho
em um contexto capitalista. Após, são estudadas as teorias feministas e o
patriarcalismo, apontado como impeditivo da plena realização dos direitos humanos,
negando o acesso aos bens da vida, no caso, a dignidade humana no trabalho, o que
atinge todo o ambiente laboral, quando contaminado pelo assédio sexual nas relações
de trabalho. Na sequência, analisa-se a teoria de justiça da autora Iris Marion Young,
enfatizando os aspectos por ela apontados sobre as “caras” da opressão: exploração,
carência de poder, imperialismo cultural e violência, presentes no assédio sexual nas
relações de trabalho. A seguir, busca-se o enquadramento da situação de assédio
sexual nas relações de trabalho na ferramenta metodológica de conhecimento e ação
voltada para os direitos humanos, desenvolvida por Joaquín Herrera Flores como
“diamante ético”, que apresenta dois eixos: o conceitual e o material. No eixe
11

conceitual e vertical, encontram-se as teorias, a posição, o espaço, os valores, as


narrações e as instituições. No eixo material e horizontal, encontram-se as forças
produtivas, a disposição, o desenvolvimento, as práticas sociais, a historicidade e as
relações sociais. Estes elementos, ordenados numa cruz de coordenadas, tendo ao
centro a dignidade humana, possibilitam a compreensão de uma situação social e as
formas de satisfação de determinadas necessidades humanas desde uma concepção
materialista e relacional, possibilitando que se olhe determinada situação detectando
a pluralidade das causas, dos processos e dos resultados, para além de abstrações,
objetivando a compreensão das possibilidades e dos obstáculos que existem em
relação ao acesso de todos aos bens da vida. Seguindo o ensinamento do mestre, a
riqueza humana deve ser tomada como critério de valor, garantindo a todas e todos a
oportunidade de reagir contra tudo que impeça a realização das potencialidades
humanas, o que inclui o assédio sexual nas relações de trabalho, situação que afronta
a dignidade das pessoas assediadas, impedindo a plena realização das suas
potencialidades, além de afetar o próprio ambiente de trabalho.
No segundo capítulo do trabalho, busca-se a contextualização do assédio
sexual nas relações de trabalho, levando em conta que a teoria crítica dos direitos
humanos deve ser “impura”, ou seja, contaminada pelo contexto. Procura-se,
primeiramente, abordar os parâmetros de conduta possíveis para estabelecer uma
distinção do que é um comportamento aceitável nas relações humanas e o assédio
sexual. Dentro dos aspectos relacionados com a conduta, analisa-se a evolução na
jurisprudência americana quanto à utilização, na avaliação da severidade e da
agressividade do assédio sexual nas relações laborais, dos critérios da “pessoa
razoável”, que é como uma pessoa tida como “razoável” analisaria a situação; da
“mulher razoável”, dentro dos condicionamentos e dos parâmetros de comportamento
habitualmente aceitos pela sociedade, analisaria a situação e por fim a perspectiva da
vítima, se há ou não maior sensibilidade e até que ponto tal sensibilidade é razoável.
A seguir, apresenta-se uma análise dos aspectos do assédio sexual nas
relações do trabalho, iniciando-se pela diferenciação entre assédio sexual nas
relações de trabalho, assédio moral e assédio por razões de sexo para, na sequência,
analisar e buscar ampliar o conceito de assédio sexual nas relações de trabalho em
relação a alguns pontos: as espécies classificadas pela doutrina em relação ao
assédio sexual no âmbito das relações de trabalho: o assédio por chantagem,
12

penalizado criminalmente no direito brasileiro e o assédio ambiental e os sujeitos e as


relações de subordinação existentes, entendendo-se as espécies e os sujeitos como
matérias imbricadas entre si.
Por fim, é realizado um breve apanhado comparativo entre as normativas
existentes na União Europeia, os instrumentos internacionais oriundos de
organizações com ênfase nos instrumentos normativos da Organização Nacional das
Nações Unidas e da Organização Internacional do Trabalho - OIT; na Espanha, com
ênfase na Ley Orgánica 3-2007, denominada Lei de Igualdade de Oportunidades (LOI)
e no Brasil, com ênfase nas discussões sobre a criminalização da conduta de assédio
sexual nas relações laborais, por força da redação do artigo 216-A do Código Penal,
dada pela Lei 10.224, de 15.02.2001. À míngua de disposições trabalhistas e cíveis
sobre o assédio sexual, no Brasil, são analisados os princípios constitucionais
pertinentes, sempre buscando entender o mundo do trabalho, em um contexto
capitalista e patriarcalista.
No terceiro capítulo, primeiramente é realizado um estudo acerca da
conceituação do trabalho decente e sua relação com os princípios inerentes aos
direitos humanos, destacando o princípio da dignidade humana e remarcando alguns
aspectos da igualdade e do combate à discriminação, os malefícios causados pela
prática do assédio sexual; das leis existentes e de sua aplicação, bem como do papel
da Justiça do Trabalho como espaço possível da luta pelos direitos humanos das
pessoas trabalhadoras em relação especificamente ao assédio sexual nas relações
de trabalho.
A seguir, perquire-se acerca do tratamento individual das ações judiciais
trabalhistas no Brasil, entendidas como as ações trabalhistas movidas de forma
individual pelas pessoas assediadas, buscando, na maioria das vezes, reparações
pecuniárias pelo assédio sexual sofrido. Aqui são ressaltados aspectos processuais
dessas ações trabalhistas individuais. Na sequência, são analisadas as questões
pertinentes às indenizações por danos, materiais morais e existenciais, a questão da
quantificação da indenização por danos e as controvérsias existentes e, ainda, as
questões relacionadas ao segredo de justiça, que embora preserve a intimidade da
pessoa assediada, impede, de outra parte, a maior visibilização da situação. Por fim,
analisa-se a evolução jurisprudencial nas ações trabalhistas individuais movidas em
face da prática da conduta de assédio sexual enfatizando as posições adotadas pelo
13

Tribunal Regional do Trabalho - TRT, da 4ª Região, no Estado do Rio Grande do Sul


e pelo Tribunal Superior do Trabalho brasileiro – TST.
No quarto capítulo, perquire-se acerca da visibilização, desestabilização de
transformação da situação atual, por meio de um ponto de inflexão, passando do
paradigma individual/privado para o paradigma público/coletivo. Primeiramente são
analisadas tanto a atuação quanto as possibilidades de atuação dos sindicatos e das
organizações não-governamentais, quanto ao assédio sexual nas relações de
trabalho. A seguir são abordadas questões relacionadas à atuação do Ministério
Público do Trabalho, instituição prevista na Constituição Federal brasileira de 1988 –
CF-88 e na Lei Complementar nº. 75/93, como integrante do Ministério Público da
União e a quem compete, a atuação em relação às questões trabalhistas, na defesa
dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, levando sempre em conta
o interesse público. Na sequência, são analisadas as questões relacionadas ao
empoderamento das mulheres na busca pela igualdade; a atuação e as possibilidades
de atuação do Ministério Público do Trabalho, tanto no ajuizamento de ações
afirmativas para a igualdade e não-discriminação como para o ajuizamento de ações
coletivas objetivando a adoção e a implementação de políticas públicas, em relação à
igualdade e à não-discriminação das mulheres. Ao final, são abordadas questões
ligadas à cidadania das mulheres e à necessária educação para a cidadania e para a
igualdade.
Com base na epígrafe inicial, a escolha do tema é justificada pelo labor dentro
do Ministério Público do Trabalho Brasileiro e pelo enfrentamento de situações de
assédio sexual nas relações de trabalho, verificando-se a necessidade de melhor
compreensão e instrumentos de enfrentamento da situação pelos operadores
jurídicos, avultando a necessidade de um ponto de inflexão com a transformação do
paradigma privado/individual para o paradigma público/coletivo, como forma de
resgate do respeito à dignidade humana no trabalho.
Este trabalho possui um “porquê”, um “para quê” e um “para quem”, que devem
ser entendidos de forma aberta diante dos contextos e da mutabilidade da realidade.
O “porquê” é a constatação da existência da situação de assédio sexual nas
relações de trabalho e suas nefastas consequências, afrontando os direitos das
pessoas trabalhadoras, impedindo, desta forma, o acesso aos bens da vida com
dignidade, entendidos aqui como o direito à intimidade, ao respeito no trabalho, ao
14

direito a um ambiente laboral hígido saudável e ao direito de livre escolha nos


aspectos da sexualidade, entre outros. O “para quê” tem relação com a visibilização,
a desestabilização e a transformação possível da situação. Visibilizar no sentido de
demonstrar a existência da situação de assédio sexual nas relações de trabalho em
suas nuances, buscando ampliar o conceito e a abrangência da situação, bem como
os meios possíveis para a prevenção/repressão da situação de assédio sexual nas
relações trabalhistas. Desestabilizar no sentido de provocar reflexão sobre a situação
de assédio sexual nas relações de trabalho, naturalizada e entendida como normal a
ponto de muitas vezes passar despercebida aos olhos de muitos, afetando as pessoas
trabalhadoras, em sua maioria, mulheres. Transformar significando modificar a
situação, em um ponto de inflexão de todos os envolvidos, com a conscientização de
que deve ser da sociedade em geral, dentro dos contextos e das lutas sociais pela
dignidade humana. E o “para quem” é dirigido a todos aqueles que estudam e atuam
com os direitos humanos, com o direito do trabalho e com o direito das mulheres. Não
somente para os que atuam com direitos, mas para todas as pessoas afetadas pela
situação de assédio sexual em local de trabalho e, ainda, indivíduos que buscam um
mundo melhor e mais igualitário, com equilíbrio nas relações de poder entre
empregadores e trabalhadores e, naturalmente, entre homens e mulheres.
Por fim, voltando aos exemplos citados no parágrafo inicial: a atriz famosa
chama-se Susan Sarandon e na época em que sofreu o assédio ainda não havia
legislação regulamentadora sobre o tema nos EUA, restando, contudo, a lembrança
traumática.
No segundo caso, a padaria foi condenada a pagar dez mil reais de indenização
à trabalhadora assediada, em uma ação trabalhista individual.
No terceiro caso, a jovem executiva apresentou queixa ao Ministério Público do
Trabalho e a empresa foi notificada, dentro de um procedimento investigatório, e
assinou um termo de compromisso de conduta para prevenção e repressão dos atos,
advertindo os empregados que praticaram atos considerados como sendo de assédio
sexual. Todos os empregados assistiram palestras sobre o assédio sexual nas
relações de trabalho, com especialistas e em determinados casos, foi oferecido
tratamento psicológico.
O quarto caso não configurou caso de assédio sexual, culminando em
casamento, no contexto possível das relações humanas.
15

1. O ASSÉDIO SEXUAL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO E A TEORIA


CRÍTICA DOS DIREITOS HUMANOS

Pode-se classificar o assédio sexual como produto cultural surgido em


contextos concretos e de relações baseadas no poder e no capital, refletindo um
modelo presente na modernidade ocidental capitalista, em desrespeito aos direitos
humanos, notadamente os direitos das mulheres.
Os direitos humanos não são fenômenos naturais ou metafísicos
transcendentes à própria práxis humana, mas produtos culturais frente aos quais se
pode reagir política, social, jurídica e economicamente2.
Para Herrera Flores3, os direitos são entendidos como processos institucionais
e sociais que possibilitam a abertura e a consolidação de espaços de lutas pela
dignidade humana, destacando os direitos humanos como principal meta para a
humanidade nos umbrais do século XXI4.
Os direitos do trabalho e dos trabalhadores são direitos humanos, com natureza
determinada pela luta em prol da dignidade e não pelo instrumento da norma,
merecendo ser tratados como tal, com toda disciplina dos direitos pactuados
politicamente, inclusive em relação aos da irrenunciabilidade e imprescritibilidade, não
sendo meros princípios diretivos. Não há justificativa para a contenção ou diminuição
da eficácia dos direitos sociais, imperando o rompimento do circuito de reação cultural
marcado de forma ideológica, a impedir uma lúcida compreensão do direito do
trabalho como instrumento de garantia da dignidade, permitindo a construção de uma
prática jurídica e jurisdicional comprometida com o respeito ao ser humano e sua
emancipação. A luta pelos direitos humanos deve ter como critério de valor a riqueza
humana, entendida como o desenvolvimento de capacidades e apropriação das
condições que permitam sua plena satisfação em busca da dignidade5.
O assédio às trabalhadoras e aos trabalhadores constitui um grande problema
trabalhista contemporâneo, segundo os juízes do trabalho, que, diariamente, julgam

2 HERRERA FLORES, Joaquín. Los derechos humanos como productos culturales. Critica del
humanismo abstrato. Sevilla: Los Libros de la Catarata, 2005. pp. 19-20.
3 Idem. La reinvención de los derechos humanos. Sevilla: Atrapasuenos, 2007, p. 13.
4 Ibidem, p. 11.
5 CAPLAN, Luciana. Direitos Humanos: O Direito do Trabalho e a Teoria Crítica dos Direitos Humanos.

Essência do Direito do Trabalho. (Coords). SILVA, Alessandro, SOUTO MAIOR, Jorge Luiz, FELIPPE,
Kenarik Boujikian e SEMMER, Marcelo. São Paulo: LTr, 2007, pp. 259-260.
16

processos relacionados à questão, considerados como “a ponta do iceberg”, diante


do grande número de casos de que se tem notícia, mas que não são judicializados,
não passando, portanto, pelo crivo da Justiça, o que ocorre por várias razões, entre
as quais o medo de represálias, como a perda e-ou a não obtenção de um posto de
trabalho e do julgamento moral feito pelas outras pessoas acerca do comportamento
da própria pessoa assediada.
A questão do assédio sexual nas relações de trabalho, a par de outras questões
envolvendo direitos relacionados ao trabalho humano, no Brasil, está inserida entre
as questões que merecem reflexão e discussão, melhores formas de atuação e uma
normatização que dê efetiva resposta aos fatos que afrontam a dignidade das pessoas
trabalhadoras.
Segundo Ramos Filho6, a classe trabalhadora retoma, na atualidade,
importantes processos de luta e de mobilização, objetivando a materialização de
conquistas concretas na regulação estatal incidente sobre as relações de trabalho e
condições de vida das populações, o que faz diante da compreensão da ambivalência
do denominado “Direito Capitalista do Trabalho”, que ao mesmo tempo atribui direitos
à classe trabalhadora mas de outro lado legaliza também a exploração e subordinação
dos empregados ao poder do empregador; o modo de vida proposto e a orientação
da distribuição social da riqueza.
O assédio sexual é uma das faces da violência generalizada contra a mulher,
manifestada no âmbito das relações de trabalho.
Para melhor contextualização do tema, far-se-á, primeiramente, uma rápida
abordagem acerca da luta das mulheres pela igualdade, em âmbito mundial, limitada
à sociedade ocidental capitalista, considerando que o recorte do presente trabalho é
o tratamento do assédio sexual nas relações de trabalho, enfatizando a situação
brasileira e a atuação existente e a atuação possível do Ministério Público do Trabalho.

6RAMOS FILHO, Wilson. Direito Capitalista do Trabalho: histórias, mitos e perspectivas no Brasil. São
Paulo: LTr, 2012, p. 464.
17

1.1 Apontamentos sobre a luta das mulheres pela igualdade em âmbito


mundial

A evolução da humanidade é marcada pela disputa de poder que ocorre, em


geral pelas lutas, seja, diplomáticas ou físicas. Das lutas entre os diversos grupos
decorre, em geral, a exclusão de determinados grupos da aquisição de direitos.
No presente texto, o objeto é o assédio sexual nas relações de trabalho e aqui
deve ser ressaltada a concepção de trabalho como atividade humana que transforma
a natureza, conforme Ramos Filho7, vivenciando diversas metamorfoses desde a
Antiguidade Clássica, passando pelo Estatuto Feudal até chegar ao conceito de
salariado, fundante da ordem social capitalista embasada na noção moderna de
trabalho subordinado mediante remuneração.
E é, exatamente, o trabalho subordinado e assalariado que é colocado como
elemento indispensável na configuração do assédio sexual aqui analisado. Ao
trabalho assalariado e às lutas dos trabalhadores, relacionadas à luta de classes e à
divisão do trabalho, há a divisão sexual também presente desde o início da
humanidade, flagrantes desigualdades entre homens e mulheres, cabendo referir ao
contrato fundante da sociedade, de que fala Pateman8, quando aponta para a situação
da mulher em relação ao contrato social originário, feito por homens, relegando a
mulher ao espaço privado. O contrato original é um pacto sexual-social, mas a história
do contrato sexual tem sido sufocada, ela também trata da gênese do direito político
e explica por que o exercício desse direito é legitimado, mas trata o direito político
como direito patriarcal, ou instância do sexual. Para Pateman o contrato está longe de
se contrapor ao patriarcardo; ele é o meio pelo qual se constitui o patriarcado
moderno.
A metade perdida da história conta como uma forma caracteristicamente
moderna de patriarcado é estabelecida, embora a teoria do contrato social seja
apresentada como uma história sobre liberdade. Entretanto, há outras questões em
jogo além da liberdade, estando a dominação dos homens sobre as mulheres e o

7 Ibidem, p. 14.
8 PATEMAN, Carole. O Contrato Sexual. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993, pp. 15-29. Para Pateman
“o contrato sexual, deve enfatizar-se, não está associado apenas à esfera privada. O patriarcado não
é puramente familiarou está localizado na esfera privada. O contrato social cira a sociedade civil
patriarcal em sua totalidade. Os homens passoam de um lado para outro, entre a esfera privadae a
pública e o mandadto da lei do direito sexual masculino rege os dois domínios.
18

direito masculino de acesso sexual na formulação do pacto original. Enquanto o


contrato social é uma história de liberdade, o contrato sexual é uma história de
sujeição, criando o contrato original tanto a liberdade do homem quanto a dominação
da mulher. Contar a história do contrato sexual é mostrar a diferença sexual entre
homens e mulheres e, ainda, a construção da diferença sexual enquanto diferença
política. A divisão patriarcal entre a esfera privada/natural e a esfera pública/civil seria
irrelevante para a vida política. Para Rivera Garretas, ao analisar o contrato sexual,
na linha de Carole Pateman:
El contrato sexual sería, según Carole Pateman, el pacto entre hombres – o
entre algunos hombres – sobre el cuerpo de las mujeres. Um pacto desigual y,
seguramente, no pacífico, porque no sería um acuerdo libre entre mujeres y
hombres. Un pacto siempre implícito, que es essencial para entender el
patriarcado, el género, la subordinación social y el desorden simbólico em que
vivimos las mujeres en cualquier época histórica de predomínio masculino. El
contrato sexual es, pues, prévio al contrato social em las formaciones
patriarcales. Es, por tanto, previo a la aparición de las desigualdades en las
relaciones de producción que determinan la pertinência de classe de las
personas, lo cual supone, para las mujeres, la incorporación a una clase social
en condiciones marcadas siempre por la subordinación, una subordinación que
ahora describimos con la obscura frase “en razón de sexo”. El contrato sexual
comporta, para las mujeres, uma perdida muy importante de soberanía sobre
sí y sobre el mundo. Una soberanía que se refiere a las funciones que su
cuerpo tiene capacidad de desempeñar en la sociedade y también a las
codificaciones simbólicas que definen lo que el sexo feminino es en la cultura
de que se trate9

Adverte Rivera Garretas, contudo, que ao patriarcado não se opõe o


matriarcado, pois as mulheres como grupo nunca dominaram os homens como grupo,
embora tenham existido ou possam existir formações sociais de mulheres dominadas
por mulheres (como as mitológicas amazonas), entendendo que o poder das
mulheres, quando existe ou quando existir não poderá ser simétrico ao patriarcado
nem um patriarcado às avessas10. Embora as teorias feministas são objeto de estudo
mais adiante, refere-se aqui que se entende como feminismo a teoria ou o conjunto
de teorias, agenda, vanguarda e conjunto de ações para mudar a posição inferiorizada
das mulheres. Com base nisso, ressaltar a consciência feminista envolve resgatar a
liberdade e assegurar a igualdade da mulher como cidadã, não, exclusivamente, no

9 RIVERA GARRETAS, María-Milagros. Nombrar el mundo em feminino. Barcelona: Icaria, 2003, p. 75.
10 RIVERA GARRETAS, María-Milagros. Op. cit, nota 9, p. 73.
19

mundo ocidental, mas construída apoiando-se em práticas e teorias. Conforme Barba


Pan11:
El término "feminismo" tiene su origen en Francia y desde finales del siglo XIX
se hizo popular como sinónimo de emancipación de la mujer, principalmente
asociado al derecho al voto y la participación política. Hay diferentes teorías
sobre cuándo se utilizó por primera vez la palabra exacta. Durante mucho
tiempo se atribuyó al socialista francés Charles Fourier, quién en 1808 ya
promovía la igualdad entre mujeres y hombres, junto a otras de sus principales
líneas de defensa, como el cooperativismo y el anticapitalismo. Fourier empleó
el neologismo féminisme en 1837, según la politóloga Leslie F. Goldstein,
especialista en derechos de la mujer. Siguiendo esta teoría, sería la feminista
francesa Hubertine Auclert, activa sufragista y fundadora del periódico 'La
ciudadana' en 1881, quien popularizaría la palabra. (...) Sin embargo, la
historiadora y filósofa francesa Geneviève Fraisse señala que esta atribución
es un "error histórico": "La palabra 'feminismo' no existe en los textos de Fourier
aunque en ellos se trate el asunto", señala en su libro 'Musa de la razón: la
democracia excluyente y la diferencia de los sexos', de 1989. Fraisse precisa
que el adjetivo "feminista" lo utiliza por primera vez con fines políticos y
periodísticos Alejandro Dumas hijo en su panfleto 'El hombre-mujer' de 1872,
escrito antifeminista en el que debate, entre otros temas, sobre el adulterio y
se posiciona en contra del divorcio.(...) Los prejuicios y estereotipos nacen en
muchas ocasiones de la propia raíz de las palabras y de cómo evoluciona su
definición a lo largo del tiempo, de ahí toda la línea de trabajo existente para
eliminar el sexismo de nuestro vocabulario y de los diccionarios oficiales. Este
origen misógino de "feminismo" asociado a la política sexual y a la privación de
los derechos democráticos a las mujeres bajo falsos estereotipos asociados al
sexo femenino es un buen ejemplo de ello. A finales del siglo XIX, gracias al
discurso de las sufragistas, el término 'feminismo' evoluciona hacia un
significado positivo, relacionado con la justicia social, la unión colectiva de las
mujeres en defensa de sus derechos y la organización social del poder
femenino.
Cada época marca as estratégias e os objetivos por alcançar, por vezes
divergentes e sempre plurais. E desde a época da Grécia e de Roma, há mulheres
que, de forma individual ou coletiva, questionaram a situação de opressão e, muitas
vezes, permaneceram invisibilizadas12.
Como precursora do feminismo, deve ser citada Christine de Pizan, nascida em
Veneza, em 1364, autora da obra “A cidade das mulheres”, em 1405. No século XVII,
Poulain de Barre, outro precursor da teoria feminista, publica a obra “A igualdade dos
sexos”, em 1673, causando polêmica ao fundamentar a igualdade natural entre

11BARBA PAN, Montserrat. Origen e historia de la palabra feminismo. Disponível no site


<http://feminismo.about.com/od/conceptos/fl/iquestCuaacutel-es-el-origen-del-teacutermino-
feminismo.htm. Acesso em 15 de juho de 2015.
12 Para Lipovetski, durante longo período, a mulher foi considerada como um mal necessário, um ser

inferior, estigmatizada por gregos, romanos e pregadores cristãos e que seria a primeira mulher. A
segunda mulher, para o autor, surge nos séculos XVIII e XIX, já mais valorizada, como mãe e esposa.
LIPOVETSKY, Gilles. La terceira mujer: permanência y revolucion de lo feminino. Anagrama.
Espanha:1999
20

homens e mulheres para além dos costumes e dos preconceitos da sociedade da


época.
Tendo em vista a divisão social-técnica do trabalho em três grandes fases: o
artesanato (século V ao XV); a manufatura (século XV ao XVIII) e a grande indústria
(século XVIII até os dias de hoje), sabe-se que às mulheres era reservado o espaço
da reprodução e aos homens, o espaço da produção. De modo geral, vale dizer que
as mulheres ocupavam o espaço privado e os homens ocupavam o espaço público
na sociedade13.
Para Menicucci14, a divisão social e sexual do trabalho já era presente nos
séculos que antecederam a Era Cristã e as mulheres, livres ou escravas, atuavam na
esfera doméstica, no cuidado com crianças e homens e, ainda, na manutenção da
residência. Na Idade Média, o trabalho das mulheres era dividido por categorias entre
as solteiras, as mães e as mulheres de meia idade, sempre em atividades ligadas ao
espaço doméstico. Ainda, as mulheres dos camponeses e servos, além de
responsáveis pelas atividades domésticas, laboravam com seus maridos nas labutas
agrícolas. Na Idade Moderna, entre os séculos XV e XVIII, a divisão sexual e social
do trabalho continuava presente e ao final desse período houve um movimento
migratório do campo para a cidade, acentuado com a ascensão da burguesia e o início
da Revolução Industrial, resultando no surgimento do proletariado feminino, cujo
trabalho nas fábricas foi primeiramente recusado. Sendo assim, as mulheres que
necessitavam laborar executavam trabalhos somente no âmbito doméstico de casas
de mulheres pertencentes à burguesia. No século XIX, com o desenvolvimento da
Revolução Industrial, a mulher que quisesse laborar nas fábricas, deveria relegar as
obrigações domésticas, havendo, com o desenvolvimento industrial, a transferência
do trabalho da mulher do espaço privado doméstico para o espaço público da fábrica,
sem possibilidade de compatibilização entre o trabalho produtivo (assalariado) e o
trabalho doméstico. Portanto, isso acarretava a inserção das mulheres no mundo do
trabalho por curtos períodos, verificando-se que as tarefas domésticas seguiam sendo
responsabilidade da mulher, dona de casa e provedora complementar, enquanto ao

13 NOGUEIRA, Claudia Mazzei. A feminização no mundo do trabalho: entre a emancipação e a


precarização. Campinas, São Paulo: Autores Associados, 2004. Apontamentos de classe realizada em
19.05.2015 em curso da ESMPU-Brasília.
14 MENICUCCI, Eleonora. A mulher, a sexualidade e o trabalho. São Paulo: Hucitec, 1999, p. 59.
21

homem era reservado o papel de provedor, mantendo-se a desigualdade na divisão


sexual do trabalho15.
Sousa Santos16, ao refletir sobre as raízes e opções, em relação à mulher, a
partir do Iluminismo, comenta as viagens reais da expansão europeia e as viagens
reais e imaginárias de Descartes, Montaigne, Montesquieu, Voltaire e Rousseau. As
viagens teriam carga simbólica dupla: de um lado são símbolos de progresso e de
enriquecimento material ou cultural; de outro, são símbolos de perigo, de insegurança
e de perda, dando à casa uma posição fixa, que dá sentido à viagem, um ponto de
chegada e de partida.
O mote da viagem é o que acaba revelando as discriminações e desigualdades
que a equação moderna raízes/opções, ao mesmo tempo, oculta e busca justificar.
De um lado, o mote da viagem é a destruição de identidades, quando se refere ao
tráfico de escravos. De outro, o mote da viagem é falôcentrico, pois a viagem
pressupõe a fixidez do ponto de partida e chegada como a casa, e a casa é o lugar
da mulher que não viaja. Para que a viagem seja possível, sendo a divisão sexual do
trabalho, no mote da viagem um dos “topoi” mais resistentes na cultura ocidental e
também em outras culturas. A versão arquetípica na cultura ocidental é a obra grega
Odisseia, que conta a história de Penélope. Penélope realiza tarefas domésticas, no
âmbito privado, enquanto Ulisses viaja, ocupando o espaço público, portanto; a longa
espera de Penélope, por dez anos, é a metáfora da solidez do ponto de partida e de
chegada, garantindo a possibilidade e a aleatoriedade de todas as peripécias vividas
pelo viajante Ulisses.
E embora a narrativa comporte diversas interpretações, há muito de patriarcal
na saga mitológica de Ulisses e Penélope. Enquanto Ulisses foi para a Guerra de Tróia
e viveu grandes aventuras, incluindo encontros amorosos com diversas mulheres, a
dócil Penélope, embora instada a casar-se novamente e assim proporcionar um novo
rei para sua localidade, utiliza artifícios, como tecer durante o dia e desmanchar o

15 NOGUEIRA, Claudia Mazzei. O trabalho duplicado. A divisão sexual no trabalho e na reprodução:


um estudo das trabalhadoras do telemarketing. São Paulo, Expressão Popular, 2011, pp. 19-23. Para
Nogueira “Em verdade, apesar de a luta feminina visar à redução da desigualdade existente na divisão
sexual do trabalho, tanto no espaço produtivo como no reprodutivo, no transcorrer dos anos a lógica
hegemônica para manter a estrutura da família patriarcal, reservando às mulheres as responsabilidades
domésticas, contribui para a persistência da desigualdade na divisão do trabalho, ainda no início do
século 21”.
16 SOUSA SANTOS, Boaventura de. A gramática do tempo. Para uma nova cultura política. Porto:

Afrontamento, 2006, p. 53.


22

tecido durante a noite, mantendo-se casta, afastando os pretendentes, à espera do


marido, que retorna, efetivamente, após vinte anos de ausência17.
Ainda nas palavras de Sousa Santos, que aponta a dicotomia existente entre
os papéis masculino/feminino, público/privado, pessoal/político:

O interesse do motivo da viagem neste contexto reside em que, através dela,


é possível identificar as determinações sexistas, racistas e classistas da
equação moderna entre raízes e opções. O campo das possibilidades aberto
pela equação igualmente não está à disposição de todos. Alguns, quiçá a
maioria, são excluídos desse campo. Para eles, as raízes, longe de lhes
possibilitarem novas opções, são o dispositivo, novo ou velho, de lhes negar.
As mesmas raízes que dão opção aos homens, aos brancos e aos
capitalistas, são as mesmas que as recusam às mulheres, aos negros, aos
indígenas e aos trabalhadores 18.

O feminismo iluminista19 (ressaltando que o tema relativo às teorias feministas


será aprofundado mais adiante, é definido por alguns, como movimento de lutas pelos
direitos das mulheres, que perdurou desde as origens até a Revolução Francesa, com
polêmica e debate acerca da igualdade na inteligência e reivindicação de educação
para as mulheres.
O revolucionário girondino Condorcet, filósofo, matemático e economista ligado
a d''Alembert, Voltaire e Turgot escreveu, em 1789, o ensaio “Sobre a admissão das
mulheres aos direitos da cidadania”, publicado no Journal de la Société20. Também
várias mulheres francesas apresentam, em 1789, à Assembleia Francesa, seu
caderno de reivindicações, conhecido como “Cadernos de Queixas e Reclamações”,
capitaneadas pela anônima Mme. B.B du Pays de Caux21, sobre a situação social da
mulher. Tais iniciativas, contudo, não ofereciam alternativas ou investiam contra o
patriarcalismo dominante. A Assembleia Nacional proclamou a Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão sem incluir as mulheres, embora os revolucionários

17 A história de Penélope ensejou o que alguns chamam de “complexo de penélope”, como a eterna
espera do ser amado real ou idealizado. Disponível em: <http://tribunadoceara.uol.com.br/blogs/papo-
psi/comportamento/complexo-de-penelope-a-eterna-espera-do-ser-amado/>. Acesso em: 15 maio
2015.
18 SOUSA SANTOS, Boaventura de. Op.cit, nota 16, p.53.
19 GARRACHÓN, Rosa Escapa; Ten, Luz Martinéz. Guia de formación para la participación social y

politica de las mujeres. Concejalía de Igualdad y Empleo. Fuenlabra: 2008, p. 47.


20 VIANNA, Elza; Nascimento, Helaine. Cidadania e gênero: considerações sobre os discursos sobre

mulheres no contexto da Revolução Francesa. Revista Eletrônica Tempo Presente. Disponível em:
<http://www.tempopresente.org/index.php?option=com_content&view=article&id=5515:cidadania-e-
genero&catid=36&Itemid=127>. Acesso em: 15 maio 2015.
21 GARRACHÓN, Rosa Escapa; Ten, Luz Martinéz. Op.cit, nota 19, p. 51.
23

burgueses elencassem como princípios fundamentais, a igualdade, a liberdade e a


fraternidade, afirmando que todos são iguais perante as leis.
Dois anos mais tarde, em setembro, na França, Olympe de Gouges escreveu
a Declaração dos Direitos da Mulher em contraponto à Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão, exigindo a inclusão feminina na vida pública; a educação
igualitária; tratamento legal idêntico ao dos homens em questões familiares e
criminais.
Rancière22 aponta o silogismo introduzido por Olympe de Gouges, no artigo 10
da Declaração dos direitos da mulher e da cidadã, de que a mulher tem o direito de
subir ao cadafalso; mas ela igualmente deve ter o direito de subir à tribuna. Segundo
Rancière, Olympe de Gouges inverte o argumento de que as mulheres são estranhas
ao universal da esfera cidadã, pois se um poder revolucionário pode condená-las ao
cadafalso, sua vida nua é política e a igualdade da sentença de morte anula a distinção
entre a vida doméstica e a pública e as mulheres podem reivindicar seus direitos de
mulheres e cidadãs, inserindo a possibilidade de que os direitos da mulher e da cidadã
são os direitos daquelas que não tem os direitos que elas têm e que têm os direitos
que elas não têm, desdobrando os termos “ter e não ter”. Inobstante, Olympe de
Gouges, entrando em choque com os poderosos da época, acabou por ser
guilhotinada em 1793, condenada como contrarrevolucionária impudente e um ser não
natural (um homem-mulher, conforme a definição de Alexandre Dumas Filho).
Mary Wollstonecraft23, escritora inglesa, entusiasmada com as conquistas da
Revolução Francesa de 1789, escreveu a obra “Vindication of the Rights of Woman”
em 1792, como resposta aos escritos de Rousseau, elaborando o que se pode chamar
de primeira carta do feminismo moderno, em uma época em que as mulheres eram
consideradas como seres inferiores e que o casamento era muitas vezes a única

22 RANCIÈRE, Jacques. O ódio à democracia. São Paulo: Boitempo, 2014, pp.78-79. Para Rancière,
“Se existe uma ilimitação própria à democracia, é nisso que ela reside: não na multiplicaçãoexponencial
das necessidades ou dos desejos que emanam dos indivíduos, mas no movimento que desloca
continuamente os limites do público e do privado, do político e do social.” (p. 81)
23 Aqui é interessante referir que Wollstonecraft, difamada por suas posições, engravidou do marido
William Godwin, filósofo radical, amigo do panfletista Thomas Paine e do poeta William Black, vindo a
falecer em setembro de 1797, aos 38 anos, onze dias após o nascimento da filha, Mary, que mais tarde
casaria com o poeta Shelley e escreveria vários livros, herdando o talento intelectual da mãe e
tornando-se autora conhecida mundialmente pela novela “Frankenstein” (publicada primeiramente em
1818, sem o nome da autora e de forma revisada e definitiva em 1831), que inspirou várias peças de
teatro e filmes.
24

solução possível para a sobrevivência: "É possível que eu provoque o riso ao fazer a
seguinte insinuação, em que penso existirá no futuro: creio realmente que as mulheres
deveriam ter seus representantes, em lugar de ver-se virtualmente governadas, sem
que as permitam ter nenhuma participação direta nas deliberações do governo”. Mary
Wollstonecraft inspirou muitas mulheres, de Emma Goldmann e Virginia Woolf às
feministas inglesas das décadas de 60 e 70 do século 20.
Rivera Garretas24 ao analisar a mulher como sujeito político, aponta que Mary
Wollstonecraft e Olympe de Gouges, antecedidas por Maríe de Gournay (que
escreveu um livro sobre a igualdade entre os homens e as mulheres, em 1622), são
nomes fundamentais na luta das mulheres para o reconhecimento como “sujeitos
políticos”. Pode ser citada, ainda, a espanhola María de Zayas, que teve sua obra
censurada pela Inquisição espanhola
De outro lado, na obra “O contrato social”, escrita em 1792, Rousseau
apresenta sua visão sobre as relações entre os sexos, defendendo a ideia de divisão
de tarefas: o homem deve ocupar o espaço público, provendo a família e à mulher
cabe o espaço privado do lar, cuidando da família.
A par das pioneiras do século XVIII, somente em 1840 cresceram movimentos
organizados de mulheres. Nos Estados Unidos da América, na Declaração de
Independência, em 04 de julho de 1776, foi proclamado que “todos os homens nascem
iguais”, mas o direito ao voto, pelas mulheres, somente foi conquistado em 1919 com
a aprovação da 19ª. Emenda Constitucional. Antes, em 1848, duas mulheres norte-
americanas, Elisabeth Cady Stanton e Susan Anthony publicaram manifesto acerca
da situação feminina, com o objetivo de criação de novas formas de identidade da
mulher. Nessa época, ocorreu o início do feminismo liberal sufragista25, que perdurou
desde o Manifesto de Seneca Falls, em 1848 (redigido por Cady Stanton), na
localidade de Seneca Falls, no estado de Nova Iorque, durante a primeira convenção
sobre os Direitos da Mulher nos Estados Unidos, considerada como o início do
feminismo nos Estados Unidos da América, até o final da Segunda Guerra Mundial,

24 RIVERA GARRETAS, María-Milagros. Op.cit. nota 9, p. 69. Para Rivera Garretas “Se entende que,
dos siglos después de la Revolución francesa y dos o tres generaciones después de la obtención del
derecho al voto, ser sujeta política no da acceso a lo mismo que ser sujeto politico (no hay, por tanto,
igualdad), ni significa tampoco diferencias exentas de subordinación (no hay, por tanto cabida para las
diferencias que sean resultado de la búsqueda y del ejercicio de la libertad feminina)”
25 GARRACHÓN, Rosa Escapa; Ten, Luz Martinéz. Op.cit, nota 19, p. 47.
25

acrescendo à luta pelos direitos políticos, a luta pela educação. Schreiner, em 1911,
propugnava o nascimento de uma nova mulher e disso surgiria um novo homem, com
uma nova forma de relação, de companheirismo. O século XIX consolidou o modelo
sociopolítico liberal, objetivando dar respostas aos novos problemas trazidos pela
Revolução Industrial.
As mulheres sofreram as consequências diretas da nova situação econômica:
as proletárias foram incorporadas ao trabalho industrial, como mão de obra barata e
submissa; as mulheres burguesas ficaram restritas ao âmbito do lar.
O Código de Napoleão estabeleceu normas restringindo o acesso das mulheres
à vida pública e o Estado Liberal assumiu o conceito de Estado de Rousseau,
concebendo o cidadão como pai de família e relegando a mulher ao âmbito doméstico.
Os principais filósofos do século XIX, com a construção de um discurso
misógino e romântico sobre a mulher, relegando-a à esfera privada, por razões
naturais, contrapondo-se às ideias de Wollstonecraft, Gouges e Condorcet.
O discurso misógino-romântico opõe-se contra a reivindicação de igualdade
entre os sexos. E diante do perigo de transformação da sociedade pelas ideias de
cunho feminista, tem uma grande repercussão nos círculos elitistas, o que se justifica
diante do medo sentido pelas sociedades frente a muitas evidências de mudança26.
Nesse contexto social, as mulheres burguesas se revoltam contra sua situação
de propriedade legal dos maridos e ante a ausência de acesso à educação e ao
trabalho, pois sem direitos civis e políticos, somente lhes resta o casamento ou a
miséria. A situação das mulheres trabalhadoras era ainda pior, pois eram obrigadas a
trabalhar em fábricas ou indústrias domésticas como assalariadas e, apesar de
cumprir extensas jornadas, recebiam salários inferiores aos dos homens, o que era
justificado dizendo-se que as mulheres solteiras não precisavam manter uma família;
já as casadas podiam ser mantidas por seus maridos. Após o parto, a mulher
trabalhadora deveria voltar, imediatamente, ao trabalho. A situação era tão grave que,
em meados do século XIX, foram feitas as primeiras leis protetoras. Se a vida das
mulheres trabalhadoras era dura, a situação das empregadas domésticas era muito
pior, pois, frequentemente, caíam na prostituição. Os índices de natalidade eram muito
altos (talvez à míngua de métodos anticoncepcionais eficientes) e as condições de

26 GARRACHÓN, Rosa Escapa; Ten, Luz Martinéz. Op.cit, nota 19, p. 66.
26

saúde eram mínimas, levando em conta o atraso da medicina na época, com


mortalidade feminina elevada, diante de problemas gestacionais e de parto e,
também, de doenças sexualmente transmissíveis27.
Na literatura e no cinema há exemplos de como a mulher era tratada naqueles
tempos. Na obra Os Miseráveis, do escritor francês Victor Hugo, publicada com
grande sucesso em 1862, com aplaudida refilmagem em 2012, uma das personagens,
Fantine é um típico exemplo, mãe solteira, assediada sexualmente no trabalho por
seu superior que, não correspondido, deixa a mulher em situação de miséria. Sem
emprego, ela é obrigada a vender os dentes, os cabelos e acaba caindo na
prostituição, vindo a falecer28.
Raymond Williams aponta as escritoras irmãs Bronté como representantes de
interesses e valores marginalizados pela hegemonia masculina e não apenas isso,
mas representando também um tipo mais vasto de interesses humanos, que
ressaltam os limites de uma noção extremamente limitada de masculininidade29.
Entre as pioneiras do início do século XX, merece destaque a argentina
Alfonsina Storni, escritora e poetisa, autora de língua espanhola de referência para o
feminismo, por sua vida e obra, abordando temas relacionados à sexualidade
feminina, aos papéis de gênero e à subordinação da mulher ao homem 30.
Merece destaque a espanhola Clara Campoamor por sua atuação política,
chegando a ser deputada em Madrid, no ano de 1931, sendo a principal articuladora
da inclusão do voto feminino na Espanha, inserido na Constituição de 1931, no artigo

27 Ibidem, p. 67
28 Os Misérables (Os Miseráveis, no Brasil e em Portugal) é um filme britânico dos gêneros drama,
musical e romance, produzido pela Working Title Films e distribuído pela Universal Pictures. O longa-
metragem é baseado no musical de mesmo nome por Alain Boublil, Claude-Michel Schönberg e Herbert
Kretzmer é baseado em Os Miseráveis, o romance francês de 1862 escrito por Victor Hugo. O filme é
dirigido por Tom Hooper e estrelado por Hugh Jackman, Russel Crowe, Anne Hathaway, Eddie
Redmayne, Amanda Seyfried, Sacha Baron Cohen e Helena Bonham Carter. Estreou nos cinemas
norte-americanos, em 3 de janeiro em Portugal e no Brasil o filme teve a sua estreia antecipada para o
dia 1º de fevereiro de 2013. O filme conta a história de Jean Valjean, um prisioneiro que chega à França
nos tempos da Revolução de Julho. Valjean cuida de Cosette depois de decadência da sua mãe,
Fantine, enquanto isso é perseguido pelo inspetor Javert. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Os_Miser%C3%A1veis_%282012%29>. Acesso em: 10 jun. 2015.
29 WILLIAMS, Raymond. Recursos da Esperança: cultura, democracia, socialismo. São Paulo: Editora

UNESP, 2015, p. 470.


30 Disponível em:

<http://cvc.cervantes.es/actcult/storni/default.htm>;
<http://feminismo.about.com/od/publicaciones/fl/Alfonsina-Storni-su-feminismo-en-cinco-
poemas.htm>. Acesso em: 25 jun. 2015.
27

36 que dispõe o seguinte: “Los ciudadanos de uno y otro sexo, mayores de 23 años
tendrán los mismos derechos electorales conforme determinen las leyes”.
Além da atuação política, voltada para a defesa dos direitos da mulher,Clara
Campoamor publicou obras como “El derecho femenino en España”, em 1936 e “La
situación jurídica de la mujer española”, em 193831.
Assim refere Figueiredo Burrieza32, ao escrever quando da comemoração dos
setenta e cinco anos de voto feminino na Espanha:
La ciudadanía que nace con el Estado Liberal de Derecho es um concepto
excluyente. La titularidad de la misma en los inicios es muy restringida; aunque
se amplía con los movimientos revolucionarios de los siglos XIX y XX seguimos
asistiendo a una democracia formal porque no va más allá del pacto social
inicial que sigue siendo homogéneo y permanece inalterado. Se ha ido
ampliando el elenco de sujetos de derechos (se incluyeron todos los varones,
sin distinción de capacidad económica y de raza) y se amplió el derecho de
sufragio; en principio a todos los varones, en plenitud de derechos civiles y
políticos, que hubieran cumplido una cierta edad y, paulatinamente a las
mujeres a lo largo del pasado siglo XX. La mujer española consiguió el estatus
de plena ciudadanía, según los postulados liberales, con la aprobación del
Artículo 36 de la Constitución de la II República, en 1931. Tuvo lugar esa
aprobación el día 1 de octubre del mismo año, gracias al tesón y empeño de
una Diputada feminista del partido Radical: Clara Campoamor.

A partir da industrialização do trabalho, as mulheres, por necessidade das


fábricas e como mão de obra mais barata, foram instadas a trabalhar fora de suas
casas, obtendo, dessa forma, mais visibilidade.
Para Nogueira33, “a classe trabalhadora, composta por mulheres, jovens,
crianças e pelos próprios homens, foi reduzida à condição de simples força de trabalho
vivo, ou seja, matéria de exploração do capital, visando à ampliação de seu ciclo
reprodutivo e à sua valorização”. O trabalho nas fábricas europeias e americanas era
realizado por homens, mulheres e crianças, em jornadas extensas, com escassos dias
de folga, parcos salários e más condições de trabalho. Operários e operárias eram
considerados como uma “classe perigosa”.

31Disponível em: <http://www.ciudaddemujeres.com/mujeres/Politica/CampoamorClara.htm>. Acesso


em: 20 jun. 2015.

32 FIGUEIREDO BURRIEZA, Ángela. Setenta y cinco años de sufragio femenino en España:


perspectiva constitucional. Criterio jurídico Nº. 7, Cali: 2007, pp. 141-146.

33 NOGUEIRA, Claudia Mazzei. Op. cit, nota 13, p.11.


28

A revolução industrial, para Pamplona Filho34, é um marco divisório para a


efetiva conquista do espaço feminino na sociedade moderna, pois com o surgimento
da máquina, diante da menor força a ser despendida, equilibrou-se o desnível entre
homens e mulheres e embora a contradição aí encontrada, com o início da exploração
do trabalho da mulher, existem os primeiros passos para a necessidade de
reconhecimento da igualdade de tratamento com os homens, respeitando as
diferenças essenciais entre os sexos. A entrada das mulheres no mercado de trabalho
ocorreu pela condição de mão de obra mais dócil e barata e não em função de um
reconhecimento jurídico da igualdade e a partir do reconhecimento da exploração da
mão de obra feminina e a inserção das mulheres no mercado de trabalho, os
construtores do direito começam a centrar esforços na efetivação da tutela da
igualdade entre os sexos, destacando-se, em um salto histórico, o papel do movimento
de emancipação feminista desencadeado na segunda metade do século XX.
Uma abordagem interessante dos fatores econômicos, na dominação da
mulher e na estruturação do modelo familiar persistente até meados do século XX,
pode ser encontrada em Marx e Engels, na obra “Estado, Família e Propriedade
Privada” - que deve ser entendida como produto de seu tempo -, na qual os autores
dizem que a maternidade é sempre conhecida, mas a paternidade é duvidosa (ditado
muito repetido, aliás, na cultura brasileira patriarcal), justificando a dominação da
mulher como forma de manter a propriedade da família, encontrando-se, o fator
econômico em vários momentos da discriminação feminina, sendo a mulher relegada
à maternidade e à domesticidade.
Até mesmo na utilização do nome encontramos laivos da discriminação entre
mulheres e homens. Conforme Uriarte:
Em Hispanoamérica usamos em primer lugar el apelido masculino y muchas
veces renunciamos al uso del apellido de la madre (a pesar de que lo único que
se podia demonstrar hace muy poco, era la evidencia de la maternidade, ya
que la paternidade siempre podia ser discutíble). Es certo que em Brasil se
utiliza el apellido primero y el paterno después, pero este acto de aparente
justicia y racionalidade queda vacío de contenido cuando em la práctica diária
se utiliza el segundo apellido (el paterno) mucho más que el primero (el
materno).35

34 PAMPLONA FILHO, Rodolfo. “Orientação sexual e discriminação no emprego.” VIANA, Marcio Túlio;
RENAULT, Luiz Otávio Linhares (Coord.). Discriminação. São Paulo: LTr, 2000, pp. 380/381.
35 URIARTE, Oscar Ermida. La mujer en el derecho del trabajo: de la protección a la promoción de la

igualdad. A igualdade dos gêneros nas relações de trabalho. PENIDO, Laís de Oliveira (Coord.)
Brasília: ESMPU, 2006, pp. 115-125.
29

O século XX foi marcado por lutas e reflexões acerca do papel da mulher na


sociedade e da conquista da igualdade entre os sexos. Trabalhadores e trabalhadoras
participavam de reivindicações por melhores salários, pela redução da jornada e pela
proibição do trabalho infantil.
Um marco histórico foi a instituição do dia da mulher, deliberada na II
Conferência de Mulheres Socialistas, na cidade de Copenhagen, em 1910, sendo
proposto por Clara Zetkin. O dia era celebrado entre o último domingo de fevereiro e
meados de março.
Em 1917, no dia correspondente ao calendário gregoriano como sendo 08 de
março, houve marcha das mulheres soviéticas clamando por paz e pão, vale aqui
lembrar a existência da primeira guerra mundial que perdurou de 1914 a 1918,
havendo queda do regime czarista nos dias seguintes e instituição, pelo governo
provisório, do voto das mulheres, que até então não era permitido. Posteriormente, a
data foi associada a um incêndio, ocorrido em março de 1911 em uma fábrica nova
iorquina (Triangle Shirtwaist Company), com morte de mais 130 mulheres, a maioria
jovens imigrantes, italianas e judaicas, após violenta repressão a movimento grevista
travado por melhores condições de trabalho dadas às desumanas condições de
trabalho das trabalhadoras. Apesar das mortes, o movimento resultou em melhorias
nas condições de trabalho e no fortalecimento do reconhecimento dos sindicatos. E a
data ficou estabelecida como marca da luta social das mulheres, no mundo do
trabalho36.

36 BLAY, Eva Alterman. 8 de Março: conquistas e controvérsias. 2004. Disponível em:


<http://www.piratininga.org.br/artigos/2004/01/blay-8demarco.html>. Acesso em: 15 jun. 2015.
Também Maíra Kubík Mano, no artigo “Conquistas na luta e no luto”, publicado na Revista História Viva,
Editora Duetto, analisa o tema aduzindo que “Se as operárias russas do início do século XX recebessem
bombons e flores em comemoração ao Dia da Mulher, talvez se sentissem ofendidas. Afinal, quando
os protestos do dia 8 de março foram deflagrados, elas queriam melhores condições de trabalho. Não
aguentavam mais as jornadas de 14 horas e os salários de até três vezes menores que os dos homens.
Na época, as fábricas dos países desenvolvidos, que fazia pouco mais de um século, haviam passado
pela Revolução Industrial, estavam atulhadas de homens, mulheres e crianças. O movimento operário
reagia à exploração desenfreada organizando protestos, muitos com cunho socialista. Dentre as
reivindicações, estava o fim do emprego infantil e remuneração adequada. A igualdade de gênero,
porém, nunca era pautada. Por mais que as trabalhadoras argumentassem, sua renda era vista como
complementar à do marido ou do pai, e um pedido de salários iguais parecia afetar as “exigências
gerais”. É nesse contexto de eclosão popular, sindical e feminista que surge o Dia Internacional da
Mulher”. Disponível em:
<http://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/conquistas_na_luta_e_no_luto_imprimir.html>.
Acesso em: 20 jun.2015.
30

Contudo, apenas em 1975, o dia 08 de março foi instituído, oficialmente, pela


Organização das Nações Unidas - ONU. É importante destacar que as Organizações
Internacionais tiveram papel importante, com as convenções de direitos humanos da
ONU, editadas após a primeira guerra mundial e a criação da OIT, destacando
aspectos relacionados aos direitos das mulheres.
As mulheres persistiram na busca de espaço no mercado de trabalho, sempre
divididas entre o profissional e o doméstico, pois as tarefas relacionadas à
maternidade seguiram como atribuições exclusivamente femininas, a par de
desvalorizar a qualificação da mulher como mão de obra mais barata.
Simone de Beauvoir, escritora, filósofa existencialista e feminista francesa,
autora de diversos livros e conhecida pela emblemática frase “Não se nasce mulher,
torna-se mulher”, escreveu, em 1949, a obra “El Segundo Sexo”, em que realiza uma
profunda análise do papel das mulheres na sociedade. Nas palavras de Beauvoir:

La relación imediata, natural necesária del hombre com el hombre és la


relacion del hombre com la mujer” Dijo Marx. “Del caracter de esta relacion
se deduce hasta quê punto el hombre compreende a sí mesmo como ser
genérico, como hombre; la relacións del hombre com la mujer es la relacion
más natural del ser humando com el ser humano,. Se muestra, pues hasta
que punto el comportamento natural del hombre há passado a ser humano o
hasta qué punto el ser humano há se convertido en su ser natural, hasta que
punto su naturaleza humana se há convertido em sua naturaleza.” No se pude
expressar mejor. En el seno del mundo dado le corresponde al hombre hacer
triunfar el reino da liberdade; para lograr esta victoria suprema es necesário,
entre otras cosas, que más allá de sus diferenciaciones naturales, los
hombres y mujeres afirmem sem equívocos su fraternidade 37 (...) (grifos no
original).

Para Penido38, como é de conhecimento geral, desde o descobrimento do


Brasil, a contribuição do pensamento moral, propagado pela Igreja Católica, foi notável
no desenvolvimento social do país, vigorando a cultura patriarcal propagada pela
Igreja Católica, influenciada pelos princípios racionais e iluministas do liberalismo,
difundidos pela Revolução Francesa. As primeiras feministas, na contramão do
pensamento patriarcal dominante (como a norte-americana Elisabeth Cady Stanton e

37BEAUVOIR, SIMONE. El Segundo Sexo. Valencia: Catedra, 2008, p. 902


38PENIDO, Laís de Oliveira. Legislação, equidade de gênero e cultura patriarcal brasileira. A igualdade
dos gêneros nas relações de trabalho. PENIDO, Laís de Oliveira (Coord.) Brasília: ESMPU, 2006, pp.
263-276.
31

a boliviana Adela Zamudio, entre tantas outras pioneiras, lutavam pela igualdade
(incluindo o direito ao voto) e pelo estado laico)39.
A partir de 1968, surgiu o feminismo contemporâneo, que segue em vigor até
hoje, iniciando pela luta dos direitos civis para centrar-se, após, na luta pelos direitos
reprodutivos, de paridade política e no papel das mulheres no processo de
globalização40.
Um pouco antes, porém, em 1963, Betty Friedan publicou o livro "The Feminine
Mystique" (A Mística Feminina), obra muito vendida que se tornou a bíblia do
feminismo liberal americano41, um best-seller que fomentou a segunda onda do
feminismo, abordando o papel da mulher na indústria e na função de dona-de-casa e
suas implicações tanto para a sobrevivência do capitalismo quanto para a situação de
desespero e depressão que grande parte das mulheres submetidas a esse regime
sofriam42.
Nos Estados Unidos da América, as discussões recrudesceram, com críticas
aos papéis tradicionais dos sexos nas relações econômicas e familiares, como
resultado da insatisfação feminina com o tratamento desigual e discriminatório dado
às mulheres. A igualdade43, aliás, é uma das promessas mais inacabadas da
modernidade. A inserção de políticas de igualdade tem importância estratégica na
definição de acesso diferenciado das mulheres aos direitos sociais e ao exercício
efetivo da cidadania. Esta divisão condena as mulheres à escolha entre a
dependência do homem ou à dependência do Estado.
Rompendo com esta lógica, Pateman44 propõe a separação dos direitos sociais
do trabalho com a reinvenção de um denominador comum que satisfaça as
necessidades imediatas de homens e mulheres e favoreça a autonomia das mulheres,
permitindo que definam suas necessidades.

39 Ver em http://feminismo.about.com. Acesso em 30 de julho de 2015.


40 GARRACHÓN, Rosa Escapa. Ten, Luz Martinéz. Op.cit, nota 19.
41 ROSEMBERG, Fulvia. “Mulheres educadas e a educação das mulheres.” PINSKY, Carla Bassanezi;

PEDRO, Joana Maria. (Org.) Nova História das Mulheres. São Paulo: Contexto, 2012, pp. 333-360.
42 Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Betty_Friedan>. Acesso em: 25 jun. 2015. Também é

referido que Betty Friedan foi cofundadora da Organização Nacional das Mulheres, nos Estados Unidos,
juntamente com Pauli Murray e Bernard Nathanson, auxiliando na criação do NARAL, organização de
fomento aos direitos reprodutivos, inclusive o do aborto e é considerada uma das feministas mais
influentes do século XX.
43 VARIKAS, Eleni. Igualdade. In: Dicionário Crítico do Feminismo. HIRATA, Helena; LABOURIE,

Françoise; LE DOARÉ, Helène; SENOTIER, Daniele (Orgs). São Paulo: UNESP, 2009, pp. 116/121.
44 PATEMAN, Carole. Op.cit, nota 8, p. 264.
32

A integração das estratégias de igualdade reafirma sua dimensão declarativa


como projeto a ser levado a cabo, garantindo a igualdade:
a) o direito das mulheres de serem pessoas como as outras, mediante a
proibição de discriminação como grupo à parte;
b) a possibilidade de reconhecimento e aceitação, com as diferenças em
relação aos homens e, principalmente, o direito das mulheres na expressão das
particularidades que as fazem diferentes, bem como o acesso à dignidade como
indivíduo e da contribuição à vida em comum.
Apesar dos avanços, a igualdade permanece mais formal do que real e sua
consagração pelo Direito Comunitário Europeu serviu para justificar a supressão das
regras que protegiam a vida familiar das invasões da vida profissional ao invés de
alargar o benefício aos homens.
A igualdade proclamada entre países ricos e pobres não serve senão para
justificar a exploração destes por aqueles. A desigualdade no mercado de trabalho em
termos mundiais é encontrada também em diversas formas: na admissão, na
ascensão funcional, da diferença entre salários, no assédio moral, no assédio sexual
e na exploração de crianças45.
Nas palavras de Bobbio46, “...Jamais como em nossa época foram postas em
discussão as três fontes principais de desigualdade entre os homens: a raça ou, de
modo mais geral, a participação num grupo étnico ou nacional, o sexo e a classe
social”.
Ainda segundo Bobbio:

Com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada em 10 de


dezembro de 1948 pela Assembleia das Nações Unidas, foi feita a primeira
tentativa de universalizar - ou seja, de estender a todos os povos da Terra -
aqueles princípios de liberdade que foram afirmados pelas primeiras
Constituições liberais no interior dos limites de cada Estado nacional. Essa
universalização dos direitos do homem, apenas enunciada e solenemente
proclamada deveria ser o pressuposto nacional de sua garantia internacional.
Ainda que o problema não tenha sido resolvido na prática, com exceção da
ainda tímida e frágil instituição da Comissão Europeia dos Direitos do
Homem, a linha de tendência que ele expressa não pode ser subestimada. A
garantia dos direitos do homem contra a violação perpetrada pelo próprio
Estado, que deveria protegê-los, é uma resposta, em nível mais alto, à
pergunta: Quis Custodiet custodes? Toda nova tentativa de resposta a esta

45 SUPIOT, Alain. Homo Juridicus. Ensaio sobre a função antropológica do direito. Lisboa: Instituto
Piaget, 2005, p.242.
46 BOBBIO, Norberto. Igualdade e Liberdade. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996, p. 43.
33

pergunta, ainda que imperfeita e incompleta, é - na medida em que propõe


novas formas de controle do poder - uma resposta a uma nova demanda de
liberdade 47.

No Ocidente, o estímulo ao emprego das mulheres ocorreu pela erosão da base


industrial; pela tendência das tecnologias de informações e de serviços; pela redução
nas taxas de nascimento do pós-guerra e a consequente falta de mão de obra
especializada, acarretando a absorção das mulheres na força de trabalho como
burras-de-carga, facilmente descartáveis, não sindicalizadas, com baixos salários e
restritas a guetos de funções tidas "femininas", com qualidades convenientes aos
empregadores como a autoestima reduzida, a tolerância para tarefas repetitivas, a
ausência de ambição, a maior conformidade, o maior respeito pelos superiores
homens do que pelas colegas mulheres e a sensação de pouco controle sobre suas
vidas48.
Davis49, ao abordar a importante temática da violência sexual contra as
mulheres, aponta que a estrutura de classes do capitalismo incentiva os homens que
ostentam o poder político e econômico a converterem-se em agentes habituais de
exploração sexual e que a ameaça de violação - face violenta do sexismo -, continuará
existindo enquanto a opressão das mulheres seguir sendo um sustentáculo essencial
para o capitalismo.
Embora a existência de mudanças significativas ocorridas na trajetória
feminina, tanto no espaço da produção como no espaço da reprodução, não houve
ainda uma nova divisão sexual do trabalho no âmbito privado, prevalecendo uma
concepção conservadora, em que a mulher está precipuamente comprometida com a
família e mudar tal situação abalaria a estrutura da família patriarcal, trazendo
prejuízos à lógica de produção e reprodução do capital.
É importante lembrar que a divisão sexual do trabalho, nos países capitalistas
em geral, é prejudicial às mulheres, considerando que a inserção das mulheres, no

47Ibidem, p. 94.
48WOOLF, Naomi. O mito da beleza. Como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres.
Tradução Waldéa Barcellos. Rio de Janeiro: Rocco, 1992, p. 33. Também disponível em:
<http://pt.scribd.com/doc/65304671/O-Mito-Da-Beleza-Naomi-Wolf>. Acesso em: 25 jun. 2015.
49 DAVIS, Ângela. Mujeres, raza y clase. Madrid: Akal, 2004/2005. Também disponível em:

<http://www.ceppes.org.br/nossa-historia/herois_da_al/angela-davia>. Acesso em: 10 jul. 2015.


34

trabalho, ocorre na maioria das vezes de forma precarizada, com forte exploração da
força de trabalho e predomínio de relações de poder patriarcais50.
Se atualmente as mulheres têm mais acesso à escolarização, o que é positivo,
de outro lado, novas questões emergem, pois a cada progresso obtido pelas
mulheres, o capitalismo patriarcal apresenta novas e mais sofisticadas objeções.
Conforme Infante Ruiz51, o panorama, por muito que a sociedade queira mirar-
se no espelho do direito, em que a igualdade formal se proclama altissonante, não é
da igualdade real, mas da desigualdade silenciosa em âmbitos cruciais para o
desenvolvimento pessoal e da felicidade. E a vida pública está impregnada com
parâmetros masculinos em todos os âmbitos, o que determina uma adaptação penosa
das mulheres, em franca desvantagem frente aos homens.
Há novas formas de discriminação que emergem na medida em que as
mulheres se incorporam ao espaço público, obtendo melhores qualificações, com a
criação de novas barreiras, apontando que a melhor qualificação não se reflete nas
posições ocupadas nos espaços públicos. Sendo assim, resulta em um “teto de
cristal”52 que impede as mulheres de superar determinados limites nas empresas e
galgar postos de trabalho mais cobiçados. Dessa forma, fica evidente a existência de
um pacto fraternal entre os homens, que não é novo, mas decorrente do
patriarcalismo, permitindo que os homens sigam monopolizando os recursos sociais
existentes. E se algumas poucas mulheres conseguem alcançar postos mais altos,
servem, muitas vezes, para demonstrar certa “liberalidade” das instituições e impedir
o acesso de outras mulheres a cargos mais elevados sob o argumento de que já há

50 NOGUEIRA, Claudia Mazzei. Op.cit, nota 15, pp. 28-29.


51 INFANTE RUIZ, Francisco J. “Igualdad, diversidade u protección contra la discriminación em el
derecho privado”. MARREIRO, Carolina Mesa. Mujeres, contratos y empresa desde la igualdad de
género. Valencia: Tirant le Blanc, 2013, p. 241.
52 Conforme Celia Amorós: “ El “techo de cristal” se refiere a la desestimación sistemática de las mujeres

en los sistemas de cooptación que operan en la selección de los puestos de más alta capacidad de
decisión. Si entende por cooptación el que introduzca la valoración de un elemento que excede la
expertise como relevante a la hora de ser objeto de tal selección”. AMORÓS. Celia. La gran diferencia
y sus pequenas consecuencias...para las luchas de las mujeres. Madrid: Ediciones Catedra, 2006, p.
392. Para Maria Emilia Casas Baamonde “la discriminación em la retribuición es causa y efecto de la
discriminación professional de la mujer produciendo fenómenos como la segregación o feminización de
los trabajos y la imposición de techos – el llamado “techo de cristal”- al ascenso professional de las
mujeres. De ahi que el principio de igualdad de retribuicíon por razón de sexo constituyia un instrumento
básico para la eliminación de las discriminaciones que pesan sobre las mujeres”. BAAMONDE, María
Emilia Casas. Igualdade y diferencia em la regualción jurídica del trabajo de la mujer. A igualdade dos
gêneros nas relações de trabalho. PENIDO, Lais de Oliveira. (Coord.). Brasília: ESMPU, 2006, pp.23-
50.
35

uma ou algumas mulheres em tais cargos, sem levar em conta a paridade entre
mulheres e homens53.
Ao analisar a liberação das mulheres e a questão da igualdade substantiva,
Mészaros54 aduz que o relacionamento entre capital e trabalho é, por sua natureza, a
manifestação tangível da hierarquia estrutural insuperável e da desigualdade
substantiva e por sua própria constituição. Ressalta que o sistema capitalista não pode
ser mais do que a perpetuação da injustiça fundamental, sendo absurdas quaisquer
tentativas de conciliação do sistema com os princípios da justiça e da igualdade.
A manutenção da igualdade formal é útil para o sistema capitalista, entretanto
o mesmo não ocorre com a igualdade substantiva e estando a liberação das mulheres
centrada na questão da igualdade substantiva, uma grande causa histórica entra em
movimento, sem encontrar saídas para sua realização dentro dos limites do sistema
do capital. A causa da emancipação e da igualdade das mulheres envolve os
processos e instituições mais importantes de toda a ordem sociometabólica e é
significativo que desde o aparecimento das formas mais militantes do movimento pela
igualdade das mulheres, até os intelectuais burgueses mais progressistas buscaram
restringir suas reivindicações e avaliar as realizações viáveis em termos dos critérios
formais como H.G.Wells55, que cita as mulheres como argamassa social. Nas palavras
de Mészaros:

Há uma linda e comovente balada folclórica húngara do início do século XVIII


que nos diz o que entender da “argamassa social” como permanente “destino
das mulheres”. Seu título é Kömíves Kelemenné. É a narrativa da trágica
história da senhora Kelemen, a esposa do mestre-pedreiro Kelemen. Seu
marido e outros onze pedreiros, encantados pelo “rico pagamento em
alqueires de prata e ouro”, são contratados para erigir a grande fortaleza de
Déva, mas não conseguem porque...o que eles constroem até o meio-dia
desmorona no fim da tarde, o que eles constroem até o final da tarde cai pela
manhã...Para resolver o problema, eles fazem uma lei a que solenemente
todos decidem se submeter: a primeira esposa a chegar será queimada e
suas cinzas serão misturadas à cal, para obtenção de uma argamassa
indestrutível com a qual erguer a grande fortaleza. Acontece que a senhora
Kelemen é a primeira a partir para Déva em sua finíssima carruagem puxada

53 NOVELLA, Carmen Torralbo. Paridad sexual y trabajo. Uma aproximación sociológicia.


Transformaciones del trabajo desde una perspectiva feminista. Produccíón, Reprodución, Deseo,
Consumo. Madrid: Tierradenadie, 2006, pp. 179/200.
54 MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo,

2011, pp. 306-310.


55 Herbert George Wells (1866 -1943), conhecido como H. G. Wells, foi um prolífico escrito inglês,

escrevendo novelas, histórias, política, comentários sociais, livros de texto e regras para jogos de
guerra, mais lembrado por suas novelas de ficção cientifica. A obra referida por Mészarós chama-se
“The Work, Wealth and Hapiness of Mankind”. Londres: Heinemann, 1932, pp. 557-562.
36

por quatro lindos cavalos baios. A meio caminho, o cocheiro lhe implora para
deixá-lo voltar, dizendo que em sonho tivera uma premonição, e vira o filhinho
dela cair e morrer no fundo do poço que havia no meio do pátio de sua casa.
A senhora o faz calar, com palavras a que ele não poderia replicar: segue,
cocheiro, a carruagem não é tua, os cavalos não são teus, apressa-os! Ao
aproximarem-se de Déva, o mestre-pedreiro os reconhece de longe, pedindo
a Deus para detê-los com um raio na estrada bem diante da carruagem, para
que os cavalos se assustem e deem a volta ou, se isto não funcionar, para
quebrar as pernas dos quatro cavalos, de modo que não conseguissem
chegar... Tudo em vão. A senhora Kelemen chega e os doze pedreiros lhe
contam com palavras muito suaves o destino cruel a que não poderia
escapar. Ela os chama de “doze assassinos”, inclusive seu próprio marido, e
pede que esperem que vá até sua casa e volte, para despedir-se de “minhas
amigas e do meu lindo filhinho” ...Ao voltar, os homens a queimam e utilizam
suas cinzas para fazer a argamassa forte e conseguem erguer a altíssima
fortaleza de Déva, recebendo o prometido “rico pagamento em alqueires de
prata e ouro”. Quando a fortaleza fica pronta e o mestre-pedreiro Kelemen
volta para casa, o filho não para de perguntar pela mãe ausente. Depois de
usar muitas evasivas, no final o pai tem de contar ao menino que sua mãe
está enterrada entre as pedras da fortaleza de Déva. Em desespero, o filho
vai até a fortaleza no alto da montanha e grita três vezes: Mãe, doce mãe,
fala comigo outra vez! A mãe responde e a balada termina assim: “Não posso
falar contigo! O peso das pedras me cala! Estou emparedada e enterrada
nessas pedras tão pesadas...” O coração dela então se partiu e com isso a
terra se abriu, o menino caiu no fundo e ali foi enterrado. A balada folclórica
sobre a triste história da “mulher-argamassa” tem algumas lições a ensinar,
de forma muito diferente, mas infinitamente mais realista do que a do
indulgente conto de fadas romântico de H. G. Wells, escrito no espírito comum
a todos os que usam a desculpa da igualdade formal para negar a igualdade
substantiva. As lições estão implícitas tanto no sofrimento da senhora
Kelemen, cruelmente imposto a ela com a participação, como colegislador,
de seu marido, como no trágico destino de mãe e filho - que não nos fala
apenas do “destino geral das mulheres”, mas do destino longe de
tranquilizador de toda a humanidade, se essas lições não forem aprendidas.
No entanto, não há a menor esperança de que as personificações do capital
(sejam homens ou mulheres) deem a elas a mínima atenção, como
demonstra o papel desempenhado, sob o domínio do capital, até pelo mestre-
pedreiro Kelemen, que apesar de amar sua mulher, deve obedecer ao
fundamento de qualquer lei formal, ou seja, a lei última de ser dirigido pela
necessidade de “alqueires de ouro e prata”.

Se a argamassa que levanta as paredes erguidas pelo capital é feita pelas


cinzas de mulheres e também de homens, cabe aqui ressaltar as reflexões de Ramos
Filho56, quando declara que a atual crise capitalista poderá dar possibilidade a
processos de luta que deslegitimem a ordem liberal, permitindo uma nova
relegitimação social, com a condensação de novas relações entre as classes sociais
e também potencializar os movimentos anticapitalistas que reivindicam uma
reconfiguração no modo de distribuição de riquezas e de poder na sociedade, não
mais fundado na subordinação e no paradigma do trabalho assalariado, mas mediante

56 RAMOS FILHO, Wilson. Op.cit nota 6, p. 464


37

processos de distribuição universal de renda desvinculados dos contratos de


emprego.
As lutas das mulheres estão inseridas na luta de trabalhadores e trabalhadoras
por uma sociedade mais justa, com respeito aos direitos humanos e acesso universal
aos bens da vida.
Na contemporaneidade, as mulheres estão muito atentas e reativas aos
acontecimentos mundiais, motivadas pela crise do capitalismo e pelas ideias
feministas.
No ano de 2011, ocorreu, em nível mundial, um movimento de mulheres (e
homens) provocado pelas palavras do oficial de polícia Michael Sanguinetti, que ao
proferir uma palestra sobre segurança na Escola de Direito Osgode Hall, em Toronto,
no Canadá, externou sua opinião sobre a maneira de vestir das mulheres, aduzindo
que as mulheres deveriam evitar se vestir como “vagabundas” para evitar ataques.
A frase foi postada na internet, ganhando enorme repercussão, o que fez o
oficial de polícia pedir desculpas e ser advertido por sua corporação. Em protesto às
palavras do oficial de polícia e à ideia central ali veiculada, foi criado o movimento
denominado “Slutwalks”, com manifestações em cidades de diversos países e
também no Brasil, tendo como frases recorrentes, entre outras, inscritas em cartazes
e no próprio corpo das manifestantes: “nem santas nem putas”; “o respeito está no
seu comportamento e não na roupa que visto”, “minha saia curta não quer dizer que
você possa me estuprar”.
A conscientização das mulheres (e dos homens) a respeito de seus direitos
humanos, incluindo os de igualdade e de não-discriminação, teve um considerável
incremento nos últimos tempos.
Há filmes que abordam a temática, mostrando um futuro de ficção, não muito
favorável às mulheres (e também aos homens), como “Cloud Atlas”, traduzido no
Brasil como “A Viagem”57.

57 No filme, com elenco estrelado, produzido em quatro países em 2012 e baseado em romance de
2004, de David Mitchell, são mostradas seis histórias entrelaçadas, abrangendo diferentes épocas, com
a intenção de mostrar que tudo está conectado. Na história denominada Neo Seul, ambientada na
Coréia do Sul, 2144, é contada a história de Sonmi-451, um clone humano feminino, geneticamente
fabricado para ser um escravo laboral num restaurante fast food. Sonmi-451 é obrigada a suportar o
assédio sexual no local de trabalho e, diante de sua inconformidade, será morta e reciclada, em uma
metáfora cruel da sociedade capitalista. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Cloud_Atlas_%28filme%29>. Acesso em: 10 jun. 2015.
38

O filme Mad Max: Fury Road58, lançado em 2015, mostra um mundo futurista,
com maciça opressão das mulheres. Além disso, tem sido considerado um filme
feminista59.
É interessante constatar como as mulheres buscam a ampliação de seus limites
e quando alcançam o poder revelam, a mais das vezes, muita competência e atitude.60
Como visto, a história da luta das mulheres pela igualdade, em âmbito mundial,
tem evoluído da situação de total pertencimento aos homens até a situação atual,
graças ao esforço de pensadoras e pensadores que, ao longo da história universal,
dedicam sua obra e suas vidas ao trabalho árduo pela eliminação das desigualdades
entre homens e mulheres. Imprescindível nessa luta os esforços diuturnos das
feministas citadas, além de muitas outras mulheres e de muitos outros valorosos
homens, que muitas vezes permaneceram e permanecem invisibilizados, mas cujo
contributo no processo de repensar o papel das mulheres na sociedade e a própria
divisão de classes, é inestimável.
E se a insatisfação faz o ser humano sair de sua zona de conforto, a crise atual
no capitalismo incita a novos modos de pensar e agir.
Realizados alguns apontamentos sobre a história das mulheres em geral, sem
esquecer que muitas mulheres foram protagonistas pioneiras, sejam ou não
(re)conhecidas, no panorama mundial, esboçar-se-á um breve resumo histórico
acerca da luta das mulheres pela igualdade real no Brasil.

58 Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Mad_Max:_Estrada_da_F%C3%BAria>. Acesso em: 10


jun. 2015.
59 Disponível em: http://www.brasilpost.com.br/2015/05/19/mad-max-feminismo_n_7325664.html>.

Acesso em: 10 jun. 2015. Eve Ensler, dramaturga e ativista do feminismo conhecida por ter escrito o
texto original da peça teatral Os Monólogos da Vagina, foi contratada pela produção para conversar
com o elenco e a equipe do filme sobre violência contra a mulher no mundo - e, principalmente, em
zonas de guerra. "É o início de uma rebelião feminista contra o patriarcado", disse Ensler sobre o filme,
em entrevista à Time. O filme australiano considerado de ficção pós-apocalíptica e ação, tem
personagens femininas fortes que se rebelam contra o patriarcado dominante.
60 ROSIN, Hanna. The end of men and the rise of women. USA: Riverside Books, 2012. Hanna Rosin

credita o apetite das mulheres na busca de espaços ao que denomina de “underdog feelings”, que seria
o sentimento do cachorro pequeno que precisa brigar para comer, contrapondo-se ao que a socióloga
australiana R. W. Cornell chama de “dividendo patriarcal”, referindo-se aos direitos garantidos do
macho, fórmula que vem se esgotando, mas que ainda persiste, diante da existência de desigualdade
entre homens e mulheres, mesmo em países tidos como avançados.
39

1.2 Apontamentos sobre a história das lutas das mulheres pela igualdade no
Brasil

Na sequência, abordar-se-á a história e a evolução das lutas das mulheres pela


igualdade real, que está avançando graças ao trabalho incessante de mulheres,
pioneiras em suas épocas.
No dia 7 de setembro de 1822, Dom Pedro I, príncipe regente, proclamou a
Independência do Brasil de Portugal, dando o “Grito da Independência”. O que é
inviabilizado aqui - como de costume é invisibilizada a atuação das mulheres -, é o
papel da princesa Leopoldina, que em reunião do Conselho de Estado, por ela
presidida, em 01 de setembro de 1822, decidiu a Independência, articulando-a
politicamente, cabendo a Dom Pedro I “dar o grito” e receber os louros da História.
Contudo, a líder intelectual do ato de Independência foi a princesa Leopoldina61.
Ao tratar dos costumes brasileiros na época da escravatura, Gilberto Freyre62
relata que na cultura das casas-grandes do tempo da escravidão era incentivado que
os filhos homens tivessem relações sexuais com as escravas negras, que por força
de tal pensamento, além do trabalho forçado eram submetidas aos caprichos dos
filhos do patrão e muitas vezes do próprio patrão.
Finda a escravidão no Brasil, em 13 de maio de 1888 - ato realizado por uma
mulher, a Princesa Isabel -, o entendimento da empregada doméstica como
subserviente, vigora em muitas partes do país, sendo comum a ocorrência de casos
de assédio sexual no trabalho envolvendo a categoria das empregadas domésticas.
Inobstante, desafiando o modelo patriarcal vigente, desde a Colônia, conforme
Giulani63, vozes femininas preconizaram a abolição dos escravos, a instauração da
República, a introdução do sufrágio universal, vinculando, como unidas por elo de
solidariedade feminina, a inglesa Mary Wollstonecraft, antes referida, autora da obra
“Vindication of the Rights of Woman”, de 1792; a francesa Flora Tristán, autora de

61 Cf. SIMIONI, Ana Paula C.; NOGUEIRA, Manuela Henrique. Outras telas para outros papéis. Revista
de História da Biblioteca Nacional. Ano 10 n.113 - fevereiro de 2015, pp. 34-39.
62 Gilberto Freyre, ensaísta, historiador, autor de ficção, jornalista, poeta e pintor é considerado por

muitos como um dos mais importantes sociólogos brasileiros do século XX, e escreveu entre 1933 e
1937, três obras tratando sobre a formação da sociedade brasileira: "Casa Grande & Senzala",
"Sobrados e Mucambos" e "Nordeste". "Casa Grande & Senzala"é tida como importante estudo sobre
a formação da sociedade patriarcal brasileira. Freyre, Gilberto. Casa-Grande e Senzala. Global Editora,
São Paulo:2013.
63 GIULANI, Paola Cappelini. “Os Movimentos de Trabalhadoras e a Sociedade Brasileira.” DEL

PRIORI, Mary (org). História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 1997, pp. 658-660.
40

obras com “A União Operária” de 1843 e “A Emancipação da Mulher” e, ainda, a


brasileira Nísia Floresta, alinhadas ao feminismo iluminista, considerado como a
primeira etapa ou onda (como preferem alguns) do movimento feminista.
Conforme explica Rocha64, Nísia Floresta, brasileira nascida em Papari, no
Estado do Rio Grande do Norte, cidade que hoje leva seu nome; escritora e professora
autodidata, foi voz feminina revolucionária ao denunciar a condição de submissão
vividas pelas mulheres brasileiras, reivindicando emancipação e elegendo a educação
como instrumento para alcançar a meta, estando entre as pioneiras do feminismo no
Brasil.
Nísia Floresta fez uma tradução livre do livro de Mary Wolltonescraft
denominando-o Direito das Mulheres e injustiça dos homens, adaptação lançada em
1832 no Brasil.
Assim começa a obra “Opúsculo Humanitário”, uma coleção de artigos sobre
emancipação feminina:
“Enquanto no velho e novo mundo vai ressoando o brado-emancipação da
mulher, nossa débil voz se levanta na capital do Império de Santa Cruz,
clamando: educai as mulheres! Povos do Brasil, que vos dizem civilizados!
Governo, que vos dizeis liberal! Onde está a doação mais importante, desse
liberalismo.65”

Em 1889, a poeta e jornalista Narcisa Amália assim escreve no periódico “O


Garatuja”:
“A pena obedece ao cérebro, mas o cérebro submete-se antes ao poderoso
influxo do coração; como há de a mulher revelar-se artista se os preconceitos
sociais exigem que o seu coração cedo perca a probidade, habituando-se ao
balbucio de insignificantes frases convencionais”.66

Gilka Machado, fundadora do Partido Republicano Feminista em 1910, que


escreve o poema “Cristais partidos”, definindo ser mulher como “ficar presa aos
grilhões dos preceitos sociais”.
Também Julia Lopes de Almeida lança a obra Elles e Ellas em 1910,
importando destacar a fala de uma de suas personagens: “As moças são criadas para
mártires ou hipócritas, por isso desenvolvem sentido de inferioridade”67.

64 ROCHA, Karine. “Sementes da Revolução.” Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 10, n.113
- fevereiro de 2015, pp. 26-29
65 FLORESTA, Nísia. Opúsculo Humanitário (1853). São Paulo: Cortez, INEP, 1989, p. 2.
66 Cf. TELLES, Norma. “Outras Palavras.” Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 10 n.113 -

fevereiro de 2015, pp. 22-24.


67 Ibidem, pp. 22-24.
41

Essas mulheres, todavia, eram exceções, porque em geral as mulheres


brasileiras no século XIX e início do século XX tinham dificuldades de expressão das
ideias por ausência de educação e por condicionamentos históricos religiosos.
Na segunda metade do século XIX, circularam periódicos no país, abrindo
espaço para as mulheres, acirrando a luta com a Proclamação da República em 1899,
diante da não ampliação dos direitos das mulheres.
Em 1919, a anarquista Maria Lacerda de Moura participa da criação da Liga
pelo Progresso Feminino, mais tarde denominada Federação Brasileira pelo
Progresso Feminino, incrementado em 1922, após o retorno de Bertha Lutz da
Conferência Pan-americana de Mulheres, aumentando a pressão por emancipação
política68. Diante da pressão feminina, o então Presidente Getúlio Vargas, concede o
direito ao voto feminino, importante conquista para a vida pública, evidenciando a
obtenção do direito à cidadania pelas mulheres, antes de vários países da Europa, e
em 1936, Bertha Lutz foi eleita deputada federal pelo Rio de Janeiro, realizando
proposições como o impedimento da diferença salarial baseada no estado civil e no
sexo.
O avanço da luta feminista no Brasil provocou reações contrárias, manifestadas
em textos publicados em jornais denegrindo a imagem das feministas, como frígidas,
mal-amadas, solteironas e histéricas e remarcando a ideia de que a igualdade de
direitos provocaria a desordem no lar69, ainda em relação ao discurso da “maternidade
virtuosa”, ideologia dominante na Primeira República, restringindo o contributo
feminino à reprodução70.
O tema da igualdade de tratamento e do assédio sexual nas relações de
trabalho, no Brasil, aparece como objeto de preocupação da imprensa operária e de
escritoras, como Patrícia Galvão, a Pagu71, descreve em sua obra como as
trabalhadoras dos anos da década de 1930, enfrentavam, além das dificuldades
relacionadas à jornada e aos salários, os maus-tratos dos superiores e o assédio
sexual, como no seguinte trecho, extraído do romance intitulado “Parque Industrial”,
no qual a personagem Matilda escreve à personagem Otávia:

68 ROCHA, Karine. Op.cit, nota 64, pp. 26-29.


69 Ibidem, pp. 26-29.
70 SIMIONI, Ana Paula C.; NOGUEIRA, Manuela Henrique. Op. cit, nota 55, pp. 34-39.
71 GALVÃO, Patrícia. Parque Industrial. São Paulo: Alternativa, 1933.
42

Tenho que te dar uma noticiazinha má. (...) Acabam de me despedir da


fábrica, sem uma explicação, sem um motivo. Porque me recusei ir ao quarto
do chefe. (...) Quando o gerente me pôs na rua senti todo o alcance da minha
proletarização tantas vezes adiada!

O trecho do livro de Patrícia Galvão, acima transcrito, revela as condições de


precariedade e subordinação a que eram submetidas as mulheres operárias, com
poucos direitos assegurados.
Muitas mulheres, na época, encontravam no magistério a saída para laborar
em condições mais dignas, durante apenas um turno, conseguindo assim conciliar o
trabalho com as tarefas domésticas, havendo o processo de “feminização do
magistério”, vinculado, entre outras razões, à ampliação das oportunidades de
trabalho para os homens.
Sobre a presença das mulheres no magistério, a partir de meados do século
XIX, assim destaca Louro:

Percebida e constituída como frágil, a mulher precisava ser protegida e


controlada. Toda e qualquer atividade fora do espaço doméstico poderia
representar um risco. Mesmo o trabalho das jovens das camadas populares
nas fábricas, no comércio ou nos escritórios era aceito como uma espécie de
fatalidade. Ainda que indispensável para a sobrevivência, o trabalho poderia
ameaçá-las como mulheres, por isso o trabalho deveria ser exercido de modo
a não as afastar da vida familiar, dos deveres domésticos, das alegrias da
maternidade, da pureza do lar. (....) Foi também dentro desse quadro que se
construiu, para a mulher, uma concepção do trabalho fora de casa como
ocupação transitória, a qual deveria ser abandonada sempre que se
impusesse a verdadeira missão feminina de esposa e mãe. (...) Não há
dúvida de que esse caráter provisório ou transitório do trabalho também
acabaria para que seus salários se mantivessem baixos. Afinal o sustento da
família cabia ao homem; o trabalho externo para ele era visto não apenas
como sinal de sua capacidade provedora, mas também como um sinal de sua
masculinidade72.

Nas primeiras décadas do século XX, grande parte do proletariado no Brasil é


constituída de mulheres e de crianças, sendo vários os artigos na imprensa operária
que denunciam a existência de assédio sexual nas relações de trabalho por
contramestres e patrões contra as trabalhadoras.
A par das greves e das mobilizações políticas realizadas contra a exploração
no trabalho entre 1890 a 1930, notadamente nas fábricas, as trabalhadoras eram

72LOURO, Guacira Lopes. História das Mulheres no Brasil. DEL PRIORE, Mary; BASSANEZI, Carla
(Coord.) São Paulo: Contexto, 1997, pp. 443-481.
43

descritas como mocinhas infelizes e frágeis, vulneráveis, portanto, sendo presa fácil
da ambição masculina.
Como a documentação produzida na época, sobre o universo das fábricas era
predominantemente masculina, dispondo-se de poucos documentos escritos pelas
mulheres, pode-se dizer que se lida aqui com a construção masculina da identidade
das trabalhadoras. Sendo assim, não é difícil concluir que falar das trabalhadoras da
época implica retratar um mundo de opressão e exploração, em que as mulheres
operárias aparecem como figuras vitimizadas e sem resistência, passivas, sem rosto
e sem expressão política.
A industrialização brasileira iniciou no nordeste do país, no século XIX,
deslocando-se para o sudeste do país, primeiramente com maior concentração no Rio
de Janeiro e, a partir de 1920, em São Paulo, sendo significativo o número de
mulheres imigrantes, que constituíam mão de obra abundante e barata. Assim, de
modo geral, laboravam nas indústrias de fiação e tecelagem, com escassa
mecanização.
As barreiras enfrentadas pelas mulheres na participação no mundo dos
negócios eram grandes, independentemente da classe social a que pertencessem,
enfrentando obstáculos como a variação salarial, a intimidação física, a
desqualificação intelectual e o assédio sexual, entre outros, nas tentativas de ingresso
em um mundo definido como masculino pelos homens e quando conseguiam vencer
as barreiras, ocupavam, muitas vezes, posições secundárias.
A situação das mulheres em relação ao ingresso no mundo do trabalho, em
funções que não as tidas como “femininas”, somente começou a ser modificada com
o advento da segunda guerra mundial, quando o trabalho das mulheres passou a ser
mais requisitado, diante da ausência de homens disponíveis para o trabalho73.
As mulheres, vistas como mais dóceis e menos politizadas, eram preferidas
pelas indústrias, porque aceitavam ganhar menos que os homens.

73RAGO, Margareth. “Trabalho Feminino e Sexualidade.” História das Mulheres no Brasil. DEL
PRIORE, Mary; BASSANEZI, Carla (Coord.) São Paulo: Contexto, pp. 578-606.
44

Pertencer ao sexo feminino e à classe operária, no início da era industrial no


Brasil, era uma condenação à exploração por quase toda vida, pois excluía as
mulheres do acesso à educação74.
Entre 1917 e 1919, como resposta às pressões do operariado, foram
promulgadas medidas regulamentadoras do trabalho feminino, como a proibição da
jornada noturna; da atividade durante o último mês de gestação e o primeiro mês após
o nascimento. Tais medidas geraram contradições, pois ao proteger as mulheres,
provocaram demissões, dificultando a inserção feminina no mercado de trabalho 75, o
que não estranhável, pois até os dias de hoje, as medidas protetivas em relação ao
trabalho da mulher sofrem a pecha de discriminatórias e impeditivas ao acesso das
mulheres ao mercado de trabalho.
Após o final da Primeira Guerra Mundial, em 1918, o trabalho feminino
encontrou oposição, por diferentes grupos sociais, baseando-se na ideia de que as
mulheres deveriam dedicar-se ao lar e à maternidade, a par das denúncias sobre as
difíceis condições do trabalho feminino, que passou a ser tolerado apenas como uma
fatalidade da pobreza, ocorrendo, entre 1920 e 1940, redução da presença feminina
nas fábricas.
As mulheres, apesar das dificuldades, continuaram no mercado de trabalho.
Com a diminuição dos postos de trabalho femininos nas fábricas, foram ocupados
espaços em empregos menos visíveis e estáveis, como em residências, no trabalho
a domicílio, no comércio e em escritórios, com longas jornadas e baixa remuneração.
As profissões mais prestigiadas e melhor remuneradas exigiam nível
universitário, de difícil acesso às mulheres, pois somente, em 1879, foram autorizadas
legalmente a cursar o nível superior.
Na década de 1930, cresce a interferência estatal no Brasil, culminando na
regulamentação do trabalho mediante a Consolidação das Leis do Trabalho, de 1943,
na qual consta o item “Da proteção ao trabalho da mulher”, ficando estabelecida a
equiparação salarial entre homens e mulheres, entre outras medidas protetivas.

74 SÍMON, Sandra Lia. O Ministério Público do Trabalho e a proteção do trabalho da mulher. Trabalho
de mulher: mitos, riscos e transformações. REIS DE ARAUJO, Adriane; MOURÃO, Tania Fontenelle
(Coord). São Paulo: LTr, 2007, p. 32.
75 MATOS, Maria Izilda; BORELLI, Andrea. “Espaço feminino no mercado produtivo.” PINSKI, Carla

Bassanezi; PEDRO, Joana Maria. Nova História das Mulheres. São Paulo: Contexto, 2012, pp. 126-
147.
45

Somente em 1943, as mulheres conseguiram o direito de laborar sem a


autorização do cônjuge, ressaltando que, apenas em 1963, foi retirado do Código Civil
Brasileiro o direito do marido de impedir o labor da esposa fora do lar76.
No período da chamada Era Vargas, a legislação trabalhista sofreu muitas
mudanças, com a criação da Justiça do Trabalho em 1939 e a promulgação da
Consolidação das Leis do Trabalho, em 1943.
Ilustrando o ideário masculino sobre as mulheres, no início da década de 1940,
Mário Lago e Ataulfo Alves compuseram a canção “Ai, que saudades da Amélia”,
tocada até hoje. Amélia entrou para o imaginário brasileiro como uma mulher
submissa, sendo o sonho de muitos homens ter uma mulher-amélia. A letra dizia
assim:

Nunca vi fazer tanta exigência, nem fazer o que você me faz. Você não sabe
o que é consciência, não vê que eu sou um pobre rapaz. Você só pensa em
luxo e riqueza. Tudo o que você vê você quer. Ai, meu Deus que saudade da
Amélia. Aquilo sim é que era mulher. Às vezes passava fome ao meu lado. E
achava bonito não ter o que comer. Quando me via contrariado, dizia: “Meu
filho, o que se há de fazer! Amélia não tinha a menor vaidade. Amélia é que
era mulher de verdade77.

No entanto, a Amélia que inspirou a canção era uma pessoa real, Amélia
Ferreira, ex-lavadeira da cantora Aracy de Almeida e sustentava sozinha oito filhos,
com muito trabalho78.
Durante a segunda guerra mundial, conforme Pamplona Filho79, incrementou-
se a utilização da mão de obra feminina em substituição à mão de obra masculina.
Passada a guerra, o aproveitamento das mulheres na indústria europeia,
americana e brasileira foi irreversível, embora fossem vistas agora como concorrentes
indesejadas pelos homens.
Entre os anos 1940 e 1960, houve movimentos de mulheres de conotação de
“esquerda”, buscando mobilizar as mulheres para lutar por uma sociedade mais justa
diante dos desequilíbrios estruturais sociais brasileiros, de forma crítica ao sistema
capitalista, sem muito sucesso, contudo, pois muitos eram vinculados ao Partido

76 Ibidem, pp. 126-147.


77 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=XDtAUiTRzac>. Acesso em: 10 jun. 2015.
78Disponível em: <https://mulherencantadas.wordpress.com/2011/10/17/amelia-a-mulher-de-
verdade/>. Acesso em: 15 jun. 2015.
79 PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op. cit, nota 34, pp. 380/381.
46

Comunista Brasileiro e acreditava-se que a luta das mulheres era secundária, pois
com o advento do comunismo, a opressão das mulheres seria eliminada, pois
resultante unicamente das condições existentes na sociedade capitalista.
Assim relata Soihet:

Como pessoas de sua época, as militantes dos movimentos de mulheres de


até meados do século XX lutaram por aquilo que acreditavam, tornaria a
situação das mulheres menos desigual em relação à dos homens e com isso,
conseguiram reduzir parte do fosso que as distanciava da cidadania plena.
Mesmo que hoje suas posturas possam ser alvo de críticas, o que fizeram já
foi um grande avanço: as mulheres passaram a ser pensadas - para além dos
papéis familiares - como pessoas com capacidades profissionais, intelectuais
e mesmo com possibilidade de eleger representantes e de ocupar elas
mesmas, cargos públicos. Como previam acertadamente os opositores
desses movimentos, as mulheres brasileiras jamais seriam as mesmas80.

O processo acelerado de urbanização, iniciado em 1960 e intensificado a partir


de 1970, aumentou a visibilidade das mulheres nos espaços públicos, estando
presentes, por exemplo, na Marcha pela Família com Deus pela Liberdade, de direita,
ocorrida antes do Golpe Militar e na Passeata dos Cem mil em 1968, de oposição ao
governo, participando ademais em diversas marchas e reivindicações, criando
associações e grupos, participando ativamente da vida sindical. Grupos influenciados
pela Guerra do Vietnã e pelas guerras de libertação colonial, tornando-se vítimas da
repressão ditatorial na América Latina. O medo substituiu a vivacidade dos
movimentos libertários do final da década de 1960, dando lugar ao recrudescimento
da moral cristã, a ponto de pílulas anticoncepcionais, caso encontradas na bolsa de
uma moça, fossem apresentadas como provas incriminadoras. O evento realizado
pela União Nacional dos Estudantes, em Ibiúna, em 1968, findou com a prisão de mais
de mil estudantes e destes 157 eram mulheres. Mesmo sem levantar bandeiras
feministas e, muitas vezes, enfrentando o machismo de seus companheiros de luta,
as mulheres foram ativas nas organizações armadas contra a ditadura militar, não
apenas participando das ações de guerrilha, mas adotando comportamentos
libertários e ao serem presas pelo Estado sofriam feministas, do movimento negro e
militantes dos movimentos de LGBT foram toda sorte de abusos e humilhações.
Muitas militantes foram exiladas, concentrando-se em Paris, após o recrudescimento

80SOIHET, Raquel. “A conquista do espaço público”. Nova História das Mulheres. PINSKI, Carla
Bassanezi; PEDRO, Joana Maria (Coord.). São Paulo: Contexto, 2012, pp. 218-237.
47

das ditaduras na América Latina. Em Paris, contataram grupos feministas e obtiveram


formação teórica, insurgindo-se contra a naturalização do trabalho doméstico como
algo próprio da mulher. Contudo, viver sob uma ditadura acarretou muita diferença no
feminismo no Brasil, pois aqui, além do patriarcado, as feministas assumiram outras
lutas81.
Enquanto muitas mulheres viviam as experiências do exílio, no Brasil, o
movimento feminista concentrava-se, dadas as desigualdades sociais, nos centros
urbanos, em especial em São Paulo e no Rio de Janeiro e nas classes médias,
comprometido com a luta pelas liberdades democráticas e com a campanha pela
anistia, desde 1975, ano que marcou o início da Década da Mulher, da ONU82, com a
definição de Ano Internacional da Mulher.
O ano de 1975 é considerado como o marco inicial do que se costuma chamar
de “segunda onda do movimento feminista”, no Brasil, ressaltando que conforme a
tipologia anglo-saxã, ao longo da história, três “ondas” do movimento feminista podem
ser identificadas, o que será visto de forma mais aprofundada, mais adiante.
No Brasil, a segunda “onda” do movimento feminista provocou o surgimento do
protagonismo feminino nos espaços públicos, incluindo na agenda direitos e
comportamentos individuais. O grito de “guerra” deste movimento feminino e feminista
era “nosso corpo nos pertence”, com questionamentos acerca dos comportamentos,
da heterossexualidade como norma, os padrões estéticos, o aborto e a contracepção,
denunciando a violência contra a mulher, chegando a influenciar no julgamento de
casos como o de Ângela Diniz, em 197683, vítima de homicídio por seu companheiro.
A frase proferida pelo réu, após sua absolvição, no primeiro julgamento “matei por

81 PEDRO, Joana Maria. Corpo, Prazer e Trabalho. Nova História das Mulheres no Brasil. PINSKI, Carla
Bassanezi; PEDRO, Joana Maria (Coord.) São Paulo: Contexto, 2012, pp. 238-259.
82 Cf. MORAES, Maria Lygia Quartin de. Militância Libertária. Revista de História da Biblioteca Nacional.

Ano 10, n.113 - fevereiro de 2015, pp.16-18.


83 No caso de Ângela Diniz, primeiramente absolvido pelo júri, posteriormente tal julgamento revisado,

a pedido do promotor do caso e o réu foi condenado, o que foi considerado como uma vitória
emblemática das mulheres em relação aos “crimes de honra”, remarcando a ideia de que a honra de
uma mulher é pessoal e exclusiva, não atingindo a esfera pessoal de seu namorado, companheiro ou
marido. Conforme PEDRO, Joana Maria. Meu corpo, minhas regras. Revista de História da Biblioteca
Nacional ano 10 n.113-fevereiro de 2015, pp. 30-33.
48

amor”, desencadeou uma campanha capitaneada pelas feministas, com o slogan


“quem ama não mata”, com grande adesão popular84.
No ano de 1980, feministas de várias tendências organizaram um encontro na
cidade de Valinhos, em São Paulo, que constituiu um momento de inflexão no
movimento feminista brasileiro, devido à ênfase dada nas questões ligadas à
sexualidade, o que levou à criação do primeiro SOS Mulher, entidade que aceitava
denúncias ligadas à violência contra a mulher, na cidade de São Paulo85.
Para Giulani86, as aspirações à cidadania no mundo do trabalho, as que
objetivam proporcionar iguais oportunidades entre homens e mulheres, passam por
um demorado silêncio, interrompido entre 1979 e 1985. A autora aponta que na
primeira metade dos anos 80, há uma confluência entre propostas de renovação da
cultura sindical e dos movimentos populares, ocorrendo uma união entre grupos de
mulheres trabalhadoras, grupos feministas, algumas organizações sindicais, partidos
e alguns setores atuantes nas instituições de administração do Estado e vários desses
grupos chegam à necessidade de repensar a divisão sexual do trabalho. Grupos de
mulheres conseguem criar um novo estilo de reflexão, de mobilização e de debate
frente aos tradicionais parâmetros da cultura sindical, conseguindo também penetrar
aos poucos nos vértices das estruturas de representação, nas diretorias das
organizações sindicais, partidos políticos, associações e comitês. As trabalhadoras
urbanas e as rurais introduzem, em sua participação política, temas de reflexão sobre
o cotidiano doméstico e o do trabalho, como ponto de partida para a revisão da divisão
sexual no trabalho e também a relação de poder na representação sindical, não sem
resistência. Ressalta-se que, desde o fim dos anos 70, os movimentos de
trabalhadoras estão interpelando a sociedade, formulando princípios sociais e
jurídicos sobre a igualdade de gêneros.
O feminismo entre as mulheres rurais incrementou-se com a luta dos
trabalhadores sem-terra, ativo no Brasil e que ganhou projeção internacional diante
do assassinato, em 1988, do ambientalista Chico Mendes87.

84 LAGE, Lana. NADER, Maria Beatriz. “Da legitimação à condenação social”. Nova História das
Mulheres. PINSKI, Carla Bassanezi; PEDRO, Joana Maria (Coord.). São Paulo: Contexto, 2012, pp.
286-312.
85 Conforme MORAES, Maria Lygia Quartin de. Op.cit, nota 82, pp. 16-18.
86 GIULANI, Paola Cappelini. Op.cit, nota 63, pp. 658-660
87 MORAES, Maria Lygia Quartin de. Op.cit, nota 82, pp 16-18.
49

Com o processo de redemocratização do país, as feministas conquistaram mais


avanços, cabendo destacar o papel das próprias militantes engajadas na luta contra
a ditadura, como Dilma Vana Roussef e Eleonora Menicucci, representantes de um
comportamento transgressivo e a experiência das exiladas como Annete Goldemberg
e Ângela Arruda, entre outras.
A redemocratização abriu espaço para novas militâncias, com campanhas
nacionais diante de assassinatos de mulheres (o feminicídio), o sexismo, imperante
inclusive nos livros escolares e a impunidade do assédio sexual nas diversas relações.
Houve incremento da participação das mulheres nos órgãos políticos, bem
como importantes conquistas na CF de 1988 em relação aos vínculos familiares e aos
direitos das mulheres.
Entretanto, as conquistas legais não se mostram suficientes para elidir os
preconceitos que persistem, justificando a importância do feminismo na atualidade e
muitas são as questões pendentes, como por exemplo a questão do aborto.88.
No Brasil, somente após a promulgação da CF de 1988, várias leis
discriminatórias em relação à mulher perderam a validade, situação consolidada com
o novo Código Civil de 2002. A igualdade entre os sexos está consagrada hoje, ao
menos de modo formal, no artigo 5º, I, da CF de 1988, segundo o qual “homens e
mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.”.
O reconhecimento jurídico da imperatividade do tratamento isonômico não é
suficiente para a garantia substantiva, na prática do exercício responsável da
liberdade sexual e a agressividade com que as condutas de natureza sexual são
praticadas na sociedade moderna gera novos enfoques de discussão sobre os limites
de comportamento aceitáveis.
A conquista do reconhecimento jurídico da liberdade sexual acarretou a
convivência de homens e mulheres com nova onda de problemas, antes não
encarados de forma séria, entre os quais se elenca o assédio sexual nas relações de
trabalho. Conforme Símon:
A violência em todos os seus aspectos – sexual, psicológica ou física, exercida
contra a mulher ainda é o problema mais premente a ser enfrentado neste
século XXI. O fato é tão notório que o assunto vem sendo tratado como
destaque por doutrinadores e diversas são as discussões envolvendo os temas
“assédio moral” e “assédio sexual”. A reflexão sobre estas práticas, antes vistas
como comuns e inofensivas, levanta o véu do silêncio e da normalidade e, hoje,

88 Ibidem, pp. 16-18.


50

são passíveis de punição. Sem mencionar, ainda, a delicada questão da


violência doméstica, tratada como tema de Estado, em algumas localidades
desenvolvidas, com a adoção de políticas públicas para sua total erradicação,
como ocorre na Espanha. Ademais a punição buscada não mais alcança a
mera indenização por danos morais, mas também a esfera criminal. Na
atualidade é possível afirmar que a questão da discriminação da mulher em
razão do gênero, como se diz modernamente, acentuando-se o aspecto
“poder” nas relações homem-mulher, apresenta três esferas de incidência:- na
exploração sexual; - na violência doméstica e; - no mercado de trabalho89.
Em muitos locais de trabalho, o assédio sexual é considerado comum,
naturalizado e previsível, diante da vulnerabilidade econômica e social da mulher em
tais situações.
Fala-se aqui da categoria profissional das secretárias, apresentadas no
imaginário popular como atraentes e disponíveis para o sexo e também da categoria
das empregadas domésticas, que apenas, recentemente, obtiveram mais direitos,
mas ainda não foram equiparadas aos demais trabalhadores.
Entre as atrizes, principalmente as que estão em início de carreira, fala-se do
teste do sofá, existente em uma famosa emissora do país, ou seja, para conseguir
lugar em produções televisivas, as candidatas a papéis eram submetidas ao tal teste,
significando que deveriam atender desejos sexuais da pessoa encarregada de
escolher o elenco.
Uma pesquisa realizada pelo Cadastro Central de Empresas (CEMPRE)
apresenta, pela primeira vez, informações referentes ao sexo e ao nível de
escolaridade das pessoas assalariadas, nos seguintes termos:

Em 2009, as 4,8 milhões de empresas e outras organizações integrantes do


CEMPRE reuniam 40,2 milhões de assalariados, sendo que 23,4 milhões
eram homens (58,1% do total) e 33,6 milhões não tinham nível superior
(83,5% do total). Embora houvesse diferenças salariais significativas entre
homens e mulheres - eles ganhavam 24,1% a mais -, a desigualdade era
maior entre os trabalhadores com e sem nível superior: aqueles que
concluíram faculdade recebiam um salário 225% maior. Os homens eram
maioria em 15 das 20 atividades econômicas. As microempresas tinham a
maior proporção de mulheres (45,1%) e a menor de assalariados com nível
superior (4,7%). As grandes empresas empregavam 57,7% dos assalariados
com nível superior e um em cada cinco desses trabalhava na indústria de
transformação90.

89 SÍMON, Sandra Lia. Op.cit, nota 74, pp. 33-34.


90 Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/>. Acesso em: 10 jun. 2015.
51

Segundo dados da avaliação mais recente do Instituto Brasileiro de Geografia


e Estatística (IBGE)91 - relativos a 2008 - há, efetivamente, maior participação das
mulheres brasileiras no cotidiano profissional.
No momento atual, é correto afirmar que há mais mulheres empregadas, o que
não surpreende devido ao aumento das famílias chefiadas por mulheres. O censo do
IBGE92 de 2009, que incluiu dados sobre gênero e escolaridade, aponta para o
aumento de mulheres empregadas, perfazendo o total de 35,5% enquanto os homens
alcançam o índice de 64,5%. A pesquisa também aponta que os homens ganham em
média 24,1% a mais que as mulheres e que assalariados com curso superior recebem
até 225% a mais do que assalariados que não concluíram a faculdade, na média
nacional.
No Rio Grande do Sul, apenas 6,7% do pessoal ocupado tem nível superior,
enquanto a média no país é de 9,3%.
A valorização do trabalho feminino é questão a ser resolvida nas agendas
brasileiras, notadamente diante da dupla jornada cumprida pelas mulheres que a par
do trabalho, ainda são as maiores responsáveis pelas tarefas domésticas e de
organização da casa e pelos cuidados com os filhos.
A maior presença de mulheres no mercado de trabalho também não apresenta
reflexos nas decisões efetivas nem significa aumento de forma proporcional nos
cargos de mando existentes nas instituições.
Exemplificativamente, nos maiores tribunais brasileiros, como o Supremo
Tribunal Federal (STF), o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e o Tribunal Superior do
Trabalho (TST), a proporção de mulheres em cargos de direção é pequena.
De forma comparativa, o STF93 tem previsão para onze ministros e conta com
a presença de duas ministras, uma das quais está atualmente na vice-presidência.
O STJ tem previsão para 33 ministros e atualmente conta com seis ministras,
uma das quais está atualmente na vice-presidência mais uma desembargadora
convocada.
O TST tem 27 ministros e conta com seis ministras, nenhuma, atualmente,
atuando nos cargos de direção ali existentes.

91 Ibidem.
92 Ibidem.
93 Disponível em: <http://www.stf.jus.br/>. Acesso em: 15 jun. 2015.
52

A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), maior entidade


de classe da indústria brasileira, reunindo 131 sindicatos patronais e representando,
aproximadamente, 150 mil indústrias de diversos portes e cadeias produtivas, há
apenas uma mulher na diretoria94.
No Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), órgão que
congrega perto de 421 mil advogados e dos quais 44,5% são mulheres, há apenas
cinco mulheres no Conselho Federal e nenhuma na Diretoria da entidade de classe.
E apesar do avanço legislativo representado pela previsão de cota de 30% para
candidatas mulheres, prevista na Lei nº 9.504/1997, conforme a Radiografia do Novo
Congresso, relativa à Legislatura 2015-2019, realizada pelo DIAP, o aumento do
número de mulheres na Câmara e no Senado é lento. Hoje são 51 deputadas
enquanto na legislatura anterior eram 45 e no Senado há hoje 13 mulheres, superando
o número de eleitas na legislatura anterior (12).95
Cabe verificar que as próprias mulheres hesitam em ocupar os espaços
oferecidos, o que acarreta dificuldades para os partidos políticos quanto ao
preenchimento da cota para as mulheres ou se o funil está nos partidos, controlados
por homens, que resistem na abertura de espaços para mulheres.
Não se olvida aqui a vitória de Dilma Vana Roussef para Presidente do Brasil,
que tomou posse no dia 01 de janeiro de 2010, reeleita em 2014, sendo a décima
primeira mulher chefe de governo, com elevação do número de mulheres Ministras.
A existência de uma mulher na Presidência do país, ocupando espaço público
importante e a presença de lideranças femininas nos Três Poderes são avanços que
devem ser remarcados e comemorados, embora muito ainda exista a ser feito,
passados quarenta anos do denominado “Ano Internacional da Mulher”.
No “The Global Gender Gap Report 2014”96, o Brasil alcançou a 71. Posição no
ranking global.

94 Disponível em: <http://www.fiesp.com.br/fiesp/diretoria-eleita.aspx>. Acesso em: 15 jun.2015.


95 Disponível em: <http://www.diap.org.br/>. Acesso em: 15 jun. 2015. Ali é referido que “Apesar da
mudança na legislação eleitoral, que assegura a presença de pelo menos 30% de mulheres nas listas
eleitorais dos partidos, a representação feminina na Câmara, com apenas 51 das 513 cadeiras, está
muito aquém da importância da mulher na sociedade. Mesmo tendo crescido em relação à eleição de
2010, quando foram eleitas 45, a grande verdade é que os partidos não priorizam as campanhas
femininas, apenas cumprem a cota exigida na lei. Enquanto não houver uma reforma política que feche
a lista e garanta a alternância de sexo, as mulheres continuarão sub-representadas no Parlamento”.
96 Disponível em: <http://www3.weforum.org/docs/GGGR14/GGGR_CompleteReport_2014.pdf>.
Acesso em; 15 jun. 2015. Conforme consta no relatório: “By far the most populous country of Latin
America and with the argest GDP, Brazil comes in at 71st, having closed just below 70% of its gender
53

Segundo pesquisa coordenada pelo Instituto ETHOS, as mulheres


representam 43,6% da população economicamente ativa, mas estão apenas em
13,7% dos cargos de liderança nas quinhentas maiores empresas de Brasil e 86%
das mulheres, segundo dados do IBGE de 201097, ainda são responsáveis pelo
trabalho doméstico98.
Das brasileiras de destaque, pode-se dizer que são poucas e quase todas
brancas.
Se uma mulher branca já sofre o peso da discriminação, as mulheres negras
ficam ainda em pior situação, pois foram discriminadas desde que chegaram ao Brasil
como escravas e sofrem as discriminações superpostas de que fala Herrera Flores.
Como visto, embora numericamente o número de mulheres se equipare ou até
mesmo supere eventualmente o número de homens, há desigualdades evidentes
entre ambos os sexos no Brasil99.
O panorama exposto demonstra a existência atual de desigualdades em
relação às mulheres brasileiras, ressaltando, devido à diversidade existente, a
existência das “overlapping opressions” ( na linha de Glória Anzaldua, Iris Marion
Young e Maria Lugones, entre outras), discriminações sobrepostas, que não são
universais e homogêneas, manifestadas como desigualdades variáveis contínuas, de
categoria quantitativa e transversal, sendo insuficientes as concepções clássicas de
desigualdade de gênero, para explicar a realidade, como aponta com propriedade
Herrera Flores:

gap. A slight decline in the wage equality for similar work and estimated earned income is off set by an
increase in the years with a female head of state since Dilma Rousseff is now in her fourth year of her
presidency. Brazil is 6% closer to closure of the gender gap overall since 2006. In the 2006-2014 period,
it recorded the greatest improvement in the region in terms of primary education enrolment.
97 Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/>. Acesso em: 15 jun.2015.
98 Ibidem.
99Nas palavras de Caplan: O discurso moderno da igualdade formal levou a grandes e, em nome da

ausência de discriminação, a outro tipo de exclusão: a decorrente da desconsideração das


características que levam às construções e identidades. No atual momento de globalização do processo
de acumulação financeira do capital, faz-se necessária a construção de um conceito de igualdade
material que seja funcional aos processos de luta por dignidade humana, ou seja, pelo empoderamento
dos seres humanos de forma a que lhe sejam asseguradas condições materiais e imateriais para que
desenvolvam atitudes e aptidões. (...) Deve o direito, assim, buscar novos rumos de atuação, a fim de
esquivar-se de cumprir função de reprodução da razão econômica neoliberal cínica, trilhando caminhos
emancipatórios e de humanismo concreto. (...) CAPLAN, Luciana. O Direito Humano à Igualdade, o
Direito do Trabalho e o Princípio da Igualdade. Direitos Humanos e Direito do Trabalho. PIOVESAN,
Flavia; VAZ DE CARVALHO, Luciana Paula (Coord.). São Paulo: Atlas S A, 2010, pp. 115/130, em
especial a p. 130.
54

Para explicar esto más graficamente, debemos introducir um elemento nuevo


a la denuncia de la falta de “habitacion própria”. Esto elemento es de las
diferentes “dimensiones superpuestas de opressión” (overlapping
opressions) que sufren “diferencialmente” las mujeres em función de sua
situacioón, posición y jerarquización subordinada em el marco de los
processos de divisão social/sexual/racial del trabajo. Es decir, hablamos de
la necesidad de concretar el término desigualdade em función de tal
“superposición de opresiones”, la qual hace inconcebible que se pueda hablar
e uma desigualdade universal y homogénea: 1. La desigualdade es uma
variable continua (dinámica, cambiante, heterogénea) y no discreta (estática,
cerrada, homogénea). Esto quiere decir, que la desigualdadse despliega em
um “continuo” que va de um extremo a outro dele espectro social em que se
sitúan los diferentes colectivos de mujeres, todo ello em función de la mayor
o mnor intensidade de opresión e subordinación. 2. La desiguald es uma
categoria cuantitativa (se concreta em una mayor o menor “cantidad” de
obstáculos em el acceso a bienes) y no meramente cualitativa (refiriéndonos
a uma espécie de atributo abstracto que padecen por igual todas las mujeres
sin distincíon). En este sentido, cuando las feministas clássicas hablan de
desigualdade, la equiparan a uma cualidad y suponen que todas las mujeres,
por el hecho de serlo sufren la miesma desigualdade. De esta forma similan
em uma misma dimensión las distintas opresiones ejercidas sobre las
mujeres de diferentes colectivos. Esta perspectiva está sesgada puesto que
no tiene em cuenta la diversidade de contextos y situaciones que intensificn
la opresión de los colectivos mas desfavorecidos. 3. La igualdad es uma
variable transversal, ya que, primero afecta homogeneamente a todos los
estratos sociales en que las mujeres y el resto de colectivos subordinadospor
la división social/sexual/racial del trabajo, se sitúan. Pero, asimismo, afecta
diferencialmente a los diferentes colectivos, pues se va haciendo más intensa
a medida que se descende em la pirâmide social100.

Tratar de igualdade significa tratar de direitos humanos. Assim, com base na


lição de Herrera Flores101, a única definição defensável é aquela que vê os direitos
como sistema de objetos, entendidos como valores, normas e instituições e de ações,
entendidas como práticas sociais, institucionais ou não, que abram e consolidem
espaços de luta pela dignidade humana. Na sua concepção, a maior violação dos
direitos humanos consiste em proibir ou impedir que indivíduos, grupos ou culturas
possam expressar e lutar por sua dignidade.
É importante lembrar que a CF de 1988 erige, no seu artigo 1º, III, a dignidade
da pessoa humana, como princípio fundamental da república.
Para Herrera Flores102, a realidade dos direitos humanos em um mundo plural
e diversificado cultural e ideologicamente, deve ser examinada em função do critério
de valor da riqueza humana, com o qual pode-se hierarquizar não os direitos, mesmo

100 HERRERA FLORES, Joaquín. De habitaciones próprias y otros espacios negados (Uma teoria
crítica de las opressiones patriarcales). Bilbao: Universidad de Deusto, 2005 p. 18.
101 Idem. El Vuelo de Anteo. Derechos Humanos y Critica de la Razón Liberal. Madrid: Desclée de

Bouwer, 2000, pp. 264/265.


102 Ibidem, p. 264.
55

porque possuem todos, a mesma importância. Mas sim, a prioridade de sua


satisfação, destacando de modo mais justo o conjunto de políticas sociais,
econômicas ou culturais relacionadas aos direitos.
No início do século XXI, a sociedade civil brasileira está atenta. As feministas
de hoje ainda reivindicam o direito ao corpo e denunciam de forma sistemática a
violência de cunho sexual, bem como as acusações de que a provocam com o
vestuário e o comportamento, utilizando a internet, realizando performances e
aprendendo diferentes formas de defesa pessoal103.
Recentemente, como dito no capítulo anterior, também no Brasil, existiram
manifestações acerca das colocações do oficial de polícia Michael Sanguinetti, em
2011, sobre a maneira de se vestir das mulheres para evitar ataques sexuais. O
movimento denominado “Slutwalks” tomou o nome no Brasil de “marcha das
vagabundas”, com milhares de adeptos e adeptas. É de grande valia transcrever
trechos do manifesto da “marcha das vadias”, realizada na capital do Brasil, em 2012,
visto que expõe várias inconformidades das mulheres brasileiras nos dias atuais:

Carta Manifesto da Marcha das Vadias/DF 2012. Por que marchamos? Em


2011, fomos duas mil pessoas marchando por uma sociedade sem violência
contra a mulher. No DF, marchamos porque houve cerca de 684 inquéritos
policiais em crimes de estupro - uma média de duas mulheres violentadas por
dia -, e sabemos que ainda há várias mulheres e meninas abusadas cujos
casos desconhecemos. (...) Marchamos porque o Brasil ocupa,
vergonhosamente, o 7 º lugar em homicídio de mulheres e porque, a cada 15
segundos lendo este Manifesto, uma mulher é agredida em algum canto do
país. (...) Continuaremos marchando porque mulheres ainda são minoria em
cargos de poder e recebem em média 70% do salário dos homens.
Continuaremos marchando porque há trabalhos desempenhados por uma
maioria feminina que não são reconhecidos, nem dotados de valor
econômico, porque as trabalhadoras domésticas são invisibilizadas,
exploradas, discriminadas e não têm assegurados alguns dos direitos
fundamentais mais básicos do trabalho. (...) Marchamos contra o racismo
porque durante séculos nós, mulheres negras, fomos estupradas e, hoje,
empregadas domésticas são violentadas, assim como eram as mucamas.
Marchamos pelas crianças negras que são hostilizadas pela cor de sua pele,
por seus cabelos crespos e são levadas a negar suas identidades negras
desde a infância, impelidas a aderir ao padrão de beleza racista vigente. (...)
Marchamos também porque nós, mulheres indígenas, lideramos os índices
de mortalidade materna e há mais de quinhentos anos sofremos agressões e
estupros como arma do genocídio social e cultural de nossos povos.
Marchamos porque mulheres e meninas indígenas têm suas necessidades
específicas ignoradas pelo governo, que negligencia o fato inaceitável de que,
no mundo, uma em cada três indígenas é estuprada durante a vida e que, no
Brasil, muitas mulheres e meninas indígenas são levadas à prostituição e ao
trabalho escravo pela condição de extrema pobreza em que vivem. (...) Mas,

103 PEDRO, Joana Maria. Op.cit, nota 81, pp. 30-33.


56

hoje, marchamos mais uma vez para dizer que não aceitaremos que palavras
e ações sejam utilizadas para nos agredir. Nenhuma palavra mais vai nos
parar, impedir, restringir ou dividir, pois os direitos das mulheres são de todas.
Enquanto, na nossa sociedade machista, algumas forem invadidas e
humilhadas por serem consideradas vadias, TODAS NÓS SOMOS VADIAS.
E somos todas santas, e somos todas fortes, e somos todas livres para ser o
que quisermos! Somos livres de rótulos, de estereótipos e de qualquer
tentativa de opressão masculina à nossa vida, à nossa sexualidade e aos
nossos corpos. (...) Negras, brancas, indígenas, estudantes, trabalhadoras,
prostitutas, camponesas, transgêneras, mães, filhas, avós. Somos de nós
mesmas, somos todas mulheres, somos todas vadias!104

Os trechos, extraídos do manifesto das mulheres de Brasília e a própria


“marcha das vadias”, retratam interessante reação ao patriarcalismo ainda vigente em
nossa sociedade, por elencar vários temas tratados no presente trabalho, tendo um
cunho transgressor, de ocupação de espaços públicos e de reação cultural, estando
de acordo com os ensinamentos de Herrera Flores.
Importante citar, novamente, o Manifesto Inflexivo105, e os dez pontos
elencados para pôr em marcha a capacidade de rebeldia, a possibilidade de
resistência e a potencialidade do alternativo, a saber: irromper intempestivamente no
real; tratar as causas como causas; fazer a história criando um imaginário social
instituinte; recuperar a força do normativo, combater a coisificação do mundo;
entender que não está no entorno, mas que se é o entorno, propor intempestivamente
seis pautas para a contramodernização inflexiva e três denúncias e três leis culturais
-inflexivas, fazer coincidir a teoria e a prática, assumindo os riscos do compromisso
com a própria verdade pessoal, a luta contra o patriarcalismo e liberar a vida, liberando
o desejo.
Conquistas legislativas mais recentes, como a Lei n. 11.340, de 07.08.2006 e
a Lei n. 13.104, de 09.03.2015106, resultado de movimentos das mulheres e
promulgadas no Governo de Dilma Vana Roussef, constituíram avanços na luta pela
igualdade e já produzem resultados, embora muito ainda exista por fazer. As mulheres
e os homens estão mais conscientes dos direitos das mulheres embora ainda
persistam muitas desigualdades, decorrente do sistema capitalista e patriarcal
vigente.

104 Disponível em: <http://marchadasvadiasdf.wordpress.com/manifesto-2012-por-que-marchamos/>.


Acesso em: 20 jun. 2015.
105 HERRERA FLORES, Joaquín. Op.cit nota 3, pp. 188/202.
106 As Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio, são importantes passos na defesa da integridade

física das mulheres. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/. Acesso em: 20 jun. 2015.
57

Feitas essas breves considerações sobre a história das mulheres no Brasil, na


luta pela igualdade, que revelam que há sensibilização e mobilização na sociedade
atual, em relação aos direitos das mulheres, estudar-se-á, de modo mais aprofundado,
as teorias feministas e o patriarcalismo.

1.3 As teorias feministas e o Patriarcalismo

Anteriormente, foram abordados alguns aspectos da história das mulheres,


notadamente quanto às lutas pela igualdade real. Aqui, serão discutidas as teorias
feministas na luta das mulheres pela igualdade real e pela dignidade humana o
patriarcalismo.
Como visto anteriormente, o feminismo costuma ser dividido em três grandes
etapas: a primeira etapa é o denominado feminismo iluminista, ressaltando que
embora as ideias feministas estivessem presentes ao longo da história da
humanidade, é durante o iluminismo que se desenvolve uma teoria crítica, hábil a
questionar o discurso dominante sobre a condição feminina, em especial quanto à
igualdade na inteligência e à reivindicação da educação. O feminismo iluminista vai
desde as origens da humanidade até a Revolução Francesa.
A segunda etapa do feminismo é o feminismo liberal sufragista, que vai desde
o Manifesto de Seneca Falls, redigido por Elisabeth Cady Stanton, até o final da
Segunda Guerra Mundial, agregando à luta pela educação, a luta pelo sufrágio e pelo
acesso aos níveis educativos, profissionais e de voto.
A terceira etapa é o denominado feminismo contemporâneo, iniciado em 1968
e que segue em vigor até hoje, iniciando como uma luta pelos direitos civis para
centrar-se nos direitos reprodutivos, de paridade política e no papel das mulheres em
relação à globalização107, e que abrange vários movimentos feministas, na atualidade.
Dentro dos movimentos feministas atuais está o ecofeminismo, defendido
principalmente pela autora feminista indiana Vandana Shiva, originado de diversos
movimentos de mulheres e que denuncia a exploração das mulheres e da natureza
pelo capitalismo, defendendo a “democracia da terra”. Vandana Shiva utiliza o termo

107 GARRACHÓN, Rosa Escapa. Ten, Luz Martinéz. Op.cit, nota 19, p. 47.
58

“mau-desenvolvimento” para explicar um modo de desenvolvimento masculino ou


patriarcal que confina as mulheres à passividade, conforme explica:

Adotei o termo “mau-desenvolvimento” para indicar um desenvolvimento


disforme, um mau-funcionamento do sistema, e para traçar seus vínculos com
uma abordagem patriarcal, que combina a dominação sobre as mulheres à do
capital sobre a natureza e sobre os indivíduos. O “mau-desenvolvimento”
confina as mulheres na passividade, sobretudo, tratando a sua consciência
como se ela não existisse. Nos últimos 35 anos, trabalhei com muitíssimas
mulheres e sempre estou mais convencida de que são elas as “verdadeiras
especialistas”, as únicas capazes de conhecer o funcionamento de um sistema
e os modos para protegê-lo, e que o mundo é, em grande parte, “produzido”
pelas mulheres. Porém, o sistema de pensamento reducionista e a organização
econômica capitalista excluíram ou subestimaram as contribuições das
mulheres, induzindo-as a acreditar que o trabalho, fundamental, de “manter a
vida” não é um verdadeiro trabalho, porque não é produtivo. Segundo esse
sistema de pensamento, de fato, uma mulher que mantém a própria família não
produz nada, e uma comunidade que satisfaz todas as próprias necessidades
alimentares, mas não vende ou não compra alimentos não produz comida e
não contribui com o “crescimento” e com o “desenvolvimento”. A adoção desse
critério de medida levou ao “mau-desenvolvimento” e, com isso, à destruição
da natureza, à exploração do “capital natural” e, junto com a negação das
necessidades fundamentais, ao crescimento da pobreza 108.
Nas palavras de Angelin109:

Tanto o meio ambiente como as mulheres são vistos pelo capitalismo patriarcal
como “coisa útil”, que devem ser submetidos às supostas necessidades
humanas, seja como objeto de consumo, como meio de produção ou
exploração. Além disso, o capitalismo patriarcal apresenta uma intolerância
diante de outras espécies, seres humanos ou culturas que julga subalternas ao
seu poder, buscando, assim, dominá-las. Neste contexto estão inseridos tanto
o meio ambiente quanto as mulheres. O ecofeminismo pode ser dividido em
três tendências: a) Ecofeminismo clássico. Nesta tendência o feminismo
denuncia a naturalização da mulher como um dos mecanismos de legitimação
do patriarcado. Segundo o ecofeminismo clássico, a obsessão dos homens
pelo poder tem levado o mundo a guerras suicidas, ao envenenamento e à
destruição do planeta. Neste contexto, a ética feminina de proteção dos seres
vivos se opõe à essência agressiva masculina, e é fundamentada através das
características femininas igualitárias e por atitudes maternais que acabam pré-
dispondo as mulheres ao pacifismo e à conservação da natureza, enquanto os
homens seriam naturalmente predispostos à competição e à destruição;
b) Ecofeminismo espiritualista do Terceiro Mundo. Teve origem nos países do
Sul, tendo a influência dos princípios religiosos de Gandhi, na Ásia, e da
Teologia da Libertação, na América Latina. Esta tendência afirma que o
desenvolvimento da sociedade gera um processo de violência contra a mulher
e o meio ambiente, tendo suas raízes nas concepções patriarcais de
dominação e centralização do poder. Caracteriza-se também pela postura
crítica contra a dominação, pela luta antisexista, antiracista, antielitista e anti-
antropocêntrica. Além disso, atribui ao princípio da cosmologia a tendência
protetora das mulheres para com a natureza; c) Ecofeminismo construtivista.

108Em http://www.ecodebate.com.br/2009/01/23/do-lado-dos-ultimos-entrevista-com-vandana-shiva/.
Acesso em 30 de junho de 2015.
109 ANGELIN, Rosangela. “Gênero e meio ambiente: a atualidade do ecofeminismo”. Revista Espaço
Acadêmico, n. 58, Maringá, março de 2006. Disponível em
http://www.espacoacademico.com.br/058/58angelin.htm
59

Esta tendência não se identifica nem com o essencialismo, nem com as fontes
religiosas espirituais das correntes anteriores, embora compartilhe ideias como
antirracismo, anti-antropocentrismo e anti-imperialismo. Ela defende que a
relação profunda da maioria das mulheres com a natureza não está associada
a características próprias do sexo feminino, mas é originária de suas
responsabilidades de gênero na economia familiar, criadas através da divisão
social do trabalho, da distribuição do poder e da propriedade. Para tanto,
defende que é necessário assumir novas práticas de relação de gênero e com
a natureza.
Outra corrente que merece destaque é o tecnofeminismo, que busca entender
a relação entre a tecnologia, tão presente na vida contemporânea e os movimentos
feministas. Para Wacjman, o feminismo tem realizado uma contribuição teórica crítica
para a compreensão da ciência e da tecnologia como materiais sociais e políticos e
os movimentos feministas são os que melhor conseguem praticar políticas
“inteligentes” e formar redes sociotécnicas. Em suas palavras:
La promessa del tecnofeminismo es doble. Ofrece uma manera diferente de
compreender la naturaliza de la agencia y del cambio em un mundo
postindustrial, así como los médios para introducir um cambio 110.

Há quem aluda a três “ondas” do movimento feminista, conforme a tipologia


anglo-saxã: a primeira seria o feminismo anglo-saxão do século XIX até princípios do
século XX, centrado no direito ao sufrágio universal, na abolição da escravatura e no
direito à educação da mulher.
A segunda corresponderia ao movimento de liberação da mulher, desde o
começo da década de 1960 até meados da década de 1990, centrado em aspectos
da sexualidade feminina, como o direito ao aborto, à reprodução e à incorporação de
direitos invisíveis ligados à vida familiar.
A terceira, atual, incorporaria as diversidades femininas, aí incluído o assédio
sexual, caracterizando-se por sua dimensão mais global e menos limitada à mulher
ocidental.
Nas palavras de Balaguer111:
No se puede estabelecer un momento histórico preciso acerca del surgimento
de uma teoria del feminismo, porque en cualquier situacíon histórica há existido
subordinación de las mujeres, y se há reivindicado la igualdad (...). De la misma
forma que la evolución del feminismo no se há estudiado por la docrina desde
uma divisón en etapas más o menos jusitificadas, tampoco las teorías fercera
que seíra específica del feminismo. Aisladamente también se han classificado
em cuatro, liberalismo, marxismo, socialismo e feminismo radical. Y hoy ya hay
una importante diversificación de las teorias feministas en torno a los conceptos
de identidad e diferencia (hasta el ecofeminismo o el feminismo cultural que

110
WAJCMAN, Judy. El Tecnofeminismo. Valencia: Catedra, 2006, p. 196
111BALAGUER, Mária Luisa. Mujer e Constitución. La construcción jurídica del gênero. Madrid:
Catedra, 2005, pp. 26-27.
60

surgen em torno a la década de los 70). Tambíen, como decimos, son


imprecisas las etapas que se marcan en la evolución del pensamento feminista.
Una primera que iria desde la consecución del derecho de sufrágio em la mujer
hasta los años sessenta, uma segunda etapa que surgiria de las intelectuales
americanas y europeas, y finalmente um tercera etapa que coincidiria com el
pensamento feminista actual. Sin embargo, esta división em tres etapas es
claramente insuficiente para dar cuenta de toda la historia del feminismo (...)

Osborne112, aponta que desde o ecofeminismo são desenvolvidas


argumentações acerca de uma suposta relação entre a dominação masculina das
mulheres e a destruição masculina da natureza, entendendo que modo essencialista,
que as mulheres são o eixo central de uma cultura salvadora do ecossistema por sua
hipotética comunhão com a natureza, produto da maternidade e do cuidado,
apresentando uma atitude tecnofóbica, especialmente em relação à militar, o que
pode ser resumido na frase “take the toys with the boys”. As propostas eco-feministas
apresentam uma convergência entre feminismo, ecologismo e pacifismo em torno dos
conceitos básicos da violência e do poder exercido contra as mulheres e contra a
natureza através da dominação e das armas. Inobstante, a autora aponta que as
mulheres tem participado das atividades militares, mas que os trabalhos que lhe são
dados, tendem a ser de caráter auxiliar, de apoio logístico, administrativo ou de tarefas
de cuidado, havendo uma paulatina aceitação das mulheres em relação às atividades
militares o que é explicado pela maior incorporação das mulheres no mercado laboral
nos países que promovem a igualdade de gênero, mas adverte que não é pelo
ingresso no exército que há uma avanço na igualdade real, enquanto não se desmonta
um sistema de privilégios masculinos que rege uma sociedade militarista de cunho
patriarcal. Adverte também que outra possibilidade (e que é discutida na atualidade e
mostrada em filmes), é o assédio dentro das instalações militares. Nas palavras da
autora:
Con debate feminista o sin él, el caminho para la participación plena en el
ejército, no sucede sin resistencias. Cuando las mujeres han ido ganando
terreno en el complejo mundo militar y se han adentrado en espacios prohibidos
– la jerarquia y el combate directo -, se han perpetuado las trabas para
impossibilitar su acceso a estos lugares (...) Otra posibilidad es el acoso sexual
dentro de sus filas. Begôna Pernas (2001), al analizar el acoso sexual de las
mujeres en el mundo tradicionalmente masculino del trabajo, en donde las
percibe como unas intrusas, consideraba que dicho tipo de agresión sexual se
puede interpretar como uno de los aspectos de los que los varones no
reconocen la subjetividade a las mujeres y por lo tanto no respectan su espacio
ni sua intimidad, sexualizando la relación laboral y, de esta forma,

112OSBORNE, Raquel. Apuntes sobre violência de gênero. Barcelona: Edicions bellaterra, 2009, pp.
167-168.
61

banalizándola. Del mismo modo, podemos transponer mutatis mutandis los


casos de acoso em el ejército como una forma de dejar patente la intrusión
feminina el un mundode hombres.

Das teorias feministas (inseridas no contexto do que se convencionou chamar


de terceira onda do feminismo, abrangendo a contemporaneidade) que tentam
superar os minimalismos políticos e essencialismos da diferença sexual, destacam-se
quatro teorias:
a primeira teoria seria a do feminismo radical, centrado no problema da
violência da relação entre os homens e mulheres na maioria dos espaços públicos e
privados;
a segunda teoria seria a do feminismo liberal ou progressista, centrado nas
políticas de discriminação positiva e preocupado em estabelecer políticas
promocionais e sistemas de cotas;
a terceira teoria seria o feminismo materialista ou “marxista”, interessado na
integração da luta das mulheres no âmbito mais geral da luta de classes;
a quarta teoria seria o feminismo socialista ou pós-materialista, interessado na
ampliação da ação e na integração das mulheres no enfrentamento aos formalismos
e dualismos teóricos autoritários.
Para Herrera Flores, não pode haver feminismo sem materialismo. Reivindicar
os direitos da mulher, no início do século XXI, significa inserir as reivindicações de
igualdade reconhecendo as opressões sobrepostas como caminho alternativo para a
transformação dos obstáculos que a divisão social e sexual do trabalho do capitalismo
globalizado impõe aos coletivos marginalizados pelas opressões sobrepostas. É uma
luta contínua, pois o predador patriarcal age, não apenas discriminando juridicamente,
mas ocultando as causas reais das diferenças de classe, sexo ou etnia, ou seja, a
desigualdade material no processo de divisão do trabalho e a consequente exclusão
do âmbito do político, lugar no qual as atividades públicas e privadas deveriam instituir
o espaço de luta pela dignidade e não ser o espaço de renúncia ao poder cidadão,
como ocorre desde o pacto social113.
As teorias feministas conhecidas, embora critiquem as posições sobre justiça
política, deixam à margem a luta pelos lugares relegados à mão invisível do mercado,

113 HERRERA FLORES, Joaquín. Op.cit, nota 100, pp. 21-49


62

olvidando que o âmbito público não está separado do privado e que a perspectiva
temporal deve ser substituída e/ou complementada com a perspectiva espacial.
As quatro vertentes teóricas principais, de forma geral, buscam o abandono do
pensamento neutro e dualista.
Chega-se, porém, a apontar a existência de uma quinta vertente teórica
entendida como o feminismo pós-colonial, com raízes em etnias diversas e autoras
empenhadas na construção de uma nova subjetividade superando os valores da
perspectiva patriarcalista, para concluir que as teóricas feministas de forma plural e
diferenciada entre si, buscam uma nova forma de pensamento, colocando em questão
teorias e práticas dominantes que invisibilizam a diferença existente entre homens e
mulheres, objetivando uma ética e uma política democrática e interativa com filosofia
desconstrutiva e reconstrutiva das relações de dominação e, ainda, uma política de
reconhecimento das diferenças entendidas de forma multicultural e crítica114.
Para tanto, colocam em questão as dualidades e as lógicas colonialistas que
impõe um único código normativo: a crença na neutralidade do signo, ou seja, da
norma moral e jurídica com separação entre sujeito e objeto do conhecimento. É
questionado também o dogma da livre eleição das condições de vida. A escolha das
condições de vida e de luta não pode depender apenas da sorte. A preponderância e
a naturalização dos valores patriarcais induzem a duas situações: a visível, entendida
como esfera dos iguais e a invisível, a dos diferentes.
É relevante a divisão entre as teóricas feministas acerca da diferença e da
igualdade. As feministas que defendem a diferença negam o papel do direito como
espaço de luta social.
Para Sendón de Leon115, a função do feminismo da diferença consiste em
manter a consciência crítica frente ao modelo vigente para propiciar de modo efetivo

114 Ibidem, p. 49.


115 SENDÓN DE LEON, Victoria. Marcar las diferencias. Discursos feministas ante um nuevo siglo.
Barcelona: Icaria,2002, pp. 25-42. A autora resume sua proposta em 13 pontos: “1. El feminismo de la
diferencia no es opuesto al de la igualdad, porque non son contrários conceptualmente; 2. El objetivo
de este feminismo es la transformación del mundo desde el cambio de vida de las mujeres; 3. El punto
de partida, tanto estratégico como espistemológico radica em la diferencia sexual. 4. Nuestra diferencia
sexual respecto de los varones no constiuye um esencialismo que nos hace idênticas, sino diversas. 5.
Nuestro propósito no consiste en ser iguales a los hombres, sino cuestionar el código secreti de um
orden patriarcal que convierte las diferencias en desigualdades. 6. Los câmbios estructurales y
legislativos puedem ser un punto de partida pero no de llegada. 7. Crear orden simbólico significa
introducir la variable de la diferencia sexual en todos los âmbitos de la vida, del pensamento, de la
política. La variable no és el género, que es un sexo colonizado, sino la diferencia. 8. La complicidad y
63

a mudança; que não existe somente uma dominação real da qual as mulheres são
vítimas, mas também uma dominação simbólica que está no inconsciente; que há uma
dominação tácita e simbólica que consegue passar por normal o que é aberrante e é
precisamente essa dominação que é objeto de interesse das feministas da diferença;
que falar do simbólico provoca, com frequência, reações céticas e\ou sarcásticas e
que há outra ordem simbólica que existe de modo incipiente e que deve ser criada,
passando pelo processo de recontextualização que é tão difícil como fazer visível o
invisível e exige uma política consciente. Uma maneira efetiva de recontextualização
é através da arte e também da criação de espaços próprios, que devem ser coletivos,
pois criar uma ordem simbólica é uma tarefa coletiva. A aspiração do feminismo da
igualdade é que as mulheres cheguem a ser sujeitos com todas as prerrogativas que
são atribuídas ao “sujeito universal”, com direitos substantivos que levem em conta os
desejos legítimos das mulheres, reclamando-se desde as diferenças, as diferenças
ante o modelo construído para os privilégios masculinos. A igualdade e a diferença
não são irreconciliáveis, pois a igualdade não é o que se opõe à diferença, cabendo
aceitar que não existe feminismo, mas feminismos, que não são antagônicos, nem
irreconciliáveis, conceitualmente.
As feministas que defendem a igualdade centram a estratégia na consecução
da igualdade de oportunidades, estabelecendo uma dicotomia entre igualdade-
diferença.
Rubio Castro116 aposta em uma “igualdade complexa” e adverte que reivindicar
a diferença em interação com a igualdade é reclamar um sistema jurídico abstrato e
geral compatível com a existência de homens e mulheres, não de sujeitos de direito
ou categorias abstratas, pois a diferença não se opõe ao estabelecimento de
determinada igualdade, à existência de normas para todos, indispensável à vida em
sociedade. A cultura que se deseja superar tem utilizado os conceitos igualdade,

solidariedade entre las mujeres constituye nuestro bagage político más poderoso. 9. La lucha por el
poder comienza em la autosignificacíon, la autoridade feminina y el empoderamiento de espacios
creados pelas propias mujeres. 10. El objetivo del poder no consiste en conseguir “cargos” para las
mujeres, sino en lograr una representatividade substantiva, y no abstracta, propia del “sujeto universal
y neutro”. 11. El feminismo da diferencia es una ética fundada em valores que nosotras tedremos que
ir definiendo. 12. El pensamento de la diferencia sustituye la lógica binaria por la lógia analógica, que
tiene que ver com la vida y no con conceptos interessados que la sustituyen. 13. El feminismo de la
diferencia no es una meta, sino un caminho provisional. No es un dogma, sino uma búsqueda. No es
uma doctrina sectária, sino una experiencia ao hilo de la vida.”
116 RUBIO CASTRO, Ana. Feminismo y Ciudadania. Instituto Andaluz de la Mujer. Sevilla: Málaga,

1997, pp. 63-69


64

diferença, desigualdade e discriminação, entre outros, com diferentes alcances e


significados, dependendo dos contextos, gerando confusão, ambiguidade e
parcialidade nas análises sobre o princípio da igualdade, ensinando que podem
ocorrer quatro relações possíveis entre a igualdade e a diferença no âmbito jurídico:
a) indiferença jurídica em relação às diferenças;
b) diferença jurídica das diferenças, levando em conta algumas e outras não;
c) homogeneidade jurídicas das diferenças;
d) valoração jurídica das diferenças.
Duas diferenças devem ser distinguidas: as diferenças naturais ou culturais e
as diferenças econômicas ou sociais. Apenas introduzindo este nível de
complexidade, harmoniza-se o direito igual com a identidade diferente, estando
vulnerado o princípio da igualdade quando se ignoram ou mascaram as diferenças
entre as pessoas, chaves para o desenvolvimento de sua identidade. Se as
identidades individuais e coletivas resultam de um processo complexo no qual atuam
igualdade e diferença, e a diferença não existe sem a igualdade, assim como a
igualdade não existe sem a diferença, não há lógica em separá-las no âmbito jurídico
e deste modo é possível garantir a capacidade dos processos jurídicos-políticos para
criar as condições de expressão e participação de todas e de cada uma das pessoas.
A igualdade na diferença permite não apenas distinguir o plano normativo da
efetividade, também faz compatível o reconhecimento de iguais direitos fundamentais
e garantias em atenção às diferenças de identidade, assim como um debate acerca
do catálogo de direitos fundamentais para adequá-lo às exigências socioculturais e
econômicas, concluindo-se que o valor da interação, igualdade e diferença, nasce no
seio de um discurso paritário ante os limites que impedem um desenvolvimento
paralelo no âmbito jurídico e na realidade social.
De modo geral, todas as teorias feministas, com suas várias classificações, em
etapas ou ondas, conforme as definições teóricas, compartilham o objeto a ser
enfrentado: o patriarcado ou patriarcalismo como sistema de relações dominante,
olhado sob a ótica masculina, entendida aqui como a ótica masculina branca,
proprietária e cidadã. Sau117 define o patriarcado como:
“ Uma toma de poder histórico por parte de los hombres sobre las mujeres cuyo
agente ocasional fue de orden biológico, si bien elevado éste a la categoria

117 SAU, Victoria. Dicionário ideológico feminista. Barcelona: Icaria, 1989, pp. 237-238.
65

política y econômica. Dicha toma de poder passa forzosamente por el


sometimento de las mujeres a la maternidad, la represión de la sexualidad
feminina, y la apropriación de la fuerza de trabajo total del grupo dominado, del
cual su primer pero no único produto son los hijos”.

O patriarcalismo está entre os motivos que impedem o desenrolar pleno da


riqueza humana e é entendido por Herrera Flores como a base e sustento de todo tipo
de dominação autoritária ou totalitária, instituindo uma construção social do direito e
da política, com duas situações: uma visível e a outra invisível, dos e das diferentes.
Nas palavras de Herrera Flores:

Utilizamos pues, el término patriarcalismo y no el de “patriarcado””, com el


objetivo de rechazar las posiciones estáticas que nos inducem a pensar em
uma estructura de opresión autônoma com respecto al resto de opressiones
y dominaciones que dominan en las relaciones sociales capitalistas. El
término patriarcado és uma categoria teoria que “aparenta” no tener Orígenes
históricos concretos y que afecta solo a um determinado colectivo (el de la
mujer em abstracto) y dentro de él al conjunto de indivíduos que tienen el
pode y la capacidad cultural de nombrarlo. Sin embargo, el concepto de
patriarcalismo tiene más que ver com el conjunto de relaciones que articularm
um conjunto diferenciado de opressiones: sexo, raza, gênero, etnia y clase
social, y el modo em que las relaciones sociales particulares combinan uma
dimension de servilismo personal. Patriarcalismo es um término mucho mas
adecuado em tanto que na hace ver como las relaciones patriarcales se
articulan com otras formas de relácion social em um determinado momento
histórico. Las estructuras de clase, racismo, gênero y sexualidade no pueden
tratar-se como variables independientes porque la opresión de cada uma esta
inscrita em las otras. Es decir, es construída por – y es constitutivo de – las
otras 118.

Para Herrera Flores119, o patriarcalismo é o exemplo mais claro de bloqueio


ideológico do processo de reação cultural, pois impõe um só sistema de valores como
se fosse universal e imutável a todas e todos que não apresentem coincidência com
os pressupostos básicos de ser masculino, branco e cristão-protestante.
Considerando-se então como inferior e, por fim, passíveis de serem objeto de
dominação e/ou violência todos os que aí não se incluam, relegando as produções
culturais de mulheres, negros, islâmicos e budistas, entre outros, como subordinados
e inferiores, reduzindo o cultural a um só ponto de vista, fechando a reação cultural.
O patriarcalismo deve ser relacionado com o capitalismo, devendo se falar de
um capitalismo patriarcal, racial, étnico, sexual e estruturado em classes, não sendo

118 HERRERA FLORES, Joaquín. Op.cit, nota 100, pp. 29-30.


118 Idem. El Proceso Cultural. Materiales para la creatividad humana. Sevilla: Aconcágua, 2005, pp. 120
- 124.
119 Ibidem, p. 120 - 124.
66

homogêneo, podendo se falar em heteropatriarcalismo120. O bloqueio patriarcalista do


circuito de reação cultural pode ser consubstanciado em quatro princípios: o princípio
da dominação; o princípio da complementariedade; o princípio da necessidade e o
princípio da vitimização.
O princípio da dominação vem das diferenciações discriminatórias entre
mulheres e homens, entre trabalhadores e capital, entre imigrantes e cidadãos entres
outros, onde um relega, exclui e inferioriza o outro, invisibilizando-o, anulando-o e
escravizando-o. Pela dominação, as experiências dominantes são apresentadas
como universais; o masculino se transforma em uma abstração universal que vem da
natureza e o feminino é tão somente um ponto de vista carregado de particularismos
e de vinculações naturalistas.
Um exemplo da dominação cultural, entre outros que poderiam ser citados, é o
aumento das cirurgias para refazimento das pálpebras, pelas mulheres chinesas,
tornando-as mais ocidentalizadas121. As chinesas com olhos menos “orientais” e,
portanto, com aspecto mais ocidental são consideradas mais atraentes e
empregáveis, sendo noticiado ainda que inicialmente, a cirurgia consistia apenas em
amendoar os olhos; agora, porém, são postuladas outras alterações no nariz e no
formato do rosto, visando torná-lo mais ocidentalizado. Outra cirurgia procurada pelos
chineses é a de aumento de altura. Trata-se aqui de claro processo de dominação
cultural.
O princípio da complementariedade vem da aceitação, pelo dominado, da
situação de inferioridade, reforçando sua identidade pelo sentido de pertencer a algo
ou a alguém, e a identificação do grupo oprimido com o poderoso o faz carecer de
uma interpretação própria de sua opressão.

120 Em sentido diverso, Avtar Brah refere que “ Las relaciones patriarcales son una forma específica de
las relaciones de género em las que las mujeres habitan uma posición subordinada. Al menos en teoria,
resultaria posible imaginar un contexto social em el que las relaciones de género no estuvieram
asociadas con la desigualdade. Guardo además, serias reservas acerca de la utilidade analítica o
política de mantener líneas de demarcación entre “patriarcado” y la particular formación
socioeconômica y política – por ejemplo, capitalismo o socialismo de Estado – em el que éste se inserta.
Seria de mucha más utilidade compreender como las relaciones patriarcales se articulan con otras
formas de relación social en un determinado contexto histórico. Las estructuras de clase, racismo,
género y sexualidade no pueden tratarse como “variables independentes” porque la opresión de cada
uma está inscrita en las otras – es constituída por y es constitutiva de las otras”. BRAH, Avtar.
“Diferencia, diversidad, diferenciación”. Otras inapropiables. Feminismos desde las fronteras. Madrid:
Traficantes de suenos, 2004, p. 112.
121 Disponível em: <http://www.magmablog.com/2010/05/china-e-suas-plasticas-bizarras.html>.
Acesso em: 20 jun. 2015.
67

O princípio da necessidade tem sua origem na visão dos grupos oprimidos


acerca da inexistência de alternativas de vida, impedindo-os de articular pontos de
vista próprios e sem alternativas para que saiam das situações narradas nos princípios
anteriores. Como destaca Herrera Flores:

Bajo el capitalismo, nos recuerda bell hooks - el patriarcado está estructurado


de modo que el sexismo restringe el comportamento das mujeres em algunos
campos, mientras em otras esferas se permite uma liberacíon de estas
limitaciones. La ausência de restricciones extremas lleva a muchas mujeres
a ignorar as esferas en las que son explotadas o sufren discriminacíon; puede
incluso llevar a imaginar que las mujeres no están siendo oprimidas122.

Por fim, o princípio da vitimização leva à percepção dos grupos estigmatizados


de que são vítimas, sujeitos passivos que sofrem as consequências negativas do
sistema, naturalizando a posição subordinada pelo processo ideológico patriarcal,
cabendo questionar como reagir culturalmente contra algo imposto como meio único
de perceber e intervir sobre o mundo. Sentir-se vítima não é o mesmo que se ver como
explorado. A exploração vem de uma situação relacional social concreta, de
subordinação e de marginação sacralizada nos processos de divisão social, sexual e
étnica do fazer humano. No quadro acima exposto, a busca de alternativas é
bloqueada e impedida, cabendo partir da categoria social de exploração e abandonar
a vitimização, abandonando critérios estáticos e entender o cultural, recuperando,
assim, para todas e todos, a capacidade genérica de criar e transformar o mundo. E
a partir dessa inserção no circuito de reação cultural a realidade dos grupos oprimidos
poderá ser percebida como algo construído pelo modo hegemônico de interpretar,
explicar e intervir no mundo.
Em outra de suas obras, Herrera Flores123 lança a ideia de um “manifesto
inflexivo”, com dez pontos para fazer frente às teorias concebidas como luxos culturais
pelos neutros, propondo a ocupação dos espaços políticos, sociais, econômicos,
pessoais e culturais, negados pela globalização hegemônica, buscando pôr em
marcha as características do ser humano, como a capacidade de rebeldia, a
possibilidade de resistência e a potencialidade do alternativo.
Estes dez pontos são: irromper intempestivamente no real; tratar as causas
como causas; adotar o ponto de vista do fazer humano; fazer a história criando um

122 HERRERA FLORES, Joaquín. Op.cit, nota 118, p. 123.


123 HERRERA FLORES, Joaquín. Op.cit nota 3, pp. 188-202.
68

imaginário social instituinte; contra a coisificação do mundo: ao mundo se chega; não


se está no entorno e sim se é o entorno: chaves inflexivo/ambientais; propor
intempestivamente seis pautas para uma contramodernização inflexiva; três
denúncias e três chaves culturais inflexivas; fazer coincidir a teoria com a vida
assumindo os riscos do compromisso com nossa própria verdade: a luta contra o
patriarcalismo e liberar a vida, liberando o desejo. Destes pontos, o que se destaca
aqui é o nono: fazer coincidir a teoria com a vida assumindo os riscos do compromisso
com nossa própria verdade: a luta contra o patriarcalismo.
Trata-se de pensar e atuar de forma inflexiva, buscando continuamente a
harmonia entre o conhecimento teórico e abstrato e a prática de vida, tendo coerência
entre o pensar, o dizer e o ser, encontrando um novo tipo de relação consigo mesmo,
adotando um estilo enriquecedor de vida, irrompendo de forma intempestiva no real,
liberando a ação das paranoias universalistas e totalizantes; lutando pelo que é
positivo, múltiplo e diferente à uniformidade, apostando em uma percepção de fluxos
frente aos pensamentos únicos e cerrados, servindo-se da política para multiplicar os
espaços de intervenção pública. Nas palavras de Herrera Flores:

Como hán defendido las teóricas y militantes feministas más conscientes de


la situacíon patriarcal bajo la que viven las mujeres, la ética del oprimido exige
supeditar los argumentos formales y racionales, com pretensión de
universalidade, al necessário cuidado de los otros. No basta com argumentar,
hay que cuidar la generosidade, la solidariedade, el contacto, los afectos...en
definitiva, cuidar la vida como passo necessário para cuidarnos a nosotros
mismos. Pero para dar este passo es preciso fluidificar las relaciones de
poder que nos separam a unos de otros e, incluso a nosotros de nosotros
miesmos. Cuidarnos supondría, pues, elaborar estratégias de identidade no
absolutas, no cerradas a los problemas dos demás, sino estratégias que
iniciam nuevos signos de identidade, sítios o espacios de colaboarcións e
congestionamento, emergência de interstícios desde donde negociar
nuestras experienciais intersubjetivas de pertinência y de posicíon social 124.

Para melhor entender o patriarcalismo, deve ser identificado, primeiramente, o


que se denomina, na esteira de Clarissa Pinkola Estés, o chamado “predador natural”
que existe em toda a cultura, entendida como a forma de entender e avaliar a realidade
vivida, predador este que simboliza os aspectos devastadores da sociedade, instalado
nas mentes, nas atitudes e nos sonhos das pessoas125. Pinkóla Estés alude ao
predador inato, força específica e indiscutível que precisa ser contida e mantida na

124 HERRERA FLORES, Joaquín. Op.cit nota 3, pp. 199-200.


125 PINKOLA ESTES, Clarisse. Mulheres que correm com os lobos. Rio de Janeiro: Rocco, 1994, p. 63.
69

memória. E para ser contida, devem as mulheres permanecer de posse de seus


poderes instintivos, como o insight, a intuição, a resistência, a tenacidade no amor, a
percepção aguçada, o alcance de sua visão, a audição apurada, os cantos sobre os
mortos, a cura intuitiva e o cuidado com seu próprio fogo criativo.
O predador manifesta-se em outras vertentes, de classe, de raça ou etnia e de
sexo, mas o objetivo aqui é analisar a questão da desigualdade material entre homens
e mulheres, que se manifesta no processo de divisão social do trabalho com a
consequente exclusão das mulheres do âmbito político, em razão do patriarcalismo,
definido como uma tradição política, axiológica e sociológica, na qual um poder
aumenta. Neste caso, o poder do homem branco, ocidental e proprietário, em relação
ao poder das demais pessoas, instaurando-se uma verdade abstrata que rechaça as
demais não correspondentes a tal imagem, com valores naturalizados, amparado pelo
patriarcalismo, como base e sustentáculo da dominação autoritária ou totalitária e que
encontra antecedentes históricos na Grécia antiga, mais exatamente na separação
entre o conhecimento abstrato e o saber concreto e na distinção entre o pensamento
e a prática.
Conforme Gilligan126, a intersecção entre raça e gênero, colonialismo e as
narrativas masculinas marcam também a convergência entre um paradoxo mentiroso
e um paradoxo de relacionamentos: no lugar onde a vida de homens e mulheres se
une, a "civilização" faz sentir sua “mão de ferro”. Uma mentira sobre o progresso se
junta com uma mentira sobre relacionamentos prendendo homens e mulheres e
obliterando as relações entre mulheres. Há mentira na representação dos homens,
como representando todos os seres humanos e há mentira no desenvolvimento
psicológico feminino, segundo o qual as meninas e as mulheres devem alterar suas
vozes para encaixá-las nas imagens de relacionamento e bondade propaladas por
falsas vozes femininas.
Destaca-se aqui a escritora inglesa Virginia Woolf, autora de importantes obras
literárias, e sua obra mais conhecida que pode ser considerada a mais importante,
chamada Orlando. Esta obra narra a transformação, a experiência e os sentimentos
de um cavalheiro inglês que se transforma de forma gradual e imperceptível em

126GILLIGAN, Carol. In a diferent voice. Psychological Theory and women´s development. Harvard
University Press, 1993, p. XXVI.
70

mulher, descobrindo assim seus próprios preconceitos e a limitação social imposta e


acima descrita.
Outro livro de Woolf que merece referência mais aprofundada é denominado
“Um cuarto própio”127, obra publicada, primeiramente em 1929, e baseada em duas
conferências dadas em outubro de 1928, na Inglaterra, na qual a escritora,
percebendo a carência de obras escritas por mulheres, analisa as razões da situação
das mulheres de sua época, ilustrando as ocultações e invisibilizações trazidas pelas
diferenças sociais calcadas em desigualdade de gênero e coloca em evidência a
exclusão das mulheres não só do espaço público, como também no espaço privado,
em termos de expressão criativa. Woolf ressente-se de ausência de obras
interessantes escritas por mulheres e afirma que pouco se pode criar sem a conquista
de uma consciência livre e autônoma que não se dá em termos vazios e sim dentro
de condições materiais mínimas, como independência econômica e um espaço
próprio para pensar e escrever.
As mulheres, entendidas aqui como as mulheres brancas, educadas e com
acesso aos bens, são historicamente consideradas como “rainhas dos lares”, donas
das “casas de bonecas” (lembrando que Casa de Bonecas é outra obra famosa de
Virginia Woolf). No âmbito doméstico, as atividades das mulheres são restritas e
controladas para que não saiam do espaço privado que lhes foi destinado. Woolf
percebe que as mulheres não possuem, no âmbito do espaço privado que lhes é
destinado, os meios disponíveis (no caso, um quarto próprio) para desenvolver seus
talentos criativos, para que daquele espaço privado saiam, indo para o espaço público,
pois escrever e publicar significaria exatamente sair do espaço privado para o público.
Para Woolf128, a verdadeira igualdade necessita de igualdade material129 e a
luta das mulheres vai além da reivindicação da igualdade de direitos130.

127 WOOLF, Virginia. Um cuarto próprio. Traduccion de Maria Milagros Rivera Garretas. Madri: Hora Y
Horas, 2003.
128 WOOLF, Virginia. Op. cit. nota 127.
129 Caplan aponta que a igualdade material não é uma redução dos seres humanos a uma idêntica

condição e sim a garantia concreta de condições idênticas para viver suas diferenças, tratando-se do
empoderamento dos seres humanos em perspectiva de integração, opondo-se às práticas
hegemônicas, para assegurar-lhes a dignidade, conforme concebido pela teoria crítica. CAPLAN,
Luciana. Op.cit, nota 93, pp. 115/130, em especial a p. 121.
130 BODELÓN. Encarna. Feminismo y Derecho: Mujeres que van más allá de lo jurídico. Género y

dominación. Críticas feministas del derecho y del poder. Roberto Bergalli e Iñaki Riveras (Coords.).
Barcelona: Anthropos Editorial, 2009, p. 100.
71

No texto intitulado “Profissões para Mulheres”, lido em 21 de janeiro de 1931,


para a Sociedade Nacional de auxílio às Mulheres, Woolf questiona:

Vocês ganharam quartos próprios na casa que até agora era só dos homens.
Podem, agora, com muito trabalho e esforço, pagar o aluguel. Estão
ganhando suas quinhentas libras por ano. Mas essa liberdade é só o começo;
o quarto é de vocês, mas ainda está vazio. Precisa ser mobiliado, precisa ser
decorado, precisa ser dividido. Como vocês vão mobiliar, como vocês vão
decorar? Com quem vão dividi-lo, e em que termos? São perguntas, penso
eu, da maior importância e interesse. Pela primeira vez na história, vocês
podem fazer essas perguntas; pela primeira vez, podem decidir quais serão
as respostas131.

Woolf antecipou-se à sua época, buscando novos métodos e palavras, como o


pessoal é político, a prática política da autoconsciência e a utilização da igualdade de
direitos para a transformação do mundo132.
O slogan “o pessoal é político”133 foi cunhado nos anos sessenta pela feminista
radical Shulamith Firestone, relativo à convicção da nova esquerda acerca da
existência de uma dimensão política na vida pessoal, vindo a expressão reforçar a
ideia de que o privado ou pessoal e o público ou político são esferas em permanente
conexão, vinculadas e inseparáveis entre si, estando contra uma estrutura e uma
ideologia liberal-patriarcal que reafirma constantemente a separação e a
incomunicabilidade entre um e outro, que são faces da mesma moeda, estando
intimamente relacionadas e vinculadas num ciclo de desigualdade entre os sexos.
Para outras autoras, como Linda Napikoski134, a expressão “o pessoal é
político” era um “grito de guerra” feminista, durante os anos 1960 e 1970, com origem
exata desconhecida, utilizado por diversas feministas da segunda onda, como Carol
Hanisch, que escreveu um ensaio intitulado "The Personal is Political"; Shulamith
Firestone and Anne Koedt e Robin Morgan, entre outras.
Gloria Steinem, de outra parte, afirma ser impossível saber quem primeiro
afirmou que "o pessoal é político".

131 WOOLF, Virginia. Profissões para mulheres e outros artigos feministas. Porto Alegre, L&PM, 2012,
pp. 18-19.
132 BODELÓN. Encarna. Op.cit, nota 130, p. 100.
133 FREITAS DE ALVARENGA, Lúcia Barros. La violência de gênero. Algunas cuestiones básicas.

Discriminación y violência contra la mujer. Uma cuestion de gênero. Porto Alegre: Núria Fabris, 2011
37, p. 253
134 Disponível em: <http://womenshistory.about.com/od/feminism/a/consciousness_raising.htm>.
Acesso em: 25 jun. 2015.
72

À parte, a discussão sobre a autoria da expressão “o pessoal é político”, seu


significado tem contornos importantes, podendo ser considerado como uma mudança
de paradigma. Conforme Okin:

A afirmação de que uma distinção clara e simples pode ser estabelecida entre
o político e o pessoal, o público e o doméstico, tem sido básica para a teoria
liberal ao menos desde Locke, e permanece como fundamento de boa parte
da teoria política até os dias atuais. Como as teóricas feministas têm
demonstrado, essa divisão fundamental se baseou nas práticas sociais e
culturais do patriarcado, e não pode ser mantida caso se vislumbre o fim da
longa era do patriarcado. Enquanto algumas feministas argumentaram que
não é necessário manter uma esfera privada, muitas, incluindo eu mesma,
concordariam com os teóricos liberais das correntes hegemônicas quanto à
necessidade de uma esfera de privacidade e, de maneira geral, quanto às
razões dessa necessidade. (...) E concluo que as instituições e práticas de
gênero terão de ser muito alteradas para que as mulheres tenham
oportunidades iguais às dos homens, seja para participarem das esferas não-
domésticas do trabalho, do mercado e da política, seja para se beneficiarem
das vantagens que a privacidade tem a oferecer. (...) A ligação entre as duas
esferas, nunca tão distintas de fato quanto na teoria, continuará a flutuar. Se
nós precisamos manter alguma proteção à vida privada e pessoal em relação
à intromissão e ao controle, a dicotomia entre o público e o doméstico, por
outro lado, não será, provavelmente, na teoria ou nas práticas de um mundo
livre das amarras do gênero, algo tão distinto como o que tem prevalecido na
teoria política hegemônica do século XVII até o presente135.

Para Herrera Flores136, desde Virginia Woolf a luta feminista contra o sistema
de valores dominante e contra a exclusão das mulheres dos privilégios da divisão
capitalista do trabalho encontra apoio para a conquista de espaço público e tempo
próprio, diversos dos permitidos pelo denominado “predador patriarcal”, embora
complemente a metáfora do quarto próprio com a metáfora mais antagônica e
opositiva da consciência “cyborg”, expressão utilizada por Haraway137, entendida
como caminho único para enfrentar realidades com faces múltiplas de opressão e
exploração138.
A consciência “cyborg” exigiria novas propostas antagonistas e de resistência
para a estruturação de práticas a partir de uma metodologia dos oprimidos,
concretizando-se em cinco pontos: em primeiro lugar, uma nova leitura do mundo

135 OKIN, Susan Mooler. Justice, gender and the Family. Nova Iorque: Basic Books, 1989. Também
disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-026X2008000200002&script=sci_arttext>. Acesso em: 20
jun. 2015.
136 HERRERA FLORES, Joaquín.. Op.cit, nota 100, pp. 15-16.
137 HARAWAY, Donna. Ciencia, cyborgs y mujeres. La reinvención de la naturaleza. Col. Feminismos,

1995, p. 253.
138 HERRERA FLORES, Joaquín. Op.cit, nota 100, pp 20-21.
73

desde as discriminações e explorações; em segundo lugar, uma desconstrução dos


signos culturais dominantes que hierarquizam de forma material as situações e
posições do mundo; em terceiro lugar, a apropriação dos modos de funcionamento e
legitimação culturais das formas hegemônicas de atuação, com transformação dos
significados em conceitos e categorias novas e subversivas; em quarto lugar, a
retomada das formas de lutas anticoloniais e suas expressões de violência pacífica, e
em quinto lugar, a geração de espaços para a coalização e a articulação diferencial,
ou seja, para o aprofundamento na democracia, não só dos quartos próprios,
entendidos como espaços onde se possa exercitar a criatividade e o pensamento,
mas também de espaços de lutas pela dignidade humana139.
Acrescenta-se, a par da ausência de quarto próprio, de que fala Woolf, a ideia
das dimensões sobrepostas de opressão (overlapping opressions)140 que sofrem as
mulheres em função de sua situação, posição e hierarquização subordinada, no marco
dos processos de divisão social/sexual/racial do trabalho.
A desigualdade deve ser entendida em função das opressões superpostas,
podendo-se afirmar que não há uma desigualdade universal e homogênea. A
desigualdade é uma variável contínua, uma categoria quantitativa e uma variável
transversal141, que não estão abarcadas pelas concepções clássicas de desigualdade.
Contínua e não discreta, indo de um extremo a outro do espectro social onde estão
situados os diferentes coletivos de mulheres, em maior ou menor grau de opressão e
subordinação; quantitativa e não meramente qualitativa e concretizada, em maior ou
menor quantidade de óbices ao acesso aos bens, e transversal porque afeta de forma
homogênea todos os estratos sociais onde estão situadas as mulheres e também
situados os coletivos restantes subordinados pela divisão social/sexual/racial e de
trabalho, fazendo-se mais intensa na medida em que se desce na pirâmide social.
A igualdade jurídica e a desigualdade social - público/privado, civil/natural,
homem/mulher - formam uma estrutura social coerente e para que termine a

140 Idem. La construcción de las garantias. Hacia uma concepción patriarcal da la liberdad y la igualdad.
Igualdade, diferença e direitos humanos. SARMENTO, Daniel, IKAWA, Daniela, PIOVESAN, Flavia
(Coord.). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, pp. 111-146.
141 Idem. Op.cit, nota 94, p. 18.
74

cumplicidade das feministas e dos socialistas com o contrato, deve-se voltar à atenção
para a subordinação e à contradição da escravidão142.
A teoria do contrato estaria assombrada pela contradição da escravidão em
variadas formas, não exorcizada a contento pelos críticos do contrato, e que
reaparecem continuamente, porque a liberdade, como autonomia, está ainda ligada à
dominação sexual.
A igualdade não necessita ser apenas formal, nem apenas um princípio
constitucional, mas deve ser compreendida como igualdade real, sendo importante
destacar que a consideração da diferença não conduz à impossibilidade de
estabelecimento de um patamar de igualdade, ou ao repúdio à existência de regras,
que são necessárias para o convívio social; a diferença tem sido tratada de maneira
essencialista, considerando os grupos como portadores de características inerentes,
sendo preciso, porém, compreender a diferença de modo relacional, produto de
processos sociais e como diversidade, heterogeneidade e não inferioridade143.
Para Rubio Castro144, o que o feminismo necessita para avançar em igualdade,
nas palavras de Antonio Gramsci, é construir um espaço social ampliado, onde exista
intersecção entre os âmbitos públicos e privados; o público e o privado, o social e o
pessoal e esta nova ordem social não será possível sem a construção de novas
subjetividades, tudo supondo a construção de um novo modelo de sociedade, de uma
teoria crítica do direito e da política, demandando um novo pacto social, com
ressignificação da subjetividade, da cidadania, conciliando tempos e espaços de vida
no novo marco imposto pela globalização. Young, ao analisar as diferentes formas de
exclusão de poder, enfatiza a necessidade de exigência, pelas mulheres, de um novo
pacto, inclusivo de todas e todos, simbolizado na democracia paritária.
Rubio Castro defende que a recomposição da subjetividade e da cidadania das
mulheres não ocorre no espaço privado, mas no âmbito da política e, mais
concretamente, no Direito e no Estado, aduzindo que o reconhecimento das mulheres
como parte da sociedade civil e como sujeitos com autoridade faz com que estejam

142 Conforme Carole Pateman. PATEMAN, Carole. Op.cit, nota 8, p. 336.


143 GOSDAL. Thereza Cristina. “Direito do Trabalho e Relações de Gênero: Avanços e Permanências.”
REIS DE ARAUJO, Adriane; MOURÃO, Tania Fontenelle. Trabalho de mulher: mitos, riscos e
transformações. São Paulo: LTr, 2007, pp. 76-77.
144 RUBIO CASTRO, ANA. “Cidadania y sociedad civil: avanzar em la igualdad desde la politica.” Lo

Público y lo Privado em el contexto de la Globalización. Andalucia: Instituto Andaluz de la Mujer, 2006,


p. 19.
75

presentes e reconhecidas como sujeitos iguais, atores políticos, posição que somente
é estabelecida na democracia paritária, sendo imprescindíveis três lutas sociais e
políticas para o avanço da igualdade entre homens e mulheres.
São elas: a primeira, realizar um debate político profundo acerca das
instituições socializadoras do indivíduo, como a família, a escola e os meios de
comunicação, despojando-as dos estereótipos presentes em relação ao masculino e
ao feminino; a segunda, desenvolver em profundidade o princípio da igualdade de
oportunidades, realizando uma correta distribuição de bens materiais e imateriais
(incluindo o combate ao assédio sexual nas relações de trabalho), intervindo também
sobre as normas que determinam a seleção de pessoas para as funções de liderança
e direção; e em terceiro lugar, desenvolver a democracia paritária, criando um conceito
de representação política paritário entre homens e mulheres145.
Os novos desafios da realidade atual exigem o desenvolvimento de novos
espaços com a participação inclusiva de mulheres e homens, pois somente assim
poderão ser alcançados ou promovidos consensos políticos justos com redução da
violência e promoção da democracia146. Complementando, para Herrera Flores:

A riqueza humana, pois, somente encontra conteúdos materiais na


intensificação participativa e decisória da democracia, que somente se
consolida com mais democracia. Assim os agentes passivos são os principais
obstáculos para a formulação de uma alternativa democrática baseada no
critério da riqueza humana, já que esse critério exige o aumento da
quantidade de indivíduos e grupos com poder real, ou seja, ontologicamente
fortalecidos para poder exercer por si mesmos a busca de sua dignidade147.

Autoras feministas radicais apontavam, na década de setenta, a discriminação


racial e de classe à condição feminina, acrescendo e contrapondo à situação das
mulheres burguesas, a situação das mulheres pobres, negras ou mexicanas, mais
suscetíveis a sofrer assédio sexual no âmbito das relações de trabalho.
Conforme destaca Valcárcel, ao falar sobre a feminização da pobreza:

La feminización de la pobreza es un hecho. La falta de oportunidades de


empleo acordes com la formacion, outro. El acoso y, cuando cabe, la
violência, outro más. Todo ello para um colectivo cuyo único defecto visible
parece ser el no haber tenido la previsión de nacer con otro sexo. (...) Ser

145 Ibidem, pp 23-66.


146 Ibidem, p. 65.
147 HERRERA FLORES. Joaquin. O Nome do Riso. Breve tratado sobre arte e dignidade. Tradução

Nilo Kaway Junior. Florianópolis: Editora Bernuncia, 2007, pp. 124 - 145.
76

mujer no es uma opción. Algunos seres humanos son mujeres, la mitad, más
o menos. E considerando el hecho en sí, no acaban de entender que eso sea
um defecto, o que pueda llegar a parecerlo, por los efectos que tiene el trato
que reciben y las oportunidades que echan em falta. De ahí que este colectivo
se proponga alcanzar las mismas cosas que el conjunto considerada buenas
justamente como es. Y sigue sin tenerlas a mano, sino que se pueda ya
recurrir para explicarlo ni al pecado original ni a la falta de formacion
necessária148.

Herrera Flores aponta o que considera os três mecanismos mais importantes


do funcionamento do patriarcalismo nos planos do jurídico e do político: o primeiro é
a dicotomia jurídica entre liberdade e igualdade; o segundo é a necessidade de
reinterpretar o conceito de igualdade e a separação entre igualdade e diferença; o
terceiro é a separação entre o público e o privado e a necessidade de reinterpretar o
espaço desde uma visão crítica e ampliada da política 149, problemáticas entendidas
como imbricadas entre si, colocando-se no debate sobre a igualdade e a necessidade
de recuperação do conceito de liberdade como construção de um âmbito público
ampliado e apto a superar a oposição entre os espaços públicos e privados.
Dessa forma, a Justiça deve ser entendida não como mecanismo indireto de
promoção e proteção na ânsia de um mundo idealizado nem como a defesa e a
reprodução de um ponto de vista universalizado e sim como aquele que tem mais
proximidade com a criação de condições que possibilitem e impulsionem a reprodução
da vida natural e humana150.
Quando são obtidos alguns avanços legais como o sistema de cotas no Brasil,
por exemplo, eles são duramente questionados.
Entretanto, deve ser admitido como importante o reconhecimento da luta
jurídica pela positivação legal das reivindicações dos grupos excluídos.
Há que se perquirir, contudo, se houve representação paritária na feitura do
texto legal ou se a lei foi feita por um grupo dominante.
Acerca do dualismo público-privado, Herrera Flores remarca como categorias
do masculino o público, o fora, o trabalho, a produção, a independência e o poder,
contrapostos ao feminino que teria como categorias contrapostas o privado, o dentro,
a casa, o recreio e a diversão, o consumo, a dependência e a falta de poder.

148 VALCÁRCEL, Amelia. La Política de las Mujeres. Valencia: Catedra, 2005, p. 195.
149 HERRERA FLORES, Joaquín. Op.cit, nota 100, p. 55.
150 Ibidem, p. 114.
77

Essa mesma dicotomia já era encontrada em Aristóteles, como pressuposto


para uma boa sociedade: Grego/bárbaro, Senhor/escravo, Homem/mulher,
Marido/esposa, Mente/corpo, Razão/emoção, Humano/animal151.
As leis são reconhecidas como um dos lugares possíveis e necessários para o
empenho das mulheres por igualdade, na luta contra o patriarcalismo.
Como aponta Herrera Flores, se a lei supõe uma redução necessária na história
pessoal, serve assim mesmo como meio e instrumento de luta pela dignidade, sempre
e quanto se abandonem os subjetivismos e os particularismos, exigindo o uso do legal
pelo feminismo em particular e das lutas antipatriarcais e anticoloniais em geral.
Ressalta-se assim a necessidade de ampliação do conceito de direito como
instrumento de combate, aqui contra o sexismo, e não como um privilégio, sendo o
antisexismo, como efeito das lutas patriarcais, a denúncia deste privilégio 152.
Não há como negar o Direito como espaço de luta necessário, devendo o
Direito, de outra parte, ser visto a partir de uma perspectiva de gênero relacional,
construída historicamente, permitindo a transformação e a mudança.
Se a exclusão e a dominação de determinados grupos sobre outros não são
consideradas, o que se chama jurídico (normas, doutrina, julgados) age como
catalisador e reprodutor da exploração e da subordinação, embora sob a aparência
formal de neutralidade, universalismo e abstração.
Como advertem Vianello e Caramazza 153, ao falar sobre a raiz masculina do
jurídico, o direito é a expressão mais característica da mentalidade masculina em sua
forma mais degenerada, o masculinismo e a representação distorcida que fomenta e
ao falar sobre a iniquidade do direito, apontam que a equação direito-justiça parece
um “chiste”, não pelas deficiências de um sistema judicial em comparação com outro,
uma vez que as deficiências existem em todos os sistemas judiciais, mas pela
verdadeira antinomia que existe entre direito e justiça, criticando o pensamento
jurídico.
Tendo em vista que o juiz encontra apoio em princípios abstratos, sem levar
em conta as situações concretas, pois a igualdade somente pode ser restabelecida,

151 NYE, Andrea. Teoria feminista e as filosofias do homem. Op.cit, nota 1, p. 252.
152 HERRERA FLORES, Joaquín. .Op.cit, nota 100, pp. 65-66.
153 VIANELLO, Mino; CARAMAZZA, Elena. Género, espacio y poder. Para una crítica de las Ciencias

Politicas. Madrid: Ediciones Cátedra, 2002, p.110.


78

não de um princípio abstrato e sim da “ley de la situacion”, levando em conta o que é


necessário para o desenvolvimento da pessoa no aqui e agora; para o bem-estar
psíquico antes do material e para o respeito à integridade, características que se
opõem ao modos atuais de conceber a Justiça, sendo típicas da atitude feminina.
Para Infante Ruiz154, o direito antidiscriminatório é a ponta de lança do direito à
diversidade e, nesta senda, o traço que marca a perspectiva de gênero introduz uma
nova visão no mundo do direito, conduzindo ao que se denomina, felizmente, de
“feminização do direito”.
Na mesma linha, as palavras de Gandhi, “Si la no violência es la ley de nuestro
ser, el futuro pertenece a las mujeres”155.
Castells aponta que, mais adiante do patriarcado, estão as pessoas e suas
vivências e que, mais adiante das tendências estruturais da história e das instituições
da sociedade, estão as pessoas concretas que necessitam acreditar no outro e que
sonham com uma forma de viver menos cruel do que a que nos rodeia e que esperam
encontrar um lugar em que se possa reconstruir o sentido da vida a partir de amar e
de ser amado. Nas suas palavras:
La reconstrucción de la relación entre mujeres y hombres passa por una
aceptación mutua del fin del patriarcado como forma de organización básica da
la família y de la sociedade. Y para eso los que más tienen que cambiar
(aunque las mujeres también tengan que andar su trecho) son los hombres 156.

Feitas as considerações acima, sobre as teorias feministas e o patriarcalismo,


demarcando o marco teórico que norteia este trabalho e em homenagem ao mestre
Herrera Flores157, falecido prematuramente em 2009, será analisada, de forma mais
detalhada, a teoria de justiça de Iris Marion Young158, entendida como a teoria de
cunho feminista mais apropriada para o estudos das questões acerca do

154 INFANTE RUIZ, Francisco J. Op.cit, nota 51, p. 246.


155 GANDHI, Mahatma. El Arte de la no violência. Disponível em:
<https://docs.google.com/document/d/17xWH77z9mjQ2ywkyCGe7CEvut_Q727ZccjEEBZwwbvc/edit?
hl=es>. Acesso em: 10 jul.2015.
156 CASTELLS, Manuel, SUBIRATS Marina. Mujeres y Hombres: Um amor imposible. Madrid: Allianza,

2007, pp. 45-47.


157 Joaquín Herrera Flores desarrolla a lo largo de su obra una teoría crítica de los derechos humanos,

identificando estos derechos como un producto cultural surgido en occidente, donde han jugado un
papel ambivalente como justificación ideológica de la expansión colonialista, al mismo tiempo que como
discurso enfrentado a la globalización de los distintos tipos de injusticias y opresiones. Disponível em:
<http://joaquinherreraflores.org/content/biografia-de-joaquin-herrera-flores>. Acesso em: 15 jul. 2015.
158 Iris Marion Young foi uma das mais importantes cientistas políticas do último quarto do século XX,

conhecida pelo seu trabalho nas teorias de justiça, teoria democrática e teoria feminista. Disponível em:
<http://www-news.uchicago.edu/releases/06/060802.young.shtml>. Acessso em: 10 jun. 2015.
79

patriarcalismo e da opressão, bem como o enquadramento da situação de assédio


sexual nas relações de trabalho dentro do diamante ético de Herrera Flores,
construção por ele idealizada, como corolário do trabalho desenvolvido em prol dos
direitos humanos.

1.4 A teoria de Justiça de Iris Marion Young e o assédio sexual nas relações de
trabalho dentro do diamante ético de Joaquin Herrera Flores

A busca de uma teoria da justiça alinhada com a teoria crítica dos direitos
humanos é uma das questões mais importantes dos debates sociológico, filosófico e
jurídico nos tempos atuais, buscando compreender o contexto e as perspectivas de
futuro. Autores como Rawls159 e Walzer160 dedicaram muito de seu trabalho à
elaboração de teorias da justiça. Entretanto, conforme doutrina Herrera Flores, é
dentro das teorias feministas, em especial no trabalho de Iris Marion Young161, que se
encontra uma teoria da justiça contraposta às demais, em especial a de Rawls. Sousa
Santos162 adota posição semelhante ao aduzir não ser por acaso que, nas últimas
duas décadas, a sociologia feminista produziu a melhor teoria crítica, pois sendo
múltiplas as faces da dominação, são múltiplas as resistências e os agentes que as
protagonizam e na ausência de um princípio único, não é possível reunir todas as
resistências e agências na alçada de uma grande teoria comum. Em trabalho mais
recente, Sousa Santos vai além, pois apresenta uma teoria sóciojurídica da
indignação163.
Conforme Sousa Santos164, são múltiplas as faces da dominação e da
opressão, muitas negligenciadas pela teoria crítica moderna, o que é bem visível em
Habermas, como demonstrou Nancy Fraser.
As teorias tradicionais de direitos humanos não oferecem uma resposta
adequada aos problemas enfrentados pelas mulheres e as teorias feministas

159 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
160 WALZER, Michael. Esferas da Justiça. Uma defesa do pluralismo e da igualdade. São Paulo: Martins
Fontes, 2008.
161 YOUNG, Iris Marion. La justicia y La política de La diferencia. Valencia: Catedra. 2000.
162 SOUSA SANTOS. Boaventura de. A crítica da razão indolente. Contra o desperdício da experiência.

São Paulo: Cortez Editora, 2011.


163 Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=eUyGEb9H3ec)>. Acesso em 10 jun. 2015.
164 Ibidem, Op.cit, nota 149.
80

estudaram uma reformulação das teorias tradicionais com o objetivo de enfrentar este
conflito ideológico165.
Conforme Matos166, as feministas desempenham papel central nos esforços de
articulação de princípios e práticas de justiça social em um mundo crescentemente
desigual e de destaque político para as diferenças, cabendo destacar que uma “justiça
feminista” ou “de gênero” ou mesmo o potencial das teorias feministas seguem como
trabalhos em andamento. Enfatiza-se aqui a análise de Herrera Flores sobre o
patriarcalismo e sua visão sobre as teorias feministas, perpassando os temas da
liberdade e da igualdade, ressaltando o lineamento de uma teoria da justiça - na
esteira de Iris Marion Young - analisando o conceito de espaço, dentro da separação
entre público e privado. Urgindo aqui a necessidade de reinterpretar o espaço como
um espaço social ampliado, desde uma visão crítica e aprimorada da atividade política
e, ainda, destacando-se a concepção das diferenças como recurso público e a
necessidade do contexto social como referência e caminho para a condução da
dignidade, entendida como a recuperação da potência e da capacidade de fazermos
juntas e juntos o mundo no qual se quer viver, reinterpretando o espaço com visão
crítica e ampliada da política.
Para Herrera Flores, não há oposição absoluta entre igualdade e diferenças,
faces da mesma moeda, sujeitas a tensões difíceis e que repercutem na construção
do espaço de luta pela dignidade humana, tido como o supremo bem social a ser
perseguido. Nas palavras de Herrera Flores:

Entre igualdad y diferencia no hay oposiciones absolutas. Como décimos, son


las dos caras de uma misma moneda. Aunque, como en todo lo que tiene que
ver con lo cultural y com lo sócio-politico, entre ambas as categorias se dan
tensiones, muchas de ellas difíciles de extirpar, y que repercuten en la
construcción de ese espacio de lucha por la dignidad humana, entendido
como el supremo bien social a perseguir167.

165 FREITAS DE ALVARENGA, Lúcia Barros. Op.cit, nota 133, pp. 454-455.
166 MATOS, Marlise. Feminismo e teorias da Justiça. Dimensões políticas da justiça. AVRITZER,
Leonardo et al. (Orgs). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013, p. 152-153. Para a autora, não é
possível não reconhecer o esforço das teorias da justiça defendidas pelo feminismo atual em recolocar
o debate na chave de um conhecimento que esteja a serviço da transformação e emancipação sociais,
necessariamente distanciado da produção de conhecimento descorporificado, desencarnado e caduco
das urgências e emergências das nossas sociedades, profundamente desiguais e injustas.
167 HERRERA FLORES, Joaquín. .Op.cit, nota 100, pp. 90-91.
81

Farinãs Dulce168 aponta que o feminismo da igualdade tem sido traduzido como
a exigência de um tratamento igualitário com o sentido, de uma parte, da eliminação
de discriminações manifestas entre mulheres e homens e de outra parte, da
constituição de mulheres como sujeitos dotados de plena autonomia, que rechaçam
regras protetoras; já o feminismo da diferença é manifestado como a busca de um
tratamento especial, que realiza uma igualdade substancial, através da valorização da
diferença, evidenciando a falsa neutralidade do direito.
Já para o feminismo materialista, a igualdade não seria um fato e a realidade
residiria mais nas diferenças e nas diferenciações impostas pelo contexto. Ainda, que
o combate pela lei, ou melhor, pelas conquistas jurídicas trazidas pelas lutas coletivas
pela igualdade e pela liberdade não se trata de produto de uma ação vazia, mas de
práticas contextualizadas de todas e todos a partir das diferenças e contra as
diferenciações, construindo a muralha que consiste ou deve consistir a democracia -
entendida como espaço comum de luta pela dignidade, baseada em igualdade e
também nas diferenças.
A igualdade deve ser entendida como a possibilidade de incluir nos catálogos
de direitos os projetos sociais e pessoais das mulheres. Tal conceito está vinculado
com a liberdade e a igual realização de direitos, uma vez redefinida a concepção dos
direitos e também da liberdade, sendo que a finalidade última da lei e das práticas
jurídicas sejam a construção de um novo modelo de cidadania capaz de reconhecer
e garantir os direitos das mulheres, tornando possível uma sociedade não
androcêntrica169.
Outro aspecto importante apontado refere a separação entre os espaços
públicos e os espaços privados, remarcando-se a necessidade de reinterpretar o
espaço a partir de uma visão crítica de ampliação da política. O avanço de modo
emancipador e não regulatório, de molde a abrir possibilidades de crescimento para
todas e todos significa ressignificar a liberdade de forma conectada à criação de
condições materiais, pois liberdade e igualdade são faces da mesma moeda e, ainda,
buscar novas modalidades de intervenção na realidade eliminando os óbices de forma

168FARINÃS DULCE, Maria José. Las asimetrias del género em el contexto de la globalización. Lo
Público y lo Privado en el contexto de la Globalización. Andalucia: Instituto Andaluz de la Mujer, 2006,
pp. 97-106.
169 BODELÓN. Encarna. Op.cit, nota 130, pp. 113-114.
82

a permitir o acesso de todas e todos aos bens necessários a uma vida digna,
inadmitindo a relegitimação das situações de marginalização e opressão que atingem
de forma especial as mulheres.
De acordo com Gosdal170, ao analisar a obra de Young, a teoria política
moderna reduz a complexidade social e as diferenças inerentes, unificando os temas
políticos e valorando o que é comum, estando a negação da diferença na estruturação
da razão ocidental e sendo os ideais de racionalidade, cidadania e igualdade
entendidos como masculino, negando a imparcialidade à diferença. Propondo, ainda,
que todas as situações sejam tratadas pelas mesmas regras, possibilitando que o
imperialismo cultural apresente determinados valores como universais, percepção
potencializada com a utilização crescente dos meios modernos de comunicação e da
globalização das relações econômicas do trabalho, residindo o grande desafio no
entendimento das diferenças como particularidade, heterogeneidade do corpo e da
afetividade e pluralidade das relações linguísticas e sociais a serem entendidas não
como inferioridade, mas como diversidade.
Young171 destaca que nas últimas análises feministas sobre a separação entre
o privado e o público na teoria política moderna implicam no ideal do cívico público
como imparcial e suscetível de equívocos. Os teóricos políticos e os políticos
modernos pregavam a imparcialidade e a generalização do público, descartando, de
outro lado, parte da população, incluídas as mulheres da participação do público.
Conclui-se que o ideal do cívico público, enquanto expressão do interesse geral e do
ponto de vista imparcial da razão, tem como resultado a exclusão daqueles que não
se ajustam ao modelo de cidadão racional, que pode transcender o corpo e os
sentimentos. Ao revés, uma política emancipadora deveria fomentar uma concepção
do público sem exclusão, em princípio, de nenhuma pessoa e de nenhum aspecto da
vida das pessoas nem qualquer tema de discussão. Conforme Young, um grupo
somente existe em relação a outro grupo172, agrupados mediante identificação

170 GOSDAL. Thereza Cristina. Op. cit, nota 143, pp. 305-318, em especial a p. 311.
171 YOUNG, Iris Marion. Imparcialidad y lo cívico público. Algunas implicaciones de las criticas
feministas a la teoria moral e política. Teoria Feminista y Teoria Crítica. BENHABIB, Seyla e Cornell,
Drucilla. Valencia: Alfons el Magnanin, 1990, pp. 89-117.
172 Ibidem, pp. 89-117.
83

entendida como interação entre coletividades sociais que diferem em suas formas de
vida, associação e hierarquia em relação ao acesso ao poder e seus instrumentos173.
Para Young, a justiça social requer não o desaparecimento das diferenças, mas
a existência de instituições que promovam a reprodução e o respeito das diferenças
de grupos, sem opressão. Embora alguns grupos tenham se formado a partir da
opressão e de que as relações de privilégio estruturem as interações entre os
numerosos grupos, a diferenciação em si não é opressiva. Para que um grupo seja
oprimido depende de que esteja sujeito a uma ou mais das cinco condições que serão
discutidas mais adiante (as cinco faces da opressão: exploração, violência, carência
de poder, imperialismo cultural e marginalização, que muitos entendem como
exclusão).
Essa visão de diferenciação de grupo como múltipla, cruzada, flexível e mutável
acarreta outra crítica ao modelo do sujeito autônomo e unificado, pois nas sociedades
complexas e altamente diferenciadas como a nossa, todos têm identificações
múltiplas e grupais e a cultura, perspectiva e as relações de privilégio destes grupos
diferentes poderá não manter coerência, concluindo-se que a pessoa individual,
constituída parcialmente por afinidades e relações de grupo não pode ser unificada,
pois ela mesma é heterogênea e não necessariamente coerente.
Um grupo pode ser considerado como oprimido por outro quando sofre uma ou
algumas, ou mesmo todas, das seguintes condições: exploração, marginalização,
carência de poder, imperialismo cultural e violência, entendidas como as caras da
opressão.
A exploração é entendida como a transferência dos resultados e consequências
da ação de um grupo social em benefício de outro e determina relações estruturais
entre os grupos sociais. As regras sociais sobre o trabalho (o que é o trabalho, quem
faz o que e para quem, qual a recompensa e quem se apropria dos resultados) atuam
para determinar relações de poder e desigualdade, que se produzem e reproduzem
por meio de um processo sistemático, com a energia das pessoas despossuídas
dedicadas a manter e aumentar o poder e a riqueza das pessoas possuidoras 174. A
opressão das mulheres consiste parcialmente em uma transferência sistemática e
sem reciprocidade de poder para os homens. Para Young, a opressão das mulheres

173 Idem. Op.cit, nota 148, p. 84.


174 YOUNG, Iris Marion. Op.cit, nota 161, p. 88.
84

não consiste somente em uma desigualdade de status, poder e riqueza resultante da


prática de exclusão, pelos homens, das mulheres nas atividades consideradas
privilegiadas, aduzindo que a liberdade, o poder, o status e a autorrealização dos
homens é possível pelo trabalho da mulher, tendo a exploração de gênero dois
aspectos: a transferência para os homens dos frutos do trabalho material das
mulheres e também a transferência para os homens das energias sexuais e a criação
das crianças 175.
As mulheres são exploradas no sentido marxista porque são trabalhadoras
assalariadas. O trabalho doméstico também representa uma forma de exploração
capitalista de classe, tratando-se de trabalho coberto pelos salários de uma família176.
A injustiça da exploração reside nos processos sociais que acarretam uma
transferência de energias de um grupo para outro, produzindo distribuições desiguais,
permitindo acumulação por parte de poucas pessoas. Para Young177, as injustiças da
exploração não se eliminam somente através da redistribuição de bens se não há
modificação nas práticas institucionalizadas e nas relações estruturais. Fazer justiça
de modo a eliminar a exploração requer a reorganização das instituições e das
práticas de tomada das decisões, a modificação da divisão de trabalho e a mudança
institucional, estrutural e cultural.
A marginalização, talvez a forma mais perigosa de opressão, ocorre quando
um grupo é expulso dos âmbitos de decisão e têm bloqueadas as oportunidades de
exercício de suas capacidades. As pessoas consideradas como marginais são
aquelas em que o sistema de trabalho não pode ou não deseja utilizar, dentre as quais
é possível elencar, apenas exemplificativamente, as pessoas negras ou indígenas, as
pessoas de idade avançada, as pessoas jovens, as mães solteiras e seus filhos e
filhas e pessoas com incapacidade física ou mental ou com algum tipo de
dependência178.
Em relação à dependência, há uma presunção arraigada de que a pessoa deve
ser autônoma e independente para o pleno exercício da cidadania. Essa presunção é
questionada pelas feministas como inadequada e individualista, derivante de uma

175 Ibidem, p. 89.


176 Ibidem, p. 91.
177 Ibidem, p. 93.
178 YOUNG, Iris Marion. Op.cit, nota 161, pp 96-97.
85

experiência masculina das relações sociais, pois as mulheres tendem a reconhecer a


dependência como condição humana básica. Grande parte das pessoas considerada
marginal poderia deixar de ser oprimida ao prevalecer um modelo de direitos menos
individualista.
A marginalização acarreta questões estruturais básicas de Justiça, vinculadas
à conveniência de conexão entre a participação em atividades produtivas de
cooperação social e o acesso aos meios de consumo. Para Young, a reestruturação
da atividade produtiva de modo a conseguir um direito de participação implica
organizar atividades socialmente produtivas fora do sistema assalariado, através de
trabalho público ou de coletivos de autoemprego179.
A carência de poder ocorre a partir da não participação nas decisões que
afetam suas condições de vida e suas ações, incluindo o processo de divisão do
trabalho, os processos criativos e a comunicação acerca das expectativas e critérios
de justiça. O status de privilégio de quem é profissional tem três aspectos, cuja
ausência determina a opressão de quem não é profissional: conseguir e exercer uma
profissão tem um caráter expansivo, progressivo; muitos profissionais têm
considerável autonomia no trabalho diário; os privilégios dos profissionais se
estendem além do trabalho, abarcando toda uma forma de vida, que Young180 nomeia
de respeitabilidade. E o privilégio dessa respeitabilidade, de acordo com a autora,
aparece com clareza na dinâmica do racismo e do sexismo. Entre as injustiças
relacionadas à carência de poder aparece a inibição no desenvolvimento de nossas
capacidades, a falta de poder na tomada de decisões na vida laboral e a exposição a
um trato desrespeitoso em razão da falta de status. Injustiças com consequências
distributivas, mas ligadas fundamentalmente à divisão do trabalho.
Para Young181, a opressão de quem carece de poder põe em questão a divisão
de trabalho comum a todas as sociedades industriais: a divisão social entre os que
planejam e os que executam. A exploração, a marginalização e a carência de poder
são referentes a relações de poder e opressão ocorridas em razão da divisão social
do trabalho e se reportam às relações estruturais e institucionais que definem a vida

179 Ibidem, p. 98.


180 Ibidem, p 101.
181 YOUNG, Iris Marion. Op.cit. nota 161, p.102
86

material das pessoas, sendo uma questão de poder concreto em relação às demais
pessoas.
O imperialismo cultural, de outro lado, é uma forma bastante diferente de
opressão. Decorre da imposição da cultura do grupo dominante sobre o outro,
invisibilizando as características próprias do outro, levando à universalização e
neutralização da experiência e da cultura de um grupo dominante e sua imposição
como norma. Os outros, considerados como o grupo desviado dentro da cultura
dominante, são invisíveis, mas, ao mesmo tempo, diferentes. Conforme Young182, a
injustiça do imperialismo cultural consiste em que as experiências e experimentações
da vida cultural própria dos grupos oprimidos contam com poucas expressões que
afetem a cultura dominante. De outra parte, a cultura dominante impõe aos grupos
oprimidos sua experiência e interpretação da vida social.
A violência, por fim, é aceita dentro do contexto social, que pode, inclusive,
justificá-la. É uma forma de justiça que parece não ser captada pela sua concepção
distributiva, sustenta-se que a violência dirigida contra determinados grupos está
institucionalizada e é sistêmica. Se as instituições e práticas sociais toleram ou
alimentam a violência contra pessoas de determinados grupos como as mulheres, por
exemplo, no ambiente de trabalho, tais instituições e práticas sociais são injustas e
devem ser reformadas, requerendo a redistribuição de recursos ou de posições
sociais, mas, principalmente, uma mudança nas imagens culturais, nos estereótipos
e na reprodução das relações de dominação na vida cotidiana.
Para Young183, a presença de qualquer uma dessas cinco condições é
suficiente para dizer que há opressão de um grupo sobre outro.
Uma teoria de justiça que se proponha a enfrentar o quadro de opressão deve
levar em conta a necessidade de reorganização das instituições e da prática de
tomada de decisões, modificando a divisão de trabalho e dando condições para a
transformação nos âmbitos institucional, estrutural e cultural, entendidos como
complexos e imbricados, criando um ambiente que propicie a denúncia e a alternativa.
A política deve ser entendida como relação social imbricada com a construção
simbólica da realidade, ao contrário do que dizem muitos. Tendo em vista que o
simbólico e o social se cruzam, cabendo destacar as reações culturais que levam aos

182 Ibidem, p. 112


183 YOUNG, Iris Marion. Op.cit. nota 161, p. 112.
87

processos culturais, entendidos como a complexa e constante construção de signos,


símbolos, representações e significados.
O circuito de reações dos seres humanos interagindo consigo mesmo, entre si
e com a natureza permite a construção dos processos culturais que mantém estreita
relação com a atividade política, entendendo-se aqui o político como contínuo
processo de crítica do predomínio do processo de racionalização formal sobre o de
subjetivação social. E neste ponto, volta-se à questão do espaço, ou melhor, da
necessidade de um espaço social ampliado. Aqui é necessário definir o espaço
patriarcal como não-lugar para todos os que não sejam homens, brancos e
proprietários, para todos aqueles que não estão no centro, dentro da dicotomia centro-
periferia.
Conforme leciona Herrera Flores184, o espaço patriarcal é definido pelos
processos ideológicos de inclusão/exclusão, ocultando as relações de poder, com
naturalização da divisão social econômica e cultural do trabalho de forma a invisibilizar
as hierarquias e impedir as transformações e, acima de tudo, estabelece dualismos
aparentemente intransponíveis, repetindo-se então o que já foi referido acerca do
dualismo de gênero e suas categorias (masculino - feminino com as oposições
público-privado, fora - dentro, trabalho - casa, diversão, produção - consumo,
independência - dependência e poder - falta de poder), traduzindo a ideia de vértices
à qual, como resistência, é contraposta a ideia dos vórtices.
Nos vórtices, pode-se dizer que o importante é a rede; a interpelação entre
deveres e responsabilidades mútuas; a priorização da pluralidade e da diversidade de
formas de reação cultural diante do entorno de relações também plurais e diversas.
Se os vértices estabelecidos pelo poder dominante são tentativas fechadas de
conceituação de subordinação, os vórtices, de outro lado, significam uma zona de
turbulência, de conflito, de interação e de choque em que cabe não a ação
institucional, mas a ação política, consistindo a política e nunca é demais repetir, na
produção e reprodução de interações humanas em contextos espaciais concretos.
Para a construção de um espaço alternativo ao patriarcal e que seja marcado
pelos vórtices e não pelos vértices, há que se reordenar e reconfigurar a atividade
política de forma comprometida com a pluralidade, a diferença e a luta contra as

184 HERRERA FLORES, Joaquín. Op.cit, nota 100, p. 101.


88

desigualdades e há assim três conjuntos de princípios éticos que imbricados entre si,
guardam diferenças conceituais claras. São eles: o princípio da
moralização/absolutização; o princípio da integração/assimilação e o princípio da
subjetivação/política da diferença.
Destes princípios, analisados por Herrera Flores185, salienta-se o da
subjetivação/política da diferença, que realiza uma crítica aos anteriores, o primeiro
por rechaçar a relação social, descabendo alternativas à ordem considerada “natural”;
o segundo por identificar as propostas sob uma visão única do político e do
institucional. Adota-se então uma posição de não redução do político a identificações
simplificadoras e redutoras dos complexos problemas por abordar. Existentes
diferenças em capacidades, possibilidades e estilos, tais diferenças devem ser
atendidas para que se alcance a inclusão e a participação de todos os grupos
integrantes da sociedade nas instituições econômicas e políticas.
Diferenças e desigualdades, conforme Herrera Flores, devem ser levadas em
conta como características, devendo a diferença ser entendida como passível de
interação de tipos particulares de pessoas com estruturas grupais e institucionais
específicas e consequência da história, da cultura e das diferentes configurações de
poder e funcionamento das ideologias, exigindo, portanto, conhecimento e
metodologia relacionais, apresentando-se a diferença como uma função das relações
entre os grupos e da interação dos grupos com as instituições.
Das teóricas feministas que se dedicam ao estudo da teoria política de corte
antipatriarcal são extraídos três mecanismos para a efetividade de práticas
institucionais que reinterpretem a instituição política: a partir das diferenças, no
contexto do enfrentamento, do conflito de capacidades e direitos frente ao poder
instituído.
Em primeiro lugar, as instituições devem apoiar, no âmbito da política, as
atividades de auto-organização dos grupos, proporcionando o empoderamento
coletivo; devem possibilitar a veiculação expressada pelos grupos acerca dos efeitos
das políticas sociais e por fim deve ser outorgado poder de veto às políticas que
afetem diretamente ao grupo, evitando-se assim o estabelecimento de normas de
forma vertical (o direito dado).

185 HERRERA FLORES, Joaquín. Op.cit, nota 100, pp. 110-114.


89

Em segundo lugar, estaria a construção de um multiculturalismo crítico, que


absorva as políticas de discriminação positiva, sem absolutizá-las, evidenciando que
ao privilégio de alguns corresponde a marginalização e a opressão de outros.
Em terceiro lugar, estaria a introdução de uma teoria da justiça, nova,
preocupada com a potencialização das condições reais da vida e tendente a provocar
resultados efetivamente justos nos processos de decisão institucional e nos âmbitos
sociais tradicionalmente considerados privados, mas, na realidade, estreitamente
relacionados aos públicos.
E chega-se aqui ao entendimento de justiça como aquele que tem relação com
a criação de condições que permitam e impulsionem a reprodução digna da vida
natural e humana.
Ponto que Herrera Flores apontava como um dos mais relevantes do
pensamento crítico relacionado aos direitos humanos:

Entender la justicia, pues, no como el mecanismo indirecto de proteção y


promoción del ânsia de beneficio em um mundo idealizado de competencia
perfecta y equilíbrio económico formalizado, ni como la defensa y
reproducción de algun punto de vista universalizado desde el que, com velo
o sin velo, se diga siempre la verdad, sino como aquello que tiene que ver
más com a creacion de condiciones que permitan e impulsen la reproduccion
digna de la vida natura y humana 186.

O espaço social ampliado avulta como conquista a ser conseguida por meio de
luta social, superando a dicotomia entre o público e o privado, dentre outras
dicotomias, de modo a possibilitar que as mulheres tenham espaços para o exercício
de seus dons, cabendo aqui constatar que cabe às mulheres, como educadoras de
homens e mulheres, dentro do que se convencionou chamar espaço privado, cada
vez mais imbricado ao público, ampliar o sentido da educação para preparar as
cidadãs e os cidadãos do amanhã para o respeito e inclusão das diferenças em um
mundo plural e complexo.
A tomada de consciência a que refere Young, expressão utilizada pelos
movimentos de mulheres desde os finais dos anos 60, descrevendo que através de
um processo de compartilhamento de experiências, encontra-se um modelo comum
de opressão a estruturar as histórias pessoais, descobrindo-se que “lo personal es

186 HERRERA FLORES, Joaquín. Op.cit, nota 100, p.114.


90

político”, lema, como dito antes, cunhado nos anos sessenta pela feminista radical
Shulamith Firestone.
Para Young, nos últimos anos, corporações ilustradas, com motivação em parte
pelo desejo de evitar conflitos, lembrando-se aqui que a Justiça americana tem
arbitrado valores elevados em casos de indenização, tem instalado oficinas para
tomada de consciência quanto aos temas de assédio sexual.

Em los últimos años algunas corporaciones ilustradas motivadas em parte


también por el deseo de evitar conflitos y pleitos, han instaurado talleres de
toma de conciencia para los ejecutivos varones y otros empleados varones,
sobre temas de acoso sexual. El mismo concepto de acoso sexual surgió de
la toma de conciencia feminista entre las mujeres, no dispuestas a seguir
aceptando como individual e inevitable uma conducta que lês resulta molesta,
humillante o coercitiva. Sin embargo, hacer que los hombres Sean capaces
de identificar las conductas que las mujeres consideram molestas,
humillantes o coercitivas, y explicar por qué las mujeres las consideran como
tales , no há sido uma tarea fácil.(...) Uma estrategia de toma de conciencia
presuponde que aquellas personas que participan han compreendido ya
cómo la dinámica interactiva y las imágenes culturales perpetúan la opresión,
y que están suficientemente comprometidas com la justicia social como para
querer cambiarlas. Tal actividade no puede tener lugar em abstracto. (....) La
politizacion de la cultura requiere de um paso prévio a la terapia, que es la
afirmación de una identidad positiva por aparte de aquellas personas que
experimentan el imperialismo cultural. La aceptacion de la universalidad de la
perspectiva y experiência de las personas privilegiadas cae cuando las
próprias personas opromidas desenmascaran dicha acepatacion al expresar
la diferencia positiva de su experiência. Al crear sus propias imagenes
culturales remueven los estereótipos sobre ellas mismas que habían
recebido. Al haber formado uma autoidentidad positiva a través de la
organizacion y la expression cultural publica, aquellos sujetos oprimidos por
el imperialismo cultural pueden entonces hacer frente a la cultura dominante
com demandas para que se reconozca su especificidad187.

Com a divisão da economia entre o público e o privado e a incorporação das


mulheres no espaço público, o patriarcalismo amplia sua esfera de ação do espaço
do privado para o público ao reproduzir o modelo de reprodução patriarcal familiar:
homem provedor e protetor e mulher subordinada.
O ingresso das mulheres no mercado de trabalho, visto como condição
emancipatória, trouxe a reboque, em razão da mentalidade patriarcal ainda vigente, a
experiência da prática da conduta de assédio sexual, por superiores hierárquicos e
colegas, vivida com agressão à dignidade188 das mulheres.

187 YOUNG, Iris Marion. Op.cit.nota 161, pp .258-259.


188 OSBORNE, Raquel. Op.cit, nota 112, pp. 138-139.
91

O trabalho, motivo de contentamento, realização pessoal, valorização social e


meio de subsistência, transforma-se, diante da existência de situações de assédio nas
relações de trabalho, para não falar de outras ocorrências, em motivo de deterioração
da saúde física e psicológica, invalidação da pessoa trabalhadora e em muitos casos,
agressão propriamente dita.
O assédio sexual nas relações de trabalho é uma situação que evidencia as
relações de classe/gênero da sociedade patriarcal e capitalistas, atingindo, na maioria
dos casos, as mulheres trabalhadoras.
No presente trabalho, objetiva-se, sob a ótica dos direitos humanos como
processos de luta pela dignidade humana, realizar um mapeamento do contexto em
relação ao assédio sexual no âmbito das relações de trabalho, visibilizando a situação,
buscando sua desestabilização e apontando perspectivas de transformação,
notadamente quanto ao paradigma individual/privado vigente para um paradigma
coletivo/público189.
Interessante lembrar, ainda, as palavras de Richter e Iranzo190 ao referir que o
assédio sexual é tema chave para alcançar a igualdade entre os sexos e reflete as
relações de poder em uma sociedade.
A erradicação do assédio sexual no ambiente laboral é parte da luta para
alcançar postos de trabalho em condições de igualdade e de respeito à dignidade da
pessoa trabalhadora, estando inserida no contexto da modificação das relações de
poder (ou de como as relações de poder são manifestadas) nos locais de trabalho.
Na sequência buscar-se-á enquadrar a situação de assédio sexual nas
relações de trabalho dentro da ferramenta metodológica denominada “diamante ético”,
proposta por Herrera Flores191, como marco pedagógico e de ação, construção teórica
que foi elaborando e amadurecendo em suas obras, na busca de instrumentos aptos
à compreensão dos direitos humanos e da abertura dos processos de luta pela
dignidade humana.

189 Conforme Morin um paradigma impera sobre as mentes porque institui conceitos soberanos sua
relação lógica, disjuntiva, conjuntiva e implicativa, que governam de forma oculta as concepções e
teorias científicas realizadas sob seu império. MORIN, EDGAR. A cabeça bemfeita. Repensar a
reforma. Repensar o pensamento. São Paulo: Editora Bertrand Brasil, 2003, p. 114.
190 RICHTER, Jaqueline, Iranzo, Consuelo. “El trabajo feminino en la legislación venezoelana.”A

igualdade dos gêneros nas relações de trabalho. PENIDO, Lais de Oliveira. (Coord.). Brasília: ESMPU,
2006, pp. 213/242.
191 HERRERA FLORES. Op.cit nota 3, pp. 107-138.
92

Nas palavras de Herrera Flores “trabajemos para los derechos humanos sirvan
para añadir um poco más de verdad en este mundo tan injusto e desigual”192.
No esforço de ensinar a seus alunos a concepção complexa e relacional dos
direitos humanos, Herrera Flores visualizou uma figura que denominou “diamante
ético”, pretendendo oferecer uma imagem que concretizasse a nova perspectiva
proposta para a teoria crítica dos direitos humanos, o que se faz aqui também em
caráter de homenagem.
O diamante ético tem a proposta de ser uma figura afirmativa da indiscutível
interdependência entre os múltiplos componentes que definem os direitos humanos
no mundo contemporâneo e que vistos em sua real complexidade, constituem um
marco para a construção de uma ética que tenha como horizonte a consecução das
condições para que todas e todos possam levar à prática sua concepção de dignidade
humana.
Há transversalidade193 no diamante ético, uma rede de elementos em constante
e necessária comunicação.
Entende Herrera Flores que não há nada mais universal que garantir a todos a
possibilidade de lutar, de forma plural e diferenciada pela sua dignidade.
O diamante ético, como concebido por Herrera Flores, tem três capas, com
pontos de conexão mútua e dois eixos.
No eixo vertical, estão os elementos conceituais como as teorias, a posição, o
espaço, os valores, as narrações e as instituições.
No eixo horizontal, estão as condições materiais, como as forças produtivas, a
disposição, o desenvolvimento, as práticas sociais, a historicidade e as relações
sociais.
Os elementos do diamante ético foram dispostos em uma cruz de coordenadas,
tendo ao centro a dignidade humana, entendida como elemento central no
ordenamento dos elementos conceituais e materiais:

192 HERRERA FLORES, Joaquín. Op.cit nota 3, p.17.


193 Conforme Passos e Benevides de Barros ao falar sobre a transversalidade em Guattari, o que
interessa é o que se passa entre os grupos, nos grupos, no que está para além e aquém da forma dos
grupos, entre as formas ou no atravessamento delas, com a rede conectando termos, dando
consistência ao espaço intermediário. Os grupos, as instituições e as organizações formam redes de
inter-relações, isto são relações entre relações, sendo o método a cartografia do intermediário.
PASSOS, Eduardo; BENEVIDES DE BARROS, Regina. A cartografia como método de pesquisa-
intervenção. Pistas do método da cartografia. PASSOS, Eduardo, KASTRUPP; Virginia, e ESCOSSIA,
Liliana da. (Orgs.). Porto Alegre: Sulina, 2012, pp. 17-31, em especial a p. 28.
93

Quadro 1 – Elementos do diamante ético


TEORIAS
POSIÇÃO
ESPAÇO

FORÇAS DIGNIDADE PRÁTICA RELAÇÕES


PRODUTIVA DISPOSIÇÃ DESENVOLVIMENT HUMANA S HISTORICIDAD SOCIAIS
S O O SOCIAIS E DE
PRODUÇÃ
O
VALORES
NARRAÇÕES
INSTITUIÇÕE
S
Fonte: HERRERA FLORES, Joaquín (2008)

Conforme Herrera Flores194, os elementos devem ser ordenados em um


cruzamento de coordenadas que permitam a identificação dos pontos entre os quais
é possível o estabelecimento de relações de análise para a situação objeto de estudo.
No eixo vertical estão os elementos do eixo conceitual, e no horizontal estão os
elementos do eixo material, como já dito, tendo ao centro a ideia de dignidade
humana, concretizada na conquista de acesso igualitário aos bens materiais e
imateriais que permitem levar a vida de forma digna, em uma visão plural das
diferenciadas formas de vida.
Os elementos do eixo conceitual do vertical do diamante ético são as teorias,
as posições, o espaço, os valores, as narrações e as instituições.
Já os elementos materiais do eixo conceitual do diamante ético são as forças
produtivas, a disposição, o desenvolvimento, as práticas sociais, a historicidade e as
relações sociais.
Os elementos são ordenados tendo ao centro a ideia de dignidade humana,
buscando-se gerar a capacidade de compreensão de uma situação social na qual
estão em jogo as formas de satisfação de determinadas necessidades da pessoa, a
partir de uma concepção materialista e relacional dos direitos humanos - cuja maior
concretização será alcançada quanto mais se aproxime do ideal da dignidade
humana, diante dos conteúdos materialistas. Não se concretizando o direito humano

194 HERRERA FLORES, Joaquín. Op.cit nota 3, p.122.


94

perseguido, os envolvidos na situação têm o direito legítimo a um sentimento de


indignação ante a situação na qual são colocados.
A imagem do diamante ético baseia-se na ideia de que a dignidade humana e
os direitos não são elementos isolados nem dados como anteriores, mas sim
construídos passo a passo pela própria comunidade ou pelo próprio grupo afetado,
com caráter de direitos em movimento. Ainda, que se podem gerar e revisar dentro do
método aberto proposto, sendo necessário relacionar cada ponto com cada um dos
conceitos ou elementos constitutivos do marco de análise dentro da imagem complexa
do diamante ético. Dessa forma, pretendendo-se que a cidadania forme uma imagem
múltipla que leve a olhar as situações a partir da pluralidade de suas causas, seus
processos e seus resultados, admitindo que falar de dignidade não é falar de algo
abstrato ou metafísico, mas das possibilidades ou óbices encontrados na hora do
acesso igual ou desigual aos bens materiais e imateriais que compõem a vida
humana.
Em relação ao assédio sexual nas relações laborais, pode ser enquadrado no
diamante ético do Joaquín Herrera Flores, da forma que expomos na sequência:
Em relação ao eixo material, há as forças produtivas, representadas pelas
novas técnicas e instrumentos de produção de bens, estreitamente ligadas às
relações sociais de produção, significadas pelas diferentes formas de relações sociais
e políticas. A existência de assédio sexual nas relações laborais e a maneira como as
forças produtivas e as relações sociais de produção lidam com a questão foram vistas
aqui, a partir da inserção da mulher no mercado de trabalho e da mecanização das
indústrias, possibilitando a homens e mulheres o exercício das mesmas tarefas e as
interações relacionais daí decorrentes.
As relações sociais de produção são a forma de relacionamento de quem
intervém na produção de bens e serviços, tanto entre eles como com a natureza,
determinando o modo de acesso aos bens. No caso do assédio sexual nas relações
de trabalho são analisadas as relações entre homens e mulheres no âmbito das
relações estabelecidas dentro dos locais de trabalho, pressupondo uma relação regida
pelas normas trabalhistas.
As disposições, estreitamente ligadas às posições, têm relação com a
consciência da situação ocupada no processo de acesso aos bens e a consciência
acerca da atuação neste processo, pois a pessoa tem consciência do fato de ser
95

favorecida ou desfavorecida, maltratada ou bem tratada, explorada ou tratada de


forma digna. No caso das mulheres, há a consciência acerca da opressão a que ainda
estão submetidas, embora existam possibilidades e disposições para as mudanças.
A historicidade é entendida como a situação de um grupo social atendendo a
suas causas históricas e às causas dos grupos que lhe deram origem, assim como os
efeitos e momentos do processo. No caso do assédio sexual nas relações de trabalho,
foram analisadas as causas históricas, ligadas à história das mulheres e suas lutas e
as causas dos grupos que lhe deram origem, enfatizando-se o contrato sexual de que
fala Pateman195, quando aponta que as mulheres foram relegadas do contrato social
originário.
O desenvolvimento é entendido como o processo e situação atual de criação
de condições sociais, econômicas e culturais que permitam ou impeçam o acesso aos
bens. O desenvolvimento deve ser entendido a partir das condições de subordinação
dos atores sociais, cujas vidas são afetadas pelas políticas econômicas neoliberais196.
Aqui, em relação à situação de assédio sexual nas relações de trabalho, é constatado
um problema que impede o desenvolvimento pleno da dignidade humana das
mulheres e da sociedade como um todo.
As práticas sociais são entendidas como formas de organização e ação a favor
ou contrárias à situação de acesso aos bens pretendidos. Em relação ao assédio
sexual nas relações de trabalho, há grupos mobilizados ou em mobilização para a
modificação da situação encontrando-se ainda, de outro lado, muitas mulheres
isoladas e em inatividade, o que se credita à falta de conhecimento, vale dizer, de
educação inclusiva, ou seja, uma educação que inclua as diferenças existentes entre
homens e mulheres e que não seja hierarquizante.
Em relação ao eixo conceitual, existem primeiramente as teorias ou ideias,
sendo importante, neste caso, incluir três itens: não há uma só teoria sobre os direitos,
várias teorias podem coexistir, diante da inexistência de apenas uma linha histórica
no desenvolvimento das ideias jurídicas e políticas, não deixando de destacar que se
hoje predominam teorias em maior ou menor grau próximas às propostas políticas e
sociais do neoliberalismo, há outras tradições de pensamento importantes para a
fundamentação de práticas democráticas e constituintes em relação aos direitos

195 PATEMAN, Carole. Op.cit, nota 8.


196 HERRERA FLORES, Joaquín. Op.cit nota 3, pp. 131-132.
96

humanos; em segundo lugar, é preciso saber como as teorias são articuladas nas
práticas sociais dos agentes sociais. Como exemplo, questiona Herrera Flores, “cómo
van siendo asumidas socialmente las aportaciones de una teoria feminista que lleva
años reflexionando acerca de la situación de subordinación, teórica y practica, de la
mujer em las diferentes esferas de la vida privada y publica?”197; em terceiro, verificar
como as teorias constituem e reproduzem práticas e formas concretas de produção e
reprodução cultural e social, não podendo reduzir as ideias a um conjunto de
estruturas internas transmitidas aos cidadãos e cidadãs pelas instituições educativas,
políticas e sociais, nem considerar as ideias como resultado passivo da ação de uma
ideologia dominante, pois as ideias formam parte da construção humana e social da
realidade, tendo em vista ideias e teorias que desempenham função importante na
reprodução global da totalidade social, composta por propostas teóricas e por
instituições, colaborando ou não se opondo à disseminação das condições
necessárias para que se dê um determinado tipo de produção. Neste caso, entram as
forças produtivas e das relações associadas às forças produtivas, que são as relações
sociais de produção, sendo importante conhecer as ideias sobre os direitos, pois
consolidam o conhecimento sobre funções e processos sociais.
As teorias são as formas de encarar um processo ou um objeto e nos dão ideia
sobre eles. A situação de assédio sexual nas relações de trabalho é abordada nas
teorias e incluída nas discussões acerca da opressão, buscando sua visibilização.
Os valores são entendidos como preferências individuais e coletivas,
majoritárias e minoritárias a respeito de algo ou de uma situação e que permitam a
relação com os outros, remarcando-se que as normas jurídicas não podem fazer nada
por si só, pois como produtos culturais estão situadas no marco do sistema de valores
emancipatórios ou reacionários. Assim, não sendo as normas nacionais e
internacionais mais que instrumentos dos sistemas de valores e daí a importância,
para as pessoas comprometidas com os direitos humanos, da mudança de um
sistema de valores que justifica um acesso desigual aos recursos em função não das
pessoas, mas dos mercados financeiros. No caso do assédio nas relações de
trabalho, ainda predominam valores patriarcais, que aceitam a opressão sobre as
mulheres.

197 HERRERA FLORES, Joaquín. Op.cit nota 3, p. 116.


97

Em relação às posições, que pertinem ao lugar que se ocupa nas relações


sociais e que determina a forma de acesso aos bens, são estreitamente ligadas às
disposições, entendidas como a consciência da situação que se ocupa dentro do
processo de acesso aos bens e a consciência acerca da atuação neste processo. Viu-
se aqui a questão do assédio sexual nas relações de trabalho em relação às posições
ocupadas pelos atores sociais, buscando a conscientização da situação dentro de
uma disposição para a transformação.
Os espaços são os lugares físicos, geográficos, humanos e culturais nos quais
ocorre o conjunto de relações sociais. O espaço, na questão do assédio sexual nas
relações de trabalho, situa-se dentro dos espaços de trabalho ocupados pelas
mulheres e seu entorno.
As narrações, entendidas como as formas como são definidas as coisas e
situações dentro do narrar humano; os modos a partir dos quais as pessoas são
definidas e como devem participar das relações sociais. As narrações trazem
embutida uma ideologia. No caso do assédio sexual das relações de trabalho,
pertinem aos relatos das pessoas assediadas e como são percebidos tais relatos,
pelas demais pessoas, bem como o conteúdo vinculado na mídia acerca do tema e o
julgamento de valor contido (se houve ou não assédio sexual em determinada
situação; de quem é a culpa, se é certo ou errado, se há ou não uma naturalização da
conduta; se é hipótese de retaliação em relação à pessoa assediadora).
As instituições são entendidas como as normas, as regras e os procedimentos
articulados burocraticamente para a resolução de conflitos ou para a satisfação de
uma expectativa. As instituições dão suporte ao conhecimento, ressaltando a
importância do componente institucional dos direitos, pois toda instituição é o
resultado jurídico, político, econômico e social de uma determinada forma de
compreender os conflitos sociais, que podem ser interpretados como espaços de
mediação nos quais se cristalizam os resultados sempre provisórios das lutas sociais
pela dignidade.
É importante ressaltar que ao falar de instituições, são referidas as relações de
poder predominantes no momento histórico concreto vivido e daí a importância da luta
política e institucional para levar à prática as ideias críticas defendidas.
98

Para Herrera Flores198, analisar um direito fundamental, como o direito ao


trabalho, exige o conhecimento dos novos modos de produção e também que a
produção está sofrendo um importante processo de desregulamentação normativa e
de relocalização espacial, produzindo graves consequências nas relações laborais
ante a perda de conquistas sociais, diante da competitividade e da flexibilidade,
incidindo sem controle público tanto na contratação como na despedida, com várias
questões decorrentes passíveis de análise. Dentre elas, a situação da mulher na nova
reestruturação produtiva. Em relação à situação da mulher, constata-se que, após
muito tempo de opressão e de dominação, há uma profunda reflexão acerca dos
temas feministas como um todo e acerca da temática do assédio sexual nas relações
de trabalho, refletidas na edição de normas, que aos poucos vão saindo do papel.
Todos os aspectos do diamante ético são interligados e dispostos em três
capas: na primeira estão as teorias, as instituições, as forças produtivas e as relações
sociais de produção; na segunda estão as posições, as disposições, as narrações e a
historicidade e na terceira estão os valores, o desenvolvimento e as práticas sociais.
Como apontado por Herrera Flores, o objetivo consiste em saber escolher os
elementos e eixos mais interessantes para trabalhar de forma analítica e prática com
os direitos humanos, entendidos como processos que abrem ou fecham espaços de
luta pela dignidade humana.
Busca-se visibilizar a situação do assédio sexual nas relações de trabalho e as
perspectivas de atuação para a desestabilização e para a transformação da situação,
dentro da visão “impura” da teoria crítica dos direitos humanos proposta por Joaquin
Herrera Flores e a expressão “impura”, é referente à visão do direito contaminada pelo
contexto, no caso, o contexto do assédio sexual nas relações de trabalho.
Acima buscou-se analisar aspectos da teoria de justiça de Iris Marion Young, e
do enquadramento do assédio sexual nas relações de trabalho no diamante ético de
Joaquín Herrera Flores, evidenciando, neste primeiro capítulo, o marco teórico
adotado. No próximo capítulo, buscar-se-á a contextualização do assédio nas
relações de trabalho.

198 HERRERA FLORES, Joaquín. Op.cit nota 3, p. 118.


99

2. CONTEXTUALIZAÇÃO DO ASSÉDIO SEXUAL NAS RELAÇÕES DE


TRABALHO

No capítulo inicial foi abordada, primeiramente, a história das lutas das


mulheres em âmbito mundial e após, especificamente, a luta das mulheres brasileiras,
sempre na busca pela igualdade real dos direitos de mulheres e homens; após, foram
abordadas as teorias feministas e a luta contra o patriarcalismo, enfatizando-se o
estudo da teoria de Justiça de Iris Marion Young e o enquadramento do assédio sexual
nas relações de trabalho dentro da ferramenta metodológica de Joaquin Herrera
Flores, denominada de “diamante ético” e seus eixos conceitual e material. No
presente capítulo, intenta-se contextualizar o assédio sexual nas relações laborais,
dentro do recorte teórico proposto.
As situações de assédio sexual nas relações de trabalho tratadas aqui são as
que ocorrem no âmbito das situações de trabalho regidas pela Consolidação das Leis
do Trabalho, aprovada pelo Decreto Lei nº 5.452, de 01.05.1943, excluindo-se a
análise dos casos de assédio sexual nas relações regidas pelo regime administrativo
estatutário, previsto para os funcionários da administração pública, cabendo destacar
que embora a Lei nº 8112 de 11 de dezembro de 1990 não refira com clareza ao
assédio sexual, sua prática, na administração pública federal, fere os artigos 116, II,
IX e XI.
A obtenção de liminar favorável pela Associação dos Juízes Federais (Ajufe),
em Ação Direta de Inconstitucionalidade, de Adin nº 3.395-6/DF, movida em face do
Congresso Nacional, com efeito ex tunc, diante da Emenda Constitucional 45/2004,
retirou da Justiça do Trabalho a competência para apreciar e julgar as questões
pertinentes ao regime administrativo estatutário.
Assim, a competência passou a ser da Justiça Estadual, em relação aos
servidores estatutários estaduais e municipais, e da Justiça Federal, em relação aos
servidores estatutários federais.
O assédio sexual é um fenômeno tão antigo como a história do trabalho, tendo
como vítimas, na maioria dos casos, as mulheres, causando impacto em suas vidas e
carreiras laborais. Contudo, os esforços para conceituar o problema e desenvolver
ferramentas jurídicas, políticas e educativas para combater o assédio sexual nas
relações de trabalho são recentes.
100

No Brasil, o tema obteve maior divulgação com a edição da lei nº 10.224, de 15


de maio de 2001, que dispôs sobre o crime de assédio sexual, agindo o legislador, no
caso, em consonância com os parâmetros protetivos internacionais, ainda que a
definição da conduta de assédio sexual que consta na lei seja passível de críticas.
Embora a prática da conduta de assédio sexual seja incluída por muitos como
uma questão referente à discriminação, principalmente contra a mulher, deve ser
entendida de forma mais abrangente, como opressão, notadamente em relação às
trabalhadoras.
A prática da conduta de assédio sexual nas relações de trabalho não possui
como motivação um eventual desejo sexual da pessoa assediante; não se confunde
com uma cantada ou manifestação mais ou menos inocente de atração.
Ao contrário, é grave violação aos direitos humanos das trabalhadoras
mulheres.
Ao assédio sexual nas relações de trabalho, na maioria dos casos, é dado
tratamento individual, “privado”, que não pode ser desprezado e produz casos
emblemáticos, porém o assédio sexual nas relações de trabalho apresenta contornos
de situação coletiva, “pública” e se a opressão é considerada como conceito estrutural
e tem cinco caras (exploração, marginação, carência de poder, imperialismo cultural
e violência), como ensinado por Young199, mostra-se necessário, para solucionar a
questão, o empoderamento das mulheres de forma coletiva, diante da carência de
poder, tratando-se o assédio sexual nas relações laborais como um problema coletivo.
Nas palavras de Vásquez200 “... detrás de todo este problema no hay solo uma
cuestion de sexo, sino también uma cuestion de poder, y no unicamente de poder em
la empresa, sino em la sociedade”, lembrando a autora a importância da definição do
tema para o reconhecimento dos mecanismos de proteção pertinentes.
Feitas tais considerações, analisar-se-á, à luz da teoria crítica dos direitos
humanos, o assédio sexual nas relações de trabalho, buscando sua contextualização,
enfatizando, primeiramente, os parâmetros de conduta possíveis para a aferição da
existência de situação de assédio sexual no trabalho, diante da diversidade das
relações humanas e os diferentes hábitos culturais das nações.

199
YOUNG, Iris Marion. Op.cit, nota 161, pp. 71-114.
200
VÁSQUEZ, Dolores de La Fuente. Acoso sexual. La Discriminacion Por Razon de Sexo em la
Negociação Coletiva. RIO, Teresa Pereza del. (Coord.) Madrid, Instituto de la mujer. 2005, p. 226.
101

2.1 Parâmetros de conduta possíveis para a aferição da existência de situação


de assédio sexual nas relações de trabalho

Há que se perquirir acerca de um parâmetro aceitável no que diz respeito à


conduta de natureza sexual que constitui assédio sexual ilícito no âmbito das relações
de trabalho a ser regulada pelo Direito.
É difícil encontrar um padrão universal de conduta, como dito por Pamplona
Filho201, ao lembrar os banhos públicos em Roma, constatando que a moral e os
costumes variam nas diversas sociedades e nas diferentes épocas, e o que é uma
conduta de natureza sexual para uma determinada sociedade pode não ser para
outra.
Nas diferentes sociedades, ao longo dos tempos, há uma diversidade de
condutas, notadamente em relação à moral e aos costumes sexuais. Se no início do
século passado, no Brasil, a visão de um tornozelo feminino provocava frisson nos
homens202, hoje são encontradas imagens de mulheres desnudas amplamente
utilizadas na publicidade até para vender pneus.
Ao mesmo tempo em que a utilização de trajes de banho é amplamente aceita
em países ocidentais, em alguns países de religião muçulmana, é exigido das
mulheres o uso da burka, sob pena de pesadas sanções. O que em determinadas
sociedades é plenamente aceitável, em outras pode causar estranhamento e até
repugnância.
Cada meio social estabelece os padrões de conduta aceitáveis, em relação ao
vestuário, lembrando que as roupas, nas diversas sociedades, além da proteção ao
corpo, sempre tiveram outras funções, demonstrando diferenças hierárquicas e
refletindo os valores culturais de determinados grupos.
Se os trajes de banho são aceitos na beira de uma praia ou de uma piscina,
espera-se que os frequentadores de uma cerimônia religiosa ou convidados para uma
festa formal, apenas para dar alguns exemplos, exibam outro tipo de vestimenta. No

201 PAMPLONA FILHO, Rodolfo Mário Veiga. Assédio sexual: questões conceituais. FRANCO FILHO,
Georgenor de Sousa (Coord.). Trabalho da Mulher: homenagem a Alice Monteiro de Barros. São Paulo:
LTr, 2009, p. 255
202 Conforme o historiador Sebastião Rogério Ponte, aderindo aos modismos, as mulheres livram-se da

aparência que as marcou durante séculos: "(...) as longas madeixas, e os vestidos balões a cobrir
pernas e braços, em que vislumbrar o tornozelo feminino era o máximo de frisson erótico que os
homens podiam obter" (PONTE, 2002:186). Disponível em:
<http://www.adtevento.com.br/intercom/2007/resumos/R2374-1.pdf>. Acesso em: 16 outubro de 2007.
102

âmbito das relações de trabalho, em muitas ocupações, é exigido o uso de uniforme


e equipamentos, o que se faz, muitas vezes, em cumprimento à legislação de
segurança do trabalho.
Como exemplo da diversidade de costumes entre as diferentes culturas, há os
cumprimentos sociais. Os norte-americanos limitam-se ao aperto de mão, os
japoneses inclinam a cabeça. No Rio Grande do Sul, a prática é que as pessoas se
cumprimentem com três beijos na face. Em outros lugares do Brasil, a prática é de
dois ou mesmo apenas um beijo e o que passar disso pode ser considerado como
cantada. Já os homens russos beijam-se na boca, à guisa de cumprimento. Os usos
e costumes e a moral variam de acordo com o lugar, a sociedade e a época.
Conforme Gonzalez203, nas regiões de sangue latino parece necessário
distinguir entre ações agressivas e brincadeiras que podem ser feitas, sem a
proposição de grau de torpeza.
Tribunais, cortes e comissões de direitos humanos tem emitido juízos que
contém definições ou determinam os elementos necessários para a configuração do
assédio sexual no âmbito das relações de trabalho.
A linguagem corporal também é influenciada pelos aspectos culturais. A
proximidade física aceitável entre as pessoas durante um encontro também é
estabelecida de forma implícita, sendo consideradas inconvenientes as pessoas que
se aproximam das outras de forma demasiada, violando a chamada “zona de
conforto”, termo emprestado da psicologia e utilizado aqui para significar o espaço no
qual as pessoas sentem-se bem, seguras e à vontade em relação às demais.
Autores como Antonio Dias de Figueiredo, que estudam a comunicação não-
verbal entre as pessoas, estabelecem até uma medição para a distância aceitável
entre as relações:
a) distância íntima próxima (contato físico);
b) distância íntima afastada (15-50 cm);
c) distância pessoal: distância pessoal próxima (50-80 cm); distância pessoal
afastada (80-120 cm);
d) distância social próxima (120-200 cm);
e) distância social afastada (200-300 cm);

203 Cf. GONZÁLEZ, Elpidio. Acoso Sexual. Buenos Aires: Abeledo Perrot, 2010, p. 6.
103

f) distância pública próxima (3-8 m);


g) distância pública afastada (>8 m)204.
A duração do olhar também é regulada nas relações sociais, lembrando que
algumas sociedades orientais cultivam amuletos para o que consideram como “olho
grande” ou “mau olhado”.
Não se pode olvidar que sempre há uma margem de subjetividade quanto à
interpretação de manifestações não-verbais.
Da literatura é possível extrair situações nas quais olhares e toques dão
margem a dúvidas quanto às reais intenções dos envolvidos, transcrevendo-se aqui,
a propósito, trechos do livro “Dom Casmurro”, do escritor Machado de Assis,
descrevendo um suposto assédio da personagem Sancha em relação ao narrador, no
caso, o personagem Bentinho, esclarecendo que Sancha era amiga da esposa de
Bentinho e casada com Escobar, seu amigo:

Sancha ergueu a cabeça e olhou para mim com tanto prazer que eu, graças
às relações dela e Capitu, não se me daria beijá-la na testa. Entretanto, os
olhos de Sancha não convidavam a expansões fraternais, pareciam quentes
e intimativos, diziam outra cousa, (...) Quando saímos, tornei a falar com os
olhos à dona da casa. A mão dela apertou muito a minha, e demorou-se mais
que de costume. (...) A modéstia pedia então, como agora, que eu visse
naquele gesto de Sancha uma sanção ao projeto do marido e um
agradecimento. Assim devia ser. Mas o fluido particular que me correu todo
o corpo desviou de mim a conclusão que deixo escrita. Senti ainda os dedos
de Sancha entre os meus, apertando uns aos outros. Foi um instante de
vertigem e de pecado. Passou depressa no relógio do tempo; quando cheguei
o relógio ao ouvido, trabalhavam só os minutos da virtude e da razão205.

Fica evidente aqui que os olhares e o aperto de mão de Sancha ensejaram


dúvida no espírito de Bentinho sobre seu real significado, como evidenciado no trecho
a seguir:

Não havia meio de esquecer inteiramente a mão de Sancha nem os olhos


que trocamos. Agora achava-lhe isto, agora aquilo. (...) quem me afirmava
que houvesse alguma intenção daquela espécie no gesto da despedida e nos
anteriores? (...) Quando houvesse alguma intenção sexual, quem me
provaria que não era mais que uma sensação fulgurante, destinada a morrer
com a noite e o sono? Há remorsos que não nascem de outro pecado, nem
têm maior duração. Agarrei-me a esta hipótese que se conciliava com a mão

204 Disponível em: <https://www.dei.uc.pt/weboncampus/getFile.do?tipo=2&id=2948>. Acesso em: 18


jun. 2015.
205 MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. Dom Casmurro. Porto Alegre: L&PM, 2008, pp. 216-217.
104

de Sancha, que eu sentia de memória dentro da minha mão, quente e


demorada, apertada e apertando206.

Bentinho, dividido entre a atração e a lealdade ao amigo, ao final conclui


dizendo: “Paixão não era nem insinuação. Capricho seria ou quê? Ao fim de vinte
minutos era nada, inteiramente nada. O retrato de Escobar pareceu falar-me, vi-lhe a
atitude franca e simples, sacudi a cabeça e fui deitar-me207”.
Se o comportamento de Sancha era efetivamente assédio ou mera fantasia do
narrador, não há como saber. Machado de Assis, como é de seu estilo, deixa também
esta questão em aberto ao leitor, o que se diz para ilustrar a dúvida justificável em
relação a determinadas atitudes humanas e a margem de subjetividade nas
interpretações possíveis.
Saindo do mundo da literatura e voltando ao mundo do trabalho, verifica-se que
a maioria dos trabalhadores passa muitas horas de seu dia no ambiente de trabalho,
em contato, a mais das vezes, com outras pessoas. Como não poderia deixar de ser,
tratando-se de agrupamentos de pessoas, é de conhecimento geral que muitos
relacionamentos amorosos iniciam dentro do ambiente de trabalho, assim como
estudantes universitários tendem a paquerar e a namorar entre si. São lugares que,
pelo convívio diário, propiciam o conhecimento e a aproximação entre as pessoas.
Uma pesquisa realizada no ano de 2001, em algumas cidades brasileiras,
aponta que 37% dos relacionamentos amorosos iniciaram no trabalho208.
Esperar o contrário seria desconhecer a gregária natureza humana e negar os
instintos naturais que garantem a sobrevivência da espécie. Mas como aferir se a
conduta a ser examinada constitui assédio sexual ou apenas uma incontinência de
conduta, reprovável apenas em termos sociais e não jurídicos?
Há quem afirme que o temperamento “caloroso” ou “carinhoso” do povo, a
utilização de roupas leves e a série de festas populares existentes, que colaboram
para a imagem externa e interna do povo brasileiro como “receptivo”, traduzem uma
maior aceitação de comportamentos sociais mais liberados, fazendo com que
algumas manifestações, por vezes abusivas, sejam relevadas, especialmente, se

206 Ibidem, p. 217.


207 Ibidem, p. 218.
208 AMÉLIO, Ailton. O mapa do amor – Tudo o que você queria saber sobre o amor e ninguém sabia

responder. São Paulo: Editora Gente, 2001.


105

oriundas de um homem e dirigidas para uma mulher, considerando ainda as


dificuldades quanto à obtenção de uma prova cabal e os julgamentos de
improcedência, exatamente em razão da ausência de prova robusta.209
Há também a questão da subjetividade na avaliação da conduta. Alguns
autores210 classificam as condutas de assédio sexual em vários graus: de leve a muito
forte.
A conduta leve compreenderia piadas, comentários, assobios, conversações
de caráter sexual na presença da pessoa assediada. A conduta moderada
compreenderia condutas não verbais e sem contato físico, como olhares e gestos
insinuantes. A conduta média compreenderia condutas verbais como telefonemas ou
convites explícitos para encontros;
A conduta forte compreenderia manifestações implicando toque físico, como
roçar intencionalmente o corpo da pessoa assediada, encurralamento, beliscões e
toques com conotação sexual. A conduta muito forte compreenderia o comportamento
dirigido à consumação do ato sexual.
Dentro da ampla casuística encontrada, com descrição de diversas condutas,
o questionamento que surge é como mensurar se os atos praticados, notadamente os
de grau leve ou moderado, conforme a classificação acima, constituem efetivamente
conduta de assédio sexual ou se são apenas formas de expressão e relacionamento
entre as pessoas envolvidas, evidenciando, por vezes, o que se chama de “falta de
educação”, “maus modos” ou ainda ausência de “traquejo social”, entendido como o
conhecimento dos costumes vigentes e a capacidade de se comportar em sociedade
dentro dos parâmetros de conduta aceitos.
A condição de pressão não desejada parece ser a diferença entre outras
situações sociais em que a sedução encontra justificativa. Há quem sustente que
expressões de galanteria deveriam ser naturalmente consideradas no contexto da
coexistência entre os sexos.

209 DAL BOSCO, Maria Goretti. Assédio sexual nas relações de trabalho. Síntese Trabalhista. n. 149,
novembro de 2001, p. 134. Também disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2430>. Acesso em: 16 out. de 2007.
210 FUENTE VASQUEZ apud NOVAIS, Denise Pasello Valente. Discriminação da Mulher e Direito do

Trabalho. São Paulo: Editora LTr, 2005, p. 95.


106

Para Osborne211, “nos encontramos con la eterna polémica en muchos de estos


asuntos acerca de donde está la línea fronteiriza entre lo socialmente aceptable y el
abuso, y sobre quién tiene el poder para trazarla.”
Pamplona Filho, autor que dedicou sua dissertação de mestrado sobre o tema,
reconhece que não é possível estabelecer um padrão universal de conduta. Considera
apenas elementos universais de identificação do assédio, mas entretanto afirma a
configuração, como regra geral, do assédio sexual dependente da reiteração da
conduta, não tendo um ato isolado o condão de caracterizá-lo:

Um ato isolado geralmente não tem o condão de caracterizar,


doutrinariamente, tal doença social. Todavia, excepcionalmente, há
precedentes jurisprudenciais no Direito Comparado que entendem que se a
conduta de conotação sexual do assediante se revestir de uma gravidade
insuperável (como, por exemplo, em casos de contatos físicos de intensa
intimidade não aceitável socialmente), é possível o afastamento deste
requisito. Como nos informa, com sua autoridade peculiar, Alice Monteiro de
Barros, "o Tribunal do Reino Unido, no caso Bracebridge Engineering Ltd. x
Darby, entendeu que um só incidente é suficientemente grave para se aplicar
a lei contra discriminação sexual. A propósito, a legislação da Costa Rica
assegura a possibilidade do assédio sexual configurar-se pela prática de uma
única conduta, desde que seja grave”. Apesar deste "desprezo
jurisprudencial" por este requisito, a sua menção nos parece fundamental,
uma vez que, salvo eventual divergência fundamentada em direito positivo
(em que valerá o brocardo dura lex, sede lex), é sintomática a observação de
que o afastamento deste requisito se dá sempre como exceção. A análise
conjunta com os requisitos anteriores, notadamente a interpretação do que
seja, para determinada sociedade, uma conduta com conotação sexual, é que
possibilitará descobrir se um simples apertão nas nádegas já caracteriza o
assédio ou é apenas uma simples manifestação de falta de educação e
desrespeito, quando não caracterizar algum tipo penal212.

Contudo, entende-se que não é a reiteração do ato (ou dos atos) que demonstra
a conduta de assédio. É bem verdade que a reiteração da conduta evidencia e facilita
a comprovação da existência da conduta de assédio sexual.
Mas um único ato pode revestir-se de gravidade suficiente para humilhar,
constranger e intimidar o (a) trabalhador (a)213, não sendo, portanto, a reiteração da
conduta, parâmetro apto a mensurar a existência ou não de conduta de assédio
sexual. O meio é o sexo; o resultado é a opressão.

211 OSBORNE, Raquel.Op.cit, nota 112, p. 141.


212 PAMPLONA FILHO, Rodolfo. O Assédio Sexual na Relação de Emprego. São Paulo: LTr, 2001, p .
45.
213 JAKUTIS, Paulo. Manual de Estudo da Discriminação no Trabalho. Estudo sobre Discriminação,

Assédio Sexual, Assédio Moral e Ações Afirmativas, por meio de comparações entre o Direito do Brasil
e o dos Estados Unidos. São Paulo. LTr, 2006, p. 190
107

Nas palavras de Jakutis:

Pode haver uma prática única e ao mesmo tempo tão severa que justifique
desde logo, a configuração do assédio. Imagine, por exemplo, o caso de uma
empregada que é vítima de uma proposta sexual do empregador e, ao
recusá-la, recebe a informação de que está demitida. Não há razão para se
considerar necessária uma repetição do ilícito. (...) Por outro lado, a conduta
reiterada, em hipóteses menos graves, pode deixar mais patente que os
avanços do praticante de assédio não eram bem-vindos214.

O mesmo autor aponta para a importância (embora admita a não-


essencialidade) da rejeição da conduta pela pessoa assediada, esta deveria, a seu
ver, cientificar o presumido assediador que seu comportamento não é desejado.
Para Rubio de Medina215, no assédio sexual basta um só comportamento para
que se considere a configuração de assédio e que se possa solicitar a adoção de
medidas laborais adequadas por parte da vítima.
No entanto, a rejeição expressa ou não da conduta do assediador pela pessoa
assediada, embora possa, admita-se, definir melhor o quadro probatório, para os fins
de eventual apreciação judicial, não tem tal importância no tocante à definição da
conduta.
Pela experiência prática com processos trabalhistas, é possível afirmar que na
maioria dos casos de assédio sexual, notadamente quando ocorre na forma de
assédio sexual por chantagem, há efetivamente, a rejeição da conduta pela pessoa
assediada.
Não se pode olvidar que o (a) trabalhador (a), em posição de subordinação e,
em muitos casos, premido (a) pelo medo do desemprego e da penúria, não consegue
expressar sua rejeição.
Não é exigida a rejeição expressa pela pessoa assediada, por vezes
impossibilitada de reagir diante da surpresa ou de sua condição de submissão sexual,
mas sim o indesejável da conduta por parte da pessoa assediada, embora, admita-se,
deva-se sempre aferir se houve um comportamento por sua parte, indicativo de
rejeição à presumida conduta de assédio sexual.

214Ibidem, p. 190
215RUBIO DE MEDINA, Maria Dolores. Los conceptos de acoso laboral (MOBBING), acoso sexual y
acoso por razón de sexo y su relación com la igualdad de oportunidades. Guía para la empresa y las
personas trabajadoras. VELASCO, Maria Teresa (Directora Portero). MADRID: Editorial Tecnos, 2011,
pp. 11-46, em especial p. 26
108

Ao analisar o tema, Garmendia216 admite a presença de dificuldades, por se


tratar de uma relação de pessoas, homens e mulheres no mundo do trabalho, na qual
incidem elementos sociais e culturais influentes na determinação ou não de um
comportamento como assédio sexual.
A aceitação ou a rejeição pelo destinatário, da conduta de assédio sexual nas
relações de trabalho compõe um elemento fundamental, não se desconhecendo,
conforme Garmendia, que o forte condicionamento que tal aceitação apresenta em
uma relação caracterizada pela subordinação e desenvolvida em um contexto de
desemprego generalizado no qual o acesso ou conservação do posto de trabalho
limitam a livre expressão da vontade. Há dificuldade na distinção da existência de
vontade livre ou submissão quando há chantagem. E afastada a importância da
reiteração pelo assediante e da rejeição da conduta pela pessoa assediada, há
parâmetros para definir se a conduta constitui prática de assédio sexual.
Conforme a definição de Garmendia, são necessários três elementos para a
configuração do assédio sexual: a prática de conduta verbal, não verbal ou física, a
natureza sexual não desejada, a utilização da aceitação ou rejeição da conduta como
base para uma decisão que tenha efeitos sobre o acesso ao emprego ou às condições
de trabalho da pessoa assediada ou para criar um ambiente intimidador ou humilhante
para ela.
E aqui, novamente o problema: o que é intimidador ou humilhante para uns,
pode ser perfeitamente aceitável para outros. Há, muitas vezes, uma tênue linha entre
uma conduta meramente incontinente e uma conduta de assédio sexual. Por mais que
se tente definir critérios técnicos, há sempre margem para a subjetividade na
apreciação do fato. De outro lado, a demasiada imprecisão conceitual prejudica a
segurança das relações. Há quem defenda que a perspectiva a ser tomada como
referencial pelo juiz do trabalho para caracterizar a conduta de assédio sexual não
deve ser nem a do assediante nem a da pessoa assediada, mas da comunidade, com
o seu conjunto de valores, à qual está integrado o juiz, porquanto embora existam

216 GARMENDIA, Martha Márquez. El Acoso Sexual em el Trabajo. Disponível em:


<http://www.upf.edu/iuslabor/042005/uruguay.Acoso.htm>. Acesso em: 15 jul.2015.
109

ações que fogem ao standard, é possível reconhecer que o grupo social consegue
delimitar com razoabilidade o que caracteriza conduta de assédio sexual ou não217.
Dessa forma, há um questionamento acerca do assunto, tendo em vista a
existência de uma sociedade ainda patriarcal e machista, cabendo questionar até que
ponto a delimitação do grupo social não estaria influenciada pela ideologia capitalista
e patriarcal dominante.
Na decisão proferida no caso Ellison vs Brady, da Corte do 9º Circuito de
Apelações da Califórnia, foi adotada uma nova tendência da jurisprudência norte-
americana218 ao fixar que na avaliação da severidade e da agressividade do assédio,
deveria ser utilizada a perspectiva da vítima, afirmando-se ali que o critério para julgar
o assédio sexual não deveria ser mais o critério, até então utilizado, da “pessoa
razoável” e sim mudá-lo para o do sexo agredido, no que foi denominado “critério da
mulher razoável”.
Manuais de conduta americanos já referem ao que denominam “Reasonable
Person Standard”, para designar a adoção por cortes americanas do parâmetro da
pessoa razoável acerca do assédio sexual, com o questionamento sobre como uma
pessoa razoável julgaria a ofensividade de determinado comportamento,
especialmente se continuado e indesejado, advertindo que alguns estados adotam o
denominado “Reasonable Woman’s Standard”, com base na ideia de que homens e
mulheres têm diferentes graus de tolerância acerca de comportamentos ofensivos e
que a maneira segura de evitar a imputação de assédio sexual é evitar inteiramente
tais comportamentos219. Monteiro de Barros também alude a essa tendência ao
afirmar que “a maioria dos Tribunais que tem examinado a matéria (Canadá, Estados
Unidos, Reino Unido) analisa o aspecto da aceitação sob o ponto de vista da mulher
sensata, pois os homens qualificam a conduta sexual de modo diverso e, em geral, é
aquela a maior vítima desse comportamento220”. Conforme Aeberhard-Hodges:

217 SILVA NETO, Manoel Jorge e. Teoria Jurídica do Assédio e sua Fundamentação Constitucional.
São Paulo: Ltr, 2012, pp. 106-107.
218 AEBERHARD-HODGES, Jane. Jurisprudência reciente sobre el acoso sexual em el trabajo. Revista

da Organização Internacional do Trabalho, vol 115, 1996. Disponível em:


<http://www.ilo.org/public/spanish/support/publ/revue/download/pdf/hodges.pdf>. Acesso em: 20 jul.
2015.
219 Disponível em: <http://www.trainingabc.com/product_files/P/SHMS_Fac_Preview.pdf>. Acesso em:

20 jun. 2015.
220 MONTEIRO DE BARROS, Alice. A mulher e o Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1995, p. 503.
110

En 1991, se produjo otro avance de la jurisprudencia gracias al caso Ellison


v. Brady. El fallo del Tribunal de Apelación de San Francisco dio la razón a
una mujer que había presentado una demanda por no haber sido consultada
acerca de una sanción interna adoptada por la empresa contra su acosador,
porque esta sanción había supuesto el alejamiento temporal del centro de
trabajo común con la advertencia al acosador de que no volviera a hostigar a
la víctima so pena de despido, pero autorizándole a volver después al mismo
centro común. Este caso introdujo el concepto de «apreciación razonable por
parte de la mujer» de la conducta en cuestión, concepto que se había
examinado ampliamente en publicaciones universitarias estadounidenses
sobre el acoso sexual en el trabajo. (...) Siete años después del decisivo caso
Meritor, sentenciado por el Tribunal Supremo, en 1993 otra decisión unánime
de dicho tribunal volvió a constituir un nuevo progreso jurídico: en Harris v.
Forklift Systems Inc., los jueces sentenciaron que la víctima no tenía que
demostrar la existencia de ninguna crisis psicológica concreta para justificar
una denuncia de acoso sexual por entorno hostil. Este fallo también sirvió
para volver a aplicar la prueba llamada de la persona sensata para decidir si
una conducta resultaba improcedente. Diversos comentaristas criticaron esta
sentencia. Robinson, Fink y Allen (1994) afirmaron que no iba lo bastante
lejos en la determinación de qué conducta podría satisfacer el criterio de
«severidad o extensión» enunciado en el caso Meritor. Estes y Futch (1994)
afirmaron que no constituía una orientación suficiente para saber si una
conducta debe juzgarse según lo que piense una persona sensata o una
mujer sensata (al parecer los tribunales federales preferían esta última)221.

A Corte norte-americana justificou essa posição, entendendo que por serem as


mulheres, em maior proporção que os homens, mais vitimadas pela violência sexual,
são compreensivelmente mais sensíveis ao comportamento sexual dos que as
rodeiam, podendo as mulheres que são vítimas de formas moderadas de assédio,
indagar se tal conduta não é o anúncio de uma futura violência sexual, enquanto
homens na mesma situação, não teriam a mesma percepção acerca das
consequências e ameaças, restando assim decidido:

Visando proteger os empregadores das idiossincrasias de empregadas


supersensíveis, decidimos que uma mulher tem ação em face da
empregadora, por conta de um ambiente de trabalho sexualmente hostil,
quando ela alega a existência de conduta que uma mulher razoável
consideraria suficientemente severa ou invasiva para alterar as condições de
trabalho e criar um ambiente abusivo de trabalho222 (sem grifos no original).

A admissão, na decisão citada, da utilização da perspectiva da vítima na


valoração da conduta de assédio sexual acarreta algumas reflexões. A análise do
assédio desde a perspectiva da vítima requer uma profunda observação das

221 AEBERHARD-HODGES, Jane. Jurisprudência reciente sobre el acoso sexual em el trabajo. Revista
da Organização Internacional do Trabalho, vol 115, 1996, Disponível em:
<http://www.ilo.org/public/spanish/support/publ/revue/download/pdf/hodges.pdf>. Acesso em: 20 jul.
2015.
222 Julgado 924 F 2d 872, 878-81 (9th Cir. 1991)
111

diferentes perspectivas do homem e da mulher, obrigando os juízes, de ambos os


sexos, a julgar os casos sob sua apreciação, levando em conta a inexistência de um
pensamento único e a diversidade existente entre as percepções de homens e
mulheres quanto aos fatos, além de fatores que muitas vezes não são percebidos e
acabam propiciando uma compreensão mais ampla sobre o comportamento adotado.
Há que se buscar, por meio da perspectiva da vítima, estabelecer se a conduta foi
severa o suficiente para interferir no âmbito laboral da pessoa assediada223.
Oportuno lembrar a lição de Lorenzetti224, de que o juiz imparcial, nos casos em
que há paradigmas concorrentes ou diferentes concepções de vida, deveria aplicar os
seguintes critérios: não substituição das decisões das maiorias por suas próprias
convicções; identificação dos consensos básicos da sociedade e não substituição por
suas próprias apreciações; harmonização dos paradigmas concorrentes com exame
do benefício-prejuízo de cada um deles; conscientização dos valores e princípios em
questão, considerando o pluralismo de valores e o objetivo a ser alcançado que é uma
sociedade mais inclusiva, superando a dialética amigo-inimigo; não ter a pretensão de
construir um conceito normativo preciso; utilizar como argumentos as razões de
diálogo para a chegada de um consenso, levando em conta o grau de
amadurecimento demonstrado pela sociedade em relação à concepção de justiça. Em
todos os casos, as decisões poderiam ser injustas devendo, portanto, ser admitido um
limite baseado nos direitos fundamentais, sendo a tarefa do juiz a identificação dos
consensos majoritários e limitá-los quando transgridam direitos fundamentais.
É possível questionar que, em termos práticos, o que para um homem
entendido como uma “pessoa razoável” não causaria mossa, pode ferir a sensibilidade
de uma mulher, também entendida como uma “pessoa razoável”, o que é
perfeitamente justificável, diante da diversidade de pensamentos e experiências
individuais. Em outras palavras, homens e mulheres considerados como “pessoas
razoáveis” podem ter percepções diferentes acerca do mesmo fato, baseados em
suas experiências anteriores, que são marcadas pelo sexo ao qual pertencem. Um
juiz homem, diante dos fatos postos a sua apreciação, pode se considerar uma
“pessoa razoável”, mas sempre julgará, necessariamente, como um homem.

223
JAKUTIS, Paulo. Op.cit, nota 213, p. 198.
224
LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da decisão judicial. Fundamentos de Direito. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2010, pp.184-185.
112

Conforme afirma Gonzalez225, resolver o caso judicial desde a sensibilidade da


vítima é escutar somente uma das partes, o que é manifesta injustiça, mas resolver o
caso a partir da subjetividade exclusiva do julgador é justiça somente para os próprios
valores do juiz e não para as partes e para a sociedade. Não se está aqui a propalar
que apenas mulheres deveriam julgar casos envolvendo assédio sexual de mulheres,
até porque isso implicaria num tratamento processual desigual, em termos de gênero,
ao assediador, considerado aqui e em tese, um homem.
O que se afirma é a importância da consideração da perspectiva da vítima
acerca dos fatos e da constatação de que homens e mulheres, por razões culturais,
percebem o mundo de forma diversa, o que não pode ser ignorado pelo Direito,
acrescendo-se que um sexo não pode impor ao outro a sua visão do que seja ou não
razoável. Trata-se de reconhecer a diferença entre os sexos, imposta socialmente, e
julgar buscando entender o que uma mulher razoável sentiria diante da conduta em
exame, diferentemente da percepção de um homem razoável, por vezes carecendo
de empatia em relação ao assédio sexual nas relações de trabalho sofridos pelas
trabalhadoras. Conforme estudos realizados na Universidade de Yale, um homem
tende a ver certas formas de hostilização sexual como interações sociais não
daninhas, mas objetadas por mulheres hipersensíveis.
Lembra-se aqui a lição de Martinez-Vivot226, quando afirma a subjetividade do
assédio sexual, cabendo a cada afetado saber que atitudes lhe afetam ou não.
A diferença de percepção entre homens e mulheres fica mais evidenciada
quando se constata que a maioria dos assediadores, confrontada com acusações de
assédio, alega que não percebeu a rejeição a seus atos. Da mesma forma, os
acusados de assédio sexual nas relações de trabalho costumam afirmar em suas
defesas, que a eventual rejeição às investidas de caráter sexual, não foi amparada
pelos fatos e pelas atitudes das mulheres afirmando, ainda, que o comportamento das
mulheres (envolvendo entre outros, o silêncio, o vestuário, a maquiagem, a beleza, a
simpatia, a desenvoltura de maneiras ou mesmo o simples fato de ser mulher) seria o
responsável pelo assédio sexual sofrido, imputando, portanto, culpa ao
comportamento da mulher. É de contrapor que as mulheres assediadas sentem tal

225
GONZÁLEZ, Elpidio. Op. cit, nota 203, p.12.
226
MARTINEZ-VIVOT. Julio. La Discriminacion Laboral.Despido Discriminatório. Buenos Aires: USAL,
2000, p. 91.
113

intimidação diante do assédio que não conseguem rejeitá-lo expressamente, desde


logo, preferindo o silêncio, comportamento este que, na realidade, ao invés de frear
os ataques, os intensifica, em 76% dos casos, conforme estudo referido por
MacKinnon.
As mulheres também temem que suas queixas sejam ignoradas,
desacreditadas e de serem questionadas e consideradas culpadas, pueris, pouco
profissionais, provocativas, culpadas, briguentas, escandalosas e loucas. Estes
temores são justificáveis, diante das evidências fáticas que aprontam para o
menosprezo dos superiores homens diante das queixas das mulheres, dando-lhes
tratamento desprezivo, jocoso ou omisso. Detecta-se também a tendência a atribuir
culpa na mulher, que deste modo é novamente vitimizada. É necessário considerar
que cada mulher é distinta, embora todas as mulheres possuam características
comuns, cabendo aqui analisar as realidades de uma mulher considerada como
razoável e de um homem considerado como razoável, que contêm diferentes
elementos que podem modificar o julgamento de cada um, acerca das situações.
Uma questão comum a todas as mulheres é o medo fundamentado na
crescente agressividade que pode ser encontrada no comportamento do assediador,
fazendo como a rejeição às investidas iniciais não contenha talvez a ênfase que seria
necessária, por delicadeza, consideração ou temor, por parte da mulher. Entre as
distinções que podem ser feitas acerca da razoabilidade do comportamento das
mulheres destacam-se as seguintes227: mulher submetida a qualquer gênero de poder
ao assediador e a mulher que está em absoluta igualdade com o assediador; mulher
devidamente informada sobre seus direitos e os procedimentos para fazer valer seus
direitos e a mulher ignorante acerca dos direitos e procedimentos; mulher jovem frente
à mulher mais velha; mulher casada frente à mulher solteira; mulher vulnerável
economicamente frente à mulher que não é vulnerável economicamente; mulher
sozinha frente à mulher que está mais amparada; mulher assediada em local sem
testemunhas frente à mulher que está em um ambiente com testemunhas.
Conforme Tovar, Espejo, Aznar e Zingales, ao comentar estudos sobre assédio
sexual nas relações de trabaho realizados na França, na Suécia, na Noruega e nos
Estados Unidos da América:

227 GONZÁLEZ, Elpidio. Op. cit, nota 203, pp. 46-49.


114

Se han encontrado que son particularmente vulnerables al acoso sexual las


mujeres, jóvenes, y de reciente incorporacíon al trabajo. El tipo de profesión,
el nível de instrucción, ele status laboral y las condiciones precárias, como
monoparentalidad, divorcio, minorias étnicas y condición de emigrante, son
fatores que incrementan la probabilidad de que las mujeres sean víctimas de
violência sexual em el trabajo. Las jóvenes, célibes y mujeres divorciadas
acumulan, particularmente, todos estos fatores de riesgo. El riesgo a ser
víctima de acoso sexual aumenta, igualmente, para las mujeres que trabajan
en las organizaciones que promueven culturas discriminatórias del género,
donde existe uma mayoria de trabajadores del sexo masculino o éste es
prevalente em la estrutura jerárquica. Y la tasa de vitimización por acoso
sexual aumenta para quien trabaja em horário noturno.228.

Há diferenças na percepção de cada mulher, mas o critério interpretativo da


“mulher razoável” é um instrumento interpretativo adequado para medir o impacto da
conduta do assediador, obtendo-se assim um parâmetro para a medição da
racionalidade ou irracionalidade do comportamento do assediador. As condições
procedimentais para as ações judiciais, relativas aos casos de assédio sexual nas
relações de trabalho tem evoluído de forma favorável no sentido de dar razão à vítima,
o que se credita em parte à maior sensibilização dos juízes, de um lado e de outro
lado, pelos avanços encontrados nos entendimentos doutrinários e na própria
legislação sobre a comprovação em matéria processual. Pontua-se que a mulher
trabalhadora que denuncia o assédio deve indicar um mínimo de prova crível como
suporte as suas pretensões, não bastando para os tribunais a mera afirmação de
discriminação e/ou assédio sexual nas relações de trabalho sem a existência de
indícios que estabeleçam de forma razoável a possibilidade da existência do assédio
sexual nas relações de trabalho.
A teoria que adota o parâmetro da “mulher razoável”, ainda não referendada
pela Suprema Corte norte-americana, aponta para uma tendência e acarreta
controvérsias, mas não se pode deixar de salientar que a adoção da perspectiva da
vítima, para o estabelecimento da severidade da presumida conduta de assédio
sexual, como forma de balizamento das decisões, pode contribuir para o alcance da
igualdade real, contrapondo-se à igualdade formal, atendendo, em muitos casos, a

228 TOVAR, Ligia Sanchez; ESPEJO, Maria José Del Pino; AZNAR, Maria Pilar Matud; ZINGALES,
Rosalia. Consideraciones psicosociales sobre el acoso sexual em el trabajo. RUBIO DE MEDINA, Maria
Dolores. Los conceptos de acoso laboral (MOBBING), acoso sexual y acoso por razón de sexo y su
relación com la igualdad de oportunidades. Guía para la empresa y las personas trabajadoras.
PORTERO, Maria Teresa Velasco (Directora). MADRID: Editorial Tecnos, 2011, p. 49.
115

um anseio de Justiça a que o Direito deve atender, contribuindo eficazmente para o


equilíbrio das relações.
Aponta-se aqui a importância da empatia, entendida como prática cultural,
juntamente com a autonomia e que depende do reconhecimento de que outros sentem
e pensam, tendo sentimentos de maneiras semelhantes em essência. Conforme
ressalta Hunt:

A autonomia e a empatia são práticas culturais e não apenas ideias, e


portanto são incorporadas de forma bastante literal, isto é, têm dimensões
tanto físicas como emocionais. A autonomia individual depende de uma
percepção crescente da separação e do caráter sagrado dos seres humanos:
o seu corpo é seu, e o meu corpo é meu, e devemos ambos respeitar as
fronteiras entre os corpos um do outro. A empatia depende do
reconhecimento de que os outros sentem e pensam como fazemos, de que
nossos sentimentos interiores são semelhantes de um modo essencial. Para
ser autônoma, uma pessoa tem de estar legitimamente separada e protegida
em sua separação; mas para fazer com que os direitos acompanhem essa
separação corporal, a individualidade de uma pessoa deve ser apreciada de
forma mais emocional. Os direitos humanos dependem tanto do domínio de
si mesmo como do reconhecimento de que todos os outros são igualmente
senhores de si. É o desenvolvimento incompleto dessa última condição que
dá origem a todas as desigualdades de direitos que nos tem preocupado ao
longo da história229.

Existe um questionamento acerca da conduta da pessoa assediada,


perquirindo-se se é relevante para a tipificação da situação de assédio sexual nas
relações de trabalho. Há autores230 que admitem a culpa concorrente da pessoa
assediada nos atos revestidos de conotação sexual. Entendem que o comportamento
da pessoa assediada, embora irrelevante para a criminalização do ato, deve ser
levado em consideração em outras esferas do Direito. Entendem também que a
provocação da pessoa assediada pode constituir não uma justificativa, mas
eventualmente uma atenuante ou explicação; que a pessoa assediada assume algum
risco de receber propostas de natureza sexual se utiliza de vestuário provocante ou
pactua com determinados comportamentos em público, afirmando que, muitas vezes,
um ato taxado de agressivo é apenas a resposta a um convite aparente da pessoa
assediada. E, ainda, que o comportamento e os antecedentes da pessoa assediada

229 HUNT, Lynn. A invenção dos direitos humanos: uma história. São Paulo: Companhia das Letras,
2009, pp. 27-28.
230 Como Pamplona Filho, ao tratar de culpa concorrente e culpa concorrente strictu sensu. PAMPLONA

FILHO, Rodolfo. Op. cit. nota 212, pp. 49-51.


116

no ambiente de trabalho devem ser considerados quando da tipificação do ato como


situação de assédio sexual nas relações de trabalho.
Este pensamento, tipicamente “masculino”, reflete bem o que foi referido
anteriormente, a respeito da diferença de percepção do mundo de homens e
mulheres. Parece ser evidente que se houve anuência espontânea, voluntária e não-
forçada da pessoa assediada, por palavras e/ou atitudes, não há a tipificação da
situação de assédio sexual nas relações de trabalho. Em princípio, nem
comportamentos anteriores nem a vida pregressa da pessoa assediada justificariam
uma conduta de assédio sexual.
Quanto ao modo de vestir-se ou portar-se frente às pessoas, são
comportamentos que pertencem à esfera individual, não sendo razoável exigir
modificações, até porque os demais não sabem comportar-se adequadamente no
ambiente de trabalho, a não ser que se entenda que o assédio sexual seja menos
grave quando praticado em face de pessoas que, por força do trabalho (como modelos
ou bailarinas, entre outras), devam usar roupas sensuais. Dentro dos limites da
razoabilidade e do respeito à privacidade e à intimidade do (a) trabalhador (a), pode o
empregador ou as pessoas a quem delega o poder, orientá-lo quanto ao
comportamento desejado, desde que relacionado ao trabalho.
Uma telefonista pode, em princípio, ser orientada a não utilizar uma voz sexy
ou muito alta, uma recepcionista orientada a não utilizar decotes pronunciados ou
maquilagem carregada, pois esta não seria a imagem que a empresa gostaria de
passar ao público externo. Não haveria, contudo, propósito, em princípio, na
solicitação de uma empresa de call center ao solicitar a uma atendente de
telemarketing (que realiza seu trabalho dentro da empresa e cujo contato com clientes
ocorre pela via telefônica) e que já tem, em muitos casos, o stress proveniente da
exigência de atendimento de metas e a limitação do tempo gasto ao telefone com
cada cliente, que utilizasse menos maquiagem ou roupas menos justas ou curtas, a
não ser que exista, na empresa, dentro de seu poder diretivo, a exigência do uso de
uniforme ou uma padronização do vestuário a ser utilizado pelos trabalhadores.
Na primeira Marcha das Vadias no Brasil, ocorrida em São Paulo, em 2011, um
dos cartazes utilizados chamou a atenção com a seguinte frase, que foi repetida em
117

outras campanhas: “Acredite ou não, minha saia curta não tem NADA a ver com
você”231.
Para Novaes Guedes232, aos poucos a sociedade está compreendendo e
aceitando, em razão do crescimento do número de mulheres no mercado de trabalho
que, por trabalhar fora de casa e por estar momentaneamente desacompanhada, a
mulher não está disponível e sabe perfeitamente distinguir a paquera ou a cantada,
caracterizada pela sedução amorosa, do assédio sexual, rejeitado. Em muitos casos,
o assediador é tem um comportamento não disfarçado e inaceitável, utilizando truques
rasteiros, gestos obscenos, piadas de baixo calão, insinuações eróticas e mesmo
pornografia.
Nas palavras de França de Oliveira:

Nas relações de trabalho não está proibida a aproximação sexual. Deve-se


afastar a paúra do contato interpessoal no trabalho, pelo temor de ser
caracterizado como assédio sexual. A declaração de um sentimento para com
o colega de trabalho, seja do mesmo ou de distinto sexo, poderá ser um
investimento enriquecedor para ambos, desde que seja respeitada a
liberdade de escolha e que essa manifestação seja, sempre, não ofensiva..233

Analisados os aspectos pertinentes à conduta nas situações de assédio sexual


no trabalho e suas complexas peculiaridades, que dizem respeito aos limites do
comportamento aceitável nas relações sociais, o que implica por vezes uma avaliação
subjetiva, na sequência, buscar-se-á uma tentativa de conceituação da situação de
assédio sexual nas relações de trabalho, detectando de forma interpretativa aberta,
alguns caracteres distintivos da situação, sempre com o objetivo de ampliar a
conceituação ora existente tentando, outrossim evitar o reducionismo que qualquer
caracterização possa acarretar.

231 Disponível em: http://escrevalolaescreva.blogspot.com.br/2011/06/viva-marcha-das-vadias-ja-


reacao-ela.html. Acesso em: 15 jun.2015.
232 NOVAES GUEDES, Márcia. Terror Psicológico no Trabalho. SãoPaulo: Editora LTr, 2008, p. 43.
233 FRANÇA DE OLIVEIRA, Lamartino. Justiça do Trabalho e Dignidade da Pessoa Humana.

CESÁRIO, João Humberto (coord). Algumas relações do Direito do Trabalho com os direitos civil,
ambiental, processual e eleitoral. São Paulo: LTr, 2007, p. 118.
118

2.2 Conceituação do assédio sexual nas relações de trabalho

O assédio sexual nas relações de trabalho é objeto, na atualidade, de


discussões, em razão de caso ocorrido no FMI234, em Washington, nos Estados
Unidos da América, que motivou mudanças de comportamento em relação ao
assunto, como a adoção de um código de conduta pela instituição, visando coibir a
prática da conduta de assédio sexual.
Ao analisar a situação na Espanha, Castells235 aponta que a incorporação da
mulher ao trabalho assalariado em todas as esferas da sociedade, em um contexto
de persistência dos valores sexistas, acarretou a prática estendida do assédio sexual
nas relações de trabalho e que segundo um estudo do Ministério do Trabalho e de
Assuntos Sociais, de 2006, existiram, no ano anterior 835.000 casos de assédio
sexual declarado, afetando cerca de 9,9% das trabalhadoras, porcentagem que deve
ser maior, devidos aos casos não declarados, relativos aos casos em que o assédio
ocorre de forma “leve”, caracterizado por pressões verbais. Aponta ainda que 92,4%
das mulheres entrevistadas consideram o assédio sexual como uma forma de
violência e que a magnitude do fenômeno é reveladora da persistência de uma
mentalidade masculina que considera a mulher como objeto sexual,
independentemente de que seja uma colega de trabalho com qualificação
frequentemente comparável ou superior a do homem.
No Brasil, de acordo com a ministra do TST brasileiro, Maria Cristina Irigoyen
Peduzzi236, dados recentes da OIT atestam que 52% das mulheres do Brasil já
sofreram assédio sexual237. Embora não existam estatísticas confiáveis, devido ao
grande número de casos não denunciados, tais dados coincidem com os dados de
pesquisa realizada no princípio de 1995, em doze capitais brasileiras. Monteiro de
Barros238 afirma que 45% do contingente feminino da administração federal

234 Disponível em: <http://correiodobrasil.com.br/outras-denuncias-de-assedio-sexual-pesam-sobre-


strauss-kahn/240327/>. Acesso em: 13 jun. 2015.
235 CASTELLS, Manuel, SUBIRATS Marina. Op. Cit. nota 156, pp. 21-22. Para Castells, “La legislación

preventiva e punitiva que está en preparación para proteger a la mujer trabajadora en su nuevo medio
de vida es un claro indicador de la dificuldade que tienen las mujeres para hacerse respetar por los
hombres como personas autónomas allá donde vayan”.
236 Disponível em: <www.tst.jus.br>. Acesso em: 13 jun. 2015.
237 Disponível em: <http://www.terra.com.br/mulher/artigos/2002/08/23/000.htm> e <www.tst.jus.br>.

Acesso em: 15 jun. 2015.


238 MONTEIRO DE BARROS, Alice. Op.cit, nota 220, p. 195.
119

sustentaram que tiveram que suportar algum tipo de assédio e que nos países baixos,
58% das mulheres entrevistadas que trabalham já foram assediadas.
O assédio sexual pode ocorrer em outros âmbitos de relações sociais, como
entre professor e aluno, entre médicos e pacientes, entre religiosos e fiéis, entre
outros. Do que se cuida aqui é especificamente o assédio sexual no âmbito das
relações laborais.
Segundo Lima239, a discriminação por assédio é fenômeno bem conhecido nas
relações laborais e que, recentemente, passou a ser considerado como atitude
discriminatória, sendo prática comum nas relações de trabalho, notadamente dentro
das relações de emprego diante da subordinação do empregado e da necessidade de
manutenção no emprego, tornando-o vulnerável à vontade dos chefes.
Casos que podem ser enquadrados como sendo situações de assédio sexual
foram encontrados antes ainda da Revolução Industrial, sempre decorrentes da
desigualdade existente entre homens e mulheres e entre patrões e empregados.
Desde a antiguidade é constatada a existência de pressões exercidas sobre pessoas
do mesmo ou do sexo oposto como demonstração de autoridade, poder e
superioridade, com o objetivo de obter favores sexuais e submissão. Conforme
Monteiro de Barros240, "alguns autores equiparam o assédio sexual ao uso medieval
do jus primae noctis (direito à primeira noite), que obrigava as recém-casadas a
passarem a noite de núpcias com o senhor do lugar, havendo decisão, de 1409, na
França, declarando ilícita essa prática”. Nas palavras de Fiol, ao falar sobre a violência
de gênero como fenômeno social:
A lo largo de la historia se há ido alimentado e transmitiendo la creencia de que
las mujeres eran inferiores a los hombres tanto desde el punto de vista moral,
como intelectual y biológico. A partir de esta supruesta inferioridad se justificó,
y se justifica, todavíaen muchos aspectos, la utilización de la violência contra
ellas como instrumento de control sobre sus vidas. El pensamento misógino,
es decir, aquel que parte de este desprecio hacia el sexo feminino y de la
superioridade del varón por el simple hecho de serlo, es el máximo responsable
de esta situación, y su supervivencia está ligada a la estrutura patriarcal de la
sociedad em la que en muchos casos sigue siendo el hombre el centro y la
medida de todas las cosas. Em esto universo las mujeres han ocupado y
ocupan todavia en muchos lugares deste planeta, espacios periféricos,

239 LIMA, Firmino Alves. Teoria da discriminação nas Relações de Trabalho. São Paulo: Elsevier
Editora, 2011, pp. 223-226.
240 MONTEIRO DE BARROS, Alice. O assédio sexual no Direito do Trabalho Comparado. Revista

Síntese Trabalhista, n. 118, abril de 1999, Porto Alegre, pp. 06/23.


120

alejadas, no sólo del poder, sino del control sobre sus proprias vidas, y desta
manera mermadas em sus derechos más fundamentales241.

Gilberto Freyre242, ao tratar dos costumes brasileiros na época da escravatura,


relata que na cultura das casas-grandes do tempo da escravidão, era incentivado que
os filhos homens tivessem relações sexuais com as escravas negras, que por força
de tal pensamento, além do trabalho forçado eram submetidas aos caprichos dos
filhos do patrão e muitas vezes do próprio patrão. A prática da conduta de assédio
sexual, aliás, foi comum nos países que utilizaram o sistema escravagista no século
XIX.
Ao analisar o legado da escravidão nos EUA, Davis243 aponta para o tratamento
dado às mulheres negras pelos proprietários de escravos que, de um lado, exigiam
que trabalhassem de forma igual aos homens, mas, por outro lado, se os homens
eram castigados com flagelações e mutilações, as mulheres, a par das flagelações e
mutilações, sofriam toda forma de coerção sexual, sendo a violação utilizada como
expressão do domínio econômico do proprietário e do controle das mulheres negras
pelo capataz. Davis244 aponta que apesar dos testemunhos dos escravos narrando as
violações e coerções sexuais realizadas por homens brancos e sofridas pelas
mulheres negras, a literatura tradicional sobre a escravidão silenciou sobre o tema,
dando a entender que o ocorrido não era exploração sexual, mas mestiçagem. A
supressão das práticas escravagistas (ao menos no plano legal) não afetou as
condutas de exercício e abuso do poder nos muitos anos que se seguiram, não sendo
de estranhar, conforme Martinez-Vivot245, que a Revolução Industrial, ao modificar o
sistema de produção e introduzir a fábrica por conveniência econômica, além de
admitir mulheres, aceitou também, como fato comum, que a mulher para trabalhar,
deveria submeter-se sexualmente ao empregador ou a quem o representasse. Como
aponta Davis246, se durante a escravidão, a licença para violar as mulheres negras
era baseada no poder econômico dos proprietários de escravos, a estrutura de classes

241 FIOL, Esperanza Bosch. “La violência de género como fenómeno social”. La violência de género.
Algunas cuestiones básicas. FIOL. Esperanza Bosch (Comp.). Formación Alcalá: Alcalá la Real, 2007,
pp.19-20.
242 FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala: Formação da família brasileira sob o regime patriarcal.

Rio de Janeiro: José Olympio, 1984, p. 372.


243 DAVIS, Ângela. Op.cit, nota 49, pp. 16-201.
244 Ibidem, pp. 33-34.
245 MARTINEZ-VIVOT. Julio. Op.cit, nota 226, p. 183.
246 DAVIS, Ângela. Op.cit, nota 49, pp. 199-200.
121

da sociedade capitalista também encobre um incentivo para violar, referindo que os


homens da classe capitalista e seus companheiros de classe média cometem suas
agressões sexuais com a mesma autoridade que legitima os ataques cotidianos ao
trabalho e à dignidade dos trabalhadores. O assédio sexual no trabalho sempre foi
“um secreto a voces”, estando as mulheres mais vulneráveis, especialmente quando
não sindicalizadas e o fato de as mulheres trabalhadora sofrerem uma exploração
mais intensa que os homens da mesma classe amplifica a vulnerabilidade ao abuso
sexual e a coerção sexual, simultaneamente, reforça a vulnerabilidade à exploração
econômica. 247Conforme Davis:

La estructura de clases del capitalismo alienta ao los hombres que ostentam


el poder econômico y político a convertir-se em agentes habituales de
explotacion sexual. (...) Si bien, dadas las dimensiones que há cobrado el
ejercicio de la violência sexual, es posible hablar de ella en terminos de crisis,
esta constituye uno de los aspectos de uma crisis profunda y declarada del
capitalismo. La amenaza de violacion, que es la cara violenta del sexismo,
continuará existiendo mientras la opression global de las mujeres siga siendo
um sósten esencial para o capitalismo. (...)

Conforme Alemany248, várias gerações de mulheres foram e são submetidas a


solicitações indesejadas de ordem sexual, sendo o “droit de cussage” apontado por
diversos autores, relatando que: “... Marie Victoire Louis (1994), analisando a condição
das mulheres no momento da aparição do assalariamento, escreveu: “Os direitos de
utilização do corpo das mulheres, aí compreendidos evidentemente em sua dimensão
sexual, foram perpetuados no seio das relações salariais.”

Nas palavras de Freitas de Alvarenga249, a verdade é que a violência moral,


física, psicológica, emocional e sexual, exercida sobre as mulheres é simplesmente a
ponta do iceberg de um velho problema, de maior dimensão e profundidade,
encoberto pelo modus vivendi ditado pela sociedade patriarcal: a discriminação e a
desigualdade entre homens e mulheres e a diferença ideológica de trato, com
superioridade do homem em relação à mulher, fomenta vários tipos de desigualdade
e tem como consequência, as manifestações de violência contra a mulher, fundada
em razões estruturais estreitamente vinculadas ao sistema patriarcal, com a rígida

247 Ibidem, p.199.


248 ALEMANY, Carme. Assédio Sexual. Dicionário crítico do feminismo. HIRATA, Helena; LABORIE,
Françoise; LE DOARÉ, Helena (Orgs.). São Paulo: Unesp. 2009, p.26.
249 FREITAS DE ALVARENGA, Lúcia Barros. Op.cit, nota 133, p. 322.
122

divisão de papéis entre homens e mulheres. Ao homem cabe a dominação, à mulher


a subordinação, o que vai ao encontro da teoria de Young em relação às cinco caras
da opressão.
A violência contra as mulheres ocorre em diversos âmbitos e a incorporação
das mulheres ao mundo do trabalho não ocorreu sem discriminações direitas e
indiretas que afetam o acesso ao emprego, a formação, a promoção profissional e às
condições de trabalho e entre estas discriminações, está o assédio sexual.
A OIT reconheceu de forma explícita que o assédio sexual é uma discriminação
em razão de gênero, não sendo neutro.
Como produto da desigualdade entre homens e mulheres a pessoa
assediadora é habitualmente um homem e a pessoa assediada é habitualmente uma
mulher, não sendo o assédio sexual problema de poder hierárquico e sim de poder de
gênero, valendo dizer que o assédio sexual é um problema de poder e não um
problema sexual250. Na mesma linha, Heller251, ao falar sobre o problema do assédio,
afirma:
No debemos olvidar que cuando las prácticas discriminatórias – explícitas o
implícitas – son recorrentes y se asumen como naturales, tienden a instalarse
em las instituciones. En muchos casos, los tratos paternalistas de superiores
varones también tendem a diminuir las posibilidades de acceso de las mujeres
a posiciones de major jerarquia. Es por elli que debemos estar atentas,
identificar las injusticias que em muchos casos pasamos de largo y plantearlas
em el momento apropriado y de manera decidida. Como hemos visto, las
relaciones de género permean en las instituciones de diferentes formas, y solo
el processo de discriminación se pone de manifiesto no sólo em distintas
posiciones de poder, sino que viene atravessado por una multitud de factores
culturales – valores, ideologia, símbolos, ritos, lenguage – que legitiman la
segregación laboral que analizamos, en algunos casos ocultándolas y en otros
casos presentándola como natural ou neutra.

Como visto, o assédio sexual nas relações de trabalho é um problema de


violência de gênero, de abuso de poder e de discriminação, que vem sendo visibilizado
cada vez mais. Embora seja uma situação antiga como antiga é a sociedade, é certo
dizer que hoje na sociedade ocidental contemporânea, o tema está em evidência, a
par de outras violações de direitos humanos.

250 FERRER PÉREZ, Victoria A. Las diversas manifestaciones de la violencia de género. “Las diversas
manifestaciones de la violência de gênero”. La violência de gênero. Algunas cuestiones básicas.
Esperanza Bosch Fiol Comp. Alcalá La Real: Editorial Formación Alcalá, 2007, p. 87.
251 HELLER, Lidia. Voces de mujeres. Actividad laboral y vida cotidiana. Barcelona: Sirpus, 2008, p.

112.
123

Os estudos das feministas americanas, durante a década de 1970, foram


fundamentais para iniciar o processo de compreensão acerca do assédio sexual nas
relações de trabalho.
O estudo do tema de forma científica iniciou, em 1974, durante um curso
ocorrido na Universidade de Cornell, empregando-se ali, pela primeira vez, o termo
“sexual harassment”, para analisar as experiências das mulheres com os homens, no
mundo do trabalho e referir ao comportamento masculino que negava valor às
mulheres e que apenas superficialmente tinha uma aparência sexual, mas constituía,
na realidade, exercício de poder.
A partir daí as condutas de assédio sexual, em especial no âmbito laboral,
ficaram evidenciadas como um problema social a requerer intervenção estatal para
sua cessação e sanção, remarcando- se, contudo, que como todos os problemas
relativos à violência de gênero, a tipificação do assédio como um delito significa um
importante passo para sua visibilização como problema e um passo relevante para
sua resolução.
Exitosas experiências judiciais e as reformas legais daí decorrentes serviram
de antecedentes para um movimento global de conscientização, conceituação,
regulação e desenvolvimento de políticas institucionais sobre o assédio sexual nas
relações de trabalho.
Esse impulso chegou à América Latina na década de 1990, com o surgimento
de debates, problematizando condutas antes naturalizadas de modo a ensejar
reformas nas legislações e a experimentar um incremento da jurisprudência e das
políticas públicas para combater velhas e novas formas de assédio sexual no âmbito
das relações trabalhistas.
Os avanços são díspares entre os países, diante da falta de acordos sociais
básicos, em muitos casos, sobre condutas que constituem assédio sexual, a
reprovabilidade de tal comportamento, sua explicação e também sobre as estratégias
legais e políticas para a prevenção e sanção do assédio sexual nas relações de
trabalho. Dessa forma, sendo possível identificar países mais ativos no debate, na
legislação e na instituição de políticas públicas sobre a questão, enquanto em outros
países, simplesmente optaram por dar sinais simbólicos para definição de um novo
tipo penal, desacompanhados de campanhas educativas e desenvolvimento nos
124

âmbitos institucionais para o processamento das ações que se seguiram à


tipificação252.
Em 1979, a jurista Catherine MacKinnon introduz o tema na legislação dos
Estados Unidos da América, na esteira de outras pensadoras feministas.
MacKinnon253, ao descrever a situação de assédio sexual nas relações de
trabalho, sob o ponto de vista da pessoa assediada, faz as seguintes colocações: há
avanço sexual desde uma posição de poder; há ansiedade da pessoa assediada por
não saber se as atenções não desejadas desaparecerão com um comportamento de
indiferença ou, pelo contrário, aumentarão; se o assédio sexual se torna mais incisivo,
há um perigo certo para a estabilidade e manutenção do emprego; a negativa frontal
ao assédio sexual nas relações de trabalho pode provocar represálias, devendo a
rejeição ser efetuada de maneira amável; aparentar ignorância pode ser uma
estratégia, havendo o perigo de tal comportamento ser entendido como aprovação
tácita e por fim, segundo o nível de agressividade, a recusa ao comportamento do
assediador deve ser feito de forma cuidadosa, sem ferir o amor próprio do assediador,
evitando assim uma vingança e ocultando o desagrado causado pela conduta
reprovada.
Nos anos 80, houve o reconhecimento do problema, sobretudo no ambiente
laboral, nos países europeus e segundo uma série de resoluções do Parlamento
Europeu, o assédio sexual constituiria ataque “à dignidade e aos direitos das mulheres
no local de trabalho”, acarretando a publicação, em 1987, do primeiro relatório sobre
a questão, elaborado por Rubinstein, assinalando o documento que “o assédio sexual
entra em conflito com o objetivo de igualdade de tratamento entre homens e mulheres”
e recomendando a elaboração de diretriz comunitária acerca do assédio sexual nas
reações laborais, presente que a legislação dos Estados-membros não estava
adaptada254.
As pesquisas orientadas para o conhecimento do problema constataram que o
assédio sexual atinge com frequência mais de 30% das mulheres e, dependendo da
metodologia utilizada nas pesquisas, mais de 60% das mulheres, pois as mulheres

252 MOTTA, Cristina e SAEZ, MACARENA. La mirada de los jueces. Bogotá: Siglo del Hombre Editores,
American University Washington College of Law, Center of Reproductive Rights, 2008, pp. 227/251.
253 MACKINNON, Catherine. Sexual Harassment of Working Women. New Haven and London: Yale

University Press. 1979.


254 ALEMANY, Carme. Op.cit, nota 249, pp. 26-27.
125

tendem a minimizar os fatos e considerá-los de forma restritiva, assinalando-se a


inexistência de pesquisas que permitam avaliar os efeitos das medidas tomadas em
relação ao assédio sexual (inclusão da proibição do assédio sexual em negociação
coletiva e medidas preventivas) 255.

No Chile256, foi realizado um estudo, em 1995, sobre a percepção do assédio


sexual entre trabalhadoras, dirigentes sindicais femininas e empregadoras. No início
dos trabalhos, foi afirmado o desconhecimento sobre o tema, mas na medida em que
se aprofundavam as pesquisas, avançando na problemática do assédio sexual nas
relações de trabalho, ficou evidente um conhecimento mais profundo que o
inicialmente remarcado, reconhecendo, por fim, a maioria das participantes que o
assédio sexual nas relações de trabalho era um verdadeiro problema no trabalho e
nas relações laborais, a necessitar de uma legislação específica.
Nos filmes, podem ser encontrados exemplos de assédio sexual nas relações
de trabalho.
Destaca-se aqui como exemplo, o filme “North Country”, traduzido no Brasil
como "Terra Fria", realizado em 2005257. Nele é contada a história da primeira ação
coletiva por assédio sexual dos Estados Unidos, no início dos anos 1990, e que
constitui um marco histórico que influenciou outros processos judiciais e lutas
feministas no país e no mundo. A ação, após longo trâmite, foi vitoriosa, e a empresa,
uma década depois, foi condenada a pagar uma indenização às trabalhadoras no
valor de US$ 3,5 milhões.

255 Ibidem, pp.29/30.


256 GONZÁLEZ, Elpidio. Op. cit, nota 203, pp. 11-13.
257 Baseado em uma história real, contada em livro editado em 2003, por Clara Bingham e Laura Leedy

Gansler, intitulado “Class Action: The Story of Lois Jenson and the Landmark Case That Changed
Sexual Harassment Law”, contando, de forma romanceada a história de Lois Jensen, que cansada dos
abusos psicológicos e físicos sofridos no trabalho, decidiu processar a mineradora Eveleth Taconite. O
filme tem no elenco estrelas como Charlize Theron (que por este papel obteve indicações ao Globo de
Ouro, Bafta e Oscar de Melhor Atriz), Frances McDormand, Sissy Spacek e Woody Harrelson, sob a
direção da diretora Nikki Caro. No filme é contada a história de uma mulher, que ao fugir do marido
violento, vai morar com o pai, levando junto os dois filhos, enfrentando a opressão a exploração e a
violência contra as mulheres, não só nas ruas, nos espaços públicos, como bares e também no
trabalho, quando resolve trabalhar na mineradora de ferro Eveleth Taconite, na cidade, que fica no
interior do estado de Minnesota, nos EUA e onde há poucas oportunidades de trabalho para as
mulheres. O assédio sexual sofrido pela protagonista, por colegas e superiores hierárquicos, situação
que é enfrentada também por outras colegas de trabalho, bem como a ausência de resultado em suas
reclamações, sendo inclusive sugerido um pedido de demissão caso não esteja gostando do trabalho,
faz com que decida processar a empresa e após muito esforço, convence outras mulheres
trabalhadoras da empresa a aderirem à ação coletiva.
126

Boaini e Azevedo258 salienta os seguintes aspectos em relação ao assédio


sexual nas relações de trabalho: a ausência de novidade no comportamento de
assédio sexual nas relações de trabalho, o papel do movimento feminista como
essencial para a identificação do assédio nas relações de trabalho como um problema
grave; o papel relevante dos Estados Unidos da América na criação doutrinária acerca
do assédio sexual nas relações de trabalho; a existência de dois tipos de assédio
sexual em relações de trabalho: (quid pro quo e hostile environment); a utilização de
ações cíveis, trabalhistas e administrativas em detrimento das ações criminais nos
Estados Unidos da América; o papel da imprensa como elemento catalisador da
questão relativa ao assédio sexual das relações de trabalho, incentivando o
ajuizamento de ações; a repercussão da questão na Europa, tendo como resultante
várias legislações aproveitando os conceitos norte-americanos e utilizando o direito
penal; a existência, para o autor, de exageros, principalmente quando ao assédio
sexual nas relações de trabalho na modalidade ambiental e por fim, a diferenciação
entre moral e direito como essencial, especialmente para o direito penal.
No Brasil, os problemas relacionados ao assédio sexual foram visibilizados a
partir da movimentação de mulheres trabalhadoras de diferentes segmentos sociais,
que participaram da elaboração da Constituição Brasileira, de 1988, seguindo-se a
divulgação das primeiras denúncias e dos primeiros levantamentos sobre o assédio
sexual nos locais de trabalho259.
O fenômeno do assédio sexual aparece em todos os níveis de emprego, sem
distinção de cenários econômicos, mas é agravado nos mais modestos e pode ser
pior nos chamados países em desenvolvimento, onde os (as) trabalhadores (as),
premidos pelas necessidades econômicas e atormentados pelo temor do desemprego
e da penúria, dispõem de poucos meios para repelir o assédio. Pode-se afirmar, ainda,
que a idade, o estado civil da mulher ( solteira, separada ou viúva), o fato de ser
imigrante e ainda a ausência de um contrato de trabalho escrito (o que significa
trabalho em situações precarizadas, situações recorrente em relação às mulheres

258
AZEVEDO, André Boiani e. Assédio sexual e aspectos penais. Curitiba: Juruá, 2005, pp. 50-51
259
GIULIANI, Paola Cappelin. Os Movimentos de Trabalhadoras e a Sociedade Brasileira. História das
Mulheres no Brasil. DEL PRIORI, Mary; BASSANEZI, Carla (Coord.). São Paulo: Contexto, 1997, pp.
658-660.
127

imigrantes), aumentam a possibilidade da existência de assédio moral em relação às


mulheres.
Para definir o que é assédio sexual, inicia-se pelo conceito do dicionário
Aurélio260, em que a palavra assédio (do latim obsidiu/obsidere) significa a “insistência
inoportuna, junto de alguém, com perguntas, propostas, pretensões”. O verbete
aponta ainda o assédio como o cerco que vai erodindo a resistência de fortificação
inimiga.
Como definição de assédio em geral no local de trabalho, cabe transcrever a
designação feita por Marie-France Hirigoyen:

Por acoso em el logar de trabajo hay que entender cualquier manifestacción


de una conducta abusiva y, especialmente, los comportamientos, palabras,
actos, gestos y escritos que puedam atentar contra la personalidad, la
dignidad o la integridad física o psíquica de un individuo, o que puedan poner
en peligro su empleo o degradar el clima de trabajo. (...) Aunque el acoso en
el trabajo sea un fenomeno tan viejo como el mismo trabajo, hasta princípios
de la década de los noventa no se lo há identificado como un fenômeno que
no sólo destruye el ambiente de trabajo y disminuye la productividad, sino que
también favorece el absenteísmo, yq que procuce desgaste psicológico. Este
fenômeno se há estudiado esencialmente em los países anglosajones y em
los países nórdicos, em donde há sido cualificado de mobbing – de mob,
muchedubre, manada, plebe; de ahí a Idea de incomodidad fatigosa-. Heins
Leymann, psicólogo del trabajo en Suecia, investigo este proceso que el
denomina “psicoterror” durante cerca de una década y em vários grupos
profesionales. Actualmente, en muchos países, los sindicatos, los médicos
laborales y las mutualidades sanitárias empiezam a interesarse por este
problema261.

O termo “sexual harassment”, em inglês, foi adotado a partir de 1975, nos EUA,
primeiro país a considerar o problema como um tema de Direito, equivalendo a
“assédio sexual” em português, “acoso sexual” em espanhol, “molestie sessuali”, em
italiano, “seku hara”, em japonês, entre outros. Em inglês é dada a denominação de
“harassment sexual”, lembrando que harass tem origem no verbo francês harasser,
que significa exaurir, esgotar, cansar, fatigar, aborrecer, enfadar, importunar e
incomodar de forma reiterada. Na França é utilizada a expressão “harcèler”, vinda do
francês antigo, com o significado de cansar por ataques diversos, importunar,
atormentar e aborrecer.

260 BUARQUE DE HOLANDA Ferreira, Aurélio. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua
portuguesa; Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999, p. 213
261 HIRIGOYEN, Marie-France. El acoso moral. El maltrato psicológico na vida cotidiana. Barcelona:

Paidós Ibérica, 1999, p.48.


128

Pinho Pedreira262 refere ainda, aos termos usados na Holanda (não querida
intimidade), na Itália (molestamento sexual) e na França (chantagem sexual). Dada à
universalidade do fenômeno, pode-se dizer que quase todas as línguas possuem uma
expressão própria para denominar o que se chama, no Brasil, de “assédio sexual”263.
Na doutrina, há várias definições para o que seja assédio sexual, ressaltando
que a conceituação jurídica do tema é um assunto que, pela relativa novidade da
emergência, desperta controvérsias entre os estudiosos do Direito.
O assédio sexual pode ser classificado em dois grupos: o assédio sexual
laboral, tema do presente trabalho e o assédio sexual que ocorre em outras esferas,
não estando relacionado ao trabalho. Drapeau264 define o assédio sexual laboral como
sendo toda conduta de conotação sexual não desejada, tanto verbal como física, em
geral repetida e de natureza apta a causar um efeito desfavorável no ambiente de
trabalho da vítima, acarretando consequências prejudiciais no emprego ou atentando
contra a integridade física, psicológica ou a dignidade da pessoa.
Segundo Oliveira265, toda e qualquer conduta de natureza sexual, ou
comportamentos outros dirigidos ao sexo, que acarretem situação de constrangimento
ou indignidade ao assediado, homem ou mulher, pode ser considerado como assédio
sexual, podendo a conduta ofensiva ser verbal; escrita ou por meio de gestos
explícitos ou não e mesmo por imitações grosseiras, destacando o constrangimento
e/ou a ou indignidade que sofrem os (as) trabalhadores (as). Na conceituação de
Garmendia266, o assédio sexual seria toda conduta verbal, não verbal ou física, de
natureza sexual, indesejada pela pessoa a quem se dirige e cuja aceitação ou rejeição
é utilizada como base para uma decisão que tenha efeitos sobre o acesso ao emprego
ou às condições de trabalho da pessoa assediada ou para criar um ambiente
intimidador para esta. Há, portanto, a necessidade de que a conduta de assédio sexual
seja base para uma decisão que afete o âmbito laboral ou crie ambiente intimidador.
Pamplona Filho 267conceitua o assédio sexual como toda conduta sexual de
natureza não desejada, reiterada, embora repelida pelo destinatário, com

262 PINHO PEDREIRA. O assédio sexual em face do direito do trabalho. Revista Trabalho & Doutrina.
n. 09, São Paulo: Saraiva, junho de 1996, p. 68.
263 No mesmo sentido: PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op. cit. nota 212, pp. 24-46.
264 DRAPEAU, Maurice. L’Harassment Sexual au Travail. Cowansville. Quebec: Ivon Blair, 1991.
265 OLIVEIRA, Francisco Antonio de. O assédio sexual e o dano moral, Revista LTr 66-01-11, p. 11
266 GARMENDIA, Martha Márquez. Op.cit, nota 203.
267 PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op.cit, nota 201, p 35.
129

cerceamento da liberdade sexual, constituindo uma violação do princípio de livre


disposição do próprio corpo, estabelecendo uma situação de profundo
constrangimento. Entende como elementos caracterizadores básicos do assédio
sexual a existência de sujeitos, o agente assediador e o destinatário assediado; a
conduta de natureza sexual; a rejeição à conduta do agente e a reiteração da conduta.
Discorda-se aqui quanto à reiteração da conduta do agente como elemento
caracterizador do assédio sexual, que pode ocorrer em um ato único. O mesmo autor,
embora remarque que um ato isolado não tem o condão de caracterizar o assédio
sexual, refere que há precedentes jurisprudenciais no Direito Estrangeiro que
entendem pelo afastamento do requisito, se a conduta revestir-se de gravidade
insuperável:

Como informa Alice Monteiro de Barros, “o Tribunal do Reino Unido, no caso


Bracebridge Engineering Ltda vs. Darby, entendeu que um só incidente é
suficientemente grave para se aplicar a lei contra discriminação sexual. A
propósito, a legislação da Costa Rica assegura a possibilidade do assédio
sexual configurar-se pela prática de uma conduta desde que seja grave”(...)
A análise conjunta com os requisitos anteriores, notadamente a interpretação
do que seja, para determinada sociedade, uma conduta com conotação
sexual, é que possibilitará descobrir se um simples apertão nas nádegas já
caracteriza o assédio ou é apenas uma simples manifestação de falta de
educação e desrespeito, quando não caracterizar algum tipo penal, ou, em
sentido contrário, uma conduta perfeitamente aceitável no ambiente em que
foi praticada. 268

Gonzalez269 aduz que o Código de Conduta sobre medidas para o combate do


assédio sexual, da União Europeia, conforme a resolução do Conselho de Ministros
de 20.05.1990, na definição geral de assédio sexual, especifica que a atenção sexual
se converte em assédio sexual se uma pessoa continuamente indica que considera
tal atenção ofensiva, embora um único incidente possa, por si só, caracterizar a
conduta de assédio sexual. Ao comentar o caso Braceridge Engineering Ltd. V. Darby,
de 1990, na Inglaterra, relata que Darby acionou seu empregador, seu supervisor e
um colega de trabalho, pela agressão destes, em um escritório da fábrica onde
laborava, relatando que teve suas pernas colocadas ao redor do corpo de um dos
homens, ouvindo observações obscenas e ante a negativa do gerente em solucionar
a questão de modo disciplinar, demitiu-se e ajuizou ação em razão da demissão e da

268 Ibidem, p. 46.


269 Cf. GONZÁLEZ, Elpidio. Op. cit, nota 203, pp. 11-13.
130

discriminação sexual ilegal. Na ação, o juiz Wood P., no primeiro voto, seguido pela
maioria dos julgadores, expressou que o incidente embora único, era suficientemente
sério, constituindo assédio sexual nas relações de trabalho e condenando os autores
materiais e a empresa.
Para Jakutis, quem conhece a doutrina e a jurisprudência não tem dificuldade
em entender que a reiteração evidencia mais o assédio, podendo existir uma prática
única e tão severa que justifique a sua configuração, dando como exemplo o caso de
uma trabalhadora que ao repelir uma proposta de cunho sexual do empregador é
demitida. Tendo em vista o emprego como “bem”, conceito cuja preservação é de
interesse do Direito do Trabalho, se este bem for atingido justifica a intervenção do
Estado para coibir o assédio sexual nas relações de trabalho. Fato ainda mais grave
quando a empregada é vítima de violência física, concluindo-se que um ato único pode
caracterizar o assédio sexual.270
Monteiro de Barros271 aponta para a coincidência entre os diversos conceitos
de assédio sexual, dos seguintes aspectos: comportamento com conotação sexual,
não desejado pela vítima e com reflexos negativos na sua condição de trabalho, sendo
que a conduta do assediador compreende um comportamento físico ou verbal de
natureza sexual, capaz de afetar a dignidade da pessoa assediada no local do
trabalho. Michael Rubinstein272, especialista comunitário na aplicação de diretivas
acerca de discriminação, no ano de 1986, definiu três tipos de condutas na prática do
assédio sexual: a conduta física; a conduta verbal e a conduta não-verbal. A conduta
física pode variar de simples toques ao ataque direto; a conduta verbal constitui a
forma mais comum, pois através da expressão oral o assediador veicula desde
gracejos até ameaças e propostas explícitas. A conduta não-verbal seria mais intuitiva
e desconhecida, realizada através de ardis e subterfúgios como exibição de fotos,
realização de desenhos, entre outros.
Assédio sexual não é um inocente flerte, fruto de atração que ocorre entre
homens e mulheres, convivendo no ambiente de trabalho, mas manifestação de poder

270 JAKUTIS, Paulo. Op.cit, nota 213, p. 190.


271 MONTEIRO DE BARROS, Alice. Op.cit, nota 220, pp. 06-23.
272 Jornada sobre Mobbing: violencia psicológica em el trabajo. Espanha, set/2000. Disponível em:

http://www.prevencionintegral.com/Default.asp?http://www.prevencionintegral.com/Novedades/mobbin
g/conclusiones.htm. Acesso em: 20 jul. 2015.
131

e de opressão. Piotrkowski273 ressalta a dificuldade de concordância a respeito das


definições das características do assédio, mesmo onde há legislação específica, mas
aponta para a existência de características comuns, reconhecidas pelos estudiosos
do assunto, que são as seguintes: 1) O assédio pode envolver comportamentos físicos
ou verbais dirigidos a uma pessoa específica, através de comentários sexuais,
comportamentos de sedução, propostas, pressão para encontros, toques, coerção
sexual com uso de ameaça e chantagens, podendo culminar em agressões e violência
física. O assédio pode envolver também comportamentos que atinjam mais pessoas,
acarretando na existência de um ambiente hostil, degradante, humilhante e
intimidante, diante da existência de gracejos, insultos, especialmente para as
mulheres, vítimas, muitas vezes, de observações sexistas; 2) O assédio não é
desejado nem bem-vindo pela pessoa destinatária ou pessoas destinatárias; 3) O
assédio pode variar na severidade. Quando é severo, pode gerar sérios traumas e
mesmo quando menos severo, pode acarretar problemas psicológicos.
De acordo com Chappel & Di Martino274, “ao analisar as variáveis formas de
violência no trabalho, o assédio sexual significaria uma conduta não desejada,
desarrazoada e ofensiva, de natureza sexual, praticada por empregadores e
trabalhadores de superior ou da mesma hierarquia, que afeta a dignidade de homens
e mulheres no trabalho e cuja aceitação ou rejeição pode ser usada implícita ou
explicitamente como base para decisões que afetem o acesso da pessoa assediada
ao emprego, a treino vocacional, à continuidade do emprego, à promoção, a salários
ou qualquer outra decisão relativa ao emprego ou, ainda, se a conduta cria um
ambiente de trabalho intimidador, hostil ou humilhante para o assediado”. Os autores
advertem ainda que o assédio sexual, embora possa ser configurado por um único
incidente, frequentemente consiste em repetidas, indesejadas, não-correspondidas e
impostas ações que podem provocar um efeito devastador na pessoa assediada,
podendo incluir toques, comentários, olhares, atitudes, piadas, uso de linguagem de
caráter sexual, alusões à vida privada da pessoa, referências à orientação sexual,

273 PIOTRKOWSKI, Chaya S. “Sexual harassment”. ILO Encyclopaedia of Occupational Health and
Safety.
Disponível em: <http://www.ilo.org/public/english/protection/safework/gender/encyclo/psy14ae.htm/>.
Acesso em: 25 jun. 2015.
274 DUNCAN, Chappel; DI MARTINO, Vittorio. Violence at work. 2. ed. Geneva: Internacional Labour

Office, 2000 p. 13.


132

ditos com conotação sexual, comentários acerca da aparência e sobre aspectos do


corpo da pessoa assediada.
Para outros autores, o assédio sexual tem sido considerado como fato corrente
no mundo do trabalho, com habitualidade a ponto de ser adotado como situação
natural pelas vítimas, que assumem tal situação como resultante do fato de serem
mulheres, não havendo aí somente uma questão de sexo, mas de opressão e de
poder275.
As características do assédio sexual nas relações de trabalho podem ser assim
listadas: é um fenômeno estrutural mais do que um desvio individual; é um instrumento
de controle social; é habitualmente negado, ignorado ou mitificado como
comportamento sexual natural; a culpa recai sobre a mulher, segundo a sociedade e
a própria mulher; a probabilidade de determinação de uma conduta como assédio está
influenciada por fatores como o comportamento da vítima, sua relação com o
assediador e outros fatores; os homens não valorizam a questão como um problema,
atribuindo-a à conduta das mulheres ou a mero exagero, o assediador não leva em
conta o aspecto físico da vítima e sim sua situação de vulnerabilidade, incluindo aí a
necessidade da vítima de manter o trabalho; a natureza do delito e das circunstâncias
em geral em âmbito privado , fazendo com que sua demonstração e comprovação
sejam insuficientes para a efetiva condenação do autor.
Conforme Silva Neto276, não se exige, para a caracterização da situação de
assédio sexual nas relações de trabalho, a ocorrência dentro da empresa ou no
horário de trabalho. O assédio sexual pode ocorrer dentro e fora da empresa, dentro
ou fora do horário de trabalho, devendo, contudo, estar relacionado ao contrato de
trabalho.
Para melhor compreensão, exemplifica-se com a situação, bem comum, de a
pessoa trabalhadora receber uma mensagem em seu celular, oriunda de superior
hierárquico ou colega, com propostas de cunho sexual. Mais explicitamente, visualize-
se uma mulher casada que, ao sair do trabalho, receba uma mensagem com elogios
e/ou insinuações, convidando-a para sair, vinda de seu superior hierárquico ou de
algum colega.

275FREITAS DE ALVARENGA, Lúcia Barros. Op.cit, nota 133, p. 414.


276SILVA NETO, Manoel Jorge e. Constituição e Assédio Sexual. Revista de Direito do Trabalho.
Editora RT, ano 29, n. 111, 2003, pp. 106-107.
133

Para Touraine, o movimento feminista transformou profundamente a condição


das mulheres em muitos países, seguindo ativo onde a dominação masculina
conserva ainda sua potência, resultando cada vez mais raro que não se reconheçam
as conquistas e a luta pela liberdade e pela igualdade, e as ações contra a
desigualdade e as discriminações representam a parte mais visível da ação
feminina277.
A transformação cultural mais importante diz respeito às mulheres e o que está
em causa não é apenas a luta pela igualdade e pela liberdade, mas a afirmação de
que o universal humano não se encontra em na figura do “homem”, mas na dualidade
do homem e da mulher que formulam, de maneira diferente ou mesmo de maneira
idêntica, o mesmo processo de combinação de um ser particular e de uma
racionalidade geral, substancial ou instrumental. A crítica feita pelas mulheres tem um
valor geral, de destruir a identificação da cultura ou da modernidade com apenas um
ator social, fechando os demais autores num estatuto de inferioridade e de
dependência278.
Adverte Touraine, porém, que os homens seguem com frequência falando das
mulheres como objeto de desejo, parecendo que o assédio sexual tardará em
desaparecer, sendo difícil negar que ainda prepondera uma sociedade mais favorável
aos homens do que às mulheres.
De outro lado, Lipovetski279 faz um contraponto às teorias feministas sobre o
assédio sexual, ao afirmar que ninguém ignora os excessos caricaturais que
acompanham a fobia do assédio sexual nos Estados Unidos da América, erguendo
vozes, atualmente, contra as medidas e definições maximalistas do assédio sexual;
entende que a extensão da noção atual do assédio sexual, protege as mulheres mais
em teoria do que em prática; que as mulheres têm atualmente mais possibilidades de
desencadear um processo judicial, mas sugere que tal fato pode resultar em redução
da capacidade individual da mulher para superar ou resolver por si situações
cotidianas problemáticas em seu relacionamento com homens. Afirma que a
emancipação feminina não pode ser reduzida à militância; à judicialização dos

277 TOURAINE, Alain. El mundo de las mujeres. Barcelona: Paidos Ibérica, 2007, pp. 24-25.
278 TOURAINE, Alain. Iguais e diferentes. Poderemos viver juntos? Lisboa: Instituto Piaget: 1997, pp.
52-53.
279 LIPOVETSKY, Gilles. Op. cit, nota 12, p. 81-86.
134

conflitos, ou à satanização do macho e que, depois do “tudo é político”, se deve


reinvestir na questão do socialismo feminino questionando se, após a mulher vítima,
não será utopia esperar a mulher “afirmativa e irônica”. Aduz que as conquistas
econômicas, sociais e jurídicas femininas representam etapas importantes em direção
à liberdade que, contudo, manter-se-á abstrata sem a razão independente e trocista,
sem o riso e a ironia; que a política não é senão uma das vias para a soberania do
feminino e exprimir-se-á tanto melhor quando conseguir mostrar-se trocista face à
“superioridade” masculina. Propõe uma maior apropriação do poder irônico.
Em outras palavras, “rir do masculino” como estratégia para manter os homens
à distância é possível entre pessoas consideradas iguais. A premissa ora adotada é
de que se trata de opressão e, sem negar o valor do riso, questiona-se sua possível
utilidade como arma eficaz contra a opressão.
Se nos Estados Unidos da América e mesmo na França, há regulamentação
legal suficiente, a ponto de permitir tal entendimento, no Brasil o que se vê é a
ausência de um regramento normativo eficaz, não sendo, por exemplo, possível a uma
secretária, que depende do emprego para o sustento de sua família, rir e ironizar os
avanços sexuais de seu empregador ou mesmo de um colega, sem medo de ser
despedida. Ou evitar que o riso e a ironia sejam entendidos como anuência aos
avanços não desejados.
Se é correto afirmar que há excessos no combate ao assédio sexual, é também
correto afirmar que a dominação masculina preponderou e ainda prepondera em
muitos ambientes, não sendo possível combater a opressão apenas com o riso e a
ironia.
Paglia280 também apresenta contraponto às posições de Catharine MacKinnon,
a quem critica de forma dura, entendendo, no mínimo, que suas contribuições
positivas, entre as quais o reconhecimento do assédio sexual como categoria legal,
devem ser sopesadas com a responsabilidade de fomentar o que qualifica de “louca
histeria sexual” que tomou o feminismo norte americano, entendendo que o feminismo
inteligente do século XXI deveria abraçar toda sexualidade e que as mulheres nunca
saberão quem são até que deixem que os homens sejam homens.

280 PAGLIA, Camille. Vamps e Tramps, más allá del feminismo. Madrid: Valdemar, 2001, pp. 185-191.
135

Contrapõe-se aqui, sabendo-se da controvérsia sobre as opiniões de Paglia,


que o que se busca, nas lutas das mulheres, é o respeito à dignidade humana, que
encontra limites no respeito à dignidade humana do outro. O assédio sexual nas
relações de trabalho, na realidade brasileira, longe dos eventuais excessos que
possam ocorrer em países mais adiantados na regulamentação legal, carece ainda
de meios para que a dignidade humana seja efetivamente respeitada. Há avanços
inegáveis, mas há ainda muito que fazer, em relação à concretização da real igualdade
de gênero no Brasil.
Transcreve-se aqui interessante ementa do acórdão do Processo
01531200146402000(20030552243), da lavra do Relator Ricardo Artur Costa e
Trigueiros, publicado em 20.05.2005, oriundo do TRT da 2ª Região, em São Paulo, na
qual a empresa foi condenada pela imposição à empregada de sair com os clientes
e/ou permitir comentários de caráter sexual:

ASSÉDIO MORAL. DEGRADAÇÃO DO AMBIENTE DE TRABALHO.


DIREITO À INDENIZAÇÃO. A sujeição dos trabalhadores, e especialmente
das empregadas, ao continuado rebaixamento de limites morais, com adoção
de interlocução desabrida e sugestão de condutas permissivas em face dos
clientes, no afã de elevar as metas de vendas, representa a figura típica
intolerável do assédio moral, a merecer o mais veemente repúdio desta
Justiça especializada. Impor, seja de forma explícita ou velada, como conduta
profissional na negociação de consórcios, que a empregada "saia" com os
clientes ou lhes "venda o corpo e ainda se submeta à lubricidade dos
comentários e investidas de superior hierárquico, ultrapassa todos os limites
plausíveis em face da moralidade média, mesmo nestas permissivas plagas
abaixo da linha do Equador. Nenhum objetivo comercial justifica práticas
dessa natureza, que vilipendiam a dignidade humana e a personalidade da
mulher trabalhadora. A subordinação no contrato de trabalho diz respeito à
atividade laborativa e assim, não implica submissão da personalidade e
dignidade do empregado em face do poder patronal. O empregado é sujeito
e não objeto da relação de trabalho e assim, não lhe podem ser impostas
condutas que violem a sua integridade física, intelectual ou moral. Devida a
indenização por danos morais (art. 159, CC de 1916 e arts. 186 e 927, do
NCC)281.

Observa-se que no caso, o assédio sexual não foi expressamente reconhecido


e sim o assédio moral, ainda que a situação narrada constitua claramente situação de
assédio sexual nas relações de trabalho.

281 Disponível em: <http://www.trt2.gov.br/>. Acesso em: 25 jun. 2015.


136

Para Michael Rubinstein282, ao elaborar, juntamente com outros especialistas,


o que ficou conhecido como “Informe Rubinstein”, para a Comissão Europeia, sobre a
proteção da dignidade da mulher e do homem no trabalho e sobre o qual foi escrita a
Resolução do Conselho de Ministros da Comissão Europeia, em maio de 1990, a
denominação “assédio sexual” constitui um termo novo para descrever um velho
problema. Na Resolução citada283, o assédio sexual é definido como uma conduta não
desejada, de natureza sexual ou outra conduta baseada no sexo, afetando a
dignidade da mulher ou do homem, no trabalho.
A Recomendação da Comunidade Europeia 93-131, de 27.11.91, relativa à
dignidade da mulher e do homem no trabalho, aborda o assédio sexual e propõe a
seguinte definição:

La conducta de naturaliza sexual u otros comportamentos basados en el sexo


que afectam a la dignidade de la mujer y el hombre em el trabajo, icluida la
conducta de superiores y companêros, resulta inaceptable si: dicha conducta
es indeseada, irrazonable y ofensiva para la persona que es objeto de la
misma;la negativa o el sometimiento de uma persona a dicha conducta por
parte de empresários o trabajadores (incluídos los superiores y los
companêros) se utiliza de forma explícita o implícita como base para uma
decisión que tenga efectos sobre el acceso de dicha persona a la formación
professional y al empleo, sobre la continuacióndel mismo, al salario o
cualesquiera outra decisiones relativas al empleo y-o; dicha conducta crea un
entorno laboral intimidatorio, hostil y humillante para la persona que es objeto
de la misma; y de que dicha conducta puede ser, en determinadas
circunstancias, contraria al principio de igualdad de trato284.

O Relatório do Comitê de Peritos na Aplicação de Convenções e


Recomendações da OIT, na 83ª Conferência Internacional do Trabalho - CIT, de 1996,
tratando da igualdade nos empregos e ocupações285, aponta que o “assédio sexual”
ou “atenção sexual não solicitada”, pode ocorrer de muitas formas, incluindo qualquer
insulto ou consideração de forma inapropriada, piada, insinuação ou comentário
pessoal sobre o cabelo, físico, idade ou situação familiar de uma pessoa; uma atitude
paternalista ou condescendente com implicações sexuais que afetem a dignidade;
convites ou solicitações indesejados, implícitos ou explícitos, acompanhados ou não

282 RUBINSTEIN, Michael. Dealing with harassment at work: the experience of industrialized countries.
Conditions of Work Digest. Geneva: Internacional Labour Office, Vol. 11, n. 1. 1992
283 PINHO PEDREIRA. Op.cit, nota 263, p. 68.
284 TOVAR, Ligia Sanchez; ESPEJO, Maria José Del Pino; AZNAR, Maria Pilar Matud; ZINGALES,

Rosalia. Op. cit. nota 228, p. 52.


285 Equality in Employment and Occupation. Internacional Labour Conference. 83rd Session. Geneva,

Internacional Labour Office, 1996, pp. 15-16.


137

de ameaças; olhares lascivos ou outros gestos associados à sexualidade; contatos


físicos desnecessários como toques, carícias, beliscões ou ataques. Para configurar
assédio sexual no trabalho, um ato desse tipo deve, em adição, ser percebido como
uma condição ou uma precondição de emprego, ou influenciar decisões tomadas
neste campo e/ou afetar o desempenho no trabalho. Assédio sexual também pode
surgir de situações geralmente hostis para um ou outro sexo.
Embora as definições acima reúnam alguns elementos comuns, a nosso juízo,
uma das melhores definições acerca do que seja assédio sexual no âmbito das
relações de trabalho, pela amplitude de interpretação que permite, seria a dada por
Jakutis286, quando exclui como elementos essenciais para a caracterização do
assédio sexual no trabalho, os fatores relacionados com hierarquia, sexo dos
envolvidos, local de trabalho e não-eventualidade do comportamento indevido,
conceituando assédio sexual no trabalho como sendo a conduta reiterada ou não,
ligada ao comportamento sexual e ao universo do emprego, não aceita pela pessoa
assediada e cuja severidade produz, em um ser humano com sensibilidade normal,
barreira para a feitura adequada das tarefas atribuídas.
Avulta-se que a conduta de assédio sexual pode ocorrer antes mesmo da
contratação, como condição para a obtenção do trabalho ou durante o curso da
relação de trabalho. É importante frisar que a prática da conduta de assédio sexual
constitui uma manifestação de poder da parte da pessoa assediante, não tendo em
princípio motivação fundada no desejo sexual. Constitui, na verdade, prática de
opressão patriarcal, com afronta à dignidade da pessoa trabalhadora. Estabelecida a
conceituação, haverá, no próximo subcapítulo, uma verificação acerca dos aspectos
do assédio sexual nas relações de trabalho.

2.3 Diferenciação entre assédio sexual nas relações de trabalho, assédio moral
e assédio por razões de sexo, espécies e sujeitos de assédio sexual nas
relações de trabalho

Estabelecido um conceito acerca de assédio sexual, entendido, em síntese,


como importunação não-desejada, de caráter sexual, acarretando constrangimento ou
perturbação à pessoa assediada, envolvendo superior hierárquico, pessoa em

286 JAKUTIS, Paulo. Op.cit, nota 213, p. 199.


138

posição de ascendência, o que constitui o assédio sexual por chantagem ou quid pro
quod ou envolvendo colegas da mesma hierarquia, o que constitui o assédio sexual
ambiental, ou por intimidação ou “clima de trabalho”, com ofensa à liberdade sexual,
à dignidade e ao direito a ter um ambiente de trabalho sadio. Cumpre, ainda, destacar
as semelhanças e as diferenças existentes entre assédio moral e assédio sexual,
sinalando que ambos são frequentemente confundidos.
Felker287 destaca que não é raro encontrar alguma dificuldade entre o assédio
moral e o assédio sexual, confusão feita inclusive por magistrados, que segundo o
autor citado, ainda não absorveram a distinção entre ambos.
Não se deve olvidar que muitas vezes um assédio sexual que não atinge seu
objetivo final, pode desencadear o assédio moral, especialmente o assédio
discriminatório. Entre as semelhanças, duas merecem ser ressaltadas: tanto o assédio
moral quanto o assédio sexual podem ser praticados dentro de uma relação
hierárquica, de ascendência ou entre pessoas de mesma hierarquia, embora em
ambos seja bem mais comum a existência de assédio envolvendo relação de poder
formal. Tanto o assédio moral quanto o assédio sexual tem como característica a
existência de constrangimento e perturbação à pessoa assediada.
Agrega-se à definição de assédio uma terceira semelhança, no sentido de que
tanto o assédio sexual quanto o assédio moral podem acarretar dano à personalidade,
à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa ao colocar em perigo
seu emprego e ao degradar o ambiente de trabalho.
Para Araújo288, há também o assédio moral organizacional, configurado pelo
conjunto de condutas abusivas, de qualquer natureza, exercido de forma sistemática
durante certo tempo, em decorrência de uma relação de trabalho e que resulte no
vexame, humilhação ou constrangimento de uma ou mais vítimas, com a finalidade
de obter o engajamento subjetivo de todo o grupo às políticas e metas administrativas,

287 FELKER, Reginald. O dano moral, o assédio moral e o assédio sexual nas relações de trabalho.
Doutrina, jurisprudência e legislação. São Paulo: LTr, 2010, p. 262.
288 ARAUJO, Adriane Reis de. O assédio moral organizacional. São Paulo: LTr, 2012, p. 76. Para Silva

e Neto, haveria também o assédio por competência, entendido como “o comportamente ilícito por meio
do qual se exige maior produtividade do trabalhador em razão de sua especial competência, habilidade
e compromisso técnico profissional, sem que lhe seja destinada remuneração e-ou benefícios
contratuais distintos dos demais trabalhadores que se encontram em idêntica situação funcional”. O
assédio por competência seria distinto do assédio moral organizacional, pois dirigido a indivíduo certo
e determinado (Conforme SILVA E NETO, Manoel Jorge. Assédio por competência nas relações de
trabalho. Revista do Ministério Público do Trabalho na Bahia. Salvador, n. 3, 2008, pp.27-36.)
139

por meio de ofensa a direitos fundamentais, acarretando, muitas vezes, danos morais,
físicos e psíquicos.
González de Rivera289 alude ao assédio sexual como instrumento de assédio
institucional ou de mobbing, caracterizado pela utilização de avanços, piadas e
agressões sexuais para humilhar ou degradar alguém, explorando o gênero da vítima,
considerado pelo assediador como uma “debilidade”. As mulheres são as vítimas
tradicionais deste tipo de assédio.
Pode-se afirmar que tanto o assédio sexual como o assédio moral constituem
grave violação ao direito a um ambiente de trabalho digno. Há, em qualquer caso,
grave violação aos direitos humanos dos trabalhadores, notadamente à dignidade
humana.
Para Hirigoyen290, o assédio sexual não é mais que um passo adiante do
assédio moral, atingindo ambos os sexos, embora admita que a maioria dos casos
descritos ou denunciados corresponda a mulheres agredidas por homens, em geral
superiores na hierarquia, não tendo a ação por objeto principal obter favores de
natureza sexual, mas sim remarcar poder ao considerar a mulher como um objeto à
disposição e que deveria inclusive sentir-se engrandecida pela atenção recebida.
Hirigoyen identifica diferentes categorias de assédio sexual:
“ Se han descrito distintos tipos de hostigadores sexuales – todos tiéne en
común um ideal de rol masculino dominante y unas actitudes negativas con
las mujeres y el feminismo -, y se han identificado diferentes categorias de
acoso sexual: el acoso de género, que consiste em tratar a una mujer de un
modo distinto porque es una mujer, con observaciones o comportamentos
sexistas; el comportamento sedutor; el chantage sexual (el único que se
penaliza em Francia); la atención sexual no deseada; la imposición sexual; el
assalto sexual.”

Conforme Araújo291, contudo, embora possa haver a superveniência ou


concomitância das imagens, o assédio moral não se confunde com a discriminação
ou assédio sexual e deve ser distinguido para melhor visibilidade do problema.
Dos tipos descritos de assediadores sexuais todos têm em comum um ideal de
papel masculino dominante e atitudes negativas em relação às mulheres e ao

289 GONZÁLEZ DE RIVERA, José Luis. El maltrato psicológico. Madrid: Espasa Calpe, 2005, p. 122.
290 HIRIGOYEN, Marie-France. Op. cit. nota 262, p. 59. Conforme Hirigoyen, ao sinalar o ponto de
partida do assédio: “Sin embargo, algunas luchas son desiguales de entrada. Por ejemplo, la lucha con
un superior em la jerarquia, o uma lucha em la que um individuo acorralla a outro en una posición de
impotência para, seguidamente agredirlo com absoluta impunidad y sin que pueda replicar.”
291 ARAUJO, Adriane, Reis de. Op.cit, nota 272, p. 86.
140

feminismo, podendo ser identificadas diferentes categorias de assédio sexual: o


assédio de gênero (tratar uma mulher de modo diferente porque é uma mulher, com
comportamentos e observações sexistas); o comportamento sedutor; a chantagem
sexual; a atenção sexual indesejada; a imposição sexual e o assalto sexual.
Entre as diferenças, seguindo a linha adotada por Oliveira da Silva292, há quatro
pontos significativos de separação entre o assédio moral e o assédio sexual, a saber:
a) o assédio moral exige a reiteração e a habitualidade da conduta ofensiva,
enquanto o assédio sexual pode ser configurado pela prática de um único
ato;
b) o constrangimento imposto no assédio moral consiste na depreciação e no
desajuste, até a condução de um total desequilíbrio da pessoa assediada.
Já no assédio sexual, o constrangimento consiste na imposição de
propostas sexuais não desejadas, atingindo o íntimo da pessoa assediada,
que teme ser prejudicada profissionalmente;
c) as condutas, no assédio moral, são interligadas e concatenadas, muitas
vezes marcadas pela sutileza, a ponto de o assédio moral ser conhecido
como “o risco invisível”. No assédio sexual, as condutas são mais incisivas
e perceptíveis pelas pessoas do convívio da pessoa assediada;
d) por fim, o objetivo do assédio moral é a eliminação da pessoa assediada do
local de trabalho, através do desequilíbrio gerado. No assédio sexual, o
objetivo é que a pessoa assediada ceda às imposições relativas ao desejo
sexual do assediante.
Veja-se, portanto, que em que pese a opinião de Hirigoyen 293, para quem o
assédio sexual não é mais do que um aspecto do assédio em sentido amplo, assédio
moral e assédio sexual são ocorrências bem diferentes, com objetivos e
características próprias, embora existam muitos casos em que o assédio moral pode
ser resultante de um assédio sexual frustrado, traduzindo-se como vingança do
assediador, o que tem sido verificado nos julgados trabalhistas, nos quais são comuns
pedidos de indenização por dano moral decorrente da prática de assédio sexual e
também de assédio moral.

292 OLIVEIRA DA SILVA, Jorge Luiz de. Assédio Moral no Ambiente de Trabalho. Rio de Janeiro:
Jurídica, 2005, p. 54.
293 HIRIGOYEN, Marie-France. Op. cit. nota 262, p. 59
141

Nas palavras de Oliveira da Silva294, “revoltado com a recusa de sua proposta


sexual, o assediador aproveita novamente o ambiente laboral para desenvolver sua
vingança através da tortura psicológica à vítima”.
É bastante comum que o assédio moral e o assédio sexual sejam confundidos,
inobstante o equívoco de tal confusão, há semelhanças entre as duas situações de
assédio, podendo o assédio sexual, muitas vezes servir como estopim para o assédio
moral, o que pode ocorrer como forma de retaliação da pessoa assediadora não
correspondida, que tem seu poder desafiado.
Para Heller295, o assédio sexual é uma forma de violência que afeta
principalmente, ainda que não exclusivamente, as mulheres, tratando-se de uma
demonstração de poder, que pouco tem a ver com a atração sexual entre duas
pessoas, sendo uma atenção não desejada que invade a integridade da pessoa,
incluindo solicitações de favores sexuais, comentários e toques não queridos ou
degradantes. Em muitos casos não há denúncia, embora ocorram consequências
diversas, como o abandono dos lugares de trabalho, depressão, stress e ansiedade.
As formas de experimentar o abuso de poder podem não ser muito evidentes, diante
da existência de um clima de intimidação, hostilidade, humilhação, disfarçado de
adjetivos que podem até parecer agradáveis, em uma primeira impressão, mas que
seguem constituindo atenção não desejada nem querida.
Há também o assédio por razões de sexo, que conforme o artigo 7.2 da Lei
Orgânica 3-2007, de 22.03.2007, para a igualdade efetiva entre homens e mulheres,
editada na Espanha, seria o comportamento realizado em razão do sexo de uma
pessoa e com o mesmo propósito de atentar contra sua dignidade e criar um entorno
laboral intimidador, degradante ou ofensivo296.
González de Rivera297, ao analisar o conceito de assédio sexual, inclui o
assédio motivado pelo gênero (e aqui sem adentrar na discussão existente entre a

294 Ibidem, p. 55.


295 HELLER, Lidia. Op. cit. nota 252, p. 108. Nas palavras de Heller: “Aunque resuelte molesto para
muchos y muchas, una cuestión importante a tener en cuenta al analizar las relaciones de género en
las organizaciones es la relación de poder extrema referida ao acoso sexual. Si bien no es un tema
nuevo, en distintas organizaciones se ha ncomenzado a tomar consciência de su importância y de las
distintas formas que puede adoptar. Em algunas sociedades, como la norteamericana, las mujeres
informan sobre este tipo de situaciones e existe una legislación que las sanciona fuertemente. El acoso
sexual es una forma específica de violencia que afecta principalmente, aunque no exclusivamente, a
las mujeres”.
296 RUBIO DE MEDINA, Maria Dolores. Op. cit. nota 215, p. 21.
297 GONZÁLEZ DE RIVERA, José Luis. Op. cit. nota 290, pp. 122-123.
142

diferenciação sexo\gênero) da vítima entre as variantes do assédio sexual, nos


seguintes termos:
El acoso motivado por el género de la victima. Es una variante de acoso
institucional, que puede manifestarse de manera sexual o de outra manera.
Cualquiera que sean sus manifestaciones, lo essencial es que el acoso se inicia
por causa do género de la víctima, sea ésta mujer o varón. La selección de la
víctima em virtude de su género puede entenderse como un acto punitivo o
defensivo, consciente o inconsciente, ante lo que se percibe como una
transgresión en una estrutura grupal concebida como “sólo para hombres” o
“sólo para mujeres”.

Para prosseguir na conceituação de assédio sexual, atenta-se para o que a


doutrina denomina de espécies de assédio, sendo importante referir também a
influência da doutrina norte-americana, notadamente da jurista Catharine
MacKinnon298, que classificou o assédio sexual no âmbito laboral em dois grupos: o
assédio sexual por chantagem ou quid por quod (expressão latina utilizada aqui com
o sentido de compensação ou contrapartida) e o assédio sexual por ambiente de
trabalho, ou clima de trabalho, lembrando que o sistema judicial norte-americano
reconhece o assédio sexual como discriminação sexual desde 1976.
O assédio sexual por chantagem ou quid por quod implicaria a existência de
uma compensação ou contrapartida, na imposição de exigências de caráter sexual
em troca da manutenção de vantagens ligadas ao emprego ou mesmo do próprio
emprego, constituindo, portanto, chantagem, protagonizada por pessoas que
possuem diferente posição hierárquica na empresa, sendo o assediante, em regra,
superior hierárquico ou pessoa com ascendência sobre a pessoa assediada, em razão
do exercício de cargo, emprego ou função. Seria, portanto um assédio sexual
envolvendo relações verticais, na forma clássica de verticalidade descendente. Há
casos mais raros, nos quais o assediante ocupa posição hierárquica subordinada à
pessoa assediada, constituindo o assédio vertical ascendente.
Acerca do assédio sexual por chantagem ou quid pro quod, há autores que
apontam que a chantagem pode ocorrer de forma explícita ou implícita (indireta). A
chantagem explícita pode ocorrer de duas maneiras299: na primeira, quando há
solicitação de favores sexuais mediante a ameaça de sanção ante a negativa; na
segunda, mediante o uso da força física, tornando-se irrelevante o elemento volitivo.
A chantagem implícita ocorre quando o empregador utiliza o critério da concessão de

298 MACKINNON, Catharine. Op.cit, nota 254.


299 FRANÇA DE OLIVEIRA, Lamartino. Op.cit. nota 233, p. 107.
143

favores sexuais como única forma de ascensão profissional ou salarial pelos


empregados.
Garmendia300 trata como a existência do que chama de chantagem sexual
indireta, entendida como o assédio sexual praticado por aqueles que podem influir de
maneira decisiva nas resoluções dos que detém o poder, sem possuir o poder
diretamente.
Para González de Rivera301, o assédio por chantagem seria o que chama de
“acoso sexual puro”, consistindo no abuso de uma posição de poder para obter
benefícios sexuais e há chantagem sexual quando a resposta ao assédio sexual sirva
como base, de forma explícita ou implícita, para a tomada de decisões que afetem o
acesso da pessoa à formação profissional ou ao emprego, à continuidade do contrato
de trabalho, à promoção profissional ou a aumentos de salário, entre outras formas
possíveis.
O assédio sexual ambiental ou de clima de trabalho pode ser definido como
aquele em que for constatada a existência de clima de trabalho envenenado ou
entorno hostil.
Aqui o assédio sexual não seria acompanhado propriamente de ameaças ou
de represálias em caso de negativa, mas a exposição dos trabalhadores a avanços
repetidos, piadas, e gestos sexistas ensejaria o envenenamento do ambiente de
trabalho, podendo ser praticado por outras pessoas que não os superiores
hierárquicos ou com ascendência, em razão do exercício de cargo, função ou
emprego, razão pela qual há quem entenda que o assédio sexual na modalidade
ambiental ou de clima de trabalho envolveria precipuamente, relações horizontais
entre pares302, o que não exclui, evidentemente, a prática de ato de assédio sexual
em tal modalidade por pessoas com superioridade hierárquica ou ascendência em
razão do exercício de cargo, função ou emprego.
Palavras de caráter sexual inapropriadas, comentários de caráter sexual sobre
o vestuário, piadas sexistas, ofensivas e de duplo sentido, questionamentos indevidos
sobre a vida íntima, comentários que causem embaraço, humilhação, vergonha,
evidenciando grosseria, excessiva ênfase à sexualidade nas manifestações físicas e

300 GARMENDIA, Martha Márquez. Op.cit, nota 203.


301 GONZÁLEZ DE RIVERA, José Luis. Op. cit. nota 290, p. 122.
302 No mesmo sentido, OLIVEIRA DA SILVA, Jorge Luiz de. Op. cit.nota 275, p. 25.
144

verbais, insinuações inconvenientes, solicitações de natureza sexual, acompanhadas


de propostas de recompensas, toques físicos como beliscões, apalpadelas e
esfregamentos, mostra e exposição de material impresso de caráter sexual, bem
como qualquer agressão verbal ou física, sempre com conotação sexual.
González de Rivera303 conceitua o assédio sexual ambiental como a criação de
um clima humilhante, intimidador ou hostil por meio de piadas de conteúdo erótico,
sexual ou pornográfico; comentários degradantes baseados no sexo; atitudes sexistas
ou homofóbicas; exibição ou imposição de escritos, cenas, objetos, sons ofensivos
por seu conteúdo sexual ou degradante, concluindo que é claramente uma forma de
poluição psíquica.
Outros304 entendem que existiriam três formas de assédio sexual: o assédio
sexual por intimidação, o assédio sexual por chantagem e o assédio sexual ambiental.
O assédio sexual por intimidação seria aquele que ocorre através da prática de
ato que constitua incitação ou solicitação sexual inoportuna.
O assédio sexual por chantagem seria aquele que ocorre quando há exigência
efetuada por pessoa que tenha superioridade hierárquica sobre a vítima.
O assédio sexual na forma ambiental seria o ato de importunação, realizado
por outras pessoas, ligadas à relação de trabalho.
Pamplona Filho305 distingue o assédio sexual no âmbito laboral, nas espécies
de assédio sexual por chantagem (assédio sexual quid pro quo) e assédio sexual por
intimidação (assédio sexual ambiental). O assédio sexual por chantagem seria a
espécie de mais fácil visualização, sendo considerado por algumas legislações como
a única forma de assédio sexual, tratada quase exclusivamente como questão de
abuso de poder, cabendo destacar que essa forma de assédio ocorre com frequência
nas relações de trabalho, sendo o assediado subordinado hierarquicamente ao
assediador e nem o superior hierárquico postula favores ou condutas sexuais para si,
podendo fazê-lo para superiores hierárquicos, clientes ou credores da empresa.
Quanto ao assédio sexual por intimidação ou assédio sexual ambiental trata-
se, na verdade, de uma forma de intimidação, muitas vezes difusa, violando o direito

303 GONZÁLEZ DE RIVERA, José Luis. Op. cit. nota 290, p.123.
304 Por todos, Mossin. MOSSIN, Heraclito Antonio. Assedio sexual e crime contra os costumes. São
Paulo: LTr, 2002, p. 19.
305 PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op.cit, nota 201, pp. 47-50.
145

a um ambiente de trabalho sexualmente sadio. Nesta espécie de assédio, o elemento


"poder hierárquico" seria irrelevante, pois constitui caso típico de assédio sexual
praticado por pessoa do mesmo nível hierárquico da vítima. O aspecto fundamental
desta espécie de assédio sexual seria a violação ao “direito de dizer não”, através da
opressão, com a submissão da vítima a condutas que cerceiam sua liberdade sexual,
ao forçar a pessoa a uma ação não desejada, criando constrangimento, por meio de
conduta de natureza sexual repulsiva.
A inexistência de hierarquia entre assediante e assediado não significa a
inexistência de poder, mas manifestação difusa de poder em sentido amplo.
Nas palavras de Pamplona Filho306, “(...) É importante destacar, porém, que
embora essa espécie de assédio sexual não esteja tipificada como crime no
ordenamento jurídico brasileiro, sua ilicitude - enquanto forma de violação à liberdade
sexual - é evidente, devendo ser combatida e reparada na esfera civil e trabalhista.”
Conforme Husbands, o assédio sexual ambiental é comum em profissões
consideradas como “masculinas”, chamadas de “anciens bastions de l’ emploi
masculin”, afirmando que: “... com este comportamento, eles fazem passar duas
mensagens: a primeira, que as mulheres são mais apreciadas no trabalho por seus
atrativos físicos e sua feminilidade do que pela sua competência profissional; e
segunda, que elas não devem ensaiar a se rivalizarem com os homens.”307
Da forma como descrita por Husbands trata-se de um comportamento de
proteção de um grupo diante da suposta “ameaça” representada pelas mulheres ao
sair dos papéis que lhes foram culturamente outorgados. A reação dos homens pode
ser atribuída tanto ao sexismo quanto à insegurança, resultados de processos
culturais de bloqueios e que, por sua vez, geram atitudes de bloqueios.
A doutrina norte-americana acerca das espécies de assédio sexual tem obtido
aceitação internacional, inclusive no Brasil. Pinho Pedreira, acerca da doutrina
americana, assim afirma:

No famoso aresto Vinson, de 1986, a Suprema Corte norte-americana,


através do Juiz Rhenquist, reconheceu como assédio sexual também aquele
que cria ‘um ambiente de trabalho ameaçador, hostil e ofensivo’. Depois de
recordar que o princípio do ‘ambiente hostil’ tem sido aplicado às causas de

306PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op.cit, nota 201, pp. 47-50.


307 HUSBANDS, Robert. Panorama Internacional da legislação sobre assédio sexual. Revista
Internacional do Trabalho, vol. 131, 1992, n. 6.
146

molestamento racial, Rhenquist cita o acórdão Vinston, que estabelecera


analogia com o assédio sexual nestes termos: ‘O assédio sexual que cria um
ambiente de trabalho hostil e ofensivo constitui um obstáculo arbitrário à
igualdade dos sexos, no local de trabalho, na mesma medida em que o
molestamento racial constitui um obstáculo à igualdade das raças.
Certamente, forçar um homem ou uma mulher a sofrer todas as espécies de
comportamentos sexuais abusivos para ter o privilégio de trabalhar e ganhar
sua vida pode ser tão humilhante e desconcertante quanto lhe infligir os
epítetos raciais mais duros’. No também célebre aresto Janzen, da Corte
Suprema do Canadá, o Juiz Dickson salientou que o assédio ‘clima de
trabalho’ é proibido ao mesmo título que o assédio ‘chantagem no trabalho’.
Lembrou em seguida que os tribunais americanos e canadenses reconhecem
duas categorias de assédio sexual: tanto o ‘ambiente de trabalho hostil’
quanto o “donnant-donnant”. Em 1990, após uma revisão da jurisprudência
relativa ao assédio “clima de trabalho”, a Corte de Quebec seguiu o aresto
Janzen, decidindo que os réus haviam mantido uma “atmosfera de
pornografia”, exibindo à autora desenhos de órgãos genitais; as conversas
giravam somente em torno de sexo; na cozinha era regra as fotos de nus.
Como se vê dessas decisões, o assédio “clima de trabalho”, é também
assédio sexual308.

Jakutis destaca três pontos acerca da abordagem dos doutrinadores norte-


americanos:

O assédio é uma conduta que pode ser praticada por homens e mulheres, e
que pode existir, inclusive entre pessoas do mesmo sexo. (...) o assédio é,
efetivamente, uma espécie de discriminação sexual, na medida em que
impede que a vítima desenvolva todo o potencial dela no desempenho das
tarefas de trabalho. Finalmente, cabe destacar que a percepção completa do
fenômeno do assédio envolve, de forma acentuada, a idéia de subordinação
(aquela praticada pelo superior hierárquico), mas não pode ficar limitada a
essa concepção, podendo existir, também, entre colegas de trabalho e,
inclusive entre clientes e trabalhadores 309.

Ao analisar o Civil Right Act de 1964 e as proteções trazidas na seção VII, Alves
Lima310 faz referência à decisão da Suprema Corte norte-americana, no caso Merit
Savings Banks, FSB vs. Vinson, considerando discriminatórias duas modalidades de
assédio sexual: a primeira envolvendo a própria condição dos benefícios do emprego
mediante favores sexuais, e a segunda envolvendo a existência de um ambiente hostil
e ofensivo, ainda que o assédio sexual não afete benefícios econômicos.
Para muitos, o assédio sexual somente ocorre entre um empregado e um
superior hierárquico, entendido como pessoa que detém ascendência sobre a vítima
e a posição de tais autores foi reforçada com a adoção da teoria da chantagem,

308 PINHO PEDREIRA. Op.cit, nota 263, p. 70.


309 JAKUTIS, Paulo. Op.cit, nota 213, pp. 176-177.
310 ALVES LIMA, Firmino. Mecanismos Antidiscriminatórios nas Relações de Trabalho. São Paulo: LTr,

2006, p.174-175.
147

quando da edição da Lei nº. 10.224 de 15.02.2001, que alterou o Código Penal
(Decreto-Lei nº. 2848, de 07.12.1940), para acrescer o artigo 216 - A, com a seguinte
redação:

Assédio sexual". "Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter


vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua
condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de
emprego, cargo ou função." Veja-se, portanto, que o assédio sexual por
chantagem, ligado à hierarquia entre o assediante e a pessoa assediada é
criminalizado de forma específica, a partir da edição desta lei.

Para Gosdal311, a questão é que o assédio sexual enquanto ilícito de natureza


trabalhista, não está limitado à conceituação do Código Penal, mas alcança também
o assédio ambiental ou por intimidação e pode compreender o assédio praticado por
cliente da empresa, sempre guardando relação com o trabalho e suas condições.
Quem adota somente a teoria da chantagem (quid por quod), na definição do
assédio sexual nas relações de trabalho, entende que sua ocorrência se caracteriza
como tal quando realizado por superior hierárquico ou pessoa com ascendência
inerente ao exercício de emprego, cargo ou função.
Calil 312 remarca que o assédio sexual é um dos muitos percalços enfrentados
pelas mulheres trabalhadoras na vida laboral, com origem na cultura machista e
discriminatória, afirmando-o como um atentado à liberdade sexual da empregada,
promovido por superior hierárquico, em posição de poder (que não precisa
necessariamente ser formal, devendo exercer comando sobre a pessoa assediada),
através de chantagem tal que crie na mulher receio por seu emprego, cargo ou função,
reduzindo, destarte, a capacidade de resistência, podendo ser concretizado de
variadas formas, sempre com o intuito de obter vantagem sexual.
Nos termos expostos por Lippmann313, a superioridade hierárquica do
assediante, que deve ser chefe, superior ou mesmo um sócio da empresa, é
fundamental para a caracterização do assédio sexual, devendo o assediante possuir
poderes para influenciar na carreira ou nas condições de trabalho da pessoa

311 GOSDAL, Thereza Cristina. Reflexões acerca do assédio sexual no trabalho. Trabalho e Regulação
no Estado Constitucional. RAMOS FILHO (Coord.) Curitiba: Juruá, 2011, v. 3 (Coleção Mirada a
Bombordo)
312 CALIL, Lea Elisa Silingowschi. Direito do Trabalho da Mulher. A questão da igualdade jurídica ante

a desigualdade fática. São Paulo: LTr, 2007, p. 73.


313 LIPPMANN, Ernesto. Assédio Sexual nas relações de trabalho: danos morais e materiais após a Lei

n. 10224. São Paulo: LTr, 2001, p. 16.


148

assediada que passa a ser ao mesmo tempo objeto de propostas de vantagens e de


ameaças.
Outros como Schiavi314 admitem ser esta uma posição minoritária, mas
defendem a necessidade da relação de hierarquia entre assediante e a pessoa
assediada para a configuração do assédio sexual no âmbito das relações laborais,
justificando este entendimento sob o argumento de que o instituto do assédio sexual
tem origem na relação de emprego, que é precisamente uma relação de hierarquia.
Pode ser contraposto aqui que os direitos decorrentes da relação de emprego
não ficam limitados ao exercício direto da relação de poder entre patrões (e seus
prepostos) e empregados, impondo-se concluir que o assédio sexual no âmbito laboral
pode ser realizado pelo superior hierárquico ou com ascendência, por colegas do
mesmo nível hierárquico e também por subordinado em face de superior hierárquico.
A propósito do assédio sexual realizado por subordinado em face de superior
hierárquico é interessante transcrever a lição de Gonçalves Júnior:

É bem verdade que não haveria como assediar sem prometer alguma
vantagem à vítima, ou extorqui-la sexualmente sem ameaçá-la com um mal
maior. Só quem é superior na hierarquia da empresa pode oferecer
vantagens como promoções ou outros privilégios, mas a chantagem pode
perfeitamente ser utilizada por qualquer subalterno. Basta imaginar a
hipótese de se exigir sexo mediante a ameaça de revelar algo que possa
comprometer o chefe. O prejuízo iminente nem precisa ser profissional, como,
por exemplo, se o assediador souber que seu superior vive em adultério. 315.

Salienta-se aqui os ensinamentos dos autores Pastore e Robortella316, de que


não podem ser adotadas posições muito rígidas nessa questão, admitindo como
sujeito ativo do assédio o próprio empregador ou o superior hierárquico, pois são
tantos e tamanhos os desvios de comportamento, em especial os de origem sexual,
tornando-se possível imaginar a existência de chantagem ao inverso, ou seja, do
subordinado contra o superior hierárquico.

314 SCHIAVI, Mauro. Ações de Reparação por Danos Morais Decorrentes da Relação de Trabalho. São
Paulo: LTr, 2007, p. 125.
315 GONÇALVES JUNIOR, Mario. Chefe também pode ser vítima de assédio sexual. Revista eletrônica

Consultor Jurídico. 15 de setembro de 2003. Disponível em:


<http://conjur.estadao.com.br/static/text/3422>. Acesso em: 20 jul. 2015.
316 PASTORE, José e Robortella, Luiz Carlos. Assédio Sexual no Trabalho - O que fazer? São Paulo:

Makron Books, 1998, p. 69.


149

Pinho Pedreira317 entende que o assédio pode partir de um cliente, de um


credor da empresa, ou até mesmo de um familiar ou amigo do empregador que a
frequente, ampliando destarte o rol de sujeitos passíveis de figurar como
assediadores. A propósito, Jakutis propõe as seguintes questões:

Se, por exemplo, o empregador tem ciência de que um empregado está


assediando outro (empregados do mesmo nível hierárquico) e consente com
este tipo de conduta, estaria ele cumprindo com o dever de manter um
ambiente de trabalho seguro e sadio? (...) e se em vez de um colega de
trabalho, tem o empregador ciência de que um (a) empregado (a) está sendo
assediado por um importante cliente da empresa, que o empregador quer
conservar e agradar e, por isso mesmo, o empregador não só não toma
nenhuma providência, como, inclusive, incentiva a conduta do agente que
pratica o assédio? Não seria possível considerar-se a existência de assédio
sexual apenas porque não havia hierarquia funcional entre a vítima e o
agente? (...) É verdade que o assédio praticado por superior hierárquico tem
a conotação de subordinação e isto permite percebê-lo mais facilmente. Mas
se se aceita a existência da figura do assédio sexual derivado de ambiente
hostil, não há como não se concluir que ele pode derivar de outras pessoas
que não o superior hierárquico318.

Conforme Novaes Guedes319, no caso das trabalhadoras cujo liame de


subordinação é mais tênue, em que prevalece a prestação de serviços externos, o
problema pode ser trabalhista, na medida em que a empresa exige que as vendedoras
se vistam de forma provocante, para atrair clientela. Não há óbice para a configuração
do assédio sexual como lesão a direitos na fase pré-contratual. Visualize-se uma
situação na qual a pretendente ao emprego ouve do entrevistador que somente obterá
o posto de trabalho almejado se aceitar suas propostas relativas a sexo, restando
configurado, no caso, o assédio sexual na modalidade de chantagem. Este parece o
caso antes descrito do denominado “teste do sofá”, de que foram vítimas atrizes
célebres dentre as quais, Susan Sarandon, com quarenta anos de carreira e que em
uma entrevista320 revelou que no início da carreira, passou pelo tão comentado teste
do sofá, com um diretor, para conseguir uma chance em Hollywood, logrando obter
um papel de pouquíssima relevância em um filme de longa-metragem.
Esse é um exemplo que ilustra a questão do assédio sexual nas relações de
trabalho, que atinge a todas e todos, principalmente as categorias profissionais mais

317 PINHO PEDREIRA. Op.cit, nota 263, p. 70.


318 JAKUTIS, Paulo. Op.cit, nota 213, pp. 180-189.
319 NOVAES GUEDES, Márcia. Op.cit, nota 232, p. 44.
320 Disponível em: <http://entretenimento.br.msn.com/famosos/giro-famosidades-189#image=18>.

Acesso em: 20 jul. 2015.


150

vulneráveis, entendidas como as que contam com o maior número de mulheres, com
trabalho menos valorizado e menor remunerado.
Pesquisa realizada pelo site americano Staffbay.com, com a participação de
cinco mil pessoas que estavam à procura de um emprego, questionou sobre suas
perspectivas de carreira, com as seguintes conclusões: a) 7% dos entrevistados (as)
dormiriam com o(a) chefe em troca de uma promoção; b) 12% admitiram que essa
seria uma proposta que considerariam - embora sem decisão definitiva naquele
momento. O fundador do site, Tony Wilmot, declarou estar chocado com os
resultados, entendendo que os chefes já possuem uma posição de poder, inexistindo
garantias para o cumprimento do trato321.
Na contemporaneidade, o incremento da internet com suas vantagens e
desvantagens, tão discutidas, deve acarretar mudanças no comportamento das
pessoas, porque as informações são passadas em tempo real via redes sociais,
levando à divulgação rápida de fatos que muitos prefeririam esconder. Os
acontecimentos são divulgados assim que ocorrem, suscitando debates e prováveis
ações.
Vive-se em um mundo no qual o segredo está cada vez mais difícil de ser
mantido. WhatsApp, Facebook, Twitter, Instagram, Tinder, Linkedln e outras redes
sociais divulgam fatos em rápida velocidade.
O que se diz aqui é que o assédio sexual nas relações de trabalho na pré-
contratualidade por ser divulgado rapidamente, acarretando discussões e
consequências para o assediador, considerando que nos dias atuais, as empresas,
com medo das possíveis indenizações deferidas judicialmente e da sanção da opinião
pública, tem buscado a prevenção e a repressão de tais situações. Uma campanha
na internet contra uma empresa pode abalar sua credibilidade e a imagem construída.
Aceitando a teoria do assédio sexual na modalidade ambiental, ou como alguns
definem por intimidação ou, ainda, “clima de trabalho”, muitos juízes do trabalho no
Brasil não têm limitado a constatação de assédio sexual no ambiente de trabalho à
existência de superioridade hierárquica ou ascendência inerente ao exercício de
emprego, cargo ou função, na análise dos casos submetidos a julgamento.

321 Disponível em: <http://www.espacovital.com.br/>. Acesso em: 20 jul. 2015.


151

A propósito, Jakutis322 constata que os julgadores brasileiros já perceberam que


as pessoas não se constrangem apenas quanto ao assédio sexual pela modalidade
de chantagem ou quid pro quod, mas também em relação ao ambiente hostil,
reconhecendo-se que o direito brasileiro acolheu também a teoria do assédio sexual
ambiental, ainda que à míngua de previsão legal específica, afirmando o autor que
partindo da premissa que o assédio sexual nas relações de trabalho é uma das
espécies de discriminação sexual, porquanto conduta ligada ao comportamento
sexual, impedindo que a vítima tenha plenas condições de concorrer no ambiente de
trabalho, na medida em que a pressão a impede de exercitar toda a capacidade que
possui, conclui-se que toda manifestação de assédio sexual nas relações de trabalho,
incluindo a espécie do ambiente hostil, deve ser reprimida.
Quanto aos sujeitos do assédio sexual nas relações de trabalho, há uma
pluralidade de possíveis sujeitos ativos passíveis de imputação pela prática de ato que
constitua assédio sexual nas relações de trabalho.
O assediador pode ser de acordo com a teoria do assédio sexual por
chantagem, adotada de forma explícita na Lei n. 10.224, superior hierárquico ou com
ascendência inerente ao exercício de emprego, cargo ou função. O assediador pode
ser, também, na linha mais ampla da teoria do assédio sexual na forma ambiental,
além dos empregadores e seus representantes, considerados como pessoas a quem
o empregador delegou autoridade, empregados na mesma linha hierárquica da
pessoa assediada323, empregado subordinado à pessoa assediada e até mesmo
pessoa que seja familiar do empregador, mas não propriamente empregado; cliente,
credor ou provedor da empresa, ou seja, além dos empregadores e empregados,
podem também ser sujeitos ativos do assédio sexual nas relações de trabalho
pessoas que não tenham exatamente uma vinculação direta laboral com a empresa,
mas com as quais a pessoa assediada seja obrigada a manter contato em razão do
vínculo de emprego, conforme aponta Garmendia:

Puede tratarse del empleador o de sus representantes (en quienes ha


delegado su autoridad). O de sus familiares, que habitualmente frecuentan el
lugar de trabajo o asumen ciertas responsabilidades (de vigilancia,
supervisión, etc.) sin configurar la condición de empleados. Tambien pueden
ser sujetos activos personas que se relacionan con el trabajador en virtud de

322JAKUTIS, Paulo. Op.cit, nota 213, pp. 180-189.


152

la vinculación que aquéllos tienen con la empresa: clientes, acreedores,


proveedores. Se trata de terceros no vinculados por una relación laboral con
el empresario, pero con los cuales el trabajador está obligado a mantener
contacto en el cumplimiento de su tarea. Finalmente tambien pueden ser
sujetos activos del acoso otros trabajadores, colegas de la víctima, situados
en un nivel de categoría laboral similar, superior o inferior. En estos casos,
cabe precisar que - si bien se trata de empleados sin facultades de decisión-
en ocasiones influyen en las decisiones de los empleadores o sus
representantes324.

Para Monteiro de Barros325, é possível a caracterização de assédio sexual nas


relações laborais em decorrência da prática da conduta por cliente da empresa,
independentemente de eventual benefício do empregador, por ser da empresa o risco
do empreendimento, nos termos do artigo 2º. da Consolidação das Leis do Trabalho.
Gosdal326, ao falar da ocorrência de assédio sexual em situações de terceirização,
aponta que situações distintas podem ocorrer, pois a pessoa trabalhadora é
contratada por empresa de prestação de serviços para trabalhar para o tomador de
serviços, podendo o assédio ocorrer no ambiente de trabalho do tomador de serviços
e a pessoa assediadora pode ser preposta ou empregada de quaisquer das empresas.
A responsabilidade seria direta da empresa de prestação de serviços, como
empregadora principal, mas haveria a responsabilização subsidiária ou solidária da
empresa tomadora de serviços.
A questão toma mais vulto no ano de 2015, em que se discute o Projeto de Lei
sobre a terceirização, denominado PL 4.330, que ao mesmo tempo em que prevê a
responsabilização solidária das empresas prestadora e tomadora, quanto às
responsabilidades trabalhistas, representa uma precarização dos direitos dos
trabalhadores ao legalizar a terceirização em atividades-fim da empresa tomadora dos
serviços, pois aumentará muito o número de terceirizados, com poucas garantias de
percepção dos haveres trabalhistas.
A mesma autora aponta em outro texto que a relação de trabalho revela-se
propícia à ocorrência de assédio sexual, por envolver caráter de poder e de
subordinação da vontade do empregado327, e vai mais além, afirmando que: “... O que

324 GARMENDIA, Martha Márquez. Op.cit, nota 203.


325 MONTEIRO DE BARROS, Alice. O assédio no direito do trabalho comparado. Desafios do Direito
do Trabalho. SENTO-SÉ, Jairo (Coord). São Paulo: LTr, 2000, pp. 9-37.
326 GOSDAL, Thereza Cristina. Op.cit, nota 312.
327 GOSDAL, Thereza Cristina. Discriminação da mulher no emprego. Relações de gênero no Direito

do Trabalho. Curitiba: Genesis, 2003, p. 229.


153

importa dizer é que o assédio quase sempre envolve uma relação de poder, senão o
hierárquico, o relacionado à dominação masculina, mas pode se configurar ainda que
não haja essa relação de poder328”.
A conduta de assédio sexual na forma ambiental não abrigaria uma finalidade
sexual, mas uma atitude primitiva, consciente ou inconsciente, de sabotar a presença
da mulher no âmbito da relação de trabalho, por mentalidade atrasada ou por medo
da competência feminina.
De todo modo, o assédio está baseado no sexo da pessoa assediada 329,
podendo-se afirmar, aliás, que o assédio sexual, independente de ocorrer entre
pessoas de sexos distintos ou do mesmo sexo, sempre ocorre em razão do sexo da
pessoa assediada, na maior parte dos casos, uma mulher.
Destaca Puyeski sobre o assédio sexual realizado por colegas homens em
relação a colegas mulheres:

Es corriente que lo sean los colegas varones que creen estar em


superioridade de condiciones por ser hombres (...)En estos casos el sujecto
activo puede ser um colega quien exerce la modalidade del acoso sexual por
entorno hostil (ya que no puede ejercer el quid pro quo porque no tiene poder
para despedir a la acosada). O puede ser uma “patota” de empleados, que
em uma actitud de horda (...) se unam para molestar e acosar a uma ou varias
o todas lãs companeras mujeres. Pero que el entorno hostil pueda ser
colectivo no quiere decir que deba serlo. Vários actos de acoso sexual por
entorno hostil hechos por uma sola persona (jefe, delegado, colega, cliente,
hijo del patron, amigo proveedor), configuran el miesmo330.

Apesar da existência de alguns casos ocorridos em relação a homens, em geral


o homem não corresponde à figura do assediado, embora no âmbito das relações
laborais todos os trabalhadores em tese podem ser vítima da prática da conduta de
assédio sexual.
Em que pese o reconhecimento da existência de uma pluralidade de sujeitos
ativos possíveis para a configuração da existência do assédio sexual no âmbito das
relações de trabalho, deve ser considerado que a maior parte dos casos ocorre
exatamente nos termos da teoria do assédio sexual por chantagem.
Talvez por isso esta seja a teoria mais enfatizada, ou seja, a incidência maior é
a ocorrência de assédio sexual por superior hierárquico ou pessoa com ascendência

328 Ibidem, p. 230.


329 PUIESKI, Fany. El Acoso Sexual. Montevidéu: Fundacion de Cultura Universitária, 1999, p. 14.
330 Ibidem, p. 54.
154

sobre pessoa assediada, no âmbito da relação laboral, que pode ser chamado de
assédio sexual vertical.
Conforme Pinho Pedreira, na maioria dos casos331, o assédio sexual é
consequência de uma posição de poder, de que seu detentor, na maioria das vezes,
um homem, abusa.
Para Puyesky332, embora existam demandas de homens e de mulheres por
assédio sexual, a maioria envolve o sexo feminino como assediado, tratando-se
sempre do poder exercido de cima pra baixo ou na forma horizontal, até os lugares
mais elevados, ocorrendo com mais frequência no mundo do trabalho no qual o
empregado tem dependência econômica e hierárquica do empregador, dependendo
deste para sua subsistência, sendo o assédio sexual intolerável, pois demonstra
atitude escravista que não tem lugar no mundo atual, ao menos no direito.
Há quem, como Pamplona Filho333, defenda que o elemento “abuso de poder”
não seria essencial para caracterizar o assédio sexual sob o ponto de vista doutrinário,
entendendo que o poder atuaria apenas como elemento acidental, facilitando o
enquadramento da situação de assédio sexual nas relações de trabalho. De fato, a
relação de poder entendida aqui como a decorrente da subordinação hierárquica ou
ascendência do assediante sobre a pessoa assediada não é fundamental que se
considere que há uma situação de assédio sexual nas relações de trabalho, na forma
de assédio sexual ambiental.
O mesmo autor admite que a relação de poder como elemento essencial para
que se visualize o assédio sexual por chantagem, uma vez que nesta forma de assédio
a subordinação hierárquica deve ser tal a justificar o temor da pessoa assediada no
tocante às consequências da recusa ao assédio. Há sempre manifestação de poder
na prática da conduta de assédio sexual nas relações de trabalho. O sujeito passivo
no assédio sexual no âmbito das relações de trabalho é sempre um (a) trabalhador
(a), independentemente da existência de relação formal.
As mulheres são as maiores vítimas do assédio sexual no âmbito das relações
de trabalho, que envolve condutas dirigidas a uma mulher em especial ou pode incluir

331
Neste sentido a liçao de PINHO PEDREIRA. Op.cit, nota 263, p. 70.
332
Puieski, Fany. Op.cit, nota 330, p. 5.
311.PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op.cit, nota 201, pp. 52-53.
155

condutas mais gerais e que poluam o ambiente de trabalho, tornando-o hostil,


degradante, humilhante e intimidante para várias mulheres.
A situação de assédio sexual envolvendo um homem como pessoa assediada,
embora não seja comum, mexe com o imaginário popular e já foi levado às telas, em
filme de grande repercussão, chamado Disclosure, baseado no livro de Michael
Crichton e que no Brasil foi intitulado “Assédio sexual”, contando com a presença dos
afamados atores Demi Moore e Michael Douglas. A propósito do filme, veja-se o
seguinte texto:

Assédio Sexual não é sexo. É poder. Ela tem. Você não. Se processar pode
nunca mais ter outro emprego nessa área. Se não processar será enterrado
em Austin, um buraco qualquer. Processe, notícias. Não processe, fofocas.
Processe, ninguém acredita. Não processe, sua mulher não acredita. Se
processar, sua vida será um inferno até o caso ser julgado. E por esse
privilégio pagará no mínimo U$ 100 mil. “Esse diálogo forte e denso acontece
no escritório da advogada Catherine Alvarez. Seu cliente é o ator americano
Michael Douglas no papel do executivo Tom Sanders, assediado
sexualmente pela irresistível Demi Moore, que representa a calculista vice-
presidente de poderosa indústria da informática, Meredith Johnson. A cena
está no filme Assédio Sexual, de 1994, mais um sucesso enlatado produzido
por Hollywood. Pura ficção? Nem tanto. O fato de um homem ser
importunado, talvez. Já existem números denunciando que pelo menos 10%
das queixas de assédio sexual registradas pela Comissão de Iguais
Oportunidades no Emprego dos Estados Unidos são movidas por homens.
Mas se o filme não fosse feito dessa maneira, talvez não chamasse atenção
para o sério problema que atinge também os escritórios brasileiros, onde se
repetem cotidianamente cenas muito parecidas nos finais de expediente entre
chefes e subordinadas. O assunto, pois, interessa a homens e mulheres334.

Embora não existam muitos dados sobre o assunto no Brasil, sabe-se que a
proporção de homens assediados sexualmente por mulheres não é significativa em
termos numéricos. Pesquisas realizadas nos EUA335 demonstram que 90% dos casos
registrados de assédio sexual envolvem homens assediando mulheres, 9% dos casos
ocorrem envolvendo pessoas do mesmo sexo e somente 1% dos casos envolvem o
assédio de mulheres contra homens.
Muitos sustentam336 que o assediado pode ser tanto do sexo masculino como
do sexo feminino, mas as mulheres, pela proporção bem maior, constituem o que seria
o “grupo vítima” do assédio sexual, de que fala Maurice Drapeau337. As causas desta

334 Disponível em: <http://www.fenassec.com.br/c_artigo_assedio_sexual_poder_do_assedio.html>.


Acesso em: 15 jul. 2015.
335 KAY & WEST apud JAKUTIS, Paulo. Op.cit, nota 213, p. 193.
336 PINHO PEDREIRA. Op.cit, nota 263, p. 70.
337 DRAPEAU, Maurice. Op.cit, nota 265, pp. 22-24.
156

situação encontram suas raízes no patriarcalismo, impondo às mulheres a


estratificação vertical (as mulheres em geral ocupam postos de trabalho em posições
subordinadas aos homens) e a segregação horizontal (especialização dos empregos
segundo o sexo).
O sujeito passivo do assédio sexual é, na maior parte dos casos, uma mulher,
em geral jovem, que trabalha pela primeira vez, em trabalhos com bastante
subordinação, que depende economicamente do trabalho, podendo ser solteira,
divorciada, viúva, com ou sem filhos.
Conforme Aeberhard-Hodges, do Serviço de Coordenação de Igualdade e
Direitos Humanos da OIT, em Genebra, muitos estudos mostram que as principais
vítimas são mulheres jovens que ocupam seu primeiro emprego ou mulheres que se
reincorporam ao trabalho depois de um período de inatividade.
A vítima em geral é uma pessoa vulnerável, por sua idade ou nível laboral, por
exemplo.
Em alguns casos, a timidez (ou condicionamento social) da vítima é outro fator
propiciador338.Pinho Pedreira assim afirma:

Repetindo Ignácio Serrano Butragueno, “os índices mais baixos de agressão


sexual se produzem quando as relações de trabalho entre os sexos são mais
igualitárias; isto é, quando existe menor discriminação na distribuição de
funções e responsabilidades entre homens e mulheres”. De maneira que “o
assédio sexual tem lugar principalmente porque as mulheres ocupam
posições e funções laborais inferiores; ao mesmo tempo o assédio sexual
coadjuva a manter as mulheres em tais posições (Machinon). “No fundo -
como disse Coles -, “não existe só um desejo sexual, mas uma finalidade de
domínio ou de afirmação de poder”, o que é um expoente claro de nossa
cultura machista339.

Para Paches340, o assédio sexual não é somente uma forma de poder


para obter sexo, mas também uma forma de utilizar o sexo para manter o poder,
destacando seu uso como fórmula para alijar a mulher de atividades
tradicionalmente consideradas como masculinas e para reter os melhores

338 Entrevista com Jane Aeberhard-Hodges. Trabajo. Revista de la OIT n. 19, 1997. Disponível em:
<http://vlex.com/vid/119721?issue=%2319>. Acesso em: 25 jul. 2015.
339PINHO PEDREIRA. Op.cit, nota 263, p. 70.
340 PACHÉS, Fernando de Vicente. El acoso sexual y el acoso en razón del sexo desde la perspectiva

del Derecho Internacional y el Derecho Comunitário Europeo. Disponível em:


<http://www.mtas.es/publica/revista/numeros/67/Est03.pdf>. Acesso em: 25 de julho de 2015.
157

trabalhos nas mãos de homens, perpetuando a desigualdade econômica entre


os sexos.
Monteiro de Barros341, ao tratar das situações e ocasiões propícias ao
assédio sexual, inclui a ocupação de empregos tradicionalmente masculinos,
ao lado do momento da contratação, da eventualidade da mulher trabalhar
sozinha em ambiente predominantemente masculino e, ainda, a utilização do
assédio sexual para boicotar a autoridade das mulheres em posições de
mando. O assédio sexual poderia ser enquadrado assim na teoria da exclusão
de que fala Iris Marion Young, como uma das cinco faces da opressão.
Constata-se que embora nem a hierarquia nem o sexo dos envolvidos
constituam elementos absolutamente necessários para que se configure a
existência de uma situação de assédio sexual nas relações de trabalho.
Conforme a doutrina apontada acima, a incidência do problema envolve,
certamente, relações hierárquicas envolvendo patrões/empregados e de
gênero, envolvendo homens e mulheres.
Nas palavras de Robortella:

Sempre há o momento em que o trabalhador solitário se verá confrontado


com o próprio empregador, na sua condição humana, ou com seu superior
hierárquico, representação física do poder patronal. Suscita profunda
indagação filosófica o trabalho subordinado. É um momento verdadeiramente
dramático, em que um ser humano, representante do capital, dispõe do poder
de comandar outro, tendo até mesmo o direito de punir, em princípio privativo
do estado. (...) Toda sorte de abusos pode resultar dessa clara situação de
clara inferioridade do empregado, como o atesta a evolução histórica do
trabalho342.

Para Felker343, em posição isolada, considerando que os homens também


podem ser vítimas de assédio sexual nas relações de trabalho, se é verdade que
primeiramente o assédio sexual nas relações de trabalho constituía uma atitude
masculina, em que a parte ofendida era geralmente uma mulher, sendo razoável que
tal conduta fosse considerada como ato discriminatório contra ela, mais
modernamente não se justifica tal enfoque, devendo o enfrentamento doutrinário, legal
e jurisprudencial sobre o assédio sexual nas relações de trabalho considerar como

341 MONTEIRO DE BARROS, Alice. Op.cit, nota 220, pp. 501-502


342 ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. Op.cit, nota 294, pp. 138-139.
343 FELKER, Reginald. Op.cit, nota 288, p. 273.
158

vítima o ser humano, independente de sexo ou de preferências sexuais individuais da


pessoa trabalhadora, marcando um avanço na defesa dos direitos humanos e no
direito do trabalho.
Como já referido, a maioria das situações de assédio sexual nas relações de
trabalho envolve mulheres, constituindo manifestação de discriminação e, portanto,
opressão, embora se admita que pode haver assédio contra homens, embora em
proporção muito menor. De qualquer maneira, há sempre na prática da conduta de
assédio sexual nas relações de trabalho, clara manifestação de opressão e de
desrespeito aos direitos humanos dos trabalhadores, afrontando a dignidade humana.
Assim, foram analisadas aqui as questões ligadas à diferenciação entre assédio
sexual nas relações de trabalho e assédio moral às espécies e aos sujeitos, na
contextualização das situações de assédio sexual nas relações de trabalho. A seguir,
será abordado o assédio sexual nas relações de trabalho, no plano normativo,
comparando os avanços legislativos na União Europeia, na Espanha e no Brasil.

2.4 Normativa relativa ao assédio sexual nas relações do trabalho

Diante do quadro antes exposto, não se duvida que a prática de assédio sexual
nas relações laborais constitua uma afronta à dignidade humana e aos direitos
humanos das pessoas trabalhadoras. Tratar-se-á aqui das questões relacionadas à
normativa relativa ao assédio sexual nas relações de trabalho, no Brasil. Contudo,
para fins de comparação, abordar-se-á antes a normativa existente na ONU, na União
Europeia, com ênfase na Espanha, para após analisar a normativa existente no Brasil,
em breve estudo comparado.
A ONU elaborou, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Esta
declaração, com caráter técnico de recomendação, trata dos temas da igualdade e da
não discriminação nos artigos II e IV. O artigo II preceitua a igualdade essencial de
todo ser humano, sem distinções de quaisquer espécies. O artigo IV, decorrente do
artigo II, assegura a igualdade de todos perante a lei344. Em 1966, foi assinado o Pacto
Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Pacto sobre Direitos
Civis e Políticos, resultado de um compromisso diplomático, de forma a limitar a

344 NOVAIS, Denise Pasello Valente. Op.cit, nota 210, pp. 56-64.
159

atuação fiscalizadora do Comitê de Direitos Humanos apenas aos direitos civis e


políticos.
No Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em
relação às questões de gênero, é estabelecido o compromisso dos Estados-partes de
assegurar que os direitos ali incluídos sejam exercidos sem qualquer discriminação.
Já no Pacto sobre Direitos Civis e Políticos, o artigo 3. assegura a homens e mulheres
igualdade no gozo dos direitos civis e políticos ali enunciados e no artigo 26 há a
declaração de igualdade de todos perante a lei, assegurando-se proteção eficaz
contra qualquer forma de discriminação345.
Em 1979 é aprovada a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra a Mulher - CEDAW, pela Assembleia Geral das Nações Unidas,
que entrou em vigor em 1981. Conforme Balaguer346, não se pode esquecer que a
primeira norma internacional sobre os direitos políticos da mulher, em 1952, tem uma
vocação internacional no conteúdo contra todas as formas de discriminação no
Convênio das Nações Unidas sobre os direitos políticos da mulher. A CEDAW
proporciona, no artigo primeiro, uma definição oficial de discriminação em razão de
sexo, nos seguintes termos: “ toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo
que tenha por objeto diminuir ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela
mulher, independentemente de seu estado civil, sobre a base da igualdade do homem
e da mulher , dos direitos humanos e das liberdades fundamentais nas esferas política,
econômica, social, cultural, civil ou em qualquer outra esfera”.
Cumpre lembrar aqui que a discriminação pode ocorrer em razão de sexo e em
razão de gênero, sendo ambas excludentes do acesso das mulheres ao espaço como
cidadãs. A discriminação em razão de sexo exclui as pessoas trabalhadoras, em
especial as mulheres pelo simples fato de ser mulheres. Já a discriminação de gênero
exclui as pessoas trabalhadoras em razão da delimitação feita pela cultura
predominante quanto aos papéis sociais que homens e mulheres devem ter na
sociedade, incluindo os postos de trabalho.
Esse artigo primeiro da CEDAW é complementado pelo artigo quarto que
permite aos Estados desenvolver medidas de igualdade que sejam temporárias e não
segregacionistas.

345 Ibidem, p. 59.


346 BALAGUER, Op. Cit. nota 111, p. 123.
160

Para cumprimento da CEDAW, foi criado o Comitê para a Eliminação da


Discriminação contra a Mulher. A CEDAW constitui o primeiro tratado internacional
que dispõe sobre os direitos da mulher com as propostas de promoção de direitos e
da igualdade de gênero e de reprimir ações discriminatórias nos Estados signatários.
Atualmente 185 países já ratificaram a CEDAW, composta por 30 artigos e que deve
ser tomada como parâmetro mínimo nas ações estatais na promoção dos direitos das
mulheres e na erradicação das violações, tanto no âmbito público quando no âmbito
privado. A CEDAW vai além das garantias de igualdade e proteção, viabilizadas pelas
leis vigentes, estipulando medidas para o alcance da igualdade entre homens e
mulheres, tendo os Estados signatários o dever de eliminar a discriminação contra a
mulher por meio da adoção de medidas legais, políticas e programáticas347. Em razão
da comprovação, pelo Comitê, da existência de formas de violência em relação à
igualdade no emprego, foi adotada a Recomendação Geral nº 19, em 1992, referindo-
se à adoção de medidas legais e outras necessárias para a proteção da mulher diante
de várias situações, entre as quais o assédio sexual no trabalho, transcrevendo-se
aqui os artigos 17 e 18 da Resolução nº. 19:

Art. 17. A igualdade no emprego pode ser seriamente prejudicada quando às


mulheres são submetidas à violência dirigida concretamente contra elas, por
sua condição, por exemplo, o assédio sexual no lugar de trabalho.

Art. 18. O assédio sexual inclui condutas de tom sexual, tais como contatos
físicos e insinuações, observações do tipo sexual, exibição de pornografia e
exigências sexuais, sejam verbais ou de fato. Este tipo de conduta pode ser
humilhante e pode constituir um problema de saúde e segurança; é
discriminatória quando a mulher tem motivos suficientes para crer que sua
negativa poderia causar problemas em relação a seu trabalho, incluindo a
contratação ou ascensão ou quando cria um ambiente de trabalho hostil.

Como complementação, o Protocolo Facultativo da CEDAW foi aprovado em


Assembleia Geral da ONU, entrando em vigor em dezembro de 2000, referindo-se aos
procedimentos para a apresentação de comunicações ou queixas relacionadas às
violações de direitos humanos relacionados.
Antes, em 1985, foi editado o documento denominado “Estratégias de Nairóbi
para o Progresso das Mulheres. Para Bodélon:

347PIMENTEL, Silvia. Educação, Igualdade, Cidadania – A Contribuição da Convenção CEDAW.


Igualdade, diferença e direitos humanos. SARMENTO, Daniel; IKAWA, Daniela Ikawa; PIOVESAN,
Flavia (Coord.). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, pp. 306-307.
161

Muchos de los avances que se han logrado em el âmbito internacional han


sido gracias al esfuerzo de los grupos de mujeres de diferentes países, que
han puesto en la agenda internacional los derechos de las mujeres como uno
de los grandes retos de la democracia moderna y del desarrollo humano. Son
um ejemplo las conferencias de Mexico, Nairobi, Pequín, o convenciones
como la CEDAW (la convención sobre la eliminación de todas las formas de
discriminación contra la mujer, de 1979), que há generado importantíssimas
herramientas jurídicas para luchar contra la discriminación, modificando el
mismo concepto de la discriminación348.

De outro lado, foi aprovada uma Declaração sobre Violência contra as


Mulheres, em 1992, pelo Conselho Econômico e Social da ONU, por meio da
Comissão sobre a Condição da Mulher, com menção expressa ao assédio sexual no
lugar de trabalho.
A Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher, que foi
aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1993, conceitua de forma
expressa a questão da violência contra a mulher, como “qualquer ato de violência
fundado no sexo que resulte ou que possa resultar em lesão ou sofrimento físico,
sexual ou psicológico à mulher, inclusive a ameaça de tais atos, coerção ou privação
arbitrária da liberdade, ocorrendo tanto na vida pública quanto na privada.”
No artigo 2º. B., da Declaração, o assédio sexual é previsto nos seguintes
termos: “Violência física, sexual e psicológica ocorridas na comunidade em geral,
incluindo estupro, abuso sexual, assédio sexual e intimidação no trabalho, em
instituições de ensino e em qualquer outra parte, tráfico de mulheres e prostituição
forçada.”
A Declaração identifica, ainda, as medidas a serem adotadas, tanto
individualmente pelos Estados, quanto pelos organismos e agências especializadas
das Nações Unidas para eliminar a violência contra a mulher nas esferas pública e
privada. (Artigos quatro e cinco)349.
Em 1995, a ONU realizou em Beijing, na China, a 4ª Conferência Mundial sobre
a Mulher, considerada a maior reunião da história da mulher, que durou duas semanas
e produziu uma Declaração e aprovou uma Plataforma de Ação, tratando de temas

348 BODELÓN. Encarna. Op.cit, nota 130, p. 103.


349 Direitos Humanos na Administração da Justiça: Um Manual de Direitos Humanos para Juízes,
Procuradores e Advogados, no capítulo11, que trata dos direitos da mulher na administração da Justiça.
Disponível em:
<http://www.cnj.jus.br/images/imprensa/direitos_humanos/human%20rights%20in%20the%20administ
ration%20of%20justice%20portuguese.pdf>. Acesso em: 15 jul. 2015.
162

relativos à mulher e solicitando a busca de erradicação do assédio sexual aos


governos, empregadores, sindicatos, organizações populares e juvenis e
organizações não-governamentais (ONGs).
Em junho de 2000, a Assembleia Geral das Nações Unidas, em Sessão
Especial, realizada em Nova Iorque para avaliar a implementação da Plataforma de
Ação adotada na IV Conferência Mundial da Mulher.
De acordo com o Relatório Mulher 2000: Igualdade de Gênero,
Desenvolvimento e Paz para o século XXI, o Brasil obteve avanços nas áreas de
educação, saúde e trabalho, mas a abordagem de gênero não encampou todos os
planos de sua execução350.
Em termos regionais, destaca-se a Convenção Interamericana para a
prevenção, sanção e eliminação da violência contra a Mulher, realizada em Belém do
Pará em 1994, que foi adotada pela Assembleia Geral da Organização dos Estados
Americanos em 1994 e onde há referência expressa ao assédio sexual como forma
de violência no meio laboral, no artigo 2º. B, assim redigido:

Violência contra a mulher deve ser entendida como incluindo violência física,
sexual e psicológica: (...) b. que tenha ocorrido na comunidade e seja
perpetrada por qualquer pessoa e que compreende, entre outros, violação,
abuso sexual, tortura, maus-tratos de pessoas, tráfico de mulheres,
prostituição forçada, sequestro e assédio sexual no local de trabalho, bem
como em instituições educacionais, estabelecimentos de saúde ou qualquer
outro local351.

Na Comunidade Europeia, hoje União Europeia, o Tratado de Roma, assinado


em 1957, consagrou a igualdade de remuneração para as mulheres e homens, para
trabalho de igual valor e desde 1975, regulamentos, diretivas, recomendações e
decisões foram adotadas com o objetivo de implementar o princípio da igualdade de
oportunidades entre mulheres e homens352.

350NOVAIS, Denise Pasello Valente. Op.cit, nota 210, p. 64.


351Conforme GARMENDIA, Martha Márquez. Op.cit, nota 203.
352SÁNCHEZ, María José Cabanillas; GONZÁLEZ, Rosa Luengo, SILVA, Sofía Marques da. Políticas

públicas de igualdade de gênero em Espanha e Portugal: um estudo comparativo. Revista do


Laboratório de Estudos da Violência da UNESP/Marília. Ed. 11, maio de 2013. Também disponível em:
<http://www.bjis.unesp.br/ojs-2.4.5/index.php/levs/article/viewFile/3013/2295>. Acesso em: 20 jul.
2015.
163

Conforme Olmeda353, a perspectiva trabalhista existente no Direito Comunitário


Europeu inspirou a legislação nacional da maior parte dos Estados membros e, muito
frequentemente a configuração normativa da União Europeia (UE) reflete um certo
efeito mimético das regulações nacionais.
Em 1980, a Equal Employment Opportunity Commission – EEOC (Comissão
de Igualdade de Oportunidades no Emprego norte-americana), órgão administrativo
especializado, estabeleceu uma definição do assédio sexual, entendido como
discriminação sexual, com violação à lei, conforme o Título VII do Civil Rights Act of
1964. Embora seja um órgão administrativo, a Suprema Corte Americana considera
como leis federais as normas oriundas da EEOC, e a definição de assédio sexual no
trabalho foi assim elaborada:
Unwelcome sexual advances, requests for sexual favors, and other verbal or
physical conduct of a sexual nature constitute sexual harassment when (1)
submission to such conduct is made either explicitly or implicitly a term or
condition of an individual's employment, (2) submission to or rejection of such
conduct has the purpose or effect of unreasonably interfering with an
individual's work performance or creating an intimidating, hostile, or offensive
working environment.(Em tradução livre: avanços sexuais indesejados,
pedidos de favores sexuais e outras condutas verbais e físicas de natureza
sexual constituem assédio sexual quando 1) a submissão à conduta é colocada
de maneira explícita ou implícita como termo ou condição para o emprego; 2)
a submissão ou a rejeição da conduta tem o propósito ou o efeito de interferir
de forma desarrazoada com o trabalho individual ou criar um ambiente
intimidador, hostil ou ofensivo ao ambiente de trabalho)
A primeira Diretiva comunitária em torno da igualdade entre homens e mulheres
no trabalho, a Diretiva 75/117, de 10 de fevereiro de 1975, versava sobre a igualdade
de retribuição entre trabalhadores e trabalhadoras, para um mesmo trabalho.
Já a Diretiva 76/207/CEE, de 09 de fevereiro de 1976, ampliou a aplicação do
princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres a respeito do acesso,
formação profissional e condições de trabalho; a seguir veio a resolução do Conselho
de 12.07.1982, sobre a promoção da igualdade de oportunidades para as mulheres e
na sequência, a recomendação do Conselho de 13.12.1984, pertinente à promoção
de ações positivas a favor das mulheres.
Em 1986, foi recomendada a realização de estudos nos estados-membros, pelo
Conselho de Ministros, para que fossem adotadas diretrizes unificadas e para que

353 OLMEDA, Alberto Palomar. El princípio de igualdad y la interdicción. El tratamiento del género em
el ordenamento español. (OLMEDA, Alberto Palomar (Coord.) Tirant lo blanch: Valencia, 2005, pp. 50-
51
164

fosse analisada a necessidade de regulação sobre o assédio sexual nas relações de


trabalho.
Desta recomendação surge, em 1987, o denominado Informe Rubinstein,
sobre: “A dignidade da mulher no trabalho. Informe sobre o problema do assédio
sexual nos Estados Membros das Comunidades Europeias”. Este informe traz uma
definição de assédio semelhante à da Recomendação Geral 19 da ONU, de 1992,
entendendo-se que o assédio sexual nas relações de trabalho deve ser considerado
como “toda conduta, verbal ou física, de natureza sexual, cujo autor sabe ou deveria
saber que é ofensiva para a vítima. Será considerada ilegal: a) quando a recusa ou
aceitação da conduta pela vítima seja utilizada como ameaça para fundamentar uma
decisão que afete seu emprego ou suas condições de trabalho; b) quanto a vítima
está em condições de denunciar que a conduta ocasionou um prejuízo a seu ambiente
de trabalho”.
Embora em princípio a definição faz uma formulação ampla em torno do sexo
dos sujeitos do assédio sexual nas relações de trabalho, deixa claro, depois, que é
considerada uma discriminação baseada no sexo e que contraria o princípio de
igualdade entre homens e mulheres.
Em 29.05.1990 foi editada uma Resolução, pela Comunidade Europeia, sobre
a tutela da dignidade dos homens e mulheres no mundo do trabalho, afirmando-se ali
que comportamentos com conotação sexual, praticados por superiores ou colegas de
trabalho violam a dignidade da pessoa trabalhadora. Esta Resolução não diferencia o
sexo da pessoa assediada, estabelecendo que a conduta de natureza sexual ou
outros comportamentos baseados no sexo que afetam a dignidade da mulher e do
homem no trabalho, incluída a conduta dos superiores e colegas, constitui uma
violação intolerável da dignidade dos trabalhadores e aprendizes, sendo inaceitável
se: a) a conduta é indesejada, desarrazoada e ofensiva para a pessoa que é objeto
da mesma; b) a negativa ou submissão de uma pessoa a tal conduta por parte de
empresários ou trabalhadores ( incluídos os superiores e os colegas) se utiliza de
forma explicita ou implícita como base para uma decisão que tenha efeitos sobre o
acesso da pessoa à formação profissional, ao emprego, à continuação do emprego, à
promoção, ao salário ou quaisquer outras decisões relativas ao emprego; c) a conduta
165

cria um entorno laboral intimidador, hostil ou humilhante para a pessoa que é objeto
da mesma354.
Em julho de 1991, no Código de Conduta Europeu, o assédio sexual é
conceituado como conduta de natureza sexual ou outros comportamentos baseados
em sexo que afetam a dignidade da mulher e do homem no trabalho.
Em 1998, já existiam leis específicas ou aplicáveis ao assédio sexual no
trabalho em mais ou menos 36 países, remarcando que os Estados Unidos da
América foi o primeiro país a regular o denominado sexual harassment, termo utilizado
pela primeira vez em 1975.
Pesquisa realizada sobre o assédio sexual, publicada em 1999, em
Luxemburgo, nas ações do Programa Comunitário de Igualdade de Oportunidades
entre Homens e Mulheres apresenta o problema do assédio sexual como fenômeno
não ocasional, existente em praticamente todos os lugares e graus de trabalho,
evidenciando que a ausência de uma definição universal da questão traz dificuldades
em sua medição objetiva e a interpretação adequada das pesquisas e estudos.
A pesquisa apresenta como principais conclusões que na comparação dos
estudos verifica-se que a incidência do assédio sexual no trabalho não é menor que
há dez anos; que aproximadamente 10% dos homens sofreram conduta ou
comportamento não desejado em intempestivo; que a maioria dos trabalhadores
reagem ao assédio sexual ignorando o comportamento da pessoa assediadora por
medo; que as características pessoais e profissionais não são as únicas que
determinam a taxa de incidência do assédio sexual sendo determinantes as
características da empresa; muitas investigações partem do princípio de que o
desequilíbrio de forças devido à divisão do trabalho em relação ao sexo é inerente ao
assédio sexual; que à medida em que há maior integração da mulher no mercado de
trabalho, em todos os níveis e em regime de igualdade, o problema do assédio sexual
tende a diminuir; que os resultados da designação de uma pessoa de confiança, talvez
uma ouvidoria, não são satisfatórias, pois poucas das mulheres assediadas

354Conforme Pérez Guardo, R. y Rodríguez Sumaza, C. “Un análisis del concepto de acoso sexual
laboral: reflexiones y orientaciones para la investigación y la intervención social”. Cuadernos de
Relaciones Laborales, Vol. 31, Núm. 1, 2012, pp. 195-219.
166

contataram a pessoa designada, considerando-a próxima da direção e carente de


meios355.
Destaca-se aqui o item das conclusões da pesquisa, que aponta para as
características da empresa como fato determinante do assédio sexual nas relações
de trabalho, aduzindo que as características pessoais e profissionais da pessoa
assediada não são os únicos determinantes da taxa de incidência de assédio sexual.
Conforme leciona Lousada Arochena356, no âmbito comunitário, o primeiro
avanço relevante foi a Recomendação de 27.11.1991 da Comissão, relativa à
proteção da dignidade da mulher e do homem no trabalho, incorporando o Código de
Conduta para combater o assédio sexual, buscando proporcionar uma orientação
prática para empresários, sindicatos e trabalhadores sobre a proteção da dignidade
da mulher e do homem no trabalho, mas somente dez anos depois, foi aprovada uma
norma comunitária de caráter vinculante, que além do assédio sexual, incluiu o
assédio relacionado com o sexo, qualificando ambos como discriminatórios, que foi a
Diretiva 2002/73/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de setembro de
2002 que alterou a Diretiva 76/207/CEE do Conselho quanto ao acesso ao emprego,
à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho, e distinguindo o
assédio motivado por conotação sexual sempre que “ocorrer um comportamento
indesejado de caráter sexual, sob forma verbal, não verbal ou física, com o objetivo
de violar a dignidade da pessoa, em particular pela criação de um ambiente
intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou ofensivo”, uma definição mais assertiva
que as anteriores. A modificação das Diretivas veio da necessidade de atualizar as
Diretivas existentes, em conformidade com a evolução da matéria relativa à igualdade
e com a jurisprudência dos tribunais.
Esta Diretiva 2002/73/CE foi refundida atualmente na Diretiva 2006/54/CE do
Parlamento Europeu e do Conselho, de 05 de julho de 2006, nos artigos 2.1.c) y d) e
2.2.a), que mantém a definição anterior e remarca a importância da prevenção do
assédio sexual e define no artigo 2.1.a) e 2.1.b), o que se entende por discriminação
direta e por discriminação indireta:

355Disponível em: <http://webs.uvigo.es/pmayobre/textos/varios/2acoso.pdf>. Acsso em; 20 jul. 2015.


356LOUSADA AROCHENA, J.. El derecho fundamental a vivir sin violencia de género. Anales de la
Cátedra Francisco Suárez, Norteamérica, 48, ene. 2015. Disponible en:
<http://revistaseug.ugr.es/index.php/acfs/article/view/2779/2896>. Fecha de acceso: 17 sep. 2015
167

Artículo 2. 1. A efectos de la presente Directiva se entenderá por: a)


«discriminación directa»: la situación en que una persona sea, haya sido o
pudiera ser tratada por razón de sexo de manera menos favorable que otra en
situación comparable; b) «discriminación indirecta»: la situación en que uma
disposición, criterio o práctica aparentemente neutros sitúan a personas de un
sexo determinado en desventaja particular con respecto a personas del otro
sexo, salvo que dicha disposición, criterio o práctica pueda justificarse
objetivamente con una finalidad legítima y que los médios para alcanzar dicha
finalidad sean adecuados y necesarios; c) «acoso»: la situación en que se
produce un comportamento no deseado relacionado con el sexo de una
persona con el propósito o el efecto de atentar contra la dignidad de la persona
y de crear un entorno intimidatorio, hostil, degradante, humillante u ofensivo;

Articulo 2 .2. A efectos de la presente Directiva, el concepto de discriminación


incluirá: a) el acoso y el acoso sexual, así como cualquier trato menos favorable
basado en el rechazo de tal comportamiento por parte de una persona o su
sumisión al mismo; b) la orden de discriminar a personas por razón de su sexo;

Em termos de regulação internacional, a OIT não possui normas internacionais


que regulem o tema do assédio sexual nas relações de trabalho de forma
específica357, mas faz referência à igualdade de direitos entre homens e mulheres e à
necessidade de proteção contra toda forma de discriminação, na Declaração
Universal de Direitos Humanos de 1948; ao direito de toda pessoa de gozar de
condições de trabalho igualitárias e satisfatórias e à necessidade de proporcionar igual
oportunidade de promoção para todos, no Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais de 1966, incluindo, na amplitude de tais disposições, todos os aspectos
relacionados com a igualdade de oportunidades e de tratamento no emprego.
A OIT editou, em caráter mais geral, a Convenção n.º 111, sobre a
Discriminação em matéria de Emprego e Profissão, em 1958, ratificada pelo Brasil em
1965,358 definindo a discriminação como:

Toda a distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião,


opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito
destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria
de emprego ou profissão; b) Toda e qualquer distinção, exclusão ou
preferência que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de
oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão, que
poderá ser especificada pelo Estado Membro interessado depois de
consultadas as organizações representativas de patrões e trabalhadores,
quando estas existam, e outros organismos adequados.

Conforme o artigo 3º da Convenção 111 da Organização Internacional do


Trabalho, as palavras «emprego» e »profissão» incluem não só o acesso à
formação profissional, ao emprego e às diferentes profissões, como também
as condições de emprego. Na sequência, foram editadas duas Resoluções,

357 GOSDAL, Thereza Cristina. Op.cit. nota 312.


358 Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/content/convention>. Acesso em: 15 jul.2015.
168

mais específicas: uma, no ano de 1985, versando sobre a igualdade de


oportunidade e de tratamento de homens e mulheres no emprego e
estabelecendo que os assédios de caráter sexual no local de trabalho
prejudicam as condições de trabalho e as possibilidades de ascensão dos
trabalhadores, portanto as políticas que promovam a igualdade devem prever
a adoção de medidas destinadas a combater e a impedir tais assédios; outra,
no ano de 1991, relativa à ação dos governos, solicitando intervenção ao
Diretor Geral, em favor das mulheres trabalhadoras, procurando desenvolver
diretrizes, matérias de informação e formação acerca de temas, incluindo o
assédio sexual no trabalho. A Recomendação n. 111 complementa a
Convenção 111, especificando a seguridade social, a remuneração e as
condições de trabalho como áreas básicas para o gozo, sem discriminação,
da igualdade de oportunidades e de tratamento no emprego para a pessoa
trabalhadora.

Há também a Convenção n. 156, de 1981, não ratificada pelo Brasil, 359 e a


Recomendação n. 156, sobre a Igualdade de Oportunidades e de Tratamento
para Homens e Mulheres Trabalhadores: Trabalhadores com Encargos de
Família.

E não se pode olvidar a Convenção nº. 169 da OIT, sobre povos indígenas e
tribais, de 1991, que obriga os Estados (entre os quais o Brasil, pois foi
promulgada pelo Decreto n. 5.051 de 19.04.2004) a proteger contra o assédio
sexual, no artigo 20, 3, d, nos seguintes termos: “20. Os governos deverão
adotar, no âmbito da legislação nacional e em cooperação com os povos
interessados, medidas especiais para garantir aos trabalhadores
pertencentes a esses povos uma proteção eficaz em matéria de contratação
e condições de emprego, na medida em que não estejam protegidas
eficazmente pela legislação aplicável aos trabalhadores em geral. (...) 3. As
medidas adotadas deverão garantir, particularmente, que: (...) d. os
trabalhadores pertencentes a esses povos gozem da igualdade de
oportunidade e de tratamento para homens e mulheres no emprego e de
proteção contra o acossamento sexual”.

O Estudo Geral da Comissão de Expertos em Aplicação de Convênios e


Recomendações da Organização Internacional do Trabalho, de 1996, define
discriminação como qualquer distinção, exclusão ou preferência baseada em
determinados critérios que tenha por efeito anular ou alterar a igualdade de
oportunidades ou de trato no emprego e na ocupação e arrola as
discriminações direitas ou indiretas enumerando o “hostigamiento sexual”
como uma das discriminações baseadas no sexo. Segundo o Informe da
Comissão de Peritos da Organização Internacional do Trabalho:

Se entiende por “hostigamento sexual” o “atenciones sexuales o solicitadas”


los insultos, así como observaciones, bromas, insinuaciones o comentararios
impróprios sobre la manera de vestir de uma persona, su cuerpo,
eventualmente su edad, su sitacion familiar, et...; las actitudes
condescendientes o paternalistas de connotacionaes sexuales que sean uma
afrenta para la dignidad, las invitaciones o solicitudes impertinentes, implícitas
o explicitas, acompanãdas o no de amenazas; las miradas concupiscientes u
otros ademanes asociados a la sexualidad : los contactos físicos inutiles,
como tocamientos, caricias, pellizcos o las vias de hecho. Ademas para que
um acto sea considerado um hostigamiento sexual em el empleo, esse acto
há de poder ser percibido claramente como condición de conservación dele

359 Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/content/convention_no>. Acesso em: 20 jul. 2015.


169

empleo o previa al mismo, influir em las decisiones adoptadas al respecto o


perjudicar el rendimento profissional. El hostigamiento sexual puede surgir de
um clima generalmente hostil hacia uno o outro sexo.

Na mesma linha, o Informe da la Comision de Expertos:

El hostigamiento sexual pone em peligro la igualdad em el lugar de trabajo al


poner em juego la integridad personal y el bienestar de los trabajadores, y
perjudica a la empresa pues mina los fundamentos de las relaciones de
trabajo y redunda em menoscabo de la productividad. Dadas su gravedad y
sus repercusiones, alguns países han decidido hoy prohibir esta practica em
la legislacion nacional y completarla mediante sanciones civiles o penales, o
ambas.

Constata-se que, embora a existência de evolução importante legislativa sobre


o tema, em muitos países, há ainda poucos instrumentos internacionais que abordam
o assédio sexual, embora a situação tenda a mudar, pois conforme Ibarreche:
Al ressaltar la importância del Derecho comunitário em materia de lucha contra
la discriminación por razón de sexo y, en particular, como ámbito dentro del
cual se han desarrollado mecanismos de acción positiva, no se está passando
por alto ni el hecho de que tal desarrollo há sido costoso y largo en el tempo,
primeiramente, ni, em segundo lugar, que han sido tambien otras las instancias
internacionales que han prestado atención ao problema. Es el caso, así, de la
OIT y de la ONU (...) Por outro lado, tampoco cabe olvidar la influencia ejercida
por determinadas experiências nacionales, en especial, la estadunidense, em
cuyo seno nacen las primeras fórmulas de acción positiva relacionadas com la
lucha frente a la discriminación racial.Lo que se pretende aquí reflejarse es que
el derecho de igualdad de trato y la prohibición de deiscriminación por razón de
sexo se han convertido en una de las cuestiones centralesde la política sociail
comunitária, tanto desde el punto de vista cuantitativo como cualitativo. Y,
como tal, la normativa comunitariay las orientacionesdel Tribunal de Justicia,
especialmente, han influído de forma decisiva em los distintos ordenamentos
internos. 360

Na Espanha, os sindicatos iniciaram estudos e em 1987 foi publicado o


resultado de um estudo da Unión General de Trabajadores (UGT), uma confederação
sindical, apontando a existência e a gravidade do assédio sexual nas relações de
trabalho.
A entrada da Espanha na União Europeia, em 1986, foi um marco em relação
às políticas de gênero, diante do compromisso de elaborar estratégias para a
eliminação das desigualdades e fomento da igualdade entre homens e mulheres e a
transposição da normativa comunitária em matéria de igualdade à legislação, a

360 IBARRECHE, Rafael Sastre. La accíon positiva para las mujeres en el derecho comunitário. A
igualdade de gênero nas relações de trabalho. PENIDO, Lais de Oliveira (Coord.) Brasilia: ESMPU,
2006, pp. 91-114.
170

jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias e a elaboração de


planos de igualdade de oportunidade entre homens e mulheres marcaram uma
evolução muito importante quanto à eliminação das discriminações por razão de sexo
e no desenvolvimento de políticas de igualdade.361.
Conforme Molina, na Espanha, a luta contra as desigualdades, incluídas as
fundadas em razão de sexo, constitui um nível primeiro que deve ser respeitado de
acordo com a Constituição Espanhola, que consagra o princípio da igualdade no artigo
14 e vai mais além, impondo aos poderes públicos, no artigo 9.3, a obrigação de
promover as condições para que a igualdade entre todos os cidadãos seja real e
efetiva, implicando os poderes públicos na promoção da igualdade.
A jurisprudência constitucional espanhola tem oferecido valiosas pautas para
discernir os obstáculos do processo até a igualdade entre mulheres e homens e a
mera transposição do acervo comunitário às legislações nacionais dos Estados
Membros da União Europeia, incluindo a Espanha, não deve ser limitada à mera
incorporação técnica às legislações, dos princípios contidos nas Diretivas: as
garantias legais devem ser levadas do plano teórico à realidade e para que tal
aconteça é essencial a implicação de toda a sociedade: advogados, juízes,
legisladores, agentes econômicos e sindicais, ONGs e administrações públicas, em
rol não exaustivo362.
Especificamente em relação ao assédio sexual, a partir de 1995, passou a ser
contemplado como infração laboral muito grave, conforme a Ley Orgánica 10/1995,
do Código Penal, no capítulo III, no artigo 184.
De acordo com o caso concreto, considerando ainda a lesão a outros direitos,
são aplicáveis os seguintes artigos da Constituição Espanhola: 18.1 (direito à
intimidade), 15 e 40.2 (direito à integridade física e moral) e 14 (direito à igualdade),
sendo cabíveis ações para restituir os bens constitucionais infringidos e obter
indenização por danos e prejuízos.
Nos artigos 4.2.; 50.1. e 50.2. do Texto Refundido de la Ley del Estatuto de los
Trabajadores (TRET), de 24.03.1995, era assegurado aos trabalhadores o direito ao

361 BRUNEL ARANDA, Susana. Investigaciones de género promovidas por COCO. Um acercamiento
a los estudios de género. Valencia: Germania, 2001, p. 69.
362 MOLINA, Pilar López. El tratamiento del género en el âmbito normativo. El tratamento del género en

el ordenamento español. OLMEDA, Alberto Palomar. Valencia: Tirant lo blanch, 2005, pp. 136-150.
171

respeito à intimidade e à consideração devida à dignidade, compreendida a proteção


frente a ofensas físicas e verbais de natureza sexual, prevendo como a possibilidade
de rescisão indireta e o direito às indenizações pela rescisão provocada pelo
comportamento do empregador.
Conforme Lousada Arochena363:
En España, la redacción originaria del Estatuto de los Trabajadores (1980) no
contenía ninguna referencia al acoso sexual en el trabajo, aunque su protección
se podía sustentar, al amparo de su artículo 4.2.e), en el derecho de los
trabajadores“en la relación de trabajo … al respeto a su intimidad y a la
consideración debida de su dignidad”. La Ley 3/1989, de 3 de marzo, con la
finalidad, declarada en su Exposición de Motivos, de dar “efectividad de estos
derechos genéricos”, añadió, como un inciso final del artículo 4.2.e) del ET,
“comprendida la protección frente a ofensas verbales o físicas de naturaleza
sexual”. (...)Con posterioridad, el Código Penal (1995) introdujo un tipo penal
en el artículo 184, cuya tipificación fue ampliada en la Ley Orgánica 11/1999,
de 30 de abril, viniendo la redacción actual de la Ley Orgánica 15/2003, de 25
de noviembre. Y la Ley 50/1998, de 30 de diciembre, introdujo una infracción
autónoma de acoso sexual tipificada dentro de las muy graves, actualmente
contenida en el artículo 8.13.º de la Ley de Infracciones y Sanciones del Orden
Social.

Para Monteiro de Barros, na Europa, principalmente na Espanha, o assédio


sexual é visto como violação das obrigações do empregador em matéria de higiene e
segurança no trabalho364. Também foram realizados estudos qualitativos em
quantitativos em 1998 e 2000, resultando em grande avanço para a sensibilização e
conhecimento do tema, com desenvolvimento de propostas quanto à normativa, à
negociação coletiva e ao favorecimento de novas formas de atuação. Aliás, à
negociação coletiva eram deixados muitos temas polêmicos, nem sempre com
resultados muito favoráveis às pessoas trabalhadoras.
Em 22.03.2007, foi publicada a Ley Orgánica 3/2007(LOI), para la igualdad
efectiva de mujeres y hombres, que vincula o assédio ao princípio de igualdade de
oportunidades, conceituando nos artigos 7.1 e 7.2, o assédio sexual e o assédio em
razão de sexo, ambos considerados como discriminatórios. O artigo 7. assim dispõe:

Artículo 7. Acoso sexual y acoso por razón de sexo. 1. Sin perjuicio de lo


establecido en el Código Penal, a los efectos de esta Ley constituye acoso
sexual cualquier comportamiento, verbal o físico, de naturaleza sexual que
tenga el propósito o produzca el efecto de atentar contra la dignidad de una
persona, en particular cuando se crea un entorno intimidatorio, degradante u

363LOUSADA AROCHENA, J. Op.cit, nota 356.


364A autora faz menção de uma decisão do Tribunal de Castilla-La Mancha, na qual um caso de conduta
de assédio sexual, entre colegas de trabalho, que resultou em incapacidade da trabalhadora foi tratado
como acidente de trabalho, sendo possível o pedido de indenização, com base no Estatuto dos
Trabalhadores. MONTEIRO DE BARROS, Alice. Op.cit, nota 220, p. 505.
172

ofensivo. 2. Constituye acoso por razón de sexo cualquier comportamiento


realizado en función del sexo de una persona, con el propósito o el efecto de
atentar contra su dignidad y de crear un entorno intimidatorio, degradante u
ofensivo. 3. Se considerarán en todo caso, discriminatorios el acoso sexual y
el acoso por razón de sexo.4. El condicionamiento de un derecho o de una
expectativa de derecho a la aceptación de una situación constitutiva de acoso
sexual o de acoso por razón de sexo se considerará también acto de
discriminación por razón de sexo.

Para Lousada Arochena365:


Los cambios acaecidos a nivel comunitario a través de la Directiva 2002/73/CE
—con su refundición la 2006/54/CE— obligaban a una mejora de la regulación
española que se acomete en la Ley Orgánica 3/2007, de 22 de marzo, para la
Igualdad Efectiva de Mujeres y Hombres. En su artículo 7 se establece, en el
apartado 1, que el acoso sexual, “sin perjuicio de lo establecido en el Código
Penal (y) a los efectos de esta Ley”, es “cualquier comportamiento, verbal o
físico, de naturaleza sexual que tenga el propósito o produzca el efecto de
atentar contra la dignidad de una persona, en particular cuando se crea un
entorno intimidatorio, degradante u ofensivo”, en el apartado 2, que el acoso
por razón de sexo es “cualquier comportamiento realizado en función del sexo
de una persona con el propósito o el efecto de atentar contra su dignidad y de
crear un entorno intimidatorio, degradante u ofensivo”, en el apartado 3, que
“se considerarán en todo caso discriminatorios (por sexo) el acoso sexual y el
acoso por razón de sexo”, y, en el apartado 4, que “el condicionamiento de un
derecho o de una expectativa de derecho a la aceptación de una situación
constitutiva de acoso sexual o de acoso por razón de sexo (esto es un chantaje)
se considerará también acto de discriminación por razón de sexo”.

Da análise da Ley Orgánica 3/2007(LOI), para la igualdad efectiva de mujeres y


hombres, podem ser extraídos três espécies de discriminação:

A primeira é a direta, que tem critérios objetivos de aferição, pois uma pessoa,
em razão de seu sexo é tratada de maneira menos favorável que outra pessoa, em
situação equiparada.

A segunda é a indireta, cuja prova é mais difícil, pois há um grau de


subjetividade em relação às disposições, critérios e práticas, aparentemente neutros,
mas que põem em desvantagem pessoas de um sexo ou de outro, a menos que exista
uma justificação objetiva para a disposição, critério ou prática.

Essa justificação deve atender uma finalidade legítima e os meios para o


alcance de tal finalidade devem ser necessários e adequados. Inobstante, nos dias de
hoje, as justificações para a existência de discriminação são objeto de

365 LOUSADA AROCHENA, J. Op.cit, nota 356.


173

questionamentos. Se antes algumas justificativas eram aceitáveis, na atualidade, cada


vez mais, as diferenciações entre mulheres e homens são duramente questionadas,
razão pela qual mais e mais os empregadores tem muito cuidado em relação ao tema.

Ambas estão previstas no artigo 6 da LOI:

Artículo 6. Discriminación directa e indirecta. 1. Se considera discriminación directa por


razón de sexo la situación en que se encuentra una persona que sea, haya sido o
pudiera ser tratada, en atención a su sexo, de manera menos favorable que otra en
situación comparable. 2. Se considera discriminación indirecta por razón de sexo la
situación en que una disposición, criterio o práctica aparentemente neutros pone a
personas de un sexo en desventaja particular con respecto a personas del otro, salvo
que dicha disposición, criterio o práctica puedan justificarse objetivamente en atención
a una finalidad legítima y que los medios para alcanzar dicha finalidad sean necesarios
y adecuados. 3. En cualquier caso, se considera discriminatoria toda orden de
discriminar, directa o indirectamente, por razón de sexo.

A terceira espécie seria a discriminação múltipla, quando são sobrepostas


diversas espécies (overlapping opressions), que podem ser de gênero, idade, etnia,
entre outras. Veja-se, por exemplo, o que pode sofrer uma mulher, negra, oriunda do
continente africano, imigrante e fisicamente deficiente.

Na Espanha, estão criminalizados tanto o assédio sexual por chantagem, como


o assédio sexual ambiental, ou seja, tanto o assédio na forma horizontal, praticado
por pessoa com superioridade hierárquica sobre a pessoa assediada como na forma
vertical, praticado por colegas de trabalho da pessoa assediada, contaminando o
ambiente de trabalho (por tal razão o termo assédio sexual ambiental).
No artigo 48 da LOI, são previstas medidas específicas para a prevenção do
assédio sexual e do assédio em razão de sexo no trabalho, como protocolos
antiacosso, notadamente na administração pública, mas que pode ser entendido como
uma obrigação das empresas, dentro dos procedimentos por adotar. Os protocolos
devem ser preventivos e defensivos.
Também devem ser adotados Planos de Igualdade, conforme o artigo 45 da
LOI, que podem e devem incluir em seu conteúdo medidas de lutas contra o assédio.
Os doutrinadores Yolanda Maneiro Vásquez e José Maria Miranda Boto
apontam o dever de elaboração dos protocolos previstos contra o assédio como
obrigação das empresas:
174

Em síntese, es posible afirmar que existe um deber general de elaborar


protocolos de lucha contra el acoso sexual, deber que puede venir reforçado
por fuentes convencionais. La ausência aparente de sanción puede llevar a
algunas empresas a retardar más de lo necessário su elaboración, pero
atendendo a critérios de razonabilidad, que deberían governar el conjunto de
las relaciones laborales, tal decisión debe ser descartada. La existência de um
distintivo de igualdad que recompensa a “aquellas empresas que se destaquen
por la aplicacón de políticas de igualdad de trato y de oportunidades com sus
trabajadores y trabajadoras” puede ser un poderoso incentivo para uma
diligente preparación de los protocolos 366.

De fato, uma premiação para as empresas que buscam o efetivo cumprimento


da legislação seria uma iniciativa benvinda, a exemplo do que ocorre com as
premiações a empresas que promovem o desenvolvimento sustentável e\ou que não
utilizam produtos de origem animal de extração dolorosa.
Osborne historia o tratamento do tema e também aponta a inexistência de
debates importantes sobre as causas do fenômeno, sua extensão ou medidas para
combaté-lo, nos seguintes termos:
Así en España las normas que sancionan el acoso en el estatuto de los
trabajadores e incluso en el Código Penal fueron relativamente tempranas –
años ochenta del passado siglo – pero a diferencia de otros países no se ha
desencadenado ni entonces ni hasta la fecha ningún importante debate social
sobre las causas del fenómeno, su extensión o las medidas para combatirlo.
Puede darse el riesgo de la canalización de los recursos hacia unas
determinadas actuaciones em detrimento de unos análises más holísticos
sobre las causas estructurales de las respetivas formas de violencia y de una
implicación solidaria y activa de la sociedade e general con las mujeres
agredidas. Antes de la Ley de Igualdad las propuestas de los expertos, como
las aquí examinadas, se pronunciaban en esta última dirección, abogando por
el favorecimento de la definición de acoso y su sanción em la negociación
coletiva, así como por que las empresas se tomaram en serio el
estabelecimento de mecanismos creíbles y asequibles para resolver los casos.
Allende nuestras fronteras, algunas estratégias colectivas han dado resultado
em ciertos casos, como nos muestran a veces los médios de comunicación,
aunque referido casi siempre a multinacionales instaladas en países
occidentales cuyos directivos han sido denunciados por un amplio número de
empleadas. Volviendo al marco local, el informe del Instituto de la Mujer de
2006, proponía, por su parte, acciones de sensibilización social, prevención em
la empresa, formación e información em términos educativos, intervención em
el ámbito legal, em los aspectos sanitários y en la assistência a las victimas. La
Ley de Igualdad estabelece como objetivo, respecto al acoso, contar com
planes específicos que eviten situaciones de discriminación y acoso em todas
las empresas com más de 250 trabajadores. La intención es unificar los critérios
que rijan las negociaciones colctivas en este tema, enfocandólo como una
cuestión de salud laboral y no como un mero conflicto entre personas. Un
instrumento para lograrlo son los códigos de buenas prácticas em materia de

366 VÁSQUEZ, Yolanda Maneiro; BOTO, José Maria Miranda. Las obligaciones de la empresa em
matereia de acoso moral, acoso sexual y acoso por razones de sexo: los protocolos antiacoso.
MOBBING, acoso laboral y acoso por razóns de sexo. Guía para la empresa y las personas
trabajadoras. Portero, Maria Teresa Velasco (Coord). Madrid: Tecnos, 2011, pp. 65-91, em especial as
pp. 60-70.
175

acoso sexual, códigos más propios de la cultura empresarial anglosajona que


en la latina367.
Em 01 de agosto de 2014 entrou em vigor na Espanha o Convênio do Conselho
da Europa sobre prevenção e luta conta a violência contra as mulheres e à violência
de gênero, firmado em 11 de maio de 2011, em Istambul, denominado de Convênio
de Istambul.
O Convênio de Istambul, em seu preâmbulo reconhece, entre outros, que a
realização de direito e de fato da igualdade entre mulheres e homens é um elemento
chave na prevenção da violência contra a mulher; que a violência contra as mulheres
é uma manifestação de desequilíbrio histórico entre a mulher e o homem que tem
levado à dominação e à discriminação da mulher pelo homem, privando a mulher de
sua plena emancipação; que a natureza estrutural da violência contra a mulher está
baseada no gênero; que a violência contra a mulher é um dos mecanismos sociais
cruciais que mantém as mulheres em posição de subordinação em relação aos
homens e ainda que o assédio sexual é uma forma grave de violência praticada contra
as mulheres.
Da leitura do Convênio de Istambul, é possível afirmar que a ênfase dada é em
relação à violência doméstica, que talvez seja a espécie de violência que se
consentida, autoriza, ao menos psicologicamente, as demais espécies de violência
contra as mulheres, pois se o homem é violento no âmbito doméstico, não há razão
para supor que vá respeitar as mulheres em outros âmbitos, em especial no trabalho.
O Convênio de Istambul tem entre seus objetivos, a criação de uma Europa
livre de violência contra as mulheres e de violência doméstica, conforme pode ser
visto no artigo 1:
1. Los objetivos del presente Convenio son: a) Proteger a las mujeres contra
todas las formas de violencia, y prevenir, perseguir y eliminar la violencia contra
la mujer y la violencia doméstica; b) Contribuir a eliminar toda forma de
discriminación contra la mujer y promover la igualdad real entre mujeres y
hombres, incluyendo el empoderamiento de las mujeres; c) Concebir un marco
global, políticas y medidas de protección y asistencia a todas las víctimas de
violencia contra la mujer y la violencia doméstica; d) Promover la cooperación
internacional para eliminar la violencia contra la mujer y la violencia doméstica;
e) Apoyar y ayudar a las organizaciones y las fuerzas y cuerpos de seguridad
para cooperar de manera eficaz para adoptar un enfoque integrado con vistas
a eliminar la violencia contra la mujer y la violencia doméstica.
Conforme Lousada Arochena, o Convênio de Istambul constitui importante
avanço nas questões conceituais relacionadas à violência contra as mulheres:

367 OSBORNE, Raquel.Op.cit, nota 112, pp. 156-157.


176

En lo que ahora nos atañe, supone un importante avance en las cuestiones


conceptuales, dado que define la “violencia contra las mujeres”, la “violencia
doméstica”, el “género” y la “violencia contras las mujeres por razones de
género”, y dado que las define —como se verá a continuación— com una
importante precisión técnica. De este modo, y aún reconociendo que el derecho
español vigente cubre con bastante solvencia las exigencias del Convenio de
Estambul, las definiciones que contiene servirán para la interpretación y recta
aplicación de las normas internas del derecho español, según el artículo 10.2
de la Constitución Española368.

Para Monteiro de Barros369, a promulgação das leis em favor da igualdade de


oportunidades, aliada a um progresso do movimento feminista em países
industrializados; as decisões dos tribunais norte-americanos e o aumento das
mulheres no mercado de trabalho ocasionaram resistência à presença feminina neste
espaço, alertando ainda que o fenômeno ocorre em vários níveis de emprego, sendo
agravado nos mais modestos.
A situação pode ser pior nos países costumeiramente denominados como “em
desenvolvimento”, em relação ao repúdio feminino ao assédio, diante das dificuldades
de obtenção de emprego e da possibilidade de perda do emprego conseguido, ante a
precária situação econômica vivenciada, agravada em momentos de crise econômica.
A Espanha, hoje, conta com a Ley Orgánica 3/2007(LOI), sobre igualdade de
oportunidades, com parâmetros definidos acerca do assédio sexual nas relações de
trabalho e mecanismos de prevenção e sanção, que pode servir como exemplo para
o Brasil, que não conta ainda com instrumentos normativos suficientes para a
prevenção e coibição do assédio sexual nas relações de trabalho.
A jurisprudência dos Tribunais brasileiros vem considerando que o assédio
sexual nas relações de trabalho é o assédio relacionado com o contrato de trabalho,
de forma direta ou indireta, ainda que na fase pré-contratual, importando violação aos
princípios da CF de 1988, notadamente os previstos nos artigos 5º. Iº e X e 7º, XXX.
Não há tratamento específico acerca do assédio, na Consolidação das Leis do
Trabalho370.
No âmbito dos servidores estatutários federais, a Lei Federal 8.112/90 tratou
do assédio sexual de forma genérica. A Lei Complementar nº. 14.487/2000 dispôs de

368 LOUSADA AROCHENA, J. Op. cit, nota 356.


369 MONTEIRO DE BARROS, Alice. Op.cit, nota 220, p. 195.
370 GOSDAL, Thereza Cristina. Op.cit, nota 328, p. 239. Conforme a autora “(...) A repercussão do

assédio sexual em âmbito trabalhista pode importar uma indenização por dano moral ao ofendido, se
o empregador foi autor, ou preposto seu, ou outro colega de trabalho, sobretudo se o empregador
houver sido omisso ou conivente com a prática de assédio (...)”.
177

forma expressa sobre o assédio sexual nos artigos 1º, 2º e 3º e seus parágrafos III,
IV, VII e VIII, prevendo o assédio na forma de chantagem, na forma de intimidação,
podendo a vítima, inclusive ser usuária do serviço público.
No âmbito penal, a teoria do assédio sexual por chantagem foi adotada, quando
da edição da Lei nº. 10.224, de 15.02.2001.
Anteriormente não havia referência em lei federal acerca do assédio sexual,
mas apenas algumas menções esparsas em leis estaduais, com discutida
constitucionalidade.
Após a apresentação de alguns projetos, foi promulgada a lei, acrescendo ao
Código Penal o artigo 216-A.
A ênfase da lei ficou restrita aos casos de assédio sexual por chantagem, ligado
à relação hierárquica ou de ascendência entre a pessoa assediante e a pessoa
assediada.
Assim, para os efeitos penais, somente está regulado de forma expressa, até o
presente momento, o assédio sexual laboral, na modalidade de chantagem.
O crime de assédio sexual, previsto no artigo 216-A do Código Penal, é um
crime contra a liberdade sexual; o núcleo do tipo é o verbo constranger, no sentido
etimológico de coagir, forçar, impelir, obrigar, objetivando a vantagem ou
favorecimento de cunho pessoal, frisando que a existência de violência física ou
mesmo moral evidencia a existência de outros delitos, como estupro ou atentado
violento ao pudor.
A tutela penal é a da liberdade sexual; quanto ao tipo objetivo, o artigo fala em
superioridade hierárquica ou ascendência, pressupondo diferença hierárquica; os
sujeitos ativos e passivos podem ser de qualquer sexo, desde que tenham condição
de superioridade hierárquica ou de ascendência de cunho laboral sobre a vítima; o
tipo subjetivo é o dolo direto, devendo concorrer o elemento subjetivo do tipo ou do
injusto; o ato coativo deve visar o benefício do próprio agente; por fim, a consumação
do crime de assédio tem natureza formal, consumando-se com o ato de
constrangimento.
A obtenção do benefício sexual seria exaurimento do crime371.

371 Conforme MOSSIN, Heráclito Antonio. Op.cit, nota 282, pp. 19/25.
178

A iniciativa da ação penal é exclusiva da vítima, nos termos do artigo 225 do


Código Penal.
O Brasil está hoje, portanto, entre os países que incluíram a prática da conduta
de assédio sexual como crime na legislação penal.
Há quem advogue a necessidade de inclusão, na Consolidação das Leis do
Trabalho- CLT, de norma específica acerca do tema, entendendo que há bens
jurídicos importantes a serem salvaguardados, tais como o direito a não discriminação
no trabalho, direito à liberdade sexual e o próprio direito ao trabalho, com respaldo
legal na Carta Magna de 1988, como Savi:

A revolução industrial, as duas grandes guerras mundiais, a revolução sexual


dos anos sessenta e mais recentemente a globalização, advêm da entrada
de uma nova força de trabalho, a da mulher. Porém mesmo com as proteções
constitucionais de 1988, garantindo a igualdade entre homens e mulheres,
não bastou para equalizar às relações de ambos os sexos no trabalho. A
participação mais efetiva da força de trabalho feminina no mercado gerou
uma nova situação jurídica a ser discutida, a questão do assédio sexual, que
muito embora, já tenha previsão em nosso ordenamento jurídico pátrio, no
âmbito do direito penal e, doutrina e jurisprudência já algum tempo venha
discutindo o assunto, na esfera trabalhista, onde geralmente acontece o
assédio, não temos ainda disposições legais sobre o assunto. Porém, o
aumento das reclamações trabalhistas neste sentido, resultou no crescimento
das discussões referentes ao tema, já vemos até divergências doutrinárias
ocorrendo sobre o assunto, principalmente no que tange ao enquadramento
do assédio como causa da extinção do contrato de trabalho,
especificadamente a aplicação das alíneas do 483 da CLT, no caso do
assediador ser o próprio empregador, na incidência da rescisão indireta. A
contemplação desta norma legal pela CLT urge, pois em se tratando de
assédio laboral372.

Conforme Gosdal373, diversamente daquilo que se entende como assédio


sexual no âmbito trabalhista, o crime de assédio sexual é tipificado quando há
superioridade hierárquica ou ascendência sobre a vítima, no que constitui o assédio
sexual por chantagem.
Tramitam no momento, algumas propostas legislativas de caráter ampliativo,
acerca da regulamentação legal sobre a prática da conduta de assédio sexual nas
relações de trabalho: o PL 1831/1999; o PL 6988/2002; o PL 1060/2007; o PL
848/2007, dando nova redação ao art. 216-A do Código Penal para penalizar o igual

372 SAVI, Aloisio. O assédio sexual como causa de extinção do contrato de trabalho. Disponível em:
<http://pt.scribd.com/doc/47768050/o -assedio-sexual-como-causa-de-extincao-do-
contrato-de-trabalho>. Acesso em: 18 jul. 2015.
373 GOSDAL, Thereza Cristina. Op.cit, nota 328, pp. 241-241.
179

ou o subordinado quando da prática do crime de assédio sexual, ampliando a


penalização da conduta para o igual ou subordinado e no Senado Federal, o PLC 106
de 2005 (PL 62/99), com propostas de alteração nas leis trabalhistas para sancionar
tanto o autor do assédio sexual quanto o empregador, quanto atue com descaso
diante da denúncia, com possibilidade de percepção de indenização por danos
morais, e mudança do local de trabalho, sendo prevista ainda a competência do atual
Ministério do Trabalho e Previdência Social, para definir normas para as empresas
acerca do estabelecimento de programas de prevenção do assédio sexual e
regramento interno quanto ao tema374.
Estes projetos de lei, resultantes das lutas dos movimentos femininos,
apresentam avanços em relação à temática do assédio sexual nas relações laborais
e estão em diferentes estágios de tramitação.
De outra parte, no cenário político brasileiro, as possíveis modificações: a
forma de aprovação dos projetos e a excessiva demora são elementos que suscitam
dúvidas, cabendo esperar o quê e como alcançará aprovação.
Antes da edição da lei penal, a prática da conduta de assédio sexual podia ser
considerada como crime de constrangimento ilegal, previsto no artigo 146 do Código
Penal.
A demora na tipificação da conduta de assédio sexual como criminosa deve-se
em parte à oposição de juristas que entendiam que a figura já estava subsumida no
crime de constrangimento ilegal.
De outro lado, havia pressão pela aprovação de lei definindo o que fosse
assédio sexual, pelos movimentos feministas e por juristas trabalhistas.
Verifica-se aqui a importância de aumentar as possibilidades de previsão legal
no Brasil sobre a prática da conduta do assédio sexual.
O projeto de lei 61 de 1999, que resultou na edição da lei 10.224, em 2001,
previa em sua justificativa, que “...seguindo a lógica do Direito brasileiro, este projeto

374 Dados extraídos da Nota Técnica emitida pelo CFEMEA intitulada: O Congresso Nacional e a
discussão do assédio moral e sexual. Fevereiro de 2011. Disponível em:
<http://www.observatoriodegenero.gov.br/eixo/legislacao/monitoramento-de-proposicoes-
legislativas/notas-tecnicas/nota-tecnica-o-congresso-nacional-e-a-discussao-do-assedio-moral-e-
sexual-fevereiro-de-2011/>. Acesso em: 15 jun. 2015.
180

busca ser objetivo no trato da questão, no âmbito penal. Outros projetos darão conta
do tratamento necessário no âmbito da CLT e do Código Civil”375.
Sobre a importância das leis e do Direito na transformação do contexto
visibilizado, Herrera Flores376 sinala que se as leis constituem o lugar da
representação do existente, o lugar da modificação e da transformação é a prática
social.
Na mesma linha, a feminista italiana Bochetti377 aduz que a lei não modifica a
realidade existente, limitando-se a registrar as modificações que vão ocorrendo no
âmbito social.
A realidade não muda com as leis, sendo a lei apenas o lugar de registro do
que ocorre em outro lugar, nos intercâmbios entre os seres humanos.
A fraqueza de uma classe, de um grupo ou de um sexo não está determinada
por leis desfavoráveis, mas por relações de força existentes no âmbito social, sendo
as leis o lugar de representação da realidade existente.
O importante é a vida.
O lugar da modificação da vida é a prática social e não a lei.
Há quem378 comente acerca do papel das leis quando vão mais adiante da
sociedade em que são aplicadas, ao ponto de ter um papel pedagógico e também de
restrição. É referido também que a discriminação de gênero está tão instalada na
sociedade e que a diferença e dependência sexuais estão tão profundamente
inseridas no sujeito, que a lei apenas chega a alcançá-las, concluindo, de outro lado,
que não pode deixar de existir a lei, embora muitas vezes tenha mais um papel
pedagógico do que repressivo, o que efetivamente ocorre, mas pode ser apenas um
estágio no cumprimento da normativa.
A regulamentação legal nos casos de prática da conduta de assédio sexual nas
relações de trabalho, embora realizada de forma parcial, reflete as modificações
ocorridas no âmbito social sobre o tema.

375 Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD16MAR1999.pdf#page=65. Acesso


em: 15 jul. 2015.
376 HERRERA FLORES, Joaquín. Op.cit, nota 100, p. 83.
377 BOCCHETTI, Alessandra. Lo que quiere uma mujer. Valencia: Catedra, 2005, p. 311.
378 Cf. FREITAS DE ALVARENGA, Lúcia Barros. Op.cit, nota 133, p. 15.
181

Pereira de Melo379, ao falar sobre o empoderamento político das mulheres,


afirma que “a conclusão é de que não basta uma lei. É preciso escrevê-la na vida das
mulheres”. De fato, muitas leis são inócuas e inúteis pois não refletem a realidade que
deveriam regular, o que ocorre em vários ramos do Direito e já foi debatido por vários
juristas. No caso, contudo, a lei penal abordando o assédio tem importância, devido a
vários fatores, mas principalmente porque não havia antes um dispositivo legal
específico em relação ao tema.
Nas palavras de Herrera Flores, “No somos nada sin derechos. Los derechos
no son nada sin nosotros. Em este camino no hemos hecho más que comenzar”380.
Ramos Filho381 destaca que a ampliação (tardia) dos direitos dos trabalhadores
dependerá de processos de luta que ensejem novas materializações das correlações
de força entre as classes sociais fundamentais e que a ampliação dos direitos dos
trabalhadores pode ocorrer tanto no plano normativo como no plano jurisprudencial.
Também, que o ritmo desta ampliação dependerá fundamentalmente da mobilização
da classe trabalhadora e de sua capacidade de perturbação da “paz social”.
Pode-se dizer que a edição da lei penal criminalizando o assédio sexual por
chantagem, realizado por superior hierárquico da pessoa trabalhadora assediada
constitui um resultado dos processos de lutas feministas, e deve ser considerado
como uma vitória parcial, continuando o processo de luta, agora para a ampliação da
conceituação incompleta dada pela lei penal.
Em relação à criminalização do assédio sexual laboral, Zackseski assim
aponta:

No caso da criminalização do assédio sexual, o resultado pode ser


desastroso para o movimento feminista, pois com o resultado criminalizador
da conduta, foi esvaziada uma demanda que era cabível tanto que hoje se
fala mais sobre assédio moral do que sobre assédio sexual, o que representa
justamente a modificação de uma pauta de demandas 382.

379 PEREIRA DE MELO, Hildete. O Brasil e o Global Gender Gap Index do Fórum Econômico.
Disponível em: <http://www.observatoriodegenero.gov.br/menu/publicacoes/o-brasil-e-o-global-
gender-gap-index-do-forum-economico-mundial/view>. Acesso em: 20 jul. 2015.
380 HERRERA FLORES, Joaquín. Op.cit nota 3, p. 157.
381 RAMOS FILHO, Wilson. Op.cit nota 6, p. 464
382 ZACKSESKI, Cristina. A insegurança feminina e os problemas das políticas contemporâneas de

prevenção da violência. Trabalho de Mulher: Mitos, Riscos e Transformações. REIS DE ARAUJO,


Adriane; MOURÃO, FONTENELLE, Tania (Coord.). São Paulo: LTr, 2007, p. 100.
182

Ao apontado esvaziamento da demanda acerca do assédio sexual, no


movimento feminista, devido à edição da lei penal, caracterizando como crime o
assédio praticado por superior hierárquico, pode ser contraposto que a problemática
da violência contra as mulheres não está esgotada com a edição de uma lei penal que
aborda o problema do assédio sexual apenas de forma parcial.
Os temas que devem ser priorizados, dentro das demandas femininas, pelos
movimentos feministas devem, evidentemente, ser revisados, periodicamente, sem
deixar de lado a problemática da violência contra as mulheres.
É de lembrar que o assédio sexual nas relações de trabalho segue como
problema grave enfrentado pelas pessoas trabalhadores, merecendo a atenção
devida e considerando que a lei penal, da maneira como foi aprovada, limitou a
conceituação da situação de assédio sexual nas relações de trabalho apenas aos
casos entendidos como assédio sexual por chantagem, o que teve o efeito de reforçar
a posição das pessoas que não admitem o assédio sexual ambiental.
Ao analisar a criminalização do assédio sexual e a postura do movimento
feminista, Pereira Andrade383 assinala que o processo de mão dupla pelo qual passa
o direito penal no Brasil, de um lado descriminaliza e despenaliza condutas; de outro,
criminaliza condutas até então não criminalizadas objetivando a neutralização sexista.
O sistema penal, em regra, é ineficaz para proteger as mulheres da violência
sexual, além de duplicar a violência exercida contra elas, constituindo estratégia
excludente que afeta a própria unidade do movimento.
Parte do movimento feminista e parte da população apoiam esta dupla via,
especialmente quanto à criminalização do assédio, apontada como avanço, e a
justificativa para essa nova criminalização parece recair na função retributiva da
Justiça.
Acredita-se também no efeito de modificação da consciência e atitude
masculinas em relação à violência da mulher, permanecendo difusa a resposta acerca
do sentido da proteção penal.

383PEREIRA DE ANDRADE, Vera Regina. Violência sexual e sistema penal: proteção ou duplicação
da vitimação feminina?
Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/busca.php?acao=abrir&id=4743>. Acesso em: 10 jul.
2015.
183

Existe também um questionamento do movimento feminista acerca do apelo ao


sistema penal, remarcando-se a necessidade de buscar meios alternativos de solução
mais sintonizados com os objetivos feministas.
A dúvida acerca da necessidade e/ou efetividade da criminalização da conduta
de assédio sexual é tormentosa, não só para as pessoas integrantes do movimento
feminista, como também para os juristas que se debruçam sobre o tema.
Silva Neto384 reflete o pensamento de muitos estudiosos ao afirmar sua
estranheza em relação ao tratamento do tema em sede de norma penal, diante da
difícil configuração da conduta, até no âmbito do direito do trabalho e da nova diretiva
em termos de direito penal, no sentido de diminuir o rol das condutas tipificadas como
crimes ou contravenções, ou como se diz, do caráter subsidiário do direito penal.
Especialistas apontam vazios e atecnias na lei.
A iniciativa exclusiva da vítima em relação à ação penal dificulta a denúncia do
assediador, considerando a superioridade hierárquica ou ascendência e os receios
fundados quanto à continuidade da relação de emprego.
Há poucas condenações por assédio sexual nas relações de trabalho no âmbito
penal, o que pode ser justificada diante da existência de princípios próprios no Direito
Penal, que exigem prova robusta para embasar uma condenação.
E há quem defenda que o combate ao assédio sexual não deveria passar pelo
direito penal, quando sanções administrativas, trabalhistas e civis poderiam ser muito
mais eficazes e intimidadoras385.
Por outro lado, o conceito penal fechado de assédio sexual nas relações de
trabalho acaba levando muitos estudiosos a utilizar este conceito nas esferas cível e
trabalhista. E aqui a visão da teoria crítica dos direitos humanos deve sobrepujar a
visão dogmática acerca do tema.
Em contraponto ao conceito penal fechado, de assédio sexual nas relações de
trabalho, repete-se aqui o conceito mais aberto proposto por Jakutis 386, que exclui
como elementos essenciais para a caracterização do assédio sexual no trabalho, os
fatores relacionados com hierarquia, sexo dos envolvidos, local de trabalho e não-

384 SILVA NETO, Manoel Jorge e. Op.cit, nota 277, p. 99.


385 Cf. MOREIRA, Rômulo de Andrade. O novo delito de assédio sexual .Jus Navigandi, ano 5, n. 51,
out. 2001. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2285>. Acesso em: 20 jul. 2015.
386 JAKUTIS, Paulo. Op.cit, nota 213, p. 199.
184

eventualidade do comportamento indevido, entendendo o assédio sexual no trabalho


como a conduta reiterada ou não, ligada ao comportamento sexual e ao universo do
emprego, não aceita pela pessoa assediada e cuja severidade produz, em um ser
humano com sensibilidade normal, barreira para a feitura adequada das tarefas
atribuídas.
Os que criticam a Lei 10.224 alegam que a criminalização está na contramão
do pensamento mais moderno em termos de direito penal e, ainda, que a
caracterização da conduta está incompleta.
Trata-se, porém, da primeira referência legislativa federal, acerca do assédio
sexual e que a promulgação da lei teve ampla repercussão na imprensa, resultando
num incremento das discussões sobre o tema e, como efeito reflexo, um previsível
aumento de casos levados à apreciação do judiciário, falando-se aqui de demandas
trabalhistas, devido à conscientização de muitos sobre o tema.
Piovesan387 ressalta a inédita disposição do crime de assédio sexual, realizada
pela Lei 10.224, de 15.05.2001, como um dos avanços obtidos pelos movimentos
femininos em termos legislativos, em relação à violência da qual são vítimas. Destaca
que a experiência brasileira, no que se refere à discriminação contra a mulher, está
em consonância com os parâmetros protetivos internacionais, refletindo tanto a
vertente repressivo-punitiva como a vertente promocional. Afirma ainda que não
obstante os significativos avanços obtidos na esfera constitucional e internacional,
reforçados por vezes, pela legislação infraconstitucional, atendendo às reivindicações
e anseios das mulheres, a ótica sexista e discriminatória relativa às mulheres persiste
na cultura brasileira, impedindo o exercício de seus direitos fundamentais, com
autonomia e dignidade.
A Comissão de Expertos da OIT, em 2002, ao identificar evoluções e problemas
no Brasil, acolheu como positiva a promulgação da Lei 10.224, de 15 de maio de
2001388.

387 PIOVESAN, Flavia. Direitos Humanos das Mulheres no Brasil: Desafios e Perspectivas. A igualdade
de gênero nas relações de trabalho. PENIDO, Lais de Oliveira (Coord.) Brasilia: ESMPU, 2006, pp.
209/211.
388 Conforme referido por Barzotto. BARZOTTO, Luciane Cardoso. Direitos Humanos e Trabalhadores.

Atividade Normativa da Organização Internacional do Trabalho e os Limites do Direito Internacional do


Trabalho. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 205.
185

A lei penal deu repercussão à temática do assédio sexual nas relações laborais
ensejando o incremento de ações trabalhistas individuais, o que deve ser visto como
positivo, diante da maior conscientização acerca do tema.
Especialistas como Hirigoyen389, acreditam que ao invés da imitação dos
excessos norte-americanos no que se refere a processos por assédio, caberia o
estabelecimento de políticas de prevenção, impondo o respeito ao indivíduo no
ambiente de trabalho.
Acredita-se que todas as formas de atuação são válidas e passíveis de críticas
e de aperfeiçoamento.
Entende-se que o assédio sexual tem abrangência maior do que a dada pela
lei penal em relação às espécies e aos sujeitos, aplicando-se aqui (e em relação ao
assédio sexual nas relações laborais em geral) os princípios existentes na
Constituição Federal Brasileira, à míngua de regulamentação específica.
Conforme França de Oliveira390, cinco direitos fundamentais, previstos na CF
de 1988, são apontados como vulnerados pela situação de assédio sexual nas
relações de trabalho:
1. o direito ao respeito à dignidade da pessoa humana;
2. o direito à igualdade e a não ser discriminado em razão do sexo;
3. o direito à integridade física e moral; o direito à liberdade sexual;
4. o direito a um meio ambiente de trabalho íntegro e sadio;
5. o direito à dignidade humana e à liberdade sexual, principais direitos
violados pelo assédio nas relações de trabalho.
O direito à dignidade humana seria um direito-mãe em relação aos direitos à
personalidade e à liberdade.
O direito à liberdade compreenderia o direito à liberdade sexual, que pode ser
vista por dois prismas: a possibilidade de dispor do próprio corpo e a possibilidade de
repelir comportamentos de outros de natureza sexual.
A prática da conduta de assédio sexual, constitui prática de opressão às
pessoas trabalhadoras, notadamente as trabalhadoras mulheres, lesiva à dignidade
humana, a par de violações aos direitos à igualdade e a não –discriminação em razão
do sexo, ao direito à integridade física e moral, ao direito à liberdade sexual e ao direito

389 HIRIGOYEN, Marie-France. Op.cit, nota 262, p. 160.


390 FRANÇA DE OLIVEIRA, Lamartino. Op.cit, nota 233, pp. 111/112.
186

a um meio ambiente saudável, devendo ser prevenida e combatida por firme atuação
em prol da dignidade da pessoa humana.
A normativa existente no Brasil, deve ser ampliada, abrangendo todos os tipos
e espécies de assédio, verificando-se como positivos e necessários os avanços
doutrinários e legislativos frente ao tema.
Dando seguimento ao trabalho, após as considerações acerca da normativa
legal existente, buscar-se-á analisar o assédio sexual nas relações de trabalho e as
questões ligadas ao trabalho decente, entendido como conjunto mínimo de direitos
das pessoas trabalhadora; aspectos ligados aos princípios da igualdade e da não-
discriminação; os prejuízos acarretados pelo assédio sexual nas relações de trabalho;
aspectos das leis e do papel das leis e também o papel que a Justiça do Trabalho
brasileira pode exercer como espaço possível na luta pelos direitos humanos e no
enfrentamento das situações de assédio sexual nas relações de trabalho.
187

3.TRABALHO DECENTE E AS DEMANDAS INDIVIDUAIS NAS SITUAÇÕES DE


ASSÉDIO SEXUAL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL

Como visto anteriormente, a existência de assédio sexual nas relações laborais


traz consequências para a pessoa assediada e para o assediador, acarretando
prejuízos para ambos e também na esfera empresarial, diante dos efeitos nefastos do
assédio sexual sobre as mulheres, tais como ansiedade, estresse, depressão, perda
da autoestima, absenteísmo e falta de produtividade do trabalho com visível dano
tanto à saúde mental como à saúde física das pessoas trabalhadoras.
Para Pérez e Rodríguez391:
El acoso sexual laboral ha ido adquiriendo en los últimos años una gran
relevância social. El fenómeno en sí no es un hecho novedoso. La novedad es
el creciente interés por su identificación, conceptualización y tratamiento, tanto
desde el escenario internacional como desde el comunitario y el nacional. Así,
se ha ido dando nombre a una realidad que emerge a raíz de la reestructuración
del sistema de roles atribuidos a los individuos por razón de su sexo, más
concretamente a raíz de la progresiva incorporación de las mujeres al mercado
de trabajo.

Santos392 aponta que nenhuma empresa, grande ou pequena, está imune ao


problema, aduzindo que afeta diretamente o comportamento da massa de
trabalhadores, causando, dentre outras consequências, a instabilidade emocional, a
geração de crises psíquicas e o aumento do absenteísmo, acarretando a perda do
ritmo de produção com encarecimento do custo da mão de obra e de consequência,
o aumento do custo do produto acabado.
Pamplona Filho393 destaca as mesmas consequências financeiras, apontando
que em estudo realizado nos Estados Unidos da América, com 160 grandes
empresas, em 1988, concluiu-se que o assédio sexual custou, em média, 6.700.000
dólares por anos, em razão da ausência dos trabalhadores e da consequente queda
de produtividade.
A pessoa assediada pelo empregador, por prepostos, por colegas de trabalho
de maior, igual ou superior hierarquia, ou por terceiros, pode procurar auxílio junto ao
sindicato, junto ao Ministério Público do Trabalho-MPT e pode também, por advogado
indicado pelo Sindicato de sua categoria profissional ou outro de sua livre escolha,

391 Pérez Guardo, R. y Rodríguez Sumaza, Op. cit, nota 355, pp. 195-219.
392 SANTOS, Aloysio. Assédio Sexual nas Relações Trabalhistas e Estatutárias. Rio de Janeiro:
Forense, 1999, p. 24.
393 PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op.cit, nota 201, p. 108.
188

postular, mediante ação junto à Justiça do Trabalho, a rescisão indireta do contrato


de trabalho cumulada com o pedido de indenização por danos materiais ou morais
sofridos, diante da violação dos preceitos contidos na CF de 1988.
De modo geral, as ações trabalhistas envolvendo o tema incluem pedido de
indenização por danos morais e materiais; pedido de rescisão indireta do contrato de
trabalho, podendo conter ainda pedido de reintegração, quando há demissão, com ou
sem justa causa, além de outros pedidos.
Antes, porém, de adentrar nos aspectos processuais das demandas
trabalhistas individuais, convém fazer um apanhado sobre a conceituação do trabalho
decente e sua relação com os princípios inerentes aos direitos humanos, notadamente
com o princípio da dignidade da pessoa humana, remarcando alguns aspectos da
igualdade e do combate à discriminação; os malefícios causados pela prática do
assédio sexual; das leis existentes e de sua aplicação, bem como o papel da Justiça
do Trabalho como espaço possível na luta pelos direitos humanos, especialmente em
relação ao assédio sexual nas relações de trabalho.

3.1 O conceito de trabalho decente e o assédio sexual nas relações de trabalho:


considerações sobre os princípios dos direitos humanos; igualdade e
discriminação; prejuízos acarretados pelo assédio sexual; aspectos das leis e
da Justiça do Trabalho

A referência ao trabalho decente mostra-se necessária diante da relevância do


tema debatido na 89 CIT, em 2011.
O “trabalho decente” pressupõe um conjunto mínimo de direitos das pessoas
trabalhadoras e negar o trabalho nestas condições significa negar os direitos humanos
dos trabalhadores, atuando em oposição aos princípios básicos que os regem e ao
maior deles, que é o princípio da dignidade da pessoa humana.
Conforme afirmado pelo Diretor Geral na 89ª CIT, em 2011:

La mejor expresión de la meta del trabajo decente es la visión que tiene de él


la gente. Se trata de su puesto de trabajo y sus perspectivas futuras, de sus
condiciones de trabajo, del equilibrio entre el trabajo y la vida familiar, de la
posibilidad de enviar a sus hijos a la escuela o de retirarlos del trabajo infantil.
Se trata de la igualdad de género, de la igualdad de reconocimiento y de la
capacitación de las mujeres para que puedan tomar decisiones y asumir el
control de su vida. Se trata de las capacidades personales para competir en
el mercado, de mantenerse al día con las nuevas calificaciones tecnológicas
y de preservar la salud. Se trata de desarrollar las calificaciones
empresariales y de recibir una parte equitativa de la riqueza que se ha
189

ayudado a crear y de no ser objeto de discriminación; se trata de tener una


voz en el lugar de trabajo y en la comunidad. En las situaciones más
extremas, se trata de pasar de la subsistencia a la existencia. Para muchos,
es la vía fundamental para salir de la pobreza. Para muchos otros, se trata de
realizar las aspiraciones personales en la existencia diaria y de manifestar
solidaridad para con los demás. Y en todas partes, y para todos, el trabajo
decente es un medio para garantizar la dignidad humana. 394

No site da OIT no Brasil, há um conceito de trabalho decente395:

Trabalho Decente é o ponto de convergência dos quatro objetivos


estratégicos da OIT: o respeito aos direitos no trabalho (em especial aqueles
definidos como fundamentais pela Declaração Relativa aos Direitos e
Princípios Fundamentais no Trabalho e seu seguimento adotado em 1998: (i)
liberdade sindical e reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva;
(ii)eliminação de todas as formas de trabalho forçado; (iii) abolição efetiva do
trabalho infantil; (iv) eliminação de todas as formas de discriminação em
matéria de emprego e ocupação), a promoção do emprego produtivo e de
qualidade, a extensão da proteção social e o fortalecimento do diálogo social.
Além da promoção permanente das Normas Internacionais do Trabalho, do
emprego, da melhoria das condições de trabalho e da ampliação da proteção
social, a atuação da OIT no Brasil tem se caracterizado, no período recente,
pelo apoio ao esforço nacional de promoção do trabalho decente em áreas
tão importantes como o combate ao trabalho forçado, ao trabalho infantil e ao
tráfico de pessoas para fins de exploração sexual e comercial, à promoção
da igualdade de oportunidades e tratamento de gênero e raça no trabalho e
à promoção de trabalho decente para os jovens, entre outras. Em maio de
2006, o Brasil lançou a Agenda Nacional de Trabalho Decente (ANTD), em
atenção ao Memorando de Entendimento para a promoção de uma agenda
de trabalho decente no país, assinado pelo Presidente da República, Luiz
Inácio Lula da Silva, e pelo Diretor-Geral da OIT, Juan Somavia, em junho de
2003. A Agenda define três prioridades: a geração de mais e melhores
empregos, com igualdade de oportunidades e de tratamento; a erradicação
do trabalho escravo e eliminação do trabalho infantil, em especial em suas
piores formas; e o fortalecimento dos atores tripartites e do diálogo social
como um instrumento de governabilidade democrática. As organizações de
empregadores e de trabalhadores devem ser consultadas permanentemente
durante o processo de implementação da Agenda. (...) O mesmo Decreto que
criou o Comitê Interministerial instituiu o Subcomitê da Juventude, com o
objetivo de elaborar uma Agenda Nacional de Trabalho Decente para a
Juventude (ANTDJ). Esse objetivo foi cumprido durante o ano de 2010,
através de um amplo e produtivo processo de diálogo tripartite. A ANTDJ se
organiza em torno de quatro prioridades: (i) mais e melhor educação; (ii)
conciliação entre estudos, trabalho e vida familiar;(iii) inserção digna e ativa
no mundo do trabalho; (iv) diálogo social.

Na 104. Conferência Internacional da Organização do Trabalho, em junho de


2015, com discussão sobre a promoção do trabalho decente, fazendo parte das

394 Memoria del Director General: Reducir el déficit de trabajo decente - un desafio global. 89a reunión,
junio de 2001. Disponível em:
<http://www.ilo.org/public/spanish/standards/relm/ilc/ilc89/rep-i-a.htm>. Acesso em: 25 jul. 2015.
395 Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/content/o-que-e-trabalho-decente>. Acesso em: 25 jul.

2015.
190

conclusões a importância da proteção dos trabalhadores, fundamental para a


consecução do trabalho decente; para a justiça social e para a paz social396.
O jurista uruguaio Uriarte adverte que a linguagem não é neutra e que ao falar
de “mercado de trabalho”, há uma aceitação do trabalho como uma mercadoria,
refletindo que a incorporação massiva da mulher ao mercado de trabalho é paralela
ao desenvolvimento da economia de consumo, questionando se houve uma promoção
da cidadania da mulher ou apenas uma incorporação da mulher ao consumo, para
afirmar que a luta pela igualdade dos gêneros não pode ser desvinculada da luta pela
melhora das condições de trabalho de todos, do trabalho decente em geral e da
recuperação da centralidade do trabalho, concluindo que “la promoción de la igualdad
de la mujer en el trabajo deve acompanãr-se, complementarse, con la preocupación
por las buenas condiciones de trabajo para todos, o sea, trabajo decente para todos.397
O trabalho decente, para Brito Filho, é conceituado como um conjunto mínimo
de direitos do trabalhador que corresponde: à existência de trabalho; à liberdade de
trabalho; à igualdade no trabalho; ao trabalho com condições justas, aí inclusas a
remuneração e a preservação da saúde e da segurança: à proibição do trabalho
infantil; à liberdade sindical e, ainda, à proteção contra os riscos sociais e negar o
trabalho nessas condições equivale a negar os direitos humanos do trabalhadores,
em oposição aos princípios básicos que regem os direitos humanos, em especial o
princípio da dignidade humana.
Os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana são a base dos
direitos humanos, servindo como sustentáculo contra qualquer forma de
discriminação. E quando se trata de discriminação, os aspectos morais e materiais
devem vir conjugados, não só respeitando as diferenças entre as pessoas, mas
criando condições para seu desenvolvimento e integração na sociedade, aduzindo
que não há como falar em dignidade sem direito à saúde, ao trabalho, enfim, sem o
direito de participar da vida em sociedade com um mínimo de condições.398
Tal pensamento está em consonância com Herrera Flores,399 quando afirma
que a universalidade dos direitos somente pode ser defendida em função da variável

396Disponível em: <http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_norm/---


relconf/documents/meetingdocument/wcms_375388.pdf>. Acesso em: 25 jul. 2015.
397 URIARTE, Oscar Ermida. Op.cit, nota 35, pp. 115-125.
398 BRITO FILHO, José Claudio Monteiro de. Trabalho decente. São Paulo: LTr, 2010, pp. 33-52.
399 HERRERA FLORES, Joaquín. Op.cit nota 3, p. 13.
191

do fortalecimento dos indivíduos, grupos e organizações para construir um marco de


ação que permita a todas e a todos a criação de condições que garantam de modo
igualitário o acesso aos bens materiais e imateriais, que fazem com que a vida seja
digna de ser vivida.
Para Brito Filho,400 pode-se listar como direitos mínimos da pessoa
trabalhadora, no plano individual, o direito ao trabalho, base sobre a qual estão
assentados os demais desdobramentos; a liberdade de escolha do trabalho; a
igualdade de oportunidades para e no exercício do trabalho, o direito de exercer o
trabalho em condições que preservem a saúde do trabalhador; o direito a uma justa
remuneração; o direito a justas condições de trabalho, principalmente limitação de
jornada de trabalho e existência de períodos de repouso e a proibição do trabalho
infantil.
No plano coletivo, avulta a questão da liberdade sindical e no plano da
seguridade, a proteção contra o desemprego e outros riscos sociais.
Estabelecido o conceito de trabalho decente, há em contraponto, o trabalho
indigno.
Uma das mais graves formas de exploração do trabalho é o comportamento
discriminatório e/ou excludente dos tomadores de serviço, que transformando as
diferenças em desigualdades, excluem do mercado de trabalho ou dão tratamento
diferenciado a pessoas que são discriminadas e/ou muitas vezes impede o combate
e a reparação das lesões causadas401.
E aqui, complementarmente ao que já foi referido, volta-se à questão da
igualdade e da discriminação, para que se aborde a questão do trabalho decente e do
trabalho indigno.
As discriminações são causadas, na linha de pensamento de Brito Filho, por
estigmas, estereótipos e preconceitos, tendo relação com a forma como as pessoas
são vistas, recebendo avaliação negativa.
Não raramente, a nossa sociedade admite certas práticas como inofensivas e
normais, sem a percepção de que resultam em preconceito e discriminação,
associada à errônea linha de pensamento de que somente o racismo é produtor de
discriminação, o que não é correto. Conforme Brito Lopes:

400 BRITO FILHO, José Claudio Monteiro de. Op.cit, nota 368, pp. 49-55.
401 BRITO FILHO, José Claudio Monteiro de. Op.cit, nota 368, p. 95.
192

Inicialmente, é preciso determinar o que seja racismo, estereótipo,


preconceito e discriminação, já que, não raro, os juristas e os legisladores
costumam confundi-los ou até mesmo ignorar o estereótipo ou considerá-lo
componente inofensivo do anedotário e da cultura popular. O racismo é uma
ideologia segundo a qual certas aparências físicas dos indivíduos determinam
uma maior superioridade de uns grupos sobre os outros, tanto a nível de
inteligência, quanto de atributos morais. Por exemplo, a ideologia nazista, que
defendia a superioridade da raça ariana e a inferioridade da raça judia. O
estereótipo é simplesmente o "rótulo" com que costumamos classificar certos
grupos de pessoas, e é muito mais comum do que possa parecer. É
introduzido no seio da sociedade e se agrega à psique das pessoas por meio
de anedotas, frases feitas, "adágios", contos populares etc., pois, desde a
mais tenra idade, as pessoas são condicionadas a acreditar que certos
grupos de pessoas estão ligados a determinados atributos ou características.
Este condicionamento, ou esta verdadeira lavagem cerebral, ocorre as vezes
de forma bastante despretensiosa quando as pessoas, por exemplo, afirmam
convictamente ou em tom de gracejo que "o negro é malandro", "o negro só
sabe jogar bola e sambar", "o português é burro", "o judeu é negociante e é
capaz de vender qualquer coisa", "o negro quando não erra na entrada, erra
na saída", "as mulheres só têm jeito para cuidar de velhos, crianças e pessoas
doentes", "as mulheres bonitas são burras", "as mulheres não são boas para
comandar porque são excessivamente emotivas", "as mulheres só
conseguem alcançar o topo da carreira seduzindo"; "os baianos não gostam
de trabalhar", "o carioca é malandro", "o brasileiro procura levar vantagem em
tudo" etc. Como se pode ver, os estereótipos são tão variados quanto falsos.
O seu potencial negativo é maior porque as pessoas se deixam condicionar
por eles com muita facilidade, já que os consideram inofensivos e
engraçados, e tendem a "rotular" as pessoas com as quais se relacionam,
sem ao menos perceber. O preconceito é o julgamento prévio que se faz de
pessoas estigmatizadas tanto pelo racismo quanto pelos diversos
estereótipos. Por exemplo, a pessoa condicionada a acreditar que os negros
são malandros (estereótipo) dará sempre preferência ao trabalhador branco
sem ao menos considerar o currículo de um eventual candidato negro, por
prejulgá-lo malandro (preconceito). Em situações assim, a pessoa que pré-
julga os outros com base em estereótipos, sequer admite que possa ter sido
preconceituosa ou praticado alguma forma de discriminação, quando o que
fez foi justamente isto. A discriminação, a seu turno, é a ação ou omissão
baseada em critérios injustos, tais como raça, cor, sexo, idade, estado civil,
religião etc., que viole direitos da pessoa. Pode-se dizer que a discriminação
é a exteriorização ou a materialização do preconceito, que pode decorrer
tanto do racismo, quanto do estereótipo. É o caso, por exemplo, do
empresário que se recusa a promoção uma mulher a um cargo de direção,
apenas pelo fato de ser mulher e acreditar que as mulheres, por sua
"fragilidade" não são talhadas para as funções de comando. As práticas
discriminatórias nem sempre se manifestam de forma clara e direta, mas sutil
e indireta, quando, sob a aparência de neutralidade, nada mais fazem que
criar desigualdades em relação a certos grupos de pessoas com as mesmas
características. São exemplos aquelas situações em que o acesso a um
determinado emprego aparentemente está aberto a todos, indistintamente,
mas o critério de seleção adotado, da "boa aparência", têm impacto negativo
sobre certos grupos de pessoas que na realidade se pretendia excluir. O
Poder Judiciário não pode olvidar a notória dificuldade enfrentada pelos que
procuram produzir provas da discriminação. Na realidade, deve estar bem
atento às facetas e peculiaridades do problema, ampliando os meios de prova
e dando aos indícios e outras circunstâncias do caso (exemplo: uma grande
empresa que não possui nenhum empregado negro quando está localizada
193

numa coletividade onde metade da população é negra) um valor bastante


relevante402.

Complementando o foi dito acima, Brito Lopes aponta que as mulheres


representam praticamente a metade da população mundial e aproximadamente a
terça parte da população ativa no mundo, e a questão da igualdade engloba o direito
à igualdade de oportunidades, de igual tratamento no emprego, de condições de
trabalho compatíveis com sua condição biológica e social, e também o acesso à
formação profissional e, principalmente, a participação das mulheres na definição das
políticas públicas e decisões pertinentes ao tema e além da discriminação no trabalho
em razão do gênero, a discriminação racial é outro vírus que infecta o tecido social, e
a cada dia que passa, vai merecendo das autoridades mundiais maior cuidado,
havendo um trabalho de cooperação entre a OIT e órgãos governamentais, entre os
quais se inclui o MPT, no combate à discriminação, constatando-se a recorrência das
seguintes situações:

1. negros e mulheres têm o acesso dificultado a certos trabalhos que


impliquem contato com o público, tais como caixa de banco, garçom,
garçonete, relações públicas etc.; 2. os salários pagos aos negros e às
mulheres são inferiores ao pagos aos seus colegas, com a mesma
qualificação; 3. negros e mulheres costumam ser preteridos nas promoções
no emprego; 4. em muitos casos a justificativa para a preterição das mulheres
nas promoções é que os seus colegas poderiam ter dificuldade em aceitar o
comando feminino; 5. as mulheres estão sujeitas ao assédio sexual como
instrumento de pressão no trabalho403.

A situação das mulheres e dos negros como sujeitos de discriminação é antiga


e perceptível na sociedade, lembrando aqui que o cantor John Lennon compôs uma
música chamada “Woman Is The Nigger Of The World”, com a seguinte letra:

Woman is the nigger of the world. Yes she is. Think about it. Woman is the
nigger of the world. Think about it. Do something about it. We make her paint
her face and dance. If she won't be a slave, we say that she don't love us. If
she's real, we say she's trying to be a man. While putting her down we pretend
that she's above us. Woman is the nigger of the world. Yes she is. If you don't
believe me. Take a look at the one you're with. Woman is the slave of the
slaves. Oh yeah, better scream about it. We make her bear and raise our
children. And then we leave her flat for being a fat old mother hen. We tell her
home is the only place she should be. Then we complain that she's too

402 BRITO LOPES, Otávio. A Questão da Discriminação no Trabalho. Revista Síntese Trabalhista e
Previdenciária, ano XXV, n. 307, janeiro de 2015, São Paulo, pp. 09-21. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/rev_17/artigos/art_otavio.htm>. Acesso em: 18 jul. 2015.
403 BRITO LOPES, Otávio. Ibidem, pp. 9-21.
194

unworldly to be our friend. Woman is the nigger of the world. Yes she is. If you
don't believe me, take a look at the one you're with. Woman is the slave to the
slaves. Yeah, alright. We insult her every day on TV. And wonder why she
has no guts or confidence. When she's young we kill her will to be free. While
telling her not to be so smart we put her down for being so dumb. Woman is
the nigger of the world. Yes she is. If you don't believe me, take a look at the
one you're with. Woman is the slave to the slaves. Yes she is. If you don't
believe me, you better scream about it. We make her paint her face and
dance404.

A arte reflete os problemas e as aspirações sociais. A música acima deve ser


contextualizada na época, em 1972, ressaltando que hoje há leis criminalizando o
racismo. Contudo, é ilustrativa em relação ao que se quer aqui demonstrar.
Nas relações laborais na sociedade ocidental e em especial no Brasil, no
recorte temático proposto, a discriminação contra a mulher no trabalho é constante,
para não dizer sistemática, diante da relação de poder existente e o combate às
discriminações, no mundo do trabalho.
Apesar da legislação já existente, ainda é terreno árduo, pois há discriminações
diretas, traduzidas pela exclusão aberta, e indiretas, realizadas de forma dissimulada,
por vezes sem o propósito claro de discriminar, mas por meio de atitudes que
conduzam à exclusão de um grupo ou de uma pessoa, ressaltando-se que a
Convenção 111 da OIT, ratificada no Brasil pelo Decreto 62.150 de 19.01.1968, define
a discriminação, em seu artigo 1, da seguinte forma:

Toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião,


opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito
destruir ou alterar a igualdade de oportunidade ou de tratamento em matéria
de emprego ou profissão; b) qualquer outra distinção, exclusão ou preferência
que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou
tratamento em matéria de emprego ou profissão que poderá ser especificada
pelo Membro interessado depois de consultadas as organizações
representativas de empregadores e trabalhadores, quando estas existam, e
outros organismos adequados.

As discriminações, como já visto, podem ser diretas ou indiretas. As primeiras


seriam aquelas voltada para a análise da intenção do contratante, como negar a
alguém a oportunidade de emprego, ascensão profissional ou remuneração de forma
deliberada por critérios não meritórios.

404
Disponível em: <http://letras.mus.br/john-lennon/79782/traducao.html>. Acesso em: 30 jun. 2015. A
música pode por ouvida no site <https://www.youtube.com/watch?v=OA8N0xy3hjE>.
195

A segunda dispensaria a prova da intenção discriminatória, sendo aferida pelo


efeito de práticas em princípio inofensivas405. As práticas discriminatórias, se
inicialmente são vistas como inofensivas e aparentemente em conformidade com a
lei, acabam por gerar disparidades graves entre as pessoas trabalhadoras.
Para autores como Brito Lopes406, a discriminação é a antítese da igualdade e
em outras palavras, a negação do princípio de que todos são iguais perante a lei. A
exclusão é uma forma contemporânea de indignidade, entendendo que o princípio da
dignidade deve ser conjugado com o princípio da solidariedade social,
compreendendo a pessoa não apenas como indivíduo, mas como cidadã. A agressão
à dignidade humana deve ser entendida como toda a ação, norma ou sistema jurídico,
social ou político que mutile, física, moralmente ou psicologicamente e que trate o
homem como ser não completo407.
Gosdal408 leciona que é preciso lembrar que a tutela da dignidade da pessoa
trabalhadora deve alcançar todos os aspectos da relação de trabalho que possam ser
afetados ou violados e o dever do empresário deve incluir a observância da dignidade
e dos limites dados pelos direitos fundamentais dos trabalhadores de maneira integral,
englobando seu patrimônio moral e sua integridade física, havendo ampla aplicação
nas relações de trabalho.
Para Uriarte, ao analisar as políticas de igualdade, é nas relações econômicas,
sociais e laborais, que está o núcleo mais duro da discriminação, sendo necessária
uma “acción política, que en primerísmo logar, corresponde al Estado”. Uriarte aponta
mais quatro ações necessárias em relação às políticas de igualdade: a ação sindical,
diante na importância da negociação coletiva na criação de normas
antidiscriminatórias e evitando discriminações indiretas ou encobertas; a ação
educativa que seria a única a atacar de forma direta as causas e não apenas as
consequências e aqui se fala em educação em todos os níveis: educação formal,
profissional e cívica; a educação sindical, com o papel dos empregadores e das

405 MOURA, Humberto Fernandes de. A Discriminação Indireta, sua natureza jurídica e a possibilidade
de implementação das ações afirmativas nas relações de emprego: algumas breves idéias. Revista
Síntese Trabalhista e Previdenciária, ano XXV, n. 307, janeiro de 2015, São Paulo, p. 34-44.
406 BRITO LOPES, Otávio. Op.cit, nota 403.
407 ROCHA, Carmen Lucia Antunes. Vida digna: direito, ética e ciência (os novos domínios jurídicos e

seus reflexos jurídicos). O direito à vida digna. ROCHA, Carmen Lucia Antunes (Org.). Belo Horizonte:
Fórum, 2004, p. 45.
408 GOSDAL, Thereza Cristina. Dignidade do Trabalhador: um conceito construído sob o paradigma do

trabalho decente e da honra. São Paulo: Ltr, 2007, p. 85


196

organizações de empregadores, porque o sujeito ativo da discriminação, em geral é o


empregador, devendo ser levado em conta também a participação das mulheres nas
organizações de empregadores e, ainda, a ação religiosa, pois o feminismo não
prosperará, segundo o autor, enquanto não se atrever a fazer uma revolução em
relação aos dogmas religiosos.409
A sociedade atual se encontra em transição e o patriarcado, conforme Freitas
de Alvarenga,410 vem perdendo terreno e legitimidade. Inobstante as mudanças, é
observado, contudo, que a violência contra a mulher, por tanto tempo relegada a
espaços privados, pode aumentar e agravar na medida em que cresce a presença e
a ascensão das mulheres no espaço político, por mais contraditório, absurdo,
paradoxal e perverso que possa parecer.
Nunca é demais lembrar que a relação da pessoa trabalhadora com o trabalho
estabelece um “status social” que não é restrito ao ambiente de trabalho, sendo parte
inseparável do universo social e individual de cada um, traduzindo-se tanto em meio
de equilíbrio e desenvolvimento, como em fator diretamente responsável por danos à
saúde em condições adversas411.
Conforme Penido, ao falar sobre o assédio sexual:

Esse problema tem relação com papéis atribuídos aos homens e às mulheres
na vida social e econômica que por sua vez, altera a situação das mulheres
no mercado de trabalho. A empregada é obrigada a escolher entre assentir a
uma demanda sexual ou perder algum benefício, ou a algo que lhe
corresponderia pelo trabalho, até mesmo o próprio emprego. Dado que isso
só pode ocorrer em uma relação em que alguém detenha o poder de dar ou
retirar esse benefício do trabalho, caracteriza-se abuso de autoridade por
parte do empregador. (...) Assédio sexual provoca na vítima: insegurança,
culpa, depressão, problemas sexuais e de relacionamento íntimo, baixa
autoestima, vergonha, fobias, tristeza, revolta, indignação, ansiedade,
desmotivação. Podem ocorrer também, nos casos mais graves, tendências
suicidas e, em elevado número de casos, o stress pós-traumático; isso nos
avaliza a tipificar esses sentimentos como “um intenso sofrimento mental”,
por conseguinte, um comportamento desumano 412.

409 URIARTE, Oscar Ermida. Op.cit, nota 35, pp. 115-125.


410 FREITAS DE ALVARENGA, Lúcia Barros. Op.cit, nota 133, p. 460.
411 PENIDO, Laís de Oliveira. Os fatores psicossociais e a caracterização do tratamento desumano e

degradante. Saúde mental no trabalho: coletânea do fórum de saúde e segurança no trabalho do


Estado de Goías. FERREIRA, Januário Justino; PENIDO, Laís de Oliveira. (Coord.), Goiânia: Cir.
Gráfica, 2013, p. 666
412 Ibidem, pp. 670-671.
197

A existência de assédio sexual nas relações de trabalho vai contra o conceito


de trabalho decente, traduzindo trabalho indigno, diante da discriminação e da
negativa de acesso à igualdade de tratamento no trabalho, em prática atentatória ao
princípio da dignidade da pessoa humana. O perigo de correr mal considerável ocorre
pelas nefastas consequências do assédio sexual na mente e no corpo da pessoa
assediada.
O assédio sexual provoca estresse no ambiente de trabalho, podendo ter sérias
consequências adversas à saúde e qualificando-se como uma questão de saúde e de
segurança do local de trabalho413.
A prática da conduta de assédio sexual nas relações laborais vulnera outros
direitos além do direito à igualdade e a não ser discriminado em razão do sexo, como
o direito à intimidade, o direito ao respeito e à dignidade humana; o direito à
integridade física e moral; o direito à liberdade sexual e o direito a um meio ambiente
saudável, lembrando-se que mais de 20 anos após a promulgação da CF de 1988,
que previu no artigo 5º da proibição de distinções de quaisquer naturezas, perduram
as discriminações, notadamente quanto às mulheres.
O assédio sexual em suas modalidades contamina o ambiente de trabalho
como um todo, prejudicando a coletividade de trabalhadores, constituindo um
problema coletivo e não individual, no âmbito da empresa.
Alguns autores apontam para a existência de uma “síndrome de acoso sexual
general”414.
0 assédio sexual pode acarretar estresse profundo, muitas vezes identificado
como a Síndrome de Burnout e nos casos mais drásticos, pode-se chegar à tentativa
ou a consumação do suicídio:

Há amparo legal para se obter a compensação pelos transtornos diretamente


ligados aos prejuízos à saúde mental ou física causados pelo assédio. Deste
modo podem ser pleiteados: o reembolso do tratamento psiquiátrico ou
psicológico, que a vítima tenha feito para superar o trauma e a perda da
autoestima, e os quadros de ansiedade e angústia assim como dos remédios
receitados em decorrência dessas terapias, como os antidepressivos,
calmantes etc., e com natureza de execução de sentença e com pagamento
a ser determinado enquanto durar a recomendação médica, de outros

413Conforme alerta Chaya S. Piotrkowski, Op. cit. nota 274, Acesso em: 15 jul. 2015.
414FERRER PERÉZ, Victoria A. Las diversas manifestaciones de la violência de gênero. La violência
de gênero. Algunas cuestiones básicas. FIOL, Esperanza Bosch (Coord) Alcalá La Real: Formación
Alcalá, 2007, p. 99.
198

utilizados em caráter crônico em decorrência de quadros clínicos decorrentes


de tensão, como gastrites, problemas cardíacos, males da coluna, etc. 415.

Nas palavras de Marques da Fonseca416, o assédio moral e o assédio sexual


são riscos perceptíveis no ambiente laboral, afetando a autoestima, a dignidade
pessoal da pessoa trabalhadora, sendo mais evidentes hoje diante da evolução dos
direitos de personalidade e do espaço que vem sendo ocupado pelas mulheres na
sociedade, aduzindo que a prevalência da postura aética na rigorosa competição
interpessoal e econômica, influenciada pelas concepções de absenteísmo legal do
novo laissez-faire, imprimiu reação em defesa dos últimos bastiões da dignidade da
pessoa no trabalho, faltando, contudo, sistematização legal sobre as condutas lesivas
e suas consequências. A conduta traz consequências para as pessoas trabalhadoras
e para as empresas. A ausência dos trabalhadores leva à queda de produtividade,
prejudicando as empresas com o aumento dos custos, conforme pesquisas realizadas
em empresas norte-americanas. A queda de produtividade em razão da prática da
conduta de assédio sexual ocorre tanto em razão do abalo nas condições psicofísicas
da (s) pessoa (s) assediada (s), quanto pela repercussão negativa trazida pelo
conhecimento, no ambiente de trabalho de um caso de prática de assédio sexual,
mormente quando nada for feito a este respeito, gerando insegurança e
intranquilidade entre os demais trabalhadores, principalmente entre os que estejam
em situação pessoal e funcional similar à da (s) pessoa (s) assediada (s), acarretando
prejuízos, com ônus excessivo para a empresa 417.
A rotatividade da mão de obra, acarretada pelas ausências e despedidas
motivadas pelo assédio sexual nas relações de trabalho, além dos custos inerentes
às rescisões contratuais e o custo trazido pela substituição e treinamento de novos
funcionários, oneram as empresas, citando-se ainda a eventual necessidade de
transferências de local de trabalho de empregados.
Entre as consequências financeiras acarretadas para os empregadores,
relacionadas ao assédio sexual,

415 LIPPMANN, Ernesto. Assédio Sexual – Relações Trabalhistas: Danos Morais e Materiais. Revista
Síntese Trabalhista, Porto Alegre, ano XIII, n. 146, agosto de 2001, pp. 65/66.
416 MARQUES DA FONSECA, Ricardo Tadeu. Saúde mental para e pelo trabalho. Saúde mental no

trabalho: coletânea do fórum de saúde e segurança no trabalho do Estado de Goías. FERREIRA,


Januário Justino; PENIDO, Laís de Oliveira (Coord.). Goiânia: Cir. Gráfica, 2013, pp. 137-156.
417 No mesmo sentido, Pamplona Filho. Pamplona Filho, Rodolfo. Op.cit, nota 201, p. 109.
199

Husbands418 elenca o custo atribuído ao absenteísmo, a queda de


produtividade e a rotatividade da mão de obra como fatores prejudiciais à organização
empresarial.
Conforme Martinez-Vivot419, o assédio sexual importa em um “(...) atentado de
caracter psicofísico para la victima, lesionando sua dignidade y el debido respeto que
esta merece, y puede generar además consecuencias lesivas, de carácter laboral,
psicológico y econômico”.
Garmendia420 destaca que em razão do dano físico e psíquico comprovado na
saúde da pessoa assediada, devido a quadros de angústia, temor, depressão,
insegurança e diminuição da autoestima, entre outros, há um menor rendimento e o
aumento do absenteísmo, o que provoca para a empresa mais custos, conforme
vários estudos realizados nos Estados Unidos, relativos também a fatores como o
ajuizamento de ações e a deterioração da imagem, tendo-se também presente que o
assédio sexual é causa de instabilidade laboral, seja pela impossibilidade de manter
a relação de trabalho, por opção da pessoa assediada, seja pelo despedimento,
muitas vezes com falsas motivações. Para Garmendia, o assédio sexual no âmbito
laboral constitui problemática estreitamente ligada a alguns dos direitos fundamentais
presentes em todas as relações de trabalho, sinalizando da mesma forma que os
autores acima citados, que o assédio sexual pode ser definido como um ilícito
pluriofensivo, suscetível de lesar o direito à não-discriminação em razão de sexo e o
direito à intimidade, como expressões do devido respeito à dignidade do trabalhador,
além do direito à liberdade sexual, o direito à saúde e à segurança no trabalho e de
maneira indireta, o próprio direito ao trabalho421. Em razão da conduta de assédio
sexual, muitas pessoas se ausentam do trabalho ou ficam doentes, física ou
emocionalmente, somatizando os fatos ocorridos, o que leva à obtenção de benefício
previdenciário em muitos casos, com afastamento do trabalho e suspensão do
contrato.

418 HUSBANDS, Robert. Op.cit, nota 308.


419 MARTINEZ-VIVOT. Julio. Op.cit, nota 226, p. 180.
420 GARMENDIA, Martha Márquez. Op.cit, nota 203.
421 Ibidem, nota 203.
200

Muitas vezes, contudo, a verdadeira causa do afastamento é ocultada, taxando-


se como enfermidade comum o que seria, na realidade, uma doença profissional,
adquirida no trabalho e em razão deste.
Na Espanha, conforme nos ensina Gõni Sein422, o conceito de acidente de
trabalho engloba também os danos originados por determinadas doenças não
incluídas na lista de doenças profissionais, aprovada pela RD 1995-1978 pela RD
2821-1981, sempre que o artigo 115.3 da Ley General de Seguridad Social, presuma,
salvo prova em contrário, que as lesões sofridas pela pessoa trabalhadora, durante o
tempo e lugar de trabalho, são constitutivas de acidente de trabalho. E a partir desta
doutrina extensiva de acidente de trabalho é obtido o reconhecimento de ser laboral
ou profissional uma enfermidade psicológica, inicialmente considerada como
enfermidade comum. Em suas palavras “ Em la práctica judicial española, varias
sentencias han outorgado tal calificativo al “síndrome ansioso-depresivo” y a las bajas
médicas causadas por acoso sexual o por acoso moral”, citando como exemplo uma
sentença da Sala de lo Social del Tribunal Superior de Justicia de Extremadura, de
17.03.2013, que considerou a existência de nexo causal entre o ambiente hostil e
incômodo, com prejuízo da dignidade, diante da existência de atos de assédio sexual,
com quadro de angústia e de incapacidade para o trabalho, qualificando como doença
do trabalho.
No Brasil, os prejuízos causados pela prática da conduta de assédio sexual têm
motivado os empregadores na tomada de medidas que eliminem ou reduzam o
problema, verificando-se uma preocupação no meio empresarial brasileiro. Há um
considerável incremento no mercado de livros especializados sobre o tema; de cursos
com o objetivo de orientar os empresários para a prevenção do problema e também
para o enfrentamento dos processos judiciais, bem como de pareceres de advogados
especialistas nas áreas empresarial e trabalhista. Como consequência nociva aos
empregadores, há o perigo de dano à imagem da empresa, diante da cada vez mais
rápida divulgação dos fatos, seja pela imprensa, seja pela internet, além dos custos
decorrentes das demandas judiciais, nas quais, por vezes são arbitradas indenizações

422 GÕNI SEIN, José Luis. A incidência do campo da saúde mental na relação de emprego. Saúde
mental no trabalho: coletânea do fórum de saúde e segurança no trabalho do Estado de Goías.
FERREIRA, Januário Justino; PENIDO, Laís de Oliveira (Coord.). Goiânia: Cir. Gráfica, 2013, pp. 73-
74.
201

pesadas. O aumento das ações judiciais movidas em relação à prática da conduta de


assédio sexual nas relações laborais e a repercussão daí decorrente também
contribuem para que exista maior interesse por parte da área empresarial em relação
ao tema.
As tentativas de eliminação da prática de conduta de assédio sexual, pelas
empresas, devem ser saudadas como positivas, ainda que motivadas, em muitos
casos, não por interesses sociais e conscientização, mas por interesses puramente
econômicos, diante da constatação de que a prática da conduta de assédio sexual
prejudica a atividade empresarial, pela repercussão negativa, notadamente nos
tempos atuais diante da celeridade das informações, em razão da internet, com o
incremento das redes sociais.
Na análise de Ramos Filho423, “da resultante da correlação de forças que se
estabelecer a partir da desestabilização da paz social, dependerá o novo conteúdo do
Direito do Trabalho”, advertindo que ainda que o Direito se metamorfoseie, protegendo
mais os trabalhadores e menos os empregadores, seguirá sendo ambivalente,
conservador, pacificador e tutelar das relações de trabalho, para manter os
trabalhadores “em seu devido lugar”, ou seja, subordinado ao poder do empregador e
ao “modus vivendi” ditado pelas necessidades da produção.
As leis são feitas e aplicadas atendendo os anseios e as exigências da
sociedade. Se algumas concessões são feitas, em determinadas situações, é de ver
se há uma mudança efetiva na regulação das relações sociais.
Conforme as conclusões da 104ª CIT, “Demasiados trabajadores no se
benefician de los progresos alcanzados ya sea porque están excluidos del ámbito de
aplicación de la ley o bien porque la ley no se lleva a la práctica o el nivel de protección
es inadecuado”424.
Quanto à aplicação das leis, como leciona Cárcova, há de se ter cuidado com
a possível “opacidade do direito”, advertindo que uma parte não é fatalidade, mas
manipulação, ocultação, monopolização intencional do saber e estratégia de

423 RAMOS FILHO, Wilson. Op.cit nota 6, p. 466.


424Disponível em: <http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_norm/-
relconf/documents/meetingdocument/wcms_375388.pdf>. Acesso em: 18 jul. 2015.
202

reprodução do poder, advertindo que esse estado de coisas pode e deve ser
modificado, democraticamente425.
Há quem critique a retórica da lei, como Álvares da Silva, que assim leciona:

É preciso dar severo tratamento antivirótico a uma das mais antigas doenças
de nosso sistema jurídico: as leis falam muito e os fatos respondem pouco.
Quanto mais proclamação, menos efetividade. Lembre-se Hamlet:
“POLONIUS(Aside)- How say you by that. Still harping on my daught: yet he
knew me not as first; he said I was a fishmonger: he is far gone, far gone: and
truly in my youth I suffered much extremity for love; very near this. I´llspeak to
him again. What do you read, my lord. HAMLET – Words, words, words.”
Parece que o legislador, ciente de que mudar a realidade é difícil, dá uma
satisfação ao povo através da retórica das leis. O problema é que não
precisamos de palavras, mas sim de ação. É necessário que haja raciocínio
pragmático nos três Poderes da República. É preciso falar menos e agir mais.
Bem dizia a sábia prudência romana: Verba non sufficiunt, ubi opusest
factum-não bastam palavras onde os fatos são necessários. 426

Os mapas, os poemas e o direito, por diferentes razões, distorcem a realidade:


os mapas distorcem a realidade para instituir a orientação; os poemas distorcem a
realidade para instituir a originalidade e o direito distorce a realidade para instituir a
exclusividade427.
Os atores, normas e funções judiciais modificam constantemente o padrão da
prestação jurisdicional, desempenhando o Judiciário função garantidora de direitos,
percebendo-se a multiplicidade das funções do Judiciário, com posição destacada na
engenharia institucional, não como o sustentáculo da governabilidade autoritária e
flexibilizadora dos direitos sociais, mas como garantia de uma governabilidade
ampliadora dos sujeitos e objetos passíveis de tutela jurídica428.
Na lição de Faria429, quatro são as questões básicas que devem ser estudadas
quando se fala em Poder Judiciário: em que medida os tribunais brasileiros estão
aptos, em termos técnicos e organizacionais, para lidar com os conflitos de natureza
coletiva, envolvendo grupos, classes e coletividades; depois, o que faz o judiciário,

425 CÁRCOVA, Carlos María. A opacidade do direito. São Paulo: LTr, 1998, p. 193
426 ÁLVARES DA SILVA, Antonio. Trabalho da Mulher: Estudos em homenagem a Alice Monteiro de
Barros. FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa (Coord.). São Paulo: LTr, 2009, p.73
427 SOUSA SANTOS, Boaventura. Op.cit, nota 162, p.198-199.
428 Cf. CAMPILONGO, Celso Fernandes. Os desafios do judiciário: um enquadramento teórico. Direitos

Humanos, Direitos Sociais e Justiça. FARIA, José Eduardo (Coord.). São Paulo: Malheiros, 1998,
pp.30/50, em especial a p. 50.
429 FARIA, José Eduardo. “O Judiciário e o Desenvolvimento Sócio-Econômico”. FARIA, José Eduardo

(Coord.). Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça.São Paulo: Malheiros, 1998, pp. 11/26, em
especial as pp. 11-12.
203

para desempenhar com um mínimo de eficácia suas funções de absorver as tensões


e dirimir conflitos, diante da explosão de litigiosidade registrada nos últimos anos; e
se os juízes, no exercício das funções, especialmente em relação aos direitos
humanos e aos direitos sociais, estão agindo como simples intérpretes da legislação
em vigor, ou se tem conseguido ampliá-los através da jurisprudência, tornando a
legislação mais flexível e adaptável, atentos às circunstâncias do momento de sua
aplicação; por fim, os juízes continuam ainda formados na tradição formalística da
dogmática jurídica ou se já estarão recebendo formação capaz de levá-los a
preencher o hiato existente entre a igualdade jurídico-formal e as desigualdades
socioeconômicas, na aplicação das normas abstratas aos casos concretos.
São questões pendentes, cuja resposta é complexa, se é que é possível uma
resposta adequada a tais questionamentos. A aplicação da lei comporta
interpretações, embora, em tese, a lei deve necessariamente ser clara e justa,
respeitando o devido processo legal. Contudo, entende-se que o judiciário, na função
de dirimir os litígios, deve inserir-se nas lutas pela dignidade humana, utilizando o
arsenal legislativo existente, buscando a ampliação em prol dos direitos humanos,
com ênfase na proteção à dignidade humana. Não se olvide que muitas leis ora
existentes na área trabalhistas apenas chancelaram os caminhos apontados pela
jurisprudência.
Alguns autores apontam para a existência de soluções extrajudiciais que
podem ser utilizadas antes do ingresso da ação judicial, como as comissões de
empresa, a mediação e a arbitragem, alternativas utilizadas em outros países, com
êxito.
Inobstante, o Novo Código de Processo Civil (Novo CPC), promulgado pela Lei
n. 13.105, de 16.03.2015430, que entrará em vigor, de acordo com o artigo 1.045, após
decorrido 1 (um) ano da data de sua publicação oficial, prevê, já no artigo 3., no § 1.,
que é permitida a arbitragem, na forma da lei. No § 2, é previsto que o Estado
promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos e no § 3 é
previsto também que a conciliação, a mediação e outros métodos de solução
consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores
públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.

430 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>.


Acesso em: 23 jun. 2015.
204

Embora o Poder Judiciário, diante da cultura preponderante, seja uma das instituições
de maior credibilidade, houve recente mudança legislativa, realizada pela Lei nº
13.129, de 26.05.2015, com o sentido de alterar a Lei nº 9.307, de 23.09.1996 e a Lei
nº 6.404, de 15.12.1976, para ampliar o âmbito de aplicação da arbitragem e dispor
sobre a escolha dos árbitros quando as partes recorrem a órgão arbitral, a interrupção
da prescrição pela instituição da arbitragem, a concessão de tutelas cautelares e de
urgência nos casos de arbitragem, a carta arbitral e a sentença arbitral, revogando
artigos da Lei nº. 9.307, de 23.09.1996.431
Até agora, soluções alternativas às ações judiciais, embora de todo
recomendáveis, resultam infrutíferas, na maioria dos casos, preponderando a
utilização da via judicial, como resultado da mentalidade de judicialização dos conflitos
existentes no Brasil.
É cedo, ainda, para avaliar os impactos e os resultados do Novo Código de
Processo Civil, sendo interessante referir que no seu artigo 8º é previsto que “ao
aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem
comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a
proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência”432.
Ressalta-se que a CLT admite a aplicação subsidiária das leis civis, no artigo
8º, nos seguintes termos: “As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na
falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela
jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de
direito, principalmente do direito do trabalho e, ainda, de acordo com os usos e
costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de
classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.”
Sobre o papel do Judiciário, Ramos Filho, ao falar sobre a necessária retomada
de processos concretos de mobilização de trabalhadores, em articulação com outros
movimentos sociais, desestabilizando a “paz social”, faz-se necessário motivar o
Judiciário a tutelar de modo distinto as relações entre as classes sociais:

No Judiciário os principais embates se darão principalmente nas Cortes


superiores: no STF, na definição final sobre diversas matérias, (...) no TST,

431
Idem.
432 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>.
Acesso em: 23 jun. 2015.
205

pela revisão da jurisprudência consolidada durante o período hegemonizado


pelo liberalismo, nos primeiros dez ou quinze anos de vigência do hibridismo
da Constituição de 1988, processo este que já se iniciou em 2011(...). Mas
não apenas nas Cortes superiores, pois também nas demais instâncias do
Judiciário trabalhista, paulatinamente se encontram crescentes
manifestações jurisprudenciais visando ao combate à delinquência patronal,
em processo que pode avançar, estagnar ou mesmo recuar, dependendo das
dinâmicas próprias da jurisdição, das pressões que, desde a sociedade civil,
forem exercidas e das demais correlações de força que forem
estabelecidas433.

É de suma importância destacar as palavras de Rodrigues Pinto quando este


disserta sobre a saúde no trabalho e a missão da Justiça do Trabalho na proteção da
saúde mental da pessoa trabalhadora, em palavras aplicáveis à situação de assédio
sexual nas relações laborais:

1. O trabalho com saúde, razão de ser da felicidade, é também um


compromisso de corpo e alma com a vida; 2. Seria tão ingênuo imaginar o
trabalho sem o risco de doença quanto imaginar a vida sem a certeza da
morte; 3. A mecanização do trabalho industrial trouxe ao trabalhador a
multiplicação das doenças do corpo. A automação lhe trouxe a tragédia das
doenças da alma; 4. O avanço da pesquisa científica sistemática já deu à
Psicologia e à Psiquiatria modernas um seguro domínio das origens, causas,
tipologia, prevenção e tratamento das doenças mentais; 5. O avanço das
gerações de direitos humanos fundamentais dá ao Direito do Trabalho o
domínio de consistente instrumental constitucional de proteção à saúde
mental no trabalho; 6. À Justiça do Trabalho incumbe fazer uso da força
normativa dos princípios constitucionais para reconhecer e garantir pela
sentença os efeitos obrigacionais de fazer e de não fazer ínsitos nos direitos
fundamentais e da força coercitiva da astreinte para garantir o seu
cumprimento434.

Herrera Flores435, ao falar sobre as bases do princípio da dignidade, leciona


que deve ser aceita uma concessão e uma prática materialista do mundo e do cultural,
e que o mais importante é a criação e o aporte de materiais que possam colocar em
prática a capacidade humana genérica de fazer e desfazer mundo, de conhecer a
enfrentar os contextos dominantes e de potencializar as lutas pela dignidade humana.
Em outra de suas obras, ao falar do Manifesto Inflexivo, Herrera Flores adverte que
“imaginar una cultura radical de ocupación de espaços negados pasa por el

433 RAMOS FILHO, Wilson. Op.cit nota 6, p. 465.


434 RODRIGUES PINTO, José Augusto. Justiça do Trabalho e a proteção da saúde mental do
trabalhador no cotidiano do trabalho. Saúde mental no trabalho: coletânea do fórum de saúde e
segurança no trabalho do Estado de Goías. FERREIRA, Januário Justino; PENIDO, Laís de Oliveira
(Coord.) Goiânia: Cir. Gráfica, 2013, pp. 641-652.
435 HERRERA FLORES, Joaquín. Op.cit, nota 118, p. 278.
206

descobrimiento de las fisuras, de las quiebras y ambigüidades del proyecto


conservador hegemônico436.
Em uma sociedade civil e em um Estado que tem a dignidade humana como
princípio fundamental, juntamente com a valorização do trabalho e especialmente do
emprego, é imprescindível que exista uma estrutura sólida e organizada dirigida à
efetividade do Direito do Trabalho na vida econômica e social e, nesse sistema, a
Justiça do Trabalho cumpre um papel decisivo na democracia brasileira437, embora
existam críticas à atuação da magistratura trabalhista em aspectos pontuais.
Considerando a Justiça do Trabalho no Brasil como um dos espaços de luta
possíveis, analisa-se, na sequência, aspectos processuais das ações judiciais
movidas em relação à prática da conduta de assédio sexual, lembrando, todavia, que
ante a crescente judicialização dos conflitos individuais, o Poder Judiciário está
sobrecarregado com demandas de cunho individual, muitas vezes tratando sobre o
mesmo tema.

3.2 Aspectos processuais das ações judiciais individuais movidas em relação


à situação de assédio sexual nas relações de trabalho

No Brasil, predomina a cultura da judicialização dos conflitos e a própria CF de


1988 prevê no artigo 5º XXXV que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário
lesão ou ameaça a direito.
O processo judicial é um método estatal de soluções de lides438 e quando se
fala em processo do trabalho, pretende-se colocar em destaque a natureza da lide
que o instrumento estatal é destinado a solucionar. No presente tópico, aborda-se a
questão das ações individuais movidas em relação ao assédio sexual nas relações de
trabalho. A Justiça do Trabalho, nos termos da CF de 1988, nos termos do artigo 114,
I, tem a função de processar e julgar as ações oriundas das relações de trabalho. O
assédio sexual nas relações de trabalho é, portanto, matéria afeta ao judiciário
trabalhista, tendo a parte trabalhadora o direito de postular em juízo a reparação das

436 Ibidem, p. 189.


437 DELGADO, Mauricio Godinho, NEVES DELGADO, Gabriela. “Justiça do Trabalho no Brasil”.
Dimensões políticas da justiça (Org.). Leonardo Avritzer e outros. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2013, p. 313.
438 Cf TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Curso de Direito Processual do Trabalho. Tomo II. São Paulo:

Editora LTr, 2009, p. 621.


207

lesões de cunho trabalhista que entende praticadas contra si, dentro do devido
processo legal, que não é um conceito de fácil definição, abarcando a definição, no
contexto de um Estado Democrático de Direito de como e por que as leis são
aplicadas439.
No caso do assédio sexual nas relações de trabalho, defende-se aqui, como
será analisado mais tarde, a inversão do ônus da prova, presumindo-se a existência
de discriminação pela pessoa que se diz assediada sempre que presentes os
requisitos da verossimilhança das alegações e da hipossuficiência da parte. O número
de demandas tem crescido, contribuindo, por um lado, para a sobrecarga já existente
e ao mesmo tempo visibilizando a situação de assédio sexual nas relações de
trabalho, por muito tempo tida como naturalizada ou pouco importante.
Conforme o artigo 483 da Consolidação das Leis do Trabalho, o empregado
pode considerar rescindido o contrato e postular a indenização devida, pelos motivos
ali elencados, dos quais podem ser aplicáveis à conduta de assédio sexual, os
contidos nas alíneas “c” (correr perigo manifesto de mal considerável); “d” (não cumprir
o empregador as obrigações do contrato) e “e” (praticar o empregador ou seus
prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama).
O não cumprimento das obrigações do contrato pode constituir o que a doutrina
norte-americana chama de “tangible employment action”, entendida como alteração
contratual relevante, significando mudanças desfavoráveis no contrato de trabalho
para a pessoa assediada, que podem consistir, por exemplo, em óbices na
contratação, despedida, impedimento ou perda em relação a uma promoção ou a um
benefício.
Também podem ser consideradas como descumpridas as obrigações do
empregador, no sentido de manter um ambiente de trabalho com saúde e segurança
para seus empregados.
Conforme Gosdal440, o assédio pode afetar a saúde ambiental não apenas do
assediado, mas de outros empregados, acarretando medos e angústias e criando um
ambiente hostil e desagradável, tendo como consequências o absenteísmo, a baixa
produtividade e também danos físicos em decorrência da tensão psicológica gerada

439 ZANGRANDO, Carlos. Processo do Trabalho. Processo de Conhecimento. Tomo II. São Paulo:
Editora LTr, 2009, p. 1055.
440 GOSDAL, Thereza Cristina. Op.cit. nota 328, p.232.
208

pela situação de assédio sexual nas relações do trabalho, tendo como sintomas, entre
outros, dores de cabeça, problemas digestivos e falta de concentração, podendo ser
necessário, em casos mais graves, o tratamento médico e psicológico do assediado.
O assédio sexual nas relações de trabalho afeta o meio ambiente laboral,
lembrando que uma das obrigações do empregador é proporcionar um ambiente
laboral saudável para seus empregados. Não só a pessoa trabalhadora é afetada
como todas as demais, em maior ou menor grau, que convivem no ambiente laboral.
Em muitos casos, o assédio sexual nas relações de trabalho acarreta
problemas psicológicos de difícil trato, como a depressão, além das manifestações
psicossomáticas no corpo das pessoas.
A prática de ato lesivo da honra e da boa fama, pelo empregador e seus
prepostos é consubstanciada pela conduta de assédio sexual, afrontosa à dignidade
pessoal da pessoa assediada, não podendo olvidar-se que a mera divulgação do
ocorrido, muitas vezes, afeta também sua intimidade.
Nada impede que a pessoa assediada ajuíze ação postulando a indenização
pelos danos decorrentes da conduta de assédio sexual e continue laborando.
Para Martinez-Vivot441, fica claro que, em princípio, não é necessário que a
vítima presumida de um assédio sexual se considere em situação de despedida
indireta para que formule sua denúncia ou reclamação pelo assédio sexual ou, ainda,
para promover a ação que considerar pertinente.
Como alerta Pamplona Filho:

A despedida indireta é sempre uma situação de extrema delicadeza, pois


significa, em última análise, que a relação laboral se deteriorou de tal forma
que o trabalhador prefere abrir mão de seu posto de trabalho - fonte
normalmente única de sua subsistência - a continuar submetido às condutas
que lhe são impostas pelo empregador e seus prepostos.” É verdade que o
ajuizamento de uma ação nestes moldes pode inviabilizar a permanência da
pessoa assediada no emprego, acarretando a indenização 442. Mas nestes
casos, seria viável, a nosso sentir, a postulação de reintegração ao emprego
alegando-se a existência de uma despedida discriminatória, admitindo-se,
contudo, a controvérsia neste particular 443.

Havendo falsa acusação de assédio sexual, a pessoa supostamente assediada


responderá, na forma prevista em lei, sujeitando-se às sanções criminais.

441 MARTINEZ-VIVOT. Julio. Op.cit, nota 226, p.193.

443 Como aponta Pamplona Filho. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op.cit, nota 201.
209

A pessoa que realiza o assédio sexual nas relações de trabalho está sujeita às
consequências trabalhistas, patrimoniais e criminais, diante da ilicitude do ato
praticado.
O empregado que pratica a conduta de assédio sexual, além das sanções
disciplinares, pode ter o contrato de trabalho rescindido, com base no artigo 482 da
Consolidação das Leis do Trabalho, que prevê as hipóteses legais permissivas da
rescisão do contrato de trabalho por justa causa, pelo empregador, entendendo-se
como aplicáveis à conduta de assédio sexual, as constantes nas alíneas “b”
(incontinência de conduta ou mau procedimento); “j” (ato lesivo da honra ou da boa
fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas
condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem) e “k” (ato lesivo
da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e
superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem).
Transcreve-se, a propósito, a seguinte ementa, do acórdão do Processo AIRR
- 8300-50.2010.5.01.0000, da lavra do Ministro Relator Lélio Bentes Correa, publicado
em 23.05.2012 e que chancela a dispensa por justa causa de empregado que
assediou uma colega de trabalho:

NULIDADE. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. Não se


reconhece violação dos artigos 93, IX, da Constituição da República e 458 do
Código de Processo Civil em face de julgado cujas razões de decidir são
fundamentadamente reveladas, abarcando a totalidade dos temas
controvertidos. Uma vez consubstanciada a entrega completa da prestação
jurisdicional, afasta-se a arguição de nulidade. Agravo de instrumento não
provido. DISPENSA POR JUSTA CAUSA. DESCARACTERIZAÇÃO.
MATÉRIA FÁTICA. É insuscetível de revisão, em sede extraordinária, a
decisão proferida pelo Tribunal Regional à luz da prova carreada aos autos.
Somente com o revolvimento do substrato fático-probatório dos autos seria
possível afastar a premissa sobre a qual se erigiu a conclusão consagrada
pelo Tribunal Regional, no sentido de que o autor assediou, sexualmente,
empregada que prestava serviços no refeitório do reclamado, o que
caracterizou a incontinência de conduta prevista no artigo 482, b, da CLT, a
ensejar a despedida por justa causa, em face do mau procedimento do
reclamante. Incidência da Súmula n.º 126 do Tribunal Superior do Trabalho.
Agravo de instrumento a que se nega provimento.

O julgado acima tem sua ementa transcrita, diante da admissão, pelo TST do
assédio sexual nas relações de trabalho na forma ambiental, ou seja, feito entre
colegas e pela punição, feita pela empresa ao empregado assediador, despedido por
justa causa, sob o fundamento de incontinência de conduta.
210

Acerca da incontinência de conduta ou mau procedimento, há quem entenda


que a incontinência de conduta seria um tipo peculiar de mau procedimento 444.
Pamplona Filho445 ensina que a ideia de incontinência de conduta costuma ser
associada aos desvios de comportamento sexual, relacionados ao âmbito laboral,
havendo neste caso assédio sexual praticado contra colegas de trabalho.
Mascaro do Nascimento446 distingue ambas as figuras, entendendo o mau
procedimento como “o comportamento irregular do empregado, incompatível com as
normas exigidas pelo senso comum do homem médio” e a incontinência de conduta
como sendo “também um comportamento irregular, mas incompatível não com a
moral em geral, mas com a moral sexual e desde que relacionada com o emprego”.
O ato lesivo da honra ou da boa fama, praticado no serviço contra qualquer
pessoa, ou contra o empregador e superiores hierárquicos, encontra correspondência
com o exposto em relação ao ato lesivo da honra ou da boa fama como hábeis a
ensejar a despedida indireta da pessoa assediada.
O empregado que pratica conduta de assédio sexual nas relações de trabalho
está sujeito a ter descontado do seu salário os valores correspondentes aos danos
pagos pelo empregador, nos termos do artigo 462 da Consolidação das Leis do
Trabalho. Também a ser réu em ação regressiva movida pelo empregador para
ressarcimento dos valores que despendeu em razão do ato de assédio, podendo
inclusive ser denunciado à lide na ação trabalhista movida pelo empregado assediado
contra o empregador.
O empregador que pratica conduta de assédio sexual nas relações de trabalho
pode ser responsabilizado criminalmente, nos termos da expressa previsão contida
no artigo 216-A do Código Penal, acrescido pela Lei 10.224, ressaltando aqui que na
referida lei, foi adotada, pelo legislador, no âmbito penal, a teoria do assédio sexual
mediante chantagem.
Com base no enquadramento penal a respeito do tema, parte da doutrina e da
jurisprudência tem adotado posição que se considera restritiva a respeito do assédio
sexual nas relações de trabalho, entendendo que somente há assédio sexual nas

444 Como, por exemplo e por todos, Dorval de Lacerda: LACERDA, Dorval de. A Falta Grave no Direito
do Trabalho. Rio de Janeiro: Ed. Trabalhistas, 1964, p. 95.
445 PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op.cit, nota 201, p. 150.
446 MASCARO DO NASCIMENTO, Amauri. Curso de Direito do Trabalho. 18 ed. São Paulo: Saraiva,

2003, pp. 706/707.


211

relações de trabalho quando há uma relação de subordinação hierárquica, excluindo


as demais formas possíveis de assédio sexual nas relações de trabalho.
Entretanto, estudiosos como Felker447, por exemplo, apontam que em termos
de responsabilidade, partiu-se, inicialmente da ideia de que a empresa não seria
responsável pelo assédio sexual nas relações de trabalho, mas sim seria apenas um
problema penal do assediador (posição que vem, provavelmente, daqueles que
admitem apenas o assédio quid por quo), até chegar-se à tese, cada vez mais forte,
de responsabilização objetiva da empresa, sobretudo o que ocorre em seu campo de
ação, posição mais consentânea com a ampliação do conceito do assédio sexual nas
relações de trabalho.
Socorre-se aqui da lição de Pérez e Rodriguéz448:
El consenso en relación con este asunto es bastante generalizado. Si en un
primer momento tenía mayor protagonismo un discurso centrado en la noción
unidimensional de poder, la del poder jerárquico, posteriormente esta noción
se diluye y se considera que no es una condición indispensable para poder
acosar sexualmente a alguien. Aunque los superiores jerárquicos continúen
siendo los principales acosadores en el imaginario colectivo, desde el punto de
vista teórico y legal se reconoce la existência de otras formas de ejercer el
poder además del poder jerárquico. Este es el caso del poder de género y/o el
poder de influencia sobre el entorno. Y es que, incluso sin ostentar ningún tipo
de poder, una persona puede acosar sexualmente a otra generando un
ambiente intimidatorio y hostil. Así, los/as compañeros/as pueden ejercer el
acoso, y también lo pueden hacer los/as clientes. La producción científica sobre
acoso sexual laboral considera que los/as clientes son también potenciales
acosadores/as de los/las profesionales, aunque no viceversa.
Dependendo do caso, o trabalhador, colega da vítima, ao praticar a conduta de
assédio sexual pode ser enquadrado criminalmente nos tipos penais do
“constrangimento ilegal”, previsto no artigo 146 do Código Penal brasileiro; do crime
de “ameaça”, previsto no artigo 147 do Código Penal brasileiro, da hipótese de
contravenção penal de “importunação ofensiva ao pudor”, prevista no artigo 61 da Lei
nº 3.688/41, somente para citar alguns.
Questão interessante é a situação de não ser o assediante empregado ou
empregador, mas terceiro. O terceiro assediante pode ser responsabilizado
criminalmente, ainda que não pelo teor do artigo 216-A do Código Penal brasileiro, e
sim pelos tipos penais acima enumerados, previstos no artigo 146 e 147 do CP e no
artigo 61, da Lei 3.688/41, sem prejuízo do enquadramento em outros tipos penais,
dependendo da gravidade da conduta.

447 FELKER, Reginald. Op.cit, nota 288, p. 259.


448 Pérez Guardo, R. y Rodríguez Sumaza, C. Op. cit. nota 355, pp. 195-219.
212

Quanto à responsabilização patrimonial, o terceiro assediante pode responder


uma ação por danos cujo julgamento seria de competência da Justiça do Trabalho.
Silva Neto defende ser perfeitamente admissível que o assédio provenha de
quem não pertence de forma direta à relação de emprego, como o cliente assediador,
sem que isso retire a competência da Justiça do Trabalho, para apreciar eventual ação
com pedido de indenização por dano moral, a ser estudada mais detalhadamente na
sequência.449
O empregador pode sofrer consequências financeiras e responsabilização
patrimonial, ações de cunho individual movidas pelos próprios empregados
prejudicados, bem como sanções do Ministério de Trabalho e Emprego e ainda ações
de cunho coletivo que podem ser movidas pelo Sindicato de sua categoria profissional
ou pelo MPT. Para Pamplona Filho450, o assédio sexual, por violar esfera
extrapatrimonial dos indivíduos, com ferimento aos direitos de personalidade, não é,
em princípio, matéria que as pessoas queiram dar publicidade, recomendando as
soluções extrajudiciais como via natural para a resolução do conflito.
Na realidade brasileira, mostra-se necessária uma mudança na mentalidade
existente para viabilizar as soluções extrajudiciais, que constituem interessantes
formas de resolução de questões pertinentes ao trabalho.
A prova da situação de assédio sexual nas relações de trabalho é questão
bastante debatida pelos autores que se dedicam ao estudo do deste assunto. Lembra-
se aqui, que à míngua de previsão específica na Consolidação das Leis do Trabalho,
que é omissa em muitos aspectos, é admitida a utilização das normas de direito
comum no direito do trabalho, nos termos do parágrafo único do artigo 8º da própria
Consolidação das Leis do Trabalho. Em princípio, cabe ao autor da ação, a prova de
suas alegações, e neste sentido, existe a previsão dos artigos 818 da Consolidação
das Leis do Trabalho, e 333, I e II do Código de Processo Civil atual (artigo 373, I e II
do Novo Código de Processo Civil451), mas pode o julgador, na busca da verdade real,
determinar de ofício a produção das provas que entender necessárias, conforme o

449 SILVA NETO, Manoel Jorge e. Op.cit, nota 277, p. 109.


450 PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op.cit, nota 201, p. 114.
451 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105>. Acesso em:

18 jul. 2015.
213

artigo 130 do Código de Processo Civil (repristinado no artigo 370 do Novo Código de
Processo Civil452).
Na comprovação das alegações, o autor pode utilizar-se de testemunhas,
bilhetes, mensagens de celular, e-mails, recados nas redes sociais, entre outros meios
de prova, podendo também utilizar-se de indícios, presunções ou prova prima facie,
entendida esta última como a prova por verossimilhança, fundada na probabilidade.
Veja-se, que a teor do artigo 369 do Novo Código de Processo Civil, “ as partes têm o
direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda
que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda
o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz. ” Vale dizer que o texto
não dirime a controvérsia sobre a utilização de gravações sem o consentimento da
parte que está sendo gravada sem saber e que o conceito de meios “moralmente
legítimos” é subjetivo e passível de variadas interpretações.
Brito Filho453 propõe a inversão do ônus da prova, como medida, na solução
jurisdicional, a permitir a proteção contra atos de discriminação. Aponta, de outra
parte, que o artigo 818 da Consolidação das Leis do Trabalho, segundo o qual a prova
das alegações incumbe à parte que as fizer não possui elasticidade suficiente para o
posicionamento pela inversão do ônus da prova, sendo possível a utilização do artigo
6, VIII da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), segundo o qual, a
facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a
seu favor, no processo civil, quando, a critério do juízo, for verossímil a alegação
apresentada ou quando ele for hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de
experiência. Para Brito Filho, a inversão do ônus da prova não deve ocorrer em todos
os casos, mas quando presentes os requisitos da verossimilhança da alegação e da
hipossuficiência. Transpondo para a relação de trabalho, vale dizer que a inversão da
prova pode ocorrer quando presentes os dois requisitos elencados acima e, ainda,
quando os fatos somente podem ser demonstrados pelo empregador, mesmo que
tenha que comprovar as negativas apresentadas na defesa. Para o autor referido, a
esperança de que a norma prevista no Código de Defesa do Consumidor, no sentido
da proteção da parte mais fraca, em relação à prova, inspire norma semelhante na

452Idem.
453BRITO FILHO, José Claudio Monteiro de. Discriminação no Trabalho. São Paulo: LTr, 2002, pp. 94-
96.
214

legislação processual do trabalho, propugnando, quanto à distribuição do ônus


probatório, em primeiro lugar, que o ônus seja distribuído de acordo com as
possibilidades reais dos litigantes, especialmente nas situações em que somente o
empregador pode fazer a prova do acontecimento discutido. Em segundo lugar, que
se continue a produzir jurisprudência levando em conta as presunções jurídicas que
levam em consideração o que geralmente acontece e exigem a existência de prova
robusta diversa, obrigando o empregador a comprovar as alegações contrárias às da
pessoa trabalhadora, ao invés de simplesmente apresentar sua negativa em relação
aos fatos relatados, sinalando o teor da Súmula 443, pelo TST, acima transcrita. Em
terceiro lugar, é defendida a inversão do ônus da prova, dentro dos critérios
estabelecidos e quando entendido como necessário, salientando-se aqui que deve ser
sempre preservado o princípio da ampla defesa. Por fim, é indispensável a construção
de um modelo de distribuição do ônus da prova eficaz e suficiente para eliminar a
desigualdade existente entre as partes também no âmbito do direito processual454. Na
maior parte dos casos, há dificuldade com relação à prova, em razão das
peculiaridades da conduta de assédio sexual, o que obsta, muitas vezes, que a pessoa
assediada faça reclamação do fato ao empregador ou mesmo que ingresse com a
ação. Na lição de Pinho Pedreira:

O assédio sexual é um ato que pela sua própria natureza, em regra se pratica
secretamente. Ele, para usar expressões de Drapeau, acomoda-se melhor
com portas fechadas, no lugar isolado, do que na área comum. Termina por
interrogar: como expor o que procura a sombra e foge da luz?455

O assediador, em regra, pratica a conduta de assédio sexual a sós com a


pessoa assediada, fugindo da presença de outras pessoas, notadamente nos casos
de prática da conduta de assédio sexual por chantagem.
Garmendia aponta as dificuldades da pessoa assediada quanto à prova, em
razão de que as situações, em geral, ocorrem sem a presença de testemunhas,
referindo que no Direito espanhol foi estabelecida a inversão da carga probatória
sempre que existentes indícios da existência de assédio sexual, e que a Diretiva 97/80
do Conselho da União Europeia de 15.12.97 adotou a mesma posição em relação à
discriminação, compreendendo, portanto o assédio sexual, ao estabelecer que: “si se

454 Ibidem, pp. 94-96


455 PINHO PEDREIRA. Op.cit, nota 263, pp. 75-76
215

presentan hechos que permitan presumir la existência de discriminación directa o


indirecta, corresponde a la parte demandada demonstrar que no ha habido
vulneración del principio de igualdad de trato 456.”
Conforme Pinho Pedreira, a Corte Suprema do Canadá admite o recurso à
prova indireta, entendida com indícios, presunções ou prima facie, invertendo-se
assim o ônus da prova.
Também na lei de processo de trabalho espanhola, há previsão de inversão do
ônus da prova em casos de discriminação em razão de sexo, dispondo o artigo 96 do
Real Decreto Legislativo n. 521, de 27.04.1990, que naqueles processos em que das
alegações da parte autora se deduza a existência de indícios de discriminação em
razão de sexo, caberá ao réu a produção de uma justificação objetiva e razoável,
suficientemente provada, das medidas adotadas e de sua proporcionalidade457. Ao
comentar a ampliação da consideração do artigo 175 da Ley de Procedimento Laboral
de 1990 feita pela jurisprudência espanhola, em relação aos direitos fundamentos
protegidos pela Constituição, Balaguer assim refere:
Naturalmente, en la medida em que el acoso sexual se suele producir sin
publicidade y sustraido ao conocimiento general, el proceso de tutela de los
derechos fundamentais sólo puede garantizar-se mediante la inversión de la
carga de la prueba que estabelece la propia ley. Lo que permitiria algunas
veces que prosperarse la demanda si no fuera por tais exigências
jurisprudenciais respecto de la prueba de indícios. Al exigir l ala jurisprudência
que em los processos judiciales en que se opera la inversiónde la prueba la
parte actora proporcione una prueba de indícios, las possibilidades de prospera
una acción por acoso sexual se reduzen. Porque estas conductas no dejan
indícios. Son solamente confessiones cruzadas, que salvo em situaciones de
extrema torpeza do demandado, que también las hay, porlo general quedan
reducidas a manifestaciones o conductas realizadas a la acosada. Siendo
transcendental la obstrución procesal, es, todavia más importantea efectos de
su escassa efetividade el coste personal de estos procesos. Las exigências
para la prueba de indícios em este tipo de procedimento lo converten en
ilusório, dada la naturaliza de estas conductas, que se desenvolven siempre
em la intimidad y sin posibilidad de prueba (...) La eficácia de este tipo de
processos exige una diferente posición del juez. Y otros critérios de valoración
em los que la perspectiva de género estê presente. Lo contrario no permitirá
avanzar em la igualdad de género em el trabajo458.

Inobstante a posição acima expressada, entende-se que deve haver um


mínimo de prova em casos semelhantes, contando sempre com a sensibilidade do
julgador.

456 GARMENDIA, Martha Márquez. Op.cit, nota 203.


457 PINHO PEDREIRA. Op.cit, nota 263, pp. 75-76.
458 BALAGUER, Mária Luisa. Op.cit, nota 111, p. 223.
216

Em decisão datada de julho de 2012, na Espanha, a Audiência Provincial de


Madrid absolveu um farmacêutico, entendendo que em seu procedimento não havia
assédio, embora houvesse abusos em relação ao modo de tratamento em relação às
empregadas (palmadas nas nádegas, carícias nas pernas, roçar o corpo embora
houvesse uma única proposta de relação sexual implícita, quando o empregador
propôs a uma empregada a feitura da “siesta” em um hotel. Rejeitadas as proposições,
o empregador modificou o tratamento para um tratamento despótico (o que condiz
com o já exposto quanto à transformação em muitos casos, de assédio sexual não
correspondido para assédio moral. Para Julian Ríos, professor de Direito Penal da
Universidad Pontifícia de Comillas, ao comentar o caso acima descrito:

A nivel coloquial puede que estos hechos sí se definan como acoso sexual.
Pero jurídicamente no es así. Hace falta que se demuestre que se ha
provocado una situación objetiva, gravemente intimidatoria, hostil o
humillante. Y que la naturaleza de los hechos sea solo sexual. Si no se
cumplen todos esos requisitos no es acoso. Puede ser otro delito, como el de
abusos, pero acoso no. Eso, con todos esos límites, es lo que marca la ley459.

França de Oliveira460 aponta para a possibilidade de adoção de duas posturas


processuais. A primeira seria a inversão do ônus da prova, diante da presença de
indícios. A segunda seria o ajuizamento, pela pessoa assediada, de uma ação de
justificação, como medida excepcional preparatória para a ação trabalhista, com o
propósito de ouvir testemunhas, diante do pressuposto que o empregador, ao ser
notificado da ação trabalhista, buscaria influir negativamente nos depoimentos
prestados. A adoção desta segunda postura é extremamente rara, até porque, na
maioria dos casos, a ação trabalhista é intentada diante de uma situação extremada,
ou após a rescisão contratual, não sendo oportunizados procedimentos preparatórios.
O entendimento acerca da inversão do ônus da prova, como visto, não é
unânime, havendo diversidade nas posições acerca da prova do assédio sexual.
Autores como Lippmann461, embora admitam que o assédio sexual de regra a
portas fechadas, afirmam que não basta a mera alegação da pessoa assediada,
devendo as provocações serem claramente demonstradas, pelos meios de prova

459 Em http://sociedad.elpais.com/sociedad/2012/10/08/actualidad/1349724490_261045.html. Acesso


em: 20 jul. 2015.
460 FRANÇA DE OLIVEIRA, Lamartino. Op.cit, nota 233, p. 117.
461 LIPPMANN, Ernesto. Op.cit, nota 416, p. 6.
217

habitualmente aceitos em juízo, que podem ser gravações, ainda que por gravador
oculto.
Há acirrada discussão nas Cortes brasileiras acerca da utilização em juízo de
gravações realizadas sem o conhecimento da outra parte -, cartas, bilhetes, e-mails,
e na ausência de prova documental, a prova testemunhal. De modo geral, há uma
tendência dos julgadores a facilitar a prova nos casos de prática de conduta de
assédio sexual.
Conforme referido por Santos462, uma decisão de 1993 da Suprema Corte
norte-americana, decidiu simplificar os meios de prova em um caso de assédio sexual,
firmando entendimento acerca da desnecessidade de prova de dano psicológico da
vítima, devendo ser considerado como ambiente hostil ou abusivo aquele que uma
pessoa sensata assim o considere; também uma decisão de La Sala Segunda, órgão
máximo da Costa Rica, entendeu pela valoração da conduta pública dos assediantes
embora a inexistência de testemunhas.
Na Espanha, segundo Vásquez, ocorreu o que considera um debilitamento da
carga probatória, admitindo a lei espanhola a prova por indícios e presunções,
devendo a empresa demonstrar o contrário, por razões técnicas, econômicas ou
organizativas463. Assim, a menor exigência, em relação à necessidade de provas,
pelas pessoas assediadas, mostra-se caminho hábil para a busca da Justiça nestes
casos. Cabe lembrar aqui a lição de Martinez-Vivot464, para quem, atendendo a
circunstância de que, geralmente, o assédio sexual ocorre longe da vista de outras
pessoas, acarretando a ausência de testemunhas diretas, dificultando assim a prova
do fato, as normas processuais deveriam conceder ao juiz da causa, nestes casos, a
faculdade de julgar por suas convicções íntimas, devidamente fundamentadas.
Gosdal propõe que sejam admitidos indícios e presunções pelo empregado
reclamante. O empregador, que detém melhores condições para a produção da prova
e que assume o risco da atividade econômica, deve provar a contento a não-

462 SANTOS, Aloysio. Op. cit, nota 393, p. 71.


463 VÁSQUEZ, Dolores de La Fuente. Op. cit. nota 200, pp. 223-277.
464 MARTINEZ-VIVOT. Julio. Op.cit, nota 226, p. 195. O mesmo autor, nas páginas 30/31 da mesma

obra, aponta, em relação à discriminação de modo amplo, que alguns países como a Espanha, impõem
ao empregador, invertendo a prova, a demonstração de que não existiu discriminação na despedida,
existindo uma disposição em lei processual estabelecendo a inversão do ônus da prova se a vítima
alega a existência de conduta discriminatória, lembrando ainda que a Civil Rights Act dos EUA, de
1964, mas ocorrida em 1991, introduziu os mesmos critérios nos casos de discriminação
218

configuração do assédio sexual nas relações laborais existentes. Em princípio, porque


a parte assediada deve exibir todos os elementos de prova que puder dispor, quando
do ajuizamento da ação trabalhista. Conforme Gosdal:

Não há que se falar em impossibilidade de constituir prova negativa, pois a


inversão do ônus da prova está prevista em relação aos direitos do
consumidor, como disposto no artigo 6, inciso VIII da Lei n. 8078/90 (o Código
de Defesa do Consumidor), que trata diversamente o encargo probatório em
razão do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor (art. 4., inciso I
deste mesmo diploma legal, que se assemelha à hipossuficiência do
empregado no contrato de trabalho). O empregador reúne melhores
condições de prova e é ele quem assume os riscos da atividade
econômica465.

A dificuldade quanto a desincumbir-se do ônus probatório, por parte da pessoa


assediada, em muitos casos, pode ensejar a inversão do ônus da prova, o que está
de acordo com as tendências protetivas do direito processual do trabalho, voltado ao
hipossuficiente e tendo por finalidade a correção das desigualdades.
Verifica-se aqui a dificuldade de prova da existência de assédio sexual nas
relações laborais, pois a exemplo do que ocorre com o assédio moral, de forma
frequente, a discriminação é mais presumida do que cabalmente demonstrada. Na
lição de Genro466, a presunção de que todos são iguais para provar, esbarra nos
princípios fundamentais do Direito do Trabalho, nascidos do reconhecimento da
desigualdade das partes e, para que se possa operar com a igualdade fictícia de
forma, mostra-se necessário o desigualamento das partes, inclusive através do
processo. Tratando-se aqui de dar impulso ao processo, levando em consideração o
fato de que as partes não são iguais e para que possa operar nele a ficção jurídica da
igualdade forma, é necessário desigualar, inclusive através do processo, a ser
impulsionado considerando as dificuldades naturais sofridas pela parte trabalhadora
na feitura da prova dos fatos alegados. Também, na valorização das provas,
considerando o conflito existente entre dominadores e dominados, não para
tergiversar as provas, mas para emprestar-lhes um peso adequado, defendendo-se
aqui, portanto, a inversão do ônus da prova.

465GOSDAL, Thereza Cristina. Op.cit, nota 328, p. 242.


466GENRO, Tarso Fernando Herz. Direito Individual do Trabalho. Uma Abordagem Crítica. São Paulo:
LTr, 1994, pp. 180-181.
219

Para Viana467, há dificuldade na prova da discriminação, pois raramente será


admitida pelo empregador ou seu preposto, assumindo, por isso mesmo, um peso
maior a prova indiciária, pois o juiz tende a valorizar a prova indiciária, mais do que
nas situações comuns, sob pena de trair por linhas tortas o comando constitucional
de acesso à Justiça, pois às vezes o próprio silêncio revela algo, sendo mais eloquente
que as palavras, bastando abrir os olhos e os ouvidos, cabendo à pessoa reclamante
a demonstração dos indícios que, como fazem presumir a prática de ato considerado
ilícito, tem o poder de inverter o ônus da prova. Neste caso, tendo o empregador que
demonstrar justificativas para o comportamento ou que não agiu daquele modo,
recaindo sobre ele a dúvida e não poderia ser diferente, pois é exatamente para decidir
o impasse do juiz que a lei criou as regras do ônus da prova. Seja provando ou
contraprovando, o empregado pode fazer uso de indícios e o juiz deve valorizá-los,
ligando-se tal pensamento ao acesso à justiça, não reduzido à simples possibilidade
teórica de acionar alguém em juízo, completando-se com a garantia de uma justiça
efetiva, ou como já se disse, uma justiça realmente justa.
A incidência do princípio da aptidão da prova transfere para o litigante mais
apto o ônus de convencimento do juiz, pois o empregador tem mais aptidão para a
prova, considerando que detém maior poder. Cabe aqui ressaltar, contudo, que como
o empregador cria o risco do negócio, cria também o risco da demanda. O
entendimento pela presunção de veracidade nas alegações da pessoa trabalhadora
em casos de discriminação foi reforçado com a edição da Súmula 443 do TST, a seguir
transcrita e destinada aos empregados portadores do vírus HIV:

DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR


DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À
REINTEGRAÇÃO - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012
- Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus
HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o
ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego.

No caso da adoção desta Súmula, o Ministro João Orestes Dalazen, atual


Presidente do TST brasileiro, observou que tal fato ocorreu diante da jurisprudência
pacificada naquele tribunal acerca da existência de presunção de existência de ato de

467VIANA, Marcio Tulio. A proteção trabalhista contra os atos discriminatórios (Análise da Lei 9.029).
Discriminação. VIANA, Marcio Túlio; RENAULT, Luiz Otávio Linhares (Coord.). São Paulo: LTr, 2000,
pp. 354/367, especialmente as pp. 360-361.
220

discriminação na dispensa de trabalhador vitimado por vírus HIV, realçando que o


texto da Súmula está alinhado aos seguintes dispositivos: artigo 3º, inciso IV (princípio
da dignidade humana), artigo 5º da CF (princípio da isonomia), as Convenções n.º 111
e n.º 117 da OIT, e ainda a Declaração sobre os Princípios e Direitos Fundamentais
no Trabalho, de 1998, onde foi reafirmado o compromisso da comunidade
internacional em promover a "eliminação da discriminação em matéria de emprego e
ocupação". Para Dalazen, a Súmula ajusta a jurisprudência do TST às preocupações
mundiais em se erradicar práticas discriminatórias existentes nas relações de
trabalho468. Este entendimento reforça a ideia da possibilidade de inversão do ônus
da prova nos casos de assédio sexual nas relações de trabalho.
Conforme Mallet469, que defende mudança concreta das regras relativas ao
ônus da prova, sob pena de continuar o processo do trabalho preso à ideia de
igualdade formal dos litigantes, discriminando a parte menos favorecida da relação
litigiosa, as regras relativas ao ônus da prova, para que não constituam obstáculo à
tutela processual dos direitos, devem levar em conta as possibilidades reais e
concretas de cada litigante para a demonstração de suas alegações, de modo que o
ônus recaia não necessariamente sobre a parte que alega, mas sobre a parte que
está em melhores condições de produzir a prova necessária à solução do litígio e,
com isso, as dificuldades para a produção da prova, existentes no plano do direito
material e decorrentes da desigual posição das partes litigantes, não são transpostas
para o processo, ficando facilitado inclusive o esclarecimento da verdade.
Para Alfradique e Zanetti470, ao ajuizar ação envolvendo assédio sexual nas
relações de trabalho, a vítima deverá estar bem embasada em provas, sob pena de
responder por falsa acusação.
De outro lado, a comprovação da existência de assédio sexual é difícil porque
não ocorre no âmbito público, mas geralmente quando assediador e a pessoa
assediada estão a sós e a portas fechadas.

468 Disponível em: <www.tst.gov.br>. Acesso em: 18 jul. 2015.


469 MALLET, Estevão. Discriminação e processo do trabalho. VIANA, Marcio Tulio e RENAULT, Luiz
Otávio Linhares (Coord.) Discriminação. São Paulo: LTr, 2000, pp. 156/168, especialmente as
p.162/164.
470 ALFRADIQUE, Eliane; ZANETTI, Robinson. Assédio sexual. Disponível em:
<http://www.segurancanotrabalho.eng.br/download/assediosexual.pdf>. Acesso em: 25 jul. 2015.
221

Os tribunais trabalhistas, de outro lado, estão valorizando muito o depoimento


da pessoa assediada, admitindo indícios de prova e mesmo a presunção,
considerando o princípio da hipossuficiência do empregado, questão porém que deve
ser bem avaliada para que não se cometam injustiças. Meios de prova como bilhetes,
e-mails, roupas rasgadas etc., podem ser apresentados ao juízo para a comprovação
da conduta do assediador; para a postulação de indenização por danos morais,
podendo ser pedida ainda, a rescisão indireta do contrato de trabalho. Também a
existência de outras ações judiciais com o mesmo tema ou testemunhos sobre
evidências de assédio em relação a outras pessoas trabalhadoras, são valoradas.
A fim de evitar que o assédio sexual nas relações de trabalho permaneça sem
sanção, os juízes trabalhistas, de forma diferente dos juízes que atuam na área
criminal, têm considerado a validade da prova indireta, por indícios e circunstâncias
de fato, e ante a dificuldade na comprovação da existência de assédio sexual nas
relações de trabalho, considerando os princípios da dignidade humana e da
valorização do trabalho, os julgadores conferem especial relevância ao depoimento
da vítima, quando acompanhado de um mínimo de prova.
É de todo aconselhável que a pessoa assediada guarde registros, para fins de
prova, de atos do assediador por meio de e-mails e gravações. São provas que podem
ser valoradas, sendo considerada válida a gravação de conversas, desde que
efetuada pela própria pessoa, sendo considerada inválida se gravada por terceiro. A
prova testemunhal tem valor inequívoco, admitindo-se ainda a prova por presunção,
inexistindo dúvidas quando à validade de provas diretas. Com os novos recursos
tecnológicos disponíveis, todos têm acesso a telefones, câmeras filmadoras,
gravadores, entre outros aparatos eletrônicos que proporcionam recursos de captação
de imagem e som, incluindo a feitura de vídeos. Questão que tem avultado é a
admissão em juízo das gravações ambientais envolvendo o assédio sexual nas
relações de trabalho, realizadas ou não pela pessoa assediada.
É fato que a jurisprudência, entendida como a aplicação prática das normas
legais, interpretadas pelos julgadores, antecipa e acarreta em muitos casos, a
transformação destas.
O princípio “in dubio pro operário” reforça o entendimento da inversão do ônus
da prova nas situações de assédio sexual nas relações de trabalho.
222

É verdade que a facilitação da prova para as pessoas assediadas, com a


inversão do ônus probatório, pode levar à ocorrência de denúncias falsas, inclusive
com conluio entre os supostos assediante e assediado, para lesar o empregador,
ainda que este possua o direito de ação regressiva. Trata-se de problema que pode
ocorrer em qualquer ação. No entendimento de Santos,471 “isso cabe perfeitamente
dentro das tarefas atinentes aos órgãos do Poder Judiciário, habilitados a separar o
joio do trigo.”
A possibilidade de simulação também existe, com a criação de realidade
inexistente, buscando lesar a empresa, compelida, por vezes a pagar vultosa
indenização. Ressalta Lippmann:

A confissão franca do assediante, seguida de um relacionamento


visivelmente amistoso por ocasião da audiência, é fato que deve ser avaliado
com a máxima cautela pelo juízo, pois a postura de quem se sente tão
molestado a ponto de ajuizar uma ação deve ser de nojo, ou de desprezo,
com o assediante, e não a de um clima festivo do reencontro de antigos
companheiros de trabalho. É certo também que resta claramente configurada
a simulação se após a acusação e o desligamento da empresa, assediante e
assediado passam a ter alguma forma de relacionamento como a união
estável, namoro ou casamento 472.

Tais situações, de denúncia falsa ou de simulação, podem ocorrer em outras


ações trabalhistas e devem ser duramente rechaçadas pelos magistrados,
acarretando inclusive consequências de ordem penal. Aos magistrados que apreciam
e julgam as causas, cabe prestar atenção às evidências de ocorrências mentirosas
e/ou que ensejem a cominação de litigância de má-fé, de forma a preservar a imagem
do Judiciário, garantindo a correta prestação jurisdicional nos casos postos a sua
apreciação e julgamento, tal como ocorre nas situações de lide simuladas,
frequentemente coibidas na Justiça do Trabalho brasileira.
Transcreve-se, a propósito, a ementa do acórdão do Processo 0005545-
05.2010.5.12.0014, da lavra da Redatora Maria De Lourdes Leiria, publicado em
11.06.2012, oriunda do TRT da 12ª. Região, situado em Florianópolis, no Estado de
Santa Catarina:

ASSÉDIO SEXUAL. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. Restando demonstrado que a


acusação de assédio sexual é falsa, feita com intuito de lesar terceiro, deve

471 SANTOS, Aloysio. Op. cit, nota 393, p. 71.


472 LIPPMANN, Ernesto. Assédio sexual nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2004, p. 34.
223

ser aplicada a penalidade de litigância de má-fé, porque passível de causar


danos à vida pessoal e familiar do acusado e desacreditar o instituto.

Apesar do folclore envolvendo o tema e do destaque midiático envolvendo as


situações que se revelam como encenadas, desnaturando a seriedade com que deve
ser tratada a temática da prática da conduta de assédio sexual nas relações laborais,
ainda, reforçando o preconceito e o sexismo, as situações de denúncia falsa de
assédio sexual nas relações de trabalho podem ser coibidas com o indeferimento da
petição inicial e com a remessa das peças processuais como denúncia ao Ministério
Público Federal, para que tome as providências que reputar cabíveis no âmbito
daquela instituição, a exemplo de outras situações em que se constata a falsidade das
alegações das partes e das testemunhas. Inobstante, as situações de denúncia falsa
envolvendo situações de assédio sexual no trabalho, constituem exceção, pois em
geral os relatos feitos nas ações mostram-se sérios, por vezes acarretando a
descoberta de novas situações lesivas no âmbito das relações de trabalho.
Ante todo o exposto em relação à prova, defende-se aqui a inversão do ônus
da prova, sempre que presentes a verossimilhança das alegações e a hipossuficiência
da pessoa assediada, descabendo a simples aplicação do teor do artigo 818 da
Consolidação das Leis do Trabalho, dando ao empregador a faculdade de
simplesmente negar o ocorrido, diante dos princípios protetivos do direito do trabalho,
enfatizando-se o princípio da maior aptidão da prova e também o princípio de proteção
ao hipossuficiente como forma de igualar no plano processual, partes que são
desiguais, em busca da promoção da justiça e dentro das lutas pela dignidade
humana.
A ação trabalhista individual, em princípio, é veiculada contra o empregador,
mas seria injusto se o assediante, no caso de ser outra pessoa que não o empregador,
não fosse também responsabilizado. Pode o empregador utilizar a figura jurídica da
denunciação da lide, prevista no artigo 70, III do Código de Processo Civil (e nos
artigos 125 a 129 e 343, § 2º do Novo Código de Processo Civil).
Em razão do aumento do número de casos envolvendo a prática da conduta de
assédio sexual, muitos empregadores fazem constar expressamente dos contratos de
trabalho, previsão contratual específica o que vai ao encontro do previsto no artigo
462, parágrafo 1º, da Consolidação das Leis do Trabalho, pois a indenização por
danos decorrentes do assédio sexual nas relações de trabalho gera consequências
224

de cunho patrimonial ao empregador, embora, na realidade, não se considere


necessária a previsão contratual diante do entendimento de que o comportamento do
assediador é, com raras exceções, doloso, devendo responder por seus atos, no
mínimo como responsável de forma subsidiária pelo pagamento dos valores deferidos
pelo juízo. Há competência da Justiça do Trabalho para apreciação e julgamento nos
casos em que há denunciação da lide, nos termos do artigo 114 da Constituição
Federal brasileira e o julgado deve definir a proporção da responsabilização das
partes.
A utilização da denunciação da lide é recomendável porque auxilia quanto à
resolução integral do conflito; à celeridade na prestação jurisdicional e propicia
economia em relação aos procedimentos jurisdicionais, pois uma vez realizada a
denunciação à lide, a execução da obrigação final pelo dano ocorre nos mesmos
autos, evitando que o empregador tenha que ajuizar ação regressiva específica em
face do assediante.
Para alguns autores, como Ferrari e Rodrigues Martins473, é recomendável que
a denunciação da lide do suposto assediador pelo empregador, em caso de ação
trabalhista com pedido de indenização por dano moral por três motivos: o primeiro
motivo para a denunciação da lide do empregado assediador pelo empregador, diz
respeito ao dever de cumprimento das obrigações legais pelo empregado, pois se o
empregado é apontado como assediador em razão do cargo que ocupa e pratica atos
que extrapolam as relações normais de trabalho, assumindo riscos, mostra-se injusta
a participação tão somente do empregador no pólo passivo da demanda, na qual terá
que apresentar defesa e produzir prova em benefício daquele que praticou o ato; o
segundo motivo para a denunciação da lide do empregado assediador pelo
empregador diz respeito ao efeito pedagógico da participação do empregado
assediado no processo, como parte, inibindo a ocorrência de atos semelhantes por
outros empregados e evitando, também, a simulação de situações armadas com o
intuito de prejudicar o empregado; o terceiro motivo para a denunciação da lide do
empregado assediador pelo empregador diz respeito à fixação do valor da
indenização do dano moral, na qual deverá o juízo analisar a omissão ou não do
empregador no ato em exame.

473FERRARI, Irany; RODRIGUES MARTINS, Melchíades. Dano moral: múltiplos aspectos nas relações
de trabalho. São Paulo: LTr, 2008, São Paulo, p.147.
225

Alerta-se que todas as três questões suscitadas são passíveis de debate, não
devendo ser desvirtuado, entretanto, a finalidade protetiva da mulher e da sua
dignidade no trabalho.
A ação nos casos de assédio sexual nas relações de trabalho apresenta vários
aspectos processuais, dentre eles estão os analisados no presente subcapítulo,
enfatizando-se aqui questões ligadas aos direitos da pessoa assediada, aos deveres
do empregador; à responsabilidade do empregado assediador, do empregador
assediador e do terceiro assediador, bem como questões ligadas à prova nas
situações de assédio sexual nas relações de trabalho, defendendo-se a inversão do
ônus da prova sempre que presentes a verossimilhança das alegações e a
hipossuficiência da parte trabalhadora, analisando-se ainda a questão da denúncia
falsa e, por fim, a possibilidade e conveniência da denunciação da lide do empregado
assediador pelo empregador.
A seguir, abordar-se-á de forma mais detalhada a questão das indenizações
devidas à parte trabalhadora em decorrência da situação de assédio sexual nas
relações de trabalho, bem como a questão do segredo de justiça nas ações
envolvendo assédio sexual nas relações de trabalho e suas peculiaridades, que
envolvem, de um lado, o direito à intimidade pelas partes e de outro lado, impede a
visibilização das situações de assédio sexual nas relações de trabalho.

3.3 A indenização nas situações de assédio sexual nas relações de trabalho e a


questão do segredo de justiça

Primeiramente deve ser ressaltado que ambos os aspectos, tanto a questão da


indenização por danos, quanto a questão do segredo de justiça envolvendo as
situações de assédio sexual nas relações de trabalho, constituem aspectos
processuais envolvendo as ações judiciais movidas de forma individual, que são a
maioria, embora também possam estar presentes nas ações coletivas.
Trata-se de matéria que exige um atento exame dos operadores jurídicos,
diante da inexistência de parâmetros para sua mensuração e da diversidade de
interpretações a respeito na jurisprudência existente na Justiça do Trabalho.
Em relação à indenização por danos materiais, os danos podem ser aferidos
diante da comprovação dos prejuízos causados, no âmbito material, pela situação de
assédio nas relações de trabalho, podendo incluir os danos emergentes e os lucros
226

cessantes, prejuízos econômicos decorrentes de tratamentos médicos e psicológicos


em decorrência das patologias causadas, bem como os prejuízos.
Dentre os prejuízos, existem os danos causados pela ausência ao trabalho,
notadamente em caso de trabalhadora que recebe comissões, ainda, os prejuízos
financeiros decorrentes de uma despedida, situação que acontece em muitos casos.
Para Oliveira da Costa,474 existem vários tipos de danos, dentre eles estão os
puramente materiais, consubstanciados em fatos humanos que produzem lesões em
interesses alheios juridicamente protegidos, com caráter exclusivamente material, os
mistos, traduzidos em fatos humanos causadores de lesões em interesses de outrem,
juridicamente tutelados, que sofrem diminuição em razão de uma conduta de caráter
material e moral. E por último, os danos puramente morais que atingem apenas a
reserva psíquica do ofendido.
Trata-se de interessante definição, mas entende-se aqui que é suficiente a
distinção entre danos materiais e morais, notadamente quando o artigo 5º, X da
Constituição Federal brasileira de 1988, assegura o direito à indenização pelo dano
material ou moral, quando violadas a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem
das pessoas.
Quanto ao dano moral ou extrapatrimonial, segundo conceito formulado por
Medeiros Neto475, é aquele consistente na lesão injusta, imprimida a determinados
interesses não-materiais, sem equivalência econômica, mas concebidos como valores
jurídicos protegidos, e integrantes do leque de projeção interna ou externa, inerente à
personalidade do ser humano, abrangendo todas as áreas de extensão de sua
dignidade, podendo também alcançar os valores extrapatrimoniais reconhecidos pelo
sistema legal à pessoa jurídica ou a uma coletividade de pessoas.
De acordo com a Súmula 37 do Supremo Tribunal de Justiça, é possível a
cumulação de indenizações por dano material e moral, oriundos do mesmo fato.
O dano moral pode e deve ser reparado, sinalando que por muito tempo houve
resistência à possibilidade de reparação do dano moral. Não sendo aferível em
dinheiro o prejuízo moral causado pela conduta do ofensor, nem por isso se pode
deixar a vítima sem tutela reparatória de natureza jurídica, traduzida em pecúnia, na

474 OLIVEIRA DA COSTA, Walmir. Dano moral nas relações laborais. Competencia e mensuração.
Curitiba: Juruá, 2008, p. 33.
475 MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano Moral Coletivo. São Paulo: LTr, 2012, p. 64.
227

intenção de proporcionar uma satisfação razoável, sob pena de premiar-se o ofensor


dos bens atingidos, deixando o ofendido à mingua de meios de compensação da
angústia, sofrimento, dor, aflição, constrangimento ou vergonha, de natureza injusta e
grave, a par de se ver rompida a paz e o equilíbrio sociais476.
A reparação pode ser in natura, levando-se à satisfação da pessoa ofendida
sem que se recorra a meios pecuniários de compensação, ainda que tais meios
possam ser complementares se insuficiente a forma in natura, exigindo-se aqui um
esforço criativo do julgador para o deferimento de tal reparação.
Mais comumente, a reparação pedida é por compensação pecuniária, ante a
inviabilidade de recomposição do estado anterior da lesão e da ausência de uma
medida de equivalência econômica para precisá-la, apresentando-se tal forma como
a mais adequada para neutralizar os efeitos lesivos do dano causado, minorando-se
os sofrimentos e sentimentos negativos do ofendido, apresentando-se o dinheiro
como lenitivo, reconhecendo-se a dificuldade quanto ao dimensionamento em dinheiro
do montante correspondente à reparação do dano moral, diante das peculiaridades
do caso concreto posto à apreciação do julgador exigindo senso de observação e
equidade477.
Conforme Stolz478, em artigo comentando decisão inédita proferida pela
Scottish Court of Session no Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, sobre
assédio sexual nas relações de trabalho, na qual colegas de trabalho foram
condenados pelo assédio a outra colega, o dano moral consiste no impacto ou
sofrimento psíquico e/ou físico produzido pela agressão direta à personalidade, ao
acervo extrapatrimonial e/ou a bens materiais do ofendido. A reparação do dano não
atende à reintegração patrimonial, mas à compensação do sofrimento causado e,
neste caso, a estipulação da quantia indenizatória deve atender a alguns critérios.
Conforme a Diretiva Europeia 2002/73/CE, as indenizações arbitradas pelos
julgadores devem cumprir funções preventivas e repressivas, devendo portanto ser
suficientes altas para dissuadir as condutas assediadoras e, ao mesmo tempo,
proporcionais ao prejuízo causado. A Diretiva proíbe, no artigo 6. 2, os Estados-

476 Ibidem, p. 77.


477 Ibidem, p. 91/93.
478 STOLZ, Sheila. O Direito a não ser discriminado por razão de gênero segundo a Scottish Court of

Session: Apreciação de um Precedente Judicial. Revista Eletrônica do TRT da 4. Região. Porto Alegre,
2006, pp. 17/25, em especial a p. 23. Disponível em: < http://www.trt4.jus.br >. Acesso em: 10 jul. 2015.
228

membros de promulgar normas que fixem, em princípio, um limite máximo para as


indenizações e ao mesmo tempo estimula os Estados que a autorizem, mediante os
meios adequados, qualquer procedimento judicial ou administrativo estabelecido para
a exigência do cumprimento das obrigações decorrentes da normativa. Admitir que as
indenizações sejam significativas economicamente, se justifica pelas atitudes do
sujeito ativo e da mesma forma nas atitudes do empregador, de quem são esperadas
atuações diligentes, mediante a tomada de medidas preventivas e repressivas do
assédio sexual nas relações de trabalho.
Não há, respeitadas as assertivas dos doutrinadores, parâmetros definidos
para a mensuração da indenização por danos morais.
E aqui se questiona qual a mensuração dos danos causados à dignidade
humana e se há um valor para a dignidade humana afrontada.
Dessas perspectivas, os temas aqui tratados são destacados dos demais, sem
que se dê a estes menor importância.
Feitas tais considerações, urge analisar a questão das indenizações nas
situações de assédio sexual nas relações de trabalho.
A pessoa assediada, independentemente da responsabilização criminal do
assediador, pode ajuizar ação trabalhista em face da pessoa assediante e do
empregador, postulando reintegração, se demitida em razão da prática da conduta de
assédio sexual, e também indenização por danos morais e materiais.
A ação judicial deve ser ajuizada na Justiça do Trabalho, órgão competente
para processar e julgar as ações que versem sobre as relações de trabalho, nos
termos do artigo 114 I e VI da Constituição Federal brasileira de 1988.
Conforme Gosdal479, é entendimento majoritário, tanto na doutrina quanto na
jurisprudência, o entendimento de que o dano moral causado pelo empregador ao
empregado ou vice-versa, decorre do contrato de trabalho, estando inserido de forma
expressa nas competências atribuídas à Justiça do Trabalho.
Havia controvérsia sobre a competência para apreciação e julgamento do pleito
de indenização patrimonial por danos morais e materiais decorrentes da prática de
conduta de assédio sexual no âmbito das relações de trabalho, com decisões do
Superior Tribunal de Justiça entendendo pela competência da Justiça Comum.

479 GOSDAL, Thereza Cristina. Op.cit, nota 328, pp. 239-240.


229

O Supremo Tribunal Federal, em importante decisão datada de 1998, decidiu


pela competência da Justiça do Trabalho, julgando que se o fato decorre diretamente
da relação de trabalho mantida, seria irrelevante que o direito pretendido - no caso o
dano moral -, possa estar encartado no direito civil, porque não há vedação quanto à
apreciação, devendo entender-se que o artigo 114 da Constituição outorga à Justiça
do Trabalho a competência para a apreciação dos direitos que decorram das
hipóteses daquele artigo, sem distinção ou restrição. O acórdão está assim ementado:

INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL - JUSTIÇA DO TRABALHO -


COMPETÊNCIA. Ação de reparação de danos decorrentes da imputação
caluniosa irrogada ao trabalhador pelo empregador a pretexto de justa causa
para a despedida e, assim, decorrente da relação de trabalho, não
importando deva a controvérsia ser dirimida à luz do Direito Civil. (...) (STF
RE 238.737-4 (SP) Ac. 1. T., 17.11.98, Relator Ministro Sepúlveda Pertence)

A discussão acerca da competência da Justiça do Trabalho foi definitivamente


dirimida com a Emenda Constitucional nº. 45, de 2004 que incluiu no artigo 114 da
Constituição Federal, o inciso VI, com previsão expressa de competência da Justiça
do Trabalho quanto às ações de indenização por dano moral ou patrimonial,
decorrentes da relação de trabalho.
A Constituição Federal Brasileira de 1988, no artigo 5º, incisos V e X, tipificou
expressamente o dano moral e sua reparabilidade. O Código Civil de 2002 previu a
figura do dano moral e a obrigação de indenizar, conforme os artigos 186, 927 e 932,
III daquele diploma legal.
A função da responsabilidade é, não só a reparação do dano sofrido pela vítima,
mas a sanção do ato danoso, fundando-se na culpa, no caso da responsabilidade
subjetiva e no risco, no caso da responsabilidade objetiva, sendo que esta última
constituiu uma reformulação da teoria da responsabilidade civil, dentro de um
processo de humanização480.
A doutrina é dividida no que tange à responsabilização civil do empregador nos
casos de assédio sexual, havendo quem entenda pela responsabilidade subjetiva do
empregador, por culpa.
Para os adeptos da responsabilidade subjetiva, comprovado o ato ilícito e a
lesão a direitos, surgiria a possibilidade de reparabilidade do dano, aplicando-se a

480 MONTEIRO DE BARROS, Alice. Op.cit, nota 220, p. 509.


230

responsabilidade absoluta do empregador, com fundamento no artigo 932 do CCB,


esclarecendo que a CLT não contém normas próprias a respeito do assunto, dando
espaço para a utilização das normas de direitos comuns, nos termos do artigo 8 da
própria Consolidação das Leis do Trabalho.
Quanto à presunção de culpa do empregador, assim consta na Súmula 341 do
STF: “É presumida a culpa do patrão ou do comitente pelo ato culposo do empregado
ou preposto.” A responsabilização do empregador, nestes termos, permitiria que
intentasse ação regressiva contra o causador do dano, o que é garantido no parágrafo
primeiro do artigo 462 da Consolidação das Leis do Trabalho.
A responsabilização subjetiva do empregador, somente abarcaria aqueles
casos de conduta de assédio sexual por chantagem, nos quais a pessoa assediadora
seria o próprio empregador, superior hierárquico ou com ascendência em razão de
cargo, emprego ou função.
Há quem defenda que a responsabilidade do empresário por assédio praticado
por clientes, credores e outros frequentadores não encontraria amparo em lei. 481
Embora a doutrina em geral não aponte a possibilidade de terceiro estranho à
relação de trabalho praticar a conduta de assédio sexual, outros autores, contudo,
defendem a responsabilização do empregador sempre que haja nexo de causalidade
entre a conduta assediante e o proveito econômico do empregador.482
Se o próprio empregador é o assediador, é evidente que responderá pelos
danos. O mesmo ocorre quando o assediador é empregado, quer possua posição de
poder (condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de
emprego, cargo ou função, para usar aqui os termos da Lei 10.224) ou não.
Ocorrido o assédio sexual no âmbito da relação de trabalho, o empregador,
em princípio, responde sempre.
Tendo em vista que cabe ao empregador impedir o assédio no ambiente de
trabalho e se não o faz, incorre em falta quanto à sua obrigação de manter o ambiente
de trabalho saudável. Já Cantelli483 entende possível a responsabilização solidária do

481 PINHO PEDREIRA. Op.cit, nota 263, pp. 74/75.


482 SILVA NETO, Manoel Jorge e. Op.cit, nota 217, p. 106.
483 CANTELLI, Paula Oliveira. O trabalho feminino no divã: dominação e discriminação. São Paulo: LTr,

2007, p. 146.
231

empregador em caso de assédio sexual cometido por cliente da empresa, mas desde
que ele não tenha se oposto à conduta desse terceiro.
A Suprema Corte norte-americana, em alguns casos, admitiu a existência, no
assédio sexual da chamada “tangible employment action”484, uma alteração contratual
relevante, impondo a responsabilização do empregador por atos praticados por
superior hierárquico ou pessoa com ascendência, quando a conduta de assédio
sexual significasse mudança nas condições do contrato, como óbices na contratação,
despedida, impedimento ou perda em relação a uma promoção ou a um benefício.
Inexistindo a alteração contratual relevante, o empregador poderia eximir-se da
responsabilização, caso demonstrasse que agiu de forma preventiva e corretiva em
relação a comportamentos ligados ao assédio sexual ainda, a não utilização, pela
pessoa assediada, dos mecanismos de proteção disponibilizados pela empresa.
Parte da doutrina e da jurisprudência tem aplicado a teoria da responsabilidade
objetiva do empregador, nos casos de assédio sexual por superior hierárquico ou com
ascendência, entendendo, de outra parte, injusta a responsabilização objetiva do
empregador no caso de assédio provocado por colega da mesma ou de inferior
hierarquia.
Impõe-se aqui ressaltar que, no Código Civil de 1916, era adotada como regra
geral no tocante à responsabilização civil, a teoria subjetiva, baseada na intenção
subjetiva do agente, pressupondo a conduta ilícita (violação de dever jurídico), a culpa
(ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência), a ocorrência do dano e o
nexo causal.
Com o incremento acelerado da industrialização, a teoria subjetiva começou a
ser questionada em face da demonstrada insuficiência para proteger as pessoas
lesadas pelos procedimentos empresariais e diante da dificuldade em provar a
intenção do causador do dano.
Neste contexto, tomou vulto a teoria do risco, baseada na obrigação de reparar
em razão da propriedade do bem ou da responsabilidade pela atividade causadora do
dano, somada à lesividade potencial da atividade.

484 Conforme JAKUTIS. JAKUTIS Paulo. Op.cit, nota 213, pp. 201-202.
232

Na acepção de Bessa485, diante da maior adoção da teoria do risco, ocorreu


uma crescente coletivização da ideia de responsabilidade e à adoção de seguros para
tais atividades, dentro da ideia do princípio da equidade, tendo em vista que quem
lucra com uma situação, deve suportar os riscos ou prejuízos dela decorrentes.
A reparação do dano, para os efeitos da responsabilização objetiva não exige
prova da culpa e sim da ocorrência do dano e do nexo causal entre o dano e a conduta
do agente.
Dos termos do artigo 927 do CCB, infere-se que há obrigação de reparar o
dano, independentemente de culpa e sem necessidade de previsão legal quando a
atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza,
risco para os direitos de outrem.
Transpondo para o campo do direito do trabalho e aplicando aos casos de
assédio moral, impende afirmar que o empregador pode ser considerado responsável
de forma objetiva, tanto no assédio sexual por chantagem, quando no assédio sexual
ambiental, em razão dos riscos do negócio que devem ser arcados pelo empregador,
não importando que o assédio seja praticado por preposto, por colega de trabalho de
maior, igual ou inferior hierarquia, considerando que o empregador é o titular do poder
diretivo e assume o risco do empreendimento econômico nos termos do artigo 2º. da
CLT, devendo, na lição de Monteiro de Barros, zelar pela boa ordem na empresa,
devendo existir um mínimo padrão de moralidade e de garantia pessoal, sendo o
respeito ao direito à intimidade dos empregados manifestação de tal garantia486:
A posição pela responsabilização objetiva do empregador, no caso de
indenização por danos, mesmo considerada controversa, parece ser a mais pertinente
com o espírito de proteção ao trabalhador que norteia o Direito do Trabalho brasileiro.
Embora haja risco de tratar de forma igual, no caso do assédio sexual praticado
por colegas de trabalho da mesma ou de inferior hierarquia, tanto o empregador que
busca combater o assédio sexual, como o empregador omisso.
Arrisca-se a dizer que tais situações, à míngua de regulação específica,
poderiam influir no montante da indenização a ser arbitrada.

485 BESSA, Fabiane Lopes Bueno Netto. Responsabilidade Social das Empresas. Práticas Sociais e
Regulação Jurídica. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, pp. 112-113.
486 MONTEIRO DE BARROS, Alice. Dano Moral da Justiça do Trabalho. Trabalho & Doutrina, n. 16,

março/1998, p. 61.
233

Remarcado o entendimento pela responsabilização objetiva do empregador no


caso de conduta de assédio sexual praticado por empregados, seja na modalidade de
assédio sexual por chantagem, seja na modalidade de assédio sexual ambiental,
parece razoável a posição de Silva Neto,487 quando defende que a responsabilização
do empregador por ato praticado por terceiro ocorrerá quando houver nexo de
causalidade entre a conduta da pessoa assediante e o proveito econômico do
empregador.
A par da reparação do dano em prol da pessoa assediada, a possibilidade de
responsabilização do empregador e as condenações já existentes têm ensejado a
adoção de medidas de caráter preventivo e corretivo, por parte das empresas.
Conforme Dal Bosco:

A possibilidade de responsabilização da empresa também no caso de dano


moral reclamado por empregado ou empregada vítima de assédio sexual
começa a preocupar as empresas e muitas estão mudando os termos de seus
contratos de trabalho a serem assinados com futuros empregados. Entre
outras providências, elas estão acrescentando no contrato um termo de
compromisso, a ser assinado pelo empregado, de que tomou conhecimento
da política anti-assédio da empresa e quais as consequências do delito. Essa
prática já existe, por exemplo, nos contratos de trabalhos dos 1,2 mil
funcionários da rede de hotéis Marriott no Brasil, (70) onde, apesar dos
cuidados, no início do ano a empresa teve de demitir por justa causa um
gerente operacional, por assédio a cinco funcionárias. Apoiadas pela
empresa, elas comunicaram a delegacia da mulher e o gerente responde
processo por assédio. A campanha interna de esclarecimento da empresa
inclui cartazes espalhados contendo mensagens como: O assédio interfere
no desempenho do trabalho e cria um ambiente intimidador, hostil e ofensivo.
Há uma clara tendência de as empresas colocarem cláusula referente ao
assédio sexual nos contratos, tentando garantir o ressarcimento em eventual
condenação como co-responsável por danos morais em crime de assédio
praticado por seus prepostos contra os empregados ou empregadas488.

O assédio sexual é um tema de grande interesse social. A atuação reguladora


repressiva com previsão de reparação dos danos, embora não seja a solução
definitiva para o problema, tem ajudado no processo de conscientização dos
empregadores, que ficam cientes dos custos econômicos e sociais a que estão
sujeitos.
Nas acertadas palavras de França de Oliveira489, o desafio doravante é a
capacidade de criação, dentro de cada empresa, de um entorno laboral que assegure

487 SILVA NETO, Manoel Jorge e. Op.cit, nota 277, p. 109.


488 DAL BOSCO, Maria Goretti. Op.cit, nota 209, p. 146.
489 FRANÇA DE OLIVEIRA, Lamartino. Op.cit, nota 233, p. 117.
234

a liberdade sexual dos trabalhadores, repelindo a intimidação e a chantagem sexual,


garantindo a todos o respeito à dignidade da pessoa humana do trabalho e suas
preferências em matéria de sexo.
A prática da conduta de assédio sexual acarreta, como já exposto, o direito à
indenização por danos morais e materiais sofridos pelo assediado.
No Brasil, nos termos do artigo 945 do CCB, há previsão de fixação da
indenização levando em conta a gravidade da eventual culpa da vítima, em confronto
com a do autor do dano, o que poderia ser utilizado em relação à responsabilidade do
empregador nos casos em que a pessoa assediada não utilizasse os mecanismos de
proteção postos à disposição pela empresa490. Conforme Oliveira França:

Poderá ser invocada a atenuação da condenação em reparação pecuniária


de dano moral proveniente de assédio sexual no trabalho, desde que haja
prova de que a empresa tinha uma conduta repressora e intransigente à típica
conduta. Para tanto, deverá demonstrar em juízo, por exemplo: que proferiu
palestras alertando sobre a nocividade da conduta e suas implicações; que
fez constar do contrato de trabalho a perniciosidade e a pena aplicável
quando constatada a prática do assédio; que incentivou a denúncia pelos
empregados assediados; que instalou uma comissão paritária, de ambos os
sexos, para apurar os casos relatados, com resultados práticos. Ao tomar
estes cuidados, poderá o magistrado levar em consideração que a empresa
tentou mitigar a ocorrência do assédio e por motivos alheios a sua vontade,
não conseguiu. Em razão disto, poderá tornar mais branda a condenação a
ela imposta491.

Nos casos em que a empresa adota posição de inércia frente ao assédio


sexual, resta justificada a rescisão indireta do contrato de trabalho, prevista no artigo
483, da CLT, sendo devido o pagamento das verbas rescisórias e das vantagens
previstas em normas coletivas.
Caso comprovada a existência de prejuízo à pessoa trabalhadora, seja na
avaliação de desempenho, em alguma promoção ou qualquer aspecto relacionado ao
trabalho que possa representar um avanço na carreira, é cabível uma reparação, a
ser arbitrada pelo juízo levando em conta as avaliações de desempenho e os
paradigmas apontados. Nas palavras de Lippman:

Ponto interessante é a influência do assédio na remuneração variável. Como


se sabe, cada vez mais a remuneração dos empregados, especialmente os
de nível mais alto, passa a ter uma parcela variável, determinada bônus,
prêmio ou participação nos resultados. Em geral quem determina o valor a

491 Ibidem, p. 113.


235

ser pago aos subordinados é o chefe, mediante critérios estabelecidos pela


direção da empresa, embora, como se sabe, haja uma considerável influência
do superior hierárquico na decisão. O que acontece se for comprovado que,
em virtude da proposta sexual recusada, a avaliação da subordinada foi
efetuada de forma desfavorável, injusta e discriminatória, levando-a a perder
parte de seus rendimentos? E se for comprovado que sua carreira sofreu uma
estagnação, como no caso do funcionário que vinha galgando cargos cada
vez mais altos e, de repente, passa a ser preterido nas promoções? Creio
que neste caso há prejuízo material claramente indenizável. Assim, se
comprovado o assédio devem também ser reparados os prejuízos sofridos
pelo assediado na avaliação de desempenho, especialmente nos casos em
que ela é feita pelo chefe-assediante ou sob grande influência deste492.

Prejuízos relacionados ao deterioramento da saúde da pessoa assediada


também podem ser objeto de reparação, como despesas com tratamentos médicos,
hospitalares e remédios, nos termos dos artigos 949 e 950 do CCB.
Na consideração do montante da indenização por danos morais, à míngua de
regulamentação legal específica, em regra os magistrados se pautam em geral, com
razoabilidade e equanimidade, levando em consideração a gravidade do dano,
observando a intensidade do sofrimento da vítima e considerando, ainda, aspectos da
personalidade e do poder econômico do assediador e da empresa.
Os critérios básicos para a fixação do montante a ser indenizado devem tomar
como esteio o princípio da razoabilidade, assentando-se na observação de fatores
como a situação econômica do ofensor, a intensidade do sofrimento da vítima, suas
condições pessoais, como a posição social, política e econômica, a gravidade, a
natureza e a repercussão da lesão, levando em conta a amplitude do dano e o grau
de culpa e a intensidade do dolo, se presentes na conduta danosa. Levando-se em
conta que o valor não deverá ser de tal forma inexpressivo que não compense o
ofendido nem signifique estímulo para o ofensor ou preventivamente para terceiros,
sendo imprescindível que se explicite os fundamentos que levaram à fixação do valor
como fator ínsito à racionalidade que deve presidir a decisão493.
Na prática, à míngua de critérios bem definidos, observa-se que os julgadores
mensuram os valores arbitrados às indenizações por dano moral mediante critérios
subjetivos do que entendem justo para a reparação da lesão sofrida, no caso
específico a ser julgado, tomando como referencial de valor máximo para a
mensuração da indenização a ser deferida, o valor postulado na petição inicial. E nem

492 LIPPMANN, Ernesto. Op. cit, nota 416, pp. 64-65.


493 MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Op.cit, nota 476, p. 97.
236

poderia ser diferente, pois se o julgador defere valor maior do que o pedido, realiza
julgamento extrapetita, considerando os termos do artigo 128 do CPC, segundo o qual
o juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta.
Veja-se, por exemplo, o caso do Processo 0001011-35.2013.5.04.0305 (RO),
julgado no TRT da 4. Região, da lavra do Redator Francisco Rossal De Araújo,
publicado em 30.04.2015 e assim ementado:

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ASSÉDIO SEXUAL. A prova oral


produzida confirma que pelo menos em uma oportunidade o ex-empregado
da reclamada assediou o reclamante. De fato, como alega a reclamada em
suas razões recursais, essa é a única prova direta do assédio sexual alegado.
Entretanto, além de esse fato, isolado, já configurar, por si só, ilícito passível
de indenização por danos morais, cumpre ressaltar que a prova do assédio
sexual se faz, via de regra, por indícios. No mais das vezes somente é
possível reconstruir uma situação de assédio sexual mediante a junção de
elementos espalhados que sustentam a alegação. De tudo isso se conclui
que o autor foi vítima de assédio sexual por empregado da reclamada.
Inteligência do art. 932, III, do Código Civil.

A indenização foi arbitrada em dez mil reais. No corpo do acórdão, o Redator


explicita seus critérios:

Quanto ao valor da indenização, tem-se que a sua fixação demanda a análise


de vários critérios. O valor deve atingir a duas finalidades precípuas:
compensar a vítima e punir o infrator como medida pedagógica, fomentando
a conscientização quanto à sua obrigação de não praticar novas condutas
danosas aos seus empregados. Ao fixar o valor da indenização, o juiz precisa
balizar-se de acordo com critérios mais ou menos objetivos, como a condição
econômica das partes, o grau de culpa do ofensor e a gravidade do dano. O
valor, ainda, deve observar uma certa razoabilidade, de forma a não cair nos
extremos do alcance de valores irrisórios ou montantes que importem no
enriquecimento da vítima ou ruína do devedor494.

Saliente-se que não há uma forma rígida de se estabelecer a reparação por


danos morais, mesmo porque ninguém, à exceção da pessoa sofredora do dano,
conseguirá avaliar exatamente sua dimensão.
Á míngua de critérios estabelecidos previamente, os julgadores arbitram um
valor, levando em consideração os elementos que compõe a prova dos autos, no caso
específicos, buscando, na maioria das vezes, alcançar à vítima uma compensação

494
Disponível em: <http://www.trt4.jus.br/portal/portal/trt4/consultas/jurisprudencia/acordaos>. Acesso
em: 15 jul. 2015.
237

razoável, satisfatória, observando tanto o princípio que veda o enriquecimento ilícito


quanto o risco de inocuidade da indenização.
Transcreve-se aqui a ementa do acórdão do Processo TRT da 4. Região nº.
0142400-84.2008.5.04.0401 (RO), publicada em 05.05.2010, da lavra da Redatora
Beatriz Renck:

DANO MORAL. ASSÉDIO SEXUAL. Evidentes o constrangimento e abalo


moral sofridos pela autora em decorrência de assédio sexual por parte de seu
superior hierárquico, o que enseja a percepção de dano moral, que deve levar
em consideração a gravidade e intensidade do dano e as possibilidades do
ofensor, de modo a reparar a vítima sem gerar enriquecimento ilícito,
penalizar o ofensor e agir pedagogicamente, de modo a evitar que episódios
desta natureza se repitam. (...)

No caso, a reclamada, Lojas Renner, é uma grande loja de departamentos no


Rio Grande do Sul, com grande capacidade econômica e foi condenada a pagar uma
indenização de dez mil reais para uma trabalhadora que sofreu assédio sexual por
parte de um supervisor. O montante da indenização deferida foi considerado irrisório
diante da capacidade econômica da empresa e da comprovação inequívoca da
existência de situação de assédio sexual no trabalho e causou debates na internet,
chegando-se a questionar qual seria o valor da indenização, se a assediada
sexualmente fosse uma juíza.495
A fixação do montante da indenização nos casos de danos, e não só nos
relativos à conduta de assédio sexual, tem suscitado discussões, diante da
insuficiência dos critérios legais acerca do montante da indenização a ser paga, frente
aos inúmeros e variados casos, havendo de um lado, a concessão de indenizações
praticamente simbólicas em alguns julgados e, de outro, denúncias acerca da
existência de uma verdadeira “fábrica” de indenizações por danos morais.
De outra parte, ao falar sobre as novas formas de reparação, Medeiros Neto496
afirma que o sistema jurídico está aberto às possibilidades da adoção de modelos
diversos de reparação, concebendo-se, para além da usual forma de reparação
pecuniária, em que se atinge o patrimônio do ofensor, outras formas voltadas para
sua esfera pessoal, devendo-se buscar sempre e de forma aberta a opção mais
adequada e justa para a reparação do dano moral, em quaisquer de suas ocorrências.

495 Disponível em: < http://www.espacovital.com.br>. Acesso em: 15 jul. 2015.


496 MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Op.cit, nota 476, pp. 103-104.
238

É preciso levar em conta as peculiaridades do caso, não se restringindo apenas


às hipóteses da reparação in natura ou por compensação pecuniária.
A mensuração da indenização por danos morais nas situações de assédio
sexual nas relações de trabalho constitui questão a ser amadurecida pela doutrina e
pela jurisprudência no âmbito trabalhista.
A situação de assédio moral nas relações de trabalho acarreta a possibilidade
do ajuizamento de ação com pedido de indenização por danos morais e materiais, e
nos casos mais graves, a indenização por dano existencial.
A partir do início dos anos sessenta, a doutrina italiana iniciou o estudo e a
caracterização de uma nova espécie de dano, que seria o dano à vida de relação,
idealizado na ofensa psíquica ou física à pessoa que a impede de aproveitar, total ou
parcialmente, os diversos prazeres da vida, aí incluídas as atividades recreativas,
interferindo em seu ânimo e nos seus relacionamentos sociais e profissionais, com
redução das chances de adaptação e/ou ascensão no trabalho, acarretando reflexo
patrimonial negativo.
O debate acerca do reconhecimento do dano à vida de relação acarretou
grande avanço no campo da responsabilização civil, originando os primórdios do que
hoje se conhece como dano existencial, que constitui ampliação do dano à vida de
relação, salientando-se que não se exige, para a configuração do dano existencial,
prejuízo de expressão econômica.
Primeiramente, a Corte de Cassação Italiana, na sentença 184, de 14.07.1986,
admitiu a existência de nova espécie de dano não patrimonial e indenizável, que seria
o dano biológico ou dano à saúde, evoluindo a doutrina e a jurisprudência italianas ao
convencimento de que qualquer lesão a direito fundamental, e não somente o direito
à saúde, fere a dignidade humana, devendo ser tutelada e indenizada, chegando-se
ao conceito de dano existencial, consistente na violação de qualquer dos direitos
fundamentais da pessoa, tutelados pela Constituição Federal, causando alteração
danosa no modo de ser do indivíduo ou nas atividades executadas mirando seu
projeto de vida pessoal, não sendo necessária repercussão patrimonial para sua
caracterização. Acolhendo a tendência doutrinária, a Corte de Cassação Italiana, na
sentença 500, de 22.07.1999, admitiu a reparabilidade do dano a um interesse
legítimo, entendendo que para acatar a pretensão de indenização deveriam ser
239

demonstradas a injustiça do dano e a lesão à uma posição constitucionalmente


garantida497.
Transpondo a questão para o Direito brasileiro, há julgadores que defendem a
existência do dano existencial não como dano material mas como um dano não-
material, decorrente de comportamento empresarial lesivo à dignidade das pessoas
trabalhadoras, que prejudica o projeto de vida pessoal da pessoa trabalhadora, o que
ocorre, notadamente, em relação à exigência de jornada excessiva, que impede que
a pessoa trabalhadora conviva com seus entes queridos ou realize atividades hábeis
à melhoria de suas condições de vida, como um curso, por exemplo. Transcreve-se,
a propósito, a ementa do acórdão do Processo RO 0002125-29.2010.5.04.0203, da
lavra do Relator José Felipe Ledur, julgado em Turma do TRT da 4. Região e
publicado em 20.03.2013:

DANO EXISTENCIAL. JORNADA EXTRA EXCEDENTE DO LIMITE LEGAL


DE TOLERÂNCIA. DIREITOS FUNDAMENTAIS. O dano existencial é uma
espécie de dano imaterial, mediante o qual, no caso das relações de trabalho,
o trabalhador sofre danos/limitações em relação à sua vida fora do ambiente
de trabalho em razão de condutas ilícitas praticadas pelo tomador do
trabalho. Havendo a prestação habitual de trabalho em jornadas extras
excedentes do limite legal relativo à quantidade de horas extras, resta
configurado dano à existência, dada a violação de direitos fundamentais do
trabalho que traduzem decisão jurídico-objetiva de valor de nossa
Constituição. Do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana
decorre o direito ao livre desenvolvimento da personalidade do trabalhador,
do qual constitui projeção o direito ao desenvolvimento profissional, situação
que exige condições dignas de trabalho e observância dos direitos
fundamentais também pelos empregadores (eficácia horizontal dos direitos
fundamentais). Recurso do reclamante provido498.

Em outro caso, também houve condenação à indenização por dano existencial,


transcrevendo-se a ementa do acórdão do Processo 0000123-28.2014.5.04.0662
(RO), da lavra da Redatora Tânia Regina Silva Reckziegel, julgado em Turma do TRT
da 4. Região e publicada em 11.09.2014:

DANO EXISTENCIAL. JORNADA EXAUSTIVA. O dano existencial


caracteriza-se pelo tolhimento da autodeterminação do indivíduo,
inviabilizando a convivência social e frustrando seu projeto de vida. A sujeição
habitual do trabalhador à jornada exaustiva implica interferência em sua

497 ALMEIDA NETO, Amaro Alves de. Dano existencial. A tutela da dignidade da pessoa humana. 2015,
p. 18/27. Disponível em: <www.mp.sp.gov.br/portal/page/.../DANO%20EXISTENCIAL.doc>. Acesso
em: 10 junho de 2015
498 Disponível em: <http://www.trt4.jus.br/portal/portal/trt4/consultas/jurisprudencia/acordaos>. Acesso

em: 10 junho de 2015.


240

esfera existencial e violação da dignidade e dos direitos fundamentais do


mesmo, ensejando a caracterização do dano existencial. (...) 499.

A tese de que a indenização por dano existencial nas situações de assédio


sexual nas relações de trabalho acarreta, portanto, a par da possibilidade do
ajuizamento de ação com pedido de indenização por danos morais e materiais, pedido
de indenização por dano existencial, demonstradas a injustiça do dano e a lesão à
uma posição constitucionalmente garantida, é de todo defensável, pois a situação de
assédio sexual nas relações de trabalho vulnera como já visto, conforme França de
Oliveira , cinco direitos fundamentais, previstos na CF de 1988. São eles: o direito ao
respeito à dignidade da pessoa humana; o direito à igualdade e a não ser discriminado
em razão do sexo; o direito à integridade física e moral; o direito à liberdade sexual; o
direito a um meio ambiente de trabalho íntegro e sadio.
A matéria relativa à possibilidade de indenização por danos existenciais nas
situações de assédio sexual nas relações de trabalho também constitui questão a ser
amadurecida pela doutrina e pela jurisprudência no âmbito trabalhista, devendo ser
utilizada nos casos mais graves.
A seguir, uma análise da questão do segredo de justiça em relação ao assédio
sexual nas relações de trabalho.
De modo geral, nos termos do artigo 818 da Consolidação das Leis do
Trabalho, os atos processuais devem ser públicos.
A publicidade da audiência é garantida no artigo 93, IX da Constituição Federal
Brasileira, que diz que todos os julgamentos do poder judiciários serão públicos, sob
pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença dos atos às próprias partes e a
seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à
intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.
Isso porque a publicidade da audiência representa forma de controle público da
atuação dos juízes, porque em princípio, qualquer pessoa pode assistir aos
julgamentos.

499 Idem.
241

Na Justiça do Trabalho, o segredo de justiça é aplicável, nos termos do atual


Código de Processo Civil500, no artigo 115, letra “a” e no Novo Código de Processo
Civil, com entrada em vigor em março de 2015, é previsto, no artigo 189, I e III, que
“os atos processuais são públicos, todavia tramitam em segredo de justiça os
processos: I - em que o exija o interesse público ou social;(...) III - em que constem
dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade. Considerados os contornos
da prática da conduta de assédio sexual, a ação trabalhista individual pode, a critério
das partes, transcorrer em segredo de justiça, pois a apreciação dos fatos envolve
aspectos relacionados à intimidade das pessoas envolvidas, notadamente no campo
da liberdade sexual.
Conforme Zangrando501, a existência de atos processuais realizados em
segredo de justiça, constituem exceção ao princípio da publicidade que deve nortear
os atos processuais.
De acordo com o artigo 781 da Consolidação das Leis do Trabalho, as certidões
dos processos que correm em segredo de justiça dependerão de despacho do juiz.
Para Oliveira502, de regra geral, as audiências serão públicas em face do
princípio da publicidade dos atos e da própria transparência, sinalando que Poder
Judiciário é, por sua natureza, o mais transparente dos poderes.
O interesse público a ensejar a decretação do segredo de justiça, permite ao
juiz uma dose de discricionariedade, pois o motivo do legislador ao prever o segredo
de justiça foi evitar a neutralização da ação da Justiça, pelo conhecimento prévio da
outra parte, em casos nos quais tal conhecimento poderia frustrar a prestação
jurisdicional.
Há que se cuidar se o interesse é realmente público ou somente da parte,
aduzindo ser rara a hipótese no processo do trabalho.
Muitas vezes as mulheres deixam de apresentar queixa ao empregador,
exatamente para evitar a divulgação de fatos que em princípio, podem afetar sua
imagem e prejudicar suas relações sociais e familiares, o que decorre, além do

500 Ressalta-se aqui que já foi promulgado o Novo Código de Processo Civil, pela Lei n. 13.105, de
16.03.2015, com entrada em vigor, de acordo com o artigo 1.045, após decorrido 1 (um) ano da data
de sua publicação oficial.
501 ZANGRANDO, Carlos. Op. cit, nota 440, p. 1063.
502 OLIVEIRA, Francisco Antonio de. Manual de audiências trabalhistas. 5. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2007, pp.39-41.


242

justificado temor quanto às repercussões na relação de emprego, da culpa incutida


nas mulheres em questões afetas à sexualidade e do julgamento moral que é feito
sobre o comportamento e a vestimenta das mulheres.
Para Gosdal503, a relação da matéria com a liberdade sexual, com o direito à
privacidade e à intimidade do trabalhador, torna recomendável que o processo corra
em segredo de justiça, nos termos do artigo 155 do Código de Processo Civil
Brasileiro.
Transcreve-se a propósito a ementa do acórdão do Processo ROMS
2216/2005-000-01-00.7, da lavra do Ministro Relator José Simpliciano Fontes de F.
Fernandes, cujo julgamento no TST ocorreu em 19.08.2008, versando sobre a
validade de prova juntada a processo que corria em segredo de justiça, questionando
a existência de situação de assédio sexual nas relações de trabalho:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO DE


DEFESA. PROVA OBTIDA ILICITAMENTE E ACAUTELADA NA
SECRETARIA DO JUÍZO. EXTINÇÃO. Discute-se nos autos a existência de
violação a direito líquido e certo de a parte não ser processada mediante
prova obtida por meio ilícito que poderá expor a sua intimidade.
Primeiramente, cabe esclarecer que os atos praticados na Reclamação
Trabalhista seguem, atualmente, em segredo de justiça. Desse modo, não se
há de cogitar de possíveis danos à intimidade do Impetrante acaso autorizada
a degravação do CD acautelado na Secretaria do Juízo. Também verifica-se
que a pretensão imprescinde de dilação probatória para verificar se de fato
trata-se de prova obtida por meio ilícito, o que não se faz possível pela via
eleita. De qualquer sorte, após o julgamento do Mandado de Segurança pelo
Tribunal Regional foi juntado aos autos decisão proferida pelo juiz a quo no
sentido de afastar a ilicitude da prova, ora questionada. Processo extinto, sem
resolução do mérito, nos termos do artigo 267, inciso IV, do Código de
Processo Civil. (...)

Se de um lado, o segredo de justiça é direito da parte, previsto no ordenamento


jurídico brasileiro e pode ser considerado como garantia do direito à intimidade das
partes, de outro lado, a existência de segredo de justiça na ação individual proposta
pela parte trabalhadora, fere o princípio da publicidade que deve reger os atos
processuais e impede a visibilização da situação, que representa não apenas um
problema individual, mas coletivo, de dimensão metaindividual, a ser desestabilizado
e transformado.

503 GOSDAL, Thereza Cristina.Op.cit, nota 328, p. 242.


243

Questiona-se, portanto, a existência de interesse público no segredo de justiça,


entendendo-se que o interesse público estaria melhor atendido, caso não houvesse
segredo de justiça nas ações individuais envolvendo situações de assédio.
O questionamento tem relação com o ponto de inflexão proposto, relacionado
com a mudança do paradigma individual para o paradigma coletivo, quanto ao
tratamento das questões relacionadas às situações de assédio sexual nas relações
de trabalho.
Se o segredo de justiça, de um lado, é um direito da parte, de ver preservada
sua intimidade, sabendo-se do preconceito e da carga que recai sobre a pessoa
assediada, que tem suas características pessoais e sua conduta medidas, de outro
lado, a visibilização da situação, através da divulgação da existência de situação de
assédio sexual nas relações de trabalho, leva à desestabilização e à possível
transformação da situação, modificando, quiçá, o paradigma existente entre o
pessoal/privado para o paradigma público/político, lembrando-se aqui a expressão
das feministas norte-americanas da década de 1960 de que “o pessoal é político”.
De qualquer forma, o material encontrado nos julgados acerca do assédio
sexual nas relações de trabalho, embora possa não refletir por completo a realidade
existente, já possibilita constatar a existência do problema e a busca de soluções para
sua maior visibilização, desestabilização e possível transformação.
Estas, em síntese, são algumas considerações sobre a prática da conduta de
assédio sexual nas relações de trabalho, analisadas diante das perspectivas das
ações individuais, envolvendo as indenizações por danos morais e materiais e o
segredo de justiça em relação às ações individuais.
A seguir, abordar-se-á a evolução jurisprudencial pertinente às ações
envolvendo o assédio sexual nas relações de trabalho, no TRT da 4ª. Região, em
Porto Alegre, e em âmbito nacional, no TST.

3.4 Da evolução jurisprudencial nas ações individuais movidas em face da


situação de assédio sexual nas relações de trabalho – as posições do TRT da
4ª. Região e do TST

Primeiramente, devem ser ressaltados alguns aspectos acerca das decisões


judiciais, iniciando pela consideração que a jurisdição pode ser vista como elemento
de inclusão social, o que se diz aqui pensando nas situações de assédio sexual nas
244

relações de trabalho, que constituem situações de desigualdade e discriminação e,


portanto, de marginalização, estando incluída entre as cinco faces da opressão, de
que fala Young504, a saber, exploração, violência, carência de poder, imperialismo
cultural e marginalização, que muitos entendem como exclusão.
Na lição de Moreira de Paula505, a jurisdição é uma atividade destinada à
formação e composição de uma sociedade livre, justa e solidária, com garantia de
desenvolvimento social nacional, com erradicação da pobreza e da marginalização,
com redução das desigualdades sociais e regionais e com promoção do bem de todos,
sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação, sendo este o tipo de sociedade almejada. A jurisdição seria algo mais
que um meio de inclusão social, estando incluída no comprometimento dos fins
estatais, sendo teologicamente, uma atividade material objetivando a promoção da
justiça social, com alteração substancial do ambiente em que está inserida.
Se não cumpre os fins determinados na Constituição Federal brasileira de
1988, a jurisdição se torna um “elemento estranho”506, uma parte que não colabora
com o “todo” e que não o constrói, padecendo de legitimidade no âmbito político e
atuando apenas na conservação dos direitos no plano do ordenamento jurídico,
estancando o desenvolvimento e a promoção social.
Aponta Lorenzetti507 acerca das decisões judiciais, na análise do juiz frente aos
paradigmas competitivos e às diferentes concepções de vida, que a decisão baseada
nas próprias convicções pode afetar a igualdade perante a lei e os princípios da
democracia.
Repete-se aqui, por pertinente, a afirmação de que o juiz imparcial, nos casos
em que há paradigmas concorrentes ou diferentes concepções de vida, deveria aplicar
os seguintes critérios: não substituição das decisões das maiorias por suas próprias
convicções; identificação dos consensos básicos da sociedade e não substituição por
suas próprias apreciações; harmonização dos paradigmas concorrentes com exame
do benefício-prejuízo de cada um deles; conscientização dos valores e princípios em
questão, considerando o pluralismo de valores e o objetivo a ser alcançado, que é

504 YOUNG, Iris Marion. Op.cit, nota 161, pp. 89-117.


505 MOREIRA DE PAULA, Jônatas Luiz. A Jurisdição como elemento de inclusão social. Revitalizando
as regras do jogo democrático. São Paulo: Manole Ltda, 2002, pp. 87-88.
506 Ibidem, p. 88.
507 LORENZETTI, Ricardo Luis. Op. cit, nota 224, pp. 184-185.
245

uma sociedade mais inclusiva, superando a dialética amigo-inimigo; não ter a


pretensão de construir um conceito normativo preciso; utilizar como argumentos as
razões de diálogo para a chegada de um consenso, levando em conta o grau de
amadurecimento demonstrado pela sociedade em relação à concepção de justiça.
Em todos os casos, as decisões poderiam ser injustas devendo, portanto, ser
admitido um limite baseado nos direitos fundamentais, sendo a tarefa do juiz a
identificação dos consensos majoritários e limitá-los quando transgridam direitos
fundamentais.
Na lição de Wolkmer508, a jurisprudência não se confunde em relação às
demais fontes formais do Direito, refletindo, pela própria significação e peculiaridade
de sua natureza, as dimensões valorativas e as exigências impostas enquanto
hegemonia normativa, pelas relações sociais e políticas, sendo duas as questões
básicas que advém da análise histórica e crítica da jurisprudência: a primeira consiste
na qualificação da lei como forma jurídica, reguladora e abstrata, refletindo
ostensivamente os interesses de uma dada organização política e social; a segunda
é a definição, em cada caso, de uma ordem jurídica comprometida com o sistema
social e político preponderante.
Estas são algumas posições colocadas para reflexão acerca da atividade
jurisdicional, lembrando que muitas vezes, decisões “transgressoras” do pensamento
hegemônico fazem avançar o direito e acabam por modificar tal pensamento,
acarretando a produção de norma mais adequada para a apreciação e o julgamento
das situações.
O direito posto muitas vezes está superado e/ou não mais corresponde à
realidade, devendo ser modificado, adequando-o a um novo pensamento.
Explica-se, para melhor compreensão, que na estrutura judiciária trabalhista
brasileira, há três instâncias para o julgamento dos processos, sem olvidar da
instância máxima na estrutura do Poder Judiciário brasileiro, Supremo Tribunal
Federal, que julga questões constitucionais, incluindo as afetas ao direito do trabalho.
Primeiramente a ação é ajuizada junto à Vara do Trabalho e apreciada por um
juiz do trabalho, podendo o processo ser resolvido mediante conciliação, resultando
em acordo entre as partes.

508WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, Estado e Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989,
pp. 150-151.
246

Caso não ocorra o acordo, o juiz do trabalho de primeiro grau instrui o feito e
julga, proferindo sentença.
Das sentenças, cabe recurso ordinário para o TRT e o recurso ordinário é
apreciado e julgado por turmas constituídas de três juízes, denominados
desembargadores, que proferem acórdão.
Do acórdão proferido pelas turmas, cabe, nas hipóteses legais, recurso de
revista para o TST.
Em hipóteses excepcionais, quando o processo envolver aspectos
constitucionais, cabe, ainda, recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal,
órgão máximo do poder judiciário brasileiro.
Não há estatísticas precisas acerca do número de processos envolvendo a
prática da conduta de assédio sexual nas relações laborais que são ajuizados junto
às varas trabalhistas, o que também é motivado pelo segredo de justiça solicitado
pelas partes em muitos processos. Inobstante, o aumento dos processos envolvendo
assédio sexual tem preocupado os magistrados, a ponto de o TRT da 4ª. Região
editar, em 26.05.2006, a sétima edição especial da revista eletrônica, versando
somente sobre os temas do assédio moral e sexual, em duas partes, trazendo textos
doutrinários, jurisprudência e petições iniciais de ações civis públicas ajuizadas pelo
MPT509.
Em relação aos processos cuja sentença é objeto de recurso ordinário para o
TRT da 4ª. Região, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul é possível aferir os seguintes
dados:
No ano de 2000, foram julgados seis processos envolvendo a prática da
conduta de assédio sexual: em 2001, foram três processos; em 2002, foram quinze
processos; em 2003 foram vinte e um processos; em 2004, foram onze processos; em
2005, foram trinta e dois processos; em 2006, foram vinte e dois processos; em 2007,
foram vinte e um processos; em 2008, foram vinte e dois processos; em 2009, foram
vinte e cinco processos; em 2010, foram trinta e oito processos e em 2011, foram
sessenta e quatro processos.

509 Disponível em: <WWW.TRT.JUS.BR>. Acesso em: 15 jul. 2015.


247

Como visto, o número de processos teve um aumento expressivo a partir da


edição da lei que criminalizou o assédio, pulando de três processos em 2001 para
quinze processos em 2002 e o número tende a aumentar ano após ano.
Tomando como base o universo de processos julgados pelo TRT da 4ª. Região,
de 2007 a 2010 foram obtidos os seguintes dados:
No ano de 2007, dos 21 recursos ordinários apresentados envolvendo a prática
da conduta de assédio sexual, em todos era postulada indenização por dano moral,
em um apenas foi solicitada indenização por danos materiais, dez processos foram
julgados improcedentes, sendo oito por falta de provas. Em todos os processos, a
pessoa assediada era uma mulher. Em três processos o valor arbitrado à indenização
foi baixado e em apenas um processo a indenização foi aumentada. Dos 21
processos, doze abordavam a expressão “dignidade humana”. No ano de 2008, dos
22 recursos ordinários apresentados, todos postulavam indenização por danos morais
e onze foram julgados improcedentes, sendo quatro por falta de provas. Em todos os
processos, a pessoa assediada era uma mulher, mas um caso envolvia duas
mulheres. Em quatro processos, o valor arbitrado à indenização foi reduzido e em um
processo foi aumentado. Dos 22 processos, 16 abordavam a expressão “dignidade
humana”. No ano de 2009, dos 25 recursos ordinários apresentados, 05 foram
julgados improcedentes por falta de provas, todos postulavam indenização por danos
morais e doze foram julgados improcedentes. Em 24 processos, a pessoa assediada
era uma mulher e em um processo era um homem. Em dois processos, o valor da
indenização foi reduzido e em dois foi aumentado. Dos 25 processos, 19 abordavam
a expressão “dignidade humana”. No ano de 2010, dos 38 recursos ordinários
apresentados, 17 foram julgados improcedentes. Em todos os feitos, a pessoa
assediada era uma mulher. Tiveram o valor da indenização reduzida 07 processos e
em dez processos o valor da indenização foi aumentado. Em um processo houve
solicitação de reintegração no emprego e em todos houve pedido de indenização por
danos morais. Em quinze processos, foi utilizada a expressão “dignidade humana”.
Da análise dos processos, realizadas no site do TRT da 4. Região, verifica-se
que de 2007 a 2010, foram julgados 106 processos envolvendo a prática da conduta
de assédio sexual, salientando, contudo que os processos que estão em segredo de
justiça não entraram no cálculo.
248

Dos 106 acórdãos prolatados, noventa acórdãos acolheram a tese de


subordinação, entendida como a existência de assédio sexual nas relações de
trabalho, praticado por superior hierárquico da pessoa assediada; em apenas um
processo, a tese de assédio sexual ambiental teve acolhida pelos julgadores. Foram
julgados improcedentes cinquenta e três processos. Um total de 105 processos
envolviam mulheres como assediadas e apenas um envolvia um homem como
assediado. Em um caso, a assediadora era uma mulher praticando conduta de
assédio sexual contra outra mulher. Em apenas um processo houve solicitação de
reintegração ao emprego e também em apenas um processo houve pedido de
indenização por danos materiais. Todos os processos solicitavam danos morais por
assédio sexual; em 16 acórdãos a indenização foi reduzida e em 14 acórdãos a
indenização foi majorada. Os valores de indenização mínimos e máximos foram de
três mil reais e cem mil reais. Em 67 acórdãos foi utilizada a expressão “dignidade
humana”.
No ano de 2011, a situação de assédio sexual foi abordada em 79 acórdãos
prolatados no TRT da 4ª. Região, destes, 65 acórdãos postulavam indenização por
dano moral e em 16 acórdãos foi utilizada a expressão “dignidade humana”. No ano
de 2012, a situação de assédio sexual foi abordada em 104 acórdãos; em 96 acórdãos
foi postulada indenização por dano moral e em 39 acórdãos foi utilizada a expressão
“dignidade humana”. No ano de 2013, a situação de assédio sexual foi abordada em
121 acórdãos; em 111 acórdãos foi postulada indenização por dano moral e em 32
acórdãos foi utilizada a expressão “dignidade humana”. No ano de 2014, a situação
de assédio sexual foi abordada em 167 acórdãos: em 158 acórdãos foi postulada
indenização por dano moral e em 49 acórdãos foi utilizada a expressão “dignidade
humana”. E no ano de 2015, até meados de junho, a situação de assédio sexual foi
abordada em 73 acórdãos, em 66 acórdãos foi postulada indenização por dano moral
e em 23 acórdãos foi utilizada a expressão “dignidade humana”.
Os dados acima, representativos do universo dos processos julgados no TRT
da 4ª. Região, apontam para a maior judicialização dos conflitos relacionados à prática
da conduta de assédio sexual.
Dos julgados analisados, verifica-se que a quase totalidade dos casos envolve
mulheres como assediadas e expressiva maioria acolhe a tese da necessidade da
existência de subordinação entre assediante e assediada, exigindo-se de modo geral
249

a comprovação pela assediada da efetiva existência do assédio sexual nas relações


de trabalho.
Entre os julgados analisados, há interessante acórdão acolhendo a tese da
inversão do ônus da prova, transcrevendo-se aqui a ementa do Processo. 0113300-
47.2009.5.04.0014 (RO), da lavra da Redatora Maria Madalena Telesca, publicado
em 27.10.2010:

RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMANTE. Reintegração no Emprego.


Para que se reconheça a doença ocupacional, que se equipara ao acidente
de trabalho deve haver prova do nexo de causalidade entre àquela e as
atividades do trabalhador. Recurso não provido. Indenização por Danos
Morais. Assédio sexual. O ônus da prova recai sobre quem o alega;
existindo provas a reparação é devida. Recurso da autora provido, no
particular.” (grifos nossos). Assim consta no corpo do acórdão: “(...) Data
venia, a sentença deve ser reformada. Isso porque entende-se que o ônus da
prova em situações como esta, deve ser revertido ao empregador para que
se prestigie o princípio da não discriminação no trabalho. Também, pelo
princípio da proteção, deve-se considerar do reclamado, a carga probatória
da não ocorrência do assédio sexual nas dependências de seu
estabelecimento. (...)

Esta interessante decisão pela inversão do ônus da prova, constitui um avanço


no tratamento da matéria, o que se diz diante dos diversos julgados de improcedência
das ações por ausência prova robusta a cargo da pessoa assediada, acerca dos fatos
ocorridos. Como exemplo de julgado em que foi deferida indenização por danos
morais, diante da prova robusta apresentada, transcreve-se aqui a ementa do acórdão
do Processo 0009200-90.2009.5.04.0030 (RO), da lavra do Redator João Alfredo
Antunes de Miranda, julgado no TRT da 4. Região e publicada em 08.09.2011:

INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. CONSEQUÊNCIAS PATOLÓGICAS


DOS ASSÉDIOS SEXUAL E MORAL SOFRIDOS PELA EMPREGADA.
Prova dos autos que comporta a robustez necessária para embasar um juízo
condenatório. Houve na atitude da reclamada, comportamento que ofendeu
bem jurídico não patrimonial de que a reclamante era detentora. Ocorreu
também antijuridicidade no comportamento da reclamada e nexo causal entre
ele e o dano causado à empregada em função de lesão a direito não
patrimonial. Devida a indenização por dano moral pleiteada. Recurso
ordinário interposto pela reclamada a que se nega provimento no item.

No acórdão acima referido, foi negado provimento ao recurso ordinário da


reclamada e mantida a indenização fixada em sentença, na quantia de vinte e cinco
mil reais.
250

Em outras decisões, de outra parte, há julgamento de improcedência da ação,


por ausência de prova, transcrevendo-se aqui a ementa do acórdão do Processo
0001335-09.2011.5.04.0333 (RO), da lavra do Redator Clóvis Fernando Schuch
Santos, julgado no TRT da 4. Região e publicada em 31.05.2002:

ASSÉDIO SEXUAL. PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL.


ÔNUS DA PROVA. A prova da ocorrência de assédio sexual incumbe ao
assediado, nos termos do art. 818 da CLT combinado com o art. 333, inciso I
do CPC. A inexistência de prova leva à improcedência do pedido de
indenização por dano moral. (...)

No caso, foi negado provimento ao recurso ordinário da reclamante por falta de


provas.
Ainda quanto à comprovação do assédio nas relações de trabalho, é
interessante a transcrição da ementa do acórdão do Processo 0130700-
29.2009.5.04.0611 (RO), da lavra do Redator Fabiano de Castilhos Bertolucci, julgado
em Turma do TRT da 4. Região e publicado em 03.03.2011, admitindo o uso de cópia
de conversas no MSN, como prova, ao julgar um processo envolvendo pedido de
indenização por danos morais provenientes da prática da conduta de assédio moral:

RECURSO ORDINÁRIO. ASSÉDIO SEXUAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS


MORAIS. O assédio sexual é conduta tipificada no artigo 216-A do Código
Penal, como crime contra a liberdade sexual. Do ponto de vista do Direito do
Trabalho, no entanto, o assédio sexual deve ser entendido sob ótica mais
ampla, considerando-se a reiteração de condutas repelidas pelo empregado
que violem a sua liberdade sexual, não se restringindo às hipóteses de
intimidação por superior hierárquico. Assim, muito embora o assédio no
âmbito das relações de trabalho usualmente decorra da relação de poder
entre as partes, ao contrário do que afirma a recorrente como principal tese
de suas razões recursais, este não constitui elemento essencial na sua
configuração. De qualquer sorte, no caso, tanto o assédio como a condição
de superior hierárquico do assediador em relação à reclamante restaram
devidamente comprovados nos autos, razão pela qual resta devida a
indenização por danos morais decorrentes de assédio sexual. (...)

Para melhor avaliação do teor do acórdão é transcrito aqui um trecho,


notadamente quanto à comprovação do assédio sexual mediante a utilização de MSN:

Já no que diz respeito ao assédio sexual relatado na inicial e registrado em


conversas pela internet, meio utilizado pela empresa para comunicação entre
os empregados, as declarações da testemunha Felipe, gerente do setor de
peças da filial de Tupanciretã, são bastante elucidativas, corroborando a tese
da reclamante (fl. 104) (...) “Luis era o funcionário responsável pela parte das
vendas, acompanhando os vendedores mais novos; não sabe quantas
entrevistas Luis fez com Genesca, mas sabe que viu uma entrevista prévia à
251

contratação, da qual o depoente também participou, porque Luis pediu-lhe


para também entrevistá-la para que o depoente pudesse dar sua opinião;
neste dia, o depoente deu sua opinião e depois ‘ficou tudo com ele’, ou seja,
a reclamante deveria entregar a documentação ao Luis para que este
encaminhasse a Panambi; a reclamante não foi para Panambi e somente foi
entrevistada por Luis; (...) sobre o assédio sexual descrito nos autos, relata
que em uma determinada tarde, Genesca procurou o depoente chorando,
dizendo-lhe que precisava dar uma saída; quando voltou, pediu para
conversar com o depoente, mas que este chamasse Luis; Luis foi chamado e
então a reclamante entregou ao depoente relações de conversas pelo MSN
havidas entre ela e Luis, sendo que a reclamante continuava chorando e
nervosa; em seguida, Luis disse que queria falar a sós com a reclamante,
mas esta não permitiu, ou seja, queria que o depoente permanecesse
escutando a conversa; Luis inicialmente deu risada, porque disse que se
tratava de uma brincadeira, mas depois acabou pedindo desculpas à
reclamante; a conversa que a reclamante entregou ao depoente é igual à
juntada à fl. 16; (...) Luis foi dispensado em razão do episódio narrado nos
autos sobre o assédio sexual;” (grifo) Como se vê, os elementos de prova dos
autos apontam para a ocorrência do episódio de assédio sexual no contexto
do contrato de trabalho, em afronta à liberdade sexual da empregada e
demais direitos de sua personalidade. Impende frisar que o fato de não haver
nos autos relato de testemunhas que tenham presenciado as condutas
inadequadas do empregado Luis em relação à reclamante não afasta a
verossimilhança dos depoimentos prestados, mormente quando consabido
que os casos de assédio sexual ocorrem na maior parte das vezes de forma
encoberta. (...)

Acerca da questão controvertida referente aos parâmetros para arbitramento


das indenizações por danos morais, cabe transcrever a ementa do acórdão do
Processo 0010443-88.2010.5.04.0271 (RO), da lavra da Redatora Ângela Rosi
Almeida Chapper, julgado em Turma do TRT da 4. Região, publicado em 03.07.2012:

RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMANTE. INDENIZAÇÃO POR DANOS


MORAIS. MAJORAÇÃO. ASSÉDIO SEXUAL E ASSÉDIO MORAL
INCONTROVERSOS. Hipótese em que os valores fixados em sentença se
mostram insuficientes à reparação por assédio moral e assédio sexual
reconhecidos na origem. Observados os critérios para fixação do quantum
indenizatório como, compensação do dano, punição do ato ilícito praticado,
prevenção da ocorrência de situação similar no futuro, extensão do dano
causado e capacidade financeira da reclamada, deve-se majorar a
indenização fixada na origem. Recurso provido. (...)

No caso do processo citado acima, o valor foi majorado para dez mil reais.
Transcreve-se também, acerca dos parâmetros para arbitramento das indenizações
por danos morais, a ementa do acórdão do Processo 0000498-66.2010.5.04.0404
(RO), da lavra do Redator Ricardo Hoffmeister de Almeida Martins Costa, julgado no
TRT da 4. Região e publicada em 15.03.2012:

INDENIZAÇÃO POR DANOS EXTRAPATRIMONIAIS. FORMA DE


ARBITRAMENTO. A forma ideal para arbitramento das indenizações por
252

danos extrapatrimoniais decorrentes das relações de trabalho é o


estabelecimento de grupos de casos típicos, de acordo com o interesse
concretamente lesado e consoante a identidade ou similitude das
circunstâncias de fato que envolvem o ato danoso, a fim de evitar a excessiva
oscilação do valor das indenizações. Caso de redução do valor da
indenização por danos morais, partindo da média adotada pela jurisprudência
em casos análogos e adequando-a às circunstâncias específicas do caso
concreto. (...)

Neste caso específico, a quantia arbitrada para indenização por danos morais
foi reduzida para o valor de cinco mil reais. A quantia de cinco mil reais foi deferida
em outro processo, no qual foi provido o recurso ordinário da reclamante,
transcrevendo-se aqui a ementa do acórdão do Processo 0001609-90.2010.5.04.0661
(RO), da lavra do Redator Alexandre Corrêa da Cruz, julgado no TRT da 4. Região e
publicada em 27.09.2012:

RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMANTE. INDENIZAÇÃO POR


DANOS MORAIS. ASSÉDIO SEXUAL. Situação delineada nos autos
que demonstra conduta negligente da empresa ré, atentando contra a
integridade física e psíquica da reclamante, hábil ao reconhecimento
de que houve ato ilícito passível de reparação por danos morais. Apelo
provido.

Em outro processo, o valor da indenização foi aumentado para vinte mil reais,
conforme a ementa do acórdão do Processo 0000153-88.2012.5.04.0741 (RO), da
lavra da Redatora Lucia Ehrebrink, julgado no TRT da 4. Região e publicada em
23.08.2012:

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. O conceito de dano moral diz


respeito ao dano decorrente de ofensa à honra, ao decoro, à paz interior de
cada um, às crenças íntimas, aos sentimentos afetivos de qualquer espécie,
à liberdade, à vida e à integridade física. E o reconhecimento da
responsabilização depende da produção prova pelo postulante. Demonstrada
pela autora a ocorrência de danos morais que lhe ocasionaram um sofrimento
psíquico, decorrente da prática de condutas libidinosas a que foi exposta,
cabível a indenização por danos morais. Provido o recurso. (...)

Em uma linha ampliativa do conceito de assédio sexual nas relações de


trabalho e referindo ainda à responsabilidade da empresa, quanto à repressão de tais
situações, transcreve-se a ementa do acórdão do Processo 0128200-
48.2008.5.04.0021 (RO), da lavra do Redator Claudio Cassou Barbosa, julgado no
TRT da 4. Região e publicada em 04.07.2012:

ASSÉDIO MORAL E SEXUAL. Para fins de caracterização da


responsabilidade patronal por assédio moral e sexual, desnecessário que o
253

assediador seja superior hierárquico da trabalhadora, pois incumbe à


empresa a reunião de esforços a fim de preservar um meio ambiente laboral
sadio. Constatada a ocorrência de assédio, ainda que tênue, e sendo do
conhecimento dos colegas de trabalho, devia a empregadora tomar atitudes
para inibir tal procedimento, sendo devida, portanto, a indenização postulada.
(...)

Assim consta no corpo do acórdão:

é consenso que uma das dificuldades no arbitramento da indenização por


danos morais reside nos parâmetros utilizados para reparar a ofensa e punir
o agressor. Não havendo tarifamento no ordenamento jurídico para a
reparação pelos prejuízos causados ao ser humano em sua esfera subjetiva,
o conjunto de sugestões trazidas pelos estudiosos do tema permite que se
estabeleçam alguns critérios. Na fixação do quantum pode o Julgador
considerar, entre outros, aspectos relacionados à intensidade da culpa, à
relevância do bem jurídico protegido, ao grau de sofrimento de um homem
médio em relação ao dano, aos reflexos do prejuízo na vida pessoal e social
do lesado, bem como à situação econômica e social das partes envolvidas.
O importante é a busca de uma forma equitativa para o cumprimento dessa
tarefa. O Juiz tem o livre arbítrio de analisar as circunstâncias do caso de
acordo com sua sensibilidade, bom senso e as máximas de experiência,
expondo, enfim, o que entende como justo e razoável para compensar o
prejuízo sofrido e reprimir a prática do ilícito. Assim, tendo em vista o aspecto
educativo da indenização postulada, bem como a reparação, ainda que de
forma heterogênea, do dano causado, arbitra-se em R$ 5.000,00 a
indenização por danos morais. (...)

No caso em exame, a reclamante foi assediada por colega, admitindo-se aqui,


portanto, o assédio sexual nas relações de trabalho na modalidade ambiental. É de
ver-se, contudo, se o valor arbitrado para a indenização por danos morais, no valor de
cinco mil reais, atende os pretendidos aspectos educativos e reparatórios aludidos,
considerando que a reclamada é o Banco Itaú SA, instituição bancária de grande porte
e notória capacidade econômica.
Em caso diferente, no qual o empregado assediador foi despedido, foi mantida
a despedida por justa causa, transcrevendo-se aqui a ementa do acórdão do Processo
0009500-94.2009.5.04.0016 (RO), da lavra da Redatora Flavia Lorena Pacheco,
julgado no TRT da 4. Região e publicada em 28.09.2011:

DESPEDIDA POR JUSTA CAUSA. DA ACUSAÇÃO DE ASSÉDIO SEXUAL.


Comprovado o mau procedimento e a incontinência de conduta, de vez que
o reclamante foi autor de assédio sexual praticado ao menos contra três
colegas de trabalho, legítima se apresenta a despedida por justa causa, nos
termos do art. 482, "b" da CLT. Recurso que se nega provimento, no aspecto.

Em outro caso interessante, é evidenciado um entendimento mais amplo do


que seja o assédio sexual. Na conclusão do julgado foi negado provimento ao recurso
254

ordinário da reclamada e mantida a condenação em indenização por danos morais


em decorrência do assédio sexual no valor de quinze mil reais, transcrevendo-se aqui
a ementa do Processo 0130700-29.2009.5.04.0611 (RO), da lavra do Redator
Fabiano de Castilhos Bertolucci, julgado no TRT da 4. Região e publicada em
03.03.2011:

RECURSO ORDINÁRIO. ASSÉDIO SEXUAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS


MORAIS. O assédio sexual é conduta tipificada no artigo 216-A do Código
Penal, como crime contra a liberdade sexual. Do ponto de vista do Direito do
Trabalho, no entanto, o assédio sexual deve ser entendido sob ótica mais
ampla, considerando-se a reiteração de condutas repelidas pelo empregado
que violem a sua liberdade sexual, não se restringindo às hipóteses de
intimidação por superior hierárquico. Assim, muito embora o assédio no
âmbito das relações de trabalho usualmente decorra da relação de poder
entre as partes, ao contrário do que afirma a recorrente como principal tese
de suas razões recursais, este não constitui elemento essencial na sua
configuração. De qualquer sorte, no caso, tanto o assédio como a condição
de superior hierárquico do assediador em relação à reclamante restaram
devidamente comprovados nos autos, razão pela qual resta devida a
indenização por danos morais. (...)

Estes são alguns exemplos dos julgados no TRT da 4ª. Região, havendo, como
visto, uma diversidade de posições e ao mesmo tempo um arbitramento considerado
na média, como baixo, para as indenizações por danos morais em razão do assédio
sexual nas relações de trabalho.
Costuma-se dizer, no contexto capitalista ora vivido, que a Justiça do Trabalho
serve como “algodão entre cristais”, dirimindo conflitos que de outro modo teriam,
talvez solução mais violenta. O crescimento das demandas individuais aponta para a
maior visibilização do problema. De outro lado, o número de ações individuais
trabalhistas e que tende a aumentar indica a existência de um paradigma individual
de solução de um problema que, em realidade, é coletivo, ditado pela opressão das
mulheres no contexto das relações de trabalho e que deve ter tratamento coletivo.
O Tribunal Superior do Trabalho - TST, instância máxima trabalhista no Brasil,
apreciou pela primeira vez um recurso de revista em um caso de indenização por
danos morais, reconhecendo a existência de assédio sexual, na data de 24 de março
de 2010.
Explica-se que em geral, recursos de revista sobre o tema não são conhecidos
pelo TST, por força da disposição do artigo 896 da Consolidação das Leis do Trabalho,
que limita as hipóteses de conhecimento dos recursos. De modo geral, as discussões
255

sobre os casos de assédio sexual ficam limitadas às ocorridas nos Tribunais Regionais
do Trabalho.
O conhecimento do recurso de revista pelo TST no caso em questão e,
principalmente, o seu teor, representa um avanço na visibilização do tema.
A decisão foi amplamente divulgada, remarcando seu ineditismo. No caso, a
8ª turma do TST deu provimento ao agravo de instrumento em recurso de revista,
reformando acórdão do TRT da 12. Região e condenando a empresa prestadora de
serviços de guarda e vigilância ONDREPSB e o Banco do Brasil S A, de forma
subsidiária, como tomador dos serviços, ao pagamento de indenização por danos
morais diante do assédio sexual caracterizado realizado por um gerente do Banco,
em face de uma empregada da prestadora, que laborava nas instalações do Banco.
Transcreve-se aqui a ementa do acórdão do Processo 1900-
69.2005.5.12.0006, da lavra da Relatora Ministra Dora Maria da Costa, julgado no TRT
da 4. Região publicado em 30.03.2010510:

RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ASSÉDIO


SEXUAL CONFIGURADO. TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS. No caso em
tela, o quadro fático delineado pelo Tribunal Regional é suficiente para
denunciar a presença dos elementos essenciais à configuração do assédio
sexual no trabalho. Com efeito, a presença da assediada e do assediador é
indiscutível; o comportamento incômodo e repelido, bem como a reiteração
da prática do assédio, traduzem-se não nas "cantadas", mas no fato de o
gerente ter abordado a reclamante "pelo menos dez vezes (...) algumas vezes
pessoalmente e outras através do interfone"; e a relação de ascendência
profissional também é inconteste, tendo em vista o cargo de gerente
ostentado pelo assediador, e a prestação de serviços de vigilância bancária,
pela reclamante, por meio de contrato de terceirização. Sem contar a
divulgação de suposto relacionamento amoroso entre a demandante e outro
funcionário do banco, igualmente cometida pelo mesmo gerente e confirmada
via testemunha. Nesse contexto, não há dúvida de que a reclamante se viu
invadida na intimidade, na vida privada, na imagem, na honra e, em última
análise, na dignidade da sua pessoa como trabalhadora. Contrariamente,
portanto, a princípios e direitos fundamentais gravados nos artigos 1º, III e IV,
e 5º, X, da Constituição da República. Recurso de revista conhecido e
provido, no particular, para restabelecer a sentença de origem que condenara
os reclamados, de forma subsidiária, ao pagamento de indenização por
danos morais decorrentes da configuração de assédio sexual no trabalho. (...)

Consta no corpo do acórdão, análise pioneira pelo TST acerca do assédio


sexual nas relações de trabalho, transcrevendo-se aqui os seguintes trechos,

510 Disponível em: <WWW.TST.JUS.BR>. Acesso em: 15 jul. 2015.


256

ressaltando que a trabalhadora assediada laborava de forma terceirizada para o


Banco do Brasil, que foi condenado por ser empregador direto do gerente assediador:

O assédio sexual encerra temática que gera desdobramentos e


consequências nos planos criminal, civil, trabalhista e administrativo. Sem,
portanto, perder de vista a complexidade do assunto, cumpre transpor a sua
macroimportância para a especificidade do caso ora sob exame, a fim de
juridicamente demonstrar a efetiva ocorrência de assédio sexual e de danos
morais decorrentes, bem assim o direito da reclamante à indenização
reparatória postulada. A "insistência impertinente em relação a alguém",
acepção atribuída ao verbete "assédio" no Dicionário Eletrônico Houaiss, foi
agregada à intenção com fins sexuais e tipificada como crime no Brasil
mediante a edição da Lei nº 10.224, de 15 de maio de 2001, que acresceu ao
Código Penal (D.L. nº 2.848/1940) o artigo 216-A, redigido nos seguintes
termos: "Assédio sexual - Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de
obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua
condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de
emprego, cargo ou função. Pena - detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos." O
texto, apesar de inserido no Capítulo I, "Dos Crimes Contra a Liberdade
Sexual", refere-se somente à superioridade hierárquica ou ascendência em
razão do exercício de emprego, cargo ou função, o que torna o assédio
sexual, no Brasil, típico das relações de trabalho. É certo que a maioria das
nações inclui tal conduta na legislação de natureza civil ou trabalhista. Tanto
assim que a Organização Internacional do Trabalho - OIT, sensível à
problemática, enumera algumas das consequências do assédio nas relações
de trabalho ("Documento sobre a Violência contra a Mulher") e assim
conceitua este tipo de desvio de comportamento: Assédio sexual -
insinuações, contatos físicos forçados, convites ou pedidos impertinentes, por
exemplo - devem apresentar pelo menos uma das seguintes características:
1) ser claramente uma condição para dar ou manter o emprego: 2) influir nas
promoções ou na carreira do assediado; 3) prejudicar o rendimento
profissional, humilhar, insultar ou intimidar a vítima. “Segundo a OIT, portanto,
o assédio sexual necessariamente envolve insinuações, contatos físicos
forçados, que devem se caracterizar como condição para conceder ou manter
emprego, influir na vida profissional do assediado e prejudicá-lo nas esferas
da sua individualidade e perante o meio social em que vive. (...)

A partir desse ligeiro panorama jurídico-legislativo, somado à reiteração das


ocorrências de assédio sexual, a doutrina e a jurisprudência trabalhista
consagraram elementos essenciais à configuração do assédio sexual no
trabalho; mesmo porque necessários para diferenciá-lo do assédio moral
propriamente dito ("mobbing", p. ex.) e de condutas naturais ao cotidiano do
bom e saudável ambiente de trabalho, ética e moralmente aceitas. Tais
elementos são os seguintes: presença da vítima (assediada) e do agente
(assediador); comportamento incômodo e repelido; reiteração da prática de
assédio; e relação de emprego ou de hierarquia, ou mesmo de ascendência
("poder de influência") profissional, quando ausente o vínculo hierárquico
direto. No caso em tela, o quadro fático delineado pelo Tribunal Regional é
suficiente para denunciar a presença dessas condicionantes, sem receio de
quebra do princípio da intangibilidade da prova em grau recursal
extraordinário.

No caso em exame, na sentença, os réus foram condenados a pagar à


trabalhadora a quantia de cinquenta mil reais a título de indenização por danos morais.
257

O TRT da 12. Região deu parcial provimento aos recursos ordinários de ambos os
reclamados, com o fim de excluir da condenação o pagamento de indenização por
dano moral. Em julgamento do TST, em 2010, houve o provimento do recurso de
revista no Processo TST-RR - 1900-69.2005.5.12.0006, apresentado pela
trabalhadora, para restabelecer a sentença quanto à condenação dos reclamados, de
forma subsidiária, ao pagamento de indenização por danos morais decorrentes da
configuração de assédio sexual no trabalho, reduzindo o valor inicialmente deferido
de cinquenta mil reais para trinta mil reais, entendido como suficiente para o
atendimento do caráter compensatório, pedagógico e preventivo.
Como visto, o julgado do Processo TST-RR - 1900-69.2005.5.12.0006, ainda
que reconhecendo a existência de assédio sexual nas relações de trabalho - em
caráter duplamente inédito, pois além de ser a primeira vez que o TST apreciou o
mérito de ação envolvendo assédio sexual, aqui o assediador era gerente da agência
bancária e a assediada, uma trabalhadora terceirizada -, reduziu a indenização
arbitrada, que possui, a nosso sentir, um caráter simbólico, diante da condição
financeira das reclamadas, notadamente o Banco do Brasil S/A, de sólido patrimônio
e notável poderio econômico.
A decisão representa, como já dito, um avanço nas discussões sobre o tema e
se não repara de modo suficiente a lesão sofrida pela trabalhadora, serve para
visibilizar o tema, tendo efeito pedagógico, notadamente quanto alude à lesão à
dignidade humana, lembrando que a luta pela dignidade humana é a razão e a
consequência da luta pela democracia e pela Justiça511 e que na luta pela dignidade
está a chave do futuro.
No contexto das lutas sociais pela dignidade e da perspectiva dos direitos como
processos institucionais e sociais que possibilitem a abertura e a consolidação de
espaços de luta pela dignidade humana512, a decisão do TST deve ser saudada.
Mas fica aqui o questionamento se indenizações maiores não teriam efeitos
mais abrangentes tanto em termos pedagógicos/preventivos quanto em termos
coercitivos repressivos.
Ressalta-se que em vários outros julgamentos, ao analisar a questão da
indenização por danos morais em casos envolvendo situações de assédio sexual, o

511 HERRERA FLORES, Joaquín. Op.cit nota 3, p 14.


512 Ibidem, p. 13.
258

TST não se manifesta sobre a questão da quantificação da indenização, por envolver


matéria de caráter fático, o que é vedado na instância recursal do TST, de acordo com
a Súmula 129 daquele tribunal, permanecendo a mensuração do valor arbitrado pelos
tribunais regionais.
No Processo TST –RR –110400-32.2007.5.04.0024, por exemplo, a sentença
deferiu cem mil reais a título de indenização por dano moral diante de assédio sexual.
O TRT reduziu o valor da indenização para quinze mil reais. No TST foi mantido
o valor, conforme o julgado em 22.08.2012, tendo como Relator o Ministro Fernando
Eizo Ono, do qual se transcreve a ementa, de forma parcial:

(...) ASSÉDIO SEXUAL. DANO MORAL. INDENIZAÇÃO NO VALOR DE R$


15.000,00. O Tribunal Regional examinou a prova e concluiu que todos os
elementos do dever de indenizar foram demonstrados no caso dos autos:
sofrimento e abalo psicológicos sofridos presumidamente pela Reclamante
em razão de assédio sexual (dano moral), culpa do sócio da empresa
Reclamada que assediou a empregada (culpa patronal) e relação de
causalidade entre o dano e a relação laboral (nexo causal). No recurso de
revista, a Reclamada alega que a Reclamante jamais foi assediada
sexualmente no ambiente de trabalho e indica ofensa ao art. 818 da CLT.
Caracteriza-se a alegada afronta se o juiz decidir mediante atribuição
equivocada do ônus probatório, o que não ocorreu no caso dos autos. O
julgador regional não adotou tese explícita a respeito da matéria e, na
realidade, o que a Reclamada pretende discutir é a valoração da prova e não
a quem cabia o encargo de produzi-la. No entanto, isso é matéria de fato, cuja
discussão foi encerrada com o julgamento do recurso ordinário, sendo
vedado o reexame de fatos e provas em grau de recurso de revista, nos
termos da Súmula nº 126 desta Corte. Recurso de revista de que não se
conhece. (...)

Já no Processo TST - RR- 1087-03.2011.5.04.0411, a sentença deferiu vinte


mil reais a título de indenização por dano moral diante de assédio sexual. O TRT
reduziu o valor da indenização para dez mil reais. No TST, foi mantido o valor,
conforme o julgado em 02.10.2013, tendo como Relator o Ministro Alexandre Agra
Belmonte, do qual se transcreve a ementa, de forma parcial:

(...) RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL.


ASSÉDIO SEXUAL. Recurso calcado em ofensa aos arts. 818 da CLT e 331,
I, do CPC e em divergência jurisprudencial. O Tribunal de origem, ao deferir
a indenização por danos morais, consignou que, embora a prova oral não
tenha demonstrado de forma cabal os fatos alegados na petição inicial, restou
suficientemente demonstrado que o sócio da empresa recorrente foi
inconveniente e desrespeitoso com a autora. Assim, não resta demonstrada
a violação dos artigos 818 da CLT e 333, I, do CPC, pois o Tribunal Regional
decidiu a lide com amparo nas provas efetivamente produzidas. De fato,
examinando o depoimento das testemunhas, concluiu que "a conduta do
sócio da reclamada para com suas funcionárias não era adequada a um
259

ambiente de trabalho, sendo possível reconhecer que ele foi inconveniente e


desrespeitoso com a reclamante" (sem grifo no original, fls. 198). Recurso de
revista não conhecido. VALOR DA INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL.
ACÓRDÃO DO TRT DA 4ª REGIÃO QUE REDUZ O QUANTUM
ARBITRADO NA SENTENÇA DE R$ 20.000,00 PARA R$ 10.000,00 COM
BASE NO CAPITAL SOCIAL DA EMPRESA RÉ. ALEGAÇÃO DESSA
ÚLTIMA NO RECURSO DE REVISTA DE QUE AINDA SUBSISTE
VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 944, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL
DE 2002 E 5º, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.
IMPROCEDÊNCIA. Recurso de revista calcado em violação dos arts. 5º, V,
da Constituição da República e 944, parágrafo único, do Código Civil e em
divergência jurisprudencial. A decisão que fixa o valor da indenização é
pautada em critérios subjetivos, já que não há, no ordenamento brasileiro, lei
que defina de forma objetiva o valor que deve ser fixado a título de dano
moral. No caso, é incontroverso que há caracterização, em tese, do tipo
previsto no artigo 216-A do Código Penal, bem como que a Autora, vítima da
conduta praticada por superior hierárquico, foi imediatamente afastada do
trabalho, denunciada na polícia por calúnia e depois dispensada sem justa
causa, razão porque o valor fixado pelo v. acórdão do e. TRT da 4ª Região
(de R$ 10.000,00), longe de afrontar, caracteriza correta aplicação dos artigos
5º, V, da Constituição Federal de 1988 e 944, parágrafo único, do Código Civil
de 2002 - salvo para efeito para majoração do valor da indenização, do que
aqui não se cogita por força do princípio da non reformatio in pejus, tendo em
vista tratar-se de recurso apenas da Empresa. Recurso de revista não
conhecido. (...)

Ressalta-se aqui que não houve, no julgado acima, recurso de revista da parte
reclamante, o que impediu a eventual majoração do valor da indenização, mantida em
dez mil reais.
Analisando-se o Processo TST-RR –1274-83.2012.5.09.0654, verifica-se que
a sentença deferiu cinco mil reais a título de indenização por dano moral diante de
assédio sexual.
O TRT manteve o valor da indenização arbitrada pelo primeiro grau. No TST,
foi mantido o valor, conforme o julgado em 04.02.2015, tendo como Relator o Ministro
José Roberto Freire Pimenta, do qual se transcreve a ementa, de forma parcial:

(...) DANO MORAL. ÔNUS DA PROVA. Trata-se de pedido de indenização


por dano moral, decorrente de assédio sexual sofrido pela reclamante. No
caso, o Regional concluiu que "os depoimentos das duas testemunhas da
autora mencionados em sentença descrevem detalhadamente o assédio de
natureza sexual do qual foi vítima a autora em seu ambiente de trabalho" e
que "nenhuma das testemunhas da ré laborou cotidianamente com a autora,
o que desqualifica seu valor probatório com relação às testemunhas da
autora". Ressalta-se que somente é importante perquirir a quem cabe o ônus
da prova quando não há prova de fato controvertido nos autos, arguido por
qualquer das partes. Assim, uma vez que ficou efetivamente provado que a
reclamante sofreu assédio sexual, conforme asseverou o Tribunal Regional,
é irrelevante o questionamento sobre a quem caberia fazer a prova. Portanto,
nessa hipótese, não há reconhecer ofensa aos artigos 818 da CLT e 333, I,
do CPC. Recurso de revista não conhecido. QUANTUM INDENIZATÓRIO.
DANO MORAL. ASSÉDIO SEXUAL. VALOR ARBITRADO EM R$ 5.000,00.
260

No caso dos autos, o Tribunal Regional manteve o valor da condenação por


danos morais em R$ 5.000,00, ressaltando que, "no presente caso,
vislumbra-se do cotejo da fundamentação da sentença com os elementos de
prova que todas as circunstâncias acerca do assédio sexual foram analisadas
pelo juízo a quo, que entendeu por bem fixar a indenização em R$ 5.000,00.
Dito isso, há de ressaltar que o valor indenizatório fixado na sentença -
considerando o contexto do assédio e o longo tempo em que a autora esteve
submetida a tal situação (todo o vínculo contratual, de 10/09/2010 a
18/04/2011) - não se encontra acima do patamar proporcional ao agravo". A
jurisprudência desta Corte é no sentido de que não se admite a majoração ou
diminuição do valor da indenização por danos morais, nesta instância
extraordinária, em virtude da necessidade de revolvimento fático-probatório
para tanto. Entretanto, tem-se admitido essa possibilidade apenas nos casos
em que a indenização for fixada em valores excessivamente módicos ou
estratosféricos, situações não verificadas na hipótese dos autos. Recurso de
revista não conhecido. (...)

Ressalta-se que neste julgado, a exemplo do anterior, o recurso de revista foi


interposto apenas pela parte reclamada.
A mesma situação ocorreu no Processo TST-RR–-2200-66.2009.5.09.0655,
em que a sentença deferiu quinze mil reais a título de indenização por dano moral
diante de assédio sexual. O TRT manteve o valor da indenização arbitrada pelo
primeiro grau. No TST, foi mantido o valor, conforme o julgado em 18.03.2015, tendo
como Relatora a Ministra Delaíde Miranda Arantes, do qual se transcreve a ementa,
de forma parcial:

(...) 2 - ASSÉDIO SEXUAL. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. De acordo


com o quadro fático delineado no acórdão regional, a prova testemunhal
produzida pela autora não deixa dúvidas de que ela foi vítima do alegado
assédio sexual perpetrado por seu superior hierárquico, o qual extrapolou
todos os limites de convivência no ambiente de trabalho, consistente em
conduta abusiva e descabida na tentativa de contato íntimo com a autora, de
evidente conotação sexual, expondo-a a situação humilhante e
constrangedora. Trata-se de prova difícil, pois o assédio sexual, em regra, é
praticado longe da vista de terceiros, de forma a dificultar a produção de prova
direta, seja ela documental ou testemunhal dos fatos, motivo pelo qual, em
tais situações, o julgador se vale, na maioria das vezes, de prova indireta e
de indícios que lhe são apresentados durante a instrução processual. No caso
concreto, como a prova produzida nos autos, notadamente a prova
testemunhal, evidenciou a existência do assédio sexual relatado na petição
inicial, é inquestionável que para se chegar à conclusão diversa daquela
adotada pela Corte de origem, seria necessária nova incursão no conjunto
probatório dos autos, o que foge ao alcance desta Corte, ante o óbice
instransponível da Súmula 126 do TST. Recurso de revista não conhecido. 3
- INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. REDUÇÃO DO VALOR ARBITRADO.
O recurso de revista, no particular, encontra-se desfundamentado, na medida
em que a parte não aponta violação legal ou constitucional, tampouco traz
dissídio jurisprudencial, consoante determina o art. 896 da CLT. Recurso de
revista não conhecido. (...)
261

O reconhecimento da existência de situações de assédio sexual nas relações


de trabalho pelos julgadores é uma importante evolução na jurisprudência dos
tribunais, mas fica o questionamento acerca do montante da indenização, avultando
aqui a necessidade de valorização das decisões proferidas pelos juízes de primeiro
grau, que lidam diretamente com as partes, estando mais próximos da realidade dos
fatos ou do seu contexto.
Aponta-se aqui o pensamento de Lima Filho513, ao tratar da questão do assédio
moral, mas que se mostra aplicável às situações de assédio sexual nas relações de
trabalho, quando aduz que é hora de se começar a pensar a tutela laboral, sob o viés
preventivo, evitando-se que os abusos aos direitos fundamentais dos trabalhadores
passem ao largo da efetiva proteção concedida pelo ordenamento jurídico, devendo o
Poder Judiciário, através de seus julgados, auxiliar na conscientização de que a
efetiva tutela não pode reduzir-se à mera tentativa de reparação de danos, muitas
vezes irreparáveis, diante da lesão já consumada, principalmente porque as
indenizações que costumam ser arbitradas constituem verdadeiro estímulo ao
agressor.
Quanto aos julgados analisados, as decisões citadas foram proferidas em
ações individuais trabalhistas.
São abordados aqui aspectos diversos processuais das ações judiciais
individuais movidas em relação à situação de assédio sexual, enfatizando as questões
relativas às indenizações por danos morais e materiais e a questão do segredo de
justiça, bem como a evolução jurisprudencial nas ações individuais movidas em face
da prática da conduta de assédio sexual, analisando as posições do TRT do Rio
Grande do Sul e do TST.
O tratamento das questões individuais é diversificado e insatisfatório, pois
resolve situações de forma pontual e diversa. Muitas vezes, ações similares recebem
tratamento diferente, dependendo da Vara ou da Turma Julgadora.
A diversidade de soluções dadas às ações individuais acerca do tema permite
concluir, sempre respeitando o princípio da independência funcional dos magistrados,
que a questão necessita soluções coletivas, constituindo um problema coletivo da
sociedade, o que exige uma mudança de paradigma no tratamento dado à situação

513LIMA
FILHO, Francisco das Chagas. O assédio moral nas relações laborais e a tutela da dignidade
humana do trabalhador. São Paulo: Editora Ltr, 2009, pp.117-118.
262

de assédio sexual nas relações de trabalho, que deve, cada vez mais, ser encarada
de forma coletiva, com soluções de caráter coletivo.
Conforme Gosdal514, a mudança de paradigma não importa na desnecessidade
da manutenção dos mecanismos de combate à discriminação.
As situações concretas que chegam ao conhecimento do Judiciário e do
Ministério Público devem encontrar resposta eficaz, a par do necessário
aperfeiçoamento da legislação sobre a matéria.
A discriminação merece tratamento diferenciado, seja do ponto de vista do
MPT, seja por parte dos juízes, sendo necessário que todos os que atuam na área
trabalhista estejam sensibilizados para o combate à discriminação da mulher, aí
incluído o assédio sexual nas relações de trabalho, intolerável em nossa sociedade
ante o grau de conhecimento e de consciência alcançado pela sociedade.
De acordo com Freire Pimenta515, os mecanismos processuais existentes,
embora úteis, não têm se revelado suficientes para assegurar, em termos práticos, a
efetividade do direito do trabalho como instrumento da realização do direito material,
pois de um lado há uma explosão de demandas, abarrotando a Justiça do Trabalho,
cuja atual estrutura não permite os julgamentos em tempo útil, remarcando-se aqui
os esforços realizados para imprimir celeridade aos processos.
Há uma significativa “demanda reprimida”, chamada pelos processualistas
modernos de “litigiosidade contida”, em razão das lesões de caráter trabalhista
diariamente perpetradas, tendo como causa a impunidade absoluta ou relativa de que
gozam os empregadores, e a esta situação o processo do trabalho e a Justiça do
Trabalho não conseguem responder à altura. Ao Direito cabe, na contemporaneidade,
atender às novas necessidades de sociedades de massas nas quais são diariamente
praticadas macro lesões de dimensões coletivas.
Pelo particularismo do Direito do Trabalho, as decisões ditadas pelos tribunais
nos litígios individuais adquirem “forte projeção coletiva” e também um efeito
paradigmático, para além do valor atribuído enquanto precedente judicial. E em outro
sentido, a dimensão coletiva significa que os conflitos trabalhistas, reais ou potenciais,

514GOSDAL. Thereza Cristina. Op.cit, nota 143, pp. 305-318, em especial as pp. 312-317.
515FREIRE PIMENTA, José Roberto. “Aspectos processuais da luta contra a discriminação, na esfera
trabalhista. A tutela antecipada como mecanismo igualizador dos litigantes trabalhistas”. VIANA, Marcio
Túlio; Renault, Luiz Otávio Linhares (Coord.) Discriminação. São Paulo: LTr, 2000, pp. 169-226,
especialmente as pp. 190-191.
263

interessam a todos os integrantes de uma comunidade, independentemente de


pertencerem ou não ao mundo do trabalho, nascendo daí outra particularidade
resultante das repercussões dos conflitos e dos mecanismos ativados para sua
resolução516.
Como foi exposto, o tratamento individual das demandas envolvendo situações
de assédio sexual no trabalho não é suficiente para a prevenção/repressão de tais
situações, razão pela qual, a seguir, é de ser analisado o tratamento coletivo existente
e também as possibilidades de trato da questão da situação de assédio sexual nas
relações de trabalho, pelas instituições que atuam em âmbito coletivo no Brasil.

516 BARBAGELATA, Héctor-Hugo. O particularismo do Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1996, p.
25.
264

4.TRATAMENTO COLETIVO DAS DEMANDAS RELATIVAS AO


ASSÉDIO SEXUAL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO

No capítulo anterior, de número três, foi analisada a conceituação do trabalho


decente, os princípios relativos aos direitos humanos dos trabalhadores, notadamente
o princípio da dignidade humana, perpassando temas afetos à igualdade e à
discriminação; remarcando os malefícios causados e elaborando considerações sobre
as leis e sua aplicação. Ainda, aspectos relacionados à Justiça do Trabalho para, a
seguir, analisar aspectos processuais relativos às ações trabalhistas individuais,
movidas pela pessoa trabalhadora em razão da existência de assédio nas relações
de trabalho, para ao fim, realizar breve estudo acerca da evolução jurisprudencial das
ações individuais, analisando-se com maior ênfase as posições do TRT da 4ª. Região,
situado em Porto Alegre, no Estado do Rio Grande do Sul e do TST, situado em
Brasília, no Distrito Federal, instância máxima dentro do modelo legalmente previsto
de três instâncias trabalhistas.
Como verificado no capítulo anterior, em relação às ações movidas por assédio
sexual nas relações de trabalho, os resultados alcançados, embora importantes e
expressivos, mostram-se insuficientes para a efetiva transformação da situação, que
deve, em um ponto importante de inflexão, ser tratada de forma coletiva, pois atinge
muitas trabalhadoras que muitas vezes não alcançam os resultados almejados
mediante a utilização de ações individuais.
A temática da situação de assédio sexual nas relações de trabalho carece de
soluções coletivas a serem manejadas por instituições como os sindicatos, o
Ministério do Trabalho e Emprego, as organizações não governamentais dedicadas
às lutas das mulheres. Veja-se que dentro do sistema de proteção laboral brasileiro,
estão os sindicatos dos trabalhadores, a fiscalização estatal do trabalho, através do
MTPS e a Justiça do Trabalho, na qual atua o MPT; igualmente, o manejo de políticas
públicas em relação às reivindicações das mulheres e como maior ponto de inflexão
sobre o tema do assédio sexual nas relações de trabalho, a educação para a cidadania
e para a igualdade, fundamental para a efetiva transformação da sociedade ocidental
atual em uma sociedade com respeito à dignidade humana, aí incluídos o respeito às
diferenças e à igualdade real entre homens e mulheres.
A dimensão coletiva é projetada no conflito individual não apenas pela
eventualidade de que todo conflito individual se transforme em coletivo, mas pela
265

própria integração da parte trabalhadora no mundo do trabalho, tendo como


consequência que todo ato em relação a um conflito individual adquire projeção
coletiva.
Significa também que o conflito no âmbito das relações de trabalho, real ou
potencial, interessa a todas as pessoas que integram aquela comunidade,
independente do pertencimento ao mundo do trabalho.
Vale dizer que nas situações de assédio sexual no trabalho, são afetadas, além
da pessoa assediada, as pessoas em seu entorno, tanto no trabalho como em outras
esferas, como no âmbito doméstico e no âmbito social, tendo impacto nas relações
com as outras pessoas, lembrando que o assédio sexual no trabalho afeta, como já
referido517, direitos fundamentais, previstos na CF de 1988, dentre eles, o direito ao
respeito à dignidade da pessoa humana; o direito à igualdade e a não ser discriminado
em razão do sexo; o direito à integridade física e moral; o direito à liberdade sexual e,
ainda, o direito a um meio ambiente de trabalho íntegro e sadio.
Do exposto acima, entende-se, portanto, que o tratamento individual dado às
situações de assédio sexual no trabalho, embora contribua para a visibilização da
situação, mostra-se insuficiente para sua desestabilização e efetiva transformação,
entendendo-se como alternativa adequada, as soluções dadas de forma coletiva no
enfrentamento de problemas que não são individuais, mas coletivos e também
universais.
Nesse ponto, mostra-se necessária a análise da atuação das instituições que
detém o poder ou ao menos algum poder de atuação em âmbito coletivo em relação
às situações de assédio sexual e a seguir será analisada a atuação em âmbito
coletivo dos sindicatos; das organizações não governamentais e do Ministério do
Trabalho e Emprego.

4.1 Sindicatos, organizações não governamentais e Ministério do Trabalho e


Previdência Social

Inicialmente, é de se ver a atuação dos sindicatos em relação à questão do


assédio sexual nas relações de trabalho. Não há dúvidas que o regular desempenho
das organizações sindicais é condicionado pelos limites normativos impostos pelo

517 FRANÇA DE OLIVEIRA, Lamartino. Op.cit, nota 233, pp. 111-112.


266

Estado. 518 No Brasil, houve a imposição, através da Consolidação das Leis do


Trabalho, em 1943, de um modelo de sindicalismo e de relações de produção, que foi
modificado em parte pela Constituição Federal Brasileira de 1988, impondo-se a
consideração sobre a que título e papel atuam, o que se diz acerca da representação
dos interesses dos trabalhadores, questionando-se até que ponto as organizações
sindicais estão em condições de representar os interesses dos trabalhadores, em sua
complexa integridade, destacando-se que embora os interesses coletivos não sejam
o somatório dos individuais e de setor (ou interesses individuais homogêneos), tais
interesses compõem o interesse geral dos trabalhadores, levando a pensar nos
interesses que não estão efetivamente representados pelos sindicatos. É necessário
levar em conta o papel representado pelos sindicatos, por vezes dependente da real
capacidade de obter concessões dos interlocutores, não se podendo negar que devido
a diversos fatores, vive-se momento de crise do movimento sindical, sendo
característica da atual revisão de toda a problemática sindical, a reconsideração do
papel que os sindicatos devem desempenhar no contexto da crise econômica global,
discutindo-se, particularmente, como devem atuar os sindicatos no âmbito das
mudanças na sociedade moderna.
Para alguns observadores, o novo papel dos sindicatos consiste em limitar e
resistir aos avanços da flexibilização e da desregulamentação, acompanhando e
vigiando os interlocutores no processo das concessões negociadas, enquanto para
outros, os sindicatos devem abandonar a defensiva e promover novos modelos
socioeconômicos, novas modalidades nas reivindicações novas formas de
participação, resultando a questão em manter a imagem dos sindicatos como
protagonistas, à espera de tempos melhores. Para outros, as experiências das crises
vividas devem incentivar a busca da linguagem e do discurso apropriados, de forma a
voltar a ter iniciativa nos processos de mudança.
No Brasil, aos sindicatos, nos termos do artigo 8º, III, da CF de 1988, cabe a
defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em
questões judiciais ou administrativas. No âmbito trabalhista, o sindicato surge como o
mais importante “corpo intermediário” de que fala Cappelletti519, para a defesa dos
interesses metaindividuais.

518 BARBAGELATA, Héctor-Hugo. Op.cit, nota 517, pp. 51-57.


519 CAPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryan. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002.
267

Duas questões surgem em relação à atuação dos sindicatos: a participação das


mulheres na estrutura dos sindicatos e se há atuação efetiva dos sindicatos em
relação às lutas das mulheres pela igualdade, aí incluídas as situações de assédio
sexual nas relações de trabalho.
Já em 1991, Souza-Lobo apontava que os argumentos segundo os quais as
mulheres participam menos (dos movimentos sindicais) porque são apenas
transitoriamente operárias são discutíveis:

Argumentaríamos com a análise de Stolcke (1980), segundo a qual é através


do controle exercido sobre a capacidade de procriação da mulher, ou seja,
de sua sexualidade, que se constrói a subordinação da mulher, e esta é uma
relação determinante que se articula com todas as outras relações sociais
que envolvem mulheres. (...) Os motivos para a ausência das operárias no
movimento operário e sindical estão nas suas casas e na sede dos sindicatos
e nas cabeças de operários e de operárias. Isso não significa dizer que as
circunstâncias materiais sob as quais vivem as trabalhadoras não tenham
nada a ver com sua disposição ou relutância em participar da luta sindical.
Como uma operária já disse: “Isso fica mexendo com minha cabeça, mas eu
só consigo pensar com meu estômago.” (...) Gostaríamos de apontar a
importância da articulação entre luta feminista e luta de classes, na medida
em que a posição da operária no movimento operário e sindical está
relacionada com a sua situação na sociedade como um todo520.

Em relação à participação das mulheres no que diz respeito à estrutura dos


sindicatos, pode-se dizer521 que o sindicalismo é questionado. Questiona-se sobre a
capacidade de enfrentamento da crise de representatividade e de eficácia em relação
às lutas sociais. A maior parte dos trabalhos sobre sindicalismo não apresenta
abordagens destacando o gênero nas lógicas econômicas e sociais. Embora o papel
das mulheres no sindicalismo tenha gerado debates e conflitos entre dirigentes
sindicais de ambos os sexos, é inegável que o sindicalismo, como antigo bastião
masculino, permaneça da mesma forma em muitos aspectos. A exceção está nos
sindicatos ligados a categorias tidas tradicionalmente como femininas, como as
secretárias, as enfermeiras, as professoras, entre outras. A hostilidade masculino-
sindical ao trabalho das mulheres, que sustentava oposição a sua sindicalização,
desaparece ou toma novas formas. E a força da divisão sexual do trabalho, no mundo

520 SOUZA-LOBO, Elisabeth. A classe operária tem dois sexos. Trabalho, dominação e resistência.
São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2011, pp.145-146.
521 ROGERAT, Chantal; ZYLBERBERG-HOCQUARD, Marie-Hélène. Sindicatos. Dicionário Critico do

Feminismo. HIRATA, Helena; LABOURIE, Françoise; LE DOARÉ, Hélène; SENOTIER, Danièle.


(Coord.). São Paulo: UNESP, 2009, pp. 236-240.
268

de hoje, com a marginalização das mulheres no trabalho remunerado, com a


concorrência entre homens e mulheres em razão do desemprego e da precarização
crescentes, faz questionar sobre a estruturação da ação sindical, questão que não
tem uma só resposta.
As mulheres conquistaram um lugar no mundo sindical, cumprindo atingir um
conhecimento mais refinado do sindicalismo nos dias de hoje como condição
necessária, se não suficiente. Verifica-se, contudo, que a coexistência entre os sexos
no mundo do trabalho não é objeto das lutas sociais. A inclusão das mulheres no
sindicalismo significa sua integração no modelo dominante, do trabalhador masculino
e aí reside o mal-estar entre os movimentos feministas e o sindicalismo. O processo
de integração das mulheres no movimento sindical está atrasado em relação à
integração das mulheres no mundo do trabalho. Segundo as próprias mulheres, a
passagem da esfera privada para a esfera pública é problemática, pois cria uma nova
relação de poder entre os sexos e, ao longo das últimas décadas, o sindicalismo
acreditou responder ao problema com a noção de complementariedade
correspondente, nos termos da concepção dominante. Os surgimentos de lideranças
femininas no sindicalismo, com reconhecida representatividade, não são
acompanhados de um movimento significativo de sindicalização das mulheres, cuja
taxa de sindicalização permanece inferior à dos homens.
Pode-se dizer que, ao paradoxo moderno do duplo fenômeno do aumento de
mulheres no mundo do trabalho e da sua maciça marginalização em relação ao
modelo dominante, corresponde uma defasagem no estatuto sindical desigual de
homens e mulheres, afetando a função social da organização sindical e de
representação dos trabalhadores, independentemente de sexo, lesando sua
credibilidade.
Para Leone e Teixeira522, a ocupação de postos de trabalho desprestigiados e
mal remunerados por mulheres é atribuída às características das tarefas realizadas,
sem discussão acerca da interpretação da qualificação exigida. E o imaginário social
discriminando as mulheres é compartilhado por empregadores e empregados. O

522LEONE, Eugenia Troncoso; TEIXEIRA, Marilaine Oliveira. As mulheres no mercado de trabalho e na


organização sindical. Disponível em:
<http://www.abep.nepo.unicamp.br/encontro2010/docs_pdf/tema_8/abep2010_2200.pdf>. Acesso em:
30 jul. 2015.
269

desprestígio e má remuneração dos postos de trabalho ocupados por mulheres


constitui um processo de exclusão e marginalização, processo este que, de alguma
forma, é reproduzido nos espaços sindicais, pois embora lutem pelo reconhecimento
no mercado de trabalho, as mulheres seguem sendo minoria nos espaços sindicais.
E de modo geral não estão presentes nas posições de destaque, concluindo-se que a
divisão sexual desigual no trabalho entre homens e mulheres afeta as relações
também no interior dos sindicatos. A sub-representação das mulheres é expressa em
vários âmbitos da vida pública. Em relação aos sindicatos, há sub-representação
feminina em muitos, exceção feita a alguns sindicatos, como os sindicatos do setor de
serviços, os sindicatos do ramo da educação. As mulheres estão na base dos
sindicatos e na construção do sindicalismo e de suas lutas, estando, de outro lado,
fora dos cargos de direção e sub-representadas nas instâncias de direção. Uma ação
sindical voltada para as trabalhadoras deve considerar a divisão sexual existente no
mercado de trabalho, com articulação da produção, do mundo doméstico e do
exercício da cidadania, voltando-se para o modo de vida das trabalhadoras, pois
somente com este ponto de vista é possível a articulação de uma pauta que reflita a
complexidade da produção econômica e da reprodução social.
No contexto do surgimento de um novo sindicalismo, emerge a luta das
mulheres no âmbito sindical, ganhando força nas pautas, as reivindicações femininas.
De outro lado, há formas de discriminação indireta, para as quais não existem
mecanismos de contenção, não bastando a identificação de que as mulheres são
minoria em determinadas áreas ou estão concentradas em nichos. Desse modo, é
preciso verificar quais os mecanismos de isolamento e reivindicar medidas de
superação.
Além disso, o que se pode fazer é criar comissões de mulheres, estabelecer
cotas de participação feminina nas direções sindicais, além de criar uma política de
ações afirmativas, desenvolvida como forma de superação dos óbices. Em suma, um
conjunto de ações combinadas que altere de forma significativa o quadro de
participação das mulheres. O processo de inclusão das mulheres é lento, com
melhores resultados nos sindicatos que realizaram conjuntamente ações de
valorização e de estímulo à participação das mulheres, adotando cotas mínimas para
a participação nos cargos diretivos. Veja-se, portanto, nos sindicatos, muitas vezes, é
reproduzida a estrutura patriarcal, com menor valorização das lutas das mulheres por
270

igualdade e, consequentemente, um aviltamento acerca da situação de assédio


sexual das relações de trabalho.
Nos últimos anos, as dirigentes sindicais realizaram vários esforços para
aumentar sua influência nas estruturas sindicais de vários países latino-americanos e
no Brasil. As comissões de mulheres das três centrais sindicais principais, CUT, CGT
e Força Sindical estabeleceram cotas mínimas para as mulheres nos níveis de direção
dos sindicatos. Uma maior participação feminina deve ser alcançada, com facilitação
de uma política de formação com perspectiva de gênero, não apenas nas instituições
educacionais, mas também na negociação coletiva e na prática cotidiana sindical,
impondo a incorporação das mulheres no mercado de trabalho e novos desafios aos
sindicatos.
Em relação às políticas de igualdade, as organizações sindicais contam com a
ferramenta da negociação coletiva, que permite instrumentalizar programas de ação
positiva para permitir o alcance de uma real capacidade de oportunidades. Tais
programas devem ser entendidos como um conjunto de medidas e mecanismos gerais
e específicos que impliquem em um tratamento favorável para a superação das
desigualdades existentes, cuidando para que não resultem em uma discriminação
inversa até chegar à situação de real igualdade de oportunidades523.
O desafio de superação da exclusão das mulheres dos sindicatos exige uma
reflexão abrangente acerca do papel da divisão sexual do trabalho, que define funções
distintas para ambos os sexos, separando a esfera da produção e da reprodução,
hierarquizando os valores masculinos e femininos, em detrimento dos últimos.
Muitos sindicatos, atentos ao problema e preocupados com os danos causados
à pessoa da trabalhadora assediada e à coletividade dos trabalhadores, buscam
soluções de caráter preventivo/educacional, lançando cartilhas acerca do assunto,
conclamando as mulheres a romper o silêncio, considerado “o pai dos grandes males”
e a adotar as seguintes atitudes: dizer claramente não ao assediador; contar para
as/os colegas o que está acontecendo; reunir provas, como bilhetes, presentes, entre
outras; arrolar colegas que possam ser testemunhas; reportar o acontecido ao setor
de recursos humanos e ao sindicato e registrar queixa na Delegacia da Mulher e, na

523Cf. SARDEGNA, Paula Constanza. Trabajo de Mujeres, Perspetiva de Gênero. Contrato de Trabajo.
Normativa Nacional e Internacional. Jurisprudência. Buenos Aires, Argentina: Editora La Ley SA, 2003,
pp. 149-150.
271

falta dessa, em uma delegacia comum. A elaboração de cartilhas traduz ação concreta
de atuação preventiva/educativa dos sindicatos, juntamente com a elaboração e
produção de campanhas de combate ao assédio sexual no trabalho, objetivando
visibilizar a situação e transformá-la. Por exemplo, a Confederação Nacional dos
Trabalhadores do Ramo Financeiro - CONTRAF, em 2014, lançou a segunda edição
de cartilha sobre o assédio sexual no trabalho. Ali é preconizado que o Sindicato
proponha às empresas a adoção de cláusulas em Convenções Coletivas referentes à
prevenção e combate ao assédio sexual; a criação, pelas empresas de regulamentos
de conduta ou códigos de ética com os devidos mecanismos de proteção da pessoa
assediada e o rechaço a qualquer situação de assédio, advertindo-se que as
empresas poderão ser responsabilizadas por casos de assédio sexual que ocorram
em suas dependências, bem como a propugnada a adoção de outras medidas,
concluindo-se assim:

A ação contra o assédio sexual não é uma luta de mulheres contra homens.
Ela é uma luta de todos, inclusive de todos os companheiros homens que
desejam um ambiente de trabalho saudável. Por um mínimo de coerência,
não se pode defender os princípios de igualdade e justiça por um lado, e por
outro tolerar, desculpar ou até mesmo defender comportamentos que
agridam a integridade das mulheres. Derrotar a prática do assédio sexual no
trabalho é parte integrante da luta pela igualdade de direitos e oportunidades
entre homens e mulheres e, portanto, parte da luta por um mundo mais feliz.
524

Seguindo a mesma linha, o Sindicato dos Bancários em Campinas e Região,


em março de 2015, iniciou a distribuição do livreto “Assédio no trabalho”, integrando
Campanha de Prevenção e Combate ao Assédio Sexual525.
É importante enfatizar a adoção de cláusulas em convenções coletivas, a
prevenção e combate ao assédio sexual, compelindo as empresas a criar regramentos
de conduta, códigos de ética e mecanismos de ouvidoria.
Sindicatos como o Sindicato das Secretárias do Estado de São Paulo
(Sinsesp), por meio de pesquisas, entrevistas, palestras, debates e seminários,
contribuíram para a aprovação da Lei 10.224 de 15/05/01, criminalizando o assédio
sexual por chantagem.

524 Disponível em: <http://www.contrafcut.org.br>. Acesso em: 18 jul. 2015.


525 Disponível em: <http://www.sindicatocp.org.br/>. Acesso em: 18 jul. 2015.
272

Lembra-se aqui que a categoria das trabalhadoras secretárias é historicamente


objeto de assédio sexual nas relações de trabalho, no imaginário popular. Um exemplo
de assédio sexual nas relações de trabalho inerente a secretárias pode ser encontrado
em filmes como POTICHE - ESPOSA TROFÉU, lançado em 2010, com a atriz
francesa Catherine Deneuve e o ator francês Gerard Depardieu, ambos bem
conhecidos526. No referido filme, em determinado momento, a secretária que
trabalhara antes com o marido da personagem encarnada por Deneuve, ao ser
convidada para trabalhar com ela, alude ao fato de ser a primeira vez que não terá
que abrir as pernas para manter o trabalho. Esta situação, que no filme parece jocosa,
é a situação que foi, por muito tempo, considerada como naturalizada.
O Sinsesp também lançou Manual Preventivo do assédio sexual, em 1996, com
vistas à prevenção da prática da conduta de assédio sexual, entendido como forma
de expressão de poder, contendo sugestões de comportamento a ser adotado, de
forma semelhante a algumas previsões constantes em regulamentos de pessoal de
empresas americanas. A par dos esclarecimentos cada vez mais presentes em
cartilhas distribuídas aos trabalhadores, em pesquisa realizada pelo Sinsesp com
quase duas mil secretárias pesquisadas no Estado de São Paulo, a maioria entre 21
e 30 anos, solteiras, com grau universitário e trabalhando em grandes empresas, 24%
responderam sim à questão "você é ou já foi vítima de assédio?" Inobstante, apenas
sete casos foram oficialmente registrados e estão tendo acompanhamento desde que
o levantamento foi realizado, em 1995. Nas palavras da primeira Presidente do
Sinsesp, Leida Maria Mordenti Borba Leite de Moraes527:

(...) vale lembrar que nada adianta substituir alguém que veste paletó por
alguém com saia ou vice-versa, para ocupar a mesma função, quando esta é
servir ao mesmo sistema de dominação e de conservação. O assédio sexual
faz parte desse sistema de dominação e talvez seja uma das últimas
ferramentas. Por isso precisa ser combatido da maneira mais consciente e
esclarecedora possível. Sabendo o que é e porque acontece poderemos nos
preparar para enfrentá-lo. "Os avanços sociais e as mudanças periódicas se
operam em razão do progresso das mulheres no rumo da liberdade... a

526 Filme POTICHE - ESPOSA TROFÉU, com direção de François Ozon, 2010, França, que narra a
história de homem desprezível que só pensa nos negócios, mas não se relaciona bem com ninguém:
funcionários, filhos e esposa. Depois de uma greve na fábrica, ele é sequestrado e sua mulher assume
o comando da empresa, se mostrando uma mulher com capacidade e dons incríveis de administrar a
fábrica melhor do que seu marido fazia. Conforme o site: <http://www.filmesdecinema.com.br/filme-
potiche-esposa-trofeu-7681/>. Acesso em: 18 jul. 2015.
527 Disponível em: <http://www.sinsesp.com.br/artigos/assedio/171-assedio-sexual-sistema-de-
dominacao-remanescente>. Acesso em: 18 jul. 2015.
273

extensão dos privilégios das mulheres é o princípio geral de todos os avanços


sociais" Flora Tristan, revolucionária francesa - 1838(...)

Em termos judiciais, para a propositura da Ação Civil Pública - ACP, apontada


antes como instrumento mais importante para defesa dos interesses e direitos
metaindividuais relacionados aos direitos dos trabalhadores, o sindicato tem a
legitimação genérica, estabelecida no art. 8º, III, da CF de 1988, bem como a
específica, contida no art. 5º da Lei nº 7.347/85, por ser uma espécie de associação.
Os sindicatos possuem, portanto, legitimação concorrente com a do MPT para a
defesa de interesses metaindividuais, mediante ação civil pública.
Há quem entenda que os interesses metaindividuais que podem ser defendidos
pelos sindicatos são os coletivos e individuais homogêneos, conforme o artigo 8º, III
da CF de 1988, e não os difusos. A matéria relativa à legitimidade do sindicato enseja
acirrados debates, interpretando alguns que a legitimidade para o ajuizamento da
ação civil pública é exclusiva do MPT, pois não há lei, conferindo a outros órgãos e
entidades, a legitimação para sua propositura.
Outros autores, como Souto Maior528, reconhecem a legitimidade ativa
concorrente dos entes sindicais para a propositura de ação civil pública em defesa
dos interesses e direitos coletivos ou individuais homogêneos, posição mais
consentânea com as ideias de ampliação do acesso à Justiça e de sua maior
efetividade. Fica-se com aqueles que admitem a legitimidade do sindicato para a
proposição de ação civil pública, tanto para defesa dos direitos coletivos e
homogêneos como para a defesa dos direitos difusos dos trabalhadores.
No dizer de Mancuso529:

(...) Quanto ao sindicato ele não consta, expressamente nominado dentre os


legitimados ativos para a ação civil pública, mas sua legitimação ativa vem
sendo admitida por uma certa analogia extensiva com as associações já que
ambos têm natureza jurídica de direito privado, sua constituição é livre (...) e
ambas entidades tipificam núcleos de atuação em prol de certos interesses
setoriais ou de grupo, com a diferença de que o Sindicato atua num campo
determinado (...) ao passo que a associação pode desenvolver atividade
multifária, bastando que seja legítimo o seu objeto.(...).

528 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. “Ação civil pública e termos de ajuste de conduta: competência da
Justiça do Trabalho”. Revista LTR, São Paulo, v. 62, n. 10, out. 1998.
529 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. “Ação civil pública trabalhista: análise de alguns pontos

controvertidos”. Revista do MPT, Brasília, ano 6º, nº. 12, pp. 47-78, set. 1996, p. 67.
274

Nos termos do artigo 5º, I, da Lei nº 7347/85, o sindicato, como espécie do


gênero associação, deve estar constituído há pelo menos um ano, nos termos da lei
civil. O requisito da pré-constituição pelo prazo de pelo menos um ano pode ser
dispensado pelo juiz, quando existir manifesto interesse social evidenciado pela
dimensão ou característica do dano ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido.
O sindicato, quando atua na proteção dos direitos coletivos e individuais
homogêneos, para muitos, o faz na condição de substituto processual, lembrando que
o entendimento restritivo que havia no TST foi modificado com o cancelamento do
Enunciado 310.
Conforme Martins Filho530, ao analisar a legitimidade concorrente do MPT e dos
sindicatos, em relação à defesa dos interesses coletivos em juízo, através da ação
civil pública, há prismas distintos: enquanto o sindicato defende os trabalhadores que
a ordem jurídica protege, o MPT defende a própria ordem jurídica protetora dos
direitos dos trabalhadores, frisando que os sindicatos não podem instaurar inquérito
prévio ao ajuizamento da ação, prerrogativa apenas do Ministério Público, o que
dificulta o ajuizamento de ações civis públicas pelos sindicatos que, a rigor, somente
teriam sucesso nas ações em que a lesão patronal estivesse patente e devidamente
documentada em relação a número considerável de empregados, razão pela qual, na
prática, os sindicatos oferecem denúncia ao MPT.
Em contraponto, para Pedrassani531, a definição de Martins Filho não esclarece
a razão da dupla atuação (MPT/sindicatos), que decorreria da larga repercussão
coletiva das lesões a direitos metaindividuais, não condizente como limitação
exclusiva da legitimidade ad causam, ao sindicato em detrimento de uma instituição
autônoma e com atuação independente, o que potencializaria grave risco ao grupo de
trabalhadores, por motivos, em síntese, ligados ao comportamento das pessoas
físicas ocupantes dos cargos de direção, com interesses diversos dos do grupo de
trabalhadores ou a utilização de meios como greve ou lockout, ao invés da jurisdição
como meio de resolução de conflitos.
Pode-se dizer que tanto as entidades sindicais como o MPT tem legitimidades
concorrente para a propositura de ações coletivas, sendo as entidades sindicais as

530MARTINS FILHO, Ives Gandra. Processo coletivo do trabalho. São Paulo. LTR, 1994.
531PEDRASSANI, José Pedro. Aspectos da tutela judicial de direitos individuais perante a jurisdição
trabalhista. São Paulo: LTR, 2001.
275

principais legitimadas para a propositura de ações coletivas em defesa dos


trabalhadores, nos termos do artigo 8º, III da CF de 1988, segundo o qual “cabe a
defesa dos direitos e interesses coletivos da categoria, inclusive em questões judiciais
ou administrativas”.
Para Ferreira532, segundo o artigo 8º, VI da Constituição Federal brasileira, o
sindicato dos trabalhadores é obrigado a participar do processo negocial coletivo,
cabendo-lhe contrapor, discutir e pressionar, entre outras posturas, diante do dever
de propositura da promoção e da implementação dos direitos fundamentais das
pessoas trabalhadoras, bem como defender os interesses coletivos da categoria e os
interesses individuais homogêneos de seus integrantes. E, considerando que a
discriminação, no Brasil, é estrutural, com fortes reflexos no mercado de trabalho,
cabe aos sindicatos propor ações que sejam capazes de alterar a realidade e de
contribuir para que o direito de igualdade de oportunidades e de não-discriminação,
elencando entre as ações possíveis, as ações afirmativas trabalhistas, dentro do
poder normativo coletivo.
O sindicato tem como destinação específica a defesa dos interesses dos
trabalhadores pertencentes à categoria que representam, mas muitos sindicatos não
o fazem a contento, aludindo Brito Filho aqui à falência do modelo de organização
sindical brasileiro, constatando-se que a atuação dos sindicatos em questões
relacionadas à discriminação, tem sido inexpressiva, estando os sindicatos, na
realidade, afastados da defesa coletiva em temas de relevância, cabendo, na prática,
a tarefa de defender pessoas e grupos discriminados em matéria trabalhista ao MPT,
transformado no ator principal do sistema institucional
Como aponta Carelli533, ao analisar a relação entre os sindicatos e o MPT
brasileiro:

532 FERREIRA, Dâmares. O Poder Normativo Coletivo. A promoção da igualdade de oportunidades por
meio de ações afirmativas trabalhistas. Curitiba: Juruá, 2013, p. 207
533 CARELLI, Rodrigo de Lacerda. O Ministério Público da proteção do Direito do Trabalho. Caderno

CRH, v. 24, Salvador, 2011, pp. 59-69. Para o autor: Assim, ao defender a atuação sindical, está o
Ministério Público do Trabalho resguardando todo o sistema trabalhista e o Direito do Trabalho, tanto
em relação aos direitos substanciais quanto aos formais. No entanto, dissocia-se a defesa de direitos
dos trabalhadores realizada pelo Ministério Público daquela feita pelos sindicatos profissionais, ou
pelos trabalhadores diretamente. Enquanto esses últimos defendem interesses, o “parquet” defende
princípios, tendo como norte o resguardo do regime democrático, por meio da tutela dos Direitos
Humanos na relação de trabalho. A tutela realizada pelo Ministério Público não é de interesses
privados. (...)É de extrema importância a divisão de papéis entre os sindicatos, a Fiscalização e o
Ministério Público do Trabalho. Apesar de fazerem parte do sistema protetivo trabalhista e serem
imprescindíveis, como vimos, para o resguardo do Direito do Trabalho, cada um exerce um papel
276

Os sindicatos estão fragmentados e, às vezes, impedidos de representar seus


trabalhadores. O Direito do Trabalho e a sua regulação pelo Estado encontram-
se em crise, sendo voz corrente o clamor por reformas, tanto no Direito
Individual do Trabalho quanto no Direito Coletivo do Trabalho. Ao mesmo
tempo em que isso ocorre, em aparente paradoxo, surge o Novo Ministério
Público, e, como um de seus ramos, o Ministério Público do Trabalho, utilizado
pelos trabalhadores e pelos sindicatos como instrumento de defesa dos direitos
de cidadania no trabalho. (...)O que realmente está a acontecer é que os
sindicatos não estão se fazendo substituir pelo Ministério Público do Trabalho,
mas sim aproveitando a Instituição moldada na Constituição de 1988, como
aliada para a garantia dos direitos de cidadania dos trabalhadores. Esse novo
Ministério Público, que busca ainda sua identidade, aceita a sua nova função
de defesa da Ordem Jurídica Justa, do Regime Democrático e da Cidadania
do indivíduo e da coletividade trabalhadora, atuando a favor, e, às vezes, até
contra os interesses dos sindicatos, sempre na garantia das liberdades
individuais e coletivas do trabalhador.

Uma análise do processo de construção das ações coletivas no Brasil aponta


para o reforço legislativo e institucional do papel do Ministério Público, diante do
princípio tutelar que caracteriza a relação entre Estado e sociedade. E escapar a esse
círculo (sociedade civil incapaz que requer um Ministério Público forte e Ministério
Público forte porque a sociedade civil é incapaz) mostra-se como o grande desafio
das ações coletivas judiciais534.
No entanto, é inegável que há acerto nessas questões, pois, de fato, os
sindicatos não têm cumprido a contento, em muitos casos, as funções de defesa dos
trabalhadores da categoria profissional, por diversas razões, que passam também
pelo preparo de seus dirigentes e pela tendência política a que pertençam.
Especificamente, no que tange ao combate da conduta da prática de assédio
sexual, em que pese à atribuição constitucionalmente dada de defesa dos interesses
dos trabalhadores, na prática, há poucas ações civis públicas ajuizadas por entidades
sindicais, talvez porque prefiram encaminhar as denúncias ao MPT. Em muitos casos,
é necessária maior investigação, mas em outros o sindicato já reuniu todos os
elementos para o ajuizamento de ações e não o faz. É pertinente salientar, contudo,
que a utilização das ações coletivas pelos sindicatos encontra resistência de muitos
magistrados em relação à legitimidade ativa e ao interesse de agir.

diferenciado, sendo o do “parquet” a tutela dos direitos fundamentais, com vistas ao resguardo do
sistema democrático.
534 ARANTES, Rogério Bastos. Ações coletivas. Dimensões políticas da justiça. AVRITZER, Leonardo

et al. (Coord.). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013, p. 502.


277

Cabe aos sindicatos assumir papel mais ativo no combate à prática da conduta
de assédio sexual, seja através de medidas preventivas/educativas; seja pela inclusão
do tema nas negociações coletivas ou pelo ajuizamento de ações coletivas.
Não se ignora a existência de casos em que o assédio sexual nas relações de
trabalho ocorre dentro do próprio sindicato, como instituição empregadora de várias
pessoas trabalhadoras, realizando práticas que deveria ajudar a combater, dentro de
um trabalho preventivo/repressivo.
Na verdade, os sindicatos, como instituições, são compostos por pessoas, que
trazem para o trabalho seus valores pessoais, por vezes maculando a imagem da
instituição, que deveria combater as situações de assédio sexual nas relações de
trabalho. Ressalta-se, porém, que o assédio sexual nas relações de trabalho pode
ocorrer em qualquer empregador, inclusive quando o empregador é um sindicato,
embora tal não devesse acontecer e que somente um processo de conscientização,
inicialmente no âmbito interno da instituição, pode prevenir/reprimir as situações de
assédio sexual nas relações de trabalho.
Se o posicionamento dos sindicatos em relação ao tema da prática da conduta
de assédio sexual nas relações laborais é relevante, diante da missão de promover a
defesa dos trabalhadores, também é relevante a atuação das Organizações não
governamentais (ONGs).
As organizações não governamentais (ONGs) têm papel e influência cada vez
mais relevantes no âmbito coletivo, destacando-se a atuação daquelas voltadas para
a defesa dos direitos da mulher. Para Proner, ao falar sobre propriedade intelectual,
mas em afirmação pertinente ao tema em debate e à luta pelos direitos humanos em
geral:

(...) Um dos mais efetivos e impactantes caminhos trilhados para a afirmação


do novo direito, conta com a ajuda dos movimentos sociais, de ONGs, de
povos e comunidades organizadas e de intelectuais que procuram elaborar
pontos de partida contra-hegemônicos a partir de sua reinvidicação. Esta luta
acontece para além do Estado como ente político tradicional de
representação, embora neste trabalho sustenta-se que deva ser uma luta
paralela e não substitutiva de políticas emancipatórias estatais. (...)535

535 PRONER, Carol. Propriedade Intelectual: para uma outra ordem jurídica possível. São Paulo:
Cortez, 2007, p. 114. Para Proner: “O direito ao desenvolvimento encampa, nesse sentido, uma série
de lutas reunidas, com dimensões múltiplas e dinâmicas, possibilitando a compreensão de que os
direitos humanos não são categorias normativas que existem no mundo ideal, imutáves, à espera para
278

Segundo Wolkmer536, na contemporaneidade, em um cenário de exclusões,


opressões e carências, as práticas de cunho emancipatório e insurgentes das novas
identidades sociais, aí incluídas a atuação das organizações não governamentais,
revelam-se portadoras potenciais de inovadoras e legítimas formas de fazer política,
bem como fonte alternativa e plural de produção jurídica.
Entre as organizações não governamentais voltadas à defesa da mulher,
destaca-se a Themis Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero, sediada em Porto
Alegre e fundada em 1993, buscando no Direito e na Capacitação Legal, a efetivação
dos direitos humanos das mulheres através do acesso à justiça, tendo por objetivo
promover a democratização do acesso das mulheres à justiça e oferecer treinamento
para que líderes comunitárias possam defender legalmente seus direitos, contribuindo
assim, com a superação das desigualdades sociais.
A Themis tem um programa voltado para a educação, denominado de formação
de Promotoras Legais Populares, capacitando mulheres em bairros e vilas populares
por meio de noções básicas de direito e exercício da cidadania, que se transformam
em agentes habilitadas à defesa dos direitos humanos das mulheres, multiplicando
informações e conscientizando suas comunidades pela atuação sociopolítica e
educativa em diversos órgãos de controle social. As participantes, mulheres com
alguma liderança em suas comunidades são informadas sobre conceitos acerca de
direito e cidadania, funcionamento e organização dos órgãos estatais, leis nacionais
e internacionais e também sobre outras questões, com o objetivo de serem
multiplicadoras em suas comunidades, alargando a visão política e de mundo e
possibilitando a participação como cidadãs. Se o linguajar jurídico é distante da
realidade da maioria das pessoas, reforçando, na realidade, o poder dominante
patriarcal, aprender a linguagem jurídica e os direitos pertinentes, auxilia o acesso à
Justiça, empoderando as mulheres.

serem postos em prática por meio da ação social. Estão em constante criação e recriação à medida
que o sujeito atua no processo de construção social da realidade. Essa concepção de direito se opõe
às demais concepções que tendem a “reificar” as relações sociais sem se preocupar com a realidade
mesma”.
536 WOLKMER, Antonio Carlos. Direito, Poder Local e Novos Sujeitos Sociais. O Direito no Terceiro

Milênio. RODRIGUES, H. W. (Coord.). Canoas, Ulbra, 2000, p. 97.


279

Sen537, aliás, aponta que o grande alcance da condição de agente das


mulheres é uma das áreas mais negligenciadas nos estudos sobre desenvolvimento,
podendo-se dizer que nada é tão importante, na atualidade, na economia política do
desenvolvimento quanto um adequado reconhecimento da participação e da liderança
política, econômica e social das mulheres, como aspecto crucial do “desenvolvimento
como liberdade”. Hoje o desenvolvimento é concebido como ampliado e inclusivo,
destinado a abarcar a todas e todos, em um processo de igualdade de oportunidades
e acesso equitativo aos bens, aos recursos e aos benefícios538.
Além do programa de formação das promotoras legais populares, premiado e
reconhecido pela contribuição para a educação em direitos humanos, a intervenção
da Themis ocorre por meio de advocacia feminista, que fornece assessoria jurídica e
através do Centro de Documentação, Estudos e Pesquisas, dedicado à
fundamentação teórica, à interação com os operadores do direito e à multiplicação da
metodologia de formação. A Themis mantém ainda em várias comunidades o Serviço
de Informação para Mulheres (SIM), que recebe denúncias de violência contra
mulheres, oferecendo assistência, e conta, em seus cursos e programas, com a
colaboração de juízes e membros do Ministérios Público. Esta organização não
governamental, voltada às problemáticas envolvendo mulheres, tem conseguido
influenciar a opinião pública nacional em relação à desigualdade de gênero e ao
sistema de justiça.
Em 1999, o programa se estendeu a outros municípios do estado do Rio
Grande do Sul e depois a todo o país por meio de convênio com o Ministério da
Justiça, passando a coordenar a implantação de um programa de multiplicação de
agentes de cidadania que envolve diversas organizações em quase todos os estados
brasileiros. Trata-se de interessante e produtivo trabalho realizado em prol dos direitos
das mulheres, iniciado a partir de 1992, quando o CLADEM - Comitê Latino-Americano

537 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia de Bolso, 2010, p. 263.
Sen denunciou o drama das “mulheres que faltam” (missing women), em alguns países asiáticos, diante
do desequilíbrio demográfic entre mulheres e homens, resultante da estrutura tradicional de poder e da
subordinação e desvalorização das mulheres.
538 CONSEJO NACIONAL DE POBLACIÓN. La perspectiva de género. Guía para diseñar, poner en

marcha, dar seguimiento y evaluar proyectos de investigación y acciones públicas y civiles. Daniel
Cazés (coordinador). Marcela Lagarde (assessora). Bernardo Lagarde (colaborador). Conapo, México,
2000, p. 21. Disponível em:
<http://enp4.unam.mx/diversidad/Descargas/G%E9nero%20y%20Salud%20Reproductiva/Nociones%
20y%20definiciones%20perspectiva%20de%20g%E9nero.pdf>. Acesso em: 28 jul. 2015.
280

e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher, realizou na cidade de São Paulo,
no Brasil, Seminário Regional sobre Legislação Penal na América Latina, marcante
para o desenvolvimento de projetos populares na área da educação jurídica das
mulheres.
Em 1998, o Centro para a Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê
da América Latina e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM/Brasil)
denunciaram o Estado brasileiro perante a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos (CIDH) devido à impunidade no crime praticado em 1983, no caso Maria da
Penha539.
A Organização dos Estados Americanos acatou, pela primeira vez, na
Comissão Interamericana de Direitos Humanos, uma denúncia de violência
doméstica, condenando o Brasil por negligência e omissão em relação à violência
doméstica, com recomendações para que fosse criada uma legislação adequada.
O governo federal, através da Secretaria de Políticas Públicas para Mulheres,
criada em 2003, no Governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mediante
a Medida Provisória n. 103-2003, que transformou a antiga Secretaria de Estado dos
Direitos da Mulher, vinculada ao Ministério da Justiça, na Secretaria Especial de
Políticas para as Mulheres, ligada à presidência da República. Criada em 2009, a
Secretaria de Políticas Públicas para As Mulheres transformou-se em Ministério e em
2014, tornou-se uma Unidade Orçamentária reconhecida como uma unidade
independente da Presidência da República sob o comando de Eleonora Menicucci540,
professora da UNIFESP e reconhecida militante feminista. Inobstante, dentro da
readequação dos Ministérios realizada pelo Governo Federal, a Secretaria especial
de Políticas para as Mulheres passou a integrar o Ministério das Mulheres, da
Igualdade Racial e dos Direitos Humanos.
A Secretaria de Políticas Públicas para Mulheres, em parceria com cinco
organizações não governamentais e juristas, atendendo aos tratados internacionais
assinados e ratificados pelo Brasil, criou um projeto de lei que após aprovado por
unanimidade na Câmara e no Senado Federal, foi transformado, em 07 de agosto de
2006, com entrada em vigor em setembro de 2006, na Lei federal 11340, que ficou

539 Disponível em: <http://themis.org.br/pensamos/jurisprudencia/>. Acesso em: 10 jun. 2015.


540Conforme<www.spm.gov.br/> Acesso em 24 jun 2015.
281

conhecida como Lei Maria da Penha, fazendo com que a violência contra a mulher
deixasse de ser tratada como um crime de menor potencial ofensivo.
A lei também acaba com as penas pagas em cestas básicas ou multas, além
de englobar, além da violência física e sexual, também a violência psicológica, a
violência patrimonial e o assédio moral. Atualmente Maria da Penha Maia Fernandes
é líder de movimentos de defesa dos direitos das mulheres e exemplo emblemático
da violência doméstica.
A organização não governamental Themis firmou Protocolo de Intenções com
o MPT da 4ª Região, em Porto Alegre, acerca das violações de gênero, objetivando a
promoção dos direitos das mulheres que são violadas e discriminadas em seu
ambiente de trabalho. O assédio sexual nas relações de trabalho, além do assédio
moral e discriminações por gravidez ou número elevado de filhos, são exemplos da
atuação referente ao Protocolo de Intenções, frisando que já foram assinados
anteriormente três protocolos de intenções sobre os direitos dos portadores de
deficiência, discriminação racial e por orientação sexual, sempre com o objetivo de
promoção dos Direitos Humanos das Mulheres e dos Direitos Humanos em geral.
Trata-se aqui de exemplo de atuação integrada entre instituições da sociedade civil
organizadas de forma autônoma e o MPT em defesa dos direitos humanos dos
trabalhadores, notadamente das mulheres, buscando caráter pedagógico/educativo
antes do ajuizamento de ações judiciais.
Outras organizações não governamentais cuja atuação merece destaque, na
defesa dos direitos das mulheres, especificamente, são a Coletivo Feminino Plural,
sediada em Porto Alegre e a CFEMEA, sediada em Brasília.
Também merece destaque a Conectas Direitos Humanos, fundada em
setembro de 2001 em São Paulo, no Brasil, com o objetivo de promoção e efetivação
dos direitos humanos e do Estado Democrático de Direito, no Sul Global, entendido
como os países da África, da América Latina e da Ásia. A Conectas, desde janeiro de
2006, tem status consultivo junto à ONU (ONU) e, desde maio de 2009, também
possui de status de observador na Comissão Africana de Direitos Humanos e dos
Povos, sempre observando a visão de um mundo mais justo, com um movimento de
282

direitos humanos realmente global, diverso e efetivo, onde instituições nacionais e a


ordem internacional sejam mais transparentes, efetivas e democráticas541.
A seguir, será analisada a atuação do Ministério do Trabalho e Previdência
Social – MTPS, (antigo Ministério do Trabalho e Emprego- MTE) no combate às
irregularidades trabalhistas, incluindo as questões relativas a gênero e aqui é
importante referir brevemente a história da instituição:

(...) A edição do Decreto nº 1.313, em 17 de janeiro de 1891, marca o início


da Inspeção do Trabalho no Brasil. Em seu artigo 1º o Decreto instituiu a
fiscalização de todas as fábricas em que trabalhassem menores. Os
inspetores eram subordinados, àquela época, ao Ministério do Interior. Esta
foi a primeira iniciativa do governo brasileiro de fiscalizar relações de trabalho.
(...) A CLT foi um marco para a Fiscalização do Trabalho no Brasil, pois ela
tornou a Inspeção do Trabalho uma atividade administrativa de caráter
nacional e deu aos Inspetores do Trabalho o poder de penalizar os
empregadores que descumprissem as leis trabalhistas. A CLT reservou o
Capítulo I, do Título VII, do art. 626 ao 642, para tratar especificamente da
Fiscalização do Trabalho, da autuação e da imposição das multas. Em
decorrência da CLT, e suas exigências, foram criados os cargos de
Engenheiros de Segurança, Inspetores do Trabalho e Médicos do Trabalho,
pelo Decreto nº 6.479/44.(...) Em 2002, o Regulamento da Inspeção do
Trabalho, foi revisto e baixado o Decreto nº 4552, de 27 de dezembro de
2002, cujo artigo 1º estabelece: "O Sistema Federal de Inspeção do Trabalho,
a cargo do Ministério do Trabalho e Emprego, tem por finalidade assegurar,
em todo o território nacional, a aplicação das disposições legais, incluindo as
convenções internacionais ratificadas, os atos e decisões das autoridades
competentes e as convenções, acordos e contratos coletivos de trabalho, no
que concerne à proteção dos trabalhadores no exercício da atividade laboral".
As carreiras de Auditoria Fiscal, entre elas a do Trabalho, foram
regulamentadas pelas Leis n° 10.593, de 6 de dezembro de 2002 e 11.457,
de 16 de março de 2007. A primeira determina que o desenvolvimento do
servidor nas carreiras de Auditoria do Tesouro Nacional, de Auditoria-Fiscal
da Previdência Social e de Auditoria-Fiscal do Trabalho ocorrerá mediante
progressão funcional e promoção. A segunda, por meio do artigo 9°, faz uma
nova redação da Lei n° 10.593. (...)542:

O Ministério do Trabalho e Previdência Social, órgão do Poder executivo


encarregado da inspeção do trabalho entendida como a fiscalização do cumprimento
de todo ordenamento jurídico que trata das relações de trabalho, possui diversas
comissões acerca dos temas trabalhistas. A cartilha editada em 2013 foi elaborada,
através da Subcomissão de gênero com participação da Comissão de ética, acerca
do assédio moral e sexual no trabalho, com a finalidade de esclarecer e orientar os
trabalhadores e as trabalhadoras, dentro do compromisso assumido pelo governo

541 Disponível em: <http://www.conectas.org/>. Acesso em: 16 jul. 2015.


542 Disponível em: <http://www.sinait.org.br>. Acesso em: 16 jul. 2015.
283

brasileiro de atender efetivamente às disposições da Convenção nº 111 da OIT,


demonstrando o posicionamento do MTPS, representando avanço na visibilização do
tema. Há ali a advertência de que a maioria das vítimas é mulher e negra, o que
remete às opressões sobrepostas, de que nos fala Herrera Flores. O texto da cartilha
apresenta a seguinte conclusão:

O objetivo desta cartilha é tratar de um tema que, dia a dia, ganha mais
espaço na mídia e no cotidiano das organizações, vem sendo cada vez mais
discutido, mesmo assim, polêmico em sua essência, sobre o qual se encontra
rara bibliografia. Em razão de sua crescente importância nas relações
trabalhistas e de seus efeitos perversos, o assédio moral e sexual no
ambiente de trabalho deve ser debatido de forma séria e comprometida, não
só pela classe trabalhadora e pelo empresariado, mas por toda a sociedade.
Desmistificar a questão do assédio moral e sexual no local de trabalho é o
caminho seguro para prevenir e erradicar sua presença onde já tiver se
instalado. (...) A Comissão de Igualdade de Oportunidades de Gênero, de
Raça e Etnia, de Pessoas com Deficiência e de Combate à Discriminação
atua por meio de parcerias com os diversos setores da sociedade no
desenvolvimento de ações educativas de sensibilização, como seminários,
oficinas e reuniões técnicas e a realização de mesas de entendimento
decorrentes do recebimento de denúncias de discriminação. São importantes
instrumentos de sensibilização e capacitação de gestores públicos,
empregadores e trabalhadores. Mais do que aplicar sanções, o propósito do
Ministério do Trabalho e Emprego é promover plenamente a igualdade de
oportunidades por meio do entendimento consensual entre as partes
envolvidas nas denúncias, do impulsionamento de ações afirmativas e da
divulgação dos direitos do trabalhador(a) com base na não discriminação. 543

Na esteira das cartilhas elaboradas pelo Ministério do Trabalho e Previdência


Social – MTPS, outras instituições lançaram cartilhas de teor semelhante.
Sinala-se que a atuação do MTPS na fiscalização das empresas acarreta
muitas vezes, a remessa dos autos de infração, no qual são cobradas multas
administrativas, na maioria dos casos de baixo valor, ao MPT, considerado como
melhor aparelhado e com mais prerrogativas de atuação, lembrando que o MTPS não
possui atribuições relacionadas com a judicialização dos casos e sim com a
fiscalização das leis trabalhistas e a aplicação de sanções, que podem variar da
aplicação de multas administrativas e da interdição de parte dos locais dos
estabelecimentos.

543Cartilha sobre Assédio Sexual e Moral no Trabalho, disponível no site <http://portal.mte.gov.br>.


Acesso em: 16 jul. 2015.
284

De outro lado, o MTPS também fiscaliza, por meio dos auditores-fiscais, o


cumprimento dos termos de ajustamento de conduta firmados entre as empresas e o
MPT.
Em síntese, o MTPS possui papel relevante na fiscalização do cumprimento
das leis trabalhistas pelas empresas, possuindo núcleos que trabalham ativamente na
promoção da igualdade, com medidas preventivas/repressivas, embora, conforme
aponta Brito Filho, seja ainda pouco efetiva a fiscalização no plano administrativo, em
relação ao desrespeito às prescrições mínimas legais de proteção da pessoa
trabalhadora, muito embora se deva reconhecer o esforço dos auditores fiscais e a
qualidade de seu trabalho544. Ademais, o MTPS possui uma Agenda Nacional de
Trabalho Decente, elaborada desde 2006545.
Nesse ponto, foi analisada a atuação dos sindicatos em relação ao assédio
sexual nas relações de trabalho, incluindo as questões ligadas com a inserção das
mulheres no movimento sindical e a atuação do sindicato na defesa dos interesses
das trabalhadoras. Na sequência foi analisada a atuação do Ministério do Trabalho e
Emprego, órgão integrante do poder executivo, e que exerce as funções de inspeção
e fiscalização das relações trabalhistas, sendo importante parceiro do MPT na defesa
dos interesses das trabalhadoras, apesar das dificuldades materiais por que passa no
exercício de suas funções. Ao final, foi analisada a atuação das organizações não
governamentais voltadas à luta pelos direitos humanos em geral e das mulheres de
forma mais específica, que realiza importante trabalho na defesa dos direitos humanos
das mulheres, com importantes conquistas, como a Lei Maria da Penha, não se
olvidando, contudo, do trabalho desenvolvido por outras entidades em relação aos
direitos humanos.
As entidades citadas estabelecem por vezes, parcerias entre si e com o MPT,
ressaltando que os sindicatos e as organizações não governamentais são sociedades

544BRITO FILHO, José Claudio Monteiro de. Op.cit, nota 423, p. 61.
545Conforme o site <http://portal.mte.gov.br/>, no Brasil, a promoção do Trabalho Decente passou a
ser um compromisso assumido entre o Governo brasileiro e a OIT a partir de junho de 2003, com a
assinatura, pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e pelo Diretor-Geral da OIT, Juan
Somavia, do Memorando de Entendimento que prevê o estabelecimento de um Programa Especial de
Cooperação Técnica para a Promoção de uma Agenda Nacional de Trabalho Decente, em consulta às
organizações de empregadores e de trabalhadores. Em maio de 2006 foi elaborada a Agenda Nacional
de Trabalho Decente. Acesso em: 16 jul. 2015.
285

de natureza civil. Já o MTPS é um órgão estatal, integrante do Poder Executivo do


Estado Brasileiro.
Tais entidades, seja de natureza civil independente ou integrando o Poder
Executivo, lutam pela dignidade da pessoa humana e realizam importantes ações
relativas à prevenção e ao combate do assédio sexual nas relações de trabalho.
A seguir, abordar-se-á a atuação do MPT, na tutela dos direitos difusos,
coletivos e individuais homogêneos, e suas diversas formas de atuação extrajudicial
e judicial, em defesa do interesse público.

4.2 Ministério Público do Trabalho

O Ministério Público do Trabalho – MPT, constitui uma instituição de natureza


civil, prevista no ordenamento jurídico brasileiro e que mudou radicalmente suas
atribuições a partir da edição da CF de 1988, deixando de ser defensor do interesse
público secundário, o que fazia concomitantemente com a defesa de interesses
próprios da sociedade, para ser defensor dos interesses públicos primários,
desenhados pelos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal. Assim,
transformando-se de órgão passivo judiciário, intervencionista em órgão ativo, com
ampla atuação extrajudicial. E se antes de 1988, o MPT tinha pouca atuação como
órgão agente, atualmente o papel principal não é o de atuação interventiva mediante
pareceres e sim a tutela coletiva da sociedade, em especial da classe trabalhadora546.
Trata-se hoje de uma das mais importantes instituições para a defesa dos
direitos humanos trabalhistas no Brasil e a demanda por sua atuação tende a
aumentar em uma sociedade marcada pelas desigualdades e pelo desrespeito aos
direitos dos trabalhadores. Hoje o MPT tem um efetivo papel de agente transformador
da sociedade, notadamente diante da relevância da atuação do MPT nas questões
relacionadas à igualdade entre mulheres e homens, à não discriminação de qualquer
tipo e no combate ao assédio sexual nas relações de trabalho, .
O MPT é o ramo do Ministério Público da União (MPU) que atua junto aos
órgãos da Justiça do Trabalho. Incumbe ao Ministério Público da União, segundo o

546 Conforme CARELLI, Rodrigo de Lacerda. “Restrições Jurisprudenciais do Tribunal Superior do


Trabalho à atuação do Ministério Público do Trabalho”. MELO FILHO, Hugo Cavalcanti e outros
(Coord.). O Mundo do Trabalho, volume I: leituras críticas da jurisprudência do TST: em defesa do
direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2009, p.409-410.
286

artigo 127 da CF de 1988, a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos


interesses sociais e individuais indisponíveis e tem como funções institucionais, entre
outras, segundo o artigo 129, III, da CF de 1988, a promoção do inquérito civil e a
ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e
de outros interesses difusos e coletivos, podendo, nos termos do artigo 129, VI e VII,
da CF de 1988, expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua
competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei
complementar respectiva e requisitar diligências investigatórias e a instauração de
inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações
processuais.
Ao Ministério Público da União, do qual faz parte o MPT, ao lado do Ministério
Público Federal e do Ministério Público Militar, compete também, segundo o artigo 6,
incisos VII, a, e d, XII, XIV, XV, da Lei 75/93, a promoção do inquérito civil e a ação
civil pública para a proteção dos direitos constitucionais e de outros interesses
individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos; a proposição de
ação civil coletiva para defesa de interesses individuais homogêneos; a promoção de
outras ações necessárias ao exercício de suas funções institucionais, em defesa da
ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis; a manifestação em qualquer fase dos processos, acolhendo solicitação
do juiz ou por sua iniciativa, quando entender existente interesse em causa que
justifique a intervenção.
Ao MPT, de forma específica, compete, segundo o artigo 83, incisos I, II, III, VI,
VIII e XII, da Lei Complementar nº. 75/93, promover as ações que lhe sejam atribuídas
pela Constituição Federal e pelas leis trabalhistas; manifestar-se em qualquer fase do
processo trabalhista, acolhendo solicitação do juiz ou por sua iniciativa, quando
entender existente interesse público que justifique a intervenção; promover a ação civil
pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando
desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos; recorrer das
decisões da Justiça do Trabalho, quando entender necessário, tanto nos processos
em que for parte, como naqueles em que oficiar como fiscal da lei, bem como pedir
revisão dos Enunciados da Súmula de Jurisprudência do TST; funcionar nas sessões
dos Tribunais Trabalhistas, manifestando-se verbalmente sobre a matéria em debate,
sempre que entender necessário, sendo-lhe assegurado o direito de vista dos
287

processos em julgamento, podendo solicitar as requisições e diligências que julgar


convenientes para o correto andamento dos processos e para a melhor solução das
lides trabalhistas.
Incumbe ao MPT, nos termos do artigo 84, incisos II e III, da Lei Complementar
nº. 75/93, instaurar inquérito civil e outros procedimentos administrativos, sempre que
cabíveis, para assegurar a observância dos direitos sociais dos trabalhadores;
requisitar à autoridade administrativa federal competente, dos órgãos de proteção ao
trabalho, a instauração de procedimentos administrativos, podendo acompanhá-los e
produzir provas, devendo ainda, nos termos do artigo 84, inciso IV, da Lei nº. 75/93,
ser cientificado pessoalmente das decisões proferidas pela Justiça do Trabalho, nas
causas em que houve intervenção pelo MPT.
Tanto o MPT quanto a Justiça do Trabalho, tem origem histórica na
necessidade de composição dos conflitos existentes nas relações de trabalho. Antes
da Constituição Federal Brasileira de 1988, a atividade do MPT era vinculada ao Poder
Executivo e limitava-se quase exclusivamente à emissão de pareceres em processos
judiciais, como interveniente547.
A CF de 1988 fundou uma nova ordem jurídica no país, dando novos ares à
organização estatal e assegurando aos cidadãos brasileiros direitos e garantias
fundamentais, dentre os quais, os direitos e deveres individuais e coletivos,
aumentando as atividades e o âmbito de atuação do Ministério Público, modificando
seu perfil e elevando-o à qualidade de instituição permanente e essencial à função
jurisdicional do Estado e dos interesses sociais indisponíveis. Assim, cumprindo ao
MPT a defesa dos direitos sociais indisponíveis em relação a particulares e também
em relação ao Estado, tendo como princípios norteadores a unidade, a indivisibilidade
e a independência funcional.
Para Dallegrave Neto:
Com a edição da Lei Complementar n. 75;93, instituiu-se expressamente a
prerrogativa do Ministério Público do Trabalho propor Ação Civil Pública, na
defesa dos direitos sociais. A expressão “interesses coletivos” mencionada no
inciso III do art. 83 deve ser vista em sua dimensão larga, abrangendo tanto os
direitos difusos e coletivos em sentido estrito como os direitos individuais
homogêneos que se enquadram dentro do interesse coletivo em sentido amplo.
A legitimidade para propor Ação Civil Pública encontra-se estabelecida pela
legislação (art. 82, IV do CDC e art. 5, I e II da LACP), devendo ser ampla a

547Conforme SÍMON, SÍMON. Sandra Lia. O Ministério Público do Trabalho e as Coordenadorias


Nacionais. MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. Coordenadorias Temáticas. BRITTO PEREIRA,
Ricardo Jose Macedo (Coord.) Brasilia: ESMPU, 2006, pp. 07-08.
288

interpretação dessas normas processuais em face do propósito que a ação


coletiva colima: a salvaguarda dos interesses coletivos, difusos e individuais
homogêneos. Na esfera trabalhista, são duas as entidades legalmente
legítimas para a interposição da Ação Civil Pública. A primeira é o Ministério
Público do Trabalho, o qual detém função primordial e inata no manejo dessas
ditas ações coletivas em relação ao manejo dessas ditas ações coletivas. A
segunda entidade legitimada para a ACP é a associação constituída há mais
de um ano e com expressa previsão em seus estatutos em relação à tutela
desses interesses, incluindo-se aqui os sindicatos de classe548.

Após a CF de 1988, houve profunda mudança nas funções institucionais do


MPT, o que foi destacado com a edição da Lei Complementar nº. 75/93 e antes ainda,
da Lei 7347/1985, que previu a Ação Civil Pública, destacando também a Lei 8.078/90,
que instituiu o Código de Defesa do Consumidor, havendo, pois profunda mudança
no MPT, a partir da Constituição Federal brasileira de 1988, firmando-se o MPT como
instituição independente, com atuação voltada precipuamente para os interesses
coletivos da sociedade. Nas palavras de Carelli549:
O “novo” Ministério Público se desfaz da função de proteção de interesses
estatais e governamentais e passa a se concentrar, tão somente, na defesa da
Sociedade, consubstanciada no interesse público primário. Além disso, o faz
com total independência diante dos poderes clássicos da República, sendo que
a conjunção desses dois elementos é essencial para a caracterização de
ineditismo do “parquet” brasileiro frente aos similares alienígenas. Assim,
legitimado pela função constitucional de defesa dos direitos fundamentais da
sociedade, o Ministério Público do Trabalho assume essa representação
funcional da sociedade e passa a defender os trabalhadores imediatamente, e,
de forma mediata (e finalística), o próprio Direito do Trabalho, com vistas à
garantia da sua função primordial: o resguardo da dignidade da pessoa
humana. (...) Como se percebe nas argumentações do Ministério Público do
Trabalho, os direitos fundamentais aparecem sempre nas fundamentações,
mesmo com a existência de normas expressas, que já dariam, por si só,
guarida à tutela pretendida pelo Ministério Público do Trabalho. Seja quando
são utilizados como princípio legitimador da norma, seja quando acionados
como norma, os direitos fundamentais aparecem como ponto de partida, ou
norte, para a atuação do “parquet” laboral. Quando ausentes normas
específicas para a proteção do bem jurídico que se pretende tutelar, pretende
o “parquet” a correção da injustiça pela criação de obrigação inexistente em lei,
pela aplicação direta de princípios de Direitos Humanos.
O princípio da dignidade da pessoa humana, para Carelli, está presente não só
nos tratados e declarações internacionais, mas como mola-mestra no sistema
constitucional brasileiro, sendo base para quase toda a atuação do MPT, que não
pretende ser substitutiva da tutela realizada pelas demais instituições, mas tem conta

548 DALLEGRAVE NETTO, José Afonso. Responsabilidade civil no direito do trabalho. São Paulo: LTr,
2010, p. 212.
549 CARELLI, Rodrigo de Lacerda. O Ministério Público da proteção do Direito do Trabalho. Caderno

CRH, v. 24, Salvador, 2011, pp. 59-69


289

com uma vantagem que pode ser aproveitada pelo sindicatos, que é a tutela
trabalhista mediante a argumentação envolvendo os Direitos Humanos, tendo o
condão de desvincular a fruição dos direitos no trabalho das crises econômicas e do
jogo de forças entre trabalhador e empregador, considerando que em uma conjuntura
favorável ao empregador, a argumentação de põe limites à possibilidade de
aproveitamento do momento de crise pelo capital
Esta atuação do MPT em prol do princípio da dignidade da pessoa humana e
dos Direitos Humanos, não pode nem deve ser realizada de forma isolada, exigindo
articulação constante com os demais agentes políticos e com a sociedade civil, em
processo permanente de integração com a sociedade, por meio de parcerias com o
Ministério do Trabalho e Emprego, com os sindicatos, com as organizações não
governamentais, com outros ramos do Ministério Público e com a OIT, que em 2001
aprovou a Declaração de Princípio de Direito do Trabalho, priorizando, entre outros
aspectos, a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação. Com o
aumento das atribuições do MPT e das demandas relativas aos conflitos do trabalho,
teve início, em 2001, o processo de interiorização, frisando que antes a atuação era
centrada nas capitais dos Estados, em razão da predominância da atividade
interveniente, a mais das vezes, no segundo grau de jurisdição. Intentou-se também
elaborar um planejamento estratégico, em que o Conselho de Procuradores elegeu
seis metas prioritárias, dentre elas estão a promoção da igualdade, para eliminar todas
as formas de discriminação no âmbito do trabalho, tendo em vista a criação de
Coordenadorias Temáticas Nacionais, em 2002, como a Coordigualdade -
Coordenadoria Nacional de Promoção de Igualdade e Combate à Discriminação nas
Relações de Trabalho, com atuação diversificada.
No temário específico da Coordigualdade, está o assédio sexual nas relações
de trabalho que, na acepção de Brito Lopes550, “(...) também resulta em prejuízos na
igualdade de oportunidade constitucionalmente garantida ao empregado.” A
Coordigualdade, em razão da recorrência dos temas e discussões, adotou algumas
deliberações, sem efeito vinculante, adotadas como norte para a atuação institucional.

550 BRITO LOPES, Otávio. Coordenadoria Nacional de Promoção de Igualdade de Oportunidades e


Eliminação da Discriminação no Trabalho (Coordigualdade). MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO.
Coordenadorias Temáticas BRITTO PEREIRA, Ricardo Jose Macedo (Coord.). Brasilia: ESMPU, 2006,
p. 60.
290

Dentre elas, há a deliberação n. 12, aprovada na IV Reunião Nacional da


Coordigualdade, nos dias 27 e 28 de abril de 2005, com o seguinte teor: “Em ações
em que sejam discutidos direitos fundamentais do trabalhador, tais como
discriminação, direito à intimidade, revista íntima, assédio moral e sexual, entre outros,
há interesse público que justifica a atuação do Ministério Público551.
O interesse público existente em relação às situações de assédio sexual nas
relações de trabalho enseja oficialmente a atuação do MPT, tendo o combate a esta
prática sempre inserido nos temas afetos à Coordigualdade.
A Resolução nº. 76, de 24.04.2008, do Conselho Superior do MPT, criou o
temário unificado incluindo o assédio sexual nas relações de trabalho como direito à
intimidade do trabalhador, no tópico pertinente às igualdades de oportunidades e
discriminação nas relações de trabalho.
Em maio de 2011, o temário foi revisado, passando a Coordigualdade a
denominar-se Coordenadoria de igualdade de oportunidades e discriminação nas
relações de trabalho, estando o assédio sexual nas relações de trabalho cadastrado
na área temática nº. 06, relativa à igualdade de oportunidades e discriminação nas
relações de trabalho, no grupo temático nº. 6. e denominado de intimidade do
trabalhador, classificado como o tema 6.3.1, denominado propriamente assédio
sexual, devendo ser assim cadastradas:

(...) notícias de todo tipo de insinuações, contatos físicos forçados ou convites


impertinentes exercidos como condição para concessão ou manutenção do
emprego, ou para influir em possível promoção, prejudicando o rendimento
profissional, humilhando, insultando ou intimidando a vítima, o que
caracteriza o assédio sexual. (...)

O assédio sexual no temário unificado ficou vinculado à intimidade do


trabalhador e não propriamente ao gênero, o que pode ser justificado pela
possibilidade de envolver vítimas do sexo masculino, embora as estatísticas apontem
que 90% das vítimas são mulheres, de modo que a atuação neste caso deve prever
a abrangência de homens e mulheres, a exemplo do que ocorre com o assédio moral.
De outra parte, o que importa aqui, ainda que se entenda que a matéria seja pertinente
às questões de gênero, é a inclusão do assédio sexual nas relações de trabalho no

551 Ibidem, p. 63.


291

temário unificado e, principalmente, o combate à prática da conduta, como parte das


lutas pela dignidade humana.
A partir de 2012, foram realizadas anualmente, em âmbito nacional, no MPT e
por iniciativa da Coordigualdade, Semanas Nacionais de Combate ao Assédio Moral
e Sexual no ambiente de trabalho, com campanhas voltadas ao público interno da
instituição e envolvendo todas as regionais do MPT, sendo distribuída, em 2012, uma
cartilha intitulada: “Assédio Moral e Sexual - Previna-se”. Para a confecção da cartilha
foi utilizado o conceito de Drapeau, segundo o qual o assédio sexual no ambiente de
trabalho consiste em constranger colegas por meio de cantadas e insinuações
constantes, com o objetivo de obter vantagens ou favorecimento sexual, podendo ser
conceituado como “toda conduta de natureza sexual não solicitada que tem um efeito
desfavorável no ambiente de trabalho ou consequências prejudiciais no plano de
emprego para as vítimas”552. A cartilha editada e posteriormente reeditada explica o
que é assédio sexual nas relações de trabalho; quais as formas; quais os requisitos
de configuração; alerta para a questão do crime de assédio sexual e para as
consequências do assédio sexual no âmbito administrativo; instrui sobre a
caracterização; a ilicitude; o que a pessoa assediada sexualmente pode fazer; como
provar o assédio sexual nas relações de trabalho e traz, ainda, considerações sobre
como acabar com o assédio sexual nas relações de trabalho, bem como
considerações comuns ao assédio moral e sexual; qual o comportamento a ser
adotado frente ao assédio, para quem denunciar; quais as consequências para o
assediador e se o assédio pode gerar indenização.
Ressalta-se que o Manifesto Inflexivo de Herrera Flores553, que adota dez
pontos para colocar em marcha a capacidade de rebeldia, a possibilidade de
resistência e a potencialidade do alternativo, a saber: irromper intempestivamente no
real; tratar as causas como causas; fazer a história criando um imaginário social
instituinte; recuperar a força do normativo, combater a coisificação do mundo;
entender que não se está no entorno mas que se é o entorno; propor
intempestivamente seis pautas para a contramodernização inflexiva e, ainda, três
denúncias e três leis culturais - inflexivas, fazer coincidir a teoria e a prática assumindo

552 DRAPEAU, Maurice. Op.cit, nota 265.


553 HERRERA FLORES, Joaquín. Op.cit nota 3, pp. 188-202.
292

os riscos do compromisso com nossa própria verdade; a luta contra o patriarcalismo


e liberar a vida, liberando o desejo.
Atualmente a Coordigualdade trabalha com três projetos estratégicos: a)
assédio é imoral; b) inclusão de PCDs e 3) Combate à discriminação de raça e gênero.
O arcabouço jurídico existente habilita o MPT para que atue nos casos de
prática de conduta de assédio sexual, de forma múltipla: judicialmente, intervindo nos
processos submetidos à apreciação e julgamento da Justiça do Trabalho, como órgão
interveniente, através de pareceres e manifestações e como órgão agente, propondo
ações rescisórias ou ações civis públicas e coletivas e extrajudicialmente, através de
procedimentos investigatórios e inquéritos civis públicos, resolvidos, muitas vezes,
mediante a assinatura de termos de compromisso de ajuste de condutas (TCAC), sem
a necessidade de ajuizamento de ação civil pública.
A dimensão do problema pautará a atuação do MPT, dependendo da casuística
e do entendimento do Membro oficiante, ressaltando que, nos termos do artigo 127,
par. 1º, da CF de 1988, a independência funcional constitui um dos princípios
institucionais do Ministério Público.
Há casos em que a prática da conduta de situação de assédio sexual nas
relações de trabalho constitui uma ocorrência isolada, com lesão ocasional a direitos
individuais trabalhistas, o que ensejaria em alguns processos, apenas a intervenção
do MPT, nos próprios autos, por exemplo, mediante parecer.
Em outros casos, é constatado, após investigação dos fatos, que a situação de
assédio sexual nas relações de trabalho adquiriu dimensão metaindividual ante a
existência de lesão aos direitos e interesses que transcendem o âmbito meramente
individual, as chamadas macrolesões, fenômeno recorrente nas sociedades
contemporâneas em que existe padronização das relações econômicas sociais e
jurídicas entre as pessoas, bem como dos conflitos daí decorrentes. Como já referido,
a situação de assédio sexual nas relações de trabalho constitui também vulneração
ao ambiente hígido de trabalho.
Dependendo da análise de caso a caso, e respeitada a independência funcional
do Procurador do Trabalho que atuar no feito, serão tomadas as medidas cabíveis,
que podem ser no âmbito judicial e/ou extrajudicial. A atuação extrajudicial é realizada
no âmbito administrativo, muitas vezes, como etapa prévia ao ajuizamento de ações
293

judiciais. A atuação judicial é aquela que ocorre em um processo judicial, seja como
órgão interveniente (fiscal da lei), seja como órgão agente (parte, autor ou réu).
O combate à discriminação no trabalho implica redefinição da consciência dos
limites e responsabilidades em face da problemática do gênero e do trabalho, por parte
do Poder Legislativo e do Poder Judiciário, implicando em atenta e intensa atuação
do MPT. E as práticas discriminatórias levadas ao MPT e ao Judiciário devem ser
investigadas e penalizadas, influindo, destarte, na alteração dos padrões sociais 554.
Cabe aos membros do MPT agir em prol dos direitos humanos vulnerados pela
prática da conduta de assédio sexual nas relações de trabalho, de forma a
restabelecer o respeito à dignidade da pessoa. Sabe-se sempre que a atuação do
MPT tem também um caráter pedagógico-promocional, devendo sempre ser
priorizada a atuação extrajudicial.
A atuação extrajudicial do MPT ocorre no âmbito administrativo e é prevista nos
artigos 129, III, da CF de 1988, 7, I, II e III, da Lei Complementar n. 75/93, que são
destinados aos Membros do Ministério Público da União, em geral, e nos artigos 83,
XI e art. 84 e incisos, da Lei Complementar nº. 75/93, destinado especificamente aos
Membros do MPT que podem no âmbito de suas atribuições extrajudiciais, entre
outras atribuições, instaurar inquérito civil e outros procedimentos administrativos,
sempre que cabíveis, para assegurar a observância dos direitos sociais dos
trabalhadores; requisitar à autoridade administrativa federal competente, dos órgãos
de proteção ao trabalho, a instauração de procedimentos administrativos, podendo
acompanhá-los e produzir provas; exercer outras atribuições que lhe forem conferidas
por lei, desde que compatíveis com sua finalidade e realizar inspeções e diligências
investigatórias.
O procedimento administrativo inicia com o recebimento de notícia da
existência de lesão. A notícia pode ser feita por Membro do Ministério Público, que
tomou conhecimento do dano pela atuação como órgão interveniente ou por notícia
veiculada nos meios de comunicação ou por denúncia, que pode ser efetuada pelos
lesados, por entidades de classe ou por qualquer pessoa que tenha conhecimento da
ofensa, admitida, inclusive, a denúncia anônima. O Procurador, a quem foi distribuída

554GOSDAL, Thereza Cristina. Diferenças de gênero e discriminação no trabalho. A igualdade de


gênero nas relações de trabalho. PENIDO, Lais de Oliveira (Coord). Brasília: ESMPU, 2006, pp. 315-
316.
294

a denúncia ou notícia, para apreciação prévia, poderá arquivá-la, desde logo, caso
entenda que não se trata de hipótese de intervenção do Ministério Público. Também
poderá, desde logo, ajuizar a ação reputada necessária, caso entenda presentes fatos
e fundamentos suficientes e poderá instaurar procedimento investigatório, que adota
forma mais simples, ou inquérito civil público, que é revestido de maiores
formalidades.
Ambos, procedimento investigatório e inquérito civil público, objetivam a coleta
de provas e a formação do convencimento para instruir e ajuizar eventual ação ou, a
critério do Procurador, permitir a tentativa de compromisso, firmado
administrativamente, para a correção da conduta lesiva aos direitos dos
trabalhadores, de forma extrajudicial, previamente ao ajuizamento de uma ação civil
pública. Veja-se que as soluções extrajudiciais são eficazes, em muitos casos,
evitando assim o manejo de uma ação judicial em uma Justiça do Trabalho, já tão
sobrecarregada.
No curso do procedimento investigatório ou do inquérito civil público são
colhidas provas para o eventual ajuizamento de uma ação, sempre buscando a defesa
dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, relacionados aos direitos
sociais indisponíveis dos trabalhadores. Estas e outras diligências, no âmbito
administrativo, auxiliam o Ministério Público e podem resultar na celebração de termo
de compromisso de ajustamento de conduta, caso o investigado concorde em adequar
sua conduta de forma espontânea, submetendo-se a cominações; no ajuizamento da
ação competente ou, ainda, no arquivamento do procedimento ou inquérito (este fica
sujeito à homologação pelo Conselho Superior do Ministério Público).
A atuação extrajudicial tem resultado na assinatura de muitos termos de
compromisso de ajustamento de conduta em relação à prática de assédio sexual nas
relações de trabalho. De forma geral, o termo de compromisso de ajustamento de
conduta, firmado pelo empregador, contém cláusulas em que o empregador se
compromete a obrigações de fazer, que podem consistir, a título exemplificativo, na
abstenção de qualquer ato que possa ser caracterizado como assédio sexual nas
relações de trabalho; na instituição de regras objetivas para a contratação de
empregados ou estagiários, bem como o procedimento a ser adotado pelo setor de
recursos humanos, para distribuição dos empregados e estagiários nos diversos
setores da empresa. Ainda, na instituição de uma declaração de princípios
295

concernentes ao assédio sexual no trabalho, esclarecendo que os empregados têm


direito a um meio ambiente laboral sexualmente saudável e isento de assédio e que o
assédio não será permitido nem tolerado no âmbito da empresa, que será
disciplinarmente punido mediante sanções graduadas, segundo a gravidade ou
reiteração da conduta indesejável; no estabelecimento de mecanismo de recebimento
de denúncias e investigação de assédio sexual no âmbito da empresa, podendo ser
por meio de sua ouvidoria, comissão especialmente estabelecida para este fim, ou
outro, com garantia de processamento imediato e sigiloso; bem como de que a vítima
e eventuais testemunhas não sofrerão retaliações pela reclamação que vier a fazer
para a comissão instituída na conformidade desta cláusula, ou pelo depoimento
prestado; na publicação em edital a ser afixado em local visível na sede da empresa
do conteúdo das cláusulas do termo, dos nomes dos integrantes de comissão, ou da
ouvidoria, conforme a opção da empresa; na obrigação de entregar a cada empregado
ou estagiário da empresa, cópia da declaração de princípios da empresa
relativamente ao assédio sexual, mediante recibo; na apresentação ao Ministério
Público, em prazo razoável, de cópias do material colocado em edital, bem como da
comprovação de recebimento pelos empregados e estagiários; na obrigação de dar
ciência da declaração de princípios a novos empregados e estagiários, por ocasião
de seu ingresso na empresa; na obrigação de estabelecer tópicos sobre o assédio
sexual no curso de formação da CIPA, no qual fiquem esclarecidas as diretrizes da
empresa acerca da questão.
Usualmente, o termo de compromisso de ajustamento de conduta contém
previsão de acompanhamento do cumprimento das obrigações, pelo MPT e pela
fiscalização do trabalho, a cargo dos auditores fiscais do atual MTPS, sendo fixado
por tempo indeterminado. Em muitos casos, o compromissando fica obrigado a
cumprir ou a não descumprir a lei, o que poderia tornar inútil a celebração do termo,
sob o argumento de que a lei já é autoaplicável e não precisaria deste tipo de reforço,
matéria controvertida, considerando que, em tese, a conduta que acarretou a
investigação pelo MPT é lesiva a direitos e interesses difusos, coletivos ou individuais
homogêneos, traduzindo ofensa aos dispositivos legais e a disposição do
compromissando de corrigir seu comportamento constitui anuência à lei e autoriza,
em caso de descumprimento, a execução pela via judicial, na qual não se discutirá a
aplicação da lei, mas o descumprimento do termo acordado entre as partes.
296

De lembrar aqui a falta de efetividade das leis que tutelam os direitos sociais
dos trabalhadores e a impunidade, em muitos casos e por vários fatores (como a
demora na solução jurisdicional e a falta de aparelhamento dos órgãos fiscalizadores
do Ministério do Trabalho, por exemplo), daqueles que descumprem as leis
trabalhistas. A inclusão, nos termos de compromisso de cláusulas, prevendo como
obrigações de fazer a obediência às leis e como obrigações de não fazer a abstenção
de lesar direitos assegurados em lei é um poderoso instrumento de conscientização.
E, também, de coerção, pois em caso de descumprimento das normas legais, a par
das sanções ali previstas, haverá a obrigação de pagar a multa, tornando menos
atrativo o descumprimento das normas legais.
Em 23.03.2009, foi firmado termo de compromisso de ajustamento de conduta,
firmado entre o MPT do RS e um ofício de registro de imóveis, tendo como
peculiaridade a ser destacada a inclusão de cláusulas prevendo a disponibilização aos
empregados de acompanhamento psicológico e/ou psiquiátrico, conforme a
necessidade de cada um, bem como a produção e publicação de anúncios, em jornal
de circulação estadual, abordando temas relativos ao assédio moral e à não
discriminação no ambiente de trabalho.
Mais recentemente, em outro caso, envolvendo a prática da conduta de assédio
sexual nas relações de trabalho, foi publicado anúncio, no jornal Zero Hora, em Porto
Alegre, Rio Grande do Sul, na data de 28.05.2011, alertando para o tema, como
resultado de acordo realizado nos autos do Processo 01049-2006-010-04-00-9,
ressaltando aqui que o acordo foi realizado antes do julgamento, entre o MPT e o
CRECI-RS. Trata-se de interessante atuação do MPT, de caráter emancipatório, pois
alerta as pessoas trabalhadoras em geral, acerca do tema, tratando-se de anúncio
publicado no caderno do periódico destinado aos anúncios de emprego, ao mesmo
tempo em que sanciona a empresa que patrocina a publicação do anúncio,
promovendo a conscientização sobre a questão, em caráter pedagógico/educativo e
contribuindo para a visibilização da situação.
Na atuação judicial como órgão interveniente, o MPT atua como fiscal da lei.
Trata-se de função clássica, embasada nos incisos II, VI, VII, IX e XII do artigo 83 da
Lei nº. 75/93, na qual o MPT examina processos judiciais e se convencido da
existência da prática de conduta de assédio sexual nas relações de trabalho, pode
exarar manifestação que, usualmente, toma a forma de parecer. Embora atualmente
297

a função parecerista seja menos prestigiada em relação à função agente, é certo que
mantém ainda relativa importância, pois a par do convencimento possível do julgador
em prol da tese esposada, a análise dos processos individuais e de dissídios coletivos,
enseja o conhecimento de muitas situações lesivas aos direitos humanos dos
trabalhadores e a subsequente possibilidade de atuação da instituição diante de tais
situações. A atuação parecerista, aliás, nos dissídios coletivos tem sido eficiente para
a inclusão de medidas de caráter preventivo e/ou repressivo, relacionadas à prática
da conduta do assédio sexual nas relações de trabalho. A remessa dos autos, ao
MPT, de feitos envolvendo situação de assédio sexual nas relações de trabalho, tem
ensejado a emissão de pareceres nos processos remetidos e, ainda, a feitura de
denúncias ao primeiro grau de jurisdição para a abertura, se entendida como cabível,
de procedimento extrajudicial que possibilite o possível ajuizamento de ação civil
pública em defesa da parte trabalhadora, dado o interesse coletivo, a ser aferido pelo
Membro Oficiante.
Pode o MPT também ingressar com ações afirmativas, entendidas como
medida temporárias para acelerar a igualdade de fato entre os sexos, objetivando a
correção dos desequilíbrios na contratação de mulheres, o acesso a diferentes cargos
e também a prevenção e correção da prática da conduta de assédio sexual nas
relações de trabalho, assegurando a igualdade real entre homens e mulheres e o
respeito à dignidade humana. Brito Filho aduz que no combate à discriminação,
incluindo-se aqui o assédio sexual nas relações de trabalho como forma de
discriminação, podem ser utilizados dois modelos: o modelo repressor e o modelo da
ação afirmativa, assegurando que a principal diferença entre os dois modelos seria a
postura ativa adotada, para concluir que os modelos não podem ser vistos de forma
isolada, sendo certo considerar o modelo de ações afirmativas como evolução do
modelo repressor. As ações podem ser embasadas no artigo 4º. da Convenção da
ONU, sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra as Mulheres,
ratificada pelo Brasil e aprovada em 2002, e no artigo 7 da Constituição Federal
Brasileira, devendo incentivar a formação científica e técnica da mulher, para facilitar
o acesso da mulher a cargos de chefia e para prevenir e combater o assédio sexual
nas relações de trabalho, sendo tais medidas afirmativas consequência do fato de que
condições singulares exigem tratamento diferenciado, sob pena de gerar ou
intensificar novas diferenças sociais. Com a ação afirmativa pode-se irromper no real,
298

tratando as causas como causas e fazendo a história, recuperando a força do


normativo, combatendo a coisificação do mundo, adotando uma postura de
responsabilidade frente ao entorno, propondo pautas a serem seguidas, fazendo
coincidir nossa teoria pelas lutas sociais em busca da dignidade humana, lutando
contra o patriarcalismo e, por fim, liberando a vida, a ser entendida aqui como uma
existência com respeito aos direitos fundamentais.
Trata-se, com base na teoria crítica dos direitos humanos, de importante
instrumento que pode ser utilizado nos processos de lutas sociais. Sabe-se que a
atuação judicial é importante, porém nem sempre alcança, por si só, os resultados
desejados. Tanto quando atua judicialmente ou extrajudicialmente, o membro do MPT
deve posicionar-se da forma mais emancipatória possível, objetivando a prevenção
das situações, para além da mera punição de condutas. Este é o procedimento mais
consentâneo com o entendimento de que os direitos humanos são produtos culturais.
Para além de punir, deve-se buscar uma nova cultura de respeito aos direitos
humanos e à dignidade da pessoa. Muitos resultados positivos são alcançados por
meio de parcerias com entidades de proteção à mulher e com sindicatos, dentre outros
entes da sociedade civil e com a realização de audiências públicas. Apesar disso,
muito ainda há para ser feito em prol dos direitos humanos e cabe a todos assumir
sua responsabilidade na construção de uma sociedade mais justa e igualitária, lutando
pela dignidade da pessoa. O membro do MPT, bem como todos os operadores
jurídicos, deve levar em consideração, tanto na questão da conduta de prática de
assédio sexual nas relações de trabalho, como em quaisquer outras questões que
envolvam lesão a direito, o necessário compromisso com a luta pela dignidade e com
a construção de um mundo melhor.
Nos casos de prática de assédio sexual nas relações de trabalho, a atuação
judicial do MPT como órgão agente ocorre, basicamente, através da ação civil pública,
quando frustrados os mecanismos extrajudiciais, objetivando reprimir a conduta
reiterada lesiva a interesses coletivos, atuando, portanto, na defesa de interesses
metaindividuais.
Medidas preparatórias ao ajuizamento da ação civil pública também podem ser
ajuizadas para assegurar a efetividade dos direitos tutelados.
Pinceladas tais considerações sobre a atuação do MPT, é de ser ver, ainda que
de forma geral, as ações civis públicas e os interesses metaindividuais.
299

Cada vez mais as relações tendem a ser coletivas e os interesses não mais
individuais, mas metaindividuais, o que reclama instrumentos jurídicos hábeis a
proteger os interesses e direitos decorrentes da massificação das relações.
No Brasil, a CF de 1988 avançou, significativamente, no que tange à proteção
dos direitos coletivos. Esta proteção aos direitos coletivos já era encontrada na
Consolidação das Leis do Trabalho, em que é previsto o dissídio coletivo.
A emergência das relações de massa e o avanço do direito material, quanto ao
reconhecimento dos direitos coletivos daí decorrentes, exigiu o avanço do direito
processual. Ensina Milaré555, em trecho bastante citado pelos estudiosos do tema, a
seguinte lição:

(...) Numa sociedade como essa - sociedade de massa - há que existir


igualmente um processo civil de massa. A ‘socialização’ do processo é um
fenômeno que, embora não recente, só de poucos anos para cá ganhou
contornos mais acentuados, falando-se mesmo em normas processuais que,
pelo seu alcance na liberalização dos mecanismos de legitimação ad causam,
vão além dos avanços verificados nos países socialistas. (...)

O objeto da ação civil pública é a defesa dos interesses e direitos coletivos, em


sentido amplo. Os interesses e direitos metaindividuais, denominados, também, de
interesses e direitos coletivos em sentido lato, constituem gênero, cujas espécies são
os direitos difusos, coletivos e os individuais homogêneos, na exegese nos artigos 127
e 129, III da CF de 1988, combinados com o artigo 81 da Lei. n. 8078/90 (Código de
Defesa do Consumidor), aplicável, de forma subsidiária, ao processo do trabalho, por
força do artigo 769 da Consolidação das Leis do Trabalho.
O conceito de interesses direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos é
dado pelo artigo 81 da Lei. nº. 8078/90 e aplicado ao direito do trabalho, também por
autorização expressa do artigo 90 da mesma lei. Os termos “interesses” ou “direitos”
são usados como sinônimos, considerados os interesses como interesses,
juridicamente protegidos, tendo relevância jurídica como pertencentes a uma
pluralidade de pessoas dispersas na sociedade (difusos) ou determinável com maior
ou menor dificuldade (coletivos e individuais homogêneos). Interesses ou direitos
difusos são os transindividuais de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas
indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.

555 MILARÉ, ÉDIS. A ação civil pública na nova ordem constitucional. São Paulo: Saraiva, 1990.
300

Os interesses e direitos coletivos em sentido estrito são os transindividuais, de


natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas
entre si, ou com a parte contrária por uma relação jurídica base ou, ainda, os
interesses que compreendam uma categoria determinada ou determinável de
pessoas, dizendo respeito a grupo, classe ou categoria de indivíduos, ligados por uma
mesma relação jurídica-base, e não apenas por meras circunstâncias fáticas, como
nos interesses difusos. Como exemplo, podem ser citados os interesses de uma
coletividade de trabalhadores de uma mesma empresa, atingidos pelo assédio sexual
ambiental.
Os interesses ou direitos individuais homogêneos são os decorrentes de origem
comum, sendo um feixe de interesses individuais, divisíveis, com titulares que podem
ser facilmente identificados e como interesses com origem comum. No caso da prática
da conduta de assédio sexual nas relações de trabalho, é possível caracterizar, como
direitos individuais homogêneos atingidos, os direitos dos (as) trabalhadores (as)
atingidos diretamente pela conduta irregular. Os interesses individuais homogêneos
diferem dos difusos, principalmente, pela divisibilidade dos individuais homogêneos e
indivisibilidade dos difusos. E, ainda, pela possibilidade de identificação dos
interessados nos individuais homogêneos e impossibilidade de identificação, nos
difusos. Ainda, quanto aos interesses coletivos em sentido estrito, pela divisibilidade
dos individuais homogêneos e indivisibilidade dos coletivos, somados ao fato de que
a ligação dos interessados titulares de direitos coletivos em sentido estrito é realizada
pela mesma relação-base.
Enquanto os interesses difusos e coletivos são, essencialmente, coletivos, pois
indivisíveis, os interesses individuais homogêneos são também coletivos, pois são
divisíveis, mas podem ser tratados como coletivos, dada a origem comum a
caracterizar a homogeneidade. Há que se perquirir aqui qual a natureza dos
interesses e direitos lesados pela prática da conduta de assédio sexual nas relações
de trabalho. Embora as diferenciações entre interesses difusos, coletivos e individuais
homogêneos não sejam por vezes fáceis de realizar nos casos concretos, é possível
afirmar que os interesses atingidos pela prática da conduta de assédio sexual nas
relações de trabalho são, em princípio, coletivos e individuais homogêneos. Coletivos
em sentido lato, porque a prática da conduta de assédio sexual nas relações de
trabalho atinge uma coletividade de trabalhadores, determinável, composta por todos
301

os empregados atuais e futuros das empresas, exigindo uma solução homogênea


para sua composição. Individuais homogêneos, porque dizem respeito a empregados
atuais e ex-empregados, identificáveis desde logo, lesionados em seus direitos. São
interesses individuais em essência, mas que recebem tratamento coletivo em razão
da origem comum. Como já referido, adota-se o entendimento de que os interesses e
direitos defendidos pela ação civil pública, quando se trata de prática de conduta de
assédio sexual nas relações de trabalho, são coletivos em sentido lato e individuais
homogêneos. Inobstante as controvérsias, o assédio sexual nas relações de trabalho
poderia ser conceituado também como interesse difuso, pois atinge a coletividade e
os trabalhadores empregáveis em uma empresa.
A legitimidade ativa do MPT para a proposição da ação civil pública é dada pelo
artigo 5º, I da Lei nº 7347/85 e pelo artigo 129º, III, da CF de 1988, para o ajuizamento
da ação civil pública, sendo concorrente com a de outros entes, destacando-se a
legitimidade dos sindicatos, prevista nos artigos 8º, III, e 129º, 1º, da CF de 1988,
relativa à defesa dos interesses difusos e coletivos ou individuais homogêneos da
categoria. O entendimento acerca da legitimidade ativa do MPT para propor ACP em
defesa de interesses metaindividuais decorrentes das relações de trabalho foi
reforçado, a partir da Emenda Constitucional nº 45/2004, abrangendo todas as
relações de trabalho sob a égide da Justiça do Trabalho.
A Justiça do Trabalho tem competência material para apreciar e julgar ACP que
objetive a defesa de interesses metaindividuais, ligados às relações de trabalho. O
artigo 114º, I, da CF de 1988, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº
45/2002, atribui à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações oriundas das
relações de trabalho, abrangendo os entes de direito público externo e da
administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios. Já o artigo 83, III da Lei Complementar nº 75/93, atribui competência
ao MPT para promover a ACP no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de
interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais garantidos na CF de
1988. Transcreve-se aqui interessante ementa de acórdão do Processo 32505-2009-
011-09-00-4, da lavra da Relatora Ana Carolina Zaina, publicada em 17.01.2012,
oriunda do TRT da 9. Região, em Curitiba, no Paraná, julgando ACP ajuizada pelo
MPT, acerca da situação de assédio sexual nas relações de trabalho:
302

(...) COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Ação relativa tanto ao


período contratual quanto ao pré-contratual. Legitimidade do ministério
público do trabalho. Ação civil pública. Tutela de direitos trabalhistas de
empregadas e candidatas à vaga de emprego. Danos genéricos. Interesse
coletivo. Dano moral coletivo. Prática de atos ofensivos à honra, à intimidade
e à dignidade das trabalhadoras. A prova testemunhal foi uníssona quanto à
ocorrência dos fatos descritos na petição inicial, o que, aliado à farta
documentação, trazida aos autos, torna inequívoco o assédio moral e sexual
perpetrado pelo réu contra número significativo de mulheres, empregadas
domésticas ou candidatas à vaga de emprego, durante largo lapso temporal,
além da prática de atos abusivos de retenção de documentos e objetos
pessoais, falta de pagamento de salários e exigência de exames médicos não
relacionados com a função a ser exercida pelas vítimas. Majoração do
quantum indenizatório. Cabimento. Elevada condição econômica do réu.
Indiscutível gravidade e repercussão da lesão. Repetição dos atos ilícitos ao
longo do tempo. Alto grau de reprovação da conduta do ofensor. Tendo em
vista os referidos parâmetros e também os princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade e a função sancionatória e pedagógica (caráter diretivo do
direito), cabível a majoração da indenização para r$400.000,00 (quatrocentos
mil reais). (...)

Assentada a competência da Justiça do Trabalho, quanto às ações que


envolvem direitos relativos às relações de trabalho, prevalece o entendimento de que
a ação deve ser apreciada e julgada, originariamente, pela Vara do Trabalho do local
do dano, conforme o artigo 2º da Lei nº 7347/85, considerando que a ACP é de
natureza ordinária e individual. A competência territorial, nas ações civis públicas, foi
definida pelo TST na Orientação Jurisprudencial nº. 130 da Seção de Dissídios
Individuais- 2, com a redação alterada em 14.09.2012:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COMPETÊNCIA. LOCAL DO DANO. LEI Nº


7.347/1985, ART. 2º. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, ART. 93. I
– A competência para a Ação Civil Pública fixa-se pela extensão do dano. II
– Em caso de dano de abrangência regional, que atinja cidades sujeitas à
jurisdição de mais de uma Vara do Trabalho, a competência será de qualquer
das varas das localidades atingidas, ainda que vinculadas a Tribunais
Regionais do Trabalho distintos. III – Em caso de dano de abrangência
suprarregional ou nacional, há competência concorrente para a Ação Civil
Pública das varas do trabalho das sedes dos Tribunais Regionais do
Trabalho. IV – Estará prevento o juízo a que a primeira ação houver sido
distribuída.

O Ministério Público, se não intervém no processo como parte, atua como fiscal
da lei, conforme o artigo 5º, parágrafo 1º, da Lei nº 7347/85, e em caso de desistência
infundada ou abandono da ação, por associação legitimada, o Ministério Público, ou
outro legitimado, assumirá a titularidade ativa, nos termos do parágrafo 3º do artigo
referido.
303

O pedido formulado na ACP pode ser imediato, dizendo respeito à providência


jurisdicional vindicada, que pode ser uma sentença condenatória, declaratória,
constitutiva ou uma providência executiva, cautelar ou preventiva, ou mediato, relativo
à utilidade que se pretende obter através da sentença.
No caso das ações civis públicas veiculadas para combater a prática da
conduta de assédio sexual no ambiente de trabalho, o pedido inicial terá natureza
essencialmente cominatória, buscando uma obrigação de não fazer e uma obrigação
de fazer, conforme consta de forma expressa no artigo 3º da Lei n. 7347/85. O pedido
pode ser também cumulado, com uma postulação de condenação pecuniária, a título
de indenização pelos prejuízos causados por dano genérico, considerado como tal o
dano jurídico social acarretado pela prática da conduta do assédio sexual, constituindo
dano moral coletivo. Na concepção de Medeiros Neto556, os elementos seguintes
caracterizam o dano moral coletivo e revelam seu conceito: conduta antijurídica por
ação ou omissão de pessoa física ou jurídica; ofensa significativa e intolerável a
interesses extrapatrimoniais, identificados no caso concreto, reconhecidos e
inequivocamente compartilhados por uma determinada coletividade; a percepção do
dano causado, correspondente aos efeitos emergentes de forma coletiva, traduzidos
pelas sensações de pouco valor, indignação, menosprezo, repulsa, inferioridade,
descrédito, desesperança, aflição, humilhação, angústia ou qualquer sentimento
negativo importante; existência de nexo causal entre a conduta ofensiva e a lesão
socialmente apreendida e repudiada. Esta indenização por dano moral coletivo, cada
vez mais aceita pela jurisprudência dos tribunais, deve levar em conta a natureza do
ato ilícito, a gravidade da lesão e o comprometimento do bem jurídico violado, sendo
importante meio para coibir a reiteração das lesões e buscar o ressarcimento dos
lesados de forma indireta, pois é reversível, nos termos do artigo 13º da Lei n.
7.347/85, a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de
que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da
comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados.
Em interessante decisão, o TST, no Processo TST AIRR - 50040-
83.2008.5.10.0007, publicado em 12.06.2015, da lavra do Relator Ministro Hugo
Carlos Scheuermann, tendo como agravante o Banco do Brasil S A e como agravado

556 MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Op. cit, nota 476, pp. 168-169.
304

o MPT da 10ª Região, foi mantida a condenação do TRT da 10ª Região, quanto à
indenização por dano moral coletivo, imputada ao Banco agravante, no valor de
seiscentos mil reais, destinados ao Fundo de Amparo aos Trabalhadores, em razão
de diversas denúncias de assédio moral, uma delas decorrente de assédio sexual não
correspondido, conforme se infere no depoimento parcial de testemunha ouvida no
feito: “(...) que, em Pernambuco, existe um caso de uma funcionária de 22 anos, recém
empossada, que sofreu assédio sexual e, como não correspondeu ao assediador,
passou a ser vítima de assédio moral, sofrendo grandes abalos em sua saúde; que a
referida funcionária foi dispensada pelo réu e, posteriormente, reintegrada, sendo
certo que, para continuar a trabalhar, a mãe da funcionária tinha que permanecer no
saguão da agência (...).” Veja-se que aqui, em se tratando de dano moral coletivo, já
foi arbitrado um valor maior do que os usualmente deferidos em ações individuais.
O artigo 11 da Lei n. 7347/85 prevê que a determinação, pelo juízo, de ofício,
nas ações que tenham por objeto obrigação de fazer ou não fazer, do cumprimento
da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de
execução ou multa diária, priorizando a execução específica das obrigações de fazer
ou não fazer em relação à conversão em perdas e danos. O pedido cominatório pode
ser pedido de condenação pecuniária pelos danos causados pelo réu, salientando-se
aqui que a possibilidade de cumulação não impede o ajuizamento de ações individuais
ou plúrimas pelos lesados ou pelos sindicatos profissionais, estes na qualidade de
substitutos processuais. A ACP admite a possibilidade de concessão de liminar,
independentemente do ajuizamento de ação cautelar, desde que o juiz esteja
convencido, podendo ser determinado ao réu o cumprimento, desde logo, das
obrigações de fazer ou não fazer postuladas na inicial, sob pena de imposição de
multa ou outras medidas, conforme previsto no artigo 12º da Lei nº. 7347/85, segundo
o qual o juiz pode conceder liminar com ou sem justificativa prévia, em decisão que
está sujeita a agravo, a pedido da pessoa jurídica de direito público interessada, para
evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, e se
interposto recurso para suspender a execução da liminar, pode o Presidente do
Tribunal decidir, cabendo recurso de agravo no prazo de cinco dias, para uma das
turmas julgadoras.
Quanto à coisa julgada na ACP, o artigo 16 da Lei nº 7347/85, com a redação
dada pela Lei nº 9494/9, refere que a sentença civil fará “coisa julgada erga omnes”,
305

nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado
improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado
poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, com nova prova. Inobstante, há
quem defenda que o artigo 16º da Lei nº 7347/85 foi derrogado, tacitamente, pelo
artigo 103º da Lei. nº 8078/90 e que a alteração somente surtiria efeitos se fosse
modificada a redação do artigo 103º e incisos da Lei. nº 1078/90, que era a norma em
vigor sobre a coisa julgada nas ações coletivas. Não há projeção dos efeitos da coisa
julgada nas ações individuais; se os interesses são individuais homogêneos, havendo
sentença de mérito, há coisa julgada e a ação coletiva não pode ser renovada, mas a
improcedência não impede que os interessados que não foram litisconsortes ajuízem
ação a título individual, conforme o artigo 103º, par. 1. da Lei. nº 8078/90. Se a ação
coletiva for julgada procedente, há o aproveitamento in utilibus do conteúdo do
julgamento coletivo. Quanto aos recursos, são cabíveis, na ACP, os mesmos recursos
das demais ações trabalhistas individuais.
Salienta-se que em muitos casos o valor proveniente dos acordos judiciais e
extrajudiciais realizados pelo MPT é destinado para instituições com atuação no local
do dano, o que faz com que diversas instituições procurem o MPT, que na 4ª. Região
organizou um cadastro para a doação de valores. Como antes referido, o direito
processual comum, voltado ao atendimento das demandas originadas de conflitos de
interesses individuais, não estava preparado para responder, de forma rápida e
eficiente, às demandas oriundas das lesões em bloco contra os direitos e interesses
metaindividuais de muitas pessoas. Este despreparo beneficiou os responsáveis pelas
macrolesões, fragmentando os conflitos, essencialmente coletivos, em demandas-
átomo, banalizando-os e abarrotando o Judiciário com muitos processos similares,
aproveitando a morosidade da máquina judiciária, por eles mesmos provocada e
explorando a diversidade de andamentos e sentenças, própria do sistema. Como
instrumento inibitório da estratégia utilizada pelos responsáveis pelas macrolesões, o
direito processual contemporâneo admitiu a defesa dos direitos análogos, mediante
ações coletivas, ajuizadas pelos entes legitimados, destacando-se a ACP.
O MPT, portanto, realiza importante trabalho em termos repressivos e também
preventivos/pedagógicos utilizando os mecanismos legais de atuação extrajudicial e
quando inexitosa a atuação extrajudicial, a atuação judicial, com todos os seus
aspectos.
306

Destaca-se que o aumento da demanda de atuação do MPT não foi


acompanhada da instrumentalização correspondente, carecendo a instituição de
recursos para fazer frente às exigências do trabalho a ser realizado, diante do maior
número de denúncias e das requisições dos juízes - o que é incentivado, pois, muitas
vezes, por meio de um processo remetido para emissão de parecer, são descobertas
muitas lesões aos direitos do trabalhadores, e em termos materiais, ainda não está a
instituição perfeitamente aparelhada, em termos de Membros, servidores e recursos
materiais para o perfeito desempenho das funções constitucionais. Ressalta-se
também que a falta de recursos orçamentários força a priorização de algumas
demandas em detrimento de outras.
Como visto, o MPT realiza importante movimento com relação às lutas pela
dignidade humana, juntamente com outras instituições, é somente com a
conscientização de toda a sociedade que se mudará em definitivo a realidade para
que o mundo ocidental atual se transforme em um mundo no qual sejam respeitados
os direitos humanos entendidos.
Na lição de Herrera Flores557, como o resultado de lutas sociais e coletivas que
tendem à construção de espaços sociais, econômicos, políticos e jurídicos que
permitam o empoderamento de todas e todos para lutar plural e indiferenciadamente
por uma vida digna de ser vivida.
Aqui foi analisada a atuação do MPT e sua atuação nos âmbitos extrajudicial e
judicial, na busca de soluções coletivas para o problema do assédio sexual nas
relações de trabalho.
No próximo subcapítulo, dando sequência à análise da questão no âmbito
coletivo, abordar-se-á o empoderamento das mulheres na busca pela igualdade real
e a atuação possível do MPT.

4.3 Empoderamento das mulheres e a atuação possível do Ministério Público


do Trabalho

A prática de assédio sexual nas relações laborais é antiga e decorrente do


desequilíbrio de poder entre homens e mulheres.

557 HERRERA FLORES, Joaquín. Op.cit nota 3, p.12.


307

O combate de tal prática pode ocorrer de forma individual, através de ações


trabalhistas individuais e de forma coletiva através de ações coletivas, com caráter
repressivo, indenizatório e pedagógico.
Todos os que atuam no Direito do Trabalho devem estar sensibilizados em
relação ao combate à discriminação da mulher558 e “garantir o empoderamento de
mulheres é condição essencial para avançar no desenvolvimento. Os países que
apresentam a menor desigualdade de gênero são justamente os que ostentam o maior
índice de desenvolvimento humano”559.
Urge, pois, pensar formas de empoderar as mulheres, buscando a redução e/ou
eliminação da desigualdade e da discriminação entre os sexos.
No Brasil, atualmente há 134 projetos de lei versando sobre igualdade em
tramitação, em estágios distintos.
A Secretaria de Políticas para Mulheres tem o Programa Pró-Equidade de
Gênero e Raça, com o objetivo de disseminar novos conceitos na gestão de pessoas
e na cultura organizacional para o alcance da igualdade entre homens e mulheres, no
mundo do trabalho. É de ver o que acontecerá a partir das mudanças ministeriais
anunciadas para o segundo semestre de 2015.
O Programa, de adesão voluntária, é dirigido à empresas de médio e grande
porte, públicas e privadas, com personalidade jurídica própria. A empresa participante
do Programa elabora uma ficha com seu perfil e um Plano de Ação acerca das ações
que serão desenvolvidas em termos de equidade de gênero e raça e, se executadas
as ações de modo considerado satisfatório, ganha um Selo Pró-Equidade de Gênero
e Raça, contribuindo para o alcance de bons resultados econômicos, financeiros e
socioambientais, com divulgação nacional e internacional (por meio eletrônico) sobre
o compromisso assumido com a igualdade racial e entre mulheres e homens. Embora
todos os esforços empreendidos, o programa, todavia, não tem produzido o impacto
esperado.
A iniciativa quanto ao Programa Pró-Equidade de Gênero e Raça guarda
semelhanças com o Plano de Igualdade de Oportunidades, introduzido na legislação
espanhola com a Ley Orgánica 3-2007, para a efetiva igualdade de mulheres e

558
No mesmo sentido, GOSDAL, Thereza Cristina. Op, cit, nota 555 p. 318.
559
PIOVESAN, Flavia; PIMENTEL, Silvia. Mulher. Democracia e Desenvolvimento. Jornal Folha de São
Paulo em 9.01.2011, Caderno de opinião, A3.
308

homens (LOI), no artigo 46, que define o Plano de Igualdade como um “conjunto
ordenado de medidas, adoptadas después de realizar un diagóstico de la situación,
tendentes a alcanzar en la empresa la igualdad de trato y de oportunidades entre
mujeres y hombres y a eliminar la discriminacíon por razón de sexo”.
A elaboração do Plano de Igualdade não é imposta a todas as empresas, sendo
adotado um critério misto, ou seja, é obrigatória para algumas e incentivada em outras.
Há quatro situações distintas560: empresas obrigadas legalmente a adotar um Plano
de Igualdade a partir de um ponto de vista qualitativo; empresas obrigadas legalmente
a adotar um Plano de Igualdade a partir de um ponto de vista quantitativo; empresas
cuja obrigação de negociar um Plano de Igualdade decorre de previsão em norma
coletiva e empresas que não são objeto de obrigação legal ou convencional, mas que
podem adotá-lo de forma voluntária, após consulta aos representantes dos
trabalhadores.
No primeiro caso, relativo ao ponto de vista qualitativo, a autoridade laboral
determina à empresa que reiteradamente descumpre a obrigação de não discriminar,
que elabore e aplique um Plano de Igualdade, em substituição à imposição de uma
sanção acessória.
No segundo caso, relativo ao ponto de vista quantitativo, as empresas com
mais de 250 empregados são obrigadas a elaborar o Plano de Igualdade.
No terceiro caso, a obrigação da empresa decorre de norma coletiva, e no
quarto caso, por fim, as empresas que voluntariamente adotam um Plano de
Igualdade, após consulta aos representantes dos trabalhadores.
O Plano de Igualdade tem, basicamente, três fases: a elaboração de um
diagnóstico da situação em matéria de gênero; a negociação e a implantação das
medidas necessárias para atingir o objetivo da igualdade e a observação e avaliação
que poderá levar à negociação e à elaboração de um novo conjunto de medidas de
acordo como o novo diagnóstico da situação.
Sinala-se aqui que o assédio sexual nas relações de trabalho deve constar nas
distintas fases do Plano de Igualdade, conforme disposição expressa da LOI.

560 Cf. MONFORT, Gemma Fabregat. Los Planes de Igualdad como Obligación Empresarial. Analisis
de la Ley Orgánica para la Igualdad Efectiva de Mujeres y Hombres. Albacete: Bomarzo, 2007, pp. 17-
28.
309

Trata-se de mecanismo legal que pode servir de exemplo para o Brasil, que
como já dito, não possui regramento específico acerca da igualdade e do assédio
sexual, embora existam diversos projetos de lei em andamento.
A autora espanhola Rubio Castro, ao falar da igualdade na Espanha, em
palavras que servem também de reflexão para a situação das mulheres no Brasil,
assim adverte:

Si nuestra sociedade no logra trasladar al debate político las funciones de


cuidado, si no afronta com valentia um nuevo contrato social sin exclusión de
sujetos y contextos, las instancias actuales de socializacíon, continuarán
conformando dos naturalezas humanas, lo que unido a los desarrollos
parciales del principio de igualdad, producirán una sociedade más injusta,
más empobrecida y más violenta. Si em el passado a las mujeres se les
reconocián los mísmos derechos civiles y políticos, pero se las socializaba
para su no ejercicio. Ahora se las educa e incorpora al mercado de trabajo,
en aparente igualdad de condiciones y de oportunidades, mostrándose las
instituciones inocentes de lo que más tarde ocorre durante el processo de
promoción, donde funciona el poder y el privilegio. Uma verdadeira política
igualitária debe promover la igualdad, compensar la discriminación histórica
padecida, y erradicar la discriminación institucional para poner fin a la
assimetria em las relaciones de poder. Si la discriminación institucional no se
afronta y no se habla de discriminación directa o indirecta, la presencia
mayoritaria de hombres em las funciones de direccion y liderazgo se
justificará como resultado del mayor esfuerzo, excelência o coraje masculino,
y la mayor presencia de mujeres en las responsabilidades de cuidado como
resultado de la libertad individual y del interés de las mujeres por la família.
Con viejos e novos argumentos retornará “la naturaliza de las cosas”, para
explicar a assimetria social y política entre mujeres e hombres. Y una vez
más, el liberalismo, con su modelo de sociedade como suma de indivíduos
libres e iguales, aportará justificación a las desigualdades e injusticias
sociales que padecen las mujeres561.

Os problemas enfrentados pelas mulheres na Espanha, que tem um


regramento legal acerca do tema da igualdade de oportunidades, guardam similitude
com os problemas enfrentados pelas mulheres do mundo ocidental, diante da
persistente cultura patriarcal.
É de ressaltar, contudo, a ocorrência de mudanças políticas que podem levar a
mudanças institucionais, como aponta Baylos, ao comentar a atuação de Manuela
Carmena, antiga juíza de 71 anos, eleita presidente da Câmara de Madrid, em junho
de 2015:

“Un cambio cultural que conduce a una nueva concepción del espacio urbano,
pero también del tiempo en este mismo espacio, flexibilizándolo y adaptando
su uso a las necesidades personales y cambiantes de diferentes estratos y

561 RUBIO CASTRO, ANA. Op.cit, nota 144, pp. 60-61.


310

grupos sociales. En Madrid, Manuela Carmena ha reclamado una “cultura de


las mujeres” que reivindica el valor de los cuidados, y que revaloriza el valor
social de las políticas emprendidas como resultado de la combinación de
tantos factores para mejorar la vida de las personas. En ese nuevo
paradigma, el servicio público es un elemento central, y por eso la llamada de
la alcaldesa de Madrid a la creatividad de los funcionarios que deben disfrutar
trabajando para mejorar la situación de los ciudadanos, en el marco de un
decidido compromiso de lucha contra la corrupción, que en el caso de Madrid
es especialmente grave562.

No Brasil, em relação às empresas, quando demonstradas práticas


discriminatórias reiteradas, o MPT pode ajuizar ações civis públicas com caráter de
ações afirmativas.
Nos termos do artigo 1. VI, da Lei n. 12.288, de 20.07.2010, que instituiu o
Estatuto da Igualdade Racial, ações afirmativas são os programas e medidas
especiais adotados pelo Estado e pela iniciativa privada para a correção das
desigualdades raciais e para a promoção da igualdade de oportunidades.
Conforme Ferreira563, a ação afirmativa trabalhista é mecanismo apto para a
promoção e implementação dos direitos à igualdade de oportunidades e à não
discriminação, tendo fundamento constitucional nos artigos 1, 3, 7, XX, XXX,XXXI e
XXXIII e ainda no artigo 170, caput e incisos, todos da Constituição Federal Brasileira
e nas convenções internacionais sobre direitos humanos, ratificadas pelo Brasil, onde
constam os critérios para a formulação das ações afirmativas, conferindo fundamento
de validade a tais ações, que podem ser apresentadas de modos e formas diversas,
havendo liberdade para regramento, observadas as normas constitucionais e
convencionais autorizadoras da discriminação positiva, devendo-se tomar cuidado em
relação à transparência dos procedimentos, metas e mecanismos de controle, bem
como da duração das medidas especiais promocionais.
Contudo, é preciso tomar cuidado para que as medidas de ação afirmativa
sejam revestidas de mecanismos de natural assimilação, devido ao risco do
acirramento de posições já eivadas de preconceito. A par da questão jurídica, as
ações afirmativas devem cumprir o papel de desconstrutoras do preconceito564.
O tratamento discriminatório sistemático de qualquer grupo social constitui em
si uma injustiça, qualquer que seja a história daquela sociedade. Isso porque as

562 Disponível em: <http://baylos.blogspot.com.es/2015/06/atuntamientos-democraticos.html>. Acesso


em: 28 jul.2015.
563 FERREIRA, Dâmares. Op.cit, nota 534, p. 207.
564 BRITO FILHO, José Claudio Monteiro de. Ações Afirmativas. São Paulo: LTR, 2014, p. 78.
311

características que determinam as percepções de pertença de grupo, sejam elas de


hetero ou autoidentificação são moralmente arbitrárias, não devendo caracterizar justa
razão para a desigual distribuição de bens. Assim, é possível concluir que políticas de
igualdade de oportunidades são necessárias para dirimir a discriminação social
injusta565.
Balaguer leciona que as ações afirmativas constituem uma técnica de aplicação
judicial da igualdade em defesa dos coletivos menos representados mas adverte
acerca das diferenças entre o estabelecimento das ações afirmativas nos Estados
Unidos da América e as ações afirmativas em outros países, dependendo do modelo
de Estado, aduzindo que:
Hay que tener em cuenta que en un Estado Social y democrático cualquer
medida de compensación hacia cualquier colectivo obedece a un principio de
justicia distributiva en el que la igualdad se hace posible a través de una
necessária desigualdade, lo que no necessariamente exige un modelo liberal
de Estado, que se justifica solamente dejando a la libre iniciativa la
configuración de las fuerzas sociales. En todo caso, la relativa diferencia en
cuanto a las possibilidades teóricas que ofreceel sistema de los EE.UU. para
las acciones afirmativas no minimiza la importância de su conocimiento y
eventual aplicacíon (...) de aquellas formas de actuación de los poderes
públicos que favorescan la igualdad, aunque hayan partido de presupuestos
teóricos disimiles566.

Na sequência, a mesma autora567 aduz que as possibilidades de avançar contra


a violência de gênero, entre as quais está inserido o assédio sexual nas relações de
trabalho, exigem sua contemplação dentro do ordenamento jurídico como um
problema específico de gênero, que exige a desconstrução do direito desde o
universal, entendido como a aceitação de que o direito incumbe não somente aos
homens e sim aos homens e às mulheres e que o universal não se identifica com o
masculino e sim com os dois gêneros da natureza.
Em 2005, após levantamento de dados de empresas do setor bancário no
Distrito Federal, o MPT ajuizou ações civis públicas com caráter de ações afirmativas,
baseadas na existência de práticas discriminatórias.
O ajuizamento das ações pelo MPT, apesar do julgamento de improcedência
destas, com maciça rejeição do judiciário quanto à prática de discriminação indireta,

565 FERES, João; DAFLON, TOSTE, Verônica; CAMPOS, Luiz Augusto. Ação afirmativa e Justiça.
Dimensões políticas da justiça. AVRITZER, Leonardo et al. (Coord.) Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2013, p. 236.
566 BALAGUER, Mária Luisa. Op.cit, nota 111, p.124.
567 Ibidem, p. 174.
312

gerou, todavia, resultados positivos, diante da divulgação dos dados coletados de


forma prévia e diante da articulação efetuada com os sindicatos, resultando em
avanços sobre as questões, e aqui sem desanimar com os resultados no âmbito
judicial, da iniciativa pioneira é de lembrar as palavras de Ramos Filho, quando aduz
que:

No plano judicial, a ampliação dos direitos à classe que vive do trabalho se


dará com a revisão da jurisprudência consolidada ao tempo em que o
neoliberalismo era hegemônico em súmulas precarizantes e com a alteração
na composição dos Tribunais. De fato, esse processo já está em andamento.
Naturalmente, com a aposentadoria de magistrados mais influenciados
ideologicamente com o ideário hegemônico no período anterior,
paulatinamente, os Tribunais superiores vêm tendo sua composição alterada,
pela nomeação de juízes menos comprometidos com a ética do capitalismo
descomplexado. Além disso, com as novas composições das Cortes se
oportunizou uma revisão crítica do papel da magistratura trabalhista na
precarização dos direitos dos trabalhadores e na transferência de renda da
classe trabalhadora para a classe empresarial no período identificado como
a “década perdida”568.

O que se diz aqui é que o ajuizamento de ações afirmativas em relação à


discriminação às mulheres, incluindo a questão do assédio sexual nas relações
laborais pode e deve, se intentado novamente, aprendendo-se com eventuais erros
da atuação anterior; aprimorando-se a atuação e insistindo nas justas propostas, além
de efetuar uma política de sensibilização do Poder Judiciário.
As ações de caráter afirmativo propostas pelo MPT, em face das empresas do
setor bancário, não foram bem sucedidas, conforme Brito Filho569, devido à avaliação
incorreta do Poder Judiciário no enfrentamento das questões, porquanto a
fundamentação que motivou o MPT ao ingressar com as ações anteriores encontrava
guarida no ordenamento jurídico e a total falta de diversidade no trabalho em razão
de raça, cor, gênero e idade foi sempre demonstrada, ou, em outras palavras, as
ações afirmativas não encontram ainda o amparo necessário, o que pode e deve ser
modificado, seja pela utilização de instrumentos internacionais no embasamento
jurídico, seja pelo convencimento dos julgadores acerca da importância do tema entre
outras possibilidades.
Conforme Goulart, o Ministério Público, nos termos da Constituição de 1988,
pode ser definido como órgão da sociedade civil e de acordo com a vontade do

568 RAMOS FILHO, Wilson. Op.cit nota 6, p. 464.


569 BRITO FILHO, José Claudio Monteiro de. Op.cit, nota 534, p. 66
313

constituinte, o Ministério Público integra essa esfera do Estado para nela cumprir o
papel de agente da vontade política transformadora, responsável pela construção da
hegemonia democrática e cotejando o dado formal com a realidade, é de se ver que
o Ministério Público avançou bastante no processo de transição da sociedade política
para a sociedade civil, mas ainda não se consolidou como instituição catártica570.
Quanto às políticas públicas, a atuação da Secretaria de Políticas para
Mulheres, no Brasil, está pautada pelo Plano Nacional de Políticas para as Mulheres
2013-2015, que tem como objetivo geral a promoção da igualdade no mundo do
trabalho e a autonomia econômica das mulheres urbanas, do campo e da floresta,
considerando as desigualdades entre mulheres e homens, as desigualdades de
classe, raça e etnia, desenvolvendo ações específicas que contribuam para a
eliminação da desigual divisão sexual do trabalho, com ênfase nas políticas de
erradicação da pobreza e na valorização da participação das mulheres no
desenvolvimento do país. Entre os objetivos específicos está a ampliação da
participação e a permanência das mulheres no mundo do trabalho, garantindo a
qualidade nas condições e a igualdade de rendimentos.
O Relatório anual socioeconômico da mulher (RASEAM)571 de 2014, relativo a
2012 e lançado em março de 2015, ao tratar das mulheres em espaços de poder e
decisão, remarca que a presença de mulheres nos espaços de poder e decisão
constitui indicador de relevo acerca da igualdade de condições e de oportunidades
vivenciadas por elas na sociedade brasileira. E aponta, ainda, que embora as
mulheres tenham relativa vantagem em termos de escolaridade em relação aos
homens, existe ainda importante desigualdade de gênero na ocupação dos espaços
de poder e decisão, sendo longo o caminho a ser percorrido ainda para o alcance da
igualdade de gênero material, nos espaços de poder. O ano de 2014 apresentou ao
país novas/os representantes políticas/os e a minirreforma eleitoral, resultante da
aprovação da Lei nº 12.034/2010, obrigou os partidos políticos ao preenchimento
efetivo do mínimo de 30% das vagas com candidaturas de mulheres, definindo que o

570 GOULART, Marcelo Pedroso. Elementos para uma teoria geral do Ministério Público. Belo
Horizonte: Arraes, 2013, pp. 120-121. Para o autor, a transição do Ministério Público de sociedade
política para sociedade civil não está ainda finda e depende de vontade coletiva interna democráticaque
permita a passagem da instituição do momento corporativo para o momento ético-político, de catarse
interna, para habilitar-se de forma definitiva como órgão mediador da catarse social.
571 Disponível em: <http://www.spm.gov.br/>. Acesso em: 25 jul. 2015.
314

Fundo Partidário destinasse um mínimo de 5% das receitas para programas


relacionados à participação política das mulheres, instituindo também, tempo mínimo
de difusão em rádio e televisão para incentivar a igualdade de gênero e a participação
das mulheres na política. Na eleição de 2014, o eleitorado brasileiro foi composto por
52,1% de mulheres e 47,9% de homens. E apesar do aumento do número de mulheres
à frente de ministérios após a eleição de Dilma Rousseff à Presidência da República
em 2010, em 2014 havia apenas sete ministras, correspondendo a quase 18% do
primeiro escalão do Governo Federal. Quanto aos cargos federais de Direção e
Assessoramento Superiores - DAS, a ocupação feminina, desde 2010, foi mantida no
percentual de 43% do total, demonstrando que o acesso aos mais altos níveis de
gestão dos órgãos governamentais permaneceu como um desafio às mulheres. A
proporção é ainda menor entre as/os servidoras/es com vínculo, com a proporção de
39% de servidoras com DAS para 61,2% dos servidores com DAS.
Ressalta-se que, a par dos dados acima demonstrados acerca da desigualdade
entre homens e mulheres quanto à distribuição de cargos relevantes, é reinvidicação
dos sindicatos de servidores públicos que tais cargos sejam distribuídos entre os
servidores de carreira e não por pessoas alheias à instituição, indicadas, a mais das
vezes, por critérios políticos e não técnicos e que com honrosas exceções não ajudam
a aprimorar o desempenho do serviço público.
O Relatório anual socioeconômico da mulher (RASEAM) demonstra também a
reduzida presença das mulheres nas Forças Armadas, apontando, contudo, a
perspectiva de ampliação da participação feminina, diante da sanção da Lei nº
12.705/2012, que permite o ingresso de militares do sexo feminino em áreas antes
restritas aos homens. Em relação à atividade econômica, as mulheres têm expressiva
representativa em cargos de direção nas áreas de educação, saúde, serviços sociais
e alojamento e alimentação em contraponto à pouca representatividade nas áreas
agrícola e de construção, aduzindo-se que o reduzido espaço ocupado pelas mulheres
nos cargos de direção e chefia nos setores industriais está relacionado a uma menor
participação feminina nos cursos de engenharias e ciências exatas, o que motivou a
Secretaria de Políticas para Mulheres, em parcerias com outros órgãos a lançar, em
2013, uma ação de fomento a projetos que estimulem a formação de mulheres nas
carreiras de ciências exatas, engenharias e computação no Brasil, esperando-se
315

despertar o interesse das estudantes por tais cursos e evitar a evasão nos anos iniciais
dos cursos universitários de tais carreiras.
Em relação à representação política, conforme o Relatório anual
socioeconômico da mulher (RASEAM), as mulheres ocupam 18% do quadro das
executivas nacionais, destacando-se, contudo, a existência de instâncias de mulheres
na quase totalidade dos partidos políticos com representação no Congresso (91,3%),
avanço que sugere o interesse e o engajamento das mulheres pelo direito de
participar, influenciar e intervir nas decisões de seus partidos políticos.
Houve, conforme o Relatório anual socioeconômico da mulher (RASEAM), o
fomento da implementação de Organismos Executivos de Políticas para as Mulheres
- OPM, atualmente presentes em 11,8% do total de municípios brasileiros e
considerados como instâncias dos governos locais que mais se aproximam das
diretrizes políticas chanceladas pelo Plano Nacional de Políticas para as Mulheres,
que orientam a construção e execução das políticas públicas para as mulheres do
Governo Federal.
Do exposto verifica-se que a existência de Organismos Executivos de Políticas
para as Mulheres - OPM, nos níveis federativos, mostra-se importante para a garantia
da efetividade das políticas para as mulheres.
Conforme Dworkin572, políticas públicas são definidas como padrões de
conduta que propõem objetivos a serem alcançados, em geral melhorias em aspectos
econômicos, políticos ou sociais da comunidade.
Nos termos do artigo 1. V, da antes citada Lei n. 12.288, de 20.07.2010, que
instituiu o Estatuto da Igualdade Racial, políticas públicas são as ações, iniciativas e
programas adotados pelo Estado no cumprimento de suas atribuições institucionais.
Políticas públicas são entendidas como o conjunto de ações estatais, diante de
situações consideradas como de risco, objetivando o interesse coletivo, podendo ser
desenvolvidas somente pelo Estado, entendido aqui como os governos federais,
estaduais e municipais, de forma autônoma ou em parcerias com outras instituições.
Ao analisar a incorporação da perspectiva de gênero pelas políticas públicas e
programas governamentais, Farah573 critica, por um lado, o que chama de a

572
DWORKIN, Ronald. Los derechos em serio. Barcelona: Ariel,1989, p. 72.
FARAH, Marta Ferreira Santos. “Gênero e políticas públicas”. Disponível em:
573

<http://www.scielo.br/pdf/ref/v12n1/21692.pdf>. Acesso em: 25 jul. 2015.


316

focalização de mulheres em gerais, defendendo o reconhecimento das diferenças


entre as próprias mulheres e propondo uma espécie de ‘focalização dentro da
focalização’, complementar à manutenção de políticas universais de combate à
pobreza, e apontando na agenda de gênero uma tensão entre diferentes perspectivas,
tendo de um lado, uma ênfase na eficiência e uma certa “funcionalização” da mulher,
vista como um “instrumento” do desenvolvimento, como “potencializadora” de políticas
públicas, pelo papel que desempenha na família, e de outro, uma ênfase em direitos,
na constituição da mulher como sujeito.
A seguir, aponta que com base na plataforma de ação definida na Conferência
Mundial sobre a Mulher, realizada em Beijing em 1995, e na trajetória do movimento
de mulheres no Brasil, constituiu-se a agenda atual no Brasil acerca das questões de
gênero, incluindo diversas diretrizes no campo das políticas públicas, relacionadas à
violência, à saúde, ao reconhecimento dos direitos das meninas e adolescentes, à
geração de emprego e renda, à educação, ao trabalho, à infraestrutura urbana e
habitação, à questão agrária, à incorporação da perspectiva de gênero por toda
política pública (transversalidade) e ao acesso ao poder político e empoderamento.
Das diretrizes, destacam-se todas voltadas para o trabalho; à incorporação da
perspectiva de gênero por toda política pública; o acesso ao poder político e finalmente
a educação.
Para Bordieu574, somente uma ação política que considere todos os efeitos da
dominação exercida através da cumplicidade objetiva entre as estruturas assimiladas
e as estruturas das grandes instituições nas quais se realiza e se reproduz não só a
ordem masculina, mas toda a ordem social poderá, a largo prazo. E, amparando-se
nas contradições dos diferentes mecanismos e instituições implicados, contribuir para
a progressiva extinção da dominação masculina.
Conforme Gramsci575, ao analisar aspectos da questão sexual, em especial, a
função econômica da reprodução, a questão ética e civil mais importante ligada à
questão sexual é a formação de uma nova sexualidade feminina, que permanecerá
cheia de características reputadas como doentias, sendo necessário cuidado com as
inovações legislativas, enquanto a mulher não tiver alcançado não apenas
independência frente ao homem e uma nova concepção de si mesma e de seu papel

574 BORDIEU, Pierre. La dominación masculina. Barcelona: Anagrama, 2005, p. 141.


575 GRAMSCI, ANTONIO. Americanismo e Fordismo. São Paulo: Hedra, 2008, p.47.
317

nas relações sexuais, existindo elementos que tornam difícil toda regulamentação
sexual e a tentativa de criar uma nova ética sexual de acordo com os novos métodos
de produção e de trabalho.
Por outro lado, é necessário regulamentar e criar uma nova ética, arriscando-
se aqui a dizer que sua criação deve levar em conta os direitos humanos vistos na
ótica da teoria crítica e considerando a luta pela dignidade como razão e a
consequência da luta por democracia e por justiça.
Os direitos humanos constituem a afirmação da luta dos seres por ver
satisfeitos seus desejos e suas necessidades nos contextos em que estão situados576.
Já Ávila Y Cantos577 defende que a luta das mulheres deve encontrar uma nova
maneira de reinventar o espaço que permita fazer-se visível entre lugares invisíveis -
os não lugares, de que fala Augé578, ou somente apreciáveis para poucos
(hiperlugares), “olhando estes lugares com o sentido de reconstruí-los e talvez
voltando-nos a construir um lugar para nós e para todos”.
Acerca das políticas públicas, Farah aponta que a abertura do processo de
formulação e de implementação de políticas públicas, associada à democratização,
parece favorecer uma maior permeabilidade às necessidades da comunidade,
ponderando, de outro lado, a democratização do programa, tornando-o permeável às
necessidades da comunidade destinária. (...) as políticas e programas analisados
parecem sugerir que entre a invisibilidade das mulheres, suas necessidades e
demandas e uma ação governamental que seja resultado de uma consciencia de
gênero, incorporando a perspectiva de gênero de forma sistemática, há um terreno
intermediário, com incorporação gradual das abordagens propostas por entidades de
mulheres, abrindo caminho para transformações mais profundas e arrojadas”579.
Bandeira580 aponta como fundamental a afirmação dos direitos humanos
através de políticas públicas universais, mas também por meio de políticas específicas
que promovam o direito dos grupos tradicionalmente excluídos, havendo necessidade

576 HERRERA FLORES, Joaquín. Op.cit nota 3, p. 14


577 ÁVILA Y CANTOS, Debora. Buscando espacios visibles en una ciudad invisible. Transformaciones
del trabajo desde una perspectiva feminista. Produccíón, Reprodución, Deseo, Consumo. Madrid:
Tierradenadie, 2006, pp. 203/215
578 AUGÉ, Marc. Los “no lugares”. Espacios del Anonimato. Barcelona: Gedisa, 1996.
579FARAH, Marta Ferreira Santos. Op.cit, nota 540.
580 BANDEIRA, Lourdes. Mulheres e Atuação Politica: A Construção das Politicas Sociais de Gênero

no Poder Legislativo do Rio de Janeiro. Disponível em: <http:// www.observatoriodegenero.gov.br/>.


Acesso em: 25 jul. 2015.
318

de desenvolvimento de políticas que não sejam cegas às diferenças, atuando para a


superação das desigualdades e que a presença e mobilização das mulheres nas
instâncias de representação do poder político, nos partidos políticos ou em entidades
da sociedade civil, devem ser lugares de fomentação da educação e participação
política das mulheres.
Conforme a Ministra do TST, Maria Cristina Peduzzi581, ao falar de políticas
sobre o tema do assédio:

(...)Com a descoberta desses atos aparentemente inofensivos, como


produtores de efeitos maléficos no ambiente de trabalho para o trabalhador
nas décadas de 1980 e 1990, começou a se identificar o instituto e as
primeiras ações já foram ajuizadas em 2000. Ela é um instrumento da maior
importância e eficiência, por esclarecer o empregador, do pequeno ao grande
e também o empregado, que, uma vez esclarecido, poderá reagir e impedir
que a prática seja uma constante(...)

O MPT pode ingressar com ações afirmativas tendo por objeto a adoção de
políticas públicas que contemplem a igualdade entre os sexos e a
prevenção/repressão ao assédio sexual nas relações de trabalho, como tem feito em
relação às políticas públicas em relação à erradicação do trabalho infantil,
transcrevendo-se aqui a ementa do acórdão do Processo 05870-2009-024-09-00-2
(AP), da lavra da Relatora Marlene T. Fuverski Subuimatsu, publicada em 21.03.2011,
oriunda do TRT da 9. Região582, em Curitiba, no Paraná:

AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TERMO DE COMPROMISSO FIRMADO


PERANTE O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. COMPETÊNCIA
MATERIAL. A Justiça do trabalho é competente para julgar Ação de
Execução de Título Extrajudicial decorrente de Termo de Compromisso de
Ajustamento de Conduta firmado perante do Ministério Público do Trabalho.
Se a pretensão tem como objetivo, entre outros, a valorização do trabalho
humano (art. 1°, IV, e 6° da CF) e a proteção do direito-dever ao não trabalho,
da criança e do adolescente, de que tratam os artigos 7º, XXXIII, da CF e 403
da CLT, e, portanto, respeitados os princípios de hermenêutica constitucional
relativos a unidade constitucional, efeito integrador, máxima efetividade, força
normativa da Constituição, conformidade funcional, interpretação das leis
conforme a Constituição e concordância prática ou harmonização, a matéria
se inclui no âmbito de competência desta Justiça Especializada, conforme art.
114, I e IX, da CF. A Lei Complementar 75/1993, art. 83, III e V, afasta
qualquer dúvida de que a ação inclui-se no rol de atribuições do Ministério
Público do Trabalho e na competência desta Justiça Especializada. Recurso
ordinário do autor a que se dá provimento para declarar a competência

581 Disponível em: <www.tst.jus.br>. Acesso em: 25 jul. 2015.


582 Disponível em: < http://www.trt9.jus.br/>. Acesso em: 25 jul. 2015.
319

material desta Justiça Especializada e determinar o retorno dos autos à Vara


de origem para análise do feito.

No caso acima, o Ministério Público do Trabalho firmou termo de compromisso


de ajustamento de conduta com Município, em atuação extrajudicial, e tal termo foi
descumprido, acarretando o ajuizamento de ação judicial para o cumprimento do
acordo realizado.
Em outro feito judicial, também foi reconhecida a competência da Justiça do
Trabalho para o julgamento de ação postulando a adoção de políticas públicas
voltadas à erradicação do trabalho infantil, transcrevendo-se aqui a ementa do
Processo 00471-2010-006-16-00-9-RO, da lavra do Relator Gerson de Oliveira Costa
Filho, publicada em 20.06.2011:

COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.


PEDIDO DE ADOÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS VOLTADAS À
ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL. A competência da Justiça do
Trabalho, ou de qualquer ramo do Judiciário, não se define em razão da
natureza das normas legais aplicáveis ao caso concreto, mas em razão da
natureza da pretensão que é deduzida em juízo. No nosso direito processual
trabalhista, basta que o pedido e a causa de pedir estejam relacionados com
as hipóteses constitucionais do art. 114 da CF/88 ou com leis esparsas para
que se tenha reconhecida a competência da Justiça Laboral. Recurso
conhecido e provido. (...)

A postulação relativa à adoção de políticas públicas objetivando a efetivação


da igualdade real entre os sexos, eliminando-se a discriminação, bem como a
prevenção/repressão do assédio sexual nas relações de trabalho, encontra suporte
na valorização do trabalho humano, nos termos dos artigos 1, IV e 6, da Constituição
Federal brasileira de 1988 (art. 1°, IV, e 6°, da CF) e na vulneração do direito ao
respeito à dignidade da pessoa humana; do direito à igualdade e a não discriminação
em razão do sexo; do direito à integridade física e moral; do direito à liberdade sexual
e do direito a um meio ambiente de trabalho íntegro e sadio.
Nos termos do artigo 114, I da Constituição Federal Brasileira, há competência
da Justiça do Trabalho para processar e julgar ações que tenham por objeto políticas
públicas envolvendo relações laborais, com esteio nos já citados artigos 1, IV, e 6 da
Constituição Federal Brasileira, tendo como causa de pedir o ato ou a omissão ilegal
do ente público, na elaboração ou na falta de elaboração de política pública,
preferencialmente após ouvida a sociedade e os entes públicos, o que pode se dar
mediante a realização de audiências públicas nos termos previstos pela Resolução n.
320

82 do Conselho Nacional do Ministério Público, editada em 29.02.2012, com


recomendação aos Membros do Ministério Público que promovam audiências
públicas, realizadas na forma de reuniões organizadas, abertas a qualquer cidadão,
para discussão de situações das quais decorra ou possa decorrer lesão a interesses
difusos, coletivos e individuais homogêneos, com a finalidade de coleta de elementos,
junto à sociedade e ao Poder Público, que embasem a decisão do órgão do Ministério
Público quanto à matéria objeto da convocação. Extrajudicialmente, poderá o MPT
utilizar-se da recomendação prevista no art. 6º, XX, da LC 75/93, pelo qual
demonstrará ao Poder Público as medidas necessárias para a adequação ou iniciação
da política pública.
Também é possível a instauração de procedimento preparatório (...) ou de
inquérito civil para a verificação da inexistência ou inadequação das políticas públicas
(artigos 129, III e VI, da CRFB, 84, II, da Lei Complementar n. 75/93 e 8º, §1º, da Lei
n. 7.347/85).
Cabe também ao MPT o fomento de políticas públicas, que poderá ocorrer por
meio da promoção do diálogo entre a sociedade e o poder público. O papel de
promotor de políticas públicas tem como instrumento o Procedimento Promocional,
introduzido no art. 17, parágrafo único, da Resolução 69, de 12/12/2007, por meio da
Resolução 87, de 27/08/09, ambas do CSMPT583.
A atuação do MPT na judicialização de políticas públicas em relação à
igualdade entre os sexos, à não discriminação entre homens e mulheres e à
prevenção/repressão do assédio sexual nas relações de trabalho é possível, em
obediência à Constituição Federal brasileira de 1988, em especial ao contido nos
artigos 1, II, III e IV (cidadania, dignidade da pessoa humana os valores sociais do
trabalho como fundamentos da República); 3, I, III e IV (construção de uma sociedade
livre, justa e solidária, erradicação da pobreza e da marginalização e redução das
desigualdades sociais e regionais, promoção do bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação e 5, I e X (
igualdade de homens e mulheres em direitos e obrigações e inviolabilidade da

583Cf. MAFRA, Juliana Beraldo. “O controle social das políticas públicas de saúde do trabalhador - o
papel do Ministério Público e da Justiça do Trabalho”. Disponível em: <http://jus.com.br/>. Acesso em:
25 jul. 2015.
321

intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à


indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Deve ser ressaltado aqui o teor do inciso XXXV do artigo 5, segundo o qual a
lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
Há um consenso em torno da construção de políticas públicas que promovam
o aumento da escolaridade das mulheres e a inclusão, na educação, da temática da
igualdade entre homens e mulheres.
Embora existam poucas ações afirmativas em relação a políticas públicas,
entende-se que as ações podem e devem ser tentadas em relação às questões de
gênero, incluso o assédio sexual nas relações de trabalho. Conforme lembra
Nascimento:

As ações afirmativas são formas de políticas públicas que objetivam


transcender as ações do Estado na promoção do bem-estar e da cidadania
para garantir igualdade de oportunidades e tratamento entre as pessoas e a
mobilização dos setores culturais com intenção de ampliar as ações de
inclusão social. Diferenciar inclusão social de exclusividade e privilégios
sociais. A inclusão social é busca da afirmação de direitos que há muito tempo
vem sendo negados; enquanto exclusividade é marca registrada de um grupo
ou segmento social que tem amplo acesso aos bens, riquezas e
oportunidades produzidas em termos sociais visto que uma ou outra parcela
muito grande da população tem restrições ou são barradas por completo da
participação sócio-cultural e o exercício da dignidade e da cidadania. É isso
que caracteriza a exclusividade584.

No Brasil, o atual Governo Federal apresenta uma disposição favorável em


relação à inclusão da igualdade em diversos níveis, embora, entre os processos de
lutas sociais pela dignidade humana, seja viável a judicialização das políticas públicas.
Segundo Courtis,585 o Poder Judiciário, quando adequadamente provocado,
mostra-se como poderoso instrumento de articulação de políticas públicas na área
social.
Lembra-se aqui as palavras de Touraine, quando afirma que ninguém duvida
de que o tema da situação atual das mulheres ocupe papel central na análise
sociológica e que doravante o julgamento acerca de um país será mais comandado

584 NASCIMENTO, João do. “Ações afirmativas e políticas públicas de inclusão social”. Disponível em:
<http://meuartigo.brasilescola.com/sociologia/acoes-afirmativas-politicas-publicas-inclusao-
social.htm>. Acesso em: 25 jul. 2015.
585 COURTIS, Cristian; ABRAMOVICH, Victor. Los derechos sociales como derechos exigibles. Madrid:

Trotta, 2002, p. 118.


322

pelo lugar das mulheres, pelos direitos que lhes são reconhecidos ou pelas violências
exercidas contra elas586, podendo-se incluir aí o assédio sexual.
Não há ainda, uma política pública voltada especificamente para a temática da
prática da conduta de assédio sexual nas relações de trabalho, mas há programas e
campanhas voltadas à implementação da cidadania e da igualdade entre os sexos,
cujos resultados somente poderão ser aferidos mais adiante.
Nas lutas sociais pelos direitos humanos e pela dignidade humana das pessoas
trabalhadoras, pode e deve o MPT, com o aparato que lhe foi dado pela legislação,
notadamente na Constituição Federal brasileira de 1988, juntamente com as demais
instituições, atuar junto à sociedade, buscando a realização e a implementação e a
verificação da efetividade e do real cumprimento de políticas públicas que contemplem
à igualdade entre os sexos, à não discriminação entre homens e mulheres e à
prevenção/repressão do assédio sexual nas relações de trabalho, a exemplo do que
já acontece em relação às políticas públicas para erradicar e prevenir à mão de obra
de crianças voltadas para a proteção das crianças e adolescentes. Em ação proposta
pelo MPT, o TST determinou a remessa dos autos ao primeiro grau de jurisdição,
prevalecendo o voto do ministro José Roberto Freire Pimenta, adotou um visão mais
ampliativa da competência da Justiça do Trabalho, entendendo que o caso
comportava uma aplicação direta e imediata das normas constitucionais e que as
convenções internacionais da OIT e dos Direitos Humanos, ratificadas pelo Brasil, se
equiparam à lei587.
Na sequência do presente trabalho, analisar-se-á as questões ligadas à
cidadania e à educação para a cidadania e para a igualdade.

4.4 Cidadania e a educação para a cidadania e para a igualdade

Após a análise do tratamento individual dado às questões relacionadas ao


assédio sexual nas relações de trabalho e da análise do tratamento coletivo já
existente e suas possibilidades, cabe perquirir sobre as questões relativas à cidadania
e à educação para a cidadania e para a igualdade. Nos termos do artigo 1, II e III da

586 TOURAINE, Alain. Pensar outramente o discurso interpretativo dominante. Rio de Janeiro: Vozes,
2009, p. 197.
587 Conforme o site <http://www.conjur.com.br/2015-ago-11/justica-trabalho-competencia-julgar-acao-

mpt> Acesso em 11 agosto de 2015.


323

Constituição Federal brasileira de 1988, a cidadania e a dignidade da pessoa humana


são fundamentos da República Federativa do Brasil, constituída como Estado
Democrático de Direito.
A cidadania, de forma simples588, é o conjunto de deveres e direitos atribuídos
às pessoas que nasceram e vivem em um país. O conceito de cidadania é fenômeno
jurídico que revela o status do indivíduo no Estado em que vive. A cidadania envolve
três sentidos589: a cidadania como estatuto, entendido como conjunto de direitos e
deveres; a cidadania como identidade, entendida como o sentimento de
pertencimento a uma comunidade política e a cidadania como prática exercida pela
representação e pela participação políticas, traduzindo a capacidade do indivíduo na
interferência do espaço público. Jean Elshtain desenvolve uma tese materialista,
valorizando a ideia de ética do cuidado, que permitiria esvaziar a visão participativa e
republicana dos aspectos machistas, preenchendo-as com valores tidos como
maternais, como a proteção e preservação da vida humana e do meio ambiente, a
compaixão e a não violência; Pateman desenvolve a tese de que a cidadania patriarcal
funda-se numa universalidade abstrata, colocando o masculino como norma de
referência, mostrando que atrás do contrato social há um contrato sexual590. Nos
sistemas androcêntricos, as mulheres são relegadas a uma cidadania de segunda
classe, com diferenciação sexual entre o público e o privado. Já Young exalta uma
cidadania diferenciada, com representação das perspectivas dos diferentes grupos
oprimidos nos processos políticos, pressupondo o direito de propor políticas fundadas
em seus interesses próprios, com direito a veto quando afetadas pelas políticas gerais.
Bodelón, ao analisar a questão da cidadania nas mulheres, na obra “The
disorder of Women” de Pateman, o faz nos seguintes termos591:

Pateman sostiene que histórica y teoricamente el critério central para


adscribir la cidadania ha sido la “independencia”, que caracteriza en base a
tres elementos: como capacidad de autodefensa, como la capacidad de ser
propietario y como la capacidade de autogobierno. En primero lugar, estos

588 CRUANHES, Maria Cristina dos Santos. Cidadania. Educação e Exclusão Social. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris Editora, 2000, p. 75.
589MARQUES-PEREIRA, Bérengere. Cidadania. Dicionário Critico do Feminismo. HIRATA, Helena;

LABOURIE, Françoise; LE DOARÉ, Hélène; SENOTIER, Daniele (Coord.). São Paulo: UNESP, 2009,
pp. 35/39.
590 PATEMAN, Carole. Op. cit, nota 8.
591 A referência mostra-se adequada diante da relevância de Carole Pateman em sua obra sobre o

contrato sexual, referida por Herrera Flores na obra De habitaciones próprias y otros espacios negados
(Uma teoria crítica de las opressiones patriarcales). (Op.cit, nota 100)
324

elementos de “independencia” se encuentran ausentes em las mujeres: las


mujeres historicamente se ha desarmado unilateralmente y la protección de
las mujeres se ha atribuído a los hombres. El estado benefactor no sólo no
há assumido dicha protección sino que ha seguido tolerando um amplio grado
de violência hacia las mujeres. En segundo lugar, los hombres han sido
historicamente los propietarios por excelência, en la medida em que el
modelo de trabajador, el modelo de propietario de su fuerza de trabajo es el
modelo masculino, mientras que la fuerza de trabajo de las mujeres no ha
sido ni considerada como tal en muchos casos al invisibilizarse el trabajo
domestico. En tercer lugar el autogobierno. Aquel que puede gobernarse a sí
mesmo puede governar a los otros. La imagen del hombre como cabeza de
família ilustra toda una filosofia sobre la capacidade de autogobiernode los
sujetos. (...) El problema contemporâneo para que as mujeres adquieran uma
ciudadanía completa es denominado por Pateman como “el dilema de
Wollstonecraft” : “ El dilema es que la dos rutas hacia la cidadania que las
mujeres han perseguido son mutuamente incompatibles em los confines de
estado de bien estar patriarcal, y em este contexto, son impossibles de
alcanzar (...) Por uma parte, las mujeres han exigido que el ideal de cidadania
les fuera extendidoEsta imagen del hombre como sostén familiar ha sido
también ali y la agenda liberal-feministas para um mundo de relaciones de
género neutrales es la conclusión lógica de um tipo de demanda. Por la outra
parte, las mujeres también han insistido frecuentemente simultaneamente, tal
como hizo Mary Wollstonecraft, que como mujeres tienen capacidades
específicas, talentos, necesidadesy preocupaciones, que son la expresión de
sua cidadania diferenciada de los hombres. Su trabajo no remuneradoque
provee bienestar puede estenderse, tal como veia Wollstonecraft el trabajo
das mujeres como ciudadanas...” (...) Un compreensión patriarcal de la
cidadania hace incompatibles las dos demandas y nos sitúa em um escenario
que exige das mujeres que escojan entre una alternativa: o las mujeres son
como los hombres y por lo tanto acceden plenamente a la cidadania, o
continúan en el trabajo doméstico, que no tiene valor para la cidadania (grifos
no original) 592.

Da análise do Informe sobre desenvolvimento humano de 1997, por exemplo,


verifica-se que não há nenhum país que trate sua população feminina da mesma
forma que a população masculina, estando a desigualdade em estreita relação com a
pobreza.
Na maior parte do mundo, as mulheres saem perdendo pelo fato de serem
mulheres. Seu poder humano de escolha e de sociabilidade são frequentemente
suprimidos pelas sociedades nas quais devem viver como agregadas ou servis para
os fins de outros e tendo sua sociabilidade deformada pelo medo e pela hierarquia593.
A cidadania encontra-se em processo de revisão, como o Estado, que é a
referência básica da cidadania, e por parte do Estado, a cidadania implica no

592 BODELÓN, Encarna. Los limites de las politicas de igualdade de oportunidades y la desigualdade
sexual: la família como problema distributivo y de poder. Lo Público y lo Privado em el contexto de la
Globalización RUBIO CASTRO, Ana; HERRERA FLORES, Joaquín (Coords.). Andalucia: Instituto
Andaluz de la Mujer, 2006, pp. 218-220.
593 Tradução livre. Disponível em: <http://cultura.travelarte.com/libros/2747-las-mujeres-y-el-desarrollo-

humano>. Acesso em: 28 jul. 2015.


325

reconhecimento dos indivíduos como portadores de direitos privados e públicos.


Inobstante, a cidadania não se reduz ao reconhecimento dos direitos, mas tem relação
com a materialização prática dos direitos, com o desenvolvimento efetivo das
oportunidades de vida, previstas na norma legal. O conceito de cidadania não inclui
uma separação absoluta entre o público e o privado, pois há uma continuidade da
esfera privada (direitos civis) até a esfera pública (direitos sociais e políticos). A divisão
entre privado e público atuou, historicamente, como elemento de exclusão,
impactando as mulheres, relegadas ao âmbito doméstico e privado, decorrendo daí a
importância de entabular novas discussões acerca da cidadania das mulheres. As
amplas e variadas expressões de precariedade laboral e de exclusão social, na
América Latina, alertam sobre a tendência das cidadãs e dos cidadãos para uma maior
incerteza em suas oportunidades de vida, resultantes de muitos fatores,
especialmente da perda da rede de seguridade trabalhista que sustenta,
tradicionalmente, os direitos econômicos e sociais. Cumpre, portanto, abrir novos
espaços, ampliando as margens de atuação das políticas públicas, que por sua vez,
impliquem em mudanças graduais na nova estrutura do Estado, estabelecendo clara
reversão das tendências, em direção à consideração de gênero e à ampliação das
oportunidades de vida das mulheres594.
Veja-se que a cidadania necessita de uma ética de cuidado, como alternativa
às éticas formalistas e descontextualizadas, complementar a uma teoria de justiça que
tenha por base o conceito de responsabilidade, eliminando o sexismo existente nas
normas e no pensamento patriarcal, fazendo-se necessária uma nova divisão do
trabalho doméstico de modo a possibilitar às mulheres o exercício da cidadania, sem
ter que escolher entre a priorização do trabalho doméstico, considerado de
reprodução, no âmbito privado e o trabalho considerado como produtivo, no âmbito
público. Para a redefinição da cidadania, os trabalhos centrados nas relações sociais
de sexo, para além das divergências, buscam ultrapassar os dilemas da cidadania
entre universalismo e particularismo, igualdade e diferença, e o desafio é a articulação

594PAUTANI, Laura C. Igualdad de derechos y desigualdade de oportunidades. HERRERA, Gioconda


et al. (Coord.) Las fissuras de patriarcado, reflexiones sobre Feminismo Y Derecho. Ecuador: Flacso,
2000, pp. 80-87. Para a autora, existe uma imprecisão conceitual em relação a sexo e gênero. O
conceito de sexo diz com as diferenças anatômicas e fisiológicas entre mulheres e homens, sendo
estático. Já o gênero faz referência aos atributos e papéis sociais, sendo mutável. A perspectiva de
gênero busca separar a ideia de mulher e de homem para evidenciar as múltiplas posições que os
sujeitos sociais podem ocupar.
326

das dimensões familiares, sociais e políticas da cidadania, podendo-se apreender a


cidadania como prática de conflito ligada ao poder e às lutas para o reconhecimento
dos direitos, relacionada também a uma prática consensual de participação e
representação.
Entre os problemas enfrentados na construção da cidadania, está o das
migrações, tema ora em evidência, seja pelas situações de pobreza extrema de alguns
países, por força de condições econômicas, seja por guerras, que obrigam os países
que estão melhor economicamente a solucionar o problema das hordas migratórias.
Para Rubio, as migrações são um problema interno de muitos estados e
regiões, como no caso do Brasil e de outros países da América Latina, mas também
são um problema que afeta todo o planeta e o tipo de estrutura estratificada de dividir
e coordenar socialmente não só o trabalho, mas o fazer, o poder, o ser e saber
humanos, muito condicionados pelo sistema capitalista tanto em sua versão central
como em sua versão periférica e dependente. Cada vez mais as sociedades globais
dependem dos recursos sociais das mulheres, aparecendo o fenômeno da
feminização da pobreza e o retorno das novas classes servis, compostas, em sua
maioria, por mulheres imigrantes, que pela sua vulnerabilidade econômica e social
são vítimas, por vezes, da exploração sexual. Para o autor, o resultado é trágico e
dramático, pois o patriarcalismo e o capitalismo terminam por prejudicar as mulheres,
afastando-as da capacidade de dotar de sentido e de caráter a realidade e suas
próprias produções a partir de diversos processos de precarização de sua condição
laboral, familiar e social595.
No Brasil, o Ministério Público tem atuado em relação aos imigrantes, devendo,
conforme Lopes, firmar-se como interlocutor confiável para os grupos de imigrantes,
sem adotar políticas de criminalização e sim defender a regulação migratória das
vítimas de tráfico, defendendo o princípio da não discriminação e reconhecendo o
valor da diversidade, lutando por um país com condições adequadas para todos,
independentemente da nacionalidade596.

595 RUBIO, David Sánchez. La inmigración y la trata de personas cara a cara con la adversidade y los
Derechos Humanos: xenofobia, discriminación, explotación sexual, trabajo esclavo y precarización
laboral. Migrações e Trabalho. PEIXOTO DO PRADO, Erlan José, COELHO Renata (Orgs.) Brasília:
MPT, 2015, pp. 127-162.
596LOPES, Cristiane Maria Sbalqueiro. Migrações, mundo do trabalho e atuação do Ministério Público

do Trabalho. Migrações e Trabalho. PEIXOTO DO PRADO, Erlan José, COELHO Renata (Orgs.)
Brasília: MPT, 2015, pp. 223-232.
327

Conforme Onhgenam, as mesclas culturais são tão antigas como as


diferenças, os contatos ou as inimizades entre sociedades e se acentuam com a
crescente complexidade social que tem gerado formações culturais distintas que
atuam umas com as outras através de viagens, intercâmbios econômicos, tecnologias
e com as migrações que tornam permeáveis as fronteiras culturais e estes processos
recebem vários nomes: mestiçagem, multiculturalismo, interculturalidade, hibridismo
e outros, constituindo processos em elaboração que dependem de muitos fatores. A
fragilidade da identidade está em sua difícil relação com o tempo e um ponto de
fragilidade está na confrontação com os outros, percebidos como uma ameaça e que
este não reconhecimento do outro significa uma idealização dos signos de identidade
próprios, o que obstrui todo tipo de mudança, pois até certo ponto o multiculturalismo
nada mais é do que um giro irônico da história. Seguros de sua identidade, os estados
criaram sujeitos coloniais cujos descendentes são os imigrantes de hoje, pondo em
perigo a mesma unidade cultural que havia antes ajudado a criar impérios597..
Nash, de outra parte, assinala a invisibilidade das mulheres imigrantes que são,
dessa forma, excluídas, das políticas inclusivas de integração:
Desde una perspectiva de género, la comprobación de la habitual invisibilidade
feminina ha reforzado la tendência a la negación de la presencia de las mujeres
inmigrantes en su comunidade y, aún más, como agentes de la construcción
de identidades inmigratórias. La consolidación de um proceso identitario que
incluye crecientemente a las mujeres deberia dar lugar a reconhecer la
feminización de la inmigracióny la presencia de las mujeres entre los colectivos
de inmigración. El silencio reinante transmite, en cambio, la negación de su
protagonismo como sujetos de la inmigración. La perpetuación de un modelo
exclusiva o mayoritariamente masculino del fenómeno conlleva una visión
sesgada que niega la diversidade de género en su seno. En este sentido
planteamos que la invisibilidade de las mujeres como sujetos de los flujos
inmigratorios repercute en el imaginário colectivo de la inmigración, y a la vez,
tiene consecuencias muy negativas al excluir las mujeres tanto del modelo
inmigratorio como de la articulación de políticas inclusivas de integración. En
este terreno de la experiencia colectiva de las mujeres desde la inmigración y
la diversidade cultural cabe ressaltar, pues um primer campo de dificuldades:
la invisibilidade de las mujeres inmigradas y de las que pertenecen a minorias
étnicas, y la transmisión de estereótipos de su perfil 598.
A questão da imigração tanto no âmbito mundial como no Brasil é uma das
questões que deve ser enfrentada quando se fala em cidadania e dignidade da pessoa
humana, em um mundo cada vez mais transnacional.

597 ONGHENAM, Yolanda. Dinámicas interculturales y construción identitária. Inmigración, Género y


Espacios Urbanos. Barcelona: Belaterra, 2005, pp. 58-59.
598 NASH, Mary. La doble alteridade en la comunidade imaginarida de las mujeres inmigrantes..

Inmigración, Género y Espacios Urbanos. Barcelona: Belaterra, 2005, pp. 21-22.


328

A invisibilização das mulheres imigrantes tem reflexos no mundo do trabalho,


pois a mais das vezes, as mulheres nessa situação aceitam trabalhos de caráter
precário, estando expostas, entre outras situações, ao assédio sexual nas relações
de trabalho. O tema tem sido objeto de discussões e debates na busca de soluções,
para a construção da cidadania das pessoas imigrantes.
De modo geral, a construção da cidadania no Brasil, conforme Goulart599
processa-se em ritmo lento e do ponto de vista formal, a cidadania plena somente foi
alcançada com a edição da Constituição de 1988, que incorporou no texto os direitos
civis, políticos, sociais e difusos conquistados nas lutas políticas pela ampliação da
cidadania e pelo aprofundamento da democracia, mas a realização prática dos
direitos, pelo conjunto da sociedade ainda está longe de acontecer. A Constituição de
1988 não representa a cristalização de uma nova ordem, sendo parte de um processo
que nela não se inicia nem se esgota, sendo, necessariamente, uma Constituição
aberta. Nos artigos inseridos no Título I encontram-se os fundamentos da República
e os princípios-essência, entre os quais estão a cidadania e a dignidade da pessoa
humana. A cidadania pode ser tratada do ponto de vista formal ou substancial, mas a
cidadania incluída no rol dos fundamentos da República, pela Constituição de 1988 é
a chamada “cidadania substantiva”, entendida como o conjunto de direitos e deveres
que integram o patrimônio cívico da pessoa e que indicam seu pertencimento à
sociedade estatal, com vínculos jurídicos e políticos entre o cidadão e o Estado e entre
os cidadãos.
Quanto à dignidade da pessoa humana, que também está entre os
fundamentos da República, na Constituição de 1988, cabe transcrever as palavras de
Goulart:
As lutas políticas responsáveis pela extensão dos direitos, pela ampliação da
cidadania e pelo aprofundamento da democracia, sobretudo nas idades
moderna e contemporânea, tiveram como objetivo a superação das situações
de opressão, exploração, violência, crueldade e discriminação a que foram
submetidas povos, classes, grupos e segmentos sociais. Essas lutas foram
movidas pelos sentimentos de igualdade e buscara a positivação de direitos
civis, sociais e econômicos que concretizassem a liberdade e a igualdade
material dos povos. O reconhecimento, no mundo contemporâneo, de que
todas as pessoas, sem distinção de qualquer natureza são livres e iguais
implicou também o reconhecimento de que as pessoas são dotadas de
dignidade e não podem ser reduzidas à condição de objeto. A dignidade é a
qualidade própria da pessoa humana, que a distingue, pela razão e
consciência, dos demais seres e impõe limites e obrigações ao Estado e à

599 GOULART, Marcelo Pedroso. Op.cit, nota 571, pp. 27-48.


329

sociedade no sentido de garantir a livre expressão da personalidade humana.


(...)Pode-se afirmar, então, que a dignidade da pessoa humana: possui
diferentes dimensões, manifestando-se nos planos pessoal, intersubjetivo,
político, cultural, social e intergeracional; impõe limites e tarefas ao Estado e à
sociedade; concretiza-se na efetivação dos direitos fundamentais; concretiza-
se quando garantidos o pleno desenvolvimento da personalidade e a sadia
qualidade de vida (...)600

O Relatório anual socioeconômico da mulher (RASEAM)601 de 2014, relativo a


2012 e lançado em março de 2015, ao tratar da educação para a igualdade e
cidadania, apresenta indicadores que permitem aprofundar o conhecimento acerca do
acesso das mulheres à educação, apontando a permanência de disparidades entre
os diferentes grupos de mulheres.
A taxa de alfabetização no país aumentou, com 84% de alfabetização da
população, embora a população da área rural apresente menores índices do que a da
área urbana, e embora as mulheres tenham em geral a maior taxa de alfabetização
entre a população mais jovem, a partir dos 50 anos ou mais, os homens estão em
melhor situação, refletindo o menor acesso que as mulheres brasileiras tinham à
educação há algumas décadas. Assim, embora na média de 84,8% das mulheres
sejam alfabetizadas, somente 43,7% das mulheres rurais com mais de 70 anos o são.
Entretanto, as desigualdades educacionais segundo o sexo e a cor ou raça não
se limitam ao tema da alfabetização, repercutindo em todos os níveis de ensino.
Quanto mais elevado o nível de ensino, maior a desigualdade entre mulheres
brancas e mulheres negras, de um lado; e entre homens brancos e homens negros,
de outro. Ainda que as taxas de frequência entre todos os segmentos populacionais
mostrem elevação nos últimos anos, pouco avançou a reversão da desigualdade. No
ensino superior, 24,6% das mulheres brancas e 19,7% dos homens brancos de 18 a
24 anos frequenta o ensino superior, enquanto somente 11,6% das mulheres negras
e 7,7% dos homens negros nessa faixa etária o fazem. As mulheres constituem 57,2%
das/os matriculadas/os e 61,2% das/os concluintes de cursos de graduação do ensino
superior e no ensino profissional, as mulheres são maioria entre as/os matriculadas/os
(53,8%) e entre as/os concluintes (54,5%) dos cursos profissionalizantes, tendendo,
contudo, a se concentrar em áreas consideradas como próprias às mulheres, segundo
a divisão sexual patriarcal do trabalho, pois são associadas com as tarefas de cuidado

600 Ibidem, nota 571, pp. 46-48.


601 Disponível em: < http://www.spm.gov.br/>. Acesso em: 28 jul. 2015.
330

e de reprodução, com maior concentração nos cursos de Desenvolvimento Social e


Educacional; Ambiente e Saúde; Turismo, Hospitalidade e Lazer; Produção Cultural e
Design; e Produção Alimentícia. De outra parte, a concentração masculina ocorre nos
cursos da área Militar; Controle e Processos Industriais; Informação e Comunicação;
Recursos Naturais e Infraestrutura.
Em relação ao ensino infantil em tempo integral, considerado um importante
desafio para as políticas públicas educacionais, pois possibilita a maior inserção das
mães no mercado de trabalho, possibilitando o exercício pleno da cidadania, embora
persistam desigualdades regionais, verifica-se a expansão, com 28,6%de matrículas
na educação infantil, 11,1% no ensino fundamental e 4,6% no ensino médio.
Ao final, tem-se os importantes indicadores sobre a concessão de bolsas de
formação e fomento à pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico (CNPq), que revelam o acesso das mulheres a instrumentos de apoio
à sua formação durante o período inicial de estudos, assim como as vias de ingresso
e permanência nas carreiras acadêmicas apontam que as mulheres têm 56,5% das
bolsas de iniciação científica, 50,6% das bolsas de doutorado e 45.1% das bolsas
concedidas para estudos no exterior, embora ocupem apenas 21, 6% das bolsas de
Produtividade Sênior, atribuídas a pesquisadoras/es que se destacam como líderes
em sua área de atuação, o que está relacionado à dificuldade de acesso feminino a
posições de poder e a cargos de liderança no mercado de trabalho, pois as bolsas de
Produtividade evidenciam parte da estrutura de poder das universidades e centros de
pesquisa do país.
Os dados acima são referentes ao ano de 2012, não estando disponíveis ainda
dados referentes aos anos subsequentes. Contudo, embora relevantes, é
questionável a qualidade da educação ofertada.
A par da busca da redução do analfabetismo no país e do aumento da
escolaridade, combatendo-se a evasão escolar, deve-se valorizar e buscar um
sistema educacional com a proposta de inclusão e sensível às demandas dos
movimentos feministas, sendo necessário um esforço para a instituição de amplo
programa educacional que inclua o Governo Federal, os Estados e os Municípios, as
escolas, as empresas, os serviços sociais, os sindicatos, o Ministério do Trabalho e
331

do Emprego, as organizações não governamentais e também o MPT em relação à


questão, evitando-se assim a opacidade do jurídico de que fala Cárcova602.
Para além da atuação preventiva/repressiva acerca das normas que garantam
a convivência digna entre mulheres e homens no ambiente de trabalho, mostra-se
necessária a educação para a igualdade entre os sexos (e entre todas as pessoas,
independente de fatores sexuais, raciais e étnicos, entre outros) e para a não
discriminação, desde as primeiras experiências escolares.
Ressalta-se que a educação, nos termos do artigo 6 da Constituição Federal
brasileira, constitui um direito social, juntamente com a saúde, a alimentação, o
trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados. Já a igualdade entre
homens e mulheres está prevista no artigo 5º da Constituição Federal, no inciso I, que
prevê que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações.
O direito à educação igualitária entre homens e mulheres constitui postulação
recorrente na atualidade, lembrando-se aqui, como situação extremada, o caso de
Malala Yousafzai, ativista paquistanesa, vítima de violência por sua atuação pela
educação das meninas e a mais jovem pessoa (17 anos) a receber o Prêmio Nobel
da Paz, em 2014, sendo considerada, em 2013 como uma das 100 pessoas mais
influentes do mundo.
A educação para a igualdade real entre os sexos é considerada aqui como um
dos principais, senão o principal instrumento para a mudança almejada, em termos de
lutas sociais pela dignidade humana, notadamente quanto avulta o número de
mulheres empregadas.
A escola é uma instituição construída social e historicamente com as práticas
cotidianas, sendo necessário repensar a cidadania no contexto de uma sociedade
global, absorvendo os novos desafios da educação, entre eles, a inclusão, tendo como
objetivos básicos a formação da cidadania; a promoção dos sentimentos de
solidariedade e justiça; a superação dos preconceitos; a compreensão dos direitos
fundamentais e a efetiva participação do cidadão, como forma de ter plenitude na
cidadania, exigindo-se da sociedade e do governo o cumprimento da norma legal que
assegura a todos o direito à educação603.

602 CÁRCOVA, Carlos María, Op.cit, nota 426, p. 14.


603 CRUANHES, Maria Cristina dos Santos. Op. cit, nota 587, p. 106.
332

A educação consiste em permitir a entrada individual e coletiva de novos


membros em uma sociedade e, neste sentido, faz parte dos mecanismos de
reprodução social. Na escola, a produção de categorizações sexistas ou racistas
intervém nas relações entre adultos e crianças e entre as próprias crianças, diante
dos comportamentos cotidianamente adotados e nos conflitos entre os indivíduos 604.
Mostra-se fundamental, no momento atual, a revisão do pensar a sociedade e
o modo de relações sociais não apenas entre homens e mulheres, mas também entre
as demais diversidades, como raça e classe social, pois605 as relações de poder entre
homens e mulheres continuam sendo as principais marcas dessas esferas e a escola
é o lugar que pode propiciar as mudanças desejadas606.
Autoras como Guzmán607, ao analisar os fatores de prevenção para a violência
de gênero, apontam os tipos de modelos educativos que vêm ocorrendo ao longo da
história: o modelo de escola segregadora, no qual meninos e meninas são separados
fisicamente, atualmente em desuso; o modelo de escola mista, que supõe um avanço
em relação à igualdade entre os gêneros, mas que acaba reproduzindo os
estereótipos e o modelo de escola coeducativa, que parte do princípio da igualdade
para lutar contra o andrôcentrismo e a cultura patriarcal dominante. A escola
coeducativa constitui tarefa complexa e processo que exige como condições: a
eliminação das discriminações no nível estrutural e quanto às atitudes; a aceitação do
próprio sexo e da própria identidade sexual com base no tratamento justo e igualitário
e na atitude positiva das pessoas envolvidas; atitudes, discursos e propostas
coincidentes, tanto dos alunos quanto dos professores; colocar os alunos em situação
de igualdade real de oportunidades entre homens e mulheres; potencializar a
comunicação entre meninos e meninas baseada no respeito mútuo, na tolerância e
na solidariedade, criando uma convivência enriquecedora e igualitária, com
envolvimento de todos os agentes educativos e socializadores: alunos, direção,

604 ZAIDMAN, Claude. Educação e socialização. Dicionário Critico do Feminismo. HIRATA, Helena;
LABOURIE, Françoise; LE DOARÉ, Hélène; SENOTIER, Daniele (Coord.). São Paulo: UNESP, 2009,
pp. 80-84.
605 DOURADO FREIRE, Sandra Ferraz de Castillo. A construção do gênero da escola: entre o discurso

e a prática. Trabalho de Mulher: Mitos, Riscos e Transformações. REIS DE ARAUJO, Adriane;


MOURÃO, FONTENELLE, Tania Fontenelle (Coord.). São Paulo: LTr, 2007, p. 49-61.
606 Ibidem, p. 49-61.
607 GUZMÁN, Capilla Navarro, Factores para la prevención. La violência de gênero. Algunas cuestiones

básicas. FIOL, Esperanza Bosch (Coord.). Alcalá La Real: Formación Alcalá, 2007, pp. 197-236.
333

professores, famílias e todas as pessoas que, de alguma forma, fazem parte da


escola.
É necessário ter consciência das situações e do ponto em que se quer chegar.
Paulo Freire608, ao discorrer sobre a consciência, distingue a existência da consciência
crítica, da consciência ingênua e da consciência mágica:

O que teríamos de fazer, numa sociedade em transição como a nossa,


inserida no processo de democratização fundamental, com o povo em grande
parte emergindo, era tentar uma educação que fosse capaz de colaborar com
ele na indispensável organização reflexiva de seu pensamento. Educação
que lhe pusesse à disposição meios com os quais fosse capaz de superar a
captação mágica ou ingênua de sua realidade, por uma dominantemente
crítica. Isso significava então colaborar com ele, o prova, para que assumisse
posições cada vez mais identificadas com o clima dinâmico da fase de
transição. Posições integradas com as exigências da democratização
fundamental, por isso mesmo combatendo a inexperiência democrática.
Estávamos assim, tentando uma educação que nos parecia a que
precisávamos. Identificada com as condições de nossa realidade. Realidade
instrumental, porque integrada ao nosso tempo e ao nosso espaço e levando
o homem a refletir sobre sua ontológica vocação de ser sujeito.

A educação é ideológica, como nos ensina Freire609, e tem relação diretamente


com a ocultação da verdade dos fatos, com a utilização da linguagem para penumbrar
ou opacizar a realidade, nos tornando míopes, aduzindo ainda que o discurso da
globalização que fala da ética esconde que a ética ali pregada é a do mercado e não
a ética universal do ser humano, que deve ser arduamente defendida, quando se faz
a opção pelas pessoas. O saber alicerçante da travessia que busca a distância entre
a realidade existente e tida como naturalizada, e a perversa realidade dos explorados
é o saber alicerçado na ética que deslegitima a exploração dos homens e das
mulheres pelos homens mesmos e pelas próprias mulheres, mas não basta o saber;
é preciso que o saber seja tocado pela paixão, fazendo-se quase um saber
arrebatado; é preciso que o saber seja acrescido de saberes outros da realidade
concreta, da força ideológica, de diferentes áreas como a educação, levando em
consideração a força da mídia, que diversifica temáticas sem dar tempo para a
reflexão sobre os variados assuntos que apresenta, sendo tudo muito rápido,
encurtando o mundo e diluindo o tempo de modo que o ontem vire agora e que o

608 FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011, pp. 139-
140.
609 Idem. Pedagogia da Autonomia. Saberes necessário à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e

Terra, 1996, pp. 141-157.


334

amanhã seja apresentado como já feito. Os educadores e educadoras progressistas


não podem desconhecer o poder da mídia, que deve ser utilizada e discutida.
A educação deve contribuir para a formação autônoma da pessoa e ensinar
como se tornar cidadão. 610
Morin aponta sete saberes necessários à educação do futuro611: as cegueiras
do conhecimento; o erro e a ilusão; os princípios do conhecimento pertinente; ensinar
a condição humana; ensinar a identidade terrena; enfrentar as incertezas; ensinar a
compreensão e, por fim, a ética do gênero humano.
Para combater as cegueiras do conhecimento, o erro e a ilusão, é necessário
introduzir e desenvolver na educação o estudo das características dos conhecimentos
humanos: processos, modalidades, disposições psíquicas e culturais conducentes ao
erro e à ilusão; quanto aos princípios do conhecimento pertinente, sinalando ser
necessário promover o conhecimento capaz de apreender problemas globais e
fundamentais para a inserção neles de conhecimentos parciais e locais, sendo
necessário desenvolvimento da aptidão natural do espírito humano para situar as
informações em um contexto e em um conjunto, ensinando os métodos que permitam
o estabelecimento de relações mútuas; influências recíprocas e o todo em um mundo
complexo; ao ensinar a condição humana é possível reconhecer a unidade e
complexidade humanas, reunindo e organizando conhecimentos dispersos,
colocando em evidência o elo indissolúvel entre a unidade e a diversidade de tudo que
é humano; ao ensinar a identidade terrena, é preciso indicar o complexo de crise
planetária, mostrando que todos os seres humanos partilham um destino comum,
confrontados com os mesmos dilemas de vida e de morte; enfrentar a incertezas
implica preparar as mentes para esperar e enfrentar o inesperado; ensinar a
compreensão deve levar em consideração que a compreensão é meio e fim da
comunicação humana, estando, porém, ausente do ensino a educação para a
compreensão. Dessa forma, estudar a incompreensão, em suas raízes, modalidades
e efeitos, pode ajudar para a constituição de uma base mais segura para a educação
para a paz.
No que diz respeito à ética do ser humano, a partir desses saberes, duas
grandes finalidades ético-políticas do novo milênio são esboçadas:

610 MORIN, Edgar. Op.cit, nota 176, p. 65.


611 Idem. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2011, pp. 15-18.
335

1. o estabelecimento de uma relação de controle mútuo entre a sociedade e


os indivíduos pela democracia;
2. a concepção da humanidade como comunidade planetária, devendo a
educação contribuir para a tomada de consciência da “terra-pátria” e permitir
que esta consciência seja traduzida em vontade de realizar a cidadania
terrena.
A partir da obra de Morin, Houtart612 analisa a “ética de la incertidumbre”, assim
concluindo:

La ética em um mundo de incertidumbre debe encontrar su eje de referencia


em la defensa de la vida, en su sentido amplio, primeiramente la humana,
pero también, tenendo en cuenta los costos ambientales y de todo lo viviente.
Es la única manera de parar el processo de no reorganización de la vida, que
parece ser la situacion actual deste planeta. Para poder construir uma ética
de la vida, las ciências sociais son necessárias em tanto mediacion analítica
indispensable frente a situaciones que cambian e crean la incertidumbre. Si
eso constituye la base de la condición humana, el fenômeno es mucho más
acentuado com um capitalismo destructor. Existe uma referencia precientifica
al analisis social. Se trata de ver o mundo com los ojos de las víctimas, ou
sea, a partir da la situacion de la negacion de la vida, para eligir el analisis
más adecuado para la construcción de la ética. Debemos tambien anadir que
em um mundo globalizado esta tarea no puede ser sino trabajo coletivo de
los atores sociais, de los intelectuais, da las instancias Morales, y eso de
manera permanente, es decir, siempre a renovar. La ética da incertidumbre
corresponde certamente a la condicion humana, pero la situación creada a la
humanidade y al planeta por la lógica del sistema econômico prevaleciente,
el capitalismo, exige uma reflexione ética basada em um analisis social que
no identifique incertidumbre com ausência de sistemas y de paradigmas,
donde las ciências socials jueguen un papel central.

A necessidade de mudanças, trazendo incerteza, acarreta sentimentos


negativos como o medo, nas pessoas humanas, passíveis de todos os sentimentos,
ainda que a mudança abra possibilidades de uma vida melhor e mais feliz trazendo
insegurança, pois o previsível, para as pessoas humanas, traz a sensação, por vezes
falsa, de segurança, mesmo que a situação vivida acarrete infelicidade e
sofrimento613.
As alternativas de mudança devem ser pensadas, como leciona Herrera Flores,
ao falar sobre as seis decisões iniciais no trabalho de construção de uma teoria crítica
afirmativa e contextualizada dos direitos humanos:

612 HOUTART, François. La ética de la incertidumbre em las Ciencias Sociales. Habana: Edictorial de
Ciencias Sociales, 2006, pp. 65-66.
613 LELOUP, Jean Yves. Caminhos da realização. Dos medos do eu ao mergulho no ser. Petrópolis:

Vozes, 2011, p. 52.


336

Pensar es crear, pues, nuevos modos desde los cuales presentar


publicamente nuestras diferencias, distinciones y oposiciones com respeto a
los ordenes hegemónicos que se nos proponen como situaciones ajenas a
nuestra capacidade universal de transformación de las condiciones de la
existência. Este “pensar de outro modo” puede parecernos uma actitud de
radical rechazo del mundo en que vivemos. Y no se trata exclusivamente de
eso. Pensar de otro modo es ser moderno, sea cuales sean los contenidos
que a dicho concepto de moderno se den las diferente formaciones sociales
que componen nuestro universo. Pensar de outro modo es crear lo nuevo, y
esto no supone outra cosa que adaptarse conscientemente a las reglas que
determinan el funcionamento de todo processo cultural 614.

A escola é o lugar de aprendizado dos saberes necessários para o saber de si


e para o saber de outros e dos outros, devendo ensinar e cobrar o respeito às
diferenças entre uns e outros. Há também o questionamento615 acerca da mudança e
de como promover uma educação não discriminatória ou menos discriminatória.
Embora os movimentos coletivos amplos sejam importantes para a formulação
de políticas públicas dirigidas para a igualdade sejam importantes, a transformação
deve ocorrer também nas práticas cotidianas mais imediatas e banais, havendo todo
um novo modo de exercício da ação transformadora, pois o reconhecimento do
imediato e do cotidiano como políticos não exige, para sua iniciação, uma completa
transformação social. Na ação política cotidiana das práticas escolares, devem ser
perturbadas as certezas, ensinando-se a crítica e a autocrítica, desalojando-se assim
as hierarquias. A iniciativa deve contar com a construção de redes de aliança e
solidariedade entre os vários sujeitos envolvidos nas práticas educativas, dentro e fora
da escola. A identificação dos possíveis aliados, a difusão de informações, a
discussão e o convite para os componentes da sociedade são importantes tanto para
o reconhecimento da importância política das relações de gênero, quanto para a
disposição de questionar e transformar as formas de transmissão do conhecimento.
Na ação política cotidiana é importante observar as relações de gênero, com
disposição de olhar os comportamentos que fogem ao esperado e esta disposição de
olhar, ajuda a perceber a transitoriedade ou as transformações nas relações entre os
sujeitos, constituindo forma de produção de um novo conhecimento, afinando os
sentidos e registrando comportamentos e práticas com a pretensão de encontrar

614
HERRERA FLORES, Joaquín. Op.cit nota 2, p. 43.
615LOURO, Guacira Lopes. Gênero, história e educação: construção e desconstrução. Revista
Educação e Realidade. Porto Alegre:, n. 16, jul/dez 1995, pp. 122-125.
337

respostas sobre os fundamentos e as causas dos fenômenos, tendo em mente sempre


a possibilidade de crítica e transformação.
Sabe-se que nenhum trabalho coletivo de seres humanos pode ser dissociado
do tempo e do lugar de sua produção, não havendo cultura fora da história, nem
história natural fora da cultura. O papel central da divisão homem/mulher na
constituição dos saberes é construída como uma dicotomia natural, rígida, exclusiva
e hierárquica, na qual o princípio masculino domina sobre o feminino e dada a
importância desta divisão em todas as sociedades humanas é razoável supor sua
influência sobre a organização do conhecimento acerca do mundo natural,
favorecendo, na educação, o desenvolvimento de visões dicotômicas e hierárquicas,
apresentadas como a verdadeira estrutura do mundo, mostrando o papel dos homens
e inviabilizando o das mulheres, não sendo de admirar que a história seja apresentada
como uma sucessão de feitos de grandes homens e de algumas mulheres escolhidas.
Apresentar os conhecimentos produzidos em um dado momento por indivíduos
dotados de uma identidade social específica como o único saber dominante, objeto e
universalmente válido, com exclusão de outros pontos de vista possibilitou a
consolidação da hegemonia material e ideológica dos grupos dominantes. Elaborar
uma crítica do uso dos conceitos de universalidade ou objetividade não implica
necessariamente a renúncia à aspiração de desenvolver conceitos universalmente
válidos, produzindo conhecimento objetivo acerca do mundo material, mas a
ampliação da base do conhecimento leva ao desenvolvimento e a uma maior
objetividade. A inclusão na história do papel oculto das mulheres e sua visibilização
pode modificar a percepção acerca do conhecimento, desestabilizando-o como
imagem deslocada da realidade existente, podendo, portanto, favorecer o
desenvolvimento de conhecimentos e de práticas mais ancoradas na sociedade e
engajadas no contexto cidadão.
Herrera Flores616, quando ensina sobre o processo cultural, analisa a obra de
Shakespeare “La fierecilla domada”, comédia que trata da aposta do personagem

616 HERRERA FLORES, Joaquín, Op. cit, nota 118, pp. 203-205. Aqui é interessante destacar que a
obra “ A megera domada”, de Shakespeare, teve versões famosas no cinema (uma com Elisabeth
Taylor) e mais recentemente, inspirou o filme “Dez coisas que odeio em você”, com Heath Ledger e
Julia Stilles (https://pt.wikipedia.org/wiki/10_Things_I_Hate_About_You)
338

Petruchio para domar Kate (Catarina), irmã mais velha, bonita e de gênio forte, mulher
indomável que resiste à dominação masculina:
La mujer esta reaccionando contra um tipo de relaciones sociales basadas en
um critério – el patriarcalismo- que impede que as mujeres hablen livremente;
un critério social impuesto por uma moral repressora de las necessidades y las
expectativas de las mujeres y que se presenta como “lo” natural, es decir, lo
inmodificabele, lo no humano (...) Kate cede. Y lo hace asumiendo el critério
que hace de la posición social de Petruchio el patrón oro a partir del cual
enjuiciar toda la realidade. Kate se deshumaniza, por no haber incumplido
alguna norma o valor universal o absoluto que nos obliga inexoravelmente – y
desde fuera de nuestras possibilidades de construcción de las relaciones que
conforman nuestra realidade- a reconhecer a las mujeres como iguales a los
hombres (...)
A personagem Kate, aqui, rebelde em relação às imposições de sua época
(casamento), aparece como ser humano “destoante”, que deve ser reprimido, ou
melhor “educado”, segundo os cânones de determinado contexto, para se adequar a
um entorno patriarcal (sinalando que o pretendente objetiva aumentar sua fortuna ao
casar-se com a “megera”) desumanizando seus valores de pessoa humana. Quanto
a “desumanização” ocorre e a personagem curva-se ao que lhe é imposto (em nome
de um suposto “amor romântico”), há o aplauso e o reconhecimento de seus pares.
Na sequência, na esteira dos ensinamentos de Sousa Santos, Herrera Flores
diferencia o conhecimento regulador e o conhecimento emancipador, apostando na
vertente emancipadora do processo cultural (intercultural, comprometida e rebelde).
Na acepção de Wolkmer,617 o pensamento crítico, aplicando-se aqui à questão
da educação, tem a função de despertar a autoconsciência de subjetividades
oprimidas, vítimas dos segmentos sociais opressores, dos corpos dirigentes
hegemônicos e das formas institucionalizadas de violência de poder local e global,
exigindo-se duas condições para que se constitua uma nova cultura da alteridade e
da pluralidade, seja como forma de destruição da dependência, seja como instrumento
pedagógico da libertação, tais como: a fundamentação na situação econômica e na
práxis concreta das estruturas espoliadas, dependentes, marginalizadas e
colonizadas de forma secular e a busca de construções teóricas e processos de
conhecimento fundados na especificidade das culturas teológica, filosófica e
sociopolítica da América Latina.

617WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução ao pensamento jurídico crítico. São Paulo: Saraiva, 2006,
p. 203.
339

Considerando as situações de assédio sexual nas relações de trabalho com um


problema de opressão, ligado ao patriarcalismo, fala-se aqui na necessidade da
educação para a igualdade e para a não discriminação.
É preciso deixar claro que as mulheres não buscam um novo moralismo
feminista ou a opressão do opressor, nem a coibição da espontaneidade sexual ou
das manifestações de desejo e suas nuances, mas a coibição da falta de respeito, das
humilhações e da violência e que o flerte e mesmo a “cantada” precisam sofrer uma
reavaliação, a partir dos parâmetros de respeito à dignidade humana618.
É inegável que a educação orientada em determinado sentido é responsável
pela distinção dos papéis femininos e masculinos em estereótipos “que se
transformam em mitos, porque são naturais e congênitos, como resultado da
aquisição cultural. A reformulação dos papéis tradicionais exige a formação de uma
nova identidade da mulher, em especial da imagem que a mulher tem sobre si própria,
conscientizando-a das ilimitadas possibilidades a almejar e a atingir, e esta educação
deve ocorrer na família e na escola, com a mudança do paradigma existente
homem/mulher, espaço público/privado, tornando necessário um planejamento
estruturado da educação, com ruptura dos papéis tradicionais impostos, reproduzidos
pelos padrões culturais vigentes619.
Para Luengo, ao tratar da educação para a igualdade, na base da
desigualdade, da discriminação e da hierarquia, está o andrôcentrismo que supõe o
mundo em duas classes muito bem estruturadas: a masculina, de domínio, e a
feminina, de submissão, o que gera um mundo piramidal em que autoridades e
poderes exercem suas ações sobre a outra parte da sociedade que aceita a
submissão, mostrando admiração pelas cúpulas dirigentes e superiores que
impossibilitam um mundo de igualdade, pondo em seu lugar a igualdade na
diversidade e nas diferenças, eliminando o princípio de autoridade de base, hoje
estabelecido pela concepção universalista. Os estereótipos de gênero são reforçados
por elementos educadores indiretos, como grupos sociais, meios de comunicação,
informação regulada, livros de texto e sobre tudo, uma linguagem sexista que, de
forma espontânea, continuada e natural configura determinado tipo de pensamento

618 ELUF, Luiza Nagib. Os caminhos da emancipação. Brasileiro (a) é assim mesmo. Cidadania e
preconceito. PINSKY, Jaime; ELUF, Luiza Nagib. (Coord.) São Paulo: Contexto, 2000, pp. 80-81.
619 MONTEIRO DE BARROS, Alice. Op.cit, nota 220, p. 316.
340

gerado por palavras portadoras de conceitos pré-determinados com uma determinada


maneira de ver o mundo: a maneira-pensamento que os poderes andrôcentricos
necessitam para poder manter sua continuidade hegemônica620.
As escolas hoje existentes estão ainda longe do ideal, como mostram as
notícias veiculadas nos periódicos e em conversas, acerca da crescente violência e
dos preconceitos existentes, gerando todo tipo de bullyng, como sabe todo pai e toda
mãe dedicados à tarefa árdua de educar. Entretanto, a prática mostra que a
convivência com as diferenças, bem conduzida pelos educadores, embora seja difícil
no início, apresenta bons resultados no decorrer do tempo, ante a desmistificação do
“outro” desconhecido, que passa a ser uma ou um colega diferente, que merece
respeito e por vezes, como no caso das pessoas com deficiência física, cuidado.
Pode-se desejar e a partir do desejo, lutar para modificar as condições sociais
impostas, dentro de um imaginário ideal, construído de forma coletiva, objetivando o
acesso igualitário aos bens necessários para uma vida digna.
A educação é uma questão complexa, que abrange o acesso real das pessoas,
embora a CF de 1988 garanta o acesso de todos à educação), uma formação e uma
instrumentalização adequadas dos professores, bem como sua valorização.
Não se pode olvidar, aqui, que a valorização dos professores passa por
melhores condições de trabalho, pela oportunização quanto ao aprimoramento
profissional e por uma remuneração digna.
A escolaridade é fator dos mais importantes na maior participação das
mulheres na população econômica ativa e também na mudança de paradigmas em
relação à igualdade entre os sexos.
A formação de um pensamento crítico, desde as primeiras experiências
escolares, inclusivo e compreensivo em relação à igualdade e exigente em relação à
não discriminação, é o grande desafio a ser enfrentado pelos educadores.
Os educadores, por sua vez, devem exercitar o olhar crítico, indispensável para
a atuação na luta pelos direitos humanos, admitindo, examinando e trabalhando seus
próprios preconceitos, com o objetivo de unir a teoria e a prática.
Para Hinkelammert, é necessária a concepção dos direitos humanos como
direitos da vida humana à vida humana, entendendo-se que o reconhecimento dos

620LUENGO, Josefa Martín. PAIDEIA, 25 anos de educación libertaria. Mérida: Colectivo Paideia, 2006,
pp 111-112.
341

direitos humanos a partir da dignidade humana surge como condição insubstituível


para que a sociedade seja “vivível”621.
A educação deve ser permeada pelos conceitos de autonomia e empatia de
que nos fala Hunt622, entendidas como práticas culturais e não apenas ideias.
Autonomia individual e empatia são conceitos justapostos e os direitos
humanos dependem tanto do domínio de si mesmo como do reconhecimento de que
todos os outros são igualmente senhores de si.
A educação é o meio de reprodução do conhecimento e aqui reside a
importância da formação e instrumentalização dos professores e um dos pontos de
inflexão para a conscientização acerca das lutas pelos direitos humanos, incluindo aí
a luta das mulheres pela igualdade real e a prevenção de situações de assédio sexual,
não só no trabalho, mas em todos os âmbitos.
Nos cursos jurídicos, o ensino do Direito pode servir para a facilitação da
mudança social almejada, assumindo que é a desigualdade que define a igualdade e
não o contrário, pois a partir das experiências de desigualdade, a lei pode reconhecer,
acolher e valorar as necessidades, posições e experiências das mulheres nas
estruturas de poder para o efeito de tratá-las diferente sem que o faça desigualmente.
Se o Direito incorpora as necessidades e as experiências das mulheres, o
paradigma masculino que escurece as diferenças reais e positivas pode ser
confrontado, melhorando a situação das mulheres, diante da concepção dos direitos
de forma relacional e não androcêntrica.
A proposta, na linha da norueguesa Tove Stang Dahl623, professora da
Faculdade de Direito da Universidade de Oslo, que já possui, desde 1974, uma
disciplina sobre o direito das mulheres, seria um direito da mulher, tendo como meta
e não como ponto de partida, a igualdade de homens e mulheres, exigindo uma prática
alternativa que busque a Justiça, mais que a segurança jurídica e que seja ensinada
em pedagogias distintas, pois as e os estudantes deveriam aprender ao invés de
memorizar; reconhecer os preconceitos, ao invés de ocultá-los; envolver-se em vez
de controlá-los e solidarizar-se com as e os companheiros ao invés de competir, sendo

621 HINKELAMMERT, Franz. Mercado versus Direitos Humanos. São Paulo: Paulus, 2014, pp.123-125.
622 HUNT, Lynn, Op. cit, nota 229, pp. 27-28.
623 STANG DAHL, Tove. O Direito das Mulheres. Uma Introdução à Teoria do Direito Feminista. Lisboa:

Calouste Gulbenkian, 1993, p. 39.


342

necessário envidar esforços para a criação de um direito da mulher como uma nova
disciplina que não só inclua a teoria crítica do direito, mas contribua para transformá-
la em um instrumento e em um discurso de promoção dos direitos humanos e de
respeito pela dignidade de todos os seres deste planeta624.
A ideia de uma disciplina voltada para as mulheres, nas universidades
brasileiras, ainda parece hoje um tanto utópica, embora o ensino jurídico apresente
diversas carências, acarretadas pelos novos modos de ser e estar na sociedade
Talvez a interessante ideia frutifique, necessitando, ainda, de amadurecimento
e maior conscientização. A forma de conhecimento proposta pelos estudos
feministas, extraídos os exageros existentes, é uma forma crítica, com influência
positiva, trazendo pontos de vista diversificados e abrangentes, necessários para a
renovação do pensamento jurídico, que deve ser adequado ao contexto real, para
além das teorias. À teoria deve seguir-se a prática e ambas devem convergir.
A Escola Superior do Ministério Público da União - ESMPU625 proporciona a
realização de vários cursos para os Membros e servidores, acerca de diversos temas
ligados às relações de trabalho, objetivando o aprimoramento profissional,
salientando-se a existência de convênios com universidades do exterior para a feitura
de cursos de pós-graduação.
Variados temas são tratados nos cursos da ESMPU, a partir de sugestões e
propostas dos próprios membros interessados, que muitas vezes atuam como
capacitadores de seus colegas e dos servidores da instituição.
E não se poderia deixar de lado a educação e formação dos magistrados, que
na atual estrutura; e com a cultura da judicialização e ante a inexistência de
alternativas eficazes, são as pessoas que decidem, ao fim e ao cabo, os conflitos
existentes na sociedade e que é aventada por autores como Faria626, quando
questiona se os juízes continuam ainda formados na tradição formalística da
dogmática jurídica ou já estarão recebendo formação capaz de levá-los a preencher
o hiato existente entre a igualdade jurídico-formal e as desigualdades
socioeconômicas, na aplicação das normas abstratas aos casos concretos.

624 FACIO, Alda. Hacia outra teria crítica del derecho. Las fissuras de patriarcado, reflexiones sobre
Feminismo Y Derecho. HERRERA, Gioconda et al. (Coord.). Ecuador: Flacso, 2000, pp. 37-39.
625 Disponível em: <http://www3.esmpu.gov.br/>. Acesso em: 30 jul.2015.
626 FARIA, José Eduardo. Op.cit, nota 430, pp. 11-26, em especial as pp. 11-12.
343

É de registrar também que atualmente os egressos dos concursos para o MPT


e para a Magistratura Trabalhista, antes do início do exercício de suas atribuições,
passam por curso prévio de formação, incluindo o estudo dos Direitos Humanos.
Também as entidades da classe dos advogados (OABs), buscam qualificar seus
membros em termos de direitos humanos.
A transformação do mundo ocidental atual em um mundo mais justo, igualitário,
solidário e inclusivo não é uma tarefa simples, como simples não é a vida.
Cabe a cada pessoa exercer seu papel crítico e transformador, tanto no
cotidiano como nas organizações e movimentos coletivos, única forma de modificar a
realidade existente, de modo a garantir o respeito à dignidade humana para todas as
pessoas. O combate vigilante e contínuo de toda e qualquer opressão e a educação,
ou melhor, a reeducação das pessoas para um novo modo de olhar e atuar o mundo,
exige atenção constante, posicionamento firme e pensamento crítico acerca das
situações que se apresentam, unindo a teoria com a prática.
Intenta-se ecoar o questionamento proposto por Herrera Flores,627 quando
questiona o que fazer com tantos anúncios de igualdade formal enquanto a realidade
mostra que a mulher continua em posição social inferior em relação ao homem, no
âmbito das relações de trabalho e no acesso às decisões institucionais. Ainda, como
enfrentar a questão desde os direitos humanos, entendidos tradicionalmente como
parte de uma essência humana que os ostenta pelo mero fato de existir (sou humano
e, portanto, tenho direitos humanos), considerando as realidades de fome, de miséria,
de exploração e de exclusão em que está mais de 80% da humanidade, sendo urgente
a mudança de perspectiva acerca do tema, pois os conceitos e definições tradicionais
não mais servem para abarcar a realidade existente.
Beck, aponta que estamos, com todos os contrapontos, oportunidades e
contradições, somente no início da libertação com respeito às atribuições
“estamentais” do sexo, havendo contradição entre a expectativa feminina de igualdade
e a realidade feminina de desigualdade, entre o discurso do compartilhamento e a
insistência em antigas atribuições, enquanto os homens cultivam uma retórica de
igualdade, sem que suas palavras sejam seguidas por seus atos, alertando que a

627 HERRERA FLORES, Joaquín. Op.cit nota 3, p. 15.


344

consciência antecipou-se às relações e que é improvável o atraso dos relógios da


consciência628.
Diante de tais colocações, é importante perquirir sobre a existência, no Brasil,
de disposição social e institucional suficiente e eficiente, para a modificação do
pensamento hegemônico sexista naturalizado e, por conseguinte, a eliminação das
desigualdades e das discriminações em todas as suas formas.
Lembra-se aqui a lição de Chambers629, quando afirma que todo consenso
empírico é corrigível, falível e sujeito à mudança, não impedindo o reconhecimento
que o poder e a coerção são partes permanentes da vida pública, o que não implica
desistir de tomar posições a partir das quais possam ser criticadas as estruturas
particulares de poder e coerção, minorando suas influências nas vidas humanas,
sendo importante aferir se há um consenso acerca do assédio sexual nas relações de
trabalho; se há consciência acerca do tema e, principalmente, se a consciência
existente é suficiente para a promoção de mudanças nas relações entre homens e
mulheres, para a igualdade e para a não-violência.
Todo movimento de mudança atrai um movimento contrário, notadamente
quando são questionados valores arraigados no seio de uma sociedade capitalista e
patriarcal e há várias campanhas tanto em favor quanto contra os avanços sociais,
notadamente nas redes sociais.
Acredita-se, contudo, que há, na contemporaneidade, na sociedade brasileira,
um aumento da consciência da necessidade da igualdade entre mulheres e homens
e da necessidade de prevenção e repressão da violência exercida contra as mulheres,
havendo disposição estatal para a promoção das mudanças necessárias para que os
direitos humanos como um todo sejam mais reconhecidos e para que mulheres e
homens alcancem a igualdade real, para além da igualdade material consolidada nas
normas e o momento atual, o presente, é propício, tanto para refletir sobre as lições
do passado como para pensar e agir de forma proativa, em relação ao mundo que se
quer viver, no futuro, com respeito aos direitos humanos e à dignidade humana e
valorização das diferenças.

628 BECK, Ulrich. Sociedade de Risco. Rumo a outra modernidade. São Paulo: 34, 2011, p. 150.
629 CHAMBERS, Simone. A política da teoria crítica. RUSH, Fred. Org. Teoria Crítica. São Paulo:
Idéias e Letras, 2008, p. 293-294.
345

Para tanto, o Ministério Público do Trabalho pode e deve realizar atuação como
agente transformador da realidade de todas e todos, incluindo a atuação específica
contra o assédio sexual nas relações de trabalho.
Nesse ponto, é interessante aqui transcrever a lição de Hinkelammert quando
reflete sobre o presente e o tempo linear:
Amanhã é o presente de amanhã. O presente de amanhã, porém, tem
um futuro diferente do futuro de nosso presente. Cada presente tem
seu próprio futuro e o presente futuro é algo que, na melhor das
hipóteses, podemos condicionar. Cada geração faz seu presente.
Vendo a partir do seu presente, ela tem seu próprio futuro e seu próprio
passado. Como tem uma própria história, cada presente também tem
seu próprio passado. Ao mudar com o presente o futuro, muda
igualmente o passado. Não apenas cada geração escreve sua própria
história como também tem seu próprio passado. Precisamente por isso
tem seu próprio futuro. Nosso presente é o futuro de um passado, que
foi o presente antes e que teve seu futuro. Nosso presente, ao mesmo
tempo, é o passado de um presente que haverá no futuro tanto quanto
o presente no futuro de nosso passado (...) A história é a passagem de
um presente a outro presente por vir. Por isso, não há nenhum futuro
definitivo, o futuro nunca é. (...). Faz-se caminho ao andar. O futuro de
cada presente é a reflexão sobre essa passagem. 630

Na esperança de um futuro melhor para todas as pessoas trabalhadoras,


remarca-se o pensamento de Herrera Flores631, quando exorta para que se abram as
portas à capacidade genérica de fazer; para que se fundem espaços de encontro entre
as diferenças, para que se conspire pela implantação real de igualdade entre todas e
todos; e para que se organize para o reforço da fraternidade, inventando caminhos
políticos até a liberdade, pois muito há ainda que fazer até que os direitos humanos
sejam respeitados em sua integralidade e até que a igualdade real entre mulheres e
homens seja alcançada, na busca de uma sociedade mais justa e igualitária, com
respeito à dignidade humana.

630 HINKELAMMERT, Franz. A maldição que pesa sobre a lei. As raízes do pensamento crítico em
Paulo de Tarso. São Paulo: Paulus, 2012, pp. 277-278
631 HERRERA FLORES, Joaquín. Op. cit. nota 3. p. 202.
346

CONCLUSÃO

Vamos precisar de todo mundo, prá banir do mundo a opressão. Para


construir a vida nova, vamos precisar de muito amor. A felicidade mora ao
lado. E quem não é tolo pode ver. (...) Vamos precisar de todo mundo. Um
mais um é sempre mais que dois632.

Un día escribí 1+1+1: ésta es la fórmula de mi socialismo. Uno más no, más
otro... No quiero cientos, no quiero miles, no quiero millones, ¡no quiero ceros!
Los ceros a la derecha o a la izquierda no sirven para nada en las
agrupaciones humanas. Uno más uno, más uno, más uno. Un individuo, más
otro, más otro. Y cuanto más individuo mejor. Completo, distinto, perfecto si
es posible. (...)633.

O assédio sexual nas relações de trabalho é uma situação antiga, oriunda dos
primórdios da civilização ocidental, resultante de um contrato originário entre homens
e mulheres, que destinou aos homens o espaço público e relegou às mulheres ao
espaço privado, estabelecendo uma sociedade classista, androcêntrica e patriarcal,
na qual não apenas as mulheres são discriminadas, mas todas as pessoas que não
tiveram a “sorte” de nascerem homens, brancas e proprietárias. As demais pessoas
são objeto de opressão e de tratamento desigual e discriminatório.
No trabalho ora apresentado, dentro das propostas do curso “Doctorado en
Derechos Humanos y Desarrollo, sob a coordenação do saudoso mestre Joaquín
Herrera Flores, o que se busca é a análise da situação do assédio sexual nas relações
de trabalho, considerada como situação de desigualdade e de discriminação, bem
como a atuação individual das pessoas assediadas ante a Justiça do Trabalho e a
atuação das instituições como sindicatos e organizações não-governamentais, do
MTPS, enfatizando-se, contudo a atuação existente e a possível, do MPT, à luz da
teoria crítica dos direitos humanos.
No primeiro capítulo do trabalho, denominado “o assédio sexual nas relações
de trabalho e a teoria crítica dos direitos humanos”, analisou-se o assédio sexual nas
relações de trabalho e a teoria crítica dos direitos humanos. A história das mulheres,
em âmbito mundial, na luta pela igualdade e pela não-discriminação mostra que
sempre existiram mulheres conscientes de suas possibilidades de realização como

632 Trecho da música “O sal de terra” de Beto Guedes. Disponível em: <http://letras.mus.br/beto-
guedes/44544/>. Música disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Kiok0T2WHf4>. Acesso
em: 26 jul. 2015.
633 SIERRA, Maria Martínez. Uma mujer por caminos de Espãna. Madrid: Castalia, Instituto de la Mujer,

1989, p. 163.
347

pessoa humana e dos limites encontrados em suas épocas e que lutaram contra a
situação de opressão vivida pelas mulheres, muitas vezes com o sacrifício de suas
vidas. A partir da revolução industrial, quando as mulheres assumiram postos de
trabalho, o que acarretou novos problemas, somados aos já existentes, foi
incrementada a luta das mulheres, até chegar aos dias de hoje, em que as
desigualdades persistem, mas já há um arcabouço teórico e uma consciência social
acerca do tema, embora persista o modelo de sociedade ocidental e hegemônico
classista e patriarcal. No Brasil, por muito tempo colônia de Portugal, marcado pela
longa existência da escravidão e da mestiçagem, que por vezes mascara o
preconceito existente em razão de raça, as mulheres brasileiras foram, em muitos
momentos, invisibilizadas em sua atuação, enfrentando os problemas decorrentes da
desigualdade e da discriminação, contando, contudo, com aguerridas pioneiras,
embora o resultado, no enfrentamento entre os sextos, seja muitas vezes frustrante.
As lutas seguem na atualidade, enfrentando novos desafios e abarcando as
realidades múltiplas do século XXI. As lutas das mulheres pela igualdade e pela não-
discriminação enfrentam, tanto em âmbito mundial como no Brasil, um inimigo comum
que é o patriarcalismo, resultante do contrato sexual realizado juntamente com o
contrato social e que acarreta um bloqueio do circuito de reação cultural
consubstanciado nos princípios da dominação; da complementariedade; da
necessidade e da vitimização. As teorias feministas, de forma plural e diferenciadas
entre si, buscam uma nova forma de pensamento, questionando teorias e práticas
dominantes e invisibilizantes da diferença entre mulheres e homens, objetivando uma
ética e uma política democrática e interativa com filosofia desconstrutiva e
reconstrutiva das relações de dominação e, ainda, uma política de reconhecimento
das diferenças entendidas de forma multicultural e crítica, podendo o assédio sexual
nas relações de trabalho ser considerado como um produto do sistema de classes e
do patriarcalismo, dentro da hierarquia imposta entre homens e mulheres e pelo
capital.
Conforme a teoria de justiça de Iris Marion Young, o assédio sexual nas
relações de trabalho é uma forma de opressão contra as pessoas trabalhadoras,
notadamente contra as mulheres, que são, estatisticamente, as maiores vítimas. O
assédio sexual nas relações de trabalho apresenta todas as faces da opressão, dentro
da teoria de justiça proposta por Iris Marion Young: exploração, carência de poder,
348

imperialismo cultural e violência. A situação de assédio sexual nas relações de


trabalho enquadra-se também no diamante ético, ferramenta metodológica de
conhecimento e ação, tendo ao centro a dignidade humana, desenvolvida por
Joaquín Herrera Flores, como contributo para a teoria crítica dos direitos humanos,
contando com dois eixes: o material e horizontal, com as forças produtivas, a
disposição, o desenvolvimento, as práticas sociais, a historicidade e as relações
sociais; e o conceitual e vertical, com as teorias, a posição, o espaço, os valores, as
narrações e as instituições, dentro da concepção de uma teoria “impura”, contaminada
de realidade e nunca abstrata e descolada dos fatos.
Seguindo o ensinamento de Joaquín Herrera Flores, a riqueza humana deve
ser tomada como critério de valor, garantindo a todas e todos a oportunidade de reagir
contra tudo que impeça a realização das potencialidades humanas, o que inclui o
assédio sexual nas relações de trabalho, situação que afronta a dignidade das
pessoas assediadas, impedindo a plena realização das suas potencialidades,
afetando o próprio ambiente de trabalho.
No segundo capítulo do trabalho, denominado de “contextualização do assédio
sexual nas relações de trabalho”, analisa-se os parâmetros de conduta possíveis para
a aferição da existência de situação de assédio sexual no trabalho e as posições
adotadas pela doutrina estadunidense, concluindo-se que o critério interpretativo da
“mulher razoável” (que é como uma mulher razoável, dotada de senso médio comum
encararia a situação de assédio sexual nas relações de trabalho), é adequado para
medir o impacto da conduta do assediador, obtendo-se assim um parâmetro para a
medição da racionalidade ou irracionalidade da existência de simples “paquera” ou
assédio sexual nas relações de trabalho, embora não se possa olvidar que a adoção
da perspectiva da vítima, para o estabelecimento da severidade da presumida conduta
de assédio sexual, como forma de balizamento das decisões, possa contribuir para o
alcance da igualdade real, contrapondo-se à igualdade formal, em atenção ao anseio
de Justiça a que o Direito deve atender, contribuindo eficazmente para o equilíbrio das
relações.
Quanto à caracterização do assédio sexual nas relações de trabalho, conclui-
se, de acordo com a doutrina e a jurisprudência, bem como a normativa internacional,
que deve ser entendido como a conduta reiterada ou não, ligada ao comportamento
sexual e ao universo do emprego, não aceita pela pessoa assediada e cuja severidade
349

produz, em uma pessoa humana com sensibilidade normal, uma barreira para a feitura
adequada das tarefas atribuídas, excluindo-se, como elementos essenciais para a sua
caracterização, fatores ligados à hierarquia, ao sexo dos envolvidos, ao local de
trabalho, embora o assédio sexual nas relações de trabalho deva guardar relação com
o vínculo empregatício e ainda a não eventualidade do comportamento. O assédio
sexual nas relações de trabalho não pode ser confundido com o assédio moral nem
com o assédio por razões de sexo, apresentando características distintas, embora,
em muitos casos, o assédio sexual frustrado possa levar à ocorrência de assédio
moral, de caráter persecutório. Muitos doutrinadores e juízes consideram apenas
como assédio sexual nas relações de trabalho aquele que ocorre quando há
subordinação entre as partes (assédio por chantagem), previsto e penalizado
criminalmente no direito brasileiro. Conclui-se aqui que o conceito deve ser ampliado
para abranger, não só o assédio sexual cometido por superior hierárquico, mas
também o assédio entre os colegas no ambiente de trabalho (assédio ambiental), bem
como o assédio realizado por terceiros, mas que guarda relação com a relação laboral,
em razão da obtenção de vantagem para o empregador. Quanto aos sujeitos, conclui-
se que a pessoa assediada pode ser empregada, colega e até mesmo superior
hierárquica da pessoa assediante. Quanto à pessoa assediante, pode ser superior
hierárquica, colega e até mesmo terceira à relação laboral, como no caso de cliente
de uma loja, tendo a empresa, de qualquer forma, responsabilidade objetiva.
As normativas existentes na União Europeia e os instrumentos internacionais
da Organização Nacional das Nações Unidas e da Organização Internacional do
Trabalho oferecem parâmetros gerais, servindo de modelo para os países. Na
Espanha, foi editada a Ley Orgánica 3-2007, denominada Lei de Igualdade de
Oportunidades (LOI), que pode servir de exemplo para a legislação brasileira. No
Brasil, a conduta de assédio sexual nas relações de trabalho na modalidade de
assédio por chantagem, realizado por superior hierárquico foi criminalizada por força
da redação do artigo 216-A do Código Penal, dada pela Lei. 10.224 de 15.02.2001.
Nos demais casos, à míngua de disposições trabalhistas e cíveis sobre o assédio
sexual, aplicam-se os princípios constitucionais, carecendo o tema de regramento
legal específico, concluindo-se aqui pela necessidade de uma normativa trabalhista e
cível, no âmbito das leis brasileiras, acerca do tema, a exemplo da existente na
Espanha, com a LOI.
350

No terceiro capítulo, denominado “trabalho decente e as demandas individuais


nas situações de assédio sexual nas relações de trabalho no Brasil”, analisa-se o tema
à luz do paradigma do trabalho decente e sua relação com os princípios inerentes
aos direitos humanos, notadamente com o princípio da dignidade da pessoa humana
e as ações individuais movidas pelas pessoas assediadas, concluindo-se que o
assédio sexual nas relações de trabalho atenta contra o conceito de trabalho decente,
ferindo os princípios da igualdade e da não discriminação nas relações laborais,
acarretando malefícios tanto para as pessoas trabalhadoras, inclusive no aspecto
psíquico, como nas empresas, que arcam com os custos da conduta nefasta. As
tentativas de eliminação de tal conduta, pelas empresas, devem ser saudadas como
positivas, ainda que motivadas, em muitos casos, por interesses puramente
econômicos, diante do prejuízo acarretado pela constatação da existência de assédio
sexual na empresa, notadamente nos tempos atuais diante da celeridade das
informações, em razão da internet, com o incremento das redes sociais. Quanto à
aplicação das leis existentes, conclui-se que o Poder Judiciário deve utilizar o arsenal
legislativo e doutrinário existente, objetivando a proteção legal da pessoa
trabalhadora, com ênfase na proteção à dignidade humana e que a Justiça do
Trabalho, especificamente, é um espaço possível, existente e vocacionado para a
luta pelos direitos humanos e para o combate ao assédio sexual nas relações de
trabalho.
A pessoa praticante de assédio sexual nas relações de trabalho está sujeita às
consequências trabalhistas, patrimoniais e criminais, diante da ilicitude do ato
praticado. Conclui-se, quanto ao ônus da prova das situações de assédio sexual nas
relações de trabalho, pela necessidade de inversão do ônus da prova sempre que
presentes a verossimilhança das alegações e a hipossuficiência da pessoa assediada,
descabendo a simples aplicação do teor do artigo 818 da Consolidação das Leis do
Trabalho, quando concede ao empregador a faculdade de simplesmente negar o
ocorrido, diante dos princípios protetivos do direito do trabalho. Enfatiza-se que o
princípio da maior aptidão da prova e também o princípio de proteção ao
hipossuficiente são formas de igualar, no plano processual, partes que são desiguais,
em busca da promoção da justiça e dentro das lutas pela dignidade humana. A Justiça
do Trabalho pode e deve coibir simulações, se existentes e que inclusive podem ter
tratamento penal.
351

As indenizações deferidas nas ações individuais trabalhistas que envolvem o


assédio sexual nas relações de trabalho têm alcançado, com raras e honrosas
exceções, valores muito baixos e que não atendem o caráter pedagógico e repressivo
esperado, concluindo-se que o valor das indenizações deve ser aumentado. Também
deve ser incrementado o deferimento das indenizações por danos existencial,
considerando, na esteira da doutrina italiana, que o assédio sexual nas relações de
trabalho prejudica e muitas vezes impede, por força dos danos psíquicos, os projetos
existenciais das pessoas assediadas. Quanto ao segredo de justiça, embora deva ser
respeitado o direito à intimidade das partes, conclui-se que impede a maior
visibilização das situações, que devem ser consideradas não como questões
individuais, mas como questões a serem tratadas de forma coletiva, diante da
repercussão social existente nas situações de assédio sexual nas relações de
trabalho.
Da análise dos julgamentos envolvendo o tema, pelo TRT da 4ª Região, no
Estado do Rio Grande do Sul, e pelo TST, conclui-se que há paulatina evolução
jurisprudencial nas ações individuais movidas em face da prática da conduta de
assédio sexual nas relações de trabalho, com avanço na ampliação de conceitos,
ressaltando, contudo, que apenas em 2010 foi julgado o mérito de um recurso de
revista envolvendo assédio sexual nas relações de trabalho.
No quarto capítulo, denominado “tratamento coletivo das demandas relativas
ao assédio sexual nas relações de trabalho”, conclui-se pela necessidade de
visibilização, desestabilização de transformação da situação atual, através de um
ponto de inflexão, passando do paradigma individual/privado para o paradigma
público/coletivo, no tratamento das situações de assédio sexual nas relações de
trabalho. As instituições como sindicatos, organizações não governamentais e o
MTPS estão mais atuantes em casos de assédio sexual nas relações de trabalho,
contribuindo para a visibilização da questão e para sua prevenção. De outro lado, os
sindicatos, com a atribuição dada pela Carta Magna brasileira de 1988, poderiam atuar
mais, ajuizando ações coletivas, na defesa dos interesses dos membros das
categorias trabalhadoras. O MPT, dentro de suas atribuições constitucionais e agindo
como agente transformador da realidade, tem atuado em defesa dos direitos difusos,
coletivos e individuais homogêneos das pessoas trabalhadoras, tanto
extrajudicialmente como judicialmente, elaborando pareceres nas ações individuais e
352

ingressando com ações civis públicas, atuando de forma pedagógica e preventiva e


também de forma repressiva, em relação ao assédio sexual nas relações de trabalho,
embora careça de estrutura para atender à totalidade das demandas da sociedade.
Conclui-se que o empoderamento das mulheres é condição necessária para o respeito
dos princípios da igualdade e da não discriminação, evitando-se assim a ocorrência
de situações de assédio sexual nas relações de trabalho, entendido como forma de
opressão e o MPT tem uma atuação possível como agente transformador da realidade
e que deve ser incrementada, tanto no ajuizamento de ações afirmativas em face das
empresas, quanto ao respeito à igualdade e à não-discriminação e especificamente
em relação à prevenção e coibição do assédio sexual nas relações de trabalho, como
no ajuizamento de ações que objetivem compelir o Estado (federal, estadual e
municipal) a adotar e implementar de políticas públicas acerca das situações de
desigualdade e discriminação e mais especificamente, acerca das situações de
assédio sexual nas relações de trabalho. Ao final, conclui-se que a valorização da
cidadania das mulheres e a valorização da educação para a cidadania e para a
igualdade entre mulheres e homens, objetivando o respeito aos direitos humanos, à
igualdade real entre mulheres e homens e à diversidade e à dignidade humana e, de
consequência, a eliminação das situações de assédio sexual nas relações de trabalho,
constituem fatores fundamentais para que a situação seja efetivamente transformada,
para além das medidas de cunho repressivo. Somente com a valorização da
cidadania das mulheres e da educação para a cidadania e para a igualdade, poder-
se-á construir um futuro melhor para todas e todos, de forma coletiva, plural e
indiferenciada, rompendo os limites entre o público e o privado, que limitam o
pensamento, impedindo a solução coletiva das questões ligadas à igualdade e à não-
discriminação, aí incluídas as situações de assédio sexual nas relações de trabalho.
a mudança do paradigma privado para o paradigma público, passa pela valorização
da cidadania das mulheres e a educação para a cidadania e para a igualdade entre
homens e mulheres deve envolver toda a sociedade, com respeito à dignidade
humana e, sempre levando em consideração as particularidades de cada pessoa e de
todas as pessoas, lembrando a epígrafe inicial da conclusão ora apresentada.
353

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AEBERHARD-HODGES, Jane. Jurisprudência reciente sobre el acoso sexual em el


trabajo. Revista da Organização Internacional do Trabalho, vol 115, 1996.

ALEMANY, Carme. Assédio Sexual. Dicionário crítico do feminismo. HIRATA, Helena,


LABORIE, Françoise, LE DOARÉ, Helena. Orgs. São Paulo: Unesp, 2009.

ÁLVARES DA SILVA, Antonio. Trabalho da Mulher: homenagem a Alice Monteiro de


Barros. (Coord.) FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. São Paulo: LTr, 2009.

ALVES LIMA, Firmino. Mecanismos Antidiscriminatórios nas Relações de Trabalho.


São Paulo: LTr, 2006.

AMÉLIO, Ailton. O mapa do amor – Tudo o que você queria saber sobre o amor e
ninguém sabia responder. São Paulo: Gente, 2001.

AMORÓS. Celia. La gran diferencia y sus pequenas consecuencias...para las luchas


de las mujeres. Madrid: Ediciones Catedra, 2006.

ANGELIN, Rosangela. “Gênero e meio ambiente: a atualidade do ecofeminismo”.


Revista Espaço Acadêmico, n. 58, Maringá, março de 2006.

ARANTES, Rogério Bastos. Ações coletivas. Dimensões políticas da justiça. Leonardo


Avritzer e outros (Coord.). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.

ARAUJO, Adriane e Mourão, Tania Fontenelle. Trabalho de mulher: mitos, riscos e


transformações. São Paulo: LTr, 2007.

ARAUJO, Adriane Reis de. O assédio moral organizacional. São Paulo: LTr, 2012.

AUGÉ, Marc. Los “no lugares”. Espacios del Anonimato. Barcelona: Gedisa, 1996.

ÁVILA Y CANTOS, Debora. Buscando espacios visibles en una ciudad invisible.


Transformaciones del trabajo desde una perspectiva feminista. Produccíón,
Reprodución, Deseo, Consumo. Madrid: Tierradenadie, 2006.

BAAMONDE, María Emilia Casas. Igualdade y diferencia em la regualción jurídica del


trabajo de la mujer. A igualdade dos gêneros nas relações de trabalho. PENIDO, Lais
de Oliveira. (Coord.). Brasília: ESMPU, 2006.

BALAGUER, Mária Luisa. Mujer e Constitución. La construcción jurídica del gênero.


Madrid: Catedra, 2005.

BARBAGELATA, Héctor-Hugo. O particularismo do Direito do Trabalho. LTr: 1996,


São Paulo.
354

BARBA PAN, Montserrat. Origen e historia de la palabra feminismo. Disponível no site


<http://feminismo.about.com/od/conceptos/fl/iquestCuaacutel-es-el-origen-del-
teacutermino-feminismo.htm

BARZOTTO, Luciane Cardoso. Direitos Humanos e Trabalhadores. Atividade


Normativa da Organização Internacional do Trabalho e os Limites do Direito
Internacional do Trabalho. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.

BEAUVOIR, SIMONE. El Segundo Sexo. Valencia: Catedra, 2008.

BECK, Ulrich. Sociedade de Risco. Rumo à outra modernidade. São Paulo: 34, 2011.

BERGALLO, Paula; MOTTA Y MARCARENA, Cristina; Gherardi Nathalia. La mirada


de los jueces: Buenos Aires: Trabajo, 2012..

BESSA, Fabiane Lopes Bueno Netto. Responsabilidade Social das Empresas.


Práticas Sociais e Regulação Jurídica. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006.

BOBBIO, Norberto. Igualdade e Liberdade, Rio de Janeiro: Ediouro, 1996.

BOCCHETTI, Alessandra. Lo que quiere una mujer. Valencia: Catedra, 2005.

BODELÓN. Encarna. Feminismo y Derecho: Mujeres que van más allá de lo jurídico.
Género y dominación. Críticas feministas del derecho y del poder. BERGALLI,
Roberto Bergalli e RIVERAS, Iñaki (Coord.). Anthropos Editorial. Barcelona, 2009.

_________________. Los limites de las politicas de igualdade de oportunidades y la


desigualdade sexual: la família como problema distributivo y de poder. Lo Público y
loPrivado em el contexto de la Globalización. RUBIO CASTRO, Ana; HERRERA
FLORES, Joaquín (Coord.) Andalucia: Instituto Andaluz de la Mujer, 2006, pp. 218-
220.

BOIANI e AZEVEDO, André. Assédio sexual e aspectos penais. Curitiba: Juruá, 2005.

BORDIEU, Pierre. La dominación masculina. Barcelona: Anagrama, 2005.

BRAH, Avtar. “Diferencia, diversidad, diferenciación”. Otras inapropiables.


Feminismos desde las fronteras. Madrid: Traficantes de suenos, 2004.

BRUNEL ARANDA, Susana. Investigaciones de género promovidas por COCO. Um


acercamiento a los estudios de género. Valencia: Germania, 2001.

BRITO FILHO, José Claudio Monteiro de. Ações Afirmativas. São Paulo: LTR. 3 ed.,
2014.

_________________________________. Trabalho decente. São Paulo: LTr, 2.ed.,


2010.
355

_________________________________. Discriminação no Trabalho. São Paulo: LTr,


2002.

_________________________________. Trabalho Decente. Análise da Exploração


do Trabalho- Trabalho Escravo e outras formas de Trabalho Indigno. São Paulo: LTr,
3. ed., 2013

BRITO LOPES, Otávio. “A Questão da Discriminação no Trabalho”. Artigo publicado


na Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, São Paulo, ano XXV, n. 307, janeiro
de 2015.

__________________. “Coordenadoria Nacional de Promoção de Igualdade de


Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho (Coordigualdade”
Ministério Público do Trabalho. Coordenadorias Temáticas. BRITTO PEREIRA,
Ricardo Jose Macedo de, (Coord.). Brasília: ESMPU, 2006.

CALIL, Lea Elisa Silingowschi. Direito do Trabalho da Mulher. A questão da igualdade


jurídica ante a desigualdade fática. São Paulo: LTr, 2007.

CAMPILONGO, Celso Fernandes. Os desafios do judiciário: um enquadramento


teórico. Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça. FARIA, José Eduardo, (Coord.).
São Paulo: Malheiros, 1998.

CANTELLI, Paula Oliveira. O trabalho feminino no divã: dominação e discriminação.


São Paulo: LTr, 2007.

CAPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris, 2002.

CAPLAN, Luciana. “Direitos Humanos: O Direito do Trabalho e a Teoria Critica dos


Direitos Humanos” Essência do Direito do Trabalho. SILVA, Alessandro, SOUTO
MAIOR, Jorge Luiz, FELIPPE, Kenarik Boujikian e SEMMER, Marcelo, (Coords.). São
Paulo: LTr, 2007.

_______________. O Direito Humano à Igualdade, o Direito do Trabalho e o Princípio


da Igualdade. Direitos Humanos e Direito do Trabalho. PIOVESAN, Flavia; VAZ DE
CARVALHO, Luciana Paula, (Coord.) São Paulo: Atlas, 2010.

CÁRCOVA, Carlos María. A opacidade do direito. São Paulo: LTr, 1998.

CARELLI, Rodrigo de Lacerda. Restrições Jurisprudenciais do Tribunal Superior do


Trabalho à atuação do Ministério Público do Trabalho. O Mundo do Trabalho, volume
I: leituras críticas da jurisprudência do TST: em defesa do direito do trabalho. MELO
FILHO, Hugo Cavalcanti e outros (Coord.). São Paulo: LTr, 2009.
356

________________________O Ministério Público da proteção do Direito do Trabalho.


Caderno CRH, v. 24, Salvador, 2011,

CASTELLS, Manuel, SUBIRATS Marina. Mujeres y Hombres: Um amor imposible.


Madrid: Allianza, 2007.

CHAMBERS, Simone. A política da teoria crítica. Teoria Crítica. RUSH, Fred. (Coord).
São Paulo: Idéias e Letras, 2008.

CHAPPEL DUNCAN & DI MARTINO, Vittorio. Violence at work., Geneva, Internacional


Labour Office, 2. ed., 2000.

COURTIS, Cristian, ABRAMOVICH, Victor. Los derechos sociales como derechos


exigibles. Madrid: Trotta, 2002.

CRUANHES, Maria Cristina dos Santos. Cidadania. Educação e Exclusão Social.


Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editora, 2000.

DAL BOSCO, Maria Goretti. Assédio sexual nas relações de trabalho. Síntese
Trabalhista. n. 149, novembro de 2001.

DAVIS, Ângela. Mujeres, raza y clase. Madrid: Akal, 2004/2005.

DALLEGRAVE NETTO, José Afonso. Responsabilidade civil no direito do trabalho.


São Paulo: LTr, 2010.

DE ASSIS, Machado. Dom Casmurro. São Paulo: L&PM, 2008.

DELGADO, Mauricio Godinho, NEVES DELGADO, Gabriela. Justiça do Trabalho no


Brasil. Dimensões políticas da justiça. AVRITZER, Leonardo e outros (Coord.). Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.

DOURADO FREIRE, Sandra Ferraz de Castillo. A construção do gênero da escola:


entre o discurso e a prática. Trabalho de Mulher: Mitos, Riscos e Transformações.
REIS DE ARAUJO, Adriane e MOURÃO, Tania Fontenelle-Mourão. (Coord.) São
Paulo: LTr, 2007.

DRAPEAU, Maurice. L’Harassment Sexual au Travail. Cowansville. Quebec: Editons


Ivon Blair, 1991.

DWORKIN, Ronald. Los derechos em serio. Barcelona: Ariel,1989.

ELUF, Luiza Nagib. Os caminhos da emancipação. Brasileiro (a) é assim mesmo.


Cidadania e preconceito. PINSKY, Jaime. ELUF. Luiza Nagib.(Coord.) São Paulo:
Contexto, 2000.
357

FACIO, Alda. Hacia outra teria crítica del derecho. Las fissuras de patriarcado,
reflexiones sobe Feminismo Y Derecho. HERRERA, Gioconda e outras (Coord.).
Ecuador: Flacso, 2000.

FARIA, José Eduardo. O Judiciário e o Desenvolvimento Sócio-Econômico. Direitos


Humanos, Direitos Sociais e Justiça. FARIA, José Eduardo, (Coord.). São Paulo:
Malheiros Editores, 1998.

FARINÃS DULCE, Maria José. Las asimetrias del género em el contexto de la


globalización. Lo Público y lo Privado en el contexto de la Globalización. Andalucia:
Instituto Andaluz de la Mujer, 2006, pp. 97-106.

FELKER, Reginald. O dano moral, o assédio moral e o assédio sexual nas relações
de trabalho. Doutrina, jurisprudência e legislação. São Paulo: LTr, 3 ed., 2010.

FERES, João, DAFLON, TOSTE, Veronica, CAMPOS, Luiz Augusto. Ação afirmativa
e Justiça. Dimensões políticas da justiça. AVRITZER, Leonardo e outros (Coord.). Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.

FERRER PERÉZ, Victoria A. Las diversas manifestaciones de la violência de gênero.


La violência de gênero. Algunas cuestiones básicas. FIOL, Esperanza Bosch (Coord.)
Editorial Formación Alcalá. Alcalá La Real; 2007.

FERRARI, Irany, RODRIGUES MARTINS, Melchíades, Dano moral: múltiplos


aspectos nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2008.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da


língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

FERREIRA, Dâmares. O Poder Normativo Coletivo. A promoção da igualdade de


oportunidades por meio de ações afirmativas trabalhistas. Curitiba: Juruá, 2013.

FIGUEIREDO BURRIEZA, Ángela. Setenta y cinco años de sufragio femenino en


España: perspectiva constitucional. Criterio jurídico Nº. 7, Cali: 2007.

FIOL, Esperanza Bosch. La violência de género como fenómeno social. La violência


de género. Algunas cuestiones básicas. FIOL. Esperanza Bosch (Coord.). Formación
Alcalá: Alcalá la Real, 2007.

FLORESTA, Nísia. Opúsculo Humanitário (1853). São Paulo: Cortez, INEP, 1989.

FRANÇA DE OLIVEIRA, Lamartino. Justiça do Trabalho e Dignidade da Pessoa


Humana. Algumas relações do Direito do Trabalho com os direitos civil, ambiental,
processual e eleitoral. CESÁRIO, João Humberto (Coord.) São Paulo: LTr, 2007.

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2011.
358

____________. Pedagogia da Autonomia. Saberes necessário à prática educativa.


Coleção Leitura, Rio de Janeiro:Paz e Terra, 1996.

FREIRE PIMENTA, José Roberto. “Aspectos processuais da luta contra a


discriminação. Na esfera trabalhista. A tutela antecipada como mecanismo igualizador
dos litigantes trabalhistas.” Discriminação. VIANA, Marcio Tulio e RENAULT, Luiz
Otávio Linhares (Coords), São Paulo: LTr, 2000.

FREITAS DE ALVARENGA, Lúcia Barros. La violência de gênero. Algunas cuestiones


básicas. Discriminación y violência contra la mujer. Uma cuestion de gênero. Porto
Alegre: Núria Fabris, 2011.

FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala: Formação da família brasileira sob o


regime patriarcal. Rio de Janeiro: José Olympio, 1984.

______________. Casa-Grande e Senzala. São Paulo: Global Editora, 2013.

GARRACHÓN, Rosa Escapa e TEN, Luz Martinéz. Guia de formación para la


participación social y politica de las mujeres. Fuenlabra: Concejalía de Igualdad y
Empleo, 2008.

GENRO, Tarso Fernando Herz. Direito Individual do Trabalho. Uma Abordagem


Crítica. São Paulo: LTr, 1994.

GILLIGAN, Carol. In a diferent voice. Psychological Theory and women´s


development. Harvard University Press, 1993.

GIULANI, Paola Cappelini. Os Movimentos de Trabalhadoras e a Sociedade


Brasileira. História das Mulheres no Brasil. PRIORE, Mary del. (Coord.) São Paulo:
Contexto, 1997.

GÕNI SEIN, José Luis. A incidência do campo da saúde mental na relação de


emprego. Saúde mental no trabalho: coletânea do fórum de saúde e segurança no
trabalho do Estado de Goías. FERREIRA, Januário Justino. PENIDO, Laís de Oliveira
(Coord) Goiânia: Cir. Gráfica, 2013.

GONZÁLEZ, Elpidio. Acoso Sexual. Buenos Aires: Abeledo Perrot, 2010.

GONZÁLEZ DE RIVERA, José Luis. El maltrato psicológico. Madrid: Editorial Espasa


Calpe, 2005.

GOSDAL, Thereza Cristina. Dignidade do Trabalhador: um conceito construído sob o


paradigma do trabalho decente e da honra; Direito do Trabalho e Relações de Gênero:
Avanços e Permanências. Trabalho de Mulher: Mitos, Riscos e Transformações. REIS
DE ARAUJO, Adriane e MOURÃO, Tania Fontenelle (Coord.) São Paulo: LTr, 2007.

______________________. Diferenças de gênero e discriminação no trabalho. A


igualdade de gênero nas relações de trabalho. PENIDO, Lais de Oliveira (Coord).
Brasília: ESMPU, 2006.
359

______________________. Discriminação da mulher no emprego. Relações de


gênero no Direito do Trabalho. Curitiba: Genesis, 2003.

______________________. Reflexões acerca do assédio sexual no trabalho.


Trabalho e Regulação no Estado Constitucional. RAMOS FILHO (Coord.), v. 3
(Coleção Mirada a Bombordo). Curitiba: Juruá, 2011.

GRAMSCI, ANTONIO. Americanismo e Fordismo. São Paulo: Hedra, 2008.

GUZMÁN, Capilla Navarro, Factores para la prevención. La violência de gênero.


Algunas cuestiones básicas. FIOL, Esperanza Bosch. (Coord). Alcalá La Real:
Formación Alcalá, 2007.

HARAWAY, Donna. Ciencia, cyborgs y mujeres. La reinvención de la naturaleza. Col.


Feminismos, 1995.

HELLER, Lidia. Voces de mujeres. Actividad laboral y vida cotidiana. Barcelona:


Sirpus, 2008.

HERRERA FLORES, Joaquín. De habitaciones próprias y otros espacios negados


(Uma teoria crítica de las opressiones patriarcales). Bilbao: Universidad de Deusto,
2005.

_______________________. Direitos Humanos, Interculturalidade e Racionalidade


de Resistência. Direitos Humanos e Filsosofia Jurídica. WOLKMER, Antonio Carlos (
Coord). Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2004.

________________________. El Vuelo de Anteo. Derechos Humanos y Critica de la


Razón Liberal. Madrid: Desclée de Brouwer, 2000.

________________________. El Proceso Cultural. Materiales para la creatividad


humana. Sevilla: Aconcágua, 2005.

________________________. “La construcción de las garantias. Hacia uma


concepción patriarcal da la liberdad y la igualdade”. Igualdade, diferença e direitos
humanos. SARMENTO, Daniel, IKAWA, Daniela, PIOVESAN, Flavia, (Coords.). Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

________________________. La reinvención de los derechos humanos. Sevilla:


Atrapasuenos; O Nome do Riso. Breve tratado sobre arte e dignidade. Florianopolis:
Editora Bernuncia, 2007.

________________________. Los derechos humanos como productos culturales.


Critica del humanismo abstrato. Sevilla: Los Libros de la Catarata, 2005.

HINKELAMMERT, Franz. A maldição que pesa sobre a lei. As raízes do pensamento


crítico em Paulo de Tarso. São Paulo: Paulus, 2012.
360

___________________. Mercado versus Direitos Humanos. São Paulo: Paulus, 2014

HIRIGOYEN, Marie-France. El acoso moral. El maltrato psicológico na vida cotidiana.


Barcelona: Paidós Ibérica, 1999.

HOUTART, François. La ética de la incertidumbre em las Ciencias Sociales. Habana:


Edictorial de Ciencias Sociales, 2006.

HUNT, Lynn. A invenção dos direitos humanos: uma história. São Paulo: Companhia
das Letras, 2009.

HUSBANDS, Robert. Panorama Internacional da legislação sobre assédio sexual.


Revista Internacional do Trabalho, vol. 131, 1992.

IBARRECHE, Rafael Sastre. La accíon positiva para las mujeres en el derecho


comunitário. A igualdade de gênero nas relações de trabalho. PENIDO, Lais de
Oliveira (Coord.) Brasilia: ESMPU, 2006, pp. 91-114.

INFANTE RUIZ, Francisco J. Igualdad, diversidade u protección contra la


discriminación em el derecho privado. Mujeres, contratos y empresa desde la
igualdade género. MARREIRO, Carolina Mesa (Coord.). Valencia: Tirant le Blanc,
2013.

JAKUTIS, Paulo. Manual de Estudo da Discriminação no Trabalho. Estudo sobre


Discriminação, Assédio Sexual, Assédio Moral e Ações Afirmativas, por meio de
comparações entre o Direito do Brasil e o dos Estados Unidos. São Paulo. LTr, 2006.

LACERDA Dorval de. A Falta Grave no Direito do Trabalho. Rio de Janeiro:


Trabalhistas, 1964.

LELOUP, Jean Yves. Caminhos da realização. Dos medos do eu ao margulho no ser.


Petrópolis: Vozes, 2011.

LIMA, Firmino Alves. Teoria da discriminação nas Relações de Trabalho. São Paulo,
Elsevier, 2011.

LIMA FILHO, Francisco das Chagas. O assédio moral nas relações laborais e a tutela
da dignidade humana do trabalhador. São Paulo: LTr, 2009.

LIPOVETSKY, Gilles. La terceira mujer: permanência y revolucion de lo feminino.


Espanha: Anagrama, 1999.

LIPPMANN, Ernesto. Assédio sexual nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2004.

________________. Assédio Sexual nas relações de trabalho: danos morais e


materiais após a Lei nº 10224. São Paulo: LTr, 2001.
361

LOPES, Cristiane Maria Sbalqueiro. Migrações, mundo do trabalho e atuação do


Ministério Público do Trabalho. Migrações e Trabalho. PEIXOTO DO PRADO, Erlan
José, COELHO Renata (Orgs.) Brasília: MPT, 2015

LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da decisão judicial. Fundamentos de Direito. São


Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

LOUSADA AROCHENA, J. El derecho fundamental a vivir sin violencia de género.


Anales de la Cátedra Francisco Suárez, Norteamérica, 48, ene. 2015, pp. 35-48.
Disponible en: <http://revistaseug.ugr.es/index.php/acfs/article/view/2779/2896>.

LOURO, Guacira Lopes. “Gênero, história e educação: construção e desconstrução”.


Porto Alegre: Revista Educação e Realidade, n. 16, jul/dez, 1995.

___________________. História das Mulheres no Brasil. DEL PRIORE, Mary,


Bassanezi, Carla (Coord.). São Paulo: Contexto, 2. ed.,1997.

LUENGO, Josefa Martín. PAIDEIA, 25 anos de educación libertaria. Mérida: Colectivo


Paideia, 2006.

MACKINNON, Catherine. Sexual Harassment of Working Women. New Haven and


London: Yale University Press, 1979.

MALLET, Estevão. Discriminação e processo do trabalho. Discriminação. VIANA,


Marcio Tulio e RENAULT, Luiz Otávio Linhares (Coords.) São Paulo: LTr, 2000, pp.
156/168.

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. “Ação civil pública trabalhista: análise de alguns


pontos controvertidos”. Revista do MPT, Brasília, ano 6º, nº. 12, set. 1996, pp. 47-78.

MARQUES DA FONSECA, Ricardo Tadeu. Saúde mental para e pelo trabalho. Saúde
mental no trabalho: coletânea do fórum de saúde e segurança no trabalho do Estado
de Goías. FERREIRA, Januário Justino. PENIDO, Laís de Oliveira (Coord.). Goiânia:
Cir. Gráfica, 2013.

MARQUES-PEREIRA, Bérengere. Cidadania. Dicionário Critico do Feminismo.


HIRATA, Helena, LABOURIE, Françoise, LE DOARÉ, Hélène, SENOTIER, Danièle
(Coord.) São Paulo: UNESP, 2009.

MARTINEZ-VIVOT. Julio. La Discriminacion Laboral. Despido Discriminatório. Buenos


Aires: USAL, 2000.

MASCARO DO NASCIMENTO, Amauri. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo:


Saraiva, 18 ed., 2003.

MATOS, Maria Izilda. Borelli Andrea. Espaço feminino no mercado produtivo. Nova
História das Mulheres. PINSKI, Carla Bassanezi e Pedro, Joana Maria (Coord.). São
Paulo: Contexto, 2012.
362

MATOS, Marlise. Feminismo e teorias da Justiça. Dimensões políticas da justiça.


AVRITZER, Leonardo e outros (Coord.). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.

MARTINS FILHO, Ives Gandra. Processo coletivo do trabalho. São Paulo: LTR, 1994.

MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano moral coletivo. São Paulo: LTR, 2012.

MENICUCCI, Eleonora. A mulher, a sexualidade e o trabalho. São Paulo: Hucitec,


1999.

MILARÉ, ÉDIS. A ação civil pública na nova ordem constitucional. São Paulo: Saraiva,
1990.

MOLINA, Pilar López. El tratamiento del género en el âmbito normativo. El tratamento


del género en el ordenamento español. OLMEDA, Alberto Palomar(Coord.) Valencia:
Tirant lo blanch, 2005.

MONFORT, Gemma Fabregat. Los Planes de Igualdad como Obligación Empresarial.


Analisis de la Ley Orgánica para la Igualdad Efectiva de Mujeres y Hombres. Albacete:
Editorial Bomarzo, 2007.

MONTEIRO DE BARROS, Alice. A mulher e o Direito do Trabalho. São Paulo: LTr,


1995.

__________________________. Dano Moral da Justiça do Trabalho. Trabalho &


Doutrina n. 16, março/1998.

__________________________. O assédio no direito do trabalho comparado.


Desafios do Direito do Trabalho. SENTO-SÉ, Jairo (coord.). São Paulo, LTr, 2000.

__________________________. "O assédio sexual no Direito do Trabalho


Comparado", Porto Alegre, Revista Síntese Trabalhista, n. 118, abril de 1999.

MOSSIN, Heraclito Antonio. Assédio sexual e crime contra os costumes. São Paulo:
LTr, 2002.

MOREIRA DE PAULA, Jônatas Luiz. A Jurisdição como elemento de inclusão social.


Revitalizando as regras do jogo democrático. São Paulo: Manole, 2002.

MORIN, Edgar. A cabeça bem feita. Repensar a reforma. Repensar o pensamento.


Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 8. ed., 2003.

___________. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez,


2011.

MOURA, Humberto Fernandes de. A Discriminação Indireta, sua natureza jurídica e a


possibilidade de implementação das ações afirmativas nas relações de emprego:
algumas breves idéias. Artigo publicado na Revista Síntese Trabalhista e
Previdenciária, ano XXV, n. 307, janeiro de 2015, São Paulo.
363

NASH, Mary. La doble alteridade en la comunidade imaginarida de las mujeres


inmigrantes. Inmigración, Género y Espacios Urbanos. Barcelona: Belaterra, 2005.

NOGUEIRA, Claudia Mazzei. A feminização no mundo do trabalho: entre a


emancipação e a precarização. Autores Associados. Apontamentos de classe
realizada em 19.05.2015 em curso da ESMPU-Brasília. Campinas, São Paulo: 2004.

________________________. O trabalho duplicado. A divisão sexual no trabalho e


na reprodução: um estudo das trabalhadoras do telemarketing. São Paulo: Expressão
Popular, 2011.

NOVAIS, Denise Pasello Valente. Discriminação da Mulher e Direito do Trabalho. São


Paulo: LTr, 2005.

NOVAES GUEDES, Márcia. Terror Psicológico no Trabalho. São Paulo: LTr, 2008.

NOVELLA, Carmen Torralbo. Paridad sexual y trabajo. Uma aproximación sociológica.


Transformaciones del trabajo desde una perspectiva feminista. Produccíón,
Reproducioón, Deseo, Consumo. Madrid: Tierradenadie, 2006.

NYE, Andrea. Teoria feminista e as filosofias do homem. Rio de Janeiro: Rosa dos
tempos, 1995.

OLIVEIRA. Francisco Antonio de. O assédio sexual e o dano moral, ln: Revista LTr 66-
2011.

OLIVEIRA DA COSTA, Walmir. Dano moral nas relações laborais. Competência e


mensuração. Curitiba: Juruá, 6. ed., 2008.

OLIVEIRA DA SILVA, Jorge Luiz de. Assédio Moral no Ambiente de Trabalho. Rio de
Janeiro: Jurídica, 2005.

OLMEDA, Alberto Palomar. El princípio de igualdad y la interdicción. El tratamiento


del género em el ordenamento español. OLMEDA, Alberto Palomar(Coord.) Tirant lo
blanch: Valencia, 2005.

OKIN, SUSAN MOLLER Justice, gender and the Family. Nova Iorque: Basic Books,
1989.

ONGHENAM, Yolanda. Dinámicas interculturales y construción identitária.


Inmigración, Género y Espacios Urbanos. Barcelona: Belaterra, 2005.

OSBORNE, Raquel. Apuntes sobre violência de gênero. Barcelona: Bellaterra; 2009.

PAGLIA, Camille. Vamps e Tramps, más allá del feminismo. Editora Valdemar, Madrid,
2001.
364

PAMPLONA FILHO, Rodolfo Mário Veiga. Assédio sexual: questões conceituais.


Trabalho da Mulher: homenagem a Alice Monteiro de Barros. FRANCO FILHO,
Georgenor de Sousa (Coord.). São Paulo: LTr, 2009.
_________________________________. Orientação sexual e discriminação no
emprego. Discriminação. VIANA, Marcio Tulio e RENAULT, Luiz Otávio Linhares,
(Coord.). São Paulo: LTr, 2000.
_________________________________. O Assédio Sexual na Relação de Emprego.
São Paulo: LTr, 2001.

PATEMAN, Carole. O Contrato Sexual. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.

PASSOS, Eduardo, BENEVIDES DE BARROS, Regina. A cartografia como método


de pesquisa-intervenção. Pistas do método da cartografia. PASSOS, Eduardo,
KASTRUPP, Virginia, e ESCOSSIA, Liliana da. (Coord.). Porto Alegre: Sulina, 2012.

PASTORE, José e ROBERTELLA, Luiz Carlos. Assédio Sexual no Trabalho - O que


fazer? São Paulo: Makron Books, 1998.

PAUTANI, Laura C. Igualdad de derechos y desigualdade de oportunidades. Las


fissuras de patriarcado, reflexiones sobe Feminismo Y Derecho. HERRERA, Gioconda
e outras. (Coord.). Ecuador: Flacso, 2000.

PEDRASSANI, José Pedro. Aspectos da tutela judicial de direitos individuais perante


a jurisdição trabalhista. São Paulo: LTr, 2001.

PEDRO, Joana Maria. Corpo, Prazer e Trabalho. Nova História das Mulheres. PINSKI,
Carla Bassanezi e Pedro, Joana Maria (Coord.). São Paulo: Contexto, 2012.
_________________. Meu corpo, minhas regras. Revista de História da Biblioteca
Nacional ano 10 n.113-fevereiro de 2015.

PENIDO, Laís de Oliveira. Os fatores psicossociais e a caracterização do tratamento


desumano e degradante. Saúde mental no trabalho: coletânea do fórum de saúde e
segurança no trabalho do Estado de Goías. FERREIRA, Januário Justino. PENIDO,
Laís de Oliveira (Coord.). Goiânia: Cir. Gráfica, 2013.

Pérez Guardo, R. y Rodríguez Sumaza, C. Un análisis del concepto de acoso sexual


laboral: reflexiones y orientaciones para la investigación y la intervención social.
Cuadernos de Relaciones Laborales, Vol. 31, Núm. 1, 2012.

PIMENTEL. Silvia. Educação, Igualdade, Cidadania – A Contribuição da Convenção


CEDAW. Igualdade, diferença e direitos humanos. SARMENTO, Daniel, IKAWA,
Daniela Ikawa e PIOVESAN, Flavia (Coord.). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

PINHO PEDREIRA. O assédio sexual em face do direito do trabalho. Revista Trabalho


& Doutrina, n. 09, São Paulo: Saraiva, junho de 1996.

PIOVESAN, Flavia. Direitos Humanos das Mulheres no Brasil: Desafios e


Perspectivas. A igualdade de gênero nas relações de trabalho. PENIDO, Lais de
Oliveira (Coord.). Brasilia: ESMPU, 2006.
365

________________; PIMENTEL, Silvia. Mulher, Democracia e Desenvolvimento.


Publicado no jornal Folha de São Paulo em 09.01.2011, Caderno de opinião, A3.

PINKOLA ESTES, Clarisse. Mulheres que correm com os lobos. Rio de Janeiro:
Rocco, 1994.

PRONER, Carol. Propriedade Intelectual: para uma outra ordem jurídica possível. São
Paulo: Cortez, 2007.

PUIESKI, Fany. El Acoso Sexual. Montevidéu: Fundacion de Cultura Universitária,


1999.

QUARTIN DE MORAES, Maria Lygia. Militância Libertária. Revista de História da


Biblioteca Nacional ano 10 n.113-fevereiro de 2015.

RAGO, Margareth. Trabalho Feminino e Sexualidade. História das Mulheres no Brasil.


DEL PRIORE, Mary (Coord.) São Paulo: Contexto, 1997.

RAMOS FILHO, Wilson. Direito Capitalista do Trabalho: histórias, mitos e perspectivas


no Brasil. São Paulo: LTr, 2012.

RANCIÈRE, Jacques. O ódio à democracia. São Paulo: Boitempo, 2014.

RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução Jussara Simões. São Paulo: Martins
Fontes, 2008.

RICHTER, Jaqueline, Iranzo, Consuelo. El trabajo feminino en la legislación


venezoelana. A igualdade dos gêneros nas relações de trabalho. PENIDO, Lais de
Oliveira (Coord.). Brasília: ESMPU: Brasilia. 2006.

RIVERA GARRETAS, María-Milagros. Nombrar el mundo em feminino. Barcelona:


Icaria,2003.

ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. O assédio sexual nas relações de trabalho.


Assédio sexual no trabalho – o que fazer? São Paulo: Makron Books, 1998, p.
138/139.

ROCHA, Carmen Lucia Antunes. Vida digna: direito, ética e ciência (os novos
domínios jurídicos e seus reflexos jurídicos). O direito à vida digna. ROCHA, Carmen
Lucia Antunes (Coord.). Belo Horizonte: Fórum, 2004.

ROCHA, Karine. Sementes da Revolução. Revista de História da Biblioteca Nacional


ano 10 n.113-fevereiro de 2015.

RODRIGUES PINTO, José Augusto. Justiça do Trabalho e a proteção da saúde


mental do trabalhador no cotidiano do trabalho. Saúde mental no trabalho: coletânea
366

do fórum de saúde e segurança no trabalho do Estado de Goias. FERREIRA, Januário


Justino. PENIDO, Laís de Oliveira (Coord.). Goiânia: Cir. Gráfica, 2013.

ROGERAT, Chantal e ZYLBERBERG-HOCQUARD, Marie-Hélène. Sindicatos.


Dicionário Critico do Feminismo. HIRATA, Helena, LABOURIE, Françoise, LE DOARÉ,
Hélène, SENOTIER, Danièle (Coord.) São Paulo: UNESP, 2009.

ROSEMBERG, Fulvia. Mulheres educadas e a educação das mulheres. Nova História


das Mulheres. PINSKI, Carla Bassanezi e PEDRO, Joana Maria (Coord.). São Paulo:
Contexto, 2012.

ROSIN, Hanna. The end of men and the rise of women. USA: Riverside Books, 2012.

RUBINSTEIN, Michael. Dealing with harassment at work; the experience of


industrialized countries. Conditions of Work Digest. Internacional Labour Office.
Geneva. Vol. 11, nº 1, 1992.

RUBIO CASTRO, Ana. Feminismo y Ciudadania. Sevilha: Instituto Andaluz de la


Mujer,1997.

__________________. Cidadania y sociedad civil: avanzar em la igualdad desde la


politica. Lo Público y lo Privado en el contexto de la Globalización. RUBIO CASTRO,
Ana y HERRERA FLORES, Joaquín (Coord.). Andalucia: Instituto Andaluz de la Mujer,
2006.

RUBIO DE MEDINA, Maria Dolores. Los conceptos de acoso laboral (MOBBING),


acoso sexual y acoso por razón de sexo y su relación com la igualdad de
oportunidades. MOBBING, acoso laboral y acoso por razóns de sexo. Guía para la
empresa y las personas trabajadoras. PORTERO, Maria Teresa Velasco (Coord.) .
Madrid: Tecnos, 2011.

RUBIO, David Sánchez. La inmigración y la trata de personas cara a cara con la


adversidade y los Derechos Humanos: xenofobia, discriminación, explotación sexual,
trabajo esclavo y precarización laboral. Migrações e Trabalho. Peixoto do Prado, Erlan
José, Coelho, Renata (Coord.). Brasília: MPT, 2015

SÁNCHEZ, María José Cabanillas. GONZÁLEZ, Rosa Luengo, SILVA, Sofía Marques
da. Políticas públicas de igualdade de gênero em Espanha e Portugal: um estudo
comparativo. Revista do Laboratório de Estudos da Violência da UNESP/Marília. 11
ed., maio de 2013.

SANTOS, Aloysio. Assédio Sexual nas Relações Trabalhistas e Estatutárias. Rio de


Janeiro: Forense, 1999.

SARDEGNA, Paula Constanza. Trabajo de Mujeres, Perspetiva de Gênero. Contrato


de Trabajo. Normativa Nacional e Internacional. Jurisprudência. Buenos Aires: La Ley,
2003.

SAU, Victoria. Dicionário ideológico feminista. Barcelona: Icaria, 1989


367

SCHIAVI, Mauro. Ações de Reparação por Danos Morais Decorrentes da Relação de


Trabalho. São Paulo: LTr, 2007.

SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia de Bolso,


2010.

SENDÓN DE LEON, Victoria. Marcar las diferencias. Discursos feministas ante um


nuevo siglo. Barcelona:Icaria,2002

SIERRA, Maria Martínez. Uma mujer por caminos de Espãna. Castalia. Madrid:
Instituto de la Mujer, 1989.

SILVA E NETO, Manoel Jorge. Assédio por competência nas relações de trabalho.
Revista do Ministério Público do Trabalho na Bahia. Salvador, n. 3, 2008
_______________________. Constituição e Assédio Sexual. Revista de Direito do
Trabalho. RT, ano 29, n. 111, 2003.

_______________________. Teoria Jurídica do Assédio e sua Fundamentação


Constitucional. São Paulo: LTr, 2012.

SIMIONI, Ana Paula C. e NOGUEIRA, Manuela Henrique. Outras telas para outros
papéis. Revista de História da Biblioteca Nacional, ano 10 n.113-fevereiro de 2015.

SÍMON. Sandra Lia. O Ministério Público do Trabalho e as Coordenadorias Nacionais.


Ministério Público do Trabalho. Coordenadorias Temáticas. BRITTO PEREIRA,
Ricardo Jose Macedo (Coord.). Brasília: ESMPU., 2006.

________________. O Ministério Público do Trabalho e a proteção do trabalho da


mulher. Trabalho de mulher: mitos, riscos e transformações. REIS DE ARAUJO,
Adriane e MOURÃO, Tania Fontenelle (Coord.). São Paulo: LTr, 2007.

SOIHET, Raquel. A conquista do espaço público. Nova História das Mulheres.


PINSKI, Carla Bassanezi e PEDRO, Joana Maria (Coord.). São Paulo: Contexto,
2012.

SOUZA-LOBO, Elisabeth. A classe operária tem dois sexos. Trabalho, dominação e


resistência. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2 ed, 2011.

SOUSA SANTOS. Boaventura de. A gramática do tempo. Para uma nova cultura
política. Porto: Afrontamento, 2006.
___________________________. A crítica da razão indolente. Contra o desperdício
da experiência. São Paulo: Cortez Editora, 8 ed, 2011.

SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Ação civil pública e termos de ajuste de conduta:
competência da Justiça do Trabalho. Revista LTR, São Paulo, v. 62, n. 10, out. 1998.

STANG DAHL, Tove. O Direito das Mulheres. Uma Introdução à Teoria do Direito
Feminista. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1993.
368

STOLZ, Sheila. O Direito a não ser discriminado por razão de gênero segundo a
Scottish Court of Session: Apreciação de um Precedente Judicial, Revista Eletrônica
do TRT da 4ª Região, Porto Alegre, 2006.

SUPIOT, Alain. Homo Juridicus. Ensaio sobre a função antropológica do direito.


Lisboa: Instituto Piaget, 2005.

TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Curso de Direito Processual do Trabalho, Tomo II,
São Paulo: LTr, 2009.

TELLES, Norma. Outras Palavras. Revista de História da Biblioteca Nacional, ano 10


n.113-fevereiro de 2015.

TOURAINE, Alain. El mundo de las mujeres. Barcelona: Ediciones Paidos Ibérica,


2007.

______________. Iguais e diferentes. Poderemos viver juntos? Lisboa: Instituto


Piaget: 1997.

______________. Pensar outramente o discurso interpretativo dominante. Rio de


Janeiro: Vozes, 2009.

TOVAR, Ligia Sanchez, ESPEJO, Maria José Del Pino, Aznar, Maria Pilar Matud y
ZINGALES, Rosalia. Consideraciones psicosociales sobre el acoso sexual em el
trabajo, Medina, Maria Dolores. MOBBING, acoso laboral y acoso por razóns de sexo.
Guía para la empresa y las personas trabajadoras. PORTERO, Maria Teresa Velasco
(Coord.). Madrid: Tecnos, 2011.

URIARTE, Oscar Ermida. La mujer en el derecho del trabajo: de la protección a la


promoción de la igualdad. A igualdade dos gêneros nas relações de trabalho.
PENIDO, Laís de Oliveira (Coord.) Brasília: ESMPU, 2006, pp. 115-125.

VALCÁRCEL, Amelia. La Política de las Mujeres. Valencia: Catedra, 2005.

VARIKAS, Eleni. Igualdade. Dicionário Critico do Feminismo. HIRATA, Helena,


LABOURIE, Françoise, LE DOARÉ, Hélène, SENOTIER, Danièle (Coord.). São Paulo:
UNESP, 2009.

VÁSQUEZ, Dolores de La Fuente. Acoso sexual. La Discriminacion Por Razon de


Sexo em de gênero no Direito do Trabalho. RIO, Teresa Pereza del (Coord.). Curitiba:
Genesis, 2003.

VÁSQUEZ, Yolanda Maneiro, BOTO, José Maria Miranda. Las obligaciones de la


empresa em matereia de acoso moral, acoso sexual y acoso por razones de sexo: los
protocolos antiacoso. MOBBING, acoso laboral y acoso por razóns de sexo. Guía para
la empresa y las personas trabajadoras. PORTERO, Maria Teresa Velasco (Coord.).
Madrid: Tecnos, 2011.
369

VIANA, Marcio Tulio. A proteção trabalhista contra os atos discriminatórios (Análise


da Lei 9.029). Discriminação. VIANA, Marcio Túlio; RENAULT, Luiz Otávio Linhares
(Coord.). São Paulo: LTr, 2000.

VIANELLO, Mino. CARAMAZZA, Elena. Género, espacio y poder. Para una crítica de
las Ciencias Politicas. Madrid: Cátedra, 2002.

WAJCMAN, Judy. El Tecnofeminismo. Valencia: Catedra, 2006.

WALZER, Michael. Esferas da Justiça. Uma defesa do pluralismo e da igualdade. São


Paulo: Martins Fontes, 2008.

WILLIAMS, Raymond. Recursos da Esperança: cultura, democracia, socialismo. São


Paulo: UNESP, 2015.

WOLKMER, Antonio Carlos. Direito, Poder Local e Novos Sujeitos Sociais. In “O


Direito no Terceiro Milênio”. RODRIGUES, H. W. Canoas: Ulbra, 2000.

______________________. Ideologia, Estado e Direito. São Paulo: RT, 1989.

______________________. Introdução ao pensamento jurídico crítico. São Paulo:


Saraiva, 2006.

WOOLF, Virginia. Profissões para mulheres e outros artigos feministas. Porto Alegre:
L&PM, 2012.

_____________. Um cuarto próprio. Madri: Hora y Horas, 2003.

YOUNG, Iris Marion. Imparcialidad y lo cívico público. Algunas implicaciones de las


criticas feministas a la teoria moral e politica. Teoria Feminista y Teoria Crítica.
BENHABIB, Seyla e CORNELL, Drucilla (Coord.). Valencia: Alfons el Magnanim, 1990.

________________. La justicia y La política de La diferencia. Traducción de Silvina


Álvarez. Valencia: Catedra. 2000.

ZACKSESKI, Cristina. A insegurança feminina e os problemas das políticas


contemporâneas de prevenção da violência. Trabalho de Mulher: Mitos, Riscos e
Transformações. REIS DE ARAUJO, Adriane, MOURÃO, Tânia Fontenelle (Coord.).
São Paulo: LTr, 2007.

ZAIDMAN, Claude. Educação e socialização. Dicionário Critico do Feminismo.


HIRATA, Helena, LABOURIE, Françoise, LE DOARÉ, Hélène, SENOTIER, Danièle
(Coord.). São Paulo: UNESP, 2009.

ZANGRANDO, Carlos. Processo do Trabalho. Processo de Conhecimento, Tomo II,


São Paulo: LTr, 2009.
370

HOME PAGES CONSULTADAS

http://www.tempopresente.org
http://pt.wikipedia.org
http://feminismo.about.com
http://www.ciudaddemujeres.com
http://www.piratininga.org.br
http://www2.uol.com.br
http://pt.scribd.com
http://www.ceppes.org.br
http://www.brasilpost.com.br
https://www.youtube.com
https://mulhereencantadas.wordpress.com
http://www.ibge.gov.br
http://www.stf.jus.br
http://www.fiesp.com.br
http://www3.weforum.org
http://www.marchadasvadiasdf.wordpress.com
http://www.planalto.gov.br
http://www.magmablog.com
http://womenshistory.about.com
http://www.scielo.br
https://docs.google.com
http://joaquinherreraflores.org
http://www-news.uchicago.edu
https://www.dei.uc.pt
http://www.upf.edu
http://www.trainingabc.com
http://www.ilo.org
http://correiodobrasil.com.br
http://www.tst.jus.br
http://www.terra.com.br
http://www.upf.edu
http://www.trt2.gov.br
http://www.espacovital.com.br
http://www.fenassec.com.br
371

http://vlex.com
http://www.mtas.es
http://www.bjis.unesp.br
http://webs.uvigo.es
http://www.observatoriodegenero.gov.br
http://imagem.camara.gov.br
http://www.buscalegis.ufsc.br
http://jus2.uol.com.br
http://sociedad.elpais.com
http://www.trt4.jus.br
http://www.mp.sp.gov.br
http://www.tst.gov.br
http://www.abep.nepo.unicamp.br
http://www.contrafcut.org.br
http://www.sindicatocp.org.br
http://www.filmesdecinema.com.br
http://www.sinsesp.com
http://enp4.unam.mx
http://themis.org.br
http://www.spm.gov.br
http://www.conectas.org
http://www.sinait.org.br
http://portal.mte.gov.br
http://www.trt9.jus.br
http://jus.com.br
http://cultura.travelarte.com
http://www3.esmpu.gov.br
http://revistaseug.ugr.es/index.php/acfs/article/view/2779/2896

https://dialnet.unirioja.es/

http://www.boe.es/boe/dias/2014/06/06/pdfs/BOE-A-2014-5947.pdf
http://biblio.juridicas.unam.mx/revista/pdf/DerechoSocial/4/art/art8.pdf
http://www.conjur.com.br/2015-ago-11/justica-trabalho-competencia-julgar-acao-mpt
http://www.ecodebate.com.br/2009/01/23/do-lado-dos-ultimos-entrevista-com-vandana-shiva/.
372

ABREVIATURAS:

ACP – Ação Civil Pública


CCB – Código Civil Brasileiro
CEDAW – Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
contra a Mulher
CIT - Conferência Internacional do Trabalho
CLT – Consolidação das Leis do Trabalho brasileira
CP –Código Penal Brasileiro
CPC – Código Processual Civil Brasileiro
CF-88 – Constituição Federal Brasileira de 1988
EUA – Estados Unidos da América
FMI - Fundo Monetário Internacional
IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
LACP –Lei 7.347- 85 Lei da Ação Civil Pública
LOI – Ley Orgánica 3-2007
MTE - Ministério do Trabalho e Emprego
MTPS- Ministério do Trabalho e Previdência Social
MPT - Ministério Público do Trabalho
OIT – Organização Internacional do Trabalho
ONG – Organização não-governamental
ONU – Organização das Nações Unidas
PIDESC - Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
TRT – Tribunal Regional do Trabalho
TST- Tribunal Superior do Trabalho
UE - União Européia

También podría gustarte

pFad - Phonifier reborn

Pfad - The Proxy pFad of © 2024 Garber Painting. All rights reserved.

Note: This service is not intended for secure transactions such as banking, social media, email, or purchasing. Use at your own risk. We assume no liability whatsoever for broken pages.


Alternative Proxies:

Alternative Proxy

pFad Proxy

pFad v3 Proxy

pFad v4 Proxy