Portugal e o Atlântico
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Sobre este e-book
Bernardo Pires de Lima
Bernardo Pires de Lima (Lisboa, 1979) é investigador do Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa e do Center for Transatlantic Relations da Universidade Johns Hopkins, em Washington DC. É colunista de política internacional do Diário de Notícias e comentador na mesma área da RTP e da Antena 1. Autor de A Síria em Pedaços (2015), A Cimeira das Lajes (2013) e Blair, a Moral e o Poder (2008), tem sido conferencista em várias universidades e academias diplomáticas e tem visto as suas opiniões publicadas na imprensa internacional, em títulos como Huffington Post, The National Interest, Hurriyet Daily News e The Diplomat. É casado e tem dois filhos.
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Portugal e o Atlântico - Bernardo Pires de Lima
Abreviaturas
AGOA – African Growth and Opportunity Act
AIE – Agência Internacional de Energia
AIIB – Banco Asiático para o Investimento e Infraestruturas
ASEAN – Association of Southeast Asian Nations
BRICS – Brazil, Russia, India, China and South Africa
CEE – Comunidade Económica Europeia
CETA – Comprehensive Economic and Trade Agreement
CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
EUA – Estados Unidos da América
FMI – Fundo Monetário Internacional
IBSA – India, Brazil and South Africa
IDE – Investimento Directo Estrangeiro
MERCOSUL – Mercado Comum do Sul
NAFTA – North American Free Trade Agreement
NATO – North Atlantic Treaty Organization
OMC – Organização Mundial do Comércio
ONU – Organização das Nações Unidas
OPEP – Organização dos Países Exportadores de Petróleo
PIB – Produto Interno Bruto
SAARC – South Asian Association for Regional Cooperation
SFOR – Stabilisation Force in Bosnia
SCO – Organização para a Cooperação de Xangai
TPP – Trans-Pacific Partnership
TTIP – Transatlantic Trade and Investment Partnership
UE – União Europeia
ZEE – Zona Económica Exclusiva
De que trata este ensaio?
Podemos resumir em três as grandes transições tectónicas de poder nos últimos 500 anos. A chegada de Vasco da Gama à Índia iniciou a emergência do Ocidente a uma escala global. O domínio marítimo português foi seguido fortuitamente por outras potências ocidentais, como a Holanda, a França, a Grã-Bretanha e os EUA. Actualmente, a China e a Índia competem pelo controlo de portos estratégicos e pelo acesso a rotas comerciais ao longo do rimland sul euroasiático. Mudanças fundamentais que redefiniram a vida internacional – política, económica e cultural. A primeira foi a emergência do mundo ocidental, um processo que começou no século XI e acelerou rapidamente a partir do século XV. Produziu a modernidade, tal como a conhecemos: ciência e tecnologia; comércio e capitalismo, as revoluções industriais e agrícolas. Produziu também o domínio político prolongado das nações do Ocidente.
A segunda alteração, que teve lugar no último quartel do século XIX, foi a emergência dos EUA. Pouco depois de os EUA se terem industrializado e terem iniciado um processo de afirmação regional, de Cuba às Filipinas, tornaram-se progressivamente a nação mais poderosa desde a Roma imperial e mais forte do que qualquer combinação de outras potências. O corolário disto fixou os EUA como nação dominadora do sistema internacional durante quase todo o século XX, nas dimensões política, económica, comercial, militar, científica e cultural. Tudo com alcance global. Nos últimos 20 anos, essa hegemonia mundial foi inigualável, um fenómeno sem precedente na história moderna.
Actualmente, estamos a viver a terceira grande transição do poder da era moderna que pode ser designada como «a emergência do resto», a qual é, depois da queda do Muro de Berlim, a maior transformação geopolítica ocorrida na história política contemporânea. De facto, nas últimas décadas, países de todo o mundo têm protagonizado taxas de crescimento económico outrora consideradas impensáveis. Pela primeira vez, assistimos a um crescimento global genuíno, situação que está a criar um sistema internacional no qual o «resto» deixou de ser um mero observador do poder ocidental e passou a ser um actor de direito próprio. É o advento de uma verdadeira ordem global. A grande questão é de que tipologia de ordem estamos a falar.
O arranjo tipológico da ordem internacional pós-Segunda Guerra Mundial caracteriza o período entre os seus escombros e a queda do Muro de Berlim como bipolar, opondo EUA e União Soviética como pólos agregadores de esferas de influência ideologicamente antagónicas. A contenção do comunismo soviético foi o mote da grande estratégia americana desenhada por Truman, Kennan e Acheson, e a expansão do comunismo a linha imperial de Moscovo. Ambos os lados tinham projectos globais sobre os quais ergueram instituições e alianças, incentivaram movimentos subversivos em África, na América Latina, na Ásia e na Europa, apoiaram ditaduras, envolveram-se em guerras por procuração, até que um sucumbisse ao outro. Este jogo de soma zero terminou em 1991 quando oficialmente a União Soviética implodiu e os EUA celebraram a superioridade do seu modelo democrático.
Na verdade estas cerca de quatro décadas foram caracterizadas por pinceladas de outras cores. A liderança americana no sistema já tinha alicerces anteriores a 1945, muito sustentada nas tecnologias e na alavancagem económica que caracterizaram a sua pujança global entre o último quartel do século XIX e o advento da Primeira Guerra Mundial. A própria crise financeira de 1929 e os seus efeitos globais mostraram bem como no período entre guerras a posição dos EUA já era preponderante nos destinos da economia e da política internacionais. A entrada na Segunda Guerra Mundial acabou por ser o passo lógico dessa afirmação.
Assim, e derrotada a tentativa hegemónica do Terceiro Reich, a liderança americana, a reconstrução de uma Europa devastada, o advento do petróleo barato e o crescimento das economias asiáticas – com o novo aliado dos EUA, o Japão, à cabeça – consolidaram o modelo ocidental de sucesso político e desenvolvimento económico entre o fim da Segunda Guerra e o final dos anos 1970. A partir desta altura, vários matizes passaram a espelhar com mais rigor a bipolaridade.
A primeira pigmentação deu-se com a abertura dos EUA à China, em 1972, e a chegada ao poder de Deng Xiaoping, em 1978, abalos suficientemente grandes para agitar a balança de poder internacional. O programa das «quatro modernizações» de Deng – na agricultura, na indústria, na ciência e tecnologia, e na esfera militar – foi simultaneamente a lápide nos anos de regressão de Mao, a reentrada da China na grande geopolítica e o advento da ascensão imparável de Pequim sentida até hoje. Em 1977, um ano após a morte de Mao, a economia da China valia 0,6% da economia mundial. Em 2015, representa 15% e é a segunda logo atrás da dos EUA.
A segunda coloração foi dada pela revolução islâmica no Irão, com a destituição do xá e a chegada do exílio parisiense do ayatollah Khomeini. Este regresso à mitologia imperial da Pérsia, como repulsa à aliança entre a monarquia iraniana e os EUA, mostrou não ser universal o alcance da hegemonia americana, nem ser alternativa o modelo comunista soviético agressivamente ateu. Se quisermos perceber o xadrez complexo do actual Médio Oriente não podemos deixar de olhar para os efeitos da emergência deste Irão nacionalista, islâmico e antiocidental nos equilíbrios regionais, nas guerras civis da Síria, do Iraque e do Iémen, e do atrito que causa em Israel, na Arábia Saudita, na Turquia ou no Egipto. Ou, por outras palavras, na evidência que 1979 trouxe sobre a existência de alternativas regionais à oferta ideológica bipolar, e na demonstração dos limites do poder hegemónico norte-americano no Médio Oriente de 2016.
Assim, se num plano macro a dicotomia bipolar caracterizou a Guerra Fria, estabilizando o reconhecimento de pólos hegemónicos e agregadores, na prática o sistema foi progressivamente regionalizando as suas micro-ordens, nem sempre inteiramente compatíveis entre si ou com esses dois centros assumidos de poder. Mas se 1991 oficializou o fim da bipolaridade e o advento da unipolaridade, 2008 foi o ano em que ficou mais claro que a hegemonia americana sem rival poderia não ter passado de um longo momento de dezassete anos. A década de 1990 foi claramente influenciada pela liderança dos EUA na ordem internacional e a contestação a essa primazia não teve nenhum actor estatal capaz de a protagonizar. Foram anos de crescimento económico norte-americano, de uma grande estratégia triunfalista assente no «alargamento democrático» clintoniano, na consolidação e na expansão das grandes instituições sistémicas ocidentais – ONU, OMC, NATO, UE, Banco Mundial, FMI, G7 – e de uma integração económica, política e securitária ocidental moldada por uma liderança de Washington aceite como benigna. O G7 reflectia essa natureza da ordem triunfante: democracias livres, economias de topo, um Ocidente com liderança assumida e aceite pelas