O porão
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Sobre este e-book
Um resgate dentro do prédio mais perigoso da América Latina. Este é o objetivo de Samantha em O porão, livro-jogo ambientado na ditadura civil-militar brasileira. Citando personagens e situações reais vividas pela luta armada durante a resistência ao regime militar, a narrativa entrelaça fatos e ficção de forma fluida e emocionante.
A história se passa logo após a assinatura do AI-5, período mais truculento da época, quando a tortura e a violência a opositores do governo foram institucionalizadas. Cecília foi capturada em uma emboscada por agentes do Dops, e levada para uma delegacia onde os detidos são mantidos em condições degradantes. De imediato, Samantha toma a decisão de invadir o prédio do Dops. Cabe ao jogador-leitor definir quão impossível é essa missão de resgate, e, para isso, precisará fazer escolhas e rolar dados, contando tanto com a perspicácia quanto com a sorte – para, quem sabe, reescrever os rumos da História.
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Pré-visualização do livro
O porão - Vítor Soares
LIVRO DE REGRAS
Este é O porão, um livro-jogo ambientado no período da ditadura civil-militar, mais especificamente na sua fase mais dura, a partir da publicação do Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro de 1968. Para melhor experiência do jogador e fluidez do jogo, o livro possui referências verídicas e algumas modificadas. Na seção Referências
, você encontrará uma explicação sobre elas.
O livro é inspirado em livros-jogos clássicos, mas adaptado à realidade da história brasileira, e possui uma mecânica simplificada para introduzir o gênero ao público. Antes de seguir as regras, você deve atentar para a principal delas: obedecer ao que o livro diz. Quando for pedido vá para 93
, você deve ir para 93. Quando o pedido for jogue o dado
, jogue o dado. Dessa forma, irá aproveitar a experiência ao máximo.
• DECISÕES
A história de O porão é labiríntica, cheia de caminhos, e mais de um deles pode fazer você chegar ao objetivo. As dificuldades e os benefícios irão surgir conforme as decisões de qual caminho seguir forem tomadas. No final de cada marcação de texto (1, 2, 3… até 111), você escolherá para onde ir.
Caso caia em alguma marcação já lida, certifique-se de que já tenha lido, pule a leitura e vá direto para as decisões. As jornadas de diferentes jogadores têm possibilidades diversas. Então isso pode ocorrer.
• ROLAGEM DE DADO
Alguns desafios não dependerão apenas de tomada de decisões, mas, como em todo livro-jogo, da sorte. Para isso, você pode escolher usar o dado que tiver em casa, uma versão on-line ou ainda recortar o dado disponível dentro do livro nas próximas páginas. Role sempre que o livro pedir. De acordo com o resultado da rolagem, você será favorecido ou desfavorecido no andamento da aventura.
• ITENS
Conforme explora e avança no cenário do jogo, você poderá encontrar itens que o ajudarão na jornada. Eles lhe darão pontuações para somar com o resultado da rolagem de dados ou outros benefícios que serão orientados ao longo da jornada. Em outras palavras, os itens facilitarão o seu caminho.
• CONDIÇÕES
As condições, ao contrário dos itens, vêm para dificultar um pouco a jogabilidade. A aventura será muito mais fácil se você não tiver a opção machucado marcada, por exemplo.
• FICHA DE JOGADOR
Mais adiante, há uma ficha com várias opções pré-selecionadas para que você faça marcações conforme recomendação do próprio livro, que vai lhe oferecer os itens ou lhe impor as condições. Use um lápis para que possa reutilizar a ficha quando jogar mais uma vez.
• DERROTAS E RECOMEÇOS
A frase O resgate termina aqui
quer dizer que você não conseguiu atingir o objetivo, por isso deverá reiniciar a aventura a partir da marcação 1, podendo optar por caminhos diferentes que possam levá-lo ao lugar certo, uma vez que já se sabe o desfecho de algumas de suas escolhas. Vale lembrar que os itens e as condições anotadas na ficha de jogador devem ser apagados. E não se frustre, jogador, pois falhar na missão faz parte da experiência literária. Além disso, também terá a oportunidade de conhecer novas páginas desta história.
Bom jogo!
FICHA DE JOGADOR
SECRETARIA DA SEGURANÇA PÚBLICA
DEPARTAMENTO DE ORDEM POLÍTICA E SOCIAL
Ficha no: 1
Data:
Nome: SAMANTHA LINHARES LOBATO
Vulgo: Não consta
Prontuário Delegacia no: 6.575
Prontuário geral no: 61.391
Filiação — Pai: SAMUEL LINHARES LOBATO
Mãe: MARIA LÚCIA LINHARES LOBATO
Idade: 36 anos.
Nascido em: 5 de maio de 1933
Sexo: fem. Nacionalidade: Brasileira
Natural de: São Paulo, SP
Estado civil: Solteira
Profissão: Estudante
Residências: São Paulo — São Paulo
É sindicalizado?:Não
Sindicato e locais que costuma frequentar:
• ITENS
[ ] Cassetete
[ ] Chave do carro
[ ] Uniforme de polícia
[ ] Granada
[ ] Carta
[ ] Alicate
• CONDIÇÕES
[ ] Machucado
[ ] Irracional
1[Barulho de gravação, chiado.] Apesar de palavras pomposas e aparentemente bem formuladas, o que uma leitura mais atenta ao Ato Institucional nº 5 sugere é que a população agora ficará completamente suscetível aos mandos e desmandos do presidente Costa e Silva e demais sucessores e lacaios, sem nenhum representante na Assembleia Constituinte e, portanto, do povo. Estamos diante da maior brutalidade constitucional da nossa história e você, cidadão, está sumariamente proibido de pensar. É uma tirania, uma ilegalidade e uma ofensa à liberdade e ao nosso verdadeiro país. Organize-se e resista. [Barulho de clique.]
— E aí, ficou bom?
— Ficou. — Dá uma tragada no cigarro. — Será mesmo que a gente vai conseguir tocar isso na Rádio Nacional?
— Não foi fácil da última vez, mas vamos tentar.
Os dois homens estão agachados, enquanto fumam e seguram um pequeno rádio portátil, ouvindo atentamente entre uma empurrada de fita para dentro do equipamento e outra. O local é um galpão antigo, cercado por uma relva malcuidada, onde silhuetas que gesticulam discutem por todos os lados. Uma mulher de cabelos pretos longos entra com passos firmes pela porta. Apoia-se no umbral e coloca a mão no peito, ofegante.
— Cadê a Cecília, Paulo?
— O que houve, Samantha? — pergunta ele, enquanto pausa a gravação.
— Paulo, pelo amor de Deus! — diz a mulher, ofegante. — Cadê a Cecília?
— Sinto muito. Pegaram ela.
Samantha passa as mãos no rosto, olha para os lados, respira fundo.
— E o Camilo, onde está?
Ruídos cortam a conversa. Samantha vai em direção a uma cozinha e, conforme se aproxima, o barulho de pratos caindo e móveis virando se mistura com choro. Samantha entra no cômodo e encontra Camilo apoiado na pia:
— Camilo, pegaram a Cecília?
Camilo tem aparência jovial e forte, mas com profundas entradas de calvície. Range os dentes com ódio, com as maçãs do rosto inchadas depois de um longo choro. Ele segura uma faca em uma das mãos, apertando com força, mas a derruba dentro da pia assim que Samantha se aproxima.
— Onde, Camilo? Me conta o que houve!
— Na rua do mercado, em frente à banca de jornal. Alguém deve ter contado sobre nosso ponto de encontro.
— E por que ela?
— Porque é a Cecília. Você sabe como ela não consegue levar desaforo pra casa, Samantha.
— Você está bem?
— Consegui fugir, mas tive que deixar a Cecília para trás. Desculpa.
— Camilo, ninguém está em condição de se sentir culpado por nada. Respira.
Os comunistas estão sendo criminalizados, o que os obrigou a se organizarem em locais secretos como esse, mais conhecidos como Aparelhos. Ouvindo o alvoroço na cozinha, alguns companheiros se aproximam. No semblante deles, compaixão e austeridade se misturam. Camilo e Samantha se abraçam e agora o homem alto parece uma criança entre os braços dela, que o segura pelos ombros, olha-o fixamente e diz:
— Vou atrás dela.
O eco da frase ricocheteia por todo o ambiente. A compaixão foge do rosto dos seus companheiros, ficando apenas a austeridade. Todos sabem que Samantha vai a uma busca suicida. E, além disso, coloca em risco a segurança de todos. A ditadura consegue arrancar violentamente qualquer informação que deseja com seus métodos. E a captura de um membro do Aparelho pode significar a captura de muitos outros.
— Liga pro Sérgio — sussurra Samantha.
— O quê? Calma…
— Por favor, Camilo, liga pra ele. A gente paga o que for necessário.
— Você sabe que não dá para confiar nesse cara. Ele é bizarro.
— O que for necessário.
Sérgio é um delegado mercenário, o pior tipo de sujeito, que ganha dinheiro e favores em troca de informações confidenciais