O documento discute as causas profundas da crise da educação no Brasil. Aponta que (1) a escola pública se tornou verdadeiramente pública nas últimas décadas, recebendo grandes massas populacionais para as quais os professores não estavam preparados; (2) o processo de urbanização transferiu a maioria da população para as cidades, aumentando a demanda por serviços públicos como educação; (3) as elites políticas priorizaram investimentos em infraestrutura ao invés de educação nesse período.
O documento discute as causas profundas da crise da educação no Brasil. Aponta que (1) a escola pública se tornou verdadeiramente pública nas últimas décadas, recebendo grandes massas populacionais para as quais os professores não estavam preparados; (2) o processo de urbanização transferiu a maioria da população para as cidades, aumentando a demanda por serviços públicos como educação; (3) as elites políticas priorizaram investimentos em infraestrutura ao invés de educação nesse período.
O documento discute as causas profundas da crise da educação no Brasil. Aponta que (1) a escola pública se tornou verdadeiramente pública nas últimas décadas, recebendo grandes massas populacionais para as quais os professores não estavam preparados; (2) o processo de urbanização transferiu a maioria da população para as cidades, aumentando a demanda por serviços públicos como educação; (3) as elites políticas priorizaram investimentos em infraestrutura ao invés de educação nesse período.
O documento discute as causas profundas da crise da educação no Brasil. Aponta que (1) a escola pública se tornou verdadeiramente pública nas últimas décadas, recebendo grandes massas populacionais para as quais os professores não estavam preparados; (2) o processo de urbanização transferiu a maioria da população para as cidades, aumentando a demanda por serviços públicos como educação; (3) as elites políticas priorizaram investimentos em infraestrutura ao invés de educação nesse período.
Baixe no formato PDF, TXT ou leia online no Scribd
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 9
Formao docente: recusar o pedagocdio
Mario Sergio Cortella
*
Todas as vezes que se comea a discutir a Educao no Brasil, seus desatinos, transtornos e putrefaes, um certo desalento invade variados territrios mentais e, melancolicamente, pessoas suspiram: , a escola pblica do passado que era boa; temos de resgatar aquela qualidade de ensino e a dedicao dos professores . Resgatar! Resgatar a cidadania, resgatar a democracia, resgatar a qualidade da escola! J ouviu ou leu isso? Mera iluso; o verbo supe que algo j existiu e preciso ir busca e trazer de volta o que um dia j esteve presente. Ora, cidadania no mera garantia de direitos formais, assim como democracia no se esgota em sufrgios eventuais nem qualidade da escola dever ser confundida com privilgio. Insista-se: em uma democracia cidad, indispensvel sempre pensar em qualidade social, o que, evidentemente, exige quantidade total; em uma sociedade na qual se deseje vivncia igualitria, qualidade sem quantidade no qualidade, privilgio. Ainda no tivemos cidadania, democracia e Qualidade socialmente distribudas e eqitativamente apropriadas e, desse modo, a nossa tarefa construir e no resgatar. Se quisermos colocar a formao de professores como um elemento essencial nesse projeto de construo de um futuro coletivamente digno, temos de ir at algumas causas mais profundas e visitar um pouco a gnese de determinados equvocos. Calma l! No assim to simples escolher um nico culpado... Costumo comear vrias reflexes com colegas docentes, especialmente aquelas e aqueles que atuam na Educao Bsica, lembrando de forma caricatural uma das frases mais proclamadas por ns: Os alunos de hoje no so mais os mesmos! Aps algumas repeties mais teatrais da mesma exclamao, ressalto que isso algo bvio por completo. Digo eu: claro que os alunos de hoje no so mais os mesmos! At a, quem isso fala, demonstra apenas um pouco de sanidade mental. Na seqncia, completo: Maluco quem, isso constatando, continua a dar aulas do mesmo modo que dava h 15 ou 20 anos... O desejado acontece, muitas so as risadas autocomplacentes e, em meio a esse humor voluntrio, vem uma certa clareza sobre o distanciamento entre a nossa formao como docentes e o perfil e natureza dos discentes com os quais partilhamos a atividade pedaggica. quase imediato, ento, concluir: Est vendo! Se os professores e as professoras tivessem conscincia disso, tudo seria diferente. Mas, no! Continuam, porque so descompromissados, a fazer tudo como sempre fizeram; s podia fracassar mesmo a Educao brasileira. Nessa hora, cautela com as concluses fceis e explicaes superficiais! No d para somente psicologizar ou psicanalisar a questo, procurando na subjetividade do docente a fonte dos malefcios; isso tambm importa, mas, menos substantivo do que os fatos originados da anlise sociolgica, poltica, econmica e, portanto, histrica. Do contrrio, somos tentados a, rapidamente, incriminar com exclusividade os professores pelas mltiplas fontes e dimenses do fracasso escolar no Brasil, que prefiro criando um neologismo meio torto chamar de pedagocdio. Nesse ofcio pedagocida, bastante interessante o papel que vem sendo exercido por alguns achologistas que, sem nunca terem atuado de fato na educao escolar, e apenas porque escolas freqentaram ou freqentam, passaram a oferecer cenrios educacionais onricos, desde que, claro, se consiga converter os professores e resgatar a pureza de um trabalho que perdeu a sua alma nos ltimos anos. Nessa empreitada pouco epistmica e bastante doxolgica, confundem autores com atores e protegem um privatismo meramente mercantil. Pior ainda, h vrios intelectuais ligados Educao que vem-se prestando tarefa de escrever livros cujo foco central desmoralizar e tripudiar sobre a escola (mormente a pblica), sob o pretexto de fazer uma crtica salvacionista. Outro dia, ao ser perguntado em entrevista (Direcional, maio/2006) se no estaramos vivendo o fim da escola, respondi: Ao contrrio, at no gosto de alguns pensadores e educadores que hoje banalizam e desprezam a escola. Falam continuamente contra a escola e fazem aquilo que rejeito, que a necropsia da escola. Eu no gosto de fazer necropsia da escola, mas de fazer biopsia da escola. A biopsia seria pegar aquilo que vivo est, examinar o que contm de problemas, para mant-lo vivo. J a necropsia serve apenas para identificar a causa mortis. Isso de nada resolve. O desprezo pela escola formal serve imensamente s elites. Como essas elites tm acesso a outras formas de cultura letrada, a escola de uma certa maneira muito secundria na formao desses jovens. Na mesma conversa, ao ser indagado sobre as comparaes entre a escola pblica e a escola particular, disse algo que h muitos anos defendo: A questo sria no nosso pas no a escola pblica versus a escola particular, mas, a escola boa versus a escola ruim. Quem entrar no circuito escola pblica versus escola privada est entrando numa armadilha tonta. Escolas boas e ruins ns temos em ambos os campos. (...) O que diferencia a escola pblica da particular o tipo de aluno que a freqenta. Inclusive porque uma parcela significativa dos professores da rede pblica d aula tambm na rede privada. O aluno que ingressa na escola pblica vitimado no cotidiano social por incapacidade econmica, por dificuldade de acesso a outras fontes de informao, por uma estrutura familiar depauperada. Elevar a condio desse aluno elevar a condio da escola tambm.
O povo vai escola: uma soluo problemtica? U pode-se replicar , mas no passado a escola pblica no era uma referncia de qualidade, superando qualquer dicotomia? E os alunos no eram igualmente pobres, mesclados com os que tinham melhores condies financeiras? Onde perdemos, ento, essa qualidade? Por incrvel que parea, nunca a perdemos, pois no existia como tal; o que aconteceu foi algo aparentemente contraditrio: a escola pblica, nos ltimos 40 anos, tornou-se Pblica! Em outras palavras, a escola passou a ter, de forma acelerada e contnua, grandes massas populacionais dentro dela e, nessa fase, ns docentes no estvamos preparados e as elites predatrias no estavam interessadas no problema. Para nos ajudar a entender melhor a gnese da crise atual, retomo aqui, em forma de declogo, excertos literais rearranjados (para no ter de apenas escrever de outro modo aquilo que atende anlise) de descrio por mim feita no livro A Escola e o Conhecimento (Cortez): 1. A crise da Educao tem sido inerente vida nacional porque no atingimos ainda patamares mnimos de uma justia social compatvel com a riqueza produzida pelo pas e usufruda por uma minoria. No , evidentemente, privilgio da Educao; todos os setores sociais vivem sucessivas e contnuas crises.
2. A crise educacional tem razes estruturais histricas e se manifesta de formas diversas em conjunturas especficas: confronto do ensino laico x ensino confessional, contedos e metodologias, adequao a novas ideologias, democratizao do acesso, gesto democrtica, educao geral x formao especial, educao de jovens e adultos, escolaridade reduzida, pblico x privado, baixa qualidade de ensino, movimentos corporativos carecendo de greves constantes e prolongadas, despreparo dos educadores, evaso e reteno escolar; esses e outros motivos de crise ganham agudizao episdica em oportunidades variadas por todo este sculo em nosso pas.
3. Os ltimos 40 anos da histria brasileira foram marcados por um fenmeno de conseqncias profundas e mltiplas: um acelerado processo de urbanizao que acabou por transferir a maioria absoluta de nossa populao das reas rurais para as cidades. H 30 anos, pouco mais de 30% dos brasileiros viviam nas cidades e, consequentemente, a demanda por servios pblicos nos setores de educao, sade, habitao, infra-estrutura urbana etc. ficava bastante restrita.
4. Os cidados no-proprietrios que viviam nas reas rurais, mormente em um pas predominantemente latifundirio, no tinham adequadas condies de organizao para alavancar reivindicaes, seja por estarem submetidos a um rgido controle poltico/econmico, seja pela prpria distribuio populacional mais isolada e menos concentrada; ademais, do ponto de vista da produtividade do trabalho e da lucratividade do capital, a escolarizao dos trabalhadores, por exemplo, no era (como ainda hoje pouco o ) um pr-requisito bsico. 5. O modelo econmico implantado no pas a partir de 1964 privilegiou a organizao de condies para a produo capitalista industrial e, assim, o poder poltico central (atendendo aos interesses das elites) direcionou os investimentos pblicos para grandes obras de infra- estrutura: estradas, hidreltricas, meios de comunicao etc.; o financiamento para essa poltica e para a aquisio de equipamentos e tecnologias foi obtido com emprstimos no exterior (pelo Estado ou por particulares com o aval do Estado) e levou a um brutal endividamento do pas, retirando, cada dia mais, os recursos necessrios para investimentos nos setores sociais.
6. Ora, a acelerao da industrializao capitalista exige a concentrao dos meios de produo e, claro, dos trabalhadores, gerando uma urbanizao crescente e desorganizada; a ausncia de uma reforma agrria efetiva, as benesses de incentivos fiscais aos grandes proprietrios, a prioridade ao plantio de produtos agrcolas de colheita mecnica para exportao, a hegemonia monocultural para fabricao de lcool combustvel (ocupando extensas reas antes destinadas ao cultivo de alimentos), tudo isso e muito mais contribuiu para a expulso da populao rural em direo aos centros urbanos.
7. Ao mesmo tempo, e no por coincidncia, os investimentos nos setores sociais foram reduzidos drasticamente, no acompanhando minimamente as novas necessidades urbanas decorrentes do modelo econmico; disso, dois fatos emergiram: o colapso de servios pblicos como educao e sade (com seu inchao despreparado) e a progressiva ocupao deles pelo setor privado da economia. 8. Na Educao, alguns dos efeitos foram desastrosos: demanda explosiva (sem um preparo suficiente da rede fsica), degradao do instrumental didtico/pedaggico nas unidades escolares (reduzindo a eficcia da prtica educativa), ingresso massivo de educadores sem formao apropriada (com queda violenta da qualidade de ensino no momento em que as camadas populares vo chegando de fato escola), diminuio acentuada das condies salariais dos educadores (multiplicando jornadas de trabalho e prejudicando ainda mais a preparao), imposio de projeto de profissionalizao discente universal e compulsria (desorganizando momentaneamente o j frgil sistema educacional existente), domnio dos setores privatistas nas instncias normatizadoras (embaraando a recuperao da Educao pblica), centralizao excessiva dos recursos oramentrios (submetendo-os ao controle poltico exclusivo e favorecendo a corrupo e o esperdcio).
9. Fortalece-se a percepo de que, no momento em que as classes trabalhadoras passam a freqentar mais amide os bancos escolares, os paradigmas pedaggicos em execuo so insuficientes para dar conta plenamente desse direito social e democrtico. A qualidade tem que ser tratada com a quantidade; no pode ser revigorado o antigo e discricionrio dilema da quantidade x qualidade e a democratizao do acesso e da permanncia deve ser absorvida como um sinal de qualidade social.
10. Essa qualidade social, por sua vez, carece de uma traduo em qualidade de ensino e, assim, a formao do educador necessita abranger o elemento tcnico de especializao em uma rea do saber (e a capacitao contnua) e tambm a dimenso pedaggica da capacidade de ensinar; a discusso sobre tal dimenso envolve ainda temas mais amplos como a democratizao da relao professor/aluno, a democratizao da relao dos educadores entre si e com as instncias dirigentes, a gesto democrtica englobando as comunidades e, por fim, como objetivo poltico/social mais equnime, a democratizao do saber.
E agora? O que fazer? No sabemos? Ser que ainda temos de insistir mais? No to complicado; para comeo de conversa, os docentes precisam de atualizao cientfica (a ser feita em parceria com universidades pblicas e comunitrias), acesso a tecnologias de ensino/aprendizagem (com equipamentos gratuitos nas escolas e nas casas, pois elas so extenso usual do local de trabalho), educao continuada (com reunies semanais de grupos de formao por rea de conhecimento nas escolas e em agrupamentos de escolas), melhores condies salariais (para permitir dedicao mais exclusiva e por mais tempo a comunidades escolares), instalaes prediais que comportem as necessidades de escolarizao/lazer/sade/ das pessoas ali presentes. Com que dinheiro tudo isso? Ora, no se afirma que a educao escolar fator decisivo para o desenvolvimento econmico? Se nosso pas, com a miserabilidade escolar que ainda (mas no para sempre) apresenta, consegue ficar entre as 12 maiores economias do planeta, imagine se resolvermos (em emenda constitucional) aplicar paulatinamente (1 ponto percentual a mais por ano) at atingirmos 10% do PIB (em vez dos atuais 4%) at 2012? Quem perder? Ningum. Ser o melhor investimento financeiro que as elites podero fazer, com retorno comprovado j em outras naes; ser a melhor recompensa para a maioria de uma populao que, mesmo no escolarizada a contento, j consegue patamares de sucesso econmico como nao a ponto de superar outros 180 pases filiados ONU. Por que no? Ou, deveremos sempre oferecer razo a Darcy Ribeiro, quando, em julho de 1977, na cerimnia de abertura da Reunio Anual da SBPC, realizada naquele ano na PUC-SP, afirmou enfaticamente que a crise da Educao no Brasil no uma crise; um projeto.
* Professor-titular do Departamento de Teologia e Cincias da Religio e da Ps-Graduao em Educao (Currculo) da PUC-SP.