2011 FabioLuisBarbosadosSantos PDF

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Fabio Luis Barbosa dos Santos

ORIGENS DO PENSAMENTO E DA POLTICA RADICAL NA AMRICA LATINA:


UM ESTUDO COMPARATIVO ENTRE JOS MART, JUAN B. JUSTO E
RICARDO FLORES MAGN.







Tese apresentada Faculdade de Filosofia Letras e Cincias Humanas da Universidade
de So Paulo para obteno do ttulo de doutor em Histria.

Programa de Histria Econmica

Orientador: Prof. Dr. Jorge da Silva Grespan










So Paulo

Outubro de 2011

ii











































ESTE TRABALHO DEDICADO MEMRIA DE MEU PAI.

iii

AGRADECIMENTOS

Ao Jorge Luis da Silva Grespan que acolheu meu trabalho com simpatia e competncia.
Sou profundamente reconhecido pela sabedoria com que me orientou.
Ao CNPq e posteriormente FAPESP pelas bolsas concedidas.
Ao Plnio de Arruda Sampaio Jr. que leu diferentes partes do meu trabalho em
diferentes momentos. A ele sou grato, entre outros motivos, pela ideia de cursar a
faculdade de histria.
A Liliana Rolfsen Petrilli Segnini que leu a tese em sua fase final, incentivando com
generosidade meu desenvolvimento profissional. A ela sou grato, entre outros motivos,
pelo estmulo para que eu conclusse a faculdade de histria.
Aos professores integrantes das bancas de qualificao, Gabriela Pellegrino Soares,
Osvaldo Coggiola e Plnio de Arruda Sampaio Jr.
Aos professores que apoiaram minha pesquisa de distintas maneiras nos pases que
visitei: Eduardo Sartelli, Hugo Biagini, Eduardo Devs Valds, Ricardo Martinez,
Pedro Pablo Rodrguez, Adalberto Santana e Jacinto Barrera Bassols.
Aos colegas que leram partes do meu trabalho em diferentes momentos: Janice
Theodoro, Fernando A. Novais, Carlos Alberto de Moura Ribeiro Zeron, Carlos Alberto
Cordovano Vieira, Rafael Bivar Marquese, Carlos Alberto Sampaio Barbosa e Gabriela
Pellegrino Soares. No exterior: Pedro Pablo Rodrguez, Jacinto Barrera Bassols,
Cristina Tortti, Sergio Guerra Villaboy e Michael Lwy.
Ao Sean Purdy, por me introduzir na escrita acadmica e ao Vicente Sampaio, por me
ajudar a escrever melhor.
Ao Slvio e ao Celo, que trouxeram-me livros mexicanos.
Aos companheiros da Associao Nossa Amrica, com quem cultivei inicialmente o
interesse pela realidade continental e a crtica militante.
Tambm agradeo queles que, mais alm da tese, apiam minhas escolhas de vida. Em
especial, minha me, pela retaguarda que sempre garantiu. Aos meus irmos, que no
poderiam ser mais irmos. Mri, por valorizar um terno descombinado, Celso Furtado
e Piazzola. E Flora, pela paz e carinho que a sua presena significa.


iv

SUMRIO

Introduo 10
1.Referncias bibliogrficas para a anlise de Mart, Justo e Magn 25

Captulo 1
O dilema da formao nacional na Amrica Latina

42
1. O sentido da formao 43
2. Vias da emancipao 48
3. Vias da Revoluo Burguesa 56

Captulo 2
Formao nacional na Amrica Latina nos primrdios do Imperialismo: Jos
Mart e a independncia cubana
67
2.1) Formao Cubana 68
a) A marca da colnia 68
b) Cuba e a crise do Antigo Sistema colonial 73
c) Insero de Cuba no mercado mundial 78
d) Cuba e o Imperialismo 83
2.2) Jos Mart e a revoluo nacional 91
a) Viso de Mart sobre a formao cubana 93
b) Mart e o caminho para a formao cubana 116
c) Desfecho 125
d) Balano 129

Captulo 3

Formao nacional na Amrica Latina nos primrdios do Imperialismo: Juan B.
Justo e a reforma argentina
134
3.1) Formao Argentina 135
a) A marca da colnia 135
b) Emancipao argentina 137
c) Insero argentina no mercado mundial 142
d) Argentina e o Imperialismo 146
3.2) Juan B. Justo e a reforma socialista 154
a) Viso de Justo sobre a formao argentina 158
b) Caminho socialista para a formao argentina 165
c) Desfecho 190
d) Balano 200

v


Captulo 4

Formao nacional na Amrica Latina nos primrdios do Imperialismo: Ricardo
Flores Magn e a Revoluo Mexicana
210
4.1) Formao Mexicana 210
a) A marca da colnia 210
b) Emancipao mexicana 214
c) Insero mexicana no mercado mundial e reforma liberal 219
d) Porfiriato e Imperialismo 223
4.2) Ricardo Flores Magn e a Revoluo Mexicana 230
a) Viso de Magn sobre a formao mexicana 234
b) Caminho magonista para a formao mexicana 245
c) Desfecho 259
d) Balano 273

Comparaes 279
1. Vises da formao 281
a) Fundamento comum: indiferenciao ideolgica 282
b) Especificidade: origens do pensamento radical 286
2. Caminhos para a formao nacional 291
a) Especificidade: estratgia 291
b) Fundamento comum: padro de luta de classes 292
REFERNCIAS 300


vi


RESUMO

Origens do pensamento e da poltica radical na Amrica Latina: um estudo
comparativo entre Jos Mart, Juan B. Justo e Ricardo Flores Magn


O objetivo desta tese analisar, em uma perspectiva comparada, como nascem,
evoluem e so frustrados trs projetos de democratizao radical na Amrica Latina nos
primrdios do imperialismo. Jos Mart (1853-1895) em Cuba, Juan B. Justo (1865-
1928) na Argentina e Ricardo Flores Magn (1874-1922) no Mxico, lideram esforos
intelectuais e polticos orientados a superar os constrangimentos integrao nacional
legados pela origem colonial, que se expressam em um pensamento que fundamenta a
atuao dos partidos que dirigiram. Vivendo no contexto de difuso das relaes de
produo capitalistas no continente, estes projetos constituem esforos pioneiros de
subordinar o desenvolvimento capitalista aos desgnios da sociedade nacional. A
incidncia que tiveram para o desencadeamento dos processos que objetivaram a
guerra da independncia em Cuba, a reforma poltica na Argentina e a Revoluo
Mexicana - atesta a sintonia de suas propostas em relao aos dilemas que enfrentaram.
O malogro do iderio democrtico que representavam indica a prevalncia de
constrangimentos estruturais que obstam a consumao da nao na Amrica Latina
naquela circunstncia. Partindo da premissa de que os autores analisados constituem
expoentes do pensamento e da poltica radical em suas conjunturas, nossa hiptese
que a aproximao entre os trs casos sugere as balizas que referenciavam a mxima
conscincia possvel no campo da militncia democrtica no continente naquele
contexto histrico.


palavras-chave: pensamento latino-americano; formao nacional; Jos Mart; Juan B.
Justo; Ricardo Flores Magn






vii

ABSTRACT

Origins of radical thought and politics in Latin America: a comparative
study between Jos Mart, Juan B. Justo and Ricardo Flores Magn


This research aims to analyse, on a comparative perspective, the rising,
evolution and eventual frustration of three projects of radical democratization in Latin
America in the beginnings of imperialism. Jos Mart (1853-1895) in Cuba, Juan B.
Justo (1865-1928) in Argentina and Ricardo Flores Magn (1874-1922) in Mxico, led
intelectual and political efforts aiming to ovecome the constraints inherited from the
colonial past as a premise to assert national integration. an effort that was expressed in
their thoughts, which in turn have shaped the political parties which they led. This
purpose has been expressed on their thought, which in turn has shaped the political
parties they conducted. Living in the context of difusion of capitalist production
relations in the continent, these projects constitute pioneer attempts to subordinate the
capitalist development to the design of national society. The fact that their political
activity contributed to unleash the processes which they aimed to the War of
Independence in Cuba, political reform in Argentina and the Mexican Revolution
attests that their proposals were well tuned to the dilemmas they faced. The failure to
impose the democratic ideals which they represented points to the prevalence of
structural constrains that hinder the consumation of the nation in Latin America on that
circumstance. Assuming as a premise that the authors analysed in this work are
exponents of radical thought and politics in their conjunctures, our hypothesis is that the
approach of the three cases suggest the boundaries that referred the maximum posible
consciousness of democratic militancy in the continent in that historical context.

key words: Latin American thought; national assertion; Jos Mart; Juan B. Justo;
Ricardo Flores Magn


viii

















Quem tava no volante do planeta
que o meu continente capotou


Chico Buarque. Almanaque, 1997.






























INTRODUO

10

INTRODUO

O objetivo deste trabalho analisar, em uma perspectiva comparada, como
nascem, evoluem e so frustrados trs projetos de democratizao radical na Amrica
Latina nos primrdios do imperialismo
1
. Jos Mart (1853-1895), em Cuba, Juan B.
Justo (1865-1928), na Argentina, e Ricardo Flores Magn (1874-1922), no Mxico,
lideram esforos intelectuais e polticos orientados a superar os constrangimentos
integrao nacional legados pela origem colonial, que se expressam em um pensamento
que fundamenta a atuao dos partidos que dirigiram. Vivendo no contexto de difuso
das relaes de produo capitalistas no continente, estes projetos constituem esforos
pioneiros de subordinar o desenvolvimento capitalista aos desgnios da sociedade
nacional
2
. A incidncia que tiveram para o desencadeamento dos processos que
objetivaram a guerra da independncia em Cuba, a reforma poltica na Argentina e a
Revoluo Mexicana atesta a sintonia de suas propostas em relao aos dilemas da
conjuntura. O malogro do iderio democrtico que representavam indica a prevalncia
de constrangimentos estruturais que obstam a consumao da nao na Amrica Latina
neste contexto histrico.
O afloramento simultneo destes projetos est referido s transformaes
econmicas e sociais decorrentes da dinamizao do setor exportador primrio no
contexto de afirmao do capital monopolista no ltimo quarto do sculo XIX, que
ensejou a instalao progressiva dos requisitos para a reproduo capitalista no
continente
3
. Do ponto de vista social, a difuso do padro mercantil corresponde a um

1
Neste trabalho, nos referimos ao imperialismo como uma etapa do capitalismo, caracterizada pela
afirmao do capital monopolista segundo as anlises pioneiras de Hobson, Hilferding, Lnin e Bukharin.
HOBSON, John A. A evoluo do capitalismo moderno. So Paulo: Abril, 1983; HILFERDING, Rudolf.
O Capital Financeiro. So Paulo: Nova Cultural, 1985. LNIN, V.I. O Imperialismo fase superior do
capitalismo. So Paulo: Centauro, 2000; BUKHARIN, Nikolai. A economia mundial e o imperialismo.
So Paulo: Abril, 1984.
2
A despeito da dinmica anticapitalista implcita na proposta de modernidade alternativa de Mart e no
horizonte poltico de Flores Magn, veremos que, concretamente, ambos militaram por projetos que
conciliavam desenvolvimento e democracia nos marcos da soberania nacional, ocorrendo um movimento
similar, mas de sentido oposto, em Justo, no qual prevaleceu um reformismo moderado apesar da retrica
socialista e do desinteresse pela questo nacional.
3
Simultneos no sentido de que inscrevem-se neste movimento histrico comum. Ao focalizar os anos de
maior incidncia poltica dos projetos em tela, verificaremos uma diferena cronolgica: no caso de
Mart, focaremos o perodo entre a maturao de suas convices polticas e sua morte em combate
(1886-1895); para Justo, consideramos os anos entre a eleio do deputado socialista Alfredo Palcios e a
formao do Partido Comunista argentino (1904- 1918); no caso de Flores Magn, concentraremos nossa
anlise entre o exlio nos Estados Unidos e a derrota militar liberal na revoluo (1904-1911). O diferente
lapso cronolgico repercutir no contraste entre Mart e os demais autores, nos quais constataremos a

11

desenvolvimento embrionrio de setores identificados com a nova ordem. De um lado, a
emergncia incipiente de burguesias
4
propensas a modificar as relaes de poder e o
Estado, com o intuito de adequ-los s transformaes econmicas e sociais em
andamento. Configurava-se para estes setores uma oportunidade de encadear a
modernizao capitalista a um processo de afirmao do poder burgus. Em outras
palavras, franqueava-se a possibilidade histrica da revoluo burguesa na Amrica
Latina.


Em oposio emergncia burguesa, as mudanas nas relaes de trabalho
acenavam para um novo patamar de organizao e reivindicao popular, sinalizada
pela formao de partidos geralmente nucleados nas principais concentraes urbanas,
mas capazes de influir nos acontecimentos polticos nacionais. Combinando em
diferentes matizes demandas de contedo classista e de sentido nacionalista, estas
organizaes possuem, a despeito das particularidades de cada caso, uma orientao
comum: a democratizao das sociedades em que esto inseridas. Ao projetar a questo
social na cena poltica, estes atores procuram dotar o processo de mudana social de um
sentido democrtico, buscando na integrao do conjunto da populao atravs do
trabalho as condies para a superao do legado colonial e a afirmao da nao. Em
outras palavras, a formao nacional o horizonte comum do pensamento e da ao
poltica das trs lideranas polticas que estudamos
5
.
Partindo de um dilema histrico comum, selecionamos conjunturas contrastantes
no panorama latino-americano, visando explorar as potencialidades do mtodo
comparado: entre um destino francamente neocolonial (Cuba) e a situao de maior
integrao nacional (o reformismo na Argentina), eclode a primeira revoluo social do
sculo (no Mxico), sinalizando os extremos que balizariam a histria do continente no
sculo que se abria. Marc Bloch sintetiza nestas palavras o mtodo da histria
comparada:


presena do vocabulrio e das temticas caractersticas do movimento operrio mundial coevo, como
observou Sergio Guerra Vilaboy na leitura que fez desta introduo.
4
Nos referimos burguesia na acepo genrica do termo, interpretada como proprietria dos meios de
produo, ou a classe que comanda o trabalho nos marcos de relaes de produo capitalistas. Para uma
aproximao ao debate sobre as classes sociais na Amrica Latina, consultar: BENITEZ ZENTENO, Ral
(Cord.). Las clases sociales en America Latina. 8. ed. Mxico: Siglo XXI, 1983.
5
Evidentemente, este um enquadramento retrospectivo de um dilema histrico que no era enxergado
nem fraseado nestes termos pelos autores, mas que, em nossa viso, traduz o sentido concreto da sua ao
poltica imediata, permitindo a comparao.

12

Antes do mais, no nosso domnio, o que comparar? Incontestavelmente, o
seguinte: escolher em um ou vrios meios sociais diferentes, dois ou vrios
fenmenos que parecem, primeira vista, apresentar certas analogias entre si,
descrever as curvas da sua evoluo, encontrar as semelhanas e as diferenas e,
na medida do possvel, explicar umas e outras. So portanto necessrias duas
condies para que haja, historicamente falando, uma comparao: uma certa
semelhana entre os factos observados o que evidente e uma certa
dissemelhana entre os meios onde tiveram lugar
6
.

Para estabelecer a comparao, analisamos expoentes do pensamento radical em
cada conjuntura e sua expresso poltica substanciada na ao dos partidos que
fundaram e dirigiram. Partindo de premissas tericas e realidades concretas
contrastantes, seus projetos revelam vises da nao e estratgias polticas distintas,
cujo desfecho anlogo enseja a investigao comparada
7
.
Jos Mart vive em Cuba a superposio entre a dominao colonial espanhola
e a penetrao econmica do capital estadunidense, em um contexto em que o

6
BLOCH, Marc. Histria e historiadores. Lisboa: Teorema, 1998, p. 121. Detalhando as possibilidades
de aplicao do mtodo, o historiador francs distingue entre dois casos: Primeiro caso: escolhemos
sociedades separadas no tempo e no espao por distncias tais que as analogias observadas de um lado e
do outro, entre este ou aquele fenmeno, no possam, como toda a evidncia, explicar-se por influncias
mtuas ou por alguma comunidade de origem. (...) Mas h uma outra aplicao do processo de
comparao: estudar paralelamente sociedades a um tempo vizinhas e contemporneas, incessantemente
influenciadas umas pelas outras, cujo desenvolvimento est submetido, precisamente por causa da sua
proximidade e do seu sincronismo, aco das mesmas grandes causas e que remontam, pelo menos em
parte, a uma origem comum. (...) Ora, quer se trate de histria ou de linguagem, bem me parece que, dos
dois tipos de mtodo comparativo, o mais limitado no seu horizonte tambm o mais rico
cientificamente. Mais capaz de classificar com rigor e de certificar as comparaes, pode aspirar a chegar
a concluses de facto muito menos hipotticas e muito mais precisas. Pelo menos isto que me
esforarei por salientar pois, como bem se entender, a esta forma metodolgica que pertence a
comparao, que vos proponho instituir, entre as diversas sociedades europias sobretudo da Europa
ocidental e central -, sociedades sncronas, prximas umas das outras no espao e sadas, quando no de
uma, pelo menos de vrias fontes comuns. BLOCH, op. cit., p. 122-124. Ao eleger como objeto do
estudo comparado trs projetos polticos anlogos e contemporneos em diferentes regies da Amrica
Latina, nossa proposta identifica-se com o caminho trilhado pelo historiador francs.
7
Com efeito, vejamos o que muitas vezes se passa. Numa dada sociedade, manifestou-se um fenmeno
com tanta amplitude e, sobretudo teve tantas conseqncias e to visveis nomeadamente no domnio
poltico, sendo os prolongamentos desta natureza habitualmente mais fceis de captar nas nossas fontes
que, a menos que sofra de cegueira, o historiador no pode deixar de o captar em cheio no olhar.
Tomemos agora a sociedade vizinha. Talvez se tenham dado a factos anlogos e com uma fora e
extenso quase paralelas; mas, seja por causa do estado da nossa documentao, seja devido a uma
constituio social e poltica diferente, a sua aco a menos imediatamente perceptvel. No que tenha
sido menos grave. Mas operou-se em profundidade: como essas obscuras afeces do organismo que, no
se traduzindo instantaneamente por sintomas bem definidos, se mantm indetectadas durante anos e
quando seus efeitos por fim aparecem continuam quase impossveis de reconhecer porque o observador
no pode ligar os efeitos visveis a uma causa original demasiadamente antiga. BLOCH, Marc, op. cit.,
p. 123-124. Em nossa opinio, esse precisamente o caso dos processos histricos vividos pelos
militantes analisados neste trabalho: a revoluo nacional em Cuba, a reforma poltica na Argentina e a
Revoluo Mexicana expressaram de forma contrastante as comoes sociais que acompanharam a
afirmao do capitalismo no continente. No entanto, vistos retrospectivamente, os desfechos dos trs
casos no conduziram superao da dupla articulao entre dependncia e assimetria social, referida a
um padro de luta de classes que remete origem colonial comum.

13

desenvolvimento da usina aucareira acirra contradies sociais e econmicas que
explodem na Guerra dos 10 Anos (1869-1878). Encerrada em um impasse militar, o
conflito precipita o fim da escravido (abolida oficialmente em 1886) sem solucionar os
dilemas que a provocaram. Nesta circunstncia, o Partido Revolucionrio Cubano
forjado por Jos Mart ter como desafio precpuo a emancipao nacional, que est
associada a uma estratgia poltica de unidade latino-americana como forma de prevenir
a interveno dos Estados Unidos nos assuntos do continente, que se anuncia. O
desgnio de Nuestra Amrica est assentado em uma concepo de modernidade
alternativa ocidental, valorizando a autoctonia como condio para construir um
paradigma diverso de relaes sociais, fundado em premissas igualitrias e de sentido
integrador, que recuse a luta de classes como elemento constitutivo e permita a
afirmao de um iderio humanista singular.
A regio do Prata vincula-se, por meio da atividade agroexportadora, ao polo
mais dinmico da economia mundial, experimentando um processo mpar de
crescimento, impulsionado por uma torrente imigratria que acelera a urbanizao do
pas e pressiona pela superao dos padres exclusivistas da poltica prevalente. Neste
contexto, o Partido Socialista, dirigido por Juan Bautista Justo
8
, focar sua ao na luta
pela dilatao da democracia argentina, que se traduz no combate a toda forma de
privilgio, do latifndio educao superior restrita aos estratos dominantes. Embora
sua interpretao do movimento histrico conduza ao eclipse da questo nacional, uma
vez que v no desenvolvimento das foras produtivas uma via que conduz diluio
dos antagonismos de classe e entre os Estados nacionais, o sentido objetivo da sua
atuao poltica esteve sempre orientado integrao do trabalhador como cidado.
Membro ativo da II Internacional, acompanhando os debates e as correntes da crtica
social europeia contempornea, sua liderana reflete no plano ideolgico as ligaes do
continente com o polo modernizador do capitalismo.
O Mxico vive, sob a liderana desptica de Porfirio Daz, simultaneamente as
presses pela integrao nacional, diante da permanente ameaa expansionista dos
Estados Unidos, e as consequncias de um desenvolvimento capitalista que agudiza as
tenses sociais, principalmente no campo, onde subsiste uma longa tradio de levante
popular. Neste contexto, o Partido Liberal Mexicano, liderado por Ricardo Flores
Magn, expressou a convergncia entre as consignas polticas legadas pela Reforma

8
Os argentinos referem-se ao lder socialista como Juan B. Justo, forma abreviada que adotamos neste
trabalho.

14

Liberal comandada por Benito Jurez e a ascendente presso por democratizao social,
em um programa que avana as bases para uma revoluo democrtica nacional,
integrando em uma plataforma coerente reivindicaes populares a propostas
nacionalistas nos marcos do capitalismo. Pese posterior inflexo ideolgica dos
magonistas, o programa liberal de 1905 ser a referncia fundamental que nuclear a
oposio intransigente nos anos finais do Porfiriato (1876-1910)
9
at a ecloso da
Revoluo Mexicana (1910).
Partindo de um dilema comum, estes projetos expressam caminhos diferentes de
democratizao nacional que partilharam de um destino frustrado: a independncia
cubana foi bloqueada pela interveno dos Estados Unidos, em conivncia com quadros
do prprio PRC (Partido Revolucionario Cubano); a dilatao da democracia argentina
foi confinada dimenso poltica, na qual o triunfo do radicalismo consagrou-se como
alternativa socialmente conservadora; no Mxico, sucessivos governos foram
derrubados em meio a quase uma dcada de guerra civil, resultado de persistentes
esforos para conter o alcance social da revoluo detonada. Tomadas em conjunto,
estas experincias revelam a derrota de trs tentativas para conciliar desenvolvimento e
integrao nacional nos marcos do capitalismo no continente, sugerindo
constrangimentos estruturais para a formao da nao pela via burguesa neste contexto
histrico.
Nossa proposta no responder s razes deste desfecho histrico, nem apontar
falhas nas prticas ou nas ideias. Partimos da premissa de que os autores analisados
constituem expoentes do pensamento e da poltica radical em suas conjunturas,
expresso da conscincia crtica possvel na totalidade histrica em que esto inscritos
10
.
Nesta perspectiva, os limites e contradies que a anlise evidencia esto referidos s
determinaes gerais que o prprio exerccio comparativo contribui para explicitar. Este

9
A historiografia refere-se ao Porfiriato como o perodo entre 1876 e 1910, quando Porfirio Daz exerceu
poder incontestvel no Mxico, inclusive nos anos em que no ocupou a presidncia, entre 1880-1884.
10
A relao com a totalidade concreta e as determinaes dialticas dela resultantes superam a simples
descrio e chega-se categoria da possibilidade objetiva. Ao se relacionar a conscincia com a
totalidade da sociedade, torna-se possvel reconhecer os pensamentos e os sentimentos que os homens
teriam tido, numa determinada situao da sua vida, se tivessem sido capazes de compreender
perfeitamente essa situao e os interesses dela decorrentes, tanto em relao ao imediata, quanto em
relao estrutura de toda a sociedade confome esses interesses. Reconhece, portanto, entre outras coisas,
os pensamentos que esto em conformidade com sua situao objetiva. Em nenhuma sociedade, o nmero
de tais situaes ilimitado. Mesmo que sua tipologia seja aperfeioada por pesquisas detalhadas, chega-
se a alguns tipos fundamentais claramente distintos uns dos outros e cujo carter essencial determinado
pela tipologia da posio dos homens no processo de produo. Ora, a reao racional adequada, que deve
ser adjudicada a uma situao tpica determinada no processo de produo, a conscincia de classe.
LUKCS, Georg. Histria e conscincia de classe. So Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 143-144.

15

enfoque supe nexos indissociveis entre as ideias e a realidade histrica que as produz,
exigindo que se considerem as formas e modos de condicionamento social e histrico
do pensamento abstrato
11
. Entre outros fatores, procuramos identificar as razes
ideolgicas que informam a problemtica dos autores, o dilogo que entabulam com as
tendncias polticas contemporneas, e a relao antittica estabelecida entre as prticas
correntes e os conceitos herdados com o pensamento e a estratgia poltica inovadora
que avanam
12
. Nesta abordagem, o pensamento revela-se colado formao histrica
em que est inserido, fundamentando respostas polticas ao dilema colocado pela
conjuntura, marcadas ao mesmo tempo pela particularidade nacional e por
constrangimentos estruturais que remetem origem colonial comum.
Seguindo esta proposta, as perguntas que orientam a investigao de cada caso
so: qual a viso da nao subjacente ao iderio poltico do autor? Qual o caminho para
a formao projetado por sua estratgia poltica? O que o seu desfecho revela sobre esta
problemtica naquele contexto? A estas perguntas endereadas ao estudo dos casos
individuais, somam-se aquelas que guiam o exerccio comparativo: quais os
constrangimentos ideolgicos e polticos comuns do ponto de vista da formao
nacional? O que a diversidade de pensamento e de estratgia revela sobre a
problemtica na conjuntura? E, por fim, consideramos o legado poltico e ideolgico
dos autores do ponto de vista da maturao futura da problemtica enunciada. Nossa
hiptese que a aproximao entre os trs casos indica as balizas que referenciavam a
mxima conscincia possvel da militncia radical no continente naquela conjuntura
13
.
O dilema da formao nacional traduz em vocabulrio da cincia social
brasileira a disjuntiva sobre o carter do desenvolvimento na Amrica Latina
14
. No

11
DOBB, Maurice. Teorias do valor e distribuio desde Adam Smith. Lisboa: Presena, 1973, p. 28.
12
Os problemas correntes so criados tanto pela aco humana inspirada no pensamento, exercida sobre
uma situao existente, como pela prpria situao objectiva (e mutvel); e neste sentido pode dizer-se
que esto constantemente em contradio. Os problemas que surgem deste modo constituem ento o
ponto de partida para a formao dum novo sistema de pensamento e de novos conceitos e teorias; e,
nesta medida, esto sempre relacionados com um certo contexto histrico. Estes conceitos e ideias
mutveis representam em parte um comentrio ou interpretao uma reflexo, se preferirmos utilizar
uma analogia mais passiva da situao objectiva a partir da perspectiva particular em que observada.
Mas visto que as ideias e os conceitos herdados, ao operarem como meio de refraco, modificam esta
pespectiva e a resultante viso da situao, as ideias novas so sempre, ao mesmo tempo, uma crtica de
ideias antigas que formam a herana do pensamento; portanto, estas ideias novas so necessariamente
moldadas em parte pela relao antittica em que se encontram com as ideias antigas, e tambm pelo
facto de serem afirmaes empricas sobre a realidade. DOBB, Op cit., p. 29.
13
LUKCS, op. cit.
14
O pensamento sobre a formao organiza-se pela contraposio de dois estados latentes na sociedade
dependente: a condio de barbrie que se deseja evitar e o projeto civilizatrio que se pretende alcanar.
O desafio das sociedades que lutam pela construo nacional materializa-se na necessidade de superar o

16

campo democrtico, parte-se da premissa de que a perpetuao das determinaes
fundamentais do legado colonial substanciada na articulao entre dependncia e
assimetria social, no obstante as notveis transformaes operadas em todas as esferas
da existncia desde a crise do antigo sistema colonial, inibe a consolidao das bases
materiais, sociais, espaciais, polticas e culturais do Estado nacional
15
.
Ao longo do sculo XX, constituiu-se uma rica tradio do pensamento latino-
americano em torno a esta problemtica, que se expressou em uma diversidade de
correntes polticas e ideolgicas desde a APRA peruana at a CEPAL (Comisin
Econmica para Amrica Latina y el Caribe), passando pelos Partidos Comunistas a
marxistas heterodoxos, cujo denominador comum so os nexos estabelecidos entre a
superao da dependncia e a democratizao social como horizonte de um projeto
nacional. A partir dos anos sessenta, a evidenciao dos limites da industrializao
substitutiva de importaes como estratgia para enfrentar o subdesenvolvimento
ensejou reflexes fora deste marco terico que associava desenvolvimento a integrao
nacional, consagrado pela CEPAL desde Ral Prebisch
16
. A obra Dependncia e
desenvolvimento na Amrica Latina, de Enzo Faletto e Fernando Henrique Cardoso,
paradigmtica desta inflexo ideolgica que atingiria a prpria CEPAL nos anos
seguintes, quando a hegemonia neoliberal consumaria a dissociao entre crescimento
econmico e nao na Amrica Latina
17
. Nosso trabalho rechaa este eclipse da
dimenso democrtica do problema do desenvolvimento, entendendo que o dilema
fundamental colocado para as sociedades latino-americanas na atualidade permanece

presente sombrio de um povo que no consegue ultrapassar a condio de subnao e de aproximar-se de
uma situao paradigmtica, associada ao funcionamento ideal do Estado nacional. SAMPAIO JR.,
Plnio de Arruda. O Impasse da Formao Nacional. In: J. L. Fiori (org.) Estados e Moedas no
Desenvolvimento das Naes. Petrpolis: Vozes, 1999, p. 415-448.
15
Referindo-se ao Brasil, Sampaio Jr. escreveu: Os que refletiram sobre os desafios da formao a partir
de uma perspectiva democrtica, de um modo ou de outro, vincularam a construo do Estado nacional
integrao do conjunto da populao, em condies de relativa igualdade, aos avanos tcnicos e aos
valores humanistas da era moderna. Acima de suas diferenas tericas, histricas e ideolgicas, um
denominador comum unifica esta viso: a idia de que os problemas do pas no sero resolvidos sem
transformaes socioculturais profundas, que criem as bases de uma sociedade eqitativa e autoreferida.
SAMPAIO JR., op. cit, p. 417. No Brasil h um amplo leque de intelectuais que, a partir de distintos
ngulos, abordaram o problema da formao de uma perspectiva democrtica, de Nelson Werneck Sodr
a Celso Furtado, passando por Srgio Buarque de Holanda, Alberto Passos Guimares e muitos outros.
Atravs da Amrica Latina observa-se uma pluralidade similar: podemos citar de Jos Carlos Maritegui
a Anbal Pinto, passando por Pablo Gonzlez Casanova e Sergio Bagu, para mencionar apenas alguns
nomes mais conhecidos.
16
PREBISCH, Ral. O desenvolvimento econmico da Amrica Latina e alguns de seus principais
problemas. In: BIELSCHOWSKY, Ricardo (Org.). Cinqenta anos de pensamento na CEPAL. Rio de
Janeiro: Record, 2000.
17
CARDOSO, Fernando Henrique; FALETTO, Enzo. Dependncia e desenvolvimento na Amrica
Latina. Rio de Janeiro: Zahar, 1977.

17

enquadrado pela superao das determinaes histricas legadas pela origem colonial
que obstam o controle sobre o prprio destino
18
.
Ao enfocar o problema da formao nacional, nosso estudo apoia-se
fundamentalmente em dois autores brasileiros: o historiador Caio Prado Jr. e o
socilogo Florestan Fernandes. Embora o primeiro no tenha escrito sobre a Amrica
Latina, a nfase que atribui empresa colonial para o sentido da formao brasileira
permite a extenso da sua matriz interpretativa aos demais casos analisados neste
trabalho, cuja origem remete colonizaao do Novo Mundo
19
. No plano historiogrfico,
Fernando Novais encaminha esta ampliao, ao abordar o antigo sistema colonial como
engrenagem do processo de acumulao primitiva de capital em curso no continente
europeu na poca Moderna
20
. Florestan Fernandes, escrevendo nos anos 1960 e 1970

18
Comentando o progressivo distanciamento entre os estudos histricos e os problemas sociais do
continente, Malerba recentemente escreveu: A recepo inconteste de cnones e problemas exportados
pela forte comunidade acadmica norte-americana sugere a progressiva imposio de valores da social-
democracia liberal que os Estados Unidos exportam para o mundo, a altos custos, como vimos na dcada
de 1960 na Amrica Latina e hoje dramaticamente no Oriente Mdio. H 30 anos, Magnus Morner
constatava com reserva essa assintonia verificada na colagem de temas de pesquisa caros s comunidades
intelectuais de pases de economia central s histrias e culturas ditas perifricas, assintonia que j se
nota na prpria escolha de um tpico de pesquisa para uma tese acadmica. (...) Sem entrar no mrito do
valor intrnseco daquelas temticas (...), desejo aqui apenas destacar o fato de que chegaram Amrica
Latina vindas de fora, como problemticas urgentes, tpicas de sociedades liberais desenvolvidas que j
no tm as mesmas questes estruturais para resolver, como, por exemplo, aquelas que caracterizam a
totalidade das naes latino-americanas em virtude de circunstncias histricas que as chamadas teorias
da dependncia comearam a denunciar e estudar na dcada de 1960, vis--vis as relaes econmicas
assimtricas com as economias centrais e as consequentes formas injustas de insero dessas mesmas
naes no mercado mundial como exportadoras de matria-prima e importadoras de produtos
industrializados e tecnologia. Dessas condies decorrem problemas estruturais ligados a questes como a
histrica concentrao da propriedade da terra, a constituio de elites polticas e econmicas
hegemnicas que se perpetuam no poder, e a crnica m distribuio de renda, resultando em baixos
nveis de educao, sade e habitao precrias, dificuldades de acesso ao trabalho e ao conhecimento,
enfim, diferentes modos de excluso social para a imensa maioria da populao latino-americana. Essas
questes estruturais acabam sendo negligenciadas em favor de outros tpicos que tm maior penetrao
de mdia e oferecem maiores chances de desenvolvimento institucional, com acesso a bolsas de estudo e
status acadmico. MALERBA, Jurandir. A histria na Amrica Latina ensaio de crtica
historiogrfica. Rio de Janeiro: FGV, 2009, p. 33-35.
19
PRADO JR., Caio. A Revoluo Brasileira. So Paulo: Brasiliense, 1966; ______. Formao do Brasil
Contemporneo. ______. So Paulo: Publifolha sob licena da Editora Brasiliense, 2000; ______.
Histria Econmica do Brasil. 10 edio. So Paulo: Brasiliense, 1967.
20
Trata-se de definir com preciso o que deve ser inserido, e em qu; e talvez o Brasil na expanso
martima europia seja um recorte que apanhe apenas algumas dimenses da realidade, no levando o
olhar at a linha do horizonte; Brasil, claro, no existia, seno como colnia, e da colnia
portuguesa que trata Caio Prado Jr.: a questo saber se no seria preciso a considerao do conjunto do
mundo colonial. Expanso comercial europia , na realidade, a face mercantil de um processo mais
profundo, a formao do capitalismo moderno; a questo saber se no seria preciso procurar as
articulaes da explorao colonial com esse processo de transio feudal-capitalista. Desse modo, a
anlise, embora centrada numa regio, seria sempre a anlise do movimento em seu conjunto, buscando
permanentemente articular o geral e o particular. A colonizao no apareceria apenas na sua feio
comercial, mas como um canal de acumulao primitiva do capital mercantil no centro do sistema. (...)
Contudo, insistimos, esta uma crtica que parte da anlise de Caio Prado Jr. e a incorpora. NOVAIS,

18

em um contexto de efervescncia social e estimulado pela experincia do exlio,
empreendeu alguns esforos sistemticos de anlise do padro de luta de classes no
apenas no continente americano, mas para o conjunto do mundo subdesenvolvido. Em
particular, sua interpretao sobre o carter da afirmao do poder burgus na Amrica
Latina oferece uma chave de leitura para os processos em que esto inseridos os
projetos polticos enfocados neste trabalho
21
.
Os autores que tomamos como referncia para construir o enquadramento da
problemtica da nossa pesquisa, Caio Prado Jr. e Florestan Fernandes, inscrevem-se no
marco comum de um esforo intelectual latino-americano por incorporar matrizes
referenciais do pensamento social europeu na construo de diagnsticos perceptivos da
singularidade da condio perifrica
22
. Ao recorrermos a pensadores brasileiros para
discutir o movimento da histria da Amrica Latina, estamos conscientes de que
preciso cuidado para no projetar vises sobre a realidade brasileira para o conjunto do
continente
23
. Atentos diversidade entre as situaes histricas envolvidas neste

Fernando A. Aproximaes: estudos de histria e historiografia. So Paulo: Cosac Naify, 2005, p. 288-
289.
21
Entre outros: FERNANDES, Florestan. Capitalismo Dependente e classes sociais na Amrica Latina.
2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1975; ______. Sociedade de classes e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro,
Zahar, 1968; ______. Reflexes sobre as revolues interrompidas (uma rotao de perspectivas). In:
Poder e contra-poder na Amrica Latina. Rio de Janeiro: Zahar, 1981, p. 69-120; ______. A revoluo
cubana: da guerrilha ao socialismo. So Paulo: Expresso Popular, 2007; ______. Revoluo Burguesa e
Capitalismo Dependente. In: A Revoluo Burguesa no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 1975, p. 200-366.
22
Caio Prado Jr. reconhecido como um pioneiro na adoo do materialismo dialtico como mtodo
crtico na anlise da realidade brasileira. Florestan Fernandes identificado como precursor da sociologia
acadmica no pas. Sua obra incorpora influncias diversas, principalmente elementos da sociologia
weberiana e do marxismo, compondo um ecletismo bem temperado, na expresso de Gabriel Cohn
(COHN, Gabriel. Padres e Dilemas: o Pensamento de Florestan Fernandes, In: MORAES, R.;
ANTUNES, R.; FERRANTE, V. B. (Orgs.). Inteligncia Brasileira. So Paulo, Brasiliense, 1989.
Expresso deste ecletismo o recurso a termos prprios que no se harmonizam com o vocabulrio
marxista, como ordem social competitiva, assimetria social e regime de classes. Em particular,
Florestan Fernandes faz uma diferenciao entre casta, estamento e classe, categorias que se sobrepem
na conformao das sociedades latino-americanas no sculo XIX. Para efeitos do nosso trabalho, cumpre
apontar que o socilogo brasileiro identifica o regime de classes com o padro de estratificao social
tipicamente capitalista, marcado pela generalizao do assalariamento, que se afirma no continente no
perodo enfocado neste estudo. O autor detalha o assunto em relao ao Brasil em: FLORESTAN,
Fernandes. Circuito Fechado. So Paulo: Hucitec, 1976; A Revoluo Burguesa no Brasil. Rio de
Janeiro: Zahar, 1975. Para um panorama dos esforos de leitura marxista na Amrica Latina: Michael
Lwy. O marxismo na Amrica Latina uma antologia de 1909 aos dias atuais. So Paulo: Perseu
Abramo, 2003. O mesmo tema sob o prisma da filosofia em: Ral Fornet-Betancourt. O marxismo na
Amrica Latina. So Leopoldo: Unisinos, 1995. Uma introduo ao percurso das cincias sociais no
continente : MOTA, Carlos Guilherme. Cincias Sociais na Amrica Latina. In: MORAES, R.;
ANTUNES, R.; FERRANTE, V. B. (Orgs.), op. cit. Para uma viso da produo sociolgica em debate:
BENITEZ ZENTENO, op. cit.
23
H dois riscos envolvidos: tomar a parte pelo todo (por exemplo, abordar a histria econmica do
continente sob o prisma dos pases de maior crescimento econmico, como pode ocorrer com a CEPAL);
ou interpretar fenmenos aparentemente similares segundo padres alheios realidade em que esto
inscritos (por exemplo, o racismo no Caribe como equivalente ao dos Estados Unidos). Considerada a

19

trabalho, que alis proposital, procuramos reter aspectos fundamentais destas
interpretaes que, em nossa opinio, oferecem uma chave de leitura para o dilema
comum a estas realidades: de Caio Prado Jr., retemos a noo de sentido da formao e
o carter contraditrio deste movimento histrico; de Florestan Fernandes, a dupla
articulao entre dependncia e assimetria social que condiciona a afirmao do poder
burgus na Amrica Latina e o seu correspondente padro de luta de classes
24
. Visto de
outro ngulo, ao recorrermos a autores latino-americanos para construir um quadro de
referncia para abordar a evoluo histrica desta realidade, nos somamos ao esforo
por construir um pensamento radical no continente, na dupla acepo do termo: a
inteno de buscar a raiz dos problemas, a partir de referenciais prprios
25
.


Os autores que informam nossa chave interpretativa para o problema da
formao nacional partem de um enquadramento similar
26
.Referindo a origem das

ampla diversidade econmica, social e cultural dos pases do continente, qualquer generalizao exige
cautela.
24
Afirmamos, portanto, uma identidade fundamental do dilema enfrentado pelos pases latino-
americanos. Esta identidade no traduz qualquer unidade econmica ou cultural, mas aponta para um
sentido comum do movimento histrico e da sua dinmica de classes. Neste sentido, discordamos de
interpretaes que, apoiadas em uma leitura de Gramsci, aproximam a realidade de pases latino-
americanos ao mediterrneo europeu. Sobre este tema, ver: BADALONI, Nicola, et. al. Gramsci e a
Amrica Latina. Organizao e traduo Carlos Nelson Coutinho e Marco Aurlio Nogueira. 2. ed. So
Paulo: Paz e Terra, 1993. O complexo problema de uma cultura latino-americana o tema de diversos
trabalhos e compilaes realizadas por ZEA, Leopoldo: America en la histria. Madrid: Castilla, 1957;
______. A filosofia americana como filosofia. So Paulo: Pensieri, 1995; ______. (Org.). Fuentes de la
Cultura Americana. Mxico: Fondo de Cultura Econmica, 1993, 3 volumes; ______. Amrica Latina en
sus ideas. Paris : Unesco; Mxico: Siglo Veintiuno, 1986. O problema tambm abordado por Roberto
Fernndez Retamar em: FERNNDEZ RETAMAR, Roberto. Todo Caliban. Buenos Aires: Clacso,
2005.
25
A perspectiva que adotamos se ope referida por Malerba em seu ensaio, notada particularmente na
produo da histria poltica recente no Brasil: Um parntese importante que se pode inserir de imediato
diz respeito permanente submisso intelectual da historiografia latino-americana a agendas vindas de
fora. Se a abertura e o dilogo de igual para igual com as historiografias estrangeiras mesmo um
imperativo para o crescimento qualitativo da histria que praticamos aqui, esse papel de importadores de
modelos acaba tolhendo a capacidade criadora da historiografia latino-americana. No levantamento
exaustivo feito por Capelato e Dutra para o caso brasileiro fica patente a hegemonia de uma literatura
estrangeira como substrato terico da produo local. A partir da bibliografia includa no corpo de teses
selecionado, as autoras puderam notar a presena macia de historiadores como Jacquel Le Goff, Roger
Chartier, Peter Burke, Bronislaw Baczo, Michel Vovelle, Michel de Certeau, Pierre Nora, Raoul
Girarded, Natalie Davis, Robert Darnton, Jean Starobinski e Maurice Agulhon, entre os autores mais
citados. Entre os apoios tericos importados de outras reas, destacam-se autores como Michel Foucault,
Pierre Bordieu, Hannah Arendt, Pierre Francastel, Clifford Geertz, Roland Barthes, Cornelius Castoriadis,
Georges Balandier, Claude Lefort, Pierre Ansart, Maurice Halbwach, Mikhail Bakhtin e Ernest Cassirer.
MALERBA, op. cit., p 93-94.
26
Esta convergncia no mera coincidncia, uma vez que o trabalho historiogrfico de Caio Prado Jr.
incorporado e arrolado por Florestan Fernandes em suas referncias bibliogrficas. Comentando a
bibliografia latino-americana, Florestan Fernandes escreveu por exemplo: surpreendente o quanto se
avanou, dos finais da dcada de 1940 em diante, em uma obra consistente de reviso da explicao na
histria, que no se unificou luz de uma teoria mas levou a resultados francamente convergentes e
reforou de modo considervel uma linha de trabalho intelectual que teve seus grandes pioneiros em Jos
Carlos Maritegui, Caio Prado Jnior e Srgio Bagu. FLORESTAN, Fernandes. Reflexes sobre as

20

sociedades latino-americanas ao fenmeno da colonizao na poca moderna, entendem
que estes pases partilham de um dilema histrico comum: subordinar o tempo e o ritmo
da mudana social aos desgnios da coletividade nacional. A proposio subjacente
que o passado colonial legou o seu contrrio, ou seja, sociedades organizadas a partir da
finalidade precpua de explorar o trabalho e os recursos naturais em benefcio de
interesses mercantis alheios e, portanto, incapazes de controlar o seu destino histrico.
Na viso de Caio Prado Jr., as razes do problema remetem prpria dinmica da
sociedade colonial que engendrou, atravs de um movimento contraditrio, as condies
para a formao da nao: a nao engendrou-se a partir da colnia e, ao mesmo tempo,
em oposio a ela. Nesta perspectiva, uma linha de continuidade perpassa a
emancipao, perpetuando o carter contraditrio do movimento, em que formao
nacional e passado colonial convivem em permanente tenso. Nesta chave, a formao
da nao identificada como um longo processo histrico que tem como ponto de
partida a emancipao poltica e cujo horizonte a consumao de uma sociedade
autorreferida
27
, superando a condio reflexa e complementar caracterstica da condio
colonial
28
. Analisando por este ngulo um dos pases de maior desenvolvimento
capitalista no continente, Caio Prado Jr. escreveu em meados do sculo XX:

revolues interrompidas (uma rotao de perspectivas). In: Poder e contra-poder na Amrica Latina.
Rio de Janeiro: Zahar, 1981, p. 72. Embora ambos intelectuais partilhem uma convico socialista, na
leitura de Caio Prado Jr. salientava-se o atraso do pas: a revoluo brasileira realizaria as tarefas
democrticas nacionais incumpridas pela burguesia como ponto de partida para uma transio ao
socialismo. Impactado pela experincia da Revoluo Cubana (1959) e as ditaduras militares no cone sul,
Florestan Fernandes acreditava que, considerando-se a anatomia do poder burgus, a revoluo nacional
no continente teria um carter operrio, encadeando-se ao socialismo. Ver a respeito a apresentao e os
textos do livro organizado por Plnio Sampaio Jr. e Plnio de Arruda Sampaio: FERNANDES, Florestan;
PRADO JR. Caio. Clssicos sobre a revoluo brasileira. 2. ed. So Paulo: Expresso Popular, 2002.
27
Na perspectiva que adotamos, a formao da nao no identifica-se com a construo dos requisitos
culturais associados identidade nacional, entendida como uma comunidade poltica imaginada
segundo a conhecida formulao de Benedict Anderson, nem resume-se ao processo de modernizao
poltica desencadeado a partir da crise do Antigo Regime na pennsula ibrica e no continente americano,
como sugere, por exemplo, a interpretao de Franois-Xavier Guerra. Em consonncia com as leituras de
Caio Prado Jr. e Florestan Fernandes, nosso enfoque considera as dimenses cultural e poltica como
partes integrantes, porm subsidirias, do problema da formao, que tem como premissas fundamentais a
democratizao social e a soberania nacional. ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas:
reflexes sobre a origem e a expanso do nacionalismo. Lisboa: Edies 70, 2005. GUERRA, Franois-
Xavier. Modernidad e independencias. Ensayos sobre las revoluciones hispnicas. 2. ed. Mxico: FCE,
1992.
28
Em uma chave marxista, Caio Prado Jr. identifica o processo com a internalizao do circuito de
valorizao do capital, no qual a afirmao de um espao econmico nacional alicerado em uma
economia amparada no mercado interno tem como premissa social a formao de uma burguesia nacional
e um relativo equilbrio na correlao de foras entre os polos capital e trabalho. Ver: PRADO JR., Caio
Histria Econmica do Brasil. 10. ed. So Paulo: Brasiliense, 1967; A Revoluo Brasileira. 2. ed. So
Paulo: Brasiliense, 1966. Novais comenta a abordagem de Prado Jr.: Colnia e nao, economia colonial
(primrio-exportadora, voltada para fora) e economia nacional (voltada para o mercado interno), tais so

21


Observando-se o Brasil de hoje, o que salta vista um organismo em franca e
ativa transformao e que no se sedimentou ainda em linhas definidas, que no
tomou forma. verdade que em alguns setores aquela transformao j
profunda e diante de elementos prpria e positivamente novos que nos
encontramos. Mas isto, apesar de tudo, excepcional. Na maior parte dos
exemplos, e no conjunto, em todo caso, atrs daquelas transformaes que s
vezes nos podem iludir, sente-se a presena de uma realidade j muito antiga
que at nos admira de a achar e que no seno aquele passado colonial
29
.

Segundo esta perspectiva, a emancipao colonial no se traduziu imediatamente
em nao, mas franqueou aos povos americanos a possibilidade de superar sua condio
reflexa original e constituir-se segundo um padro autodeterminado
30
. Esta via supe
uma inverso na forma de insero das sociedades perifricas no sistema capitalista
mundial, subordinando os fluxos de mudana social provenientes do centro s
necessidades do conjunto da populao. Em um contexto histrico marcado pela
polarizao entre um centro capitalista dinmico hegemnico e uma periferia que lhe
segue a reboque, o Estado surge como instrumento necessrio para estabelecer algum
nvel de controle sobre a irradiao dos fluxos de inovao social no mbito do espao
nacional. Nesta circunstncia, superar o sentido da formao colonial equivale a afirmar
as bases sociais, econmicas e culturais do Estado nacional
31
.

as categorias fundamentais de reflexo. NOVAIS, Fernando A. Aproximaes: estudos de histria e
historiografia. So Paulo: Cosac Naify, 2005, p. 291.
29
PRADO JR., Caio Formao do Brasil Contemporneo. So Paulo: Brasiliense, 2000, p. 3. Florestan
Fernandes escreve sobre a questo: Por fim, as mutaes do capitalismo encontram nesse contexto
histrico e estrutural uma explicao prpria. O primitivo capitalismo mercantilista, que impregnou as
atividades econmicas no perodo colonial e na transio neocolonial, no se evapora: ele continua
entranhado no esprito dos agentes econmicos internos e externos, todos orientados por uma mentalidade
especulativa predatria. FLORESTAN, Fernandes. Capitalismo Dependente e classes sociais na
Amrica Latina. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1975, p. 51.
30
Como veremos, Florestan Fernandes refere-se aos decnios que sucedem o desenlace da crise do antigo
sistema colonial como transio neocolonial. Em outros pases da Amrica Latina as lutas pela
independncia e pela criao do Estado nacional se desenrolaram em condies histricas diferentes (
brasileira) mas estruturalmente homlogas. A independncia que se criava era a dos estamentos
privilegiados e o Estado nacional independente nascia antes da Nao, como expresso da vontade
coletiva e dos interesses de dominao econmica, social e poltica da gente vlida, ou seja, como uma
maneira de organizar a voz poltica dos donos de fato do poder e de dar continuidade s estruturas de
produo e de exportao montadas previamente. FLORESTAN, Fernandes. Reflexes sobre as
revolues interrompidas (uma rotao de perspectivas). In: Poder e contra-poder na Amrica Latina.
Rio de Janeiro: Zahar, 1981, p. 81.
31
Pensada como um centro de poder que condensa a vontade poltica da coletividade, a forma nacional
aqui, nica e exclusivamente, um meio das sociedades que vivem sobredeterminadas pelo campo de fora
do sistema capitalista mundial controlarem o seu tempo histrico. Trata-se, portanto, de um instrumento
historicamente determinado, que deveria ser ultrapassado por formas superiores de organizao social e
poltica, de alcance supra-nacional, assim que o contexto histrico mundial o permitisse. Isto , assim que
a ordem mundial deixasse de estar sob o domnio da lgica da concorrncia intercapitalista e das
rivalidades interestatais do imperialismo. SAMPAIO JR., Plnio de Arruda. Entre a nao e a barbrie.
Os dilemas do capitalistmo dependente. Petrpolis: Vozes, 1999.

22

Este movimento orientado a assumir o controle sobre o prprio destino por meio
da consolidao do Estado nacional no poderia processar-se facilmente, uma vez que a
afirmao da soberania contraria a lgica de negcios do capitalismo mundial, cujos
interesses encontram base de apoio em setores das sociedades perifricas, como observa
Florestan Fernandes. Para enfrentar esta articulao que obedece a uma racionalidade
incrustada desde a colnia necessrio solidificar um conjunto de anseios econmicos e
sociais necessariamente referidos ao espao nacional e sustentados por uma ampla base
social: na economia, a constituio de um mercado interno robusto; na poltica, a
tolerncia ao conflito como modalidade legtima de reivindicao social; no plano
social, a relativa democratizao dos frutos do desenvolvimento; na esfera cultural, a
afirmao de padres de vida e de consumo condizentes com a realidade nacional
32
.
O ncleo do dilema, segundo Florestan Fernandes, que a construo desta base
social exige uma democratizao das sociedades perifricas em todas as suas
dimenses, viabilizando a plena integrao do conjunto da populao aos benefcios do
desenvolvimento, o que contradiz o privilegiamento que caracteriza o padro de
sociabilidade das classes dominantes no continente desde a colnia
33
, sustentado pelos
nexos que a superexplorao do trabalho e a devastao dos recursos naturais permitem
estabelecer com o centro. Em uma palavra, configura-se uma situao na qual a
superao da dependncia e o enfrentamento do privilgio encontram-se indissociados.
Caio Prado Jr. aborda a questo nos seguintes termos:

E assim ambas essas ordens de circunstncias, as internas e as externas, se
conjugam e completam de tal maneira que a eliminao de umas implica
necessariamente a das outras. No nos podemos libertar da subordinao com
respeito ao sistema internacional do capitalismo, sem a eliminao paralela e
simultnea daqueles elementos de nossa organizao interna, econmica e
social, que herdamos de nossa formao colonial. E a recproca igualmente
verdadeira: a eliminao das formas coloniais remanescentes em nossa
organizao econmica e social condicionada pela libertao das

32
Notemos que, no campo dos intrpretes radicais da formao brasileira, Caio Prado Jr. enfatizou o
problema do mercado interno; Florestan Fernandes, a conciliao entre desenvolvimento e democracia;
Celso Furtado, a dimenso cultural do subdesenvolvimento. As trs leituras identificam a integrao do
conjunto da populao por meio do trabalho como o alicerce da formao nacional. Ver a respeito:
SAMPAIO JR., op. cit.
33
O que importa por em evidncia que existe uma completa incompatibilidade entre o
superprivilegiamento de classe, como fator de diferenciao social e de estabilidade nas relaes de poder
entre as classes, e a adoo de sistemas polticos constitucionais e representativos. A tentativa de conciliar
o irreconcilivel criou certas tendncias, que so tpicas da Amrica Latina, e culminou numa crise
crnica das instituies polticas. FLORESTAN, Fernandes. Capitalismo Dependente e classes sociais
na Amrica Latina. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1975, p. 104.

23

contingncias em que nos coloca o sistema internacional do capitalismo no qual
nos entrosamos como parte perifrica e dependente
34
.

Balizado pelo desafio de superar a dupla articulao entre dependncia e
assimetria social, o dilema da formao nacional na Amrica Latina assume expresso
poltica especfica segundo as determinaes internas e externas de cada momento
histrico. No ltimo quartel do sculo XIX, a expanso dos vnculos econmicos de
regies do continente com o mercado mundial exigiu, segundo Florestan Fernandes, a
instalao dos requisitos para a reproduo capitalista na periferia, incidindo no padro
de estratificao social, que tende a adquirir os contornos tpicos da classificao social
capitalista
35
. Em uma realidade em que o capitalismo no essencialmente o
desdobramento de uma evoluo endgena, mas extrai seu dinamismo fundamental dos
nexos com o mercado mundial
36
, seu desenvolvimento assume caractersticas prprias,
que no reproduzem a trajetria deste modo de produo nos casos originais europeus.
Neste contexto, o dilema da formao nacional identifica-se com o carter especfico da
afirmao do poder burgus na Amrica Latina e a potencial realizao do contedo
democrtico e nacional tipicamente associado revoluo burguesa, assumindo-se
como premissa, com Florestan Fernandes, que a consumao do capitalismo
neocolonial ou do capitalismo dependente
37
na Amrica Latina no se constitui um dado
inexorvel, mas resultado de embates histricos:


34
PRADO JR., Caio. A revoluo brasileira. 2. ed. So Paulo: Brasiliense, 1966, p. 187.
35
As novas tendncias emergiram gradualmente, todavia as mudanas nos padres existentes de
dominao externa tornaram-se evidentes aps a quarta ou quinta dcada do sculo XIX e converteram-se
numa realidade inexorvel nas ltimas quatro dcadas daquele sculo. As influncias externas atingiram
todas as esferas da economia, da sociedade e da cultura, no apenas atravs de mecanismos indiretos do
mercado mundial, mas tambm atravs de incorporao macia e direta de algumas fases dos processos
bsicos de crescimento econmico e de desenvolvimento sociocultural. Assim, a dominao externa
tornou-se imperialista, e o capitalismo dependente surgiu como realidade histrica na Amrica Latina.
FLORESTAN, Fernandes. Capitalismo Dependente e classes sociais na Amrica Latina. 2. ed. Rio de
Janeiro: Zahar, 1975, p. 16.
36
O que interessa, nessa evoluo, que o dimensionamento da expanso interna do capitalismo no foi
determinado, exclusiva ou predominantemente, nem a partir de fora (o que implicaria um padro de
desenvolvimento colonial), nem a partir de dentro (o que implicaria um padro de desenvolvimento
autnomo, auto-sustentado e autopropelido), mas por uma combinao de influncias internas e externas,
que calibrou (e est calibrando) os dinamismos da sociedade de classes em funo dos requisitos de
padres dependentes de desenvolvimento capitalista. FERNANDES. Idem, p. 75.
37
Veremos que Florestan Fernandes faz uma diferenciao entre os pases latino-americanos onde
realizou-se a transio da hegemonia do capital comercial para o capital industrial (capitalismo
dependente) e aqueles onde a transio neocolonial estendeu-se, prevalecendo as determinaes
fundamentais de uma economia de enclave (capitalismo neocolonial). FLORESTAN, Fernandes.
Reflexes sobre as revolues interrompidas (uma rotao de perspectivas). In: Poder e contra-poder
na Amrica Latina. Rio de Janeiro: Zahar, 1981; Capitalismo Dependente e classes sociais na Amrica
Latina. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.

24

Isso quer dizer que o dilema econmico expresso atravs do capitalismo
neocolonial e do capitalismo dependente no foi um simples produto de
correntes da histria moderna. Os pases europeus (e, mais tarde, os EUA), no
impuseram nada que fosse inevitvel. As foras mobilizadas para lutar contra as
duas metrpoles foram desmobilizadas, pelos setores civis e militares; o que
passou a preocupar aquelas elites, de maneira substancial, foi como impedir que
a herana colonial se desagregasse, fugisse por entre os seus dedos. No se
poder dizer que tal opo teria valor e vigncia para sempre
38
.

Enunciada em sua forma mais elementar, a formao da nao consiste em
subverter o sentido original da evoluo americana dado pelo carter da colonizao e
assumir o comando sobre o prprio destino. Nesta perspectiva, a autonomia poltica
uma premissa necessria mas insuficiente, servindo como ponto de partida de uma
longa transio entre o passado colonial e a consumao da nao. Do ngulo da luta de
classes, o motor do processo a contradio entre os interesses que pressionam pela
perpetuao dos nexos entre dependncia e assimetria que caracterizam o legado
colonial e as foras que lutam para submeter o trabalho e a riqueza aos anseios do
conjunto da populao. Em uma realidade na qual a dinmica do capitalismo mundial
exige um instrumento poltico que discipline os nexos das sociedades nacionais com o
mercado mundial, este processo confunde-se na Amrica Latina com a prpria
constituio do Estado nacional e a disputa em torno do seu carter. O dilema da
formao nacional assume expresso concreta distinta segundo as determinaes do
momento histrico, idenficando-se com a problemtica da revoluo burguesa na
conjuntura em que atuam os militantes enfocados neste trabalho
39
.

38
FLORESTAN, Fernandes. Reflexes sobre as revolues interrompidas (uma rotao de
perspectivas). In: Poder e contra-poder na Amrica Latina. Rio de Janeiro: Zahar, 1981, p. 92.
39
Existe um amplo e intenso debate, repleto de consequncias polticas, sobre a problemtica da
revoluo burguesa. Em nosso trabalho, nos referimos revoluo burguesa segundo a leitura feita por
Florestan Fernandes, que, por sua vez, desdobra-se em duas acepes do termo. Em primeiro lugar, a
revoluo burguesa associada, de modo geral, a processos de ruptura radical com o Antigo Regime que
estabelecem as premissas para o estabelecimento da ordem burguesa, integrando os contedos
democrtico e nacional tipicamente associados revoluo francesa. Esta referncia obedece
interpretao marxista cannica, expressa, por exemplo, nos trabalhos de Soboul. SOBOUL, Albert.
Prcis dhistoire de la Rvolution franaise. Paris: ditions Sociales, 1973. Sobre a historiografia que
consagrou esta leitura: (...) desde os estudos da histria poltica, a que souberam no se restringir, esses
mestres, a comear por A. Mathiez (Movimento Social e Carestia sob o Terror), continuando com G.
Lefebvre (o dos Camponeses do Norte sob a Revoluo Francesa ou de O Grande Medo), e terminando
com os Sans-Culottes Parisienses no Ano II, de A. Soboul, elaboraram uma leitura social da Revoluo
Francesa, introduzindo gradualmente em cena as massas rurais, a seguir as urbanas, propondo o esquema
explicativo de uma Revoluo Burguesa com sustentao popular, que constituiria a originalidade da
via revolucionria francesa, num modelo onde se reunificaram as Revolues burguesa, urbana e
camponesa , cuja diversidade foi mostrada por G. Lefebvre. VOVELLE, Michel. Um sculo de
historiografia revolucionria (1880-1987). In: ______. Frana Revolucionria (1789-1799). So Paulo:
Brasiliense, p. 514. Florestan Fernandes tambm desenvolveu uma leitura original sobre a revoluo
burguesa na Amrica Latina, que est diretamente referida sua interpretao sobre a especificidade do

25

Ao reconstituirmos neste estudo a trajetria ideolgica e poltica de projetos que
propem pioneiramente uma via democrtica nacional de desenvolvimento capitalista
no continente sob o imperialismo e que no encontram base real para sua realizao, nos
deparamos com dilemas inerentes problemtica da formao, recorrentes em esforos
posteriores. No plano ideolgico, os pensadores enfrentam o desafio de discernir a
especificidade da formao socioeconmica latino-americana em relao ao polo
civilizatrio dinmico a que est vinculada desde a origem. Embora a indiferenciao
das esferas da existncia neste contexto limite a equao do problema
40
, nossa
investigao revela que os diferentes ngulos a partir dos quais os autores interpretam a
realidade resultaram em uma espcie de morfologia dos temas que sero articulados por
teorizaes posteriores, endossando a leitura avanada por Devs Valds, segundo a
qual o pensamento econmico latino-americano e particularmente a CEPAL se
beneficiaro diretamente do pensamento radical anterior produzido no continente
41
. Do
ponto de vista poltico, o destino dos projetos analisados testemunha um padro de luta
de classe que converge com a interpretao de Florestan Fernandes sobre os
constrangimentos revoluo burguesa no capitalismo dependente
42
, revelando uma
realidade na qual a intransigncia burguesa e a impotncia dos trabalhadores condenam
a integrao nacional a um impasse. Assim, o estudo dos desafios tericos e polticos
para a formao da nao enfrentados desde a constituio incipiente do capitalismo no
continente sinaliza para a profundidade histrica do dilema, indicando a complexidade e
a rigidez dos obstculos a serem superados por esforos contemporneos.

1.REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS PARA A ANLISE DE MART, JUSTO E MAGN

A problemtica da formao aproxima o carter da reflexo dos autores na
medida em que seu pensamento est indissoluvelmente ligado aos problemas histricos

padro de luta de classes no capitalismo dependente e que detalharemos adiante. Na sua chave, a
revoluo burguesa no continente reproduz apenas os traos estruturais dos processos originais,
afirmando-se como uma contrarrevoluo permanente, que no Brasil, por exemplo, consuma-se com o
golpe militar de 1964.
40
Sobre o processo histrico que est na raiz do surgimento da economia poltica como cincia autnoma
na Europa, contempornea Revoluo Industrial, consultar: POLANYI, Karl. The great transformation:
the political and economic origins of our time. Boston: Beacon press, 2001.
41
DEVS VALDS, Eduardo. Del Ariel de Rod a la Cepal (1900-1950). Buenos Aires: Biblos, 2000.
42
Ver principalmente: FLORESTAN, Fernandes: Capitalismo Dependente e classes sociais na Amrica
Latina. Rio de Janeiro: Zahar, 1975; Sociedade de classes e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar,
1968; Problemas de conceptualizacin de las clases sociales en Amrica Latina. In: BENITEZ
ZENTENO, op, cit. Neste volume, resultado de um congresso realizado no Mxico em 1971, ver tambm
os comentrios de Fernandes aos debates registrados.

26

que enfrentam
43
. Segundo este enfoque, sua relevncia avalizada pelo xito em formar
partidos polticos que incidiram nos processos de mudana social em curso, revelando
uma habilidade para interpretar o momento histrico em que viviam. Esta equao
vlida em uma circunstncia em que a viso de seus lderes indiscutveis
frequentemente se confundia com a posio coletiva
44
. Ao eleger como critrio de
seleo o alcance poltico de pensamentos moldados pelas exigncias de um momento
histrico, em que se vislumbrava possibilidades inditas de democratizao das
sociedades latino-americanas, identificamos os autores como pioneiros do pensamento
radical no continente, segundo a dupla acepo do termo: constituem o elo entre
correntes de pensamento endgeno passado e futuro, ao mesmo tempo em que cumprem
uma funo de radicalizao da conjuntura
45
. Nesta perspectiva, nossa investigao
revela-se uma contribuio ao estudo das origens do pensamento e da poltica radical na
Amrica Latina.
A problemtica da formao nacional como eixo articulador entre os autores
pressupe uma interpretao das linhas gerais do desenvolvimento latino-americano que
enfatize as permanncias do legado colonial. Nossa leitura do sentido do movimento

43
Referindo-se particularmente ao pensamento econmico, escreve Dobb: Neste sentido, a avaliao
histrica da teoria e do seu desdobramento fundamental para qualquer apreciao completa da prpria
teoria, se se considerar que esta a relao (e implicaes) das estruturas formais com a realidade, assim
como a anlise das estruturas formais per se. Enquanto a ltima pode ser tratada como realizao tcnica
pura e simples, a primeira, que se ocupa fundamentalmente da relevncia quer uma teoria tenha
significado ou no e viabilidade geral como teoria social, no pode ser tratada dessa forma. DOBB, op.
cit., p. 52.
44
Mart exerce uma liderana indiscutvel sobre o PRC (Partido Revolucionario Cubano) at a sua morte,
assim como Justo sobre o Partido Socialista e Magn sobre o PLM (Partido Liberal Mexicano).
45
Comentando o papel do radical no Brasil, escreve Antonio Candido: No entanto, em pases como o
Brasil o radical pode ter papel transformador de relevo, porque capaz de avanar realmente, embora at
certo ponto. Deste modo pode atenuar o imenso arbtrio das classes dominantes e, mais ainda, abrir
caminho para solues que, alm de abalar a rija cidadela conservadora, contribuem para uma eventual
ao revolucionria. Isso porque nos pases subdesenvolvidos, marcados pela extrema desigualdade
econmica e social, o nvel de conscincia poltica do povo no corresponde sua potencialidade
revolucionria. Nessas condies o radical pode assumir papel relevante para suscitar e desenvolver esta
conscincia e para definir as medidas progressistas mais avanadas no que for possvel. Digamos que ele
pode tornar-se um agente do possvel mais avanado. CANDIDO, Antonio. Radicalismos. Revista do
Instituto de Estudos Avanados, So Paulo, USP, v. 4, n. 8, jan./apr. 1990. Disponvel em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141990000100002>. Acesso em: 9
mar. 2011. Antonio Candido tem em mente intelectuais que, embora contrapostos ao conservadorismo,
no alinharam-se ao campo revolucionrio, como Joaquim Nabuco, Manuel Bomfim ou Srgio Buarque
de Holanda. Neste sentido, sua caracterizao do pensamento radical no se aplica aos militantes que
selecionamos. O prprio Antonio Candido circunscreve sua anlise ao contexto brasileiro, indicando um
contraste com outras realidades latino-americanas, inclusive aquelas abordadas neste trabalho: Pode-se
chamar de radicalismo, no Brasil, o conjunto de idias e atitudes formando contrapeso ao movimento
conservador que sempre predominou. Este conjunto devido a alguns autores isolados que no se
integram em sistemas, pois aqui nunca floresceu em escala aprecivel um corpo prprio de doutrina
politicamente avanada, ao contrrio do que se deu em pases como o Uruguai, Peru, Mxico e Cuba.
Ibidem.

27

histrico est baseada em Caio Prado Jr., enquanto a anlise da difuso das relaes de
produo capitalistas no continente apoia-se em Florestan Fernandes, para quem a
instalao progressiva dos requisitos para a reproduo capitalista gerou impulsos
contraditrios, nos quais as tendncias de autonomizao da acumulao de capital
foram constrangidas pela dupla articulao entre dependncia externa e assimetria
social. Na leitura do socilogo brasileiro, este um processo em que estmulos
exgenos se articulam s condies endgenas ainda incipientes de desenvolvimento da
esfera mercantil, em um contexto no qual a instaurao dos dinamismos tpicos da
sociedade capitalista emerge como premissa necessria para a renovao dos vnculos
econmicos do continente com o centro do capitalismo. Segundo esta viso, a expanso
econmica experimentada na conjuntura consagra a dissociao entre desenvolvimento
e integrao nacional, estabelecendo as bases para a afirmao do capitalismo
dependente
46
.
O contraste das anlises particulares que compe o exerccio da histria
comparada exige uma leitura do processo histrico em que est inserido cada autor,
coerente com este marco interpretativo geral. Especificamente, os casos abordados neste
trabalho supem uma viso sobre o desenlace da emancipao cubana, o carter da
reforma poltica na Argentina e o sentido da revoluo mexicana
47
.

46
Florestan Fernandes, obras supracitadas.
47
Para uma viso de conjunto da histria latino-americana, nos foram especialmente teis os trabalhos de
Tulio Halperin Donghi. Embora questionemos aspectos da chave interpretativa subjacente ao seu
principal livro abordando a histria continental por exemplo, a insuficiente explicao sobre os nexos
entre financiamento estrangeiro e crescimento econmico, ou a caracterizao de um regime
neocolonial consideramos que sua obra o melhor esforo de sntese da histria latino-americana
disponvel, em particular no que concerne ao sculo XIX, perodo em que especializou-se. HALPERIN
DONGHI, Tulio. Histria da Amrica Latina. 2. ed. So Paulo: Paz e Terra, 1989;
______.Hispanoamerica despues de la Independencia. Consecuencias sociales y economicas de la
emancipacin. Buenos Aires: Paidos, 1972; ______.Reforma y disolucin de los Imperios Ibericos.
Madrid: Alianza, 1985; ______. Economy and Society. In: BETHELL, Leslie (Org.). Spanish America
after Independence (c. 1820-c.1870). Cambridge: Cambridge University Press, 1987. Assim como ocorre
no campo da crtica literria, os autores das poucas obras de sntese latino-americana so, em sua maioria,
pesquisadores estrangeiros ou enraizados em instituies fora do continente. Dentre os trabalhos recentes,
o chileno radicado no Canad, Jos del Pozo, procura incorporar temticas da historiografia atual, como a
questo de gnero. Jos del Pozo. Historia de Amrica Latina y del Caribe. Desde la independencia hasta
hoy. 2. ed. Santiago: Lom, 2009. No conjunto, sua anlise padece de um marco interpretativo slido,
como o caso do francs Franois Chevalier, que, ao menos, no revela-se impregnado por preconceitos
ideolgicos como seu conterrneo Pierre Vayssire. Franois Chevalier. Amrica Latina: de la
independencia a nuestros das. Mxico: Fondo de Cultura Econmica, 1999. Pierre Vassire. Les
rvolutions dAmrique latine. Paris: ditions du Seuil, 2001. Mais consultadas nos ltimos decnios so
as compilaes em diversos tomos, das quais a mais difundida no Brasil foi organizada para a
Universidade de Cambridge pelo ingls Leslie Bethell, posteriormente traduzida e editada pela Edusp/
Fundao Alexandre Gusmo e que utilizamos neste trabalho. preciso atentar para os critrios de
seleo dos colaboradores, que parecem priorizar especialistas de lngua inglesa e respondem a
determinada orientao ideolgica. Por exemplo, o Professor Fernando Novais conta que teve sua

28

No caso cubano, entendemos que a frustrao da emancipao resultado de
uma complexa conjuno entre as hesitaes do Consejo de Gobierno em endossar a
radicalizao popular da guerra, a cumplicidade do delegado do PRC no exlio com a
interveno estrangeira e a prpria agressividade estadunidense. O estudo de Ibrahim
Hidalgo Paz desvela minuciosamente esta articulao, complementando o trabalho
pioneiro de Ramn de Armas
48
. Para uma viso de conjunto da evoluo da histria
cubana enfatizando a trajetria da economia aucareira no sculo XIX, nos apoiamos na
obra de Moreno Fraginals
49
.

contribuio, elaborada em parceria com Carlos Guilherme Mota, rejeitada (o texto foi posteriormente
publicado como: A independncia poltica do Brasil. So Paulo: Hucitec, 2 edio, 1996). BETHELL,
Leslie (Org.). The Cambridge history of Latin America. Cambridge: Cambridge University Press, 1990-
96. A edio brasileira no completa (textos relativos s populaes aborgenes, por exemplo, ficaram
de fora): BETHELL, Leslie (Org.). Histria da Amrica Latina. So Paulo: EDUSP; Braslia: Fundao
Alexandre Gusmo, 1997-2009. Cumpre lembrar, neste contexto, o notrio risco de projetar-se para o
continente problemticas caras aos pases de origem dos investigadores estrangeiros. No limite: como
se a histria da Amrica Latina fosse escrita, sobretudo nos Estados Unidos, revelia dos historiadores
latino-americanos. MALERBA, Jurandir. A histria na Amrica Latina ensaio de crtica
historiogrfica. Rio de Janeiro: FGV, 2009, p. 98. Malerba sugere que esta projeo temtica tem afetado,
inclusive, a produo historiogrfica realizada no continente nos ltimos decnios. Uma compilao mais
recente mostra maior abertura aos autores latino-americanos, iniciativa da Unesco dirigida pelo
venezuelano Germn Carrera Damas. CARRERA DAMAS, Germn. Histria General de Amrica.
Madrid: Trotta, 1999-2008. Dentre os trabalhos originados no continente, Pablo Gonzlez Casanova
organizou nos anos 70 e 80 importantes compilaes sobre a histria do movimento operrio, das lutas
camponesas e da histria contempornea latino-americana, mas estes trabalhos abordam principalmente o
sculo XX, como o caso das colees publicadas pelo Centro Editorial de Amrica Latina em Buenos
Aires (os textos destas fontes utilizados na pesquisa so citados na bibliografia ao final).
48
HIDALGO PAZ, Ibrahim. Cuba 1895-1898. Contradiciones y disoluciones. La Habana: Centro de
Estudios Martianos, 2004. ARMAS, Ramn de. La revolucin pospuesta. La Habana: Centro de Estudios
Martianos, 2002. Em particular, o trabalho de Hidalgo Paz mostra como as vacilaes do Consejo de
Gobierno diante da radicalizao do exrcito popular abriram espao para as manobras do delegado do
PRC no exlio, Tomas Estrada Palma, que sabotou o municiamento da guerra em favor de uma soluo
apoiada na interveno estadunidense. Este livro tem muitos mritos, inclusive o de contextualizar os
sentimentos pr-ianques do delegado do PRC, elidindo uma condenao moral que ser comum nos anos
posteriores aos eventos. Em nossa opinio, esta a obra que melhor analisa a relao entre os atores
sociais no conflito e agradecemos o professor Pedro Pablo Rodrguez do Centro de Estudios Martianos
por esta e outras indicaes. No entanto, ressentimos de trabalhos que esmiucem os nexos de classe entre
os partidrios cubanos da interveno estadunidense e os negcios que prosperam a partir deste evento.
Descartando a literatura de ideologia estadunidense que endossa o discurso de uma inteveno justificada
a partir da exploso do encouraado Maine (e debate se ela teria sido acidental ou no), encontramos
poucas obras que enfoquem a questo. Sobre a historiografia nos Estados Unidos: PREZ JR., Louis A.
The War of 1898. The United States and Cuba in history and historiography.Chapel Hill: The University
of North Carolina Press, 1998. O livro de Hidalgo Paz e a posio do prprio Prof. Rodrguez sugerem
que a questo nacional gozava de ampla simpatia entre os diferentes estratos sociais, salientando o carter
anticubano da interveno ianque. Esta leitura endossa o ponto de vista de Mart, mas releva, em nossa
opinio, sua principal vulnerabilidade: uma subestimao das contradies de classe no capitalismo.
49
MORENO FRAGINALS, Manuel. El Ingenio. Editorial de Ciencias Sociales, La Habana, 1986, 3
tomos; Cuba- Espanha- Cuba. Uma histria comum. Edusc, Bauru, 2005; La historia como arma y otros
estudios sobre esclavos, ingenios y plantaciones. Crtica, Barcelona, 1999. Conversamos, entre outros,
com o historiador cubano Salvador Morales, professor da Universidad de Michoacn no Mxico, sobre as
crticas na ilha ao trabalho de Moreno Fraginals, que, no entanto, no parecem sistematizadas at o
momento. Para uma introduo aos debates em torno da obra deste autor, motivada principalmente por
latinoamericanistas, consultar: SCHMIDT-NOWARA, Cristopher. Manuel Moreno Fraginals: an

29

Interpretamos a reforma poltica argentina promovida pela Lei Saenz Pea em
1912 como um recurso para conter a crescente subverso social, entendendo o
subsequente triunfo eleitoral do radicalismo como uma alternativa conservadora ao
esgotamento da poltica criolla. Esta leitura se apoia no livro de David Rock, que
enfatiza a natureza conservadora original do radicalismo argentino e constitui o pano de
fundo de nossa discrepncia com a leitura que Jos Aric faz da atuao dos socialistas
na conjuntura
50
. Para abordar os mltiplos aspectos da espetacular transformao do
pas no final do sculo XIX, nos servimos especialmente dos trabalhos de Natalio
Botana, Ezequiel Gallo e Roberto Corts Conde
51
.
Em meio ao vasto debate sobre o carter da Revoluo Mexicana, para efeito do
nosso trabalho, basta indicar que nos situamos no campo que enfatiza o carter truncado
da revoluo, onde as mudanas inquestionveis no plano do Estado foram insuficientes
para superar o subdesenvolvimento, indicando uma derrota do campo popular no
processo
52
. Em particular, ao evidenciar o confronto entre magonistas e maderistas,
nosso estudo diverge das leituras que enaltecem o papel progressista do lder

Appreciation. Hispanic American Historical Review, v. 82, n. 1, p. 125-127, feb. 2002. No conjunto,
entendemos que Moreno Fraginals oferece a interpretao mais consistente sobre a formao cubana
disponvel.
50
ROCK, David. El Radicalismo Argentino, 1890-1930. Buenos Aires: Amorrortu editores, 2001.
ARIC, Jos. La hiptesis de Justo. Buenos Aires: Sudamericana, 1999. No campo democrtico,
identificamos duas leituras distintas sobre o sentido da Lei Saenz Pea, que, por sua vez, admitem
posies variadas. De um lado, uma compreenso de que a reforma abriu possibilidades reais de dilatao
da democracia argentina. esta a viso de Aric, para quem os socialistas perderam uma oportunidade
histrica ao no se aliarem com os radicais. O prprio Justo foi um entusiasta da reforma, mas, diferente
de Aric, jamais identificou nos radicais potenciais aliados progressistas. De outro lado, a reforma lida
como uma manobra de sentido conservador, objetivando conter a presso social daqueles anos. Esta
posio sustentada por Rock no livro citado. esquerda, estudiosos argentinos com quem tivemos
oportunidade de conversar, como o professor Eduardo Sartelli (UBA) e o professor Osvaldo Coggiola
(USP), entendem que a reforma consumou a cooptao dos socialistas liderados por Justo, representantes
de uma espcie de aristocracia operria neste contexto. Veremos que Sartelli chega a sugerir que os
socialistas foram os principais beneficirios do processo. SARTELLI, Eduardo. Celeste, blanco y rojo.
Democracia, nacionalismo y clase obrera en la crisis hegemnica. Razn y Revolucin, Buenos Aires, n.
2, 1996.
51
No plano poltico: BOTANA, Natalio. El Orden Conservador. Buenos Aires: Editorial Sudamericana,
1977. GALLO, Ezequiel. Argentina: society and politics, 1880-1916. In: BETHELL, Leslie (Org.). The
Cambridge History of Latin America. Cambridge, 1986. No plano econmico: GALLO, Ezequiel. La
Pampa Gringa. Edhasa, 2004. CORTS CONDE, Roberto. The first stages of modernization in Spanish
America. Nova Iorque: Harper & Row, 1974. ______. The growth of the Argentine economy c.1870-1914.
In: BETHELL, Leslie (Org.). The Cambridge History of Latin America. Cambridge, 1986. No plano
ideolgico: BOTANA, Natalio; GALLO, Ezequiel. De la Repblica posible a la Repblica verdadera
(1880-1910). Buenos Aires: Ariel, 1997.
52
Ver a respeito: GILLY, Adolfo (Org.). Interpretaciones de la Revolucin Mexicana. Mxico: Nueva
Imagen, 1981. Para uma sntese do debate sobre o carter da revoluo, consultar: KNIGHT, Alan. .
Interpretaciones recentes de la Revolucin Mexicana. Revista Secuencia, Instituto de Investigaciones Dr.
Jos Mara Luis Mora, Mxico, n. 13, p. 23-43, enero/abr. 1989.



30

constitucionalista e dos governos subsequentes
53
. Embora no produza uma obra de
sntese, os livros de Friedrich Katz sobre o sculo XIX mexicano e o trabalho
interpretativo subjacente a seus estudos que abordam o perodo revolucionrio foram
referncias importantes
54
.
A leitura do movimento histrico em que esto inscritos os projetos enfocados
est subjacente ao dilogo estabelecido com a bibliografia especfica sobre cada autor.
Militantes que subordinaram a produo intelectual s exigncias da poltica, a
interpretao da sua obra esteve suscetvel a requerimentos ideolgicos de debates
posteriores, nos quais a inteno de apropriar-se ou distanciar-se do seu legado os
tornou particularmente vulnerveis ao anacronismo. Ao referir o alcance e o limite da
sua ao s determinaes gerais da conjuntura em que atuam, pretendemos elidir este
equvoco.
Dentre os autores selecionados, Mart recebeu uma ateno significativamente
superior aos demais por motivos j mencionados. Sua extensa obra mereceu inmeras
edies em toda a Amrica Latina e no mundo, e o Centro de Estudios Martianos
dedica-se desde 1977 ao seu estudo desde La Habana. Atualmente, o Centro auspicia a
edio crtica da sua obra completa sob a coordenao de Pedro Pablo Rodrguez
55
.
A merecida ateno recebida pela obra martiana desde o triunfo da revoluo
cubana incorre nos riscos comuns idolatria, consequncia das exigncias ideolgicas
do processo revolucionrio. Manifestao desta vulnerabilidade a tendncia a projetar
no autor contedos e temas da luta poltica posterior
56
. No campo da bibliografia
especializada, recorre um trao que pode ser interpretado como uma expresso sutil
deste movimento. Embora Mart seja analisado com rigor e talento por muitos
intelectuais cubanos e estrangeiros, ressentimos em nossa pesquisa de trabalhos que

53
A obra paradigmtica neste campo : SILVA HERZOG, Jesus. Breve Historia de la Revolucin
Mexicana. 15. reimpresin. Mxico, FCE, 1997, 2 tomos.
54
KATZ, Friederich. Revuelta, Rebelin y Revolucin la lucha rural en Mxico del siglo XVI al siglo
XX. Era, Mexico, 1990; ______. La servidumbre agraria en Mexico en la poca porfiriana. Mxico: Era,
1990, tomo 1; ______. The Liberal Republic and the Porfiriato, 1867-1910. In: BETHELL, Leslie (Ed.).
Mexico since independence. Cambridge: Cambridge University Press, 1991; ______. La guerra secreta
en Mxico. Era, Mxico, 1982; ______. The life and times of Pancho Villa. Stanford: Stanford University
Press, 1998.
55
At o momento, foram publicados quinze tomos e h outros seis em preparao.
56
KIRK, John M. From `Inadaptado Sublime` to `Lder Revolucionario`: some further thoughts on the
presentation of Jos Mart. Latin American Research Review 15, 3 (1980). Exemplo deste uso aparece
em: RODRGUEZ, Carlos Rafael. Jos Mart anticipador de nuestro tiempo. In: MART, Jos. Nuestra
America. La Habana: Casa Editorial Abril, 2001. A recente associao entre Mart e ecologia exemplo
evidente de anacronismo. Ver: CEPELO VARELA, Eudel. Jos Mart ambientalista? Vitral, marzo-
abril. Ao V. No. 30. 1999. Disponvel em: <http://www.vitral.org/vitral/vitral30/ecol.htm> Acesso em: 4
mar. 2011.

31

enfatizem as determinaes histricas que marcam o seu pensamento: seu dilogo com
as correntes polticas e ideolgicas nativas, anteriores e coevas; a relao entre o
desenvolvimento capitalista cubano e as caractersticas do seu pensamento; a
vulnerabilidade da posio cubana e a projeo continental do seu iderio; as premissas
ideolgicas que condicionam o ngulo da sua reflexo
57
. Este esforo no diminui a sua
genialidade mas a humaniza: compreendemos como, militando em uma ilha que
praticamente se converteu em um canavial, a palavra acar raramente seja
encontrada nas milhares de pginas que escreveu; ou as razes do seu rechao ao
socialismo
58
.
O reconhecido mrito das referncias bibliogrficas pesquisadas
59
nos levam a
compreender que nossa principal contribuio anlise martiana reside no enfoque
comparativo, que salienta a singularidade do lder cubano no contexto latino-americano.
Ao abordar Mart, objetivamos articular de modo coerente e relativamente conciso a
multiplicidade de temas que compem um pensamento denso e profundo, nos marcos de
um esforo sumrio por historicizar as condies da sua produo. Neste processo,
observamos que no h uma correspondncia necessria entre o alcance civilizatrio da
reflexo martiana e as exigncias da guerra da independncia, de forma que uma anlise
circunscrita a avaliar a incidncia poltica imediata de suas ideias poderia prescindir de
diversos motivos do seu pensamento, como as noes do hombre natural e do
equilibrio del mundo, ou o lugar do amor no seu iderio: certamente no tiveram um

57
Dentre os trabalhos que contribuem nesta direo, destacamos: ALMANZA ALONSO, Rafael. En
torno al pensamiento economico de Jos Mart. La Habana: Editorial de Ciencias Sociales, 1990.
58
O mecanismo de busca do CD ROM das obras completas de Jos Mart permite esta verificao. O
Professor Adalberto Santana, diretor do Centro de Investigaciones sobre Amrica Latina y el Caribe
(CIALC) da Universidad Nacional Autnoma de Mxico (UNAM), abriu as portas desta instituio para
grande benefcio desta pesquisa, viabilizando o acesso s bibliotecas que contm o melhor acervo de
publicaes e obras sobre a Amrica Latina que consultamos. O Professor Santana tambm um
conhecedor de Mart: nos prestou orientao sobre o pensador cubano, forneceu uma cpia do CD ROM
contendo suas obras completas, alm de nos colocar em contato com o Professor Pedro Pablo Rodrguez e
o Centro de Estdios Martianos em La Habana.
59
Dentre os inmeros comentadores, destacamos os trabalhos de: FERNNDEZ RETAMAR, Roberto.
Mart en su (tercer) mundo. Artigo em CD Rom, curso virtual Amrica Latina: Reflexiones y
autoreflexiones. Buenos Aires: Clacso, 2004; ______. Lectura de Jos Mart. Mexico: Editorial Nuestro
Tiempo, 1972; ______. Introduccin a Jos Mart. La Habana: Editorial Letras Cubanas, 2006;
RODRGUEZ, Pedro Pablo. De las dos Amricas. La Habana: Centro de Estudios Martianos, 2002;
______. Nuestra Amrica como programa revolucionrio. In: ______. Jos Mart a cien aos de Nuestra
Amrica. Mxico: CCYDEL/UNAM, 1993; ______. En el fiel de Amrica: las Antillas Histnicas y el
concepto de identidad latinnoamericana de Jos Mart. In: ______. Jos Mart a cien aos de Nuestra
Amrica. Mxico: CCYDEL/UNAM, 1993; ______. Formacin del pensamiento latinoamericanista de
Mart. La Habana: Anuario del Centro de Estudios Martianos, 1979. N. 2; VITIER, Cintio. Las imgines
em Nuestra Amrica. In: MART, Jos. Nuestra Amrica. La Habana: Casa Editorial Abril, 2000;
______. Temas Martianos. La Habana: Editorial Letras Cubanas, 2005; ______. Temas Martianos.
Segunda srie. La Habana: Editorial Letras Cubanas, 1982.

32

papel fundamental para mobilizar os combatentes cubanos. No entanto, entendemos que
era necessrio incorpor-las para dar coerncia ao conjunto da sua reflexo, o que no
apenas fundamenta suas posies polticas, mas revela que o militante cubano
debruou-se sobre questes que explicam a sua projeo posterior: a originalidade do
continente americano e o seu potencial civilizatrio.
Dentre a sua vasta obra, concentraremos nossa anlise nos escritos legados em
seus ltimos 10 anos de vida (1886-1895). Desiludido da possibilidade de uma reforma
por iniciativa espanhola aps a fugaz experincia liberal da dcada de 1870
60
, possvel
localizar a radicalizao de suas posies sociais cotejando os escritos acerca do
processo de julgamento dos anarquistas perseguidos em Chicago em 1886
61
. Nos anos
seguintes, Mart acompanharia, primeiro como assistente e logo como delegado
uruguaio, as reunies da primeira Conferncia Internacional Americana entre
1889-1890 em Washington, tentativa estadunidense de avanar uma liberalizao
econmica continental que inclua um projeto de unificao monetria. Estes episdios
so referncias na agudizao e maturao das posies sociais e anti-imperialistas de
Mart, configurando as balizas de seu pensamento e ao revolucionrios. Este iderio
se plasmar com notvel coerncia em seus escritos jornalsticos, cartas e na atuao
conspirativa que retoma com mxima intensidade a partir de 1887, desaguando na
formao do Partido Revolucionrio Cubano em 1892, que liderar at a sua morte, em
1895. A partir deste recorte, tomaremos como base os textos reunidos nos dois volumes
finais de uma autorizada compilao de seus escritos, complementados com outros
textos acessados na edio de CD Rom de suas obras completas
62
.

O legado de Justo foi apreciado principalmente no marco de debates ideolgicos
no seio da esquerda argentina atravs do sculo XX. Considerado como a figura
fundadora de uma das mais slidas tradies socialistas do continente, sua obra foi
divulgada pela prpria editora vinculada ao partido, La Vanguardia, compondo seis
tomos publicados nos anos seguintes sua morte que abrangem o conjunto de temas a

60
MART, Jos. La Repblica Espaola ante la Revolucin Cubana (1873). Obras Completas de Jos
Mart. La Habana: Centro de Estudios Martianos, Karisma Digital, 2001. 1 CD-ROM.
61
Si al principio Mart desaprueba la conducta violenta de los trabajadores, va modificando su criterio
hasta llegar a escribir su extraordinario reportaje fechado el 13 de noviembre de 1887, en que ya se
muestra plenamente identificado con la actitud de los trabajadores. FERNNDEZ RETAMAR,
Roberto. Mart en su (tercer) mundo. Artigo em CD Rom, curso virtual Amrica Latina: Reflexiones y
autoreflexiones. Buenos Aires: Clacso, 2004.
62
MART, Jos. Obras Escogidas. 3 tomos. La Habana: Editorial de Ciencias Sociales, 2000; ______.
Nuestra Amrica. La Habana: Centro de Estudios Martianos, 2005.

33

que se dedicou, embora no esgotem os seus escritos. At os anos setenta domina uma
abordagem explicitamente poltica da sua obra: valorizado entre os socialistas, visto
como reformista pelos comunistas, seu legado foi, por vezes, francamente criticado por
expresses do nacionalismo de esquerda
63
.
Embora no seja o primeiro estudo sobre o seu pensamento balizado por
exigncias acadmicas
64
, as investigaes realizadas por Jos Aric, que culminaram no
livro La hiptesis de Justo lanado em 1999, tornaram-se uma referncia para o
estudo do socialista argentino
65
. A preocupao subjacente trajetria do intelectual
cordobs em defender o marxismo como mtodo legtimo para a interpretao histrica
na Amrica Latina o inspiraram a referir a teoria e a ao de Justo s condies de sua
produo na Argentina da virada do sculo. Constatando antes uma afinidade com as
posies de Bernstein no contexto da II Internacional do que um caso de transposio
acrtica, Aric rechaa o rtulo reformista e enfoca a contribuio de Justo luz da
trajetria do pensamento argentino, descartando uma ortodoxia marxista que nunca
professou
66
. Nosso trabalho filia-se a esta abordagem, embora problematizemos a leitura
feita por Aric dos limites da poltica socialista conduzida por Justo, marcada por suas
prprias preocupao no contexto de redemocratizao argentina
67
. Encontramos

63
A reivindicao socialista foi feita por inmeros militantes, alm dos escritos da viva de Justo, Alcia
Moreau: CNEO, Dardo. Juan B. Justo y las luchas sociales en la Argentina. Buenos Aires: Alpe, 1956;
PAN, Luis. Juan B. Justo y su tiempo. Buenos Aires: Planeta, 1991. Uma apreciao comunista no
centenrio do nascimento de Justo : GHIOLDI, Rodolfo. Juan B. Justo. Revista Nueva Era, 6 de julho de
1965. A polmica com o ponto de vista nacionalista em: SPILIMBERGO, Jorge E. Juan B. Justo o el
socialismo cipayo. Buenos Aires: Coyoacn, sin fecha.
64
Podemos citar: WEINSTEIN, Donald. Juan B. Justo y su entorno. Buenos Aires: Fundacin Juan B.
Justo, 1978.
65
ARIC, Jos. La hiptesis de Justo. Buenos Aires: Sudamericana, 1999. Reconhecendo o lugar
fundamental deste trabalho para os estudos sobre Juan B. Justo realizados desde ento, nos referiremos ao
seu argumento no tpico em que fazemos um balano da trajetria do socialista argentino.
66
Vinculado estrechamente al movimiento socialista internacional, lector asiduo de las principales
publicaciones sociales europeas y americanas, estudioso de la problemtica terica y prctica soscitada
por los escritos de Bernstein, al que lea en su propio idioma, traductor de El Capital ya a fines de siglo,
Justo fue una de esas grandes figuras que caracterizaran a la Segunda Internacional. Injustamente
solslayado en ese plano, su personalidad relevante qued sepultada bajo la pesada lpida con que el
movimiento revolucionario, a partir de la primera guerra y de la Revolucin de Octubre, intent enterrar
toda la significacin histrica de esa vastsima y controvertida experiencia social. Al igual que otros
dirigentes internacionales trat de mantener una relacin crtica con la doctrina de Marx, no
concibindose a si mismo ni a su partido como marxistas, sino como socialistas que encontraban em
Marx, pero tambin en un conjunto de otros pensadores, un conjunto de ideas y de propuestas tiles para
poder llevar adelante el propsito al que dedic toda su inteligencia y su voluntad de lucha: el de crear,
en las condiciones especficas de la sociedad argentina, un movimiento social de definido carcter
socialista (...) ARIC. Op. cit., p. 70.
67
O professor Eduardo Sartelli (UBA) foi o primeiro a nos chamar a ateno para a relao entre o estudo
de Aric sobre Juan B. Justo e suas posies polticas na Argentina, em particular durante o governo de
Ral Alfonsn (1983-1989). Pudemos ratificar essa percepo quando visitamos a biblioteca Jos Aric
em Crdoba, seguindo sugesto do Professor Ricardo Martinez Mazzola (UBA), como mostra o seguinte

34

trabalhos acadmicos posteriores que investigam aspectos relevantes do pensamento de
Justo sem ambicionar uma nova sntese, mas tambm artigos que reforam esteretipos
ou buscam esvaziar o alcance crtico da sua obra
68
.
Apoiando-nos na via aberta por Aric, entendemos que, ao enfocar o
pensamento de Justo sob o ngulo da formao nacional, contribumos para referir o
alcance e os limites do projeto socialista realidade histrica em que se inscreveu. No
obstante a ausncia de uma dimenso nacional explcita no seu programa argentino,
entendemos que o sentido da proposta socialista, assim como os demais autores
abordados neste trabalho, apontava para a consumao da nao. Articulando
democratizao social e integrao nacional, Justo sintetiza sua viso da questo nos
seguintes termos:

extrato disponvel na pgina eletrnica da instituio: De regreso a Buenos Aires en 1984, comienza
una nueva etapa signada por las contribuciones a la democratizacin de la izquierda argentina,
efectuadas basicamente a travs de sus aportaciones a la recreacin de una cultura poltica en que la
posibilidad del socialismo apareciera entrelazada con el avance democratico de la sociedad. El Club de
Cultura Socialista que hoy lleva su nombre, la revista Ciudad Futura, tambin Punto de Vista, la ctedra,
los cursos y las conferencias, las conversaciones ms informales, las entrevistas con mltiples medios de
difusin, el insoslayable tte--tte, fueron los vehiculos idneos para esta nueva militancia de Aric en
Argentina, marcada por su argumentacin en torno a las posibilidades sociales de la democracia, su
cerrada defensa en torno a las acechanzas de los sectores reaccionarios , y un alineamiento concreto con
el presidente Raul Alfonsn, al que caracteriz como la figura ms representativa, innovadora y audaz de
esta nueva etapa de la vida institucional y social del pas. CRESPO, Horacio. Celebracin del
pensamiento. Jos Aric. Disponvel em: <http://www.arico.unc.edu.ar/pdf/crespo.pdf.> Acesso em: 5
mar. 2011. Em tom polmico, Alberto J. Pla criticou o posicionamento poltico de Aric, relacionando-o
com a leitura que faz sobre Justo: La maniobra intelectual de Aric tiende a dos cosas que al final se
resumen o convergen en una sola. Por un lado, defender a Justo (representante conspicuo del
pensamiento reformista y parlamentarista socialdemcrata) y por el otro defender una hegemona obrera
en lo que puede ser un bloque histricoque el movimiento nacional y popular del yrigoyenismo ya
expresaba en su poca. La sutil conclusin que surge lgicamente de all es que hoy en la Argentina,
mezclando un poco de socialdemocracia reformista (que es una gua certera) y un poco de peronismo
(que s tiene clase obrera), se podr llegar a conformar un nuevo bloque histrico (nacional y popular).
Queda as Justo revivido en una actualidad argentina que salva a la socialdemocracia ya al movimiento
nacional y popular. Malabarismos que impone la ideologa!. PLA, Alberto. J. Orgenes del Partido
Socialista Argentino. Cuadernos del Sur 4 (1986), p. 58. Estamos de acordo com a crtica poltica leitura
que Aric faz de Justo, mas valorizamos o esforo do intelectual cordobs para situar o lder socialista na
poltica do seu tempo, e, neste sentido, o rtulo reformista y parlamentarista socialdemocrata nos
parece inadequado.
68
Pl reafirma a leitura de Justo como reformista: PLA, op. cit. Justo aproximado ao liberalismo por:
BRAUN, Carlos Rodrguez. Orgenes del socialismo liberal el caso de Juan B. Justo. Cuadernos de
Ciencias Econmicas, Universidade de Mlaga. No Brasil, a publicao de escritos do autor pelo Instituto
Teotnio Vilela, patrocinado pelo PSDB corrobora esta leitura. Juan Carlos Portantiero um discpulo de
Aric que retoma uma perspectiva de sntese: PORTANTIERO, Juan Carlos. Juan B. Justo. Un fundador
de la Argentina moderna. Buenos Aires: FCE, 1999. Outros trabalhos de flego incluem: DOTTI, Jorge.
Justo, lector de El Capital. In: ______. Las vetas del texto. Una lectura filosfica de Alberdi, los
positivistas, Juan B. Justo. Buenos Aires: Puntosur, 1990; FRANZ, Javier. El concepto de poltica en
Juan B. Justo. Buenos Aires: CEAL, 1993. Dentre os artigos, destacamos: GELI, Patricio; PRISLEI,
Leticia. Una estrategia socialista para el laberinto argentino. Apuntes sobre el pensamiento de Juan B.
Justo. Revista Entrepasado, v. 3, n. 45, 1993. Uma lista das obras publicadas sobre Justo pode ser
encontrada na tese: ROJAS, Gonzalo Adrin. 2006. Os socialistas na Argentina: um sculo de ao
poltica (1880-1980). Tese (Doutorado em Cincia Poltica) FFLCH-USP, So Paulo, 2006.

35


Al nacionalismo espurio de la oligarqua, opongamos el nacionalismo obrero,
para el cual la nacin son los hombres que trabajan en el pas en un momento
dado, y que mide nuestro progreso, no por el brillo de la colonia argentina en
Pars, sino por el nivel de vida y de cultura de los productores en suelo
argentino
69
.

Diferente de Mart cujo pensamento conhece uma lenta maturao e das ideias
de Magn que evoluem em resposta a conjuntura, os escritos de Justo revelam uma
coerncia que beira a intransigncia
70
: seus pontos de vista no se abalam sequer com
acontecimentos do porte da Grande Guerra ou da Revoluo Russa. Sua interpretao
geral do movimento da histria est consignada no livro Teora y Practica de la
Historia (1909), obra pioneira do gnero na Amrica Latina, revelando a erudio e o
comprometimento do autor com a causa operria
71
. Reeditado como o quarto volume de
suas obras completas, este livro expe os fundamentos ideolgicos da sua atuao
frente do partido, organizada segundo um recorte temtico nos demais tomos
72
. Como


69
JUSTO, Juan B. La realizacin del socialismo, Buenos Aires, Editorial La Vanguardia, 1933, p. 120-1.
A convergncia entre democratizao social e integrao nacional evidente nestas palavras coerente
com a submisso do nacionalismo luta de classes que substancia seu internacionalismo: Pero hay entre
los hombres demasiadas diferencias reales, para que necesitemos buscar en el patriotismo diferencias
ficticias, que, por otra parte, no pueden condcir al progreso, sino al retroceso. Y hoy menos que nunca, y
un socialista menos que nadie, puede buscar el progreso en el juego de las preocupaciones patriticas,
cuando en el mundo entero civilizado est planteada la lucha de clases, la lucha entre lso poseedores y
los desposedos, diferencia y contraste frente a los cuales desaparecen las distinciones de frontera, de
lengua o de raza, lucha en que se unen los trabalhadores del mundo entero, y de la cual tiene que
resultar en primer trmino el progreso social. Ibidem, p. 106. Neste trabalho, manteremos no idioma
original as citaes em castelhano, considerando sua semelhana com a lngua portuguesa. Traduziremos
as citaes em ingls incorporadas ao texto principal da tese, reproduzindo o original em rodap, porm
no traduziremos as citaes mencionadas somente em rodap, cuja finalidade seja reforar ideias
desenvolvidas no texto, ou indicar a sua fonte.
70
Mesmo um comentador que divide o itinerrio intelectual de Justo em trs pocas, situa em 1899 o
ltimo momento da sua maturao. Ao identific-lo com uma adeso s teses de Bernstein, Franz
endossa as leituras que enfatizam o carter reflexo do pensamento de Justo, a despeito da inteno
revelada de salientar a sua particularidade ideolgica. FRANZ, op. cit.
71
JUSTO, Juan B. Teora y practica de la historia. Ediciones Libera. Buenos Aires, 1969.
72
Obras completas de Juan B. Justo: JUSTO, Juan B. La moneda. Buenos Aires: La Vanguardia, 1937;
______. Cooperacin Libre. Buenos Aires: La Vanguardia, 1938; ______. Educacin pblica. Buenos
Aires: La Vanguardia, 1938; ______. Internacionalismo y Patria. Buenos Aires: La Vanguardia, 1933.
Segundo o Professor Hugo Biagini (UBA), que nos orientou durante a pesquisa em Buenos Aires, estes
tomos no correspondem totalidade dos textos de Justo, embora constituam uma amostra abrangente de
seus escritos. O Professor Eduardo Sartelli nos alertou para a importncia do Programa Agrrio do
Partido Socialista, que no nos foi permitido fotocopiar na Biblioteca Nacional de Buenos Aires devido
sua antiguidade. No entanto, Sartelli nos remeteu posteriormente o documento digitalizado, que revelou-
se uma importante fonte para o nosso trabalho. Alm destes textos, consultamos os programas socialistas
contidos em: BOTANA, Natalio; GALLO, Ezequiel. De la Repblica posible a la Repblica verdadera
(1880-1910).Buenos Aires: Ariel, 1997. Tambm consultamos: JUSTO, Juan B. Discursos y escritos
politicos. Buenos Aires: El Ateneo, 1933. Visitamos a atual Biblioteca Juan B. Justo, herdeira da
instituio socialista original. Na ocasio de nossa pesquisa, o Centro de Investigacin y Documentacin
de la Cultura de Izquierdas en la Argentina (CEDINCI) disponibilizava poucos horrios para
pesquisadores externos, cobrando uma taxa que, naquele momento, inviabilizou nossa consulta. Por fim, a

36

liderana principal de um partido inovador na poltica argentina, Justo protagonizou
polmicas que anunciavam os temas ao redor dos quais dividiria-se a crtica poltica
futura ao seu legado, ao mesmo tempo em que iluminam os limites do seu projeto
segundo olhares coevos: o discurso proferido pelo socialista italiano Enrico Ferri,
classificando o socialismo argentino como uma flor artificial, anunciava as polmicas
em torno ao carter exgeno da doutrina no continente, enquanto os nexos entre
imperialismo e questo nacional foram o substrato dos debates que resultaram na
expulso de Manuel Ugarte do partido, um pioneiro na denncia do imperialismo no
pas.

O legado de Ricardo Flores Magn esteve sujeito a influncias contraditrias
que distorcem a apreciao da sensibilidade poltica que marca o movimento da sua
militncia. Por um lado, a reivindicao imediata da sua atuao pelo movimento
anarquista internacional convidou a leituras que relevam a inflexo poltica e ideolgica
da sua trajetria
73
, reduzida ao rtulo anarquista que justifica aos olhos de seus
defensores a implacvel perseguio que sofreu, enquanto seus crticos explicam com
esta chave o enigma poltico subjacente ao destino do Partido Liberal Mexicano: porque
a organizao que consolidou-se como referncia de oposio intransigente ao
Porfiriato esvaziou-se progressivamente quando finalmente eclodiu a revoluo que
tanto instigou
74
.



Biblioteca Jos Aric em Crdoba enviou biblioteca da FFLCH-USP, em resposta nossa solicitao,
uma fotocpia do livro: JUSTO, Juan B. La realizacin del socialismo, Buenos Aires: La Vanguardia,
1933.
73
A reivindicao seminal : ABAD DE SANTILLN, Diego. Ricardo Flores Magn. El
Apstol de la Revolucin Social Mexicana. Mxico: CEHSMO, 1978. Tambm: TURNER,
Ethel Duffy. Ricardo Flores Magn y el Partido Liberal Mexicano. Mxico: Comisin Editorial
Nacional, 1984. Esta abordagem redutora predomina nos trabalhos que abordam Flores Magn
e tambm nas anlises da revoluo mexicana que o mencionam. Por exemplo: BLANQUEL,
Eduardo. Ricardo Flores Magn. Mxico: Terra Nova, 1985. CRDOVA, Arnaldo. La
ideologa de la Revolucin Mexicana. La formacin del nuevo regimen. Mxico: Era, 1973.
Excees recentes so: no primeiro caso, TORRES PARS, Javier. La Revolucin sin frontera.
Mxico: UNAM, 1990. No segundo: KATZ, Friederich. The life and times of Pancho Villa.
Stanford: Stanford University Press, 1998.
74
Nas palavras de um estudioso do tema: Por que este grmen de partido proletrio que es el PLM se
transforma en una secta justamente cuando se generaliza la revolucin? BARTRA, Armando. La
revolucin mexicana en la perspectiva del magonismo. In: GILLY, Adolfo (Org.). Interpretaciones de la
Revolucin Mexicana. UNAM: Nueva Imagen, 1980. p. 107. Ver tambm ______. Introduo a:
Regeneracin, 1900-1918. La corriente ms radical de la revolucin mexicana de 1910 a 1918 atravs de
su perdico de combate. Mxico: Era, 1977. O Professor Jacinto Barrera Bassols, responsvel pela
edio das obras completas de Ricardo Flores Magn em curso, nos recebeu na Cidade do Mxico. O
professor sugere que Bartra, motivado por uma evidente preocupao militante, arrisca-se a projetar
debates polticos extemporneos em sua anlise sobre o magonismo. Com isso, Barrera questiona o

37

De outro lado, a viso dominante na historiografia simptica s presses
populares interpreta os magonistas como precursores da Revoluo Mexicana,
enfatizando o papel ideolgico cumprido pelo programa liberal de 1905 para uma
radicalizao democrtica do processo consumada na constituio mexicana de 1917
75
.
Esta leitura desconsidera a derrota militar e poltica sofrida pelos liberais na revoluo,
confluindo inadvertidamente com o movimento ideolgico do estado mexicano
emergente do confronto, que busca incorporar os protagonistas radicais derrotados no
processo como indcio de sua obra supostamente progressista
76
. O trabalho fundamental
nesta linha o livro pioneiro de James D. Cockcroft, Prescursores intelectuales de la
Revolucin Mexicana (1900-1913)
77
, enquanto a Breve Historia de la Revolucin
Mexicana de Jesus Silva Herzog consagra a viso de continuidade ideolgica
consumada na constituio. Em outra perspectiva, trabalhos que relevam o carter de
classe do processo comumente minimizam, quando no ignoram, a atuao liberal na
revoluo
78
.
Nosso enfoque identifica-se com os ensaios de Armando Bartra sugerindo que
no h ruptura fundamental no iderio magonista entre a chamada fase precursora da
revoluo e o seu desenrolar, no qual a poltica liberal marcada pelo esforo de
responder aos desafios colocados por uma conjuntura dinmica, levando em conta as

prprio enquadramento feito por Bartra da experincia magonista. Achamos legtima a preocupao do
Professor Barrera: em nossa opinio, embora Bartra redija seus ensaios de modo atento e fiel s fontes, de
fato sua leitura est marcada pela referncia a experincias revolucionrias cannicas do sculo XX,
principalmente o partido leninista e a revoluo camponesa na China. Assim, seus textos dialogam com
temas externos ao magonismo, que desconhecia o leninismo e anterior revoluo chinesa. No entanto,
esta caracterstica do trabalho no invalida a sua premissa, que a atualidade do problema da revoluo,
nem a sua questo, sobre o fracasso do PLM em protagonizar a Revoluo Mexicana. Nosso trabalho
alinha-se ao enquadramento proposto por Bartra, mas enfatizar a coerncia interna do pensamento e da
poltica magonista, trazendo a anlise das fontes para o primeiro plano. Nosso esforo nesse sentido seria
impraticvel sem o apoio do Professor Barrera, quem nos facilitou uma cpia do CD ROM contendo a
digitalizao de todas as edies do peridico Regeneracin disponveis antes do seu acesso pblico (h
alguns exemplares que no foram localizados pelos pesquisadores).
75
DAZ, Lilia. Planes polticos y otros documentos. Fuentes para la historia de la Revolucin Mexicana.
Prlogo de Manuel Gonzlez Ramirez. 1 reimpresin. Mxico: [s.n.], 1974. Sobre a relao com a
constituio de 1917: SILVA HERZOG, op. cit.
76
Indcio original deste esforo a concesso de uma penso vitalcia votada pelo congresso mexicano
em dezembro de 1920, enquanto Ricardo Flores Magn estava preso nos Estados Unidos que ele
recusou. O traslado de seus restos mortais Rotonda de las personas ilustres na Cidade do Mxico
como parte dos festejos do 1 de maio de 1945 revela um movimento ulterior neste sentido.
77
COCKROFT, James D. Prescursores intelectuales de la Revolucin Mexicana (1900-1913). Mxico:
Siglo XXI, 1985.
78
O prprio recorte do extenso trabalho de Cumberland, centrado nos anos de 1913-1920, revela um
menosprezo pela derrota liberal. CUMBERLAND, Charles. Mexican Revolution. The constitutionalist
years. Austin&London: University of Texas Press, 1972. Flores Magn no mencionado nesta obra.
Dentre os trabalhos recentes, o denso estudo: KNIGHT, Alan. The Mexican Revolution. Nebraska:
University of Nebraska Press, 1990, 2 tomos, faz escassa referncia ao magonismo.

38

determinaes gerais da realidade mexicana e a correlao de foras sociais.

Nesta
perspectiva, o fracasso liberal no deve ser debitado ao anarquismo, mas est inscrito no
movimento histrico que derrota o campo popular na revoluo
79
.
A publicao a partir do ano 2000 das obras completas de Ricardo Flores Magn
sob a coordenao de Jacinto Barrera Bassols, recentemente disponibilizada em verso
digital, assim como a digitalizao do peridico Regeneracin, principal veculo da
articulao poltica liberal, facilita consideravelmente a pesquisa sobre o tema e deve
abrir novos horizontes aos especialistas
80
. Para os nossos propsitos, este material
permitiu cotejar os escritos de Flores Magn com o desenvolvimento da luta liberal,
revelando uma racionalidade poltica na qual as convices ideolgicas pessoais esto
subordinadas estratgia partidria
81
. Concretamente, constatamos uma fidelidade
absoluta ao programa do Partido Liberal de 1906 nos anos de pice da influncia
magonista, que articulava demandas por liberdades civis a uma agenda social nos
marcos do capitalismo. Este programa s superado quando as foras liberais sofrem
derrotas decisivas nos campos da batalha revolucionria diante das tropas leais a
Madero, rompendo as possibilidades de aliana com o setor anti-Porfirista da burguesia
mexicana, ao mesmo tempo em que ascende a insurreio camponesa.

Em outras
palavras, os magonistas assumem as consignas anticapitalistas pelas quais so
lembrados no momento em que se explicitam os constrangimentos revoluo

79
Bartra sustenta que a raiz do fracasso magonista remete ao carter que a luta adquire a partir de 1911,
quando as lutas operrias passam a um plano coadjuvante e o confronto adquire os contornos de uma
guerra camponesa prolongada. O ncleo da questo estaria na incapacidade do PLM em organizar y
dirigir el campesinato, no como um partido distinto sino como la fuerza mayoritaria del propio partido
proletrio. Na leitura de Bartra, este desafio seria equacionado exitosamente por Mao Tse Tung no
contexto da revoluo chinesa. BARTRA, Armando. In: GILLY, Adolfo (Org.), op. cit., p. 107.
80
FLORES MAGN, Ricardo. Correspondencia (1898-1918). Introduccin, compilacin y notas, Jacinto
Barrera Bassols. Mxico: Conaculta, 2001. V. 1; ______. Correspondencia 2 (1919-1922). Cordinacin y
notas, Jacinto Barrera Bassols. Mxico: Conaculta, 2001. V. 2; ______. Regeneracin (1900-1901)
primera parte. Introduccin, compilacin y notas, Jacinto Barrera Bassols. Mxico: Conaculta, 2003. V.
3. ______. Regeneracin (1900-1901) Segunda parte. Introduccin, compilacin y notas, Jacinto Barrera
Bassols. Mxico: Conaculta, 2003. V. 4. ______. Artculos Polticos Seudnimos. Cordinacin, Jacinto
Barrera Bassols. Mxico: Conaculta, 2005 V. 5. Estes e outros materiais como as peas de teatro escritas
por Ricardo esto disponveis em: <http://www.archivomagon.net>
81
O refinamento da viso poltica de Ricardo Flores Magn escapa aos trabalhos recentes de mexicanistas
a que tivemos acesso. Em linhas gerais, constatamos uma dificuldade destes autores em empatizar com
a natureza do compromisso poltico assumido pelo lder mexicano. Isto implica em um problema
metodolgico, na medida em que a racionalidade militante tende a ser substituda, em diferentes graus,
por esquemas ideolgicos preconcebidos. ALBRO, Ward S. Always a rebel. Ricardo Flores Magn
and the Mexican Revolution. Texas: Christian University Press, 1992; MACLACHLAN, Colin M.
Anarchism and the Mexican Revolution the political trials of Ricardo Flores Magn in the United
States. California: University of California Press, 1991; RAAT, W. Dirk. Los revoltosos. Rebeldes
mexicanos en los Estados Unidos (1903-1923). Mxico: FCE, 1993; BLAISDELL, Lowell. La
revolucin del desierto de Baja California. Mexicali: Universidad Autonoma de Baja California, 1993.

39

democrtica nacional. Na medida em que este movimento desencadeado pela derrota
militar, a radicalizao ideolgica corresponde a uma progressiva impotncia poltica
dos partidrios de Magn
82
.
Em coerncia com o recorte de nossa pesquisa, concentraremos a anlise nos
escritos de Flores Magn durante o auge poltico do PLM (Partido Liberal Mexicano),
balizado pelo exlio nos Estados Unidos em 1904 que prepara a promulgao do
programa em 1906, at a ecloso da revoluo no final de 1910 e a derrota militar
liberal que precede a mudana ideolgica assumida no manifesto de 23 de setembro de
1911
83
. Para precisar a correspondncia entre os eventos militares e a evoluo das
consignas magonistas, recorreremos reconstituio dos momentos fundamentais da
revoluo empreendida por Katz como pano de fundo para a viso magonista do
confronto expressa em seu prprio jornal, cotejadas com a inflexo ideolgica
observada nos escritos de Ricardo no perodo
84
.
A especificidade do problema colocado por cada autor e sua bibliografia enseja
enfoques metodolgicos particulares que se expressam em diferentes modos de
exposio. A complexa articulao das diferentes dimenses do pensamento martiano
exige uma detida ateno sua coerncia interna, investigando as matrizes ideolgicas e
as premissas polticas que o informam como caminho para evidenciar o alcance e o
limite histrico desta construo original. No caso de Justo, uma apreciao equilibrada
do seu legado requer a considerao das polmicas coevas que enfrentou e iluminam
pontos cegos do seu pensamento, bem como um comentrio sobre a leitura posterior
realizada por Aric, que supe uma interpretao sobre a natureza do processo poltico
em que consolidou-se o socialismo argentino. Para elucidar a racionalidade poltica que
se imps na trajetria magonista, realizaremos um cotejo de seus escritos com a
evoluo da luta poltica em que se envolveu, o que exigir certa mincia cronolgica
quando desencadeada a revoluo. Assim, para evidenciar os condicionamentos
histricos do pensamento martiano, realizar um balano do carter da atuao socialista
e explorar as razes do declnio da liderana liberal quando eclode a revoluo,

82
Embora o foco da nossa pesquisa no seja o perodo posterior derrota liberal na revoluo, esta
interpretao coerente com a racionalidade poltica de Flores Magn que procuramos desvelar, e ser
sustentada pelo cotejo de textos publicados em Regeneracin, com a informao disponvel sobre a
evoluo das foras liberais no perodo, conforme mencionado.
83
Os documentos encontram-se respectivamente em: SILVA HERZOG, op. cit., tomo 1, anexo 2, p. 89;
FABELA, Isidro (Dir.). Documentos Historicos de la Revolucin Mexicana. Tomo I: Revolucin y
Rgimen Maderista. Mxico: FCE, 1954. p. 369-375.
84
Katz reconstitui a dinmica das lutas sociais subjacente revoluo em seu alentado estudo sobre
Pancho Villa anteriormente citado.

40

enfatizaremos respectivamente a anlise das ideias martianas, a crtica a Justo e a
permeabilidade da poltica magonista aos movimentos da conjuntura.

No seu conjunto, a estrutura deste trabalho est referenciada na descrio
metodolgica avanada por Marc Bloch. No primeiro captulo, apresentamos o
problema que permite a comparao entre trs realidades latino-americanas distintas: o
dilema da formao nacional sob o imperialismo. Nos captulos seguintes,
reconstitumos o pensamento que fundamenta projetos polticos anlogos neste contexto
em Cuba, Argentina e Mxico. Identificados com a revoluo democrtica nacional,
seus protagonistas avanaram uma viso e um caminho para a formao da nao que
conheceram um desfecho similar. Concluimos esta tese explicitando as semelhanas e
diferenas encontradas nos planos ideolgico e poltico, relacionando-as problemtica
da investigao.
























CAPTULO 1
O DILEMA DA FORMAO NACIONAL NA AMRICA LATINA

42

CAPTULO 1 - INTRODUO AO PROBLEMA: O DILEMA DA FORMAO
NACIONAL NA AMRICA LATINA.


1. O SENTIDO DA FORMAO

Fincada na anlise da realidade brasileira, a interpretao de Caio Prado Jr. sobre
a formao nacional est assentada na premissa de que o movimento histrico
norteado por um sentido. Segundo esta viso, o significado dos mltiplos eventos que
compem a reconstituio histrica s se desvela quando enquadrado na perspectiva das
linhas fundamentais que balizam a sua evoluo
85
.

Todo povo tem na sua evoluo, vista distncia, um certo sentido. Este se
percebe no nos pormenores de sua histria, mas no conjunto dos fatos e
acontecimentos essenciais que a constituem num largo perodo de tempo. Quem
observa aquele conjunto, desbastando-o do cipoal de incidentes secundrios que
o acompanham sempre e o fazem muitas vezes confuso e incompreensvel, no
deixar de perceber que ele se forma de uma linha mestra e ininterrupta de
acontecimentos que se sucedem em ordem rigorosa, e dirigida sempre numa
determinada orientao. isto que se deve, antes de mais nada, procurar quando
se aborda a anlise da histria de um povo, seja alis qual for o momento ou o
aspecto dela que interessa, porque todos os momentos e aspectos no so seno
partes, por si s incompletas, de um todo que deve ser sempre o objetivo ltimo
do historiador, por mais particularista que seja
86
.

Em coerncia com este enfoque, Caio Prado Jr. se ocupar em desvendar o
sentido da evoluo da histria brasileira que, na sua viso, est referido dinmica
mercantil que presidiu a colonizao do Novo Mundo
87
. Ao remeter a problematizao

85
Comentando a noo de sentido na obra Formao do Brasil Contemporneo, escreveu Fernando
Novais: Uma indagao mais aprofundada vai, assim, revelando o movimento do discurso: recorte do
objeto, apreenso de seu sentido, reconstruo da realidade a partir desse sentido. E o seu travejamento
dialtico vai transparecendo: o sentido, isto , a essncia do fenmeno, explica as suas manifestaes, e
ao mesmo tempo explica-se por elas. (...) , em suma, essa categoria que explica os vrios segmentos (d-
lhes sentido), ao mesmo tempo que por eles se explica, isto , a anlise dos vrios segmentos vai
enriquecendo e comprovando a categoria fundamental. NOVAIS, Fernando A.. Sobre Caio Prado Jr.
In:______. Aproximaes: estudos de histria e historiografia. So Paulo: Cosac Naify, 2005, p. 285-
286.
86
PRADO JR., Caio Formao do Brasil Contemporneo. So Paulo: Brasiliense; Publifolha, 2000, p. 7.
87
Por este motivo, o livro Formao do Brasil Contemporneo focaliza a conjuntura em que se realiza a
emancipao, fazendo um balano do saldo da empresa colonial portuguesa, indicando que esta a chave
para compreender as linhas fundamentais da evoluo da realidade brasileira poca em que escreve
(1942). Para o historiador, bem como para qualquer um que procure compreender o Brasil, inclusive o
de nossos dias, o momento decisivo. O seu interesse decorre sobretudo de duas circunstncias: de um
lado, ele nos fornece, em balano final, a obra realizada por trs sculos de colonizao e nos apresenta o
que nela se encontra de mais caracterstico e fundamental, eliminando do quadro ou pelo menos fazendo

43

da formao nacional a um fenmeno comum histria da Amrica Latina a
colonizao da poca moderna , seu marco interpretativo permite uma projeo para o
conjunto do continente
88
. Encarada como um desdobramento da expanso comercial
europeia nos marcos da transio do feudalismo para o capitalismo, a realizao
mercantil nos quadros do antigo sistema colonial que d sentido original constituio
das sociedades americanas coloniais
89
.

No seu conjunto, e vista no plano mundial e internacional, a colonizao dos
trpicos toma o aspecto de uma vasta empresa comercial, mais completa que a
antiga feitoria, mas sempre com o mesmo carter que ela, destinada a explorar
os recursos naturais de um territrio virgem em proveito do comrcio europeu.
este o verdadeiro sentido da colonizao tropical (...)
90
.

Vista inicialmente como um empreendimento comercial convencional, restrito
circulao de mercadorias, a realizao mercantil no Novo Mundo exigir que os
europeus envolvam-se com a produo da riqueza, conformando uma experincia

passar ao segundo plano, o acidental e intercorrente daqueles trezentos anos de histria. uma sntese
deles. Doutro lado, constitui uma chave, e chave preciosa e insubstituvel para se acompanhar e
interpretar o processo histrico posterior e a resultante dele que o Brasil de hoje. Nele se contm o
passado que nos fez; alcana-se a o instante em que os elementos constitutivos da nossa nacionalidade
instituies fundamentais e energias organizados e acumulados desde o incio da colonizao,
desabrocham-se e se completam. Entra-se ento na fase propriamente do Brasil contemporneo, erigido
sobre aquela base. Prado Jr., op. cit., p. 1.
88
Fernando Novais sugere esta ampliao ao articular o antigo sistema colonial com o processo de
acumulao primitiva de capital nos marcos da transio do feudalismo para o capitalismo, como veremos
adiante. A empresa colonial envolveu praticamente toda a Amrica, embora de forma desigual. A
especificidade da insero das diferentes regies do continente est relacionada a mltiplas variveis a
organizao e densidade da populao aborgena, os recursos naturais encontrados, a caracterstica do
absolutismo metropolitano, sua posio no confronto intrametropolitano etc. Pesem as singularidades de
cada circunstncia, as diferentes experincias concretas de colonizao do Novo Mundo partilham de uma
premissa poltica, um mecanismo e uma decorrncia comuns: o sistema colonial tem como premissa a
dominao poltica sobre um territrio novo e sua populao; seu mecanismo de operao por excelncia
ser o exclusivo metropolitano, que garante o fluxo do excedente econmico na direo da acumulao
primitiva de capital; o trabalho compulsrio emergir como decorrncia desta configurao, uma vez que
necessrio, de um lado, garantir a produo de mercadorias e, de outro, a concentrao da renda. Desse
modo, dominao poltica, exclusivo metropolitano e trabalho compulsrio articulam um sistema no qual
se assentam no apenas a ocupao e o povoamento dos novos territrios, mas que garanta que a sua
valorizao se faa nos marcos do desgnio de acumulao das economias europeias, em consonncia
com o movimento de transio para o capitalismo industrial. Ver a respeito: NOVAIS, Fernando A.
Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808). So Paulo: Hucitec, 1986;
Aproximaes: estudos de histria e historiografia. So Paulo: Cosac Naify, 2005.
89
Realmente a colonizao portuguesa na Amrica no um fato isolado, a aventura sem precedente e
sem seguimento de uma determinada nao empreendedora; ou mesmo uma ordem de acontecimentos,
paralela a outras semelhantes, mas independente delas. apenas parte de um todo, incompleto sem a
viso deste todo. PRADO JR., Caio Op. cit., p. 9.
90
PRADO JR., Caio Op. cit., p. 20.

44

colonial singular
91
. Como decorrncia, a prpria operacionalizao do sistema colonial
passa a requerer a implementao de estruturas polticas, sociais, econmicas e culturais
que, embora subordinadas ao desgnio da explorao mercantil, contm o germe de uma
potencial autonomizao. Na medida em que o aprofundamento da empresa ultramarina
demanda o desenvolvimento destas instituies, afirma-se uma dinmica contraditria,
na qual o anseio de intensificar a explorao colonial engendra, simultaneamente, as
premissas elementares da constituio da nao. Nesta perspectiva, o desenlace crtico
do processo est inscrito no prprio movimento da histria
92
.

Achamo-nos a, vamos repeti-lo, em presena de uma economia
constituda na base da explorao, e explorao precipitada e extensiva
dos recursos naturais de um territrio virgem, para abastecer o comrcio
internacional de alguns gneros tropicais e metais preciosos de grande
valor comercial. (...) Tal base, com o desenvolvimento da populao,
com o concurso de outros fatores vrios, se torna, atravs do tempo,
restrita e incapaz de sustentar a estrutura que sobre ela se formara.
Suficiente de incio, e ainda por muito tempo para prover aos fins
precpuos da colonizao a ocupao do territrio, o aproveitamento
dele com um relativo equilbrio econmico e social; para promover,
enfim, o progresso das foras produtivas , aquela base acabou por se
tornar insuficiente para manter a estrutura social que sobre ela se
constitura e desenvolvera; e a isto se chegou sem que fosse preciso a
interveno de fatores estranhos, mas pelo simples desdobramento
natural do processo da colonizao
93
.

Em outras palavras, Caio Prado Jr. identifica uma contradio inerente ao
movimento histrico de formao da sociedade brasileira, em que o novo (a nao)

91
Para a singularidade da colonizao na poca moderna, ver: NOVAIS, Fernando A. Colonizao e
Sistema Colonial: discusso de conceitos e perspectiva histrica. In:______. Aproximaes: estudos de
histria e historiografia. So Paulo: Cosac Naify, 2005, p. 23-44.
92
Por isso, Caio Prado afirma: Logo se v o aspecto essencialmente revolucionrio da Histria
observada e interpretada atravs da Dialtica. [...] Cada um dos momentos dessa histria, cada uma de
suas fases ou situaes traz no seu seio a transformao que a destruir; transformao que no vem do
seu exterior, que no diferente dela prpria, mas ela mesma no seu desenvolvimento. (PRADO JR.,
Caio Notas introdutrias lgica dialtica. So Paulo: Brasiliense, 1959, tomo 2, p. 438.) Mudando um
pouco os termos, como "a transformao que destruir" "cada uma de suas fases ou situaes" j vem "no
seio" delas, ocorre uma espcie de interiorizao da prpria "transformao, que no vem do exterior". E
como "no vem do exterior", "no diferente dela prpria, mas ela mesma", a saber, a "fase ou
situao", no tomada como algo isolado e exttico e sim "no seu desenvolvimento". A dialtica dissolve
assim inclusive a dicotomia entre exterior e interior, interiorizando o princpio transformador do real no
prprio real: a "destruio" de um "momento da histria" a expresso da negatividade inscrita neste
momento mesmo; e o "desenvolvimento" a emergncia de uma nova "fase ou situao" a partir da
destruio da anterior. Jorge Grespan. A teoria da histria em Caio Prado Jr.: dialtica e sentido. Revista
do Instituto de Estudos Brasileiros, So Paulo, n. 47, 2008.
93
PRADO JR., Caio Op. cit., p. 369.

45

surge no seio do velho (a colnia)
94
. Nesta tica, a emancipao colonial no contexto da
crise do Antigo Regime a culminao de presses internas e externas que exacerbam
as contradies inerentes ao sistema colonial
95
, desencadeando eventos que projetam
um sentido diverso
96
para a histria americana, servindo como ponto de partida para
longos e tortuosos processos orientados a consumar a nao.

Todas estas transformaes encontram-se mais ou menos maduras quando, pelo
favor de circunstncias de carter internacional que ocorrem nos primeiros anos
do sculo passado (escreve no sculo XX), apresenta-se oportunidade favorvel
sua ecloso. Desencadeiam-se ento as foras renovadoras latentes que da por
diante se afirmaro cada vez mais no sentido de transformarem a antiga colnia
numa comunidade nacional e autnoma. Ser um processo demorado em
nossos dias ainda no se completou , evoluindo com intemitncias e atravs de
uma sucesso de arrancos bruscos, paradas e mesmo recuos
97
.

Na chave de Caio Prado Jr., a trajetria dos pases americanos deve ser lida
como uma progressiva diferenciao, partindo de uma situao na qual colnia e
metrpole conformam uma unidade nos marcos do antigo sistema colonial, para evoluir
em direo nao como uma totalidade. Neste enfoque, a formao da nao implica
inverso do sentido extrovertido que caracterizava a economia colonial, organizada para
prover mercados internacionais de gneros primrios, reorientando o trabalho e a
produo da riqueza segundo o desgnio da integrao nacional. O ncleo do problema
consiste em consolidar, em oposio economia colonial, uma economia nacional, que
seria a organizao da produo em funo das necessidades prprias da populao que

94
assim nas contradies profundas do sistema colonial donde brotam aqueles conflitos que agitam a
sociedade, e donde brotar tambm a sntese delas que por termo a tais conflitos, fazendo surgir um novo
sistema em substituio ao anterior, a que encontraremos as foras motoras que renovaro os quadros
econmicos e sociais da colnia. Prado Jr., op. cit., p. 375.
95
Mas por baixo palpita uma outra vida, uma transformao que se esboa. No evidentemente
possvel, em terreno desta natureza, essencialmente dinmico e no esttico, fixar rigorosamente
momentos; trata-se de uma situao que ainda no existe, que no tem contedo prprio, mas apenas
um estado latente que se revela por alguns precursores, sintomticos mas isolados. Tais fatos vm de
longe, desde o incio da colonizao se quiserem. E, em rigor, poderamos ir apanh-los em qualquer
altura de nossa evoluo histrica. Divertimento a que se tm dedicado muitos historiadores. Mas
limitando nossa ateno quele perodo que cavalga os dois sculos que precedem imediatamente o atual,
e que alis escolhi por isso mesmo, vamos encontr-los mais salientes, mais caros e precisos. A
decomposio do sistema colonial est ento mais adiantada, os germes de autodestruio que contm,
desde o incio embora, se definem com mais nitidez. E, ao mesmo tempo, as foras renovadoras que
laboram em seu seio, e que so aqueles mesmos germes vistos de um outro ngulo, comeam a apontar
com mais freqncia e j podem ser apanhados mais facilmente. Prado Jr., op. cit., p. 366-367.
96
Como escreve Caio Prado Jr.: O sentido da evoluo de um povo pode variar; acontecimentos
estranhos a ele, transformaes internas profundas do seu equilbrio ou estrutura, ou mesmo ambas estas
circunstncias conjuntamente, podero intervir, desviando-o para outras vias at ento ignoradas. Prado
Jr., op. cit., p. 7.
97
PRADO JR., Caio Histria Econmica do Brasil. 10 edio. So Paulo: Brasiliense, 1967, p. 126.

46

dela participa
98
. Este desafio supe a internalizao do circuito de valorizao de
capital como caminho para estabelecer uma sociedade autorreferida
99
. Portanto, para
Caio Prado Jr., a estabilidade dos vnculos estabelecidos entre a iniciativa econmica e a
coletividade nacional fundamental para consolidar a nao.
Ao privilegiar a qualidade dos nexos estabelecidos entre a produo da riqueza e
o espao econmico nacional, o enfoque de Caio Prado Jr. se ope s concepes sobre
o desenvolvimento econmico centradas na expanso das foras produtivas e, neste
sentido, quantitativistas
100
. Coerentemente, sua viso sobre a formao da nao no se
limita emancipao poltica nem se confunde com a industrializao, embora a
constituio do Estado e o desenvolvimento das foras produtivas indiquem avanos
nesta direo. Enfatizando a permanncia das estruturas coloniais em sua anlise,
interpreta os pases latino-americanos como economias coloniais em transio
101
,
inscritas em um movimento contraditrio entre as determinaes do passado colonial e
o sentido da formao nacional.
sob esta perspectiva que Caio Prado Jr. avalia a emancipao colonial e a
evoluo ulterior do dilema da formao. Ao estabelecer as prerrogativas elementares
para a constituio de um espao econmico nacional
102
, a independncia no resolveu,
na sua tica, a contradio inerente ao movimento histrico que est na origem das

98
Ibidem, p. 269.
99
A condio necessria para o desencadeamento do processo que pelos motivos anteriormente
apontados faltou entre ns neste nvel de consumo de massa que estamos considerando consiste na
articulao adequada dos dois elementos do ciclo da produo: atividade produtiva e mercado
consumidor. PRADO JR., Caio A Revoluo Brasileira. So Paulo: Brasiliense, 1966, p. 273.
100
A teoria corrente do desenvolvimento econmico considera apenas o aspecto quantitativo desse
desenvolvimento (a quantidade de progresso econmico), sem dar maior ateno s diferenas
qualitativas do desenvolvimento, a saber, o tipo ou categoria de situao ou de evoluo ecoonmica em
que se enquadra cada pas ou grupo de pas. PRADO JR., Caio Esboo dos fundamentos da teoria
econmica. So Paulo: Brasiliense, 1957, p. 189.
101
Referindo-se realidade brasileira, Caio Prado Jr. explica sua ideia de transio: assim que se h de
abordar a realidade brasileira atual, o que nos leva a consider-la como situao transitria entre, de um
lado, o passado colonial e o momento em que o Brasil ingressa na histria como rea geogrfica ocupada
e colonizada com o objetivo precpuo de extrair dessa rea produtos destinados ao abastecimento do
comrcio e mercado europeus; e doutro lado o futuro, j hoje bem prximo, em que essa mesma rea e
seu povoamento, afinal nacionalmente estruturados, comportaro uma organizao e sistema econmico
voltados essencial e fundamentalmente para a satisfao das necessidades dessa mesma populao que
ocupa, e capazes de assegurar a essa populao um nvel e plano de existncia consentneos com os
padres da civilizao e cultura de que participamos. PRADO JR., Caio A revoluo brasileira. So
Paulo: Brasiliense, 1966, p. 123.
102
Caio Prado Jr. sintetiza as perspectivas abertas na seguinte passagem: Sucumbem desde logo (...) o
isolamento da colnia e o domnio poltico e administrativo portugus, para darem lugar a um novo
equilbrio poltico e econmico que se exprime essencialmente, de um lado, na organizao do Estado
nacional brasileiro; e, de outro, no desencadeamento de um processo que da por diante comandar a
evoluo histrica e as transformaes ocorridas at mesmo nos dias de hoje. Refere-se ao processo de
transio da economia colonial nacional. PRADO JR., Caio Histria e Desenvolvimento. So Paulo:
Brasiliense, 1999.

47

sociedades coloniais no Novo Mundo, mas a elevou a um novo patamar. Liberadas dos
entraves colocados pelo antigo sistema colonial, as economias continentais engatam no
movimento expansivo do capital internacional que, na periferia, acirra as contradies
do desenvolvimento, estimulando simultaneamente a exportao primria e o
crescimento de um setor econmico enraizado no mercado interno
103
. Referindo-se ao
caso brasileiro, Caio Prado Jr. escreveu:

A separao de Portugal e a independncia brasileira significaro assim a
integrao do Brasil naquela nova ordem internacional sem ser por mediao do
Reino. No se modificar contudo substancialmente com isso a posio da ex-
colnia promovida a nao independente, pois continuar como dantes,
elemento marginal e perifrico do sistema econmico internacional para cujo
comrcio contribui como fornecedor de produtos primrios tropicais. Mas
alargam-se naquela nova perspectiva os seus horizontes, porque conta agora
com a participao direta, e sem a mediao de uma Metrpole decadente, das
iniciativas, dos estmulos do nvel tecnolgico, dos recursos e aparelhamento
comercial e financeiro dos grandes centros do capitalismo internacional. (...) A
isso se somaro a extenso e intensificao das relaes e transaes comerciais
e financeiras que aquelas novas circunstncias determinam, bem como a
conseqncia e acompanhamento de tudo isto que a elevao dos padres
materiais e culturais, e pois fato novo e da maior importncia e significao
porque estar em contradio frontal e profunda com o sistema econmico
colonial vigorante, de simples fornecimento de produtos primrios ao comrcio
internacional o surgimento de um consumo e mercado internos significativos
que se faro sentir e se afirmaro cada vez mais, comprometendo com isto
irremediavelmente as bases econmicas do sistema tradicional
104
.


Ao recompor, sob a gide do capital internacional, a unidade rompida na crise do
antigo sistema colonial, o desenvolvimento capitalista no continente se processa atravs
de um movimento contraditrio, em que a consumao da nao obstaculizada pelos
constrangimentos estruturais legados pelo passado colonial, perpetuando o dilema da
formao nacional:

precisamente nessas contradies geradas pelo sistema internacional do
capitalismo em que o Brasil e demais povos e pases de sua categoria se
enquadram como simples elementos perifricos e subsidirios, campos e

103
Comentando a dualidade que emergir deste processo no Brasil: Em sntese, a presente fase do
processo histrico brasileiro se caracteriza, vimo-lo no correr do presente trabalho, pelas contradies que
resultam fundamentalmente de uma dualidade de setores ou sistemas econmicos imbricados um no
outro: um, o tradicional, centrado na produo de gneros primrios destinados exportao; o outro,
emergente desse e constitudo em seu seio, mas que se volta para o mercado interno, e tem por base
essencial a indstria. Trata-se de um dualismo, porque essencialmente ambos setores se caracterizam
parte um do outro e no se recobrem. Ibidem, p. 131.
104
PRADO JR., Caio Histria e Desenvolvimento. So Paulo: Brasiliense, 1999, p. 38 a 40.

48

horizontes de negcios comandados e usufrudos pelos centros controladores do
sistema, a que se situam os impulsos dinmicos do processo histrico ora em
curso no cenrio internacional em nossos dias, e no Brasil em particular
105
.

Em suma, Caio Prado Jr. interpreta a formao da nao como um longo
processo histrico cujo motor a contradio entre as determinaes legadas pelo
passado colonial e a afirmao da nao. Este movimento se materializa na oposio
entre os interesses cristalizados em torno da reproduo da lgica mercantil,
perpetuando os nexos de sujeio ao capital internacional, e aqueles que pressionam
para subordinar o trabalho e as riquezas nacionais s necessidades e anseios do conjunto
da populao. Esta dinmica expresso da contradio entre o sentido da colonizao
e a diferenciao gestada no seio deste mesmo movimento, mas que aponta para um
sentido oposto: a formao da nao. Enquadrados nesta perspectiva, os processos de
independncia nacional na Amrica Latina e a posterior afirmao do poder burgus so
evolues histricas que no encaminham necessariamente a resoluo do dilema, mas
implicam sua projeo a um patamar de ulterior complexidade.


2. VIAS DA EMANCIPAO

Em uma interpretao que parte da anlise de Caio Prado Jr. e a incorpora,
Fernando Novais enfoca o antigo sistema colonial como uma engrenagem do processo
de acumulao primitiva de capital, inscrita no movimento de transio do feudalismo
para o capitalismo subjacente ao Antigo Regime
106
. Desdobramento da expanso
ultramarina europeia no contexto da crise feudal, que originalmente se dirigiu tambm
ao Oriente e frica, a colonizao do Novo Mundo engendrou novas possibilidades de
explorao econmica que promoveram a acumulao de capital no circuito mercantil,
desencadeando um processo contraditrio, na medida em que gerava as premissas para a

105
Ibidem, p. 40.
106
O que chamamos Sistema Colonial, na realidade, subsistema de um conjunto maior, o Antigo
Regime (capitalismo comercial, absolutismo, sociedade de ordens, colonialismo), e se movimenta
segundo os ritmos do conjunto, ao mesmo tempo que o impulsiona. Assim, no foi indispensvel que se
completasse a industrializao (no sentido de Revoluo Industrial) de toda a economia central para que o
sistema se desagregasse; bastou que o processo de passagem para o capitalismo industrial se iniciasse
numa das metrpoles para que as tenses se agravassem de forma insuportvel. que, na realidade, o
Antigo Sistema Colonial se articula funcionalmente com o capitalismo comercial, e quando este se
supera, as peas do todo j no so as mesmas. NOVAIS, Fernando A. As dimenses da independncia.
In:______. Aproximaes: estudos de histria e historiografia. So Paulo: Cosac Naify, 2005, p. 203.

49

afirmao do capitalismo industrial
107
, cujo desenvolvimento, por sua vez, exigia a
superao das deteminaes do prprio sistema.

Tais as peas do Antigo Sistema Colonial: dominao poltica, comrcio
exclusivo, trabalho compulsrio; assim se promovia a acumulao de capital no
centro do sistema. Mas, ao promov-la, ao mesmo tempo, se criam as condies
para a emergncia final do capitalismo, isto , para a ecloso da Revoluo
Industrial. Dessa forma, o sistema de explorao colonial engendrava sua
prpria crise, pois o desenvolvimento industrial se torna pouco a pouco
incompatvel com o comrcio exclusivo, a escravido, enfim com a dominao
poltica, ou seja, com o Antigo Sistema Colonial. Tal o movimento
contraditrio do sistema: ao se desenvolver, desemboca em sua crise,
encaminhando-se sua superao, a qual no ocorre sem a superao, pari passu,
do absolutismo que lhe servia de base
108
.

Nesta perspectiva, a crise do sistema colonial indissocivel do movimento de
consolidao do capitalismo industrial, e seus efeitos desagregadores sobre o Antigo
Regime e o Estado Absolutista no qual se apoiava. Segundo este enfoque, o processo de
emancipao colonial na Amrica resulta de contradies intrnsecas totalidade em
que se inscrevia e, portanto, no pode ser interpretado como resultado de presses
externas, pois os acontecimentos revolucionrios na Europa que precipitam a crise
americana esto referidos ao prprio sistema que os articulava
109
.

107
Se recordarmos, agora, o que indicamos antes a propsito do capitalismo comercial como fase
intermediria entre a desintegrao do feudalismo e a Revoluo Industrial, o sistema colonial
mercantilista apresenta-se-nos atuando sobre os dois pr-requisitos bsicos da passagem para o
capitalismo industrial: efetivamente, a explorao colonial ultramarina promove, por um lado, a primitiva
acumulao capitalista por parte da camada empresarial; por outro lado, amplia o mercado consumidor de
produtos manufaturados. Atua, pois, simultaneamente, de um lado, criando a possibilidade do surto
maquinofatureiro (acumulao capitalista), por outro lado a sua necessidade (expanso da procura dos
produtos manufaturados). Criam-se, assim, os pr-requisitos para a Revoluo Industrial processo
histrico de emergncia do capitalismo. Assim, pois, chegamos ao ncleo da dinmica do sistema: ao
funcionar plenamente, vai criando ao mesmo tempo as condies de sua crise e superao. NOVAIS,
Fernando A. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808). So Paulo: Hucitec,
1986, p. 114.
108
NOVAIS, Fernando A. Passagens para o Novo Mundo. In:______. Aproximaes: estudos de histria
e historiografia. So Paulo, Cosac Naify, 2005, p. 187.
109
Existe uma volumosa bibliografia acerca dos processos de independncia na Amrica Latina,
submetida a permanente crtica e reviso. Uma slida reconstituio dos eventos : John Lynch. Las
revoluciones hispanoamericanas (1808-1826). Nueva edicin ampliada y puesta al da. Barcelona: Ariel,
1986. Nos ltimos decnios, a obra de Franois-Xavier Guerra, inspirado nas teses revisionistas de
Franois Furet sobre a Revoluo Francesa, exerceu significativa influncia nos trabalhos abordando o
tema no continente. Privilegiando os aspectos polticos e culturais do processo em uma chave que
problematiza a transio para a modernidade, esta abordagem situa-se, sob diversos ngulos, nas
antpodas do marco interpretativo adotado por Novais na esteira de Caio Prado Jr. Ao assentar a
identidade americana no campo poltico e cultural, a leitura de Guerra aproxima os processos vividos na
pennsula ibrica e no continente a partir da invaso napolenica, interpretando as mutaciones culturales
radicales (p. 275) desencadeadas no bojo do processo emancipacionista como uma revoluo na direo
da modernidade, sintetizada como la invencin del individuo (p. 85): Lo que todas las regiones de
Amrica tienen entonces en comn es su pertenencia a un mismo conjunto poltico y cultural. Es por

50

Em primeiro lugar, no se pode pensar em crise de um sistema que no derive
do prprio funcionamento desse mesmo sistema; noutros termos, o desarranjo
no pode vir induzido de fora, pois nesse caso no se poderia falar em crise do
sistema. Por esse motivo, o Sistema Colonial do Antigo Regime tem de ser
apreendido como uma estrutura global subjacente a todo o processo de
colonizao da poca Moderna, como j indicamos, no apenas nas relaes de
cada metrpole com as respectivas colnias. Nessas relaes particulares ou,
como se diz, nos sistemas coloniais portugus, espanhol, francs etc. a crise
d sempre impresso de vir de fora, porque na realidade procede do
desequilbrio do todo
110
.

Portanto, a crise do antigo sistema colonial o resultado de presses simultneas
do todo para a parte, e da parte para o todo. De um lado, o processo de acumulao de
capital no circuito mercantil rompia com o equilbrio entre as foras sociais em que
assentava-se o Estado Absolutista. Ao fortalecer-se a posio burguesa, acentuavam-se
as presses para remover os entraves ao desenvolvimento capitalista, cristalizados no

tanto en el campo de lo poltico y de lo cultural donde, sin olvidar las otras, habr de buscar las
casualidades primeras (p. 17). Esta perspectiva enfatiza as similaridades entre a sociedade colonial e a
metrpole, que partilhariam de referncias polticas e culturais comuns. Por exemplo, a Nova Espanha
(Mxico) definida como uma sociedad cultivada del Antiguo Rgimen (p. 276) e as reformas
borbnicas alterariam a natureza dos nexos com a metrpole: Los reinos de Indias empiezan a ser
considerados por la lite administrativa espaola como colonias, es decir, como territorios que existen
esencialmente para la utilidad de una metropoli, que este caso sera la Espaa peninsular (p. 81).
Embora defenda que uma leitura poltica seja adequada para perceber o processo como uma totalidade
(De ah que una visin poltica no sea una negacin de lo econmico o de lo scio-econmico, sino la
aspiracin a un anlisis ms global. p. 14), ao minimizar as relaes de explorao que fundamentam o
antigo sistema colonial, a chave proposta pelo professor francs conduz a uma desproblematizao da
especificidade da formao latino-americana. Comentando as relaes intelectuais entre os continentes
depois da emancipao, escreve: Puede pensarse que este afn de buscar en Europa, y particularmente
en Francia, las soluciones del momento, no fuese sino un fenmeno de imitacin de moda de
afrancesamiento , de dependencia cultural? Ciertamente s, si pensamos en los pases de Amrica
Latina como pases conquistados por Europa y liberados de su dominio por la Independencia.
Ciertamente no, si tenemos presente que los conquistadores y pobladores venidos de Europa
permanecieron en su mayora en Amrica y que fueron sus descendientes, las lites criollas, las que
llevaron a cabo la Independencia. Hay que concebir entonces a la Amrica Latina como una parte
integrante del rea europea, al igual que los Estados Unidos, pero con componentes tnicos diferentes y
una sociedad y una cultura de tipo mediterrneo (p. 369-370). Franois-Xavier Guerra. Modernidad e
independencias. Ensayos sobre las revoluciones hispnicas. 2 edicin. Mxico: FCE, 1992. Uma
amostra significativa da recente produo historiogrfica sobre a independncia, na qual revela-se a
influncia deste enfoque, : Manuel Chust y Jos Antonio Serrano (eds.). Debates sobre las
independencias iberoamericanas. Madrid: Ahila, 2007. No Brasil, consultar os quatro volumes j
publicados na coleo Margens: Marco A. Pamplona e Maria Elisa Mader (orgs). Revolues de
independncias e nacionalismos nas Amricas. So Paulo: Paz e Terra, 2007-9. Os organizadores
anunciam seu propsito na introduo ao primeiro volume: A proposta desta coleo abordar tpicos
do mbito da histria cultural, poltica e intelectual desenvolvida em diversos pases da Amrica Latina
numa perspectiva comparada. Nosso objetivo menos o de acentuar a existncia de qualquer unidade ou
identidade latino-americana, sobretudo hoje; e mais o de explorar a diversidade do continente.
Evidentemente, a nfase nas similaridades ou diferenas na comparao histrica depende da escala e do
enfoque adotados. Para os nossos propsitos, a leitura de Novais na esteira da obra de Caio Prado Jr.
oferece um marco interpretativo consistente, referindo semelhanas e contrastes entre as diferentes vias
para a emancipao totalidade histrica em que estavam inscritas.
110
NOVAIS, Fernando A. Passagens para o Novo Mundo. In:______. Aproximaes: estudos de histria
e historiografia. So Paulo, Cosac Naify, 2005, p. 197-8.

51

sistema colonial. De outro lado, ao estimular o desenvolvimento da colnia como
instrumento da prosperidade metropolitana, a empresa colonial engendrava uma
progressiva diferenciao de interesses entre a camada dominante na colnia,
estabelecendo as premissas objetivas e subjetivas para conformar a nacionalidade.
Portanto, a afirmao do capitalismo industrial desencadeia presses do todo que
convergem com a presso das partes, substanciada no movimento de formao
nacional no seio das colnias, para precipitar a crise do antigo sistema colonial como
subsistema de um conjunto maior, o Antigo Regime
111
. Fernando Novais sintetiza este
movimento histrico nas seguintes palavras:

Retomemos, portanto, a noo de crise engendrada no prprio sistema. que a
contradio inerente sua natureza, quer dizer, ao funcionar, desencadeia
tenses que, acumulando-se, acabam por extravasar seu quadro de
possibilidades. No possvel explorar a colnia sem desenvolv-la; isto
significa ampliar a rea ocupada, aumentar o povoamento, fazer crescer a
produo. certo que a produo se organiza de forma especfica, dando lugar
a uma economia tipicamente dependente, o que repercute tambm na formao
social da colnia. Mas, de qualquer modo, o simples crescimento extensivo j
complica o esquema; a ampliao das tarefas administrativas vai promovendo o
aparecimento de novas camadas sociais, dando lugar aos ncleos urbanos etc.
Assim, a pouco e pouco se vo revelando oposies de interesse entre colnia e
metrpole, e quanto mais o sistema funciona, mais o fosso se aprofunda. Por
outro lado, a explorao colonial, quanto mais opera, mais estimula a economia
central, que o seu centro dinmico. A industrializao a espinha dorsal desse
desenvolvimento, e quando atinge o nvel de uma mecanizao da indstria
(Revoluo Industrial), todo o conjunto comea a se comprometer porque o
capitalismo industrial no se acomoda nem com as barreiras do exclusivo
colonial nem com o regime escravista de trabalho
112
.

A tenso fundamental inerente ao movimento contraditrio do antigo sistema
colonial, acentuando a oposio entre metrpole e colnia, desdobrava-se em outras,
relacionadas ao padro de dominao de classe. No polo metropolitano, os setores
envolvidos com a empresa colonial estavam sujeitos oposio ou ao apoio de outros
estratos sociais, condicionando a poltica estatal na matria. No polo colonial, a
necessidade de contingenciar a fora de trabalho submetida a um gradiente de
modalidades de trabalho compulsrio, determinou tenses entre colonos e trabalhadores
de intensidade variada, que incidiriam decisivamente nas modalidades de

111
Assim, pois, chegamos ao ncleo da dinmica do sistema: ao funcionar plenamente, vai criando ao
mesmo tempo as condies de sua crise e superao. NOVAIS, Fernando A. Portugal e Brasil na crise
do antigo sistema colonial (1777-1808). So Paulo: Hucitec, 1986, p. 114.
112
NOVAIS, Fernando A. As dimenses da independncia. In:______. Aproximaes: estudos de histria
e historiografia. So Paulo, Cosac Naify, 2005, p. 200-201.

52

encaminhamento da crise no continente americano. Assim, a evoluo dos processos
emancipacionistas seguiu caminhos histricos diversos, resultado da combinao das
duas tenses fundamentais que a determinaram: a oposio entre senhores e escravos, e
entre metrpole e colnia. Fernando Novais enquadra o problema nos seguintes termos:

Observando em conjunto, o complexo processo de desatamento dos laos
coloniais da Amrica, que se desenrola a partir da segunda metade do sculo
XVIII at as trs primeiras dcadas do XIX, apresenta vrias vias de passagem,
que correspondem s diversas maneiras como se compuseram aquelas foras em
jogo, qual das vrias tenses predominou no conflito e, portanto, qual grupo ou
classe social logrou a hegemonia. Tentemos fixar essas situaes: a situao-
limite, sem dvida, aquela em que a tenso entre senhores e escravos se
sobrepe a todas as outras, e o processo radicaliza-se e aprofunda-se numa
convulso social; tal o caminho da revoluo negra de St. Domingue, liderada
por Touissant-Loverture e, depois, por Dessalines. O levante dos escravos
varreu a dominao dos colonos, resistiu invaso inglesa e expulsou o exrcito
enviado por Napoleo para a reconquista da ilha. No plo oposto, a tenso entre
metrpole e colnia ganha a preeminncia, mas a metrpole que vence a
contenda: este o caso das colnias inglesas das Antilhas, em que a metrpole
por ser o centro das transformaes, em pleno curso da Revoluo Industrial e
predomnio econmico consegue comandar o processo, abandonando o
exclusivo, suprimindo o trfico negreiro e depois a escravido, e ainda podendo
se dar ao luxo de manter o estatuto poltico das colnias. Entre as duas
situaes-limite, alinham-se aquelas em que a tenso metrpole-colnia foi a
preponderante sobre as demais questes, mas so as colnias que levam a
palma, e este o caso das colnias espanholas e portuguesas, como
anteriormente j tinha sido o das trs colnias inglesas da Amrica Setentrional.
Deixemos de lado certas situaes residuais, em que a metrpole, ainda que no
hegemnica no conjunto, logra manter os laos coloniais: o caso de Cuba e
Porto Rico, que se mantm presas Espanha
113
.

As situaes em que triunfou a causa emancipacionista admitem, por sua vez,
encaminhamentos diversos, condicionados pelo propsito de disciplinar a massa
trabalhadora e pelo carter da ruptura com a metrpole. Na Amrica espanhola
continental, onde a escravido no era a relao de trabalho dominante e foi
progressivamente abolida, a necessidade de contingenciar a fora de trabalho pressionou
pela fragmentao territorial, prevalecendo a forma de governo republicana
114
. Por
outro lado, a unidade territorial preservou-se nas situaes em que foi perpetuada a
escravido, adotando-se a forma republicana nos Estados Unidos, onde a revoluo

113
NOVAIS, Fernando A. Passagens para o Novo Mundo. In: ______. Aproximaes: estudos de
histria e historiografia. So Paulo, Cosac Naify, 2005, p. 190-1. A conspcua ausncia do caso haitiano
nos trabalhos sobre a emancipao americana mencionados em nota anterior indica uma vulnerabilidade
das interpretaes que rechaam a crise do Antigo Sistema Colonial como marco explicativo. Sobre o
silncio historiogrfico em relao Revoluo Haitiana, ver: Michel-Rolph Trouillot. Silencing the past.
Bosoton: Beacon Press, 1997.
114
No caso mexicano, que ser referido adiante, uma curta experincia imperial antecedeu a repblica.

53

realizou-se contra o imprio ingls, e monrquica no Brasil, onde a independncia se
consumou em reao revoluo liberal na metrpole
115
.
Os diferentes caminhos atravs dos quais se reordenaram os nexos das
sociedades americanas com o mercado mundial no contexto da crise do antigo sistema
colonial determinaram a especificidade dos desafios polticos legados. O caso cubano
apresenta uma particularidade evidente, uma vez que a independncia ser a causa
prioritria nos esforos orientados formao nacional. Na Argentina e no Mxico, a
formao do Estado se defrontou com um conjunto de obstculos que caracterizou o
processo na Amrica espanhola onde, no obstante as especificidades, o prolongado
enfrentamento militar exigiu a mobilizao de amplos setores da sociedade colonial,
inclusive de camadas populares, ensejando uma descentralizao do poder que est na
origem do caudilhismo, assim como das presses na direo da fragmentao
territorial
116
.
No conjunto, a herana colonial colocava os Estados recm emancipados diante
de dilemas de difcil soluo. A determinao em preservar um padro de
privilegiamento social reprimia os dinamismos socioeconmicos capazes de galvanizar
uma aliana de classes, estreitando as bases sociais e polticas para um projeto nacional.
No plano econmico, a ruptura do lao colonial mostrava-se condio necessria mas

115
Ver: Fernando A. Novais e Carlos Guilherme Mota. A independncia poltica do Brasil. 2 edio. So
Paulo: Hucitec, 1996.
116
Conforme j observamos, a busca de similaridades ou diferenas na comparao histrica depende da
escala e do enfoque adotados. Assim, a constituio do Estado nacional no Mxico e Argentina aproxima-
se no contraste com Cuba, onde manteve-se o vnculo colonial, ou com o Brasil, onde preservou-se a
unidade territorial. No entanto, uma abordagem poltica pode ressaltar as singularidades do processo no
interior da Amrica espanhola continental: Duas tradies polticas, em permanente disputa, iriam
emergir desse perodo das lutas de independncia: uma primeira, forjada ao longo de mais de uma dcada
de guerra, enfatizaria a necessidade de um forte poder executivo; uma outra, baseada na experincia do
parlamentarismo civil, sublinharia a dominao do legislativo. Ambas exemplificavam um impasse
fundamental acerca da natureza do governo. A Nova Espanha, que obtivera a independncia por meio do
compromisso poltico, mais do que pela fora das armas, representaria a tradio civil. Ali, o sistema
constitucional espanhol triunfou efetivamente e continuou a se desenvolver. Apesar de golpes
subseqentes dos militares, os civis nunca deixaram de dominar a poltica mexicana ao longo do sculo
XIX. Em contraste, as foras militares que libertaram, em ltima instncia, a regio mais setentrional da
Amrica do Sul Colmbia, Peru e Bolvia garantiram a vitria e dominao dos homens de armas
sobre os homens da lei. (...) Resta-nos mencionar uma ltima experincia americana que tambm
particularizou a luta pela independncia com o uso da fora, mas sem resultar, devido a isso, em governos
controlados por militares. Referimo-nos ao cone Sul, uma regio onde o conflito armado com as tropas
realistas foi limitado e onde a maior parte das lutas polticas militarizadas deu-se entre as prprias
provincias. Marco A. Pamplona e Maria Elisa Mder (org.). Revolues de independncias e
nacionalismos nas Amricas. Volume 1, regio do Prata e Chile. So Paulo: Paz e Terra, 2007, p. 19.
Esta descrio est sujeita a debate, considerando-se a projeo de figuras como Antonio Lopez de Santa
Anna e Porfrio Daz na poltica mexicana no sculo XIX, ou o papel de Juan Manuel Rosas nos
primeiros decnios da independncia argentina. Para um contraste entre o federalismo argentino,
mexicano e brasileiro, consultar: Marcelo Carmagnani (org.). Federalismos Latinoamericanos. Mxico,
FCE, 1993.

54

insuficiente para internalizar a acumulao de capital, em um contexto no qual a
perpetuao de nexos mercantis sedimentados na explorao do trabalho compulsrio e
na devastao dos recursos naturais limitava o horizonte do desenvolvimento
econmico potenciao dos vnculos estabelecidos com o mercado mundial
117
.
No obstante os limites revolucionrios do processo, justificando que se fale na
constituio de um pacto neocolonial
118
, a emancipao, onde vingou, estabeleceu as
premissas polticas para a afirmao da soberania, identificada com a consolidao das
bases materiais, sociais, espaciais, polticas e culturais do Estado nacional. Referindo-se
ao caso brasileiro, Novais sugere: (...) encarar a independncia como momento de um
longo processo de ruptura, ou seja, a desagregao do sistema colonial e a montagem do
Estado Nacional
119
. Interpretada sob o prisma da formao, a independncia
representa, na leitura de Caio Prado Jr., um avano no processo de autonomizao da
nao, ao estabelecer um ponto de partida para a longa transio entre o passado
colonial e a consumao da nao.
No plano econmico, a soluo da crise do antigo sistema colonial exigiu a
liberao das travas ao desenvolvimento capitalista, inclusive nos casos em que o
processo no conduziu emancipao. Na perspectiva de Caio Prado Jr., as mudanas
quantitativas decorrentes da insero das economias americanas no movimento
expansivo do capital internacional na esteira da revoluo industrial e do imperialismo
desencadearo uma mudana qualitativa, na medida em que impulsionam o processo de
diferenciao socioeconmica conducente formao nacional. Em suma, ao estimular
o desenvolvimento capitalista no continente americano, o desenlace da crise do sistema
colonial favoreceu um movimento histrico de sentido oposto empresa colonial,
apontando em direo nao.


117
A exceo ser o caminho trilhado pelo Paraguai at a Guerra da Trplice Aliana. Os trabalhos de
Tulio Halperin Donghi salientam a tendncia estagnao econmica e ao conservadorismo poltico na
Amrica Latina recm emancipada. HALPERIN DONGHI, Tulio. Histria da Amrica Latina. 2. ed. Rio
de Janeiro, Ed. Paz e Terra, 1989; Hispanoamerica despues de la Independencia. Consecuencias sociales
y economicas de la emancipacin. Buenos Aires: Paidos; Economy and Society. In: BETHELL, Leslie
(Org.). Spanish America after Independence (c. 1820-c.1870). Cambridge: Cambridge University Press,
1987.
118
A luta pela independncia, desse modo, seria um momento da luta por um novo pacto colonial, o
qual, garantindo o contato direto entre os produtores da Amrica espanhola e aquela que se torna cada vez
mais a nova metrpole econmica, permita um mais amplo acesso ao mercado de ultramar e conceda uma
cota menos reduzida do preo pago pelos seus produtos. HALPERIN DONGHI, Tulio. Histria da
Amrica Latina. 2 ed. Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, 1989, p. 47.
119
Fernando A. Novais e Carlos Guilherme Mota. A independncia poltica do Brasil. 2 edio. So
Paulo: Ed. Hucitec, 1996, p. 18.

55

O que de original se introduz na evoluo econmica brasileira, graas
sobretudo ao novo condicionamento internacional em que ela se verifica, a
tendncia para a sua transformao qualitativa. O considervel crescimento e
modificao quantitativa que as novas circunstncias vigentes propiciam ao
embora antigo e profundamente implantado mecanismo econmico do pas
que a sua funo exportadora levaro gradualmente sua transformao
qualitativa que representar a libertao daquele exclusivismo exportador
120
.

Assim, na perspectiva de Caio Prado Jr., sempre focada no caso brasileiro, a
emancipao significa um salto de qualidade no processo de formao da nao, em que
o desenvolvimento capitalista engendra novas contradies na base deste movimento
histrico:

No curso contudo desse processo, aqueles mesmos fatores derivados do
enquadramento na nova ordem internacional do capitalismo que tinham
proporcionado o crescimento econmico do pas e o impulso inicial para a sua
transformao qualitativa, aqueles fatores invertem a sua ao. De impulso ao
crescimento e desenvolvimento aquela ordem se faz em obstculo ao mesmo
crescimento e desenvolvimento. E sero as contradies derivadas desse estado
de coisas que promovero, embora em novas circunstncias e outro plano, a
continuidade do processo evolutivo econmico-poltico a que estamos
presentemente assistindo (...)
121
.

Em suma: inscrita no processo de transio do feudalismo para o capitalismo, a
crise do antigo sistema colonial admitiu diversos encaminhamentos que, se no
resolveram a contradio inerente constituio das sociedades americanas modernas,
elevou-a a um novo patamar. Onde a emancipao vingou, o problema da formao se
confundir com a afirmao das bases objetivas e subjetivas do Estado nacional. O
ulterior desenvolvimento das foras produtivas impulsionado pela penetrao das
relaes de produo capitalistas acirrar, nos marcos de uma insero internacional
dependente, a contradio entre a lgica mercantil que presidiu a colonizao e o
movimento histrico de formao da nao. Mesmo no caso cubano no qual a
perpetuao da escravido pressionou pela manuteno do nexo com a metrpole, os
termos em que se rearranjou o lao colonial liberaram o desenvolvimento capitalista,
agravando a contradio entre a diferenciao social latente e a condio colonial,
projetada ento em um novo contexto histrico.



120
PRADO JR., Caio Histria e Desenvolvimento. So Paulo: Brasiliense, 1999, p. 80-81.
121
Ibidem.

56


3. VIAS DA REVOLUO BURGUESA

A consolidao do capitalismo monopolista e a potencializao das tendncias
de integrao da economia mundial segundo a lgica do imperialismo intensificam o
impacto contraditrio da insero capitalista na periferia do sistema
122
. Na viso de Caio
Prado Jr., as sociedades forjadas a partir da colonizao na poca moderna se entrosaro
com singular facilidade a este movimento histrico
123
, uma vez que, diferentemente de
regies do planeta que sofrem pela primeira vez as consequncias da expanso
ocidental, os povos americanos foram estruturados desde a origem segundo uma
finalidade mercantil subordinada a este padro civilizatrio. Nesta perspectiva,
constituem, em ltima anlise, um desdobramento histrico diverso do mesmo processo
que est na origem do imperialismo.

Tratava-se em suma, no caso do Brasil, de uma economia e sociedade j
estruturadas e inteiramente condicionadas para a realizao de objetivos
mercantis idnticos queles que a nova ordem capitalista iria delas exigir. Da a
sua predisposio para se integrarem naquela ordem sem atritos e sem
necessidade de rompimentos ou remanejamento de instituies econmicas e
sociais mais ou menos inajustveis nova ordem, como ocorreu naqueles
citados pases da sia e frica. Naqueles continentes, velhas culturas e
instituies originais formadas e consolidadas inteiramente parte e
independentemente do capitalismo e da civilizao e cultura onde o capitalismo
se originou, apresentaram por isso mesmo srios obstculos e pois grande
resistncia penetrao do novo sistema. Isso, pelos motivos apontados, no
ocorreu nem havia motivo para que ocorresse no Brasil. Aqui no somente no
houve resistncia, mas ainda os impulsos e estmulos partidos de ambas as

122
O prprio capitalismo confere paulatinamente aos subjugados os meios e os caminhos para sua
libertao. A meta que outrora era o mais alto ideal das naes europias a criao do Estado nacional
coeso, como meio de alcanar a liberdade econmica e cultural torna-se tambm a meta dessas naes
subjugadas. Rudolf Hilferding. O Capital Financeiro. So Paulo: Nova Cultural, 1985, p. 302.
123
Caio Prado Jr. sintetiza o impacto do imperialismo na periferia do capitalismo nos seguintes termos:
A evoluo para o capitalismo financeiro que se processa no correr do sc. XIX e que chega maturao
na sua ltima parte, modificar estas relaes primrias e muito elementares entre as grandes naes
capitalistas e os demais povos do universo. Substituiu-se ao simples objetivo de vender produtos
industriais a ampla expanso do capital financeiro que, sob todas as modalidades, procurar explorar em
seu proveito as diferentes atividades econmicas do universo. A economia mundial evolui para um vasto
sistema dominado pelo capital financeiro, e disputado pelos vrios grupos nacionais que repartem entre si
aquele capital. Este sistema em que se enquadrar o Brasil, como todos os demais pases e povos, servir
o capital financeiro (ou antes, os diferentes grupos que o detm) de muitas formas, todas alis ligadas e
articuladas entre si: 1) Permitir a participao dele em todas as atividades econmicas mundiais,
facultando-lhe em maior ou menor proporo a margem de lucros que oferecem; 2) Abrir mercados
para a indstria nacional respectiva, permitindo sua expanso sem prejuzo da explorao da mais-valia
interna; 3) Por disposio desta indstria as matrias-primas de que necessita, e cuja produo se
espalha fora de suas fronteiras nacionais. PRADO JR., Caio Histria Econmica do Brasil. 10 edio.
So Paulo: Brasiliense, 1967, p. 270.

57

esferas, a externa, que o sistema, e a interna, que so as condies especficas
do Brasil, se somam harmonicamente, ou antes, se integram em conjunto para
impelirem o crescimento da funo exportadora, em conseqncia as foras
produtivas e a economia em geral do pas assentes naquela funo
124
.

Esta conjuno de fatores internos e externos que Caio Prado Jr. identifica na
situao brasileira na segunda metade do sculo XIX se projeta para uma variedade de
realidades no continente, onde a conjuno entre a exportao de capitais e o
crescimento global da demanda por produtos primrios estimulou um aumento
vertigionoso das exportaes
125
. O impacto da expanso capitalista sobre a regio pode
ser dimensionado pela evoluo das estradas de ferro construdas, que passam de cerca
de 2.800 quilmetros em 1870 para mais de 41.000 quilmetros trinta anos depois
126
.

124
PRADO JR., Caio Histria e Desenvolvimento. So Paulo: Brasiliense, 1999, p. 93-94. Em outras
palavras, o processo da colonizao brasileira de que resultariam o nosso pas e suas instituies
econmicas, sociais e polticas, tem sua origem nessa mesma civilizao e cultura que seriam o bero do
capitalismo e do imperialismo. So assim as mesmas circunstncias que plasmariam por um lado a nossa
formao, e deram de outro no imperialismo. Por esse motivo, enquanto na sia a penetrao imperialista
encontrou pela frente sociedade e economias j organizadas e estruturadas em moldes prprios que aquela
penetrao iria subverter profundamente, dando origem em conseqncia a graves tenses econmicas,
sociais e polticas, no Brasil essa penetrao foi como que resultante natural da evoluo de um sistema
econmico em que o nosso pas j se achava enquadrado. PRADO JR., Caio A Revoluo Brasileira.
So Paulo: Brasiliense, 1966, p. 120-121.
125
O ritmo e o alcance da incorporao das reas do continente aos fluxos do mercado mundial esteve
intimamente vinculado aos movimentos do seu centro dinmico: A seqncia em que so incorporados
novos produtos ao comrcio internacional corresponde, em certa medida, apario em srie de diversos
pases no panorama do intercmbio mundial e das inverses estrangeiras. Por exemplo: numa primeira
fase d-se o apogeu das exportaes de l, carnes e cereais, estimula a produo destes produtos no
Canad, Argentina, Austrlia, Nova Zelndia e Uruguai, principalmente; mais adiante, o desenvolvimento
destes pases e o da Europa criam condies para a exportao de salitre chileno; posteriormente, em
funo da alta do nvel de vida do consumidor europeu e estadunidense, vem o auge de alguns produtos
tropicais, como o caf, o cacau e a banana. E, no fim do sculo passado (XIX) e primeiras dcadas do
presente (XX), a diversificao industrial e o advento da produo manufatureira foram o
desenvolvimento da minerao de metais ferrosos e no-ferrosos. Por ltimo, a produo petrolfera.
SUNKEL, Oswaldo. O marco histrico do processo. Desenvolvimento/subdesenvolvimento. 4 ed. Rio de
Janeiro: Editora Viver, 1977, p. 21. Esses momentos de expanso se ligam, em primeiro lugar, ao
progresso na diviso do trabalho em escala internacional; e, no que se refere produo de gneros
alimentcios, ao aumento do consumo popular nos pases economicamente mais desenvolvidos. (Tudo
isso apressa o desenvolvimento da pecuria, da agricultura em geral e de algumas culturas tropicais.)
Alm disso, esses momentos de expanso se ligam tambm com os progressos tcnicos e industriais,
como ocorre no caso das minas de cobre e estanho dos Andes, e, ainda que em menores propores, como
no caso do incremento da cultura do agave no Iucatn, cujas fibras eram utilizadas para as coletoras
mecnicas que, nos Estados Unidos, substituam o trabalho manual. Ligam-se, finalmente, difuso do
motor a exploso e do transporte automobilstico, que d lugar ao ciclo da borracha e ao crescente
desenvolvimento da indstria petrolfera, o qual se torna ainda mais rpido por causa da substituio do
carvo fssil pelos leos minerais como fonte de energia industrial. HALPERIN DONGHI, Tulio.
Histria da Amrica Latina. 2 ed. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1989, p. 178-179.
126
GLADE, William. Amrica Latina y la economa internacional, 1870-1914. In: BETHELL, Leslie
(Ed.). Historia de Amrica Latina. Barcelona: Crtica, 1990. v. 7. p. 38. Em sntese, no perodo que
estamos considerando (trs decnios que antecederam a Grande Guerra), a Amrica Latina transformara-
se em um componente importante do comrcio mundial e uma das mais significativas fontes de matrias-
primas para os pases industrializados. FURTADO, Celso. Formao econmica da Amrica Latina. 2
ed. Rio de Janeiro: Lia, 1970, p. 67.

58

Na perspectiva de Caio Prado Jr., a difuso das relaes de produo capitalistas sob o
imperialismo tem um efeito contraditrio, na medida em que a expanso do setor
exportador dinamiza simultaneamente a economia nacional
127
, acirrando as contradies
do processo de formao nacional
128
:

A evoluo do imperialismo no Brasil (como no resto do mundo) assim
contraditria. Ao mesmo tempo em que estimulou as atividades e energias do
pas, e lhe forneceu elementos necessrios ao seu desenvolvimento econmico,
foi acumulando um passivo considervel e tornou cada vez mais perturbadora e
onerosa a sua ao. Mas tambm, favorecendo aquele progresso, acumulou no
Brasil os elementos com que o pas contou e continua contando para sua
definitiva libertao. O imperialismo um suicida que marcha para sua
consumao
129
.

Recorrendo a uma matriz interpretativa distinta, Florestan Fernandes analisa o
impacto do imperialismo na Amrica Latina sob o prisma da luta de classes, procurando
localizar as mudanas decorrentes da difuso das relaes de produo capitalistas no
continente
130
. Convergindo com as linhas gerais do diagnstico de Caio Prado Jr., que

127
Mas a par destes aspectos negativos do imperialismo, encontramos nele um lastro positivo. Ele
representou sem dvida um grande estmulo para a vida econmica do pas. Entrosando-a num sistema
internacional altamente desenvolvido como o do capitalismo contemporneo, realizou necessariamente
nela muitos dos seus progressos. O aparelhamento moderno de base com que contaria a economia
brasileira at as vsperas da II Grande Guerra foi quase todo ele fruto do capital financeiro internacional.
J me referi sua contribuio no sentido de dotar o pas de estradas de ferro, portos modernos, servios
urbanos, grandes empresas industriais que sem ele no teria sido possvel realizar. O ritmo da vida
econmica brasileira, que est sem dvida no nvel do mundo moderno, em grande parte reflexo da ao
imperialista. E no foi apenas sua contribuio material que contou: com ela vieram o esprito de
iniciativa, os padres, o exemplo e a tcnica de pases altamente desenvolvidos que trouxeram assim para
o Brasil alguns dos fatores essenciais com que contamos para o nosso progresso econmico. PRADO
JR., Caio Histria Econmica do Brasil. 10 edio. So Paulo: Brasiliense, 1967, p. 281.
128
pois sob a ao de fatores contraditrios que evoluir a nossa economia: por um lado assistiremos
ao desenvolvimento daquele sistema, que atinge ento um mximo de expresso com o largo incremento,
sem paralelo no passado, de umas poucas atividades de grande vulto econmico, com excluso de tudo
mais. Mas doutro, veremos resultar daquele mesmo desenvolvimento os germes que evoluiro no sentido
de comprometer a princpio, e afinal destruir (se bem que o processo no esteja ainda terminado nos dias
que correm) a estrutura econmica tradicional do pas. PRADO JR., Caio Histria Econmica do Brasil.
10 edio. So Paulo: Brasiliense, 1967, p. 216-217.
129
Ibidem, p. 281.
130
Para alm da diferena nas matrizes tericas e no enfoque da problemtica da formao, Florestan
Fernandes, apesar das reconhecidas afinidades com a interpretao de Caio Prado Jr., critica sua anlise
sobre a formao do capital industrial no Brasil, acusando-o de superestimar o papel do capital mercantil
no contexto da industrializao. FERNANDES, Florestan. Prefcio a: PRADO JR., Caio Histria e
Desenvolvimento. So Paulo: Brasiliense, 1999. Plnio Sampaio Jr. comenta as insuficincias do esquema
interpretativo de Caio Prado Jr. subjacente mencionada discordncia: Desenvolvido para estudar
movimentos de longa durao da economia, o aparelho conceitual de Caio Prado Jr. no adequado para
equacionar analiticamente os condicionamentos internos do desenvolvimento econmico. A insuficincia
de seu instrumental terico para pensar o processo de adaptao das economias subdesenvolvidas s
oportunidades abertas pelo sistema capitalista mundial leva sua interpretao da evoluo do capitalismo
a incorrer em um vis empiricista. Da a insuficincia de sua anlise para explicar os mecanismos que do
uma certa estabilidade s economias dependentes e subdesenvolvidas. No nosso entendimento, tais

59

ressalta as permanncias estruturais da condio colonial a despeito da emancipao
poltica, ao mesmo tempo em que identifica uma mudana de qualidade no
desenvolvimento latino-americano decorrente dos nexos com o capital internacional
131
,
a nfase da anlise de Florestan Fernandes no recai sobre as contradies do
movimento histrico, apesar de anot-las, mas sim sobre a singularidade do processo de
afirmao do capitalismo e as transformaes sociais, polticas e culturais que
acompanham a correspondente consolidao da ordem burguesa no continente
132
.
Abordando a progressiva diferenciao das sociedades latino-americanas ao
longo do sculo XIX no plano da estratificao social, Florestan Fernandes identifica,
na instaurao dos requisitos para a reproduo capitalista no contexto do imperialismo,
o incio de processos orientados a consumar um padro burgus de dominao social.

deficincias decorrem da falta de articulao terica entre relaes de produo, lutas de classes e
incorporao do progresso tcnico. FERNANDES, Florestan. Prefcio a: PRADO JR., Caio Histria e
Desenvolvimento. So Paulo: Brasiliense, 1999, p. 128. Partindo dos nexos entre o padro de luta de
classes e o processo de acumulao no capitalismo dependente, o instrumental analtico de Florestan
Fernandes nos parece adequado para enfocar processos histricos concretos na Amrica Latina, cuja
dinmica evidencia, precisamente, estas conexes.
131
Caio Prado Jr. e Florestan Fernandes assumem como premissa que o desenvolvimento latino-
americano condicionado por determinaes histricas singulares e, portanto, no repetir a trajetria do
capitalismo central. Ver: PRADO JR., Caio Histria e Desenvolvimento. So Paulo: Brasiliense, 1999;
FERNANDES, Florestan. Sociedade de classes e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1968.
132
A seguinte passagem, referida ao caso brasileiro, ilustra o ponto. Note-se que Florestan Fernandes
endossa as premissas interpretativas de Caio Prado Jr., tais como a permanncia do legado colonial, o
salto de qualidade resultado do desenvolvimento capitalista a partir da emancipao, e as contradies do
movimento histrico; no entanto, conduz a anlise sua problemtica caracterstica: a afirmao da
ordem burguesa no capitalismo dependente. Isso deixa claro que a substituio dos nexos de
dependncia vinculava-se a mecanismos reais de mudana econmica (embora tais mecanismos fossem,
ao mesmo tempo, os meios pelos quais se concretizariam, historicamente, os novos laos de
dependncia).(...) Em tais circunstncias, ao concretizar-se a dependncia puramente econmica, tambm
se concretizava, simultaneamente, a primeira etapa histrica do processo sociocultural por meio da qual
ela seria superada e convertida no seu contrrio. Chega-se, assim, a uma concluso aparentemente
contraditria. A autonomizao poltica no resultou nem conduziu a nenhuma transformao econmica
de natureza revolucionria. No entanto, onde ela se vinculou a transformaes econmicas relativamente
significativas e profundas, e se manifestavam mais fortemente os novos laos de dependncia do Pas em
relao ao exterior, ela iria ser a fonte de toda uma srie de mudanas econmicas e, nesse sentido, o
verdadeiro ponto de partida de maior liberdade e de maior independncia na esfera econmica. A questo,
a, no tanto do salto que se deu com a absoro sociocultural e econmica de novas tcnicas, capitais e
modelos de ao econmica. Est, antes, na mudana sofrida, internamente, pelo padro civilizatrio
vigente. Este passou a organizar a vida econmica em novas bases, pelo menos nas reas afetadas pelas
atividades mercantis assinaladas, e sofreu uma diferenciao que permitia reduzir a distncia histrico-
cultural que existia entre o fluxo daquele padro de civilizao nas economias centrais e o seu fluxo em
nossa economia. Pela primeira vez, emergia na cena histrica brasileira o verdadeiro palco do burgus:
uma situao de mercado que exigia, econmica, social e politicamente, o esprito burguse a
concepo burguesa do mundo. E era por a que o processo de modernizao econmica, desencadeado
pela substituio dos nexos de dependncia, tenderia a negar-se e a superar-se. Com o correr do tempo, o
esprito burgus e a concepo burguesa do mundo teriam de desprender-se de suas matrizes
histricas, voltando-se para as potencialidades econmicas inerentes aos fatores internos da situao de
mercado. Ento, mesmo sob a influncia persistente de tais nexos, eles estimulariam os agentes
econmicos a valorizar formas de crescimento econmico anlogas s que presidiram ao
desenvolvimento do capitalismo na Europa e nos Estados Unidos. FLORESTAN, Fernandes. Rio de
Janeiro: A revoluo burguesa no Brasil. Zahar, 1975, p. 95-97.

60

Nesta perspectiva, o problema da formao nacional identifica-se com o carter da
afirmao do poder burgus. A disjuntiva coloca-se, nos termos empregados pelo
socilogo brasileiro, entre a superao da dupla articulao entre dependncia externa e
assimetria social, ou a consumao do capitalismo dependente como realidade histrica.
Nas suas palavras, assim se apresentava o dilema para as sociedades latino-americanas
naquela conjuntura:

Os princpios capitalistas de organizao do comportamento econmico tendem
a universalizar-se (isto , deixam de ter vigncia espordica, parcial ou
segmentar sobre alguns tipos de atividade de significado econmico) e, ao nvel
institucional, passam gradualmente a regular a estrutura, o funcionamento e a
evoluo da ordem econmica da sociedade nacional. Nessa fase, de profundas
transformaes (ocorridas com freqncia de modo turbulento), que se decide
a possibilidade de um salto histrico na direo do capitalismo independente ou
a fixao, a meio caminho, num regime social de produo capitalista
dependente
133
.

Diferente do processo original na Europa onde surgiu a partir de um
movimento histrico autorreferido, Florestan Fernandes salienta em sua anlise que, na
periferia, este modo de produo recebe seu impulso dinmico de uma ampliao das
fronteiras do capital
134
, estabelecendo padres de organizao e evoluo da sociedade e
do Estado prevalentes no capitalismo central sem, contudo, realizar as tendncias
autonomizadoras inerentes ao processo
135
. Esta modalidade peculiar de incorporao
civilizatria, nos marcos de uma redefinio das formas da hegemonia capitalista, seria
um denominador comum da evoluo dos pases latino-americanos desde ento:

133
FLORESTAN, Fernandes. Sociedade de classes e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1968, p.
34.
134
As economias nacionais dependentes organizam-se basicamente em funo de condies,
oportunidades, e limitaes impostas pelo mercado mundial e, atravs dele, pelas economias nacionais a
que se articulam em posio heteronmica. Em conseqncia, o seu prprio crescimento econmico
interno espelha, estrutural e dinamicamente, a natureza, a intensidade e a variao ou a flutuao dos
interesses das economias nacionais a que se associam heteronomicamente. FLORESTAN, Fernandes.
Sociedade de classes e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1968, p. 38.
135
O que essencial ter-se em mente que, nas condies da Amrica Latina, por causa de suas origens
coloniais e das implicaes da transio neocolonial, o capitalismo moderno nasce, consolida-se e
evolui repetindo o tpico de modo peculiar e criando a sua prpria conexo histrica particular. A
ordem social competitiva no deita suas razes mais longnquas em um estamento burgus revolucionrio;
mas em estamentos senhoriais que pretendiam usar suas posies-chaves no controle da economia e de
Naes-Estados emergentes, como fonte de privilegiamento do poder senhorial, realizando assim a
integrao horizontal de estruturas de poder estamentais (antes impedida pelas Coroas espanhola e
portuguesa e pela administrao colonial). A condio burguesa no foi o requisito, mas o produto
imprevisto e quase inexorvel dessa evoluo. Ela no atirou os crculos sociais contra os privilgios do
antigo sistema (no caso, o sistema colonial), mas sim contra o jugo colonial. Destrudo esse jugo,
definido ao nvel da dominao jurdico-poltica e econmica metropolitana, todos os demais privilgios
subsistiram. FLORESTAN, Fernandes. Capitalismo Dependente e classes sociais na Amrica Latina. 2
edio. Rio de Janeiro: Zahar, 1975, p. 91.

61


Portanto, a se configura uma modalidade tpica de incorporao, que se
distingue das formas de incorporao colonial e neocolonial; e que se funda no
volume de similaridades estruturais e funcionais que a economia hegemnica,
como um todo, pode transferir para a economia perifrica, como um todo. As
adaptaes da decorrentes que passariam a regular o fluxo de processos
econmicos, da modernizao tecnolgica e institucional etc., de um plo a
outro. Elas teriam de nascer e de crescer dentro das prprias economias
perifricas, o que quer dizer que as referidas adaptaes exigiam um certo
desenvolvimento capitalista prvio dessas economias e potencialidades
econmicas que assegurassem viabilidade global para to complexa modalidade
de transio econmica e cultural
136
.

Na chave de leitura adotada por Florestan Fernandes, o estabelecimento das
condies para este desenvolvimento capitalista prvio enseja mudanas econmicas
e culturais que indicam a consumao da transio neocolonial em curso desde a
independncia, apontando para um novo horizonte histrico identificado com a
afirmao do capitalismo
137
. Embora seja um processo estimulado pelos nexos com o
mercado mundial, a heteronomia entre os polos do capitalismo no significa um
dinamismo unvoco do processo, mas, pelo contrrio, a conjugao de variveis
internas e externas segundo uma racionalidade adaptativa que caracterizar o
desenvolvimento capitalista na Amrica Latina. Traduzindo este processo em termos da
dinmica de classe, Florestan Fernandes identifica na consolidao das estruturas
socioeconmicas da reproduo capitalista o desencadeamento histrico da revoluo
burguesa no continente.

Contudo, quando a revoluo burguesa se torna estruturalmente irreversvel, ela
sedimenta um mundo capitalista inconfundvel, que possui duas faces
igualmente essenciais para a existncia e a sobrevivncia do capitalismo na
Amrica Latina. De um lado, os dinamismos econmicos que procedem de fora,
da permanente incorporao ao espao econmico, sociocultural, e poltico de

136
FLORESTAN, Fernandes. A revoluo burguesa no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 1975, p. 235.
137
Se a descrio apresentada correta, o perodo de transio neocolonial oferece ao capitalismo
comercial bases econmicas, institucionais e humanas de maturao interna. Dessa evoluo resulta um
padro de desenvolvimento capitalista que, apesar de suas limitaes intrnsecas, gera as condies
estruturais e dinmicas, simultaneamente a partir de fora e a partir de dentro (isto , pelas influncias das
naes capitalistas centrais e do mercado mundial; e atravs das repercusses a curto e a largo prazo do
crescimento econmico interno), para o aparecimento de uma economia capitalista competitiva, nucleada
no setor urbano-comercial, mas com tendncias a expandir-se na direo do campo (primeiro, graas
irradiao, disseminao e reintegrao do mercado moderno; em seguida, pela universalizao legal do
trabalho livre e a emergncia de um sistema de produo capitalista nas cidades-chaves, dotado de
dinamismos que transcendem economia urbana). FLORESTAN, Fernandes. A revoluo burguesa no
Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 1975, p. 240. Uma sntese da leitura histrica de Florestan Fernandes sobre
a Amrica Latina encontra-se no primeiro captulo de: FLORESTAN, Fernandes. Capitalismo
Dependente e classes sociais na Amrica Latina. 2 edio. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.

62

Naes capitalistas hegemnicas da Europa (e, mais tarde, dos Estados Unidos).
Esses dinamismos no criam toda a evoluo econmica, mas sem eles as
transies apontadas no ocorreriam (pelo menos, no ocorreriam na forma
indicada e segundo os ritmos histricos conhecidos). De outro lado, os
dinamismos econmicos que nascem a partir de dentro, dos elementos auto-
propelidos das economias latino-americanas mais avanadas. Esses dinamismos
tambm no criam toda a evoluo econmica, mas sem eles as realidades do
mundo colonial e do mundo neocolonial ainda estariam presentes
138
.

Assim como o desenvolvimento do capitalismo na Amrica Latina presidido
por uma racionalidade singular, referida particularidade do seu movimento histrico, a
revoluo burguesa no entendida por Florestan Fernandes como a reproduo dos
processos histricos europeus, em que o enfrentamento das estruturas do Antigo
Regime conduziu afirmao do capitalismo concorrencial, mas tomada nas
determinaes gerais que caracterizam a consolidao da ordem burguesa na periferia.
Nas suas palavras:

Isso nos leva terceira questo. Se as classes dominantes das sociedades
capitalistas subdesenvolvidas (ou seja, se suas burguesias) podem ou no
realizar a revoluo burguesa. A resposta a esta questo depende, naturalmente,
do que se entenda por revoluo burguesa. Se esta for definida historicamente
e segundo o padro do capitalismo auto-suficiente e autnomo, seria bvio que
no. Porm, se se admitir que revoluo burguesa significa um certo estado
de tenso, pelo qual a economia capitalista se diferencia e se reintegra, ento
todo sistema econmico capitalista comporta uma revoluo burguesa. Em
regra, ela coincide com a transio do capitalismo comercial e financeiro para o
capitalismo industrial. Ora, essa passagem se d nas economias capitalistas
subdesenvolvidas e dependentes que possuem alguma vitalidade prpria
139
.

Assim, tomada nos seus traos estruturais dinmicos essenciais, a revoluo
burguesa compreendida como a transio da prevalncia dos interesses e da dinmica
do capital comercial, para a consolidao de um padro de dominao subordinado aos
desgnios da burguesia industrial. Sua tarefa principal consiste em viabilizar a
penetrao das relaes de produo capitalistas e sua reproduo em bases nacionais,
ao mesmo tempo em que cria os requisitos sociais, polticos e culturais para a afirmao
do poder burgus. Nesta perspectiva, embora no replique o contedo revolucionrio
dos processos originais europeus, constitui uma via para a consumao do capitalismo
na periferia.

138
FLORESTAN, Fernandes. Capitalismo Dependente e classes sociais na Amrica Latina. 2 edio.
Rio de Janeiro: Zahar, 1975, p. 52-53.
139
FLORESTAN, Fernandes. Sociedade de classes e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1968, p.
96.

63


No conjunto, justifica-se falar numa revoluo burguesa apenas por dois
motivos. De um lado, pelas transformaes estruturais e dinmicas inerentes
constituio e consolidao de uma ordem social competitiva, que serve de
base ao funcionamento conjugado de uma economia capitalista diferenciada,
embora dependente, de um Estado fundado no direito positivo e numa
democracia representativa. De outro lado, porque, apesar de tudo, o capitalismo
dependente no exclui a correlao entre monoplio de poder econmico e
monoplio de poder poltico pela mesma classe social. A burguesia constri,
nos seus interesses e em sua situao de classe, os fundamentos de sua
dominao social e poltica sobre as demais classes
140
.

Ao reduzir a revoluo burguesa consolidao dos elementos fundamentais da
reproduo capitalista, Florestan Fernandes indica que, em linhas gerais, o
estabelecimento da hegemonia burguesa um processo que se impe nos pases do
continente
141
, a despeito dos diferentes graus de desenvolvimento econmico e da
ausncia de propenses revolucionrias desta classe social
142
. Embora os traos
fundamentais do dilema colocado pelo desenvolvimento capitalista sejam similares, sua
expresso histrica ser diversa, uma vez que o impacto do imperialismo foi desigual
nas diferentes regies, segundo mltiplas variveis econmicas, sociais, polticas e
culturais. Em suas determinaes gerais, a resposta de cada circunstncia est referida
s possibilidades de irradiao dos dinamismos do setor exportador para o conjunto da
sociedade, resultando em diferentes graus de integrao econmica e diferenciao

140
Ibidem, p. 99.
141
Sob o capitalismo dependente, a Revoluo Burguesa difcil mas igualmente necessria, para
possibilitar o desenvolvimento capitalista e a consolidao da dominao burguesa. FLORESTAN,
Fernandes. A revoluo burguesa no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 1975, p. 214.
142
Nesse sentido, Florestan Fernandes comenta a respeito dos pases com economias de enclave: Esse
processo (de substituio da hegemonia oligrquica por um padro compsito de hegemonia burguesa)
no ocorreu apenas nos pases em que o clmax da revoluo comercial coincidiu com processos
definidos de integrao do mercado em escala nacional. Tambm se desenvolveu nos pases com
economias de enclave. Inicialmente, as oligarquias tradicionais ou modernas, recompuseram seu poder de
dominao aceitando formas de associao privilegiadas com outros grupos ou subgrupos das classes
altas e dos setores intermedirios, em regra constitudos por agentes econmicos estrangeiros,
comerciantes, profissionais liberais etc.; em seguida, porm, o nmero de grupos e subgrupos aumentou,
o mesmo acontecendo com o nmero de seus participantes. A presena estrangeira sofreu uma
diferenciao, em vrias direes, e uma intensificao na rea do financiamento do crescimento
comercial e da produo para o mercado interno. Ao mesmo tempo, os setores intermedirios
converteram-se em classes mdias, escapando a vrios controles oligrquicos ou adquirindo poder de
barganha na arena poltica. Por isso, ao aburguesamento da oligarquia corresponde um processo mais
amplo e complexo de aburguesamento das outras camadas sociais. O que importa ressaltar que se
constitui, de maneira relativamente rpida, uma espcie de hegemonia burguesa conglomerada, em que os
interesses e a concepo do mundo ou do poder dos setores mais estveis e consolidados aglutinaram a
socializao econmica, sociocultural e poltica dos novos grupos e subgrupos. FLORESTAN,
Fernandes. Capitalismo Dependente e classes sociais na Amrica Latina. 2 edio. Rio de Janeiro:
Zahar, 1975, p. 107. H certa ambivalncia entre esta citao e a identificao da revoluo burguesa com
a consumao do capitalismo industrial mencionada anteriormente, mas que no problemtica para os
propsitos deste trabalho: o que importa enfatizar a similaridade estrutural dos processos.

64

social que configuram um diapaso de situaes entre a economia de enclave e os
requisitos para uma incipiente industrializao
143
.
Ao abordar as expresses histricas concretas, Florestan Fernandes identifica em
um extremo as economias de enclave, que constituem verses modernizadas do antigo
sistema colonial ou do neocolonialismo transitrio do incio do sculo XIX
144
. Este
padro de dominao externa cristalizado sob a ascendente hegemonia dos Estados
Unidos no est alicerado em vnculos polticos, mas fundamenta-se em controles
indiretos criados pelos mecanismos de mercado, determinando que apenas uma massa
diminuta da riqueza produzida retenha-se no espao econmico nacional, o que impe
limites rigorosos ao alcance e ao ritmo da descolonizao. Nestas circunstncias, as
possibilidades de diversificao e autonomizao da economia so significativamente
constrangidas, inibindo de forma correspondente a diferenciao e expanso de um
regime de classes, do que resulta um padro de sociabilidade fortemente bipolarizado,
bice da integrao nacional e da constituio do Estado. Nestes casos, a dominao
imperialista tende a evidenciar-se, aguando a sensibilidade social para a questo
nacional. Exemplos desta situao so as ilhas caribenhas e o conjunto da Amrica
Central
145
.
No outro polo, Florestan Fernandes observa sociedades em condies de
absorver os requisitos estruturais e dinmicos mnimos para promover, ainda que de
maneira subordinada aos fluxos do setor exportador, uma incipiente acumulao de
capital e o investimento industrial endgeno. Embora este processo no supere os

143
Dado o que a modernizao representa, como modalidade de controle econmico, cultural e poltico,
a superao da situao heteronmica que ela engendra depende, diretamente, do modo pelo qual as
sociedades subdesenvolvidas reagem absoro do capitalismo. Se a emancipao poltica corresponder a
alguma automatizao real e definitiva do controle interno do excedente econmico, gerado pelo setor
exportador e pelo crescimento do mercado interno; se os recursos naturais existentes, o comrcio, e,
eventualmente, a indstria e os bancos puderem ser explorados por firmas autctones ou, se forem
estrangeiras, com larga participao de dirigentes locais e em associao com capitais nativos; se o
volume da populao for suficientemente grande, para atingir uma escala de uma dezena ou mais de
milhes de habitantes e para aumentar com certa intensidade constante e em acelerao, suscetvel de
fazer face a alteraes sbitas da diviso do trabalho social e a alimentar fortes processos de
deslocamento espacial e de concentrao demogrfica e as perspectivas de urbanizao relativamente
acelerada fomentarem a difuso de novos padres de vida, de trabalho e de consumo, estimulando a
diferenciao da produo interna e a paulatina constituio de um mercado interno, diferenciado do
mercado externo e mais ou menos independente de seus controles diretos; se as camadas dominantes
nativas e suas elites dirigentes utilizarem o Estado nacional e seus meios de dominao poltica para
transformar a expanso interna do capitalismo em fator de integrao da economia nacional a absoro
de tcnicas, instituies e valores capitalistas impe-se, de maneira espontnea, como uma alternativa
economicamente vivel, politicamente desejvel e socialmente construtiva. FLORESTAN, Fernandes.
Sociedade de classes e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1968, p. 33-34.
144
FLORESTAN, Fernandes. Capitalismo Dependente e classes sociais na Amrica Latina. 2 edio.
Rio de Janeiro: Zahar, 1975, p. 19.
145
Ibidem.

65

marcos de dependncia e assimetria social legados pela colnia, ele engendra as
premissas para uma diversificao produtiva e a correspondente diferenciao na
estratificao social, estimulando tendncias germinais de autonomizao nas diferentes
esferas da existncia. No plano da luta de classes, a formao embrionria de burguesias
e do correspondente proletariado gera as condies para o desencadeamento histrico da
revoluo burguesa em pases da Amrica Latina como Argentina, Mxico e Brasil
146
.
Apesar das diferenas entre si, Florestan Fernandes identifica nos processos de
mudana social desencadeados sob o impacto do imperialismo na segunda metade do
sculo XIX vias de afirmao do poder burgus no continente. Ao sugerir que a
revoluo burguesa realiza-se na Amrica Latina, embora com resultado diverso dos
seus cogneres originais, sua interpretao aponta para o carter distintivo das
burguesias dependentes, referido ao padro de luta de classes que condiciona a evoluo
histrica destas sociedades
147
. Nesta tica, a singularidade dos processos no continente,
onde a transio para o capitalismo parte de estruturas coloniais e com relativo atraso,
a dificuldade em conciliar desenvolvimento econmico e democracia social, nos marcos
da soberania nacional. Florestan Fernandes resume as determinaes comuns s
diferentes realidades latino-americanas na seguinte passagem:

Assim, as diferentes transies da economia colonial para a economia nacional
ou da escravido e do capitalismo comercial para o capitalismo industrial
sempre produzem trs realidades estruturais diversas. Primeiro, a concentrao
de renda, do prestgio social e do poder nos estratos e nas unidades ecolgicas
ou sociais que possuem importncia estratgica para o ncleo hegemnico de
dominao externa. Segundo, a coexistncia de estruturas econmicas,
socioculturais e polticas em diferentes pocas histricas, mas
interdependentes e igualmente necessrias para a articulao e a expanso de
toda a economia, como uma base para a explorao externa e para a
concentrao interna da renda, do prestgio social e do poder (o que implica a
existncia permanente de uma explorao pr ou extracapitalista, descrita por
alguns autores como colonialismo interno). Terceiro, a excluso de uma
ampla parcela da populao nacional da ordem econmica, social e poltica
existente, como um requisito estrutural e dinmico da estabilidade e do
crescimento de todo o sistema (...) O desafio latino-americano, portanto, no
tanto como produzir riqueza, mas como ret-la e distribu-la, para criar pelo
menos uma verdadeira economia capitalista moderna
148
.

146
FLORESTAN, Fernandes. Capitalismo Dependente e classes sociais na Amrica Latina. Rio de
Janeiro: Zahar, p. 19.
147
O padro de luta de classes no capitalismo dependente examinado por Florestan Fernandes em:
Capitalismo Dependente e classes sociais na Amrica Latina. Rio de Janeiro: Zahar, 2 edio 1975;
Sociedade de classes e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1968. Focalizando o caso brasileiro:
FLORESTAN, Fernandes. A revoluo burguesa no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.
148
FLORESTAN, Fernandes. Capitalismo Dependente e classes sociais na Amrica Latina. Rio de
Janeiro: Zahar, 2 edio 1975, p. 20.

66


Em sntese, no contexto de difuso das relaes de produo capitalistas na
Amrica Latina, o problema da formao nacional se expressa como o dilema da
revoluo burguesa sob o imperialismo, em uma conjuntura na qual a afirmao do
capitalismo autodeterminado revela-se como alternativa histrica para a superao do
legado colonial. Diante de processos de transio para o capitalismo que combinam
impulsos exgenos e endgenos, e no reproduzem o padro revolucionrio europeu,
embora visem o estabelecimento do poder burgus, esta problemtica assumir uma
expresso especfica em cada pas. Em Cuba, a libertao do nexo colonial exigiu uma
guerra na qual as aspiraes nacional e democrtica confluem para superar a condio
de economia de enclave. Na Argentina, o enfrentamento da poltica criolla canalizado
como uma presso por reforma dentro da ordem, objetivando democratizar a sociedade
platina. No Mxico, a intolerncia caracterstica do Porfiriato provocou uma
convergncia entre a luta por liberdades civis e a demanda social reprimida,
desembocando em uma prolongada guerra civil. Nos trs casos, as presses de sentido
democrtico-nacional desencadeadas foram contidas nos marcos de um padro de luta
de classes destinado a consolidar o capitalismo dependente como via de afirmao do
poder burgus.



























CAPTULO 2
FORMAO NACIONAL NA AMRICA LATINA NOS
PRIMRDIOS DO IMPERIALISMO: JOS MART E A
INDEPENDNCIA CUBANA.

68

CAPTULO 2 - FORMAO NACIONAL NA AMRICA LATINA NOS
PRIMRDIOS DO IMPERIALISMO: JOS MART E A INDEPENDNCIA
CUBANA.

Aps enunciarmos as determinaes gerais do movimento da histria latino-
americana que permitem enquadrar as distintas situaes concretas sob um dilema
comum, abordaremos trs projetos nacionais que emergiram no contexto da afirmao
original do poder burgus no continente. Em consonncia com o plano geral do
trabalho, este o momento no qual analisaremos a especificidade do pensamento e da
estratgia poltica de trs militantes radicais, cada qual referida realidade em que
atuaram, o que fundamentou a ao do partido que cada um deles conduziu.
A exposio de cada caso seguir um movimento similar. Inicialmente,
reconstituiremos as linhas fundamentais da formao social e econmica da realidade
selecionada, com o objetivo de remeter o pensamento e a estratgia analisados
singularidade histrica em que esto inscritos. Objetivamente, nos deteremos sobre: a) a
marca da colnia; b) a resposta crise do Antigo Sistema Colonial; c) a insero no
mercado mundial; d) o impacto do imperialismo. A seguir, introduziremos a
circunstncia imediata em que concretiza-se a atuao do militante enfocado, para,
ento, examinarmos a caracterstica do seu pensamento, plasmada em uma viso sobre a
formao nacional, e sua estratgia poltica, expressa em um caminho para consumar a
nao, encampado pelo partido que liderou. Concluiremos cada exposio referindo-nos
ao desfecho histrico das situaes enfrentadas, que enseja um balano crtico em
funo dos objetivos que os militantes se colocaram e da problemtica proposta por este
trabalho.

1. CUBA
2.1) FORMAO CUBANA
a) A MARCA DA COLNIA
O extraordinrio desenvolvimento de Cuba como colnia agrcola e principal
produtora de acar para o mercado mundial ser fenmeno relativamente tardio,

69

contemporneo da prpria crise do antigo sistema colonial
149
. Nos primrdios da
empresa castelhana, a ilha serviu principalmente como base de apoio para a explorao
das terras continentais recm desveladas para a conquista
150
. O ouro aluvio encontrado
no Caribe esgotou-se rapidamente e a descoberta das minas no Mxico e no Peru
deslocou o fluxo imigratrio e o esforo dos conquistadores na direo destas regies.
Neste contexto, a colonizao inicial de Cuba obedeceu ao padro espanhol, fundando-
se vilas assentadas sobre a escravido e a servido indgena, processo que teve efeitos
devastadores sobre a populao aborgene, praticamente dizimada ainda no primeiro
sculo da conquista
151
.
A necessidade de concentrar esforos diante da vastido geogrfica do imprio
castelhano, no quadro da concorrncia intrametropolitana, ensejou a sistematizao do
trfico martimo, com o objetivo de facilitar a defesa militar do comrcio colonial,
derivando no estabelecimento do sistema de frotas em 1543, que se tornaria efetivo em
1566. A situao privilegiada do porto de Havana determinou a sua eleio como ltima
escala das viagens de regresso pennsula, onde reuniam-se os comboios carregados de
metais preciosos e outras mercadorias americanas. Esta escolha foi favorecida no
apenas pela localizao geogrfica, mas Havana amealhava condies naturais e sociais
para responder aos requerimentos de infraestrutura e produo que o apoio frota
demandava
152
.
O dinamismo econmico gerado pelo atendimento s necessidades dos comboios
converteu Cuba em uma espcie de colnia de servios, situao singular em todo o
Caribe espanhol, exceto o Panam. A ilha mantinha-se atravs de aportes financeiros

149
Em termos de florescimento econmico e de modernizao, o sculo 19 poderia ser chamado o sculo
de ouro da era colonial em Cuba. FERNANDES, Florestan. Da guerrilha ao socialismo: a revoluo
cubana. So Paulo: Expresso Popular, 2007, p. 50.
150
Em sntese, a ocupao de Cuba e a fundao de vilas na costa sul esto imersas no salto e assalto
Tierra Firme, e nas imprecisas mas tentadoras notcias de grandes riquezas no caminho para o oriente.
MORENO FRAGINALS, Manuel. Cuba- Espanha- Cuba. Uma histria comum. Bauru: Edusc, 2005, p.
34.
151
A escravizao, o choque psicolgico, a desarticulao de sua organizao social, a crise de seu
mundo religioso, a ruptura de suas normas de comportamento e as enfermidades que traziam os
conquistadores e seus animais reproduziram em Cuba a catstrofe demogrfica que Velzquez tentou
evitar. Ibidem, p. 34. Muitos conquistadores traziam em seus rostos as cicatrizes da varola, e haviam
passado pelas doenas habituais da infncia europia, o que lhes valeu uma grande resistncia a seus
agentes patognicos. As comunidades ndio-cubanas, pelo contrrio, dado seu isolamento e estgio
produtivo, tinham muito pouca densidade populacional e no tinham comunicao com outros
continentes, o que as mantinha num certo estado de virgindade imunolgica. Ibidem, p. 39.
152
Cuba, e especificamente Havana, como j ressaltamos, foi se convertendo no centro de reunio de
frotas, com o obrigatrio suprimento de gua, abastecimento para a viagem transatlntica, trabalhos de
carenagem e reparao de navios, hospedagem para a populao de passagem, custdia dos tesouros
particulares ou reais em trnsito, vigilncia das zonas martimas de maior perigo e proteo diante de
possveis ataques inimigos. Ibidem, p. 50.

70

oriundos das demais regies do imprio na forma de situados, instrumento de partilha
dos nus de manuteno e defesa da frota mercantil
153
. Assim, embora no produzisse
riqueza, Havana afirmava-se como parte integrante dos mecanismos do exclusivo
metropolitano, ocupando uma posio sintetizada por Moreno Fraginals nos seguintes
termos: Dito de maneira simples e objetiva: durante quase trs sculos, Havana foi um
enclave que no produzia dinheiro para a metrpole, mas lhe valia dinheiro
154
.
Alm dos investimentos em infraestrutura, de comunicao e de defesa
custeados pela extrao mineira e das atividades produtivas estimuladas pelo
abastecimento s tripulaes, a localizao de Havana no extremo da rota garantia-lhe
os fretes mais baratos de todo o continente, uma vez que as frotas transportavam
principalmente uma carga valiosssima, mas de dimenses reduzidas. Como
decorrncia, o porto exercia tambm um papel reexportador de mercadorias de outras
zonas americanas. No conjunto, os estmulos recprocos gerados pela conjuno entre
produo e servios tornaram Havana a terceira cidade americana do imprio colonial
espanhol.
As demais partes da ilha no partilhavam desta afluncia. Em uma realidade em
que as diferentes regies comunicavam-se antes com o exterior do que entre si, a
atividade econmica orientou-se para o contrabando, principalmente de charque e gado
em p, para abastecer as Antilhas aucareiras a partir do sculo XVII
155
. Assim,

Cuba
no revela-se uma unidade, em uma circunstncia na qual a referncia de totalidade
ser, at meados do sculo XVIII, a metrpole espanhola.
De forma correspondente, a oligarquia havanesa identificar seus interesses
fundamentais com a preservao do sistema colonial, do qual extrai suas possibilidades
de realizao econmica e ascenso social. Comandando um enclave prspero e
relativamente diversificado
156
, unida por mltiplos laos econmicos e sociais com a

153
Esses servios permitiram um fluxo de ganhos monetrios (os chamados situados com que a Espanha
pagou os servios prestados) que passaram s mos de um grupo de povoadores que por sua vez
investiram em recursos produtivos e acabaram constituindo uma oligarquia local enriquecida e poderosa.
Ibidem, p. 51.
154
Ibidem, p. 52 (grifo no original).
155
Desde o sculo 16 at o 18 as comunicaes das principais vilas cubanas com o estrangeiro eram
mais freqentes e importantes do que as relaes dessas mesmas vilas entre si e com Havana. Ibidem, p.
141.
156
Esta circunstncia no justifica a aberrante premissa que fundamenta o contraste entre Cuba e Virginia
realizado por Klein. This pattern of domestic urban growth and diversified small-farming agriculture
that was established by the end of the sixteenth century would set the pattern for the Cuban economy until
the twentieth century. KLEIN, Herbert. Slavery in the Americas. A comparative study of Virginia and
Cuba. Chicago: Elephant Paperbacks, 1989, p. 147.

71

metrpole, a liderana insular conformou-se como um grupo social coeso e poderoso,
dotado de relativa capacidade de iniciativa econmica e direo poltica
157
.
Elo fundamental da dominao imperial, a oligarquia havanesa imps aos
demais estratos sociais o padro de dominao tpico da colonizao ibrica, que
Carrera Damas definiu como cultura cativa criolla: uma cultura dominante na relao
com ndios, negros, escravos e artesos, mas dominada em relao metrpole
158
.
Embora a dicotomia de castas caracterstica da colonizao continental no seja
aplicvel realidade da ilha, onde dizimou-se a populao aborgene, a presena
africana colocou em termos diferentes o problema da segregao social, no obstante a
difuso do trabalho livre entre os negros e sua insero predominantemente urbana neste
momento
159
. A diferena da situao cubana em relao aos rgidos padres de
apartamento social e explorao do trabalho imperantes nas demais Antilhas radica na
posio dbil dos castelhanos no trfico negreiro
160
, que bloqueou as possibilidades
iniciais de consolidao da plantation
161
.

Esta realidade ser subvertida em meados do
sculo XVIII, quando estabelecem-se as bases da empresa agrcola que transformar as
relaes de produo e a cultura militar e martima at ento prevalentes.
O ponto de partida desta mudana foram os esforos do imprio por promover o
desenvolvimento econmico americano nos quadros do sistema colonial com o intuito
de melhorar a sua prpria posio no concerto europeu, tendncia acentuada com as

157
Institucionalizou-se assim um fechado grupo no topo da sociedade, uma oligarquia do dinheiro e do
poder local, unida aos interesses imperiais por duplos laos, econmicos e familiares, com profunda
conscincia regional de parentesco, classe, etnia e grupo, e enrgica atuao em defesa dos assuntos
comuns. Para a coroa essa oligarquia era indesejvel e imprescindvel. MORENO FRAGINALS, op. cit.,
p. 76.
158
A expresso foi cunhada pelo historiador venezuelano Germn Carrera Damas e adotada por Moreno
Fraginals, op. cit., p. 147. Sobre os padres de sociabilidade resultantes: Na cpula, uma elite de
brancos, ou considerados brancos, com riqueza e poder; abaixo, uma massa de brancos pobres no
fidalgos, ndios, negros e todas as mestiagens possveis entre eles. Ficavam assim definidas trs normas
de comportamento social: a dos fidalgos entre si; a dos fidalgos com os brancos no fidalgos e a dos
brancos, fidalgos ou no, com ndios, negros e mestios. Ibidem, p.127.
159
Pero lo que diferencia la distribucin del esclavo en Cuba en comparacin con las dems colonias,
es sin duda su relativa abundancia y concentracin en las ciudades. LE RIVEREND, Julio. Historia
economica de Cuba. Barcelona: Ediciones Ariel, p. 157. (...) a populao negro-mulata, urbana, livre e
escrava, teve uma espcie de relevncia social, expressa em nveis de autonomia econmica e
independncia pessoal de deciso. MORENO FRAGINALS, op. cit., p. 102.
160
At o final do sculo 18, Cuba no conseguiu dispor de um sistema efetivo de importao de
escravos, e por isso at ento os engenhos tiveram um certo sabor de indstrica domstica rural (...)
Ibidem, p. 110.
161
O debate em torno singularidade da plantation em relao a outras formas de explorao agrria no
Novo Mundo foi inaugurado por: WOLF, Eric; MINTZ, Sidney. Haciendas and plantations in Middle
America and the Antilles. Social and Economic Studies 6: 380-412 (1957). O tema foi aprofundado na
coletnea: FLORESCANO, Enrique (org.) Haciendas, latifundio y plantaciones en Amrica Latina.
Mxico: Siglo XXI, 1975.

72

reformas borbnicas
162
. No bojo deste processo, a coroa incentivou a produo de
tabaco assentada na pequena produo independente e no trabalho livre em Cuba,
estimulando com este objetivo a vinda de imigrantes espanhis, em contraste com o
padro escravista dominante na Virgnia
163
. Quando em 1739 criou-se a Real Compaia
de Comercio de La Habana, estabelecendo o monoplio real sobre a comercializao do
tabaco, os grandes capitais da oligarquia local viram-se privados da explorao desta
atividade, redirecionando-se paulatinamente produo aucareira
164
, movimento que
selaria uma identificao duradoura dos seus interesses com este ramo de negcios.
Moreno Fraginals destaca este contraponto entre os papis do tabaco e do acar na
economia cubana
165
:

A realidade foi que o tabaco, genuinamente cubano em sua origem ndia, foi um
negcio tipicamente peninsular, explorado e desenvolvido por interesses
coloniais at o comeo do sculo 20. E o acar, embora estrangeiro em sua
origem rabe, foi desde o incio em Cuba a base do poderio da oligarquia
criolla: poderio econmico, mas tambm cultural no mais alto nvel da Amrica
hispnica
166
.

O xito do negcio aucareiro alicerado nos capitais locais motivou a gnese
nos anos 1760, de um projeto da oligarquia havanesa convergente com a orientao
geral das reformas borbnicas, visando tornar Cuba, semelhana da ilha francesa de
So Domingos, a primeira produtora mundial de acar e caf. No meio sculo seguinte,
este desgnio tornaria-se realidade.

162
A diferencia de Portugal, donde la etapa pombalina marca un brusco y deliberado cambio de rumbo,
en Espaa la etapa de reformas por excelencia la que va desde la toma de La Habana hasta la muerte
del influyente ministro Glvez, en 1787 no supone sino la intensificacin de una tendencia que se haca
sentir desde la instalacin de la dinasta borbnica, al abrirse el siglo. HALPERIN DONGHI, 1985, p.
Tulio. Reforma y disolucin de los imprios ibricos. Madrid: Alianza, 1985, p. 50.
163
A diferencia de lo que sucede en las trece colonias inglesas de la Amrica del Norte (o sea, en
Virginia, actual estado de los Estados Unidos) donde el cultivo del tabaco se realiza sobre bases
latifundiarias y con un gran empleo de esclavos, el cultivo en Cuba se realiza en pequeas fincas y casi
sin empleo de esclavos. La razn de estas diferencias puede radicar en el hecho de que el comercio del
tabaco de Virginia se organiza desde el principio sobre bases masivas de tipo capitalista muy definido,
mientras que en Cuba la produccin primero se destina al consumo interno y va creciendo lentamente, a
medida que aumenta el mercado exterior. LE RIVEREND, op. cit., p. 144.
164
La reforma potencialmente ms irritante no estaba inspirada por la preocupacin de ampliar la
economa de mercado, sino por la fiscal: era la implantacin del estanco de tabaco, que regulava las
reas de produccin de la hoja y reservaba a la Corona el monopolio de su compra y manufactura. Esta
caus, sin embargo, menos controversia que en el continente, pese a que Cuba contaba con un grupo de
productores de peso social considerable: la clara alternativa que les ofreca el azcar disuada a los ms
poderosos de entre ellos de defender conflictivamente los lucros potenciales de un sistema no marcado
por el monopolio poda ofrecerles en el ramo del tabaco. HALPERIN DONGHI, op. cit. p. 53.
165
A referncia clssica deste contraponto : ORTIZ, Fernando. Contrapunteo cubano del tabaco y el
azucar. Caracas: Biblioteca Ayacucho, 1987.
166
MORENO FRAGINALS, op. cit., p. 118.

73


b) CUBA E A CRISE DO ANTIGO SISTEMA COLONIAL

Caso singular na Amrica ibrica, a crise do antigo sistema colonial favoreceu
em Cuba a florao tardia da plantation aucareira, desencadeando um processo em
que a integrao imediata aos fluxos mercantis do capitalismo ascendente viabilizou-se
nos marcos de um rearranjo das estruturas de dominao colonial. Florestan Fernandes
sintetiza nas seguintes palavras o alinhamento de interesses que resultou neste caminho
peculiar:

A mencionada revoluo dentro da ordem colonial s beneficiou aos espanhis,
aos estamentos privilegiados (ou mesmo, ultraprivilegiados) e aos interesses
capitalistas externos. A possibilidade de modernizar a colonizao e a
possibilidade ainda mais importante para eles de levar a colonizao at ao
fundo casaram a modernidade de Cuba com um destino colonial
167
.

A tomada de Havana pelos ingleses em 1762
168
no contexto das disputas
intrametropolitanas pelo comando do comrcio atlntico
169
considerada o marco
inicial deste processo. Nos onze meses em que durou a ocupao militar, a oligarquia
havanesa vivenciou relaes mercantis que subverteram os parmetros do exclusivo
metropolitano, revelando o potencial econmico latente da ilha. Ao aceder ao
fornecimento de mo de obra escrava e aos canais de comercializao de acar e
demais produtos provistos pelos mercadores ingleses, revelaram-se, aos olhos cubanos,
as condies para a afirmao tardia da plantation na ilha
170
.

167
FERNANDES. Florestan. Da guerrilha ao socialismo: a revoluo cubana. So Paulo: Expresso
Popular, 2007, p. 52.
168
Sem entrar nos detalhes em que abunda a histria militar, basta consignar que a tomada de Havana
pelos ingleses foi o feito da guerra de maior significado dos trs primeiros sculos da colonizao
americana, pelo extraordinrio volume de soldados mobilizados, pelos milhares de baixas em combate e
pelas epidemias desencadeadas na luta. Na tomada de Havana, os ingleses empregaram mais de 50% de
suas foras navais destacadas no Caribe e os espanhis perderam mais de 20% de sua marinha.
MORENO FRAGINALS, op. cit., p. 154.
169
A Guerra dos Sete Anos, que sinaliza a afirmao da hegemonia mundial inglesa, encerrou-se em
1763, apenas onze meses depois da tomada de Havana. Complexas disputas de poder, externas e internas
(envolvendo o lobby aucareiro colonial ingls contrrio incorporao de zonas concorrentes),
determinaram, no Tratado de Paris, a troca de Havana pela Flrida, ao mesmo tempo em que a Inglaterra
devolvia Frana as ilhas de Martinica, Guadalupe e Santa Lucia, mas apoderava-se do Canad,
Dominica e Granada, alm das ilhas neutras de San Vicente e Tobago. MORENO FRAGINALS, op. cit.,
captulo 12.
170
As, la importancia de la toma de La Habana por los ingleses para Cuba est en haber acelerado un
proceso inevitable. Introduciendo no menos de 4000 esclavos, poniendo a producir toda la capacidad
instalada, creando fuertes nexos econmicos con las Trece Colonias norteamericanas, los ingleses
rompieron en slo un ao el equilibro productor cubano y aceleraron el transito hacia la plantacin.

74

O desfecho da Guerra dos Sete Anos explicita a debilidade espanhola,
acelerando as reformas coloniais que iniciaram-se justamente em Cuba, onde a
vulnerabilidade do imprio americano ficara evidente
171
. Em uma situao na qual as
necessidades de defesa da ilha demandavam o estreitamento dos laos com a metrpole,
reforou-se a posio da oligarquia havanesa, uma vez que esta fidelizao alicerava-se
no apenas na acumulao de riqueza, mas tambm no ascenso militar e em um
progressivo enobrecimento da elite criolla, que assumia os padres culturais da
aristocracia espanhola. No plano mercantil, o poder insular no se mostrava disposto a
retroceder no caminho entrevisto rumo plantation, o que desencadeou um processo de
renegociao das bases do pacto colonial, objetivando conciliar o empreendedorismo da
oligarquia havanesa com a dominao colonial espanhola
172
. O cerne do problema era
garantir a proviso do brao escravo e o acesso aos mercados consumidores de produtos
tropicais, ambas condies que a metrpole espanhola, impossibilitada de atender por
si, foi obrigada paulatinamente a ceder
173
. Assim, unida em prol de uma remodelao da
subordinao colonial que potencializasse a plantation aucareira, a sacarocracia cubana
consolidou-se como grupo dotado de capacidade de iniciativa econmica e direo
poltica, que conduziria a ilha em poucas dcadas liderana na produo mundial de
acar e caf
174
. Moreno Fraginals salienta a singularidade do processo cubano no
quadro antilhano: Al contrario de las colonias inglesas, francesas u holandesas, donde

MORENO FRAGINALS, Manuel. El Ingenio. 2 ed. La Habana: Editorial de Ciencias Sociales, 1986, t.
1, p. 36.
171
Aunque la sorpresa de La Habana lanz a Espaa en el camino de la reforma colonial, no la
emprendi de modo sistemtico y global. Cuba donde la debilidad de la implantacin espaola se
haba revelado tan dramticamente iba a ser la primera rea tocada por el impulso renovador (...)
HALPERIN DONGHI, Tulio. Reforma y disolucin de los imprios ibricos. Madrid: Alianza, 1985, p.
52.
172
Medidas como a primeira etapa do livre comrcio, o barateamento dos negros escravos, iseno da
alcabala para os engenhos de fundao recente, a diminuio dos impostos de exportao etc., reforadas
pelo ascendente poder poltico-militar da oligarquia havanesa, foram fatores que impulsionaram a
produo aucareira. MORENO FRAGINALS, Manuel. Cuba- Espanha- Cuba. Uma histria comum.
Bauru: Edusc, 2005, p. 189.
173
Entre 1792 e 1818 sucedem-se numerosos documentos, ordens e decretos que permitem, probem,
ampliam, restringem, modificam, o livre comrcio de Cuba em relao ao acar e aos negros. a
legislao caracterstica de um governo que perdeu a direo econmica e se debate entre poderosas
foras contraditrias. Ainda mais: so disposies tpicas de um poder poltico que conserva,
teoricamente, a faculdade legislativa, mas que carece de fora para tornar seu cumprimento obrigatrio.
Ibidem, p. 205.
174
H um amplo grupo de homens vivendo em Cuba nas dcadas finais do sculo 18 e nas primeiras do
19 que integram uma gerao (se gerao quer dizer algo na histria) impulsionada por uma forte vontade
de mudana: dominadores cativos de seu prprio devir. At agora temos nos referido a eles como
oligarquia havanesa: a partir do ltimo tero do sculo 18 preferimos cham-los de plantocracia ou
sacarocracia, no s porque a fabricao do acar e a produo de caf foram suas bases econmicas
essenciais de sustentao, mas tambm porque tanto a estrutura como a infra-estrutura de plantao que
eles desenvolveram em seu nvel mximo acabou por marc-los indelevelmente. Ibidem, p. 191.

75

el desarrollo azucarero provenia de una poltica estatal consciente, el azcar cubano
creca desde el siglo XVII sobre la base de un esfuerzo autctono de los propios
colonos
175
.
O carter burgus do empreendimento cubano foi limitado desde o incio pelas
estruturas do comrcio internacional, do qual dependia para obter mo de obra e escoar
sua produo, reproduzindo um padro de relao colonial que tendeu a transferir, com
o tempo, o controle da produo aos comerciantes
176
. Este processo ser retardado em
Cuba por uma conjuntura excepcional de preos altos no bojo das comoes decorrentes
da crise do antigo sistema colonial. O virtual desaparecimento de Saint Domingue do
mercado internacional, principal produtor de acar e caf no momento em que eclodiu
a revoluo francesa, foi o mais espetacular embora no tenha sido o nico evento a
repercutir na ilha. A independncia das treze colnias norte-americanas obrigou-as a
redirecionarem o comrcio anteriormente realizado com as Antilhas inglesas, o que
abriu novas possibilidades para a produo cubana. Por outro lado, a evoluo das
guerras napolenicas isolou a pennsula dos mercados coloniais, impondo o livre
comrcio como uma realidade nas terras americanas, em um contexto no qual o
sucessivo desencadeamento das lutas emancipatrias no continente favoreceu uma
atitude flexvel da coroa em relao s ilhas do Caribe, nicos aliados potenciais no
confronto
177
.
O vigoroso impulso que a economia da ilha recebeu no apogeu da crise do
antigo sistema colonial pode ser dimensionado pelo aumento dos seus habitantes, que

175
MORENO FRAGINALS, Manuel. El Ingenio. 2. ed. La Habana: Editorial de Ciencias Sociales, 1986,
t. 1, p. 25.
176
El sacarcrata cubano de fines del XVIII y principios del XIX se expresa en trminos burgueses.
Ibidem, p. 72. Esta percepo converge com o argumento geral de Genovese, que enfatiza a motivao
capitalista do empreendimento havans, embora o historiador estadunidense no atente para as
particularidades do caso cubano, que tende a identificar com os processos do Caribe ingls e francs
caracterizados pelo investimento metropolitano e o absentesmo dos proprietrios de engenho. Em
resumo: a ascenso do ingenio de acar em Cuba, no sculo XIX, representou a ascenso de uma nova
classe de escravocratas capitalistas para os quais a escravido era um expediente econmico. A
escravido cubana experimentou um processo de penetrao burguesa correspondente ao do Caribe
anglo-francs. GENOVESE, Eugene. A economia poltica da escravido. Rio de Janeiro Pallas, 1976, p.
80. Moreno Fraginals aponta as diferenas dentro da identidade geral burguesa: A diferencia de las islas
inglesas o francesas del Caribe, los ingenios cubanos se levantaron sobre la base de inversiones nativas;
y los propietarios, salvo rarsimas excepciones, jams fueron absentistas. (...) Con espritu de modernos
empresarios, estuvieron al tanto del desarrollo tecnolgico mundial, e incorporaron al complejo
azucarero cubano, muy rpidamente, los equipos y adelantos capaces de aumentar la capacidad o
rentabilidad de la industria. MORENO FRAGINALS, Manuel. El Ingenio. 2 ed. La Habana: Editorial
de Ciencias Sociales, 1986, t. 1, p. 74.
177
Desde 1792 la isla es una gran recepcionista de capitales de inversin. Los grandes comerciantes de
Nueva Espaa, los poderosos de Cdiz y Sevilla, los plutcratas en ciernes de Estados Unidos y los
pocos azucareros haitianos que han logrado salvarse de la ruina, todos venen a impulsar el azcar
habanera. Ibidem, t. 1, p. 68.

76

quadruplicaram entre 1774 e 1827, passando de 171.000 para 704.000. A proporo de
populao escrava no perodo passou de 23% para 41%, refletindo o dinamismo da
plantation
178
. O avano do acar induziu mudanas no somente na composio da
populao, mas tambm nos padres de integrao da ilha, impulsionando a conexo de
regies at ento autnomas, progressivamente uniformizadas sob a gide da
plantation
179
:

Hasta fines del siglo XVIII no existi una nocin concreta de unidad insular. Cuba est
constituida por ncleos sociales de caractersticas formales diferenciadas y una muy
especial vida autnoma. Estos elementos tpicos comienzan a desaparecer con la
unidad que comunica el azcar
180
.

A consolidao da grande plantao associada ao trabalho escravo e renovao
do pacto colonial, em um momento em que o sentido do movimento histrico apontava
para a afirmao do capitalismo e a emancipao nacional, deve ser entendida luz da
tripla conjuno entre a impotncia da oligarquia cubana, o atraso do capitalismo
espanhol e o impasse na disputa entre Estados Unidos e Inglaterra pelo domnio do
Caribe.
Ao identificar o desenvolvimento da ilha com a expanso da plantation, a
sacarocracia selou o seu destino subordinado como classe, na medida em que
dependeria irremediavelmente do poder metropolitano para assegurar o suprimento de
escravos e afianar a ordem social interna
181
. Por outro lado, o atraso relativo do
capitalismo espanhol restringiu as possibilidades de renovao do lao colonial em
moldes estritamente econmicos. Incapaz de proporcionar mercados relevantes,
indstrias complementares, ou capital para investir
182
, a metrpole aferrou-se

178
HALPERIN DONGHI, op. cit., p. 366.
179
Do ponto de vista poltico, a ascenso do acar (e em menor medida do caf) sobre o tabaco,
representa o triunfo das foras sociais criollas adeptas do livre-comrcio sobre o estatismo espanhol
vinculado aos controles monopolistas. MORENO FRAGINALS, Manuel. Cuba- Espanha- Cuba. Uma
histria comum. Bauru: Edusc, 2005, captulo 14.
180
MORENO FRAGINALS, Maunel. El Ingenio. 2. ed. La Habana: Editorial de Ciencias Sociales, 1986,
t. 1, p. 148.
181
O espectro da guerra servil aparece ainda mais claramente como um aspecto da questo de classe,
pois logo se reduz a uma simples proposio: os escravocratas, considerados uma classe aparte da
burguesia metropolitana, no podiam governar. Constituam, neste sentido, no uma classe dominante em
absoluto, mas uma camada da classe dominante metropolitana. GENOVESE, op. cit., p. 49.
182
La metrpoli espaola, con mnimo consumo de productos coloniales, no puede ofrecer a Cuba un
mercado preferencial de consideracin. Sin refineras ni amplio comercio internacional, no puede
ejercer el papel metropolitano de procesador de materias primas y reexportador. Sin industrias, no
puede abastecer a su colonia de productos manufacturados. Sin marina, no puede establecer el tpico
privilegio de navegacin. Y finalmente (aunque no lo ltimo), la falta de unidad de su sistema
monetario y el nulo desarrollo de sus instituciones crediticias, determinan tambin que Espaa carezca

77

manipulao das contradies que pressionavam o escravismo sob o capitalismo para
sujeitar a sacarocracia
183
.
Assim, em uma conjuntura em que o imprio encontrava-se ameaado
internamente pelas guerras de independncia e externamente pela concorrncia
capitalista, a Espanha foi constrangida, em Cuba, a ceder os anis para no perder os
dedos. Os peninsulares permitiram uma margem de autonomia indita para a oligarquia
insular
184
, relaxando o controle sobre o comrcio dos produtos coloniais
185
,

em uma
circunstncia na qual a sua dominao assentaria-se principalmente em mecanismos
polticos
186
. Neste sentido, Moreno Fraginals afirma que: Cuba ficou como uma
colnia poltica da Espanha sem ser, no sentido da economia clssica, uma colnia
econmica
187
.
Do ponto de vista do capital internacional, a renovao do lao colonial em
termos que propiciaram a participao econmica de outros pases nos negcios
cubanos tornou a preservao da dominao espanhola um arranjo satisfatrio,
principalmente para a Inglaterra e os Estados Unidos. Receosa de provocar uma
gravitao definitiva da ilha para a esfera de influncia estadunidense, os ingleses
combinaram a presso poltica pela abolio da escravido com a tolerncia

de mecanismos financieros capaces de actuar como instrumentos de dominacin. MORENO
FRAGINALS, Manuel. El Ingenio. 2. ed. La Habana: Editorial de Ciencias Sociales, 1986, t. 2, p. 130.
183
Sem aptides para estabelecer uma explorao colonial ao modo capitalista, a Espanha optou por
desenvolver uma poltica de fora que era essencialmente anticapitalista, pois a possibilidade de sua
aplicao residia em explorar as contradies escravistas como recurso de sobrevivncia. MORENO
FRAGINALS, Manuel. Cuba- Espanha- Cuba. Uma histria comum. Bauru: Edusc, 2005, p. 250.
184
Las carencias metropolitanas, anteriormente anotadas, y su convulsa situacin interna y desastre
imperial, proporcionaron a la sacarocracia criolla la posibilidad de organizar el cuadro institucional
econmico-poltico de ms amplia autonoma que jams haya tenido colonia alguna en el mundo.
MORENO FRAGINALS, Manuel. El Ingenio. 2. ed. La Habana: Editorial de Ciencias Sociales, 1986, t.
2, p. 130.
185
En sntesis, como hicieron con el azcar y las mieles finales, tambin en el caso del ron o
aguardiente de caa, la sacarocracia criolla y los propios comerciantes espaoles en la Isla, se vieron
obligados a buscar mercados distintos del metropolitano, y un transporte martimo que no fuese la flota
mercante de Indias. Ibidem, t. 2, p. 105.
186
O que se traduzia em vultuosos ganhos econmicos, principalmente atravs do trfico negreiro
arrebatado pelos mercadores peninsulares dos ingleses que liquidavam o seu negcio. La posesin de
una colonia tan rica como Cuba fue un factor positivo en la situacin monetaria espaola. Por una parte,
Espaa perciba las grandes remisiones en efectivo que los comerciantes de la Isla hacan a las casas
matrices, pues el comercio colonial cubano estaba dominado por empresas metropolitanas. Por otra
parte, la hacienda espaola reciba, tambin en efectivo, la gran contribucin de la colonia al
presupuesto de la metrpoli. Y finalmente, la balanza comercial cubana, altamente excedentaria en su
intercambio con los Estados Unidos y los principales mercados europeos, provea a Espaa de un saldo
acreedor que le permita compensar su crnico dficit. Ibidem, t. 2, p. 145.
187
MORENO FRAGINALS, Manuel. Cuba- Espanha- Cuba. Uma histria comum. Bauru: Edusc, 2005,
p. 199.

78

econmica
188
. O resultado que, embora a coroa espanhola endosse a proibio do
trfico em 1820
189
, os escravos sero introduzidos ilegalmente na ilha em altas
quantidades at a derrota sulista na guerra da secesso, fato que compromete
definitivamente as estruturas do contrabando
190
.
Em suma, a renovao do nexo colonial em Cuba viabilizou o desenvolvimento
da plantation e a integrao imediata da ilha aos dinamismos do mercado mundial.
Enquadrado nos marcos da crise do antigo sistema colonial, o desenlace do processo
cubano revela-se, na viso de Halperin Donghi, coerente com a dinmica subjacente ao
movimento que conduziu independncia na Amrica continental
191
:

Esta reliquia colonial ha realizado, en efecto, mejor que cualquiera de los
pases recientemente emancipados uno de los objetivos esenciales del proceso
emancipador: la emancipacin de su economa exportadora mediante la
incorporacin ms directa al mercado atlntico. Esa situacin paradjica es
fruto del vigor que en su ltima floracin conserva la plantacin, y tambin del
cumplimiento slo parcial y desigual del programa independentista en el
continente
192
.


C) INSERO DE CUBA NO MERCADO MUNDIAL

O xito espetacular do setor mercantil cubano, que na dcada de 1830 tornou-se
lder mundial na exportao de acar, caf, mis (melao), aguardente e cobre,

188
En realidad los capitalistas britnicos no tenan inters alguno en arruinar la produccin algodonera
de USA de la cual dependa la potente industria textil inglesa la mayor del mundo en la poca ni
tampoco deseabn liquidar su rico intercambio comercial con Cuba y Brasil. MORENO FRAGINALS,
Manuel. El Ingenio. 2. ed. La Habana: Editorial de Ciencias Sociales, 1986, t. 2, p. 130.
189
Las grandes facilidades ofrecidas por las autoridades espaolas a los negreros facilitaron esta
introduccin ya que aunque prohibida de jure, la trata qued autorizada y aun protegida de facto.
Ibidem, t. 2, p. 275.
190
El libre comercio de esclavos africanos a Cuba se inicia en 1790: pero la trata de esclavos fue
suprimida por Dinamarca en 1802, por Inglaterra en 1808, por Suecia en 1813, por Holanda y Francia
en 1814 y por Espaa en 1820. Es decir, el gran desarrollo esclavista cubano tiene lugar al mismo
tiempo en que Europa desenvuelve una intensa campaa contra este tipo de comercio de hombres. Esto
determin que fueran ms los esclavos que entraron en Cuba de contrabandoque legalemente.
MORENO FRAGINALS, Manuel. Plantaciones en el Caribe: el caso Cuba- Puerto Rico- Santo Domingo
(1860-1940). In: Idem. La historia como arma. Barcelona: Crtica, 1999, p. 51.
191
Moreno Fraginals sintetiza as razes da sacarocracia para renovar o pacto colonial: Primeiro, porque
no momento da independncia americana, Cuba tem uma enorme populao escrava, quase toda africana
(os negros criollos esto em minoria), e a experincia colonial (Saint Domingue) tinha assinalado que
uma guerra entre os senhores leva inevitavelmente a uma sublevao escrava e runa da riqueza baseada
na escravido. Segundo, porque sob o Antigo Regime a sacarocracia criolla era governo de fato, e
portanto no tinha razes para exercer a violncia. MORENO FRANGINALS, Manuel. Cuba- Espanha-
Cuba. Uma histria comum. Bauru: Edusc, 2005, p. 206.
192
HALPERIN DONGHI, op. cit., p. 373.

79

colocando-se entre os primeiros em cera, mel de abelhas e tabaco
193
, foi constrangido
por contradies estruturais que afloraram no decorrer do sculo XIX, marcado por um
longo processo agnico que reduziria uma economia exportadora relativamente
diversificada, comandada por uma oligarquia dotada de iniciativa poltica e econmica,
condio de mera fornecedora do truste aucareiro estadunidense
194
. Esta trajetria foi
balizada pelos limites intrnsecos a um nexo colonial peculiar, que vinculava uma
oligarquia escravista a uma metrpole impotente, em um contexto de afirmao da
revoluo industrial e de notvel crescimento do capitalismo estadunidense, instigando
a expanso da rea de influncia deste pas.
Neste contexto, a iniciativa burguesa da oligarquia criolla esteve duplamente
coibida pelos condicionamentos impostos pela plantation, uma vez que a dependncia
estrutural em relao ao polo comercial inibia as possibilidades de autonomizao
econmica, enquanto a perpetuao da escravido bloqueava o alargamento do consumo
interno
195
. Cerceado o campo para a inovao tecnolgica em funo dos entraves
difuso do trabalho assalariado, a ampliao da capacidade produtiva da ilha confinou-
se ao crescimento extensivo da plantao
196
. Esta realidade acentuou a vulnerabilidade
da sacarocracia em relao aos mercadores espanhis, na medida em que a crescente
perseguio ao trfico tornava a proviso do brao negro mais incerta e cara,

193
Nenhum destes produtos ameaou a hegemonia do acar, que imprimiria uma marca indelvel
sociedade cubana atravs do sculo. Bajo el doble impulso de una legislacin especial y un dinmico
setor empresarial, y apoyada en extraordinarias condiciones naturales (tierras de gran fertilidad, ptimo
rgimen de lluvias, grandes recursos forestales, etc.), se entiende por qu Cuba fue la primera
productora mundial de azcar desde 1829 a 1883. MORENO FRAGINALS, Manuel. El Ingenio. 2 ed.
La Habana: Editorial de Ciencias Sociales, 1986, t. 1, p. 75.
194
En sntesis, el periodo analisado es para el azcar cubana el del trnsito de la pluralidad de
mercados a un slo mercado; de una relativa pluralidad de productos de exportacin a una posicin
monoexportadora; del paso, en lo economico, del colonialismo subdesarrollado espaol a la rbita
neocolonial norteamericana. Ibidem, t. 2, p. 172.
195
Em consonncia com o rechao ao marxismo no mbito acadmico nos ltimos decnios, emergiram
diversas contestaes interpretao de Moreno Fraginals. No Brasil, difundiu-se principalmente a leitura
de Rebecca Scott, que contesta a incompatibilidade entre trabalho escravo e inovao tecnolgica,
enfatizando o papel da resistncia escrava em detrimento das contradies estruturais em uma anlise
sobre o fim da escravido em Cuba. SCOTT, Rebeca. Emancipao Escrava em Cuba a transio para
o trabalho livre (1860-1899). So Paulo: Paz e Terra, 1991. Uma introduo ao debate em: SCHMIDT-
NOWARA, Cristoper. Manuel Moreno Fraginals: an Appreciation. Hispanic American Historical
Review, v. 82, n. 1, p. 125-127, feb. 2002.
196
Although total production increased faster than the number of mills (the average mill produced 30
tons in 1792, 46 tons in 1802, 90 tons in 1827, and 200 tons in 1850), no trend toward concentration was
yet apparent. In fact, expansion was based primarily on the incorporation of new units of production.
CORTS CONDE, Roberto. The first stages of modernization in Spanish America. Nova Iorque: Harper
& Row, 1974, p. 38.

80

engendrando um movimento secular destinado a minar a base econmica de poder da
oligarquia criolla
197
.
Por outro lado, em uma conjuntura em que a abolio legal do trato escravo em
1820 agravou a sujeio do negcio aucareiro s possibilidades da coroa acobertar o
trfico, ao mesmo tempo em que a consumao da independncia na Amrica
continental ensejou a concentrao dos esforos peninsulares na explorao colonial do
Caribe
198
, recrudesceu o empenho espanhol em recuperar as posies de fora na
poltica interna da ilha. Impossibilitada de responder s demandas tipicamente
econmicas que o dinamismo da exportao agrcola colocava, a dominao espanhola
baseou-se na reproduo esttica da ordem e nos mecanismos de fora em que
assentava-se a espoliao colonial, como aponta Florestan Fernandes:

De fato, o vnculo colonial de Cuba com a Espanha repousava sobre processos
estticos (de reproduo da ordem existente) e numa relao parasitria
insustentvel entre a metrpole e a colnia. O sistema de poder colonial,
fundado na dominao direta, perdera sua base econmica. Ele se sustentava na
fora militar, no apoio direto ou indireto que os interesses espanhis recebiam
de muitos hacendados e negociantes cubanos e na confiana dos estadunidenses
na eficcia desses interesses para manter a estabilidade da ordem vigente
199
.

O crescimento extensivo da plantation foi temporariamente viabilizado com a
instalao progressiva da rede ferroviria a partir de 1837, que ampliou as reas
agricultveis acentuando o processo de unificao da ilha sob a gide do acar
200
. No
entanto, a convergncia entre a intensificao da perseguio ao trfico em um contexto

197
A tendncia, irreversvel, era a elevao contnua do preo do escravo (devida perseguio
internacional do trfico e crise no mercado fornecedor) e queda do preo unitrio do caf e do acar
por causa da violenta expanso dos mercados produtores. E como o valor do escravo era o componente
fundamental do capital investido em engenhos e cafezais, no longo prazo o negcio produtor passaria
para as mos dos comerciantes ibricos. MORENO FRAGINALS, Manuel. Cuba- Espanha- Cuba. Uma
histria comum. Bauru: 2005, p. 247.
198
En esta etapa intermedia de 1815-1819 a 1838-1842, vamos a contemplar nicamente la lucha
espaola por desmontar el utillaje econmico-poltico-institucional levantado por la sacarocracia en el
perodo anterior. Y de que modo la clase de comerciantes y funcionarios peninsulares se fueron
apropiando de los nuevos mrgenes de formacin bruta de capital creado por una produccin azucarera
que ellos no fomentaban ni ayudaban a expandir. MORENO FRAGINALS, Manuel. 2. ed. La Habana:
Editorial de Ciencias Sociales, 1986, t. 2, p.133.
199
FERNANDES, Florestan. Da guerrilha ao socialismo: a revoluo cubana. So Paulo: Expresso
Popular, 2007, p. 58-59.
200
A partir de 1837 se inicia en Cuba la ms violenta expansin azucarera que conociera la historia. El
ferrocarril a Gines marca un hito fundamental. La nueva tecnologa de transporte rompe los lmites
territoriales impuestos a la manufactura haciendo posible la explotacin altamente rentable de las
tierras vrgenes del interior de la Isla. MORENO FRAGINALS, Manuel. 2. ed. La Habana: Editorial de
Ciencias Sociales, 1986, t. 1, p. 272.

81

de submisso espanhola poltica inglesa
201
e a revoluo tecnolgica operada pela
introduo dos aparelhos a vcuo no processamento do acar a partir dos anos 1840
202

colocou em situao crtica a reproduo da escravido, desencadeando uma srie de
consequncias elencadas por Moreno Fraginals:

En general la situacin determina o acelera cinco hechos al parecer
independientes: el movimiento poltico de anexin a Estados Unidos, la ruina
definitiva del caf, el mejoramiento del nivel de vida de los esclavos, el
acelerado proceso de mecanizacin azucarera y el inicio del comercio de
chinos
203
.

Do ponto de vista da fora de trabalho, a escassez do brao escravo provocou a
migrao de trabalhadores dos cafezais aos engenhos, acelerando a decadncia da
produo cafeeira, ao mesmo tempo em que estimulou uma melhoria no tratamento aos
cativos, com o intuito de favorecer o seu crescimento vegetativo
204
. Por outro lado, a
mecanizao produtiva estimulou a busca por trabalhadores chineses como alternativa
de trabalho livre
205
.
No plano poltico, a proposta de anexao aos Estados Unidos no era uma
novidade ideolgica. Sua raiz estava na adeso intransigente escravido, que
condicionou as fronteiras em que movimentou-se a poltica da sacarocracia desde a
afirmao da plantation, oscilando entre o independentismo e o anexionismo aos
Estados Unidos como respostas potenciais a qualquer iniciativa que ameaasse a ordem
escravista. Selada a opo colonial no incio do sculo, esta ideologia evoluiu para o
anexionismo/reformismo, segundo os termos empregados por Moreno Fraginals
206
, na
medida em que a corroso do escravismo levava a oligarquia insular a pressionar a

201
As, una serie de factores contradictorios caracterizan el convulso desarrollo manufacturero de las
dcadas 1840 y 1850. En primer lugar, los sacarcratas viven varios aos bajo el temor de una posible
abolicin de la esclavitud por parte del govienrno espaol totalmente sometido a la poltica inglesa y
confrontan tambin la realidade de una eficaz persecucin del comercio de negros por parte de la
marina britnica. Ibidem, t. 1, p. 272.
202
No haba posibilidad de adelantar con los viejos sistemas: Los trenes jamaiquinos eran el pasado
definitivo y sin retorno. Los aparatos al vaco, el futuro industrial incontenible. Al transformar el equipo
bsico del ingenio, invierten totalmente el sistem de produccin. Esto no haba pasado ni con el trapiche
ni con la mquina a vapor que eran equipos secundarios. A partir de la decada de 1840 y hasta la
terrible crisis de los aos 1880-1885, el panorama azucarero cubano es de trgica lucha visceral.
Ibidem, t. 1, p. 226.
203
Ibidem, t. 1, p. 273.
204
El buen tratamiento era el sntoma ms visible de la disolucin de la esclavitud. Ibidem, t. 2, p. 90.
205
Todos los grandes ingenios mecanizados se fundan empleando al trabajo de los chinos. Ibidem, t. 1,
p. 221.
206
O reformismo/anexionismo foi um iderio poltico colonialista, por quanto baseava sua eficcia na
reunio de Cuba Espanha ou numa mudana de metrpole. MORENO FRAGINALS, Manuel. Cuba-
Espanha- Cuba. Uma histria comum. Bauru: Edusc, 2005, p. 249.

82

coroa espanhola, com o punhal da anexao no peito, por reformas que perpetuassem
seus privilgios nos negcios coloniais. Embora seja uma ideologia nascida na
sacarocracia, sua influncia estendeu-se aos setores mdios brancos, em um contexto no
qual os Estados Unidos despontavam como referncia de modernidade para muitos na
Amrica Latina
207
. Do ponto de vista do Estado ianque, a anexao foi sempre
contemplada como uma possibilidade concreta, ocasionando diversas ofertas de compra
da possesso espanhola
208
. No entanto, ao final, prevaleceu a chamada poltica da ma
madura, prevendo que, com o tempo, Cuba naturalmente gravitaria para o seu campo
hegemnico
209
.
Em suma, impotente para comandar os processos de inovao produtiva
impostos pelo dinamismo do mercado mundial por dentro do lao colonial, seja por
iniciativa prpria ou atravs dos nexos com a metrpole ibrica, a sacarocracia reduziu
progressivamente o seu papel econmico ao suprimento de matria-prima para o truste
aucareiro que conformou-se a partir dos anos 1860 nos Estados Unidos. Este
movimento acentuou a crise nos setores vinculados exportao do acar, que logo
contagiaria outros estratos sociais, incendiando a ilha, quando eclode a Guerra dos Dez
Anos em 1868
210
.



207
um iderio poltico que respondia a interesses econmicos, mas que tambm tinha um profundo
contedo tico e de progresso social; e distintos personagens da poca o assumiram de forma diversa.
Reduzir esse complexo mundo afirmao da histria tradicional pseudomarxista, por exemplo, de que
anexando-se aos Estados Unidos os plantadores buscavam somente proteger a propriedade de seus
escravos uma simplificao grotesca e que exclui numerosos aspectos das explicaes, entre os quais os
mltiplos anexionistas sem escravos ou antiescravistas, antes e depois da Guerra da Secesso norte-
americana. Ibidem, p. 250.
208
Several times in the nineteenth century the United States attempted to buy the island outright. James
Polk offered U$100 million for it in 1848, without effect. Six years later Franklin Pierce raised the
purchase offer to U$ 130 million, but with no greater success. The Grant administration also
contemplated purchase, but nothing came of that project either. The United States thus reconciled itself to
continued Spanish sovereignty over Cuba and, indeed, resolved to defend Spanish rule as an adequate if
temporary substitute for annexation. PREZ JR., Louis A. The War of 1898. The United States and
Cuba in: history and historiography. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 1998, p. 5.
209
Na realidade, os Estados Unidos estavam convencidos da teoria da ma, que ao amadurecer (Cuba)
cairia inevitavelmente em sua rbita. MORENO FRAGINALS, Manuel. Cuba- Espanha- Cuba. Uma
histria comum. Bauru: Edusc, 2005, p. 256.
210
El proceso de desmoronamiento economico-moral de la sacarocracia criolla se ocult tras un
andamiaje ideolgico deleznable, que en lo poltico puso de manifiesto la falta de fe en Cuba como
nacin, en lo social revel la frustracin de la clase como factor hegemnico, ya que se mostr incapaz
de dirigir a la sociedad cubana hacia un destino superior, y en lo econmico busc la salvacin de sus
capitales invertidos en esclavos y tierras apelando a un hipcrita fervor agrcola, cerrando el paso a
todo posible intento de desarrollo industrial y entregando a Cuba a la accin neocolonial de Estados
Unidos. MORENO FRAGINALS, Manuel. El Ingenio. 2. ed. La Habana: Editorial de Ciencias Sociales,
1986, t. 2, p. 201.

83

d) CUBA E O IMPERIALISMO

O arco da vida de Jos Mart (1853-1895) corresponde ao perodo de
transformaes nas relaes de produo do acar provocadas pelo impacto do
imperialismo na ilha, desencadeando a crise da ordem escravista que desembocar nas
guerras em que a afirmao da nacionalidade cubana se defrontar com os
constrangimentos internos e externos colocados pela renovao dos nexos coloniais, que
encaminham para a consolidao de uma economia de enclave. De acordo com
Florestan Fernandes:

Ao aprofundar-se, a modernizao da colonizao forou uma rearticulao
com os espanhis e a incorporao comercial e financeira de Cuba aos Estados
Unidos. Em conseqncia, as contradies no contriburam para intensificar ou
fortalecer a primeira tentativa de revoluo nacional, mas para impor a
conteno conservadora e contra-revolucionria das foras vivas da sociedade
colonial cubana
211
.

A partir da metade do sculo XIX, evidenciou-se a impossibilidade de expandir
a atividade aucareira cubana nos moldes prevalentes, favorecendo tendncias
concentrao da produo impulsionadas por mudanas polticas e econmicas na
conjuntura internacional
212
. Nos Estados Unidos, o desfecho da Guerra da Secesso
(1861-1865) encerrou as possibilidades de contrabando escravo, ao mesmo tempo em
que gerou as condies para consolidar o truste refinador, potencializando a sua
interveno organizada sobre a produo cubana
213
. A tendncia modernizao dos
processos produtivos, acentuada pela concorrncia crescente do acar de beterraba
europeu
214
, engendrou um processo de centralizao que originaria as grandes centrales

211
FERNANDES, Florestan. Da guerrilha ao socialismo: a revoluo cubana. So Paulo: Expresso
Popular, 2007, p. 62.
212
By the 1860s the sugar industry had reached a point at which expansion under previous conditions of
exploitation came to a halt. CORTS CONDE, Roberto. The first stages of modernization in Spanish
America. Nova Iorque: Harper & Row, 1974, p. 40.
213
Liquidada la manufatura azucarera de Luisiana (secesso)el negocio refinador cobr una
importancia decisiva, convertindose, durante varios lustros, en la primera industria de Estados Unidos.
Esto origin una competencia a muerte entre las refineras, que lleva a la constitucin del trust del
azcar; y al mismo tiempo exigi un mtodo moderno, es decir, imperialista de control de la fuente de
materia prima. MORENO FRAGINALS, Manuel. El Ingenio. 2. ed. La Habana: Editorial de Ciencias
Sociales, 1986, t. 2, p. 195.
214
Tomando como base las mismas fechas empleadas a lo largo de este estudio, podemos indicar que en
1860, con una produccin total de 352000 t, el azcar de remolacha representa el 20 por 100 de la
produccin mundial. En 1890, con 3.700.000 t cubre el 50 por 100. Europa pasaba as de una situacin
de importadora neta de azcar de caa a la de exportadora neta. MORENO FRAGINALS, Manuel.
Plantaciones en el Caribe: el caso Cuba Puerto Rico Santo Domingo (1860-1940). In: ______. La

84

industriais em substituio aos engenhos como unidades de processamento,
transformando radicalmente as bases da produo do acar em Cuba. Nas palavras de
Moreno Fraginals: No es exagerado decir que, en el azucar del Caribe, en 1890 todo
es distinto a lo que existiera en 1860
215
.
Impossibilitados de concorrer com a qualidade do refino industrial baseado no
investimento intensivo em maquinaria e no trabalho assalariado, a produo de acar
branco tornou-se antieconmica para os engenhos fundados no trabalho escravo. Neste
contexto, a posio da sacarocracia cubana debilitou-se progressivamente, submetida a
uma dupla presso: por dentro, a oligarquia comercial e financeira espanhola
216
assumia
a direo das usinas, enquanto, por fora, o truste aucareiro monopolizava o mercado
consumidor, subordinando a produo da ilha aos seus desgnios atravs de prticas que
subvertiam as bases da produo e da comercializao do acar no mercado
mundial
217
. Nesta circunstncia, a anteriormente poderosa sacarocracia cubana
concentrou-se na produo do acar crudo, matria-prima para a indstria refinadora
estadunidense, sinalizando um processo que, na viso de Moreno Fraginals, revelava
mltiplas implicaes
218
.

Este hecho, nunca analizado por la historiografia tradicional cubana, es
sumamente complejo y muestra cuatro de las vertientes de un mismo problema
estrutural: primero, la crisis de la esclavitud en Cuba; segundo, la liquidacin
definitiva de la antigua manufactura azucarera; tercero, la desaparicin de la
sacarocracia criolla como una de las clases rectoras de la sociedad cubana; y
cuarto, el traspaso de la hegemona colonial de Madrid a Washington
219
.

historia como arma y otros estudios sobre esclavos, ingenios y plantaciones. Barcelona: Crtica, 1999, p.
65.
215
Ibidem, p. 56.
216
A principios del XIX Cuba era colonia espaola, pero dictaba las leyes azucareras: era, en cierta
forma, metrpoli econmica. Ahora, segua siendo colonia poltica y era adems colonia productora,
simple suministradora de materias semielaboradas para los pases altamente industrializados.
MORENO FRAGINALS, Manuel. El Ingenio. Editorial de Ciencias Sociales, La Habana, 1986, t. 1, p.
255.
217
En sntesis, la moderna industria azucarera, con su intrincado complejo econmico, su enorme
volumen de produccin con una calidad estndar internacional, se inserta en un mundo que desde los
aos sesenta est siendo comocionado, adems, por el desarrollo del capitalismo monopolista mundial,
la velocidad creciente del transporte de mercancas y las nuevas tcnicas de obtencin, procesamiento y
transmisin de informaciones.(...) En los treinta aos finales del siglo el mercado azucarero qued
concentrado en manos de unos pocos grupos refinadores y banqueros, que emplearon formas novsimas
de dominio para someter a los productores de azcar cruda y eliminar a los antiguos comerciantes.
MORENO FRAGINALS, Manuel. Plantaciones en el Caribe: el caso Cuba Puerto Rico Santo
Domingo (1860-1940). In: ______. La historia como arma y otros estudios sobre esclavos, ingenios y
plantaciones. Barcelona: Crtica, 1999, p. 69-70.
218
Ahora, en 1860, para quienes no pueden industrializarse, el mejor negocio es atrasar. MORENO
FRAGINALS, Manuel. El Ingenio. 2. ed. La Habana: Editorial de Ciencias Sociales, 1986, t. 1, p. 255.
219
Ibidem, t. 2, p.197.

85


Inscritas neste movimento da histria cubana, as transformaes impostas ao
engenho aceleraram a runa dos proprietrios no incorporados ao fluxo modernizador
que atingia a indstria aucareira do ocidente da ilha, gerando as condies da ciso
intraoligrquica que est na raiz da ecloso da Guerra dos Dez Anos em 1868
220
.
Detonado originalmente por proprietrios decadentes da regio oriental, o desenrolar do
conflito sobreps causa nacional motivaes de classe e de raa, em uma conjuntura
na qual era necessrio promover a integrao de negros e mulatos para fortalecer o
exrcito
221
e o projeto poltico rebelde
222
. O massivo envio de tropas
223
e as tticas de
terra arrasada empregadas pelos espanhis no foram suficientes para derrotar os
revoltosos
224
, mas a falta de unidade em suas fileiras diante de questes como a
escravido
225
e o anexionsimo dificultou o avano da guerra s regies central e
ocidental da ilha, franqueando o impasse que levou assinatura do pacto de Zanjn
226
.
Conferindo o estatuto de provncia espanhola a Cuba sem outorgar-lhe a liberdade
227
, o
pacto foi contestado imediatamente por setores do bando rebelde, provocando a
continuao dos combates na chamada Guerra Chiquita, alm de diversos levantes

220
Es un hecho comprobado que en Cuba, en el ao de 1863 sobre el 95 por 100 de las propiedades
azucareras pesaban gravmenes hipotecarios. Ibidem, t. 2, p.75.
221
O movimento revolucionrio demonstrou muito cedo que no era possvel a luta armada sem a
direo de militares experientes, a liberdade dos escravos e a incorporao de negros e mulatos.
MORENO FRAGINALS, Manuel. Cuba- Espanha- Cuba. Uma histria comum. Bauru: Edusc, 2005, p.
298.
222
Essa fuso social na base tornou possvel a integrao dos diversos objetivos perseguidos pelos
distintos setores sociais participantes na luta. Reuniam-se num s feixe aspiraes diferentes, tais como a
liberdade poltica (nacional) que perseguiam os criollos brancos da sociedade dominante, a transformao
econmica do pas, a batalha contra a escravido (que embora tambm fosse uma finalidade dos brancos
tinha um peso infinitamente maior entre os negros), o combate desigualdade e ao menosprezo
(prioridade dos negros e mulatos livres), a exaltao dos valores ptrios (...) Ibidem, p. 302.
223
(...) 208.597 soldados, cifra mnima estimada. Ibidem, p. 309.
224
Segundo Moreno Fraginals, a reao em Cuba foi conduzida pela oligarquia financeiro-comercial
espanhola na ilha que j era mais poderosa do que os sacarocratas cubanos, e que foi responsvel pelo
incio da luta pela restaurao monrquica na pennsula, embora isso nunca aparea nas histrias da
Espanha, o que revelador da fora dos interesses coloniais na Espanha decimonnica. Ibidem, p. 293.
225
As conexes entre raa e identidade nacional no perodo entre a Guerra dos Dez Anos e a
independncia cubana so analisadas detalhadamente em: FERRER, Ada. Insurgent Cuba: Race, Nation
and Revolution. The University of North Carolina Press, 1999.
226
Algum observou que, afinal, tratava-se de uma luta de duas impotncias: a cubana para vencer a
Espanha e a espanhola para derrotar Cuba. Isso, juntamente com um enorme cansao de dez anos, o
interesse norte-americano em obter a paz em Cuba e a inteligente atuao de Arsenio Martnez Campos
que mediante concesses fez renascer o reformismo como opo poltica criolla, permitiriam a assinatura
de uma paz, tensa como a guerra. MORENO FRAGINALS, Manuel. Cuba- Espanha- Cuba. Uma
histria comum. Bauru: Edusc, 2005, p. 312.
227
Fernndez Retamar destaca um sintoma da radicalizao popular da guerra: La guerra la iniciaron
patricios como Carlos Manuel de Cspedes, Francisco Vicente Aguilera e Ignacio Agramonte, que no
sobrevivieron a la contienda; al terminarse esta primera etapa, protesta del pacto de paz un general
como Maceo, mulato e hijo de campesinos medios. FERNNDEZ RETAMAR, Roberto. Cuba
Defendida. La Habana: Letras Cubanas, p. 89.

86

armados de menor expresso nos anos seguintes
228
. Esta efervescncia indicava que o
cessar fogo era encarado por muitos como uma trgua, at que se reunissem as
condies para retomar a luta armada.
Do ponto de vista do desenvolvimento das foras produtivas, a destruio
encetada pela guerra livrou campo para uma ulterior expanso da moderna produo
aucareira, acentuando as tendncias de centralizao produtiva e desintegrao do
trabalho escravo
229
, que culminariam na dcada de 1880 na revoluo industrial
aucareira cubana
230
, sintentizada por Moreno Fraginals nos seguintes termos:

Em sntese, poderamos dizer que nesses anos passa-se no acar do predomnio
do capital/trabalho ao predomnio da mquina, da escravido ao assalariado, do
trabalhador negro no engenho ao trabalhador branco, do engenho como unidade
global para uma especificidade funcional de um setor industrial e outro agrcola,
da multiplicidade de fbricas (mais de mil) concentrao numas poucas
unidades (menos de duzentos e cinqenta), da diversidade de mercados para o
acar na dcada de 1860 a um nico mercado (o dos Estados Unidos) e um
nico comprador (o Sugar Trust), da sacarocracia criolla a uma sacarocracia
espanhola
231
.


228
Foi uma trgua que se viu interrompida por vrios conflitos armados, rapidamente localizados e
afogados em sangue. Por exemplo, em julho de 1883, o coronel do antigo exrcito independentista
Ramn Leocadio Bonachea tentou um desembarque em Manzanillo, ao sul da regio oriental de Cuba.
Foi capturado e fuzilado junto a outros de seus companheiros. Dois anos mais tarde, em maio de 1885,
desembarcou tambm na regio oriental a expedio do oficial general Limbano Snchez, com 16 antigos
combatentes do exrcito independentista, numa nova tentativa de iniciar a guerra. Limbano Snchez e
Ramn Gonzlez morreram nos primeiros encontros com as tropas espanholas; os demais expedicionrios
foram feitos prisioneiros, cinco deles fuzilados e os demais condenados priso perptua. Em novembro
de 1893 e 1894 registraram-se pequenos mas sintomticos levantes independentistas nas localidades de
Lajas e Ranchuelos, respectivamente. Em Oriente, foram detidos, por conspirao, os antigos oficiais
generais Guillermo Moncada e Quintn Banderas. Mais tarde caa preso o coronel Garzn. Em Puerto
Prncipe descobriu-se o envio de 200 rifles e 40.000 cartuchos, que o conspirador Enrique Loinaz tratou
de introduzir clandestinamente. MORENO FRAGINALS, Manuel. Cuba- Espanha- Cuba. Uma histria
comum. Bauru: Edusc, 2005, p. 333.
229
En ese sentido es bueno aclarar que la sangrienta guerra de los diez aos reslut, desde el punto de
vista econmico, beneficiosa para el desarrollo de la moderna industria azucarera. En efecto, la guerra
que se libr fundamentalmente en la zona oriental de la Isla destruy ms de un centenar de
manufacturas, todas ellas atrasadas tecnolgicamente y poco productivas. Pero la zona de occidente,
donde se asentaban los gigantes productores y estaba instalada el 80 por 100 de la capacidad
productora de la Isla, no sufri los embates de la guerra. MORENO FRAGINALS, Manuel.
Plantaciones en el Caribe: el caso Cuba Puerto Rico Santo Domingo (1860-1940). In: ______. La
historia como arma y otros estudios sobre esclavos, ingenios y plantaciones. Barcelona: Crtica, 1999, p.
78.
230
Por ejemplo, los llamados ingenios mecanizados modernosde 1860 disponen, como promedio, de
unas 30-35 caballeras de caa (425-500 hectreas); el ingenio central de 1895 muele 100-120
caballeras (1400-1600 hectreas), y son comunes centrales con 150, 200 y ms caballeras. Ese
aumento en la capacidad de produccin determin un acelerado proceso de concentracin. En Cuba, en
1860, hay 1318 unidades que producen unas 515000 toneladas de azcar; en 1895 se han reducido a 250
unidades cuya produccin alcanza los niveles de milln de toneladas. Ibidem, p. 58-59.
231
MORENO FRAGINALS, Manuel. Cuba- Espanha- Cuba uma histria comum. Bauru: Edusc, 2005.
p. 309.

87

Impotente para comandar o processo de inovao tecnolgica
232
, a oligarquia
cubana refugiou-se na etapa agrcola da produo aucareira, em um contexto no qual a
centralizao impunha uma separao entre a plantao da cana e o seu processamento
industrial na usina central
233
. Do ngulo das relaes de produo, a expanso ditada
pela usina afetou o regime de terras na ilha, aguando a concentrao fundiria que
originou latifndios canavieiros
234
marcados por padres de trabalho herdados da
escravido
235
, a despeito da sua abolio oficial em 1881
236
. Na usina, a difuso do
assalariamento combinava-se a modalidades extraeconmicas de extrao do excedente,
obstruindo a formao de uma classe operria moderna
237
. A principal concentrao
proletria cubana se dava no setor tabaqueiro na cidade de Havana, transferida
progressivamente desde meados do sculo para a Flrida
238
, onde tornou-se uma
importante base social do PRC (Partido Revolucionrio Cubano) fundado por Mart
239
.

232
Naturalmente (...) un grupo de sacarcratas criollos realizaron un serio esfuerzo de
industrializacin. Y comenzaron a producir un azcar blanca, de gran calidad, que n encontr mercado.
Y an ms. Ni siquiera el azcar blanca centrfuga Pol 96 (que hoy dia es el crudo standard), producido
por esos mismos ingenios cubanos industrializados, hall mercado en Estados Unidos. Es decir, el
contexto del mercado mundial, conformado y dominado por los pases metropolitanos, estructurado por
los grandes refinadores de Europa y Estados Unidos, en funcin de sus intereses, no dejaba la
posibilidad de que un pas colonial y subdesarrollado como Cuba, pudiese invadirlo y controlarlo con
azcares de alta calidad. MORENO FRAGINALS, Manuel. El Ingenio. 2. ed. La Habana: Editorial de
Ciencias Sociales, 1986, t. 2, p. 198.
233
La respuesta a esta situacin, agravada por otros factores legales y sociales, fue establecer una
separacin de carcter empresarial entre la fabricacin de azcar (sector industrial) y el suministro de
la caa (sector agrcola) (...) La antgua oligarqua criolla azucarera de Cuba y Puerto Rico,
mayoritariamente desplazada de la fabricacin de azcar, quedar en muchos casos como propietaria de
campos caeros.

MORENO FRAGINALS, Manuel. Plantaciones en el Caribe: el caso Cuba Puerto
Rico Santo Domingo (1860-1940). In: ______. La historia como arma y otros estudios sobre esclavos,
ingenios y plantaciones. Barcelona: Crtica, 1999, p. 59-60.
234
La concentracin afect jurdicamente el rgimen de tenencia de tierras, planteando en Cuba y
Puerto Rico la emergencia del latifundio azucarero (...). Ibidem, p. 59.
235
En contraste con la modernidad del central, el sector agrcola sigui manteniendo los mtodos
obsoletos de siembra, cultivo y cosecha(...). Ibidem, p. 59.
236
En realidad desde los aos sesenta y mucho ms an en los setenta el trmino esclavitudencubre
una multiplicidad de formas de explotacin del trabajo. Ibidem, p. 80.
237
El central tpico cubano de la dcada de 1890 tiene el control de las tiendas mixtas donde compran
los trabajadores, los hoteles, casas o barracones que habitan de manera permanente o eventual, la
barbera, la farmacia, la carnicera, la herrera y, a veces hasta la casa de juego y la de prostitucin. Y
en parte para autofinanciarse, y en parte para cerrar las tenazas econmicas sobre toda la regin, los
centrales imponen adems sus monedas privadas como medio de pago. Ibidem, p. 60-61.
238
Cuban producers pushed for negotiation of commercial treaties with the United States but the
position of tobacco wholesalers and cigar makers was often against this. As political negotiation failed to
guarantee access to that market, investment was reduced, while Cuban cultivators and manufacturers
increasingly moved across to the United States. MONTAUD, Ins Roldn de. Spanish fiscal policies
and Cuban tobacco during the 19
th
century. Pitsburgh: University of Pittsburgh Press, Cuban Studies,
2002. N. 33. ps. 65-6.
239
By the early 1890s, Mart had discovered in Floridas cigar workers clubs and juntas a wellspring
of patriotic sentiment with a distinct affinity for his version of Cuba Libre. Clearly the most radical
sectors of the expatriate centers in the United States, the proletarian communities of cigar workers in Key
West, Tampa, Ocala and Jacksonville brought decades of labor militancy, political activism and an

88

Em sntese, o legado da guerra acelerou o processo destinado a erguer, sobre os
escombros do escravismo, um enclave aucareiro na era do imperialismo. Em um
contexto onde agravava-se a concentrao da terra, a expulso dos produtores
independentes, o desemprego rural e urbano, a bandidagem e a imigrao, a situao
dos trabalhadores no apresentava melhoras significativas, apesar da abolio da
escravido. Substitudo nas usinas pelo assalariado branco, condenado a trabalhar nos
campos de cana ou a vegetar nas cidades, o negro confrontou-se com o legado servil e o
preconceito generalizado que obstaculizavam sua integrao na sociedade de classes
240
.
Do ngulo da insero no mercado mundial, a modernizao produtiva sob a gide do
capital monopolista solidificou a ascendncia estadunidense sobre a economia cubana,
baseada em sofisticados mecanismos imperialistas que prescindiam do investimento de
capitais, estabelecendo um padro de controle sobre o mercado do acar antilhano que
prevalecer at meados do sculo XX
241
, como descreve Moreno Fraginals:

Ya en la dcada de 1880 estas tres islas (Cuba, Porto Rico e Repblica
Dominicana) venden sus azcares casi exclusivamente a Estados Unidos,
negocian con una sola firma dentro de ese mercado, dicha azcar se transporta
en barcos norteamericanos, el precio de venta lo fija la New York Produce
Exchange, y los comerciante y hacendados reciben los informes de precios y
estimados de produccin que les ofrece Willet and Gray, en noticias divulgadas
por la Associated Press, y transmitidas por la Western Union. Sin inversiones
de capital se estaba produciendo la anexin econmica de las tres islas: la
anexin fsica, por la violencia, sera cuestin de unos aos ms tarde
242
.

Incapaz de enderear a raiz dos problemas sociais e econmicos legados pelo
confronto, a gesto espanhola no perodo entre-guerras (1878-1895) buscou ampliar a

enduring sense of cubanidad to the separatist cause. (...) The separatist movement directed in 1860s by
separatist slaveowning Creole patricians, revived in the 1890s under the impetus of an expatriate
proletariat. PREZ JR. Louis A. Cuba between Empires (1878-1902). Pitsburgh: University of
Pitsburgh Press, 1983, p. 17.
240
De certa forma poder-se-ia dizer que os negros foram expulsos do setor fabril dos engenhos,
colocando-se em seu lugar operrios brancos. Muitos deles ficaram no setor agrcola, como escravos ou
trabalhadores livres nos campos de cana. Muitos outros negros e negras passaram a integrar o
lumpenproletariado das cidades. Numa contraditria situao que nunca tinha sido destacada, a
desintegrao do sistema escravista, unida ao processo legal de abolio, operou negativamente sobre
esses negros aculturados na servido. Sem a cultura do salrio, acostumados desde seu nascimento ao
trabalho bruto, extensivo, num regime que sempre lhes proporcionou comida, roupa e moradia; sem os
valores e normas de comportamento da sociedade chamada livre, muitos ex-escravos no tiveram
mecanismos scioculturais para sobreviver no novo mundo de lobos no qual ingressavam, e que em
certos aspectos podia ser to desumano como aquele do qual saam. MORENO FRAGINALS, Manuel.
Cuba- Espanha- Cuba. Uma histria comum. Bauru: Edusc, 2005, ps. 324-5.
241
Hacia 1890, el mundo comercial del azcar presenta ya las mismas caractersticas que va a
mantener hasta 1960. MORENO FRAGINALS, Manuel. Plantaciones en el Caribe: el caso Cuba
Puerto Rico Santo Domingo (1860-1940). In: ______. La historia como arma y otros estudios sobre
esclavos, ingenios y plantaciones. Barcelona: Crtica, 1999, p. 66.
242
Ibidem, p. 83.

89

sua base de sustentao poltica, combinando uma poltica oficial de hispanizao da
sociedade cubana mediante o estmulo macio da imigrao, com esforos para cooptar
os negros e mulatos
243
, nos marcos de um sistema poltico que tolerava a existncia de
dois partidos cujo denominador comum era a continuidade da dominao espanhola, em
sua modalidade integrista (unionistas) ou reformista (autonomistas)
244
. Vedados os
caminhos de oposio ordem na poltica insular, os veteranos irredutveis da guerra
buscaram o exlio, e o centro da conspirao revolucionria deslocou-se para os Estados
Unidos.
O empenho do governo espanhol em acomodar as tenses da sociedade cubana
foi irremediavelmente comprometido pela contradio entre a dominao colonial e a
identidade de interesse entre os capitalistas peninsulares do acar e o truste das
refinadoras estadunidenses. A ruptura da secular unidade ibrica diante dos interesses
criollos evidenciou-se no movimento articulado pela sacarocracia diante da
promulgao da McKinley Bill nos Estados Unidos
245
. Em uma situao em que o
domnio sobre o mercado cubano franqueava a este pas amplas condies para impor
represlias, o governo espanhol cedeu s presses internas e assinou um tratado de
reciprocidade comercial que permitia a livre entrada do acar cubano no mercado
estadunidense, selando, na prtica, a anexao econmica de Cuba nova potncia em
1892.
O impacto do tratado foi imediato embora fugaz, repercutindo em toda a
economia insular. A produo de acar passou de 632.000 tons em 1890 para 976.000
tons em 1892, ultrapassando pela primeira vez a marca de 1 milho de toneladas em

243
MORENO FRAGINALS, Manuel. Cuba- Espanha- Cuba. Uma histria comum. Bauru: Edusc,, 2005,
captulo 21.
244
Ao mesmo tempo em que aumentou as amarras fiscais sobre a ilha, responsabilizada pelos gastos da
guerra, em uma atitude reveladora dos constrangimentos da reforma sob a dominao colonial. Ibidem.
245
Trata-se de um conjunto de tarifas regulamentando o comrcio internacional dos Estados Unidos, que
projetou-se para a Amrica Latina no contexto da agressiva poltica externa conduzida por James Blaine,
cujas intenes foram denunciadas por Mart durante a Conferncia Panamericana em Washington (1889-
90): The idea that trade with less developed areas would not create pressure to reduce domestic tariffs
on manufactured products prompted James Blaine, Secretary of State during the Harrison
administration, to include a measure to promote trade with Latin America in the McKinley tariff bill in
1890. Not coincidentally, Blaine was among the most prominent Republican advocates of protectionism
(e.g., Gladstone and Blaine 1890). His plan for reciprocity agreements with Latin American states
followed in the wake of the Pan-American conference over which he had presided a few months earlier, a
meeting that was also directed at increasing United States trade with its southern neighbors. The
reciprocity measure in the McKinley Tariff used the threat of punitive duties on sugar and a few other
products to secure reciprocity agreements permitting American access to markets in countries that would
have little cause to complain about high American tariffs on manufactured products. FORDHAM,
Benjamin O. Fordham. Protectionist Empire:Trade, Tariffs, and United States Foreign Policy, 1890-
1914. Disponvel em: http://government.arts.cornell.edu/assets/psac/sp11/Fordham_PSAC_Mar11.pdf .
Acesso em: 18/8/2011.

90

1894. Avolumaram-se os laos mercantis entre os dois pases, reforando a posio de
Cuba como um dos principais parceiros dos Estados Unidos no perodo
246
: o total das
exportaes cubanas passou de U$ 54 milhes em 1890 para U$ 79 milhes em 1893,
em um momento em que as exportaes totais da Amrica Latina para este pas
atingiam U$ 111 milhes. Ao mesmo tempo, a ilha importava cerca de U$ 24 milhes
do vizinho do norte, respondendo por quase 2/5 das importaes do conjunto do
continente (U$ 62 milhes). A crescente dependncia cubana evidencia-se em dois
nmeros: no ano de 1894, quase 90% das suas exportaes dirigiram-se aos Estados
Unidos, enquanto 40% das importaes de l provieram
247
.
A dependncia comercial cobrou o seu preo quando em 1894 os Estados
Unidos rescindiram a concesso tarifria, desmontando as bases do acordo com a
Espanha que expiraria neste mesmo ano, provocando uma crise que afetou a ilha
inteira
248
. O receio de que a retaliao metropolitana desencadeasse uma guerra fiscal,
comprometendo ainda mais o acesso do acar cubano ao mercado estadunidense, teve
por efeito sublinhar o distanciamento dos interesses da sacarocracia insular do governo
espanhol. Com a ecloso da guerra pela independncia no ano seguinte, confrontados
entre a fidelidade poltica ordem colonial, que assegurava seus privilgios, e a
desobstruo dos vnculos econmicos com os Estados Unidos, que viabilizava seus
negcios, a oligarquia insular conspirar sob o fogo revolucionrio para conciliar
ambos.
No mesmo ano em que entraram em vigor as disposies decorrentes da
McKinley Bill (1892) consagrando a anexao econmica de Cuba aos Estados Unidos,
Jos Mart fundava no exlio o Partido Revolucionario Cubano (PRC).




246
H que se levar em conta que durante o sculo 19 Cuba foi sempre o segundo mercado fornecedor e o
terceiro consumidor dos Estados Unidos. MORENO FRAGINALS, Manuel. Cuba- Espanha- Cuba.
Uma histria comum. Bauru: Edusc, 2005, p. 250.
247
PREZ JR., Louis A. Cuba between Empires (1878-1902). Pitsburgh: University of Pitsburgh Press,
1983, p. 30.
248
The impact of the crisis of 1894, however, went far beyond the sugar system. No facet of Cuban
society was unaffected. Merchants, traders and retailers who had substituted traditional commercial ties
with their the Spanish suppliers in the metropolis for dealers in the United States faced ruin.
Unemployment rose, commodity goods decreased, prices increased. The price of foodstuff from the
United States, and upon which large sectors of the population had come to depend, soared. Government
duties passed directly onto consumers and prices reached unprecedent heights. Higher duties led directly
to increased prices. The restoration of colonial customs duties meant that henceforth Cubans would pay
higher prices for vital foodstuff. Ibidem, p. 33.

91

2.2) JOS MART E A REVOLUO NACIONAL

Maturadas sombra da Guerra dos Dez Anos, as premissas ideolgicas e
polticas do partido esto referidas s condies objetivas e subjetivas legadas pelo
conflito. Seu ponto de partida a percepo de que o movimento desencadeado pela
guerra, ao acelerar a abolio da escravido ensejando a integrao incipiente dos
diversos estratos sociais e raciais sob a gide do exrcito revolucionrio, engendrou as
condies elementares de formao da nacionalidade cubana
249
. Jos Mart ser o
principal intrprete deste processo, convergindo na estratgia revolucionria uma
anlise do sentido democratizador do movimento histrico com as lies propiciadas
pelas dificuldades polticas de coordenao do esforo militar.
Mart no lutou na guerra. Detido em 1869 aos dezesseis anos sob acusao de
inconfidncia, foi condenado a seis anos de priso, dos quais cumpriu cerca de um ano
antes de ter sua pena comutada pelo exlio graas s gestes de seu pai, militar espanhol
que servia ao reino na ilha. Sua vivncia na Espanha, onde concluiu os estudos,
coincidiu com a fugaz experincia liberal deste pas na dcada de setenta. Se ao chegar
pennsula Mart podia alimentar esperanas de reforma, provvel motivao para
publicar o panfleto de denncia El Presidio Politico en Cuba
250
, o convvio direto
com o ambiente poltico espanhol o desiludiria rapidamente, de modo que, ainda jovem,
assume a convico de que a guerra o caminho necessrio para a independncia
251
.
Impossibilitado de regressar a Cuba aps finalizar seus estudos, Mart vive no
Mxico recm comovido pelas reformas liberais comandadas por Jurez, at o golpe
que leva Porfrio Daz ao poder em 1876, quando translada-se para a Guatemala.
Acumula neste nterim experincias determinantes na formao da sua viso de unidade
latino-americana. No final da guerra regressa Cuba, mas novamente preso e expulso
da ilha. Depois de uma passagem pela Venezuela, estabelece-se a partir de 1881 em
Nova Iorque, onde escrever para diversos jornais do continente, exercer atribuies
diplomticas para pases que no o seu, e conspirar incansavelmente at o lanamento

249
Nesse sentido, a Guerra dos Dez Anos foi fundamental porque derrubou ou, ao menos rompeu dentro
do campo insurreto, a contradio de cor que havia mantido os cubanos divididos. A partir da superao
da barreira de cor era possvel chegar plena identidade cubana. MORENO FRAGINALS, Manuel.
Cuba- Espanha- Cuba. Uma histria comum. Bauru: Edusc,, 2005, p. 303.
250
Em: MART, Jos. Obras Completas. La Habana: Centro de Estudios Martianos, Karisma Digital,
2001. 1 CD ROM.
251
Ver o artigo: MART, Jos. La Repblica Espaola ante la Revolucin Cubana, 1873. In: ______.
Obras Completas. La Habana: Centro de Estudios Martianos, Karisma Digital, 2001. 1 CD ROM.

92

da expedio revolucionria em 1895. Vivendo nos Estados Unidos, Mart adquire uma
fina percepo do expansionismo que preside a poltica deste pas, ao tempo em que
desenvolve um rechao cultural ao capitalismo, lapidando de forma definitiva o iderio
que fundamentar sua militncia.
Autor de um vasto legado de reputado valor literrio que inclui obras poticas,
teatro e um romance, na anlise de seus artigos jornalsticos possvel localizar a
radicalizao definitiva de suas posies sociais, cotejando os escritos acerca do
processo de julgamento dos anarquistas envolvidos em lutas sociais em Chicago em
1886
252
. A partir deste ponto cristaliza-se seu iderio revolucionrio, e Mart dedica-se
obstinadamente organizao poltica e militar da guerra da independncia.
Seu projeto poltico orientou-se aos estratos populares cubanos na ilha ou no
exlio, integrando demandas de contedo democrtico questo nacional, enquanto
costurava uma aliana entre os carismticos chefes do exrcito da Guerra dos Dez Anos,
subordinando o comando militar direo poltica do PRC por ele fundado. Com
notvel habilidade, Mart conquistou a adeso do general dominicano Mximo Gomez e
do heri mulato Antonio Maceo, reunindo as condies para a retomada da luta, que se
efetivaria em 1895. O esforo poltico que liderou foi capaz de conceder unidade aos
cubanos independentistas diante da guerra, logrando a massiva adeso dos setores
populares, especialmente negros e mulatos, o apoio imediato de segmentos da sociedade
criolla a despeito da sua herana ideolgica reformista/anexionista, e a simpatia da
populao estadunidense, enfrentando o maior esforo militar jamais levado a efeito por
uma potncia colonial na Amrica
253
.
No plano ideolgico, consciente da vulnerabilidade cubana, Mart inscreveu a
luta pela independncia antilhana no dilema da formao da Amrica Latina sob o
imperialismo, afirmando a possibilidade e a necessidade de um projeto de modernidade
alternativa que envolvesse o continente. Esta indita elevao do estatuto civilizatrio
da cultura latino-americana fundamenta-se em uma positivao do legado e das

252
Si al principio Mart desaprueba la conducta violenta de los trabajadores, va modificando su criterio
hasta llegar a escribir su extraordinario reportaje fechado el 13 de noviembre de 1887, en que ya se
muestra plenamente identificado con la actitud de los trabajadores. FERNNDEZ RETAMAR,
Roberto. Mart en su (Tercer) Mundo. Mart en su (tercer) mundo. Artigo em CD Rom, curso virtual
Amrica Latina: Reflexiones y autoreflexiones. Buenos Aires: Clacso, 2004.
253
220.285 soldados foram trazidos para Cuba, alm dos mobilizados dentro do prprio territrio da
Ilha. Foi este o maior exrcito que jamais cruzou o Atlntico at a Segunda Guerra Mundial, quando os
Estados Unidos se propuseram a invadir a Europa. MORENO FRAGINALS, Manuel. Cuba- Espanha-
Cuba. Uma histria comum. Bauru: Edusc, 2005, p. 335.

93

potencialidades histricas do continente, cujo ponto de partida a valorizao da
autoctonia.


a) VISO DE MART SOBRE A FORMAO CUBANA

Mart compreende a formao nacional cubana como a consumao da obra
iniciada na Guerra dos Dez anos, quando o impasse sintetizado pelo pacto de Zanjn
truncou a gesta emancipatria e o processo de integrao social desencadeados. Na sua
viso, a confluncia de interesses entre diferentes estratos sociais e raciais unidos pela
causa da independncia produziu as condies subjetivas e objetivas para a maturao
da nacionalidade cubana. Este processo conjuga uma dimenso democrtica,
envolvendo a integrao do conjunto da populao em bases relativamente homogneas,
e outra soberana, que implica emancipar-se do jugo espanhol sem gravitar para a
condio de domnio estadunidense. Seu projeto poltico articula a revoluo nacional a
uma radicalizao do legado democrtico da Guerra dos Dez anos, premissa para a
organizao de um exrcito rebelde triunfante e o posterior estabelecimento da
repblica moral
254
.
Consciente do risco que o expansionismo estadunidense representa para a
independncia antilhana, Jos Mart associa a causa cubana ao dilema da soberania
continental, empreendendo um movimento ideolgico que o conduz a questionar o
prprio padro civilizatrio ocidental. Em oposio poltica expansionista e
modernidade que testemunhou nos anos em que viveu nos Estados Unidos (1880-1895),
Mart projeta um horizonte histrico e humanista original para a regio que denominou
Nuestra Amrica
255
. A chave desta outra modernidade a autoctonia, o que significa
criar formas polticas, econmicas e culturais prprias, sintonizadas com o espritu
maneira martiana de referir-se identidade destes povos. A premissa subjacente a

254
Expresso com que Mart refere-se ao projeto republicano antilhano, consagrada no Manifiesto de
Montecristi, que mencionaremos adiante.
255
A expresso nuestra Amrica (em minscula nos textos de Mart) no uma criao do lder
cubano: o termo j empregado por Francisco de Miranda, precursor das lutas emancipacionistas no
continente no comeo do sculo XIX. Consultar a respeito: BOHRQUEZ MORN, Carmen L.
Francisco de Miranda. Precursor de las independencias de la Amrica Latina. La Habana: Editorial de
Ciencias Sociales, 2003, p. 181-191. No entanto, o fundador do PRC quem consagrou sua acepo
corrente, em um contexto histrico de oposio ao expansionsimo estadunidense. Ao longo da tese,
empregaremos Nuestra Amrica em maisculas para nos referirmos especificidade do iderio martiano
para o continente, que, como veremos, mais do que uma designao geogrfica ou poltica, pois sugere
um padro civilizatrio original.

94

especificidade histrica da regio, que emerge como uma cultura particular dotada de
universalidade. A afirmao do estatuto civilizatrio de Nuestra Amrica est balizada
por um duplo movimento da argumentao martiana: de um lado, uma valorizao da
cultura autctone, assentada em uma viso no teleolgica da histria. De outro, uma
crtica ao homem produzido pelo padro civilizatrio ocidental, fundamentada na
superao da dicotomia civilizao X barbrie. Da relao dialgica entre ambos
vetores do pensamento martiano sua viso de histria e sua viso de homem emerge
uma crtica ao padro civilizatrio ocidental e um projeto de modernidade alternativa
para Nuestra Amrica, ancorado na noo do equilibrio del mundo
256
.
Embora seja admissvel que o movimento ideolgico profundo e original da
reflexo martiana tivesse impacto secundrio na mobilizao para a guerra, necessrio
detalh-lo em toda a sua extenso para compreender as premissas do seu projeto
poltico, bem como a repercusso posterior do seu legado, que transcendeu a causa da
emancipao cubana para identificar-se com a utopia de uma Amrica Latina unida.
Ainda que a maioria dos cubanos a que se dirigiu provavelmente fosse indiferente aos
meandros desta refinada construo ideolgica, extraindo a motivao para o seu
engajamento de causas concretas, assim como a agitao americanista surtisse pouco
efeito prtico na solidariedade dos Estados continentais com a causa antilhana
257
,
preciso reconstituir as mltiplas dimenses do pensamento martiano para apreender a
viso da formao cubana em todo o seu alcance, inscrita em um projeto civilizatrio
alternativo que apontava para a unidade latino-americana
258
.

256
Noo que exploraremos adiante.
257
Mart realizou esforos concretos para sensibilizar lideranas latino-americanas para a causa da
unidade continental em diversos eventos internacionais que participou nos Estados Unidos. Por exemplo,
em sua alocuo conhecida como Madre Amrica, dirigiu-se aos delegados hispano-americanos
presentes Conferncia Internacional Americana convocada pelos Estados Unidos em 1889. Ver:
MARTI, Jos. Obras Escogidas. La Habana: Editorial de Ciencias Sociales, 2000, t. 2, p. 420-427.
258
Pedro Pablo Rodrguez nos chamou a ateno para o debate em Cuba sobre a repercusso das ideias de
Mart em seu tempo. Menciona evidncias de uma compreenso profunda do iderio martiano, por
exemplo, em um discurso realizado pelo prestigiado intelectual Enrique Jos Varona nos anos seguintes a
morte do lder do PRC. No entanto, como observa o professor cubano, a compreenso de um iderio no
significa a sua adeso. Neste sentido, lembremos que Varona escreve em 1898: Resulta de lo expuesto
que la ocupacin militar de Cuba por las fuerzas americanas, y el rgimen que la acompaa son
puramente transitorias. Es una situacin de fuerza, por lo tanto accidental. Lo permanente es la libertad
que hemos alcanzado, y el derecho a la independencia que se nos ha reconocido. Al asentar esto, como
hecho fundamental, no tenemos por qu desconocer ni las obligaciones de gratitud en que estamos con
respeto a los Estados Unidos, ni la responsabilidad moral que stos han contrado ante el mundo,
saliendo en cierto modo fiadores de que el pueblo cubano sabr desarrollarse en paz y florecer a plena
luz de la justicia y de la libertad. A leitura de Varona evoluiria nos anos seguintes, discursando em 1905
sobre o Imperialismo a luz de la sociologa. Ver a antologia: MONTAL, Isabel; MIRANDA
FRANCISCO, Olivia. Pensamiento Cubano, siglo XIX. La Habana: Editorial de Ciencias Sociales, 2002,
t. 2. De outro lado, a trajetria do general Mximo Gomez sugere uma influncia martiana na sua tica

95

i. autoctonia
Jos Mart opera com a noo amadurecida em sua vivncia internacional de que
o continente abaixo do Rio Bravo possui uma identidade prpria, sugerindo uma
totalidade. Em um contexto de precrios nexos econmicos entre os pases da regio,
esta unidade vislumbra-se antes como a projeo de um ensejo poltico do que como
uma realidade constatvel, fundamentada na premissa de um passado histrico comum.
Nuestra Amrica, designao madura que Mart adota para esta regio, identificada
como uma cultura dotada de uma especificidade expressiva da universalidade humana.
Ao defender o lugar destes povos como parte integrante e protagonista do
concerto mundial de culturas, o pensamento de Mart assume a premissa humanista de
uma identidade fundamental entre todos os homens. Para afirmar o lugar universal da
cultura americana, em um contexto de dominncia do discurso racista e eurocntrico
que emanava das potncias europeias incidindo com vigor sobre a intelectualidade das
regies perifricas
259
, Mart procede a uma operao histrica de sentido duplo: afirmar
o estatuto universal da cultura americana, ao mesmo tempo em que enquadra, como
particular, a cultura ocidental.
A chave da historicidade da cultura americana o conceito de pueblo nuevo.
Nesta leitura, a empresa colonial teria interrompido a evoluo natural das culturas
nativas que, no entanto, no foram destrudas. Como resultado do contato trgico com o
europeu, plasmou-se um povo que no o aborgene nem o espanhol, mas um terceiro,
cuja expresso plena est em vias de se retomar
260
. Esta possibilidade civilizatria
latente, fruto do encontro de culturas produzido no Novo Mundo, no se traduz em uma
viso positiva da conquista
261
, mas enceta uma valorizao deste processo histrico

revolucionria, fundamentando as posturas do general dominicano inclusive depois da guerra, quando
recusa-se a assumir um posto poltico na ilha ocupada. Discutimos estes assuntos com Pedro Pablo
Rodrguez e Yoel Cordov Nuez por ocasio do X Congreso Internacional de ADHILAC, Santo
Domingo, junho de 2011.
259
A singularidade ideolgica do processo cubano, em um contexto de ascendncia do iderio racista
europeu, salientada por: FERRER. Ada. Insurgent Cuba: Race, Nation and Revolution. Chapel Hill:
The University of North Carolina Press, 1999.
260
Interrumpida por la conquista la obra natural y majestuosa de la civilizacin americana, se cre
con el advenimiento de los europeos un pueblo extrao, no espaol, porque la savia nueva rechaza el
cuerpo viejo; no indgena, porque se ha sufrido la injerencia de una civilizacin devastadora, dos
palavras que, siendo un antagonismo, constituyen un proceso; se creo un pueblo mestizo en la forma, que
con la reconquista de su libertad, desenvuelve y restaura su alma propia. MART, Jos. Obras
Escogidas. La Habana: Editorial de Ciencias Sociales, 2000, t. 1, p. 110. As citaes de Mart sero
extradas desta obra, indicando-se respectivamente o tomo e a pgina, salvo excees em que
mencionaremos uma fonte alternativa.
261
Mart sugere que a formao da prpria Espanha tambm se interrompeu ento, e deve ser retomada:
(...) la nacin espaola, que con su pueblo inerte en su organismo feudatario, vuelve, bajo el remedo

96

consumado a partir de condies desfavorveis: Y todo ese veneno lo hemos trocado en
savia!
262
.
Nuestra Amrica surge como o desgnio de recobrar para o continente um lugar
no concerto universal das culturas, retomando a marcha interrompida pela empresa
colonial atravs da superao das limitaes de um processo que, ao obstruir o curso
histrico dos povos aborgenes, determinou a criao de um pueblo nuevo que exige
uma atuao criolla consonante com a integrao nativa para realizar-se. Esta afirmao
do estatuto da cultura americana em Mart supe uma viso humanista da diversidade
dos povos
263
, assentada em universais comuns que indicam o fundamento democrtico
do seu projeto poltico: El hombre no tiene ningn derecho especial porque pertenezca
a una raza o otra: dgase hombre, y ya se dicen todos los derechos
264
.
O humanismo radical
265
que norteia a viso de mundo martiana exige a
superao da dicotomia civilizao X barbrie dominante no discurso sobre as relaes
entre os povos europeus e no europeus poca. Ao explicitar a natureza social desta
relao, o cubano desmascara o carter ideolgico deste par conceitual:

(...) el pretexto de que la civilizacin, que es el nombre vulgar con que
corre el estado actual del hombre europeo, tiene derecho natural de
apoderarse de la tierra ajena perteneciente a la barbarie, que es le
nobre que los que desean la tierra ajena dan al estado actual de todo
hombre que no es de Europa o de la Amrica europea
266
.

Este movimento de mo dupla do pensamento martiano, salientando a condio
universal da cultura americana enquanto confere estatuto particular cultura europeia,
abre caminho para uma valorizao da autoctonia como chave do dilema da formao
no continente. Embora semelhantes de um ponto de vista humanista, os problemas de

superficial de las formas politicas extranjeras, a la verdad, retrasada por siglos, de sus nacionalidades
originales y diversas, fuente lenta y nica de su reconstruccin, cegada en el arranque de la
independencia contra el moro para alzar sobre ella la unidad que mantuvo, ms que la misma religin
triunfante, el botn deslumbrador de las Amricas. Ibidem, t. 3, p. 233.
262
Ibidem, t. 2, p. 425. O texto conhecido como Nuestra Amrica refere-se questo na seguinte
imagem: Sobre las hidras, fundamos. Ibidem, t. 2, p. 480.
263
Es una verdad extraordinaria: el gran espritu universal tiene una faz particular en cada continente
(...) Ibidem, t. 1, p. 110. El alma emana, igual y eterna, de los cuerpos diversos en forma y color.
Ibidem, t. 2, p. 487.
264
Ibidem t. 2, p. 205.
265
(...) los hombres tienen las mismas penas, y la historia igual, y el mismo amor y que el mundo es un
templo hermoso donde caben en paz los hombres todos de la tierra, porque todos han querido conocer la
verdad, y han escrito en sus libros que es til ser bueno, y han padecido y peleado por ser libres, libres
en su tierra, libres en el pensamiento. Ibidem, t. 2, p. 340.
266
Ibidem, t. 1, p. 450.

97

cada povo revelam-se imbudos de uma especificidade correspondente sua histria e
sua cultura, postulado que esvazia a noo de um modelo civilizatrio
267
. Uma vez que
as solues devem partir do conhecimento da realidade prpria, a referncia a outras
culturas secundria para o enfrentamento dos problemas americanos, que devem
buscar um caminho prprio, consoante com a natureza particular dos desafios
colocados:

La universalidad europeia a de ceder a la universalidad americana.
La histria de Amrica, de los incas a ac, ha de ensearse al dedillo
aunque no se ensees la de los arcontes de Grecia. Nuestra Grcia es
preferible a a la Grecia que no es nuestra. No es ms necessaria. Los
polticos nacionales han de reemplazar a los politicos exticos.
Injrtese en nuestras repblicas el mundo; pero el tronco ha de se el
de nuestras repblicas
268
.

Como decorrncia, Mart apresenta uma viso no teleolgica da histria, em
que a realizao de um povo consiste em afirmar a essncia humana que lhe subjaz em
potencial, sob a veste de uma cultura prpria, atravs de um percurso histrico nico. O
sentido da histria no reside em um padro civilizatrio especfico, mas na realizao
da concepo de homem martiana, que est referida ao substrato cristo que informa a
sua tica
269
:

(...) hay pues, un sentido de la vida y de la historia, como hay una bondad
ltima de todo lo creado (...)
270
.
No plano poltico, a primazia da autoctonia no humanismo martiano embasa o
contedo democrtico do seu projeto americano, uma vez que a maturao do pueblo
nuevo passa pela integrao do negro e do indgena como vetores constituintes desta
formao histrica original. Mart recusa a discriminao racial porque descarta a
naturalizao da noo de raa
271
, ao mesmo tempo em que reivindica o estatuto

267
No hay batalla entre la civilizacin y la barbarie, sino entre la falsa erudicin y la naturaleza.
Ibidem, t. 2, p. 482.
268
Ibidem, t. 2, p. 483.
269
Como en lo humano todo el progreso consiste acaso en volver al punto de que se parti, se est
volviendo al Cristo, al Cristo crucificado, perdonador, cautivador (...) Ibidem, t. 1, p. 340.
Similarmente, a viso de histria martiana no tem um motor que propulsione o progresso, mas sim uma
vaga noo dialtica que aparece naturalizada e imbuda de valores humanistas de inspirao crist: (...)
porque con los pueblos sucede como con lo dems de la naturaleza, donde todo lo necesario se crea a la
hora oportuna, de lo mismo que se le opone y contradice. Ibidem, t. 2, p. 476.
270
Ibidem, t. 1, p. 341.
271
No hay dio de razas porque no hay razas. Ibidem. tomo 2, p. 71. Por sobre las razas, que no
influyen ms que en el carcter, est el espritu esencial humano, que las confunde y unifica (...) Ibidem.
tomo 2, p. 486. Ren Depestre chama a ateno para o contato entre Mart e o intelectual haitiano Antenor
Firmin, que publicaria em 1885 sua famosa defesa da igualdade racial, De l'galit des Races Humaines.
DEPESTRE, Ren. Buenos das y adis a la negritud. In: Laura Lpez Morales. Literatura Francfona:

98

universal da cultura aborgene
272
, selando a orientao integradora da aliana que
prope para a guerra cubana. Seu humanismo radical, que rechaa qualquer sentimento
xenfobo em relao ao espanhol
273
, e ao estadunidense
274
,

encontra sntese poltica na
consigna adotada pelo PRC diante da guerra: con todos y para el bien de todos
275
.
A centralidade da autoctonia concede fundamento democrtico ao projeto
martiano ao mesmo tempo em que o assenta em uma viso no teleolgica da histria,
inscrevendo a formao cubana sobre a realizao do pueblo nuevo, identificado com
uma utopia humanista para o continente que encontra na guerra da independncia
antilhana seu primeiro elo. Este horizonte civilizatrio original est alicerado em uma
concepo alternativa da natureza humana que est na raiz do rechao martiano
modernidade ocidental.

ii. hombre natural
O ideal de homem martiano est implcito no texto que dedicou ao filsofo e
poeta estadunidense Ralph Waldo Emerson, personalidade com quem o pensador
cubano sentiu maior identidade espiritual, e que reverenciou como modelo de vida
276
:
En l (Emerson) fue enteramente digno el ser humano
277
. No artigo que escreveu por
ocasio do falecimento de Emerson, Mart dialoga com sua vida e obra, sobretudo a

II. Amrica. Mxico: Fondo de Cultura Economico, 1996. De fato, os personagens conheceram-se no
Cabo Haitiano em 1892. Ver: RAMIRO PREZ-CONCEPCIN, Hebert. Haiti en Mart. Ciencia en su
PC, n. 4, p. 61-72, octubre-noviembre-diciembre, 2010, p. 61-72. Por outro lado, ao destacar a
centralidade do antirracismo como elemento constitutivo da nacionalidade cubana, Ada Ferrer indica a
presena deste tema nos escritos de outras figuras que, junto com Mart, colaboraram para forjar este
iderio, como os jornalistas Juan Gualberto Gomez e Rafael Serra y Montalvo. FERRER, Ada. Insurgent
Cuba: Race, Nation and Revolution. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 1999.
272
(...) los gobernadores, en las republicas de indios, aprenden indios (...) Mart, op. cit., t. 3, p. 499.
273
(...) la guerra no es contra el espaol sino contra la codicia e incapacidad de Espaa (...) Ibidem, t.
3, p. 69.
274
Ni ha de suponerse, por antipata de aldea, una maldad ingnita y fatal al pueblo rubio del
continente (...) Ibidem, t. 2, p. 487.
275
Ibidem, t. 3, p. 17.
276
En Emerson, vio Mart articulados, como en una superacin no polmica de Darwin (cuya teora
evolucionista se le torn preocupacin fundamental), lo visible con lo invisible, las ciencias con el
espritu. En toda la obra de Mart hallamos esa continua referencia, explcita o tcita, a un momento
superior y sintetizador todava no alcanzado por la historia humana cuando el ciclo de las ciencias
est completo-, en el que las necesidades del cuerpo y las necesidades del alma, los valores de la razn
y los valores de la esperanza, se compensen, articulen y equilibren. Por eso el hombre de su tiempo con
el que, desde el punto de vista filosofico, sinti ms afinidad, el trasncendentalista Emerson, se convierte
en el elogio de Mart en una vida proyeccin visionaria del hombre total del futuro, mezclada a la
descripcin del modelo real que lo inspira. El anciano maravilloso a cuyos pies depuso simblicamente
su espada de plata, sin embargo, no poda ser su paradigma definitivo. VITIER, Cintio. La
espiritualidad de Jos Mart. In: ______. Temas Martianos 2. La Habana: Letras Cubanas, 2005. p. 233.
277
MART, Jos. Emerson. In: BALLN. Lecturas Norteamericanas de Jos Mart: Emerson y el
socialismo contemporaneo (1880-1887). Mxico: UNAM, 1995, p. 72.

99

partir das ideias contidas no ensaio Nature
278
, que o leva a discutir as relaes entre
natureza e conhecimento; natureza e religio; natureza e arte (e estilo literrio); natureza
e mistrio.
O ponto central a noo de que existe uma analogia entre homem e natureza,
na qual o universal se expressa no humano e o humano converge para o universal
279
.
Esta correspondncia se estende aos diversos campos de busca e expresso do homem,
constituindo o substrato da verdadeira religio, da verdadeira cincia e da verdadeira
arte. Sob este ngulo, as trs atividades tm funo anloga, na medida em que
respondem a um desgnio de desvelamento do esprito, para o qual toda verdade
converge. Assim, a relao entre homem e natureza no desemboca em uma
interpretao naturalizadora da histria, mas na concepo de uma identidade entre o
humano e o divino mediada pela natureza, que pode servir de guia e suporte para a sua
revelao. Nesta perspectiva, Mart comenta sobre Emerson: Se sumergi en la
naturaleza, y surgi de ella radiante. Se sinti hombre, y Dios por serlo
280
. De acordo
com este enfoque, a religio seria uma forma de acessar a unidade entre o homem e a
natureza; a arte, de express-la; e a cincia, de constat-la.
A religio tem sua razo de ser subordinada possibilidade de acesso direto
fonte da espiritualidade, que emana da relao do homem com o esprito, mediada pela

278
Obra que contm a essncia sobre o transcendentalismo e a filosofia natural deste autor. Como o
prprio Emerson resume a respeito: The transcendentalists adopts the whole connection of spiritual
doctrine. He believes in miracle, in the perpetual openess of the human mind to new influx of light and
power; he believes in inspiration, and in ecstasy. He wishes that the spiritual principle should be suffered
to demonstrate itself to the end, in all possible applications to the state of man, without the admission of
anything unspiritual; that is, any thing positive, dogmatic, personal. Thus the spiritual measure of
inspiration is the depth of the thought, and never, who said it? And so he resists all attempts to palm other
rules and measures on the spirit than its own. Explicando a origem do termo: It is well known to most
of my audience that the Idealism of the present day acquired the name of Transcendental from the use of
that term by Immanuel Kant, of Knigsberg, who replied to the skeptical philosophy of Locke, which
insisted that there was nothing in the intellect which was not previously in the experience of the senses, by
showing that there was a very important class of ideas or imperative forms, which did not come by
experience, but through whic experience was acquired; that these were instuitions of the mind itself; and
he denominated them Trascendental forms. EMERSON, Ralph Waldo. The Transcendentalist. In:
______. Stephen E. Whicher (ed.). Selections from Ralph Waldo Emerson. Cambridge: Riverside, 1960,
p. 196-198.
279
Y mantiene que todo se parece a todo, que todo tiene el mismo objeto, que todo da en el hombre (...)
MART, Jos. Emerson. In: BALLN. Lecturas Norteamericanas de Jos Mart: Emerson y el
socialismo contemporaneo (1880-1887). Mxico: UNAM, Centro Cordinador y difusor de Estudios
Latinoamericanos, 1995, p. 80. Tambm: El Universo va en multiples formas a dar en el hombre, como
los radios al centro del crculo. Ibidem, p. 83; Ou: (...) la igualdad social no es ms que el
reconocimiento de la equidad visible de la naturaleza. MART, Jos. Obras Escogidas. La Habana:
Editorial de Ciencias Sociales, 2000, t. 3, p. 69.
280
MART, Jos. Emerson. In: Balln. Lecturas Norteamericanas de Jos Mart: Emerson y el
socialismo contemporaneo (1880-1887). Mxico: UNAM, Centro Cordinador y difusor de Estudios
Latinoamericanos, 1995, p. 83.

100

natureza
281
. Para Mart, o fulcro da religio est em facultar a realizao da dimenso
transcendente da natureza humana, o que supe um nexo entre humanidade e
religiosidade, mas no entre natureza humana e religio
282
.
Se a religio permite acessar o transcendente, a cincia seria uma forma de
apreender a relao homolgica que preside a harmonia universal
283
. Mart critica a
cincia no por desnecessria, mas porque lenta
284
: constata racionalmente aquilo que
o esprito j pode saber por outras vias. Subjacente est uma compreenso do papel da
cincia servio da revelao dos mistrios da natureza e no do desenvolvimento das
foras produtivas antes um desgnio espiritual do que um propsito material
285
.
A arte tem um papel anlogo nas antpodas da cincia, referindo-se homologia
entre natureza e homem a partir do segundo polo. A arte verdadeira aquela que
permite ao homem revelar sua essncia, encontrando correspondncia na natureza
tanto quanto a cincia verdadeira aquela que desvela a essncia da natureza,
permitindo situar suas correspondncias com o homem. Nesta concepo est implcita
a noo da arte como expresso de um processo de busca interior, que supe uma
procura de integrao com a harmonia universal, materializada na natureza. Assim a
arte, como o homem, deve apontar para o natural e, portanto, venr de s: Sacar de s
el mensaje natural es la obra del artista
286
.

281
Para l, no hay cirios como los astros, ni altares como lo montes, ni predicadores como las noches
palpitantes y profundas. Ibidem, p. 78.
282
(...) la religin falsa como dogma es eternamente verdadera como poesa - que son los dogmas
religiosos sino la infancia de las verdades naturales. Idem. Obras Escogidas. La Habana: Editorial de
Ciencias Sociales, 2000, t. 2, p. 113. Embora algumas passagens martianas sugiram uma leitura da
religio como estruturante da sociabilidade, nos parece que, no conjunto, enfatiza-se na sua obra a
espiritualidade como uma sensibilidade a ser desenvolvida para conectar a natureza humana a uma
suposta harmonia universal. Trata-se de uma viso no dogmtica da espiritualidade, que reporta-se a
uma concepo de homem e no a uma doutrina religiosa, o que permite a Mart ser, simultaneamente,
religioso e crtico contumaz da instituio eclesistica.
283
Las ciencias confirman lo que el espritu posee: la semejanza de todos los seres vivos; (...) El espritu
presiente; las creencias ratifican. MART, Jos. Emerson. In: BALLN. Lecturas Norteamericanas de
Jos Mart: Emerson y el socialismo contemporaneo (1880-1887). Mxico: UNAM, Centro Cordinador y
difusor de Estudios Latinoamericanos, 1995, p. 82.
284
No desdea la ciencia por falsa, sino por lenta. Ibidem, p. 89.
285
Se esta en vsperas de un mundo nuevo. La ciencia se concilia con el espritu (...) Idem. Obras
Escogidas. 3 tomos. La Habana: Editorial de Ciencias Sociales, 2000, t. 2, p. 243. Isto no significa que
Mart despreze o progresso tecnolgico: ao contrrio, entusiasta das inovaes trazidas pela revoluo
industrial. Sua utopia para Nuestra Amrica no regressiva, mas subordina o avano das foras
produtivas ao desgnio precpuo da realizao do hombre natural. Sugestiva da sua viso de mundo
peculiar, em um momento em que identificava-se progresso com as ferrovias em muitas partes do
continente, esta linha: (...) una tempestad es mas bella que una locomotora. Ibidem, t. 1, p. 337.
286
Ibidem, t. 3, p. 446. No artigo sobre Emerson, anota: El arte no es ms que la naturaleza creada por
el hombre. Idem. Emerson. In: BALLN. Lecturas Norteamericanas de Jos Mart: Emerson y el
socialismo contemporaneo (1880-1887). Mxico: UNAM, Centro Cordinador y difusor de Estudios
Latinoamericanos.1995, p. 83. Concepo idntica aplica-se poesia: (...) el poema esta en el hombre, el

101

Em suma, Mart aborda as formas do conhecimento de Deus, da natureza e do
belo sob o ngulo original da formao do hombre natural. Nesta perspectiva, o cerne
do problema o redescobrimento do indivduo que deve ser reconectado sua natureza,
parte do harmonioso concerto universal: a religio aparece subordinada liberdade; a
cincia, ao esprito; e a arte, natureza. Este reenquadramento do problema da
realizao do homem enseja em Mart um questionamento do padro civilizatrio
ocidental.
O cerne desta crtica o reconhecimento de uma dimenso transcendente da
vida, que deve presidir a relao entre o homem e a natureza, desembocando em uma
compreenso da realizao humana que no est alicerada nos pressupostos que
informam a modernidade ocidental. este o radical da afinidade entre Mart e Emerson.
Nesta perspectiva, a natureza no vista como matria-prima a servio do progresso,
mas como portadora de uma funo espiritual, que anima a existncia. De modo
correspondente, ao no voltar-se a esta busca do esprito, o homem frustra sua
realizao, que encontra na natureza apoio e guia para a revelao de si prprio: Y el
hombre no se halla completo, ni se revela a s mismo, ni ve lo invisible, sino en su
ntima relacin con la naturaleza
287
.
Em sntese, ao homem e natureza atribudo um sentido existencial que
transcende a materialidade para convergir no esprito. Como decorrncia, a viso de
mundo martiana animada por uma espiritualidade no dogmtica, apontando analogias
entre a natureza e o homem que vo alm da dimenso material da existncia, embora
no a exclua, realizando-se no ideal do hombre natural que no o aborgene nem o
bon sauvage, mas o homem moderno que integra as dimenses material e espiritual da
existncia. Levada s ltimas consequncias, a dimenso espiritual se afigura no
apenas constitutiva da natureza humana, mas como o nico recurso para acessar o
mistrio da existncia, campo onde a racionalidade ocidental no tem palavra a dizer e o
seu materialismo incuo, mas onde, para Mart, reside o sentido velado da vida
288
.

poema esta en la naturaleza Idem. Obras Escogidas. La Habana: Editorial de Ciencias Sociales, 2000, t.
1, p. 344.
287
Idem. Emerson. In: BALLN. Lecturas Norteamericanas de Jos Mart: Emerson y el socialismo
contemporaneo (1880-1887). Mxico: UNAM, Centro Cordinador y difusor de Estudios
Latinoamericanos.1995, p. 83.
288
Uma dimenso mstica perpassa a biografia martiana. Paradoxalmente, sua expresso antes histrica
do que transcendente. Dada a caracterstica tica do pensamento martiano, sua fora radica ultimamente
no testemunho: quando a noo de hombre natural decola de seu fundamento transcendente para aterrisar
na histria, a entrega de Mart culmina com a sua morte no campo de batalha, pressentida com alegria.
Ver seu Diario de campaa. Em: Idem. Obras Escogidas. La Habana: Editorial de Ciencias Sociales,

102

iii. modernidade alternativa e nao
A passagem entre a afinidade filosfica com o transcendentalismo para a
proposta de uma modernidade alternativa operada, em Mart, pela via de um
radicalismo poltico permeado de valores cristos que o distancia do filsofo
estadunidense. O pensador cubano parte do preceito da primazia da ao em oposio
ao saber livresco, tambm presente em Emerson, para pregar uma coerncia entre o
dizer e o fazer que resulta em uma singular tica militante de inspirao crist,
apontando para a centralidade do amor como critrio, da qual deriva, inclusive, uma
motivao tica suplementar para a causa cubana. Veremos que esta convergncia entre
motivos humanistas e projeto nacional indica relaes entre o iderio martiano e o
debate filosfico de matriz crist em torno da construo de uma sophia cubana, que
animou a vida intelectual na ilha desde o princpio do sculo XIX.
O desdm martiano pela cultura livresca face ao conhecimento emprico da
realidade corresponde, do ponto de vista das relaes humanas, primazia da ao,
consagrada no seu aforisma: la mejor manera de decr es hacer. A realizao do
hombre natural revela-se, em sua viso de mundo, como uma construo orgnica
pautada pelo fazer, cujo raio de possibilidades est determinado pela circunstncia
histrica, na qual a vontade pessoal subordinada s necessidades da conjuntura.
Assim, embora um olhar superficial sobre o homem martiano possa salientar a
dimenso individual da busca de si, a nfase no papel da ao histrica para a realizao
do humano sugere nexos complexos entre homem e histria - o venir de s do indivduo
e do povo. Em outras palavras, atravs da poltica que revela-se o hombre natural.
Mais alm da afinidade entre a via para a afirmao do hombre natural e a
autoctonia como caminho para a formao cubana, onde ambos devem venr de s
289
,
verifica-se um nexo objetivo: o hombre natural o horizonte da guerra de
independncia no plano da individualidade, mas tambm o seu agente. Ao reatar a
conexo entre homem e natureza atravs da afirmao da individualidade, qualifica-se
para estabelecer uma verdade, prpria em todos os sentidos, no mais indivdual mas
histrica, porque expresso dos nexos entre um povo e sua histria: verdade

2000, t. 3, p. 529. A dimenso mstica de Mart se evidencia no sentido de sacrifcio que permeia sua
atividade militante, investida desde o panfleto El presidio poltico en Cuba, publicado aos 18 anos, de
uma tica propensa ao amor e avessa ao dio: Si yo odiara a alguien, me odiara por ello a m
mismo.Ibidem, t. 1, p. 2. Registra em seu caderno de anotaes: (...) soy un mstico ms: he padecido
de amor. Apud: VITIER. Op. cit, p. 238.
289
(...) ni hombres, ni pueblos pueden rehuir la obra de desarrollarse por s. MART, op. cit., t. 2, p.
356.

103

apropriada porque vem de si. Desvelam-se os nexos entre o hombre natural e a
autoctonia enunciados em Nuestra Amrica: Viene el hombre natural indignado y
fuerte y derriba la justicia acumulada en los libros (...)
290
.
Nesta perspectiva, a militncia aparece como condio da realizao do
indivduo, ao mesmo tempo em que o protagonismo do homem gera as condies para a
afirmao de um povo
291
. O homem faz a histria, e a histria faz o homem. Dos nexos
entre realizao do indivduo e afirmao da histria deriva o sentido missionrio e de
sacrifcio que caracteriza a tica militante de Mart
292
, na qual a opo patritica aparece
ao mesmo tempo como uma virtude cvica e uma modalidade de ascese. Do ngulo
oposto, o desistimento de si interpretado no somente como uma atitude evanglica
mas como um quesito da militncia, que inclui uma dimenso afetiva fundada no amor,
fio condutor do seu humanismo: Todo hombre verdadero debe sentir en la mejilla el
golpe dado a cualquier mejilla de hombre
293
.
A doao militante, encarada ao mesmo tempo como um dever poltico e um
caminho de libertao interior
294
, aponta para a centralidade do amor como critrio de
percepo e discernimento da verdade, ponto culminante da crtica martiana
modernidade ocidental, explicitando a presena de motivos cristos em seu pensamento.
Por este caminho, seu questionamento vai alm da individualidade e das formas de
sociabilidade produzidas pelo mundo moderno, endereando-se prpria racionalidade
que preside a sua formao: Por el amor se ve, con el amor se ve. El amor es quien ve.
Espritu sin amor, no puede ver (...)
295
.

290
Ibidem, t. 2, p. 483. E no mesmo texto: Por eso el libro importado ha sido vencido en Amrica por el
hombre natural. Los hombres naturales han vencido a los letrados artificiales. El mestizo autctono ha
vencido al criollo extico. Ibidem, t. 2, p. 482.
291
Do homem no singular: remetemos s observaes de Cintio Vitier sobre o lugar do heri na viso de
mundo martiana, que, em nosso entender, incidem na sua leitura da histria. A esse respeito, consultar os
numerosos perfis biogrficos que escreveu (Bolvar, San Martn, Paes, por exemplo), que contrastam com
a escassez de artigos referidos diretamente a um episdio histrico (a guerra de Independncia, por
exemplo) ou s classes sociais, sugerindo que, na viso de Mart, os primeiros fornecem a chave para o
segundo e no o contrrio. VITIER, op. cit.
292
La primer cualidad del patriotismo es el desistimiento de s propio. Mart, op. cit., t. 3, p. 184. Da a
referncia a Mart como um apstolo, consagrada posteriormente, por exemplo, na biografia de:
MAACH, Jorge. Mart, El Apstol. La Habana: Editora Popular de Cuba y del Caribe, sem data.
293
Citado por Ernesto Che Guevara em um discurso a jovens e crianas por ocasio do aniversrio de
Mart, em 28 de janeiro de 1960. GUEVARA, Ernesto Che. Jos Mart.. In: HART, Armando et al. Siete
enfoques marxistas sobre Jos Mart. La Habana: Poltica, 1978, p. 74.
294
Em sntese, a realizao do hombre natural passa pelo engajamento pessoal como resposta aos
problemas histricos que a conjuntura apresenta, motivado por um senso de dever para com o seu povo
mas tambm de empatia universal com o sofrimento alheio. Esta doao aparece ao mesmo tempo como
um dever poltico e um caminho de libertao interior em Mart.
295
MART, op. cit., t. 2, p. 473.

104

Levada s ltimas consequncias, a centralidade do amor afirma uma
modalidade no cientfica de apreenso do real. Ao assumir como fundamental a
maneira como se olha e no o objeto do olhar, Mart estabelece a primazia de um
critrio subjetivo, subordinando o real a um princpio tico, qual seja: uma atitude
amorosa. Se s quem ama, v, isto significa que a verdade est subordinada ao amor. De
acordo com as categorias da modernidade ocidental, um critrio subjetivo (atitude
amorosa) subordina a objetividade (a verdade).
Uma vez que Mart concede dimenso transcedente vida, a formao do
homem e da cultura deixa de ter como referncia principal o acmulo cientfico
produzido pela modernidade ocidental. Embora sua importncia no seja desdenhada,
aparece subordinada s modalidades que permitem ao homem tomar contato com sua
prpria natureza. Sob esta perspectiva holstica, no apenas a espiritualidade mas o
sentimento emerge como dimenso fundamental na apreenso e expresso do
conhecimento do tipo de conhecimento que importa para a realizao do hombre
natural. Como decorrncia, o pensador cubano sugere formas alternativas de percepo
do real e de construo do saber, que partem de uma lgica inclusiva do sentimento:
(...) el sentimiento es tambin un elemento de la ciencia
296
.
Subjacente a esta proposio est uma postura crtica da cultura ocidental e de
suas formas de produo e reproduo do conhecimento, que em lugar de aproximar o
homem dos assuntos importantes para a sua realizao, o afastam
297
. Nos seus termos,
em lugar do hombre natural, formam-se mascarados artificiais
298
. Segundo esta viso,
esvaziar o homem deste entulho livresco uma tarefa primordial para gerar as
condies para que o conhecimento venha de si: (...) tiene que deshacerse para entrar
verdaderamente en s
299
.

296
Ibidem, t. 2, p. 473. Esta compreenso seguramente repercute na sua expresso literria madura, em
que o recurso abundante imagem, por exemplo, emerge como estratgia deliberada de comunicao,
preenchendo os requisitos de uma expresso sincera, direta, prpria e dirigida ao sentimento: Slo lo
genuino es fructifero. Slo lo directo es poderoso. Ibidem, t. 1, p. 344. Exemplo acabado deste recurso
s imagens o ensaio Nuestra Amrica. Cf.: VITIER, Cintio. Las imgines em Nuestra Amrica. In:
MART, Jos. Nuestra Amrica edicin crtica. La Habana: Casa Editorial Abril, 2000.
297
So pretexto de completar al ser humano, lo interrumpen. Mart. Op. cit, t. 2, p. 337. E no artigo
sobre Emerson: Para l, un rbol sabe ms que un libro; y una estrella ensea ms que una
universidad. Idem. Emerson. In: BALLN. Lecturas Norteamericanas de Jos Mart: Emerson y el
socialismo contemporneo (1880-1887). Mxico: UNAM, Centro Cordinador y difusor de Estudios
Latinoamericanos.1995.
298
As es la tierra ahora una vasta morada de enmascarados. MART, op. cit., t. 2, p. 337.
299
Ibidem, t. 2, p. 337. Tambm: (...) el primer trabajo del hombre es reconquistarse. Ibidem, t. 1, p.
337. Este um ponto central na admirao por Emerson, que, segundo Mart, anduvo por s mismo,
uma vez que se sacudi de los hombros todos esos mantos y de los ojos todas esas vendas, que los
tiempos pasados echan sobre los hombres, y vivi faz a faz con la naturaleza (...) MART, Jos.

105

Implcito a este questionamento da razo ocidental est uma revalorizao da
subjetividade, sugerindo uma racionalidade presidida por uma outra lgica, em que o
homem pensa com o corao e no s com a cabea (el sentimiento es tambin un
elemento de la ciencia), explica expandindo e no s recortando (Sus libros son
sumas, no demonstraciones), fala com imagens e no s palavras (o ensaio Nuestra
Amrica). A premissa comum destes desdobramentos a subordinao da objetividade
identificada com a racionalidade ocidental (cincia, demonstraes, palavras)
categorias subjetivas (sentimento, somas, imagens).
Encarada do ngulo da formao do homem e da cultura, esta revalorizao da
subjetividade mostra afinidades com o pensamento de Emerson, mas, quando estendida
para o plano da histria, enseja derivaes originais
300
. Ao minar a primazia da
objetividade, Mart estabelece uma premissa casusta de enfrentamento do real, plena de
consequncias polticas
301
. Assumindo como referncia um critrio tico, prevalecer
uma apreciao caso a caso dos impasses da poltica, evitando o recurso a padres de
interpretao da realidade pr-estabelecidos. Este movimento a premissa fundamental
para estabelecer: a centralidade da autoctona no pensamento martiano, onde para cada
realidade, uma soluo; a democracia da sua estratgia poltica, que recusa toda forma
de discriminao considerando os atores sociais casuisticamente, segundo critrios
ticos que ignoram preconceitos de raa, etnia, nacionalidade ou classe; uma viso no
teleolgica da histria.
Por fim, este reenquadramento da objetividade estabelece as premissas para uma
viso da histria na qual o hombre natural aparece no apenas como um fim, mas como
um meio. Nesta leitura peculiar em que o sentido do movimento histrico aparece
subordinado a preceitos ticos, meios e fins se sobrepem, j que a afirmao do
homem , ao mesmo tempo, processo e ator histrico. Em uma viso da histria de
natureza tica, os fins no podem justificar os meios assim como a razo no legitima a
ira: por isso, a guerra de independncia tem que ser movida pelo amor, que, alm de

Emerson. In: BALLN. Lecturas Norteamericanas de Jos Mart: Emerson y el socialismo
contemporaneo (1880-1887). Mxico: UNAM, Centro Cordinador y difusor de Estudios
Latinoamericanos, 1995, respectivamente, p. 79 e 64.
300
Onde Emerson prope campanha eleitoral, desobedincia civil ou recluso na natureza, Mart prega
revoluo, guerra e aliana de todos.
301
Indicamos uma convergncia entre o pensamento de Mart e as investigaes de Richard Morse sobre
a especificidade da cultura ibero-americana em relao ao mundo anglo-saxo, expressa no contraste
sugerido pelo intelectual estadunidense entre o pensamento probabilista e o demonstrativo. MORSE,
Richard. O espelho de prpsero. So Paulo: Cia das Letras, 1988. Esta referncia tributria do dilogo
com a professora Janice Theodoro.

106

canal de percepo e discernimento do verdadeiro, emerge como critrio legtimo e
primeiro da crtica, fundamento da ao: Amar: he aqui la crtica
302
.
Assim, Mart adiciona s motivaes polticas e econmicas da gesta
emancipatria uma dimenso tica. Na sua leitura, a dominao metropolitana obsta a
realizao da natureza humana em ambos os polos do vnculo colonial, bloqueando a
formao de Cuba como pueblo nuevo ao mesmo tempo em que perpetua o atraso em
uma Espanha perdulria
303
. Diante desta realidade, o recurso s armas justificado
como caminho necessrio afirmao da dignidade, meta humanista do projeto
revolucionrio
304
. Nas suas palavras, a guerra interpretada como: (...) la
consecuencia inevitable de la negacin continua, disimulada o descarada, de las
condiciones necesarias para la felicidad de un pueblo que se resiste a corromperse y
desordenarse en la miseria
305
.
Nesta perspectiva, a revoluo cubana encarada como veculo para,
simultaneamente, desimpedir a natureza humana e viabilizar a afirmao de um povo.
Na medida em que o iderio do hombre natural, assim como a consumao da formao
cubana, implicam um projeto de modernidade alternativa referido autoctonia, revelam-
se os nexos entre a viso de homem martiana e a sua leitura da histria, alicerados na
noo de que ambos devem venir de s: Ni hombres ni pueblos pueden rehuir la
obra de desarrollarse por s (...)
306
.
Se a noo anteriormente abordada de que o conhecimento deve vir do esprito e
no dos sentidos comum ao transcendentalismo de Emerson, esta confluncia
ideolgica entre projeto nacional e realizao do homem tem razes intelectuais na
tradio crtica do pensamento cubano do sculo XIX, marcada por uma discusso

302
MART, Jos. Obras Escogidas. La Habana: Editorial de Ciencias Sociales, 2000, t. 2, p. 367. Amor:
es la primera ley de la politica como de la naturaleza.. Tambm: (...) la potencia unificadora del amor,
que es la ley de la poltica como de la naturaleza (...) Ibidem, t. 2, p. 366-367.
303
(...) la nacin Espaola inferior a Cuba en la aptitud para el trabajo moderno y el gobierno libre, y
necesitada de cerrar la Isla, exuberante de fuerzas naturales y del carcter creador que las desata, a la
produccin de las grandes naciones para mantener, con el ahogo violento de un pueblo til de Amrica,
el cercado nico de la industria espaola, y los rendimientos con que paga Cuba las deudas de Espaa
en el continente, y sostiene en la holganza y el poder de las clases favorecidas e improductoras. Ibidem,
t. 3, p. 579.
304
(...) por se en las cosas de mi patria me fuera dado preferir un bien a todos los dems (...) ese sera el
bien que yo prefiriera: yo quiero que la ley primera de nuestra repblica sea el culto de los cubanos a la
dignidad plena del hombre. Ibidem, t. 3, p. 9. Tambm: (...) su derecho de hombre es lo que buscan los
cubanos en su independencia. Ibidem.
305
Ibidem. tomo 1, p. 344. Sobre a revoluo: Revolucin no es algo ms que una de las formas de la
evolucin, que llega a ser indispensable en las horas de hostilidad esencial, para que en el choque subito
se depuren y acomoden en condiciones definitivas de vida los factores opuestos que se desenvuelven en
comn. Ibidem, t. 2, p. 240.
306
Ibidem. t. 3, p. 358.

107

filosfica de tonalidade tica referenciada no cristianismo. Este debate foi inaugurado
pelo religioso Felix Varela em princpios do sculo e encontrou em Jose de la Luz y
Caballero seu principal continuador, de quem Rafael Mendive, o perceptor de Mart, foi
discpulo. Varela conduziu no terreno das ideias um embate contra o escolasticismo em
nome do mtodo eletivo, ou seja, da possibilidade de escolher entre vrias premissas
aquelas que melhor se adequam a um objeto passvel de entendimento. Por trs da
disputa travada muitas vezes em termos religiosos, estava a proposta de criao de uma
cincia cubana voltada para a compreenso do que se identificava como uma realidade
prpria e singular. As ideias do padre Varela germinaram um pensamento
emancipatrio que foi sufocado nos anos da guerra no continente, mas deixaram um
frtil legado ideolgico associando autoctonia, independncia nacional e humanismo
cristo
307
.
Este caminho intelectual foi continuado, entre outros, por Jos Luz y Caballero,
que prosseguiu na tarefa definida como (...) crear una sophia cubana que fuera tan
sophia y tan cubana como lo fue la grega para los griegos
308
. Olhando
retrospectivamente a causa cubana, Mart considerou Luz y Caballero como o
silencioso fundador
309
, e rendeu-lhe tributo mais de uma vez
310
. Partindo desta
herana intelectual, o fundador do PRC enraizar os temas do debate filosfico cubano

307
Percepo que no escapou Coroa espanhola. Depois de ser deputado nas cortes, onde apresentou um
projeto de abolio da escravido, Varela radicalizou sua atuao em sentido emancipatrio. Foi
condenado morte e viveu por decnios nos Estados Unidos, at o fim de sua vida. Teve sua obra
proibida em Cuba em 1842, momento em que a contradio entre a escravido e o imperativo da
modernizao produtiva sob base assalariada atinge seu pico, parcialmente contornado com o recurso ao
imigrante chins assalariado. Cf.: MONAL, Isabel; MIRANDA Olivia (Org.). Pensamiento cubano
siglo XIX. La Habana: Ed. Ciencias Sociales, 2002.
308
Esta citao atribuda por diversas fontes a Jos de la Luz y Caballero (por exemplo, RODRGUEZ,
Alicia Conde. Ensayo Introductorio a: La polemica filosofica cubana (1838-9). In: Eduardo Torres-
Cuevas (director). Orgenes del Pensamiento Cubano. La Habana: Biblioteca Digital de Clasicos
Cubanos, Casa de Altos Estdios Don Fernando Ortz, p. 4, 1 CD ROM), mas Eduardo Torres-Cuevas
menciona que esta definio do intelectual cubano Roberto Agramonte. TORRES-CUEVAS, Eduardo.
Historia del Pensamiento Cubano. La Habana: Editorial de Ciencias Sociales, 2006, v. 1, t. 2, p. 92.
309
L, el padre. l, el silencioso fundador; l que a solas arda y centelleava, y se sofoc el corazn con
mano heroica, para dar tiempo a que se le criase de l la juventud con quien se habra de ganar la
libertad que slo brillara sobre sus huesos; l, que antepuso la obra real a la ostentosa y la gloria de
su persona, culpable para hombre que se ve mayor empleo, preferi ponerse calladamente, sin que le
sospechasen el mrio ojos mimios, de cimiento de la gloria patria; l que es uno de nuestras almaas, y de
su sepultura ha cundido por toda nuestra tierra, y la inunda an con el fuego de su rebelda y la salud de
su caridad; l, que se resign para que Cuba fuese a parecerle, en su tiempo y despus, menos de lo
que era (...) l, que de la peidad reg en vida, ha creado desde su sepulcro, entre los hijos ms puros de
Cuba, una religin natural y bella, que en sus formas se acomoda a la razn nueva del hombre, y l, el
padre, es desconocido sin razn por los hijos que no tienen ojos con que verlo, y negado a veces por sus
propios hijos. MART, Jos. Obras Completas. La Habana: Editorial Nacional Cubana, 1965, t. 3, p. 30.
310
Mart declarou ter chorado a morte de dois homens que no conheceu: Jos Luz y Caballero e
Abraham Lincoln.

108

na poltica revolucionria, radicalizando suas consequncias e ampliando o seu
alcance
311
.
Assim, a viso de mundo martiana tem como principais inspiraes ideolgicas
o transcendentalismo emersoniano e a tradio filosfica cubana de raiz crist,
informando o horizonte civilizatrio no qual se inscreve o seu projeto de formao
nacional. a partir dos nexos singulares que estabelece entre a viso de homem e a
leitura da histria, culminados no iderio de Nuestra Amrica, que radicaliza-se o seu
pensamento e prtica poltica em relao a estas matrizes. De um lado, assenta o debate
filosfico pregresso na conjuntura cubana imediata, extraindo consequncias
revolucionrias. De outro, concede dimenso social realizao humana apesar de sua
natureza transcendente, afirmando uma tica de compromisso poltico de matiz crist
que aproxima-se de uma teologia da libertao avant la lettre
312
.
Em suma, a concepo de modernidade martiana parte de uma valorizao da
subjetividade, subordinando as formas do conhecimento realizao de um ideal
humanista que assume como premissa uma natureza transcendente, afirmada atravs da
ao poltica de orientao amorosa. O hombre natural encarado, ao mesmo tempo,
como ator e projeto de Nuestra Amrica: ambos supem uma afirmao na histria
referenciada na autoctonia, pois devem venir de s. Implcita est uma crtica
civilizao ocidental, apostando no protagonismo de um povo em condies de
subverter os critrios da racionalidade prevalente para avanar uma ao histrica
original, baseada em uma premissa casusta e orientada por prncipios ticos. Em uma
palavra, Mart projeta em Nuestra Amrica um homem novo capaz de construir uma
outra histria.

iv. outra histria
O projeto de Nuestra Amrica visualizado por Mart no se reduz a um bastio
da soberania latino-americana, mas identifica no continente o potencial civilizatrio

311
Sobre o pensamento cubano no sculo XIX: MONAL, Isabel; MIRANDA, Olivia (Org.). Pensamiento
cubano siglo XIX. La Habana, Ed. Ciencias Sociales, 2002; ______. Filosofa e ideologa de Cuba.
Siglo XIX. Mxico: Panoramas de Nuestra Amrica. UNAM, Centro Coordinador y Difusor de Estudios
Latinoamericanos, 1994. TORRES-CUEVAS, Eduardo. Historia del Pensamiento Cubano. La Habana:
Editorial de Ciencias Sociales, 2006, v. 1, t. 2. Tambm o CD ROM: TORRES-CUEVAS, Eduardo
(director). Orgenes del Pensamiento Cubano. La Habana: Biblioteca Digital de Clasicos Cubanos, Casa
de Altos Estdios Don Fernando Ortz, 1 CD ROM.
312
O ethos cristo levou comentaristas a considerarem Mart como um precursor da teologia da
libertao. Cf. ARCE VALENTN, Reineiro. Hacia el equilibrio del mundo. Fundamento tico de la
espiritualidad u concepcin del mundo en Mart. Em: ARCE VALENTN et al. Por el equilibrio del
mundo. La Habana: Anuario do Centro de Estudios Martianos, 2003.

109

para a realizao da sua viso de homem explicitada na noo do hombre natural. Sua
rejeio modernidade ocidental est fundada no reconhecimento de um padro de
sociabilidade marcado pelo dio inerente s relaes de classe, em contradio com o
desgnio amoroso que norteia a sua utopia humanista. Esta crtica est angulada por um
vis tico em consonncia com a sua viso de mundo, mas se enraza na histria quando
aponta para a emancipao continental. Assim, no iderio de Nuestra Amrica culmina
a convergncia entre a autoctonia como proposta poltica e o hombre natural como
horizonte humanista. A chave desta conjuno a noo de carcter, entendida como
expresso da singularidade de cada formao histrica, evidenciada na oposio entre as
duas Amricas encetada pelo pensador cubano.
O ponto de partida poltico da reflexo civilizatria martiana a nova situao
dos Estados Unidos, que passam de cmplices nas lutas pela independncia condio
de ameaa soberania dos pases americanos, o que enseja um contraste entre o
desenvolvimento histrico dos polos do continente. Mart enfrenta esta questo na
alocuo conhecida como Madre Amrica, proferida diante dos delegados
hispanoamericanos Conferncia Internacional Americana em 1889. Nesta ocasio,
esboa um paralelo entre a formao dos Estados Unidos e de Nuestra Amrica,
sintetizado na seguinte linha: Del arado naci la Amrica del Norte, y la Espaola, del
perro de presa
313
.
Vimos que a interpretao martiana da formao de Nuestra Amrica est
condensada na noo de pueblo nuevo: uma realidade histrica original gerada pelo
encontro de culturas produzido no teatro americano, e que ter o mrito singular de
converter o que foi desdicha histrica y un crimen natural em potencial civilizatrio
a se realizar: o veneno transformado em seiva
314
. Na narrativa da formao dos Estados
Unidos, Mart salienta a motivao de seus colonizadores, que vinham porque (...)
preferian las cuevas independientes a la prosperidad servil. Uma vez na Amrica,
(...) en la casa hecha por sus manos vivan, seores y siervos de s propios. No
ignora a escravido
315
, nem o massacre dos ndios
316
, mas enfatiza a liberdade e a

313
MART, op. cit., t. 2, p. 420-427. A ativa participao de Mart na conferncia desde os preparativos
ilustra seu empenho em dar concretude poltica sua utopia para o continente. Nesta ocasio, atuou como
representante uruguaio e teve papel decisivo juntamente com o representante argentino para frustrar as
intenes da chancelaria estadunidense.
314
Ibidem, t. 2, p. 425.
315
(...) alguno trae en su barco una negrada que vender (...) Ibidem.
316
All, por los bosques, el aventurero taciturno caza hombres y lobos, y no duerme bien sino cuando
tiene de almohada un tronco recin cado o un ndio muerto. Ibidem.

110

autonomia como marcas da colonizao da Amrica do Norte, reconhecida pela
administrao colonial
317
. A outra face deste individualismo orgulhoso, que, quando
contrariado, se rebela
318
, a ausncia de solidariedade com os povos que enfrentam
problemas similares, exemplificada com a omisso em relao s guerras de
independncia que estouraram na Amrica Ibrica. Por isso, Mart no idealiza a
repblica do norte: La libertad que triunfa es como l, seorial y sectaria (...)
319
.
Ao abolir a escravido anos mais tarde, a Guerra da Secesso corrigiu um
desequilbrio fundamental do pas
320
, propiciando a reapario de duas tendncias
contrapostas presentes desde a colonizao, manifestas nas figuras do peregrino (que
no consenta seor sobre l, ni criado bajo l) e do aventurero (sin ms ley que su
deseo, ni ms lmite que el de su brazo). Na viso de Mart, a tenso entre estes vetores
marca a dinmica da histria estadunidense, pois so os factores que constituyeron la
nacin, sugerindo que a prevalncia de uma ou outra tendncia um processo em
aberto
321
.
Subjacente a esta leitura est a noo de carcter como chave da interpretao
martiana para a histria de um povo
322
. Ao contrrio do que a palavra pode indicar, esta
proposio no alude a uma suposta essncia, mas remete a um processo de revelao
ou no de potencialidades histricas e, neste sentido, est referido s caractersticas de
uma formao histrica. Partindo de uma diferenciao do legado colonial que marca de
modo contrastante as novas repblicas independentes, Mart conclui que estes

317
La autoridad era de todos, y la daban a quien queran dar. Sus ediles elegan, y sus gobernadores.
Ibidem.
318
(...) cuando el ingles, por darla de amo, les impone un tributo que ellas no quieren se imponer, el
guante que le echaron al rostro las colonias fue el que el ingles mismo haba puesto en sus manos.
Ibidem.
319
As citaes deste trecho, assim como as subsequentes, so extradas da alocuo Madre Amrica.
MART, op. cit., t. 2, p. 420-427.
320
(...) bambolea, egosta e injusta, sobre los hombros de una raza esclava. Ibidem.
321
Baseado em uma compreenso dinmica do carcter de um povo, o pensador cubano elide
generalizaes e determinismos. No obstante, sobretudo depois da experincia na Conferncia Monetria
das Repblicas das Amricas, a denncia do expansionismo estadunidense se converter em uma misso
poltica, como se ver adiante.
322
Na alocuo Madre Amrica a expresso no empregada, mas aparece em diversas passagens, por
exemplo: (...) que continuamos la revolucin para fomentar y hacer imperar el carcter natural cubano
(...) Ibidem, t. 3, p. 150. Ou: Y es de justicia, y de legtima ciencia social, reconocer que, en relacin
con las facilidades del uno y los obstculos del otro, el carcter norteamericano ha descendido desde la
independencia, y es hoy menos humano y viril, mientras que el hispanoamericano, a todas luces, es
superior hoy, a pesar de sus confusiones y fatigas, a lo que era cuando empez a surgir de la masa
revuelta de clrigos logreros, imperitos idelogos, e ignorantes o silvestres indios. Ibidem, t. 3, p. 352.

111

desdobramentos histricos geraram povos de carcter distinto, o que significa, em
ltima anlise, que apontam para padres civilizatrios diversos
323
.

En Amrica hay dos pueblos y no ms de dos, de alma muy diversa
por los orgenes, antecedentes y costumbres, y slo semejantes en la
identidad fundamental humana. De un lado est nuestra Amrica, y
todos sus pueblos son de una naturaleza, y de cuna parecida o igual y
de mezcla imperante. De la otra parte est la Amrica que no es
nuestra, cuya enemistad no es cuerdo ni viable fomentar, y de la que
con el decoro firme y la sagaz independencia no es imposible, y es
til, ser amigo
324
.

O reverso da diferenciao entre as duas Amricas o diagnstico de uma
semelhana fundamental entre os Estados Unidos e a Europa, que est na raiz do
rechao martiano ao padro civilizatrio ocidental. O cerne da questo a prevalncia
do dio de classes como padro de conflito social, atribudo, segundo a viso do
pensador cubano, ao carcter destes povos: no caso europeu, remete ao despotismo e
monarquia
325
, enquanto nos Estados Unidos trata-se de uma corrupo, na qual (...) el
afn exclusivo por la riqueza pervierte el carcter
326
. Em ambos os casos, o dio de
classe no associado ao padro de estratificao social, mas visto como expresso
tica de uma construo histrica referenciada a um legado feudal, o que nos Estados
Unidos supe uma espcie de regresso histrica: crean un nuevo feudalismo
327
.

323
Em Nuestra Amrica, constata: (...) diferencia de orgenes, metodos y intereses entre los dos
factores continentales (...). Apresentam-se trs dimenses da diferenciao: orgenes, ou seja, o legado
colonial; metodos, interpretados como as relaes sociais em suas vrias expresses polticas, culturais e
econmicas, remetidas autoctonia; intereses, sugerindo o prprio sentido da histria.
324
Idem. Obras Completas de Jos Mart. La Habana: Centro de Estudios Martianos, Karisma Digital,
2001, t. 8, 0. 35, 1 CD ROM.
325
(...) naciones donde la servidumbre rural y las castas de cincuenta siglos han puesto a los hombres
en diferencias innecesarias y artificiales en Europa, o diversas y menos graves en Amrica. Ibidem, t. 2,
p. 104.
326
Ibidem, t. 2, p. 80.
327
A citao completa: (...) cuando se palp que los inventos ms tiles, puestos en ejerccio con
abundancia ilimitada en el pas ms libre de la tierra, reproducen en pocos aos la misma penuria, la
misma desigualdad, las mismas acumulaciones de riqueza y de odio, los mismos sobresaltos y riesgos
que en los pueblos de gobierno desptico o libertad inquieta se han acumulado con el concurso de los
siglos; cuando se observ definitivamente que la maravilla de la mecnica, la exuberancia del suelo, la
masa de poblacin, la enseanza pblica, la tolerancia religiosa y la libertad poltica, combinadas en el
sistema ms amplio y viril imaginado por los hombres, crean un nuevo feudalismo en la tierra y en la
industria, con todos los elementos de una guerra social, entonces se vio que la libertad poltica no basta
a hacer a los hombres felices y hay un vicio de esencia en el sistema que con los elementos ms
favorables de libertad, poblacin, tierra y trabajo, trae a los que viven en l a un estado de dio y
desconfianza constante y creciente, y a la vez que permite la acumulacin ilimitada en unas cuantas
manos de la riqueza de carcter pblico, priva a la mayora trabajadora de las condiciones de salud,
fortuna y sosiego indispensables para sobrellevar la vida. Ibidem, t. 2. p. 76. No entanto, Mart no
opina que las costumbres de la Repblica engendran los mismos vcios de las monarquas privilegiadas
y ociosas: a prtica eleitoral facultaria aos Estados Unidos possibilidades nicas de reforma pacfica.

112

Em oposio aos pases do capitalismo central, Mart identifica em Nuestra
Amrica a confluncia das condies histricas e das possibilidades ticas favorveis
construo de uma sociabilidade alternativa. Nesta perspectiva, a autoctonia no um
fim em si, mas uma via de afirmao da natureza humana, obstruda nos pases onde
prevalece o dio de classes. Em outras palavras, Mart interpreta a autoctonia como
caminho para afirmar o carcter do continente, identificado com a realizao de um
potencial civilizatrio singular, mas de alcance universal, condensado no ideal do
hombre natural. Enquadrada por este ngulo, a guerra cubana revela-se como uma
causa nacional enganchada a um iderio universal, mediada pela realizao de Nuestra
Amrica como uma utopia continental.

v. equilibrio del mundo
A crtica ao padro civilizatrio ocidental conflui com a causa da emancipao
cubana para forjar o iderio de Nuestra Amrica como projeto de unidade continental.
Consciente da vulnerabilidade da posio insular, Mart inscreve a luta antilhana sobre o
destino do continente, propondo a unio urgente dos pases latino-americanos como
recurso defensivo face ao expansionismo estadunidense. Na tica martiana, a causa da
emancipao nas Antilhas tem relevncia geopoltica mundial, na medida em que o seu
triunfo servir como um dique capaz de preservar a soberania dos pases do continente,
assegurando um equilbrio nas relaes internacionais, sintetizado na noo de
equilibrio del mundo
328
.

Este otimismo inicial diminui medida que Mart agudiza sua crtica esta sociedade, reduzindo tambm
o papel que atribui imigrao europeia como atiadora do dio de classes.
328
A busca do equilbrio, assentada no pressuposto de que a essncia humana (o hombre natural)
harmoniosa como a natureza, o norte magntico do pensamento martiano em todas as suas dimenses.
Do ponto de vista civilizatrio, o leva a rechaar o materialismo caracterstico do capitalismo na Europa e
nos Estados Unidos em nome de um projeto de modernidade orientado pela busca do equilbrio entre as
dimenses material e espiritual da existncia. Do ponto de vista da estratgia poltica, prope para a
guerra de independncia uma aliana de classes referenciada em um projeto nacional de contedo
democrtico, sintetizado no lema: con todos y para el bien de todos. Do ponto de vista filosfico,
determina seu rechao ao positivismo, corrente de ideias dominante na Amrica Latina no seu tempo e
dotada, neste contexto, de um contedo progressista em muitos casos. Recusa seu materialismo sem
abraar o idealismo que seria sua contraposio, mas busca atravs da proposta de uma filosofa de
relacin embasar um sistema original que estaria no meio termo. Do ponto de vista geopoltico,
conduzido a projetar um papel nodal para as Antilhas no devir histrico contemporneo atravs da noo,
que veremos adiante, do equilbrio del mundo. Ver: ARCE VALENTN, Reinerio. Op. cit;
GUADARRAMA GONZALEZ, Pablo. Mart y el positivismo sui generis latinoamericano. In: ARCE
VALENTN et al. Por el equilibrio del mundo. La Habana: Anuario do Centro de Estudios Martianos,
2003. LE RIVEREND, Julio. El historicismo martiano en la idea del equilibrio del mundo. La Habana:
Anuario del Centro de Estudios Martianos, n. 2, 1979.

113

Gestado e revelado por oposio aos Estados Unidos, o iderio de Nuestra
Amrica est alicerado em um contraste cultural de raiz histrica, acentuado por uma
sensibilidade em relao aos mveis da poltica estadunidense, cultivada no perodo em
que Mart residiu neste pas. O militante cubano constata precocemente a orientao
pragmtica da poltica externa ianque
329
e desconfia de qualquer apoio para a guerra que
se prepara. Pelo contrrio, considera um dever prevenir-se contra toda movimentao
de sentido anexionista
330
, tendncia fortalecida diante da crescente penetrao
estadunidense nos negcios da ilha: Para que la isla sea norteamericana, no
necesitamos hacer ningn esfuerzo, porque, si no aprovechamos el poco tiempo que nos
queda para impedir que lo sea, por su propia descomposicin vendr a serlo
331
.
Em uma circunstncia na qual as bases em que se projeta a unio continental so
antes identitrias e culturais do que polticas e econmicas
332
, o pensador cubano
localiza no passado colonial as razes de uma identidade comum, cujo devir aponta para
um padro civilizatrio original.

Objetivamente, observa que a percepo da unidade
espiritual de Nuestra Amrica um processo recente e em plena evoluo: Cansada
del dio inutil (...) se impieza como sin saberlo, a probar el amor. Se ponen en pie los
pueblos y se saludan. Como somos? se preguntan, y unos a otros se van diciendo
cmo son"
333
.
A conscientizao sobre a especificidade americana enseja o descarte de padres
culturais alheios como soluo para os seus problemas histricos, cuja chave est no

329
Em carta de 1889, afirma que o governo dos Estados Unidos no ir fazer nem dizer (...) cosa que en
lo menor ponga en duda para lo futuro, o comprometo por respetos expresos anteriores, su ttulo al
dominio de la Isla. MART, op. cit., t. 2, p. 375.
330
Mart expressa suas intenes concretas a este respeito no seguinte artigo: Y para ayudar al
conocimiento de la realidad poltica de Amrica, y acompaar o corregir, con la fuerza serena del hecho,
el encomio inconsulto, y, en lo excesivo, perniciosode la vida poltica y el carcter norteamericanos,
Patria inaugura, en el nmero de hoy, una seccin permanente de Apuntes sobre los Estados Unidos,
donde, estrictamente traducidos de los primeros diarios del pas, y sin comentario ni mudanza de la
redaccin, se publiquen aquellos sucesos por donde se revelen, no el crimen o la falta accidentaly en
todos los pueblos posiblesen que slo el espritu mezquino halla cebo y contento, sino aquellas
calidades de constitucin que, por su constancia y autoridad, demuestran las dos verdades tiles a
nuestra Amrica:el carcter crudo, de-sigual y decadente de los Estados Unidosy la existencia, en
ellos continua, de todas las violencias, discordias, inmoralidades y desrdenes de que se culpa a los
pueblos hispanoamericanos. Ibidem, t. 3, p. 352.
331
Ibidem, t. 2, p. 375.
332
sob este ngulo que analisa a fracassada iniciativa bolivariana do comeo do sculo XIX: Acaso, en
su sueo de gloria, para la Amrica y para s, no vio que la unidad de espritu, indispensable a la
salvacin y dicha de nuestros pueblos americanos, padeca, ms que se ayudaba, con su unin en formas
tericas y artificiales que no se acomodaban sobre el seguro de la realidad (...) se revelaba el
desacuerdo patente entre Bolvar, empeado en unir bajo un gobierno central y distante los pases de la
revolucin, y la evolucin americana, nacida, con mltiples cabezas, del ansia del gobierno local y con
la gente de la casa propia! Ibidem, t. 3, p. 282.
333
Ibidem, t. 3, p. 282.

114

desvelamento de uma realidade prpria
334
, sintetizada na consigna: conocer es
resolver
335
. No fundo desta redescoberta de si, revela-se uma atualizao do problema
da identidade americana em relao ao comeo do sculo, onde o legado das guerras da
independncia esgotou seu papel progressista e o expansionismo estadunidense reclama
um projeto alternativo de alcance continental e referncia autctone, alicerado na
integrao popular e fundado em preceitos ticos. O lder cubano refere-se ao
descompasso entre a modernidade ocidental e as tarefas histricas em aberto no
continente na seguinte linha: (...) de que sirve tener a Darwin sobre la mesa, si
tenemos todava al mayoral en nuestras costumbres?
336
.
Ao conceder dimenso civilizatria ao problema da soberania americana, Mart
fortalece os vnculos da causa antilhana com o destino do continente
337
, movimento
lastreado na constatao de que o futuro de Cuba indissocivel da natureza dos nexos
estabelecidos entre a Amrica Latina e o imperialismo. Premido entre o colonialismo
espanhol e o capitalismo ianque, o lder do PRC inscreve a luta pela independncia no
dilema da formao da Amrica Latina, afirmando a possibilidade e a necessidade de
um projeto de modernidade alternativa que envolva o continente. Nesta perspectiva,
advoga a realizao de uma segunda independncia, que supere os resqucios do
passado colonial ao mesmo tempo em que enfrente a hegemonia ianque, afirmando uma
identidade prpria atravs da integrao do legado indgena e negro obra espanhola
(pueblo nuevo), em uma via culturalmente assertiva e socialmente democrtica. No
contexto da Conferencia Interamericana patrocinada pelo governo estadunidense em
1889, o lder cubano escreveu: "De la tirana de Espaa supo salvarse la Amrica
espaola; y ahora, despus de ver con ojos judiciales los antecedentes, causas y
factores del convite, urge decir, porque es la verdad, que ha llegado para la Amrica
espaola la hora de declarar su segunda independencia
338
.

334
Eramos una visin, con el pecho de atleta, las manos de petimetre, y la frente de nio.Eramos una
mscara (...) Ibidem, t. 2, p. 484.
335
Ibidem, t. 2, p. 483.
336
Ibidem, t. 2, p. 477. El problema de la independencia no es el cambio de formas, sino el cambio de
espritu. Ibidem, t. 2, p. 484.
337
Cuba y nuestra Amrica son una en mi previsin y mi cario. MART, Jos. Apud: MARINELLO,
Juan. Prlogo a: MART, Jos. Nuestra Amrica. Caracas: Fundacin Biblioteca Ayacucho, 2005, p.
XVIII.
338
Ibidem, t. 2, p. 379. A noo de uma segunda independencia no uma formulao original de
Mart, embora seja o cubano quem consolida para siempre la expresin, segundo Pinedo. Para a
trajetria desta ideia, consultar: PINEDO, Javier. El concepto Segunda Independencia en la historia de
las ideas en Amrica Latina: Una Mirada desde el Bicentenario. Revista Atenea N 502, II Semestre
2010, Concepcin, p. 151-177.

115

Diante da encruzilhada histrica que anuncia uma nova modalidade de
colonialismo
339
, a revelao da unidade latente Nuestra Amrica afigura-se como uma
estratgia urgente de resistncia ao expansionismo estadunidense, ao mesmo tempo em
que o resguardo imprescindvel de um contedo civilizatrio prprio e comum: (...)
la salvacin de nuestra Amrica est en la accin una y compacta de sus repblicas, en
cuanto a sus relaciones con el mundo y al sentido y conjunto de su porvenir
340
. Ao
associar-se causa da soberania continental, a luta pela emancipao nas Antilhas
vincula-se, na perspectiva martiana, a processos cruciais para o equilbrio geopoltico
mundial. Na sua viso, a concretizao da hegemonia estadunidense no continente pode
abortar a independncia de Cuba e Porto Rico, frustrando a utopia nossamericana, ao
mesmo tempo em que consolidaria um poder mundial concorrente ao europeu. Ao
projetar o expansionismo estadunidense em toda a sua extenso, localizando-o na
geopoltica mundial, Mart desgua na noo do equilibrio del mundo:

La guerra de independencia de Cuba, nudo del haz de islas donde se ha
de cruzar, en plazo de pocos aos, el comercio de los continentes, es
suceso de gran alcance humano, y servicio oportuno que el herosmo
juicioso de las Antillas presta a la firmeza y trato justo de las naciones
americanas, y al equilibrio an vacilante del mundo
341
.

A causa da Independncia cubana adquire a plenitude do seu significado: o
estabelecimento da repblica moral nas Antilhas o primeiro elo para realizar o projeto
de Nuestra Amrica, utopia pautada por premissas ticas fundadas no amor, orientada
realizao do hombre natural, dotada de um contedo civilizatrio original de alcance
universal e governada segundo uma lgica que a afasta da concorrncia agressiva da
geopoltica mundial. Nesta leitura, o xito da guerra nas Antilhas decisivo para o
equilbrio global, minando o expansionismo estadunidense ao mesmo tempo em que
abre caminho para a unidade americana, pedra fundamental para um projeto
civilizatrio alternativo. Isto significa que Mart concede papel protagonista ao
continente no plano poltico, e estatura universal ao potencial cultural de Nuestra
Amrica do ponto de vista humanista. Em uma palavra, Mart identifica o futuro da
civilizao com a afirmao do potencial histrico de Nuestra Amrica.


339
(...) la intentona de llevar por Amrica en los tiempos modernos la civilizacin ferrocarrilera, como
Pizarro llev la f de la cruz (...) MART, op. cit., t. 2, p. 391.
340
Ibidem, t. 2, p. 486.
341
Ibidem, t. 3, p. 517.

116

b) MART E O CAMINHO PARA A FORMAO CUBANA

A formao poltica de Jos Mart forjada no ambiente dos revolucionrios
intransigentes desacreditados das possibilidades de reforma do nexo colonial, que
enxergam no Pacto de Zanjn apenas uma trgua at que se renam no exlio as
condies para uma retomada da guerra. Sua militncia parte do pressuposto de que o
vnculo colonial retrgrado e anacrnico, e a sua ruptura, inexorvel. Nesta
circunstncia, o desafio que se coloca ditar um rumo racional ao conflito, o que exige
a formao de um partido que ordene o impulso blico superando os limites do campo
revolucionrio nos confrontos anteriores. Com este objetivo, a estratgia organizativa do
PRC prope uma aliana de classes em torno a um projeto orientado a estabelecer as
premissas sociais e econmicas da integrao nacional. Embora os documentos do
partido no detalhem as medidas programticas vislumbradas para a ilha emancipada, os
textos de seu lder revelam a marca das noes que referenciam sua viso de uma
modernidade alternativa: a primazia da autoctonia, a realizao do hombre natural e a
afirmao do equilibrio del mundo como princpio universal. Em termos polticos, para
alm da projeo civilizatria e continental da utopia martiana, o caminho para a
formao cubana impulsionado pelo PRC identifica-se com a revoluo democrtica
nacional.

i. leitura da histria
A constatao de que a emancipao da Espanha justa e inevitvel est
ancorada em uma sensibilidade em relao ao movimento do sculo, identificando o
avano histrico com as conquistas associadas ao contedo republicano da Revoluo
Francesa, anunciando uma nova subjetividade que aponta para a emancipao do
indivduo
342
. De forma geral, Mart interpreta o sculo XIX como um siglo nivelador y
justiciero
343
.

342
(...) los hombres se preparan... a entrar en el goce de s mismos y a ser rey de reyes. Tambm: (...)
asstese como a una descentralizacin de la inteligencia (...) Ibidem. t. 1, p. 337. O outro lado desta
sensibilidade a percepo do sculo como um tempo de acelerao e de mudana, onde
imprevisibilidade inerente ao devir histrico, associa-se uma instabilidade caracterstica da modernidade
ocidental. Este quadro , ao mesmo tempo, substanciado e referido por uma viso no teleolgica da
histria. No hay obra permanente, porque las obras de los tiempos de reenquiciamiento y remolde son
por esencia mudables e inquetas; no hay caminos constantes, vislmbranse apenas los altares nuevos,
grandes y abiertos como bosques. Ibidem. t. 1, p. 339.
343
Ibidem, t. 2, p. 497.

117

Esta percepo do dinamismo da histria contempornea est na raiz do
contraste entre as possibilidades da luta cubana em relao ao perodo das guerras de
independncia do comeo do sculo. O ponto de inflexo a Guerra dos Dez Anos, que
o lder antilhano identifica como o episdio fundador da nacionalidade cubana. Ao
pressionar pela superao do preconceito de cor e por uma aproximao dos distintos
estratos sociais atravs das armas, a guerra desencadeou o processo de formao da
nao: (...) entr la patria, por la acumulacin de la guerra, en aquel estado de
invencin y aislamiento en que los pueblos descubren en s y ejercitan la originalidad
necesaria para juntar en condiciones reales los elementos vivos que crean la
nacin
344
.
A singularidade desta circunstncia defronta a revoluo nacional nas Antilhas
com possibilidades histricas inditas em relao conjuntura das guerras da
independncia americana do comeo do sculo, em que a emancipao antecedeu a
formao da nao. Exposio sistemtica desta viso encontramos no Manifiesto de
Montecristi
345
, documento lanado por ocasio da retomada da guerra da independncia
em Cuba no ano de 1895. Neste manifesto, Mart elenca cinco aspectos que marcaram a
conjuntura em que se deu a gesta emancipatria do comeo do sculo:

La concentracin de la cultura meramente literaria en las capitales; el
errneo apego de las repblicas a las costumbres seoriales de la
colonia; la creacin de caudillos rivales consiguiente al trato receloso
e imperfecto de las comarcas apartadas; la condicin rudimentaria de
la nica industria, agrcola o ganadera; y el abandono y desdn de la
fecunda raza indgena (...)

Para em seguida advertir sobre estes pontos: (...) no son, de ningn modo los
problemas de la sociedad cubana
346
. Ao negar a identidade entre os cinco aspectos
que destaca como caractersticos da Amrica recm emancipada no Manifiesto de
Montecristi, infere-se, por oposio, que Mart verifica em Cuba as condies para: um
certo nvel de difuso cultural, e que transcenda o livresco; superar o legado cultural da
colnia; uma unidade que prescinda de caudilhos; um maior desenvolvimento e
diversidade da base produtiva; a valorizao e integrao do indgena. Em outras

344
Ibidem. t. 2, p. 366. Esta percepo endossada por historiadores contemporneos: (...) em sntese,
poder-se ia dizer que a Guerra dos Dez Anos e a Guerra Chiquita foram como que o cadinho onde se
fundiu a nacionalidade cubana. MORENO FRAGINALS, Manuel. Cuba- Espanha- Cuba. Uma histria
comum. Bauru: Edusc, 2005, p. 313.
345
MART, Jos; GMEZ, Mximo. Manifiesto de Montecristi. In: MART, Jos. Obras Escogidas. 3
tomos. La Habana: Editorial de Ciencias Sociales, 2000. p. 511-518.
346
MART, op. cit., t. 3, p. 513.

118

palavras, v os pressupostos para a consecuo de um projeto nacional de caracterstica
culta, republicana, democrtica, produtiva e autctona. Em suma, identifica em Cuba os
quesitos para a formao da nao.
A avaliao martiana da circunstncia cubana est apoiada em diferenas de
ordem objetiva e subjetiva em relao Amrica espanhola no comeo do sculo. Do
ponto de vista objetivo, observa um outro nvel de integrao social e desenvolvimento
material, enquanto no plano subjetivo, opina que acumulou-se uma experincia de
gesto poltica e econmica em bases prprias. Para ambos os fatores, a Guerra dos Dez
Anos serviu como detonador e balo de ensaio.

(...) la capacidad de los cubanos, cultivada en diez aos primeros de
fusin sublime, y en las prcticas modernas del gobierno y el trabajo,
para salvar la patria desde sua raz de los desacomodos y tanteos,
necesarios al principio del siglo, sin comunicaciones y sin
preparacin en las repblicas feudales o tericas de Hispano-
Amrica
347
.

Este contraste histrico no significa que o legado da luta pela emancipao
americana no comeo do sculo seja irrelevante para os processos que lhe sucedem,
destinados, segundo a expresso potica do militante cubano, a escrever a ltima
estrofe do poema de 1810
348
. Embora o tema no seja objeto de uma anlise
especfica, o lder do PRC reitera, atravs de textos e discursos, dois aspectos que, na
sua viso, foram determinantes para o xito da gesta bolivariana: a participao popular
massiva e o levante simultneo das distintas partes do continente
349
, em uma
circunstncia em que os povos americanos contaram com seus prprios meios para
realizar a independncia. Embora reconhea a origem patrcia dos eventos e critique a
posterior conteno do potencial democrtico do processo, Mart identifica no
engajamento dos diferentes estratos sociais, unidos solidariamente contra a dominao
metropolitana, a chave do triunfo americano, sugerindo que a luta nas Antilhas deve

347
Ibidem, p. 512.
348
MART, Jos. Fragmentos del discurso en el Club del Comercio pronunciado el 21 de marzo de 1881.
In: ______. Obras completas, edicin crtica, La Habana, 2003, t. 8, p. 40. Apud: RODRGUEZ, Pedro
Pablo. El poema de 1810. Jos Mart ante las independencias hispanoamericanas. Anais eletrnicos da
XII Conferncia de SOLAR. Heredia, Costa Rica: 2010, p. 1.
349
Qu sucede de pronto, que el mundo se para a or, a maravillarse, a venerar? De debajo de la
capucha de Torquemada sale, ensangrentado y acero en mano, el continente redimido! Libres se
declaran los pueblos todos de Amrica a la vez. Surge Bolvar, con su cohorte de astros. Los volcanes,
sacudiendo los flancos con estruendo, lo aclaman y publican. A caballo la Amrica entera! Y resuenan
en la noche, con todas las estrellasescondidas, por llanos y por montes, los cascos redentores. MART,
op. cit., t. 2, p. 424 (grifos nossos).

119

apoiar-se na mobilizao popular e na unidade continental para triunfar. Mart expressa
sua leitura sobre a emancipao, relacionando-a formao de Nuestra Amrica, na
seguinte passagem:

Bajo las sotanas de los cannigos y en la mente de los viajeros
prceres vena de Francia y de Norteamrica el libro revolucionario,
a avivar el descontento del criollo de decoro y letras, mandado desde
allende a horca y tributo; y esa revolucin de lo alto, ms la levadura
rebelde y en cierto modo democrtica del espaol segundn y
desheredado, iba a la par creciendo, con la clera baja, la del gaucho
y el roto y el cholo y el llanero, todos tocados en su punto de hombre:
en el sordo oleaje, surcado de lgrimas el rostro inerme, vagaban con
el consuelo de la guerra por el bosque las majadas de indgenas,
como fuegos errantes sobre una colosal sepultura. La independencia
de Amrica vena de un siglo atrs sangrando:ni de Rousseau ni de
Washington viene nuestra Amrica, sino de s misma!
350


Em sntese, o lder cubano observa em Cuba no final do sculo XIX uma
circunstncia diferenciada do ponto de vista da realidade socioeconmica e do aparato
cultural, propiciando ilha as condies para superar os dois pontos centrais que
frustraram a formao das repblicas americanas independentes: a conteno das
presses de sentido democratizador
351
e a importao de modelos polticos e culturais
estrangeiros
352
. A decorrncia destas limitaes do projeto emancipatrio foi que (...)
la colonia continu viviendo en la repblica
353
.
Outras so as possibilidades do momento histrico em que vive Mart. Uma vez
que a Guerra dos Dez Anos gerou as condies para a aproximao dos diversos
estratos sociais no cadinho da nacionalidade cubana e o trabalho poltico realizado pela

350
Ibidem, t. 3, p. 280.
351
Em um discurso em homenagem a Simon Bolvar pronunciado na Sociedad Literaria
Hispanoamericana em 28 de outubro de 1893, Mart comenta a respeito da obra do lder venezuelano:
(...) no pudo, por tenerlo en lo redao, ni venirle del hbito ni de la casta, conocer la fuerza
moderadora del alma popular, de la pelea de todos en abierta lid, que salva, sin ms ley que la libertad
verdadera, a las repblicas (...) MART, op. cit., t. 3, p. 282.
352
No mesmo discurso anteriormente citado: Acaso, en su sueo de gloria, para la Amrica y para s, no
vio que la unidad de espritu, indispensable a la salvacin y dicha de nuestros pueblos americanos,
padeca, ms que se ayudaba, con su unin en formas tericas y artificiales que no se acomodaban sobre
el seguro de la realidad. Ibidem.
353
Ibidem, t. 2, p. 484. Comentando a leitura que Mart faz das guerras de independncia, Pedro Pablo
Rodrguez escreve: Alrededor de dos ideas centrales se organiza el enjuiciamiento martiano acerca de
este asunto (...) Estas ideas centrales son que las independencias no se hubieran alcanzado sin la
participacin masiva de los sectores populares en su favor y sin la accin unida de las fuerzas
patriticas del continente. Ambas constituiran, a su vez, ideas claves tambin en su criterio acerca de la
revolucin anticolonial que estaba pendiente en Cuba, tarea en la que se empe plenamente.
RODRGUEZ, Pedro Pablo. El poema de 1810. Jos Mart ante las independencias hispanoamericanas.
El poema de 1810 Jos Mart ante las independencias hispanoamericanas. Heredia, Costa Rica: Anais do
X Congreso de Solar, 2010. CD-ROM, p. 2.

120

militncia no exlio amadureceu o curso para solues polticas prprias, o povo cubano
rene as condies objetivas e subjetivas para afirmar uma republica que no seja feudal
nem terica
354
: um projeto nacional assentado na autoctonia, caminho da superao
definitiva do legado colonial. O veculo concebido por Mart para converter este
potencial da conjuntura cubana em uma revoluo nacional ser o PRC.

ii. partido
O ponto de partida da estratgia organizativa martiana um diagnstico dos
obstculos ao triunfo cubano na Guerra dos Dez Anos, atribudos falta de coeso no
comando insurgente, que fomentou tendncias desagregadoras associadas ao
caudilhismo. Na sua viso, a unidade revolucionria deve fundamentar-se em um
programa poltico, o que implica subordinao do comando militar direo civil
assumida por um partido fundado com este propsito. Consonante com este diagnstico,
Mart se dedicar incansavelmente organizao de um partido referenciado por um
programa (ainda que vago), de base ampla e regimento participativo (embora de mando
centralizado), que liderar desde a sua fundao em 1891 nos Estados Unidos at a sua
morte. A dupla preocupao de dotar a guerra de uma direo orientada por princpios e
um programa, e prevenir o caudilhismo atravs da permeabilidade da ao
revolucionria ao influxo popular, baliza a fundao do PRC (Partido Revolucionario
Cubano): La Revolucin se salva. Le faltaba tesis y orden, y ya tiene una y otro. (...)
Era ambiente la Revolucin y hoy es plan
355
.
A concepo do PRC est assentada no legado democrtico da Guerra dos Dez
Anos, base objetiva da clivagem nacional que referenciar a aliana supraclassista
proposta, servindo como fundamento histrico para a premissa tica con todos y para
el bien de todos
356
, avessa a qualquer discriminao de cor, etnia ou nacionalidade na
conduo da guerra. Esta permeabilidade participao popular, na estrutura partidria
como nos campos de batalha, vista como o principal antdoto ao caudilhismo que
infesta o continente desde a gesta emancipatria do comeo do sculo: (...) salvar a
Cuba de los peligros de la autoridad personal y de las disensiones en que, por falta de

354
Ver: MART, Jos; GMEZ, Mximo. . Manifiesto de Montecristi. In: Jos Mart. Obras Escogidas. 3
tomos. La Habana: Editorial de Ciencias Sociales, 2000. p. 511-518.
355
MART, op. cit. , t. 3, p. 353.
356
Ibidem, t. 3, p. 8.

121

la intervencin popular y de los habitos democraticos en su organizacin, cayeron las
primeras republicas americanas
357
.
Embora Mart avalie como inevitvel a reabertura de um confronto justo e
necessrio, entende que o seu desfecho est sujeito impresso de um rumo racional
luta, fruto de uma acertada direo revolucionria. Da o empenho que dedicou tarefa
organizativa
358
, atribuindo ao partido a funo de interpretar a realidade em que est
inserido para propor aes sintonizadas com as tendncias histricas e os anseios do
povo que representa, afianando a concrdia nacional: A su pueblo ha de ajustarse
todo partido pblico, y no es la poltica ms, o no ha de ser, que el arte de guiar, con
sacrificio propio, los factores diversos u opuestos de un pas (...)
359
.
Subjacente a esta concepo da poltica, interpretada como a conciliao dos
opostos, est a leitura de que, em Cuba emancipada, prevalecer o entendimento como
padro de resoluo do conflito social.

Nesta perspectiva, o horizonte poltico martiano
uma democracia fundada no equilbrio entre as classes
360
, na qual a funo do governo
seria encontrar uma harmonia natural entre interesses divergentes
361
, noo que remete
premissa de um equilbrio universal, norte da viso de mundo martiana. Ao concretizar-
se em Nuestra Amrica, esta arte de governar fundada no amor como um princpio
universal
362
traz implcito o desafio de originalidade que preside essa organizao social
recente: Gobernante, en un pueblo nuevo, quiere decir creador
363
.
Equilbrio, amor e autoctonia so valores que orientam a viso de mundo
martiana, marcando de maneira coerente o seu iderio poltico. Quando seu pensamento
aterrisa nos desafios objetivos avanados pela realidade cubana, estes princpios se

357
Ibidem. t. 3, p. 114.
358
Y no es del caso preguntarse si la guerra es apetecible o no, puesto que ninguna alma piedosa la
puede apetecer, sino ordenarla, de modo que con ella venga la paz republicana (...) Ibidem. t. 2, p.
365. Sob esta perspectiva, a guerra aparece positivada: (...) la guerra vendra a ser, en vez de un
retrardo de su civilizacin, un perodo nuevo de la amalgama indispensable para juntar sus factores
diversos en una republica segura y til. Ibidem.
359
Ibidem, t. 3, p. 359.
360
Como se deduz de uma anotao sua margem de um livro: Democracia no es el gobierno de una
parte del pueblo o una clase del pueblo sobre otra, porque eso es tirana. Sino el gobierno de tanto el
pueblo en equitativa representacin y el equilibrio de las clases, de modo que siempre quede (ilegible)
parte que la han de representar. Apud: BALLN, op. cit., p. 41.
361
La poltica es el arte de combinar, para el bienestar creciente interior, los factores diversos u
opuestos de un pas (...). Ibidem. t. 2, p. 499.
362
(...) el gobierno de los hombres es la misin ms alta del ser humano, y slo debe fiarse a quien ame
a los hombres y entienda su naturaleza. Ibidem, t. 2., p. 16.
363
Ibidem. t. 2, p. 482. Tambm: (...) el gobierno ha de nacer del pas. El espritu del gobierno ha de
ser el del pas. La forma del gobierno ha de avenirse a la constitucin propia del pas. Ibidem.

122

traduzem em um programa de conciliao de classes em torno de um projeto de nao
fundado em referenciais culturais prprios.

iii. programa
A proposta de unidade nacional veiculada pelo PRC est referenciada em um
programa de contedo democrtico, capaz de aglutinar uma oligarquia marcada pela
herana ideolgica do anexionismo/reformismo a setores populares de escasso histrico
de mobilizao popular autnoma, em um contexto no qual o legado escravista impe
obstculos suplementares constituio das bases objetivas e subjetivas da nao.
Nesta circunstncia, o projeto martiano visa criar as condies para uma sociedade mais
equilibrada do ponto de vista econmico, com o fim precpuo de promover a realizao
histrica do hombre natural, referida autoctonia. Pequena propriedade rural,
democracia e salrios justos resumem o seu programa social, assentado na premissa do
equilbrio entre as classes sociais.
Embora o programa do PRC no detalhe um projeto de governo a ser
implementado, provavelmente em funo da preocupao prioritria de somar foras em
torno questo nacional
364
, a anlise de conjunto dos textos martianos permite
vislumbrar os vetores fundamentais de um programa econmico. Segundo a detalhada
anlise de Almanza Alonso, esta proposta est alicerada em cinco pontos: um projeto
de sociedade agrcola baseada em pequenos produtores; uma indstria de bens naturais;
o livre-comrcio; uma produo diversificada; propaganda dos produtos americanos nos
mercados mundiais
365
.
Em suas linhas gerais, o iderio econmico martiano pode ser interpretado como
uma conjuno objetiva da sua viso de homem, condensada na noo do hombre
natural, com a autoctonia como princpio basilar da afirmao nacional, projetados
sobre a premissa geopoltica do equilbrio del mundo. O ponto de partida deste
enquadramento a constatao, nos seus escritos, de uma empatia com o homem do
campo que remete noo do hombre natural, substanciada na compreenso de que a
intimidade com a natureza um meio para aproximar o homem de sua prpria

364
Indcio desta preocupao de Mart em no repelir os proprietrios e garantir a unidade nacional uma
carta em que comunica a um colaborador do peridico Patria a alterao mnima que fez em uma carta
publicada, buscando suavizar seu contedo para que no aparea, nas palavras de Mart, (...) como si
furamos enemigos de las clases cultas. Ibidem. t. 3, p. 394. H diversas cartas lidando com tarefas
organizativas para a guerra em que mencionam-se proprietrios aliados da causa independentista.
365
Nos apoiamos em: ALMANZA ALONSO, Rafael. En torno al pensamiento economico de Jos Mart.
La Habana: Ed. Ciencias Sociales, 1990.

123

essncia
366
. Na perspectiva de Mart, este contato com a essncia humana atravs do
trabalho rural um movimento do indivduo, que supe um campo para o
desenvolvimento da individualidade incompatvel com a propriedade coletiva da
terra
367
. Como observa Almanza: El principio martiano del valor de la libre actividad
creadora del individuo era incompatible con el estatistmo y la regulamentacin
comunitarios
368
.
Portanto, encarada sob o prisma da viso de homem martiana, a pequena
propriedade camponesa uma alternativa econmica adequada, assim como na
perspectiva da autoctonia a condio agrcola da base produtiva do continente no
vista como um elemento de atraso a ser superado, mas sim a sua orientao
monoprodutora: a consigna diversificar produtos
369
. De modo correspondente, quando
enfrenta a questo do comrcio exterior, Mart defende o livre-comrcio, o que no
contexto cubano significa elidir as restries impostas pela Espanha e abrir-se ao
intercmbio igual com todas as naes: ou seja, diversificar mercados
370
. Assim, o eixo
da sua preocupao no que concerne insero de Cuba no mercado mundial a

366
(...) y los campesinos (...) son la mejor masa nacional porque recibe de cerca y de lleno los efluvios y
la amable correspondencia de la tierra Las ciudades son la mente de las naciones; pero su corazn,
donde se agolpa, est en los campos. MART. Ibidem. t. 1, p. 446. Tambm: si no fuera por el nio del
campo, que injerta luego su originalidad en la vida urbana, no habra en la vida urbana ms que
amarilleces y momias (...) MART. Ibidem. t. 1, p. 315.
367
Este um dos ngulos da crtica do pensador cubano s ideias socialistas e, ao mesmo tempo, seu
ponto de convergncia com as propostas polticas de Henry George e de empatia parcial com Herbert
Spencer. O reformismo de Henry George (1839-1897) ataca a apropriao da renda da terra pelos grandes
proprietrios, sem condenar a propriedade em si. O que est por trs uma crtica de aspectos do
capitalismo que agravam a situao dos trabalhadores, sem questionar as relaes de produo. A
denncia que Mart faz dos monoplios e do protecionismo comercial nos Estados Unidos est neste
mesmo diapaso: ambos so injustos porque inflacionam de maneira artificial o custo de vida dos
trabalhadores. Por exemplo: Jay Gould es gran monopolizador, y sobre la espalda del trabajador de la
alegora va representando el Monopolio: l lo representa bien, que ha centralizado en enormes
compaias, empresas mltiples, las cuales impiden, con su inaudita riqueza y el poder social que con ella
se asegura, el nacimiento de cualquier otra compaia de su gnero, y gravan con precios caprichosos,
resultados de combinaciones y falseamientso inicuos, el costo natural de ttulos y operaciones necesarios
al comercio. MART, op. cit., t. 2. p. 269. O lder cubano coincide com Herbert Spencer (1820-1903)
em interpretar o Estado como uma ameaa individualidade. No entanto, distancia-se enfaticamente da
sua viso de homem, na qual a pobreza naturalizada, relacionando-se a um demrito pessoal segundo o
ponto de vista liberal. Mart associa o pensador ingls evoluo histrica do ocidente: da a figura de
imagem em Madre Amrica: (...) a nuestra Amrica de hoy, heroica y trabajadora a la vez, franca y
vigilante, con Spencer de un brazo y Bolvar de otro; Ibidem, t. 2, p. 426.
368
ALMANZA ALONSO. Op. cit., p. 264.
369
O projeto econmico de Mart supe, de maneira anloga ao que verificamos no plano da cultura, um
estatuto universal aos produtos americanos, que devem ser produzidos com recurso preferencial s
matrias-primas e tecnologias locais e, logo, promovidos e intercambiados em p de igualdade no
mercado mundial.
370
Este um ponto central, uma vez que Mart visualiza para as Antilhas, em geral, e para Cuba, em
particular, um futuro promissor, condicionado pela sua localizao geogrfica como ponto de
convergncia do comrcio mundial: (...) nudo del haz de islas donde se ha de cruzar, en plazo de pocos
aos, el comercio de los continentes (...)MART, op. cit., t. 3, p. 517.

124

gerao de receitas alfandegrias que viabilizem a sustentao do aparato estatal,
refletindo um enfoque tpico da Amrica Latina decimonnica
371
: (...) porque tomar
sin derechos lo de los Estados Unidos, que elaboran, en sus talleres cosmopolitas,
cuanto conoce y da el mundo, fuera como echar al mar de un puado la renta principal
de las aduanas(...)
372
.
O cubano tem conscincia de que esta abertura significa, nas circunstncias,
colocar-se sob a rbita mercantil estadunidense e joga com este trunfo programtico
para angariar a simpatia do vizinho do norte
373
. No entanto, isto no significa que Mart
fosse alheio aos nexos entre dependncia econmica e subordinao poltica. A partir da
participao como delegado na Conferncia Monetria Internacional, promovida pelos
Estados Unidos no comeo dos anos 1890 com a inteno de avanar um projeto de
unidade monetria no continente, torna-se explicita em seu pensamento a natureza dos
mecanismos de dominao neocolonial que se enunciavam: (...) quin dice unin
economica, dice unin poltica. El pueblo que compra, manda. El pueblo que vende,
sirve. Hay que equilibar el comercio para asegurar la libertad
374
.
Na chave martiana, a soberania econmica aparece projetada para o futuro,
vinculada diversificao da base agrcola, ao estmulo de uma indstria de bens
naturais e multiplicao de parceiros comerciais. Na sua tica, no um aspecto
fundamental e urgente da estratgia independentista, que procura neutralizar
politicamente a agressividade estadunidense. Em ltima anlise, o problema da
dependncia econmica aparece subordinado emancipao poltica, enquanto a
questo da diviso internacional do trabalho remetida noo de equilibrio del mundo
que fundamenta a insero geopoltica de Nuestra Amrica no concerto mundial.

Em sntese, Mart interpreta a consumao do legado democrtico da Guerra dos
Dez Anos como a via para a concluso da formao cubana, em que a unidade em torno
ao ideal da independncia apontou para a superao da heterogeneidade social e racial

371
Almanza Alonso enfatiza que os conhecimentos de economia poltica de Mart so rudimentares. Com
estas palavras circunscreve o alcance do pensamento econmico de Mart: (...) la reflexin de Mart
sobre los asuntos econmicos de mueve en general en el ambito de la circulacin y en lo que se ha dado
en llamar la macroeconoma. La esfera de la produccin y el anlisis microeconmico estn
prcticamente ausentes en l. ALMANZA ALONSO, op. cit., p. 437.
372
MART, op. cit., t. 2, p. 388.
373
Por exemplo: (...) preferiran contribuir a la solidez de la libertad de Cuba, con la amistad sincera a
su pueblo independiente que los ama y les abrir sus licencias todas (...) Ibidem, t. 3, p. 583.
374
Ibidem, t. 2, p. 501. O ensaio Nuestra Amrica redigido e publicado pouco depois do
encerramento desta malograda reunio.

125

na direo da integrao nacional. Apoiado em uma sensibilidade em relao ao
movimento da histria mundial, o lder cubano identificou na circunstncia antilhana
novas oportunidades e desafios em relao emancipao das colnias ibricas no
comeo do sculo. De um lado, o acmulo de condies objetivas e subjetivas para a
formao da nacionalidade, precipitada pelo confronto recente, singulariza a luta
cubana, invertendo a sua posio em relao s lutas na Amrica continental, onde a
emancipao precedeu a nao. De outro lado, a emergncia do expansionismo
estadunidense coloca aos povos antilhanos a necessidade indita de lutar pela
independncia em duas frentes simultneas. Compreendendo nas circunstncias que a
guerra inevitvel, o esforo martiano orienta-se obstinadamente organizao do PRC
como instrumento capaz de conceder racionalidade ao processo, assimilando as lies
do conflito anterior. Um programa de orientao democrtica nacional e uma estrutura
orgnica permevel ao influxo popular so os antdotos adotados contra o caudilhismo e
a desunio, subordinando o mando militar liderana civil. Esta estratgia seria
irremediavelmente comprometida a partir da morte do seu lder mximo nas primeiras
escaramuas em 1895, quando a dinmica do confronto explicitaria contradies entre
ideal nacional e identidade de classe que o projeto martiano buscou generosamente
acomodar.


C) DESFECHO

Encarada do ngulo da formao nacional, o desfecho da guerra de
independncia (1895-1898) deve ser interpretado, segundo Florestan Fernandes, como
(...) uma traio que , simultaneamente, um fenmeno espanhol, cubano e
estadunidense
375
.
Do ponto de vista cubano, a desconfiana em relao ao triunfo de um exrcito
revolucionrio radicalizado inibiu o apoio dos organismos civis encarregados de
viabilizar a vitria militar, o Consejo de Gobierno e o PRC, abrindo brechas para uma
simpatia com a interveno estadunidense. Constitudo no primeiro ano da guerra, o
Consejo de Gobierno determinou-se a domesticar o comando militar, segundo a anlise

375
FLORESTAN, Fernandes. Da guerrilha ao socialismo: a revoluo cubana. So Paulo: Expresso
Popular, 2007, p. 53.

126

de Ramn de Armas
376
, em um contexto no qual a prpria dinmica do conflito face s
impiedosas tticas das tropas espanholas mobilizou o massivo apoio popular
377
,
sedimentando a base democrtica do exrcito conduzido por lderes formados na Guerra
dos Dez Anos. Esta preocupao
378
limitou o controle do Consejo sobre as atividades do
delegado que sucedeu a Mart no comando do PRC no exlio
379
, Tomas Estrada
Palma
380
, quem desmontou as bases democrticas do partido e dirigiu-o para negociar
uma sada envolvendo a interveno estadunidense, ao mesmo tempo em que sabotava o
suprimento de armamento e munies aos insurretos em combate
381
.
Em uma situao na qual a principal liderana democrtica tombou nos
primeiros combates, o flanco revolucionrio revelou-se vulnervel progressiva
penetrao de uma oligarquia desacreditada da manuteno da dominao espanhola
382
,
mas que bandeava para o lado insurgente com a inteno de conter um processo que no
podia controlar, pressionando por uma soluo mediada pelos Estados Unidos para

376
Muri, al nacer la repblica de Jimaguay, el gobierno sencillo y til propugnado (por Mart),
para dar en su lugar paso a un Consejo de Gobierno leguleyesco que aspira, como objetivo inmediato, a
garantizarse la direccin hegemnica del curso de la revolucin, y al control irrestricto de los elementos
que se nuclean alredor del cada vez ms poderoso aparato militar. ARMAS, Ramn de. La revolucin
pospuesta. La Habana: Centro de Estudios Martianos, 2002, p. 142.
377
Diante do apoio popular irrestrito causa independentista, o governo espanhol encarregou Valeriano
Weyler de comandar uma guerra sem limites humanitrios, atingindo o conjunto da populao civil,
inclusive rural, recolhida em campos de concentrao para prevenir o sustento das tropas insurretas.
Nessas condies, ganhar a guerra no era somente derrotar um exrcito inimigo, mas ainda
desarticular a sociedade que o apoiava, isto , a guerra tinha que ser travada em parte contra a
populao civil. MORENO FRAGINALS, Manuel. Cuba- Espanha- Cuba. Uma histria comum.
Bauru: Edusc, 2005, p. 338.
378
Y rezuma, cada uno de sus actos, el temor a la vida y la accin independientes de las masas alzadas
que son, de hecho, la verdadera fuerza de la revolucin, y de los hombres que constituyen en el momento
los tres pilares de la insurrecin: los dos Maceo, y Mximo Gmez. ARMAS, op. cit., p. 142.
379
El propio Consejo de Gobierno ha intentado intilmente poner la Delegacin bajo su control.
Ibidem, p. 192.
380
Este (Estrada Palma) encarnaba, para Mart y otros muchos revolucionarios cubanos, la
continuidad histrica, la honradez intelectual y el civilismo democrtico, segn expresa Estrade. Era
visto como la personificacin del vnculo de la Guerra del 68 y la que convocara Mart, no slo en una
consideracin generacional, sino tambin en un plano institucional, pues haba sido presidente de la
Repblica en Armas, no haba claudicado ante el enemigo ni aceptado en ningn momento los trminos
del Pacto de Zanjn. HIDALGO PAZ, Ibrahim. Cuba 1895-1898. Contradiciones y disoluciones. La
Habana: Centro de Estudios Martianos, 2004, p. 7.
381
La gestin de la Delegacin cubana en Nueva York ha sido particularmente exitosa en lograr, desde
muy temprano, la desvirtuacin y el abandono de los motivos todos que determinaron el surgimiento y la
propia existencia del Partido Revolucionario Cubano que se supone representa. Ramn de Armas, op.
cit., p. 188. Para um relato detalhado deste percurso, ver: HIDALGO PAZ, op. cit.
382
Este movimento revela-se no conflito entre a posio dos lderes militares que pressionavam por uma
interrupo da safra aucareira e as lideranas civis que negociavam a sua permisso (ou a preservao do
patrimnio sacarocrata) mediante um tributo. "Sin abandonar las posiciones iniciales de republicanismo
liberal y nacionalismo moderado, se han iniciado dentro del Gobierno de la revolucin las concesiones a
los productores azucareros cubanos. Y se han ampliado las excepciones a favor de los productores
azucareros, contra las que han estado, desde el principio mismo de la guerra, jefes militares como
Mximo Gmez. ARMAS, op. cit., p. 185.

127

preservar os seus interesses de classe
383
. Neste quadro, configurava-se uma realidade em
que, nas palavras de Armas, Espaa haba perdido la guerra. Pero en Cuba se estaba
perdiendo la revolucin
384
.
Ao consumar-se a interveno estrangeira em 1898, a manipulao da
cumplicidade com que as tropas cubanas acolheram o exrcito estadunidense
385
somada
prepotncia com que este governo procedeu s negociaes de paz, em que foi
excluda qualquer representao cubana, evidenciou a ingenuidade ideolgica de muitos
revolucionrios
386
, ao mesmo tempo em que anunciou o papel subalterno reservado aos
colaboradores locais no arranjo neocolonial que se desenhava. Quando a imposio da
emenda Platt explicitou a natureza da interveno, culminando esforos sistemticos do
governo estadunidense para frustrar a revoluo cubana
387
, a liderana civil insular

383
La extensin de la revolucin a toda la Isla dio impulso al ingreso en la revolucin de antiguos
polticos autonomistas de provincias y de otros hombres de posicin y de luces; y el propsito que tenan
(los rebeldes) de darlle un amplio sentido de atraccin, desarmaron tambin desconfianzas...que haban
reprimido durante el primer ao la incorporacin de los mismos a la insurrecin. Ello signific un
considerable refuerzo de clase para los hombres del Gobierno civil, y polsibilit la ascensin prevista y
facilitada de los nuevos ingresos a los mandos militares del Ejrcito Libertador.ARMAS, op. cit., p.
155.
384
Ibidem, p. 156. El Gobierno civil tiene, ahora, los flancos copados. Todos los caminos que lo alejan
de la colaboracin y el equilibrio con la tropa popular mayoritaria constituida en el Ejrcito mamb, lo
acercan a la poltica antinacional de la burguesa azucarera y a la neocolonia que representa. Ibidem,
p. 200.
385
In fact, Cubans played a decisive if largely unacknowledged role in the U.S. victory. They served as
scouts, guides, and interpreters; they provided vital intelligence and information. But most of all, they
engaged in military operations at critical moments of the campaign. PREZ JR. Louis A. The war of
1898. The United States and Cuba in history and historiography. Chapel Hill: The University of North
Carolina Press, 1988, p. 86.
386
Para valorar acertadamente las ideas de los cubanos a fines del siglo XIX, hemos de advertir la
enorme confusin que primaba en las apreciaciones sobre la poltica de los Estados Unidos, considerada
por la mayora como el resultado conyuntural de la aplicacin de un programa poltico opuesto a la
causa antillana. Tales apreciaciones errneas las advertimos en las posiciones coincidentes de los ms
diversos sectores y personalidades ante el triunfo del Partido Republicano en las elecciones del 3 de
noviembre de 1896 (...) El optimismo de aquellos cubanos y el desconocimiento, comn en la poca, de
las tendencias predominantes en la poltica expansionista yanqui, ms all de partidos y personalidades,
los conduca a estas explicables confusiones. HIDALGO PAZ, op. cit., p. 164. O Consejo de Gobierno,
na pessoa do seu presidente, Bartolom Mas, recebeu a interveno estadunidense como aliada: (...)
todo auxlio y toda accin que nos preste, ya vengan de personas o entidades particulares o de la gran
Nacin que para esto debemos desde hoy considerar como nuestra amiga y nuestra aliada. Em:
HIDALGO PAZ, op. cit., p. 257.
387
Both the Cleveland and McKinley administrations acted vigorously against Cuban efforts to support
and supply the insurgency from the United States. (...) The U.S. government commited its full resources to
interdict expeditions to the island. (...) Indeed, navy captain French Ensor Chawdwick acnowledged in
his 1909 account of the war that American ships were, in fact, doing the duty which should have been
done by the Spanish navy on the Cuban coast.(...) Between 1895 and 1896 U.S. authorities intercepted
over half of the Cuban expeditions fitted in the United States. Of the seventy expeditions organizes from
the United States during the Cuban insurrection, only one-third reached the island. Louis A. Prez Jr,
op. cit., p. 15. La intervencin fue en ese sentido una ltima etapa en la realizacin de una agresin
prolongada, destinada a frustrar la potencialidad nacionalista de la revolucin cubana. ARMAS, op.
cit., p. 208.

128

deparou-se com a impotncia que alimentou
388
: ao frear o empuxo democrtico
encarnado no exrcito rebelde, a camada dirigente atara suas prprias mos
389
.
Consumava-se o destino neocolonial.
Realizados os objetivos imediatos da ocupao, o exrcito invasor retirou-se em
1902 para retornar em 1906, respondendo solicitao do ento presidente Tomas
Estrada Palma
390
, que invocava as prerrogativas da famigerada emenda constitucional.
O recurso ao poder militar estrangeiro como rbitro da poltica nacional evidenciava a
aliana da classe dominante com o imperialismo, assegurando as condies da sucessiva
penetrao do capital estadunidense na ilha em detrimento da soberania e da integrao
social esposada pelo projeto martiano
391
. Ao frustrar a revoluo nacional, a interveno
dos Estados Unidos consolidou em Cuba um regime neocolonial duradouro,
comprometido com a reproduo de um enclave exportador primrio
392
assentado na
superexplorao do trabalho, na desigualdade social e na represso poltica
393
. Na
sntese de Florestan Fernandes:

388
Diante das negociaes com os Estados Unidos que desaguam na emenda Platt, os membros do
Consejo de Gobierno, segundo Armas: (...) no aceptarn ninguna propuesta que no culmine en la
independencia: no abandonarn el principio republicano al que muchos de ellos han dedicado treinta
aos de lucha y de manigua. No habr traiciones. Y no habr gestiones vengan de donde vengan que
los lleven al abandono de sus posiciones. Les ser impuesto. Ibidem, p. 204.
389
Espaa haba perdido la guerra. Pero en Cuba se estaba perdiendo la revolucin. (...) Sino incluso
como revolucin de una potencial burguesa nacional que, politicamente nacionalista, buscara sus
propias formas de desarrollo capitalista pero que fue perdiendo sus posiciones durante la guerra al
combatir y reprimir los elementos ms populares que podan, de alguna forma, significar la imposicin
de futuras concesiones. Ibidem, p. 156-157. O Consejo de Gobierno e o PRC dissolveram-se pouco
depois do final da guerra, e o exrcito retirou-se paulatinamente de cena.
390
Sobre Estrada Palma: Era um homem formado na mentalidade reformista da dcada de 1860, que se
incorporou s lutas de independncia com toda carga de preconceitos, valores e esteretipos que sua
poca oferecia, e com uma grande f nos Estados Unidos, pas que considerava o bero e a salvaguarda da
democracia. MORENO FRAGINALS, Manuel. Cuba- Espanha- Cuba. Uma histria comum. Bauru:
Edusc, 2005, p. 339.
391
There is no doubt, however, that the Platt Amendement imposed on the newly independent Cuban
nation by its benefactor, the United States, was the most decisive factor in directing a strong flow of
capital toward the island. CORTS CONDE, Roberto. The first stages of modernization in Spanish
America. Nova Iorque: Harper & Row, 1974, p. 44.
392
Es la etapa (1898-1925) del crecimiento de la economia dominada y, por ello, es al par la del
aumento progresivo de la influencia de los intereses norteamericanos, o sea, que es un crecimiento para
una creciente supeditacin. La base del proceso es el aumento de la exportacin, y, por ende, de la
producin de azcar. LE RIVEREND, Julio. Historia economica de Cuba. Barcelona: Ediciones Ariel,
p. 227.
393
A interveno em Cuba parte da estratgia de subordinao do Caribe ao capital estadunidense no
perodo: En 1900, la produccin azucarera de Cuba, Puerto Rico y Repblica Dominicana en
conjunto totaliz 430.000 t, representando aproximadamente el 4 por 100 de la produccin mundial. A
partir de este ao la industria azucarera cubana creci a una tasa anual del 14,2 por 100, la
puertoriquea al 14,3 por 100, y la dominicana al 8,2 por 100 hasta 1920 en que alcanzan la cifra total
de 4.533.119 t equivale al 29,3 por 100 del azcar producida en el mundo. Aunque es necesario aclarar
que la posicin estadstica de este ltimo ao de 1920 estaba distorcionada por la crises de la industria
europea provocada por la primera guerra mundial. Este proceso de crecimiento tuvo una base comn el
impulso dado por las respectivas intervenciones militares norteamericanas. MORENO FRAGINALS,

129


Como a revoluo nacional abortou, no houve propriamente uma
transio para uma situao de desenvolvimento capitalista nacional
e dependente. O que apareceu e persistiu, por mais de meio sculo, foi
um desenvolvimento capitalista semicolonial ou, para usar termos
precisos, um desenvolvimento capitalista neocolonial (extra e
antinacional, sob vrios aspectos; e prolongado, quanto
durao)
394
.


d) BALANO

A consumao de uma modalidade neocolonial de desenvolvimento capitalista
em Cuba explicitou os nexos de classe que uniam o capital estadunidense classe
dominante cubana, s expensas da prpria nao. Embora muitos tenham se dedicado
sinceramente causa nacional, o temor radicalizao popular franqueou as condies
para um desfecho do conflito favorvel queles que, como Tomas Estrada Palma,
identificavam-se ideolgica, poltica e economicamente com a tutela estadunidense,
contrariando o projeto original do PRC. Neste sentido, o desenlace da guerra evidenciou
o alcance e os limites da atuao revolucionria do dirigente mximo do partido,
referidas s possibilidades histricas da circunstncia em que militou.
A percepo do risco que a expanso estadunidense representava para a
independncia cubana colocou Mart diante do desafio de calibrar a unidade nacional
no apenas contra a Espanha mas tambm diante dos Estados Unidos, questo delicada
em uma circunstncia na qual fora ideolgica do reformismo/anexionismo somava-se
a admirao sincera do american way of life, traduzida em simpatia difusa pelas
propostas anexionistas. Em um contexto em que a acanhada base produtiva e a
dependncia mercantil constrangiam a emergncia de atores sociais identificados com a
autodeterminao econmica, o lder cubano deslocou o enfoque para um
questionamento do prprio padro civilizatrio ocidental, assentado em uma rejeio
cultural ao capitalismo, que desenvolveu nos anos em que viveu nos Estados Unidos
(1880-1895).

Manuel. Plantaciones en el Caribe: el caso Cuba Puerto Rico Santo Domingo (1860-1940). In:
______. La historia como arma y otros estudios sobre esclavos, ingenios y plantaciones. Barcelona:
Crtica, 1999, p. 87.
394
FERNANDES, Florestan. Da guerrilha ao socialismo: a revoluo cubana. So Paulo: Expresso
Popular, 2007, p. 66.

130

O fundamento do seu rechao modernidade ocidental uma crtica ao homem
moderno, ancorada em uma viso transcendente da existncia, que o conduz a uma
valorizao do potencial civilizatrio da regio que denominou Nuestra Amrica, em
que Mart identifica as condies para realizar o ideal humanista sintetizado na noo
do hombre natural. Nesta perspectiva, o militante cubano associa a emancipao latino-
americana construo de um padro civilizatrio original. A chave desta conjuno a
autoctonia, interpretada como via para a formao continental, uma vez que a realizao
do potencial histrico da cultura americana implica, simultaneamente, uma estratgia
para o equilbrio geopoltico mundial, atravs do breque ao expansionismo
estadunidense, e um projeto de homem novo. Assim, a unidade continental revela-se, ao
mesmo tempo, como condio poltica para preservar a soberania e horizonte utpico de
uma proposta humanista inovadora.
Ao inscrever a luta pela independncia das ilhas em uma totalidade maior, Mart
visualizou com clarividncia a encruzilhada que se colocava para o continente. Esta
projeo da causa nacional sobre o destino latino-americano est assentada em uma
sensvel percepo de afinidades culturais referenciadas em um passado colonial
comum, que se atualiza face ao dilema histrico presente. Diante do imperialismo,
Mart indica que a unidade latino-americana deve se consumar atravs da iniciativa dos
pases envolvidos, caso contrrio, o continente ser unificado negativamente como rea
de influncia estadunidense.
Se a chave interpretativa martiana captou o dilema latino-americano em todo o
seu alcance, por outro lado, o seu referencial analtico revelou-se insuficiente para
identificar os nexos entre este movimento da histria e a dinmica do capitalismo.
Embora sua percepo do imperialismo e a apreciao negativa sobre a sociabilidade
moderna apontem para uma viso crtica do capitalismo, o ngulo especfico da sua
abordagem no conduziu a um questionamento deste modo de produo
395
.
O cerne da crtica martiana modernidade ocidental o rechao a um padro de
sociabilidade marcado pelo dio inerente s relaes de classe, em oposio
racionalidade amorosa que preside o ideal do hombre natural. Mart atribui este dio ao
carter dos povos, que, como vimos, expresso tica de uma construo histrica: no

395
Jos Mart no penetr el resorte determinante del fenmeno imperialista, pero s su naturaleza
opresora y su magnitud continental. Nadie como l defini, por la conciencia de estas dos notas
primordiales, la necesidad, presente y futura, de derrotarlo con la cerrada unidad de sus vctimas. De la
unin clamaba Mart depende nuestra vida. MARINELLO, Juan. Prlogo a: MART, Jos. Nuestra
Amrica. Caracas: Fundacin Biblioteca Ayacucho, 2005, p. XIII.

131

caso europeu, remete ao despotismo e monarquia, enquanto nos Estados Unidos trata-
se de uma corrupo. Uma vez que o ponto de partida da sua crtica so os valores que
norteiam a sociabilidade entre os homens e no as relaes de classe, infere-se que
possvel estabelecer relaes sociais que no sejam presididas pelo dio nos marcos
deste modo de produo. Em outras palavras, vivel a um povo, para o qual
convergem condies histricas e possibilidades ticas favorveis, afirmar uma
sociabilidade alternativa no capitalismo
396
. Mart idealiza em Nuestra Amrica este
potencial civilizatrio.
Esta chave interpretativa, alicerada em uma leitura da histria pautada pela
autoctonia e em uma viso de homem sintetizada na noo do hombre natural, explica a
rejeio de Mart ao socialismo como um programa poltico, bem como aos mtodos de
luta com ele identificados
397
. Em consonncia com a viso prevalente em seu tempo, o
lder cubano associa o socialismo com a propriedade coletiva e a presena estatal.
Avaliando estas proposies da perspectiva do seu humanismo, Mart rechaa-as como
contraditrias com a afirmao da individualidade implcita na noo do hombre
natural, revelando que, na sua tica, a referncia principal da mudana social a

396
Mart no estabelece nexos entre as relaes de produo capitalistas e a sua sociabilidade em geral.
As relaes entre a propriedade privada dos meios de produo, a mercantilizao do trabalho e as formas
de sociabilidade resultantes escapam problemtica martiana: em uma palavra, o problema do fetiche lhe
alheio. O outro ngulo a partir do qual possvel criticar a propriedade privada do ponto de vista do
materialismo histrico como bice ao desenvolvimento das foras produtivas. Como a viso de
progresso martiana no alinhavada por este eixo, o resultado que, de um lado, no se produz uma
teleologia e, de outro, no se encontra em sua obra uma crtica propriedade privada ou ao capitalismo
como modo de produo.
397
Uma leitura atenta da referncia feita por Mart a Karl Marx por ocasio do seu falecimento em 1883,
evidencia o contraste entre o pensamento martiano e o materialismo histrico. No conjunto da nota, o
cubano empatiza com a causa esposada por Marx, mas no com seus mtodos: Como se puso del lado de
los dbiles, merece honor. Nesta sentena, que abre o comentrio, explicita-se a diferena de enfoque
em relao aos trabalhadores, que vai determinar o grau de identidade entre ambos pensadores. Se para
Marx a classe trabalhadora protagonista em potencial da revoluo mundial, Mart a v como o lado
fraco (dbiles) a ser amparado no conflito social. Nesta diferena radica uma empatia, mas tambm uma
distncia: Marx merece ser honrado, o que no significa tom-lo como referncia poltica ou terica. A
diferena na abordagem entre os pensadores explcita em outra passagem de Mart: El trabajo
embellece. (...) De manejar las fuerzas de la naturaleza, les viene ser hermosos como ellas. Ao enfocar a
relao do homem com o seu trabalho, a referncia do pensador cubano a realizao do hombre natural,
onde, para Marx, coloca-se o problema da formao da conscincia de classe. Nesta chave, embora
partilhe da indignao causada pela explorao que desumaniza o trabalhador, e no recuse a violncia
revolucionria como um princpio, o cubano avalia as derivaes polticas do pensamento marxista como
apressadas, sombrias, inviveis e prematuras: Pero anduvo de prisa, y un tanto en la sombra, sin ver que
no nacen viables, ni de seno de pueblo en la historia, ni de seno de mujer en el hogar, los hijos que no
han tenido gestacin natural y laboriosa. A premissa subjacente precisamente oposta ao materialismo
histrico, que identifica na conjuntura europeia a maturidade da revoluo operria. Assim, onde Mart v
uma cesrea prematura, Marx alerta que estourou a bolsa: o capitalismo est prenhe do comunismo, e a
violncia a parteira da histria. MART, Jos. Carta de Nova Iorque, 29 mar.1883 (Publicado en La
Nacin, Buenos Aires, 13 y 16 de mayo de 1883) In: ______. Obras Completas de Jos Mart. La
Habana: Centro de Estudios Martianos, Karisma Digital, 2001. V. 9, p. 384-397, 1 CD ROM.

132

formao do indivduo, que no aparece determinada imediatamente pela condio de
classe. O dirigente do PRC resume sua apreciao sobre o iderio socialista nas
seguintes palavras:

De todo eso, por supuesto, slo se puede considerar el buen deseo, y
la verdad de los dolores punzantes que por serlo tanto llevan los
planes de reforma a tal exceso. En esos planes falta el espacio preciso
para el crecimiento irrepresible de la naturaleza humana, que es la
base de todo sistema social posible, porque un conjunto de hombres,
slo por transicin y descanso puede ser distinto de como el hombre
es: lo innatural, aun cuando sea lo perfecto, no vive largo tempo
398
.

Do ponto de vista dos mtodos de luta, o lder cubano recusa como violentas as
formas de presso social identificadas com o socialismo, fundamentadas na premissa da
luta de classes. Considerando-se que Mart no era um pacificista por princpio,
morrendo em combate em Cuba, este rechao est referido a uma associao que faz
entre as tticas socialistas e o dio de classes prevalente nas sociedades onde ele se
enraza. Ao vincular a pertinncia do socialismo noo do carter de um povo, o
militante cubano dissocia padro de luta de classes e relaes de produo capitalistas,
premissa para encarar o socialismo como uma doutrina estrangeira realidade cubana.
Referindo-se ao socialismo em seu pas, escreve em carta um ano antes de morrer:

Dos peligros tiene la idea socialista, como tantas otras: el de las
lecturas extranjerizas, confusas e incompletas, y el de la soberbia y
rabia disimulada de los ambiciosos, que para ir levantndose en el
mundo empiezan por fingirse, para tener hombros en que alzarse,
frenticos defensores de los desamparados (...)
399
.

398
MART, Jos. Crnica publicada no Anurio do Centro de Estudios Martianos, n. 3, 1980, p. 36-43.
Apud: ALMANZA ALONSO, op. cit., p. 255.
399
MART, Jos. Carta a Fermn Valds Domnguez de maio de 1894. Apud: ALMANZA ALONSO, op.
cit. p. 379. O pensador cubano teve oportunidade de aprofundar seu contato com o socialismo depois da
nota sobre Marx. Em seu trabalho Lecturas Norteamericanas de Jos Mart: Emerson y el socialismo
contemporneo (1880-1887), Jos Balln analisou o exemplar lido e anotado pelo cubano entre 1884 e
1887 do livro El socialismo contemporneo de John Rae. Como diz o ttulo, a obra faz um apanhado das
teorias e da atividade socialista na Europa e nos Estados Unidos do sculo XIX, inclusive em 70 pginas
que, segundo Balln, expone de manera completa y sistemtica la doctrina de Karl Marx. E, no
entanto, esta no uma das partes anotadas por Mart, que se concentra no captulo introdutrio, no
apartado sobre Lassale e no oitavo captulo intitulado El socialismo y la cuestin social. O material
analisado por Balln aponta, por exemplo, que o cubano sublinhou diversas passagens que se referem
relao entre socialismo e Estado, o que permite inferir que o pensador cubano estava familiarizado com
o problema do Estado, embora no seja uma problemtica enfocada por seu pensamento e estratgia
revolucionrios. BALLN, Jos. Lecturas Norteamericanas de Jos Mart: Emerson y el socialismo
contemporaneo (1880-1887). Mxico: UNAM, Centro Cordinador y difusor de Estudios
Latinoamericanos, 1995. Almanza endossa o argumento de que, houvesse interesse, Mart poderia
aprofundar seu conhecimento da obra de Marx: Ya desde la dcada del setenta algunos de los trabajos
de Marx, incluido El capital, podan obtenerse en Estados Unidos, y aunque el primer volumen de su

133


A crtica martiana modernidade ocidental e ao socialismo evidencia que a
chave para a resoluo do conflito social , na sua viso, antes tica do que econmica.
Ao focalizar o homem produzido pela sociabilidade capitalista e no as relaes de
produo que o engendram, revela-se uma analogia entre o seu pensamento econmico,
restrito esfera da circulao, e a sua crtica modernidade ocidental, que no penetra
no modo de produo. Nesta tica, as contradies entre as classes sociais no
capitalismo e os dinamismos econmicos subjacentes ao imperialismo so relevados a
um segundo plano, expresso de uma subordinao da economia tica que informa o
seu humanismo. O iderio condensado em Nuestra Amrica, inovador como horizonte
de modernidade embora reformista como modo de produo, emerge assentado em uma
viso da histria na qual a dinmica da luta de classes est subordinada noo do
equilbrio del mundo; as relaes de produo capitalistas esto subordinadas ao carter
de um povo; o desenvolvimento das foras produtivas est subordinado autoctonia; e o
movimento da histria est subordinado ao ideal do hombre natural.
Alicerado na percepo de afinidades histricas referidas a um passado colonial
comum, o instrumental que fundamenta a anlise martiana revelou-se fecundo para
apreender a ameaa imperialista e o dilema histrico que o continente enfrentava em
toda a sua extenso. Captou a especificidade de Nuestra Amrica no contraste com o
Ocidente e projetou-lhe um devir alternativo, mas foi insuficiente para diagnosticar suas
semelhanas, radicadas na generalizao de relaes de produo capitalistas. Para isso,
seria necessrio um repertrio de economia poltica que no coadunava com o ngulo da
abordagem histrica martiana e, possivelmente, no encontrava lastro na realidade
cubana, em que a difuso incipiente do assalariamento limitava a diferenciao da
esfera econmica. Este limite aparece inscrito na prpria histria e tem consequncias
decisivas do ponto de vista da apreenso dos nexos entre imperialismo e luta de classes,
que se explicitam no desfecho da guerra da independncia.



obra monumental no apareci en ingls hasta 1887, entre 1876 y 1878 se publicaron resmenes en ese
idioma en The Socialist y el Labor Standard. ALMANZA ALONSO, op. cit., p. 242.



























CAPTULO 3
FORMAO NACIONAL NA AMRICA LATINA NOS
PRIMRDIOS DO IMPERIALISMO: JUAN B. JUSTO E A
REFORMA ARGENTINA.

135


CAPTULO 3
FORMAO NACIONAL NA AMRICA LATINA NOS PRIMRDIOS DO
IMPERIALISMO: JUAN B. JUSTO E A REFORMA ARGENTINA.

3.1) FORMAO ARGENTINA

a) A MARCA DA COLNIA

Integrada politicamente ao Vice-Reino do Peru que tinha em Lima a sua sede, o
territrio que compreende a Argentina contempornea foi regio marginal da empresa
colonial castelhana. Desprovida de metais preciosos, a sua ocupao e explorao
esteve vinculada aos impulsos econmicos derivados da atividade mineira no Alto Peru,
o que se desdobrou na preocupao geopoltica em preservar a posse castelhana sobre o
acesso atlntico atravs do Rio da Prata, objeto de permanente disputa intra-
metropolitana
400
. Assadourian resume o mvel da colonizao argentina nas seguintes
palavras:

(...) debemos entender la conquista argentina como el resultado de la
necesidad de ampliar las fronteras y anexar territorios que sern a la
vez proveedores y contrafuertes para el desarrollo y la seguridad del
Per, que por su produccin argentfera es una pieza vital del
Imperio
401
.

A conquista articular o desgnio imperial com a ambio do colonizador
espanhol nesta regio, resultando na fundao de cidades interioranas assentadas na
explorao do trabalho indgena orientadas para a produo de gneros necessrios ao
abastecimento da economia andina. Deste modo, no povoamento do interior argentino
confluem a demanda agrcola, pecuria e manufatureira da regio mineira, a localizao
de indgenas passveis de serem submetidos e o interesse geopoltico da Coroa em

400
(..) la funcin estratgica del territorio como flanco protector del Per y via de acceso a Potos
cobraba sentido ante el peligro del asentamiento portugus y luego ante las posibles invasiones de
ingleses y holandeses. ASSADOURIAN, C. S.; BEATO, C.; CHIARAMONTE, J. C. Argentina: de la
conquista a la independencia. Buenos Aires: Hyspamrica Ediciones Argentina, 1986, p. 25.
401
Ibidem, p. 39. O Chaco e a Patagnia so territrios relegados pelos colonizadores. Ibidem, p. 51

136

preservar o territrio e estabelecer rotas comerciais vinculando o Alto Peru ao Atlntico
e ao Chile
402
.
Na faixa litornea do territrio, margeando o Rio da Prata at desaguar no
Atlntico, o desenvolvimento comercial dos portos foi severamente constrangido pela
vigncia do sistema de porto nico, determinando que as conexes entre o Peru e a
pennsula se fizessem via Pacfico atravs do Panam. Como decorrncia, at as
vsperas da independncia a regio litornea foi relativamente menos povoada e
economicamente dinmica do que o interior. Neste contexto de restrio legal ao
comrcio atlntico, o contrabando floresceu em Buenos Aires, movimentado
principalmente por escravos africanos trazidos pelos portugueses
403
. Esta situao
colocava as autoridades coloniais face a um permanente dilema, posto que a represso
ao trfico poderia alimentar uma simpatia pelos lusitanos, ameaando a prpria
soberania castelhana sobre o territrio platino. Em suma, a modesta vitalidade da regio
argentina durante o perodo colonial aparece como a resultante de duas presses
exgenas, ambas impotentes para romper com cenrio de ermido e disperso
populacional que a caracterizava:

En ese sentido hay que destacar el hecho de que la economa de las
provincias rioplatenses estava muy vinculada con la navegacin del
Atlntico; en consecuencia, las vicisitudes de la ruta atlntica
tuvieron, al igual que las del Alto Per, hondo significado para el Rio
de la Plata
404
.

Diante desta realidade, enquanto prevaleceram os estmulos oriundos da
minerao peruana, o Interior revelou-se mais dinmico e densamente ocupado do que
o Litoral, mas quando o interesse imperial reorientou-se no sculo XVIII na direo do
Atlntico, engendraram-se as condies para a inverso da situao
405
.

402
Las ciudades argentinas, esos puntos microscpicosde cuarenta o cincuenta familias concentran
la presencia espaola en pequeos focos diseminados en un espacio enorme y aun mal controlado. Fuera
de las ciudades est la zona repartida a los encomenderos, pero ello no implica una presencia continua,
y entre un emplazamiento urbano y otro prodr haver 40, 50, o ms leguas sin un poblado. Es el saldo de
una conquista discontinua, con un empuje colonizador incapaz de cubrir la totalidad del territorio y que
se dispersa en trechos y parcelas entre los cuales quedaba la tierra desierta. Ibidem, p. 49.
403
VILLALOBOS R., Sergio. Comercio y contrabando en el rio de la Plata y Chile. Buenos Aires:
Eudeba, 1965.
404
ASSADOURIAN et al., op. cit., p.154.
405
Al crearse el Virreinato (1776) el Litoral, pese a su ya acentuado progreso, continuaba siendo una
de las regiones ms atrasadas de las que integraron la nueva divisin administrativa del Imperio
hispano. El Interior lo superaba tanto por su riqueza como por su poblacin. Ibidem, p. 317.

137

b) EMANCIPAO ARGENTINA

O estabelecimento do Vice-Reino do Prata em 1776 sediado em Buenos Aires
expresso do empenho do Imprio espanhol em reorientar a economia colonial no
sentido atlntico, condizente com a estratgia de fomentar atividades econmicas
alternativas minerao, em um contexto de fermentao da revoluo industrial na
Europa
406
.

El proceso de independizacin de Buenos Aires con respecto a Lima,
que en la creacin del Virreinato encuentra un jaln decisivo, es una
manifestacin del paulatino traslado del centro de gravedad
econmico de la costa del Pacfico a la del Atlntico, promovido por
las circunstancias generales de la poca
407
.

O efeito das inovaes administrativas implementadas, somado progressiva
liberalizao do trfico atlntico no contexto das reformas borbnicas
408
, confluram
para que Buenos Aires se convertesse no centro de gravitao poltica e econmica de
uma extensa regio paulatinamente subtrada aos mercadores de Lima
409
. O

406
Sobre este contexto: Por eso, el ascenso del litoral rioplatense, que culmina en el Virreinato, data, en
realidad, del fin de la guerra de sucesin de Espaa, del proceso abierto por los Tratados de Utrecht (...)
La corona espaola se vio, entonces, impulsada a diversas medidas tendientes a contrarrestar los efectos
de su derrota en la guerra de sucesin. Desde entonces, Espaa va desgranando una serie de medidas de
poltica econmica que, aunque proyectadas en funcin de su estratgia ante la amenaza del avance
ingls y lusitano, redundaran en benefcio de las colonias. La nueva poltica de cierta liberalizacin del
comercio hispanocolonial tiende, durante el siglo XVIII, junto a diversas empresas blicas de similares
propsitos, a detener el creciente predominio ingls, propendiendo al desarrollo de las industrias
peninsulares y a su primaca en el comercio de Indias: el proyecto para galeones y flotas del Per y
Nueva Espaa y para navos de registro, la fundacin de Montevideo en 1723, la supresin del sistema
de flotas y galeones en 1740, con la consiguiente animacin de la navegacin comercial por el Cabo de
Hornos, en perfuicio de Lime y en beneficio para el Ro de la Plata, son tantos pasos sucesivos de dicha
poltica de la monarqua borbnica. Ibidem, p. 311.
407
Ibidem, p. 292.
408
Enquanto o Chile quase no atingido pelas transformaes estruturais do imprio na segunda
metade do sculo XVIII, o Rio da Prata juntamente com a Venezuela e as Antilhas so as regies mais
profundamente atingidas. Por motivos sobretudo polticos (necessidade de antepor uma barreira ao
avano portugus), a Coroa d resoluto apoio a um processo j em curso: a orientao para o Atlntico da
economia de Tucumn, de Cuyo, do Alto Peru e do Chile. Trata-se de uma contribuio decisiva ao
desenvolvimento de Buenos Aires, que, desde 1714, era centro de importaes de escravos para todo o
sul do imprio, e, a partir de 1776, capital do vice-reinado (e, portanto, capital administrativa do Alto
Peru); um conjunto de provimentos regulando o seu comrcio garante, alm das vantagens derivadas da
localizao geogrfica, o domnio sobre a sua retaguarda econmica, at o Pacfico e o Titicaca. O
desenvolvimento da cidade rpido, aumenta a sua populao e, de uma aldeia com casas de barro,
transforma-se numa cpia ultramarina de uma cidade provinciana da Andaluzia. HALPERIN DONGHI,
Tulio. Histria da Amrica Latina. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra 1989, p. 24.
409
A medida que Buenos Aires fue teniendo mayor oportunidad de desplegar sus posibilidades de
desarrollo fue ejerciendo cada vez mayor atraccin sobre el interior. Los comerciantes provincianos
colocaban sus productos en Buenos Aires proveyndose as de metlico, o bien de productos
manufacturados extranjeros. Todo este engranaje comercial fues sustrayendo de la rbita peruana a

138

estabelecimento do livre-comrcio teve conseqncias desiguais para as diferentes
regies do novo Vice-Reino. A economia do interior sofreu um duplo baque, diante da
concorrncia da importao agrcola e dos manufaturados europeus
410
. De outro lado, a
conexo comercial direta com a Europa estimulou, no conjunto do mundo colonial
atlntico, a produo mercantil de exportao. Neste contexto, a indstria do couro
bovino deslanchou na regio do Prata, atividade que, a partir de meados do sculo
XVIII, deixaria de basear-se no gado cimarrn para concentrar-se nas estancias,
projetando-se como o ncleo dinmico da economia do Litoral
411
:

Resumiendo, puede afirmarse que en el litoral del virreinato de
Buenos Aires tuvo gran desarrollo la produccin derivada de
ganadera cueros, sebos, tasajo, carne salada -, que alcanz cifras
impresionantes de exportacin, hasta consituir el fenmeno
econmico ms importante de aquella regin y uno de los ms
destacados de todo el extremo meridional
412
.

Assim, no momento em que se precipitou a crise que conduziria
independncia, o litoral do Vice-reino do Prata atravessava uma conjuntura de
crescimento econmico, alicerado de um lado no dinamismo do comrcio atlntico, e
de outro, na exportao de couros, fruto do desenvolvimento pecurio da regio,
caminhando para superar a populao e a vitalidade econmica do interior.
Pese a preocupao permanente das autoridades imperiais com a segurana da
regio do Prata
413
, tropas inglesas tomaram Buenos Aires no contexto das guerras
napolenicas em 1806, em um preldio da crise que conduziria s guerras de
independncia. A ocupao estrangeira foi repelida pela organizao armada local, fato

Tucumn y Paraguay, y otro tanto aconteci con la zona de Cuyo, desprendida de Chile, de quien
dependa polticamente. ASSADOURIAN et al., op. cit. , p. 178. El papel intermediario entre la
Pennsula, que es decir tambin Europa, y una vasta zona de influencia que alcanza hasta Quito, es la
base de la creciente prosperidad del puerto de Buenos Aires, donde una clase de ricos comerciantes
consolida su riqueza y su creciente podero en la sociedad. Ibidem, p. 319.
410
(...) todavia, os produtos agrcolas sofrem um golpe muito duro logo aps 1778, com a aproximao
econmica da metrpole; o trigo e o vinho do Levante espanhol expulsaram de Buenos Aires os produtos
de Cuyo. HALPERIN DONGHI, op. cit., p. 25
411
Gracias a eso, Buenos Aires abandonar su funcin de mero intermediario entre los productos del
interior y Europa, pasando a constituirse en exportador de productos propios. ASSADOURIAN et al.,
op. cit., p. 178.
412
Continua: (...) En cambio, la modesta produccin agrcola de las provincias interiores del virreinato
azcar, algodn, tabaco, arroz, vino y aguardiente decay con la competencia extranjera, e
igualmente la industria de aqellas provincias y de Chile. VILLALOBOS R., op. cit., p. 109.
413
Cabe notar que toda la poltica de la Corona, tanto antes como luego de la creacin de Virreinato,
tendi a proporcionar a las autoridades de Buenos Aires los medios econmicos y administrativos
necesarios para apoyar sus objetivos militares en la regin. Assadourian et al., op. cit., p. 291.

139

prenhe de conseqncias futuras
414
: quando se desencadeou a crise imperial dois anos
depois, os portenhos no somente estariam mobilizados e armados, mas tinham maior
conscincia de seu isolamento e dos meios com que contavam para enfrentar a situao.
O Prata seria a nica regio do imprio a no sofrer uma restaurao do poder ibrico
durante o processo emancipatrio.
O alinhamento de foras sociais do processo argentino seguiu o padro
continental, onde a independncia demorou a cristalizar-se como objetivo poltico e as
consignas democrticas encontraram como limite a conservao dos padres de
dominao de classe
415
. A mobilizao popular, significativa na regio platina,
concedeu lastro decisivo para a ascenso das novas lideranas revolucionrias, como
destaca Halperin Donghi: Es la reivindicacin del derecho de todos los americanos la
que transforma a los que han estado en desventaja en las rivalidades internas a la lite
colonial en jefes de lo que sern nuevas naciones.
416

No plano geopoltico, medida em que evoluiu a guerra, a escassa integrao do
territrio que constitua o Vice-reino do Prata refletiu-se na precariedade das
instituies conformadas para preservar esta unidade poltica, vulnervel s tendncias
de fragmentao territorial e ruralizao do poder que marcariam os primrdios da
Argentina independente. Centro poltico da regio sublevada, Buenos Aires revelou-se
incapaz de assegurar pelas armas a fidelidade do Alto-Peru, defendido por tropas
realistas, e do Paraguai, determinado a estabelecer sua autonomia. Entretanto, o
principal desafio poltico ao seu projeto de poder emergiu na Banda Oriental, onde a
liderana de Artigas apontava para uma federao conseqente com o iderio
democrtico que animava a revoluo. Foi necessrio dar carta branca aos portugueses
para derrotar militarmente os orientais, legando uma situao voltil na fronteira fluvial,
que ensejaria sucessivos conflitos at a Guerra da Trplice Aliana (1864-1870).
Em um cenrio onde as presses centrfugas de disperso do poder no
encontraram uma via institucional coerente como alternativa limitada hegemonia de

414
La fragilidad misma del orden colonial se ve bruscamente revelada por esa peripecia; HALPERIN
DONGHI, Tulio. Revolucin y Guerra: formacin de una elite dirigente en la Argentina criolla. Buenos
Aires: Siglo XXI, 1979, p. 136.
415
La amenaza de ampliacin permanente del sector plenamente incorporado a la actividad poltica es
eludida con sorprendente facilidad, fundamentalmente porque la movilizacin de los sectores populares,
cuyo carcter masivo la ha hecho impresionante, es a la vez muy superficial (...) Ibidem, p. 176.
416
Ibidem.

140

Buenos Aires
417
, a consolidao da independncia desembocou, segundo a anlise de
Halperin Donghi, em uma tendncia ruralizao do poder e barbarizao da
sociedade
418
, evocando um novo padro de relaes polticas face impotncia do
Estado: A la espera de la solucin final que la reconstruccin del estado central
ofrecer algun da, lo que nace bajo el estmulo doble de la ruralizacin y la ausencia
de un marco institucional (...) es un nuevo estilo poltico.
419
Este novo estilo est
alicerado na ascenso dos proprietrios rurais, correspondendo a um rearranjo das
relaes econmicas e polticas em curso desde o final do sculo XVIII, quando a
abertura mercantil deslocou para mos inglesas o domnio dos negcios comerciais, ao
mesmo tempo em que a expanso pecuria projetou os fazendeiros como novos donos
do poder
420
:

(...) en cuarenta aos aparentemente vacos de realizaciones
econmicas se pasar de la hegemona mercantil a la terrateniente,
de la importacin de productos de lujo a la de artculos de consumo
perecedero de masas, de una exportacin dominada por el metal
precioso a otra marcada por el predominio aun ms exclusivo de los
productos pecuarios
421
.

O caudilhismo ser o padro poltico caracterstico desta sociedade rstica e
esparsamente povoada, na qual o vnculo de trabalho entre fazendeiro e peo, marcado
por relaes clientelistas, incide em diferentes esferas da sociabilidade
422
. Do ponto de

417
(...) el paisaje poltico que emerge de los derrumbes de 1820 parece marcado ms bien por la
extrema fragmentacin y diversidad que por la presencia de fuertes oposiciones entre un pequeo
nmero de grandes bloques regionales. Ibidem, p. 338
418
En Buenos Aires, del mismo modo que en el interior, la crisis de 1820 ha revelado las bases rurales
en que debe apoyarse ahora todo poder poltico, pero esa ruralizacin de las bases del poder no es sino
un aspecto de la que afecta a reas ms amplias de la vida nacional, y que parece consolidar la
barbarizacin en que se vea ya en 1810 una de las consecuencias de los cambios que la revolucin deba
necesariamente introducir. Ibidem, p. 378
419
Ibidem, p. 379. O limite objetivo desta disperso do poder a manuteno dos nexos imprescindveis
para a reproduo da economia regional. El aislamento poltico no puede llegar a extremos
incompatibles con el mantenimiento de esa articulacin interregional, que puede ser distinta en sus
caractersticas de la vigente en la ltima etapa colonial, pero que sigue siendo indispensable para la
supervivencia misma de las economas regionales. Ibidem.
420
Pero la prosperidad ganadera no slo afecta a la campaa; de ella depende cada vez ms la de la
ciudad cuyo comercio canaliza sus frutos. Y, entre ciudad y campaa, una clase terrateniente dotada
desde el comienzo con fuertes races urbanas y enriquecida a partir de 1820 con nuevos reclutas
provenientes de las clases altas de la ciudad es ahora ya sin ninguna duda la primera de la
provincia: comparte el poder econmico con los exportadores-importadores predominantemente
extranjeros de los que no la separa ningun conflicto fundamental de intereses; Ibidem, p. 120.
421
Ibidem, p. 75.
422
Na viso de John Lynch, esta relao seminal para entender a Argentina recm emancipada: The
relation of patron and client was the essential link. The landowner wanted labour, loyalty and service in
peace and war. The peon wanted subsistence and security. The estanciero, therefore, was a protector,

141

vista dos trabalhadores, em uma realidade onde a principal atividade econmica
requeria mo de obra reduzida e esparsa
423
e o acesso terra foi bloqueado pela
interveno estatal em favor dos grandes proprietrios
424
, a insubordinao popular
manifestou-se principalmente atravs de aes individuais que contestavam a teia de
submisso orquestrada pelo clientelismo
425
. No plano das classes dominantes, o poder
dos caudilhos associou-se s presses por autonomia regional, assentadas em

possessor of sufficient power to defend his dependants against marauding Indians, recruiting sergeants
and rival hordes. He was also a provider, who developed and defended local resources and could give
employment, food and shelter. By supplying what was needed and exploiting what was offered, a
hacendado recruited a peonada. This primitive political structure, founded on individual power, raised
upon personal loyalties, cemented by the authority of patron and the dependence of the peon, was finally
built into the state and became the model of caudillismo. LYNCH, John. The River Plate Republics. In:
BETHELL, Leslie (Org.). Spanish America after Independence. Cambridge: Cambridge University Press,
1987, p. 329. Uma historiografia recente, marcada por temas relacionados histria cultural, tem
questionado esta viso, avanando uma crtica resumida na seguinte passagem: En suma, analizar las
formas de ascenso al poder de los caudillos significa hoy rediscutir dos de las imgines estereotipadas
que nos leg la historiografa: por un lado, la caracterizacin de las zonas rurales como espacios sin
orden social y sin instituciones; por otro lado, la asimilacin del vnculo caudillo-milicias al vnculo
estanciero-pen, es decir, la tesis segn la cual las relaciones clientelsticas en la poltica fueron
engendradas por relaciones igualmente clientelsticas dentro de la estancia. Segn se vio, las nuevas
perspectivas parecen indicar, en relacin al primer punto, que los caudillos sustentaron su poder es
decir, movilizaron recursos, milicias y electroes sobre un conjunto de complejas relaciones basadas, en
parte, en antiguos derechos consuetudinarios y formales. Con respecto a la segunda imagen, la prdida
de certidumbre acerca de la existencia de una estrecha correlacin entre milicias del caudillo y peones
del estanciero hace necesario pensar en el caudillismo como un sistema ms estable que una mera
asociacin de proprietarios feudatarios. GOLDMAN, Noemi; SALVATORE, Ricardo. Introduccin a:
______. Caudillismos rioplatenses nuevas miradas a un viejo problema. 2. ed. Buenos Aires: Eudeba,
2005, p. 28. Ainda que a leitura de Lynch simplifique as complexidades desta sociedade, entendemos que
as relaes de trabalho na estncia marcam a sociabilidade argentina naquele contexto. Por outro lado, os
trabalhos que privilegiam uma abordagem cultural, criticando diretamente a Lynch, entre outros,
arriscam-se a subestimar as contradies de classe inerentes ao caudilhismo.
423
Neste contexto, o novo pas produziu uma legislao orientada a disciplinar o trabalho e prevenir a
marginalidade social. Puesto al servicio de la economa privada, el estado se asigna una tarea ms
vasta de lo que parecera a primera vista; el retorno de la paz no devuelve a los sectores sociales
marginales al aislamiento del que havan gozado en tiempos coloniales. Si ahora no se los requiere para
la guerra, se los necesita para las tareas de paz; (...) No slo los marginales, tambin la fuerza de
trabajo requiere ser disciplinada (...) HALPERIN DONGHI, Tulio. Revolucin y Guerra: formacin de
una elite dirigente en la Argentina criolla. Buenos Aires: Siglo XXI, 1979, ps. 357-8.
424
A concentrao fundiria tem seu marco institucional republicano (mesmo que no intencional) nas
leis decretadas por Rivadavia nos anos 20 que proibem a alienao da terra pblica adotando o sistema de
enfiteusis, de inspirao romana. Posteriormente, Rosas comercializar (ou ceder) estas terras. Ver:
ODDONE, Jacinto. La burguesia terrateniente. Buenos Aires: Libera, 1967.
425
Argentina did not possess a middle sector of commerce or industry, and there was no great
concentration of peasants. The popular classes, superior in numbers, were heterogeneous in composition
and divided into disparate groups, peons on estancias, wage labourers, small farmers or tenants,
marginal gauchos and deliquents. The subordinate condition of the lower sectors, their poor expectations
and their isolation in the immense plains, combined to prevent the formation of an autonomous political
movement from below. LYNCH. Op. cit., p. 329. Em nossa viso, os trabalhos que enfatizam as
motivaes dos setores populares para aderirem a um caudilho, contrapondo-se uma leitura que supe a
sua manipulao, no invalidam este quadro geral, em que verificam-se mltiplos constrangimentos para
a organizao autnoma dos trabalhadores. Exemplos destes trabalhos encontram-se na citada compilao
de Goldman e Salvatore. Consultar tambm: FUENTE, Ariel de la. Los hijos de Facundo. Buenos Aires:
Prometeo libros, 2007.

142

instituies anteriores guerra de independncia, para afirmar relaes polticas que
obstavam a consolidao do Estado nacional
426
.
Em suma, a Argentina legada pelo passado colonial revela-se uma sociedade de
escassa diferenciao produtiva e rgida polarizao social, marcada por relaes de
trabalho permeadas pelo clientelismo nos quadros do caudilhismo
427
, cuja ocupao est
concentrada em focos esparsos sobre um imenso territrio ainda inexplorado pela
economia mercantil, povoado por indgenas
428
. Na crua sntese de John Lynch: A
estrutura da sociedade era simples e sua escala, pequena. A Argentina, uma terra cheia
de gado, estava vazia de pessoas e seu territrio de um milho de milhas quadradas
continha, em 1820, uma populao em torno a um tero da Londres contempornea.
429



c) INSERO ARGENTINA NO MERCADO MUNDIAL

Embora a repblica platina experimentasse nveis modestos de crescimento nos
decnios sucessivos emancipao, em meados do sculo XIX havia indcios de uma
relativa estagnao econmica
430
, que ser superada nos marcos do movimento

426
A la cada del poder central en 1820, el ex Virreinato no se encontr ante un vaco institucional.
Lejos de ello, los aos 1820 y 1830 asistieron a un proceso de construccin, sobre la base de la ciudad-
provincia la nica unidad poltico-social relevante en el perodo -, de Estados autnomos como punto
de partida para una organizacin poltico-instituicional del pas. El conjunto de normas fiscales,
legistlativas y polticas que las provincias se otorgaron, luego de fracasados los primeros intentos de
constituir un Estado rioplatense, dan testimonio de los esfuerzos por parte de las elites locales por
consolidar, mas all de la voluntad de los caudillos, espacios soberanos de poder. Tendencias hacia el
reforzamiento de las autonomas provinciales convivieron as - al menos, durante la primera mitad del
siglo XIX con la tendencia hacia la preservacin de un orden nacional, el que luego servira de base
para la conformacin del Estado nacional argentino. GOLDMAN & SALVATORE, op. cit., p. 22.
427
Mesmo um autor que critica diretamente a Lynch, reconhece a marca do clientelismo nas relaes de
trabalho no campo: La relacin con los caudillos tambin poda estar formada por intercambios
materiales de ms largo plazo, como la proteccin y outras formas cotidianas de clientelismo, y por la
identificacin cultural, personal y partidaria entre los gauchos y los caudillos. FUENTE, Ariel de la.
Gauchos, Montonerosy Montoneras In: GOLDMAN & SALVATORE, op. cit., p. 288.
428
Slo el 10% de las tierras de la provincia de Buenos Aires, el distrito ms rico y productivo de toda
la regin pampeana, estaba en manos espaolas y criollas en 1810: por lo tanto, no haba lugar para la
constitucin de una economa campesina por la simple razn de que los ocupantes fsicos de ese suelo
eran tribus fundamentalmente nmadas que no haban desarrollado la agricultura y no era posible
entonces someterlas y apropiarse de su trabajo por la va del tributo. Esta situacin contrasta
flagrantemente con la observada en otras regiones de Amrica Latina (...) BORN, Atilio;
PEGORARO, Juan. Luchas sociales en el agro argentino. In: GONZLEZ CASANOVA, Pablo (Org.).
Historia Poltica de los campesinos latinoamericanos. Mxico: Siglo XXI, 1985, v. 4, p. 157.
429
LYNCH, op. cit., p. 325 (traduo nossa). No original: The structure of society was simple and its
scale was small. Argentina, a land full of cattle, was empty of people, and its one million square miles of
territory contained in 1820 a population about one-third that of contemporary London.
430
In 1848, toward the end of the Rosas period, exports remained at the level of the 1820s. ... Relative
stagnation was manifest in another manner: the fall in the rate of growth of the population, which from

143

expansivo do mercado mundial. Ao exponenciar a demanda internacional por produtos
primrios, a evoluo do capitalismo concorrencial potencializou o dinamismo do setor
exportador das economias perifricas, processo destinado a transformar a fisionomia
argentina na segunda metade do sculo: La intensidad de la integracin de la
Argentina en la expansiva economa mundial desde mediados del siglo XIX,
revolucion en pocas dcadas la fisonoma social, poltica y econmica del pas.
431

O motor do crescimento argentino ser a conjuno entre a demanda ascendente
do mercado mundial por produtos agropecurios e as potencialidades naturais e sociais
favorveis para a ocupao e explorao econmica do territrio nacional
432
, espcie de
fronteira aberta para o desenvolvimento capitalista
433
. Constatadas as condies
naturais propcias para a expanso mercantil, foi preciso consolidar as premissas
polticas e sociais que viabilizaram a integrao do pas aos fluxos capital internacional.
A estabilidade poltica avanou notavelmente a partir da reunificao nacional
sob a gide portenha alcanada em 1862, franqueando as condies para que os
governos sucessores equacionassem a relao entre Buenos Aires e as demais
provncias, assentando as bases polticas do Estado nacional
434
. Como parte do arranjo
que afianou a vitria de Bartolomeu Mitre (1862), nacionalizaram-se as receitas
alfandegrias auferidas pelo porto de Buenos Aires, responsvel por cerca de 4/5 da
renda pblica poca
435
, dirimindo a principal questo material subjacente s disputas
entre federalismo e unitarismo, em um prenncio da federalizao da cidade consumada

1820 to 1850 was bellow the levels reached in the second decade of the nineteenth century. CORTS
CONDE, Roberto. The first stages of modernization in Spanish America. Nova Iorque: Harper & Row,
1974, p. 121. Al comienzo de la segunda mitad del siglo XIX la ganadera se desarrollaba todava en
condiciones primitivas y la agricultura era prcticamente insignificante. Pero a partir de entonces se
producen mejoras tecnolgicas sustanciales y la expansin sostenidad del capital utilizado en la
produccin. FERRER, Aldo. La economa argentina. Buenos Aires: FCE, 1970, p. 117.
431
Ibidem, p. 91.
432
La expansin de las exportaciones fue posible, segn se apunt antes, por dos motivos principales. El
primero fue la fuerte expansin de la demanda mundial de productos agropecuarios de clima templado
resultante de la integracin creciente de la economa mundial a partir de mediados del siglo XIX. El
segundo, que el pas dispona de enormes extensiones de tierras frtiles en su zona pampeana, no
explotadas o slo parcialmente utilizadas. Ibidem, p. 106.
433
(...) la incorporacin de la economa argentina a la expansiva economia mundial a partir de la
segunda mitad del siglo XIX constituye uno de los casos tpicos de integracin de un espacio abiertoa
la economa internacional. Ibidem, p. 140.
434
Entre 1862 y 1880 transcurre el perodo clave de la historia argentina. Tres personalidades dismiles
se sucedieron en el ejercicio de la presidencia: Mitre de 1862 a 1868, Sarmiento de 1868 a 1874 y
Avellaneda de 1874 a 1880. Acaso eran distintos los intereses y las ideas que representaban: distintos
eran tambin sus temperamentos; pero tuvieron objetivos comunes y anloga tenacidad para
alcanzarlos: por eso triunf la poltica nacional que proyectaron, cuyos rasgos conformaran la vida del
pas durante muchas dcadas. ROMERO, Jos Luis. Breve Historia de la Argentina. Buenos Aires:
FCE, 2001, p. 97.
435
FERRER, op. cit., p. 109.

144

em 1880. No plano militar, a consolidao da unidade supunha o desmonte das foras
regionais e a reorganizao do exrcito nacional, logo empenhado na custosa e
impopular Guerra da Trplice Aliana, ltimo conflito a ameaar significativamente a
integridade territorial argentina. Consolidadas, com o desenlace do processo, as
fronteiras nacionais e a centralizao militar, nos anos seguintes suprimiram-se as
ltimas expresses do caudilhismo a contestar o poder estatal, ao mesmo tempo em que
procedeu-se a um ulterior avano sobre o territrio indgena, motivado pela presso em
incorporar novas terras explorao mercantil.
Subordinada racionalidade da exportao agropecuria, esta expanso das
terras integradas economia nacional no ensejou uma democratizao do seu acesso,
mas pelo contrrio, acentuou a consolidao da grande propriedade territorial
436
.
Analisando a provncia de Santa F, um dos principais focos de expanso econmica e
colonizao, onde entre 1858 e 1869 a populao passou de 41.261 habitantes para
89.117 enquanto a provncia quadriplicou o seu territrio, Gallo anotou: (...) este
proceso de expansin territorial se vio acompaado por un acelerado traspaso de
tierras de propiedad del Estado a manos privadas, para cuyo fin se legisl
copiosamente durante ese perodo (c. 1852 a c.1870).
437
Embora ensaie-se o cultivo
de cereais na provncia atravs da colonizao agrcola, atividade que impulsionar as
transformaes econmicas nos decnios seguintes, neste momento o crescimento da
demanda internacional de produtos pecurios, principalmente por l ovina
438
, que puxa
o aumento das exportaes
439
. A vitalidade do setor agropecurio incide no volume das
importaes
440
, resultando em um significativo incremento no volume do comrcio
exterior, que ser ainda maior a partir do deslanche da exportao de trigo no final do
sculo: El comercio exterior, que en 1861 tena un volumen total de 37 milliones de

436
Os autores chamam a ateno para o contraste com a expanso da fronteira nos Estados Unidos, onde
o contemporneo Homestead Act (1862) estabeleceu um padro radicalmente diverso de ocupao
territorial. Ver: FERRER, Aldo; GALLO, Ezequiel; BORN, Atilio & PEGORARO, Juan - obras
citadas.
437
GALLO, Ezequiel. La Pampa Gringa. Buenos Aires: Edhasa, 2004, p. 31.
438
On the pampas between Buenos Aires and the River Salado sheep were beginning to drive cattle from
the land; from 1840 estancia after estancia passed into the hands of the sheep farmers. Lynch. Op. cit., p.
349. The large purchases of land by foreigners, the multiplication of sheep, the appearance of more
sophisticated consumer trends, all were signs of a new Argentina. Ibidem, p. 350.
439
Wool represented 10.8 per cent of exports in 1837, rose to 12,5 per cent in 1848, and reached 33,7
per cent in 1859. CORTS CONDE, Roberto. The growth of the Argentine economy c.1870-1914. In:
BETHELL, Leslie (Ed.). The Cambridge History of Latin America. Cambridge: Cambridge University
Press, 1986, p. 329.
440
Between 1860 and 1880 the total value of imports from Europe doubled, comprising mainly textiles,
hardware and machinery from Britain, and luxury goods from the continent. Lynch, op. cit., p. 350.

145

pesos, ascendi a 104 millones en 1880, sin que todava hubiera alcanzado a tener sino
escassima importancia en la exportacin de cereales(...)
441
.
O fortalecimento dos setores econmicos orientados exportao primria
acentuou o distanciamento da regio litornea e do porto de Buenos Aires em relao ao
interior do pas, excludo dos benefcios desta modalidade de crescimento
442
. Como
decorrncia, o processo de afirmao do Estado nacional, ao mesmo tempo em que
estabeleceu instituies imprescindveis unidade do pas, como um poder judicirio
nacional, um banco nacional, um sistema de correios e uma imprensa
443
, alm de
impulsionar a construo de ferrovias
444
, revelou-se incapaz de promover uma
articulao regional condizente com o desenvolvimento relativamente homogneo da
nao. De modo correspondente, o aprofundamento dos vnculos de dependncia
econmica com o mercado mundial ensejou a reproduo de padres de explorao do
trabalho, privilgio social e exclusivismo poltico que obstaram a democratizao social,
evidenciada na impossibilidade de combinar a expanso das fronteiras com a
popularizao do acesso terra. Em suma, nos decnios anteriores a 1880
consolidaram-se as premissas para viabilizar a plena insero do territrio argentino no
movimento expansivo da economia mundial, consumando-se um padro de
desenvolvimento em que modernizao dissociou-se de integrao regional e
democratizao social, como resumiu Lynch: Modernizao signficiava crescimento
atravs de exportaes do setor rural, investimento em una nova infraestrturua e
imigrao.
445


441
ROMERO, op. cit., p. 106.
442
Argentina ofreca cuando comienza la etapa de la economa primaria exportadora, una enorme
disponibilidad de tierras frtiles en la zona pampeana y una muy escasa poblacin para un
aprovechamiento adecuado de la misma. El arribo de contingentes inmigratorios, la puesta en
produccin de nuevas tierras, la incorporacin de capitales extranjeros y nacionales a los ferrocarriles y
a la actividad agrcola, la mejora de las normas tcnicas de produccin, posibilitaron un aumento
vertiginoso de la produccin agropecuaria. La poltica de libertad de importaciones determin, sin
embargo, la exclusin del Interior de los efectos dinmicos de la expansin de las exportaciones
agropecuarias de la zona pampeana. FERRER, op. cit., p. 149.
443
In spite of provincial traditions and caudillo resistance, central power and national organization
survived and took root. They were assisted by the growth of institutions with an Argentine dimension, the
press, the postal service, the National Bank, the railway system. But two particular agencies promoted
national identity and unity federal justice and the national army. LYNCH, op. cit., p. 354.
444
Durante los dieciocho aos que preceden a 1880 se construyeron 2516 kilmetros de vas frreas.
Romero, op. cit., p. 107.
445
Lynch, op. cit., p. 355 (traduo nossa). Nevertheless, in the 1870, the country with a basically
pastoral economy, still had vast tracts of land, much of which was not utilized, lying beyond the
frontier. Population was sparse, the railway network was rudimentary, port facilities were inadequate
and capital was scarce CORTS CONDE. The growth of the Argentine economy c.1870-1914. In:
BETHELL, Leslie (Ed.). The Cambridge History of Latin America. Cambridge: Cambridge University
Press, 1986, p. 329.

146

d) ARGENTINA E O IMPERIALISMO

A consumao da unidade nacional argentina associou-se expanso do
mercado mundial no contexto de afirmao do capital monopolista, para engendrar um
perodo de crescimento espetacular, culminando o processo que forjou a Argentina
moderna. Do ponto de vista interno, o fim da Guerra da Trplice Aliana, a progressiva
subordinao dos caudilhos e o avano militar sobre territrio indgena consumaram as
premissas geopolticas para afirmar o Estado nacional. O pacto federativo consolidou-se
com a federalizao da cidade de Buenos Aires e a costura de uma imbricada rede
poltica de alcance nacional, forte o bastante para controlar os poderes locais, mas
suficientemente flexvel para incorporar governadores provinciais a uma estrutura
poltica mais vasta. Conformaram-se assim, simultaneamente, uma camada dirigente e
um arranjo poltico capazes de gerir o Estado atravs de mecanismos que prescindiam
das ameaas seccionistas, mantendo as divergncias no mbito intraelitista, o que
resultou em um nvel de estabilidade institucional indito
446
. Do ngulo das relaes
com o mercado mundial, o processo de exportao de capitais e a acentuao da diviso
internacional do trabalho inerentes ao movimento do capital monopolista, geraram as
condies para o extraordinrio crescimento econmico experimentado atravs de
decnios sucessivos, singularizando este perodo da histria argentina:

A caracterstica proeminente do perodo 1880-1912, com a exceo
dos anos 1890-5, foi o rpido crescimento econmico. Todos os
indicadores apontam para um crescimento anual mdio superior a 5
por cento ao longo destas trs dcadas, o que distingue este perodo de
qualquer outro na histria argentina
447
.

O ritmo da expanso econmica argentina na virada do sculo (XIX-XX) pode
ser aquilatado atravs de alguns dados. No perodo entre 1860 e 1913 a Argentina
recebeu cerca de 8,5% dos investimentos dos pases exportadores de capital no mundo,

446
Para uma descrio pormenorizada dos mecanismos polticos que sustentavam esta ordem
conservadora, que incluam sucessivas intervenes federais, ver o detalhado estudo de: BOTANA,
Natalio. El Orden Conservador. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 1977.
447
CORTS CONDE, Roberto. The growth of the Argentine economy c.1870-1914. In: Leslie Bethell
(Ed.) The Cambridge History of Latin America. Cambridge: Cambridge University Press, 1986, p. 355
(traduo nossa). No original: The outstanding feature of the period 1880-1912, with the exception of the
years 1890-5, was rapid economic growth. All the indicators point to an average annual growth rate of
more than 5 per cent over the three decades, which distinguishes this period from any other in Argentine
history.

147

correspondente a 1/3 do que aplicou-se na Amrica Latina (42% do investimento do
Reino Unido na regio). Entre 1880 e 1910 o valor das exportaes nacionais
multiplicou-se por seis, enquanto o intercmbio comercial subiu de 104 milhes em
1880 a 724 milhes pesos oro em 1910. Indcio significativo da penetrao mercantil do
territrio, a rede ferroviria que, em 1890, contava com 2313 quilmetros de extenso,
dez anos depois registrava 9254 quilmetros, alcanando em 1904, 19.430 quilmetros.
A expanso do negcio exportador estimulou uma progressiva penetrao do
capital internacional na economia nacional. O Estado argentino acedia a crditos
internacionais ao menos desde a Guerra da Trplice Aliana
448
, mas a partir dos anos
1880 o recurso ao capital estrangeiro multiplicou-se, potencializando o investimento
pblico ou privado em uma diversidade de setores, principalmente relacionados ao
transporte, infra-estrutura e construo
449
. Como decorrncia, a dvida externa nacional
disparou
450
. Alicerado na exportao primria e no investimento internacional, este
padro de crescimento econmico acentuava duplamente a vulnerabilidade argentina
aos movimentos do mercado mundial, como salienta Ferrer:

El nivel de actividad econmica en los pases industrializados
condicionaba as, simultneamente, los principales factores del
desenvolvimiento econmico de Argentina: las exportaciones y la
radicacin de capitales extranjeros. Se comprende, pues, que el nivel
de ocupacin e ingresos en la Argentina, tanto como la situacin del
balance de pagos y de las finanzas pblicas, era sumamente
vulnerable a los cambios producidos en el ciclo econmico de los
pases industrializados
451
.


448
Na Argentina, onde os ingressos governamentais provm tradicionalmente das tarifas alfandegrias
ligadas ao comrcio do ultramar, foram os emprstimos europeus que tornaram possvel ao governo
vencer a resistncia das provncias; o montante dos emprstimos observava um ministro das finanas,
por volta do final dos anos 70 exatamente o custo das guerras civis e da guerra com o Paraguai, que
desempenhara tambm um papel na afirmao do governo central. HALPERIN DONGHI, Tulio.
Histria da Amrica Latina. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989, p. 127.
449
However, contrary to what is generally thought, expansion in this decade (1880) was not fuelled
chiefly by the arable and stock-raising export sectors, but by investment in transport, public works, and
private building. Thanks to the great inflow of direct and indirect foreign investment, funds were obtained
to import capital goods which were transformed into thousands of kilometers of rail track and into
important public works. Corts Conde. The growth of the Argentine economy c.1870-1914. In:
BETHELL, Leslie (Org.). The Cambridge History of Latin America. Cambridge: Cambridge University
Press, 1986, p. 344.
450
The enormous external debt incurred in this period it rose from 100 million pesos to 300 million in
1892 was another determining factor in this crisis. Ibidem, p. 346.
451
FERRER, op. cit., p.122. La economa argentina fue, pues, durante toda etapa (1860-1930) un
sistema plenamente abierto a la influencia de los factores externos. Ibidem, p. 130

148

O principal setor afetado pela expanso econmica foi a agricultura: em um
perodo de vinte anos, entre 1875 e 1895, a Argentina passou de importadora de trigo
terceira exportadora mundial do produto
452
. O total da superfcie cultivada aumentou
notavelmente, saltando de 580.000 hectares para 24.000.000 hectares entre 1872 e 1915.
Alterou-se consideravelmente a relao entre as exportaes agrcolas, que em 1870
representavam menos de 1% do total, e os produtos pecurios, que respondiam por
cerca de 95% dos negcios: no comeo do sculo, a participao dos setores j era
equivalente, proporo que se manteve nos decnios sucessivos.
Do ponto de vista da ocupao do terririo, a ameaa indgena sucumbiu diante
de uma expanso agrcola apoiada no poder do Estado e na penetrao ferroviria, que
abria milhes de hectares para a colonizao, atraindo o trabalhador expulso do campo
europeu
453
, em um contexto em que a imigrao era facilitada por uma reduo nos
custos da travessia atlntica decorrente de avanos tecnolgicos
454
. Na expresso de
Jos Luis Romero, a Argentina entrou na sua era aluvial
455
: a populao do pas
quadruplicou em pouco mais de uma gerao, passando de 1.830.214 em 1869, a
7.885.237 em 1914, momento em que cerca de dos habitantes do pas eram
estrangeiros
456
. De um saldo aproximado de 3.300.000 imigrantes, calcula-se que 90%
radicaram-se na zona pampeana
457
, expresso do magnetismo da economia de
exportao.

452
En el corto perodo de tiempo transcurrido entre 1875 y 1895 la Argentina abandon su condicin de
pas importador de trigo para convertirse en el tercer exportador mundial de ese producto. GALLO,
op. cit. p.160.
453
Sobre as relaes entre a imigrao europia no sculo XIX e as transformaes capitalistas no campo,
ver: CARMAGNANI, Marcello. Las migraciones europeas en su rea de origen. In: LEANDER, Birgitta
(Org.) Europa, Asia y frica en Amrica Latina y el Caribe. Mxico: Siglo XXI, 1989.
454
(...) durante la dcada del ochenta se observaron cambios que slo pueden ser calificados de
espetaculares. Para entonces los indios ya haban sido definitivamente derrotados y cientos de miles de
hectreas fueron colonizadas, mientras que en las que ya asentadas desaparecieron los temores
provocados por las invasiones indgenas. El boom ferrocarrilero y la inmigracin aliviaron
considerablemente los problemas que traan aparejados los altos costos de transporte y la escasez de
mano de obra. Al mismo tiempo, una reduccin apreciable en los costos de la navegacin ultramarina
acercaba a las colonias a los poderosos mercados europeos. Asimismo, aparecieron instituciones
crediticias, especialmente en la segunda mitad de la dcada, que volcaron una parte de sus fondos hacia
el sector agrcola. Los aos ochenta fueron, en consecuencia, la edad de oro de la colonizacin agrcola,
y la Argentina, y muy especialmente los campos de Santa Fe, comenz a ser percibida como la nueva
tierra de promisin para millares de inmigrantes europeos. GALLO, op. cit. p. 65.
455
ROMERO, Jos Luis. Breve Historia de la Argentina. Buenos Aires: FCE, 2001, p. 97.
456
Na regio pampeana, que concentrou o fluxo de imigrantes, passou de 929.030 em 1869 para
2.625.452 em 1895. GALLO, Ezequiel. La Pampa Gringa. Edhasa, 2004. Outra conseqncia foi a
consolidao da preponderncia econmica e demogrfica do litoral sobre o interior no perodo, onde
1869 habitava 49% da populao total e em 1895, 63,5%. Ver: Jos Panettieri. Los Trabajadores. Buenos
Aires: Centro Editor de Amrica Latina, 1982. Tambm: Luis Alberto Romero y Lilia Ana Bertoni.
Movimientos migratorios en el cono sur.In: LEANDER, op. cit..
457
FERRER, op. cit., p. 107.

149

Diante da concorrncia no mercado mundial, a agricultura pampeana afirmou-se
desde o princpio sobre bases capitalistas, recorrendo inovao tecnolgica de espcies
e mquinas, tanto mais vivel na escala produtiva em que se assentava a explorao
agrria argentina:

No son las ventajas "naturales" las claves de la hegemona pampeana
en los mercados cerealeros del mundo: la pampa desplaza a la
produccin inglesa en su propio terreno, la agricultura ms avanzada
del mundo con la mayor cercana al mercado, los rendimientos ms
altos y salarios rurales tradicionalmente bajos
458
.

Do ponto de vista das relaes de trabalho, o sistema de arrendamento foi
dominante, sobretudo onde se estabelecia o imigrante
459
. Modalidade precria de posse
fundiria, sem vnculos de origem atvica com a terra, sua pauta de reivindicao social
se orientou desde o princpio por melhores condies de trabalho principalmente
maior estabilidade nos contratos de arrendamento - e condies mais favorveis de
comercializao dos produtos. Em um contexto de assentamento relativamente tardio do
trabalhador no campo, desde o incio sob a gide de relaes capitalistas de produo, a
questo agrria na Argentina adquire caracterstica singular, prevalecendo demandas
tpicas do pequeno produtor rural face irrelevncia da luta pela propriedade da terra
460
.
Explica-se assim que os trabalhadores rurais argentinos:

(...) logran canalizar institucionalmente sus demandas y darse formas
urbanas de organizacin corporativa; esto es as justamente
porque no son campesinos sino pequeos productores capitalistas,
que se desenvuelven segn las reglas del juego de una economa
burguesa y que producen sus mercancas fundamentalmente para un
mercado mundial, plenamente dominado y organizado por el capital
imperialista
461
.

458
SARTELLI, Eduardo: Ros de oro y gigantes de acero. Tecnologa y clases sociales en la regin
pampeana, Debate, en Razn y Revolucin nro. 3, invierno de 1997, reedicin electrnica.
459
(...) aspiracin frustrada que fue la colonizacin argentina, desde el momento en que comenz a
tergiversarse el sistema llamado colonias a latifundios que subdividan en lotes para arrendarlos a
inmigrantes sin tierra. PANETTIERI, op. cit., p..27.
460
Pero en las vastas extensiones que constituyen el corazn de la economa agraria argentina las
relaciones sociales capitalistas se impusieron tempranamente sin tener que afrontar la pesada herencia
de supeditar, en un sentido social, poltico y econmico, a un amplio conglomerado de pequeos
productores independientes. Atlio Boron & Juan Pegoraro, op. cit., p. 155. En efecto, si la historia de
las luchas sociales de Amrica Latina est inseparablemente unida a la crnica sangrienta de las
revueltas del campesinado, en la Argentina aqullas son pginas escritas por otras fuerzas sociales y en
donde resulta conspicua la ausencia de los campesinos. Ibidem, p. 151.
461
Ibidem, p. 196.

150


Nesta realidade, a figura do chacarero substitua o freqentemente idealizado
gaucho, marginalizado na nova formao social, assim como o ndio. Isso no significa
que a extenso do cultivo de cereais ocorresse s expensas da pecuria, pois a criao de
gado prosperava simultaneamente, dividindo muitas vezes a mesma propriedade com o
negcio agrcola
462
. Tomado em seu conjunto, o pampa argentino atravessou decnios
de expanso produtiva a partir do final do sculo XIX, cujo dinamismo expresso pelo
fenmeno dos golondrinas (andorinhas), trabalhadores italianos que cruzavam
sazonalmente o Atlntico para trabalhar na poca de colheita
463
.
No entanto, as caractersticas do desenvolvimento capitalista do campo
argentino impediram que esta imigrao massiva se convertesse em uma ocupao
efetiva do territrio nacional. Os entraves para o acesso propriedade da terra
464
,
conjugados elevada produtividade por trabalhador empregado nas atividades
fundamentais, em uma realidade na qual a pecuria requeria pouca mo-de-obra e a
agricultura mecanizada concentrava a demanda por braos no perodo de colheita,
reduziram as possibilidades de fixao dos imigrantes no campo. Neste contexto,

462
At the end of the nineteenth century and during the first two decades of the twentieth, a new wave of
agricultural expansion occurred in lands which had already been either totally or partially given to cattle
raising. One of the features of this process is that it did not lead to arable farming replacing cattle
raising; rather, the two complemented each other. The result was that on cattle ranches certain areas
were set aside for grain production and let out to tenant farmers, whose numbers thus greatly increased
during the period from 1885 to 1914. CORTS CONDE. Roberto. The growth of the Argentine
economy c.1870-1914. In: BETHELL, Leslie (Org.). The Cambridge History of Latin America.
Cambridge: Cambridge University Press, 1986, p. 332.
463
As investigaes de Eduardo Sartelli mostram que havia uma intensa migrao interna durante as
safras de trabalhadores provenientes do campo como da cidade - e que muitos golondrinas ficavam
mais tempo no pas. Eduardo Sartelli. Procesos de trabajo y desarrollo capitalista en la agricultura. La
regin pampeana, 1870-1940. Em: Razn y Revolucin, n 6, otoo de 2000.
464
A concentrao fundiria tem seu marco institucional republicano (mesmo que no intencional), nas
leis decretadas por Rivadavia nos anos 1820, que proibem a alienao da terra pblica adotando o sistema
de enfiteusis, de inspirao romana. Ver: ODDONE, Jacinto. La burguesia terrateniente. Buenos Aires:
Ed. Libera, 1967. Roberto Corts Conde relativiza as travas para o acesso terra, matizando a leitura
consagrada por autores como Oddone e Sergio Bag: The opinions of those who have supported this
thesis could be summed up as follows: in order to increase earnings from the rent of land the large
landowners restricted the supply of land by keeping it off the market; then they left the land they
monopolized uncultivated. But in fact the situation was far more complex; the purchase and sale of land
was far more fluid than supposed; and the size of estates, as well as the system of tenancy, was linked to
other circumstances related to the particular pattern of agricultural and pastoral development in the
region. In fact, it happened that whereas towards the end of the century large amounts of land were
becoming available as the railways created new links to the markets, there were still not enough farmers
prepared to work it. There was therefore, no limited resource nor an unsatisfied demand for land. In
contrast, during the second decade of the twentieth century, with twenty million hectares under
cultivation, new farmers would compete with the old for the best land in a situation where there was no
possibility of incorporating new land suitable for agriculture.Corts Conde. The growth of the Argentine
economy c.1870-1914. In: BETHELL, Leslie (ed.). The Cambridge History of Latin America. Cambridge:
Cambridge University Press, 1986, p. 333.

151

significativos contingentes de trabalhadores dirigiram-se para as cidades
465
, frustrando o
povoamento do deserto argentino acalentado por intelectuais e polticos nacionais ao
longo do sculo XIX
466
: (...) a imigrao massiva, que comeou como um movimento
para ocupar o deserto, terminou inchando as cidades.
467
Como resultado deste
movimento, a Argentina foi o primeiro pas do continente onde a populao urbana
ultrapassou a rural, transitando de 29% em 1869 para 53% em 1914. As principais
cidades do pas expandiram-se no perodo, no litoral como no interior, embora nenhuma
como Buenos Aires, que saltou de 181.838 habitantes em 1869 para 1.575.814 in 1914.
Neste mesmo lapso de tempo, a parcela da populao vivendo no litoral passou de 48%
para 72%, consolidando a primazia econmica da regio em relao ao interior do
pas
468
.
A alta produtividade por trabalhador nos pampas determinou um nvel de
salrios elevado em relao ao campo europeu, o que por sua vez, pressionou
positivamente os rendimentos do trabalhador urbano no pas
469
. Embora provavelmente
seja exagerado afirmar que o crescimento econmico atingiu igualmente a todos os
estratos sociais
470
, h indcios de uma significativa melhora na condio de vida dos
trabalhadores na Argentina no perodo, a despeito das crises intermitentes:

Admitindo que ocorreram importantes flutuaes ao longo destes 30
anos, os salrios reais aumentaram na Argentina durante este perodo
(1870-1910). No final deste perodo, um trabalhador podia adquirir

465
Las causas de esta relativa diversificacin de la estructura ocupacional y la importancia minoritaria
de la ocupacin en el sector agropecuario frente a la mano de obra ocupada en la manufatura y los
servicios obedece a los siguientes hechos fundamentales: la elevada produccin por hombre ocupado en
el sector agropecuario y la concentracin de la propiedad territorial. FERRER, op. cit., p. 140.
466
Consultar a respeito: HALPERIN DONGHI, Tulio. Una nacin para el desierto argentino. Prometeo
libros, Buenos Aires, 2005.
467
GALLO, Ezequiel. Argentina: society and politics, 1880-1916. In: BETHELL, Leslie (Org.) The
Cambridge History of Latin America. Cambridge: Cambridge University Press, 1986, (traduo nossa).
No original: (...) mass immigration, which began as a drive to fill the desert, ended by swelling the
towns.
468
CORTS CONDE, Roberto. The growth of the Argentine economy c.1870-1914. In: BETHELL,
Leslie (Org.). The Cambridge History of Latin America. Cambridge: Cambridge University Press, 1986,
p. 333.
469
FERRER, op. cit., p. 147. O mesmo autor aponta efeitos da concentrao fundiria que contrariam esta
tendncia: Por el otro lado, la concentracin de la propiedad territorial repercuti en el nivel de
remuneraciones del trabajo en las actividades urbanas. Su influencia se ejerci de dos maneras
principales: primero, aument la oferta de mano de obra disponible para los empleos urbanos con su
consiguiente efecto depresivo sobre el nivel de salarios; segundo, fij un bajo nivel de remuneraciones
alternativas en las actividades rurales debido a la falta de acceso a la tierra. Ibidem, p. 135.
470
The changes in peoples relative social position affected all strata of local society with equal
intensity. CORTS CONDE, Roberto. The growth of the Argentine economy c.1870-1914. In:
BETHELL, Leslie (Org.). The Cambridge History of Latin America. Cambridge: Cambridge University
Press, 1986, p. 366.

152

um tero a mais de bens e servios do que o seu equivalente cerca de
trs dcadas mais cedo
471
.

O dinamismo do setor exportador fomentou um desenvolvimento embrionrio
do mercado interno, estimulando a atividade econmica em zonas do interior que
forneciam gneros para o consumo litorneo. O fim das alfndegas internas e a
progressiva extenso ferroviria consolidou a integrao das regies do pas como um
mercado nacional, sob a gide de Buenos Aires
472
. Embora a racionalidade da economia
exportadora seja contrria ao protecionismo industrial, a prpria intensidade do
crescimento incentivou a evoluo de manufaturas
473
e servios
474
, resultando em uma
diferenciao econmica que incidiu na complexidade do padro de estratificao
social. Assim, a polarizao entre proprietrios e no-proprietrios rurais que marcava a
sociedade argentina desde a emancipao foi modificando-se, na medida em que
emergiam estratos mdios na cidade como no campo
475
, conseqncia do
desenvolvimento do comrcio, dos servios pblicos, das profisses liberais e do
empreendedorismo rural. Ao mesmo tempo, os avanos da construo civil, da
manufatura e do assalariamento rural, alm da extenso ferroviria e porturia
476
,

471
Ibidem, p. 340 (traduo nossa). No original: Allowing for important fluctuations which occured over
the 30 years, real wages in Argentina increased during this period (1870-1910). Towards the end of the
period, a worker could acquire a third more goods and services than his equivalent some three decades
previously.
472
El ferrocarril integr a todas las regiones argentinas en el mercado nacional y este hecho provoc la
desarticulacin definitiva de las viejas economas cerradas y autosuficientes. Pero, al mismo tiempo,
abri en algunas de ellas posibilidades de desarrollo que, si no llegaron a compensar la prdida de
importancia relativa del Interior, provocaron el surgimiento de actividades expansivas y destinadas a la
satisfacin de la demanda interna que ahora es, autnticamente, la demanda nacional. ste es el caso del
desarrollo de la caa de azcar en Tucumn y Jujuy, de los viedos en Cuyo, de la produccin de frutas
en el Alto Valle del Ro Negro, del algodn en Chaco y Formosa y de la yerba mate en Misiones.
FERRER, op. cit., p. 150.
473
La formacin del mercado nacional consum la subordinacin del Interior al tiempo que abri
algunas posibilidades de desarrollo en algunas provncias, en lneas de produccin orientadas hacia el
mercado interno. Ibidem, p. 149.
474
Se trataba encontoces, de una economa cuyo nexo con el mercado internacional se hallaba en un
agro extensivo pero cuyo dinamismo era tal que poda generar excedentes en grado suficiente como para
estimular el acentuado desarrollo de la industria, el comercio y los transportes. A consecuencia de esto
la fuerza de trabajo se concentr en ocupaciones no rurales, siendo su resultado que ya en vsperas de la
primera guerra mundial la poblacin de la Argentina fuese predominantemente urbana. BORN &
PEGORARO, op. cit., p. 177.
475
All these figures point to a very marked process of upward mobility, which reached its greatest extent
in the urban areas and the cereal-growing region.One consequence of this process of social mobility was
the great expansion of the middle sectors of society. CORTS CONDE, op. cit., p. 366.
476
The labour movement of that period had two principal centers: first, the big ports, at that time true
emporia of labor, in which the most varied activities and occupations were closely interconnected. Later,
the network of transport and related industries which grew up around the principal railway centres
became the second centre.GALLO. Op. Cit., p. 370.

153

sinalizavam para a constituio de uma classe operria, sugerindo novos horizontes de
organizao dos trabalhadores.
Assim, se as transformaes encetadas pelo dinamismo do setor exportador no
alteraram a estrutura da concentrao fundiria nem a natureza dependente dos nexos da
economia argentina com o mercado mundial, acarretaram mudanas substantivas no
padro de estratificao social, que exigiam inovaes correspondentes no plano
poltico. A emergncia de novos atores sociais, resultado da diferenciao econmica,
pressionava pela superao das formas da poltica tradicional, apontando para
modalidades mais modernas e democrticas. Em outras palavras, o padro de
dominao oligrquico, que Juan B. Justo batizou como poltica criolla, entrava em
contradio com a sociedade gestada sob o seu prprio comando:

Los hombres del rgimen del ochenta marcharon por este camino.
Conservaron las instituciones de la repblica restrictiva; abrieron
con pasin las puertas a la inmigracin, al capital y a la cultura
universal. Defendieron un orden poltico conservador; alentaron el
desarrollo de una sociedad ms igualitaria. (...)Montaran una
mquina productora de decisiones pblicas para transformar el
contorno y el mismo se volvi, luego, en contra de aquella, portando
una amenaza de desborde. Al principio, los fundadores tuvieron que
lidiar con un espacio disregrado; despus, cuando el espacio
adoptaba una fisonoma ms unificada, vieron crecer valores
antagnicos los de la sociedad y los de la poltica sin puentes de
comunicacin que pudieran vincularlos
477
.



Este desajuste entre a modernizao das relaes econmicas e o atraso das
formas polticas na Argentina do final do sculo XIX ou dito em chave marxista, esta
contradio entre infraestrutura e superestrutura -, est na raiz dos movimentos golpistas

477
A passagem completa: Esta es la contradiccin que de manera explcita propona la frmula
alberdiana: la tradicin y el orden quedaban reservados a la poltica; el progreso y la democratizacin
social, a los cambios que deban sobrevenir la sociedad civil. Los hombres del rgimen del ochenta
marcharon por este camino. Conservaron las instituciones de la repblica restrictiva; abrieron con
pasin las puertas a la inmigracin, al capital y a la cultura universal. Defendieron un orden poltico
conservador; alentaron el desarrollo de una sociedad ms igualitaria. Todava reforzaron este propsito
y pusieron en prctica una ley de educacin comn, de formidable ambicin para su poca, que creaba
nuevas oportunidades de ascenso social. Afirmaron el poder del Estado, al mismo tiempo que no
establecieron la legitimidad de las instituciones. Montaran una mquina productora de decisiones
pblicas para transformar el contorno y el mismo se volvi, luego, en contra de aquella, portando una
amenaza de desborde. Al principio, los fundadores tuvieron que lidiar con un espacio disregrado;
despus, cuando el espacio adoptaba una fisonoma ms unificada, vieron crecer valores antagnicos
los de la sociedad y los de la poltica sin puentes de comunicacin que pudieran vincularlos.
BOTANA, Natalio. El Orden Conservador. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 1977, p. 223.

154

que sacudiram o pas na esteira da crise econmica do incio dos anos 1890
478
,
delineando o contexto em que formam-se, contemporaneamente, a Unin Cvica
Radical e o Partido Socialista como instrumentos concorrentes neste processo de
renovao.


3.2) JUAN B. JUSTO E A REFORMA SOCIALISTA

O radicalismo argentino originou-se de uma defeco no interior da classe
dominante, congregando distintas faces da provncia de Buenos Aires fiis tradio
poltica do autonomismo e excludas dos cargos pblicos e do acesso ao clientelismo
estatal, que se levantou contra o presidente Jurez Celman en 1890. Assim, o
movimento teve origem patrcia, atraindo sobretudo estudantes rebeldes da aristocracia
criolla.

No havia um corte de classe no radicalismo, que contava com proeminentes
proprietrios de terra na sua direo. A novidade aportada era antes ttica: apostava na
mobilizao da populao urbana a seu favor, sem dispensar o concurso de militares que
deveriam concretizar o golpe.
Este recurso violncia, quando se materializou, no foi apoiado por ao menos
um dos dirigentes da Unin Cvica de la Juventud, organizao germinal do radicalismo
argentino. Nascido em 1865 no bairro de San Telmo em Buenos Aires, Juan B. Justo
ingressou em 1876 no Colegio Nacional de Buenos Aires
479
graas ao apoio
incondicional de sua me, mas contrariando a vontade paterna, que desejava encaminh-
lo s atividades agrcolas, como ele prprio
480
. Em seguida, cursou medicina,

478
Sobre o levante em 1890: La crisis econmica que desencaden el mpetu transformador del
gobierno de Jurez, los viejos antagonismos que permanecan latentes desde haca ya diez largos aos y
los desmembramientos parciales que aquejaron al autonomismo, convergieron, todos ellos, en una
coalicin opositora donde participaron fuerzas polticas de diferente signo: el partido liberal de
tradicin mitrista; los dirigentes alejados del tronco autonomista con motivo de las elecciones del 86; la
Unin Catlica de Estrada, Goyena y otros que se haba organizado en tiempos de las querellas
originadas por las leyes laicas; y, por fin, un grupo de antiguos militantes, fieles a la tradicin populista
del autonomismo bonarense, donde sobresalan Leandro N. Alem e Hiplito Yrigoyen. A ellos se sumaron
sectores juveniles que fundaron la Unin Cvica de la Juventud y dieron nombre al nuevo
agrupamiento. Ibidem, p.164-5. Embora derrotado, o movimento golpista derrubou o presidente Jurez
Celman, substitudo por Carlos Pellegrini.
479
Vinculada aos jesutas, a escola viveu um perodo de abertura e renovao sob a direo de Amadeo
Jacques, exilado por Napoleo III e convidado pelo presidente Bartolom Mitre para dirigir a instituio.
Embora o educador francs fosse falecido quando Justo ingressou na escola, seu projeto mantinha-se
como referncia pedaggica.
480
(...) su abuelo paterno era dueo de la mayor refinara de maz dle pas y su madre posea
propiedades en la ciudad de Buenos Aires, pero la situacin econmica familiar se fue volviendo

155

graduando-se com distino, o que lhe valeu uma viagem de estudos Europa em
1888
481
. Durante esta experincia tomou contato com as tradies socialistas do velho
mundo, inclusive com a obra de Karl Marx
482
, aguando sua sensibilidade para a
questo social
483
. De volta a Buenos Aires em 1890, comeou a trabalhar como mdico
e a lecionar Clnica Cirrgica na Faculdade de Medicina. Neste perodo vinculou-se
Unin Cvica de la Juventud, mas se ops tentativa de golpe com apoio militar
realizada neste mesmo ano, atuando apenas como mdico em atendimento aos feridos
nos combates
484
.
A subverso radical no era a nica expresso das mudanas sociais em curso
naquele momento no pas: atravs dos anos 80 registraram-se 48 greves, metade das
quais movida por aumento de salrios, sintoma de uma combatividade crescente dos

desfavorable a medida que el nio y sus hermanos crecieron. TARCUS, Horacio. Marx en la Argentina.
Buenos Aires: Siglo XXI, 2007, p. 365.
481
En 1888, recibi su ttulo de doctor en medicina con notas sobresalientes. Su tesis de graduacin,
que cont con la tutora del doctor Ignacio Pirovano, se titulaba: "Aneurismas arteriales quirrgicos" y
fue calificada por el decano de la facultad de medicina, Dr. Avelino Gonzlez, como "el estudio ms
acabado y perfecto que puede hacerse sobre el tema". El doctor Justo era un gran investigador y un
innovador. Introdujo en nuestro pas las prcticas antispticas en las operaciones quirrgicas y el uso de
la cocana como anestsico. Por sus investigaciones, la Facultad de Medicina lo premi con la medalla
de oro, y le otorg, adems, con un viaje de estudios por las principales capitales europeas. Tena
apenas 23 aos. PIGNA, Felipe. Biografia de Juan B. Justo. Em:
<http://www.elhistoriador.com.ar/biografias/j/justo.phpdisponvel no site elhistoriador.com.ar.> Acesso
em: 28/8/2007.
482
Outras leituras de Justo nos anos seguintes: En 1893 lee a Marx en la versin de Das Kapital que en
1892 se ha editado en Hamburgo, y a Adam Smith en su Nature and causes of the wealth of nations, A
Spencer lo ha ledo ya. En 1888 ha ledo en francs la Introduccin a las ciencias sociales. Al ao
siguiente, en francs tambin, Los primeros principios. Dos aos despus, en ediccin espaola, los
Estudios politicos y sociales (...) En el ao en que ha ledo Das Kapital se detiene en los Principles of
Ethic y Principles of Sociology spencerianos. Los Cours de Phhilosophie positive los lee en 1892 al
tiempo que LAvenir de la Science de Renn. El 88 ha buscado a Montesquieu en LEsprit des Lois; el 90
a Tocqueville en De la Democratie en Amrique; el 91 a Taine en Philosophie de lart. El 94 leer
Political Economy de J. R. M`Culloch y The evolution of modern capitalism de John A. Hobson. El 95,
los Principles de David Ricardo. CNEO, Dardo. Juan B. Justo y las luchas sociales en la Argentina.
Buenos Aires: Ediciones Solar, 1997, p. 74.
483
Escreve em uma carta: Hubo una poca en mi vida en que pasaba el da en el hospital con los
enfermo, los lisiados, los invlidos, las vctimas variadas de la miseria, de la explotacin. Vala la pena
empearse tanto en conservar esas vidas, fatalmente condenadas a un vil sufrimiento? Gradualmente
comprend que haba mucho de estril e indigno en mi tarea, que aquello tena algo de fantico y
unilateral. No era ms humano ocuparse de evitar en lo posible tanto sufrimiento y tanta degradacin?
Y pronto encontr en el movimiento obrero el ambiente propicio a mis nuevas y fervientes aspiraciones.
In: PIGNA, op. cit.
484
Posteriormente, diria: Toda mi experiencia juvenil recordar en 1920 me llev a mirar con odio y
repugnancia la intromisin de la fuerza militar en la politica y a convencerme de que lo fundamental era
promover corrientes de opinin que prescindieran por completo del elemento militar. En Europa haba
seguido de cerca la aventura cesarista del famoso general Boulanger, que fracas miserablemente. Em:
CNEO, op. cit., p. 53. Este pacifismo de Justo no circunstancial: seria um dos elementos que o
aproximaria de Jean Jaurs quando se conheceram no congresso da II Internacional em Copenhague em
1910 e que resultaria no convite, aceito pelo francs, para que visitasse a Argentina e proferisse uma srie
de conferncias, depois publicadas. JAURS, Jean. Conferencias. Pronunciadas en Buenos Aires por el
socialista francs. Prlogo de Juan B. Justo. Buenos Aires: La Vanguardia, 1911.

156

trabalhadores. Dentre os setores organizados, encontravam-se pedreiros, gesseiros,
padeiros, ferrovirios, estivadores e carpinteiros
485
. Nesta conjuntura, na qual o
enfrentamento da poltica criolla corria em paralelo a uma notvel vitalizao da
organizao trabalhadora, a sensibilidade poltica de Justo orientou-se para o ambiente
proletrio e militncia socialista
486
, afastando-se da Unin Cvica por discordncias de
mtodo, programa, forma de organizao e orientao de classe
487
. Germinados em um
mesmo contexto e em oposio mesma poltica oligrquica, radicais e socialistas
afirmariam-se como organizaes concorrentes nos decnios seguintes
488
.


Apesar do desenvolvimento capitalista relativamente recente da Argentina, a
pregao socialista lastreava-se na acelerada expanso econmica em curso
489
, em uma
circunstncia em que a imigrao transatlntica impulsionava a difuso do iderio

485
GODIO, Godio. Histria del Movimiento Obrero Latinoamericano. Buenos Aires: El Cid Editor,
1979.
486
Retrospectivamente, Justo descreve com as seguintes palavras a sua converso: Hubo una poca en
mi vida cuando sala todas las maanas del hospital, despus de pasar media jornada entre los enfermos,
los lisiados, los invlidos, las vctimas variadas de la miseria, de la fatiga, de la explotacin y del
alcohol. Y cuando se hubo apagado algo en m el orgullo del artfice que opera en carne de hombre, del
obrero cuya m ateria prima son los tejidos humano, cierto da, al retirarme fatigado, empec a
preguntarme si aquella lucha contra la enfermedad yu la muerte que absorba todas mis fuerzas era la
mejor, lo ms inteligentemente humano que poda yo hacer (...) Vala la pena empearse tanto en
conservar esas vidas fatalmente condenadas a un vil sufrimiento? Gradualmente comprend que haba
mucho de estril e indigno en mi tarea, que aquella atencn al cuidado de cuerpos humanos lisiados y
doloridos tena en s algo de fantico y unilateral. No era ms humano ocuparse de evitar en lo posible
tanto sufrimiento y tanta degradacin? T como conseguirlo sin iluminar la mente del pueblo todo, sin
nutrirlo con la verdad cientfica, sin educarla para ms altas formas de convivencia social? Y la obra
humana, la obra necesaria, se me present entonces como un infinita siembra de ideas, com un inmenso
germinar de costumbres, que acabaran con el dolor estril y dieran a cada ser humano una vida digna de
ser vivida. Y pronto encontr en el movimiento obrero el ambiente propicio a mis nuevas y mas fervientes
aspiraciones. JUSTO, Juan B. La realizacin del socialismo. Buenos Aires. La Vanguardia, 1947, p.
273.
487
Estas diferenas sero detalhadas adiante neste trabalho.
488
A Unin Cvica Radical constituda em 1891 a partir da diviso provocada pela adeso da ala
mitrista da Unin Cvica ao governo. A faco mitrista fica conhecida como Unin Cvica Nacional e a
ala radical toma este nome a partir da declarao de Leandro Alem contrria ao acordo com o governo
yo no acepto acuerdos, soy radical en contra del acuerdo, soy radical intransigente. Ver: BOTANA,
Natalio & GALLO, Ezequiel. Introduo a: ______ (Org.). De la Repblica posible a la Repblica
verdadera (1880-1910). Buenos Aires: Ariel, 1997.
489
O primeiro editorial do peridico socialista La Vanguardia, datado de 7 de abril de 1894, iniciava-se
com as seguintes linhas: Este pas se transforma. A la llanura abierta e indivisa con el aspecto y en
cierta mdida las funciones de una propiedad comn, han sucedido los campos cercados, que pronto
abarcarn toda la superficie utilizable. La gran agricultura se desarrolla donde hace veinte aos eran
cultivadas por sus deueos unas pocas chacras. El ferrocarril ha muerto a las carretas. Los grandes
puertos han suprimido la mayor parte del cabotaje. El Mercado Central de Frutos reemplaza a las
antiguas barracas. Hasta la industria con ser tan rudimentaria, sufre una modificacin idntica. En
Buenos Aires las fbricas de calzado y de sombreros, las grandes herreras y carpinteras suprimen la
mayor parte de los pequeos talleres de esos ramos; en Tucumn el trapiche desaparece ante los grandes
ingenios de azcar, y en Santa Fe se multiplican los molinos de cilindros, donde nunca haba habido ni
tahonas. Junto con esas grandes creaciones del capital, que se ha enseoreado del pas, se han
producido en la sociedad argentina los caracteres de toda sociedad capitalista. JUSTO, Juan B. La
realizacin del socialismo. Buenos Aires. La Vanguardia, 1947, p. 21.

157

progressista europeu no continente
490
e o anarquismo disputava com o socialismo a
adeso ideolgica dos trabalhadores mais combativos, como ocorria no Velho Mundo.
Assim, quando em Paris reuniu-se o Congresso Socialista Internacional em 1889,
grupos operrios no pas responderam ao seu chamado, lanando a campanha pela
jornada de 8 horas dirias de trabalho. No ano seguinte, realizou-se em Buenos Aires a
primeira celebrao do 1 de maio, mobilizada pelo clube alemo Vorwerts,
congregando cerca de 3.000 pessoas no Prado Espaol. Neste mesmo ano, sob a
liderana do imigrante alemo Germn Av Lallemant
491
, iniciou-se a publicao do
peridico El Obrero. neste contexto, no qual a ascenso da organizao e
reivindicao dos trabalhadores conflui com a fissura nos padres de mando da poltica
criolla, que aparecer em 1894 o peridico La Vanguardia
492
editado por Juan B. Justo,
ncleo a partir do qual se constituir o Partido Socialista em 1896
493
.

490
La historia del socialismo latinoamericano en el siglo XIX, tal como se ha producido, empieza con
inmigrantes de Europa despus de 1848 y entra en su segunda etapa con la llegada de ms refugiados
socialistas y anarquistas despus de la Comuna de Paris de 1871. G. D. H. Cole. Historia del
pensamiento socialista. La segunda internacional (1889-1814). Mxico: FCE, 1974, Vol. IV, 1a parte, p.
275.
491
Engenheiro metalrgico e mineiro, na Argentina que Lallemant se aproxima do marxismo, por
correspondncia direta ou por obras de difuso, quando j tem mais de 50 anos idade. Instalado na remota
San Luis, presenta ante todo la figura de un sabio, un economista, un cientifico, un filsofo, cuya
ruptura con el medio social parece ser el resultado de una decisin tico-cientfica. Secretrio da
recm-criada Unin Cvica Popular (depois Unin Cvica Radical), em 1890 se muda para Buenos Aires
onde funda o peridico El Obrero e realiza o primer escorzo de una interpretacin marxista de la
formacin social argentina. TARCUS, op. cit., p. 227. Suas anlises convergiro com as de Justo em
muitos aspectos, mas diferem em um ponto fundamental: enquanto o socialista portenho sempre
identificou na Unio Cvica uma continuidade da poltica criolla, Av Lallemant projetava nos radicais a
possibilidade de cumprir uma etapa capitalista que deveria anteceder ao comunismo no pas. PLA,
Alberto J. Orgenes del Partido Socialista Argentino. Buenos Aires: Cuadernos del Sur, 4.
492
A partir de 1896, Justo assinou o peridico do Partido Socialista alemo Die Neue Zeit, dirigido por
Kautsky, reproduzindo frequentemente artigos estrangeiros em La Vanguardia. El inmediato contacto de
Justo con ese material ejemplifica su grado de acercamiento al debate socialista mundial. FRANZ,
Javier. El concepto de poltica en Juan B. Justo. Buenos Aires: Centro Editor de Amrica Latina, 1993, t.
1, p. 19. Caracterstico o depoimento do correligionrio Enrique Dickman sobre o nome do jornal: Me
contaba el doctor Justo que l haba pasado su ms tierna infancia en la frontera de los indios, entre
Tapalqu y Las Flores, en un fortn llamado La Vanguardia, que era una avanzada de la civilizacin
opuesta a la barbarie; y como la empresa periodista que se iba comenzar empezaba tambin en la
frontera poltica de los indios, llam a nuestro diario La Vanguardia, como smbolo de un nuevo fortn
de civilizacin. Apud: TARCUS, op. cit., p. 308.
493
Hay una disputa sorda entre los memorialistas y historiadores del socialismo argentino por la fecha
de fundacin de su partido: algunos lo hacen nacer tempranamente, en diciembre de 1892; otros se
remiten a abril de 1894, fecha de aprobacin del primer Programa del Partido Socialista; otros a
octubre de 1895, fecha de la Convencin del Partido Socialista Obrero Internacional y otros, finalmente
como Oddone, autor de la interpretacin cannica -. establecen como fecha constitutiva junio de 1896.
En verdad, la formacin del Partido Socialista de la Argentina es el resultado de un proceso de
convergencia y potenciacin recproca entre distintos grupos que comienza a fines de 1892, con la
formacin de la Agrupacin Socialista de Buenos Aires y concluye en junio de 1896, con el llamado
Congreso Constituyente del Partido Socialista Obrero Argentino. TARCUS, op. cit., p. 342.

158

Principal liderana poltica e ideolgica do partido desde a fundao at a sua
morte (1928), Justo imprimir, atravs de uma trajetria incansvel e intransigente nos
seus princpios, a marca fundadora do socialismo argentino. Como figura pblica,
dirigiu a organizao que elegeu o primeiro deputado e o primeiro senador socialista das
Amricas
494
, ocupando tambm pessoalmente diversos postos parlamentares
495
. Alm
da atuao na poltica nacional, Justo vinculou-se ativamente II Internacional
Socialista, participando como delegado de congressos em Copenhague em 1910 e em
Berna e Amsterd em 1919.
No plano intelectual, o socialista argentino autor da primeira traduo de O
Capital de Karl Marx para o castelhano, publicada em 1898. Alm dos diversos
panfletos que escreveu, realizou no livro Teora y Practica de la Historia (1909) um
esforo pioneiro de anlise sistemtica dos problemas histricos desde uma perspectiva
democrtica na Amrica Latina. Nesta obra esto consignadas as premissas que
fundamentam a sua interpretao do sentido do movimento histrico, que serviro como
referncia ideolgica da atuao do Partido Socialista durante o lapso de vida da sua
figura dominante.


a) VISO DE JUSTO SOBRE A FORMAO ARGENTINA

Juan B. Justo inscreve a formao argentina nos marcos de um processo de
integrao propulsionado pelo desenvolvimento tcnico-econmico em escala mundial,
destinado a dissolver a cooperao forada como relao de trabalho prevalente no
capitalismo, estabelecendo progressivamente, em seu lugar, a livre cooperao e o
socialismo. Seu pensamento est marcado pelo evolucionismo caracterstico de
correntes ideolgicas do sculo XIX que procuram uma convergncia entre biologia e
histria, ao mesmo tempo em que informa-se por uma leitura da histria difundida pelo
materialismo histrico, assim como pelo seu vocabulrio. No plano da tradio poltica
nacional, Justo revela-se tributrio do legado de Domingos Faustino Sarmiento (1811-

494
Respectivamente, Alfredo Palacios em 1904 e Enrique del Valle Iberlucea em 1913.
495
Neste mesmo ano sua esposa falece no parto do stimo filho e Justo muda-se para a casa da me, que
assumir o cuidado das crianas. Justo voltar a se casar com Alicia Moreau, uma descendente de
exilados da Comuna de Paris em 1920, com quem ter trs filhos.

159

1888)
496
, de quem adota os aspectos democrticos relacionados reforma agrria e aos
direitos polticos dos imigrantes, mas tambm a dicotomia civilizao X barbrie,
identificando a formao da nao com a plena incorporao ao padro civilizatrio
ocidental. Forjada no ambiente de expanso econmica e acelerada transformao do
pas, a viso de Justo da formao argentina est imbuda de uma crena no poder
civilizatrio do progresso que marca a poltica platina coeva e conduz a um eclipse da
questo nacional como problema histrico.

i. enquadramento cientfico
Juan B. Justo organiza as premissas ideolgicas que fundamentam os primeiros
decnios de militncia socialista argentina no livro Teora y Practica de la Historia,
publicado em 1909. Nesta obra, o pensador portenho ensaia uma interpretao do
sentido do movimento histrico universal, detendo-se nos elementos polticos e
econmicos que determinariam a evoluo do capitalismo em direo ao socialismo. Ao
centrar sua anlise nas condies e instrumentos da luta poltica contempornea na
Europa, Justo deixa implcito que tem como horizonte para a Argentina a sua
incorporao ao padro civilizatrio do capitalismo central, integrando-se a um
processo histrico que, na sua viso, conduzir ao socialismo.
Seu pensamento est assentado na premissa humanista de que todo ser humano e
suas respectivas sociedades partilham de um substrato comum. Nesta perspectiva, o
sentido da histria seria diluir as diferenas sociais afirmando a unidade da
humanidade
497
, afianada pela primazia da razo sobre o instinto, o que, na chave de
Justo, significa o triunfo da histria sobre a biologia.
Em consonncia com a preocupao cientificista em voga na virada do sculo
XIX, o primeiro movimento do livro estabelecer as relaes entre biologia e histria.
Sua proposio fundamental que a histria tem uma base biolgica, lastreada em um
suposto movimento de expanso da matria que encontra referncia elementar no
protoplasma, mas que, no caso humano, revela uma peculiaridade: a tendncia

496
H uma volumosa a bibliografia sobre Sarmiento e seu lugar no pensamento argentino do sculo XIX.
Limitamo-nos a apontar trs obras teis para os propsitos deste trabalho: HALPERIN DONGHI, Tulio.
Una nacin para el desierto argentino. Buenos Aires: Prometeo libros, 2005. SCHUMWAY, Nicolas. La
invencin de la Argentina. Histria de una idea. Buenos Aires: Emec, 2002; WEINBERG, Flix. Las
ideas sociales de Sarmiento. Buenos Aires: Eudeba, 1988.
497
Concebimos que los habitantes de la Tierra lleguen algn da a formar un solo conglomerado, lo que
est ya realizado en parte por el comercio universal. JUSTO, Juan B. Teora y Practica de la Historia.
Buenos Aires: Ediciones Libera, 1969, p. 23.

160

expansiva da espcie expressa-se antes atravs do progresso da tcnica do que pela
evoluo natural. Como decorrncia, as leis da evoluo humana transcendem o
domnio da biologia para situar-se no campo da histria
498
, abrindo, como possibilidade,
subordinar um processo natural aos desgnios da razo
499
: (...) el cuerpo del hombre
evoluciona mucho menos que su tcnica, sus medios y mtodos de trabajo. Hemos
adquirido el poder de salvar rpidamente grandes distancias sin que para ello hayamos
echado alas ni se hayan modificado la estructura ni las funciones de nuestras
piernas
500
.
A chave da simultnea subordinao e diferenciao da histria em relao
biologia o trabalho humano. Na viso de Justo, ao mesmo tempo em que movido
pela necessidade biolgica de produo e reproduo da espcie, o trabalho encontra
sua expresso por excelncia no desenvolvimento da tcnica
501
, configurando um
domnio do conhecimento parte
502
. A constituio deste mundo tcnico-econmico
seria uma singularidade da espcie humana, pedra fundamental da diferenciao entre
biologia e histria: La Historia empieza cundo y dnde sobre el mundo fsico-
biolgico, en que entran tambin los hombres, se desarrolla el mundo tcnico-
econmico, en que entran tambin las cosas
503
.
O prprio ponto de partida do progresso tcnico, identificado por Justo com o
aumento da populao, aponta para o terreno da biologia, ainda que seu argumento
adicione uma preocupao sociolgica, enfatizando a necessidade de aliar populao e
tcnica, caso contrrio: (...) mayor poblacin significa necesariamente mayor

498
Todo lo que sucede sigue un orden regular ley Como podra substraerse la evolucin humana al
orden que descubrimos en el desarrollo entero del Universo? Ibidem, p. 7. Las leyes de la vida son las
leyes ms generales de la Historia. Ibidem, p. 14.
499
Con el conocimiento de las leyes de la Historia, pierde sta su carcter a la vez rutinario y
catastrfico, para convertirse en un desarrollo ordenado, en una prctica calculada y metdica.
Ibidem, p. 27.
500
Ibidem, p. 28.
501
(...) este trabajo intencional, que en sus variadsimas formas y aplicaciones adapta el ambiente
fsico-biolgico a nuestras necesidades, es lo que llamamos tcnica. Ibidem, p. 56.
502
(...) sobre el ambiente fsico-biolgico le superpone el mundo tcnico-econmico. Ibidem, p. 54.
503
O desenvolvimento tcnico , em ltima anlise, referido ao darwinismo: Inmensa superioridad para
la lucha por la vida dan al hombre la tcnica y la cooperacin. Ibidem, p. 28. Assim como a premissa
metodolgica do materialismo histrico que menciona: La produccin y reproduccin de la vida real es,
en ltima instancia, el elemento determinante de la Historia, ha dicho Engels, frmula que podemos
aceptar como expresin del fundamento biolgico de las sociedades humanas. Ibidem, p. 27. No
entanto, Justo rejeita enfaticamente raa como critrio sociolgico, embora possa admiti-la como
categoria cientfica, ainda que insatisfatria: Para tal etnlogo no hay ms que 2 razas humanas, para
tal otro, ellas son por lo menos 63! No se puede basar nada slido sobre arenas tan movedizas. Ibidem,
p. 25. Desconfiemos de toda doctrina poltica basada en las diferencias de sangre, uno de los ltimos
disfraces cientficos de que se han revestido los defensores del privilegio. Ibidem, p. 26. Refuta
igualmente o preconceito tnico: Es por inferioridad tnica que se extinguen el fuerte iroqus y el noble
araucano, minetras sobreviven las poblaciones indgenas de Mxico y del Per? Ibidem, p. 26.

161

miseria
504
. Esta centralidade da demografia remete a um motivo recorrente no
pensamento argentino atravs do sculo XIX
505
que, embora reaparea casada a uma
apropriao da tcnica
506
, revela um trao caracterstico da fundamentao terica do
pensador socialista: a indiferenciao entre natureza e histria, conduzindo percepo
de que o capitalismo contradiz a natureza. Esta noo est subjacente sua leitura da
propriedade privada como bice da realizao do homem de um ponto de vista
orgnico, ou seja, da produo e reproduo da espcie
507
: (...) este domnio exclusivo
de cierta clase de personas sobre el medio fsico-biolgico y los tiles y materiales de
trabajo transtorna las condiciones de la lucha por la vida
508
.
Em suma, apesar do cientificismo que caracteriza a argumentao de Justo, a
constatao de que, na espcie humana, a ao da biologia subordina-se histria
509

mitiga qualquer espcie de determinismo, abrindo o campo para a luta poltica, invocada
para restabelecer, atravs da afirmao da razo, a harmonia entre biologia e histria
510
.
Nesta perspectiva, a misria um problema social que ser superado quando o povo
estiver apto a lutar pela vida, reorganizando as relaes de trabalho para livrar-se de
toda forma de opresso
511
.

504
Ibidem, p. 58.
505
Ver a respeito: HALPERIN DONGHI, Tulio. Una nacin para el desierto Argentino. Buenos Aires:
Prometeo Libros, 2005.
506
possvel contrastar Justo com Juan Bautista Alberdi, autor da consagrada mxima: gobernar es
poblar. Em Justo: No hay desarrollo posible de la tcnica sin inteligencia despierta; no basta para el
progreso en el trabajo el aumento de la poblacin. JUSTO, Juan B, op. cit., p. 57. A projeo de
Alberdi para a Argentina delineada em: ALBERDI, Juan Bautista. Bases. Puntos de partida para la
organizacin poltica de la Repblica Argentina. Buenos Aires: Coleccion Claridad, sem data.
507
(...) proletarios tienen que afrontar la lucha por la existencia en condiciones muy desvantajosas y no
alcanzan, en general, sino a una vida corta y un desarrollo individual incompleto. Ibidem, p. 28.
508
Como creer que el crecimiento de las sociedades humanas slo est limitado por los medios de
subsistencia, cuando vemos en ellas el nico ejemplo de parasitismo social que nos ofrece el mundo
vivo? Ibidem, p. 36. Para comprovar seu ponto de vista, Justo arrola uma srie de dados explicitando os
nexos entre distribuio da riqueza e reproduo social, abordando desde a condio das moradias dos
trabalhadores at sua dieta, da taxa de natalidade entre os ricos at a prostituio, exerccio que conduz,
en passant, a uma demolidora crtica das teses malthusianas.
509
Encontramos, pues, condicionada la accin de los principios biolgicos en la especie humana por las
actividades intencionales del hombre (...) E mais adiante: (...) no reflejan sino mediata e
indirectamente las leyes de la biologa; La riquezano es inquiladora de vida sino por la inconsciencia
con que la acumulamos y manejamos. Ibidem, p. 50.
510
Ms all de su mayor o menor contribucin a la prctica mdica y partidaria, de sus afanes para
resolver la cuestin agraria, cabe destacar, frente a quienes han afirmado lo contrario, su alejamiento de
las posturas hegemnicas en cuanto a concepcin de las ciencias y del cientfico, la tcnica, la economa,
la historiografa o las razas. BIAGINI, Hugo. Juan B. Justo ante la condicin humana. Versin digital
revisada en 2004. Disponvel em: <http://www.ensayistas.org/critica/generales/C-H/argentina/justo.htm>
Acesso em: 30/07/2007.
511
En ltimo trmino, toda miseria colectiva puede ser explicada por la incapacidad del pueblo para la
lucha colectiva por la vida, para aumentar sus medios de subsistencia en proporcin a las crecientes
necesidades, organizando el trabajo de modo productivo y librndose de toda expoliacin nacional o
extranjera. JUSTO, Juan B, op. cit., p. 41

162


ii. movimento da histria
Tributrio da tradio do pensamento argentino marcada pela dicotomia entre
civilizao e barbrie
512
, Justo identifica o progresso nacional com a insero do pas no
movimento da histria ocidental, cujo motor o desenvolvimento das foras produtivas
comandado pelos pases do capitalismo central. A valorizao da tcnica como
parmetro e motor do desenvolvimento civilizatrio est, segundo a percepo do
prprio socialista argentino, na base da sua afinidade intelectual com a obra de Karl
Marx, que enfatiza a centralidade das relaes de produo para a interpretao
histrica
513
: (...) el fundamento tcnico de la evolucin humana ha sido descubierto
por Marx en la historia moderna (...)
514
.
Adotando uma leitura da histria de inspirao marxista, em que o
desenvolvimento tcnico faz a mediao entre histria e biologia, Justo matiza a
contradio entre capitalismo e natureza face s tendncias de expanso e unificao da
economia mundial inerentes evoluo deste modo de produo. Na sua perspectiva, a
difuso da tcnica um processo horizontal, apontando para uma aproximao entre os
homens, atravs de um movimento de integrao econmica que tende a borrar as
fronteiras nacionais, estabelecendo a integrao mundial, baseada em supostos racionais
que ensejam o aproveitamento das potencialidades produtivas de cada regio. Como
consequncia, Justo interpreta a diviso internacional do trabalho como um elemento
de progresso, extenso do processo histrico de especializao do trabalho que est na
raiz do desenvolvimento tcnico, consoante com os pressupostos biolgicos da histria:

512
A similaridade da matriz ideolgica de Justo e Sarmiento, principal referncia sobre a oposio entre
civilizao e barbrie no pensamento argentino, evidencia-se na interpretao sobre o lugar do gaucho na
formao argentina: Los gauchos defendan el terreno que pisaban; luchaban a su modo por la libertad.
Su resistencia sin embargo, fracas. Por que fracas? Porque eran de una incapacidad economica
completa; su insurrecin, puramente instintiva, no tenda ms que a dejar las cosas como estaban, a un
imposible statu quo, que les permitieraseguir viviendo como haban vivido hasta entonces. Su triunfo
hubiera significado el estancamiento econmico del pas, su aislamento del resto del mundo,
revolcuionado ya entonces por el vapor y la electricidad. Si los gauchos hubieran vencido a la burguesa
argentina, este pas hubiera sido por algn tiempo un gran Paraguay, para ser conquistado despus por
alguna burguesa extranjera ms poderosa a la que les hubiera sido imposible resistir. (...) De todo ese
movimiento del pueblo no qued nada, ni siquiera la gloria, porque el pueblo no va a levantar ms en
este pas el pendn de las montoneras del ao 20, como en Europa ningun partido obrero cuenta en sus
percursores a los obreros que destruan las mquinas. Clase brbara y dbil, el paisanaje tena que
sucumbir, y sucumbi, por ms decisin y valor que pusiera en la lucha. JUSTO, Juan B. La realizacin
del socialismo. Buenos Aires. La Vanguardia, 1947, p. 38.
513
Ante todo, Justo ve en Marx el primer teorizador, sobre bases cientficas, del rol determinante que
desempea la actividad laborativa en la historia. DOTTI, Jorge. Las vetas del texto. Una lectura
filosfica de Alberdi, los positivistas, Juan B. Justo. Buenos Aires: Puntosur, 1990, p. 111.
514
JUSTO, Juan B. Teora y Practica de la Historia. Buenos Aires: Ediciones Libera, 1969, p. 60.

163

Si la divisin del trabajo en la manufactura condujo a la invencin de las mquinas, a
que no conducir la divisin del trabajo en el mundo?"
515
.
Ao analisar os efeitos especficos no capitalismo da tendncia geral expanso e
ao desenvolvimento tcnico, Justo observa resultados diversos na indstria e na
agricultura. No setor industrial, identifica e simpatiza com o movimento de
concentrao e centralizao produtiva, salientando os aspectos de desenvolvimento
tcnico promovidos pelo capital monopolista, embora no ignore os riscos que este
poder crescente representa do ponto de vista do consumo: Unificandola, esos
sindicatos simplifican la administracin y permiten el mayor desarrollo posible a las
capacidades tcnico-economicas de que disponen
516
.
No campo, o socialista argentino endossa a polmica interpretao de Bernstein
contrria a Kautsky (autores que cita)
517
, entendendo que o desenvolvimento tcnico
no conduz concentrao da terra, mas, pelo contrrio, sua repartio
518
. O
fundamento desta tendncia residiria na especificidade da produo agrcola, em que o
ritmo sazonal das atividades obstaculizaria a intensificao e a especializao do
trabalho. Mais importante, os custos com transporte dentro da rea produtiva
revelariam-se contraproducentes a partir de certa escala, tornando a subdiviso da
propriedade uma alternativa mais racional. Assim, ao contrrio da indstria, a
intensificao da produo agrcola requer, segundo esta leitura, a diviso da
propriedade fundiria: (...) mientras no sepamos producir nuestro alimento por
procedimientos qumicos, para la necesaria intensificacin del cultivo la produccin
agrcola se descentralizar cada vez ms
519
. Inviabilizada a centralizao da produo,
Justo apoia a organizao de cooperativas de distribuio e de consumo no campo, que
jogam um papel correspondente aos grandes monoplios industriais na constituio de

515
Ibidem, p. 75. Assim, Justo localiza na propriedade privada um bice nutrio e reproduo do
homem, mas no ao desenvolvimento das foras produtivas.
516
Ibidem, p. 99.
517
Para as vises destes autores, consultar: BERNSTEIN, Eduard. Textos sobre el Revisionismo: la
actualidad de Eduard Bernstein. Mxico: Editorial Nueva Imagen, 1982. KAUTSKY, Karl. A questo
agrria. Rio de Janeiro: Laemmert, 1968.
518
Parece, pues, que en toda Europa la unidad agrcola tiende a reducirse en superficie y a ocupar un
nmero de brazos menor. JUSTO, Juan B, op. cit., p. 104.
519
Ibidem, p. 110. A viso otimista que tem da diviso internacional do trabalho leva Justo a harmonizar
a expulso camponesa e a crescente urbanizao em curso no continente europeu com a imigrao e o
processo de desenvolvimento do campo argentino. Em ltima anlise, a tendncia a aumentar a populao
ocupada na produo agrcola prevalece. Pero que disminuya proporcionalmente en Europa la
poblacin agrcola, no significa que en el mundo una porcin creciente de los hombres deje los trabajos
del suelo, ni mucho menos que la poblacin no agrcola seguir siempre proporcionalmente en
incremento. Ibidem, p. 108.

164

relaes econmicas mais eficazes: Las sociedades de campesinos para la produccin,
la compra o la venta tienden a constituir grandes federaciones nacionales, cuyo poder
es comparable al de los grandes sindicatos
520
.
O desenvolvimento da atividade bancria, das comunicaes e do comrcio
tambm ser visto sob a tica da integrao econmica, sobretudo como aceleradores da
circulao. O imperativo do progresso preside a interpretao histrica de Justo,
justificando at mesmo a guerra: Abriendo el camino para otras relaciones, ms altas,
entre los pueblos (...) ha sido la guerra un gran factor de progreso historico y de
pacificacin (...)
521
.
Esta identificao do progresso histrico com o desenvolvimento tcnico-
econmico se traduz em uma referncia ao centro do capitalismo como padro
civilizatrio. Isto significa que Justo aborda a formao argentina como um captulo da
histria universal que se unifica sob o capitalismo, sistema que realiza a tendncia de
expanso e integrao inerente ao fundamento biolgico da espcie humana. Em um
horizonte onde o destino da humanidade aproxima-se cada vez mais, dissolvendo
eventuais diferenas pretritas, o sentido da histria argentina e as potencialidades da
sua luta poltica no residem na sua especificidade, mas, antes, na conexo com as
foras histricas que impulsionam este movimento.

Si no fuera as, si la aceleracin del movimiento histrico no se
hiciera sentir en todas partes, pronto apareceran entre las varias
secciones de la Humanidad diferencias tan grandes como las que hoy
separan a los pueblos que podemos llamar respectivamente
civilizados y brbaros (...) que ofreceran nuevo campo a la
violencia
522
.


520
Ibidem, p. 112. Embora mencione nesta passagem a produo, veremos adiante que Justo tem em
mente sobretudo a distribuio e o consumo. Los campesinos se asocian para beneficiar, acondicionar y
vender sus productos, para adquirir semillas, mquinas y abonos, para asegurarsse mutualmente las
cosechas y el ganado y aplicar sus ahorros en instituciones rurales de crdito. Ibidem, p. 111. Em
suma: A pesar de las particularidades de su tcnica, la agricultura entra, pues, de lleno en la gran
evolucin moderna que extiende, robustece, multiplica y enreda los lazos econmicos que unen a los
hombres. Ibidem, p. 112.
521
La democracia obrera no admite ms guerras que las defensivas contra un brbaro enemigo exterior
y las conducentes a abrir nuevas zonas del medio fsicobiolgico a la accin inteligente del hombre.
Ibidem, p. 486. Novamente, a coincidncia com Sarmiento se evidencia na postura diante da populao
aborgene: (...) vamos a reprocharnos el haber quitado a los caciques indios el dominio de la Pampa?
Ibidem, p. 136.
522
Ibidem, p. 136.

165

Em suma, para Justo a expanso ocidental tende a absorver, por bem ou por mal,
os bolses de atraso em nome de um padro civilizatrio comum. Na medida em que
aponta para a realizao do socialismo, a adeso a este movimento interpretada no
somente como uma estratgia de desenvolvimento econmico, mas como uma via para
a democratizao da sociedade argentina. Como consequncia programtica deste
enfoque, Justo ser um defensor intransigente do livre-comrcio e sua ideologia se
revelar desprovida de qualquer contedo nacionalista, subordinando o patriotismo
identidade de classe
523
. Assim, o projeto do socialismo argentino no ser referido
autoctonia, mas se balizar pela preocupao fundamental de engatar o vago argentino
na locomotiva civilizatria ocidental
524
: Dudemos, pues, de nuestra civilizacin. Ante
el rpido progreso de otros pueblos, temamos que ya o en cualquier momento, ella no
sea sino un grado relativo de barbarie
525
.


b) CAMINHO SOCIALISTA PARA A FORMAO ARGENTINA

Um programa de democratizao radical da sociedade argentina que tem como
horizonte a superao do capitalismo singulariza Juan B. Justo na trajetria do
pensamento nacional, em que foi pioneiro em projetar a questo social sob a tica do
protagonismo popular. Esta contribuio reconhecida por um reputado filsofo deste
pas: Al incorporar a nuestro acervo la idea de la justicia social, se ha superado por

523
Pero hay entre los hombres demasiadas diferencias reales, para que necesitemos buscar en el
patriotismo diferencias ficticias, que, por otra parte, no pueden conducir al progreso, sino al retroceso. Y
hoy menos que nunca, y un socialista menos que nadie, puede buscar el progreso en el juego de las
preocupaciones patriticas, cuando en el mundo entero civilizado est planteada la lucha de clases, la
lucha entre los poseedores y los desposedos, diferencia y contraste frente a los cuales desaparecen las
distinciones de frontera, de lengua ode raza, lucha en que se unen los trabajadores del mundo entero, y
de la cual tiene que resultar en primer trmino el progreso social. JUSTO, Juan B. Internacionalismo y
Patria. Buenos Aires: La Vanguardia, 1933, p. 106.
524
Depois de enunciar as elementares do programa do partido, Justo assinala: Esas reformas son las que
necesita el pas en general para seguir el camino trazado por las naciones ms adelantadas, para ser
economicamente prspero y politicamente libre, para atraer la buena inmigracin y poblarse. (grifo
nosso). JUSTO, Juan B. La realizacin del socialismo. Buenos Aires. La Vanguardia, 1947, p. 173.
525
Idem. Teora y prctica de la historia. Buenos Aires: Ediciones Libera, 1969, p. 139. Esta viso leva
Justo, que em outros momentos tem uma viso crtica da interveno estadunidense na Amrica Latina, a
uma avaliao da Guerra de Independncia Cubana oposta a Mart: Trabados cubanos y espaoles en
sangrienta y destructiva guerra, la intervencin de los Estados Unidos hubiera sido buena ocasin de
darle trmino. Ibidem, p. 138.

166

primera vez la ideologa alberdiana y se ha renovado el contenido del pensamiento
argentino
526
.
A despeito da adoo das linhas gerais da leitura da histria e do vocabulrio
marxista, o foco do programa socialista ser o combate ao privilgio, identificado como
a raiz das contradies de classe no capitalismo. Como decorrncia desta interpretao,
o partido orientar sua poltica a uma dilatao da democracia argentina, traduzida em
uma agenda de reformas dentro da ordem, objetivando viabilizar o acesso terra,
educao e aos postos de direo do trabalho, ao mesmo tempo em que busca
universalizar a participao poltica e assegurar um conjunto de direitos para o
trabalhador no campo e na cidade. Sua hiptese que o nivelamento das possibilidades
de integrao econmica, social e cultural do conjunto da populao diluir as
contradies de classe, apontando para uma via pacfica de superao do capitalismo
consonante com o reformismo de setores da II Internacional.
Em uma palavra, Justo prope um programa de integrao democrtica da
sociedade argentina como caminho para incorpor-la marcha da civilizao ocidental
que, na sua viso, avana rumo ao socialismo. Ao projetar a formao argentina sobre o
movimento de integrao da histria mundial conducente livre cooperao, Justo
estabelece o fundamento ideolgico para uma defesa irredutvel do livre-comrcio,
expresso do ocultamento da questo nacional no seu horizonte poltico.

i. luta de classes
Juan B. Justo partilha com Karl Marx a premissa de que no existe
imparcialidade na investigao intelectual, considerando o ponto de vista da classe
trabalhadora mais prximo da crtica cientfica porque no est comprometido com a
reproduo da ordem
527
. No entanto, esta empatia ideolgica, ainda que somada ao
recurso Marx como autoridade histrica, no se traduz em uma adeso metodolgica.
Justo afasta-se conscientemente do pensador alemo recusando a dialtica como a chave

526
KORN, Alejandro. Apud: CNEO, Dardo, op. cit., p. 464. Sobre a ideologia alberdiana mencionada
na citao, ver nota anterior neste trabalho.
527
Esta noo j est subjacente s primeiras pginas do livro quando, ao reafirmar sua posio
intelectual, Justo critica a presuno de imparcialidade caracterstica do positivismo. Afirma que, em
uma sociedade de classes, assumir o partido dos trabalhadores, mais do que um desgnio tico, um
imperativo cientfico: Para llegar a la verdad histrica preciso es querer descubrirla en toda su
desnudez, militar del lado donde no hay privilegios que disimular ni defender. Tambm: Si queremos,
pues, llegar a la verdad, tomemos parte activa en el movimiento social, no ocultando sino proclamando
nuestros intereses y sentimientos. Estaremos as en mejor situacin para ver las cosas, y desearesmo an
ms verlas bien, para triunfar. JUSTO, Juan B. La realizacin del socialismo. Buenos Aires. La
Vanguardia, 1947, p. 68.

167

para a interpretao das contradies do capitalismo. Esta opo est influda por
consideraes polticas, uma vez que o socialista argentino, acompanhando os debates
tericos no seio da social-democracia alem, entendia que este tipo de divergncia
retardaria a evoluo do nascente movimento argentino. Como consequncia, valoriza o
materialismo historico como contribuio cientfica porque fundamenta a interpretao
histrica na economia, mas adota o realismo ingnuo como postura filosfica,
recusando a distino marxista entre aparncia e essncia dos fenmenos sociais em
nome de uma abordagem que privilegia o sentido comn como mtodo del pueblo
528
,
acreditando assim, ao mesmo tempo, evitar o dissenso e favorecer a democratizao do
conhecimento crtico
529
.
Ao rechaar o mtodo dialtico, Justo desarma as implicaes polticas da
contradio entre capital e trabalho intrnseca crtica de Marx, abrindo-se para uma via
reformista ao socialismo, em consonncia com o revisionismo em curso na II
Internacional
530
. Segundo este enfoque, o arsenal conceitual marxista esvaziado da sua

528
JUSTO, Juan B. La realizacin del socialismo. Buenos Aires. La Vanguardia, 1947, p. 66.
529
Justo rechaza la idea de mtodo entendido como una serie de preceptos abstractos y externos a la
actividad cientfica efectiva. Ms bien, la metodologa se identifica con la prctica investigativa con
proyeccin social. (...)Pero nos parece evidente que su interes en defender esta suerte de plebeyismo
metafsico es poltico. El temor justiano es que la filosofiapueda operar con efectos letrgicos y, peor
aun, divisionistas en el partido obrero (como cree que acontece entre los alemanes), mientras que las
masas no necesitan de esas disquiciones bizantinas para ponerse en movimiento. Cuanto ms clara y
asequible sea la teora que las inspire (lo que significa: cuanto ms rapidamente acceden a la
compreensin de las verdades bscias del socialismo), ms fciles de superar sern los obstculos que
surgen en el camino hacia esa meta. DOTTI, op. cit., p. 104 e 106.
530
Jos Aric, intelectual argentino pioneiro na investigao das relaes entre marxismo e Amrica
Latina, apontou a incongruncia em exigir uma ortodoxia marxista de quem nunca a professou,
identificando em Justo antes um caso de contemporaneidade do que de derivao em relao ao
revisionismo da II Internacional. Jos Aric. La hiptesis de Justo. Buenos Aires: Sudamericana, 1999. A
atuao de Bernstein est presidida por uma preocupao com a ortodoxia marxista completamente alheia
a Justo. O objetivo de Bernstein fundamentar teoricamente um curso reformista para a social-
democracia alem. Apoia-se na vasta tradio intelectual europeia; dirige-se ao poderoso SPD, que
organiza o numeroso proletariado industrial de uma das economias mais dinmicas do capitalismo
central; seu ambiente intelectual so os debates no seio da II Internacional e seus contendentes, militantes
do calibre de Kautsky, Rosa Luxemburgo e Lnin. completamente outro o caso argentino: partindo de
uma nfima tradio organizativa popular e uma escassa tradio de pensamento radical local, o socialista
argentino procura fundamentar uma ao poltica orientada a sintonizar o curso da histria argentina no
movimento da histria universal. Com esta finalidade, recorre produo intelectual europeia mais
progressista do seu tempo, que conjuga aos aspectos democrticos da tradio sarmentina para convergir
em uma leitura pioneira dos problemas nacionais. Sua base o recm-formado Partido Socialista, que
busca organizar o minguado proletariado urbano de origem imigrante em uma economia agroexportadora
dependente. Seus interlocutores, parte figuras que acabam isoladas como Ingenieros ou Ugarte, so o
anarquismo e o radicalismo. Assim, o reformismo de Justo dotado de um contedo progressista que o
revisionismo de Bernstein no apresenta. Est situado em uma circunstncia de escasso legado de
organizao e luta social, o que enseja certo lastro para iluses reformistas que, em outras partes, a
experincia acumulada ajuda a dissipar, possibilidade tanto mais plausvel considerado o ritmo relativo de
transformaes que testemunha a Argentina, em poucas dcadas lanada da condio secundria no
interior do sistema colonial a um polo dinmico da economia mundial.

168

perspectiva estrutural e reduzido a um papel retrico de denncia dos abusos na relao
entre proprietrios e trabalhadores, movimento ideolgico que encontra correspondncia
no diagnstico que o socialista argentino faz do capitalismo e do caminho para a sua
superao.
As decorrncias desta opo evidenciam-se quando Justo descarta o conceito de
mais-valia como una ingeniosa alegora con que Marx ha puesto en evidencia la
explotacin capitalista
531
. Ao recusar a mercantilizao do trabalho, identificada por
Marx como o ponto de partida do fetiche que caracteriza as relaes sociais presididas
pelo capital, esvazia-se no iderio do socialismo argentino o lastro objetivo da
ideologia: Pero ni el salariado es en realidad un contracto, ni la fuerza humana del
trabajo una mercanca (...)
532
. Subjacente est a premissa de que a mercantilizao do
trabalho no intrnseca ao capitalismo, e o obstculo ao clculo do valor do trabalho
produtivo no o fetiche, que pode ser dissipado, mas a complexidade das relaes
econmicas modernas. Nesta tica, a remunerao integral do trabalho produtivo
concebida como um objetivo vivel e legtimo dentro do capitalismo. Em outras
palavras, existe um salrio justo, uma vez que a mais-valia apenas uma alegoria para
explicitar excessos: Todo hace suponer y esperar que este movimiento abarcar capas
cada da ms profundas de la poblacin, hasta extenderse a toda ella, y que las
necesidades del productor tendern a acercarse cada vez ms al producto ntegro de su
trabajo
533
.
Esta anlise dilui o antagonismo estrutural entre capital e trabalho, vislumbrando
uma relao de complementaridade entre o trabalho produtivo e o trabalho de direo
tcnica e econmica
534
, ou, nos termos que Justo adotar posteriormente, entre o

531
JUSTO, Juan B. Teora y prctica de la historia. Buenos Aires: Ediciones Libera, 1969, p. 233.
532
Ibidem, p. 234.
533
Ibidem, p. 237. Al extenderse y complicarse dentro de cada sociedad y en el mundo entero las
relaciones econmicas, multiplcanse los factores que el productor asalariado debe tener en cuenta para
apreciar el resultado de su propia labor. No basta en manera alguna que cuente el nmero de horas que
trabaja, ni el numero de piezas que de sus manos salen hechas o a media hacer; necesita conocer cunto
trabajo anterior al suyo est incorporado ya a sus medios de produccin y a sus materias primas; cuanta
labor habr an que agregar a su producto antes de que llegue concluido a manos del consumidor; tiene
que mirar no slo cmo trabaja l mismo, sino tambin cmo trabajan los productores del mismo ramo,
en su propio pas y en aquellos otros con que ste comercia; debe considerar cules son las exigencias y
posibilidades de vida de los trabajadores que hacen lo mismo en otras partes, y descubriri en ello m
otivoss para elevar o moderar sus propias exigencias; no puede ignorar el grado de acceptacin que su
producto encuentra en el mercado, su precio, que slo es remunerativo cuando la oferta no excede a la
demanda; ha de averiguar la ganancia de su patrn. Ibidem, p. 256.
534
Esta aproximao de interesses chega ao ponto de inverter o mvel da inovao tcnica diagnosticado
por Marx: Justo afirma que a presso dos trabalhadores por salrios mais altos o que torna mais racional
ao empresrio inovar, o que beneficia potencialmente o trabalhador na medida em que a maior

169

trabalho tcnico e o econmico
535
. Nesta perspectiva, a remunerao superior do
trabalho de direo considerada justa por sua natureza racional, condizente com o
sentido da evoluo humana. O problema seriam as distores associadas propriedade
privada dos meios de produo, tornando o acesso s funes diretoras do trabalho um
privilgio de classe, assegurado pelo monoplio das possibilidades de educao. Como
consequncia, o foco do socialismo de Justo no ser a abolio das classes sociais, mas
sim dos privilgios que restringem o acesso s funes diretoras do trabalho: Y al
valorar debidamente el trabajo de direccin tcnico-econmica, ms se exalta el
productor asalariado en su protesta contra el parasitismo y la explotacin, mayor es su
empeo en quitar a esta altsima funcin social todo su carcter de privilgio
536
.
Do ponto de vista do capital, Justo identifica no prprio movimento de
valorizao a possibilidade de uma gradual soluo das frices de classe, lastreada no
desenvolvimento das foras produtivas. Segundo o socialista argentino, as tendncias
gerais de elevao da renda do solo e do salrio urbano combinam-se em uma dinmica
progressista que, ao pressionar pela inovao tecnolgica, acelera o desenvolvimento
tcnico-econmico conduzindo a uma espcie de depurao do capitalismo, na medida
em que os lucros produzidos so gerados cada vez mais pela mais-valia relativa e no
pela mais-valia absoluta, ou seja: na sua tica, resultam mais do trabalho das mquinas
e menos da explorao dos homens
537
.

Al desarrollar la resistencia obrera a la explotacin, ya no se trata
simplemente para el empresario de extraer de sus empleados, segn
la costumbre, cierta cantidad de trabajo no pago;necesita cada vez
ms mejorar constantemente los medios yu procedimientos del
trabajo, para hacerlo ms productivo; sus ganancias consisten de
ms en ms en lo que Marx ha llamado supervala relativa, en

produtividade viabiliza um aumento dos salrios. La resignacin de los trabajadores a un salario
inferior retarda, pues, el progreso tcnico. E adiante: Para que el aumento de la productividad del
trabajo se traduzca en el incremento de los salarios con independencia de las necesidades o
conveniencias del capital, necesario es que el progreso tcnico-econmico sea comprendido por el
trabajador. Ibidem, p. 256.
535
Que es en efecto, la accin econmica? En que consiste? En la organizacin de los hombres a los
fines de la tcnica, entendida esta como el proceso material entero de la produccin por el trabajo
humano. La economa es la direccin del trabajo en la proporcin exacta y oportuna requerida por las
necesidades sociales. JUSTO, Juan B. La realizacin del socialismo. Buenos Aires. La Vanguardia,
1947, p. 343.
536
Idem. Teora y prctica de la historia. Buenos Aires: Ediciones Libera, 1969, p. 256. Adiante, na
mesma passagem: (...) reconocer el alto valor del trabajo de direccin tcnica, que gua nuestra accin
intencional sobre el medio fsico-biolgico, y el de direccin econmica, que combina y organiza los
esfuerzos de los hombres en esa accin.
537
Justo tambm compartilha o argumento de Bernstein de que a difuso das sociedades annimas estaria
aumentando o nmero de proprietrios entre os trabalhadores.

170

oposicin a la supervala absoluta, resultado de la explotacin
rutinaria y tradicional. (...) Al acelerarse el progreso histrico, las
ganancias de los empresarios tienden a formarse cada vez ms de
esos nuevos valores creados por la mayor productividad del trabajo,
al mismo tiempo que bajan y tienden a desparecer las ganancias
tradicionales y rutinarias del capital
538
.

Em suma, na perspectiva de Justo o ncleo da questo social so os privilgios
que vinculam a hierarquizao das funes do trabalho reproduo de uma situao de
explorao. Em consonncia com esta leitura, o programa socialista enderear todo
privilgio engendrado pelo capitalismo, visando democratizar o acesso e o exerccio das
funes diretoras da produo. Nas palavras do seu lder: O problema est em como
transferir para o povo essa funo de direo hoje monopolizada pela classe
privilegiada dos proprietrios, da qual saem, ou na qual desejam ingressar todos os
chefes da indstria
539
.
No campo, a modalidade de privilgio por excelncia no capitalismo a renda
da terra, que Justo criticar nos marcos de um amplo programa agrrio orientado a
desenvolver a produo nacional, ao mesmo tempo em que reivindica melhores
condies de trabalho para a populao rural
540
. O enfoque socialista da questo
enunciado nas primeiras linhas deste programa: El gran problema de la economa
nacional es el mejor aprovechamiento del suelo para la produccin de alimentos y
materia prima
541
. Alinhado a esta perspectiva, Justo identificar uma oposio entre os
interesses do empresrio rural e do latifundirio rentista, em que os privilgios do

538
A passagem inicia-se assim: Al acelerarse el progreso histrico, las ganancias de los empresarios
tienden a formarse cada vez ms de esos nuevos valores creados por la mayor productividad del trabajo,
al mismo tiempo que bajan y tienden a desaparecer las ganancias tradicionales y rutinarias del capital
(...) Ibidem, p. 306. Na viso de Justo, este movimento pode absolver a formao de fortunas: En los
pases de rpido progreso tcnico-econmico, donde los valores creados cada ao aumentan ms que la
poblacin, parte de esos valores puede acumularse en forma de grandes fortunas, sin que mermen por
eso, y aun aumentando, los medios de vida y desarrollo del pueblo. Ibidem, p. 317.
539
JUSTO, Juan B. Socialismo e organizao poltica. Instituto Teotnio Vilela, Braslia, 1998, p. 95.
540
Este programa ser analisado adiante. JUSTO, Juan B. El Programa Socialista del Campo. Buenos
Aires: La Vanguardia, 1915. Ao abordar o problema da renda da terra, Justo torna a incorrer na
indiferenciao dos conceitos marxistas, tratando a questo basicamente do ngulo da renda diferencial,
desconsiderando o privilgio implcito renda absoluta. Na prtica, acaba aproximando-se de Ricardo, a
quem menciona. Identifica uma tendncia mundial ao aumento da renda da terra j que, medida que os
solos so ocupados, aumenta a populao e se intensifica o cultivo, situao que s pode ser contornada
com a abolio da propriedade privada. Do ponto de vista terico, esta indiferenciao pode ser entendida
como um desdobramento da ausncia de uma teoria do valor marxista que constatamos anteriormente.
541
JUSTO, Juan B. El Programa Socialista del Campo. Buenos Aires: La Vanguardia, 1915, p. 4.

171

segundo devem ser combatidos porque obstam o desenvolvimento capitalista no campo,
lesando igualmente empresrios e trabalhadores
542
.
A manipulao do crdito e dos juros vista como outra modalidade de
privilgio, considerada mais branda por Justo porque implica em uma solidariedade de
interesses entre devedor e credor, uma vez que o capital s remunerado quando bem
aplicado, ou seja, se for investido em um empreendimento economicamente exitoso
543
.
Ao contrrio do que ocorre com a renda da terra, o socialista argentino visualiza uma
tendncia histrica ao rebaixamento dos juros
544
. Na sua tica, o denominador comum
entre as formas de privilgio no campo e na cidade que estas esto associadas
propriedade privada, o que estaria na raiz da anarquia e das crises peridicas
545
que
caracterizam a produo social no capitalismo:

En el mundo capitalista quien tiene dinero o lo consigue prestado es
dueo de hacerse empresario. Sin necesidad de dar prueba de su
aptitud, pnese el capitalista a dirigir el esfuerzo de los hombres en
un sentido cualquiera, a tuerto o a derechas, al azar de su
informacin y de sus inclinaciones y relaciones personales. De ah la
anarqua y el desorden reinantes en la economa en general
546
.


Diante desta anlise, Justo conclui que a degenerao econmica, moral e social
a que esto sujeitos os homens no capitalismo resultado de uma incompatibilidade
entre o progresso tcnico e a cooperao forada sob a gide burguesa. Dito em chave

542
Contra todos los impuestos que gravan la produccin agrcola y ganadera, debemos estar al lado de
los empresarios, que evidentemente podrn tratar mejor a los obreros y pagar ms altos salarios cuando
se yean libres de las trabas que el fisco pone hoy a su industria. En el fondo de esta cuestin est latente
un conflicto entre los empresarios ganaderos y agrcolas y los terratenientes, conflicto que si no se ha
planteado ya abiertamente es porque muchos propietarios son al mismo tiempo criadores. (...) El Partido
Socialista debe sostener tambin a los empresarios rurales en su carcter de arrendatarios, contra los
seores del suelo. Ibidem, p. 17-18.
543
(...) inters no es un privilegio tan puro y absoluto como la renta del suelo. Idem. Teora y prctica
de la historia. Buenos Aires: Ediciones Libera, 1969, p. 298.
544
Justo passa ao largo do problema da crescente prevalncia do capital financeiro teorizado por
contemporneos, inclusive no campo do socialismo. Por outro lado, o pensador argentino intui os nexos
entre juros e explorao do trabalho, embora no opere com a teoria do valor marxista. El capital
produce inters porque su posesin permite obtener ganancias a expensas del trabajador. Ibidem, p.
300.
545
Estamos en cambio entregados a merced de los apetitos y caprichos del capital, y, por su obra, cada
diez, quince o veinte aos, la tierra se cubre de ruinas (...). Idem. Teora y prctica de la historia.
Buenos Aires: Ediciones Libera, 1969, p. 329.
546
Ibidem, p. 322. Esse trabalho de organizao e de economia do trabalho tcnico que procura dirigi-
lo para satisfazer as necessidades humanas se faz, no mundo capitalista, de modo desordenado e
anrquico, sob o impulso do lucro, refletindo a inspirao mais ou menos certa e arbitrria dos donos do
capital. Idem. Socialismo e organizao poltica. Braslia: Instituto Teotnio Vilela, 1998, p. 95.

172

marxista, o socialista argentino diagnostica uma contradio entre o desenvolvimento
das foras produtivas e as relaes de produo
547
. Em um contexto em que a burguesia
incapaz de liderar o ulterior progresso histrico
548
, a transio para outro modo de
produo, no qual a propriedade privada seja substituda pela propriedade coletiva e a
cooperao forada d lugar cooperao livre, emerge como um imperativo da
racionalidade humana e um desgnio do movimento histrico:

Grandes son, pues las aberraciones de la sociedad moderna. La
esterilidad acompaa en ella a la riqueza. A la par del rpido
progreso tcnico va un tremendo desorden en el trabajo. La economa
establece mil vinculos entre los hombres; pero esta trabazn resulta
de la guerra de todos contra todos. Viven en paz las diferentes
unidades polticas, mas su solidaridad es tan dbil que en el Rio de la
Plata se anuncia como una buena nueva la prdida de cosechas en
Norteamrica (...) El monopolio, ltima consecuencia del
individualismo burgus, supedita la poblacin entera como
productora y consumidora, a unos cuantos magnates. Por su misma
proporcin, la propiedad privada de los medios de produccin queda
reducida al absurdo. Y a abolirla tiende el movimiento histrico,
implantando en su lugar la propiedad colectiva, que dar nuevo vigor
a los pueblos, regularizar el progreso tcnico, y har las relaciones
econmicas tan conscientes y equitativas como los hombres seamos
capaces en la cooperacin libre
549
.


ii. via ao socialismo
O sentido do desenvolvimento histrico no , segundo a interpretao de Justo,
a imploso violenta das relaes entre trabalho tcnico e econmico, mas sua gradual e
contnua associao conducente ao socialismo, sinteticamente definido como a
conquista de los poderes pblicos para la apropriacin colectiva de los medios de
trabajo
550
. A chave desta evoluo seria a transio da cooperao forada sob o
capitalismo para a cooperao livre, que caracterizaria o socialismo. Posto que esta no

547
Las nuevas fuerzas productivas, resultantes de nuestra compenetracin con el medio fsico biolgico
y de la extensin de la cooperacin entre los hombres, manifiestan as con violencia que la clase
burguesa ya no es por s sola capaz de manerjarlas, patentizan que el progreso tcnico-econmico a que
hemos llegado es incompatible con el carcter forzado de la cooperacin. Idem. Teora y prctica de la
historia. Buenos Aires: Ediciones Libera, 1969, p. 150.
548
La burguesa es por s sola incapaz de dirigir la evolucin histrica; lo prueban las crisis, la
desocupacin, los monopolios resultantes de la desenfrenada competencia, los cierres, las huelgas,
confictos comparables a rebeliones de esclavos y destructivos como stas. Ibidem, p. 457.
549
Ibidem, p. 339.
550
Para uma definio mais completa: En efecto, el socialismo es la lucha por la defensa y para la
elevacin del pueblo trabajador, que, guiado por la ciencia, tiende a realizar una libre e inteligente
sociedad humana, basada en la propiedad colectria de los medios de produccin. Idem. La realizacin
del socialismo. Buenos Aires. La Vanguardia, 1947, p. 176.

173

uma passagem abrupta, o partido estimular toda iniciativa que promova a experincia
da cooperao livre como instrumento pedaggico e vivncia imediata do socialismo.
Nesta perspectiva, Justo jamais apostar em uma tomada violenta do poder, mas na
lenta tessitura de uma conscincia e no fortalecimento generalizado dos ideais
socialistas, que se expressam principalmente atravs da ocupao de espaos polticos e
na promoo do cooperativismo: (...) la conquista de los poderes pblicos no es ms
que uno de los medios para establecer la propiedad colectiva de los medios de trabajo,
y que la cooperacin libre, la accin econmica de los trabajadores es tambin desde
ya una manera bien poderosa de establecerla
551
.
Em consonncia com esta viso, a militncia de Justo se ocupar de trs
modalidades da organizao e luta dos trabalhadores: sindicato, cooperativa e partido.
Assume como premissa que a luta de classes, motor do progresso social, um
componente positivo do dinamismo histrico, impulsionando tendncias mais elevadas
de evoluo humana: Por encima de la satisfaccin de las apremiantes necesidades
del pueblo, ella (luta de classe) tiende a la consecucin de las ms altas aspiraciones
sociales de orden y progreso
552
.
Na chave evolutiva de Justo, a organizao sindical, que tem na greve sua arma
principal, vista como a manifestao mais primitiva das potencialidades construtivas
da luta de classes
553
. Seu papel seria promover um avano preliminar da organizao
social, gerando condies favorveis a modalidades de entendimento mais racionais
entre os antagonistas, materializadas no acordo coletivo: Cuando fuertes
organizaciones obreras y patronales se encuentran as frente a frente, est preparado el
terreno para que el modo normal de entenderse trabajadores y empresarios sea el
tracto colectivo
554
.

551
Idem. Internacionalismo y Patria. Buenos Aires: La Vanguardia, 1933, p. 13.
552
Idem. Teora y prctica de la historia. Buenos Aires: Ediciones Libera, 1969, p. 342. (...)
antagonismo de clase: doloroso pero saludable desgarramiento interno. Ibidem, p. 341.
553
El gremialismo proletario es la forma inicial, casi instintiva, de la moderna lucha de clases, y en ese
sentido su forma fundamental. Ibidem, p. 343. Nas escassas linhas que dedica neste livro Amrica
Latina e Argentina verifica que, na cidade, o proletariado (...) carece hasta ahora de la educacin
necesaria para darse una fuerte organizacin. E, em crtica velada ao anarquismo, afirma: Su
conciencia histrica (...) todava bastante estrecha para dejarla dominar por prejuicios de secta, y
posponer la obra tranquila y metdica de todos los momentos a la declamacin de violencia y el
ergotismo de escuela. Ibidem, p. 378. Em relao ao campo: No hay an ni asomos de organizacin
entre los obreros del campo (...) Ibidem, p. 379.
554
Ibidem, p. 394.

174

Na viso de Justo, o efeito do acordo coletivo duplo: de um lado, eleva o
padro de vida da classe trabalhadora, ao reduzir os privilgios patronais
555
. De outro,
obriga os trabalhadores engajados na negociao a familiarizarem-se com as condies
econmicas da produo, valorizando as funes tcnico-econmicas exercidas pelos
patres
556
. Nesta perspectiva, o dinamismo da luta de classes tende a diluir as
contradies em lugar de acirr-las. Em ltima instncia: (...) el tracto colectivo
transforma a tal punto las condiciones de su lucha que puede decirse que la niega
557
.
Em paralelo, Justo prev a incorporaco daqueles que realizam trabalho
intelectual organizao dos trabalhadores, favorecendo uma aproximao entre
trabalho tcnico e econmico, que aponta para a abolio do privilgio
558
. Segundo o
seu enfoque, o sentido do processo histrico a organizao e unificao da totalidade
dos trabalhadores, em consonncia com o movimento econmico de centralizao e
desenvolvimento da produo, desencadeando uma tendncia irresistvel de
humanizao do trabalho
559
.
Na viso de Justo, a crescente especializao inerente a este movimento de
integrao do trabalho em escala mundial no conduz alienao
560
, pois deve ser
compensada por uma educao que estimule a iniciativa e a criatividade necessrias

555
(...) en la practica del trato colectivo los obreros desarrollan su capacidad econmica (...) y en
cuanto conduce a la elevacin de los trabajadores y a la reduccin de los privilegios del capital.
Ibidem, p. 396.
556
Cuando los trabajadores estn todos agremiados y se establecen rganos permanentes de aplicacin
de las regalas convenidas con los patrones, la clase obrera aprende a manejar calculadamente segn el
estado del mercado de la materia prima y del producto, segn el grado de perfeccin tcnica de cada
fbrica, reconociendo explcitamente la importancia de la funcin tcnico-econmica de los patrones.
Ibidem, p. 396-397.
557
Ibidem, p. 398. A identificao de interesses entre trabalhador e patro chega a ponto de justificar, na
viso de Justo, o envolvimento dos trabalhadores na concorrncia intracapitalista: (...) el trabajador
tiene que pagar para encontrar los patrones ms capaces (...) Ibidem.
558
Y simultaneamente se ensanchar el concepto de clase trabajadora, al ser atrados a ella y recibidos
en su seno con abierta y franca solidaridad los gremios superiores, que trabajan ms con la cabeza que
con los msculos. Ibidem, p. 402. A medida que estas categoras de trabajadores se incorporen al
movimiento gremial, ms cerca estar la clase obrera de librarse del parasitismo de la clase
propietaria. Ibidem, p. 403.
559
Y al asimilarse essas fuerzas productivas, ms altas porque exigen una educacin que slo puede
darse con provecho a individuos ventajosamente dotados, la clase trabajadora perder tanto en
homogeneidad como en prejuicios (...) Y el pueblo productor, definitivamente unificado al reconocer su
propia diversificacin, exigir con ms fuerza que nunca para cada obrero condiciones dignas y
humanas de trabajo. Ibidem, p. 403.
560
Es interesante asimismo observar que la concepcin justiana del socialismo como forma superior de
convivencia democrtica reposa tambin en una argumentacin que se desplaza a contramano de las
elaboraciones hegelianizantes (algo posteriores, ciertamente) sobre la alienacindel trabajador en la
sociedad industrial, en la lnea del Lukacs del 22. Para Justo, la mecanizacin y parcializacin de la
actividad laborativa, con la conexa simplificacin de las operaciones, es lo que ms favorece al obrero
moderno en trminos de organizacin, de instruccin cvica y poltica y, en general, de conciencia de
clase. DOTTI, op. cit., p. 85.

175

constante readaptao do trabalhador diante do ritmo da inovao tecnolgica. Ao
contrrio, entende que a vinculao coletiva no ambiente industrial, somada
simplificao dos processos de trabalho, abre espao para uma ulterior compreenso das
relaes sociais.

Y la tcnica parcelaria del trabajador moderno, que apenas ocupa su
mente, le deja capacidad para comprender las relaciones economicas
y politicas, cada vez ms vastas y complejas. El desarrollo de la
conciencia historica de los productores acompaa el
desmenuzamiento de su capacidad tcnica
561
.



Nesta perspectiva a luta de classes, embora aceita como motor do progresso
social, revela-se marginal para a formao da conscincia histrica dos trabalhadores. A
passagem da reivindicao por melhores condies de trabalho para uma crtica da
propriedade privada revela-se essencialmente como uma racionalizao de sentimentos
de injustia, evidenciada na seguinte descrio:

Pronto, sin embargo, la constante tensin de espritu propia de la
inseguridad de su situacin y el cuadro cambiante de la civilizacin
moderna lo elevan a cuestiones ms remotas y ms vastas. Siente
entonces su situacin de clase desposeda como una permanente
injusticia, plantase el problema de su emancipacin; y viendo en la
propiedad individual de los medios del trabajo colectivo la causa de
su servidumbre, surprende la necesidad de establecer la propiedad
colectiva, para concluir con la explotacin del hombre por el
hombre
562
.

Esta abordagem ao problema da formao da conscincia de classe uma
expresso da forma como o socialista argentino encara a dimenso subjetiva dos
processos sociais. De modo geral, a esfera da cultura revela-se subordinada ao
desenvolvimento tcnico-econmico
563
em seu pensamento, que no preocupa-se com
uma apreenso refinada dos nexos entre relaes de produo e ideologia
564
.

De um
ngulo civilizatrio, as expresses culturais aparecem enquadradas na chave da

561
A la creciente instabilidad de la aptitud tcnica especial de cada uno debe corresponder, como
compensacin necesaria, una educacin que haga elstica y flida la capacidad productiva de cada
hombre (...). JUSTO, Juan B. Teora y prctica de la historia. Buenos Aires: Ediciones Libera, 1969, p.
79. Y la tcnica parcelaria del trabajador moderno, que apenas ocupa su mente, le deja capacidad para
comprender las relaciones economicas y politicas, cada vez ms vastas y complejas. Ibidem, p. 458.
562
Ibidem, p. 342.
563
(...) nacen ciencia y el arte subordinados a la tcnica y la economia. Ibidem, p. 342.
564
Por exemplo: (...) la religin es la impostura que se agrega o substituye a la fuerza para mantener la
obediencia a las clases sometidas. Ibidem, p. 497.

176

afirmao da histria sobre a biologia, em que manifestaes baseadas em uma postura
passiva do homem, como a religio e a arte elitista, devem ser superadas por novas
formas de subjetividade, que impliquem uma postura ativa em relao sua produo e
veiculao:

Ms pasivo que en la poltica y la economa ha sido hasta ahorra en
ellas el pueblo trabajador. La religin, la ciencia, el arte, casi no han
existido para las masas sino como ocupaciones extraas, de hombres
de otra clase, cuya obra ignoraban, o reciban concluida como un
beneficio, o sufran como un perjuicio. Al elevarse la cultura del
pueblo trabajador y nacer sus aspiraciones a un estado social
superior, critica l los dogmas y los smbolos aderezados por la clase
dominante, comienza a crearlos por s mismo, desarrolla su sentido
de la belleza y su facultad de investigacin
565
.

Em consonncia com essas premissas ideolgicas, o processo de formao da
conscincia de classe reduzido, em Justo, a um problema pedaggico dotado de duas
dimenses, uma prtica o cooperativismo e outra ilustrada a literatura cientfica
socialista. Esta prtica visualizada como uma formao tcnica, em que o
cooperativismo e a gesto pblica ensejam antes uma aprendizagem gerencial do que
poltica, enquanto a ilustrao concebida como um processo imediato, avesso s
complexidades tericas diante de uma realidade autoexplicativa
566
. Isto significa que
estas dimenses pouco se comunicam: a teoria no est organicamente vinculada
prtica e vice-versa, assim como a conscincia crtica no ser decorrncia da luta.
Como resultado, a formao dos trabalhadores como classe para si no , na
perspectiva de Justo, produto de um antagonismo estrutural na relao capital versus
trabalho, revelando-se como a dimenso social do processo de integrao econmica
mundial. A passagem da cooperao forada para a cooperao livre emerge como a
expresso correspondente ao desenvolvimento tcnico-econmico inerente ao
movimento da histria, apontando para a liberdade como um valor universal.
A marginalidade da luta de classes como via da conscientizao operria
desemboca em uma opo por instrumentos polticos que priorizam a conciliao e a
pedagogia como mtodo de mudana social. Justo desconfiar da greve e de outras
formas de aberto enfrentamento de classe, postura que limitar consideravelmente a

565
Ibidem, p. 496.
566
Para Justo, el socialismo no tena necesidad de fundamentarse en base filosfica alguna ni la
concepcin cientfica de la historia necesitaba aprender nada del materialismo dialtico. TARCUS,
op. cit., p. 381.

177

penetrao dos socialistas no movimento sindical argentino, dominado, ento, pelos
anarquistas. A estratgia socialista relega a ao sindical a um segundo plano
567
,
orientando suas energias principais para o cooperativismo e a ocupao de espaos no
Estado atravs do partido
568
, conforme enuncia seu lder:
Pero la huelga es una forma de lucha rudimentaria, es una accin
negativa, pasiva; en la huelga slo los obreros se unen para no hacer.
Por eso sus resultados son tan escasos, y obtenidos a costa de tantos
sacrificios. Slo en el esfuerzo activo, slo en la lucha poltica y en la
asociacin cooperativa, puede adqurir la clase obrera los
conocimientos y la disciplina que le hacen falta para llegar a la
emancipacin
569
.

Justo interpreta o cooperativismo como (...) ante todo uno de los mtodos de la
emancipacin obrera
570
.

Divulgador convicto do movimento, seu foco na prtica sero
as cooperativas de consumo observando que, na experincia histrica, as cooperativas
de produo dificilmente viabilizam-se, degenerando-se frequentemente em empresas
capitalistas para sobreviverem
571
. Tambm chama a ateno para o fato de que o fim da

567
No hace adelantar un paso su educacin tcnico-econmica, si bien puede dar impulso a su
educacin poltica. JUSTO, Juan B. Teora y prctica de la historia. Buenos Aires: Ediciones Libera,
1969, p. 455.
568
Justo identifica uma evoluo histrica nas formas de luta dos trabalhadores, inspirando sua proposta
para a Argentina na realidade da Blgica em particular (pas que conheceu): Poco haramos si nos
diramos el mismo punto de partida que tuvieron los ideales socialista de Europa. Para ver como ha
evolucionado el movimento obrero, lo mejor es comparar el de Inglaterra, Alemania y Blgica. En la
primera empez como movimiento gremial, y as se conserva siendo esto una de las causas de su
estancamiento y de su atraso; en Alemania predomin el carcter poltico del movimiento, y en esa forma
ha adquirio su grande desarrollo; en Blgica donde empez despus, al carcter gremial y poltico, se
agrega desde un princpio el elemento cooperativo, y en esta forma llega a adquirir una imortancia
relativa mayor que en cualquier otra parte. Debemos buscar nuestro modelo en las formas ms recientes
adoptadas por el movimiento obrero, y las ideas socialistas, en un pas virgen de ideas, tomarn as una
importancia principal si no decisiva. Ibidem, p. 30-31.
569
Ibidem, p. 33. Y mucho ms que la poltica pesa en los destinos del mundo la accin tcnico-
econmica de los hombres entrar tambin colectivamente en la accin tcnico-econmica con fines
propios, por su propia iniciativa y su propia cuenta. Es lo que hace en la cooperacin libre y en la
administracin de servicios pblicos, que lo educan como clase productora autnoma y ofrecen a las
aptitudes de sus individuos ms capaces vastsima aplicacin. Idem. Teora y prctica de la historia.
Buenos Aires: Ediciones Libera, 1969, p. 402.
570
Ibidem, p. 405.
571
Justo dedicou-se pessoalmente a uma cooperativa: El Hogar Obrero se fund el 30 de julio de 1905
por iniciativa de Juan B. Justo, Nicols Repetto y otros ciudadamos vinculados con el socialismo
argentino. Contra la creencia generalizada, no naci como cooperativa de consumo sino con el propsito
de contribuir a la solucin del problema de la vivienda obrera. El primer prstamo se otorg en 1907 y
tres aos despus se registraban 130 casas construidas. Sin abandonar este rubro, en 1913 comenzaron
a crecer paulatinamente las actividades con la incorporacin de una seccin de consumo: alimentos,
tienda, merceria, zapateria, libreria, carbny sastreria. Como los aportes de los socios resultaban
insuficientes para operar en tantos rubros se apel al ahorro de los asociados. Con ello se logr cumplir
un objetivo ideolgico - orientar los ahorros del pueblo en beneficio del mismo sector y no con criterio
capitalista - a la vez que se hall una fuente de financiamiento conveniente para ambas partes: para la
cooperativa por su menor costo y para los depositantes por los beneficios derivados de su condicin de
asociados. Este mesmo texto faz um breve relato do espetacular crescimento posterior da cooperativa,

178

propriedade privada no deve ser confundida com a coletivizao, que, na sua opinio,
significa somente a pulverizao de um privilgio
572
.
Na viso do socialista argentino, a fora da cooperativa de consumo reside no
seu potencial associativo, que, na cidade como no campo, poderia contrapor-se ao
monoplio capitalista
573
. Sua proposta reforar a posio dos trabalhadores atravs da
associao para o consumo, que serviria como um instrumento de defesa contra o lucro
excessivo, fruto da desigualdade inererente ao encontro entre o produtor monopolista e
o consumidor individual no mercado. Novamente, revela-se que o seu foco no so as
relaes de produo, mas o enfrentamento de um privilgio. O entusiasmo do lder
argentino pelo potencial do cooperativismo como modalidade sutil e eficaz de
transformao econmica ecoa ao socialismo utpico europeu da primeira metade do
sculo XIX
574
: (...) sin establecer nuevos dogmas, sin crear nuevos smbolos, sin

at a sua quebra nos anos 90: Como el Titanic, al que segn los entendidos ni Dios poda hundir , la
Cooperativa El Hogar Obrero aparentaba ser una institucin a prueba de cualquier desastre. Basta con
repasar sus nmeros de finales de 1990 para ratificar ese pensamiento: era la primera empresa privada ,
ocupaba el sexto lugar en el ranking de las empresas de comercio y servicios despus de cinco empresas
pblicas hoy privatizadas (YPF, ENTEL, SEGBA, Gas del Estado y Ferrocarriles Argentinos), daba
trabajo a ms de 13.500 personas, tena la mayor cadena de comercializacin de productos para el
consumo familiar (con ms de 300 locales) y a travs de sus planes de vivienda familiar haba construido
numerosos barrios y otorgado millares de crditos personales. Era un inmenso emporio
socioeconmico que atenda las necesidades de casi dos millones de asociados. Como al Titanic, a El
Hogar Obrero le bast chocar con un iceberg (lase el contexto hiperinflacionario de la poca y la
imprevista aparicin del Plan Bonex a fines de 1989, como ms adelante explicaremos) para que su
estructura aparentemente inquebrantable hiciera agua por todos lados y se fuera a pique con la mayora
de los pasajeros a bordo (lase ahorristas). Se trat de una autntica tragedia que dej en la ruina a
miles de familias, las que haban confiado sus depsitos a una entidad segura y responsable. Una
primera lectura de lo ocurrido nos permite concluir que la cooperativa fue la primera gran vctima de la
dcada menemista (despus la sucederan muchas otras), ya que entre otros desplantes la gestin del
riojano le neg un prstamo puente de 20 millones de dlares que quiz hubieran evitado el colapso
sobreviniente. BENINI, Marcelo. El fin de la inocencia. 2001. Disponvel em:
<http://www.eho.org.ar/Eho18001.htm> Acesso em: 28/06/2011, grifos no original.
572
Toda forma de propiedad es en principio un privilegio, en detrimento de la clase productora en
general. (...) Si fuera posible un ferrocarril de los ferrocarrileros, dejara por eso de ser un monopolio?
JUSTO, Juan B. Teora y prctica de la historia. Buenos Aires: Ediciones Libera, 1969, p. 420-421. Esta
compreenso embasar a crtica de Justo coletivizao dos meios de produo na Revoluo Russa:
...tratarase siempre de un privilegio o monopolio, idntico a la propriedad privada, aunque distribudo
entre mayor nmero de personas y conducente a los mismos conflictos. Idem. Internacionalismo y
Patria. Buenos Aires, Ed. La Vanguardia, 1933.
573
A los enormes bloques de capital privado opone la aglomeracin de sinnmero de pequesimos
haberes, reforzada por la voluntad solidaria de la masa consumidora. Idem. Teora y prctica de la
historia. Buenos Aires: Ediciones Libera, 1969, p. 429.
574
La necesidad del progreso tcnico y la aspiracin de los trabajadores a la independencia econmica
conducen paralelamente al Socialismo. El obrero de un gran molino moderno o de una gran destillera
no puede pensar en independizarse estableciend una tahona o un pequeo alambique, ni los empleados
de un ferrocarril aspirar a tener, cada uno, un carruaje o un carro para competir con la va frrea. Lo
que esos obreros piensan, o deben pensar, para ser libres, es hacerse dueos del molino, de la destillera,
del ferrocarril. Y la dependencia recproca de las diversas ramas de la produccin, as como el espritu
de solidaridad, tan activo ya en las filas trabajadoras, hacen que la evolucin de la propiedad de los
medios de produccin, se conciba como la substitucin de los propietarios particulares, parasitarios y

179

desdear ninguno de los vulgares medios de accin que le ofrece el mundo capitalista,
la cooperacin libre est creando un mundo econmico nuevo (...)
575
.
Subjacente adeso de Justo ao cooperativismo est uma crena na evoluo
gradual e pacfica do capitalismo ao socialismo, que tem como correspondente poltico
a organizao de partidos defensores do interesse da classe trabalhadora, no marco de
uma democracia ancorada no sufrgio universal
576
. Nesta perspectiva, o socialista
argentino constata uma evoluo entre a greve como forma violenta de reivindicao
social e o voto como modalidade pacfica de expresso da vontade popular : (...)la
huelga general es el equivalente moderno de la antigua insurreccin, la manifestacin
ms fuerte de la voluntad del proletariado, cuando ste no puede o no sabe exteriorizar
su energa en forma ms eficaz
577
.
Justo entende que a evoluo histrica aponta para a organizao de partidos
identificados com o interesse dos trabalhadores, sua progressiva conquista do poder
poltico e a paulatina socializao dos meios de produo
578
. Embora levante objees
sobre a democracia na Amrica Latina
579
, duvidando da lisura dos pleitos na Argentina,

expoliadores, por la comunidad laboriosa entera para instituir una gran republica cooperativa, donde,
ejercitando todos en el trabajo sus ms altas aptitudes, cada uno disponga del producto de su trabajo.
Idem. La realizacin del socialismo. Buenos Aires. La Vanguardia, 1947, p. 195, grifo nosso.
575
Idem. Teora y prctica de la historia. Buenos Aires: Ediciones Libera, 1969, p. 430. Esta f o conduz
a uma leitura ingnua do cooperativismo em chave marxista, segundo a qual, por no ambicionar o lucro,
a cooperativa opera com valores de uso e no mercadorias: (...) hay productos, pero no mercancas , la
accin econmica del pueblo busca de inmediato el valor de uso, rene la sencillez y la ingenuidad de la
economa primitiva a la exactitud y la fuerza de la moderna. Da o discernimento que faz entre as
modalidades cooperativas. Para o consumo funcionaria porque La acumulacin cooperativa es con fines
de uso, no con fines de ganancia. Mas, para a produo, fracasa o degenera cuando pretende
introducir para la venta en el mercado abierto para el cambio. Ibidem. Do ponto de vista terico, Justo
aborda o problema da mercadoria e do seu valor pela esfera do consumo e no da produo: o carter do
valor est determinado pela finalidade do consumo para uso e no pelas relaes de produo que a
geraram para a troca. Explicita-se novamente a ausncia da teoria do valor marxista.
576
Mediante el voto, deja de ser servil una clase que gobierna. Ibidem, p. 458. Em Teora y Practica,
est implcito um debate crtico com os anarquistas e seus mtodos como pano de fundo dos trs captulos
que abordam os instrumentos polticos da classe trabalhadora.
577
En cuanto el progreso histrico obedece a leyes y decretos, todo progreso es pacficamente posible
mediante el sufragio universal. E adiante agrega sobre a greve geral: Nunca vista hasta ahora en los
pases de gobierno ms democrtico (...) Ibidem, p. 458.
578
Los pases moderno tienen todos, pues, su partido obrero. E adiante: (...) sus fines, que consisten
ante todo en la defensa y elevacin de los que viven de un salario. (...) organizacin internacional del
proletariado en partido de clase para la conquista del poder poltico y la socializacin de los medios de
produccin. Ibidem, p. 462.
579
Grandes son los obstculos a la accin poltica normal del pueblo trabajador en nos pases
americanos de lengua espaola: la ignorancia y la falta de educacin societaria, las relaciones casi
feudales entre los pobladores y los seores del suelo en grande parte del continente, la influencia
perniciosa de la poltica criolla de las oligarquas que embrutecen y corrompen al pueblo con su
ejemplo, la inmigracin de los pueblos ms atrasados de Europa. Ibidem, p. 469.

180

onde nadie cree en la verdad de las elecciones, sua aposta poltica para o pas ser,
no obstante, a democracia obrera e o seu instrumento o Partido Socialista
580
.

iii. plataforma socialista
O Partido Socialista ser a organizao criada e comandada por Juan B. Justo
com a finalidade de concretizar uma poltica coerente com as premissas ideolgicas que
fundamentam a sua interpretao da histria na Argentina
581
. Desde a sua fundao em
1896 at a morte de seu lder indiscutvel em 1928, a atuao do partido gravitar em
torno a alguns temas fundamentais: a superao da poltica criolla atravs de uma
reforma poltica que amplie o contingente eleitoral e conceda a cidadania aos
estrangeiros; a extenso e consolidao dos direitos trabalhistas; um programa de
reforma para o campo; mudanas no sistema tributrio e monetrio visando proteger o
poder de consumo dos trabalhadores; a defesa do livre-comrcio amparada por uma
crtica ao privilgio econmico e ao patriotismo vulgar, nos marcos da sua leitura
singular do movimento da histria. Alm desta agenda poltica nacional, Justo e os
socialistas envolveram-se em iniciativas diversas, como a fundao da Biblioteca
Obrera e da Sociedad Luz
582
, voltadas para a formao poltica, e o empreendimento
cooperativista Hogar Obrero. Sintonizada s demandas da classe operria mundial de
seu tempo, a plataforma fundamental do partido foi explicitada desde o seu manifesto
original, redigido em 1896:


580
Fundado originalmente com a denominao Partido Socialista Obrero de Argentina em 1896, o partido
ser conhecido simplesmente como Partido Socialista desde incios do sculo XX.
581
Cumpre assinalar o diagnstico que o prprio Justo faz, em 1898, do desafio poltico colocado na
circunstncia em que surge o Partido Socialista no pas: Coincidiendo con una poca de activo
desarrollo econmico, este estancamiento de nuestra vida poltica llama especialmente la atencin; pero
es bien explicable si se atiende a la complejidad del proceso de la historia, que hace posible, por pocas,
la disociacin de sus elementos. Ya hemos visgto que las cosas necesitan ser prcticamente
comprendidias para qwue influyan en un sentido progresivo como factores histricos. En los ltimos
treinta aos nuestro progreso econmico ha sido inmenso: la raza de los ganados argentinos ha
mejorado, la gran agricultura se ha radicado en el pas, se ha construdo una extensa red de
ferrocarriles, se han cavado puertos, nuestro comercio ha tomado un gran vuelo, han inmigrado al pas
millones de hombres y capitales extranjeros. Pero nos falta la conciencia de los efectos de todos esos
cambios sobre la sociedad argentina, y por eso nuestra poltica no progresa. Idem. La realizacin del
socialismo. Buenos Aires. La Vanguardia, 1947, p. 169.
582
Fundada em 1899 no bairro da Boca, elencava dentre as suas finalidades: difundir en el pueblo las
nociones y los mtodos de la ciencia; educar sus facultades de expresin hablada escrita y artstica;
sostener una biblioteca pblica, con una seccin especializada en cooperativismo y ciencias
econmicas, sociales y polticas. O edifcio foi recentemente restaurado, abrigando uma Universidad
Popular at os dias de hoje. ROMERO, Ricardo. Sociedad Luz. Universidad Popular Socialista en
Argentina. <http://www.suite101.net/content/sociedad-luz-universidad-popular-socialista-en-argentina-
a35645>. 2011. Acesso em: 28/6/2011.

181

El Partido Socialista Obrero sostiene la jornada legal de ocho horas,
la prohibicin del trabajo de los nios menores de catorce aos, y el
salario igual para las mujeres y los hombres cuando hagan un trabajo
igual, medidas tendientes a mantener el precio de la mano de obra, a
asegurar a los trabajadores el reposo necesario, a moderar la infame
explotacin de que son vctimas las mujeres, y a hacer posible la
educacin de los nios. El Partido Socialista pide la abolicin de
todas las gabelas llamadas impuestos indirectos, que pesan sobre el
pueblo. Pide que los gastos del Estado salgan de las cajas de los
capitalistas, en forma de impuesto directo sobre la renta. Pide que se
establezca por la ley la responsabilidad de los patrones en los
accidentes de trabajo, para que las vctimas de esos accidentes no
tengan que pedir limosna, ni dejen sus familias en la miseria, como
premio de sus esfuerzos. Pide la instruccin laica y obligatoria para
todos los nios hasta cumplir los catorce aos. Como reformas
polticas el Partido Socialista lucha por el sufragio universal y la
representacin de las minoras, en todas las elecciones nacionales,
provinciales y municipales. Quiere la separacin de la Iglesia y del
Estado, en homenaje a la libertad de conciencia, y para no privar a
los catlicos del gusto de costear ellos solos el culto en que ellos solos
creen. Tales son las reformas inmediatas ms importantes porque
combate nuestro partido
583
.

Poucos anos depois da sua fundao, o partido revelou atravs de uma
conferncia ditada por Justo, intitulada El Programa Socialista del Campo, a
incorporao da questo agrria sua pauta social. O horizonte deste programa a
democratizao do acesso terra, criando uma camada de produtores rurais inspirada no
modelo neozelands, em que o Estado conserva a propriedade dos terrenos e cede ou
arrenda a sua explorao. O partido no pregou a expropriao direta dos latifndios,
mas advogava um imposto progressivo com o objetivo de acelerar a tendncia histrica
de diviso das unidades produtivas
584
. Elevar as condies de trabalho do produtor rural
e penalizar a renda da terra so os pilares da proposta, orientada ao desenvolvimento
capitalista do campo.

Nuestro plan para fomentar la divisin del suelo debe ser sencillo:
por una parte, levantar al trabajador del campo, dignificando su
situacin, y librar el capital agrcola y ganadero de toda traba a su
actividad; as se formarn los hombres con las aptitudes y los medios
para constituir una numerosa clase de productores autnomos mejor
situados que los de hoy. Y, al mismo tiempo, hay que transformar el


583
Partido Socialista. Primer Manifiesto Electoral (1896). In: BOTANA, Natalio & GALLO, Ezequiel.
De la Repblica posible a la Repblica verdadera (1880-1910). Buenos Aires: Ariel, 1997, p. 316-317.
584
Aps a Primeira Guerra e o triunfo da Revoluo Russa, ainda sustenta: La nacionalizacin del suelo
ser en todas partes y por muchsimo tiempo incompatible con las formas efectivas del trabajo agrcola,
mientras que la reforma que proponemos es inmediata y gradualmente realizable, simplemente por medio
del impuesto. JUSTO, Juan B. Internacionalismo y Patria. Buenos Aires: La Vanguardia, 1933. p. 46.

182

sistema de impuestos, para que stos, en lugar de pesar sobre la vida
y el trabajo, graven el privilegio en su forma patente y controlable de
renta de la tierra
585
.

Como deixa claro o programa, seu norte conciliar progresso econmico e
integrao social nos marcos do projeto socialista para o pas. Em consonncia com as
premissas desta poltica, Justo elucida que o foco dos trabalhadores deve ser o combate
renda da terra como um privilgio que obsta o desenvolvimento do campo argentino.
Esta posio supe uma distino entre o latifundirio rentista e o empresrio rural, em
que est subjacente a valorizao do trabalho de direo econmica realizado pelo
segundo, sugerindo a sua aliana com os trabalhadores:

En su spero roce diario con el patrn, los obreros ignoran u olvidan
que ste no es en manera alguna el prototipo del parsito social; l
arriesga al menos su capital en la produccin, organiza el trabajo,
trabaja mucho a veces, sufre las fatigas y penas del mando, y, en
general, no consume demasiado. Que lejos del taller y del campo
estn, entretanto, el rentista y el parsito oficial, devorando en calma
el producto del trabajo ajeno! En su forma primitiva y gremial, la
lucha de clases se sostiente directa y exclusivamente entre patrones y
obreros; pero en su forma desarrollada de accin poltica, debe a
veces dirigirse a que el parasitismo burocrtico y la renta no
absorban lo que necesita el empresario para la remuneracin del
trabajo
586
.

Avaliando como prematuras algumas propostas desejveis para o campo
argentino, como a limitao da jornada de trabalho ou a expropriao indenizada dos
latifndios
587
, os socialistas defendem, de imediato, medidas destinadas a elevar o
padro de vida do trabalhador rural, assalariado ou arrendatrio: aumento de salrios,
abolio de impostos sobre o consumo, regulamentao do trabalho, proibio do
pagamento com vale
588
. exceo do ltimo ponto, estas propostas so comuns aos

585
JUSTO, Juan B. El Programa Socialista del Campo. Conferencia dada el 21 de abril de 1901 en el
saln Vorwaerts de Buenos Aires. Buenos Aires: La Vanguardia, 1915, p. 28.
586
Ibidem, p. 17-18.
587
Tales son, a mi juicio, las reformas que por ahora conviene sostener. Cuando el pas tenga gobiernos
realmente elegidos y vigilados por el pueblo, ser el momento de pedir la expropiacin de los latifundios
por el precio de la tasacin de la contribucin directa, para venderlos en lotes menores al precio de
costo, ms los gastos de mensura y administracin. Ibidem, p. 29. Evidencia-se a moderao da proposta
socialista, que, mesmo na hiptese de um governo favorvel, prev uma reforma agrria baseada em
mecanismos de mercado.
588
Esas cuestiones de moneda, de impuestos, de regulamentacin del trabajo y del alojamiento, y la
prohibicin de pagar los salarios con vales a cobrar en las casas de negocio, lo que casi siempre es una
forma disimulada del truck-system, con todos sus cicios e incovenientes para el trabajador, son los
temas polticos que ms pueden interesar a los obreros del campo. Ibidem, p. 13.

183

trabalhadores urbanos e esto referidas a um projeto nacional que visa a equilibrar a
correlao de foras entre capital e trabalho como caminho para a democratizao da
sociedade argentina
589
. Abordando especificamente a realidade vivida pelos
arrendatrios, o foco do programa garantir estabilidade legal aos contratos, rompendo
com a lgica de rapina que caracteriza a ocupao e explorao do campo, e, na opinio
de Justo, faz com que o pas se assemelhe a un gran campamiento en que la poblacin
no tiene sosiego ni arraigo
590
:

Para que la pampa se pueble de rboles y casas habitables, es
necesario que la ley favorezca a los arrendatarios, asegurndoles el
goce de su trabajo; que les garantice el usufructo de la casa, como les
asegura la cosecha del ao; que los propietarios paguen a los
arrendatarios las mejoras que stos dejan en los campos
591
.

Visto em seu conjunto, o programa para o campo inscreve-se nos marcos gerais
de um projeto socialista que objetiva integrar a populao atravs do trabalho, ao
mesmo tempo em que estimula o progresso econmico, propondo uma via democrtica
de desenvolvimento do capitalismo argentino
592
. Esta integrao dos trabalhadores tem
uma dimenso econmica e outra poltica, na medida em que os socialistas, em
consonncia com o projeto sarmentino, defendem a concesso de direitos polticos aos
estrangeiros, alm do sufrgio universal. Esta no uma bandeira desinteressada, uma
vez que os trabalhadores imigrantes constituem uma potencial base eleitoral para o
partido.

589
Para hacer una poltica rural oportuna y prctica, sin estancarse en vaguedades ni perderse en
incoherencias, el Partido Socialista necesita aplicar su ms amplio sentido poltico, guiandose siempre
por su objectivo inmediato y principal: la defensa y la elevacin del trabajador asalariado. Ibidem, p.
5.
590
La ley argentina no permite arriendos para ms de diez aos; parece calculada para un pueblo de
especuladores de tierra y hace del pais un gran campamiento en que la poblacin no tiene sosiego ni
arraigo. Ibidem, p. 20.
591
Ibidem, p. 21.
592
Se est formando en este pas, y es de desear para la democracia y el progreso que su desarrollo sea
rpido, una clase de agricultores y criadores que, en campo propio o arrendado, producen en moderada
escala. Ibidem, p. 13. Observa-se novamente uma notvel convergncia com o iderio sarmentino, que
extraiu vrias de suas propostas para a Argentina da observao dos Estados Unidos. SARMIENTO,
Domingos Faustino. Viajes. 2. ed. Madrid: ALLCA XX, 1996. Justo refere-se legislao agrria
estadunidense como um modelo inspirador. Programa del campo, p. 30. Cabe observar que, assim como
Sarmiento, Justo empreendeu em 1895 uma viagem de estudos a esse pas, que resultou em uma srie de
artigos revelando que o socialista argentino partilhava da admirao em relao ao desenvolvimento
material dos Estados Unidos, embora desprezasse o seu nvel cultural, fundamentalmente pela baixa
aderncia das ideias socialistas, e criticasse a sua poltica em termos como: La historia de un gran
pueblo no puede seguir siendo el deplorable cuadro de mentira, anarqua y corrupcin que ofrece hoy la
sociedad americana. JUSTO, Juan B. La realizacin del socialismo. Buenos Aires. La Vanguardia,
1947, p. 123.

184

Em termos ideolgicos, esta abertura poltica dos socialistas aos trabalhadores
estrangeiros enseja uma viso crtica do patriotismo
593
, valorizando a mistura de
nacionalidades que, atravs da imigrao, confluem para formar o povo argentino
594
. De
modo geral, no discurso socialista a unidade nacional aparece subordinada identidade
de classe
595
, evidenciada na recorrente denncia de expresses nacionalistas que
mascaram relaes de dominao
596
, denunciadas como patriotismo vulgar, sugerindo
que o verdadeiro patriotismo implica uma convergncia entre a integrao nacional e o
internacionalismo socialista.

Todas esas formas de patriotismo activo, antagonicas con nuestro
intereses nos inducen a pensar y creer firmemente que el provenir de
nuestro pas y del internacionalismo est en que cada pueblo tenga
una creciente preocupacin colectiva de su propio desarrollo
histrico, y es lo que hacemos los socialistas argentinos, forma de
patriotismo la ms conducente y fecunda
597
.

No plano econmico, a defesa intransigente do livre-comrcio pode ser
interpretada como uma expresso desta subordinao ideolgica do interesse nacional s
contradies de classe. Na perspectiva de Justo, o protecionismo implica um privilgio
econmico que lesa os trabalhadores porque incide no seu custo de vida, alm de
contrariar o sentido da histria conducente integrao mundial. A apologia ao livre-

593
Justo denuncia a irracionalidade que alimenta o patriotismo: De cualquier color, la bandera no sirve
sino para sugestionar y arrastrar inconscientes. Para qu ese color, que habla a los sentidos y excita los
instintos de los hombres, sino porque no se quiere hablar a su inteligencia? Idem. Internacionalismo y
Patria. Buenos Aires: La Vanguardia, 1933, p. 237. Seu descaso dos smbolos ptrios provocou diversas
polmicas no congresso enquanto exerceu mandato parlamentar, que seguramente contriburam para a
propaganda socialista. Ver os relatos na obra supracitada.
594
Y precisamente porque no exclumos a nadie, porque no tenemos odio ni prejuicios de raza,
garanticemos a todos los trabajadores del pas, mediante la ley, contra los excesos de explotacin a que
da lugar la incapacidad proletaria para organizarse y defenderse. Y as ha de formarse un pueblo
argentino, vigoroso y progresivo, para el cual la salud y la libertad no sean meras palabras, sino
realidades conquistadas por su esfuerzo. Ibidem, p. 121.
595
Pero hay entre los hombres demasiadas diferencias reales, para que necesitemos buscar en el
patriotismo diferencias ficticias, que, por otra parte, no pueden conducir al progreso, sino al retroceso. Y
hoy menos que nunca, y un socialista menos que nadie, puede buscar el progreso en el juego de las
preocupaciones patriticas, cuando en el mundo entero civilizado est planteada la lucha de clases, la
lucha entre los poseedores y los desposedos, diferencia y contraste frente a los cuales desaparecen las
distinciones de frontera, de lengua ode raza, lucha en que se unen los trabajadores del mundo entero, y
de la cual tiene que resultar en primer trmino el progreso social. Ibidem, p. 106.
596
El desarrollo en el mundo no europeo de un movimiento poltico obrero que lleve la poltica obrera
internacional a su verdadero terreno contribuir a debilitar aquellos estrechos nacionalismos y a
acelerar la revolucin de Europa hacia su necesaria politica. A pesar de su poder, los Estados Unidos no
parecen ser los que ms contribuyen a esa obra. (...) La misma afirmacin hecha por Wilson del derecho
absoluto de cualquier pueblo a la autonoma, cuando la interdependencia entre las naciones es y debe
ser cada vez mayor, contradice no solamente la moderna teora histrica, sino tambin la poltica de los
Estados Unidos en Puerto Rico, en Filipinas, en Centro Amrica y en Cuba. Ibidem, p. 183-184.
597
Ibidem, p. 81.

185

comrcio, identificado como um postulado do progresso, est referida base econmica
da histria que o socialista argentino absorveu de Marx, induzindo-o a analisar a
independncia argentina e mesmo a Primeira Guerra Mundial a partir deste prisma
598
.
Na sua viso, existem nexos imediatos entre o protecionismo econmico e o
nacionalismo, acobertando a contradio entre as classes sociais que desconhece
fronteiras. Como decorrncia desta leitura, o socialismo argentino assume uma singular
confluncia entre defesa do livre-comrcio e internacionalismo
599
.

Somos internacionales, con lo que queremos decir que comprendemos
como una realidad fundamental del mundo moderno, y como una
necesidad cada vez ms fuerte de la vida colectiva universal la
vinculacin prctica de los pueblos entre s para satisfacer
recprocamente sus necesidades mediante las corrientes del comercio,
cooperacin internacional que aun cuando se haga a impulso de los
intereses del capital, es necesaria, aun para la masa popular que la
realiza sin comprenderla; cooperacin internacional que queremos
sea cada da ms amplia y ms completa, ms consciente y ms
libre
600
.

O apoio incondicional ao livre-comrcio no significa que Justo seja indiferente
presena do capital internacional na economia nacional. Em sua atuao parlamentar,
o socialista argentino favoreceu o estabelecimento de algum nvel de controle do Estado
sobre as empresas estrangeiras em nome do interesse nacional
601
. Na sua tica, a

598
Analisando a adeso dos socialistas europeus Guerra Mundial, Justo escreve: Por intereses
estrechos de gremio y perjuicios de partido contra la libertad de comercio internacional, principio de
origen burgus, se ha cultivado la peor forma de solidaridad entre los patrones y obreros, las basada en
la titulada proteccin aduanera, que mancomuna a los empresarios y trabajadores de cada ramo, no slo
contra los empresarios y trabajadores del mismo ramo en el extranjero, sino tambin contra los otros
trabajadores del propio pueblo. En Francia los socialistas no han hecho nada imporante contra l
amuralla aduanera que lo separaba de los otros pueblos. En Alemania, haba en el seno del Partido
Socialista fuertes corrientes de proteccionismo agrario e industrial. No se encuentra una palabra sobre
la libertad de comercio en las larags declaraciones de los congresos socialistas internacionales sobre la
guerra y los medios de evitarla. Las relaciones economicas de los pueblos eran completamente ignoradas
en esas frmulas inspiradas por el materialismo histrico. Se deca en ellas que el militarismo era
engendrado por el capitalismo en busca de nuevos mercados, pero no se sugera la necesidad de quitar
esa razn de ser al militarismo abriendo todos los mercados a la libre circulacin del capital
internacional. Ibidem, p. 129.
599
Esta confluncia se explicita nas proposies da delegao argentina no Congresso Socialista
Internacional de Berna e Amsterd realizado aps a Grande Guerra: Lo que nos importa sobre todo,
desde el punto de vista socialista, es dar a la paz bases sanas y durables, en el desarrollo del comercio
internacional, y comenzar de inmediato la reduccin gradual de los derechos de aduana hasta su
extincin total en un plazo mximo de veinte aos. Ibidem, p. 21.
600
Ibidem, p. 90.
601
Qu se les pedira a esas empresas? Se les pide que tengan un directorio en la Argentina para evitar
y resolver los conflictos con el personal. Se les pide que en caso de producido el conflicto, y no
pudindose poner de acuerdo, se atengan a la opinin del rbitro nombrado por el Poder Ejecutivo,
porque sera inconcebible que se autorizase a las empresa a mantener su resistencia a exigencias

186

natureza dos negcios multinacionais representa um agravante explorao capitalista,
na medida em que os lucros repatriados deixam de estimular, ainda que minimamente, a
atividade econmica nacional: El ausentismo es siempre una agravacin del
capitalismo
602
. No entanto, sua crtica est enquadrada por uma viso segundo a qual o
investimento estrangeiro necessrio e inevitvel para promover o crescimento
econmico do pas. Face inaptido da burguesia criolla, o desenvolvimento argentino
est atrelado, na viso de Justo, ao dinamismo do capital internacional:

En realidad, la entrada de grandes masas de capital extranjero es
necesaria e inevitable. En Europa el dinero gana un inters bajsimo,
aqu uno relativamente alto. Las grandes empresas de construccin,
que es necesario realizar para completar la explotacin del pas y del
pueblo trabajador que lo habita, no pueden ser hechas por la clase
rica criolla, disipada e inepta. Y no solo los ferrocarriles, los puertos,
las obras de salubridad, las aguas corrientes, el alumbrado pblico,
los tranvas, etc. etc. pertenecen a empresas extrajeras, o lo que es
equivalente, han sido hechos con dinero tomado en prstamo del
extranjero, sino que hasta el suelo va cayendo en sus manos. Para que
este pas se desarrolle, es necesario que as suceda. El capital
extranjero va a acelerar la evolucin econmica del pas; y con
mayor fuerza aun va acelerar su evolucin poltica y social
603
.

Interpretada como um agravante da explorao capitalista, a crtica de Justo ao
capital internacional est referida fundamentalmente contradio entre as classes
sociais e no formao da nao, de maneira anloga ao que ocorre no plano
ideolgico em relao sua viso sobre o patriotismo. Paradoxalmente, a chave para a
integrao nacional no socialismo argentino supe o acordo entre as classes, resolvendo
as contradies sociais atravs do dilatamento das instituies democrticas vigentes.

legtimas de los trabajadores, causando con ello perjucios enormes a toda la economa nacional. Por fin
se les pide que informen a los argentinos cules son los detalles de su vida interna, qu operaciones
efectan, qu dividendos producen, y cules son los negocios de esas empresas que realizan sus
ganancias con el trabajo de obreros y empleados argentinos. Todo esto, seores, me parece del mejor
nacionalismo. Ibidem, p. 76-77.
602
Si hay un profundo antagonismo entre los capitalistas y los proletarios que habitan un mismo pas, lo
hay ms profundo aun cuando los seores del captial estn a distancia. La clase rica del pas es para el
pueblo un motivo de miseria, porque le quita una gran parte del producto de su trabajo. Pero ese despojo
es en cierta medida atenuado, porque el capitalista aqu establecido gasta aqu tambin la mayor parte
de sus rentas. La satisfaccin de su vanidad, y de sus apetitos de lujo, da ocupacin a muchos. Ese
trabajo es casi siempre intil y humillante, pero al menos proporcional al que lo hace medios de vida.
Con el capital extranjero no es as. Los millones que van anualmente a Europa como dividendo e
intereses de las empresas y del capital extranjero, no contribuyen ms a sostener el pueblo argentino,
que si lo quemaran o fueran arrojados al mar. El ausentismo es siempre una agravacin del
capitalismo. Ibidem, p. 188.
603
Ibidem, p. 187.

187

Neste sentido, as classes so convidadas a amadurecer o seu papel poltico, realizando
as potencialidades integradoras da institucionalidade corrente: capitalistas devem aceitar
a modernizao poltica; os trabalhadores devem protagoniz-la; e os imigrantes
precisam assumir seus laos com o pas adotivo. Justo sintetiza nestas palavras o
caminho vislumbrado para a formao argentina:

El pueblo argentino est muy al principio de su evolucin, y en su
desarrollo han de influir muy poderosamente todas las verdades que
desde ahora entren en juego. Si esto fuera generalmente comprendido
y aplicado en la prensa y en la poltica, pronto seramos capaces de lo
que ahora nos parece imposible. La clase capitalista dejara de
dividirse en partidos personales y formara partidos econmicos que
representarn los diversos intereses de las distintas clases de
propietarios. El pueblo trabajador compreendra que, excepto
abstenerse, lo peor que puede hacer en poltica es vender su voto, y
buscara ms que hoy en la unin y la accin colectiva el
mejoramiento de su situacin. Los extranjeros se daran cuenta de la
necesidad y del deber en que estn de tomar parte en la poltica del
pas, y contribuiran a hacerla impersonal y cientfica. Y todos
sabran que el bienestar general depende del orden y el progreso; que
arriba de los intereses particulares y momentneos hay intereses
permanentes y generales que respetar. El pas prosperara y
tendramos menos que admirar en los dems pueblos
604
.

Progressista em seu propsito original de democratizar a sociedade argentina, a
plataforma socialista revela contradies que fundamentam as diversas polmicas de
que foi objeto a liderana de Justo desde a fundao do partido: denuncia a fraude
eleitoral mas aposta na eleio; critica o capital internacional mas estimula o livre-
comrcio; na cidade como no campo, se ope explorao de classe mas valoriza o
trabalho de direo dos capitalistas; constata a inaptido da burguesia criolla mas
desconfia da liderana dos trabalhadores argentinos. Em sntese, defende o
desenvolvimento capitalista da economia agroexportadora, mas como via para a
realizao do socialismo mundial.


iv. a hiptese de Justo
Justo inscreve a formao nacional argentina nos marcos de um projeto de
reforma gradual do capitalismo, cujo mtodo o exerccio imediato de uma prtica de

604
Ibidem, p. 198.

188

sentido pedaggico que desdobra-se em duas dimenses, econmica e poltica, visando
qualificar a classe trabalhadora, sem excluso dos demais estratos sociais
605
, para o
socialismo
606
. Para desenvolver as aptides de direo tcnico-econmica, o
cooperativismo; para as aptides polticas, a experincia parlamentar partidria e a
gesto pblica a partir do Estado. Esta proposta assenta-se em uma desconfiana em
relao s possibilidades de autonomia imediata da classe trabalhadora: No tiene an la
clase trabajadora la capacidad tcnico-econmica que le permitir suprimir las
empresas privadas, ni la poltica para formar un Estado plenamente democrtico
607
.
Assim, a via ao socialismo vislumbrada pelo lder argentino encerra um
paradoxo: promovida por um partido de trabalhadores, busca incluir a todos sem
distino de classe, procurando diluir a clivagem social atravs da abolio dos
privilgios, acreditando em uma vitria da razo sobre as determinaes de classe que
resistem mudana. Em outras palavras, prev o recurso s instituies do Estado
capitalista para construir um consenso em torno de um projeto de classe que, em ltima
anlise, as nega
608
:

La poltica obrera tiene a crear una sociedad de hombres que
quieran libremente, que reconozcan todos y respeten de tan buen grado las leyes
sociales como la tcnica respeta las leyes de la fsica. No habr entonces necesidad de
votarlas
609
.

605
Justo conclui sua nota introdutria e dedicatria do livro Teora y prctica com as seguintes palavras:
Hecho para el pueblo, quisiera, sin embargo, este libro ser ledo por personas de toda condicin.
Machiavelli escribiendo para los prncipes enseo al pueblo; cuanto ms no ensearamos a los
prncipes los que escribimos para el pueblo, si se dignaran a leernos! Idem. Teora y prctica de la
historia. Buenos Aires: Ediciones Libera, 1969.
606
No entanto, como destaca Halperin Donghi, os vnculos entre projeto nacional e realizao do
socialismo no se explicitam com clareza: Ya cuando Justo se esforzaba por perfilar una imagen precisa
de la transicin al socialismo, la evocacin de esa transformacin revolucionaria era ms
frecuentemente proyectada hacia un horizonte tan remoto y esfumado que se haca difcil concluir si se la
ubicaba en un futuro histrico, o se la invocaba como un mito movilizador, o se la reduca al legado
acumulativo de una larga etapa de reformas sociales. HALPERIN DONGHI, Tulio. Introduo a: Vida
y muerte de la Repblica verdadera (1910-1930). 2. ed. Buenos Aires: Ariel, 2005, p. 145.
607
JUSTO, Juan B. Teora y prctica de la historia. Buenos Aires: Ediciones Libera, 1969, p. 488.
608
Esta contradio intuda na concluso de Teora y prctica, quando Justo aborda os mtodos e fins
da poltica obrera: depois de recusar sistematicamente a violncia e criticar com deciso a proposta
socialista de ditadura do proletariado, justifica sua proposta com argumentos afins: La poltica obrera es
la coercin para la libertad; se vale transitoria y excepcionalmente de la fuerza para abolir las formas
inveteradas y generales de coercin. Ibidem, p. 494.
609
Lejos de querer imponer sus mandatos por la sugestin o la violencia, la democracia obrera da a sus
exposiciones de motivos la ms amplia difusin, prepara el entendimiento de cada uno para las nuevas
reglas de orden y progreso social (...) Ibidem, p. 494. A premissa que, em uma sociedade de homens
livres, h um padro comportamental e de opinio que permite o estabelecimento de leis sociais regulares
como nas cincias naturais, revelando novamente o fundamento humanista do pensamento de Justo.
Embora o argentino relativize esta premissa: (...) todas las leyes son fisico-intelectuales, naturales y
humanas. No estan escritas en el mundo sino para ser descifradas por nuestra clave y slo existen en el
sentido y el alcance de esta clave. De ah su necesidad, de ah su relatividad. Ibidem, p. 515.

189

O caminho para a formao da nao vislumbrado por Justo projeta uma
evoluo na correlao de foras entre as classes sociais a partir da democratizao da
poltica sem alterar o padro de insero da economia argentina no mercado mundial. O
Partido Socialista pressionar para estabelecer marcos institucionais que superem a
poltica criolla, viabilizando o encaminhamento do conflito social atravs de uma
dinmica parlamentar democrtica, interpretada como a via para realizar uma reforma
social capaz de garantir direitos sociais aos trabalhadores na cidade e no campo, ao
mesmo tempo em que afiana o crescimento da economia agroexportadora no mbito do
livre-comrcio. Em termos ideolgicos, esta proposta supe uma relativa
autonomizao das esferas da existncia, evidente na estratgia reformista do partido,
que assume a compatibilidade entre distribuio econmica e exportao agropecuria;
democratizao poltica e Estado capitalista; ataque aos privilgios e paz social
610
.
Do ngulo da luta de classes, Justo cr encontrar no combate ao privilgio e na
potencialidade da educao brechas que viabilizam a reforma por dentro do capitalismo.
Sua premissa que a igualdade de oportunidades e a primazia da razo so universais
que assentam um espao de consenso entre as classes, fundamento de um projeto social
comum. Este diagnstico minimiza os nexos entre privilgio e reproduo social (a
propriedade dos meios de produo e as funes diretivas no capitalismo)
611
, bem como
entre gesto poltica e direo econmica, identificando um ponto de convergncia entre
o imperativo racional que fundamenta o socialismo e a reproduo capitalista em
outras palavras, entre o interesse dos trabalhadores e da burguesia. Nesta tica, a
irracionalidade identificada com o privilgio no constitutiva do capitalismo, mas uma

610
Ao situar neste descolamento a raiz de uma abertura positiva para a luta democrtica pelo socialismo,
Dotti apenas revela a sua identidade com os pressupostos reformistas de Justo. La desatencin a este
ltimo aspecto (al de la dialctica burgeois/ citoyen, o del mundo donde reinan la libertad, la igualdad,
la propiedad y Bentham), tiene el saludable efecto de permirtirle a Justo recuperar lo poltico en clave
socialdemcrata. Con esta idea queremos indicar la ausencia en Justo de ese momento esencial en la
constitucin del pensamiento de Marx que es la interpretacin del nexo entre economa y poltica a partir
del mdulo hegeliano de la dialctica, enderezaday presuntamente rectificada. (...) Justo presenta una
estruturacin diversa de lo econmico y de lo poltico, lo cual le permite reconocer (aunque no siempre
sin ambigedades) la digamos- autonoma de las figuras jurdico-polticas y, en consecuencia,
proponer unvocamente una lucha democrtica por el socialismo, a partir de la conviccin de que los
valores de la justicia y equidad encarnados en el derecho no son funcionales, sino atitticos a la
lgica del capitalismo. De ello se sigue la valorizacin de la accin parlamentaria, del cooperativismo y
de la practica del partido en trminos democrticos, que no podrn no entrar en colisin con lo que,
luego, ser la va leninista al socialismo. DOTTI, op. cit., p. 118-119. Tarcus, discpulo de Aric
(cuja interpretao comentaremos adiante), baseia sua apreciao sobre Justo no trabalho de Dotti.
611
Por exemplo: La propiedad es una simple relacin jurdica que nuevas leyes pueden cambiar. Lo
importante es que el pueblo aprenda a dirigirse por s mismo, educndose en la prctica de la
solidaridad inteligente. JUSTO, Juan B. La realizacin del socialismo. Buenos Aires. La Vanguardia,
1947, p. 53.

190

impureza que a todos interessa remover, configurando um espao de dilogo entre as
classes sociais no qual assenta-se o seu projeto de nao.
A implicao terica deste raciocnio poltico que Justo subordina os
condicionantes de classe aos universais da igualdade e da razo. Na sua anlise, a
argamassa que liga horizontalmente a sociedade entre as diferentes classes sociais e
verticalmente entre as distintas esferas da existncia so os universais humanistas, e
no a luta de classes. Esta leitura congruente com a rejeio da dialtica como mtodo,
desarmando as consequncias intelectuais e polticas das contradies do capitalismo do
ponto de vista do materialismo histrico. No plano da teoria, o deslocamento da luta de
classes como eixo da crtica esvaziou o carter social dos nexos entre as esferas da
existncia. No plano poltico, desvinculou violncia de classe e capitalismo, premissa de
todo projeto reformista.


c) DESFECHO

Os limites encontrados pelo projeto do Partido Socialista sob o comando de Juan
B. Justo evidenciam-se no contraste com a trajetria do radicalismo, movimento que se
tornaria seu principal concorrente no comeo do sculo XX. O surgimento dos dois
partidos est referenciado contradio estrutural entre a diferenciao social
decorrente do crescimento econmico argentino e as prticas restritivas da poltica
criolla. Ambas organizaes apresentam-se como partidos orgnicos, movidos por um
programa e no por interesses pessoais, orientados por uma direo e no por um
caudilho e, neste sentido, identificam-se como portadores de uma renovao poltica. E,
no entanto, as respostas concretas que constroem no cenrio poltico argentino situam-
se nas antpodas das possibilidades abertas.
A UCR assumiu como ttica a absteno eleitoral at a lei Senz Pea em 1912,
enquanto o PS, apesar de denunciar o carter fraudulento dos pleitos
612
, sempre optou
pela participao. Do ponto de vista programtico, os documentos da UCR expressam,
em um linguajar carregado de adjetivos, uma crtica moralizadora do sistema poltico

612
Porque esa eleccin no ha sido solamente el fraude estpido y mezquino, en que caudillejos y
rufianes reclutan desgraciados seres inconscientes, que llevan como majada de ovejas a servir de
instrumento para elevar a los Pro-Hombres, sino el ms grosero e infames de los atentados (...)
CNEO, Dardo, op. cit., p. 187.

191

vigente
613
, sem avanar um programa social e econmico concreto
614
. J os programas
do PS seguem uma estrutura coerente, que infalivelmente encaminha uma srie de
propostas concretas, englobando desde reivindicaes trabalhistas (como a jornada de 8
horas, proibio do trabalho infantil, salrio igual para homens e mulheres) s polticas
econmicas, sociais e culturais (como o livre-comrcio, a abolio de impostos, sufrgio
universal, ensino laico, a separao de Igreja e Estado)
615
. Como consequncia,
enquanto os socialistas assumiram como postura a defesa dos interesses da classe
trabalhadora
616
, os radicais identificaram-se com os interesses da Nao
617
.

613
Como exemplo, destacamos um trecho do manifesto revolucionario emitido pela organizao por
ocasio do frustrado golpe de Estado impetrado em 1905. Sustanciar aqui las causas que determinan
esta suprema resolucin sera suponer que la Nacin no est compenetrada de ellas. Son tan profundas,
que si no han tronchado su porvenir, han malogrado su vitalidad en uno de los perodos de mayor
autoridad y de ms franca expansin. La moral y el carcter, esos atributos con que Dios ha iluminado el
Universo revelando al hombre que sobre su frente lleva un rayo de divinidad, parece que ya no
inspiraran ni fortificaran el espritu de la Nacin, cuando los gobernantes pueden inferirle los agravios
que es penoso constatar una vez ms al reproducir el esfuerzo revindicatorio. La personalidad moral de
la Nacin ha sido reducida. Debamos haber asumido ya una significacin doblemente importante en el
escenario del mundo y estamos an confundidos entre las repblicas subalternas e inorgnicas de
Amrica. Expuestos a sufrir las consecuencias de las sociedades que por no desenvolverse paralelamente
al deber y al progreso se ven forzadas a buscar su regeneracin en la crisis de las dolorosas
conmociones. Unin Cvica Radical. Manifiesto Revolucionario (1905). In: BOTANA, Natalio &
GALLO, Ezequiel. De la Repblica posible a la Repblica verdadera (1880-1910). Buenos Aires: Ariel,
1997, p. 661-662.
614
Estos elementos notorios de manejo y manipulacin desde arriba tambin eran evidentes en el
carcter amorfo de la ideologa radical, la cual estaba modulada de modo de inspirar en los grupos
urbanos la adhesin a una redistribucin mnima de la riqueza, en vez de inspirarles el anhelo de un
cambio novedoso y constructivo: exiga una diferente estructura institucional, la canalizacin de los
favores oficiales en direccin de las clases medias urbanas, mayor sensibilidad por las inquietudes de los
consumidores, pero preservando el sistema social que haba surgido de la economa primario-
exportadora. Dada la relevancia de los terratenientes dentro del partido, no es de sorprender que el
radicalismo no se transformara jams en un defensor de la reforma agraria o la industrializacin.
ROCK, David. El Radicalismo Argentino, 1890-1930. Buenos Aires: Amorrortu, 2001, p. 67.
615
O contraste entre ambos pode ser constatado a partir dos documentos reunidos em: BOTANA, Natalio
& GALLO, Ezequiel. De la Repblica posible a la Repblica verdadera (1880-1910). Buenos Aires:
Ariel, 1997. Na introduo, os autores escrevem: Mientras el Partido Socialista propona una
plataforma minunciosa y detallada, y se inclinava, no sin juicios crticos, ante la legalidad vigente, la
Unin Cvica Radical de la provincia de Buenos Aires dejaba de lado la enunciacin concreta de
proyectos acerca de la sociedad deseable, salvo los referentes a la reparacin tica de la poltica, y
recurra resueltamente al instrumento revolucionario en el terreno de los medios. Ibidem, p. 55.
616
Fundamentalmente distinto de los otros partidos, el Partido Socialista Obrero no dice luchar por
puro patriotismo, sino por sus intereses legtimos; no pretende representar los intereses de todo el
mundo, sino los del pueblo trabajador, contra la clase capitalista opresora y parsita; no hace creer al
pueblo que puede llegar al bienestar y la libertad de un momento a otro, pero le asegura el triunfo si se
decide a una lucha perseverante y tenaz; no espera nada del fraude ni de la violencia, pero todo de la
inteligencia y de la educacin populares. Partido Socialista. Primer Manifiesto Electoral (1895). In:
BOTANA & GALLO, op. cit., p. 316.
617
La Unin Cvica Radical es la Nacin misma, bregando hace veintisis aos para libertarse de
gobernantes usurpadores y regresivos. Manifiesto de la Unin Cvica Radical al pueblo de la Repblica
(30-3-1916). In: HALPERIN DONGHI, Tulio (introduo e seleo). Vida y muerte de la Repblica
verdadera (1910-1930). - 2 ed. Buenos Aires: Ariel, 2005, p. 559. Esta identificacin de la poltica con
un movimiento nacional, encarnado en un partido y un hombre, conceba el sufragio universal como el
nico medio legtimo para revelar esa orgnica manifestacin patritica. El sufragio universal era as el

192

Os dspares nexos avanados entre programa e base social impactaram a
proposta organizativa de cada um dos partidos. Enquanto os socialistas optaram por
uma estrutura menor e programaticamente coesa
618
, o radicalismo tecer uma rede de
contatos atravs do pas, baseada em um discurso moralista e vago, destinado
incorporao massiva
619
. Entrado o sculo XX, o programa do Partido Socialista se
dirigir fundamentalmente aos trabalhadores urbanos incentivando a nacionalizao dos
imigrantes, frequentemente operrios privados de direitos polticos, enquanto a UCR
orientar o seu discurso aos filhos dos imigrantes, embrio de uma classe mdia gestada
no bojo da diferenciao econmica. A opo eleitoral, a objetividade do discurso e do
programa, a coeso partidria e a base de classe diferenciam, desde a sua gnese, o
Partido Socialista da Unin Cvica Radical. Forjados contemporaneamente, sua atuao
ganhou corpo no contexto de uma notvel expanso econmica no incio do sculo XX,
na qual a formao incipiente de uma classe operria e a proliferao de estratos mdios
aguavam as presses por uma renovao poltica.
O primeiro decnio do sculo XX testemunhou uma vigorosa ascenso do
protesto social na Argentina, sob a influncia preponderante do anarquismo. Neste
perodo, multiplicou-se a sindicalizao de trabalhadores, conformando as primeiras
centrais sindicais. Em 1901 foi fundada a FOA Federacin Obrera Argentina
620
, de
inspirao anarquista, e, dois anos depois, constitui-se a UGT - Unin General de
Trabajadores, inicialmente de orientao socialista, mas posteriormente influda pelo
sindicalismo revolucionrio. Apesar das distintas tentativas de unificao verificadas a
partir de 1906, sero raros os momentos em que a ao de ambas as organizaes
confluir com a poltica do Partido Socialista
621
. De modo geral, a relutncia dos
socialistas argentinos em aderir ao confronto como mtodo de reivindicao social e as
ressalvas com relao ao recurso greve decretaram a dominncia das correntes

instrumento que dara a luz el verdadero regeneracionismo argentino. La causa del radicalismo segn
Yrigoyen era la de la nacin misma. Esta perspectiva se situaba en las antpodas de la que defenda
Juan B. Justo desde el Partido Socialista. Partipacionista en los actos electorales, como hemos visto,
desde fines de los noventa, la justificacin terica del sufragio universal que enarbolaban los socialistas
procuraba incorporar al rgimen poltico a una clase social formada por intereses econmicos.
BOTANA & GALLO, op. cit., p. 119.
618
A coeso ideolgica do partido teve como contrapartida cinco cises no perodo de vida de Juan B.
Justo, uma das quais resultaria na constituio do Partido Comunista Argentino. Ver: PLA, op. cit. p. 59,
nota 23.
619
As ambiguidades caracatersticas do discurso ideolgico so analisadas em: CHAU, Marilena. O que
ideologia. So Paulo: Brasiliense, 1984.
620
Durante um congresso em 1904 se agregar o termo regional sua denominao, que passar a ser
FORA, visando salientar seu carter internacionalista.
621
A ocasio mais notvel ser na greve geral de 1909.

193

anarquistas no interior dos sindicatos. A presena de divulgadores eminentes do
movimento no pas, como Errico Malatesta entre 1885-89
622
e Pietro Gori
posteriormente, a difuso destas ideias nos pases de origem dos imigrantes
mediterrneos, a popularidade deste iderio entre camponeses desgarrados e junto aos
trabalhadores que produzem em base artesanal so outros fatores que reforam a
posio do anarquismo na Argentina no perodo.
A despeito das vacilaes socialistas, a expanso da economia agroexportadora
impulsionou uma intensificao da organizao sindical e do movimento grevista. Em
1902, verificou-se a primeira greve geral do pas. Dois anos depois estalou novamente o
confronto, desta vez apoiado pelos socialistas, que voltaram a somar foras em 1909 por
ocasio de uma greve geral vitoriosa
623
. A resposta estatal mobilizao popular foi,
neste contexto, sempre repressiva
624
. Os eventos de 1902 motivaram a aprovao da ley
de residencia, chancelando a expulso de todo estrangeiro considerado subversivo. Esta
lei seria complementada em 1910 com a ley de defensa social, que, alm de autorizar o
encarceramento dos trabalhadores nativos suspeitos, estabelecia uma graduao
crescente de punies por crimes polticos, chegando pena de morte
625
.
A intolerncia com o protesto social encontrava correspondncia poltica em um
sistema eleitoral caracterizado por restries censitrias, manipulao clientelista do
eleitorado, mecanismos de sano dos candidatos e a pura fraude
626
. A estreita margem
para a contestao dentro da ordem era intuda pelos dirigentes do radicalismo, que,
desde a fundao da Unin Cvica nos anos noventa, boicotaram sistematicamente as
eleies, ao mesmo tempo em que realizaram sucessivas tentativas golpistas em conluio
com setores militares para tomar o governo. Apesar da derrota fragorosa da ltima
conspirao no incio de 1905, o partido engatou, a partir de ento, um processo de

622
En los cuatro aos de permanencia en el pas, Malatesta desarroll una intensa labor de
propaganda, fundando La Question Sociale, en espaol e italiano, y contribuy adems a organizar,
conjuntamente con Hctor Mattei, el gremio de panaderos en 1887. PANETTIERI, op. cit., p. 128.
623
As estatsticas divergem: Segundo Godio, em 1902 registram-se 29 greves e, entre 1906-9, outras 105.
Panettieri apresenta estatsticas policiais que somente na capital federal contabilizam respectivamente:
1907: 231 greves mobilizando 169.017 trabalhadores; 1908: 118 e 11.561; 1909: 138 e 4.762; 1910: 298
e 18.806. Independentemente dos nmeros, inegvel a vitalidade do protesto social no perodo. Ver
obras citadas.
624
Na interpretao de Rock: Dado que no exista un nexo ocupacional entre la lite y los inmigrantes
urbanos, el sistema poltico argentino se inclin a la represin, la restriccin y la oligarqua. ROCK,
op. cit., p. 28.
625
Sua sano ocorreu no contexto da represso implacvel ao movimento grevista, que levou o
anarquista russo Simn Radowitzky a assassinar como retaliao o comandante das foras estatais:
coronel Falcn. O texto da Ley de Residencia encontra-se em: CAMPO, Hugo del. Los orgenes del
movimiento obrero argentino. Buenos Aires: Centro Editor de Amrica Latina, 1973, p. 314.
626
Cf.: BOTANA, Natalio. El Orden Conservador. Editorial Sudamericana, 1977.

194

acentuado crescimento, cujo motor eram as transformaes na estrutura social
decorrentes da expanso econmica, como observou um comentador: El crecimiento
del radicalismo de comienzos del siglo XX estuvo estrechamente ligado al proceso de
estratificacin social que concentr los grupos dirigentes de alta jerarqua en las clases
medias urbanas dedicadas a actividades terciarias
627
.
Nesta conjuntura, a base social do partido gravitou em direo s classes mdias
urbanas, sem deixar contudo, de ser comandado pelos proprietrios de terra
628
.
Consequentemente, seu contedo programtico persistiu nebuloso, resumindo-se a
ataques moralistas acompanhados da demanda por um governo representativo
629
. No
plano organizativo, projetava-se a liderana de Hiplito Yrigoyen, que, cultivando um
estilo poltico baseado na negociao cara a cara e na tessitura de lealdades pessoais,
costura um novo tipo de amlgama poltico, agrupando ncleos regionais em uma
estrutura nacional sob o seu comando. Assim, o radicalismo adquiria as caractersticas
orgnicas de um movimento de massas nacional sem romper com a sua orientao
ideolgica de origem: De este modo, el radicalismo se desarroll menos como un
partido, en el sentido estricto de la palabra, que como un movimiento de masas que
fundaba su fuerza en una serie de actitudes emocionales
630
.
Ao contrrio dos radicais, o Partido Socialista comandado por Juan B. Justo
apresentou-se regularmente s disputas eleitorais. Em 1904, Alfredo Palacios elegeu-se
como o primeiro deputado socialista das Amricas
631
e, no ano seguinte, o peridico La
Vanguardia editado pelo partido passou a ser vendido nas ruas com tiragem diria,
testemunho do crescente prestgio da organizao
632
. Embora impotentes para ocupar

627
ROCK, op. cit., p. 61.
628
En 1891, se haba iniciado como un retoo, en buena medida, de las facciones terratenientes; desde
1905 haba penetrado en los grupos de clase media urbanos; luego de 1912 se converti en un vasto
partido popular que abarcaba muchas regiones del pas. Pero lo cierto es que estaba en gran parte
dominado por los propietarios de tierras, conservando as su carcter inicial de la dcada del noventa:
era un movimiento de masas manejado por grupos de alta posicin social ms que un movimiento de
origen popular que operara impulsado por las presiones de las bases. Ibidem, p. 71.
629
Ibidem, p. 62.
630
Ibidem, p. 67.
631
Figura proeminente do socialismo argentino ao longo do sculo, Palacios nunca completou um
mandato: sua primeira experincia foi abreviada quando o Congresso foi fechado pelo presidente Jos
Figueroa Alcorta em 1908. Eleito novamente, renunciou ao ser expulso do partido em 1915 por envolver-
se em um duelo, o que estava proibido pelos estatutos socialistas. Voltaria ao partido em 1928. Eleito
senador em 1931 e reeleito em 1935, o golpe de Estado de junho de 1943 interrompeu seu mandato.
Reeleito na dcada seguinte, sua atuao abreviada novamente por um golpe de Estado, que derrubou o
presidente Arturo Frondizi em 1962. Finalmente, seu ltimo mandato parlamentar interrompido pela sua
morte em 1965.
632
A militncia parlamentar socialista no perodo no foi em vo: El joven diputado socialista obtendr
de esa Cmara la aprobacin de cinco leyes: descanso dominical, supresin de medidores de gua en los

195

um espao hegemnico no poder pblico, os socialistas atuavam com energia e
constncia em defesa do interesse dos trabalhadores, apesar do contexto repressivo
adverso. Em um artigo escrito em 1910, Justo mostrava-se otimista em relao s
perspectivas do socialismo no pas, elencando entre as suas realizaes diversas
conquistas trabalhistas, a agitao em prol da naturalizao dos imigrantes, o apoio s
greves, a eleio de um deputado, um dirio em atividade, alm de inmeras iniciativas
no campo da educao popular e a fundao de uma cooperativa habitacional
633
. No
conjunto, avaliava que o enraizamento do socialismo e a nacionalizao da organizao
operria eram indcios positivos de que o processo civilizatrio avanava na Argentina:

Como resultado dos novos costumes e das novas idias propagadas
entre os trabalhadores do pas, vemos a melhor adaptao ao nosso
meio do trabalhador braal estrangeiro, assim como a adequao

conventillos, proteccin del trabajo de mujeres y menores, escencin de pago de patente a las
cooperativas obreras, impuesto a la herencia. CNEO, op. cit., p. 279. Na prtica, a fiscalizao do
cumprimento da lei foi frouxa. Houve ainda a discusso de um projeto amplo de legislao trabalhista no
parlamento, que acabou rechaado pelos prprios sindicatos e partidos progressistas. De todo modo, em
1907 criou-se o Departamento Nacional del Trabajo, reconhecendo-se, assim, a necessidade
improrrogvel de lidar com a chamada questo social.
633
No cabe estudar aqui, em detalhe, a obra da nova organizao durante os ltimos quinze anos. Basta
recordar a agitao contra as infames leyes de conchabos que vigoravam nas provncias setentrionais,
movimento eficazmente apoiado por La Nacin e que triunfou; as manifestaes de Primeiro de Maio, a
primeira delas feita nas ruas, publicamente, em 1897; a manifestao dos desocupados, nesse mesmo ano;
o comcio e a petio com 10 mil assinaturas para que fossem includos, no ltimo projeto de reforma da
Constituio, a independncia do Estado com respeito a todas as igrejas e seitas religiosas; a jornada de
oito horas para os servidores do Estado; a naturalizao dos estrangeiros mediante a simples inscrio no
registro civil; o manifesto do grupo socialista do parlamento italiano, exortando os italianos que viviam
na Argentina a se naturalizarem; os congressos anuais ou bienais do Partido, celebrados ora na capital ora
em outras cidades como La Plata, Rosario e Junin; a propaganda contra a lei monetria de 1899; as
manifestaes em favor da paz com o Chile e o apoio ao tratado que ps fim s divergncias com esse
pas; a petio apresentada em 1891, com milhares de assinaturas, para que fosse possvel proceder
naturalizao diante dos juzes de paz; o comcio dos desempregados desse mesmo ano, no qual se pediu
a criao de um departamento do trabalho; a assemblia popular de protesto contra a atitude do governo e
a lei de residncia, quando terminou o estado de stio, em fins de 1902, lei aplicada ento pela primeira
vez contra o movimento operrio; o triunfo do candidato socialista, Doutor Alfredo L. Palacios, na
eleio de 1904, feita por circunscries; sua atuao parlamentar brilhante e eficaz, da qual resultaram
principalmente o imposto sobre as heranas, para fins de educao comum, a lei do descanso dominical e
a regulamentao do trabalho feminino e infantil; a transformao do semanrio socialista em dirio, em
setembro de 1905; a atividade eleitoral operria em 1908, quando o voto socialista s perdeu na capital
devido compra de votos e s artimanhas do governo; as greves gerais de 1904 e 1909, a primeira
apoiada e a segunda iniciada pelo Partido Socialista, importantes movimentos da classe trabalhadora em
protesto contra atos do governo. Tanta atividade no campo acidentado e perigoso da luta sindical e
poltica no impediu que tenham surgido, simultaneamente, no mundo operrio argentino, instituies de
natureza econmica e educativa. A assistncia mtua e o cooperativismo para conseguir moradia e bens
de consumo se estendem sobre bases muito firmes. Multiplicam-se as escolas e centros de estudo; no h,
em Buenos Aires, conferncias cientficas populares mais concorridas do que as celebradas no centros
sociais operrios. As bibliotecas proletrias se contam em dezenas e renem milhares de volumes. A
literatura socialista e proletria escrita ou traduzida no pas j importante. JUSTO, Juan B. Socialismo
e organizao poltica. Braslia: Instituto Teotnio Vilela, 1998, p. 46.

196

cada vez mais completa do nosso meio ao trabalhador estrangeiro
um movimento duplo que nos aproxima dos pases cultos
634
.

Ironicamente, este artigo no foi publicado na edio comemorativa do
Centenrio da Independncia no jornal La Nacin a que se destinava, em funo do
estado de stio decretado dias antes. Tambm no pde ser aproveitado pelo dirio do
partido, que teve sua grfica depredada
635
. Esta situao no era excepcional, j que a
confluncia entre a ascenso do movimento operrio infludo pelo anarquismo, a
presso poltica socialista e a permanente conspirao radical colocava o pas em um
estado latente de convulso social. Nicols Reppetto, colega socialista de Juan B. Justo,
resume a crescente agitao destes anos:

Durante el perodo de gobierno de Quintana- Figueroa Alcorta,
transcurrido desde octubre de 1904 a octubre de 1910, estallaron
cinco huelgas generales y una bomba de tiempo en la platea del teatro
Coln; se decret cuatro veces el estado de sitio, una de las cuales fu
a causa del motn radical del mes de febrero del ao 1905; se
sancion la ley de defensa social; se perpetraron cuatro matanzas de
obreros y se empastelaron La Vanguardia y algunos otros
peridicos obreros
636
.

Semelhante efervescncia indicava a necessidade de reformar o sistema poltico
para preservar o negcio exportador, generalizando-se a percepo de que o desajuste
entre a modernizao econmica e as arcaicas formas da poltica criolla colocava em
risco a prpria ordem. neste contexto que aprovou-se em 1912 o conjunto de reformas
eleitorais conhecidas como lei Senz Pea
637
, nome do presidente que as sancionou

634
Ao completar nossos primeiros cem anos de vida independente, a classe trabalhadora argentina
mostra sade e fora nas suas aspiraes e conquistas. A jornada geral de trabalho nas cidades foi
reduzida para 8 ou 10 horas; nos ltimos anos, os salrios nominais subiram mais do que os preos, com
exceo do preo da terra; os sindicatos mais fortes impuseram aos patres uma certa responsabilidade
pelos acidentes de trabalho, aumentou o respeito pelo trabalhador, foram publicadas algumas leis
protetoras do trabalho braal e de seus familiares, ainda que pro forma; nas cidades, a classe
trabalhadora se veste melhor, embora ainda sejam muitos os homens sem camisa, usando um leno em
lugar de colarinho; a moradia, pequena e carssima, motivo das queixas mais justas. Alm da prpria
organizao de luta, a crescente cultura popular se revela no maior respeito pela mulher, na propaganda
operria contra o lcool, no surgimento e florescimento de uma imprensa barata e em tentativas
embrionrias de criao artstica. JUSTO, Juan B. Socialismo e organizao poltica. Braslia: Instituto
Teotnio Vilela, 1998, p. 50.
635
Ver a apresentao do artigo em: Ibidem, p. 27.
636
REPETTO, Nicols. Mi paso por la poltica. Buenos Aires: Santiago Rueda Editor, p. 106.
637
La ley 8.871, como es sabido, establece un nuevo rgimen electoral de sufragio universal masculino,
secreto y obligatorio para mayores de 18 aos, con asignacin de dos terceras partes de cargos por

197

pouco antes de falecer. O clculo social que motivou a medida foi sintetizado em um
comentrio do prprio Justo: (...) s ms cmodo hacer una nueva ley de elecciones
que reprimir una huelga general a cada seis meses
638
.
Embora a reforma eleitoral aponte para uma abertura poltica ao ampliar o
contingente de votantes, na prtica as possibilidades de mudana enfrentavam mltiplos
constrangimentos, como, por exemplo, mecanismos que limitavam o alcance da
universalizao do sufrgio (como a proibio do voto aos estrangeiros), ou entraves
legais renovao das instncias representativas, principalmente o Senado. Em ltima
instncia, o sistema organizava-se de forma a garantir a preservao da ordem atravs
do voto conservador do campo
639
, em um contexto em que a emergente figura do lder
popular de corte carismtico reivindicava a autoridade clientelista em que assentava-se a
poltica tradicional.
Embora haja controvrsia sobre a inteno original e o principal beneficirio da
Lei Senz Pea
640
, entendemos que a reforma eleitoral produziu uma renovao dos
quadros polticos sem alterar a estrutura social do pas, respondendo de forma exitosa ao

elegir a la lista que obtenga mayor cantidad de votos y el tercio restante a la que le siga (tcnicamente, el
sistema de voto restringido o limitado). Quedan excluidos del derecho a voto las mujeres y los
extranjeros de ambos sexos, como tambin aquellos varones argentinos comprendidos por razones de
incapacidad (dementes, sordomudos), de estado y condicin (eclesisticos, militares, policas, presos,
mendigos) y/o indignidad (diez casos, entre ellos el de los dueos de prostbulos). La ley no se apclia en
los Territorios Nacionales, cuyos habitantes varones argentinos mayores de 18 aos no tienen derecho a
voto en las elecciones nacionales. ANSALDI, Waldo. La trunca transicin del rgimen oligrquico al
rgimen democrtico. Em: FALCN, Ricardo (Org.). Nueva Historia Argentina. Democracia, conflicto
social y renovacin de ideas (1916-1930). Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 2000, p. 18.
638
Citado em: REPETTO, op. cit., p. 125.
639
Mientras se mantuviese esa geografa electoral, que protega celosamente a las viejas
circunscripciones electorales,el campo conservador equilibraba el peso de la ciudad liberal o
socialista. BOTANA, op. cit., p. 256.
640
Para Rock, a inteno original da lei era dupla: isolar e desencorajar o golpismo dos radicais e
principalmente enfraquecer os socialistas, pois o veto ao voto estrangeiro configurava, na prtica, uma
discriminao de classe: La ley Senz Pea apenas abri el sistema poltico a los grupos proprietarios
nativos de clase media y a la minora de trabajadores que eran oriundos del pas. El nuevo sistema
constitua una concesin mnima tendiente a restaurar la estabilidad poltica y resguardar los intereses
de la lite. ROCK. Op. cit, p. 50. Sartelli tem outra opinio: Sin embargo, el principal beneficiario de
la ley Senz Pea fue el Partido Socialista: si en 1896 sac 134 votos y 204 en 1902, hasta 1912 no
cuenta como fuerza poltica aunque con 1257 votos haya obtenido el primer diputado socialista de
Amrica en 1904. Todava en 1908 no alcanzaba a los 8.000 votos. Pero la llegada del sufragio universal
le reporta dos nuevos diputados (con 35 y 23.000 votos cada uno) y tres ms en 1913 (con 48.000). En
1920 sus 86.420 votos lo colocan en posicin de fuerza poltica de primera magnitud en la capital del
pas, donde tiene a Del Valle Iberlucea en el senado desde 1913 (...) SARTELLI, Eduardo. Celeste,
blanco y rojo. Democracia, nacionalismo y clase obrera en la crisis hegemnica. Razn y Revolucin,
Buenos Aires, n. 2, 1996. O prprio Justo consigna sua viso da reforma eleitoral nas seguintes palavras,
proferidas por ocasio do falecimento de seu autor: (...) creemos que el seor presidente de la Repblica,
doctor Senz Pea, supo comprender en su hora una gran necesidad pblica. Actu en un momento de la
historia argentina en que el problema fundamental de era el de la realidad del sufragio, el de la verdad
del sufragio universal (...) consigui hacer del parlamento argentino, un verdadero parlamento moderno.
Fue, evidentemente, un civilizador. Apud: REPETTO, op. cit., p. 349.

198

desgnio de uma reforma conservadora. Ainda que o Partido Socialista observe um
significativo crescimento no perodo, chegando a dominar o colgio eleitoral da capital
federal
641
, o maior ganhador poltico foi, indubitavelmente, o radicalismo. Ao recorrer a
um novo tipo de amlgama poltico, fusionando grupos regionais em uma organizao
nacional que canalizava as esperanas populares para uma nova espcie de caudilho
eleitoral, a UCR transcendeu exitosamente as fronteiras bonarenses, abandonando o
abstencionismo depois de sucessivos golpes frustrados para eleger Hiplito Yrigoyen
presidente da Repblica em 1916, inaugurando uma era de ininterrupto domnio poltico
que se estenderia at o golpe militar de 1930.
Entendemos que o triunfo radical sinaliza a derrota das foras sociais que
militaram para conciliar abertura poltica com democratizao social na Argentina do
comeo do sculo XX e encontraram no Partido Socialista seu principal portador
642
.
Apesar do espao poltico ocupado e das conquistas da classe trabalhadora no perodo, o
partido ser impotente para realizar a integrao entre as classes sociais a que aspirava.
Neste sentido, a concretizao da reforma consumou a superao da poltica criolla, ao
mesmo tempo em que frustrou o projeto nacional esposado pelos socialistas.
A despeito desta constatao, que lastreia a rivalidade inconcilivel entre
socialistas e radicais ao longo de sucessivos governos, Justo sempre avaliou
positivamente a reforma, interpretando com otimismo o curso da histria argentina
coeva
643
. Subjacente sua apreciao, revela-se uma leitura do Estado como rbitro do

641
O Partido Socialista jamais logrou uma penetrao significativa fora da Capital Federal, onde at
meados dos anos 20 disputou a liderana dos votos.
642
A reconstituio da gnese do radicalismo empreendida por Rock permite entrever o seu carter
conservador, que se evidencia diante da agudizao dos conflitos sociais durante a presidncia de
Yrigoyen, quando a represso ao protesto operrio explicitou os limites da postura supraclassista pregada
pela ideologia radical (Ver ROCK, op. cit.). En contrpartida, el radicalismo era capaz de ganar para su
causa la adhesin de trabajadores, aun cuando el denominado obrerismode Yrigoyen muestra su
contracara en aquellas situaciones en las que la movilizacin social se intensifica o radicaliza y/o en
aquellas en las cuales la ptoresta obrear aparenta superar las posibilidades de control por las fuerzas
policiales: en esos casos, la accin del gobierno fue decisivamente represora. As ocurrin en 1917
(huelga de trabajadores de la carne y petroleros), 1919 (helga metalrgica, que lleva a la Semana
Trgica),1919-1921 (huelgas de los obreors de fbricas y obrajes de La Forestal, en Chaco y Santa Fe)_,
1920-1921 (huelga de los trabajadores rurales patagnicos), 1917-1922 y 1928 (huelgas de los obreros
rurales pampeanos. ANSALDI, op. cit., p. 35. A minuciosa reconstituio de Bayer dos eventos na
Patagonia revela com clareza as ambiguidades do radicalismo. BAYER, Osvaldo. La Patagonia Rebelde..
2. ed.,Buenos Aires: Booket, 2007, 4 tomos.
643
El avance del Partido Socialista prueba que, a lo menos en la zona ms culta del pas, somos ya una
democracia de verdad, la que hoy no se concibe sino como una democracia social. JUSTO, Juan B.
Internacionalismo y Patria. Buenos Aires: La Vanguardia, 1933, p. 123. Tambm: Ciudadanos: La
poltica argentina pasa por un momento de revolucin pacfica. Es preciso que sta se extienda y se
afirme. Ibidem, p. 124.

199

conflito social, viso que transcende o crculo socialista
644
e, em ltima anlise,
converge com o papel que os radicais atribuam a si mesmos. O contraste entre as
acanhadas mudanas sociais e a significativa ascenso eleitoral socialista a partir da Lei
Saenz Pea sugere que o partido acomodou-se no nicho poltico encontrado
645
,
exercendo um papel de oposio parlamentar moderada aos radicais, funcional
reproduo da ordem. Esta percepo reforada pela impermeabilidade da poltica
socialista, de um lado, evoluo do contexto argentino, no qual evidenciavam-se os
limites de uma estratgia baseada na reforma poltica e na disputa parlamentar, e, de
outro lado, ao impacto causado pela Revoluo Russa
646
no movimento socialista

644
Segundo a interpretao de Halperin Donghi, esta uma percepo amplamente difundida e que
prevaleceu no movimento operrio poca, inclusive anarquista: El movimiento obrero se transforma
as una ms entre las fuerzas sociales que reconocen en el Estado al rbitro destinado a adjudicar en los
conflictos en que se enfrentan. Ya durante el ocaso de la Repblica posible no haban faltado quienes
desde el Estado mismo lo haban proclamado dispuesto a asumir esa funcin y no haban sido pocos
luego los que haban confiado en que la instauracin de la Repblica verdadera dotara por fin a es
Estado de la autoridad y la vocacin necesarias para desempear esa tarea de modo digno de una
democracia moderna; es decir, no slo a travs de una serie de decisiones puntuales en respuesta a
situaciones tambin puntuales, sino mediante una labor legislativa que diera respuesta ms sistemtica a
los grandes dilemas que dividan a los distinto sectores de la sociedad argentina. HALPERIN
DONGHI, Tulio. Introduo a: Vida y muerte de la Repblica verdadera (1910-1930). 2 ed. Buenos
Aires: Ariel, 2005, p. 153.
645
Reagindo ao golpe de Primo de Rivera na Espanha contra os polticos profesionales, Justo se refere
questo nos seguintes termos: Yo entiendo por polticos profesionales, no a los hombres que estn
durante toda su vida en la poltica porque creo que la poltica es una actividad normal de todos los
hombres, y creo tambin que haya hombres que por sus aficiones particulares, por sus dotes personales,
por circunstancias de su vida, se ven conducidos a estar ms o menos permanentemente en la arena
poltica. No creo que sean polticos profesionales los legisladores electos y reelectos muchas veces,
siempre que voten en cada caso de acuerdo con lo que piensan. Pero me pregunto: en cuntos casos los
legisladores votan, no por lo que ellos sienten o piensan, sino porque entienden que es una buena
prctica profesional la de servir de vehculo a clamores ms o menos ruidosos que se imponen a la
atencin pblica y a la atencin especial de los legisladores, difundidos en buena parte por la prensa,
tan cargada de tareas, por la prensa venal, por la prensa cuyos artculos son a veces inspirados por una
suma de dinero? Esa es, a mi juicio, la lnea que divide a los polticos de los polticos profesionales.
JUSTO, Juan B. Quienes sn los polticos profesionales. (Camara de Diputados, Diario de Sesiones, 26-
9-1923). In: HALPERIN DONGHI, Tulio, op. cit., p. 482.
646
A rigidez das premissas adotadas por Justo se evidencia na forma como interpreta as notcias sobre a
revoluo russa em curso, reforando suas prprias concepes. Um exemplo notvel: aps citar Trotsky
e seu empenho em colocar todos os elementos tcnicos e humanos acessveis a servio da Revoluo
Bolchevique em um contexto de economia de guerra, Justo conclui: Lo que la revolucin rusa ha
demonstrado es lo que ya se saba o poda suponerse: lo indispensable para la sociedad del trabajo
tcnico y economico superior. Esta constatao endossa a estratgia do socialista argentino: Esta deve
ser una nueva y grande afirmacin de la Internacional Socialista: el movimiento obrero revolucionario
necesita y debe incorporar el personal tcnico superior y el personal administrativo a la clase
trabajadora, tanto en el campo gremial como en el poltico. No ha de haber interrupcin, sino acuerdo
creciente y seguro en las relaciones de los trabajadores de todo grado y categora. Las capacidades
tcnicas superiores y las capacidades econmicas indispensables para el mantenimiento de la vida social
y muchos ms para su progreso, no ha de buscarlas el proletariado, llegado el caso, en las filas
enemigas. Ha de formularlas y desarrollarlas desde ya dentro de su propio campo de accin socialista,
en: a) los servicios y la administracin municipales; b) los servicios y la administracin del Estado; c) la
cooperacin libre, con sus establecimientos de produccin cada vez ms numerosos e importantes.
JUSTO, Juan B. Internacionalismo y Patria. Buenos Aires: La Vanguardia, 1933, p. 38-40.

200

mundial
647
. Diante desta realidade, ainda que o Partido Socialista amplie seu espao
parlamentar no decnio seguinte e logre subsistir como organizao atravs do sculo
XX, o sentido progressista da sua crtica esvaziou-se, superado por novas alternativas
polticas e ideolgicas que configuravam-se no pas
648
e no mundo
649
.


d) BALANO

A atuao de Juan B. Justo frente do Partido Socialista esteve sujeita a
polmicas no seio da esquerda argentina desde os seus primrdios. Posteriormente sua
morte, foi interpretado em funo de leituras especficas referidas a projetos socialistas
para o pas de distintos matizes. Neste tpico, abordaremos a anlise do intelectual
cordobs Jos Aric (1931-1991) escrita no comeo dos anos 1980 envolvendo uma
interpretao sobre o padro de luta de classes na Argentina que se projeta do contexto

647
O contraste com o militante chileno Luis Emilio Recabarren (1876-1924) evidencia o imobilismo que
caracterizou a trajetria de Juan B. Justo e seu partido. Iniciando-se na poltica atravs do Partido
Demcrata, Recabarren foi perseguido e preso diversas vezes em seu pas, radicando-se na Argentina no
comeo do sculo XX, onde filiou-se ao Partido Socialista. Retornando ao Chile, fundou em 1912 o
Partido Obrero Socialista. A anlise de seus escritos polticos no perodo revela significativas
convergncias com as ideias de Juan B. Justo, sugerindo uma influncia notvel do socialista argentino.
No entanto, Recabarren continuou sua evoluo poltica e, em 1918, participou da fundao do Partido
Comunista na Argentina, retornando ao Chile para estabelecer o partido no pas nos anos seguintes. Seus
escritos, ento, revelam uma radicalizao significativa, indcio de sua permanente evoluo poltica. Ver:
RECABARREN, Luis Emilio. Recopiladores: Ximena Cruzat e Eduardo Devs. Escritos de prensa.
Santiago: Nuestra America e Terranova Editores, 1987. Miguel Silva. Recabarren y el socialismo.
Santiago: Artes Graficas, 1992. Julio Pinto V. Desgarros y utopas en la pampa salitrera. La
consolidacin de la identidad obrera en tiempos de la cuestin social (1890-1923). Santiago: Lom, 2007.
648
Sin duda, el partido que recibi el mayor impacto (da Revoluo Russa) fue el Socialista, que en dos
aos sufri dos escisiones importantes. En 1918 se produjo la salida de los que fudaran el Partido
Socialista Internacional, que ms tarde se convertira en Partido Comunista. Es cierto que en este caso el
eje de la ruptura fue la nueva orientacin del Comit Ejecutivo y del grupo parlamentario frente a la
guerra, que al abandonar el neutralismo que el partido haba adoptado en 1914 y que la cuestin de la
Revolucin Rusa fue un ingreidente secundario en ese momento. Pero de todas maneras, las
divergencias, al estar centradas en la cuestin de la guerra mundial, se concetaban con los
acontecimientos en Rusia y con la poltica internacional del partido en general. En 1921 se producira
una segunda escisin, la de los terceristas, partidarios de la incorporacin del PS a la III
Internacional. En este caso s, la Revolucin Rusa estuvo en el centro de los debates. Los escindidos, que
no fueron todos los que sostuvieron perdidosamente la tesis de integrar la nueva organizacin mundial,
pasaron a las filas del Partido Comunista Argentino. FALCN, Ricardo. Militantes, intelectuales e
ideas polticas. In: ______ (Dir.). Nueva Historia Argentina. Democracia, conflicto social y renovacin
de ideas (1916-1930). Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 2000.
649
Justo vinculou-se ativamente II Internacional Socialista, participando como delegado em
Copenhague em 1910 e em Berna e Amsterd em 1919. Na volta desta ltima viagem ditou uma srie de
conferncias sobre a Revoluo Russa, nas quais, apesar da simpatia manifesta pela revoluo, estabelece
uma distncia ntida em relao ao processo argentino, reafirmando como sua principal referncia os
pases de colonizao recente, como Austrlia, Nova Zelndia e os Estados Unidos. Em 1924 foi eleito
senador, cargo que ocupou at o seu falecimento em 1928, aos 67 anos.

201

em que viveu Justo para a realidade em que militou Aric. A seguir, nos referiremos a
duas polmicas coevas que, em nossa opinio, iluminam as limitaes ideolgicas do
pensamento de Justo: as diferenas polticas que culminam na expulso de Manuel
Ugarte (1875-1951) do partido em 1913, e a polmica sustentada com o socialista
italiano Enrico Ferri (1856-1929) por ocasio de sua visita ao pas em 1908. Atravs do
exame crtico destes debates, pretendemos contribuir para um balano poltico e
ideolgico do legado do socialista argentino.
Jos Aric localiza a raiz do fracasso socialista em afirmar-se como uma
alternativa hegemnica na Argentina do comeo do sculo XX nos pressupostos
tericos adotados por seu principal idelogo. Na sua viso, a premissa filosfica oriunda
do realismo ingnuo, que assume uma transparncia entre os fenmenos da realidade e o
conhecimento, conduziria Justo a identificar o processo de modernizao com a prpria
constituio do ator social do socialismo, o que, em ltima anlise, derivaria em nexos
entre progresso e socialismo. Como decorrncia deste enfoque, a modernizao seria
interpretada, no plano subjetivo, como a superao de formas de pensamento no
cientficas, da religio ao anarquismo, em nome da afirmao do socialismo cientfico.
Na sua dimenso objetiva, a formao dos trabalhadores socialistas seria entendida
como o processo de apropriao progressiva das capacidades tcnicas e diretivas de
gesto econmica e poltica
650
.
Nesta identificao entre progresso e socialismo como movimento e desgnio da
histria universal radicaria a ausncia da dimenso nacional no projeto do socialismo
argentino. Segundo Aric, ao estabelecer-se no pensamento de Justo uma estreita
relao de continuidade entre histria e poltica, seriam desproblematizados os nexos
entre realizao nacional e hiptese socialista
651
. A consequncia seria a ausncia entre
os socialistas argentinos de uma perspectiva de conquista do poder, apesar da
compreenso do papel de direo de classe exercido pelo partido:


650
Como vimos, o problema da praxis, enfocada pelo materialismo histrico como uma dialtica entre
teoria e ao necessria formao da conscincia crtica em uma sociedade na qual aparncia e essncia
no coincidem, reduzido a uma pedagogia imediata que tem uma dimenso ideolgica e outra produtiva.
Na viso de Justo, esta facilidade tanto maior em um pas virgem de ideias como a Argentina, onde os
trabalhadores tm menos resqucios ideolgicos a superar. Por outro lado, Av Lallemant via na rarefeita
tradio intelectual argentina no uma virtude, mas simplesmente um elemento de atraso.
651
Al tranformar el segundo de los trminos en la plena consumacin del primero, Justo hace emerger
la necesidad de una resolucin socialista de las propias raices de la historia nacional, aunque al precio,
como veremos, de desconocer el carcter profundamente disruptivo, y por tanto discontinuo, de la
revolucin socialista. ARIC, Jos. La hiptesis de Justo. Buenos Aires: Sudamericana, 1999, p. 85.

202


Enfatizando correctamente la importancia trascendental de la lucha
poltica, contribua a hacer del proletariado una fuerza activa en la
renovacin de la sociedad argentina, pero la visible ausencia en su
programa de una estrategia de poder conduca inexorablemente a
encerrar la lucha obrera en el estrecho marco de una pura accin
defensiva
652
.

Consequncia poltica desta suposta continuidade entre modernidade e
socialismo ser a inabilidade dos socialistas em aproximar-se dos movimentos
populares de ascendncia diversa, anarquista ou radical, identificados sumariamente
com o atraso
653
. Segundo Aric, passa desapercebido por Justo que estas ideologias
encontram lastro na morfologia irregular da formao social argentina, que o socialista
argentino tende a enxergar de forma homognea
654
. Ao interpretar como resqucios do
passado elementos que indicam uma maior complexidade da estratificao social, Justo
superestimaria a capacidade depuradora do capitalismo
655
. Disto resulta, na
interpretao de Aric, uma impossibilidade de articular democracia e socialismo.
Assim, se o Partido Socialista captou a importncia de superar o vago
cosmopolitismo prepoltico
656
que caracterizava a militncia argentina at este
momento, no compreendeu que a modernizao pela qual pressionava produzia uma
estratificao social que, dadas as caractersticas da formao socioeconmica
argentina, distava de ser homognea. Isto produziu um sectarismo, alis recproco, que
acentuou as dificuldades do socialismo para relacionar-se, ou para impor-se, aos
movimentos aderidos s ideologias concorrentes do anarquismo e do radicalismo. Como
consequncia, a autonomia dos trabalhadores arduamente defendida por Justo tendeu ao
isolamento corporativo, reforado por uma incapacidade de definir satisfatoriamente o
problema das alianas polticas.

652
Ibidem, p. 93.
653
El bloque eventual de las clases subalternas era de hecho fragmentado en dos sectores antagnicos y
en relacin de competencia segn un abstracto criterio de modernidad que dejaba fuera un
reconocimiento acertado de la naturaleza real del conflicto de clases. Ibidem, p. 117.
654
Al sobredimensiona el grado de homogeneidad capitalista de la formacin econmico-social
argentina y la virginidad poltica e ideolgica de las clases populares, Justo se ve impulsado por la
propia lgica de su razonamiento a simplificar los trminos de la lucha de clases. Ibidem, p. 120.
655
El atraso, los parasitismos, las sedimentaciones pasivas no constituyen (para Justo) elementos
inseparables de la morfologa de lo nuevo, sino apenas expresiones de lo viejo que una inteligente
poltica transformadora deve transformar. Ibidem, p. 116.
656
Que no se confunde com o internacionalismo classista. Nas palavras de Gramsci: (...) el concepto de
revolucionario y de internacionalista, en el sentido moderno de la palabra, es correlativo con el concepto
preciso de Estado y clase social; Citado por ARIC, op. cit., p. 123.

203

Compartilhamos as linhas gerais do raciocnio de Aric, mas no a concluso
poltica que extrai, assentada na premissa de que havia espao para uma radicalizao
democrtica do primeiro governo radical e, portanto, para a reforma do capitalismo
argentino
657
.

Esta interpretao subestima o carter de classe do radicalismo, remetendo
para o terreno da poltica a impotncia socialista que, em nossa opinio, est
referenciada nos constrangimentos estruturais para a superao do padro de luta de
classe herdado da colnia. Sob este prisma, o problema das alianas polticas colocado
por Aric um aspecto do desafio mais amplo de mobilizar as classes sociais em nome
de um projeto de dilatao da democracia argentina. Neste sentido, a estratgia de
reforma socialista revelou-se insuficiente para conquistar a hegemonia sobre a classe
trabalhadora, ao mesmo tempo em que foi ineficaz para sedimentar uma rea de
consenso social junto s classes dominantes. De um lado, ao apostarem no dilogo
como caminho para as conquistas sociais, os socialistas limitaram sua ascendncia sobre
um operariado que, na prtica, sofria com a intolerncia poltica no pas, aspirando a
modalidades mais contundentes de presso do que o voto. Por outro lado, ao
acreditarem no interesse das classes dominantes pela democratizao social, os
socialistas deixaram-se envolver por uma reforma poltica que estava desenhada para
cont-la.
No plano estrutural, o fracasso do reformismo socialista , em nossa viso,
expresso dos constrangimentos enfrentados por um projeto que buscou conciliar
reforma poltica e democratizao social nos marcos da economia exportadora primria.
A proposta de superar a assimetria social legada pela colnia sem rever a insero
argentina no mercado mundial est assentada na crena de que a modernizao

657
Segundo Aric, a consequncia histrica mais grave desta postura se evidenciou durante a crise social
que atravessou o governo radical em 1919, quando os preconceitos socialistas impediram uma leitura que
enxergasse nos esforos do presidente Yrigoyen a inteno sincera de consolidar os fundamentos de uma
democracia avanada. Porque fue precisamente durante esa crisis cuando la intuicin de una direcin
de progreso que posey siempre a Yrigoyen mostr una capacidad inesperada para entrever la
posibilidad de una resolucin de la crisis que abrindo-se a las reformas sociales fundara en stas las
bases para la instauracin de un slido rgimen de democracia avanzada. Neste momento crtico,
explicitam-se os limites da teoria e prtica de Justo, em que seu socialismo aristocratizante conduz ao
deslocamento para o plano formal de toda poltica objetiva de aliana de classe e de qualquer projeto de
conquista do poder. Alejados como estuvieron de toda perspectiva de poder, no alcanzaron a vislumbrar
hasta qu punto la crisis social y la disponibilidad de Yrigoyen los colocaba objetivamente ante una
responsabilidad dirigente que slo pudieron eludir, porque la consolidacin de una democracia de
tendencias radicales y sociales, tan pregonada por ellos, estaba colocada en un plano formal y no
prctico. Ibidem, p. 118. Mais alm dos limites intrnsecos da proposta de Justo, esta passagem
evidencia a premissa interpretativa do prprio Aric, assentada em uma leitura da histria argentina de
matriz gramsciana, que aponta como desafio precpuo dos socialistas o estabelecimento de um projeto
social alternativo que dispute a hegemonia sobre a classe trabalhadora como estratgia poltica de sentido
transformador.

204

econmica levaria automaticamente democratizao social, prescindindo da mediao
do Estado nacional. Referenciada no esquema terico de Justo, a diluio da luta de
classes e do confronto intranacional inerentes expanso capitalista em nome de um
humanismo universal gerou como consequncia o eclipse da nao como objetivo
histrico e do Estado como problema poltico. Os nexos entre a ausncia da dimenso
nacional e a carncia de uma estratgia de conquista do poder no projeto socialista tm
razes polticas na incompreenso do fenmeno do imperialismo.
Esta ausncia evidenciou-se na relao atritosa entre o partido e Manuel Ugarte,
pioneiro na denncia de um imperialismo estadunidense na Argentina, defensor da
unidade latino-americana e da autodeterminao econmica do pas
658
. Embora seu anti-
imperialismo no esteja fundado em nexos claros entre a economia e a poltica
659
,
resultando um nacionalismo que, ao diluir a questo social e o protagonismo popular
660
,
obscurece o lugar do internacionalismo e a dinmica da luta de classes no espao

658
(...) la argentina ser industrial o no cumplir sus destinos. UGARTE, Manuel Ugarte. La nacin
latinoamericana. Caracas: Biblioteca Ayacucho, 1987, p. 139. E no programa publicado em 1916: (...)
fomentaremos las iniciativas argentinas (...) subrayando el nacionalismo poltico con el nacionalismo
econmico haciendo que las iniciativas que nacen, evolucionan y quedan en el pas sustituyan por fin a
las fuerzas econmicas que vienen del extranjero y vuelven a l, llevndose gran parte de nuestra
riqueza. Ibidem. Sobre a trajetria e o pensamento de Ugarte, consultar, alm da obra j citada:
GALASSO, Norberto. Manuel Ugarte y la lucha por la unidad latinoamericana. Buenos Aires:
Corregidor, 2001; NGEL BARRIOS, Miguel. El latinoamericanismo en el pensamiento de Manuel
Ugarte. Buenos Aires: Biblos, 2007.
659
Mais especificamente, entre imperialismo e luta de classes. Ugarte alerta para a modalidade econmica
de colonialismo, que dispensa a ocupao direta, mas no estabelece os nexos entre a presso poltica dos
Estados Unidos e os interesses corporativos que seu estado representa. Por exemplo, critica: (...)el
censurable expansionismo poltico que ha acompaado en estos ltimos tiempos la legitima influencia
comercial de EUA. UGARTE, op. cit., p. 81.
660
O lugar subordinado (mas no ausente) da questo social evidencia-se no programa publicado na
primeira edio do jornal La Patria em 1916, em que no h, por exemplo, referncia explcita ao campo
argentino. UGARTE, op. cit., p. 135. Halperin Donghi contrasta a ideologia de Ugarte com a de Alfredo
Palacios nos seguintes termos: (...) mientras este (Palacios) abrazaba con igual fervor nacionalismo y
socialismo, Ugarte subrayaba la incompatibilidad entre la exigencia de lealtad prioritaria a la nacin y
a la clase. HALPERIN DONGHI, Tulio. Vida y muerte de la Repblica verdadera (1910-1930). Buenos
Aires: Ariel, 2005, p. 114.

205

nacional
661
, seu projeto para a Argentina contm os pontos nodais para uma revoluo
democrtica burguesa como via para a formao nacional
662
.
Filiado ao Partido Socialista desde 1903, suas diferenas ideolgicas
culminaram em uma polmica nas pginas de La Vanguardia, detonada por um artigo
em que insinuava-se um sentido progressista na ciso provocada pelos Estados Unidos
na Colmbia, que est na origem da criao do Estado do Panam. A consequncia dos
atritos foi a expulso de Ugarte do partido em 1913, levando-o a um progressivo
isolamento poltico, agravado pela opo em viver fora do pas
663
. A despeito de
vicissitudes de temperamento e habilidade poltica pessoal
664
, a baixa incidncia que
suas propostas tiveram na Argentina do comeo do sculo pode ser interpretada como
um testemunho da fora ideolgica que gozava a iluso do progresso neste contexto,
transcendendo o campo socialista e envolvendo todo o debate poltico nacional
665
. Neste

661
Identifica uma relao de dominao entre as naes: As como en la vida nacional hay clases, en la
vida internacional hay naciones (Ibidem, p. 11) - mas no os nexos entre Estado e luta de classes no seu
interior. Da que apoie o voto dos socialistas alemes pelo crdito de guerra, por exemplo. Segundo
Halperin Donghi: Sin duda, el eco cada vez ms escaso que encuentra la prdica de Ugarte se vincula
en parte a que en sta sobrevive demasiado de una problemtica ya definida en el marco de la Francia
del Segundo Imperio, para la cual la clave del drama latinoamericano deba buscarse menos en la
gravitacin del imperialismo que en la rivalidad ancestral entre pueblos anglosajones y latinos, a la vez
que de una visin del sistema m undial y del equlibrio entre las grandes potencias que no se haba
renovado desde la preguerra. HALPERIN DONGHI, Tulio. Introduo a: Vida y muerte de la
Repblica verdadera (1910-1930). 2. ed. Buenos Aires: Ariel, 2005, p. 113-114.
662
Lo que verdaderamente urge es regulamentar el trabajo, explotar y poner en circulacin los
productos naturales y extender la civilizacin hasta los ms lejanos territorios. UGARTE, op. cit. p.
210.
663
Ao romper com o Partido Socialista, Ugarte denunciou o que avaliava como um extremismo de sua
prtica, sintetizando sua diferena com o partido em 4 pontos, que defendia, referidos a um projeto
nacional: exrcito, religio, propriedade e ptria. O deputado Alfredo Palacios tambm notabilizou-se por
associar nacionalismo e socialismo, defendendo a presena da bandeira argentina junto ao estandarte
vermelho, e foi expulso do partido em 1915. Embora o motivo declarado desta medida seja o
envolvimento em um duelo com um parlamentar radical, sintomtico que Palacios, que ser
influenciado nos anos 20 pela difuso do iderio de unidade latino-americana, regresse ao Partido em
1928, quando morre Justo.
664
Halperin Donghi enxerga no egocentrismo casi un rasgo generacional, contrastando Ugarte e
Palacios deste ponto de vista: Ugarte despliega tambin l (como Palacios) un egocentrismo que es casi
un rasgo generacional (aflora igualmente en Ingenieros, en Lugones, en Rojas), pero ste asume
modalidades opuestas a las que haran de Palacios una notabilidad americana, mientras su trayectoria
de agitador por la causa de la Patria Grande ingresaba en una curva cada vez ms abruptamente
descendente. HALPERIN DONGHI, Tulio. Introduo a: Vida y muerte de la Repblica verdadera
(1910-1930). 2 ed. Buenos Aires: Ariel, 2005, p. 113.
665
A defesa da unidade latino-americana preconizada por Ugarte ser impulsionada no pas (e no
continente) a partir da luta pela reforma universitria iniciada em Crdoba em 1918. Portantiero aponta
que o desencanto com o Ocidente na esteira da Grande Guerra confluiu com o impacto da Revoluo
Mexicana para motivar um questionamento civilizatrio, expresso no carter continental da ideologia do
movimento, cujo manifesto inaugural falava em uma hora americana. Do ponto de vista do legado
poltico, no entanto, sua repercusso ser reduzida na Argentina em comparao com o Peru, pas onde a
Guerra do Pacfico j explicitara no sculo XIX as limitaes de uma modernizao dependente. Assim,
enquanto no pas andino eclodiu um frtil debate sobre os nexos entre imperialismo e revoluo nacional,
protagonizado por Haya de la Torre, Maritegui e o cubano Julio Antonio Mella, e que deriva na

206

contexto, a viso dos socialistas aparece subordinada aos constrangimentos ideolgicos
impostos pela expanso econmica que, como observa Aric, deslocavam a um ponto
cego da poltica argentina as limitaes implcitas a um padro de desenvolvimento
dependente
666
:

En tal sentido, vale la pena recordar que salvo en las
fantasmagricas recreaciones de estas corrientes nacionales, no
existi en la Argentina anterior a los aos treinta ningn grupo que
opusiera un programa de desarrollo econmico alternativo, y fundado
en el predominio industrial, al impuesto por el bloque oligrquico-
imperialista
667
.

Do ponto de vista das relaes de classe, ao ofuscar a natureza dependente do
capitalismo argentino, esta viso ideolgica do progresso subestimava a articulao
entre expanso econmica e um padro de explorao do trabalho oriundo do passado
colonial. Em outras palavras, revelava a face moderna ocultando o atraso do
desenvolvimento argentino.
Este o substrato da crtica realizada pelo socialista italiano Enrico Ferri por
ocasio de sua visita Buenos Aires em 1908. A despeito do dogmatismo e do
eurocentrismo que marcam a sua leitura da realidade argentina, Ferri apontou para a
singularidade do pas quando comparado ao capitalismo europeu, o que, no seu
esquema de ressonncia positivista, expressa-se na centralidade da atividade
agroprecuria, levando-o a concluir que o socialismo argentino era uma flor
artificial
668
.

fundao da APRA e do PC peruano, na Argentina sua repercusso ideolgica no incidiu decisivamente
na pauta poltica, mas influenciou a fundao da Unin Latinoamericana sob a liderana de Jos
Ingenieros, de atuao restrita ao ambiente intelectual. Ver a respeito: PORTANTIERO, Juan Carlos.
Estudiantes y poltica en Amrica Latina. 1918-1930. El proceso de la reforma universitaria. Mxico:
Siglo XXI, 1978.
666
A fora e a persistncia deste substrato ideolgico evidenciam-se em Anbal Ponce (1898-1938), outro
pioneiro na difuso do materialismo histrico na Argentina. Nascido em 1898, compartilhou muitas das
premissas de Justo como a admirao por Sarmiento; a Europa como padro civillizatrio e a ausncia
de uma dimenso latino-americana em sua reflexo; a identificao do radicalismo com a poltica criolla,
do gaucho com o atraso e uma imagem da Argentina vista pelas lentes de Buenos Aires. H indcios de
que Ponce orientava-se a questionar parcialmente estas posies nos anos 1930, mas morreu
prematuramente. TERN, Oscar. Anibal Ponce. El marxismo sin nacin? Mxico: Cuadernos de Pasado
y Presente, n. 98,1983. Tern enfatiza as relaes entre o pensamento de Ponce e os movimentos da III
Internacional, mas, surpreendentemente, no se refere ideologia do socialismo vernculo e a Justo.
667
ARIC, op. cit., p. 107.
668
FERRI, Enrico. El Partido Socialista Argentino. In: JUSTO, Juan B. La realizacin del socialismo.
Buenos Aires: La Vanguardia, 1947, p. 236-240. A expresso empregada por Justo para sintetizar a
viso do socialista italiano, que considera que o socialismo argentino cumpre a funo de um partido
radical positivo no sentido europeo de la palabra ou seja: como as agremiaes que existem na

207

A polmica enfureceu Justo, que redigiu uma resposta elaborada denunciando os
destemperos do socialista italiano. No entanto, ao abordar concretamente a relao entre
socialismo e sociedade agrria em sua rplica, o lder local apenas enunciou que estas
dificuldades no eram peculiaridade argentina, sendo maiores na Europa. Em seguida,
deslocou o debate da teoria para o presente, afirmando que a parte mais viva do
marxismo seria a luta de classes, o que significa estabelecer as conquistas objetivas da
classe trabalhadora como critrio prevalente da razo poltica sobre qualquer dogma.
Por trs do tom emotivo da polmica, evidencia-se um contraste no olhar dos
contendentes: enquanto o italiano focalizava a Argentina rural, Justo dirigia-se cidade,
revelando mais do que uma debilidade ideolgica, uma limitao orgnica na trajetria
do partido. Se verdade que o Partido Socialista argentino elaborou um programa para
o campo e seu lder estava familiarizado com esta realidade e seus problemas, sua
prtica poltica sempre concentrou-se nas cidades e, especificamente, na capital federal.
Em termos tericos, este enraizamento urbano no foi balanceado por uma
problematizao da relao entre trabalhadores rurais e urbanos, ou entre campo e
cidade, no contexto de uma estratgia de tomada de poder. Assim, a polmica com Ferri
revela indiretamente a outra face da ideologia do progresso na qual est subsumida a
viso poltica de Justo: enxergou a Argentina sob o prisma da cidade, assim como
encarou o pas como parte do capitalismo central. Ao concentrar seu olhar na
interseco entre o desenvolvimento argentino e o capitalismo central, plasmado em
Buenos Aires, subestimou as especificidades c e l: daqui, excluiu o atraso e o rural e,
de l, o imperialismo.
Em sntese, a trajetria do Partido Socialista argentino at os anos 1920 revela os
rgidos limites para o aprofundamento da democracia nos marcos da economia
exportadora primria. A extraordinria expanso econmica do comeo do sculo
provocou a urbanizao do pas e uma elevao do padro de vida dos trabalhadores,
mas foi incapaz de superar a precria integrao regional e social legada pela colnia,
para promover uma distribuio relativamente equitativa dos frutos do crescimento
entre as diferentes regies e estratos sociais do pas. No plano da luta de classes, o
impacto limitado do esforo socialista evidenciou, de um lado, a estreita margem de
negociao das classes dominantes, restringindo a mudana ao mnimo necessrio para
reproduzir as estruturas da acumulao capitalista. E, de outro lado, explicitou a

Frana e na Itlia, lideradas por Clemenceau e Sacchi. Para Ferri, este papel no preenchido pela UCR,
definida como um partido do mundo da luna. Ibidem, p. 239.

208

impotncia das classes trabalhadoras para avanar um projeto de integrao nacional
baseado na dilatao democrtica das instituies da ordem. Em uma circunstncia na
qual a reforma arrancada envolveu a incorporao dos socialistas como oposio
parlamentar, a cooptao mostrou-se como um recurso alternativo para neutralizar o
potencial subversivo do protesto operrio em ascenso. Assim, a experincia socialista
revela a vulnerabilidade terica e poltica da dissociao entre integrao e soberania na
Argentina no comeo do sculo, explicitando os constrangimentos enfrentados para a
democratizao da sociedade quando o crescimento econmico projeta-se fora do
esquadro da revoluo nacional.





































CAPTULO 4
FORMAO NACIONAL NA AMRICA LATINA NOS
PRIMRDIOS DO IMPERIALISMO: RICARDO FLORES MAGN
E A REVOLUO MEXICANA.

210


CAPTULO 4
FORMAO NACIONAL NA AMRICA LATINA NOS PRIMRDIOS DO IMPERIALISMO:
RICARDO FLORES MAGN E A REVOLUO MEXICANA.


4.1) FORMAO MEXICANA

a) A MARCA DA COLNIA

A descoberta das minas de prata em Potos (1545) no Vice-Reino do Peru e em
Zacatecas (1546) no Vice-reino da Nova Espanha, dirigiu o esforo colonial castelhano
para a explorao mineira destas regies, segundo o desgnio original da empresa
ultramarina nos marcos de uma poltica mercantilista
669
. Neste contexto, o Mxico
abandonou a situao de estao avanada do empreendedorismo castelhano para
afirmar-se como um dos plos nucleares do Imprio colonial espanhol, condio
sustentada at a crise que desembocaria na independncia.
Alm do rico potencial mineral, o altiplano andino e a meseta central mexicana
revelaram-se regies intensamente ocupadas e exploradas desde sculos antes das
viagens de Colombo, abrigando organizaes polticas, sociais e econmicas
relativamente desenvolvidas no contexto americano. Nestas regies, o Imprio colonial
assentou-se sobre estruturas de organizao do trabalho j existentes, aliando-se
freqentemente a lideranas locais para estabelecer um padro de explorao econmica
articulado ao exclusivo metropolitano, vinculando o principal da riqueza produzida na
explorao mineira e no trabalho agrcola, ao processo de acumulao originria em
curso no continente europeu. Sob o prisma mercantil que movia a colonizao,
homogenizava-se a diversidade das culturas autctones, como observa uma especialista:
Desde el punto de vista de la sociedad colonial, la sociedad indgena se uniform en
un solo nivel: los tributarios.
670

No Mxico, os primeiros decnios da conquista tiveram um impacto devastador
sobre a populao aborgene, causando uma mortandade considerada por alguns autores,

669
Sobre o mercantilismo, consultar o trabalho pioneiro de: HECKSHER, Eli. La Epoca Mercantilista.
Mxico: FCE, 1943.
670
TOSCANO, Alejandra. El siglo de la conquista. In: COSO VILLEGAS, Daniel. (Coord.). Historia
General de Mxico. Mxico: El Colegio de Mexico, 1976, t. 1, p. 348.

211

como a maior crise demogrfica da historia moderna
671
. Esta situao precipitou, a
partir de meados do sculo XVI, uma interveno de duplo sentido da Coroa, visando
ao mesmo tempo subordinar o poder dos encomenderos e estancar a dizimao da
populao aborgene, tencionando retomar as rdeas sobre a empresa colonial
672
,
inicialmente baseada na iniciativa individual dos conquistadores. Confrontada com o
dilema de conciliar o recurso mo de obra indgena com a sua proteo, a Coroa
determinou o esvaziamento progressivo da instituio da encomienda, sem no entanto,
abalar os fundamentos da explorao do trabalho indgena
673
.
O morticnio indgena corroborou os efeitos da crise metropolitana no sculo
XVII sobre o Vice-reino da Nova Espaa
674
, onde o estancamento da produo
mineira
675
e a intermitncia dos vnculos mercantis com a pennsula produziram as
condies para um relativo fechamento da economia colonial sobre si mesma
676
. Neste
contexto, conformou-se a hacienda como instituio caracterstica da ocupao e
explorao do campo mexicano
677
, articulando a concentrao fundiria para a criao

671
Aunque no se han podido medir las dimensiones de la crisis demogrfica que sigui a la conquista,
sabemos que la poblacin de Nueva Espaa no alcanz sus niveles prehispnicos hasta la segunda mitad
del siglo XVIII. COSO VILLEGAS, Daniel. Historia Mnima de Mxico. Mxico: Colegio de Mxico,
1973, p. 64. Estima-se um decrscimo de 25,3 mi 1519 para 1,0 mi 1605, o que configuraria la mayor
crisis demografica de la historia moderna. TOSCANO, op. cit., p. 350.
672
El segundo periodo del siglo de la conquista se caracterizar precisamente por la tendencia opuesta,
o sea a un aumento de la funcin real en la toma de decisiones, un mayor control de los abusos de los
conquistadores y el surgimiento de una poltica deliberada de proteccin legal al indgena. COSO
VILLEGAS, Daniel. Historia Mnima de Mxico. Mxico: Colegio de Mxico, 1973, p. 49.
673
Gracias a una poderosa burocracia de legistas, puesta al servicio de una poltica admirablemente
constante, la encomienda acab por quedar reducida, en la prctica, al derecho de cobrar un tributo fijo,
y mientras tanto se iban suprimiendo poco a poco los repartimientos o servicios de trabajo impuestos por
los conquistadores a las comunidades indgenas. LIRA, Andrs; MURO, Luis. El siglo de la
integracin. In: COSO VILLEGAS, Daniel. (Coord.). Historia General de Mxico. Mxico: El Colegio
de Mexico, 1976, t. 1, p. 374.
674
Adems, las investigaciones sobre el comercio y la minera indicaban que la crisis del XVII era ms
bien una crisis metropolitanta y no particular de la Nueva Espaa. FLORESCANO, Enrique;
SNCHEZ, Isabel Gil. La poca de las reformas borbnicas y el crecimiento econmico (1750-1808).
In: COSO VILLEGAS, Daniel. (Coord.). Historia General de Mxico. Mxico: El Colegio de Mexico,
1976, t. 1, p. 476. Sobre a crise europia consultar: BRAUDEL, Fernand; SPOONER, Frank. Prices in
Europe from 1450 to 1750. In: RICH, E. E., WILSON, C.H. The Cambridge Economic History of
Europe. The Economy of Expanding Europe in the Sixteenth and Seventeenth Centuries. Cambridge,
1967. v. 4.
675
Entre 1650 y 1750, la minera de Nueva Espaa pasa por un periodo de estancamiento.

LIRA &
MURO, op. cit., p. 424.
676
A mitad del XVII, la produccin de plata se reduce tanto, que la economa de Nueva Espaa se
repliega dentro de sus fronteras, y en este territorio se localizan economas autosuficientes, cerradas al
trfico martimo con la metrpoli. LIRA; MURO. Ibidem, p. 424
677
Existe uma intensa polmica sobre a formao e desenvolvimento da hacienda mexicana, cujo ponto
de partida a obra de Chevalier, publicada originalmente nos anos 1950: CHEVALIER, Franois. La
formacin de los latifundios en Mxico. Mxico: FCE, 1985. Es entonces cuando se determina los
rasgos de la gran propiedad, que tiende hacia las formas semifeudales tpicas de esta colonizacin muy
extensiva y esencialmente continental (...) es decir sin comunicaciones fciles con el exterior: funciones
locales de justicia acaparadas por los seores, prisiones privadas de las haciendas para los esclavos y

212

pecuria com modalidades extra-econmicas de coero ao trabalho, em uma realidade
em que o poder dos proprietrios rurais gozava de autonomia em relao ao Estado
espanhol
678
.
A prevalncia das minas, da hacienda ou da agricultura comunitria sinalizam
desde o incio da colonizao mexicana para padres de explorao e ocupao do
territrio diversos em funo dos estmulos econmicos regionais, resultando em
distintos padres de sociabilidade subordinados s determinaes gerais da empresa
colonial. Em linhas gerais, para alm do eixo mercantil constitudo pela capital no
altiplano e sua conexo com o porto martimo de Veracruz, que concentra os nervos
burocrticos e econmicos da administrao castelhana, perfilam-se realidades

tambin para los peones indios;a menudo tropas personales de los propietarios, quienes llevan el ttulo
de capitn y se encargan de perseguir a los bandidos, de combatir a los indios nmadas del norte o los
desembarco de los piratas. CHEVALIER, Franois. La gran propiedad en Mxico. In: ______. La
formacin de los latifundios en Mxico. FCE, Mxico, 1985, p. 502. Obras posteriores questionam, entre
outros aspectos, esta viso da hacienda como uma unidade produtiva isolada ou semi-feudal, como sugere
o autor francs. Uma aproximao ao debate encontra-se em: VAN YOUNG, Eric. Mexican Rural
History Since Chevalier: The Historiography of the Colonial Hacienda. Latin American Research
Review, Vol. 18, No. 3 (1983), pp. 5-61. Este autor escreve: To anticipate my conclusions a bit, even if
one takes the most catholic and nonrigorous view of the matter, the range of observed variation in the
nature of agro-social units called haciendas was enormous during the colonial and early national
periods. Furthermore, if in order to cast the theoretical net as widely as possible, one charts each of the
major variables along a continuum ranging from "little" at one end to "much" at the other, instead of
looking for their presence or absence, the category of "hacienda" is likely to become so broad as to be
nearly meaningless. What does this polymorphism suggest? For one thing, it suggests that the Mexican
hacienda may have been an effect rather than a cause, its historical role that of a dependent rather than
an independent variable, and that we have been studying rural history the wrong way around. Indeed,
several authors (Chevalier 1966; Frank 1979) have asserted that the Spanish American hacienda was a
child of the New World-a cultural and economic response to specific conditions encountered there by
Europeans-rather than a form transferred intact from the Old World. If this assumption is correct, as the
abundant research increasingly indicates, then much of the debate, revisionism, and sturm und drang
over the nature of the hacienda has been misplaced. We will never fully understand Mexican agrarian
history until we shift our focus outward from the hacienda to encompass other elements in the countryside
and look carefully at rural economy and society as a system in which the rural estate was only one
important part. Ibidem, p. 14-15.
678
A definio da hacienda motivo de controvrsia, assim como a plantation: One would think that
sharper definitions would be the first recognizable product of a rapidly growing field of research such as
colonial Mexican rural history, yet sharp definitions have been the first victims of recent investigations.
The most basic piece in the conceptual arsenal, the model of the hacienda, has been damaged almost
irreparably. It is probably easier to say what a hacienda was not than to say what it was. It was not a
capitalist family farm, like those found in many areas of the Western world today; nor was it a communal
or cooperative enterprise like an intact Indian village; nor was it based upon peasant or subsistence
agriculture, although in its most underutilized form it might appear to be similar to all of these. If one
shifts from trying to define the hacienda in terms of a style of production to trying to define it in terms of a
limited number of major variables presumably common to all instances, the problem becomes more
difficult. Ibidem, p.14. Consultar a respeito: WOLF, Eric; MINTZ, Sidney. Haciendas and plantations
in Middle America and the Antilles. Social and Economic Studies 6: 380-412 (1957); FLORESCANO,
Enrique (Org.). Haciendas, latifundio y plantaciones en Amrica Latina. Mxico: Siglo XXI, 1975.

213

scioeconmicas distintas entre o norte, onde imperam a minerao e a pecuria, e o
centro-sul da colnia, dominado pela atividade agrcola
679
.
Ao norte do Vice-Reino, a localizao das minas no coincidiu com
concentraes indgenas, gerando um problema crnico de mo de obra que fomentou
um regime de assalariamento precoce em relao ao resto da colnia, resultando em
uma sociedade de fronteira caracterizada por maiores possibilidades de mobilidade
social e integrao cultural. Na regio centro-sul, onde assentava-se o principal
contingente aborgene, prevaleceram as relaes de produo tpicas da comunidade
indgena, ainda que a expanso da hacienda e da economia de mercado ameaasse
progressivamente a sua autonomia atravs dos sculos. O contraste entre as relaes de
produo dominantes em cada regio gerou padres de sociabilidade distintos, como
observa uma estudiosa do assunto:

Los indgenas del centro tendrn que mantenerse siendo indgenas,
pues as conviene al funcionamento equilibrado de la sociedad
colonial. (...) En el norte el indgena gozar de mayor libertad de
movimiento, se urbanizar ms facilmente. Los frenos a la
aculturacin no existen de hecho en el vasto norte. Ah se
desarrollar una sociedad ms hispanizada. Ah nacer la futura
sociedad de mestizos y criollos. Diferencias regionales que se harn
ms patentes al correr de los aos recibieron su semilla durante el
siglo XVI
680
.

Constrangimentos econmicos, culturais e jurdicos estabeleceram rgidos
limites integrao da sociedade colonial mexicana onde alcanava a administrao
castelhana. De um lado, a necessidade de proteger o indgena produziu um ordenamento
poltico que, ao discernir entre a Repblica de Indios e a Repblica de Espaoles,
transformou os primeiros na condio de tutelados do Imprio, sujeitos a uma srie de
restries que limitavam sua circulao, possibilidades de trabalho e acesso

679
Pero si las estancias dedicadas a la cra de ganado han formado los marcos inmensos de las
haciendas en la mayor parte de Mxico, sobre todo hacia el norte y las costas casi desiertas de
habitantes, desde el principio por lo contrario, la agricultura tuvo su asiento en las regiones
privilegiadas y bien pobladas de indios sedentarios del centro y del sur. CHEVALIER, op. cit., p. 501.
680
TOSCANO, op. cit., p. 365. Todo lo anterior muestra las enormes diferencias que existen desde el
siglo XVI entre la sociedad colonial que se desarrolla en el centro del pas y la de las tierras que se
extienden ms all de la frontera de indios sedentarios. Una es una sociedad agrcola que aprovecha
una mano de obra indgena concentrada y jerarquizada. La otra es una sociedad abierta, de minera, de
ganadera extensiva, que carece de poblacin estable y mantiene la movilidad permanente de la
penetracin de la frontera. Ibidem.

214

educao
681
. De outro lado, a miscigenao tnica provocou um corpo de
discriminaes jurdicas em torno categorizao de casta, em que a prpria impreciso
da noo colaborava para preservar um estrito apartamento entre os estratos sociais
682
.
Assim, o carter ideolgico dos parmetros de estratificao interna revelava-se
funcional reproduo das estruturas em que assentava-se a explorao colonial, como
observam Florescano e Snchez:

Lo importante es que mediante estos sistemas de estratificacin
interna la lite colonial pudo cooptar y absorber a individuos y
grupos de los estratos bajos, quienes adoptaban sus valores y
aspiraciones, sin que por ello se quebrantaran las bases de la
profunda estratificacin que articulaba al sistema. sta fue una de las
herencias ms duraderas que dej este sistema a la republica
posterior
683
.

Tomadas no seu conjunto, as normas polticas e jurdicas que balizavam o rgido
padro de estratificao da sociedade mexicana sedimentaram os condicionamentos
econmicos impostos pela racionalidade mercantil, assentada na reproduo das
assimetrias que sustentava o negcio colonial
684
.


b) EMANCIPAO MEXICANA

No incio do sculo XIX o Vice-Reino da Nova Espanha era o ncleo dinmico
do Imprio espanhol na Amrica, concentrando quase a metade dos sditos
americanos
685
e aportando cerca de trs quartos das receitas coloniais. A riqueza

681
ZAVALA, Silvio. La colonizacin espaola en Amrica. Mxico: SEP Setentas, 1972.
682
Aunque tnica y ocupacionalmente es difcil delimitar los varios grupos de castas, la sociedad
colonial encontr un medio legal para identificarlos y asignarles lugar. Mediante leyes especiales que
especificaban su calidad y la inscripcin en las listas de tributo y los registros parroquiales, las castas
fueron marcadas desde su nacimiento con una nota infamante que declaraba su baja condicin y les
impeda ejercer cualquier cargo pblico, ascender a la categora de maestros en los gremios, disfrutrar
de los derechos que gozaban los criollos y espaoles y de las defensas que protegan a los ndios.
FLORESCANO & SNCHEZ, op. cit., p.537.
683
FLORESCANO & SNCHEZ, op. cit., p. 539.
684
Esta sociedad desigual en la distribucin de sus habitantes, en las formas de poblamiento, en la
composicin tnica y situacin econmica y social de los diversos grupos que la formaban, utiliz todas
esas desigualdades para crear un cuerpo altamente estratificado. La estratificacin vertical ya descrita
(espaoles, criollos, castas e indios) se acompao de otra igualmente rgida en el nivel econmico y
social del individuo. Ibidem, p. 539.
685
Casi la mitad (populao das ndias espanholas) se agolpa en la Nueva Espaa, que ha vivido en el
nuevo siglo un ascenso, por el que descuella m que nunca dentro del sistema imperial espaol.

215

mexicana estava baseada na vigorosa retomada da explorao mineira a partir de
meados do sculo XVIII, que converteu a regio na maior produtora de prata
mundial
686
. As reformas borbnicas implementadas pela Coroa estimularam o
crescimento da produo mineira em curso
687
, ao mesmo tempo em que cercearam o
desenvolvimento de outras atividades e limitaram o protagonismo poltico criollo,
aguando as contradies do sistema colonial no Vice-reino da Nova Espanha
688
: Todo
esto quiere decir que las reformas ideadas por los Borbones alcanzaron su doble
cometido: por una parte, incrementaron la aportacin econmica de la colonia a la
metrpoli, y por otra, hicieron a aquella ms dependiente de sta.
689

Ao reforar os setores vinculados aos fluxos do sistema colonial, a gesto
borbnica reafirmou os padres de ocupao e explorao do territrio prevalentes nos
sculos iniciais da empresa castelhana. A retomada do povoamento do norte casada ao
desenvolvimento agrcola motivado pela expanso mineira, sobretudo na regio central
de El Bajo
690
, foram insuficientes para alterar os padres de ocupao ancestrais
691
ou
reverter as tendncias de heterogeneidade regional
692
. No conjunto, persistiu a falta de

HALPERIN DONGHI, Tulio. Reforma y disolucin de los Imperios Ibericos. Madrid: Alianza, 1985, p.
36.
686
(...) hacia 1800 aportaba el 66 por ciento de la produccin mundial 557 A principios del siglo XIX, la
Nueva Espaa suministraba a la metrpoli las tres cuartas partes del total de sus ingresos de las
colonias. FLORESCANO & SNCHEZ, op. cit., p. 598.
687
La visita lo mostrar decidido en las vas de las reformas: establecimiento de milicias regladas, del
estanco de tabaco; fomento de la minera mediante la reduccin de un 25 por 100 del precio del
mercurio necesario para la amalgama, y provisto por la Corona a los mineros (en 1776 el precio del
mercurio ser llevado a la mitad del originario), y tambin gracias a la gestin directa de la produccin
de plvora, que logra aumentar el volumen producido y reducir su precio; por ltimo, algunas
exenciones impositivas ad-hominem para quienes abran nuevas explotaciones mineras. HALPERIN
DONGHI, Tulio. Reforma y disolucin de los Imperios Ibericos. Madrid: Alianza, 1985, p. 54.
688
Con todo, si consideramos los objetivos que se fijaron los Borbones para llevar a cabo las reformas
econmicas antes mencionadas, esta poltica tuvo un xito notable, como lo muestran las siguientes
cifras. Mientras que en 1765 el ingreso de Nueva Espaa apenas ascenda a 6.130.314 pesos, en 1782 se
triplic (...) Por sectores,el crecimiento de la economa novohispana fue igualmente espetacular, aunque
se manifest con mayor fuerza en los ramos ms ligados a la economa peninsular. FLORESCANO &
SNCHEZ, op. cit., p. 519.
689
Ibidem, p. 519. Durante esos aos se ensaya la reforma poltica y administrativa ms radical que
emprendi Espaa en sus colonias y ocurre el auge econmico ms importante que registra la Nueva
Espaa, con la consecuencia de que la sociedad colonial padece desajustes y desgarramientos internos,
se abre a las ideas que recorren las metrpolis y busca nuevas formas de expresin a los intereses
sociales, economicos, politicos u culturales creados. Ibidem, p. 473.
690
No es azar que el rea de El Bajo y Michoacn, que experiment el mayor crecimiento econmico,
concentro el nmero ms alto de criollos y alberg a los focos ms avanzados de renovacin intelectual,
haya sido la matriz de la insurrecin que encabez Hidalgo. VILLORO, Luis. La revolucin de
independencia. In: COSO VILLEGAS, Daniel. (Coord.). Historia General de Mxico. Mxico: El
Colegio de Mexico, 1976, t. 1, p. 589.
691
En otras palabras, el prolongado asentamiento espaol haba modificado muy poco el antiguo
patrn prehispnico de distribucin de la poblacin. FLORESCANO & SNCHEZ, op. cit., p. 524.
692
Estos cambios acentan la heterogeneidad entre el Mxico centro-septentrional y el meridional. En
aqul, la comunidad agrcola es menos predominante; paralelamente el equilibrio tnico est menos

216

integrao entre as diferentes regies do Vice-Reino, articuladas fundamentalmente pelo
vnculo metropolitano comum, mediado pela capital mexicana
693
.
Embora o crescimento mexicano fosse impotente para subverter o sentido
exgeno da economia colonial, seu dinamismo contagiou setores voltados para o
mercado interno, favorecidos por um consistente aumento da populao, que mais do
que dobrou na segunda metade do sculo XVIII
694
: El aumento de la poblacin, el
florecimiento de las ciudades y los centros mineros y manufactureros, as como la
mejora de las vas de comunicacin, crearon una demanda de productos agrcolas que
favoreci fundamentalmente a los hacendados.
695

A expanso produtiva do campo mexicano
696
provocou a ascenso econmica de
um setor menos comprometido com os nexos metropolitanos e relativamente ausente
das estruturas do poder poltico colonial, monopolizado neste contexto pelos grandes
comerciantes e os funcionrios peninsulares. O desajuste entre os interesses da Coroa e
uma parcela de seus sditos novo-hispanos explicitou-se quando o aguamento dos
conflitos europeus motivou medidas ampliando a participao colonial no esforo
blico espanhol, poltica que contribuiu para alienar o apoio dos setores desvinculados
do trfico ultramarino, ao mesmo tempo em que comprometeu a unidade daqueles que o
sustentavam no Vice-reino
697
.

abrumadoramente dominado por los indios, aunque, an en 1750, stos forman la mayora en el Bajo, el
rea ms afectada por el avance minero y agrcola. HALPERIN DONGHI, Tulio. Reforma y disolucin
de los Imperios Ibericos. Madrid: Alianza, 1985, p. 38.
693
Una caracterstica notable de estas zonas de poblamiento diferenciado era su dbil comunicacin
entre s y su dependencia del centro del pas. Ibidem, p. 38.
694
J Humboldt observara que a agricultura e a pecuria produziam, ano mais ano menos, trinta
milhes de pesos contra os vinte e dois ou vinte e quatro da minerao. HALPERIN DONGHI, Tulio.
Histria da Amrica Latina. 2. ed. So Paulo: Paz e Terra, 1989, p. 18. El aumento de la poblacin, el
florecimiento de las ciudades y los centros mineros y manufactureros, as como la mejora de las vas de
comunicacin, crearon una demanda de productos agrcolas que favoreci fundamentalmente a los
hacendados. SEMO, Enrique. Historia Mexicana economa y lucha de clases. Mxico: Era, 1985, p.
189.
695
SEMO, op. cit.,, p. 85.
696
Diversas leyes que al parecer fueron aplicadas, reglamentan el trabajo de los trabajadores
agrcolas, fijan sus derechos, como tambin los deberes de los empleados (...) No hay duda que la
hacienda tradicional del siglo XVII y de la primera mitad del siglo XVIII fue profundamente
transformada hacia el fin de la poca colonial, al menos en las zonas ms pobladas y ms ricas. Una
poblacin que aumenta rapidamente, intercambios mucho ms activos, un poder central fuerte e
ilustradotienden visiblemente a hacer estallar las viejas estructuras semifeudales de las grandes
propiedades. CHEVALIER. Idem, p.507.
697
Las medidas contra la omnipotencia del clero, la expulsin de los jesuitas (1767) y los ataques
contra los fueros eclesisticos agriaron considerablemente las relaciones entre Corona e Iglesia. Las
leyes de libertad de comercio, que fueron debilitando el poder monoplico del Consulado de la ciudad de
Mxico, el retiro de concesiones tales como la administracin de la alcabala y, ms grave an, la
apertura de nuevos consulados en Veracruz y Guadalajara produjeron pleitos y choques permanentes
entre la administracin y los grandes comerciantes. En vsperas de la revolucin, burocracia, Iglesia y

217

No plano social, a expanso econmica do campo mexicano incrementou a
demanda mercantil fundiria, pressionando por um avano sobre as terras comunitrias
indgenas
698
. Este movimento agravou o problema da falta de trabalho, em um contexto
em que a minerao requeria pouca mo de obra e a cidade mostrava-se incapaz de
absorver o intenso fluxo migratrio
699
. O descompasso entre a prosperidade do setor
mercantil e o desamparo a que estava legada a subsistncia popular, acentuado pela
fome nos anos de fracas colheitas, motivou a participao camponesa nas lutas pela
emancipao nacional, fenmeno de intensidade singular no continente americano
700
.
Como indica Katz, as razes do conspcuo protagonismo poltico do trabalhador rural
mexicano remetem ao perodo colonial, projetando-se ao longo da histria republicana:
Lo que ante todo distingue a los campesinos mexicanos no es tanto el numero de sus
levantamientos como su grado de participacin en las revoluciones nacionales. El
papel de los campesinos durante la Conquista, el movimiento de Independencia o la
Revolucin de 1910-1920 (...) es nico.
701

Como em outras partes do continente, a guerra pela independncia mexicana
eclodiu em um contexto de acirramento do conflito europeu
702
, mas diferentemente de

comerciantes estaban muy lejos de estar slidamente coesionados. La Corona haba debilitado el apoyo
de sus aliados tradicionales, sin haber ganado el de las nuevas clases emergentes. HALPERIN
DONGHI, Tulio. Reforma y disolucin de los Imperios Ibericos. Madrid: Alianza, 1985, p. 191
698
A expanso da capital (mais de cento e trinta mil habitantes em 1800) e das zonas mineradoras
ampliam os setores da economia de mercado, mas a maior expanso demogrfica verifica-se no setor do
autoconsumo, cuja participao no controle da terra diminua, em funo do aumento das culturas para a
exportao.
699
Pero el problema ms grave a principios del siglo XIX era el crecimiento desmesurado de la plebe en
las ciudades. En los ultimos decenios del siglo anterior ocurri un notable crecimiento demogrfico que,
aunado a la desocupacin creciente en el campo y al aumento de fuentes de empleo en las ciudades,
engendr una plebe enorme que en vano buscaba trabajo.(...) Esta plebe era caldo de cultivo para
cualquier explosin violenta. VILLORO, op. cit., p. 603.
700
New Spain provided the most striking instance of popular appeal by insurrectionary leaders. The
Mexico City coup of September 1808 by the Spanish party prevented any move towards autonomy or,
subsequently, independence based on the capital city municipality. The contrast with the principal South
American cities was striking. In Caracas, Buenos Aires, Santa Fe de Bogota, and Santiago de Chile
between April and September 8 10, American separatists swiftly displaced the peninsular authorities.
They were able to do so through effective subversion of the colonial militias. These bodies then formed
the nucleus of patriot armies for the defence of the newly formed states.49 This option was not available
in New Spain. Instead, the discovery of the Queretaro conspiracy by the royal authorities obliged the
dissident priest, Father Miguel Hidalgo, one of the leaders, to appeal to the popular classes from his
parish in Dolores (Guanajuato) on 16 September 810o. This direct appeal reflected the failure in Mexico
of the South American model. HAMNETT, Brian R. Process and Pattern: A Re-Examination of the
Ibero-American Independence Movements, 1808-1826. Journal of Latin American Studies, Vol. 29, No. 2
(May, 1997), p. 310.
701
KATZ, Friederich. Revuelta, Rebelin y Revolucin la lucha rural en Mxico del siglo XVI al siglo
XX. Mxico: Era, 1990, p. 23.
702
La gran explosin que precipita al pas a la poca moderna tiene como antecedente esos tres
procesos (...): un rapidsimo crecimiento econmico que desconyunta las estructuras sociales forjadas a
travs de un siglo de lento reacomodo y hace ms evidentes las desigualdades existentes; una

218

outras regies, a reao intransigente dos setores ligados ao poder peninsular no corao
do Imprio americano fechou qualquer possibilidade de mudana dentro da ordem,
extremando posies desde os primeiros momentos do conflito. Como resultado, os
setores proclives reforma do lao colonial penderam uma aliana popular, detonando
um processo que logo fugiria ao seu controle, como observa Villoro: As, la represin
contra los intentos de reforma, al obligar a los reformistas de clase media a aliarse con
las clases trabajadoras, recurso que en aos pasados pareca innecesario, dar al
nuevo intento de independencia un sesgo diferente al de las dems colonias
americanas.
703

A dinmica das lutas que sucederam-se provocou uma clivagem de classe, em
que os setores ameaados pela subverso social convergiram para derrotar aqueles
identificados com as demandas populares
704
. Como decorrncia, a consumao
relativamente tardia da independncia mexicana (1821) realizou-se sob o signo da
conteno da revoluo
705
: La proclamacin de la independencia en 1821 no reanuda
la revolucin; por el contrario, slo es posible en el momento en que sta parece
aplastada.
706
Nesta perspectiva, os avanos sociais consignados pela nova
constituio adotada, que aboliu a distino de castas e o tributo indgena, aparecem

inflexibilidad casi total de la fbrica poltica y social para dar cabida alos nuevos grupos y absorber las
contradicciones y expectativas creadas por el proceso anterior; y una difusin tambin acelerada de las
ideas de la modernidad que le darn fundamento a los grupos marginados para proyectar y racionalizar
sus reivindicaciones. FLORESCANO Y SNCHEZ. Op.cit., p. 589.
703
VILLORO, op. cit., p. 613. En todo caso, en la Nueva Espaa el conflicto que en otras partes va a
madurar lentamente entra pronto en su crisis resolutiva. Los partidarios de la conservacin de un pactro
colonial tan inmodificado como las circunstancias lo permitiesen ganan la primera escaramuza y limitan
gravemente las posibilidades del alineamento rival antes de que ste alcance siquiera a organizarse;
aunque dos aos despus su supremaca fuese desafiada, sigui pesando en el curso atormentado que
Mxico iba a seguir hasta alcanzar su independencia. HALPERIN DONGHI, Tulio. Reforma y
disolucin de los Imperios Ibericos. Madrid: Alianza, 1985, p. 117.
704
La guerra entre los que tienen y los que no tienen, en que la revolucin mexicana se ha convertido
contra los deseos de sus dirigentes, no slo les revela con brutal claridad cules son sus solidaridades
bsicas dentro del orden social mexicano, sino que atena los motivos de su insatisfaccin. 149 Su
fracaso se haba debido a la unidad que haba suscitado en su contra entre todos los privilegiados e
Mxico (...) pero se deba tambin a que no haba suscitado una solidaridad igual entre los desposedos.
Ibidem, p. 146
705
Esta interpretao tem sido matizada ou questionada por trabalhos recentes, revisados brevemente em:
BREA, Roberto. La consumacin de la independencia de Mxico: donde qued el liberalismo? Revista
Internacional de Filosofa Poltica, n.16, dezembro 2000.
706
Se trata de un episodio en que una fraccin del partido contrarrevolucionario los grupos criollos
de la oligarqua suplanta a la otra, los europeos. Aun as, el cambio operado en la composicin del
poder es importante. VILLORO, op. cit., p. 640.

219

neutralizados por constrangimentos socioeconmicos, conservando a assimetria
caracterstica da ordem colonial no pas recm emancipado
707
.

C) INSERO MEXICANA NO MERCADO MUNDIAL E REFORMA LIBERAL

Confrontada com o legado econmico e poltico da guerra da independncia, a
repblica mexicana revelou-se impotente para defender a soberania territorial diante do
permanente assdio militar de diversas potncias estrangeiras nos seus primeiros
decnios de existncia. Como registra Zoraida Vzquez:

(...) en las tres primeras dcadas, la nacin tuvo que hacer frente a
las amenazas externas: las de Espaa, que se materializaron en el
intento de invasin en 1829; la guerra de independencia de Texas que
no puede considerarse un problema interno por el apoyo abierto que
recibi de Estados Unidos; la guerra con Francia de 1838, y la
invasin norteamericana del 47. Con excepcin de la primera (...) las
otras significaron verdaderas calamidades
708
.

Em uma realidade em que a destruio infligida pela guerra contribuiu para
condenar o pas estagnao
709
, agravada pela militarizao que alimentava tendncias
centrfugas contrrias afirmao do Estado nacional
710
, a nova repblica foi presa fcil
do expansionismo estadunidense, que subtraiu parte substantiva do seu territrio. As
guerras internacionais e interstcias decretavam um ciclo vicioso, no qual as apremiantes
necessidades blicas esgotavam os poucos recursos arrecadados por um Estado precrio,
administrando uma economia incipiente em um territrio escassamente integrado
711
.

707
No campo, os efeitos do novo regime revelam uma ambiguidade: (...) los peones indios, colocados en
un plano de igualdad jurdica con los otros ciudadanos, pierden el beneficio de importantes leyes
protectoras, y la servidumbre por deudas se generaliza nuevamente. CHEVALIER, op. cit., p. 508.
708
ZORAIDA VZQUEZ, Josefina. Los primeros tropezos. In: Coso Villegas, Daniel. (coordinador).
Historia General de Mxico. Mxico: El Colegio de Mexico, 1976, t. 2, p.803.
709
From a yearly average production of over 20 million pesos before the war of independence which fell
to 10 million pesos in 1822, there was a gradual increase thereafter, reaching almost 20 million pesos a
year again in 1848-50 (...) BAZANT, Jan. From Independence to the Liberal Republic, 1821-1867. Em:
BETHELL, Leslie (Org.). Mexico since independence. Cambridge: Cambridge University Press, 1991, p.
27.
710
Las milcias consideradas como una solucin para tener un rgano de defensa sin crear un ejrcito
fuerte, resultaron inadecuadas porque al no poderse utilizar fuera de los lmites estatales sirvieron tan
slo para fortalecer la posicin de los gobernadores frente al gobierno nacional. ZORAIDA
VZQUEZ. Op. cit., p. 788.
711
Neste contexto, os esforos de desenvolvimento de uma indstria nacional desenhado por Lucas
Alamn fracassaram no somente pelas raquticas dimenses do mercado de tecidos mexicano, mas
porque o estado se viu constrangido a redirecionar os poucos recursos disponveis para capitalizar o
Banco de Avo por exemplo, a outras prioridades. Ver o terceiro tomo de: REYES HEROLES, Jesus. El
liberalismo mexicano. 2. ed. Mxico: FCE, 1974, 3 tomos.

220

Como conseqncia, prevalecia uma situao de endividamento crnico do errio
mexicano
712
, o que dificultava a negociao de novos emprstimos nas praas
internacionais e desencorajava o investimento estrangeiro, desalentado pela
instabilidade social em um contexto em que somavam-se levantes camponeses, ataques
de indgenas e expedies filibusteiras s recorrentes guerras
713
.
A traumtica experincia dos primeiros decnios independentes, quando a
repblica mostrou-se incapaz de converter as milcias regionais em uma fora articulada
disposta a defender o territrio mexicano, aliada instabilidade crnica que
obstaculizava o desenvolvimento econmico, colocaram o problema da construo do
Estado e da integrao nacional como uma questo de sobrevivncia. Para alm do risco
da fragmentao, onipresente na Amrica independente, pairava a possibilidade de um
virtual desaparecimento do novo pas
714
. Neste contexto, a luta pelas reformas liberais
desencadeada nos anos 1850, que engatou na guerra contra o invasor francs no decnio
seguinte, teve um significado transcendente para a afirmao nacional em todas as
esferas, como observa Lpez Camara: Nuestro pas se salv, en gran medida, por la
correlacin de fuerzas internacionales de aquella poca, pero principalmente por la
dinmica interna de las contradicciones del pas, que transform la lucha popular

712
Es indudable que todos los gobiernos nacionales fracasaron rotundamente en su labor hacendaria.
Los obstaculos fueron muchos: la discordia social, la falta de comunicaciones efectivas, el lastre de una
deuda inicial y la obligacin de aumentarla debido a la constante necesidad de defensa, la interpretacin
de la soberana estatal y la carencia de verdaderos servidores pblicos. ZORAIDA VZQUEZ. Op.
cit, p. 777.
713
Assim descrito o panorama encontrado pelo presidente Mariano Arista ao assumir o cargo em 1851,
entre a paz com os Estados Unidos (48) e as primeiras leis da Reforma (55) : Tehuantepec amenazado
por el presidente de Estados Unidos Millard Fillmore, Sonora, invadida por Gaston Raousset de
Boulbon, ayudado por aventureros franceses y norteamericanos en conexin con una empresa minera de
Arizona. Chihuahua a punto de sublevarse contra la Federacin e invadida por tribus nmadas
comanches y apaches; Tamaulipas asediado por Jos Mara Canales alentaban el propsito de escinder
una nueva porcin del territorio y crear la Repblica de Sierra Madre dentro del estado de Tamaulipas
para anexarla a Estados Unidos. Mazatln levantado en armas en contra de las disposiciones fiscales de
las autoridades estatales. Durango invadido por grupos indgenas nmadas, Yucatn sin apagar el
rescoldo de la guerra de castas, Michacan perturbado por el cuartelazo de Piedad Cabadas,
enderezado en contra del gobernador Melchor Ocampo por la legislatura reformista que impouso la
libertad religiosa, atacando las obvenciones parroquiales y preparando atrevidos sistemas de
nacionalizacin de la propiedad estancada. DAZ, Lilia. El liberalismo militante. In: COSO
VILLEGAS, Daniel. Historia General de Mexico. Mxico: El Colegio de Mexico, 1976, t. 2, p. 823.
714
The liberals who came to power in 1855, 34 years after Mexicos independence from Spain, had
hoped to give Mexico the productivity and stability of its northern neighbour, the United States. Having
seen their country lose almost half of its territory to the United States in the recent Mexican-American
War (1846-8), they feared that without a measure of both economic growth and political stability the very
existence of Mexico as an independent nation-state would be in jeopardy. KATZ, Friederich. The
Liberal Republic and the Porfiriato, 1867-1910. In: BETHELL, Leslie (Org.). Mexico since
independence. Cambridge: Cambridge University Press, 1991, p. 49

221

contra una de las grandes herencias de la Colonia, en un proceso de identificacin
nacional (...)
715
.
A importncia ideolgica da Reforma est lastreada nas transformaes
materiais que desencadeou, assentando as bases para a unificao poltica e econmica
do pas. O ponto de partida em um pas marcado pelo legado colonial e dilacerado pela
recorrente guerra estrangeira, no era auspicioso:

La extensin considerable de su territorio, la escasa poblacin, la
carencia de comunicaciones y transportes, el retraso econmico y los
violentos contrastes sociales, as como la formacin natural de
estrictos intereses locales, muy alejados los unos de los otros, hacan
de Mxico una entidad poltica que tena mucho de ficcin
716
.

Neste contexto, o enfrentamento desencadeado contra a Igreja, nica instituio
de alcance efetivamente nacional, e os setores solidrios ordem por ela representada,
amalgamou os descontentes com a situao em torno a uma luta que, ao final,
identificou-se com a prpria causa da nao. O empenho em desamortizar os bens
eclesisticos, que desembocou na sua posterior nacionalizao, objetivava subtrair o
esteio econmico de uma organizao percebida como parte do legado colonial, nos
marcos de um projeto de modernizao das relaes de produo no campo baseado no
estabelecimento da propriedade individual da terra, contemplando medidas como o
deslinde e venda das terras pblicas, e a desamortizao e fracionamento das terras
comunais indgenas. Como contrapartida social, a agenda liberal propunha uma poltica
de inspirao estadunidense, prevendo o fomento imigrao, pequena propriedade e
ao trabalho livre, sempre referidos ao respeito s liberdades individuais. Do ponto de
vista do investimento econmico, pretendia-se atrair o capital estrangeiro para fomentar
a indstria e as comunicaes, principalmente ferrovirias, visando suprimir as barreiras
estruturais e legais (impostos internos) constituio de um mercado nacional. A
estratgia geopoltica subjacente ao projeto liberal era desenvolver e articular o
territrio como recurso para preservar a sua integridade
717
.

715
LPEZ CMARA, Francisco. La estructura econmica y social de Mxico en la poca de la reforma.
6 edio. Mxico: Siglo XXI, p.6.
716
Ibidem, p. 5.
717
The liberal policies attempted to fulfill two basic objectives: 1. To put an end to the isolation of
numerous local markets through the formation of a national market. This measure recquired the
elimination of legal obtacles (interstate customs duties) as well as the establishment of a modern (less
expansive) transportation system. 2. To modify the countrys landholding system through the partial
incorporation into the market of unproductive church lands and small Indian communes. CORTS

222


Desde los tres poderes la intelectualidad liberal Mexicana resolvi
que para homogeneizar a Mxico y ponerlo a la altura de las grandes
naciones del mundo contemporneo se necesitaba, en el orden
poltico, la prctica de la Constitucin liberal de 1857, la pacificacin
del pas, el debilitamiento de los profesionales de la violencia y la
vigorizacin de la hacienda pblica; en el orden social, la
inmigracin, el parvifundio, y las libertades de asociacin y trabajo;
en el orden econmico, la hechura de caminos, la atraccin de capital
extranjero, el ejercicio de nuevas siembras y mtodos de labranza, el
desarrollo de la manufactura (...)
718
.

Quando nos anos 1860, em reao reforma, os opositores do liberalismo
aliaram-se ao exrcito invasor francs para defender o II Imprio mexicano
719
,
produziram-se as condies para uma identificao entre o projeto de modernizao
liberal e a afirmao da nao, ou na sntese de Reyes Heroles: (...) superivivencia
nacional y progreso se hermanaron.
720
O eventual triunfo liberal, que culminou no
fuzilamento do imperador Habsburgo em 1867, teve profundas repercusses ideolgicas
na histria mexicana. Deste momento at a ecloso da revoluo (1910), a reivindicao
do legado liberal seria unnime entre aqueles que buscaram identificar-se com o
interesse da nao.
A despeito do xito ideolgico incontestvel da Reforma, seu programa
encontrou mltiplos obstculos para concretizar-se: focos de insubordinao de natureza
variada abundavam atravs do territrio
721
, inviabilizando o ensejado exerccio pleno

CONDE, Roberto. The first stages of modernization in Spanish America. Nova Iorque: Harper & Row,
1974, ps. 79-80.
718
(...)y la conversin de Mxico en un puente mercantil entre Europa y el remoto oriente; y en el
orden de la cultura las libertades de credo y prensa, el extermnio de lo indgena, la educacin que dara
a todo Mxico un tesoro nacional comny el nacionalismo en las letras y en las artes. Luis Gonzlez.
El liberalismo triunfante. In: COSO VILLEGAS, Daniel (Coord.). Historia General de Mexico. Mxico:
El Colegio de Mexico, 1976, p. 908-909.
719
A breve experincia de Agustn Iturbide no contexto da independncia mexicana (1822-3)
considerada como o I Imprio Mexicano.
720
Los grupos directores liberales tenan una fe en marcha y as ocurri que nacionalidad y liberalismo
fueron una misma cosa y supervivencia nacional y progreso se hermanaron. La Intervencin viene a
confirmar la identidad de origen entre liberalismo y nacionalidad. REYES HEROLES, op. cit. t. 2., p.
454.
721
Um olhar panormico dos conflitos durante o governo Jurez: En 1867 hubo que ahogar en sangre
las asonadas de Ascensin Gomez y Jess Betangos en el Estado de Hidalgo; del aguerrido Vicente
Jimnez en los breales del sur; de un general Urrutia en Jalisco; del general Miguel Negrete en la
sierra de Puebla, y de Marcelino Vila faa en las llanuras de Yucatn. En 1868 se pele contra sendas
rebeliones de Glvez y Castro en las cercanas de la capital; de ngel Martnez, Adolfo Palacios, Jess
Toledo y Jorge Garca Granados en Sinaloa; de Aureliano Rivera en Tierra Quemada; de Honorato
Domnguez en Huatusco; de Paulino Noriega en Hidalgo; de Felipe Mendoza en Perote; de Jess Chvez
en Tlaxcala, y de Juan Francisco Lucas en Xochiapulco. En 1869 hubo necesidad de someter al orden

223

das liberdades
722
; a reforma agrria frustrava-se, em uma realidade em que o despojo
das terras indgenas associava-se a uma maior concentrao da propriedade; a imigrao
e a atrao do capital estrangeiro no vingavam; no campo cultural, a hegemonia
catlica parecia no ceder, apesar dos esforos de laicizao empreendidos pelo Estado.
Em uma palavra, Lpez Camara avalia que os liberais (...) subestimaron la enormidad
y anchura de las tradiciones necesitadas de demolicin.
723

O programa da reforma liberal encontraria em Porfrio Daz um agente capaz de
conciliar o desgnio de desenvolvimento econmico com as exigncias de conservao
da ordem social.

d) PORFIRIATO E IMPERIALISMO

A conjuno entre a expanso da demanda mundial por produtos primrios e a
estabilidade institucional alcanada sob a gide de Porfrio Daz (1876-1911)
724
projetou
o Mxico em um perodo de acelerado crescimento econmico que estenderia-se at a
revoluo
725
. A afirmao do Estado mexicano esteve associada ao papel que assumiu
como mediador entre os negcios do capital internacional e os requisitos sociais e
polticos necessrios para a sua penetrao. Em um momento em que dissipou-se a
ameaa estrangeira s fronteiras, os caudilhos regionais foram apaziguados por uma
conjuno entre a submisso militar
726
e a possibilidade de participao minoritria nos

por segunda vez al incorregible poblano Miguel Negrete, y por primera, a Desiderio Daz en
Tlacotalpan; a Francisco Daz y Pedro Martnez en San Lus Potos; a unos revoltosos annimos en
Coeneo, Michoacn; al rebelde crnico de Zacatecas, el ilustre cacique Trinidad Garca de la Cadena; a
Juan Servn de la Mora, en Zamora; a Francisco Araujo en Laguna de Mojica, y a Jess Toledo en
Aguascalientes. En 1870 hubo que topar a balazos contra los cabecillas rebeldes Rosario Aragn y
Eduardo Arce en Morelos; Francisco Corts Castillo en Orizaba; Amado Guadarrama en Jalisco y
Plcido Vega en Sinaloa. En 1871, los Daz (Porfirio y Felix) iniciaron la vasta revuelta de la Noria y
promovieron la rebelin nmero tres de Negrete. En 1872 fue sofocada la revuelta de los Daz.
GONZLEZ, op. cit., ps.917-918.
722
Durante 49 meses de los 112 que dur la Repblica Restaurada estuvieron suspendidas las garantas
individuales, rebajada la libertad personal y vigorizado el poder ejecutivo. Ibidem, p. 917
723
LPEZ CMARA, op. cit., p. 6.
724
Durante este perodo, Porfrio Daz no comandou diretamente o Estado entre 1880-1884, momento
em que ainda vislumbrava-se uma alternncia no poder e a presidncia foi exercida por Manuel Gonzlez.
725
La mayor necesidad de bienes primarios de los principales pases europeos y de Estados Unidos
abri a Mxico insospechadas posibilidades como abastecedor. Por eso, sus exportaciones no tardaron
en alcanzar un ritmo de crecimiento ms rpido que el promedio mundial: su monto, en efecto, pas
entre 1877-78 y 1910-11 de 40 milliones y medio de pesos a casi 288, es decir, se sextuplic(...) COSO
VILLEGAS, Daniel. Historia Moderna de Mxico. El Porfiriato. Vida economica. Mxico: Hermes,
1965, 2 tomos, p. 635-6.
726
Em 1896 pela primeira vez na sua histria, o Estado mexicano equilibrou suas finanas graas gesto
do ministro Jos Yves Limantour, o que facilitou o poder de barganha do pas no mercado de
emprstimos internacionais: With such solid financial banking Daz was in a good position to tighten

224

negcios abertos
727
, engendrando uma racionalidade poltica em que o investimento
internacional e a Pax Porfiriana se retroalimentavam
728
.
Em um primeiro momento, o governo mexicano recorreu ao capital internacional
visando estabelecer os requisitos estruturais bsicos para que, em seguida, o
investimento externo direto aflusse em grandes propores
729
. O fluxo de capital
estrangeiro para o pas, que havia sido mnimo antes de 1880
730
, atingiu entre 1884 e
1900 a cifra de U$ 1.200 milhes, impulsionando um crescimento do produto nacional
bruto a uma taxa anual de cerca de 8%. Entre 1900 e 1910 o capital internacional
investido triplicou, alcanando cerca de U$ 3 bilhes
731
. A penetrao estrangeira
consumou o carter dependente da expanso mexicana, acentuando sua vulnerabilidade
s crises mundiais. Estima-se que no comeo do sculo, o capital internacional
controlava 90% dos empreendimentos de minerao, eletricidade, petrleo e bancos.
Dentre os interessados em fazer negcios no pas destacava-se o progressivo
investimento estadunidense, que em menos de vinte anos saltou de cerca de U$ 30
milhes (1883) para U$ 501.6 milhes (1902), ultrapassando U$ 1 bilho quando
estourou a revoluo no final de 1910
732
. Durante o Porfiriato, o Mxico assumiu a
condio de praa preferencial da exportao de capital deste pas, como destaca Coso
Villegas:

the reins on the more mutinous and independent-minded groups within the country. KATZ, Friederich.
The Liberal Republic and the Porfiriato, 1867-1910. In: BETHELL, Leslie (Org.). Mexico since
independence. Cambridge: Cambridge University Press, 1991, p. 82.
727
The consolidation of the dictatorship was closely tied to two process: the achievement of internal
stability (the Pax Porfiriana) and the emergence of an effective and powerful Mexican state. Ibidem, p.
81.
728
On the whole the strenghtening of the Porfirian state cost large segments of both the traditional
upper and middle class much of the political power they had hitherto exercised. In return, they partook of
the fruits of Mexicos rapid economic growth. Ibidem, p. 87
729
In the initial phase, prior to the expansion of the market, when the country lacked a modern
economy,railroads, transportation, industries, and so forth, adequate incentives for the investment of
foreign capital were absent (...) In such a situation only a government capable of guranteeing solvency
and respect for obligations that had been contracted could channel investments. (...) In the second phase,
through market expansion and an infrastructure of transportation and communications which were
assured lower costs of production, the basic prerequisites were met, and the market offered sufficient
incentives for the direct flow of capital investments in activities which now offered even greates
expectations of profit. CORTS CONDE, op. cit., ps. 101-3.
730
GONZLEZ, op. cit., p. 940.
731
Dados extrados de: KATZ, Friederich. The Liberal Republic and the Porfiriato. In: BETHELL, Leslie
(Org.). Mexico since Independence. Cambridge: Cambridge University Press, 1991; GONZLEZ. Op,
cit. CARR, Barry. El movimiento obrero y la poltica en Mxico, 1910-1929. Mxico: Era, 1981.
732
In 1883 North American investments in Mexico were estimated at 30 million dollars. In less than
twenty years they rose to 501.6 million (1902), and in the brief nine-year period ending in 1911 they
doubled and reached 1.057.0 million dollars. CORTS CONDE. op. cit., p. 100. A maneira que Daz,
como outros governantes mexicanos, encontrou para contrabalancear a influncia dos Estados Unidos foi
buscar atrair e facilitar o investimento europeu. Ver: KATZ, Friederich. La guerra secreta en Mxico.
Mxico: Era, 1982.

225


Mxico, sin embargo, significaba para Europa una zona de
importancia bastante secundaria, que apenas absorbi el 5.5% de sus
inversiones externas, y el 29 de las que coloc en Amrica Latina. En
cambio, para el capital norteamericano fue el campo principal de
inversin: de todas las que haba hecho en el extranjero hasta 1911,
le correspondi a Mxico el 45.5%
733
.

A expanso das estradas de ferro foi condio necessria para potenciar a
explorao mercantil do territrio mexicano. Quando Daz assumiu o poder (1876), a
rede ferroviria nacional resumia-se ao recm inaugurado caminho Mxico-Veracruz.
Na virada do sculo (XIX-XX) estenderia-se por 14 mil quilmetros, atingindo 24 mil
quilmetros dez anos depois. Os caminhos de ferro multiplicaram as possibilidades de
extrao mineral no norte do pas, onde ligavam-se s ferrovias dos Estados Unidos,
mas tambm abriram novos horizontes de produo mercantil para outras regies,
impulsionando uma tendncia geral de diversificao das exportaes, como registra
Corts Conde: Em 1877-1878 somente a prata respondia por 60 por cento do valor
total das exportaes. Ao redor de 1910-1911, foi reduzida a 33 por cento; cnhamo,
caf, acar, borracha e gado cresceram de importncia nas exportaes do pas.
734

A integrao de amplas fraes do territrio aos fluxos do mercado mundial
transformou a fisionomia mexicana sem alterar substantivamente a heterogeneidade que
a caracterizava
735
. Nas provncias ao sul do pas, a economia orientava-se para a
produo de gneros agrcolas de exportao (principalmente sisal, caf e borracha),
prevalecendo a grande propriedade baseada em relaes de trabalho precrias, padro
que inibia a diversificao econmica e a integrao social. No norte, que atraa a
maior parte do investimento estrangeiro, o dinamismo da economia tambm residia no
setor exportador, mas a relativa diversificao das mercadorias (metais como prata,

733
COSO VILLEGAS, Daniel. Historia Moderna de Mxico. El Porfiriato: vida econmica.. Hermes,
Mxico, 1965, p. 637.
734
CORTS CONDE, op. cit. p. 90 (traduo nossa). No original: In 1877-1878 silver alone accounted
for 60 percent of the value of all exports. By 1910-1911 it was reduced to 33 percent; hemp, coffee, sugar,
rubber, and livestock rose in importance in the countrys exports. Embora a traduo literal mais
adquada da palavra hemp no contexto seja cnhamo, optamos por sisal, entendendo que o autor
refere-se notvel exportao de henequn no Yucatn nesta poca, uma fibra semelhante ao sisal mas
cuja traduo precisa em ingls seria agave fiber.
735
The railroad spurred a modification in the relative importance of various regions. The northern zone,
one of the first areas traversed by the railroads and enjoying greater proximity to the United States
market and new centers of production such as Torren, acquired a particular importance, whereas other
more traditional zones Zacatecas, Pachuca, Guanajuato declined. CORTS CONDE. op. cit., p. 88.

226

cobre, alumnio, alm da pecuria, gneros agrcolas e madeira), envolvia um
importante segmento da produo dirigida ao mercado interno, estimulando uma
incipiente atividade industrial
736
. Visto no seu conjunto, a exportao de gneros
primrios nos marcos da expanso do mercado mundial ensejou uma diversificao da
pauta exportadora e uma modernizao das relaes de produo: A especializao
induzida pela demanda estrangeira no levou a uma maior dependncia em relao a um
produto ou gnero agrcola, mas a uma maior diversificao da produo que, por sua
vez, ajudou a modernizar a estrutura produtiva.
737

Em consonncia com a disparidade regional, esta modernizao da estrutura
produtiva estimulada durante o Porfiriato gerou resultados desiguais do ngulo das
relaes de trabalho. No campo manufatureiro, a unificao do mercado nacional e o
investimento estrangeiro estimularam o desenvolvimento de indstrias leves, sobretudo
txteis, estabelecendo-se grandes unidades nas regies de Orizaba e Puebla, no Mxico
Central. No entanto, a proletarizao que acompanhou esta expanso industrial
738
no
significou uma eficaz organizao dos trabalhadores. De maneira geral, a administrao
de Daz recorreu a uma combinao de cooptao e represso na relao com os
operrios
739
, mesmo padro empregado para lidar com caudilhos regionais e com o

736
In contrast to the south-east, the north had a much more diversified economy. It exported a large
variety of minerals; cooper, tin, and silver as well as commodities such as chick peas, cattle and lumber.
A much more important segment of the northern economy, in contrast to that of the south-east, was
geared toward production for the domestic market. 80 (...) In relation to the rest of the economy,
industrial development was more important in the north than in most other parts of Mexico. Ibidem, p.
80.
737
Ibidem, p. 82 (traduo nossa). No original: The specialization induced by foreign demand did not
lead to a greater dependence on one product or on one crop, but to a greater diversification of
production that, in turn, aided the modernization of the productive structure.
738
De 1877 a 1910 a produo industrial quadruplicou (principalmente nos ramos de minerao e txtil) e
a produo agrcola para exportao aumentou 750%. Ibidem.
739
En los aos del porfirismo, en 1881 y 1885, cuando los mineros comienzan a utilizar el nuevo medio
de lucha: la huelga. La primera se produjo en Pinos Altos, Chihuahua (...) Al da siguiente un piquete
de soldados fusil a cuatro obreros acusados de ser los dirigentes de la huelga. Ellos fueron las primeras
vctimas del movimiento obrero en Amrica. CRAGNOLINO, Silvia Cragnolino. Rebelin obrera en
Mxico La huelga de Cananea. Buenos Aires: Centro Editor de Amrica Latina, 1973, p. 430. Sobre os
esforos de cooptao e contra-organizao de Daz: The government provided extensive financial aid do
the TRUE Crculo y Congresso for the development of agrarian cooperatives. (...) The government
declaration rendering cooperatives illegal represented one of the hardest blows struck against the
anarchist campaign for cooperativism in the nineteenth century. (). Assim, observando a cena em
meados dos anos 80, um autor afirma: The Daz regime had gained nearly complete control over the
labor movement. HART, John. Anarchism and the Mexican working class (1860-1931). Austin:
University of Texas Press, 1971, p. 80. Sin embargo, sera errneo pensar que la represin fue la nica
reaccin de Daz al problema obrero. Com ya se ha sealado, en los crculos oficiales haba una
conciencia considerable de la utilidad de cultivar el apoyo de las nacientes organizaciones de la clase
trabajadora. CARR, op. cit., p. 31. A despeito das estratgias do regime, o protesto operrio no foi
silenciado: En Mxico, a pesar de la severa represin que el rgimen de Daz dirigi contra las clases
trabajadoras, hubo un mnimo de 250 huelgas entre 1876 y 1910. Algunos tipos de organizacin obrera

227

exrcito. Os trabalhadores contavam com uma exgua tradio organizativa de cunho
mutualista recm desenvolvida no perodo da Reforma, condizente com o predomnio
da produo artesanal, e no articularam, neste contexto, instrumentos eficientes de
reivindicao autnoma. A ttica porfirista teve xito em conter o protesto urbano ao
menos at 1906, quando a greve dos mineiros de Cananea e os efeitos da crise
econmica do ano seguinte estimulariam um outro nvel de combatividade e
organizao operria.
No campo, o sentido das transformaes impulsionadas variou regionalmente.
Na pennsula do Yucatn no extremo sul do pas, a exploso da demanda internacional
por sisal provocou um ressurgimento de relaes de trabalho afins escravido,
incluindo o comrcio de mo de obra indgena iaque rebelada, chancelado pelo
governo
740
. Nas regies menos populosas ao norte, os nexos com o mercado mundial
pressionaram pela abolio das relaes de peonaje, baseadas no endividamento
permanente dos trabalhadores, generalizando-se o assalariamento
741
. Em que pesem as
disparidades regionais, Katz assinala dois efeitos gerais deste processo de penetrao
mercantil: uma diminuio substancial do poder aquisitivo dos trabalhadores rurais
entre 1876 e 1910, ainda que a sua importncia deva ser relativizada, dadas as formas
alternativas de remunerao prevalentes. Em segundo lugar, um notvel aceleramento
da atividade das companhias que operavam o deslinde das terras indgenas e pblicas
desde a Reforma, de modo que, no ocaso do Porfiriato, mais de 95% das aldeias

consiguieron existir, sobre todo entre los trabajadores ferroviarios, pero el gobierno reprimi
generalmente a las que daban muestras de una militancia significativa o, incluso, a las que iban mucho
ms all de las funciones mutualistas. La violencia del Estado era mitigada a veces por gestos
paternalistas e intentos de cooptacin, as como por el arbitraje especial del rgimen en algunas
disputas. Sin embargo, el gobierno Daz saba ser implacable al atacar a sus enemigos y emprendi una
campaa de represin especialmente inflexible contra los militantes asociados con Ricardo Flores
Magn. HALL, Michael; SPALDING JR., Hobart. La clase trabajadora urbana y los primeros
movimientos obreros de Amrica Latina (1880-1930). In: BETHELL, Leslie (Ed.). Historia de Amrica
Latina (c. 1870- c.1930). Barcelona: Crtica, 1991, p. 309.
740
Denunciados internacionalmente nos famosos artigos do socialista estadunidense John Kenneth
Turner, a partir de 1908, que deram origem ao livro Barbarous Mexico. Depois de entrevistar-se com
Ricardo Flores Magn na priso nos Estados Unidos, Turner visitou o Mxico em compania do liberal
Lzaro Gutierrez de Lara. Pretendendo ser um capitalista disposto a investir, teve amplo acesso in loco
aos meandros da explorao do trabalho em diferentes regies do pas. TURNER, John Keneth. Mxico
Brbaro. Mxico: Costa-amic editor, sem data.
741
KATZ, Friederich. La servidumbre agraria en Mxico en la poca porfiriana. Octava reimpresin.
Mxico: Era, 2002. Hemos visto las razones de esas divergencias: el aislamento geogrfico y la falta de
industrias en el sur propici el aumento del peonaje por endeudamiento, mientras que en el norte la
proximidad con los Estados Unidos y la creciente demanda de brazos en las minas y la industria
debilitaron el peonaje. Resulta mucho ms difcil evaluar el desarrollo en el centro de Mxico, pues
operaban fuerzas contrarias que o debilitaban o reforzaban el peonaje por endeudamiento. Ibidem, p.
49.

228

comunais tinham perdido suas terras
742
. Em suma, verifica-se um macio despojo de
pequenas propriedades e terras indgenas, o empobrecimento crescente dos camponeses
e a sua proletarizao como contrapartida da proliferao de latifndios, inclusive
estrangeiros, freqentemente ligados agricultura de exportao, quando so
produtivos. Os efeitos desta transformao radical esto intimamente vinculados
exploso revolucionria do campo a partir de 1910
743
.
Embora no plano econmico verifique-se uma continuidade entre o desgnio da
reforma e a modernizao realizada pelo Porfiriato, a chamada pacificao que lhe
serviu de alicerce assentou-se na mutilao da dimenso social e poltica do programa
liberal. A longevidade do regime esteve calcada na conjuno do extraordinrio
desenvolvimento do capitalismo estadunidense, que desdobrou-se em um crescente
interesse em explorar negcios em territrio mexicano, combinada com a determinao
inflexvel do ditador em silenciar qualquer foco de distrbio social, seja de carter
caudilhesco, tnico ou de classe. Neste contexto o progresso, entendido como o
desenvolvimento das foras produtivas movido pelo capital estrangeiro, afirmou-se
como razo de Estado s expensas do contedo social e poltico original do iderio
juarista.
Esta toro das premissas liberais foi acompanhada por um movimento
correspondente no plano ideolgico, analisado minunciosamente por Leopoldo Zea
744
.
O filsofo mexicano identifica na ascendente influncia do positivismo de Spencer em
lugar de Comte, as razes ideolgicas de uma reinterpretao do significado histrico da
Reforma, entendida no mais como o incio da era positiva (e portanto conclusiva)
segundo o referencial comtiano, mas como momento da passagem da era militar para
industrial, nos marcos do esquema de Spencer. Segundo esta leitura, os novos tempos

742
Esas compaias deban deslindar las tierras baldas y traer colonos extranjeros par que las
trabajaran; y como compensacin por los gastos (...) se les adjudicara la tercera parte de las tierras
deslindadas. De 1881 a 1889, las compaias de que se trata deslindaron 32.200.000 hectreas. (...)
Todava de 1890 a 1906, ao en que fueron disueltas las compaias, deslindaron 16.800.000 hectreas,
quedndose con la mayor parte los socios de tan lucrativo negocio (...) Claro est que no haba en
Mxico la asombros cantidad de terrenos baldos que deslindaron (...) 49.000.000 de hectreas, la cuarta
parte de todo el territorio mexicano. Cometieron toda clase de arbitrariedades y despojos, en particular
tratndose de pequeos propietarios y de pueblos indgenas (...) SILVA HERZOG, Jesus. Breve
Historia de la Revolucin Mexicana. Mxico: FCE, t. 1, p. 18-19. Tambm: KATZ, Friederich. Revuelta,
rebelin y revolucin. La lucha rural en Mxico del siglo XVI al siglo XX. Mxico: Era, 1990, 2 tomos.
743
El ejemplo ms conocido de este proceso es la recolucin del cultivo de la caa de azcar, que
convirti al estado de Morelos en una gran fbrica agrcola, destruyendo muchas comunidades indgenas
y creando una gran masa de campesinos sin tierra. CARR, op. cit., p.14. Morelos a provncia onde
eclodiu o zapatismo.
744
ZEA, Leopoldo. El positivismo en Mexico: nacimiento, apogeo y decadencia. Mxico: FCE, 1993.

229

inaugurados pela Reforma no deveriam ser negados, mas superados atravs do
estabelecimento da ordem, encarada como condio para o exerccio da liberdade em
um contexto em que, depois de dez anos de anarquia, destruia-se em nome da
liberdade o nico meio que poderia viabiliz-la: a prpria sociedade. Assim, segundo
Zea, as idias de combate dos liberais mexicanos foram substitudas durante o
Porfiriato por idias de ordem.
Os cientficos, como ficou conhecido o estreito grupo de colaboradores,
beneficirios e idelogos mais prximos do regime, consideravam-se herdeiros do
partido liberal da reforma, mas dotados da possibilidade de atuar racionalmente.
Avaliando a sociedade mexicana como imatura para o exerccio pleno da liberdade,
defendiam a necessidade de uma tutela por eles exercida, calcada no princpio basilar da
manuteno da ordem, intepretado como condio para o progresso e para a
consolidao paulatina da liberdade. Esposavam como premissa filosfica que o
demonstrvel precisa ser aceito por todos, o que no campo do pensamento limava o
terreno para a especulao, e no plano poltico restringia qualquer dissidncia, uma vez
constatada a relao entre paz e progresso, afirmada como ideologia da nao. Na tica
dos cientficos, liberdade no obstaculizar a ordem, derivando no corolrio ideolgico
que sustentou o Porfiriato, sintetizado por Zea nas seguintes palavras: Esta es la tesis
de los sostenedores del Porfirismo: no deber hacerse oposicin alguna a un gobierno
cuyo fin es la realizacin de la paz; ninguna oposicin a una dictadura encaminada a
realizar el progreso.
745
Nesta perspectiva, toleravam-se a liberdade religiosa e de
conscincia, porque no lidavam com verdades demonstrveis, mas restringia-se a
liberdade social, porque apontava contra a ordem e portanto, para a anarquia.
Em suma, o xito de Porfrio Daz em manter-se no poder ao longo de trs
decnios deve ser creditado confluncia de fatores histricos que fizeram da
centralizao desptica ao custo das liberdades polticas em um contexto de afluncia
do capital estrangeiro, uma alternativa desejvel diante de um passado recente no qual a
anomia social ameaava a prpria subsistncia nacional. Neste contexto, a
modernizao superficial dissimulava um acirramento das contradies sociais e
polticas que a rigidez do regime encetava. A crnica convencional do desabamento do
Porfiriato, que desgua na revoluo, toma como ponto de partida a reunio convocada

745
Ibidem, p. 168.

230

pelo Crculo Liberal Ponciano Arriaga na cidade de San Luis Potos em 1901
746
, incio
da articulao do Partido Liberal Mexicano, que em pouco tempo seria liderado por
Ricardo Flores Magn.


4.2) FLORES MAGN E A REVOLUO MEXICANA

Ricardo Flores Magn nasceu em 1874 no vilarejo de Santo Antonio
Eloxochitln, Oaxaca, provncia natal de Benito Jurez e Porfirio Daz. Ainda criana
mudou-se para a Cidade do Mxico
747
, onde teve com seus irmos acesso melhor
educao disponvel
748
. Finalizado o colgio, ingressou na Escola Nacional de
Jurisprudncia, mas teve dificuldades em conclu-la e no exerceu a advocacia,
dedicando-se a trabalhos variados at definir sua vocao jornalstica
749
.
Nos dias em que o engenheiro Camilo Arriaga, homem de posses e sobrinho
neto de um eminente poltico da Reforma, convocou grupos liberais de todo o pas para

746
Exemplo paradigmtico : SILVA HERZOG, Jesus. Breve Historia de la Revolucin Mexicana.
Mxico: FCE, 1997, 2 tomos.
747
Portanto, Ricardo Flores Magn conviveu pouco com a cultura comunitria indgena, fortemente
arraigada na regio onde nasceu. Um autor que procura uma conexo entre seu projeto poltico posterior e
a tradio comunal aborgene atribui essa influncia a seu pai: Los escasos aos que vive Ricardo en
Eloxochitln no hubieran sido tal vez bastantes para producir en l una huella indelebr si Teodoro, preso
en la nostalgia de un retorno inalcanzable al paisaje idlico de la sierra nativa, no la ahondara con el
relato conmovido y reiterado de un estilo de vida rouseauniano que contrasta trgicamente con las
penalidades de la lucha por la existencia en el mundo complejo e ininteligible de la urbe. AGUIRRE
BELTRN, Gonzalo. Ricardo Flores Magn. In: ______. Obra Antropolgica, vol XV contribuciones
al estudio del pensamiento social mexicano.Mxico: FCE, 1990, p. 98.
748
Foram matriculados na Escuela Nacional Superior No 1 e depois na Escuela Nacional Preparatoria,
recm-fundada por Gabino Barreda, intelectual referente do positivismo mexicano. Em uma carta que
escreve em 1899, orientando a formao de seu irmo mais novo, sugere: La Historia General de Justo
Sierra es una obra muy completa y ensea a filosofar en la Historia. Es lo ms importante de la Historia,
su Filosofa. Como se sabe, Justo Sierra , neste momento, referncia precpua do positivismo
mexicano. FLORES MAGN, Ricardo. Carta a Enrique Flores Magn. 16 ago. 1899. In: ______. Obras
Completas. Correspondencia (1898-1918). Introduccin, compilacin y notas, Jacinto Barrera Bassols.
Mxico: Conaculta, 2001. V. 1. p. 58. Especificaremos o prenome dos irmos Flores Magn nos casos em
que Enrique for citado.
749
A primeira atividade poltica notvel em que se envolver so as manifestaes estudantis contra a
segunda reeleio de Daz em 1892: foi preso momentaneamente com seu irmo Jess e encarcerado no
infame presdio de Beln. Pouco depois, estreou no jornalismo poltico e, como membro do Centro
Antirreeleccionista, ajudou a editar o jornal El Demcrata, em pouco tempo suprimido pelo regime. Os
anos seguintes foram de dificuldade econmica para os Flores Magn, agravada com a morte do pai em
abril de 1893 e a priso de Jess at agosto deste ano. Diferente de seu irmo, Ricardo teve problemas em
concluir a Escola Nacional de Jurisprudncia, reprovando diversas vezes nos exames at definir sua
vocao jornalstica, revelada em uma carta a seu irmo mais novo Enrique em 1899: (...) el papel es
para m un dolo y creo que no en un lejano tiempo sea mi arma muy grande: el peridico. FLORES
MAGN, Ricardo. Carta a Enrique Flores Magn, 23 jul. 1899. In: ______. Regeneracin (1900-1901)
primera parte. Introduccin, compilacin y notas, Jacinto Barrera Bassols. Mxico: Conaculta, 2003, V.
3, p. 51.

231

um congresso em San Luis Potos em fevereiro de 1901, Ricardo Flores Magn editava
o recm-fundado Regeneracin
750
. Nos anos seguintes, o destino deste peridico se
confundiria com a sua trajetria pessoal e com a sorte poltica do Partido Liberal
Mexicano. Em seu momento original, Regeneracin apresentava-se como um
peridico jurdico independiente, propondo-se a criticar, nos marcos da legalidade
vigente, os abusos e a venalidade do regime no plano jurdico
751
. Compareceram ao
conclave liberal 56 delegados de 14 entidades, dando incio a um processo orientado
articular um partido de oposio liberal a Porfrio Daz, de perspectiva legalista e
anticlerical
752
. Nas palavras de seus organizadores, o propsito do encontro era decidir
sobre: (...) los medios para llevar a la prctica la unificacin, solidaridad y fuerza del
Partido Liberal, a fin de contener los avances del clericalismo y conseguir dentro del
orden y de la ley la vigencia efectiva de las Leyes de la Reforma
753
.

750
O jornal fundado em 7 de agosto de 1900 por Ricardo, seu irmo mais velho Jess e Antonio
Horcasitas. A publicao conhecer quatro pocas e diversas sedes, no desafio permanente de burlar a
censura e a perseguio a seus editores. Publicado inicialmente na cidade do Mxico (1900-1901), seguir
seus editores no exlio, sendo publicado nos Estados Unidos sucessivamente nas cidades de San Antonio,
Texas (1904-5), Saint Louis Missouri, Missouri (1905-1906) e Los Angeles, Califrnia (1910-1918).
Entre 1907 e 1908 o mesmo grupo poltico publicar um jornal com o nome de Revolucin na cidade de
Los Angeles. Nas trs ocasies em que sua publicao foi retomada, a numerao dos exemplares de
Regeneracin foi reiniciada a partir do nmero 1.
751
Como anuncia no nmero de estreia: Nuestro vigor juvenil y nuestro patriotismo nos induce a buscar
un remedio y al efecto, sealar, denunciar todos aquellos actos de los funcionarios judiciales que no se
acomoden a los preceptos de la ley escrita (...) FLORES MAGN, Ricardo. Obras completas. Jacinto
Barrera Bassols (Introduccin, compilacin y notas). Mxico: Conaculta, 2001, v. 3, p. 70. As citaes a
Ricardo Flores Magn so extradas, preferencialmente, dos cinco primeiros tomos de suas obras
completas. Alternativamente, recorremos compilao de Armando Bartra e verso digital completa do
peridico Regeneracin. Os artigos publicados em Regeneracin nem sempre so assinados, mas Ricardo
Flores Magn responsabilizava-se pela produo ou supervisionava seu contedo no assinado, e,
frequentemente, possvel identificar sua autoria, como faz Bartra: BARTRA, Armando. Regeneracin,
1900-1918. La corriente ms radical de la revolucin mexicana de 1910 a 1918 atravs de su perdico
de combate. Mxico: Era, 1977; BARRERA BASSOLS, Jacinto (Coord.). Versin digital del peridico
Regeneracin, 1900-1918. Mxico: Direccin de Estudios Histricos del Instituto Nacional de
Antropologa e Historia (INAH), 2007, 1 CD ROM.
752
Ricardo Flores Magn compareceu como delegado pelo Comit Liberal de Estudiantes de San Luis
Potos, em um momento em que Horcasitas j deixara o jornal, que, desde dezembro, identificava-se
como um peridico independiente de combate. Alm de participar do congresso, tomou contato com a
reputada biblioteca de Camilo Arriaga, provida de ttulos socialistas e anarquistas europeus, embora haja
indicaes de uma familiaridade anterior com esta literatura. Na cronologia introdutria ao tomo 3 das
Obras completas, possivelmente a mais detalhada e atualizada reconstituio dos primeiros anos de
Ricardo Flores Magn, h a seguinte entrada no ano de 1896: A decir de su hermano Jess, comienza un
periodo borrascosoen la vida de Ricardo Flores Magn. Entre sus lecturas de esa poca estn La
conquista del pan, de Pedro Kropotkin, y Las grandes mentiras de la civilizacin, de Max Nordeau.
BARRERA BASSOLS. In: FLORES MAGN, op. cit., v. 3, p. 49.
753
Apud: COCKROFT, James D. Precursores Intelectuales de la Revolucin Mexicana. Mxico: SEP/
Siglo XXI, 1985, p. 90.

232

Os crculos liberais proliferaram pelo pas e Regeneracin tornou-se uma
espcie de rgo oficial do partido, publicando seus comunicados e documentos
754
.
Diante da represso desencadeada pelo governo
755
, a posio de seus militantes
radicalizou-se, de modo que, no manifesto lanado nao em maro daquele ano,
desafiavam a ditadura propondo uma candidatura alternativa presidncia em 1904,
alm de mencionarem a necessidade de reformas sociais
756
. De modo correspondente, a
denncia de cunho jurdico veiculada por Regeneracin converteu-se em um combate
aberto ao regime, enfatizando especialmente a oposio figura do general Bernardo
Reyes, apontado como possvel sucessor ao idoso ditador. Como consequncia desta
guinada, depois de diversos meses publicado com seus editores na priso, em outubro
daquele ano o jornal foi fechado, encerrando a sua primeira poca
757
.
Posto em liberdade, Ricardo Flores Magn persiste em seus ataques ao regime,
do que resulta uma nova ordem de priso emitida contra os irmos Flores Magn e seus
colaboradores prximos: no final de 1902, passam 34 dias incomunicveis no presdio
de Santiago de Tlatelolco. Em janeiro do ano seguinte Arriaga foi solto e, logo depois, o
prprio Ricardo. Imediatamente reorganizou-se o Club Liberal Ponciano Arriaga na
capital, atuando como uma junta diretiva do movimento liberal. Permanecem
irredutveis em seu questionamento ao regime e estendem uma faixa no prdio, onde
instalou-se o jornal recentemente reaberto, com os dizeres da manchete daquela edio:
La Constitucin ha muerto.
No manifesto publicado pouco depois, evidencia-se uma tenso interna no
partido, que se acentuar progressivamente, entre o marco constitucional liberal
758
e

754
Embora Flores Magn tenha sucitado polmica no congresso declarando que la administracin de
Daz es una cueva de ladrones, na prtica passou a atuar na Cidade do Mxico em estreita aliana com o
ncleo potosino. Em abril daquele ano, fundou-se na capital a Asociacin Liberal Reformista, qual
aderiram os irmos Flores Magn.
755
Em abril de 1902, dois meses aps o encontro dos liberais, foi suprimido o clube liberal de Lampazos,
Nuevo Len; em maio Ricardo e Jess Flores Magn foram presos e, pouco depois, o prprio Camilo
Arriaga.
756
A convocatria para o segundo congresso lanada no final do ano que no chegou a realizar-se
devido represso j mencionava a necessidade de reformas sociais e agrria. No quinto ponto da
convocatria, l-se: Medios prcticos y legales para favorecer y mejorar la condicin de los
trabajadores en las fincas de campo y para resolver el problema agrario y del agio. MANIFIESTO del
Club Liberal Ponciano Arriaga. 27 de fevereiro de 1903. Disponvel em:
<http://www.antorcha.net/biblioteca_virtual/historia/programa/21.html>. Acesso em: 18 ago. 2008.
757
Depois de dez meses encarcerados, Ricardo e Jess Flores Magn foram soltos em maro de 1902 e se
apartaram politicamente de forma definitiva: o irmo mais velho seguiu uma exitosa carreira como
advogado, enquanto Ricardo, que conta com a adeso do caula Enrique, imediatamente retomou o
combate, arrendando o conhecido jornal El hijo del Ahuizote, famoso por suas caricaturas satricas.
758
Sin la dictadura que desde hace aos nos oprime, el pueblo hubiera entrado en el ejercicio de sus
deberes y de sus derechos y la Constitucin se hubiera ido reformando a su favor. Ibidem.

233

uma radicalizao no teor da denncia social. Neste documento, encontra-se um amplo
leque de denncias, abarcando desde as condies de trabalho no infame Valle Nacional
at a concentrao fundiria, o despojo indgena e mesmo os trustes econmicos
759
,

ao
mesmo tempo em que reafirma-se o marco legal como referncia para a luta. O
desajuste entre a radicalidade do diagnstico apresentado e a moderao do seu
encaminhamento No os llamamos a la revolucin; os llamamos a salvar a la Patria
expressa uma diferenciao no seio da direo liberal, na qual a autoridade ainda
prevalente de Camilo Arriaga, fundador e mecenas do partido, era desafiada por
posies de radicalidade crescente
760
.
No entanto, aos olhos da ditadura so todos inimigos. Um ms depois de
publicado o manifesto, a polcia invadiu a redao do jornal e prendeu quem encontrou
no local, inclusive os irmos Flores Magn, novamente retidos incomunicados durante
um ms e meio na priso de Beln
761
. Os correligionrios que escaparam esforaram-se
para manter o jornal ativo, mudando seu nome diversas vezes com a inteno de driblar
a censura: El Padre del Ahuizote, El Nieto del Ahuizote, El Bisneto del
Ahuizote. No entanto, em junho deste ano (1903), a Suprema Corte ratificou a
proibio de circular qualquer peridico contendo escritos de Ricardo Flores Magn,
sob ameaa de uma pena de 2 anos de priso e multa de 5.000 pesos, alm da
confiscao dos equipamentos de impresso
762
. Vedado todo espao para a oposio
poltica dentro da legalidade, quando deixa o crcere em outubro deste ano, Ricardo

759
Junto com a tirania, o clero e o militarismo, o capital mencionado na concluso do manifesto: Sobre
las vejaciones de la tirana, sobre la intriga del clero, sobre la absorcin del capital y del militarismo,
surja el edificio grandioso de la fraternidad, de la democracia y del engrandecimiento nacionales.
Ibidem.
760
Esta diferena se expressa na discusso, registrada em ata, sobre a convenincia de fundar-se ou no
clubes antirreeleccionistas, nos quais Arriaga e Daz Soto alinham-se contra a posio de Santiago de la
Hoz, Juan Sarabia e Ricardo Flores Magn. Ver: ACTA de una reunin del club liberal Ponciano Arriaga.
In: BARTRA. Regeneracin (1900-1918): la corrienta ms radical de la revolucin mexicana a travs de
su peridico de combate. Mxico: Era, 1977, p. 153.
761
Once I was young, I was kept for several weeks in a dark dungeon, so dark that I could not see my
own hands. The dungeon was unpaved, and a layer of mud from three to four inches thick composed the
floor, while the walls oozed a turbid fluid which prevented from drying up the expectorations, countless,
careless, former occupants had negligently flung upon them. From the ceiling enormous ... overhung, in
which black, horrid spiders lurked.() In my horrible dwelling I could stand the slimy touch of the walls,
the recollection of which makes me now shudder (). FLORES MAGN. Carta a Philip B. Grosser, 13
abr.1922. In:______. op. cit., v. 2, p. 371.
762
ALBRO, Ward S. Always a Rebel Ricardo Flores Magn and the Mexican Revolution. Austin:
Texas Christian University Press, 1992, p. 21.

234

Flores Magn opta por exilar-se nos Estados Unidos, junto a alguns colaboradores mais
prximos. Jamais retornar ao Mxico
763
.
Estabelecidos no outro lado da fronteira, Flores Magn e seus correligionrios
dedicam-se a articular uma ao revolucionria com o objetivo de derrubar Porfrio
Daz. Este trabalho ter uma dimenso ideolgica, que se plasma na elaborao do
Programa do Partido Liberal em 1906, e outra organizativa, traduzida na estruturao do
partido e na preparao para o levante. A seguir, examinaremos as premissas do
pensamento de Ricardo Flores Magn que fundamentam este projeto de Revoluo
Mexicana amadurecido pelo PLM no exlio. Depois analisaremos a sua fortuna poltica,
estabelecendo o referencial ideolgico e poltico para interpretar a radicalizao
magonista que culminar no manifesto anticapitalista lanado em meio luta armada
em 1911.


a) VISO DE MAGN SOBRE A FORMAO MEXICANA

Ricardo Flores Magn entende a formao mexicana como um aprofundamento
da obra da Reforma Liberal avanada no sculo anterior, que, por sua vez, interpretada
como uma continuao da gesta emancipatria. O fio condutor deste processo a
dilatao da noo de liberdade, que evolui atravs do iderio magonista desde a
acepo original reformista, identificada com os direitos civis, at a noo do derecho
de vivir, afirmando a igualdade social como eixo de um projeto revolucionrio
sintonizado com o sentido do movimento histrico inaugurado pela Revoluo
Francesa. Confrontado com a necessidade de lutar contra a ditadura ao mesmo tempo
em que advoga a integrao nacional, o lder liberal adota a consigna juarista de que es
mejor hacer en una revolucin lo que tendra que hacerse en dos
764
, dotando a luta
antiporfirista de um contedo social.
No plano da estratgia, a poltica magonista est presidida por uma racionalidade
que conjuga a permeabilidade s potencialidades da conjuntura mexicana a uma

763
Sem nenhum centavo, estabeleceu-se inicialmente na cidade fronteiria de Laredo no Texas, mas a
ameaa permanente da polcia mexicana o convenceu a internar-se em San Antonio. Procedeu
imediatamente a gestes para viabilizar a reapario de Regeneracin, que se concretizou em novembro
de 1904. Um atentado faca, em que foi defendido por seu irmo Enrique, o forou a transladar-se para
Saint Louis, Missouri, no interior do pas, onde o jornal seria editado a partir de fevereiro de 1905.
764
FLORES MAGN. In: BARTRA, op. cit., p. 269.

235

sensibilidade ao sentido da histria universal. Embora a permanente represso, no
Mxico como no exlio, e o contato com o movimento operrio estadunidense
corroborem uma radicalizao ideolgica de Flores Magn e seus colaboradores, uma
avaliao realista do acmulo poltico dos trabalhadores mexicanos orienta a poltica
liberal para um projeto de revoluo democrtica nacional nos marcos do capitalismo,
segundo as diretrizes do seu programa de 1906, referncia precpua da poltica
magonista at a sua derrota militar no contexto da revoluo.

i. enquadramento ideolgico
Tomada a deciso de promover a revoluo a partir do exlio, Flores Magn
distancia-se do legalismo que caracteriza a reivindicao do liberalismo mexicano do
sculo XIX, perfilando-se o que podemos qualificar como um pensamento
distintivamente magonista
765
, marcado pela progressiva incorporao da temtica social
e por um correspondente direcionamento da sua prdica aos trabalhadores. Este
movimento ideolgico encontra expresso poltica em um projeto baseado na
democratizao poltica, na integrao social e na constituio de um espao econmico
nacional, apontando para a consumao da formao mexicana segundo o iderio
plasmado no programa liberal de 1906. No obstante a radicalizao posterior das
consignas magonistas, nossa hiptese que seu pensamento preservar uma coerncia
fundamental, lastreada na herana ideolgica do liberalismo mexicano conjugada a uma
viso de mundo de inspirao positivista, em que o tema da liberdade articular uma
convergncia entre natureza humana e histria, cujas decorrncias polticas se
explicitaro no curso do processo revolucionrio.
O pensamento magonista est assentado na premissa de que existe uma natureza
humana, e que ela boa e livre
766
. Na sua viso, esta natureza tem sua expresso
deturpada e seu curso obstrudo por opresses de razes histricas, que devem ser
superadas. Assim, a liberdade natural bloqueada por instituies sociais que precisam
ser removidas para que a essncia humana possa ressurgir. Esta ser a linha fundamental
do ideal humanista de Flores Magn, que transparece nesta carta:

765
Embora Ricardo Flores Magn e seus partidrios identifiquem-se como liberais, genunos seguidores
da tradico juarista, e no como magonistas, o termo delimita com maior preciso a especificidade das
ideias veiculadas pelo partido e seu lder a partir de ento.
766
Sobretudo na ltima fase de Regeneracin, esta noo ser enriquecida pela percepo, encontrada em
Kropotkin, da solidariedade como princpio natural da convivncia humana, contestando uma
naturalizao da competio em voga, consonante com o princpio darwinista do survival of the fittest.
KROPOTKIN, Piotr. Textos escolhidos.Porto Alegre: L&PM, 1987.

236


Ya sueo con un pueblo, no de sabios, ni de lubreras o notabilidades,
sino simplemente de hombres. No considero como tales a los seres
abyectos y cobardes, saturados de supersticiones que forman las
tiranas y los frailes, para tener bestias a su servicio. El hombre debe
de ser libre de cuerpo y de espritu
767
.

Este enquadramento do problema, salientando a natureza social do problema da
liberdade, aponta para uma positivao do conflito e, em ltima anlise, da prpria
violncia, encarada como componente previsvel de toda ao dirigida contra as foras
conservadoras que se opem ao livre fluxo da evoluo humana:

Si e su marcha evolutiva no se viera el pueblo detenido por
obstculos, no habra choques, esto es, no habra revoluciones; ms
como siempre hay intereses nacidos de la opresin, y de ella viven y
medran, esos intereses se oponen a la libre evolucin del pueblo y
entonces estalla la revolucin
768
.

Assim, os interlocutores dos magonistas sero, de antemo, os setores que se
opem aos interesses nascidos da opresso e vinculados preservao da ordem. Na sua
perspectiva, o desafio fundamental romper com a apatia que caracteriza os homens,
em um contexto em que a educao monopolizada pelo clero e a esmagadora rotina de
trabalho no permite espao para a conscientizao nem a organizao populares
769
.
Segundo Flores Magn, existe uma correspondncia entre a indiferena poltica dos
mexicanos e a opresso a que esto sujeitos: La tirana durar el tiempo que dure la
apata en desaparecer
770
. Neste contexto, cabe a uma minoria consciente promover,
atravs da propaganda sistemtica difundida por meios de comunicao como
Regeneracin, o despertar daqueles destinados ao combate. Subjacente estratgia

767
FLORES MAGN. Carta a Silvina R. de Trejo, 22 jul. 1905. In:______. op. cit., v. 1, p. 114.
768
LA REVOLUCIN DE GUATEMALA. Regeneracin. Nmero 12, 15 jul.1906. Verso digital em
CD ROM. Este artigo no est assinado, como ocorre com diversos textos que citaremos. Embora em
muitos casos seja reconhecvel a escrita de Ricardo Flores Magn, optaremos por referir-nos ao jornal,
sem explicitar sua autoria.
769
Muradas las conciencias por la falta de instruccin; cerrados los horizontes por la falta de justicia,
el pueblo marcha a su destino trgico empujado por la frrea mano del que jur redimirlo. FLORES
MAGN, op. cit., v. 5, p. 228. Ya hemos explicado otras veces que la inferioridad social del
proletariado y del pobre en general hace completamente ilusoria la libertad poltica, esto es, no gozar de
ella. La ignorancia y la miseria inhabilitan al hombre para pensar y emitir sus pensamientos, y aun
cuando lograse pensar y emitir sus pensamientos, seran estos de una inferioridad intelectual tan
marcada que su influencia sera nula por la imposibilidad de hacerlos preponderar sobre la brillante
argumentacin de los hombres instruidos. FLORES MAGN. In: BARTRA, op. cit., p. 248.
770
FLORES MAGN, op. cit. v. 5, p. 260.

237

subversiva do magonismo, que dedicou-se infatigavelmente ao periodismo de
combate
771
, est a percepo de que a formao da conscincia de classe
fundamentalmente um processo de ilustrao dos trabalhadores
772
. Esta crena no poder
da razo deriva em uma valorizao do papel da liderana revolucionria, a quem cabe
instigar e dirigir o instinto da massa inconsciente.

Pero si este movimiento espontneo, producido por el instinto de la
propia conservacin, es inconsciente para la masa obrera mexicana,
en general no lo es para una minora selecta de la clase trabajadora
de nuestro pas, verdadero ncleo del gran organismo que resolver
el problema social en un porvenir cercano
773
.

Em linhas gerais, o pensamento magonista evoluir dentro deste enquadramento
bsico: o fluxo da natureza humana encontra-se obstrudo por constrangimentos sociais
que devem ser removidos a partir da ao revolucionria iniciada por trabalhadores
ilustrados, para que a vida possa recuperar sua espontaneidade e o curso da histria seu
sentido natural. A referncia central da sua progressiva radicalizao ser o contedo da
noo de liberdade: entendida em sua expresso meramente poltica na primeira fase de
Regeneracin, da crescente incorporao da temtica social envolver a noo de
liberdade econmica, inicialmente vinculada s conquistas polticas de maneira
associada e subalterna, mas que se diferenciar na medida em que se radicaliza o
processo, at se afirmar como foco do projeto liberal na sua ltima fase. Os documentos
que balizam esta evoluo so o programa promulgado pela Junta Organizadora do
Partido Liberal no exlio em 1906 e o manifesto difundido em setembro de 1911, quase
um ano depois da ecloso da revoluo. No plano poltico, estes anos correspondem
queles em que o magonismo atingiu maior poder de convocatria e consolidou-se
como a liderana da oposio radical ao Porfiriato
774
.

771
El grupo de Regeneracin concibe al peridico como estructurador ideolgico, poltico y orgnico
de una corriente revolucionaria de masas, como la forma fundamental de propaganda, agitacin y
organizacin colectivas. BARTRA, op. cit., p. 16.
772
Entre las masas ignaras hay cerebros colosales que no necesitan ms que un rayo de luz para
brillar. FLORES MAGN, op. cit., v. 5, p. 227. Haga usted la luz en los cerebros de los humildes, de
los que sufren sin darse cuenta de sus sufrimientos como pobres bestias azoradas. El dia en que una
buena parte de nuestros conciudadanos comprendan de dnde proviene la miseria y la abyeccin que se
nota en Mxico, ese da ser el ltimo del tirano. Ibidem, v. 5, p. 82.
773
FLORES MAGN. In: BARTRA, op. cit., p. 246.
774
Visto en conjunto, el periodo comprendido entre 1906 y 1912 se caracteriz por el auge y la
expansin de las redes organizativas, en las que se hicieron patentes, adems de algunos patrones de
asentamiento territorial (dejando ver cules eran las regiones en las que el movimiento encontr una
respuesta ms consistente), las modificaciones en cuanto a las posiciones polticas de los interlocutores

238

ii. programa do PLM de 1906
O programa promulgado pela Junta Liberal em 1 de julho de 1906 um
documento clebre na anlise posterior da Revoluo Mexicana, considerado por muitos
autores como o antecedente ideolgico por excelncia da constituio de 1917
775
. Seu
projeto consuma a progressiva associao entre o legado liberal do sculo anterior e a
demanda por reformas sociais, anunciada desde a convocatria ao segundo congresso
liberal em 1902 e presente nos debates da 2 poca de Regeneracin, em que se
diferenciam dos tiranas: a poltica e a econmica
776
.

Embora provavelmente no tenha
sido redigido por Flores Magn
777
, servir como referncia precpua de toda ao
subsequente do partido at a revoluo.
O programa apresenta, hierarquizados nesta sequncia, uma costura dos temas
clssicos do liberalismo mexicano, como a demanda por liberdades civis e consignas
anticlericais, com uma detalhada agenda de reformas sociais visando integrar os
trabalhadores urbanos e rurais. Com este objetivo, avana uma srie de propostas
destinadas a melhorar as condies de trabalho na indstria e um projeto de reforma
agrria centrado na desapropriao do latifndio improdutivo. O programa contempla
ainda propostas de cunho nacionalista (como limitaes propriedade e ao emprego de
estrangeiros), uma reforma tributria, a proteo da raza indgena e o
estabelecimento de lazos de unin con los pases latinoamericanos. Em suma, um
projeto nacional orientado afirmao do capitalismo autodeterminado baseado na
integrao da populao atravs do trabalho. Na sua exposio inicial, lemos:


del rgano magonista (como una muestra de las necesidades de la dirigencia), la transformacin de los
referentes polticos e ideolgicos tanto de las agrupaciones como de la propia Junta Organizadora, y el
funcionamiento de relaciones de solidaridad con organizaciones vinculadas al radicalismo
norteamericano y al anarquismo internacional. TORRE, Alejandro de la. Las agrupaciones polticas
consignadas en Regeneracin, 1900-1918. Distribucin geogrfica de una extensa red de solidaridades
polticas. In: BARRERA BASSOLS, Jacinto (Coord.). Versin digital del peridico Regeneracin, 1900-
1918. Mxico: Direccin de Estudios Histricos del Instituto Nacional de Antropologa e Historia
(INAH), 2007. 1 CD-ROM, p. 116.
775
Interpretao consagrada pela obra de SILVA HERZOG, op, cit.
776
En nuestra tierra existen las dos tiranas apuntadas y a ellas se debe que tanto los gobernantes y las
autoridades abusen por medio de la fuerza, como que los ricos seores de la tierra, de la industria,
etctera, abusen tambin mermando los beneficios de los hombres de trabajo (...) FLORES MAGN,
op. cit., v. 5, p. 248.
777
Este programa lleno de conceptos progresistas, reflejaba horas interminable de discussion, no
solamente en los Estados Unidos y el Canad, sino tambin durante nos aos pasados en confraternidad,
en las oficinas de Regeneracin y de El hijo del Ahuizote, en los hogares, en las calles de la capital, en
fondas, y en las celdas de Belem. () Segn Villareal Ricardo escribi la exposicin de motives y Juan
Sarabia las secciones sobre Poltica y Trabajo, pero puede ser que eso no sea muy exacto. TURNER,
Ethel Duffy. Ricardo Flores Magn y el Partido Liberal Mexicano. Mxico: Comisin Editorial
Nacional, 1984, p. 93.

239

Cuando los millones de parias que hoy vegetan en el hambre y la
desnudez coman menos mal, usen ropa y calzado y dejen de tener
petate todo por ajuar, la demanda de mil gneros y objetos que hoy es
insignificante aumentar en proporciones colosales, y la industria, la
agricultura, el comercio, todo ser materialmente empujado a
desarrollarse en una escala que jams alcanzara mientras
subsistieran las actuales condiciones de miseria general
778
.

O programa liberal apresenta um projeto democrtico nacional que identifica-se
como continuador da tradio liberal mexicana na medida em que reivindica a
atualizao histrica do contedo da liberdade: o que antes era entendido
principalmente como demandas cvicas agora incorpora direitos sociais. Em um artigo
em que comenta o debate promovido pelo partido em torno de um esboo do programa,
antes da sua redao final, Flores Magn enfatiza a associao entre liberdade e
democracia, escrevendo sob o pseudnimo de Anakren:

Por el estilo son los dems artculos del proyecto del programa; todos
tienden a hacer ms efectiva la libertad, y si en virtud de esa libertad
que beneficia a la inmensa mayora de mexicanos sufren lesiones los
derechosde unos cuantos mimados de la fortuna, o de los frailes, o
se aminora el poder del gobierno, no debemos detenernos en
aprobarlos
779
.

A defesa do programa liberal de 1906, orientado integrao nacional nos
moldes capitalistas, no significa, entretanto, que este seja o horizonte histrico
definitivo da Junta:

No creemos que el Programa del Partido Liberal sea la ltima
palabra en materia de conquistas del oprimido sobre el opresor (...)
pero s consideramos que con ese programa, cuando lo pongamos en
prctica, se liberar la ascencin del pueblo mexicano a la altura de

778
Plan del Partido Liberal. In: DAZ, Lilia. Planes polticos y otros documentos. Fuentes para la
historia de la Revolucin Mexicana. Prlogo de Manuel Gonzlez Ramirez. 1 reimpresin. Mxico:
FCE, 1974.
779
FLORES MAGN, op. cit. v. 5, p. 326. Em outro artigo, explicita a relao entre o contedo social do
programa e o capitalismo: Es necesario, por lo tanto, sujetar el capitalismo en cierto modo para que
respiren con menos dificuldades las clases laboriosas e intelectuales de nuestra sociedad. Ibidem, v. 5,
p. 254.

240

bienestar y de libertad con que suean todos los espritos justos, todas
las almas grandes
780
.

Em suma, os magonistas identificam na realizao do programa liberal de 1906
um caminho para concluir a formao da nao mexicana, interpretada como passo
possvel e necessrio na longa evoluo histrica em direo igualdade entre os
homens. Ao converter seu iderio humanista em uma estratgia poltica para o Mxico
sob Porfrio Daz, Flores Magn subordina a dimenso utpica do seu pensamento a
uma avaliao da potencialidade da conjuntura mexicana. Relacionando a realidade
nacional ao sentido do movimento da histria, situa o projeto liberal como uma
primera piedra del gran edificio de la igualdad y la fraternidad
781
.

iii. sensibilidade histrica
A conscincia do carter provisrio do programa liberal est referenciada em
uma percepo sobre o curso gradual e permanente da mudana histrica. Esta
sensibilidade remete a uma viso de progresso que, por trs da inspirao naturalista
informando seus termos, revela uma substncia humanista caracterstica do iderio de
Flores Magn:

Todo evoluciona en la naturaleza, todo tiende perfeccionarse, a
avanzar, y es temerario pretender que una sociedad permanezca
estacionaria. Los pueblos tienen cada vez nuevas necesidades, nuevas
aspiraciones, y la realizacin de esas necesidades y esas
aspiraciones, constituye el progreso
782
.

Esta nfase na dimenso social da evoluo histrica consoante com a crtica
liberal noo de progresso propagada durante o Porfiriato, que circulava em
Regeneracin desde os tempos do clube Ponciano Arriaga. Diante de um regime que
abraou a ideologia positivista, esposando o progresso como eixo da sua propaganda,
entendido como o desenvolvimento das foras produtivas que encontra mxima
expresso na construo de ferrovias, os liberais estabeleceram uma distino:

780
Ibidem, v. 5, p. 297. Em outra parte: Trabajar menos horas y alimentarse mejor debe ser la
conquista inmediata del pueblo obrero. Hay que unirse para obtener esa conquista que debe ser
considerada como uno de tantos escalones que conducen a la liberacin. Ibidem, v. 5, p. 304.
781
Ibidem, v. 5, p. 291.
782
LA REVOLUCIN DE GUATEMALA. Regeneracin. Nmero 12, 15 jul. 1906.Verso digital em
CD ROM.

241

qualificaram esta modalidade de modernizao como progresso material, que no
negaram, ao mesmo tempo em que denunciaram o seu carter excludente:

Por otra parte, ese progreso es material, (...) y nada significan por el
hecho de que el Gobierno no se ha preocupado por la justicia, la
instruccin popular y el respeto alas instituciones. Los monumentos
grandiosos, ricos palacios, etc. no significan bienestar popular
783
.

O questionamento do progresso propalado pelo regime se tornaria mais direto
com a radicalizao dos liberais: En efecto; hay fbricas, hay minas riqusimas, hay
ferrocarriles y telgrafos. Hay hasta suntuosos palacios... pero todo eso es nuestro
progreso? (...) Pero si hay todo eso, por qu somos tan pobres?
784
. Como
desdobramento deste discernimento entre crescimento econmico e integrao social, o
desenvolvimento das foras produtivas ser um tema secundrio no projeto magonista,
voltado para a democratizao da sociedade. Em uma circunstncia na qual a desiluso
com o progresso material pressiona a temtica social para o centro da agenda, seu foco
ser a modernizao das relaes de produo. Nesta perspectiva, Flores Magn dirigir
cada vez mais o seu discurso aos trabalhadores mexicanos residentes no pas ou na
fronteira
785
convocando-os a protagonizar o processo
786
. Esta postura causar o
progressivo distanciamento dos segmentos antiporfiristas das classes dominantes em
relao s atividades da Junta
787
, no obstante o interesse liberal em conformar uma
ampla aliana democrtica
788
.

783
REGENERACIN, nmero 35, 23/4/1901. Verso digital em CD ROM.
784
ANAKREN (Ricardo Flores Magn). El Colmillo Publico, 11 jan. 1906. In: FLORES MAGN, op.
cit., v. 5, p. 232.
785
Pensemos bien el asunto de la organizacin en Estados Unidos porque no dudo que ser la major
fuerza con que cuente el Partido Liberal. FLORES MAGN. Carta a Crescencio Villareal Mrquez, 6
jun.1906, In:______. op. cit., v.1, p. 170.
786
Olhando a trajetria de Regeneracin no seu conjunto, entre 1900 e 1918: Como pudo notarse, se
trat una trayectoria llena de contrastes en la que no puede pasarse por alto la traslacin del espacio
social de los adherentes al PLM, inicialmente centrado en las elites, hacia sectores conformados
principalmente por trabajadores de origen mexicano en los Estados Unidos.TORRE, op. cit., p. 116.
787
A ruptura com Ponciano Arriaga publicizada em outubro de 1905, quando, em artigo publicado em
El Colmillo Publico, Flores Magn o chama de traidor. Isto influencia o afastamento de Madero na
sequncia: em setembro de 1906 o caudilho de Coahuila negar armas e ajuda ao lder insurrecional
liberal Prisciliano Silva. Ver a respeito: COCKROFT, op. cit.
788
Cumpre enfatizar que, se bem Ricardo Flores Magn assuma sua filiao anarquista em carta do ano
de 1908, no plano da mobilizao poltica absoluta a fidelidade magonista ao programa liberal de 1906
at a exploso revolucionria no final de 1910, ou mais precisamente at o manifesto de setembro de
1911. Seu horizonte o capitalismo autodeterminado como escala para utopias futuras. Por exemplo,
neste artigo de 1911: Las reivindicaciones del Partido Liberal son muy amplias y van muy lejos, pero se
conforma con obtener para el pueblo en el prximo movimiento armado: pan, instruccin y bienestar
para todos,hombres y mujeres,por medio de la toma de posesin de la tierra, de la reduccin "de las
horas de trabajo y el aumento de los salarios- Estos bienes, por s solos, tendrn el poder de conquistar
con ms facilidad otros; y despus otros ms. El progreso de la humanidad no tiene lmites (...).

242

Este direcionamento da prdica liberal aos trabalhadores reforado por uma
sensibilidade para o movimento da histria que referencia a racionalidade poltica de
Flores Magn, determinando que, na sua tica, a revoluo mexicana deve afinar-se
com o sentido da histria universal. Embora nos seus escritos deste perodo no haja
propriamente uma teleologia, predominando as referncias histricas de propsito
ilustrativo, respondendo aos desafios imediatos colocados pela ao poltica em
detrimento de anlises aprofundadas, revela-se a inteno de sintonizar os problemas
nacionais com o sentido da histria contempornea, que, na sua leitura, aponta para a
afirmao concreta da igualdade entre os homens: La desigualdad social muri en
teora al morir la metafsica por la rebelda del pensamiento. Es necesario que muera
en la prctica. A este fin encaminan sus esfuerzos todos los hombres libres de la
tierra
789
.
Nesta perspectiva, o desafio da poca em que viveu seria continuar a obra da
Revoluo Francesa, materializando no plano econmico as conquistas da humanidade
estabelecidas na esfera do pensamento
790
. Flores Magn avalia que este prximo ato da
histria mundial ser protagonizado pela classe trabalhadora. Da a persistncia com que
prega a sua interveno consciente no processo mexicano, visualizando um caminho
para, ao mesmo tempo, superar os limites da rebelio poltica e avanar uma revoluo
sintonizada com o sentido da histria universal:

Obreros, amigos mos, escuchad: es preciso, es urgente que llevis a
la revolucin que se acerca la conciencia de la poca; es preciso, es
urgente que encarnis la pugna magna del espritu del siglo. De lo
contrario, la revolucin que con carino vemos incubarse en nada
diferir de las ya casi olvidadas revueltas fomentadas por la
burguesa (...)
791
.


JUNTA organizadora del Partido Liberal Mexicano. Regeneracin, nmero 19, 7 jan. 1911. Verso
digital em CD ROM.
789
FLORES MAGN. In: BARTRA, op. cit., p. 182.
790
La revolucin francesa conquist el derecho de pensar, pero n conquist el derecho de vivir, y a
tomar este derecho se disponen los hombres concientes de todos los pases y de todas las razas. Ibidem,
p. 182.
791
FLORES MAGN. In: BARTRA, op. cit., p. 230. Neste mesmo ano, prev: No por su educacin,
sino por las circunstancias especiales en que se encuentra el pueblo mexicano, es probable que sea
nuestra raza la primera en el mundo que d un paso franco en la va de la reforma social. Ibidem, p.
244.

243

neste contexto que Flores Magn refere-se, repetidas vezes, consigna
juarista: es mejor hacer en una revolucin lo que tendra que hacerse en dos
792
. No
mbito da histria universal, o dilema identificado com a continuidade da obra
desencadeada pela Revoluo Francesa, enquanto na esfera nacional significa
prosseguir o movimento iniciado pela independncia e aprofundado com a Reforma, e
que est prestes a evoluir mais um passo atravs da revoluo que se prepara
793
. Na
perspectiva liberal, o desafio substancia-se em uma ao que articule a superao da
tirania a uma mudana social em benefcio dos trabalhadores, atualizando a herana
liberal progressista do sculo anterior: (...) seguimos la obra de Jurez, simplemente
cambiando la tctica, pues mientras l crey que la Ley podra redimir al trabajador,
nosotros creemos que la Ley es impotente para ello, y que es necesario el hecho
794
.
Ao propor o aggiornamento do pensamento radical mexicano, avanando a
centralidade da questo do trabalho como via de superao do atraso no pas, Flores
Magn pretende sintonizar os problemas nacionais ao dilema da histria universal
contempornea, qual seja, materializar o preceito intelectualmente aceito da igualdade
entre os homens. Nesta perspectiva, o diagnstico revolucionrio e o programa da Junta
Liberal situam-se na conjuno entre as possibilidades e os limites da conjuntura
mexicana com as grandes questes do tempo: diante da ausncia de espao para a
reforma dentro da ordem, considera-se necessrio realizar uma revoluo nacional que
promova a integrao da classe trabalhadora, gerando as condies para o seu
progressivo protagonismo em sintonia com o movimento geral da histria.


792
FLORES MAGN. In: BARTRA, op. cit., p. 269.
793
En cambio la Revolucin de Ayutla que fue una verdadera revolucin, nos dej la revolucin y abri
nuevos campos a la felicidad del pas con la promulgacin de las Leyes de Reforma. Una revolucin
como sa es la que necesita Mxico, pero todava ms amplia en en sus miras, con horizontes todava
ms extensos. FLORES MAGN. Carta a Crescencio e Francisco Villareal Mrquez. 17 nov. 1905. In:
______. op. cit., v. 1, p. 133.
794
FLORES MAGN. Carta a Luis Rivas Iruz, 3 jun.1911 In: ______. op. cit., v. 1, p. 593. Visto da tica
da relao com o legado juarista, a evoluo dos escritos de Flores Magn serve como um termmetro do
seu itinerrio ideolgico: em um primeiro momento prope-se a restaurar a Constituio de 1857; depois,
a atualizar a sua herana enfatizando a dimenso econmica da liberdade; por fim, orienta-se sua
superao atravs da expropriao dos bens de produo. O legado juarista permanentemente
reivindicado, mesmo quando os liberais assumem uma posio de enfrentamento com a propriedade
privada, marco legal bvio da Constituio de 57. Los liberales radicales vamos a expropriar a la clase
poseedora (...) teniendo entendido que solamente de ese modo se puede lograr lo que Jurez quera: que
el hombre aproveche el producto de su trabajo, y no parte de ese producto. FLORES MAGN. La obra
de Jurez. Regeneracin. Nmero 40, 3 jun.1911. Verso digital em CD ROM. Apenas com o artigo de
1914, intitulado Muera la constitucin!, a crtica ao liberalismo juarista extremada, denunciando-se
os limites de qualquer constituio. FLORES MAGN. Muera la constitucin. Regeneracin. Nmero
178, 28 fev.1914. Verso digital em CD ROM.

244


iv. derecho de vivir
Enquanto no plano poltico a confluncia entre a anlise da conjuntura e o
sentido da histria desemboca na ao e no programa da Junta Liberal, articulados a
partir do exlio, no terreno das ideias a noo do derecho de vivir, avanada entre a 3
e a 4 poca de Regeneracin (a partir de 1906), que cristalizar a evoluo do
pensamento social magonista, colocando a igualdade no centro do seu projeto para o
Mxico:

La igualdad social, que es el sueo generoso de todos los hombres
emancipados, se conseguir conquistando el derecho de vivir, y ese
derecho consiste en la facultad que todo ser humano tiene de
aprovechar los progresos alcanzados por la ciencia y por la industria
en la produccin de todo lo que hace agradable la existencia y es til
al desarrollo integral de la raza humana
795
.

O ponto de partida deste movimento do pensamento magonista a noo liberal
de que existe uma convergncia entre natureza humana e liberdade, de modo que a
obstruo s liberdades civis imposta pela tirania bloqueia, a um tempo, a realizao do
homem e a evoluo da histria. A progressiva incluso da temtica social enseja uma
diferenciao nesta obstruo, desdobrada em duas tiranias: a poltica e a econmica,
agravadas por uma terceira de natureza ideolgica, qual seja, a hegemonia cultural da
Igreja. Como resultado, revela-se um gradativo alargamento da concepo de liberdade
no discurso magonista, em que a liberdade poltica entendida como condio
necessria, mas insuficiente, para a realizao da liberdade econmica, identificada com
a integrao por meio do trabalho. Finalmente, na noo do derecho de vivir, confirma-
se uma inverso, uma vez que a liberdade econmica, entendida como a afirmao das
condies materiais de produo e reproduo da espcie, interpretada como uma
premissa da genuna liberdade: Lo que el pueblo necesita para gozar de libertades es
su emancipacin econmica, base incomovible de la verdadera libertad
796
.
Na medida em que a emancipao econmica identificada com a prpria
realizao da vida, insinua-se uma aproximao ideolgica entre vida e liberdade que,

795
FLORES MAGN. La guerra social. Regeneracin. Nmero 24, 11/2/1911. Verso digital em CD
ROM.
796
FLORES MAGN. Libertad poltica. Regeneracin, 12/11/1910. In: BARTRA, op. cit., p. 251,
Tambm: El Partido Liberal Mexicano trabaja por conquistar libertades para el pueblo considerando
como 1a base de todas las libertades - la libertad econmica. JUNTA organizadora del Partido Liberal
Mexicano. Op. cit.

245

na ltima poca de Regeneracin, fora ao mximo a confluncia entre natureza
humana e sentido da histria:

El derecho de rebelin es sagrado porque su ejercicio es
indispensable para romper los obstculos que se oponen al derecho
de vivir. Rebelda, grita la mariposa al romper el capullo que la
aprisiona; rebelda, grita el grano en el surco al agrietar la tierra
para recibir los rayos del sol; rebelda, grita el tierno ser humano al
desgarrar las entraas maternas; rebelda, grita el pueblo cundo se
pone de pe para aplastar tiranos y explotadores
797
.

Em sntese, a poltica de Ricardo Flores Magn frente da Junta Liberal est
informada por uma interpretao do movimento da histria que aponta para a realizao
da liberdade constitutiva da natureza humana, em suas mltiplas dimenses: poltica,
cultural e econmica. Esta leitura supe um sentido na evoluo do homem e da
histria, embora no observe-se uma teleologia em seu pensamento, entendida como um
modelo civilizatrio ou um padro de desenvolvimento histrico a ser seguido. Por
outro lado, veremos que o objetivo de modernizar as relaes de trabalho no Mxico
enseja uma inspirao nos pases do capitalismo central. Como desdobramento desta
concepo, a violncia e a revoluo so entendidas como recursos legtimos para
desobstruir o curso da histria, que evoluir segundo um ritmo e um tempo referido s
variveis objetivas e subjetivas de cada momento. O resultado um amplo campo de
possibilidades para a atuao poltica, que deve sintonizar-se no apenas com o
movimento da histria universal, mas com os limites e oportunidades que cada
conjuntura especfica apresenta.


b) CAMINHO MAGONISTA PARA A FORMAO MEXICANA

A adoo do exlio por Ricardo Flores Magn e outros lderes liberais em 1904
significou o reconhecimento da impossibilidade de enfrentar o regime liderado por Daz
nos marcos da legalidade. Embora seja difcil determinar de modo peremptrio que a
deciso de seguir para os Estados Unidos foi tomada em conjunto com a resoluo de

797
FLORES MAGN. El derecho de rebelin. Regeneracin. Nmero 2, 10 set. 1910. Verso digital em
CD ROM.

246

promover a luta armada
798
, evidente a partir de meados de 1905 que Flores Magn e
seu grupo assumem de modo consistente a tarefa de organizar o Partido Liberal para
uma ao revolucionria
799
, caminho que alienar o setor moderado do partido,
comeando por Arriaga, alm de desencadear uma perseguio poltica internacional
implacvel. A despeito da radicalizao ulterior decorrente das lutas no exlio, a
estratgia liberal para a formao nacional est presidida por uma racionalidade que
subordina convices ideolgicas pessoais a uma leitura realista das potencialidades
histricas, que determinar uma fidelidade absoluta ao programa de 1906 at os
primeiros meses da revoluo.

i. Junta Liberal no exlio
Uma vez estabelecidos nos Estados Unidos, os liberais retomaram
imediatamente o combate ao Porfiriato, reiniciando em novembro de 1904 a publicao
de Regeneracin. A tentativa frustrada dos opositores ao regime de disputar eleies
para governador no ano seguinte em Coahuila, provncia natal de Francisco Madero,
evidenciou publicamente o fechamento dos espaos polticos para um enfrentamento
dentro da ordem, oferecendo a ocasio propcia para a publicao, pouco depois, dos
cinco pontos que constituram as Bases para la unificacin del Partido Liberal
Mexicano
800
.

798
Como nota Torres Pars, comum atribuir a radicalizao magonista ao contato de seus lderes com o
movimento operrio dos Estados Unidos, em particular com os anarquistas Emma Goldman e Florencio
Bazorra. A raiz desta interpretao estaria no livro de Barrera Fuentes de 1955 que provavelmente
magnifica a meno deste contato feito na introduo redigida por Librado Rivera para a biografia que
Diego Abad Santilln escreveu sobre Ricardo Flores Magn. No entanto, segundo este mesmo autor, o
depoimento de Enrique Flores Magn colhido por Samuel Kaplan indica que a deciso teria sido tomada
no Mxico. Em nossa investigao observamos que no h uma mudana significativa no contedo dos
artigos escritos em 1904 (sob pseudnimos ou para Regeneracin a partir de novembro), e que a
resoluo de transpor os marcos da legalidade se explicita em meados de 1905, como mostraremos a
seguir. Como tivemos acesso a apenas uma carta publicada de Ricardo Flores Magn neste nterim (j que
a maioria das cartas publicadas correspondncia interceptada pelo governo mexicano, prtica
sistemtica a partir de 1905), possvel afirmar que a resoluo se explicitou neste perodo,
independentemente de quando foi formada. TORRES PARS, Javier. La revolucin sin frontera: El
Partido Liberal Mexicano y las relaciones entre el Movimiento Obrero de Mxico y el de Estados Unidos,
1900-1923. Mxico: UNAM, 1990, p. 34.
799
Dentre os temas presentes observa-se a articulao de um compl para assassinar Bernardo Reyes, a
busca de um qumico para ajudar na exploso de centrais de fora e a preocupao em conquistar a
adeso de setores do exrcito. Ver cartas em: FLORES MAGN, In: ______. op. cit., v. 1, p. 192, 264 e
210, entre outras.
800
Tras los fracasos de la lucha electoral en estos tres estados (Coahuila, Oaxaca e Yucatn),
Regeneracin dej de lado sus vnculos con agrupaciones partidarias de la oposicin al rgimen por
medio de las urnas, al tiempo que las alianzas estratgicas con las elites regionales se vieron
sensiblemente disminuidas. TORRE, op. cit., p. 29. Mais adiante: Habr que destacar que en el
periodo que va de febrero a agosto de 1906 se alcanzan a percibir algunas modificaciones en el tipo de
agrupaciones que el peridico registra. Por ejemplo, adems de que los grupos manifestaban una

247

De acordo com este documento, o trabalho de organizao liberal concebido
em duas frentes, uma pblica e outra clandestina
801
. Esta diviso prev que as atividades
de propaganda e denncia sero conduzidas pela Junta Organizadora del Partido
Liberal Mexicano, constituda no exlio com esta finalidade, seguindo a liderana de
Ricardo Flores Magn. Nesta circunstncia, Regeneracin torna-se seu rgo oficial
802
.
Por outro lado, a nucleao de base deve ser levada a cabo por militantes empenhados
em constituir agrupaciones secretas que estarn en comunicacin con la Junta, que,
por sua vez, compromete-se a guardar absoluto secreto sobre los nombres de los
adeptos. No comunicar entre s a las distintas agrupaciones o personas afiliadas
(...)
803
.
Embora o texto do documento no explcite a organizao para a luta armada, o
manifesto que precede as Bases encaminha esta concluso: No consideramos factible
en las presentes condiciones, una lucha publica y abierta, y los medios que vamos
ofrecer para combatir al despotismo de un modo eficaz y seguro, son los que
consideramos como los nicos posibles
804
. Em uma carta escrita nestes mesmos dias,
Flores Magn reafirma a determinao de proceder organizao revolucionria
805
, ao
mesmo tempo em que clareia o seu propsito: No debemos buscar la cada del tirano
actual para colocar en su lugar a otro tirano, sino que debemos procurar el
derrumbamiento del sistema opresor (...)
806
.
A represso convocao liberal no tardou. Poucas semanas depois de
publicados o manifesto e as bases, Flores Magn foi preso pela primeira vez nos

adhesin formal al PLM, veremos que los clubes polticos ya no figuran principalmente en relacin a
coyunturas electorales especficas o alrededor de redes organizativas agrupadas en torno a sociedades
mutualistas, sino que empezamos a encontrar grupos independientes de agricultores y organizaciones
obreras de tipo sindical. Ibidem, p. 32.
801
A nosotros nos parece que debemos hacer trabajos secretos para ir preparando la revolucin, para
irla organizando, y eso es precisamente lo que estamos haciendo. En publico no excitamos al pueblo a
las armas, porque vemos que sera peligroso hacerlo, no para nosotros, sino para nuestros
correligionarios, porque al saber el gobierno que descubiertamente hacemos trabajos revolucionarios,
sera interceptada la correspondencia que viene para nosotros, y nuestros amigos seran asesinados en
Mxico. Ven ustedes que es preciso obrar con cautela. FLORES MAGN. Carta a Crescencio y
Francisco Villareal Marquez, 5 dez. 1905. In: ______. op. cit. v. 1, p. 143.
802
Segundo o documento, a Junta se prope a lutar por todos los medios contra la dictadura de Porfrio
Daz. BASES para la unificacin del Partido Liberal Mexicano. In: BARTRA. Op. cit., p. 172.
803
Ibidem, p. 172.
804
JUNTA organizadora del Partido Liberal Mexicano. Manifiesto. Regeneracin. Nmero 48, 30 set.
1905. Verso digital em CD ROM.
805
Pensamos como ustedes, el nico remedio a los males del pueblo est en la revolucin, pero una
revolucin no se improvisa. Es obra de paciencia y continuada propaganda. FLORES MAGN. Carta
a Crescencio Y Francisco Villareal Marquez, 8 out. 1905. In: ______. op. cit., v. 1, p. 134-135.
806
Continua a passagem: cayendo naturalmente el tirano pero implantar un sistema que garantize mejor
la felicidad de los mexicanos. Ibidem, v. 1, p. 135.

248

Estados Unidos, junto com seus colaboradores mais prximos, em uma ao certamente
instigada pelo governo de seu pas natal
807
. Documentos revelam que, um ms antes de
consumar-se a operao, o governo mexicano dera os primeiros passos para interceptar
sistematicamente a correspondncia dos redatores de Regeneracin, prtica que se
perpetuar nos anos seguintes
808
. Nesta poca, estima-se em vinte mil os assinantes do
jornal, entre residentes no Mxico e nos Estados Unidos.
Ricardo Flores Magn foi solto em janeiro de 1906
809
e, no ms seguinte,
iniciou-se a 3 poca de Regeneracin. A anlise da correspondncia de seu lder mostra
que, neste momento, a Junta Liberal retomou febrilmente os trabalhos, buscando, de
um lado, difundir a nucleao liberal atravs do jornal e, de outro, acelerar a
conspirao secreta, organizando o levante armado: Fue preciso predicar por algn
tiempo; ahora se hace necesario obrar
810
.
Partindo de uma estratgia que devota importncia fundamental ao potencial de
difuso ideolgica e mobilizao orgnica de um jornal, a atividade da Junta orienta-se
primordialmente aos trabalhadores urbanos, geralmente mais letrados e geograficamente
concentrados. Com o intuito de fomentar a organizao operria, o partido envia
militantes s zonas de concentrao industrial, envolvendo-se com as principais lutas
trabalhistas que fermentavam
811
. So notrios os vnculos da Junta Liberal com os

807
O pretexto uma acusao de difamao movida pelo poltico oaxaquenho Manuel Espern de la Flor.
808
El gobierno mexicano inici la intercepcin espordica de la correspondencia de los redactores de
Regeneracin aun antes de que stos optaran por el exilio en diciembre de 1903. Pero el primer paso
para sistematizar esa prctica se di en los primeros das de septiembre de 1905, cuando la
Administracin General de Correos de Mxico emiti una circular en la que peda a sus oficinas de
Correspondencia Fornea retener tanto los envos a la ciudad de Saint Louis dirijidos al presidente de la
Junta Organizadora del Partido Liberal Mexicano, Ricardo Flores Magn, como los ejemplares del
peridico provenientes de aquella poblacin. (...) Tanto la retencin de la correspondencia como la del
peridico constitua una flagrante violacin, por parte de la oficina postal de Mxico, de los tratados
internacionales vigentes. BARRERA BASSOLS. In: FLORES MAGN, op. cit., v. 1, p. 23.
809
Aps o pagamento de fiana, graas a uma campanha movida pelo peridico aliado El Colmillo
Publico.
810
FLORES MAGN. Carta a Heliodoro Olea, 28, maio, 1906. In: ______. op. cit., v. 1, p. 143.
811
De ah la decisin de Ricardo Flores Magn y dems dirigentes de la Junta de seleccionar y enviar a
un puado de aguerridos aunque noveles activistas a Cananea y Ro Blanco. HERNANDEZ
PADILLA, Salvador. Itinerarios del magonismo en la Revolucin Mexicana. Revista Contrahistorias la
otra mirada de Clio. N. 4, ano 2005, p. 22. Aunque se sigue discutiendo sobre cul fue la influencia real
del PLM entre los trabajadores mexicanos, militantes vinculados a la organizacin desempearon
papeles importantes en los dos conflictos laborales ms significativos de las postrimeras del perodo de
Daz. El primero de ellos estall en una gran mina de cobre de propiedad norteamericana en Cananea,
en el estado de Sonora. Los trabajadores mexicanos de la mina estaban muy molestos porque eran objeto
de varias formas de discriminacin, especialmente en el terreno salarial, ya que les pagaban mucho
menos que a los extranjeros. En 1906, influenciados hasta cierto punto por organizadores del PLM, los
trabajadores se declararon en huelga para pedir un aumento salarial y la reduccin de la jornada de
trabajo. (...) Ms adelante, en aquel mismo ao, los trabajadores de la industria textil de Puebla fueron a
la huelga contra la imposicin de nuevas y severas normas laborales en las fbricas. Al final, la huelga

249

lderes da greve dos mineiros de Cananea em junho de 1906, marco da ascenso do
protesto operrio sob o Porfiriato
812
, assim como com as greves na regio txtil de
Orizaba iniciadas em dezembro deste mesmo ano, centralizadas na fbrica de Rio
Blanco
813
.
Apesar do envolvimento com as lutas operrias, o foco da conspirao liberal
ser a organizao do levante armado, objetivo visvel na correspondncia de Ricardo
Flores Magn a partir de 1905. A estratgia consiste em combinar a ao de pequenos
grupos diretamente armados pela Junta em pontos fronteirios do territrio
estadunidense, com o levante simultneo dos ncleos em contato com a organizao
espalhados pelo Mxico
814
. A expectativa que a iniciativa de uma mirade de grupos
dispersos dificulte a represso por um tempo suficiente para que a chama revolucionria
incendeie o tecido social mexicano, como descreve nesta carta:

Si la mitad y aun la tercera parte de los grupos que hay cumple
levantndose, la revolucin estar asegurada aunque se haya
comenzado con los grupos miserablemente armados, que siendo
varios los grupos rebeldes y extensa la repblica, no podrn ser
aplastados en un da por los esclavos de la dictadura, y cada da de

provoc un cierre patronal a escala nacional, y el propio Daz tuvo que arbitrar en la disputa. Muchos
trabajadores, no obstante, rechazaron el resultado del arbitraje y algunos organizaron una revuelta
virtual en la fbrica textil de Ro Blanco, cerca de Orizaba, el 7 de enero de 1907. Organizadores que
simpatizaban con el PLM haban actuado en la regin de Orizaba durante el ao anterior, aunque en el
momento de la rebelin la mayora de ellos ya haban sido encarcelados u obligados a abandonar la
regin. El rgimen, como hemos visto, sofoc la insurreccin de Ro Blanco con gran violencia. HALL;
SPALDING JR, op. cit., p. 309.
812
Trs meses antes da exploso da greve, Flores Magn escrevia a Esteban Baca Caldern e a Manuel
Diguez: Si bien es cierto que Cananea no es el nico punto en que los correligionarios se organizan
con el fin de obtener la libertad y el bienestar del pueblo, es undudable, por otra parte, que ustedes son
necesarsimos en ese pundo para los trabajos del Partido Liberal. Ustedes son all los jefes ms
inteligentes y ms abnegados del Partido, y pueden calcularse los males que la organizacin recibira si
fueran despedido de sus trabajos. Reprimida a greve, ambos foram encarcerados no notrio presdio de
San Juan de Ula, e s foram soltos no bojo da Revoluo. Baca Caldern chegou a ser deputado
constituinte e senador por Jalisco, e Diguez, governador de Jalisco. FLORES MAGN, op. cit., v. 1, p.
157.
813
Sobre o conflito em Orizaba: Entre los dirigentes del Gran Crculo de Obreros Libres, promotor de
las huelgas, se encontraban Jos Neyra, Juan Olivares, Porfirio Meneses y Anastacio Guerrero, todos
ellos miembros del PLM. BARRERA BASSOLS. In: FLORES MAGN, op. cit., v. 1, nota 95, p. 234.
Ver tambm: HERNANDEZ PADILLA, Salvador. El magonismo, historia de una pasin libertaria.
1900-1922. Mxico: Era, 1996.
814
Nuestra idea es sta. Que usted o cualquiera de los amigos de Laredo recorran los estados de Texas,
California, etcetera, donde hay mexicanos. Se apersonar con los mexicanos correligionarios que le
recomendemos para hablar del asunto, a fin de que estn listos para que, cuando se les indique, estn
con su gente en determinado lugar de la frontera, unos por Brownsville, otros por Laredo, otros por Del
Ro, otros por Eagle Pass, otros por El Paso, otros por Waco, Texas. () Bien se pueden concentrar con
sigilo () bien armadas y dispuestos a todo, para que en un momento por los seis puntos se internen ()
al mismo tiempo se levantarn en Oaxaca, en Veracruz, en Tamaulipas, en Hidalgo, en San Luis Potos,
en Zacatecas. FLORES MAGN. Carta a Crescencio Villareal Mrquez, 16 jun. 1906. In: ______. op.
cit., v. 1, p. 143.

250

vida para un grupo significa aumento de personal, aumento de armas,
y adquisicin de recursos de todo gnero, con la circunstancia,
adems, de que alentados los valientes en todas partes, surgirn
nuevos levantamientos secundando a los bravos que prendieron la
mecha
815
.



Implcito a esta proposta est o diagnstico de uma conjuntura revolucionria, na
qual a ao corajosa de ncleos pioneiros deflagrar a insubordinao geral latente, que
se propagar segundo um padro espontneo que a Junta no pretende comandar.
Responsvel por sintonizar a iniciativa dos ncleos, trabalho feito com a maior
discrio, a Junta pretende delegar a direo militar da luta aos chefes locais
816
. De
modo correspondente, os liberais no advogam o comando poltico do processo ps-
revolucionrio
817
. A seus olhos, esta questo relativizada face ao imperativo de
concretizar as conquistas atravs da ao popular imediata, motivado por uma
desconfiana em relao ao poder neutralizador de qualquer institucionalidade
818
.
No entanto, esta valorizao da ao direta e local no se traduz em
espontanesmo. Flores Magn concebe a empresa revolucionria como uma ao
poltica que exige mtodo e organizao, referenciada em um programa sintonizado
com a potencialidade do momento histrico. A preocupao em dotar a iniciativa
insurgente de uma racionalidade recorre na correspondncia que trata dos preparativos

815
FLORES MAGN, Ricardo. Carta a Enrique Flores Magn, 7 jul. 1908. In: ______. op. cit., v. 5, p.
460. Sobre a preparao para o levante de 1906: Todo es comenzar, pero comenzar del modo indicado
para que el gobierno se sorprenda al ver que por diferentes lugares de la frontera hay revolucionarios y
se encuentren en la necesidad de dividir sus fuerzas, que no sern bastantes para sofocar el movimiento
porque al mismo tiempo se levantarn en Oaxaca, en Veracruz, en Tamaulipas en Hidalgo, en San Luis
Potos, en Zacatecas. No quiero decir que los estados en masa se levantarn, pero s en un lugar de cada
estado de esos (...) FLORES MAGN. Carta a Crescencio Villareal Mrquez, 16 jun. 1906. In: ______.
op. cit., v. 5, p. 169.
816
Todo eso se har, pero y cuando se hayan roto las hostilidades; cuando el pueblo est em armas y se
sepa definitivamente con qu grupos cuenta el partido, y ser hecho, no por la Junta, sino por los mismos
jefes de los diferentes grupos que se pondrn de acuerdo entre si. FLORES MAGN, op. cit., v. 5, p.
297.
817
Dice usted que desean saber quin ser el presidente de la repblica. Cuestin esa que no puede
resolverse porque la eleccin de presidente la har el pueblo, al triunfar el movimiento, segn se dice em
el Programa del Partido Liberal (...). FLORES MAGN. Carta a Loreto Martnez, 17 maio, 1907. In:
______. op. cit., v. 1, p. 309.
818
(...) si triunfa la revolucin, se rene un congreso encargado de reducir a leyes los ideales que
hicieron al pueblo tomar las armas y batirse. Esta despreocupao est assentada tambm em uma
crena no poder da autogesto dos trabalhadores: Hay que tener en cuenta que no contando los
trabajadores con moneda para pagarse un salario diario con que comprar lo que necesiten para vivir, es
preciso que ellos mismos establezcan una comisin de estadstica que llevar un registro de los recursos
con que cuenta cada regin dominada por la revolucin, as como de las necesidades de los habitantes
laboriosos de las mismas regiones. Teniendo ese registro los trabajadores se cambiarn mutuamente sus
productos y habr tal exceso de produccin, que podrn facilmente sin sacrificio mantener a los soldados
de la revolucin. FLORES MAGN, Ricardo. Carta a Enrique Flores Magn y Prxedis Guerrero, 13
jun. 1908. In: ______. op. cit., v. 1, p. 462.

251

para o levante armado entre 1905 e 1908, juntamente com a obsesso em angariar
fundos para prover os rebeldes de armas:

Creemos que antes de la accin es preciso que los nimos estn
exaltados y eso es lo que se est logrando, pero para que la accin
sea benfica, es preciso que haya mtodo (...) Se necesita un
Programa al cual se adhiera un buen numero de hombres de accin
(...)
819
.

A reivindicao do mtodo como premissa do xito revolucionrio est referida
a uma leitura da histria que distingue claramente entre uma rebelio poltica limitada a
derrocar a ditadura e a revoluo social
820
. A raiz da diferena, na viso de Flores
Magn, est na racionalidade do ator revolucionrio, o que supe uma direo da ira
popular consequente com os objetivos polticos estabelecidos: Hay muchos odios
acumulados, como les digo a ustedes. Pero ahora es preciso disipar esos odios,
encauzarlos, dirigirlos, para que no se desborden sin mtodo y sin direccin
821
. A
racionalidade que deve presidir a organizao revolucionria est assentada em um
apurado sentido da poltica, apontando para a submisso dos impulsos insurrecionais ao
ritmo da mudana social, o que implica considerao realista das condies objetivas e
subjetivas da luta. Assim, a preparao revolucionria adequada deve prevalecer sobre a
impacincia ou o improviso, condicionando o tempo da revoluo: Debemos
calmadamente organizar la revolucin
822
.

819
Ibidem, v. 5, p. 137.
820
La revolucin del porvenir tiene que ser no solamente poltica sino social, porque de lo contrario
recaeremos en otra tirana tal vez ms espantosa que la que ahora nos agobia. FLORES MAGN.
Carta a Crescencio y Francisco Villareal Mrquez, 8 out. 1905. In: ______. op. cit. v.1, p. 130.
821
Ibidem. Tambm: La revuelta de Madero no puede llamarse revolucin. El movimiento del Partido
Liberal mexicano s es una verdadera revolucin. Por qu? Es facil decirlo; las masas inconscientes que
han tomado el fusil para luchar en las filas maderistas han sido empujadas por la desesperacin. Los
compaeros que combaten en las filas liberals han ido a la lucha convencidos de que es un acto de
justicia expropriar la tierra a los ricos para entregrsela a los pobres. La desesperacin podr formar
caudillos y futures tiranos, la conviccin ilustrada, la consciencia de la finalidad social de la lucha, la
certeza de que se lucha contra la clase capitalista, no puede formar tiranos () FLORES MAGN. El
rebao inconsciente se agita bajo el ltigo de la verdad. Regeneracin, 4 mar. 1911. Verso digital
completa.
822
FLORES MAGN. Carta a Crescencio y Francisco Villareal Mrquez. 5 dez.1905. In: ______. op.
cit., v. 1, p. 142. Debemos tomar como ejemplo la revolucin rusa. Para prepararla fue necesaria la
organizacin, y habrn visto ustedes que a pesar de haber tenido una admirable organizacin (...) ha
sido preciso aplazar el levantamiento armado para cuando el pueblo adquiera las armas. Ibidem, p.
143. Refere-se revoluo russa ocorrida naquele ano (1905). Outro exemplo: Pensamos como ustedes,
el nico remedio a los males del pueblo est en la revolucin, pero una revolucin no se improvisa. Es
obra de paciencia y continuada propaganda. Los franceses para destruir la Bastilla, necesitaron cien
aos de propaganda revolucionaria. Ibidem, p. 132.

252

Seguindo estes princpios, o partido levou a cabo duas tentativas insurrecionais
em 1906
823
e 1908
824
, ambas frustradas pela represso preventiva da ditadura. O
governo mexicano orquestrou, nestes anos, uma operao massiva de perseguio aos
liberais, em conluio com o governo dos Estados Unidos
825
. Dentre as providncias
tomadas, a famigerada agncia de detetives Furlong foi colocada na lista de pagamento
do Estado mexicano, com a misso de rastrear e prender a liderana liberal, o que
provocou a sua fuga para o Canad (maro 1906)
826
. Em agosto de 1907, Ricardo Flores
Magn foi finalmente capturado na Califrnia. Ao provocar um escndalo pblico no
momento da deteno, conseguiu evitar sua extradio ou sequestro, prticas que

823
Em setembro a Junta divulgou uma Proclama a la Nacin, explicitando pela primeira vez o chamado
luta armada. Neste mesmo ms, dois grupos se levantaram por iniciativa prpria: na cidade fronteiria de
Jimnez as escaramuas duraram semanas. J na regio sul de Veracruz e Tabasco, o desenvolvimento da
agricultura de exportao estimulado pela penetrao ferroviria aguara uma disputa agrria que
colocava camponeses e indgenas em p de guerra. Como resultado, o conflito adquiriu contornos comuns
a muitos dos embates que estourariam no bojo da Revoluo e, atravessando altos e baixos, subsistiria
atravs dos anos revolucionrios. Ver: AZAOLA GARRIDO, Elena. Rebelin y derrota del magonismo
agrario. Mxico: FCE, 1982.
824
A segunda tentativa insurrecional foi agendada para 25 de junho de 1908: estimava-se entre 40 e 64 os
grupos mobilizados, dos quais apenas 30 estavam armados. Novamente a interceptao da
correspondncia e as prises efetuadas na vspera foram eficazes, mas, desta vez, no impediram o incio
do levante: destacamentos liberais atravessaram a fronteira e atacaram os vilarejos de Viesca, em
Coahuila, e Las Vacas e Palomas, em Chihuahua. As aes foram sufocadas em pouco tempo, com um
saldo de dezenas de mortos e presos.
825
Como consequncia da conspirao liberal entre junho e outubro de 1906, o governo mexicano na
pessoa de um de seus principais quadros, o governador de Chihuahua Enrique Creel, chegou concluso
de que, para submeter os liberais, era necessrio estabelecer um trabalho repressivo de longo prazo.
Depois de reunies entre Creel, o vice-presidente Ramn Corral e o general Daz na cidade do Mxico,
entre 1 e 15 de dezembro deste ano, foi orquestrado o projeto repressivo, que previa: La creacin y
puesta en funcionamento de un aparato diplomtico-policiaco, aprovechando los servicios de los
cnsules mexicanos en las ciudades fronterizas, reforzado por agentes secretos de agencias como la del
seor Furlong y polcias secretos mexicanos contratados para trabajos especficos, as como por
autoridades norteamericanas, locales y federales, dispuestas a prestar sus servicios al gobierno
mexicano a cambio de regalos sustanciosos. Ese aparato se encargara no slo de recopilar la
informacin necesaria sobre todo lo relacionado con los revoltosos, sino que ejercera acciones
punitivas, por medios legales e ilegales (secuestros, cateos, violacin de correspondencia, etctera), en
contra de los miembros del PLM. Finalmente, esas acciones gozaran de la cobertura que les
proporcionara una intensa campaa diplomtica al ms alto nivel en Washington, con vistas a que las
autoridades de la Casa Blanca sancionaran los golpes dados por los agentes al servicio del gobierno
mexicano en ese pas, con el objetivo final de obligarlas, por esa va, a asumir como propia la tarea de
desmembrar la organizacin liberal. BARRERA BASSOLS. In: FLORES MAGN, op. cit., v. 1, p. 35.
Com esta finalidade, Creel nomeado embaixador extraordinrio e plenipotencirio nos Estados Unidos.
Seus esforos incluram uma viagem at o Canad seguindo o rastro dos liberais, que foi abortada por um
telegrama de Furlong avisando da priso iminente dos lderes. Creel tomou o primeiro trem para Los
Angeles, onde trabalhou incansavelmente at ter garantida a condenao dos revoltosos pela justia dos
Estados Unidos. A partir deste momento, o aparato persecutrio pde ser relaxado.
826
Os lderes da Junta ento fogem para o Canad em maro de 1906, para onde seguem agentes secretos.
Regeneracin est fechado desde setembro de 1906, embora a atividade periodstica seja retomada em
junho do ano seguinte atravs da publicao de Revolucin em Los Angeles, sob a direo de Modesto
Daz. Uma recompensa de U$ 25 mil oferecida pela captura de Ricardo Flores Magn, o que finalmente
ocorre em agosto de 1907 pela ao do famigerado detetive Furlong. As acusaes iniciais so refutadas
na justia, mas outros processos ad hoc so imediatamente avanados e Flores Magn no recobrar a
liberdade at agosto de 1910.

253

vitimaram outros liberais naqueles tempos. No entanto, recobraria a liberdade somente
em agosto de 1910, j nas vsperas da ecloso revolucionria.

ii. fontes da radicalizao liberal
A experincia revelou que, ao contrrio do que poderiam esperar, a mudana
para os Estados Unidos no apaziguou a perseguio poltica sofrida pelos liberais
mexicanos. Confrontados com uma relao promscua entre governos mancomunados
na represso a todo radicalismo poltico, o exlio teve como efeito aprofundar e ampliar
o alcance da reflexo magonista, enraizando sua crtica social na contradio entre o
capital e o trabalho, ao mesmo tempo em que projetou uma dimenso internacionalista
sua causa. Apesar deste movimento ideolgico, o horizonte poltico do PLM
permanecer referenciado pelo programa de 1906, uma vez que a racionalidade que
norteia a liderana de Flores Magn pauta-se, de um lado, por um diagnstico da
realidade mexicana, da sua histria e do seu padro de luta de classes e, de outro, por
uma sensibilidade em relao ao sentido da histria universal. Ambos os vetores podem
ser adequadamente analisados sem o recurso a categorias exteriores experincia
poltica e ideolgica dos lderes liberais
827
.
Apesar do contato que teve com a literatura progressista mundial antes de exilar-
se nos Estados Unidos, neste pas que Flores Magn tem oportunidade de relacionar-

827
Na bibliografia sobre o magonismo comum atribuir sua derrota poltica progressiva adeso de
Ricardo Flores Magn e seus colaboradores mais prximos ao anarquismo. Existe polmica quanto
datao e as origens desta filiao. Se nos artigos escritos a partir de 1906 notvel que os liberais se
dirigem cada vez mais diretamente aos trabalhadores e focalizam sua denncia em temas relacionados ao
trabalho, nos documentos a que tivemos acesso somente em uma carta datada de junho de 1908, nas
vsperas da insurreio programada para aquele ms, que Flores Magn assume uma filiao anarquista,
ao mesmo tempo em que justifica o rtulo liberal: Ningun partido liberal en el mundo tiene las
tendencias anticapitalistas de que est prximo a revolucionar en Mxico, y eso se ha conseguido sin
decir que somos anarquistas, y no lo habramos logrado ni aunque nos hubiramos titulado no ya
anarquistas como somos, sino simplemente socialistas. Todo es, pues, cuestin de tctica. FLORES
MAGN, Ricardo. Carta a Enrique Flores Magn, 7 jul. 1908. In: ______. op. cit. v. 5, p. 464. A outra
fonte para seguir o percurso ideolgico de Ricardo Flores Magn o depoimento daqueles que
conviveram com ele. Como seu testemunho de vida foi logo reivindicado pelos anarquistas, e diversos de
seus apoiadores fiis cultivaram uma simpatia com o anarquismo, plausvel a inteno de lhe atribuir
uma precoce converso. A reivindicao seminal : ABAD DE SANTILLN, Diego. Ricardo Flores
Magn. El Apstol de la Revolucin Social Mexicana. Mxico: CEHSMO, 1978. Tambm: TURNER,
Ethel Duffy. Ricardo Flores Magn y el Partido Liberal Mexicano. Mxico: Comisin Editorial
Nacional, 1984, p. 93.
Ver ainda os testemunhos de correligionrios, sobretudo Nicolas T. Bernal, recolhidos em: URIOSTEGUI
MIRANDA, Pindaro. Testimonio del proceso revolucionario de Mxico. Mxico: Argrin, 1970. A
natureza interessada destes depoimentos ou mesmo as vicissitudes a que est submetida a memria de
cada pessoa limita a confiana nestas fontes, que devem ser cruzadas com outras. Em nossa opinio, esta
questo no fundamental para apreciar a atividade poltica de Ricardo Flores Magn frente da Junta
Liberal no perodo anterior Revoluo Mexicana pelos motivos que expomos neste trabalho.

254

se de maneira orgnica com um movimento operrio infludo pelas correntes
contestatrias de matriz europeia, dentre as quais contam-se as diferentes faces
anarquistas
828
. Este convvio incide na trajetria ideolgica do magonismo, que
incorporar progressivamente o tema da luta de classes ao seu projeto de revoluo
mexicana. Em um contexto de ascenso da organizao dos trabalhadores nos Estados
Unidos, verifica-se uma convergncia entre a radicalizao dos liberais mexicanos e a
dinmica do movimento operrio deste pas. Os magonistas aproximaram-se
principalmente da IWW (International Workers of the World), organizao que inclua
uma base de trabalhadores de origem mexicana, estabelecendo uma relao frtil e, s
vezes, difcil, intensificada na ltima poca de Regeneracin (a partir de 1910)
829
. Esta
afinidade materializou-se sobretudo atravs da luta pela liberdade de expresso, causa
comum entre as organizaes populares naquela conjuntura
830
. Assim, medida que
recrudesceu a perseguio aos mexicanos no exlio, os liberais empenharam-se em
mobilizar a opinio pblica estadunidense em sua defesa, dirigindo-se particularmente
classe trabalhadora
831
. No Manifiesto al pueblo americano, divulgado em ingls em
dezembro de 1907, afirmam:


828
No perodo formativo dos irmos Flores Magn a experincia acumulada das lutas operrias no
Mxico baixa, a difuso das ideias de inspirao socialista restrita e, neste contexto, a tradio
anarquista exgua. En general, en Mxico haba menos conocimiento del desarrollo del pensamiento
socialista europeo que en muchos otros pases latinoamericanos. Em parte, este fato atribudo ao
reduzido nvel de imigrao de trabalhadores europeus ao Mxico, principais difusores das ideias
socialistas no continente. Ver: CARR, op. cit.
829
Nas pginas de Revolucin, sucessor de Regeneracin publicado a partir de 1907, nota-se: (... ) el
registro de los primeros contactos con organizaciones sindicales norteamericanas como la International
Workers of the World y la Western Federarion of Miners, con un fuerte arraigo en el sur de California,
as como con el Partido Socialista estadounidense. El contacto con esta esfera poltica ser el inicio de
una larga (y a veces tensa) relacin entre el radicalismo de la costa oeste de los Estados Unidos y el
Partido Liberal Mexicano, que se har patente de 1910 en adelante. TORRE, op. cit..
830
A solidariedade atingir seu ponto culminante em 1909. Ver: TORRES PARS, op. cit..
831
No nmero 9 de Revolucin (27/7/1907), quando anunciada La vuelta de Sarabia (seqestrado no
Arizona dia 1 de julho), publica-se pela primeira vez uma nota em ingls que ser recorrente deste
momento em diante, resumindo as aspiraes reformistas do partido, intitulada: What the Liberal Party
stands for? No nmero seguinte, aparece o artigo: Son bandidos los miembros de la Western Federation
of miners?, revelando uma orientao classista solidria, que aponta para o internacionalismo. Na edio
14, de 14/09/1907, publicada uma resoluo do Partido Socialista Internacional dos Estados Unidos em
solidariedade aos liberais no exlio. Quando so presos os lderes da Junta no final deste ms, esta
solidariedade mobilizada: Por el hecho de haber sido detenidos en los Estados Unidos, nuestros
compaeros Magn, Villareal y Rivera, inculpados por falsas acusaciones tramadas cobardemente por
los porfiristas que en todas las grades ciudades de la Unin se han celebrado reuniones pblicas de
obreros protestando enrgicamente del atropello cometido contra nuestros amigos, y para consolidar
dichos actos, se reunieron los comits de las uniones locales, pidiendo al comit de las federaciones
nacionales que se hagan suyas la infamia cometida contra los revolucionarios mexicanos, como asi
mismo se han enviado mensajes pidiendo solidaridad los grandes centros obreros de Pars, Londres y
Bruselas (...) REVOLUCIN. Nmero 16, 5 out. 1907. Verso digital em CD ROM.

255

Somos revolucionarios pero no del tipo tristemente clsico en la
infortunada Amrica Latina. Mantenemos, vivimos y trabajamos por
altos ideales y nobles fines, y es por esta razn que los magnates del
poder poltico y econmico de los Estados Unidos y de ambas
repblicas estn interesados en nuestro exterminio
832
.

Esta denncia dos nexos de classe que substanciam a relao entre os governos
de ambos os pases indcio de uma evoluo da poltica magonista, que ter dois
desdobramentos: de um lado, o investimento na solidariedade operria internacional
833
,
e, de outro, o direcionamento da pregao liberal aos trabalhadores mexicanos, que
aparece crescentemente informada pelo vocabulrio da luta de classes
834
, convocando
abertamente luta armada
835
. Embora esta radicalizao da leitura liberal se explicite
no exlio, h evidncias de que as razes do projeto revolucionrio magonista esto
diretamente referidas experincia de luta no contexto do Porfiriato. A rudeza
persecutria que vitimou os liberais desde cedo aguou em Flores Magn uma
sensibilidade para o padro de luta de classes mexicano, moldando sua convico sobre
os limites da reforma dentro da ordem que fundamenta a deciso revolucionria:


832
Aps uma breve meno represso porfirista no Mxico, o panfleto faz um exaustivo apanhado da
perseguio que vitima os liberais no exlio, acusando o governo dos Estados Unidos de mexicanizar
seus procedimentos, estabelecendo um perigoso precedente que pode se voltar contra seus prprios
cidados. Em sua parte conclusiva, o documento aponta para o fundamento de classe em que est
assentada a perseguio internacional. Apud: TORRES PARES, op. cit., p. 79. Na edio eletrnica deste
nmero de Revolucin perdeu-se a ltima pgina do manifesto.
833
Si, esclavo mexicano, la lucha enteblada en nuestra tierra entre opresores y oprimidos, se va
formalizando cada da ms, y gracias las estpidas maquinanaciones de nuestros enemigos, para
perseguirnos, ello ha dado un resultado contra producente para sus malvados planes, ya que han sido
los causantes para que se divulgaran sus hazaas por todo el orbe entero, consiguiendo que caiga la
maldicin de los obreros de todos los paises sobre la cabeza de nuestros verdugos. REVOLUCIN, 5
out. 1907. Verso digital em CD ROM. Orientao que se explicita na carta em que assume filiao
anarquista e discorre sobre um eventual governo revolucionrio: Deberemos cultivar relaciones
internacionales, pero no con los gobiernos sino con las organizaciones obreras de todo el mundo ya sean
simplemente trade-unionistas, socialistas o anarquistas. FLORES MAGN, Ricardo. Carta a Enrique
Flores Magn e Prxedis Guerrero, 13 jul.1908. In: ______. op. cit., v. 1, p. 467.
834
Ricardo Flores Magn preso desde agosto de 1907, Revolucin fechado no nmero seguinte
publicao do Manifiesto al pueblo americano, em janeiro de 1908. Neste ano, Flores Magn publica
alguns artigos sob o pseudnimo de Netzahuapilli. No artigo Esclavos, luchad!, publicado em Libertad
y Trabajo (6/6/1908), refere-se origem da propriedade da terra em termos similares a Engels e conclui:
Desde entonces, los despojados para poder vivir, tuvieron que trabajar para provecho de los
despojadores; los robados quedaron al servicio de los ladrones, primero como esclavos, ms tarde como
siervos y hoy como obreros. Em Los reptiles, denuncia abertamente o governo dos Estados Unidos na
pessoa de seu presidente e do seu procurador geral, o que era evitado at ento. FLORES MAGN. Op.
cit., v. 5, p. 360 e 365.
835
A seguinte nota recorre a partir de ento no jornal: Cada rebelde debe apresurarse a comprar su fusil
Winchester y parque 30x30 en cantidad suficiente para cubrir las exigencias de una campaa activa y
prolongada.

256

Nunca hemos soado con una evolucin pacfica. Los intereses
actualmente existentes se opondrn desesperadamente a toda liberdad
y a toda justicia, y esa oposicin de los elementos conservadores, al
chocar con los principios liberales que sostenemos, producir
indefectiblemente la revolucin
836
.

Ao longo dos seus escritos, a estratificao social mexicana apresentada de
forma cada vez mais rgida, at descrever, na vspera revolucionria, uma sociedade
virtualmente polarizada:

Mxico es el pas de los inmensamente pobres y de los
inmensamente ricos. Casi puede decirse que en Mxico no hay
trmino medio entre las dos clases sociales: la alta y la baja, la
poseedora y la no poseedora; hay, sencillamente, pobres y
ricos
837
.

Este contraste econmico gera, na viso de Ricardo Flores Magn, uma
apartamento entre as classes que configura um padro tnico de diferenciao social,
resultando em uma relao marcada pelo dio e o desprezo entre os polos sociais
838
. A
consequncia prevista um padro violento de resoluo do conflito social: No hay
que hacerse la ilusin de que la revolucin del porvenir no va a ensangrentar
demasiado al pas. Desgraciadamente eso suceder
839
. Assim, possvel argumentar
que a trajetria revolucionria dos liberais no exlio est referida ao padro de luta de
classes mexicano e intransigncia poltica do regime, que motiva uma radicalizao

836
FLORES MAGN. Carta a Crescencio y Francisco Villareal Mrquez, 5 dez.1905. In: ______. op.
cit., v. 1, p. 142. Todos aquellos que en el medio opresos han medrado y encuentran en l manera de
vivir y de prosperar, sern los que se opongan tenazmente a la accin popular. Todas las fortunas
adquiridas por los tiranos se defendern desesperadamente; todos los derechos adquiridos durante el
despotism se resistirn a ceder al pueblo los privilegios adquiridos en la poca funesta. FLORES
MAGN. Carta a Crescencio y Francisco Villareal Mrquez, 8 out.1905. In: ______. op. cit., v. 5, p.
134.
837
FLORES MAGN. En pos de la libertad. Disertacin leda en la sesin del Grupo Regeneracin la
noche del domingo 30 de octubre de 1910. In: BARTRA, op. cit., p. 244-245.
838
Estos contrastes tan notables (...) alimentan y robustecen dos sentimientos: uno, de desprecio infinito
de la clase rica y ilustrada por la clase trabajadora, y otro de odio amargo de la clase pobre por la clase
dominadora, a la vez que la notable diferencia entre las dos clases va marcando en cada una de ellas
caracteres tnicos distintos, al grado que casi puede decirse que la famlia mexicana est compuesta de
dos razas diferentes (...) No es, por lo tanto, el del pan, un problema exclusivo de Mxico; pero s
podemos asegurar que en ninguna parte como en Mxico presenta dicho problema caracteres ms
crueles, aspectostan brutales, que hacen pensar seriamente en un recurso formidable como el de la
revolucin,para evitar que el problema se resuelva en el envilecimiento, y mas tarde en la extincin
definitiva de una raza, por el hambre y la tirana. REVOLUCIN. Nmero 4, 22 jun. 1907. Verso
digital em CD ROM.
839
FLORES MAGN. Carta a Crescencio y Francisco Villareal Mrquez, 8 out. 1905. In: ______. op.
cit., v. 5, p. 134.

257

dos meios e fins da luta liberal, informada pelo contato com as correntes progressistas
da luta operria nos Estados Unidos.
O ceticismo em relao ao espao para a reforma nos marcos do Porfiriato era
contrabalanceado, na estratgia magonista, por uma avaliao pessimista sobre as
possibilidades de ao poltica dos trabalhadores mexicanos. A exitosa combinao de
cooptao e represso realizada pelo regime em um contexto de acelerado crescimento
econmico, minimizou os nexos de continuidade entre as lutas trabalhistas
desencadeadas no contexto da Reforma, ainda fortemente marcadas pela tradio
mutualista, e o desabrochar das lutas operrias segundo um padro moderno no sculo
XX, condenando os trabalhadores mexicanos a um incipiente acmulo poltico e
ideolgico, reconhecido pela liderana liberal
840
. Nesta circunstncia, o objetivo
classista assumido pela Junta nos artigos anteriores revoluo superar as marcas do
atraso nas relaes de trabalho mexicanas, seja no campo, de onde provm a maior parte
do contingente operrio, seja na cidade, onde persiste o legado mutualista. A proposta
elevar o potencial da reivindicao trabalhadora a patamares mnimos de organicidade e
combatividade, viabilizando a conquista de direitos elementares como condio para o
fortalecimento de classe: Lo que ahora s pretende es cortar de raz los abusos de que
ha venido siendo vctima el trabajador, y ponerlo en condiciones de luchar contra el
capital sin que su posicin sea en absoluto desventajosa
841
.

840
significativo observar a coincidncia de uma escassez de referncias em relao ao ltimo decnio
do sculo XIX tanto em obras que se referem s origens do movimento operrio mexicano como nas
biografias sobre Ricardo Flores Magn. Este relativo silncio quebrado em ambos os casos pela
articulao liberal iniciada em 1901. Tivemos acesso limitado bibliografia mais recente sobre a histria
do movimento operrio mexicano. As seguintes obras exemplificam o notvel hiato entre o Gran Crculo
de Obreros de Mxico, fundado em 1872, e o congresso do Partido Liberal em 1901, preenchido com uma
ou outra greve no meio. CARR, Barry. El movimiento obrero y la poltica en Mxico, 1910-1929.
Mxico: Era, 1981. HART, John. Anarchism and the Mexican working class (1860-1931). Austin:
University of Texas Press, 1971. Este autor usa critrios problemticos para reconstruir uma tradio
anarquista mexicana, reivindicando como tal autores que, na obra precursora de Gastn Garcia Cant,
aparecem referidos ao socialismo e que, por vezes, se identificam como tal. Para alm do complicado
problema da heterodoxia dos pensadores latino-americanos e a compulso a rotul-los, questo que
transcende as fronteiras do pensamento socialista e do sculo XIX, e negligenciada nesta obra, importa
para os nossos propsitos indicar que mesmo um autor propenso a identificar influncias anarquistas em
personagens e movimentos heterodoxos acusa este hiato ideolgico no final do sculo XIX. The Daz
regime, because of its early sucesses, acted something like a filter against the full transmission of the
Mexican anarchist tradition. As a result, the twentieth century Mexican anarchists turned not to their
nineteenth century predecessors, but to Proudhon, Bakunin, and Kropotkin. HART, op. cit., p. 87.
GARCIA CANT, Gastn. El socialismo en Mxico, siglo XIX. Mxico: Era, 1969.
841
Continua o artigo: Si se dejara al obrero en las condiciones en que hoy est, difcilmente lograra
mejorar pues la negra miseria en que vive continuara obligndolo a aceptar todas las condiciones del
explotador. En cambio garantizndole menos horas de trabajo y un salario superior al que hoy gana la
generalidad, se le aligera el yugo y se le pone en aptitud de luchar por mejores conquistas, de unirse y
organficarse y fortalecerse para arrancar al capital nuevas y mejores condiciones. REGENERACIN.
Nmero 13, 1 ago. 1906. Verso digital em CD ROM. No artigo publicado em Revolucin n. 8,

258

No conjunto, Flores Magn, percebe os trabalhadores mexicanos como uma
classe atrasada
842
, com escasso acmulo de lutas e assombrada por uma mirade de
resqucios ideolgicos de origem colonial e pr-capitalista, que vo da naturalizao da
desigualdade ao catolicismo
843
. Nesta perspectiva, o propsito imediato da luta de
classes no Mxico a superao do legado porfirista, e seu horizonte poltico, o
capitalismo autodeterminado, referenciado no padro de vida alcanado pelos
trabalhadores no vizinho Estados Unidos:

Es preciso que dejen de creer que su situacin miserable se debe a la fatalidad
y que si sufren se debe a que no les toc en suerte nacer en telas de seda. El que
trabaja tiene derecho a que le pague bien , a que no se le robe en las tiendas de
raya, a ocupar un lugar decente en la sociedad. Nuestros obreros deben tomar
ejemplo de los obreros yanquis que han sabido hacerse respetar, por lo que
gozan un bienestar con que aqu no se suea
844
.

Em suma, a partir da constituio da Junta Liberal no exlio, Flores Magn
comandou o partido baseado no diagnstico da ausncia de espao para a reforma
dentro da ordem, em uma sociedade marcada por um padro de sociabilidade anlogo
segregao tnica, condenando os trabalhadores a um patamar primitivo e inarticulado
de reivindicao social. A convivncia com o movimento operrio estadunidense
ampliou a conscincia de classe dos lderes da Junta, e a denncia magonista dos

(20/07/1907), quando estreia a consigna Tierra y Libertad, se escreve: No podemos instituir nuestra
sociedad sobre la base de la igualdad econmica porque nos falta educacin; no podemos enarbolar
como regla de conducta la sentencia de Proudhon:"la propiedad es el robo;" pero s podemos contribuir
al mejoramientodel proletariado y a ponerlo en aptitud de que ms tarde destruya al monstruo dela
explotacin y se emancipe por completo. REVOLUCIN. Nmero 8, 20 jul. 1907. Verso digital
completa.
842
Isto se evidencia no teor didtico dos seus artigos. medida que os temas sociais ganham
preponderncia na prdica magonista, revela-se uma preocupao recorrente em despertar o trabalhador
mexicano para a percepo elementar dos seus direitos, reiterando incansavelmente a igualdade entre os
homens como primeiro passo para a conscincia da sua condio oprimida. Aunque os parezca
extraordiario, tambin tenis derecho a la felicidad. La sangre que anima vuestras carnes mal vestidas es
la misma que anima a los hombres elegantes que os tienen a cierta distancia con los extremos de sus
bastones. ANAKREN (Ricardo Flores Magn). Agrupaos, proletarios. El Colmillo Pblico.
28/01/1906. In: FLORES MAGN, op. cit. v. 5, p. 222. Outro exemplo: Ah, si supieses que todos
vosotros, hombres y mujeres que no conocis ms que el lado negro de la vida, tenis tanto derecho a la
felicidad como los que pesan sobre el pueblo, otra cosa sera de la patria! Ibidem, p. 225.
843
Porfirio Daz ha mostrado siempre decidido empeo por conseguir que el proletario mexicano se
considere a s mismo inferior en mentalidad, moralidad y habilidad tcnica y hasta en resistencia fsica a
su hermano el trabajador europeu y norteamericano. (...) Esto, naturalmente, ha retrasado la evolucin
del proletariado mexicano (...) Ibidem, v. 5, p. 247.
844
ANAKREN (Ricardo Flores Magn). El programa del partido liberal. El colmillo Pblico. 11 mar.
1906. In: FLORES MAGN, op. cit., v. 5, p. 254.

259

dilemas mexicanos incorporou o vocabulrio da luta social contempornea. Nesta
circunstncia, a ao do PLM esteve calcada em um trabalho incessante de propaganda,
dirigido fundamentalmente aos trabalhadores urbanos, com o objetivo de mobilizar
grupos dispostos a engajar-se em uma insurreio armada para derrocar Porfirio Daz,
estabelecendo as condies para implantar um programa orientado a integrar o povo
mexicano por meio do trabalho como via para afirmar o desenvolvimento capitalista em
bases nacionais, visto como escala para utopias futuras. Assim, a despeito da
radicalizao ideolgica de muitos de seus membros, a Junta Liberal no exlio
subordinou as convices pessoais ao clculo das potencialidades polticas franqueadas
pela conjuntura
845
, cultivando a possibilidade de aliana com os setores anti-porfiristas
das classes dominantes at a ruptura irreversvel nos campos de batalha.


c) DESFECHO
Objetivando evidenciar a relao entre a derrota militar das foras liberais e a
sua radicalizao poltica no contexto da Revoluo Mexicana, cotejaremos os
acontecimentos fundamentais do processo em seus momentos iniciais, com a evoluo
das consignas magonistas registrada no peridico Regeneracin, para ento referir-nos
brevemente ao ocaso do movimento, acelerado pela perseguio contnua sofrida nos
Estados Unidos at a morte de seu principal lder.
A recalcitrncia de Porfrio Daz em consumar a alternncia no poder com que
havia se comprometido desde princpios de 1908, inclusive diante da imprensa
internacional
846
, motivou uma radicalizao da oposio poltica ao regime, instigando
os primeiros enfrentamentos armados que logo desembocariam na revoluo. A mecha
acesa a partir da represso governamental campanha antireeleccionista em sua hora
decisiva, quando aproximam-se as eleies previstas para junho de 1910. Preso nas
vsperas do pleito, seu lder mximo, Francisco Madero, foge para os Estados Unidos,

845
Mesmo posteriormente, quando a revoluo se radicaliza e a Junta reorienta suas consignas na direo
da expropriao da propriedade privada, a definio ideolgica aparece subordinada ao contedo da luta:
Es por el llamado pueblo bajo por el que lucho. Que esto sea socialismo, que esto sea anarquismo, no
me importan las denominaciones. FLORES MAGN. Carta a Luis Rivas Iruz, 3 jun, 1911. In: ______.
op. cit., v. 1, p. 592. Tambm: Nuestros clubes no se llaman socialistas pero lo son. FLORES
MAGN. Carta a Mara Tavalera, 1908. Ibidem, p. 494. Ou a correspondncia com o dirigente sindical
Eugene Debs (6/4/1911): We are not concerned with isms. We are practical people, engaged in a
most sternly practical task the recovery of their natural inheritance by the disenherited. FLORES
MAGN. Ibidem, p. 557.
846
Consultar a respeito a entrevista de Daz a Creelman, em: SILVA HERZOG, op. cit., v. 1, p. 127.

260

de onde lana o Plan de San Luis de Potos, convocando um levante nacional para o dia
20 de novembro de 1910
847
.
Desde os Estados Unidos, os lderes da Junta Liberal acompanham com ateno
a crescente efervescncia da conjuntura mexicana. Diante do chamado de Madero s
armas, os magonistas assumem como linha poltica contribuir para derrocar o ditador,
estabelecendo relaes cordiais porm sem submeter-se aos antirreleccionistas. Fora da
priso desde agosto deste ano, Flores Magn assume frente de Regeneracin, de volta
s grficas no ms seguinte, a tarefa de discernir entre o escopo do levante maderista e o
programa liberal
848
: El Partido Liberal lucha por obtener la libertad poltica y la
libertad econmica para todos los mexicanos (...) Este Programa es bien distinto del
Programa del Partido Anti-reeleccionista
849
.
Como se sabe, em um primeiro momento, a convocao ao levante armado
realizada por Madero a partir dos Estados Unidos provocou uma resposta irregular e
pouco promissora em territrio mexicano
850
. Do lado dos magonistas, decididos a
aproveitar a agitao e somar foras ao levante sem abrir mo da sua autonomia, a Junta
reconhece que os ncleos ainda no estavam prontos para tomar as armas, embora
incentive os preparativos com esta finalidade
851
.
A exploso do confronto em Chihuahua no fim de 1910, que rapidamente
transbordou o controle da junta maderista, estimulou outros levantes que logo

847
Centrado na consigna sufragio efectivo y no reelecin, o documento faz escassa referncia s
questes sociais, embora mencione no seu artigo terceiro a necessidade de reverter o despojo agrrio
causado pela atuao excessiva das companhias deslindadoras. FABELA, Isidro (Dir.). Documentos
Historicos de la Revolucin Mexicana. Tomo I: Revolucin y Rgimen Maderista. Mxico: FCE, 1954. p.
33.
848
(...) a partir de entonces contaba con siete columnas y con una pgina en ingls destinada a nuevos
lectores de habla inglesa que anteriormente no haban sido considerados; pero acaso la transformacin
ms importante fue que desde el comienzo de la cuarta poca los artculos aparecan calzados por la
firma de su autor, como un sntoma de la independencia de criterios en la redaccin del peridico.
TORRE, op. cit.
849
EL PARTIDO LIBERAL Y EL ANTI-REELECCIONISTA. Regeneracin, nmero 10, 5 nov. 1910.
Verso digital em CD ROM. Tambm: El Partido Liberal quiere libertad poltica, libertad econmica
por medio de la entrega al pueblo de las tierras que dententan los grandes terratenientes, el alza de los
salarios y la disminuicin de las horas de trabajo (...) El Partido Antireeleccionista solo quiere la
libertad poltica(...) Ibidem.
850
No nmero 14 de Regeneracin, de 3/12/1910, resume-se a percepo da situao e da ttica liberal na
conjuntura: El Partido Liberal no estaba listo para entrar en campaa; pero si el movimiento hubiera
durado unas trs cuatro semanas ms, los liberales abramos tomado parte en l lucha, no como
maderistas ni para elevar a Francisco I. Madero a la Presidencia de la Repblica, sino como libertrios
que aprovechan los transtornos pblicos durante los cuales el principio de autoridad se debilita, para
propagar por medio de la acagandas, sus principios reivindicadores. FLORES MAGN. El Partido
Liberal y la Revolucin de Madero. Regeneracin. Nmero 14, 3 dez. 1910. Verso digital em CD ROM.
851
Nas vsperas do ano novo, Regeneracin publica: La Junta trabaja con toda actividad por completar
la organizacin de los grupos que han de rebelarse en Mxico en un momento dado. FLORES
MAGN. Adelante, Adelante. Regeneracin. Nmero 17, 24 dez. 1910. Verso digital em CD ROM.

261

incendiariam o pas
852
. Diversos grupos liberais se alaram em armas nesta regio, mas
sofreram uma perda importante quando seu principal dirigente, Prxedis Guerrero
853
,
perdeu a vida na tomada do povoado de Janos em 30 de dezembro. Impelida pelas
circunstncias, a Junta publicou na semana seguinte suas Instrucciones Generales a los
Revolucionarios, exortando os grupos liberais ainda no sublevados a aderir
imediatamente luta.
Nesse cenrio, Madero relutou em atravessar a fronteira mexicana e encarar o
confronto em uma regio que no era reduto seu para liderar politicamente uma guerra
que no comandava: Pascual Orozco e Pancho Villa emergiam como lideranas
indiscutveis, mas de subordinao duvidosa. Empurrado por uma ordem de priso
emitida nos Estados Unidos, Madero retornou ao Mxico em fevereiro de 1911 e
precisou usar de toda habilidade para costurar sua liderana sobre os grupos rebelados.
Esta manobra teve como premissa a cooptao ou o desbaratamento dos grupos
levantados sob a bandeira liberal
854
. O primeiro a ser preso foi Prisciliano Silva, lder de
um ncleo rebelde no povoado tomado de Guadalupe, para onde j se dirigira Madero.
Silva recusou-se a reconhecer o mando maderista
855
, ainda que antes tivesse atendido a
um apelo de cooperao militar. Como resposta, em 25 de fevereiro de 1911, o
Regeneracin denuncia Madero como traidor, fechando as possibilidades de
colaborao na luta
856
.

852
Na bibliografia da crnica dos eventos, o livro de Alan Knight faz um esforo de amealhar a mirade
de episdios e motivaes regionais, tnicas e de classe que compuseram o processo revolucionrio em
um pas escassamente integrado e d uma boa idia da sua complexidade, embora de outro lado carea de
um referencial interpretativo capaz de conferir sentido ao conjunto impressionante de informaes que
rene. KNIGHT, Alan. The Mexican Revolution. Nebraska: University of Nebraska Press, 1990, 2 tomos.
Para uma sntese dos debates sobre o carter da revoluo, ver do mesmo autor: KNIGHT, Alan.
Interpretaciones recientes de la Revolucin Mexicana. Revista Secuencia, Mxico: Instituto de
Investigaciones Dr. Jos Mara Luis Mora, nm. 13, ene.-abr. 1989, p. 23-43.
853
Nascido em 1882 procededente de uma famlia de fazendeiros, Guerrero renunciou a sua origem e
trabalhou desde 1900 como operrio no Mxico e nos Estados Unidos, tornando-se uma das principais
lideranas revolucionrias liberais no exlio. Sua participao nas aes militares foi desaprovada pela
Junta, que prezava sua liderana poltica.
854
It was when he attempted to deal with the Magonistas that Madero also felt the limits of his authority
over his subordinates. When he ordered Orozco to either force the dissidents to join his army or to
disarm them, Orozco refused, and it seemed at first that there was no one else to whom Madero could
turn to impose his authority. KATZ, Friederich. The life and times of Pancho Villa. Stanford: Stanford
University Press, 1998, p. 97.
855
O nmero 25, de 18/2/1911 publica uma carta de Prisciliano Silva desde o front onde se l: Le
escribo desde el campo de la lucha por la igualdad social, por la que tanto he sufrido con mi pobre
familia a la cual he sacrificado su fortuna y su porvenir, por dedicarme exclusivamente a la lucha desde
tanto tiempo atrs como Ud. sabe; pero no importa: lo principal para m es cumplir con mi deber como
soldado de la Revolucin Social. SILVA, Prisciliano. Carta enviada desde o Campo de Operaciones del
Ejercito Liberal, Guadalupe, 11 feb. 1911. In: Regeneracin. 18 fev. 1911. Verso digital em CD ROM.
856
Como decorrncia, o texto das instrucciones generales a los revolucionarios alterado. No ponto
11, onde se lia: La causa del Partido Liberal es distinta de la causa maderista, por ser la liberal la

262

Para prosseguir na delicada tarefa de neutralizao dos liberais, Madero se viu
impossibilitado de recorrer a Orozco, principal liderana militar ento, mas que tinha
vnculos pregressos com os magonistas e j se recusara a desarm-los
857
. O
cumprimento dessa misso selaria a fidelidade de Villa, que at ento no tinha atuao
poltica, a Madero
858
. Em contrapartida, despertou-se o dio dos liberais pelo caudilho
de Durango, o que teve conseqncias dramticas para o alinhamento de foras no
futuro do processo: somente em 1916, passado o pice do impulso revolucionrio, os
magonistas deixariam de tratar Villa como um bandido
859
.
A ruptura da possibilidade de aliana supra-classista com o setor anti-porfirista
das classes dominantes representado pelo maderismo, aliada generalizao do
enfrentamento no campo protagonizado pela mirade de foras populares, resultaram em
uma guinada ideolgica nas pginas de Regeneracin: a denncia social dirigida cada
vez mais diretamente contra a propriedade privada e o capitalismo
860
, respondendo, de

causa de los pobres; pero en caso dado, ya sea para la resistencia como para el ataque, pueden
combinarse ambas fuerzas y permanecer combinadas por todo el tiempo que dure tal necesidad. Agora
se escreve: En ningn caso debern combinarse las fuerzas liberales con las fuerzas maderistas.
FLORES MAGN et. al. Instrucciones generales a los revolucionarios. Regeneracin. 25 fev. 1911.
Verso digital em CD ROM.
857
Poucos meses depois Orozco comandaria uma rebelio contra Madero, j presidente, mas com o apoio
do famigerado cl Creel Terrazas. Seria derrotado por Villa. Segundo Katz, he had sided with the
villagers in 1910 and with the oligarchy in 1912, with the consistent aim of increasing his own power.
KATZ, op. cit., p.143. Embora este mesmo autor e outros afirmem uma adeso inicial dos magonistas a
Orozco, nas pginas de Regeneracin no h evidncias disso. Menciona uma visita de Juan Sarabia seis
dias depois de iniciada a revolta: Sarabia was impressed and extended to the movement a kind of official
party blessing by stating that the present armed movement... is clearly liberal in nature. Ibidem, p.
141. No entanto, desde a sua libertao da priso em junho de 1910, Juan Sarabia aderiu corrente liberal
moderada dissidente dos magonistas, que defendeu um apoio crtico a Madero.
858
The other reason for Villas readiness to obey Maderos order to disarm the Magonistas was that,
unlike Orozco and most other military leaders of the Maderista movement in Chihuahua, he had never
been involved in radical politics before 1910. All those who had in one way or the other fought against
Creel and Terrazas before 1910 had established some kind of cooperation with the Magonistas and were
reluctant to proceed against their erstwhile allies. In the long run, Villas attack on the Magonistas would
initiate the opposition of many Mexican and later US radicals to Villa. Ibidem, p. 101. Este mesmo
autor anota que a a aura aristocrata de Madero e sua liderana de tipo caudilhesco foram determinantes
para ganhar a admirao e a fidelidade de Villa, e certamente de outros chefes populares.
859
Apesar da falta de uma viso nacional articulada dos problemas mexicanos e da caracterstica voltil e
pouco democrtica dos seus procedimentos, indiscutvel o carter anti-oligrquico que assume a luta de
Pancho Villa no transcorrer da Revoluo, quando se converte no principal lder militar da faco radical.
No entanto, a sua relutncia em promover a reforma agrria imediata, segundo Katz porque arriscaria
desmobilizar seu exrcito, operava segundo a lgica da guerra de fronteira tpica do norte onde a terra o
prmio pela vitria, certamente colaborou para manter o distanciamento dos liberais que pregavam a
expropriao no ato, como praticado pelos zapatistas, que no entanto jamais constituiram um exrcito
com a mobilidade e o profissionalismo das tropas villistas. Ver: KATZ, op. cit.
860
Uma busca por palavras na verso digitalizada de Regeneracin confirma esta afirmao: a consigna
Tierra y Libertad se generaliza a partir de maro de 1911, nmero 26; o termo expropiacin, a partir do
nmero 29; propriedad individual observa-se a partir do nmero 33, de abril; proletario, embora ocorra
anteriormente, se afirma como tratamento vocativo; propiedad privada se generaliza a partir do nmero

263

um lado, a uma acelerao do processo revolucionrio e, de outro, ao desgnio de
diferenciao em relao ao maderismo, cujo prestgio cresce despeito dos seus
propsitos sociais acanhados. Constrangido a posicionar-se em relao s negociaes
de Madero com Daz, Flores Magn expressa pela primeira vez com clareza o desgnio
de expropriao imediata das foras produtivas e no s da terra: La Junta contest
que no ha tomado parte en sas negociaciones ni est por la paz, a menos que se
acepten todas las demandas del Partido Liberal Mexicano comenzando por la
expropiacin de la tierra y de los tiles de trabajo para que tome posesin de todo ello
el pueblo (...)
861
.


A trajetria de Madero chega a seu pice em maio de 1911, quando as foras
combinadas de Villa e Orozco tomam Ciudad Jurez a despeito de ordens contrrias do
seu lder poltico, precipitando a queda de Porfirio Daz e a assinatura do tratado de paz
nesta cidade
862
. O ditador deixa o pas rumo ao exlio francs, e no comeo de junho
Madero entra triunfante na Cidade do Mxico. O partido Antireeleccionista convoca
eleies para outubro, entende que a revoluo est encerrada e assume a tarefa de
concluir a pacificao do pas: Madero tinha considerado Porfrio Daz como seu
inimigo primordial, e desde que Daz se foi, ele sentiu que poderia ento direcionar
suas energias para combater os revolucionrios radicais.
863
.
Embora as foras identificadas com os liberais no fossem o contingente radical
mais beligerante em uma circunstncia onde os zapatistas, por exemplo, j estavam
rebelados em Morelos, o novo presidente no poupou esforos para submet-los,
recorrendo cooptao ou ao esmagamento. Menos de uma semana depois da entrada
triunfal de Madero na capital, a Junta Liberal recebeu na Califrnia a visita de Juan
Sarabia, mrtir liberal recm egresso do infame presdio de San Juan de Ula, e Jesus
Flores Magn, irmo mais velho do lder liberal. Sua misso, que no teve sucesso, era
conseguir a adeso dos magonistas ao novo regime. A intransigncia da Junta foi

50, agosto 1911, conjuntamente com comunismo; capitalismo recorre a partir do nmero 20.
REGENERACIN. Verso digital em CD ROM.
861
NO QUEREMOS UNA PAZ INFAME. Regeneracin. 1 abr. 1911. Verso digital em CD ROM. O
artigo inicia-se com as seguintes palavras: NO QUEREMOS UNA PAZ INFAME. La Prensa Unida
pregunt hoy (31 de Marzo) a la Junta Organizadora del Partido Liberal Mexicano si habia tomado
parte en las conferencias de paz celebradas entre representantes de Porfirio Daz y de Francisco I.
Madero. E segue a citao acima.
862
(...) this victory was the result of a conscious act of insubordination to Madero on the part of Orozco
and Villa () KATZ, op. cit., p. 111.
863
Ibidem, p. 130. No original: Madero had considered Porfirio Daz as his primary enemy, and once
Daz was gone, he felt he could now turn his energies toward combating the radical revolutionaries.

264

premiada com a priso de seus lderes, Ricardo Flores Magn inclusive, pela polcia dos
Estados Unidos no dia seguinte, sob acusao de infringir as leis de neutralidade
864
.
Um ms depois, o conjunto de liberais que romperam com a Junta no exlio e
optaram pelo apoio crtico a Madero organizaram a dissidncia atravs da Junta
Iniciadora de la Reorganizacin del Partido Liberal na Cidade do Mxico
865
, dando
incio publicao de um peridico de vida curta, tambm chamado Regeneracin
866
.
Esse movimento corresponde ruptura dos socialistas dos Estados Unidos com os
magonistas pelo mesmo motivo
867
, inaugurando a uma polmica acerca do carter da
Revoluo Mexicana
868
.
Onde a cooptao foi insuficiente para submeter os focos de rebeldia, Madero
no vacilou em empregar o exrcito federal na sua represso. Do lado magonista,
embora em muitos casos seja difcil precisar a filiao partidria dos bandos levantados,
plausvel que durante 1911 houvesse grupos identificados com o liberalismo em armas
em todo o pas
869
.
No entanto, a ao mais espetacular impulsionada pela Junta acontecia no
remoto territrio de Baja California, na fronteira com os Estados Unidos na costa oeste.
Ali, uma fora estimada em 220 homens, liderada por mexicanos e integrada por
radicais e simpatizantes de mltiplas nacionalidades, muitos deles filiados IWW
(Industrial Workers of the World), lanou um assalto no final de janeiro de 1911 e

864
solto mediante o pagamento de alta fiana alguns dias depois. A falta de dinheiro posterga a
libertao dos demais membros da Junta.
865
Entre os lderes da ciso esto Juan Sarabia, Daz Soto y Gama e Camilo Arriaga.
866
Muitos quadros liberais dissidentes desenvolvero uma intensa atividade poltica nos anos seguintes,
principalmente no interior do movimento operrio mexicano, que transcender o perodo revolucionrio.

Alguns se juntaro ao zapatismo enquanto outros seguiro carreira poltica, participando da Assemblia
Constituinte em 1917 e/ou assumindo cargos pblicos nos governos sucessivos. Um grupo de dissidentes
se aproximou do pequeno recm formado Partido Socialista, desenvolvendo atividades significativas no
movimento operrio mexicano e participando da fundao da Casa del Obrero Mundial. Parte do PS
desaguaria na fundao do Partido Comunista Mexicano em 1919. Ver: TORRES PARS, op. cit., p.
139-142.
867
La escisin entre los socialistas del PLM y el grupo magonista coincide con el recrudecimiento del
choque entre los socialistas norteamericanos y la IWW. Ibidem, p. 135.
868
Segundo Javier Torres Pars, toma curso um caloroso debate internacional cuja questo de fundo
avaliar se o povo mexicano tem condies de produzir uma revoluo progressista, considerando seu
suposto atraso civilizatrio. Flores Magn intervem neste debate e explicita suas posies no artigo:
FLORES MAGN. El Pueblo Mexicano es apto para el comunismo. Regeneracin, 2 set. 1911. Verso
digital em CD ROM.
869
El PLM mantuvo frentes de lucha durante 1911 en casi todo el pas. Chihuahua, como hemos hecho
notar, fue uno de los terrenos de accin armada ms importantes por lo menos hasta agosto de 1911, en
forma simultnea a los acontecimientos de Baja California. En los primeros meses de este ao, a travs
de pequeos grupos armados, mantuvo presencia en Sonora, Coahuila y Tamaulipas en la zona
fronteriza; Sinaloa, Durango y San Luis Potos en la regin nortea; Tabasco y Yucatn en el sur. Otros
grupos liberales se insurreccionaron en estos meses en Oaxaca y Morelos. TORRES PARS, op. cit..,
p. 93.

265

tomou a cidade de Mexicali. Em fevereiro seria tomada Algodones, em maro Tecate e
em maio, nos mesmos dias do assalto a Ciudad Juarez em Chihuahua, Tijuana. Ao que
tudo indica, a inteno dos liberais era estabelecer uma espcie de territrio livre que
pudesse servir de base e retaguarda para a expanso do movimento armado
870
. Mas o
projeto no vai adiante: abalado por dissidncias internas, deseres para o maderismo e
uma campanha difamatria bi-nacional que acusa propsitos filibusteiros iniciativa, a
regio gradualmente recuperada a partir de 22 de junho quando as foras federais,
respondendo agora a Francisco Madero, retomam Tijuana com o apoio explcito do
governo dos Estados Unidos, que permite o deslocamento de tropas atravs do seu
territrio
871
.
Simultaneamente derrota militar, a esperana dos magonistas se deslocou para
o movimento operrio, que, dando vazo represadas reivindicaes dos trabalhadores
urbanos, estava em vigoroso ascenso em todo o pas desde a queda da ditadura
872
. Os
magonistas estimulam entusiasticamente as greves, insistindo na necessidade de
transcender a sua modalidade pacfica limitada a frear a produo, e partir para a
expropriao dos meios de produo com o objetivo de consolidar a liberdade
econmica. O carter econmico da revoluo em curso defendido na manchete da
edio de 8 de julho:La Revolucin economica en Mxico la huelga general en casi
todo el pas
873
.

870
La Baja California es un pas muy bello y muy rico; pero muy poco poblado. Necesita colonizacin.
Las tierras del norte de la pennsula, que son las que estn bajo el dominio de las fuerzas liberales, son
esplndidas! y una buena porcin de ellas estn perfectamente bien regadas por un excelente canal. Esas
tierras producen dos cosechas al ao de maz, y son muy buenas para producir algodn, remolacha, toda
claeo de pasturas y de vegetales. En suma, esas tierras lo producen todo.Para dar vida a esa interesante
porcin de Mxico y para poner en prctica los ideales-redentores del Partido Liberal Mexicano, es
necesario poblarla. Mas como la colonizacin, no puede hacerse de un golpe, porque el Partido
Liberal'Mexicano no cuenta con fondos para transportar a aquellas tierras a las familias desosas de
poblarlas, y de hacer una vida libre y feliz, sin amos ni tiranos, la Junta Organizadora del Partido
Liberal; Mexicano ha dispuesto lanzar esta convocatoria, para que los compaeros vayan reuniendo
dinero con qu pagar sus pasajes y marchen la Baja, California a tomar posesin de la tierra. Las
fuerzas liberales protejern nuestros compaeros. FLORES MAGN et al. A tomar posesin de la
tierra. Regeneracin. 20 maio 1911. Verso digital em CD ROM.
871
Neste mesmo perodo, os maderistas acordam uma trgua com os zapatistas em Morelos, rompida em
agosto quando o general Huerta ataca e aniquila as foras desarmadas de Zapata. Como se sabe, esse
exrcito federal no foi desmontado por Madero e dar o golpe liderado pelo prprio Huerta, que
culminar no assassinato do Madero em fevereiro de 1913. A rede de espionagem internacional montada
por Creel tambm foi utilizada por Madero. Ver: RAAT, Dirk. Los revoltosos. Rebeldes mexicanos en los
Estados Unidos (1903-1923). Mxico: FCE, 1993.
872
Al propagarse por la Repblica la noticia de la rebelin maderista, se form de modo inmediato una
gran variedad de sindicatos y agrupaciones obreras cuya ideologa iba desde el mutualismo tradicional
hasta el anarcosindicalismo. CARR, op. cit., p. 45. En junio de 1911 se inici una ola de huelgas que
barri todo el pas, exigindose grandes aumentos de salarios, la reduccin de la jornada de trabajo y la
abolicin de algunas prcticas administrativas hostiles a los obreros. Ibidem.
873
REGENERACIN. Nmero 4, 8 jul.1911. Verso digital em CD ROM.

266

Ao apontar para a dimenso econmica da revoluo, os magonistas enfatizam a
tendncia ao enfrentamento direto e imediato do capitalismo. Com isso, o alcance do
processo mexicano transcenderia as fronteiras nacionais, assumindo a vanguarda
mundial no enfrentamento do capital. A causa mexicana pertence ento classe
trabalhadora mundial
874
. Nessa circunstncia, Flores Magn intensifica a mobilizao
da solidariedade internacional de classe
875
e levado a desafiar teoricamente a leitura
dos socialistas dos Estados Unidos, os quais, em sintonia com os liberais dissidentes que
apiam o maderismo, entendem que a revoluo mexicana est encerrada. Nessa tarefa,
Flores Magn precisa enfrentar o etnocentrismo do movimento operrio internacional e
provar que o povo mexicano rebelado, apesar do atraso civilizatrio a que a ditadura o
confinou, est em condies de proceder luta anticapitalista. Em outras palavras,
precisa enfrentar o desafio terico de fundamentar a revoluo em um pas agrrio,
tornando positiva a especificidade mexicana.
Esta tarefa realizada atravs de um duplo movimento. De um lado, Magn
reafirma a natureza anti-autoritria dos homens em geral e dos mexicanos em particular,
dadas as circunstncias repressoras em que vivem
876
. Conseqncia desta aproximao
entre rebeldia e natureza humana a afirmao da primazia da ao sobre a liderana e
a ilustrao: Para la toma de posesin de la tierra y de los instrumentos de trabajo en
Mxico no se ha necesitado de "leaders," de "amigos" de la clase trabajadora, ni han
hecho falta - "decretos paternales,"leyes sabias" ni nada de eso. La accin lo ha
hecho y lo est haciendo todo
877
. Este movimento contradiz a viso liberal prevalente

874
It is not as a Mexican that I appeal to you and your meeting. It is one of the world-wide army of the
disinherited, whose cause is always and everywhere the same. FLORES MAGN. Carta a Mr. M.
H.Woolman, Secretary, New York Mexican Revolution Conference, 2 fev. 1911. In: ______. op. cit., v.
1, p. 599.
875
La referencias a estos grupos figuran mayoritariamente en columnas destinadas a promover la
solidaridad internacional con la causa del PLM, y parece ser que esta promocin fue bastante eficaz,
pues durante este lapso se consignaron 50 agrupaciones internacionales (17 en 1911 y 34 en 1912). El
pas en el que encontramos la mayor cantidad de grupos solidarios es Argentina (15), seguido de Espaa
(11), Uruguay (10) y Cuba (...)Paralelamente, se evidenci el aumento de vnculos solidarios con
organizaciones sindicales de la unin americana y con agrupaciones anarquistas hispanoamericanas
sobre todo entre 1911 y 191. TORRE, op. cit.
876
El pueblo mexicano odia, por instinto a la Autoridad y a la burguesa. FLORES MAGN. El
pueblo mexicano es apto para el comunismo. Regeneracin. Nmero 53, 2 set. 1911. Verso digital em
CD ROM. Em uma carta dirigida secretaria do International Anarchist Congress em 1913, l-se: Other
points, such as the innate hostility of Mexicans to centralized government, militarism, clerical rule and so
forth, should make powerful appeal to na International Anarchist Congress. FLORES MAGN. Carta a
International Anarchist Congress, sem data. In: ______. op. cit., v. 1, p. 636.
877
FLORES MAGN. El pueblo mexicano es apto para el comunismo. Regeneracin. Nmero 53, 2 set.
1911. Verso digital em CD ROM.

267

nos anos pr-revolucionrios, segundo a qual o partido deveria cumprir um papel
fundamental para canalizar as energias rebeldes latentes.
De outro lado, Magn procede a uma valorizao do legado indgena para a
formao mexicana: ao identificar uma prtica comunista nas formas pr-colombianas
de organizao da produo no campo mexicano, ele recusa a associao de ndios e
camponeses com o atraso, apontando um potencial progressista nos modos de vida
ancestrais
878
. Por trs desta reivindicao poltica est um movimento ideolgico de
aproximao entre a natureza humana e o comunismo
879
. Diante destes argumentos, a
concluso se impe: Se ve, pues, que el pueblo mexicano es apto para llegar al
comunismo, porque lo ha practicado, al menos em parte, desde hace siglos
880
.
Esta posio se cristaliza no manifesto publicado pela Junta Liberal em 23 de
setembro de 1911, o qual procura superar o programa de 1906, propondo o
enfrentamento imediato da propriedade privada
881
.

La Junta Organizadora del Partido Liberal mexicano ve con simpatia
vuestros esfuerzos para poner en prctica los altos ideales de
emancipcacin poltica, economica y social, cuyo imprio sobre la tierra
ponder fin a esa ya bastante larga contienda del hombre contra el
hombre, que tiene su origen em la desigualdad de fortunas que nace del
principio de la propiedad privada
882
.

A radicalizao programtica da Junta corresponde progressiva frustrao da
liderana militar liberal. Diante da impotncia em conduzir o movimento no seu
primeiro ano, confrontada com a ascenso de Madero, a generalizao da guerra

878
Los indios practican el comunismo. Hasta hace poca ms de treinta aos, no solamente nuestros
hermanos, Indios, sino los mestizos y criollos tambin, de las agrupaciones rurales, practicaban el
comunismo. Ibidem.
879
Esta associao entre natureza humana e comunismo patente em uma carta da priso de 1921: El
estdio de los pueblos primitivos, los esquimales por ejemplo, y mychos otros entre los cuales no h
hecho su aparicin la llamada civilizacin, demuestra que viven prcticamente en anarquia y por lo
tanto, son libres y felices, no habiendo sido pervertido su sentido de justicia por los mviles mo y
tuyo. FLORES MAGN. Carta a Nicols T. Bernal, 2 jun. 1921. In: ______. op. cit.. v. 2, p. 209.
880
FLORES MAGN. El pueblo mexicano es apto para el comunismo. Regeneracin. Nmero 53, 2 set.
1911. Verso digital em CD ROM.
881
S a partir deste momento o foco da denncia magonista se deslocar para a propriedade privada. Uma
rpida busca por palavras realizada na verso digitalizada de Regeneracin confirma esta afirmao: as
ocorrncias da expresso propiedad privada se generalizam a partir do nmero 50 da 4a poca (agosto
1911); expropiacin, a partir do nmero 29; propriedad individual ocorre no nmero 33, abril de 1911. O
lema Tierra y libertad assumido a partir do nmero 26. REGENERACIN. Verso digital em CD
ROM.
882
MANIFIESTO DEL 23 DE SEPTIEMBRE DE 1911. Regeneracin, nmero 56, 23 set. 1911. Verso
digital em CD ROM.

268

camponesa e as hesitaes e contradies do movimento urbano, a Junta no revigora
esforos no sentido de constituir uma direo poltica nacional alternativa ao maderismo
e seus congneres. Em vez disso, centra progressivamente suas esperanas na realizao
instintiva das aspiraes anticapitalistas dos trabalhadores: El pueblo mexicano odia,
por instinto a la Autoridad y a la burguesa
883
.

Nessa perspectiva, o xito da luta
depende no de uma direo eficaz, mas da emancipao de individualidades oprimidas.
o indivduo consciente, e no o partido, que se ope massa passiva, dependente da
ao de um chefe: No hay que ser masa: hay que ser conjunto de individualidades
pensantes.
884
Assim como a rebeldia individualizada, a implementao da sociedade
sem autoridade fragmentada, delegada mirade de focos de insubordinao
espalhados pelo pas, que procedem de forma imediata sua realizao.
nesta perspectiva que se entende a relutncia de Flores Magn em transladar-
se para territrio revolucionrio. Vista do ngulo da inexorabilidade da revoluo,
certamente favorecido pela seqncia dos eventos onde sucessivos governos
tombaram
885
, Flores Magn enxerga no processo mexicano um captulo extraordinrio
do enfrentamento mundial entre o trabalho e o capital, atribuindo papel fundamental
solidariedade internacional das classes trabalhadoras, a qual tem como papel precpuo
frear o intervencionismo dos Estados Unidos, principal ameaa ao fluxo espontneo da
insurreio
886
.

Avalia que o melhor servio que pode prestar causa no a sua
conduo, que de todo modo no factvel postular, mas auxiliar na proteo necessria
para que os acontecimentos sigam seu curso
887
. Da a recusa da Junta em transladar as
oficinas de Regeneracin para Morelos, a convite de Zapata
888
.

883
FLORES MAGN. Op. cit., v. 1, p. 636.
884
FLORES MAGN. Los jefes. Regeneracin. 15 jun. 1912. Verso digital em CD ROM.
885
La Revolucin se prolongar durante varios aos. Muchos gobernantes se sucedern uno a outro en
el curso de unos cuantos meses hasta que la Revolucin Social haya acumulado suficiente fuerza para
triunfar. FLORES MAGN. Carta de 16 out. 1911. In: ______. op. cit., v. 1 p. 620. Trs anos depois:
(...) as como cayeron Daz, Madero y Huerta, caer Carranza y continuaran cayendo en rpida
sucesin, todos los gobernantes de Mxico, porque ninguno de ellos podr dar al pueblo lo que necesita:
pan. FLORES MAGN. Muera la propiedad individual. Regeneracin. 11 nov.1914. In: BARTRA, op.
cit., p. 350.
886
A manchete da edio de Regeneracin em 11/3/1911 j denuncia a presena de tropas dos Estados
Unidos na fronteira com os dizeres: Atila a las puertas de Roma. E o subttulo: nuestro problema es el
vuestro. REGENERACIN. Verso digital em CD ROM. El PLM se propona a crear una corriente
poltica lo suficientemente fuerte para oponerse a la amenaza imperialista y poner en jaque a la
intervencin norteamericana, apoyndose bsicamente em la movilizacin del conjunto del movimiento
obrero estadounidense y de los sectores antimperialistas de aquella sociedad. TORRES PARS, op.
cit., p. 83.
887
Torres Pars aponta que no comeo da revoluo havia focos liberais por todo o pas e que os Estados
Unidos seriam a melhor base para coordenar os grupos: Estos crticos desconocan la existencia de
frentes de lucha em distintas partes de Mxico y la necesidad de mantener tanto la actividad

269

No entanto, esta opo deve ser vista luz da derrota militar inicial dos liberais,
uma vez que fazia parte dos planos originais da Junta transladar-se a territrio
mexicano
889
. Alm disso, Flores Magn no alimentava iluses acerca das
possibilidades de mobilizao do povo dos Estados Unidos
890
, e logo se defrontou com
a incompreenso de correligionrios no prprio movimento anarquista internacional
891
.
Nesse contexto, a inflexo do seu pensamento aparece como uma resposta ideolgica
coerente diante dos constrangimentos apresentados pela conjuntura
892
.

antiintervencionista como la solidaridad del conjunto del movimiento obrero estadounidense com el
esfuerzo revolucionrio. TORRES PARS, op. cit., p. 9. Tambm necessrio notar as limitaes
fsicas do prprio Flores Magn, avesso atividades fsicas e portador de um problema crnico de viso
que o tornou praticamente cego no final da vida.
888
A ruptura de Zapata com Madero favoreceu uma intensificao da relao com os liberais a partir de
1912: um enviado magonista de nome Jos Guerra sugeriu mudar o lema Justicia, Libertad y Ley para
Tierra y Libertad, adotado pelos guerrilheiros camponeses. Regeneracin publicou manifestos
zapatistas e os defendeu em polmicas internacionais. Flores Magn menciona o convite a trasladar-se
em um artigo em 1915: La gran fbrica de papel de San Rafael, de la que eran accionistas principales
Porfirio Daz, Jos Snchez Ramos y otros cientficos, se encuentra em poder de los zapatistas, y
Emiliano Zapata ofreci a Antonio de P. Araujo poner a disposicin de Regeneracin todo el papel que
se necesitara, em caso de que el peridico se publicase en territrio controlado por las fuerzas
surianas. FLORES MAGN. Contra el Zapatismo. Regeneracin. Nmero 209, 23 out.1915. In:
BARTRA, op. cit., p. 360.
889
La Junta iba a transladarse a territorio mexicano para encauzar el movimiento revolucionarlo por
lasenda de las reivindicaciones del proetariado;se hicieron los preparativos para la marcha, creyendo
que era seria la insurreccin maderista, y, casi ya en camino, se supo que el movimiento haba fracasado
en su cuna. FLORES MAGN. La Junta Liberal Mexicana y la Revolucin de Madero. Regeneracin.
Nmero 14, 3 dez. 1910. Verso digital em CD ROM.
890
Flores Magn expressa com freqncia opinies devastadoras sobre o povo dos Estados Unidos: No
he visto pueblo ms Imbcil en la tierra que el pueblo americano en general. El pueblo americano se
distingue entre todos los pueblos de la tierra por su egosmo, por su estrecho y brutal patriotismo, por su
odio hacia toda persona que no pertenezca la raza anglosajona, por su fanatismo religioso, por su
vulgaridad y por su estupidez. FLORES MAGN. La barbarie en los Estados Unidos. Regeneracin, 5
ago. 1911. Verso digital em CD ROM. Sobre os trabalhadores: (...)el pueblo americano, y aun los
trabajadores organizados de este infumable pas, no son susceptibles de agitarse la nacin se militariza a
pasos de gigante, y a pesar de todo, el paquidermo anglosajn no se excita, no se indigna, no vibra. Si
con sus miserias domsticas no se agitan los americanos, podemos esperar que les importen las
nuestras? Ibidem.
891
Embora Flores Magn tenha enfrentado a incompreenso de anarquistas europeus: En el nmero de 2
de marzo de 1912, Les temps Noveaux publica un artculo de R. Frement en que se desprestigia la obra
del Partido Liberal mexicano y se niega la existencia de una revolucin social en Mxico, censurando
Regeneracin por haber tenido palabras de benevolencia con Zapata, que no era anarquista. En otros
diversos peridicos anarquistas se combata tambin a Flores Magn y a sus amigos, presentndolos
bajo colores bastante ambiguos. ABAD DE SANTILLN, op. cit., p. 94. De outro lado, Kropotkin foi
simptico revoluo mexicana e causa liberal.
892
Flores Magn no teria motivos para superestimar a simpatia do operariado internacional e muito
menos do povo dos Estados Unidos com o movimento mexicano, embora possa ter sobrevalorizado a sua
fora: a Junta viveu e denunciou problemas como o racismo, a xenofobia e o chauvinismo, que no
estavam ausentes dos debates ideolgicos em torno ao carter do processo mexicano. Nesta carta de 1908:
La agrupacin de Chicago (seguramente la National Refugees League) no nos defiende ni es para outra
cosa que para defender los amos. Nosostros somos pobres mexicanos. Somos revolucionarios y nuestros
ideales son avanzadsimos: pues somos mexicanos. Esa es nuestra falta. Nuestra piel no es blanca y no
todos son capaces de comprender que tambin debajo de una piel obscura hay nervios, hay corazn y
hay crebro. FLORES MAGN. Carta a Mara Tavalera, apud TORRES PARS, op. cit., p. 116.

270

Do ponto de vista poltico, a sensibilizao da solidariedade internacional contra
o intervencionismo estadunidense ganha uma importncia central para os magonistas.
Paradoxalmente, Flores Magn, que sempre advogou a primazia da ao, dirigir suas
principais energias nos anos culminantes da luta revolucionria mobilizao de uma
solidariedade internacional recalcitrante e de eficcia duvidosa para os levantados em
armas, revelando um distanciamento em relao ao teatro efetivo da revoluo
893
.
A abordagem da questo feita pelo lder liberal sob o ngulo a partir do qual
sempre denunciou a ascendente participao econmica dos Estados Unidos no Mxico:
embora refira-se ao dos monoplios, cooperao entre os Estados na represso
oposio, explorao dos trabalhadores mexicanos nos Estados Unidos e relao
deste pas com a situao dos trabalhadores nacionais
894
, Flores Mgon nunca articulou
tais problemas em uma viso estrutural dos nexos entre imperialismo e dependncia.
Sua denncia da penetrao do capital estadunidense esteve sempre relacionada ao risco
concreto da invaso militar: Muchos crean inofensiva la invasin del capital
americano, sin sospechar que cada dlar invertido en nuestro pas est apoyado por
una bayoneta sajona pronta a derramar sangre mexicana al primer sntoma de
peligro.
895



A internacionalizao do enfoque revolucionrio, que corresponde
radicalizao anticapitalista do discurso magonista, provoca o recrudescimento da
perseguio poltica das autoridades dos Estados Unidos. Alm do crescente

893
A relao entre a impotncia poltica dos magonistas e seu crescente envolvimento em debates no seio
do movimento operrio internacionalista nos anos culminantes da revoluo somente indicada aqui,
como sugesto para futuras pesquisas. Como exemplo dos esforos de Flores Magn e sua eficcia
duvidosa, consultar a carta que enviou ao secretrio do Congresso Internacional Anarquista em Londres:
We wish, through you, to invite officially the forthcoming International Anarchist Congress 1 to take a
DEFINITE stand on the question of the Mexican Revolution. We wish the Congress to say bluntly that the
Mexican peon, in taking back his natural inheritance, the land, and in expelling the land monopolists
-as in the case of [Luis] Terrazas and others far too numerous to mention- has done what the disinherited
of all countrys MUST do, as the first step toward the conquest of the bread and economic freedom. Other
points, such as the innate hostility of Mexicans to centralized government, militarism, clerical rule and so
forth, should make powerful appeal to an International Anarchist Congress. However, we do not care to
emphasize them, because their consideration might lead to loon and vain discussion. But on the land
question, and on te action taken by the Mexican peons, we want a strong and most precisely-worded
endorsement. If your Congress feels that it cannot give such endorsement, it should do the other thing,
repudiating the Mexican Revolution in the most decided terms and denouncing it as a mere war of
capitalists, politicians and bandits. FLORES MAGN, Ricardo et al. Carta ao International Anarchist
Congress, [19--] Disponvel em:
<http://www.archivomagon.net/ObrasCompletas/Correspondencia/Cor352.html>. Acesso em 28 ago
2011. O mencionado congresso nunca aconteceu.
894
A lo largo de la frontera sur, los miserables salarios que los exiliados mexicanos estn forzados a
aceptar hacen bajar los niveles del trabajo norteamericano. Repetimos una vez ms: nuestra causa es la
suya. FLORES MAGN. Op. cit., v. 5, p. 554.
895
Ibidem., v. 1, p. 339.

271

envolvimento deste pas com o conflito mexicano, a convergncia da propaganda liberal
com o radicalismo dos trabalhadores nacionais leva o governo dos Estados Unidos a
assumir a perseguio liberal por conta prpria. Como resultado, Flores Magn preso
duas vezes em 1911 por perodos curtos, e no ano seguinte condenado por violao
das leis de neutralidade em funo do episdio da Baja California, ficando encarcerado
at janeiro de 1914
896
.
Neste meio tempo o comandante liberal Jess Maria Rangel, preso pelas tropas
maderistas em 1911, obteve a liberdade com a derrubada de Madero em fevereiro de
1913. Logo depois de entrevistar-se com Zapata com o objetivo de coordenar esforos
militares
897
, rumou ao Texas onde organizou uma pequena milcia que foi surpreendida
por foras dos Estados Unidos antes de atravessar a fronteira. Os liberais capturados
foram sentenciados a altssimas penas, o que gerou uma vigorosa embora infrutfera
campanha em favor da libertao dos mrtires do Texas
898
. Foi a ltima tentativa de
uma iniciativa militar explicitamente sob a bandeira liberal. Embora em junho de 1914,
em um momento em que Ricardo Flores Magn est novamente fora da priso, os
liberais enumerem um conjunto de foras em batalha
899
, difcil saber a quem elas
realmente obedeciam, sendo improvvel que fossem fiis a qualquer comando
unificado
900
.

896
Enrique y RFM, Librado Rivera y Anselmo Figueroa fueron arrestados el 14 de junio de 1911 em
las oficinas de Regeneracin en Los ngeles, Cal,, por agentes federales. Fueron enviados a la crcel del
condado acusados de violar las leyes de neutralidad por su participacin en la campaa del PLM en
Baja California. Se les fij una fianza de 2500 dlares. Ese mismo dia RFM sali bajo caucin. Los
dems permanecieron presos. RFM regres prisn el 10 de julio y volvi a ser liberado, esta vez con
Librado Rivera, el 18 de esse mismo ms. Enrique Flores Magn y Anselmo L. Figueroa obtuvieron su
libertad hasta el 6 de septiembre del mismo ao. El juicio se inici el 14 de abril de 1912, y el 25 de julio
fueron sentenciados a um ao y cuatro meses de prisin en la penitenciara de Mc Neil Island, a la que
fueron trasladados el 4 de julio. BARRERA BASSOLS. In: FLORES MAGN, Op. cit., v. 1, p. 606,
nota 229.
897
Fue Rangel a quien Zapata Le propuso por primera vez que Ricardo Flores Magn se trasladara a
Morelos (...) En esta primera ocasin Rangel tuvo que declinar el ofrecimiento pues Ricardo se
encontraba recluido em la prisin de Mc Neil. BARTRA, op. cit., p. 52.
898
Sigui un monstruoso proceso, y los supervivientes de la frustrada expedicin fueron condenados a
la mayor parte de ellos a elevadssimas penas de venticinco a noventa y nueve aos de presdio. ABAD
DE SANTILLN, op. cit., p. 100. Apesar da campanha internacional, do fim da Guerra Mundial e da
Revoluo Mexicana, os liberais permaneceram presos at 1926.
899
Ver artigo: FLORES MAGN, Enrique. La agona del constitucionalismo. Regeneracin. Nmero
193, 27 jun. 1914. Verso digital em CD ROM.
900
Torres Pars descreve os esforos conduzidos por Jesus Rangel. Em seguida pondera: El balance de
la situacin de las fuerzas liberales realizado por Ricardo Flores Magn en junio de 1914 no
necesariamente representa um recuento exacto de su capacidad militar. Es en realidad uma valoracin
de carcter poltico (...) TORRES PARS, op. cit., p 185. Em outro lugar, este autor sugere: (...)
pertinente abordar la crtica del pensamiento magonista desde la perspectiva de su funcin poltica, es
decir, entendida como un fermento, como una incitacin a la accin, y no solo desde el punto de
vista de la precisin de sus datos. Embora seja evidente que o pensamento magonista obedea ao

272

Ainda que o poder de mobilizao magonista decline definitivamente a partir de
1914
901
, o acirramento da perseguio aos movimentos de esquerda nos Estados Unidos
diante da Grande Guerra e da revoluo bolchevique atingiu os lderes liberais
902
.
Magn preso novamente em fevereiro de 1916 por seis meses, junto com seu irmo
Enrique. Em 1918, condenado por violao s leis de espionagem em funo de um
manifesto que assinara
903
, o que lhe impe uma sentena de 20 anos de priso e multa
de U$ 5000. Com 45 anos, a sade comprometida por mltiplas complicaes que
certamente se agravariam no crcere, quase cego, o lder liberal interpretou
corretamente esta sentena como uma priso perptua
904
.

imperativo da ao poltica, a sua evoluo segue uma coerncia interna lastreada em uma viso de
mundo prpria e na avaliao da conjuntura, que deve ser explicitada para que se proceda crtica, sem
necessidade de recorrer a uma explicao apoiada em Georges Sorel (1847-1922), como sugere Torres
Pars.
901
(...) la contraccin de la red de agrupaciones vinculadas al magonismo registradas en Regeneracin
fue el rasgo caracterstico a partir de 1914. TORRE, Op. cit.
902
O refluxo do mpeto popular da revoluo no arrefeceu o otimismo dos artigos em Regeneracin,
compensado por uma crescente esperana na radicalizao da conjuntura mundial. Neste perodo, Magn
refora a orientao pedaggica dos seus escritos: publica curtas parbolas destinadas aos trabalhadores e
elabora duas peas de teatro.
903
Como escreve Ricardo Flores Magn, com razo: El Manifiesto no aludia en lo ms mnimo a las
polticas del gobierno norteamericano durante la reciente guerra ni tampoco respaldaba ni justificaba
sus enemigos. O tom generalista do manifesto dado na primeira linha: El reloj de la historia est
prximo a sealar, con su aguja inexorable, el instante en que ha de producir la muerte de esta sociesde
que agoniza. FLORES MAGN, Ricardo; RIVERA, Librado. La junta organizadora del Partido Liberal
Mexicano a los miembros del partido, a los anarquistas de todo el mundo y a los trabajadores en general.
In: BARTRA, op. cit., p. 435. Ambos (Librado Rivera, co-signatrio do manifesto, condenado a 15
anos) fueron procesados en mayo de 1918 por violacin del Acta de Espionaje (1917), (publicar falsos
testimonios tendientes a interferir com el triunfo militar o naval de las fuerzas de Estados Unidos; por el
Acta del Enemigo (1916) usar el correo para transmitir material sobre poltica del gobierno, sin haber
entregado la traduccin correspondente al agente del correo, y por la violacin de la enmienda 1911 al
Cdigo Criminal de los Estados Unidos: enviar por correo material indecente. Todos los cargos se
establecieron por la publicacin y distribuicin del manifiesto. BARRERA BASSOLS. In: FLORES
MAGN, op. cit., v. 1, p. 662, nota 252.
904
Yo marcho contento a sufrir el castigo, porque mi martrio es una parte de la fuerza que ha de
derribar el edifcio que nos oprime a todos. FLORES MAGN. Carta a Raul Palma, 6 ago. 1918. In:
______. op. cit. v. 1, p. 660. Suas cartas deste perodo revelam sua convico ideolgica inquebrantvel,
tingida de um crescente lirismo: Para poder apreciar la belleza y evitar ser discordante de la armona
universal, el Hombre tiene que ser libre. As, y solo as, podr el Hombre aportar su nota propia al
concierto majestuoso de Vida. ______. Carta a Ellen White, 14 dez. 1920. In: ______. op. cit., v. 2, p.
76. Outra passagem: Hermanos: no hay amo en el espacio infinito; y la nica ley que ah impera es la
ley del amor recproco y de la ayuda mutua (...) Hermanos, os exhorto a convertiros en estrellas y
planetas, en cometas y en lunas! ______. Carta a Ellen White, 14 fev. 1922. In: ______. op. cit., v. 2, p.
331. A esta aproximao entre homem e natureza corresponde uma convergncia entre natureza e
histria: Tengo una gran fe en el progreso, porque el progreso es una ley natural, y siendo as, el mismo
tiene que afirmarse. No hay poder capaz de estrangularlo. ______. Carta a Gus Teltsch, 1, mar. 1920.
In:______. op. cit., p. 29. O que deriva na inexorabilidade da revoluo: (...) siendo la revolucin
mundial inevitable, nadie podr detenerla ni evitarla (...). ______. Carta a Harry Weinberg, 5 ago.
1920. In:_____. op. cit., v. 2., p. 43.

273

Morreu em novembro de 1921, provavelmente assassinado na priso
905
. Seu
corpo foi imediatamente solicitado pelo congresso mexicano, ineficaz at ento para
pressionar pela sua libertao em vida
906
, e trazido para o pas por intermdio dos
trabalhadores ferrovirios. Sua figura comeava a ser reivindicada ideologicamente pelo
Estado, em uma operao de incorporao e neutralizao ideolgica dos adeptos
irredutveis da causa popular na revoluo mexicana derrotada
907
.



d) BALANO

A implacvel perseguio engendrada pela ditadura contra os liberais mexicanos
no pas e no exlio limitou o xito de suas tentativas de liderar a revolta anti-porfirista.
Quando a luta armada afinal desencadeou-se, logo ficou evidente a incompatibilidade
entre o contedo democrtico da revoluo defendida pelos liberais e a luta poltica
empreendida pelo maderismo. Uma vez derrubada a ditadura, as foras triunfantes
voltaram-se para a conteno dos setores populares, segundo um padro que
prevaleceria ao longo do processo. As sucessivas derrotas das tentativas de conter a
presso popular revolucionria so testemunho da formidvel energia poltica
mobilizada, ao mesmo tempo que explicitam a rigidez dos constrangimentos sob os
quais operava a classe dominante, dividida e incapaz de integrar as demandas sociais
como caminho para a paz nacional. Diante desta disjuntiva, o magonismo radicalizou
suas consignas, explicitando uma permeabilidade ideolgica que permitiu novas

905
Por sus cartas sabemos que Ricardo estaba enfermo la mayor parte del tiempo com catarros, de
reumatismo, de diabetis y quiz de tuberculosis. Nunca menciono que estuviera afectado del corazn
(causa atribuda no laudo mdico) se supona que estaba perfectamente sano. (...) Pero en la maana del
21 de noviembre, Librado Rivera vi el cadver de su querido camarada em uma Camilla del hospital y
observ la cara de Ricardo, hasta el cuello, estaba amoratada y que su expresin de angustia denotaba
que haba luchado com todas sus fuerzas antes de morir. Librado Rivera, que haba sido ayudante em el
hospital de la penitenciaria de Arizona, de pleno no creia que Ricardo hubiera muerto de um ataque al
corazn, pues crey haber visto unas huellas muy raras en su cuello. TURNER, Ethel Duffy. Ricardo
Flores Magn y el Partido Liberal Mexicano. Mxico: Comisin Editorial Nacional, 1984, p. 342. Outro
preso mexicano de nome Jos Martnez tampouco acreditou na verso do ataque cardaco: dias depois,
matou o chefe dos carcereiros acusado do crime com uma arma branca, e foi morto em seguida.
906
Enquanto esteve preso, declinou oferta do governo dos Estados Unidos para ser libertado mediante
uma confisso de arrependimento, ao mesmo tempo em que viu a justia negar sistematicamente qualquer
atenuante sua condio carcerria, apesar da piora dramtica do seu estado de sade. Recusou tambm
uma penso vitalcia oferecida pelo governo mexicano recm egresso da revoluo.
907
Flores Magn foi sepultado no Panteon Francs (cemitrio no sul da capital). Em 1937 o governo
Crdenas, principal responsvel pela reivindicao de Pancho Villa, iniciou gesto para trasladar seus
restos mortais para a Rotonda de los Hombres Ilustres, no Panten de Dolores.

274

respostas tericas ao movimento da conjuntura, de modo a revelar-se, ao mesmo tempo,
como virtude e debilidade poltica.
A resposta magonista prova revolucionria revelou uma fina sensibilidade para
a dinmica da luta de classes no Mxico. Na medida em que se evidenciou a
intransigncia social das classes dominantes e o potencial subversivo da luta no campo,
Flores Magn assumiu o desafio de fundamentar a revoluo anticapitalista em um pas
agrrio. Sua argumentao segue um duplo movimento: por um lado, valoriza a
tendncia anti-autoritria, que interpreta como instintiva aos homens; por outro lado,
reivindica o legado das instituies indgenas para a formao mexicana, identificando-
as com um passado comunista de potencial progressista.
A conseqncia deste movimento terico um rebaixamento do imperativo da
direo poltica em nome de uma valorizao da iniciativa instintiva das massas, em
oposio racionalidade poltica anteriormente afirmada por Flores Magn. Nessa
perspectiva, a funo da minoria consciente se dilui diante do espetculo irresistvel do
fluxo da ao humana liberado. Uma vez removidos os impedimentos histricos de
carter autoritrio, a natureza humana, boa e solidria, se impor
908
.
Na raiz do esvaziamento das mediaes entre natureza e histria est uma
correspondncia entre instinto e liberdade, plena de conseqncias polticas: a noo de
que a remoo dos entraves histricos conduz ao fluxo da natureza humana, prescinde
da centralizao do poder em qualquer modalidade, visto como contraditrio liberdade
natural, instintiva como a solidariedade
909
. Da a ausncia de uma teoria da transio, do
Estado, e de um trabalho de direo revolucionria
910
.

908
Esta convergncia entre natureza e histria que se explicita no curso da revoluo e conduz
subordinao do movimento ao, aponta para uma influncia positivista na viso de mundo magonista,
no sentido de uma tendncia a naturalizar as dinmicas sociais e os processos da histria em oposio a
uma abordagem dialtica destes fenmenos. Marx considerava a sociedade irracional e, por isso, errada,
enquanto continuasse a ser governada por leis objetivas inexorveis. Para ele o progresso equivalia
destruio destas leis, e isto seria um ato a ser consumado pelo homem no seu livre desenvolvimento. A
teoria positivista da sociedade seguia a tendncia oposta: as leis da sociedade recebiam progressivamente
a forma de leis objetivas naturais. Os homens so meros instrumentos diante das leis onipotentes do
progresso, e so incapazes de mudar ou dirigir seu curso. A divinizao do progresso em uma lei natural
independente foi completada pela filosofia positivista de Comte. MARCUSE, Herbert. Razo e
Revoluo. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978, p. 302. A marca do positivismo na formao de
Flores Magn enfatizada por Blanquel: Flores Magn se form pues en el positivismo, es decir, en el
cuerpo de ideas que adaptadas a la realidad mexicana, fuero en soporte de la cultura y tambin, en
buena parte, del quehacer social y poltico del Mxico porfiriano. BLANQUEL, Eduardo. Op. cit., p.
23. Evidentemente, o lder liberal no comunga do sentido poltico do pensamento positivista, situando-se
nas antpodas de qualquer apologia da ordem.
909
No manifesto de 23 de setembro de 1911, se escreve: Los habitantes de cada regin en que tal acto
de suprema justicia se lleva a cabo no tinen otra cosa que hacer que ponerse de acuerdo para que todos
los efectos que se hallen en las tiendas, almacenes, graneros, etctera, sean conducidos a un lugar de

275

Como resultado, medida em que o Partido Liberal derrotado militarmente ao
tempo em que a revoluo camponesa experimenta um ascenso fulminante, em lugar de
requalificar os desafios da vanguarda revolucionria, Flores Magn interpreta
positivamente as possibilidades da ao espontnea. Paradoxalmente, no momento em
que a revoluo ascende, o partido tem debilitadas suas possibilidades organizativas.
Isso se deve primordialmente derrota militar, mas reforado pela avaliao de que a
revoluo deve prescindir de chefes, o que, em nome da superestimao dos impulsos
revolucionrios, encolhe o terreno da ao poltica dirigida. Em uma palavra, a poltica
cede terreno para a natureza.
Do ponto de vista do pensamento histrico, este encolhimento da poltica tem
por conseqncia um acento na inexorabilidade da revoluo mundial. Ao enfatizar os
vnculos do processo mexicano com o movimento da histria universal, que estaria
destinado a superar o capitalismo, seu enfoque da revoluo passa a ter uma angulao
mundial, assentado em uma teleologia antes ausente, quando seus artigos estavam
rigorosamente enquadrados pelo dinamismo da conjuntura mexicana imediata. Ao
estreitamento do pensamento poltico corresponde um alargamento da teleologia
histrica.
Em suma, quando a revoluo detonada, observa-se um encolhimento do
espao e da necessidade de atuao poltica em nome de uma prevalncia das
determinaes da natureza: o instinto e a teleologia entram no lugar da vanguarda e do
partido. A conseqncia programtica a ausncia de um projeto nacional mediado pelo
Estado e a aposta no enfrentamento direto e localizado da propriedade privada: o
horizonte magonista o de uma federao supranacional de produtores solidrios. Seu

fcil acesso para todos, donde hombres y mujeres de buena voluntad practicarn un minuncioso
inventario de todo que se haya recogido, para calcular la duracin de esas existencias, teniendose en
cuenta las necesidades y el nmero de los habitantes que tienen que hacer uso de ellas, desde el momento
de la expropiacin hasta que en el camplo se levanten las primeras cosechas, y en las dems industrias
se produzcan los primeros efectos. MANIFIESTO del 23 de septiembre de 1911. Regeneracin, nmero
56, 23 set. 1911. Verso digital em CD-ROM.
910
Sin embargo, la problemtica del pensamiento anarquista se hace patente cuando se analiza la
conceptualizacin del trnsito desde la realidad sojuzgada del presente al futuro de libertad. Como este
futuro es un futuro de relaciones sociales sin ninguna institucionalizacin y sin autoridad, el anarquista
no puede pensar el trnsito al futuro en trminos mediatizados; entre el presente y el futuro hay un
abismo sin ningn puente institucional. HINKELAMMERT, Franz. Crtica de la razn utpica. 1984.
Disponvel em: <www. pensamientocritico.info.libros>. Acesso em: 26/6/2009. De outro lado, o
maderismo e os exrcitos sucessivos que combateram reivindicando o seu legado no sofreram essa
limitao, balizando a sua ao pelo mnimo denominador comum entre a reforma poltica e a conteno
da rebeldia popular, o que lhes permitiu concesses demaggicas e alianas esprias funcionais em nome
de um projeto de poder. A liderana de tipo caudilhesco se mostrou eficaz para gerar coeso poltica e
motivar a adeso popular.

276

projeto conjuga diretamente o local, que remete ao passado das tradies comunais
indgenas, com as tendncias anti-capitalistas do proletariado mundial: Flores Magn,
sin abandonar El siglo XIX, se incorporo de lleno en el siglo XX.
911

Ao abandonar o projeto nacional em nome de uma naturalizao do curso da
histria, ancorado em uma valorizao dos instintos populares desencadeados pela
revoluo, minimizando a importncia das tarefas organizativas e de direo, os
magonistas inadvertidamente reforaram a principal debilidade do campo popular na
revoluo: sua incapacidade de superar o regionalismo em nome de um projeto de
nao, em meio a uma guerra camponesa prolongada
912
.
Esta carncia se evidenciou de forma dramtica em dezembro de 1914, quando
o chamado Exrcito Constitucionalista liderado por Venustiano Carranza estava acuado
em Veracruz e o movimento popular atingiu seu pice, emblematicamente registrado na
fotografia de Pancho Villa sentado ao lado de Emiliano Zapata na cadeira presidencial.
O triunfo momentneo em armas, no entanto, no se traduziu na consumao da
reivindicao dos de baixo. Na raiz desse fracasso encontram-se a impossibilidade dos
zapatistas de avanarem para alm das comunas agrrias de Morelos, bem como a
incapacidade de Villa de superar uma viso regionalista, marcada pelo dio s
oligarquias, a resistncia centralizao e o desprezo pela democracia. Apesar das
limitaes militares que derrotariam a Divisin Del Norte no ano seguinte, do ponto de
vista poltico, as foras villistas e zapatistas se revelaram incapazes de articular uma
alternativa slida de poder nacional, e o governo estabelecido a partir da conveno de
Aguascalientes rapidamente naufragou. A ausncia no plano ideolgico de um projeto
nacional definido correspondeu em termos polticos incapacidade de constituir uma
alternativa de poder autnoma e vivel de alcance nacional
913
.

911
TORRES PARS. Op. cit., p. 173.
912
Na viso de Bartra, neste contexto o desafio enfrentado pelo PLM a partir de 1911 seria organizar y
dirigir el campesinato, no como um partido distinto sino como la fuerza mayoritaria del propio partido
proletrio... Ante una revolucin que no poda resolverse ms que como una guerra popular y
prolongada en el campo, la nica alternativa viable era del tipo de la que implant, muchos aos
despus, el Partido Comunista Chino. BARTRA. In: GILLY, op. cit. p. 107.
913
O Programa de reformas poltico-sociales de la revolucin aprobado por la soberana convencin
revolucionaria divulgado pelos zapatistas desde Morelos em 18 de abril de 1916 um notvel esforo
para responder a este desafio em um momento em que o campo popular j perdera a iniciativa
revolucionria. PROGRAMA de reformas poltico-sociales de la revolucin aprobado por la soberana
convencin revolucionaria. In: DAZ, op. cit., ps. 123-8.

277

O magonismo foi incapaz poltica e ideologicamente de contribuir para superar
esta lacuna. Por outro lado, a falta de rigidez terica
914
de um pensamento que advogava
a primazia da ao
915
favoreceu uma sensibilidade avessa a todo dogmatismo e atenta
aos movimentos da conjuntura, o que possibilitou a Flores Magn manter frente de
Regeneracin uma crtica vigorosa e lcida tanto antes quanto durante o processo
revolucionrio, denunciando as manobras contra-revolucionrias at a extino final do
peridico em 1918. Esta sensibilidade permitiu ao lder liberal reconhecer o
protagonismo campons no processo, apoi-lo entusiasticamente e ser com ele
derrotado.



914
Exemplo desta falta de rigor que pode conduzir superficialidade em um artigo de 1916: Estando la
tierra en poder le los trabajadores, quedan todas las industrias en poder de ellos. Los edificios son
construidos con materiales extrados de la tierra; las fbricas, los talleres, las fundiciones, pueden
funcionar nicamente por las materias que de la tierra se extraen o se la hacen producir; y si esto es as,
si la tierra produce todo lo que se necesita para la alimentacin del hombre, de los animales tiles y la
materia prima, para la industria, la posesin de la tierra debe ser el objetivo de todos nuestrs esfuerzos.
FLORES MAGN. In: Bartra. Op. cit., p. 380.
915
Isto em parte conseqncia de uma carreira dedicada agitao poltica e ao periodismo de combate,
que legou pouco tempo ao aprofundamento de questes tericas: a primazia da ao sobre a teoria foi
vivida na prtica. Assim, somente na ltima poca de Regeneracin que se observa um empenho
sistemtico em relacionar a conjuntura mexicana com a dinmica da histria mundial contempornea, o
que est vinculado com a evoluo da poltica magonista em direo ao enfrentamento anti-capitalista.
Tampouco verifica-se um esforo em deter-se sobre os problemas da histria mexicana, recortada
segundo uma perspectiva que v na ao do PLM a continuidade da gesta libertadora iniciada com a
independncia e prosseguida pela Reforma. A anlise histrica est sempre subordinada s exigncias da
poltica, que volta tona quando Flores Magn se depara com o desafio de justificar a revoluo no
atraso.








































COMPARAES

279


COMPARAES

Concluiremos esta tese baseada na metodologia da histria comparada
explorando as convergncias e as singularidades dos casos estudados, buscando
alternadamente referi-los a aspectos estruturais da histria latino-americana ou salientar
as especificidades nacionais que se evidenciam, como parte de um esforo terico
necessrio para pensar o problema da formao nacional no continente, tanto naquele
perodo como na atualidade. Seguindo o caminho sugerido por Marc Bloch, uma vez
descritas as curvas da evoluo de fenmenos que apresentam certas analogias entre si,
trataremos agora de: (...) encontrar as semelhanas e diferenas e na medida do
possvel, explicar umas e outras.
Inscritos no movimento histrico de afirmao do poder burgus nos marcos da
problemtica da formao nacional, os projetos polticos analisados neste trabalho
revelam diferentes caminhos por meio dos quais expressou-se a presso popular por
democratizao radical na Amrica Latina nos primrdios do imperialismo. A
identificao de um denominador comum, que justifica a comparao, no anula as
notveis diferenas observadas, em mltiplos nveis, a partir do contraste encetado. No
plano ideolgico, o pensamento de Mart revela uma densidade que o singulariza no
somente em relao aos demais autores analisados, mas na prpria histria do
pensamento latino-americano. Do ponto de vista poltico, subjacente ao reformismo de
Justo observa-se uma desconfiana em relao autonomia da classe trabalhadora que o
distancia de Mart e Magn, cuja estratgia poltica apoia-se objetivamente no
protagonismo popular, sem a mediao eleitoral que sujeitou a organizao argentina
cooptao. Nesta perspectiva, embora seja visvel que a democratizao social por que
pressionavam os socialistas argentinos foi frustrada, imprudente emitir um juzo
inequvoco sobre a sorte da organizao, uma vez que, expressando o ponto de vista do
seu partido, o prprio Justo jamais avaliou negativamente as consequncias da reforma
argentina, enquanto Magn percebeu com clareza a derrota do campo popular na
Revoluo Mexicana, e o desfecho da guerra da independncia cubana contrariou o
projeto esposado por Mart.
No obstante o notvel contraste entre a militncia revolucionria de Mart e Magn
com o reformismo moderado de Justo, entendemos que o Partido Socialista foi a
principal expresso poltica vinculada ao interesse dos trabalhadores argentinos naquele

280

momento histrico. Para os nossos objetivos, as discrepncias entre estas diferentes
expresses da poltica radical, referidas a um movimento histrico comum, enriquecem
o alcance da pesquisa, ao sugerir um quadro das referncias ideolgicas e polticas que
informavam as origens do pensamento e do ativismo radical no continente neste
contexto. Analogamente, as singularidades da conjuntura nacional enfrentada por cada
projeto, marcadas alternativamente pela revoluo, contrarrevoluo ou reforma,
revelam diferentes vias de afirmao do poder burgus na Amrica Latina, em que a
recorrncia de constrangimentos obstando a associao entre desenvolvimento
econmico e integrao social sugere a prevalncia de um padro de luta de classes
comum, que inviabiliza a formao da nao sob a gide burguesa. No conjunto, a
anlise comparativa dos casos enfocados sugere as balizas histricas que referenciavam,
nos termos de Lukcs, a mxima conscincia possvel no campo da militncia
democrtica na totalidade histrica em que estavam inscritos.
Em consonncia com o movimento da tese realizado quando apreciamos
individualmente os casos selecionados, a concluso partir da dimenso ideolgica do
problema da formao expressa no pensamento dos militantes, para, ento, analisar os
projetos polticos que defenderam e os respectivos desfechos. No primeiro tpico,
identificaremos o substrato ideolgico comum viso da formao avanada pelos
autores, para depois explorar a diversidade de seus pensamentos e o alcance do seu
legado. No segundo tpico, realizaremos o percurso inverso, partindo da especificidade
de cada estratgia poltica para constatarmos a recorrncia de um padro de luta de
classes, no qual o carter da burguesia e as limitaes para a autonomia da classe
trabalhadora colocam a formao da nao no continente diante de um impasse desde os
primrdios do imperialismo.
Assumindo-se que o desenlace histrico no alterou substantivamente as
relaes de privilgio de classe e o padro de insero econmica no mercado mundial,
a dinmica das trs situaes enfocadas indica nexos indissociveis entre revoluo
democrtica e revoluo nacional no continente. A perpetuao dos vnculos de origem
colonial sob a gide do desenvolvimento capitalista, conseqncia do desfecho dos
processos analisados, reatualiza o dilema da formao nacional sob o imperialismo,
aguando as contradies inerentes ao movimento histrico analisado por Caio Prado

281

Jr
916
. Do ponto de vista da luta de classes, a frustrao destes projetos nacionais
pioneiros, baseados em uma aliana de classes sob a hegemonia burguesa, sugere a
afirmao do capitalismo dependente como via da revoluo burguesa na Amrica
Latina, segundo o referencial analtico de Florestan Fernandes
917
. Nesta perspectiva, a
trajetria dos projetos polticos abordados ilumina a profundidade histrica e a rigidez
dos constrangimentos de classe que bloqueiam a concluso da formao da nao sob o
imperialismo. Vislumbra-se um dilema originrio, em que os impasses experienciados
pela via democrtica nacional evidenciam limites objetivos e subjetivos para conciliar
desenvolvimento, democracia e soberania nos marcos da hegemonia burguesa.


1. VISES DA FORMAO

O contraste entre a viso da formao dos autores revela projetos que partilham
de uma orientao poltica e um substrato ideolgico similares, referenciados no
movimento da histria latino-americana em que esto inscritos, cuja especificidade
remete expresso nacional do dilema que vivenciaram. Confrontados com o impacto
do imperialismo sobre realidades marcadas pelo legado colonial, a natureza singular da
formao americana impe aos militantes o desafio de discernir entre os aspectos
comuns e as particularidades do desenvolvimento nacional em relao ao padro
civilizatrio dos pases centrais, em uma circunstncia na qual fatores objetivos e
subjetivos obstam esta diferenciao. Partindo deste patamar ideolgico comum, a
especificidade da conjuntura, da formao socioeconmica e das referncias intelectuais

916
Caio Prado Jr. enuncia o problema em uma referncia realidade brasileira que pode ser estendida aos
casos estudados: Em primeiro lugar, o imperialismo atua como um poderoso fator de explorao da
riqueza nacional; no outro seu objetivo que acaparar em proveito prprio a mais-valia do trabalho
brasileiro a seu alcance. Nisto ele age como qualquer outra forma de capital, e no tem a nada de
particularmente interessante. Mas o que o distingue que tal explorao no se faz em benefcio de uma
classe brasileira, uma burguesia indgena (a no ser gurpos insignificantes ligados ao capital financeiro, e
to internacionais quanto ele), mas de classes e interesses completamente estranhos ao pas. Isto muito
importante, porque neste processo no apenas a classe trabalhadora que se desfalca, mas o pas em
conjunto que v escoar para fora de suas fronteiras a melhor parcela de suas riquezas e recursos. As
contradies da explorao capitalista tomam assim carter muito mais agudo e extremo. PRADO JR.
Caio. Histria Econmica do Brasil. 10 ed. So Paulo: Brasiliense, 1967, p. 278-9.
917
Desse ngulo, a reduo do campo de atuao histrica da burguesia exprime uma realidade
especfica, a partir da qual a dominao burguesa aparece como conexo histrica no da revoluo
nacional e democrtica, mas do capitalismo dependente e do tipo de transformao capitalista que ele
supe. Ao fechar o espao poltico aberto mudana social construtiva, a burguesia garante-se o nico
caminho que permite conciliar a sua existncia e florescimento com a continuidade e expanso do
capitalismo dependente. FERNANDES, Florestan. Capitalismo dependente e classes sociais na Amrica
Latina. Rio de Janeiro: Zahar, 1975, p. 214.

282

conformar abordagens contrastantes do problema, em que o ngulo particular adotado
por cada autor repercutir na universalidade do seu pensamento e na incidncia
posterior do seu legado.
a) FUNDAMENTO COMUM: INDIFERENCIAO IDEOLGICA

i. Natureza humana e histria
O fundamento ideolgico comum dos pensadores analisados a premissa
humanista de que o sentido da histria a realizao de uma natureza humana, o que
aponta para uma convergncia entre natureza e histria. Em Mart, o sentido da histria
a afirmao do hombre natural, em uma abordagem na qual processo histrico e
individuao do sujeito aparecem entrelaados. Em Justo, a formulao de uma base
biolgica da histria evidencia uma indissociao analtica que resultar na percepo
de uma contradio entre capitalismo e natureza. Em Magn, a confluncia entre
natureza humana e liberdade ser o eixo de uma viso segundo a qual a tirania e depois
a propriedade privada obstruem a um tempo a realizao do homem e a evoluo da
histria.
Assim, a noo do hombre natural, a base biolgica da histria e a liberdade
econmica articulam para cada autor uma interpretao da histria a uma concepo de
homem, movimento que faculta uma relativa naturalizao da histria s expensas da
poltica. Esta brecha se evidencia quando Mart revela uma crena de matiz espiritual na
virtude da histria em detrimento das suas contradies objetivas; Justo absolutiza a
razo, substituindo os condicionantes de classe por universais humanistas; e Magn
imediatiza os processos histricos e sociais, idealizando o potencial da espontaneidade
revolucionria.
Do ponto de vista poltico, a convergncia entre natureza humana e sentido da
histria esvazia o problema da ideologia, vinculando a ao poltica primordialmente
natureza humana e no a interesses de classe. Nesta perspectiva, o caminho da
sensibilizao militante passar pela reconexo com a natureza humana obstruda por
uma situao de opresso: uma tarefa fundamentalmente tica em Mart, pedaggica em
Justo e iluminista em Magn. Nos trs casos, a referncia do processo de formao do
ator da transformao social no o dinamismo da luta de classes mas o humanismo
universal, e a formao da conscincia crtica entendida como um processo de sintonia
natural e imediata com o humano. O desafio desobstruir a conexo do ator social com

283

a natureza humana, liberando o curso para a evoluo da histria: viabilizar o fluxo
natural da essncia humana em Mart, a realizao orgnica elementar em Justo e o
exerccio da liberdade e da solidariedade em Magn. Coerentemente, a unidade social
do processo emancipatrio o indivduo em Mart e em Magn, e, ainda que Justo
maneje as classes sociais como categorias, a diluio de todo antagonismo operada por
seu humanismo remete ao oposto da individualidade, que o homem como espcie.
Em ltima anlise, a convergncia entre natureza e histria expressa-se como
uma tendncia a aceitar os fenmenos na sua evidncia aparente e uma propenso
poltica a conceber os processos sociais e histricos como imediatos. Como decorrncia,
nenhum dos autores operou uma crtica penetrante das contradies do capitalismo, nem
abordou o Estado ou a transio revolucionria como problema poltico. Se assumirmos
que a mediao entre histria e natureza, no plano totalizante do modo de produo,
feita pela economia, este trao ideolgico remete ao incipiente desenvolvimento das
relaes de produo capitalistas nas sociedades analisadas, o que inibiu a diferenciao
da esfera econmica, limitando a evidenciao dos problemas colocados pela afirmao
do capitalismo. Neste contexto, a matriz ideolgica que conforma o pensamento dos
autores revela-se oposta noo da prxis aceita pelo materialismo histrico, que
entende a histria como um processo ilimitado de dupla transformao das relaes do
homem com o meio, que forja a sua prpria natureza
918
.

ii. Formao e totalidade
Alm dos limites impostos pelo desenvolvimento capitalista incipiente, a prpria
natureza da problemtica da formao implica um obstculo ideolgico suplementar
percepo da especificidade da Amrica Latina, uma vez que o pensamento dos autores
est inscrito em um processo histrico de diferenciao entre o passado colonial,
quando a colnia ainda formava uma unidade com a metrpole, e a consumao da
nao, dotada de relativa autonomia poltica, cultural e econmica. Um olhar
retrospectivo sugere uma progressiva evidenciao das dimenses poltica, cultural,
social e econmica da questo nacional. Nas guerras de independncia desencadeadas


918
Segundo esta perspectiva, no existiria uma essncia humana imanente, mas a sua natureza prtica e
histrica, como ser que se produz socialmente, que a define. esta conscincia da produo e da
autoproduo como caractersticas constitutivas da natureza humana que est na raiz da unidade entre
teoria e prtica que fundamenta a problemtica da formao da conscincia de classe e da superao do
capitalismo do ponto de vista do materialismo histrico. SNCHEZ VZQUEZ, Adolfo. Filosofia da
prxis. So Paulo: Clacso e Expresso Popular, 2007.

284

durante a crise do antigo sistema colonial, a soberania percebida sobretudo como um
problema poltico, que envolve uma dimenso cultural quando Bolvar defende
instituies adequadas realidade continental. A necessidade de consumar a unidade
nacional salienta uma dimenso cultural do problema atravs do sculo XIX, na medida
em que a construo das nacionalidades enseja a afirmao de referncias culturais e
histricas prprias, convergentes com o processo de consolidao do Estado nacional
919
.
Os autores analisados neste trabalho situam-se na passagem entre uma percepo
poltica e cultural da especificidade continental e a apreenso dos dinamismos sociais e
econmicos que conformam uma realidade prpria, na qual a aspirao por soberania e
integrao nacional ope-se ao movimento do imperialismo. Neste contexto, afloram
projetos de democratizao radical das sociedades americanas, mas a indiferenciao da
esfera econmica somada natureza contraditria da problemtica da formao inibe a
apreenso dos nexos entre as esferas da existncia e sua relao com o capital
internacional. Como decorrncia, a autodeterminao econmica no percebida como
uma dimenso fundamental do problema da integrao nacional e a formao da nao
emerge como uma questo poltica (associada soberania em Mart, democracia
eleitoral em Justo e ao restabelecimento das liberdades polticas em Magn), cultural
(relacionada respectivamente autoctonia, democratizao do ensino, separao
entre Estado e igreja e reivindicao do legado indgena) e social (integrao da
populao por meio do trabalho). No obstante, a leitura que os autores fazem do
capitalismo e a percepo sobre o imperialismo conformaro a ideologia subjacente a
seus projetos nacionais, determinando o modo como enfocam o problema do controle
sobre o ritmo e o tempo da inovao social.
Ao fundamentar sua crtica da modernidade ocidental em pressupostos
humanistas referidos particularidade cultural dos processos histricos, Mart
estabeleceu as premissas para vislumbrar a Amrica Latina como uma totalidade, ao
mesmo tempo em que dissociou o rechao a uma sociabilidade marcada pela luta de
classes, dos dinamismos socioeconmicos da reproduo capitalista. Assim, sua aguda
percepo do expansionismo estadunidense, como expresso do imperialismo, o leva a

919
A respeito da progressiva diferenciao das esferas poltica, cultural, social e econmica atravs de um
processo histrico que evidenciou a especificidade da formao latino-americana, consultar:
FERNNDEZ RETAMAR, Roberto. Pensamiento de Nuestra Amrica. Buenos Aires: Clacso, 2005;
Javier Pinedo, op. cit.; ZEA, Leopoldo. El pensamiento latinoamericano. Barcelona: Ariel, 1976. Idem.
(compilador). Fuentes de la cultura latinoamericana. FCE, Mxico, 1995, 3 volumes.

285

defender a unidade continental como condio para estabelecer um padro civilizatrio
autorreferido, sem problematizar imediatamente o capitalismo como modo de produo.
Embora oriente a sua interpretao da histria na direo da superao do
capitalismo, Juan B. Justo no observa contradies fundamentais que pressionem por
um caminho revolucionrio, mas, ao contrrio, aposta na prevalncia dos dinamismos
polticos e econmicos conducentes ao estabelecimento gradual da livre cooperao.
Nas antpodas de Mart, o socialista argentino combina uma crtica ao privilgio
inerente classificao capitalista com uma viso entusistica do potencial civilizatrio
associado ao desenvolvimento das foras produtivas, que o leva a identificar o
progresso americano com a diluio da sua especificidade histrica, diante do
movimento irresistvel de propagao de uma cultura superior. Nesta perspectiva, a
autodeterminao no problematizada, eludindo a percepo crtica do imperialismo e
da nao como problema.
Flores Magn costurou uma percepo das contradies sociais do capitalismo
conscincia de diversos aspectos da subordinao mexicana em relao aos Estados
Unidos em um projeto de integrao nacional assentado na articulao entre
democratizao e soberania. A implacvel perseguio poltica que sofreu apurou sua
sensibilidade para o padro de luta de classes mexicano, ao mesmo tempo em que
provocou a constatao imediata da solidariedade internacional de classe em ambos os
polos do conflito social, resultando em uma progressiva radicalizao do seu iderio.
Apesar de observar os riscos do expansionismo ianque para a soberania mexicana, sua
crtica no aborda os mecanismos do imperialismo que reforam os nexos entre
dependncia e assimetria. Durante a revoluo, direcionar sua denncia basicamente a
prevenir uma invaso militar estadunidense, enquanto a dimenso socioeconmica da
autodeterminao ser pulverizada na utopia da livre associao.
Nos trs casos enfocados, uma relativa indiferenciao das esferas da existncia
marca as condies de produo do pensamento, limitando as possibilidades de anlise
poltica do econmico, que permitiriam articular os problemas nacionais ao movimento
do capital internacional como uma totalidade. Como consequncia, o foco dos autores
abordados oscila entre a especificidade latino-americana no plano da histria ocidental
e o seu denominador comum, o desenvolvimento capitalista mundial: Mart salienta a
singularidade cultural do continente; Justo acentua a tendncia integrao econmica
mundial; e Magn denuncia as contradies de classe, no Mxico como nos Estados

286

Unidos. Esta sobreposio entre o especfico e o comum um indcio do processo
simultneo de articulao e diferenciao do capitalismo em sua modalidade dependente
na Amrica Latina naquele perodo.


b) ESPECIFICIDADE: ORIGENS DO PENSAMENTO RADICAL

i. Morfologia da formao
Os projetos polticos enfocados neste trabalho orientam-se na direo da
formao nacional, nos marcos de uma aliana de classes fundada na integrao do
conjunto da populao atravs do trabalho. Partindo de realidades distintas mas
marcadas pela persistncia do legado colonial, a singularidade da incorporao de cada
pas aos fluxos do mercado mundial no imperialismo condicionou a estratgia poltica e
marcar o ngulo da reflexo de cada autor. vidos leitores que viveram no exterior,
voluntariamente ou no, os trs militantes partem de uma tradio poltica endgena que
conjugam com fontes do pensamento universal para elaborar projetos de
democratizao radical referenciados em uma leitura do sentido da histria mundial.
Jos Mart conjuga a tradio filosfica cubana de matriz crist com a filosofia
transcendentalista de Emerson para construir um pensamento poltico de expresso tica
fundado na autoctonia, projetando em Nuestra Amrica o desgnio de uma modernidade
alternativa ocidental. A conscincia da vulnerabilidade cubana encaminha a reflexo
martiana rumo a uma totalidade maior, inscrevendo a luta antilhana no dilema da
Amrica Latina diante do imperialismo. O ensejo de fundamentar a unidade cubana e
continental em uma circunstncia de precrios nexos econmicos e polticos desloca a
sua reflexo para o plano da cultura, no qual o pensador cubano busca as razes de uma
identidade que se projeta em uma utopia humanista de contedo universal.
Juan B. Justo combina aspectos do pensamento sarmentino com um slido
conhecimento do socialismo europeu para costurar uma leitura da histria de matiz
evolucionista e pretenso cientfica, fonte de um projeto poltico que visa a engatar o
vago argentino na locomotiva da histria ocidental, que caminha para a realizao
socialista. A iluso do progresso na Argentina em que viveu induz a uma aposta no
desenvolvimento tcnico e econmico como um processo destinado a diluir o
antagonismo de classe e a promover a integrao das naes sob a gide da livre

287

cooperao. Em uma circunstncia em que o crescimento econmico opera
transformaes velozes no pas, a democratizao social se afigura como consequncia
de um processo racional de integrao na economia mundial e progressiva participao
poltica popular.
Ricardo Flores Magn parte do legado ideolgico do liberalismo mexicano do
sculo XIX para incorporar progressivamente a temtica social agenda liberal,
produzindo um iderio poltico orientado integrao nacional como passo para utopias
futuras. Em uma circunstncia em que a modernizao porfirista aguou as contradies
sociais e a represso poltica bloqueou a contestao dentro da ordem, os magonistas
alargaram o contedo da noo de liberdade para incluir sua dimenso econmica,
refletida em um discurso crescentemente informado pela linguagem da luta de classes.
A represso no exlio e o contato com o movimento operrio estadunidense ampliaram a
conscincia de classe magonista, dotando-a de uma perspectiva internacionalista
explicitada ao longo da Revoluo Mexicana.
Contrastando o ngulo pelo qual os autores encaram os problemas nacionais,
constatamos que a concretude da ameaa soberania cubana sensibilizou Mart para a
dimenso cultural do dilema americano, em um contexto de precria unidade econmica
e poltica; na Argentina, as possibilidades de integrao facultadas pelo crescimento
econmico ensejaram um enfoque poltico da democratizao social alicerado em uma
f no desenvolvimento da civilizao ocidental; no Mxico, a presso sobre as formas
tradicionais de vida e a intolerncia com a reivindicao poltica explicitaram as
contradies sociais da modernizao em curso, no pas de maior tradio de levante
popular no continente. Em sntese, no plano ideolgico os problemas nacionais se
expressam primeiramente atravs da cultura em Mart; da poltica em Justo; das
contradies sociais em Magn. Observado no seu conjunto, o leque de suas
preocupaes compe uma morfologia dos temas culturais, polticos e sociais que
informaro a reflexo sobre os dilemas do continente, articulados a partir da esfera
econmica por esforos posteriores referidos problemtica da formao nacional.

ii. Horizonte civilizatrio
Atuando e produzindo no perodo anterior consolidao da III Internacional, o
contraste entre as fontes ideolgicas dos projetos analisados evidencia um ecletismo na
busca de referenciais tericos, s vezes contraditrios entre si. Mart inspira-se em uma

288

filosofia transcendentalista e na tradio de pensamento nacional de raiz crist,
enquanto Justo e Magn, que maturam politicamente alguns anos mais tarde, apoiam-se
em correntes europeias materialistas e no legado poltico endgeno de corte anticlerical.
Por outro lado, enquanto a chave da poltica martiana a autoctonia e o liberal
mexicano reivindica o potencial comunista do legado nativo, o socialista argentino
identifica o aborgene com a barbrie, pregando uma adeso irrestrita aos valores da
civilizao ocidental. O desprezo de Justo pelo potencial civilizatrio americano
contrasta com a defesa mexicana realizada por Magn no curso da revoluo e a f
martiana no potencial humanista da cultura americana. Esta postura de Justo est
lastreada na falta de uma percepo crtica do imperialismo, preocupao fundamental
na poltica dos lderes cubano e mexicano.
O ideal civilizatrio incide na leitura do movimento histrico subjacente aos
projetos enfocados. Enquanto a referncia precpua autoctonia projeta um horizonte
civilizatrio prprio e original em Mart, a f no ocidente aponta para um padro de
desenvolvimento histrico a ser almejado pelo socialismo argentino. No caso de Magn,
a primazia da poltica cede terreno para a teleologia somente quando a derrota militar
dos liberais resulta em uma aposta na espontaneidade revolucionria. O horizonte
utpico diverso dos projetos expressa a sua referncia civilizatria ao mesmo tempo em
que testemunha a pluralidade de matrizes ideolgicas que os inspira: Nuestra Amrica
como uma proposta de modernidade alternativa em Mart, a livre cooperao no
socialismo em Justo, e uma federao de livres produtores em Magn.
Do ponto de vista do temperamento ideolgico, o esforo intelectual que embasa
a reflexo de Justo se traduziu em uma inflexibilidade ideolgica que contrasta com a
permeabilidade conjuntura caracterstica de Flores Magn, em que o pensamento
subordinou-se visivelmente s exigncias da prtica. Em Mart, um esprito aberto
conjugou influncias eclticas para realizar uma densa reflexo original, que, uma vez
maturada, sustentou um trabalho poltico obstinado pela causa. A relao que os
pensadores tiveram com o materialismo histrico ilumina, de outro ngulo, sua verve
intelectual. Enquanto Mart recusou o socialismo como uma doutrina referenciada em
uma realidade exgena, Justo defendeu ardorosamente sua validade para a circunstncia
argentina mas rechaou o mtodo dialtico, postura coerente com a prtica reformista
que adotou. J Magn passou ao largo do problema de uma adeso terica, embora
demonstre simpatia poltica por Marx, assim como os demais.

289



iii. Legado
Assim como alimentaram-se das tradies de pensamento endgeno, o legado
poltico e ideolgico dos autores analisados fecundou a militncia futura em seus pases
e, em alguns casos, projetou-se atravs do continente. Embora a vitalidade desta herana
esteja associada a desdobramentos histricos que escapam influncia direta dos seus
protagonistas, possvel apontar conexes que evidenciam seu papel precursor de
correntes da poltica e do pensamento radical na Amrica Latina, salientando o carter
renovador destas trajetrias em relao s referncias nativas que os inspiraram.
Endereando conjunturas especficas e submetidos a influncias intelectuais
contrastantes, o ngulo particular atravs do qual abordaram os dilemas do seu tempo
diferenciou a repercusso posterior do seu legado.
Ao enfrentar simultaneamente o colonialismo espanhol e o expansionismo
estadunidense, Mart projetou a formao cubana nos marcos do dilema latino-
americano sob o imperialismo. A frustrao do processo emancipatrio naquele
contexto perpetuou a vigncia do seu iderio nacional, inspirando sucessivas geraes
de militantes na ilha. Reconhecido por Fidel Castro como o autor intelectual do assalto
ao quartel Moncada em 1953, Mart uma referncia nuclear para a Revoluo Cubana
triunfante em 1959, desde a constituio do Movimiento 26 de Julio at os dias de hoje.
O alcance crtico da reflexo de Juan B. Justo limitado pela fora do mito do
crescimento econmico na Argentina contempornea, que, alimentado por uma f no
desenvolvimento das foras produtivas mundiais, obscureceu os nexos entre
imperialismo e padro de luta de classes, conduzindo a um eclipse da nao como
problema histrico. A pretenso cientfica do socialismo argentino embotou sua
reflexo de uma rigidez impermevel evoluo da conjuntura nacional e internacional.
No obstante, o pioneirismo poltico e a estatura intelectual de Justo estabeleceram a
marca fundadora de uma das tradies socialistas mais slidas do continente.
Por outro lado, a permeabilidade aos influxos da luta social marcou a evoluo
do pensamento de Ricardo Flores Magn, evidenciando ao mesmo tempo sua fora e
sua debilidade: o lder mexicano foi capaz de uma penetrante leitura da conjuntura que
se radicalizava, mas as respostas polticas que avanou estiveram marcadas por uma
ausncia de mediaes que revelou-se impotente para enderear o problema da

290

centralizao do poder, ncleo da vulnerabilidade do campo popular na revoluo. A
despeito do empenho em integrar sua imagem a uma verso da histria afirmada pelo
Estado ps-revolucionrio, o legado magonista reivindicado at os dias de hoje por
atores polticos identificados com os setores derrotados na Revoluo Mexicana como
o EZLN (Ejrcito Zapatista de Liberacin Nacional) , transcendendo a esfera dos
crculos anarquistas. Em sua circunstncia imediata, o magonismo influenciou
diretamente Augusto Cesar Sandino (1895-1934) durante sua estadia mexicana nos
anos 1920, incorporado como referncia fundamental ao seu pensamento, juntamente
com a teosofia
920
.
Dentre os autores analisados neste trabalho, a projeo transcendente do legado
de Jos Mart enseja um detalhamento da singularidade do seu pensamento. Embora o
triunfo da Revoluo Cubana de 1959 proporcione um estmulo suplementar
divulgao da sua obra, a originalidade e a densidade dos temas abordados que
lastreiam a sua relevncia at os dias de hoje. Ao voltar-se para a autoctonia como
contraponto necessrio a uma crtica do padro civilizatrio ocidental, Mart buscou no
passado colonial o ponto de partida de uma reflexo sobre a identidade continental, que
o conduziu a uma valorizao pioneira do potencial poltico e humanstico da formao
da Amrica Latina. A centralidade do legado colonial o diferencia dos demais autores
enfocados neste trabalho, mas a elevao radical do estatuto civilizatrio da cultura
americana que torna sua reflexo original no contexto continental. Ao combinar a
reivindicao da autoctonia como via para a soberania nos marcos de um horizonte
civilizatrio inovador diante do imperialismo, com a espiritualidade peculiar que
informa o seu compromisso militante, Mart conjugou um elenco de temas nucleares
para a poltica radical latino-americana no sculo que se abria: autoctonia e civilizao,
anti-imperialismo e unidade continental, humanismo e anticapitalismo, mstica e
revoluo. Consideradas a amplitude do seu escopo e a profundidade da sua reflexo,
possvel identificar pontos de contato, diretos ou no, com uma diversidade de correntes
ideolgicas e polticas no campo democrtico, o que justifica o seu lugar como
referncia central do pensamento latino-americano desde ento
921
.

920
HODGES, Donald C. Intellectual Foundations of the Nicaraguan Revolution. Austin: University of
Texas Press, 1986.
921
Citaremos dois exemplos de influncia direta: combinando o amor como mvel revolucionrio a uma
postura estica de autossuperao e entrega causa, Che Guevara reconhece os pontos de contato da sua
tica militante com Mart, de quem toma uma frase que, no seu entender, deve sintetizar o esprito dos
revolucionrios: Todo hombre verdadero debe sentir en la mejilla el golpe dado a cualquier mejilla de
hombre. GUEVARA, op. cit, p. 74. As indagaes em torno existncia de uma filosofia latino-

291


2. CAMINHOS PARA A FORMAO NACIONAL

Partindo do desgnio comum de democratizar as sociedades nas quais esto
inseridos, os projetos nacionais analisados revelam uma diversidade ideolgica e
estratgica condizente com a especificidade dos contextos histricos a que se referem,
cuja eficcia atestada pelo xito em incidir no desencadeamento dos processos que
objetivaram. A frustrao do seu potencial democrtico indica que, para alm da
especificidade terica e poltica de cada proposta e contexto, os projetos em tela no
encontraram bases objetivas para afirmarem-se plenamente, prevalecendo um padro de
luta de classes em que o comprometimento da burguesia com a reproduo do privilgio
e da dependncia determina uma racionalidade poltica orientada a prevenir a integrao
dos trabalhadores, bloqueando a consumao da nao pela via burguesa desde os
primrdios da sua constituio como classe no continente.


a) ESPECIFICIDADE: ESTRATGIA
A estratgia poltica dos militantes enfocados remete especificidade do desafio
histrico colocado pela formao social e econmica a que esto referidos: em Cuba, o
imperativo da soberania subordina as contradies de classe, colocando a revoluo
nacional como horizonte imediato; na Argentina, onde a integrao econmica com o
mercado mundial produz uma dinmica favorvel mobilidade social, a reforma
poltica vislumbrada como um caminho para a democratizao social; no Mxico, a
convergncia entre os desafios de liberdade poltica, integrao democrtica e soberania
aponta a revoluo social como via para a nao.

americana, como aspecto do problema maior da possibilidade de uma cultura latino-americana no
capitalismo dependente, estimuladas de forma incisiva a partir da obra de Leopoldo Zea, tomam Jos
Mart como referncia imediata. ZEA. Leopoldo. America en la histria. Madrid: Castilla, 1957; A
filosofia americana como filosofia. So Paulo: Pensieri, 1995. O pensamento de Mart tambm revela
uma afinidade temtica com autores e projetos polticos que no o tomam como referncia. Por exemplo,
a necessidade de superar o mimetismo cultural que caracteriza a herana colonial estabelecendo as bases
para um padro de desenvolvimento referido a uma realidade prpria, reaparece de forma independente
na obra de Celso Furtado, e nas recentes constituies da Bolvia (2007) e do Equador (2008), que
projetam um horizonte civilizatrio alternativo assentado na afirmao de valores indgenas antagnicos
sociabilidade capitalista, sintetizados na noo do Sumak Kawsay. Cf.: FURTADO, Celso. O mito do
desenvolvimento econmico. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974. DVALOS, Pablo. Reflexiones
sobre el sumak kawsay (el buen vivir) y las teoras del desarrollo. 2008. Disponvel em:
<http://alainet.org/active/25617&lang=es> Acesso em: 18 ago. 2010.


292

Este contraste entre os caminhos projetados no deve sugerir uma equidistncia
poltica, uma vez que a adoo da via revolucionria por Mart e Magn sinaliza
distines significativas em relao a Justo. Vista do ngulo da estratgia poltica, o
outro lado da impotncia civilizatria americana assumida pelo socialista argentino,
referida a uma obliterao do imperialismo na sua problemtica, uma dubiedade em
relao autonomia da classe trabalhadora, que o conduz a entrever mltiplas
mediaes no processo de mudana social (a educao tcnico-econmica atravs do
cooperativismo; a aprendizagem poltica atravs do parlamento e da gesto do Estado),
enquanto no iderio de Mart e Magn a revoluo deve ser, imediatamente,
protagonizada pelo povo. Assim, a via reformista avanada por Justo, no pas onde a
classe operria encontrava-se mais desenvolvida, est fundada em um desprezo pelo
potencial histrico do continente, uma desconsiderao do fenmeno imperialista e uma
desconfiana em relao classe trabalhadora, que o distanciam da poltica
revolucionria esposada por Mart e Magn.
A radicalidade da estratgia adotada pelas organizaes fundadas nos contextos
analisados, determinou a resposta poltica do Estado a que opuseram-se. A
intransigncia revolucionria do PRC em Cuba e do PLM no Mxico desencadeou uma
perseguio implacvel aos seus militantes, condenados priso, ao exlio, e muitas
vezes morte, enquanto a permeabilidade do socialismo argentino institucionalidade
vigente sujeitou-o cooptao, tolerado como oposio moderada no parlamento
nacional. A relao das organizaes com os processos histricos em que se envolveram
ilustrada pela constatao de que apenas o Partido Socialista integrou-se ordem
resultante das mudanas por que pressionou, sobrevivendo ao seu fundador, enquanto o
Partido Revolucionario Cubano e o Partido Liberal Mexicano extinguiram-se com a
derrota de seus respectivos projetos, na guerra da independncia cubana e na Revoluco
Mexicana.


b) FUNDAMENTO COMUM: PADRO DE LUTA DE CLASSES

i. Conteno democrtica
Enquadrados do ngulo da formao nacional, os projetos polticos analisados
neste trabalho frustraram-se no seu propsito original de democratizao social.

293

Orientados pela preocupao comum de estabelecer um relativo equilbrio entre as
classes, assentando as bases de uma nao socialmente integrada, economicamente
moderna e politicamente democrtica, nos trs casos, o contedo democrtico dos
processos desencadeados foi bloqueado: a independncia cubana se deu nos marcos de
uma dominao neocolonial; a reforma argentina restringiu-se dimenso eleitoral; e a
conteno da Revoluo Mexicana freou a democratizao social. Embora as
respectivas sociedades tenham mudado atravs destes processos, observa-se uma
tendncia comum a delimitar o alcance da transformao esfera poltica, indicando
que, entre uma incipiente classe operria e uma burguesia avessa integrao nacional,
os projetos no encontraram base social para afirmarem-se plenamente.
No caso cubano, o desafio da emancipao colonial agravado pela ascenso
estadunidense ensejou uma aliana de classe em torno do objetivo primordial da
independncia. Sua estratgia estava balizada, de um lado, no legado da Guerra dos Dez
Anos, que gerou condies favorveis para superar as travas objetivas e subjetivas
integrao nacional legadas pela escravido, e, de outro, pelo risco que a progressiva
penetrao do capital estadunidense representava para a soberania da ilha. Detonada a
guerra, as hesitaes do Consejo de Gobierno em chancelar a radicalizao democrtica
ensaiada pelo exrcito revolucionrio nos campos de batalha abriu a brecha para os
setores antipopulares conspirarem no exlio por uma soluo mediada pela interveno
contrarrevolucionria do exrcito dos Estados Unidos.
Na Argentina, o extraordinrio crescimento econmico motivado pela integrao
do territrio aos fluxos do mercado mundial aguou as contradies da poltica criolla,
colocando no horizonte a luta por uma dilatao democrtica dentro da ordem. A
estratgia socialista estava referenciada, de um lado, na relativa mobilidade social
lastreada na expanso econmica que propiciava avanos da organizao popular e, de
outro, no mito do crescimento econmico, que obliterava o fenmeno do imperialismo
favorecendo solues conciliatrias fora do esquadro nacional, orientadas integrao
no mercado mundial e reforma social. Quando a Lei Saenz Pea apoiada por Juan B.
Justo conduziu ao triunfo eleitoral dos radicais, consumou-se o carter socialmente
conservador do processo reformista, que envolveu os prprios socialistas como
coadjuvantes da disputa parlamentar.
No Mxico, a oposio ao Porfiriato estimulou uma aliana de classe voltada
para a derrubada de um regime que no deixava espao para a contestao dentro da

294

ordem. A estratgia magonista esteve condicionada, de um lado, pelo escasso acmulo
organizativo dos trabalhadores mexicanos e, de outro, pela necessidade de integrar as
reformas sociais luta pela liberdade poltica. Quando eclodiu a revoluo, o empenho
das tropas maderistas em reprimir os setores identificados com as demandas populares
rompeu qualquer possibilidade de entendimento com os magonistas, sinalizando um
padro de conteno das foras democrticas que prevaleceria at o final do confronto.
Contrastando os trs processos, observamos que a expanso do capital
monopolista desencadeou transformaes que exigiram mudanas nos padres de
dominao de classe, pressionadas por uma difuso das relaes mercantis que
impulsionou um novo patamar de organizao e reivindicao popular. Neste contexto,
emergiram projetos pioneiros de integrao nacional alicerados no protagonismo dos
trabalhadores, encampados por partidos que incidiram nas respectivas conjunturas
objetivando dotar os processos em curso de um sentido democratizador. Para alm das
especificidades de cada pas, as situaes enfocadas revelam uma dinmica recorrente,
na qual a ciso no padro de dominao das classes dominantes favorece uma aliana
conjuntural entre setores da burguesia, que pressionavam por mudanas, e as aspiraes
populares, em funo de objetivos comuns: a independncia cubana, a superao da
poltica criolla e o fim do Porfiriato. No entanto, a realizao destes propsitos iniciais
corresponde a uma gravitao do campo burgus a uma posio de resistncia
irredutvel ao interesse dos trabalhadores, explicitando os constrangimentos para
conciliar desenvolvimento, democracia e soberania nos marcos da afirmao do poder
burgus no continente.

ii. Carter da burguesia
A anlise da interveno poltica das classes dominantes nos processos nacionais
enfocados revela uma intransigncia diante da presso popular que contrasta com uma
relativa anuncia face participao estrangeira, indcio dos nexos indissociveis entre
revoluo democrtica e revoluo nacional no continente.
Em Cuba, a desconfiana em relao ao protagonismo popular somada genuna
admirao pelo american way of life combinaram-se para selar o desfecho
contrarrevolucionrio do processo. Do ponto de vista burgus, evidenciou-se que a
crtica ao colonialismo espanhol era antes um assunto mercantil, em que a
independncia foi encarada como um meio subordinado finalidade de viabilizar a

295

reproduo dos negcios e a perpetuao dos privilgios e no como uma oportunidade
para consumar a integrao nacional.
No caso argentino, os setores da classe dominante que endossaram a reforma
encararam a dilatao da participao poltica como uma necessidade incontornvel
diante das mudanas no padro de estratificao social. A cesso de espao poltico foi
arquitetada como recurso para conter a presso democrtica, em um contexto no qual a
ascenso do protesto operrio atingia nveis intolerveis. Neste contexto, o triunfo do
radicalismo significou a superao da poltica criolla, consumando uma poltica de
massas conservadora, avessa a qualquer esforo de integrao social ainda que nos
marcos da economia exportadora primria.
No Mxico, o setor anti-Porfirista da burguesia circunscreveu sua luta ao
restabelecimento das liberdades polticas e civis identificadas com o legado da reforma
juarista. Uma vez derrubado o ditador, sucessivos presidentes dedicaram-se a encerrar o
conflito reprimindo a reivindicao popular, o que estendeu a guerra civil por quase
uma dcada. Mesmo confrontados com uma situao extrema, em que as foras
populares ocuparam a capital do pas e seus lderes sentaram-se na cadeira presidencial,
a poltica burguesa no considerou a reforma social como um meio para solucionar o
conflito.
A reao burguesa ao desafio levantado pelas iniciativas polticas analisadas
indica um padro de luta de classes no qual prevalece a intolerncia com o conflito
como forma legtima de reivindicao social. Entre a determinao de esmagar os
liberais mexicanos e o sutil movimento de cooptao do socialismo argentino, os
revolucionrios cubanos defrontaram-se com uma combinao de ambos: face
impossibilidade de frear o movimento revolucionrio que crescia, a despeito da
represso impiedosa das tropas espanholas, a classe dominante insular bandeou para o
lado revolucionrio, pretendendo conter um processo que no podia controlar.
Do ponto de vista nacional, os processos revelam uma orientao comum da
poltica burguesa, que objetivou modernizar a sociedade nos aspectos necessrios para
desobstruir o avano dos negcios, mantendo seus privilgios de classe. Mesmo em
Cuba e no Mxico, onde a ameaa estadunidense soberania era mais evidente, a via
burguesa sancionou o crescimento apoiado no capital internacional, calcado na
superexplorao do trabalho e dos recursos naturais. Como resultado, ao subordinar a
integrao nacional ao imperativo da expanso econmica em realidades nas quais a

296

lgica mercantil est alicerada na reproduo dos nexos entre dependncia e assimetria
social, a poltica burguesa comprometeu-se, nos casos analisados, com a perpetuao do
legado colonial.

iii. Autonomia da classe trabalhadora
A outra face do dilema colocado pelo padro de luta de classes observado nas
conjunturas abordadas so os bices enfrentados pela classe trabalhadora para
protagonizar um projeto poltico autnomo em relao burguesia. De modo geral, a
presso popular em que se apoia a ao dos partidos enfocados logra detonar os
processos de mudana social, mas impotente para convert-los em uma
democratizao radical, consequente com os seus interesses de classe.
A participao popular revelou-se o motor da guerra da independncia cubana,
em um processo em que o apoio causa tornou-se praticamente unnime diante das
tticas repressivas empregadas pelo exrcito espanhol. No entanto, o protagonismo
militar dos trabalhadores no se traduziu em uma liderana poltica autnoma, em um
contexto em que o recente legado da escravido e a dbil diversificao da economia
restringiam a organizao de classe e o principal apoio operrio provinha dos
tabaqueiros organizados nos Estados Unidos. O elo poltico entre as aspiraes
democrticas do povo cubano e o apoio burgus causa da independncia
personificava-se na liderana de Jos Mart. A sua morte explicitou a fragilidade desta
articulao, quando, apesar do compromisso revolucionrio dos generais, o exrcito
rebelde tornou-se refm das vacilaes na conduo poltica do processo, motivadas
pela desconfiana no protagonismo popular, aliada iluso sobre as intenes
estadunidenses.
No caso argentino, a presso da classe trabalhadora provocou a reforma poltica,
mas foi insuficiente para convert-la em uma reforma social. Como expresso partidria
de classe, os socialistas tiveram xito em inaugurar a representao operria na poltica
nacional e contribuiram para colocar a questo social na agenda do Estado. Por outro
lado, ao ignorar os nexos entre dilatao da democracia e nao, mostraram uma
debilidade ideolgica que traduziu-se em uma vulnerabilidade poltica. Inbeis para
penetrar no setor mais combativo do proletariado identificado com o anarquismo ou
para ganhar as classes mdias eleitoras do radicalismo, a integrao dos socialistas

297

como beneficirios menores da reforma poltica sugere uma cooptao, esvaziando o
seu papel progressista a partir da consolidao da III Internacional.
Herdeira de um legado de cooptao e represso, a crise do Porfiriato abriu
novos horizontes para a embrionria classe operria no Mxico. As greves e os levantes
frustrados foram fundamentais para precipitar a queda do regime, mas a insurreio
rural generalizada que ditar o ritmo e o tempo da revoluo desencadeada. No
obstante as vitrias militares extraordinrias, o campo popular revelou-se incapaz de
responder ao problema da centralizao do poder e de articular um projeto nacional que
incorporasse suas reivindicaes de classe. Apesar da lucidez e da intransigncia com
que assistiram evoluo dos acontecimentos, os magonistas partilharam desta
impotncia, reduzindo a sua participao no pice do confronto a uma espcie de
conscincia crtica do interesse popular. O resultado deste impasse foi a frustrao do
contedo democrtico da revoluo com a tomada do Estado pela burguesia anti-
Porfirista aps uma longa guerra civil.
Aproximando os trs autores em uma perspectiva de classe, verificamos projetos
radicais de democratizao social que apoiam-se em alianas com a burguesia para
realizarem-se. Na medida em que a evoluo das respectivas conjunturas evidencia os
estreitos limites da mudana burguesa, explicita-se a vulnerabilidade do campo popular,
uma vez que os trabalhadores so impotentes para conduzir politicamente a
independncia em Cuba, a reforma na Argentina e em responder ao desafio de
centralizao do poder na Revoluo Mexicana. Em uma circunstncia na qual a difuso
incipiente das relaes de produo capitalistas constrange a afirmao da autonomia
poltica da classe trabalhadora e a emergncia de uma crtica ao capitalismo como uma
totalidade, a atuao e o pensamento dos militantes analisados revelam-se como uma
espcie de mxima conscincia possvel na conjuntura em que esto inscritos.
Nesta perspectiva, a anlise de suas trajetrias sugere um quadro das referncias
ideolgicas e polticas que demarcavam o campo da militncia democrtica no
continente neste contexto histrico. No plano ideolgico, subjacente ao pensamento dos
autores, observamos uma convergncia entre natureza e histria, sugestiva de uma
indiferenciao das esferas da existncia que obsta a apreenso das relaes entre o
particular e o universal nos marcos de uma totalidade histrica. No plano poltico, suas
aspiraes democrticas deparam-se com um impasse, premidos entre a racionalidade
adaptativa da burguesia dependente, que perpetua a dissociao entre desenvolvimento

298

e nao, e os limites irupo autnoma dos setores populares, pressionando pelo
estabelecimento de sociedades relativamente equitativas, autodeterminadas e
autorreferentes nos marcos de um projeto de poder da classe trabalhadora.


























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