121 Dei Verbum
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121 Dei Verbum
DEI VERBUM
SOBRE A REVELAO DIVINA
INTRODUO
palavras e obras, sinais e milagres, e especialmente por sua morte e gloriosa ressurreio
dentre os mortos e, enfim, pelo Esprito de verdade enviado, realiza e completa a revelao
e a confirma, atestando de maneira divina que Deus est conosco para libertar-nos das
trevas da morte e do pecado e para ressuscitar-nos para a vida eterna. A economia crist,
pois, em sua qualidade de aliana nova e definitiva, jamais passar, e no h que esperar
nenhuma nova revelao pblica antes da gloriosa manifestao de Nosso Senhor Jesus
Cristo (cf. I Tim 6, 14; Tt 2, 13).
A Revelao deve ser recebida na f
5. Ao Deus que revela deve-se "a obedincia da f" (Rom 16, 26; cf. Rom 1, 5; II Cor 10, 56), pela qual o homem livremente se entrega todo a Deus, prestando ao Deus revelador "um
obsquio pleno do intelecto e da vontade" e dando voluntrio assentimento verdade por
ele revelada. Para que se preste essa f, exigem-se a graa prvia e adjuvante de Deus e os
auxlios internos do Esprito Santo, que move o corao e converte-o a Deus, abre os olhos
da mente e d "a todos suavidade no consentir e crer na verdade". A fim de tornar sempre
mais profunda a compreenso da Revelao, o mesmo Esprito Santo aperfeioa
continuamente a f por meio de seus dons.
As verdades reveladas
6. Pela revelao divina quis Deus manifestar-se e comunicar-se a si mesmo e os decretos
eternos de sua vontade acerca da salvao dos homens, a saber, para fazer participar os
bens divinos, que superam inteiramente a capacidade da mente humana. Este sacrossanto
Conclio professa que Deus, princpio e fim de todas as coisas, pode ser conhecido com
certeza pela luz natural da razo humana a partir das coisas criadas (cf Rom 1, 20); mas
ensina que se deve atribuir sua revelao o fato de mesmo na presente situao do gnero
humano se poderem conhecer por todos e de modo acessvel e com slida certeza e sem
mistura de nenhum erro aquelas coisas que em matria divina no so de per si inacessveis
razo humana.
A Sagrada Tradio
8. Assim, a pregao apostlica, expressa de modo especial nos livros inspirados, devia
conservar-se sem interrupo at a consumao dos tempos. Por isto os Apstolos,
transmitindo aquilo que eles prprios receberam (cf. I Cor 11, 23; 15, 3), exortam os fiis a
manter as tradies que aprenderam seja oralmente, seja por carta (cf. II Tes 2, 15) e a
combater pela f uma vez transmitida aos santos (cf. Jdr 3). Quanto Tradio recebida dos
Apstolos ela compreende todas aquelas coisas que contribuem para santamente conduzir a
vida e fazer crescer a f do Povo de Deus, e assim a Igreja, em sua doutrina, vida e culto,
perpetua e transmite a todas as geraes tudo o que ela , tudo o que cr.
Esta Tradio, oriunda dos Apstolos, progride na Igreja sob a assistncia do Esprito Santo.
Cresce, com efeito, a compreenso tanto das realidades como das palavras transmitidas,
seja pela contemplao e estudo dos que crem, os quais as meditam em seu corao (cf. Lc
2, 19 e 51), seja pela ntima compreenso que desfrutam das coisas espirituais, seja pela
pregao daqueles que com a sucesso do episcopado receberam o carisma autntico da
verdade. que a Igreja, no decorrer dos sculos, tende continuamente para a plenitude da
verdade divina, at que se cumpram nelas as palavras de Deus.
O ensinamento dos Santos Padres testemunha a presena vivificante dessa Tradio, cujas
riquezas se transfundem na praxe e na vida da Igreja que cr e ora. Pela mesma Tradio
toma-se conhecido Igreja o Cnon completo dos Livros Sagrados e as prprias Sagradas
Escrituras so nela cada vez melhor compreendidas e se fazem sem cessar atuantes. E assim
o Deus, que outrora falou, mantm um permanente dilogo com a esposa de seu dileto Filho,
e o Esprito Santo, pelo qual a voz viva do Evangelho ressoa na Igreja e atravs da Igreja no
mundo, leva os fiis verdade toda e faz habitar neles abundantemente a palavra de Cristo
(cf. Col 3, 16).
Relao entre a Tradio e a Sagrada Escritura
9. A Sagrada Tradio e a Sagrada Escritura esto, portanto, estreitamente conexas e
interpenetradas. Ambas promanam da mesma fonte divina, formam de certo modo um s
todo e tendem para o mesmo fim. Com efeito, a Sagrada Escritura a fala de Deus enquanto
redigida sob a moo do Esprito Santo; a Sagrada Tradio, por sua vez, transmite
integralmente aos sucessores dos Apstolos a palavra de Deus confiada por Cristo Senhor e
pelo Esprito Santo aos Apstolos para que, sob a luz do Esprito de verdade, eles em sua
pregao fielmente a conservem, exponham e difundam. Resulta, assim, que no atravs
da Escritura apenas que a Igreja consegue sua certeza a respeito de tudo que foi revelado.
Por isso, ambas - Escritura e Tradio - devem ser recebidas e veneradas com igual
sentimento de piedade e reverncia.
Relao da Tradio e da Bblia com a Igreja e o Magistrio
10. A Sagrada Tradio e a Sagrada Escritura constituem um s sagrado depsito da palavra
de Deus confiado Igreja. Em se lhe apegando firmemente, o povo santo todo, unido a seus
Pastores, persevera continuamente na doutrina dos Apstolos e na comunho, na frao do
po e nas oraes (cf. 1, 42 ), de sorte que se verifica, da parte de Antstites e de fiis, uma
singular convergncia no conservar, praticar e professar a f transmitida.
O ofcio de interpretar autenticamente a palavra de Deus escrita ou transmitida foi confiado
unicamente ao Magistrio vivo da Igreja, cuja autoridade se exerce em nome de Jesus
Cristo. Tal Magistrio no est acima da Palavra de Deus, mas a seu servio, no ensinando
seno o que foi transmitido, no sentido de que, por mandato divino e com a assistncia do
Esprito Santo religiosamente ausculta aquelas palavras, santamente a guarda e fielmente a
expe. E deste nico depsito da f o Magistrio tira tudo aquilo que nos prope como
verdade de f divinamente revelada.
Fica, portanto, claro que segundo o sapientssimo plano divino a Sagrada Tradio, a
Sagrada Escritura e o Magistrio da Igreja esto de tal maneira entrelaados e unidos que
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um perde sua consistncia sem os outros e que, juntos, cada qual a seu modo, sob a ao
do Esprito Santo, contribuem eficazmente para a salvao das almas.
Condescendncia de Deus
13. Na Sagrada Escritura, portanto, manifesta-se, resguardada sempre a verdade e
santidade de Deus, a admirvel condescendncia da eterna Sabedoria, "a firn de que
conheamos a inefvel benignidade de Deus, e de quanta acomodao de linguagem usou,
providente e cuidadoso que de nossa natureza". Pois as palavras de Deus expressas por
lnguas humanas se fizeram semelhantes linguagem humana, tal como outrora o Verbo do
Pai Eterno, havendo assumido a carne da fraqueza humana, se fez semelhante aos homens.
V. O NOVO TESTAMENTO
Excelncia do Novo Testamento
17. A Palavra de Deus, que a fora de Deus para a salvao de todo o que cr (cf. Rom 1,
16), apresentada e manifesta seu vigor de modo eminente nos escritos do Novo
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Testamento. Com efeito, quando chegou o tempo estabelecido (cf. Gal 4, 4), o Verbo se fez
carne e habitou entre ns, cheio de graa e de verdade (Jo 1, 14). Cristo instaurou na terra
o Reino de Deus, por fatos e por palavras deu a conhecer o Pai e a si prprio, e completou
sua obra com a morte, ressurreio e gloriosa ascenso e com o envio do Esprito Santo.
Levantado da terra atrai todos a si (cf. Jo 12, 32). Ele o nico que tem palavras de vida
eterna (cf. Jo 6, 68). Este mistrio, porm, no foi manifestado a outras geraes como foi
revelado agora aos seus santos Apstolos e Profetas no Esprito Santo (cf Ef 3, 46) para que
pregassem o Evangelho, suscitassem f em Jesus Cristo e Senhor e congregassem a
Igreja. Os escritos do Novo Testamento so testemunho perene e divino destas coisas.
Origem apostlica dos Evangelhos
18. Ningum desconhece que entre todas as Escrituras, mesmo as do Novo Testamento, os
Evangelhos gozam de merecida primazia, uma vez que constituem testemunho por
excelncia da vida e da doutrina do Verbo Encarnado, nosso Salvador. Que os quatro
Evangelhos tm origem apostlica, a Igreja sempre e em toda parte o ensinou e ensina.
Pois, aquilo que os Apstolos pregaram por ordem de Cristo, eles prprios e os vares
apostlicos sob a inspirao do Esprito Santo no-lo transmitiram em escritos que so o
fundamento da f, a saber, o quadriforme Evangelho segundo Mateus, Marcos, Lucas e Joo.
ndole histrica dos Evangelhos
19. A Santa Me Igreja firme e constantemente creu e cr que os quatro mencionados
Evangelhos, cuja historicidade afirma sem hesitao, transmitem fielmente aquilo que Jesus,
Filho de Deus, ao viver entre os homens, realmente fez e ensinou para salvao deles, at o
dia em que foi elevado (cf. At 1, l-2). Os Apstolos, aps a ascenso do Senhor,
transmitiram aos ouvintes aquilo que ele dissera e fizera, com aquela mais plena
compreenso de que gozavam, instrudos que foram pelos gloriosos acontecimentos
concernentes a Cristo e esclarecidos pela luz do Esprito da verdade. Os autores sagrados
escreveram os quatro Evangelhos, escolhendo certas coisas das muitas transmitidas ou
oralmente ou j por escrito, fazendo sntese de outras ou explanando-as com vistas
situao das igrejas, conservando enfim a forma de proclamao, sempre de maneira a
transmitir-nos verdades autnticas a respeito de Jesus. Pois foi esta a inteno com que
escreveram, seja com fundamento na prpria memria e recordaes, seja baseado no
testemunho daqueles que foram desde o princpio testemunhas oculares e que se tornaram
ministros da Palavra, para que conheamos a solidez daqueles ensinamentos que temos
recebido (Lc 1, 2-4).
Os demais escritos do Novo Testamento
20. O cnon do Novo Testamento contm, alm dos quatro Evangelhos, tambm as cartas
de So Paulo e outros escritos apostlicos exarados sob inspirao do Esprito Santo.
atravs deles que, por um sbio desgnio de Deus, confirmado o testemunho de Cristo
Senhor, mais e mais elucidada a sua genuna doutrina, anuncia-se o poder salvfico da obra
divina de Cristo, narram-se os incios e a admirvel difuso da Igreja e se prenuncia a sua
gloriosa consumao. Pois o Senhor Jesus, conforme prometera, assistiu seus Apstolos (cf.
Mt 28, 20) e lhes enviou o Esprito Parclito que deveria conduzi-los plenitude da verdade
(cf. Jo 16, 13).
pregao eclesistica, como a prpria religio crist, seja alimentada e orientada pela
Sagrada Escritura. Nos Livros Santos, com efeito, o Pai que est nos cus vem
carinhosamente ao encontro de seus filhos e com eles fala. E to grande a fora poderosa
que se encerra na palavra de Deus, que ela constitui sustentculo vigoroso para a Igreja,
firmeza na f para seus filhos, alimento da alma, perene e pura fonte da vida espiritual. Por
tudo isto, aplicam-se perfeitamente Sagrada Escritura estas palavras: "A palavra de Deus
viva e eficaz (Heb 4, 12), poderosa para edificar e repartir a herana entre os santificados"
(Ar 20, 32; cf. I Tes 2, 13).
Tradues corretas e adequadas
22. preciso que o acesso Sagrada Escritura seja amplamente aberto aos fiis. Por isso,
desde o incio a Igreja acolheu como sua e conhecida antiqussima verso do Antigo
Testamento, chamada dos Setenta; e tem sempre em honrosa considerao as outras
verses orientais e as verses latinas, principalmente a chamada Vulgata. Porm, como a
palavra de Deus deve estar disposio de todas as pocas, pede a Igreja com materna
solicitude se faam verses corretas e adequadas para as diversas lnguas, sobretudo a
partir dos textos originais dos livros sagrados. Se se julgar oportuno, as tradues poderiam
contar com a colaborao dos irmos separados e, prvia anuncia da autoridade
eclesistica, poderiam ser utilizadas por todos os cristos.
Empenho dos estudiosos e especialistas
23. A Esposa do Verbo Encarnado, a Igreja, instruda pelo Esprito Santo, se esfora para
conseguir cada dia uma compreenso mais profunda da Sagrada Escritura, a fim de
incessantemente nutrir seus filhos com os ensinamentos divinos. Por esta razo, fomenta
devidamente o estudo dos Santos Padres do Oriente e do Ocidente e das Sagradas Liturgias.
preciso que os exegetas catlicos e todos aqueles que se dedicam Sagrada Teologia,
unindo corajosamente suas foras, procurem, com meios aptos, investigar e apresentar, sob
a vigilncia do Magistrio, as divinas Letras, de maneira que o maior nmero possvel de
ministros da divina Palavra possa frutuosamente fornecer ao Povo de Deus o alimento das
Escrituras que ilumine a mente, fortalea as vontades e inflame os coraes dos homens
para o amor de Deus. Este conclio encoraja os filhos da Igreja que se dedicam aos assuntos
bblicos a que com todo o esforo prossigam de acordo com o sentir da Igreja, na execuo
do trabalho felizmente empreendido, com cotidiana renovao de foras.
Importncia da Sagrada Escritura para a Teologia
24. A Sagrada Teologia tem por base, como seu perene fundamento, a palavra escrita de
Deus junto com a Sagrada Tradio, e neste fundamento ela se fortalece firmissimamente e
sempre se remoa perscrutando luz da f toda a verdade encerrada no mistrio de Cristo.
Ora, as Sagradas Escrituras contm a palavra de Deus e, porque inspiradas, so
verdadeiramente palavra de Deus. Por isto, o estudo das Sagradas Pginas seja como que a
alma da Sagrada Teologia. Nesta mesma palavra da Sagrada Escritura tambm se nutre
salutarmente e santamente floresce o ministrio da palavra, a saber, a pregao pastoral, a
catequese e toda a instruo crist, na qual deve ter lugar de destaque a homilia litrgica.
Recomenda-se a leitura da Sagrada Escritura
25. Eis por que necessrio que todos os clrigos, sobretudo os sacerdotes de Cristo e os
outros que, como diconos ou catequistas, legitimamente se consagram ao ministrio da
palavra, se apeguem s Escrituras Sagradas, mediante assdua leitura e cuidadoso estudo
das mesmas, para que no venha a ser "vo pregador da palavra de Deus externamente,
quem a ela no presta ouvido interiormente", quando, especialmente na Sagrada Liturgia,
tem que comunicar aos fiis a si confiados as vastssimas riquezas da palavra divina. O
Conclio exorta igualmente, com ardor e insistncia, a todos os fiis cristos, especialmente
aos religiosos, a que, pela frequente leitura das divinas Escrituras, alcancem esse bem
supremo: "o conhecimento de Jesus Cristo" (Flp 3, 8). Porquanto "ignorar as Escrituras
ignorar Cristo". De bom grado, pois, vo ao prprio texto sagrado, quer pela Sagrada
Liturgia, repleta da divina palavra, quer pela piedosa leitura, quer por cursos apropriados e
outros meios que, com a aprovao e empenho dos Pastores da Igreja, hoje em dia
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louvavelmente se difundem por toda parte. Lembrem-se, porm, que a leitura da Sagrada
Escritura deve ser acompanhada pela orao, a fim de que se estabelea um colquio entre
Deus e o homem. Pois "com ele falamos quando rezamos, a ele ouvimos quando lemos os
divinos orculos". Cabe aos sagrados Pastores, depositrios da doutrina apostlicas, educar
oportunamente os fiis que lhes foram confiados para o correto uso dos livros divinos,
sobretudo do Novo Testamento e dos Evangelhos, por meio de verses dos textos sagrados
acompanhadas das explicaes necessrias e realmente suficientes, a fim de que os filhos da
Igreja, segura e utilmente, se familiarizem com as Escrituras Sagradas e de seu esprito
fiquem
imbudos.
Alm disso, faam-se edies da Sagrada Escritura munidas de apropriadas anotaes, para
uso tambm dos no-cristos e adaptadas situao deles. E, tanto os Pastores de almas
como os cristos de qualquer condio, inteligentemente procurem difundi-las de todos os
modos.
CONCLUSO
26. Assim, pois, com a leitura e o estudo dos Livros Sagrados, se propague e seja estimada
a palavra do Senhor (II Tes 3, I), e o tesouro da Revelao confiado Igreja cada vez mais
tome conta dos coraes dos homens. Assim como a vida da Igreja se desenvolve pela
assdua participao no mistrio eucarstico, assim lcito esperar um novo impulso de vida
espiritual de uma acrescida venerao pela palavra de Deus, que permanece eternamente
(Is 40, 8; cf. I Pe 1, 23-25).
Todo o conjunto e cada um dos pontos que foram enunciados nesta Constituio Dogmtica
pareceram bem aos Padres Conciliares. E ns, em virtude do Poder Apostlico a ns confiado
por Cristo, juntamente com os Venerveis Padres, no Esprito Santo os aprovamos,
decretamos e estatumos. E o que foi determinado em Conclio mandamos seja promulgado
para a Glria de Deus.
Roma, junto de So Pedro, no dia 18 de Novembro de 1965.