O Precariado
O Precariado
O Precariado
0 PRECARIADO
A nova classe perigosa
Traduo Cristina Antunes
Reviso da traduo Rogrio Bettoni
P edio
reimpresso
Nupsi-USP
au t n tca
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COORDENADORIA DA COLEO INVENES DEMOCRTICAS
EDITORA RESPONSVEL
Rejane Dias
REVISO DA TRADUO
Rogrio Bettoni
REVISO
Lucia Assumpo
CAPA
Christiane Morais
Tamara Lacerda
CDD-331.554
ndices para catlogo sistemtico:
1. Trabalho informal: Economia 331.554
2. Trabalho precrio : Economia 331.554
Belo Horizonte
So Paulo
Sumrio
P re f c io ............................................................................................................11
Lista de abreviaes...................................................................................... 13
C aptulo 1 - 0 p re c a ria d o .........................................................................15
C aptulo 2 - P or que o precariado est crescendo?............................ 49
C aptulo 3 - Q u e m ingressa no precariado?.........................................97
C aptulo 4 - M igrantes: vtimas, viles ou h er is? ........................... 141
C aptulo 5 - Tarefa, trabalho e o arrocho do t e m p o .......................177
C aptulo 6 - U m a poltica de in fe rn o ................................................. 201
C aptulo 7 - U m a poltica de paraso...................................................233
R eferncias...................................................................................................273
Posfcio......................................................................................................... 283
Senador Eduardo M a ta ra zzo Suplicy
S.
mas nunca chegamos realmente a nos conhecer. Este pungente testem unho
annim o deixado num a parede por um trabalhador m igrante sintetiza
u m dos mais emblemticos dram as da era do precariado, cuja form ao
o econom ista ingls G uy Standing analisa com vasta erudio e notvel
clareza, inform adas po r m uitos anos dedicados O rganizao Interna
cional do Trabalho, docncia e pesquisa universitrias internacionais
e R ede M undial de R enda Bsica, da qual fundador e copresidente.
O autor circunscreve o campo diagnstico e prognstico em grande
arco histrico e geopoltico, dando a ver que a globalizao precarizante,
desencadeada sob o influxo da terceira revoluo industrial, do neolibe
ralismo e da superexplorao de populaes da sia, desmantela o que os
gregos inventaram nos prim rdios da democracia com o o cem e hum anizante do trabalho: o vnculo interno entre praxis e philia, constitutivo do
autorreconhecim ento dos cidados com o hom ens livrem ente associados
nas construes da amizade cvica. Ao propor maneiras de reconstru-la
em todo o m undo, Guy Standing tom a preciosa, necessria e urgente a
obra O precariado: a nova classe perigosa.
O carter democrtico deste livro j se deixa apreender no m odo
com o o autor equaciona a definio do precariado. A poiando-se em
categorias consagradas, atualiza suas significaes m ediante sucessivas di
ferenciaes baseadas em dados sociais, histricos, polticos, psicolgicos
e econmicos, oferecidos passo a passo ao leitor.
mem orvel evento que reuniu Guy Standing, Eduardo Suplicy e Paul
Singer na Faculdade de Sade Pblica da U SP em ju n h o de 2012. A
parceria com a Autntica Editora perm itiu que em apenas quatorze meses
lanssemos esta verso brasileira, com a presena do autor, no II Colquio
Internacional N upsi-U SP, Invenes democrticas: construes da felicidade, no
qual procuraremos, com acadmicos de oito pases, sedimentar alianas
entre m odos dem ocrtico-cooperativos de construir conhecim ento em
parceria com comunidades desassistidas e em prol delas. Isso combina
com a composio heterognea do precariado tal com o aqui postulada, a
qual congrega migrantes e minorias vulnerabilizados e superexplorados,
membros da classe trabalhadora destitudos das garantias de emprego e
indivduos cuja qualificao universitria no encontra trabalho condigno.
Agosto de 2 0 1 3 .
Prefcio
G u y Standing
Novembro de 2010.
12
Lista de abreviaes
AARP
A F L -C IO
BBVA
B IE N
CBT
CCT
CIA
CRI
EHRC
EU
GCSE
IM F
LIFO
NGO
N IC
OECD
RM I
SEWA
UKBA
UMP
14
Captulo 1
O precariado
O despertar do precariado
Em 1 de m aio de 2001, cinco m il pessoas, principalm ente estudan
tes e jovens ativistas sociais, se reuniram no centro da cidade de M ilo
para o que pretendia ser um a m archa alternativa em tom de protesto no
D ia do Trabalho. E m 1 de m aio de 2005, a quantidade de pessoas cres
ceu para bem mais de 50 m il - mais de 100 m il, de acordo com algumas
15
16
marchas sindicalistas que aconteciam no mesmo dia. Isso pode ter passado
bastante despercebido do pblico em geral e dos polticos, mas foi um
desenvolvim ento significativo.
Ao m esm o tem po, a dupla identidade de v tim a/heri contribuiu
para a falta de coerncia. O u tro problem a foi o fracasso em se concentrar
na luta. O qu ou quem era o inim igo? Todos os grandes m ovim entos
ao longo da histria foram baseados em classe, para o bem ou para o
mal. U m grupo de interesse (ou vrios) lutava contra outro, sendo que
este explorava e oprim ia aquele. N orm alm ente, a luta tratava do uso e
do controle dos principais recursos do sistema de produo e de distri
buio do tem po. O precariado, por toda sua rica complexidade, parecia
no ter um a ideia clara do que eram esses recursos. Entre seus heris
intelectuais, tem os Pierre B ourdieu (1998), que articulou a precarieda
de, M ichel Foucault, Jrgen Haberm as, M ichael H ardt e Tony N egri
(2000), cujo Imprio foi um texto seminal, tendo H annah A rendt (1958)
com o pano de fundo. Havia tam bm as sombras dos levantes de 1968,
ligando o precariado Escola de F rankfurt de O homem unidimensional
de H erbert M arcuse (1964).
Foi um a libertao da m ente, a conscincia de u m sentim ento
com um de insegurana. Mas nenhum a revoluo surge do simples
entendim ento. A inda no havia um a raiva eficaz - isso porque nenhum a
agenda poltica ou estratgia havia sido forjada. A falta de um a resposta
program tica foi revelada pela busca de smbolos, pelo carter dialtico
dos debates internos e pelas tenses dentro do precariado que ainda esto
l e no vo embora.
Os lderes dos manifestantes do EuroM ayD ay fizeram o possvel
para literalm ente encobrir as rachaduras, com o acontecia em seus car
tazes e imagens visuais. A lguns enfatizaram um a unidade de interesses
entre os m igrantes e outros grupos {migranti e precarie foi um a m ensagem
estampada num cartaz do EuroM ayD ay de M ilo em 2008) e entre os
jovens e os idosos um a simptica justaposio no cartaz do EuroM ayDay
de Berlim em 2006 ( D o e r r , 2006).
Porm^ com o m ovim ento esquerdista libertrio, ele ainda tem de
provocar o m edo, ou mesmo o interesse, de quem est fora. At mes
m o seus protagonistas mais entusiastas adm itiram que as manifestaes
at agora tinham sido mais teatro do que ameaa, que tratavam mais
de afirm ar a individualidade e a identidade dentro de um a experincia
coletiva de precariedade. N a linguagem dos socilogos, as manifestaes
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O precariado desperto
E m 1989, a cidade de Prato, prxim a a Florena, era quase in
teiram ente italiana. D urante sculos, havia sido um grande centro de
m anufatura de tecidos e vesturio. M uitos dos seus 180 m il habitantes
estavam ligados a essas indstrias, gerao aps gerao. R efietindo os
valores antigos, essa cidade toscana perm aneceu firm e em sua poltica.
Parecia a personificao da m oderao e da solidariedade social.
N aquele ano, um grupo de 38 trabalhadores chineses chegou
cidade. U m novo gnero de empresas de artigos de vesturio, perten
centes aos im igrantes chineses e a uns poucos italianos ligados a eles,
com eou a surgir. As empresas im portavam mais e mais trabalhadores
chineses, m uitos vindos sem vistos de trabalho. Apesar de notados,
eram tolerados; eles contribuam com a prspera econom ia e no faziam
exigncias com relao s finanas pblicas, um a vez que no recebiam
quaisquer benefcios sociais. M antiveram -se isolados, cercados em um
enclave onde as fbricas chinesas estavam localizadas. A m aioria veio de
um a cidade do litoral de W enzhou, na provncia de Zhejiang, um a rea
com um a longa histria de m igrao de profissionais empreendedores. A
m aior parte chegou via F rankfurt com visto de turista para trs meses e
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O filho da globalizao
N o final dos anos 1970, um encorajado grupo de pensadotes sociais
e econmicos, posteriorm ente chamados de neoliberais e liqertrios
(embora os term os no sejam sinnimos), percebeu que suas opinies
estavam sendo ouvidas depois de serem ignoradas durante dcadas. A
m aioria deles era jovem o suficiente para no ter sido m arcada pela
Grande Depresso ou para ter se dedicado agenda social que elim inou
as correntes dom inantes depois da Segunda G uerra M undial.
Eles no gostavam do Estado, que com paravam a governo cen
tralizado, com seu planejam ento e seu aparato regulatrio. V iam o
m undo com o um lugar cada vez mais aberto, onde o investim ento,
o em prego e a renda fluiriam para onde as condies fossem mais
receptivas. A rgum entavam que a m enos que os pases europeus, em
particular, reduzissem os ttulos de crdito, que haviam se acum ulado
desde a Segunda G uerra M undial para a classe operria industrial e o
setor pblico burocrtico, e a m enos que os sindicatos fossem dom a
dos, a desindustrializao (conceito novo na poca) se aceleraria, o
desem prego aum entaria, o crescim ento econm ico seria mais lento,
o investim ento escoaria e a pobreza se agravaria. Foi um a avaliao
m oderada. Eles queriam m edidas drsticas e encontravam , em polticos
com o M argaret T hatcher e R o n ald R eagan, o tipo de lderes dispostos
a concordar com sua anlise.
A tragdia foi que, enquanto o seu diagnstico em parte fazia sentido,
o seu prognstico era insensvel. Ao longo dos 30 anos seguintes, a tragdia
foi agravada pelo fato de que os partidos polticos social-democratas que
construram o sistema que os neoliberais queriam desmantelar, depois
de brevem ente contestarem o diagnstico dos neoliberais, acabaram
aceitando, m eio sem jeito, tanto o diagnstico quanto o prognstico.
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Definindo o precariado
H duas maneiras de definir o que queremos dizer com precariado.
U m a delas dizer que se trata de um grupo socioeconm ico distinto, de
m odo que, por definio, um a pessoa faz parte dele ou no. Isso til
em term os de imagens e anlises e nos perm ite usar o que M ax W eber
chamou de tipo ideal. Nesse esprito, o precariado poderia ser descrito
como um neologismo que com bina o adjetivo precrio e o substan
tivo relacionado proletariado. N este livro, o term o frequentem ente
usado nesse sentido, em bora tenha limitaes. Podem os afirm ar que o
precariado um a classe-em-formao, se no ainda um a classe-para-si, no
sentido m arxista do term o.
Pensando em term os de grupos sociais, podem os dizer que, dei
xando de lado as sociedades agrrias, a era da globalizao resultou
num a fragm entao das estruturas de classe nacionais. m edida que as
desigualdades aum entaram e que o m undo se m oveu na direo de um
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28
31
Variedades do precariado
N o im porta com o seja definido, o precariado est longe de ser
hom ogneo. O adolescente que entra e sai o tem po inteiro de um cibercaf enquanto sobrevive de empregos transitrios no o mesmo que o
m igrante que usa a inteligncia para sobreviver, estabelecendo febrilmente
um a rede de contatos enquanto se preocupa com a polcia. Tam pouco
semelhante me solteira que se preocupa de onde vir o dinheiro para
os alimentos da prxim a semana, ou ao hom em de 60 anos que aceita
empregos eventuais para ajudar a pagar as despesas mdicas. Mas todos
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des com partilham um sentim ento de que seu trabalho til (para viver),
oportunista (pegar o que vier) e precrio (inseguro).
U m a m aneira de descrever o precariado como habitantes [detrcHs]. O habitante algum que, por um a razo ou outra, tem um
conjunto de direitos mais lim itado que o dos cidados. A ideia de habi
tante, que pode ser rastreada at os tempos romanos, tem sido, geralmente,
jfJicada a estrangeiros qu recebem direitos de residncia e direitos para
exercerem seu comrcio, mas no direitos plenos de cidadania.
A ideia pode ser expandida se pensarm os na gam a de direitos
dos quais as pessoas so m erecedoras - civis (igualdade perante a lei e
direito proteo contra o crim e e dano fsico), culturais (igualdade de
icesso ao usufruto da cultura e direito a participar da vida cultural da
com unidade), sociais (igualdade de acesso a form as de proteo social,
incluindo penses e servios de sade), econmicos (igualdade de direito
para realizar atividade de gerao de renda) e polticos (igualdade de
direito de votar, candidatar-se a eleies e participar da vida poltica
da com unidade). U m nm ero crescente de pessoas em todo o m undo
no tm pelo m enos u m desses direitos e, com o tais, pertencem ao
conjunto de habitantes em vez de ao conjunto de cidados, onde
quer que estejam vivendo.
O conceito tam bm poderia ser estendido vida corporativa, com
cidados corporativos e habitantes de vrios tipos. Os assalariados p o
dem ser visto como cidados com, pelo menos, direitos de voto implcitos
na empresa, abrangendo um a srie de decises e prticas que o outro
grupo de cidados, os acionistas e proprietrios, aceitam implicitam ente,
embora tenham seus prprios direitos de voto explcitos sobre as decises
estratgicas na empresa. O resto das pessoas ligadas s corporaes - os
tem porrios, eventuais, empreiteiros dependentes e assim por diante seriam habitantes, com poucos m erecim entos ou direitos.
Em todo o m undo, a m aioria dos habitantes m igrante de um
npo ou de outro, e eles sero abordados mais tarde. N o entanto, outra
categoria se destaca - a grande camada de pessoas que foram crim inaliza
das, os condenados. A era da globalizao tem visto um crescim ento no
nm ero de aes consideradas criminosas. Mais do que nunca, pessoas so
detidas e presas, resultando em um a quantidade sem precedentes de pes
soas sendo crim inalizadas. Parte da expanso da crim inalizao deve-se
ao pequeno crim e, incluindo reaes com portam entais aos esquemas de
assistncia social que criam riscos imorais, situaes em que as pessoas
33
Precarizao
O utra m aneira de ver o precariado em term os de processos, a
m aneira pela qual as pessoas so precarizadas. Esta palavra canhestra
36
inloga a proletarizado, descrevendo as foras que levaram proletarizao dos trabalhadores no sculo X IX . Ser precarizado ser sujeito a
presses e experincias que levam a um a existncia precariada, de viver
no presente, sem um a identidade segura ou um senso de desenvolvimento
alcanado por m eio do trabalho e do estilo de vida.
Nesse sentido, parte dos assalariados est sendo levada ao precariado.
O caso do lendrio salaryman [hom em assalariado] no Japo ilustrativo.
Esse trabalhador do sculo X X I, com emprego vitalcio em um a empresa,
surgiu atravs de um m odelo altam ente paternalista do trabalhism o que
prevaleceu at o incio dos anos 1980. N o Japo (e em outros lugares), a
gaiola dourada pode facilm ente se tornar um a gaiola de chum bo, com
tantas garantias de vnculo empregatcio que o exterior se torna um a
zona de m edo. Isso o que aconteceu no Japo e em outros pases do
leste asitico que adotaram um m odelo similar. Sair da com panhia ou
organizao tornou-se um sinal visvel de fracasso, um a desmoralizao.
Em tais circunstncias, a busca do desenvolvim ento pessoal facilm ente
d i lugar a um a politicagem de deferncia em relao aos que esto em
posio mais alta na hierarquia interna e de conspiraes oportunistas.
Isso foi levado ao lim ite no Japo. A com panhia tornou-se um a
tm lia fictcia, de m odo que a relao de em prego se to rn o u um a
kintractshipj na qual o em pregador adotava o empregado e, em troca,
esperava algo prxim o de um a relao dadivosa de subservincia, dever
nhal e dcadas de trabalho intenso. O resultado foi um a cultura de horas
extras de servio e o sacrifcio m xim o do karoshi, a m orte por excesso
de trabalho (M o u e r ; K a w a n is h i , 2 0 0 5 ). Mas desde o incio dos anos
1980, a participao da fora de trabalho japonesa na massa assalariada
encolheu drasticamente. Aqueles que ainda esto agarrados a ela esto soh
presso, m uitos esto sendo substitudos por trabalhadores mais jovens e
por mulheres sem nenhum a garantia de vnculo empregatcio equivalente
deles. O precariado est deslocando o salaryman, cuja dor revelada
por um aum ento alarm ante do nm ero de suicdios e de doenas sociais.
A transform ao japonesa do salaryman pode ser um caso extrem o.
Mas possvel ver com o algum psicologicam ente aprisionado a um
emprego de longo prazo perde o controle e levado a se aproxim ar de
um a form a de dependncia precria. Caso o pai se torne descontente.
37
38
A mente precarizada
N o preciso ser um determ inista tecnolgico para perceber que
o cenrio tecnolgico configura a m aneira com o pensamos e nos com
portam os. O precariado no se m ostra ainda com o um a classe organi
zada que busca ativamente seus interesses, em parte porque aqueles que
meie se encontram so incapazes de controlar as foras tecnolgicas que
enfrentam . H um indcio crescente de que a parafernlia eletrnica
qne perm eia cada aspecto de nossas vidas vem exercendo um im pacto
profundo no crebro hum ano, na m aneira com o pensamos e, de form a
amda mais assustadora, na nossa capacidade de pensar. O que com pa
tvel com a ideia de precariado.
O precariado definido pelo curto prazismo, que pode evoluir
para um a incapacidade da massa de pensar a longo prazo, induzida
pela baixa probabilidade de progresso pessoal ou de construo de um a
carreira. Os grupos de iguais podem acentuar essa questo ameaando
m arginalizar aqueles que no esto em conform idade com as normas
de com portam ento. Regras tcitas sobre o que ou no feito im pem
custos pesados sobre os dissidentes.
A internet, o hbito de navegar, o envio de mensagens curtas, o
Facebook, o Tw itter e outras mdias sociais - tudo isso est agindo para
reprogram ar o crebro (C a r r , 2010). Essa vida digital est danificando
o processo de consolidao da m em ria de longo prazo que a base do
que geraes de seres hum anos vieram a considerar com o inteligncia, a
capacidade de raciocinar m ediante processos complexos e de criar novas
ideias e m odos de imaginao.
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de ter mobilidade, fazendo mais trabalho por tarefa. Seus colegas fugitivos
constataram que a m iragem da promoo no passava disso.
Pelo menos desde o trabalho de Em ile D urkheim , entendemos que
a anomia um sentimento de passividade nascido do desespero. Ele cer
tam ente intensificado pela perspectiva de empregos simples e desprovidos
de carreira. A anom ia surge de um a indiferena associada com a derrota
constante, agravada pela condenao arremessada por polticos e analistas
da classe mdia sobre muitos que esto no precariado, castigando-os como
preguiosos, sem rum o, desm erecedores, socialm ente irresponsveis,
ou pior. N o caso dos que clam am pelos benefcios sociais, dizer que as
psicoterapias so o cam inho a seguir paternalista e facilm ente visto
com o tal por aqueles estimulados a optar por elas.
O precariado vive com ansiedade - insegurana crnica associada
no s oscilao beira do lim ite, sabendo que um erro ou um epi
sdio de m sorte poderia pender a balana entre a dignidade modesta
e ser um sem -teto, mas tam bm com um m edo de perder o que possui,
mesmo quando se sente enganado por no ter mais. As pessoas tm a
m ente insegura e so estressadas, e ao mesmo tem po subempregadas
e sobrempregadas. So alienadas de seu emprego e de seu trabalho, e
seu com portam ento anm ico, incerto e desesperado. As pessoas que
tem em perder o que tm esto constantem ente frustradas. Ficaro com
raiva, mas em geral, de form a passiva. A m ente precarizada alimentada
pelo m edo e m otivada pelo medo.
A alienao decorre do conhecim ento de que aquilo que fazemos
no para o nosso propsito ou para o que poderamos respeitar ou apre
ciar; simplesmente algo feito para outros, ordem deles. Isso tem sido
considerado como um a caracterstica m arcante do proletariado. Mas os
membros do precariado experim entam vrias injees especiais, inclusi
ve um sentim ento de ser enganado dito a eles que devem ser gratos
e felizes porque esto trabalhando e devem ser positivos. E dito a
eles que devem ser felizes, mas eles no conseguem perceber o motivo.
E xperim entam o que Bryceson (2010) chama de ocupacionalidade fra
cassada, que s pode ter um efeito psicolgico adverso. Pessoas em tais
circunstncias so susceptveis de experimentar a desaprovao social e uma
profunda falta de propsito. E a falta de ocupao cria um vcuo tico.
O precariado no se deixa enganar. Seus mem bros enfrentam um
bom bardeio de apelos. Porm , ser que a m ente inteligente sucum be to
facilmente? Em Sm ile or D ie, Barbara Ehrenreich (2009) ataca o culto
42
m oderno do pensam ento positivo. Ela relem bra com o, nos Estados
Unidos nos anos 1860, dois charlates (Phineas Q uim by e M ary Eddy)
criaram o M ovim ento do N ovo Pensamento, baseado no Calvinism o
e na viso de que a crena em Deus e o pensam ento positivo levariam
a resultados positivos na vida. Ehrenreich seguiu os rastros desse pen
samento at chegar aos negcios e finanas m odernos. Ela descreveu
com o as conferncias m otivacionais tinham oradores dizendo aos tra
balhadores com contrato de curto prazo, aps serem dem itidos, que eles
eram jogadores de boa equipe, definidos com o um a pessoa positiva
<|ae sorri com frequncia, no se queixa e se submete com gratido a
cndo o que o chefe exige. Podem os ir mais longe e perguntar se alguns
no adotaram o velho ditado chins: Faa reverncia com o corpo to
m chnado que o Im perador no veja voc sorrir. Porm mais provvel
que a resposta para o disparate alienante que o precariado tem de aturar
ieja um rangido de dentes.
H outras reaes alm de raiva reprim ida. Por exemplo, o pre
cariado pode cair em um a zona corrosiva de engano e iluso, ilustrada
por um sul-coreano entrevistado pelo jo rnal International Herald Tribune
T a c k l e r , 2009). O reprter observou:
C o m seu lim po m oletom branco da universidade e celular b rilh a n
te, Lee C hangshik parece adequado situao de gerente de um a
adm inistradora de condom nio, o em prego que ocupou at o p
nico financeiro no ano passado - em prego que ele diz aos am igos e
fam iliares que ainda m antm .
48
Ci|)ftulo 2
A ara com preender por que o precariado est crescendo, deve-se avaliar
fam lia t m recursos suficientes para sobreviver sem ajuda fin an ceira d o g overno. (N .E .)
O term o workfare, derivado das palavras work (trabalho) e welfare (bem -estar), u m m odelo
altern ativ o ao sistem a de b e m -e sta r social em que o in d iv d u o te m de c u m p rir certos
requisitos, co m o form ao ou at m esm o trab a lh o no re m u n e rad o , para p o d e r receb er
a assistncia social. (N.T.)
50
A transformao global
Desde os anos 1970, a econom ia m undial passou a ser integrada,
ma m edida em que o que acontece em um a parte do m undo afeta quase
instantaneam ente outros lugares. N a dcada de 1970, os m ovim entos de
mna bolsa de valores eram equilibrados por m ovim entos semelhantes
em outras bolsas apenas num a m inoria dos casos; hoje, eles se m ovem
em conjunto. N a dcada de 1970, o comrcio era um a pequena parte da
lenda nacional em m uitos pases e ocorria principalm ente no caso dos
bens complementares; hoje, ele envolve bens e servios que fluem em
todas as direes com um a crescente participao consistindo em fraes
e bens e servios, a m aior parte dentro das prprias redes multinacionais.
O s custos relativos do trabalho tornaram -se um a parte m uito m aior do
processo de negociao.
O capital e o emprego associado esto fluindo da Organizao para
i. Cooperao e Desenvolvimento Econm ico (OCDE) para as economias
e mercado emergentes. E isso vai continuar. O capital por pessoa na
C hina, ndia. Indonsia e Tailndia de 3% daquele nos Estados U n iik. A produtividade nessas economias se elevar durante m uitos anos,
simplesmente pela construo de mais m quinas e infraestrutura. Nesse
meio tem po, os pases industrializados se tornaro economias rentistas,
zus quais a m dia dos salrios reais no vai subir ou ser um m eio de
reduo da desigualdade.
As economias de mercado emergentes continuaro a ser um fator
primrio no crescimento do precariado. No haver reverso desse aspecto
da globalizao. E tolice de quem se preocupa com a desigualdade e a
insegurana econmica nos pases ricos atuais im aginar que um a resposta
etetiva ao choque financeiro de 2008 e subsequente crise econm ica
seria se refugiar no protecionism o. Lam entavelm ente, no entanto, como
veremos, os governos reagiram de um a m aneira que apenas intensificou
as inseguranas e as desigualdades que sustentaram a crise.
O surgimento da Chndia
A globalizao m arcou o aparecimento do que podemos cham ar de
C hndia, que tem mudado profundam ente a vida social e econmica em
codos os lugares. A combinao de C hina e ndia no totalm ente correta;
so pases com culturas e estruturas diferentes. Entretanto, para os nossos
propsitos, a Chndia se constitui num a metfora abreviada conveniente.
51
empresa, m ovendo mais produo para reas de custo mais baixo e substi
tuindo sua mo de obra por empregados mais precrios. O grande m otor da
terceirizao vai se terceirizar. Entretanto, o modelo de desenvolvimento
chins e da Foxconn acelerou as mudanas no resto do m undo para um a
estrutura em que o precariado vai se tornar o centro das atenes.
Mercadorizao da empresa
U m aspecto da globalizao que tem atrado menos ateno, mas
que tem contribudo para o crescim ento do precariado, a m aneira
com o as prprias companhias tm se tornado mercadorias para serem
compradas e vendidas m ediante fuses e aquisies. Em bora isso seja
parte do capitalismo h m uito tem po, costumava ser bastante raro. O
frenesi com que as empresas so agora negociadas, divididas e reacondicionadas um a caracterstica do capitalismo global. E as corporaes
so cada vez mais propriedades de acionistas estrangeiros, pilotadas por
fundos de penso e de capital privado.
A m ercadorizao de companhias significa que os compromissos
feitos pelos atuais proprietrios no valem tanto quanto valiam antes.
Os proprietrios poderiam estar fora da empresa no dia seguinte, ju n
tam ente com suas equipes de gerenciam ento e com os acenos e apertos
de m o que com pem os negcios inform ais sobre com o o trabalho
feito, com o os pagamentos devem ser honrados e com o as pessoas so
tratadas em m om entos de necessidade.
E m 1937, R o n a ld Coase especificou um a teoria que lhe daria
um Prm io N obel de Econom ia. A rgum entou que as empresas, com
suas hierarquias, eram superiores aos mercados pulverizados com pos
tos somente por indivduos; elas reduziam os custos de transaes dos
negcios, e um a das razes disso era o fato de prom overem relaes de
longo prazo baseadas em confiana. Esse raciocnio entrou em colapso.
Agora que os compradores oportunistas podem acum ular vastos fundos
e assumir o controle at mesmo de com panhias bem administradas, h
menos incentivo para form ar relaes de confiana dentro das empresas.
Tudo se torna contingente e aberto renegociao.
D urante anos os jornais acadmicos foram repletos de artigos sobre
as variedades de capitalismo nacional. Elas esto se fundindo num
hbrido global, algo mais prxim o do m odelo acionista anglo-saxo do
que do m odelo de participao alemo, como ilustra o exemplo do Japo.
54
o m ilagre japons nos anos 1960 e 1970 tinha por base a empresa
com o instituio social, com rgidas hierarquias, em prego vitalcio,
salrios baseados em tem po de servio e company unions f Isso era apro
priado para um pas que entrava na econom ia m undial partindo de um a
hase de baixa renda. Mas as inflexibilidades do m odelo im pediram sua
adaptabilidade na era da globalizao.
Finalm ente, o governo japons reescreveu a legislao corporativa
a fim de m udar para o m odelo dos Estados U nidos, p erm itindo que as
empresas introduzissem salrios relacionados ao desem penho, opes
de aes, diretores de fora, prom oes com base na com petncia e no
ma idade, busca de valor para o acionista e contratao de funcionrios
assalariados com alguns anos de experincia. A empresa estava sendo
aiercadorizada, orquestrada pelo capital financeiro e pelos proprietrios
acionistas, no administradores. Ela no era totalm ente americanizada,
mas a tendncia era clara.
A proporo de aes em posse de estrangeiros aum entou quase
seis vezes entre 1990 e 2007. A emisso de aes tornou-se com um , dei
xando as empresas abertas aquisio. At o final dos anos 1990, havia
menos de 500 fuses e aquisies por ano; em 2006, houve cerca de 3
mil. A m udana se deveu a um a reforma que perm itiu que as companhias
msassem aes para com prar outras empresas, ao mesmo tem po em que
reformas contbeis obrigavam as empresas a serem mais transparentes.
Em 2007, um a lei possibilitou as fuses triangulares habilitando com
panhias estrangeiras a usarem aes para com prar empresas japonesas via
companhias subsidirias.
A ameaa da aquisio de controle levou as empresas a reduzir o
emprego vitalcio, principalmente com a perda de pessoal sem substituio
por empregados regulares. A proporo de empresas que se descreviam
como concentradas no acionista subiu para 40% em 2007, enquanto a
parcela que se dizia concentrada no trabalhador caiu para apenas 13%.
Outros pases mercadorizaram a empresa de maneiras similares, com
Hso tornando a vida mais insegura para os empregados. Mesmo aqueles emp^gados na categoria dos assalariados agora podem descobrir que, durante
C om pany unions so sindicatos form ados e c ontrolados p o r u m a em presa com o objetivo
de to lh e r os esforos de associao de seus fun cio n rio s, u m a vez que no afiliado a
n e n h u m sindicato in d ep e n d en te . T am b m c o stu m a m ser cham ados de yellow unions
(sindicatos am arelos). (N .E .)
55
Rexibilidade numrica
D urante trs dcadas, a ideia de facilitar a demisso dos emprega
dos foi defendida com o uma~maneira de estim ular os empregos. A rgu
mentava-se que isso tornaria potenciais empregadores mais inclinados a
empregar trabalhadores, um a vez que seria menos custoso livrar-se deles.
A fraca garantia de vnculo tem sido descrita pelo Fundo M onetrio In
ternacional (FMI), pelo Banco M undial e por outras corporaes como
necessria para atrair e reter o capital estrangeiro. Consequentem ente, os
57
ricas no pas. Prospera com base num sofisticado processo ju st-n -tim e j
no qual o controle dos custos do trabalho por meio de extrem a flexibi
lidade fez dele um dos modelos mais detestados do m undo. O emprego
tem porrio a essncia do sistema. O ponha-se ao que acontece ali e
voc est fora.
A mudana para o emprego tem porrio parte do capitalismo glo
bal. Tem sido acompanhada por um crescimento das agncias de emprego
e do nm ero de corretores de trabalho, que tm ajudado as empresas a
m udar mais rapidam ente para tem porrios e a terceirizar grande parte
de seus empregados. As agncias de trabalho tem porrio so gigantes
que m oldam o processo de trabalho global. A Adecco, sediada na Su
a, com 700 m il pessoas em seus registros, tornou-se um dos maiores
empregadores privados do m undo. A Pasona, um a agncia japonesa de
recursos hum anos, criada na dcada de 1970, encam inha todos os dias
250 m il trabalhadores para contratos de curto prazo. O fundador da
Pasona afirma que a flexibilidade benfica para as empresas e para os
trabalhadores, e descarta como sentim ental a velha norm a de empregos
de longo prazo. Seja um trabalhador regular e seja explorado pelo
resto da vida, disse ele ao T he Economist (2007). D o mesmo m odo que
as agncias europeias e norte-am ericanas, a Pasona construiu dzias de
subsidirias que lidam com a terceirizao de projetos e com a produo
nos pases asiticos e nos Estados Unidos.
Tradicionalm ente, as agncias tem porrias se concentravam em
pessoal adm inistrativo e trabalhos servis, com o encarregados de lim
peza e auxiliares de hospital. Depois, tiveram algum sucesso na esfera
lucrativa dos requerentes de benefcios sociais. Agora, elas esto indo
cada vez mais para a arena profissional, considerada com o um negcio
com m aior m argem de lucro. Por exemplo, a Adecco est m udando seu
perfil de 20% profissional e 80% trabalhador adm inistrativo e operrio
para um tero profissional.
O crescim ento do trabalho tem porrio, das agncias de emprego
m ultinacionais e dos m esquinhos corretores de trabalho que figuram
em pases com o a Africa do Sul tem sido facilitado por mudanas legis
lativas e legitim ado por corporaes com o a Organizao Internacional
estabelece que tu d o deve ser p ro d u z id o , tran sp o rta d o o u com prado na h ora exata, a fim
de d im in u ir custos e estoques. (N.T.)
60
64
nenhum a rom antizao do surgim ento de algum a idade de ouro (Se n NETT, 1998; U c h it e l l e , 2006). Mas agora um a quantidade m uito m aior
no tem controle algum . O fortalecim ento da prerrogativa de gesto
significa que a insegurana no trabalho a nova norm a. C om o as pessoas
podem construir um a carreira e desenvolver um perfil profissional quando
podem ser movidas em curto prazo ou quando os prxim os degraus da
escada profissional de repente so terceirizados?
U m a tendncia relacionada a essa flexibilizao a expanso dos
contratos individuais, com o parte da contratualizao da vida. N a
sociedade industrial, a norm a era um contrato coletivo, definido por
negociao coletiva, talvez estendida a outras empresas em um mesmo
setor. Mas na m edida em que os sindicatos e a negociao coletiva se
retraram , os contratos individualizados cresceram. Por um curto tempo,
menos trabalhadores foram cobertos por alguns contratos, mas a tendn
cia dos contratos individuais est se fortalecendo. Eles perm item que as
empresas forneam diferentes tratam entos, graus de segurana e status,
de m odo a canalizar alguns trabalhadores dentro dos assalariados, alguns
em empregos estveis, alguns em um status de precariado, aum entando
as divises e as hierarquias. Os contratos individualizados perm item que
os empregadores enduream as condies para m inim izar a incerteza da
empresa, condies essas impostas m ediante a ameaa de sanes para a
quebra de contratos.
Os contratos individuais tornaram -se mais que um a tendncia
global desde que a C hina prom ulgou a Lei do Trabalho de 1994 e a Lei
do C ontrato de Trabalho de 2008, que consolidaram contratos de prazo
fixo e de prazo indeterm inado. Estes vo aum entar a terceirizao e a
triangulao na m edida em que as empresas aprenderem a m inim izar os
custos que acom panham os contratos. A C hina o mercado de trabalho
m aior e mais dinm ico do m undo; esses desenvolvimentos m arcam um a
m udana para um a fora de trabalho global em muitas camadas, na qual
assalariados privilegiados trabalharo ao lado de um crescente precariado.
Os contratos individuais, a infbrmalizaco dos trabalhadores e outras
formas de flexibilidade externa se renem em outro term o desajeitado:
terciarizao. Isso representa mais do que transm itido pelo setor
tercirio, o qual envolve um a m udana para servios. Por dcadas, a
produo m undial e o emprego foram m udando para servios. O term o
popular desindustrializao enganoso, um a vez que implica um a
eroso e perda de capacidade, enquanto grande parte da m udana tem
66
Desmantelamento profissional
Alm da flexibilidade funcional e do trabalho distncia, as m u
danas nas estruturas profissionais tm p erturbado a capacidade das
pessoas de controlar e desenvolver seu potencial profissional. N a era da
globalizao, os governos desm antelaram calm am ente as instituies de
autorregulao de profisses e ofcios e, em seu lugar, construram
elaborados sistemas de regulao estatal. Estes sistemas rem overam a
capacidade das corporaes profissionais de estabelecer seus prprios
padres, controlar a entrada para sua profisso, estabelecer e reproduzir
sua tica e maneiras de fazer as coisas, definir as taxas de rem unerao
e direitos, estabelecer formas de disciplinar e p unir m em bros, definir os
procedim entos para a prom oo e para outras formas de progresso na
carreira, e m uito mais.
O ataque autorregulao profissional fazia parte da agenda neoliberal. M ilton Friedm an - arquiteto do monetarismo e, depois de Friedrich
Hayek, o mais influente economista que orientou Thatcher, R eagan e
Pinochet no Chile - teve sua prim eira experincia intelectual em 1945
com um livro que atacava a profisso mdica (F r ie d m a n ; K u z n e t s , 1945).
Os neoliberais queriam regulamentaes que bloqueassem qualquer voz
coletiva. As corporaes profissionais estavam no topo da lista de alvos.
A regulam entao estatal tem se intensificado m ediante o licencia
m ento profissional e um a mudana no licenciamento para entidades esta
tais, insistindo na adeso concorrncia e prticas baseadas no mercado.
As corporaes profissionais tornaram -se sujeitas a regras antitruste. As
profisses que definiam suas prprias regras foram vistas com o algo que
distorcia o m ercado, agindo m onopolisticam ente. Assim, mais pessoas
foram submetidas ao licenciam ento profissional e obrigadas a estar de
acordo com as prticas de mercado.
As mudanas tm sido dramticas. Nos Estados Unidos, atualmente,
mais de m il profisses esto sujeitas ao licenciam ento, o que cobre mais
68
maioria dos trabalhadores tem dim inudo, mas sua insegurana de renda
l a n aumentado. Isso pode ser visto por meio do prisma da renda social,
com o foi m ostrado no captulo 1.
A renda social est sendo reestruturada. Inicialm ente, os salrios
os pases industrializados se estagnaram , em m uitos pases durante
irias dcadas. As diferenas salariais aum entaram enorm em ente, indo in d o diferenciais entre empregados regulares e empregados prxim os
J o precariado. Por exemplo, no setor industrial alemo, os salrios dos
trabalhadores perm anentes tm aum entado, enquanto os salrios dos
trabalhadores com contratos atpicos tm cado. N o Japo, os em pre
gados tem porrios recebem salrios que correspondem a 40% dos valores
pagos aos assalariados que fazem servios semelhantes, e no recebem
4H bnus semestrais no valor de cerca de 20% da rem unerao total. Os
m porrios tm at mesmo de pagar mais pelas refeies na cantina da
empresa. Q uando os salrios reviveram aps a recesso de 2008-2010, os
silirios dos retrados assalariados subiram, enquanto os dos tem porrios
caram ainda mais.
Diferentem ente dos outros, o precariado conta am plam ente com
irfrios nominais. N o sculo X X , o assalariado e o proletariado passaram
a contar, em grande parte, com outras formas de rem unerao. H ouve
na substituio de salrios por benefcios empresariais e estatais, prinapahnente para empregados em tem po integral. A m udana foi m aior na
Unio Sovitica e na C hina, onde o sistema de danwei (tigela de arroz
e ferro) dava aos empregados de empresas estatais benefcios e servios
*do bero ao t m ulo, desde que eles fossem condescendentes. A m u
dana dos salrios nom inais tam bm ocorreu nos Estados de bem -estar
social, com mais benefcios estatais na Europa O cidental e mais benecios empresariais nos Estados Unidos e no Japo. Tam bm aconteceu
aos pases em desenvolvimento onde o setor m oderno copiou o que
acontecia em outros lugares.
A lgum as pessoas, com o E sping-A ndersen (1990), cham aram a
m udana dos salrios de desm ercadorizao do trabalho, sugerindo
que os trabalhadores eram m enos dependentes do m ercado no que diz
respeito renda. Isso enganoso, visto que o direito m aioria dos
benefcios dependia da participao regular no m ercado de trabalho
ou de ter um chefe de fam lia num em prego estvel. U m a descrio
mais precisa a desm ercadorizao fictcia. Os trabalhadores tinham
de concordar com as injunes do m ercado para obter aquelas formas
71
73
precariado foram aumentadas por aquilo que outrora teria sido consi
derado a mais improvvel das fontes. C om o o emprego nas fbricas de
automveis despencou, dim inuindo em trs quartos entre 2000 e 2009,
surgiu um grupo cham ado ciganos da G M , trabalhadores da indstria
autom obilstica que se deslocavam por todo o pas, na m edida em que
era fechada um a fbrica aps a outra.
Se as penses de empresas privadas, sobre as quais o contrato social
do capitalismo do sculo X X foi construdo, esto sendo gradualmente
reduzidas, o mesmo acontece com as penses do Estado, lideradas pelo
R eino Unido. A penso estatal do R eino U nido hoje eqivale a 15% do
salrio m dio e est decaindo, e a idade de acesso a ela deve subir de 65
para 68 anos. Pode-se prever que a idade de concesso do direito de pen
so vai retroceder para 70 anos ou mais. O relatrio Turner da Comisso
de Penses, aceito pelos partidos Trabalhista e Conservador, props um
acordo tripartite: perm anecer no emprego por mais tempo, poupar mais
e, finalmente, receber do Estado um a penso bem modesta. Isso tinha
como intuito interrom per o aumento das avaliaes de recursos. Mas, a
menos que as penses bsicas aum entem e as avaliaes de recursos sejam
reduzidas, o incentivo a poupar ser enfraquecido. Q uem tem baixa renda
no incentivado a poupar, pois, se o fizer, perder o direito penso.
O u tro aspecto da reestruturao da renda social a m udana de
pagam ento fixo para flexvel. Aqui, novam ente, a flexibilidade significa
um a vantagem para os empregadores e aum enta o risco e a insegurana
para quem recebe salrio. U m a das demandas dos movimentos trabalhistas
do sculo X X era por um salrio estvel previsvel. Mas o capitalismo
global quer ajustar os salrios rapidamente. Se no puder fazer isso, ele ir
para onde acha que pode faz-lo. Em 2009, as empresas norte-americanas,
em mdia, estavam deixando de lado quase o dobro da parcela de sua
folha de pagam ento para ter um a rem unerao varivel, tais com o pr
mios de desem penho, como fizeram em 1994 (D v o r a k ; T h u r m , 2009).
N a recesso do incio dos anos 1980, a concesso de acordos se m ul
tiplicou na m edida em que os sindicatos e os empregados desistiram do
direito a benefcios em troca de aumentos salariais. Agora, as concesses
de acordos so mais unilaterais. Os benefcios so tirados das camadas
mais baixas de trabalhadores, fazendo com que os salrios subam como
um a parte da renda, mas os salrios estagnaram. Em 2009, os trabalha
dores da Ford abriram m o dos subsdios de custo de vida e perderam o
pagam ento de frias e de bolsas de estudos universitrios para os filhos,
74
Desemprego precrio
O desemprego faz parte da vida no precariado. Mas lidar com ele tem
sido mais difcil porque tem acontecido um a reviso de atitudes. N a era da
pr-globalizao, o desemprego era considerado algo decorrente de fatores
econmicos e estruturais. O desempregado era um infeliz, no lugar errado
e na poca errada. Os sistemas de benefcios de desemprego foram cons
trudos com base no principio da insegurana social; todos contribuam,
de m odo que quem tivesse pouca probabilidade de ficar desempregado
subsidiava quem tinha um a probabilidade mais alta ao desemprego.
Esse m odelo entrou em colapso, mesmo que a fico continue em
alguns pases. Menos trabalhadores esto num a posio que perm ite fazer
contribuies ou conseguir obt-las em seu favor, e menos se qualificam
sob as regras de contribuio. Mas, em qualquer caso, as posies ofi
ciais em relao ao desemprego tm m udado radicalm ente. N o m odelo
neoliberal, o desem prego tornou-se um a questo de responsabilidade
m dividual, torn an d o -o quase voluntrio. As pessoas passaram a ser
consideradas como mais ou menos empregveis e a resposta foi torn-las
mais aptas para o trabalho, atualizando suas habilidades ou reform an
do seus hbitos e atitudes. Isso facilitou a passagem para o estgio
se-guinte de culpar e dem onizar os desempregados como preguiosos e
parasitas. N o captulo 6, consideraremos o rum o que isso tom ou. Aqui
s queremos entender com o o desemprego tem afetado o precariado.
A prim eira recesso da era da globalizao no incio dos anos 1980
levou a um a m udana nas atitudes oficiais em relao aos nveis mais
baixos do mercado de trabalho onde o precariado estava emergindo, bem
como a um a m udana de atitude entre as pessoas que estavam perdendo
empregos. N o R eino U nido, os salrios flexveis e os empregos precrios
combinados com o alto desemprego levaram os jovens de classe operria,
em particular, a abraarem o auxlio-desem prego como autenticao
de seu desdm aos torpes trabalhos que estavam em oferta, um a rejei
o com preendida por bandas pop, com o a U B 40 tanto o nom e da
77
78
A armadilha da precariedade
U m mercado de trabalho baseado em trabalho precrio produz altos
custos de operao para quem est nas suas margens. Esses custos incluem
o tem po que se leva para requerer benefcios em caso de desemprego, a
foka de renda naquele perodo, o tem po e os custos associados procura
e empregos, o tem po e o custo para aprender novas rotinas de trabalho
e o tem po e o custo envolvidos no ajuste de atividades fora dos empregos
para acom odar as demandas de novos empregos tem porrios. O custo
HXal pode ser substancial em comparao com os ganhos esperados. Isso
cria o que pode ser cham ado de arm adilha do precariado.
U m estudo feito no R eino U nido em 2010 pela R eed in Partnership,
uma empresa que ajuda os desempregados a encontrar emprego, descobriu
que o custo m dio para a obteno de um emprego, com roupas, viagem,
puericultura, treinam ento e assim por diante, atinge 146 libras, um a
quantia considervel para pessoas que podem ter ficado desempregadas
por um longo tem po ou passado por um a srie de empregos tem porrios
mal remunerados. N o prim eiro ms de um emprego, o custo apresentou
um adicional de 128 libras. Se houver a possibilidade de obter apenas
um emprego tem porrio m al rem unerado, o desestm ulo im plcito na
81
O choque financeiro
N o topo das mudanas de longo prazo dirigidas aos desempregados,
a crise financeira de 2008-2009 acelerou o crescim ento do precariado
^ b a l exercendo mais presso sobre as empresas para que elas cortassem
os custos do trabalho por meio de medidas de flexibilidade e sugerindo
fndticas governam entais que as incentivassem.
C om o era esperado, o precariado inicialm ente suportou o peso
o choque. O s empregados tem porrios foram os que mais facilm ente
SC tornaram suprfluos, pelo simples fato de no terem seus contratos
renovados. R andstad, a segunda m aior empresa do m undo em m atria
c pessoal, relatou declnios acentuados em toda a Europa no ano de
3X8, observando que desta vez as empresas estavam mais inclinadas
a cortar postos de trabalho do que em recesses anteriores. Porm , na
medida em que a recesso continuou, tornou-se claro que ela era um a
alavanca para a expanso do precariado. A Adecco, a m aior agncia do
m undo de em prego tem porrio, relatou que o crescim ento renovado do
emprego estava concentrado no trabalho tem porrio ( S i m o n i a n , 2010).
N o R ein o U nido, o im pacto da crise foi notvel pela queda no
mero de empregados, enquanto que o nm ero de autnom os quase
o caiu. N o prim eiro ano da recesso, os empregos de tem po integral
caram em mais de 650 m il, enquanto os empregos de m eio perodo
biram em 80 m il, sendo que 280 m il trabalhadores em tem po parcial
afirmavam que no conseguiam em prego de tem po integral. O desem fcego aumentou mais do que a queda do emprego, principalmente devido
ao ingresso de jovens no m ercado de trabalho e a um aum ento da taxa
e participao na fora de trabalho dos trabalhadores mais idosos que
nfrentam penses e poupanas reduzidas.
Nos Estados U nidos, as empresas responderam crise cortando
empregados de tem po integral e substituindo outros por mudanas tec
nolgicas ou por terceirizao, em parte para evitar um a repetio dos
m stos de tornar as pessoas desnecessrias. U m a pesquisa feita em 2010
concluiu que pelo m enos um quarto dos 8,4 m ilhes de empregos eli
minados nos Estados U nidos desde que a recesso com eou no voltaria
a existir (Izzo, 2010).
83
91
est caindo m uito e que o desem prego no est crescendo m uito, espe
cialm ente na m edida em que as pessoas que esto nas sombras seriam
inelegveis para benefcios do Estado.
Isso consistente com os dados disponveis. Nos primeiros dois anos
de recesso, a queda do emprego em toda a Europa foi somente um tero
m aior do que a porcentagem de contrao da economia. N a Espanha, em
2010, o desem prego registrado havia subido para mais de 4,5 m ilhes,
ultrapassado o nvel que os sindicalistas e outros tinham previsto que
levaria a tumultos. No houve tum ultos. Alguns observadores atriburam
o fato tradicional tolerncia das redes de desem prego e familiares que
poderiam fornecer benefcios para a com unidade. O utros achavam que
tinha mais a ver com a prspera econom ia subterrnea. O sindicato dos
inspetores fiscais, Gestha, estim ou que a econom ia subterrnea repre
sentava mais de 23% do PIB e que ela tinha se expandido enquanto o
PIB registrado estava dim inuindo consideravelmente.
U m a econom ia globalizada de mercado aberto, caracterizada por
contratos informais, empregos de tem po parcial e tem porrios, servios
baseados em projetos e um a m irade de servios pessoais certam ente
favorvel ao trabalho paralelo. N o um a aberrao; ela faz parte do
sistema de m ercado global.
Concluses
H ouve um bruto pacto social na era da globalizao - os trabalha
dores eram obrigados a aceitar o trabalho flexvel em troca de medidas
pira preservar empregos, de m odo que a m aioria vivenciou a elevao
dos padres de vida. Foi um a negociao faustiana. Os padres de vida
ix a m m antidos ao se perm itir que o consum o excedesse as rendas e que
os ganhos excedessem o que de fato os trabalhos valiam. E nquanto este
excesso prom oveu ineficincia e distores de m ercado, aquele excesso
icz com que faixas da populao se endividassem de m aneira estonteanue. Mais cedo ou mais tarde, o diabo teria o que lhe era devido, um
m om ento que para muitas pessoas veio com a crise de 2008, quando a
renda dim inuda caiu abaixo do que era necessrio para pagar as dvidas
<pie tinham sido encorajadas a assumir. U m a nova camada estava prestes
a se ju n ta r ao precariado.
N o final da era da globalizao, o pacto havia sido rom pido. D o
bdo dos empregadores, desejava-se mais viajar com pouca bagagem. D o
iado dos trabalhadores, havia mais estresse, insegurana e distanciamento
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96
Captulo 3
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102
103
tem . H mais hom ens nessa posio quando comparados ao seu prprio
passado, s geraes masculinas anteriores e s expectativas e aspiraes
incutidas neles por suas famlias e culturas. N a m edida em que o preca
riado cresce e os empregos de carreira evaporam, a perda de reputao
agrava a perda de renda e as arm adilhas de status que as acom panham .
C om o m undo gerando trabalho precrio, os hom ens sintonizados com
um a autoim agem de estabilidade e progresso na carreira correm o risco
de se traum atizarem . Alm disso, o desmantelam ento das comunidades
profissionais e a perturbao de velhas noes de carreiras profissionais
produzem efeitos de frustrao na m edida em que os hom ens se defron
tam com a realidade de que suas carreiras esto truncadas.
Um desafio da masculinidade?
Enquanto m ulheres e hom ens enfrentam diferentes desafios em
torno do precariado, o m ovim ento em brionrio da precariedade atrai o
apoio de grupos de sexualidade diversa. H boas razes para isso. Cays e
lsbicas se sentem inseguros em um a sociedade voltada para os costumes
heterossexuais e as famlias nucleares padro. Mas tam bm h outras
tenses, ligadas s evolues do emprego. A feminizao do emprego
afeta as ideias tradicionais de masculinidade e feminilidade. U m tem a que
h m uito tem preocupado os socilogos a alegao de que os homens
jovens esto cada vez mais alienados e anmicos.
H istoricam ente, os jovens dispunham de modelos de papis para
ajud-los na vida adulta. Eles eram apresentados a um a ideia virilizante.
C uidariam de seus pais, ganhariam o suficiente para ser capazes de sus
tentar esposa e filhos, e term inariam seus anos como ancies respeitados.
O m odelo era machista e patriarcal, no um a estrutura para ser aplau
dida, mas enraizada ao longo de geraes. Agora, h poucos modelos
realistas para que os jovens hom ens da classe trabalhadora im item e que
lhes possibilitem a conquista do autorrespeito, e suas perspectivas de ser
um futuro chefe de fam lia so parcas.
A escassez de modelos aspiracionais poderia ser um a conseqncia
da segunda gerao da flexibilizao dos anos 1980 e 1990. Seu resultado
um prolongam ento da adolescncia, com hom ens jovens incapazes de
se m otivarem . C om o disse Lucie Russell, diretora da instituio benefi
cente Young M inds, do R eino Unido: C om o que m eninos se tornam
hom ens quando no h um papel a se desem penhar ou um trabalho?
104
e no Pas de Gales subiu em trs anos, tanto para hom ens quanto para
m ulheres. A m dia provisria de idade ao casar para os hom ens que se
casam pela prim eira vez era de 32,1 anos e, para as m ulheres, era de 29,9
anos. A idade crescente podia refletir o aum ento de custos - tanto os
custos reais quanto o custo de risco de fracasso. Mas certam ente atesta
um a sensao de precariedade que afeta, sim ultaneam ente, hom ens e
m ulheres, em bora de maneiras diferentes.
A tendncia tem contribudo para um crescente nm ero de fam
lias unipessoais nos pases industrializados. Mas, com o vimos, os jovens
tam bm foram voltando aos poucos para a casa dos pais, com a sua
prpria precariedade que, muitas vezes, somava-se dos pais. E ntre os
neologismos inventados para esse grupo, temos Kippers (crianas no bolso
dos pais corroendo as poupanas da aposentadoria) e iPods (inseguros,
pressionados, sobretaxados, cheios de dvidas e econmicos).
Em um polmico livro que supostamente descreve o que os homens
jovens, como os prprios autores, enfrentam agora (embora seus Curricula
Vitae tenham entregado o jogo), Ed H ow ker e Shiv M alik (2010) resu
m iram sua existncia da seguinte forma:
Trabalhamos em empregos e vivemos em casas garantidas por con
tratos de curto prazo; os passos de nossa vida so constantemente
sinuosos; para muitos de ns a nossa casa de infncia representa nosso
nico ponto de apoio... A gerao que vai salvar a Gr-Bretanha no
pode dar a partida; enquanto isso as dvidas esto ficando maiores, os
trabalhos esto ficando mais escassos, a vida est ficando mais difcil.
o term o baby boom co rresp o n d e a um a definio genrica para aqueles que nasceram
d u ra n te u m a exploso p opulacional; aqui o term o se refere exploso p o p u lac io n al que
aco n teceu depois da S egunda G u erra M u n d ia l. (N.T.)
108
Mercadorizao da educao
A m ercadorizao da educao tam bm contribui para o desapon
tam ento e a raiva. O em penho do sistema educacional para aprim orar o
capital hum ano no produziu melhores perspectivas de emprego. U m a
educao vendida com o um bem de investim ento que no tem retorno
econm ico para a m aioria dos compradores , de m aneira m uito simples,
um a fraude. Para dar um exemplo, 40% dos estudantes universitrios
espanhis depois de um ano de formados acham -se em empregos pouco
qualificados que no exigem suas qualificaes. Esse fato s pode produzir
um a pandem ia de frustrao de status.
A tualm ente, a m dia de ganho m onetrio vitalcio por cursar um a
faculdade ou universidade substancial: 200 m il libras para os hom ens
no R ein o U nido ( B r o w n e , 2010). A imposio de taxas elevadas pode,
assim, parecer justa. Porm , h o risco de se m arginalizar disciplinas
universitrias que no oferecem retorno financeiro e ignoram o fato de
109
A teo ria do m ercado de lim es de G eorge A k e rlo f diz, basicam ente, que as pessoas
re d u ze m o risco de serem enganadas se pe n sa re m que todas as pessoas q u e rem , de fato,
engan-las. A teo ria refere-se ao m ercado n o qual im possvel avaliar de an te m o a
q u alidade de u m p ro d u to /se rv i o e em que o v e n d ed o r tem m ais in fo rm a es sobre o
p ro d u to /se rv i o do que o com prador. (N.T.)
115
A moda do estagirio
E nquanto isso, est se espalhando um a nova form a de trabalho
precariado especialmente designada para a juventude. O emprego proba
trio m oda antiga, pelo menos em principio, levou a empregos estveis,
com o aconteceu com a aprendizagem de ofcios. Os estgios no. Eles
so apresentados com o um a form a de ganhar experincia til destinada
a fornecer, direta ou indiretam ente, um a entrada potencial para um
emprego regular. N a prtica, eles so usados por muitos empregadores
com o um m eio de obter trabalho dispensvel barato. N o entanto, os
jovens esto com petindo ferozmente por esses estgios no rem unerados
ou com rem unerao m uito baixa, na esperana de se ocuparem , ad
quirirem habilidades e experincia, expandirem redes e, apenas talvez,
obterem esse emprego enganoso.
Os estgios esto se tornando um rite de passage para a juventude
da classe m dia em alguns pases. Os Estados Unidos tm at estagi
rios virtuais, que trabalham rem otam ente para um a ou mais empresas,
fazendo pesquisa, vendas por telefone, m arketing, desenvolvimento de
design grfico ou de m dia social. Enquanto os alunos so expostos a
esferas potenciais de trabalho futuro e podem trabalhar quando con
veniente, as potenciais desvantagens incluem o isolamento e a ausncia
de rede de comunicao.
120
A tenso geracional
N os pases industrializados, os jovens entram n u m m ercado de
trabalho em que tero de fazer crescentes contribuies de seus baixos
salrios para financiar a renda de aposentadoria do nm ero ascendente
de pensionistas. O s dados demogrficos so desanimadores. N o Japo,
onde a tendncia de envelhecim ento mais avanada, o nm ero de
trabalhadores necessrio para sustentar cada aposentado caiu de dez,
em 1950, para quatro, em 2000, e dever cair para dois em 2025. Nada
m enos do que 70% do oram ento de previdncia social do pas vai para
os idosos e apenas 4% para a assistncia infncia (K in g s t o n , 2010).
Vamos considerar o que est acontecendo com os idosos posteriorm ente.
Preocupa-nos aqui a form a com o isso afeta a juventude.
A juventude do sculo X X I precisa buscar cada vez mais qualifica
es, a um alto custo, a fim de ter um a baixa probabilidade de conquistar
um ponto de entrada na carreira - um a m iragem distante para muitos.
A lm disso, m esm o que tenha xito, ela pagar contribuies, com o os
122
Perspectivas sombrias
A ju v en tu d e tem um a com binao de desafios. Para m uitos, a
precariedade um a arm adilha que lhes acena. Para outros tantos, a
exposio a um sistema de educao m ercadorizado leva a um perodo
de frustrao de status. E nquanto para alguns um curto perodo de ao
no precariado pode ser um interldio entre a educao e a entrada no
m undo do assalariado rico ou mesmo na elite, para a m aioria, o futuro
promete um fluxo de empregos temporrios, sem qualquer perspectiva de
desenvolvimento de um a carreira profissional. Para um nm ero crescente
de jovens, o desafio significa ser treinado em em pregabilidade para se
tornarem apresentveis e flexveis em qualquer pluralidade de cam inhos,
sendo que nenhum deles corresponde ao que eles realm ente querem .
Para alguns, o desafio demasiado. U m a reao ao choque entre a
educao e a perspectiva de empregos precrios a opo pela busca de
empregos no geral, tornando-se o que os observadores italianos apelida
ram de alternativi ou cognitariat, que levam um a vida de bom ia que troca
a segurana por um a vida de criatividade e autonom ia (F l o r id a , 2003,
p. 35). Isso s possvel para poucos e significa um a barganha faustiana,
em que o preo da liberdade e da emoo cobrado mais tarde, na falta
de um a penso ou de outros confortos materiais. Isso, no entanto, chama
a ateno de muitas pessoas.
W arren Buffett tinha um a teoria da bola de neve. Q uanto mais
cedo puderm os definir nossas aptides e ambies, mais tem po teremos
para deix-las rolar, acum ulando tam anho e poder. Se os prim eiros anos
preciosos so gastos tateando por ai em empregos precrios, a capacidade
de se desenvolver ser perm anentem ente prejudicada. E isso que pode
tornar o jovem mais irritado. A perspectiva da insegurana persistente
se acomoda desconfortavelm ente com um sentim ento de que ela in
ventada, no necessria.
Eis o resum o disso. A parte jovem do precariado est protestando
contra o escurecim ento da luz da educao e contra a mercadorizao da
vida, em que h um choque entre um processo educacional comercial e
os empregos alienantes, que parecem estar abaixo das qualificaes que
os jovens devem ter. Eles com partilham um a viso da vida equivalente
revelao de u m dram a de frustrao de status, ainda que rejeitem a
m onotonia do trabalhism o que foi a sina da gerao de seus pais. H
algumas reconsideraes a serem feitas.
125
se tom aram um a fora propulsora do seu crescimento. Tom aram -se uma
fonte de trabalho barato, pago com salrios baixos, recebem poucos be
nefcios e so facilmente demitidos. Em alguns aspectos, desem penham
papis semelhantes aos dos migrantes, dos quais falaremos adiante. Em
outros aspectos isso no acontece, um a vez que mais pessoas certam ente
recebem com agrado um a existncia precariada, no sentido estrito do
term o. Muitas vezes so gratos apenas por serem queridos. U m grande
nm ero deles j trabalha com o voluntrios. A organizao ativista para
os idosos. Age C oncem , estimou que, sob esse pretexto, eles contribuem
com trs bilhes de libras anuais para a economia do R ein o U nido, a qual
no leva em conta o trabalho de seus avs (e, em um nm ero crescente
de casos, o trabalho parental).
Os idosos so atrados para as atividades de tem po parcial, tem por
ria e de trabalho autnom o. As pesquisas de opinio pbhca nos Estados
Unidos e na Europa descobriram que, exceto na Frana e na Alemanha,
enquanto a maioria dos baby boomers a favor de trabalhar por mais tem po
para obter um a penso maior, a m aior parte das pessoas quer empregos
de tem po parcial. E uma pesquisa da Eurobarom eter, de 2007, descobriu
que 61% dos norte-am ericanos prefeririam ser autnom os a ocupar um
emprego. Em bora os europeus com idade inferior a 24 anos estivessem
quase to entusiasmados com essa relativa liberdade e admisso de risco do
trabalho autnom o, os europeus mais velhos estavam hgeiramente mais
inclinados a preferir o emprego. N o entanto, as diferenas de idade enco
briam as diferenas nacionais. Cerca de 57% dos portugueses prefeririam
o trabalho autnom o, em comparao com 30% dos belgas.
H um apoio crescente s poKticas que tom am mais fcil para os
idosos estarem no mercado de trabalho aps a idade da aposentadoria.
Ambos, o jo v em e o velho, encaram isso positivam ente, apesar de as
atitudes variarem entre diferentes pases. Quase nove em cada dez pes
soas no R ein o U nido, Dinamarca, Finlndia e Pases Baixos disseram
ao Eurobarom eter que as pessoas mais velhas deveriam ser ajudadas para
encontrar trabalho se assim o quisessem. Por outro lado, 55% dos gregos
se opunham ao trabalho do idoso, e na Grcia, Chipre, Hungria, Itlia e
Portugal, a maioria das pessoas ouvidas achava que os idosos tirariam os
empregos dos jovens.
N a recesso ps-2008, os governos fizeram o contrrio do que
haviam feito nos anos 1980, encorajando os idosos a continuar no m er
cado de trabalho por m eio da restrio dos benefcios por incapacidade
130
que cuidar dos pais obrigao legal dos adultos. Ao formalizar uma antiga
tradio confucionista, o Estado revelou que a tradio estava sujeita ao
estresse. O tem or que um a regra 4 -2 -1 se dissemine, com uma prole
tendo a responsabilidade de apoiar dois pais e quatro avs. Alm disso,
as pessoas esto achando mais difcil viver em um a unidade trigeracional
po r causa da m obidade geogrfica.
E m outros pases, o Estado deposita mais esperana nos idosos
viveis que cuidam de idosos frgeis e em um m aior nm ero de m u
lheres que aceitam a carga tripla de cuidar do filho, do ancio e do traba
lho rem unerado, usando assistentes sociais e instituies cuidadoras para
preencher a lacuna.
gerao subsidiada
O precariado est sendo impulsionado por idosos que no tm inte
resse em construir um a carreira ou em garantia de vnculo empregatcio
de longo prazo. Isso os tom a um a ameaa para os jovens e outras pessoas
que se encontram no precariado, um a vez que os idosos podem assumir
facilmente empregos de baixo salrio e sem perspectiva de progresso.
Eles no se fhistram pelo nm ero reduzido de carreiras com o os jovens
se frustrariam. Mas os idosos tam bm podem ser grinners ou groaners.
Os grinners querem apenas alguma coisa para fazer. Eles tm uma
penso com a qual podem contar, os financiamentos habitacionais esto
quitados, o seguro-sade est coberto e os filhos j saram de casa, talvez
at estejam disponveis para ajud-los ou lhes dar apoio financeiro, ou
isso o que eles esperam. M uitos deles procuram e acham aquele usrio
equilbrio entre vida e trabalho .
O equilbrio norm alm ente visto pelos casais jovens com filhos
com o algo com que devem se preocupar. Mas outros fatores so igual
m ente poderosos entre os idosos. Lucy KeUaw^ay ficou intrigada quando
um ex-diretor de m arketing de 56 anos de idade disse a ela que havia se
tom ado carteiro:
Mas, em seguida, ele disse algo que fazia mais sentido. Seu novo
trabalho Uie perm itiu recuperar a m ente. Q uando ele vai para casa a
um a hora da tarde todos os dias, no tem que pensar no trabalho at
s sete e m eia da m anh do dia seguinte. E m seu antigo em prego, as
preocupaes do escritrio ocupavam perm anentem ente sua cabea,
to m a n d o suas sinapses irregulares demais para que conseguisse se
132
Japo, trabalhar por renda quando se est bem alm da idade da aposen
tadoria est se tom ando uma norma. Porm , empresas com o a Hitachi,
auxihadas por um subsdio do governo, esto recontratando muitos dos
funcionrios que atingem a idade de 60 anos pagando-lhes salrios mais
baixos (no caso da Hitachi, 80% do salrio normal), com baixo status e
sem a antiguidade de tem po de servio.
Em terceiro lugar, os idosos so uma das ltimas fronteiras para a
regulamentao de proteo. Por causa de imagens formadas na sociedade
industrial, a discriminao de idade ainda m uito comum. Os estrategistas
poHticos esto combatendo isso. Tudo comeou com a lei norte-americana
de discriminao etria no emprego [Age Discrimination in Employm ent A ct),
de 1967, que foi projetada para proporcionar igualdade de oportunidades
para pessoas maiores de 40 anos. Mais tarde, a lei foi emendada de m odo
que as empresas podiam definir a idade de aposentadoria obrigatria para
a maioria dos empregos. N a Frana, o governo imps um imposto a
contribuio Delalande, no valor de at um ano de salrio sobre qual
quer empresa que demita trabalhadores mais velhos. O imposto tem agido
com o im pedim ento para a contratao de idosos e, em 2010, estava em
vias de ser extinto. Mas em muitos pases, Hderados por uma diretiva da
U nio Europia, h uma cobrana para proibir a discriminao por idade.
Se aceitarmos que a produtividade dim inui com a idade, ento as
leis antidiscriminao de idade podem levar os empregadores a usar ou
tras tticas para se Hvrar dos trabalhadores de m enor produtividade. Se os
governos tentam compensar a ideia de m enor produtividade fornecendo
subsdios para os idosos, eles podem igualar as oportunidades. Mas, em um
sistema tercirio, as diferenas de produtividade podem no ser grandes;
as polticas destinadas a igualar as oportunidades podem , assim, reforar
na prtica as vantagens dos idosos. Vegard Skirbekk, do International
Institute for Apphed Systems Analysis, m ostrou que em muitos empregos
a produtividade, de fato, diminui na meia idade. Enquanto os trabalhos
3D {dirty, dangerous e demanding - sujo, perigoso e exigente) podem ter
dim inudo, mais empregos exigem habidades cognitivas, que declinam
entre aqueles com 50 anos ou mais. A intehgncia fluida diminui, in
cluindo as habihdades numricas e a capacidade de adaptao novidade.
Mas, fehzmente, para idosos, a inteligncia cristaHzada - conhecim ento
geral, experincia e habidade verbal no decHna at que as pessoas
atinjam um a idade bem mais avanada. Tam bm pode ser que as pessoas
com mais experincia voltada para a carreira adquiram capacidades que as
134
de assistncia, tom ando conta de netos, de pais idosos frgeis e assim por
diante. Empurr-los ainda mais para o precariado tam bm teria custos.
Porm , o m aior problem a est no fato de que os idosos so subsidiados
em relao aos trabalhadores mais jovens e so relativamente passveis de
aceitar um status precariado. Resolver as tenses vai exigir novas reformas,
nos moldes propostos no captulo 7.
Minorias tnicas
No est claro se as minorias tnicas sempre tero uma alta propenso
de entrar no precariado. Vamos mencion-las aqui porque elas enfrentam
grandes barreiras no m ercado de trabalho, embora haja indcios de que as
minorias tnicas tentam reproduzir suas colocaes profissionais ao longo
de geraes, fazendo isso geralmente por m eio dos negcios de famlia e
dos contatos tnicos e de redes.
Isso no verdade de m odo algum para todas as minorias. Assim,
embora a recesso norte-am ericana ps-2008 tenha sido um a mancession,
os mais atingidos foram os hom ens negros. M etade de todos os homens
negros jovens estava desempregada no final de 2009, e essa alarmante
estatstica era baseada num clculo da fora de trabalho que exclua todos
os que estavam na priso, num a poca em que havia cerca de cinco vezes
mais negros do que brancos atrs das grades.
Os negros norte-am ericanos sofreram devido a um a cm el com bi
nao de circunstncias - registros de priso, concentrao em regies de
alto desemprego e falta de contatos em negcios de pequena escala, bem
com o escolaridade abaixo da mdia. Em 2010, somente cerca da metade
de todos os negros adultos estava empregada, e a proporo chegava perto
de 40% entre os homens negros jovens. Para os adultos brancos, a porcen
tagem era de 59%. Os negros que ficavam desempregados perm aneciam
nessa situao, em mdia, cinco semanas a mais do que as outras pessoas,
acentuando a perda de habilidades, atitudes positivas, contatos, e assim
por diante. Suas chances de construir um a carreira e evitar um a vida no
precariado eram pequenas.
Pontos concludentes
O precariado no consiste em pessoas com histricos idnticos e
no composto apenas por aqueles grupos que destacamos at agora. Faz
sentido pensar que h variedades de precariado, com diferentes graus de
insegurana e atitudes para ter um a vida precariada.
O crescimento do precariado glohal coincidiu com quatro mudanas
extraordinrias. As mulheres tm substitudo os homens, a ponto de haver
conversas sobre tnancessions e fem inizao dos mercados de trabalho. Os
homens tm sido arrastados para o precariado, enquanto as mulheres tm
sido confrontadas com a perspectiva da jornada tripla. De m aneira mais
notvel, os idosos tm m archado de volta para os mercados de trabalho,
subsidiados para assumir empregos precrios e em purrando para baixo
os salrios e as oportunidades para a juventude. Por sua vez, os jovens
so confrontados com a frustrao de status, as poucas possibilidades de
carreira e a com petio subsidiada interna e externam ente. Se esperam
pacientem ente pelo m elhor, arriscam-se a ser dem onizados com o pre
guiosos, com o veremos. Trata-se de um impasse.
139
140
Captulo 4
O.
para outro. M uitos pases, tal com o a frica do Sul, experim entam ,
sim ultaneam ente, grandes fluxos de emigrao e imigrao. Alm disso,
enquanto a im agem da m igrao ainda um a im agem de assentamento,
a m igrao atual tem sete caractersticas que definem a Transformao
Global e abastecem o crescim ento do precariado.
Primeira, um a parte da m igrao historicam ente elevada no
docum entada. M uitos governos so coniventes com isso, alegando que
esto lim itando a m igrao enquanto facilitam o crescim ento de um a
oferta de trabalho descartvel com baixos salrios. Os Estados Unidos
tm a m aior parte dos m igrantes em situao irregular, com um a esti
m ativa de 12 m ilhes em 2008 e um aum ento de 42% desde 2000; mais
da m etade deles vem do M xico. A resposta poltica tem sido incoerente.
E m 2006, a Cm ara dos D eputados aprovou um projeto de lei tornando
a m igrao ilegal um crim e, mas no conseguiu aprov-lo no Senado,
que havia tentado, sem sucesso, aprovar um a lei semelhante em 2007. Em
2009, dois sindicatos produziram um plano para regularizar a situao
dos m igrantes e lanaram um a cam panha para a legalizao. Isso tam
bm caiu por terra. Os defensores da reform a argum entam que tornar
pblica a econom ia paralela dos im igrantes aum entaria a receita fiscal,
acabaria com o abuso de im igrantes ilegais, elevaria os salrios em todos
os lugares e im pulsionaria o crescim ento. Mas a vontade poltica para
legalizar continuou fraca. Demasiados interesses se beneficiam de um
exrcito de im igrantes ilegais, e m uitos populistas retratam as tentativas
de legalizao com o algo que vai corroer a segurana dos cidados.
A m igrao no docum entada tam bm tem crescido em todos os
lugares, com condies e conflitos de interesse similares. Os trabalha
dores no registrados ocupam empregos mal rem unerados e podem ser
dem itidos e deportados se necessrio, ou dem onstram ser obstinados.
Eles no aparecem nas folhas de pagam ento das empresas e das famlias,
e desaparecem nos cantos e recantos da sociedade quando a recesso a
atinge. A produtividade parece se elevar m aravilhosam ente em um a alta
repentina, na m edida em que mais pessoas so recrutadas sem aparecer
nas estatsticas, e o emprego, m isteriosam ente, cai menos do que a queda
na produo e da dem anda nas recesses. Os m igrantes so, verdadeira
m ente, um exrcito de reserva fantasma.
Segunda, um a parcela crescente da migrao consiste em circulao,
em contraste com o ltim o pico da m igrao no incio do sculo X X ,
quando a m aioria dos m igrantes eram colonos. Os circulantes m odernos
143
O s novos habitantes
C onsiderar as variedades de m igrantes nmades, circulatrios,
ilegais, refugiados, colonos e assim por diante - leva a um conceito n e
gligenciado que tem profundas razes histricas. Trata-se do conceito
de habitante [denizen], um a form a diferente de cidado [citizen], N a Idade
M dia, na Inglaterra e em outros pases europeus, um habitante era um
estrangeiro a quem foi, discricionariam ente, concedido pelo m onarca ou
governante alguns - mas no todos - direitos que eram autom aticam ente
concedidos aos nativos ou cidados. Assim, em troca de pagam ento, se
riam concedidas a um estrangeiro cartas patentes que lhes perm itiam
com prar terras ou praticar algum tipo de comrcio.
N o direito consuetudinrio, um habitante no era um cidado
pleno, mas tinha um status sim ilar ao do atual residente estrangeiro; a
lei seguia a antiga ideia rom ana de conceder a algum o direito de viver
em um lugar, mas no de participar em sua vida poltica. Mais tarde, a
palavra habitante assumiria outra conotao, passando a indicar algum
que freqentava um tipo de lugar, com o o caso de habitantes de um a
casa n o tu rn a; tam bm era usada para se referir a negros no escravos
nos Estados U nidos antes da abolio da escravido.
Todos os m igrantes internacionais so habitantes, sendo que
diferentes grupos que tm alguns direitos - civis, sociais, polticos,
econm icos e culturais - , mas no outros. A construo progressiva de
um a estrutura internacional de direitos significa que existem variedades
de habitantes. E m prim eiro lugar, esto os menos seguros, os requeren
tes de asilo e os m igrantes em situao irregular que tm direitos civis
(como proteo contra a agresso) - geralm ente com base no princpio
145
C a r t o e m itid o p e lo g o v e r n o q u e p r o p o r c i o n a s u b s d io a li m e n t a r aos c id a d o s ,
g a r a n t in d o d e s c o n to s n a c o m p r a d e p r o d u t o s b sic o s c o m o c e re a is , a c a r, q u e
r o s e n e , e tc . (N .E .)
149
obter os direitos que inicialm ente lhes foram negados, tornando-os superexplorados. E eles no esto se tornando parte de um proletariado,
um a classe operria dos trabalhadores estabilizados. So descartveis, sem
acesso aos benefcios do Estado ou da empresa, e podem ser descartados
com im punidade, pois, se protestarem , a polcia ser m obilizada para
penaliz-los, crim inaliz-los e deport-los.
Isso reala o processo fragm entado de trabalho em que varieda
des do precariado tm diferentes direitos e um a estrutura diferente de
renda social. Traduz-se na questo da identidade. O s nativos podem
exibir mltiplas identidades, os m igrantes legais podem se concentrar na
identidade que lhes d mais segurana e os m igrantes ilegais no devem
exibir qualquer identidade, por m edo de serem expostos.
Tendo em m ente a ideia de habitantes, consideramos a m aneira
com o os grupos distintos de m igrantes esto sendo tratados e com o eles
figuram no crescim ento do precariado global.
do precariado m igrante nos Estados Unidos foi acom panhado por ata
ques repentinos no estilo de comandos oficiais s fbricas suspeitas de
em pregarem ilegais. Por mais que o presidente O bam a ordenasse o
fim desses ataques, eles poderiam facilm ente voltar a acontecer.
A lei do A rizona, de 2010, que to rnou a im igrao ilegal um a
contraveno estadual bem como um a violao civil federal, intensifi
cou a tenso entre os m igrantes e os cidados nativos temerosos de
se ju n tarem ao precariado. Ela exige que a polcia local, depois de fazer
contato legal, verifique o status de im igrao daqueles que provocam
suspeita razovel e os prendam se no tiverem docum entos, abrindo
a porta para a parada aleatria de m otoristas que parecem hispnicos
pelos menores pretextos. A lei levou a protestos nacionais por parte dos
hispnicos e simpatizantes. Mas ela se conectou a um nervo populista,
ligado ao que alguns cham aram de conflito de gerao cultural, um a
form a sutil de racismo. N o A rizona, 83% dos idosos so brancos, mas
apenas 43% das crianas o so. O s brancos mais velhos acreditam que
esto pagando impostos por filhos que no reconhecem com o seus. Isso
est alim entando o populism o anti-im postos do Tea Party, no qual os
baby boomers do sexo m asculino so figuras proem inentes. Algo similar
est acontecendo na Alem anha, onde em muitas cidades os m igrantes j
representam a m aioria das crianas.
A m aior parte dos americanos parece apoiar a lei do Arizona. U m
plebiscito nacional apresentou os seguintes resultados, m ostrando as
porcentagens favorveis a cada proposio:
aum entar as multas para os empregadores de imigrantes ilegais 80%
crim inalizar o emprego de im igrantes ilegais
75%
68%
60%
50%
42%
37%
Personagem exterm inador de ratos do clssico conto dos Irmos G rim m , capaz
de hipnotizar com sua flauta. (N.E.)
155
162
de virada, o que pode ser um a iluso. As reas rurais ainda contm 40%
da fora de trabalho da C hina - 400 m ilhes de pessoas definham em
pssimas condies, muitas espera de serem arrastadas para o precaria
do. M esm o se no houvesse um rpido aum ento da produtividade nessas
oficinas industriais, o que bastante improvvel, haver l um suprimento
de m o de obra durante muitos anos. N o m om ento em que o excedente
encolher e os salrios subirem na C hina e em outras economias em er
gentes da Asia, os efeitos descendentes sobre os salrios e as condies de
trabalho nas atuais sociedades tercirias ricas, principalm ente na Europa
e na Am rica do N orte, tero sido concludos.
Alguns analistas acreditam que o que podem os cham ar de fase
do precariado do desenvolvimento chins est chegando ao fim porque
o nm ero de trabalhadores jovens, o principal grupo de habitantes
tem porrios, est dim inuindo. Colocando tais afirmaes em perspec
tiva, ainda haver mais de 200 m ilhes de chineses com idade de 15 a
29 anos em 2020, e cinco em cada seis trabalhadores rurais com idade
inferior a 40 anos ainda dizem que estariam dispostos a m igrar para
aqueles empregos tem porrios.
As condies do trabalho m igrante na C hina no so acidentais. As
marcas registradas internacionais adotaram prticas de aquisio antiticas,
resultando em condies ahaixo do padro em suas cadeias de fornecimen
to. A W alm art, m aior varejista do m undo, adquire anualmente 30 bilhes
de dlares em bens baratos a partir dessas cadeias de fornecimento, o que
ajudou os americanos a viverem alm de seus recursos. Outras empresas
foram capazes de inundar o mercado m undial com seus gadgets enganosa
m ente baratos. Os contratantes locais tm usado mtodos ilegais abusivos
para aum entar a eficincia de curto prazo, gerando queixas e resistncia
quanto ao local de trabalho. Os funcionrios chineses locais, em conluio
com a gesto empresarial, tm negligenciado sistematicamente os direitos
dos trabalhadores, resultando em misria e desigualdades mais profundas.
Apesar das crescentes tenses, o sistema de registro hukou tem sido
m antido. M ilhes de residentes urbanos continuam com o habitantes,
sem direito educao, servio de sade, habitao e benefcios esta
tais. Em bora os prim eiros nove anos de ensino devessem ser gratuitos
para todos, os m igrantes so forados a enviar seus filhos para escolas
particulares ou m and-los para casa. C om o os pagam entos anuais da
escola podem eqivaler a vrias semanas de salrio, m ilhes de filhos de
m igrantes ficam na zona rural, raram ente vendo seus pais.
165
Reflexes concludentes
Os m igrantes so a infantaria ligeira do capitalismo global. U m
vasto nm ero deles com pete entre si por empregos. A m aioria tem de
se acom odar em contratos de curto prazo, com baixos salrios e poucos
benefcios. O processo sistmico, no acidental. O m undo est ficando
cheio de habitantes.
A propagao do estado-nao fez com que pertencer com unida
de em que se nasce no seja mais um a questo de trajetria e no pertencer
no seja mais um a questo de escolha (A r e n d t , [1951] 1986, p. 286).
Os m igrantes de hoje raram ente so aptridas num sentido de jure; no
so expulsos da hum anidade. Mas falta-lhes segurana e oportunidade
para a filiao aos pases para onde se m udam . M uitos no tm cidadania,
so habitantes defacto, mesmo em seu prprio pas, com o na China.
M uitos migrantes so convidados mal tolerados (G ib n e y , 2009, p.
3). Alguns analistas (como S o y sa l , 1994) acreditam que as diferenas nos
direitos dos cidados e no cidados tm dim inudo, devido a norm as de
direitos hum anos ps-nacionais. Porm, outros veem u m fosso crescente
entre os direitos legais formais e as prticas sociais (por exemplo, Z olberg ,
173
175
Captulo 5
que o tem po era dividido em blocos. Para a m aioria das pessoas, fazia
sentido pensar que elas estariam em casa durante, digamos, 10 horas por
dia, no trabalho por outras 10 horas, e o restante do tem po seria para
a socializao. A separao de local de trabalho e local de m oradia
fazia sentido.
Tarefa, trabalho e diverso eram atividades distintas, levando-se
em conta o m om ento em que eram desenvolvidas e onde as fronteiras de
cada um a delas comeavam e term inavam . Q uando um hom em - e era
tipicam ente um hom em saa de seu local de trabalho, onde norm al
m ente era sujeito ao controle direto, sentia-se com o se fosse seu prprio
chefe, mesmo se estivesse exausto demais para tirar vantagem disso, salvo
quando obrigado a suportar as exigncias arbitrrias da famlia.
A economia, as estatsticas e a poltica social se configuraram como
pano de fundo da sociedade industrial e da m aneira de pensar induzida
por ela. Percorremos um longo cam inho a partir dela, mas ainda temos de
ajustar as polticas e as instituies. N a era da globalizao, surgiu um con
junto de normas informais que esto em conflito com as normas industriais
relativas ao tem po, as quais ainda perm eiam a anlise social, a legislao e
a elaborao de polticas. Por exemplo, as estatsticas gerais sobre trabalho
produzem nmeros harm oniosam ente impressionantes que indicam que o
adulto mdio trabalha 8,2 horas por dia (ou qualquer que seja o nmero)
durante cinco dias por semana, ou que a taxa de participao da fora de
trabalho de 75%, dando a entender que trs quartos da populao adulta
esto trabalhando oito horas por dia, em mdia.
Ao considerar com o o precariado - e outros - aloca o tem po, tais
nm eros so inteis e enganosos. Subjacente ao que vem a seguir est
u m apelo: precisamos desenvolver u m conceito de tem po tercirio,
um a m aneira de olhar para a form a com o alocamos o tem po que seja
adequada para um a sociedade terciria, no para um a sociedade indus
trial ou agrria.
O que trabalho?
Toda poca tem suas peculiaridades sobre o que e o que no
trabalho. O sculo X X foi to tolo com o qualquer outro antes dele.
Para os antigos gregos, a tarefa era feita pelos escravos e pelos banausoi,
os estrangeiros, no pelos cidados. Q u em realizava tarefas tinha ga
rantia de vnculo, mas, no entender de H annah A rendt (1958), isso era
179
Tempo tercirio
N um a sociedade terciria aberta, o m odelo industrial de tem po,
juntam ente com a administrao do tem po burocrtico em grandes f
bricas e prdios de escritrios, fracassou. N o deveramos lam entar seu
desaparecimento, mas sim entender que o fracasso nos deixou sem um a
estrutura de tempo estvel. C om os servios pessoais sendo mercadorizados,
incluindo a maioria das formas de cuidado, estamos perdendo um senso
de distino entre as vrias atividades realizadas pela maioria das pessoas.
Nisso, o precariado corre o risco de estar num a rotao perm a
nente, forado a fazer malabarismos de demandas em tem po lim itado.
Ele no est sozinho. Mas sua dificuldade particularm ente estressante,
e pode ser resum ida como um a perda de controle sobre o conhecim ento,
a tica e o tem po.
At agora, no conseguim os cristalizar um a ideia de tem po ter
cirio. Mas ela est chegando. U m de seus aspectos a indivisibilidade
dos usos do tem po. A ideia de fazer certa atividade em certo espao de
tem po delimitvel cada vez menos aplicvel. Isso se com bina com a
eroso do local fixo de trabalho e a diviso de atividades com base no
lugar onde elas so feitas. Grande parte do que considerado atividade
domstica feita por algumas pessoas nos escritrios e vice-versa.
182
Intensificaio da tarefa
U m a caracterstica da sociedade terciria e da existncia precariada a presso para estar atarefado o tem po inteiro. O precariado pode
assumir vrios empregos ao mesmo tem po, em parte porque os salrios
esto caindo, em parte por manuteno de seguro ou preveno de riscos.
As mulheres, defrontadas com um fardo triplo, esto sendo atradas
para um qudruplo, o de ter que cuidar dos filhos, cuidar de parentes
idosos e trabalhar talvez no em um , mas em dois em pregos. Basta
recordar que m ais m ulheres nos Estados U nidos esto trabalhando
em mais de um em prego de tem po parcial. N o Japo tam bm , tanto
m ulheres com o hom ens esto cada vez m ais im ersos em m ltiplos
empregos, com binando o que parece ser empregos de tem po integral
com empregos inform ais colaterais que podem ser freqentados fora
do horrio do escritrio ou em casa. Estes podem chegar a oito ou dez
horas dirias somadas a um a jorn ad a regular de oito horas dirias. U m a
m ulher nessa posio disse ao N e w York Tim es que se tratava de um a
aplice de seguro com o qualquer outra coisa ( R e id y , 2010); N o
que eu odeie o m eu em prego principal. Mas eu quero ter um a renda
estvel sem ser totalm ente dependente da com panhia.
U m a pesquisa japonesa realizada em 2 0 1 0 descobriu que 17% dos
hom ens e m ulheres empregados com idade entre 2 0 e 50 anos tinham
algum a form a de emprego paralelo, e outra pesquisa revelou que quase
m etade dos empregados se disse interessada em ter um emprego parale
lo. As principais razes apresentadas eram o desejo de ajustar a renda e
m oderar os riscos isto , m anuteno de empregos com o intuito de
gerenciar o risco em vez de construir carreira, na ausncia de benefcios
183
por procedim entos cada vez mais complexos para ganhar e m anter o
direito a benefcios modestos, as exigncias sobre o tem po do precariado
so grandes e repletas de tenso. E ntrar em fila, trocar de fila, preencher
form ulrios, responder a perguntas, responder a mais perguntas, obter
certificados para provar um a coisa ou outra, tudo isso tem po doloro
samente consum ido, ainda que geralm ente ignorado. U m mercado de
trabalho flexvel que torna a m obilidade do trabalho a principal caracte
rstica do m odo de vida, e que cria um a teia de perigos morais e imorais
no turbilho de regras para determ inar o direito ao benefcio, obriga o
precariado a usar o tem po de maneiras que esto fadadas a enfraquecer
as pessoas e a torn-las menos capazes de realizar outras atividades.
O utros tipos de trabalho por tarefa so complementares tarefa
que um a pessoa faz em um em prego, tais com o estabelecer redes de
contatos fora do horrio de expediente, as viagens a trabalho ou a leitura
de relatrios empresariais ou organizacionais em casa, noite ou no
fim de semana. Tudo isso m uito familiar; ainda que no tenham os
ideia de sua extenso por meio de estatsticas nacionais ou indicadores de
trabalho ou tarefa repetidos na m dia. Porm , h m uito mais fato
res conectados tentativa de funcionar em um a sociedade de mercado.
Por exemplo, certos trabalhos por tarefa so trabalho por seguro, que
aum entaro com a dissem inao da insegurana social, econm ica e
profissional. Algum as so justificadas pela ideia de m anter opes em
aberto. O utras so estratgicas, cultivando a boa vontade e tentando se
antecipar m vontade.
Alguns so o que pode ser cham ado de treinam ento por tarefa.
U m consultor de gesto disse ao Financial Tim es ( R ig b y , 2010) que,
com o as habilidades tm um a expectativa de vida cada vez mais curta,
as pessoas deveriam dedicar 15% do seu tem po a cada ano para o treina
m ento. Presum ivelm ente, a quantidade de tem po vai depender da idade
da pessoa, da experincia e da sua posio no mercado de trabalho. U m a
pessoa que faa parte do precariado, principalm ente se for jovem , seria
aconselhada a passar mais tem po em tal treinam ento, mesmo que fosse
apenas para ampliar ou m anter opes.
Habilidade terciria
Em sociedades em que a maioria das atividades econmicas consiste
na m anipulao de ideias, smbolos e servios feitos para as pessoas, as
185
Juventude e conectividade
Para alguns ativistas, a conectividade da internet e da mdia social
um a caracterstica definidora do precariado. A juventude de hoje
conectada de maneiras que as geraes anteriores jam ais im aginariam ,
e tem um estilo de vida correspondente. Os jovens em particular esto
conectados o tem po inteiro, sempre ligados, mas todos ns tam bm
193
estamos, e usamos cada vez mais tem po para fazer e m anter um a quan
tidade cada vez m aior de conexes. A quietude e o silncio esto em
perigo. A conectividade preenche cada espao no tem po.
E m 2010 j havia mais de m eio bilho de usurios do Facebook.
Mais da m etade acessava a pgina todos os dias; 700 bilhes de m inutos
por ms estavam sendo gastos, globalm ente, no Facebook. O Tw itter
tinha 175 m ilhes de usurios registrados, com 95 m ilhes de tweets
por dia. Havia mais de cinco bilhes de assinaturas de telefonia mvel
no m undo, e em alguns pases essas assinaturas excediam 100% da p o
pulao. Nos Estados U nidos, cerca de um tero dos adolescentes envia
mais de 100 mensagens de texto por dia.
O debate sobre o equilbrio das boas e ms conseqncias vai se
alastrar por anos, provavelmente sem concluso. N o entanto, im por
tante destacar vrias preocupaes. A mais discutida um a sndrom e
de dficit de ateno coletiva. A conectividade constante fortalece os
laos fracos e enfraquece os laos fortes. O sinal de um a cham ada ou
de um a m ensagem interrom pe conversas pessoais ou outras atividades.
V erificar e responder e-m ails interrom pe perodos de concentrao.
O Facebook e outras mdias sociais que ligam as pessoas a am igos
que nunca conheceram so um a incurso na vida real. A inquietao
prom ovida enquanto traos de pacincia e determ inao so corrodos.
Passar um a grande quantidade de tem po o n -lin e se to rn o u parte
da existncia do precariado. E a pesquisa m ostra que isso pode ter um
efeito depressivo, j que a rede social est substituindo a real interao
com as pessoas. N o R e in o U n id o , o n m ero de pessoas viciadas em
in te rn e t o dobro do nm ero de pessoas viciadas em form as con
vencionais de jo g o . A ju v en tu d e m ais vulnervel, a idade m dia de
vcio de 21 anos, de acordo com um a pesquisa feita por C atriona
M o rriso n (2010). C o m o concluiu a autora, a in te rn e t com o um a
droga para algum as pessoas: ela as conforta, as m an tm calm as. As
pessoas viciadas podem ter sua capacidade de desem penho no trabalho
prejudicada, ou elas p o d em estar deixando de cu m p rir tarefas para
p o d erem perm an ecer conectadas.
A conectividade constante pode produzir um a m ente precarizada; alm disso, com o o precariado no tem controle do prprio tem po
ou um cronogram a regular, a m ente das pessoas mais vulnervel s
distraes e vcios do m undo conectado. N o h nada de errado com a
conectividade; o contexto que im porta.
194
o arrocho do cio
O crescim ento da tarefa, do trabalho por tarefa e do trabalho para
reproduo tam bm consom e o cio. A falta de respeito pelo cio e
pela indolncia reprodutiva e produtiva um dos piores resultados da
sociedade de mercado mercadorizada. Q uem experim enta tarefa e traba
lho intensos descobre que m ente e corpo esto exaustos e tm pouca
energia ou inclinao para fazer qualquer coisa que no seja entregar-se
diverso passiva. As pessoas que esto exaustas querem relaxar na
diverso, muitas vezes assistindo a um a tela ou conduzindo um dilogo
com um a srie de telas. claro que todos ns precisamos nos divertir
de algum a m aneira. Mas se a tarefa e o trabalho so to intensos, pode
ser que no tenham os nenhum a energia ou disposio para participar
em atividades de cio mais ativas.
M ark Aguiar e E rik H urst (2009) avaliaram que, apesar do aumento
do envolvim ento fem inino na fora de trabalho, as norte-am ericanas
tm quatro horas a mais de cio por semana do que tinham em 1965;
os hom ens tm seis horas a mais. Mas o cio no a mesma coisa que
o tem po em que no se participa do trabalho rem unerado. Apesar de
outros grupos sociais enfrentarem presses, o precariado precisa realizar
um a grande quantidade de trabalho po r tarefa e outros trabalhos para
sobreviver ou atuar nos degraus mais baixos do mercado.
O verdadeiro cio enfrenta um arrocho triplo. U m a das formas
de cio a participao na atividade artstica e cultural, um a atividade
que exige tem po. Para apreciar a boa msica, o teatro, a arte e a grande
literatura, e para aprender sobre a nossa histria e a da com unidade em
que vivemos, precisamos do que na linguagem popular chamado de
tem po de qualidade, ou seja, o tem po em que no estamos distrados,
nervosos pela insegurana ou cansados das tarefas e do trabalho, ou pela
falta de sono induzida por eles. U m resultado disso um dficit de cio.
O tem po percebido com o indisponvel. Os m em bros do precariado se
sentem culpados por dedicarem tem po a tais atividades, pensando que
deveriam estar usando seu tem po na rede de contatos ou para atualizar
constantem ente seu capital hu m an o , com o todos os analistas esto
estimulando.
O nde esto os incentivos para se dedicar tem po ao cio? A m ensa
gem tem um a im portncia ainda mais profunda nas universidades. Q uan
do os governos tornam as universidades e faculdades mais comerciais e
195
as obrigam a gerar lucros, eles norm alm ente olham para as zonas culturais
onde no h nenhum a perspectiva de lucro. E m 2010, a U niversity o f
Middlesex, no R eino U nido, anunciou que fecharia seu departam ento de
filosofia. U m a universidade sem um departam ento de filosofia atingiria
todos os grandes educadores com o um contrassenso.
A inda mais desanim adora a excluso do que os antigos gregos
consideravam com o o verdadeiro cio, a schole, a participao na vida
pblica, a esfera do cidado. Os mem bros do precariado - e eles no
esto sozinhos - so isolados da vida poltica. Eles podem se revelar de
vez em quando para participar de um espetculo ou votar em um can
didato carismtico, mas isso diferente de participar de um a m aneira
uniform e. Essa form a vital de cio restrita pela colonizao do tem po
em relao tarefa, ao trabalho e diverso. M uitas pessoas sentem que
no tm tem po suficiente de qualidade para enfrentar o que lhes foi dito
serem assuntos complexos, m elhor se deixados para os especialistas.
Isso facilm ente convertido em um a racionalizao para o desapego e
pode levar da educao dependncia em emoes e preconceitos. Seja
com o for, o precariado induzido a dedicar menos tem po para a mais
hum ana das atividades, o cio poltico. O nde esto os incentivos para
fazer diferente?
O u tro aspecto do arrocho do tem po um a profunda desigualdade
no controle sobre ele. Isso faz parte da total desigualdade em um a socie
dade de m ercado terciria, de certa form a porque o tem po um recurso
produtivo. O precariado deve estar disposio dos potenciais usurios
de seu trabalho. Q uem circula pelos cibercafs ou peram bula perto de
casa, nos bares ou nas esquinas, pode parecer ter tem po disponvel.
N o entanto, essas pessoas muitas vezes so incapazes de desenvolver ou
sustentar um a estratgia sobre com o alocar o tem po de form a diferente.
Elas no tm um a histria clara para contar e, como resultado, seu tem po
dissipado quando no esto no emprego. O uso do tem po em aparente
ociosidade um reflexo do mercado de empregos flexvel. Ele quer que
o precariado esteja de prontido. A estruturao do tem po tirada deles.
A desvalorizao do cio, especialm ente do cio da classe tra
balhadora, est entre os piores legados do trabalhismo. O desgaste da
educao reprodutora de valores resulta no divrcio entre o jovem e sua
cultura e num a perda da m em ria social de suas com unidades. A noo
de sociedade de esquina se tornou um a das grandes imagens urbanas.
M atar o tem po se tornou um a form a dom inante de usar o tempo;
196
Pontos concludentes
O precariado est sob o estresse do tem po. D eve dedicar um a
quantidade cada vez m aior de tem po para o trabalho por tarefa, sem
198
que este oferea um cam inho confivel para a segurana econm ica ou
um a carreira profissional digna desse nom e. A intensificao da tarefa
e o crescim ento das demandas dentro do prazo colocam o precariado
em constante risco de ser exaurido ou, com o disse um a m ulher, em um
estado m ental nebuloso e confuso.
O estilo de vida tercirio envolve a m ultitarefa, sem controle sobre
um a narrativa do uso do tem po, de ver o futuro e construir com base
no passado. Fazer parte do precariado estar ligado a estilos de vida de
realizao de trabalho sem um senso de desenvolvimento profissional.
N s respondemos a sinais, que redirecionam a ateno para um lado ou
para outro. A m ultitarefa dim inui a produtividade em toda e qualquer
atividade. O pensam ento fraturado torna-se habitual. Isso dificulta ain
da mais a realizao de um trabalho criativo ou a entrega ao cio que
exija concentrao, reflexo e esforo uniform e. Isso desencoraja o cio,
deixando as pessoas liberadas apenas para se divertir, de form a passiva,
no sentido m ental. A interatividade ininterrupta o pio do precariado,
assim com o o foi beber cerveja e gin para a prim eira gerao do prole
tariado industrial.
O local de trabalho est em todo lugar, difuso, desconhecido, um a
zona de insegurana. E se o precariado de fato tem competncias pro
fissionais, esses locais podem desaparecer ou deixar de ser um ingresso
confivel para um a identidade segura ou um a vida de dignidade susten
tvel a longo prazo. Trata-se de um a combinao nociva que propicia
o oportunism o e o cinismo. Ela cria um a sociedade que est sempre
contando com a sorte, com riscos de perda com os quais o precariado
arca de form a desproporcional.
E nquanto isso, a restrio do tem po transform a o cio num a parte
com prom etida da vida e leva democracia frgil, em que as pessoas
esto desligadas da atividade poltica, exceto quando motivadas por um
curto tem po, extasiadas com um a nova face carismtica ou energizadas
por um acontecim ento chocante. E sobre isso que falaremos agora.
199
Captulo 6
sociedade panptica
Em bora a fbrica social no esteja correta enquanto im agem
de com o a vida para o precariado est sendo construda, um a im agem
201
A invaso da privacidade
As tcnicas panpticas esto sendo usadas. Vamos comear com um
aspecto vital da existncia, a privacidade ou o espao para intim idade,
onde vivemos com nossos segredos e emoes e espaos mais preciosos
- um aspecto praticam ente extinto.
O que legitim ado como privacidade est sujeito interpretao
legal, e as regras legais tendem a reduzi-la. Mas a tendncia panptica
no sente remorsos. O C F T V onipresente, usado no apenas pela p o
lcia, mas tam bm por companhias de segurana privadas, empresas e
indivduos. As gravaes tam bm no so feitas apenas para uso privado.
Considere um pequeno exemplo. U m residente em um bairro violento
de San Francisco, preocupado com a segurana da rua, criou um w ebsite chamado A dam s Block, de acesso livre, que transm itia um sinal de
vdeo ao vivo de um cruzam ento de ruas. Esse site foi obrigado a sair do
ar aps ameaas e reclamaes feitas ao proprietrio da webcam de que
a privacidade estava sendo invadida. M as outras pessoas, secretamente,
instalaram cmeras na mesma rea, transm itindo ao vivo sob um novo
nom e, alegando capacitar os cidados para com bater o crim e e salvar
vidas. Acredita-se que existem muitas webcams em bairros similares
nos Estados Unidos.
O Google Street View, lanado em 2007, j atraiu a ateno das
agncias reguladoras de proteo de dados na Am rica do N orte e na
E uropa por obter de m aneira ilegal (aparentem ente sem querer) in
formaes pessoais de redes sem fio desprotegidas ao longo das rotas
percorridas por cmeras do Google. O Street View coloca as casas das
pessoas, os carros e as atividades m ostra para todo m undo ver, e no h
m aneira de se opor a isso alm de pedir, educadam ente, que as imagens
fiquem embaadas. Pouqussimas pessoas sabero desse m odo de proce
der, partindo do pressuposto de que tero de checar prim eiro o que foi
capturado pelo Street View.
203
205
Educao panptca
Ela comea cedo. As escolas e universidades esto usando mtodos
eletrnicos para o ensino, o m onitoram ento, a discipfina e a avahao.
U m em presrio sueco criou um m odelo am plam ente autom tico de
educao, usado para milhares de alunos de escolas suecas, que est sendo
exportado com sucesso comercial. As crianas so monitoradas de perto,
porm veem seus professores durante apenas 15 m inutos por semana. O
antigo prim eiro-m inistro do R ein o U nido, T ony Blair, se interessou por
esse sistema e quis us-lo em algumas escolas de Londres.
Algumas escolas nos Estados Unidos forneceram laptops aos estudan
tes, equipados com software de segurana que possibihta a ativao remota
da webcam do com putador - assim alunos podem ser vistos a qualquer
hora, sem saberem que esto sendo vistos. Em fevereiro de 2010 os alu
nos abriram um a ao judicial coletiva contra um distrito escolar em um
subrbio da Filadlfia, aps um a escola acusar um aluno de apresentar um
comportam ento inadequado em casa . Certam ente, isso foi um a violao
dos seus direitos civis. E alm de abrir a possibihdades de chantagem, tal
tecnologia tam bm possibihta a capacidade panptica de criar m entes e
corpos submissos. U m a escola de ensino fundam ental em South Bronx,
N ova York, instalou um software em laptops para que os funcionrios
pudessem ver tudo o que era exibido na tela dos usurios. Todos os dias,
o assistente do diretor da escola passava algumas horas verificando o que
206
governo, liderada por seu defensor de incluso digital, para que mais
pessoas tenham acesso. E o custo de no t-lo est aum entando. C om
efeito, as pessoas esto sendo penalizadas por no terem acesso internet.
O antigo Estado paternalista popular entre os governos. Pode
infantilizar os cidados e dem onizar partes do precariado. E m 2009, o
D epartm ent o f Business, Innovation and Skills do R ein o U nido lanou
um guia cham ado Parent Motivators dirigido aos pais de graduados de
pendentes que estavam desempregados. O guia era condescendente, e
presum ia claram ente que os graduados no podiam trahalhar por serem
desprovidos de decises bsicas para si mesmos. U m analista concluiu
que era a prim eira vez que adultos instrudos na faixa dos 20 anos de
idade eram oficialmente infantilizados, um a ao que provavelmente
no dissiparia a suspeita crescente sobre o valor de muitos diplomas m o
dernos ( B e n n e t t , 2010). Entre outros guias do mesmo gnero, temos
o Preparingfor Emergencies, o Break O u t (sobre como evitar pedfilos), o
H eat Wave, o D ad Card (sobre com o ser um bom pai) e o conjunto de
ferramentas Breakfast4Life.
O Parent Motivators, escrito por psiclogos consultores e financiado
pelo dinheiro pblico, sugeria que os pais eram parcialm ente culpados
pelo desem prego de sua prole e pedia-lhes para ser mais rgidos. U m dos
autores disse: Se voc est tornando a vida m uito confortvel em casa,
por que eles iriam procurar um em prego?. Pelo m enos h o reconheci
m ento de que os empregos no eram atraentes por si s. Mas aqui estava
o Estado cedendo direo paternalista, contribuindo, simultaneamente,
para a dem onizao de parte do precariado. Eles no podem chegar a
um acordo sobre como se comportar!
M uitos exemplos poderiam ser dados sobre o uso da econom ia
comportam ental e do paternalismo libertrio ligados vida do precariado,
especialmente por meio do uso engenhoso das regras da opo por no
participar, tornando difcil escolher no fazer algo e quase obrigatrio
optar por fazer. A nova palavra da m oda condicionalidade. Tem
havido um crescim ento notvel de program as de transferncia condicio
nal de renda ou T C R s. Os exemplos principais esto na Am rica Latina,
liderados pelo program a Progresa (agora Oportunidades), no M xico, e pelo
Bolsa Famlia, do Brasil, que em 2010 atingiu mais de 50 milhes de pessoas.
Dezessete pases latino-am ericanos tm T C R s. A essncia desses progra
mas que so dados s pessoas pequenos benefcios estatais, na form a de
dinheiro, somente se eles se com portarem de maneiras pr-determ inadas.
212
O Estado teraputico
E nquanto se propunha a fazer as pessoas felizes, o paternalism o
libertrio e o utilitarism o que lhe subjacente desencadearam um cul
to da terapia, espelhando o que aconteceu no perodo de insegurana
em massa do final do sculo X IX (S t a n d i n g , 2009, p. 235-238). O
instrum ento hegem nico equivalente heje em dia a terapia cognitivocom portam ental (TCC ), que se originou nos Estados U nidos, mas que
est se globalizando com velocidade comercial indecorosa.
N o R ein o U nido, depois do choque de 2008, o governo, em vez
de lidar com as causas estruturais do estresse e da depresso, m obilizou
a T C C para tratar as conseqncias. Afirm ava que m ilhes de pessoas
estavam sofrendo de ansiedade ou depresso, com o se fossem a mesma
coisa. Esperava-se que os terapeutas cognitivo-com portam entais ensi
nassem as pessoas como viver, com o reagir e com o m udar seu com por
tam ento. O governo lanou o program a Im proving Access to Psychological Therapies, pelo qual qualquer pessoa poderia ser encam inhada
por seu m dico para o Servio N acional de Sade a fim de fazer T C C .
Esta foi sustentada por um program a de tratam ento de conversa, em
que os coordenadores de sade m ental ocupavam postos em C entros
de Em prego. A alegao era de que a T C C aum entaria o emprego, em
decorrncia de os C entros de Em prego enviarem desempregados para
os centros de terapia em todo o pas. A necessidade de encam inham ento
por um m dico foi dispensada. Por que se preocupar com o diagnstico
quando a cura tinha sido identificada?
O governo destinou fundos para pagar por oito sesses de trata
mentos iniciais, projetando que, num perodo de cinco anos qualquer um
podia se autoencam inhar para o tratam ento. N o estava claro com o as
oito sesses de T C C m anteriam os britnicos trabalhando, conform e
foi afirmado. Em vez de reconhecer as causas das dificuldades, a inten
o era tratar as vtimas da m adm inistrao econm ica e encoraj-las
a pensar que precisavam de terapia.
E norm al ficar ansioso se voc est vivendo um a existncia precariada, entrando e saindo do desemprego, preocupado em ganhar dinheiro
suficiente para com prar alimentos ou preocupado em saber onde voc
215
estar dorm indo no prxim o ms. Por que essa ansiedade norm al deveria
ser a razo para enviar algum para um tratam ento teraputico caro? Ele
pode transform ar a ansiedade em depresso, um a doena m uito pior.
O teste perspicaz seria aplicar o principio de escolha dos paternalistas
libertrios. D eixe que os desempregados escolham entre as oito sesses
de T C C ou o dinheiro equivalente. Q uem quer apostar em qual seria
a escolha da maioria? O problem a que a arquitetura da escolha no
foi concebida dessa maneira.
O governo trabalhista estava considerando se alguns pretendentes
incapazes deveriam passar pela T C C antes de passarem para o subsidio
de apoio ao em prego, que um funcionrio descreveu como um pero
do de oito semanas que im pede que as pessoas entrem na incapacidade
a longo prazo. Q uem determ inar quem precisa de TC C ? Logo, os
poderes diro que, a menos que as pessoas passem por um processo de
T C C , elas perdero o direito aos benefcios. E vo garantir um processo
de T C C que seja tratado confidencialmente? O u ser que, como resultado
de sua fraqueza, o fato de as pessoas terem passado por tal processo
ser repassado para seus potenciais empregadores?
N o h nada errado com a terapia em si. O que duvidoso seu
uso pelo Estado com o parte integrante da poltica social. Ela faz parte
de um Estado panptico, usado para criar mentes dceis e para deter
pensam entos subversivos, com o a ideia de que os empregos servis e pre
crios de baixo status empurrados para as pessoas desempregadas deveriam
ser rejeitados. Os criadores de trabalhos desse tipo s sero pressionados
a melhor-los, ou a prescindir deles por no serem dignos do esforo
hum ano, se as pessoas tiverem a permisso de rejeit-los.
Workfare e condicionalidade
Parte da agenda paternalista libertria tornar a poltica social mais
condicional, fornecendo benefcios estatais desde que os receptores se
com portem de maneiras estabelecidas pelo Estado, supostamente para o
bem deles. Isso inclui program as que requerem que as pessoas aceitem
empregos ou treinam ento depois de um curto perodo de direito ao bene
fcio ou percam os benefcios e se arrisquem a um a m ancha perm anente
em seu registro, m antido em algum lugar num banco de dados on-line.
O precariado est recebendo vrias ofertas de variantes de lab ourfare, equivocadam ente chamadas de workfare (para um a crtica
216
Demonizando o precariado
Desde que com eou a Grande Recesso, os governos tm aper
feioado sua dem onizao das vtimas da econom ia de mercado global.
Q uatro grupos so alvos; os m igrantes, os requerentes de benefcios
sociais, os crim inosos e os incapacitados.
220
a m dia de com parecim ento s urnas foi de 43%, a m enor desde 1979.
O s partidos de centro-esquerda se deram m al em quase toda parte. O
Partido Trabalhista levou 16% dos votos no R ein o U nido. Os partidos
de direita se saram bem em todos os lugares. Os socialistas foram es
m agados na H ungria, enquanto o Jobbik, de extrem a-direita, ganhou
quase o mesmo nm ero de assentos. N a Polnia, a dom inante Plataforma
Cvica de centro-direita venceu. N a Itlia, o centro-esquerda ganhou
26% dos votos, sete pontos percentuais a m enos do que nas eleies
gerais de 2008, antes da crise, contra 35% para o Partido do Povo da
Liberdade, de Berlusconi. Nas eleies alems de 2009 houve um a baixa
participao recorde de 71%; a direita se saiu bem. E m toda parte, os
social-democratas estavam em retirada.
U m problem a que os polticos agora so vendidos com o marcas,
enquanto a poltica baseada em classe tem sido rebaixada, em parte po r
que o projeto social-dem ocrata no poderia sobreviver globalizao.
O resultado um a poltica de discurso breve, baseada na im agem e na
aceitao com partilhada do quadro econm ico neoliberal. C om isso, o
apoio dem ocracia social est fadado eroso.
Parecia haver um a exceo: os Estados U nidos em 2008, quando
Barack O bam a conseguiu m obilizar os jovens norte-am ericanos que
esperavam por um a agenda progressista. Infelizm ente, ele foi em pacotado e sobrevalorizado. Seu consultor de redes sociais veio do Facebook;
outro consultor criou um a m arca O bam a po r m eio de ferram entas de
m arketing inteligentes, com um logotipo (nascer do sol sobre estrelas e
listras), um excelente m arketing viral (toques de celular do Obama), um
merchandising de produtos (anncios de O bam a em videogames de espor
tes), um a propaganda de T V de 30 m inutos de durao e um a escolha
de alianas estratgicas de m arca (O prah para o alcance m xim o, a fa
m lia K ennedy para a seriedade, estrelas de hip-hop para a credibilidade
nas ruas). D epois O bam a recebeu o prm io M arketer o f the Year pela
A ssociation o f N ational Advertisers. E anncios de empresa o copia
ram , com o o C hoose C h an g e, da Pepsi, o Em brace C hange, da
IK EA , etc.
Isto poltica m ercadorizada, que com pra e vende im agens e
chaves efmeros, preferindo smbolos substncia. H um a profunda
alienao no fato de relaes pblicas e publicidades caras venderem
um a cam panha transcendental que envolve u m hom em com o marca,
cercado por imagens de liberdade e de m udana sem substncia.
223
228
Q u erid o leitor, G len B eck pode ajudar voc. Ele se levantar com
voc e dir: N o pise em m im .
Concluses
O precariado descrito com o um grupo de pessoas que necessita
de acom panham ento, terapia e coero para assumir empregos. Mas a
soluo paternalista libertria do workfare um m eio de interrom per
qualquer tentativa de construir carreiras profissionais, com o o a terapia
quando usada como poltica social. O diagnstico de incapacidade mental
e o prognstico da terapia com binam -se para acentuar os sentimentos
de precariedade. Essas no so polticas para apelar para a inquietao e
a revolta no precariado. E mais provvel que acontea o inverso.
A vigilncia est perm eando todas as instituies da sociedade. Em
cada ponto ela vai gerar a sousveillance ou um a contracultura, e isso, por
sua vez, ter um efeito de resposta que induz um a vigilncia mais firme.
A vigilncia no descansa, um a vez que foi legitim ada. Ela s pode ser
interrom pida pela resistncia ativa, pela ao baseada em classe.
A vigilncia prom ove a agresso e a suspeita de motivos. Se um
hom em capturado em um circuito fechado de televiso acariciando o
rosto de um a jovem garota, isso um sinal de bondade ou de inteno
sexual predatria? Se houver dvida, a verificao ser justificada como
m edida de precauo. Jamais podem os nos sentir totalm ente seguros.
U m protetor nunca est longe de ser um controlador. U m a das conse
qncias ser o retraim ento de gestos norm ais de amizade. A mesma
ambivalncia e tendncia de distanciam ento so alimentadas dentro das
empresas. A aplicao da pontualidade, assiduidade no trabalho e audi
torias de eficincia so instrum entos para penalizar os no conformistas,
que podem ser as mentes mais inovadoras e criativas. Afinal de contas, a
vigilncia corri a confiana e a amizade entre as pessoas, tornando-as
mais temerosas e mais ansiosas. O grupo com mais razo para sentir esse
m edo e ansiedade o precariado.
O utilitarismo que sustenta o Estado neoliberal se reduz crena de
tornar a maioria feliz ao mesmo tem po em que torna a m inoria obediente
s norm as da m aioria, por m eio de sanes, estmulos e vigilncia. E a
tirania da m aioria levada a um novo nvel de intensidade. Os utilitaristas
poderiam sair im punes desde que estivessem lidando com um a pequena
subclasse e desde que as rendas estivessem, na pior das hipteses, estag
nadas no extrem o mais baixo da sociedade. U m a vez que o precariado
cresceu e as rendas comearam a cair acentuadam ente, a indignao para
com a agenda utilitria e o acolhim ento das desigualdades acabaram se
tornando obrigatoriam ente explosivos.
231
Captulo 7
236
eles. M elhor ainda seria aboli-los como fraudulentos, j que seu principal
objetivo levantar barreiras entrada.
E ntre as reform as mais necessrias que afetam os habitantes,
esto aquelas relacionadas ao direito prtica, o direito de trabalhar na
esfera de sua com petncia e vocao. M ilhes tm esse direito negado,
atravs de licenciam ento e outros meios. As profisses liberadas para a
prtica abririam essa possibilidade aos m igrantes, que, de outro m odo,
seriam relegados ao precariado. A A lem anha, por acaso, pode assumir a
liderana aqui. E m outubro de 2010, o m inistro do Trabalho disse que,
para atrair mais m igrantes qualificados, a A lem anha introduziria um a
lei reconhecendo qualificaes estrangeiras. Essa um a resposta ad hoc a
u m desafio global. O que necessrio um sistema de credenciam ento
internacional, por meio do qual os governos e as corporaes profis
sionais estabeleam padres de qualificao e reconhecim ento m tuo,
de m odo que aquelas pessoas com habilidades qualificadas em um pas
possam pratic-las em outros pases com mais facilidade. N a m aioria das
profisses, no h necessidade de licena. U m sistema de credenciam ento
poderia exigir que os profissionais mostrassem um a prova de qualifica
o por m eio dos potenciais clientes de seus servios, o que perm itiria
aplicar o princpio de caveat emptor (cuidado, comprador) de form a justa.
Os m igrantes, sobretudo os que solicitam asilo, carecem de m e
canism os para representar seus interesses. U m a estratgia igualitria
exigiria que fossem dados espaos aos rgos representativos em que
eles atuassem e que fossem ajudados financeiram ente. Em 2010, um a
cam panha britnica chamada Strangers into C itizens fez lobby a favor de
um a anistia adquirida para os m igrantes no registrados aps cinco
anos. Se dois anos aps se registrarem eles estivessem em um emprego e
falassem ingls, receberiam autom aticam ente a cidadania. Essa m edida
poderia ser criticada, mas as corporaes legitimadas pelo Estado so
necessrias para representar todos os grupos de habitantes que lutam
para obter direitos de jure e de Jacto.
M uitos outros perdem os direitos econmicos e sociais em virtude
de um com portam ento passado ou de algum a ao que resulta num
registro oculto que m acula seu carter, sem que eles saibam ou sem que
possam refut-lo. Tony Blair disse um a vez que quem no tivesse feito
nada de errado deveria se preocupar com o avano da vigilncia. Essa
um a perspectiva ignbil. U m a razo que no sabemos o que est sendo
coletado sobre qualquer u m de ns ou se isso correto ou incorreto. O
237
Recuperao de Identidades
O precariado est no centro da confuso em torno do m ulticul
turalism o e das identidades pessoais. U m a caracterstica definidora de
todos os habitantes a ausncia de direitos. A cidadania consiste no
direito de term os um a identidade, na sensao de sabermos quem somos
e com quem temos valores e aspiraes comuns. O precariado no tem
identidade segura. Mas, em um m undo globalizado, no podem os fugir
do m ulticulturalism o e das mltiplas identidades.
Os Estados devem perm itir mltiplas identidades; todo m undo , de
certo modo, um habitante que tem direitos dentro de algumas identidades
autorreguladas e no em outras. Cada identidade carrega pacotes distintos
de direitos. Assim, se um a pessoa tem um a identidade como adepto de
um a religio ou como ateu, isso lhe d direitos que os outros no possuem
dentro de um a comunidade (direitos de certos feriados, direito de rezar
ou de no rezar, etc.). Os desafios cruciais surgem com os mecanismos de
hierarquia, opresso e excomunho, e com a garantia de que o exerccio de
qualquer direito comunitrio no afeta os direitos de identidade dos outros.
Os direitos decorrentes do fato de se pertencer a um a identidade
profissional especfica so ainda mais cruciais para o precariado. Se o
sujeito encanador ou enferm eiro, ele deve ter os direitos concedidos
a todos os m em bros de sua profisso, inclusive o direito de afirm ar que
qualificado e aprovado por seus pares. N o entanto, um a questo di
ferente dizer que quem aceito por seus pares no deve ter o direito de
praticar - e dessa m aneira que m uita gente est entrando no precariado.
por isso que a identidade profissional deve se basear num sistema de
credenciam ento, no no licenciam ento voltado para a competitividade,
e por isso que ela deve se assentar em estruturas de governana dem o
crtica dentro de corporaes profissionais das quais todos os interesses
possam participar (sobre com o isso acontece, ver St a n d in g , 20 0 9 ). A
democracia profissional fundam ental para a liberdade do sculo X X L
Voltando para o lado poltico da identidade, o neofascismo m oderno
veem entem ente contra a aceitao da identidade e da cultura dos outros.
Os neoliberais tam bm se opem ideia de identidade, alegando que os
indivduos em um a sociedade de mercado no tm nenhum a identidade
238
Resgate da educao
A m ercadorizao da educao deve ser combatida por aqueles que
esto sendo m anipulados para se ju n ta r ao precariado. O espectro de
universidades sem professores apoiadas por tcnicas panpticas deve ser
banido po r um a regulao dem ocrtica e transparente, envolvendo as
associaes profissionais e as leis que especificam que o ensino superior,
bem com o de outros nveis, no deveria ser sem professores.
A determ inao de contedo deve ser devolvida s mos dos pro
fissionais - professores e acadmicos , enquanto os clientes, ou alu
nos, deveriam ter um a Voz na definio da estrutura e dos objetivos da
educao. E o precariado deveria estar habilitado para conquistar um a
educao libertadora em um a base contnua, e no apenas ser sujeito
preparao do capital hum ano. Isso no ser idealista ou ingnuo.
claro que os alunos no sabem o que m elhor para eles. N en h u m de
ns sabe. O que necessrio haver um sistema de governo que equi
libre as foras modeladoras do processo. A tualm ente, os que prom ovem
a m ercadorizao da educao esto no controle total. Isso aterrador.
E preciso haver um a reverso do em burrecim ento envolvido na
educao do capital hum ano. Nos Estados U nidos, os peritos se refe
rem a um a perda da capacidade de ler e a um a sndrom e de dficit de
ateno massificada. E no assim s nos Estados U nidos. A educao
libertadora deve recuperar a prim azia por si s, e os que prom ovem a
mercadorizao devem ser combatidos. Ns no podem os rem ov-los
completamente, mas preciso alcanar institucionalm ente um equilbrio
em favor da educao libertadora.
239
Aqueles que querem que as universidades sirvam ao em preendedorismo e aos negcios e prom ovam um a perspectiva de mercado deveriam
prestar ateno aos grandes intelectuais do passado. C om o disse Alfred
N o rth W hitehead, o filsofo: A universidade justificada pelo fato de
preservar a conexo entre o conhecim ento e o entusiasm o pela vida,
unindo o jovem e o velho na considerao imaginativa da aprendizagem.
A nteriorm ente, Jo h n Stuart M ill, ao falar sobre sua instalao no
cargo de R eitor da St A ndrew University, em 1867, declarou: As univer
sidades no tm a inteno de ensinar o conhecim ento necessrio a fim
de preparar hom ens para algum m odo especial de conquistar o prprio
sustento. Seu objetivo no form ar advogados hbeis, ou mdicos ou
engenheiros, mas seres hum anos cultos e capazes. A rejeio comercial
desse princpio algo que o precariado deve evitar ao m xim o. E preciso
deter os filisteus.
H outra questo mais pragm tica. U m a resposta parcial frus
trao de status oriu n d a dos jovens que so form alm ente educados
para os em pregos disponveis n u m nvel acadm ico mais alto do que o
necessrio seria transform ar os ttulos acadm icos em bens de cio
(em vez de bens de investim ento). As pessoas poderiam ser encorajadas
a obter seus diplom as em u m prazo mais longo, facilitando-se licenas
sabticas para mais pessoas durante o curso de sua vida adulta e no
colocando tanta nfase na im portncia de ir direto da escola secundria
para a universidade.
O precariado pode sonhar com um a espcie de universitizao
da vida, um m undo no qual aprenda de form a seletiva e ampla em todos
os m om entos. Para isso, ele deve ter um sentim ento de m aior controle
sobre o tem po e o acesso a um a esfera pblica que m elhore a educao
com o processo deliberativo lento.
Trabalho, no s tarefa
Para a moral moderna, tornou-se artigo de f
que toda tarefa boa em si mesma uma crena
conveniente para quem vive da tarefa dos outros.
W iL L iA M
Liberdade profissional
O precariado quer desenvolver um senso de profisso, com binando
formas de trabalho e tarefa de m aneira a facilitar o desenvolvim ento
e a satisfao pessoais. As dem andas de tarefas e em pregos esto se
243
Restabelecer a igualdade
N o sculo X X , a desigualdade era vista em term os de lucros e sa
lrios. Para os social-democratas e outros, a redistribuio se daria pelo
254
Renda bsica
A proposta j foi tem a de manifestaes do precariado e tem um a
longa histria com m uitos adeptos ilustres. Passou por m uitos nomes: o
mais popular deles renda bsica, mas outros incluem um a bolsa-cidado, dividendo social, bolsa-solidariedade e ajuda demogrfica.
Apesar de usarmos o nom e mais popular, propom os aqui um a variante
que leva em conta dois objetivos desejveis que at agora no fizeram
parte da argum entao.
O ncleo da proposta que cada residente legal de um pas ou co
m unidade, tanto crianas, quanto adultos, deveria receber um pagamento
mensal modesto. Cada indivduo teria um carto que lhe daria o direito
de sacar um a quantia mensal para as necessidades bsicas, para gastar
como bem entender - sendo que haveria um acrscimo para necessidades
especiais, com o deficincia. N a m aioria dos pases ricos, isso seria menos
radical do que pode parecer, um a vez que significaria consolidar m uitos
esquemas de transferncia j existentes e substituir outros que so cheios
de complexidades e de um a condicionalidade arbitrria e discricionria.
Essa renda bsica seria paga a cada indivduo, e no a um grupo
contestvel m aior, tal como a fam lia ou residncia. Seria universal,
pois seria paga a todos os residentes legais, com um perodo de espera
para os m igrantes por razes pragmticas. Seria em form a de dinheiro,
perm itindo ao receptor decidir com o us-lo, no de um a form a paterna
lista, tal com o um vale-refeio ou outros itens predeterm inados. Deve
prom over a livre escolha e no ser u m m eio de persuadir as pessoas.
Deveria ser inviolvel, no sentido de o Estado ser incapaz de tom -la
de volta, a m enos que um a pessoa deixe de ser um residente legal ou
com eta u m crim e para o qual a negao seja um a penalidade especifi
cada. E deveria ser paga com o um a soma m odesta regular, no com o um
pagam ento em bloco dentro dos moldes das aplices de baixo valor ou
de auxlios financeiros de investidores, com o pretendido pelo C hild
Trust Fund do R ein o U nido, o que causa fraqueza de vontade e outros
problemas ( W r i g h t , 2006).
O auxlio seria incondicional em termos comportamentais. Existem
leis, tribunais e processo adequado para lidar com o com portam ento
questionvel, e isso no deve se m isturar poltica de fornecim ento da
segurana bsica. Q uando essas coisas se m isturam , no h nem seguran
a, nem justia. E m princpio, as transferncias de renda libertam ; do
segurana econm ica com a qual possvel fazer escolhas sobre como
256
Redistribuir a segurana
O recurso da segurana tem vrios elementos social, econm ico,
cultural, poltico, etc. Estamos preocupados aqui com a dimenso econ
mica. A insegurana crnica ru im em si mesma e instrum entalm ente
258
determ inado. Se determ inado com portam ento inaceitvel, ele deve ser
tratado com o um a questo jurdica, sujeita ao devido processo legal. A
vinculao da proteo social com a condicionalidade visa ignorar a lei
que, supostamente, a mesma para todos.
A segurana bsica um a necessidade hum ana quase universal e
um objetivo digno para a poltica estatal. Tentar fazer as pessoas felizes
um a artim anha m anipuladora, enquanto proporcionar um esteio de
segurana criaria um a condio necessria para que as pessoas fossem
capazes de perseguir sua prpria concepo de felicidade. A segurana
econm ica bsica tam bm instrum entalm ente benfica. A insegurana
produz estresse, o que dim inui a capacidade de concentrao e aprendiza
gem, afetando especialm ente as partes do crebro mais associadas com a
m em ria de trabalho (E va n s ; S c h a m b e r g , 2009). Assim, para prom over
a igualdade de oportunidades, devemos procurar reduzir as diferenas de
insegurana. Mais fundam entalm ente, os psiclogos tm mostrado que as
pessoas basicamente seguras so m uito mais propensas a serem tolerantes
e altrustas. E a insegurana socioeconmica crnica que est atiando o
neofascismo nos pases ricos na m edida em que eles enfrentam a atrasada
reduo dos padres de vida trazida pela globalizao.
Isso leva a um a prim eira m odificao possvel da proposta para
um a renda bsica (ver tam bm St a n d in g , 2011). Sabemos que a eco
nom ia globalizada produz mais insegurana econm ica e propensa
volatilidade, e que o precariado experim enta flutuaes no segurveis
na insegurana econm ica. Isso cria um a necessidade de estabilidade
de renda e de estabilizadores econmicos automticos. O ltim o papel
costumava ser desempenhado pelo seguro-desemprego e por outros bene
fcios da segurana social, mas estes tm encolhido. Se um a renda bsica
fosse vista com o um a concesso de estabilizao econm ica, ela seria
um a form a igualitria de reduzir a volatilidade econmica. Seria mais
eficiente e equitativa do que a poltica m onetria e fiscal convencional,
e do que todos os subsdios deplorveis que prom ovem a ineficincia e
um a srie de efeitos de inrcia e de substituio.
O valor do carto de renda bsica podia ser alterado contraciclicam ente. Q uando as oportunidades de ganho fossem altas, o valor poderia
ser menor, e quando as condies de recesso estivessem se espalhando, ele
poderia ser aum entado. Para evitar o m au uso poltico, o nvel da renda
bsica poderia ser definido por um organismo independente, incluindo
representantes do precariado, bem com o de outros interesses. Isso seria
261
Controlar o tempo
U m a renda bsica tam bm daria s pessoas mais controle sobre seu
tempo. E seria um a resposta aos paternalistas libertrios. Eles acreditam
Subsdios de cio
U m aspecto preocupante da sociedade de trabalhadores regulares
a perda do respeito pelo cio no sentido grego de schole. Essa perda do
respeito acom panha o privativismo cvico e um individualism o baseado
no m aterialismo bruto. Para a sade da sociedade e para ns mesmos,
precisamos de mecanismos para inverter a tendncia.
A dem ocracia frgil, a m ercadorizao da poltica e o poder das
relaes pblicas e do dinheiro da elite pem em risco o fortalecimento de
um a tirania da maioria e um a difamao perniciosa da no conformidade.
C om o um contram ovim ento, o precariado precisa de mecanismos para
gerar a democracia deliberativa. Isso prom ove valores de universalismo e
altrusm o, um a vez que incentiva as pessoas a pensar em term os de vu
de ignorncia e se afastar do ponto de vista influenciado por sua posio
ao longo do espectro social e econm ico. N o entanto, a democracia de
liberativa requer a participao ativa, o que no pode ser feito por pessoas
distradas alimentadas com um a dieta de lugares-com uns e chaves. Ela
exige debate, contato visual, linguagem corporal, escuta e reflexo.
N a antiga Atenas, u m dispositivo de pedra cham ado kleroterion
era usado para selecionar aleatoriam ente 500 pessoas para fazer poltica,
entre 50 m il cidados. Isso era antidem ocrtico, visto que as m ulheres e
os escravos eram excludos. Mas se assemelha democracia deliberativa.
U m a pesquisa feita por James Eishkin, Bruce A ckerm an e outros indica
que as discusses pblicas muitas vezes levavam a vises populistas. U m
experim ento realizado em M ichigan, atingida pela recesso, levou a um
crescim ento do apoio ao aum ento dos impostos, nesse caso do imposto
de renda, de 27% para 45%. Nesses experim entos, as maiores mudanas
de opinio vm das pessoas que adquirem mais conhecim ento. Isso no
significa que as m udanas so sempre desejveis. M as de fato indica
que a deliberao faz a diferena. Experim entos psicolgicos anteriores
268
descobriram que quem tem segurana econm ica bsica mais altrusta,
tolerante e igualitrio do que quem econom icam ente inseguro, e as
deliberaes desse grupo em relao a propostas relacionadas levaram a
um apoio ainda m aior para fornecer s pessoas um piso de garantia de
segurana (F r o h l ic h ; O p p e n h e im e r , 1992).
Alguns defendem o uso da internet para adm inistrar a democracia
deliberativa, por m eio de pesquisas. Ela tem sido usada na Grcia e na
C hina por alguns projetos, com o para determ inar de que m aneira um
fundo de infraestrutura local deveria ser alocado em Z eguo, na China.
Est sendo considerada um a vlvula de segurana para a presso social.
N o entanto, em bora o uso da internet possa ser fascinante, ela no pode
substituir a concentrao envolvida na participao fsica do pblico.
Portanto, vale a pena considerar um a variante de subsdios de renda
bsica que poderiam ajudar a desviar o precariado para longe do populismo. Isso exigir que todos que tm direito a um subsdio de renda
bsica, quando registram a elegibilidade, assumam um compromisso moral
de votar nas eleies nacionais e locais e participar de pelo menos um a
reunio local por ano, convocada para discutir questes polticas atuais.
Tal compromisso no deveria ser juridicam ente obrigatrio, com sanes;
deveria ser apenas um reconhecim ento de responsabilidade cvica, como
convm a um etos de igualitarism o em ancipatrio.
M esmo sem o comprom isso m oral, um a renda bsica seria um ins
trum ento para incentivar a democracia deliberativa. A democracia frgil
susceptvel de ser capturada pelas elites ou por agendas populistas. Se
as democracias so m enos corruptas do que as no democracias, como
estima a Transparncia Internacional, ento as medidas pr-participao
fortaleceriam a democracia. E, supondo um a relao linear entre o grau
de democracia e a corrupo, isso reduziria a corrupo. C om o baixo
com parecim ento s urnas, mais provvel que os candidatos entrinchei
rados venam. O precariado e os profidans, refletindo sua form a de vida
mais nm ade, so mais propensos a m udar para os polticos considerados
de confiana. M uitas eleies so decididas por quem no vota. Isso no
pode trazer um bom resultado.
Os subsdios de trabalho e cio podem ser relacionados ao novo
entusiasmo pelo localism o. O desejo de descentralizao sob a rubrica
de um a era ps-burocrtica sedutor, favorecido tanto pelos socialdemocratas quanto pelos conservadores. N o R ein o U nido, os conserva
dores inventaram habilm ente o term o Big Sodety, um vago eufemismo
269
Concluses
O precariado em breve poder descobrir que tem m uito mais
amigos. Vale a pena lem brar a famosa advertncia atribuda ao pastor
M artin N iem ller na ascenso do nazismo na A lem anha nos anos 1930.
P rim eiro eles vieram buscar os com unistas,
e eu no protestei porque no era com unista.
D epois vieram buscar os sindicalistas,
e eu no protestei porque no era sindicalista.
D epois vieram buscar os judeus,
e eu no protestei p orque no era jud eu .
D epois vieram m e buscar
e a essa altura, no havia n in g u m para protestar.
A advertncia relevante porque a classe perigosa est sendo desencam inhada por demagogos com o Berlusconi, dissidentes como Sarah
Palin e neofascistas em outros lugares. E nquanto a centro-direita est
sendo arrastada mais para a direita a fim de m anter seus constituintes,
a centro-esquerda poltica est cedendo terreno e perdendo votos. Est
em perigo de perder um a gerao de credibilidade. Por m uito tem po,
tem representado os interesses do em prego e defendido um a forma
m ortal de vida e um a m aneira m ortal de trabalhar. A nova classe o
precariado; a menos que os progressistas do m undo ofeream um a pol
tica de paraso, essa classe toda vai ser m uito propensa a ouvir as sereias
atraindo a sociedade para os rochedos. Os centristas vo se u n ir no apoio
a u m novo consenso progressista, porque eles no tm mais para onde ir.
Q uanto mais cedo eles se unirem , m elhor. O precariado no vtim a,
vilo ou heri - apenas um m onte de gente com o ns.
271
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Posfcio
longo dos ltim os dez anos. Em dezem bro de 2012 havia atingido 4,6%,
a m enor taxa da histria. E m ju n h o de 2013 foi de 6%. O tem po m dio
que um a pessoa perm anecia desempregada passou de 17,8 semanas, em
2003, para 12,4 semanas, em 2012. A proporo de trabalhadores con
tribuintes para a seguridade social, com o proporo da populao total
ocupada, que constitui um indicador de formalizao, passou de 61,2%,
em 2003, para 72,9%, em 2013. A parcela de pessoas com 16 anos ou mais
de idade ocupadas no mercado de trabalho brasileiro passou de 45,3%
para 56% entre 2001 e 2011. N o obstante, o contingente de m o de
obra inform al, em 2011, somava 44,2 m ilhes de pessoas, em torno de
22% do total da populao brasileira, ento estimada em 193 m ilhes.
Hoje, 2013, ela est estimada em 201 m ilhes.
Para a soluo dos problemas enfrentados pela precarizao da p o
pulao, Guy Standing considera fundam ental, prim eiro, que se assegure
o direito Voz a todas as pessoas, sobretudo aquelas que at hoje esto
to distantes de terem os direitos cidadania. Isso atravs de meios que
possam aperfeioar as formas de participao nas decises de todas as
com unidades e dos pases, com efetivo avano no processo de dem o
cratizao. Segundo, entre as proposies econmicas e sociais, como
um dos mais im portantes estudiosos do tem a, ele sugere a instituio da
R enda Bsica Incondicional e Universal. Em especial no captulo 7, con
clusivo, ele destaca as im portantes vantagens dessa proposio, objeto da
Lei 10.835/2004, aprovada por todos os partidos no Congresso Nacional
brasileiro e sancionada pelo Presidente Luiz Incio Lula da Silva, em 8 de
janeiro de 2004. A lei explicita que a R enda Bsica de Cidadania (R B C )
ser instituda por etapas, a critrio do Poder Executivo, iniciando-se
pelos mais necessitados, com o o faz o Program a Bolsa Famlia, o qual
hoje beneficia aproxim adam ente um quarto da populao brasileira.
Por tudo, avalio que a leitura deste novo livro de Guy Standing
de im portncia para estudiosos do tem a e para todos aqueles que se
interessam pelas questes sociais brasileiras.
285
G U Y ST A N D IN G professor de Desen
volvimento na Escola de Estudos Orientais e
Africanos da Universidade de Londres (desde
outubro de 20 1 2 ). Foi pro fesso r d e Seguran
a Econmica na Universidade de Bath (de
julho de 2005 a janeiro de 2013) e de Eco
nomia do Trabalho na Universidade Monash,
em Melbourne (de setembro de 2005 a ju
nho de 2009). D e 1999 a 2005, foi diretor do
Programa de Segurana Socioeconmica da
Organizao Internacional do Trabalho (OIT)
e diretor da Filial de Polticas de Mercado de
Trabalho da mesma organizao.
Economista com PhD pela Universidade de
Cambridge, fundador e copresidente da Basic
Income Earth Network (BIEN), oiganizao
no governamental, com membros em mais de
50 pases, que promove renda bsica como um
direito incondicional e universal. Alm de ter
vasta carreira como pesquisador, conselheiro
de vrios governos e agncias internacionais.
Entre 1995 e 1996, foi diretor de pesquisas da
Comisso de Polticas de Mercado de Traba
lho do presidente Nelson Mandela, ocasio
em que foi coautor do Hvro Restructuring the
Labour Market: the South Ajrican ChaUenge [Re
estruturao do mercado de trabalho: o desafio
sul-afficano].
Seus hvros recentes so: Social Income and
Insecurity: A Study in Gujarat, com J. Unni,
R . Jhabvala e U. Rani (Routledge, 2010), e
Work afier Glohalization: BuiUing Occupational
Citizenship (Elgar, 2009).