A Ordem Do Discurso - Michel Foucault
A Ordem Do Discurso - Michel Foucault
A Ordem Do Discurso - Michel Foucault
A ORDEM DO DISCURSO
AULA INAUGURAL NO COLLEGE DE FRANCE,
PRONUNCIADA EM
DE DEZEMBRO DE
1970
Tradll';ao:
LEITURAS
e:G
1. A ordem do discurso
Michel Foucault
2. Sete
sobre 0 ser
Jacques Maritain
3. lUnstoteles no seculo }CK
Enrico Berti
4. As razoes de lUnstoteles
Enrico Berti
Titulo original:
Lordre du discours. Le(on inaugurale au College de France
prononcte Ie 2 dtcernbre 1970
Francine Fruchaud e Denys Foucault, Paris
Edi<;:ao de texto:
Marcos Jost Marcionilo
Indica<;:ao editorial:
Profa Dr" Salrna Tannus Muchail
Edif,!oes Loyola
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ostaria de me insinuar sub-repticiamente no discurso que devo pronunciar hoje, e nos que deverei pronunciar
aqui, talvez durante anos. Ao inves de tomar a palavra, gostaria de ser envolvido por
ela e levado bern alem de todo come<;o
possive!. Gostaria de perceber que no momento de falar uma voz sem nome me precedia ha muito tempo: bastaria, entao, que
eu encadeasse, prosseguisse a frase, me alojasse, sem ser percebido, em seus intersticios, como se ela me houvesse dado urn
sinal, mantendo-se, por urn instante, suspensa. Nao haveria, portanto, come<;o; e em
ISBN: 85-15-01359-2
5a
setembro de 1999
Nota do Editor: Por motive de honirio, certas passagens foram encurtadas e modificadas na leitura. Essas
passagens foram aqui reproduzidas na integra.
o desejo
Eis a hipotese que gostaria de apresentar esta noite, para fixar 6 lugar - ou talvez 0 teatro muito provisorio - do trabasuponho que em toda socielho que
dade a
do discurso e ao mesmo
Em uma sociedade como a nossa, conhecemos, e cerlO, procedimentos de exclusao. 0 mais evidente, 0 mais familiar tambern, e a interdil,;ao. Sabe-se bern que nao se
tern 0 direito de dizer tudo, que nao se pode
falar de tudo em qualquer circunstancia, que
qualquer urn, enfim, nao pode falar de qualquer coisa. Tabu do objeto, ritual da cir-'
cunstancia, direito privilegiado ou exclusivo do sujeito que fala: temos ai 0 jogo de
tres tipos de
que se cruzam, se
ou se compensam, formando uma
grade complexa que nao cessa de se modificar. Notaria apenas que, em nossos dias,
as regiOes onde a grade e mais cerrada, onde
os buracos negros se multiplicam, sao as
regioes da sexualidade e as da politica: como
se 0 discurso, longe de ser esse elemento
transparente ou neutro no qual a sexualida-
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que era dito (como era dito, por que era dito)
nessa palavra que, contudo, fazia a
Todo este imenso discurso do louco retomava
ao ruido; a palavra so the era dada simbolicamente, no teatro onde ele se apresentava,
desarmado e reconciliado, visto que representava ai 0 papel de verdade mascarada.
Dir-se-a que, hoje, tudo isso acabou ou
esta em vias de desaparecer; que a palavra
do louco nao esta mais do outro lado da
que ela nao e mais nula e nao-aceita; que, ao contrario, ela nos leva a espreita; que nos ai buscamos urn sentido,
ou 0
ou as ruinas de uma obra; e
que chegamos a surpreende-la, essa palavra
do louco, naqullo que nos mesmos articulamos, no disnirbio minusculo por onde aqui10 que dizemos nos escapa. Mas tanta atennao prova que a velha
nao
voga mais; basta pensar em todo 0 aparato
de saber mediante 0 qual deciframos essa
palavra; basta pensar em toda a rede de
que permite a alguem - medico, psicanalista - escutar essa palavra e que
permite ao mesmo tempo ao paciente vir
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trazer, ou desesperadamente reter, suas pobres palavras; basta pensar em tudo isto para
supor que a
longe de estar apagada, se exerce de outro modo, segundo
linhas distintas, por meio de novas instituie com efeitos que nao sao de modo
algum os mesmos. E mesmo que 0 papel do
medico nao fosse senao pres tar ouvido a
uma palavra enfim livre, e sempre na mada cesura que a escuta se exerce.
Escuta de urn discurso que e investido pelo
desejo, e que se cre - para sua maior
ou maior angustia - carregado
de terriveis poderes. Se e necessario 0 silencio da razao para curar os monstros, basta
que 0 silencio esteja alerta, e eis que a sepermanece.
Talvez seja arriscado considerar a oposic;ao do verdadeiro e do falso como urn
terceiro sistema de exclusao, ao lado daqueles de qU(f acabo de falar. Como se poderia
da verdade
razoavelmente comparar a
com
como aquelas,
que,
de saida, sao arbitrarias, ou que, ao menos,
se organizam em tomo de contingencias his13
'I
o discurso verdadeiro pelo qual se tinha respeito e terror, aquele ao qual era preciso
submeter-se, porque ele reinava, era 0 discurso pronunciado por quem de direito e
conforme 0 ritual requerido; era 0 discurso
que pronunciava a justic;a e atribufa a cada
qual sua parte; era 0 discurso que, profetizando 0 futuro, nao somente anunciava 0
que ia se passar, mas contribuia para a sua
realizac;ao, suscitava a adesao dos homens e
se tramava assim com 0
Ora, eis
que urn seculo mais tarde, a verdade a mais
elevada ja nao residia mais no que era 0
discurso, ou no que ele Jazia, mas residia
no que ele dizia: chegou urn dia em que a
verdade se deslocou do ate ritualizado, eficaz e justo, de enunciac;ao, para 0 pr6prio
enunciado: para seu sentido, sua forma, seu
objeto, sua relac;ao a sua referencia. Entre
Hesfodo e PIa tao uma certa divisao se estabeleceu, separando 0 discurso verdadeiro e
o discudo falso; separac;ao nova visto que,
doravante,o discurso verdadeiro nao e mais
o discurso precioso e desejavel, visto que
nao e mais 0 discurso ligado ao exercfcio
do poder. 0 sofista e enxotado.
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Em primeiro lugar, 0 comentario. Suponho, mas sem ter muita certeza, que nao
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Por ora, gostaria de me limitar a indicar que, no que se chama globalmente urn
comentario, 0 desnivel entre texto primeiro
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algo alem do texto mesmo, mas com a condi<;ao de que 0 texto mesmo seja dito e de
certo modo realizado. A multiplicidade aberta, 0 acaso sao transferidos, pelo principio
do comentirio, daquilo que arriscaria de ser
dito, para 0 numero, a forma, a mascara, a
circunstancia da repeti<;ao. 0 novo nao esta
no que e dito, mas no acontecimento de
sua volta.
Creio que existe outro principio de
rarefa<;ao de urn discurso que e, ate certo
ponto, complementar ao primeiro. Trata-se
do autor. 0 au tor, nao entendido, e claro,
como 0 individuo falante que pronunciou
ou escreveu urn texto, mas 0 autor como
principio de agrupamento do discurso, como
unidade e origem de suas significa<;oes,
como foco de sua coerencia. Esse principio
nao yoga em toda parte nem de modo constante: existem, ao nosso redor, muitos discursos que circulam, sem receber seu sentido ou sua eficacia de urn autor ao qual seriam atribuidos: conversas cotidianas, logo
apagadas; decretos ou contratos que precisam de signatarios mas nao de autor, recei26
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o comentario limitava 0 acaso do. discurso pelo jogo de uma identidade que teria
a forma da repetit;do e do mesmo. 0 principio do autor limita esse mesmo acaso pelo
jogo de uma identidade que tern a forma da
individualidade e do eu.
Seria absurdo negar, e claro, a existencia db individuo que escreve e inventa. Mas
penso que - ao menos desde uma certa
epoca - 0 individuo que se poe a escrever
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cipio este tambem relativo e m6vel. Principio que permite construir, mas conforme
urn jogo restrito.
A organiza<;ao das disciplinas se opoe
tanto ao principio do comentario como ao
do autor. Ao do autor, visto que urtla disciplina se define por urn dominio de objetos,
urn conjunto de metodos, urn corpus de
proposi<;oes consideradas verdadeiras, urn
jogo de regras e de defini<;oes, de tecnicas e
de instrumentos: tudo isto constitui uma
especie de sistema anonimo a disposi<;ao de
quem quer ou pode servir-se dele, sem que
seu sentido ou sua validade estejam ligados
a quem sucedeu ser seu inventor. Mas 0
princfpio da disciplina se opoe tambem ao
do comenrario: em uma disciplina, diferentemente do comenrario, 0 que e suposto no
ponto de partida, nao e urn sentido que precisa ser redescoberto, nem uma identidade que
deve ser repetida; e aquilo que e requerido
para a constru<;ao de novDS enunciados. Para
que haja disciplina e preciso, pois, que haja
possibilidade de formular, e de formular indefinidamente, proposi<;oes novas.
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des estatisticas. Novo objeto que pede novos instrumentos conceituais e novos fundamentos te6ricos. Mendel dizia a verdade,
mas nao estava "no verdadeiro" do discurso
biol6gico de sua epoca: nao era segundo tais
regras que se constituiam objetos e conceitos
de
biol6gicos; foi preciso toda uma
escala, 0 desdobramento de todo urn novo
plano de objetos na biologia para que Mendel
entrasse "no verdadeiro" e suas
aparecessem,
(em boa parte) exatas.
Mendel era urn monstro verdadeiro, 0 que
fazia com que a ciencia mo pudesse falar
nele; enquanto Schleiden, por exemplo, uns
trinta anos antes, negando, em pleno seculo
XIX, a sexualidade vegetal, mas conforme
as regras do discurso biol6gico, nao formulava senao urn erro disciplinado.
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possuia 0 segredo desses dis curs os maravilhosos, ele 0 fez vir a seu palacio e ai 0
reteve. A sos com ele, lOmou
Aprendeu a matematica. De falO, manteve 0 poder e teve uma longa velhice. Foi no seculo
XIX que houve matematicos japoneses. Mas
a anedota nao termina ai: tern sua versao
europeia. A historia conta, com efeilO, que
aquele marinheiro ingles, Will Adams, fora
urn autodidata: urn carpinteiro que, por ter
trabalhado em urn estaleiro naval, aprendera a geometria. Deve-se ver nesta narrativa
a expressao de urn dos grandes mitos da
cultura europeia? Ao saber monopolizado e
secreto da tirania oriental, a Europa oporia
a
universal do conhecimento,
'a troca indefinida e livre dos discursos.
o ritual define a
que devem
possuir os individuos que falam (e que, no
jogo de urn dialogo, da
da
devem ocupar determinada posi<,;ao e formular determinado tipo de enunciados); define os gestos, os comportamenlOS, as circunstancias, e todo 0 conjunto de
signos que devem acompanhar 0 discurso;
fixa, enfim, a eficacia suposta ou imposta
das palavras, seu efeito sobre aqueles aos
quais se dirigem, os limites de seu valor de
coer<,;ao. Os discursos religiosos, judici<lrios,
terapeuticos e, em parte tambem, politicos
nao podem ser dissociados dessa pratica de .
urn ritual que determina para os sujeitos
que falam, ao mesmo tempo, propriedades
singulares e papeis preestabelecidos.
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grupos de rapsodos que possuiam 0 conhecimento dos poemas a recitar ou, eventualmente, a fazer variar e a transformar; mas
esse conhecimento, embora tivesse por finalidade uma recita<;:ao de caniter ritual, era
protegido, defendido e conservado em urn
grupo determinado, pelos exercicios de
memoria, muitas vezes bern complexos, que
implicava; sua aprendizagem fazia estar ao
mesmo tempo em urn grupo e em urn segredo que a recita<;:ao manifestava, mas nao
divulgava; entre a palavra e a escuta os
papeis nao podiam ser trocados.
"50-
ciedades de discurso", com esse jogo ambiguo de segredo e de divulga<;:ao. Mas que
ninguem se deixe enganar; mesmo na ordem do discurso verdadeiro, mesmo na ordem do discurso publicado e livre de qualquer ritual, se exercem ainda formas de
apropria<;:ao de segredo e de nao-permutabilidade. E bern possivel que 0 ato de escrever tal como esta hoje institucionalizado no
livro, no sistema de edi<;:ao e no personagem do escritor, tenha lugar em uma "5040
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do discurso com seus poderes e seus saberes? Que e uma "escritura" (a dos "escritores") senao urn sistema semelhante de suque toma formas urn pouco diferentes, mas cujos grandes pIanos sao amilogos?
Nao constituiriam 0 sistema judiciario, 0
sistema institucional da medicina, eles tambern, sob certos aspectos, ao menos, tais
do discurso?
sistemas de
"
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Refon;;a-los, em seguida, por uma denegac;;ao que recai desta vez sobre a realidade especifica do discurso em geral.
Desde que foram excluidos os jogos e
o comercio dos sofistas, des de que seus
paradoxos foram amordac;;ados, com maior
ou menor seguranc;;a, parece que 0 pensamento ocidental tomou cuidado para que 0
discurso ocupasse 0 menor lugar possivel
entre 0 pensamento e a palavra; parece que
tomou cuidado para que 0 discurso aparecesse apenas como urn cefto aporte entre
pensar e falar; seria urn pensamento revestido de seus signos e tornado visivel pelas
palavras, ou, inversamente, seriam as estruturas mesmas da lingua postas em jogo e
produzindo urn efeito de sentido.
Esta antiquissima elisao da realidade do
discurso no pensamento filos6fico tomou
muitas formas no decorrer da hist6ria. N6s a
reencontramos bern recentemente sob a forma de varios temas que nos sao familiares.
Seria possivel que 0 tema do sujeito
fundante permitisse elidir a realidade do
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\.
tema
da experiencia originaria, desempenha urn
papel analogo. Supoe que no nivel da experiencia, antes mesmo que tenha podido retomar-se na forma de urn cogito, significac;;oes anteriores, de cefta forma ja ditas,
percorreriam 0 mundo, dispondo-o ao redor de n6s e abrindo-o, logo de inicio, a
uma especie de reconhecimento primitivo.
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I
I
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papel
como a do autor, da disciplina, da vontade de verdade, e preciso reconhecer, ao contnirio, 0 jogo negativo de urn
recorte e de uma rarefac;ao do discurso.
Mas, uma vez descobertos esses principios de rarefac;ao, uma vez que se deixe de
consideni-Ios como insHincia fundamental
e criadora, 0 que se descobre por baixo
deles? Oever-se-ia admitir a plenitude virtual de urn mundo de discursos ininterruptos? E aqui que se faz necessario fazer
intervir outros principios de metodo.
Urn principio de descontinuidade: 0 fato
de haver sistemas de rarefac;ao nao quer dizer
que por baixo deles e para alem deles reine
urn grande discurso ilimitado, continuo e
silencioso que Fosse por eles reprimido e
recalcado e que n6s tivessemos por missao
descobrir restituindo-Ihe, enfim, a palavra.
Nao se deve imaginar, percorrendo 0 mun_ do e entrelac;ando-se em todas as suas formas e acontecimentos, urn nao-dito ou urn
impensado que se deveria, enfim, articular
ou pensar. Os discursos devem ser tratados
como praticas descontinuas, que se cruzam
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penso que haja como que uma razao inverdo acontecimensa entre a
to e a analise da longa
Parece, ao
contrario, que foi por estreitar ao extrema 0
acontecimento, por levar 0 poder de resoluda analise historica ate as mercuriais, as
atas notariais, aos registros paroquiais, aos
arquivos portuarios seguidos ana a ano,
semana a semana, que se viu desenhar para
alem das batalhas, dos decretos, das dinastias ou das assembleias, fenomenos
de alcance secular ou plurissecular. A historia, como praticada hoje, nao se desvia dos
acontecimentos; ao contrario, alarga sem
cessar 0 campo dos mesmos; neles descobre, sem cessar, novas camadas, mais superficiais ou mais profundas; isola sempre novos conjuntos onde eles sao, as vezes, numerosos, densos e intercambiaveis, as vecotidiazes, raros e decisivos: das
chega-se as
seculanas de
res. Mas 0 importante e que a historia nao
considera urn elemento sem definir a serie
da qual ele faz parte, sem especificar 0 modo
de analise da qual esta depende, sem procu-
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Quatro
devem servir, portanto,
de principio regulador para a analise: a
de acontecimento, a de serie, a de
de possibilidaregularidade, a de
de. Vemos que se op6em termo a termo: 0
acontecimento a criaf,;ao, a serie a unidade,
a regularidade a originalidade e a
de possibilidade a
Estas quatro
originalidade,
ultimas
de modo geral dominaunidade,
ram a historia tradicional das ideias onde,
de comum acordo, se procurava 0 ponto da
a unidade de uma obra, de uma
epoca oli de urn tema, a marca da originalidade individual e 0 tesouro indefinido das
ocultas.
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I!
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1
I
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ideal. Tres
que deveriam permitir
ligar a pr<itica dos historiadores a hist6ria
dos sistemas de pensamento. Tres
que 0 trabalho de
te6rica devera
seguir.
foram suas
cimento, de
de
de cres-
o conjunto cntico, primeiro. Urn primeiro grupo de amilises poderia versar sobre 0
que designei como
de exclusao. Aconteceu-me outrora estudar uma e por urn penodo determinado: tratava-se da
entre loucura e razao na epoca classica. MaiS
tarde, podenamos procurar analisar urn sistema de
de linguagem: 0 que concerne a sexualidade desde 0 seculo XVI aJi
o seculo XIX; tratar-se-ia de ver nao, sem
dUvida, como ele progressivamente e felizmente se apagou; mas como se deslocou e
se rearticulou a partir de uma pr<itica da
confissao em que as condutas proibidas eram
nomeadas, classificadas, hierarquizadas, e da
inimaneira a mais expltcita, ate a
cialmente bern timida, bern retardada, da
ternatica sexual na medicina e na psiquiatria
do seculo XIX; nao sao estes senao marcos
urn pouco simb6licos, ainda, mas se pode
desde ja apostar que as escansoes nao sao
aquelas que se cre, e que as
nao
ocuparam sempre 0 lugar que se imagina.
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f9rme pluralidades de series nas quais interfiram interditos que, ao menos em parte,
sejam diferentes em cada uma delas.
Poderiamos considerar, tambem, as series de discursos que, nos seculos XVII e
XVIII, referem-se a riqueza e a pobreza, a
moeda, a produc;ao, ao comercio. Trata-se,
entao, de conjuntos de enunciados muito
heterogeneos, formulados pelos ricos e pelos pobres, pelos sabios e pelos ignorantes,
protestantes ou cat6licos, oficiais do rei, comerciantes ou moralistas. Cada qual tern
sua forma de regularidade, e igualmente seus
sistemas de coerc;ao. Nenhum deles prefigura exatamente essa outra forma de regularidade discursiva que tomara forma de uma
disciplina e chamar-se-a "analise das riquezas", depois, "economia politica". E, contudo, a partir deles que uma nova regularidade se formou, retomando ou excluindo,
justificando ou descartando alguns dos seus
enunciados.
Pode-se pensar, tambem, em urn estudo que trataria dos discursos sobre a hereditariedade, tais como podem ser encontra-
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ele 0 transformava em urn tema da mterrorepetitiva. Mas, visto que ela era rea filosofia nao era ulterior ao conceito; ela nao precisava dar continuidade ao
edificio da
devia sempre manterse retirada, romper com suas generalidades
adquiridas e recolocar-se em contato com a
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nao-filosofia; devia aproximar-se, 0 mais possivel, nao daquilo que a encerra mas do que
a precede, do que ainda nao despertou para
sua inquietac;ao; de via retomar, para pensa-las, nao para reduzi-las, a singularidade da
historia, as racionalidades regionais da ciencia, a profundidade da memoria na consciencia; aparece, assim, 0 tema de uma filosofia presente, inquieta, movel em toda sua
linha de contato com a nao-filosofia, nao
existindo senao por ela, contudo, e revelando 0 sentido que essa nao-filosofia tern para
nos. Ora, se ela existe nesse contato repetido com a nao-filosofia, 0 que e 0 comec;o da
filosofia? Ja esta la, secretamente presente
no que nao e ela, comec;ando a formular-se
a meia-voz no murmurio das coisas? Mas,
entao, 0 discurso filosOfico nao tern mais,
talvez, razao de ser; ou, entao, deve ela
comec;ar sobre uma base ao mesmo tempo
arbitraria e absoluta? Ve-se substituir-se,
assim, 0 tema hegeliano do movimento proprio ao imediato pelo tema do fundamento
do discurso filosofico e de sua estrutura
formal.
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desejo, as matematicas e a
do
e sua aplidiscurso, a teoria da
na analise do vivente, enfim, todos os
dominios a partir dos quais se po de colocar
a questao de uma l6gica e de uma existencia que nao cessam de atar e desatar seus
Penso que essa obra, articulada em alguns grandes livros, mas investida ainda
mais em pesquisas, no ensino,em uma atenperpetua, em urn alerta e uma generosidade de todos os dias, em uma responsabilidade aparentemente administrativa e
pedag6gica (quer dizer, na realidade, duplamente politica), cruzou, formulou os problemas os mais fundamentais de nossa epoca. Somos muitos os seus infinitamente
devedores.
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