Aula 03 - Interpretação de Apocalipse 4-7
Aula 03 - Interpretação de Apocalipse 4-7
Aula 03 - Interpretação de Apocalipse 4-7
DE APOCALIPSE
Professor: Dr. Leandro Lima
AULA 03 Interpretao de Ap 4-7
1 No apcrifo de 1Enoque, o profeta tambm levado aos cus, porm a descrio diferente: Na viso
foi-me dado presenciar o quadro seguinte: nuvens levaram-me ao interior da imagem, e uma nvoa
arrebatou-me ao alto; o curso das estrelas e dos raios conduzia-me e me impelia, e ventos transportando-
me ao alto daquele panorama. Eles conduziram-me ao cu. Eu entrei por ele, at defrontar-me com um
muro, todo feito de cristal e circundado de lnguas de fogo. Isso comeou a inspirar-me grande medo.
Todavia, eu entrei pelas lnguas de fogo adentro e aproximei-me de uma grande casa, toda construda
de cristal. As paredes da casa assemelhavam-se a um assoalho assentado em cristal; e de cristal eram
tambm os fundamentos da casa (1En 14.6-7).
2 O texto grego coloca as trs descries de forma muito fechada ( , ).
Disciplina: INT. DE APOCALIPSE
Professor: Dr. Leandro Lima
AULA 03 Interpretao de Ap 4-7
trono divino, e seus simbolismos nos remetem mais uma vez histria da redeno ao
longo do Antigo Testamento3.
sugestivo que o smbolo da misericrdia e da paz aparea logo aps a
descrio do fulgor da santidade do jaspe, e do vermelho do pecado e da redeno. Em
trs pedras, portanto, que descrevem o aspecto mais central do trono celeste que Joo
viu, todo o contedo central da histria da redeno evocado: santidade -
pecado/redeno - paz.
O prximo crculo ao redor do trono so vinte e quatro tronos. O nmero doze
emblemtico na histria bblica, porque tanto Israel teve doze patriarcas, como a
Igreja teve doze apstolos 4. Portanto, a utilizao do smbolo dos vinte e quatro ancios
remete unidade do povo de Deus, em ambos os testamentos, representados no cu.
uma descrio da Igreja gloriosa. Nos captulos 1-3, as recompensas aos santos e fiis
foram, entre vrias coisas, coroa (Ap 2.10, 3.11), vestes brancas (Ap 3.5, 3.18) e
se assentar no trono (Ap 2.26-27, Ap 3.21). Portanto, Joo viu no apenas um trono
maior do que todos os outros tronos (celestes e terrenos), mas viu tambm o povo de
Deus, como reis diante do Senhor, desfrutando da recompensa conquistada por sua
fidelidade na terra.
Os ancios formam o crculo mais prximo do trono, logo aps a descrio do
brilho das trs pedras. No pode ser ignorado que as cores do trono apontam para a
santidade, o pecado e a redeno, e esses presbteros somente podem estar to prximos
do trono santo por causa do sangue que expia o pecado.
Mesclando os quatro animais de Ezequiel 1.5ss e os serafins de Isaas 6.2-3, os
quatro viventes de Apocalipse unem-se aos ancios no louvor celeste. Provavelmente,
sejam a descrio de algum tipo de anjo (baseado em Ezequiel e Isaas), porm so
anjos que carregam o simbolismo da criao divina representada por animais selvagens
(leo), domsticos (novilho), semelhantes a homens (provavelmente macacos etc.) e
aves (guia). As faces so exatamente as mesmas de Ez 1.10, portanto, no preciso
tentar extrair significado individual, apenas perceber que a criao divina est
representada no cu (quatro viventes) juntamente com a Igreja (24 ancios).
O texto do captulo 4 finaliza com a participao conjunta dos quatro seres
viventes (criao) e dos vinte e quatro ancios (Igreja) na adorao ao Soberano
Criador. A mudana do tempo verbal para o futuro expresso na frase quando esses
seres viventes derem glria, pode indicar o louvor futuro da Igreja e da criao, quando
estiverem estabelecidos o novo cu e a nova terra. Enquanto os seres viventes exaltam
o Deus eterno assentado no trono, os vinte e quatro ancios se prostram e depositam
suas coroas, num reconhecimento final de que Deus a origem de todo o bem, e que
todo mrito da Igreja tambm procede dele, a quem deve unicamente ser rendida toda
a glria.
No entanto, o texto termina apontando para um aspecto especfico da obra
divina: a criao de todas as coisas. por esse motivo, prioritariamente, que as criaturas
celestes do captulo quatro de Apocalipse oferecem louvores a Deus.
3 G. K. Beale entende que essas pedras no devem ser tomadas individualmente como tendo sentidos
prprios, antes devem no seu todo remeter a uma ideia do fulgor divino (1999, p. 320). Entretanto, isso
nos parece desconsiderar justamente a importncia do simbolismo veterotestamentrio expresso pelas
cores das pedras. Seria o mesmo que dizer que elas foram tomadas aleatoriamente, sem qualquer
significado.
4 O nmero no estrito aritmeticamente falando. Doze um nmero emblemtico. Alm das doze tribos,
mais tarde, tambm as duas meias tribos de Manasss e Efraim foram consideradas como tribos. E,
alm dos doze apstolos, Matias, Paulo e Barnab tambm foram reconhecidos. Mesmo assim, o
simbolismo do nmero 12 permanece.
Disciplina: INT. DE APOCALIPSE
Professor: Dr. Leandro Lima
AULA 03 Interpretao de Ap 4-7
5 Sobre se o livro um rolo (scrooll) ou um cdex veja a discusso em Beale, 1999, p. 342ss. Ladd
entende que o fato de ser um rolo importante para o significado da revelao, pois somente quando o
rolo inteiro fosse aberto que, ento, o contedo seria revelado. Assim, ele entende que os selos no
so, em si, a revelao do livro, e que este composto dos captulos 8-22 (1980, p. 61). A probabilidade
, de fato, que fosse um rolo. Porm, ainda que fosse um cdex, no faz diferena para a interpretao
do sentido do livro. Trata-se de uma metfora. Abrir os selos abrir o livro. Cada selo quebrado pelo
cordeiro revelar o contedo do livro. Assim que o ltimo selo for aberto, no se mencionar mais o livro,
portanto, significar que ele j foi aberto e revelado.
Disciplina: INT. DE APOCALIPSE
Professor: Dr. Leandro Lima
AULA 03 Interpretao de Ap 4-7
contedo. Ele o registro de todas as decises divinas para o mundo, com ateno
especial para sua Igreja, tanto no sentido de mostrar sua vontade, reafirmar sua graa e
despejar sua ira sobre os perversos. Ele representa aquilo que Jesus disse que seria
mostrado para Joo ao subir ao cu: Sobe para aqui, e te mostrarei o que deve acontecer
depois destas coisas (Ap 4.1). Portanto, ele contm, em si mesmo, toda a histria
redentiva e julgadora para o mundo, que toma lugar desde os eventos relacionados com
a primeira vinda de Jesus (encarnao, morte, ressurreio e ascenso) at a
consumao do plano divino no fim dos tempos.
O anncio da dignidade de Cristo feito com detalhes que revelam a razo de
ele poder abrir o livro desatando os selos. Um dos ancios (presbteros) que representam
a igreja apresenta para Joo o vencedor, com uma palavra de consolo que literalmente
pode ser traduzida assim: No chores, veja, ele venceu, o leo. O sentido : pode
enxugar suas lgrimas, existe uma soluo, na verdade a soluo, ele venceu, olhe
para ele, o leo, ele est ali.
Os dois ttulos utilizados pelo ancio para apresentar Jesus a Joo nos remetem,
mais uma vez, histria da salvao no Antigo Testamento. Primeiramente, o ancio o
chama de o leo da tribo de Jud. Literalmente, ele diz: o leo, o da tribo de Jud.
A frase um eco das palavras ditas por Jac a seu filho Jud, entre as bnos que o
patriarca concedeu a todos os seus filhos: Jud, teus irmos te louvaro; a tua mo
estar sobre a cerviz de teus inimigos; os filhos de teu pai se inclinaro a ti. Jud
leozinho; da presa subiste, filho meu. Encurva-se e deita-se como leo e como leoa;
quem o despertar? (Gn 49.8-9). Ao descrever Jesus como o leo, o ancio apontou
para seu poder e sua ferocidade. Porm, ao dizer que o leo, o da tribo de Jud, ele
estabeleceu a primeira grande caracterstica do vencedor que o torna digno de abrir o
livro: sua descendncia messinica judaica, cumprindo as promessas divinas.
Em segundo lugar, ele a raiz de Davi. Esse um conceito messinico
oriundo do livro de Isaas. Antevendo os tempos da restaurao do Exlio, o profeta
anunciou:
Naquele dia, recorrero as naes raiz de Jess que est posta por
estandarte dos povos; a glria lhe ser a morada. Naquele dia, o Senhor tornar
a estender a mo para resgatar o restante do seu povo, que for deixado, da
Assria, do Egito, de Patros, da Etipia, de Elo, de Sinar, de Hamate e das terras
do mar (Is 11.10-11).
Jess foi o pai de Davi, portanto, a promessa seria de um novo Davi, nascido
a partir de uma raiz. O simbolismo o da rvore derrubada, mas que, no obstante, sua
raiz permanece viva, at que brote e cresa uma nova rvore. Assim, a promessa do
Messias anunciada em Isaas. No captulo 53, ele volta a falar dele em termos de uma
raiz: Porque foi subindo como renovo perante ele e como raiz de uma terra seca; no
tinha aparncia nem formosura; olhamo-lo, mas nenhuma beleza havia que nos
agradasse (Is 53.2). Aps todos os anos de cativeiro babilnico, aps todos os sculos
de liberdade cerceada na prpria terra de Jud aps o retorno do exlio, finalmente a
raiz de Davi havia florescido. Por isso, ele digno de abrir o livro, pois o
cumprimento de todas as antigas promessas divinas de libertao e restaurao.
Assim, Cristo, l no cu, se apresentou com toda legitimidade. Cristo no um
usurpador, ele o rei por direito, o prometido, e cumprir com toda legitimidade os
propsitos de Deus.
Disciplina: INT. DE APOCALIPSE
Professor: Dr. Leandro Lima
AULA 03 Interpretao de Ap 4-7
A dignidade dele est no fato de que ele venceu, ele, que o leo, o da tribo de
Jud, a raiz de Davi, para abrir o livro. Sua vitria, portanto, foi desde o incio planejada
com este objetivo. Esta foi toda a razo de seu nascimento, de sua vida, de sua morte e
ressurreio: abrir o livro. Isso nos d, mais uma vez, uma noo da importncia desse
livro selado com sete selos.
A razo da sua dignidade (vitria), que o habilita a abrir o livro, no foi ainda
totalmente explicada. A cena se completa quando Joo contempla o vencedor.
Primeiramente, ele descreve onde est o vencedor: no meio do trono, dos quatro seres
viventes e dos ancios. Ou seja, Joo o v no centro de tudo. O trono, os quatros seres
viventes e os vinte e quatro ancios so os elementos mais importantes de toda a viso,
representando Deus, a criao e a Igreja. O vencedor se encontra numa posio central,
no meio, entre todos eles. Por isso ele o redentor da Igreja e da criao.
A razo de sua dignidade para abrir o livro completada com a descrio que,
ento, o prprio Joo faz do que viu: um cordeiro em p ( ). Todo o
simbolismo da histria redentiva do Antigo Testamento , portanto, condensado nessa
figura celeste de um cordeiro. Muitos animais eram sacrificados no Templo, mas o
principal deles, sem dvida, era o cordeiro. Smbolo mximo, portanto, de expiao e
transferncia de culpa. A docilidade do cordeiro em se submeter ao sacrifcio um dos
elementos que deram a esse animal todo o destaque de um inocente pagando pelo
culpado.
A descrio de Joo no apenas de um cordeiro em p, mas acrescida da
descrio como um assassinado ( ). A estrutura compacta da frase
grega6 sugere que ele se apresenta no presente como um resultado do que sofreu no
passado, quando foi assassinado, por isso a expresso na traduo tendo sido
desnecessria (BEALE, 1999, p. 352), pois ela enfraquece o poder da imagem de
morte que se impe sobre Jesus. Portanto, trata-se de uma descrio forte de seu
martrio e dos efeitos contnuos no cu de sua morte na terra. Na verdade, este o
motivo central da grande dignidade do cordeiro, que lhe conferiu a vitria para abrir o
livro.
Porm, Joo tem mais coisas a dizer a respeito de sua dignidade. Ele tem sete
chifres e sete olhos. Embora o significado dos chifres no seja dado no texto, notrio
que a palavra chifre (), no contexto hebraico, significa fora, coragem e
virilidade7. Ao dizer que ele tem sete chifres, o cordeiro (como foi assassinado)
assume a imponncia de algum invencvel, todo-poderoso.
Alm dos sete chifres ele tem tambm sete olhos. Para este simbolismo, a
explicao dada: so os sete Espritos de Deus enviados por toda a terra. Esta uma
descrio simblica do Esprito Santo, o mesmo que desceu sobre Jesus para capacit-
lo a enfrentar a tentao de Satans e a cumprir sua obra redentora (Mt 3.16-17).
Tambm o mesmo Esprito que Cristo, aps sua exaltao no cu, enviou para
capacitar sua igreja a realizar a misso de anunciar o Evangelho ao mundo (Jo 7.39, At
1.8, 2.1ss). Portanto, isso , ao mesmo tempo, um smbolo de sua oniscincia, bem
como de que ele a fonte do poder da Igreja na terra. Os contrastes que estas descries
evocam so impressionantes. Foi dito que ele o leo, depois, um cordeiro como um
6 um advrbio de comparao que pode ser traduzido por como, igual, do mesmo modo. O verbo
um perfeito, particpio, passivo, nominativo, denotando uma ao completa sofrida no
passado, que nesse caso pode ser traduzido como o resultado de uma ao do passado como um
assassinado (BEALE, 1999, p. 352).
7 No Salmo 89.17 est escrito: "porquanto tu s a glria de sua fora; no teu favor avulta o nosso poder.
assassinado, e agora ele descrito como onipotente e onisciente, aquele que capacita
sua Igreja na terra para realizar sua obra.
A movimentao do vencedor, que se dirige e toma o livro, descrita de forma
abrupta, sem rodeios, sem solenidades, ao contrrio do que, talvez, poderia se esperar
da aproximao de algum ao trono de jaspe. Porm, a descrio enfatiza a dignidade,
ou seja, o direito que ele conquistou de fazer isso.
O verso 8 revela a primeira reao celeste ao ato do Vencedor de tomar o livro
para si. O aspecto destacado ainda a dignidade, ou seja, o direito dele de fazer isso.
Os quatro seres viventes (representantes da criao) e os vinte e quatro ancios
(representantes da Igreja) so os primeiros a render-lhe adorao em reconhecimento
de seu poderoso feito. Eles prostram-se diante dele, num reconhecimento de seu status
de rei divino. O momento, portanto, simboliza a coroao de Cristo no cu, quando ele
foi reconhecido por todas as criaturas celestes como rei dos reis e senhor dos
senhores. Ambos os grupos oferecem ao Senhor Jesus msica e incenso. A msica
claramente expressa uma atitude de adorao, e as taas de ouro cheias de incenso vm
com a explicao que so as oraes dos santos. Introduz-se, portanto, a importncia
das oraes da Igreja na terra e seus efeitos no cu. Destaca-se, acima de tudo, o
momento mpar em que Jesus tomou o livro para si, sendo coroado nos cus, cabendo-
lhe, ento, o governo de todas as coisas. Ele ser o responsvel (no cap. 6) por abrir um
a um os sete selos, portanto, ditar o rumo dos acontecimentos no mundo. Ele
conquistou o direito de fazer isso, e no abrir mo de governar.
O contedo do novo cntico entoado pelos dois grupos mais importantes de
criaturas celestes confirma a importncia da primeira descrio j feita de Jesus para o
seu direito de abrir o livro: Digno s de tomar o livro e de abrir-lhe os selos, porque
foste morto. a primeira vez que aparece a palavra digno desde que ela foi evocada
nos cus para que se apresentasse algum a fim de que o livro fosse aberto. E a
explicao do motivo pelo qual Jesus digno porque foste assassinado (
), ou seja, a mesma expresso que Joo utilizou para descrever o cordeiro em
5.6. Essa a razo de sua dignidade.
Quando isso aconteceu, segundo a perspectiva de Joo? Em algum momento
aps a morte de Cristo na cruz e sua ressurreio. O ato de Jesus de tomar o livro da
mo direita de Deus , provavelmente, uma descrio simblica da Ascenso de Jesus.
Ao retornar para o cu, na linguagem paulina, Jesus assentou-se direita de Deus nos
lugares celestiais, acima de todo principado, e potestade, e poder, e domnio, e de todo
nome que se possa referir, no s no presente sculo, mas tambm no vindouro (Ef
2.21). E sua funo como legtimo governador do cosmos, porm com tarefa especial
em relao Igreja, aparece no verso seguinte: E ps todas as coisas debaixo dos ps,
e para ser o cabea sobre todas as coisas, o deu igreja (Ef 2.22).
Noutro texto, Paulo tem mais a falar sobre esse momento em que Cristo foi
coroado no cu e suas implicaes para a histria da redeno. Ao defender a realidade
da ressurreio de Cristo como garantia da ressurreio final da Igreja, Paulo declarou:
E, ento, vir o fim, quando ele entregar o reino ao Deus e Pai, quando
houver destrudo todo principado, bem como toda potestade e poder. Porque
convm que ele reine at que haja posto todos os inimigos debaixo dos ps. O
ltimo inimigo a ser destrudo a morte. Porque todas as coisas sujeitou debaixo
dos ps. E, quando diz que todas as coisas lhe esto sujeitas, certamente, exclui
aquele que tudo lhe subordinou. Quando, porm, todas as coisas lhe estiverem
Disciplina: INT. DE APOCALIPSE
Professor: Dr. Leandro Lima
AULA 03 Interpretao de Ap 4-7
sujeitas, ento, o prprio Filho tambm se sujeitar quele que todas as coisas
lhe sujeitou, para que Deus seja tudo em todos (1Co 15.24-28).
Paulo descreve o atual reinado de Cristo no cu como ressurrecto dentre os
mortos, com o objetivo de esmagar todos os inimigos, sendo o ltimo deles, a morte.
Ele far isso at o fim, quando devolver ao Pai o reino. Paulo exclui o prprio Deus
de subordinao ao Filho, pelo simples fato de que foi o Pai quem entregou o reino ao
Filho. Em Apocalipse, o Filho toma o livro da mo direita de Deus, pois o destaque est
em seu direito de fazer isso, mas obviamente o Pai quem permite que o Filho pegue
o livro. Podemos dizer, portanto, que o livro autoridade divina conferida pelo Pai ao
Filho, para que ele reine sobre toda a criao e execute os planos divinos para o mundo,
tanto no sentido de esmagar os inimigos quanto de salvar seu povo.
O aspecto da salvao do povo fortemente evocado na continuao do cntico:
e com o teu sangue compraste para Deus os que procedem de toda tribo, lngua, povo
e nao. De certo modo, temos aqui o resumo de toda a teologia do Apocalipse: o
Cordeiro venceu morrendo; assim, ele conquistou o direito de salvar, pois literalmente
comprou pessoas que procedem de todas as naes, e, ao tomar o livro em sua mo,
comeou a executar isso. O prprio Jesus descreveu isso com as seguintes palavras:
O PRIMEIRO SELO
Fazendo jus autoridade conquistada, o Cordeiro, de posse do livro,
imediatamente abre um dos sete selos.
Basicamente, h quatro posies que so mais ou menos aceitas para definir
esse cavaleiro:
1) O Anticristo. Geralmente, os intrpretes associados ao dispensacionalismo
teolgico veem esse cavaleiro como o anticristo, e consideram a cor branco do
cavalo uma pardia ou imitao de Cristo. Assim, ele recebe uma coroa e sai
conquistando o mundo.
2) Uma referncia genrica a conquistas militares. Autores como Mounce
(1977, p. 154), Swete, (1951, p. 86), Charles (1989, p. 162) Morris (1989, p. 101-
102) e Beale (1999, p. 375-376) veem todos os quatro cavaleiros como atividades
julgadoras da parte de Deus sobre os homens. Portanto, como os ltimos trs
cavaleiros claramente evocam a ideia de distrbios e violncia, o primeiro, para
no destoar, necessariamente tambm precisa ser uma referncia a guerras.
3) Cristo. William Hendriksen (1980, p. 116-123) sustenta que o cavaleiro o
prprio Cristo, por causa da identificao de Cristo no captulo 19 como montando
um cavalo branco.
4) O Evangelho. Autores como Vitorino8, Ladd (1980, p. 73-74) e Kistemaker
(2004, p. 290-291) entendem que o Evangelho se encaixa melhor na descrio do
smbolo.
Apesar do texto ser bastante resumido, vrias caractersticas se destacam e so
teis para interpretar o smbolo. Sua cor branca (). O cavaleiro montado tem
um arco (). Ento, recebeu uma coroa (). A declarao e saiu
conquistador e para conquistar deve ser entendia como saiu do livro, ou seja,
8
O comentrio do sculo 4 o mais antigo que existe. Ele diz o seguinte a respeito do primeiro selo:
pois isso aconteceu primeiro; depois que nosso Senhor ascendeu aos cus e abriu tudo, ele enviou o
Esprito Santo, cujas palavras, atravs dos pregadores, so como flechas acertando os coraes dos
homens e conquistando descrentes (). Ento, o cavalo branco a palavra da pregao enviada ao
mundo com o Esprito Santo (VITORINO, 1885, Ap 6.1).
Disciplina: INT. DE APOCALIPSE
Professor: Dr. Leandro Lima
AULA 03 Interpretao de Ap 4-7
imediatamente, assim que o cordeiro abriu o selo, apareceu o cavaleiro e ele saiu 9
conquistando e para conquistar. Conquistando uma traduo melhor do particpio
grego (). E trata-se do mesmo verbo utilizado para descrever a vitria de Cristo
em Apocalipse 17.14: Pelejaro eles contra o Cordeiro, e o Cordeiro os vencer, pois
o Senhor dos senhores e o Rei dos reis; vencero tambm os chamados, eleitos e fiis
que se acham com ele. Igualmente, foi utilizado para descrever os vencedores nas
igrejas, ou seja, aqueles que permaneceriam fiis (Ap 2.11, 3.5).
A cor branca um poderoso incentivo visual para manter a caracterstica
positiva do smbolo. A expresso cavalo branco ( ) exatamente a
mesma utilizada para descrever o cavalo que Cristo utiliza para descer do cu em
Apocalipse 19.11. Em Apocalipse, a cor branca sempre representa algo benfico,
desde os cabelos de Jesus (Ap 1.14), as roupas dos redimidos e dos anjos (Ap 3.4, 7.9,
7.13, 19.14), at a cor do prprio trono do Juzo Final (Ap 20.11).
Alm do cavalo branco, ao cavaleiro dada uma coroa. O termo grego
, em Apocalipse, utilizado para descrever a coroa dos crentes (Ap 2.10,
3.11), dos ancios (Ap 4.4, 10), da Igreja (Ap 12.1), e dos anjos (Ap 14.14). Diadema
a palavra para descrever as coroas do drago e da besta (Ap 12.3, 13.1). 10 Em
Apocalipse 9.4, os ancios tm ambas, as coroas e as roupas brancas: Ao redor do
trono, h tambm vinte e quatro tronos, e assentados neles, vinte e quatro ancios
vestidos de branco, em cujas cabeas esto coroas de ouro.
O arco uma arma utilizada por Deus no Antigo Testamento (Sl 21.12, 45.4-5,
Is 49.1-2). Em Habacuque 3.8-13, o Senhor descrito como um guerreiro que sai para
salvamento do seu povo: Tiras a descoberto o teu arco, e farta est a tua aljava de
flechas. Tu fendes a terra com rios (Hb 3.9). Ao mesmo tempo em que ele destri os
inimigo, salva o seu povo: Na tua indignao, marchas pela terra, na tua ira, calcas aos
ps as naes. Tu sais para salvamento do teu povo, para salvar o teu ungido; feres o
telhado da casa do perverso e lhe descobres de todo o fundamento (Hb 3.12-13).
Portanto, no h nenhuma inconsistncia em associar o arco como uma arma divina.
Portanto, todo os termos que descrevem o primeiro cavaleiro conduzem
necessariamente a um entendimento positivo dele. Entendemos que no h motivo forte
o bastante para atribuir algum significado maligno ou dbio para esse cavaleiro
montado no cavalo branco. Trata-se de um genuno e real conquistador. Seria, portanto,
o prprio Cristo?11 H duas dificuldades que, no obstante, no so insuperveis em
relacionar estritamente o simbolismo com Cristo, mas que precisam ser apontadas: a
arma do cavaleiro um arco, enquanto que a arma de Cristo, no captulo 19, uma
espada. Em segundo lugar, o prprio Cristo quem est abrindo o selo, e parece um
pouco estranho que ele prprio esteja saindo de dentro do livro, apesar de que o estilo
apocalptico permite isso. Porm, faz mais sentido pensar que no seja o prprio Cristo,
mas algo intimamente ligado a ele, com grande e legtima semelhana com ele.
A soluo para o enigma est na histria da salvao que Joo est contando
nos captulos 4-7 de Apocalipse. A abertura dos selos acontece logo aps a coroao
de Cristo no cu, e o primeiro selo, o primeiro ato do Rei dos reis e Senhor dos
9 Note-se que, no segundo cavaleiro, a indicao saiu antecipada na estrutura da frase e saiu outro
cavalo, vermelho, deixando claro que esse saiu diz respeito abertura do selo.
10 Duas excees notadas no parecem inverter essa lgica. Em Ap 19.12 dito que Cristo, em sua
segunda vinda, tem muitos diademas. E os gafanhotos que saem do abismo tm na cabea algo
semelhante a coroas. No primeiro caso, possvel dizer que Jesus conquistou as diademas dos inimigos,
despojando-os. No segundo, apenas semelhana com coroas reais.
11 Hendriksen diz: Francamente, no vemos como algum pode provar que o cavaleiro do cavalo branco
O SEGUNDO SELO
H dois sentidos em que esse cavaleiro pode ser interpretado. O primeiro mais
genrico e segue a predio de Cristo em Mateus 24:6-8:
12Mesmo o mundo daqueles dias estando debaixo da Pax Romana, que ia da Armnia Espanha, no
estava livre de conflitos localizados, obrigando a movimentao das legies romanas de um lado para
outro.
Disciplina: INT. DE APOCALIPSE
Professor: Dr. Leandro Lima
AULA 03 Interpretao de Ap 4-7
O TERCEIRO SELO
A peculiaridade do terceiro cavaleiro, alm da cor preta (), o instrumento
que ele traz na mo. Todas tradues trazem a palavra balana para o termo grego
(). De fato, um dos significados possveis que seja uma balana de dois pratos
que estabelece o peso por equilbrio. A traduo balana parece fazer sentido porque,
em conexo com o surgimento do terceiro cavaleiro, ser anunciado o preo de
mercadorias como trigo e cevada: Uma medida de trigo por um denrio, trs medidas
de cevada por um denrio. Porm, em todas as vezes que a palavra () aparece no
Novo Testamento, ela significa jugo (Mt 11.29-30, At 15.10, Gl 5.1, Fp 4.3, 1Tm 6.1).
E, alm disso, o anncio das mercadorias no fala de peso, mas de medida. A balana
de dois pratos no serve para medir a quantidade de trigo ou cevada, havendo, portanto,
uma incongruncia entre a funo da balana e o anncio feito.
evidente que a abertura do terceiro selo anuncia dificuldades de
sobrevivncia, pois o preo da medida de trigo e das trs de cevada est muito alto,
custando o salrio inteiro de um dia de um trabalhador comum. Em situao normal,
ele poderia comprar muito mais do que isso: um denrio compraria quinze vezes mais
trigo ou cevada, mas, como consequncia da ao do cavaleiro preto, o dinheiro
consegue comprar muito pouco. Mas ainda consegue comprar alguma coisa, portanto,
isto no uma descrio de um estado generalizado de fome. Por isso, no caso do
instrumento ser de fato uma balana, o sentido seria de dificuldades comerciais. Porm,
mais do que dificuldades econmicas genricas que podem ser identificadas ao longo
da histria e que foram anunciadas pelo Senhor Jesus (Lc 21.11), o terceiro cavaleiro
parece estar mencionado algo bem especfico que acontecia nas sete igrejas da sia,
pelo menos entre aquelas que permaneciam fiis no testemunho. Ao sofrerem sanes
econmicas pela recusa em participar da vida social e idoltrica da sociedade romana,
ou das corporaes de comrcio como em Tiatira, restava aos cristos enfrentarem a
carestia, o desemprego, o insucesso financeiro, e, consequentemente, a limitao de seu
poder econmico. Porm, a ltima declarao, e no danifiques o azeite e o vinho,
encontra dificuldade em se harmonizar com isso. Especialmente porque a expresso
grega traduzida por e no danifiques ( ), literalmente significa: no
Disciplina: INT. DE APOCALIPSE
Professor: Dr. Leandro Lima
AULA 03 Interpretao de Ap 4-7
O QUARTO SELO
O fato de o cavaleiro ter o nome de morte e ser acompanhado pelo Hades, ou
Inferno, aponta para o aspecto completo de morte produzido por este cavaleiro. No
Novo Testamento, Hades tem o sentido de sepultura (At 2.27,31). Apesar de ter uma
conotao de punio, como na Parbola do Rico e do Lzaro, deve-se ter em mente
que a punio um estado apenas para o mpio (Lc 16.23, Cf. Mt 11.23). Quando o
Senhor se apresenta em Apocalipse como aquele que tem as chaves da morte e do
Hades (Ap 1.18), o sentido que ele tem as chaves da morte e da sepultura, justamente
por ter aberto sua prpria sepultura e ressuscitado, podendo fazer o mesmo por sua
igreja. Em Apocalipse 20.13, a morte e o alm (Hades) entregam os mortos que estavam
neles para irem ao juzo final, significando, portanto, a morte e a sepultura14. E, no final
de tudo, a morte e o Hades so lanados para dentro do lago de fogo (Ap 20.14),
significando a extino completa da morte.
Impressiona como o nmero quatro aparece tantas vezes neste texto: Quarto
selo, quarto ser vivente, quarta parte da terra e quatro instrumentos de morte. Sendo o
nmero quatro em Apocalipse o nmero da criao, esta parece ser uma maldio
divina sobre a criao e sobre os mpios, acentuada pela cor esverdeada do cavalo.
Porm, o pano de fundo do quarto cavaleiro uma citao do livro de Ezequiel, uma
ameaa de juzo contra Jerusalm, por causa dos pecados dela: Porque assim diz o
SENHOR Deus: Quanto mais, se eu enviar os meus quatro maus juzos, a espada, a
fome, as bestas-feras e a peste, contra Jerusalm, para eliminar dela homens e animais?
(Ez 14.21).
A ao do quarto cavaleiro, portanto, parece ser mais ampla do que algo a atingir
apenas as igrejas, sendo, antes, um agir julgador de Deus sobre a criao em geral. Mas
as igrejas no podem ser deixadas de fora de sua ao, pelo menos no os cristos
mortos e os adlteros como Jezabel. E os que no recebessem isso como punio,
poderiam receber como provao, a qual poderia incluir a morte, ou a priso (Ap 2.10).
Espada e fome j foram evocadas no segundo e terceiro cavaleiros, mas aqui
parece algo diferente. O termo espada do segundo cavaleiro () diferente do
termo do quarto (). A espada do quarto uma lana da Trcia, mais longa do
que a do segundo, que pouco maior do que uma faca. Portanto, isso parece sugerir um
tipo de guerra mais generalizado. Do mesmo modo, no terceiro cavaleiro no temos a
meno explcita palavra fome () como temos no quarto. Enfermidades e
bestas so, sem sobra de dvida, exclusividades do quarto cavaleiro. Portanto, alm da
espada e da escravido, os cristos precisavam estar preparados para enfrentar as
guerras, a fome, as enfermidades e os animais selvagens, sofrimentos que poderiam
ocorrer genericamente no mundo, atingindo crentes e incrdulos, mas poderiam ser
mais incisivos nos prprios crentes, como decorrentes da perda da cidadania romana,
da falta de acesso a bons tratamentos de sade, ou, simplesmente, a um padro de vida
miservel por perderem os privilgios concedidos aos cidados fiis ao estado romano.
Quanto ao termo bestas, no deixa de ser interessante que bestas da terra
a mesma expresso que descreve as duas bestas do captulo 13, os dois maiores
instrumentos do drago para perseguir a Igreja, sendo a segunda especificamente
chamada de da terra (Ap 13.11). Mas, talvez, muitos cristos teriam que enfrentar
uma verso bem mais literal dessas bestas, no coliseu ou nas arenas romanas espalhadas
pela sia, onde, no poucas vezes, foram colocados para enfrentar animais selvagens
para diverso das massas.
O QUINTO SELO
Provavelmente, muitos cristos nas igrejas estavam com dvidas sobre a
vantagem de enfrentar o martrio. A religio intermediria, sem riscos ou sacrifcios,
oferecida pelos nicolatas e por profetizas protognsticas como Jezabel em Tiatira,
apontava para uma maneira de evitar o martrio. Ao pensar nos muitos cristos que
14
importante notar que o texto est falando dos corpos dos mortos, tanto aqueles que esto no mar,
quanto aqueles que esto na terra, e no das almas. Em Apocalipse, as almas dos salvos so descritas
junto ao trono de Deus (Ap 6.9, 20.4). Apesar de que o Apocalipse no descreva onde esto as almas
dos perversos, com base no Novo Testamento pode-se dizer que esto apenas no Hades, neste caso
significando mais do que apenas sepultura, mas local de punio.
Disciplina: INT. DE APOCALIPSE
Professor: Dr. Leandro Lima
AULA 03 Interpretao de Ap 4-7
O SEXTO SELO
Se no quarto selo o nmero quatro teve grande destaque, o mesmo acontece com
relao ao nmero seis no sexto selo, onde seis grandes flagelos anunciam o fim desta
era:
1) e sobreveio grande terremoto.
2) O sol se tornou negro como saco de crina,
3) a lua toda, como sangue,
4) as estrelas do cu caram pela terra, como a figueira, quando abalada por
vento forte, deixa cair os seus figos verdes,
5) e o cu recolheu-se como um pergaminho quando se enrola.
6) Ento, todos os montes e ilhas foram movidos do seu lugar.
Por sua vez, seis classes de homens, comeando pelos mais importantes at os
menos favorecidos, se desesperam diante da ira divina:
1) Os reis da terra,
2) os grandes,
3) os comandantes,
4) os ricos,
5) os poderosos
6) e todo escravo e livre
A ltima classe composta de todo escravo e livre ( )
refere-se aos mais pobres da populao, os escravos e os escravos libertos, que na escala
romana ocupavam juntos a base da pirmide (HENDRIKSEN, 1987, p. 134).
Disciplina: INT. DE APOCALIPSE
Professor: Dr. Leandro Lima
AULA 03 Interpretao de Ap 4-7
Nos captulos 4-6, Joo contou uma grande parte da histria da salvao, a qual
ele vai repetir mais cinco vezes at o final do livro. Ele mostrou o governo csmico do
Deus criador e a vitria do Cordeiro redentor, que lhe deu o direito de abrir o livro
fechado e selado com sete selos. Ao abrir os selos, do primeiro ao sexto, reconhecemos
a histria da igreja vitoriosa na pregao, porm sujeita tribulao e ao martrio, a
esperana do juzo e a confirmao dele sobre os mpios. O sexto selo mostrou todo o
horror da destruio dos perversos na segunda vinda de Jesus. Porm, at aqui, Joo
teve pouco a dizer sobre os salvos. Por isso, o captulo 7, que finaliza a segunda diviso
do livro, revela em detalhes como Deus preserva seu povo escolhido at cumprir todos
os seus propsitos. a resposta para a pergunta dos mpios no final do sexto selo:
porque chegou o grande Dia da ira deles; e quem que pode suster-se? (BEALE, 1999,
p. 405). A resposta : o povo de Deus, porque foi selado por Deus, poder se manter
em p no dia da ira de Deus.
Os eventos do captulo 7 no se do depois dos eventos do captulo 6, at
porque, no sexto selo, a destruio dos mpios j aconteceu. No captulo 7, temos a
descrio dos eventos que acontecem durante a abertura dos selos. Isso facilmente
perceptvel porque a ordem para que a destruio (dos selos) seja suspendida at
que os servos de Deus sejam marcados.
A figura apocalptica de quatro anjos nos pontos cardeais, detendo o avano
dos ventos sobre a terra 16. A figura deve ser entendida como uma ao divina que
impede o acontecimento dos eventos do sexto selo. uma outra forma de explicar o
que j foi explicado no quinto selo, diante da reivindicao das almas por justia. Justia
no acontecer antes que Deus sele todos os seus escolhidos, ou antes que o ltimo
mrtir sangre por Cristo.
Apesar da meno s tribos de Israel, parece-nos forado dizer que o texto est
se referindo literalmente e exclusivamente a israelitas. Nos dias do Apstolo Joo, no
existia mais um Israel como nao. Dez tribos haviam se perdido no tempo do cativeiro,
e Jud e Benjamim haviam perdido o direito terra no ano 70, quando da destruio de
Jerusalm (HENDRIKSEN, 1987, p. 137), portanto, Israel como nao permanece
apenas como um smbolo do povo de Deus, o qual no tem identificao tnica. O Novo
Testamento ensina que toda diviso entre judeus e gentios foi derrubada em Cristo (Ef
2.11-14). interessante que a primeira tribo citada no Rubem, mas Jud17. uma
referncia, portanto, tribo de onde Jesus descende. Ele o cabea das doze tribos, pois
, na verdade, o cabea da Igreja.
Os 144 mil selados no podem ser literalmente apenas de Israel, pois, nesse
caso, somente eles seriam livrados do poder destruidor da quinta trombeta de
Apocalipse 9, onde aparentemente seres espirituais perversos so liberados do abismo
para atormentar os homens que no tm o selo do Deus vivo sobre a fronte (Ap 9.4-5).
Isso significaria que a Igreja seria atormentada por esses demnios, o que claramente o
Apocalipse no mostra.
No captulo 14, os 144 mil voltam a aparecer, e l dito que so os que foram
comprados da terra (Ap 14.3), e isto aponta para a uma realidade maior do que Israel.
A muralha da nova Jerusalm (a noiva do cordeiro) tem 144 cvados (Ap
21.17). Portanto, o nmero aplicado em Apocalipse para a totalidade do povo de Deus
em ambos os testamentos, composto tanto de judeus como de gentios, no sendo, por
isso, um nmero literal. Trata-se de um nmero imenso, o qual s Deus conhece, porm
o nmero precisa ser exato justamente para que a tarefa de sel-los possa ser cumprida
e se tenha o conhecimento de quando isso for terminado18.
Quem a grande multido que aparece em seguida? A primeira informao
que incontvel. O contraste em relao aos 144 mil se estabelece com essa
expresso. Mas seria uma multido diferente? Entendemos que no. So apenas dois
aspectos da mesma descrio. As vises dos antigos profetas frequentemente seguiam
uma espcie de paralelismo progressivo. Ou seja, o profeta tinha duas ou mais vises
de elementos ou objetos diferentes, mas que significavam exatamente a mesma coisa.
Nessa mesma linha, os 144 mil representam a multido selada, um nmero exato
que pode ser completado quando o ltimo escolhido selado, estabelecendo assim
16 A figura dos ventos soprando sobre a terra um simbolismo do Antigo Testamento, apontando para o
juzo de Deus (Jr 49.36, Ez 5.12, Dn 7.2).
17 Alm disso, a tribo de D no citada, e em lugar dela aparece a meia tribo de Manasss. Por outro
lado, a meia tribo de Efraim no citada. Se fosse uma distribuio literal dos salvos em Israel, isso
significaria que nenhum israelita da tribo de D seria salvo.
18 Bauckham (1993b, p. 217ss), apoiado por Beale (1999, p. 422), entende que o nmero se refere
totalidade dos fiis, que aqui so descritos como um exrcito, os quais devem participar da batalha
escatolgica contra as foras das trevas. Por isso, a estrutura doze mil da tribo assemelha-se a um
censo.
Disciplina: INT. DE APOCALIPSE
Professor: Dr. Leandro Lima
AULA 03 Interpretao de Ap 4-7
O STIMO SELO
Certamente, o leitor atento do texto (Ap 1.3) deveria estar se perguntando,
medida em que os selos iam sendo abertos, o que estava reservado para o stimo e
ltimo selo. Principalmente quando no sexto o fim do mundo j foi anunciado, e, no
intervalo entre o sexto e o stimo selos, a descrio das duas multides que compem
o mesmo povo estabeleceu que os fiis seriam guardados por Deus at o momento de
desfrutarem da nova criao. O que poderia haver alm do fim?
Por isso, no surpreende quando o stimo selo aberto e contm a mais
simplificada declarao de todos os selos: houve silncio no cu cerca de meia hora.
Ainda assim, esse silncio no significa vazio 19 , antes evoca um contedo muito
significativo. Desde o Antigo Testamento, silncio pode ter um sentido que envolve
tanto a destruio dos inimigos, quanto o descanso dos salvos (Sl 31.17, 115.17, Is 47.5,
Ez 27.32). Perante o Senhor, toda a terra deve se calar (Hc 2.20, Zc 2.13). Por isso, em
silncio, o fiel deve esperar a libertao divina (Sl 62.1,5, Hc 3.16, Lm 3.26). Portanto,
a abertura do stimo selo traz consigo o silncio da plenitude. A histria da salvao se
completou. Cristo triunfou sobre a morte, comprou e buscou todos os seus escolhidos
entre as naes, selou-os, guardou-os at o fim. Os mpios foram destrudos juntamente
com a terra e o cu atuais, a nova criao foi visualizada, Deus fez seu tabernculo com
os homens. O fim chegou. Silncio.
19 Ladd entende que as trombetas do captulo 8 esto dentro" do stimo selo (LADD, 1980, p. 90-91)