Ediçaõ Completa DOSSIE Q&D Estudos Africanos PDF
Ediçaõ Completa DOSSIE Q&D Estudos Africanos PDF
Ediçaõ Completa DOSSIE Q&D Estudos Africanos PDF
Conselho Consultivo
Angelo Priori (Universidade Estadual de Londrina), Celso Fonseca (Universidade de Braslia), Claudine
Haroche (Universidade Sorbonne, Frana), Jos Guilherme Cantor Magnani (Universidade Estadual de
So Paulo), Marcos Napolitano (Universidade Estadual de So Paulo), Pablo de la Cruz Diaz Martinez
(Universidade de Salamanca, Espanha), Pedro Paulo Funari (Universidade Estadual de Campinas),
Rodrigo S Mota (Universidade Federal de Minas Gerais), Ronald Raminelli (Universidade Federal
Fluminense), Sidney Munhoz (Universidade Estadual de Maring), Stefan Rink (Universidade Livre de
Berlim), Wolfgang Heuer (Universidade Livre de Berlim, Alemanha)
Indexada por Historical Abstracts, America: History and Life e Ulrichs
Sistema Eletrnico de Revistas - SER
Programa de Apoio Publicao de Peridicos da UFPR
Pr-Reitoria de Pesquisa e Ps-Graduao
www.prppg.ufpr.br
O Sistema Eletrnico de Revistas (SER) um software livre e permite a submisso de artigos
e acesso s revistas de qualquer parte do mundo. Pode ser acessado por autores, consultores,
editores, usurios, interessados em acessar e obter cpias de artigos publicados nas revistas.
O sistema avisa automaticamente, por e-mail, do lanamento de um novo nmero da revista
aos cadastrados.
VOLUME 62 - N. 01 - JANEIRO A JUNHO DE 2015
Editora Universidade Federal do Paran
Rua Joo Negro, 280, 2 andar
Tel.: (41) 3360-7489 / Fax: (41) 3360-7486
Caixa Postal 17.309
80010-200 - Curitiba - Paran - Brasil
editora@ufpr.br
www.editora.ufpr.br
Coordenao editorial: Daniele Soares Carneiro
Capa | Editorao eletrnica: Fabrcio Trindade Ferreira ME
Ilustrao da Capa
Um baptizado em Bangu 1890 (Moambique)
Fotografo: Manuel de Sousa Machado
Copyright: Arquivo Histrico Ultramarino,
Calcada da Boa Hora, n.30, 1300-095 Lisboa Portugal
lbum: "Corpo Expedicionrio a Moambique
Photographias", n Inv. AHU/Alb46, p.37
1
Marques, Diego Ferreira e Jardim, Marta D. da Rosa. O que isto: 'a frica e sua
Histria'? In: Trajano Filho, Wilson (Org.). Travessias Antropolgicas: estudos
em contexto africanos. Braslia: ABA Publicaes, 2012. pp.31-62.
como uma nica totalidade extica e a-histrica, incentivando a busca
por um paradigma que explique integralmente os problemas africa-
nos, redimensionando debates candentes, como os que envolvem a
ansiedade em torno das relaes raciais, revisitando a temtica afro-
-brasileira nos discursos sobre a formao nacional e ressignificando
a prpria leitura e difuso de clssicos africanistas que constituem o
cerne desta rea de interesse.2 Ao mesmo tempo, essa abertura pres-
supe uma multiplicao de perspectivas e a busca por explicaes
pluricausais, considerando a diversificao dos contextos/situaes
de pesquisa, as possibilidades e (ou) as limitaes da lngua por-
tuguesa como veculo de acesso e de expresso de conhecimentos
sobre o continente africano, e os vrios dilogos estabelecidos em
cenrios de produo de saber transnacionais. O conjunto de artigos
selecionados neste dossi pretende ser uma amostra importante do
mencionado no pargrafo anterior.
No presente dossi, o artigo de Michel Cahen aponta para
uma crtica ao conceito ps-colonial pscolonial ps(-)colonial
na produo historiogrfica em torno dos pases do PALOPS (Pases
de Lngua Oficial Portuguesa). Para ele, na maioria das produes,
talvez dos ltimos 30 anos, o conceito ps remeteria apenas a uma
definio cronolgica e no situacional. Esta opo traria consigo
dois problemas fundamentais. O primeiro seria a superestimao do
discurso em volta das elites independentistas nas antigas colnias
portuguesas em detrimento das formaes sociais realmente exis-
tentes. Como consequncia desta opo se produziria uma espcie
de hipertrofia historiogrfica que impediria pensar os processos a
partir das suas contradies prprias. Para explicar esta defasagem
Cahen questiona, de maneira bastante pertinente, as leituras sobre
os processos que cada movimento independentista teria vivido na
2
Chegen, Michael "Las teoras de la ciencia poltica como un obstculo para en-
tender el problema de la violencia poltica y de Estado en frica". ISTOR, Ao
IV, Nm. 14, 2003, pp. 32-47.
construo da sua realidade poltica ps-libertao, constatando que
essa leitura historiogrfica ao se guiar apenas pelo discurso doutri-
nrio dos partidos no s no conseguiriam explicar o porqu destes
movimentos terem se identificado inicialmente com os princpios do
socialismo, para tempo depois assumir ferrenhamente os princpios
neoliberais tornados hegemnicos nos finais dos anos 80 do sculo
XX. A explicao simplista da derrota dos princpios socialistas seria
para Cahen insuficiente, pois se fosse uma derrota, esta acarretaria
a substituio da elite socialista por uma outra. Entendendo que
discursivamente socialismo e neoliberalismo seriam duas ideologias
antagnicas, este antagonismo no impediu que praticamente em
todos os pases africanos ainda governem os mesmos partidos que
iniciaram a libertao.
Outro aspecto que o autor chama ateno que a partir da
concepo cronolgica do ps-colonial tanto a formao do partido
nico assim como seu imaginrio poltico e social e o papel do Esta-
do na consolidao do poder destes partidos, todos estes processos
carssimos compreenso da realidade poltica contempornea das
antigas colnias portuguesas, so explicados com base em concep-
es ideolgicas atreladas ao marxismo-leninismo, desconsiderando
voluntria ou involuntariamente que estas formaes polticas e seus
prprios imaginrios teriam uma origem mltipla e no seriam apenas
opes dos partidos nicos governantes na atualidade, mas tambm
de seus opositores polticos derrotados durantes as respectivas guerras
civis que assolaram os pases no ps-independncia. Um terceiro e
ltimo aspecto que o autor traz ao debate uma prtica problemtica
na historiografia chamada lusfona, precisamente porque para o
autor as realidades da cada um dos pases ocupados pelos portugueses
estariam mais vinculadas sua localizao regional e muito pouco
prpria presena lusitana. Este aspecto significativo, pois ao
tornarem estes pases mais africanos e menos ex-portugueses se
abriria um leque de outras possibilidades de anlise para entender as
realidades sociais e polticas dos pases em questo. Estes questiona-
mentos nos parecem substanciais para uma reviso dessa produo
historiogrfica, da a importncia de incluir este texto neste dossi.
No caso de Osmundo Pinho, a anlise aponta para as vicissi-
tudes e contradies dos processos de construo jurdica de estatutos
como efeito da extenso da malha administrativa na produo do
estado colonial portugus em Moambique. Usando fontes e registros
oficiais especficos da dcada de 40 do sculo XX, o autor discorre
sobre as dificuldades e contradies do prprio processo de produo
de estatutos jurdicos, entendendo o perodo como marcado por um
contexto de debate antropolgico e poltico-jurdico sobre as col-
nias africanas de maneira geral. Neste contexto conceitos como os
de razo etnolgica e pluralismo jurdico definiram as formas e
condies do debate entre o funcionalismo antropolgico britnico
triunfante e um evolucionismo em vias de se tornar anacrnico aos
olhos das cincias humanas, as mesmas se constituindo em processo
acelerado. Segundo o autor, no mesmo contexto possvel identificar
alguns aspectos substanciais ao processo de colonizao como seria
o caso da racializao (culturalizao) africana, a qual teria caminha-
do ao par das estratgias de dominao poltica e necessidade de
elaborao de um arcabouo jurdico conceitual, capaz de conferir
inteligibilidade aos processos administrativos, associando a diferena
cultural diferena racial como instrumento poltico de dominao.
Neste contexto o funcionalismo antropolgico britnico teria jogado
um papel significativo na produo de uma miragem em relao
aos sistemas sociais africanos paralelos aos criados pelo sistema
colonial, outorgando aos primeiros um carter homogneo e criando
a ideia da falta de temporalidade histrica das sociedades africanas,
entregando de maneira insuspeita talvez a melhor justificativa ao
discurso colonial. Outro aspecto bastante significativo na anlise de
Pinho est relacionado a dois discursos aparentemente antagnicos
e separados temporalmente. Antagnicos por serem um eclesistico
e outro socialista, no entanto, e como mostra Pinho, o centro de
cada um destes discursos apontaria para uma viso civilizatria e
iconoclasta das prticas africanas referidas a condenar e justificar a
desarticulao da poligamia, o lobolo e o levirato, entre os usos e
costumes nativos mais atacados. Esta semelhana civilizacional
dos discursos, mesmo apontando para projetos, em teoria, divergentes
e antagnicos, torna o texto de Pinho da maior relevncia para uma
reviso histrica desde uma perspectiva mais situacional, perspectiva
que defendida neste dossi.
O trabalho de Jefferson Olivatto da Silva incursiona no campo
da medicina como dispositivo de controle dos corpos colonizados e
as respostas africanas a estas prticas. Localizando seu trabalho nas
regies da atual Zmbia e o Malawi durante finais do sculo XIX e
comeo do XX, e usando uma perspectiva de longa durao o autor
reflete sobre os efeitos que a ocupao militar e o desenvolvimento
e ingerncia da medicina tropical nas polticas de reassentamento e
controle de doenas - todos estes entendidos como agentes da colo-
nizao efetiva dos territrios recm mencionados - tero no desen-
volvimento das resistncias aos processos de mobilidade forada que
atingiram as populaes nativas. Formas de resistncias que durante
muitos anos no foram consideradas enquanto tais pela historiografia
africanista. Com efeito, como demonstra o autor, a situao colonial
que descreve evidencia o no reconhecimento do comportamento
social evasivo e adaptativo das populaes afetadas pelas polticas
higienistas, sob e gide do combate s epidemias que afetavam
tanto a produo quanto o uso da mo de obra nativa, j que para os
administradores, coletores de impostos, militares, missionrios e m-
dicos estas prticas eram entendidas como manifestaes de esquiva
pertencentes a um universo desprezado sem funo social signifi-
cativa. Um aspecto significativo ressaltado pelo autor atrelar estes
processos de construo de formas evasivas s polticas invasivas da
administrao colonial, devido ao seu carter exgeno e violento, s
formas atuais de resistncias s polticas de controle de doenas como
o HIV/SIDA. Novamente so evidenciados aqui prticas e agentes
em um constante e tensionado relacionamento por definir o poder de
autodeterminao frente ao controle sobre os corpos dos colonizados.
A perspectiva de longa durao como princpio metodolgico para
a anlise dos eventos e seus efeitos na configurao das sociedades
africanas durante a colonizao abre-nos uma nova possibilidade de
revisar a histria sobre o continente africano.
Quase no mesmo vis, Slvio Correia, se debrua sobre
como cincia e literatura se valeram de saberes locais para pro-
duzir um conhecimento rotulado como cientfico sem, contudo,
reconhec-los enquanto um conjunto de saberes, prticas e posturas
com validade social nos lugares em que foram produzidos. Para
tal centrar sua obra no perodo da descoberta do maior primata
at ento conhecido: o gorila. De acordo com sua linha de anlise,
se antes no havia consenso sobre o parentesco entre os primatas,
a descoberta do gorila fomentou polmicas e especulaes que se
inscrevem na produo de saberes que viriam a servir de suporte
ideolgico ao empreendimento colonial poca da Partilha da
frica e tambm ao longo da primeira metade do sculo XX.
Este evento tambm incentivar o desenvolvimento de uma srie
de novas reas consideradas naquele momento como cientficas
como os estudos de craniometria. Outro paradigma que ganhar
fora ser a ideia de raas degeneradas, a qual assumir um lugar
importante no campo disciplinar da antropologia fsica. O desco-
brimento deste primata acentuar a tendncia a comparar anato-
micamente as raas humanas mais degeneradas com os macacos.
Este aspecto ter desdobramentos muito mais complexos, pois de
acordo com Correia, se na Antiguidade a comparao era entre o
homem e o macaco, no pensamento moderno esta se racializa e se
torna cada vez mais uma comparao entre o negro e o macaco.
Para a antropologia do final do sculo XIX, a comparao entre
hotentotes, pigmeus, gorilas e chimpanzs foi uma prtica
comum dos estudos de anatomia comparada. Mas alguns estudos
extrapolavam a comparao anatmica, estabelecendo comparaes
em termos de comportamento. Mesmo que no houvesse consenso
na comunidade cientfica, os zoos humanos no hesitavam em
exibir bosqumanos e pigmeus como elos da evoluo humana.
Finalmente o trabalho de Lorenzo Macagno analisa duas nar-
rativas sobre o apartheid da dcada de 1980. O primeiro destes relatos
engloba mltiplos microrrelatos: trata-se do trabalho do antroplogo
norte-americano Vincent Crapanzano sobre os africneres (ou beres)
da frica do Sul. Naquele momento Crapanzano teria realizado uma
etnografia plurivocal, polifnica e dialgica, segundo o prprio
autor um exerccio de questionamento da "autoridade" etnogrfica,
segundo Macagno, uma discusso presente no debate ps-moderno
da poca. Sobre este aspecto bastante significativo para a produo
antropolgica, Macagno questiona pertinentemente quais so os
limites do relativismo antropolgico e das abstenes do juzo em
relao a um regime que no admitia ambiguidade? Apesar das
dificuldades que esta etnografia coloca para o debate disciplinar,
Crapanzano teria conseguido mostrar alguns sinais diacrticos da
identidade construda pelos prprios africneres como a lngua e seu
distanciamento dos ingleses se colocando como um tipo de vtima
do "imperialismo" ingls, eludindo, desta forma, uma importante
questo: a relao com os negros sul-africanos. A outra narrativa
do jornalista sul-africano Rian Malan, sobrenome pertencente a di-
nastia Malan que fora um dos nomes que em 1948 implementara o
apartheid na frica do Sul. Uma das primeiras questes que Macagno
questiona : possvel ser um Malan e ser contra o apartheid?. Na
anlise do livro o autor descreve o carter auto-irnico de Malan ao
se confrontar com um sistema que por lei o privilegiava e que por
outro lado gerava desconforto a uma pequena elite branca devido
violncia praticada contra a populao negra. Segundo Macagno,
para Rian Malan, apesar das boas intenes, o papel dos brancos
na luta anti-apartheid estava condenado por uma lei de cumpli-
cidade gentica. O livro do jornalista apresenta uma crnica das
violncias cotidianas decorrentes do apartheid. Malan articula e
integra a descrio da violncia poltica com as consequncias que
ela mesma produz na subjetividade dos atores envolvidos. Malan,
como jornalista, vai em busca do saber antropolgico. Sem cair no
essencialismo to criticado por Crapanzano traz ao seu universo
de compreenso as foras simblicas que ainda operam na frica
do Sul, procurando encontrar uma coerncia e um sentido naquilo
que, aparentemente, resulta arbitrrio e catico. Em suma, Macagno
tentar refletir a partir destas duas narrativas sobre quais seriam as
estratgias estilsticas, polticas e ticas escolhidas no momento de
descrever o apartheid. Quais as consequncias e os dramas morais
produzidos por um sistema de segregao que no admitia ambigui-
dades classificatrias, nem dissidncias polticas ou tnicas? Desde
uma perspectiva comparativa o autor analisa estas duas narrativas,
indagando sobre os efeitos do apartheid na subjetividade individual
e coletiva de uma sociedade dividida.
*
Esse nmero da Revista Histria: Questes & Debates conta
tambm com a sesso de artigos. O primeiro deles, de autoria de
Valeska Alessandra de Lima e Dris Bittencourt Almeida, pro-
duto da pesquisa Escritos de alunos: memrias de culturas juvenis
(1940- 1960), que toma como objeto de investigao os peridicos
produzidos por alunos de diferentes instituies escolares de Porto
Alegre/RS. O estudo vincula-se aos pressupostos tericos da Histria
Cultural e inscreve-se no campo da Histria da Educao em suas
interfaces com a Imprensa Escolar e a Histria das Instituies Edu-
cacionais. O foco da anlise foi perceber as marcas deixadas pelos
jovens no peridico Colunas, anurio produzido pelo Instituto
Porto Alegre/IPA, procurando distinguir indcios de saberes e prticas
escolares que evidenciam as identidades daqueles sujeitos. O segundo
texto pertence a Christiane Heloisa Kalb e Mariluci Neis Carelli,
analisando a importncia do patrimnio industrial, especialmente no
que se refere s ferramentarias de moldes e matrizes para a cidade de
Joinville/SC. O artigo tenta mostrar a ligao entre a identidade dos
entrevistados, em sua maioria ferramenteiros ativos ou j aposenta-
dos, com a cidade de Joinville conhecida por sua pujana industrial,
por esse motivo merecedora de estudos mais aprofundados sobre o
patrimnio cultural industrial em seus aspectos materiais e imateriais,
a partir das memrias desses profissionais ferramenteiros. O ltimo
trabalho nesta sesso de Helder Henriques e Carla Vilhena, que
aponta para o estudo dos comportamentos chamados antissociais
na infncia e juventude em Portugal entre as dcadas de 70 e 90 do
sculo XX. Pretende identificar e analisar os principais discursos
relacionados com este problema social no arco temporal previsto.
Para isso apresentam o quadro histrico de evoluo do sistema de
justia de menores em Portugal ao longo do novecentos, para depois
tentar compreender as conceies de risco, tendncias e influncias
sociopedaggicas e as formas de preveno e de regenerao em
articulao com o discurso do Estado, da Escola e da Famlia.
SUMRIO
Dossi - Estudos africanos no Brasil: um dilogo entre
Histria e Antropologia
19 PONTOS COMUNS E HETEROGENEIDADE DAS CULTURAS
POLTICAS NOS PALOPS
Michel Cahen
ARTIGOS
165 VOZES QUE ECOAM DO MORRO MILENAR: UM ESTUDO
S O B R E O S D IS C U R S O S D IF U N D ID O S N O A N U R IO
COLUNAS DO INSTITUTO PORTO ALEGRE (1937-1954)
Valeska Alessandra de Lima | Dris Bittencourt Almeida
193 NARRATIVAS SOBRE O PATRIMNIO INDUSTRIAL:
F E R R A M E N TA R I A S D E M O L D E S E M AT R I Z E S E M
JOINVILLE/SC
Christiane Heloisa Kalb | Mariluci Neis Carelli
RESENHAS
249 HISTRIA DOS HOMENS NO BRASIL
Antonio Fontoura Jr.
RESUMO
Nas interpretaes da evoluo dos PALOPs, muitas vezes o que foi
feito, em particular por acadmicos de esquerda, corresponde exatamente
ao que os autores pioneiros dos estudos subalternos na ndia censura-
vam aos autores prximos do nacionalismo modernista do Partido do
Congresso ou do marxismo estalinizado do Partido comunista da ndia:
a saber, uma hipertrofia do papel dos discursos, do papel das elites em
via de globalizao e uma desvalorizao das expresses das subalterni-
dades. Alm disso, se muitos artigos, teses, e livros em cincias sociais
sobre e nos pases de lngua portuguesa incluram frequentemente nos
seus ttulos a palavra ps(-)colonial a partir dos finais do sculo xx, na
grande maioria dos casos, o sentido foi meramente cronolgico (ps-
-colonial), sem ligao com uma aproximao terica pscolonial.
Mas tambm se deve evitar a essencializao da herana colonial trazida
pela teoria pscolonial, que subestima os processos contemporneos
de produo da subalternidade, sem os quais essas heranas coloniais
perderiam rapidamente a sua relevncia em certos estratos sociais.
Neste contexto, o objetivo deste artigo desenvolver uma anlise subal-
ternista mas ps-pscolonial da evoluo dos PALOPs, relativizando
o papel do discurso poltico das elites no poder, para dar prioridade
evoluo das formaes sociais, e, neste quadro, voltar a analisar o
*
Universit de Bordeaux, Sciences Po Bordeaux Unit mixte de recherche n5115
Les Afriques dans le monde, CNRS/Sciences po Bordeaux, <m.cahen@scien-
cespobordeaux.fr>
1
A verso preliminar deste artigo foi lida como comunicao no Colquio frica
XXI: Literatura, Cultura, Sociedade nos Pases Africanos de Lngua Portuguesa
, organizado pelo Departamento de Portugus da Faculdade de Letras da Etvs
Lornd Tudomnyegyetem e pela Associao Internacional dos Lusitanistas, nos
dias 11 e 12 de novembro de 2013, Budapeste, Hungria. Agradeo Brbara dos
Santos pela releitura e edio do texto.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 19-47, jan./jun. 2015. Editora UFPR
20 CAHEN, M. Pontos comuns e heterogeneidade das culturas polticas nos PALOPS
ABSTRACT
Many times, what has been done when interpreting the evolution of the
PALOPs, especially by academics from the left-wing, corresponds exac-
tly to what the pioneering authors of subaltern studies in India censured,
in the authors close to modernist nationalism of the Congress Party, or
close to Stalinized Marxism of the Communist Party in India. Thereby
meaning a hypertrophy in the speech role, in the role of the elites on the
way to globalization and a devaluation in the subalterns expressions.
Furthermore, if so many articles, thesis and social sciences books on
and from Portuguese speaking countries frequently have included, from
the end of the XX century onwards, the word post(-)colonial in their
titles, most of the times the meaning was merely chronological (post-co-
lonial), without any links to a theoretical postcolonial approach. But
also, the essentialisation of colonial heritage brought by postcolonial
theory should be avoided, as it underestimates the contemporary pro-
duction of subalternity, without which these colonial heritages would
rapidly lose their relevance in some social spheres.
In this context, this articles objective is to develop a subaltern analysis
of the PALOPs evolution, but in apost-postcolonial way, putting in
perspective the role of the political discourse of the ruling elites, in
order to give priority to the evolution of social structures, and within
this framework, come back to analyzing the social content of the
political culture which appears throughout the discourse. However, the
important diversity of the PALOPs is to bear in mind, since they are
countries far more shaped by their regions African history than by an
ex-Portuguese identity.
Palavras-chave: PALOPs cultura poltica pscolonial crioulidade
partido nico subalternidade nao
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 19-47, jan./jun. 2015. Editora UFPR
CAHEN, M. Pontos comuns e heterogeneidade das culturas polticas nos PALOPS 21
2
Explico infra o porqu dessas ortografias estranhas, pscolonial, ps-colonial
e ps(-)colnial.
3
Ver os trabalhos do Ateli internacional Ps colonialismo? Conhecimento e
poltica dos subalternos, de 17 a 19 de setembro de 2013, Universidade de So
Paulo, Departamento de sociologia, Programa de ps-graduao em sociologia,
Centro de estudos dos direitos da Cidadania, em via de publicao.
4
Chama-se a ateno sobre o facto que este artigo incide somente sobre as
cincias sociais.
5
No Brasil, a Revista de estudos antiutilitaristas e pscoloniais foi fundada so-
mente em janeiro de 2011 por acadmicos de Pernambuco e Alagoas, isto , da
periferia brasileira, o que talvez no seja por acaso. Ela um veculo digital
de divulgao semestral que nasce voltada para a ampliao do debate antiutili-
tarista [...], a partir da incorporao das crticas poscoloniais e descoloniais que
vm progredindo na Amrica Latina em sintonia com movimentos intelectuais
e culturais que ocorrem em paralelo na frica, na sia, na Europa e na Amrica
do Norte" (<http://www.revista-realis.org>).
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 19-47, jan./jun. 2015. Editora UFPR
22 CAHEN, M. Pontos comuns e heterogeneidade das culturas polticas nos PALOPS
6
... tal como ele prprio o explicou na conferncia de abertura do Congresso
afro-luso-brasileiro de Cincias sociais, Coimbra, 2004. B. de Sousa Santos
considera-se mais exatamente como um ps colonial de oposio.
7
Para uma primeira discusso, ver o artigo introdutivo de Morier-Genoud &
Cahen (2012: 1-28)
8
Ver o famoso livro The Empire Writes Back (Ashcroft, Griffiths & Tiffin 1989)
9
Salvo erro da minha parte, a primeira edio de Spivak em portugus s foi
publicada passado doze anos (Spivak 2010).
10
No texto onde anuncia o fim dos estudos subalternos, P. Chatterjee quase nunca
fala do pscolonial (Chatterjee 2012).
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 19-47, jan./jun. 2015. Editora UFPR
CAHEN, M. Pontos comuns e heterogeneidade das culturas polticas nos PALOPS 23
11
Tomando s em considerao os estudos sobre os PALOPs, sobre os quais vou me
debruar, ver por exemplo os ttulos A History of Postcolonial Lusophone Africa,
(Chabal 2002), The State against the peasantry. Rural Struggles in Colonial and
Postcolonial Mozambique, (Bowen 2000), Revolution, Counter-Revolution and
Revisionism in Postcolonial Africa. The case of Mozambique, 1975-1994, (Diner-
man 2006), LAngola postcolonial. (Messiant 2008, 2009). No caso de C.Messiant,
foi o editor que imps a grafia francesa postcolonial em vez de post-colonial.
12
... pelo menos o contedo emprico, depois de uma possvel parte terica inicial
reivindicando-se do pscolonial.
13
Um bom exemplo seria o livro Ps-Colonialismo e identidade (Rosa & Castillo
1998), onde nem se encontra uma ponta de teoria pscolonial, com a exceo da
concluso, em ingls e publicada separadamente, de Patrick Chabal (1998). No
caso brasileiro, excetuando a grande maioria dos casos onde ps(-)colonial
utilizado no sentido meramente cronolgico (veja infra), de reparar que, muitas
vezes, os trabalhos realmente relativos teoria pscolonial incidem sobre obras
de lngua inglesa: tais como Souza (1992) sobre o discurso literrio ps-colonial
em lngua inglesa, um dos trabalhos mais precoce; Monteiro (1999), que uma
recenso de H. Bhabha; Costa (2001), que uma resenha de E. Sad; Monteiro
(2009), sobre literaturas de lngua inglesa; etc.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 19-47, jan./jun. 2015. Editora UFPR
24 CAHEN, M. Pontos comuns e heterogeneidade das culturas polticas nos PALOPS
14
Escrevo aqui ps(-)colonial com trao entre parnteses porque em francs o
termo que aparece quase sempre postcolonial, em vez de post-colonial, o que
agrava a confuso. Em ingls o postcolonial quase generalizado. Em francs,
escrevo postcolonial quando se trata da teoria e post-colonial quando se trata da
situao cronolgica. Sugiro a mesma distino em portugus, pscolonial
(teoria) e ps colonial ou ps-colonial (situao).
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 19-47, jan./jun. 2015. Editora UFPR
CAHEN, M. Pontos comuns e heterogeneidade das culturas polticas nos PALOPS 25
15
de notar aqui que o conceito de colonialidade includo na dita ps-colonia-
lidade j no corresponde em nada ao sentido dado por Anbal Quijano quando
inventou este conceito. Para Quijano, a colonialidade a situao atual dos pa-
ses de Amrica Latina (que podemos alargar frica e sia do Sul), pelo que
ps-colonialidade acabaria por dizer que j no h colonialidade! O conceito
de colonialidade foi apresentado pela primeira vez por Anbal Quijano em 1992
(1992a, 1992b).
16
Esses dois pargrafos sobre a confuso em torno do conceito de ps(-)colonial so oriundos, de maneira
bastante resumida, da minha comunicao O que pode ser e o que no pode ser a colonialidade?, no
Ateli internacional Ps colonialismo? Conhecimento e poltica dos subalternos, Universidade de So
Paulo-FFLCH-Departamento de sociologia-PPGS, Cenedic, 17-18-19 de setembro de 2013. [a sair nos
Cadernos CRH, Salvador da Bahia, 2014]
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 19-47, jan./jun. 2015. Editora UFPR
26 CAHEN, M. Pontos comuns e heterogeneidade das culturas polticas nos PALOPS
17
Como foi dito em francs, Les Arabes sont des Italiens comme les autres (Os
rabes so Italianos como quaisquer outros).
18
No me debruo aqui sobre a parte das anlises pscoloniais mais fortemente
influenciadas pela teoria ps-moderna.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 19-47, jan./jun. 2015. Editora UFPR
CAHEN, M. Pontos comuns e heterogeneidade das culturas polticas nos PALOPS 27
penso que muitas vezes o que foi feito, frequentemente por acad-
micos de esquerda em particular, corresponde exatamente ao que os
autores pioneiros dos estudos subalternos na ndia censuravam aos
autores prximos do nacionalismo modernista e burgus do Partido
do Congresso ou do marxismo estalinizado do partido comunista da
ndia: a saber, uma hipertrofia do papel dos discursos, do papel das
elites em via de globalizao e uma desvalorizao das expresses
das subalternidades e marginalidades (e, nessas ltimas, uma sobre-
valorizao discursiva da classe operria moderna). verdade que,
no caso dos PALOPs, houve um contexto geopoltico que ajudou a
deslegitimao das marginalidades, ligado ao facto da frica do Sul
do apartheid apoiar e manipular essas expresses de marginalidades
(como a Unita e a Renamo em Angola e Moambique19). No entanto,
nas tentativas de anlises das razes pelas quais partes do campesinato
apoiavam as rebelies, nota-se que muitas vezes a legitimidade s foi
reconhecida ao partido no poder porque era ele que tinha alcanado
a descolonizao enquanto movimento de libertao, qualquer que
tenha sido a sua atividade depois, enquanto partido nico. Como
o discurso era marxista-leninista ou de uma variante prxima
(democracia revolucionria), os pases foram analisados como
socialistas ou, pelo menos num rumo ao socialismo, sem anlise
das formaes sociais reais, hipertrofiando, pois, o papel do discurso
e das elites modernizadoras. Isso continua hoje em dia: quantas vezes
podemos ler em publicaes atuais, a respeito dos anos 1975-1990,
expresses tais como: a fase socialista, o perodo socialista, etc.?
E quando esse dito socialismo ou esse dito rumo se transformou
num neoliberalismo e num capitalismo selvagem, isso foi explicado
pelo facto do projeto socialista ter sido vencido, isto , devido a
razes exteriores e no a causas internas oriundas do sistema de
partido nico do corpo social burocrtico no poder. Uma derrota
estranha, que v os partidos vencidos ficarem no poder para fazer,
19
Unita: Unio nacional para a independncia total de Angola; Renamo: Resistncia
nacional de Moambique.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 19-47, jan./jun. 2015. Editora UFPR
28 CAHEN, M. Pontos comuns e heterogeneidade das culturas polticas nos PALOPS
20
Hoje em dia, Angola est a atrair a maioria dos trabalhos acadmicos, mas um
fenmeno completamente novo. Durante vrios anos, a partir de 1975 e at 2008-
2010, a maioria dos artigos e dos livros eram sobre Moambique, seguido de Cabo
Verde, um pas bem representado se considerarmo-lo proporcionalmente sua
modstia territorial. Houve uma discusso interessante sobre este desequilbrio
na rede H-Luso-Africa em 2013. Para no ter que citar aqui a vasta historiografia
das teses simpatizantes do marxismo-leninismo ou do rumo ao socialismo
em Angola, Moambique, Guin, etc., permito-me remeter para um recente artigo
meu sobre o tema (Cahen 2008).
21
Utilizo o conceito de ideologia no sentido marxista tal como foi definido por
Michael Lwy (1987).
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 19-47, jan./jun. 2015. Editora UFPR
CAHEN, M. Pontos comuns e heterogeneidade das culturas polticas nos PALOPS 29
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 19-47, jan./jun. 2015. Editora UFPR
30 CAHEN, M. Pontos comuns e heterogeneidade das culturas polticas nos PALOPS
22
Frelimo, Frente de libertao de Moambique; MPLA: Movimento popiular de
libertao de Angola; PAIGC: Partido africano para a independncia da Guin e
Cabo Verde; MLSTP: Movimento de libertao de So Tom e Prncipe.
23
... pelo menos quase todos, alm de nfimos grupelhos. Basta lembrar a ala
trotskista do PAIGC que era bastante importante de 1973 a 1979, e de que se
podia pensar que era a melhor armada politicamente para imaginar um modelo
poltico diferente do que o partido nico. Apesar de ser teoricamente hostil ao
princpio do partido nico, acabou tambm de votar tacticamente a favor em 1975
na altura da tomada do poder pelo PAIGC em Cabo Verde. Obviamente, isso
era instrumental, para assegurar a permanncia dela dentro do partido. Afinal,
destruiu a sua visibilidade e no impediu a expulso, que aconteceu em 1979.
24
FNLA: Frente nacional de libertao de Angola; Unita: Unio nacional para a
independncia total de Angola.
25
FLING: Frente de libertao para a independncia nacional da Guin; UCID:
Unio Caboverdeana Independente e democrtica; MANU: Mozambique African
National Union ; Coremo: Comit revolucionrio de Moambique.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 19-47, jan./jun. 2015. Editora UFPR
CAHEN, M. Pontos comuns e heterogeneidade das culturas polticas nos PALOPS 31
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 19-47, jan./jun. 2015. Editora UFPR
32 CAHEN, M. Pontos comuns e heterogeneidade das culturas polticas nos PALOPS
26
Para uma anlise mais detalhada da relao entre anticolonialismo, marxismo e
questo nacional nos PALOPs, ver Cahen (2006).
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 19-47, jan./jun. 2015. Editora UFPR
CAHEN, M. Pontos comuns e heterogeneidade das culturas polticas nos PALOPS 33
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 19-47, jan./jun. 2015. Editora UFPR
34 CAHEN, M. Pontos comuns e heterogeneidade das culturas polticas nos PALOPS
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 19-47, jan./jun. 2015. Editora UFPR
CAHEN, M. Pontos comuns e heterogeneidade das culturas polticas nos PALOPS 35
Trajetrias mltiplas
Esse foi o quadro geral, mas no faria sentido parar por aqui
devido s inmeras nuances que existem. Cabo Verde, Guin, Angola,
Moambique, So Tom so pases muito diferentes, com histrias
africanas locais e regionais diferentes que, com certeza tiveram como
ponto comum a experincia da colonizao portuguesa, mas essa
tambm foi muito diferente de um territrio para outro. necessrio
lembrar que a colonizao portuguesa, na totalidade da expanso
territorial que representam hoje os PALOPs, no chegou a durar cem
anos: esses pases so muito mais africanos do que ex-portugueses27.
Vou empregar alguns exemplos dessas nuances e diferenas
na cultura poltica. No entanto, vou comear mais uma vez por um
ponto... comum, isto , o fenmeno de gerao poltica que no deve
ser subestimado. Com efeito, a Frelimo, o MPLA, o PAIGC e o MLS-
TP fizeram parte da Confederao das Organizaes nacionalistas das
colnias portuguesas, a CONCP, cuja sede se encontrava em Rabat e
depois em Argel. Foi uma espcie de Internacional dos combatentes
das colnias portuguesas, que teve um papel importante no que toca
s relaes internacionais, mas tambm como cadinho de formao
de um discurso poltico comum. Marcelino dos Santos, Mrio de
Andrade, Amlcar Cabral, foram pilares dessa organizao que, em
contrapartida, nunca integrou outras organizaes tais como a FNLA
ou a Unita angolana, a FLING guineense, o Coremo moambicano,
etc. Foi um cadinho de terceiro-mundismo de esquerda, contudo sem
homogeneidade completa. Por exemplo, Amlcar Cabral sempre re-
cusou reivindicar-se marxista, e isso provavelmente em razo da sua
grande qualidade intelectual: o nico marxismo que conhecia era o do
Partido comunista portugus e o da Unio sovitica que no achava
adequados situao guineense; no entanto, o modelo de democracia
revolucionria que ele desenhara foi muito prximo, na prtica ulte-
27
Na introduo ao seu livro, P. Chabal insiste com toda a razo neste aspeto (2002).
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 19-47, jan./jun. 2015. Editora UFPR
36 CAHEN, M. Pontos comuns e heterogeneidade das culturas polticas nos PALOPS
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 19-47, jan./jun. 2015. Editora UFPR
CAHEN, M. Pontos comuns e heterogeneidade das culturas polticas nos PALOPS 37
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 19-47, jan./jun. 2015. Editora UFPR
38 CAHEN, M. Pontos comuns e heterogeneidade das culturas polticas nos PALOPS
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 19-47, jan./jun. 2015. Editora UFPR
CAHEN, M. Pontos comuns e heterogeneidade das culturas polticas nos PALOPS 39
de utilisar o conceito de crioulidade para definir tais estratos sociais, ter-se- que
encontrar outra palavra com o mesmo significado... (Madeira-Santos 2007, Dias
1984). Sobre a instrumentalizao muito mais recente da oposio angolanidade/
africanidade, veja Cahen (2001). Falo aqui somente dos estratos scio-culturais
e no das lnguas crioulas ou krio.
33
Sobre o fenmeno dos novos assimilados, veja Christine Messiant, (2006,
publicao muito tardia da sua tese de doutorado de 1983] e Washington Santos
Nascimento (2013).
34
bom insistir sobre o facto que, ao falar de crioulos e de crioulidade em frica
continental (pois excetuando Cabo Verde e So Tom), no estou a referir-me
cor da pele, mas a um meio social africano especfico, produzido dentro e nas
margens imediatas do aparelho colonial de Estado. Um crioulo pode ser branco,
mestio, negro mas tem um estatuto scio-cultural particular (veja nota 36).
35
A pesquisa sobre a tragdia nitista fez progressos recentes mas continua a ser um
campo de investigao para desenvolver. Veja principalmente, Dalila Cabrita
Mateus (2009).
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 19-47, jan./jun. 2015. Editora UFPR
40 CAHEN, M. Pontos comuns e heterogeneidade das culturas polticas nos PALOPS
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 19-47, jan./jun. 2015. Editora UFPR
CAHEN, M. Pontos comuns e heterogeneidade das culturas polticas nos PALOPS 41
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 19-47, jan./jun. 2015. Editora UFPR
42 CAHEN, M. Pontos comuns e heterogeneidade das culturas polticas nos PALOPS
Trs reparos
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 19-47, jan./jun. 2015. Editora UFPR
CAHEN, M. Pontos comuns e heterogeneidade das culturas polticas nos PALOPS 43
Referncias
ANJOS, Jos Carlos Gomes dos. Intelectuais, literatura e poder em Cabo Verde:
Lutas de Definicao da Identidade Nacional. Porto Alegre, EdUFRGS, 2006, 272p.
ASHCROFT, Bill, Gareth Griffiths e Helen Tiffin. The Empire Writes Back: Theory
and Practice in Post-Colonial Literature. Routledge, 1989, 256p.
BALANDIER, Georges. La situation coloniale. Approche thorique. Cahiers in-
ternationaux de sociologie (Paris: Presses universitaires de France), XI, 1951: 44-79.
38
... o que faz obviamente Jean-Franois Bayart no seu brilhante mas demais po-
lmico ensaio (2010). Para uma crtica detalhada, preferi: Vasant Kaiwar (2013)
e Vivek Chibber (2013).
39
... o que no quer dizer epistemologia do Sul Sul sendo um conceito neoli-
beral, culturalista e reificador que no trouxe nenhum progresso analtico ao de
terceiro-mundo (Santos & Meneses 2010).
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 19-47, jan./jun. 2015. Editora UFPR
44 CAHEN, M. Pontos comuns e heterogeneidade das culturas polticas nos PALOPS
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 19-47, jan./jun. 2015. Editora UFPR
CAHEN, M. Pontos comuns e heterogeneidade das culturas polticas nos PALOPS 45
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 19-47, jan./jun. 2015. Editora UFPR
46 CAHEN, M. Pontos comuns e heterogeneidade das culturas polticas nos PALOPS
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 19-47, jan./jun. 2015. Editora UFPR
CAHEN, M. Pontos comuns e heterogeneidade das culturas polticas nos PALOPS 47
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 19-47, jan./jun. 2015. Editora UFPR
O CDIGO DOS INDGENAS: A INSCRIO
DA NATIVA E A RAZO ETNOLGICA EM
MOAMBIQUE1
Osmundo Pinho*
RESUMO
Nesse artigo, o autor discute o processo de elaborao do Cdigo Penal e
Civil dos Indgenas de Moambique, a partir de determinados registros,
fragmentos de uma documentao, encontrados no Fundo Direo de
Servios de Negcios Indgenas, do Arquivo Histrico de Moambique
(AHM). Por meio dessa discusso busca enfatizar o processo de efetiva
inscrio da nativa, como o descreve G. Spivak, sob o marco da legibi-
lidade, como discute de outra parte Veena Das. Ou, em outras palavras,
o processo de extenso do Estado para suas margens ou a estatizao
da sociedade, por meio da produo da mulher nativa ou indgena.
Palavras-chave: Moambique; Estado; Indigenato; Colonialismo.
ABSTRACT
In this article, I discuss the process of elaboration of the Penal and Civil I
Code for the Indigenous of Mozambique. I do it by the reading of certain
records, fragments of a documentation found in the Fund "Directorate
*
Professor Adjunto no Centro de Artes, Humanidades e Letras da Universidade
Federal do Recncavo da Bahia, Cachoeira. Bolsista Estgio Snior da CAPES
no African and African Diaspora Department Studies da Universidade do Texas
em Austin. Email - osmundopinho@uol.com.br
1
A pesquisa que fundamenta este trabalho foi apoiada pelo CNPq, por meio dos
editais MCT/CNPq/SPM-PR/MDA N 57/2008 e MCT/CNPq N 03/2009. Ante-
riormente o autor foi apoiado por meio de bolsa de Ps-Doutorado da FAPESP,
desenvolvida junto ao departamento de Antropologia da UNICAMP, entre 2006 e
2008. Agradecemos a Sandra Chirinza, Abel Pemba e Alberto Calbe, pela preciosa
ajuda no Arquivo Histrico de Moambique. E a Isabel Casimiro e Tereza Cruz e
Silva pelo apoio e sugestes em Maputo, onde tambm realizamos levantamento
na Biblioteca do Centro de Estudos Africanos da Universidade Eduardo Mondlane.
Obviamente a responsabilidade por quaisquer erros ou omisses do autor.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 49-72, jan./jun. 2015. Editora UFPR
50 PINHO,O. O Cdigo dos Indgenas: A Inscrio da Nativa e a Razo Etnolgica em...
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 49-72, jan./jun. 2015. Editora UFPR
PINHO,O. O Cdigo dos Indgenas: A Inscrio da Nativa e a Razo Etnolgica em... 51
Introduo
2
Processo 020811 direo dos servios dos negcios indgenas S1/caixa 1640
AHM UEM.
3
SERRA, Carlos. Estado, pluralismo jurdico e recursos naturais recursos
naturais. http://www.cfjj.org.mz/IMG/pdf/Microsoft_Word-trabalho_Pluralis-
mo_Juridico_1_.pdf. 2010.
4
SPIVAK, Gayatri C. Crtica de la Razn Poscolonial. Madrid. Akal, 2010.
5
DAS, Veena. The Signature of the State: The Paradox of Illegibility. In.___ . DAS,
Veena e POOLE, Deborah. Anthropology in the Margins of the State. School of
American Research Press. Santa F. 2004. Pp. 225-252.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 49-72, jan./jun. 2015. Editora UFPR
52 PINHO,O. O Cdigo dos Indgenas: A Inscrio da Nativa e a Razo Etnolgica em...
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 49-72, jan./jun. 2015. Editora UFPR
PINHO,O. O Cdigo dos Indgenas: A Inscrio da Nativa e a Razo Etnolgica em... 53
8
GOLDMAN, Wendy. Mulher, Estado e Revoluo. Sao Paulo. Boitempo editorial.
2014; ENGELS, F., 2009, A Origem da Famlia, da Propriedade Privada e do Estado.
So Paulo. Editora Escala; SACKS, Karen, 1975, Engels Revisited: women, the
Organization of Production, and Private Property. In . __REITER, Rayana R. (Ed.).
Toward an Anthropology of Women. New York. Monthly Review Press: 211-234.
9
MACAGNO, Lorenzo, 2001, O Discurso Colonial e a Fabricao de Usos e
Costumes: Antonio Enes e Gerao de 95. In . ___ . FRY, Peter (Org.). Mo-
ambique Ensaios. Rio de Janeiro. Editora UFRJ: 61-90.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 49-72, jan./jun. 2015. Editora UFPR
54 PINHO,O. O Cdigo dos Indgenas: A Inscrio da Nativa e a Razo Etnolgica em...
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 49-72, jan./jun. 2015. Editora UFPR
PINHO,O. O Cdigo dos Indgenas: A Inscrio da Nativa e a Razo Etnolgica em... 55
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 49-72, jan./jun. 2015. Editora UFPR
56 PINHO,O. O Cdigo dos Indgenas: A Inscrio da Nativa e a Razo Etnolgica em...
13
JUNOD, Henri, 2009, Usos e Costumes dos Bantu. UNICAMP. IFCH. Campinas.
14
AMSELLE, 1998. Idem.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 49-72, jan./jun. 2015. Editora UFPR
PINHO,O. O Cdigo dos Indgenas: A Inscrio da Nativa e a Razo Etnolgica em... 57
15
MAMDANI, Mahmood, 1996, Citzen and Subject. Contemporary Arica and the
Legacy of Late Colonialism. Princeton. Princeton University Press.
16
SANTOS, Boaventura de Souza, 2003, O Estado Heterogneo e o Pluralismo
Jurdico. In. __. Conflito e Transformaes Sociais. Uma Paisagem das Justias
em Moambique. Porto. Edies Afrontamento: 47-95.
17
MAMDANI. 1996.Idem.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 49-72, jan./jun. 2015. Editora UFPR
58 PINHO,O. O Cdigo dos Indgenas: A Inscrio da Nativa e a Razo Etnolgica em...
18
Segundo Serra, estes nunca foram promulgados pelo Governo Metropolitano. (2010).
19
THOMAZ, Omar Ribeiro, 2002, Ecos do Atlntico Sul: Representaes sobre
o Terceiro Imprio Portugus. Rio de Janeiro. Editora UFRJ. ZAMPARONI,
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 49-72, jan./jun. 2015. Editora UFPR
PINHO,O. O Cdigo dos Indgenas: A Inscrio da Nativa e a Razo Etnolgica em... 59
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 49-72, jan./jun. 2015. Editora UFPR
60 PINHO,O. O Cdigo dos Indgenas: A Inscrio da Nativa e a Razo Etnolgica em...
21
KUPER, Adam, 1988, The Invention of Primitive Society. London and New York.
Routledge.
22
MORGAN, Lewis Henry, 2005, A Sociedade Antiga. In. ___. CASTRO,C.
(Org.) Evolucionismo Cultural. Textos de Morgan, Tylor e Frazer. Rio de Janeiro.
Jorge Zahar Editor.
23
Processo 020811 direo dos servios dos negcios indgenas S1/caixa 1640
AHM UEM.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 49-72, jan./jun. 2015. Editora UFPR
PINHO,O. O Cdigo dos Indgenas: A Inscrio da Nativa e a Razo Etnolgica em... 61
24
ASAD, Talal (Ed.). Anthropology & The Colonial Encounter. Amherst. Humanity
Books. 1973.
25
BRUNSCHWIG, Henri. A Partilha da frica Negra. So Paulo. Perspectiva. 1993.
26
EVANS-PRITCHARD, E. E. Os Nuer. So Paulo. Editora Perspectiva. 1993.
27
ASAD, Talal. Two Europeans Images of Non-European Rule. In. __ . Anthropo-
logy & The Colonial Encounter. ASAD, Talal (Ed.). Amherst. Humanity Books.
1973. Pp. 103-120.
28
O trecho refere-se dificuldade Evans-Pritchard extrair informaes dos nuer,
que haviam sido recentemente pacificados pela Royal Air Force.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 49-72, jan./jun. 2015. Editora UFPR
62 PINHO,O. O Cdigo dos Indgenas: A Inscrio da Nativa e a Razo Etnolgica em...
29
Processo 020811 direo dos servios dos negcios indgenas S1/caixa 1640
AHM UEM.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 49-72, jan./jun. 2015. Editora UFPR
PINHO,O. O Cdigo dos Indgenas: A Inscrio da Nativa e a Razo Etnolgica em... 63
30
Idem.
31
GRANJO, Paulo. Lobolo em Maputo: um velho idioma para novas vivncias
conjugais. Porto. Campo das Letras, 2005. PINHO, Osmundo. A Antropologia
na Africa e o Lobolo no Sul de Mocambique. Afro-Asia. 43 (2011), 9-4.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 49-72, jan./jun. 2015. Editora UFPR
64 PINHO,O. O Cdigo dos Indgenas: A Inscrio da Nativa e a Razo Etnolgica em...
32
Idem.
33
Idem.
34
Idem.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 49-72, jan./jun. 2015. Editora UFPR
PINHO,O. O Cdigo dos Indgenas: A Inscrio da Nativa e a Razo Etnolgica em... 65
Para construir uma sociedade nova temos que criar uma nova
mentalidade no homem e na mulher, e este processo inicia-se
no seio da prpria famlia, clula-base de nossa sociedade.
Embora o homem tenha o papel dominante, mas mulher, a
esposa, a me assumem na famlia a grande responsabilidade
de assegurar a estabilidade o lar e educar as novas geraes
para o futuro (Machel, 1984).37
35
MACHEL, Samora. A Libertao da Mulher uma necessidade da Revoluo,
Garantia de sua Continuidade, Condio de seu Triunfo. Coleo Estudos e
Orientaes. Caderno No. 4. Edies da Frelimo. 1974 (1972). CEA UEM.
Pasta 161/W. CASIMIRO, Isabel Maria. Samora Machel e as Relaes de Gnero.
Estudos Moambicanos. Nmero 21. Maputo 2005. Pp. 55-84.
36
Idem.
37
MACHEL, Samora. A Harmonia deve Comear no Seio da Cada Famlia. Presi-
dente Samora na abertura da Conferncia Extraordinria da OMM. CEA UEM.
Pasta 160/ZC. 1984.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 49-72, jan./jun. 2015. Editora UFPR
66 PINHO,O. O Cdigo dos Indgenas: A Inscrio da Nativa e a Razo Etnolgica em...
38
ARNFRED, 2011.idem. ARTHUR, Maria Jos. Ainda a Proposito da Lei de Fam-
lia: Direitos Culturais e Direitos Humanos das Mulheres. Publicado originalmente
em Outras Vozes. No. 4, agosto de 2003. OSRIO, Conceio e ARTHUR, Maria
Jos. A Situao Legal das Mulheres em Moambique e as Reformas Atualmente
em Curso. Publicado originalmente em Outras Vozes. No. 1, outubro de 2002.
39
Processo 020811 direo dos servios dos negcios indgenas S1/caixa 1640
AHM UEM.
40
O poema de R. Kipling diz: Toma o fardo do homem branco/Envia o melhor
de tua prole/Impe o exlio a teus filhos/Para servir a necessidade do cativo/Para
assistir, em pesada labuta,/A povos alvoroados e incultos - /Indolentes raas que
acabam de conquistar,/Mescla de demnio e criana(1894).
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 49-72, jan./jun. 2015. Editora UFPR
PINHO,O. O Cdigo dos Indgenas: A Inscrio da Nativa e a Razo Etnolgica em... 67
Nota sobre o lobolo. O que o autor diz nesta Nota sobre a na-
tureza do lobolo, e se atendermos aos inmeros e complicados
litgios a que ele d lugar na vida das famlias indgenas (pgs.
126), parece-nos que seria de aconselhar a abolio pura e
simples de semelhante uso cafreal. 41
41
Processo 020811 direo dos servios dos negcios indgenas S1/caixa 1640
AHM UEM.
42
Idem.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 49-72, jan./jun. 2015. Editora UFPR
68 PINHO,O. O Cdigo dos Indgenas: A Inscrio da Nativa e a Razo Etnolgica em...
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 49-72, jan./jun. 2015. Editora UFPR
PINHO,O. O Cdigo dos Indgenas: A Inscrio da Nativa e a Razo Etnolgica em... 69
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 49-72, jan./jun. 2015. Editora UFPR
70 PINHO,O. O Cdigo dos Indgenas: A Inscrio da Nativa e a Razo Etnolgica em...
46
Processo 020811 direo dos servios dos negcios indgenas S1/caixa 1640
AHM UEM.
47
Idem.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 49-72, jan./jun. 2015. Editora UFPR
PINHO,O. O Cdigo dos Indgenas: A Inscrio da Nativa e a Razo Etnolgica em... 71
48
DAS, 2004. Idem.
49
Ibidem.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 49-72, jan./jun. 2015. Editora UFPR
72 PINHO,O. O Cdigo dos Indgenas: A Inscrio da Nativa e a Razo Etnolgica em...
50
J sabemos como as relaes de gnero nativas entram no calculo da manuteno/
substituio de mo de obra, transferindo para as atividades no incorporadas a
lgicas da mercadoria, o trabalho agrcola, predominantemente feminino, a respon-
sabilidade para com a reproduo biolgica da fora de trabalho em Moambique,
como discutido em First (1998). FIRST, Ruth. O Mineiro Moambicano. Um Estudo
sobre a Exportao de Mo de Obra em Inhambane. Maputo. Centro de Estudos
Africanos. Maputo. 1998.
51
Spivak, 2010: 17.
52
Aunque la historia sea un gran relato, lo que sostengo es que la posicin de sujeto
del informante nativo, crucial, y sin embargo repudiada (foreclosed), esta tambin
inscrita histricamente, por lo tanto, geopolticamente (Spivak, 2010: 334).
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 49-72, jan./jun. 2015. Editora UFPR
AS RESISTNCIAS AFRICANAS DIANTE DAS
MEDIDAS PREVENTIVAS COLONIAIS CONTRA
A DOENA DO SONO NA ZMBIA (1890-1920)
Jefferson Olivatto da Silva1
RESUMO
A dinmica colonial pode ser entendida como reflexo de processos im-
periais e reaes populacionais oriundas de prticas culturais anteriores.
Para alm de um olhar de vitimizao o qual as populaes africanas
foram reduzidas, houve resistncias que no foram apreendidas pelas
autoridades estrangeiras e por isso se desdobraram no cenrio colonial.
Para colaborar com a investigao da dinmica colonial fizemos uso
da interface entre Antropologia da Sade e Histria da Medicina em
frica acerca da nfase dada a descoberta e controle da doena do
sono (tripanossomase humana africana), no norte e oeste da Zmbia,
de 1900 a 1920. Com efeito, chegamos composio de um esquema
interpretativo baseado em trs dimenses: ecolgica, medicina tropical
e operacionalizaes africanas, definindo as aes africanas enquanto
atitudes elusivas: aes polticas especficas desdobrando resistncias
s imposies das polticas coloniais.
Palavras-chave: Medicina Tropical, Prticas culturais, Zmbia,
resistncia.
ABSTRACT
Title: African resistances relating to colonial preventive measures on
sleeping sickness in Zambia
Colonial dynamics can be understood as a response between imperial
processes and peoples reactions according to later cultural practices.
Beyond reducing African people victimization, there were resistances
1
Artigo tecido a partir do estgio de ps-doutoramento na Universidade Fede-
ral do Paran, com fomento do Convnio CAPES/Fundao Araucria. Devo
agradecer as contribuies e apoio da supervisora, Profa. Dra. Marionilde Dias
Brepohl Magalhes e a permisso de consulta nos arquivos portugueses: Instituto
de Investigao Cientfica Tropical, Instituto de Higiene e Medicina Tropical e
Sociedade de Geografia de Lisboa.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 73-105, jan./jun. 2015. Editora UFPR
74 SILVA, J.O da. As resistncias africanas diante das medidas preventivas coloniais ...
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 73-105, jan./jun. 2015. Editora UFPR
SILVA, J.O. da As resistncias africanas diante das medidas preventivas coloniais ... 75
Introduo
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 73-105, jan./jun. 2015. Editora UFPR
76 SILVA, J.O da. As resistncias africanas diante das medidas preventivas coloniais ...
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 73-105, jan./jun. 2015. Editora UFPR
SILVA, J.O. da As resistncias africanas diante das medidas preventivas coloniais ... 77
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 73-105, jan./jun. 2015. Editora UFPR
78 SILVA, J.O da. As resistncias africanas diante das medidas preventivas coloniais ...
3
Discutimos essa questo sobre a relao entre vulnerabilidade e autonomia em
outro artigo (DA SILVA, 2012)
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 73-105, jan./jun. 2015. Editora UFPR
SILVA, J.O. da As resistncias africanas diante das medidas preventivas coloniais ... 79
4
As escolas missionrias eram internatos, assim como outras instituies adminis-
trativas coloniais que permitiam a aprendizagem do controle social colonial e vias
de expresso com menor tenso. Podemos observar que em algumas situaes
como apresentada por Hunt, em Colonial Lexicon of birth medicalization, and
mobility in the Congo, 1999, na forma de brincadeira aceitvel, como a inverso
de papeis durante o almoo de Natal, os adolescentes e jovens como patres
momentneos manifestavam abertamente o desprezo pelos trabalhadores locais
pelo convvio com a elite colonial.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 73-105, jan./jun. 2015. Editora UFPR
80 SILVA, J.O da. As resistncias africanas diante das medidas preventivas coloniais ...
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 73-105, jan./jun. 2015. Editora UFPR
SILVA, J.O. da As resistncias africanas diante das medidas preventivas coloniais ... 81
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 73-105, jan./jun. 2015. Editora UFPR
82 SILVA, J.O da. As resistncias africanas diante das medidas preventivas coloniais ...
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 73-105, jan./jun. 2015. Editora UFPR
SILVA, J.O. da As resistncias africanas diante das medidas preventivas coloniais ... 83
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 73-105, jan./jun. 2015. Editora UFPR
84 SILVA, J.O da. As resistncias africanas diante das medidas preventivas coloniais ...
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 73-105, jan./jun. 2015. Editora UFPR
SILVA, J.O. da As resistncias africanas diante das medidas preventivas coloniais ... 85
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 73-105, jan./jun. 2015. Editora UFPR
86 SILVA, J.O da. As resistncias africanas diante das medidas preventivas coloniais ...
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 73-105, jan./jun. 2015. Editora UFPR
SILVA, J.O. da As resistncias africanas diante das medidas preventivas coloniais ... 87
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 73-105, jan./jun. 2015. Editora UFPR
88 SILVA, J.O da. As resistncias africanas diante das medidas preventivas coloniais ...
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 73-105, jan./jun. 2015. Editora UFPR
SILVA, J.O. da As resistncias africanas diante das medidas preventivas coloniais ... 89
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 73-105, jan./jun. 2015. Editora UFPR
90 SILVA, J.O da. As resistncias africanas diante das medidas preventivas coloniais ...
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 73-105, jan./jun. 2015. Editora UFPR
SILVA, J.O. da As resistncias africanas diante das medidas preventivas coloniais ... 91
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 73-105, jan./jun. 2015. Editora UFPR
92 SILVA, J.O da. As resistncias africanas diante das medidas preventivas coloniais ...
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 73-105, jan./jun. 2015. Editora UFPR
SILVA, J.O. da As resistncias africanas diante das medidas preventivas coloniais ... 93
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 73-105, jan./jun. 2015. Editora UFPR
94 SILVA, J.O da. As resistncias africanas diante das medidas preventivas coloniais ...
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 73-105, jan./jun. 2015. Editora UFPR
SILVA, J.O. da As resistncias africanas diante das medidas preventivas coloniais ... 95
As Atitudes Elusivas
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 73-105, jan./jun. 2015. Editora UFPR
96 SILVA, J.O da. As resistncias africanas diante das medidas preventivas coloniais ...
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 73-105, jan./jun. 2015. Editora UFPR
SILVA, J.O. da As resistncias africanas diante das medidas preventivas coloniais ... 97
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 73-105, jan./jun. 2015. Editora UFPR
98 SILVA, J.O da. As resistncias africanas diante das medidas preventivas coloniais ...
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 73-105, jan./jun. 2015. Editora UFPR
SILVA, J.O. da As resistncias africanas diante das medidas preventivas coloniais ... 99
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 73-105, jan./jun. 2015. Editora UFPR
100 SILVA, J.O da. As resistncias africanas diante das medidas preventivas coloniais ...
Consideraes Finais
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 73-105, jan./jun. 2015. Editora UFPR
SILVA, J.O. da As resistncias africanas diante das medidas preventivas coloniais ... 101
Referncias Bibliogrficas
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 73-105, jan./jun. 2015. Editora UFPR
102 SILVA, J.O da. As resistncias africanas diante das medidas preventivas coloniais ...
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 73-105, jan./jun. 2015. Editora UFPR
SILVA, J.O. da As resistncias africanas diante das medidas preventivas coloniais ... 103
GEISSLER, P. W.; POOL, R.. Editorial: Popular concerns about medical research
projects in sub-Saharan Africa a critical voice in debates about medical research
ethics. Tropical Medicine and International Health, vol. 11, n. 7, pp. 1-8.
GAUSSET, Q. Etude prliminaire des Wawa de lAdamawa (Cameroun). Mmoire
de Licence, Universit Libre de Bruxelles: 1992.
GOSSELAIN, O. In pots we trust: the processing of clay and symbols in sub-Saharan
Africa. Journal of Material Culture, vol. 4, n. 2, p. 205-230, jul. 1999.
IPENBURG, A. All good men: the development of Lubwa mission, Chinsali,
Zambia, 1905-1967. New York, Peter Lang: 1992.
HEADRICK, D. Seeping sickness epidemics and colonial response in East and Cen-
tral Africa. 1900-1940. PLoS Neglected Tropical Disease, 8(4): 2004. e2772.2014
HOPPE, K. A. Lords of the fly: sickness control in British East Africa, 1900-1960.
Connecticut, Praeger: 2003.
HUNT, N. R. A colonial lexicon of birth ritual, medicalization, and mobility in the
Congo. EUA, Duke University Press: 1999.
KALINGA, O. J. M. Colonial rule, missionaries and ethnicity in the north Niassa
District (1891-1938). African Studies Review, vol. 28, n.1, p. 57-72, mar. 1985.
Disponvel em: <http://www.jstor.org/stable/524567>. Acesso em: 15 abr. 2011.
KAYAMBI. Dirio de posto missionrio. Lusaka, Faith and Encounter Centre:
1900-1911.
LPINE, C. Os dois reis do Danxome: varola e monarquia na frica Ocidental,
1650-1800. So Paulo, Marlia, Cultura Acadmica Editora: 2000.
LABRECQUE, Edouard. Beliefs and religious practices of the Bemba and neigh-
bouring tribes. Zmbia, Chinsali: Language Centre Ilondola. [1a. Parte 1931, 2a.
parte 1934], 1982.
LINDEN; LINDEN
LYONS, M. The colonial disease: a social history of sleeping sickness in northern
Zaire, 1900-1940. Cambrige, Cambridge University Press: 1992.
MACKENZIE, J. (1984), em Propaganda and Empire: the manipulation of British
Public Opinion, 1880-1960. :1984.
M'BOKOLO, E. frica Negra: histria e civilizaes. Do sculo XIX aos nossos
dias. Tomo II. Porto: Edies Colibri, 2007.
MPONDA-MAMBWE. Dirio de posto missionrio. Lusaka, Faith and Encounter
Centre: 1891-1905; 1891-1895.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 73-105, jan./jun. 2015. Editora UFPR
104 SILVA, J.O da. As resistncias africanas diante das medidas preventivas coloniais ...
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 73-105, jan./jun. 2015. Editora UFPR
SILVA, J.O. da As resistncias africanas diante das medidas preventivas coloniais ... 105
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 73-105, jan./jun. 2015. Editora UFPR
A PARTILHA DO GORILA
ENTRE CINCIA E LITERATURA
DE ALHURES E SABERES LOCAIS1*
Slvio Marcus de Souza Correa*
RESUMO
O artigo mostra como certos saberes locais sobre o gorila foram apro-
priados pela cincia e pela literatura desde meados do sculo XIX. O
estudo sobre a circulao dos saberes permite perceber os papeis e a
importancia dos africanos na base do conhecimento produzido no campo
cientifico e literario sobre os gorilas.
Palavras-chave: Gorila, Africa, cincia, literatura de viagem
ABSTRACT
The article shows how some local knowledge about the gorilla were
appropriated by science and literature since the mid- nineteenth century
. The study of the circulation of knowledge allows us to understand the
roles and the importance of Africans at the base of knowledge produced
in scientific and literary field on the gorillas.
Keywords: Gorilla, Africa, science, travel literature
*
(UFSC) - silvio.correa@pq.cnpq.br
1
*O presente artigo foi realizado durante estgio no exterior na condio de
pesquisador visitante junto ao Instituto de Estudos Avanados de Paris. Uma
primeira comunicao sobre este tema foi apresentada no XII Congresso Luso-
-Afro-Brasileiro, realizado em Lisboa, de 1 a 5 de fevereiro de 2015.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 107-132, jan./jun. 2015. Editora UFPR
108 CORREA, S.M. A Partilha do Gorila : entre cincia e literatura de alhures...
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 107-132, jan./jun. 2015. Editora UFPR
CORREA, S.M. A Partilha do Gorila : entre cincia e literatura de alhures... 109
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 107-132, jan./jun. 2015. Editora UFPR
110 CORREA, S.M. A Partilha do Gorila : entre cincia e literatura de alhures...
A intrigante semelhana
4
BARATAY, ric; HARDOUIN-FUGIER, lisabeth. Zoos. Histoire des jardins
zoologiques en occident (XVIe-XXe sicles) Paris: ditions la dcouverte, 1998,
p.40. Escusado lembrar que a categoria dos primatas advm da classificao line-
ana. Se na primeira edio do Systema Natur (1735), o homem e alguns smios
foram classificados sob a categoria antropomorfa, em edies posteriores, o
naturalista sueco adotou a categoria primata, insistindo na semelhana anatmica.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 107-132, jan./jun. 2015. Editora UFPR
CORREA, S.M. A Partilha do Gorila : entre cincia e literatura de alhures... 111
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 107-132, jan./jun. 2015. Editora UFPR
112 CORREA, S.M. A Partilha do Gorila : entre cincia e literatura de alhures...
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 107-132, jan./jun. 2015. Editora UFPR
CORREA, S.M. A Partilha do Gorila : entre cincia e literatura de alhures... 113
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 107-132, jan./jun. 2015. Editora UFPR
114 CORREA, S.M. A Partilha do Gorila : entre cincia e literatura de alhures...
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 107-132, jan./jun. 2015. Editora UFPR
CORREA, S.M. A Partilha do Gorila : entre cincia e literatura de alhures... 115
10
GAUTIER, Jean-Pierre. la recherche des gorilles, HOMBERT, Jean-Marie et
PERROIS, Louis (sous la dir.). Coeur dAfrique: Gorilles, cannibales et Pygmes
dans le Gabon de Paul Du Chaillu, Paris: CNRS ditions, 2005, p.67.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 107-132, jan./jun. 2015. Editora UFPR
116 CORREA, S.M. A Partilha do Gorila : entre cincia e literatura de alhures...
11
Reade era um escritor escocs e que esteve na frica equatorial a fim de ave-
riguar as observaes de Paul B. du Chaillu. Cf. MANDELSTAM, Joel. Du
Chaillu's Stuffed Gorillas and the Savants from the British Museum Notes and
Records of the Royal Society of London, Vol. 48, No. 2,1994, pp. 227-245;
HARGREAVES, J.D. "Winwood Reade and the Discovery of Africa." African
Affairs 56.225, 1957, p. 306-316.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 107-132, jan./jun. 2015. Editora UFPR
CORREA, S.M. A Partilha do Gorila : entre cincia e literatura de alhures... 117
12
Sobre o explorador Paul B. du Chaillu ver: PATTERSON, K. David. Paul B. Du
Chaillu and the Exploration of Gabon, 1855-1865 The International Journal of
African Historical Studies,Vol. 7, No. 4 Boston University African Studies Cen-
ter, 1974, pp. 647-667. Sobre as vrias facetas (caador, naturalista e escritor) de
Paul du Chaillu, ver tambm HOMBERT, Jean-Marie et PERROIS, Louis (sous
la dir.). Coeur dAfrique: Gorilles, cannibales et Pygmes dans le Gabon de Paul
Du Chaillu, Paris: CNRS ditions, 2005.
13
McCOOK, Stuart "It May Be Truth, but It Is Not Evidence": Paul du Chaillu and
the Legitimation of Evidence in the Field Sciences. Osiris, 2nd Series, Vol. 11,
Science in the Field, 1996, p.177.
14
Um exemplo foi a polmica em torno da veracidade das informaes de Chaillu
sobre os gorilas e na qual tomaram partido Richard Owen, do Museu Britnico
de Londres, e John Cassin, da Academia da Cincias Naturais da Filadlfia.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 107-132, jan./jun. 2015. Editora UFPR
118 CORREA, S.M. A Partilha do Gorila : entre cincia e literatura de alhures...
15
PUNCH. London, 18 de maio de 1861.
16
Ver por exemplo, a matria Vives les gorilles no semanrio Lclipse. Paris,
08.12.1872, p.2.
17
VERGARA, Moema. "Cartas a uma senhora": questes de gnero e a divulgao
do darwinismo no Brasil. Revista de Estudos Feministas, Florianpolis, 15(2):,
maio-agosto/2007. p.385.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 107-132, jan./jun. 2015. Editora UFPR
CORREA, S.M. A Partilha do Gorila : entre cincia e literatura de alhures... 119
18
CARULA, Karoline. O darwinismo nas Conferncias Populares da Glria. Rev.
Bras. Hist. vol.28, n.56, 2008, pp. 349-370. Ver tambm DOMINGUES, He-
losa M. B. et al. A recepo do Darwinismo no Brasil. Rio de Janeiro: Editora
Fiocruz, 2003.
19
Carta de D. Pedro II a J. L. A. Quatrefages, Rio de Janeiro, 06.02.1886 (AAs/Paris).
20
Carta de D. Pedro II a J. L. A. Quatrefages, Cannes, 17.04.1891 (AAs/Paris).
21
BLANCHARD BOETSCH La Vnus hottentote ou la naissance dun phnom-
ne, in: BLANCHARD, Pascal et al. Zoos humains et exhibitions coloniales. 150
ans dinventions de lAutre. Paris: La Dcouverte, 2011, p.95.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 107-132, jan./jun. 2015. Editora UFPR
120 CORREA, S.M. A Partilha do Gorila : entre cincia e literatura de alhures...
22
LINDFORS, Bernth. Le docteur Kahn et les Niam-Niams, in: BLANCHARD,
Pascal et al. Zoos humains et exhibitions coloniales. 150 ans dinventions de
lAutre. Paris: La Dcouverte, 2011, p.174-175.
23
Referncias aos homens de cauda tm-se desde Ptolomeu. Marco Polo tambm
se refere a essas criaturas. No sculo XVIII, h figuras disso em obras de Carl
Lineu e tambm de Johann F. Blumenbach.
24
COURET, Louis. Voyage au pays des Niam-Niams. Paris: Martinon, 1854. CAS-
TELNEAU, Francis L. Renseignements sur lAfrique centrale et sur une nation
dhommes queue qui sy trouverait, daprs le rapport des ngres du Soudan,
esclaves Bahia. Paris: P. Bertand, 1851.
25
VOGT, Carl. Vorlesungen ber den Menschen, seine Stellung in der Schpfung
und in der Geschichte der Erde, . Giessen, J. Rickersche Buchnhandlung,1863.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 107-132, jan./jun. 2015. Editora UFPR
CORREA, S.M. A Partilha do Gorila : entre cincia e literatura de alhures... 121
26
Correspondncia de douard Verreaux ao Dr. Bocage, Paris, 22.01.1866
(AMNHN/Lisboa)
27
QUATREFAGES, L. A. Observations sur les races naines africaines, propos
des Akkas, Bulletins de la Socit danthropologie de Paris, 1874, p.501.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 107-132, jan./jun. 2015. Editora UFPR
122 CORREA, S.M. A Partilha do Gorila : entre cincia e literatura de alhures...
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 107-132, jan./jun. 2015. Editora UFPR
CORREA, S.M. A Partilha do Gorila : entre cincia e literatura de alhures... 123
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 107-132, jan./jun. 2015. Editora UFPR
124 CORREA, S.M. A Partilha do Gorila : entre cincia e literatura de alhures...
31
CHAILLU, Pau B. Voyage Explorations and Adventures in Equatorial Africa. J.
Murray, London ,1861, p.133.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 107-132, jan./jun. 2015. Editora UFPR
CORREA, S.M. A Partilha do Gorila : entre cincia e literatura de alhures... 125
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 107-132, jan./jun. 2015. Editora UFPR
126 CORREA, S.M. A Partilha do Gorila : entre cincia e literatura de alhures...
33
BARBOSA DU BOCAGE, J. V. Mammifres DAngola et du Congo, in Jornal
de Sciencias Mathematicas, Physicas e Naturaes. Lisboa, Typografia da Academia,
1890, p.9.
34
Sobre Barbosa du Bocage, ver MADRUGA, Catarina. Jos Vicente Barbosa du
Bocage (1823-1907). A construo de uma persona cientfica. (Dissertao de
Mestrado em Histria e Filosofia das Cincias), Universidade de Lisboa, 2013.
35
Carta de mile Deyrolle ao Dr. Bocage, Paris, 10.12.1891. (AMNHN/Lisboa)
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 107-132, jan./jun. 2015. Editora UFPR
CORREA, S.M. A Partilha do Gorila : entre cincia e literatura de alhures... 127
Cabe lembrar que o circo Barnum & Bailey exibia, entre 1897
e 1902, dezenas de animais exticos. Entre eles, havia rinocerontes,
hipoptamos, girafas e gorilas, animais que faltavam em muitos jardins
zoolgicos da Europa.36
Alis, o comrcio de animais selvagens foi muito lucrativo
para alguns empresrios do ramo como o alemo Carl Hagenbeck.
Entre 1866 e 1886, o seu negcio envolveu em torno de mil ursos,
mil lees, 700 leopardos, 400 tigres, 800 hienas, 300 elefantes, 70
rinocerontes asiticos e 9 africanos, 300 camelos, 150 girafas, 600
antlopes, milhares de macacos, de crocodilos e cobras e mais de
100 mil aves. A perda entre animais embarcados, conforme clculos
dos comerciantes, ficava em torno de 50%.37 Mas esses nmeros no
contabilizam outros animais mortos durante a captura, notadamente
de filhotes. As armadilhas aleijavam muitos animais. Os que se
livravam tinham drasticamente a sua vida abreviada nas selvas ou
savanas africanas.
Em termos cientficos e mesmo comerciais, os animais mortos
ao longo da viagem martima no eram necessariamente uma perda,
pois muitos eram recuperados para estudos osteolgicos, anatmi-
cos, etc. No porto de Hamburgo, Heinrich Umlauff, um sobrinho de
Hagenbeck, recuperava esqueletos, peles e animais inteiros. Com
as tcnicas de taxidermia, Umlauff vendia animais empalhados para
colees pblicas e particulares.
No final do sculo XIX, as caadas tinham j comprometi-
do tanto a reproduo da fauna bravia em certas regies da frica
que uma conferncia internacional foi realizada em Londres, em
1900, para a preservao da vida selvagem no continente africano.
Se alguns animais tinham a sua populao reduzida ou mesmo di-
zimada pelas caadas, outros ainda se encontravam ao abrigo das
36
BARATAY, E. Op. cit., p.129.
37
Idem, p.138-139.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 107-132, jan./jun. 2015. Editora UFPR
128 CORREA, S.M. A Partilha do Gorila : entre cincia e literatura de alhures...
38
GEERTZ, Cliford. O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa.
Petropolis: Vozes, 1997, p. 100.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 107-132, jan./jun. 2015. Editora UFPR
CORREA, S.M. A Partilha do Gorila : entre cincia e literatura de alhures... 129
Consideraes finais
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 107-132, jan./jun. 2015. Editora UFPR
130 CORREA, S.M. A Partilha do Gorila : entre cincia e literatura de alhures...
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 107-132, jan./jun. 2015. Editora UFPR
CORREA, S.M. A Partilha do Gorila : entre cincia e literatura de alhures... 131
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 107-132, jan./jun. 2015. Editora UFPR
132 CORREA, S.M. A Partilha do Gorila : entre cincia e literatura de alhures...
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 107-132, jan./jun. 2015. Editora UFPR
ETNOGRAFIA E VIOLNCIA NO PAS
DO APARTHEID: DOIS RELATOS
SOBRE FRICA DO SUL
Ethnography and violence in the country of apartheid:
two narratives about South Africa
Lorenzo Gustavo Macagno*
RESUMO
O artigo analisa duas narrativas sobre o apartheid da dcada de 1980.
Um desses relatos engloba mltiplos microrrelatos: trata-se do trabalho
do antroplogo norte-americano Vincent Crapanzano sobre os afric-
neres (ou beres) da frica do Sul. Crapanzano realiza uma etnografia
plurivocal, polifnica e dialgica. A outra narrativa do jornalista
sul-africano Rian Malan. Seu livro apresenta uma crnica das violncias
cotidianas decorrentes do apartheid. Quais so as estratgias estilsticas,
polticas e ticas escolhidas no momento de descrever o apartheid?
Quais so as consequncias e os dramas morais produzidos por um
sistema de segregao que no admitia ambiguidades classificatrias
nem dissidncias polticas ou tnicas? A partir de uma comparao
dessas narrativas, este artigo indaga sobre os efeitos do apartheid na
subjetividade individual e coletiva de uma sociedade dividida.
Palavras-chave: etnografia; violncia; frica do Sul.
ABSTRACT
This article analyses two narratives about apartheid from the 1980s.
One of these works contains multiple micro-narratives: it is the work
of North American anthropologist Vincent Crapanzano on the Afrika-
ners (or Boers) of South Africa. Crapanzano carried out a plurivocal,
polyphonic and dialogic ethnography. The other narrative is by
South African journalist Rian Malan. His book presents a chronicle of
the violences that arose out of apartheid. What are the chosen stylistic,
*
Professor Associado do Departamento de Antropologia - Universidade Federal
do Paran lorenzomacagno@hotmail.com
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 133-162, jan./jun. 2015. Editora UFPR
134 MACAGNO, L. Etnografia e violncia no pas do apartheid: dois relatos...
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 133-162, jan./jun. 2015. Editora UFPR
MACAGNO, L. Etnografia e violncia no pas do apartheid: dois relatos... 135
2
A gerao de sul-africanos brancos qual perteno e a gerao seguinte e, talvez,
tambm a gerao depois dessa, ir se curvar sob a vergonha dos crimes cometidos em
seu nome. Aqueles entre eles que se empenham em conservar o seu orgulho pessoal,
recusando-se terminantemente a se curvar diante do julgamento do mundo, sofrem
de um ressentimento abrasador, de uma raiva mordaz ao serem condenados sem ser
suficientemente ouvidos, o que, em termos psquicos, pode acabar se transformando
em um peso igualmente grande [as tradues do ingls so da minha autoria].
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 133-162, jan./jun. 2015. Editora UFPR
136 MACAGNO, L. Etnografia e violncia no pas do apartheid: dois relatos...
3
DE JONGE, Klaas. frica do Sul. Apartheid e resistncia. So Paulo: Cortez
Editora, 1991, p. 41-42.
4
Conheci Vincent Crapanzano em 2004, na ocasio da sua visita ao Brasil quando
ministrou, em Caxambu, uma das conferencias do 28 Encontro anual da ANPOCS
(Associao Nacional de Pesquisa e Ps-Graduao em Cincias Sociais). Ao fina-
lizar a palestra, a antroploga Yvonne Maggie anfitri do visitante convidou-me
(eu estava sentado na parte detrs do auditrio) para que me aproximara a conversar
com ele. J conhecia seu livro, Waiting... e, em algum momento da breve conversa
perguntei-lhe sobre seu trabalho de campo na frica do Sul. Crapanzano considerava
que a realizao dessa pesquisa e o livro era uma necessidade imperiosa em
aquele momento poltico, de mudanas e novos desafios para a frica do Sul.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 133-162, jan./jun. 2015. Editora UFPR
MACAGNO, L. Etnografia e violncia no pas do apartheid: dois relatos... 137
5
MALAN, Rian. Corao Traidor: O dramtico reencontro de um jornalista sul-africano
com seu pas e sua conscincia. So Paulo: Editora Best Seller, 1989, p. 306.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 133-162, jan./jun. 2015. Editora UFPR
138 MACAGNO, L. Etnografia e violncia no pas do apartheid: dois relatos...
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 133-162, jan./jun. 2015. Editora UFPR
MACAGNO, L. Etnografia e violncia no pas do apartheid: dois relatos... 139
8
PEIRANO, Mariza G. S. O encontro etnogrfico e o dilogo terico. In: Peirano,
M. Uma Antropologia No Plural. Trs experincias Contemporneas. Braslia:
Editora Universidade de Braslia, 1991, p. 131.
9
Waiting se refere aos efeitos da dominao na vida cotidiana no da vida
cotidiana de quem sofre a dominao, mas daqueles que exercem a dominao
(...) se refere ao discurso de pessoas que so favorecidas por esse poder e, para-
doxalmente, no seu favorecimento, vtimas dele.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 133-162, jan./jun. 2015. Editora UFPR
140 MACAGNO, L. Etnografia e violncia no pas do apartheid: dois relatos...
10
No sculo XVIII, o termo ber significava um fazendeiro branco. No sculo
XIX, o termo comeou a ser empregado para se referir aos africneres em geral.
Quando utilizado por anglofalantes (ou por brancos de origem britnica) para
descrever aos africneres, veicula uma conotao pejorativa, de atraso ou falta de
cultura. Ver, SAUNDERS, Christopher. Historical Dictionary of South Africa.
London: The Scarecrow Press, 1983, p. 28.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 133-162, jan./jun. 2015. Editora UFPR
MACAGNO, L. Etnografia e violncia no pas do apartheid: dois relatos... 141
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 133-162, jan./jun. 2015. Editora UFPR
142 MACAGNO, L. Etnografia e violncia no pas do apartheid: dois relatos...
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 133-162, jan./jun. 2015. Editora UFPR
MACAGNO, L. Etnografia e violncia no pas do apartheid: dois relatos... 143
15
Essas so as palavras de A. B. Dupreez, um dos pastores da Igreja Reformada
Holandesa na frica do Sul, por volta da dcada de 50; apud. Crapanzano, p. 100.
16
CRAPANZANO, Vincent. Waiting...op.cit. p. 26.
17
Ibid., p. 38.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 133-162, jan./jun. 2015. Editora UFPR
144 MACAGNO, L. Etnografia e violncia no pas do apartheid: dois relatos...
18
Ibid., p. 51.
19
Ibid. p. 305.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 133-162, jan./jun. 2015. Editora UFPR
MACAGNO, L. Etnografia e violncia no pas do apartheid: dois relatos... 145
20
Ibid. p. 19.
21
PEIRANO, Mariza G. S. O encontro etnogrfico e o dilogo terico, op. cit. p. 133
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 133-162, jan./jun. 2015. Editora UFPR
146 MACAGNO, L. Etnografia e violncia no pas do apartheid: dois relatos...
22
J. M. Coetzee, apud. Peirano, ibid., p. 142.
23
CRAPANZANO, Vincent. Dilogo. Anurio Antropolgico, Braslia, n 88, p.
59-80, 1991; para as citaes acima ver, respectivamente, p. 70 e p. 73.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 133-162, jan./jun. 2015. Editora UFPR
MACAGNO, L. Etnografia e violncia no pas do apartheid: dois relatos... 147
24
CRAPANZANO, Vincent. Waiting, op. cit. p. 20.
25
PEIRANO, Mariza, op. cit. p. 146.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 133-162, jan./jun. 2015. Editora UFPR
148 MACAGNO, L. Etnografia e violncia no pas do apartheid: dois relatos...
servador externo que, ao mesmo tempo, abdica da sua autoria para dar
a palavra ao Outro, a verso que doravante apresentarei provm de um
observador participante: um porta-voz um cronista que mergulha,
custe o que custar, na cena violenta do apartheid.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 133-162, jan./jun. 2015. Editora UFPR
MACAGNO, L. Etnografia e violncia no pas do apartheid: dois relatos... 149
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 133-162, jan./jun. 2015. Editora UFPR
150 MACAGNO, L. Etnografia e violncia no pas do apartheid: dois relatos...
27
Ibid. p. 166.
28
Ibid., p. 170-171.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 133-162, jan./jun. 2015. Editora UFPR
MACAGNO, L. Etnografia e violncia no pas do apartheid: dois relatos... 151
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 133-162, jan./jun. 2015. Editora UFPR
152 MACAGNO, L. Etnografia e violncia no pas do apartheid: dois relatos...
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 133-162, jan./jun. 2015. Editora UFPR
MACAGNO, L. Etnografia e violncia no pas do apartheid: dois relatos... 153
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 133-162, jan./jun. 2015. Editora UFPR
154 MACAGNO, L. Etnografia e violncia no pas do apartheid: dois relatos...
32
Ibid., p. 223.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 133-162, jan./jun. 2015. Editora UFPR
MACAGNO, L. Etnografia e violncia no pas do apartheid: dois relatos... 155
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 133-162, jan./jun. 2015. Editora UFPR
156 MACAGNO, L. Etnografia e violncia no pas do apartheid: dois relatos...
36
Ibid., p. 246.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 133-162, jan./jun. 2015. Editora UFPR
MACAGNO, L. Etnografia e violncia no pas do apartheid: dois relatos... 157
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 133-162, jan./jun. 2015. Editora UFPR
158 MACAGNO, L. Etnografia e violncia no pas do apartheid: dois relatos...
38
Ibid., p. 257-258. O itlico de minha autoria. A crena na ineficcia das ba-
las ou das armas, em geral do colonizador, do branco, ou do estrangeiro
um aspecto recorrente nos chamados movimentos messinicos e milenaristas,
amplamente estudados por antroplogos e historiadores.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 133-162, jan./jun. 2015. Editora UFPR
MACAGNO, L. Etnografia e violncia no pas do apartheid: dois relatos... 159
39
Ibid., p. 232.
40
Idem.
41
Ibid., p. 264.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 133-162, jan./jun. 2015. Editora UFPR
160 MACAGNO, L. Etnografia e violncia no pas do apartheid: dois relatos...
balizado" mas desta vez branco. Esse estar "fora de lugar" o situa,
paradoxalmente, em uma posio privilegiada a partir da qual constri
um relato crtico da sua prpria sociedade. Essa narrativa , tambm,
o autorretrato de um desertor, de um traidor. Atravs dessa espcie
de autoimolao como africner, Malan no est interessado em pro-
vocar a piedade do leitor, nem uma recproca empatia: seu objetivo
, simplesmente, desafiar as imposies indentitrias do apartheid,
bem como seus respectivos lugares comuns. A fora da sua narrativa
consiste em trazer a dimenso da experincia e do vivido sem cair
no autocentramento ou no solipsismo. Seu compromisso mostrar
como os conflitos e a violncia atuam sobre o corpo da sociedade e,
ao mesmo tempo, sobre a prpria subjetividade humana. Em ambos
os casos, esse esforo opera com a conscincia de que o corpo social e
a subjetividade humana no so meros receptculos passivos de uma
poltica de Estado. Com uma sensibilidade mpar, Malan percebe
que a razo instrumental e a razo simblica dificilmente podem
agir separadamente. Para diz-lo em outros termos e as nossas aspas
operam aqui como antdoto contra o relativismo ingnuo Malan
parece reconhecer que a fora e a eficcia dos canhes africneres
e a fora e a eficcia das pomadas xhosas so, na verdade, duas
faces de uma mesma moeda.
Palavras finais
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 133-162, jan./jun. 2015. Editora UFPR
MACAGNO, L. Etnografia e violncia no pas do apartheid: dois relatos... 161
fere evitar a tentao da teoria. Por isso, Mariza Peirano sugere que
ele escolhe o silncio terico em prejuzo da anlise, esquecendo-se
que ...a ausncia terica tambm uma posio terica42. Em Rian
Malan, a anlise substituda por uma autoironia dessacralizadora:
trata-se do testamento de um traidor.
Malan, lembremos, escreve seu livro depois de um perodo
de oito anos de exlio em Los Angeles. Sua crnica resulta das obser-
vaes que registra aps seu retorno ao seu pas quando, em virtude
do perodo de transio, a paisagem poltica havia mudado. Malan
regressa transformado desse exlio, no conseguindo deixar de sentir
um estranho mal-estar. As reformas polticas da segunda metade da
dcada de 1980 eram aparentes, e o apartheid era tratado de forma
suavizada. Voltei para a frica do Sul, mas, ali, a agonia do pas,
diz, continuava sendo algo que eu lia nos jornais". Na frica do Sul
da transio havia lugar para os rituais politicamente corretos e para
o exerccio da boa conscincia progressista dos brancos interessados,
agora, em cultura negra. Malan retorna a frica do Sul e desco-
bre que ...as peas do teatro negro eram encenadas nos reluzentes
pantees da cultura branca, diante de platias encantadas, constitudas
de liberais brancos usando smokings e jias, que desembolsavam 10
dlares cada um para serem afogados em abominao e calnia43.
Era a poca da transio e do fim da censura.
Em 1990 foram iniciadas as primeiras negociaes entre o
presidente De Klerk e os membros do Congresso Nacional Africano
(CNA). Nesse mesmo ano, o CNA anuncia a suspeno da luta ar-
mada. Como resposta a essa suspeno, De Klerk promete libetar os
presos polticos e facilitar o retorno dos exilados. O fim do apartheid
estava prximo. Uma srie de reformas polticas so colocadas em
prtica. Aps as primeiras eleies livres realizadas na frica do
42
PEIRANO, Mariza G. S. O encontro etnogrfico e o dilogo terico, op. cit. p. 146.
43
MALAN, Rian. Corao Traidor. op. cit. p. 157.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 133-162, jan./jun. 2015. Editora UFPR
162 MACAGNO, L. Etnografia e violncia no pas do apartheid: dois relatos...
44
RIBEIRO, Fernando Rosa. Eleies Na frica do Sul: Uma Viso de Primeira
Mo. Estudos Afro-Asiticos. Rio de Janeiro, vol. 26, p. 159-166, 1994.
Histria: Questes & Debates, Curitiba, volume 62, n.1, p. 133-162, jan./jun. 2015. Editora UFPR