Monografia - Matheus B. Belchior

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

Projeto de Pesquisa

DISCIPLINA MONOGRAFIA

O mito de Èṣù-Yangí como proposta de ensino em


Química

Orientador: Paulo Rogério Garcez de Moura

Coorientadora: Kiusam Regina de Oliveira

Aluno: Matheus Barbosa Belchior

Vitória/ES
2018/1

Projeto

Título: O mito de Èṣù-Yangí como proposta de ensino em Química

Aluno: Matheus Barbosa Belchior


Orientador: Paulo Rogério Garcez de Moura
Coorientadora: Kiusam Regina de Oliveira

Área/Subárea de atuação: Ensino de Química/Estudos Culturais da Ciência

Centro/Departamento Centro de Ciências Exatas/ Departamento de Química


Acadêmico: Centro de Educação/ Departamento de Teorias do Ensino e
Práticas Educacionais
Resumo: Desde os primórdios do tempo, a África foi um local de evolução e
desenvolvimento de tecnologias e saberes que permeiam a ciência. No entanto, houve uma
tentativa de apagamento dessas contribuições por parte do etnocentrismo europeu. Com isso, a
África ganhou o estigma de ser atrasado. Com a diáspora negra, os diversos conhecimentos
gerados por culturas africanas foram difundidas e infiltradas nos países. Com a característica
da tradição oral, esses saberes africanos – difundidos na mitologia – conseguem não só
adentrar os aspectos filosóficos de sua sociedade, como também, litúrgicos e científicos.
Portanto, valorizando a cultura e história africana e afro-brasileira (Lei 10.639), o presente
trabalho utilizará o mito de Èṣù e a pedra de laterita para desmistificar a concepção que o
orixá representa para a cultura hegemônica. Para isso, será realizada uma leitura tanto dos
apsectos filosófica e química do mito para explicitar a sua significação a cultura ioruba.

Palavras chave: Exu; Laterita; Química dos solos; Lei 10.639; Iorubá.

1. INTRODUÇÃO

Laroyê!
Berço da humanidade, a África testemunhou a evolução do homem ancestral (espécies
anterior ao Homo sapiens sapiens) ao homem moderno (Homo sapiens sapiens). A descoberta
dos fósseis mais antigos em território africano aponta que a gênese da civilização se deu no
continente. Não somente lugar onde há o início da civilização humana, mas também do
desenvolvimento de organizações sociais e de tecnologias (COPPENS, 2010; LEAKEY, 2010).

O desenvolvimento tecnológico em África permeia os diversos campos da ciência. No


campo da mineração e metalurgia, observa-se o domínio africano de técnicas bastante
sofisticadas, como por exemplo, os metais produzidos pelos haya, povo de fala banta presentes
em uma região da Tanzânia. Na astronomia, tem-se o exemplo dos dogons, um povo habitante
do Mali, que desenvolveram conhecimentos bem aprofundados do satélite da estrela Sirius -
invisível a olho nu - além de outros conhecimentos sobre o sistema solar. Na matemática, o
sistema numérico iorubá é um dos mais peculiares que existem, é um sistema vigesimal, ou seja,
baseado no número vinte e depende da subtração de números de maior valor. A contribuição
africana encontra-se também na agricultura, arquitetura e engenharia, aeronáutica, medicina,
física e navegação (NASCIMENTO, 2008; SERTIMA, 1998)

No entanto, tais contribuições não foram levadas em consideração ou divulgadas pelo


ocidente e, por muito tempo, África tem sido sinônimo de atraso. O processo de colonização de
territórios africanos e de expedições antropológicas promovidas pelos europeus se mostra como
o fator determinante para esse genocídio cultural (NASCIMENTO, 2008). Pois, como nos
mostra Amadou Hampâté Bâ (2010),

“Quando falamos de tradição em relação à história africana, referimo-nos


à tradição oral, e nenhuma tentativa de penetrar a história e o espírito dos
povos africanos terá validade a menos que se apóie nessa herança de
conhecimentos de toda espécie, pacientemente transmitidos de boca a
ouvido, de mestre a discípulo, ao longo dos séculos (p.167)”.

Além disso,

“Dentro da tradição oral, na verdade, o espiritual e o material não estão


dissociados. (...) Ela é ao mesmo tempo religião, conhecimento, ciência
natural, iniciação à arte, história, divertimento e recreação (...) (p.169)”.

Portanto, devido às suas características, os registros orais são negligenciados pelo


ocidente. Desta maneira, o epistemicídio se confirma no desprezo da cultura africana, desde seus
princípios filosóficos à liturgia religiosa, pelos europeus (NASCIMENTO, 2016; HAMPÂTÉ
BÂ, 2010).

Com a diáspora negra, causado pelo processo de escravização do negro africano pelos
europeus sob uma premissa racista, alguns desses conhecimentos foram difundidos nas colônias
do dito “Novo Mundo”. No Brasil, africanos de origem Bantu, oriundos do Congo e de Angola;
os de origem sudanesa e os de origem iorubana, vindas do Daomé e sudoeste da Nigéria.
Focalizando nosso olhar nestes, chegaram durante o último período da escravatura e foram
concentrados nos centros urbanos (ELBEIN DOS SANTOS, 2012). Na Bahia, há uma maior
concentração de escravizados traficados de origem iorubá que trouxeram para o Brasil o
conhecimento da metalurgia e da mineração, que foram explorados no país (BENITE;
AMAURO, 2017). Para além disso, importaram seus costumes, suas estruturas hierárquicas,
seus conceitos filosóficos e estéticos, sua língua, sua música, sua literatura oral e mitológica
(ELBEIN DOS SANTOS, 2012). Portanto, percebe-se uma influência enorme iorubá na
sociedade brasileira até a contemporaneidade.

Apesar da presença cultural no Brasil, os iorubás não ficaram salvos do genocídio


cultural. A mitologia iorubá - parte do processo litúrgico - se reconfigura no Brasil mantendo,
no entanto, o culto aos orixás e aos ancestrais. Dentre os inúmeros mitos que trazem tanto uma
concepção da realidade (da natureza) iorubá quanto aspecto mitológico, encontra-se o mito de
Èṣù-Yangí.

Em um dos ìtán, conjunto de histórias da mitologia ioruba passadas de geração em


geração pela tradição oral (SANTOS, 2016), Èṣù devora sua mãe e, em seguida, é perseguido
por seu pai Òrúnmìlà que o corta em pedaços de Yangí, ou seja, pedaços de laterita. Então,
como modo de reconciliação com seu pai, cada Yangí poderia ser utilizado por Òrúnmìlà como
sendo o verdadeiro Èṣù (PRANDI, 2001). A laterita torna-se uma representação de Èṣù e
pedaços de laterita incrustados no chão indicam o local de adoração ao orixá (ELBEIN DOS
SANTOS, 2012).

Sob uma perspectiva científica, pode-se traçar uma interpretação sobre o mito. Em seu
sentido mais amplo, a laterita pode ser definida como formação geológica decorrente do
processo de laterização e possui como característica grandes concentrações de ferro e alumínio
(AUGUSTIN; LOPES; SILVA, 2013; SIQUEIRA et al., 2014). A laterização é um processo de
intemperismo das rochas característicos de regiões tropicais de clima úmido, na qual as elevadas
temperaturas e chuvas constantes provocam a lixiviação de partículas finas e acarretando na alta
concentração de partículas pesadas (ferro, na forma de hematita e hidróxidos; e alumínio, na
forma de alumina e hidróxidos) (VIEIRA et al., 2007; ARAÚJO; NETO, 2014).

A análise de Juana Elbein dos Santos (2012) mostra que a laterita, formação rochosa de
coloração avermelhada, é a matéria de origem, segundo o mito da gênese iorubá, e Èṣù-Yangi é
a primeira forma dotada de existência individual. Ora, a autora complementa argumentando que
a laterita é o resultado da interação entre água + terra.

De fato, a laterita é fruto da interação entre esses dois elementos, uma vez que é o produto
de um processo causado pelas chuvas características da região - que representa a água - no solo
africano - que representa a terra -, acarretando na concentração de alumínio e ferro - por isso a
coloração avermelhada. Percebe-se que o mito de Èṣù-Yangí, ao mesmo tempo em que aborda
os aspectos mitológicos da cultura iorubá, abrange explicações científicas de sua região, que tem
como característica o solo laterítico. Exemplificando que o conhecimento africano parte da
interação entre o mitológico e o científico, postulando, então, uma visão religiosa do mundo
(HAMPÂTÉ BÂ, 2010).
Apesar da riqueza cultural que a mitologia iorubá – e africana – demonstra ter, ela vem
sofrendo ataques por parte da sociedade brasileira devido a concepções racistas da cultura
africana. Principalmente o orixá Èṣù, visto - na cultura iorubá - como o princípio dinâmico na
qual nenhuma vida se desenvolveria sem ele, que é assimilado a concepções negativas por
muitos. Como consequência, as lições filosófico-pedagógicas que os mitos africanos apresentam
são ignoradas.

Como forma de resistência no campo da educação, vários movimentos negros lutaram


pela aprovação da lei 10.639/03 que torna obrigatório o ensino da cultura e história africana e
afro-brasileira em todo âmbito curricular escolar da educação básica (BRASIL, 2017). A lei
vem para combater a educação hegemônica que privilegia a cultura eurocêntrica e exclui a de
matrizes africanas.

Além disto, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-
Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana determina que o ensino
de história e cultura afro-brasileira e africana busque compreender e interpretar diferentes
formas de expressão e de organização de raciocínios e pensamentos de raiz da cultura africana
(BRASIL, 2004). Logo, a proposta de valorização da história e da cultura africana e afro-
brasileira por meio da leitura de um mito africano vem para garantir os direitos e a valorização
de identidades (POLI, 2015).

Tomando a mitologia iorubá como contribuinte da cultura afro-brasileira e como fonte de


conhecimento, o presente trabalho propõe desmistificar a concepção atribuída equivocadamente
a Èṣù trabalhando os aspectos químicos da representação deste orixá, a laterita, a partir do mito
de Èṣù-Yangí.

2. OBJETIVO
Desmistificar a representação social hegemônica de Èṣù.

2.1 OBJETIVOS ESPECÍFICOS


 Discutir as diversas concepções de Èṣù;
 Explicar a concepção de Èṣù segundo a mitologia iorubá;
 Utilizar o mito de Èṣù-Yangí (pedra de laterita) como ferramenta na aula de química;
 Estudar os aspectos químicos e geológicos da laterita e dos solos lateríticos;
 Correlacionar o mito da laterita com o conhecimento científico;
 Valorizar a cultura africana e afro-brasileira;
 Promover o ensino da história e da cultura afro-brasileira e africana na disciplina de
química.
3. METODOLOGIA
O trabalho propõe realizar uma pesquisa do tipo qualitativo sobre a potencialidade da
utilização do mito da pedra de laterita nas aulas de química, ou seja, a partir de uma sequência
didática será investigada como a cultura iorubá pode ser utilizada como ferramenta para o
ensino de alguns conceitos químicos (MÓL, 2017).

A sequência didática a ser desenvolvida englobará desde discussão dos temas a serem
abordados à experimentação, aspecto fundamental para uma maior compreensão dos fenômenos
químicos. Além disso, em algumas etapas do processo, será privilegiada a tradição oral e outros
gêneros africanos.

Como primeira aproximação do tema, será realizada uma pesquisa com os alunos sobre
a concepção que os mesmos carregam sobre Exu. Para isso, os alunos deverão fazer um mapa
conceitual do tipo teia de aranha sobre as palavras que eles associam às palavras-chave. Serão
selecionadas quatro divindades de diferentes mitologias (Zeus, da mitologia grega; Thor, da
mitologia nórdica; Jesus, da mitologia cristã; e Exu, da mitologia ioruba) e, em seguida, os
alunos associarão essas quatro figuras a, no mínimo, cinco palavras que lhes vem à cabeça.
Após a atividade, será apresentado o trabalho a ser proposto e o cronograma de atividades.

No segundo encontro, será mostrado a problematização principal do trabalho. Logo, será


realizada uma discussão sobre o que Exu representa para os alunos e para a sociedade, como
ferramenta pedagógica a música do rapper “Baco Exu do Blues” intitulada “Esú”. Após a
discussão será resgatada um breve histórico da diáspora africana e do candomblé no Brasil para
poder situar as concepções existentes acerca de Exu e para complementar a discussão.

Na terceira parte, será abordado sobre o orixá Exu. A aula consistirá basicamente na
explicação da representação de Exu no candomblé. Para isso, serão utilizados alguns mitos e
orikis que explicarão as características e funções desse orixá no culto. Nessa aula, será mostrado
e explicado o mito de Exu Yangi e a pedra de laterita.

Na quarta e quinta aula será trabalhada a química do solo com o enfoque na laterita.
Será explicado o conceito geológico e algumas características desse solo (característica química,
física e geográfica). Alguns outros mineirais, característicos dos solos lateríticos, poderão ser
abordados. A abordagem será por um enfoque químico, por isso trabalharemos com os metais da
tabela periódica e métodos de análise qualitativa e quantitativa dos metais no solo. A dinâmica
desta etapa da sequência didática consistirá na experimentação em conjunto com uma aula
teórica.

Na última aula, será resgatado todo o conhecimento gerado nessas cinco aulas. Para
isso, os alunos farão uma síntese do que foi discutido e estudado na forma de um oriki. Para
isso, será instruído como é construído um oriki e suas características. Os alunos terão a
liberdade de decidir o que, dentro da sequência didática realizada, deve estar dentro do oriki. No
entanto, será prezada a presença do orixá Exu e da laterita no texto (oral ou escrito).
4. PLANO DE TRABALHO/CRONOGRAMA
Inicialmente será realizada a revisão bibliográfica para obter os apoios teóricos que
legitimam a realização do trabalho. Tratando de um tema que pode gerar reações negativas e
contrárias a que o projeto propõe é de suma importância ter em mãos estudos que fundamentem
e contribuem para que há a continuidade do trabalho. As atividades 2 à 7 referem-se à sequência
didática planejada.

ATIVIDADES
Lista de atividades*
1 – Revisão bibliográfica
2 – Aplicação do questionário diagnóstico e apresentação do trabalho
3 – Discussão sobre o tema
4 – Aula sobre Exu
5 – Aula experimental sobre laterita
6 – Aula experimental sobre laterita
7 – Síntese do projeto e confecção de orikis
8 – Elaboração da monografia
9 – Caracterização de amostras de lateritas
10 – Apresentação da monografia

CRONOGRAMA (Março/2018 a Julho/2018)

Atividade Março Abril Maio Junho Julho


1 x x x x x
2 x
3 x
4 x
5 x
6 x
7 x
8 x x x x x
9 x x
10 x

5. BIBLOGRAFIA

Augustín, C. H. R. R.; Lopes, M. R. S.; Silva, S. M. Lateritas: um conceito ainda em construção.


Rev. Bras. de Geomorfologia. v. 14. n. 3. Jul-Set. 2013. p. 241-257;
Araújo, C.B.C.; NETO, S.A.D. Caracterização de solos lateríticos para utilização em pavimentos
de baixo custo na cidade de Canindé/CE. XVII Congresso Brasileiro de Mecânica dos Solos e
Engenharia Geotécnica. Goiânia, 2014.
Brasil. Diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino
de história e cultura afro-brasileira e africana. Brasília, 2004.
_____. LDB: Lei de diretrizes e bases da educação nacional. Brasília: Senado Federal, 2017;
Benite, A. M. C.; Amauro, N. Q. Por uma produção de ciência negra: experiências nos currículos
de química, física, matemática, biologia e tecnologias. Revista da ABPN. v. 9. n. 22. Mar-Jun,
2017. p. 03-08.
Elbein dos Santos, J. Os nagô e a morte: Pàde, Àsèsè e o culto Égunna Bahia. ed. 14. Petrópolis:
Vozes, 2012;
Hampâte Bâ, A. H. A tradição viva. In: História geral da África I: metodologia e pré-história da
África. ed. 2. Brasília: UNESCO, 2010.
Nascimento, A. O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo mascarado. ed. 3. São
Paulo: Perspectiva, 2016;
Nascimento, E. L. Sankofa: significado e intenções. In: Nascimento, E. L. (org.). A matriz africana
no mundo. São Paulo: Selo Negro, 2008.
Poli, I. S. Pedagogia dos orixás: o filho da rainha das águas (Ayabá) e o segredo dos olhos do rei
(Ojuobá). São Paulo: Terceira Margem, 2015;
Poli, I. S. Antropolgia dos orixás: a civilização Yorubá através dos seus mitos, orikis e sua
diáspora. São Paulo: Terceira Margem, 2011;
Santos, R. J. Caminhos da literatura ioruba no Brasil: oralidade, escrita e narrativas virtuais.
ANTARES, v.8. n. 16. Jul.-Dez. 2016. p. 277-301.
Prandi, R. Mitologia dos orixás. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
Sertima, I.V. (org.). Blacks in science: ancient and modern. New Brunswick: Trasaction
Publishers, 1998.
Siqueira, A.C.A.; Magini, C.; Dantas, E.L.; Fuck, R.A.; Sasaki, J.M. Lateritas do Domínio Médio
Coreaú: comportamento geoquímico de mantos lateríticos do noroeste do estado do Ceará.
Brazilian Journal of Geology, 44(2): 249-264, Junho. 2014;
Vieira, C.M.F.; Intorne, S.C.; Alexandre, J.; Alves, M.G.; Monteiro, S.N. Efeito da utilização de
laterita nas propriedades físicas e mecânicas de cerâmica vermelha. Revista Matéria, v. 12. n. 3.
2007. p. 446-452.

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