A Interpretação Borromeana - Deffieux
A Interpretação Borromeana - Deffieux
A Interpretação Borromeana - Deffieux
com/lacanempdf
A interpretação borromeana
Jean-Pierre Deffieux
Em seu livro “A letra e o sentido na exegese judaica”[7], David Banon trata das
modalidades particulares de leitura. Ele insiste na separação, o corte entre o texto e a
palavra profética, a “palavra bruta”, palavra de Deus, palavra do “é assim!”, profecia não
comentada; uma vez a palavra morta, permanece o texto onde a voz é depositada. Por trás
do texto escrito, a exegese tenta encontrar a palavra viva: “Desfazer o silêncio do texto
para captar o sussurro de sua oralidade”; buscar essa relação de diálogo inicial entre Deus
e o homem. Há então no trabalho de leitura bíblica judaica, o objetivo de um real, o real
da voz de Deus e de sua palavra. David Banon dá nesse livro um certo número de detalhes
sobre esse modo de leitura que faz “apelo à densidade da letra hebraica”. A Letra está aí
para ser tomada no sentido mais radical, e não palavra por palavra. O alfabeto é
interrogado em sua expressão mais simples, cada letra constituindo um modo de signos.
Ler é um ato altamente subversivo que faz desatar o texto, o fragmenta, o espalha, faz
“sobrecarregar, solicitar ao texto, perscrutar as letras”.
Dessa escrutinização da letra, David Banon dá algumas ocorrências: a exegese
judaica é antes de tudo a disjunção entre o signo e o sentido, entre o significante e o
significado, entre o signo e o referente. Ele assinala a ênfase dada à inversão, às
combinações, aos acrônimos, às anamorfoses. “O texto nunca descansa”.
A psicanálise tem muito a aprender com esse modo de leitura.
Para acessar o real da experiência, que Miller localizou, em seu curso de 2011, do
lado da existência, para diferenciar da essência e do ser, é preciso tomar a linguagem no
nível da escrita – é isso o que aproximamos com a matemática – uma escrita que seja um
manejo da letra, do traço (o significante é isolado da significação), uma escrita que leva
à leitura e não à escuta.
Há no pensamento judeu uma dupla dimensão, duas versões de leitura, a versão
poética que visa a busca infinita do sentido e da verdade, e a versão literal, sem sentido.
Esses dois sistemas de leitura sempre coexistiram.
É para essa última apreensão da leitura que Lacan chama a atenção quando diz
que o judeu é aquele que sabe ler: ele faz uma leitura que se orienta pela materialidade da
escrita da letra.
Na experiência analítica, esse saber ler interpretativo deve visar o encontro inicial
da linguagem com o corpo em todo ser humano, que é o coração do sinthome. Eis aí toda
uma pesquisa apaixonante em perspectiva para futuro da psicanálise.
Notas
Texto original extraído de: Revista Quarto, nº 104, Bélgica, 2013, 96-97