Aprendizagem Relacional e o Comportamento Simbolico
Aprendizagem Relacional e o Comportamento Simbolico
Aprendizagem Relacional e o Comportamento Simbolico
matriz e o garoto podia tocar sobre uma delas. A res- queria saber se ele também aprenderia a relacionar
posta acionava um mecanismo que a registrava auto- cada palavra falada (Conjunto A) à palavra impressa
maticamente e, se estivesse correta, produzia sons correspondente (Conjunto C). A parte superior
(indicando acerto) e deixava cair um pequeno petisco. da Figura 1 mostra um diagrama dessa fase inicial.
Sidman escolheu 20 palavras monossilábicas para Podemos indicar as relações aprendidas por AB (seta
as quais o jovem escolhia corretamente as figuras cor- cheia grossa) e as relações ainda por aprender, como
respondentes (axe, bed, bee, box, boy, bug, car, cat, AC (setas finas).
cow, dog, ear, hat, hen, hoe, hut, man, pie, pig, saw e A cada tentativa de ensino, um gravador ditava
zoo). Para facilitar a descrição do procedimento e a uma palavra e palavras impressas eram projetadas
interpretação dos resultados, vamos chamar as pala- na matriz. Para garantir que o aluno estava atento,
vras e figuras de elementos1 e indicar cada conjunto a palavra ditada era diferente a cada tentativa, ao
de elementos por uma letra (e cada elemento por um longo de sucessivas tentativas na sessão de ensino
número). Sidman trabalhou com três conjuntos: (cada palavra era falada de duas a três vezes, mas sem-
A) Conjunto de 20 palavras faladas: A1, A2, A3, ..., pre misturada a outras palavras). De início, a matriz
A20 apresentava apenas a palavra escrita correta (para que
B) Conjunto de 20 figuras: B1, B2, B3, ...., B20 o aluno acertasse imediatamente), mas, ao longo de
C) Conjunto de 20 palavras impressas: C1, C2, tentativas sucessivas, o número de palavras impres-
C3, ...., C20 sas ia sendo gradativamente aumentado, até que o
aluno tinha que encontrar a palavra correta entre
Como o garoto relacionava cada palavra falada as oito projetadas em cada uma das janelas laterais
(Conjunto A) a cada figura (Conjunto B), Sidman da matriz. Resumindo uma longa e bem-sucedida
B B
A ? D A ?
C C
Os ganhos de aprendizagem
B
A D
C
Figura 1. esquema das relações exploradas no estudo de sidman (1971). a, b e C indicam, respectivamente,
palavras faladas, figuras e palavras impressas. D corresponde à ação do aluno: dizer uma palavra.
1
na literatura psicológica, costuma-se usar o termo estímulo. esse termo foi inicialmente empregado para descrever relações
reflexas estímulo-resposta, mas depois foi estendido para se referir, genericamente, a qualquer aspecto do ambiente que afeta
algum aspecto do comportamento.
A D
B
B D A D
C
C D
Dizer uma palavra (D) pode ser ocasionado:
Dizer a mesma palavra é ocasionado por uma
A – pela mesma palavra falada por outra pessoa classe de itens equivalentes: mesmo que apenas
(imitação vocal) um dos itens esteja presente, a relação simbólica
B – por uma figura (dizer o nome) evoca os outros.
C – por uma palavra impressa (ler)
Figura 2. Exemplos de relações entre elementos, itens ou aspectos do ambiente e ações da pessoa.
porque implica economia de ensino e de aprendiza- Podemos, então, considerar que comportamento
gem: nem tudo tem que ser ensinado — e nem tudo simbólico é o que ocorre com base em uma classe ou
tem que ser aprendido diretamente. O modelo tem conjunto de eventos equivalentes, em que uns são
norteado programas de ensino de vários tipos de habi- substituíveis por outros (“como se fossem o mesmo
lidades de caráter simbólico, para estudantes em dife- que”), consideradas as propriedades da equivalên-
rentes níveis, incluindo universitários. Programas para cia e os limites circunscritos pelo contexto. Dito de
ensino de habilidades de leitura, escrita e matemática outro modo, relações de equivalência são um modelo
para aprendizes iniciantes, de interesse também para de significado: compreendemos o significado de um
o ensino de pessoas com Deficiência Intelectual, têm símbolo quando podemos relacioná-lo, por equiva-
sido desenvolvidos e utilizados com sucesso. lência, a outros eventos que têm um significado esta-
belecido em nossa história pessoal.
Funções do comportamento simbólico
Dois componentes básicos do funcionamento Deficiências em função simbólica
simbólico são a capacidade de representação (rela- Déficits no funcionamento simbólico implicam
ção de substituição signo/referente) e o uso funcio- habilidades disfuncionais de comunicação, desenvol-
nal (agir em relação a um ou a outro), em diferen- vimento atrasado de linguagem, fracasso em compe-
tes contextos. tências básicas em leitura, escrita e matemática, entre
Mostramos, na seção anterior, que as relações outros. Os alarmantes índices de fracasso escolar e de
arbitrárias entre os eventos podem ser consideradas analfabetismo funcional são resultado de funciona-
simbólicas se forem relações de equivalência. Resta mento simbólico deficiente.
considerar o uso funcional de símbolos, isto é, o Mesmo não sendo possível lidar com as causas
que fazemos com eles. Se um símbolo pode fun- de uma deficiência, é possível lidar com fatores que
cionar, até certa medida, como substituto de outro levam ao desenvolvimento de funções cognitivas rele-
aspecto do ambiente, podemos agir em relação a ele vantes. A principal abordagem para a prevenção ou
(dentro de certos limites) como agiríamos em rela- remediação de déficits no funcionamento simbólico é
ção aos aspectos do ambiente que ele representa. o ensino (seja em ambiente educacional, terapêutico,
Se estou em um restaurante, posso escolher o que familiar, ou em todos eles) que resulte na aprendiza-
vou comer selecionando diretamente os alimentos gem cumulativa de relações simbólicas, associado ao
expostos, mas posso também escolher entre os itens fortalecimento do suporte educacional e familiar —
impressos de um cardápio ou entre as opções enuncia- e a outras intervenções e serviços especializados.
das por um garçom. As palavras impressas no cardá- Reduzir o impacto de um funcionamento simbólico
pio são símbolos dos alimentos disponíveis; as palavras deficiente consiste em um tremendo desafio, mas
faladas pelo garçom também. Cada uma das três alter- a ciência tem mostrado muitos progressos, com
nativas consideradas pode ter um mesmo resultado: benefícios para os indivíduos afetados, para suas
nosso prato favorito. Nesse sentido, o prato é equiva- famílias e, em última instância, para a sociedade.
lente a seu nome no cardápio ou falado pelo garçom.
Quando eventos formam uma classe de equiva-
lência, algumas outras relações se tornam possíveis: leitura recomendada
DEACON, A.T. The symbolic species: the co-evolution of
1) Mesmo que apenas um dos elementos esteja language and the brain. New York: W.W. Norton, 1997.
presente, é como se os demais também estives- DE ROSE, J.C. Classes de estímulos: implicações para uma
análise comportamental da cognição. Psicologia: Teoria e
sem. 2) Uma ação antes evocada por apenas um Pesquisa, v. 9, n. 2, p. 283-303, 1993.
dos eventos pode passar a ser evocada por qualquer DE ROSE, J.C. Análise comportamental da aprendizagem
novo membro da classe. Suponhamos que vejo uma de leitura e escrita. Revista Brasileira de Análise do
Comportamento, v. 1, p. 29-50, 2005.
substância asquerosa, que me causa nojo. Vejo que
REIS, T.S.; DE SOUZA, D.G.; DE ROSE, J.C. Avaliando um
ela é produzida por um animalzinho com boa apa- programa para o ensino de leitura e escrita. Estudos em
rência, mas, apesar disso, ele também passa a evo- Avaliação Educacional, v. 20, n. 44, p. 425-452, 2009.
car nojo; mais tarde, aprendo o nome do animal e SIDMAN, M. Equivalence relations and behavior: a research
story. Boston, MA: Authors Cooperative, 1994.
sinto nojo só por ler o nome escrito.