Aprendizagem Relacional e o Comportamento Simbolico

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artigo Por Deisy das Graças de Souza, Mariéle Diniz Cortez, Natalia Maria Aggio e Julio de Rose

foto: Pedro Abreu


Aprendizagem relacional e
comportamento simbólico no
processo de conhecimento do mundo
A espécie humana apresenta uma extraordi- na tela do caixa eletrônico libera o dinheiro;
nária capacidade para operar com símbolos. Isso pegar um item da prateleira transfere o item da
quer dizer, genericamente, que podemos agir em prateleira para o carrinho; passar os itens pelo
relação a algum aspecto de nosso ambiente como caixa permite levar os itens para casa). Muitas
se fosse outro. outras ações ocorrem em relação a símbolos: o
Por exemplo, uma pessoa digita o símbolo número digitado é um símbolo da quantidade
100 em um caixa de banco, retira 5 notas de de dinheiro que, por sua vez, é um símbolo
R$  20,00, entra no supermercado e compra do quanto se pode comprar (R$ 100,00 pagam
frutas, verduras, um pacote de café e pão. Nesse uma pequena compra de supermercado, mas
conjunto de tarefas cotidianas, apenas algumas não um carro ou uma joia). Além disso, a pes-
implicam ação direta sobre o ambiente (digitar soa não estranha receber 5 notas de R$ 20,00
e não uma de R$ 100,00. A operação também
Deisy das Graças de Souza é professora titular da
seria  bem-sucedida se resultasse em uma nota
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e coordena- de R$ 100,00, 2 de R$ 50,00, 10 de R$ 10,00;
dora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia sobre qualquer dessas combinações é tratada como
Comportamento, Cognição e Ensino (INCT-ECCE). Mariéle
equivalente a R$100,00.
Diniz Cortez é pesquisadora na UFSCar. Natalia Maria
Aggio é doutoranda na UFSCar. Julio de Rose é profes- Qual a diferença entre agir diretamente no mundo
sor titular da UFSCar e pesquisador do INCT-ECCE. físico e agir em relação a símbolos?

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artigo • Aprendizagem relacional e comportamento simbólico no processo de conhecimento do mundo

É preciso aprender a relacionar As relações entre palavras e objetos, ações, qua-


lidades, palavras e palavras, e muitas outras relações
cada símbolo com os aspectos que constituem uma língua, são definidas arbitrá-
relevantes do mundo não ria e convencionalmente. O que se escolhe, arbi-
trariamente, para representar um item não altera
simbólico e aprender a agir em sua natureza: um ovo continua sendo um ovo (que
relação ao símbolo como se fosse tem tamanho, textura, cor, que pode ser quebrado,
cozido, misturado à massa de bolo etc.), quer o
aquele evento que ele representa chamemos de ovo, egg, uovo ou de qualquer outro
nome; correr continua sendo uma atividade física
com certas propriedades topográficas, de ritmo,
Quando uma pessoa vê uma maçã e decide, com forma, velocidade, quer a denominemos como cor-
base em sua aparência, se ela pode ou não ser consu- rer, run, correre etc.
mida, pegar a maçã e mordê-la são interações diretas Compartilhar uma língua é fundamental para a
com o ambiente: resultam na maçã na mão e em seu comunicação entre as pessoas. Essa importância fica
gosto na boca. Às vezes erramos: a maçã está azeda ou clara quando enfrentamos a falta de uma língua com-
estragada por dentro; outras vezes acertamos e come- partilhada, especialmente quando apenas um dos
mos uma fruta saborosa. As próprias consequências interlocutores domina uma língua (por exemplo,
de nossas ações vão nos ensinando a observar e a ajus- entre adultos e crianças muito jovens, ou pessoas com
tar nossas ações ao ambiente físico. Deficiência Intelectual severa, com autismo etc.).
Quando lidamos com um símbolo, o aspecto crí- Uma criança com Deficiência Intelectual pode
tico não é sua aparência física, mas sua relação com aprender a solicitar um brinquedo ou alimento que
um referente. A função de símbolo deriva das cir- não esteja à vista, apontando em seu álbum de figuras
cunstâncias nas quais ele pode ser tomado como sinal ou para o local onde o alimento é guardado. Ela rece-
ou significado do outro e a ação resulta nas mesmas berá o brinquedo ou o alimento se outra pessoa em
consequências que resultariam se fosse direcionada seu ambiente ‘‘entender’’ o significado de seu gesto.
ao referente. Em uma lista de compras por compu- Portanto, além de arbitrários, símbolos precisam ser
tador, podemos selecionar camiseta (para o item), convencionados.
azul (para a cor), G (para o tamanho) e receber o Agir com base em símbolos acrescenta riqueza,
item em casa: ele seria o mesmo se o tivéssemos esco- complexidade e adaptabilidade à vida humana,
lhido  em uma prateleira de loja. As relações entre enquanto déficits na função simbólica são fontes de
palavras e itens são arbitrárias. Se a compra fosse em consideráveis problemas humanos.
um site em inglês, obteríamos o mesmo resultado
assinalando T-shirt, blue, L. Definindo símbolos linguísticos de
Enquanto, no mundo não simbólico, interagimos acordo com critérios operacionais
diretamente com propriedades físicas dos objetos ou Figuras, sinais gráficos, palavras faladas, ges-
eventos, no caso de símbolos, é preciso aprender a tos variados, podem ser usados como símbolos.
relacionar cada símbolo com os aspectos relevantes do Mas isso não quer dizer que qualquer palavra
mundo não simbólico e aprender a agir em relação ao seja necessariamente um símbolo. Os conjun-
símbolo como se fosse aquilo que representa. tos de caracteres BETIMOREJU, ZAPIRAM e
Embora a natureza arbitrária das relações sím- LADÍVEL têm a aparência de palavras, mas não
bolo-referente permita a criação praticamente ili- são símbolos; são pseudopalavras, com sequên-
mitada de sistemas simbólicos, em qualquer esfera cias de letras típicas do português, de modo que
de atividade (a religião, a arte, os esportes, o tra- qualquer leitor proficiente pode reproduzir os
balho), nesse texto focalizamos a linguagem que é, sons representados pelas letras e concluir que
por excelência, um sistema simbólico inventado, as palavras se referem, respectivamente, a um
convencionado e continuamente aprimorado pelos objeto, uma ação ou uma qualidade (pela forma
falantes de uma língua. das palavras), mas falta o componente crítico

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para permitir a compreensão, que advém da rela-
ção entre uma palavra-símbolo e os referentes no Uma abordagem para a prevenção
mundo.
A definição de relação simbólica não é simples,
ou remediação de déficits no
como pode ter parecido até agora, nem é consen- funcionamento simbólico reside
sual, mas é essencial para fundamentar a prática edu-
cacional ou terapêutica acerca de como agir em um
em intervenções que promovam
mundo simbólico. a aprendizagem cumulativa e
Existe consenso quanto ao fato de que a relação
entre símbolo e referente é de substituição, ou seja, o
sistemática de relações simbólicas
signo é tratado como substituto de seu referente em
uma variedade de contextos, embora a pessoa tam- equivalência, 1) as relações entre cada par de elemen-
bém saiba que o signo é separável de seu referente. tos do conjunto são bidirecionais (se A está relacio-
As dificuldades surgem quando tentamos dis- nado a B, então B está relacionado a A); 2) as relações
tinguir entre relações verdadeiramente simbólicas e entre dois pares com um elemento em comum são
outros tipos de relações entre eventos, que não carac- transitivas (se A está relacionado a B e B está relacio-
terizam a função de substituição de um evento pelo nado a C, então A está relacionado a C); e 3) a rela-
outro. Qual é o conjunto de comportamentos que ção entre dois exemplares de um mesmo elemento
nos leva a inferir uma verdadeira relação simbólica é reflexiva (se A está relacionado a B, A está relacio-
entre um sinal e seu referente? nado a A e B está relacionado a B). Se um alimento A
Podemos observar duas crianças realizando, apa- é tão calórico quanto um alimento B, e se o alimento
rentemente, a mesma coisa: ligar palavras impressas B é tão calórico quanto o alimento C, então a pessoa
de uma lista de três itens na coluna da esquerda às que escolhe A poderá concluir que ele será tão caló-
figuras correspondentes na coluna da direita. Apesar rico quanto C. Uma bolacha recheada de chocolate,
de o modo de responder parecer o mesmo, uma pro- uma banana-maçã e uma posta de robalo podem
fessora experiente pode identificar que uma das crian- ser classificados em diferentes classes, por diferen-
ças ‘‘entende’’ o que está fazendo, enquanto a outra tes critérios, mas para quem confere as calorias, os
está agindo “sem compreender” o significado das três são equivalentes: cada um tem 72 calorias (con-
palavras. Como distinguir entre um comportamento ferir em http://www.faac.unesp.br/pesquisa/nos/
e outro? A professora geralmente leva em considera- bom_apetite/tabelas/cal_ali.htm) e comer um seria
ção outros aspectos sutis do que as crianças fazem. Por o mesmo que comer o outro (quanto ao valor caló-
exemplo, ela pode saber que a segunda criança já rea- rico). Podemos identificar as propriedades das rela-
lizou o exercício antes e aprendeu a direção das setas ções entre cada par e entre todos os pares relaciona-
entre as duas colunas, mas agora ela inverteu a posição dos: se uma banana vale tanto quanto uma bolacha,
dos elementos nas colunas e esse aluno erra, enquanto uma bolacha vale o mesmo que uma banana (sime-
o outro continua acertando. tria), uma bolacha vale o mesmo que outra bolacha
A partir de um estudo agora clássico, Murray (reflexividade) e, se a posta de peixe vale tanto quanto
Sidman desenvolveu um modelo que permite dis- a bolacha, então também vale o mesmo que uma
tinguir empiricamente entre a aprendizagem simbó- banana (transitividade).
lica e a aprendizagem de meras associações em que A pesquisa original de Sidman que deu origem ao
os elementos ou itens entram em algum tipo de rela- modelo de comportamento simbólico foi desenvol-
ção, mas não substituem um ao outro. De acordo vida com um adolescente com Deficiência Intelectual
com o modelo, relações simbólicas entre eventos são severa. Sidman observou que, apesar da deficiência, o
relações de equivalência, definidas, como na mate- jovem conhecia a relação entre palavras faladas e figu-
mática, pelas propriedades de reflexividade, simetria ras. Usando um aparato eletromecânico com nove
e transitividade. Sem estender desnecessariamente janelas de acrílico, distribuídas em uma matriz de
a definição, por ora é suficiente afirmar que, se os 3 x 3 (como uma tela com TV dividida), Sidman
elementos de um conjunto estão relacionados por projetava figuras ou palavras impressas nas janelas da

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ARTIGO • aPRenDizagem ReLaCionaL e ComPoRtamento simbÓLiCo no PRoCesso De ConHeCimento Do mUnDo

matriz e o garoto podia tocar sobre uma delas. A res- queria saber se ele também aprenderia a relacionar
posta acionava um mecanismo que a registrava auto- cada palavra falada (Conjunto A) à palavra impressa
maticamente e, se estivesse correta, produzia sons correspondente (Conjunto C). A parte superior
(indicando acerto) e deixava cair um pequeno petisco. da Figura 1 mostra um diagrama dessa fase inicial.
Sidman escolheu 20 palavras monossilábicas para Podemos indicar as relações aprendidas por AB (seta
as quais o jovem escolhia corretamente as figuras cor- cheia grossa) e as relações ainda por aprender, como
respondentes (axe, bed, bee, box, boy, bug, car, cat, AC (setas finas).
cow, dog, ear, hat, hen, hoe, hut, man, pie, pig, saw e A cada tentativa de ensino, um gravador ditava
zoo). Para facilitar a descrição do procedimento e a uma palavra e palavras impressas eram projetadas
interpretação dos resultados, vamos chamar as pala- na matriz. Para garantir que o aluno estava atento,
vras e figuras de elementos1 e indicar cada conjunto a palavra ditada era diferente a cada tentativa, ao
de elementos por uma letra (e cada elemento por um longo de sucessivas tentativas na sessão de ensino
número). Sidman trabalhou com três conjuntos: (cada palavra era falada de duas a três vezes, mas sem-
A) Conjunto de 20 palavras faladas: A1, A2, A3, ..., pre misturada a outras palavras). De início, a matriz
A20 apresentava apenas a palavra escrita correta (para que
B) Conjunto de 20 figuras: B1, B2, B3, ...., B20 o aluno acertasse imediatamente), mas, ao longo de
C) Conjunto de 20 palavras impressas: C1, C2, tentativas sucessivas, o número de palavras impres-
C3, ...., C20 sas ia sendo gradativamente aumentado, até que o
aluno tinha que encontrar a palavra correta entre
Como o garoto relacionava cada palavra falada as oito projetadas em cada uma das janelas laterais
(Conjunto A) a cada figura (Conjunto B), Sidman da matriz. Resumindo uma longa e bem-sucedida

O ínicio: o que sabia


e o que foi ensinado Os testes críticos

B B
A ? D A ?
C C
Os ganhos de aprendizagem

B
A D
C
Figura 1. esquema das relações exploradas no estudo de sidman (1971). a, b e C indicam, respectivamente,
palavras faladas, figuras e palavras impressas. D corresponde à ação do aluno: dizer uma palavra.

1
na literatura psicológica, costuma-se usar o termo estímulo. esse termo foi inicialmente empregado para descrever relações
reflexas estímulo-resposta, mas depois foi estendido para se referir, genericamente, a qualquer aspecto do ambiente que afeta
algum aspecto do comportamento.

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história, o garoto aprendeu as 20 relações entre pala- comportamentos novos, não ensinados diretamente
vras impressas e as palavras faladas (relações AC). (e, claro, o potencial do aluno para avançar sozinho).
Como a professora experiente, o pesquisador sagaz Uma série de novos estudos replicou a descoberta
foi adiante com as próximas perguntas: o que o aluno inicial e levou Sidman a considerar que o fenômeno
faria se uma figura fosse projetada na janela central da emergência de relações novas significava que os ele-
do painel e se as palavras impressas fossem projeta- mentos dos conjuntos podiam funcionar como subs-
das nas laterais, e vice-versa, como mostram as setas titutos uns dos outros, isto é, se tornaram membros
tracejadas no painel seguinte na Figura 1? No painel, de classes de equivalência (cada classe constituída
AB e AC estão ligadas por setas cheias, indicando que por uma palavra falada, uma figura e uma palavra
nesse ponto o aluno dominava esses dois tipos de rela- impressa). A Figura 2 ilustra esse aspecto: quando os
ções. As novas relações a serem testadas eram BC e elementos se tornam equivalentes, mesmo que ape-
CB (linhas tracejadas). Esses testes críticos expuseram nas um deles esteja presente, o indivíduo responde a
o aluno a situações que não foram diretamente ensi- ele como se respondesse à classe como um todo (note
nadas: os itens eram os mesmos, mas as relações testa- a diferença da seta que relaciona a classe de elementos
das eram novas. Os resultados foram muito claros: o com a classe de respostas: ela parte da classe e não de
garoto não hesitou diante das novas tarefas. O último um elemento em particular).
painel da Figura 1 mostra que, além de relacionar O modelo de relações de equivalência é, portanto,
figuras e palavras impressas, ele ainda foi capaz de um importante instrumento para distinguir entre
lê-las, quando cada palavra era apresentada sozinha, relações simbólicas e não simbólicas (que são apren-
na janela central do painel (indicada como CD – a didas para pares de itens, mas sem flexibilidade para
letra D no círculo indica o conjunto de respostas do derivar novas relações, a partir daquelas aprendidas).
aluno, uma para cada palavra impressa). O mais importante é que o modelo também sugere
O procedimento de ensino gerou, portanto, a como planejar o ensino para gerar, deliberadamente,
emergência de relações para além daquelas que foram novas relações simbólicas. Dadas as propriedades das
diretamente ensinadas: as novas relações passaram relações de equivalência, depois do ensino de umas
a ocorrer por derivação daquelas ensinadas. E foi poucas relações, outras emergem imediatamente,
este aspecto que surpreendeu Sidman: a observação como no estudo descrito. Esse é um tipo de trans-
do potencial do procedimento de ensino para gerar ferência de aprendizagem extremamente importante,

Relações isoladas Relações ocasionadas por uma classe

A D
B
B D A D
C
C D
Dizer uma palavra (D) pode ser ocasionado:
Dizer a mesma palavra é ocasionado por uma
A – pela mesma palavra falada por outra pessoa classe de itens equivalentes: mesmo que apenas
(imitação vocal) um dos itens esteja presente, a relação simbólica
B – por uma figura (dizer o nome) evoca os outros.
C – por uma palavra impressa (ler)

Figura 2. Exemplos de relações entre elementos, itens ou aspectos do ambiente e ações da pessoa.

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artigo • Aprendizagem relacional e comportamento simbólico no processo de conhecimento do mundo

porque implica economia de ensino e de aprendiza- Podemos, então, considerar que comportamento
gem: nem tudo tem que ser ensinado — e nem tudo simbólico é o que ocorre com base em uma classe ou
tem que ser aprendido diretamente. O modelo tem conjunto de eventos equivalentes, em que uns são
norteado programas de ensino de vários tipos de habi- substituíveis por outros (“como se fossem o mesmo
lidades de caráter simbólico, para estudantes em dife- que”), consideradas as propriedades da equivalên-
rentes níveis, incluindo universitários. Programas para cia e os limites circunscritos pelo contexto. Dito de
ensino de habilidades de leitura, escrita e matemática outro modo, relações de equivalência são um modelo
para aprendizes iniciantes, de interesse também para de significado: compreendemos o significado de um
o ensino de pessoas com Deficiência Intelectual, têm símbolo quando podemos relacioná-lo, por equiva-
sido desenvolvidos e utilizados com sucesso. lência, a outros eventos que têm um significado esta-
belecido em nossa história pessoal.
Funções do comportamento simbólico
Dois componentes básicos do funcionamento Deficiências em função simbólica
simbólico são a capacidade de representação (rela- Déficits no funcionamento simbólico implicam
ção de substituição signo/referente) e o uso funcio- habilidades disfuncionais de comunicação, desenvol-
nal (agir em relação a um ou a outro), em diferen- vimento atrasado de linguagem, fracasso em compe-
tes contextos. tências básicas em leitura, escrita e matemática, entre
Mostramos, na seção anterior, que as relações outros. Os alarmantes índices de fracasso escolar e de
arbitrárias entre os eventos podem ser consideradas analfabetismo funcional são resultado de funciona-
simbólicas se forem relações de equivalência. Resta mento simbólico deficiente.
considerar o uso funcional de símbolos, isto é, o Mesmo não sendo possível lidar com as causas
que fazemos com eles. Se um símbolo pode fun- de uma deficiência, é possível lidar com fatores que
cionar, até certa medida, como substituto de outro levam ao desenvolvimento de funções cognitivas rele-
aspecto do ambiente, podemos agir em relação a ele vantes. A principal abordagem para a prevenção ou
(dentro de certos limites) como agiríamos em rela- remediação de déficits no funcionamento simbólico é
ção aos aspectos do ambiente que ele representa. o ensino (seja em ambiente educacional, terapêutico,
Se estou em um restaurante, posso escolher o que familiar, ou em todos eles) que resulte na aprendiza-
vou comer selecionando diretamente os alimentos gem cumulativa de relações simbólicas, associado ao
expostos, mas posso também escolher entre os itens fortalecimento do suporte educacional e familiar —
impressos de um cardápio ou entre as opções enuncia- e a outras intervenções e serviços especializados.
das por um garçom. As palavras impressas no cardá- Reduzir o impacto de um funcionamento simbólico
pio são símbolos dos alimentos disponíveis; as palavras deficiente consiste em um tremendo desafio, mas
faladas pelo garçom também. Cada uma das três alter- a ciência tem mostrado muitos progressos, com
nativas consideradas pode ter um mesmo resultado: benefícios para os indivíduos afetados, para suas
nosso prato favorito. Nesse sentido, o prato é equiva- famílias e, em última instância, para a sociedade.
lente a seu nome no cardápio ou falado pelo garçom.
Quando eventos formam uma classe de equiva-
lência, algumas outras relações se tornam possíveis: leitura recomendada
DEACON, A.T. The symbolic species: the co-evolution of
1) Mesmo que apenas um dos elementos esteja language and the brain. New York: W.W. Norton, 1997.
presente, é como se os demais também estives- DE ROSE, J.C. Classes de estímulos: implicações para uma
análise comportamental da cognição. Psicologia: Teoria e
sem. 2)  Uma ação antes evocada por apenas um Pesquisa, v. 9, n. 2, p. 283-303, 1993.
dos eventos pode passar a ser evocada por qualquer DE ROSE, J.C. Análise comportamental da aprendizagem
novo membro da classe. Suponhamos que vejo uma de leitura e escrita. Revista Brasileira de Análise do
Comportamento, v. 1, p. 29-50, 2005.
substância asquerosa, que me causa nojo. Vejo que
REIS, T.S.; DE SOUZA, D.G.; DE ROSE, J.C. Avaliando um
ela é produzida por um animalzinho com boa apa- programa para o ensino de leitura e escrita. Estudos em
rência, mas, apesar disso, ele também passa a evo- Avaliação Educacional, v. 20, n. 44, p. 425-452, 2009.
car nojo; mais tarde, aprendo o nome do animal e SIDMAN, M. Equivalence relations and behavior: a research
story. Boston, MA: Authors Cooperative, 1994.
sinto nojo só por ler o nome escrito.

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