Tese Final Patricia Placido
Tese Final Patricia Placido
Tese Final Patricia Placido
Instituto Multidisciplinar
Rio de Janeiro
2017
Patrícia de Oliveira Plácido
Rio de Janeiro
2017
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ / REDE SIRIUS / BIBLIOTECA CEH/A
es CDU 502
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
tese, desde que citada a fonte.
___________________________________ _______________
Assinatura Data
Patricia de Oliveira Plácido
Banca Examinadora:
_____________________________________________
Profa. Dra. Elza Maria Neffa Vieira de Castro (Orientadora)
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
_____________________________________________
Prof. Dr. Mauro Guimarães (Coorientador)
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
_____________________________________________
Prof. Dr. Carlos Frederico Bernardo Loureiro
Universidade Federal do Rio de Janeiro
_____________________________________________
Prof. Dr. Celso Sánchez Pereira
Universidade Federal do Rio de Janeiro
_____________________________________________
Prof. Dr. Mario Luiz Gomes Soares
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
_____________________________________________
Prof. Dra. Patrícia Domingos
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro
2017
DEDICATÓRIA
À minha querida avó Cremilda (in memorian), por ser meu exemplo de força, doação e
alegria na árdua caminhada da vida. Obrigada por ter sido o nosso ponto de apoio e por me
proporcionar muitos momentos felizes na Ilha da Madeira, lugar pelo qual tenho profundo
carinho.
Ao meu filho Pedro, por dar novo sentido a minha vida e me obrigar a ser forte,
mesmo em minhas fraquezas.
AGRADECIMENTOS
A Deus, primeiramente, por me dar forças para combater o bom combate, terminar a
minha carreira e guardar a fé (2 Timóteo, 4). Obrigada, Pai, por me agraciar com tantas
dádivas durante a minha vida, sobretudo, nestes quatro anos. Dias de paz, dias de luta.
Algumas dádivas e pessoas poderei elencar aqui neste breve agradecimento, porém
outras ficarão guardadas no meu coração. Digo que este trabalho foi escrito por duas, quatro,
seis ou talvez inúmeras mãos.
São tantas as pessoas a agradecer, começarei pelos laços familiares, pelas minhas
raízes.
Como conhecemos a árvore pelo fruto (Mateus 12, 33), começarei agradecendo ao
meu filho Pedro. Príncipe, você chegou em minha vida junto com o doutorado. Ainda em
minha barriga foi nas primeiras aulas das disciplinas obrigatórias. E, em meus braços,
acompanhou-me em disciplinas optativas, congressos e encontros. Você ressignificou a minha
vida, meus objetivos profissionais e pessoais fazendo-me sentir, viver e conceber o doutorado
e a vida de maneira mais humana. A sua presença me trouxe alegria, determinação, paixão,
ânimo e vontade de vencer, sempre mais. Por você sou forte como nunca fui, a você todo
sacrifício, todo o meu amor.
Ao meu esposo, Saulo, por me ensinar, com seu jeito simples e sereno de viver, que o
amor é paciente. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. Você suportou minhas crises
e metamorfoses. Obrigada por ser o suporte que eu preciso, por simplesmente estar ao meu
lado e sempre me apoiar e me amar, incondicionalmente.
À minha avó Cremilda (in memorian) ou melhor, ‘Cremildinha’. Se não fosse a sua
doação, o seu sacrifício e o seu amor, sem medidas, talvez eu não estivesse aqui. Você tornou
a minha vida mais leve, tomou para si as ‘cargas’ mais difíceis ao nos criar. Mas, justamente
neste finalzinho de doutorado, Deus chamou-a para caminhar em outro plano. Dedico a você
essa tese, que tem como recorte espacial o ‘seu lugar’, que também é o meu ‘lugar’. A você,
minha eterna gratidão, o meu amor mais puro. A você, um brinde por este trabalho que
ganhou mais sentido depois da sua partida.
A minha mãe Rosângela, por ser uma guerreira. Por ter sido mãe e pai. E por me
ensinar a lutar pelos meus objetivos, nunca desistir, seguir em frente de cabeça erguida,
porque a vida merece ser vivida. Te amo, querida mamãe.
A minha irmã Priscila, pelo companheirismo fiel, e por toda proteção dedicada à irmã
mais nova. E, mesmo distante, permanece a me proteger com suas orações. Quando me sinto
fraca ou incapaz, você me motiva.
À minha sogra Maria e ao meu sogro Pedro, por me amarem, só isso basta. Mas, por
estarem presentes sempre, de mãos estendidas em todos os momentos. Vocês são essenciais.
As minhas amigas pessoais pelos momentos de risadas, mas principalmente pelo
‘colo’ nos momentos difíceis.
A Edileuza, amiga que o mestrado me presenteou quando criamos laços profundos e
verdadeiros. Obrigada pelo apoio, leituras e análises da tese, você ofereceu seu ombro amigo
em muitos momentos.
A Aliny e Michele, dádivas do doutorado, presentes enviados por Deus, sem vocês a
caminhada teria sido mais pesada. Obrigada pelas formatações finais da tese e pelo
companheirismo.
Ao amigo Felipe Robledo, pela parceria nos trabalhos finais das disciplinas, nos
artigos e na tese.
Ao amigo e professor Paulo Barata, pelo reencontro com a geografia e por me situar
‘geograficamente’ no meu objeto de estudo.
À amiga psicóloga Ligia Dias, por me estimular, muitas vezes, a concluir esta tese, a
desenvolver minhas capacidades e, por tantas vezes atender aos meus telefonemas, ouvindo
pacientemente os meus questionamentos pessoais, inerentes a esta trajetória.
À minha amiga Beatriz Dias, por me proporcionar o encontro com as práticas de
educação ambiental. No chão da escola que trabalhamos juntas, você plantou em mim
sementes que hoje frutificam. É bom tê-la até hoje ao meu lado.
Ao padre José Eduardo, por ter sido meu amigo, diretor espiritual e, sobretudo, por me
apoiar profissionalmente de forma incondicional. Graças a você, conheci e me apaixonei para
Pastoral da Educação. Enxerguei uma forma de devolver à sociedade, voluntariamente, os
talentos recebidos. Agradeço, também, pelos convites para realizar palestras diocesanas da
Campanha da Fraternidade sobre a temática ambiental nos anos de 2016 e 2017 que deram
vozes ao meu objeto de estudo, ao meu lugar.
Ao Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Ambiental, Diversidade e
Sustentabilidade (GEPEADS/UFRRJ), por me ajudar a crescer, pelos estímulos dados, pelos
momentos de estudos e pelos laços de amizade criados.O GEPEADS tem participação na
minha caminhada da graduação ao doutorado.
Aos orientadores (as).
Ao professor Doutor Mauro Guimarães, que me recebeu de braços abertos na
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e me guiou nos caminhos da
pesquisa. Você aplainou meus caminhos, conduziu-me a seguir adiante no doutorado. E
continuou a contribuir na minha caminhada como co-orientador e amigo durante esta
trajetória que se finda, para iniciar novos caminhos. Exemplo admirável de educador,
orientador e de pessoa. Mauro, muito obrigada!
A professora Doutora Elza Neffa que, ao me aceitar como sua orientanda, abriu-me as
portas para a transcendência. Deu-me novo olhar para o meu objeto, para a minha vida.
Agradeço, sinceramente, por me apontar as direções certas nos meandros da tese, cresci muito
sendo sua orientanda, mesmo esmorecendo algumas vezes. Você deixou-me livre para trilhar
meus próprios caminhos, mas nunca deixou de prestar a devida orientação neste caminhar.
Obrigada por exigir sempre mais no aperfeiçoamento da escrita e da gramática. Obrigada
pelas orientações teórico-metodológicas, constantes e incansáveis. Sou grata por me desafiar
tantas vezes e por me encaminhar à superação dos meus limites. Apontou-me muitas
fragilidades, mas emanou-me copiosa compreensão. Seu compromisso na condução deste
trabalho deixa em mim uma imagem de eterna admiração. Você é um exemplo de
determinação a ser seguido.
Aos professores da banca examinadora.
Ao professor Doutor Carlos Frederico Bernardo Loureiro, por sua gentileza,
disponibilidade e vasta produção no campo da educação ambiental, que me fez tê-lo como
referência. Sua produção aponta-me caminhos seguros no trilhar como educadora ambiental,
comprometida com a justiça social. Obrigada pelo diálogo, pela convivência e por estar
dividindo comigo esta responsabilidade de deixar legado na educação ambiental brasileira.
Ao professor Doutor Celso Sanchez, fundamental e determinante em meu despertar
para as dimensões sociais latino-americanas que concernem à educação ambiental. Obrigada
porque sua caminhada direciona a minha e abriu-me horizontes.
Ao professor Doutor Mário Soares, por sua solicitude constante e pelo empenho
dispensado na disciplina de Conflitos e Vulnerabilidades Socioambientais cursada na Fazenda
de São Bento/MG, essenciais para o amadurecimento e direcionamento do meu objeto de
pesquisa.
À professora Doutora Patrícia Domingos, por dialogar a respeito do mesmo território,
a Baía de Sepetiba. Por defender os mesmos atores, os pescadores artesanais. E por contribuir
com a pesquisa ampliando a noção de riscos ambientais a partir do projeto de extensão sobre
os riscos de florações de algas nocivas (FANs) e sobre os atuais impactos socioambientais
sobre o território pesqueiro da Baía de Sepetiba, desenvolvido em parceria com o
GEPEADS/UFRRJ.
Ao professor Henri Acselrad, com admiração, agradeço pelos livros, artigos, palestras
ministradas, debates engrandecedores. Suas leituras despertaram-me para a temática conflito
ambiental, que assumi como minha. Agradeço pela oferta da disciplina “Conflito Social e
Meio Ambiente”, no IPPUR/UFRJ, que gerou grandes contribuições para as análises desta
tese.
À professora Doutora Ana Maria Marques dos Santos, pela luz e positividade que
emana constantemente em todos espaços nos quais convivemos. Tenho-lhe profundo afeto.
Estendo o agradecimento aos professores do Programa de Pós-Graduação em Meio
Ambiente (PPGMA) pela perceptível qualidade e dedicação dispensados aos alunos.
Agradeço também, aos professores que, de certa forma, colocaram ‘pedras no meu caminho’,
pois elas serviram para a construção do meu castelo (Fernando Pessoa). Agradeço ainda, à
professora Doutora Fátima Branquinho pela disponibilidade em participar desta banca. Ainda
aqui agradeço as funcionárias do PPGMA Daniele e Jeniffer, por desburocratizar nossas
relações, pela presteza e pelos sorrisos e abraços dispensados durante os atendimentos e as
solicitações feitas junto à secretaria do programa.
Agradeço aqueles que são figuras chave nesta pesquisa, sem os quais eu não chegaria
a lugar algum. Os pescadores Sérgio, Maucir, Magno, Luciano e Alceu. Aos gestores públicos
ambientais Jailson Coelho, Geovane Kede e Vanderléia Cristina por suas valiosas
contribuições nesta pesquisa. Aos alunos e instituições escolares que proporcionaram as
visitas de campo à Ilha da Madeira e oportunizaram meu crescimento contínuo como
educadora.
Estendo os agradecimentos às pesquisadoras Natalia Lindolfo e Vera Lopes por
desenvolverem pesquisas e alinharem-se à mesma luta travada em um território comum a nós.
À CAPES por financiar este estudo.
Enfim, a todos que indiretamente construíram este trabalho comigo. Aos que não
tiveram seus nomes citados. A tantos pescadores artesanais que resistem cotidianamente aos
avanços do capital. Aos pesquisadores e tantos outros grupos que defendem os interesses das
demandas populares, dos povos tradicionais e dos territórios sacrificados pelo capital. A todos
que tive o prazer de compartilhar vivências, conhecimento, afetos e ideais, meu muito
obrigada!
Por isso não tema, pois estou com você;
Não tenha medo, pois sou o seu Deus.
Eu o fortalecerei e o ajudarei;
Eu o segurarei com minha destra vitoriosa.
Isaías 41, 10.
RESUMO
This thesis shows how the territorial reorganization process at tatched to the industrial
logic instated in Ilha da Madeira, on Itaguai/RJ, impacts and changes the population's way of
life, reduces fishing activities and entails socials and ambientals risks. The developmentalists
politics maneged in Latin America and in Brazilin sert this coastal area in the
contemporaneous mundial economic market, by commodities exportation activities,
industrialization and port modernization. The theorical references from Ecological Politics,
Ambiental Justice and Ambiental Education articulated with the historical-dialect analysis
that incorporated the categories development, totality, hegemony, ideology, contradiction,
consensus and mediation allowed to uncover the transformation process of port areas, defined
by low as "exportation process zones", into "sacrifice zones or polution paradises". The
reductio on of the fishing area due to the piers construction and ships circulation in the
locality consists in one of the biggest socioambiental impacts caused by large enterprise on
the local. The deterritorialisation of Ilha da Madeira's families for the construction of the
Super Porto Sudeste also show it self as a negative aspect about the growing conflicts in this
terrotory. We resorted the category of territory in order to delimitate the spacial cutout of the
reasearch from the district of Ilha da Madeira, in the city of Itaguaí (Rio de Janeiro state,
Brazil), because the transformations occured between the years of 2005 and 2015 are reflexes
from the neo developmentalism's in course in Brazil for more than fifty years. In order to
understand the conflict dinamics begotten by the Brazilian neodevelopmentalism, this
research structures itself in four chapters:(i) understanding of the neo developmentalism's
brazilian politics;(ii) ambiental conflicts' analysis due to Itaguaí's port expansion;(iii) examine
ways to mediate the local ambiental conflicts by the local public ambiental management and
ambiental education contextualization; (iv) ambiental education proposal of crossing as away
of "only way" (Guimarães, 2004), instituted by hegemonic rationality. Thus, the qualitative
approach adopted on this research appealed to an extended blibliographic review, interview
elaboration and aplication, collected data analysis and final work essay. There a search used
residents and fisher folk's narratives from Ilha da Madeira and with testimonies of public
managers from Municipal. Environment and Municipal Education Secretary of Itaguaí, these
conflict mediators, in addition to information about ambiental education extracted from public
environment management's sections. In conclusion, we point that port activities
legitimized by local public politics hitched this scenery to the capital's sociometabolic logic of
reprodution and the space's capitalist production has its bases on economic relations and "neo
developmentalists" politics, to the detriment of local population's symbolic fights for it heir
traditional habbits maintenance. Such thoughts refer to an understanding of the territory as a
way to express representations, speeches and conflicting interests. Discussing such issues on
ambiental education is of the utmost importance to turn sacrifice zones into citizen ship zones.
Eu sei de muito pouco. Mas tenho a meu favor tudo o que não sei e –
por ser um campo virgem – está livre de preconceitos. Tudo o que não
sei é a minha parte melhor: é a minha largueza. É com ela que eu
compreenderia tudo. Tudo o que não sei é que constitui a minha
verdade.
Clarice Lispector
prática docente de professora/amiga Beatriz Dias e dos projetos desenvolvidos na escola onde
trabalhava, em 2010, ainda jovem e inexperiente, como professora de geografia na rede
municipal de ensino de Itaguaí. Ingressei em uma especialização em educação ambiental para
ampliar meus conhecimentos e horizontes e fortalecer currículos, tendo em vista que eu já
sonhava com o doutorado, pois havia participado da seleção no PPGEDUC/RJ, no ano 2009,
e, apesar de aprovada, não fui classificada na seleção. Neste mesmo ano, fui convidada pelo
prof. Mauro Guimarães a participar do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação
Ambiental, Diversidade e Sustentabilidade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e
esta participação foi ímpar na sustentação da minha práxis educacional, na compreensão de
outro modo de SER e de ESTAR no mundo.
Em 2011, aprovada e classificada no mestrado do PPGEDUC/UFRRJ, sob a
orientação do professor Mauro Guimarães, realizei a pesquisa em Educação Ambiental,
especificamente sobre a temática “Os Programas de Educação Ambiental na relação empresa-
escola: uma análise do Programa de Educação Ambiental da Thyssen Krupp CSA (PROCEA)
no município de Itaguaí/RJ”. Defendi a dissertação de mestrado em 2012 e, no mesmo ano,
fui aprovada no processo seletivo do doutorado em Meio Ambiente (PPGMA/UERJ),
iniciando as atividades em março de 2013. A busca da interdisciplinaridade nas análises das
múltiplas dimensões inerentes ao meu objeto de estudo foi contemplada devido ao esforço dos
pesquisadores/professores do PPGMA/UERJ.
Partindo do pressuposto que o cientista seleciona os aspectos da história que considera
significativos em função de seus interesses e valores e os propõe como temas de investigação
(CARDOSO, 1971), a pesquisa surge por meio de uma vivência com o lugar e uma trajetória
acadêmica e profissional marcada pela minha atuação junto à população local do município de
Itaguaí/RJ, desenvolvendo práticas educativas (como educadora ambiental, como
pesquisadora e como professora de geografia) nas escolas da rede (municipal e privadas) e
nos cursos comunitários de pré-vestibular.
A percepção das transformações e das vivências existentes no território estudado
ocorreu devido aos momentos de reuniões familiares na Ilha da Madeira, bairro em que se
encontram instalados os megaempreendimentos portuários.
Comecei a despertar para esta percepção e interessei-me pela investigação quando me
dei conta de que o meu lugar vivido vem sofrendo fortes e impactos consequentes das
políticas públicas implementadas que buscam atender aos ditames do mercado globalizado em
detrimento dos interesses das populações locais. Dessa forma, neste espaço, assim como em
21
tantos outros espaços sociais da era moderna fluida, prevalece a injustiça social, na qual as
pessoas são marginalizadas socialmente.
Na Ilha da Madeira vivi, juntamente a minha família de pescadores, muitos momentos
em festas tradicionais, e de lazer, através do turismo de veraneio desenvolvido na localidade.
Há de se reforçar, nesse contexto, que sou nascida e criada em Itaguaí. Minha família é de
pescadores e, por isso, ‘corre na veia’ um sentimento de afetividade e pertencimento ao lugar.
Todos esses fatores, somados à busca pelo conhecimento científico na formação continuada
deram novo sentido ao ‘meu olhar’ sobre o lugar de pertencimento. O dado não pode ser
conhecido em sua essência. O que pode ser conhecido é uma realidade que é um constructo da
experiência, uma criação de sentimento e pensamento.
Sendo assim, comungo com a ideia de incompletude humana de Freire e com a noção
de inconclusão da identidade de Bauman.
Diante do exposto, a partir dos objetivos e propósitos pessoais, políticos e filosóficos,
venho construindo minha identidade ancorada no sentimento de pertencimento a um lugar, a
um (s) grupo (s) de pessoas e as suas formas de viver. A nossa história é constituída por meio
das relações sociais estabelecidas com o meio ambiente (Marx, 1998). E a minha identidade
vai se (re) construindo, à medida que minhas relações sociais se desenvolvem na minha
passagem por este mundo e no meio social onde vivo. Eis agora uma breve apresentação do
meu lugar de vivências que define um pouco da minha trajetória.
De onde vim?
Conforme já relatado, sou nascida e residente no município de Itaguaí/RJ, oriunda de
família de pescadores, sendo a Ilha da Madeira um lugar de grande expressão na minha
infância, pois os momentos de festas e lazer em família se materializam ali naquele lugar
(Mapa 1).
Por meio de pesquisas em fontes recentes com temáticas a respeito da história da Ilha
da Madeira, destacamos a essencialidade da tese de doutorado intitulada Era uma vez uma
ilha de Pescadores Artesanais, de Vera de Fátima Maciel Lopes,defendida no PPGMA/UERJ,
em 2013,que nos ofereceu grande parte das informações a respeito da história local e da
constituição da Ilha da Madeira, bem como, das observações participantes, das coletas
informais de dados por meio de narrativas e vivências de familiares, moradores, ex-moradores
e turistas de veraneio, que nos possibilitaram identificar como se configurava a Ilha da
Madeira há décadas atrás. Esse breve histórico permite o entendimento das transformações
22
ocorridas no espaço ‘de onde vim’ que alteraram as condições de vida e as relações sociais,
assim como, reorganizaram o território em função do capital.
minha mãe produzia muita rede. A gente comprava a linha e elas teciam tudo que é tipo de
rede. Hoje, aqui, ninguém mais produz rede (Sr. Magno. 2012, apud LOPES, 2013, p.102) ”.
Como a capacidade de pesca individual era pequena, os pescadores se uniam
coletivamente para conseguir um resultado melhor. Vale ressaltar que as culturas tradicionais
também são marcadas por contradições e conflitos (LOPES, 2013). A vida em sociedade
pressupõe a construção e a submissão às regras eaos valores construídos socialmente. Quanto
mais tradicional é o modo de vida, a tendência é deque prevaleça, com maior intensidade, à
consciência coletiva (DURKHEIM, 1955; IASI, 2002).
Ainda sobre a pesca na Ilha da Madeira, as mulheres tinham o hábito de acordar bem
cedo e ir para a praia da frente comprar peixe fresquinho, pescado durante a noite. Às vezes
elas limpavam o peixe na praia mesmo, como salienta uma turista que passou sua infância na
Ilha da Madeira: Apesar de não sermos ricos, comíamos camarão com frequência, camarões
vermelhos, com um sabor maravilhoso, completamente diferente dos camarões de criadouro
de hoje em dia. Hum... essa é uma saudade que tem cheiro e sabor até hoje (Turista, 2016).
Sobre as rivalidades internas entre os pescadores da Ilha da Madeira, Sr. Magno relata
(apud Lopes 2013, p. 103) que fica nítida a rivalidade que havia entre as pessoas que viviam
no Saco do Engenho e as pessoas que viviam no outro extremo da ilha, contudo não havia
amplitude dessa competição nem tampouco amargura ou revolta pelas condições de trabalho
ou de vida dadas. Isto é visto como uma dimensão muito própria ao modo de vida dos povos e
comunidades tradicionais1, onde, em integração, natureza e trabalho formavam um todo
coerente, dando sentido à vida. No entanto, mesmo que surgissem diferenças e adversidades
entre a vizinhança, de acordo com os relatos dos entrevistados, os conflitos eram canalizados
e “resolvidos” de forma equilibrada. Isso guarda relação direta com o conceito de identidade
socioterritorial, o que denota uma identificação e uma valorização simbólica (positiva ou
negativa) do espaço e de seus habitantes (HAESBAERT, 2007). Outras dimensões da cultura
tradicional são nítidas nos relatos da importância das festas populares. Destacam-se, neste
contexto, a festa de Folia de Reis, as festas religiosas (calendário católico) com destaque para
1
A Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais (PCT) instituída
pelo Decreto nº 6040/07, traz em seu inciso I do Art. 3 a definição clara de quem são os PCT: Grupos
culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização
social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social,
religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela
tradição. De acordo com Almeida (2007), o termo povos e comunidades remete às dinâmicas de mobilizações
das comunidades; e o termo tradicionais, mais do que sinônimo de arcaico e atrasado, é ressignificado pelos
grupos sociais e indica um processo de construção coletiva de reivindicações perante o Estado. Incluem-se os
grupos agroextrativistas da Amazônia, caiçaras, comunidades de fundo de pasto, comunidades de terreiro,
comunidades de remanescentes de quilombos, faxinais, geraizeiros, pantaneiros, pescadores artesanais,
pomeranos, povos ciganos, povos indígena, quebradeiras de coco-de-babaçu, retireiros e seringueiros.
25
a de São Pedro, padroeiro dos pescadores, com uma igreja sediada no bairro pertencente à
Diocese de Itaguaí (Foto 2).
Foram tempos maravilhosos. Não havia perigo algum na Ilha. Minha mãe mesmo,
dormia na varanda quando a casa estava muito cheia. Nunca ouvi falar de roubo,
assalto ou qualquer outro crime na Ilha da Madeira. Além do mais, não havia a
preocupação com as crianças na rua, pois não tinha movimento de carros. Eu posso
dizer que eu sei o que é liberdade, o que é simplicidade, o que é felicidade. A Ilha da
Madeira me deu as melhores vivências, as melhores lembranças, os melhores
capítulos da minha história (Turista, 2016)
Em 1957 começou uma luta contra uns grileiros que chegaram aqui falavam que iam
lotear a ilha, nesse grupo tinha muita gente envolvida, tinha prefeito, tabelião,
comandante. Um grupo de uns oito. Criaram uma companhia balneária e vieram
dizendo que iam lotear a ilha. Diziam que eram herdeiros dos donos da Ilha. Mas era
tudo mentira, ‘papo furado’ tinha tabelião, prefeito, político, tudo envolvido e
vinham dizendo que pescador só podia morar a trezentos metros longe da praia,
queriam tirar a gente de perto da praia. Quando os grileiros falaram que o pescador
ia ter que sair da beira da praia, morar lá longe revoltou todo mundo. Como que os
pescadores iam fazer para levar as canoas lá para cima e sair da beira da praia onde
todo mundo tinha nascido?Aí, um tal de Nestor Manuel Pinto (tinha uma casinha
aqui) uma casinha de estuque aqui na beira da praia (as casas aqui antigamente eram
todas assim: estuque, barreio, de chão), chamou o pessoal e falou para os moradores:
- pessoal, vamos reunir, vamos se organizar, correr atrás, que esse pessoal já vieram
com má intenção. Nós reunimos as pessoas, a primeira reunião em 1957, na casa da
Nilda (já não existe mais) arrumamos um presidente, e fundamos naquela hora a
Associação de Pescadores e Lavradores da Ilha da Madeira (APLIM). No começo
foi só de boca, para garantir a união do povo e não sair daqui. O povo daqui era
tinhoso, não queria entregar nada. Foi uma luta boa, na época, nós tivemos que pedir
apoio até do Joaquim Tenório Cavalcanti (ele mandava em Caxias), tivemos que
mexer com políticos e três advogados, que não cobravam nada da gente, a gente
pagava em peixe. E no final conseguimos chegar num acordo, tivemos que ceder um
pedaço do terreno, se você tinha 100 metros, era obrigado a ceder uma parte, 30
metros, mas acabou solucionando tudo. Alguns pescadores não aguentaram a
pressão e saíram, venderam, trocaram a terra por uma casinha lá longe! (MAGNO,
Pescador,76, 2012, apud LOPES, 2013).
A narrativa acima nos remete ao que Little (2001) fala sobre a identidade territorial
apresentada pelos grupos de pescadores e de outros povos tradicionais. Esses grupos, ao
reconhecerem-se a partir de vínculos afetivos, da história de ocupação e apropriação do
espaço, da memória coletiva, do uso social e dos artifícios de defesa, revelam a consciência de
pertencimento de um grupo, ou seja, a identidade territorial (ARAUJO & HAESBAERT,
2007).
Sendo assim, percebe-se, nesta breve apresentação de ‘onde vim’ que, tanto a minha
concepção, como a dos moradores e dos pescadores locais a respeito da Ilha da Madeira foi
revelada como sendo um lugar dotado de sentido e de afetividade, isto é ‘ um sentido mais
profundo, possui “espírito", "personalidade", existe um "sentido do lugar" (TUAN 1979, p.
409).
Para onde irei...
Esses processos de lutas por apropriação do território iniciados na década de 1950, e
reavivados com mais veemência na última década, fizeram emergir injustiças ambientais no
território estudado. As políticas públicas locais abriram-se para o fortalecimento das forças
privadas excludentes que afetam diretamente a nossa vida cotidiana expondo-nos a um
elevado grau de vulnerabilidade e de insegurança em uma sociedade de riscos.
Resgatar a história, valorizar a cultura local, dar visibilidade à luta e aos processos que
envolvem os atores e pescadores da Ilha da Madeira, repensar geograficamente os processos
27
Com base nessa hipótese, este estudo objetiva contribuir academicamente com
propostas capazes de subsidiar políticas públicas em educação ambiental passíveis de
implantação em territórios marcados por políticas desenvolvimentistas que apontam um
“caminho único” (GUIMARÃES, 2004) rumo ao desenvolvimento. Além disso, pretende
gerar informações que subsidiem futuras ações da gestão ambiental pública trazendo à baila
discussões sobre conflitos e vulnerabilidade socioambiental que, na perspectiva crítica, são
importantes elementos para a consolidação de políticas de educação ambiental voltadas para
“zonas de sacrifício” (ACSELRAD, 2009).
Nesse sentido, propõe diretrizes para a criação e a implementação de políticas públicas
municipais em EA em uma perspectiva crítica, de modo a municiar os sujeitos a realizarem
uma “travessia para o outro lado da margem”, ou seja, a trilhar novos caminhos rumo à
transformação da realidade, pois como diz Karl Marx na Ideologia Alemã, não basta
interpretar a realidade, é preciso transformá-la.
Aspira, ainda, contribuir para a consolidação de diálogos epistemológicos entre
educação ambiental crítica e justiça ambiental pois a educação, em seu referencial crítico, é
um mecanismo de justiça ambiental que ajuda a compreender os elementos empíricos da
realidade do caso em tela, caracterizada como ‘zona de sacrifício’.
Especificamente, objetiva responder a questões suleadoras2 propostas nos capítulos da
tese.
Capítulo 1: Refletir a reorganização territorial de Itaguaí/RJ em função do capital,
apresentando o cenário do município antes da política desenvolvimentista e a reconfiguração
do território atual decorrente dos empreendimentos portuários e siderúrgicos.
Questões:
Como vem ocorrendo a reorganização do território em função das
atividades econômicas de expansão portuária e industrial? E quais
políticas públicas apoiaram os empreendimentos instalados em
Itaguaí/RJ?
Como essas políticas influenciaram as relações de forças locais?
2
Expressão utilizada por Paulo Freire no livro Pedagogia da esperança (1992), no intuito de substituir o termo
norteador, nortear, de conotação ideológica – norte: acima, superior; sul: abaixo, inferior. Sulear pensamentos e
práticas é uma perspectiva que se anuncia, no pensamento freireano, para fortalecer a construção de práticas
educativas emancipatórias. O termo sulear, portanto, chama atenção para o caráter ideológico do termo nortear,
pois sulear expressa a intenção de dar visibilidade à ótica do sul como uma forma de contrariar a lógica
eurocêntrica dominante, a partir da qual o norte é apresentado como referência universal. A fundamentação
para o uso dessa expressão, ausente dos dicionários de língua portuguesa, encontra-se em Freire (1992, p. 218).
Boaventura de Sousa Santos apresenta esse debate no livro "O Fórum Social Mundial: manual de uso" (2005).
30
mudanças sociais contínuas, mesmo que tais mudanças afetem apenas contextos micros e
locais.
O quadro teórico utilizado para compreensão dos conflitos ambientais encontra-se
referenciado nas categorias da Ecologia Política e da Justiça Ambiental: desigualdade
distributiva dos riscos ambientais, zonas de sacrifício e ecologismo dos pobres. No que se
refere à compreensão da relação entre as políticas públicas desenvolvimentistas, a mediação
de conflitos ambientais na gestão ambiental pública local e a inserção da educação ambiental
neste contexto, apoiamo-nos nas categorias da educação ambiental crítica transformadora,
justiça ambiental e conflito ambiental.
O estudo apresentado baseia-se no materialismo histórico-dialético, pois as
formulações deste referencial adotado foram fundamentais para superação das análises
simplificadoras da realidade.
Ao longo do trabalho fica claro que o Estado desenvolvimentista propiciou a
reorganização do cenário político e econômico do território estudado, e a sustentação da
lógica desenvolvimentista se deu por meio da ideologia do desenvolvimento econômico
atrelado ao desenvolvimento social e sustentável disseminado nos discursos ideológicos que
justificam a modernização do espaço e garantem a hegemonia dos grandes atores sociais
(empresas e Estado central) envolvidos na trama dos conflitos ambientais emergentes na
localidade. Nesta trama, encontram-se os processos de mediação dos conflitos ambientais
locais na gestão ambiental pública e a educação ambiental como um dos seus instrumentos.
Concluímos, pois, que os processos de mediação dos conflitos ambientais locais
carecem de subsídios para que sejam mais eficazes e resultem em transformações sociais
comprometidas com a justiça ambiental e social. Tais processos reafirmam a lógica vigente, o
padrão desenvolvimentista atual e, portanto, suas práticas caminham na busca do consenso, da
harmonização ou até mesmo da negação dos conflitos. O Estado como mediador dos conflitos
deveria ligar-se prioritariamente ao interesse público e depois aos interesses privados. Mas, o
que vimos no desdobramento das análises sobre o desenvolvimentismo é que o Estado,
contrariamente, garante a ‘reprodução sociometabólica do capital’ e assegura o domínio
simbólico, ideológico e territorial das classes hegemônicas em permanente expansão
geográfica e, por isso, as lutas, as resistências e os conflitos acontecem. O conflito resulta da
imposição de uma lógica privada, ditada pelos empreendimentos portuários locais, apoiados
em políticas públicas do Estado Desenvolvimentista, sob o cotidiano de pescadores artesanais
e moradores locais. Os processos de mediação dos conflitos ambientais e as práticas de
educação ambiental locais propostas pela gestão ambiental pública disfarçam, encobrem,
36
Itaguaí é um município do estado do Rio de Janeiro, localizado no litoral sul, a uma latitude
22º51’08’’ sul e a uma longitude 43º46’31’’ oeste, estando 13 metros acima do nível do mar,
a 73 km da capital. Integra a Baixada Fluminense na região metropolitana do Rio de Janeiro
(Mapa 2).
39
As sub bacias que se interligam na baía de Sepetiba têm uma superfície de 2.654 km² e
atravessam a região serrana e os maciços costeiros (Pedra Branca, Mendanha, Ilha da
Marambaia), domínios mais afastados da Baía de Sepetiba e a baixada, uma extensa planície
flúvio-marinha adjacente ao corpo hídrico. A maioria dos rios apresenta, nos trechos que
ficam próximo à foz (baixo curso), sérias modificações em relação ao que eram originalmente
(Mapa 5).
43
3
Comungando com Bresser-Pereira (2012), ainda que o desenvolvimentismo tenha um forte conteúdo de política
econômica, neste trabalho o discutiremos do ponto de vista político, pois nosso objetivo é demonstrar como o
município de Itaguaí se reorganizou em função das industrias portuárias apoiadas em políticas
desenvolvimentistas nacionais, estaduais e municipais.
45
4
A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) é uma das cinco comissões regionais das
Nações Unidas fundada para coordenar as ações encaminhadas ao desenvolvimento econômico da América
Latina e do Caribe e para reforçar as relações econômicas dos países entre si. As ideias cepalinas foram
elaboradas nas décadas de 1950 e 60 e consagradas como manifestação original e polêmica do pensamento
econômico latino-americano.
46
5
Este tema de exportação das externalidades ambientais por empresas impactantes será tratado mais
profundamente no capítulo 2 desta tese, onde serão discutidos os conflitos ambientais e as zonas de sacrifício.
49
decorrer das análises. De acordo com Souza, o espaço geográfico é um espaço social em que
as dinâmicas a serem ressaltadas estão no âmbito das relações sociais, ou seja, “o espaço
social é, a princípio tangível, algo material, palpável” (2013, p. 32).
A noção de território como projeção espacial tem a ver com limites, fronteiras,
demarcações por meio de relações de poder, sem que a análise se esgote na delimitação
espacial. Como não há um único tipo de poder e nem um único tipo de território, o conceito
de território, abordado neste estudo, abarca a noção de um espaço definido e delimitado por e
a partir de relações de poder (SOUZA, 1995, p. 78).
Nessa perspectiva, afirmamos que, historicamente, o território tem sido delimitado a
partir das relações de poder e, nesse sentido, destacamos o pensamento de Claude Raffestin,
para quem prevalece o caráter político do território pois “[...] o território se apoia no espaço,
mas não é o espaço, é uma produção a partir do espaço. Ora, a produção, por causa de todas as
relações que envolvem, se inscreve num campo de poder” (1993, p.144).
O essencial dessa análise refere-se à compreensão de que o território é composto por
ação e poder intrínsecos nas relações sociais.
A inspiração inicial sobre o conceito de poder vem da filósofa Hannah Arendt sobre a
natureza do poder. Segunda ela, o poder não é uma “coisa”, algo a ser armazenado, mas só
existe em sua efetivação (ARENDT, 1983, p. 212), que precisa ser entendido diferentemente
da força. Para ela,
O poder é sempre, como diríamos, hoje, um potencial de poder, não uma entidade
imutável, mensurável e confiável como a força. Enquanto a força é a qualidade
natural de um indivíduo isolado, o poder passa a existir entre os homens quando eles
agem juntos, e desaparece no instante que eles dispersam. (...) um grupo de homens
relativamente pequeno, mas bem organizado, pode governar, por tempo quase
indeterminado, vastos e populosos impérios (...) por outro lado, a revolta popular
contra governantes materialmente fortes pode gerar um poder praticamente
irresistível. Mesmo quando se renuncia à violência face a forças materiais
vastamente superiores (ARENDT, 1983, pp. 212-213).
Essa compreensão foi necessária para analisar quais agentes hegemônicos são
responsáveis pelo processo de reordenamento territorial que ocorre em Itaguaí/RJ face à
expansão dos empreendimentos industriais.
Itaguaí teve sua dinâmica espacial e territorial diretamente redefinida devido às
atividades do Porto de Itaguaí, cujo aporte de investimentos públicos e privados favoreceu a
obtenção de níveis internacionais de produtividade.
Segundo Santos (1996), para o capital, “os lugares se distinguiriam pela diferente
capacidade de oferecer rentabilidade aos investimentos (...) e essa rentabilidade é maior ou
menor em virtude das condições locais de ordem técnica e organizacional” (SANTOS, 1996,
p.197). Ou seja, partes significativas desses investimentos produtivos são, então, atribuídas
aos governos locais, que acabam por estimular a destinação dos fundos públicos à capacitação
do território para oferecer vantagens ao capital.
Sintetizamos uma das ações do governo local no que tange ao reordenamento
territorial em função do capital, em Itaguaí, com vistas a ilustrar a problemática.
No ano de 2007, foi aprovado o novo Plano Diretor expresso na Lei municipal n°
2.608 de 10 de abril, que define a política urbana do município procurando identificar um
novo perfil para o município, tendo em vista a reconfiguração, face à sua vocação industrial.
No que diz respeito ao “Controle do Uso e Ocupação do Solo”, o Plano Diretor estabelece
macrozoneamento baseado em três zonas - Urbana, Rural e de Preservação Ambiental -, além
da criação da Macrozona do Complexo Portuário, que possibilitou definir a área de expansão
do porto, tendo como objetivos:
I. Aproveitar o potencial industrial portuário (...) mediante a expansão da área
industrial e portuária na região próxima aos corredores marítimos e viários existentes e
projetados, a fim de atrair novos investimentos;
II. Promover a recuperação da área ocupada pela empresa CIA Ingá Mercantil na Ilha
da Madeira.
Dessa maneira, podemos perceber que o município de Itaguaí reconfigurou seu
território face às atividades portuárias e industriais, buscando adequar sua infraestrutura
urbana e logística para receber os grandes investimentos, assumindo, assim, uma nova
identidade e vocação: “a cidade do Porto”.
54
Iniciamos este subitem chamando à atenção para o slogan oficial Itaguaí “a cidade do
Porto”, utilizado na gestão de Carlos Bussato Júnior (Charlinho) na prefeitura de Itaguaí
durante os anos de 2005 a 2012, que definiu o novo perfil portuário da cidade. A primeira diz
respeito à mudança na nomenclatura do Porto de Sepetiba para Porto de Itaguaí no ano de
2006, no projeto de Lei n.º 11.200, sancionado pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva. E a
segunda, no ano de 2009, com a reivindicação da inserção do município de Itaguaí na Região
Metropolitana do Rio de Janeiro (Mapa 6).
geopolítica das cidades portuárias oferece instrumentos para compreensão das estratégias dos
atores que pretendem dominar o território e impor seus interesses (SUBRA, 2007). As
cidades portuárias, na materialização e organização espacial em função do capital, constituem
campos de representações e de interesses contraditórios, emergindo rivalidades e oposição
entre atores sociais locais, gestores públicos e empresários. Leite e Monié (2014) afirmam que
esse processo de disputa e de instauração de campos de força pelo uso e controle do território
revela-se cada vez mais estratégico. Apesar de estar tradicionalmente relacionada ao estudo
das tensões internacionais e nacionais, a geopolítica oferece-nos elementos de análise de
políticas nacionais desenvolvimentistas - sustentadas e orientadas por organismos
multilaterais – que desenham o projeto de expansão portuária no Brasil. Vale citar, neste
contexto, a Nova Lei de Portos (2013) que abre caminho para a iniciativa privada construir
terminais portuários de uso misto em território nacional.
Para ilustrar, utilizamos um esquema explicativo contendo o recorte histórico-temporal
das principais políticas desenvolvimentistas nacionais relacionadas à área portuária
implementadas em Itaguaí (Quadro 1).
Porto de Itaguaí
Setor Privado Ingá Apropriação material do território Promoção do desenvolvimento
Empresas doMercantil com reestruturação produtiva e econômico com geração de emprego e
Complexo SuperPorto inserção global. renda.
Portuário Sudeste
TKCSA
Usiminas
Fonte: AUTORA, 2016.
6
De fato a Ilha da Madeira “era” uma ilha, vide nas referências a tese de doutorado “Era uma vez uma ilha de
pescadores” (PPGMA/UERJ) de Vera Lopes Maciel, 2013.
7
Os conflitos da Ingá serão descritos e analisados no capítulo2 a seguir.
59
instalação das usinas nucleares de Angra dos Reis e de outras empresas que vieram para a
região. Nesse período, também foram instaladas a Fundição Técnica Sul-americana (peças
para a indústria naval) e a Usina Itaguaí (transformação de metais não ferrosos).
Posteriormente, esta área foi cedida para a companhia das Docas do Rio de Janeiro,
encarregada de administrar o “Porto de Sepetiba”, inaugurado em 1982, e hoje denominado
“Porto de Itaguaí”.
Estado (no caso, projetos de infraestrutura), e desde que não haja imposições e/ou
condicionamentos sérios, o processo de industrialização da região será implantado.
Vale resgatar que o período político de instalação do Porto de Itaguaí foi desenvolvido
e executado durante o regime militar, o que caracterizava o Estado brasileiro neste período
histórico, em seu caráter desenvolvimentista, conservador, centralizador e autoritário
(MARTINS, 2014). Em 1994, o porto de Itaguaí foi ampliado, consoante aos impulsos do
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior do Brasil, em decorrência da
inclusão de sua área na “Zona de Processamento de Exportação” por meio do Decreto nº
1.278, de 13 de outubro de 1994 (DOU nº 196, de 14/10/1994).
No Brasil, o regime aduaneiro especial das Zonas de Processamento de Exportação
(ZPEs) foi instituído pelo Decreto-Lei nº 2.452, de 29 de julho de 1988, sendo revogado em
2007 pela Lei nº 11. 508.
Em 2008, a Lei nº 11.508/2007 e o Decreto nº 6.634/2008, que dispõem sobre o
Conselho Nacional das ZPEs–CZPE, foram regulamentados, assim como o Decreto de nº
6.814/2009, que dispõe sobre o regime tributário, cambial e administrativo das ZPEs.
Existem 24 Zonas de Processamento de Exportações – ZPEs em distintas fases pré-
operacionais, no Brasil (BRASIL, 2007).
Definidas como áreas de livre comércio com o exterior, as ZPEs são destinadas à
instalação de empresas voltadas para a produção de bens a serem comercializados no exterior,
sendo consideradas zonas primárias para efeito de controle aduaneiro (BRASIL, 2013).
As empresas que se instalam nessas áreas têm tratamentos tributários, cambiais e
administrativos especiais e apresentam características exportadoras, dentre elas: atrair
investimentos estrangeiros;
Reduzir desequilíbrios regionais;
Promover a difusão tecnológica;
Criar empregos;
Promover o desenvolvimento econômico e social do país;
Aumentar a competitividade das exportações brasileiras.
A política permissiva do governo brasileiro, no que se refere à instalação de grandes
empreendimentos industriais em ambiências ecossistêmicas, tem exercido um papel chave na
atração de empreendimentos industriais altamente impactantes para o país, cujo destino final
dos produtos é, predominantemente, o mercado externo.
62
No final do ano de 2009, as obras do Super Porto Sudeste, empresa do Grupo EBX,
tiveram início no bairro da Ilha da Madeira com a construção de um terminal portuário
privativo de uso misto, dedicado à movimentação de minério de ferro em fase de duplicação
do empreendimento, com capacidade prévia de escoamento de 50 milhões de toneladas de
minérios do quadrilátero ferrífero. Inicialmente, o empreendimento pertencia a empresa LLX
64
(Grupo EBX) do empresário brasileiro Eike Batista (Foto 5). Mas, no ano de 2013, 65% do
capital social do Porto Sudeste foram vendidos para as companhias Impala e Mubadala. Esta
venda representou um processo de reestruturação das dívidas do empreendimento que
geraram a crise financeira anunciada pelo Grupo EBX no início do mesmo ano, e no ano de
2017 o empresário citado respondeu criminalmente a ações e denúncias de corrupção nos
processos de instalações de seus empreendimentos no estado do Rio de Janeiro.
De acordo com Vivas e Lobato (2012), a localização estratégica do Super Porto
Sudeste representa a menor distância entre os produtores de minério do quadrilátero ferrífero
(Minas Gerais) e o oceano Atlântico. O quadrilátero ferrífero é a principal área produtora de
minério de ferro brasileira e a sua produção abastece as usinas siderúrgicas nacionais
destinando-se à exportação. O empreendimento permite o escoamento da produção do
Sistema Sudeste da MMX e de outros produtores de minério de ferro do quadrilátero ferrífero
de Minas Gerais que, atualmente, não exportam por falta de opção logística. As obras do
Super Porto Sudeste alteraram a dinâmica da população local e do meio ambiente. Tais
impactos serão analisados no capítulo dois desta tese, tendo em vista que os processos de
reordenamento territorial têm sido o maior impulsionador de conflitos, em função da atividade
produtiva planejada para este empreendimento, desde seu início em 2009 (LINDOLFO,
2016).
Além dos empreendimentos citados, outros estão sendo instalados ou planejados para
o Município de Itaguaí, especificamente na Ilha da Madeira: o projeto de revitalização do
porto; a parceria entre a Gerdau, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e a Petrobrás, com
foco na exportação de aço e no apoio logístico para embarque de petróleo da camada do pré-
sal (Jornal Negócios e Investimentos, 2012). Segundo Lopes (2013), todos esses
empreendimentos refletem as demandas dos investimentos econômicos internacionais.
Cabe ainda ressaltar a inauguração do Arco Metropolitano no primeiro semestre do
ano de 2014 configurando-se como um novo eixo rodoviário de conexão de dois novos polos
de desenvolvimento fomentados pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do
Governo Federal – o complexo petroquímico COMPERJ, em Itaboraí, e o complexo
portuário/siderúrgico de Itaguaí, junto à Baía de Sepetiba. A rodovia, de concepção logística,
corta vários municípios da baixada fluminense, articulando quatro importantes rodovias
federais.
67
vocação natural para transbordo e concentração de cargas, sendo adequado às atuais e futuras
necessidades da frota de navios porta-contêineres (CDRJ, 2007, p.59). O PDZ reproduziu os
objetivos projetados por outras políticas traçadas desde 1970 e se alinha com as propostas do
PAC na Baía de Sepetiba, não adicionando constrangimento associado a uma agenda de
desenvolvimento local ou microrregional (GUSMÃO, 2010).
Citemos, ainda, os programas de financiamento vinculados ao Fundo de
Desenvolvimento Econômico e Social do Estado do Rio de Janeiro (Fundes), no que diz
respeito a área de influência do Porto de Itaguaí:
i. Pró Sepetiba, de fomento à atividade econômica na região do Porto de Itaguaí,
que pode apoiar a relocalização, expansão ou implantação de novos
empreendimentos em sua área de influência, desde que se relacionem com as
atividades portuárias;
ii. Rio Portos, de fomento ao comércio internacional de movimentação de cargas
pelos portos e aeroportos do estado do Rio de Janeiro;
iii. Reporto-Rio, que envolve a concessão de incentivo fiscal vinculado ao
desenvolvimento, à recuperação, à expansão e à modernização da atividade
portuária no estado do Rio de Janeiro;
iv. Incentivos Fiscais na Área de Influência do Porto de Itaguaí, concedidos a
projetos de implantação ou expansão de empresas localizadas nos municípios de
Itaguaí, Japeri, Paracambi, Queimados, Seropédica, além dos Distritos Industriais
de Campo Grande e Santa Cruz;
v. Porto Seco – Estações Aduaneiras de Interior (EADI’s), que envolve a concessão
de incentivos a indústrias que se instalarem nos portos secos do estado do Rio de
Janeiro.
De acordo com Gusmão (2010),
A estimativa feita pelo governo do estado do Rio de Janeiro é que, nos próximos dez
anos, o município de Itaguaí terá um aumento populacional de 40%, podendo chegar a um
milhão de habitantes.
Conforme apregoa Lopes (2013), há possibilidade de grandes empreendimentos
provocarem processos migratórios e refletirem no aumento populacional, embora se questione
se estes empreendimentos, além da geração de um crescimento econômico, estão gerando
desenvolvimento socioambiental e melhoria da qualidade de vida da população local. Assim,
72
autores como Cocco (2001), Monié e Vidal (2006) e Gusmão (2010) realizam a crítica sobre
os empreendimentos típicos da década de 1970 não possuírem elementos relacionados ao
desenvolvimento local ou regional, ou ao ordenamento e à gestão territorial da sua área de
influência.
De acordo com evidências do Ministério do Trabalho e Emprego (2013), o mercado de
trabalho está perdendo dinamismo. O balanço da criação de empregos, segundo observação de
Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE,
2012), aponta que o desempenho das regiões sul e centro-oeste foi positivo e que, por outro
lado, no Nordeste, no Norte e no Sudeste, o saldo foi negativo. Os piores desempenhos foram
no Rio de Janeiro (fechamento de 24,6 mil vagas), Pernambuco (11,5 mil) e Ceará (4,7 mil)
(MTE, 2013). Segundo o mapa de pobreza e desigualdade do IBGE Cidades (2013), a
incidência de pobreza no município de Itaguaí era de 52%, não se distanciando do padrão das
demais cidades do estado do Rio de Janeiro.
No ano de 2000, dados do IBGE demonstram que o município de Itaguaí ocupava o
42º lugar em relação aos demais municípios fluminenses, com o Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH) de 0,768.
Analisando o Mapa da Desigualdade8 elaborado pela Casa Fluminense9, com foco em
alguns indicadores sociais de Itaguaí, a reorganização do território apresenta diferentes
padrões de vida dos 21 municípios que compõem a Região Metropolitana do Rio de Janeiro
(RMRJ). Nas figuras 19, 20 e 21, a seguir, os temas “saneamento, mercado de trabalho e
segurança” apresentam baixos índices em relação ao estado do Rio de Janeiro.
8
O Mapa da Desigualdade agrega 21 indicadores sobre sete temas-chave da realidade metropolitana do Rio de
Janeiro: Mobilidade, Mercado de trabalho, Pobreza & Renda, Educação, Segurança Pública & Cidadã, Saúde e
Saneamento Básico. Os dados são atualizados de acordo com a publicação mais recente por fontes oficiais.
9
A Casa Fluminense é um espaço para a construção coletiva de políticas e ações públicas para o Rio de Janeiro,
formada em fevereiro de 2013 por ativistas, pesquisadores e cidadãos identificados com a visão de um Rio
mais justo e integrado, pela afirmação de uma agenda pública aberta à participação de todos os cariocas e
fluminenses.
73
Estudar os conflitos, é por sua vez, para os envolvidos na busca dos processos
decisórios mais democráticos de ordenamento do território, a ocasião de dar
visibilidade, no debate sobre a gestão pública, aos atores sociais que sofrem
injustiças ambientais e que resistem aos processos de monopolização dos recursos
ambientais nas mãos dos grandes interesses econômicos (2004, p. 10).
80
Para Carneiro (2003), os conflitos são concebidos como disputas que, inerentes às
estruturas de dominação, opõem diferentes grupos sociais que, em condições assimétricas de
poder, lutam pela atribuição de distintos significados e usos às condições naturais
territorializadas.
Acselrad (2004) considera o meio ambiente como um terreno contestado material e
simbolicamente pela legitimação e deslegitimação das práticas de apropriação da base
material das sociedades e/ou de suas localizações.
Segundo Loureiro (2012), a Ecologia Política reconhece que a determinação social dos
problemas ambientais não estava, todavia, na capacidade humana transformadora da natureza
84
mas, sim, no modo de produção capitalista, que estabelece a acumulação de riqueza como
prioridade e não a satisfação das necessidades vitais. Ainda nessa perspectiva, a Ecologia
Política não considera a existência de populações em seu metabolismo social, a
territorialidade estabelecida por um determinado grupo e sua viabilidade social.
A Ecologia Política, nesse sentido, oferece-nos as categorias - participação, consenso,
legitimação do discurso técnico, desigualdade dos riscos ambientais, desregulação ambiental -
para compreensão da totalidade concreta dos processos conflituosos e contraditórios de
Itaguaí, a partir da qual será feita a análise das relações estabelecidas entre os pescadores
artesanais e moradores locais, nos seus diversos modos produtivos materiais, o Estado
(promotor e facilitador de expansão do capital no local) e os empreendimentos portuários e
industriais deste território, na sua representação superestrutural política. Segundo Netto
(2011), sem as contradições, as totalidades seriam totalidades inertes, mortas – e o que se
registra é a sua contínua transformação.
Segundo Lukács (2010), o real manifesta-se na aparência fenomênica. Em parte, o
modo de manifestação imediata encobre o essencial que, no plano ontológico, pode ser
compreendido como a projeção que nós mesmos identificamos como sendo o ser. Ele nos
afirma que o ser é compreendido como totalidade concreta dialeticamente articulada em
totalidades parciais.
Na Ecologia Política, o processo de (re) produção de práticas espaciais, isto é, de
práticas sociais (LEFEBVRE, 1981) amplia a visão ecológica, pois incorpora o materialismo
que pressupõe relação humana com a natureza no processo de produção de existência com
base nas condições físicas/naturais encontradas na realidade e, nesse processo, transformadas.
Neste contexto, o conceito ‘trabalho’ é definido como um processo pelo qual o homem,
através das suas próprias ações, medeia, regula e controla o metabolismo entre ele mesmo e a
natureza (FOSTER, 2005). Entender ontologia do ser social a partir do ‘trabalho’, conforme
formulado por Lukács, é importante para compreender os processos de disputa de território
que geram conflitos ambientais no bairro da Ilha da Madeira, em Itaguaí, cuja centralidade de
suas manifestações repousam nas reivindicações de pescadores artesanais em manter suas
atividades produtivas (pesca artesanal e turismo através de transporte de passageiros para
ilhas da localidade). Suas lutas giram em torno de políticas públicas de legitimação e de
regulamentação da atividade pesqueira em prol de demarcação da área de pesca que, cada dia
mais, se reduzem por conta da ampliação e da instalação de empreendimentos portuários no
local.
85
10
Duas correntes do Ecologismo segundo Martinez-Alier (2007) são dominantes no espaço social: o “culto ao
silvestre” e o “credo no evangelho da ecoeficiência”. Mas uma terceira corrente surge como um movimento
contra hegemônico na análise ambiental: o “ambientalismo dos pobres ou justiça ambiental”.
86
Segundo Acselrad (2001), pode-se entender que os custos ambientais foram sempre
socializados e historicamente serviram como base do Estado para a expansão territorial
capitalista brasileira. Martinez-Alier (2007) diz que “as externalidades são entendidas como
transferência social dos custos” (2007, p. 357).
Dessa maneira, as discussões sobre os conflitos ambientais à luz da justiça ambiental
são consideradas como essenciais para o entendimento do contexto social em que os conflitos
e os impactos socioambientais no território afetam seus moradores de forma direta, sobretudo,
em espaços industriais.
Para designar a noção de justiça ambiental, Acserald, Mello e Bezerra suscitam que:
2.2 O território de Itaguaí como uma zona de sacrifício ou zona de exclusão: os conflitos
vividos pelos pescadores artesanais da Ilha da Madeira
11
O novo imperialismo, obra de David Harvey (2004) que evidencia as formas complexas e contraditórias de
acumulação do capital nos territórios. Vide discussão teórica no Capítulo 1 desta tese acerca de tais lógicas.
89
A ressonância midiática;
E, por fim, a frequência espacial em que os conflitos ambientais locais
emergiram.
ESFERA DECISÓRIA
Financiamento de projetos Poder local (município, estado,
BNDES)
produzido um vídeo de curta-metragem com as falas da entrevista livre realizada com dois
pescadores, onde foram relatados os conflitos descritos neste capítulo.
Segundo relatos dos entrevistados, a Ilha da Madeira antigamente tinha uma qualidade
de vida ‘excelente, porque nós tirávamos o pescado aqui na área, sem gasto e nas
proximidades, e o nosso espaço de pesca era delimitado pelos próprios pescadores”
(Representante da APESCA, 2016).
Outro fator a destacar é que os pescadores conseguiam sobreviver da pesca e manter
suas famílias somente com o desenvolvimento desta atividade produtiva. O Sr. Magno
relatou, com ares de satisfação que, ele e seu pai chegavam a levar, em balaios, cerca de 40 a
50 quilos de camarão para serem comercializados no mercado de Coroa Grande: - “aqui dava
tanto camarão que a gente conseguia pegar até com a mão” (Pescador 2012, apud LOPES,
2013). Segue outro relato:
Bom, eu conheci a Ilha quando tinha 5 anos, ou seja, há 45 anos. Tudo era
completamente diferente, muito mais bonito, bucólico mesmo. A praia sempre teve
lama quando a maré estava baixa, mas diziam que era lama medicinal, e era muito
comum ver pessoas cobertas de lama sentadas na beirada da água. E as crianças
como eu, se divertiam fazendo guerra de lama com os colegas. O mar era limpo,
tomei banho lá durante toda a minha infância e adolescência e nunca peguei uma
micose ou qualquer outro tipo de doença que pudesse ter sido causada pelo mar da
Ilha. O número de barcos também era bem menor. Apenas os barcos de pesca, e não
eram tantos, muitas canoas e raramente se via uma lancha (TURISTA, 2016).
Lopes (2013) ressalta que as águas da baía eram tão limpas que, na época da pesca, os
pescadores costumavam fazer a pesca de cerco em conjunto de canoas para cercar o cardume,
sendo o trabalho mais coletivizado.
Com a chegada das indústrias na localidade, a qualidade e a quantidade do pescado
diminuiu, a produção se restringiu e houve, ainda, a contaminação da baía por meio do
processo de desenvolvimento portuário. Sobre a contaminação da Baía de Sepetiba, cabe citar
a existência de um projeto de extensão12coordenado pela Profa. Gleyci Moser, do Laboratório
de Cultivo (LABCULT) da Faculdade de Oceanografia (FAOC/UERJ) e pela Profa. Patrícia
Domingos (LabAlgas) do Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes (IBRAG/UERJ). O
projeto foi publicado13 e traz como principais dados relacionados a esta tese, o risco de
12
No ano de 2013 foi realizado um trabalho de campo na Ilha da Madeira, oriundo de um projeto de extensão do
GEPEADS/UFRRJ o qual participei, em parceria com o projeto sobre as FANS na Ilha da Madeira.
13
Disponível em Revista eletrônica Interagir pensando a extensão, disponível em http://www.e-
publicacoes.uerj.br/index.php/interagir/article/view/6883/10380.
93
florações de algas nocivas (FANs) decorrente dos atuais impactos socioambientais sobre o
território pesqueiro da Baía de Sepetiba.
Estes impactos ocorrem em função da implantação de mega empreendimentos
industriais e novos terminais portuários que criam zonas de exclusão de pesca. Domingos et al
(2014, p.71) nos dizem que
Os dados desta pesquisa têm relação com a pesquisa de Lopes (2013), que evidencia
os ciclos das crises ambientais vividas na Ilha da Madeira, e o ocorrido a respeito das FANs é
referente a crise mais atual, denominada pela autora como ‘quarta crise ambiental’.
A primeira grande crise ambiental ocorre na Ilha da Madeira com a chegada da
empresa Ingá. A empresa adquiriu diversos terrenos e residências de moradores convencendo
e persuadindo com base em um discurso técnico. Segundo relatos de moradores antigos, eles
sofriam até ameaçadas de serem expulsos e as populações locais mais simples não conheciam
seus direitos e cediam aos interesses da empresa. As relações de força assimétricas entre
comunidade pesqueira e a empresa clarifica o modelo de desenvolvimento dominante no
Brasil e reflete a enorme concentração de poder na apropriação dos recursos ambientais e do
processo de exclusão territorial e social a que são expostas as populações tradicionais locais.
Outro fator a ser considerado sobre a Ingá é a exposição a fortes riscos ambientais que
a população sofreu durante décadas. Os rejeitos sólidos e efluentes eram descartados em
pátios diretos no solo e a céu aberto (ANSELMO, 2011). Contudo, após vários casos de
acidentes de trabalho ocorrido na empresa, os moradores começaram a sentir efeitos da
poluição na saúde, como náuseas, vômitos, problemas respiratórios etc. (LOPES, 2013).
Foram 20 anos de denúncias dos pescadores sobre os rejeitos jogados diretamente no solo e
nas águas da Baía de Sepetiba (dada a incipiente arcabouço legal ambiental na época) até que,
94
A quantidade de peixe caiu, e nós fizemos adaptação para virar turismo. Porque era
complemento do que era pesca, que antigamente turismo era só sábado e domingo,
então a gente pescava de segunda a sexta-feira e sábado e domingo fazia esse
turismo, tem umas turmas que já faz tem uns trinta anos (REPRESENTANTE
APLIM, 2016).
‘Pra mim hoje não consigo ir mais lá, o peixe não se encontra mais no local. E onde
se encontra alguma quantidade de peixe você não podem mais pescar porque tem a
lancha da Federal que não deixa você pescar em frente, por lado. Pra mim
antigamente era bem melhor. É antigamente a gente pescava como já te falei de
remo, remo e aí pescava ali pertinho, hoje não. Hoje você tem que ir até na costa pra
97
poder pescar, lá perto da restinga, perto da Ilha da Marambaia pra poder pescar.
Hoje a gente tem que dá uma volta mínima, mas amanhã quando eles ampliarem o
porto deles mais ainda, você vai ter dá uma volta mais longa isso vai ter mais
esforço de pesca pro pescador e o mar também’ (REPRESENTANTE APESCA,
2016).
anos, isso foi alterado e a travessia passou a ser autorizada somente para o detentor da carteira
de ‘marinheiro’. Vejamos alguns relatos:
Eu não sei se foi estudo ou um jeito deles aqui para acabar com a nossa atividade...
enfim, na verdade eu não sei...não. Aí o que aconteceu com isso, os barcos tinham
dupla classificação, eles poderiam exercer as duas atividades, de pesca e de turismo,
e depois saiu uma normativa da Marinha em que tinha que se optar, ou pesca ou
turismo, e as carteiras também registravam isso. Como há muito tempo esse pessoal
daqui já faz o turismo, optaram por turismo. Claro que nem todas as embarcações
nossas elas têm como fazer o turismo até pela estrutura dela, então muitos
permaneceram na pesca, mas uma boa parte do grupo de pescadores locais passaram
para o turismo, e com isso houve essa mudança (REPRESENTANTE APLIM,
2016).
Você só iria na capitania fazer uma carta em punho dizer que estava trocando a sua
carteira de pescador para marinheiro para poder exercer atividade de turismo,
então muitos foram cambando essas carteiras, hoje não pode mais, hoje teria que
passar por um curso. Mas bastante pessoas fizeram a troca, a maioria, oitenta por
cento ou mais. Hoje o pescador só tem uma carteira, então um lado ou outro ele
vai ter que andar ilegal. Se eu sair no outro barco para fazer frete eu já estou
errado. Se se ele for pescar no barco ele está errado que ele não pode fazer isso aí
por causa da carteira. Entendeu? Então a força, praticamente dominaram a
gente, o pescador sempre sendo apertado (REPRESENTANTE APLIM, 2016).
atividade...”, mesmo em volta a uma nuvem de dúvidas, ele consegue perceber a hegemonia e
as assimetrias presentes na relação entre o Estado e os pescadores locais.
Gramsci (1971.p. 285) nos coloca que a ‘hegemonia’ é constituída mediante reformas
às quais mantém a liderança de uma classe, mas pelas quais outras classes têm certas
exigências atendidas. Ou seja, na leitura complexificada do conflito relatado pelos pescadores,
vimos a Marinha atuando em favor do capital. Isso fica claro quando o pescador relata que o
grupo não foi esclarecido pelo órgão responsável (Capitania) que, com a troca das carteiras, a
ilegalidade estava institucionalizada, pois os mesmos não teriam mais direito à pesca. A
hegemonia da classe dominante é fortalecida pelo aparelho coercitivo estatal, em que os
intelectuais organizam a teia de crenças e relações institucionais e sociais (GRAMSCI, 1971,
p. 263).
No tocante à regulamentação da pesca como profissão, até o ano de 2015, os
pescadores que ainda mantinham suas carteiras de pesca, persistiam nas suas reinvindicações,
e em agosto deste mesmo ano, os pescadores da Ilha da Madeira reuniram-se na sede do
Associação de Pescadores e Lavradores da Ilha da Madeira (APLIM) juntamente com o
representante da Subsecretaria de Pesca de Itaguaí para pedir explicações a representantes do
INSS e do Ministério da Pesca sobre o exercício legal da atividade (Jornal Atual, 2015, p.15)
sobre a regulamentação da atividade pesqueira na Baía de Sepetiba (Foto 8).
Foto 8 - Barco de Pesca adaptado à pesca turística e barco de transporte, Ilha da Madeira
(a) (b)
Legenda: (a) Exemplo 1; (b) Exemplo 2.
Fonte: Adaptado de Lopes, 2013.
A terceira grande crise ambiental vivida na Ilha da Madeira refere-se aos impactos
causados pela Thyssenkrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico – TKCSA, a partir de sua
100
instalação no ano de 2009. Apesar da TKCSA está localizada no distrito de Santa Cruz, o píer
e as atividades portuárias da siderúrgica afetaram também os pescadores da Ilha da Madeira e
da baía de Sepetiba como um todo. O processo de licenciamento da empresa TKCSA tem sido
alvo de conflitos entre a empresa e a sociedade civil, por pescadores, por movimentos sociais
ambientalistas e, também, por pesquisadores e universitários. As denúncias surgiram devido
ao desmatamento, desvio de rios, destruição de manguezal, obras de dragagem para
construção do porto que revolvia metal pesado deixado no fundo da baía de Sepetiba pela
Ingá. A instalação do empreendimento gerou grande fluxo migratório para a localidade,
aumento das taxas de violência, ampliação do processo de favelização, sobrecarga dos
serviços públicos e privados, dentre outros impactos (LOPES, 2013).
Nós tínhamos aqui na Ilha a ocorrência de última morte “matada” tinha mais de dez
anos atrás, esse último ano que passou aí nós tivemos execução de pessoas durante o
dia de frente o hotel, assalto de mão armada na residência do pessoal, assaltar as
crianças de mão armada roubando celulares, roubo de carro aumentou drasticamente
porque com a construção do Arco Metropolitano nós perdemos um DPO, e com isso
o fluxo de gente estranha que circula por causa dessas obras ficou gigantesco, então
preocupa bastante os moradores, hoje você não pode sair de casa sem trancar, antes
você podia sair de casa deixar o portão aberto, casa toda aberta que era tranquilo,
hoje não, aquilo que você via na televisão, em jornal, rádio, que o pessoal
comentava de outros bairros, a gente está vivenciando aqui, aquilo que para a gente
era só por notícia, hoje estamos vivendo na carne’ (REPRESENTANTE DA
APLIM, 2016).
Os píeres das empresas são área de exclusão para o pescador, pois para pescar hoje
temos que ter quatrocentos metros de distância do píer. Temos também o problema
de área de fundeadores, lugares onde o navio fica na espera para entrar, porque em
volta dessa área também não pode se pescar, tem um canal também que tem que
ficar cento e cinquenta metros longe do canal, aí fica complicado porque, com o
aumento dos portos estão duplicando o canal, e a gente vai perder outra área
(PESCADOR 02, 2016).
Você pode perguntar a todos que trabalham com frete, com pesca, que a redução
está drástica, está cada vez mais reduzindo peixe aqui na baía de Sepetiba, virou um
problema, ficar dez horas no mar pescando para trazer quase nada de peixe, peixe
some, desapareceu, entendeu? (PESCADOR 01, 2016).
101
Essas explosões para abertura do túnel tinham quebrado casa do pessoal, muro, a
explosão foi acima do permitido, eu não sei como é que funciona isso, mas ei que
quebrou vidro e tudo, que botaram além do permitido, explosivo a mais, quebrou
vidro da igreja, as pedras voaram cerca de uns quatrocentos metros de distância do
túnel para cá. Na última explosão aqui até uma senhora moradora passou mal e
104
Aquela guerra psicológica que acabou fazendo com a população... muitos saíram,
muitos quiserem vender suas residências. Eu não digo que tudo foi ruim, eu acredito
que para muitos a venda das suas casas foi um bom negócio. Até porque eu acredito
que ninguém foi enganado, eu acho que cada um tem o seu preço, se muitos não
tinham bons preços era porque eram áreas invadidas, áreas que não tinham
documento, trocada casa por casas. Agora aqueles que tinham documentação e que
eram mais estruturados pediam valores maiores, mas eu acredito que mesmo venda
em situação de valor de mercado não foi um bom negócio. Então não dá para dar
valor num patrimônio de ninguém, é injusto dizer assim, ah, o valor que ele está
pedindo é muito, só ele sabe o suor que foi para construir. (PESCADOR 02, 2016).
Por causa desses empreendimentos, e até porque em toda ocasião você tem
aproveitar a oportunidade de se defender, de ganhar o seu dinheiro, então pessoas
que alugaram casas para servir de moradia, esses peões que vieram para trabalhar,
os operários, os hotéis, pousadas, restaurantes, então entenda bem, é ruim para
alguns, é bom para outros, então não dá para dizer para quem teve pousada, para
quem teve restaurante, quem tinha hotel que foi ruim para eles, porque ao longo
desse tempo de obras estava tudo lotado, então... para cada o impacto foi diferente,
aquele que é pescador que sofreu porque ele é morador e sofreu em terra, sofre por
perda de espaço para trabalhar, são coisas complicadas, porque a cada vez que se
chegava algum empreendimento ou empresa no local e os pescadores contestavam,
aparecia uma pessoa contrária a nossa opinião (REPRESENTANTE APLIM, 2016).
108
Uma outra coisa que sempre colocou os pescadores contra a população local é que
toda vez que tem essas audiências a colocação da prefeitura é que a empresa vai dar
cinco mil, dez mil empregos para a população. Em uma dessas audiências o nosso
prefeito na época disse: o que eu faço, eu ajudo a minoria que é o pescador, ou eu
ajudo a maioria que são meus munícipes que tem todo dia mais de trezentas pessoas
pedindo vaga de emprego? Os pescadores eles foram, não vou dizer escorraçado,
mas nós fomos colocados como o vilão de tudo (REPRESENTANTE APLIM,
2016).
A associação, ela sempre foi convidada a participar das audiências, mas isso acho
que é só uma mera colocação para a comunidade. Nessas audiências eles tem
trabalho de mais de ano para poder fazer todo o processo e você tem dez dias úteis
para contestar uma situação que, muitas vezes, foge do seu conhecimento, a
gente tem que ter um suporte técnico para poder ler todo aquele processo e tal,
mas precisa de dez dias úteis para contestar, eu acho isso um absurdo. Uma outra
situação é que nós temos, é que existem várias construções, uma é o INEA quem
libera, outra é o IBAMA que libera, nenhum dos dois fala a mesma língua,
nenhum deles diz o quanto cada empresa dessas polui, quanto de prejuízo que dá
para o meio ambiente, ela só cita individualmente cada um, mas qual é a somatória
de todas que já estão aqui dentro, qual a capacidade? Essas audiências públicas
que são feitas, eu mesmo em todas que eu participei, vi que a gente não tem direito
de falar na hora, tem que escrever um papelzinho das perguntas, a maioria delas eu
fiz quinze, dezoito, vinte, até trinta perguntas e ficar até o final daquelas perguntas
as menos importantes é que acaba sendo sorteada para falar lá, eu participei das
110
incabíveis para o cotidiano da população local (SILVA e RAINHA, 2014). Nesse sentido,
observa-se o quanto as obras de instalação e a própria operação do Porto Sudeste instaura na
Ilha da Madeira dilemas que se colocam diariamente no cotidiano das pessoas.
Como demonstramos nas figuras anteriores, no canteiro de obras do Porto Sudeste
iniciado em 2009, residiam famílias, existiam comércios, posto de saúde, escola e outros
estabelecimentos. Toda essa dinâmica local foi alterada em função da materialização do
SuperPorto Sudeste. Os alunos que pertenciam a Escola Municipal General Hildebrando
Bayard (que foi demolida) foram transferidos para escolas de bairros adjacentes e/ou para a
Escola Municipal Elmo Batista Coelho instalada na orla da Ilha da Madeira. Como medida
compensatória, o empreendimento realizou a construção de uma escola nova (prédio novo) da
Escola Municipal Elmo Batista Coelho, com capacidade maior para atender aos alunos da
escola que foi demolida na Vila do Engenho, de um posto de saúde no bairro adjacente (Coroa
Grande), tendo em vista que a prefeitura de Itaguaí cedeu à MMX os terrenos onde se
localizavam a Escola Municipal General Hildebrando Bayard e o Posto de Saúde da Ilha da
Madeira (LINDOLFO, 2016).
Tanto a escola municipal quanto o posto de saúde foram desapropriados pela
prefeitura de Itaguaí, a fim de ceder os terrenos para a MMX (Foto 16 e 17), visto que a
empresa havia solicitado a expansão do seu terreno para ampliar a capacidade de
movimentação do terminal portuário (AZEVEDO, 2011; apud LINDOLFO, 2016). Tais
desativações têm reflexos negativos na vida da população local, visto que o posto de saúde e a
escola eram bens públicos que serviam à sociedade. Além disto, percebe-se que a prefeitura
foi cooptada pela empresa, cedendo terrenos de bens públicos aos interesses do capital
portuário. O Posto de Saúde era o único posto do bairro e a escola, embora não fosse a única
do bairro, era a única que atendia às crianças do primeiro segmento do ensino fundamental.
112
Tivemos aqui na APESCA uma compensação de pesca até agora. Entramos pela
janela, entramos também porque fizemos vários protestos em frente ao portão deles,
na época nós nem sabia que nós tínhamos direito a esse, a compensação. Nós
fizemos o protesto na primeira vez por causa da obra, porque eu queria que
fizesse porque eu queria que fizesse de um jeito, e eles não queriam fazer. Aí fomos
pra frente do portão deles fechamos e aí começou a negociação. Aí eles
apresentaram documento que tinha pra pagar esse dinheiro, essa compensação
(REPRESENTANTE DA APESCA, 2016).
14
Medidas tomadas pelos responsáveis pela execução de um projeto, destinadas a compensar impactos
ambientais negativos, notadamente alguns custos sociais que não podem ser evitados ou uso de recursos
ambientais não renováveis
115
Esse galpão aqui foi um recurso que o Porto Sudeste tinha que pagar pra prefeitura
do projeto Orla. Sendo que o galpão não estava incluindo no Projeto orla, mas se
eles iam reformar a orla toda, eles tinham que reformar o galpão. Sendo que
quando eles vieram pra reformar, eles só queriam pintar e trocar as portas. Então
aí onde não aceitamos que fizesse só isso porque ela tava caindo, tava muito ruim e
eles vieram fizeram uma reforma nele geral. E nós falamos o que nós queria, nós
queria as salas, as portas abrindo pra ruas, pra cada pescador vender o teu
pescado. Nós queria de ‘um jeito, e foi realizado de outro’... (REPRESENTANTE
DA APESCA, 2016)
Foto 22 - Sede APESCA, Ilha da Madeira/RJ Foto 23 - Sede da APLIM, Ilha da Madeira/RJ
Fonte:HTTP://SALVEOBOTO.MPF.MP.BR/SALVEOB
OTO/AMEACAS, 2016.
120
O Instituto Boto Cinza estipula que a gente tem o conflito com eles. É eles que
estipularam esse conflito, não os pescadores, porque nós não temos conflitos algum
com o boto, e que sempre pescamos juntos com eles a milhares de tempo, milhares
de anos, e desde que eu me conheço como pescador, eu nunca vi assim diretamente,
o pescador pescar e matar boto, pode acontecer acidentalmente, mas isso é um
acidente, nada comum. Mas antigamente existiam muito mais redes, muito mais
pescadores, muitos mais sardinha, tinha muita tainha, então tinha a cadeia alimentar
para o boto, e você não via muito mortandade de boto igual tem hoje e hoje você vê.
Agora não sabe se algum tipo de fraude ou de querer dizer que o pescador está
matando o boto. Porque a gente, como pescador, a gente sai no mar, a época que
mais vi boto morto foi na época da explosão, a explosão da Porto Sudeste, da
derrubada de pedra, foi a época que mais a gente viu boto morto. Chegou até
121
encalhar na praia, ali em frente a peixaria do Cesar, chegou até vim boto que na hora
da aterrocagem, na hora da explosão o boto morreu, pescaram o boto e conseguiram
levar pra praia para tirar foto. E tem foto dele com sangue ainda
(REPRESENTANTE DA APESCA, 2016).
Mangaratiba criou APA Boto-Cinza para defender o boto, engraçado que ninguém
defende o pescador, e tem que defender o mamífero, tem que defender os
mamíferos atuais, o instituto Boto-Cinza alega que os pescadores estão matando os
botos, mas os pescadores e os botos sempre viveram em harmonia, só a partir de
2009-2010 começou haver essa mortandade desses animais porque foi aumento
desses portos, então com o aumento desses portos equipamentos de trabalho deles é
mais sofisticado, e isso vem afetando a localização desses animais, nós em várias
reuniões questionou, principalmente eu questionei sobre isso com representantes da
Boto-Cinza, do INEA, do IBAMA, do Ministério Público porque antigamente
quando instalava, e iniciava todo esse processo eles usavam uma batimetria que é
um barco usando um tipo de sonar para marcar a profundidade, hoje é multifeixe,
invés de você fazer uma linha de cada vez, você consegue fazer até doze linhas de
cada vez, o sonar assusta o boto (REPRESENTANTE DA APLIM, 2016)
Como vimos, as visões acerca deste conflito são diferentes, de acordo com a esfera de
atuação dos atores envolvidos. Lindolfo (2016) nos confirma que as explosões realizadas
durante as obras do porto provocaram a morte de algumas espécies marinhas, como o boto
cinza, pois o estrondo emitido pelas dinamites provocou a explosão dos tímpanos dos botos.
No caminho inverso, a empresa Porto Sudeste, por meio do instrumento de Estudo de Impacto
Ambiental (EIA) afirma que as maiores ameaças que os botos enfrentam são as redes de
pesca, o aumento no tráfego de embarcações e a poluição dos ecossistemas marinhos (RIMA
PORTO SUDESTE, 2008).
Diante de tais apontamentos acerca do conflito ambiental entre o Instituto Boto Cinza
e os pescadores artesanais, percebemos que os sentidos dos conflitos variam de acordo com a
dinâmica social de cada ator e seus interesses. Cabe-nos aqui trazer elementos que nos
permitam perceber a estratégia do capital em vulnerabilizar os pescadores artesanais,
culpabilizando-os pelos impactos ambientais gerados na Baia de Sepetiba que afetam
diretamente os botos cinza, expondo-os inclusive às ações criminais referentes a este conflito.
Ao descortinar esse horizonte conflititivo e analisar a desigualdade ambiental sob o prisma da
justiça ambiental, rompe-se com o senso comum que responsabiliza igualmente os seres
humanos pelos danos ambientais. Há que se compreender que os atores legitimadores do
desenvolvimento econômico local concebem os pescadores como entraves aos seus projetos
de expansão e dominação do território disputado e, por isso, estes sujeitos são colocados em
condições de estigmatização sociais marginalizadoras (SANTOS, 2016).
Mais um impacto ocasionado pelo SuperPorto Sudeste refere-se ao derramamento de
minério nas águas da baía. Os minérios ficam estocados em pátios a céu aberto (Foto 25).
Quando há fortes ventos, esse material é levado com o vento para as residências do entorno.
122
E, ao ser transportado pelas correias e colocados nos navios para exportação, ocorre
derramamento do material no mar. Seguem as falas relevantes dos pescadores sobre este
problema:
Eu passo para lá e para cá já até filmei, toda vez que está encostado ali navio
carregando minério tanto a poeira do minério que sai da esteira e cai no porão do
navio, como no retorno lá que a esteira vai e volta tem uma névoa de poeira de
minério grosso caindo direto, se o monitoramento é feito ou não ou cobrado como
mandava o INEA eu não sei, eu sei que a gente vê todo dia, às vezes no final da
tarde ou da manhã, se vê de manhã que o navio carrega de noite, você vê isso aqui
carregado de uma película preta, meio avermelhada, aliás...Manchando a água que o
minério pousou na água aí quando está sereninho você chega a ver, quando está
balançando se mistura e vai para o fundo, que é um material pesado, fica aquela
nata, assim, de minério, agora, o prejuízo ambiental deve ser grande para os peixes,
tudo, molusco, camarões que come na lama esse minério e é uma cadeia
(PESCADOR 01, 2016)
PÁTIO DE MINÉRIOS
Todos os problemas apresentados até agora geram conflitos e contestações por parte
dos pescadores que lutam pela manutenção da atividade pesqueira na Ilha da Madeira e pela
continuidade de suas práticas de produção e de sobrevivência. As dinâmicas econômicas e
culturais da população tradicional foram desestabilizadas, pois os pescadores “perderam” seu
espaço de relação social caracterizado pela pesca e pelo turismo de veraneio além de terem
sido retirados de seu habitat natural e terem que reconstruir sua identidade em outra
localidade (BAUMAN, 2005). O drama de reconstrução das identidades destas populações,
123
Eu quero ficar, eu quero ficar, não tem dinheiro que me compre, entenda bem, se eu
digo não, eu quero ficar porque é o lugar onde eu nasci e fui criado e não quero
mudar (REPRESENTANTE DA APLIM, 2016).
Como se não bastasse, ainda a quarta grande crise ambiental vivida na Ilha da
Madeira, temos a instalação do Estaleiro de Base Naval da Marinha do Brasil (EBN) no ano
de 2010, conforme descrito no capítulo 1 desta tese. As obras da Base Naval e do Estaleiro
Naval para a construção e a manutenção de Submarinos Convencionais e de Propulsão
Nuclear é outro processo conflitivo de apropriação do território da Ilha da Madeira, pois
houve um processo de desterritorialização da população local com base no Decreto de 31 de
janeiro de 2013 publicado no DOU de 1º de fevereiro de 2013, que declara ser de utilidade
pública, para fins de desapropriação ou de instituição de servidão administrativa, em favor da
União, as áreas e os direitos localizados no Município de Itaguaí, estado do Rio de Janeiro,
para a implantação do Prosub. Isso significa que grande parte das terras da Ilha da Madeira,
principalmente, as propriedades localizadas na orla marítima, são de utilidade pública em
favor da União, e que muitas famílias foram e serão ainda desterritorializadas em função do
cumprimento da política desenvolvimentista em voga. Mesmo que a área de instalação do
estaleiro não seja uma área residencial, com presença de muitos moradores, e que a
desterritorialização ocorrida ainda seja menor do que o caso do SuperPorto Sudeste; os
moradores e pescadores locais, fragilizados, coagidos e assustados com tantas transformações
enxergam a EBN como um outro grande problema para eles. Sabe-se que o EBN, por ser um
projeto da Marinha do Brasil, pode futuramente fazer um controle militar do território e
restringir a liberdade dos moradores e pescadores locais no seu direito de ir e vir.
Os pescadores locais se veem cada dia menos esperançosos, devido às problemáticas
engendradas pelo capital na Ilha da Madeira. As zonas de exclusão da área de pesca, a
redução dos peixes na Baía, o número reduzido de pescadores que podem exercer a atividade
legalmente, a precariedade da vida dos moradores e dos pescadores locais devido ao processo
de desterritorialização, a favelização, a péssima qualidade de vida, o tráfego intenso de cargas
pesadas pelas estradas que levam à Ilha da Madeira são fatores que tiram a perspectiva da
124
continuidade da pesca na Ilha da Madeira para o futuro. Lopes (2013) nos indica que
perspectivas futuras não são animadoras quanto ao território da Ilha da Madeira. E os próprios
pescadores relatam não acreditar que a pesca sobreviverá no futuro, nem tampouco a Ilha da
Madeira. Vejamos:
Quando a Marinha estiver funcionando, ela vai proibir muito locais ali, que vai ter
ancorador de barcos da Marinha também, vai ser o local aonde vai extinto a pesca
também, isso a gente já tá ciente, eles podem falar que não, mas vai ser. E eu
acredito que aqui na Ilha, não será só a pesca que acabe, mas que a Ilha da Madeira,
eu acredito que vai acabar (REPRESENTANTE DA APESCA, 2016).
A tendência é acabar. Veja bem, como brasileiro a gente não desiste nunca, entenda
bem, tanto que a gente está aí reunindo todas as entidades de pesca, fizemos uma
comissão sobre isso, estamos batalhando no Ministério Público Federal do Rio de
Janeiro, no Ministério Público Federal de Angra dos Reis, entenda bem, junto com o
secretário de pesca batalhando pelo nosso espaço. Essa é a nossa forma de resistir
(REPRESENTANTE DA APLIM, 2016)
A população local, nas suas variáveis formas de resistir e nas lutas travadas contra os
empreendimentos, tem manifestado rejeição sobre esse processo desenvolvimentista local.
Segundo relato do Pescador 03 acerca das manifestações: “tentaram me atropelar, é,
tentaram me atropelar”. A contestação é realizada pelos pescadores que buscam dar
visibilidade a esse processo de negação desses empreendimentos quando “fecharam a rua,
fecharam rodovias, fecharam canal de navio com protesto, fomos levados à delegacia para
prestar depoimento, ganhamos multa por causa disso” (REPRESENTANTE DA APLIM,
2016).
Quando perguntados sobre suas percepções acerca da intensidade dos conflitos
ambientais da Ilha da Madeira, eles entendem que os conflitos referentes à Ingá Mercantil e
ao SuperPorto Sudeste são fortes. Sobre a duração dos conflitos, eles representam apenas o
SuperPorto Sudeste por ser o mais atual e impactante empreendimento no local. Os
pescadores ficam confusos ao responder que os conflitos já acabaram ou que ainda existem. O
conflito mais recente nas representações dos pescadores é o caso do Boto Cinza, sobretudo
por existir uma ação contra os pescadores no Ministério Público. A frequência espacial dos
conflitos ocorre concomitante a instalação de grandes empreendimentos, apoiados na política
desenvolvimentista em curso no país. Sobre a repercussão midiática desses conflitos, apenas o
referente ao Boto Cinza teve notícias publicadas em jornais e em meios de comunicação e
circulação nacional, até porque neste caso quem está sendo criminalizado é o pescador.
Quando os conflitos têm visibilidade com os pescadores denunciando os empreendimentos
nenhuma mídia extra local tem interesse em divulgar as informações e as disputas. Apenas os
jornais de circulação local divulgam tais problemáticas.
125
Ter que conviver cotidianamente com o risco de um vazamento nuclear que o EBN
expõe a população concretiza uma situação de risco permanente para a população local. Pelos
inúmeros casos de conflitos e de injustiças ambientais expostos nesta tese, foi possível
caracterizar o território da Ilha da Madeira como uma zona de sacrifício. A concentração e a
destinação desproporcional dos riscos ambientais para os mais pobres permanecem ausentes
da pauta de discussão dos governos locais e das grandes corporações que atuam em favor do
capital, criando Zonas de Processamento de Exportação e favorecendo o surgimento de Zonas
de Exclusão da pesca e as zonas de sacrifício.
Dessa maneira, no capítulo 03 discutiremos sobre a gestão ambiental pública, com
vistas a caracterizar as formas de mediação dos conflitos ambientais locais a partir das
narrativas dos gestores ambientais públicos e a perceber as potencialidades e limitações nas
gestões das políticas públicas locais. Buscaremos ainda explicitar como que tais deficiências
estimulam a conflititividade e multiplicam os custos sociais e ambientais em Itaguaí. Por fim,
também analisaremos como a educação ambiental surge no contexto da gestão ambiental
pública no Brasil e da mediação de conflitos ambientais locais.
126
Gramsci, ressalta que a dialética pensa tanto as contradições entre as partes como a união
entre elas.
Dessa maneira, as categorias discutidas nos capítulos anteriores (contradição,
hegemonia, Estado) foram utilizadas também nesta análise, contudo, como categoria central a
mediação emerge neste estudo, como uma abordagem dialética de interpretação da realidade
que, segundo Cury, "expressa as relações concretas e vincula mútua e dialeticamente
momentos diferentes de um todo" (1985, p. 43). Enquanto conjunto de fenômenos imbricados
onde uma teia de relações contraditórias se tece, esse todo manifesta as inter-relações dos
fenômenos e a categoria da mediação ajuda a entender que nada é isolado. O entendimento da
realidade enquanto totalidade concreta pressupõe captar um fenômeno no conjunto de suas
relações com os demais fenômenos e implica uma conexão dialética de tudo o que existe.
Dessa forma, faz-se necessário historicizar o fenômeno para compreendê-lo e a mediação ser
a categoria apropriada para interpretá-lo por ser contraditória, superável e relativa, e por
integrar-se ao movimento do real (CURY, 1985). Na literatura marxiana, a mediação não
existe por si própria, somente em sua relação com a teoria e a prática. E a relação teoria e
prática é marcada por contradições, sobretudo na gestão ambiental pública. O entendimento
da mediação nos ajuda a entender que existem aspectos da realidade humana que não podem
ser compreendidos isoladamente.
Com essa chave interpretativa, fizemos a leitura das narrativas dos gestores atuantes
na Secretaria Municipal de Meio Ambiente e na Diretoria de Pesca de Itaguaí, concebendo-os
como importantes mediadores dos conflitos ali instalados. A essas análises, incorporamos as
narrativas da coordenadora municipal de Educação Ambiental de Itaguaí, sobre a
configuração da educação ambiental no processo de gestão ambiental pública, destacando seu
papel no enfrentamento político dos conflitos socioambientais, e por entender o seu papel de
gestora e de articuladora das ações de educação ambiental desenvolvidas nas escolas de
Itaguaí. Ressaltando novamente o recorte temporal da pesquisa, indicamos que as
transformações espaciais ocorreram em Itaguaí no período de 2005 a 2015, e a coleta de
dados deu-se, inicialmente, entre os anos de 2013 em que participei de um projeto de
extensão15 em formação de educadores ambientais, coordenado pelo GEPEADS/UFRRJ; e
entre os anos de 2014 a 2016 quando foram coletados dados referentes às visitas de campo e
realizadas entrevistas com os gestores locais citados e os pescadores.
15
Projeto de extensão “A Educação Ambiental na formação de Educadores da Baixada Fluminense/RJ”,
contemplado pela Faperj no Edital 14/2012. realizado pelo GEPEADS/UFRRJ em parceria com as prefeituras
de Itaguaí, Nova Iguaçu e Mesquita/RJ.
128
16
O artigo “As parcerias empresa-escola, o ‘Estado Educador’ e os discursos consensuais na Educação
Ambiental” publicado no II Fórum de Pesquisa de Educação Ambiental Crítica, organizado LIEAS/UFRJ e
GEASUR/UNIRIO; 2014.
O capítulo “A promoção da parceria empresa-escola: a construção do consenso em torno do discurso de
desenvolvimento sustentável” do livro Educação ambiental no contexto escolar: um balanço crítico da década
da educação para o desenvolvimento sustentável, organizado pelos professores Carlos Frederico B. Loureiro e
Rodrigo de A.C. Lamosa, em coautoria com o prof. Mauro Guimarães, em 2015;
O artigo “O território de Itaguaí/RJ como uma Zona de Sacrifício: uma análise dos conflitos socioambientais
à luz da educação ambiental crítica e da justiça ambiental” publicado no VIII Encontro de Pesquisa em
Educação Ambiental em coautoria com os professores Elza Neffa e Mauro Guimarães, em 2015;
O artigo “A educação ambiental (EA) num tempo de travessias: desafios da EA crítica frente ao ideário de
políticas desenvolvimentistas em Itaguaí/RJ” em coautoria com a prof. Dra. Elza Neffa, VII Jornada
Internacional de Política Públicas, em 2015.
O artigo “A educação ambiental em tempos de travessias: rumo à manutenção ou à transformação da
realidade? ” Em coautoria com a prof. Dra. Elza Neffa no V Congresso Brasileiro de Educação Ambiental
Aplicada e Gestão Territorial, em 2016.
129
Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ, leciona nesta instituição de ensino superior desde a década
de 1990, tendo trabalhado também na Emater.
O gestor 2, atual diretor de pesca do município de Itaguaí, também é nativo, mas
reside em Mangaratiba. No cargo de Secretário de Ambiente de Mangaratiba atuou de 2005 a
2012. A partir de 2013, o município passou por uma transição governamental e, como
consequência, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Agricultura e Pesca foi dividida em
outras secretarias e diretorias e, em 2015, esse gestor assumiu o cargo de diretor de pesca
municipal de Itaguaí, cuja sede se localiza no cais dos pescadores da Ilha da Madeira.
A gestora 3 é bióloga, professora e pesquisadora da Fiocruz e, em atendimento às
políticas educacionais referentes à educação ambiental e no bojo da discussão do Plano
Diretor do Município de Itaguaí para construção da cidade sustentável, em 2002, assumiu o
cargo de coordenadora municipal de educação ambiental, tendo em vista a expansão das
atividades de educação ambiental empresariais decorrentes da instalação do Porto de Itaguaí.
No ano subsequente à transição do governo municipal, 2014, o cargo foi extinto.
3.2.1 A mediação dos conflitos ambientais locais realizada pela Secretaria de Meio Ambiente
e pela Diretoria de Pesca de Itaguaí
A análise mapeia a visão dos gestores públicos sobre os impactos existentes na Ilha da
Madeira decorrentes das atividades industriais, a partir do que visualizam como impactos
negativos e da aproximação ou distanciamento dos conflitos relatados pelos pescadores.
O primeiro impacto negativo relatado refere-se à restrição da área de pesca e à
poluição das águas da Baía de Sepetiba, conforme abaixo discriminado:
para reprodução de peixe no cais’ mas, contraditoriamente, essa reprodução de peixes não
beneficia o pescador, pois o uso dos recursos naturais desta área fica restrita. Tais regiões são
consideradas como uma importante área de abrigo, alimentação e reprodução para espécies de
fauna marinha (LANA et al., 2001).
Outro ponto destacado refere-se à poluição da Baía de Sepetiba devido aos
contaminantes do maior passivo ambiental do estado do Rio de Janeiro, a Ingá Mercantil.
Conforme evidenciamos no capítulo 2, os metais pesados lançados por esta empresa ficaram
no fundo da Baía de Sepetiba e, toda vez que há abertura e alargamento de canais para trânsito
dos navios, o material é revolvido e retorna à superfície.
Esses dois impactos negativos destacados pela Gestor 1 confirmam os relatos dos
pescadores explicitados no capítulo anterior. Na fala do Gestor 2 foram enaltecidos, também,
os impactos negativos decorrentes das atividades industriais da Thyssenkrupp CSA. Sobre
essa questão, o comentário proferido por este gestor é ilustrativo:
Como é o caso da empresa CSA, ela está instalada em Santa Cruz, no município do
Rio de Janeiro, mas a grande parte do píer está no mar territorial de Itaguaí. E, aí
eu pergunto: como foi liberado este empreendimento, se até hoje está funcionando
sem licença de operação, contaminando uma população em seu entorno, população
que reside próximo à divisa de Itaguaí/ Rio de Janeiro? A contaminação é bastante
grave porque a maior contaminação se dá através de uma infecção pulmonar ou
alérgica, né? Sendo que, na questão de dispersão, a área de Itaguaí também está
sendo atingida, assim como Seropédica (Gestor 2, 2016).
Sua fala sobre a poluição atmosférica causada pela TKCSA remete-nos ao polêmico
conflito ambiental salientando que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro multou várias
vezes a empresa por crimes ambientais, especialmente pela poluição atmosférica gerada pela
sua operação. Essa poluição pode provocar danos à saúde humana afetando, principalmente, a
comunidade situada na vizinhança da usina. Sobre os conflitos envolvendo a TKCSA e as
denúncias de seus impactos, o Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs)
apresenta diversas publicações e reflexões em torno do empreendimento, que segue operando
através de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o prazo vencido. A respeito da
TKCSA, vale enfatizar também que, além do que foi explicitado como impacto negativo pelo
Gestor 2, os pescadores contestam sobre a restrição da área de pesca referente ao píer da
TKCSA, que se configura como área de ‘exclusão de pesca’, conforme alertado
anteriormente.
133
Outro ponto da fala do Gestor 1 refere-se ao que foi destacado no capítulo 1 a respeito
da precariedade do saneamento básico do município. A fala deste gestor ilustra a problemática
do saneamento no município de Itaguaí, dizendo:
Agora outra coisa, além dessa da área de restrição da pesca, o outro impacto que
vejo é também o péssimo programa de saneamento básico (grifos nossos) que tem
no município. O município não tem uma estação de tratamento de esgoto. O
município não tem destinação de seus resíduos (Gestor 1, 2016).
Segundo o Mapa da Desigualdade da Baixada Fluminense elaborado pela Casa
Fluminense, um dos indicadores sociais de Itaguaí é o saneamento básico e o município
demonstra precariedade neste quesito em comparação aos demais municípios da Baixada
Fluminense. Ressalta-se que, no ano de 2015, o Plano Municipal de Saneamento Básico de
Itaguaí foi aprovado em consonância à Lei 11.445/07 - Lei Federal do Saneamento Básico.
Entretanto, segundo o Gestor 1 (2016), têm muitas leis nesse país, só que não são cumpridas
referindo-se ao descumprimento da legislação ambiental brasileira. A foto abaixo exemplifica
a problemática na Ilha da Madeira, no cais dos pescadores e em frente a Diretoria de Pesca do
município (Foto 26).
Consideramos que, apesar da vasta produção normativa ambiental no país, há
assimetrias e divergências no próprio arcabouço legal brasileiro. Essas divergências são
exemplificadas quando áreas protegidas pela lei como áreas de preservação ambiental são,
simultaneamente, áreas destinadas pela legislação à expansão do capital e ao
desenvolvimentismo. O país ainda carece de fiscalizações eficientes dos órgãos ambientais
sobre os projetos desenvolvimentistas realizados no país. Tal fato dificulta e atrasa o
cumprimento de legislações de proteção ambiental, sobretudo quando o meio ambiente é visto
como um entrave ao progresso e ao desenvolvimento. À medida em que a gestão do meio
ambiente é considerada um objetivo marginal e, até mesmo, conflitante em relação a objetivos
mais imediatos como o crescimento econômico, a questão ambiental é colocada em segundo
plano nas prioridades governamentais (GAUDARD, 2017).
Aquilo que eles estão fazendo hoje com aquelas quinze, vinte famílias que ainda
estão lá na Vila, na Ilha da Madeira, e eles tem que soltar em cima do viaduto, andar
a pé com suas bolsas de compras e etc. Isso é uma maldade institucionalizada
(destaques nossos) por essas empresas... Muitos dos pescadores foram bem
indenizados, agora os que estão lá que resistiram os heróis da resistência
(destaques nossos) eles estão sendo desvalorizados pela maldade que tão fazendo
não tem mais acesso pra lá, vivem lá praticamente no meio do estoque de carvão.
Então tão fazendo tudo de ruim pra que eles possam ficar sufocados e dessa forma
entregarem seus bens de uma maneira irrisória, por qualquer trocado, por qualquer
troco (Gestor 1, 2016).
Complementando, esse gestor destaca a luta das famílias que permanecem na Vila do
Engenho após a chegada do SuperPorto Sudeste. Conforme abordamos no capítulo anterior,
os moradores deste local já possuem o histórico de sofrimento com processos de distribuição
desigual dos riscos ambientais desde a chegada da Empresa Ingá. A denominação ‘heróis da
resistência’ dada pelo Gestor 1 aos moradores que resistem no local é de suma importância
para evidenciar a vulnerabilidade e os movimentos de resistência desses atores sociais frente
136
aos empreendimentos capitalistas instalados na Ilha da Madeira. O fato das famílias terem
sido desterritorializadas do local para instalação dos empreendimentos industriais foi um
conflito considerado ‘forte’ pelo Gestor 1, dada a alteração da dinâmica da vida da população
local.
Sobre os que os gestores consideram impactos negativos advindos do processo de
expansão industrial na Ilha da Madeira, chamamos atenção sobre as formas de mediação
estabelecidas por eles para enfrentar os conflitos ambientais locais. A pergunta que direcionou
nossas reflexões foi a seguinte: No momento que os conflitos emergiram na Ilha da Madeira,
qual foi a ação da secretaria de Meio Ambiente?
Primeiro nós paramos. Nós íamos fiscalizar. A minha secretaria, os meus técnicos
iam fiscalizar, muitas vezes eu acompanhei as dragagens que faziam, tenho fotos,
posso juntar as fotos e te dar. A gente perseguia as dragas que seccionavam a
matéria orgânica, a lama do fundo da Baía para abrir o canal e elas colocavam o que
elas tinham que jogar na plataforma continental, pra fora da Ilha Grande. Só que pra
poupar, pra aumentar a margem de lucro deles, eles jogavam na pambeba, e o que
acontecia? A lama ia pra pambeba e retornava através do fluxo das correntes
marinhas, do ciclo d’água, das correntes marinhas. Voltavam para o mesmo lugar
(Gestor 1, 2016)
A fiscalização realizada pela secretaria de meio ambiente relatada pelo Gestor 1 está
em consonância com a Lei n° 7.804/89, que especifica as competências dos órgãos ambientais
em termos de fiscalização e de licenciamento ambiental. As competências dos órgãos de
controle ambiental variam, seguindo a lógica descentralizada do Estado, incumbindo aos
estados e aos municípios o dever de controlar e proteger o meio ambiente.
Sobre as reivindicações dos pescadores e o diálogo com a gestão ambiental pública
local, o relato do gestor ambiental explicita a gestão da Secretaria.
propostas de melhoria de vida do pescador e sobre o que poderia ser feito para minimizar os
impactos negativos sobre a vida deles. O diálogo participativo é apontado pelo Gestor 1 como
uma ação possível a ser realizada, conforme segue na sugestão proposta.
Eu chamaria todos os pescadores pra uma reunião ampla em algum local para
discutir ou então uma comissão deles pra que eles passassem a proposta, que não
sou eu que vou solucionar os problemas ou dizer a solução. São eles que têm que
dizer pra gente. Eles que são os atores, eles que sofrem os impactos, eles que sofrem
os mau tratos. Porque, muitas vezes, o dirigente culpa a autoridade pública: O
prefeito e o governador dizem: vou criar aqui uma rua com pedrinhas de brilhante ,
vou criar aqui um Shopping Center com nem quantas lojas, o pescador às vezes
não está precisando disso, ele está precisando só das coisas básicas que ele tem que
ter pra ele tocar a vida dele e poder ganhar o dinheiro dele com a sequência lógica
durante anos e anos, numa perspectiva de futuro pra que as gerações possam
permanecer e que ele possa tirar o sustento dele adequadamente. Então, quem sabe,
cabe ao dirigente público a ordem, a autoridade, mas a essência do que se precisa
são os povos que têm que dizer. São as pessoas, as comunidades que têm que dizer,
não nós (Gestor 1, 2016).
Em seu depoimento, o gestor ambiental 1 destaca alguns pontos que merecem uma
análise: primeiro, a abertura ao diálogo e às possíveis ‘soluções’ para os problemas
vivenciados pelos pescadores. Mas, cabe ressaltar que o gestor acredita que o diálogo deve
partir dos próprios pescadores. Sobre essa questão, Serrão e Loureiro (2011) confirmam ser
importante que o Estado crie as condições necessárias ao controle social da gestão ambiental,
incorporando a participação de amplos setores da sociedade nos processos decisórios sobre a
destinação dos recursos ambientais. Ao considerar essa demanda, é possível estabelecer
processos de construção de políticas públicas locais inclusivas e participativas. Mas, cumpre
atentar para a contradição que emerge dessa proposta, pois os sujeitos (próprios pescadores)
são colocados como responsáveis pelas resoluções dos problemas causados por outros atores,
isto é, se os pescadores não tiverem esta iniciativa de propor ‘soluções’ o poder público local
se isenta da responsabilidade de gerenciar os processos e os interesses dos grupos de
pescadores. Nesta fala são desconsideradas as relações assimétricas de poder dos atores
envolvidos no conflito.
Um segundo ponto a ser considerado refere-se à crítica realizada pelo gestor sobre as
obras realizadas pelo poder público ou por empresas que não beneficiam o pescador. Quando
o gestor 1 exemplifica ‘a rua de pedrinhas de brilhante’, nós atrelamos a essa fala a
reivindicação dos pescadores sobre a necessidade de se construir pontes no cais de pesca.
Segundo relatos dos pescadores, o SuperPorto Sudeste liberou um recurso para a Prefeitura de
Itaguaí como pagamento de ações/medidas compensatórias e o poder público local construiu
138
uma orla na Ilha da Madeira. A aplicação do recurso deu-se a partir de uma gestão
centralizada, desconsiderando os atores locais e as suas reais necessidades.
As políticas públicas são limitadas quando os atores envolvidos na gestão pública não
estão comprometidos com a efetividade das ações governamentais, resultando em impactos
negativos na vida dos cidadãos e comprometendo a eficiência das mesmas (SANO E
MONTENEGRO-FILHO, 2013). Medidas que não consideram o processo de identificação,
de comunicação e de consulta aos atores potencialmente influenciados são reflexo de um
modelo de gestão que apresenta limitações em termos de participação e representatividade
(CALDEIRA et al., 2015). A análise das narrativas dos gestores e dos pescadores sobre a
carência de um diálogo mais efetivo entre estes atores e sobre as decisões referentes às obras
realizadas com a verba decorrente de medidas compensatórias demonstra um processo
decisório concentrado em uma esfera de governo e, como resultado da centralização do
processo de decisão em níveis mais elevados de governança, vislumbra-se maior abrangência
das políticas públicas e menor especificidade (GAUDARD, 2017). Assim, compromete-se
uma das premissas de medidas eficientes para a gestão ambiental, considerando-se a
necessidade específica de cada área e dos atores envolvidos no processo de gestão
(ARRUDA, 1999).
A respeito do que foi exposto acima, a entrevista possibilitou a discussão sobre temas
como políticas públicas, participação e atuação do Conselho Municipal de Meio Ambiente.
Souza e Novick (2010) afirmam que os Conselhos Municipais de Meio Ambiente
(CMMA) são vistos, na gestão pública, como espaços para empoderamento das comunidades
envolvidas no conflito ambiental, com vistas à participação sociopolítica e a ações coletivas
de grupos envolvidos em processos de disputas por territórios e seus recursos. Sobre essa
questão perguntamos sobre a atuação do Conselho Municipal de Meio Ambiente neste
contexto e obtivemos a seguinte resposta:
(...) estas decisões são tomadas num jogo de pressões e contrapressões, exercidas
por atores sociais na defesa de seus valores e interesses. Daí a importância de
estarem subjacentes ao processo decisório, de um lado, a noção de limites: seja da
disponibilidade dos bens ambientais, seja da capacidade de auto regeneração dos
ecossistemas, ou ainda, do conhecimento científico e tecnológico para lidar com a
problemática e, de outro, os princípios que garantam transparência e justiça social na
prática da gestão ambiental pública (Quintas, 2003 apud IBAMA, 2005).
sob o ponto de vista urbano Itaguaí está sufocado, não se tem mais lugar para
se fazer residência em Itaguaí. A não ser que você vá lá e fique invadindo a
área rural, né? Faça uma invasão na área rural, mude o zoneamento, nós não
temos uma área para crescimento (GESTOR 1, 2016).
Eu acho que tem que ser revisto com muita cautela e com técnicos de várias áreas,
porque o município tem um mal muito grande, parece que isso é uma febre nacional.
Chamam uma empresa privada e coloca-se lá para fazer um plano. Se eu fosse
prefeito de uma cidade, eu não faria isso não! Se eu fosse prefeito de uma cidade, eu
chamaria as instituições de pesquisa e os técnicos porque a empresa privada que
você paga vai fazer de acordo com que você quer.
exercício do controle social sobre a apropriação dos recursos ambientais. Para isso, a
educação no processo de gestão:
Na fala do gestor ambiental 2 acima citada acerca das práticas de educação ambiental,
percebemos alguns limites a respeito da compreensão do que preconiza a legislação ambiental
sobre os instrumentos jurídicos, teóricos e metodológicos que norteiam a prática da gestão
ambiental e a exigência dos processos de educação ambiental no Brasil. É de suma
importância que a gestão pública crie diretrizes de ações em educação ambiental que tratem
dos conflitos entre empreendimentos e comunidade pesqueira inerentes a esta realidade
concreta, pois o conflito faz parte da realidade da população local da Ilha da Madeira e dos
bairros adjacentes. Os professores que lecionam nas escolas do entorno desses
empreendimentos encaram essa realidade no seu cotidiano, pois seus alunos são oriundos das
famílias que foram desterritorializadas e possuem uma carga emocional referente a este
processo que se reflete nas práticas educativas desenvolvidas nas escolas. A educação
ambiental que abrace o conflito como tema dos trabalhos educativos é potencialmente
importante nesse contexto.
Layrargues (2000) embasa esse pressuposto ao afirmar que a gestão ambiental
entra em cena justamente como um processo de mediação de conflitos ambientais, isto é,
conflitos de interesses, tendo-se um campo fértil para trabalhar a diversidade de atores sociais
envolvidos nos conflitos, a assimetria de poder político e econômico presente no interior da
sociedade, dentre outras contradições inerentes ao tema.
Acreditamos que a mediação dos conflitos ambientais na gestão ambiental pública
pode se fortalecer caso as ações de educação ambiental sejam direcionadas e articuladas inter-
institucionalmente, sobretudo, no contexto do território estudado, em áreas de ‘zona de
sacrifício’ Cabe aqui enfatizar que, simultaneamente à expansão industrial e portuária, ocorre
o desenvolvimento de ações de educação ambiental promovidas por empresas, ora em
parceria com o setor público local, ora desvinculada dos órgãos públicos.
Na realidade concreta apresentada, percebemos como umas das possibilidades a
aplicação e a fiscalização (por parte dos órgãos gestores ambientais públicos) dos recursos das
empresas em programas de educação ambiental, de educação e de meio ambiente. Também
pudemos perceber as consequências de sua não observância na geração de conflitos
socioambientais.
A educação ambiental surge, então, como instrumento de gestão ambiental e de
licenciamento ambiental17, a partir de 1990 até 2007, quando a Coordenação Geral de
17
A licença ambiental é um ato administrativo que estabelece regras, condições, restrições e medidas de controle
ambiental. De acordo com Anelo (2006), o processo de licenciamento é composto por três etapas principais: a
Licença Prévia (LP), a Licença de Instalação (LI) e a Licença de Operação (LO) (BRASIL, 1997).
143
Em 2003, uma ONG francesa aqui em Itaguaí nos procurou para iniciar um trabalho
de educação ambiental. Tivemos parcerias com empresas como a Concremat, a
CSA, a Afeper, que foi em anos atrás. A Concremat desenvolveu ações decorrentes
da obra do arco metropolitano. Tiveram ações também em relação ao aterro sanitário
com a empresa Ciclus. Teve também da Petrobras Ambiental, com o projeto do Boto
Cinza nas escolas. Também tinha a LLX, que ofereceu cursos para professores e
alunos, só que na verdade fizeram fora da realidade de alunos e professores, e não
teve quase ninguém inscrito (coordenadora de EA, 2014).
Apesar de existir um aparato legal instituído através das resoluções do CONAMA, os setores
de cada órgão ambiental estabelecem parâmetros e diretrizes para as atividades licenciadas, a
fim de dar especificidade aos processos de licenciamento, de acordo com a atividade
econômica.
A educação ambiental ganha força nesse cenário com a Instrução Normativa nº
02/2012 do IBAMA, que estabelece como sujeito prioritário das ações de Educação
Ambiental, os grupos vulneráveis socioambientais, o que deixa transparecer o reconhecimento
implícito da desigualdade estruturante da sociedade brasileira na contemporaneidade.
18
Estudo de Impacto Ambiental é um relatório técnico onde se avaliam as consequências para o ambiente
decorrentes de um determinado projeto.
145
Iniciamos este item analisando como ocorreu a mediação dos conflitos ambientais nas
ações de educação ambiental local. Trazemos à baila a questão dos conflitos ambientais
decorrentes do processo de desterritorialização das famílias da Ilha da Madeira e como esse
processo teve reflexos nas escolas, nas práticas docentes, na realidade dos alunos e nas formas
de gestão ambiental propostas pela Secretaria Municipal de Educação. Cabe informar ainda,
que os dados analisados aqui são decorrentes da entrevista realizada com a coordenação de
educação ambiental e da observação participante durante o período de 2007 a 2016, período
em que estive atuando na rede municipal de ensino de Itaguaí. Para identificar dados acerca
da percepção dos professores que trabalham na Escola Municipal Elmo Batista Coelho 19,
especificamente, foi necessário consultar a dissertação de mestrado de Marcella Conceição,
defendida no ano de 2014 no PPGEduc/UFRRJ, porque sua pesquisa foi realizada com os
professores desta escola. Nesta pesquisa, conclui-se que os professores reconhecem os
grandes problemas ambientais vividos pela comunidade da Ilha, mas têm dificuldade no
entendimento das relações de poder que permeiam as problemáticas ambientais vivenciadas.
Não há uma clara percepção de que os conflitos socioambientais refletem a contradição
inerente à ocupação do espaço pela dinâmica do capital, em que há o privilégio da
apropriação privada de bens que são comuns, coletivos, alterando toda a dinâmica local para
atender aos interesses particulares (CONCEIÇÃO, 2014).
Não objetivamos nesta tese realizar um estudo específico20 acerca da educação
ambiental no município de Itaguaí nem, tampouco, analisar as ações e os programas de
educação ambiental empresarial desenvolvidos em Itaguaí. Entretanto, é mister ressaltar que a
educação ambiental empresarial decorrente dos empreendimentos instalados na localidade se
faz presente na realidade educacional de Itaguaí, pois o município possui muitas industrias
que buscam adequar-se às exigências legais, o que resulta em implementação de ações
educativas ambientais.
19
Esta escola recebeu a maioria dos alunos oriundo da escola Municipal General Hildebrando que foi demolida
para instalação do SuperPorto Sudeste, conforme exposto no capítulo 2 desta tese.
20
Para consultar a respeito da temática, vide dissertação PLÁCIDO, P de O. Os Programas de Educação
Ambiental na relação empresa-escola: uma análise do Programa de Educação Ambiental da Thyssenkrupp
CSA (PROCEA) no município de Itaguaí/RJ. 2012. 99 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Instituto de
Educação/Instituto Multidisciplinar, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica/Nova Iguaçu,
2012.
147
Assim sendo, a análise da educação ambiental realizada nesta tese foi feita a partir da
abordagem da mediação dos conflitos ambientais e, sobretudo, buscando enfatizar a
importância de se trabalhar o conflito como elemento estruturante das práticas de educação
ambiental nesta realidade concreta.
Os depoimentos da coordenadora de Educação Ambiental deram indícios que as ações
de educação ambiental promovidas por empresas foram desenvolvidas em parceria entre os
setores públicos e os setores privados, sempre articuladas com a Secretaria Municipal de
Educação. Vide relato:
A escola, na verdade, ela sentiu muito, todo seu corpo docente e discente, porque, na
verdade, essa era considerada a melhor escola do município em termos de
alfabetização. Era uma escola pequena, que tinha professores bem dedicados, que
conseguiam trabalhar bem. Os professores, quando eles ficaram sabendo que devido
ao empreendimento a escola teria que ser derrubada, todos ficaram muito
envolvidos, tiveram várias reuniões que foram realizadas na escola com os pais.
Chamando até os representantes da empresa para que não tivessem que demolir a
escola. Que a escola continuasse no local, no início, eles falaram que iam levar a
situação, para ver a possibilidade, mas depois os técnicos que vinham à escola
disseram que não iriam conseguir mudar o empreendimento que era enorme, manter
uma escola no meio (Coordenadora de EA, 2014).
21
Um dos resultados da pesquisa de mestrado da autora.
152
Não. A secretaria em si, não desenvolveu nada. Quem mais trabalhou com os alunos
diretamente foi à própria escola. Discutindo os impactos que estavam trazendo para
os alunos. Até mesmo porque muitos pais desses alunos eram pescadores, estavam
vivendo a questão do conflito e os alunos estavam realmente vivendo o conflito, até
o comportamento dos alunos refletia isso, eles estavam com raiva desse
empreendimento. O empreendimento, no início, teve muito transtorno e virou o
conflito na escola. A escola estava dentro do empreendimento, então o dia-dia da
escola mudou totalmente, uma escola que era considerada paraíso, começou a ser
um centro de conflitos (Coordenadora de EA, 2014).
A gente tem até questões diferentes de conflitos.um exemplo é sobre os locais que o
arco metropolitano passa. Quando o arco passa no bairro de Chaperó, ele não
interfere tanto no dia do morador, ele não retirou morador da sua reta, por onde ele
ia passar. Na verdade, a discussão do arco nas escolas de Chaperó não teve ênfase,
ali a questão maior é a presença do Aterro Sanitário da Ciclus, mas não tivemos
conflitos por conta de desapropriação ali. Já em outra escola, Maria Guilhermina no
bairro de Santa Candida, que era próxima ao arco, teve processos de desapropriação
de casas de alunos que moravam ali. Ai, essa escola já trabalhou o arco de outra
forma porque eles estavam vivendo o conflito da obra do arco, e aí realmente a
questão da desapropriação foi trabalhada na forma de conflito (Coordenadora de EA,
2014).
ambientais locais. Segundo Conceição (2014), para lidar com os mais diversos problemas
ambientais vivenciados atualmente, é preciso entender que as relações de poder estão
agregadas aos problemas ambientais. É preciso integrar as várias dimensões da sociedade para
a superação da problemática ambiental.
Souza e Novick (2010) alertam que a proposição, a implementação e a avaliação de
ações de educação ambiental no âmbito da gestão ambiental pública podem concorrer para
conservar ou para transformar a correlação de forças local.
As práticas em educação ambiental relatadas pela coordenadora municipal de
educação ambiental são, em sua maioria, deficientes no que diz respeito ao tratamento dos
conflitos ambientais locais, e frágeis no debate político do campo ambiental em territórios
sacrificados pelo deus do capital como Itaguaí. Analisando os quadros e o histórico da
educação ambiental, as ações e os resultados apontados pela coordenação de educação
ambiental evidenciam-se, em muitos momentos, através da perpetuação da educação
ambiental conservadora nas escolas municipais de Itaguaí. O debate referente à chegada das
empresas, aos impactos negativos e aos conflitos gerados, foi pouco evidenciado no discurso
da coordenadora como relevante.
Ações como coleta seletiva, hortas escolares, caminhadas ecológicas, debates e fóruns
de formação foram destacados como sendo relevantes neste contexto. Todavia, alguns relatos
foram considerados importantes e alinhados, em alguns momentos, com a educação ambiental
crítica ou com o ‘ecologismo dos pobres’ de Alier (2007).
Vejamos que, no ano de 2009, ocorreu o I Encontro dos delegados da Conferência
Infanto-Juvenil pelo Meio Ambiente e foi relatado que uma carta de reinvindicações e de
possíveis soluções resultou do evento e foi encaminhada ao Prefeito de Itaguaí. A deficiência
percebida nesta ação consistiu na descontinuidade ou na cobrança de resultados e de
atendimentos às exigências e às reivindicações mencionadas na carta encaminhada ao chefe
do executivo municipal, por parte da população. Sabe-se que a coordenadora municipal de
educação ambiental tem limitações quanto a realização de tais ‘cobranças’, mas o debate
findou nesta ação, e não foi realizada uma ação mais concreta anseios participativos e de
controle social da comunidade local para as questões ambientais locais. No ano de 2010, o
Projeto de Coleta Seletiva foi implementado nas escolas em resposta ao Ministério Público,
devido à presença do lixão de Itaguaí. Essa ação resultou na discussão de conflitos
ambientais. Porém, apesar de o projeto ter sido bastante conflituoso, a discussão reduziu-se a
ação da escola como promotora da redução de resíduos sólidos nos espaços públicos e à
explicitação/divulgação dos caminhos da coleta seletiva até a reciclagem e o lucro gerado por
154
essa prática. Não foram abordados problemas sociais referentes à exploração da natureza,
exploração do ser humano através do trabalho, acumulação do capital que ocorre por meio das
explorações e expropriações das forças vitais dos homens que trabalham nestas atividades.
Com isso, constatamos que a perspectiva hegemônica mais uma vez impera nas práticas de
educação ambiental relatadas pela coordenadora de educação ambiental. Destaca-se como um
caminho contra hegemônico ou como a travessia contra o caminho único (Guimarães, 2004) ,
a institucionalização de parcerias com instituições de pesquisa, universidades e outros,
conforme relatado sobre o ocorrido no ano de 2013 com a oferta do curso de formação em
educação ambiental para professores da rede municipal, cujo trabalho de campo possibilitou a
apresentação de um território disputado (a Ilha da Madeira) e um cenário conflitivo entre
comunidade pesqueira local e mega empreendimentos. Muitos professores que lecionam nas
escolas de Itaguaí não conheciam a zona de sacrifício da Ilha da Madeira nem, tampouco, os
conflitos emergentes neste lugar. Mesmo com a presença marcante de práticas de educação
ambiental promovidas por empresas, como as citadas: TKCSA, FCC, FERTECO, LLX,
PETROBRAS, e outras, a educação ambiental, através da gestão ambiental pública,
permanece ‘engessada’ nos caminhos apontados por essas empresas, por meio da utilização de
materiais didáticos, de conteúdos, de diretrizes para os cursos e outros. A existência de ações
autônomas ou de políticas públicas de educação ambiental contra hegemônica não foram
relatadas neste contexto. A cada ano surgiam novas ações, descontínuas, pontuais, e a gestão
ambiental pública atende às solicitações de atores diversos, o que expõe suas limitações e
fragilidades. Nenhum trabalho formativo contínuo de discussão das zonas de sacrifício e dos
impactos ambientais negativos que o município de Itaguaí apresenta devido à expansão
portuária também foi mencionado.
Pelo exposto a respeito das formas de mediação dos conflitos ambientais na Gestão
Ambiental Pública, percebemos ainda uma contradição entre os depoimentos dos pescadores e
os dos gestores, no que se refere ao diálogo estabelecido por esses atores sociais. Os
pescadores relataram que o diálogo com os órgãos públicos era frágil ou quase inexistente. Os
gestores ambientais, por sua vez, afirmaram que existia diálogo e toda vez que eram
procurados pelos pescadores, estes eram atendidos, embora ressaltassem que as soluções eram
limitadas. Esses limites são impostos por diversos motivos, dentre eles, a fragilidade do
próprio corpo técnico das Secretarias de Meio Ambiente para tratamento dos conflitos
ambientais. Consideramos ainda que, na própria legislação, o município não tem a
incumbência de licenciar empreendimentos de grande porte, e por não ser de sua
responsabilidade, o licenciamento e o acompanhamento dos processos decorrentes dos
155
vezes, vêm embrulhados e emoldurados por artefatos tecnológicos disseminados pelo setor
produtivo, através de mecanismos de legitimação da hegemonia econômica empresarial, agora
pautados na ideia do desenvolvimento sustentável ou de práticas ambientalmente e/ou
ecologicamente corretas.
Nesta perspectiva, o modelo de educação ambiental requerido por Quintas (2009)
afirma que o esforço da educação ambiental na gestão ambiental pública deve:
- Compreender e buscar a superação das causas estruturais da crise socioambiental;
- Considerar os interesses e as necessidades dos diferentes grupos sociais afetados;
- Criar condições de transformar o espaço técnico da gestão ambiental em espaço
público;
- Buscar a mitigação de assimetrias, pelo menos no plano simbólico, onde a injustiça
impera na ordem social vigente;
- Garantir a intervenção qualificada, coletiva e organizada dos grupos sociais nos
processos decisórios sobre o uso dos recursos ambientais;
- Almejar a transcendência na gestão ambiental pública.
Continuando as análises na perspectiva de reconhecer as contradições existentes nos
processos de mediação dos conflitos ambientais na gestão ambiental pública local, faz-se
mister realizar no próximo, e último capítulo, uma breve reflexão sobre os princípios da
gestão ambiental pública preconizado, por Quintas (2009), na concepção da educação
ambiental como instrumento de gestão ambiental.
158
22
Para aprofundamento na categorização das concepções e tendências da educação ambiental, vide o quadro
teórico classificatório apresentado por Layrargues e Lima (2011) educação ambiental como Conservacionista,
Pragmática e Crítica e/ou vide Tonzoni-Reis (2014) que classifica a educação ambiental nas tendências
Natural, Racional e Histórica.
159
vamos refletir como a educação ambiental é institucionalizada no Brasil e quais caminhos são
apontados em seu arcabouço legal.
23
A doxa é uma ortodoxia, uma visão direita, dominante. É uma relação politicamente construída. A doxa é um
ponto de vista particular, o ponto de vista dos dominantes que se apresenta e que se impõe como ponto de vista
universal. (BOURDIEU, 2003).
161
não acontece e nem se constitui no “vazio”, fora das relações sociais (LOUREIRO;
LAYRARGUES; CASTRO, 2006). Nesse sentido, tornar a educação um lugar de
desconstrução de falsos consensos possibilita a discussão e a construção de novas
compreensões acerca da sustentabilidade socioambiental.
Assim, vemos que um dos grandes desafios para a educação ambiental crítica, neste
contexto, consiste em perceber os motivos que levam o Estado a consolidar políticas públicas
estimuladoras de parcerias entre empresas e escolas e os motivadores empresariais que
suscitam ações de educação ambiental, a partir daí, superar as práticas hegemônicas ditadas
pelo “Estado Educador”.
Nas contribuições teóricas de Gramsci (2004), apoiamo-nos nas categorias de
hegemonia e do conceito de intelectual orgânico para fundamentar o papel da educação
ambiental crítica e para delineamento do campo socioambiental como espaço de luta contra
hegemônica, a partir dos próprios sujeitos sociais. Ele afirma que
no sentido mais imediato e determinado, não se pode ser filósofo – isto é, ter uma
concepção do mundo criticamente e coerente – sem a consciência da própria
historicidade, da fase de desenvolvimento por ela representada e do fato de que ela
estar em contradição com outras concepções ou com elementos de outras
concepções. A própria concepção do mundo responde a determinados problemas
colocados pela realidade, que são bem determinados e “originais” em sua atualidade.
Como é possível pensar o presente, e um presente bem determinado, com um
pensamento elaborado em face de problemas de um passado frequentemente
bastante remoto e superado? (GRAMSCI, 2004, p. 95).
diferentes sujeitos. Isso se traduz, por conseguinte, em não perder de vista a dimensão política
do conflito.
Dessa forma, alguns caminhos partem da necessidade de ampliação do diálogo da
educação ambiental brasileira com autores da América Latina, por conta da identidade comum
de exploração e de conflitos que marcam os países dessa região.
A realidade geopolítica brasileira e latino-americana apresenta o território como
espaço de realização do capital em seu voraz processo de acumulação primitiva (LEHER,
2007). A América Latina, em sua condição histórica de ‘quintal’ para exploração dos países
desenvolvidos, possui uma conjunção de fatores que favorecem essa expansão voraz do
capital: água doce abundante, ricas florestas, alto potencial energético, terras férteis e baratas,
climas e solos favoráveis a expansão agrícola e, sobretudo, extensa área litorânea que
favorece a expansão de projetos portuários. A expressão visível desse modelo de exploração
pode ser encontrada na Iniciativa para Integração da Infraestrutura Regional da América
Latina e no Programa de Aceleração do Crescimento do governo federal (LEHER, 2007), que
dão aporte para consolidação do projeto societário do desenvolvimentismo no Brasil e em
muitos países da América Latina.
Articulando a desigualdade distributiva dos riscos ambientais tratadas no capítulo 2
desta tese, Alier (2004) sustenta que, nas regiões ou países mais pobres, existem condições
mais favoráveis para as pessoas se aproximarem do ecologismo. Seja por força da
sobrevivência, os pobres dessas regiões são vitimados pelo uso abusivo dos recursos naturais
e pela perda de seus territórios em função da expansão e da apropriação avassaladora do
capital dos espaços que lhes interessa. A relação entre o ambientalismo dos pobres e a
sociedade de risco caracteriza-se pelo risco como algo previamente esperado, decorrente de
ação humana, e provocado por situações que expõem o ser humano a danos potenciais. Indo
mais a fundo, há diferença entre perigo e risco, pois Luhmann (1991) compreende perigos
naturais como algo que está fora do controle humano, como alguns desastres naturais sem
relação com fatores sociais. A sociedade moderna é vista como uma sociedade de riscos
(Becker, 1992) por ser expressão das relações sociais estabelecidas em determinada
sociedade.
Layrargues (2000) nos diz que, da mesma maneira, a decisão de se instalar uma
atividade produtiva altamente poluidora e impactante, como é o caso do complexo portuário e
industrial de Itaguaí/RJ, pode gerar risco ambiental na sua área de influência, afetando a vida
e o modo de produção anteriormente estabelecido. Aqui resgatamos, no movimento de Justiça
Ambiental, o conceito de ‘zona de sacrifício’ discutido no capítulo 2 desta tese, para definir
167
essas áreas mais pobres que são estrategicamente escolhidas para instalação de mega
empreendimentos. Dessa maneira, entendemos que a sociedade de riscos e a sua distribuição é
desigual, conferindo assim, a injustiça ambiental.
Nesse sentido, Hogan (1994) enfatiza que a mesma estrutura de classe social que
determina a desigual distribuição da riqueza e dos canais de acesso aos centros decisórios,
também determina a desigual distribuição dos riscos ambientais e da poluição, afetando,
portanto, a qualidade de vida destes indivíduos.
É neste campo de injustiça ambiental caracterizado pela distribuição desigual dos
riscos, que o tema conflito ambiental ganha centralidade nas práticas de educação ambiental.
É de fundamental importância que territórios, como o de Itaguaí/RJ concebido neste estudo
como uma ‘zona de sacrifício’, pense para além dos efeitos da degradação ambiental sobre a
base material da vida, e perceba também, como preconizado por Carvalho (1995) e por
Layrargues (2000), as lutas de acesso e uso do meio ambiente sobre o conjunto das forças
sociais instituídas de forma assimétrica. É neste campo fértil marcado por desigualdades
sociais e ambientais que o tema do conflito ambiental nas práticas de educação ambiental abre
possibilidades de enfrentamento da questão ambiental, não apenas sob o ângulo técnico, como
também sob o ângulo político. Loureiro et al (1992) consideram que as políticas públicas,
sobretudo aquelas específicas da área ambiental, terão sua eficácia determinada muito em
função da capacidade de identificar adequadamente a complexidade dos atores sociais e dos
conflitos nele envolvidos. Layrargues (2000) afirma que esse assunto é de essencial
importância para o educador ambiental que realmente deseja associar sua prática ao exercício
da cidadania, pois só assim os conflitos socioambientais tornam-se visíveis. A abordagem do
conceito de conflito na educação ambiental se dá a partir da mediação e da participação
popular.
Uma educação ambiental que se abre para o desenvolvimento da cidadania, com
prática pedagógica engajada com a realidade local, com o conhecimento dos interesses
políticos e econômicos dos diferentes sujeitos sociais e das instituições, dos modos de acesso
e usufruto dos recursos naturais, dos impasses de negociação, do conflito que impede o
diálogo, dos instrumentos jurídicos à disposição e dos demais aspectos que contribuem para a
reflexão das alternativas políticas, é de fato uma educação que caminha para atravessar a
hegemonia conservadora do fazer educativo. Pois se nutre do pensamento freireano, da
educação popular, da teoria crítica, do marxismo, da ecologia política e introduz conceitos de
justiça social, democracia, cidadania, participação e controle social, transformação social e
168
Cabe ainda refletir sobre esses interesses “defendidos” nas esferas de mediação de
conflitos que mantém a reprodução do ideário desenvolvimentista, à medida que acirra a
noção de chegada do progresso e do desenvolvimento no território impactado,
desconsiderando a desigualdade distributiva dos riscos ambientais. Trazer à baila a
contradição existente no discurso do desenvolvimento e na disseminação do ideário da
geração de emprego e renda para a população local (discutido no capítulo 2 desta tese em
comparação com os dados dos Mapas da desigualdade social e de distribuição e renda,
desemprego da Baixada Fluminense), e ainda, elucidar os incentivos realizados a fim de atrair
investimentos e instalação dos empreendimentos, e analisar os riscos e as desigualdades
gerados neste processo é de suma importância para compreender o fetiche do
desenvolvimento disseminado pelo credo neoliberal para justificação da modernização do
espaço em questão.
Nesta linha de pensamento, também Orman (2003) salienta sobre a importância da
abordagem dos riscos ambientais nas práticas de educação ambiental:
24
Barrozo e Sanchéz (2015) realizam uma análise dos quatro eixos da colonialidade e sua articulação com a
educação ambiental em zonas de sacrifício. Disponível em
http://epea.tmp.br/epea2015_anais/pdfs/plenary/139.pdf
171
tem como cerne a ideia do conflito de interesses entre classes e grupos distintos na disputa por
território e recurso natural.
Alier (2011) nos diz que o projeto neoliberal implantado em boa parte dos países
latino-americanos durante a década de 1990 teve e continua tendo, como resultado, um
drástico incremento dos conflitos de justiça ambiental. Nesse contexto, nas últimas décadas
têm aparecido em distintas partes da América Latina diversas expressões de ruptura, de luta
contra as injustiças socioambientais (e culturais) evidenciando que a exploração dos recursos
naturais não trouxe maior bem-estar coletivo, mas maior desigualdade e escassez.
Martinez-Alier (2011) nos aponta, também, que um dos debates teóricos e políticos
mais veementes no momento, irradiado do contexto andino para toda a América Latina, é o
que versa sobre o sentido e os alcances da noção de Bem Viver (Constituição equatoriana) ou
Viver Bem (no caso boliviano), conceitos que são opostos a viver melhor. O Viver Bem não
está centrado no modelo produtivista de crescimento econômico contínuo, mas sim na
compreensão de equilíbrio e respeito mútuo; o “viver bem” de todos, em vez do “viver
melhor” de poucos. O Viver Bem traz o reconhecimento de outras culturas nas práticas
ambientais e na elaboração de políticas públicas voltadas para territórios marcados por
conflitos desiguais de interesses de diferentes atores, como o caso da luta dos pescadores
artesanais para manutenção de suas práticas sociais em Itaguaí. Essa ideia é defendida por
Martinez-Alier (2011) como descolonização das práticas, das condutas, dos comportamentos,
levando a uma descolonização dos imaginários.
O referido autor (2011) justifica dizendo:
Coragio (2011) nos diz que a ideia de algo localizado “desde el sur” não se refere
apenas a uma delimitação geográfica do Hemisfério Sul ou uma reafirmação da linha do
Equador, pois essa ideia não se reduz às lógicas territoriais ou aos conflitos socioambientais,
mais abarca também a filosofia latino-americana (DUSSEL, 1999).
Ainda segundo Coragio (2011), “desde el sur significa a percepção da porção contra
hegemônica subalternizada pela pressão do capital que sofre injustiças e que reage propondo
173
Em síntese, Leff (2001) nos orienta que o saber ambiental é concebido como um
processo complexo em construção que contraria os "paradigmas normais" do conhecimento
ao abarcar em seu cerne os saberes locais. Nas práticas de educação ambiental, que têm como
premissa o diálogo e a troca com outros saberes da realidade local, é de suma importância o
trabalho a partir dos conflitos ambientais.
Coragio (2011) nos alerta sobre a importância da sistematização dos saberes e dos
conhecimento e da disseminação destes na sociedade na forma de resistência aos discursos
hegemônicos e da apropriação e redefinição dos sistemas educacionais e das políticas
públicas. Assim, por meio da construção de redes de apoio entre os grupos mais vulneráveis,
de solidariedade, de alianças pode-se fortalecer a educação ambiental crítica neste contexto,
elaborando-se propostas para mudanças de legislação, pois os momentos de conflitos podem
provocar a criação de instrumentos de gestão e o aprofundamento da participação cidadã.
Orman (2003) afirma que
Sólo es posible mejorar la calidad de vida de los individuos, si éstos son partícipes
de las políticas públicas, en todas las fases de desarrollo de las mismas:
identificando el problema, analizando distintas posibilidades de La noción de
agencia atribuye a los actores individuales la capacidad de procesar la xperiencia
personal e idear formas de encarar la vida aún en situaciones de extrema coerción,
solución formulando los programas y propuestas, implementando las mismas, y
finalmente evaluando los resultados (CORAGIO, p. 25).
Para essa autora, esse tipo de ação educativa de atuar para formar sujeitos coletivos
possibilita a criação de novas formas de poder social local e a sedimentação de diversas
estratégias dos sujeitos na construção de alternativas que possibilitam a travessia rumo ao
Bem Viver. Aprofundando a análise teórica sobre a construção de alternativas, a partir do
conceito de empoderamento (ZERMEÑO, 2005 apud CANCIANI, et al, 2009) entendido
como a atuação do sujeito no contexto local e na construção do poder coletivo que possibilita
a tomada de decisões, surgem os questionamentos dos padrões de poder instituídos na
sociedade. Para essa autora, esses movimentos sociais estimulam e favorecem a luta social.
Aprofundado esse pensamento, Adorno (1995) enxerga a emancipação como a
possibilidade de resistência às formas de dominação vigente. Dessa forma, a participação
social pressupõe a busca da emancipação que aparece nos discursos de políticas públicas de
educação ambiental bem como de políticas institucionais. Emancipar significa criar condições
para que os moradores do entorno do empreendimento e de áreas consideradas como zonas de
sacrifício participem dos processos de tomada de decisão e do controle social da gestão do
território. Assim, inspirados em Jacques Rancièri sustentamos que “a emancipação é uma
forma de sair de uma situação de minoria” (RANCIÈRI, 2010, p. 168) e esse movimento
começa quando se percebe que a visão de conjunto permite ao homem descobrir a estrutura
significativa da realidade com que se defronta, numa situação contraditória.
A questão do empoderamento dos grupos e das populações locais de Itaguaí - frente às
políticas desenvolvimentistas que esmagam essa população, via mega empreendimentos - a
179
deixamos apenas alguns elementos para esse novo trilhar que suscitará novos passos em busca
de outros horizontes.
181
Madeira, Itaguaí/RJ, essas ciências ajudaram-me a interpretar e a conceber este espaço social,
tanto como território em disputa por distintos atores sociais, como ‘lugar’ de reconhecimento
e de identidade dos que ali habitam e sonham e, por isso, como locus que ultrapassa os
objetivos acadêmicos e profissionais para fazer parte da minha trajetória pessoal e espiritual.
Nesse sentido, os aportes dos estudos realizados na tese tangenciaram possibilidades
para pensarmos a Ilha da Madeira, não por aquilo que é apresentado sobre a cidade de Itaguaí:
a “cidade do Porto”, mas pelo modo como ela tem se organizado historicamente. E a opção
pela historicização do objeto de pesquisa deu-se com a contextualização da problemática da
pesquisa, ou seja, a partir da visão da totalidade dos processos e das relações estabelecida na
realidade concreta.
Ancoramo-nos nas categorias da dialética: totalidade, hegemonia, contradição e
mediação para leitura dos dados coletados na pesquisa tentando superar a visão de
desenvolvimento (econômico), isto é, o credo no desenvolvimento como único caminho
possível ou como destino inexorável para Itaguaí/RJ. Neste cenário, buscamos analisar as
consequências do progresso sustentado na racionalidade técnica para suprimir os riscos e os
danos ambientais e tentamos desmitificar esta crença analisando as contradições inerentes ao
processo desenvolvimentista gestado em Itaguaí. A Ilha da Madeira é um bairro reconhecido
pela tradição da pesca e, por isso, suas relações são atravessadas por laços afetivos de parceria
e pertencimento, características ímpares do cotidiano local que diferem da concepção de
convivência estabelecidas nas relações sociais da sociedade urbana-industrial.
Inicialmente, as análises realizadas no bojo desta tese procuraram compreender quais
políticas públicas apoiaram os empreendimentos instalados no território e como contribuíram
para as transformações econômicas, políticas e socioambientais do município de Itaguaí/RJ.
Buscaram entender, também, como essas políticas influenciaram a reorganização do território
em função do capital e das relações de forças locais.
Com este cenário desenhado foi possível perceber que o conflito entre os pescadores
artesanais e os executores de megaempreendimentos ocorre devido à divergência dos
interesses desses atores sociais em relação ao uso e à apropriação do território, deixando claro
“quem domina ou influencia e como influencia este espaço” (SOUZA, 2013, p.89).
Para as análises das relações de forças locais e das exigências, diretrizes e ações
político-econômicas dos atores locais, o conceito de território foi fundamental para
compreender que o Estado desenvolvimentista apresenta-se como uma importante peça do
jogo ao corroborar com o processo de dominação e de apropriação do território da Ilha da
Madeira/Itaguaí/RJ. Sobre a análise do papel do Estado desenvolvimentista no contexto
183
estudado, afirmamos que, em grande parte dos processos, ele atua como indutor dos conflitos
ambientais, tendo em vista que concede financiamentos à megaempreendimentos da área da
mineração, da siderurgia e de infraestrutura apoiando projetos polêmicos, como os
apresentados na tese.
Desmitificar a ideia de progresso e de desenvolvimento e considerar os seus dois lados
foi um dos caminhos percorridos pelas análises acerca do desenvolvimentismo e dos impactos
causados pelos empreendimentos portuários em Itaguaí/RJ. Tomando para análise as políticas
e os instrumentos legais referentes ao Porto de Itaguaí em quatro décadas (1970-2010)
percebe-se que eles tenderam a reproduzir os interesses e as propostas do setor produtivo
industrial calcados na lógica desenvolvimentista assumida como ideário brasileiro.
À luz das categorias analíticas adotadas para interpretar essa realidade foi possível
perceber que, para disseminar o consenso e a ideologia desenvolvimentista, o Estado cria
políticas públicas que não atendem e nem consideram o interesse público e os conflitos
ambientais locais e subsidiam práticas de educação ambiental descontextualizadas da
realidade local.
Resultado da materialização das ações globais sobre o território e da concessão de
direitos aos empreendimentos portuários, mesmo sabendo que sua dinâmica industrial afeta
negativamente à comunidade local, o conflito ambiental na Ilha da Madeira reflete a
perversidade do capitalismo industrial, que domina lugares e oprime pessoas para manter sua
hegemonia. Analisados à luz do movimento da Ecologia Política e da justiça ambiental, os
conflitos ambientais presentes na Ilha da Madeira revelam como esse cenário transformou-se
em ‘zona de sacrifício’ (ACSELRAD, 2009).
Com vistas a visualizar as causas dos conflitos e não somente os conflitos em si,
abordamos o conflito ambiental por meio das falas dos pescadores e dos moradores locais.
Esses depoimentos permitiu-nos perceber que a distribuição desigual dos riscos ambientais
são destinados historicamente a estas comunidades. Em Itaguaí, essa luta entre poderes
assimétricos ocorre desde a chegada da empresa Ingá Mercantil na década de 1960, que legou
um expressivo passivo ambiental no estado do Rio de Janeiro. Há décadas a população sofre
com os impactos negativos deixados pelas empresas no local e promove lutas em prol da
manutenção das atividades pesqueiras e da cultura local contra a desterritorialização,
buscando superar a convivência com inúmeros riscos ambientais neste território em disputa.
Os movimentos de resistência dos pescadores artesanais para manutenção de suas
atividades no território da Baía de Sepetiba confirmam que as bases dessa resistência estão na
identidade socioterritorial, cultural, de memória e de respeito à tradição de um modo de vida
184
profundamente ligado aos valores e aos laços de solidariedade. Mesmo quando se apresentam
otimistas quanto ao futuro da pesca na Ilha da Madeira afirmando uma expressão popular
(vide vídeo em anexo) ‘brasileiro não desiste nunca’, os pescadores inserem-se no conceito
de ‘resistência da subalternia’ pois eles se organizam como coletividade social em
movimentos de resistência às forças hegemônicas (SANTOS, 2016).
Ao negar o tratamento dos conflitos ambientais nesta realidade concreta, a gestão
ambiental pública local pratica o que Acselrad e Giffoni Pinto (2009) denominam de ‘gestão
social dos riscos’, definida pelo Banco Mundial como formas e ferramentas que visam a
garantir a aceitação dos riscos em prol do desenvolvimento.
Na coleta de dados referentes à tese, o diálogo com os grupos atingidos pelo processo
de expansão do capital foi uma ferramenta usada nas entrevistas. Contudo, o mais
preocupante é verificar o implemento de estratégias denominadas por Acelrad (2006) como
‘democracia do consenso’, isto é, a negociação dos conflitos ambientais, pois o tratamento
dos conflitos ambientais é reduzido na busca por ‘controlar os riscos que as populações
possam oferecer ao bom andamento dos negócios (Acselrad e Giffoni Pinto, 2009) ”. Daí se
prover o diálogo a partir da disseminação de um discurso consensual de aceitação dos riscos
na perspectiva de desmobilizar os atores que resistem as estas ideologias.
Acselrad e Bezerra (2010, p. 35) resaltam “que na América Latina existem ‘projetos’
voltados para a disseminação de ações de resolução de conflitos ambientais”, antecipando os
possíveis confrontos judiciais, visto que a “regra é que os mais fracos busquem a lei e os mais
fortes prefiram negociar” (NADER, 1996).
Uma das mais expressivas reivindicações dos pescadores e moradores locais que
perderam seus territórios diz respeito à redução da área de pesca em zonas de exclusão. As
ações e as relações sociais sobre as quais os conflitos socioambientais emergem no processo
de reorganização do território em função do capital tem, no Estado, divergências e conflitos
internos que surgem de suas ações, ora como indutor dos conflitos, ora como mediador.
Quando o Estado, por meio da gestão ambiental pública desconsidera os atores dos conflitos
ambientais, isto é, o grupo que mais sofre com a apropriação do território e dos recursos da
Ilha da Madeira, ele também desconsidera a luta de classes e a disputa em torno do que é
público. Dessa forma, ele indiretamente propõe uma “resolução pacífica dos conflitos”
(KAPLAN, 2011, p.168) pois, mesmo reconhecendo o conflito existente, deixa claro sua
sintonia com o processo de reestruturação do capital no local, por não propor ou realizar ações
democráticas que promovam emancipação e transformação social.
185
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m. dez. 2016.
Contexto social
Justificativa: ___________________________________________________________________
( ) sim ( ) não
______________________________________________________________________________
( ) através do diálogo e união das associações para fortalecimento e empoderamento dos grupos
( ) há rivalidades/conflitos internos entre as associações
207
Justificativa:
_____________________________________________________________________________________
9) Como era a relação dos pescadores com o poder público local antigamente?
( ) boa ( ) ruim
Justificativa:
_____________________________________________________________________________________
10) Como é atualmente a relação dos pescadores com o poder público local ?
2.2 Em relação ao meio ambiente: ( ) poluição do ar ( ) poluição das águas ( ) poluição sonora
Justificativa: ____________________________________________________________________
( ) desapropriação( ) luta pela hegemonia da utilização dos recursos( )preservar a natureza intocada
Justificativa: ____________________________________________________________________
Perspectivas futuras
208
2) Riscos considerados?
_________________________________________________________________________________
209
2.1. No território:
( ) mudanças de logística do espaço ( ) desmobilização de famílias e residências
2.3 Na pesca:
( ) redução da área de pesca ( ) redução na qualidade e quantidade do pescado
2.4 Na vida social: ( ) práticas sociais e práticas produtivas ( ) culturais- modos de vida
Justificativa:_____________________________________________________________
Justificativa: _______________________________________________________________________
Justificativa: _______________________________________________________________________
ONG’s:_______________________________________________________
Universidades:_________________________________________________
Empresas:_____________________________________________________
Outros: _______________________________________________________
( ) foram realizados trabalhos pedagógicos com abordagem dos conflitos desse processo propostos
pelas escolas com acompanhamento da SME
( ) foram realizados trabalhos pedagógicos com abordagem da expansão industrial e seus impactos
no meio ambiente propostos pelas escolas com acompanhamento da SME
( ) não ocorreram atividades especificas em educação ambiental sobre este processo.
Justifique:________________________________________________________________
________________________________________________________________________
__________