REvista Arautos Do Evangelho Dezembro 2018
REvista Arautos Do Evangelho Dezembro 2018
REvista Arautos Do Evangelho Dezembro 2018
Sumário
Majestade e sofrimento
Crescer na confiança
Eis uma linda cena da vida de São Francisco Xavier:
Era noite. Dentro de um barquinho em mar revolto, todos estavam aflitos e São
Francisco rezando. Enquanto a nau era sacudida de todos os lados, o Santo ia
percorrendo em espírito os nove coros de Anjos, reverenciando os Patriarcas,
recomendando-se aos Profetas, numa visita serena, calma, pedindo ajuda a
cada um. As pessoas atônitas, olhando para aquela tranquilidade, encontravam
nela os meios de resistência.
ESCREVEM OS LEITORES
Como diz Santa Teresinha do Menino Jesus, cada flor tem sua beleza própria e
nenhuma ofusca o brilho da outra, senão que, juntas, formam um lindo jardim.
Assim também somos nós, cada um tem seu dom e juntos formamos a Igreja de
Cristo, ajudando uns aos outros com um único propósito: sermos verdadeiros
Santos, na instauração do Reino de Maria.
Osasco – SP
Queluz – Portugal
Natividade – RJ
Cuenca – Equador
Ricardo Borges
Rio de Janeiro – RJ
Pela Igreja, com a Igreja e na Igreja, como membros vivos desta sagrada
instituição, pela divina graça, levam a doutrina da Fé acompanhada das devidas
obras de caridade, pelas mãos de Nossa Senhora, a todos os âmbitos nas
dioceses onde atuam.
Fortaleza – Ceará
Em certas ocasiões, Ele nos faz sentir a efusividade de seu amor, sua compaixão
e sua ternura, manifestando toda a sua generosidade, seu perdão e sua
paternalidade. O homem, então, se admira por ver o Criador descer de sua
grande glória para tratá-lo como filho, e como filho muito amado, e brota dali uma
confiança de fundo de alma que o torna capaz de praticar qualquer virtude, e de
realizar por Ele qualquer sacrifício.
Uma vez conquistada esta etapa, Deus passa a agir de modo diferente: Ele Se
esconde, Se faz de ausente e de surdo, um pouco como a mãe que, para provar
o filho, se esconde na casa, deixando-o procurá-la. Nesses momentos, Ele
nunca está distante; apenas nos retira a confortadora sensibilidade de sua
presença. Chegou a hora de a criatura demonstrar com um amor desinteressado
a sua gratidão por tantos benefícios recebidos.
“Aqueles que abandonam o Senhor perecerão” (Is 1, 28). Quem ignora esta
previsão das Escrituras? Não menos conhecida é a tão grave advertência de
Jesus, nosso Redentor e Mestre: “Sem Mim, nada podeis fazer” (Jo 15, 5); e esta
outra: “Quem não recolhe comigo, espalha” (Lc 11, 23).
Mais ainda, as próprias bases da autoridade foram subvertidas, uma vez que se
suprimiu a razão fundamental do direito de comandar, para uns, e do dever de
obedecer, para outros. Daí decorreu, incontestavelmente, um abalo da
sociedade inteira, doravante privada de sólidos sustentáculos, à mercê das
facções que disputavam o poder para garantir seus interesses pessoais, e não
os da pátria.
Decidiu-se inclusive que nem Deus nem o Senhor Jesus presidiriam mais à
fundação da família, reduzindo à categoria de mero contrato civil o matrimônio,
do qual Cristo havia feito um grande Sacramento (cf. Ef 5, 32) para ser o símbolo
santo e santificador do vínculo indissolúvel pelo qual Ele próprio Se une à sua
Igreja. Assim se obscurecem nas massas populares as ideias e os sentimentos
religiosos que a Igreja havia infundido na célula mater da sociedade, a família;
desaparecem a hierarquia e a paz do lar; a união e a estabilidade da família ficam
cada vez mais comprometidas; as baixas paixões e o mortal apego a interesses
mesquinhos violam tão frequentemente a santidade do casamento, que chegam
a infectar as fontes da vida das famílias e dos povos.
Por fim, parece que Deus e Cristo foram excluídos da educação da juventude;
chegou-se, e isto era inevitável, não tanto a suprimir a Religião nas escolas, mas
a atacá-la velada ou mesmo abertamente. Daí os alunos concluíram que, para
bem conduzir sua vida, eles nada tinham, ou pelo menos tinham muito pouco, a
esperar dessa ordem de coisas que era absolutamente silenciada ou da qual não
se falava senão em termos de desprezo.
De fato, se Deus e sua Lei são proscritos do ensino, não se vê mais como se
pode solicitar aos jovens que fujam do mal e levem uma vida honesta e santa,
nem como formar para a família e a sociedade homens de bons costumes,
defensores da ordem e da paz, capazes de contribuir para a prosperidade
pública. […]
Portanto, não haverá verdadeira paz – a tão almejada paz de Cristo – enquanto
os homens não seguirem fielmente os ensinamentos, os preceitos e os exemplos
de Cristo, tanto na vida pública quanto na privada; é necessário que,
regularmente organizada a família humana, a Igreja possa enfim, no
cumprimento de sua divina missão, manter face aos indivíduos e à sociedade
todos e cada um dos direitos de Deus.
É este o sentido de nossa breve fórmula: o Reino de Cristo. Com efeito, Ele reina
antes de tudo sobre todos os homens individualmente considerados; reina nas
mentes por seus ensinamentos, nos corações pela caridade, em toda a vida, por
fim, quando cada qual se conforma à sua Lei e imita seus exemplos.
Evangelho
1No décimo quinto ano do império de Tibério César, quando Pôncio Pilatos era
governador da Judeia, Herodes administrava a Galileia, seu irmão Filipe, as
regiões da Itureia e Traconítide, e Lisânias a Abilene; 2quando Anás e Caifás
eram sumos sacerdotes, foi então que a palavra de Deus foi dirigida a João, o
filho de Zacarias, no deserto.
Nessa perspectiva, nossa consideração recai sobre uma figura ímpar na História,
contemplada neste 2º Domingo do Advento: o Precursor de Nosso Senhor Jesus
Cristo. Que relação podemos encontrar entre sua mensagem e a busca da
felicidade?
Um Precursor à altura?
2b …foi então que a palavra de Deus foi dirigida a João, o filho de Zacarias…
Por outro lado, quis a Providência nos ensinar que o verdadeiro valor do homem
está em seu interior, embora muitas vezes o mundo não o reconheça. Não foi
entre os líderes da política ou da religião em Israel, cujos nomes abrem o
Evangelho de hoje, que Deus escolheu o seu Precursor. O eleito para esta
missão de importância ímpar na História foi um homem sui generis para os
costumes da época, sem qualquer prestígio social. Não obstante, sua excelência
sobrenatural fê-lo ultrapassar em grandeza a todos os homens, conforme Jesus
revelou: “Em verdade vos digo, não surgiu entre os nascidos de mulher alguém
maior que João Batista” (Mt 11, 11). Portanto, como é próprio à ação divina,
também neste caso a Providência escolheu o que havia de melhor. O anunciador
de Cristo possuía a mais nobre das qualificações: fora santificado ainda no
ventre materno, tornando-se cheio do Espírito Santo e, por isso, era “grande
diante do Senhor” (Lc 1, 15).
Daí decorre também ser São João Batista um exemplo do quanto, para Deus,
mais vale o homem pelo que é do que por aquilo que faz. Nossos atos exteriores
nos obtêm mérito sobrenatural mais pela disposição interior que nos anima, do
que pelo esforço empregado ao realizá-los. Modelo supremo, nesse sentido, é
Maria Santíssima, cujo amor a Deus e fervor de intenção fê-la dar “mais glória a
Deus pela menor de suas ações – por exemplo, fiando na roca, dando pontos de
agulha –, que São Lourenço sobre a grelha, no seu cruel martírio, e o mesmo
em relação às mais heroicas ações de todos os Santos”,14 ensina São Luís
Grignion de Montfort.
Simbolismo do deserto
2c …no deserto.
Além de referir-se ao local onde São João viveu e recebeu a revelação, o deserto
pode ser interpretado em sentido simbólico. Assim como aquela região era
desabitada, também o Precursor estava livre de apegos materiais e pretensões
mundanas, vazio de si mesmo. O deserto é uma bela imagem da alma
dignamente preparada para receber Jesus e participar do Reino de Deus:
despojada das manias e dos caprichos egoístas, afastada do materialismo
reinante no mundo, deserta de vaidades e ambições.
Um batismo de penitência
3 E ele percorreu toda a região do Jordão, pregando um batismo de conversão
para o perdão dos pecados…
De modo diferente dos antigos profetas, João Batista não se dirigiu às cidades,
nem aos locais públicos onde era comum haver aglomerações. Percorrendo as
agrestes cercanias do Rio Jordão, começou ali mesmo a pregar àqueles que
encontrava – bem poucos, certamente. O impacto causado por sua pessoa e
pelo vigor de sua mensagem teve rápida repercussão, e logo “saíam para ir ter
com ele toda a Judeia, toda Jerusalém” (Mc 1, 5). Naquela região, outrora
solitária, tornou-se intensa a circulação de judeus que procuravam encontrar no
profeta o despontar da ansiada regeneração moral e religiosa de Israel. Inclusive
muitos carregavam em seu interior uma dúvida cheia de esperança: não seria
João o próprio Messias? Por isso, ora discernindo os pensamentos dos
corações, ora respondendo a perguntas explícitas, o Precursor entremeava as
exortações à penitência com afirmações que dirimiam os equívocos a respeito
de sua pessoa: “Eu vos batizo na água, mas eis que vem outro mais poderoso
do que eu, a quem não sou digno de desatar a correia das sandálias” (Lc 3, 16).
Se Aquele que deveria vir superava ainda mais o admirável e arrebatador
Batista, fazia-se mister preparar-se para recebê-Lo.
Como outrora aqueles judeus que acorriam às margens do Jordão, também nós
devemos produzir “frutos de verdadeira penitência” (Mt 3, 8), colocando em
prática as admoestações do Precursor. Em primeiro lugar, ele exorta a endireitar
as veredas do caminho pelo qual o Senhor passará em breve. Não se trata,
evidentemente, de promover uma obra de retificação das estradas palestinas.
Toda a sua pregação tem alto sentido simbólico e deve ser interpretada pelo
prisma sobrenatural. Esta advertência é um apelo para eliminar os desvios que
se estabelecem na alma quando se quer conjugar a adoração a Deus com o
egoísmo. Quem não se empenha em combater os defeitos pessoais nem em
progredir na perfeição acaba entrando pelas tortuosas sendas dos vícios à
margem do bem, sem, todavia, querer abandoná-lo por inteiro. Cedo ou tarde, o
dinamismo do mal termina sufocando uma frágil adesão à virtude e cai-se por
inteiro na via do pecado.
Estas palavras finais são muito exatas, não só para significar a universalidade
da missão de Nosso Senhor, como também a atitude dos homens em relação a
Ele, livres que são para aceitá-Lo ou rejeitá-Lo e, em vista disso, obter a salvação
ou a perdição eterna. Daí a razão de São João não dizer que todos se salvarão,
mas sim que todos verão a salvação, como comenta o Pe. Duquesne: “O
Salvador, enviado de Deus, veio para todos os homens e foi anunciado a todos
os homens; nem todos, entretanto, O reconheceram e O seguiram. Mas dia virá
em que todos O verão como seu Juiz”.18
1 SANTO AGOSTINHO. De Trinitate. L.XIII, c.4, n.7. In: Obras. Madrid: BAC, 1956, v.V, p.712.
2 WEISS, Juan Bautista. Historia Universal. Barcelona: La Educación, 1927, v.III, p.661.
3 Segundo os historiadores, Herodes, o Grande, deixara consignado em testamento que após sua morte
a Palestina fosse dividida entre seus três filhos. E assim se fez: a Judeia, a Samaria e a Idumeia foram
dadas a Arquelau; Herodes Antipas recebeu a Galileia e a Pereia; e as terras situadas ao norte da
Transjordânia foram a parte de Filipe. Acusado de tirania, Arquelau foi deposto por César Augusto e seu
procuradores que se estabeleciam na Judeia e exerciam sua autoridade em toda a província (cf.
RICCIOTTI, José. Historia de Israel. Buenos Aires: Excelsa, [s.d.], t.II, p.412-413; SCHUSTER, Ignacio;
HOLZAMMER, Juan B. Historia Bíblica. Barcelona: Litúrgica Española, 1935, t.II, p.76).
6 ROYO MARÍN, OP, Antonio. Teología Moral para seglares. Madrid: BAC, 1996, v.I, p.421.
8 Este dado do Evangelho de São Lucas foi causa de inúmeras controvérsias durante longo período,
devido à falta de provas de sua historicidade. Julgava-se ter sido um equívoco do Evangelista a menção a
Lisânias como contemporâneo de Tibério (14-37), pois o Rei Lisânias do qual se tinha notícia fora morto
antes da constituição do Império Romano, vítima de uma instigação de Cleópatra junto a Antônio (cf.
FLÁVIO JOSEFO. Antiguidades judaicas. L.XV, c.4). As polêmicas cessaram, porém, diante da evidência
trazida a lume quando escavações na região descobriram inscrições da época que coincidem com o
Evangelho. Com base nestes registros, concluiu-se que São Lucas se refere a outro Lisânias, governante
9 MALDONADO, SJ, Juan de. Comentarios a los cuatro Evangelios. Evangelios de San Marcos y San
10 Cf. SCHUSTER; HOLZAMMER, op. cit., p.132; FERNÁNDEZ TRUYOLS, SJ, Andrés. Vida de Nuestro
12 COLERIDGE, SJ, Henry James. La prédication de St. Jean Baptiste. Paris: P. Lethielleux, 1890, p.14-
15.
13 Idem, p.15.
14 SÃO LUÍS MARIA GRIGNION DE MONTFORT. Traité de la vraie dévotion à la Sainte Vierge, n.222.
16 Cf. SÃO BERNARDO. Sermones de Tiempo. En el Adviento del Señor. Sermón V. In: Obras
17 SÃO CIRILO, apud SÃO TOMÁS DE AQUINO. Catena Aurea. In Lucam, c.III, v.3-6.
19 ROYO MARÍN, OP, Antonio. Somos hijos de Dios. Madrid: BAC, 1977, p.91.
Uma nova e eterna aliança estava por chegar. Era preciso que os homens
compreendessem a importância desse acontecimento, centro e pináculo da
História, e procurassem orientar em função dele todos os aspectos de sua
existência.
Deus os incitava assim a confiar, pois para eles era mister ter fé e esperar nas
promessas feitas aos patriarcas. Sua vocação consistia em receber a Boa-nova
e proclamá-la a todas as gentes.
“As Escrituras dão testemunho de Mim”
Segundo antigos escritos rabínicos, existem cerca de 456 referências explícitas
ao Messias no Antigo Testamento. Elas aparecem no Pentateuco, nos Livros
Históricos, Proféticos e também nos Sapienciais, e correspondem a anúncios
feitos ao longo de onze séculos, em lugares e circunstâncias muito diversas.1
Não é de se estranhar, portanto, que Nosso Senhor Jesus Cristo tenha afirmado
aos fariseus: “Vós perscrutais as Escrituras, julgando encontrar nelas a vida
eterna. Pois bem! São elas mesmas que dão testemunho de Mim” (Jo 5, 39).
Se o Divino Mestre foi rejeitado pelos líderes religiosos da época e por boa parte
de seu povo, não foi por desconhecimento, mas por maldade. Daí se entende
que o doce Jesus, que “a todos curava” (Mt 4, 24), os qualificasse de “sepulcros
caiados” (Mt 23, 27) ou “raça de víboras” (Mt 23, 33).
Até o local em que haveria de nascer o Homem-Deus foi indicado com precisão
por Miqueias: “Mas tu, Belém de Éfrata, tão pequena entre os clãs de Judá, é de
ti que sairá para mim aquele que é chamado a governar Israel. Suas origens
remontam aos tempos antigos, aos dias do longínquo passado” (5, 1).
Também a fuga para o Egito e permanência do Menino Jesus na terra dos faraós
estão presentes nesses vaticínios: “Do Egito chamei meu filho” (Os 11, 1). E nem
mesmo a matança dos Santos Inocentes foi omitida: “Ouve-se em Ramá uma
voz, lamentos e amargos soluços. É Raquel que chora os filhos, recusando ser
consolada, porque já não existem” (Jr 31, 15). Neste versículo Raquel, esposa
do patriarca Jacó sepultada próximo a Belém, representa a nação israelita.2
Os Evangelhos nos mostram que também o povo estava muito familiarizado com
as principais profecias a respeito do Salvador. A tal ponto que, quando surgiu a
austera figura do Batista, todos indagavam se João não era o Messias
(cf. Lc 3, 15). E, com mais razão, ao constatar os sinais realizados por Nosso
Senhor perguntavam-se: “Quando vier o Cristo, fará mais milagres do que este
faz?” (Jo 7, 31). Entretanto, muitos se recusavam a crer…
Tal infidelidade causa espanto e confusão. Como puderam rejeitar Aquele que
tão claramente lhes fora predito?
“Hosana ao filho de Davi! Bendito seja aquele que vem em nome do Senhor!
Hosana no mais alto dos Céus!” (Mt 21, 9), aclamaram a Nosso Senhor Jesus
Cristo por ocasião de sua entrada em Jerusalém. Essas palavras, tiradas do
Salmo 117, eram tidas pelo povo como uma referência ao Messias prometido.
Todavia, tais louvores mostraram-se vazios quando alguns dias depois foram
substituídos pelo infame “Crucifica-O!” (Jo 19, 15).
Ora, também sobre isso escreveu Isaías: “O Senhor disse: ‘Esse povo vem a
Mim apenas com palavras e Me honra só com os lábios, enquanto seu coração
está longe de Mim’” (29, 13). E mais tarde São Paulo declararia que os
habitantes de Jerusalém e seus chefes não reconheceram o Salvador e, ao
condená-Lo, cumpriram as profecias que se liam todos os sábados (cf. At 13, 27-
28).
A propósito desse fato, afirmou Jesus: “Vim a este mundo para fazer uma
discriminação: os que não veem vejam, e os que veem se tornem cegos”
(Jo 9, 39). Que cegueira é esta, senão a cegueira para as realidades
sobrenaturais? Por abraçarem uma visão materialista da vida e da própria
salvação, aqueles homens tornaram-se incapazes de elevar os olhos para os
horizontes da Fé e contemplar o Filho de Deus presente no meio deles.
Certo é que Nosso Senhor concedia graças superabundantes a todos com os
quais tratava, a fim de O reconhecerem e seguirem. Contudo, com muitos se
passou o que descreve o profeta: “Obceca o coração desse povo, ensurdece-lhe
os ouvidos, fecha-lhe os olhos, de modo que não veja nada com seus olhos, não
ouça com seus ouvidos, não compreenda nada com seu espírito” (Is 6, 10). A
dureza de seus corações tornou-os cegos e surdos para Deus.
Ao povo eleito foram enviados os patriarcas e profetas para lhe indicar a verdade
e preparar o advento do Redentor. E a recusa a tão grande dádiva culminou no
maior crime da História, o deicídio, como atestam os autores sagrados.
Quanto a nós, temos a graça de ouvir a voz da Santa Igreja, que há dois mil anos
fala à humanidade através de seus Santos e de varões providenciais. Também
nos foi dada como Mãe a Santíssima Virgem, que no último século fez insistentes
e amorosos apelos à conversão na Rue du Bac, em Lourdes, em La Salette, em
Fátima e tantos outros lugares… Se soubermos abrir os nossos corações a essa
voz, seremos capazes de contemplar as maravilhas reservadas por Deus aos
seus eleitos.
1 Cf. EDERSHEIM, Alfred. The Life and Times of Jesus the Messiah. Grand Rapids (MI): Eerdmans, 1953,
v.I, p.710; LABURU, SJ, José Antonio de. Jesus Cristo é Deus? São Paulo: Loyola, 1966, p.29.
2 Cf. LEAL, SJ, Juan; DEL PÁRAMO, SJ, Severiano; ALONSO, SJ, José. La Sagrada Escritura. Texto y
comentario por los profesores de la Compañía de Jesús. Nuevo Testamento. Madrid: BAC, 1961, v.I,
p.32.
3 BENTO XVI. Homilia na Santa Missa com os membros da Comissão Teológica Internacional, 1/12/2009.
4 CLÁ DIAS, EP, João Scognamiglio. A docilidade ao Espírito Santo ensinada por pagãos. In: O inédito
sobre os Evangelhos. Città del Vaticano-São Paulo: LEV; Lumen Sapientiæ, 2014, v.III, p.144.
5 CLÁ DIAS, EP, João Scognamiglio. A verdadeira procura da felicidade. In: O inédito sobre os
Evangelhos. Città del Vaticano-São Paulo: LEV; Lumen Sapientiæ, 2012, v.V, p.42.
Memórias de uma carmelita em
tempos de guerra
Ingressar no convento como noviça e levar vida
comunitária durante a sangrenta Guerra Civil
Espanhola: eis uma tarefa aparentemente
impossível… Mas não para almas da têmpera de
Santa Maravilhas de Jesus e de suas filhas
espirituais. Ouçamos o testemunho de uma delas.
Madre Dolores de Jesús, OCD
Pouco depois de minha entrada, disse-me ela com enorme humildade: “Minha
filha, a confiança que tivemos até agora, não a perderemos”.
Mas o Senhor dispôs de forma diferente, e assim, no dia 22 de julho, por volta
das dez horas da manhã, apresentou-se um magote de guardas de assalto em
dois ou três caminhões, instando-nos a abandonar o convento, pois iam
dinamitá-lo. Nossa madre resistiu, declarando que não nos importavam os
explosivos, pois iríamos para os porões. Depois de muita insistência, eles
confessaram seu verdadeiro objetivo: vinham com ordem do prefeito para levar-
nos presas e, portanto, devíamos sair logo.
Nossa madre tocou o sino para reunir a comunidade e nos disse: “Irmãs, levam-
nos presas”. Houve uma explosão de alegria: aproximava-se o martírio. Fomos
para a capela, onde nós, as oito noviças, fizemos em conjunto a profissão solene
dos votos in articulo mortis. Madre Maravilhas nos falou calorosamente,
estimulando-nos e animando-nos ao martírio. Depois nos abençoou.
Com grande fortaleza e serenidade, nossa madre se dirigiu ao chefe dos guardas
e lhe pediu permissão para irmos nos despedir do monumento do Sagrado
Coração de Jesus. Ele respondeu que sim, mas que nos apressássemos. Ela
começou a rezar o Te Deum e todas nós a acompanhamos, seguindo em duas
filas.
Nossa madre deixou duas irmãs vigiando com os binóculos, pois os homens
ainda lá estavam. Ela subiu logo após a refeição e pôde ouvir as três detonações
que derrubaram a imagem sagrada, embora não tenha visto, pois já escurecera.
Nesse momento lhe transmitiram o aviso da telefonista de Getafe, de que
acabara de cair a imagem do Coração de Jesus entre horríveis blasfêmias. Os
milicianos haviam-lhe amarrado uma corda ao pescoço e a arrastaram com o
guindaste.
Ficamos meio mortas. Nossa madre, com a fisionomia alterada, mas cheia de
fortaleza, nos disse: “Vamos subir, filhas, e fazer-Lhe companhia neste
momento”. Interrompemos o jantar e subimos. Permanecemos longo tempo no
sótão. Disse-nos ela que, como haviam deposto de seu trono o Senhor, cada
uma de nós fizesse para Ele um trono em seu coração. Rezamos também por
aqueles infelizes, e ela repetia muitas vezes: “Perdoai-os, Senhor, porque não
sabem o que fazem”.
Nossa madre abriu a porta aos milicianos. Trajava um vestido negro com gola
branca e ostentava seu grande crucifixo. Quando Cabrejas lhe perguntou pelas
carmelitas do Cerro de los Ángeles, ela respondeu com impressionante
serenidade: “Sim, somos nós, e eu sou a superiora”.
Ele quis conversar a sós com Madre Maravilhas, no salãozinho; como este tinha
duas portas de cristal, algumas de nós se postaram junto a elas, prontas a entrar
em qualquer momento. Ouvíamos tudo.
Nós nos revezávamos para vigiar pelo olho mágico da porta de entrada. Certo
dia, em fins de outubro, estava de guarda a Ir. Visitação, uma basca que quase
não sabia falar espanhol. Veio correndo chamar nossa madre: “¡Ené, el
Cabrejas!” – disse. Era mesmo o Cabrejas, desta vez com outro miliciano, seu
carrasco, conforme nos disse. Hoje vinha visitar-nos “como amigo”, para que o
outro visse como estávamos contentes e como éramos tão felizes, sem nada
possuir.
A madre nos chamou. Estivemos todas com ele no salãozinho – nós sentadas
no chão –, como se fosse uma “visita rotineira”. Cabrejas nos perguntou,
assombrado: “Não tendes medo de nós, que somos autênticos anarquistas?”
Muito sorridente, Madre Maravilhas respondeu-lhe com toda a tranquilidade:
“Realmente, era para ter medo. Mas o máximo que podem nos fazer é tirar-nos
a vida, e esta, nós desejamos dá-la por Cristo…”
Ato contínuo, voltando-se para nós, disse: “Irmãs, cantem aquele hino do
martírio”. Cantamos então com toda a alma a seguinte estrofe, que tínhamos
composto: “Se conseguirmos o martírio, que grande felicidade! Beber com Jesus
o cálice, e depois com Ele no Céu morar! Se Deus quiser que eu morra no -
cárcere, dir-Lhe-ei que estou presa só, só por amor a Ele”.
Muito impressionado, Cabrejas disse à nossa madre que ia enviar-nos camas e
cobertores, pois estávamos muito mal alojadas. “Não precisamos de nada,
estamos muito bem e rezamos muito pelo senhor”, replicou ela. Desde então
Cabrejas dispôs que ninguém nos incomodasse, e não tivemos nenhum outro
interrogatório.
Estando no cárcere, enviou ao Cerro sua mulher e sua mãe, as quais pediram à
nossa madre que intercedesse por ele. Esta as atendeu com extremo carinho, e
enviou a Cabrejas a História de uma alma, marcando a página em que Santa
Teresinha fala de Pranzini, o criminoso. Encarregou-as de lhe dizer o quanto no
Carmelo rezavam por ele.
Fez tudo quanto humanamente podia para salvá-lo – e podia muito –, por meio
de um alto magistrado da Justiça Militar espanhola, irmão da Ir. Maria Cruz, e de
vários generais seus conhecidos. Eles nos enviaram a ficha criminal do pobre
homem, que era estarrecedora: tinha matado pessoalmente mais de duas mil
pessoas.
As virtudes que vi tão de perto Madre Maravilhas praticar nessa época são
extraordinárias. Ela sofria muito, por diversos motivos: por não ter convento nem
o suficiente para alimentar suas monjas; pela contínua ameaça de suas filhas
serem encarceradas ou dispersas; por presenciar a destruição de sua pátria e,
sobretudo, pelas ofensas feitas a Deus. Entretanto, sempre a vimos esquecida
de si mesma e dedicando-se aos outros de modo excepcional; não só a nós,
suas filhas, mas também a quantos o Senhor punha em seu caminho.
1 O Carmelo do Cerro de los Ángeles, cenário desta narração, fica bem junto à monumental imagem do
Sagrado Coração de Jesus diante da qual o Rei Afonso XIII Lhe consagrou o país, em 30 de maio de
1919.
2 Cárcere informal onde comitês e organizações do bando republicano retinham, torturavam e julgavam
Majestade e sofrimento
Com a alma pervadida de enlevo, Dr. Plinio
descreveu numa de suas conferências como ele
imaginava o convívio diário na Sagrada Família e
compôs uma pungente oração glorificando a
majestade do Menino Deus unida ao sofrimento.
Plinio Corrêa de Oliveira
Num canto da sala, vemos um jarro simples do qual se ergue uma açucena. Do
seu talo perpendicular e muito ereto, como o são a virgindade e a pureza, brota
o cálice de uma flor maravilhosa. É o único elemento que fala de arte, de bom
gosto em todo o ambiente.
De outro lado, São José e Maria Santíssima deviam cuidar dos afazeres
domésticos procurando, tanto quanto possível, não perder nem um gesto d’Ele,
estando sempre atentos à mínima emissão de sua voz, bela como uma música
inefável.
O mais fugaz dos olhares do Menino Jesus era um tesouro sem conta; o menor
dos seus movimentos possuía uma majestade e uma graça inexprimíveis! Eles
sabiam ser o Homem-Deus quem hesitava, movia-Se, falava… Podemos
imaginar o enlevo sem fim que os inundava!
Em outras ocasiões era o Menino Jesus quem saía para brincar no jardim com
alguma criança, enquanto São José e Nossa Senhora ficavam dentro de casa,
confabulando: “O que estará fazendo nosso Filho?” Sabiam que Ele não estava
apenas satisfazendo o desejo infantil de entreter-se com um companheiro, pois
tudo quanto fazia tinha um significado muito profundo.
— Senhora, eu ainda preciso ficar aqui, exceto se vossa vontade for outra…
— Senhora, Vós vos distraístes – ele bem sabia que Ela tinha estado
conversando com os Anjos! – e o almoço já vai longe no nosso pequeno
fogareiro; vede um pouco como está…
— Está ficando tarde, não é? Vou recolher a roupa que está do lado de fora.
E ele responderia:
Enquanto ela saía para pegar a roupa, o pedaço de madeira que estava sendo
trabalhado por José tomava rapidamente a forma que ele queria dar-lhe. Ao
retornar, Nossa Senhora via o objeto finalizado e dizia:
“Ó Majestade divina, quanto Vos procurei sem saber que era a Vós que eu
procurava! Quanto Vos desejei! Quanto me empenhei em recolher até os
menores fiapos de majestade que encontrava pelo meu caminho e me deter para
contemplar neles a grandeza que ainda não conhecia!
“Quando eu fitava a Igreja e renovava enlevado o meu ato de fé, não sabia que
um dos nomes dela era ‘Majestade’.
“Se eu visse Maria, que majestade! Se eu visse José, o modesto carpinteiro, que
majestade! Se eu visse o Menino, minha alma procuraria rimas para celebrar-
Vos, ó Majestade!
“Meus braços ansiariam por um escudo e por uma espada para Vos defender!
Meu corpo inteiro se retesaria diante da possibilidade de Vos proclamar aos
homens, ó Majestade!
É ali que devemos oferecer essa forma de dor de espírito que é a ascese, pela
qual o homem abandona o que é frívolo, superficial, fútil, e se volta para o sério
e profundo. A mente esforça-se em alcançar a verdade; procura-se em corpo e
alma o bom e o belo, num holocausto mil vezes repetido em prol da verdade, do
bem, e da beleza.
Sem essa dor, para nós, concebidos no pecado original, não teria sentido o
santuário infinito da majestade. Esta é a verdade: na nossa vida há sempre a
dor, há sempre a cruz, a Cruz sacrossanta de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Quem ama a dor? Quem ama a cruz? Entretanto, a ligação entre a majestade e
a cruz é tal que, a partir de certo momento da História cristã, nenhuma coroa foi
concebida sem estar encimada por uma cruz. Esta representa o píncaro da
majestade, e o fato de ser relativamente pequena em relação à coroa dá ideia
de uma tal superioridade que torna difícil contemplá-la. Tal é a majestade da
cruz!
É impossível meditar sobre o Natal sem vir-nos à mente – e, quase diríamos, aos
ouvidos – as luminosas e harmoniosas palavras com as quais “uma multidão do
exército celeste”, aparecendo de súbito junto ao Anjo que anunciava aos
pastores o nascimento do Redentor, louvava a Deus, proclamando: “Glória a
Deus no mais alto dos Céus e na terra paz aos homens de boa vontade” (Lc 2,
13-14). Este anúncio, tão cheio de simplicidade que até uma criança o pode
compreender, encerra verdades muito profundas.
Ora, não se pode dissociar da glória de Deus a paz na terra. Se os homens não
derem a Deus a glória devida, a consequência evidente é que não haverá paz
no mundo. Quando a adoração ao dinheiro, a divinização das massas, a
desenfreada procura dos prazeres, o domínio despótico da força bruta, enfim,
quando o paganismo em todos os seus aspectos vai invadindo a face da terra, a
consequência é a falta de paz na qual vivemos. Buscamos a paz e não a
encontramos, ela se recusa a habitar conosco.
Aí está quem nos convida a transformar o curso da História dos homens, a sair
do impasse que nos enche de tristeza. Convidando-nos às vias da austeridade,
do amor à cruz, da justiça ante todo tipo de iniquidades, de desapego dos
prazeres ilícitos, à pureza de vida num mundo cheio de depravações.
“Em primeiro lugar” – afirmou Bento XVI –, “a paz deve ser construída nos
corações. De fato, é neles que se desenvolvem sentimentos que podem
alimentá-la ou, ao contrário, ameaçá-la, enfraquecê-la, sufocá-la”. E acrescentou
sabiamente: “Aliás, o coração do homem é o lugar das intervenções de Deus”.2
Catolicismo. Campos dos Goytacazes. Ano XIII. N.156 (Dez., 1963); p.2.
Lélia Spinola, a mãe de tão abençoada criança, era uma piedosa senhora.
Esmerou-se em educar a filha nas vias da virtude e do relacionamento com o
sobrenatural, e teve tanto êxito nos seus intentos que a pequena “aos quatro
anos já rezava admiravelmente e, ainda ocupada em estudar o alfabeto, já sabia
meditar em Jesus crucificado”.1
Sendo ela muito menina, Francisco, o irmão mais velho, recebia lições de latim,
mas era por demais caprichoso. Isso obrigava a mãe a ficar vigiando durante as
aulas, enquanto Virgínia permanecia junto a eles, costurando na mesma sala.
Tendo adquirido bastante habilidade no manejo da linha e agulha, procurava ela
prestar atenção nas lições, o que lhe permitiu aprender muito cedo a língua da
Santa Igreja. Mesmo antes de cumprir os dez anos de idade, ela estudava,
meditava e aprendia longos trechos das Escrituras, especialmente dos
Evangelhos, com os quais tanto se familiarizou que podia citá-los de cor e até
fazer pregações sobre eles.
Tal fato, entre muitos outros, confirma quanto aquela criança possuía uma alma
séria e contemplativa, e a alta vocação para a qual era chamada. Sentia em si
um ardente desejo de se tornar religiosa, mas só à piedosa mãe confidenciava
seus infantis anelos. Esta a compreendia e estimulava, prometendo-lhe,
chegada a hora, conduzi-la pessoalmente ao convento. Contudo, logo veio a
falecer, deixando a pequena nas mãos do pai e de uma madrasta. Eles
continuariam sua educação de modo bem diferente…
A jovem era dócil, generosa e tendente à timidez. Aos quinze anos de idade não
possuía ainda firmeza de alma suficiente para enfrentar a vontade do progenitor,
nem contra-arrestar as artimanhas a que ele recorria para impô-la. Assim,
quando este lhe comunicou estar já com o candidato e a data assentes para o
casamento, Virgínia não pôde senão acatar a determinação paterna envolta num
doloroso pranto.
Ora, transcorridos cinco anos de matrimônio, fruto do qual nasceram duas filhas
– Lélia e Isabel –, Gaspar contraiu uma tuberculose que o levou à morte em
poucos dias. Virgínia obteve-lhe a graça dos derradeiros Sacramentos e ele
rendeu sua alma em paz com Deus.
Naquele período, Nosso Senhor tinha forjado a alma da jovem com o fogo do
sofrimento, dando-lhe, ao mesmo tempo, graças de seriedade e fortaleza de
espírito que a fariam carregar as pesadas cruzes e enfrentar os obstáculos que
dali em diante haveria de lhe mandar. Deus amava a missão de Virgínia e a
levaria a pleno cumprimento.
Pouco tempo depois, acolhe outra menina; mais tarde, uma terceira. Em breve
chegam a quinze, e não demora muito em ter de deixar a casa familiar para
transladar-se ao Mosteiro do Monte Calvário, que havia sido construído trinta
anos antes pelos franciscanos reformados.
A ele chegou em solene procissão, acompanhada de quarenta filhas. Dirigiram-
se em primeiro lugar à igreja onde, bem junto ao tabernáculo, consagrou a nova
obra ao Rei dos reis. Pediu-lhe que não a deixasse inacabada, assistindo-a com
profusão de graças, para que dali saíssem almas que verdadeiramente O
amassem.
“De cada filha formai uma flor e uma gema”, suplicou. “Quanto a mim, eis-me:
aceitai o sacrifício que Vos faço de mim mesma, e sabei que eu não terei mais
nem pensamentos nem vida, senão para estas filhas que me coroam, e para
quantas vierem”.
Logo a obra deitou raízes fecundas e fez-se necessário abrir mais casas. Em
Monte Calvário e outros lugares ficaram as jovens que não sentiam em si a
vocação religiosa; para Carignano foram apenas aquelas que desejavam levar
uma vida austera e regrada. Estas, por recomendação de Frei Matias Boroni,
sacerdote capuchinho que se tornou diretor do Refúgio, seguiam a regra dos
terciários franciscanos, sem votos, mas prometendo obediência aos seus
superiores. Adotaram como vestimenta o hábito das clarissas e, assim, “de
‘virgens seculares’ passariam a ser religiosas, e consagradas a Deus”.
Tinha bem presente a máxima beneditina ora et labora e o benefício para a vida
espiritual de manter-se ocupada. Enquanto a oração revigora o interior, o
trabalho ordena o exterior. Este forma a pessoa na seriedade e no domínio de
suas paixões; quem cede ao ócio está entregue às tentações do demônio e às
solicitações da concupiscência.
Chegado o fim da sua existência, Nosso Senhor reservou, para quem assim se
oferecia como vítima, uma cruel imolação. Prostrada num leito de dores por uma
terrível moléstia, com febre alta, sofria acessos tão violentos, que os
circunstantes foram obrigados a amarrá-la na cama com fitas de couro, as quais
muitas vezes ela rompia…
Assaltava-a a fúria dos infernos, os demônios martirizavam-na sem cessar. Nas
horas de tranquilidade era acometida por abatimentos e angústias, sentindo-se
totalmente abandonada pela Providência, inutilizada, liquidada.
Durante tais visões, pronunciava frases das quais os presentes não conseguiam
compreender o alcance, fazendo-os concluir que era algo relacionado com o
futuro da Igreja e do mundo. Infelizmente essas revelações não ficaram
registradas nas páginas da História, apenas no livro da vida…
A consumação do sacrifício
Em dezembro de 1651, Virgínia enfrentava a dor com o ânimo dos mártires, com
a fortaleza dos cruzados e, sobretudo, com a calma e a serenidade de seu
Senhor crucificado. Nunca deixava escapar uma queixa e sempre procurava,
pelo contrário, fazer o bem aos que a circundavam. Rogava por cada um e pedia
perdão a todos.
1 Todas as citações entre aspas foram tiradas da obra: TRAVAERSO, Luigi. Vida e apostolado da Santa
Virgínia Centurione Bracelli. Belo Horizonte: Congregação das Filhas de Nossa Senhora do Monte
Calvário, 1960.
Testemunhos
O mais alto e sublime motivo para fazer tão radical entrega é, sem dúvida, o fato
de Maria dar em troca o que Ela tem de melhor: seu próprio Divino Filho. Não
em vão indica São Luís ser esta devoção “um caminho fácil, curto, perfeito e
seguro para chegar à união com Nosso Senhor, e nisto consiste a perfeição do
cristão”.1
Ora, não satisfeita em revelar essa privilegiada via para se tornar um outro Cristo,
Nossa Senhora ajuda poderosamente a percorrê-la, concedendo aos seus
escravos numerosas prerrogativas, algumas tão excelentes que excedem a
compreensão humana. Em consequência, esta consagração constitui “um meio
admirável para perseverar na virtude e ser fiel”.2
A seguir, acrescenta: “Meu estilo de roupa também mudou, pois antes achava
que o modo de nos vestir não influenciava em nada na nossa vida cristã, mas
aprendi que a modéstia é muito importante e que não é verdade o que o mundo
nos ensina, ‘que tudo é permitido’”.
“Sempre acreditei na intercessão da nossa Mãe Maria, mas foi durante o curso
que aprendi a verdadeira devoção a Ela. Isso fez uma diferença enorme em
minha vida”.
E, como nota distintiva de sua entrega, ressalta uma das práticas particulares
dos verdadeiros consagrados à Mãe Celeste: “Ó Rosário bendito de Maria, doce
cadeia que nos prende a Deus, vínculo de amor que nos une aos Anjos, salve
Maria”.
O casal Perucci também admite: “No entanto, o estopim de nossas vidas se deu
após a concretização de nossa consagração a Jesus Cristo através de Maria, no
dia de Nossa Senhora das Dores, com a consciência de que queremos carregar
nossas cruzes e sofrer para, com mérito, alcançarmos a nossa salvação!” E
reconhecem que só conseguirão progredir na virtude com o auxílio da Mãe
Santíssima, que sempre os levou pela mão, mas após a consagração os carrega
no colo.
De fato, ensina São Luís no Tratado que “os réprobos, finalmente, em segredo
ou às claras, odeiam e perseguem diariamente os predestinados. Prejudicam-
nos quanto podem, desprezam-nos, roubam-nos, enganam-nos, reduzem-nos a
pó; enquanto eles mesmos fazem fortuna, gozam de seus prazeres, vivem em
situação esplêndida, enriquecem, se engrandecem e levam vida folgada”.5
É bem verdade que esta devoção exige nos abandonarmos completamente nas
mãos de Maria, e assim o realça a própria fórmula composta por São Luís:
“Entrego-Vos e consagro-Vos, na qualidade de escravo, meu corpo e minha
alma, meus bens interiores e exteriores, e até o valor de minhas obras boas
passadas, presentes e futuras, deixando-Vos direito pleno e inteiro de dispor de
mim e de tudo o que me pertence, sem exceção, a vosso gosto, para a maior
glória de Deus, no tempo e na eternidade”.7
1 SÃO LUÍS MARIA GRIGNION DE MONTFORT. Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem,
7 Idem, p.282.
Coube a Dom Edney, abençoar o altar derramando óleo sobre ele (foto 1) e
presidir a Solene Concelebração (foto 2). No fim, ele felicitou com um forte
abraço o Pe. Lourenço Ferronatto, EP (foto 3). Jovens do setor feminino, muito
florescente na cidade, fizeram o cortejo das oferendas (fotos 4 e 5). E um telão
teve de ser instalado num recinto anexo para que pudessem acompanhar a
cerimônia aqueles que não tinham lugar no interior do local (foto 6).
A Adoração se inicia às 6:30h com uma Missa presidida pelo Bispo, Dom Jorge
Alves Bezerra, SSS – qualificado por uma das adoradoras de “profundo
incentivador e promotor da vida orante, fraterna e servidora” –, e se encerra no
fim da tarde.
Tendo ficado pequena a antiga capela para acolher todos os fiéis, desde o dia 2
de outubro a Adoração está sendo feita na Capela do Santíssimo da Catedral de
Santo Antônio, bem maior que o local anterior.
O órfãozinho e a marquesinha
Ao vê-lo a menina pensou: “Pobrezinho! Certamente
está com fome… Mas, o que terá acontecido? Será
que ele fugiu de casa e veio se esconder aqui?! Será
talvez um órfãozinho? Em qualquer caso, é preciso
ajudá-lo!”
Ir. Teresinha Karina Lorayne Herdy Cobiceiro Zebendo, EP
Passou-se algum tempo sem que o nobre casal fosse incomodado por praticar
sua Fé, mas certo dia um ruidoso bando de malfeitores começou a se fazer ouvir
nas proximidades… Tomando rapidamente Thérèse nos braços, a marquesa se
dirigiu ao salão junto com seus familiares, pronta a enfrentar os invasores. E
prevendo o destino que a esperava, encomendou a uma de suas criadas o
cuidado de sua filha.
Corriam os anos e a menina, criada por seus pais adotivos num ambiente alheio
a qualquer prática religiosa, sentia na alma um vazio que a impelia a procurar
avidamente uma realidade superior…
— Jane. Mas, por favor, conte-me como você foi parar neste baú…
— A história é muito longa. Fui dado como presente de Batismo à filha de uma
família de marqueses, mas ela ficou órfã e nós dois fomos entregues aos
cuidados de uma criada. Já faz quatro anos que isso aconteceu…
Quando ia indagar mais sobre a tal menina, Jane ouviu a voz de Marie entrando
na casa e guardou rapidamente o Menino no móvel.
No dia seguinte, sem saber muito bem por que, Jane teve a ideia de oferecer-
Lhe um bom jantar. Era um 24 de dezembro.
Ao amanhecer, Marie percebeu que Jane estava muito pensativa, mas não deu
maior importância e saiu para fazer algumas encomendas. A pequena aproveitou
para subir ao sótão e se encontrar com o Menino Jesus, que lhe perguntou:
— Quereis ir para o Céu comigo?
Tamanha ousadia não podia ser tolerada por quem havia se libertado da “tirania”
e “superstição” cristãs. Cruéis revolucionários se precipitaram sobre a menina,
arrancaram a imagem de suas mãos e mataram-na a pauladas e golpes de faca.
2. I Domingo do Advento.
Beata Maria Ângela Astorch, abadessa (†1665). Fundou conventos de Clarissas
Capuchinhas nas cidades de Saragoça e Múrcia, na Espanha.
4. São João Damasceno, presbítero e Doutor da Igreja (†c. 749 Mar Saba -
Israel).
Beato Simão Yempo, mártir (†1623). Na juventude ingressou num mosteiro
budista, mas depois abraçou a Fé Católica. Foi preso e condenado à fogueira
durante as perseguições no Japão.
5. Beato Narciso Putz, presbítero e mártir (†1942). Sacerdote polonês
encarcerado no campo de concentração de Dachau, Alemanha, onde morreu
após atrozes suplícios.
9. II Domingo do Advento.
São João Diego Cuauhtlatoatzin (†1548 Cidade do México).
São Pedro Fourier, presbítero (†1640). Escolheu para exercer seu ministério a
paupérrima paróquia de Mattaincourt, França, e fundou o Instituto das Cônegas
Regulares de Santo Agostinho.
10. São Gregório III, Papa (†741). Incentivou a pregação do Evangelho aos
germanos, lutou contra os iconoclastas, socorreu os pobres e favoreceu a vida
religiosa.
14. São João da Cruz, presbítero e Doutor da Igreja (†1591 Úbeda - Espanha).
Beata Francisca Schervier, virgem (†1876). Dedicou-se ao cuidado dos
necessitados, doentes e aflitos, ficando conhecida como a “Mãe dos pobres”.
Fundou a Congregação das Irmãs dos Pobres de São Francisco.
15. Santa Maria Crucifixa de Rosa, virgem (†1855). Fundou em Bréscia, Itália, o
Instituto das Servas da Caridade.
18. São Graciano de Tours, Bispo (†séc. III). Pregou o Evangelho na Gália e foi
o primeiro Bispo de Tours.
19. Beato Guilherme de Fenoglio, religioso (†c. 1200). Um dos primeiros monges
da Cartuxa de Casotto, Itália, onde viveu como irmão leigo.
20. São Domingos de Silos, abade (†1073). Após ter sido eremita, restaurou o
mosteiro beneditino de Silos, Espanha, que se encontrava quase em ruínas,
restabelecendo nele a observância e prática do louvor divino.
21. São Pedro Canísio, presbítero e Doutor da Igreja (†1597 Friburgo - Suíça).
Beato Pedro Friedhofen, religioso (†1860). Trabalhador manual em Koblenz,
Alemanha, que, cheio de amor a Deus, dedicou-se ao serviço dos doentes.
Posteriormente, fundou a Congregação dos Irmãos da Misericórdia de Maria
Auxiliadora.
22. Santo Hungero, Bispo (†866). Destacou-se por seu grande zelo pastoral na
Diocese de Utrecht, Holanda, transtornada pela invasão dos normandos.
“Vem saltando pelos montes, pulando sobre as colinas”… O que será que ele
procura?
1 “Como o cervo anseia pelas fontes das águas, assim minha alma anseia por Vós, ó meu Deus”.
O demônio foi vencido por Maria uma primeira vez quando Deus anunciou que
esta mulher esmagaria sua cabeça. Foi vencido quando Ela foi concebida
imaculada. Foi vencido quando esta santíssima e augustíssima Virgem deu à luz
o Filho de Deus feito homem, Aquele que vinha sobre a terra para destruir, por
sua própria morte, o império da morte de satanás.
Ele foi vencido durante séculos, e o será até o fim dos tempos, por Maria, que
não cessa de lhe arrebatar suas vítimas, desfazer suas ciladas, e de pôr freio às
suas violências. Somente o nome de Maria basta para fazê-lo tremer; uma
invocação a esta Rainha toda poderosa, a esta Mãe misericordiosa, basta para
obrigá-lo a fugir.