Tese Barebacking Sex
Tese Barebacking Sex
Tese Barebacking Sex
Florianópolis/SC
2009
PAULO SERGIO RODRIGUES DE PAULA
Florianópolis / SC
2009
Catalogação na fonte pela Biblioteca Universitária da
Universidade Federal de Santa Catarina
Inclui referências
CDU 159.9
PAULO SERGIO RODRIGUES DE PAULA
Banca Examinadora:
________________________________
Profa. Dra. Mara Coelho de Souza Lago
Departamento de Psicologia/UFSC
Orientadora
________________________________
Profa. Dra. Sandra Caponi
Centro de Ciências da Saúde/UFSC
________________________________
Prof. Dr. Tito Senna
Dept° de Pedagogia/UDESC
________________________________
Prof. Dr. Leandro Castro Oltramari
Dept° de Psicologia/UNISUL
Para minha mãe Floriza Rodrigues, pelo
amor e respeito acima da compreensão.
1 INTRODUÇÃO ................................................................................ 23
CAPÍTULO I
REFERENCIAL TEÓRICO .............................................................. 28
ALGUNS CONCEITOS FOUCAULTIANOS ................................. 28
1.1 A ordem do discurso ....................................................................... 28
1.2 O poder disciplinar .......................................................................... 32
1.3 O sujeito e a ética ............................................................................ 37
1.4 A Hipótese repressiva e o dispositivo da sexualidade. .................... 40
1.5 Biopolítica: Direito de vida e de morte ........................................... 44
CAPÍTULO II
CRONOLOGIA DA EPIDEMIA....................................................... 48
2 DA PESTE GAY E DO AZT AO BAREBACK E ARV:
CRONOLOGIA DA EPIDEMIA DE AIDS ..................................... 48
2.1 Peste gay e metáfora ........................................................................ 48
2.2 O sexo seguro como dispositivo. ..................................................... 51
2.3 A deshomossexualização da AIDS.................................................. 54
2.4 O barebacking sex. .......................................................................... 59
CAPÍTULO III
METODOLOGIA ............................................................................... 62
3.1 Critérios e comentários acerca dos resultados das buscas para
captura de documentos. .................................................................... 62
3.2 Onde se diz? Caracterizando as fontes dos documentos ................. 63
Revistas ................................................................................................. 63
a) Revista Veja ...................................................................................... 64
b) Revista Isto É .................................................................................... 65
c) Revista Época .................................................................................... 65
Periódicos .............................................................................................. 65
a) Jornal do Brasil ................................................................................. 66
b) Jornal Folha de São Paulo ................................................................. 67
Weblogs................................................................................................. 67
3.3 Corpus da pesquisa. ......................................................................... 68
CAPÍTULO IV
DISCURSVIDADES SOBRE BAREBACK ..................................... 71
4.1 AIDS, discurso e mídia ................................................................... 71
4.2 Quem diz? Os sujeitos do discurso ................................................. 74
4.3 O que se diz? A profusão de discursos............................................ 76
4.3.1 Barebacking, pesquisas e discursos acadêmicos .......................... 76
a) Barebacking como tema de pesquisa nos Estados Unidos ................ 76
b) O barebacking como tema de pesquisa no Brasil ............................. 80
c) O que nos dizem estas pesquisas acerca da prática bareback? .......... 83
4.3.2 Barebacking e discursos midiáticos ............................................. 85
a) Barebacking e Homossexualidade .................................................... 86
b) Barebacking e normalização ............................................................. 92
c) Barebacking, delinqüência e penalização ......................................... 96
d) Videologs, barebacking e pornografia: do uso dos prazeres e do
cuidado de si ao dispositivo da intimidade ..................................... 103
e) Barebacking, barebackers e parrhesia cínica .................................. 115
CAPÍTULO V
O RISCO COMO QUESTÃO ATUAL........................................... 123
5.1 Risco, ciências sociais e mídia ...................................................... 124
5.2 Risco e saúde pública .................................................................... 132
UDI1.
Entretanto, pesquisa realizada sobre atitudes e práticas da
população brasileira em 2004 (PCAP-BR) 2, mostrou que a incidência
de HIV/AIDS na população de homens que fazem sexo com homens
(HSH) 3, girou em torno de 226 indivíduos para um grupo de 100.000
pessoas. No mesmo período, a taxa de incidência para a população em
geral foi de 19,5 casos por 100.000 habitantes, indicando que a taxa de
incidência da infecção é 11 vezes maior entre homens que fazem sexo
com homens (HSH) 4, em relação à população em geral, ou seja, apesar
do crescimento do número de casos de AIDS relacionados à transmissão
heterossexual, observa-se uma probabilidade maior de transmissão do
HIV por meio de relações sexuais entre homens que praticam sexo com
homens (HSH). Além disso, resultados de várias pesquisas têm
apontado para uma diminuição significativa do uso do preservativo
(CAMARGO; BOTELHO, 2007; PAIVA et. al., 2006; ANTUNES,
2005; SARAIVA 2002; TERTO Jr, 2002; RIOS, 2003; SANTOS et. al.,
2002; PAIVA et. al., 2002; GONDIM; KEN PONTES, 2000). Com o
advento da Internet, têm surgido comportamentos que colocam em
cheque a questão da prevenção no Brasil, como o Barebacking sex.
Barebacking é um termo de origem inglesa que denomina um
estilo de montaria de cavalo onde o cowboy não usa sela, e tem sido
utilizado para designar a prática sexual anal desprotegida, ou seja, sem o
uso do preservativo, principalmente entre indivíduos homossexuais.
Este trabalho teve por objetivo analisar as discursividades sobre a
prática de bareback, sendo a Internet utilizada como principal
ferramenta para a busca documental. Meu interesse em estudar AIDS e
suas correlações vem desde a graduação, onde desenvolvi pesquisas
1
Boletim Epidemiológico AIDS - Ano V nº 1 - 27ª a 52ª semanas epidemiológicas - julho a
dezembro de 2007/janeiro a junho de 2008. Disponível em:
<http://www.aids.gov.br/data/documents/storedDocuments/%7BB8EF5DAF-23AE-4891-
AD36-1903553A3174%7D/%7B31A56BC6-307D-4C88-922D-
6F52338D0BF4%7D/Boletim2008_vers%E3o1_6.pdf.>
2
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de DST e
AIDS. Boletim Epidemiológico- AIDS e DST. Pesquisa de Conhecimento, atitudes e práticas
na população brasileira de 15 a 54 anos, 2004. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa
Nacional de DST e AIDS. Brasília: Ministério da Saúde, 2006.
3
Esta denominação tem gerado críticas da sociedade cível, pois do ponto de vista político, a
organização homossexual era um elemento central na luta contra a AIDS, e a opção pela
denominação HSH, ―anula‖ a visibilidade gay, tornando-se mais uma mostra de homofobia.
Apesar desta crítica, optei por usar a sigla, pois considero que mesmo implicando em risco de
generalização, seu poder de inclusão não deve ser minimizado.
4
Para a estimativa de incidência de AIDS em (HSH) foi considerada a proporção de HSH por
região do estudo PCAP-BR de 2004 e estimativas populacionais do IBGE.
25
REFERENCIAL TEÓRICO
8
No século VI ―era o discurso que pronunciava a justiça e atribuía a cada um a sua parte‖, no
século VII a verdade se deslocou ―[...] do ato ritualizado, eficaz e justo, de enunciação, para o
próprio enunciado‖, estabelecendo-se uma separação do discurso verdadeiro e do discurso
falso, sendo o discurso verdadeiro não mais desejado, pois não estava ligado ao exercício de
poder (FOUCAULT, 2007 c, p.15). Já no século XIX, diferente da época clássica, a vontade da
verdade ―é ao mesmo tempo reforçada e reconduzida por todo um compacto conjunto de
práticas como a pedagogia‖, exercendo pressão e poder de coerção sobre os outros discursos.
(FOUCAULT, 2007 c, p. 17).
30
9
Na ordem do discurso, assim como a vontade da verdade, esta função não corresponde a uma
mesma forma em todas as épocas. Na Idade média o autor era indicador de verdade, entretanto,
a partir do século XVIII esta função no discurso científico enfraquece servindo apenas para dar
nomes a teoremas, síndromes, etc., ao passo que no discurso literário ela passa a ser valorizada.
31
Gilles Deleuze (2005), foi a partir das reflexões sobre poder no nível
econômico, repressivo e de guerra, que Foucault começou a delinear
uma nova forma de pensar o poder, sendo necessário que ele
abandonasse alguns postulados acerca da questão, a saber: o postulado
da propriedade, o postulado da localização, o postulado da propriedade,
o postulado da subordinação, o postulado do atributo, o postulado da
modalidade, o postulado da legalidade.
No postulado da propriedade, o poder seria ‗propriedade‘ de uma
classe que o teria conquistado. Para Foucault, o poder não é uma
apropriação e sim, um conjunto de estratégias materializadas em
práticas, técnicas e disciplinas diversas e dispersas.
O postulado da localização entende o Estado e a esfera pública
como centro do poder. Ao contrário disso, Foucault, vê o poder
microfisicamente disperso em múltiplas disciplinas e manobras táticas.
No postulado da subordinação, o poder, encarnado no aparelho
de estado, estaria subordinado a um modo de produção ou, em última
instância, a uma infra-estrutura econômica. Para Foucault, o poder é
diretamente ‗produção‘, ele é imanente à produção social e não
comporta nenhum tipo de unificação transcendente ou centralização
globalizante.
O postulado do atributo, segundo o qual o poder teria uma
essência e um atributo. Para Foucault, o poder não tem essência, é
operatório; ele também não é um atributo, mas uma relação de forças
que envolvem dominadores e dominados e perpassa todo o campo
social.
O postulado da modalidade, no qual, o poder agiria ora por
coerção, ora por consenso. Segundo Foucault, o poder produz a verdade
antes de escondê-la na ideologia; o poder produz a realidade antes de
forçar o seu enquadramento através da violência.
O postulado da legalidade, segundo o qual a lei é expressão
contratual do poder. Para Foucault, a lei não é uma regra normativa para
regulamentar a vida social em tempos de paz, mas a própria guerra das
estratégias de uma determinada correlação de forças.
Segundo Deleuze (2005), ao abandonar esses postulados Foucault
desenvolve uma concepção de poder baseada em três afirmações:
[...] o poder não é essencialmente repressivo (já
que ele incita, suscita, produz); ele se exerce antes
de se possuir (já que só se possui sob uma forma
determinável –classe – e determinada – Estado);
passa pelos dominados tanto quanto pelos
35
Nesse sentido, uma relação de poder é a ação que não age direta e
imediatamente sobre os outros, mas sim, que age sobre sua própria ação,
sendo que para Foucault, o exercício de poder
[...] pode perfeitamente suscitar tanta aceitação
quanto se queira: pode acumular as mortes e
abrigar-se sob todas as ameaças que ele possa
imaginar. Ele não é em si mesmo uma violência
que, às vezes, se esconderia, ou consentimento
que, implicitamente, se reconduziria. Ele é um
conjunto de ações sobre ações possíveis; ele opera
sobre o campo de possibilidades onde se inscreve
o comportamento dos sujeitos ativos; ele incita,
induz, desvia, facilita, ou torna mais difícil,
amplia ou limita, torna mais ou menos provável;
no limite, ele coage ou impede absolutamente,
mas é sempre uma maneira de agir sobre um ou
vários sujeitos ativos, e o quanto eles agem ou são
suscetíveis de agir. Uma ação sobre ações.
(FOUCAULT, 1995, p.243).
10
Um dos exemplos citados acerca do modo de construção da virtude conjugal, utilizado por
São Francisco de Sales a favor da doutrinação sexual, é sobre o mito do elefante virtuoso que
tem apenas uma parceira a vida toda, nunca acasala diante dos outros da manada e só se reúne
aos outros depois do banho (FOUCAULT, 2007a, p. 20).
40
CRONOLOGIA DA EPIDEMIA
13
Eram incluídas neste grupo: homossexuais, prostitutas e usuários de drogas injetáveis.
50
onde ―o abraço médico vai pousar nos esfíncteres seu ponto de apoio‖
(Perlonguer, p.75). O autor questiona, inclusive, o uso do preservativo
Pode-se perguntar se as dúvidas ainda imperantes
a respeito da eficácia real das camisinhas e
espermicidas não tendem a preservar como tributo
a moral convencional, algum limiar de restrição.
Seja como for, a introdução de uma fina película
de látex ente os lascivos órgãos pode talvez
adquirir, para além do terapêutico, algum valor
simbólico - a maneira de uma inscrição que
marcasse, no turbilhão dos fluxos, a presença
transparente da lei. (PERLONGHER, 1987, p. 75-
76).
14
Lei n° 9.313, de 13 de novembro de 1996. Assegura o tratamento integral dos soropositivos,
incluindo a distribuição gratuita de medicamentos.
57
homossexualização como
[...] uma nova versão do velho preconceito que
perpetua a imagem da AIDS como praga gay no
imaginário popular. Passa a ser outra maneira de
assegurar que a mentalidade estabelecida continue
a negar a questão das diversidades sexuais, em
vez de encará-las de frente. (PARKER, 1994,
p.52).
15
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de DST
e AIDS. Boletim Epidemiológico- AIDS e DST. Ano III n°01 -01° a 26° semanas
epidemiológicas – janeiro a julho de 2006. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa
Nacional de DST e AIDS. Brasília: Ministério da Saúde, 2006 a.
58
16
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de DST
e AIDS. Boletim Epidemiológico- AIDS e DST. Pesquisa de Conhecimento, atitudes e práticas
na população brasileira de 15 a 54 anos, 2004. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa
Nacional de DST e AIDS. Brasília: Ministério da Saúde, 2006b.
17
Para a estimativa de incidência de AIDS em HSH foi considerada a proporção de HSH por
região do estudo PCAP-BR de 2004 e estimativas populacionais do IBGE.
18 ―O MONITORAIDS é composto por um conjunto de indicadores que acompanham os
principais aspectos relacionados ao HIV/AIDS e outras DST. São apresentados no
MONITORAIDS os indicadores disponíveis para o Brasil, Grandes Regiões e Unidades da
Federação. Dependendo dos indicadores, eles podem ser desagregados segundo várias outras
categorias, tais como: idade, sexo, e alguma variável que caracterize o nível socioeconômico,
59
21
―Se os indivíduos forem heterossexuais casados, não existe quase nenhuma desaprovação
social para não usar preservativo durante o intercurso vaginal ou anal. Quando os parceiros são
heterossexuais solteiros, mas romanticamente envolvidos, há um censura mais social, mas é
relativamente leve. Quando os heterossexuais solteiros que não são romanticamente
envolvidos, não usam preservativos, há uma censura e uma desaprovação mais social, mesmo
quando a mulher está utilizando outros métodos de anticoncepção. O nível mais elevado da
desaprovação social para barebacking é quando ocorre entre homens gays, mas o grau de
censura varia extremamente de acordo com a situação‖. Tradução livre.
61
METODOLOGIA
Revistas
22
The Gift, 2002, EUA, Documentário, 62 min. Este filme da diretora Louise Hogarth aborda a
questão barebacking e tornou-se referência para o tema. Doug, um jovem gay de 19 anos, quer
ser infectado com o HIV. Para ele, possuir o vírus HIV significa fazer novas amizades, não ser
rejeitado nas salas de bate-papo e ter uma vida sexual intensa e sem preocupações. Para atingir
seu objetivo ele conversa, via Internet, com homens HIV - positivos e pede que em nome de
ajuda ao próximo se disponham a infectá-lo. Assim sendo, Doug faz sexo com um doador
eleito que o fascinou ao dizer que iria energizá-lo com o vírus e conseguiu alcançar seu
objetivo. Disponível em: <http://www.documen.tv/asset/The_Gift.html>
64
a) Revista Veja
b) Revista Isto É
c) Revista Época
Periódicos
23
Como aconteceu com a Revista Veja anteriormente, Mino Carta saiu da Revista Isto É e em
1994 cria nova publicação, Carta Capital.
Disponível em< http://pt.wikipedia.org/wiki/Carta_capital>
66
a) Jornal do Brasil
Weblogs
27
AIDS Community Research Initiative of America. A ACRIA foi fundada como a
Comunidade Iniciativa de Investigação sobre a Sida (CRIA), em Dezembro de 1991 por um
77
grupo de médicos, ativistas e pessoas vivendo com o VIH, que foram frustradas pela lentidão
do governo e da investigação acadêmica sobre a AIDS.
Disponível em:< http://www.acria.org/index.php?q=about/mission-history>
78
28
Criado em 1967, o NDRI é uma ONG, que possui pesquisadores das ciências sociais. A
principal missão do NDRI é fazer avançar o conhecimento científico nas áreas de tóxico-
dependência, saúde mental, HIV / SIDA, e outras relacionadas com preocupações sociais e de
saúde, a fim de contribuir para a prevenção e solução dos problemas sociais.
Disponível em: < http://www.ndri.org/about/mission.html>
29 ―Os poppers consistem num liquido amarelo claro vendido em pequenos frascos ou
ocasionalmente em pequenas ampolas de vidro que são partidas sobre lenços de modo a que os
seus vapores sejam inalados. O vidro quando se parte, faz um ruído um estalido característico,
e é dai que provem o seu nome no mercado negro. Devido a esta característica, os poppers
tornaram-se a designação de rua do nitrito de amilo, um antigo vasodilatador, ressuscitado dos
anos setenta. O nitrito de amilo é utilizado no tratamento da angina e da constrição dos vasos
sangüíneos com destino ao coração. Ele dilata os vasos sangüíneos provocando um ímpeto de
sangue através do corpo e do cérebro que pode ser vivido como um efeito euforizante. Os
efeitos pretendidos são intensos, mas vividos com muita brevidade, pelo que às vezes é usado
durante o ato sexual.‖. Disponível em: <http://sobriedade.tripod.com/drogas/id11.html>
80
31 Esta pesquisa resultou na publicação de dois artigos, através dos quais tomei conhecimento
e tive acesso à mesma, sendo um produzido pelo orientando e outro produzido pelo orientador,
a saber:
DIAS, L. F. M... In: XV Salão de Iniciação Científica e XII Feira de Iniciação Científica da
UFRGS, 2003, Porto Alegre. Anais do XV Salão de Iniciação Científica e XII Feira de
Iniciação Científica da UFRGS, 2003 ULBRO Porto Alegre. Disponível em:
<http://www.inep.gov.br/PESQUISA/BBE-ONLINE/det.asp?cod=61670&type=P>
SANTOS, L. H. S.. Educação e pesquisa de práticas sexuais de risco (barebacking sex). In:
RIOS, Luís Felipe; ALMEIDA, Vagner; PARKER, Richard; PIMENTA, Cristina; TERTO Jr.,
Veriano. (Org.). Homossexualidade: produção cultural, cidadania e saúde. 1 a. ed. Rio de
81
Janeiro: ABIA (Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS), 2004, v., p. 69-81. Disponível
em: <http://www.abiaids.org.br/_img/media/anais%20homossexualidade.pdf>
82
32
Bug chasing são sujeitos HIV negativos que procuram parceiros sexuais soropositivos para
relações sexuais sem preservativos com objetivo de soro conversão.
83
33
Sergio Arouca (2003) conceitua preventivismo como ―o conjunto de noções e técnicas
visando o conhecimento e manipulação dos processos sociais e psico-sociais do
comportamento humano que dizem respeito à implantação de padrões racionais de saúde‖,
sendo que alguns autores definem a medicina preventiva ―como aquelas atividades relativas à
prevenção das doenças e à proteção e promoção da saúde que são de direta responsabilidade do
indivíduo‖ (AROUCA, Sergio, 2003, p. 35).
85
a) Barebacking e Homossexualidade
b) Barebacking e normalização
biológicos.
Foucault não atribuiu aos médicos o principal papel na colocação
em prática da medicalização, sendo esta definida primeiramente como
uma forma de vigilância dos comportamentos incorretos e patogênicos
da criança no seio da família, sendo essa vigilância exercida pelos
próprios pais
Foi valorizando a sexualidade da criança, mais
exatamente a atividade masturbatória da criança,
foi valorizando o corpo da criança em perigo
sexual que se deu aos pais a diretriz imperativa de
reduzir o grande espaço polimorfo e perigoso da
gente da casa, e constituir com seus filhos, com
sua progenitura, uma espécie de corpo único,
ligado pela preocupação com a sexualidade
infantil, pela preocupação com o auto–erotismo
infantil e com a masturbação (FOUCAULT, 2001,
p. 315).
34
O suplício é uma pena corporal, dolorosa e atroz e também uma técnica ―que não deve ser
equiparada aos extremos de uma raiva sem lei‖. Uma vez concluído o inquérito pela autoridade
real e constatada a autoria do delito, impunha-se ao réu um suplicio, onde se correlacionava o
tipo de ferimento, quantidade, tempo e intensidade, não apenas em relação ao tipo de delito
cometido, mas também à pessoa do criminoso e ao nível social da vitima. (FOUCAULT, 1997,
p.31).
97
Apesar da infecção pelo HIV ainda não ter cura, a ligação entre
contaminação pelo vírus e morte não são mais diretas. Porém, segundo
os autores acima citados (2005), embora práticas como o bareback
―atentem contra a integridade física ou a vida sua ou de outrem‖ e ―uma
leitura ampliada do direito penal pode resultar em punição para os
102
39 Internet para as massas. Artigo publicado pelo IBOPE Mídia no jornal Meio & Mensagem,
na edição de 22 de junho de 2009.Disponível em:
<http://www.ibope.com.br/calandraWeb/servlet/CalandraRedirect?temp=5&proj=PortalIBOPE
&pub=T&db=caldb&comp=Notícias&docid=8411DFBF6DFF8E02832575EB004ED394>
40
Wikipédia é uma enciclopédia multilíngüe online livre, colaborativa, ou seja, escrita
internacionalmente por várias pessoas comuns de diversas regiões do mundo, todas elas
voluntárias. Por ser livre, entende-se que qualquer artigo dessa obra pode ser transcrito,
modificado e ampliado, desde que preservados os direitos de cópia e modificações. Esta
possibilidade de modificação tem gerado certa desconfiança de professores universitários em
relação sua utilização em trabalhos acadêmicos. A revista Nature, publicou o resultado de um
estudo, em que se comparou e analisou o conteúdo de várias categorias contidas na Wikipédia
e na tradicional Enciclopédia Britânica. Concluiu-se que a maior diferença entre as duas é a
forma como são redigidas, além do valor que se paga para obter informações da Enciclopédia
Britânica. A pesquisa definiu a Wikipédia como tão confiável quanto a Enciclopédia Britânica.
In: VIEIRA, Marli Vick; CRISTOFOLETTI, Rogério. Confiabilidade no uso da Wikipédia
como fonte de pesquisa escolar. Itajaí: Univali, 2008
41
Disponível em:< http://en.wikipedia.org/wiki/Jorn_Barger>
109
42
Com 125 membros cadastrados, os blogueiros do ―morenos1972‖ se apresentam ao
público como ―DOIS ATIVOS QUERENDO CARAS DELICIOSOS PARA FUDERMOS!
SEMPRE COM FOTOS/FILMES SEM APARECER ROSTO‖. Este blog foi escolhido, por
ser o mais visitado pelos internautas, de acordo com o site de relacionamentos
‗DISPONIVEL.COM‘. Disponível em:< www.morenos1972.blogspot.com.br>
111
Dispositivo da Intimidade
Ou ainda:
[...] O sujeito que fala se compromete. No mesmo
momento em que diz ―eu digo a verdade‖,
compromete-se a fazer o que diz e a ser sujeito de
uma conduta, uma conduta que obedece ponto por
ponto á verdade por ele formulada. É neste
sentido que não pode haver ensinamento da
verdade sem um exemplum. Não pode haver
ensinamento da verdade sem que aquele que diz a
verdade dê o exemplo desta verdade.
(FOUCAULT, 2006:492).
118
Diz ainda:
É como fumar. Se você tiver uma predisposição,
pode pegar câncer, mas você pode também não
pegar. Às vezes as pessoas preferem viver o
prazer, comer comida gordurosa mesmo tendo
colesterol alto, comer chocolate mesmo tendo
diabetes ou fazer sexo sem camisinha, sabendo
que podem correr risco ou podem não correr.
Sempre achei que é neste ponto que pecam as
campanhas contra AIDS. Elas nunca levam em
conta a paixão. AGUIEIRAS, Barebacker, 2008.
(ANEXO XI).
O risco é um tema que permeou toda esta pesquisa, uma vez que
na prática sexual bareback, o sujeito abre mão de usar preservativo,
correndo o risco infectar ou ser infectado por um vírus (HIV) que
desencadeia patologias e, até o momento, apesar da disponibilidade e
possibilidade de tratamento, ainda não possui cura ou vacina para evitar
o contágio.
Etimologicamente, de acordo com o Dicionário Houaiss da
Língua Portuguesa (2001) a palavra risco deriva do italiano riscare, que
por sua vez deriva do latim risicu, riscu, que significa ousar; no francês
risque significa perigo, inconveniente mais ou menos previsível. Porém,
atualmente seu significado está quase sempre associado à probabilidade
ou possibilidade de perigo:
Risco: 1. probabilidade de perigo com ameaça
física para o homem/ou para o meio ambiente (r.
de vida) (r. de infecção) (risco de contaminação)
2. Probabilidade de insucesso, de malogro de
determinada coisa, em função de acontecimento
eventual, incerto, cuja ocorrência não depende
exclusivamente da vontade dos interessados.
(HOUAISS, 2001:2462).
43
Embora esta resolução se refira às diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas
envolvendo seres humanos, serve para termos um parâmetro acerca da complexidade de
discussões que envolvem o tema.
Disponível em: <http://conselho.saude.gov.br/comissao/conep/resolucao.html>
124
44
―O passado, ou quaisquer dados que optemos por analisar, é apenas um fragmento da
realidade. A qualidade fragmentária é crucial na passagem dos dados para uma generalização.
Nunca temos ou conseguimos adquirir todas as informações de que precisamos (...). A
realidade é uma série de eventos interligados, cada um dependente de outro, radicalmente
diferentes dos jogos de azar em que o resultado de qualquer jogada individual tem influência
zero sobre o resultado da próxima jogada‖. (BERNESTEIN, 1997, p.120).
126
diz não é dito de qualquer lugar‖ (Foucault, 1987, p. 139). Desse modo,
entre o ―onde se diz‖ e o ―quem diz‖, prevaleceu ―o que se diz‖,
resultando assim, nos tópicos que compuseram esta análise. Sem deixar
de lado as posições dos sujeitos do discurso.
Desse modo, esse lugar da fala é um espaço de representação
social atravessado pela dispersão e, nessa profusão de discursos e
saberes da ordem disciplinar da vida contra a morte, nos portais
acadêmicos e nas revistas prevalecem os discursos dos especialistas da
saúde; os periódicos alternam-se entre os discursos de especialistas da
saúde, do direito e os discursos dos praticantes de bareback; já nos
weblogs prevalecem os discursos dos leigos, mostrando que aqueles que
se insurgem e correm riscos como os barebackers, são considerados
anormais e contra eles, de médicos a juízes, de grupos gays a pastores,
de jornalistas a leigos, todos querem se pronunciar.
Mas o que é que dizem esses discursos? Com base nos
documentos analisados, é possível afimar que nas discursidades
produzidas sobre a prática do barebacking na Internet em contexto
brasileiro, predominam os discursos bio- médicos prevencionistas, em
que os meios de comunicação, de modos muitas vezes sensacionalistas,
cumprem o papel de trazer o tema ao grande público. Entretanto,
quando o assunto é o sujeito que pratica bareback, existe uma
prevalência em caracterizá-lo via discursos patologizantes, como alguém
anormal, portador de distúrbios neuro/psicológico/psiquiátricos; ou
criminalizadores, que acabam contribuindo para a manutenção de
estigmas que há séculos acompanham os indivíduos homossexuais, com
críticas moralizantes, patologizadoras. Já que não é mais possível
considerar a homossexualidade em si como patologia, ao praticar
bareback e romper com o estatuto da prevenção e correr riscos, o sujeito
homossexual abre brecha para o retorno de tal qualificação sobre si.
Acerca do risco, é importante repensar também sobre os formatos
de poder e governamentabilidade que, ao potencializarem o governo de
si mesmo, têm como estratégia principal transformar os indivíduos em
responsáveis pelos riscos socialmente gerados por suas práticas. No caso
da AIDS, criam-se estratégias e intervenções generalistas que não levam
em conta particularidades culturais, morais, políticas, econômicas,
transformando a infecção pelo HIV em responsabilidades e culpas
individuais.
Nesse sentido, destaco a escolha por analisar as falas dos
praticantes barebacking pelo viés da parrhesia, e não por outra categoria
que pareceria óbvia, como a resistência, por exemplo. Ao optar pela
parrhesia, busquei valorizar a coragem do barebacker em ―falar tudo o
144
REFERÊNCIAS
Referências Eletrônicas
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contrair o HIV, encontra adeptos no Brasil, inclusive com sites para
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162
ANEXOS
168
169
Título: Pacto Mortal: Prática de sexo sem camisinha para contrair o HIV,
encontra adeptos no Brasil, inclusive com sites para encontros.
Autora: Celina Cortes
Fonte: Revista Isto É, Edição 1719 de 30 de agosto de 2002.
Disponível em:
<http://www.terra.com.br/istoe/1719/comportamento/1719_pacto_mortal.htm>
A linguagem barebacker
Celina Côrtes
Enquanto a humanidade luta em
várias frentes para deter a Aids, um
grupo cada vez maior de
homossexuais rema contra a maré
num movimento suicida e alarmante.
A onda se chama bareback. Propõe
relações sexuais sem o uso de
preservativos. A prática, segundo
adeptos, chega agora ao Brasil depois
de conquistar milhares de gays nos
Estados Unidos e na Europa. Os
motivos que levam os homens ao
RISCO: Marcos pratica sexo sem
bareback – ou montar a cavalo sem
proteção com amigos que, como ele, se
sela – é a busca mais livre do prazer.
dizem soronegativos
Alguns consideram excitante o risco
de contrair o HIV. A outra razão é ainda mais espantosa: há participantes que
desejam se infectar com o vírus da Aids – e agem com esse objetivo.
A internet tem sido o principal ponto de encontro dos praticantes no Brasil.
Lucas, 40 anos, gerente do site brasileiro BarebackBr, criou um grupo virtual e
diz que, por enquanto, só existem reuniões isoladas, nada com organização.
Assim como acontece entre os americanos e europeus, segundo o raciocínio de
Lucas, os brasileiros não gostam de gays afeminados. ―Sexo sem camisinha é
coisa de macho‖, prega ele, soronegativo e sem parceiro fixo. Pelo que dizem os
adeptos brasileiros, os que desejam contrair o HIV são minoria. ―O intuito do
170
bareback é fazer sexo sem barreiras. Pode-se dizer que grande parte dos grupos
de discussão se limita a trocar fantasias‖, diz Renato (nome fictício),
publicitário, 27 anos.
Realidade – Para Renato, os seguidores dessa ―filosofia‖ jogam de uma forma
aberta quanto à condição de soropositivos ou negativos. ―Logo, sexo bareback
só é praticado entre dois ou mais parceiros positivos, ou dessa forma entre os
negativos‖, acrescenta. Embora Sebastião (nome fictício) não mencione sua
participação em festas, admite que já se relacionou muitas vezes sem
preservativo, após descobrir ser soropositivo em fevereiro. Membro do
BarebackBr, ele não sabe explicar por que aderiu à prática, mesmo
contaminado. ―No começo talvez fosse para fugir da realidade. Hoje pratico
pelo simples tesão. É gostoso ouvir do parceiro que ele quer receber meu
esperma‖, conta ele. Ele nunca indagou ou foi indagado se era positivo.
O carioca Marcos (nome fictício), tradutor, 35 anos, começou a vida sexual com
mulheres. Suas namoradas tomavam pílulas e ele não usava camisinha. Quando
assumiu a homossexualidade, tinha um namorado e não se protegia. Depois,
passou a variar os parceiros e a usar preservativos. Só que este ano Marcos
aderiu ao bareback. ―Prefiro sexo sem camisinha. Muitas vezes fico num
dilema: sei dos riscos de contaminação pelo HIV e não desejo me ‗converter‘,
como eles usam no jargão‖, explica. Por isso, só pratica com amigos que
também não gostam dos preservativos e se dizem negativos, como ele. ―Não
consigo abandonar o bareback e tento reduzir o risco me mantendo fiel a esse
pequeno grupo de amigos‖, pondera.
Mais impressionante é a entrevista que o canadense Phil deu ao site da rede de
comunicações canadense CBC, sob o sugestivo título de ―Roleta-russa‖. Ele
confessa que vai se sentir feliz e celebrar quando contrair o HIV. ―Nesse dia
certamente vou sair e me oferecer um ótimo jantar.‖ Como costuma encontrar
muitos internautas interessados em soropositivos, acredita que dessa forma vai
aumentar seu círculo de amizades. Além de já ter se relacionado sexualmente
―sete ou oito‖ vezes com soropositivos, Phil chega ao cúmulo de injetar sangue
contaminado pelo HIV no próprio corpo. Embora tenha se submetido a um teste
em junho, até agora não conseguiu contrair o vírus. Justifica seu macabro desejo
com argumentos suicidas: ―Sou gay, solteiro e minha família não me aceita.
Não quero ser um velho e morrer sozinho. Então seria bom ficar positivo logo.‖
Cláudio Nascimento, presidente do Arco-íris, um dos mais engajados grupos
homossexuais do Rio de Janeiro, que já distribuiu 1,5 milhão de camisinhas em
dez anos, conhecia a prática no Exterior, mas soube por ISTOÉ sobre a onda no
Brasil. Só o site BarebackBr já reúne 349 participantes. Nascimento acredita
que há entre os gays uma ilusão de que o sistema de saúde esteja preparado para
lidar com a epidemia. Marcos, o barebacker carioca, atribui o aumento da
prática a um motivo simples e assustador: ―Com os remédios, muitos relaxaram
nos cuidados. Acham que, ao se contaminar, é só tomar o coquetel para levar
uma vida normal.‖
171
Suicida – A psicóloga e
sexóloga paulista Maria
Cristina Martins, 44 anos, vê
vários fatores que originam esse
comportamento. Um deles,
paradoxalmente, é o medo de
contrair o HIV com o seguinte
raciocínio: ―Vou pegar de uma
vez e acabar com essa
SITE NACIONAL: encontros e bate-papos
ansiedade.‖ Outras razões são a
sensação de isolamento, os problemas emocionais e a falta de informação. ―É
um comportamento suicida, como se fosse um pacto com a morte‖, diz Maria
Cristina. Uma das soluções apontadas por ela para evitar que os homossexuais
sejam empurrados para esses grupos seria a aprovação da lei de parceria civil
entre gays. ―Muitos querem um relacionamento de papel passado e se frustram.
Acabam desequilibrados por não colocar em prática seu lado afetivo.‖
No Brasil, 23% dos casos de soropositivos registrados até 2001 eram de
homossexuais e bissexuais, segundo o Ministério da Saúde. Estima-se que, dos
cerca de 600 mil brasileiros infectados pelo HIV, aproximadamente 111 mil
sejam homossexuais. Na campanha lançada em julho pelo governo para
incentivar o uso do preservativo entre ―homens que fazem sexo com homens‖,
nada foi mencionado sobre bareback. Os responsáveis pelo Programa Nacional
de Aids do Ministério sabem da existência da prática fora do País, mas nada foi
estudado no Brasil. ―Não verificamos uma magnitude que chamasse a atenção
pela via dos grupos gays organizados. Mas poderemos inserir o tema nas
próximas intervenções‖, diz o psicanalista Raldo Bonifácio Costa Filho,
coordenador adjunto do programa. Antes que seja tarde.
172
A roleta-russa da Aids
Nas festas do chamado barebacking,
o risco de contrair a doença ajuda
a aumentar o prazer
Leonardo Coutinho
Divulgação
A roleta-russa da aids
Pessoas sem o vírus tomam remédios contra a doença achando que assim
não precisarão usar camisinha. Por que esse é um erro que pode agravar a
epidemia
SUZANE FRUTUOSO
ALERTA
―Barebacking"
Nos últimos anos, tornou-se frequente, no mundo gay de Nova York e de muitas
metrópoles, a prática do "barebacking", transar analmente sem preservativo. Há
numerosos sites na internet consagrados aos prazeres do "barebacking" (por
exemplo, barebacksex.com). Nos perfis que indicam as preferências sexuais nas
salas de bate-papo, é banal que seja indicada uma preferência ou expressada a
exigência de que o sexo seja sem proteção.
Quando, quatro anos atrás, a imprensa gay americana começou a debater
seriamente (e combater) o fenômeno, talvez se tratasse de uma reação contra
décadas de sexo excessivamente protegido. A lógica era: proibimos até o sexo
oral sem preservativo, as pessoas cansaram e deixam completamente de se
proteger. Ou, então: à força de transar sob o peso de uma ameaça constante, a
contaminação aparece como uma libertação.
De fato, inicialmente, a prática parecia ser própria a sujeitos HIV positivos que,
"enfim", se soltavam. Ou ela era escolhida por grupos de sujeitos
comprovadamente HIV negativos que se encontravam para transar livremente
entre si. Mas aconteceu uma mudança radical na prática do "barebacking". A
transa anal não protegida passou a ser explicitamente proposta por sujeitos que
se declaram HIV positivos, como uma promessa erótica de contaminação.
Simétricos, apareceram sujeitos HIV negativos procurando transas não
protegidas com parceiros positivos.
Nesse círculo, a passagem do vírus é chamada "the gift", o presente, sem ironia.
Existem festas (verdadeiramente particulares, estas) em que sujeitos HIV
negativos se submetem a penetrações múltiplas e não protegidas por sujeitos
HIV positivos. Isso na frente de uma pequena platéia de amigos chamados para
celebrar o acontecimento.
É, no mínimo, uma insurreição desesperada contra o erotismo narcisista. Se
ninguém quer ou consegue mais dominar de verdade, é possível recorrer ao
mestre absoluto, à morte, com quem a brincadeira será inevitavelmente séria.
Com quem, aliás, a brincadeira não será só uma brincadeira.
180
Nos anos 60, fantasiava-se bastante sobre os "snuff movies", os filmes (se é que
existiram) em que a vítima de uma cena sadomasoquista era sacrificada
realmente.
Essas notas sobre o sexo na cidade de Nova York hoje seriam demasiado falhas
se não registrassem o seguinte. Há um erotismo da dominação que perdeu
fôlego, mas sobrevive ganhando a visibilidade de um show. Há o prazer
constante do desfile narcisista. E há também a voz de uma revolta extrema
contra o faz-de-conta. Diz assim: querem que tudo seja um filme? Pois bem,
serei a vítima de meu próprio "snuff movie". E agora me digam: ainda é apenas
um show?
181
O Jornal do Brasil teve passe livre em dois desses encontros, batizados de bare
party (festa bare).
É a primeira vez que um veículo de comunicação ingressa em reuniões nas
quais o leitmotiv, ou fetiche, é praticar sexo com pessoas desconhecidas, que
possam, acima de tudo, ser soropositivas. Às cegas, todos são guiados apenas
pelo que sentem. E, para facilitar a comunicação, criaram um vocabulário
próprio.
Festa da conversão
As orgias são chamadas de conversion parties ou roleta-russa. Entre os
convidados, há os bug chasers (caçadores de vírus), o HIV negativo, que se
182
Risco assumido
HIV positivo, o administrador T.W., 45 anos, ratifica a análise de Bonança. Para
ele, os adeptos do movimento sabem os riscos da superexposição e, alguns,
ressalta, desejam o contágio conscientemente:
– Quem pratica sexo sem preservativo não pode ser considerado ingênuo. Tenho
um amigo casado com soropositivo. Ele pediu ao parceiro que o contaminasse.
Disse que era por solidariedade, mas acho que é masoquismo.
As observações de Bonança e T.W. foram comprovadas pelo JB em outra festa
com a mesma proposta. Dessa vez, na Zona Oeste, a mais de 60 km da reunião
em Ipanema.
O encontro, realizado mensalmente em um sítio, é batizado de Vale Tudo e está
em sua 17ª edição. De sunga, de cueca ou nus, exigência para entrar, os
participantes se divertem ao som de funk. Dos inocentes à la Perlla aos
proibidões, compostos pela ―galera da comunidade‖. Agora não há TVs de
plasma, luz ambiente, bebidas ou petiscos sofisticados. Computador?
Nem pensar. É uma zona praticamente rural. O bar improvisado oferece cerveja
em latão, sopa de ervilha, salsichão na brasa, batata frita na hora e campari. O
sexo, claro, também é praticado sem timidez.
Na varanda do casarão, na sala, nos quartos, na piscina, na grama. O produtor
avisa, na entrada, que os preservativos estão disponíveis.
Percebe-se o zelo pela prevenção. A maioria, no entanto, dispensa, sobretudo
em se tratando de sexo oral.
As situações são muito parecidas com as da festa na Zona Sul. Geralmente, dois
dão o sinal verde e, em poucos instantes, como num formigueiro, três, quatro,
cinco ou dez estão reunidos em busca do prazer.
Há um ano e meio, Igor (codinome de J.C., 42 anos, professor dos ensinos
fundamental e médio) produz em sociedade com Renato (A.F, 40 anos, militar),
a Vale Tudo.
Garante que o encontro não incentiva o bare, é freqüentado só por maiores e que
o uso de drogas é proibido. Esses são dois de cerca de 20 itens de uma espécie
de manual enviado por e-mail aos convidados.
Ainda está registrado na mensagem:
- Sexo liberal entre todos. A formação de casais ou grupinhos é censurada.
Estamos numa orgia e não num consultório matrimonial.
– Menor, cocaína, ecstasy, crack, maconha ou qualquer outra droga são vetados.
Mas sempre há os que usam discretamente. Como posso controlar o que os
convidados fazem? Se eu vir, peço que se retirem. Mas não vou colocar
seguranças. Isso desconfiguraria a proposta da festa. São adultos. Cada um é
responsável por seus atos – frisa Igor.
Risco permanente
Ribeiro destaca a necessidade de de todos os que se lançam ao sexo sem
camisinhas refletir sobre o polêmico tema e as conseqüências da prática. Os
familiarizados com o termo e o movimento partem para o simples "sou contra"
ou "sou a favor", estabelecendo-se, assim, dois lados que se mostram
inconciliáveis justamente pela falta de consenso sobre a inconseqüência com
que muitos homens praticam o unsafe sex. A discussão vai além.
- É importante se informar, pensar e decidir o que se pretende com isso. Ter
uma vida saudável passa longe do exercício do bare. A decisão, claro, é
exclusivamente pessoal. Da mesma forma que escolheram a orientação sexual,
podem assim decidir o que fazer com o próprio corpo - assinala
Números divulgados pelo Ministério da Saúde sedimentam a análise do
pesquisador. Em 1996, no Brasil, o índice de heterossexuais com mais de 13
anos contaminados pelo HIV era da ordem de 22,4% do total de 16.938
infectados.
Até junho deste ano, esse percentual saltou para 45,7%. Entre os
homo/bissexuais houve uma redução de 32,5% (em 1996) para 27,4% (junho de
2008).
Bareback foi um termo criado pelos cowboys dos Estados Unidos, e significa
―montar sem sela‖. Há competições onde os montadores, seja em boi ou em
cavalo, o fazem sem o aparato: direto nos pêlos do animal. Vence a disputa
aquele que ficar mais tempo em cima do bicho, direto na pele.
Os que não são muito fãs da camisinha gozam de um segundo fetiche, associado
ao risco de se contrair AIDS, ou outras DSTs. Em alguns encontros de
barebacks, na Europa ou EUA, o perigo excita no ritual de passar adiante o
―presente‖, ou ―the gift‖, no caso o vírus HIV. Conhecidas como festas de
conversão, nestas ―reuniões‖, pessoas soropositivas e negativas transam sem
preservativo, para assim ―presentear‖ aqueles que ainda não se converteram.
As ―Conversion Party‖ ainda não deram as caras pelo Brasil, pelo menos que se
tenha conhecimento. Mas, em um rápido passeio pela internet, você pode
encontrar filmes nacionais e comunidades no Orkut, como por exemplo,
―Bareback Teen Brasil‖, voltada para adolescentes, e a oficial do grupo,
―Bareback Brasil‖. Para entender melhor, a reportagem da revista A Capa
entrevistou um adepto da prática. Seu nome é Fernando**, 30 anos e
enfermeiro. Ele conta que já pratica o bare há muitos anos e que o tesão do
barebacker é ―sentir pele com pele, sem algo entre você e ele. Eu
particularmente broxo só de por a camisinha, pois não se sente nada, é a mesma
coisa que transar com um boneco de sex shop‖, diz.
190
Gaius Caesar é o organizador da primeira festa bareback que se tem notícia pelo
Brasil. No site de divulgação do encontro, há inúmeras fotos com rapazes
transando e, claro, sem qualquer tipo de proteção. Gaius diz que sua festa não
tem regras. ―O único objetivo é fazer com que o prazer flua da melhor maneira.
Em meus encontros não coloco regras, as pessoas as criam‖, afirma. No convite
da festa, há um símbolo com um X sobre uma camisinha, indicando a proibição
de levar preservativos ao encontro. Ainda sobre a festa, ele explica que a
intenção é celebrar a liberdade. ―É a liberdade, o encontro com pessoas que
pensam da mesma forma, sem qualquer tipo de pudor‖.
Fernando revela nunca ter participado de festas como as organizadas por Gaius.
Diz também que não gosta muito, prefere fazer o encontro a dois. Sobre o risco
de contrair doenças com o bareback, ele compara com o ato de se fazer comidas
em microondas. ―Nunca peguei DST de nenhuma espécie, trabalho na área da
saúde e sei o risco que se corre. Não costumo pensar no depois, seria o mesmo
que pararmos de comer coisas preparadas em microondas, pelos raios
cancerígenos, ou pararmos de usar celular porque causa problema auditivo e
também é cancerígeno. Se formos pensar no que não devemos fazer, não
faremos nada do que é bom na vida.‖ Sobre os seus encontros, ele diz que
sempre acerta a relação sem camisinha antes da transa. ―Sempre é pré-
combinado. Não tem conversa fiada.‖
dela e por aqueles que esperavam sua vez para entrar. E nem eram os únicos.
Organismos como aquele se espalhavam pelos cantos do lugar e eram
desmontados e reconstruídos uns atrás dos outros, formando uma autêntica
cadeia predatória. Um pequeno detalhe: entre eles, havia portadores do vírus
HIV. O risco de contaminação era dos maiores, portanto. Mas ninguém se
importava com isso.
Esta bem poderia ser a pintura de uma Russian Roulette Party (Festa da Roleta
Russa, em que apenas o anfitrião sabe quem é o homem-bala infectado)
acontecendo em alguma mansão de uma cidade avant-garde na Europa há dez
anos. Não estivéssemos em 2008 e as tintas pincelassem uma sauna gay no
centro de São Paulo onde soropositivos e/ou não se reúnem para a prática do
bareback - cavalgada sem sela, em tradução literal. Gíria no meio homossexual
americano para o sexo anal desprotegido entre gift givers (quem tem o vírus de
presente para dar) e bug chasers (quem caça sarna para se coçar).
"Houve quem já dissesse que meu comportamento era típico de um bug chaser,
embora agisse à época de uma maneira completamente alienada em relação ao
HIV/AIDS. Não houve namorados, não houve deslealdades - nomes e
preservativos muitas vezes também não havia. Havia tão-somente encontros
casuais entre outros homens e eu, de modo que não me sinto à vontade nem para
me auto-atribuir inocência. Agia que nem um alienado mesmo e, no máximo,
após um ou outro daqueles encontros, era acometido ligeiramente pela pergunta:
quais são as chances? Mas a pergunta me assaltava e logo desaparecia, sem
esforço".
Igor, porém, não poderia mais ser enquadrado – como ele mesmo se apressa em
dizer – no perfil de um barebacker "cujas ações nos encontros giram em torno
da condição sorológica das pessoas, além de poder arcar com o próprio
tratamento, o que acontece nos E.U.A e Europa, e que insufla no cara um
sentimento de maior independência e liberdade individual". Pois aí está a
palavra-chave.
Favorável ao sexo com camisinha entre todos, marido e mulher inclusos na lista
- "até para pararem de produzir criancinhas que depois não saberão educar" -,
RFB, soropositivo desde 1996, contudo, defende que "todas as pessoas têm o
direito de tomar decisões autônomas sobre sua própria vida sexual, desde que
em um contexto de ética pessoal e social". Liberdade.
O que é ético para uns, no entanto, pode não ser para outros. Bingo. RFB, ele
próprio, não vê mal algum no sexo sem camisinha. Seja qual for o caso. "Quem
estiver preocupado com infecção, que evite um tipo desses - porque ele
claramente não se preocupa com nenhuma DST. Que bom para ele (ou mau, se
contrair sífilis ou gonorréia qualquer dia). Criticar uma pessoa que está na dela,
apenas exercendo um pouco de sua humanidade e se proporcionando uma
liberdade que talvez por muito tempo não tenha conseguido desfrutar - algo que
absolutamente não é proibido - parece mais coisa de quem tem vontade de fazer,
mas não consegue transpor suas próprias limitações".
Há quem transponha. JR contraiu o vírus em 2004 aos 19 anos, numa festa bare
em Porto Alegre. Ainda hoje, freqüenta o mesmo círculo em que foi
presenteado. Novos "sócios" entraram desde então. "Ano passado mesmo, teve
um cara que me implorou olhando nos olhos para que eu lhe presenteasse.
Queria que fosse eu, entende? Até que tentei, mas ele fez o exame em janeiro e
não deu nada. Quem sabe da próxima?". Há quem ainda continue caçando,
portanto. Alguns – como que por milagre – desde tempos. Em vão.
Cabem as perguntas: 'Por que as pessoas negativas que transaram comigo sem
preservativo não se protegeram?', 'Por que não perguntaram meu status
sorológico?'. Não é responsabilidade minha comunicar meu status sorológico.
Não é responsabilidade minha cuidar da saúde dos meus parceiros. É
responsabilidade deles".
"Muitas não teriam feito sexo comigo e não teriam recebido a lição que eu
apliquei nelas se eu tivesse dito que era portador do HIV. Veja: as pessoas se
acham no direito de selecionar seus parceiros com base em sua condição
sorológica. Eu me acho no direito de selecioná-los com base em suas reações a
minha condição sorológica. E para isso, preciso testá-los. Não estou fazendo
nada diferente do que eles fazem. Eles me testam para ver se sou 'bom caráter',
segundo sua concepção do que seja isso. Eu faço a mesma coisa. Os direitos são
iguais".
De fato. Pelo que consta no artigo 130 do Código Penal Brasileiro, a quem
"expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a
contágio de moléstia venérea, de que sabe ou deve saber que está contaminado",
cabe detenção de três meses a um ano, ou multa. Nesse caso, porém, "somente
se procede mediante representação". No entanto, a Aids não é considerada uma
DST pela jurisprudência, já que sua transmissão também ocorre por outros
meios que não o sexo (... sífilis ou gonorréia qualquer dia...).
Igor é taxativo ao não dar uma conotação restritiva à prática. Grupos de risco,
para ele, é um conceito que devia ter morrido com os anos 90. "Estatísticas
comprovam que entre homossexuais o hábito do sexo seguro se faz muito mais
presente do que entre heterossexuais". A informação procede. Um boletim
epidemiológico divulgado pelo Governo Federal em 2007 mostra que, em 1996,
dos casos registrados em homens, 29,4% foram em homo/bissexuais; 25,6% em
heterossexuais; e 23,6% em usuários de drogas injetáveis. Dez anos depois, no
entanto, foram 42,6% em heterossexuais; 27,6% em homo/bissexuais e (apenas)
9,3% em usuários de drogas injetáveis.
"Eu e uma amiga ficamos imaginando o que ia acontecer caso alguma de nós
estivesse infectada. Seria um pandemônio, porque estariam eu e, a partir de
mim, mais uns cinco caras. No meio deles, um que depois trepou com essa
minha amiga. E, a partir dela, mais uns quinze caras. Da última vez que a gente
contabilizou, eram pelo menos umas vinte pessoas conhecidas. Fora aqueles
com quem esses vinte devem ter ido para cama e assim por diante". Tão logo a
ficha caiu, a artista plástica Bettie G. caiu junto na gargalhada. Talvez
compreensível a ausência de lágrimas?
O mesmo boletim de 2007, pois, afirma ainda que, após cinco anos da infecção,
mais de 80% dos portadores do HIV continuavam vivos – e bem, obrigado. Os
outros 20% seriam justamente pacientes que demoraram a procurar tratamento e
acabaram morrendo em decorrência de infecções oportunistas (o que foi
confirmado por um novo balanço divulgado em fevereiro deste ano).
198
Foi de olho nesses resultados e em estudos de vários outros países, que a Suíça
se tornou, em janeiro, a primeira nação a reconhecer oficialmente que, sob
tratamento anti-retroviral, portadores de HIV podem ter sexo sem preservativo e
sem risco de contágio – inclusive para gerar filhos saudáveis e concebidos após
infecção.
"Se a CV (carga viral) da pessoa está aumentando, significa que o vírus está se
replicando e, logo, sofrendo mutações. E se a pessoa não toma medicamentos
corretamente, permite também que o vírus se replique e, logo, sofra mutações".
RFB arremata mais uma. Ou seja: não siga os três passos e tudo vai por água
abaixo. E assim entramos no tópico reinfecção.
"Os vírus que todo portador tem (não importa qual seja o tipo) sofrem mutações
quase todas as vezes que se reproduzem. As mutações, por sua vez, também vão
mutando e podem inclusive voltar a ser o que eram - muitas nem vingam.
Conclusão: é bastante fútil para um portador de HIV temer adquirir uma cepa
resistente de outro portador, sendo que ele próprio tem todo o potencial de
produzir uma a qualquer momento, principalmente se não estiver tomando
ARV's". RFB é professor. Dizendo ele, ganha o respeito de seus alunos
dominando o conteúdo sobre o qual versa.
Enquanto não vem, eles cavalgam. Livres agarrados ao pêlo. Uns mais
ortodoxos, talvez, outros nem tanto. Uma coisa miscigenada. Desorganizada.
Um samba do criolo doido bem nosso. Mas que compartilha algo em comum
com todos os dois milhões de europeus e sete milhões de americanos
barebackers que puxam o gatilho na dúvida de que se vem bala (embora sempre
sem papel) ou não. A perda do medo em tempos de Aids.
NOTÍCIASÉ CULPADO
Titulo: “Dois ativos querendo caras deliciosos para fudermos! Sempre com
fotos/filmes sem aparecer rosto”.
Autor: os morenos
Fonte: Web videolog ―morenos 1972‖
Obs: Por tratar-se de filmes este documento está disponível apenas on line.
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Isso nunca foi uma preocupação para mim. Sou positivo há cinco meses. Nos
últimos três anos, praticava sexo inseguro com mais freqüência. Acho até que
demorou muito. Paguei para ver e não me arrependo. Comecei a buscar mais e
mais, consciente dos riscos. Até mesmo perder o namorado.
Você tinha namorado e continuava no bare? Ele sabia?
Não, embora desconfiasse. Mas a gente fazia sexo com preservativo. Quando
descobri, contei para ele. Terminamos a relação. Ele sabia que eu transava com
outros e aceitava. Mas desconhecia de que forma isso se dava. O conceito de
fidelidade para nós estava relacionado a outro nível de confiança que não
exclusivamente o sexual.
O barebacking não pode ser uma fantasia apenas, algo isolado?
Não, quem pratica quer mais e mais. Não há médico, jornalista, antropólogo,
líder religioso que consiga me convencer do contrário. Isso é um risco. Mas é
assim que funciona. E ponto.
Você busca o prazer acima de qualquer coisa...
O sexo é prioridade. Não digo que está acima de qualquer coisa, mas não sei o
que poderia estar.
Você teme a morte?
Tenho mais medo de outras coisas. Da solidão, das pessoas se afastarem de mim
por causa da doença. Meu namorado ma abandonou por causa disso. Fiquei mal,
eu o amava.
Mas você procurou isso, não?
Sim. Pensei em parar. Mas o bare é mais forte do que eu.
Se encontrar um parceiro que lhe peça uma relação sem camisinha, como
reagirá?
Vou revelar que sou soropositivo. Se ele continuar desejando... Isso nunca
aconteceu. Hoje em dia prefiro os positivos.
O sucesso do programa de combate à Aids no Brasil influencia?
Claro. Há alguns anos se morria em pouco tempo. Hoje não.
Não é um egoísmo irresponsável? Você não pensa que será um ônus para o
governo?
Fico mais preocupado com as pessoas que gostam de mim e que não desejariam
ver meu sofrimento. Com relação aos gastos do governo, nunca passou pela
minha cabeça. Ele ajuda mais a uma mulher cujo marido transou com uma
prostituta ou com outro homem e acabou contaminando-a. Há uma série de
direitos constitucionais que me são vetados porque sou gay. Não estou nem aí
para o fato de ser um ônus para o governo.
Quanto à pessoa que o infectou, você contou para ela? Continua a encontrá-la?
Sim. Transei com ele nesse fim de semana. E sem camisinha.
Qual a sua expectativa em relação ao futuro?
Espero durar mais um pouco, não adoecer enquanto meus pais estiverem vivos.
Espero encontrar alguém para amar, porque deixei de acreditar nessa
possibilidade desde o término do meu namoro. Só chorei por causa da
descoberta depois que revelei a ele e o namoro acabou.
Você desejava ser infectado?
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Nunca pensei dessa forma. Sempre fiz exames regularmente. Mas, como
demorou muito, achei que poderia acontecer algum dia. Hoje me sinto, de certa
forma, aliviado. Agora, quando quero, fico 48 horas transando e pronto. Meus
últimos fins de semana têm sido frenéticos.
Você não acha que isso poderia passar com tempo, que seria algo da idade?
Pelo que vejo, não. E, cada vez mais, observo jovens de 18, 20 anos fazendo
isso. E com drogas na cabeça. Como disse, já usei, e ainda uso eventualmente,
algumas coisas, como pó, bala, GHB (o ecstasy líquido), poppers, key (Special
K, produzido a partir de um anestésico veterinário para animais de grande
porte).
Há um que nunca usei: o crystal meth (derivado da heroína). Mas por falta de
oportunidade. No Rio, o pó é muito usado. Há pessoas que não usam nada no
bare, mas a maioria não dispensa.
O poppers, por exemplo, dão um tesão absurdo. Todo mundo gosta por causa
disso. É a droga gay. E mesmo quem não faz barebacking quando usa a droga
acaba transando sem preservativo, porque ficam loucos. Foge ao controle.
[18:06] - 03/01/2009 - RSS
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