Paul Lovejoy 1
Paul Lovejoy 1
Paul Lovejoy 1
ÁFRICA
HISTÓRIAS
CONECTADAS
© 2015 by Alexandre Vieira Ribeiro, Alexsander Lemos de Almeida Gebera e
Marina Berthet.
ISBN : 9788563735188
E M P OS DE ES CRAVIDÃO
E S E M T
CONEXÕ
CONEXÕES
EM TEMPOS
DE ESCRAVIDÃO
Jagas e sobas no “Reino de Benguela”:
Vassalagem e criação de novas
categorias políticas e sociais no
contexto da expansão portuguesa na
África durante os séculos XVI e XVII
Mariana P. Candido1
1 Universidade do Kansas.
2 Ver, entre outros, Frederick Cooper e Ann Laura Stoler (orgs.), Tensions of empire:
colonial cultures in a Bourgeois world. Berkeley: University of California Press, 1997,
p. 1-40; Mahmood Mamdani, Citizen and subject: contemporary Africa and the legacy
of late colonialism. Princeton: Princeton University Press, 1996; Pamela Scully, “Ma-
lintzin, Pocahontas, and Krotoa: indigenous women and myth models of the Atlantic
world”, Journal of Colonialism and Colonial History, v. 6, n. 3, 2005; Jean Comaroff
41
42 África: Histórias conectadas
trolava uma vasta área territorial e distintos grupos linguísticos não parece ter
existido ao sul do Cuanza, como tampouco parece ter existido em outras partes
do mundo, inclusive na Europa.5 Nos séculos XVI e XVII, a área próximo ao
litoral era habitada por populações centralizadas sob chefaturas, como os mun-
dombes ou os quilengues, assim como grupos nômades, com populações menores
que se dedicavam ao pastoreio, à caça ou à coleta, como os grupos kwadi, kwadu
e kung (respectivamente corocas/mocorocas, moquimbas e mucuancalas nas fon-
tes portuguesas).6 No entanto, a designação “Reino de Benguela” se consolidou
e pode ser vista não só nas fontes primárias dos séculos XVI, XVII, XVIII e XIX,
como também em mapas, como um território delimitado. O chamado “Reino
de Benguela” até então inexistente como entidade política africana passou a exis-
tir como espaço imaginado sob domínio do Império Português, desfrutando em
alguns momentos de autonomia e, na maior parte, sob controle do governador
do Reino de Angola.7 Em si, esse episódio demonstra a fragilidade da presença
portuguesa na região e evidencia o desconhecimento sobre os territórios e popu-
lações encontradas e, teoricamente, dominadas. Também revela o imaginário de
uma colonização em que povos conquistados deveriam governar-se à moda euro-
peia, com reis, reinos, monarquias, o que leva inevitavelmente à criação de novas
instituições e modos de governabilidade.8 A inexistência de um estado africano
que possa ser identificado como o “Reino de Benguela” ou ainda de um soberano
que seja o rei de Benguela não impediu que historiadores nos séculos XX e XXI
continuassem a usar essa terminologia como se tal estrutura política tivesse algum
significado fora do âmbito do Império Português ou ainda alguma relevância para
as populações que viviam nessa região.9
10 Entre outros, ver Gladwyn Murray Childs, “The peoples of Angola in the sev-
enteenth century according to Cadornega”, The Journal of African History, v. 1, n. 2,
p. 271-279, 1960; Jan Vansina, “The foundation of the Kingdom of Kasanje”, The Jour-
nal of African History, v. 4, n. 3, p. 355-374, 1963; Anne Hilton, “The Jaga reconsid-
ered”, The Journal of African History, v. 22, n. 2, p. 191-202, 1981; Beatrix Heintze,
“The extraordinary journey of the Jaga through the centuries: critical approaches to
precolonial Angolan historical sources”, History in Africa, v. 34, p. 67-101, 2007; Joseph
C. Miller, “Requiem for the ‘Jaga’”, Cahiers d’Études Africaines, v. 13, n. 49, p. 121-149,
1973; John K. Thornton, “A resurrection for the Jaga”, Cahiers d’Études Africaines, v. 18,
n. 69-70, p. 223-227, 1978; François Bontinck, “Un mausolée pour les Jaga”, Cahiers
d’Études Africaines, v. 20, n. 79, p. 387-389, 1980; Paulo Jorge de Sousa Pinto, “Em
torno de um problema de identidade. Os ‘jagas’ na história do Congo e Angola”, Mare
Liberum, v. 18-19, 1999; Joseph C. Miller, “Thanatopsis (Thanatopsie)”, Cahiers d’Étu-
des Africaines, v. 18, n. 69-70, p. 229-231, 1978.
11 A citação é de Alberto da Costa e Silva, A manilha e o libambo. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 2002, p. 3. Ver também António da Silva Rêgo, A dupla restauração
de Angola, 164l-1648. Lisboa: Divisão de Publicações e Biblioteca/Agência Geral das
Colónias, 1948, p. 140; Filippo Pigafetta e Duarte Lopes, Le Royaume de Congo & les
contrées environnantes (1591). Paris: Chandeigne, 2002; António de Oliveira de Ca-
dornega, História geral das guerras angolanas, 1680-1681, v. 1. Lisboa: Agência-Geral
das Colónias, 1972; E. G. Ravenstein (org.), The strange adventures of Andrew Battell of
Leigh, in Angola and the adjoining regions. London: Hakluyt Society, 1901.
46 África: Histórias conectadas
ano de 1570”.12 Outros historiadores também fazem menção aos jagas no interior
de Luanda e ao sul do rio Cuanza, problematizando a possibilidade de eles serem
um grupo específico ou ramificações dos imbangalas.13 O fato de os jagas serem des-
critos pelos cronistas europeus como povos guerreiros, canibais, caracterizados por
um comportamento extremamente violento não deveria ser uma surpresa, afinal o
encontro com “canibais” era constante no período da expansão europeia. Hans Sta-
den, por exemplo, descreveu os tupinambás como canibais e selvagens, alimentan-
do a fantasia europeia dos trópicos como terras perigosas, com populações exóticas
que viviam na barbárie, em oposição à civilização europeia.14 Na costa oriental afri-
cana, os zimbas também foram descritos como canibais.15 Assim o encontro com os
jagas não foi uma exceção na expansão portuguesa.
Este capítulo analisa como os jagas do “Reino de Benguela” eram descritos nos
relatos e fontes portuguesas. Para tanto, começo com uma breve descrição da che-
gada dos portugueses no chamado “Reino de Benguela” e problematizo a arbitrarie-
dade do uso do conceito “reino” para essa região. Posteriormente, examino o pro-
cesso de classificação dos povos encontrados e, mais especificamente, como o termo
“jaga” era empregado em Benguela e no seu interior, no século XVII.
29 Para casos semelhantes na África Ocidental, ver John W. Blake, Europeans in West
Africa, 1450-1560. London: The Hakluyt Society, 1941; Harvey M. Feinberg, Africans
and Europeans in West Africa: Elminans and Dutchmen on the Gold Coast during the
eighteenth century. Philadelphia: American Philosophical Society, 1989; M. D. D. Ne-
witt, A history of Portuguese overseas expansion, 1400-1668. London: Routledge, 2005,
p. 25-26. John Thornton problematiza a superioridade bélica dos europeus nos séculos
XVI e XVII. Ver John Kelly Thornton, Warfare in Atlantic Africa, 1500-1800. London:
Routledge, 1999. Para os estranhamentos em outros espaços, ver O’Gorman, La inven-
ción de América...; Tzvetan Todorov, A conquista da América. A questão do outro. São
Paulo: Martins Fontes, 2003; Gruzinski, A colonização do imaginário...; Iris M. Zavala,
Discursos sobre la “invención” de América. Amsterdam/Atlanta: Rodopi, 1992.
30 Para mais sobre esse assunto, ver Thornton, “The development of an African Ca-
tholic Church...”; Souza, Reis negros...; Mariana Candido, “O limite tênue entre a liber-
dade e escravidão em Benguela durante a era do comércio transatlântico”, Afro-Ásia,
v. 47, p. 239-268, 2013.
31 Heintze, Angola nos séculos XVI e XVII..., p. 167-236; Linda M. Heywood, “Slavery
and its transformation in the Kingdom of Kongo: 1491-1800”, The Journal of African
History, v. 50, n. 1, p. 1-22, 2009, cf. p. 6.
32 Heintze, Angola nos séculos XVI e XVII..., p. 244-245.
Mariana P. Candido 51
O interesse pelo chamado “Reino de Benguela e o seu sertão” era pautado pela
possibilidade de lucros comercias e pelas vantagens que o comércio de escravos
poderia trazer. Foi nesse contexto de expansão portuguesa, demanda por mine-
rais, competição entre as Coroas europeias e o espírito de cruzada religiosa que
a Coroa portuguesa enviou Manuel Cerveira Pereira para conquistar e fundar
Benguela. Os jagas e os demais habitantes deveriam ser dominados, conquistados
e evangelizados, e suas riquezas apreendidas pelo Infante Pio, como Felipe II de
Portugal era conhecido.41
[O] mar aqui tem muito peixe e a terra é muito boa, disposta a tudo o que
quiserem plantar e assim há canaviais de açúcar e algodão. Tem dois rios [...]
dele bebemos [a água] que é riquíssima. [...] Há muito peixe, assim como
tainhas grandes. Dentro da cidade temos muitos porcos [...] Quem não se
desmanda não morre. Eu até o presente [...] não tive nenhum achaque, seja
Deus louvado.44
Devido à abundância de gado, a baía ficou conhecida como baía das Vacas.45
Apesar da força limitada da presença portuguesa e do fato de a maioria da
população mundombe resistir à presença das tropas estrangeiras, na História geral
das guerras angolanas, António de Cadornega clamava o controle português do
Reino de Benguela, “com sua cidade de São Filipe beira-mar, sita na província
chamada dos Quimbundos, com a qual confina a dos Sumbis, e pelo sertão
adentro com a província do Genge, toda povoada de quilombos de Jagas, outros
riana P. Candido, “Slave trade and new identities in Benguela, 1700-1860”, Portuguese
Studies Review, v. 19, n. 1-2, p. 59-75, 2011.
43 Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), Angola, cx. 1, doc. 74, 28 de agosto de
1617. Ver também Ralph Delgado, A famosa e histórica Benguela: catálogo dos gover-
nadores. Lisboa: Gráfica Lisbonense, 1940, p. 61; Felner, Angola..., p. 333.
44 AHU, Angola, cx. 1, doc. 87, 2 de julho de 1618.
45 Felner, Angola..., p. 325. Sobre a importância do gado ao sul do Cuanza, ver Joseph
C. Miller, Kings and kinsmen: early Mbundu states in Angola. Oxford: Clarendon Press,
1976, p. 262-263.
Mariana P. Candido 55
46 Cadornega, História geral..., v. 3, p. 168; Benguela e seu sertão, p. 17; Delgado, O
Reino de Benguela..., p. 62. Os quilengues, no século XX, estavam divididos em dois
subgrupos, quilengue-humbe e quilengue-musho, pertencentes ao grupo linguístico
nhaneka-humbe-va-nyaneka-lunkumbi). E se diferenciavam dos habitantes do litoral,
os mundombes ou ndombes, falantes da língua umbundu. Para mais detalhes sobre
o mapa étnico dessa região no século XX, ver José Redinha, Distribuição étnica de
Angola: introdução, registo étnico, mapa. Luanda: Centro de Informação e Turismo de
Angola, 1968, p. 16-19. A grande dificuldade é entender como as identidades étnicas
mudaram com o tempo. Para uma descrição do século XVII, além de Cadornega já
citado, ver Childs, “The peoples of Angola...”.
47 Hespanha, “Depois do Leviathan”, p. 61.
48 AHU, Angola, cx. 1, doc. 87, 2 de julho de 1618. Para mais sobre os mundom-
bes, ver Olindo Casimiro de Figueiredo, “Estudo antropométrico sobre mundombes”,
Mensário Administrativo, 10, p. 37-47, 1948; Para a invisibilidade dos habitantes de
Benguela como mundombes nas fontes portuguesas, ver Childs, “The peoples of An-
gola...”; Candido, “Slave trade and new identities...”.
49 AHU, Angola, cx. 1, doc. 86, 15 de junho de 1618.
50 AHU, Angola, cx. 1, doc. 87, 2 de julho de 1618.
56 África: Histórias conectadas
los portugueses. Depois do retorno do líder ao litoral, ele foi finalmente chamado
de Peringue e identificado como “fidalgo” nas cartas de Manuel Cerveira Pereira,
sugerindo aliança à Coroa portuguesa. Nomear instituía e/ou reordenava poderes
locais entre africanos e entre estes e os portugueses. Reconhecer uma autoridade
africana, mesmo a contragosto e em clima de conflito, reforçava essa autoridade
perante a Coroa portuguesa e outras populações africanas, em processos muito
semelhantes às “invenções dos chefes” pelos britânicos e franceses no século XIX,
que receberam mais atenção dos africanistas.51
A pequena força portuguesa havia estabelecido a cidade de Benguela, que se
tornou “a cabeça do reino de Benguela”.52 O escrivão da fazenda real, Vicente
Borges Pinheiro, destacou que, no final do século XVII,
51 Para mais sobre o assunto, ver T. O. Ranger, “The invention of tradition in colonial
Africa”, in E. J. Hobsbawm e T. O. Ranger (orgs.), The invention of tradition. Cam-
bridge: Cambridge University Press, 1992, p. 211-261; Sara Berry, Chiefs know their
boundaries: essays on property, power, and the past in Asante, 1896-1996. Porstmouth
(NH): Heinemann, 2001; Clifton Crais, “Chiefs and bureaucrats in the making of em-
pire: a drama from the Transkei, South Africa, october 1880”, American Historical Re-
view, v. 108, n. 4, p. 1.034-1.056, 2003; Carolyn Hamilton, Terrific majesty : the power of
Shaka Zulu and the limits of historical invention. Cambridge (MA): Harvard University
Press, 1998. Para como o processo de reconhecimento reforçava as autoridades afri-
canas, ver Ana Paula Tavares e Catarina Madeira Santos (orgs.), “Uma leitura africana
das estratégias políticas e jurídicas. Textos dos e para os dembos”, Africae monumenta.
A apropriação da escrita pelos africanos. Lisboa: Instituto de Investigação Científica
Tropical, 2002, p. 243-260; Santos, “Administrative knowledge in a colonial context...”;
Beatrix Heintze, “The Angolan vassal tributes of the 17th century”, Revista de História
Económica e Social, v. 6, p. 57-78, 1980; Beatrix Heintze, “Translocal kinship relations
in Central African politics of the 19th century”, in Ulrike Freitag e Achim von Oppen
(orgs.), Translocality. The study of globalising processes from a Shouthern perspective.
Leiden: Brill, 2010, p. 179-204.
52 AHU, Angola, cx. 12, doc. 161, 20 de novembro de 1684.
53 Mani era o título político nos reinos do Congo e Ndongo. Ver Heintze, Angola nos
séculos XVI e XVII..., p. 277-386; Joseph C. Miller, “Central Africans during the era
of the slave trade, c. 1490s-1850s”, in Linda M. Heywood (org.), Central Africans and
Mariana P. Candido 57
Se levantou contra nós um jaga que estava afastado desta cidade uma distância
de quatro léguas para a parte de Angola, correndo conosco com muita amizade
e queria ser nosso amigo por ser inimigo do gentio desta terra [Peringue]. [...]
O qual, depois de haver corrido em boa amizade conosco, se foi, apoderando-
se de tudo a que esse conhecia por ser do gentio desta terra. Os nossos escravos,
induzidos por ele e pelos de sua companhia, que eram muitos, nos começaram
a fugir e deixar de ser cristãos e de maneira que ficamos sem gente preta.56
57 Silvia Hunold Lara, Campos da violência. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, p. 41-
44; Metcalf, Go-betweens..., p. 177-180; Marcocci, “Escravos ameríndios...”, p. 46-49.
58 A legalidade da escravidão dos vassalos portugueses seria um problema para a
administração portuguesa em Angola e Benguela. Infidelidade e deslealdade política
eram interpretadas como quebra de contrato, tornando passível a escravização e a jus-
tificativa da escravidão. Para mais sobre o assunto, ver Roquinaldo Ferreira, “Slaving
and resistance to slaving in West Central Africa”, in Keith Bradley e Paul Cartledge
(orgs.), The Cambridge world history of slavery, v. 3. [S.l.]: Cambridge University Press,
2011; idem, Cross-cultural exchange in the Atlantic world: Angola and Brazil during the
era of the slave trade. New York: Cambridge University Press, 2012, p. 88-123; Mariana
P. Candido, “African freedom suits and Portuguese vassal status: legal mechanisms for
fighting enslavement in Benguela, Angola, 1800-1830”, Slavery & Abolition, v. 32, n. 3,
p. 447-459, 2011; idem, “O limite tênue...”; idem, “The Transatlantic slave trade and
the vulnerability of free blacks in Benguela, Angola, 1780-1830”, in Mark Meuwese
e Jeffrey A. Fortin (orgs.), Atlantic biographies: individuals and peoples in the Atlantic
world. Leiden: Brill, 2013, p. 193-210.
59 Carlos Ervedosa, Arqueologia angolana. Lisboa: Edições 70, 1980, p. 70-72; Candi-
do, An African slaving port..., p. 31-32.
60 AHU, Angola, cx. 1, doc. 87, 2 de julho de 1618. Para mais informação sobre os
Kwandu, ver E. O. J. Westphal, “The linguistic prehistory of Southern Africa: Bush,
Kwadi, Hottentot, and Bantu linguistic relationships”, Africa: Journal of the Interna-
tional African Institute, v. 33, n. 3, p. 237-265, 1963.
Mariana P. Candido 59
61 AHU, Angola, cx. 1, doc. 87, 2 de julho de 1618; Brásio, Monumenta missionária...,
v. 6, p. 315-318; Carlos Estermann, The ethnography of Southwestern Angola. New
York: Africana Pub. Co, 1976, p. 2, 151-152.
62 Aguiar, Administração colonial..., v. 1, p. 152; João Medina e Isabel de Castro Hen-
riques, A rota dos escravos: Angola e a rede dos comércio negreiro. Lisboa: Cegia, 1996,
p. 83; Heintze, Angola nos séculos XVI e XVII..., p. 101-102. Para a importância da
prata das colônias espanholas em Portugal, ver C. R. Boxer, “Brazilian gold and British
traders in the first half of the eighteenth century”, The Hispanic American Historical
Review, v. 49, n. 3, p. 454-472, 1969, cf. p. 455.
63 Sanjay Subrahmanyam, The political economy of commerce: Southern India, 1500-
1650. [S.l.]: Cambridge University Press, 2002, p. 84-85, 245.
64 Schwartz, “Prata, açúcar e escravos...”, p. 222.
65 AHU, Angola, cx. 1, doc. 86, 15 de junho de 1618; Felner, Angola..., p. 556, “Auto
que mandou fazer o ouvidor geral e provedor da Fazenda Pedro Neto de Melo”, 15 de
junho de 1618.
66 Heintze, Angola nos séculos XVI e XVII..., p. 277-383; José C. Curto, Luso-Brazilian
alcohol and the legal slave trade at Benguela and its hinterland, c. 1617-1830, in H.
Bonin e M. Cahen (orgs.), Négoce blanc en Afrique Noire: l’évolution du commerce à
longue distance en Afrique noire du 18e au 20e siècles. Paris: Publications de la Société
Française d’Histoire d’Outre-Mer, 2001, p. 353; Thornton, The Kingdom of Kongo...,
p. 6-7, 44; Joseph C. Miller, “The paradoxes of impoverishment in the Atlantic zone”,
in David Birmingham e Phyllis Martin (orgs.), History of Central Africa, v. 1. London:
Longman, 1983, p. 131-145.
60 África: Histórias conectadas
podem resgatar e algumas vezes o fazem com vacas por contarias. Há três
jagas Caconda, Anguri e Capinguena; não há mais jagas naquele distrito,
estes resgatam peças por fazendas. Os direitos das peças cobrou sempre o
conquistador Manuel Cerveira Pereira.71
“Colonial archives and the arts of governance”, Archival Science, v. 2, p. 87-109, 2002;
David Dery, “‘Papereality’ and learning in bureaucratic organizations”, Administration
& Society, v. 29, n. 6, p. 677-689, 1998; Bhavani Raman, “The duplicity of paper: coun-
terfeit, discretion, and bureaucratic authority in early colonial Madras”, Comparative
Studies in Society & History, v. 54, n. 2, p. 229-250, 2012; Rebecca J. Scott, “Paper thin:
freedom and re-enslavement in the diaspora of the Haitian revolution”, Law and His-
tory Review, v. 29, n. 4, p. 1.061-1.087, 2011; Bhavani Raman, Document Raj: writing
and scribes in early colonial South India. Chicago: University of Chicago Press, 2012.
76 Toby Green, The rise of the Trans-Atlantic slave trade in Western Africa, 1300-1589.
Cambridge: Cambridge University Press, 2011, p. 154-155.
77 Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, conde de Linhares, maço 46, doc. 4, 9 de
julho de 1765. Para mais sobre o assunto, ver Santos, “Escrever o poder...”, p. 81-95.
78 Para as obrigações dos vassalos, ver Heintze, “The Angolan vassal tributes...”; San-
64 África: Histórias conectadas
tos, “Escrever o poder...”; Rosa da Cruz e Silva, “Saga of Kakonda and Kilengues: rela-
tions between Benguela and its interior, 1791-1796”, in José C. Curto e Paul E. Lovejoy
(orgs.), Enslaving connections: changing cultures of Africa and Brazil during the era of
slavery. Amherst: Humanity Books, 2003, p. 245-259.
79 AHU, Angola, cx. 9, doc. 25, 10 de abril de 1666. Sobre classificações e direitos, ver
Pamela Scully, Liberating the family?: gender and British slave emancipation in the rural
Western Cape, South Africa, 1823-1853. Portsmouth (NH): Heinemann, 1997, p. 34-
46; Karen B. Graubart, “Indecent living: indigenous women and the politics of rep-
resentation in early colonial Peru”, Colonial Latin American Review, v. 9, n. 2, p. 213,
223-224, 2000; Candido, “O limite tênue...”. Para a relação das autoridades africanas
com a administração portuguesa em séculos posteriores, ver Jill R. Dias, “Changing
patterns of power in the Luanda hinterland. The impact of trade and colonisation on
the Mbundu (ca. 1845-1920)”, Paideuma, v. 32, p. 285-318, 1986; Philip J. Havik, “Di-
rect or indirect rule? Reconsidering the roles of appointed chiefs and native employees
in Portuguese West Africa”, Africana Studia, v. 15, n. 2, p. 29-56, 2010; Heintze, “Ngingi
a Mwiza...”.
80 Para as obrigações do soba Peringue’s, ver Delgado, O Reino de Benguela..., p. 67.
Para a semelhança entre as instituições políticas no Congo e em Portugal, ver Hey-
wood e Thornton, Central Africans, Atlantic Creoles..., p. 106-107; John K. Thornton,
“‘I am the subject of the king of Congo’: African political ideology and the Haitian
revolution”, Journal of World History, v. 4, n. 2, p. 181-214, 1993.
81 António Manuel Hespanha afirma que os africanos não eram vassalos da Coroa
portuguesa e portanto a Coroa não exercia proteção jurídica e moral sob esses povos.
Não é o que a documentação portuguesa revela. Ver Hespanha, “Luís de Molina e a
escravização...”, p. 940.
Mariana P. Candido 65
87 Ravenstein, The strange adventures..., p. 21. Para outras crônicas sobre os jagas
como canibais, ver Beatrix Heintze, “Contra as teorias simplificadoras”, in Manuela
Ribeiro Sanches (org.), Portugal não é um país pequeno. Contar o “império” na pós-
colonialidade. Lisboa: Livros Cotovia, 2006, p. 223-224. A associação de canibalismo
entre os jagas permanece em estudos mais recentes. Em uma publicação de 1995, os
jagas foram descritos como “um grupo selvagem do sul dos rios Congo e Cuango, que
na década de 1580 atacaram e saquearam São Salvador e outros centros”. Ver Ben-
jamín Núñez, Dictionary of Portuguese-African civilization, v. 1. London: Hans Zell
Publishers, 1995, p. 223.
88 Beatriz Perrone-Moisés, “A guerra justa em Portugal no século XVI”, Revista da
SBPH: Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica, v. 5, p. 5-10, 1989. Ângela Barreto
Xavier, A invenção de Goa: poder imperial e conversões culturais nos séculos XVI e XVII.
Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2008; Heintze, “Contra as teorias...”, p. 215-228;
Candido, “O limite tênue...”; Metcalf, Go-betweens..., p. 177-179; Robin Law, “Human
sacrifice in pre-colonial West Africa”, African Affairs, v. 84, n. 334, p. 53-87, 1985, cf.
p. 58-59; Hespanha, “Luís de Molina e a escravização...”, p. 959. Para os rumores sobre
canibalismo em outros períodos, ver Luise White, Speaking with vampires: rumor and
history in colonial Africa. Berkeley: University of California Press, 2000.
89 Ver Ilídio do Amaral, O rio Cuanza (Angola), da Barra a Cambambe, reconstitui-
ção de aspectos geográficos e acontecimentos históricos dos séculos XVI e XVII. Lisboa:
MCT/IICT, 2000, p. 37-38; Pinto, “Em torno de um problema de identidade...”, p. 230.
Ver também o relato do médico holandês Olfert Dapper (que nunca visitou a Áfri-
ca) disponível em Robert O. Collins, Central and South African history,. Princeton:
Markus Wiener Publishers, 1990, p. 33-37.
68 África: Histórias conectadas
90 Giovanni Antonio Cavazzi, Descrição histórica dos três reinos do Congo, Matamba
e Angola, v. 1. Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 1965, p. 173-175; Ravens-
tein, The strange adventures..., p. 18-20; Cadornega, História geral..., v. 1, p. 11-14. Ver
também Amaral, O Reino do Congo..., p. 225-226; Miller, Kings and kinsmen..., p. 182-
183; idem, Way of death: merchant capitalism and the Angolan slave trade, 1730-1830.
Madison: University of Wisconsin Press, 1988, p. 4-5; John Thornton, “The African
experience of the ‘20. and Odd Negroes’ arriving in Virginia in 1619, The William and
Mary Quarterly, v. 55, n. 3, p. 421-434, 1998, p. 428-430.
91 Jan Vansina, “More on the invasions of Kongo and Angola by the Jaga and the
Lunda”, The Journal of African History, v. 7, n. 3, p. 421-429, 1966; idem, How societies
are born..., p. 197; David Birmingham, “The date and significance of the Imbangala in-
vasion of Angola”, The Journal of African History, v. 6, n. 2, p. 143-152, 1965; Heywood
e Thornton, Central Africans, Atlantic Creoles..., p. 94.
92 Cadornega, História geral..., v. 3, p. 249-250; Heintze, “The extraordinary jour-
ney...”, p. 83; idem, “Translocal kinship relations...”, p. 189.
93 Heintze, “The extraordinary journey...”, p. 83; Pinto, “Em torno de um problema de
identidade...”, p. 196.
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94 José Joaquim Lopes de Lima, Ensaios sobre a statistica das possessões portuguezas
na Africa Occidental e Oriental; na Asia Occidental; na China, e na Oceania, v. 3. [S.l.]:
Imprensa Nacional, 1844, p. xxxv, 200-201.
95 Isabel de Castro Henriques, Percursos da modernidade em Angola: dinâmicas co-
merciais e transformações sociais no século XIX, Lisboa: Instituto de Investigação Cien-
tífica Tropical, 1997, p. 192-195.
96 Hilton, “The Jaga reconsidered”, p. 191-202; Thornton, “A resurrection for the Jaga”;
Miller, “Thanatopsis (Thanatopsie)”.
97 Miller, “Requiem for the ‘Jaga’”, p. 122-123.
70 África: Histórias conectadas
o jaga de Caconda, com ajuda dos seus vizinhos, se levantou em suas terras, e
[juntos] roubaram fazendas, prenderam pumbeiros, entre eles quatro homens
brancos, que já se acharam e que os capitães mores pediam que se lhes enviasse
socorro para lhe fazerem guerra ao sito jaga, não obstante o capitão Francisco
Dias Cordeiro pedia auxílio de gente e armas para fazer guerra. [...] Não há
mais solução que atacá-lo.103
98 Bontinck, “Un mausolée pour les Jaga”, p. 387-389.
99 Hilton, “The Jaga reconsidered”, p. 196; Thornton, “A resurrection for the Jaga”.
100 Felner, Angola..., p. 566, doc. 96, “Relação da conquista e presídio de Benguela”.
101 Silva, “Saga of Kakonda and Kilengues...”, p. 245-260. Para mais detalhes sobre o
jaga de Caconda, ver João Carlos Feo Cardoso de Castello Branco e Torres, Memórias
contendo a biographia do vice almirante Luiz da Motta Feo e Torres. A história dos
governadores e capitães generais de Angola, desde 1576 até 1825 e a descrição geográfi-
ca e política dos reinos de Angola e Benguela. Paris: Fantin Livreiro, 1825, p. 219-222;
Delgado, O Reino de Benguela..., p. 120-122; Jan Vansina, Kingdoms of the Savanna.
Madison: University of Wisconsin Press, 1966, p. 180-182.
102 Delgado, O Reino de Benguela..., p. 213-215.
103 AHU, Angola, cx. 10, doc. 80, 29 de novembro de 1672; AHU, Angola, cx. 11, doc.
Mariana P. Candido 71
pela sua infeliz situação a um só morador paisano, escolha-se nas terras vizinhas,
sadias e férteis um melhor terreno, em que vivessem os soldados, pudessem casar
e adiantar a população”.106
Em 1688, um novo conflitou alterou uma vez mais como as autoridades por-
tuguesas se referiam ao líder Caconda. Se, na década de 1670, ele era chamado de
soba, a situação mudou depois de 1688. Segundo o relato, “ao amanhecer de 3 de
fevereiro, o Jaga de Caconda estava com toda a sua guerra sobre o dito presídio
[de Caconda], batendo-os com arma de fogo, pelejando até as 3 horas da tarde,
com perda do inimigo”.107 Porém o relato deixa claro que as forças portuguesas
estavam em desvantagem numérica e temerosas de seu destino. Do presídio, sol-
dados portugueses içaram uma bandeira branca. No entanto, o governador de
Angola, Luís Lobo da Silva, insistiu que o jaga de Caconda era quem queria ca-
pitular e que só faria isso diante do capitão-mor do presídio. O capitão saiu do
presídio com “três soldados com que chegou a avistar ao Jaga, o qual mandou de-
golar [o capitão] sem lhe falar palavra. Os dois soldados escaparam para contar o
sucedido”. Segundo as testemunhas,
Diante desse ato de rebeldia e desdém pelo tratado de vassalagem e pela Coroa
portuguesa, o líder Caconda foi então novamente chamado de jaga. O soba/jaga
de Caconda fez tudo que poderia chocar uma autoridade colonial no século XVII.
O dito Jaga tinha em seu poder três imagens de Cristo nosso senhor e de sua
mãe, a virgem Maria, e sacrilegamente, teria bebido no cálice sagrado e profanado
vestimentas sacerdotais que havia no presídio, pelo que o conselho declarou a guerra
justa e lícita e que se mandara guerra para resgatar as imagens, cálice e vestimentas.109
114 AHU, Angola, cx. 13, doc. 89, 2 de março de 1689. Para a importância do gado, ver
Wilfrid Dyson Hambly, The Ovimbundu of Angola. Chicago: Field Museum of Natural
History, 1934, p. 153-154; Vansina, How societies are born..., p. 129-131; Linda Hey-
wood, Production, trade and power. The political economy of Central Angola, 1850-1930.
New York: Columbia University, 1984, p. 27-28 (Ph.D. Thesis); Norman Etherington,
The great treks: the transformation of Southern Africa, 1815-1854. Harlow: Longman,
2001, p. 10-18; John L. Comaroff e Jean Comaroff, “Goodly beasts, beastly goods: cattle
and commodities in a South African context”, American Ethnologist, v. 17, n. 2, p. 195-
216, 1990.
115 AHU, cód. 545, fl. 53V, 17 de fevereiro de 1691. Esse episódio foi descrito por
cronistas do século XVIII e XIX. Ver Elias Alexandre da Silva Corrêa, História de An-
gola, v. 1. Lisboa: Ática, 1937, p. 305-309; Torres, Memórias contendo a biographia...,
p. 213-214. Para mais sobre o assunto, ver Delgado, Ao sul do Cuanza..., v. 1, p. 230-
231; Joseph C. Miller, “Angola Central e Sul por volta de 1840”, Estudos Afro-Asiáticos,
v. 32, p. 7-54, 1997, cf. p. 23.
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Conclusão
A nomeação e a criação de novas categorias, como o Reino de Benguela, jagas
ou sobas, revelam como a Coroa portuguesa via a si mesma e o seu papel no
contato com populações até então desconhecidas. Há um aspecto de improvisação
imperial, para usar um termo cunhado por Sanjay Subrahmanyam, porém não
devemos esquecer o processo de formação de um império baseado em ideais
cristãos de conversão e resgate dos povos considerados gentios.117 O ato de nomear
organizações políticas, povos, baías, morros e qualquer referência geográfica deve
ser visto como um ato de tomada de posse, parte do processo de conquista,
ainda que formal do território. Assim foi com o “Reino de Benguela”, que de
designação de morro passou a nomenclatura de um vasto território, identificado
em documentos portugueses expressando tomada de posse simbólica, fazendo
uso de um vocabulário político disponível. O termo “reino” foi empregado,
mas, no caso dos povos encontrados, basearam-se na dicotomia entre aliados-
moradores em oposição a inimigos-invasores, usando termos locais como “sobas”
e “jagas”, que ganharam outros significados no contexto da expansão portuguesa.
O emprego dos termos “jaga” e “soba” estava relacionado à conquista do “Reino
de Benguela” e à formação de uma comunidade política imaginada ou pretendida,
em que os povos aí residentes deveriam ser vassalos ou inimigos. Não havia outra
opção. Ainda que o estudo se baseie em casos na documentação portuguesa sobre
116 AHU, Angola, cx. 15, doc. 8, 13 de março de 1694.
117 Para mais sobre o assunto, ver Sanjay Subrahmanyam, Improvising empire: Por-
tuguese trade and settlement in the bay of Bengal, 1500-1700. Delhi: Oxford University
Press, 1990; Heintze, Angola nos séculos XVI e XVII..., p. 243-274; António Manuel
Hespanha e Catarina Madeira Santos, “Os poderes num império oceânico”, in António
Manuel Hespanha (org.), História de Portugal, o Antigo Regime, v. 4. Lisboa: Estampa,
[s.d.].
76 África: Histórias conectadas
118 Miller, “Requiem for the ‘Jaga’”, p. 125; Alpers, “The Mutapa and Malawi political
systems...”, p. 21.
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