A Bruxa de Evora

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Era uma vez a poderosa Bruxa de

Évora que conquistou e aterrorizou ge-


rações de corações luso-brasileiros por
séculos e que possuía um caderno com-
pletamente abarrotado de poções, fei-
tiços, bruxedos, encantamentos, banhos,
rezas etc. Sua fama singrou barreiras
cronológicas e físicas e aportou no Brasil
com os navegantes portugueses... Sua
magia criou raízes e ramificações se en-
trelaçando com as religiões ameríndias...

Se você quiser saber mais sobre a


Bruxa de Évora, leia atentamente as pá-
ginas deste livro e descubra como resol-
ver seus problemas.
Maria Helena Farelli

A BRUXA DE ÉVORA
As lendas sobre a Bruxa de Évora
vêm povoando o imaginário ibérico des-
de a Idade Média, quando a Inquisição
deixou sua marca de terror e persegui-
ções gravada a ferro e a fogo naquela
Península, sobretudo em Portugal.

A caça às bruxas, aos feiticeiros e


às pessoas que supostamente tinham
pacto com o diabo foi tão feroz e violen-
ta que ficou registrada não apenas nos
livros da Igreja Católica, mas também no
inconsciente coletivo dos habitantes da-
quela região. Assim, a cidade de Évora
ficou conhecida tanto por ser o local
onde a força da Inquisição se fez mais
presente como por ser uma terra consa-
grada ao sobrenatural e à feitiçaria.

Tanto é que séculos após o término


da Idade Média a força dessa persona-
gem lendária — a Bruxa de Évora,
também conhecida como a Moura Torta
— ainda permanecia incólume no fol-
clore português e acabou aportando no
Brasil Colônia junto com as caravelas do
descobrimento e, posteriormente, dos
colonizadores.

Apesar de temida, as pessoas sem-


pre buscaram conhecer os poderes dessa
Bruxa: seus feitiços, sortilégios, banhos,
amarrações, conjuros etc, com a finali-
dade de obter cura, proteção e sucesso
no amor e na vida.

Por essa razão, a autora, Maria


Helena Farelli, tentou resgatar um pouco
desse saber e trazê-lo progressivamente
para o grande público que em pleno sé-
culo XXI procura cada vez mais a ajuda
da magia e dos fenômenos sobrenatu-
rais e paranormais para transformar seu
cotidiano.

Filtradas as diferenças de época,


as adaptações e criações sobre o tema
etc. a autora conseguiu reunir um ma-
terial que, sem dúvida, ajudará a resol-
ver muitas demandas daqueles que dele
precisam.

É ler para crer e testar a força des-


ta Bruxa secular que tanto assombrou
seus contemporâneos. Boa Sorte e mãos
à obra!

capa: Leonardo Carvalho,


a partir de "Queen Eleanor and Fair Rosamund";
de Evelyn de Morgan (1855-1919)

_
Maria Helena Farelli

A BRUXA
DE

ÉVORA
a
2 edição

RMlAb

Rio de Janeiro

Impresso no Brasil
"Pessoas que encontramos pela rua (...) se dão em segredo
à prática da Magia Negra, ligam-se ou procuram ligar-se
aos Espíritos das Trevas, para satisfazer seus desejos de
ambição, ou de amor (...)"
(]. K. Huvsmns, Prefácio a /. Bois,
Le S a t a n i s m e et la M a g i e , 1895.)

Eis a razão de eu ter escrito, na entrada do ter-


ceiro milênio, a vida, a obra e a fantasia da Bruxa de
Évora. Não por ambição, talvez por amor.
SUMÁRIO

Apresentação
Prefácio
Portugal entre rei católico e crenças medievais
Peregrinos e pagadores de promessas
Mouros encantados nas vizinhanças de Évora
Maravilhas na Sé de Évora
Encantarias da Bruxa de Évora
Monstros e dragões
O livro negro das bruxas
Visões e fantasmagorias em tempos de festa
Bruxaria entre alegria e morte
Travessuras e feitiços da Bruxa de Évora no Brasil
O livro de orações da Bruxa de Évora
Feitiços da Bruxa de Évora
Bibliografia
APRESENTAÇÃO

Em um depoimento acerca d a s feiticeiras m o -


dernas, a autora de "A B r u x a de Évora", Maria Helena
F a r e l l i , diz que "é b e m fácil reconhecer u m a bruxa.
Ela tem o olhar claro e direto e é sempre muito simpá-
tica." Diz ainda que é neta de u m a cartomante cigana
e sobrinha de u m a quiromante; diz também que des-
cobriu cedo que era bruxa. M e s m o assim, tentou mu-
dar seu destino: formou-se em jornalismo e quis se-
guir u m a carreira independente d a s tradições familia-
res. M a s a sorte só batia à sua porta quando escrevia
sobre temas místicos. Por isso, resolveu assumir defi-
nitivamente sua m i s s ã o e hoje, quarenta livros publi-
c a d o s , sabe que fez a o p ç ã o certa.

Ela afirma ainda que " a s bruxas modernas não


c r u z a m os céus c a v a l g a n d o v a s s o u r a s nem cozinham
m o r c e g o s em enormes caldeirões, tampouco correm o
risco de serem levadas às fogueiras da Inquisição." Ao
contrário, "bem-sucedidas e respeitadas, elas se apre-
sentam em p r o g r a m a s de TV e de rádio, recebem cli-
entes de todo o m u n d o e na hora de viajar preferem o
conforto d o s aviões."
Isso é v e r d a d e . M a s , o que acontece quando
u m a feiticeira fala de outra bruxa, b e m m a i s velha,
q u e v i v e u na I d a d e M é d i a , q u a n d o se temia a chega-
da do fim do m u n d o é do Anticristo? V o a m s a p o s e
morcegos? S i m , e sabedoria! E assim é este livro. Quan-
do entra o século XXI e todos escrevem sobre Nostra-
d a m u s , M a r i a Helena Farelli nos fala de a l g u é m tão
famoso em Portugal quanto este profeta; só que ela, a
Bruxa de É v o r a , está mais perto de nós, pois nos foi
trazida p e l o s nossos colonizadores em meio a santos,
lendas e c o r a g e m em desbravar o mundo.
T e n d o um avô português, a autora presta u m a
h o m e n a g e m a Portugal e a s e u s navegadores que fize-
ram nosso p a í s e nos legaram a língua mais difícil do
m u n d o e a m a g i a mais p o d e r o s a da Europa medieval.
E n o s s a p e r s o n a g e m , de Évora, d o s anos do início do
milênio, v e m m e s m o a calhar. Demetér, Ísis, Ishtar
v o a m nos a r e s . A b r a m o livro, leitores, que é tempo de
grandes feitiços!

O Editor
PREFÁCIO

Enquanto e u e s c r e v i a sobre u m a p e r s o n a g e m
que viveu em Évora, d u r a n t e a Idade d a s Trevas, o
Brasil c o m e m o r a v a 5 0 0 a n o s e l o u v a v a Portugal p e l a
descoberta deste p a r a í s o q u e d e v e ter s i d o n o s s a ter-
ra virgem aos olhos l u s i t a n o s , na hora e s p a n t o s a
da chegada.
Eles vinham c o m a C r u z de Cristo vermelha
sobre o branco d a s v e l a s d a s s u a s naus. T r a z i a m fome,
sede e o voraz desejo de o u r o . M a s traziam t a m b é m
s u a tradição, s e u s c o s t u m e s , a s lendas p o r t u g u e s a s ,
nascidas dos p o v o s q u e f i z e r a m sua etnia - iberos, ro-
m a n o s , fenícios e m o u r o s ; e nos legaram, junto c o m o
cristianismo, esse f a b u l o s o lendário.
Em 1500, o R e n a s c i m e n t o d e s e n c a d e o u um
processo de d e s c r i s t i a n i z a ç ã o da Europa ao valorizar
o humanismo, o m a t e r i a l i s m o e o p a g a n i s m o , m a s Por-
tugal não abriu m ã o do a m o r a Cristo, e o infiltrou em
toda terra por ele c o n q u i s t a d a . M a s o cristão portu-
g u ê s acreditava t a m b é m e m mouras tortas, a l m a s p e -
n a d a s , lobisomens, b u r r i n h a s - d e - p a d r e ; e os g u a r d o u
em seus baús na v i a g e m p e l o mar tenebroso. Eles sen-
tiam no oceano d r a g õ e s e s c a m o s o s , serpentes esver-
d e a d a s , o inferno m e d i e v o , c o m o b e m d e s c r e v e u
Joãozinho Trinta, o f a m o s o carnavalesco, no enredo
apresentado por u m a e s c o l a d e s a m b a d o Rio d e Ja-
neiro no carnaval de 2000, que mostrava as visões de
paraíso e de inferno presentes no Brasil.
E s s a s histórias foram tão importantes para o
p o v o brasileiro, que um marco de pedra fincado em
1501 p o r navegantes p o r t u g u e s e s no litoral do Rio
Grande do Norte, que possui a cruz da Ordem de Cristo
e o e s c u d o p o r t u g u ê s e s c u l p i d o s em relevo, é hoje
cultuado como objeto s a g r a d o por comunidades da
região de Pedra Grande. O culto à pedra resistiu ao
tempo: a g o r a ela é c h a m a d a "Santo Cruzeiro" e faz
curas. A s s i m , o lendário de n o s s o s colonizadores con-
tinua v i g o r o s o em pleno século XXI. A d a p t o u - s e à
u m b a n d a , trazendo para ela os santos protetores que
estão em cada altar de tendas e abaçás: São Sebastião,
N o s s a Senhora d o s N a v e g a n t e s , N o s s a Senhora d a
Conceição, São Jerônimo, São Jorge, São Lázaro. E uniu-
se ao folclore negro iorubá e ao indígena, d a n d o ori-
g e m ao folclore nacional. E esta tradição, esse m u n d o
mágico que envolve a vida da Bruxa de Évora.

M a s , por que escolhi u m a personagem medie-


v a l ? Por q u e quis mostrar s e u s trabalhos e encanta-
rias? Porque há u m a teoria entre escritores e intelec-
tuais, entre eles Vacca (seu criador) e Umberto Eco,
um d o s mestres da literatura contemporânea, de que
p o d e r e m o s entrar numa nova Idade Média a p ó s o co-
lapso total do sistema em que vivemos. Eu creio nessa
teoria, p o r q u e a bruxaria está de volta em todo o mun-
do, p o r q u e o cristianismo está exagerado e ocorre o
crescimento d a s seitas muçulmanas, penetrando em
redutos cristãos, como o fizeram na Idade das Trevas. Po-
pulações de rua surgem em t o d a s as grandes cidades.
Isto tudo e r a c o m u m n o s anos d o feudalismo. C o m o
ocorreu no primeiro milênio, a fome e o m e d o acom-
p a n h a r a m o h o m e m do fim do s e g u n d o milênio. Tere-
mos uma nova Idade Média?
T o d o s os f i l m e s que batem recordes de bilhe-
teria falam sobre m a g i a , feitiços, a r m a s encantadas.
A s s i m , v a m o s olhar de perto n o s s o p e r s o n a g e m , a bru-
xa da c i d a d e de É v o r a , em Portugal, rezadeira, feiti-
ceira, cartomante, u m d o s aspectos Lilith n a mulher.
E m r e s u m o , u m a m u l h e r só, e m b u s c a d e s u a sobrevi-
vência. E em tudo i s s o aparece a envolvente beleza da
G r a n d e - M ã e , Ishtar, D i a n a , Fortuna, Afrodite, Vénus,
a Madona.
A x é , bruxa d e Évora! E v o é Baco, M o m o , Pã,
Príapo, d e u s e s c h i f r u d o s e lascivos! Saltem, faunos e
silenos! A c e n d a m a f o g u e i r a ritual e p o n h a m nela o
caldeirão de ferro. E l a , a bruxa de Évora, v o a r á em seu
bode alado.

Maria Helena Farelli


(Líder do Templo de Magia Cigana.)
P O R T U G A LE N T R ER E IC A T Ó L I C OEC R E N Ç A SM E D

C o n t a m l e n d a s d e além-mar que v i v e u e m
Portugal u m a p o d e r o s a bruxa. Essa bruxa foi famosa.
Centenária. Poderosa. Era a bruxa da cidade, que an-
d a v a com um mocho às costas e que tocava harpa nas
noites frias de inverno. A l i a d a do Tinhoso, era ao mes-
mo tempo temida e a d o r a d a .
N u m a casa, um simples casebre, vivia a espe-
rança de muitos, o p a v o r de outros: a Bruxa de Évora,
a M o u r a Torta, a g u a r d a d o r a d o s segredos d o s feitiços
do Oriente, a que v o a v a em camelos alados n a s noites
de lua cheia, a boca-suja, a praguejadora, a m a g a ne-
gra, a que fazia as mulheres engravidarem (pois di-
z e m que até as mulheres nobres a p r o c u r a v a m para
terem filhos, depois de tentarem p r o m e s s a s , rezarem
m i s s a s e chorarem a o s p é s d o s santos Sebastião, Jorge
e Pudenciana, a virgem)... Vivia como eremita, sem-
pre só em sua casa, c o m s u a s galinhas e coelhos, com
chapelão, saia e avental, com sapatos g o l p e a d o s , mur-
m u r a n d o rezas estranhas...

Vamos contar s u a s histórias, seus feitiços e suas


lendas. Ponham atenção... sintam seu cheiro de cânha-
mo e beladona... É tempo de almas p e n a d a s e de san-
tos vivos... É tempo de m a g i a negra!
N o s s a história se p a s s a em Évora, lá pelos idos
de 1230, setenta anos depois da tomada de Lisboa a o s
m o u r o s q u e lá v i v i a m e m a n d a v a m , a d o r a n d o a
Mafoma e a Allah; grande feito d o s guerreiros portu-
gueses, alcançado graças ao sacrifício de D o m Martim
Moniz, senhor do domínio de Ravasco, que deu a v i d a
para que os portugueses se a p o d e r a s s e m do castelo de
Achbuna.

A vida mantinha então as cores de um conto


de fadas. Pois as ideias dominantes eram as do Velho
Testamento, do romance de cavalaria, da balada. Nar-
rativas de aventuras eram comuns; e talvez esta seja
apenas m a i s uma delas.
A cavalaria na Idade Média criou um ideal de
h o m e m forte, vigoroso e amante; m a s a bruxaria d e u o
lado encantado dessa era. Cavaleiros andantes, bru-
xas, p a d r e s andarilhos, m a g o s , alquimistas, reis, frei-
ras, p a p a s e imperadores reinaram por todo esse perío-
do. Ordens como a de São J o ã o , a d o s Templários e a
dos Teutónicos levavam os homens aos reinos da fanta-
sia. O cavaleiro andante, fantástico e misterioso, era sem
a p e g o s como os primeiros templários o foram, e tão
mágicos quanto as bruxas e seus sabás... só encantamen-
to, sonho, como uma festa de tolos ou uma saturnália.

O jovem herói libertando a virgem e a bruxa


v o a n d o n u m a vassoura fazem parte do m e s m o mun-
do, de insaciabilidade juvenil, de um primitivismo ro-
mântico, pois qualquer ação, m e s m o a mais simples,
era, nessa época, levada à categoria de um ritual. Inci-
dentes de menor importância como u m a viagem, u m a
visita, e r a m rodeados por mil formalidades, bênçãos,
cerimônias. U m a atmosfera de paixão e aventura en-
volvia a vida dos príncipes; e uma onda de tristeza
envolvia o povo. Era como se um sentimento de cala-
m i d a d e iminente a m e a ç a s s e a todos, originado de
idéias de fim de mundo, de inferno, de demônios e
duendes. Aí entrava o poder de bruxos, m a g o s , alqui-
mistas em busca do ouro.
N e s s e s tempos, Portugal contava com u m a
p o p u l a ç ã o de pouco mais de um milhão de almas. Era
u m a mistura de gente com traços visigodos e árabes;
havia muitos espanhóis e até p e s s o a s com traços ro-
manos. Desta miscigenação nasceu a gente do reino
de Portucália.

A virada do primeiro milênio ocorrera há pou-


co t e m p o e a Europa vivia no a p o g e u do feudalismo.
Os camponeses mal vestidos, r a s g a d o s , mal alimenta-
dos, p r o d u z i a m apenas o suficiente para o consumo;
m a s o luxo havia aumentado extraordinariamente en-
tre a nobreza e o clero. Os homens ricos, com s u a s tú-
nicas forradas de peles, com barretes e gorras rígidas,
a n d a v a m lentamente pelas ruelas, embelezados por
chapéus de veludo, de feltro ou de pano, p o n t e a g u d o s
1
e duros. Calçados pontudos, feitos de cordovão , p i s a -
v a m forte, revelando a importância de seus p o s s u i d o -
res; as d a m a s usavam-nos tintos de cores vivas, pratea-
d o s ou dourados. De v e z em quando, um tocador de
2
gironda ou de bandolim alegrava as ruas com s u a s
canções engraçadas.

1
C o r d o v ã o = couro de cabra p r o d u z i d o em C ó r d o v a .
2
G i r o n d a = instrumento musical da I d a d e M é d i a .
As mulheres p a s s e a v a m pelas praças, olhan-
do para os telhados. Trajavam túnicas de cores varia-
d a s , feitas com fios cruzados, e cobriam-se c o m man-
3
tos de tecidos grosseiros ou de peles. U s a v a m forques ,
4 5
braceletes e ajorcas . M u i t a s u s a v a m p o l a i n a s ou
6
calcetas para melhor serem vistas. As v i ú v a s p a s s a -
v a m de cabelo curto, pois assim m a n d a v a a m o d a , e
u m a touca branca. As c a s a d a s traziam os cabelos ata-
d o s , presos, e as solteiras, soltos ao vento. E r a m belas,
c o m olhos mouros e cabelos negros. T o d a s a d o r a v a m
a falecida rainha M a f a l d a , que fora enterrada c o m
toucado em rolo, coroa real aberta, manto p r e s o por
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um firmai , esmoleira pendente da cinta. E a d o r a v a m
os trajes d a s v i s i g o d a s , mulheres d o s bárbaros do nor-
te que invadiram a região no princípio do século V e
que modificaram a vida na Espanha e em Portugal. Elas
u s a v a m u m a s calças que desciam até o joelho ou até o
tornozelo; e um saiote com uma correia a m a r r a d a à
9
cintura. U s a v a m a blusa com gola de cabeção e man-
g a s curtas. Muitas lusitanas nobres u s a r a m então esse
traje.

O p o v o , ignorante d e s s a s m o d a s , u s a v a sem-
pre as roupas que s o b r a v a m dos outros, r e m e n d a d a s ,
g r o s s a s e sujas. C o m p r i m i d a em casas juntas u m a s d a s
outras, aquela gente pobre de Portugal somente conhe-

' T o r q u e = cordão de o u r o ou prata, curto, u s a d o c o m o g a r g a n t i l h a .


4
Ajorca = o m e s m o q u e axorca; argola u s a d a na perna ou no b r a ç o .
5
Polaina = cobertura p a r a a p e r n a e a parte superior do s a p a t o .
6
Calceta = meia com b a b a d o s .
7
Firmai = broche com m e d a l h a .
8
Esmoleira = bolsinha ou sacola p a r a dinheiro m i ú d o .
9
C a b e ç ã o = gola l a r g a .
cia de perto a sujeira decorrente da falta de á g u a e de
esgoto, e o m a u cheiro em face do ar confinado nas
ruas estreitas e tortuosas d a s cidades da Idade Média.
Esse p o v o , em sua maioria, exercia as chamadas artes
mecânicas, em número de sete: eram camponeses, ca-
çadores, soldados, marinheiros, cirurgiões, tecelões e
ferreiros.
D e s s a relação e s t a v a m excluídos os comerci-
antes, cujo prestígio era tão baixo, que o c u p a v a m o
último lugar na escala d a s profissões, apesar de terem
sido eles os que n a v e g a r a m pelo antigo "mare nos-
trum" d o s romanos (o Mediterrâneo) para vender es-
peciarias, tecidos, tapetes e jóias. O preconceito contra
o comerciante estava arraigado. A nobreza e o p o v o o
detestavam: a nobreza, p o r q u e o comerciante tinha
dinheiro; e o povo, porque achava que ele não traba-
lhava duro.

S e m dúvida, era a Igreja a responsável por essa


idéia: os p a d r e s diziam que q u e m realizava emprésti-
m o s incorria em falta grave perante Deus; os comerci-
antes emprestavam dinheiro a juros, por isso a Igreja
acompanhava vigilantemente s u a s atividades... e mui-
tos foram parar nas fogueiras da Inquisição, a c u s a d o s
de u s u r a e avareza, p e c a d o s contra Deus, a g r a v a d o s
pelo fato de a maioria d o s banqueiros e comerciantes
da época serem judeus. Para evitar isso, os ricos deixa-
v a m parte de sua fortuna para algumas pessoas a q u e m
haviam defraudado, e outra parte ficava com a Igreja,
que a aceitava em sinal de arrependimento... a s s i m , o
comerciante pecador poderia vislumbrar a l g u m a es-
perança de vida eterna... e a Igreja prosperava.
Já os servos da gleba, só tinham de trabalhar...
a relação senhor-servo era o cumprimento da vontade
de D e u s (diziam os padres). A s s i m o m u n d o estava
organizado. Os bruxos que se rebelavam i a m direto
p a r a a fogueira. E u m a mulher que ganhava s u a v i d a
c o m sortes e feitiços, e n a d a devia ao senhor da terra e
à Igreja, deveria por certo ser morta... assim p e n s a v a m
alguns, como os eremitas, que a b a n d o n a v a m as cida-
d e s e iam viver em cavernas. Esses eremitas o d i a v a m
os bruxos; e a cristandade os perseguia sempre. As
execuções eram muitas, e para o povo, esse era um es-
petáculo muito interessante. M a s a Bruxa de Évora não
morreu na fogueira. Virou assombração... d i z e m que
sumiu, transformando-se em fantasma...
PEREGRINOS E
P A G A D O R E S DE PROMESSAS

A Bruxa de Évora viveu no tempo do rei Afon-


so Henriques, o primeiro rei de Portugal, q u a n d o o
reino usufruía em parte d o s conhecimentos misterio-
s o s d o s C r u z a d o s que c h e g a v a m da Terra Santa cheios
de relíquias que vendiam a preços altíssimos, enrique-
cendo então.
Em Portugal, c o m o em toda a Europa medie-
val, apesar d a s condições de trabalho que prendiam
os homens às suas próprias localidades, estes torna-
v a m - s e muitas vezes viajantes. Os soberanos, em es-
pecial, viajavam constantemente, indo várias vezes à
Terra Santa.

Peregrinos cristãos de todas as c a m a d a s soci-


ais viajavam em busca de lugares santos e de relíquias
d o s santos. Muitos partiam para Jerusalém, enfrentan-
do infiéis mouros, turcos e árabes, enfrentando a fome
e as epidemias, em busca de coisas divinas, que eram
v e n d i d a s na Europa por grandes somas: bentinhos,
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escapulários, pedaços da C r u z de Cristo , p a n o s que

'" S e g u n d o as lendas, q u e m descobriu a C r u z de Cristo foi S a n t a Helena.


Ela dizia q u e nos p e d a ç o s de m a d e i r a havia propriedades curativas. Cirilo
d e A l e x a n d r i a , escrevendo e m m e a d o s d o século IV, d i s s e q u e p o r ç õ e s
da c r u z já se tinham e s p a l h a d o p o r todo o m u n d o . S ã o Paulino recebeu
u m fragmento d a cruz d e s u a parenta, Santa Melânia, q u a n d o esta re-
g r e s s o u da Terra Santa. Ele, p o r s u a v e z , enviou-a a seu a m i g o Sulpício
S e v e r o , o historiador, no a n o 404.
enrolaram múmias u s a d o s como remédios, p e d a ç o s de
sandálias de santos martirizados e panos que h a v i a m
envolvido objetos santos. Eles também p o d i a m con-
templar o lugar exato onde o c o m p a s s o de D e u s se
deteve e girou ao descrever o círculo do m u n d o .
Outros peregrinos, de Portugal principalmen-
te, iam a Santiago de Compostela; e outros, ainda, a
Roma. Todos levavam armas, pois os muçulmanos ata-
cavam-nos nos caminhos. E levavam cruzes e amuletos,
conchas (símbolo do peregrino) e comida. Iam a pé ou
a cavalo. Atravessavam pontes (e era necessário p a g a r
para p a s s a r por elas). Músicos mascarados, c o m car-
roções e roupas espalhafatosas, também viajavam. Eles
divertiam os seus companheiros de viagens: u s a v a m
m á s c a r a s de animais e tocavam violas. E como não
existiam estalagens, muitas vezes eles todos - peregri-
nos, músicos, vendilhões, espertos comerciantes - dor-
m i a m no mato, acesas as fogueiras e abertas as garra-
fas de vinho.

Nessas viagens, todos enfrentavam pestes, frio,


roubos, e muitos contavam que enfrentavam bruxos
que tudo faziam para que eles não fossem às terras
santificadas. N u m a peregrinação, um homem de Braga
contou que estava preparando-se para dormir q u a n d o
viu uns bruxos voando em vassouras, feios, bicudos,
com mantos negros, e que pretendiam atacar o g r u p o
de peregrinos.

- Valham-me Santo Ambrósio, São Jerônimo,


Santo Agostinho e o Papa. "
Ele gritou. C h i s p a s voaram da fogueira. Um
uivo se fez ouvir: Satã por certo estava lá; e a Bruxa de
Évora foi vista voando num bode preto... A bruxa voa-
va alto, acompanhada por um v e a d o e por um javali
alados. Lebres e r a p o s a s saíam d a s tocas e s a u d a v a m a
velha feiticeira d a n d o guinchos... Esta m e s m a história
é contada em Ruão, junto à catedral, e em Reims, pelos
m e m b r o s do baixo clero. E eles juram por A b r a ã o e
Melquisedeque, pelos vitrais s a g r a d o s de t o d a s as ca-
tedrais...

N a época, o s p a d r e s m a n d a v a m e m toda par-


te. Os mosteiros, no início locais de retiro e introspecção,
a g o r a eram centros de cultura. Cabia à Igreja o papel
de guardar o patrimônio cultural acumulado da Grécia,
da Babilônia, de Alexandria, enfim, o saber reunido
durante muitos séculos. Sob a luz de g r o s s a s velas,
m o n g e s liam e copiavam. Difundiam entre si o acervo
da Antiguidade.
Os dízimos, os donativos, as d á d i v a s , as es-
molas, os tributos e os emolumentos d o s serviços espi-
rituais faziam a Igreja cada v e z mais forte e rica; e o
grande movimento d a s C r u z a d a s para a Terra Santa
muito contribuiu p a r a isso.
Portugal, com s u a forte vocação p a r a o mar,
participou ativamente d e s s e movimento. Q u a n d o o
reino se preparava p a r a u m a grande expedição, tudo
deveria seguir conforme o combinado, pois tratava-se
de u m a Cruzada, onde a pontualidade era imprescindí-
vel. O primeiro p a s s o era o recrutamento d o s homens;
m a s como o rei iria convencer aquele p o v o ignorante e
m e d r o s o a deslocar-se p a r a terras longínquas, desço-
nhecidas, encarar sem medo os sacrifícios e colocar em
risco a própria v i d a ? Onde achar tantos guerreiros que
soubessem manejar bem as armas? Eles teriam de per-
furar túneis sob as fortificações de Jerusalém, construir
catapultas que atirassem pedras no interior d a s mura-
lhas, subir pelas escadas para se lançarem no interior
d a s praças, agüentar a luta contra as e s p a d a s infiéis.
O rei teria de acenar-lhes com vantagens para
que os portugueses m a t a s s e m mouros, como ocorrera
na batalha de Alcácer-do-Sal, anos antes. O rei teria de
lhes dar privilégios, e o Papa deveria perdoar-lhes os
pecados, d a n d o às e s p o s a s e aos filhos o manto seguro
da Igreja... Foi por esse motivo que, durante as Cruza-
d a s , a Igreja começou a conceder indulgências, as cha-
m a d a s "Bulas da Santa Cruzada", compradas por aque-
les que se iam arriscar nas guerras na Terra Santa.

M a s não foi esta a única fonte de riquezas para


a Igreja. Todos os reis cristãos, ao vencerem u m a bata-
lha, d a v a m parte d a s terras tomadas à Igreja. E tam-
b é m havia a riqueza que vinha d o s infiéis que, ao se-
rem derrubados pelos cristãos, tinham parte de suas
terras d o a d a s ao clero.
A Igreja tornou-se assim proprietária de um
terço de todas as terras da Europa. Ao lado d a s gran-
d e s catedrais p u l u l a v a m as pequenas igrejas, sobretu-
do no norte de Portugal, onde o desenvolvimento d a s
ordens religiosas p r o v o c o u a construção de muitos
edifícios convencionais. O ouro chegava fácil a Roma,
como antes a Constantinopla. A Igreja aproveitava o
fervor religioso da época, crescia cada v e z mais e se
tornava mais p o d e r o s a .
M O U R O S E N C A N T A D O S NAS
VIZINHANÇAS DE ÉVORA

Apesar de toda a força da Igreja, o p o r t u g u ê s


sempre acendeu u m a vela para Deus e u m a p a r a o "ou-
11
tro". Até nas igrejas ele fazia mirongas. Na pedra d ' a r a
ele fazia preparos mágicos; atrás do altar também. E
até os padres eram a c u s a d o s desses feitos. M a s os con-
siderados grandes b r u x o s eram os m o u r o s e os j u d e u s
(apesar de estes não o serem, e sim cabalistas). Na con-
cepção da época, todo m o u r o era infiel, todo j u d e u era
avaro...
A civilização árabe veio a florescer no norte
da África e no Oriente Médio q u a n d o d u a s g r a n d e s
civilizações, a d o s bizantinos e a d o s persas, projeta-
v a m seus últimos resplendores. Foi q u a n d o os árabes
começaram suas guerras de invasão. O m u n d o novo
o n d e entravam os discípulos de M a o m é surpreendeu
vivamente sua imaginação inflamada, e eles não tar-
d a r a m a dedicar-se a o s estudos d a s artes, letras e ciên-
cias ocidentais com tanto entusiasmo quanto o que
dedicaram às conquistas. A s s i m que os califas consi-
d e r a r a m garantido o seu império, fundaram em todas
as cidades importantes diversos centros de ensino, e
s e u s sábios traduziram do grego as g r a n d e s obras do
conhecimento antigo. B a g d á , Cairo, Toledo, C ó r d o v a

" P e d r a d'ara = a p e d r a benta q u e forma a superfície do altar.


tiveram dessas escolas. O califa Alhakan II tinha, só
na Espanha, 600.000 livros, enquanto Carlos, o Sábio,
da França, não tinha mais do que 900 volumes na bi-
blioteca do reino. A s s i m , eles não eram incultos ou
ignorantes.
Muitos árabes viviam em Portugal nos tem-
p o s d o s reinos mouros da Península Ibérica; m a s os
cristãos sempre tentavam expulsá-los. O p o v o recla-
m a v a apenas a expulsão d o s árabes, m a s o clero, m a i s
radical, pedia algo mais forte: queria que eles fossem
todos degolados, sem perdoar as mulheres e as crian-
ças. Pois todos os árabes, ou mouros, como eram cha-
12
m a d o s , embora os nomes não sejam sinônimos , eram
para eles infiéis e adoradores do mal; mas, na verda-
de, eram um povo culto e civilizado.

Lisboa foi u m a d a s principais cidades domi-


n a d a s pelos árabes no território português; m a s não
mostra apenas a sua influência. Ela foi ocupada pelos
romanos no ano 205 a . C , sendo u m a d a s cidades m a i s
antigas da Europa. A lenda lhe atribui uma origem
fantástica: teria sido fundada pelo herói grego Ulisses,
justificando assim a etimologia de seu nome - Olissibona
ou Lissibona. Mas, de todos os antigos conquistado-
res, foram os árabes que deixaram a influência m a i s
profunda, com oito séculos de permanência na Penín-
sula Ibérica.

12
Os árabes s ã o p o v o s de religião islâmica, originários da Arábia, na Ásia
Menor, q u e formaram um império abrangendo, por conquista, o norte da
Africa e a Península Ibérica; os m o u r o s eram, na Idade Média, um p o v o
de religião islâmica, originário da Mauritânia, no norte da África.
Na época de que falamos, o oriente muçulma-
no era sentido com toda s u a força em Lisboa, c o m o
p o d e ser visto ainda hoje, principalmente em Alfama;
o próprio nome desse bairro é árabe e sua sé foi cons-
truída sobre u m a antiga mesquita. M a s todas as cida-
d e s da região sofreram a influência desse p o v o . Em
t o d a s elas, muitos árabes a n d a v a m pelas ruas venden-
do p ã o ; outros tinham s u a s lojas de ouro e p e d r a s pre-
ciosas. C o m seus tamboretes de madeira à porta da loja,
outros ainda vendiam doces, sedas, escudos de couro,
berloques, almofadas, elixires de cura e outras m a g i -
a s , colares de ouro com g r a n a d a s e punhais maravi-
lhosos.

M a s que têm a ver os árabes com a n o s s a his-


tória? E que, segundo a lenda, a Bruxa de Évora era
moura; sim, diziam que era árabe ou mourisca. Era
morena, não branca como a maioria d a s p o r t u g u e s a s .
Tinha vindo de terras quentes e tinha a m i g o s árabes,
m a s fora criada na Ibéria; por isso, ela falava b e m o
13
árabe e o português, além do latim .
A lenda diz ainda que seu pai e sua m ã e mor-
reram quando ela tinha sete anos; que u m a velha tia a
criou e ensinou-lhe as artes mágicas, dando-lhe c o m o
talismãs sete m o e d a s de ouro do califa Omar, u m a
p e d r a ágata com inscrições em árabe e u m a chapa de
prata com o nome do Profeta. E a ensinou a trabalhar
em olaria: a bruxa fazia s u a s panelas de barro e s e u s

13
T o d o s os habitantes da E u r o p a f a l a v a m um p o u c o de latim, p o i s era a
l í n g u a oficial do Império R o m a n o ; m a s , com a c h e g a d a d o s b á r b a r o s na
E u r o p a ocidental, entre os a n o s 500 e 1000, cada região e c a d a p o v o co-
m e ç o u a evoluir em sentidos diferentes e a procurar m e i o s de falar m a i s
simples.
v a s o s . Dizem alguns q u e ela era louca por tapetes e,
todo dinheiro que ganhava, gastava neles.
A bruxa árabe era chamada de M o u r a Torta,
n o m e que fazia os p ort ugu es es se arrepiarem, fazendo
o sinal da cruz; e como moura e bruxa p a s s o u à histó-
ria. Ela u s a v a trapos, m a s em seu peito brilhava um
amuleto de âmbar, principal artigo do comércio d o s
árabes na Europa, matéria muito procurada no orien-
te. Talvez presente de um amor, em s u a juventude.
M a s , se ela teve amor, ocultou-o bem. Cavaleiro e sua
d a m a não faziam parte de seus sonhos, nem o jovem
herói libertando a virgem. Era uma mulher cheia de
idéias de q u e d a s e subidas... eterna bruxa encolhida
ao lado de sua lareira.
Diz a lenda que ela lia o Corão e escrevia; ti-
nha entre seus pertences um rico tinteiro de cobre cin-
zelado. Sabia matemática e, olhando o céu, reconhecia
as estrelas; sabia ler a sorte nas areias, nas estrelas, e
fazer feitiços e curas. Ela conhecia as m a g i a s de seus
ancestrais muçulmanos; m a s , vivendo no século XIII,
t a m b é m sabia a d o s celtas, que por muito tempo ocu-
p a r a m o sul de Portugal.
Infiel, portanto. Adoradora do Cão... Inimiga
da Igreja.
M a s a velha bruxa já tinha feito a peregrina-
ção a Santiago de Compostela, onde havia relíquias
preciosas. Já tinha ido à Sé de Braga muitas v e z e s pa-
gar promessas, e vivia bem. Era livre. Colhia flores e
ervas, ganhava seu rico dinheirinho, era temida e res-
peitada. Só tinha m e d o de ser presa e torturada como
a d o r a d o r a do diabo. A s s i m , sumia. Diziam que v o a v a
na s u a vassoura, com seu mocho às costas... coisas do
tempo d o s reis...
MARAVILHAS NA SÉ DE É V O R A

O grande centro cultural de Portugal na época


era Coimbra, u m a encantadora cidade, com um m o d o
de ser ao m e s m o tempo romano, bárbaro e mourisco.
E n c a s t e l a d a d e v i d o a o entornar d a s á g u a s d o rio
Mondego, que costumava levar na correnteza tudo que
h a v i a nas s u a s m a r g e n s , C o i m b r a tinha p a i s a g e n s
belíssimas. N a s m a r g e n s do rio, lavadeiras l a v a v a m a
roupa, batendo-as u m a s contra as outras, estendendo-
as a secar, espalhando um cheiro bom, de r o u p a s lim-
p a s , por toda a cidade.

N e s t a é p o c a , o rei se a p r e s e n t a v a cheio de
14 15
jóias, com coroa e g o r g e i r a de pedras citrinas , anéis
16
nos dedos, garçota no chapéu e roupas de tecidos sun-
tuosos do Oriente. O p o v o o via, ao rei de Portucália,
c o m o a um deus, e em s u a vida monótona aceitava
tudo, desejando um dia ir para o céu, p a r a o Paraíso,
c o m o afirmavam o s p a d r e s andarilhos q u e i a m d e
b u r g o em burgo para louvar a Deus. O p o v o se alegra-
va com estes padres do baixo clero, como na época d o s
17
torneios, d a s saturnálias ou d a s festas da Igreja.

14
G o r g e i r a = gargantilha.
15
Citrina = amarela.
16
Garçota = penacho feito c o m p l u m a s .
17
Saturnalia = antiga festa r o m a n a , precursora do carnaval.
N a s imediações de Coimbra o rei caçava por-
cos selvagens, com seus súditos mais chegados, todos
a r m a d o s com arcos e flechas. O rei ia com s u a s vestes
18
de sarja e panos de A v i l a , protegidas por u m a jaque-
ta de couro, e com u m a fita de couro amarrada em seus
cabelos compridos. F o g o s o s ginetes de origem árabe
corriam como o vento pelas terras de Coimbra, levan-
do os cavaleiros de nobre estirpe.
Sim, Coimbra era u m a bela terra. M a s É v o r a
não... A cidade era um local s a g r a d o d e s d e antes d o s
t e m p o s em que os r o m a n o s d o m i n a r a m a região. Lá
falava-se em visões de outro m u n d o , s o n h a v a - s e em
encontrar o Graal, e o espírito da C r u z a d a , cara tra-
dição do imaginário medieval, era o que m a i s deseja-
v a m os filhos da terra. Procissões de penitentes eram
comuns.

A região de Évora tem vestígios de culturas


antigas, cheias de magia. Lá existe u m a gruta, a Gruta
do Escoural, com pinturas, como a de um belo cavalo,
que parecem remontar ao paleolítico. Na época m e g a -
lítica, que os a r q u e ó l o g o s d a t a m de 2300 e 1500 a . C ,
surgiram em Portugal os primeiros grandes monumen-
19 20
tos d e s s a s terras - dólmenes , menires e túmulos fei-
tos com grandes pedras.
Junto a Évora há as p e d r a s d o s Almendres,
famosas e fatídicas. Aí também se conservam os restos
de um templo monumental dedicado à d e u s a Diana

18
P a n o de Ávila = tecido p r o d u z i d o na província e s p a n h o l a de A v i l a .
19
D o l m e n = m o n u m e n t o f o r m a d o por u m a p e d r a colocada horizontal-
mente sobre outras verticais.
20
Menir = m o n u m e n t o f o r m a d o p o r u m a p e d r a vertical i s o l a d a .
d o s romanos, que tinha catorze colunas de granito com
soberbos capitéis de m á r m o r e rosado, e de cujo friso
de granito alguns fragmentos, g u a r d a d o s no M u s e u
Regional de Évora, m o s t r a m a rara beleza. A capela de
Évora, transformada em Sé em 1186, era bela em seu
estilo românico.
De noite (os lusitanos juravam) aparecia um
"grillo", parte homem, parte animal, parte vegetal, de
d u a s faces, com a boca nas costas ou sem o tronco...
a m i g o d a s feiticeiras, por certo, m a n d a d o pela Bruxa
de Évora, a mais famosa daquelas terrinhas...

Os restos de outras eras eram temidos pelo


p o v o da região: ninguém gostava de ir lá, principal-
mente à noite; m a s a bruxa lá ia, ficava junto à gruta,
acendia fogueiras e cantava em língua estranha, en-
quanto o povo, a s s u s t a d o , se escondia em s u a s casas,
fazendo sinais-da-cruz. A s s i m contavam os guerreiros,
c o m o o valente Rodrigo Sanches, cujo corpo está no
mosteiro de Grijó, c o m s e u elmo cilíndrico à cabeça,
capelina de malha m o d e l a n d o o crânio e cota de cores
v i v a s , com caneleiras e joelheiras de ferro; c o m o D o m
Brites d e G u s m ã o , q u e e s t á e m s e u s a r c ó f a g o e m
Alcobaça; como tantos outros guerreiros, cujas estátu-
as, hoje no Museu de Évora, atestam suas roupas e s u a s
valentias. Esfolas, faixas de rameados, flores-de-lis, sig-
21
n o s - s a i m õ e s aí estão para q u e m quiser ver. E a casa
da Bruxa, lá em Évora, ainda está também...

A velha b r u x a v i a t u d o c o m seu m o c h o às
costas. Freqüentava p r o c i s s õ e s que c a m i n h a v a m por

S i g n o - s a i m ã o = o m e s m o q u e s i g n o de Salomão: estrela de seis pontas.


Portugal dias s e g u i d o s . Ia descalça, em meio à lama;
muitas vezes foi expulsa. Ao soar d o s sinos, ela surgia
à porta da igreja; aí ela rezava e cuidava de santos e
relíquias. Escondida junto aos muros do mosteiro, en-
quanto os p á s s a r o s noturnos a espiavam, a bruxa ou-
via os sons da biblioteca, escutava os m o n g e s falarem
em latim e a tudo recolhia com seu mocho no ombro...
A bruxa ia à capela e rezava junto às estátuas
do portal. Quando ela lá estava, somente os mendigos
e os leprosos permaneciam; eles s o a v a m s e u s guizos,
s a u d a n d o a bruxa c o m dignidade; e ela lhes oferecia
unguentos para seus males, dava-lhes a bênção e reci-
tava fórmulas de cura. A bruxa era respeitada pois,
apesar de ser feia, tinha u m a dignidade que se impu-
nha; m a s quando um grande senhor chegava à Sé de
Évora, com um pregoeiro à frente gritando s u a chega-
da, ela corria, pois os poderosos vinham c o m escolta e
exibição de armas, excitando temor e criando inveja.
Por isso a bruxa sumia. Doentes diziam que ela v o a v a
n u m a vassoura... outros, que ela apenas corria para
longe!
ENCANTARIAS DA BRUXA DE ÉVORA

A bruxaria e os ritos da deusa-mãe estiveram


presentes em todas as civilizações, d e s d e sempre. Os
babilônios, por exemplo, cultuavam Ishtar, deusa da
lua; a ela ofereciam sacrifícios e i m p l o r a v a m a fertili-
d a d e . Os egípcios a d o r a v a m Isis e Hathor para que
houvesse fertilidade nas margens do Nilo. Demetér foi
a d o r a d a pelos g r e g o s , e Vénus, pelos romanos. Todas
e s s a s deusas tinham um filho, muitas v e z e s com chi-
fres, meio animal e meio homem, protetor d a s flores-
tas. Esse deus chifrudo foi a base p a r a a criação da
i m a g e m do demônio que surgiu na Idade Média.
No decorrer de quase dois mil anos de migra-
ções, as tribos celtas levaram essa deusa e seu filho para
a Europa. Assim, na Idade Média (476 a 1453), as bru-
xas continuaram essa tradição. Possuíam conhecimento
de ervas, talismãs, vidência, curas, e faziam oito festas
d u r a n t e o ano. A m a i s importante d e l a s era a de
Samhain, também conhecida como Halloween, a 31 de
outubro, que celebrava as colheitas; havia também a
festa da primavera, a primeiro de maio; a da deusa-
bruxa d a s adivinhações, em agosto; e a d o s deuses dos
bosques, por exemplo.

Essas solenidades eram vistas pelos cristãos


como festas diabólicas; m a s a Bruxa de Évora não era
u m a herética. Era u m a mulher que conhecia as rezas,
os d e u s e s , a grande-mãe e seu filho chifrudo, a adivi-
nhação, as pragas, as invocações, e o m o d o de fazer
u s o delas. Apesar de tudo, ela continuava ligada à deu-
s a - m ã e e aos ritos que fizeram de suas ancestrais as
g u a r d i ã s de um conhecimento mágico, propiciador de
proveitosa harmonia com os deuses que se manifes-
tam nas forças da natureza.
Certa vez, ela estava junto à Sé q u a n d o che-
g o u um príncipe, ataviado com todos os recursos da
arte e do luxo próprios da época: túnica comprida e
p r e g u e a d a , ajustada por cinto; gorra na cabeça, espa-
da de g u a r d õ e s curvos p a r a o punho e lâmina larga;
arco e flechas. Vinha a c o m p a n h a d o por u m a d a m a
belamente vestida e a d o r n a d a . Seu cinto era de pedra-
rias; s u a s roupas eram de seda, com cota e sobrecota
p r e g u e a d a s e um rico manto de pelaria; os cabelos es-
t a v a m repartidos ao meio e as tranças caíam à frente;
u s a v a sapatos de couro d o u r a d o e ponta fina, chama-
dos "osas".

O príncipe vinha mancando. Estava ferido; ti-


nha lutado contra os turcos com valentia e valor. A
bruxa acercou-se dele e p a s s o u uma p o m a d a de bela-
dona em sua ferida. Então o príncipe, muito respeito-
so, pediu-lhe que lhe fizesse o favor de fazer c o m que
u m a d a m a o amasse; e ela o satisfez, ensinando-lhe um
poderoso feitiço. Mas, quando ela acabava de falar, veio
um p r e g a d o r itinerante e a expulsou... chamou-a de
bruxa comerciante, v e n d e d o r a de artes diabólicas... e
por isso ela sumiu.

Os pregadores que iam de cidade em cidade,


q u a n d o c h e g a v a m a É v o r a , p r e g a v a m s e m p r e pela
destruição dessa mulher. Falavam do dia do Juízo, do
Inferno, da Paixão, e choravam junto com o p o v o , que
os adorava. Um dia, q u a n d o um d e s s e s p r e g a d o r e s
falava contra a bruxa, p a s s a r a m dois c o n d e n a d o s à
morte. O pregador disse que, em vez deles, q u e m de-
veria ir ali era a bruxa. Continuou seu sermão; m a s a
feiticeira o ouvira. Q u a n d o ele tentou jogar o p o v o con-
tra ela, no lugar onde ela estivera, só foram encontra-
d o s alguns ossos. O p o v o ficou convencido de que a
bruxaria da velha fizera a transformação; muitos subi-
r a m nas casas para procurar a bruxa e, não a achando,
danificaram tanto os telhados, que o pedreiro que os
consertou apresentou u m a conta de mais de 60 dias de
trabalho; assim contam nas aldeias p o r t u g u e s a s ainda
hoje. E falavam que diabinhos p u l a v a m pelos telha-
d o s a mando da feiticeira. Emoções, lágrimas e arreba-
tamento de espírito enchiam o povo: tensa e violenta
era a vida na Idade Média... Contam ainda que alguns
ouvintes se atiraram ao chão gemendo e chorando. M a s
a velha feiticeira sumiu...
22
Os homens de gorra, pelote , saiote e colete
a n d a v a m por ali e espalharam a multidão. T o d o s pro-
curaram a bruxa... enquanto isso, ela girava na roda
da fortuna, de onde os reis caem com s u a s coroas e
s e u s cetros, e ouvia a v o z de fantasmas de reis coroa-
d o s . Via o p a s s a d o , o presente e o futuro nas s u a s ma-
gias... Via beatos imbecis e padrecos lascivos; via anjos
negros e pregadores em êxtase.

22
Pelote = camisa larga, u s a d a por baixo da capa ou por cima da a r m a -
dura.
A Bruxa dançava em cima d o s m u r o s d a s ig-
rejinhas. Foi à rotunda de Tomar e retornou para fazer
a volta na fonte d a s Figueiras, de Santarém, e no cha-
fariz dos Canos, em Torres Vedras. E caiu do céu como
um cometa, junto à basílica de São Gião. Também foi
vista no Douro, no Minho, em L a m e g o , em Felgueiras,
em Castro de A v e l ã s , em Cerzedelo, em Coimbra, em
Lisboa, em Alcobaça e no Algarve. Foi vista sobrevo-
23
ando menires e cromeleques do antigo Portugal.

A Bruxa v o a v a montada em cães, lobos, came-


los, carneiros, e em vassouras... que me valham a se-
nhora de Ourada, Santo Tirso, S ã o Pedro do Castelo,
Santa Meria de Júnias, e os santos da O r d e m de S ã o
Tiago... Dizem também que ela v o a v a montada num
bode, percorrendo Évora - capelas, mosteiros, igrejas
e a d e g a s onde o vinho soltava as a m a r r a s do sonho.
N a s festas onde todos dançavam, ela p a s s e a v a pelos
vilarejos, montada em um bode.

21
C r o m e l e q u e = círculo feito com g r a n d e s p e d r a s verticais, d i s p o s t a s em
torno de u m a p e d r a central.
MONSTROS E DRAGÕES

O bode s e m p r e foi um animal de feiticeiros,


talvez por ser muito sensual. Tem um nome fascinante
e alucinante. S u g e r e pacto com demos, feiticeiras des-
dentadas, íncubos belos, seres parte homens e parte
animais, força de grande magia. A figura do b o d e per-
24
tence a velhas crenças p a g ã s ; a p a r e c e nos cultos
etruscos, celtas, g r e g o s , romanos. O carro de Thor, o
d e u s do trovão, era p u x a d o por bodes.
O bode da era p a g ã emprestou s u a forma para
o diabo que surgiu na Idade Média. M a s afinal, o que é
o diabo medieval? Mistura do deus Pã da fertilidade,
de faunos e silenos, de Baco e Dionísio, de Príapo, to-
d o s cultuados juntos em u m a Bizâncio esquizofrênica,
onde havia Vitórias aladas e cópias de á g u i a s sassâ-
nidas. O culto p a g ã o que teimava em existir em Cons-
tantinopla espalhou-se pelo mundo através dos comer-
ciantes. Esses d e u s e s antigos tornaram-se inimigos da
Igreja e quem os a d o r a s s e ia para a fogueira da Inqui-
sição.
Dizem que existe há séculos u m a seita secreta
de homens que v o a m velozmente pelos ares, monta-
d o s em grandes b o d e s pretos; eles v o a m durante as

24
Ver Rituais Secretos da Magia Negra e do Candomblé, da m e s m a au-
tora.
noites p a r a matar e roubar. Pelo menos era i s s o que
ocorria na imaginação da gente da Idade M é d i a em
Portugal, na Alemanha, na França. Os p r o c e s s o s da
Inqui-sição atestam esses vôos: heresia, bruxaria, sabás.
O fenômeno dos montadores de bodes p o s s u i dois as-
pectos, o criminal e o esotérico: os inquisidores diziam
q u e os montadores chamavam-se entre si de compa-
nheiros, o que indica que faziam parte de u m a seita
secreta.
Os portugueses trouxeram essas histórias para
o Brasil no tempo da colonização. A i n d a hoje esses
contos atraem o povo: dizem que os montadores de
b o d e s aparecem em bandos, rindo às gargalhadas, pra-
ticando diabruras e descendo para dançar no s a b á d a s
feiticeiras. C o m o tempo e s s a s lendas adquiriram co-
res b e m folclóricas m a s , no tempo em que a Bruxa de
É v o r a viveu, isso era tido seriamente como v e r d a d e .
Era no tempo de cavaleiros e a r m a d u r a s , de
diabos soltos nas noites onde o lobisomem uivava e a
mula-sem-cabeça roubava padrecos. Era um tempo de
espanto. Era um tempo de encantamentos e visagens...
tempos rudes... de signos e sinais cabalísticos, como um
quadro de Jeronimus Bosch, de códigos alquímicos, de
íncubos e súcubos dançando nos quartos de donzelas.
Os bruxos t a m b é m eram companheiros d o s
d r a g õ e s . Mas, que d r a g õ e s ? Diz a lenda que M a r d u k
vivia na Babilônia com um dragão. Na Irlanda conta-
v a - s e que Conchobar, que tinha um pai divino e outro
h u m a n o , nasceu durante o solstício de inverno, agar-
rando com suas m ã o s d r a g õ e s recém-nascidos.
Raabe, o grande d r a g ã o do mar, g o v e r n a v a
t o d o s os mares, batia c o m s u a cauda nos navios, engo-
lia gente; por sua causa, navegantes não se p u n h a m ao
Atlântico e o comércio era feito pelo Mediterrâneo,
p a s s a n d o por Veneza, enriquecendo o d o g e e os odia-
d o s comerciantes. C o i s a s da Idade Média!
Deram ao d r a g ã o muitos nomes: o terrível, o
magnífico, o senhor do m u n d o , o guardião de tesou-
ros. S e g u n d o as lendas v i n d a s de autores g r e g o s e lati-
nos clássicos como Plínio, os dragões eram os guardiões
de tesouros ocultos. Leviatã g u a r d a v a g e m a s precio-
s a s e ouro.

Os árabes a d o r a v a m o dragão com o n o m e de


al Hayyah. E os m o u r o s levaram essas crenças para
E s p a n h a e Portugal. Em Portugal, todos s a b i a m que
Santa Margarida foi d e v o r a d a por um d r a g ã o malva-
do. Ela arrebentou o bichão que a engolira fazendo o
sinal da cruz, e por isso é a padroeira d o s deslumbra-
25
mentos .

Para afastar dragões, geralmente seres do mal,


havia a reza de Santo Columba. Santo C o l u m b a vivia
na província de Pictos, perto da fortaleza do rei Bridei.
Ele viu o monstro do mar rosnando pelas fauces es-
cancaradas. O santo fez o sinal da cruz e ordenou ao
d r a g ã o que se retirasse; e ele o fez rapidamente, como
que p u x a d o por cordas. Esse notável feito se espalhou;
era contado em Portugal, na Nortúmbria e no mostei-
ro Columbano de Lindisfarme.

Beowulf, grande matador de dragões, liquidou


nove monstros; e no mar de Grendel matou m a i s um.

D e s l u m b r a m e n t o = v i s ã o m a r a v i l h o s a , milagrosa.
M a s contava-se em Évora que a Bruxa possuía
o d o m de atrair e amansar dragões. Ela p o d i a ver ser-
pentes fantásticas c o m cornos andando na planura por
26 27
ali afora. L a m i a s e drakoi v o a v a m ao seu redor. Eles
eram de todos os tamanhos e de várias e surpreenden-
tes formas. A l g u n s tinham quatro olhos. Fafnir, o mais
famoso deles na Idade Média, vinha conversar com
ela... e ela própria metamorfoseava-se em um d r a g ã o
esverdeado.
A Bruxa de Évora dizia que, q u a n d o os dra-
gões gritam, s u a s v o z e s são como o barulho que fa-
z e m as bacias de cobre quando são g o l p e a d a s . C o m a
saliva que eles expelem pode-se fazer todo tipo de per-
fume. Seu alento, ela contava, transforma-se em nu-
v e m e eles utilizam essa nuvem para cobrir seus cor-
pos. Q u a n d o chovia violentamente, a Bruxa uivava
chamando o d r a g ã o ; assim contavam em Évora, no
tempo do rei. Ela via dragões de perto e tocava em
seus chifres... eterna bruxa, rainha d a s noites sem lua,
senhora da escuridão do cosmos, a mulher em seu es-
tado mais sensitivo, unida à grande-mãe do p a s s a d o
esquecido.
M a s n ã o só de b o d e s e d r a g õ e s era feito o
bestiario da I d a d e Média. Havia os cinocéfalos, raça
de homens com cabeça de cachorro; homens com ore-
lhas como enormes cogumelos; e os p i g m e u s . E havia
os grifos, com garras enormes. N o s tesouros de São
Denis, do século XIII, há garras desse animal mitológi-

L â m i a = d e m ô n i o feminino da mitologia g r e g a .
Drakoi = plural de draken, termo nórdico p a r a d r a g ã o .
co, que se acreditava oriundo da Á s i a . Conta a lenda
q u e a Bruxa de Évora, guerreira destemida, g o l p e o u
um grifo e que o m a t o u com u m a reza de Santa Tecla,
santa feiticeira, assim como S ã o Cipriano e S ã o Marti-
nho Veroux.
N a s festas de aldeia, contava o p o v o que apa-
recia o lobisomem, o homem-lobo. Ele era p o u c o dife-
rente de um lobo normal, a n ã o ser pelo tamanho, um
p o u c o maior que o da espécie selvagem.
Era peludo e feroz, a n d a v a ereto sobre d u a s
p e r n a s , rosnava e e s p u m a v a , e tinha dentes lupinos.
S e u aspecto era sujo. De h o m e m só tinha a v o z e os
olhos. Tinha o corpo coberto de pêlos e as garras de
um lobo selvagem. Diziam a l g u n s que a transforma-
ç ã o em l o b i s o m e m era hereditária: s u a d o e n ç a era
transferida de geração a geração. M a s outros diziam
q u e a depravação mental de certos homens fazia com
q u e se transformassem em lobisomens. Neste caso, o
efeito era produzido pela m a g i a negra, em rituais ter-
ríveis. Eles se untavam com óleos, u s a v a m cintas e peles
de animais, bebiam poções diabólicas e prestavam culto
ao diabo. Muitos c o n t a v a m que, q u a n d o eles eram
homens, seus pêlos cresciam para dentro e, q u a n d o se
transformavam em lobo, eles apenas v i r a v a m do aves-
so. Um outro método de virar lobisomem era conse-
guir u m a cinta feita de pele de um h o m e m enforcado.
Tal cinta era fixada c o m u m a fivela com cinco lingüe-
tas. Quando a fivela se abria, o encanto era cortado.

O lobisomem que aparecia na Sé de Braga e


fazia companhia à Bruxa de Évora tinha sobrancelhas
que se encontravam na curva do nariz e longas unhas
com o formato de amêndoas, ambas de tom vermelho-
sangue, e seu terceiro dedo era muito longo. As ore-
lhas eram muito baixas e apontadas p a r a a parte de
trás da cabeça. S u a s m ã o s e seus p é s eram peludos.
Corria pelos cemitérios, pelos adros d a s igrejas, pelas
florestas e uivava.
Figura c o m u m na Idade Média, esse ser fan-
tástico acompanhava bruxas e feiticeiras, que não lhe
faziam mal. Além dele, havia uma mulher-pássaro que
v o a v a com a s a s negras tão imensas, que todos chega-
v a m a ouvir o seu bater. Palhaços, lobisomens, mu-
lher-pássaro, m o u r a torta dançavam juntos no sabá...
O LIVRO N E G R O DAS BRUXAS

N a s cortes de Évora, onde as p e s s o a s se enfei-


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tavam com toucas, l o b a s e capuzes de panos finos,
que escondiam muito o rosto, havia muita gente que
praticava a bruxaria; por isso, anos m a i s tarde essas
toucas foram proibidas. Entre as mulheres mundanas,
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vestidas com p a n o s de varas e mantos de burato , a
feitiçaria imperava. Mesmo entre os guerreiros com
suas couraças de lâminas de ferro p o s t a s sob cotas de
malha até a coxa a feitiçaria era praticada antes d a s
batalhas. Iam se benzer na igreja e na bruxa... entre as
vendedeiras de frutas nas praças d a s cidades, as rezas
eram p a s s a d a s u m a s às outras.

A tradição nos conta que toda bruxa possuía


um livro que ela guardava com muito cuidado e que
continha seus ritos, suas rezas, suas obrigações, seus
poderes e o que tinha sido revelado a ela pelo próprio
demônio. Dizem que a Bruxa de Évora deixou o livro
preto que, segundo a lenda, está agora oculto junto ao
Tejo, perto de Alfama, numa casa turca. Cópias se fize-
ram dele e uma foi achada em um mosteiro português.
Muitos autores chamam a esse livro "O livro
negro do satanismo". Nele vemos que os apetrechos

2
" Loba = beca semelhante à b a t m a .
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Burato = p a n o inglês escarlate.
d a s bruxas eram: o altar, o giz, o círculo mágico, os
frascos, as vasilhas, a bacia, a colher, o cutelo, o pu-
nhal, a espada, o azorrague, a vara de cedro, o cálice, o
fogareiro, o braseiro, o perfumador, a lanterna, o bas-
tão, os instrumentos musicais, a concha, o espelho, a
bengala, a pedra, os chifres, o pentagrama e o crânio.
O caldeirão m á g i c o era o instrumento m a i s
importante de todos. D e s d e os tempos m a i s remotos,
as misturas e composições da bruxaria s ã o feitas em
caldeirões de ferro semi-esféricos, que se p õ e m sobre
o fogo com plantas e ervas mágicas, entre as quais a
Bruxa de Évora u s a v a a verbena.

Ela u s a v a t a m b é m o emplastro de celidonia,


que colocava sobre a cabeça de um enfermo p a r a evi-
tar s u a morte. Q u a n d o chovia e a fogueira se a p a g a v a ,
a Bruxa praticava a ceraunoscopia, que é a adivinha-
ção por meio d o s raios e d o s trovões; outras v e z e s pra-
ticava a cleromancia, adivinhação com d a d o s . Ela tam-
b é m cruzava s e u s a d e p t o s com calundrônio, p e d r a
m á g i c a que, s e g u n d o a tradição, defende as p e s s o a s
do mau-olhado.
Havia muitos demónios catalogados no livro
d a s bruxas. Os principais eram Abalan, príncipe d o s
infernos; Abigor, d e m ó n i o de hierarquia superior;
Abrahel, súcubo; A s m o d e u , um dos chefes; A d r a m e -
lech, grande chanceler do inferno; Alastor, muito se-
vero; Alocer, grão-duque; Amon, poderoso; Bel, mui-
to u s a d o nas bruxarias; Behemot, importante; Bifrous,
da matemática; Bune, d r a g ã o de três cabeças; C a y m ,
de categoria superior; Eurinome, de categoria eleva-
da; Fúrfur, conde; G u s o y n , de grande poder; Hécate,
d e u s a infernal; Lúcifer, o maioral; Marbas, presidente
infernal; Rowe, conde infernal; Satã, rei d o s infernos;
Thamur, do fogo; Uphir, muito competente; Vepar,
d u q u e infernal; Verdelet, o d a s reuniões d a s bruxas;
Volac, presidente; Zaebos, conde infernal; Zepar, guer-
reiro imponente.
Entre os muitos demônios que tentam os ho-
mens, os do sexo s e m p r e foram os mais temidos. Eles
eram chamados de íncubos, os que tentavam as mu-
lheres, e súcubos, os que faziam o m e s m o c o m os ho-
mens. Na época medieval, era comum a crença de que
o diabo tomava a forma de uma bela mulher p a r a ten-
tar um santo, como ocorreu com Santo Antão. Até em
sonhos os íncubos apareciam, e os transformavam em
erotismo maravilhoso.
N a Idade M é d i a européia, o s d e m o n ó l o g o s
cristãos concordavam que uma sexualidade desenfre-
a d a constituía um d o s m a i s certeiros caminhos para o
inferno. Acreditavam que íncubos e súcubos assumi-
am a forma humana para lograr seus intentos perver-
sos. E transformavam-se em belos jovens, n u s e lasci-
v o s , que iam à noite na cama d a s donzelas; ou se dis-
farçavam na esposa ou no namorado de a l g u é m e fazi-
am amor a noite inteira. Durante o dia s u m i a m , pois
não gostam do sol. Freiras medievais eram as mais ata-
c a d a s por esses belos diabinhos.

Na época d a s grandes perseguições às bruxas,


os sacerdotes acreditavam que elas tinham relação com
Satã: ele é que iniciava as feiticeiras num rito c h a m a d o
sabá. Em Évora, o p o v o acreditava que a m o u r a en-
cantada tinha controle sobre esses demônios. Ela pos-
suía um receituário para livrar as p e s s o a s d a s tenta-
ções do erotismo; m a s , se esse método falhasse, a Igre-
ja tinha um mais eficaz: a tortura.
Os gatos também eram acusados de demônios.
O gato era considerado um animal mágico, parente da
lua, pois o gato surge para a vida à noite, perambulando
pelos telhados, com seus olhos brilhantes na escuri-
dão. Da magia de seus olhos é que surgiram as crenças
nos seus poderes sobrenaturais. No Oriente acredita-
va-se que os gatos transportavam as a l m a s d o s mor-
tos; ou que um humano podia tornar-se um gato, atra-
v é s do feitiço de u m a bruxa. Encarnação do diabo, o
gato era um grande a m i g o d a s bruxas.

A Bruxa de Évora tinha um gato preto, cha-


mado Lusbel. Era belíssimo, dengoso e lascivo. N ã o
corria atrás do mocho que sempre a acompanhava.
Certa feita, quase mandaram queimar viva a Bruxa, sob
a acusação de que ela penetrara na casa do Reverendo
em forma de gato preto. Ela sumiu v o a n d o em uma
vassoura e levou seu gato, pois queriam assá-lo vivo
para afastar os m a u s espíritos. Na noite seguinte, ele
foi visto num telhado tocando rabeca e espirrando: era
sinal de chuva. E choveu toda a noite em Évora. Os
homens com s u a s túnicas talares, seus mantos presos
ao ombro, s u a s gorras à cabeça, testemunharam esse
fato. Os m o n g e s beneditinos de hábito com cogula,
mantos e luvas, juraram que o gato tocava rabeca e
gargalhava. Um h o m e m com um barrete comprido e
flácido, cinturão de couro e jóias visigóticas, disse ter
visto o gato na Sé de Évora, junto ao campanário...

A ação maligna do demônio contra os justos


não cessa, diziam os portugueses, enquanto viravam
canecas de vinho de barril. As damas, com largos man-
tos de brocado presos por firmais de p e d r a s preciosas
e com grandes rosários de contas à cintura, diziam: "O
diabo tem muitos nomes, Satã ou Lúcifer, e aqui em
Évora ele tem u m a a m i g a , a bruxa que v o a montada
nos bodes e nas v a s s o u r a s . Para ele, ela canta e dança e
faz orgias. Faz feitiços e até seu gato é seu amante, é
um diabinho do s e x o . "
VISÕES E FANTASMAGORIAS
EM T E M P O S DE FESTA

No livro negro da bruxa há p a s s a g e n s em que


ela conta sobre o ritual d a s festas m á g i c a s e populares.
Muitas coisas d e s s e livro foram retiradas, e outras fo-
ram acrescentadas; por isso, não s a b e m o s se suas in-
formações estão corretas. Amon, por exemplo, era o
nome de um d e u s egípcio e aparece aqui como demô-
nio; Baalzebul, famoso deus da Suméria, virou Belzebu.
A s s i m , muita coisa está ainda oculta nesta área. M a s
as descrições de a l g u m a s cerimônias s ã o exatas, como
a do sabá, a reunião de feiticeiros e adeptos.

Era costume em Portugal as feiticeiras, seus


descendentes e a m i g o s reunirem-se n a s vésperas dos
dias de São Jorge, Natal e São Cipriano, nas encruzi-
lhadas d o s p r a d o s . Iam cozinhar poções mágicas. Es-
ses encontros tiveram sua origem nas festas realizadas
pelos pré-cristãos. O cristianismo declarou esses atos
como coisa diabólica, m a s os ritos continuaram. As
mulheres sábias carregavam ramos e a d o r n a v a m os
animais com grinaldas em honra do d e u s com chifres,
rei da natureza. Os chifres do g a d o e r a m adornados
com guirlandas de flores para que os animais dessem
cria. Muitas v e z e s faziam um bolo g o s t o s o , para todos
comerem juntos. Na m a s s a do bolo se colocava u m a
moeda; quem a encontrasse, ficaria rico rapidamente.
N a s noites de lua, a fumaça d a s fogueiras en-
chia o ar de fantasmagorias e todos dançavam. A man-
dragora, planta mágica, era usada em p o m a d a s que
untavam o corpo d o s adeptos, junto com outras ervas
como alecrim e azevinho. Todos t o m a v a m do vinho
de ervas que era distribuído em abundância. A bruxa
vestia uma pele de carneiro sobre a i m a g e m de madei-
ra do deus Pã; depois ela o s a u d a v a como d e u s da vida
e da fertilidade. Nesta hora comia-se o bolo de nozes
d a s feiticeiras e as mulheres-sábias eram l o u v a d a s . Os
camponeses se esqueciam de seus trabalhos e se ale-
g r a v a m ; e muitas v e z e s eles se a m a v a m na relva em
meio ao canto fantástico, enquanto as feiticeiras reali-
z a v a m seus encantamentos.

A festa era alegre e aquele povo, em geral me-


lancólico, se divertia. A tristeza constante se consumia
e a gente de lá se esquecia do sofrimento e da miséria.
A bruxa era assim, muitas vezes, um b e m p a r a o povo,
um sacerdote pobre igual ao povo, p o p u l a r entre as
m ã e s e os servos, entre os que conduziam o g a d o do
senhor da terra; para ela a gente pobre cantava bala-
d a s com seus instrumentos simples. Junto ao padre,
muitas vezes eles receavam a felicidade, p o i s poderia
levá-los ao inferno; c o m as bruxas não, a alegria era
um d o m dos deuses antigos, e bolo e vinho eram bons
e traziam felicidade.

U m a g r a n d e festa popular era o entrudo, o


nosso carnaval. No seu tempo, o povo se empanturra-
va de galinha e de carneiro, de filhos com açúcar e de
sonhos com creme. E saía à rua dando u m b i g a d a s pe-
las esquinas e jogando á g u a uns nos outros c o m serin-
g a s de clisteres, e colocando rabos com alfinetes nas
costas dos distraídos. Outros, fantasiados de Morte ou
de Rei, a n d a v a m c o m résteas de cebolas, d a n d o com
elas em quem p a s s a v a . Uns tocavam gaitas, batuca-
v a m em panelas, riam muito. Era o tempo de entrudo
e o diabo a n d a v a solto pelas ruas de Portugal. A cida-
de de Évora ficava imunda, cheia de lixo, de lama, de
gente dormindo p e l a s ladeiras.
É b o m esse tempo, quando todos s ã o iguais,
reis, príncipes, servos da gleba, padres, bruxos; todos
s ã o iguais no tempo de M o m o , soberano da farra. N e s -
ses dias a Bruxa saía às ruas com seu mocho às costas,
a cantar e louvar o entrudo. Caras pintadas, gente co-
berta de peles de bichos, máscaras, vestidos de rei dos
tolos, de esqueleto, de mendigos, eles se a c a b a v a m de
cantar e pregar peças uns nos outros. A Bruxa gostava
do entrudo. E d a n ç a v a pelas ruelas.

Depois vinha a Quaresma e o p o v o tinha de


p a g a r pelos excessos cometidos. Todos mortificavam
a carne, faziam jejum, fustigavam-se com açoites e cho-
r a v a m na procissão de penitência. As mulheres, nas
janelas, viam p a s s a r a procissão e choravam pelos pe-
nitentes que iam à frente, jogando-lhes fitinhas de co-
res, que eles p u n h a m nos seus gorros.

Os padres, logo depois dos penitentes, leva-


v a m os pendões c o m as imagens da Virgem e de seu
Filho. A seguir vinha o bispo embaixo de um pálio; e
depois as imagens nos seus andores d o u r a d o s , e o re-
gimento interminável de padres e irmãos d a s confra-
rias. Todos p e n s a v a m na salvação da alma. Só u m a
mulher torcia a cara e não caminhava com eles: a Bru-
xa de Évora. Ela a tudo via sem dar um pio, e devagar
caminhava para os cantos escuros de Évora, onde fa-
zia os ritos u s a d o s pelas feiticeiras no tempo de Qua-
resma, para tirar mazelas, mau-olhado e inveja.
BRUXARIA ENTRE ALEGRIA E MORTE

Um festejo popular de grande a g r a d o de to-


dos, bruxos, m a g o s , cortesãos, pescadores, pastores,
comerciantes, prostitutas, mulheres santas, crianças e
velhos, cavaleiros d a s armas e pintores, era a comédia.
Ela nasceu nos vilarejos dos camponeses. Quando a
noite de inverno rugia tempestuosa e a chuva sussur-
rava nas árvores, os aldeões tremiam de medo, junto
com todo Portugal. Aí os pobres, fracos e humilhados
se s e g u r a v a m na fé dos deuses antigos e riam, riam
como os bobos da corte.

Sim, c o m o os bobos, os truões, bufões e tolos,


alegria d a s cortes e do populacho, c o m seus guizos,
seus chapéus de bicos coloridos, seu cantar imperava,
debochava. O truão foi u m a entidade misteriosa da
Idade Média ( g u a r d a d o ainda na carta zero do taro),
amigo de príncipes, reis e d a m a s da corte, e também
amigo de bruxos e feiticeiros que os protegiam às ocul-
tas. Em muitas festas de feiticeiras, q u a n d o enxofre,
salitre e incenso se elevavam no ar, lá estava o rei dos
tolos, torrente de riso, gargalhadas soltas como a d a s
bruxas e seus amantes sarracenos.

A comédia era uma celebração jocosa após uma


comilança, festa ou casamento. Nela não havia mor-
tes, como na tragédia grega; ela não falava de homens
famosos, santos ou heróis; atingia o efeito do ridículo
mostrando homens comuns, como os camponeses. Seus
personagens eram seres vis e ridículos, tolos, imper-
feitos, feios, sensuais, m a s nunca m a l v a d o s .
A comédia era uma festa, feita em palcos mam-
bembes de p a n o s coloridos, onde o c a m p o n ê s ria seu
folguedo. Ficava s e m p r e na feira. E, muitas vezes, nes-
s a s feiras com comediantes, elegia-se o "rei d o s tolos",
um camponês b e m feio e ridículo que era coroado e
acompanhado em cortejo pelo povo.
Os cântaros de vinho desciam p e l a s bocas. E a
liturgia do asno e do porco era representada pelos co-
mediantes. C a r a s pintadas, trapos coloridos, eles re-
presentavam a comédia popular. A Igreja suportava
e s s a s festas, pois a c a l m a v a m o povo. O riso era geral.
E nessa hora o aldeão perdia o m e d o do diabo e d a s
bruxas. O diabo era muitas vezes p e r s o n a g e m d a s co-
médias. Pobre diabo bobo! N ã o era o diabo apresenta-
do nas igrejas: era um folgazão, um palhaço de carna-
val. Sonhava-se então com abundância, c o m o país da
Cocanha, onde tudo era ouro.
Os simples farreavam, bebiam e cantavam; e
lá estava a Bruxa, festiva, com seu mocho às costas. A
velha Bruxa ria, desdentada, riso solto como o vento
nas pedras de Lisboa, e bebia vinho e comia p ã o doce.
O m e s m o pão doce e o vinho com que os camponeses
faziam m a g i a s nesses dias de muito riso.
O folguedo d o s camponeses era grande. A fei-
ra era u m a gritaria alegre e colorida que descarregava
os humores. Jovens m o n g e s p a s s a v a m rindo, dizendo
juntos poemas jocosos, sentindo-se livres também. Era
tempo de alegria. As trevas se dissipavam...
M a s as trevas voltavam nos dias de execução.
A sombra dos conventos vivia o povo; e, na hora da
execução, o p o v o sentia mais e mais o terror da época
em que vivia. A v i d a era então tão violenta e tão estra-
nha que misturava o cheiro de sangue c o m o d a s ro-
s a s . Os homens de então oscilavam s e m p r e entre o
m e d o do inferno e o do céu, e eram cruéis e temiam as
delícias do mundo. Entre o ódio e a bondade, indo sem-
pre de um extremo a outro, assim era a I d a d e Média.
Nesses dias, o p o v o gritava furioso nomes aos
condenados. Guinchavam as mulheres. J o g a v a m coi-
s a s debruçadas d o s peitoris. As piedosas senhoras fa-
z i a m b o r d a d o s enquanto esperavam as execuções. El
Rei as ordenava; os p a d r e s também. Os ladrões que se
cuidassem, e os b r u x o s também...

Benzia-se a cruz no primeiro dia, enorme p a u


c o m quatro metros de altura, que daria p a r a um gi-
gante. E diante dela se prosternavam todos os presen-
tes. Derramavam-se lágrimas. E ao lado se a r m a v a o
local da forca. Alta, traiçoeira.

Vinham na frente os padres, com u m a procis-


s ã o atrás. E o a c u s a d o , ladrão, feiticeiro, judeu, here-
g e , ou caído na má fama de ser homossexual ou sádi-
co, ia com chapéu de bruxo, humilhado, em meio à
confusão. Ia açoitado, com garrote, sufocado em meio
às gentes. O p o v a r é u gritava. Vinha o e n c a p u z a d o
matador. O p o v o urrava e o algoz executava o conde-
nado.

Muito se m a t o u em Portugal, no Pelourinho


Velho, em S ã o M i g u e l , na rua d o s M e r c a d o r e s , no
mosteiro da cotovia. E o povo muito chorou e muito
riu. A Bruxa de Évora nunca era vista claramente nes-
sas horas, só s u a sombra suspeita era vista por alguns
videntes, curadores, e diziam que muitas vezes era vis-
ta comendo sardinha e arroz atrás de u m a muralha,
vendo de longe o que acontecia.
H a v i a diversos bruxedos que se faziam nos
dias de enforcamento ou de castigo de condenados.
N e s s a s horas, a Bruxa corria para s u a casa. Sentava-se
no mocho, acendia o lume na lareira, punha a trempe
e u m a panela sobre ela, fazia sopa. E quando ela fer-
via, deitava u m a parte no chão, para os espíritos, e u m a
para ela. Depois de comer fazia u m a segurança, para
não ser p e g a e levada ao calabouço. Fazia uma pasta
com gordura de galinha, aranhas, l e s m a s , e p a s s a v a
no corpo, dizendo: "- O tordo e a garriça são o galo e a
galinha de N o s s o Senhor."
Poções e unguentos como e s s e não são u s a d o s
na moderna feitiçaria; são relíquias da feitiçaria primi-
tiva, fundada na dor, no terror e no repulsivo. A cavei-
ra de um cavalo colocada à porta da entrada afastava
os fantasmas... galinhas pretas a serviço dos feiticei-
ros... antiga feitiçaria. Faz parte de n o s s o inconsciente
coletivo, e s u r g e em todas as eras, m e s m o na nossa...

A hora de todas as bruxarias era a noite. M a s a


noite de então começava muito m a i s cedo que a nossa.
A gente e os frades acordavam entre d u a s e meia e três
horas da m a d r u g a d a ; para o monges, eram as Matinas,
quando c o m e ç a v a m a trabalhar. Entre cinco e seis ho-
ras da manhã eles comiam; eram as L a u d e s para os
mosteiros. Pouco antes da aurora, às sete e meia, eles
p a r a v a m para rezar; nos conventos tocava-se a Primei-
ra. A Terceira era às nove horas da manhã; e iam dor-
mir em torno de seis ou sete horas: eram as Comple-
tas. Era a hora de bicho solto, d a s burrinhas-de-padre,
d o s assombrados, d o s súcubos e íncubos, d a s d a m a s
brancas, alminhas e capetas. O p o v o tremia de frio e
de medo. Uns v i a m macacos de chifres, seres com ca-
beça e pés de pato, sereias voadoras, corcundas, hu-
m a n o s com cabeça eqüina.
C o m a noite vinham os seres maléficos. Fer-
reiros, seleiros, pedintes, vendedores de ervas, todos
enfim se escondiam em casa à noite, pois a noite não
era para a gente, e sim para as mulas-sem-cabeça (aman-
tes de padres), os lobisomens e as almas p e n a d a s . Ou
então para o conciliábulo dos feiticeiros, gente que ti-
nha a marca no corpo e o diabo na pele, gente do Cão,
que precisava ficar dependurada em u m a boa forca,
esperando os luzeiros do sol da manhã nessa posição
inferior, à espera de que a levasse e muitas vezes lhe
cortasse a mão... Na claridade do amanhecer muitos
a s s i m estavam. M a s a Bruxa de Évora nunca assim es-
teve... Os que a viam, ao deitar rezavam:

"Com Deus me deito


Com Deus me levanto
Na graça de Deus,
De el-Rei
E do Espírito Santo."

Era nessa hora que a Bruxa fazia s u a s poções


de cura. Por isso era procurada, médica d o s pobres. E
com suas artes m á g i c a s lia a sorte e previa novidades.
Mentiras, diziam uns; verdades, afirmavam outros.
Montada numa mula ela ia p e l a s ruas escuras.
Porcos d o r m i a m pelas ruas. Boas noites, mula-sem-
cabeça, b o a s noites, bodes pretos... e lá ia a bruxa ve-
lha p a s s e a n d o à noite nas ruas da cidade.
À luz do lume, a Bruxa fazia sua rezas. E se
persignava. Lá fora o vento uivava. O lume estalava:
era a casa da Bruxa emitindo seus ruídos. Velha casa
assombrada...
TRAVESSURAS E FEITIÇOS DA
B R U X A D E É V O R A N O BRASIL

O M U N D O É V A S T O , E O DIABO VAI NA PROA DO NAVIO

Certamente, a Bruxa de É v o r a é u m a figura


lendária; m a s s e u mito é tão forte no inconsciente do
p o v o português, que, quando os n a v e g a d o r e s lusita-
nos começaram a abrir caminho pelo oceano, a trouxe-
ram junto com o m e d o dos monstros marinhos e a cren-
ça no lobisomem, na moura torta e em S ã o Barandão
(que diziam ter descoberto novas terras a ocidente). E
ela, a Bruxa, p a s s o u à História.

Q u a n d o veio para o Brasil, a Bruxa de Évora


não surgiu m o n t a d a num d r a g ã o , n e m n u m a tosca
v a s s o u r a . Ela v e i o , como alma p e n a d a , vista pelos
marujos da a r m a d a portuguesa, nas noites de tempes-
tade. Veio nos b a ú s de madeira, nas conversas, no jogo
de d a d o s da marujada, nas histórias do capelão. E por
aqui ficou...
Q u a n d o as últimas naus saíram de Portugal,
alguns juraram ver a velha em seu b o d e alado, toda
branca, pois a g o r a era uma alminha, dançando no ar...
era no tempo do rei D. Manuel, o Venturoso. Era no
tempo d a s encantarias. A l m a s s e m r u m o v a g a v a m
pelos céus. O diabo tinha vindo na p r o a do navio, mes-
mo com a bandeira da cruz...
Q u a n d o os portugueses chegaram ao Brasil,
envolveram-se c o m os índios e com eles aprenderam
sua magia e s u a s lendas. Conheceram a história do pio
da Matinta-pereira, a v e agourenta d o s n o s s o s índios,
que trazia notícias ruins. Para os p o r t u g u e s e s , esses
pios e esses v ô o s em volta d a s cabanas lembravam o
v ô o d a s bruxas de s u a s terras. E a a v e Matinta-pereira
tornou-se a bruxa da noite, que a n d a v a rondando os
casebres.

A s s i m os mitos foram-se fundindo. No dia da


Páscoa de 1503, q u a n d o alguns d o s marinheiros da
expedição de Afonso de Albuquerque rezavam, os pios
da Matinta-pereira acordaram os que e s t a v a m dormin-
do. Todos tremeram de medo e juraram que era a alma
penada da Bruxa de Évora que os a n d a v a assustando
em Lisboa, que tinha vindo para o Brasil assustá-los
novamente.
Roiz, marinheiro e contramestre de u m a nau
portuguesa d o s t e m p o s do descobrimento, assim con-
tou: "Quando parti da cidade de Lisboa p a r a o Brasil
era noite negra. Vi presságios. Digo ao senhor! Vi ser-
pentes no mar tenebroso, m a s vinha em busca do pau-
brasil e fiquei firme. No Brasil me deitei com u m a ín-
dia mui bela, m a s a m ã e dela aparecia de Matinta e
assobiava à noite. Era a Bruxa de Évora que, não con-
tente em nos atacar lá nas nossas santas terras, vinha
aqui que é terra de Caipora."

Pedrim, criado do capitão d e s s e navio, assim


repetiu: "A Matinta e a Évora a n d a m juntas voando
nos ares, nas noites, querendo a nossa morte."
A Matinta-pereira, agora bruxa medieval, vi-
nha à noite e assobiava. Só parava quando lhe ofereci-
am café ou fumo. E de manhã a velha feiticeira vinha
buscar o que lhe h a v i a m prometido, o café ou o fumo
de rolo. Quando ela morria, sua filha herdava o d o m
de matinta ou bruxa. Assim, a feiticeira de Évora foi
surgir séculos d e p o i s de morta, nas aldeias da costa
brasileira, envolta nas lendas da matinta, ave de bru-
xos, amiga de pajés escondidos nos matos, uma enti-
d a d e maléfica que, invocada, vinha fazer estrepolias
no negrume da mata virgem.

A BRUXA DE ÉVORA NO CATIMBÓ

Da mistura d a s crenças e dos ritos de índios e


colonos nasceu o catimbó, primeiro culto sincrético do
nosso país. O catimbó é feitiço, bruxedo, coisa-feita,
com seu receituário, seu espiritismo, seus conselhos de
bem-viver, seus amuletos e dietas para afastar fantas-
mas e mulas-sem-cabeça. Segundo C â m a r a Cascudo,
está cada vez mais próximo do baixo espiritismo, em-
bora inicialmente fosse centrado na medicina herbá-
cea e na feitiçaria de S ã o Cipriano e da Bruxa de Évora.
No catimbó não há filhas-de-santo, nem roupas espe-
ciais, nem comidas votivas, nem decoração. O chefe, o
curandeiro é q u e m comanda tudo. A liturgia é sim-
ples; o mestre defuma o ambiente e os assistentes, e
recebe seu guia.

N e s s e culto c o m e ç a r a m a " b a i x a r " mestre


Xaramundi, Pinavuçu, Anabar, mestra Faustina, indí-
genas, feiticeiros de Portugal; até turcos "acostam"...
lembrança do m e d o d o s nossos colonizadores d o s in-
fiéis maometanos... coisas da terrinha.
Pajelança e missa, bruxaria européia e remédio
d e pajé, este e r a logicamente u m b o m lugar p a r a
Cipriano de Antioquia e a mestra de Évora. E quem
aparece lá? A nossa bruxinha de Évora, enrolada em
seus panos velhos, alminha acostando nos médiuns. N ã o
trazia canto (linho), m a s sim u m a reza forte. Sim, lá bai-
xou (ou "acostou", como dizem) a bruxa de Portugal. E
deu receitas, remédios, fórmulas ancestrais de magia,
fez casórios e a p a r o u meninos. Parteira, boa cartoman-
te, ela continuou seu trabalho - assim o crêem...
E por q u e não viria, se v ê m Zé de Lacerda, Rei
Turco, Carlos M a g n o , D o m Luís Rei de França, Padre
Cícero, junto c o m Exu Malunguinho, Xapanã, Dona
Janaina, Cabocla Jurema e Caboclo Laje Grande? E to-
d o s dançam e cantam em grande harmonia...
Q u a n d o chegou pela primeira vez, a mestra
cantou um linho estranho, falando de terras distantes,
de brigas entre m o u r o s e cristãos, de panelas de barro
e cheiro de rosmaninho... O catimbó nesse dia ficou
silencioso e muitos juraram que u m a v i s a g e m p a s s o u
por suas cabeças. N ã o era santo, n e m pajé sábio, era
u m a velhinha branca, com seu mocho às costas...
R e s s o a m os chocalhos, o fumo de tauari enche
a sala pobre, mestres rezam s u a s rezas antigas, can-
tam linhos, S ã o Cipriano acosta e bota mesa para a es-
querda. Tem p o r companheira de outro m u n d o a Bru-
xa, com seu canto, seu mocho, seu b o d e voador, seu
dragão formoso. É noite enluarada, luar do sertão do
Brasil...
Muitos catimbozeiros juram que a Bruxa de
Évora p a s s a a noite montada nesse cavalo fantasma...
É, ela fez muita coisa no Brasil colônia... No catimbó, o
p o v o acredita no cavalo fantasma, animal assombroso
que apavora as estradas. Ninguém o v ê , m a s o sente
passar, ouvindo as p a s s a d a s firmes. U m a luz clara dele
emana, que desenha na rua o seu vulto.

A BRUXA DE ÉVORA NA UMBANDA

C o m o não poderia deixar de acontecer, a Bru-


xa de Évora t a m b é m entrou na u m b a n d a . Feiticeira,
mandingueira, curadora, foi incorporada à legião d a s
Pombas-giras. M a s ela não é uma entidade jovem e
sensual; ao contrário, é velha e sábia c o m o todas as
antigas bruxas, que atingiram a idade da sabedoria e
do desprendimento d a s necessidades do corpo.
Sua pele é morena e marcada p e l a s rugas da
idade. O cabelo, ainda negro, é preso em um coque
simples e sem v a i d a d e . Seu vestido vermelho é quase
um farrapo, com a blusa pendendo de um d o s ombros
e a saia curta mal ajustada em torno d a s pernas. Des-
calça e sem adornos, a bruxa segura a v a s s o u r a na qual
v o a pelas encruzilhadas.
Seu rosto sério m a s benevolente mostra que
ela prefere fazer feitiços para curar, proteger e promo-
ver a felicidade d a s p e s s o a s que a procuram; m a s os
olhos brilham c o m a luz maliciosa de q u e m vê além
d a s aparências. S u g e r e m que ela p o d e r á promover
surpresas indesejadas a quem a tratar mal ou fizer pe-
d i d o s mal-intencionados, mas que t a m b é m poderá
proporcionar soluções inesperadas p a r a os problemas
de seus consulentes.

A BRUXA DE ÉVORA NA V O Z DOS CANTADORES

O que é visto e sentido nos catimbós do Nor-


deste surge muitas v e z e s na v o z dos repentistas e cor-
re as feiras e acampamentos. O cantor p o p u l a r d o s es-
tados do Nordeste é um representante legítimo de to-
d o s os bardos e menestréis medievais, dizendo pelo
canto, i m p r o v i s a d o ou m e m o r i z a d o , a história d o s
homens famosos da região e as aventuras de caçadas,
de brigas, de assombrações e de caiporas. E eles canta-
ram a vida da Bruxa de Évora, acostada nos mestres
do catimbó ou a l m a p e n a d a solta, Matinta-pereira as-
sobiando pelos telhados, a bruxa mais famosa de Por-
tugal. Quando eles cantam, cem olhos se abrem, con-
tentes com as estripulias da velhota valente. A s s i m
como os doze Pares de França e D. Sebastião de Portu-
gal, a Bruxa e S ã o Cipriano são gigantes do povaréu,
de cá e de lá combatendo em desafio, c o m s u a s forças
m á g i c a s e m riste. N a ingenuidade d o s cantadores,
menestréis da caatinga, ela viveu novamente e entrou
nas rezas d a s rezadeiras populares.

"Lá vai a Bruxa de Évora


Com seu gato feiticeiro.
De dia trabalha no mato,
De noite com seu candeeiro."
O L I V R O DE O R A Ç Õ E S DA
BRUXA DE ÉVORA

Circulava entre os penitentes que sempre visi-


tavam a Sé de Évora, um manuscrito que é chamado
hoje em dia de "Livro de Orações da Bruxa".

O r a ç õ e s estranhas, m e i o e n d i a b r a d a s , m a s
muito p o d e r o s a s eram lidas s e m p r e e repetidas até
mais não poder. Elas agora não nos parecem muito
orações, lembram mais histórias de encantamentos; aí
vão elas.

REZA DA BRUXA BRIMUNDA

E s s a reza é feita para pedir prosperidade no lar.

"Quando acordo sinto a vida nos campos. E


sou como o pássaro que voa, sou como a planta que
cresce, pois sem eles não haveria o homem. Deus fez
os bichos para serem cuidados. Devo cuidar deles. Sem
eles morrem os homens. A vida é um conjunto, nada
vive sozinho. O mundo gira e o Sol gira em volta dele.
As estrelas são para o bem do homem e os filhos para
as mulheres. Que eu tenha filhos, casa, meus animais,
minha lareira, meu pão, meu terço."
REZA DO BRUXO BALTAZAR

Essa reza serve para pedir s a ú d e .


"Por Nossa Senhora das Necessidades, por São
José, por São Jorge e pelos santos limpos de pecado, eu
peço saúde. Irei sempre à igreja e terei meus ossos for-
tes para o trabalho que a vida me mandar."

REZA DO MOCHO

Essa reza serve para pedir proteção contra ini-


migos.
"Eu sou ferro, tu és aço,
eu te prendo e embaraço.
Tu és fraco, eu sou forte,
eu te venço e te amasso.
Tu és de espírito pobre,
eu sou de espírito rico,
nada e ninguém comigo pode
pelas armas de São Jorge.
Se o mocho vier não me leva,
pois ando com as armas de São Jorge."

REZA DA BRUXA NALISSE DE BRAGA

Essa reza é u s a d a para abrir o j o g o de cartas.


"Coloco cinco dedos na parede,
Conjuro cinco demônios,
Cinco monges e cinco frades.
Que eles possam entrar no corpo e no sangue
de (falar o nome do cliente)
Eque eu veja o passado, o presente e o futuro
REZA DA BRUXA PIPERONA DE ALFAMA

E s s a reza, que serve para atrair amor, é feita


com cartas de baralho e muita fé.
'Aqui estão vinte e cinco cartas.
Tomem-se vinte e cinco demônios.
Entrem no corpo, no sangue e na alma de (di-
zer o nome da pessoa amada),
Nas sensações do corpo,
Dizendo ao(à) meu(minha) amado(a)
Pois ele(a) não pode existir ou comer ou beber
E nem conversar com outros homens ou mu-
lheres.
Pelas vinte e cinco cartas, ele(a) vem bater à
minha porta."

REZA DAS REZADEIRAS DE GOA

Para rezar essa reza contra cobreiros, pega-se


um carvão, acende-se no fogo e c o m ele se cruza o
cobreiro, sem encostar na pele. E vai-se dizendo assim:

"Cobreiro de bicho rasteiro,


de bicho peçonhento,
que há de ficar preto
como este carvão."

Faz-se e s s a reza por sete dias, mesmo que o


cobreiro já tenha secado, untando o local diariamente
com violeta de genciana.

REZA DO BRUXO DE LEIRIA


"Com sete luas e sete sóis eu me defendo.
Sete nós não me atam.
Sete louvores dou ao santo.
Sete pregos não me prendem.
Sou forte.
Sou dos astros bons.
Dia virá em que serei totalmente feliz."

REZA DO FILHO DO SAPATEIRO

Essa é u m a reza de domínio público em Por-


tugal, u s a d a p a r a proteção geral.
"Meu sapato tem asas como o vento de Lisboa.
Como todo dia a minha broa.
Bendito seja Deus que nada me pode pegar,
Nem amarrar, nem machucar.
Sou livre de mazelas."

REZA DO BRUXO UBERTINO

Reza u s a d a para prevenir-se contra mordedu-


ra de serpentes.

"Serpente de quatro ventas,


Serpenteão,
Serpente do mar das Tormentas,
Serpente que atacou Melquior,
Mas com a luz da estrela ele se safou.
Com essa luz dos três Magos do Oriente
Eu me defendo.
REZA DO BRUXO BONIFÁCIO DE VIANA

E s s a é a reza protetora do escudo de luz.


"Tenho um escudo que me protege
E sempre me protegerá.
Nada me pega.
Venho do convento dos dominicanos
Com reza santa.
Eles mandaram trancara chave
Meu corpo.
Venho do trono dos cardeais,
Não serei prisioneiro.
Venho do topo do monte,
Do cume da colina.
Comerei meu pão em santa paz."
FEITIÇOS DA B R U X A DE É V O R A

FEITIÇO PARA ABRIR OS CAMINHOS

MATERIAL:

Um copo de vidro v i r g e m
U m a garrafa de vinho tinto
Três pedaços de pão
U m a pitada de sal
U m a fita de gorgurão azul-escuro
Um pedaço de papel
L á p i s ou caneta

Escreva no papel o nome da pessoa em cuja


intenção se faz o feitiço. Junte os três pedaços de p ã o ,
com o papel entre eles, e prenda tudo junto com a fita.
Salpique o sal por cima. Leve esse amarrado, o copo e
a garrafa de vinho para uma estrada, uma praça ou um
lugar com mato. Encha o copo com vinho e coloque-o
no chão, com o amarrado ao lado, oferecendo à Moura
Torta.

TRABALHO DO GATO PRETO PARA O AMOR

Esse trabalho foi encontrado em um pergami-


MATERIAL:

U m copo d e vidro virgem


U m a garrafa de vinho tinto
Sete pêlos de gato preto
Um o v o choco
U m a vela preta
Fósforos

Para conseguir os pêlos de gato, procure al-


g u m conhecido que tenha um animal na cor certa; peça-
lhe que g u a r d e um punhado de pêlos p a r a você. Para
conseguir o ovo choco, procure um criador de galinhas.
Leve todo o material para u m a praça ou um
lugar com mato. Acenda a vela preta. Encha o copo
com vinho. C o l o q u e os pêlos dentro do vinho e, por
fim, coloque o o v o dentro do c o p o . Ofereça a S ã o
Columba, fazendo seu pedido.

MAGIA MEDIEVAL PARA PROLONGAR UM CASAMENTO

MATERIAL:

Um p u n h a d o de pedras catadas na rua


Sete velas
Fósforos
Antes de sair de casa, tendo todo o material
com você, recite a seguinte invocação:
"Na força do signo-saimão, nas sete estrelas
do céu, eu invoco Diana, a guerreira, senhora da caça e
da fartura, e uno o casal (dizer os nomes dos membros
do casal) para que não se separem."
Vá p a r a um lugar ao ar livre, levando todo o
material. Faça no chão um círculo com as pedras cata-.
d a s na rua e acenda as velas em volta delas, repetindo
seu pedido.
É um trabalho antigo; tem força e tradição...

FEITIÇO DE AMOR DA BRUXA DE ÉVORA

MATERIAL:

Sete p u n h a d o s de pó de estrada
Sete rosas vermelhas
Sete cravos-da-índia
Sete nozes-moscadas
Um p e d a ç o de papel virgem
Lápis ou caneta
Um saquinho de pano vermelho

Escreva sete vezes no papel o n o m e da pessoa


amada. Coloque esse papel, junto com o pó, as rosas,
os cravos-da-índia e as nozes-moscadas, dentro do sa-
quinho, que d e v e ser g u a r d a d o por q u e m mais ama...
Bruxaria ou sonho?

TRABALHO PARA ALÍVIO DE OPRESSÕES ESPIRITUAIS

Este trabalho serve para descarregar aqueles


que se sentem mal, oprimidos ou c o m fortes cargas
espirituais.
MATERIAL:

U m a pequena porção de trigo em grão


U m a pequena porção de centeio em grão
Água
D u a s panelas pequenas
Dois peda ço s de p a n o branco

Cozinhe separadamente o trigo e o centeio em


á g u a pura. Deixe esfriar. Passe os dois cereais no cor-
po da p e s s o a e depois embrulhe c a d a um em um d o s
panos. Entregue no mato ou em u m a estrada.

FEITIÇO DO BODE PRETO PARA AFASTAR INIMIGOS

A s s i m a Bruxa de Évora trabalhou para u m a


mulher anã, que era motivo de divertimento para to-
d o s e q u e vivia em infinita tristeza. E s s a anã tinha s i d o
tirada da casa d o s pais por u m a mulher nobre. Os p a i s
foram visitá-la e saíram contentes em ver que ela era
bem tratada; não viram a corrente que era u s a d a p a r a
atar o pescoço da anã, junto c o m outra corrente q u e
era atada no pescoço do macaco de S u a Graça a D a m a
Real...

MATERIAL:

Dezesseis pêlos de b o d e preto


U m papel branco v i r g e m
L á p i s ou caneta
U m a pedra de enxofre
U m saquinho d e p a n o
U m pilão
U m a panela pequena

Para conseguir os pêlos de b o d e , procure um


criador de cabras na área rural próxima do lugar onde
mora, ou um estabelecimento que v e n d a animais para
criação ou abate.
Escreva no papel o nome da p e s s o a que deseja
afastar. Torre os pêlos de bode junto com o papel e, a
seguir, soque os d o i s junto com a pedra de enxofre no
pilão, até ficar tudo bem moído. C o l o q u e o pó dentro
do saquinho e j o g u e dentro de um rio, fazendo seu pe-
dido à Bruxa de Évora.

FEITIÇO PARA OBTER RIQUEZA E FARTURA

D i z e m q u e a Bruxa de É v o r a p o s s u í a um
amuleto feito com a m ã o de um enforcado. Ela o rece-
beu numa cerimônia secreta, sob a luz de velas, entre
uma caveira e um círio negro; fez juramento e saiu dali
montada em um bode. Hoje em dia, o m e s m o feitiço
p o d e ser feito c o m m ã o s de cera, a d q u i r i d a s em lojas
de artigos religiosos.

MATERIAL:

Um par de m ã o s de cera
Um papel
Lápis ou caneta
Um p o u c o de trigo em grão cozido
Um prato de louça branco v i r g e m
Escreva no papel o n o m e da pessoa que quer
ganhar dinheiro. Coloque esse p a p e l sobre as m ã o s de
cera, p o s t a s lado a lado, com as p a l m a s para cima, s o -
bre o prato. Ponha o trigo por cima. Entregue em um
local aberto (praça, praia, mato ou areal) ou coloque
ao pé do altar de umbanda (se freqüentar u m a casa de
culto ou tiver seu altar em c a s a ) , g u a r d a n d o c o m o
amuleto.

ESCONJURO CONTRA ESPÍRITOS MAUS

"Eu sou ferro, tu és aço, eu te prendo e em-


baraço.
Eu sou luz e tenho comigo a fé de Santa Puden-
ciana, de São Jorge e de El-Rei, deveras nada me pode
maltratar."

FEITIÇO PARA ENCONTRAR TESOUROS

Conta u m a lenda que, certa vez, ia pelas r u a s


de Évora u m a família burguesa, o homem à frente, c o m
capote, peruca e chapéu tricórnio, a senhora com um
rosário e v é u , a criada com u m a larga capa agaloada; e
viram junto à Sé u m a caixa de ferro. Abriram-na e vi-
ram que dentro dela havia jóias e berloques de ouro. A
Bruxa de Évora, que p a s s a v a pelo lugar, falou: "- É
um tesouro de dragão", e ensinou um feitiço para atrair
tesouros e ganhar prêmios.

MATERIAL:

U m a pedra recolhida de u m a sepultura.


U m a cruz de madeira
Leve a pedra e a cruz a uma igreja, na hora em
que houver missa. Ao final da missa, exponha os dois
objetos, para que eles recebam a bênção do padre.
Quando quiser ter sorte em um jogo, encontrar um te-
souro ou ter sucesso em alguma situação que lhe vá
trazer riquezas, leve consigo os dois amuletos.

REZA DE SANTA TECLA CONTRA FEITIÇARIA

"Santa Tecla, protetora das feiticeiras, salva-


me de maldades e feitiços. Fecha meu corpo contra a
inveja e o olho-grande, abre-me a porta do céu, não
deixa que Grendel, o dragão, me pegue, nem os ogros,
nem os elfos, nem os monstros da terra e do ar. Veste-
me com o manto de São Marçal e que meus inimigos
tenham olhos e não me vejam, tenham pés e não me
alcancem, tenham mãos e não me peguem. Assim seja."

MODO DE CURAR FEITIÇOS FORTES

Essa reza foi ensinada pela Bruxa de Évora ao


mercenário Fernão Lima, desertor de guerras e cruza-
das que, fatigado, ameaçado pela igreja, vagabundeava
por Évora. Ao vê-lo no meio dos pomares da cidade, a
Bruxa olhou-o e disse:
- Você sobreviveu aos vândalos, mas está en-
feitiçado.
Imediatamente cruzou-o com sal grosso, dizen-
do essas palavras:
Sai, miasma, sai, pó de espírito imundo.
Cura estas chagas, Brunilda, velha bruxa da Sé de
Braga."
FEITIÇO DE AMOR DA PANELA DE BARRO

Do século VIII vem esse feitiço, engraçado, m a s


que d i z e m ser muito forte, e que ainda hoje é feito em
Lisboa.
MATERIAL:

U m a panela de barro
Um pedaço de papel branco virgem
L á p i s ou caneta
Um bife de carne de porco
U m a colher de p a u v i r g e m

Escreva no papel os n o m e s d a s duas p e s s o a s


que deseja unir. Coloque a carne na panela, junto c o m
o papel, e leve ao fogo para assar. Quando a carne es-
tiver ficando bem dourada, bata nela com a colher, di-
zendo:
"Me ame sempre, me queira, me deseje, me
sustente, só a mim, como única e só sua."
D e p o i s , entregue tudo no mato, à Bruxa de
Évora.

BÊNÇÃO CONTRA os LADRÕES

A p e s s o a vai à meia-noite até uma encruzilha-


da, deixa cair no local u m a m o e d a de seu dinheiro e
diz:
Este roubo será evitado; aqui eu te dou este
presente, Bruxa de Évora."
AMULETO DE PROTEÇÃO CONTRA RAIOS

Toda Quinta-feira Santa reuniam-se grandes


g r u p o s de peregrinos na porta da casa da Bruxa de
Évora. E o feitiço m a i s comum desse dia era o d o s ovos
que, s e g u n d o ela, protegiam a casa de raios, trovões e
todas as coisas m a l v a d a s .

MATERIAL:

Um ovo cru, que tenha sido posto na Quaresma


U m saquinho d e pano
U m a fita ou barbante resistente

Coloque o o v o dentro do saquinho e feche-o


com a fita. Pendure-o no teto ou telhado da casa. No
Oriente u s a m - s e o v o s de avestruz e, no Ocidente, de
galinha.

ADIVINHAÇÃO PARA CONHECER O FUTURO MARIDO

A Bruxa de Évora fazia adivinhações com cla-


ras de ovos p a r a ver em sonhos o rosto do h o m e m com
quem a consulente ia casar. Essa adivinhação é feita
na Quinta-feira Santa.

MATERIAL:

U m copo
Dois ovos que tenham sido postos na Quaresma

Quebre os ovos, tendo o c u i d a d o de só deixar


as claras caírem dentro do copo, e d i g a o seguinte
"Doce Santa Inês, mandai depressa um homem
para eu me casar, pela força deste dia e destes ovos
postos no dia santo. Espero vê-lo ainda esta noite."
À noite, quando for dormir, você verá o seu
a m a d o nos seus sonhos.
J o g u e as gemas fora ou aproveite para fazer
com elas a l g u m quitute.
No dia seguinte, despache as claras em á g u a
corrente.

FEITIÇO COM Ovos TARA CASAR


MATERIAL:

Dois ovos cozidos (sem descascar)


Sal

Reze os ovos em louvor a Santa Inês:


"Doce Santa Inês, trabalhai depressa que eu
quero me casar com um bom homem. Espero vê-lo em
sonho ainda esta noite."
Em seguida, coma os o v o s com sal, guardan-
do as cascas até ter seu desejo realizado.

REMÉDIO CONTRA VERMES

MATERIAL:

U m a xícara de leite de cabra


U m a colher (sopa) de farinha de trigo
Três dentes de alho
Sal
U m a panelinha, u m a colher
Misture a farinha, o leite e uma pitada de sal
na panela. Leve ao fogo para fazer um mingau. Deixe
esfriar um p o u c o e junte o alho. Dê p a r a o doente co-
mer. Enquanto ele come, recite a seguinte reza:
"Vermespassem para o leite,
Do leite para o alho,
do alho para a água,
da água para o vampiro
que eu amarrei com uma corda
de seis palmos de comprimento.'"

TRABALHO PARA TIRAR ENCOSTO

Um p o d e r o s o trabalho da B r u x a de Évora era


para retirar o m a u d a s pessoas.
MATERIAL:

Sete dentes de alho


Socador de alho
Um p e d a ç o de fio vermelho

Soque o alho, fazendo um suco. Passe-o na pes-


soa doente de malefício. Em seguida, c o m um fio ver-
melho, amarrare s e u s pulsos juntos, enquanto canta:

"Que todo o mal saia para o fio,


que fique neste vermelho fio
que jogarei no riacho mais próximo.
Que a sua água
salte sobre o vampiro
e que ele morra rapidamente."

Em s e g u i d a , desate o fio e d e s p a c h e como foi


dito na reza.
BANHO DE ROSAS PARA ENCONTROS DE AMOR

Este feitiço deve ser feito no dia 31 de outu-


bro, dia do Halloween (dia d a s Bruxas).

MATERIAL:

Sete r o s a s vermelhas
U m a panela com água
Açúcar
Um papel branco virgem
Lápis ou caneta

C o l o q u e as rosas vermelhas na panela com


á g u a e leve ao fogo. A s s i m que começar a ferver, retire
a panela do fogo. Tampe-a e deixe em infusão durante
cinco minutos. Em seguida, coe o chá, pensando na
p e s s o a a m a d a . Se o chá borbulhar só um pouquinho,
você não é a m a d o ( a ) . Se borbulhar bastante, você é
amado(a) profundamente. Use então o chá para tomar
um banho.
Se nenhuma bolha se formar, j o g u e o chá fora.
Escreva no p a p e l o seu nome e o da p e s s o a amada.
Cubra com açúcar e g u a r d e até o p r ó x i m o Halloween,
para atrair a p e s s o a a m a d a .

TRABALHO PARA AMORES, COM SÁLVIA E TÍLIA

MATERIAL:

U m a folha de sálvia
Um vidrinho de essência de tília
Um papel branco virgem
L á p i s ou caneta
Um cadarço de sapato de um dos dois amantes

Escreva no papel os n o m e s d a s d u a s p e s s o a s .
Coloque por cima a folha de sálvia. Borrife o perfume.
Amarre tudo com o cadarço. Depois fale assim:
"Assim como as abelhas são atraídas pelo aro-
ma da sálvia e da tília, seu coração é atraído pelo meu. "
G u a r d e esse amuleto em lugar seguro.

TRABALHO PARA ENCONTRAR UM AMOR

MATERIAL:

Um novelo de lã azul
Um par de agulhas de tricô
Um pedaço de papel branco virgem
L á p i s ou caneta

Tricote uma tira estreita e comprida com a lã.


Escreva no papel o nome da p e s s o a que sonha encon-
trar ou o tipo de quem deseja ter como marido e amar-
re c o m e s s a tira, dizendo assim:
"Este nó eu amarro, este nó eu tricoto,
Por aquele amor sereno que ainda não conheço.
Assim fez a Bruxa de Évora, assim farei eu. "
Guardar o feitiço em lugar seguro.

REZA PARA FECHAR o CORPO

As bruxas antigas fechavam o corpo de s e u s


a m i g o s e adeptos, usando u m a reza como a seguinte,
encontrada em um pergaminho antigo:
"Gire, gire, gire, seja, seja muito presente. O
mal não virá a você. Seja lindo, brincalhão e bom, pro-
teja os animais. Seu patrão não o poderá ferir.
Ninguém o matará, nem com pau, nem com
ferro, nem com erva venenosa. Seu corpo está protegi-
do contra mordida de cobra e olhos invejosos. Sem-
pre, sempre, você estará protegido. Estrume de cabra,
leve embora o mal. Dos pés, dos olhos, das orelhas, e
que não tenha fome jamais. A deusa da terra o tomará
por protegido. Que seus cães não morram. E que o
ventre de sua mulher se encha de filhos. Por três ca-
deias e três fadas melusinas."

RITO PARA TIRAR O MAU-OLHADO

Esse encanto foi ensinado pela Bruxa de Évora


para quando a l g u é m anda com mau-olhado, com ca-
lafrios no corpo, que são sinais de feitiço.

MATERIAL:

Dois o v o s de galinha

Pegue um ovo em cada mão e passe-o pelo cor-


po. Depois j o g u e os ovos no chão, um de cada vez e,
ao quebrá-los, q u e b r a m o s o encanto do olho mau.

REZA CONTRA PERIGOS

"Eu corto linha, eu corto feitiço, eu corto lín-


gua de falador. Eu corto inveja, ou coisa arriada, ou
coisa feita. Sou filha da natureza, a mãe de toda criatu-
ra, e tenho a sabedoria dessa grande mãe."
TRABALHO PARA OBTER RIQUEZA

MATERIAL:

U m v a s o d e barro p a r a plantas, d e b o m tama-


nho
Terra preta para jardinagem
U m a porção de sal g r o s s o
Sete m o e d a s
Um pedaço de papel branco virgem
L á p i s ou caneta

Faça o trabalho em um dia de lua cheia. Escre-


va no p a p e l o seu nome (de q u e m deseja enriquecer
pela m a g i a ) . Arrume dentro do v a s o a terra, o sal, as
m o e d a s e o papel; enterre-o. Desenterre no dia seguin-
te, limpe b e m o v a s o pelo lado de fora (sem mexer no
conteúdo) e guarde-o entre s e u s pertences. E o v a s o
da fortuna.

BRUXEDO SULTANITH

MATERIAL:

Sete maçãs
Um vidrinho de mel
Sete m o e d a s de cobre
Um prato de louça branco
U m a faca comum

Corte as maçãs em p e d a ç o s . Arrume no prato,


cubra c o m o mel e enfeite c o m as moedas. Ofereça à
Sultana d o n a d a s sete luas, entregando em um jar-
dim ou em u m a praça bem bonita, c o m bastante ve-
getação.

PINGENTE PARA O AMOR

MATERIAL:

U m a p e d r a vermelha (de qualquer tipo)


Fio de cobre
Alicates de artesanato (de corte e de ponta)
U m p e d a ç o d e papel vermelho virgem
L á p i s ou caneta

Escreva no papel o nome do s e u amor.


Corte dois pedaços do fio de cobre que pos-
s a m envolver a pedra, com u m a boa folga. Disponha
os dois fios em cruz e torça-os na junção, de m o d o a
prendê-los um no outro.
C o l o q u e sobre o cruzamento d o s fios o papel
com a pedra por cima. Envergue os quatro segmentos
de fio sobre a pedra, ajustando-os b e m . Torça as pon-
tas no alto, de m o d o a prender a p e d r a entre os fios.
C o m a sobra d o s fios, faça uma alça firme. Pendure no
batente da porta da sua casa.

MAGIA DE LIBERTAÇÃO

MATERIAL:

Um p ã o doce bem bonito


Um c o p o c o m vinho tinto doce
P e g u e o p ã o doce e o copo de vinho. Reze sete
vezes a reza da libertação do m e d o :
"Não temo nada, pois sou uma boa pessoa, não
temo meu senhor que domina o castelo pois ele preci-
sa de mim para que eu plante, e não temo o diabo por-
que ele vem fraco e alegre na Festa dos Tolos."
Entregue o pão doce e o vinho para os bons es-
píritos, em um jardim ou em u m a praça com árvores.

POÇÕES DE CURA DOS FEITICEIROS

A Bruxa de É v o r a conhecia muitas p l a n t a s


medicinais. C o m elas, p r e p a r a v a remédios p a r a o s
doentes que a procuravam.
C o m as raízes da azedinha ela curava catarros.
C o m u m a tisana de raízes de alteia fazia com-
p r e s s a s p a r a doenças da pele.
C o m a lípia fazia digestivos.
C o m a farfara curava a tosse teimosa.
U s a v a genciana para as mulheres e seus males.
C o m o sabugueiro curava o fígado.
C o m a valeriana a c a l m a v a os nervos e fazia os
homens mais ativos.
C o m a mandrágora, raiz com forma h u m a n a ,
ela fazia feitiços de casório, de amor e perdição.
C o m a romã curava a garganta.
C o m vinho e ervas levantava o moral d o s v e -
lhos.
INVOCAÇÃO ÀS ALMAS SANTAS BENDITAS

O p o r t u g u ê s sempre acreditou em almas, pe-


nadas ou santas. E a invocação d a s a l m a s era feita nas
igrejas, q u a n d o estavam vazias; acreditava-se muito
no efeito d e s s a s m a g i a s .
"O almas, venham nos ajudar
Na fé de São Valentim
Venham nos ajudar
Na fé de São Tirso
E de São Senhor de Ravena
Venham nos ajudar."
Era no tempo de el-Rei, de m o u r o s enfeitiça-
dos, odaliscas, p a d r e s encapuzados, m o u r a s tortas, o
tempo da n o s s a bruxa...

VELHOS FEITIÇOS MEDIEVAIS

A Bruxa de Évora procurava se proteger dos


males e perigos do seu tempo, u s a n d o todos os recur-
sos em que o p o v o da época acreditava. Peregrinos lhe
traziam relíquias de santos que ela escondia em seu
armário de madeira fechado a sete chaves. Em agrade-
cimento, ela fechava seus corpos, cruzando-os com
sangue de morcego. Outras vezes, misturava sangue
de morcego c o m farinha e sal, a s s a n d o como m a s s a de
pão. C o m esse p ã o , ela fechava o corpo d a s p e s s o a s
contra a peste, que era muito comum na Europa medie-
val; a peste negra, por exemplo, m a t o u metade dos
moradores da Europa. Assim os diabinhos, as bruxas,
os duendes, eram muito invocados contra a peste, além
d a s orações a S ã o Sebastião.
O morcego não servia apenas contra embru-
xamentos, m a s também para outras magias. U m a mui-
to u s a d a pela Bruxa de Évora era o amuleto. Dizia ela
que, q u e m quisesse ficar invisível, deveria carregar
consigo um olho de morcego; q u e m quisesse ficar rico,
deveria carregar o coração de um morcego.
Crenças medievais g u a r d a d a s em manuscritos
velhos... parte de nosso p a s s a d o mágico e encantado...

AMULETOS PARA AFASTAR AVES E BRUXAS

A codorna era conhecida na Idade Média como


ave do diabo. A ela eram atribuídas propriedades dia-
bólicas. Acreditava-se que as bruxas apareciam durante
o dia c o m o codornas e, à noite, comiam todo o milho.
Para mantê-las afastadas d a s s u a s plantações e de s u a s
caminhadas aos locais santos, os camponeses e os p e -
regrinos colocavam na bolsa de v i a g e m penas de u m a
galinha preta que nunca tivesse posto ovos. Esta s u -
perstição existia em Évora e as p e s s o a s escondiam em
casa p e n a s de galinha preta que nunca houvesse p o s t o
ovos, p a r a afastar a bruxa.

REZA PARA OS PORCOS CRESCEREM

Um feitiço muito u s a d o em Portugal e ensina-


do pela Bruxa de Évora era certeiro para garantir o cres-
cimento d o s porcos. Basta misturar um pouco de car-
v ã o em pó em sua ração e dizer as seguintes palavras:

"Não deixes que os espíritos maus


comam a tua comida
olhos maus te vêem
e aqui perecerão
e tu os comerás."

PROTEÇÃO DO GADO CONTRA DOENÇAS

Q u a n d o o g a d o adoecia, vinham peregrinos de


longe a Évora. A bruxa lhes ensinava assim: pegue d u a s
codornas; mate u m a e deixe voar a outra. M a s , antes
de soltar esta, respingue-a com o sangue da outra. C o m
o sangue que sobrou, molhe um p o u c o da forragem,
que é d a d a p a r a o g a d o comer. Diga estas palavras:
"O que houver no lugar mal em ti gado desa-
pareça.
Aqui não é o lugar do malvado.
Que a doença desapareça.
Gado branco, gado preto, ou malhado
fique forte comigo
e o mal desapareça."

PARA VER FEITICEIROS

O p o v o de Évora dizia que, se um homem en-


trasse numa igreja com um ovo nas m ã o s no dia de Pás-
coa, reconheceria todos os feiticeiros que estivessem ali.
Por isso diziam que a bruxa nunca ia lá nesse dia.

PARA VER UMA BRUXA

É u m a crença antiga que, se a l g u é m quiser ver


u m a mulher v o a n d o em uma v a s s o u r a , p e g u e um ovo
posto na Quinta-feira Santa e vá a uma encruzilhada.
Tem de ser de quatro ruas (aberta). Fique na encruzi-
lhada à meia-noite e verá a feiticeira numa v a s s o u r a
r o d a n d o , rodando...

TRABALHO NO CATIMBÓ PARA UM


BOM RELACIONAMENTO FAMILIAR

Da Bruxa de Évora v e m u m a receita certeira


para conseguir um bom relacionamento familiar, quan-
do a família anda brigando, s e m b o m entendimento.
MATERIAL:

U m aipim
Palitos de palmeira
Azeite-doce
Um prato de papel ou de louça branco

CozinhE o aipim. C o l o q u e no prato, espete


com os galhos de palmeira e regue com azeite. Ofereça
no mato ao dono d a s estradas. No catimbó usa-se a
palmeira catolé, m a s pode-se usar qualquer palito.

TRABALHOS PARA CASAMENTO NO CATIMBÓ

As superstições e os trabalhos para casamento


são o que existe em maior porcentagem no mundo. S ã o
incontáveis, universais e delicados. Os santos casamen-
teiros, S ã o J o ã o , Santo Antônio, N o s s a Senhora d e
L o u r d e s , S ã o Cipriano, S ã o Benedito, São Pedro (pro-
tetor d a s viúvas), têm milhares de fórmulas para que
o d e v o t o se sinta amado.
A Bruxa de Portugal, acostada n u m mestre de
catimbó, contou o seguinte: quem quiser casar, deve
prender um alfinete num vestido de noiva e invocar
as forças do amor.
Outro trabalho de catimbó é p ô r em sua cabe-
ça a grinalda de flores de uma noiva; isto fará com que
você se case logo.

T a m b é m é b o m escrever o n o m e da namorada
num papel e prender por dentro do s a p a t o do rapaz,
dizem os mestres com seus cachimbos de barro e fumo
de tauari.

Para q u e o casamento dê certo, o noivo não


deve tocar objeto a l g u m que a noiva vá usar na festa
d a s núpcias.

Outra crença catimbozeira é que, se um d o s


noivos tropeçar na porta da igreja, morrerá antes do
outro.

EMBRUXAMENTO DO CHAPÉU NO CATIMBÓ

Em m a g i a , o chapéu representa a criatura hu-


mana; é a cabeça, a sede da razão. No tempo da Colô-
nia, andar s e m chapéu era andar s e m cabeça. Contam
que a Bruxa de Évora, acostada n u m mestre de fuma-
ça, ensinou este embruxamento:

"Quem quiser dominar a mente de um homem


e que ele a a m e , p e g u e seu chapéu e molhe com á g u a
com açúcar n u m a noite de sexta-feira de lua cheia."
TRABALHO NO CATIMBÓ PARA AMANSAR MARIDO

A bruxa assim ensina, acostada numa mestra


de fumaça para a direita (para o bem):
"Faça u m a bebida desmanchando e deixando
estufar um pouco de farinha de mandioca em á g u a lim-
pa. É bebida refrescante e g o s t o s a e, ao se mexer c o m
os d e d o s chamando o nome do marido m a n d ã o p o r
três v e z e s , três vezes mais m a n s o ele ficará."

COMO A BRUXA CURA GAGUEIRA NO CATIMBÓ

Bata com u m a colher de pau, por três v e z e s ,


na cabeça do g a g o e diga:

"Salve a bruxa milagrosa!"

As REZADEIRAS DO SERTÃO E AS
PODEROSAS REZAS DA BRUXA

U m a rezadeira é u m a mulher santa, a p a r a d o r a


de meninos, raizeira, curadora, que todos no sertão têm
como a m i g a permanente. Ela tem o dom, é u m a pre-
destinada. N ã o lembra em n a d a u m a mãe-de-santo,
pois n ã o u s a roupas especiais, nem tem filhos-de-san-
to. Ela é um livro de fábulas vivo, sabe coisas que n e m
o d i a b o sabe... E doutora s e m cartola, sem anel n e m
diploma. Cura com raízes, cascas de pau, ervas e m e -
laço; faz secar cobreiros ou a s m a ; repreende espíritos
m a u s . Muitas vezes é catimbozeira, recebe seu mestre,
c a b o c l o o u índio, dentre e l e s : M e s t r e C a r l o s , Rei
Herom, Zé Pelintra, Xaramundi. É de Maria do Ó, uma
das mestras, que vem esta receita e reza para afastar
mau-olhado bravo.
"Com três te botaram o olho mau,
Três espinhos te enfiaram, inveja, tremura e
amarelão,
Com três eu te tiro dessa aflição,
Na força da Bruxa de Évora
Eu abro o portão onde mora Arcangel e São
Cipriano
E fecho a porta do Cão.
Xispa, Tinhoso!"
BIBLIOGRAFIA

BROOKESMITH, PETER. Seres fantásticos e misteriosos. Círcu-


lo do Livro, 1984.
JONES, EVAN; VALIENTE, DOREEN. Feitiçaria, a tradição re-
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FARELLI, MARIA HELENA. Rituais secretos de magia negra e
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do candomblé, 6 ed. Rio de Janeiro: Pallas, 1999.
HUIZINGA. O declínio da idade Média. Universidade de São
Paulo, 1987.
LE BON, GUSTAVE. A civilização árabe. Paraná Cultural.
CASCUDO, LUÍS DA CÂMARA. Dicionário de folclore brasilei-
ro. Rio de Janeiro, Edições de Ouro, s / d .
ARAÚJO, ALCEU MAYNARD. Folclore nacional.
FARELLI, ANA LÚCIA. Iemanjá e o complexo mundo da Gran-
de Mãe. Rio de Janeiro, Eco, s / d .

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