A Bruxa de Evora
A Bruxa de Evora
A Bruxa de Evora
A BRUXA DE ÉVORA
As lendas sobre a Bruxa de Évora
vêm povoando o imaginário ibérico des-
de a Idade Média, quando a Inquisição
deixou sua marca de terror e persegui-
ções gravada a ferro e a fogo naquela
Península, sobretudo em Portugal.
_
Maria Helena Farelli
A BRUXA
DE
ÉVORA
a
2 edição
RMlAb
Rio de Janeiro
Impresso no Brasil
"Pessoas que encontramos pela rua (...) se dão em segredo
à prática da Magia Negra, ligam-se ou procuram ligar-se
aos Espíritos das Trevas, para satisfazer seus desejos de
ambição, ou de amor (...)"
(]. K. Huvsmns, Prefácio a /. Bois,
Le S a t a n i s m e et la M a g i e , 1895.)
Apresentação
Prefácio
Portugal entre rei católico e crenças medievais
Peregrinos e pagadores de promessas
Mouros encantados nas vizinhanças de Évora
Maravilhas na Sé de Évora
Encantarias da Bruxa de Évora
Monstros e dragões
O livro negro das bruxas
Visões e fantasmagorias em tempos de festa
Bruxaria entre alegria e morte
Travessuras e feitiços da Bruxa de Évora no Brasil
O livro de orações da Bruxa de Évora
Feitiços da Bruxa de Évora
Bibliografia
APRESENTAÇÃO
O Editor
PREFÁCIO
Enquanto e u e s c r e v i a sobre u m a p e r s o n a g e m
que viveu em Évora, d u r a n t e a Idade d a s Trevas, o
Brasil c o m e m o r a v a 5 0 0 a n o s e l o u v a v a Portugal p e l a
descoberta deste p a r a í s o q u e d e v e ter s i d o n o s s a ter-
ra virgem aos olhos l u s i t a n o s , na hora e s p a n t o s a
da chegada.
Eles vinham c o m a C r u z de Cristo vermelha
sobre o branco d a s v e l a s d a s s u a s naus. T r a z i a m fome,
sede e o voraz desejo de o u r o . M a s traziam t a m b é m
s u a tradição, s e u s c o s t u m e s , a s lendas p o r t u g u e s a s ,
nascidas dos p o v o s q u e f i z e r a m sua etnia - iberos, ro-
m a n o s , fenícios e m o u r o s ; e nos legaram, junto c o m o
cristianismo, esse f a b u l o s o lendário.
Em 1500, o R e n a s c i m e n t o d e s e n c a d e o u um
processo de d e s c r i s t i a n i z a ç ã o da Europa ao valorizar
o humanismo, o m a t e r i a l i s m o e o p a g a n i s m o , m a s Por-
tugal não abriu m ã o do a m o r a Cristo, e o infiltrou em
toda terra por ele c o n q u i s t a d a . M a s o cristão portu-
g u ê s acreditava t a m b é m e m mouras tortas, a l m a s p e -
n a d a s , lobisomens, b u r r i n h a s - d e - p a d r e ; e os g u a r d o u
em seus baús na v i a g e m p e l o mar tenebroso. Eles sen-
tiam no oceano d r a g õ e s e s c a m o s o s , serpentes esver-
d e a d a s , o inferno m e d i e v o , c o m o b e m d e s c r e v e u
Joãozinho Trinta, o f a m o s o carnavalesco, no enredo
apresentado por u m a e s c o l a d e s a m b a d o Rio d e Ja-
neiro no carnaval de 2000, que mostrava as visões de
paraíso e de inferno presentes no Brasil.
E s s a s histórias foram tão importantes para o
p o v o brasileiro, que um marco de pedra fincado em
1501 p o r navegantes p o r t u g u e s e s no litoral do Rio
Grande do Norte, que possui a cruz da Ordem de Cristo
e o e s c u d o p o r t u g u ê s e s c u l p i d o s em relevo, é hoje
cultuado como objeto s a g r a d o por comunidades da
região de Pedra Grande. O culto à pedra resistiu ao
tempo: a g o r a ela é c h a m a d a "Santo Cruzeiro" e faz
curas. A s s i m , o lendário de n o s s o s colonizadores con-
tinua v i g o r o s o em pleno século XXI. A d a p t o u - s e à
u m b a n d a , trazendo para ela os santos protetores que
estão em cada altar de tendas e abaçás: São Sebastião,
N o s s a Senhora d o s N a v e g a n t e s , N o s s a Senhora d a
Conceição, São Jerônimo, São Jorge, São Lázaro. E uniu-
se ao folclore negro iorubá e ao indígena, d a n d o ori-
g e m ao folclore nacional. E esta tradição, esse m u n d o
mágico que envolve a vida da Bruxa de Évora.
C o n t a m l e n d a s d e além-mar que v i v e u e m
Portugal u m a p o d e r o s a bruxa. Essa bruxa foi famosa.
Centenária. Poderosa. Era a bruxa da cidade, que an-
d a v a com um mocho às costas e que tocava harpa nas
noites frias de inverno. A l i a d a do Tinhoso, era ao mes-
mo tempo temida e a d o r a d a .
N u m a casa, um simples casebre, vivia a espe-
rança de muitos, o p a v o r de outros: a Bruxa de Évora,
a M o u r a Torta, a g u a r d a d o r a d o s segredos d o s feitiços
do Oriente, a que v o a v a em camelos alados n a s noites
de lua cheia, a boca-suja, a praguejadora, a m a g a ne-
gra, a que fazia as mulheres engravidarem (pois di-
z e m que até as mulheres nobres a p r o c u r a v a m para
terem filhos, depois de tentarem p r o m e s s a s , rezarem
m i s s a s e chorarem a o s p é s d o s santos Sebastião, Jorge
e Pudenciana, a virgem)... Vivia como eremita, sem-
pre só em sua casa, c o m s u a s galinhas e coelhos, com
chapelão, saia e avental, com sapatos g o l p e a d o s , mur-
m u r a n d o rezas estranhas...
1
C o r d o v ã o = couro de cabra p r o d u z i d o em C ó r d o v a .
2
G i r o n d a = instrumento musical da I d a d e M é d i a .
As mulheres p a s s e a v a m pelas praças, olhan-
do para os telhados. Trajavam túnicas de cores varia-
d a s , feitas com fios cruzados, e cobriam-se c o m man-
3
tos de tecidos grosseiros ou de peles. U s a v a m forques ,
4 5
braceletes e ajorcas . M u i t a s u s a v a m p o l a i n a s ou
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calcetas para melhor serem vistas. As v i ú v a s p a s s a -
v a m de cabelo curto, pois assim m a n d a v a a m o d a , e
u m a touca branca. As c a s a d a s traziam os cabelos ata-
d o s , presos, e as solteiras, soltos ao vento. E r a m belas,
c o m olhos mouros e cabelos negros. T o d a s a d o r a v a m
a falecida rainha M a f a l d a , que fora enterrada c o m
toucado em rolo, coroa real aberta, manto p r e s o por
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um firmai , esmoleira pendente da cinta. E a d o r a v a m
os trajes d a s v i s i g o d a s , mulheres d o s bárbaros do nor-
te que invadiram a região no princípio do século V e
que modificaram a vida na Espanha e em Portugal. Elas
u s a v a m u m a s calças que desciam até o joelho ou até o
tornozelo; e um saiote com uma correia a m a r r a d a à
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cintura. U s a v a m a blusa com gola de cabeção e man-
g a s curtas. Muitas lusitanas nobres u s a r a m então esse
traje.
O p o v o , ignorante d e s s a s m o d a s , u s a v a sem-
pre as roupas que s o b r a v a m dos outros, r e m e n d a d a s ,
g r o s s a s e sujas. C o m p r i m i d a em casas juntas u m a s d a s
outras, aquela gente pobre de Portugal somente conhe-
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Os árabes s ã o p o v o s de religião islâmica, originários da Arábia, na Ásia
Menor, q u e formaram um império abrangendo, por conquista, o norte da
Africa e a Península Ibérica; os m o u r o s eram, na Idade Média, um p o v o
de religião islâmica, originário da Mauritânia, no norte da África.
Na época de que falamos, o oriente muçulma-
no era sentido com toda s u a força em Lisboa, c o m o
p o d e ser visto ainda hoje, principalmente em Alfama;
o próprio nome desse bairro é árabe e sua sé foi cons-
truída sobre u m a antiga mesquita. M a s todas as cida-
d e s da região sofreram a influência desse p o v o . Em
t o d a s elas, muitos árabes a n d a v a m pelas ruas venden-
do p ã o ; outros tinham s u a s lojas de ouro e p e d r a s pre-
ciosas. C o m seus tamboretes de madeira à porta da loja,
outros ainda vendiam doces, sedas, escudos de couro,
berloques, almofadas, elixires de cura e outras m a g i -
a s , colares de ouro com g r a n a d a s e punhais maravi-
lhosos.
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T o d o s os habitantes da E u r o p a f a l a v a m um p o u c o de latim, p o i s era a
l í n g u a oficial do Império R o m a n o ; m a s , com a c h e g a d a d o s b á r b a r o s na
E u r o p a ocidental, entre os a n o s 500 e 1000, cada região e c a d a p o v o co-
m e ç o u a evoluir em sentidos diferentes e a procurar m e i o s de falar m a i s
simples.
v a s o s . Dizem alguns q u e ela era louca por tapetes e,
todo dinheiro que ganhava, gastava neles.
A bruxa árabe era chamada de M o u r a Torta,
n o m e que fazia os p ort ugu es es se arrepiarem, fazendo
o sinal da cruz; e como moura e bruxa p a s s o u à histó-
ria. Ela u s a v a trapos, m a s em seu peito brilhava um
amuleto de âmbar, principal artigo do comércio d o s
árabes na Europa, matéria muito procurada no orien-
te. Talvez presente de um amor, em s u a juventude.
M a s , se ela teve amor, ocultou-o bem. Cavaleiro e sua
d a m a não faziam parte de seus sonhos, nem o jovem
herói libertando a virgem. Era uma mulher cheia de
idéias de q u e d a s e subidas... eterna bruxa encolhida
ao lado de sua lareira.
Diz a lenda que ela lia o Corão e escrevia; ti-
nha entre seus pertences um rico tinteiro de cobre cin-
zelado. Sabia matemática e, olhando o céu, reconhecia
as estrelas; sabia ler a sorte nas areias, nas estrelas, e
fazer feitiços e curas. Ela conhecia as m a g i a s de seus
ancestrais muçulmanos; m a s , vivendo no século XIII,
t a m b é m sabia a d o s celtas, que por muito tempo ocu-
p a r a m o sul de Portugal.
Infiel, portanto. Adoradora do Cão... Inimiga
da Igreja.
M a s a velha bruxa já tinha feito a peregrina-
ção a Santiago de Compostela, onde havia relíquias
preciosas. Já tinha ido à Sé de Braga muitas v e z e s pa-
gar promessas, e vivia bem. Era livre. Colhia flores e
ervas, ganhava seu rico dinheirinho, era temida e res-
peitada. Só tinha m e d o de ser presa e torturada como
a d o r a d o r a do diabo. A s s i m , sumia. Diziam que v o a v a
na s u a vassoura, com seu mocho às costas... coisas do
tempo d o s reis...
MARAVILHAS NA SÉ DE É V O R A
N e s t a é p o c a , o rei se a p r e s e n t a v a cheio de
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jóias, com coroa e g o r g e i r a de pedras citrinas , anéis
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nos dedos, garçota no chapéu e roupas de tecidos sun-
tuosos do Oriente. O p o v o o via, ao rei de Portucália,
c o m o a um deus, e em s u a vida monótona aceitava
tudo, desejando um dia ir para o céu, p a r a o Paraíso,
c o m o afirmavam o s p a d r e s andarilhos q u e i a m d e
b u r g o em burgo para louvar a Deus. O p o v o se alegra-
va com estes padres do baixo clero, como na época d o s
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torneios, d a s saturnálias ou d a s festas da Igreja.
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G o r g e i r a = gargantilha.
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Citrina = amarela.
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Garçota = penacho feito c o m p l u m a s .
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Saturnalia = antiga festa r o m a n a , precursora do carnaval.
N a s imediações de Coimbra o rei caçava por-
cos selvagens, com seus súditos mais chegados, todos
a r m a d o s com arcos e flechas. O rei ia com s u a s vestes
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de sarja e panos de A v i l a , protegidas por u m a jaque-
ta de couro, e com u m a fita de couro amarrada em seus
cabelos compridos. F o g o s o s ginetes de origem árabe
corriam como o vento pelas terras de Coimbra, levan-
do os cavaleiros de nobre estirpe.
Sim, Coimbra era u m a bela terra. M a s É v o r a
não... A cidade era um local s a g r a d o d e s d e antes d o s
t e m p o s em que os r o m a n o s d o m i n a r a m a região. Lá
falava-se em visões de outro m u n d o , s o n h a v a - s e em
encontrar o Graal, e o espírito da C r u z a d a , cara tra-
dição do imaginário medieval, era o que m a i s deseja-
v a m os filhos da terra. Procissões de penitentes eram
comuns.
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P a n o de Ávila = tecido p r o d u z i d o na província e s p a n h o l a de A v i l a .
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D o l m e n = m o n u m e n t o f o r m a d o por u m a p e d r a colocada horizontal-
mente sobre outras verticais.
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Menir = m o n u m e n t o f o r m a d o p o r u m a p e d r a vertical i s o l a d a .
d o s romanos, que tinha catorze colunas de granito com
soberbos capitéis de m á r m o r e rosado, e de cujo friso
de granito alguns fragmentos, g u a r d a d o s no M u s e u
Regional de Évora, m o s t r a m a rara beleza. A capela de
Évora, transformada em Sé em 1186, era bela em seu
estilo românico.
De noite (os lusitanos juravam) aparecia um
"grillo", parte homem, parte animal, parte vegetal, de
d u a s faces, com a boca nas costas ou sem o tronco...
a m i g o d a s feiticeiras, por certo, m a n d a d o pela Bruxa
de Évora, a mais famosa daquelas terrinhas...
A velha b r u x a v i a t u d o c o m seu m o c h o às
costas. Freqüentava p r o c i s s õ e s que c a m i n h a v a m por
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Pelote = camisa larga, u s a d a por baixo da capa ou por cima da a r m a -
dura.
A Bruxa dançava em cima d o s m u r o s d a s ig-
rejinhas. Foi à rotunda de Tomar e retornou para fazer
a volta na fonte d a s Figueiras, de Santarém, e no cha-
fariz dos Canos, em Torres Vedras. E caiu do céu como
um cometa, junto à basílica de São Gião. Também foi
vista no Douro, no Minho, em L a m e g o , em Felgueiras,
em Castro de A v e l ã s , em Cerzedelo, em Coimbra, em
Lisboa, em Alcobaça e no Algarve. Foi vista sobrevo-
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ando menires e cromeleques do antigo Portugal.
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C r o m e l e q u e = círculo feito com g r a n d e s p e d r a s verticais, d i s p o s t a s em
torno de u m a p e d r a central.
MONSTROS E DRAGÕES
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Ver Rituais Secretos da Magia Negra e do Candomblé, da m e s m a au-
tora.
noites p a r a matar e roubar. Pelo menos era i s s o que
ocorria na imaginação da gente da Idade M é d i a em
Portugal, na Alemanha, na França. Os p r o c e s s o s da
Inqui-sição atestam esses vôos: heresia, bruxaria, sabás.
O fenômeno dos montadores de bodes p o s s u i dois as-
pectos, o criminal e o esotérico: os inquisidores diziam
q u e os montadores chamavam-se entre si de compa-
nheiros, o que indica que faziam parte de u m a seita
secreta.
Os portugueses trouxeram essas histórias para
o Brasil no tempo da colonização. A i n d a hoje esses
contos atraem o povo: dizem que os montadores de
b o d e s aparecem em bandos, rindo às gargalhadas, pra-
ticando diabruras e descendo para dançar no s a b á d a s
feiticeiras. C o m o tempo e s s a s lendas adquiriram co-
res b e m folclóricas m a s , no tempo em que a Bruxa de
É v o r a viveu, isso era tido seriamente como v e r d a d e .
Era no tempo de cavaleiros e a r m a d u r a s , de
diabos soltos nas noites onde o lobisomem uivava e a
mula-sem-cabeça roubava padrecos. Era um tempo de
espanto. Era um tempo de encantamentos e visagens...
tempos rudes... de signos e sinais cabalísticos, como um
quadro de Jeronimus Bosch, de códigos alquímicos, de
íncubos e súcubos dançando nos quartos de donzelas.
Os bruxos t a m b é m eram companheiros d o s
d r a g õ e s . Mas, que d r a g õ e s ? Diz a lenda que M a r d u k
vivia na Babilônia com um dragão. Na Irlanda conta-
v a - s e que Conchobar, que tinha um pai divino e outro
h u m a n o , nasceu durante o solstício de inverno, agar-
rando com suas m ã o s d r a g õ e s recém-nascidos.
Raabe, o grande d r a g ã o do mar, g o v e r n a v a
t o d o s os mares, batia c o m s u a cauda nos navios, engo-
lia gente; por sua causa, navegantes não se p u n h a m ao
Atlântico e o comércio era feito pelo Mediterrâneo,
p a s s a n d o por Veneza, enriquecendo o d o g e e os odia-
d o s comerciantes. C o i s a s da Idade Média!
Deram ao d r a g ã o muitos nomes: o terrível, o
magnífico, o senhor do m u n d o , o guardião de tesou-
ros. S e g u n d o as lendas v i n d a s de autores g r e g o s e lati-
nos clássicos como Plínio, os dragões eram os guardiões
de tesouros ocultos. Leviatã g u a r d a v a g e m a s precio-
s a s e ouro.
D e s l u m b r a m e n t o = v i s ã o m a r a v i l h o s a , milagrosa.
M a s contava-se em Évora que a Bruxa possuía
o d o m de atrair e amansar dragões. Ela p o d i a ver ser-
pentes fantásticas c o m cornos andando na planura por
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ali afora. L a m i a s e drakoi v o a v a m ao seu redor. Eles
eram de todos os tamanhos e de várias e surpreenden-
tes formas. A l g u n s tinham quatro olhos. Fafnir, o mais
famoso deles na Idade Média, vinha conversar com
ela... e ela própria metamorfoseava-se em um d r a g ã o
esverdeado.
A Bruxa de Évora dizia que, q u a n d o os dra-
gões gritam, s u a s v o z e s são como o barulho que fa-
z e m as bacias de cobre quando são g o l p e a d a s . C o m a
saliva que eles expelem pode-se fazer todo tipo de per-
fume. Seu alento, ela contava, transforma-se em nu-
v e m e eles utilizam essa nuvem para cobrir seus cor-
pos. Q u a n d o chovia violentamente, a Bruxa uivava
chamando o d r a g ã o ; assim contavam em Évora, no
tempo do rei. Ela via dragões de perto e tocava em
seus chifres... eterna bruxa, rainha d a s noites sem lua,
senhora da escuridão do cosmos, a mulher em seu es-
tado mais sensitivo, unida à grande-mãe do p a s s a d o
esquecido.
M a s n ã o só de b o d e s e d r a g õ e s era feito o
bestiario da I d a d e Média. Havia os cinocéfalos, raça
de homens com cabeça de cachorro; homens com ore-
lhas como enormes cogumelos; e os p i g m e u s . E havia
os grifos, com garras enormes. N o s tesouros de São
Denis, do século XIII, há garras desse animal mitológi-
L â m i a = d e m ô n i o feminino da mitologia g r e g a .
Drakoi = plural de draken, termo nórdico p a r a d r a g ã o .
co, que se acreditava oriundo da Á s i a . Conta a lenda
q u e a Bruxa de Évora, guerreira destemida, g o l p e o u
um grifo e que o m a t o u com u m a reza de Santa Tecla,
santa feiticeira, assim como S ã o Cipriano e S ã o Marti-
nho Veroux.
N a s festas de aldeia, contava o p o v o que apa-
recia o lobisomem, o homem-lobo. Ele era p o u c o dife-
rente de um lobo normal, a n ã o ser pelo tamanho, um
p o u c o maior que o da espécie selvagem.
Era peludo e feroz, a n d a v a ereto sobre d u a s
p e r n a s , rosnava e e s p u m a v a , e tinha dentes lupinos.
S e u aspecto era sujo. De h o m e m só tinha a v o z e os
olhos. Tinha o corpo coberto de pêlos e as garras de
um lobo selvagem. Diziam a l g u n s que a transforma-
ç ã o em l o b i s o m e m era hereditária: s u a d o e n ç a era
transferida de geração a geração. M a s outros diziam
q u e a depravação mental de certos homens fazia com
q u e se transformassem em lobisomens. Neste caso, o
efeito era produzido pela m a g i a negra, em rituais ter-
ríveis. Eles se untavam com óleos, u s a v a m cintas e peles
de animais, bebiam poções diabólicas e prestavam culto
ao diabo. Muitos c o n t a v a m que, q u a n d o eles eram
homens, seus pêlos cresciam para dentro e, q u a n d o se
transformavam em lobo, eles apenas v i r a v a m do aves-
so. Um outro método de virar lobisomem era conse-
guir u m a cinta feita de pele de um h o m e m enforcado.
Tal cinta era fixada c o m u m a fivela com cinco lingüe-
tas. Quando a fivela se abria, o encanto era cortado.
2
" Loba = beca semelhante à b a t m a .
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Burato = p a n o inglês escarlate.
d a s bruxas eram: o altar, o giz, o círculo mágico, os
frascos, as vasilhas, a bacia, a colher, o cutelo, o pu-
nhal, a espada, o azorrague, a vara de cedro, o cálice, o
fogareiro, o braseiro, o perfumador, a lanterna, o bas-
tão, os instrumentos musicais, a concha, o espelho, a
bengala, a pedra, os chifres, o pentagrama e o crânio.
O caldeirão m á g i c o era o instrumento m a i s
importante de todos. D e s d e os tempos m a i s remotos,
as misturas e composições da bruxaria s ã o feitas em
caldeirões de ferro semi-esféricos, que se p õ e m sobre
o fogo com plantas e ervas mágicas, entre as quais a
Bruxa de Évora u s a v a a verbena.
O r a ç õ e s estranhas, m e i o e n d i a b r a d a s , m a s
muito p o d e r o s a s eram lidas s e m p r e e repetidas até
mais não poder. Elas agora não nos parecem muito
orações, lembram mais histórias de encantamentos; aí
vão elas.
REZA DO MOCHO
MATERIAL:
Um copo de vidro v i r g e m
U m a garrafa de vinho tinto
Três pedaços de pão
U m a pitada de sal
U m a fita de gorgurão azul-escuro
Um pedaço de papel
L á p i s ou caneta
MATERIAL:
MATERIAL:
Sete p u n h a d o s de pó de estrada
Sete rosas vermelhas
Sete cravos-da-índia
Sete nozes-moscadas
Um p e d a ç o de papel virgem
Lápis ou caneta
Um saquinho de pano vermelho
MATERIAL:
D i z e m q u e a Bruxa de É v o r a p o s s u í a um
amuleto feito com a m ã o de um enforcado. Ela o rece-
beu numa cerimônia secreta, sob a luz de velas, entre
uma caveira e um círio negro; fez juramento e saiu dali
montada em um bode. Hoje em dia, o m e s m o feitiço
p o d e ser feito c o m m ã o s de cera, a d q u i r i d a s em lojas
de artigos religiosos.
MATERIAL:
Um par de m ã o s de cera
Um papel
Lápis ou caneta
Um p o u c o de trigo em grão cozido
Um prato de louça branco v i r g e m
Escreva no papel o n o m e da pessoa que quer
ganhar dinheiro. Coloque esse p a p e l sobre as m ã o s de
cera, p o s t a s lado a lado, com as p a l m a s para cima, s o -
bre o prato. Ponha o trigo por cima. Entregue em um
local aberto (praça, praia, mato ou areal) ou coloque
ao pé do altar de umbanda (se freqüentar u m a casa de
culto ou tiver seu altar em c a s a ) , g u a r d a n d o c o m o
amuleto.
MATERIAL:
U m a panela de barro
Um pedaço de papel branco virgem
L á p i s ou caneta
Um bife de carne de porco
U m a colher de p a u v i r g e m
MATERIAL:
MATERIAL:
U m copo
Dois ovos que tenham sido postos na Quaresma
MATERIAL:
MATERIAL:
Sete r o s a s vermelhas
U m a panela com água
Açúcar
Um papel branco virgem
Lápis ou caneta
MATERIAL:
U m a folha de sálvia
Um vidrinho de essência de tília
Um papel branco virgem
L á p i s ou caneta
Um cadarço de sapato de um dos dois amantes
Escreva no papel os n o m e s d a s d u a s p e s s o a s .
Coloque por cima a folha de sálvia. Borrife o perfume.
Amarre tudo com o cadarço. Depois fale assim:
"Assim como as abelhas são atraídas pelo aro-
ma da sálvia e da tília, seu coração é atraído pelo meu. "
G u a r d e esse amuleto em lugar seguro.
MATERIAL:
Um novelo de lã azul
Um par de agulhas de tricô
Um pedaço de papel branco virgem
L á p i s ou caneta
MATERIAL:
Dois o v o s de galinha
MATERIAL:
BRUXEDO SULTANITH
MATERIAL:
Sete maçãs
Um vidrinho de mel
Sete m o e d a s de cobre
Um prato de louça branco
U m a faca comum
MATERIAL:
MAGIA DE LIBERTAÇÃO
MATERIAL:
U m aipim
Palitos de palmeira
Azeite-doce
Um prato de papel ou de louça branco
T a m b é m é b o m escrever o n o m e da namorada
num papel e prender por dentro do s a p a t o do rapaz,
dizem os mestres com seus cachimbos de barro e fumo
de tauari.
As REZADEIRAS DO SERTÃO E AS
PODEROSAS REZAS DA BRUXA