Saberes e Fazeres Terapêuticos Quilombolas em Cachoeira-BA
Saberes e Fazeres Terapêuticos Quilombolas em Cachoeira-BA
Saberes e Fazeres Terapêuticos Quilombolas em Cachoeira-BA
CONSELHO EDITORIAL
Alberto Brum Novaes
Angelo Szaniecki Perret Serpa
Caiuby Alves da Costa
Charbel Ninõ El-Hani
Cleise Furtado Mendes
Evelina de Carvalho Sá Hoisel
Maria do Carmo Soares de Freitas
Maria Vidal de Negreiros Camargo
SABERES E FAZERES
TERAPÊUTICOS QUILOMBOLAS
Cachoeira, Bahia
Fátima Tavares
Carlos Caroso
Francesca Bassi
Thais Penaforte
Fernando Morais
2a edição
Salvador
EDUFBA, 2019
2019, autores.
Direitos para esta edição cedidos à Edufba.
Feito o depósito legal.
Tavares, Fátima.
Saberes e fazeres terapêuticos quilombolas: Cachoeira, Bahia / Fátima Tavares ...
[et al.] – 2. ed. – Salvador: EDUFBA, 2019.
190 p. : il. – (Antropologia sem fronteiras)
ISBN 978-85-232-1898-0
Editora filiada à:
EDUFBA
Rua Barão de Jeremoabo, s/n Campus de Ondina
Salvador - Bahia CEP 40170-115 Tel. 71 3283-6164
www.edufba.ufba.br | edufba@ufba.br
SUMÁRIO
terra de direitos
Kaonge 45
Dendê 56
Kalembá 62
Engenho da ponte 67
Engenho da praia 74
Tombo/Palmeira 78
Kalolé 82
Imbiara 87
Engenho da Vitória 93
Kaimbongo 95
Engenho Novo 99
referências 185
PREFÁCIO À SEGUNDA EDIÇÃO
7
que, justamente por isso, precisam ser visibilizadas para que o registro seja
um elemento de reconhecimento e contribua para sua continuidade.
Da ideia inicial de fazermos um levantamento das ervas – raízes, cau-
les, folhas, flores e frutos – e outros elementos – substâncias animais,
carvão, pedras, água, palavras, ciclos lunar e solar, ciclo da maré, dias da
semana, horários, pontos cardeais etc. (medicinas amplamente utilizadas
no cotidiano daquelas comunidades foi sendo percebida a necessidade de
visibilizar não apenas esses conhecimentos, mas também as pessoas que
os fazem circular) estes não são apenas terapeutas socialmente reconhe-
cidos como tal, mas muitos outros que neste livro são reconhecidos como
“praticantes terapêuticos”. Uma primeira edição desta publicação – não
comercializada – teve por foco a distribuição entre os integrantes das co-
munidades quilombolas. Com esta finalidade seu lançamento ocorreu du-
rante a X Festa da Ostra, realizada no quilombo Kaonge, em Cachoeira, no
mês de outubro de 2018.
Durante uma atividade realizada como parte da programação daquele
evento, os praticantes terapêuticos puderam se ver nas belas imagens do livro
e reconhecer-se uns aos outros nesse processo de construir um patrimônio
terapêutico local, assim como compartilhar suas experiências. Esta segunda
edição, que agora trazemos a público por meio da Editora da Universidade
Federal da Bahia (Edufba), foi cuidadosamente revisada e ampliada, assim
como incluído detalhamentos adicionais em relação aos desafios da pesqui-
sa com terapêuticas tradicionais e às comunidades quilombolas.
A pesquisa foi devidamente registrada no Sistema Nacional de Gestão
do Patrimônio Genético e do Conhecimento Tradicional Associado
(SisGen) com o número de cadastro A91AA1A. Os pesquisadores en-
volvidos neste mapeamento das práticas de cuidado também são par-
ceiros das comunidades em vários outros projetos. São professores da
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB): Fernando Morais,
Francesca Bassi e Tatiane Velloso e da Universidade Federal da Bahia
(UFBA): Carlos Caroso, Fátima Tavares e Thais Penaforte, sendo os três
últimos e Francesca Bassi integrantes do grupo de pesquisa Observatório
de Riscos e Vulnerabilidades Socioambientais da Baía de Todos os Santos
(ObservaBaía), da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Vanderson dos
Santos e Rosângela Jovelino, moradores do Kaonge, participaram da etapa
Ananias Viana1
13
TERRA DE DIREITOS
2 Equipe da Cospe Onlus no Brasil: Diretora Geral e Coordenador Local do Projeto Terra de
Direitos.
3 Cooperação para o Desenvolvimento dos Países Emergentes (Cospe Onlus) é uma associa-
ção privada, laica e sem fins lucrativos. Desde 1983 atua em mais de 20 países do mundo, em
territórios e comunidades locais ao lado de milhares de mulheres e homens, para um mundo
de paz e hospitalidade, com mais direitos e democracia, com mais justiça social e sustenta-
bilidade ambiental e para o alcance da igualdade entre homens e mulheres e a eliminação de
cada forma de discriminação.
4 CECVI, fundado em 2002, é uma associação civil sem fins lucrativos. Apoia e implementa
ações para a defesa e manutenção da qualidade de vida do ser humano e do meio ambiente,
através de atividades de educação profissional, culturais e de proteção do meio ambiente.
15
No intuito de defender e promover a reprodução física, cultural e so-
cial das Comunidades Remanescentes de Quilombo da Bacia e do Vale do
Iguape, desenhou-se este processo de registro do patrimônio material e
imaterial, que conta com a valiosa colaboração de professores e pesquisa-
dores profissionais da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB)
e Universidade Federal da Bahia (UFBA), bem como dos entrevistados,
que permitiram a realização do Dossiê Saberes e Fazeres Terapêuticos
Quilombolas em Cachoeira, Bahia,5 elaborado entre 2016 e 2018, cujo con-
teúdo serviu de base para esta publicação.
Com o mapeamento dos saberes e fazeres relacionados com as prá-
ticas terapêuticas tradicionais, práticas de cuidado, autocuidado e cura-
-retratados aqui, esperamos promover a valorização da história e cultura
quilombola, dentro e fora das comunidades. Como Cospe nos orgulhamos
de colaborar para a construção de um mundo em que a diversidade seja
considerada um valor.
17
UM COMPROMISSO COM
O TERRITÓRIO DO RECÔNCAVO
BAIANO
Tatiana Velloso, Fernando Morais
e Marcelo Araújo
19
20 de maio de 2015, conhecida como Lei da Biodiversidade, que define em
suas normas “o acesso ao patrimônio genético (PG), proteção, acesso ao co-
nhecimento tradicional associado (CTA) e a repartição de benefícios para
a conservação e uso sustentável da biodiversidade”. Um processo no qual
acreditamos para preservar os saberes e fazeres terapêuticos quilombolas.
Finalmente, agradecemos a todas as pessoas entrevistadas, que nos
abriram as portas e compartilharam conosco seus saberes e memórias.
21
parteiras e/ou cuidadoras mulheres no puerpério e crianças recém-nascidas.
São mulheres e homens, jovens e idosos, que nem sempre se autorreferem
como rezador/rezadeira, erveiro, terapeuta ou outra autodesignação que ex-
plicite a condição de promotores da saúde, razão pela qual neste livro nos
referimos àqueles como “praticantes terapêuticos”.
Embora nossos interlocutores não se autodenominem assim, a opção
por esta designação vem da sua amplitude, isto é, podemos considerar como
“praticantes” não apenas aqueles reconhecidos nas comunidades como “re-
zadores”, mas também os conhecedores das ervas, que muitas vezes não
gostam de dizer que são “especialistas” naquelas práticas. É facilmente per-
ceptível que o conhecimento das ervas é algo muito disseminado nas comu-
nidades, não se podendo afirmar que se restringe apenas a algumas pessoas.
Dessa forma, fazendo uso do termo praticantes terapêuticos, também pode-
mos fazer jus aos modos profundamente enraizados com que esses conheci-
mentos se apresentam nos territórios quilombolas. Com isso queremos en-
fatizar que, de alguma forma, todos são, uns mais intensamente que outros,
praticantes terapêuticos. Afinal, foram os nossos próprios interlocutores
que afirmam que mesmo os jovens conhecem plantas e fazem uso daquelas
quando se deparam com situações de necessidade. Trata-se, portanto, de
compreender saberes disseminados entre todos e que integram os modos
de vida das pessoas.
Chegamos aos praticantes terapêuticos fazendo uso da técnica conheci-
da por “bola de neve”, que consiste em ir “seguindo as pistas” por meio das
indicações daqueles que já havíamos entrevistado formalmente ou tido con-
versas informais, para, assim, ampliar crescentemente a lista dos pratican-
tes terapêuticos, que contemplou pessoas residentes em todas as comuni-
dades. Desta maneira foram identificados o total de 63 pessoas diretamente
apontadas como praticantes, sendo que visitamos e entrevistamos 42 des-
tas. Duas observações precisam ser feitas sobre esses números. A primeira é
que a lista dos 63 praticantes terapêuticos não é, de forma alguma, uma lista
fechada ou definitiva, isto é, não esgota as possibilidades de outros pratican-
tes serem mencionados em novas visitas às comunidades. A segunda ques-
tão se refere às condições da pesquisa em campo que não nos permitiram
acesso a todos que foram de alguma forma mencionados, muitas vezes por
entraves de ordem logística: dificuldades de deslocamento da equipe para as
comunidades e descompassos entre a chegada do pesquisador e a presença
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 23
SABERES E FAZERES TERAPÊUTICOS
QUILOMBOLAS
25
ultrapassados, as “crenças” são compreendidas como algo localizado no in-
terior da mente das pessoas. Trata-se de uma visão antiquada da cultura, que
considera que as pessoas sentem, ouvem, veem as mesmas coisas do mun-
do, mas organizam essas “informações” de acordo com suas disposições
culturais diferenciadas. Seguindo em outra direção, nossa resposta sugere
que as diferenças estão disseminadas pelo ambiente, passando pelas “habi-
lidades” dos corpos e mentes num sentido alargado, para além do cérebro.
A cultura não deve ser compreendida como formas de organizar os dados do
“mundo” – tido como “fatos” incontroversos –, mas diferentes capacidades
de notar o mundo.
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 27
Estas referências que são mencionadas emergem como aspectos de gran-
de importância no entendimento dos processos de busca, seleção e coleta
das ervas e outros elementos, bem como na preparação dos remédios, e das
rezas/benzeções da pessoa; observância quanto ao dia da semana e à parte
ou hora do dia adequados para realização de cada um daqueles procedimen-
tos, da mesma forma que da propriedade das condições ambientais, a exem-
plo das fases da lua, dos níveis das marés; enfim, são as formas pelas quais
se faz o mundo dos saberes quilombolas. Afinal, como sugere Latour (2002),
o “mundo” acomoda muitas “feituras” possíveis (sejam os fatos da ciência,
seja fatos da religião; sejam muitos outros “fatos”). É nessa perspectiva que
emergem os destaques de fragmentos de narrativas e/ou situações das nos-
sas conversas, com os praticantes terapêuticos quilombolas dos quais trata
esta publicação.
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 29
afirmativa que vem fortalecendo identidades de “consciência racial”, com a
ajuda da atuação do Estado.
No que se refere a esta questão que há muito constituía uma crescente
demanda, no ano de 2006 ocorreu o reconhecimento das práticas tradicio-
nais em saúde pelo SUS, com a implementação da “Política Nacional de
Plantas Medicinais e Fitoterápicos”. Este movimento em grande parte busca
atender às diretrizes da OMS, tendo inicialmente como objetivo a inclusão
e acesso da população às práticas de fitoterapia/plantas medicinais, acupun-
tura, homeopatia e termalismo/crenoterapia. Segundo dados do Ministério
da Saúde (BRASIL, 2018), 29 terapias podem ser encontradas no âmbito do
SUS. Embora não enfoque um segmento específico, a PNPIC tem como uma
de suas diretrizes o estímulo à pluralidade terapêutica no âmbito do SUS –
incluindo, evidentemente, a Estratégia Saúde da Família (ESF).
Ambas as políticas apresentadas – a Saúde da População Negra e a PNPIC
– buscam a valorização de saberes e populações tradicionais, mas por meio
de processos diferenciados, já que os interlocutores envolvidos nos campos
de discussão nem sempre são os mesmos. Em Salvador – e outras capitais
brasileiras – as discussões têm sido mais vigorosas no âmbito das comuni-
dades religiosas afro-brasileiras, contudo pouca ou nenhuma atenção tem
recebido as iniquidades em saúde que afetam as comunidades quilombolas,
como as que ora vimos estudando. Esse quadro não difere muito daquele de
outras regiões do Brasil, nas quais se verifica a urgência de pesquisas e ações
para a efetivação de políticas diferenciadas em quilombos. (ARRUTI, 2008)
A despeito dos claros avanços que se verificaram no período, no que
tange às comunidades quilombolas que se encontram no município de
Cachoeira, assim como no Estado da Bahia, essas não são adequadamente
consideradas nas políticas estaduais de saúde, deixando a descoberto impor-
tantes dimensões das redes de cuidados cotidianos. Na Secretaria de Saúde
da Bahia (Sesab), as políticas “diferenciadas” se encontram em Coordenações
distintas da Diretoria de Gestão do Cuidado: a) Área técnica “Saúde da po-
pulação negra” (Coordenação de promoção da equidade em saúde-CPES) e
b) Área técnica “Práticas Integrativas e Complementares” (Coordenação de
Políticas Transversais-CPT). Ainda na mesma Sesab, na Diretoria de Atenção
Básica, se encontra o acompanhamento da ESF. Na Secretaria de Promoção
da Igualdade Racial (Sepromi), está o Grupo Intersetorial para Quilombos
saúde e território
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 31
durante o percurso que as levaria a um serviço de saúde adequado para o
parto. Como lembra Florisvaldo, do Kalolé: “Antes, se caia uma pessoa doente
aqui a gente botava numa cadeira, amarrava dois paus, um do lado e outro de outro,
numa cadeira. Se o doente não tivesse muito grave ele ia solto, mas se ele tivesse grave
ia amarrado na cadeira, pra subir a ladeira [...]”.
Atualmente são observados pontos positivos e negativos na avaliação do
sistema público de saúde. Como pontos positivos foram citadas a importân-
cia da abertura de estradas; da implantação de postos de saúde; dos agentes
comunitários de saúde; e da disponibilização de uma ambulância. Por ou-
tro lado, contrapesando essas conquistas, as críticas são direcionadas aos
mesmos ganhos, cujas deficiências são inexistência de transporte adequado;
dificuldades de acesso aos postos de saúde; insuficiência das “fichas” para
atendimento médico nos postos; ambulância frequentemente fora de opera-
ção ou não disponível por motivos nem sempre esclarecidos.
A territorialização do sistema público de saúde também traz importan-
tes consequências para as práticas tradicionais de cuidado, entre estas o
desaparecimento das parteiras que, no passado não muito distante, eram
muito atuantes em todas as comunidades da região: vários nomes de partei-
ras já falecidas foram lembrados e, algumas de nossas interlocutoras foram
parteiras quando mais jovens. Apesar das mulheres atualmente preferirem
ter seus filhos em hospitais, o desaparecimento das parteiras decorre tam-
bém do constrangimento atual das condições da prática desse ofício – den-
tre outros fatores – sob controle dos médicos, como indicam os relatos dos
interlocutores deste estudo.
No entanto, se o ofício do partejar está quase desaparecendo, este ain-
da não desapareceu por completo, pois as “parteiras de necessidade” ainda
resistem no contexto presente, muitas vezes realizando partos em deter-
minadas situações de emergência e inevitabilidade, entre estas na “falta de
tempo” para se chegar ao hospital. Assim, a questão da “necessidade” apare-
ce como uma categoria processual, apresentando uma dimensão temporal,
territorial – quando não dá tempo – e contextual – considerando as condi-
ções e possibilidades do evento. A “necessidade” se presta como argumento
que protege, justifica e ampara essa prática.
1 A exemplo do autorrelato de um terapeuta exponencial que “Vê a vida como uma experiência
de aflição, como um flagelo, um fardo a ser carregado, uma missão a ser cumprida com a
finalidade de obter a purificação espiritual e fazer o bem altruístico, aliviando o sofrimento
dos outros, ou nas palavras de Duarte (1998, p. 16) como um “sacrifício de si como acesso
ao valor, à proximidade do divino, como o mito do Cristo desde logo radicalmente sublinha”.
No caso especifico a que nos referimos, a “relação de reciprocidade e dependência entre o
curador e os curados”, se dá sob a forma de troca simbólica, uma vez que “manutenção do
equilíbrio emocional do curador depende do seu exercício da atividade terapêutica, enten-
dida como um dom divino que não pode ser desperdiçado”. (RODRIGUES; CAROSO, 1999,
p. 198)
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 33
As motivações que cercam o aprendizado são amplamente indicadas
como se dando de forma voluntária e, muitas vezes visando a atender uma
necessidade prática, tal como será visto no relato das experiências de alguns
dos praticantes terapêuticos aqui arrolados. Contudo, são ainda relatadas
algumas situações em que o interesse pelo aprendizado também está asso-
ciado ao reconhecimento de um já mencionado dom, ou predestinação, em
ambos os casos estes constituem um patrimônio hereditário, não devendo,
portanto, ser desperdiçado, o que leva aqueles que o detêm a desenvolvê-lo
em benefício da comunidade. O interesse no aprendizado frequentemente
se encontra enraizado na experiência da maternidade: muitas mulheres in-
dicaram que a motivação de aprender a rezar foi para cuidar dos filhos. As
formas de cuidado, portanto, fazem parte do contexto mais amplo de “pro-
dução de pessoas”, como sugerido por Pina-Cabral e Silva (2013), pessoas em
se fazendo nas relações de vicinalidade, numa relação dinâmica entre singu-
laridades – tornando-se rezadores, praticantes terapêuticos – e identidades
continuadas tornando-se mães, fazendo os filhos, parentes, amigos.
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 35
A preocupação em não deixar esses conhecimentos se empobrecerem,
– diminuindo a quantidade das ervas conhecidas, os detalhes dos procedi-
mentos etc. – tem mobilizado iniciativas de revitalização das práticas tera-
pêuticas nos quilombos, que teve como um de seus desdobramentos a pró-
pria realização do mapeamento dos praticantes terapêuticos sobre o qual
versa este livro. Outras iniciativas identicamente importantes ocorreram no
ano de 2017, entre estas uma das atividades da acima mencionada ACCS da
UFBA, que organizou uma oficina de compartilhamento de saberes e experi-
ências com a presença de significativo número de terapeutas tradicionais da
área. Para dar amplo conhecimento e sinalizar o evento, os participantes na
comunidade do Kaonge em que este foi realizado, solicitaram a confecção
de um banner para sua divulgação e demarcação do local onde ocorreria, tal
como pode ser visto abaixo.
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 37
AS COMUNIDADES QUILOMBOLAS
DA BACIA E VALE DO IGUAPE1
1 A ordem de apresentação das comunidades diz um pouco da história de cada lugar, pois,
respeita a data de certificação pela Fundação Palmares e está organizada da seguinte forma:
Kaonge, Dendê, Kalembá, Engenho da Ponte, Engenho da Praia, Tombo/Palmeira, Kalolé,
Imbiara, Engenho da Vitória, Kaimbongo, Engenho Novo, Engenho da Cruz, Engenho São
Francisco do Paraguaçu, Santiago do Iguape, Brejo da Guaíba, Tabuleiro da Vitória, Mutecho
e Acutinga.
39
tradicionais, preservando e dando segmento a manifestações culturais que
revelam fortes vínculos com suas tradições ancestrais.
O território onde se situam as atuais 17 comunidades quilombolas da
Bacia e Vale do Iguape apresenta características ambientais e geológicas
que possibilitaram as condições adequadas para o incremento da indústria
açucareira que se implantou no Brasil colonial a partir da segunda metade
do Século XVI. (SCHWARTZ, 1998) Essas características, assim como a faci-
lidade de acesso aos mercados externos, o fizeram um importante polo de
produção baseada no domínio das elites brancas que exploravam o trabalho
escravizado. A despeito do colapso deste modo de produção nos fins do sé-
culo XVIII, este, o cenário de exploração então criado e fomentado, é, ainda
hoje, marcado pela precariedade de políticas públicas adequadas a suas po-
pulações, tornando-se, assim, um lugar indelevelmente marcado pela longa
história de permanência dos negros escravizados, que entre outros saberes
que lhes permitiram adaptar-se às condições adversar oferecidas pela explo-
ração capitalista colonial e sua continuidade até o presente, mantiveram e
desenvolverem saberes tradicionais e conhecimentos terapêuticos vivencia-
dos e transmitidos por muitas gerações, o que veio a permitir que fossem
herdados pelos praticantes terapêuticos que são reconhecidos e cujas práti-
cas e modos de fazer são apresentados na presente publicação.
As formas de reprodução neste território são profundamente marcadas
pelo ambiente em que se exerce as atividades, sendo estes reconhecidos e
categorizados como “na maré” e “na terra”. Pode-se depreender que exis-
ta diversificação das atividades produtivas, no entanto aquelas enfrentam
problemas de baixa produtividade e baixo valor agregado, com a maioria
dos produtos sendo comercializada in natura, portanto, sem rotulagem que
indiquem denominação de origem ou certificação – produção quilombola,
orgânico etc. A comercialização dos produtos de origem dos quilombos aqui
considerados é rotineiramente realizada em feiras livres ou, por meio de
atravessadores que os adquirem diretamente nos locais em que são produzi-
dos, impondo, assim, baixos preços, que não só deixam de remunerar ade-
quadamente todos os custos envolvidos na produção, como reduzem ainda
mais a pequena margem de ganhos dos produtores.
Entre as atividades de extrativismo e/ou cultivo nos territórios quilom-
bolas são encontradas a produção de pescados e mariscos, sendo o culti-
vo de ostras crescente em algumas comunidades, e a feitura da farinha de
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 41
muitas comunidades, sendo que em algumas o abastecimento é feito dire-
tamente de fontes de água de superfície – riachos como ocorre na Imbiara
e no Kaimbongo –, com condições de tratamento precárias ou inexistentes,
já que muitas famílias não fazem tratamento algum. No que tange à dispo-
sição de dejetos humanos, inexiste qualquer esgotamento sanitário, sendo
largamente utilizada a fossa negra, o que a longo prazo tem significativo
potencial de comprometimento da qualidade do solo e contaminação dos
lençóis freáticos. Inadequação semelhante é observada no destino do lixo,
sendo aquele predominantemente queimado.
As dificuldades enfrentadas no cotidiano da vida e formas de reprodução
dessas comunidades têm um ponto crítico que é representado pela ques-
tão da propriedade e acesso a terra: 13 comunidades apontaram tensão
ou conflitos territoriais, sendo dez com proprietários, dois com governos
– percepção de morosidade – e um com proprietário de grande empresa. As
condições socioambientais também apresentam problemas em todas as 17
comunidades que integram o estudo. Apenas quatro comunidades indicam
não ter proximidade com plantações de eucalipto – Kaimbongo, Santiago
do Iguape, Kalolé e Engenho da Vitória – e somente seis não apontaram
problemas de desmatamento – Kalembá, Engenho da Cruz, Kaimbongo, São
Francisco do Paraguaçu, Dendê, Engenho da Vitória. Outros problemas am-
bientais foram mencionados nas comunidades, sendo apontadas como cau-
sas as ações de empresas – Enseada Indústria Naval S.A. e Mastrotto Brasil
S.A. –; retirada de areia nos rios; rio seco no verão; envenenamento na pes-
ca; alergias resultantes de contaminação da lama dos manguezais.
As condições socioambientais são geradoras de impactos negativos sobre
as condições de saúde, que apresentam deficiências reconhecidos em toda
as comunidades. A capilarização da rede de atenção básica na modalidade
da Estratégia Saúde da Família (ESF) se estende a apenas quatro destas com
a presença de UBS em Tabuleiro da Vitória, Engenho da Cruz, São Francisco
do Paraguaçu e Santiago do Iguape, nesta última se encontra uma UPA.
Existe ainda um “posto satélite” em Terra Vermelha, que atende parcial-
mente as comunidades da Imbiara e Kalolé. Quase todas as comunidades
indicaram que dispõem de agente comunitário de saúde – a exceção foi
Engenho da Vitória, mas em nenhuma dessas foi apontada a disponibilidade
de atendimento específico para a população quilombola ou mesmo para a
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 43
Figura 2.Territórios quilombolas da Bacia e Vale do Iguape, Cachoeira – Bahia
Fonte: grupo de jovens para o Monitoramento Ambiental (2018).
• kaonge
Dona Juvani
45
Para Dona Juvani, a mediunidade pode ser uma questão de “hierar-
quia”, que se constitui na tradição familiar, a exemplo de seu pai, como ela
destaca:“Ele olhava para você se você estivesse precisando de alguma coisa, ele dizia:
‘olha filha você vai fazer isso e isso, você precisa de isso, isso’, ‘tá acontecendo isso e isso
com você’. Eu ficava besta, é! Eu ficava besta!”. Segundo ela, seu desenvolvimento
religioso foi iniciado num terreiro em Salvador, mas encontra respaldo na
herança paterna, configurando um processo de longa duração, com alguma
resistência a assumir o compromisso religioso. Ela destaca como a respon-
sabilidade de cuidar veio junto com o sofrimento: “O caboclo, ele é assim, me
pegava, me jogava, me jogava de corpo e alma, fui por hospital não sei quantas vezes!
Pressão palpitando, passando mal, batia a cara na parede e ralava meu rosto na cara
na parede... Era pra eu assumir”.
Enfatizando a importância da cura com rezas e ervas, ela lembra que
os mais antigos se curavam dessa forma. Embora considere que alguns as-
pectos da tradição – as rezas, notadamente – estejam se perdendo, ressal-
ta como suas filhas sabem rezar. Juvani cita as rezas para dor de barriga,
Elas [suas filhas] sabem rezar dor de barriga porque eu aprendi e eu ensino, elas sabem
rezar vento caído porque eu aprendi e ensino pra elas como é que reza o vento caído
nos filhos delas. Minha mãe me ensinou. Elas sabem rezar de olhado porque eu ensino.
Mas os outros por aí não sabe. Aí vem às vezes e traz os filhos pra rezar, mas não se
preocupa de dizer a mim: ‘a senhora me ensina?’ e eu não vou dizer assim: ‘Não, você
tem que aprender a rezar’.
Antigamente, como ela nos conta, nos quilombos, o uso das folhas era
mais disseminado pois não havia médicos nas comunidades, todavia as fo-
lhas estão sendo usadas até hoje: “Todo mundo usa as folhas pra tudo aqui. Pra
fazer chá, pra fazer banho[…] usa folha direto, todo mundo”. Nossa interlocuto-
ra relata histórias da vida familiar: conta, por exemplo, como certo tempo
atrás um de seus filhos teve uma lesão na perna que nenhum medicamento
de farmácia curou, até que ela sonhou com seu pai, que a guiou na seleção
e composição do remédio: entrecasca de aroeira, óleo de amêndoa, pó de
fumo. Os relatos de Juvani indicam como a dimensão espiritual e a fé sem-
pre fundamentaram seus atos: “Não deu oito dias já tava sarado e eu disse pra
minhas irmãs: ‘não precisou nada, foi papai que curou’[...] E a fé que cura. Até hoje ele
tem a marca, mas foi papai que curou, o espírito. Então são coisas que você não pode
[…] Tem que ter a fé, entendeu?”.
Finalmente, em relação à sua atuação como educadora, Dona Juvani en-
fatiza que sempre se preocupou em passar para os alunos da escola Cosme e
Damião os conhecimentos sobre as folhas: “Com as turmas de menino da quarta
série, eu sempre trabalhava com eles o livrinho de folha de chá… Você tá entendendo?
Eu sempre trabalhei isso com eles: traga tal folha, tal folha e tal!”
1 Foi uma decisão teórico-metodológica dos autores não apresentar notas explicativas de cada
“enfermidade popular”, pois, como será discutido no Capítulo 5, as “traduções” equivocadas
entre os termos nativos e científicos são parte do problema que nós queremos contornar.
Apresentar uma abordagem detalhada do problema das conceituações nativas de cada “do-
ença” é uma empreitada para outro trabalho.
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 47
Dona Nani, de um terreiro de Umbanda, foi a pessoa que quando meu
pai morreu eu não sabia nada ainda, foi a pessoa que eu achei. Ela
já se foi, ela me orientou em tudo, tudo, tudo... vinha pra aqui pra
dar caruru junto comigo e tudo, porque eu não sabia nada. E depois
os orixás foi me orientando, me orientando... pra eu chegar no ponto
que eu cheguei.
Dona Vardé
Ô minha filha... quando eu fui pegar a primeira filha do meu irmão eu mandei chamar
a parteira no Kalembá... Ele foi pro Dendê e ficou lá esperando, não tava Tonha ... Aí
ele veio... menina... Eu fiquei sozinha. Mas como Deus e esses caboclos daqui sempre
ajudava a gente eu me peguei com ele. Ela se largava assim... Eu dizia: ‘ô menina, faça
um esforço’, quando eu vi a menina encaixada assim, ‘emende aí logo senão eu lhe dou
um murro’. Aí ela botou o joelho aqui e fez a força. Quando a mãe dela ouviu chorar, aí
eu disse: ‘traga um prato branco aí ou uma garrafa, que ela não despachou’, aí eu fiz
a oração que Toninha me ensinou e botei o prato pra descer.
Dona Vardé relata ainda que quem a ensinou foi a parteira Toninha, o
que foi feito por meio de cuidadoso processo de compartilhamento de seus
saberes: “Toninha me ensinou. Ela me chamava assim ói: ‘mede quatro dedos da tripa
do imbigo, amarra aqui. Mede aqui, amarra. Corta aqui e dobra’[...] eu sei tudo minha
filha. E aqui passa o sal olhe e enrola. Mela a tripa que fica aqui em cima, toda de sal.
Toninha me ensinou”.
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 49
e por visitantes ali vão conhecer a cultura quilombola. Seu aprendizado,
compreendido como um processo de aquisição de novas habilidades, é ex-
plicitado no fragmento de narrativa abaixo:
Eu só sabia as folhas pra banho, mas folha pra fazer xarope pra curar o povo eu vim
saber de uns tempos pra cá. Pra curar meus filhos eu fazia chá de folha de capim santo,
alfavaca, botava pitanga... tudo a gente fazia xarope. A cebola roxa com a palha de
alho, com gengibre... tudo eu botava. Fazia pra dar a meus filhos.
Folha de alfazema é para chá, pra banho... pra dormir é bom. Tira-teima usa pra
banho de descarrego. Essa aí é mastruz, eu uso no xarope e no chá pra verme. Guiné
também pra descarrego. Aqui é rompe-gibão, que eu faço xarope. Eu plantei aí, mas
aqui eu só tiro pra fazer quando vem turista que quer representar as folhas... A do
xarope eu apanho na mata. Deixo aqui mesmo só pra mostrar. Esse aqui é coentro
da índia. Essa daí é carquejo. Essa outra é mendororó, que é um ótimo chá para tirar
inflamação. Tem capim santo ali pra chá, é calmante. Essa aí é boldo, pra chá e pra
comida. A maria-preta é pra fazer chá e xarope. Essa daí é pinhão roxo, serve pra
banho. Olha aí o algodão em cima, para quem está de neném. Essa daí é cordão de são
Francisco, serve também. Aí é quitoco, a gente usa pra chá.
o xarope da vardé
Pina
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 51
Claro, com certeza, eu ainda tenho duas mais velhas [rezadeiras] aqui pra ir adiante
de mim, como é que eu tenho que ir assim... maneirando, primeiro as mais velhas, eu
tenho aqui que respeitar. Se ela [Vardé] disser assim: ‘vai tu!’, então eu rezo. Se elas
disser, eu tenho que obedecer os mais velhos, então vambora que eu faço.
Pina ressalta também que ninguém pode se negar a rezar, pois trata-se
de uma prática de caridade: “Não rejeito reza não, mesmo porque diz assim: ‘o que
se aprende a gente não pode rejeitar’”. O irmão caçula, Anderson, aprendeu a
rezar “pé desmentido” e ela também reza para “tirar soluço”, que aprendeu
com a mãe: “Aí se o menino der soluço assim aí aquele soluço não quer parar, aí a
mãe vai e dá água, mesmo assim o soluço não passa aí ela diz assim: ‘reza aí de soluço
pro soluço ir pra casa do poço’, aí eu vou lá e rezo... eu aprendi há dois anos atrás”.
Pina conta como ela sempre ajudou as irmãs recém-paridas com os bebês
delas, assim que aprendeu e rezou muito criança pequena de soluço:
Pina sempre ajudou as irmãs parturientes e seus bebês, ressalta que gos-
taria muito de aprender a partejar, mas reconhece que essa prática desapa-
receu com as mulheres já falecidas das comunidades:
[...] se tivesse eu tenho interesse de um dia eu engravidar, não sei se vai acontecer, mas
se eu tivesse eu queria em casa, mas como não tem aquelas parteiras como eu nasci,
de confiança eu prefiro ir direto para o hospital. Eu gostaria de ter meu filho em casa,
mas como não tem mais aquelas parteiras [...].
Raimundo
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 53
incêndio, passar a morar no Kaonge. Não foi com a família que aprendeu a
rezar, mas com Dona Nani, liderança espiritual de um terreiro em Salvador,
que em determinada ocasião o rezou para curar de uma dor na espinhela.
Embora não seja um costume, eventualmente Raimundo pode rezar
de “espinhela caída”. Aprendeu a rezar “de bicho” com uma pessoa em
Santiago do Iguape, pela necessidade de não perder os animais que criava,
ensinamento este que passou para o seu filho, José Luiz, que hoje assumiu
essa responsabilidade. A reza se faz de uma vez só e pode ser efetuada à dis-
tância, todavia, para Raimundo é necessário ver o animal:
É só uma vez. Se o animal tá no campo lá, tá com a bicheira... Você viu que tá com
bicho... Você trata de fazer o processo e aí pronto. Meu pai sabia e rezava daqui... Ele
dizia que rezava daqui a no Acupe e resolvia o problema. Eu nunca rezei daqui no
Acupe. Eu sempre rezei aqui pertinho, o animal tá ali, eu tô vendo a posição que é a
Meu pai, ele era uma pessoa que ele rezava assim... se o animal tinha uma bicheira ele re-
zava... ele não precisava de remédio pra curar, ele rezava no tempo, né? Mas eu trabalhei
muito tempo com ele e ele não me ensinou. Não sei se foi falta de interesse meu... ou
talvez ele não poderia me ensinar, porque a reza também você não pode sair distribuin-
do pra todo mundo, pelo contrário. Você sabe, você tem que passar pra uma pessoa.
Raimundo explica que espinhela caída pode provocar dor na “caixa dos
peitos”, dor nas costas, cansaço, e pondera que carregar peso pode agravar
o problema, podendo voltar várias vezes e que quando isso acontece, é pre-
ciso rezar novamente. No entanto, apesar dos desdobramentos serem mais
ou menos demorados, segundo ele a reza nunca dá errado: “Reza é uma das
coisas que a gente tem que ter muita fé em reza. Eu passei a ter fé em reza depois que
eu faço as minha coisa e dá certo, né? Como é que eu não vou acreditar? Se eu vejo um
animal com bicho e rezo e dá certo?” Trata-se de um aprendizado que passa pela
experiência, como ele afirma: “Porque se nada você sente, você não liga pra nada.
Eu aprendi alguma coisa, porque eu senti”.
Para Raimundo, é importante diferenciar “problema de médico” de “pro-
blema de folha”, ele mesmo tendo passado, na juventude, por procedimen-
tos médicos (injeções) que não conseguiram curar três feridas nas pernas
(“bicheira”). Seguindo o conselho da esposa, Dona Juvani num sonho sobre
a cura, ele procurou Dona Nani:
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 55
Chegando lá ela olhou o meu problema e passou um remédio pra mim e eu fiquei
bom, só usei três dias porque tive que usar. Aí é que eu digo, tem coisa que é medici-
na, mas tem coisa que tem que ser banho de folha... quanto mais eu tomava injeção
mais não resolvia. Ela me passou pra mim, sabe o quê? ‘Tome aqui, leve essa pomada
Minâncora, passe na farmácia, compre um vidro de Lysoform, passe no mercado, com-
pre um quilo de milho, chegue em casa, lave com Lysoform, passe a pomada, torre o
milho e saia pela estrada pedindo ‘quem deu rei’’.
• dendê
Dona Maria
Dona Maria das Dores Santos, casada e mãe de 11 filhos, é uma das pratican-
tes terapêuticas da comunidade. Ela explica que sua habilidade com as ervas
é um dom com o qual ela já nasceu, que se manifestou quando começou
a “entender das coisas”, contudo o aprendizado se deu com seus pais. Dona
Maria lamenta o crescente desinteresse das pessoas pelas ervas, acrescen-
tando que atualmente as pessoas só acreditam no médico. Em busca de ex-
plicar esclarecer seu ponto de vista com relação à importância das práticas
terapêuticas tradicionais, ela ressalta as características da “espinhela caída”
dores no fígado e nas costas, como exemplo de doença que o médico não
consegue curar, entretanto tem tratamento adequado da parte dos pratican-
tes comunitários em saúde.
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 57
seu quintal ela planta capim santo, alfavaca, manjericão, hortelã miúdo,
hortelã grosso, limão e mastruz.
Nico
Nilton Antônio Nogueira Silva, mais conhecido como Nico, tem 50 anos,
cinco filhos, e se reconhece como curador ou curandeiro. Nico não reza as
pessoas com uso de folhas, mas considera sagradas todas as ervas medici-
nais. Umbandista, ele faz parte da família espiritual do Terreiro do Kaonge.
Aos dez anos iniciou-se no ofício por meio do aprendizado com sua avó, que
também ensinou seu irmão Carlos Jorge ambos foram criados pela avó. A
avó, Toinha, era parteira famosa na região, e foi ela quem inicialmente lhe
ensinou os cuidados com o umbigo de recém-nascidos. Ele acompanhava a
avó na realização dos partos nas comunidades da região.
Além do cuidado com umbigos, aos 18 anos, Nico aprendeu com sua avó
a utilizar as ervas medicinais. São os chás e os banhos, mas também a prepa-
ração de lambedores e xaropes, especialmente para curar gripe. Nico aten-
de principalmente as pessoas da própria comunidade e, às vezes, pessoas
de outras comunidades quilombolas do Iguape. Ele esclarece que a procura
mais recorrente é para tratamento de gripe, “banho de descarrego” e dores
de barriga.
Nico relata que existem poucos jovens com interesse em aprender esse
ofício, mas por outro lado, participa de iniciativas de valorização desses
conhecimentos. Ele menciona os encontros, principalmente no Conselho
Quilombola, com outras pessoas que utilizam as ervas medicinais. Além disso,
dialoga com seu irmão, Carlos Jorge, sobre esse assunto e também realiza via-
gens que são oportunizadas para trocas de experiências em outras localidades.
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 59
banho de descarrego é preparado com folhas (tudo junto) de arruda (folha),
guiné (folha), vence-tudo (folha), manjericão (folha), alfazema (folha e pode
ser também o perfume), alho e sal grosso. Neste banho não se pode molhar
a cabeça. Por fim, o banho para dor de cabeça é preparado com folha de cajá
(olho do cajá), neste caso é necessário molhar a cabeça.
Nico reconhece a existência de praticantes de diversas religiões na comu-
nidade, destaca a presença de pessoas que se denominam católicas, cristãs
(evangélicas) e candomblecistas nas circunvizinhanças, menciona especifi-
camente mães de santo, contudo afirma que todos utilizam as ervas medici-
nais. Ele considera que a procura mais recorrente das ervas é para tratamen-
to de gripe, banho de descarrego e dores de barriga.
Edileuza
Casada e com dois filhos, Edileuza dos Santos, 30 anos, é uma jovem reza-
deira da comunidade, que atende às demandas por cuidado em saúde por
meio de rezas e banhos, conhece e indica ervas para chás e faz lambedores.
Ela conta que desde criança, com sete anos, já acompanhava a mãe na coleta
e no preparo dos chás com plantas medicinais. Desde então, utiliza os chás
para seu cuidado, como também os indica na sua comunidade. Para além
dos chás, aprendeu com a mãe sobre os banhos e o preparo do lambedor
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 61
de pressão alta. Para a gripe, ela prescreve chá (lambedor) de alfavaca (fo-
lha), coentro (folha), cebola, limão (o fruto), alho (um dente), e fedegoso (a
raiz). Para o mau olhado, ela indica que outras ervas também são utilizadas,
entre estas vassourinha de mofina (três galhos), na forma de banho para
mal olhado; vassourinha de mofina, usada na reza para mal olhado; banho
de vassourinha e aroeira, para tratamento de mal olhado; folha de pimenta,
água e vinagre, para tratamento de cobreiro com reza.
Edileuza esclarece que a quantidade dos ingredientes varia conforme seu
uso. Para a reza, normalmente são utilizados três galhos da erva; para o chá,
recomenda-se de três a quatro folhas de cada erva; para o banho, é adequado
cerca de três galhos de cada erva. Ela também indica horários adequados
para a reza. Não pode ser no escravar do sol, ao meio dia e a noite; também
não se pode rezar quando a maré está alta.
• kalembá
Ana
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 63
mirra, palma de rainha também servem para olhado e dor no corpo (o ba-
nho também é chamado de “descarrego”). Rompe gibão é outra erva que
serve para descarrego, neste caso são usadas quatro folhas por três vezes.
O cordão de São Francisco deve ser colhido de manhã, serve para banho e
pode-se botar dois/três pés, sendo usado até sete vezes. A folha de tira-teima,
igualmente, serve para descarrego, colhe-se de manhã e é usada por três ve-
zes. No repertório de ervas usadas para banho de descarrego, são ainda en-
contrados vence-tudo, maria preta, guiné, capianga, São Gonçalinho branco
e tira-feitiço. A vassourinha é utilizada no tratamento de olhado e mufina,
corpo pesado, cansaço. O quitoco é usado tanto no preparo de banhos, quan-
to na forma de chá para dor de barriga e diarreia: “Pra banho usa um galho e
para chá usa quatro folhas pra um copo de água. Para banho usa até três vezes e pra
chá usa a até a dor de barriga passar”.
Ana afirma que, embora seja aconselhável que coleta das folhas ocorra
no período da manhã, em outros horários a coleta também pode ser feita,
contudo não deve ocorrer no horário de meio dia. Ela utiliza folhas do seu
quintal e também vai procurar no mato, muitas vezes guiada por pessoas
mais experientes: “Aqui no meu quintal tem uns pé ainda e quando eu vou pra lá
pra cima uma moça lá leva a gente pra mata e vai explicando as folhas a gente, pra
quê que serve e pra quê que não”.
Rezar, fazer banhos, chás e indicar ervas para as pessoas são alguns dos
saberes de Dona Judite Nascimento dos Santos. Marisqueira, com 73 anos e
mãe de oito filhos, ela gosta de samba, de oferecer caruru, de participar das
festas promovidas pelas comunidades do Iguape (principalmente das festas
do Kaonge), e de se declarar rezadeira. Considera o seu dom como uma dá-
diva divina – “presente de Deus” – por ter aprendido sozinha, quando tinha
apenas 21 anos.
A primeira reza foi feita para seu filho mais velho e aconteceu quando
“ajuntava as palavras e formava as suas rezas”. Afirma ainda que as pesso-
as não acreditavam que ela fosse capaz, no entanto, a partir de suas rezas
aconteceram curas de determinadas doenças e de mal-estar que as pessoas
sentiam, principalmente decorrentes de “mau-olhado”.
Dona Judite atende pessoas do Kalembá e de outras comunidades do
Iguape; também atende pessoas que se deslocam para a sua comunidade do
município de Santo Amaro em busca de resolução para males que a afligem.
Ela se relaciona com outros rezadores/benzedores de outras comunidades,
notadamente da comunidade do Kaonge – com Dona Juvani e Dona Vardé
– e da Campina (Dona Zinha). Dona Judite avalia que muitos jovens não
acreditam ou não têm interesse nos conhecimentos tradicionais; pondera,
ainda, que existem “pessoas que não acreditam em Deus e em ninguém”.
Sobre as prescrições terapêuticas, ela destaca algumas de banhos, chás,
rezas. Normalmente para os chás coloca entre três e quatro folhas; alguns
banhos precisam de sete galhos, assim como as rezas. Faz, assim, uso de
quioiô preto para a cura de má digestão, sendo três a quatro folhas para
chá; quioiô de caboclo é usado para banho, limpeza espiritual; da erva ci-
dreira ,chá para digestão; do capim de burro é feito o chá da folha para dor
de barriga; alfavaca cozida (da folha), é feito o chá para curar a febre; chá
de melissa, da folha sem espinho, serve para aliviar cólicas de crianças; das
folhas conhecidas como anador e novalgina se faz chá para eliminar dores.
Para tratamento de frieira e micose de pele usa-se coentro de boi. Utiliza-se
alho para reza contra dor de pescoço, sendo o primeiro dia com guiné; o
segundo, com aroeira; o terceiro, com dente de alho. Reza-se para pé torcido
com pedra de brita – coloca-se a pedra no fogo após a reza. Aroeira é usada
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 65
para tratar inflamação, preparando-se o chá com as folhas. Mandororó, que
serve para corrimento e inflamação do útero, prepara-se o chá com as fo-
lhas, pode-se também torrar e colocar o pó na parte de feridas externas.
Nossa interlocutora salienta que algumas plantas medicinais não são mais
achadas na sua comunidade, cita como exemplo a palma Santa Rita (con-
cha de Ogum), utilizada para banho e que atualmente só consegue obter na
comunidade de Mutecho-Acutinga – outrora denominada Opalma, por ser
sede da empresa do mesmo nome que cultivou dendezeiros e industrializou
seu óleo –; e também o cordão de São Francisco, que utiliza para banho.
Ela também apresentou receitas para outros males. Para tratamento de
encosto deve-se usar raiz de dandá, folha de andu virgem e folha de man-
dioca – tomar três banhos para tratamento. Para descarrego, tomar banho
em três dias consecutivos. Para encosto de Egum tem de ser usada a raiz do
fedegoso, guiné e aroeira. No uso da capianga, a coleta deve ser feita antes
do sol nascer, isto é, às cinco horas da manhã – o horário depende do fato
que a capianga é considerada “erva santa” –, e preparar banho com folha
com sete galhos.
• engenho da ponte
Selma
Selma Silva Santos, 36 anos, tem um filho e uma filha. Considera-se uma
“orientadora” das pessoas que a procuram para entender sobre os usos me-
dicinais das folhas para curar os problemas do dia a dia. Ela fala que, na
maioria dos casos, as enfermidades são tratadas na própria comunidade fa-
zendo chás medicinais.
Para Selma, o poder das folhas encontra fundamento em sua experiência
religiosa, ligada aos orixás, e à importância das ervas como conhecimento
compartilhado pela comunidade. Seu aprendizado se deu na convivência
com a avó, que era parteira e sabia fazer muitos chás; posteriormente apren-
deu mais sobre as ervas com sua mãe e com Dona Juvani. Ela destaca a
importância das ervas medicinais na forma de chás ou de banhos – também
de descarrego – para as comunidades quilombolas da região, um conheci-
mento que é partilhado pela comunidade:
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 67
Em qualquer comunidade dessas que você for aí, o que passa primeiro, antes de ir ao
médico, é as ervas medicinais. É banho de descarrego, é uma palha de alho pra quei-
mar pra defumar, é alho pra cheirar [...] E até mesmo quem não é parente. Se sentir
alguma coisa, porque comunidade rural, comunidade quilombola, o pessoal é muito
aconchegante, né?
Irá da Ponte
Iraildes de Assis tem 58 anos e é mãe de oito filhos e filhas. Ela também se
considera uma “orientadora”. O aprendizado das ervas veio desde criança,
observando os mais velhos, sua mãe e, posteriormente, aprendendo com
Dona Juvani. As pessoas também a procuram para saber quais as folhas
apropriadas para cada tipo de doença, mas já existem diferenças em relação
aos tempos antigos, como ela enfatiza: “Às vezes não acreditam, vai mais corren-
do pro médico, aí eu fico sem saber até o que é que eu ensino”.
Irá da Ponte comenta que atualmente um de seus netos se interessa pe-
las ervas: “quando ele sente uma dor de barriga, ele mesmo corre pro pé de boldo,
ele sai procurando alumã, faz o chá dele... Quando eu vejo, ele já bebeu. Maílson. Ele
mesmo faz o chá dele”. Seus filhos também sabem fazer uso de alguns tipos de
chás. Segundo Irá, alguns jovens conhecem um pouco das ervas, mas fazem
“brincadeiras” uns com os outros em relação ao uso das ervas, especialmen-
te os rapazes. A diminuição da disponibilidade das ervas medicinais decorre,
segundo Irá, do pouco interesse em se plantá-las.
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 69
Ela menciona algumas ervas seus usos para tratamentos, a exemplo
da folha de carambola para pressão alta; tapete de oxalá para mal-estar de
estômago e para banho; “tretreque” e entrecasca da aroeira como anti-in-
flamatório; neve cheirosa para banho e queimadura; boldo, quioiô, alumã,
manjericão para mal-estar; água de levante para dor e calmante; manjericão
calmante; alfazema de caboclo para chá e banho, calmante. Para dor de
dentes ela menciona o uso de “cinza de fogão”: “A cinza [do fogão] eu costumo
fazer pra dor de dente. Eu pego… cozinho a folha do tamarindo, depois que cozinha
ela, eu tiro e aí coloco um pouco de cinza, um pouco de sal, pouco de vinagre e bochecho
bem”. Ela esclarece que também se usa as cinzas para curar caxumba, e que
antigamente se usava a lama do “purrão” (pote de água).
Vento caído a criança começa a… as fezes dela fica assim que nem
ovo, fica desandada parecendo que é uma gema de ovo e fica ama-
relada. Agora, se não rezar é capaz de vir a óbito. Tem que rezar. Aí
Leleta e Marinalva
Júlia Cardoso Almeida, mais conhecida por Leleta, tinha 93 anos à época
de nossa conversa, em 2017, que também contou com a participação de
Marinalva, 60 anos, sua filha. Leleta teve cinco filhos. Sua irmã, Nêga, era
uma famosa parteira e rezadora da comunidade. Leleta reza alguns proble-
mas de saúde e destaca que o uso das ervas também se relaciona com chás,
banhos e xaropes. No passado ela costumava rezar benditos para vários san-
tos católicos – Santo Antônio, São Cosme, Santa Cruz – e ajudava na pro-
cissão da Festa de São Roque – no Engenho da Ponte – que sua irmã Nêga
conduzia com a reza para o santo. Marinalva, que também reza quando há
necessidade, pondera que a reza de outras pessoas pode ser mais “forte” que
a sua. Para Marinalva, que aprendeu a rezar com a tia, Dona Nêga, a eficácia
da reza deve ser compreendida em estreita articulação com as folhas.
Leleta menciona algumas rezas, como a de “pé desmentido”, que é acom-
panhada por sete pedrinhas na região do machucado; para rezar a erisi-
pela – uma doença grave de pele – é necessário azeite embebido em lã de
carneiro ou algodão para colocar no entorno da região afetada – as palavras
sendo ditas com movimentos em cruz. Ela acrescenta, ainda, que nunca
se deve rezar erisipela com pena de galinha, pois a pessoa rezada estará
interditada dali em diante para o consumo deste alimento; para cobreiro, a
reza deve ser acompanhada de um ramo de erva embebido em água e sal. Já
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 71
para fogo selvagem, é adequado rezar acompanhado de folha de pimenta –
contudo ela reconhece que Dulce, do Engenho da Ponte, é quem sabe rezar.
Para se rezar olhado, é preciso de folha específica, vassourinha de mofina.
A exceção é na sexta-feira, quando se pode rezar com fogo. Marinalva, que
aprendeu a rezar com a tia, Dona Nêga, pondera não ter fé na sua reza, acre-
ditando mais na reza de outras pessoas. No entanto, afirma que pode rezar,
se houver necessidade.
As folhas para chá e seus usos citadas por Leleta foram melissa e cidreira,
ambos calmantes, capim santo – para problema do “nervoso” – manjericão,
pitanga (para xarope), ao que Marinalva complementa: “Pitanga pra gripe.
Pitanga, fedegoso, alfavaca…. Mãe-boa que é bom pra inflamação”. Foi também
mencionado o quioiô de chá e de banho, que é o “quioiô de caboclo”, este
é considerado “mais forte”, acrescenta. Ao longo da conversa, outras folhas
e usos foram lembradas, tal como quebra-pedra (para os rins), alfavaqui-
nha de cobra para criança com diarreia, graviola para o controle da pressão
e pata de vaca para o controle do diabetes. Adicionalmente, Marinalva se
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 73
• engenho da praia
Dona Filinha
Maria Francelina da Silva, mais conhecida por Dona Filinha, tem 86 anos,
15 filhos e se autodesigna rezadeira que faz rezas e orações, sabe preparar
banhos de folha, faz indicação de ervas e lambedores para os que a procu-
ram. Reza de “vento caído” – faz a reza “com o dedo” – e de “olhado”. Nossa
conversa teve a contribuição de sua filha Maria Inês da Silva Santos, conhe-
cida como Neide e que também é praticante terapêutica da comunidade do
Tombo/Palmeira.
Dona Filinha começou a se interessar pelas rezas aos 12 anos, quando
aprendeu a reza do “vento caído”, com sua mãe e a comadre, sua tia, que
também ensinou os usos das ervas. Com a sogra, parteira, aprendeu o ofício.
Esses conhecimentos, ela pondera, eram mais valorizados no passado. Dona
Filinha se relaciona com curadores do Kaonge, especialmente com Dona
Juvani. Além disso, participa do Conselho Quilombola. Umbandista, ela
também frequenta a Igreja Católica, participa da “esmola cantada”, evento
religioso preparatório da Festa de São Roque do Engenho da Ponte, além de
oferecer caruru.
Seu repertório terapêutico inclui uso de malva, da qual usa folhas para
banho para secar feridas; mastruz, chá para tratamento de verme; pinhão,
reza e banho para combater olhado com folhas; andu, folha para banho e
reza para olhado; folha de abacate e de chuchu, para chá ou suco para pres-
são alta; chá de anador, alfazema, erva doce e novalgina (folhas) para com-
bater dores; mel com gema de ovos para expectorar secreções dos pulmões/
brônquios; chá de olho da bananeira prata (cozido) para tratamento de diar-
reia; chá de erva doce (folhas) para dor de estômago; chá de alfavaquinha (fo-
lhas) para dores provocados por gases; chá de folha de brilhantina para dor.
Além das folhas para chás, menciona outras formas de uso das folhas.
Para tratamento de febre, banho com folhas de cansanção; banho com fo-
lhas de “cecéu” para febre provocada por nascimento de dente em crian-
ças; erva de Santa Maria para amassar e passar na pele para tratamento
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 75
Seu Lúcio
o aprendizado
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• tombo/palmeira
Neide
Maria Inês da Silva Santos, conhecida como Neide, é filha de Dona Filinha
(Engenho da Praia). Em nossa conversa ela se recorda das antigas práticas
de cuidado na gestação, parto e puerpério. Neide teve todos os seus filhos
(três) na casa de seu tio, sendo Márcia, esposa de seu tio, quem fez o parto.
Segundo Neide, sua tia foi uma parteira conhecida na região. Os procedi-
mentos do parto e evitações no puerpério se associavam a práticas de auto-
cuidado e higiene. Ela explica detalhadamente os procedimentos do parto:
[...] eu não sentava na porta, que fazia mal, bebia água no litro, que
minha tia encomendava…[não bebia] água na garrafa. Minha tia me
encomendava [água mineral], que fazia mal, ‘minha filha, não sente
em pilão’ [...] O pilão que apila o dendê. Que fazia mal, demorava de
ter o neném [...] Não sentava em pedra, não sentava em cangalha, não
saltava corda de animal que só pare de ano [animal de gestação lon-
ga] [...] Não passava por cima da corda, saltar, passar por cima […]
Ambrósio
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 79
as seguintes folhas: arruda, vassourinha de relógio, corana, folha de andu,
folha de pimenta. Posteriormente desenvolveu suas habilidades para curar
dor de barriga, dor de cabeça, dor de dente, “desmentidura de qualquer lu-
gar”, “cobreiro”, “fogo selvagem” – uma enfermidade de pele até aprender a
rezar também “espinhela caída”.
Ambrósio começou a rezar espinhela caída após ouvir as palavras de
Maurício, um rezador de Cachoeira que rezava com um pequeno terço, jus-
tamente quando o procurou para ser curado desse problema. Segundo ele:
“[...] eu ouvi as palavras e aprendi. E o restante foi a natureza que Deus deu”. O apren-
dizado se deu na experiência com Maurício e também em sonho, quando
teve a intuição de utilizar uma pedra que achou no mato. Ambrósio enfatiza
que Maurício não o ensinou: “[...] ele disse as palavras e eu ouvi. E aprendi. Que
tudo é força de vontade, né? Que teve o interesse”. No sonho, Ambrósio apren-
deu que era preciso rezar primeiro na “pedra” para depois rezar no cliente:
“possa ser que teme e já facilita, mas eu peço quando rezo que cada um cumpra seu
resguardo”. Ele menciona a necessidade de fazer o “resguardo da pedra”, além
de certos cuidados na hora em que o rezador e o paciente forem rezar. Após
a reza, é necessário um resguardo de três dias, em que não se pode comer
pimenta e azeite, nem ter relações sexuais, montar em animal e nem pegar
peso além do peso da pedra. Ele assim caracteriza a espinhela caída:
Espinhela caída é um ossozinho que nós temos aqui, então ele desce, vai descendo e
assentando em cima do fígado que vai inflamando, vai inchando... Ele vai arriando e
fígado vai inchando, então o médico nenhum consta isso... então quem sabe rezar... que
eu tenho uma pedra então rezo primeiro na pedra [...].
Ele aprendeu as outras rezas com sua mãe de criação, que era rezadeira.
Ele sabe rezar “bicheira” (de animal), tendo aprendido com o sogro, que
trabalhava com o gado; também faz xarope, garrafada e remédio para cobra,
feito com a folha da jaca de pobre e alho. Ambrósio menciona um remédio
para picada de cobra feito com a casa de cupim de terra/solo: “Cupim, a pessoa
tira um pedaço, bota pra cozinhar, bota dois ou três dentes de alho, cozinha, coa... ele
fica tinto que nem um vinho. Bota três pingos de gasolina dentro, pode dar de gente a
animal”. Ele também faz xarope, para cansaço; faz garrafada, para epilepsia
(cuja composição não detalhou). Já sobre a reza de ar de vento, diz que não
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 81
têm força, mas também é preciso ter fé nas palavras, pois
Ambrósio compara essa “fé” à competência que nós, que faze-
mos esta pesquisa, depositamos no nosso trabalho. As palavras
da reza têm capacidade e precisam ser extraídas da situação
de encontro entre o rezador e a pessoa que necessita de ajuda.
• kalolé
Cecê
Maria das Mercês Ferreira da Silva, mais conhecida como Cecê, tem 55 anos,
duas filhas. Afirma não saber rezar, mas tem conhecimento de ervas, assim
como outros praticantes terapêuticos que também conhecem as folhas para
gripe. As folhas da alfavaca, quioiô e capim santo sempre foram utilizadas
por ela para o cuidado com as filhas (para gripe). Além dessas, menciona a
flor do mamão, para cólica; o tapete de oxalá, também chamado de “bom
pra tudo”, uma folha para vários tipos de dor. Chá de mastruz e hortelã
miúdo são indicados para dor de barriga (verminose). Folha de canela, para
febre. Ela também usa a entrecasca da aroeira, o processamento inclui o co-
zimento e a torra; o pó é usado para curar feridas. Com folha de tamarindo
também se faz chá, além da maçã da flor do algodão para fazer chá para
criança.
Cecê também faz xarope para gripe, para seus familiares, com a folha
e a raiz da alfavaca, capim santo, pitanga, raiz do capim estrela e a flor do
camará. Em sua receita cozinham-se todos os ingredientes, que são poste-
riormente coados e, em seguida, a mistura é levada à fervura com açúcar e
mel. Esses mesmos ingredientes também servem para fazer o chá e o banho,
sendo que nesses casos são acrescidas outras folhas, tais como folhas e raiz
de alfavaca, eucalipto e velaminho, este somente é encontrado em terreno
arenoso. Segundo ela, muitas pessoas na comunidade conhecem a recei-
ta. Em contraste com outros praticantes, ela não reconhece restrições aos
Eu fui criada com ele. Até quando ele morreu, há poucos anos aí, eu vivia junto. E ele
passou. Ele sempre passava, foi o que eu aprendi foi com ele mermo, essas folhas que
pegava pra gente mermo, pra os vizinhos [...]. Algumas pessoas perguntava a ele, por-
que sempre esses mais velho tem sempre mais entendimento de folha, né? E ele também
na casa dele mesmo, ele plantava vários tipos de folha, pra chá mermo. Porque tem
gente que não liga de plantar, sabe que serve, mas não liga de plantar [...].
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 83
Cecê não teve interesse de aprender rezas porque, segundo ela, havia
muitos rezadores nas comunidades: “Eu me criei junto com um bocado de rezador,
aí eu quando sentia alguma coisa já tinha aquela pessoa certa pra ir rezar, sentia al-
guma coisa tinha aquelas pessoas certas pra rezar, tinha muito rezador antigamente”.
Atualmente os dois únicos rezadores que ela conhece são Dona Preta, do
Alto do Kalolé e Biu, da Imbiara, ambos incluídos nesta publicação. Ela ques-
tiona sobre a razão desses rezadores não terem passado seus conhecimentos
para os filhos e sugere que a diminuição do interesse pelas ervas também
se deve à crescente conversão às religiões evangélicas de grande parte das
pessoas das comunidades.
Dona Preta
Aqui teve um rapaz que é sobrinho marido de minha irmã, ele veio aqui pra eu rezar...
ensinar a reza a ele num dia de segunda-feira. Mas veio de cabeça cheia, pesada...
quando eu acabei de ensinar ele, eu mandei ele tornar a pegar de novo, aí ele pegou,
eu disse: ‘tá errado, tem que botar os pés certinhos’. Aí ele... tornei ensinar ele, ele
batalhou e disse: ‘ah, eu já tô acertando, chegar lá eu vou rezar outra pessoa’. Quando
chegou lá ele esqueceu. Eu falei com ele que era pra ele vim de novo pra eu ensinar, eu
digo: ‘ói, eu não vou ficar o tempo todo viva e aqui não tem rezador mais nenhum’.
Tem um bocado de menina aí ó, essas sobrinhas minhas tudo aí que falo com elas pra
um dia pra eu ensinar, elas que sabe ler aí eles trariam um... como é que chama? Um
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 85
papelzinho, uma caneta, sei lá o que for... só elas chegar ó, elas sentava. Agora... pra
quem não sabe ler?
A variedade das rezas que sua mãe conhecia pode ser depreendida no
fragmento de narrativa abaixo:
Rezava pra santo, rezava pras pessoas assim... minha mãe sabia tudo quanto era reza
e eu aprendi rezar... só não sei só o vento caído de menino pra rezar e esse negócio de
espinhela que eu não sei. Mas falou foi a do vento que passa. Aquele valente que passa
brabo, que a pessoa se urina, se obra, cai torto, aleijado... esse eu sei.
Outras doenças para as quais Dona Preta reza são por ela mencionadas:
“Eu rezo amiúda, aquele que dá em perna, que incha a perna. Eu rezo olhado. Rezo dor
de pescoço. Rezo o... doença do vento. Rezo dos sete, que é aquele mais [...] e rezo dos 14,
aquele que aleija, que cai todo torto”. Dona Preta ainda é muito procurada, como
ela mesma enfatiza: “[...] quando eu saio daqui pra fora [de casa] que eu demoro o
povo fica doidinho que eu já chegue por causa disso”. São vários tipos de folha que
ela utiliza nas rezas:
A reza de olhado é diferente. É assim: ‘Zóio morto segurante hai de botar e levar pra
maré de vazante; zóio morto segurante, o olhado tiver de botar pra maré de vazante’.
Aí diz assim ói: ‘o que for de gordo, o que for de bonito, o que foi no contar, que foi no
deitar, foi no rezar, que foi no comer, que no cabelo, que foi de pai, que foi de tio, que
foi de tia, que foi avô, que foi de avó, que foi de parente, que foi de estranho, que foi de
• imbiara
Biu
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 87
assim e explicando como é que faz e não faz”. O anjo da guarda é um mediador
pedagógico nessa relação de cura, como diz: “Só olhando o jeito do que o anjo
de guarda explica a pessoa pra pessoa fazer e dar certo”. Essa conexão entre o não
humano e humano – no caso, Biu – é que possibilita o acesso ao conheci-
mento: “Ele chega… tipo esse velho que tá aí ó [ fazendo analogia com a ‘concretude’
de um senhor que apareceu no lugar em que transcorria a entrevista]. Aí aplica no ser
humano e o ser humano vai sonhar com aquelas plantas, a que pode pegar, a que não
pode pegar…”
A habilidade “natural” vem de sua avó, tendo passado para seu pai e pos-
teriormente para ele, que espera dar continuidade com sua filha (que já está
com 22 anos). No entanto, ele aponta diferenças entre seu caso e o de sua
filha, uma vez que aos 13 anos ele já se encontrava pronto, mas sua filha só
poderá ter acesso aos conhecimentos após os 30 anos, porque ela não dispõe
da “força” necessária” para realizar rezas muito jovem: “Mas eu era com 13
[...] não pode rezar à toa não, tem que saber pra que é, pra que motivo é, pra não fazer
errado. A hora da vela, quantas pode acender, quantas não pode acender. Os horários.
Ou se a pessoa tá com o corpo bom ou se tá com o corpo carregado também. Se não
saber fazer não funciona não. Isso aí é a mesma coisa de uma pessoa levar uma crian-
ça pra uma professora e a professora tentar… como é que faz: ‘essa linha daqui, não
passe dessa pra essa. Se fazer certinho num instante o menino aprende’.
Aqui tem todas as plantas aí… Isso aí é a mesma coisa que uma me-
dicina, cada planta dessa que tá aí eles colocam um nome de remédio,
num fica em um tipo de remédio só, porque tem doença de todo jeito.
A mesma coisa de uma medicina que não é tudo uma doença somente
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 89
não. Um já sente de um jeito, outro já sente de outro jeito. Esse é tal
remédio, esse é tal remédio… Mas é tudo tirado aí das árvore mesmo.
Elizete
Filha da parteira Maria Luiza, Elizete Sena das Neves, 57 anos, não reza,
sendo que as folhas para chás que ela utiliza são conhecidas na comunidade.
Seu xarope para gripe, para falta de ar e cansaço em geral, é famoso: não
apenas às pessoas da Imbiara conhecem, mas também de outras localidades,
como ela destaca. O xarope é feito por encomenda – ela solicita um pequeno
valor – e é composto pela entrecasca do juá (do juazeiro); diversas raízes
(fedegoso, mata passo, alfavaca); folhas (do quioiô, sabugueiro, água de le-
vante, da costa, da laranja, de café, capim santo, de Maria, de pitanga); além
de água, mel, açúcar, cravo e canela, esses últimos itens a pessoa deve trazer.
Elizete aprendeu a fazer o xarope com sua sogra, Benice, que por sua
vez aprendeu com a mãe dela. Trata-se, portanto, de uma antiga receita de
família. Ela conta que a sogra morou algum tempo com ela e, em razão des-
sa proximidade, foi vendo como sua sogra fazia e, assim, começou a fazer,
como relembra: “Teve uma vez que eu fiz pra um menino meu [filho], aí deu certo
[risos] aí o pessoal começaram a falar pra eu fazer”.
Segundo Elizete, antigamente havia mais pessoas que rezavam, mas os
filhos desses rezadores não aprenderam com seus pais. Atualmente os jo-
vens não se interessam pelas rezas e nem por seu xarope, segundo Elizete,
nem mesmo seus próprios filhos. Atualmente, mesmo as pessoas que fa-
ziam rezas, nem sempre continuam com essa prática, em razão de motivos
religiosos, como, por exemplo, a conversão às igrejas evangélicas. Em certa
altura da nossa conversa com Elizete, seu marido, conhecido por Gato, se
aproximou comentando que havia comprado uma muda de “muringa” de
uma pessoa, junto com anotações escritas sobre as suas propriedades me-
dicinais. Embora Gato diga não entender de ervas, era visível seu interesse
pela aquisição.
Sua mãe, Maria Luiza, dava caruru e também cozinhava o caruru para
algumas pessoas que ofereciam: “Aí ela que fazia o caruru desse pessoal, ela que
cozinhava, que ia fazer quando tinha um casamento ela ia cozinhar era assim, ela ia,
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 91
[...] aí ensinaram a Gato [seu marido], aí deram a folha, aí deram uma muda, eu sei
dizer que eu fui fazer o chá direto pra ele, ele melhorou. Não sei que dor era que ele
sentia, era do lado, ele ficava ruim com essa dor, aí ficou bom! [...]. Indicou a Gato e ele
trouxe, aí depois teve um pessoal de cachoeira que deu a ele a muda da merma folha,
ele trouxe a folha, aí teve um rapaz, um coroa que falou a Gato e deu uma muda, só
sei dizer que ali encheu, ali tem um bocado ainda [...].
A flor serve também pra fazer xarope, serve ferver pra coisa, tanto a flor da água do
levante quanto a flor do sabugueiro pode colocar no xarope também entendeu? Pode
colocar pra fazer chá também e água do levante, por exemplo, aí ó meu cunhado tinha
problema de coração e aí colocava a flor da água do levante dentro da água e aí ia
dando a água pra ele beber.
A raiz do fedegoso pode ser utilizada para mastigar, crua, para aliviar a
rouquidão. Para as ervas do xarope, não se pode pegá-las de noite: “‘Qualquer
hora antes do sol se escravar’. Já a entrecasca do juá, é preciso critério na hora de re-
tirar: ‘Tem o lado da pessoa tirar do lado que o sol se escrava, do lado de cima [...] eu
fico do lado que o sol se escrava, do lado que o sol nasce não pode tirar’”.
Elizete busca as folhas no mato, com exceção da folha de café, que ela
pede à sobrinha, que mora perto de Nonô, que tem um pé de café na sua
terra.
• engenho da vitória
Seu Antônio, 59 anos e Dona Ana Maria, 58 anos, são praticantes terapêu-
ticos, mas não se dizem rezadores. Dona Ana lembra que os mais velhos
sabiam fazer as rezas, mas já faleceram, como Pedro, um rezador que eles
citam como exemplo.
Sobre o conhecimento das ervas medicinais, Seu Antônio aponta uma
defasagem geracional entre os mais velhos, os que sabiam, e os mais novos:
“Eu acho que não tem mais ninguém desses novatos pra saber, desses pessoal mais
antigo não tem ninguém”. O conhecimento das ervas, como explica Dona Ana,
vem “dos antepassados, que vai passando de um pra o outro”. No entanto, como
verificado em outras comunidades, Seu Antônio também afirma trata-se de
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 93
um conhecimento disseminado: “A maioria das pessoas que mora aqui na região
do Engenho da Vitória tem conhecimento”.
Dona Ana e Seu Antônio citam o capim santo, erva cidreira, pitanga, boldo,
melissa, maria preta, velame, mastruz, o olho do araçá-mirim, água de levan-
te, aroeira, alumã, purga do campo (bom para fazer xarope). Embora não re-
zem, eles destacam a importância de ervas como a “quarana” e a vassourinha
para essa prática. Dona Ana aponta alguns cuidados que devem ser seguidos:
“O cuidado que tem é que não pode tirar a planta depois que o sol se escrava, tem que ti-
rar antes. Depois que o sol se põe não pode mais tirar, nem pra fazer chá, nem pra rezar”.
A experiência no uso das ervas implica em saber reconhecer quando o
tratamento não está funcionando e a necessidade de mudanças, como Seu
Antônio esclarece: “Eu acho que aí o chá não é compatível com o que a gente tá
sentindo. Às vezes a gente toma achando que é uma coisa e é outra”.
O chá da pitanga (de oito a nove folhas) serve para gripe, dores no corpo,
enfim, para melhora generalizada, e se toma durante três dias, preferen-
cialmente à noite. Chá de maria preta (três folhas) também é indicado para
gripe, tomando-se de manhã e à noite (quantos dias durar a gripe). O chá
de velame, também usado para gripe, toma-se acompanhado das folhas de
• kaimbongo
Dona Joselita
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 95
utilizados como xarope para gripe. Uma receita utilizada para crianças que
cansam – portadoras de asma – associa o próprio inseto, cupim branco, a
estrelinha do mar e cavalinho do mar. Para virose pode-se fazer chá e banho
com folha de Santa Rita, folha do café, folha de pitanga, folha de maria
preta. O chá de canela de velho, da folha de araçá-mirim, com maçã da
bananeira serve para diarreia ou dor de barriga. A raiz do “babatenã” tam-
bém produz uma garrafada indicada para inflamação na próstata, que leva
também a entrecasca ou raiz de jatobá, a raiz de melissa, candeia branca,
“titara” e raiz do cansanção. Usa-se vassourinha, vassourinha de mofina ou
folha de quarana para as rezas. No entanto, segundo Renato, em algumas
situações é necessário o auxílio médico:
Por exemplo, a pessoa tá sentindo uma dor de... a pessoa quando tá com uma gastrite,
quando ela ataca, quando começa a pessoa sentir uma dor que ela incomoda demais
é porque ela já tá passada, aí tem que ir pro médico pra poder o médico passar um
remédio pra aliviar aquela dor e a gente continua, quem tiver com... continua usando
o remédio caseiro, por exemplo, a canela de velho, o babatenã, a resina da amescla,
tudo isso é bom pra cicatrizar.
Se a pessoa for picada pela cobra e demorar muito pra tomar o remédio, em tudo que
ela tiver sentindo dor e às vezes incha o lugar, aí a pessoa tem que tomar até desinchar
e a pessoa parar de sentir dor, a pessoa vai tomando uma ou duas vezes no dia e fica
num lugar resguardado, que nem todo mundo pode ficar olhando, nem todo sangue
combina, que ela [a picada de cobra] é muito contagiosa.
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 97
sobre o remédio para “picada de cobra”
Isso é antigo, viu? Desde como eu entendo como gente. Esse remédio pra
combater a cobra, eu acho que ela que é minha mãe, quando ela começou
a se entender como gente, já conhecia e já sabia que existia, então ele é
preparado assim: aguardente de cana, que chama cachaça comum, a folha
da jaca de pobre, a batatinha de teiú, o cipó de cainana e o bucho da paca.
(Renato, filho de Dona Joselita)
Antônio
[...] e aí eu fui usando aquilo ali e aí eu fui aprendendo e hoje existem inúmeros tipos
de reza, mas eu aprendi pouca coisa... Eu tento ajudar da melhor maneira possível. As
vezes a pessoa está com olhado, as vezes torce o pé e que chama aqui de desmentido,
aí eu rezo de olhado, desmentido, dor de cabeça essas coisa. Rapaz, até que eu não
queria isso, porque é muita responsabilidade, e a gente tem que estar sempre disposto
a ajudar as pessoas.
Aí, quando foi um dia lá eu comecei esse negócio de reza em casa mesmo. Com
Anderson, eu vi ele lá cabisbaixo e triste, eu disse: ele está com olhado, eram os sin-
tomas que a minha mãe dizia. Está triste, só quer dormir, não levanta. Já que minha
mãe rezava, as palavras, eu sei quais são, aí eu vou fazer. Aí eu rezei ele, no outro dia
ele já foi pro trabalho, não estava comendo, já começou a comer eu disse, era olhado, e
aí foi passando de um para o outro, os parentes, netos, fui rezando, foi dando certo, o
pessoal me procurava pra rezar e aí eu estou nesse negócio até hoje.
Antônio afirma que não sofre preconceito pela sua atividade de reza-
dor. Quando relata sobre adesão dos jovens a essas práticas de cura, faz
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 99
algumas ponderações: “Tem jovem que não acredita. Às vezes a gente diz, tu está
com isso aqui, vai lá em casa que eu vou rezar. Muitos acreditam e outros não”. Ele
localiza muitas ervas na mata, mas pondera que no passado era mais fácil
encontrá-las. Recentemente percebeu uma degradação do meio ambiente
no local onde mora, desmatamento e a consequente seca de uma nascente
na comunidade.
No tocante ao conhecimento das ervas e outros elementos que são utili-
zados nos processos de tratamento e cura, nosso interlocutor menciona que
a erva doce é usada para dor de barriga e dor de cabeça; o alumã e o boldo,
para dor de barriga; a folha da costa é para frieira. Prossegue sua narrativa
dando outros detalhes sobre chás e banhos:
Fava de sapo, o que é que faz com ela: pega elas passa no copo na quentura, ela vai afi-
nando e sai um caldozinho, quando estiver quente coloca em cima do lugar. Cajueiro,
Eu costumo falar com as pessoas que o que cura às vezes não é o chá, é cuidar. Igual as
rezas, que as vezes tem gente que chega lá em casa vai desacreditado, as vezes nunca
rezou, mais depois de tanta reza e viu que valeu a pena, volta novamente, vira freguês.
Então de cara eu digo que cura é a fé, sem fé fica mais difícil.
Como eu lhe disse no caso do banho, eu lhe passo, você toma um banho desses e faz o
contrário daquilo que eu indiquei, já fica mais difícil. Se saiu, se você tomou o banho
saiu, passou debaixo do arame, passou numa encruzilhada não vai fazer efeito. Se você
levar as folhas pra casa para fazer o chá, não deixe que cozinhe demais, não vai fazer
efeito se não for pra cozinhar demais. Se eu digo: pode deixar cozinhar demais até sair
aquele gomozinho, pode deixar até cozinhar bem. Se você não deixar cozinhar bem,
não vai fazer efeito. Tudo tem um limite.
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 101
É importante também que seja observada a quantidade de cada compo-
nente a ser usada para que seja obtido o efeito desejado:
Todas as folhas de chá são poucas que se usa. O alumã, por ser uma folha amarga,
uma ou duas folhas é suficiente. O boldo por ser uma folhinha bem pequenininha,
coloca dez folhas. Folha da costa pra frieira, uma folha só. Alecrim, três folhas por ser
larga e grande. Vassourinha se reza com três folhas, pra banho tem que ser umas dez
ou 15 por aí. O doril coloca duas folhas. O entrecasco do cajueiro branco, a depender
do tamanho é pouca coisa, um pedaço de um palmo tá bom.
Todos os banhos são três vezes só. Todos os chás é o mesmo tempo de tomar, o da erva
doce usa três vezes e na hora que for deitar. Chá é sempre à noite ou na hora que pre-
cisar também. A gente, se está com a dor, não vai esperar a noite chegar pra tomar,
não é? Toma o chá na hora que estiver com dor. Agora, os banhos é sempre pela tarde
e toma três vezes e três dias no entardecer.
Por fim, Antônio lembra que para reza de olhado faz uso de vassourinha;
já a torção, ele reza usando três torrões de barro. Lembra ainda que costuma
plantar vassourinha, boldo, alecrim, alumã e doril, além de várias outras
ervas que compõem seu repertório de uso terapêutico.
Zé Pixani
Esse conhecimento é depois de meus seis anos que eu fui tendo entendimento, aí então
qualquer problema que tinha… porque naquele tempo se existia médico era totalmen-
te pra turma da cidade que aqui na roça quase sempre todo mundo era curado com
folha, por exemplo, o cara tomava um corte, aqui na roça fazia o que, pra o cara?
Quem sabia rezar era reza, agora quem não sabia botava o que: nódia de banana, que
os médicos dizem até que é perigoso, pra estancar o sangue. Conheço uma folha que
chama mandororó, que lá tem muito, é pisar e botar com sal, também é bom, tudo isso
é o que a gente fazia.
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 103
então teve uma vez que eles notaram o que o menino estava sentindo, ia lá fazia aquele
chá, com pouca hora o menino tava melhor. E hoje não, qualquer coisinha que o menino
ou adulto sente e vai correr logo pro médico”. O conhecimento do cotidiano, no
passado, contrasta com o aprendizado formal, como ele explica: “[...] tem
muitas coisas que muitos mais velhos do que eu que sabia e aprendeu que hoje a juven-
tude nenhum... Tudo hoje só quer se confiar através disso aí, das escritas”.
Além das folhas, as rezas também vêm diminuindo em decorrência do
aumento do número de evangélicos nas comunidades: “Hoje a maioria tudo,
não eu, a maioria é crente não acredita nem reza”. Para as rezas, é preciso acredi-
tar, ter fé, como no caso de uma torção – “desmentidora”, como é conhecida
–, que pode ser curada por uma mulher que tenha tido filhos gêmeos, con-
forme ele esclarece.
Várias folhas foram citadas por Seu Zé Pixani. Para gripe, recomenda
erva de Santa Maria – serve para xarope, chá, lambedor, banho –, fedegoso e
folha da costa, folha de novalgina e anador, cana de macaco – que também
serve para vermes – e batatinha. O alumã tem vários usos também: “A dor de
barriga a gente usa a folha pra fazer o chá. Pra garganta se faz o banho do entrecasco,
pra gargarejar”. Para febre e dor de cabeça, folha de pitanga. Quebra-pedra,
para os rins. Para dor de barriga, olho da araçá-mirim (cozinhar ou mastigar)
e a folha Santa Rita, também conhecida por casadinha. Boldo e carqueja
para males no abdômen. Para inflamação, a malva branca (para cozinhar,
para se banhar ou torrar e transformar em pó). Para cortes em geral, o mon-
dororó (macerado, puro ou com sal). A semente do fedegoso pode ser torra-
da, aliviando a constipação na cabeça.
Para se fazer os chás, a quantidade utilizada depende do tipo de folha em
questão. Algumas são um punhado (as folhas), ou para as maiores, costuma-
-se colocar três ramos (ou pés), sempre em número ímpar, ele esclarece. Para
se fazer xarope, pode-se ter receitas com várias folhas, mas também se faz
com uma única folha, como o xarope de folha da costa, para gripe, indicado
por nosso entrevistado.
A coleta das folhas deve ser realizada durante o dia, “antes do sol se escra-
var”, uma expressão bastante comum nas comunidades. Mas de manhã é
ainda melhor, tanto para as folhas como para as rezas: “O certo é colher cedo
como o que a mente levar, que tem rezas que muito gostam de rezar logo no sair do sol.
Porque quando o sol tá terminando que ninguém quer mais saber de rezar”.
A prática implica em experimentação, inclusive para um mesmo proble-
ma, o que pode dificultar a avaliação das folhas adequadas. Esse é o caso, por
exemplo, de problemas de diarreia, que podem ser tratados com diferentes
folhas, como ele explica:
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 105
Por exemplo, está sentindo uma dor de barriga, sempre tem com diarreia, talvez você
tome o chá da carqueja e não passe e nem para de obrar. Faz da folha de Santa Rita e
não para, faz do boldo, que também é bom, às vezes não para. Aí você fica indeciso sem
saber qual é, acaba no meio de tanto quando vai parar não sabe qual foi.
Mas não é bem curar que tudo é a fé, que tudo que a pessoa faz com fé
ele consegue, quando a coisa é muito grave, devagar, devagar, mas um
dia a gente chega lá. Igualmente é como sorte que muitos dizem que
não existe e eu ainda fico em dúvida, porque eu acredito que existe.
Que é as duas coisas que eu acredito e não sei qual é dos dois mais
poderoso o acerto ou sorte, mas eu acredito.
Rabicó
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 107
e Acidente Vascular Cerebral (AVC): “Torra ela na brasa, tenta fazer ela um pó
pra tomar um chá. E as vezes faz um chá com três bolinhas dela, se puder comer a
fruta come, porque ela é meia amargosa”. O chá da folha do abacate branco serve
para reduzir colesterol e pedra nos rins; entrecasca do cajueiro branco serve
também para baixar colesterol. Entrecasca da jurema e do babatenã servem
para cicatrização e reumatismo. Pau ferro misturado com barbatimão são
bons para a próstata. Amescla de pau e amescla de rama têm várias utilida-
des, inclusive para mulheres grávidas:
A pessoa tá com o corpo pesado, com muita dor no corpo, reumatismo, coluna a ames-
cla de rama. Já a de pau serve pra sinusite, ela tem uma resina, ela é muito branca.
A resina serve pra sinusite e muita dor de cabeça, a mulher que está gestante que não
pode tomar remédio, ele é um santo remédio pra isso. Hoje tem a tecnologia aqui
que está mais avançada, mais na mata não existia esse lance de tomar remédio, elas
tomavam defumador as mulheres. Misturava o velaminho branco da mata com essa
amescla de pau e dava um defumador.
Só que lá graças a Deus a gente não sofre muito esse problema de desmatamento e
pela união a gente cola em cima e denuncia. A gente tem que fazer a nossa parte, não
deixar que desmate a nossa mata, porque se desmatou a mata, desmatou uma vida.
A mata é vida, a água é vida. Principalmente a gente que tem que ter sobrevivência e
precisa da água e da mata. E aí a gente não pode deixar acabar a nossa mata e dali a
gente tira o nosso alimento, tira a nossa cura e tira tudo.
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 109
Ri
Eu dizia assim: ó minha tia eu estou com uma menina lá de cobreiro, ela dizia: então
eu vou rezar a menina, mas aí você vai aprendendo pra depois você está fazendo quan-
do sua filha estiver de olhado, de ventre caído e de cobreiro [...]. Aí você já vai saber de
tudo um pouco. Mas nem todas que eu sei, as vezes não rezo. Tem gente que diz assim,
dá pra você me rezar de vento caído? Ah, fulana, tem horas que as vezes eu rezo, mas
tem outras horas que estou com a pressão as vezes alta. As vezes estou sentindo alguma
coisa aí não dá pra rezar, quando estou boa aí rezo.
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 111
Você pode correr mil mundos, se não tiver fé naquilo, não fica boa. Pra
chá, xarope faz até lambedor pra gripe. É praticamente todos esses
xaropes que ele vende em farmácia, a gente as vezes está com as ervas
e não sabe que é bom. Está gripado e vai pra farmácia. Tem o chá do
quioiô que é uma maravilha, tudo é bom. ... Tem a pulga do campo,
pitanga, mãe-boa pra colocar junto, tem a raiz ou a folha do quioiô,
tem a folha do mastruz, tem o fumo brabo ...Tudo isso é folha, aí você
cozinha todas elas juntas coloca o mel, o cravo, a canela em pau, e
faz um lambedor pra gripe. E aí ele separado a pulga do campo e o
guarda sereno é ótimo pra inflamação, a mãe-boa é pra inflamação e
infecção. Tudo isso é bom.
• santiago do iguape
Dona Estelita
Aí eu cheguei, eu tava com dez anos: ‘ô Dona Maria, a senhora me ensina a rezar?’,
ela disse: ‘E você me promete se você rezar qualquer pessoa não cobrar?’, não chamava
centavo naquele tempo não, ‘não cobra nem um vintém?’, eu disse: ‘eu não cobro não’.
E ela me ensinou, as rezas que ela sabia, ela me ensinou.
Maria que mau olho te olhou? Que olhado te botou? ‘Com dois te botaram e com três
eu te tiro’, três é o ramo, não sabe? Três ramos. com três eu te tiro, com os poderes de
Deus e da Virgem Maria. Aí quando termina com as três folha, aí diz: ‘Maria, quem te
botou esse olhado? Se foi de gorda, se foi de magra, se foi de feia, se foi no trabalhasse,
se foi no comesse, se foi no dormisse, se foi no levantar. Bote esse olhado nas ondas
do mar sagrado’. Assim ela me ensinou, né? Aí quando acaba de rezar as três vezes
a gente... aí chega a reza, Pai Nosso, Ave Maria, Santa Maria e oferece o santo que a
gente deve oferecer.
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 113
Outro desconforto que ela saber rezar é o da “ventosidade”, “aquela dor
abafada por dentro”. A reza é a seguinte: “‘Ventosidade só é nuvem, nuvem a cla-
ridade retira essa dor da ventosidade com as três pessoas da Santíssima Trindade’.
Ela me ensinou. Ela rezava três vezes, depois rezava o Pai Nosso, Ave Maria”. Para
“vento caído”, quando a criança apresenta uma protuberância no peito, ela
ensina o procedimento: “Eu boto ele [a criança] assim no meu colo e rezo: ‘Cristo
nasceu, Cristo morreu, Cristo ressuscitou, vento caído se levantou.’, aí eu vou rezando,
rezando, rezando... três vezes... aí ele fica bom. Assim as mães diz, que ficou bom”.
Para impingem, pequenas irrupções na pele, “o impingem é com a folha, não
sabe? ‘Impingem rabicho, sai-te daqui que os porcos e as porcas anda atrás de ti, a
água do monte tá contra ti’. Reza três vezes, aí reza o Pai Nosso, Ave Maria, Santa
Maria e oferece aos santos [...]”. Para curar fogo selvagem e cobreiro, também
problemas de pele:
‘Comade malarde, que é que arde comade? Fogo selvagem. Com que curará comade?
Com cuspe da minha boca’, aí encosto três vezes, ‘e água fria e três Ave Marias’.
Quando acaba de rezar tem que rezar três Ave Marias e oferecer. E o cobreiro é: [...] ‘eu
fui pra Roma com a romaria, rezando cobreiros e cobrarias, com ramo verde e água
fria com poder de Deus e da Virgem Maria’. Isso tudo Dona Maria me ensinou, Deus
que dê o descanso eterno a ela.
Dona Estelita ressalta que esses problemas de pele devem ser rezados
em sequência: “O fogo selvagem é porque nasce assim uns caroços e fica todo verme-
lho. Aquele lugar fica tudo vermelho e então ali a pessoa tem que rezar de impingem,
rezar de cobreiro na mesma hora e depois rezar de fogo selvagem, que é pra aquele
vermelhaço acabar”. Além de rezar, é preciso oferecer as rezas para os Santos:
“[...] aí pode ser Nossa Senhora da Conceição, Nossa Senhora do Rosário, aí ofereço a
Nossa Senhora do Carmo, Santo Antônio... pra eles todos ajudar pra aquela pessoa
ficar boa, né?” Para problema de “pé desmentido”, a reza evita que o local
fique inchado: “‘Com os poder de Deus, de São Frutuoso. Eu te rezo, eu te curo’, mas
é com um pedacinho de pano em cima do lugar que tá doendo, que tá desmentido, e
com agulha e linha, né? ‘Com os poder de Deus, de São Frutuoso. Eu te rezo, eu te curo.
Carne quebrada, nervo torto, osso rendido’”.
Dona Estelita oferece dois carurus, um para Crispina e Crispiniana e ou-
tro para Cosme e Damião, ambos no mesmo dia, em dezembro. Como ela
Dona Sinhá
[...] meu trabalho é da igreja pra casa, que eu sou muito coisa com a igreja, traba-
lhei na Pastoral da Criança aqui, também levei muitos anos. Depois que teve o posto
de saúde e acabou com a pastoral. Mas é um trabalho muito bom, aprendi muito.
Aprendi a fazer xarope pra adulto e pra criança, aprendi a fazer a argila do barro.
[...] Pra enfermidade, pra passar se tiver uma dor no pé, uma ferida, dependendo da
ferida se cura. [...] Se a enfermidade for muito profunda não bota em cima da enfer-
midade, bota ou com um jornal ou com um pano bem fininho, bota em cima e bota
aquela lamazinha. Tem muitos que faz já com uma folha. Quer dizer, aroeira é uma
folha, e a malva branca. Eu deixo puro mesmo. Aí bota, quando seca aquela massa aí
já tira, já joga fora.
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 115
Ela aponta a antiguidade e a familiaridade das rezas: “Isso do barro [argila
terapêutica] eu aprendi na pastoral, mas as rezas foi meus antigos que me ensinou”. A
avó paterna sabia muitas rezas, mas ela conta que aprendeu com a tia de seu
pai e outras pessoas próximas, como a reza de “olhado”, que aprendeu com
a tia, “de cabeça”, como diz: “Aprendi as palavras, eu não sabia ler, naquele tempo
eu não sabia, mas eu aprendi de cabeça, mesmo que os avôs da gente não ensinava a
gente a rezar? Fazer o sinal da cruz? Pra deitar e acordar? As coisas que me ensinava
eu aprendia logo”. Aprendeu a rezar na juventude, segundo ela, porque gos-
tava: “Eu gostava, já minhas irmã não gostava. Até hoje eu gosto, até hoje se a pessoa
chegar aqui e me pedir pra rezar, o que eu sei, eu rezo, eu não nego não”. Refletindo
sobre seu aprendizado, destaca a criatividade na reza: “Eu já ensinei algumas
pessoas, mas em tudo que você bota em prática você já vai botando mais coisa que
aquilo já vem já na tua mente, mas coisa pra você botar, eu já sei mais coisa do que
quando me ensinaram rezar [...]”. Ela nos conta uma situação em que foi “pega”
de olhado:
Foi de repente. Que eu sai boa, quando eu cheguei quase que eu não chegava em casa,
me deu uma dor nas costas e aí pronto, e vamo a dormir, dá uma soneira que você
A reza de olhado pode ser feita com aroeira, São Gonçalinho, vassouri-
nha ou guiné, sempre com três ramos e com sol ainda, de noite só em caso
de emergência. Diferente de outras rezadeiras que rezam três vezes segui-
das, Sinhá reza uma vez de “olhado”, seguindo o aprendizado que teve. Ela
também reza de engasgo e erisipela (vermelha).
Toinha
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 117
mesmo de fazer fila aqui pra rezar”. Para aprender a rezar, ela afirma não ser
necessário ter uma habilidade especial ou um dom, basta aprender as pala-
vras: “Só força de vontade e gravar [as palavras]”. Ou ler as palavras. Ela lembra
alguns cuidados de quando teve seus filhos: banhava-se com “água inglesa”
(adquirida em farmácia), pedra hume ou aroeira. Também havia resguardo
de alimentos como galinha, sendo que só podia comer “carne moqueada”;
tinha que ficar em casa por 40 dias.
Além das rezas para problemas de saúde, ela também sabe “rezar ben-
ditos”, orações para os santos de devoção São Roque, São Cosme e Damião,
Santa Bárbara, Nossa Senhora das Candeias, São Crispim e outros, que
aprendeu antes de casar e sabe rezar “de livro”, por escrito. Para espinhela
caída, ela explica: “Só dor no peito. Aí eu meço com um cordão”. Após fazer a
reza, coloca um emplastro “salompas” na região, uma inovação recente na
sua forma de tratamento: “Eu agora dei pra botar porque eles pegam peso e torna
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 119
Rosinha
Dona Rosinha, de nome completo Rosa de Vieira dos Santos, teve dez fi-
lhos e, aos 72 anos, continua rezando na comunidade. Nascida e criada em
Santiago do Iguape, sua família mora nesse lugar há gerações, como ela diz:
“Foram enterrados aqui”. Dona Rosinha sabe rezar alguns problemas, mas diz
ser preciso ter fé: “Eu rezo olhado, cobreiro, rezo caroço no corpo. Se a senhora che-
gar aqui com a coroçagem no corpo eu... rezo três dias pra sarar. Se tiver fé na reza,
sara. Se não tiver nem venha. Eu digo logo: ‘se tiver fé sara, se não tiver não sara’”.
Dona Rosinha já era adulta e casada quando aprendeu as rezas que hoje
ainda guarda na memória com os mais velhos, todos já falecidos, especial-
mente com Francisca e Neném, rezadeiras a quem ela levava seus filhos,
como comenta: “Já levava muito menino pra ela rezar de olhado, coceira. Ela disse:
‘olha minha filha eu tô ficando pra idade, não vou aguentar rezar mais, eu vou lhe
ensinar’. Aí eu aprendi. Uma morava aqui perto de mim e a outra lá pra cima. [...] Ela
que me pediu pra me ensinar, se eu queria aprender. Eu disse: aprendo”.
Na sua forma de praticar a reza, Dona Rosinha diz que gosta de falar so-
mente para si, sem ninguém escutar. Acrescenta que não quer mais ensinar
Todas as folhas que eu tenho aí eu boto no xarope pra fazer. O alumã, a folha do araçá,
maria preta, alfavaca, o mel da abelha, canela, capim santo, folha de laranja da terra,
folha da costa, tudo eu boto na panela depois ponho açúcar, deixa ferver, cozinhar bem
e as folhas escorre pronto. Agora as folhas que não mata ninguém.
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 121
Esses carocinhos miudinhos que sai em criança, as pessoas ficam di-
zendo que é isso, aquilo, mas é cobreiro. Veste roupa sem passar, põe
roupa de criança no chão e qualquer pessoa passa e senta no lugar,
passa barata e lagartixa, teia de aranha pronto. Aquilo se não rezar,
não tem pomada que sare, quanto mais o senhor passar a pomada,
mas ele cresce e toma o corpo todo.
• brejo da guaíba
Dona Dete
Dona Dete, apelido de Valdelíce dos Santos, tem 78 anos. Nascida no muni-
cípio de Serrinha, ela integra a comunidade de Brejo da Guaíba há mais de
40 anos. É rezadeira e já foi parteira. Mas, para “remédio de folha”, como
ela se refere às folhas e às rezas, diz que ainda consegue fazer, embora com
limitações. Como ela descreve:
Que tiver uma dor de barriga e não tiver o carro pra ir pra Cachoeira eu faço chá, rezo
a barriga. Se é uma dor de cabeça eu rezo, pois bem... se é um engasgo, de gente ou de
animal, tudo isso eu fazia. Agora eu não faço mais porque não tenho mais possibilida-
de de fazer, porque desse olho eu enxergo, mas enxergo pouquinho desse. Eu tô vendo
vosmecês tudo turvo. Então eu não faço mais não. E menino eu já peguei muito e já tão
tudo pai de família e mãe de família.
Ela diz que não gosta de remédio de médico – embora faça uso em algu-
mas situações, como para diabetes –, pois ela mesma faz seus remédios, os
chás de folhas e outras possibilidades, como, por exemplo: chá de berinjela,
que ela toma para diminuir o colesterol; para dor nas pernas, uso de banho
de folhas de fruta-pão com cacau; e chá da raiz da caiçara, para diabetes.
Dona Dete começou a se interessar pelo conhecimento das folhas e do parto
[...] aí ela ia fazer o toque pra ver se tava longe ou perto, ela fazia e depois ela me dava
a luva e mandava eu fazer, aí eu fazia, quando eu fazia ela perguntava: ‘como é que
está aí?’, eu dizia a ela: ‘tá longe ainda, não alcancei’, ela disse: ‘tá bom’. Aí passava,
quando a dor apertava mesmo aí ela ia fazer o toque e depois mandava eu ir, eu dizia:
‘alcancei, tá aqui assim’, ela: ‘não vai demorar mais’. Aí pronto, aprendi.
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 123
aprendizado das rezas, por sua vez, foi feito com sua mãe, Maria Domingas
de Jesus, também conhecida por “Dete”, que “rezava de tudo”:
Eu via ela fazer, se ela fosse rezar o menino de vento caído eu tava junto com ela, ela
rezando e eu aprendendo. Todas rezas que ela rezava... as pessoas vinha na porta pra
ela rezar. Todos ela rezava pra eu ver, olhado, dor de cabeça, dor de barriga, de dente,
dor de barriga de animal, engasgo de animal, engasgo de uma pessoa... eu via. Tudo
isso eu sei.
Já residindo na Guaíba, o primeiro parto que ela fez foi da irmã de seu
marido e, ao longo dos anos, fez muitos partos na região, mas aos poucos
foi parando de fazer, especialmente depois de um parto complicado de sua
comadre. Ela destaca alguns cuidados com o parto, como banho de algodão
ou de mentrasto, para intensificar as contrações. Além do banho, também é
eficaz o chá da “palha” da cebola roxa.
Algumas rezas e chás indicados por Dona Dete: para “vento caído”, chá
da maçã do algodão; para gripe, chá das folhas do sabugueiro, cécé, carro-
-santo, capim-santo, hortelã. Para “olhado”, além da reza com três galhos da
vassourinha, também são bons o chá (três pés) e o banho da raiz da vassou-
rinha. Ela pronuncia a reza, que depois deve ser acompanhada do Pai Nosso
e da Ave Maria:
[...] a gente chama o nome do fulano, vamos botar José. ‘José, mau olho te olhou, com
Deus eu tiro. Com os poder de Deus e da Virgem Maria. José se botaram em teu olhos,
na tua cor, em teu cabelo, em tua sobrancelha, em teu vestir, no teu calçar, no teu
comer, eu tiro, quebrante, olhado, moleza no corpo de José, com os poder de Deus e
da Virgem Maria. Se foi teu pai, se foi tua mãe, se foi teus tios, se foi tuas tias, sai, vai
inveja e usura de cima do corpo de José, com os poder de Deus e da Virgem Maria.
Vai pro lado da maré vazante ou não canta galo e nem galinha ou não vem o filho do
homem chorar’.
E rezo também com o pano, pego a garrafa. Uma garrafinha assim de vidro, boto
água, quando acabar eu pego uma toalha, dobro bem dobrada e boto na cabeça e viro
a garrafa, ali as bocas sobem, se for de sol, sobe aquelas bolhas graúdas e se for de
sereno, sobe tudo miudinha [...]. Se a dor de cabeça tá forte eu rezo com a garrafa. O
fundo pra cima e a boca pra baixo. Aqui em cima da moleira. Aí também aquela água
vai... Quando eu tiro a pessoa já tá melhor da dor de cabeça.
Dona Dete não reza espinhela caída, embora sua mãe rezas-
se: “[ela] disse que não me ensinava não, porque é muito forte. Tinha
que ter alho pra passar em cruz... minha mãe mesmo parou de rezar,
que ela rezou uma criatura e caiu. É muito forte”.
Dona Lourdes
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 125
é uma senhora de 88 anos. Como parteira, há anos que não “pega menino”,
como ela explica: “Eu rezo... já peguei muitos meninos, mas só que não continuei.
Mas já peguei muitos meninos mesmo”.
Dona Lourdes aprendeu a partejar com uma parteira chamada
Evangelina, que fez o parto dos seus filhos (seis filhos). Começou a apren-
der depois dos filhos nascidos, inicialmente amparando a parturiente até
a chegada da parteira – que muitas vezes não conseguia chegar a tempo –,
em seguida, passou a cortar o umbigo, tratando até cair, cuidando da mãe
e filho: “[...] cuidava do umbigo, dava banho, fazia tudo pra elas, fazia até comida...
ensinava folha pra tomar banho. Ensinava essa. Botava no fogo pra elas tomar banho,
se banhar. A malva branca”. Atualmente as parteiras existentes já estão idosas,
conforme atesta. A vitalidade do ofício de partejar está associada ao modo
de vida do passado: “Nesse tempo que a gente fazia não tinha carro pra levar pra
Cachoeira. Tinha assim... mas demorava pra... não esperava, né? Tinha dentro de casa
mesmo”. Ela explica os procedimentos para o parto:
A dor do parto a gente cozinha é algodão. Cozinha o algodão [ folhas] pra esquentar a
dor. Cozinha o algodão e aí dá o banho. Dá o banho pra dor esquentar. A gente dá um
golinho pra beber e aí a dor esquenta. A dor esquenta e o menino nasce. [...] Uma folha
que chama mentrasto também é boa pra dar banho. O mentrasto tem muito, agora só
tem mais no inverno. No verão é difícil, mas no inverno tem muito. É bom.
Pra cicatrizar... ele cai ali mesmo. O algodão no banhozinho... a gente não deixa mo-
lhar pra não ficar aquela murrinha. Que ele morrinha muito quando tá secando, aí a
gente dá o banho, não molha. Dá o banho todo no menino com jeito pra não molhar o
umbigo, a gente tira aquele paninho que a gente bota, depois a gente vai, tira. Quando
acabar passa o óleo da amêndoa e torna botar aquele paninho e dobrou aquele umbigo
e deixou ali, com três dias ele cai. Se o menino tiver a cabeça boa, com três dias ele cai.
Se a cabeça dura, com quatro ou cinco dias cai.
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 127
folha do agrião; “bagunço” da banana e mel de abelha; gengibre; pena de
galinha preta torrada “fazer aquele pó pra jogar dentro do xarope”. Ela faz chá de
quioiô, boldo, tapete de oxalá, para indigestão.
Maria
Minha mãe sabia rezar dor de cabeça, rezar de olhado, quando tem um ferido, que
aquele ferido inflama e fica vermelho, que chama de azipela [erisipela]. O pessoal cha-
ma que deu o mal da praia. Eu sei rezar isso também. Sei rezar de desmentido, quando
toma uma pancada que desmentiu assim numa junta. E também sei rezar, assim...
Devoção que o pessoal tem com São Cosme. Como hoje, que é o dia de São Cosme, o
pessoal reza, dá o caruru. [...] É, eu sei rezar São Cosme, São Roque eu também sei. Sei
rezar também o ofício.
Maria não escrevia as rezas, apenas prestava atenção ao que sua mãe fa-
zia. Mas o interesse, ela conta, veio se construindo ao longo do processo em
que se entrelaçam a reza e a cura: “Eu achava bonito ela rezando. Por exemplo,
vinha uma pessoa com um ferido, hoje ela rezava e amanhã já vinha sequinho. Aí eu
[o nome da pessoa], se te botaram olhado, se foi no teu comer, se foi no teu beber, se
foi no teu vestir, se foi no teu calçar, se foi na tua cor, se foi nos teus olhos, se foi na
tua beleza, se foi na convivência com a tua família, [o nome da pessoa]. Eu tiro com os
poderes de Deus e da Virgem Maria”.
Em seguida a esta primeira reza, deve-se finalizar com uma outra cujas
palavras são:
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 129
A lua antes de ser nova, [o nome da pessoa], primeiro foi ao poente perguntar Jesus
Cristo com que cura os inocentes. Te curara e com nome de Deus Pai, Filho e Divino
Espírito Santo. Sai mal, sai desse inocente, vai para o poente, onde não canta galo e
nem galinha, onde não berra boi e não ouve o filho do homem chorando.
Com referência às restrições temporais, ela afirma que não se deve re-
zar à noite e nem aos domingos. Em sua concepção, as rezas devem ser
feitas exclusivamente com as folhas da vassourinha ou do malmequer. “Pé
desmentido” se reza com três pedrinhas (torrãozinho) de barro (de casa de
taipa). Com as pedrinhas, ela vai fazendo a cruz no local desejado e rezando:
“‘Carne quebrada, nervo rendido, osso desconjuntado, veia torcida, chega pro lugar’,
diz três vezes assim e no final diz: ‘com os poderes de Deus e da Virgem Maria’”.
Depois da reza, puxa-se três vezes o local atingido. Para erisipela, que Maria
chama de “mal da praia”, pronuncia-se a reza e vai molhando o local com
azeite de oliva com a ajuda de uma pena de galinha. Para dor de cabeça, a
reza não necessita de folhas, pois se faz o procedimento com os dedos cru-
zando na testa e ao finalizar a reza, dá-se um leve sopro em cada ouvido. A
reza é a seguinte:
‘Jesus é o sol, Jesus é sereno, Jesus é caridade, Jesus é as três pessoas da Santíssima
Trindade. Tirai essa dor de cabeça, com dor de chuchada e ventosidade. Tirai da carne
e tirai dos ossos, tirai da veia, tirai da cabeça de...’, da pessoa que a gente tá rezando,
com os poderes de Deus e da Virgem Maria.
Maria não sabe rezar “ar do vento”, pois sua mãe a retirava do local quan-
do havia esse problema. A razão, ela explica: “Ar do vento eu já ouvi o pessoal
falar, mas eu não aprendi essa não, minha mãe dizia que não me ensinava essa porque
essa reza é muito forte”. Também não aprendeu a reza de “vento caído”, mas
por outro motivo, que explica: “[...] quando eu pedi a ela pra ela rezar pra eu
poder ouvir, ela me disse assim: ‘não aprenda não, que fica um monte de gente vindo
pra sua casa com menino pequeno pra rezar. Não aprenda essa não. E seus filhos já
tá grande’”.
Maria faz xaropes com uso de várias folhas: xarope da flor do sabugueiro,
para gripe; de hortelã grosso. Em seu repertório de conhecimentos, chá de
trançagem e de purga do campo são bons para combater inflamação; folha
da amescla é boa para espinhela caída. Em sua opinião, as folhas ou ervas
• tabuleiro da vitória
Vandinha
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 131
ser um ambiente hostil: “Porque a minha vontade que eu tive foi de aprender a
reza, que eu não sabia nada de estudo. [...] Eu não sabia nada de estudo e queria algu-
ma coisa que me distraísse coisa, que me ajudasse de meu lado. Fui muito judiada na
escola com as professoras”.
Ela indica os problemas que sabe cuidar: “ar do vento”, dor de dente,
dor de cabeça, “desmentidora do pé”, “olhado”, “espinhela caída” e “vento
caído”, esse último é um problema de criança, como ela explica: “É como se
fosse olhado, porque ali ele fica obrando desandado, obrando fedendo, a barriga oca,
aí já chama vento caído”. Além de rezar, ela faz chás e xaropes.
Vandinha diz que a chamam também para rezar no hospital, problemas
como “ar do vento”, que os médicos definem como derrame, “que fica assim
torto, com a mão torta, com a boca torta...” Nesse caso, além da reza, é preci-
so fazer dar o banho e fazer a defumação com as folhas: velame, folha de
café, maria preta, folha de palha de alho, alecrim do sertão e fedegoso. Esse
Tem as folhas já preparadas, próprias pra isso. Pra fazer o banho e dar o defumador a
pessoa. Aí a pessoa toma o banho primeiro... o dono do doente, eu que sou a rezadeira
aí vou levo aquelas folhas tudo, chega lá e dou... por exemplo, a senhora que a dona,
aí a senhora prepara aquele banho, dá a ele. Eu fico ali esperando, pra depois que ele
tomar aquele banho, eu vou defumar ele todo pra depois eu rezar. [...] Chama pra eu
rezar lá no hospital e quando vem pra casa eu faço o defumador e o banho.
Espinhela caída é um ossinho que tem aqui [mostra apontando para o próprio
tórax, acima do plexo solar]. E aí se a senhora pegar um peso de mais, que a se-
nhora não aguentar, tomar uma topada de mais, que a senhora volta pra trás, que é
a mesma coisa de menino mole que dá jeito nas costas então esse ossinho daqui desce
em cima dos fígo. Esse ossinho daqui trabalha em cima dos fígo e a senhora começa a
sentir uma dor aqui e uma dor nas costas. Que chega a arder. Isso aqui assim parece
coluna. E aí senhora amanhece com as pernas... quando ela já tá bem passada, que o
fígo tá bem inflamado a senhora começa até inchar.
A espinhela caída pode ser resolvida com a reza de três dias. Para o pro-
cedimento, a pessoa doente deve portar uma pedra na mão, fazendo mo-
vimentos para baixo e para cima enquanto Vandinha recita a reza. Após a
reza é necessário um tempo de resguardo, que pode ser de três ou nove dias,
nesse último caso, com uma toalha amarrada ao corpo. Além da reza, tam-
bém é recomendado que a pessoa tome chá da folha do louro com a folha da
amescla, conforme explica:
Uma pedrinha assim. Qualquer uma pedra. Que seja assim de um quilo, dois quilos. Eu
rezo, digo aquelas palavras e aí eu digo assim: ‘quando Deus entrou no mundo arcou,
a espinhela levantou, peito aberto fecheis, espinhela levantei, com a hóstia do divino
Espírito Santo te rezei’... aí já é quase no fim, não é a espinhela... não é a reza toda,
entendeu? Aí pego aquela pedra e dou a senhora pra estender. Aí a senhora leva três
dias de resguardo sem fazer nada e nove dias de resguardo é com a toalha aqui ó!
Amarrada a toalha aqui. [...]e se quiser nove dias de toalha aí eu pego a toalha aqui,
que dê aqui na senhora, e aperto aqui e a senhora amanhece e adormece com aquela
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 133
toalha, só tira pra tomar banho e amarra de novo, nove dias de resguardo. Mas hoje
em dia como ninguém quer mais esse negócio de ficar amarrado tanto tempo aí eu
rezo pra três dias.
Que a reza tudo é forte. Só [uma]que quis, eu ensinei. Mas as outras menina diz que
não quer não, que é uma reza muito forte, muito pesada, que tá em casa daqui a pou-
co chega pra chamar pra ir rezar uma pessoa... sabe que as meninas hoje tá tudo de
boemia, né? [...] [A jovem da comunidade] veio com o caderno, eu fui falando e ela foi
escrevendo tudo e ela sabe. Não sabe tudo que nem eu, mas ela sabe, que tem coisa que
ela não veio perguntar ainda.
Seu Erasmo
[...] tem que rançar, sacode o pé pra tirar a terra ou areia, só não pode lavar, agora,
tem a raiz do mata-pasto, tira três raízes de cada, agora se não achar as três [...], tem
o anel da cabaça. [...] tira os anéis para misturar tudo ali e alho. [...] Agora, essa folha,
essa raiz se rançava, fazia pingar, machucava bem machucado com uma pedra, bota-
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 135
va dentro de um litro de cachaça com alho. [...] depois de pisada agita bem, aí deixa
aquele remédio ali assentar um pouco. Depois que assentar pega um copo de 200 ml,
se for um adulto bota dois dedos, se for um jovem pode botar um dedo.
A alimentação é a carne de sertão tirada bem o sal, com aquele angu, não pode comer
feijão, não pode tomar café nem beber leite, ele só pode usar o chá mate. Então o res-
guardo é quarenta dias, agora quando tiver oito dias, ele já pode comer o feijão. Faz
um machucado com o machucador passa na peneira para tirar a palha do feijão, mas
hoje com liquidificador, desaparece tudo. Outra coisa: ele só pode ter relações quando
não estiver sentindo mais dor no pé e o pé estiver desinchado, se por acaso a inchação
estiver subindo, ele tem que ter um cordão com um botão branco e virgem que amarra
acima da inchação. Se não tiver o botão virgem, tira de uma camisa de homem, do pa-
letó, de uma camisa, uma calça. Amarra porque a inchação pode subi demais, quando
chegar no cordão, ela para. Dentro de três ou quatro dias, ela vai, a inchação.
[...] é mesmo que remédio de médico, às vezes tá usando e ainda não se deu bem com
aquela quantia de remédio e torna ao médico pra passar novamente aquele remédio
e quando se dá bem é só aquele que ele passou. Para ele ‘todos os remédios que nós
usamos na farmácia o produto é medicinal daqui dos matos que nós temos aqui, vai
pra cidade e lá eles fazem aqueles coisa pra poder então mandar pra cá’.
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 137
Seu Nuca
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 139
MODOS DE FAZER, MODOS DE SABER,
MODOS DE SER
141
uso. (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2013) No entanto, essas intenções
não têm se transformado em ações de larga escala no território brasilei-
ro. Como mais uma entre as práticas terapêuticas encontradas no país, as
terapêuticas quilombolas arroladas por meio do presente estudo não cons-
tituem um exemplo isolado de exceção a esse desprestígio. Em busca de
contribuir para a reversão desse quadro, este capítulo busca justamente
visibilizar a riqueza das ervas e outros elementos no cuidado terapêutico
presente nessas comunidades.
Partimos de uma visão crítica aos estudos que tratam estas questões a
partir de referenciais que reproduzem as argumentações conceituais de sa-
beres etnocientíficos, tais como etnomedicinas, etnobotânicas, etnofarma-
cologias etc. Propomos considerar as classificações quilombolas como uma
forma de saber peculiar de suas culturas, que se comunicam, transitam, se
renovam e se reinterpretam, a partir de referenciais mais amplos com os
quais se relacionam intensamente no cotidiano. No caso particular dos gru-
pos quilombolas com os quais estudamos, os saberes em saúde não apenas
respondem às suas várias “necessidades terapêuticas” – muitas das quais
não teriam atendimento adequado por meio do sistema oficial de saúde –
mas visibilizam outras formas de eficácia terapêutica, das pessoas, dos ani-
nais e vegetais, do ambiente, por meio das quais reafirmam sua identidade
de quilombolas.
1 Referindo-se aos tratamentos de saúde no Candomblé, Serra afirma que “além de valer-se
da eficácia química de princípios ativos detectáveis em muitos itens do seu repertório, os
babalossain com certeza alcançam êxito em muitas de suas terapias em virtude da ‘eficácia
simbólica’ de seus ritos”. (SERRA, 2008, p. 111)
2 Embora essa estratégia possa gerar alguma imprecisão na identificação botânica, é preciso
destacar que as classificações nativas não são “espelhadas” nas classificações da etnobo-
tânica, como adverte Frasão-Moreira (2001, p. 132): “[...] a pertença dos seres naturais a
determinadas categorias ordenadoras do mundo nem sempre é óbvia e estática, ao contrário
do que podem aparentar certas descrições do campo das etnociências. Pode ser motivo de
desacordos, incertezas e, como espero mostrar, de configurações contextuais”.
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 143
A diversidade nominal, de usos, práticas e efeitos terapêuticos de uma
mesma planta, observadas não apenas no território estudado, mas também
em outras regiões geográficas, revela não apenas o seu repertório terapêu-
tico, mas a pluralidade de experiências possíveis, mas que nem sempre são
representadas na bibliografia biomédica ou farmacopeias. Isto implica em:
a) reconhecer a multiplicidade de relações que os praticantes terapêuticos
estabelecem com as espécies vegetais; b) identificar certa limitação dos es-
tudos que priorizam os aspectos fitoquímicos e de farmacognosia, uma vez
que recaem sobre estas plantas as condições ambientais e socioculturais
que sustentam seus agenciamentos e eficácia.3 A intensa diversidade bo-
tânica do espectro terapêutico – acrescida de outros elementos, conforme
indicados nos Quadros 3 e 4 – sustenta as práticas de cuidado, visibilizando
as necessidades e contingências cotidianas frente às dificuldades de acesso e
oferta de serviços de saúde, mas também as especificidades curativas, anco-
radas nas tradições étnicas e religiosas dessas comunidades.
Um primeiro ponto de interesse a ser destacado se refere à atenção com
a puericultura e nos demais anos de desenvolvimento infantil, em que são
bastante comuns situações como febres, diarreias, verminoses, anemia, gri-
pes e problemas das vias respiratórias que encontram alívio em chás, xaro-
pes e lambedores produzidos pelas próprias mães ou vizinhos e familiares.4
Para crianças menores – até cerca de sete anos –, rezas são necessárias para
o cuidado com “vento caído”, cujos sintomas são moleza, perda de apetite
e fezes esverdeadas. Sendo estas situações clínicas de menor gravidade e
por seu elevado grau de repetição, associados às dificuldades de acesso aos
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 145
em várias comunidades. Na comunidade do Kaimbongo foram identifica-
dos vários praticantes que tratam deste agravo à pessoa e à saúde, além do
Tombo/Palmeira e do Mutecho. Existem cuidados para “engasgo de animal”,
além de rezas de bicheira, como indicados por interlocutores do Kaonge do
Tombo/Palmeira e de São Francisco do Paraguaçu, que são outros exemplos
de cuidados e atenção destinados ao trato com os animais. Essas rezas de
bichos e remédios para picada de cobra – destinados para homens e animais
– implicam não apenas práticas curativas, mas uma capacidade de se afetar
e ser afetado por eles na convivência nesse ambiente. (SOUZA, 2017)
Até aqui, vimos os cuidados com parturientes e crianças, com as condi-
ções de moradia e trabalho, com os animais, e que podem ser compreendi-
dos no contexto das condições ecológicas dessas comunidades. Mas as dife-
renças não se esgotam no plano dessas “especialidades” terapêuticas que,
conforme destacamos no Capítulo 2, não podem ser reduzidas aos “efeitos”
sociológicos das condições de existência. Ao relacionar as ervas e suas indi-
cações e uso, interessou-nos reconhecer as variedades das experiências nas
quais as ervas estão implicadas: diferentes ervas para situações similares,
diferentes situações para a mesma erva. Não se tratou, portanto, de estabele-
cer tipologias, mas de apontar os pontos de interesse por meio dos quais as
ervas e outros elementos são ativados em movimentos de redundância para
a resolução de aflições diversas e que são especificadas no Quadro 5, ao final
deste capítulo. São diferenças que abrem para outros entendimentos das
agências curativas que possibilitam a eficácia dos procedimentos e podem
ser compreendidas nos seguintes termos: a) a eficácia das ervas nem sempre
coincide com as “espécies” botânicas e; b) a eficácia vai para além das ervas
e outros elementos, atravessando as afecções dos sujeitos envolvidos.
Assim, a valorização desses conhecimentos não se faz apenas nos termos
do reconhecimento das qualidades fitoterápicas, garantidas pelos princí-
pios ativos das plantas, como visibilizadas nas abordagens das etnociências.
Seguindo as observações de Oliveira (2012, p. 19), a compreensão dos conhe-
cimentos tradicionais não pode ser feita tendo como “fundo silencioso” as
classificações etnobotânicas, que surgem como um parâmetro para a classi-
ficação dos praticantes terapêuticos quilombolas. Trata-se, portanto, de co-
nhecer e experimentar outras formas de saber e de fazer que não espelham
equivalências perfeitas com as classificações científicas. Sempre haverá
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 147
plantas e as doenças que são evocadas na cura, numa espécie de sugestio-
namento. Os pássaros, animais e plantas nos cantos eram gente; os cantos
chamam esse poder, ao invés de expressar ou refletir. Da mesma forma que
os Ayoreo, os praticantes terapêuticos com os quais interagimos no presen-
te estudo evocam o poder das palavras (nas rezas), assim como das ervas e
outros elementos em combinações variadas, mas que não coincidem com o
dualismo do senso comum “esclarecido” que separa a eficácia simbólica, a
fé nas rezas, da empírica, o princípio ativo dos elementos utilizados.
Enfim, valendo-nos das sugestões de Tsing, (2015, p. 185) podemos arris-
car dizer que os praticantes terapêuticos estão implicados num “modo inte-
respecífico de ser das espécies”. Aqueles suspeitam de demarcações rígidas
entre espécies “selvagens” e “domesticadas”, ambas as situações podem ser
consideradas como de “vulnerabilidade ambiental” de vegetais, e prestam
atenção à interdependência e coprodução de humanos, vegetais, animais e
“ambiente”, fomentando, assim, uma “paisagem multiespécie” nos territó-
rios quilombolas.
5 Os nomes botânicos que constam nesta coluna foram baseados nas fontes da bibliografia
etnobotânica: Borges; Noblick; Lemos (1986); Barros (1993); Albuquerque e demais autores
(2007); Lorenzi; Matos (2008); Almeida (2011); Lisboa e demais autores (2017); Catálogo...,
(2010); Couto (2006); Grandi e demais autores (1989); Marinho; Silva; Andrade (2011). Em
algumas situações, no entanto, “optamos” dentre várias identificações botânicas. Nesses
casos, a escolha se deu segundo os seguintes critérios: a) foram priorizados os nomes botâ-
nicos com uma referência regional (no Nordeste brasileiro e/ou no litoral) e; b) com referên-
cia aos efeitos terapêuticos que tenham aproximação com os referentes nativos. Nos casos
em que as designações botânicas recobrem os dois critérios indicados, optamos por manter
mais de um nome botânico.
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 149
Denominação Parte Formas de uso / Denominação
Nativa utilizada procedimentos científica5
Chá, xarope, Polygala paniculata L.;
Arrozinho Folha
lambedor Zornia diaphylla Pers.
Banho e
Arruda Folha Ruta graveolens L.
meladinha
Vernonia polyanthes Less;
Assa-peixe Folha Chá
Eupatorium altissimum L.
Tratamento Solanum hypocarpiums
Baba de boi Folha
cabelos A. St-Hil
Babatenã Entrecasca Infusão em água Stryhnodendron
(Barbatimão) álcool ou álcool adstringens (Mart.) Coville
Polpa
Babosa Emplastro Aloe vera Burm. F
interna
Fruta,
Banana verde, bagunço,
Banana da preta maçã Chá e xarope Musa sp.
(seca) (umbigo da
bananeira)
Infusão em
Cayaponia tayuya (Mart.)
Batata de teiú Tubérculo cachaça ou vinho
Cogn.,
e emplastro
Aplicação sobre
Benzetacil Folha Alternanthera brasiliana
ferimento
Berinjela Fruto Chá Solanwn melogena L.
Folha e
Biriba Emplastro Rollinia deliciosa
entrecasca
Plectrhanthus sp.;
Boldo Folha Chá e rezar Peumus boldus;Vernonia
condensate Baker
Brilhantina Folha Chá Pilea microphylla Liebm.
Cacau Folha Chá e banho Theobroma cacao
Café Folha Xarope e banho Coffeasp
Solanum stipulaceum
Caiçara Raiz e folha Chá e rezar
Roem. & Schult.
Chá e misturado
Cajá Folha e olho Spondias mombin L.
com leite
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 151
Denominação Parte Formas de uso / Denominação
Nativa utilizada procedimentos científica5
Castanha do Pará
Folha e
(Amendoeira da Comer e chá Terminalia catappa
castanha
praia)
Leonotis nepetifolia L. R.
Catinga de criolo Folha Chá e xarope Br.; Leucas martinicensis
( Jacq.) R. Br.
Caesalpinia pyramidalis
Catinga de porco Folha Chá
Tul.
Fruto e Lambedor,
Cebola branca palha garrafada e Allium cepa
(casca) xarope
Fruto e
Chá, banho,
Cebola roxa palha Allium cepa
lambedor
(casca)
Cecé Folhas Banho Cleome aculeata L.
Chuchu Folhas Chá Sechium edule ( Jacq.) Sw.
Cipó caboclo Caule Colírio (solução) Davilla rugosa Poir.
Infusão em
Cipó de Cainana Caule Chiococca alba L. Hitchc
cachaça
Coentro / Coentro
Folha Lambedor Coriandrum sativum L.
da índia
Chá e solução
Coentro de boi Folha antifúngica ou Eryngium foetidum L.
antimicótica
Comigo-ninguém- Banho de
Folha Dieffenbachia sp.
pode / Tira teima descarrego
Leonotis nepetifolia L. R.
Cordão de São Banho, chá e
Folha Br., Leucas martinicensis
Francisco amuleto
( Jacq.) R. Br.
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 153
Denominação Parte Formas de uso / Denominação
Nativa utilizada procedimentos científica5
Gameleira Folha Banho Ficus adhatodifolia
Xarope e
Gengibre Raiz Zingiber officinale Roscoe
lambedor
Girassol Semente Defumador Helianthus annuus
Gramucena Folha Chá Não identificado
Bromelia antiacantha
Gravatá Folha Banho
Bertol.
Gravatá de cana Folha e Banho Eryngium horridum
Graviola Folha Chá e banho Annona muricata L.
Chá e banho de
Guarda sereno Folha Não identificado
assento
Chá, garrafada,
Folha e banho de
Guiné Petiveria alliacea L.
galho descarrego e
rezar
Chá, xarope e
Hortelã grosso Folha Plectranthus amboinicus
temperar comida
Chá, xarope e
Hortelã miúdo Folha Mentha pulegium L.
suco
Jaca de pobre Folha e fruta Garrafada e chá Annona muricata L.
Syzygium cumini L.
Jamelão Folha Chá
Skeels.
Entrecasca Infusão em vinho
Jatobá Hymenaea courbaril L.
e raiz branco
Jilózinho do mato Fruta Chá Solanum aethiopicum L.
Chá e infusão em Physalis angulata L.,
Juá (Juazeiro) Entrecasca
água Ziziphus joazeiro Mart.
Mimosa hostilis; Mimosa
Jurema Entrecasca Infusão em água
verrucosa
Raiz, folha e Xarope e
Jurubeba Solanum paniculatum L.
fruta lambedor
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 155
Denominação Parte Formas de uso / Denominação
Nativa utilizada procedimentos científica5
Chá, infusão,
Maria preta Folha e raiz Solanum americanum;
xarope e rezar
Maricutinha / Planta
Chá e lambedor Monnieria trifólia L.
Maricotinha inteira
Dysphania
Chá, bebida com
Mastruz Folha ambrosioides L. Mosyakin
leite e emplastro
& Clemants
Senna obtusifolia L. H.S.
Mata-pasto Raiz Lambedor Irwin& Barneby; Cassia
sericea Sw.
Rama e Chá, banho e Datura stramonium var
Maxixe
fruto comer cru tatula (L)
Melissa Folha e raiz Chá Melissa officinalis L.
Mentrasto Folha Banho e chá Ageratum conyzoides L.
Mescla / Mescla
Folha e Chá, defumador e Protium heptaphyllum
de pau / Mescla
Resina infusão (Aubl.) Marchand
de rama
Chá, infusão
Milho / Milho Grãos e
e proteção do Zea mays L.
branco sabugo
corpo
Banho de Zea ys L. everta(Sturtev.)
Milho de pipoca Grãos
descarrego L.H. Bailey.
Mirra Folhas Banho Tetradenia riparia
Uso não
Muringa Folhas Moringa oleifera
especificado
Murungu Banho de Erytrina mulunguMart.
Folha
(Mulungu) descarrego Ex. Benth
Tratamento
Folha e
Mutamba cabelo e coro Guazuma ulmifolia Lam.
entrecasca
cabeludo
Torrada e
Neve cheirosa Folhas Hyptis pectinata Poit.
triturada para pó
Noni Fruta Infusão em água Morinda citrifolia
Novalgina Folha Chá Achillea millefolium L.
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 157
Denominação Parte Formas de uso / Denominação
Nativa utilizada procedimentos científica5
Banho de
Quioiô caboclo Folha Ocimum gratissimum L.
descarrego
Quioiô preto Folha Chá Ocimum gratissimum L.
Pluchea quitoc DC.
Quitoco Folha Chá e rezar Pluchea sagittalis (Lam.)
Cabrera
Folhas e Chá e comer a
Romã Punica granatum L.
fruta fruta
Sideroxylon
obtusifolium (Humb.
Rompe gibão Folha Banho Ex Roem & Schult.)
T.D. Penn.;Sideroxylon
obtusifolium
Rosa branca Pétalas Incenso Rosa x grandiflora Hort.
Banho de
Rosa vermelha Pétalas Rosa x grandiflora Hort.
descarrego
Sambucus australis
Chá, xarope e
Sabugueiro Folha Cham. &Schltdl.,
banho
Sambucus nigra L.
Vence-tudo
(quebra-demanda, Justicia gendarussa Burm.
Folha e raiz Chá e banho
abre-caminho, F.
erva-de-Ogum)
Óleo do
Xoxô (Dendê) Limpeza da pele Elaeis guineensis
dendê
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 159
Quadro 3. Elementos citados, partes, usos e nome zoologia
Denominação
Elementos Partes Usos
científica
Coptotermes
Cupim branco Inseto Xarope
formosanus
Estrelinha do mar Animal Xarope Strepelia flavopurpurea
Gema do ovo
de galinha e asa
Ovo e asa Lambedor e xarope Gallus gallus
de galinha preta
(torrada)
Paca Bucho Garrafada Cuniculus paca
Cacheiro (ouriço-
Espinho Defumador Coendou prehensilis
terrestre)
Pedra da Pó com sucos, leite
Maçã do boi Bos taurus
vesícula e mingau
Hemidactylus
Lagartixa Animal Emplastro
mabouia
Salvator merianae
Unguento de
Teiú Banha frita (teiú-comum ou teiú-
aplicação local
gigante)
“Miúda”
Ar do vento Artrose
(inchaço nas pernas)
Desmentidura /
Cortes Diabetes
Pé desmentido
Dor de cabeça de sol
Dor de barriga Dor de cabeça
e sereno
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 161
Engasgo com espinha
Engasgo de animal Engasgo de gente
de peixe
163
Capim Santo
Poaceae
Cymbopogon citratus (DC.) Stapf
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 165
Alumã
Asteraceae
Gymnanthemum amygdalinum (Delile) Sch.
Bip. ex Walp.
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 167
Pitanga
Myrtaceae
Eugenia sp.
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 169
Quioiô
Lamiaceae
Ocimum gratissimum L.
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 171
Erva cidreira
Verbenaceae
Lippia alba (Mill.) N.E.Br.
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 173
Vassourinha
Malvaceae
Sida sp.
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 175
Boldo
Lamiaceae
Plectrhanthus sp.
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 177
Araçá mirim
Myrtaceae
Psidium sp.
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 179
Laranja da terra
Rutaceae
Citrus x aurantium L
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 181
Purga do campo
Violaceae
C Pombalia calceolaria (L.) Paula-Souza
Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 183
REFERÊNCIAS
185
comunidades, de que tratam o art. 51 do Ato das Disposições Constitucionais
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