Saberes e Fazeres Terapêuticos Quilombolas em Cachoeira-BA

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SABERES E FAZERES
TERAPÊUTICOS QUILOMBOLAS
Cachoeira, Bahia
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
reitor João Carlos Salles Pires da Silva
vice-reitor Paulo Cesar Miguez de Oliveira
assessor do reitor Paulo Costa Lima

EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA


diretora Flávia Goulart Mota Garcia Rosa

CONSELHO EDITORIAL
Alberto Brum Novaes
Angelo Szaniecki Perret Serpa
Caiuby Alves da Costa
Charbel Ninõ El-Hani
Cleise Furtado Mendes
Evelina de Carvalho Sá Hoisel
Maria do Carmo Soares de Freitas
Maria Vidal de Negreiros Camargo
SABERES E FAZERES
TERAPÊUTICOS QUILOMBOLAS
Cachoeira, Bahia

Fátima Tavares
Carlos Caroso
Francesca Bassi
Thais Penaforte
Fernando Morais

2a edição

Salvador
EDUFBA, 2019
2019, autores.
Direitos para esta edição cedidos à Edufba.
Feito o depósito legal.

Grafia atualizada conforme o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990,


em vigor no Brasil desde 2009.

projeto gráfico Gabriela Nascimento


diagramação e arte final Janaína Spínola dos Santos
fotos Lara Perl
fotos do arquivo Carlos Caroso e Leonardo Di Blanda
ilustações Felipe Rezende e Luma Flores
revisão Elber Lima
normalização Marcely Moreira

Sistema Universitário de Bibliotecas - UFBA

Tavares, Fátima.
Saberes e fazeres terapêuticos quilombolas: Cachoeira, Bahia / Fátima Tavares ...
[et al.] – 2. ed. – Salvador: EDUFBA, 2019.
190 p. : il. – (Antropologia sem fronteiras)

ISBN 978-85-232-1898-0

1. Quilombolas - Cachoeira (BA). 2. Quilombolas - Usos e costumes. 3. Plantas


medicinais. I. Título.
CDD – 305.896081

Elaborada por Sandra Batista de Jesus CRB-5/1914

Editora filiada à:

EDUFBA
Rua Barão de Jeremoabo, s/n Campus de Ondina
Salvador - Bahia CEP 40170-115   Tel. 71 3283-6164
www.edufba.ufba.br | edufba@ufba.br
SUMÁRIO

prefácio à segunda edição 7

o território quilombola da bacia e vale do iguape 13

terra de direitos

Martina Monilu e Leonardo Di Blanda 15

uma longa parceria do observabaía

Carlos Cardoso e Fátima Tavares 17

um compromisso com o território


do recôncavo baiano
Tatiana Velloso, Fernando Morais e Marcelo Araújo 19

conhecendo os territórios quilombolas 21

saberes e fazeres terapêuticos quilombolas 25

as comunidades quilombolas da bacia e vale do iguape 39

praticantes terapêuticos quilombolas

Kaonge 45

Dendê 56

Kalembá 62
Engenho da ponte 67

Engenho da praia 74

Tombo/Palmeira 78

Kalolé 82

Imbiara 87

Engenho da Vitória 93

Kaimbongo 95

Engenho Novo 99

Engenho da Cruz 103

São Francisco do Paraguaçu 106

Santiago do Iguape 112

Brejo da Guaíba 122

Tabuleiro da Vitória 131

Mutecho e Acutinga 135

modos de fazer, modos de saber, modos de ser 141

inventário etnobotânico das ervas mais citadas 163

referências 185
PREFÁCIO À SEGUNDA EDIÇÃO

Fátima Tavares e Carlos Caroso

Tomamos como ponto de partida e compreensão a questão de saber como


podemos conhecer a riqueza e diversidade de conhecimentos e práticas
de cuidado em saúde que historicamente têm sido objeto de preconceitos
e de políticas de sistemático combate por parte dos poderes instituídos,
e, que ainda hoje, são fortemente marginalizados. Mas como fazer isso
sem contribuir para sua transformação em exoticidade, em saberes etnica-
mente situados que deveriam ser “preservados” em defesa da diversidade
cultural contemporânea? Intenções desse tipo podem ser boas, contudo,
devemos ir além das políticas que restringem outras experiências terapêu-
ticas ao domínio da cultura e não dos corpos e do mundo – deveriam essas
questões serem abordadas pela ciência!?
Precisamos, então, aceitar bons desafios como esses que nossos inter-
locutores das comunidades quilombolas da Bacia e Vale do Iguape, em
Cachoeira, Bahia, nos proporcionaram, quando nos sugeriram a realização
do estudo que constituí a base desta publicação. Desafio tanto mais arrisca-
do por se tratar de demanda “deles”, oriunda de preocupações com o futu-
ro das formas de cuidar, percebidas em suas vulnerabilidades, mas também
da certeza que são modos de viver nos territórios que lhes pertencem e

7
que, justamente por isso, precisam ser visibilizadas para que o registro seja
um elemento de reconhecimento e contribua para sua continuidade.
Da ideia inicial de fazermos um levantamento das ervas – raízes, cau-
les, folhas, flores e frutos – e outros elementos – substâncias animais,
carvão, pedras, água, palavras, ciclos lunar e solar, ciclo da maré, dias da
semana, horários, pontos cardeais etc. (medicinas amplamente utilizadas
no cotidiano daquelas comunidades foi sendo percebida a necessidade de
visibilizar não apenas esses conhecimentos, mas também as pessoas que
os fazem circular) estes não são apenas terapeutas socialmente reconhe-
cidos como tal, mas muitos outros que neste livro são reconhecidos como
“praticantes terapêuticos”. Uma primeira edição desta publicação – não
comercializada – teve por foco a distribuição entre os integrantes das co-
munidades quilombolas. Com esta finalidade seu lançamento ocorreu du-
rante a X Festa da Ostra, realizada no quilombo Kaonge, em Cachoeira, no
mês de outubro de 2018.
Durante uma atividade realizada como parte da programação daquele
evento, os praticantes terapêuticos puderam se ver nas belas imagens do livro
e reconhecer-se uns aos outros nesse processo de construir um patrimônio
terapêutico local, assim como compartilhar suas experiências. Esta segunda
edição, que agora trazemos a público por meio da Editora da Universidade
Federal da Bahia (Edufba), foi cuidadosamente revisada e ampliada, assim
como incluído detalhamentos adicionais em relação aos desafios da pesqui-
sa com terapêuticas tradicionais e às comunidades quilombolas.
A pesquisa foi devidamente registrada no Sistema Nacional de Gestão
do Patrimônio Genético e do Conhecimento Tradicional Associado
(SisGen) com o número de cadastro A91AA1A. Os pesquisadores en-
volvidos neste mapeamento das práticas de cuidado também são par-
ceiros das comunidades em vários outros projetos. São professores da
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB): Fernando Morais,
Francesca Bassi e Tatiane Velloso e da Universidade Federal da Bahia
(UFBA): Carlos Caroso, Fátima Tavares e Thais Penaforte, sendo os três
últimos e Francesca Bassi integrantes do grupo de pesquisa Observatório
de Riscos e Vulnerabilidades Socioambientais da Baía de Todos os Santos
(ObservaBaía), da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Vanderson dos
Santos e Rosângela Jovelino, moradores do Kaonge, participaram da etapa

8 Saberes e fazeres terapêuticos quilombolas


da pesquisa em campo por ocasião das visitas às comunidades em vários
momentos entre 2017 e 2018. Duas bolsistas de Iniciação Científica no
ObservaBaía, Thais Cedrim e Ilma Araújo estiveram presentes na realiza-
ção de algumas entrevistas e fizeram as transcrições dos áudios. Por fim,
também foram realizadas entrevistas com praticantes terapêuticos das
comunidades da Imbiara, Kalolé e Tombo, Palmeira, para a realização do
Laudo Antropológico, entre 2015 e 2017, pela equipe do ObservaBaía, que
à época contava também com os pesquisadores Serge Pechiné e Cristina
Pechiné.
As entrevistas com praticantes terapêuticos de Santiago do Iguape e
do Kaonge foram realizadas como parte das atividades do Ação Curricular
em Comunidade e em Sociedade (ACCS) “Etnofarmacologia e Terapêuticas
Tradicionais na Baía de Todos os Santos”, disciplina de extensão da UFBA,
que visitou essas comunidades em março de 2017. Nessa ocasião, partici-
param das atividades os docentes Thais Penaforte e Fátima Tavares e os
estudantes Camila Pimentel da Silva Araujo, Danilo Luis de Jesus Batista,
Evany Oliveira Rodrigues, Flávia Mara Henriques Gomes, Ilma Reis de
Araújo, Inessa Souza Aragão, Marlene Charlotte Myon, Maurício Souza
Nogueira, Mirela Borba, Thais Cedrim, Victória Maria dos Santos Dias, con-
tando ainda ainda com a participação de Iacy Pissolado (doutoranda PPGA/
UFBA) que acompanhou o grupo nas viagens a campo.
Enfim, o grupo é extenso e suas atividades compreenderam diferentes
momentos de trabalho para que se pudesse reunir e posteriormente or-
ganizar o corpus de dados que integra a pesquisa e a escritura deste livro
propriamente dito, que ficou a cargo dos autores desta publicação.

Prefácio à segunda edição 9


O TERRITÓRIO QUILOMBOLA DA BACIA
E VALE DO IGUAPE

Ananias Viana1

Entre os séculos XVI e XX, o Território Quilombola da Bacia e Vale do


Iguape – Recôncavo Sul do estado da Bahia, destacou-se no processo de
colonização do Brasil enquanto centro de formação e exportação de ca-
pital. Tal destaque teve como base a economia e o regime agroescravista,
utilizando-se de atividades de produção e beneficiamento da cana de açú-
car, exploração do fumo e comercialização de negros escravizados trazidos
do continente africano.
Neste percurso, evidenciamos a trajetória formativa de grupos comu-
nitários quilombolas que estimula a cooperação e a produção de novos
conhecimentos. Como exemplo, temos a formulação de ações que tem por
base a troca de saberes, o respeito à diversidade e a construção de ferra-
mentas que muito contribuem para a organização destes povos.
Assim, considerando as tradições ancestrais praticadas até os dias de hoje,
incluímos como ponto importante de destaque durante esse processo as ini-
ciativas de preservação e revitalização dos modos de vida e respeito à ances-
tralidade, como os Saberes e Fazeres Terapêuticos, objeto desta publicação.

1 Articulador Político Social das Comunidades Quilombolas da Bacia e Vale do Iguape.

13
TERRA DE DIREITOS

Martina Molinu e Leonardo Di Blanda2

Foi num encontro de degustação das ostras da Bacia e Vale do Iguape,


produto da sociobiodiversidade local que bem simboliza as relações so-
lidárias, a coletividade e sustentabilidade que caracterizam as atividades
produtivas do território quilombola, que teve origem o Projeto Terra de
Direitos, uma parceria estabelecida entre a ONG Cooperazione per lo
Sviluppo dei Paesi Emergenti (Cospe),3 o Centro de Educação e Cultura do
Vale do Iguape (CECVI)4 e a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
(UFRB), cofinanciado pela União Europeia.

2 Equipe da Cospe Onlus no Brasil: Diretora Geral e Coordenador Local do Projeto Terra de
Direitos.
3 Cooperação para o Desenvolvimento dos Países Emergentes (Cospe Onlus) é uma associa-
ção privada, laica e sem fins lucrativos. Desde 1983 atua em mais de 20 países do mundo, em
territórios e comunidades locais ao lado de milhares de mulheres e homens, para um mundo
de paz e hospitalidade, com mais direitos e democracia, com mais justiça social e sustenta-
bilidade ambiental e para o alcance da igualdade entre homens e mulheres e a eliminação de
cada forma de discriminação.
4 CECVI, fundado em 2002, é uma associação civil sem fins lucrativos. Apoia e implementa
ações para a defesa e manutenção da qualidade de vida do ser humano e do meio ambiente,
através de atividades de educação profissional, culturais e de proteção do meio ambiente.

15
No intuito de defender e promover a reprodução física, cultural e so-
cial das Comunidades Remanescentes de Quilombo da Bacia e do Vale do
Iguape, desenhou-se este processo de registro do patrimônio material e
imaterial, que conta com a valiosa colaboração de professores e pesquisa-
dores profissionais da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB)
e Universidade Federal da Bahia (UFBA), bem como dos entrevistados,
que permitiram a realização do Dossiê Saberes e Fazeres Terapêuticos
Quilombolas em Cachoeira, Bahia,5 elaborado entre 2016 e 2018, cujo con-
teúdo serviu de base para esta publicação.
Com o mapeamento dos saberes e fazeres relacionados com as prá-
ticas terapêuticas tradicionais, práticas de cuidado, autocuidado e cura-
-retratados aqui, esperamos promover a valorização da história e cultura
quilombola, dentro e fora das comunidades. Como Cospe nos orgulhamos
de colaborar para a construção de um mundo em que a diversidade seja
considerada um valor.

5 Ver em: www.cecvi.org.br.

16 Saberes e fazeres terapêuticos quilombolas


UMA LONGA PARCERIA
DO OBSERVABAÍA

Carlos Caroso e Fátima Tavares

O mapeamento que resultou nesta publicação contou com a parceria dos


pesquisadores filiados ao Grupo de Pesquisa Observatório de Riscos e
Vulnerabilidades Socioambientais da Baía de Todos os Santos (ObservaBaía
- UFBA). O ObservaBaía iniciou seus estudos nas comunidades reunidas no
âmbito do Conselho Quilombola da Bacia e Vale do Iguape em dezembro
de 2013.
Naquela ocasião, apresentamos nossas propostas e intenções, ao tempo
em que solicitamos autorização para realizar estudos na área. Ao longo
desses anos, os pesquisadores do ObservaBaía se envolveram com diversas
ações no território, sempre autorizados pelo Conselho, e durante esse pro-
cesso a demanda por laudos antropológicos foi se intensificando.
Mais recentemente já havíamos iniciado algumas incursões no terri-
tório buscando conhecer as práticas terapêuticas, quando surgiu a possi-
bilidade deste trabalho em conjunto com outros pesquisadores da UFRB,
fomentado pelo projeto Terra de Direitos, da Cospe. Boas parcerias, boa
equipe e, esperamos bons desdobramentos para este trabalho!

17
UM COMPROMISSO COM
O TERRITÓRIO DO RECÔNCAVO
BAIANO
Tatiana Velloso, Fernando Morais
e Marcelo Araújo

Com o intuito de atender aos pedidos da Carta de Demandas do Núcleo


de Desenvolvimento  Quilombola do Território do  Recôncavo apresenta-
da durante a VIII Festa da Ostra, na comunidade do Kaonge, em 2016,
a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), por meio da Pró-
Reitoria de Extensão (Proext) e dos docentes do Centro de Ciência e
Tecnologia em Energia e Sustentabilidade (Cetens) e do Centro de Cultura,
Linguagens e Tecnologias Aplicadas (Cecult), estabeleceu parcerias no âm-
bito do Projeto Terra de Direitos com o objetivo de desenvolver ações de
fortalecimento das comunidades quilombolas, dentre as quais destacamos
o trabalho apresentado nesta publicação que traz a identificação e regis-
tros dos saberes do uso das plantas medicinais e práticas terapêuticas re-
lacionadas.
Lidar com conhecimentos tradicionais requer um profundo cuidado
e respeito, visando proteger o patrimônio imaterial e material das comu-
nidades remanescentes de quilombo, de acordo com a Lei no 13.123 de 

19
20 de maio de 2015, conhecida como Lei da Biodiversidade, que define em
suas normas “o acesso ao patrimônio genético (PG), proteção, acesso ao co-
nhecimento tradicional associado (CTA) e a repartição de benefícios para
a conservação e uso sustentável da biodiversidade”. Um processo no qual
acreditamos para preservar os saberes e fazeres terapêuticos quilombolas.
Finalmente, agradecemos a todas as pessoas entrevistadas, que nos
abriram as portas e compartilharam conosco seus saberes e memórias.

20 Saberes e fazeres terapêuticos quilombolas


CONHECENDO OS TERRITÓRIOS
QUILOMBOLAS

As práticas e saberes de cuidado em saúde dos territórios quilombolas visi-


bilizam formas de viver muito diversas e diferentes daquelas que são encon-
tradas no meio urbano moderno: as dificuldades de acesso aos serviços pú-
blicos em saúde, os males, os perigos e as doenças, as interdições e resguar-
dos, as formas do autocuidado, do cuidado com os filhos, parentes, vizinhos,
com o território, os remédios, a proteção às pessoas. Essas são algumas,
entre as muitas diferenças que emergem e que podem produzir ruídos e
incompreensões por parte daqueles que desconhecem sua importância para
a organização e continuidade da vida dessas comunidades.
Considerando as dificuldades acima apontadas, adotamos a estratégia
de nos manter bem perto daqueles com quem buscamos aprender, com o
cuidado de não cair na armadilha dos julgamentos e interpretações, mas
sim fazer emergir a riqueza, o detalhe, a diferença. Esta publicação é um
resultado parcial da riqueza de nossas conversas com pessoas de todas as 17
comunidades quilombolas da Bacia e Vale do Iguape, que conhecem as er-
vas medicinais e, que, em muitos casos, também fazem rezas e/ou já foram

21
parteiras e/ou cuidadoras mulheres no puerpério e crianças recém-nascidas.
São mulheres e homens, jovens e idosos, que nem sempre se autorreferem
como rezador/rezadeira, erveiro, terapeuta ou outra autodesignação que ex-
plicite a condição de promotores da saúde, razão pela qual neste livro nos
referimos àqueles como “praticantes terapêuticos”.
Embora nossos interlocutores não se autodenominem assim, a opção
por esta designação vem da sua amplitude, isto é, podemos considerar como
“praticantes” não apenas aqueles reconhecidos nas comunidades como “re-
zadores”, mas também os conhecedores das ervas, que muitas vezes não
gostam de dizer que são “especialistas” naquelas práticas. É facilmente per-
ceptível que o conhecimento das ervas é algo muito disseminado nas comu-
nidades, não se podendo afirmar que se restringe apenas a algumas pessoas.
Dessa forma, fazendo uso do termo praticantes terapêuticos, também pode-
mos fazer jus aos modos profundamente enraizados com que esses conheci-
mentos se apresentam nos territórios quilombolas. Com isso queremos en-
fatizar que, de alguma forma, todos são, uns mais intensamente que outros,
praticantes terapêuticos. Afinal, foram os nossos próprios interlocutores
que afirmam que mesmo os jovens conhecem plantas e fazem uso daquelas
quando se deparam com situações de necessidade. Trata-se, portanto, de
compreender saberes disseminados entre todos e que integram os modos
de vida das pessoas.
Chegamos aos praticantes terapêuticos fazendo uso da técnica conheci-
da por “bola de neve”, que consiste em ir “seguindo as pistas” por meio das
indicações daqueles que já havíamos entrevistado formalmente ou tido con-
versas informais, para, assim, ampliar crescentemente a lista dos pratican-
tes terapêuticos, que contemplou pessoas residentes em todas as comuni-
dades. Desta maneira foram identificados o total de 63 pessoas diretamente
apontadas como praticantes, sendo que visitamos e entrevistamos 42 des-
tas. Duas observações precisam ser feitas sobre esses números. A primeira é
que a lista dos 63 praticantes terapêuticos não é, de forma alguma, uma lista
fechada ou definitiva, isto é, não esgota as possibilidades de outros pratican-
tes serem mencionados em novas visitas às comunidades. A segunda ques-
tão se refere às condições da pesquisa em campo que não nos permitiram
acesso a todos que foram de alguma forma mencionados, muitas vezes por
entraves de ordem logística: dificuldades de deslocamento da equipe para as
comunidades e descompassos entre a chegada do pesquisador e a presença

22 Conhecendo os territórios quilombolas


da pessoa em sua residência, já que as visitas não foram previamente agen-
dadas com os entrevistados nesta fase do trabalho, em que a descoberta por
meio de busca sistemática foi a principal estratégia utilizada na identifica-
ção dos praticantes e realização das entrevistas.
Em seguida a esta introdução, no capítulo “Saberes e fazeres terapêuti-
cos quilombolas”, são apresentados alguns desafios das políticas públicas
de saúde para os quilombolas, além de observações sobre os praticantes
terapêuticos. No capítulo seguinte, “As comunidades quilombolas da Bacia
e Vale do Iguape”, foram compiladas informações gerais sobre as comunida-
des pesquisadas: infraestrutura, questões socioambientais e atividades pro-
dutivas, com base em levantamentos – quantitativos e qualitativos – realiza-
dos pelas ONGs Humana Brasil e Cospe e o Grupo de Pesquisa ObservaBaía.
Em “Praticantes terapêuticos quilombolas”, destacam-se aspectos das práti-
cas e especificidades dos aprendizados de cada um, sendo que a ordem de
apresentação dos praticantes respeita o processo de certificação das comu-
nidades às quais pertencem: das mais antigas às mais recentes. A seguir,
em “Modos de saber, modos de fazer, modos de ser”, apresentamos algu-
mas considerações sobre os conhecimentos dos nossos interlocutores, bem
como uma relação das ervas mencionadas e outros elementos terapêuticos,
assim como as doenças. Por fim, devido aos limites desta publicação, no úl-
timo capítulo, “Inventário etnobotânico das ervas mais citadas”, as imagens
fotográficas e as informações incluídas compreendem apenas uma pequena
parcela da potência terapêutica catalizada nas comunidades

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 23
SABERES E FAZERES TERAPÊUTICOS
QUILOMBOLAS

As práticas terapêuticas estão disseminadas pelas comunidades quilombo-


las, constituindo um saber enraizado no território por onde se constroem as
diferentes habilidades dos nossos interlocutores de pesquisa, num sentido
muito afim àquele explicitado por Ingold (2012) quando aponta para a ne-
cessidade de considerar o conhecimento como algo que está no mundo e
não apenas nas “mentes”. Queremos indicar, assim, que esses conhecimen-
tos não estão “congelados” ou perdidos numa tradição em vias de extinção,
mas, ao contrário, são práticas que se disseminam em muitas direções re-
lacionando pessoas e ambientes e que tornam possíveis as identidades e os
corpos no mundo vivido desses territórios.
São conhecimentos que se diferenciam daqueles da biomedicina, mas
que também se articulam àquela de formas variadas, podendo comple-
mentar ou relativizar certos procedimentos. Mas de modo algum podemos
considerá-los meramente como “crenças” sobre doenças, processos e cui-
dados sem valor qualquer “científico”. (TAVARES; BASSI, 2012) Para o senso
comum, e muitas vezes em certos modelos de compreensão antropológicos

25
ultrapassados, as “crenças” são compreendidas como algo localizado no in-
terior da mente das pessoas. Trata-se de uma visão antiquada da cultura, que
considera que as pessoas sentem, ouvem, veem as mesmas coisas do mun-
do, mas organizam essas “informações” de acordo com suas disposições
culturais diferenciadas. Seguindo em outra direção, nossa resposta sugere
que as diferenças estão disseminadas pelo ambiente, passando pelas “habi-
lidades” dos corpos e mentes num sentido alargado, para além do cérebro.
A cultura não deve ser compreendida como formas de organizar os dados do
“mundo” – tido como “fatos” incontroversos –, mas diferentes capacidades
de notar o mundo.

26 Saberes e fazeres terapêuticos quilombolas


Assim, pensamos ser preciso ultrapassar essa compreensão da “crença”–
versus a “realidade”, que decorre da apreensão assistemática da realidade
experienciada pelas alteridades, para seguir o rastro das vidas das pessoas
e povos diferenciados com os quais interagimos em busca de registrar o
importante conhecimento terapêutico que integra os saberes das comuni-
dades com as quais temos convivido. (INGOLD, 2012) A problematização
das fronteiras entre a universalidade da biomedicina e a multiplicidade das
práticas e cosmologias não biomédicas sempre esteve presente na antro-
pologia, estendendo-se à própria categoria de terapêutica como “referente-
-padrão” do que sejam “ações eficazes” em saúde. O mundo que emerge das
práticas quilombolas manifesta muitas variações que tensionam a normati-
vidade da biomedicina e que não podem ser reduzidas aos termos daquelas
contradições ou mesmo como efeito deletério das condições de produção
de populações vulnerabilizadas. Se tal relação pode ser evocada, esta vale
para a sociedade da disciplina – nos termos de Foucault – e a sociedade do
controle – nos termos de Deleuze, em que as subjetividades já se encon-
tram apartadas do devir e o que é aprisionado passa a ser “o lado de fora”.
(LAZZARATO, 2006)
Mas é necessário arriscar pouco mais do que apenas problematizar as
fronteiras entre sistemas biomédicos e tradicionais. Precisamos, então, nos
afastar do que sejam ideias-conceitos preconcebidos dos encontros de cura,
como sugere Machado (2017), e rastrear os agenciamentos sobre todas as
coisas que são postas em relação, assim como as interrupções, os interdi-
tos que podem intervir, transformar, curar. As comunidades quilombolas de
Cachoeira abrem-se para as virtualidades e transformações nos processos de
cura; aos sentidos e capacidades geradas no encontro terapêutico em que
intervém humanos e não humanos, e não apenas terapêuticas circunscritas
à reprodução de corpos (biológicos) e subjetividades. São as receitas que
conectam ervas e outros elementos, assim como a observância das afecções
corporais e do ambiente, que fazem circular rezas, chás, xaropes, lambedo-
res, banhos e defumações. Mas também as interdições e cuidados na pureza,
perigo, poluição e tabu tal como tratados por Douglas (1976), para compre-
endermos questões relacionadas à “pureza” dos locais de coleta e “impure-
za”, potencial de contágio dos locais de descarte, entre as muitas nuances a
serem consideradas.

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 27
Estas referências que são mencionadas emergem como aspectos de gran-
de importância no entendimento dos processos de busca, seleção e coleta
das ervas e outros elementos, bem como na preparação dos remédios, e das
rezas/benzeções da pessoa; observância quanto ao dia da semana e à parte
ou hora do dia adequados para realização de cada um daqueles procedimen-
tos, da mesma forma que da propriedade das condições ambientais, a exem-
plo das fases da lua, dos níveis das marés; enfim, são as formas pelas quais
se faz o mundo dos saberes quilombolas. Afinal, como sugere Latour (2002),
o “mundo” acomoda muitas “feituras” possíveis (sejam os fatos da ciência,
seja fatos da religião; sejam muitos outros “fatos”). É nessa perspectiva que
emergem os destaques de fragmentos de narrativas e/ou situações das nos-
sas conversas, com os praticantes terapêuticos quilombolas dos quais trata
esta publicação.

saúde e políticas públicas

O interesse acerca das práticas tradicionais de cuidados em saúde cresce


mundialmente, superando a tendência de reconhecimento exclusivo da uti-
lidade das ervas e outros produtos medicinais para também destacar seus
praticantes terapêuticos. (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2013) Frente a
este cenário cambiante, é muito importante que governos e suas instâncias,
não apenas sanitárias como também educacionais, atuem de maneira a re-
conhecer, fomentar e respaldar o que podemos considerar como multiplici-
dade terapêutica, gerando desafios em torno das lógicas “do cuidado” e “da
escolha”, como salienta Mol (2008).
Embora se encontrem ameaçadas desde que consolidou uma ruptura
com as políticas sociais que atingem a assistência pública à saúde a partir de
meados do ano de 2016, o exame acerca das políticas públicas de saúde no
Brasil nas últimas décadas demonstra não apenas sua tendência à democra-
tização e descentralização, como também a crescente setorialização dessas
políticas. Desde o final o final dos anos de 1990, o Sistema Único de Saúde do
Brasil conta com uma ampla política de atenção básica: a Estratégia Saúde
da Família (ESF), um sistema de cuidado em saúde com gestão municipal,

28 Saberes e fazeres terapêuticos quilombolas


de grande capilaridade territorial. No entanto, essa “expansão” da oferta
de atenção em saúde por parte do Estado brasileiro, inicialmente sob for-
ma do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), passando pelo
Programa Saúde da Família (PSF) e a ESF, não resultou necessariamente na
redução do papel e importância dos saberes e práticas tradicionais; bem ao
contrário, esses se transformam, contagiam-se entre si, assumindo novas
formas face à crescente demanda por direitos em diferentes segmentos da
sociedade, especialmente entre as diversas populações tradicionais. De certa
forma, considerando a característica territorializada do cuidado em saúde, a
ESF tem que lidar com um contexto de incremento da pluralidade terapêu-
tica. Como evidência desse argumento, é possível afirmar que as pesquisas
sobre o cotidiano das equipes de saúde têm apontado a coexistência de re-
des de cuidado que atravessam e transgridem a territorialização promovida
pela ESF. (BONET; TAVARES, 2006, 2008)
Além da ESF, foram formuladas e crescentemente se consolidam nos últi-
mos anos três políticas de saúde em nível federal que afetaram as comunida-
des quilombolas, embora não se destinassem exclusivamente a esta popula-
ção: a “Política Nacional de Saúde da População Negra”, a “Política Nacional
de Práticas Integrativas e Complementares” (PNPIC) e a “Política Nacional
de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta” (PNSIPCF). Sobre
a primeira política, é importante destacar que o debate em torno da saúde
da população negra constitui um “campo” de reflexões e intervenções políti-
cas no qual se entrecruzam questões étnico-raciais, saúde, religiões afro-bra-
sileiras e territorialidade dos quilombos rurais e urbanos. A valorização dos
cuidados em saúde no âmbito do candomblé é também uma luta pela sua
legitimação social, num contexto marcado por atitudes de intolerância reli-
giosa, particularmente da parte de praticantes de religiões neopentecostais.
Em linhas gerais, as disputas que envolvem a saúde da população negra con-
centram-se em torno da promoção da equidade em saúde, assumindo uma
postura crítica ao princípio da universalidade que orienta o Sistema Único
de Saúde (SUS). Assim, diversos segmentos do movimento negro reivindi-
cam uma política de saúde que ao mesmo tempo minimize as inequidades
e promova a valorização das terapêuticas tradicionais de matriz africana.
Como salientam Maio e Monteiro (2005), a política da saúde da população
negra é retomada nesse início de século como política antirracista e de ação

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 29
afirmativa que vem fortalecendo identidades de “consciência racial”, com a
ajuda da atuação do Estado.
No que se refere a esta questão que há muito constituía uma crescente
demanda, no ano de 2006 ocorreu o reconhecimento das práticas tradicio-
nais em saúde pelo SUS, com a implementação da “Política Nacional de
Plantas Medicinais e Fitoterápicos”. Este movimento em grande parte busca
atender às diretrizes da OMS, tendo inicialmente como objetivo a inclusão
e acesso da população às práticas de fitoterapia/plantas medicinais, acupun-
tura, homeopatia e termalismo/crenoterapia. Segundo dados do Ministério
da Saúde (BRASIL, 2018), 29 terapias podem ser encontradas no âmbito do
SUS. Embora não enfoque um segmento específico, a PNPIC tem como uma
de suas diretrizes o estímulo à pluralidade terapêutica no âmbito do SUS –
incluindo, evidentemente, a Estratégia Saúde da Família (ESF).
Ambas as políticas apresentadas – a Saúde da População Negra e a PNPIC
– buscam a valorização de saberes e populações tradicionais, mas por meio
de processos diferenciados, já que os interlocutores envolvidos nos campos
de discussão nem sempre são os mesmos. Em Salvador – e outras capitais
brasileiras – as discussões têm sido mais vigorosas no âmbito das comuni-
dades religiosas afro-brasileiras, contudo pouca ou nenhuma atenção tem
recebido as iniquidades em saúde que afetam as comunidades quilombolas,
como as que ora vimos estudando. Esse quadro não difere muito daquele de
outras regiões do Brasil, nas quais se verifica a urgência de pesquisas e ações
para a efetivação de políticas diferenciadas em quilombos. (ARRUTI, 2008)
A despeito dos claros avanços que se verificaram no período, no que
tange às comunidades quilombolas que se encontram no município de
Cachoeira, assim como no Estado da Bahia, essas não são adequadamente
consideradas nas políticas estaduais de saúde, deixando a descoberto impor-
tantes dimensões das redes de cuidados cotidianos. Na Secretaria de Saúde
da Bahia (Sesab), as políticas “diferenciadas” se encontram em Coordenações
distintas da Diretoria de Gestão do Cuidado: a) Área técnica “Saúde da po-
pulação negra” (Coordenação de promoção da equidade em saúde-CPES) e
b) Área técnica “Práticas Integrativas e Complementares” (Coordenação de
Políticas Transversais-CPT). Ainda na mesma Sesab, na Diretoria de Atenção
Básica, se encontra o acompanhamento da ESF. Na Secretaria de Promoção
da Igualdade Racial (Sepromi), está o Grupo Intersetorial para Quilombos

30 Saberes e fazeres terapêuticos quilombolas


(GIQ), criado por meio do Decreto nº 11.850, de 23 de novembro de 2009,
que institui a Política Estadual para Comunidades Remanescentes de
Quilombos, composto por 17 secretarias estaduais, sendo que esse grupo
inclui um representante da Secretaria de Saúde. Resta saber se essa trans-
versalidade do GIQ poderá abranger tanto as demandas pela melhoria da
ESF como pelo reconhecimento da diversidade das demandas em saúde e de
cuidados terapêuticos em comunidades quilombolas.
Neste sentido, para além da construção de estratégias que visem a su-
peração de situações de vulnerabilidade e iniquidades em saúde, as polí-
ticas públicas voltadas às comunidades quilombolas devem apontar para
mecanismos de reconhecimento de seus saberes e fazeres, integrando-os
à política nacional de saúde. É inegável que políticas tais como a Política
Nacional de Saúde Integral da População Negra e a Política Nacional de
Práticas Integrativas e Complementares propiciam maior visibilidade dessas
práticas e as reposicionam enquanto importante componente dos serviços
de saúde. (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2013) No entanto, as políticas
ainda são muito incipientes em relação à valorização do conjunto ampliado
dessas práticas e sua incorporação e harmonização junto ao contexto bio-
médico.

saúde e território

A relação vital, incorporada nos corpos e no cotidiano dos serviços de saúde


e das pessoas assistidas entre saúde e território, atravessa a forma como nos-
sos interlocutores avaliam os serviços públicos de saúde: as transformações
implementadas com a “chegada” dos postos de saúde e equipes da ESF, bem
como as condições de acesso e características operacionais desse sistema.
Assim é que o “tempo de antigamente” contrasta com alguns benefícios
atuais que são reconhecidos por todos. No passado, como alguns situam,
a “saúde” era um bem distante territorialmente: saúde estava associada ao
“tempo das canoas” e ao deslocamento terrestre precário, já que não havia
estradas e nem transporte adequado para os necessitados. Não foram poucas
os relatos que ouvimos sobre as mulheres grávidas que pariam em canoas

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 31
durante o percurso que as levaria a um serviço de saúde adequado para o
parto. Como lembra Florisvaldo, do Kalolé: “Antes, se caia uma pessoa doente
aqui a gente botava numa cadeira, amarrava dois paus, um do lado e outro de outro,
numa cadeira. Se o doente não tivesse muito grave ele ia solto, mas se ele tivesse grave
ia amarrado na cadeira, pra subir a ladeira [...]”.
Atualmente são observados pontos positivos e negativos na avaliação do
sistema público de saúde. Como pontos positivos foram citadas a importân-
cia da abertura de estradas; da implantação de postos de saúde; dos agentes
comunitários de saúde; e da disponibilização de uma ambulância. Por ou-
tro lado, contrapesando essas conquistas, as críticas são direcionadas aos
mesmos ganhos, cujas deficiências são inexistência de transporte adequado;
dificuldades de acesso aos postos de saúde; insuficiência das “fichas” para
atendimento médico nos postos; ambulância frequentemente fora de opera-
ção ou não disponível por motivos nem sempre esclarecidos.
A territorialização do sistema público de saúde também traz importan-
tes consequências para as práticas tradicionais de cuidado, entre estas o
desaparecimento das parteiras que, no passado não muito distante, eram
muito atuantes em todas as comunidades da região: vários nomes de partei-
ras já falecidas foram lembrados e, algumas de nossas interlocutoras foram
parteiras quando mais jovens. Apesar das mulheres atualmente preferirem
ter seus filhos em hospitais, o desaparecimento das parteiras decorre tam-
bém do constrangimento atual das condições da prática desse ofício – den-
tre outros fatores – sob controle dos médicos, como indicam os relatos dos
interlocutores deste estudo.
No entanto, se o ofício do partejar está quase desaparecendo, este ain-
da não desapareceu por completo, pois as “parteiras de necessidade” ainda
resistem no contexto presente, muitas vezes realizando partos em deter-
minadas situações de emergência e inevitabilidade, entre estas na “falta de
tempo” para se chegar ao hospital. Assim, a questão da “necessidade” apare-
ce como uma categoria processual, apresentando uma dimensão temporal,
territorial – quando não dá tempo – e contextual – considerando as condi-
ções e possibilidades do evento. A “necessidade” se presta como argumento
que protege, justifica e ampara essa prática.

32 Saberes e fazeres terapêuticos quilombolas


características, aprendizado e motivações

Em suas narrativas, os praticantes terapêuticos identificam e descrevem


uma grande variedade de problemas que podem ser tratados com uso das
ervas e outros elementos do seu repertório terapêutico tradicional, das re-
zas e outras formas de cuidados que fazem parte do acervo de saberes comu-
nitários em saúde. O processo de aprendizado requer intensa proximidade
dos praticantes terapêuticos com esses conhecimentos – os elementos, e
particularmente das ervas, e as rezas – na forma de um procedimento co-
tidiano, que pode constituir tanto uma atitude voluntária de alguém que
atende a um chamamento para aprender o ofício, ou que reconhece e é
reconhecido como portador de um dom ou destinado de cumprir uma mis-
são.1 (RODRIGUES; CAROSO, 1999)
A constante proximidade dos “outros” com quem se aprende foi aponta-
da como podendo ser de parentes que exercem o ofício de terapeutas – mãe,
pai, sogra, sogro, tia, tio, avó, comadre da mãe –, ou de outros terapeutas
que se disponibilizam a transmitir seus conhecimentos para noviços – pais
e mães de santo, parteiras, rezadeiras e rezadores, curadores e curadoras.
Também é possível que o aprendizado se dê por meio de manifestações e
transmissão de conhecimento por entidades espirituais, a exemplo de “ca-
boclos”, orixás e outras. Por fim, o aprendizado pode ser com todos, sem
quaisquer discriminações, “olhando”, “vendo” e registrando os procedimen-
tos por meio do processo de fixação mnemônica; ou com os mais velhos,
uma vez que estes são frequentemente vistos com fonte de saberes ances-
trais.

1 A exemplo do autorrelato de um terapeuta exponencial que “Vê a vida como uma experiência
de aflição, como um flagelo, um fardo a ser carregado, uma missão a ser cumprida com a
finalidade de obter a purificação espiritual e fazer o bem altruístico, aliviando o sofrimento
dos outros, ou nas palavras de Duarte (1998, p. 16) como um “sacrifício de si como acesso
ao valor, à proximidade do divino, como o mito do Cristo desde logo radicalmente sublinha”.
No caso especifico a que nos referimos, a “relação de reciprocidade e dependência entre o
curador e os curados”, se dá sob a forma de troca simbólica, uma vez que “manutenção do
equilíbrio emocional do curador depende do seu exercício da atividade terapêutica, enten-
dida como um dom divino que não pode ser desperdiçado”. (RODRIGUES; CAROSO, 1999,
p. 198)

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 33
As motivações que cercam o aprendizado são amplamente indicadas
como se dando de forma voluntária e, muitas vezes visando a atender uma
necessidade prática, tal como será visto no relato das experiências de alguns
dos praticantes terapêuticos aqui arrolados. Contudo, são ainda relatadas
algumas situações em que o interesse pelo aprendizado também está asso-
ciado ao reconhecimento de um já mencionado dom, ou predestinação, em
ambos os casos estes constituem um patrimônio hereditário, não devendo,
portanto, ser desperdiçado, o que leva aqueles que o detêm a desenvolvê-lo
em benefício da comunidade. O interesse no aprendizado frequentemente
se encontra enraizado na experiência da maternidade: muitas mulheres in-
dicaram que a motivação de aprender a rezar foi para cuidar dos filhos. As
formas de cuidado, portanto, fazem parte do contexto mais amplo de “pro-
dução de pessoas”, como sugerido por Pina-Cabral e Silva (2013), pessoas em
se fazendo nas relações de vicinalidade, numa relação dinâmica entre singu-
laridades – tornando-se rezadores, praticantes terapêuticos – e identidades
continuadas tornando-se mães, fazendo os filhos, parentes, amigos.

desafios para o futuro

A vitalidade das práticas terapêuticas pode ser identificada no cotidiano dos


cuidados em saúde. O uso de elementos da flora local e de suas diferentes
partes, tal como raízes, caules, entrecascas, folhas, frutos, flores das plan-
tas, assim como de elementos de origem mineral e animal para formulação
de chás, xaropes, lambedores, garrafadas, banhos, emplastros, pomadas,
pó secante, colutórios, colírios, diluentes etc., articulados ou não às rezas,
são práticas de autocuidado utilizados por mulheres e homens das comu-
nidades, não sendo considerados conhecimentos de domínio exclusivo dos
reconhecidos especialistas tradicionais presentes na região. Na concepção
de nossos interlocutores, os chás são amplamente utilizados por todos,
mesmo quando a pessoa não tem conhecimento do nome da planta sabem
como utilizá-la na forma de chá. Os saberes terapêuticos, portanto, não se
encontram completamente restritos ou encapsulados no domínio de alguns
especialistas, pelo contrário, são compartilhados por praticamente todas

34 Saberes e fazeres terapêuticos quilombolas


as pessoas de diferentes gerações que compõem a comunidade, sendo sua
transmissão garantida por meio deste compartilhamento familiar, vicinal e
comunitário.
Apesar da grande disseminação dessas práticas, é importante destacar
a existência de marcada preocupação da parte de nossos interlocutores em
relação ao futuro desses conhecimentos. Não foram poucos os que destaca-
ram que as principais dificuldades para a garantia da continuidade residem
em duas questões principais. Uma dessas questões é representada pelo cres-
cente desinteresse de algumas pessoas no aprendizado, particularmente dos
jovens; e, a outra, é a recusa em utilizar esses conhecimentos por parte de
membros da comunidade em decorrência da conversão a religiões evangé-
licas, que demostram categórica oposição a muitas das práticas tradicionais
em saúde.

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 35
A preocupação em não deixar esses conhecimentos se empobrecerem,
– diminuindo a quantidade das ervas conhecidas, os detalhes dos procedi-
mentos etc. – tem mobilizado iniciativas de revitalização das práticas tera-
pêuticas nos quilombos, que teve como um de seus desdobramentos a pró-
pria realização do mapeamento dos praticantes terapêuticos sobre o qual
versa este livro. Outras iniciativas identicamente importantes ocorreram no
ano de 2017, entre estas uma das atividades da acima mencionada ACCS da
UFBA, que organizou uma oficina de compartilhamento de saberes e experi-
ências com a presença de significativo número de terapeutas tradicionais da
área. Para dar amplo conhecimento e sinalizar o evento, os participantes na
comunidade do Kaonge em que este foi realizado, solicitaram a confecção
de um banner para sua divulgação e demarcação do local onde ocorreria, tal
como pode ser visto abaixo.

Figura 1. Banner da Oficina de Compartilhamento de Saberes entre Terapeutas, Kaonge


Fonte: acervo ObservaBaía (2017).

36 Saberes e fazeres terapêuticos quilombolas


As transformações sociais que contribuem para a intensificação da vul-
nerabilidade desses conhecimentos parecem estar, em alguma medida, as-
sociadas a dois movimentos. O primeiro destes é o aumento do número de
adeptos de religiões evangélicas, que vem impactando mais diretamente
as práticas de reza e benzeção. Neste novo contexto de disputas e crescen-
tes tensões religiosas, tanto as rezas quanto o surgimento de especialistas
religiosos – rezadeiras e outros – continuam a existir e surgir novos prati-
cantes, mas em menor intensidade do que ocorria no passado. O segundo
movimento é a regulação biomédica de práticas tradicionais, uma espécie
de “efeito colateral” da entrada da ESF nas comunidades quilombolas, que
tem intensificado o desprestígio das práticas tradicionais: as ervas medici-
nais são toleradas pelos médicos ou, quando indicadas por eles, são tratadas
como “paliativo” ou complemento no tratamento de doenças sem maior
gravidade; já as parteiras foram impedidas de continuar com essa prática
em favor do que é considerado como “benefícios” e maior segurança do
parto hospitalar.

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 37
AS COMUNIDADES QUILOMBOLAS
DA BACIA E VALE DO IGUAPE1

O Recôncavo da Bahia é uma região do país na qual se encontra marcada


influência da presença de povos e culturas africanas no Brasil, uma vez que
para aí foram trazidos da África milhares de pessoas na condição de escra-
vos, homens e mulheres, sobretudo para trabalhar na produção de cana de
açúcar e suas atividades associadas, que experimentou seu apogeu entre
os séculos XVI e XVIII. Como resultado desta forma de ocupação e uso do
território, veio a ser elevado o contingente populacional negro nesta região,
incluindo comunidades remanescentes de quilombos. Estas comunidades
se caracterizam pela predominância de uma população descendente de
africanos que foram escravizados, em geral vivendo de atividades agrícolas

1 A ordem de apresentação das comunidades diz um pouco da história de cada lugar, pois,
respeita a data de certificação pela Fundação Palmares e está organizada da seguinte forma:
Kaonge, Dendê, Kalembá, Engenho da Ponte, Engenho da Praia, Tombo/Palmeira, Kalolé,
Imbiara, Engenho da Vitória, Kaimbongo, Engenho Novo, Engenho da Cruz, Engenho São
Francisco do Paraguaçu, Santiago do Iguape, Brejo da Guaíba, Tabuleiro da Vitória, Mutecho
e Acutinga.

39
tradicionais, preservando e dando segmento a manifestações culturais que
revelam fortes vínculos com suas tradições ancestrais.
O território onde se situam as atuais 17 comunidades quilombolas da
Bacia e Vale do Iguape apresenta características ambientais e geológicas
que possibilitaram as condições adequadas para o incremento da indústria
açucareira que se implantou no Brasil colonial a partir da segunda metade
do Século XVI. (SCHWARTZ, 1998) Essas características, assim como a faci-
lidade de acesso aos mercados externos, o fizeram um importante polo de
produção baseada no domínio das elites brancas que exploravam o trabalho
escravizado. A despeito do colapso deste modo de produção nos fins do sé-
culo XVIII, este, o cenário de exploração então criado e fomentado, é, ainda
hoje, marcado pela precariedade de políticas públicas adequadas a suas po-
pulações, tornando-se, assim, um lugar indelevelmente marcado pela longa
história de permanência dos negros escravizados, que entre outros saberes
que lhes permitiram adaptar-se às condições adversar oferecidas pela explo-
ração capitalista colonial e sua continuidade até o presente, mantiveram e
desenvolverem saberes tradicionais e conhecimentos terapêuticos vivencia-
dos e transmitidos por muitas gerações, o que veio a permitir que fossem
herdados pelos praticantes terapêuticos que são reconhecidos e cujas práti-
cas e modos de fazer são apresentados na presente publicação.
As formas de reprodução neste território são profundamente marcadas
pelo ambiente em que se exerce as atividades, sendo estes reconhecidos e
categorizados como “na maré” e “na terra”. Pode-se depreender que exis-
ta diversificação das atividades produtivas, no entanto aquelas enfrentam
problemas de baixa produtividade e baixo valor agregado, com a maioria
dos produtos sendo comercializada in natura, portanto, sem rotulagem que
indiquem denominação de origem ou certificação – produção quilombola,
orgânico etc. A comercialização dos produtos de origem dos quilombos aqui
considerados é rotineiramente realizada em feiras livres ou, por meio de
atravessadores que os adquirem diretamente nos locais em que são produzi-
dos, impondo, assim, baixos preços, que não só deixam de remunerar ade-
quadamente todos os custos envolvidos na produção, como reduzem ainda
mais a pequena margem de ganhos dos produtores.
Entre as atividades de extrativismo e/ou cultivo nos territórios quilom-
bolas são encontradas a produção de pescados e mariscos, sendo o culti-
vo de ostras crescente em algumas comunidades, e a feitura da farinha de

40 As comunidades quilombolas da Bacia e Vale do Iguape


mandioca se encontra presente em todas as comunidades; contudo, a pro-
dução de azeite de dendê, embora muito abrangente, não se ocorre na tota-
lidade das comunidades. O cultivo de tuberosas, legumes, frutas e hortaliças
apresenta grande variação de quantidade e diversificação entre diferentes
comunidades. Destacam-se entre os produtos o quiabo, feijão, milho, man-
dioca, aipim, inhame, abóbora, batata, banana, laranja, amendoim, coco,
cana de açúcar, acerola e hortaliças. Entre os produtos resultantes do extra-
tivismo são encontrados jaca, jenipapo, goiaba, araçá-mirim, dendê, piaça-
va, cipós e licuri, entre outros de menor importância econômica comercial,
contudo integrantes da dieta local. A despeito de ter menor significado no
tocante à economia de mercado, a produção pecuária, criatório de suínos,
aves, ovinos e criatório de abelhas para a produção melífera é crescente.
Com referência às atividades econômicas mais recentemente adotadas
pelos quilombolas, a Cospe realizou levantamento sistemático identifican-
do a existência nas comunidades do Kaonge, Dendê, Kalembá, Engenho da
Ponte e Santiago do Iguape a presença numérica de algumas destas de “gru-
pos de produção”: cultivo de ostras (com 70 integrantes), apicultura (com 70
integrantes), artesanato (com 35 integrantes) e turismo de base comunitária
(20 integrantes), azeite de dendê (258 famílias), culinária tradicional (seis
pessoas), pesca (em formação, 36 famílias), viveiro de mudas (em formação,
15 pessoas), audiovisual (24 pessoas), abacaxi (quatro pessoas) e promoção
cultural (54 pessoas). Vale ainda destacar que na comunidade do Tabuleiro
da Vitória existe um grupo de 22 mulheres que desenvolve atividades de
bordados/artesanatos, da mesma forma que ali se encontra o beneficiamen-
to de algumas frutas e raízes.
A precariedade de políticas públicas adequadas a essas populações pode
ser facilmente constatada a partir dos dados que resultam do estudo reali-
zado pela Humana Brasil, pela Cospe e pelo ObservaBaía, que apontam para
a deficiência de infraestrutura, à exceção da disponibilidade de energia elé-
trica, que configura o investimento público mais abrangente, já que a quase
totalidade das famílias dispõe deste serviço público de consumo coletivo em
suas casas. Vale lembrar que a expansão da eletrificação rural resultou do
Programa do Governo Federal denominado Luz Para Todos, que integrava o
Plano de Aceleração de Crescimento (PAC) iniciado no ano de 2007. No en-
tanto, diferentemente desse serviço público, os demais apresentam grande
precariedade. A água é disponibilizada por meio de poços artesianos em

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 41
muitas comunidades, sendo que em algumas o abastecimento é feito dire-
tamente de fontes de água de superfície – riachos como ocorre na Imbiara
e no Kaimbongo –, com condições de tratamento precárias ou inexistentes,
já que muitas famílias não fazem tratamento algum. No que tange à dispo-
sição de dejetos humanos, inexiste qualquer esgotamento sanitário, sendo
largamente utilizada a fossa negra, o que a longo prazo tem significativo
potencial de comprometimento da qualidade do solo e contaminação dos
lençóis freáticos. Inadequação semelhante é observada no destino do lixo,
sendo aquele predominantemente queimado.
As dificuldades enfrentadas no cotidiano da vida e formas de reprodução
dessas comunidades têm um ponto crítico que é representado pela ques-
tão da propriedade e acesso a terra: 13 comunidades apontaram tensão
ou conflitos territoriais, sendo dez com proprietários, dois com governos
– percepção de morosidade – e um com proprietário de grande empresa. As
condições socioambientais também apresentam problemas em todas as 17
comunidades que integram o estudo. Apenas quatro comunidades indicam
não ter proximidade com plantações de eucalipto – Kaimbongo, Santiago
do Iguape, Kalolé e Engenho da Vitória – e somente seis não apontaram
problemas de desmatamento – Kalembá, Engenho da Cruz, Kaimbongo, São
Francisco do Paraguaçu, Dendê, Engenho da Vitória. Outros problemas am-
bientais foram mencionados nas comunidades, sendo apontadas como cau-
sas as ações de empresas – Enseada Indústria Naval S.A. e Mastrotto Brasil
S.A. –; retirada de areia nos rios; rio seco no verão; envenenamento na pes-
ca; alergias resultantes de contaminação da lama dos manguezais.
As condições socioambientais são geradoras de impactos negativos sobre
as condições de saúde, que apresentam deficiências reconhecidos em toda
as comunidades. A capilarização da rede de atenção básica na modalidade
da Estratégia Saúde da Família (ESF) se estende a apenas quatro destas com
a presença de UBS em Tabuleiro da Vitória, Engenho da Cruz, São Francisco
do Paraguaçu e Santiago do Iguape, nesta última se encontra uma UPA.
Existe ainda um “posto satélite” em Terra Vermelha, que atende parcial-
mente as comunidades da Imbiara e Kalolé. Quase todas as comunidades
indicaram que dispõem de agente comunitário de saúde – a exceção foi
Engenho da Vitória, mas em nenhuma dessas foi apontada a disponibilidade
de atendimento específico para a população quilombola ou mesmo para a

42 As comunidades quilombolas da Bacia e Vale do Iguape


mulher quilombola – nesse último caso, apenas em Santiago do Iguape foi
apontada a existência. Esses dados sugerem uma forte percepção de que a
rede de saúde pública, embora situada no âmbito da Estratégia Saúde da
Família, não responde à especificidade das demandas de atenção à saúde da
parte dos quilombolas.
Neste contexto de baixa disponibilidade e tensões com relação à atenção
em saúde, o papel dos praticantes terapêuticos ganha destaque e assume
grande importância como recurso comunitário em saúde, sendo esses reco-
nhecidos em todas as comunidades por suas habilidades, eficiência e eficá-
cia de suas práticas para promover o bem-estar das pessoas. A apresentação
desses terapeutas segue a ordem das comunidades previamente definida,
sendo estas Kaonge, Dendê, Kalembá, Engenho da Ponte, Engenho da Praia,
Tombo/Palmeira, Kalolé, Imbiara, Engenho da Vitoria, Kaimbongo, Engenho
Novo, Engenho da Cruz, Engenho São Francisco do Paraguaçu, Santiago do
Iguape, Brejo da Guaíba, Tabuleiro da Vitória, Mutecho e Acutinga.
Tal como vem sendo afirmado ao longo do presente texto, esta publica-
ção tem como orientação e característica preponderante a participação e
colaboração entre os pesquisadores e os membros das comunidades visando
o compartilhamento de saberes e conhecimentos. Assim é que, como parte
do esforço de apoiar e colaborar coma emancipação destas comunidades, e
com o fortalecimento das ações de proteção e uso sustentável dos recursos
materiais e imateriais do seu território, o Projeto Terra de Direitos promo-
veu oficinas de Formação de Jovens para o Monitoramento Ambiental dos
Territórios Quilombolas da Bacia e Vale do Iguape. Um dos resultados do
trabalho formativo é representado pela imagem que mapeia e apresenta al-
guns elementos presentes no território, sendo um importante instrumento
para seu conhecimento, valorização e planejamento e execução de medidas
de proteção por meio de educação para a proteção do ambiente e do patri-
mônio.

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 43
Figura 2.Territórios quilombolas da Bacia e Vale do Iguape, Cachoeira – Bahia
Fonte: grupo de jovens para o Monitoramento Ambiental (2018).

44 As comunidades quilombolas da Bacia e Vale do Iguape


PRATICANTES TERAPÊUTICOS
QUILOMBOLAS

• kaonge

Dona Juvani

Geovanda Viana, Dona Juvani, 63 anos, nasceu numa localidade chamada


Sicupema, próxima do Kaonge. Em idade escolar, foi estudar na comunida-
de de Santiago de Iguape, residindo na casa de sua madrinha. Aos 11 anos
foi para Salvador dar seguimento aos estudos. A partir dos 19 anos, depois
do falecimento dos pais, retornou ao Kaonge para cuidar dos irmãos mais
novos. Casou-se e teve dez filhos, além de ter “criado” vários. Ela foi a fun-
dadora e a primeira professora da escola São Cosme e Damião, situada na
comunidade. Líder espiritual do Terreiro 21 Aldeias de Mar e Terra, ela dá
continuidade ao trabalho espiritual de seu pai, José Viana, nascido na locali-
dade de Campina e morador do Acupe antes de residir no Kaonge, e que ain-
da na juventude começou a desenvolver a mediunidade e a realizar curas.

45
Para Dona Juvani, a mediunidade pode ser uma questão de “hierar-
quia”, que se constitui na tradição familiar, a exemplo de seu pai, como ela
destaca:“Ele olhava para você se você estivesse precisando de alguma coisa, ele dizia:
‘olha filha você vai fazer isso e isso, você precisa de isso, isso’, ‘tá acontecendo isso e isso
com você’. Eu ficava besta, é! Eu ficava besta!”. Segundo ela, seu desenvolvimento
religioso foi iniciado num terreiro em Salvador, mas encontra respaldo na
herança paterna, configurando um processo de longa duração, com alguma
resistência a assumir o compromisso religioso. Ela destaca como a respon-
sabilidade de cuidar veio junto com o sofrimento: “O caboclo, ele é assim, me
pegava, me jogava, me jogava de corpo e alma, fui por hospital não sei quantas vezes!
Pressão palpitando, passando mal, batia a cara na parede e ralava meu rosto na cara
na parede... Era pra eu assumir”.
Enfatizando a importância da cura com rezas e ervas, ela lembra que
os mais antigos se curavam dessa forma. Embora considere que alguns as-
pectos da tradição – as rezas, notadamente – estejam se perdendo, ressal-
ta como suas filhas sabem rezar. Juvani cita as rezas para dor de barriga,

46 Praticantes terapêuticos quilombolas


vento caído,1 uma enfermidade infantil, e olhado (também identificado
como mau-olhado):

Elas [suas filhas] sabem rezar dor de barriga porque eu aprendi e eu ensino, elas sabem
rezar vento caído porque eu aprendi e ensino pra elas como é que reza o vento caído
nos filhos delas. Minha mãe me ensinou. Elas sabem rezar de olhado porque eu ensino.
Mas os outros por aí não sabe. Aí vem às vezes e traz os filhos pra rezar, mas não se
preocupa de dizer a mim: ‘a senhora me ensina?’ e eu não vou dizer assim: ‘Não, você
tem que aprender a rezar’.

Antigamente, como ela nos conta, nos quilombos, o uso das folhas era
mais disseminado pois não havia médicos nas comunidades, todavia as fo-
lhas estão sendo usadas até hoje: “Todo mundo usa as folhas pra tudo aqui. Pra
fazer chá, pra fazer banho[…] usa folha direto, todo mundo”. Nossa interlocuto-
ra relata histórias da vida familiar: conta, por exemplo, como certo tempo
atrás um de seus filhos teve uma lesão na perna que nenhum medicamento
de farmácia curou, até que ela sonhou com seu pai, que a guiou na seleção
e composição do remédio: entrecasca de aroeira, óleo de amêndoa, pó de
fumo. Os relatos de Juvani indicam como a dimensão espiritual e a fé sem-
pre fundamentaram seus atos: “Não deu oito dias já tava sarado e eu disse pra
minhas irmãs: ‘não precisou nada, foi papai que curou’[...] E a fé que cura. Até hoje ele
tem a marca, mas foi papai que curou, o espírito. Então são coisas que você não pode
[…] Tem que ter a fé, entendeu?”.
Finalmente, em relação à sua atuação como educadora, Dona Juvani en-
fatiza que sempre se preocupou em passar para os alunos da escola Cosme e
Damião os conhecimentos sobre as folhas: “Com as turmas de menino da quarta
série, eu sempre trabalhava com eles o livrinho de folha de chá… Você tá entendendo?
Eu sempre trabalhei isso com eles: traga tal folha, tal folha e tal!”

1 Foi uma decisão teórico-metodológica dos autores não apresentar notas explicativas de cada
“enfermidade popular”, pois, como será discutido no Capítulo 5, as “traduções” equivocadas
entre os termos nativos e científicos são parte do problema que nós queremos contornar.
Apresentar uma abordagem detalhada do problema das conceituações nativas de cada “do-
ença” é uma empreitada para outro trabalho.

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 47
Dona Nani, de um terreiro de Umbanda, foi a pessoa que quando meu
pai morreu eu não sabia nada ainda, foi a pessoa que eu achei. Ela
já se foi, ela me orientou em tudo, tudo, tudo... vinha pra aqui pra
dar caruru junto comigo e tudo, porque eu não sabia nada. E depois
os orixás foi me orientando, me orientando... pra eu chegar no ponto
que eu cheguei.

Dona Vardé

Nascida na comunidade do Mutecho, Dona Vardé é o apelido da rezadeira


Valdelice Mota. A senhora de 91 anos nasceu na comunidade do Mutecho e
viveu parte da sua vida no município de Salvador; no entanto, as dificulda-
des a fizeram voltar para onde nasceu. Foi aí que constituiu família, tendo
oito filhos quase todos nascidos pelas mãos da parteira Toninha, da comu-
nidade do Dendê, que lhe passou conhecimentos da arte de partejar. Dona
Vardé também atuou como parteira, mas somente excepcionalmente e com
ajuda espiritual (dos caboclos).

Ô minha filha... quando eu fui pegar a primeira filha do meu irmão eu mandei chamar
a parteira no Kalembá... Ele foi pro Dendê e ficou lá esperando, não tava Tonha ... Aí
ele veio... menina... Eu fiquei sozinha. Mas como Deus e esses caboclos daqui sempre
ajudava a gente eu me peguei com ele. Ela se largava assim... Eu dizia: ‘ô menina, faça
um esforço’, quando eu vi a menina encaixada assim, ‘emende aí logo senão eu lhe dou
um murro’. Aí ela botou o joelho aqui e fez a força. Quando a mãe dela ouviu chorar, aí
eu disse: ‘traga um prato branco aí ou uma garrafa, que ela não despachou’, aí eu fiz
a oração que Toninha me ensinou e botei o prato pra descer.

Dona Vardé relata ainda que quem a ensinou foi a parteira Toninha, o
que foi feito por meio de cuidadoso processo de compartilhamento de seus
saberes: “Toninha me ensinou. Ela me chamava assim ói: ‘mede quatro dedos da tripa
do imbigo, amarra aqui. Mede aqui, amarra. Corta aqui e dobra’[...] eu sei tudo minha
filha. E aqui passa o sal olhe e enrola. Mela a tripa que fica aqui em cima, toda de sal.
Toninha me ensinou”.

48 Praticantes terapêuticos quilombolas


Seus filhos, no entanto, não a deixaram continuar no ofício, por medo
das consequências legais que envolvem as possíveis complicações no ofício
de partejar. Dona Vardé utiliza as folhas conforme a necessidade: “Se você
tiver um filho e ele tiver com febre... tiver tossindo muito... Você dá o banho da alfavaca
e ele queima de febre, depois a febre abaixa. No banho da folha da alfavaca, mas o chá
não empata não, o chá puxa o catarro”.
Sobre as rezas, seu aprendizado se deu com sua avó e também com uma
jovem mulher de Acupe, que lhe ensinou as rezas de “vento caído” (sem
folhas) e “olhado” (com folhas: corona, aroeira, vassourinha de “mofina”).
Posteriormente tornaram-se obrigação espiritual no âmbito da orientação
religiosa do Terreiro de Dona Juvani: “eu era jovem, eu não ligava pra rezar nin-
guém não. Depois eu fiquei velha... aí chegava uma pessoa aqui com o corpo mole e eu
dizia: ‘me dê pra cá’. Aí pegou na linha dos caboclos e os caboclos botou pra eu rezar”.
Dona Vardé, estimulada pela demanda dos visitantes do turismo étnico
quilombola, comenta que intensificou as rezas. Nossa interlocutora é guar-
diã da receita de um xarope, que lhe foi revelada por sua Cabocla, entidade
do panteão religioso afro-brasileiro, vindo a se tornar muito utilizado e seus
efeitos benéficos reconhecidos e apreciado pelos membros da comunidade

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 49
e por visitantes ali vão conhecer a cultura quilombola. Seu aprendizado,
compreendido como um processo de aquisição de novas habilidades, é ex-
plicitado no fragmento de narrativa abaixo:

Eu só sabia as folhas pra banho, mas folha pra fazer xarope pra curar o povo eu vim
saber de uns tempos pra cá. Pra curar meus filhos eu fazia chá de folha de capim santo,
alfavaca, botava pitanga... tudo a gente fazia xarope. A cebola roxa com a palha de
alho, com gengibre... tudo eu botava. Fazia pra dar a meus filhos.

No quintal de Dona Vardé é encontrada uma grande variedade de ervas,


como ela identifica e detalha os usos:

Folha de alfazema é para chá, pra banho... pra dormir é bom. Tira-teima usa pra
banho de descarrego. Essa aí é mastruz, eu uso no xarope e no chá pra verme. Guiné
também pra descarrego. Aqui é rompe-gibão, que eu faço xarope. Eu plantei aí, mas
aqui eu só tiro pra fazer quando vem turista que quer representar as folhas... A do
xarope eu apanho na mata. Deixo aqui mesmo só pra mostrar. Esse aqui é coentro
da índia. Essa daí é carquejo. Essa outra é mendororó, que é um ótimo chá para tirar
inflamação. Tem capim santo ali pra chá, é calmante. Essa aí é boldo, pra chá e pra
comida. A maria-preta é pra fazer chá e xarope. Essa daí é pinhão roxo, serve pra
banho. Olha aí o algodão em cima, para quem está de neném. Essa daí é cordão de são
Francisco, serve também. Aí é quitoco, a gente usa pra chá.

o xarope da vardé

Vardé, moradora da comunidade do Kaonge, faz uso de er-


vas para o cuidado com a família, como chás com folha de
capim santo, alfavaca, pitanga, cebola roxa, gengibre e pa-
lha de alho. Mas é o seu xarope que ganhou fama para além
da comunidade. Essa receita foi revelada e confiada por sua
entidade espiritual, por meio de Juvani, líder espiritual do
Terreiro 21 Aldeias de Mar e Terra. Assim, Vardé se conside-
ra apenas “a fazendeira”, sendo a propriedade da receita da
própria entidade, não podendo descrever as ervas que são

50 Praticantes terapêuticos quilombolas


utilizadas, apenas as apresentando superficialmente. São ne-
cessários alguns cuidados durante a preparação: deve ser um
momento de descrição e recolhimento em sua casa, durante
sua feitura; também é necessário tomar banho antes de sair
para colher as ervas. O xarope da Vardé é indicado não apenas
para consumo local, mas sua apresentação foi incluída como
“atividade” do Turismo Étnico da Rota da Liberdade, sendo
um patrimônio quilombola. Atualmente, a entidade espiritu-
al de Vardé autorizou que sua sobrinha, Pina, também possa
fazer o xarope. Nenhuma outra pessoa pode fazer o xarope,
da mesma forma que não pode haver qualquer interferência
durante sua feitura, sob pena de perda total.

Pina

Ângela Crispina, apelido Pina, é uma jovem professora, marisqueira, api-


cultora, membro do Conselho Quilombola e guia nos eventos relacionados
ao turismo étnico Rota da Liberdade. Pina é filha de Dona Juvani. Segundo
ela, seu interesse e envolvimento com as curas pelas rezas se fez de forma
espontânea, o aprendizado sendo proporcionado pelos próprios familiares:
“Fiquei desde pequena morando junto com minha mãe, com minha tia Vardé, aí vejo
ela fazer... uma faz uma coisa de um lado, a coisa de um outro e não tem como não se
interessar pelas coisas. A gente geralmente termina se interessando assim”.
Pina costuma rezar de “mau-olhado” cujos sintomas ela identifica como
corpo mole são o corpo mole, a vontade de dormir e o olho quebrado e “ven-
to caído”, mas deseja aprender outras rezas: “cobreiro”, “pé desmentido”,
dor de barriga, “cobreiro”, “pé desmentido” – desconforto no pé –, dor de
barriga, “espinhela caída” – enfermidade que acomete dores no peito, mas
também pode se estender para as costas, braços, pernas, além de cansaço”.
Pina, que é guia nas atividades desenvolvidas na Rota da Liberdade, destaca
o interesse dos visitantes em serem rezados, ficando a cargo dos mais velhos
a iniciar esses procedimentos. Ela somente é chamada quando a demanda
dos visitantes é grande:

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 51
Claro, com certeza, eu ainda tenho duas mais velhas [rezadeiras] aqui pra ir adiante
de mim, como é que eu tenho que ir assim... maneirando, primeiro as mais velhas, eu
tenho aqui que respeitar. Se ela [Vardé] disser assim: ‘vai tu!’, então eu rezo. Se elas
disser, eu tenho que obedecer os mais velhos, então vambora que eu faço.

Pina ressalta também que ninguém pode se negar a rezar, pois trata-se
de uma prática de caridade: “Não rejeito reza não, mesmo porque diz assim: ‘o que
se aprende a gente não pode rejeitar’”. O irmão caçula, Anderson, aprendeu a
rezar “pé desmentido” e ela também reza para “tirar soluço”, que aprendeu
com a mãe: “Aí se o menino der soluço assim aí aquele soluço não quer parar, aí a
mãe vai e dá água, mesmo assim o soluço não passa aí ela diz assim: ‘reza aí de soluço
pro soluço ir pra casa do poço’, aí eu vou lá e rezo... eu aprendi há dois anos atrás”.
Pina conta como ela sempre ajudou as irmãs recém-paridas com os bebês
delas, assim que aprendeu e rezou muito criança pequena de soluço:

Aí geralmente já vem no processo de ficar mesmo com os sobrinhos, aí nesse processo os


meninos sempre dava aquele soluço, aí minha irmã ficava preocupada liga pra mãe,
mas não tinha aquele negócio aí ligava e falava: ‘ô mãe como é que reza de soluço?’,
mas não memorizava na mente, aí um dia ela ligou e eu falei: ‘como é mãe que reza?’,

52 Praticantes terapêuticos quilombolas


reza assim, assim, assim... Aí eu gravei, Rosângela pelo menos aprendeu a reza do
soluço. Mas de vez em quando joga... ‘vai chega pra lá, vai Pina reza aí’. Aí eu aprendi
a reza do soluço.

Pina sempre ajudou as irmãs parturientes e seus bebês, ressalta que gos-
taria muito de aprender a partejar, mas reconhece que essa prática desapa-
receu com as mulheres já falecidas das comunidades:

[...] se tivesse eu tenho interesse de um dia eu engravidar, não sei se vai acontecer, mas
se eu tivesse eu queria em casa, mas como não tem aquelas parteiras como eu nasci,
de confiança eu prefiro ir direto para o hospital. Eu gostaria de ter meu filho em casa,
mas como não tem mais aquelas parteiras [...].

cuidados com recém-nascidos

Se for de dar banho, eu faço aqueles negócios de meus mais velhos, de


incensar roupa, enxaguar com água de alfazema, lavar só com sabão
de coco, lavar com sabão neutro, é aquela roupa que saiu do hospi-
tal, se você saiu do hospital. Na hora que eu vou dar banho o banho
das dez horas, das nove e meia, dez horas, aí morna a água, vejo a
temperatura, bota o pingo de alfazema, aí dou o banho na criança,
enxugo o umbigo direitinho. No meu tempo, a gente foi tudo curado
com fumo, tanto que o meu umbigo é bem fundo. Hoje em dia é mais
aquele frasquinho... é um iodo [...] um desses negócio aí que vai secan-
do e botando no umbigo, aquele alcoolzinho setenta [...] joga aquele
negocinho em cima pra poder não inflamar o umbigo.

Raimundo

Raimundo Jovelino, 66 anos, nascido na região da Acutinga, é casado com


Dona Juvani e irmão de Dona Vardé. Mudou-se para Engenho do Meio,
Campina, nos anos 1960 para, depois de perder a casa de palha num

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 53
incêndio, passar a morar no Kaonge. Não foi com a família que aprendeu a
rezar, mas com Dona Nani, liderança espiritual de um terreiro em Salvador,
que em determinada ocasião o rezou para curar de uma dor na espinhela.
Embora não seja um costume, eventualmente Raimundo pode rezar
de “espinhela caída”. Aprendeu a rezar “de bicho” com uma pessoa em
Santiago do Iguape, pela necessidade de não perder os animais que criava,
ensinamento este que passou para o seu filho, José Luiz, que hoje assumiu
essa responsabilidade. A reza se faz de uma vez só e pode ser efetuada à dis-
tância, todavia, para Raimundo é necessário ver o animal:

É só uma vez. Se o animal tá no campo lá, tá com a bicheira... Você viu que tá com
bicho... Você trata de fazer o processo e aí pronto. Meu pai sabia e rezava daqui... Ele
dizia que rezava daqui a no Acupe e resolvia o problema. Eu nunca rezei daqui no
Acupe. Eu sempre rezei aqui pertinho, o animal tá ali, eu tô vendo a posição que é a

54 Praticantes terapêuticos quilombolas


bicheira, porque depende também da posição onde é a bicheira, pra você fazer a coisa
certa, né?No meu caso eu tenho que tá vendo onde que é. Meu pai, você falava com ele:
‘é em tal lugar’, pronto. Eu nunca fiz isso. Eu sempre acompanhei o animal. Eu vejo e
aí pronto. Cruzo e aí pronto. Tá resolvido o problema.

O galho a utilizar pode ser de São Gonçalinho ou de uma folha qualquer,


mas devem ser usadas somente 11 folhas, como ele explica: “Se achar um pé
de São Gonçalinho assim logo, melhor. São Gonçalinho você tem a facilidade até da
folha, você chegou lá, quebrou o galho, tem 11 folhas... tem 11 ou mais, mas você só vai
usar 11”. Sobre a razão do procedimento, Raimundo diz não conhecer bem:
“A razão é você ter aquele galho de folha na mão e rezou e... que eu não aprendi tam-
bém muita coisa não. Que eu aprendi também foi rezar o padre nosso, o crê em Deus
pai, o salve rainha... não me aprofundei muito em negócio de reza não”. Ele também
esclarece que seu pai fazia outras rezas, mas que não lhe foram ensinadas:

Meu pai, ele era uma pessoa que ele rezava assim... se o animal tinha uma bicheira ele re-
zava... ele não precisava de remédio pra curar, ele rezava no tempo, né? Mas eu trabalhei
muito tempo com ele e ele não me ensinou. Não sei se foi falta de interesse meu... ou
talvez ele não poderia me ensinar, porque a reza também você não pode sair distribuin-
do pra todo mundo, pelo contrário. Você sabe, você tem que passar pra uma pessoa.

Raimundo explica que espinhela caída pode provocar dor na “caixa dos
peitos”, dor nas costas, cansaço, e pondera que carregar peso pode agravar
o problema, podendo voltar várias vezes e que quando isso acontece, é pre-
ciso rezar novamente. No entanto, apesar dos desdobramentos serem mais
ou menos demorados, segundo ele a reza nunca dá errado: “Reza é uma das
coisas que a gente tem que ter muita fé em reza. Eu passei a ter fé em reza depois que
eu faço as minha coisa e dá certo, né? Como é que eu não vou acreditar? Se eu vejo um
animal com bicho e rezo e dá certo?” Trata-se de um aprendizado que passa pela
experiência, como ele afirma: “Porque se nada você sente, você não liga pra nada.
Eu aprendi alguma coisa, porque eu senti”.
Para Raimundo, é importante diferenciar “problema de médico” de “pro-
blema de folha”, ele mesmo tendo passado, na juventude, por procedimen-
tos médicos (injeções) que não conseguiram curar três feridas nas pernas
(“bicheira”). Seguindo o conselho da esposa, Dona Juvani num sonho sobre
a cura, ele procurou Dona Nani:

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 55
Chegando lá ela olhou o meu problema e passou um remédio pra mim e eu fiquei
bom, só usei três dias porque tive que usar. Aí é que eu digo, tem coisa que é medici-
na, mas tem coisa que tem que ser banho de folha... quanto mais eu tomava injeção
mais não resolvia. Ela me passou pra mim, sabe o quê? ‘Tome aqui, leve essa pomada
Minâncora, passe na farmácia, compre um vidro de Lysoform, passe no mercado, com-
pre um quilo de milho, chegue em casa, lave com Lysoform, passe a pomada, torre o
milho e saia pela estrada pedindo ‘quem deu rei’’.

É bom a pessoa que tem vontade de aprender... Porque a gente não


tem que ter as coisas pra gente só, a gente tem que repassar pra al-
guém, porque senão a gente aqui na Terra é uma passagem, né? É
bom a gente repassar aquilo que a gente sabe, porque senão você vai
morrer e levar e não é justo você levar aquilo que você sabe, né?

• dendê

Dona Maria

Dona Maria das Dores Santos, casada e mãe de 11 filhos, é uma das pratican-
tes terapêuticas da comunidade. Ela explica que sua habilidade com as ervas
é um dom com o qual ela já nasceu, que se manifestou quando começou
a “entender das coisas”, contudo o aprendizado se deu com seus pais. Dona
Maria lamenta o crescente desinteresse das pessoas pelas ervas, acrescen-
tando que atualmente as pessoas só acreditam no médico. Em busca de ex-
plicar esclarecer seu ponto de vista com relação à importância das práticas
terapêuticas tradicionais, ela ressalta as características da “espinhela caída”
dores no fígado e nas costas, como exemplo de doença que o médico não
consegue curar, entretanto tem tratamento adequado da parte dos pratican-
tes comunitários em saúde.

56 Praticantes terapêuticos quilombolas


Ao longo de sua narrativa Dona Maria destaca algumas ervas e seus usos
terapêuticos, mencionando as folhas de alumã para dor de barriga e fígado;
capim santo e alfavaca para gripe, enfatizando que se fizer o chá com adição
de laranja amargosa é bom para melhorar o sono; hortelã miúdo para tosse
(xarope) na comida, e misturado com outras ervas faz-se xarope; limão ver-
dadeiro e acerola para tosse; mamão e laranja para ressecamento intestinal;
São Gonçalinho e cajá para melhorar o sono; mastruz e boldo para dor de
barriga. Os procedimentos são variados: alumã, capim santo, boldo e mas-
truz, São Gonçalinho e cajá são folhas para chás, que são usadas individual-
mente. Capim santo também pode ser usado com folha de laranja amargosa
para a feitura do chá. A alfavaca é misturada com capim santo e com a folha
da laranja amarga para feitura de chá. O hortelã miúdo é macerado para
fazer suco e tomar com mel ou açúcar. Já o hortelã grosso serve para comi-
da, especialmente o feijão. O limão verdadeiro serve para chá: corta-se os
pedaços e se come com mel. Com a acerola se faz suco; o mamão, come-se
os pedaços, maduro; a laranja serve para chá, especialmente a casca.
Conforme Dona Maria esclarece, todas as plantas podem ser colhidas
durante o dia, mas se houver alguma urgência, pode-se colher à noite. No

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 57
seu quintal ela planta capim santo, alfavaca, manjericão, hortelã miúdo,
hortelã grosso, limão e mastruz.

Atualmente Dona Maria receia indicar ervas para as pessoas,


porque muitos não acreditam. Como ela explica, “antigamente
tinha nós e hoje não tem interesse e tem muitos aqui que não gostam
de tomar chá”.

Nico

Nilton Antônio Nogueira Silva, mais conhecido como Nico, tem 50 anos,
cinco filhos, e se reconhece como curador ou curandeiro. Nico não reza as
pessoas com uso de folhas, mas considera sagradas todas as ervas medici-
nais. Umbandista, ele faz parte da família espiritual do Terreiro do Kaonge.
Aos dez anos iniciou-se no ofício por meio do aprendizado com sua avó, que
também ensinou seu irmão Carlos Jorge ambos foram criados pela avó. A
avó, Toinha, era parteira famosa na região, e foi ela quem inicialmente lhe
ensinou os cuidados com o umbigo de recém-nascidos. Ele acompanhava a
avó na realização dos partos nas comunidades da região.
Além do cuidado com umbigos, aos 18 anos, Nico aprendeu com sua avó
a utilizar as ervas medicinais. São os chás e os banhos, mas também a prepa-
ração de lambedores e xaropes, especialmente para curar gripe. Nico aten-
de principalmente as pessoas da própria comunidade e, às vezes, pessoas
de outras comunidades quilombolas do Iguape. Ele esclarece que a procura
mais recorrente é para tratamento de gripe, “banho de descarrego” e dores
de barriga.
Nico relata que existem poucos jovens com interesse em aprender esse
ofício, mas por outro lado, participa de iniciativas de valorização desses
conhecimentos. Ele menciona os encontros, principalmente no Conselho
Quilombola, com outras pessoas que utilizam as ervas medicinais. Além disso,
dialoga com seu irmão, Carlos Jorge, sobre esse assunto e também realiza via-
gens que são oportunizadas para trocas de experiências em outras localidades.

58 Praticantes terapêuticos quilombolas


Nico afirma que tem passado seu conhecimento para suas filhas e sua esposa,
que demonstram interesse em aprender sobre as ervas medicinais.
As ervas podem ser utilizadas em lambedores (xaropes) para gripe tudo
junto, como “composto”, feito com hortelã miúdo (folha), alfavaca (planta),
fedegoso (planta), capim estrela (planta), jurubeba (planta) e alho. Outra va-
riação é o lambedor para gripe e febre (composto), cuja receita incluí hortelã
miúdo (folha), alfavaca (planta), fedegoso (planta), capim estrela (planta),
jurubeba (planta), alho, limão taiti (fruto) e mel de abelha.
Para os chás, ele apresenta algumas variações. Chás para dores de bar-
riga, tais como alumã (folha), araçá mirim (folha), tapete de Oxalá (folha),
novalgina (folha). Chás para dores de barriga e tratamento de rins, com qui-
toco. Para pressão alta, ele prescreve chupar o fruto da carambola; chá da
folha da carambola; chá da folha de maracujá (qualquer tipo); chá da laranja
amargosa. Para pressão baixa a recomendação é leite com sal. Para dor de
cabeça o chá de novalgina (folha) é a recomendação; chá de anador (folha). Já
para dor de garganta, prescreve gargarejar com a folha do jilozinhodo mato
(não pode engolir). Por fim, o banho para dor de cabeça é preparado com
folha de cajá (do olho da cajazeira), podendo e devendo molhar a cabeça. O

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 59
banho de descarrego é preparado com folhas (tudo junto) de arruda (folha),
guiné (folha), vence-tudo (folha), manjericão (folha), alfazema (folha e pode
ser também o perfume), alho e sal grosso. Neste banho não se pode molhar
a cabeça. Por fim, o banho para dor de cabeça é preparado com folha de cajá
(olho do cajá), neste caso é necessário molhar a cabeça.
Nico reconhece a existência de praticantes de diversas religiões na comu-
nidade, destaca a presença de pessoas que se denominam católicas, cristãs
(evangélicas) e candomblecistas nas circunvizinhanças, menciona especifi-
camente mães de santo, contudo afirma que todos utilizam as ervas medici-
nais. Ele considera que a procura mais recorrente das ervas é para tratamen-
to de gripe, banho de descarrego e dores de barriga.

Para todos os procedimentos de chás e banhos e xaropes não


existe uma quantidade exata, com exceção do alho – três
“dentes” – e do sal – um punhado –, pois é na prática que se
determina a quantidade. Quanto à forma de colher as folhas,
ele afirma que o melhor horário é durante o dia, menos ao
meio-dia. Não se deve pegar as ervas medicinais no “escravar
do sol” e à noite. A coleta das folhas é feita na própria loca-
lidade, principalmente no próprio quintal, em que se planta
manjericão, arruda, hortelã miúdo, hortelã grosso, procedi-
mento para o qual se pede licença por meio de orações.

Edileuza

Casada e com dois filhos, Edileuza dos Santos, 30 anos, é uma jovem reza-
deira da comunidade, que atende às demandas por cuidado em saúde por
meio de rezas e banhos, conhece e indica ervas para chás e faz lambedores.
Ela conta que desde criança, com sete anos, já acompanhava a mãe na coleta
e no preparo dos chás com plantas medicinais. Desde então, utiliza os chás
para seu cuidado, como também os indica na sua comunidade. Para além
dos chás, aprendeu com a mãe sobre os banhos e o preparo do lambedor

60 Praticantes terapêuticos quilombolas


(xarope). Aos 15 anos, com a comadre de sua mãe, aprendeu a reza “cruzan-
do a mão”– sem utilização de plantas medicinais – para retirar espinha da
garganta. Aos 27 anos, aprendeu com a sogra de sua irmã a reza para curar
“olhado”, sendo referência na sua comunidade para este tratamento – a úni-
ca do lugar a fazer essa reza. Edileuza é católica e frequenta o terreiro de
Umbanda do Kaonge. Sua mãe, evangélica, também recorre às rezas e aos
chás para os tratamentos. Atende principalmente a comunidade do Dendê,
sendo que as pessoas a procuram mais frequentemente para tratar de “olha-
do”. Ela acrescenta, ainda, que se relaciona com outras rezadoras da comu-
nidade do Kaonge, mas relata que existem poucos jovens com interesse em
aprender o ofício.
As ervas medicinais citadas para chá foram mãe-boa, aroeira – chá e ba-
nho –, terramicina, quitoco, todas para inflamação; quioiô, para má diges-
tão; alfavaca e coentro de boi, para gripe; canela de “véio”, para tratamento

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 61
de pressão alta. Para a gripe, ela prescreve chá (lambedor) de alfavaca (fo-
lha), coentro (folha), cebola, limão (o fruto), alho (um dente), e fedegoso (a
raiz). Para o mau olhado, ela indica que outras ervas também são utilizadas,
entre estas vassourinha de mofina (três galhos), na forma de banho para
mal olhado; vassourinha de mofina, usada na reza para mal olhado; banho
de vassourinha e aroeira, para tratamento de mal olhado; folha de pimenta,
água e vinagre, para tratamento de cobreiro com reza.
Edileuza esclarece que a quantidade dos ingredientes varia conforme seu
uso. Para a reza, normalmente são utilizados três galhos da erva; para o chá,
recomenda-se de três a quatro folhas de cada erva; para o banho, é adequado
cerca de três galhos de cada erva. Ela também indica horários adequados
para a reza. Não pode ser no escravar do sol, ao meio dia e a noite; também
não se pode rezar quando a maré está alta.

Edileuza destaca alguns detalhes nos procedimentos da reza


com folhas: as plantas devem ser utilizadas em três galhos; a
reza não pode ser feita no escravar do sol, nem ao meio dia e
à noite; por fim, não se pode rezar quando a maré está alta.

• kalembá

Ana

Ana Lúcia Barbosa, ou simplesmente Ana, não gosta de ser chamada de


rezadeira ou benzedeira, indicando que tais denominações implicam um
compromisso muito grande com a comunidade: “É um compromisso, assim, pra
rezar. É uma obrigação”. Afirma, ainda, ser consciente da responsabilidade de
cuidar das pessoas passando orientações de banhos. Há algum tempo – cerca
de dez anos – que ela faz uso de folhas, tendo aprendido com Dona Juvani,
do Kaonge.

62 Praticantes terapêuticos quilombolas


[...] eu ia na casa dela e ela passava banho, passava chá, folha... Então eu ia ali apren-
dendo. A casa de axé é uma escola. Eu era moderna ainda. Que eu tava com a cabeça
toda virada assim... eu cheguei lá na casa dela e ela incensou uma rosa branca, aí
daquela rosa branca foi que me salvou, então daí eu fui conhecendo as folhas.

Ana diz ser procurada pelas pessoas do Kalembá e de outros locais na


vizinhança para tomar banho de “folha de descarrego”, dor no corpo, dor de
barriga. Ela procura aprimorar seu conhecimento com o líder espiritual do
terreiro de Umbanda que atualmente frequenta, que tem costume de sair
no mato para mostrar as folhas: “Aí ele mostra que folha que serve pra banho, que
serve pra fazer chá, pra banho de descarrego, olhado [...] mufina [...]”.
Ela explica os procedimentos para o preparo e os efeitos de alguns ba-
nhos, a exemplo do de folhas de água de levante, para o qual se usa três fo-
lhas para preparar, sendo indicada para olhado e para dor no corpo. Arruda,

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 63
mirra, palma de rainha também servem para olhado e dor no corpo (o ba-
nho também é chamado de “descarrego”). Rompe gibão é outra erva que
serve para descarrego, neste caso são usadas quatro folhas por três vezes.
O cordão de São Francisco deve ser colhido de manhã, serve para banho e
pode-se botar dois/três pés, sendo usado até sete vezes. A folha de tira-teima,
igualmente, serve para descarrego, colhe-se de manhã e é usada por três ve-
zes. No repertório de ervas usadas para banho de descarrego, são ainda en-
contrados vence-tudo, maria preta, guiné, capianga, São Gonçalinho branco
e tira-feitiço. A vassourinha é utilizada no tratamento de olhado e mufina,
corpo pesado, cansaço. O quitoco é usado tanto no preparo de banhos, quan-
to na forma de chá para dor de barriga e diarreia: “Pra banho usa um galho e
para chá usa quatro folhas pra um copo de água. Para banho usa até três vezes e pra
chá usa a até a dor de barriga passar”.
Ana afirma que, embora seja aconselhável que coleta das folhas ocorra
no período da manhã, em outros horários a coleta também pode ser feita,
contudo não deve ocorrer no horário de meio dia. Ela utiliza folhas do seu
quintal e também vai procurar no mato, muitas vezes guiada por pessoas
mais experientes: “Aqui no meu quintal tem uns pé ainda e quando eu vou pra lá
pra cima uma moça lá leva a gente pra mata e vai explicando as folhas a gente, pra
quê que serve e pra quê que não”.

Arruda é para banho mesmo, esfrega na água, depois coa e aí já tá o


banho pronto, bota um bocado de folha... bota palma da rainha, bota
água de levante da miúda...Palma da rainha também é uma folha
pra fazer banho. Tem uma folha que chama mirra, pra fazer banho...
Da arruda usa umas dez galhas e toma três banhos, usa à tarde e
colhe pela manhã.

64 Praticantes terapêuticos quilombolas


Dona Judite

Rezar, fazer banhos, chás e indicar ervas para as pessoas são alguns dos
saberes de Dona Judite Nascimento dos Santos. Marisqueira, com 73 anos e
mãe de oito filhos, ela gosta de samba, de oferecer caruru, de participar das
festas promovidas pelas comunidades do Iguape (principalmente das festas
do Kaonge), e de se declarar rezadeira. Considera o seu dom como uma dá-
diva divina – “presente de Deus” – por ter aprendido sozinha, quando tinha
apenas 21 anos.
A primeira reza foi feita para seu filho mais velho e aconteceu quando
“ajuntava as palavras e formava as suas rezas”. Afirma ainda que as pesso-
as não acreditavam que ela fosse capaz, no entanto, a partir de suas rezas
aconteceram curas de determinadas doenças e de mal-estar que as pessoas
sentiam, principalmente decorrentes de “mau-olhado”.
Dona Judite atende pessoas do Kalembá e de outras comunidades do
Iguape; também atende pessoas que se deslocam para a sua comunidade do
município de Santo Amaro em busca de resolução para males que a afligem.
Ela se relaciona com outros rezadores/benzedores de outras comunidades,
notadamente da comunidade do Kaonge – com Dona Juvani e Dona Vardé
– e da Campina (Dona Zinha). Dona Judite avalia que muitos jovens não
acreditam ou não têm interesse nos conhecimentos tradicionais; pondera,
ainda, que existem “pessoas que não acreditam em Deus e em ninguém”.
Sobre as prescrições terapêuticas, ela destaca algumas de banhos, chás,
rezas. Normalmente para os chás coloca entre três e quatro folhas; alguns
banhos precisam de sete galhos, assim como as rezas. Faz, assim, uso de
quioiô preto para a cura de má digestão, sendo três a quatro folhas para
chá; quioiô de caboclo é usado para banho, limpeza espiritual; da erva ci-
dreira ,chá para digestão; do capim de burro é feito o chá da folha para dor
de barriga; alfavaca cozida (da folha), é feito o chá para curar a febre; chá
de melissa, da folha sem espinho, serve para aliviar cólicas de crianças; das
folhas conhecidas como anador e novalgina se faz chá para eliminar dores.
Para tratamento de frieira e micose de pele usa-se coentro de boi. Utiliza-se
alho para reza contra dor de pescoço, sendo o primeiro dia com guiné; o
segundo, com aroeira; o terceiro, com dente de alho. Reza-se para pé torcido
com pedra de brita – coloca-se a pedra no fogo após a reza. Aroeira é usada

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 65
para tratar inflamação, preparando-se o chá com as folhas. Mandororó, que
serve para corrimento e inflamação do útero, prepara-se o chá com as fo-
lhas, pode-se também torrar e colocar o pó na parte de feridas externas.
Nossa interlocutora salienta que algumas plantas medicinais não são mais
achadas na sua comunidade, cita como exemplo a palma Santa Rita (con-
cha de Ogum), utilizada para banho e que atualmente só consegue obter na
comunidade de Mutecho-Acutinga – outrora denominada Opalma, por ser
sede da empresa do mesmo nome que cultivou dendezeiros e industrializou
seu óleo –; e também o cordão de São Francisco, que utiliza para banho.
Ela também apresentou receitas para outros males. Para tratamento de
encosto deve-se usar raiz de dandá, folha de andu virgem e folha de man-
dioca – tomar três banhos para tratamento. Para descarrego, tomar banho
em três dias consecutivos. Para encosto de Egum tem de ser usada a raiz do
fedegoso, guiné e aroeira. No uso da capianga, a coleta deve ser feita antes
do sol nascer, isto é, às cinco horas da manhã – o horário depende do fato
que a capianga é considerada “erva santa” –, e preparar banho com folha
com sete galhos.

66 Praticantes terapêuticos quilombolas


Após pedir licença e fazer uma oração para colher as ervas,
Dona Judite esclarece os procedimentos das rezas. Com erva-
-cidreira, usa-se sete galhos; com folha da guiné, sete galhos,
cura-se mufina, que dá corpo mole. Com folha de aroeira,
reza-se três vezes em dias consecutivos – dia de sexta-feira é
uma reza só para pai Oxalá. Com manjericão e vassourinha
se reza de mufina. Sobre os horários para a reza, não são indi-
cados os horários do sol se escravando e meio-dia. Com exce-
ção da palma de Santa Rita, espada de Ogum e cordão de São
Francisco, ela dispõe todas as ervas medicinais que utiliza no
seu quintal, plantando e cuidando das mesmas.

• engenho da ponte

Selma

Selma Silva Santos, 36 anos, tem um filho e uma filha. Considera-se uma
“orientadora” das pessoas que a procuram para entender sobre os usos me-
dicinais das folhas para curar os problemas do dia a dia. Ela fala que, na
maioria dos casos, as enfermidades são tratadas na própria comunidade fa-
zendo chás medicinais.
Para Selma, o poder das folhas encontra fundamento em sua experiência
religiosa, ligada aos orixás, e à importância das ervas como conhecimento
compartilhado pela comunidade. Seu aprendizado se deu na convivência
com a avó, que era parteira e sabia fazer muitos chás; posteriormente apren-
deu mais sobre as ervas com sua mãe e com Dona Juvani. Ela destaca a
importância das ervas medicinais na forma de chás ou de banhos – também
de descarrego – para as comunidades quilombolas da região, um conheci-
mento que é partilhado pela comunidade:

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 67
Em qualquer comunidade dessas que você for aí, o que passa primeiro, antes de ir ao
médico, é as ervas medicinais. É banho de descarrego, é uma palha de alho pra quei-
mar pra defumar, é alho pra cheirar [...] E até mesmo quem não é parente. Se sentir
alguma coisa, porque comunidade rural, comunidade quilombola, o pessoal é muito
aconchegante, né?

Recentemente Selma teve queimaduras em uma parte considerável do


corpo, tendo um conhecido de outra comunidade indicado uma erva que era
a mesma utilizada por seu avô, quando incorporado pelo Caboclo Jeremias.
Seu relato destaca a vitalidade desses conhecimentos que circulam pelo ter-
ritório quilombola, dos antepassados aos viventes:

[...] eu me queimei aí tive uma fratura... me queimei mesmo, toda. E aí chegou um


rapaz aqui que me falou que tinha uma erva que chama neve cheirosa, certo? Do nada
ele: ‘Selma, disse que tem essa folha, neve cheirosa, é boa pra curar, você torra ela e co-
loca o pó, cicatriza rapidinho’. Aí minha sogra disse: ‘eu conheço qual é’. E eu não sabia
dessa história, não sabia. Isso tem o quê, acho que tem uns cinco anos atrás. Aí minha
sogra foi e pegou essa folha, torrou e fez o pó, eu coloquei... tipo assim, eu coloquei hoje
quando foi no outro dia eu já comecei sentir a queimadura... me queimei toda, toda,

68 Praticantes terapêuticos quilombolas


toda... aí começou a cicatrizar. Aí depois minha tia disse: ‘Você sabe que essa folha era
a folha que o caboclo de seu avô sempre passava pra curar as pessoas?’. Aí foi que eu
vim né? Gente... é assim... é história que você acaba que passando por uma coisa, né?
Acaba que se beneficiando de algo que já aconteceu, que era do passado e depois que
você vai entender, né? Um rapaz que não tinha nada a ver chegou aqui, me falou dessa
folha e aí depois minha tia chegou pra mim e me disse que essa folha era que o caboclo
de meu avô usava pra curar as pessoas, pra chá, pra banho, pra tudo[...]

O medicamento dos orixás é as folhas, então quando eles passa algo


pra gente, o que eles passam é as folhas. Então por isso essa fé ainda
mais com as folhas através dos orixás [...]. Aqui geralmente usa muito
isso: ‘fulano, essa folha serve pra quê?’, entendeu? E se a gente sabe
orienta: ‘serve pra dor de cabeça’, ‘serve pra banho’, entendeu?

Irá da Ponte

Iraildes de Assis tem 58 anos e é mãe de oito filhos e filhas. Ela também se
considera uma “orientadora”. O aprendizado das ervas veio desde criança,
observando os mais velhos, sua mãe e, posteriormente, aprendendo com
Dona Juvani. As pessoas também a procuram para saber quais as folhas
apropriadas para cada tipo de doença, mas já existem diferenças em relação
aos tempos antigos, como ela enfatiza: “Às vezes não acreditam, vai mais corren-
do pro médico, aí eu fico sem saber até o que é que eu ensino”.
Irá da Ponte comenta que atualmente um de seus netos se interessa pe-
las ervas: “quando ele sente uma dor de barriga, ele mesmo corre pro pé de boldo,
ele sai procurando alumã, faz o chá dele... Quando eu vejo, ele já bebeu. Maílson. Ele
mesmo faz o chá dele”. Seus filhos também sabem fazer uso de alguns tipos de
chás. Segundo Irá, alguns jovens conhecem um pouco das ervas, mas fazem
“brincadeiras” uns com os outros em relação ao uso das ervas, especialmen-
te os rapazes. A diminuição da disponibilidade das ervas medicinais decorre,
segundo Irá, do pouco interesse em se plantá-las.

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 69
Ela menciona algumas ervas seus usos para tratamentos, a exemplo
da folha de carambola para pressão alta; tapete de oxalá para mal-estar de
estômago e para banho; “tretreque” e entrecasca da aroeira como anti-in-
flamatório; neve cheirosa para banho e queimadura; boldo, quioiô, alumã,
manjericão para mal-estar; água de levante para dor e calmante; manjericão
calmante; alfazema de caboclo para chá e banho, calmante. Para dor de
dentes ela menciona o uso de “cinza de fogão”: “A cinza [do fogão] eu costumo
fazer pra dor de dente. Eu pego… cozinho a folha do tamarindo, depois que cozinha
ela, eu tiro e aí coloco um pouco de cinza, um pouco de sal, pouco de vinagre e bochecho
bem”. Ela esclarece que também se usa as cinzas para curar caxumba, e que
antigamente se usava a lama do “purrão” (pote de água).

vento caído e olhado

Vento caído a criança começa a… as fezes dela fica assim que nem
ovo, fica desandada parecendo que é uma gema de ovo e fica ama-
relada. Agora, se não rezar é capaz de vir a óbito. Tem que rezar. Aí

70 Praticantes terapêuticos quilombolas


reza, dá chá do algodão, da maçã do algodão… pra poder melhorar.
E quando reza tem que pegar aqui no meio, não pode pegar debaixo
dos braços, durante os dias que tiver rezando. [...] Fica mole [olhado],
só querendo dormir, não tem apetite de comer e às vezes também
dá disenteria, mas as fezes é verde, esverdeada. Porque o olhado é
assim… se tiver um menino bonito: ‘esse menino é bonito’, fica todo
mundo comentado, às vezes o olho da gente faz com que coloque o
olhado no menino, seje bonito, seje feio, porque tem olhar de bonito,
tem de feio, tem de magro, tem de gordo, de tudo… se o menino come
muito: ‘Ave Maria, mas esse menino come, viu’.

Leleta e Marinalva

Júlia Cardoso Almeida, mais conhecida por Leleta, tinha 93 anos à época
de nossa conversa, em 2017, que também contou com a participação de
Marinalva, 60 anos, sua filha. Leleta teve cinco filhos. Sua irmã, Nêga, era
uma famosa parteira e rezadora da comunidade. Leleta reza alguns proble-
mas de saúde e destaca que o uso das ervas também se relaciona com chás,
banhos e xaropes. No passado ela costumava rezar benditos para vários san-
tos católicos – Santo Antônio, São Cosme, Santa Cruz – e ajudava na pro-
cissão da Festa de São Roque – no Engenho da Ponte – que sua irmã Nêga
conduzia com a reza para o santo. Marinalva, que também reza quando há
necessidade, pondera que a reza de outras pessoas pode ser mais “forte” que
a sua. Para Marinalva, que aprendeu a rezar com a tia, Dona Nêga, a eficácia
da reza deve ser compreendida em estreita articulação com as folhas.
Leleta menciona algumas rezas, como a de “pé desmentido”, que é acom-
panhada por sete pedrinhas na região do machucado; para rezar a erisi-
pela – uma doença grave de pele – é necessário azeite embebido em lã de
carneiro ou algodão para colocar no entorno da região afetada – as palavras
sendo ditas com movimentos em cruz. Ela acrescenta, ainda, que nunca
se deve rezar erisipela com pena de galinha, pois a pessoa rezada estará
interditada dali em diante para o consumo deste alimento; para cobreiro, a
reza deve ser acompanhada de um ramo de erva embebido em água e sal. Já

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 71
para fogo selvagem, é adequado rezar acompanhado de folha de pimenta –
contudo ela reconhece que Dulce, do Engenho da Ponte, é quem sabe rezar.
Para se rezar olhado, é preciso de folha específica, vassourinha de mofina.
A exceção é na sexta-feira, quando se pode rezar com fogo. Marinalva, que
aprendeu a rezar com a tia, Dona Nêga, pondera não ter fé na sua reza, acre-
ditando mais na reza de outras pessoas. No entanto, afirma que pode rezar,
se houver necessidade.
As folhas para chá e seus usos citadas por Leleta foram melissa e cidreira,
ambos calmantes, capim santo – para problema do “nervoso” – manjericão,
pitanga (para xarope), ao que Marinalva complementa: “Pitanga pra gripe.
Pitanga, fedegoso, alfavaca…. Mãe-boa que é bom pra inflamação”. Foi também
mencionado o quioiô de chá e de banho, que é o “quioiô de caboclo”, este
é considerado “mais forte”, acrescenta. Ao longo da conversa, outras folhas
e usos foram lembradas, tal como quebra-pedra (para os rins), alfavaqui-
nha de cobra para criança com diarreia, graviola para o controle da pressão
e pata de vaca para o controle do diabetes. Adicionalmente, Marinalva se

72 Praticantes terapêuticos quilombolas


refere à existência de um pé de “pata de vaca” no quintal de sua casa, sendo
as folhas dessa planta muito solicitadas. Para o xarope, Leleta fornece a re-
ceita de um que inclui folha de pitanga, folha da costa e da maria preta, raiz
do fedegoso, raiz da carqueja, raiz do carro santo, raiz da jurubeba. Sobre o
processo de feitura, ela informa que cozinha tudo, acrescenta açúcar e mel.
Elas comentam que muitos fazem xarope em Santiago do Iguape, e que
existe uma mulher que vende o produto.
Sobre o uso das folhas entre os jovens, Marinalva comenta que: “alguns jo-
vens se interessam, preferem tomar mais um chá do que ir pra médico. Quem não gosta
de médico toma chá”. Ela acrescente que seus filhos e netos também sabem
consumir várias especialidades de chá. Marinalva diz que toma mastruz
com leite de manhã: “meu primeiro café da manhã é um copo de suco de mastruz”.
Leleta é católica. Já Marinalva, sendo do candomblé, também costuma
usar as folhas para banhos, tais como manjericão, arruda, tapete de oxalá,
patchuli, mãe-boa, quioiô, água de levante, rosa branca e vermelha, milho
branco, alho. Como ela esclarece: “O banho da folha depende do que a pessoa
quer. Se é pra descarrego… se é banho pra amor usa mais rosa vermelha, um banho
cheiroso. Milho branco, se faz banho com a água do milho branco”. Marinalva colhe
as ervas na mata, antes do sol sair: “à noite nunca se colhe ervas”, esclarece.
Além dos cuidados com o horário, é preciso pedir licença ao orixá para se
pegar as folhas.

Na visão de Leleta, para a cura não basta o rezador: “Precisa


ter fé, se não tiver fé pra quê tá rezando?”. Marinalva concorda
e afirma que a eficácia da reza deve ser compreendida em
estreita articulação com os procedimentos, isto é, na relação
existente entre “as palavras e as folhas”, o que deixa claro ao
reconhecer que: “Não vai fazer efeito não. Tem que dizer as pala-
vras certinhas como é, quando a gente vai ensinar uma reza a pessoa
anota. Vai com um caderninho e anota pra não esquecer. Tem que
dizer as palavras certinhas como tão ali, senão não faz efeito. É que
nem quando o médico dá o remédio errado, vai curar?”.

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 73
• engenho da praia

Dona Filinha

Maria Francelina da Silva, mais conhecida por Dona Filinha, tem 86 anos,
15 filhos e se autodesigna rezadeira que faz rezas e orações, sabe preparar
banhos de folha, faz indicação de ervas e lambedores para os que a procu-
ram. Reza de “vento caído” – faz a reza “com o dedo” – e de “olhado”. Nossa
conversa teve a contribuição de sua filha Maria Inês da Silva Santos, conhe-
cida como Neide e que também é praticante terapêutica da comunidade do
Tombo/Palmeira.
Dona Filinha começou a se interessar pelas rezas aos 12 anos, quando
aprendeu a reza do “vento caído”, com sua mãe e a comadre, sua tia, que
também ensinou os usos das ervas. Com a sogra, parteira, aprendeu o ofício.
Esses conhecimentos, ela pondera, eram mais valorizados no passado. Dona
Filinha se relaciona com curadores do Kaonge, especialmente com Dona
Juvani. Além disso, participa do Conselho Quilombola. Umbandista, ela
também frequenta a Igreja Católica, participa da “esmola cantada”, evento
religioso preparatório da Festa de São Roque do Engenho da Ponte, além de
oferecer caruru.
Seu repertório terapêutico inclui uso de malva, da qual usa folhas para
banho para secar feridas; mastruz, chá para tratamento de verme; pinhão,
reza e banho para combater olhado com folhas; andu, folha para banho e
reza para olhado; folha de abacate e de chuchu, para chá ou suco para pres-
são alta; chá de anador, alfazema, erva doce e novalgina (folhas) para com-
bater dores; mel com gema de ovos para expectorar secreções dos pulmões/
brônquios; chá de olho da bananeira prata (cozido) para tratamento de diar-
reia; chá de erva doce (folhas) para dor de estômago; chá de alfavaquinha (fo-
lhas) para dores provocados por gases; chá de folha de brilhantina para dor.
Além das folhas para chás, menciona outras formas de uso das folhas.
Para tratamento de febre, banho com folhas de cansanção; banho com fo-
lhas de “cecéu” para febre provocada por nascimento de dente em crian-
ças; erva de Santa Maria para amassar e passar na pele para tratamento

74 Praticantes terapêuticos quilombolas


de impingem. Outras folhas também foram citadas para “olhado”: folha de
vence-tudo para banho; banho com folha de abre-caminho para mal olhado.
A folha da água de levante apresenta várias possibilidades de uso, tais como
o chá, serve que para o coração e o banho da fruta para descarregar o cor-
po de “olhado”. Para lambedor: capim santo (folha), cravo, gengibre, mel,
fedegoso (raiz), utilizado para combater a gripe; angélica, lírio ou acácia
são flores que também se utiliza na decoração de altar. Na feitura dos chás,
normalmente Dona Filinha utiliza de três a quatro folhas. Os banhos devem
ser tomados de quatro a sete dias; as rezas em até três vezes por semana; os
chás normalmente duas vezes por dia, ou até ficar curado.

Dentre as dificuldades relatadas na prática terapêutica, Dona


Filinha destaca o preconceito e desinteresse dos jovens pelas
ervas e rezas, que ela nomeia como “pessoas que não têm fé”.

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 75
Seu Lúcio

Lúcio Barbosa, conhecido por Seu Lúcio, é praticante terapêutico da comu-


nidade do Engenho da Praia. Ele, que não se diz curador ou rezador, tam-
bém pondera que existem muitas folhas que não conhece. Aprendeu com os
mais velhos, na vivência, como afirma: “Tinha os mais velhos que podia passar
pra mim e fui ter conhecimento das plantas”. A necessidade e a vivência conduzi-
ram o aprendizado: “Eu não interessei, né? Mas acontece quando que uma pessoa
caía doente, alguma coisa, tinha que dar remédio que eu tô falando, né? Tinha que
buscar ligeiro, o mais fácil é erva cidreira, o alumã… é isso aí, não tinha outras coisas,
né?”. Para Seu Lucio, até hoje a forma de aprendizado é a mesma, como ele
explicita: “Aprendendo com os mais velhos. Tem as pessoas assim sentindo qualquer
coisa e vem aquele mais velho que é entendido e fala pra aquela pessoa: ‘tal folha’.
Folha, que os mais velhos falava, né? ‘Aquele chá, aquilo outro’. Tá entendendo?”

76 Praticantes terapêuticos quilombolas


Seu Lucio participa da devoção da esmola cantada para Festa de São
Roque e ajuda no oferecimento do caruru. Outra festa que frequenta é a
oferecida no Kaonge: “Festa aqui que eu acompanho é a da [...] Geovanda [Dona
Juvani]. Todo ano na comunidade do Kaonge e as comunidades tudo acompanha”.
Seu repertório de conhecimento sobre folhas incluia erva cidreira, usa-
da para purgante; alumã, quioiô, para quando “você se deu mal com alguma
comida”; arruda, alfavaca, folha da costa, para frieira e inflamação; mastruz
– pode tomar com leite –, para verme e tosse; fedegoso, capim santo, para
estômago. Para dor de barriga, o alumã; para dor de cabeça, o quioiô. Se al-
guém o procurar pedindo ajuda, isso se dará por meio das folhas, sendo que
algumas delas são bem conhecidas de todos, como ele afirma: “Essas ervas pra
indicar é coisa fácil. A folha do alumã […]” As folhas configuram “remédio fácil”,
pois tem no quintal de todos, embora atualmente Seu Lúcio identifique um
desinteresse pelas ervas. Segundo afirma, também as folhas estão desapare-
cendo porque as pessoas não se preocupam mais em plantá-las.

a medicina das folhas

A arruda e a vassourinha têm várias possibilidades de uso. Ao


se lembrar de outra folha, Seu Lúcio completou:“caçulinha…
tudo é remédio, né? Tudo é remédio”.

o aprendizado

Aprendi vendo. No meu quintal ali embaixo mesmo tem a folha da


costa, tem quioiô. Eu não interessei, né? Mas acontece quando que
uma pessoa caia doente, alguma coisa, tinha que dar remédio que eu
tô falando, né? Tinha que buscar ligeiro, o mais fácil é erva cidreira, o
alumã… é isso aí, não tinha outras coisas, né?

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 77
• tombo/palmeira

Neide

Maria Inês da Silva Santos, conhecida como Neide, é filha de Dona Filinha
(Engenho da Praia). Em nossa conversa ela se recorda das antigas práticas
de cuidado na gestação, parto e puerpério. Neide teve todos os seus filhos
(três) na casa de seu tio, sendo Márcia, esposa de seu tio, quem fez o parto.
Segundo Neide, sua tia foi uma parteira conhecida na região. Os procedi-
mentos do parto e evitações no puerpério se associavam a práticas de auto-
cuidado e higiene. Ela explica detalhadamente os procedimentos do parto:

A gente deita, apoia na cabeceira da cama, passa óleo de amêndoa na barriga… aí


banha a barriga com algodão, pra dor esquentar, pro bebê nascer ligeiro… [a partei-
ra] pega o sabão virgem, bota na água morna, faz aquela espuma, banha a barriga
também, pra dor esquentar pra ajudar a ter […]

Cuidados e evitações no puerpério foram apontadas por Neide, como to-


mar banho frio após 15 dias do parto, pois nos primeiros dias a recomenda-
ção era de banho quente (de balde), como ela lembra: “Esquentava a água. Aí
quando fazia 15 dias de parida pegava dois litros de água e se jogava no corpo, de sus-
to”. O resguardo também compreendia restrições alimentares: “Se eu tivesse
um neném hoje [no dia do parto] comia escaldado de galinha de quintal [...] Depois de
15 dias comia uma carne de boi, muqueada, passada assim na… mas as meninas hoje
o tempo tá mudado…” Neide comenta, ainda, que o resguardo não compreen-
dia um período fixo, mas variava conforme as tarefas e necessidades do dia
a dia: “O resguardo foi… pra abaixar, pra pegar coisa no chão? Um mês. Amarrava a
barriga também durante um mês, pra não ficar barriguda. Não varria a casa”.

78 Praticantes terapêuticos quilombolas


antigas práticas de parto

[...] eu não sentava na porta, que fazia mal, bebia água no litro, que
minha tia encomendava…[não bebia] água na garrafa. Minha tia me
encomendava [água mineral], que fazia mal, ‘minha filha, não sente
em pilão’ [...] O pilão que apila o dendê. Que fazia mal, demorava de
ter o neném [...] Não sentava em pedra, não sentava em cangalha, não
saltava corda de animal que só pare de ano [animal de gestação lon-
ga] [...] Não passava por cima da corda, saltar, passar por cima […]

Ambrósio

Nascido na comunidade do Tabuleiro da Vitória e criado no Kalolé,


Ambrósio de Costa Souza, 64 anos, aposentado, é “rezador de várias doen-
ças”. A primeira reza que aprendeu foi de “olhado”, que pode ser feito com

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 79
as seguintes folhas: arruda, vassourinha de relógio, corana, folha de andu,
folha de pimenta. Posteriormente desenvolveu suas habilidades para curar
dor de barriga, dor de cabeça, dor de dente, “desmentidura de qualquer lu-
gar”, “cobreiro”, “fogo selvagem” – uma enfermidade de pele até aprender a
rezar também “espinhela caída”.
Ambrósio começou a rezar espinhela caída após ouvir as palavras de
Maurício, um rezador de Cachoeira que rezava com um pequeno terço, jus-
tamente quando o procurou para ser curado desse problema. Segundo ele:
“[...] eu ouvi as palavras e aprendi. E o restante foi a natureza que Deus deu”. O apren-
dizado se deu na experiência com Maurício e também em sonho, quando
teve a intuição de utilizar uma pedra que achou no mato. Ambrósio enfatiza
que Maurício não o ensinou: “[...] ele disse as palavras e eu ouvi. E aprendi. Que
tudo é força de vontade, né? Que teve o interesse”. No sonho, Ambrósio apren-
deu que era preciso rezar primeiro na “pedra” para depois rezar no cliente:
“possa ser que teme e já facilita, mas eu peço quando rezo que cada um cumpra seu
resguardo”. Ele menciona a necessidade de fazer o “resguardo da pedra”, além
de certos cuidados na hora em que o rezador e o paciente forem rezar. Após
a reza, é necessário um resguardo de três dias, em que não se pode comer
pimenta e azeite, nem ter relações sexuais, montar em animal e nem pegar
peso além do peso da pedra. Ele assim caracteriza a espinhela caída:

Espinhela caída é um ossozinho que nós temos aqui, então ele desce, vai descendo e
assentando em cima do fígado que vai inflamando, vai inchando... Ele vai arriando e
fígado vai inchando, então o médico nenhum consta isso... então quem sabe rezar... que
eu tenho uma pedra então rezo primeiro na pedra [...].

Ele aprendeu as outras rezas com sua mãe de criação, que era rezadeira.
Ele sabe rezar “bicheira” (de animal), tendo aprendido com o sogro, que
trabalhava com o gado; também faz xarope, garrafada e remédio para cobra,
feito com a folha da jaca de pobre e alho. Ambrósio menciona um remédio
para picada de cobra feito com a casa de cupim de terra/solo: “Cupim, a pessoa
tira um pedaço, bota pra cozinhar, bota dois ou três dentes de alho, cozinha, coa... ele
fica tinto que nem um vinho. Bota três pingos de gasolina dentro, pode dar de gente a
animal”. Ele também faz xarope, para cansaço; faz garrafada, para epilepsia
(cuja composição não detalhou). Já sobre a reza de ar de vento, diz que não

80 Praticantes terapêuticos quilombolas


quis aprender, pois é complicado. É uma doença que se manifesta de muitas
formas e intensidades. Para ele, o aprendizado terapêutico se dá ao longo da
vida e pondera sobre a eficácia das rezas, indicando que se não souber as pa-
lavras certas, não há resultado: “[...] tem que pegar da primeira palavra, esqueceu
a primeira palavra não vai adiantar que vai dar errado”.
Zefa, sua esposa, aprendeu com ele a rezar “espinhela caída”, dentre
outras rezas. Ela nos convidou a conhecer sua horta e fez menção a algu-
mas ervas medicinais que cultiva: babosa, que auxilia no combater o câncer;
noni, que, segunda ela, “cura tudo: câncer, inflamação, qualquer coisa”; folha da
amora, que ajuda no emagrecimento; um tipo especial de coco que é medi-
cinal, segundo um médico com quem conversou.

sobre a eficácia da reza, ambrósio pondera


que se não souber as palavras certas, não
tem o resultado esperado

“[...] tem que pegar da primeira palavra, esqueceu a primeira pala-


vra não vai adiantar que vai dar errado”. Segundo ele, as palavras

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 81
têm força, mas também é preciso ter fé nas palavras, pois
Ambrósio compara essa “fé” à competência que nós, que faze-
mos esta pesquisa, depositamos no nosso trabalho. As palavras
da reza têm capacidade e precisam ser extraídas da situação
de encontro entre o rezador e a pessoa que necessita de ajuda.

• kalolé

Cecê

Maria das Mercês Ferreira da Silva, mais conhecida como Cecê, tem 55 anos,
duas filhas. Afirma não saber rezar, mas tem conhecimento de ervas, assim
como outros praticantes terapêuticos que também conhecem as folhas para
gripe. As folhas da alfavaca, quioiô e capim santo sempre foram utilizadas
por ela para o cuidado com as filhas (para gripe). Além dessas, menciona a
flor do mamão, para cólica; o tapete de oxalá, também chamado de “bom
pra tudo”, uma folha para vários tipos de dor. Chá de mastruz e hortelã
miúdo são indicados para dor de barriga (verminose). Folha de canela, para
febre. Ela também usa a entrecasca da aroeira, o processamento inclui o co-
zimento e a torra; o pó é usado para curar feridas. Com folha de tamarindo
também se faz chá, além da maçã da flor do algodão para fazer chá para
criança.
Cecê também faz xarope para gripe, para seus familiares, com a folha
e a raiz da alfavaca, capim santo, pitanga, raiz do capim estrela e a flor do
camará. Em sua receita cozinham-se todos os ingredientes, que são poste-
riormente coados e, em seguida, a mistura é levada à fervura com açúcar e
mel. Esses mesmos ingredientes também servem para fazer o chá e o banho,
sendo que nesses casos são acrescidas outras folhas, tais como folhas e raiz
de alfavaca, eucalipto e velaminho, este somente é encontrado em terreno
arenoso. Segundo ela, muitas pessoas na comunidade conhecem a recei-
ta. Em contraste com outros praticantes, ela não reconhece restrições aos

82 Praticantes terapêuticos quilombolas


procedimentos de obtenção das ervas e afirma que estas podem ser colhidas
a qualquer hora, inclusive à noite.
O conhecimento de Cecê vem de família. Ela aprendeu o uso das ervas
com seu pai, Berto Lameu Moreira da Silva, morador do Engenho da Vitória,
que por sua vez aprendera com o pai. Como ela esclarece:

Eu fui criada com ele. Até quando ele morreu, há poucos anos aí, eu vivia junto. E ele
passou. Ele sempre passava, foi o que eu aprendi foi com ele mermo, essas folhas que
pegava pra gente mermo, pra os vizinhos [...]. Algumas pessoas perguntava a ele, por-
que sempre esses mais velho tem sempre mais entendimento de folha, né? E ele também
na casa dele mesmo, ele plantava vários tipos de folha, pra chá mermo. Porque tem
gente que não liga de plantar, sabe que serve, mas não liga de plantar [...].

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 83
Cecê não teve interesse de aprender rezas porque, segundo ela, havia
muitos rezadores nas comunidades: “Eu me criei junto com um bocado de rezador,
aí eu quando sentia alguma coisa já tinha aquela pessoa certa pra ir rezar, sentia al-
guma coisa tinha aquelas pessoas certas pra rezar, tinha muito rezador antigamente”.
Atualmente os dois únicos rezadores que ela conhece são Dona Preta, do
Alto do Kalolé e Biu, da Imbiara, ambos incluídos nesta publicação. Ela ques-
tiona sobre a razão desses rezadores não terem passado seus conhecimentos
para os filhos e sugere que a diminuição do interesse pelas ervas também
se deve à crescente conversão às religiões evangélicas de grande parte das
pessoas das comunidades.

na relação com os profissionais do posto


de saúde, certo acordo tácito em torno
dos benefícios das folhas para gripe entre
crianças

O chá mermo, chá simples assim a gente dá as crianças e depois quan-


do vai pra lá, a gente fala o chá que deu, né? Eles mermo sabe que
sempre tem uns médicos que diz logo, a gripe é curada em casa com
chá de folha, e que a gente mora dentro, junto com remédio e não
sabe. Ele mermo passa os remédio, passa essas folhas mermo pra gen-
te fazer pras crianças, fazer o xarope, o chá.

Dona Preta

Dona Preta é rezadeira conhecida no Alto do Kalolé, embora, segunda ela,


quase não exerça mais o ofício, pois não tem condições físicas, o que tam-
bém a impede espiritualmente de rezar. Já quando está bem-disposta fisica-
mente, seu trabalho pode ser intenso: “Mas quando eu tô melhor... tem vez que
eu rezo quase cem pessoas no dia assim, ó! Chega me pedindo pra fazer a caridade,
pra rezar”.

84 Praticantes terapêuticos quilombolas


Ela relata que aprendeu o ofício com sua mãe que era rezadeira e partei-
ra e “dava sessão, mas não de candomblé”, pois não era sessão “de azeite”, como
ela distingue as diferentes formas de cultos afro-brasileiros: “Era sessão...
aquela mesa com a toalha branca, aquelas flores brancas... com aquelas luz rodeadas.
A corrente de vela de um lado a outro”.
Dona Preta destaca que atualmente existem dificuldades em dar conti-
nuidade à prática do ofício, exemplificando com experiência que teve com
um jovem aprendiz:

Aqui teve um rapaz que é sobrinho marido de minha irmã, ele veio aqui pra eu rezar...
ensinar a reza a ele num dia de segunda-feira. Mas veio de cabeça cheia, pesada...
quando eu acabei de ensinar ele, eu mandei ele tornar a pegar de novo, aí ele pegou,
eu disse: ‘tá errado, tem que botar os pés certinhos’. Aí ele... tornei ensinar ele, ele
batalhou e disse: ‘ah, eu já tô acertando, chegar lá eu vou rezar outra pessoa’. Quando
chegou lá ele esqueceu. Eu falei com ele que era pra ele vim de novo pra eu ensinar, eu
digo: ‘ói, eu não vou ficar o tempo todo viva e aqui não tem rezador mais nenhum’.
Tem um bocado de menina aí ó, essas sobrinhas minhas tudo aí que falo com elas pra
um dia pra eu ensinar, elas que sabe ler aí eles trariam um... como é que chama? Um

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 85
papelzinho, uma caneta, sei lá o que for... só elas chegar ó, elas sentava. Agora... pra
quem não sabe ler?

A variedade das rezas que sua mãe conhecia pode ser depreendida no
fragmento de narrativa abaixo:

Rezava pra santo, rezava pras pessoas assim... minha mãe sabia tudo quanto era reza
e eu aprendi rezar... só não sei só o vento caído de menino pra rezar e esse negócio de
espinhela que eu não sei. Mas falou foi a do vento que passa. Aquele valente que passa
brabo, que a pessoa se urina, se obra, cai torto, aleijado... esse eu sei.

Outras doenças para as quais Dona Preta reza são por ela mencionadas:
“Eu rezo amiúda, aquele que dá em perna, que incha a perna. Eu rezo olhado. Rezo dor
de pescoço. Rezo o... doença do vento. Rezo dos sete, que é aquele mais [...] e rezo dos 14,
aquele que aleija, que cai todo torto”. Dona Preta ainda é muito procurada, como
ela mesma enfatiza: “[...] quando eu saio daqui pra fora [de casa] que eu demoro o
povo fica doidinho que eu já chegue por causa disso”. São vários tipos de folha que
ela utiliza nas rezas:

Eu rezo de vassourinha. Vassourinha santa com... às vezes de corana também... desse


fedegoso. É uns que bota umas sementes aqui assim... comprida. Aí rezo dela. Rezo de
maria preta, rezo de caiçara, dessa vassoura de alecrim... Mas eu só gosto de rezar
mais é com a vassourinha santa.

A eficácia do seu trabalho encontra-se ancorada no poder das rezas e


outras habilidades aprendidas com sua mãe. Ela menciona que, embora não
soubesse ler, esse aprendizado foi possível no cotidiano. Para cada doença
existem procedimentos específicos, como é o caso, por exemplo, da reza
para “olhado”, em que ela descreve a oração entrelaçada às folhas, à ges-
tualidade, à direção da maré vazante e ao horário em que é realizado o
procedimento.

A reza de olhado é diferente. É assim: ‘Zóio morto segurante hai de botar e levar pra
maré de vazante; zóio morto segurante, o olhado tiver de botar pra maré de vazante’.
Aí diz assim ói: ‘o que for de gordo, o que for de bonito, o que foi no contar, que foi no
deitar, foi no rezar, que foi no comer, que no cabelo, que foi de pai, que foi de tio, que
foi de tia, que foi avô, que foi de avó, que foi de parente, que foi de estranho, que foi de

86 Praticantes terapêuticos quilombolas


mufina, é de tirar pro mar sem vim’. Aí vai jogando pra maré de vazante, pro mar sem
fim. Que às vezes que a maré tá... se a maré tiver vazando e que for uma hora que a
maré tiver cheia, é lá pela tarde, só joga pro lado [...]. As folhas joga. Se tiver de olhado.
Aqueles galhos de folha isola assim, ói! As folha murcha tudo parecendo que tava em
cima da... daquela fumaça de fogo.

• imbiara

Biu

Filho de Balbino e Maria, Biu mora em localidade próxima à Imbiara e tra-


balha em sua roça (arrendada) na Imbiara. Rezador muito conhecido nas
comunidades, sua atuação se estende por toda a Bacia do Iguape. Cura “ven-
to caído”, “espinhela caída” e problemas “de espírito”. Sua habilidade, ou o
“dote” segundo sua compreensão, já nasceu com ele em decorrência de sua
“linhagem”: “Isso aí já vem dos mais velhos da gente. Aquele pessoal tem uns encante
bom e vai passando de um pra outro. É assim. Isso aí é por encante”.
Aos 13 anos, Biu realizou sua primeira cura numa mulher que viria a ser
a sua sogra, na época ela morava no Cacinum. Segundo ele, nessa idade “já
tinha entendimento”, o que quer dizer que já detinha condições para realizar
procedimentos curativos, numa composição que envolve condições corpo-
rais, já não era mais criança, e habilidades de aprendizado, os conhecimen-
tos partilhados pela avó, Joana, que também rezava, além da disposição para
essa tarefa, adquirida por hereditariedade. Como Biu afirma, esse momento
foi crucial para a verificação de suas habilidades: “Eu fui com o teste da espinhe-
la, passei. Fiz o teste do vento [...]. O teste é a pessoa rezar outra pessoa antes da pessoa
ir no médico, pra ver o resultado com aquele serviço, entendeu?” Para Biu, os efeitos
a que ele se refere são fonte de verificação da cura e de sua legitimidade na
comunidade: “Eu tava testando nos… aí o pessoal começou a ver o efeito e…”
Sua habilidade se constrói na relação com sua avó e com não humanos,
como os anjos da guarda, e não apenas no “estado desperto”, consciente: “Os
anjos de guarda vêm e indica tudo como é que faz pra… [E chegam como?] No sonho

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 87
assim e explicando como é que faz e não faz”. O anjo da guarda é um mediador
pedagógico nessa relação de cura, como diz: “Só olhando o jeito do que o anjo
de guarda explica a pessoa pra pessoa fazer e dar certo”. Essa conexão entre o não
humano e humano – no caso, Biu – é que possibilita o acesso ao conheci-
mento: “Ele chega… tipo esse velho que tá aí ó [ fazendo analogia com a ‘concretude’
de um senhor que apareceu no lugar em que transcorria a entrevista]. Aí aplica no ser
humano e o ser humano vai sonhar com aquelas plantas, a que pode pegar, a que não
pode pegar…”
A habilidade “natural” vem de sua avó, tendo passado para seu pai e pos-
teriormente para ele, que espera dar continuidade com sua filha (que já está
com 22 anos). No entanto, ele aponta diferenças entre seu caso e o de sua
filha, uma vez que aos 13 anos ele já se encontrava pronto, mas sua filha só
poderá ter acesso aos conhecimentos após os 30 anos, porque ela não dispõe
da “força” necessária” para realizar rezas muito jovem: “Mas eu era com 13

88 Praticantes terapêuticos quilombolas


anos, mas com a pessoa informar pra outra pessoa só dá a partir dessa idade [acima
de 30 anos] [...] Antes não guenta com o peso não [...]. O peso que… umas pessoas têm,
o anjo de guarda forte, outras tem o anjo de guarda fraco e…”
Referindo-se ao procedimento para tratar de espinhela caída, Biu de-
monstrou como é realizado com um cordão achado no próprio local da
entrevista, mostrando como é feita a medição de cada braço, da base do
pescoço à ponta dos dedos. Se for constatada alguma variação entre as duas
medições, é tomado como confirmação do problema e realizada a reza. Para
diarreia infantil – com fezes esverdeadas –, utiliza-se a “maçã” do algodão –
fruto e sementes do algodoeiro – com mel de abelha. Também trata de vento
caído. Para fraqueza em geral, o procedimento consiste em tomar “Um chá
da canela, manjericão branco, a buzina da bananeira prata… isso tudo aí é remédio.
Coloca no fogo com mel e açúcar e melhora a situação toda”. Quando o procuram,
Biu também receita chás, mas, segundo ele: “só se a pessoa precisar ou diz assim:
‘eu já fui no médico pegar tal remédio e…’. Tem coisa que não é nem de médico e a
pessoa vai até pra o médico e se complica. A pessoa pega um chá de folha e se dá mais
melhor de que o remédio da medicina mesmo”.
Diferentemente do aprendizado das plantas com sua avó, as rezas foram
aprendidas com seu anjo da guarda. Além disso, segundo ele, é preciso ter
cautela na enunciação das rezas e os procedimentos que a acompanham:

[...] não pode rezar à toa não, tem que saber pra que é, pra que motivo é, pra não fazer
errado. A hora da vela, quantas pode acender, quantas não pode acender. Os horários.
Ou se a pessoa tá com o corpo bom ou se tá com o corpo carregado também. Se não
saber fazer não funciona não. Isso aí é a mesma coisa de uma pessoa levar uma crian-
ça pra uma professora e a professora tentar… como é que faz: ‘essa linha daqui, não
passe dessa pra essa. Se fazer certinho num instante o menino aprende’.

Aqui tem todas as plantas aí… Isso aí é a mesma coisa que uma me-
dicina, cada planta dessa que tá aí eles colocam um nome de remédio,
num fica em um tipo de remédio só, porque tem doença de todo jeito.
A mesma coisa de uma medicina que não é tudo uma doença somente

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 89
não. Um já sente de um jeito, outro já sente de outro jeito. Esse é tal
remédio, esse é tal remédio… Mas é tudo tirado aí das árvore mesmo.

Elizete

Filha da parteira Maria Luiza, Elizete Sena das Neves, 57 anos, não reza,
sendo que as folhas para chás que ela utiliza são conhecidas na comunidade.
Seu xarope para gripe, para falta de ar e cansaço em geral, é famoso: não
apenas às pessoas da Imbiara conhecem, mas também de outras localidades,
como ela destaca. O xarope é feito por encomenda – ela solicita um pequeno
valor – e é composto pela entrecasca do juá (do juazeiro); diversas raízes
(fedegoso, mata passo, alfavaca); folhas (do quioiô, sabugueiro, água de le-
vante, da costa, da laranja, de café, capim santo, de Maria, de pitanga); além
de água, mel, açúcar, cravo e canela, esses últimos itens a pessoa deve trazer.
Elizete aprendeu a fazer o xarope com sua sogra, Benice, que por sua
vez aprendeu com a mãe dela. Trata-se, portanto, de uma antiga receita de
família. Ela conta que a sogra morou algum tempo com ela e, em razão des-
sa proximidade, foi vendo como sua sogra fazia e, assim, começou a fazer,
como relembra: “Teve uma vez que eu fiz pra um menino meu [filho], aí deu certo
[risos] aí o pessoal começaram a falar pra eu fazer”.
Segundo Elizete, antigamente havia mais pessoas que rezavam, mas os
filhos desses rezadores não aprenderam com seus pais. Atualmente os jo-
vens não se interessam pelas rezas e nem por seu xarope, segundo Elizete,
nem mesmo seus próprios filhos. Atualmente, mesmo as pessoas que fa-
ziam rezas, nem sempre continuam com essa prática, em razão de motivos
religiosos, como, por exemplo, a conversão às igrejas evangélicas. Em certa
altura da nossa conversa com Elizete, seu marido, conhecido por Gato, se
aproximou comentando que havia comprado uma muda de “muringa” de
uma pessoa, junto com anotações escritas sobre as suas propriedades me-
dicinais. Embora Gato diga não entender de ervas, era visível seu interesse
pela aquisição.
Sua mãe, Maria Luiza, dava caruru e também cozinhava o caruru para
algumas pessoas que ofereciam: “Aí ela que fazia o caruru desse pessoal, ela que
cozinhava, que ia fazer quando tinha um casamento ela ia cozinhar era assim, ela ia,

90 Praticantes terapêuticos quilombolas


só que eu tava pequena não lembro mais”. Os dois filhos de Elizete nasceram com
a parteira Celina, que aprendeu a arte de partejar com sua mãe, Maria Luiza.
Segundo Elizete, as pessoas utilizam bastante o chá de quioiô ou de bom-
-pra-tudo, para dor de barriga e outros problemas. O chá e o banho de água
de levante são indicados para dor de cabeça. O chá de manjericão é bom
para cansaço. Para criança gripada, a receita é banho de quioiô, água de
levante e alfavaca africana, para banho e chá. Para caxumba, passa-se cinzas
no pescoço. Para sarampo, cocô de boi seco, milho e folha de sabugueiro:
amarra tudo num pano e coloca na água para ferver para então dar banho
com essa mistura. Para dor de barriga, Elizete indica lírio de Santa Barbara.
Ela nos conta que essa planta veio da comunidade do Brejo da Guaíba, ini-
cialmente indicada para tratar seu filho:

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 91
[...] aí ensinaram a Gato [seu marido], aí deram a folha, aí deram uma muda, eu sei
dizer que eu fui fazer o chá direto pra ele, ele melhorou. Não sei que dor era que ele
sentia, era do lado, ele ficava ruim com essa dor, aí ficou bom! [...]. Indicou a Gato e ele
trouxe, aí depois teve um pessoal de cachoeira que deu a ele a muda da merma folha,
ele trouxe a folha, aí teve um rapaz, um coroa que falou a Gato e deu uma muda, só
sei dizer que ali encheu, ali tem um bocado ainda [...].

As flores também podem ser utilizadas, tanto em combinação com as


folhas quanto separadas:

A flor serve também pra fazer xarope, serve ferver pra coisa, tanto a flor da água do
levante quanto a flor do sabugueiro pode colocar no xarope também entendeu? Pode
colocar pra fazer chá também e água do levante, por exemplo, aí ó meu cunhado tinha
problema de coração e aí colocava a flor da água do levante dentro da água e aí ia
dando a água pra ele beber.

A raiz do fedegoso pode ser utilizada para mastigar, crua, para aliviar a
rouquidão. Para as ervas do xarope, não se pode pegá-las de noite: “‘Qualquer
hora antes do sol se escravar’. Já a entrecasca do juá, é preciso critério na hora de re-
tirar: ‘Tem o lado da pessoa tirar do lado que o sol se escrava, do lado de cima [...] eu
fico do lado que o sol se escrava, do lado que o sol nasce não pode tirar’”.
Elizete busca as folhas no mato, com exceção da folha de café, que ela
pede à sobrinha, que mora perto de Nonô, que tem um pé de café na sua
terra.

Elizete, da comunidade Imbiara, aprendeu a receita deste xarope


com sua sogra, sendo indicado para gripe e problemas de cansaço.
Para o preparo, ela reúne várias ervas, conforme a lista abaixo:

Erva Parte utilizada


Juá (juazeiro) Entrecasco
Fedegoso Raiz
Mata-pasto Folha e raiz
Alfavaca Raiz
Quioiô Folha
Sabugueiro Folha
Água de Levante Folha
Folha da Costa Folha

92 Praticantes terapêuticos quilombolas


Laranja da terra Folha
Café Folha
Capim Santo Folha
Folha de Maria Folha
Pitanga Folha
Quadro 1. Relação das ervas utilizadas por Elizete na preparação do xarope
Fonte: trabalho de campo (2018).

Para um litro de xarope é preciso, aproximadamente, de um


‘punhado’ de cada folha, três ou quatro pedaços das entrecascas. A
entrecasca de juá não se pode usar muito, pois amarga na prepara-
ção final. Na folha da laranja da terra também é importante retirar
a ‘veiazinha’ própria da folha. Após fazer o chá com os ingredientes,
é preciso coar e voltar ao fogo com mais um quilograma de açú-
car, cravo e canela, deixar cozinhando até o ponto de xarope, ‘meio
grosso, tipo do mel’. Nesse preparo são necessários dois a três litros
de água, até alcançar o ponto de xarope. Depois deixa-se esfriando
para acondicionar em local específico.

• engenho da vitória

Dona Ana e seu Antônio

Seu Antônio, 59 anos e Dona Ana Maria, 58 anos, são praticantes terapêu-
ticos, mas não se dizem rezadores. Dona Ana lembra que os mais velhos
sabiam fazer as rezas, mas já faleceram, como Pedro, um rezador que eles
citam como exemplo.
Sobre o conhecimento das ervas medicinais, Seu Antônio aponta uma
defasagem geracional entre os mais velhos, os que sabiam, e os mais novos:
“Eu acho que não tem mais ninguém desses novatos pra saber, desses pessoal mais
antigo não tem ninguém”. O conhecimento das ervas, como explica Dona Ana,
vem “dos antepassados, que vai passando de um pra o outro”. No entanto, como
verificado em outras comunidades, Seu Antônio também afirma trata-se de

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 93
um conhecimento disseminado: “A maioria das pessoas que mora aqui na região
do Engenho da Vitória tem conhecimento”.
Dona Ana e Seu Antônio citam o capim santo, erva cidreira, pitanga, boldo,
melissa, maria preta, velame, mastruz, o olho do araçá-mirim, água de levan-
te, aroeira, alumã, purga do campo (bom para fazer xarope). Embora não re-
zem, eles destacam a importância de ervas como a “quarana” e a vassourinha
para essa prática. Dona Ana aponta alguns cuidados que devem ser seguidos:
“O cuidado que tem é que não pode tirar a planta depois que o sol se escrava, tem que ti-
rar antes. Depois que o sol se põe não pode mais tirar, nem pra fazer chá, nem pra rezar”.
A experiência no uso das ervas implica em saber reconhecer quando o
tratamento não está funcionando e a necessidade de mudanças, como Seu
Antônio esclarece: “Eu acho que aí o chá não é compatível com o que a gente tá
sentindo. Às vezes a gente toma achando que é uma coisa e é outra”.
O chá da pitanga (de oito a nove folhas) serve para gripe, dores no corpo,
enfim, para melhora generalizada, e se toma durante três dias, preferen-
cialmente à noite. Chá de maria preta (três folhas) também é indicado para
gripe, tomando-se de manhã e à noite (quantos dias durar a gripe). O chá
de velame, também usado para gripe, toma-se acompanhado das folhas de

94 Praticantes terapêuticos quilombolas


maria preta e do olho do araçá-mirim. O chá de boldo (três folhas) serve
para problemas de estômago. A folha do mastruz, também boa para gripe,
é ingerida com leite (cerca de dez folhas para um copo). O chá da melissa
(cinco ou seis folhas) também serve para problemas digestivos. Com a raiz
da purga do campo se faz um xarope bastante apreciado na comunidade. A
folha e a casca da aroeira (para banho, quatro folhas e três pedaços da casca)
servem para combater a inflamação. O casal colhe as ervas no quintal e em
áreas próximas da casa, pois como Seu Antônio indica, “A região toda aqui tem
planta”. Eles também plantam algumas ervas, mencionam quarana, cidreira,
boldo, capim santo, alumã e água de levante.

o uso das ervas é um conhecimento da vida


cotidiana desse ambiente, como destaca seu
antônio

Eu acho que é porque a gente tem na casa. Eu tô com uma gripe, aí eu


pego três folhinhas aí de velame, três folhinhas de maria preta, três fo-
lhinhas araçá mirim e durante três dias o corpo vai melhorando, né?
A gente sente uma melhora logo, melhor do que remédio de farmácia.

• kaimbongo

Dona Joselita

Dona Joselita e seu esposo são os moradores mais antigos da comunidade


do Kaimbongo. Ela e seu filho Renato reconhecem vários moradores como
praticantes terapêuticos: indicaram rezadores, conhecedores de ervas e do
remédio para picada de cobra. As ervas medicinais de uso mais disseminado
na comunidade são: purga do campo, raiz da jurubeba, raiz da maria pre-
ta, alfavaca, maricotinha, folha de acerola, hortelã grosso, que podem ser

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 95
utilizados como xarope para gripe. Uma receita utilizada para crianças que
cansam – portadoras de asma – associa o próprio inseto, cupim branco, a
estrelinha do mar e cavalinho do mar. Para virose pode-se fazer chá e banho
com folha de Santa Rita, folha do café, folha de pitanga, folha de maria
preta. O chá de canela de velho, da folha de araçá-mirim, com maçã da
bananeira serve para diarreia ou dor de barriga. A raiz do “babatenã” tam-
bém produz uma garrafada indicada para inflamação na próstata, que leva
também a entrecasca ou raiz de jatobá, a raiz de melissa, candeia branca,
“titara” e raiz do cansanção. Usa-se vassourinha, vassourinha de mofina ou
folha de quarana para as rezas. No entanto, segundo Renato, em algumas
situações é necessário o auxílio médico:

Por exemplo, a pessoa tá sentindo uma dor de... a pessoa quando tá com uma gastrite,
quando ela ataca, quando começa a pessoa sentir uma dor que ela incomoda demais
é porque ela já tá passada, aí tem que ir pro médico pra poder o médico passar um
remédio pra aliviar aquela dor e a gente continua, quem tiver com... continua usando
o remédio caseiro, por exemplo, a canela de velho, o babatenã, a resina da amescla,
tudo isso é bom pra cicatrizar.

96 Praticantes terapêuticos quilombolas


Uma garrafada famosa, produzida na comunidade, é o remédio para pi-
cada de cobra. Esse antídoto artesanal constitui o produto mais famoso, cuja
fórmula remonta de longa data. Segundo Renato, sua mãe, desde que “[...]
começou a se entender como gente, já conhecia e já sabia que existia”. Ele afirma
que em outras comunidades a preparação desse antídoto pode ser diferente
da confeccionada no Kaimbongo, que leva jaca de pobre, batatinha teiú,
cipó de cainana e bucho de paca. Conhecido, segundo nossos entrevistados,
como “remédio pra combater bicha do chão”, esta receita foi repassada pelos
mais antigos moradores e se mantém preservada, servindo tanto para hu-
manos quanto para animais. Segundo nossos entrevistados, quanto mais
rápido o remédio for administrado maior chance de sucesso terá. Caso não
seja possível tomar imediatamente, é necessária a aplicação de um torni-
quete no local da picada para evitar a disseminação do veneno até a pro-
vidência do antídoto que integra a farmacêutica tradicional no combate à
peçonha de cobras e serpentes, cuja distinção não é feita no local. Os mes-
mos ingredientes do remédio também são utilizados para o banho, que po-
tencializa os efeitos contra a picada de cobras e serpentes. Além do remédio
ser administrado, Dona Joselita explica que a cura para a picada de cobra
depende de um resguardo de sete dias, sem contato com pessoas estranhas
à casa. Apenas familiares que estão cuidando do doente podem se relacionar
com ele. Renato apresenta os detalhes dos cuidados necessários

Se a pessoa for picada pela cobra e demorar muito pra tomar o remédio, em tudo que
ela tiver sentindo dor e às vezes incha o lugar, aí a pessoa tem que tomar até desinchar
e a pessoa parar de sentir dor, a pessoa vai tomando uma ou duas vezes no dia e fica
num lugar resguardado, que nem todo mundo pode ficar olhando, nem todo sangue
combina, que ela [a picada de cobra] é muito contagiosa.

Rezas não são utilizadas como complemento ao tratamento das picadas,


mas destinadas a fins específicos como dor de cabeça, mau olhado, pé des-
mentido. Hoje em dia, como a presença de cobras é menos frequente, a
procura pelo remédio não é tão constante quanto em outros tempos, o que
exige certos cuidados com a concentração dos princípios ativos para a ma-
nutenção do seu efeito quando o antídoto for requerido.

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 97
sobre o remédio para “picada de cobra”

Joselita e Renato, do Kaimbongo, descrevem uma receita


de remédio para picada de cobra bastante utilizada na comu-
nidade. O remédio é composto por uma mistura de aguarden-
te de cana (cachaça comum), folhas da jaca de pobre, cinco
ou seis batatinhas de teiú, cipó de cainana e bucho da paca.
Colocam-se todos os ingredientes em infusão na cachaça e
deixa guardada para apurar o efeito. Não é necessário coar,
consumindo-se apenas o líquido, uma xícara de café, uma ou
duas vezes ao dia. Se o remédio for guardado por muito tem-
po, pode perder seu efeito e, por isso, é necessário “reforçar”
o remédio adicionando mais cachaça, batatinha de teiú, cipó
de cainana e jaca de pobre.
Aliado à administração do remédio, é imprescindível o
“resguardo” do paciente. Joselita e Renato explicam que vizi-
nhos e familiares não devem ficar olhando nem perguntando
sobre a situação do paciente uma vez que “nem todo sangue
combina, que ela é muito contagiosa [a picada de cobra]”. A pessoa
deve ficar em um quarto separado, sendo cuidado pela pes-
soa que ofertou o remédio. Até o banho, se possível, deve ser
realizado no quarto, em separado, sendo “reforçado” a água do
banho com a utilização da folha de jaca de pobre. A banha
do Teiú também auxilia no tratamento, a banha do animal é
frita, e o óleo resultante deve ser aplicado no local da ferida
para ajudar a desinchar.

Isso é antigo, viu? Desde como eu entendo como gente. Esse remédio pra
combater a cobra, eu acho que ela que é minha mãe, quando ela começou
a se entender como gente, já conhecia e já sabia que existia, então ele é
preparado assim: aguardente de cana, que chama cachaça comum, a folha
da jaca de pobre, a batatinha de teiú, o cipó de cainana e o bucho da paca.
(Renato, filho de Dona Joselita)

98 Praticantes terapêuticos quilombolas


• engenho novo

Antônio

Samba e caruru oferecidos regularmente por sua mãe são as preferências


de Antônio Teles da Paixão. Contudo, ele enfatiza que esses festejos devo-
cionais têm diminuído devido à mudança de religião de várias pessoas da
comunidade. Antônio aprendeu a rezar com a sua mãe e considera a reza
como uma responsabilidade.

[...] e aí eu fui usando aquilo ali e aí eu fui aprendendo e hoje existem inúmeros tipos
de reza, mas eu aprendi pouca coisa... Eu tento ajudar da melhor maneira possível. As
vezes a pessoa está com olhado, as vezes torce o pé e que chama aqui de desmentido,
aí eu rezo de olhado, desmentido, dor de cabeça essas coisa. Rapaz, até que eu não
queria isso, porque é muita responsabilidade, e a gente tem que estar sempre disposto
a ajudar as pessoas.

As pessoas da comunidade são prioridade para receber seus cuidados,


mas esporadicamente reza pessoas de fora, geralmente parentes que mo-
ram em Salvador. Ela conta que, percebendo que a pessoa está com “olha-
do” – pela aparência triste e pelo desânimo – toma a iniciativa de rezá-la.
Enfatiza que junto aos cuidados que os banhos e as rezas impõem, para se
ter eficácia – momentos de coleta das ervas, da reza, resguardos, etc. – deve-
-se ter fé. Ele conta como iniciou esse processo:

Aí, quando foi um dia lá eu comecei esse negócio de reza em casa mesmo. Com
Anderson, eu vi ele lá cabisbaixo e triste, eu disse: ele está com olhado, eram os sin-
tomas que a minha mãe dizia. Está triste, só quer dormir, não levanta. Já que minha
mãe rezava, as palavras, eu sei quais são, aí eu vou fazer. Aí eu rezei ele, no outro dia
ele já foi pro trabalho, não estava comendo, já começou a comer eu disse, era olhado, e
aí foi passando de um para o outro, os parentes, netos, fui rezando, foi dando certo, o
pessoal me procurava pra rezar e aí eu estou nesse negócio até hoje.

Antônio afirma que não sofre preconceito pela sua atividade de reza-
dor. Quando relata sobre adesão dos jovens a essas práticas de cura, faz

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 99
algumas ponderações: “Tem jovem que não acredita. Às vezes a gente diz, tu está
com isso aqui, vai lá em casa que eu vou rezar. Muitos acreditam e outros não”. Ele
localiza muitas ervas na mata, mas pondera que no passado era mais fácil
encontrá-las. Recentemente percebeu uma degradação do meio ambiente
no local onde mora, desmatamento e a consequente seca de uma nascente
na comunidade.
No tocante ao conhecimento das ervas e outros elementos que são utili-
zados nos processos de tratamento e cura, nosso interlocutor menciona que
a erva doce é usada para dor de barriga e dor de cabeça; o alumã e o boldo,
para dor de barriga; a folha da costa é para frieira. Prossegue sua narrativa
dando outros detalhes sobre chás e banhos:

Fava de sapo, o que é que faz com ela: pega elas passa no copo na quentura, ela vai afi-
nando e sai um caldozinho, quando estiver quente coloca em cima do lugar. Cajueiro,

100 Praticantes terapêuticos quilombolas


o entrecasco, é para banho em mulher que teve menino e ficou com algum problema.
Doril serve pra qualquer tipo de dor. Comigo-ninguém-pode serve pra mal olhado.
Juntando esses três dá um banho. A erva doce coloca pra cozinhar dois ou três minutos
já pode tirar, é pra fazer o chá com a folha. O alumã se você quiser faz cozido e se não
quiser esfrega na mão sai o caldo da folha. Com o boldo faz chá de folhas, a folha da cos-
ta pega as folhas e lava elas, o alecrim também é chá de folhas, a vassourinha serve pra
banho. Você pega ela esfrega as folhas nas mãos, ela vai soltar aquele caldo bem verde
daí você deixa num pote passando uma hora mais ou menos, serve pra mau olhado.

Já em relação aos cuidados para que os banhos e as rezas tenham plena


eficácia, algumas considerações são colocadas: “Se o sol se puser não reze mais.
Tem que tomar os banhos antes do sol se pôr. Quando tomar o banho não pode sair
mais, passar debaixo de arame nem pensar, não se passa em encruzilhada. Os banhos
têm que ter muito cuidado com eles, porque às vezes não vai fazer efeito por não ter o
devido cuidado”.
A despeito da grande importância que tem os cuidados para os resulta-
dos positivos do tratamento, adicionalmente a estes é preciso que as pessoas
tenham fé para obter a cura, tal como evidenciado no fragmento de narra-
tiva abaixo:

Eu costumo falar com as pessoas que o que cura às vezes não é o chá, é cuidar. Igual as
rezas, que as vezes tem gente que chega lá em casa vai desacreditado, as vezes nunca
rezou, mais depois de tanta reza e viu que valeu a pena, volta novamente, vira freguês.
Então de cara eu digo que cura é a fé, sem fé fica mais difícil.

Antônio adverte que a eficácia se perde quando não se respeitam certos


cuidados, comportamentos e procedimentos que são recomendados para
cada situação:

Como eu lhe disse no caso do banho, eu lhe passo, você toma um banho desses e faz o
contrário daquilo que eu indiquei, já fica mais difícil. Se saiu, se você tomou o banho
saiu, passou debaixo do arame, passou numa encruzilhada não vai fazer efeito. Se você
levar as folhas pra casa para fazer o chá, não deixe que cozinhe demais, não vai fazer
efeito se não for pra cozinhar demais. Se eu digo: pode deixar cozinhar demais até sair
aquele gomozinho, pode deixar até cozinhar bem. Se você não deixar cozinhar bem,
não vai fazer efeito. Tudo tem um limite.

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 101
É importante também que seja observada a quantidade de cada compo-
nente a ser usada para que seja obtido o efeito desejado:

Todas as folhas de chá são poucas que se usa. O alumã, por ser uma folha amarga,
uma ou duas folhas é suficiente. O boldo por ser uma folhinha bem pequenininha,
coloca dez folhas. Folha da costa pra frieira, uma folha só. Alecrim, três folhas por ser
larga e grande. Vassourinha se reza com três folhas, pra banho tem que ser umas dez
ou 15 por aí. O doril coloca duas folhas. O entrecasco do cajueiro branco, a depender
do tamanho é pouca coisa, um pedaço de um palmo tá bom.

No que se refere à regularidade de uso dos procedimentos recomenda-


dos, devem ser observadas a frequência e o período do dia para que sejam
tomados os chás e banhos:

Todos os banhos são três vezes só. Todos os chás é o mesmo tempo de tomar, o da erva
doce usa três vezes e na hora que for deitar. Chá é sempre à noite ou na hora que pre-
cisar também. A gente, se está com a dor, não vai esperar a noite chegar pra tomar,
não é? Toma o chá na hora que estiver com dor. Agora, os banhos é sempre pela tarde
e toma três vezes e três dias no entardecer.

Por fim, Antônio lembra que para reza de olhado faz uso de vassourinha;
já a torção, ele reza usando três torrões de barro. Lembra ainda que costuma
plantar vassourinha, boldo, alecrim, alumã e doril, além de várias outras
ervas que compõem seu repertório de uso terapêutico.

Erva doce, alumã, boldo, folha da costa, alecrim, vassourinha de mo-


fina, são tantas até a folha do araçá-mirim serve pra dor de barriga,
são tantas que se eu entrar nas matas trago mais de vinte espécies.
O cajueiro branco serve para diversas coisas, o entrecasco que é uma
coisa que fica entre o tronco e a casca do caju. Tem doril, uma folha
vermelha, comigo-ninguém-pode, eu conheço muitas, mas agora saiu
da mente.

102 Praticantes terapêuticos quilombolas


• engenho da cruz

Zé Pixani

Zé Pixani, apelido de José Santana Ferreira, morador da comunidade do


Engenho da Cruz, não se considera um rezador ou um curador, mas um
homem comum, como ele afirma. Seu conhecimento das folhas é grande,
mas ressalta que outras pessoas também as conhecem, isto é, são conheci-
mentos disseminados e não restrito a certos especialistas: “Porque quasemente
todo mundo daqui da roça sabe. Daqui da nossa redondeza, quase todo mundo sabe,
por exemplo, com uma folha que serve pra fazer”. Apenas as pessoas da cidade ou
parentes que já não vivem na comunidade é que recorrem mais sistemati-
camente aos seus conhecimentos, pois não têm mais familiaridade com as
folhas que outros moradores.
Seu José aprendeu desde cedo, como ele afirma, “quase do meu nascimen-
to”, vendo a prática de seus avós e, mais tarde, já começou a praticar. Como
ele lembra: “Eu fui fazendo, como diz a história, uma hora dá certo uma hora ver
também não dá, espera mais um pouco”. Na sua narrativa destaca-se a prática
cotidiana que se atualiza nas difíceis condições de vidas:

Esse conhecimento é depois de meus seis anos que eu fui tendo entendimento, aí então
qualquer problema que tinha… porque naquele tempo se existia médico era totalmen-
te pra turma da cidade que aqui na roça quase sempre todo mundo era curado com
folha, por exemplo, o cara tomava um corte, aqui na roça fazia o que, pra o cara?
Quem sabia rezar era reza, agora quem não sabia botava o que: nódia de banana, que
os médicos dizem até que é perigoso, pra estancar o sangue. Conheço uma folha que
chama mandororó, que lá tem muito, é pisar e botar com sal, também é bom, tudo isso
é o que a gente fazia.

O conhecimento das folhas já não é o mesmo do passado: “Então a turma


tá acreditando mais nos médicos de que próprio numa folha que a gente sabe que é pra
aquilo”. Essas mudanças trazem consequências para as formas de lidar com
problemas cotidianos de saúde, que são precocemente levados ao médico:
“[...] os mais velhos tinha, acho, mais um pouco de experiência, não sei mais o que era,

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 103
então teve uma vez que eles notaram o que o menino estava sentindo, ia lá fazia aquele
chá, com pouca hora o menino tava melhor. E hoje não, qualquer coisinha que o menino
ou adulto sente e vai correr logo pro médico”. O conhecimento do cotidiano, no
passado, contrasta com o aprendizado formal, como ele explica: “[...] tem
muitas coisas que muitos mais velhos do que eu que sabia e aprendeu que hoje a juven-
tude nenhum... Tudo hoje só quer se confiar através disso aí, das escritas”.
Além das folhas, as rezas também vêm diminuindo em decorrência do
aumento do número de evangélicos nas comunidades: “Hoje a maioria tudo,
não eu, a maioria é crente não acredita nem reza”. Para as rezas, é preciso acredi-
tar, ter fé, como no caso de uma torção – “desmentidora”, como é conhecida
–, que pode ser curada por uma mulher que tenha tido filhos gêmeos, con-
forme ele esclarece.

104 Praticantes terapêuticos quilombolas


Que no meu tempo, quantas pessoas existiu aqui que sabia rezar… dor de cabeça,
tanto dor de cabeça como, por exemplo, o que a gente tá sentindo agora como aquela
que a gente sente quando começa uma friadagem, que trata dor de cabeça de sereno.
Tem é duas maneiras de rezar a do vento, vento caído, a tal do vento é a tal doença que
a gente trata hoje o derrame, que trata infarto.

Várias folhas foram citadas por Seu Zé Pixani. Para gripe, recomenda
erva de Santa Maria – serve para xarope, chá, lambedor, banho –, fedegoso e
folha da costa, folha de novalgina e anador, cana de macaco – que também
serve para vermes – e batatinha. O alumã tem vários usos também: “A dor de
barriga a gente usa a folha pra fazer o chá. Pra garganta se faz o banho do entrecasco,
pra gargarejar”. Para febre e dor de cabeça, folha de pitanga. Quebra-pedra,
para os rins. Para dor de barriga, olho da araçá-mirim (cozinhar ou mastigar)
e a folha Santa Rita, também conhecida por casadinha. Boldo e carqueja
para males no abdômen. Para inflamação, a malva branca (para cozinhar,
para se banhar ou torrar e transformar em pó). Para cortes em geral, o mon-
dororó (macerado, puro ou com sal). A semente do fedegoso pode ser torra-
da, aliviando a constipação na cabeça.
Para se fazer os chás, a quantidade utilizada depende do tipo de folha em
questão. Algumas são um punhado (as folhas), ou para as maiores, costuma-
-se colocar três ramos (ou pés), sempre em número ímpar, ele esclarece. Para
se fazer xarope, pode-se ter receitas com várias folhas, mas também se faz
com uma única folha, como o xarope de folha da costa, para gripe, indicado
por nosso entrevistado.
A coleta das folhas deve ser realizada durante o dia, “antes do sol se escra-
var”, uma expressão bastante comum nas comunidades. Mas de manhã é
ainda melhor, tanto para as folhas como para as rezas: “O certo é colher cedo
como o que a mente levar, que tem rezas que muito gostam de rezar logo no sair do sol.
Porque quando o sol tá terminando que ninguém quer mais saber de rezar”.
A prática implica em experimentação, inclusive para um mesmo proble-
ma, o que pode dificultar a avaliação das folhas adequadas. Esse é o caso, por
exemplo, de problemas de diarreia, que podem ser tratados com diferentes
folhas, como ele explica:

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 105
Por exemplo, está sentindo uma dor de barriga, sempre tem com diarreia, talvez você
tome o chá da carqueja e não passe e nem para de obrar. Faz da folha de Santa Rita e
não para, faz do boldo, que também é bom, às vezes não para. Aí você fica indeciso sem
saber qual é, acaba no meio de tanto quando vai parar não sabe qual foi.

Mas não é bem curar que tudo é a fé, que tudo que a pessoa faz com fé
ele consegue, quando a coisa é muito grave, devagar, devagar, mas um
dia a gente chega lá. Igualmente é como sorte que muitos dizem que
não existe e eu ainda fico em dúvida, porque eu acredito que existe.
Que é as duas coisas que eu acredito e não sei qual é dos dois mais
poderoso o acerto ou sorte, mas eu acredito.

• são francisco do paraguaçu

Rabicó

Crispim dos Santos, conhecido como Rabicó, 43 anos, é praticante terapêu-


tico reconhecido na comunidade. Sua família reside no lugar há várias ge-
rações. Rabicó aprendeu a conhecer as ervas como seu pai e Seu Tolé: “Com
Seu Tolé eu aprendi mais as plantas de matas e com os meus pais eu aprendi mais as
plantas caseiras por perto”. O mentor, Seu Tolé, aprendeu com os pais dele.
Além das ervas, Seu Tolé também conhecia uma reza que fazia na lua nova:
“[...] quando a lua saía por baixo, ele pegava duas moedas e rezava, ele me ensinou um
pouco mas eu tentei formar e não aprendi. [...] Ele rezava na lua nova e dizia isso aqui
é pra espantar o olho mal de cima dele e da família dele”.
Para Rabicó a convivência com Seu Tolé foi decisiva no conhecimento
das ervas e também no desenvolvimento do interesse e familiaridade com
a mata, conforme explica: “Às vezes eu ia na mata mais ele e as vezes ele me in-
dicava e eu sabia aonde era, a mata lá eu conheço como a palma de minha mão. Eu
conheço a mata como o quarto da minha casa”. Para se colher as folhas na mata

106 Praticantes terapêuticos quilombolas


é necessário “pedir licença”: “[...] apesar das pessoas não considerar é preciso pedi
licença pra entrar, cortar e tirar ela, tudo tem o dono. Tudo isso tem que ter respeito”.
Seu conhecimento faz parte da história de seus antepassados e que, de certa
forma, se presentifica por meio das suas habilidades:

Eu tenho vontade de aprender, de preservar o que os meus antepassados me ensinou,


alguma coisa tem quando a pessoa tem esse conhecimento. Vem de tradição e essa tra-
dição eu não deixo cair, mas para manter uma tradição dessa é preciso ter cabeça e no-
ção do que está fazendo [...]. Eu herdei de herança pela parte da minha avó, pela parte
de meu pai. Ela tinha dom da índia Paraguaçu e ela foi de uma família de indígena.
Pela parte da minha mãe foi mais de escravo. Tem tudo a ver com o dom de indígena.

Sobre as folhas, raízes e outras formas de cuidado, Rabicó enumera mui-


tas possibilidades. Manissaba, fruta escura, serve para princípio de derrame

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 107
e Acidente Vascular Cerebral (AVC): “Torra ela na brasa, tenta fazer ela um pó
pra tomar um chá. E as vezes faz um chá com três bolinhas dela, se puder comer a
fruta come, porque ela é meia amargosa”. O chá da folha do abacate branco serve
para reduzir colesterol e pedra nos rins; entrecasca do cajueiro branco serve
também para baixar colesterol. Entrecasca da jurema e do babatenã servem
para cicatrização e reumatismo. Pau ferro misturado com barbatimão são
bons para a próstata. Amescla de pau e amescla de rama têm várias utilida-
des, inclusive para mulheres grávidas:

A pessoa tá com o corpo pesado, com muita dor no corpo, reumatismo, coluna a ames-
cla de rama. Já a de pau serve pra sinusite, ela tem uma resina, ela é muito branca.
A resina serve pra sinusite e muita dor de cabeça, a mulher que está gestante que não
pode tomar remédio, ele é um santo remédio pra isso. Hoje tem a tecnologia aqui
que está mais avançada, mais na mata não existia esse lance de tomar remédio, elas
tomavam defumador as mulheres. Misturava o velaminho branco da mata com essa
amescla de pau e dava um defumador.

O xoxô é um subproduto do preparo do azeite de dendê e a receita men-


cionada por Rabicó, de São Francisco do Paraguaçu, é famosa. Trata-se de um
óleo feito a partir do caroço do dendê que pode ser utilizado para limpar a
pele. Segundo Rabicó, as mulheres também utilizavam o xoxô para pentear
cabelo e trançar cabelo além de ser matéria-prima para o preparo de sabão.
Utilizado na medicina tradicional como cicatrizante, especialmente para as
pessoas que se cortam nas matas da região, pode ainda ser acrescentado a
ele, a entrecasca da biriba ou a folha do pau de leite para potencializar seu
poder hemostático e cicatrizante. Essa receita aplica-se tanto ao uso em hu-
manos quanto a animais.
Folha da biriba, ou do pau de leite, serve para estancar o sangue. Para
curar bicheira de animal (boi ou cavalo), Rabicó explica que existe uma téc-
nica que ele chama de “curar no rastro”, que é a seguinte: “[...] animal brabo
demais que não deixava ninguém apanhar, ele sai a gente pega o rastro dele com uma
foice ou facão, vira o avesso, pega duas folhas em cruz [ folha pequena ou capim] e bota,
o bicho cai todo. Dois dias o bicho cai todo e já tá cicatrizando”.
Alecrim e a canela de velho servem para problemas de garganta. Araçá-
mirim e banana verde, para disenteria. Purga do campo, para os nervos e

108 Praticantes terapêuticos quilombolas


inflamações: “Ela é muito sadia pros nervos, pra comer ela ou tomar o chá pros ner-
vos, pra gripe”. Batata de teiú, para mordida de cobra: “A batata de teiú tem que
misturar com cachaça porque a pinga sempre é boa pra mordida de cobra, entendeu?”
Folha de cajá (com leite) ou do suspiro de cachorro, para machucados
em geral. Folha do mangue, bom para conservar os dentes e para dor de
barriga. Malva branca, para desinchar. Vassourinha, para rezar e para tosse
de criança, cecê, para aliviar incômodos causados por nascimento de dente
em criança. Alfavaquinha, para febre em criança, colocando-se debaixo do
travesseiro. Aroeira, bom para cicatrizar e desinflamar. Folha do tamarindo,
para dor de dente. Algodão de seda, para hérnia de disco. Rabicó se preocupa
com o desaparecimento das ervas, mas, segundo ele, em sua comunidade há
controle desse processo:

Só que lá graças a Deus a gente não sofre muito esse problema de desmatamento e
pela união a gente cola em cima e denuncia. A gente tem que fazer a nossa parte, não
deixar que desmate a nossa mata, porque se desmatou a mata, desmatou uma vida.
A mata é vida, a água é vida. Principalmente a gente que tem que ter sobrevivência e
precisa da água e da mata. E aí a gente não pode deixar acabar a nossa mata e dali a
gente tira o nosso alimento, tira a nossa cura e tira tudo.

Eu sou pescador e agricultor, mas eu gosto muito da mata e na mata


eu tenho paz, tenho tudo. Tem problema que até com as árvores a pes-
soa conversando e com o rio, a pessoa se sente melhor e os problemas
vai embora. De manhã cedo se você chegar na beira da maré, você sen-
te ela respirar. Você vê o suspiro dela, porque quando ela tá irritada
sente aquela ventania e quando é de manhã cedo ela tá calma, você vê
ela respirando. E a água na mata você também vê, pela queda d’água
você sente. Aqui nas árvore da mata você sente a presença mesmo de
fazer parte da sua vida.

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 109
Ri

A praticante terapêutica conhecida por Ri, apelido de Arilene Sanches


Ferreira, tem seis filhos, é rezadora de olhado, cobreiro e vento caído. Ela
aprendeu a rezar com sua tia, Lucila, quando ia visitá-la, como ela explica:

Eu dizia assim: ó minha tia eu estou com uma menina lá de cobreiro, ela dizia: então
eu vou rezar a menina, mas aí você vai aprendendo pra depois você está fazendo quan-
do sua filha estiver de olhado, de ventre caído e de cobreiro [...]. Aí você já vai saber de
tudo um pouco. Mas nem todas que eu sei, as vezes não rezo. Tem gente que diz assim,
dá pra você me rezar de vento caído? Ah, fulana, tem horas que as vezes eu rezo, mas
tem outras horas que estou com a pressão as vezes alta. As vezes estou sentindo alguma
coisa aí não dá pra rezar, quando estou boa aí rezo.

110 Praticantes terapêuticos quilombolas


Ri já era mãe quando aprendeu essas rezas, cuja motivação foi justa-
mente o cuidado de suas filhas: “É tanto que hoje minhas filhas nenhuma sente
disso, olhado, ventre caído e cobreiro, depois que eu passei a fazer esses negócios. Eu
rezo mais, rezo os de fora”. Além das rezas, as folhas também foram ensinadas
por sua tia e outras pessoas mais velhas: “Com as pessoas mais velhas, a finada
Luiza, tem minha mãe, elas todas me ensinaram. A gente hoje tá com elas ainda no
mundo e depois como vai ser, é por isso que preciso aprender de tudo um pouco”. Mas
o conhecimento das folhas também se dá em sonhos, como em problemas
que teve consigo, com sua sogra, com uma de suas filhas e com seu marido:
“De sonhar já sonhei, mandando que eu pegasse umas folhas e fizesse o chá e aí tanto
bebesse como desse ao meu marido, [...] aí dizia assim: vá no mato, pegue a folha purga
de campo e guarda-sereno junto faça o chá e dê a ele, eu dizia a ele bote os dois juntos,
faça o chá e pode beber”.
Além das rezas, ela conhece as ervas e gosta de “ir pro mato”, junto com
seu marido. As ervas que costuma trazer são: purga do mato, mãe-boa, ma-
ria preta, quioiô, arrozinho, maricotinha, guarda-sereno. Essas são ervas
para fazer chá, xarope e lambedor, que Ri indica para gripe, mas, segundo
ela, muitos preferem ir para a farmácia: “É praticamente todos esses xaropes que
vende em farmácia, a gente as vezes tá com as ervas e não sabe que é bom. Tá gripado
e vai pra farmácia. Tem o chá do quioiô que é uma maravilha, tudo é bom”.
Para fazer o lambedor para gripe: purga do campo, pitanga, mãe-boa,
quioiô, mastruz, fumo brabo. Cozinha-se as folhas, acrescentando mel, cra-
vo e canela em pau. Já as folhas da purga do campo, mãe-boa e guarda-sere-
no, separadamente, são ótimas para inflamação. São muitas as possibilida-
des terapêuticas das folhas que se pode colher no mato, como ela enumera:
“Até o cansanção do branco é bom pro xarope. O capim santo, o quitoco, que o chá é
bom pra fígado. Tem o tapete de oxalá, o chá é bom pra rim pra fígado, pra baço. Tem
várias folhas e se eu for conversar com você vou levar um dia completo”. Mãe-boa e
mastruz, “mãe-boa e a maria preta, são duas folhas quase iguais, ali você pode fazer
o chá junto. Serve pra infecção urinaria”. Mastruz também é indicado para alívio
de “pancadas”, e pode ser ingerido com leite ou na forma de chá, bom para
problemas de verminose. Maxixe cru também é indicado para verminose.

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 111
Você pode correr mil mundos, se não tiver fé naquilo, não fica boa. Pra
chá, xarope faz até lambedor pra gripe. É praticamente todos esses
xaropes que ele vende em farmácia, a gente as vezes está com as ervas
e não sabe que é bom. Está gripado e vai pra farmácia. Tem o chá do
quioiô que é uma maravilha, tudo é bom. ... Tem a pulga do campo,
pitanga, mãe-boa pra colocar junto, tem a raiz ou a folha do quioiô,
tem a folha do mastruz, tem o fumo brabo ...Tudo isso é folha, aí você
cozinha todas elas juntas coloca o mel, o cravo, a canela em pau, e
faz um lambedor pra gripe. E aí ele separado a pulga do campo e o
guarda sereno é ótimo pra inflamação, a mãe-boa é pra inflamação e
infecção. Tudo isso é bom.

• santiago do iguape

Dona Estelita

Aos 78 anos, Dona Estelita, ou Fiinha, como também é conhecida, é rezadei-


ra em Santiago do Iguape. Quando ainda morava na cidade de Umburana,
no sertão baiano, aprendeu a rezar com uma senhora chamada Dona Maria,
de apelido “Maria Guerra”, “porque ela sabia todas as rezas, não sabe?”. Ela nos
conta como se deu esse encontro:

Aí eu cheguei, eu tava com dez anos: ‘ô Dona Maria, a senhora me ensina a rezar?’,
ela disse: ‘E você me promete se você rezar qualquer pessoa não cobrar?’, não chamava
centavo naquele tempo não, ‘não cobra nem um vintém?’, eu disse: ‘eu não cobro não’.
E ela me ensinou, as rezas que ela sabia, ela me ensinou.

Seu interesse em aprender se deu: “porque eu achava bonito ela [Maria


Guerra] rezar o pessoal e o povo agradecia a ela e dizia a ela que tava melhor, que
ficou boa. Aí eu gostava”. As rezas ensinadas foram: “olhado, dor de pontada,

112 Praticantes terapêuticos quilombolas


ventosidade e rezar de a pessoa desmentir o pé [...]. De peito aberto... que é quando a
pessoa tem aquela dor que responde nas costas, né?”. As folhas utilizadas nas rezas
são arruda, vassourinha de relógio, vassourinha de mofina. Dona Estelinha
começa, então, a recitar a reza de olhado:

Maria que mau olho te olhou? Que olhado te botou? ‘Com dois te botaram e com três
eu te tiro’, três é o ramo, não sabe? Três ramos. com três eu te tiro, com os poderes de
Deus e da Virgem Maria. Aí quando termina com as três folha, aí diz: ‘Maria, quem te
botou esse olhado? Se foi de gorda, se foi de magra, se foi de feia, se foi no trabalhasse,
se foi no comesse, se foi no dormisse, se foi no levantar. Bote esse olhado nas ondas
do mar sagrado’. Assim ela me ensinou, né? Aí quando acaba de rezar as três vezes
a gente... aí chega a reza, Pai Nosso, Ave Maria, Santa Maria e oferece o santo que a
gente deve oferecer.

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 113
Outro desconforto que ela saber rezar é o da “ventosidade”, “aquela dor
abafada por dentro”. A reza é a seguinte: “‘Ventosidade só é nuvem, nuvem a cla-
ridade retira essa dor da ventosidade com as três pessoas da Santíssima Trindade’.
Ela me ensinou. Ela rezava três vezes, depois rezava o Pai Nosso, Ave Maria”. Para
“vento caído”, quando a criança apresenta uma protuberância no peito, ela
ensina o procedimento: “Eu boto ele [a criança] assim no meu colo e rezo: ‘Cristo
nasceu, Cristo morreu, Cristo ressuscitou, vento caído se levantou.’, aí eu vou rezando,
rezando, rezando... três vezes... aí ele fica bom. Assim as mães diz, que ficou bom”.
Para impingem, pequenas irrupções na pele, “o impingem é com a folha, não
sabe? ‘Impingem rabicho, sai-te daqui que os porcos e as porcas anda atrás de ti, a
água do monte tá contra ti’. Reza três vezes, aí reza o Pai Nosso, Ave Maria, Santa
Maria e oferece aos santos [...]”. Para curar fogo selvagem e cobreiro, também
problemas de pele:

‘Comade malarde, que é que arde comade? Fogo selvagem. Com que curará comade?
Com cuspe da minha boca’, aí encosto três vezes, ‘e água fria e três Ave Marias’.
Quando acaba de rezar tem que rezar três Ave Marias e oferecer. E o cobreiro é: [...] ‘eu
fui pra Roma com a romaria, rezando cobreiros e cobrarias, com ramo verde e água
fria com poder de Deus e da Virgem Maria’. Isso tudo Dona Maria me ensinou, Deus
que dê o descanso eterno a ela.

Dona Estelita ressalta que esses problemas de pele devem ser rezados
em sequência: “O fogo selvagem é porque nasce assim uns caroços e fica todo verme-
lho. Aquele lugar fica tudo vermelho e então ali a pessoa tem que rezar de impingem,
rezar de cobreiro na mesma hora e depois rezar de fogo selvagem, que é pra aquele
vermelhaço acabar”. Além de rezar, é preciso oferecer as rezas para os Santos:
“[...] aí pode ser Nossa Senhora da Conceição, Nossa Senhora do Rosário, aí ofereço a
Nossa Senhora do Carmo, Santo Antônio... pra eles todos ajudar pra aquela pessoa
ficar boa, né?” Para problema de “pé desmentido”, a reza evita que o local
fique inchado: “‘Com os poder de Deus, de São Frutuoso. Eu te rezo, eu te curo’, mas
é com um pedacinho de pano em cima do lugar que tá doendo, que tá desmentido, e
com agulha e linha, né? ‘Com os poder de Deus, de São Frutuoso. Eu te rezo, eu te curo.
Carne quebrada, nervo torto, osso rendido’”.
Dona Estelita oferece dois carurus, um para Crispina e Crispiniana e ou-
tro para Cosme e Damião, ambos no mesmo dia, em dezembro. Como ela

114 Praticantes terapêuticos quilombolas


explica: “É assim... eu boto sete meninos, Cosme e Damião. Depois que termina ali,
botava sete menina, Crispina e Crispiniana. Na mesa, boto pipoca com queimado, re-
frigerante. Bebida forte não, é só pipoca, queimado e refrigerante”. Sobre a data em
que oferece o Caruru, já que preponderantemente a obrigação é cumprida
no dia 27 de setembro, ela esclarece: “Eu dou em dezembro, porque a primeira
vez eu dei foi em dezembro. Então eu procurei saber... o importante é o caruru. Não tem
nada de data. O importante é dar o caruru”.

Qualquer folha serve [para rezar]. O que tá valendo é a reza. Porque


tem que rezar, ói. Assim. E pra rezar assim tem que ser com a folha....
os quintal agora tá ficando pequeninho. Agora aí no quintal eu tenho
um pé de abre caminho que eu tô conservando ele que é pra quan-
do chegar uma pessoa, eu rezar com o abre caminho. Que é pra abrir
o caminho da pessoa.

Dona Sinhá

Ilza da Costa, de apelido Sinhá, tem 84 anos e é rezadeira. Nascida no Kalolé,


chegou a morar em Salvador, fazendo trabalhos domésticos e cuidando de
criança e já adulta veio para Santiago do Iguape. Não casou e nem teve filhos,
sendo muito dedicada à vida comunitária da Igreja Católica, onde aprendeu
algumas formas de cuidado, como a argila terapêutica, conforme explica:

[...] meu trabalho é da igreja pra casa, que eu sou muito coisa com a igreja, traba-
lhei na Pastoral da Criança aqui, também levei muitos anos. Depois que teve o posto
de saúde e acabou com a pastoral. Mas é um trabalho muito bom, aprendi muito.
Aprendi a fazer xarope pra adulto e pra criança, aprendi a fazer a argila do barro.
[...] Pra enfermidade, pra passar se tiver uma dor no pé, uma ferida, dependendo da
ferida se cura. [...] Se a enfermidade for muito profunda não bota em cima da enfer-
midade, bota ou com um jornal ou com um pano bem fininho, bota em cima e bota
aquela lamazinha. Tem muitos que faz já com uma folha. Quer dizer, aroeira é uma
folha, e a malva branca. Eu deixo puro mesmo. Aí bota, quando seca aquela massa aí
já tira, já joga fora.

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 115
Ela aponta a antiguidade e a familiaridade das rezas: “Isso do barro [argila
terapêutica] eu aprendi na pastoral, mas as rezas foi meus antigos que me ensinou”. A
avó paterna sabia muitas rezas, mas ela conta que aprendeu com a tia de seu
pai e outras pessoas próximas, como a reza de “olhado”, que aprendeu com
a tia, “de cabeça”, como diz: “Aprendi as palavras, eu não sabia ler, naquele tempo
eu não sabia, mas eu aprendi de cabeça, mesmo que os avôs da gente não ensinava a
gente a rezar? Fazer o sinal da cruz? Pra deitar e acordar? As coisas que me ensinava
eu aprendia logo”. Aprendeu a rezar na juventude, segundo ela, porque gos-
tava: “Eu gostava, já minhas irmã não gostava. Até hoje eu gosto, até hoje se a pessoa
chegar aqui e me pedir pra rezar, o que eu sei, eu rezo, eu não nego não”. Refletindo
sobre seu aprendizado, destaca a criatividade na reza: “Eu já ensinei algumas
pessoas, mas em tudo que você bota em prática você já vai botando mais coisa que
aquilo já vem já na tua mente, mas coisa pra você botar, eu já sei mais coisa do que
quando me ensinaram rezar [...]”. Ela nos conta uma situação em que foi “pega”
de olhado:

Foi de repente. Que eu sai boa, quando eu cheguei quase que eu não chegava em casa,
me deu uma dor nas costas e aí pronto, e vamo a dormir, dá uma soneira que você

116 Praticantes terapêuticos quilombolas


dorme e acorda e aquilo. Aí só que minha irmã conheceu e mandou chamar essa pes-
soa que me rezou, que hoje já morreu, que Deus dê a luz eterna, aí foi chamar ele, me
rezou, passou.

A reza de olhado pode ser feita com aroeira, São Gonçalinho, vassouri-
nha ou guiné, sempre com três ramos e com sol ainda, de noite só em caso
de emergência. Diferente de outras rezadeiras que rezam três vezes segui-
das, Sinhá reza uma vez de “olhado”, seguindo o aprendizado que teve. Ela
também reza de engasgo e erisipela (vermelha).

Eu não aprendi assim da pessoa copiar e me dar não, eu aprendi da-


queles mais velhos que já se encontra lá na casa de Deus, não é? Que
já morreu muita gente com muita coisa boa, que levou e não passou
pra ninguém e eu sempre fui muito curiosa, desde pequena, eu sempre
fui muito curiosa.

Toinha

A rezadeira Toinha, 68 anos, é muito conhecida na comunidade, sendo


Antônia de Jesus seu nome de registro. Ela nos conta que “[...] o pessoal che-
ga aqui pra rezar, me pede e eu rezo”. Os problemas de saúde que Toinha reza
são: “olhado”, “vento caído”, “espinhela”, cobreiro, “ventosidade”, erisipela
(“vermelha”), soluço, dor de cabeça, dor de dente, além de fazer xaropes em
quantidade considerável para todos que a procuravam, mas atualmente já
não tem mais a mesma disposição.
Nascida e crida em Santiago Iguape, onde sua família é residente há vá-
rias gerações, ela conta que aprendeu a rezar “com os mais velhos” c tios,
vizinhos, amigos – depois de já ser mãe, destacando que tinha curiosidade
para aprender: “Quando eu comecei a ter filho, meus filhos ficava doente, eu aí apren-
di a rezar meus filhos”. Toinha conta que o aprendizado fica mais fácil diante
da necessidade de cuidado com os filhos (teve seis filhos): “Porque achava ruim
pedir ao povo. Aí eu pedi pra poder rezar meus filhos, aí nisso eu rezo o povo. Tem dia

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 117
mesmo de fazer fila aqui pra rezar”. Para aprender a rezar, ela afirma não ser
necessário ter uma habilidade especial ou um dom, basta aprender as pala-
vras: “Só força de vontade e gravar [as palavras]”. Ou ler as palavras. Ela lembra
alguns cuidados de quando teve seus filhos: banhava-se com “água inglesa”
(adquirida em farmácia), pedra hume ou aroeira. Também havia resguardo
de alimentos como galinha, sendo que só podia comer “carne moqueada”;
tinha que ficar em casa por 40 dias.
Além das rezas para problemas de saúde, ela também sabe “rezar ben-
ditos”, orações para os santos de devoção São Roque, São Cosme e Damião,
Santa Bárbara, Nossa Senhora das Candeias, São Crispim e outros, que
aprendeu antes de casar e sabe rezar “de livro”, por escrito. Para espinhela
caída, ela explica: “Só dor no peito. Aí eu meço com um cordão”. Após fazer a
reza, coloca um emplastro “salompas” na região, uma inovação recente na
sua forma de tratamento: “Eu agora dei pra botar porque eles pegam peso e torna

118 Praticantes terapêuticos quilombolas


a cair e botando a salompas fortalece”. Para “olhado”, retira três galhos de algu-
ma erva do seu quintal, preferencialmente a vassourinha, pede permissão a
Deus e faz a reza, que deve ser de dia, contudo, não dispondo da folha con-
siderada apropriada, esta pode ser substituída por outras: “‘[...] no quintal não
acho vassourinha, com vassourinha é que reza. Não acho, aí na hora eu pego qualquer
folha’.[...] A vassourinha é melhor, agora eu quando quero rezar e não acho a vassou-
rinha, que o sol matou as vassourinhas no quintal, eu aí uso velame. Que tem o pé do
velame, eu vou lá, pego e rezo”.
Para “vento caído”, além da reza, outros procedimentos são necessários
para que esta tenha a eficácia esperada: “A gente mede os pés. Aqui ó. Aí quando
tá maior do que o outro é que tá caído o vento. [...] Não, vento caído a gente reza aqui
puxando os dedos, puxa o dedo da mão, puxa o dedo do pé, depois aí reza aqui e aí
vira do avesso, reza nas costas, aí pega o pezinho, aí bate três vezes aqui ó [...]”.
Já para o tratamento de pé desmentido, Toinha diz: “Eu rezo com uma
pedra. Pega uma pedra e vai cruzando no lugar e vai dando as palavras”. O trata-
mento para dor de cabeça de sereno exige que a reza seja feita com um copo
d’água sobre a cabeça da pessoa; já para outro tipo de dor de cabeça “do sol”
apenas a reza é suficiente. Toinha não reza “ar do vento”, que ela descreve
como: “A pessoa se entorta toda. Derrame”. Finaliza por explicar a razão de não
ter aprendido dizendo: “Eu não quis aprender não que é muito pesado”.
As ervas que ela utiliza para chás são: pitanga, fedegoso, alfavaca, capim
santo, maria preta, para gripe; assa-peixe, quebra pedra, para os rins; papa-
nicolau, para fígado; melissa e cidreira, para o coração; amescla, para espi-
nhela caída e estômago; aroeira, para inflamação. Além das folhas, outras
partes da erva podem ser incluídas no preparo, tal como entrecasca, caules
e raízes, tal como ela reconhece: “Quando eu faço chá eu faço com raiz, com tudo”.

Quando eu conheço, assim, todo mundo conhece, porque aqui um pas-


sa pra o outro. Não tem segredo nenhum. ‘você tem essa tal folha?’,
quando quer a gente vai nas casas pedindo, que aqui ninguém vende
folha. ‘A vassourinha é melhor, agora eu quando quero rezar e não
acho a vassourinha. Que o sol matou as vassourinhas no quintal, eu aí
uso velame. Que tem o pé do velame, eu vou lá, pego e rezo’.

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 119
Rosinha

Dona Rosinha, de nome completo Rosa de Vieira dos Santos, teve dez fi-
lhos e, aos 72 anos, continua rezando na comunidade. Nascida e criada em
Santiago do Iguape, sua família mora nesse lugar há gerações, como ela diz:
“Foram enterrados aqui”. Dona Rosinha sabe rezar alguns problemas, mas diz
ser preciso ter fé: “Eu rezo olhado, cobreiro, rezo caroço no corpo. Se a senhora che-
gar aqui com a coroçagem no corpo eu... rezo três dias pra sarar. Se tiver fé na reza,
sara. Se não tiver nem venha. Eu digo logo: ‘se tiver fé sara, se não tiver não sara’”.
Dona Rosinha já era adulta e casada quando aprendeu as rezas que hoje
ainda guarda na memória com os mais velhos, todos já falecidos, especial-
mente com Francisca e Neném, rezadeiras a quem ela levava seus filhos,
como comenta: “Já levava muito menino pra ela rezar de olhado, coceira. Ela disse:
‘olha minha filha eu tô ficando pra idade, não vou aguentar rezar mais, eu vou lhe
ensinar’. Aí eu aprendi. Uma morava aqui perto de mim e a outra lá pra cima. [...] Ela
que me pediu pra me ensinar, se eu queria aprender. Eu disse: aprendo”.
Na sua forma de praticar a reza, Dona Rosinha diz que gosta de falar so-
mente para si, sem ninguém escutar. Acrescenta que não quer mais ensinar

120 Praticantes terapêuticos quilombolas


aos outros, pois a responsabilidade é grande nesse ofício. Ela menciona
como exemplo o caso de uma mulher que queria aprender, cuja irmã era
rezada por Dona Rosinha: “Mas é muita coisa pra botar no papel, as palavras de
Deus, não cobro nem nada. [...] Que eu não ensino não, que nada, eu copiei aqui pra
uma menina, ela não aprendeu. Rezar reza errado não dá. Ela não aprendeu eu dei a
ela a reza do olhado”. Dona Rosinha é muito assertiva em relação ao cuidado
com as palavras que devem ser seguidas à risca: “Sempre é a mesma. Não pode
mudar não, no fim da reza ainda rezo o Pai Nosso todo. Demoro rezando”.
No aprendizado com as antigas rezadeiras, ela ia escutando o que elas
rezavam, diferente da sua forma de fazer a reza: “[...] elas rezavam alto, eu
ouvia, [...] saia do coração delas. Eu mesmo não rezo alto pra ninguém ouvir. Sai do
meu coração, eu não rezo alto”. Além de murmurar as palavras da reza de olha-
do, como ela explica: “É, só rezo pra mim, [...] só sai do coração pra pessoa [nem a
pessoa ouve?]. Não. Não é pra ouvi não”. Dona Rosinha também não faz movi-
mentos bruscos e não encosta as folhas na pessoa, como outros rezadores
costumam proceder.
Para reza de olhado, ela diz as palavras e usa três galhos das folhas de
vassourinha, corona e comigo-ninguém-pode. Para criança, usa apenas vas-
sourinha; já para o adulto as folhas melhores são corona e comigo-ninguém-
-pode. Para pé desmentido, Dona Rosinha usa a folha da corona: “Eu estico
os dedos, dizendo as palavras e depois passo as folhas”. Para algumas doenças, ela
explica que se trata da mesma reza: “É a mesma reza só muda o nome da doença:
cobreiro, caroço, inchação”. Para tratamento de cobreiro, ela reza três vezes
fazendo o sinal da cruz, podendo-se utilizar duas folhas, corona ou pimenta,
que são mergulhadas num recipiente com água e sal e aspergida no local do
problema: “Molho as folhas no copo de água com sal e digo as palavras três vezes,
encosto as folhas na pessoa e pronto, durante três dias”. Dona Rosinha também faz
chás e xaropes, como ela explica na receita abaixo:

Todas as folhas que eu tenho aí eu boto no xarope pra fazer. O alumã, a folha do araçá,
maria preta, alfavaca, o mel da abelha, canela, capim santo, folha de laranja da terra,
folha da costa, tudo eu boto na panela depois ponho açúcar, deixa ferver, cozinhar bem
e as folhas escorre pronto. Agora as folhas que não mata ninguém.

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 121
Esses carocinhos miudinhos que sai em criança, as pessoas ficam di-
zendo que é isso, aquilo, mas é cobreiro. Veste roupa sem passar, põe
roupa de criança no chão e qualquer pessoa passa e senta no lugar,
passa barata e lagartixa, teia de aranha pronto. Aquilo se não rezar,
não tem pomada que sare, quanto mais o senhor passar a pomada,
mas ele cresce e toma o corpo todo.

• brejo da guaíba

Dona Dete

Dona Dete, apelido de Valdelíce dos Santos, tem 78 anos. Nascida no muni-
cípio de Serrinha, ela integra a comunidade de Brejo da Guaíba há mais de
40 anos. É rezadeira e já foi parteira. Mas, para “remédio de folha”, como
ela se refere às folhas e às rezas, diz que ainda consegue fazer, embora com
limitações. Como ela descreve:

Que tiver uma dor de barriga e não tiver o carro pra ir pra Cachoeira eu faço chá, rezo
a barriga. Se é uma dor de cabeça eu rezo, pois bem... se é um engasgo, de gente ou de
animal, tudo isso eu fazia. Agora eu não faço mais porque não tenho mais possibilida-
de de fazer, porque desse olho eu enxergo, mas enxergo pouquinho desse. Eu tô vendo
vosmecês tudo turvo. Então eu não faço mais não. E menino eu já peguei muito e já tão
tudo pai de família e mãe de família.

Ela diz que não gosta de remédio de médico – embora faça uso em algu-
mas situações, como para diabetes –, pois ela mesma faz seus remédios, os
chás de folhas e outras possibilidades, como, por exemplo: chá de berinjela,
que ela toma para diminuir o colesterol; para dor nas pernas, uso de banho
de folhas de fruta-pão com cacau; e chá da raiz da caiçara, para diabetes.
Dona Dete começou a se interessar pelo conhecimento das folhas e do parto

122 Praticantes terapêuticos quilombolas


quando morava em Governador Mangabeira e acompanhava uma senhora
conhecida por “Miudinha”, que era do candomblé e parteira.

[...] aí ela ia fazer o toque pra ver se tava longe ou perto, ela fazia e depois ela me dava
a luva e mandava eu fazer, aí eu fazia, quando eu fazia ela perguntava: ‘como é que
está aí?’, eu dizia a ela: ‘tá longe ainda, não alcancei’, ela disse: ‘tá bom’. Aí passava,
quando a dor apertava mesmo aí ela ia fazer o toque e depois mandava eu ir, eu dizia:
‘alcancei, tá aqui assim’, ela: ‘não vai demorar mais’. Aí pronto, aprendi.

Depois de várias mudanças de cidade, em outra ocasião, Dona Dete


foi trabalhar em Cachoeira, na casa de uma mulher chamada Licinha, en-
fermeira. Esse encontro foi decisivo: “[...] e ainda me ensinou melhor que ela
pegava menino do hospital. Com a Licinha eu ia com a luva, ela me dava luva”. O

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 123
aprendizado das rezas, por sua vez, foi feito com sua mãe, Maria Domingas
de Jesus, também conhecida por “Dete”, que “rezava de tudo”:

Eu via ela fazer, se ela fosse rezar o menino de vento caído eu tava junto com ela, ela
rezando e eu aprendendo. Todas rezas que ela rezava... as pessoas vinha na porta pra
ela rezar. Todos ela rezava pra eu ver, olhado, dor de cabeça, dor de barriga, de dente,
dor de barriga de animal, engasgo de animal, engasgo de uma pessoa... eu via. Tudo
isso eu sei.

Já residindo na Guaíba, o primeiro parto que ela fez foi da irmã de seu
marido e, ao longo dos anos, fez muitos partos na região, mas aos poucos
foi parando de fazer, especialmente depois de um parto complicado de sua
comadre. Ela destaca alguns cuidados com o parto, como banho de algodão
ou de mentrasto, para intensificar as contrações. Além do banho, também é
eficaz o chá da “palha” da cebola roxa.
Algumas rezas e chás indicados por Dona Dete: para “vento caído”, chá
da maçã do algodão; para gripe, chá das folhas do sabugueiro, cécé, carro-
-santo, capim-santo, hortelã. Para “olhado”, além da reza com três galhos da
vassourinha, também são bons o chá (três pés) e o banho da raiz da vassou-
rinha. Ela pronuncia a reza, que depois deve ser acompanhada do Pai Nosso
e da Ave Maria:

[...] a gente chama o nome do fulano, vamos botar José. ‘José, mau olho te olhou, com
Deus eu tiro. Com os poder de Deus e da Virgem Maria. José se botaram em teu olhos,
na tua cor, em teu cabelo, em tua sobrancelha, em teu vestir, no teu calçar, no teu
comer, eu tiro, quebrante, olhado, moleza no corpo de José, com os poder de Deus e
da Virgem Maria. Se foi teu pai, se foi tua mãe, se foi teus tios, se foi tuas tias, sai, vai
inveja e usura de cima do corpo de José, com os poder de Deus e da Virgem Maria.
Vai pro lado da maré vazante ou não canta galo e nem galinha ou não vem o filho do
homem chorar’.

Para engasgo, pronuncia-se a reza seguida de leves batidas sobre o peito:


“casa velha, homem mau, mulher boa, engasgo ou sobe ou desce com os poder de Deus
e de São Frutuoso, casa velha, homem mau, mulher boa, engasgo ou sobe ou desce com
os poder de Deus e de São Frutuoso”. Para “pé desmentido”, a reza pode ser feita
para pessoas, ovelhas e bois, cavalos e jegues, não servindo para porcos,

124 Praticantes terapêuticos quilombolas


cabras e galinhas. Dona Dete esclarece que também se pode rezar com agu-
lha ou com três torrões de argila: “[...] eu rezo com três torrão da parede ou uma
agulha. Eu pego, dobro o pano, boto a linha na agulha, vou rezando e costurando
[...]”. Na reza com agulha, segue explicando: “É costurando, a gente se benze e
vai enfiando a agulha. ‘Eu te cozo carne quebrada, nervo mordido, junta descolocada,
nervo machucado e veia torcida. Chegar pro lugar com os poder de Deus e da Virgem
Maria’, a gente reza. E reza o padre nosso”. Na reza com os torrões, fazem-se
movimentos em cruz no local do machucado.
Para dor de cabeça não é necessário ter folhas acompanhando a reza,
apenas as mãos que pressionam a testa e a nuca. A reza é indicada para
dor “de sol” e de “sereno”: “Jesus é sol, Jesus é sereno, Jesus é caridade, tirando
dor de cabeça com dor de pontada, dor de xuxada e ventosidade. Tirai-me da carne,
tirai-me dos ossos, tirai-me dos nervos, tirai-me da veia, com os poder de Deus e da
Virgem Maria”. Outra possibilidade é utilizar pano e garrafa de água, como
ela explica:

E rezo também com o pano, pego a garrafa. Uma garrafinha assim de vidro, boto
água, quando acabar eu pego uma toalha, dobro bem dobrada e boto na cabeça e viro
a garrafa, ali as bocas sobem, se for de sol, sobe aquelas bolhas graúdas e se for de
sereno, sobe tudo miudinha [...]. Se a dor de cabeça tá forte eu rezo com a garrafa. O
fundo pra cima e a boca pra baixo. Aqui em cima da moleira. Aí também aquela água
vai... Quando eu tiro a pessoa já tá melhor da dor de cabeça.

Dona Dete não reza espinhela caída, embora sua mãe rezas-
se: “[ela] disse que não me ensinava não, porque é muito forte. Tinha
que ter alho pra passar em cruz... minha mãe mesmo parou de rezar,
que ela rezou uma criatura e caiu. É muito forte”.

Dona Lourdes

Parteira, rezadeira e moradora do Sítio de Santo Antônio, localidade que


faz parte da comunidade do Brejo da Guaíba, Maria de Lourdes dos Santos

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 125
é uma senhora de 88 anos. Como parteira, há anos que não “pega menino”,
como ela explica: “Eu rezo... já peguei muitos meninos, mas só que não continuei.
Mas já peguei muitos meninos mesmo”.
Dona Lourdes aprendeu a partejar com uma parteira chamada
Evangelina, que fez o parto dos seus filhos (seis filhos). Começou a apren-
der depois dos filhos nascidos, inicialmente amparando a parturiente até
a chegada da parteira – que muitas vezes não conseguia chegar a tempo –,
em seguida, passou a cortar o umbigo, tratando até cair, cuidando da mãe
e filho: “[...] cuidava do umbigo, dava banho, fazia tudo pra elas, fazia até comida...
ensinava folha pra tomar banho. Ensinava essa. Botava no fogo pra elas tomar banho,
se banhar. A malva branca”. Atualmente as parteiras existentes já estão idosas,
conforme atesta. A vitalidade do ofício de partejar está associada ao modo
de vida do passado: “Nesse tempo que a gente fazia não tinha carro pra levar pra
Cachoeira. Tinha assim... mas demorava pra... não esperava, né? Tinha dentro de casa
mesmo”. Ela explica os procedimentos para o parto:

A dor do parto a gente cozinha é algodão. Cozinha o algodão [ folhas] pra esquentar a
dor. Cozinha o algodão e aí dá o banho. Dá o banho pra dor esquentar. A gente dá um
golinho pra beber e aí a dor esquenta. A dor esquenta e o menino nasce. [...] Uma folha
que chama mentrasto também é boa pra dar banho. O mentrasto tem muito, agora só
tem mais no inverno. No verão é difícil, mas no inverno tem muito. É bom.

Os cuidados com o umbigo implicam em cortar, passar o azeite doce e o


óleo de amêndoa ao seu redor.

Pra cicatrizar... ele cai ali mesmo. O algodão no banhozinho... a gente não deixa mo-
lhar pra não ficar aquela murrinha. Que ele morrinha muito quando tá secando, aí a
gente dá o banho, não molha. Dá o banho todo no menino com jeito pra não molhar o
umbigo, a gente tira aquele paninho que a gente bota, depois a gente vai, tira. Quando
acabar passa o óleo da amêndoa e torna botar aquele paninho e dobrou aquele umbigo
e deixou ali, com três dias ele cai. Se o menino tiver a cabeça boa, com três dias ele cai.
Se a cabeça dura, com quatro ou cinco dias cai.

Para a mulher no puerpério, ela sugere banho de folha de malva branca,


aroeira ou a entrecasca do cajueiro. Dona Lourdes afirma que ainda aconte-
cem situações de parto em casa ou a caminho do hospital: “Aqui mesmo tem

126 Praticantes terapêuticos quilombolas


uma vizinha que teve no carro. Eu falei com ela: ‘não vá pra Cachoeira que você vai
ter no carro’, quando chegou ali na Pedra [local próximo] teve. [...] Enrolou o menino e
foi pra Cachoeira, chegou lá os médicos veio tirar do carro”. Ela esclarece que nem
sempre é possível prever o tempo de trabalho de parto, especialmente no
caso de meninos que, segundo ela, são mais rápidos de nascer e com dores
mais intensas: “A menina fêmea ainda dá tempo de sair, panhar uma coisa ali... mas
o menino macho não, a dor é uma em cima da outra, uma em cima da outra. É a dor
quente”.
O parto realizado no hospital, segundo Dona Lourdes, também oferece
garantias adicionais às mulheres: “Ainda que elas queiram ter em casa, mas elas
têm que ir pra lá. Porque lá já sai com aqueles papéis, né?”
Dona Lourdes faz chás e xaropes: “[...] pra puxamento, pra puxar cansaço... de
cansaço... eu faço tudo de tudo quanto é folha. De tudo quanto é folha eu faço”. Raízes
de lírio, da carqueja e da orelha da onça; capim-santo, folha santa; velame;

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 127
folha do agrião; “bagunço” da banana e mel de abelha; gengibre; pena de
galinha preta torrada “fazer aquele pó pra jogar dentro do xarope”. Ela faz chá de
quioiô, boldo, tapete de oxalá, para indigestão.

As pessoas a procuram para pedir folhas e ensinar os chás.


Aprendeu no cotidiano, com os pais: “As folhas eu via minha
mãe fazer. O pessoal trazia, meu pai trazia as folhas, onde tinha as
folhas ele trazia pra dentro de casa, cada qual ele ia trazendo e mos-
trando qual era a folha”.

Maria

Maria da Conceição Santos da Silva, ou apenas Maria, tem 41 anos e é mãe de


quatro filhos, é presidente da Associação de Moradores do Brejo da Guaíba e
rezadeira. Ela aprendeu com sua mãe a rezar para São Cosme e São Roque, o
“ofício” para benzer a casa, além das rezas para vários problemas. O apren-
dizado se deu na prática, como ela conta, “prestando atenção” ao que sua
mãe fazia. Ela foi a única filha de 14 irmãos a aprender as rezas, o início do
interesse pelo ofício seu deu na adolescência.

Minha mãe sabia rezar dor de cabeça, rezar de olhado, quando tem um ferido, que
aquele ferido inflama e fica vermelho, que chama de azipela [erisipela]. O pessoal cha-
ma que deu o mal da praia. Eu sei rezar isso também. Sei rezar de desmentido, quando
toma uma pancada que desmentiu assim numa junta. E também sei rezar, assim...
Devoção que o pessoal tem com São Cosme. Como hoje, que é o dia de São Cosme, o
pessoal reza, dá o caruru. [...] É, eu sei rezar São Cosme, São Roque eu também sei. Sei
rezar também o ofício.

Maria não escrevia as rezas, apenas prestava atenção ao que sua mãe fa-
zia. Mas o interesse, ela conta, veio se construindo ao longo do processo em
que se entrelaçam a reza e a cura: “Eu achava bonito ela rezando. Por exemplo,
vinha uma pessoa com um ferido, hoje ela rezava e amanhã já vinha sequinho. Aí eu

128 Praticantes terapêuticos quilombolas


achava aquilo interessante. De ver ela curando aquilo que a pessoa tava e aí me inte-
ressei. E fui aprendendo”.
Ela ensina como reconhecer o “olhado” e o procedimento para a reza: “O
olhado é tipo assim, tem gente que tá sentindo o corpo mole... tá achando que tá com
olhado. Aí a gente reza com folha de vassourinha ou uma folha que chama malmequer,
a gente reza de olhado”.
Ao final da reza, corta a folha em três partes e faz a dispensa sempre em
direção ao pôr do sol, ou “pro lado que o sol se escrava”. A reza para “olhado”
deve ser recitada por três dias seguidos:

[o nome da pessoa], se te botaram olhado, se foi no teu comer, se foi no teu beber, se
foi no teu vestir, se foi no teu calçar, se foi na tua cor, se foi nos teus olhos, se foi na
tua beleza, se foi na convivência com a tua família, [o nome da pessoa]. Eu tiro com os
poderes de Deus e da Virgem Maria”.

Em seguida a esta primeira reza, deve-se finalizar com uma outra cujas
palavras são:

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 129
A lua antes de ser nova, [o nome da pessoa], primeiro foi ao poente perguntar Jesus
Cristo com que cura os inocentes. Te curara e com nome de Deus Pai, Filho e Divino
Espírito Santo. Sai mal, sai desse inocente, vai para o poente, onde não canta galo e
nem galinha, onde não berra boi e não ouve o filho do homem chorando.

Com referência às restrições temporais, ela afirma que não se deve re-
zar à noite e nem aos domingos. Em sua concepção, as rezas devem ser
feitas exclusivamente com as folhas da vassourinha ou do malmequer. “Pé
desmentido” se reza com três pedrinhas (torrãozinho) de barro (de casa de
taipa). Com as pedrinhas, ela vai fazendo a cruz no local desejado e rezando:
“‘Carne quebrada, nervo rendido, osso desconjuntado, veia torcida, chega pro lugar’,
diz três vezes assim e no final diz: ‘com os poderes de Deus e da Virgem Maria’”.
Depois da reza, puxa-se três vezes o local atingido. Para erisipela, que Maria
chama de “mal da praia”, pronuncia-se a reza e vai molhando o local com
azeite de oliva com a ajuda de uma pena de galinha. Para dor de cabeça, a
reza não necessita de folhas, pois se faz o procedimento com os dedos cru-
zando na testa e ao finalizar a reza, dá-se um leve sopro em cada ouvido. A
reza é a seguinte:

‘Jesus é o sol, Jesus é sereno, Jesus é caridade, Jesus é as três pessoas da Santíssima
Trindade. Tirai essa dor de cabeça, com dor de chuchada e ventosidade. Tirai da carne
e tirai dos ossos, tirai da veia, tirai da cabeça de...’, da pessoa que a gente tá rezando,
com os poderes de Deus e da Virgem Maria.

Maria não sabe rezar “ar do vento”, pois sua mãe a retirava do local quan-
do havia esse problema. A razão, ela explica: “Ar do vento eu já ouvi o pessoal
falar, mas eu não aprendi essa não, minha mãe dizia que não me ensinava essa porque
essa reza é muito forte”. Também não aprendeu a reza de “vento caído”, mas
por outro motivo, que explica: “[...] quando eu pedi a ela pra ela rezar pra eu
poder ouvir, ela me disse assim: ‘não aprenda não, que fica um monte de gente vindo
pra sua casa com menino pequeno pra rezar. Não aprenda essa não. E seus filhos já
tá grande’”.
Maria faz xaropes com uso de várias folhas: xarope da flor do sabugueiro,
para gripe; de hortelã grosso. Em seu repertório de conhecimentos, chá de
trançagem e de purga do campo são bons para combater inflamação; folha
da amescla é boa para espinhela caída. Em sua opinião, as folhas ou ervas

130 Praticantes terapêuticos quilombolas


medicinais, como ela também as chama, são melhores que remédio. Ela
afirma que o uso dos chás é disseminado na comunidade, mesmo entre os
mais jovens, e que a procura de um médico se dá apenas quando as folhas
não resolveram o problema.

Eu mesma prefiro a folha. E meus filhos também é assim. Meus fi-


lhos... eles também não vai pegar o remédio pra tomar, eles primeiro
vai fazer um chá. E eles todos já são ensinados, tal folha serve pra tal
coisa. Aí se eu não tiver em casa pra eles dizer assim: ‘ó, mãe, faz um
chá pra mim’. Tem vez que eu chego e vejo o chá feito.

• tabuleiro da vitória

Vandinha

Com 66 anos, casada com Detinho e mãe de 20 filhos, Cizélia Caetano da


Cruz, conhecida por Vandinha, é rezadeira nascida e criada na comunidade
do Tabuleiro da Vitória. Como ela explica, esse nome não é um apelido, mas
uma forma de resolver a divergência entre a mãe e a tia como relação ao seu
nome: “[...] minha mãe queria Vandinha e minha madrinha queria Cizélia. Aí pras
duas não ficar zangada, aí minha madrinha batizou como Cizélia, que é do batismo e
minha mãe botou Vandinha como apelido de dentro de casa, ficou as duas satisfeita”.
Criada no catolicismo, ela faz reza para São Cosme e Santa Barbara no mês
de janeiro, que incluem a novena, caruru e o samba, festa que reúne muita
gente da comunidade.
Vandinha iniciou-se nas rezas aos 11 anos, com seu tio, rezador, que
aprendera com o avô e o pai: eram “rezadores de ganho”. Não sabia ler, mas
achava muito fácil decorar: “Mas eu tinha uma cabeça tão boa que eu acho que era
Deus mesmo que queria que eu aprendesse isso, né? Porque assim que ele me ensinava
eu já aprendia tudo”. O aprendizado foi uma alternativa à escola, que ela disse

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 131
ser um ambiente hostil: “Porque a minha vontade que eu tive foi de aprender a
reza, que eu não sabia nada de estudo. [...] Eu não sabia nada de estudo e queria algu-
ma coisa que me distraísse coisa, que me ajudasse de meu lado. Fui muito judiada na
escola com as professoras”.
Ela indica os problemas que sabe cuidar: “ar do vento”, dor de dente,
dor de cabeça, “desmentidora do pé”, “olhado”, “espinhela caída” e “vento
caído”, esse último é um problema de criança, como ela explica: “É como se
fosse olhado, porque ali ele fica obrando desandado, obrando fedendo, a barriga oca,
aí já chama vento caído”. Além de rezar, ela faz chás e xaropes.
Vandinha diz que a chamam também para rezar no hospital, problemas
como “ar do vento”, que os médicos definem como derrame, “que fica assim
torto, com a mão torta, com a boca torta...” Nesse caso, além da reza, é preci-
so fazer dar o banho e fazer a defumação com as folhas: velame, folha de
café, maria preta, folha de palha de alho, alecrim do sertão e fedegoso. Esse

132 Praticantes terapêuticos quilombolas


tratamento tem que ser feito três ou sete vezes. Como ela explica, há situa-
ções em que vai até a casa da pessoa doente:

Tem as folhas já preparadas, próprias pra isso. Pra fazer o banho e dar o defumador a
pessoa. Aí a pessoa toma o banho primeiro... o dono do doente, eu que sou a rezadeira
aí vou levo aquelas folhas tudo, chega lá e dou... por exemplo, a senhora que a dona,
aí a senhora prepara aquele banho, dá a ele. Eu fico ali esperando, pra depois que ele
tomar aquele banho, eu vou defumar ele todo pra depois eu rezar. [...] Chama pra eu
rezar lá no hospital e quando vem pra casa eu faço o defumador e o banho.

Segundo ela, outro problema que poucos rezadores sabem cuidar é a


espinhela caída.

Espinhela caída é um ossinho que tem aqui [mostra apontando para o próprio
tórax, acima do plexo solar]. E aí se a senhora pegar um peso de mais, que a se-
nhora não aguentar, tomar uma topada de mais, que a senhora volta pra trás, que é
a mesma coisa de menino mole que dá jeito nas costas então esse ossinho daqui desce
em cima dos fígo. Esse ossinho daqui trabalha em cima dos fígo e a senhora começa a
sentir uma dor aqui e uma dor nas costas. Que chega a arder. Isso aqui assim parece
coluna. E aí senhora amanhece com as pernas... quando ela já tá bem passada, que o
fígo tá bem inflamado a senhora começa até inchar.

A espinhela caída pode ser resolvida com a reza de três dias. Para o pro-
cedimento, a pessoa doente deve portar uma pedra na mão, fazendo mo-
vimentos para baixo e para cima enquanto Vandinha recita a reza. Após a
reza é necessário um tempo de resguardo, que pode ser de três ou nove dias,
nesse último caso, com uma toalha amarrada ao corpo. Além da reza, tam-
bém é recomendado que a pessoa tome chá da folha do louro com a folha da
amescla, conforme explica:

Uma pedrinha assim. Qualquer uma pedra. Que seja assim de um quilo, dois quilos. Eu
rezo, digo aquelas palavras e aí eu digo assim: ‘quando Deus entrou no mundo arcou,
a espinhela levantou, peito aberto fecheis, espinhela levantei, com a hóstia do divino
Espírito Santo te rezei’... aí já é quase no fim, não é a espinhela... não é a reza toda,
entendeu? Aí pego aquela pedra e dou a senhora pra estender. Aí a senhora leva três
dias de resguardo sem fazer nada e nove dias de resguardo é com a toalha aqui ó!
Amarrada a toalha aqui. [...]e se quiser nove dias de toalha aí eu pego a toalha aqui,
que dê aqui na senhora, e aperto aqui e a senhora amanhece e adormece com aquela

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 133
toalha, só tira pra tomar banho e amarra de novo, nove dias de resguardo. Mas hoje
em dia como ninguém quer mais esse negócio de ficar amarrado tanto tempo aí eu
rezo pra três dias.

No tocante às restrições quanto às atividades, Vandinha destaca as inter-


dições de horário para que possa rezar as pessoas: “Só não doze horas da noite.
Meia noite, nem do dia e nem da noite. Deu meio dia eu não rezo [...]. Passou dessas
horas qualquer hora e qualquer dia”. Muitas pessoas, inclusive jovens, pedem a
Vandinha indicações de folhas para chás, mas as consultas não despertam o
interesse dos jovens pelo aprendizado. Sobre as dificuldades na continuida-
de deste ofício, ela diz que somente uma jovem rezadeira, até o momento,
aprendeu as rezas com ela. No seu relato fica claro que as dificuldades de
interesse pelo aprendizado também se estendem às responsabilidades a se-
rem assumidas pelo beneficiário do ofício de rezador:

Que a reza tudo é forte. Só [uma]que quis, eu ensinei. Mas as outras menina diz que
não quer não, que é uma reza muito forte, muito pesada, que tá em casa daqui a pou-
co chega pra chamar pra ir rezar uma pessoa... sabe que as meninas hoje tá tudo de
boemia, né? [...] [A jovem da comunidade] veio com o caderno, eu fui falando e ela foi
escrevendo tudo e ela sabe. Não sabe tudo que nem eu, mas ela sabe, que tem coisa que
ela não veio perguntar ainda.

Se eu tô rezando e vejo que tá errado eu paro, peço licença a Deus e


volto... pego as palavra na mente pra não errar de novo e começo de
novo. É a mesma coisa de quando você escreve uma palavra e sai erra-
do, você apaga pra fazer outra, não é isso? Então a mesma coisa é da
gente. Se eu rezar e sair um nome errado aí eu paro e conserto. Peço
a Deus perdão por aquela que eu fiz errado e boto aquela na mente e
volto a rezar de novo, aí consegue.

134 Praticantes terapêuticos quilombolas


• mutecho e acutinga

Seu Erasmo

Erasmo Costa, conhecido por Seu Erasmo, é um antigo praticante terapêu-


tico da comunidade Mutecho e Acutinga e, conforme ele afirma, apesar de
já ter curado de mordida de cobra – sua especialidade – pessoas e animais,
atualmente ele restringe sua prática terapêutica aos familiares. Ele diz que
com a chegada da medicina as pessoas não querem mais saber de ervas, mas
apenas comprar medicamentos na cidade, por isso ele não faz mais seus
remédios, apenas fornece seus conhecimentos a quem os solicita.
Seu Erasmo explica como faz seu remédio mais famoso, para mordida de
cobra, a partir de raízes e folhas de tira-teima e vence-tudo, que ele apren-
deu aos 18 anos de idade com seu avô Alípio Costa.

[...] tem que rançar, sacode o pé pra tirar a terra ou areia, só não pode lavar, agora,
tem a raiz do mata-pasto, tira três raízes de cada, agora se não achar as três [...], tem
o anel da cabaça. [...] tira os anéis para misturar tudo ali e alho. [...] Agora, essa folha,
essa raiz se rançava, fazia pingar, machucava bem machucado com uma pedra, bota-

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 135
va dentro de um litro de cachaça com alho. [...] depois de pisada agita bem, aí deixa
aquele remédio ali assentar um pouco. Depois que assentar pega um copo de 200 ml,
se for um adulto bota dois dedos, se for um jovem pode botar um dedo.

Além do remédio para a mordida de cobra, é preciso cuidados adicionais,


como alimentação, massagem no local e resguardo.

A alimentação é a carne de sertão tirada bem o sal, com aquele angu, não pode comer
feijão, não pode tomar café nem beber leite, ele só pode usar o chá mate. Então o res-
guardo é quarenta dias, agora quando tiver oito dias, ele já pode comer o feijão. Faz
um machucado com o machucador passa na peneira para tirar a palha do feijão, mas
hoje com liquidificador, desaparece tudo. Outra coisa: ele só pode ter relações quando
não estiver sentindo mais dor no pé e o pé estiver desinchado, se por acaso a inchação
estiver subindo, ele tem que ter um cordão com um botão branco e virgem que amarra
acima da inchação. Se não tiver o botão virgem, tira de uma camisa de homem, do pa-
letó, de uma camisa, uma calça. Amarra porque a inchação pode subi demais, quando
chegar no cordão, ela para. Dentro de três ou quatro dias, ela vai, a inchação.

As orientações no uso do remédio se estendem àquele que vem retirar o


remédio pronto, “se você está com o corpo sujo, não pegue. Se você teve relações com
alguém não pega no remédio”.
Além do remédio acima descrito, Seu Erasmo também reza para engasgo
e bicheira. Ele diz que só não faz mais seu remédio porque se chateou com
uma situação com um médico de Salvador que desdenhou de seu trabalho e
o ofendeu, mas segundo ele, todas as ervas usadas ainda estão amplamente
disponíveis na região. Ele apresenta muitas indicações de folhas e seus usos.
A terramicina, “não pode usar o chá quente, tem que ser morno”. O anador “faz o
chá usa umas três folhas. Cozinha as folhas com o vaso tampado. Pode usar três vezes”.
A aroeira “tem um preceito com ela, não deve usar quando tiver tomando outro me-
dicamento e usar com cuidado em pouca quantidade”. A laranja da terra faz “chá
da folha dela é um tranquilizante, usa três vezes”. A melissa e o capim estrela: [...]
é tranquilizante, pressão alta, insônia, usa as folhas para fazer chá mais de oito folhas.
O boldo “usa as folhas, se der pra tirar três olhos dele pra botar no fogo. Toma três
ou quatro vezes ao dia”.
O capim santo deve ser “cozido pode cozinhar um litro das folhas para fazer o
chá e usar ele como café”. Cana de macaco “é pra diabetes, faz o chá e usa a cana

136 Praticantes terapêuticos quilombolas


dele para cozinhar. Ele parece do tipo de uma cana mesmo. Usa três vezes por dia”. As
folhas de papanicolau: “usa as folhas faz o chá três vezes por dia e usa pra estomago
quando a comida faz mal”. Água de levante, usa “as folhas para chás três vezes ao
dia com leite. É tranquilizante, pra pressão alta. Um pedaço da folha dá pra fazer até
dois chás”. O cajueiro branco “é pra inflamação serve também pra quem tem “inti-
midade”, torrar a folha fica aquele pozinho põe no lugar da intimidade, serve também
para coloca dentro da água e banhar o local [...] A folha chamada costa branca serve
pra puxar muita maldade”. Da amescla “tem que tirar a folha do meio, aquela veia
do meio... [...] agora, no que for tirar pra fazer o chá tem que abrir ela pra tirar aquelas
veias do meio, se for pra chá, tirar o meio, abre ela em duas bandas... [...] E aí faz o chá,
e não serve quente não, é morno”.
A posologia e duração do tratamento com as ervas também são especifi-
cadas dependendo da situação:

[...] é mesmo que remédio de médico, às vezes tá usando e ainda não se deu bem com
aquela quantia de remédio e torna ao médico pra passar novamente aquele remédio
e quando se dá bem é só aquele que ele passou. Para ele ‘todos os remédios que nós
usamos na farmácia o produto é medicinal daqui dos matos que nós temos aqui, vai
pra cidade e lá eles fazem aqueles coisa pra poder então mandar pra cá’.

A cura é uma coisa. O chá é outra. A cura são as palavras, porque


não adianta, por exemplo, o senhor chegar aqui me aqueixando de
dor de cabeça... eu vou perguntar se quer que eu diga umas palavras
confiada em Deus aí pra ver se alivia. Se o senhor acredita em Deus e
tá com a fé eu posso ficar aqui batendo a boca sem dizer nada, mas se
o senhor tá com a fé... entendeu? O que cura é a fé.

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 137
Seu Nuca

Agnaldo de Souza Vieira, ou Seu Nuca, é um rezador bem conhecido na


região. Segundo ele, são os seus fregueses que o colocam “bem na figura”,
confiando em suas rezas e remédios. Ele realiza benzeções, defumações e
também orienta sobre o uso de ervas medicinais, mas, segundo ele, seu
forte são as orações. Sua vinculação religiosa é com o catolicismo e a um-
banda. Ele começou bem jovem, aos 13 anos: “Achava bonito, eu invoquei que
ia aprender também pra rezar as pessoas [...] achava bonito quando chegava um pes-
soal que rezou e ficou bom, eu quis aprender pra fazer o mesmo”. Seu aprendizado
se deu pela observação de outros rezadores, hoje já falecidos, como Dona
Mariquinha, Zé Rufino, Seu Joviano e sua mãe, assim, “de junto tomando aula,
os outros fazendo e eu escutando”:

138 Praticantes terapêuticos quilombolas


As orações que ia dizendo eu não precisava perguntar: ‘me ensine’. Eu com o ouvido
alerta ali. Passava com dois três dias, eu ia lá conversava com aquela pessoa: ‘aquela
oração que você tava fazendo?’, ‘que oração, menino?’, eu dizia: ‘aquela, Seu Fulano.
Aquela assim, assim, assim, assim, assim... que o senhor rezou a pessoa’, ele disse: ‘ben-
za Deus, menino. Isso que é uma cabeça, tá certinho’, e explicava pra que era.

Essa aptidão ao aprendizado, para Seu Nuca é “mérito da mente”, já que


“quando a cadência é boa aprende qualquer oração”. Ele afirma que gostaria de
repassar seu conhecimento para outras pessoas, mas ainda não encontrou
quem quisesse aprender. As enfermidades que ele mais atende são “peito
aberto”, “ar do vento”, dor de cabeça e “desmentidora”. Ele não relata gran-
des dificuldades no acesso às ervas medicinais, a não ser algumas que estão
mais difíceis de se encontrar – e que antigamente eram abundantes – como
o capim de caboclo. Algumas das ervas que ele conhece e menciona são qua-
rana, aroeira, maricotinha, fedegoso, folha da costa, mastruz, vence-tudo, fo-
lha do velho, vassourinha de mofina, vassourinha de relógio, pata de burro,
capim de raposa, comigo-ninguém-pode, concha de Ogum, suspiro branco,
mata-pasto, guiné, espada de Ogum.
Para tratar “ar do vento”, além da reza, chá de quarana, defumação e
restrições alimentares, o procedimento é iniciado: “[...] rezando a pessoa, e
com três olhinhos faz o chá e dá pra pessoa. Uma colher de sopa, uma vez só por dia.
Depois da reza não pode comer o feijão de rama, não come marisco, carne verde, não
pode comer sem moquear [...]”. Seguindo o tratamento, para o chá, a quantidade
de folhas utilizadas: “vai depender da força que o malvado pegar, porque tem sete.
Com seis folhas, com sete ramos, até oito ramos”. O melhor horário para beber o
chá é ao deitar para dormir, porque associado ao chá é também utilizado a
defumação e, “com o defumador a pessoa não pode sair fora pra tomar vento, tem
que ficar no quarto, só vai levantar depois de oito, nove, quando o sol já tá quente,
pra não pegar resfriadagem”. Para a defumação ele mistura “espinho dos caxeiro,
pedra de abelha, palha de alho, caroço de girassol, e eu uso muito botar misturado os
cachos do [uma fruta], é um fruto pretinho que dá”.

Essa aptidão ao aprendizado, para Seu Nuca, é “mérito da men-


te”, já que “quando a cadência é boa aprende qualquer oração”. Ele
afirma que gostaria de repassar seu conhecimento para outras
pessoas, mas ainda não encontrou quem quisesse aprender.

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 139
MODOS DE FAZER, MODOS DE SABER,
MODOS DE SER

As ervas medicinais constituem um recurso terapêutico amplamente utili-


zado pela população. (CATÁLOGO DE PLANTAS E FUNGOS DO BRASIL, 2010)
Mas a despeito de sua importância para os cuidados em saúde, estas apre-
sentam fraca integração com o sistema de saúde nacional. Os praticantes te-
rapêuticos são os agentes que propiciam a preservação, readaptação, trans-
formação e circulação desses conhecimentos, e não apenas a sua manuten-
ção “entesourada”, contudo não são reconhecidos pelos serviços de saúde,
ainda que instrumentos políticos como a WHO Traditional Medicine Strategy
2014-2023 – e suas versões anteriores – e a Política e Programa Nacional de
Plantas Medicinal e Fitoterápico (BRASIL, 2016) reconheçam a validade e
contribuição das práticas tradicionais para a ampliação das opções terapêu-
ticas em saúde.
Com foco no fortalecimento das medicinas tradicionais, esses documen-
tos se posicionam de maneira a encorajar tanto a cooperação entre os pro-
fissionais de saúde convencionais e os terapeutas tradicionais, quanto um
maior diálogo por parte dos pacientes sobre os produtos tradicionais em

141
uso. (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2013) No entanto, essas intenções
não têm se transformado em ações de larga escala no território brasilei-
ro. Como mais uma entre as práticas terapêuticas encontradas no país, as
terapêuticas quilombolas arroladas por meio do presente estudo não cons-
tituem um exemplo isolado de exceção a esse desprestígio. Em busca de
contribuir para a reversão desse quadro, este capítulo busca justamente
visibilizar a riqueza das ervas e outros elementos no cuidado terapêutico
presente nessas comunidades.
Partimos de uma visão crítica aos estudos que tratam estas questões a
partir de referenciais que reproduzem as argumentações conceituais de sa-
beres etnocientíficos, tais como etnomedicinas, etnobotânicas, etnofarma-
cologias etc. Propomos considerar as classificações quilombolas como uma
forma de saber peculiar de suas culturas, que se comunicam, transitam, se
renovam e se reinterpretam, a partir de referenciais mais amplos com os
quais se relacionam intensamente no cotidiano. No caso particular dos gru-
pos quilombolas com os quais estudamos, os saberes em saúde não apenas
respondem às suas várias “necessidades terapêuticas” – muitas das quais
não teriam atendimento adequado por meio do sistema oficial de saúde –
mas visibilizam outras formas de eficácia terapêutica, das pessoas, dos ani-
nais e vegetais, do ambiente, por meio das quais reafirmam sua identidade
de quilombolas.

ervas, rezas e outros elementos e procedimentos


terapêuticos

O resultado da busca de compreender como se compõe, organiza e atua


o sistema terapêutico quilombola nas comunidades localizadas no distri-
to de São Francisco do Paraguaçu, município de Cachoeira, na região da
Baia do Iguape e Vale do Rio Paraguaçu, por questões analíticas levou-nos a
identificar diversos tipos de ação das ervas na manutenção do equilíbrio da
saúde e no alivio das várias formas de sofrimento, vicissitudes que afetam
as pessoas em todas as etapas da vida e idades. Na feitura de remédios e
dos procedimentos curativos em geral, podem ser observados materiais de

142 Modos de fazer, modos de saber, modos de ser


origem diversas: vegetais, animais, minerais, além de produtos industriali-
zados, a exemplo de gasolina, álcool, vinho, vinagre, óleos. As raízes, cascas,
entrecascas, folhas, flores, frutos dos vegetais – as “ervas” como são deno-
minadas – compreendem usos e conhecimentos amplamente disseminados
nas comunidades. Seu repertório e indicação terapêutica se encontram re-
lacionados à sua origem geográfica, apresentando especificidades, tanto na
nomenclatura das plantas, quanto nos usos terapêuticos, em relação a ou-
tras regiões brasileiras.
Mas estas ações sobre a pessoa não envolvem uma distinção da eficácia
de ações materiais e diretas – quando ervas atuam sobre corpos por ingestão
ou contato – e ações imateriais e indiretas, por meio de rezas, defumadores
e banhos de descarrego.1 Estes não são procedimentos estanques e exclu-
dentes, ou indicados para problemas diferentes, problemas orgânicos versus
problemas emocionais ou espirituais. Muito pelo contrário, as ervas são pos-
tas em conexões heterogêneas, misturando-se a elementos e procedimentos
variados para a resolução dos problemas. Da mesma forma, é comum que a
mesma erva ou elemento seja usado para mais de um tipo de procedimento.
Os Quadros 2, 3 e 4 – ao final deste capítulo – apresentam os elementos
medicinais citados pelos praticantes terapêuticos, em ordem alfabética, se-
gundo suas denominações populares, descritos por nossos interlocutores
de acordo com categorias êmicas (nativas) de classificação. Ainda que não
tenhamos realizado um estudo botânico dessas plantas, que incluísse docu-
mentação fotográfica para melhor identificação do material, produzimos a
identificação taxonômica a partir de uma revisão da bibliografia de referên-
cia em etnobotânica a fim de identificaras espécies mencionadas.2

1 Referindo-se aos tratamentos de saúde no Candomblé, Serra afirma que “além de valer-se
da eficácia química de princípios ativos detectáveis em muitos itens do seu repertório, os
babalossain com certeza alcançam êxito em muitas de suas terapias em virtude da ‘eficácia
simbólica’ de seus ritos”. (SERRA, 2008, p. 111)
2 Embora essa estratégia possa gerar alguma imprecisão na identificação botânica, é preciso
destacar que as classificações nativas não são “espelhadas” nas classificações da etnobo-
tânica, como adverte Frasão-Moreira (2001, p. 132): “[...] a pertença dos seres naturais a
determinadas categorias ordenadoras do mundo nem sempre é óbvia e estática, ao contrário
do que podem aparentar certas descrições do campo das etnociências. Pode ser motivo de
desacordos, incertezas e, como espero mostrar, de configurações contextuais”.

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 143
A diversidade nominal, de usos, práticas e efeitos terapêuticos de uma
mesma planta, observadas não apenas no território estudado, mas também
em outras regiões geográficas, revela não apenas o seu repertório terapêu-
tico, mas a pluralidade de experiências possíveis, mas que nem sempre são
representadas na bibliografia biomédica ou farmacopeias. Isto implica em:
a) reconhecer a multiplicidade de relações que os praticantes terapêuticos
estabelecem com as espécies vegetais; b) identificar certa limitação dos es-
tudos que priorizam os aspectos fitoquímicos e de farmacognosia, uma vez
que recaem sobre estas plantas as condições ambientais e socioculturais
que sustentam seus agenciamentos e eficácia.3 A intensa diversidade bo-
tânica do espectro terapêutico – acrescida de outros elementos, conforme
indicados nos Quadros 3 e 4 – sustenta as práticas de cuidado, visibilizando
as necessidades e contingências cotidianas frente às dificuldades de acesso e
oferta de serviços de saúde, mas também as especificidades curativas, anco-
radas nas tradições étnicas e religiosas dessas comunidades.
Um primeiro ponto de interesse a ser destacado se refere à atenção com
a puericultura e nos demais anos de desenvolvimento infantil, em que são
bastante comuns situações como febres, diarreias, verminoses, anemia, gri-
pes e problemas das vias respiratórias que encontram alívio em chás, xaro-
pes e lambedores produzidos pelas próprias mães ou vizinhos e familiares.4
Para crianças menores – até cerca de sete anos –, rezas são necessárias para
o cuidado com “vento caído”, cujos sintomas são moleza, perda de apetite
e fezes esverdeadas. Sendo estas situações clínicas de menor gravidade e
por seu elevado grau de repetição, associados às dificuldades de acesso aos

3 A escassez de dados específicos para os territórios quilombolas dificulta uma problema-


tização epidemiológica mais consistente, gerando uma invisibilidade demográfica e epi-
demiológica. (COIMBRA JUNIOR; SANTOS, 2000) Estudos como o de Tavares, Caroso e
Teles (2018b) e Guerrero e demais autores (2007) demonstram como estimativas de taxas
de natalidade, morbimortalidade e assistência à saúde de povos indígenas e quilombolas são
discrepantes em comparação aos dados nacionais.
4 As plantas e seus efeitos estabelecem dinâmicas que são expressas e compartilhadas nas co-
munidades quilombolas. No entanto, algumas indicações são clássicas, tanto popularmente
quanto na literatura cientifica, como, por exemplo, o capim santo e a erva cidreira que, por
seu potencial espasmódico e calmante, são largamente utilizados em cólicas de bebês e nas
erupções dentárias.

144 Modos de fazer, modos de saber, modos de ser


serviços médicos, as populações tradicionais alcançaram larga experiência
no seu manejo.
O período gestacional e pós-parto também se caracteriza como uma si-
tuação bastante conturbada para as mulheres, especialmente devido à in-
segurança assistencial. Ainda que as regiões Norte e Nordeste concentrem
maiores índices de partos domiciliares (MENEZES et al., 2012), é dominante
a substituição das parteiras pelo serviço obstétrico. Essa mudança, ao tempo
que desestimulou a formação das parteiras, reforçou as práticas tradicionais
de cuidado pós-parto. É extenso o corpo de conhecimentos sobre o cuidado
com corpo feminino, especialmente no período gestacional. Uma variedade
de ervas foi associada a este período, usadas em banhos terapêuticos (algo-
dão), banhos de assento (aroeira) e ervas que são estimuladores da contra-
ção uterina (mentrasto e algodão), banhos para o pós-parto (entrecasca do
cajueiro). Também rezas e procedimentos são aplicados no curso do parto
e pós-parto, além de interdições sociais e alimentares. Os cuidados com os
recém-nascidos também são presentes nos banhos, nas roupas, no trata-
mento e “descarte” do umbigo. Essa integração feminina no parto dá lugar
a uma maternidade ampliada, gerando também novas relações de parentes-
co, dada a relação dinâmica e integrada entre as mulheres.
Ao mesmo tempo, temos muitas ervas para a população adulta, com os
chás, xaropes, lambedores, garrafadas, incensos e banhos. O uso sistemático
como calmantes, a necessidade de tônicos estimulantes, antirreumáticos e
de alívio para dores variadas: dores de cabeça (“dor de sol”, “dor de sereno”),
de dente, pescoço, estômago/barriga, de pontada; e outros mal-estares que
evidenciam as dificuldades do trabalho rural exaustivo, tanto na maré como
na roça. O ambiente doméstico pouco salubre torna os indivíduos mais
suscetíveis a verminoses, diarreias, doenças dermatológicas. Problemas di-
gestivos e hepáticos, que acometem com regularidade a população adulta,
também apresentam um amplo espectro de possibilidades, sendo a alfavaca,
quioiô, alumã, boldo e tapete de oxalá as mais reconhecidas.
A convivência e o uso laboral de animais fazem com que o cuidado des-
tinado àqueles também seja fonte de preocupação e especialização da parte
das populações tradicionais. As ervas são utilizadas na feitura de remédios
para picada de cobra, que, dado ao interdito de ser pronunciar o nome,
aquelas são referidas como “bicha do chão”, que podem ser encontrados

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 145
em várias comunidades. Na comunidade do Kaimbongo foram identifica-
dos vários praticantes que tratam deste agravo à pessoa e à saúde, além do
Tombo/Palmeira e do Mutecho. Existem cuidados para “engasgo de animal”,
além de rezas de bicheira, como indicados por interlocutores do Kaonge do
Tombo/Palmeira e de São Francisco do Paraguaçu, que são outros exemplos
de cuidados e atenção destinados ao trato com os animais. Essas rezas de
bichos e remédios para picada de cobra – destinados para homens e animais
– implicam não apenas práticas curativas, mas uma capacidade de se afetar
e ser afetado por eles na convivência nesse ambiente. (SOUZA, 2017)
Até aqui, vimos os cuidados com parturientes e crianças, com as condi-
ções de moradia e trabalho, com os animais, e que podem ser compreendi-
dos no contexto das condições ecológicas dessas comunidades. Mas as dife-
renças não se esgotam no plano dessas “especialidades” terapêuticas que,
conforme destacamos no Capítulo 2, não podem ser reduzidas aos “efeitos”
sociológicos das condições de existência. Ao relacionar as ervas e suas indi-
cações e uso, interessou-nos reconhecer as variedades das experiências nas
quais as ervas estão implicadas: diferentes ervas para situações similares,
diferentes situações para a mesma erva. Não se tratou, portanto, de estabele-
cer tipologias, mas de apontar os pontos de interesse por meio dos quais as
ervas e outros elementos são ativados em movimentos de redundância para
a resolução de aflições diversas e que são especificadas no Quadro 5, ao final
deste capítulo. São diferenças que abrem para outros entendimentos das
agências curativas que possibilitam a eficácia dos procedimentos e podem
ser compreendidas nos seguintes termos: a) a eficácia das ervas nem sempre
coincide com as “espécies” botânicas e; b) a eficácia vai para além das ervas
e outros elementos, atravessando as afecções dos sujeitos envolvidos.
Assim, a valorização desses conhecimentos não se faz apenas nos termos
do reconhecimento das qualidades fitoterápicas, garantidas pelos princí-
pios ativos das plantas, como visibilizadas nas abordagens das etnociências.
Seguindo as observações de Oliveira (2012, p. 19), a compreensão dos conhe-
cimentos tradicionais não pode ser feita tendo como “fundo silencioso” as
classificações etnobotânicas, que surgem como um parâmetro para a classi-
ficação dos praticantes terapêuticos quilombolas. Trata-se, portanto, de co-
nhecer e experimentar outras formas de saber e de fazer que não espelham
equivalências perfeitas com as classificações científicas. Sempre haverá

146 Modos de fazer, modos de saber, modos de ser


algum ônus nas “passagens” de um sistema a outro, mas as “ausências”
de correspondência de ervas e taxonomias científicas ou as diferenças nos
usos terapêuticos não podem ser relegadas à vala comum das “crenças po-
pulares”. Considerando essas advertências, podemos sugerir que o cuidado
terapêutico não está circunscrito ou isolado nas “propriedades intrínsecas”
– os princípios ativos – de ervas, animais e outros elementos. Essas compe-
tências são estranhas às abordagens das folk taxonomies fundamentadas em
princípios que estabilizam propriedades nas “espécies”.
As ervas e outros elementos também podem ser implicados nas “pala-
vras”, nas rezas, que podem afastar ou atrair energias, fechar corpos. É pre-
ciso ter cuidado com as palavras, que combinam observância e inventivida-
de: pode-se rezar baixinho, para que ninguém ouça, ou falar em voz alta as
palavras aprendidas; pode-se deixar vir do coração pequenas diferenças nas
palavras, ou até novas palavras e novas rezas. Em todas as possibilidades,
são as palavras das rezas e das lembranças e esquecimentos que precisam
ser cuidadas em sua potência num mundo que, como sugere Sauma (2016,
p. 150), “[...] as palavras já são coisas que adentram a carne, o corpo, a pes-
soa, transformando-na”.
As aberturas para outras conexões curativas também são tornadas visí-
veis nas doenças como “ar do vento” e “espinhela caída” – ou “peito aber-
to” –, de imprecisa “correspondência médica”, que são consideradas graves,
sendo que apenas alguns dos praticantes entrevistados afirmaram ter com-
petência para realizar o tratamento, que é demorado, perigoso e complexo.
É por essa razão que a “correspondência” entre as doenças biomédicas –
processos que surgem como “entidades”– e as doenças nativas - processos
que produzem conexões instáveis – resultam temerárias. (MOL, 2012) Rezas,
chás, defumadores e banhos aparecem combinados nas situações de aflição,
mas também nos cuidados com o fortalecimento e descarrego da pessoa,
para o amor e a paz. Assim é que rezas e conhecimentos das ervas consti-
tuem os agenciamentos da cura, não sendo possível apartá-los e nem os re-
duzir a técnicas terapêuticas. São repertórios, como no estudo de Renshaw
(2006, p. 415), no que se refere a sua análise dos cantos de cura dos Ayoreo,
os sarode. Compreender a eficácia dos sarode nos leva, como sugere o autor,
ao “contexto epistemológico ou ‘mítico’ em que são utilizados”. A eficácia
dos sarode não é proveniente de uma relação metafórica entre animais/

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 147
plantas e as doenças que são evocadas na cura, numa espécie de sugestio-
namento. Os pássaros, animais e plantas nos cantos eram gente; os cantos
chamam esse poder, ao invés de expressar ou refletir. Da mesma forma que
os Ayoreo, os praticantes terapêuticos com os quais interagimos no presen-
te estudo evocam o poder das palavras (nas rezas), assim como das ervas e
outros elementos em combinações variadas, mas que não coincidem com o
dualismo do senso comum “esclarecido” que separa a eficácia simbólica, a
fé nas rezas, da empírica, o princípio ativo dos elementos utilizados.
Enfim, valendo-nos das sugestões de Tsing, (2015, p. 185) podemos arris-
car dizer que os praticantes terapêuticos estão implicados num “modo inte-
respecífico de ser das espécies”. Aqueles suspeitam de demarcações rígidas
entre espécies “selvagens” e “domesticadas”, ambas as situações podem ser
consideradas como de “vulnerabilidade ambiental” de vegetais, e prestam
atenção à interdependência e coprodução de humanos, vegetais, animais e
“ambiente”, fomentando, assim, uma “paisagem multiespécie” nos territó-
rios quilombolas.

Quadro 2. Elementos citados e nomes botânicos

Denominação Parte Formas de uso / Denominação


Nativa utilizada procedimentos científica5
Abacate /
Folha Chá ou suco Persea americana Mill
Abacateiro branco
Abre caminho Folha Reza e banho Lygodium volubile Sw.
Acerola Folha e olho Suco e xarope Malpighia punicifolia DC. 
Nasturtium officinale R.
Agrião Folha Xarope
Br.
Renealmia occidentalis
Água de levante Folha Chá e banho
Sweet

5 Os nomes botânicos que constam nesta coluna foram baseados nas fontes da bibliografia
etnobotânica: Borges; Noblick; Lemos (1986); Barros (1993); Albuquerque e demais autores
(2007); Lorenzi; Matos (2008); Almeida (2011); Lisboa e demais autores (2017); Catálogo...,
(2010); Couto (2006); Grandi e demais autores (1989); Marinho; Silva; Andrade (2011). Em
algumas situações, no entanto, “optamos” dentre várias identificações botânicas. Nesses
casos, a escolha se deu segundo os seguintes critérios: a) foram priorizados os nomes botâ-
nicos com uma referência regional (no Nordeste brasileiro e/ou no litoral) e; b) com referên-
cia aos efeitos terapêuticos que tenham aproximação com os referentes nativos. Nos casos
em que as designações botânicas recobrem os dois critérios indicados, optamos por manter
mais de um nome botânico.

148 Modos de fazer, modos de saber, modos de ser


Denominação Parte Formas de uso / Denominação
Nativa utilizada procedimentos científica5
Alecrim Folha Reza e chá Rosmarinus officinalis L.
Banho e
Alecrim branco Folha Rosmarinus officinalis L.
defumação
Alecrim do sertão Folha Banho Lippia sidoides Cham.
Alfavaca / Ocimum tenuiflorum L.;
Folha e raiz Chá e xarope
Alfavaca africana Ocimum basilicum L.
Alfavaquinha Folha e raiz Chá Ocimum minimum
Alfavaquinha de Folha, talo, Peperomia ampestr L.
Chá
cobra raiz kunth, Ertela trifólia L.
Chá, banho e Lavandula ampestresa
Alfazema Folha
defumador Mill.
Alfazema de Chá, banho e
Folha Hyptis suaveolens L. poit.
caboclo defumador
Folha
Algodão e Fruto Banho e chá Gossypium hirsutum L.
(maçã)
Algodão de seda Folha Banho Calotropis procera (Aiton)
Folha e Inalação e
Alho Allium sativum
Palha defumação
Gymnanthemum
Alumã Folha Chá e xarope amygdalinum (Delile)
Sch.Bip. ex Walp.
Amália branca Folha Banho pós-parto Hemerocallis Amália
Massagem e Prunus dulcis(Mill.) D. A.
Amêndoa Óleo
como diluente Webb
Anador Folha Chá Justicia pectoralis.
Cajanus cajan L. Mill.,
Andu Folha Banho e rezar
Cajanus indicus Spreng.
Folha, olho Chá, mastigar e Psidium cattleianum
Araçá
e fruta comer Sabine
Folha, olho, Chá, mastigar e Psidium sp.; Psidium
Araçá mirim
fruto comer guineense Swartz.
Arcansu Fruta Não especificado Não identificado
Entrecasca, Chá, banho e Schinus terebinthifolius
Aroeira
folha lavagem tópica Raddi.

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 149
Denominação Parte Formas de uso / Denominação
Nativa utilizada procedimentos científica5
Chá, xarope, Polygala paniculata L.;
Arrozinho Folha
lambedor Zornia diaphylla Pers.
Banho e
Arruda Folha Ruta graveolens L.
meladinha
Vernonia polyanthes Less;
Assa-peixe Folha Chá
Eupatorium altissimum L.
Tratamento Solanum hypocarpiums
Baba de boi Folha
cabelos A. St-Hil
Babatenã Entrecasca Infusão em água Stryhnodendron
(Barbatimão) álcool ou álcool adstringens (Mart.) Coville
Polpa
Babosa Emplastro Aloe vera Burm. F
interna
Fruta,
Banana verde, bagunço,
Banana da preta maçã Chá e xarope Musa sp.
(seca) (umbigo da
bananeira)
Infusão em
Cayaponia tayuya (Mart.)
Batata de teiú Tubérculo cachaça ou vinho
Cogn.,
e emplastro
Aplicação sobre
Benzetacil Folha Alternanthera brasiliana
ferimento
Berinjela Fruto Chá Solanwn melogena L.
Folha e
Biriba Emplastro Rollinia deliciosa
entrecasca
Plectrhanthus sp.;
Boldo Folha Chá e rezar Peumus boldus;Vernonia
condensate Baker
Brilhantina Folha Chá Pilea microphylla Liebm.
Cacau Folha Chá e banho Theobroma cacao
Café Folha Xarope e banho Coffeasp
Solanum stipulaceum
Caiçara Raiz e folha Chá e rezar
Roem. & Schult.
Chá e misturado
Cajá Folha e olho Spondias mombin L.
com leite

150 Modos de fazer, modos de saber, modos de ser


Denominação Parte Formas de uso / Denominação
Nativa utilizada procedimentos científica5
Cajueiro, cajueiro
Entrecasca Xarope e banho Anacardium ocidentalis L.
branco
Camará Folha e flor Chá e xarope Lantana ampes L.
Chá, xarope e
Cana de macaco Folha e flor Costus spicatus Sw
vermífugo
Eremanthus
Folhas, arboreus (Gardner)
Candeia branca cascas da Garrafada MacLeish;Gochnatia
raiz, flores polymorpha (Less.)
Cabrera
Chá, xarope e Cinnamomum
Canela Casca
colutório zeylanicum Blume
Canela de velho Folha Chá e banho Miconia albicans (SW.)
Chá, banho, Cnidoscolus urens L;
Cansanção Folha e raiz xarope, infusão Laportea aestuans L.
em vinho Chew.
Cansanção branco Folha e raiz Xarope Cnidoscolus urens L.
Piper umbellatum;.
Capeba / Caapeba Folha Chá Piper umbellata L.; Piper
regnelli C.DC.
Banho de Vismia guianensis (Aubl.)
Capianga Folha
descarrego Pers.
Capim de burro Folha Chá Aloysia polystachya.
Capim de caboclo Folha Indefinido Aconthospermum sp.
Capim de raposa Folha Banho Setaria parviflora
Planta, Chá, xarope e Rhynchospora nervosa
Capim estrela
folhas, raiz lambedor (Vahl) Boeckeler
Cymbopogon citratus
Capim santo Folha Chá e xarope
(DC) Stapf
Chá e comer a
Carambola Folha e fruta Averrhoa carambola L.
fruta
Carro santo
Raiz Chá Carduus benedictus;
(Cardo santo)
Carqueja /
Raiz Xarope Baccharis trimera
carquejo

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 151
Denominação Parte Formas de uso / Denominação
Nativa utilizada procedimentos científica5
Castanha do Pará
Folha e
(Amendoeira da Comer e chá Terminalia catappa
castanha
praia)

Leonotis nepetifolia L. R.
Catinga de criolo Folha Chá e xarope Br.; Leucas martinicensis
( Jacq.) R. Br.

Caesalpinia pyramidalis
Catinga de porco Folha Chá
Tul.
Fruto e Lambedor,
Cebola branca palha garrafada e Allium cepa
(casca) xarope
Fruto e
Chá, banho,
Cebola roxa palha Allium cepa
lambedor
(casca)
Cecé Folhas Banho Cleome aculeata L.
Chuchu Folhas Chá Sechium edule ( Jacq.) Sw.
Cipó caboclo Caule Colírio (solução) Davilla rugosa Poir.
Infusão em
Cipó de Cainana Caule Chiococca alba L. Hitchc
cachaça
Coentro / Coentro
Folha Lambedor Coriandrum sativum L.
da índia
Chá e solução
Coentro de boi Folha antifúngica ou  Eryngium foetidum L.
antimicótica
Comigo-ninguém- Banho de
Folha Dieffenbachia sp.
pode / Tira teima descarrego
Leonotis nepetifolia L. R.
Cordão de São Banho, chá e
Folha Br., Leucas martinicensis
Francisco amuleto
( Jacq.) R. Br.

Rezar e em Bryophyllum pinnatum


Corona Galhos
solução salina (Lam.)

Cravo / Cravo da Lambedor e Syzygium aromaticum L.


Botão floral
Índia xarope Merr. & L.M.Perry

152 Modos de fazer, modos de saber, modos de ser


Denominação Parte Formas de uso / Denominação
Nativa utilizada procedimentos científica5
Cupim (pedaço Heterotermes tenuis e H.
Cupinzeiro Garrafada
do cupinzeiro) longiceps
Banho de
Dandá Folha Cyperus rotundus L.
descarrego
Alternanthera brasiliana
Doril Folha Banho
(L.) Kuntze
Erva cidreira Folha Chá Lippia alba (Mill.) N.E.Br.
Xarope, chá,
Erva de Santa Chenopodium
Folha lambedor, banho,
Maria ambrosioides L.
unguento
Erva doce Folha Chá Pimpinella anisum L.
Espada de Ogum Palma Banho Sansevieria trifasciata
Eucalipto Folha Chá e banho Eucalyptus globulus Labill.
Chá, lambedor,
xarope, Senna occidentalis L.; Link
Folha,
Fedegoso defumador, Heliotropium indicum
planta e raiz
banho e DC.
emplastro
Bryophyllum pinnatum
(Lam.) Oken; Kalanchoe
Chá, banho,
Folha da Costa Folha pinnata (Lam.) Pers.;
solução em água
Kalanchoe brasiliensis
Camb
Folha de Santa
Banho de Gladiolus hortulanus
Rita / Casadinha / Folha
descarrego L.H.Bailey
Concha de Ogum
Folha do mangue Folha Masticação Laguncularia racemosa
Kalanchoe pinnata (Lam.)
Folha santa Folha Xarope
Pers.
Artocarpus communis J.R
Fruta pão Folha Chá e banho
Forst & G. Forst
Fumo (tabaco) Folha Pó torrado Nicotiana tabacum L.
Fumo bravo /
Folha Chá e xarope Elephantopus scaber L.
Fumo da mata

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 153
Denominação Parte Formas de uso / Denominação
Nativa utilizada procedimentos científica5
Gameleira Folha Banho Ficus adhatodifolia
Xarope e
Gengibre Raiz Zingiber officinale Roscoe
lambedor
Girassol Semente Defumador Helianthus annuus
Gramucena Folha Chá Não identificado
Bromelia antiacantha
Gravatá Folha Banho
Bertol.
Gravatá de cana Folha e Banho Eryngium horridum 
Graviola Folha Chá e banho Annona muricata L.
Chá e banho de
Guarda sereno Folha Não identificado
assento
Chá, garrafada,
Folha e banho de
Guiné Petiveria alliacea L.
galho descarrego e
rezar

Chá, xarope e
Hortelã grosso Folha Plectranthus amboinicus
temperar comida

Chá, xarope e
Hortelã miúdo Folha Mentha pulegium L.
suco
Jaca de pobre Folha e fruta Garrafada e chá Annona muricata L.
Syzygium cumini L.
Jamelão Folha Chá
Skeels.
Entrecasca Infusão em vinho
Jatobá Hymenaea courbaril L.
e raiz branco
Jilózinho do mato Fruta Chá Solanum aethiopicum L.
Chá e infusão em Physalis angulata L.,
Juá (Juazeiro) Entrecasca
água Ziziphus joazeiro Mart.
Mimosa hostilis; Mimosa
Jurema Entrecasca Infusão em água
verrucosa
Raiz, folha e Xarope e
Jurubeba Solanum paniculatum L.
fruta lambedor

Laranja Folha e fruta Chá e para comer Citrus sinensis L.

154 Modos de fazer, modos de saber, modos de ser


Denominação Parte Formas de uso / Denominação
Nativa utilizada procedimentos científica5
Laranja amargosa
Folha Chá Citrus aurantium L.
/ Laranja da terra
Licuri Palha Rezar  Syagrus coronat Mart.
Limão (limão
Folha e fruta Chá e lambedor Citrus limon L. Burm. F.
verdadeiro)
Citrus aurantifolia
Limão taiti Fruta Chá e lambedor
(Christm.) Swingle
Lírio (lírio branco) Raiz Lambedor Lilium pumilum híbrido;
Sangue de lavor
Chá, xarope e Costus spicatus (Jacq.)
/ Lírio de Santa Folha e Flor
vermífugo Sw.
Bárbara
Louro Folha Chá Laurus nobilis L.
Folha e Chá e banho de
Mãe-boa Cissus alata Jacquin
caule assento
Malmequer
/ Mendororó Folha Chá Calendula officinalis L.
(Calêndula)
Malva Folha Chá e rezar Malva sylvestris L.
Waltheria douradinha A.
Malva branca Folha Chá e rezar
St.-Hil.
Mamão, mamão Comer e chá da
Fruto e flor Carica papaya L.
macho flor
Mandioca do
Folha Chá Nãoidentificada
mangue
Manga espada Folha Xarope Mangifera indica L.
Chá, macerada,
banho de
Manjericão Folha Ocimum basilicum L.
descarrego e
rezar
Manjericão
Folha Xarope Ocimum gratissimum L.
branco
Folha e
Maracujá Chá e garrafada Passiflora edulis Sims
caule

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 155
Denominação Parte Formas de uso / Denominação
Nativa utilizada procedimentos científica5
Chá, infusão,
Maria preta Folha e raiz Solanum americanum;
xarope e rezar
Maricutinha / Planta
Chá e lambedor Monnieria trifólia L.
Maricotinha inteira
Dysphania
Chá, bebida com
Mastruz Folha ambrosioides L. Mosyakin
leite e emplastro
& Clemants
Senna obtusifolia L. H.S.
Mata-pasto Raiz Lambedor Irwin& Barneby; Cassia
sericea Sw.
Rama e Chá, banho e Datura stramonium var
Maxixe
fruto comer cru tatula (L)
Melissa Folha e raiz Chá Melissa officinalis L.
Mentrasto Folha Banho e chá Ageratum conyzoides L.
Mescla / Mescla
Folha e Chá, defumador e Protium heptaphyllum
de pau / Mescla
Resina infusão (Aubl.) Marchand
de rama
Chá, infusão
Milho / Milho Grãos e
e proteção do Zea mays L.
branco sabugo
corpo
Banho de Zea ys L. everta(Sturtev.)
Milho de pipoca Grãos
descarrego L.H. Bailey.
Mirra Folhas Banho Tetradenia riparia
Uso não
Muringa Folhas Moringa oleifera
especificado
Murungu Banho de Erytrina mulunguMart.
Folha
(Mulungu) descarrego Ex. Benth
Tratamento
Folha e
Mutamba cabelo e coro Guazuma ulmifolia Lam.
entrecasca
cabeludo
Torrada e
Neve cheirosa Folhas Hyptis pectinata Poit.
triturada para pó
Noni Fruta Infusão em água Morinda citrifolia
Novalgina Folha Chá Achillea millefolium L.

156 Modos de fazer, modos de saber, modos de ser


Denominação Parte Formas de uso / Denominação
Nativa utilizada procedimentos científica5
Tibouchina
Orelha da onça Raiz Xarope
grandifolia Cogn
Uso não
Orelha de vaca Fungo Symphytum officinale L.
especificado
Banho de
Palma da Rainha Folha Circinalis do Cyrcas
descarrego
Centaurium erythraea;
Papanicolau (Fel
Folha Chá Acanthospermum
da terra)
brasiliumSchrank
Pata de burro Planta Chá Centella ampestr L. Urb.
Bauhinia candicans
Pata de vaca Folha Chá Benth.,Bauhinia forficata
Link
Pogostemon cablin
Patchouli Folha Banho
(Blanco) Benth.
Folha e Aplicação sobre Euphorbia phosphorea
Pau de leite
entrecasca ferimento Mat.; Sapium sp.
Pedaço do
Pau-ferro Chá Caesalpinia ferrea Mart.
galho
Arctium minus,
Pega-pega Indefinido Banho Desmodium adscendens
(Sw.) DC.
Pinhão branco Fruta Infusão Jatropha curcas L.
Pinhão roxo Folhas Infusão Jatropha gossypiifolia L.
Pimenta Folha Rezar Capsicum sp.
Pitanga Folha Chá Eugenia sp.
Raiz Pombalia calceolaria L.
Purga do campo / Chá e bebida com
tuberosa, Paula-Souza
Batata de purga leite
folha e flor
Cestrum laevigatum
Quarana Folha e olho Rezar e chá
Schlecht.
Folha e
Quebra-pedra Chá e infusão Phyllanthus niuri L.
planta
Quioiô / Quioiô Chá, banho e
Folha Ocimum gratissimum L.
branco amuleto

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 157
Denominação Parte Formas de uso / Denominação
Nativa utilizada procedimentos científica5
Banho de
Quioiô caboclo Folha Ocimum gratissimum L.
descarrego
Quioiô preto Folha Chá Ocimum gratissimum L.
Pluchea quitoc DC.
Quitoco Folha Chá e rezar Pluchea sagittalis (Lam.)
Cabrera
Folhas e Chá e comer a
Romã Punica granatum L.
fruta fruta
Sideroxylon
obtusifolium (Humb.
Rompe gibão Folha Banho Ex Roem & Schult.)
T.D. Penn.;Sideroxylon
obtusifolium
Rosa branca Pétalas Incenso Rosa x grandiflora Hort.
Banho de
Rosa vermelha Pétalas Rosa x grandiflora Hort.
descarrego
Sambucus australis
Chá, xarope e
Sabugueiro Folha Cham. &Schltdl.,
banho
Sambucus nigra L.

São Gonçalinho / Folha e


São Gonçalinho galho da Rezar Casearia sylvestris Sw.
branco planta

Banho de Gomphrena dersertorum


Suspiro branco Folha
descarrego Mart.
Suspiro de Cnidoscolus quercifolius
Folha Garrafada
cachorro Pohl, Pl
Torrado e moído
Tabaco Folhas Nicotiana tabacum
para pó
Tamarindo Folha Chá e colutório Tamarindus indica L.
Chá e banho de
Transagem Folha Plantago major L.
assento
Plectranthus
barbatusAndr.;Coleus
Chá e banho de
Tapete de Oxalá Folha forskohlii (Willd.)
descarrego
Brig.;Peltodon tormentosa
Pohl.

158 Modos de fazer, modos de saber, modos de ser


Denominação Parte Formas de uso / Denominação
Nativa utilizada procedimentos científica5
Alternanthera brasiliana
Terramicina Folha Chá
L. Kuntze
Chá e banhar
Tetrex Folha Alternanthera brasiliana
local inflamado
Unguento para
Timeró Fruta Não identificado
animal
Polyscias guilfoylei Bailey;
Banho e infusão
Tira teima Folha Polyscias guilfoylei
em água e sal
L.H.Bailey.
Tira-feitiço Folha Defumador Não identificado
Tira-quizanga Folha Defumador Não identificado
Infusão em vinho Desmoncus polyacanthos
Titara (Atitara) Folha
branco Mart
Ubá Folha Não especificado Mangifera indica L.
Vassourinha Raiz Chá Sida sp.; Scoparia dulcis L.
Vassourinha de
Folha Rezar Baccharis dracunculifolia
alecrim
Sida Carpinifolia
Vassourinha de
Folha Banho e rezar L.; Malvastrum
relógio
coromendelianum L.
Vassourinha
Folha e olho
mofina / Reza Scoparia dulcis L.
da planta
Vassourinha santa
Infusão em
Macrosyphonia velame
Velaminho Folha cachaça e
(St. Hil.) Muell Arg
defumador

Vence-tudo
(quebra-demanda, Justicia gendarussa Burm.
Folha e raiz Chá e banho
abre-caminho, F.
erva-de-Ogum)

Óleo do
Xoxô (Dendê) Limpeza da pele Elaeis guineensis
dendê

Fonte: trabalho de campo (2018).

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 159
Quadro 3. Elementos citados, partes, usos e nome zoologia

Denominação
Elementos Partes Usos
científica

Cavalinho do mar Animal Xarope Fucus vesiculosus

Coptotermes
Cupim branco Inseto Xarope
formosanus
Estrelinha do mar Animal Xarope Strepelia flavopurpurea
Gema do ovo
de galinha e asa
Ovo e asa Lambedor e xarope Gallus gallus
de galinha preta
(torrada)
Paca Bucho Garrafada Cuniculus paca
Cacheiro (ouriço-
Espinho Defumador Coendou prehensilis
terrestre)
Pedra da Pó com sucos, leite
Maçã do boi Bos taurus
vesícula e mingau
Hemidactylus
Lagartixa Animal Emplastro
mabouia
Salvator merianae
Unguento de
Teiú Banha frita (teiú-comum ou teiú-
aplicação local
gigante)

Fonte: trabalho de campo (2018).

Quadro 4. Outros elementos, agentes e seus usos

Elementos e agentes Usos


Água Agente / veículo diluente de uso geral
Mel de abelha da verdadeira /
Na composição de xaropes e lambedores
Mel de abelha da italiana
Pedra de abelha (própolis) Na composição de xaropes e lambedores
Açúcar Na composição de xaropes e lambedores
Rapadura Na composição de xaropes e lambedores
Aguardente de cana (cachaça) Na composição de remédio para picada de cobra
Vinho branco Na composição de garrafadas

160 Modos de fazer, modos de saber, modos de ser


Elementos e agentes Usos
Na composição de garrafadas, colutórios e
Vinagre
agente nas rezas
Óleo de Amêndoa Na composição de remédio anti-inflamatório
Gasolina Na composição de remédio para picada de cobra
Cocô de cachorro (seco) Na composição de emplastro
Cocô de boi / bosta de boi (seco) Na composição de emplastro
Lama de pote (argila) Na composição de emplastro
Bambu (Bambusa vulgaris l.) Tala para intervenção ortopédica
Carvão vegetal (carvão vivo,
Para rezar
brasa virgem)
Torrão de barro Para rezar
Agulha Para “costurar” durante a reza
Pano (tecido) Para “costurar” durante a reza
Folha Para “costurar” durante a reza

Fonte: trabalho de campo (2018).

Quadro 5. Aflições, Doenças, Mal-estares, Problemas

“Miúda”
Ar do vento Artrose
(inchaço nas pernas)

Bicheira de animal Cansaço Cansaço / asma

Catarro Caxumba / papeira Cobreiro

Colesterol Cólica Corpo doendo

Desmentidura /
Cortes Diabetes
Pé desmentido
Dor de cabeça de sol
Dor de barriga Dor de cabeça
e sereno

Dor de dente Dor de estômago Dor de garganta

Dor de pescoço Dor de pontada Dor nas pernas

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 161
Engasgo com espinha
Engasgo de animal Engasgo de gente
de peixe

Epilepsia Erisipela Espinhela caída

Febre Feridas (variadas) Fogo selvagem

Fogo selvagem Frieira Gases

Gripe Impingem Inflamação

Nervoso Olhado / mau-olhado “Peito aberto”

Pedra nos rins Picada de cobra Pressão alta

Pressão baixa Problema renal “Puxamento” / cansaço

Parto (contrações) Queimadura Rouquidão

Sarampo Soluço Tosse

“Valente” Vento “Vento caído”

“Ventosidade” (dor) Vermes

Fonte: trabalho de campo (2018).

162 Modos de fazer, modos de saber, modos de ser


INVENTÁRIO ETNOBOTÂNICO DAS
ERVAS MAIS CITADAS

163
Capim Santo
Poaceae
Cymbopogon citratus (DC.) Stapf

Erva com rizomas, folhas longas, es-


treitas e com um aroma que lembra
cheiro de limão. As folhas são utiliza-
das para fazer chá que é indicado como
calmante, para gripe, cansaço, falta de
ar, “puxamento”, tosse, dor estomacal
e pressão alta.

164 Inventário etnobotânico das ervas mais citadas


Capim Santo
Lamiaceae
Ocimum tenuiflorum L.

Erva ereta e com um período de vida


longo. Mede até 90 cm de altura, é
pouco ramificada e tem aroma. As fo-
lhas, medindo até cinco centímetros,
são elípticas ou quase arredondadas.
Das folhas se faz o chá, que é indicado
como expectorante, aliviando a febre,
tosse, gripe, cansaço, falta de ar e can-
seira. Além disso, a erva também é usa-
da na culinária.

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 165
Alumã
Asteraceae
Gymnanthemum amygdalinum (Delile) Sch.
Bip. ex Walp.

Esta planta é um arbusto que chega a


ter entre dois e quatro metros de altu-
ra e apresenta poucas ramificações. As
folhas são moles e com sabor amargo.
O chá das folhas é indicado para pro-
blemas estomacais, fígado, garganta,
tosse e canseira.

166 Inventário etnobotânico das ervas mais citadas


Maria preta
Solanum
Solanum americanum

Planta herbácea (pequeno porte e


mole), ereta, de florescimento anual e
com presença de aroma. Flores de cor
lilás a branca. O chá das folhas é indi-
cado como anti-inflamatório, e alivia
“ar de vento”, gripe, problemas esto-
macais, tosse, canseira e febre. Para
“olhado”, cozinha-se as folhas na água
para tomar banho.

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 167
Pitanga
Myrtaceae
Eugenia sp.

Em geral são arbustos ou árvores de


quatro a dez metros de altura. Tronco
liso e folhas brilhosas com três a sete
centímetros de comprimento e com
aroma característico, quando amas-
sadas. O fruto, quando maduro, apre-
senta cor vermelha. O chá das folhas é
indicado para gripe, cansaço, falta de
ar, febre e viroses.

168 Inventário etnobotânico das ervas mais citadas


Mastruz
Amaranthaceae
Dysphania ambrosioides (L.) Mosyakin
& Clemants

Erva anual ou de longa duração, pode


alcançar até um metro de altura e
com ramificações. As plantas apresen-
tam odor forte bem característico e
a tonalidade das flores é esverdeada.
Entre as indicações apresentadas nas
comunidades, o chá é utilizado para
problemas estomacais, tosse, tubercu-
lose, verme, ossos e “pé desmentido”.
Muitos indicam seu uso com o leite e
mel para gripe.

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 169
Quioiô
Lamiaceae
Ocimum gratissimum L.

Erva aromática, medindo até um me-


tro de altura, com folhas longas, bor-
da serreada e flores bem pequenas. As
folhas podem medir de quatro a oito
centímetros. O uso do chá é indicando
para problemas estomacais, redução
do colesterol e como anti-inflamatório,
além do uso culinário.

170 Inventário etnobotânico das ervas mais citadas


Aroeira
Anacardiaceae
Schinus terebinthifolia Raddi

Árvore com altura que pode chegar a


dez metros, suas folhas são aromáticas
lembrando cheiro de manga; seus fru-
tos são de cor vermelha quando estão
maduros. É indicado fazer o chá das
folhas como anti-inflamatório e, para
função cicatrizante, deve-se cozinhar a
entrecasca e depois lavar o local ferido.

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 171
Erva cidreira
Verbenaceae
Lippia alba (Mill.) N.E.Br.

Erva que pode ter até 1,5 metros de


altura, com folhas serreadas e flores
de cor azul a roxa. O chá das folhas é
indicado como calmante, podendo ser
cozidas com folhas de alfazema, ser-
vindo, também, como laxante.

172 Inventário etnobotânico das ervas mais citadas


Folha da Costa
Crassulaceae
Bryophyllum pinnatum
(Lam.) Oken

Planta herbácea de pequeno porte, com até


um metro de altura, suas folhas apresentam
as bordas serreadas e brotam com facilidade,
se plantadas. As informações sobre a planta
são bem diversificadas, sendo seu uso indica-
do para várias finalidades. No caso do chá da
folha e do xarope/lambedor, estes são indi-
cados para curar gripe, tosse e cansaço. Para
uso em frieiras ou cortes, pode-se cozinhar
as folhas em água e fazer uma lavagem do
local ou até mesmo tirar o sumo das folhas e
aplicar diretamente sobre o local ferido.

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 173
Vassourinha
Malvaceae
Sida sp.

Essa erva é pequena, atinge até meio


metro de altura e suas flores são ama-
relas. É uma planta encontrada em
todos os tipos de solo durante todo o
ano. Entretanto, é no período chuvoso
que ela mais se desenvolve. Nas comu-
nidades foi indicado o galho da planta
ou as folhas para reza ou para preparar
banho contra “mau-olhado”.

174 Inventário etnobotânico das ervas mais citadas


Algodão
Malvaceae
Gossypium hirsutum L.

Planta arbustiva que pode atingir cin-


co metros de altura. Pouco ramificada,
suas flores são amarelas e o fruto ma-
duro se abre e solta uma pluma bran-
ca. Suas sementes, folhas e flores fo-
ram indicadas para curar dor nos ossos
e inchaço nas pernas. O chá das folhas
serve para dores na barriga e também
foi indicado, na forma de banho, para
mulheres em trabalho de parto. Já a
maçã do algodão, cozida em água, é ex-
celente para “vento caído”.

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 175
Boldo
Lamiaceae
Plectrhanthus sp.

O boldo é uma planta herbácea peque-


na (até um metro de altura) e de longa
duração. Suas folhas são pilosas, mais
ou menos de quatro a seis centímetros
de comprimento e com bordas serrea-
das. O chá das folhas foi indicado para
curar indigestão, inchaço na barriga,
problemas no fígado e como anti-infla-
matório.

176 Inventário etnobotânico das ervas mais citadas


Água de levante
Cannaceae
Canna paniculata Ruiz & Pav.

Planta herbácea de longa duração, fo-


lhas compridas e flores vistosas. O chá
das folhas e flores foi indicado como
calmante e para curar problemas res-
piratórios, gripe, dor de cabeça e dores
no corpo. As folhas são usadas para
preparar banho contra “mau-olhado”.

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 177
Araçá mirim
Myrtaceae
Psidium sp.

É uma árvore que pode atingir três


metros de altura, de folhas aromáti-
cas, frequentemente referidas como
“Benzetacil”, e que produz um fruto
comestível. O chá das folhas é indicado
para alívio da tosse, cansaço e para in-
flamações ou infecções.

178 Inventário etnobotânico das ervas mais citadas


Fedegoso
Fabaceae
Senna occidentalis (L.) Link

Planta subarbustiva que atinge um


metro de altura. Com flores amarelas,
seus frutos são do tipo vagem, lem-
brando a vagem do feijão. O fedegoso
foi indicado para se fazer chá com suas
raízes, no alívio da gripe, cansaço, falta
de ar, tosse e “ar de vento”.

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 179
Laranja da terra
Rutaceae
Citrus x aurantium L

Essa é uma planta arbórea e perene, co-


mum em quintais. As flores são bran-
cas e exalam perfume característico, as
folhas são aromatizadas e a casca dos
frutos contem ácido. O chá das folhas
é indicado para acalmar, combater o
cansaço e a falta de ar, além de curar a
gripe. O fruto é usado para fazer lam-
bedor e a casca para fazer doce.

180 Inventário etnobotânico das ervas mais citadas


Manjericão
Lamiaceae
Ocimum basilicum L.

O manjericão é um subarbusto anual


com altura de 50 a 60 cm, com flores
brancas. É uma planta aromática que
tem uso condimentar na alimentação.
Suas folhas são usadas para “banho de
axé” e para “firmar o corpo” após o
“banho de descarrego”.

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 181
Purga do campo
Violaceae
C Pombalia calceolaria (L.) Paula-Souza

Planta herbácea perene, ereta e pouco


ramificada. A flor é de cor branca e o
fruto aparenta ser recoberto por espi-
nhos. O chá das folhas é indicado para
alívio da gripe, como anti-inflamatório
e para a melhora do sistema nervoso.
Além das folhas, a semente é usada
para fazer o chá que serve para limpe-
za uterina após parto. Para usá-la, é ne-
cessário um grande resguardo, inclusi-
ve com alimentação.

182 Inventário etnobotânico das ervas mais citadas


Tapete de Oxalá
Lamiaceae
Plectranthus barbatus Andr.

Planta herbácea, de longa duração, aro-


mática e com sabor amargo. As folhas
são pilosas e com bordas serreadas. As
flores são roxas. O chá das folhas foi
indicado para dores em geral, proble-
mas estomacais, fígado, rim e baço.
Também é usada para banhos, sozinha,
ou acompanhada de folha da costa.

Fátima Tavares, Carlos Caroso, Francesca Bassi, Thais Penaforte e Fernando Morais 183
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Biológica, promulgada pelo Decreto no 2.519, de 16 de março de 1998; dispõe sobre
o acesso ao patrimônio genético, sobre a proteção e o acesso ao conhecimento
tradicional associado e sobre a repartição de benefícios para conservação e uso
sustentável da biodiversidade; revoga a Medida Provisória no 2.186-16, de 23 de
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