Resumo - O Fim Da História e o Último Homem

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O Fim da História e o Último Homem 

foi escrito no calor dos eventos que levaram à


queda do Muro de Berlim (1989) e ao fim da União Soviética (1991), e
escancararam para o mundo as contradições e os problemas vividos pelo mundo
socialista.
O livro começa com capítulos que descrevem as derrocadas de regimes autoritários
de direita, como foi o caso das ditaduras militares na Europa, Ásia, África do Sul e
América Latina nos anos 1970 e 1980, como também considerações sobre a crise e o
fim do socialismo soviético. Fukuyama discute os impasses a que chegaram essas
ditaduras e as pressões sociais que levaram a seu desmonte.

A tese central da obra é que, de todos os regimes políticos surgidos na história


humana, das teocracias religiosas da Antiguidade até as ditaduras fascistas e
comunistas do século passado, a democracia liberal foi o modelo que se manteve
mais intacto e emergiu vitorioso por ter como elemento-chave a noção de soberania
popular em contraposição às pretensões universalistas e totalitárias das demais
ideologias.

Para mostrar a importância disso, ele usa Hegel para refutar a concepção
materialista da história e afirmar que o homem não é apenas um animal
econômico, um animal que produz riquezas, mas é também um ser que luta por
reconhecimento.  Esse desejo de reconhecimento leva os homens à luta por prestígio
e a reivindicarem para si valor e dignidade.

De acordo com ele, a concepção de história de Hegel é mais profunda que a de


Marx, ou a de outros cientistas sociais, porque ele conseguiu apreender seu impulso
não econômico. O mecanismo da luta por reconhecimento abarca uma compreensão
mais ampla do homem, bem como das descontinuidades da história, as guerras e
erupções súbitas de irracionalidade mesmo em momentos de tranquilidade
econômica. De Hegel, Fukuyama também toma emprestada a noção de que o
homem é um ser indeterminado e portanto é livre para criar sua própria natureza.

Ele explica que a história não precisa nem deve abrir mão de uma explicação
econômica e a concepção do “reconhecimento” pode corrigir e ampliar a
perspectiva econômica uma vez que permite recuperar uma visão histórica não-
materialista, no sentido da versão marxista, e mais completa como compreensão da
motivação humana.

A importância do “reconhecimento” Fukuyama também encontra em Platão,


na República, o thymos, ou “espírito”. Em Platão, o thymos corresponde à terceira
parte da alma, sendo as outras duas o desejo e a parte racional. Ele associa
o thymos à autoestima, porque em Platão está relacionado ao valor que as pessoas
dão a si mesmas e ao desejo que elas têm de reconhecimento desse valor. Ele
também se relaciona à busca humana por dignidade, prestígio.
Foi o desejo de reconhecimento, por exemplo, que levou aos movimentos anti-
comunistas na União Soviética, no Leste Europeu e na China. Esses movimentos
resultaram de uma combinação de desejo de prosperidade com desejo de
participação política.

Existem ainda outras noções ligadas ao thymos: a isothymia, que é o desejo de


igualdade, ou ser reconhecido como igual; e a megalothymia, que é o desejo de ser
reconhecido como superior aos outros. Ao primeiro estão relacionados os
movimentos de luta contra escravidão, por exemplo, e ao segundo, as ambições
políticas de tiranos como César, Stálin e Hitler. Esta, segundo ele, continua a ser a
maior ameaça aos valores da democracia liberal.

Na primeira parte da obra ele discute os mecanismos que levaram a uma


racionalização e modernização do mundo, especialmente a ciência e a guerra.
Discute os movimentos que rejeitaram a tecnologia e a sociedade racionalizada,
como os românticos do início do século XIX, os hippies dos anos 1960 e o
fundamentalismo islâmico. Para ele, as consequências práticas das ideias desses
movimentos seriam a desindustrialização, a redução dos avanços na medicina,
retrocessos nas comunicações, nas políticas de controle de natalidade, diminuição
da liberdade sexual e o retorno de muitas pessoas à vida de camponeses pobres,
presos à terra e a ciclos intermináveis de trabalho pesado. Ou seja, em vez de
libertar a humanidade de necessidades supérfluas, esses movimentos retrocederiam
a épocas de mais dependência e perda de autonomia dos indivíduos.

Quando disserta sobre a América Latina, o autor critica a teoria da dependência


desenvolvida nesta região nos anos 1960 e 1970 e segundo a qual os países do
Terceiro Mundo estavam condenados a um atraso econômico e à dependência
permanente dos países industrializados que, através de suas multinacionais e de
relações econômicas desiguais, deixavam os países mais pobres na condição de
exportadores de matérias-primas e importadores de produtos mais sofisticados das
nações mais industrializadas.

Para Fukuyama, essa teoria se tornou por si mesma um obstáculo ao


desenvolvimento desses países, que absorveram com ela um conjunto de ideias
derrotistas. O autor usa exemplos da Ásia (Coreia do Sul, Formosa, Hong Kong,
Cingapura, Malásia e Tailândia) para dizer que suas experiências bem-sucedidas de
industrialização provam que o caminho para o desenvolvimento econômico é
acessível a todos os países.

Para ele, a estagnação da América Latina se deve a duas causas principais: a


primeira é cultural, isto é, os hábitos, costumes, religiões e estrutura social dos
povos lantino-americanos representam um obstáculo a seu crescimento econômico.
Ele ressalta que não existe conflito intrínseco entre religião e liberalismo e
parafraseia Hegel quando este diz que foi o cristianismo que abriu caminho para a
Revolução Francesa e o princípio da igualdade de todos os homens.

Mas nem sempre a religião se mostra inclinada à tolerância e à igualdade, e ela não
cria per se sociedades livres. Na Inglaterra, por exemplo, o liberalismo político levou
ao fim as guerras religiosas entre católicos e protestantes e desarmou a religião, que
se tornou tolerante. E não ocorreu apenas na Inglaterra: o liberalismo, ele diz,
derrotou a religião na Europa.
Em relação aos hábitos mentais, a América Latina produziu classes extremamente
estratificadas, mutuamente hostis, voltadas para si mesmas. Isso se reflete na
duração da escravidão no Brasil, por exemplo, com uma classe de senhores
violentos e ociosos e um amplo contingente de escravos ociosos com pouca noção
de liberdade.
A outra causa do fracasso do desenvolvimento econômico da América Latina ele
chama de “explicação de natureza programática”, isto é, a América Latina, assim
como outras partes do Terceiro Mundo, nunca tentou o capitalismo seriamente.
Esses países são prejudicados por tradições mercantilistas que herdaram de suas
ex-metrópoles da Península Ibérica dos séculos XVII e XVIII, além de o poder do
Estado ser usado para favorecer as classes superiores, que sempre procuraram
imitar as classes superiores da Europa, diferentemente de países como a Inglaterra,
onde emergiu uma classe média empreendedora.

Ele ressalta que as políticas de substituição de importação adotadas nesses países a


partir dos anos 1930 protegeram suas elites da competição internacional e limitou
os produtores locais. Destaca também que as legislações trabalhistas introduzidas
nos anos 1930 e 40 em países como Brasil, Argentina e Chile impediram esses
países de desenvolverem uma mão de obra que elevasse suas indústrias ao mesmo
padrão de crescimento dos países asiáticos.

A relação entre democracia liberal e desenvolvimento econômico decorre do fato de


que a industrialização produz sociedades de classe média, mais exigentes em
termos de participação política e igualdade de direitos. A classe média, por sua vez,
é resultado da universalização da educação. Em sociedades liberais, a educação tem
um viés emancipatório na medida em que leva as pessoas a questionarem
preconceitos sociais e formas tradicionais de autoridade.

A educação também é responsável por instigar nas pessoas aquele desejo de


reconhecimento de que o autor fala no início da obra. Ela o faz na medida em que
leva os indivíduos a terem mais consciência de seu papel como cidadãos, maior
senso de justiça e de dignidade.

Fukuyama também reconhece que em sociedades muito polarizadas em termos de


classes sociais, nacionalidades ou religião, a democracia pode se tornar impotente e
ficar refém da estagnação. Isso ocorre especialmente quando elites tradicionais,
como grandes proprietários de terras, usam a própria democracia para escamotear
grandes disparidades sociais e ainda acumular prestígio, status e poder. Ele chama
esse domínio de antigas classes sociais de patologia social e afirma que isso origina
uma oposição de esquerda igualmente intransigente, que associa democracia e
corrupção e cresce alimentando o desprezo pela primeira.

Ele entende que regimes democráticos que protegem interesses de classes de


grandes proprietários ociosos e com mentalidade arcaica não é funcional. Explica
que a democracia não pode resolver disputas entre grupos étnicos e nacionais
dentro de um mesmo território. Cita como exemplo o caso da União Soviética, que,
segundo ele, não poderia se tornar democrática e permanecer unitária ao mesmo
tempo porque não havia consenso entre as diferentes nacionalidades que a
compunham.

Para ele, no decorrer da história, a humanidade viveu uma luta permanente entre
diferentes formas de organização política e social, o que levou sempre ao triunfo de
umas sobre outras, ao diálogo e refutação de umas às outras. O resultado disso é
que parece não haver alternativa viável à democracia liberal porque essa forma de
governo se mostrou a única em que as pessoas não demonstram descontentamentos
radicais com seu modo de vida. Isso parece ter levado a história a um desfecho no
sentido de que chegamos a uma conclusão desse diálogo. Há outro fator que pesa a
favor das democracias liberais: as guerras entre elas são raras, ou inexistentes. As
relações entre nações democráticas são predominantemente pacíficas.

Depois do fim do comunismo, a maior ameaça ao liberalismo vem do


fundamentalismo islâmico, que apresenta, segundo ele, semelhanças com o
fascismo europeu. A força desse radicalismo está relacionada ao desejo de
dignidade do mundo islâmico que se mostrou incapaz de assimilar as técnicas e os
valores do Ocidente e manter a coerência de sua sociedade tradicional.

 Num futuro próximo a humanidade deverá se dividir em Estados pós-históricos e


Estados históricos: no primeiro grupo estão os países que alcançaram maior êxito
com a democracia e, no segundo, países que ainda convivem com conflitos de
diversas naturezas: religiosos, nacionais e ideológicos. Para os Estados pós-
históricos a maior dificuldade que enfrentarão será com a imigração e os problemas
para encontrarem soluções para contê-la sem que com isso formulem políticas de
exclusão de estrangeiros. O mundo pós-histórico também enfrentará problemas de
ordem econômica, como administração de dívidas internas e externas,
empregabilidade, cooperação para enfrentar problemas referentes ao meio
ambiente, etc.

As experiências do século XX deixaram claro que a democracia liberal é muito mais


preferível a seus principais concorrentes: o fascismo e o comunismo. Disso não
decorre que ela realizará o projeto do comunismo de igualdade plena. Na última
parte do livro, chamada “O Último Homem”, Fukuyama esclarece que algumas
desigualdades e diferenças de dignidades nas democracias liberais são
inerradicáveis. Ele reconhece a importância do Estado de Bem-Estar social (Welfare
State) que em muitos países atuou na regulamentação do comércio, em políticas de
redistribuição de renda dos ricos para os pobres e promoção de programas de
seguro social.
Essas políticas foram importantes para a “sociedade de classe média” – termo que
ele considera ainda inadequado, uma vez que as democracias modernas ainda têm
uma estrutura mais piramidal do que igualitária. De todo modo, as sociedades de
classe média continuarão a ser não igualitárias sob muitos aspectos, mas isso será
mais em decorrência da desigualdade natural dos talentos, à cultura e divisão do
trabalho. Qualquer esforço, diz ele, para levar a igualdade social além desse ponto
irá resultar no mesmo fracasso do projeto marxista, pois os projetos que seguem
essa linha necessariamente lançarão mão de Estados totalitários.

O fato de a democracia liberal ter levado a menos descontentamento social que


outras formas de poder não significa que, se num futuro o mundo estiver repleto de
democracias liberais, as guerras e conflitos simplesmente irão desaparecer. Os
homens, diz Fukuyama, poderão lutar apenas pelo gosto de lutar, pelo tédio de
viver em paz. Ele menciona dois exemplos para corroborar esse pensamento: os
movimentos estudantis em 1968 na França e a Primeira Guerra Mundial.

Os estudantes que paralisaram a França em 68 viviam numa sociedade próspera e


livre, e eram bem posicionados socialmente. Mas ao mesmo tempo viviam numa
sociedade onde os ideais de luta e sacrifício estavam ausentes e foram às ruas
motivados por isso. Algo semelhante ocorreu quando foi deflagrada a Primeira
Guerra. A Europa vivia décadas de paz e prosperidade, mas muitas pessoas queriam
a guerra porque estavam cansadas da vida civil pacífica e da monotonia dos tempos
de paz.

Fukuyama conclui que nenhum modelo de sociedade pode satisfazer todos os


homens em todos os lugares, incluindo, é claro, a democracia liberal. Mesmo a
liberdade e a igualdade geram insatisfações e em alguns indivíduos o desejo de
recomeçar a história. Em Platão o thymos não era necessariamente bom ou mau,
mas deveria ser ensinado a servir ao bem comum. A cidade deveria ser governada a
partir de um equilíbrio entre as três partes da alma: razão, desejo e “espírito”
(thymos). Se admitimos que a moderna democracia liberal é o sistema político que
melhor promove esse equilíbrio, então a ameaça principal a ela pode vir da
hipervalorização do reconhecimento, a megalothymia.

Considerações finais
Vinte e cinco anos depois, o livro de Fukuyama continua atual em muitos aspectos.
Não há dúvida de que se trata de uma obra de primeira importância sobre o mundo
contemporâneo, uma interpretação histórica erudita e perspicaz que deve
permanecer como uma referência. Longe de esgotar a obra, esse resumo objetivou
apenas esclarecer alguns pontos de maior relevância tratados ali.

Ele tem o mérito de não propor uma nova utopia social e de entender até que ponto
podemos construir uma sociedade mais ou menos igualitária depois das tragédias
que representaram o fascismo e o comunismo. Também não idealiza o capitalismo.
Sua proposta de entender a história a partir do conceito de “luta pelo
reconhecimento”, sem com isso abrir mão de outros horizontes, como a história
econômica, é bem justificada e bem desenvolvida com um diálogo que vai de Platão,
passando por Hobbes, Locke, Hegel, Nietzsche, entre outros.

No Brasil, o livro se tornou praticamente um anátema para a esquerda. Muito


criticado e pouco lido, menos ainda compreendido, Fukuyama se tornou a
caricatura de um monstro a ser exorcizado. Mas suas críticas à teoria da
dependência e ao marxismo, por exemplo, merecem apreciação.

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