Sucesso Da Hematofagia
Sucesso Da Hematofagia
Sucesso Da Hematofagia
NOTÍCIA
Seria possível anular a existência
de doenças genéticas em embriões
humanos?
COMPORTAMENTO HEMATÓFAGO
EM DÍPTEROS
entenda as variações , bases morfo-anatômicas, fisiológicas e
moleculares desse comportamento alimentar
SUMÁRIO
Notícia Ponto de vista biológico
3 A vida sem doenças genéticas 17 I will survive (?)
Como os pesquisadores anularam doença cardía- Entre extinções em massa e alterações geológi-
ca genética de embriões humanos cas, bem-vindo ao Antropoceno
Por Ana Luiza de Araújo Butarelli e Greyck Willyan Marques
Por Greyck Willyan Marques Santos
Santos
Pet na estrada
Artigo
Comportamento hematófago em dípteros
Na capa (Insecta: Diptera): caracterização, evolução,
bases morfo-anatômicas e mecanismos fi-
Aedes aegypti sio-moleculares
Créditos da foto: Sean McCann (ibycter.
com) on VisualHunt / CC BY-NC-SA
Por: Léo Cruz
6
Notícia
EDITORIAL
Caros Leitores,
A vida sem doenças genéticas
É com imensa alegria que apresentamos a Edição 41 do Como os pesquisadores anularam doença cardíaca
Boletim PETBio, que trás como artigo de capa uma boa
revisão sobre a evolução do comportamento hematófago em genética de embriões humanos
dípteros. Aproveitamos para agradecer a excelente revisão do
Ana Luiza de Araújo Butarelli
artigo feita pelo Profº Drº Luís Fernando Carvalho Costa do
Greyck Willyan Marques Santos
Departamento de Biologia da UFMA. Nessa edição também
apresentamos o PET na estrada para partilhar o Encontro Curso de Ciências Biológicas/UFMA - São Luís
Nacional dos grupos PETs realizado em Brasília. Além, de
U
um repertório variado de temáticas em nossos ensaios, onde
aprenderemos sobre a “Mineração de Genomas” e os novos ma equipe internacional gene saudável materno, em vez de inserir
vetores e desafios com o Zika Vírus. Também apresentamos de cientistas conseguiu uma nova sequência do DNA alterado no
um curioso artigo sobre por que as plantas são necessárias reparar a mutação de uma código genético.
para o ser humano e a linha de pesquisa da Profª Drª Talita da sequência gênica de embriões humanos Apesar dos resultados
Silva Espósito do Departamento de Oceanografia da UFMA. responsável por causar Cardiomiopatia animadores, ainda se discute acerca da
Hipertrófica. A enfermidade causa o ética do estudo e da área da edição genética,
Boa Leitura! espessamento do músculo cardíaco, devido à necessidade de mais estudos
Mayara Ingrid Sousa Lima
Tutora do Grupo PET BIOLOGIA/UFMA
dificultando a contração do órgão, sendo a fim de tornar a técnica mais segura,
considerada uma das principais causas da antes de se tornar uma prática científica
morte súbita de atletas jovens considerados comum. Além disso, já ocorre um exame
saudáveis. O estudo, coordenado pelo de embriões identificando distúrbios
geneticista Shoukhrat Mitalipov, desperta genéticos, anteriormente à fertilização in
BOLETIM PETBIO UFMA a esperança da prevenção de doenças vitro, denominado Diagnóstico Genético
Ano 11, N. 41, setembro de 2017 genéticas hereditárias graves. Pré-Implantacional.
ISSN: 2237-6372 A pesquisa consistiu na Os defensores do procedimento
CORPO EDITORIAL utilização do CRISPR-Cas9 (técnica de afirmam que a nova técnica poderia ser de
edição genética que utiliza da enzima Cas9 demasiada ajuda para combater milhares
Realização para cortar sequências de DNA desejadas) de anomalias genéticas que são causadas
Grupo PET Biologia - UFMA para a retirada do gene mutante MYBPC3, por somente uma mutação, mas a
Supervisão geral causador da cardiomiopatia hipertrófica, discussão ainda gira bastante em torno dos
Prof.ª Dr.ª Mayara Ingrid Sousa Lima sendo o mesmo substituído por sua versão efeitos colaterais desse método, pois uma
normal. O procedimento realizado se das possíveis consequências seriam como
Revisores baseou na injeção de espermatozoides de fato esses genes modificados alterariam
Credit: vchalup2/Depositphotos
Prof.ª Dr.ª Mayara Ingrid Sousa Lima
Ana Carolina de Araújo Butarelli portadores do gene mutado e do CRISPR- a constituição física dos embriões.
Eulália Cristine Guimarães Silva Cas9 em um óvulo normal, com o Muitos debatem que a metodologia
Gabriela Cristina Fonseca Almeida objetivo de reduzir o risco de mosaicismo tem o objetivo de criar bebês “perfeitos”,
Ítalo Vinícius Cantanhêde Santos (embrião constituído de células com dois geneticamente modificados, debatendo
Léo Nava Piorsky Dominici Cruz
ou mais genomas diferentes), de forma até em qual ponto seria correto utilizar
Revisor do artigo que a edição ocorresse em um momento da tecnologia e ciência para curar
Prof.ª Dr. Luís Fernando Carvalho Costa precoce do desenvolvimento embrionário. doenças fatais. Os defensores
Os embriões gerados do processo de da pesquisa afirmam
Diagramação
Glacyane Winne Tavares Moraes fertilização se desenvolveram durante 3 que o intuito é trabalhar
Greyck Willyan Marques Santos dias antes de suas células serem separadas numa cura de doenças
Luis Henrique Pereira e analisadas. genéticas manifestadas
Mairla Santos Colins Dos 58 embriões estudados, ainda nos estágios iniciais de
Robson Pontes de Oliveira
Thalita Moura Silva Rocha 42 se mostraram saudáveis, ou seja, desenvolvimento do embrião e ao
Thauana Oliveira Rabelo livres da sequência gênica causadora da decorrer dos avanços das pesquisas, que o
cardiomiopatia hipertrófica. Por se tratar procedimento se torne bastante benéfico
de um estudo inicial, os pesquisadores para a população em geral e não uma busca
pensam em implementar outras de crianças geneticamente melhoradas,
CONTATO ferramentas que elevem a eficiência do o que afirmam ainda seria uma proposta
procedimento para 90% e até mesmo distante a realidade da pesquisa.
E-mail 100%. A técnica também permite o
petbioufma@gmail.com Referências: MA, H. et al. Correction of a pathogenic
estudo da prevenção de outras desordens gene mutation in human embryos. Nature, [s.l.], v.
genéticas, como alguns tipos de câncer. 548, n. 7668, p.413-419, 2 ago. 2017. Springer Nature.
Site
petbioufma.wordpress.com A surpresa dos pesquisadores ocorreu GALLAGHER, J.. Cientistas conseguem ‘apagar’
durante suas análises, onde foi observado doença cardíaca genética com edição de DNA. 2017.
Facebook Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/
facebook.com/petbiologiaufma que a técnica funciona apenas quando um
geral-40808728>. Acesso em: 28 ago. 2017.
dos genes parentais é saudável, devido à
deterioração do gene modificado através LEDFORD, H.. CRISPR fixes disease gene in viable
da CRISPR-Cas9, que se aderiu à sequência human embryos. Nature, [s.l.], v. 548, n. 7665, p.13-
14, 2 ago. 2017. Springer Nature.
presente no sêmen do pai e duplicou o
Imagens: - Fundo - disponível em: < http://soha.vn/chuyen-la/ngay-ca-thang-4-va-nhung-ky-luc-ve-noi-doi-20130401104114753.htm>. GOIRAN, C. et al. Industrial Melanism in the Seasnake Emydocephalus annulatus. Current Biology, p. 1–4, 2017.
indivíduos de formas pretas, ou escurecidas, em uma espécie que admirável como essas espécies reagem, aparentemente rápido, ao
até então era em sua maioria formada por indivíduos de cor clara, ambiente – que possui componentes capazes de levá-las a terem
em regiões que se tornaram centros industriais. problemas sérios – e o “manipulam” a seu favor ou o “driblam”,
Pesquisadores afirmam que o processo de mudança de podendo assim prosperar. Entretanto, seriam todos os animais
coloração clara para escura nas populações, ocorre porque há alta viventes aptos a apresentarem respostas rápidas que os permitam
expressão do alelo dominante2 do gene responsável pela produção sobreviver e ter sucesso em ambientes assim? Essa é só mais uma
de melanina3. Em seus estudos eles sugerem que a expressão desse pergunta em meio a um extenso banco de questões que ainda não
alelo é condicionada pela mudança das características do ambiente, estão respondidas, mas basta uma análise do mundo atual para se
ou seja, são desencadeados processos fisiológicos que permitem a chegar perto de uma resposta.
ativação do gene da melanina em resposta ao ambiente poluído dos
grandes centros urbano-industriais, porém esse é um assunto ainda
em discussão entre os cientistas.
A mariposa Biston betularia é o organismo modelo em
vários livros didáticos quando o assunto é melanismo industrial,
pois o registro mais antigo deste fenômeno foi feito nessa espécie. O
primeiro espécime de coloração escura, em meio à uma população
de cor pálida, foi capturado em 1945 na cidade de Manchester, In-
glaterra. Anteriormente, a população dessa espécie de mariposa era
totalmente de cor pálida, contudo, em 1995 foi verificado que apro-
ximadamente 98% da população da espécie era então representada
por indivíduos melânicos - indivíduos de coloração escura. Alguns
estudos foram realizados a fim de descobrir o porquê da alteração Glossário
e prevalência de indivíduos com grande quantidade de melanina, e
1. Intraespecífica: entre indivíduos da mesma espécie.
muitos trabalhos de autores da época têm consenso em seus acha-
dos: as mariposas B. betularia de cor escura ocorriam nos locais 2. Alelo dominante: que se expressa mesmo na presença do alelo contrário.
onde se instalaram grandes indústrias e essas áreas eram poluídas
3. Melanina: pigmento encontrado em animais, vegetais e protistas.
pela emissão de gases com alta concentração de dióxido de carbono
e enxofre. Fato que causou a morte de líquens esbranquiçados, onde
antes se camuflavam as mariposas de cor pálida para se protege-
rem das aves que as predavam, e o acúmulo de fuligem serviu como Referências:
esconderijo para as mariposas escuras, permitindo-as escapar do BEGON, M.; TOWNSEND, C. E HAPPER, J. Ecologia: de indivíduos a ecossiste-
predador e, assim, prosperar. mas. 4 ed. São Paulo: Artmed, 2007, p.740
Por muito tempo o melanismo industrial foi relacionado COOK, L. M.; SACCHERI, I. J. The peppered moth and industrial melanism : evo-
a invertebrados, principalmente à mariposa B. betulária, e aves, lution of a natural selection case study. Heredity v. 110, n. 3, p. 207–212, 2012.
tendo como principal exemplo os pombos de Paris. Entretanto, um GOIRAN, C. et al. Industrial Melanism in the Seasnake Emydocephalus annula-
estudo recentemente divulgado mostra esse fenômeno ocorrendo tus. Current Biology, p. 1–4, 2017.
em uma espécie de serpente marinha. No trabalho intitulado “In-
dustrial melanism in the seasnake Emydocephalus annulatus” (Me-
lanismo Industrial na serpente marinha Emydocepalus annulatus),
os pesquisadores envolvidos ao perceberem que, além da forma
da espécie com listras escuras e claras (comum), estavam também
ocorrendo espécimes de E. annulatus totalmente negros e resolve-
ram investigar o que poderia estar ocasionando isso. Após moni-
ENSAIO
Uma ferramenta para a predição de produtos de interesse
Ana Carolina de Araújo Butarelli
Curso de Ciências Biológicas/UFMA - São Luís
Referências:
RUTLEDGE, P. J.; CHALLIS, G. L.. Discovery of microbial natural products by activation of silent biosynthetic gene clusters. Nature Reviews Microbiolo-
gy, [s.l.], v. 13, n. 8, p.509-523, 29 jun. 2015.
SACCARO, N. L.. A regulamentação de acesso a recursos genéticos e repartição de benefícios: disputas dentro e fora do Brasil. Ambiente & Sociedade,
[s.l.], v. 14, n. 1, p.229-244, jun. 2011.
ZIEMERT, N.; ALANJARY, M.; WEBER, T.. The evolution of genome mining in microbes – a review. Nat. Prod. Rep., [s.l.], v. 33, n. 8, p.988-1005, 2016.
Comport
(Insecta: Diptera)
morfo-anatômica
>>
especialmente dos residentes de áreas de risco epidemiológico, possibilitassem a extração e consumo de sangue. Para mais
aos quais são apresentadas apenas informações superficiais, informações sobre as hipóteses de evolução da hematofagia em
que não proporcionam conhecimentos adequados para a insetos, recomenda-se a leitura da obra de Lehane (2005).
prevenção e formulação de estratégias de convivências com A ordem Diptera, originária do grego Di (dois) e ptera
esses organismos (DE CARVALHO et al., 2004; MAEDA, (asas), é uma das mais de 30 ordens formalmente reconhecidas
M. H.; GURGEL-GONÇALVES, 2012). Em virtude disso, a da classe Insecta, pertencente ao clado Holometabola, que
presente revisão tem por objetivo apresentar a hematofagia são insetos que apresentam metamorfose completa, ou seja,
como um comportamento dos insetos da ordem Diptera, apresentando as fases de larva, pupa e imago (CHAPMAN, 2013).
descrevendo suas variações, uma síntese sobre sua evolução, A megadiversidade do grupo reflete-se no número de espécies
suas bases morfo-anatômicas e alguns mecanismos fisiológicos descritas atualmente (aproximadamente 120.000), sendo a ordem
e moleculares. mais bem estudada pelos biólogos (GRIMALDI; ENGELS, 2005).
Tradicionalmente dividida nas subordens Nematocera (“dípteros
Caracterização e evolução do comportamento inferiores”) e Brachycera (“dípteros superiores”), compreendem
hematófago em Diptera os insetos de popularmente reconhecidos como “moscas”, embora
estudos têm evidenciado a parafilia¹ de Nematocera em relação a
O termo Hematofagia deriva das palavras em grego Brachycera, pois alguns membros dessa última são mais próximos
hemos (“sangue”) e fagia (“alimentação”), podendo ser a outros da primeira (Figura 2) (YEATES; WIEGMANN, 1999).
utilizada em substituição a Flebotomia, que por sua vez deriva Evitando-se tornar complexa a compreensão do posicionamento
do grego Phleba (“veia”) e tomos (corte), sendo definido como filogenético dos grupos de dípteros, será empregada no texto essa
um tipo de alimentação (AZAR; NEL, 2012) que consiste no classificação tradicional; entretanto, recomenda-se a leitura de
uso do sangue (tecido fluido de vertebrados) como recurso Yeates e Wiegmann (2005) para uma fiel revisão da atual situação
nutricional. Amplamente identificado nos diversos grupos de taxonômica da ordem.
animais e, principalmente nos insetos, é uma característica
marcante de moscas, mosquitos e demais membros de seu
grupo.
Os insetos são o grupo de animais cuja espoliação
sanguínea de vertebrados evoluiu em um maior número
de grupos, havendo diversos representantes das ordens
Hemiptera, Siphonaptera, Anoplura, Lepidoptera e Diptera
(Figura 1). Acredita-se que o hábito hematófago tenha sido
derivado gradualmente em espécies que desenvolveram íntima
associação aos vertebrados que se abrigavam em ninhos.
Esses insetos provavelmente se alimentavam de resquícios
epidérmicos (pelos, penas e escamas) que se desprendiam
dos hospedeiros, posteriormente alimentando-se diretamente
dos tecidos destes, como observado em algumas ordens atuais
(BUSH; CLAYTON, 2006). Uma vez que o sangue é um recuso Figura 2. Filogenia de Diptera segundo Yeates e Wiegmann (1999). A
subordem Nematocera engloba todos os grupos de nós anteriores a
Brachycera. Números à direita indicam o número de espécies descritas
para cada grupo. Modificado de Yeates e Wiegmann (1999).
ARTIGO
M. J. LEHANE., 2005). Por sua vez, as fêmeas discordantes é presente um aparelho do tipo Tetraqueta, formado por um
gonotróficas conseguem maturar um lote de ovos somente par de mandíbulas, um par de maxilas e um lábio; Siphonaptera
depois de realizarem uma certa quantidade espoliações possui um aparelho Diqueta, consistindo num par de maxilas
sanguíneas, exigindo mais buscas para garantir sua reprodução. sobreposto pela epifaringe (CHAPMAN, 2013). Por sua vez, os
Essa variação é correlacionada a fatores fisiológicos e está outros representantes da ordem Diptera apresentam uma série de
diretamente correlacionada às concentrações de reservas variações quanto à morfologia bucal, as quais serão discutidas a
nutritivas durante o período larval (CHIA; BAXTER; seguir.
MORRISON, 1981; WOLFHUGEL, 1951). Nos membros de Nematocera, em geral, o estilete consiste
A preferência alimentar também diferencia as espécies num aparelho Hexaqueta, o qual consiste num par de mandíbulas,
hematófagas, havendo espécies generalistas (espoliam vários um par de maxilas, uma hipofaringe contendo o canal salivar, um
hospedeiros) e outras mais especialistas (relacionam-se a um lábio (o qual forma um “estojo” em volta das demais estruturas) e
ou poucos hospedeiros), como, por exemplo, em Brumptomyia um labro, o qual envolve o canal alimentar (Figura 3). Apesar desse
avellari, um flebotomíneo que apresenta poucas espécies padrão, a morfologia dentro do grupo apresenta variações quanto
como hospedeiras (MANGABEIRA, 1942). A preferência por ao desenvolvimento de certas peças. Na família Simuliidae, por
determinados hospedeiros é um fator chave para identificar exemplo, o lábio envolve o aparelho bucal, o qual é curto e largo,
o papel do inseto vetor na transmissão de doenças, pois as com um lobo maxilar cerrado e bem desenvolvido (KELLOGG,
espécies generalistas podem atuar como transmissores de 1899). Variações desse padrão morfológico também ocorrem nas
patógenos entre duas ou mais espécies de hospedeiros (DA demais famílias dos “dípteros inferiores” (KRENN; ASPÖCK,
ROCHA NERY; LOROSA; RAMOS FRANCO, 2004; NEVES, 2012).
2002).
Quanto à evolução, a origem da hematofagia no grupo
ainda gera controvérsias, pois, enquanto alguns autores apontam
para o início do Cretáceo (LUKASHEVICH; MOSTOVSKI,
2003), outros afirmam que esse hábito diversificou-se antes
disso, conforme evidências fósseis de nematóceros de
morfologia espoliadora vêm sendo descobertas (ILANGO,
2011). Argumenta-se ainda que a o desenvolvimento da
hematofagia foi precedido da entomatofagia (predação e
consumo dos fluidos de outros insetos), tendo-se em vista
que o aparelho picador-sugador dos hematófagos também é
utilizado para esse outro comportamento alimentar, além do
comportamento predatório agressivo, constituindo-se de pré-
adaptações (WAAGE, 1979) . Isso é demonstrado para algumas
famílias de moscas e alguns dípteros inferiores, como as fêmeas
da família Ceratopogonidae, que predam e espoliam outros
insetos, contudo, não parece ser o caso de todas as famílias da
ordem (M. J. LEHANE., 2005; WEEREKOON, 1953). Figura 3. Configuração do aparelho bucal dos nematoceros. Clípeo (c),
Quaisquer que forem as conclusões referentes às labro (lbr), hipofaringe (h), mandíbulas (n), maxilas/lacínias (mx), lábio
primeiras formas hematófagas, o fato é que, ao final do Cretáceo, (lb) e palpos maxilares (mxp). Modificado de “Entomology for begin-
já havia uma grande representatividade deste comportamento ners; for the use of young folks, fruit growers, farmers, and gardeners”
alimentar em Diptera, diversificando-se mais ainda durante (1888).
a irradiação das aves e mamíferos (FREITAS et al., 2015;
MARTINS-NETO, 2003). Além disso, essa diversidade de
hábitos hematófagos na ordem pode ser observada a partir das A subfamília Phlebotominae (família Psychodidae), que
suas diferenças morfológicas e anatômicas. engloba importantes vetores de protozoários agentes de doenças,
como a Leishmaniose, apresenta mandíbulas bem desenvolvidas
Bases morfológicas e anatômicas e dentadas em seu ápice, normalmente sobrepostas quando
em repouso, além de lacínias com pontas afiadas e palpos
A morfologia chave para a hematofagia reside no maxilares com função sensorial (KRENN; ASPÖCK, 2012).
aparelho bucal perfurante. A maioria dos insetos hematófagos Um carácter importante à alimentação a base de sangue é a
apresenta essa configuração bucal picadora-sugadora, formando presença de uma cavidade oral denominada cibário, que, além
uma estrutura estreita e alongada denominada estilete, que de ser um importante carácter taxonômico, apresenta dentículos
permite o fluxo do sangue para a região oral. Apesar de esse esclerotizados (“dentes”) com funções ainda muito debatidas,
aparelho ser um perfeito exemplo de convergência evolutiva, mas que, certamente, participam da hematofagia, já que são bem
estando presente em todas as principais ordens hematófagas desenvolvidos nas fêmeas, mas pouco nos machos (LEWIS, 1975).
(Hemiptera, Siphonaptera e Diptera), ocorrem variações A caracterização espoliadora é exclusiva das fêmeas, enquanto os
Boletim PETBio
Boletim UFMA
PETBio / nº 41
UFMA / nº/ Setembro
36 / Junhode
de2017
2016 9
machos apresentam peças bucais menos desenvolvidas e Os dípteros, assim como outros insetos, podem
utilizadas apenas para a alimentação a base de néctar e exsudatos apresentar visão por aposição (a luz que alcança um omatídeo³
ARTIGO
vegetais. Assim como nos flebotomíneos, a morfologia bucal é distribuída a um rabdoma4) ou por justaposição (a luz de
dos Culicoides é provida de lacínias finas e mandíbulas dentadas vários omatídeos converge a apenas um rabdoma), sendo a
como principais componentes hematófagos (KRENN; primeira comum nas espécies diurnas e a última nas espécies
ASPÖCK, 2012), os quais são acionados pelos músculos noturnas (GALLO et al., 2002). Os olhos de espécies noturnas
abdutores na base da mandíbula, provocando a retração de são mais eficientes na captação de luz, muito devido à forma
suas pontas e, consequentemente, o corte do vaso sanguíneo larga e cônica e da disposição fundida dos seus rabdomas, que
(MCKEEVER; WRIGHT; HAGAN, 1988). permite uma visão por justaposição e uma aclimatação mais
Diferentemente dos exemplos anteriores, os mosquitos ampla que a das espécies diurnas às mudanças de luminosidade
(Culicidae) apresentam um desenvolvimento mais complexo (LAND et al. 1999).
de suas peças bucais. Os estiletes são mais alongados, com Se as peças bucais são a morfologia chave para a
ambas mandíbulas e lacínias apresentando extremidades espoliação sanguínea, as estruturas quimiotáticas são a
afiadas e voltadas à punção; o lábio reveste esse complexo chave para o encontro com o hospedeiro. Dentre essas,
(também denominado tromba ou probóscide), sendo retraído podemos citar as antenas e os palpos maxilares como os
quando do momento da inserção das peças bucais, as quais são principais, e contendo uma grande quantidade de sensilas,
inseridas diretamente no capilar e, em conjunto às bombas do que são extensões da cutícula que abrigam a maquinaria de
cibário e da faringe, promovem a sucção sanguínea (CONSOLI; reconhecimento de químicos voláteis (DA SILVA NETO,
LOURENÇO-DE-OLIVEIRA, 1994). Ademais, a composição 2013). A captação de odores é a principal atividade sensorial
do aparelho nas fêmeas da família Culicidae respeita o padrão relacionada à hematofagia, pois experimentalmente já
dos Nematoceros. foi demonstrado que o comprometimento da capacidade
Nos dípteros “superiores”, observa-se diferenças olfativa em diversos níveis interfere no encontro com a fonte
tanto na composição do aparelho bucal quanto no nível de alimentar, no caso, do hospedeiro vertebrado (HOFFMANN;
desenvolvimento de suas partes. Nos membros da família MILLER, 2002; MILLER; GIBSON, 1994; WILLIAMS et
Tabanidae, por exemplo, o complexo picador-sugador segue, al., 2006). Recentemente, pesquisas têm sido voltadas a esse
essencialmente, o padrão dos nematoceros, embora apresentem reconhecimento e às moléculas responsáveis (BIESSMAN et
uma estrutura mais curta, larga e robusta (KRENN; ASPÖCK, al., 2002; XU et al, 2009).
2012), apta, contudo, a seus hospedeiros preferenciais (equinos,
bovinos e cervídeos). Em Glossinidae, por sua vez, o aparato Mecanismos fisiológicos e moleculares
picador-sugador consiste em labro, hipofaringe e lábio envoltos
pelos palpos maxilares. A labela é um importante elemento O hábito hematófago depende de uma série de
nessa família, visto que apresenta dentes que são evertidos no características para que possa ser desenvolvido, sendo
momento da alimentação sanguínea por meio de alterações a morfologia e a anatomia, como visto, essenciais para
na pressão hemolinfática², promovendo a perfuração do isso. Entretanto tais características não são isoladamente
tegumento do hospedeiro múltiplas vezes a partir da retração e responsáveis pelo comportamento hematófago, pois são
inserção do aparelho picador em posições levemente diferentes, necessários estímulos para a atração pelo hospedeiro, além de
o que proporciona a formação de uma poça sob o tegumento componentes fisiológicos para o processamento do sangue e
e a rápida alimentação do inseto (KRENN; ASPÖCK, 2012; destinação ao desenvolvimento dos ovos. Esses componentes
POPHAM; ABDILLAHI, 1979). fazem parte do repertório molecular próprio ou externo aos
Apesar desse papel crucial, o aparelho bucal não é insetos dípteros que influenciam em sua fisiologia, logo, tais
a única adaptação morfológica útil à hematofagia, sendo moléculas (ácidos nucléicos, proteínas, compostos voláteis e
necessárias especializações anatômicas em todo o seu sistema outros) têm despertado o interesse da comunidade científica
digestório para receber o conteúdo do repasse sanguíneo. Uma no que diz respeito ao seu papel em todas as fases do
dessas adaptações é a anatomia do intestino médio. Dípteros, comportamento hematófago (ADAMS, 1999; MESQUITA et
diferentemente de outros insetos hematófagos, apresentam al., 2015; WU et al., 2009).
de um a três divertículos para armazenamento adicional do A fisiologia hematófaga emprega adaptações que
conteúdo ingerido; além disso, nesse grupo, a digestão pode ser permitem o processamento do sangue, proveniente, em sua
em lotes (ocorre igualmente por toda a superfície do intestino maioria, de hospedeiros vertebrados, uma fonte altamente rica
médio) ou contínua (ocorre gradualmente como em uma linha em nutrientes, porém, que carrega patógenos e apresenta uma
de produção), sendo a primeira ocorrente nos nematoceros e configuração diferente da hemolinfa dos insetos (MELLANBY,
a segunda nos braquíceros (LEHANE, 2005). Características 1939). Algumas dessas adaptações garantem o balanço hídrico
anatômicas que guiem ao hospedeiro também são essenciais após a ingestão de um grande volume de sangue, como a
para o desenvolvimento da hematofagia, sendo a atração visual pré-diurese, que permite a liberação do excesso de líquido
e química essenciais (SUTCLIFFE, 1987; TAKKEN, 1991; VAN obtido durante a alimentação sanguínea pelo canal digestivo,
BREUGEL et al., 2015). concentrando as proteínas do sangue espoliado (SADLOVA et
al., 2013), enquanto outras estão mais relacionadas à proteção
contra contaminação pelo conteúdo sanguíneo.
10 Boletim
BoletimPETBio
PETBioUFMA
UFMA//nº
nº41
36//Setembro
Junho de de
2016
2017
Apesar de notórios vetores de patógenos, os dípteros de genes e proteínas quimiossensoras, como as OBPs
e outros insetos hematófagos apresentam células (hemócitos) (Odorant Binding Proteins, Proteínas Ligantes de Odores),
ARTIGO
e proteínas (defensinas, em sua maioria) em sua hemolinfa proteínas hidrossolúveis imersas na hemolinfa que atuam no
que reconhecem e inativam possíveis microrganismos reconhecimento primário de compostos voláteis (moléculas de
patogênicos ao inseto que podem ser adquiridos pelo contato odores) que chegam às sensilas; CSP (Chemosensory Proteins),
com o hospedeiro (CASTILLO; BROWN; STRAND, 2011; análogas às OBP; OR (Odorant Receptors, Receptores de
LOWENBERGER et al., 1995). Outra estratégia observada em Odores), proteínas de membrana presentes nos neurônios e
mosquitos do gênero Anopheles consiste na liberação de fluidos responsáveis pela transdução do sinal ao receberem a resposta
durante a alimentação sanguínea, reduzindo a temperatura das OBP e CSP (Figura 4); IR (Ionotropic Receptors, Receptores
corporal do inseto pela evaporação desse fluido e protegendo-o Ionotrópicos), uma família recentemente descoberta de
do stress térmico gerado ingestão do sangue vertebrado com receptores olfatórios não relacionada às OR e os GR (Gustatory
temperatura elevada (LAHONDÈRE; LAZZARI, 2012). Receptors, Receptores Gustatórios). Essas proteínas e os genes
O sucesso do hábito hematófgo garantiu que que as codificam são padrões para a quimiorrecepção dos insetos
os insetos respondessem positivamente ao sangue como (EYUN et al., 2017), contudo, sua investigação nos dípteros
recurso alimentar e, na maioria dos dípteros, como recurso hematófagos pode e vem ajudando no desenvolvimento de
reprodutivo para maturação dos ovos. Para a maturação dos abordagens práticas no controle da disseminação de doenças,
ovos, as proteínas e aminoácidos são as principais demandas e, no campo teórico, com a formulação de relações evolutivas
nutricionais, promovendo o rápido desenvolvimento dos baseadas nessas moléculas (DEGENNARO et al., 2013;
ovos quando em altas concentrações, mas não se deve MANOHARAN et al., 2013; SENGUL; TU, 2010).
descartar o papel de lipídios como precursores hormonais das
formas imaturas (KOGAN, 1990). Naturalmente, a digestão Conclusão
sanguínea deve ocorrer com o auxílio de proteases, enzimas
cuja função é a degradação das proteínas em aminoácidos e A evolução da hematofagia na ordem Diptera é
que são permeáveis à membrana peritrófica5, tendo, então, um de muitos casos da expressão desse comportamento no
acesso ao conteúdo ingerido (CONSOLI; LOURENÇO-DE- reino animal, claramente garantindo o sucesso dos poucos
OLIVEIRA, 1994). Deve-se mencionar, ainda, o importante grupos que o desenvolveram, tendo-se em vista as vantagens
papel das enzimas anticoagulantes presentes na saliva para nutricionais proporcionadas pelo sangue e a diversidade de
a manutenção da viabilidade do sangue obtido, além de formas que se irradiaram dentro desses grupos, especialmente
outras proteínas alergênicas e imunomodulatórias que podem nos nematoceros (FARIAS; ALMEIDA; PESSOA, 2016;
favorecer o sucesso na transmissão de parasitas aos hospedeiros RUEDA, 2008).
vertebrados e na sua aquisição pelo inseto vetor (CONSOLI; A descrição das morfologias hematófagas é bem
LOURENÇO-DE-OLIVEIRA, 1994; DARPEL et al., 2011; detalhada para a ordem, logo perspectivas futuras para estudos
SOARES; TURCO, 2003). na área apontam para abordagens moleculares como forma
Na busca pelo hospedeiro, os mecanismos moleculares de elucidar as linhas evolutivas do comportamento dentro
são imprescindíveis. Tanto que a maioria das buscas para de Diptera, moléculas envolvidas no repasto sanguíneo e
abordagens de controle biológico tem como alvo as famílias também como forma de compreender esses mecanismos para a
aplicação em técnicas de controle biológico no que diz respeito
ao controle de doenças transmitidas por artrópodes.
Boletim
BoletimPETBio
PETBioUFMA
UFMA//nº
nº41
36//Setembro
Junho de de 2017 1111
2016
LAND, M. F. et al. Fundamental differences in the optical structure of the eyes of
nocturnal and diurnal mosquitoes. Journal of Comparative Physiology - A Sensory, Neural, and
Glossário Behavioral Physiology, v. 185, n. 1, p. 91–103, 1999.
1: condição em que um clado (grupo filogenético) engloba o LEHANE, M. J. The biology of blood-sucking in insects. Cambridge University Press,
2005.
ancestral comum, mas não todos os seus descendentes.
ARTIGO
ENSAIO
Facilitação, uma nova alternativa na ecologia
Ítalo Vinícius Cantanhêde Santos
Curso de Ciências Biológicas/UFMA - São Luís
A maioria das pessoas, mesmo aquelas que não tem ligação com área da biologia, já ouviu falar em algum momento da sua vida so-
bre algum processo ecológico, como por exemplo: competição, comensalismo¹, predação, amensalismo² entre outros, dos quais
aprendemos durante a vida escolar. Entretanto, a ecologia é uma área ampla dentro das ciências biológicas e os processos eluci-
dados por ela são vastos e complexos, propiciando o surgimento de diversas vertentes e linhas de estudo. Um desses processos ecológicos
é a chamada Facilitação, a qual teve a descoberta e as atenções dos pesquisadores recentemente, e consiste basicamente na presença de um
indivíduo em determinado local influenciar positivamente indivíduos de diferentes espécies propiciando o estabelecimento e/ou desen-
volvimento diferencial dos mesmos em uma comunidade, nesse processo pelo menos um dos indivíduos participantes é beneficiado.
Estudos relacionados aos processos de facilitação vem crescendo cada vez mais e ganhando força na área da ecologia, prin-
cipalmente devido ao fato de surgirem como uma ferramenta teórica para mudança de conceitos previamente estabelecidos na área.
Tradicionalmente, as interações ecológicas negativas, tais como predação e competição, são consideradas as mais importantes na de-
terminação da estrutura das comunidades, mas com o aumento da importância dada à facilitação pelos ecólogos, maior atenção vem
sendo dada às interações ecológicas positivas e como estas influenciam na diversidade de espécies. Um exemplo de como esses estu-
dos vêm mudando o cenário da ecologia atual é encontrado no trabalho Facilitation as a ubiquitous driver of biodiversity (Facilitação
como um direcionador ubíquo³ de biodiversidade) no qual os autores propõem uma hipótese onde a facilitação seria a principal fonte
de geração de biodiversidade nas comunidades, propiciando o surgimento de várias discussões e questionamentos sobre o assunto.
Mas na prática, como entender a facilitação? Diversos artigos têm sido publicados detalhando o processo de facilitação. A maio-
ria desses trabalhos são relacionados às plantas, seja pela facilidade de trabalhar com esses organismos em comparação com animais ou
pela maior ocorrência desse fenômeno nos sítios de pesquisa escolhidos. Um desses estudos exemplifica claramente o processo de facil-
itação, ele faz a correlação entre a presença ou ausência de uma planta de uma espécie em uma área com a quantidade de visitas florais e
plantas polinizadas de outra espécie, para isso os pesquisadores projetaram um experimento no qual duas espécies de plantas que ocor-
rem no mesmo local naturalmente foram plantadas juntas em uma área controlada em diferentes proporções de uma pra outra e também
em áreas com as espécies sozinhas. Foram feitas observações acerca de características relacionadas à polinização dessas plantas e foi
possível perceber uma maior quantidade de visitas e maior número de frutos formados nos tratamentos em que as plantas estavam pre-
sentes juntas e em proporções iguais, evidenciando que a presença de uma planta no local afetou positivamente a polinização da outra.
A facilitação é uma relação ecológica ainda muito controversa para muitos pesquisadores, mas que vem se mostran-
do uma fonte promissora tanto no aspecto teórico da ecologia ao propiciar alternativas para os novos estudos, mas também no
campo prático, podendo ter seus conceitos utilizados no desenvolvimento de estratégias de conservação de espécies ameaça-
das de extinção ou na recuperação de áreas degradadas. Entretanto, muito ainda há para se descobrir nesse campo relativa-
mente novo da ecologia, como qual é o seu real papel na geração da biodiversidade, a sua relação com os processos evolutivos e
genéticos e mesmo se a facilitação ocorre em todas as comunidades. No final das contas parece que não é tudo tão “fácil” assim.
Glossário
1. Comensalismo: Relação ecológica que ocorre entre espécies diferentes, na
qual um indivíduo de uma das espécies se beneficia enquanto o da outra espé-
cie não possui prejuízos nem ganhos.
2. Amensalismo: Relação ecológica que ocorre entre dois ou mais indivíduos
da mesma espécie ou espécies diferentes, na qual um dos indivíduos é benefi-
ciado enquanto que o outro é prejudicado.
3. Ubíquo: que pode ser encontrado em todos os lugares.
Referências
GHAZOUL, J. Floral diversity and the facilitation of pollination. Journal of ecology, v. 94, n. 2, p. 295-304, 2006.
MCINTIRE, E. J; FAJARDO, A. Facilitation as a ubiquitous driver of biodiversity. New Phytologist, v. 201, n. 2, p. 403-416, 2014.
YE, Z. M., DAI, W. K., JIN, X. F., GITURU, R. W., WANG, Q. F., YANG, C. F. Competition and facilitation among plants for pollination:
can pollinator abundance shift the plant–plant interactions? Plant ecology, v. 215, n. 1, p. 3-13, 2014.
Boletim PETBio
Boletim UFMAUFMA
PETBio / nº 41 / Setembro
/ nº 36 / Junhodede2017
2016 13
ENSAIO
O s números não mentem, segundo a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos, somente até o mês de junho
de 2017 cerca de 33 mil pessoas estavam na fila de espera para receber um órgão. O rim é o órgão que possui mais
demandas (cerca de 20.500 pacientes na espera), seguido de córnea (10.250 pacientes) e fígado (1.200 pacientes).
Apesar da grande quantidade de pessoas precisando de doações, o número de doadores não acompanha essa carência.
http://funnypicblast.com
Entre janeiro e junho de 2017 foram identificados apenas cerca de 1.600 doadores efetivos, não representando nem 5%
da demanda. Então, qual seria a solução?
Os cientistas vêm buscando novas alternativas para suprir a falta de doadores de órgãos e atender as necessi-
dades de quem precisa restabelecer suas funções corporais, permitindo o prolongamento da vida humana, bem como
a melhoria da qualidade de vida de indivíduos acometidos por doenças graves que levam à falência total ou parcial de
órgãos, ou à destruição de células e tecidos. Uma delas é o xenotransplante, que segundo Cozzi e White (1995) consiste
no transplante de células, tecidos e órgãos entre indivíduos de espécies animais diferentes. Essa técnica, apesar de abrir
um grande leque de possibilidades, está rodeada de dificuldades imunológicas e éticas.
Os porcos são doadores promissores para o xenotransplante devido à grande quantidade de semelhanças fi-
siológicas e anatômicas com os humanos, além da facilidade de criação e manutenção do animal, sendo possível obter
uma prole numerosa. Então por que os transplantes não são feitos? Ao transplantar um órgão de um porco normal
saudável para um humano, o mesmo pode sofrer a ação de reações imunológicas ainda mais severas que o transplante
de humanos para humanos, as mesmas são denominadas HAR (Hyperacute Rejection - Rejeição Hiperaguda) e AHXR
(Acute Humoral Xenograft Rejection - Rejeição Aguda de Xenogravagem Humoral) e são capazes de gerar rejeição e res-
postas graves ao organismo e ao órgão enxertado. Além da potencial destruição do órgão, existe ainda a possibilidade
de transmissão de partículas e genes virais presentes nos suínos para o humano receptor, gerando infecções que podem
iStock/Getty Images/Veja
causar danos ao mesmo. Sendo assim, diversas pesquisas têm sido realizadas com o intuito de criar porcos transgêni-
cos, ou seja, modificados geneticamente, com o intuito de dar fim aos empecilhos do xenotransplante.
As técnicas de edição gênica1 têm sido extremamente valiosas na retirada de genes virais incorporados ao ge-
noma suíno, eliminando os chamados PERV’s (Porcine endogenous retrovirus - Retrovírus Endógenos Porcinos) que
podem infectar as células do humano receptor do órgão em questão. Sendo assim, pesquisadores dos Estados Unidos
conseguiram, através da tecnologia CRISPR (Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic
Repeats - Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas) de
edição gênica, retirar as sequências gênicas pertencentes a esses vírus e dar origem a
indivíduos saudáveis e livres de PERV’s, dando um grande passo em direção as novas
alternativas de transplante de órgãos. A eliminação de genes e enzimas capazes
de desencadear as reações imunológicas HAR e AHXR também está na lista de
edições gênicas realizadas nesses animais. As mesmas têm o objetivo de dimi-
nuir a rejeição dos órgãos porcinos pelo organismo humano, havendo maiores
chances de sucesso pós-transplante.
Os porcos, apesar de serem considerados os animais com maior
quantidade de alterações genéticas da história, ainda estão um pouco longe de
serem os doadores perfeitos. O alotransplante (transplante de células, tecidos
e órgãos entre indivíduos da mesma espécie, porém, geneticamente diferentes)
ainda é o mais apropriado, no entanto, com a falta de doadores as opções se
tornam cada vez mais escassas. Apesar de se sobressair como alternativa ainda
existem muitas discussões acerca do xenotransplante e sua viabilidade. No Brasil,
ainda não há uma legislação específica que regulamenta a realização dessa forma de
transplante, no entanto, é preciso analisar os riscos e problemas de sua realização, con-
trabalanceando com seus benefícios. Seria o xenotransplante o futuro para salvar vidas?
Glossário
1. Edição gênica: Consiste na manipulação/alteração do genoma de
um ser vivo (animais, plantas ou até mesmo bactérias).
Referências:
Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. BRASIL. http://www.abto.org.br/abtov03/Upload/file/RBT/2017/rbt-leitura-sem.pdf. 2017. Disponível em: <http://www.abto.org.br/
abtov03/Upload/file/RBT/2017/rbt-leitura-sem.pdf>. Acesso em: 14 ago. 2017.
COZZI, Emanuele; WHITE, David J. G.. The generation of transgenic pigs as potential organ donors for humans. Nature Medicine, Padua, v. 1, n. 9, p.964-966, set. 1995.
GALLAGHER, James. O avanço genético que pode possibilitar transplante de órgãos de porcos em humanos. 2017. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/geral-40900795>.
Acesso em: 14 ago. 2017.
KLYMIUK, Nikolai et al. Genetic modification of pigs as organ donors for xenotransplantation. Molecular Reproduction And Development, [s.l.], p.1-13, 2009. Wiley-Blackwell.
SERVICK, Kelly. CRISPR slices virus genes out of pigs, but will it make organ transplants to humans safer? 2017. Disponível em: <http://www.sciencemag.org/news/2017/08/crispr-slices-
virus-genes-out-pigs-will-it-make-organ-transplants-humans-safer>. Acesso em: 14 ago. 2017.
ENSAIO
Eulália Cristine Guimarães Silva
Curso de Ciências Biológicas/UFMA - São Luís
Referências:
REBÊLO, M. História Natural das Euglossíneas. As abelhas das orquídeas. São Luís: Lithograf Editora, 2001. 152p.
SANTOS,A.B. Abelhas nativas: Polinizadores em declínio. Disponível em: <http://www.naturezaonline.com.br/natureza/conteudo/pdf/01_
santosab_103106.pdf> Acessado em: 10/05/2017.
KERR, W.E. et al. Biodiversidade, pesquisa e desenvolvimento na Amazônia: Aspectos pouco mencionados da biodiversidade amazônica.
Parcerias estratégicas, n 12. Setembro 2001.
.
Boletim PETBio
Boletim UFMA
PETBio / nº 41
UFMA / nº/ Setembro
36 / Junhode
de2017
2016 15
15
Zika vírus: novos vetores, novos desafios
ENSAIO
Referências:
ALIOTA, M.T. et al. Culex pipiens and Aedes triseriatus mosquito susceptibility to Zika vírus. Emerging Infectious Diseases. 2016.
BEZERRA, E. B. et al. Ciclo de vida de Aedes (Stegomyia)aegypti (Diptera, Culicidae) em águas com diferentes características. Iheringia, Sér. Zool., Porto
Alegre , v. 99, n. 3, p. 281-285, 2009.
HUANG, Y.J. et al. Culex Species Mosquitoes and Zika Virus. Vector Borne Zoonotic Deseases. 2016.
GUEDES, D.R.D et al. Zika virus replication in the mosquito Culex quinquefasciatus in Brazil. Nature, 2017.
16 Boletim
Boletim PETBio
PETBio UFMA
UFMA // nº
nº 41
36 // Setembro de 2017
Junho de 2016
I will survive (?)*
PONTO DE VISTA
BIOLÓGICO
Entre extinções em massa e alterações geológicas, bem-vindo ao Antropoceno
Greyck Willyan Marque Santos
Curso de Ciências Biológicas/UFMA - São Luís
I magine-se em um futuro distante. O ser humano encontra-se extinto (hipoteticamente falando, você pode escolher o
motivo, aposto que tem várias ideias). Supondo que esteja em uma espécie de laboratório futurístico, considerando os
seres dominantes, como uma barata geóloga e um rato gigante paleontólogo (ou o tipo de ser vivo que você imagina
que prevalecerá sobre o planeta daqui a milhões de anos). Durante suas pesquisas mais recentes, esses cientistas analisam
a camada geológica referente aos tempos atuais e que surpresa a deles ao observarem as mudanças súbitas nos sedimentos,
tanto no registro fóssil e geológico, logo concluirão que uma rápida e grande catástrofe se abateu sobre o planeta causando
uma extinção em massa. Pesquisando a fundo perceberão que aquela diferença das camadas não ocorreu devido a desastres
naturais como vulcões em erupção ou asteroides errantes, mas sim a algo bem peculiar: uma estranha espécie daninha
que causou grandes transformações em seu meio, afetando não apenas a biodiversidade, mas toda a dinâmica do planeta.
Como algo assim pode ocorrer fica mais esclarecido no trabalho jornalístico de Elizabeth Kolbert “A sexta extinção:
uma história não natural”, obra de divulgação científica ganhadora do prêmio Pulitzer¹ de 2015. A autora explica como o
ser humano é o principal condutor de uma extinção em massa (a sexta, levando em consideração
a classificação das grandes extinções que ocorreram em decorrência a eventos naturais
como a glaciação no fim do Ordoviciano, as transformações químicas dos oceanos e o
aquecimento global no final do Permiano, o impacto de um asteroide que delimitou
o Cretáceo, por exemplo), apresentando argumentos bem fundamentados de
forma objetiva e dinâmica sobre esta proposição que beira absurdamente ao
senso comum e que talvez diante disto não é muito refletida ativamente pelo
público mais leigo. Além disso, durante toda a sua escrita ela aponta ao
conceito de Antropoceno, a era geológica modificada pela ação do ser humano.
Elizabeth elabora sua escrita de modo bem mais instigante e interessante
do que muitos cientistas seriam capazes de escrever, de forma leve e até mesmo
com toques de humor, mas não peca ao utilizar termos técnicos de uma linguagem
mais científica. A distribuição dos capítulos, descreve a jornada investigativa da
autora que percorreu diversos países (por exemplo: Peru, Brasil, Islândia, Austrália,
Escócia, entre outros) não recolhendo apenas embasamento teórico científico
para estruturar seu livro, mas declarações de diversas pessoas, desde paleontólogos,
químicos, naturalistas e vários especialistas em diferentes grupos de seres vivos,
incluindo também até aqueles que não saberiam estruturar de maneira técnica as mudanças
que estão ocorrendo com o planeta, mas tão importante quanto isso, são suas experiências
pessoais ao descreverem o que seus próprios olhos observaram mudar drasticamente em tão pouco tempo.
A narrativa trabalhada como uma história de uma mochileira que levanta dados em diferentes lugares, totalmente
diversos em relação ao seus ambientes e climas, mesmo assim, apresentam espécies de seres vivos que correm o risco de
desaparecer, estabelecendo um paralelo entre todos eles, como se de certo modo as extinções estivessem interligadas,
fundando uma coerência maior de como ocorre esse processo de extinção único, abrangente e atual. Cada capítulo focaliza
em uma espécie ou grupo de organismos em vias de extinção ou relaciona as espécies com questões humanas, como a rã-
dourada-do-panamá existente somente em cativeiro, a caça aos araus-gigantes e a acidificação dos oceanos que corrompe
os recifes de corais, destacando até mesma a possível participação do ser humano na extinção do Homem de Neandertal.
Além disso, a relevância ao contexto histórico é colocada, como quando destaca as pesquisas de Georges Cuvier como
anatomista e a formação do conceito de extinção, algo anteriormente inimaginável aos olhos da sociedade científica da época.
O livro não deixa de intimidar em alguns momentos e emocionar em outros, levantando uma profunda reflexão
sobre as ações humanas, graças a escrita impactante. Durante a leitura, torna-se comum a pergunta se a nossa espécie
sobreviverá a esta nova era, considerando todo o contexto atual, alguns já esperam que não (não hipoteticamente falando).
Glossário:
1.Prêmio Pulitzer: É um prêmio norte-americano dado a pessoas que
realizam trabalhos de excelência na área do jornalismo, literatura e
composição musical.
Preço: R$ 27, 60 (Amazon)
Nota - I will survive (?)*
Tradução livre: Eu sobreviverei (?)
Música de: GAYNOR, Gloria. I Will
Survive, Love Tracks (Vinil), EUA: RCA
Referências:
KOLBERT, E. A sexta extinção: uma história não natural. 1ºed. Rio de Janeiro: Intrínseca. 2015. p.336
Boletim
Boletim PETBio
PETBio UFMA
UFMA / nº/41
nº/36 / Junho de 2016
Setembro 2017 17
Encontro Nacional dos grupos PET 2017
PET NA ESTRADA
Entre os dias 23 e 30 de Julho de 2017 ocorreu em Brasília, DF, o XXII Encontro Nacional de grupos
PET - ENAPET. O evento ocorre anualmente e reúne petianos e tutores do Brasil inteiro para discutir sobre te-
máticas relacionadas às experiências vividas por todos os integrantes do Programa de Educação Tutorial. Com
o tema Responsabilidade PETiana: Os incomodados é que mudam, os participantes foram desafiados a re-
fletir acerca da responsabilidade de participar ativamente da busca pelos direitos do programa junto ao MEC
e junto às IES (Instituições de Ensino Superior). O encontro se destaca por possuir um caráter integrativo e
de compartilhamento de experiências e aprendizados entre os grupos, além de ser um espaço deliberativo.
O evento foi sediado pela Universidade Federal de Brasília (UNB) que acolheu mais de 900 pe-
tianos vindos de diversas partes do país, sendo esses bolsistas, voluntários, tutores e egressos. Ape-
sar de todos os contratempos, o PET Biologia (PETBio) UFMA marcou presença no evento, sen-
do representado pelas petianas Ana Carolina de Araújo Butarelli, Ana Luiza de Araújo Butarelli, Thalita
Moura Silva Rocha e pela tutora Mayara Ingrid Sousa Lima. O grupo também teve a oportunidade de ter dois
trabalhos aprovados sendo possível compartilhar com os outros grupos do Brasil suas experiências e atividades.
Este ano, em especial, o evento apresentou cunho estatuinte, tornando possível uma discussão mais
aprofundada sobre a situação do programa e um levantamento de propostas e encaminhamentos a fim de se
fazer modificações no estatuto do PET pertinentes à sua situação política, sendo as mesmas aprovadas ou su-
primidas na Assembleia Geral do XXII ENAPET. A proposta do evento de chamar atenção para a importân-
cia do programa e mostrar os problemas que os grupos vêm enfrentando em meio a uma crise nacional, cul-
minou em mais uma edição do Mobiliza PET, uma manifestação organizada com o intuito de dar voz aos
petianos por meio de uma reunião entre a Comissão Executiva Nacional do Programa de Educação Tuto-
rial (CENAPET) e o Ministério da Educação (MEC). A manifestação foi realizada em frente ao Ministério da
Educação e buscou chamar atenção também para o descaso com as Universidades e os cortes na educação.
Além da oportunidade de reflexão sobre a importância do programa, participação na mobilização e integração
com outros grupos, a oportunidade de compartilhar e conhecer os trabalhos realizados por Brasil a fora foi única. O
PET Bio está preparado para um 2018 cheio de novos desafios e discussões nos próximos encontros regional e nacional.
18 Boletim
Boletim
PETBio
PETBio
UFMA
UFMA
/ nº/ 41
nº /36
Setembro
/ Junho de
de 2016
2017
LINHA DE PESQUISA
Nesta edição, o Boletim PETBio entrevistou a Professora Talita
da Silva Espósito, da Universidade Federal do Maranhão, para
conhecer as linhas de pesquisa desenvolvidas por ela.
Imagem: Acervo pessoal
Boletim PETBio
Boletim UFMA
PETBio / nº/41
UFMA nº/36
Setembro 2017
/ Junho de 2016 19
ESCREVA VOCÊ TAMBÉM
Imagem: http://somosverdes.com.br/wp-content/uploads/2015/10/liv-
Por que as plantas são necessárias para a vida do ser humano?
Camila dos Santos Pires
Hynder Lima de Souza
Maíra Rodrigues Diniz
Curso de Ciências Biológicas/UFMA - São Luís
Eduardo Bezerra de Almeida Jr.
Professor Doutor do Departamento de Biologia (DEBIO)
Ciências Biológicas/UFMA - São Luís
T
udo começou há um tempo... imperiale (Lindenex K. Koch & Fintelm.) Benth. & Hook., da família
O uso das plantas e de suas propriedades acontece desde Sapotaceae, que hoje compõe a lista de plantas sob ameaçada de
a antiguidade, seja para fins medicinais, ritualísticos e/ou extinção. Na época, essa planta era a que chamava mais atenção dos
alimentícios. O registro mais antigo é de 60 mil anos atrás, monarcas; e por gostarem tanto da árvore, enviaram espécimes para
correspondendo a restos de pólen observados em plantas cultivo em vários jardins botânicos do mundo. Cabe ressaltar que
usadas para fins medicinais e que foram encontrados num jazigo o epíteto imperiale é uma homenagem aos dois imperadores pelos
arqueológico em Shanidarb (Iraque), datando do período do Homem cuidados dedicados à essa espécie (SALATINO; BUCKERIDGE,
Neanderthal (MATA, 2009). 2016).
Os povos egípcios, gregos, chineses e hindus foram os Segundo Almeida (1993), as plantas consideradas
primeiros a inventariar as plantas que possuíam potencial medicinal, medicinais foram os primeiros recursos terapêuticos utilizados para
classificando as plantas de acordo com características relacionadas o cuidado da saúde dos seres humanos, sendo um conhecimento
a forma, cor, sabor e aroma (LIMA, 2006; MATSUCHITA; milenar que fez e ainda faz parte da evolução humana, tanto no
MATSUCHITA, 2015). Os egípcios (1.500 a.C.) manipulavam uso como medicação, quanto como alimentação. Todavia, mesmo
hortelã, açafrão, cebola e pimenta para preparar o que chamavam estando por toda parte, tem-se a impressão que o ser humano vem
de “drogas vegetais”. Os gregos produziam compressas com raízes, se distanciando da natureza e, pior ainda, se colocando como uma
couve e óleos para estancar ferimentos, usavam também aipo, salsa e entidade superior, acontecendo de forma mais enfática com relação
aspargo como diurético, além de meimendro, beladona e ópio como às plantas (SALATINO, 2000). Contudo é necessário ter em mente
narcóticos (DEVIENNE; RADDI; POZETTI, 2017). Em relação que as plantas são fundamentais para a manutenção do nosso planeta
aos povos chineses, há registros em obras de 2700 a.C., o livro de e precisam de cuidados para não se tornar raras na face da terra.
medicina do antigo Imperador Amarelo da China, relata sobre o
uso de plantas como o gengibre; outras plantas eram usadas em Já nos dias atuais...
cerimônias religiosas, por atribuir poderes divinos (diante dos efeitos
causados pelos princípios ativos das plantas) (TIERRA, 1992). O uso
de plantas que possuíam substâncias psicoativas também era utilizado Desde os primórdios da humanidade, como já foi
pelos hindus com finalidade religiosa. De acordo com a literatura, os mencionado, os vegetais vêm sendo utilizados para a alimentação,
abrigos, utensílios, roupas e até mesmo para produção de calor.
hindus utilizavam o cânhamo nos seus rituais; contudo, os registros
Durante a evolução do homem, novas formas de uso direta ou
históricos mostram que os primeiros vestígios do uso dessa planta
indireta dos vegetais foram sendo descobertas (FURLAN et. al.,
tenham surgido na China, por volta de 4.000 a.C. (ARAÚJO;
2008). No entanto, apesar da importância das plantas no nosso dia-a-
MOREIRA, 2006). De acordo com intenção de uso, alguns povos
dia, a sociedade contemporânea está deixando de perceber as plantas
relacionavam as plantas com os astros, atribuindo assim propriedades
que estão a sua volta, o que tecnicamente é chamado de “cegueira
mágicas para esses vegetais (LIMA, 2006).
botânica” (SALATINO; BUCKERIDGE, 2016). Esse termo se refere à
Durante a idade média, entre os séculos V e XII, a igreja falta de habilidade para a percepção das plantas no ambiente natural,
católica começou a utilizar as plantas em rituais religiosos (BRAGA, diminuindo a capacidade de reconhecimento da importância destas
2011). Nas ciências, por volta do século XIII, diversos povos como para a biosfera (WANDERSEE; SCHUSSLER, 2001); ou ainda, por
os chineses, indianos e árabes iniciaram estudos mais aprofundados enxergar as plantas apenas como um pano de fundo para a vida dos
com relação aos vegetais, desmembrando-os do caráter mágico e animais, causando assim uma visão equivocada por colocar as plantas
ritualístico (DEVIENNE; RADDI; POZETTI, 2017). em segundo plano, tratando-as, muitas vezes, como organismos
No período Renascentista, com a queda do poder da igreja e inferiores (KATON et. al., 2013).
a formação de um pensamento mais racional, houve grande estímulo Segundo Wandersee e Schussler (2001) os principais
nas áreas científicas, começando então o desenvolvimento de trabalhos motivos da tendência humana de não notar as plantas no ambiente
voltados para a botânica e a criação dos jardins botânicos (TEXEIRA, não são simples, pois podem ser provenientes da capacidade cognitiva
1994). Os portugueses, ao chegarem ao Brasil, e se depararem com cerebral, do grau de atenção que damos aos fatos e objetos, da cultura,
os índios, perceberam que esse grupo vivia e ainda vive utilizando dentre inúmeros outros fatores ainda não esclarecidos. Esses fatores
os recursos naturais para a sua sobrevivência. Por exemplo, usavam também contribuem com “sintomas” que variam no tempo, na cultura
urucum (Bixa orellana L.) para pintar e proteger o corpo das picadas e, inclusive, de pessoa para pessoa, não sendo estáticos homogêneos
de insetos e também para tingir seus objetos cerâmicos (MATA, ou determinantes. Portanto, pessoas que tiveram poucas experiências
2009). No século XIX as pessoas que mostravam conhecimento sobre educativas e/ou culturais significativas conscientes envolvendo
a botânica eram consideradas elegantes, demonstrando bom gosto. plantas, demonstram pouca base para o reconhecimento das mesmas.
Tanto o imperador Pedro I quanto seu filho Pedro II tinha interesse
por plantas. A planta conhecida como guapeba - Chrysophyllum Parece ser uma característica da espécie humana perceber e
reconhecer animais na natureza e ignorar a presença das plantas.
20 Boletim PETBio UFMA / nº 41 / Setembro de 2017
ESCREVA VOCÊ TAMBÉM
Não só nas escolas, como no nosso dia a dia, pouca atenção é dada promoção da educação ambiental e sensibilização no uso sustentável
às plantas. Tal comportamento tem-se denominado “negligência da diversidade vegetal (PEREIRA; COSTA, 2010).
botânica”. Nós interpretamos as plantas como elementos estáticos, Assim, diante da correria diária, e considerando a rapidez
compondo um cenário, diante do qual se movem os animais. com que as informações são divulgadas ou compartilhadas, as pessoas
Tornando assim, “portadores” da cegueira botânica (SALATINO; tendem a usar as tecnologias para a maioria de suas interações sociais,
BUCKERIDGE, 2016). esquecendo-se de interagir com o natural, com o ambiente; deixando
A cegueira botânica nos alerta para os desafios de atentarmos para as de perceber que as plantas estão ao lado ou ao nosso redor - como
plantas como seres vivos importantes para a sobrevivência de outros roupas, comidas, remédios, móveis e, claro, contribuindo com o ar
seres e para o equilíbrio ecológico. Dessa forma, a sociedade que não que respiramos.
consegue “enxergar” as plantas também não será capaz de entender
a importância da conservação destas para o planeta (GAGLIANO,
Referências
ro-ervas-medicinais-001.jpg
2013).
ALMEIDA, E.R. Plantas medicinais brasileiras: conhecimentos populares e
Por que devemos gostar das plantas... científicos. São Paulo: Hemus, 1993, 341 p.
ARAÚJO. C.G. Botânica no Ensino Médio. Trabalho de conclusão de curso,
Universidade de Brasília – UNB, Brasília, 2011. p. 1-2.
Sabe-se que os seres humanos precisam das plantas por
conta dos benefícios que as mesmas proporcionam. Como uma ARAÚJO, M.R.; MOREIRA, F.G. Histórias das drogas. In. Panorama atual
de drogas e dependências. Silveira, D.X.; Moreira, F.G. (Orgs). São Paulo:
tentativa de amenizar a chamada cegueira botânica é importante que Atheneu, 2006.
sejam sempre realizados os estudos das plantas, contribuindo assim
para o entendimento da essência da vida na terra e o total equilíbrio BITENCOURT, M. I.; MACEDO, L. E. G. Conhecimento dos estudantes do
ensino fundamental sobre plantas. Córdoba, 2012. p. 595-601.
do planeta, assumindo desta maneira um papel de destaque no ensino
de ciências (RAVEN, 2001). Nesse contexto, a escola possui um BOTSARIS, A.S. Fitoterapia Chinesa e Plantas Brasileiras. São Paulo:
Editora Ícone, 1995.
importante papel para a socialização dos saberes colaborando para
a construção de conhecimento científico dos alunos, e também dos BRAGA, C.M. Histórico da utilização de plantas medicinais. 2011.
professores, em relação às plantas (BITENCOURT; MACEDO, 2012). CAZELLI, S. Ciências, Cultura, Museus, Jovens e Escolas: Quais as relações?
Para que esta construção de conhecimento ocorra, alguns professores 2005, 260 f. Tese (Doutorado em Educação) - Pontifícia Universidade
Católica, Rio de janeiro, 2005.
utilizam estratégias e metodologias variadas para melhor trabalhar
a botânica em sala de aula, como é o caso, por exemplo, da escola DEVIENNE, K.F.; RADDI, G.; POZETTI, G.L. Das plantas medicinais aos
municipal de Benjamin Constant no Amazonas. fitofármacos. Revista Brasileira de Plantas Medicinais, v. 6, n. 3, p. 11-14,
2004. Disponível em: <http://hdl.handle.net/ 11449/67754>. Acesso em: 28
de julho de 2017.
“O conhecimento dentro da área de Botânica é de FURLAN, C.M.; SANTOS, D.Y.A.C.; CHOW, F. A botânica do cotidiano. v.
suma importância, pois não é possível imaginar 5. São Paulo: Instituto de biociências da USP, 2008.
vida no planeta sem os vegetais. Com base nessas GAGLIANO, M. Seeing Green: The Re-discovery of Plants and Nature’s
premissas, fora implantado um projeto visando o Wisdom. Societies, [s.l.], v. 3, n. 1, 15 mar. 2013, p.147-157.
ensino de Botânica, denominado O Meu Jardim na KATON, G.F.; TOWATA, N.; SAITO, L.C. A cegueira botânica e o uso de
Escola, cuja metodologia aplicada fora à associação da estratégias para o ensino de botânica. In: III Botânica no Inverno 2013. A.M.
Lopez et al. (Orgs.) Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo,
teoria estudada na sala de aula com a prática executada São Paulo. 2013. p.183.
na construção de um jardim e uma horta” (MELO et
LIMA, L. Fitoterápicos e usos de plantas medicinais. Jornal da Unesp,
al, 2016, p. 01). v.16, n.166, 2006. Disponível em: <http://www.unesp.br/aci/jornal/166/
farmacologia.htm>. Acesso em: 07/08/2017.
São várias as metodologias utilizadas pelos professores para MATA, N.D. Participação da mulher Wajãpi no uso tradicional de plantas
medicinais. Tese de Doutorado. Dissertação (Mestrado Integrado em
trabalhar as temáticas relacionadas à botânica, tornando-as mais Desenvolvimento Regional)-Universidade Federal do Amapá. 2009.
interessante. Por exemplo, a saída a campo ou uma caminhada em
torno da escola, uso de material vegetal em sala de aula, atividade em MATSUCHITA, H.L.P.; MATSUCHITA, A.S.P. A Contextualização da
Fitoterapia na Saúde Pública. Uniciências, v.19, n.1, p.86-92, 2015.
laboratório e aula expositiva com o apoio de material paradidático
(ARAÚJO, 2011). Nesse contexto, as aulas práticas de campo estão MELO, B.B. et al. A construção de um espaço verde como recurso didático
no ensino da botânica em uma escola municipal de Benjamin Constant –
sendo, cada vez mais, incorporadas ao processo de ensino aprendizagem AM. In: 67º Congresso Nacional de Botânica, 2016, Vitória, ES. Disponível
diante da eficiência no desenvolvimento do aluno por facilitar a em: http://www.botanica.org.br/anais. Acesso em: 02/08/2017.
observação e a comparação por meio de sons, texturas, paladares, NASCIMENTO, D.A.; SOARES, G.M.; ALMEIDA JR., E.B. Por que as
cheiros e cores, possibilitando a identificação daquilo que nos envolve pessoas não gostam de botânica? Boletim PETBio, n. 36. Disponível em:
https://petbioufma.wordpress.com. Acesso em: 05/08/17.
(SILVA, 2008). Isso reforça as ideias apresentadas por Nascimento et
al. (2016) que relata a necessidade de interação dos alunos com as PEREIRA, S.T.; COSTA, N.M.L.M. Jardins Botânicos Brasileiros: desafios e
potencialidades. Ciência e Cultura, v. 62, n. 1, p. 23-25, 2010.
plantas nas aulas de botânica, tornando-as mais dinâmicas para que os
alunos despertem o interesse em querer conhecer e gostar das plantas. RAVEN, H.P.; EVERT, F.R.; EICHHORN, E.S. Biologia Vegetal. 6ª edição.
Rio de Janeiro, Editora Guanabara Koogan, 2001, p.728.
Desta forma os espaços não formais contribuem como
um novo campo da educação por serem instrumentos capazes de SALATINO, A. Nós e as plantas: ontem e hoje. Revista Brasileira de Botânica,
v. 24, n. 4, p. 482, 2001.
contribuir com a educação científica da população, como é o caso
dos museus e centros de ciências, planetários, museus de história SALATINO, A.; BUCKERIDGE, M. Mas de que te serve de saber botânica?
Estudos Avançados, n. 30, v. 87, p. 177-196, 2016.
natural, zoológicos, jardins botânicos, parques nacionais, herbários
e demais espaços culturais disponíveis no contexto social (CAZELLI, SILVA, P.G.P. O Ensino da botânica no nível fundamental: um enfoque nos
2005). Dentre estes espaços há destaque para os jardins botânicos que procedimentos metodológicos. Tese em Educação para ciência. Faculdade de
Ciência, Universidade Estadual Paulista, Bauru, 2008. 148 f.
remontam do século XVI na Europa, e foi criado com o intuito de
estudar e cultivar plantas medicinais, o que deu início as primeiras TEXEIRA, P.C. Do herbalismo tribal aos remédios florais do Dr. Bach. São
José do Rio Preto: São José, 1994.
plantas desidratadas para fins científicos. No Brasil a iniciativa partiu
do príncipe Maurício de Nassau no século XVII na cidade de Recife TIERRA, L. The Herbs of Life: health and healing using western and chinese
techniques. Delhi: Indians Books Center, 1992.
(PE) espalhando-se ao longo do tempo por outros pontos do Brasil.
Atualmente os jardins botânicos estão espalhados por 17 Estados do WANDERSEE, J.H.; SCHUSSLER, E.E. Towards a theory of plant blindness.
Imagem: pixabay.com
Attelabus nitens é uma espécie de insetos coleópteros polífagos pertencente à família Attelabidae
22 Boletim PETBio UFMA / nº 36 / Junho de 2016 Boletim PETBio UFMA / nº 41 / Setembro de 2017 22