Fonetica-Morfossintaxe e Semantica

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3° Período

Estudos Linguísticos I

Adriana de Carvalho Kuerten Dellagnelo


Ina Emmel
Raquel Carolina Souza Ferraz D´Ely

Florianópolis, 2012.
Governo Federal
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material poderá ser comercializada, reproduzida, transmitida e gravada sem a prévia autoriza-
ção, por escrito, da Universidade Federal de Santa Catarina.

Ficha catalográfica
D357t Dellagnelo, Adriana de Carvalho Kuerten
3° período estudos linguísticos I / Adriana de Carvalho Kuerten
Dellagnelo, Ina Emmel, Raquel Carolina Souza Ferraz D’Ely. –
Florianópolis : UFSC/LLE/CCE, 2012.
94p.

Inclui bibliografia
UFSC. Curso de Licenciatura em Letras-Espanhol na Modalidade
a Distância
ISBN 978-85-61483-61-6

1. Linguística – Estudo e ensino. 2. Análise linguística. 3. Fonética.


4. Morfologia. 5. Sintaxe. 6. Ensino a distância. I. Emmel, Ina.
II. D’Ely, Raquel Carolina Souza Ferraz. III. Título.
CDU: 801

Catalogação na fonte elaborada pela DECTI da Biblioteca Central da UFSC


Sumário

UNIDADE A – FONÉTICA E FONOLOGIA..... 11

Capítulo 1 - Duas ciências e um só nível de análise


linguística...........................................................................13
1.1 Introdução..............................................................................................13
1.2 Fonética e Fonologia: Uma visão panorâmica...........................14
1.3 Particularizando os estudos da fonética articulatória............18
Resumo......................................................................................................... 27

UNIDADE B – MORFOLOGIA......................... 29

Capítulo 2 - Das noções básicas à análise morfêmica.....31


2.1 Introdução..............................................................................................31
2.2 Primeiras palavras................................................................................32
2.3 Morfemas lexicais e morfemas gramaticais...............................35
2.4 Composição e Derivação..................................................................37
2.5 Uma Análise Morfêmica....................................................................43
Resumo.........................................................................................................44

UNIDADE C – SINTAXE................................... 47

Capítulo 3 - Do gerativismo ao funcionalismo – uma


visão panorâmica...............................................................49
3.1 Introdução..............................................................................................49
3.2 A Sintaxe Gerativa................................................................................50
3.3 A Gramática Sistêmico-Funcional Hallidayana – um
brevíssimo olhar..........................................................................................58
Resumo.........................................................................................................64
UNIDADE D – SEMÂNTICA............................ 65

Capítulo 4 - Possibilidades de significação......................67


4.1 Introdução..............................................................................................67
4.2 Um primeiro olhar................................................................................68
4.3 A Semântica Formal............................................................................70
4.4 Significado: sentido & referência....................................................75
4.5 A Semântica da Enunciação e a Semântica Cognitiva:
algumas palavras........................................................................................83
Resumo.........................................................................................................85

Considerações finais.........................................................87

Referências..............................................................................89
Apresentação
Este livro-texto introduz e discute em mais detalhe os níveis de análise lin-
guística (DELLAGNELO; CERUTTI-RIZZATTI, 2008) que Weedwood (2002)
chama de microlinguística, rol no qual Weedwood inclui também a Lexi-
cologia, mas este nível não será tratado nesta disciplina, e que engloba a
Fonética e a Fonologia, a Morfologia, a Sintaxe e a Semântica. Repetimos,
aqui, portanto, o diagrama que Weedwood apresenta e que permite uma
boa visualização desses níveis em relação ao que a autora denomina de
macrolinguística.
tica

á tica
sociolinguís

pr agm

psicoling
lin

uística
gu

fonética
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ica

fonologia
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sintaxe
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morfologia
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lexicologia
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semântica
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neurolinguística
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so
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Figura 1: Núcleo: microlinguística; raios: macrolinguística. Fonte:


Weedwood, B. História concisa da linguística, 2002, p. 11

Ao propormos enfocar os diferentes níveis de análise linguística, é nosso


propósito abordar o que tradicionalmente é chamado de “núcleo duro” da
linguística, ou seja, a “língua em si”. Desde já adiantamos que, para fazer
isso no restrito espaço de que dispomos e no âmbito de uma disciplina
somente, teremos de fazer certos recortes e opções teóricas, já que é pos-
sível estudar cada um desses níveis à luz de diferentes escolas de pensa-
mento, (quase) todas elas com inegável validade. O intuito é dar uma visão
panorâmica das áreas e não impor uma linha, na tentativa de motivar você,
prezada(o) aluna(o), a querer enxergar as maravilhas subjacentes ao conhe-
cimento do fenômeno da linguagem, e das línguas em particular - que nes-
ta concepção geral, são apenas realizações particulares da linguagem, que
é a que permite à nossa espécie dar forma a pensamentos e comunicá-los
(MARTIN, 2003, p.75), começando pelo estudo das peculiaridades linguís-
ticas de sua língua materna, o português brasileiro, que daqui em diante
chamaremos de PB. E, a partir da abordagem que propomos para cada um
dos níveis de que trataremos, gostaríamos de ver você procurar outras fon-
tes de referência para aprofundar seu estudo. No seu pólo, você terá acesso
a uma bibliografia adicional, também elencada ao final deste livro; indicare-
mos, ainda, sites interessantes ao longo da nossa discussão que podem ser
consultados por você.

Neste empreendimento, vamos nos valer de uma linguagem simples e in-


formal (mesmo sendo “formal” em termos de metalinguagem, conforme
você vai poder verificar mais adiante), até onde isso for possível. Para que
você nos acompanhe neste percurso, propomos que você tome o lugar de
um cientista, neste caso, de um cientista da linguagem. Isso quer dizer que
será necessário que você se distancie do que lhe é mais inerente, para que
a linguagem possa, assim, constituir-se num objeto científico. Só com esse
distanciamento você poderá tentar entender esse objeto em toda a sua
complexidade. Nem sempre vai ser fácil diferenciar a linguagem da meta-
linguagem que usamos para descrevê-la. Mas vamos tentar, não é mesmo?

De modo bem geral, podemos ordenar os níveis em termos de componen-


tes de uma gramática da seguinte forma:

Fonologia
Expressão
Morfologia
Linguística
Sintaxe Sistema
Linguístico
Conteúdo
Semântica
Linguístico

Segundo Ramers (2007, p. 13), na Fonologia, na Morfologia e na Sintaxe


são analisadas as relações formais entre as expressões linguísticas, ao pas-
so que a Semântica seria responsável por tematizar o lado do significado
dessas unidades. O autor complementa, no entanto, que, tanto na Mor-
fologia como na Sintaxe, são combinadas expressões de conteúdo (com
significado, portanto) e que uma divisão estanque entre as áreas seria
sempre complicada.

Na unidade dedicada à Fonética e Fonologia, temos como objeto de estudo


os sons da fala; trata-se, portanto, de duas áreas intimamente relacionadas
na medida em que se dedicam ao mesmo objeto. A perspectiva sob a qual
esse objeto é abordado, no entanto, é distinta: na Fonética, descrevem-se
os sons da fala (por exemplo, como o som [t] é articulado, que órgãos ana-
tômicos estão envolvidos e como, na sua produção, ele se diferencia de um
[d], por exemplo, etc.); e na Fonologia, procura-se interpretar os resultados
obtidos por meio da descrição dos sons da fala, em função dos sistemas de
sons das línguas; aqui, portanto, explicam-se e interpretam-se os sons.
(MASSINI-CAGLIARI; CAGLIARI, 2001; MORI, 2001).

Em seguida, trataremos da Morfologia, levantando noções básicas rela-


cionadas aos domínios dessa área. Escolhemos, primordialmente, o quadro
teórico do estruturalismo para fazê-lo. Abordaremos a complexa questão
da definição do que vem a ser uma palavra, para tentar nos aproximar do
que seria a unidade básica do estudo da Morfologia. Vamos tratar, de forma
bastante sintética, da tipologia de morfemas, da classificação dos mesmos,
e de peculiaridades flexionais e derivacionais do PB.

Na unidade intitulada Sintaxe, entendida aqui como a descrição da estru-


tura das sentenças e da própria noção de estrutura (modelo), ou seja, como
parte da gramática de uma língua, vamos tratar das estruturas sintagmáti-
cas, dos constituintes internos das sentenças. Para tanto, vamos aceitar que
cada um de nós possua esse conhecimento intuitivo do que seja uma sen-
tença em sua língua, sabendo diferenciá-la de uma não-sentença, tanto em
termos de gramaticalidade, como de completude. O objetivo da unidade
é refletir também sobre o que faz uma determinada cadeia de palavras ser
gramatical ou não-gramatical e, assim, conseguir explicar as regularidades
sintáticas de uma língua. Vamos explorar a noção de constituinte, que por
sua vez é dependente da estrutura subjacente à sentença. Comentaremos
brevemente o percurso da gramática gerativa e da gramática funcional,
seus pressupostos e a influência dela nos estudos linguísticos atuais.
Na última unidade, trataremos da Semântica,que tem um lugar bastante
recente dentro dos cursos de Letras, apesar de sua relevância. As razões para
essa “omissão” vão ser comentadas ao longo da unidade, ainda que breve-
mente e de forma introdutória. Pressupomos que a reflexão sobre o signi-
ficado de palavras e sentenças sirva para reconhecer na linguagem as pos-
sibilidades de significar. Muito mais do que tentar delimitar uma área cujos
limites são afinal bastante movediços, tentaremos provocar em você uma
tomada de consciência sobre a importância que as questões de significação
têm, levando-a(o) a descobrir aspectos da linguagem sobre os quais você
talvez nunca tenha pensado e que são extremamente interessantes. Além
de dar uma visão panorâmica de tudo o que recai nessa área de estudos, va-
mos tratar mais pontualmente da pressuposição, da noção de acarretamen-
to, discutir a negação, as descrições definidas e comentar a quantificação.

Esperamos que você nos acompanhe com muita dedicação nesse percur-
so, que promete ser desafiador e, assim torcemos, encantador ao mesmo
tempo. Bons estudos!

Professoras Adriana, Ina e Raquel


Unidade A
Fonética e fonologia

Adaptação livre.
Estudos Linguísticos I

12
Duas ciências e um só nível de análise linguística
Capítulo 01

1 Duas ciências e um só nível


de análise linguística

Ao final deste capítulo, você deverá ser capaz de identificar fonética e fo-
nologia como um dos níveis dos estudos linguísticos, distinguindo ambas
as ciências entre si e reconhecendo seus principais fundamentos. Assim,
empreendemos, inicialmente, uma discussão acerca do escopo da fonética
e da fonologia, passando, então, a dar ênfase à fonética articulatória, haja
vista a sua importância para a compreensão da forma como se dá a articu-
lação dos sons em uma língua. É nosso entendimento que tal compreensão
facultará a você maior familiaridade e facilidade no trato com questões de
pronúncia da língua estrangeira a qual você busca dominar – o espanhol.

1.1 Introdução

Começamos a nossa discussão lembrando que as línguas se apre-


sentam por sons resultantes de movimentos vocais que se inserem em
um conjunto de fatos linguísticos (FERREIRA NETO, 2001, p. 11). Es-
taremos, pois, sempre nos referindo à linguagem como uma ativida-
de primordialmente oral, aquela que se distingue dos demais sistemas
No caso da ausência des-
simbólicos (gestos, códigos, sinais etc) por ser segmentável em unida- ses segmentos, podemos
des menores, unidades essas, segundo Callou e Leite (1995, p. 13), “em pensar no que consiste a
diferença entre cabra e
número finito para cada língua e que têm a possibilidade de se recombi- abra (do verbo abrir), só
narem para expressar idéias diferentes”. Analisaremos o contínuo sono- para exemplificar a “au-
sência” de um segmento
ro em seus segmentos linearmente dispostos e verificaremos as funções
que resulta na mudança
distintivas que a presença desses segmentos causa, resultando ou não em de significado.
mudança no significado de uma palavra.

Ampliando o objetivo geral deste capítulo, pretendemos, também,


chamar a sua atenção sobre a importância da fonologia para a aprendiza-
gem de uma língua estrangeira, que proporciona a você um instrumental
básico para poder comparar, a partir dos estudos sobre a fonética e a

13
Estudos Linguísticos I

fonologia do Português Brasiliero (PB), os erros que um falante nativo


dessa língua comente ao aprender o espanhol como língua estrangeira
(doravante LE). Assumimos, para tanto, que as características fonológi-
cas da língua materna presumivelmente exerçam influência sobre todo o
processo de ensino e aprendizagem de uma língua estrangeira. O estudo
deste capítulo deve fornecer algumas ferramentas para entender, tam-
bém, as razões para um aprendiz de LE tentar produzir os sons da língua-
-alvo baseado no repertório de sons e de outras peculiaridades fonoló-
gicas de sua língua materna ou no de outras línguas estrangeiras que,
porventura, já tenha aprendido antes do espanhol, uma vez que é natural
partirmos sempre do conhecido para o desconhecido, não é mesmo?

Em linhas gerais, assumimos que ser capaz de analisar e sistematizar


o sistema fonológico de sua língua materna vai ajudar você na produção
consciente do sistema fonológico do espanhol, uma vez que você irá se
confrontar com as semelhanças e as diferenças desse sistema em relação
ao seu. A partir dos estudos sobre o PB, você será capaz de avaliar, nas au-
las de LE, as diferenças para o sistema fonêmico do espanhol, não só em
termos de número desses fonemas (distinção quantitativa), mas também
em relação às características internas desses sons (distinção qualitativa).

1.2 Fonética e Fonologia: Uma visão


panorâmica

Fonética e fonologia compõem um dos níveis de análise linguística,


mas não são sinônimos entre si; há distinções entre ambas as ciências.
“Enquanto a fonética estuda os sons como entidades físico-articulató-
rias isoladas, a fonologia irá estudar os sons do ponto de vista funcional
como elementos que integram um sistema lingüístico”(CALLOU e LEI-
TE, 1995, p.11) Vamos entender isso melhor?

Talvez pudéssemos pensar que a fonética se ocupa dos segmentos


sonoros quando são realizados, ou seja, emitidos pelo usuário da língua.
Sua preocupação é analisar particularidades articulatórias, acústicas e
perceptivas desses segmentos sonoros. “A fonética é a ciência que apre-

14
Duas ciências e um só nível de análise linguística
Capítulo 01

senta os métodos para descrição, classificação e transcrição dos sons da


fala [...]” (CRISTÓFARO SILVA, 2001, p. 23). A fonética focaliza gran-
des áreas de estudo como discriminamos a seguir.

a. Fonética articulatória: ocupa-se de analisar a produção da fala


do ponto de vista fisiológico e articulatório – quando, por exem-
plo, dizemos a palavra casa, a fonética articulatória procura
descrever quais são os articuladores de nosso trato vocal (boca,
dentes, lábios, língua etc.) que estão envolvidos na realização de
cada um desses sons e como se comportam tais articuladores
por ocasião da produção desses mesmos sons.

b. Fonética auditiva: estuda como a fala é percebida pelo interlo-


cutor – quando dizemos a palavra casa, por exemplo, a fonética
auditiva preocupa-se em descrever de que modo o sistema au-
ditivo do interlocutor recebe esse segmento sonoro e como ele é
processado por esse mesmo sistema.

c. Fonética acústica: estuda as propriedades físicas dos segmentos


sonoros que falamos, descrevendo sua transmissão entre nós,
falantes, e nossos ouvintes – quando falamos a palavra casa, por
exemplo, a fonética acústica ocupa-se em analisar como a cor-
rente do ar transmite essa palavra falada para o ouvinte, quais
são as particularidades acústicas dessa transmissão, o que en-
volve focalização das propriedades das ondas sonoras, entre ou-
tras questões afins. É nessa área que também se pesquisa a fala
sintética (computadores reproduzindo a fala humana) e o reco-
nhecimento automático da fala (muito usado pela polícia nas
gravações telefônicas “grampeadas”, na subárea forense);

d. Fonética instrumental: estuda propriedades físicas da fala com


o apoio de instrumentos de laboratório para tal – com os avan-
ços tecnológicos, são inúmeros os recursos instrumentais para
estudos da fala.

15
Estudos Linguísticos I

Durante o nosso estudo, interessa-nos a fonética articulatória, so-


bretudo, porque estaremos lidando com segmentos sonoros que
não fazem parte de nossa língua, os fonemas da língua espanho-
la, o que exigirá de nós atenção para a forma como tais sons de-
vem ser articulados por nosso trato vocal, um estudo que focaliza
questões de pronúncia de língua estrangeira. As demais áreas de
estudos fonéticos não nos interessam prioritariamente aqui.

Sim, mas se a fonética articulatória estuda como os segmentos so-


noros se realizam, ou seja, como pronunciamos os segmentos sonoros
da fala e como é possível transcrevê-los, o que faz a fonologia? Callou e
Leite (1995, p. 11) escrevem:

À fonologia cabe estudar as diferenças fônicas intencionais, distintivas,


isto é, que se vinculam a diferenças de significação, estabelecer como se
relacionam entre si os elementos de diferenciação e quais as condições
em que se combinam uns com os outros para formar [...] palavras e frases.

Talvez pudéssemos inferir que, enquanto a fonética se ocupa dos


segmentos sonoros em seu processo de emissão na fala, a fonologia
ocupa-se do inventário de segmentos sonoros que adquirimos e que,
“estocados em nosso cérebro”, permitem que os emitamos por oca-
sião da fala. Grosso modo, talvez pudéssemos “dizer” que a fonologia
ocupa-se dos segmentos sonoros como inventário de que dispomos
em nosso cérebro, enquanto a fonética ocupa-se deles em seu pro-
cesso de realização na fala. Assim, é fácil constatarmos que detalhes
que diferenciam a fala de usuários de uma mesma língua interessam
à fonética e não à fonologia, que, por sua vez, ocupa-se de inventariar
os segmentos sonoros de cada língua. Reportando-nos aos estudos de
Saussure (c.f. DELLAGNELO; CERUTTI-RIZZATTI, 2008), talvez
pudéssemos pensar que a fonologia ocupa-se da língua (os segmentos
sonoros que fazem parte dos sistemas linguísticos) enquanto a fonéti-
ca ocupa-se da fala (a realização individual da língua).

16
Duas ciências e um só nível de análise linguística
Capítulo 01

Busquemos uma situação que nos ajude a entender melhor essa di-
ferença. Dois falantes de língua portuguesa, um gaúcho e um carioca,
por exemplo, conhecem o segmento sonoro s que aparece na palavra
Abrimos mão da notação
dois – esse segmento s faz parte do inventário de segmentos sonoros que formal dos fonemas em
ambos os falantes adquiriram ao aprender o português. É um segmento nome do caráter introdu-
tório do estudo e da não-
que se distingue do segmento sonoro x, por exemplo, na palavra deixar, -familiaridade dos leitores
certo? Assim, na língua portuguesa existem dois segmentos sonoros dis- com os símbolos fonéticos.
tintos – o s de dois e o x de deixar, entre outros tantos segmentos exis-
tentes. Descrever todos os segmentos sonoros que fazem parte de uma
língua e que são distintos entre si é tarefa da fonologia.

Imaginemos, agora, esses dois falantes, articulando a palavra dois: Essas diferenças de arti-
possivelmente o falante carioca, ao invés do s ao final de dois, pronuncie culação de um mesmo
um x, dizendo algo como doix, enquanto o gaúcho possivelmente não o segmento sonoro – nesse
caso, o s – interessam à
faça e articule um s nessa posição, dizendo dois. fonética e não à fonologia,
porque, neste caso especí-
fico, s e x são variantes de
Para a fonologia, o que interessa nesse caso é que existe um único
um mesmo fonema: o s, e
segmento sonoro nessa posição (um arquifonema – fonema que pode não dois fonemas distintos.
ser articulado de modo distinto por diferentes falantes; neste caso, o s
em posição de final de sílaba), o segmento é o s. O fato de ele ser realiza-
do de modo distinto na fala de usuários da língua de diferentes regiões
interessa à fonética e não à fonologia, porque é a fonética que se preo-
cupa em descrever como os segmentos sonoros são articulados na fala.

À fonologia interessa mapear quais fonemas existem em uma lín-


gua, independentemente do fato de esses fonemas poderem ser ar-
ticulados de modo distinto por diferentes falantes ou mesmo por
um único falante em situações diferentes de uso da língua – um
gaúcho que passe a morar no Rio de Janeiro e que (por razões de
identificação com o novo grupo de falantes) venha a aproximar sua
fala do modo de falar dos cariocas, por exemplo, passando a dizer
doix e abandonando a forma dois.

17
Estudos Linguísticos I

Assim, importa que saibamos que a unidade de estudo da fonética


são os segmentos da fala, ou os fones, enquanto a unidade de estudo da
fonologia são os segmentos da língua “estocados no cérebro dos falan-
tes”, ou seja, os fonemas.

Neste ponto, já podemos adiantar uma questão notacional: as uni-


dades básicas da Fonética, os fones, são transcritos entre colchetes
([p],[m],[t] etc.); já os primitivos da Fonologia, os fonemas, são
representados entre barras inclinadas (/p/, /t/, /m/ etc.)

1.3 Particularizando os estudos da


fonética articulatória

Uma introdução aos estudos da fonética articulatória exige que co-


nheçamos minimamente o aparelho fonador, o conjunto de órgãos que
Vamos nos deter nas ques-
utilizamos na produção da fala e que envolve a região da boca, língua,
tões de fonética articulató-
ria, sobretudo, para classifi- dentes, nariz, esôfago, laringe, pulmões etc. Antes de observarmos o de-
car os segmentos da língua senho do aparelho fonador, importa que tenhamos consciência de que
portuguesa. Não detalha-
remos questões específicas os órgãos que o compõem não têm como finalidade primeira a produ-
da fonologia, limitando- ção da fala, mas sim a respiração e a alimentação.
-nos a usar representações
de fonemas na classifica-
ção das vogais. Essa opção Podemos dividir o aparelho fonador em três conjuntos de órgãos
justifica-se porque se trata de acordo com a função que desempenham: o sistema respiratório (pul-
de um estudo introdutório
e seria bastante complexo
mões, músculos pulmonares, brônquios e traquéia); o sistema fonatório
dar destaque às teorias fo- (laringe e glote) e o sistema articulatório (faringe, língua, nariz, palato,
nológicas relevantes. dentes e lábios). Transcrevamos o detalhamento do aparelho fonador a
partir da descrição de Cristófaro Silva (1999, p. 30):

18
Duas ciências e um só nível de análise linguística
Capítulo 01

5 6 7 8 9 10

1. Cavidade oral
2. Cavidade nasal
3. Cavidade nasofaringal
2 3 4. Cavidade faringal
5. Lábio superior
6. Dentes superiores
1 7. Alvéolos

8. Palato duro
13 17 9. Véu palatino (ou palato mole)
10. Úvula
11. Lábio superior
12. Dentes inferiores
4
13. Ápice da língua
18 14. Lâmina da língua

15. Parte anterior da língua


16. Parte média da língua
19 17. Parte posterior da língua
18. Epiglote
20
19. Laringe
11 12 14 15 16 21 20. Esôfago
21. Glote

Figura 2: O aparelho fonador e os articuladores passivos e ativos, as cavidades


oral, nasal, faringal e a glote (cordas vocais). Fonte: SILVA, T. C. Fonética e Fonolo-
gia do Português, 1999, p.30 (adaptada)

O que vemos na imagem anterior é o desenho do aparelho fonador


com os órgãos que o compõem. A produção da fala dá-se via esse apa-
relho. Os fones articulados na fala são questões de interesse da fonéti-
ca, o que exige que observemos quais órgãos do aparelho fonador estão
envolvidos na produção desses fones e como tais órgãos se comportam
por ocasião da produção de cada qual deles. Assim, importa que es-
tudemos o PONTO DE ARTICULAÇÃO (quais os articuladores estão
envolvidos) e o MODO DE ARTICULAÇÃO (como esses articuladores
se comportam em relação à corrente de ar que vem dos pulmões, por
ocasião da produção dos fones).

Antes de dar sequência a esse estudo, porém, é preciso que distin-


gamos vogais de consoantes. Você já parou para pensar por que há
essa separação? A diferença fundamental entre vogais e consoantes
é o fato de que as consoantes são fones produzidos com algum tipo

19
Estudos Linguísticos I

de obstrução da passagem da corrente de ar que vem dos pulmões,


enquanto as vogais são fones em cuja produção não há nenhum
tipo de obstrução dessa mesma corrente de ar.

Há, ainda, alguns segmentos que se encontram em uma fronteira en-


tre vogais e consoantes, são as semivogais ou glides (lemos: glaides). Come-
Mais adiante, você estudará
vogais e consoantes da lín- çaremos nosso estudo pelas consoantes, observando o ponto de articulação
gua espanhola. e o modo de articulação desses segmentos. Vejamos isso resumidamente
no quadro a seguir que registra a articulação das principais consoantes da
língua portuguesa, extraída de Massini-Cagliari e Cagliari (2001, p. 126).

Exemplos de modos e lugares de articulação para as consoantes do Português


Oclusivas:
a) bilabiais: [p, b] pato, bato
b) alveolares: [t, d] tato, dado
c) velares: [k, g] cato, gato
Fricativas:
a) labiodentais: [f, v] faca, vaca
b) alveolares: [s, z] caça, casa
c) palatoalveolares: [, ] chá, já
d) velares: [, ] rato, barriga
e) uvulares: [,ʁ] roda, curral
f ) glotais: [h, ɦ] rato, barriga
Africadas:
a) palatoalveolares: [t, d] tia, dia, pote, pode
Nasais:
a) bilabial: [m] somo
b) dental: [n] sono
c) palatal: [ɲ] sonho
d) velar: [] banco
Laterais:
a) dental: [l] mala
b) palatal: [λ] malha

20
Duas ciências e um só nível de análise linguística
Capítulo 01

Vibrantes:
a) alveolar sonora: [r] mar
b) alveolar surda: [r] mar
c) uvular: [R] mar
Tepes:
a) alveodental: [] prato, crise, força, caro

Retroflexas:
a) anterior (alveolar): [ɹ] porta, mar
b) posterior (palatoalveolar): [ɻ] porta, mar

Tabela 1. Exemplos de consoantes do Português, classificadas quanto ao modo


a ao lugar de articulação. Fonte: MASSINI-CAGLIARI, G; CAGLIARI, L. C. Fonética,
2001, p. 126

Vimos, no quadro anterior, o ponto de articulação dos fones con-


sonantais, ou seja, quais os articuladores de nosso trato vocal estão en- Dado tratar-se de seu pri-
volvidos na produção desses fones (se a língua, os dentes, os lábios etc.), meiro contato com os estu-
dos da fonética articulató-
assim como o modo de articulação das consoantes, ou seja, de que for-
ria, optamos por priorizar os
ma a corrente de ar passa pelo aparelho fonador, como se dá a obstrução fones da língua portuguesa.
da corrente de ar por ocasião dessa passagem. Ao longo de nosso Curso e
a partir desse conhecimen-
to introdutório, você entra-
Nos exemplos anteriormente citados, você pôde observar que usa- rá em contato com aqueles
mos símbolos diferentes de letras. Esses símbolos são parte do Alfabeto fones da língua espanhola
que são distintos de fones
Fonético Internacional – o IPA – que foi construído com o objetivo de da língua portuguesa.
universalizar a representação dos fones nas transcrições fonéticas. Afinal,
você já deve ter percebido que a ortografia não nos dá uma orientação
clara da pronúncia da língua e de seus dialetos. Um exemplo apenas: giz e
gota, embora na ortografia sejam representados por um mesmo símbolo
inicial, na tabela fonética seriam, respectivamente, os fones [ӡ] e [ɡ], que
indicam essa diferença que é feita na fala. Esse fone [ӡ] de giz, por sua
vez, é o mesmo que usaremos para transcrever o j ortográfico em viajar.

Esse alfabeto tem, ainda, outros tantos símbolos, muitos deles especí-
ficos de fones de outras línguas, os quais não existem em português. Você,
durante o curso, tomará contato com segmentos sonoros específicos da
língua espanhola. Sugerimos que você pesquise na bibliografia disponível
em seu pólo – Cristófaro Silva (2001), por exemplo – ou na internet o

21
Estudos Linguísticos I

Alfabeto Fonético Internacional – IPA, de modo a tomar contato com os


símbolos fonéticos que devemos conhecer para atuar na área de Letras.

Com base na descrição mais detalhada e na exemplificação corres-


pondente acima, passamos agora à tabela-resumo dos fones do PB, que
está baseada no padrão sugerido pela IPA.

Articulação Lábio- Dental ou


Bilabial Alveopalatal Palatal Velar Glotal
Maneira Lugar -dental Alveolar
Oclusiva desv p t k
b d g
voz
Africada desv tʃ

voz
Fricativa desv f s ʃ X h
v z ʒ  
voz
Nasal voz m n  ( ӯ)
Tepe voz 
Vibrante voz ř
Retroflexa voz 
Lateral voz l ()  ()

Tabela 2. Tabela fonética consonantal. Fonte: SILVA, T. C. Fonética e Fonologia do


Português (1999, p.37)

Observe que os pontos de articulação aparecem nas colunas, en-


quanto que o modo de articulação é especificado nas linhas do quadro.
Se você voltar ao desenho da configuração do aparelho fonador e com-
pará-lo com os dados do quadro poderá verificar que existe um parea-
mento com a conformação física – observe que vamos da parte frontal da
boca (consoantes bilabiais) até o final da garganta (consoantes glotais).

Atente também para outro agrupamento interessante:

p/b, t/d, k/g, f/v, s/z, ʃ/ʒ etc.

22
Duas ciências e um só nível de análise linguística
Capítulo 01

Onde você acha que estaria a diferença entre os membros de cada


par, já que em termos de ponto e modo de articulação eles compartilham
exatamente das mesmas características? Esses pares são convencionados
como sendo “pares mínimos” exatamente porque a diferença está unica-
mente relacionada a uma articulação que acontece na cavidade laríngea,
ou seja, uma distinção na “sonoridade” indicada pelo estado da glote. As-
sim, enquanto os primeiros membros de cada par se caracterizam como
fones surdos (desvozeados), a contrapartida são fones sonoros (vozea-
dos) e tem a ver com a vibração, ou não, das cordas (“pregas”) vocais.
Quando em início de palavra (ou sílaba), como nos exemplos dados aci-
ma, fica bastante fácil perceber essa diferença na sonoridade. Nós, como
falantes do português, não temos dificuldade de reconhecer isso: afinal
pata é diferente de bata, pois [p] é diferente de [b]. Não se trata, então,
apenas de diferenças enquanto fones, mas também enquanto fonemas
(/p/ e /b/), pois revelam diferença de significado, não é mesmo? No es-
panhol, você vai verificar nas suas aulas de língua, também temos esses
pares mínimos e mais alguns que não acontecem no português.

Dando sequência a nosso estudo, passemos a refletir sobre as vo-


gais, começando com as vogais da língua portuguesa. A princípio, pre-
cisamos ter clareza de que as vogais são produzidas sem obstrução ou
fricção, no trato vocal (boca, língua, dentes etc.), da passagem do ar que No futuro, você poderá
vem dos pulmões. Você deve estar pensando: “Bom, se não há nenhum aprofundar seus conheci-
tipo de obstáculo à passagem do ar, como tais fones distinguem-se uns mentos, buscando novas
leituras, como Cristófaro
dos outros?” As vogais distinguem-se umas das outras porque, em sua Silva (2001), ou, em um
produção, há mudanças na posição da língua e no arredondamento dos nível de aprofundamento
maior, Bisol (2001) – veja
lábios. Produzir um a requer a língua em uma posição de repouso, e pro-
os detalhes dessas referên-
duzir um o exige o arredondamento dos lábios, para citar dois exemplos cias ao final deste livro.
apenas. Não vamos entrar em detalhes quanto à posição da língua e dos
lábios, porque se trata de uma disciplina introdutória, mas você poderá
pesquisar quadros e esquemas representativos disso quando estiver mais
seguro neste campo de estudo.

Outra questão a considerar, de início, é que, ainda que tenha ha-


vido importantes avanços no estudo das vogais, vamos manter, aqui, a

23
Estudos Linguísticos I

descrição clássica desses segmentos para que você possa familiarizar-se


com a discussão.

E como é essa descrição clássica das vogais? Trata-se de um olhar teóri-


co que vem de um importante estudioso brasileiro chamado Mattoso Câma-
ra Júnior (1970). Em português, podemos referir a existência de doze vogais,
que podem ser orais (passagem do ar apenas pela cavidade oral) ou nasais
(passagem do ar pelas cavidades oral e nasal). Vejamos o quadro a seguir.

Orais Nasais
imã
/a/ mato /ã/
Figura 3 - Mattoso Câmara Júnior manto
tempo
/e/ letra /ẽ/
gente
/ɛ/ teta - -
ruim
/i/ vida /ĩ/
ainda
põe
/o/ boca /õ/ ombro
conto
/ɔ/ obra - -
rumba
/u/ rubro /ũ/
mundo

Existem discussões bastante complexas sobre as vogais nasais; Câ-


mara Júnior (1970) já referia isso com muita propriedade. Não en-
traremos em tais detalhes, optando por tratar desses segmentos
apenas como vogais nasais, não discutindo as tantas particularida-
des que há nesse universo; com o avanço nos estudos, você tomará
contato com essas interessantes discussões.

Outro aspecto que precisamos registrar aqui é o fato de que as vo-


gais podem ser anteriores¸ médias ou posteriores, dependendo do local

24
Duas ciências e um só nível de análise linguística
Capítulo 01

onde são articulados em nossa boca tais segmentos. Observemos a fi-


gura a seguir, baseada na representação triangular de Câmara Júnior
(1970), que mostra a classificação das vogais segundo a zona de articula-
ção, ou seja, o local onde são articuladas em nosso trato vocal. Imagine
que o triângulo representaria a cavidade oral.

/i/ /u/

/e/ /o/
Anteriores
(língua em direção ao palato) Posteriores
(língua em
// // direção ao véu
palatino)
/a/
média (língua em repouso)

Observando a figura anterior, podemos concluir que, para produ-


zir as vogais, a língua movimenta-se em nossa boca, deslocando-se mais
para frente ou mais para trás. Vamos entender melhor o que significa
cada qual dessas posições.

Vogal média Vogais anteriores Vogais posteriores

A vogal /a/ exige que a língua As vogais /i/, /e/ e /ɛ/ exigem As vogais /u/, /o/ e /ɔ / requerem
que a língua se eleve em direção que a língua se eleve em direção
permaneça baixa, em estado de
ao céu da boca. ao véu palatino (veja novamente
relaxamento. o aparelho fonador para localizar
essa parte do trato vocal que fica
mais ao fundo do céu da boca).

Há vários outros detalhes no estudo classificatório das vogais, tanto Anteriormente, nos referi-
quanto a outras teorizações, de configuração mais recente, em outros mos às semivogais ou glides;
modelos teóricos, no que se refere ao estudo das vogais, mas deixemos trata-se de segmentos que
não têm proeminência acen-
isso para um tempo futuro, quando você estiver mais familiarizado com tual, ao contrário das vogais.
os estudos da fonética e da fonologia. Limitemo-nos a registrar os cha- Talvez pudéssemos “dizer”
que se apóiam nas vogais
mados encontros vocálicos, encontros de vogais e de vogais e semivogais.
por ocasião da articulação
Vejamos isso no quadro a seguir. nesses encontros vocálicos.

25
Estudos Linguísticos I

Ditongos Tritongos Hiatos


Sequência de vogal mais semivogal Sequência de semivogal + vogal + Sequência de vogal + vogal pro-
em uma mesma sílaba. Pode ser: semivogal. Também pode ser oral nunciadas em sílabas separadas:
ou nasal.
a) Ditongo crescente: pa – ís;
semivogal + vogal: gló-ria; quatro
mo – e - da;
(orais) e quando (nasal).
Orais: Paraguai / averiguei
vi – ú - va
b) Ditongo decrescente: Nasais: saguão/ saguões
vogal + semivogal:
auto, pouco (orais) e põe (nasal).

Obs.: os ditongos podem ser orais ou na-


sais, como você pôde ver nos exemplos.

Por ora, vamos parar por aqui nosso estudo de fonética, mas ad-
vertimos que há muitos detalhes nessa discussão que merecem nossa
atenção porque estão em constante processo de aperfeiçoamento e su-
peração. Esperamos, de fato, que estudos de fonética possam vir a inte-
ressá-lo tão logo você domine melhor os caminhos teóricos da lingua-
gem e lembramos que, em disciplinas específicas da língua espanhola,
você aprenderá novos fonemas e fones, específicos daquele idioma.

Optamos, neste capítulo introdutório, por particularizar detalhes


da fonética articulatória, mas não podemos concluir esta seção sem
“dizer” a você que a fonologia é um vasto campo de estudos, que discu-
te modelos teóricos com base em diferentes escolas, sobretudo, a escola
gerativista. No universo de estudos fonológicos, são particularmente
interessantes discussões sobre Fonologia Autossegmental, Fonologia
Lexical, Fonologia Métrica, Teoria da Otimização. No futuro, assim
que dominar melhor os conceitos de nossa área, você poderá estudar
essas questões, partindo de Cristófaro Silva (2001), Mori (2006), até
chegar a Bisol (2001), por exemplo. A teoria dos traços distintivos e os
princípios fonológicos seguramente merecerão sua atenção cuidadosa
em um futuro próximo.

Com relação a isso, cumpre-nos dizer-lhe, ainda, que as palavras


e os morfemas, em qualquer língua, alternam sua pronúncia específi-
ca em dependência de determinadas condições. Essas condições, de

26
Duas ciências e um só nível de análise linguística
Capítulo 01

acordo com Ramers (1998, p. 65), são descritas sob o rótulo “Processos
Fonológicos”. A alternância é dependente de:

• o contexto fonético;
• a posição dentro da palavra;
• as condições de ordem morfológica: traços flexionais e tipo de
afixo;
• o ritmo da fala; e
• o estilo etc.

Isso pode ser facilmente comprovado, sem necessidade de entrar-


mos em discussões teóricas para tanto, com o que possibilita pronunciar
nós como nóis, peixe como pexe, ritmo como ritimo, assim como pode ser
explicada a razão do fonema [z] em rapaz ter som de [s], mas de [z] se
imediatamente seguido por algo como alto, mas não quando for seguido
por gago em cadeia sonora. Tudo isso, além de ser passível de descrição,
também pode ser explicado. Aí voltamos ao nosso ponto da introdução:
como cientista da linguagem é possível fazê-lo! Não é maravilhoso?

Resumo

Apresentamos, neste capítulo, a área da Linguística que se ocupa dos


sons da fala: a fonética e a fonologia. Mostramos a você que, ainda que
o objeto de estudo de ambas seja o mesmo (os sons da fala), o que as faz
intimamente relacionadas, trata-se de ciências distintas, cada qual com
seu foco de estudo. A fonética estuda os segmentos sonoros em seu pro-
cesso de emissão na fala (como se articulam os fonemas em determina-
do contexto linguístico, por determinado falante ou ainda por diferentes
falantes; que orgãos anatômicos são mobilizados para tanto; como os
sons se diferenciam entre si); já a fonologia ocupa-se do inventário de
segmentos sonoros de uma língua (quais fonemas existem em uma lín-
gua). Particularizamos a fonética articulatória por conta de sua impor-

27
Estudos Linguísticos I

tância na descrição dos sons de fala, haja vista estarmos em um Curso


cujo objeto de estudo é uma língua estrangeira: o espanhol. Assim, a
forma como os sons devem ser articulados por nosso trato vocal (ponto
e modo de articulação) deve fazer parte de nossos recursos atencionais
em se tratando de questões de pronúncia. Ainda com a preocupação de
facultar a você a “leitura” da pronúncia das palavras presentes em dicio-
nários, apresentamos o Alfabeto Fonético Internacional (IPA).

De posse da capacidade de analisar e sistematizar o sistema fonológico


de sua língua materna, esperamos que você entenda e produza o sistema
fonológico do espanhol com maior facilidade. É nosso desejo, portanto,
tê-lo sensibilizado quanto à importância desses conhecimentos para o
seu sucesso como aluno e futuro profissional de Letras-Espanhol. Tendo
focalizado os aspectos centrais da fonética e da fonologia para as finali-
dades deste estudo, passemos à Unidade B.

28
Unidade B
Morfologia

Adaptação livre.
Das noções básicas à análise morfêmica
Capítulo 02

2 Das noções básicas à análise


morfêmica

Ao final deste capítulo, você deverá ser capaz de identificar a morfologia


como um dos níveis dos estudos linguísticos, caracterizando-a em seus prin-
cipais fundamentos. Para tanto, apresentaremos os estudos de Mattoso Câ-
mara Junior quanto ao vocábulo mórfico, assim como trataremos dos mor-
femas lexicais e gramaticais e dos processos de composição e derivação. Ter-
minaremos o capítulo com um breve exemplo de uma análise morfêmica.

2.1 Introdução

Em estudos mais recentes sobre a linguagem natural, o lugar da


morfologia é o ponto de maior controvérsia (SANDALO, 2001). En-
quanto alguns desconsideram totalmente esse nível na construção de
uma teoria da gramática, há outros que a consideram o principal com-
ponente. Sua relação com a Fonologia é bastante estreita e por isso hou-
ve um período (década de 70 e início da década de 80) em que ela foi
tratada dentro do componente fonológico (Fonologia Lexical), e, por-
tanto, processada no léxico e, em função dessa adoção teórica, irrele-
vante para a Sintaxe.

Não cabe aqui toda a discussão em torno da evolução (ou involu-


ção) do papel da Morfologia, ao longo das últimas décadas, dentro de
vertentes teóricas diversas – dentre elas citamos a Morfologia de Traços,
a Morfologia Distribuída e o Minimalismo (a última versão do mode-
lo gerativista). Mas o extremo da irrelevância ela atingiu na década de
60, quando a teoria da Gramática estava preocupada exclusivamente em
buscar universais da linguagem, e esses eram “detectáveis” na Sintaxe,
onde a similaridade entre as línguas se faz mais presente. Mas é impor-
tante frisar que, na atualidade, ela voltou a ganhar destaque similar ao
que tinha na vertente estruturalista.

31
Estudos Linguísticos I

Assim sendo, vamos nos debruçar exatamente sobre as contri-


buições que o estruturalismo fez à área da Morfologia (ou vice-versa),
uma vez que todo aparato terminológico e classificatório partiu daí. E
nada mais apropriado para tal é começar com Mattoso Câmara Júnior,
a quem já fizemos referências anteriormente e que foi um dos grandes
estudiosos da estrutura da língua portuguesa, se não o maior.

2.2 Primeiras palavras

Mattoso Câmara Júnior, a quem já fizemos referência anteriormen-


te, foi um dos grandes estudiosos da estrutura da língua portuguesa.
Seus estudos sobre o vocábulo mórfico ou formal (1970) contribuíram
significativamente para a análise mórfica. Para saber o que é o vocábu-
lo mórfico, precisamos referir, ainda que brevemente, três importantes
conceitos: formas livres, formas presas e formas dependentes, conceitos
que vêm de Mattoso Câmara Júnior (1970), com base em um estudioso
americano chamado Leonard Bloomfield, que publicou, no ano de 1933,
uma importante obra intitulada Language. Vamos aos conceitos.

Formas livres Formas presas Formas dependentes


“Constituem uma sequência “[...] só funcionam ligadas a Funcionam ligadas às formas livres,
que pode funcionar isolada- outras [formas], como o pre- mas distinguem-se delas porque não
mente como comunicação fixo re em revender e a marca podem funcionar isoladamente como
suficiente, conforme livros de plural em livro-s.” (SILVA e comunicação suficiente; distinguem-
no enunciado ‘O que você KOCH, 2002, p. 18) -se, também, das formas presas
vai revender?’ ‘Livros’.” (SILVA porque aceitam intercalação de novas
e KOCH, 2002, p. 18) formas e aceitam variação posicional
na frase – é o caso, por exemplo, de
artigos, preposições, pronomes áto-
nos (SILVA e KOCH, 2002).

Então, o que é o vocábulo mórfico ou formal?

Silva e Koch (2002), baseadas em Câmara Júnior (1970), registram


que o vocábulo formal ou vocábulo mórfico é a “[...] unidade a que se
chega quando não é possível nova divisão em duas ou mais formas li-
vres ou dependentes” (p.19). Esses conceitos são estabelecidos no nível

32
Das noções básicas à análise morfêmica
Capítulo 02

da sentença. Vejamos, então, a sentença “Os livros e as revistas de Joana


foram rasgados.” Nela, podemos observar que:

livros... ..é uma forma livre... ...porque funciona isoladamente como


comunicação suficiente (“O que você
comprou? “Livros.”)
-os na palavra livros... ..é uma forma presa... ...porque só funciona ligada a outra forma
(livr-).
Os que antecede a pala- ...é uma forma dependen- ...porque poderia mudar de posição na
vra livros... te... frase (Se, por exemplo, escrevêssemos As
revistas e os livros...).

Ficou mais claro agora? Bom, esses conceitos são fundamentais por-
que, normalmente, quando tratamos da estrutura morfológica da língua,
referimo-nos a palavras, no entanto, a noção de palavra é bastante com-
plexa. Se tomarmos, por exemplo, o pronome lhe, diremos que ele é uma
palavra? E se tomarmos as expressões construtor e aquele que constrói –
embora esta última expressão tenha, na maioria dos contextos, sentido
muito semelhante à primeira, seguramente não diremos que é uma pala-
vra, como refere Sandalo (2006). Tomemos, ainda, a diferença entre pala-
vras na fala e na escrita – na escrita, chamamos de palavras os signos que
são separados por espaços em branco. Na fala, porém, não há espaços em
branco separando palavras – quando falamos, por exemplo, casa amarela,
articulamos algo como cazamarela, em um todo único, em razão do con-
tinuum da fala e do mecanismo de coarticulação. Logo, tratar a palavra
como unidade do estudo da morfologia envolve complexidade.

Assim, os conceitos formas livres, presas, dependentes e vocábulo


mórfico ou formal parecem contribuir para clarificar em alguma medida
essa complexidade. Além deles, há um outro conceito fundamental em
se tratando do estudo da morfologia como nível de análise linguística:
o conceito de morfema. Quando focalizamos, nas seções anteriores, a
fonética e a fonologia, vimos que havia dois conceitos específicos – fones
e fonemas, unidades de análise fonética e fonológica respectivamente;
na morfologia, as unidades para a análise morfológica são os morfemas.

33
Estudos Linguísticos I

Não devemos, porém, confundir o conceito de morfema com o con-


ceito de formas livres, presas e dependentes. Enquanto estas últimas
se estabelecem no nível da sentença – só podemos classificá-las ob-
servando seu grau de dependência ou independência na sentença; os
morfemas se estabelecem no nível do vocábulo formal. Na sentença
“Os livros e as revistas de Joana foram rasgados.”, que registramos an-
teriormente, você pôde observar que classificamos o Os do início da
sentença como forma dependente e o –os de livros como forma pre-
sa – fizemos isso no plano da sentença e não no plano do vocábulo.

Estudar o nível de análise linguística morfologia implica estudar os


morfemas que compõem o vocábulo mórfico ou formal – se você voltar
ao quadro que inicia este capítulo, definindo os níveis de análise linguís-
tica, você verá que o estudo da morfologia está centrado nos morfemas
que compõem o vocábulo formal.

No caso da sentença anterior “Os livros e as revistas de Joana foram


rasgados.”, o estudo do vocábulo formal implicaria analisar o –os de livros
não mais como forma presa, mas como morfema – neste caso, dois mor-
femas: o –o seria o que chamamos de morfema classificatório e o –s seria
o que chamamos de morfema flexional de número. Essas classificações
serão retomadas à frente. Vamos, então, discutir aspectos genéricos da
análise mórfica. Não entraremos em detalhes dada a natureza introdu-
tória deste estudo. Silva e Koch (2002, p. 20) escrevem com propriedade:

A análise mórfica consiste na descrição da estrutura do vocábulo mór-


fico, depreendendo suas formas mínimas ou morfemas, de acordo com
uma significação e uma função elementares que lhe são atribuídas den-
tro da significação e da função total do vocábulo.

Por essa citação, podemos definir o que é morfema: forma mínima


do vocábulo mórfico com uma significação e uma função que lhe são
atribuídas a partir da significação e da função do vocábulo mórfico.

34
Das noções básicas à análise morfêmica
Capítulo 02

Para entender isso melhor, vamos classificar os diferentes tipos de


morfemas e discutir tais significação e função – cada tipo de morfema
tem uma função implicada na significação do vocábulo formal.

2.3 Morfemas lexicais e morfemas


gramaticais

Existem dois grupos de morfemas: os morfemas lexicais e os morfe-


mas gramaticais. Os morfemas lexicais contêm o sentido básico das pala-
vras, enquanto os morfemas gramaticais veiculam noções como gênero,
número, pessoa, modo, tempo etc. Todas as palavras que apresentam o
mesmo morfema lexical são chamadas cognatas (por exemplo: pobre,
pobreza, empobrecer, pobremente etc). Para entender isso melhor, ob-
servemos as palavras do quadro a seguir.

Vocábulos Morfema destacado Classificação do morfema em destaque


Pobreza Pobr eza Pobr- é um morfema lexical presente em toda a família de
palavras que traduz esse significado.
Pobreza Pobr eza -eza é um morfema gramatical do tipo derivacional; neste
caso, um sufixo que forma um substantivo.
Menino Menin o Menin- é um morfema lexical presente em toda a família de
palavras que traduz esse significado.
Menina Menin a -a é um morfema gramatical do tipo flexional, indicativo de
gênero feminino.
Cantor Cant or Cant- é um morfema lexical presente em toda a família de
palavras que traduz esse significado.
Cantor Cant or -or é um morfema gramatical; neste caso, um sufixo forma-
dor de substantivo.
Cantar Cant a r -a é um morfema gramatical, neste caso, um morfema classi-
ficatório, uma vogal temática indicativa de verbo da primeira
conjugação: -ar.
Cantaríamos Cantaría mos -mos é um morfema gramatical do tipo flexional, indicador
de primeira pessoa do plural em verbos.

Complicado? Bom, estamos certas de que você pôde perceber que


os morfemas lexicais são aquelas unidades presentes nos vocábulos de
uma mesma família, as quais traduzem fundamentalmente a significa-

35
Estudos Linguísticos I

ção das palavras. Já os demais morfemas – morfemas gramaticais –, você


seguramente observou que não traduzem a base de significação dos vo-
cábulos, mas conferem a elas ideias de feminino ou masculino; singular
ou plural; tempo, modo, pessoa verbal etc.

Poderíamos ir adiante em exemplos, mas o que queremos, com


essa introdução, é mostrar a você os dois grandes grupos de morfemas:
lexicais e gramaticais.

Os morfemas lexicais são aquelas unidades que aparecem em


uma mesma família de vocábulos, atribuindo-lhes sua significa-
ção básica. Já os morfemas gramaticais são os morfemas que vei-
culam informações de flexão, de derivação, de classificação etc.
dos vocábulos formais.

Vamos sistematizar isso melhor no quadro que segue, no qual es-


pecificamos os diferentes tipos de morfemas gramaticais. Quanto aos
lexicais, não vamos particularizar detalhes, tais como a diferença entre
radical e raiz, entre outras questões que você poderá estudar em um
tempo futuro. Detalharemos os morfemas gramaticais porque sua sub-
classificação tem relevância aplicada no estudo da morfologia da língua.

Morfemas GRAMATICAIS Definição Exemplo


Tipos
Morfemas gramaticais clas- Têm como função enquadrar Cant a r: o -a enquadra este vocábulo na
sificatórios os vocábulos em classes de classe dos verbos de primeira conjugação.
nomes e verbos. São as cha-
Menin o: o -o enquadra este vocábulo na
madas vogais temáticas.
classe dos substantivos.
Morfemas gramaticais fle- São morfemas responsáveis Menin a s: o -a é um morfema flexional que
xionais por veicular as seguintes in- indica gênero feminino; o -s é um morfema
formações: flexional que indica plural.
Obs.: há uma série de deta-
lhamentos sobre a configu- Nos nomes (substantivos e Canta ría mos: o
ração que esses morfemas adjetivos): gênero (mascu-
-ria é um morfema flexional que indica
podem assumir, o que não lino e feminino) e número
modo Indicativo e tempo Futuro do Pretéri-
discutiremos aqui. Caso você (singular e plural).
to; o -mos é um morfema flexional indicati-
queira saber mais, leia Silva e

36
Das noções básicas à análise morfêmica
Capítulo 02

Koch (2002) ou o próprio Câ- Nos verbos: categorias de vo de número plural e de primeira pessoa.
mara Júnior (1970). modo e tempo, número e
pessoa.
Morfemas gramaticais deri- Criam novas palavras na lín- In feliz: o –in é um morfema derivacional
vacionais gua unindo-se aos morfemas que se une ao morfema lexical feliz para
lexicais. São os conhecidos formar uma nova palavra.
prefixos e sufixos.
Feliz mente: o
-mente é um morfema derivacional que se
une ao morfema lexical feliz para formar
uma nova palavra.
Morfemas gramaticais rela- “Ordenam os elementos da São exemplos disso as preposições, as con-
cionais frase, possibilitando a conca- junções, os pronomes relativos.
tenação dos morfemas lexi-
cais entre si.” (SILVA e KOCH,
2001, p. 26)

Além de conhecermos os tipos de morfemas, há uma outra questão


fundamental em se tratando do estudo da morfologia: como se formam
os vocábulos. Ainda que não seja ocasião para entrarmos em detalhes,
importa que saibamos que os vocábulos se formam, na maioria das ve-
zes, por processos de união ou supressão de morfemas; os vocábulos
que dão origem a outros são conhecidos como primitivos, e os vocábu-
los que derivam de outros são conhecidas como derivados.

2.4 Composição e Derivação

Os vocábulos formam-se basicamente por dois grandes processos:


processos de composição ou processos de derivação. Vejamos tais pro-
cessos (e outros processos menos frequentes) a seguir.

Composição

“Processo de formação de palavras que cria novos vocábulos pela


combinação de outros já existentes, dando origem a um novo sig-
nificado. Através desse processo combinam-se dois morfemas lexi-

37
Estudos Linguísticos I

cais, operando-se entre eles uma fusão semântica que pode ser
mais ou menos completa”(SILVA e KOCH, 2002, p.33 e 34).

Por “fusão semântica mais ou menos completa”, entendamos união


dos significados das palavras primitivas, mantendo-se tais significados
em sua totalidade ou não. Em girassol, por exemplo, as ideias de girar
e de sol estão mantidas; já em pé-de-moleque, nem a ideia de pé nem a
ideia de moleque foram mantidas; os morfemas lexicais uniram-se para
formar uma terceira ideia.

O processo de composição pode se dar por justaposição ou por


aglutinação. Confira os tipos e exemplos a seguir.

• Composição por justaposição: os vocábulos primitivos que for-


mam o novo vocábulo são mantidos lado a lado (com ou sem
hífen), conservando sua autonomia fonética e de acento. Ex.: gi-
rassol, pé-de-moleque, amor-perfeito.

• Composição por aglutinação: os vocábulos se fundem em um


todo fonético passando a ter um único acento, podendo haver
perda de alguns de seus elementos fonéticos. Ex.: planalto, pon-
tiagudo, aguardente. (SILVA e KOCH, 2002).

Derivação

Processo em que prefixos e/ou sufixos se unem ao morfema lexical


formando novas palavras.

Confira os tipos e exemplos a seguir.

• Derivação prefixal: um prefixo une-se ao morfema lexical for-


mando novo vocábulo. Ex.: infeliz.

38
Das noções básicas à análise morfêmica
Capítulo 02

• Derivação sufixal: um sufixo une-se ao morfema lexical forman-


do novo vocábulo. Ex.: felizmente.

• Derivação prefixal e sufixal: um prefixo e um sufixo unem-se


ao morfema lexical formando novo vocábulo. Ex.: infelizmente.

• Derivação parassintética: um prefixo e um sufixo unem-se


simultaneamente a um morfema lexical, formando novo vo-
cábulo. Ex.: entardecer. (Nesse tipo de derivação, a retirada
do prefixo ou do sufixo implica ausência de significado, o que
não ocorre na derivação prefixal e sufixal – em in feliz mente,
exemplo dado no item anterior, se retirarmos o prefixo ou o
sufixo, continua a existir uma palavra.)

• Derivação regressiva: ocorre a subtração de morfemas do vo-


cábulo primitivo para formar nova palavra. Ex.: corte (de cor-
tar); caça (de caçar).

• Derivação imprópria: ocorre quando uma palavra muda sua


classe gramatical. Ex.: manga rosa (o substantivo rosa passa a
funcionar como adjetivo); cantar baixo (o adjetivo baixo passa
a funcionar como advérbio) (SILVA e KOCH, 2002).

Abreviação

Processo que implica o “[...] emprego de uma parte da palavra


pelo todo, até limites que não prejudiquem a compreensão”. (SIL-
VA e KOCH, 2002, p. 35).

Há teóricos que concebam que o processo da abreviação abrange


a abreviatura e a sigla (BELTRÃO e BELTRÃO, 19998) ou a abreviatu-
ra, a sigla e o símbolo (KASPARY, 1998), mas isso não será particula-
rizado aqui. Confira os tipos e exemplos a seguir.

39
Estudos Linguísticos I

• Foto (de fotografia); moto (de motocicleta), pneu (de pneu-


mático) etc.

Você pode facilmente perceber que, em alguns desse casos, a pala-


vra primitiva parece estar em efetivo desuso.

Reduplicação e onomatopéia

Processo que implica a repetição de sílabas para formar novos vo-


cábulos. “Quando é imitativa e procura reproduzir aproximadamen-
te certos sons ou certos ruídos, tem-se as onomatopéias.” (SILVA e
KOCH, 2002, p. 36)

Confira os tipos e exemplos a seguir.

• Reduplicação: Dudu.

• Onomatopéia: tique-taque.

Siglas

“Redução de longos títulos às letras iniciais das palavras que os


compõem.” (SILVA e KOCH, 2002, p. 36)

Confira os tipos e exemplos a seguir.

• INSS (de Instituto Nacional de Seguridade Social)

Em se tratando deste nível de análise, a morfologia, poderíamos,


ainda, discutir particularidades da flexão dos nomes e dos verbos.
Abriremos mão dessa discussão, delegando-a a você em seus estudos
futuros, para o que voltamos a referir Silva e Koch (2002) e o próprio

40
Das noções básicas à análise morfêmica
Capítulo 02

Mattoso Câmara Júnior (1970). Há, ainda, uma outra obra de conteúdo
bastante acessível na qual você pode retomar essas questões, ampliá-las
e exercitar seus conhecimentos: Laroca (2003). Todas essas obras estão
devidamente referidas na bibliografia deste livro.

Não podemos ir adiante, porém, sem esclarecer a você que todas


essas considerações que fizemos aqui sobre morfologia inscrevem-
-se no quadro teórico da escola estruturalista. A escola gerativista,
no entanto, tem fecundas discussões sobre questões morfológicas
e parece ser a escola que hoje encontra maiores adeptos no trato
dessa questão. Não nos ateremos a ela, aqui, porque entendemos
que, sendo uma disciplina introdutória, devemos inserir você no
conjunto dessas discussões, o que significa focalizar a morfologia
estruturalista, dado que é a partir desses estudos que novas discus-
sões, sob outros parâmetros teóricos, têm se instaurado.

A teoria gerativa padrão, que você conhecerá melhor em outras dis-


ciplinas, discute, por exemplo, as relações entre Fonologia e Morfologia,
mapeando, por meio de regras de transformação, os ambientes em que
ocorrem mudanças. Em fronteira de vocábulos, por exemplo, tais mu-
danças costumam se processar: tomemos o plural do vocábulo casa – se
estiver em uma sentença em que for seguido de vocábulo iniciado por
segmento sonoro, o –s que marca o plural e corresponde ao fonema /s/
passará a corresponder ao fonema /z/: cazaz amarelas; já se vier seguido
de vocábulo iniciado por segmento surdo, o fonema /s/ será mantido:
casas pretas. A morfologia estrutural focaliza mudanças, por exemplo,
em fronteiras entre morfemas – se tomarmos a forma verbal partis (vós
partis), veremos que houve um processo de fusão entre morfemas:

Morfema Lexical Morfemas gramaticais


Radical Morfema classificatório – Morfema flexional – De- Morfema flexional – De-
vogal temática sinência de modo e de sinência de pessoa e de
tempo número
Part i f is
(ausência de marca)

41
Estudos Linguísticos I

Podemos observar que o –i do segundo quadro, uma vogal temática,


fundiu-se com o –i do –is, desinência de pessoa e número. Nesses casos,
observamos uma mudança na fronteira entre morfemas. A existência de
mudanças nas fronteiras entre morfemas e nas fronteiras entre vocábulos
é objeto da atenção da Fonologia que, no quadro teórico do gerativismo,
passou a ser concebida como Fonologia Lexical (processada no léxico) e
Fonologia pós-lexical (processada nas estruturas sintáticas) – dentro da
teoria gerativa, a morfologia passou a ser tratada dentro do quadro da fo-
nologia lexical. Escreve Sandalo (2006, p. 190, 191):

Com a apresentação da teoria gerativa na década de sessenta, a morfolo-


gia e a descrição morfológica [...] como desenvolvidas pelos estruturalistas,
perderam espaço. [...] Nesse momento, passou-se a buscar os universais da
linguagem. Por esse motivo, a Sintaxe (i.e., o estudo da formação das sen-
tenças) passou a ser o ponto central da Gramática, uma vez que é na sin-
taxe que vemos uma maior similaridade entre as línguas. Como a Morfolo-
gia tem uma relação bastante importante com a Fonologia, a Morfologia
passou a ser tratada dentro do componente Fonológico [...] Deixou de ser,
assim, um componente da Gramática. É natural, assim, que a Morfologia
tenha perdido espaço nessa época. Dentro do quadro gerativista das dé-
cadas de setenta e oitenta, passou-se a assumir que cada componente da
Gramática deveria corresponder a um módulo independente governado
por seus princípios particulares. Cada módulo seria, assim, completamente
independente do outro. [...] A Morfologia passou se ser tratada dentro do
quadro da Fonologia Lexical. [...] De acordo com Chomsky (1970), a sintaxe
seguiria toda e qualquer operação lexical, manipulando palavras inteiras,
sendo, portanto, cega à estrutura interna das palavras, isto é, à ope-
rações lexicais. Essa perspectiva, no entanto, se mostrou simplista
demais no decorrer da década de oitenta. (grifo nosso)

Anderson (1982/1992) questionou essas concepções. Em estudo


futuro, você certamente conhecerá a chamada Hipótese lexicalista e po-
derá enfronhar-se melhor nessa interessante discussão. O que importa
registrarmos, por ora, é que Chomsky (1993/1995), em estudos poste-
riores, dentro do chamado Programa Minimalista, reformulou o papel
da morfologia dentro da teoria linguística, conferindo-lhe novamente

42
Das noções básicas à análise morfêmica
Capítulo 02

destaque, mas mantendo-a como parte da sintaxe, mas essa é uma dis-
cussão para o futuro. Assim, teorizações de base gerativista ou teoriza-
ções com base na chamada Teoria da Otimidade, hoje em franca expan-
são, ficarão para mais tarde.

2.5 Uma Análise Morfêmica

Antes de concluir este capítulo, vamos proceder uma análise mor-


fológica completa de uma palavra complexa (em se tratando do número
de morfemas e de alomorfia), dentro dos parâmetros estabelecidos pelo
estruturalismo. O exemplo foi extraído de Kehdi (1990, p. 54-56) com
algumas adaptações:

Agora, muita atenção, pois o vocábulo que iremos analisar é:


confiabilidade

Em relação ao par inicial confiabilidade e confiável é preciso, pre-


viamente, levar em conta outros grupos na língua que possuem com-
portamento análogo: aceitabilidade x aceitável, amabilidade x amável,
durabilidade x durável etc. Nesses pares, observamos que os elementos
primeiros são substantivos abstratos correspondentes aos adjetivos que
constituem o segundo elemento do par. A terminação –vel dos adjetivos
passa regularmente a –bil- nos substantivos, permitindo-nos concluir
que –bil- é uma forma variante de –vel. Assim, podemos concluir que
confiável e confiabil- são formas correspondentes. Sendo assim, o seg-
mento diferencial, destacável, é –idade, sufixo. A ocorrência de –dade
(sem o –i-), em vocábulos como bondade, lealdade, ruindade, leva-nos a
interpretar o –i- como vogal de ligação. Mas se optarmos por uma clas-
sificação mais “econômica”, também podemos considerar –idade como
alomorfe de –dade. Continuando, procedemos agora à comparação de
confiável e fiável e depreendemos con- como prefixo. Prosseguindo, es-
tabelecemos um novo par: fiável x fia, que nos leva a destacar –vel como
sufixo (que no caso do vocábulo em questão se apresenta sob forma do
alomorfe –bil). Comparando agora fia x fio segmentamos –a (e também
–o, mas que não nos interessa nesse caso). O –a segmentado leva-nos

43
Estudos Linguísticos I

à interpretação de terceira pessoa do singular do presente do indicati-


vo. No entanto, podemos corrigir essa classificação, levantando formas
como fiava x fiáramos x fiassem onde a ocorrência de –a- é constante,
independente de modo/tempo e número/pessoa; trata-se, na verdade,
da vogal temática da primeira conjugação.

Retomando os morfemas destacados, temos como resultado:


con-: prefixo
fi-: radical
a-: vogal temática (1ª conjugação)
-bil-: alomorfe do sufixo –vel
-idade : alomorfe de –idade (ou –i-: vogal de ligação)

Gostou da empreitada? Um comentário final: observe, também,


que os adjetivos terminados em –z, quando seguidos dos sufixos –dade
e –íssimo, alternam o –z em –c-, conforme ilustram os exemplos: capaz
/ capacidade / capacíssimo, feliz / felicidade / felicíssimo, veloz / velocida-
de / velocíssimo.

Chegamos ao final de nossas considerações sobre o nível de análise


linguística “morfologia”. Fizemos as nossas incursões nessa área dentro
do quadro teórico do estruturalismo, que nos permitiu uma familiariza-
ção básica com a terminologia e com a metodologia utilizada para de-
preensão dos morfemas do português e para uma classificação primária
dos mesmos, tanto sob a ótica funcional como a formal.

Resumo

Neste capítulo, em que estudamos a Morfologia à luz da escola estrutu-


ralista, apresentamos a noção de vocábulo mórfico ou formal, bem como
o conceito de formas livres, presas e dependentes, as quais se estabelecem
por ocasião de seu grau de (in)dependência em uma sentença. Por sua

44
Das noções básicas à análise morfêmica
Capítulo 02

vez, o conceito de morfema – menor unidade de significado – está atre-


lado ao nível do vocábulo formal. Vimos que há dois tipos de morfemas:
os lexicais – que contêm o sentido básico das palavras – e os gramaticais
– que informam gênero, número, pessoa, modo, tempo etc.

Outra questão de fundamental importância nos estudos da morfologia é


o entendimento de como se dá a formação de vocábulos em uma língua.
Nesse sentido, reconhecemos que os vocábulos se formam, primordial-
mente, a partir de processos de composição – quando a combinação de
vocábulos já existentes origina novos vocábulos – e derivação – quando
afixos se unem a morfemas lexicais.

No próximo capítulo, dedicado à Sintaxe, voltaremos a fazer pontes com


o que foi discutido neste sobre a Morfologia, uma vez que dissociar essas
duas áreas, conforme “falamos” anteriormente, é ponto de controvérsia.

45
Estudos Linguísticos I

46
Unidade C
Sintaxe

Adaptado de: sxc.hu


Do gerativismo ao funcionalismo – uma visão panorâmica
Capítulo 03

3 Do gerativismo ao funciona-
lismo: uma visão panorâmica

Ao final desta seção, você deverá ser capaz de identificar a sintaxe como
um dos níveis de estudos linguísticos, caracterizando-a em seus princi-
pais fundamentos. Ênfase será dada à escola gerativista e, dentro dela,
à Gramática Gerativa Transformacional de Chomsky correspondente ao
período de 1957 a 1965 – Teoria Padrão, fazendo alusões pontuais aos
estudos de sintaxe aos olhos da Gramática Tradicional. Adicionalmente,
apresentaremos, ainda que também de forma preliminar, uma abordagem
funcional – hallidayana – à Sintaxe.  

3.1 Introdução

A sintaxe tem ganhado projeção e atenção dos estudiosos da língua,


sobretudo, desde a segunda metade do século XX, de modo a firmar-se
Figura 4 - Noam Chomsky. Fonte:
como um dos mais importantes níveis de análise linguística na atua- http://wikipedia.org
lidade. Esse status deve-se, em grande medida, aos estudos da escola
gerativista, em especial graças às pesquisas de um dos maiores linguis-
Noam Chomsky nasceu
tas de todos os tempos, ainda vivo e em atividade, o americano Noam em 7 de dezembro de
Chomsky, a quem já fizemos referência em capítulos anteriores. 1928, na Filadélfia, Esta-
dos Unidos. É professor
de linguística e filosofia no
Os estudos de Chomsky e de seus colaboradores e seguidores Massachusetts Institute of
projetaram a sintaxe como fecundo campo de análise, gerando um Technology (MIT) e tam-
bém um ativista político
conjunto de teorias tão interessantes quanto complexas, teorias cujos incansável em suas mani-
eixos de estruturação precisam ser minimamente conhecidos por es- festações contra o capita-
lismo americano. Para sa-
tudiosos da área da linguagem.
ber mais, acesse o portal
UOL Educação. Disponível
Paralelamente à discussão da sintaxe gerativa, persiste, nos estudos em: <http://educacao.uol.
com.br/biografias/noam-
das Letras, o estudo da sintaxe tradicional, com suas bases teóricas bem -chomsky.jhtm>. Acesso
menos complexas, mas capazes de suscitar inúmeras discussões dadas em 1 mar. 12.
as tantas lacunas que trazem consigo, questão que você pode relembrar

49
Estudos Linguísticos I

em Dellagnelo e Cerutti-Rizzatti (2008), por ocasião da discussão acer-


ca da gramática tradicional. Além disso, é claro, há estudos de sintaxe
com base em outras escolas de pensamento linguístico, como o funcio-
nalismo. Berlinck, Augusto e Scher (2006, p. 212) escrevem:

Pensar a Sintaxe segundo uma perspectiva funcionalista, implica, então,


alargar a análise para além dos limites da sentença. Os processos sintá-
ticos são entendidos aqui pelas relações que o componente sintático
da língua mantém com os componentes semântico e discursivo. Só é
possível compreender o que se passa na Sintaxe, olhando também para
o contexto (texto e/ou situação comunicativa) em que a sentença está
inserida. É nesse espaço ampliado de análise que se vão buscar as modi-
ficações das escolhas que o falante faz em termos estruturais.

Não nos deteremos, nesta disciplina introdutória, nos detalhes da


sintaxe funcional ou gerativa, porém gostaríamos de lhe falar, ainda que
brevemente, acerca dessas vertentes. Então, vamos lá.

3.2 A Sintaxe Gerativa

Vamos nos debruçar sobre a sintaxe gerativa, conhecida também como


abordagem formalista da sintaxe. Berlinck, Augusto e Scher (2006, p. 211):

A visão formalista se revela neste programa [programa de investigação


da gramática gerativa], em primeiro lugar na preocupação primordial
com as propriedades estruturais de uma língua. Em outras palavras,
Chomsky adota uma perspectiva formalista para a análise dos dados
lingüísticos dos quais se ocupa, tentando, pelo estudo da língua em ter-
mos de suas partes, determinar os princípios de sua organização, para
então estabelecer as relações entre elas e o seu uso.

Não nos serão dados, porém, aqui, detalhes da sintaxe gerativa, em


razão da complexidade dessa vertente teórica e do tempo de discussão
que isso demandaria. Poderíamos mapear estágios do pensamento de
Chomsky, por exemplo, que iriam da Teoria Padrão, Teoria Padrão Es-

50
Do gerativismo ao funcionalismo – uma visão panorâmica
Capítulo 03

tendida, Teoria de Princípios e Parâmetros ao Programa Minimalista, o


que denota um processo de refinamento teórico que, ao mesmo tempo
em que se destina a reduzir a amplitude das regras propostas, traz con-
sigo crescente complexidade formal e o requisito de domínio de uma
maquinaria conceitual expressiva.

O que continua sendo uma unanimidade subjacente a todos esses mo-


delos é que os mecanismos responsáveis pela linguagem são inatos e, por-
tanto, não levam em conta aspectos culturais. Assume-se assim que todas
as línguas são regidas por princípios universais a que damos o nome de
“gramática universal” (doravante GU). Essa GU constitui o estado inicial da
faculdade da linguagem (So), e a gramática do indivíduo adulto constitui o
seu estágio final, firme ou estável (Ss), de acordo com Raposo (1992, p. 46).

input GU uma língua

S₀ Ss

S₀ = estágio inicial da aquisição


Ss = estágio estável / gramática adulta (stable stage)

Optamos por referir a sintaxe em uma perspectiva gramatical des-


O Prof Carlos Mioto (UFSC),
critiva, lançando mão de alguns conceitos básicos da Gramática Gerativa junto com suas colegas Fi-
Transformacional de Chomsky correspondente ao período de 1957 a 1965 gueiredo e Silva e Lopes, es-
– Teoria Padrão, de modo a ilustrar a importância de analisar as estruturas creveram o primeiro manu-
al de sintaxe de orientação
sintáticas a partir da hierarquia que revelam em sua estrutura profunda. gerativista do Brasil. Este li-
Sugerimos a você, para um aprofundamento futuro dessa questão, o es- vro, dada a sua relevância e
orientação didatizada, já se
tudo da obra de Lúcia Lobato e de Carlos Miotto, estudiosos que têm se
encontra em sua 3ª edição,
dedicado a desvendar o gerativismo para os iniciantes nesse campo. sendo utilizado em muitos
cursos de Letras do país.

Se você retomar as seções anteriores, observará que cada qual dos


níveis particularizados apresenta uma unidade de análise: as unidades
de análise da fonética são os fones; da fonologia são os fonemas; da mor-
fologia são os morfemas. Muito bem, e qual é a unidade de análise da
sintaxe? A unidade de análise da sintaxe é a sentença.

51
Estudos Linguísticos I

Estudar a sintaxe implica focalizar o que chamamos de constituin-


tes oracionais, os sintagmas. Mas o que são sintagmas?

Sintagmas são unidades que se organizam em torno de um nú-


cleo, no interior da oração, mantendo entre si relações de depen-
dência e de ordem.

Observemos a seguinte sentença: As meninas liam os livros. Podemos


decompô-la em dois grandes sintagmas: um que tem como núcleo um
nome substantivo, meninas, e outro que tem como núcleo um verbo, liam.

As meninas liam os livros.


Este trecho da frase forma uma uni- Este trecho forma uma unidade
dade porque as palavras mantêm porque as palavras mantêm rela-
relações de dependência entre si: ções de dependência entre si: os
as refere-se ao núcleo meninas; livros referem-se ao verbo ler. Tra-
mantêm, também, relações de or- ta-se, pois, de um sintagma verbal
dem: as não pode vir após meni- porque o núcleo desta unidade é
nas. Trata-se, pois, de um sintagma o verbo ler.
nominal porque o núcleo desta uni-
dade é o nome meninas.

Uma sentença apresenta como constituintes básicos um sintagma


nominal (SN) e um sintagma verbal (SV). Retomemos a nossa senten-
ça, agora, representando-a sob forma arbórea, conforme teorizações
iniciais da Gramática Gerativa Transformacional. Antes, observe o que
cada qual das siglas significa:

S = sentença
SN= sintagma nominal
SV= sintagma verbal
DET= determinante
N= nome
V= verbo

52
Do gerativismo ao funcionalismo – uma visão panorâmica
Capítulo 03

SN SV

Det N V SN

Det N

As meninas liam os livros.

Nessa árvore, você pode observar as relações existentes entre os


vocábulos. Fica bastante visibilizada a correlação entre as palavras que
formam cada um dos sintagmas. Como você pode ver, determinante,
nestes dois casos, são os artigos as e os que determinam o substantivo
em gênero e número. Os determinantes são constituídos por artigos,
numerais e pronomes adjetivos. As estruturas oracionais, porém, po-
dem ser bem mais complexas, apresentando um maior número de ele-
mentos, como sintagmas preposicionais e sintagmas adjetivais. Vamos
ver um exemplo disso? Podemos aumentar a nossa sentença assim: As
meninas curiosas liam os livros de histórias. Como ficaria essa arboriza-
ção? As novas siglas, aqui, são:

SP= sintagma preposicionado


SA= sintagma adjetival
MOD= modificador

53
Estudos Linguísticos I

SN SV

Det N Mod V SN

Mod
SA Det N SP

P SN

As meninas curiosas liam os livros de hist.

Podemos ver, no exemplo, a manutenção dos dois grandes sintag-


mas: o sintagma nominal constituído pelo fragmento As meninas curio-
sas, e o sintagma verbal constituído pelo fragmento liam os livros de his-
tórias. No interior dos dois sintagmas, porém, podemos observar cada
qual das unidades que os constituem:

a. no sintagma nominal, há:

• um determinante formado pelo artigo as;

• um nome – núcleo deste sintagma – o substantivo meninas;

• um modificador, um sintagma adjetival, formado pelo adjetivo


curiosas.

b. No sintagma verbal, há:

• um verbo – liam –, núcleo deste sintagma;

• um sintagma nominal formado por:

54
Do gerativismo ao funcionalismo – uma visão panorâmica
Capítulo 03

• um determinante – o artigo os;

• um nome – núcleo deste sintagma – o substantivo livros;

• um modificador, um sintagma preposicionado, formado pela


preposição de e pelo nome histórias.

Podemos ter sintagmas nominais no interior de um sintagma ver-


bal e podemos ter sintagmas adjetivais e sintagmas preposicionais
no interior de sintagmas nominais, chamados, nesse caso, de mo-
dificadores, ou seja, elementos que modificam os nomes. Estamos
certas de que você achou complexas essas arborizações, mas pre-
cisamos registrar que se trata apenas de alguns exemplos bastante
simples das possíveis formas de representar a hierarquização entre
os constituintes oracionais; ou seja, a forma como se relacionam os
elementos que compõem as sentenças. O objetivo desse registro é
apresentar a você um dos caminhos para a análise das estruturas
sintáticas; neste caso, a partir dos princípios fundadores da Gra-
mática Gerativa Transformacional.

Podemos estudar as estruturas oracionais no âmbito das relações


internas entre os constituintes de uma mesma oração – a Gramática
Tradicional chama isso de sintaxe interna e nomeia os tipos de termos
que compõem esse estudo:

• termos essenciais da oração (sujeito, predicado e predicativo);

• termos integrantes da oração (objeto direto, objeto indireto,


complemento nominal e agente da passiva); e

• termos acessórios da oração (adjunto adnominal, adjunto adver-


bial, aposto e vocativo).

55
Estudos Linguísticos I

No caso da nossa sentença As meninas curiosas liam os livros de


histórias, o sintagma nominal As meninas curiosas funciona como
sujeito do sintagma verbal liam livros de histórias. Já o sintagma no-
minal livros de histórias funciona como complemento verbal (objeto
direto) do verbo liam.

Podemos, ainda, estudar outro tipo de relações, as relações que


uma oração estabelece com outras orações – a Gramática Tradi-
cional chama esse estudo de sintaxe externa e classifica dois grupos
de orações nele inseridas: as orações coordenadas (aditivas, adver-
sativas, alternativas, explicativas e conclusivas) e as orações subor-
dinadas (adjetivas, substantivas e adverbiais).

Não é nossa preocupação estudar sintaxe segundo a Gramática


Tradicional, por razões que já aludimos aqui, mas sugerimos a você
que, caso não se recorde desses conceitos (que deveriam ter sido estu-
dados no ensino médio), retome um manual de gramática e refaça seus
estudos, porque conhecer a sintaxe segundo a Gramática Tradicional
pode contribuir para compreender melhor as discussões da sintaxe sob
a perspectiva dos estudos linguísticos; afinal, a Linguística, ao criticar a
Gramática Tradicional, vai muito além dela, mas há conceitos que se en-
trecruzam e que, por isso, merecem ser conhecidos também sob o ponto
de vista da Gramática Tradicional para que as críticas e os avanços da
Linguística sejam de fato compreendidos.

Pensando no que a Gramática Tradicional chama de sintaxe ex-


terna, ou seja, as relações sintáticas estabelecidas entre as orações, re-
tomemos a nossa sentença, agora com outras mudanças: As meninas
que eram curiosas liam livros de histórias.

Nesse caso, podemos observar que não há mais apenas um ver-


bo, mas dois verbos; assim, estamos diante de dois sintagmas verbais,
porque temos, nesta sentença, duas estruturas oracionais inter-rela-
cionadas. Vamos à arvore?

56
Do gerativismo ao funcionalismo – uma visão panorâmica
Capítulo 03

S1

SN S2 SV

Det N SN SV V SN

Det N Cóp SA N Mod

SP

P SN

As meninas As meninas eram curiosas liam livros de histórias.

Observe, no interior da sentença, As meninas liam livros de his-


Em S2, observe que há uma
tórias – escrita em negrito –, há outra estrutura oracional: As meninas nova sigla, Cóp, que signi-
eram curiosas – escrita em itálico. O sintagma nominal As meninas, nes- fica CÓPULA; neste caso e
para as finalidades deste
te caso, foi inteiramente substituído pelo pronome que, e a estrutura
estudo introdutório, pode-
final ficou As meninas que eram curiosas liam livros de histórias. mos entendê-la como sinô-
nimo de verbo de ligação.

Nosso objetivo, ao mostrar essas arborizações, é registrar que a sin-


taxe, como nível de análise linguística, preocupa-se com as estru-
turas oracionais, com os sintagmas que constituem tais estruturas;
busca representar as relações existentes entre eles com vistas a expli-
citar as implicações de sentido que derivam dessas mesmas relações.
Para conhecer melhor es-
sas teorias, pesquise algu-
mas produções dos autores
As arborizações que mostramos aqui correpondem a fases ini- já referidos neste capítulo,
ciais dos estudos de Chomsky na Gramática Gerativa Transformacio- além das obras do próprio
Chomsky, mas isso exigirá
nal. Hoje, esses estudos evoluíram significativamente, havendo vários de você uma base infor-
desdobramentos teóricos como a Teoria Padrão Estendida, a Teoria de macional um pouco mais
efetiva, o que será conso-
Princípios e Parâmetros e o Programa Minimalista. Optamos por colocar
lidado ao longo do curso.
você em contato com os conceitos básicos da sintaxe gerativa porque

57
Estudos Linguísticos I

este é um estudo de natureza introdutória. Após essa incursão acerca


dos estudos gerativistas em sintaxe, nosso olhar recai sobre a perspecti-
va funcionalista de Halliday.

3.3 A Gramática Sistêmico-Funcional


Hallidayana – um brevíssimo olhar

Para que possamos fazer uma breve incursão em uma perspectiva


que analisa língua levando em consideração seus aspectos funcionais,
vamos centrar nossa atenção na proposta Hallidayana, chamada de Gra-
mática Sistêmico-Funcional.

Nessa perspectiva, a língua é vista como um sistema, no sentido de


Saussure, portanto, previsível e sistemático, passível de regras e regula-
Figura 5 - Michael Alexander Ki- ções. Porém, se fôssemos simplesmente nos ater a questões do sistema
rkwood Halliday. Fonte: http:// ‘per se’, qual seria a inovação dessa perspectiva, não é mesmo?
wikipedia.org

A gramática proposta por Halliday (1994) é chamada de gramática


Michael Alexander Ki- sistêmico funcional devido ao fato de levar em consideração ques-
rkwood Halliday (MAK
Halliday) nasceu em 13
tões relacionadas ao significado (base semântica) e ao uso (fun-
de abril de 1925, em Le- cional) de uma determinada língua e por considerar a existência
eds, Yorkshire, Inglaterra. de uma rede de sistemas que constituem uma língua. Seus objeti-
Para saber mais, acesse as
referências indicadas na vos são descrever o sistema da língua e as formas pelas quais esse
Wikipedia. Disponível em: sistema se relaciona com os textos, sendo estes entendidos como
<http://en.wikipedia.org/
instâncias reais da língua. (Disponível em: <http://www.maxwell.
wiki/Michael_Halliday>.
Acesso em: 1 mar. 12. lambda.ele.puc-rio.br/9467/9467_6.PDF>. Acesso em: 1 mar. 12.).

Na sessão anterior, abrimos espaço para falar de uma abordagem


formalista de análise linguística e centramos nossa atenção no Gerati-
vismo, que prima pelo estudo das características internas da língua, tais
como a natureza de seus constituintes e da relação entre eles. O grande
foco da análise linguística, nessa perspectiva, se dá em relação a seu as-
pecto formal no nível da sentença, não é mesmo? Ademais, a ordem dos

58
Do gerativismo ao funcionalismo – uma visão panorâmica
Capítulo 03

constituintes sintáticos de uma sentença é tratada em termos de pro-


priedades internas ao sistema linguístico ou de possibilidades de varia-
ção que se verificam nesse mesmo sistema.

Na perspectiva funcionalista que iremos brevemente abordar, há


um alargamento no foco da análise linguística que avança para além dos
A ideia de contexto de si-
limites da sentença e abarca estratos tanto intra como extralinguísticos, tuação somente pode ser
já que a língua(gem) é vista como sistema multiestrato, e sua materia- entendida a partir da no-
ção de contexto de cul-
lização é determinada pelas condições sociais de produção. O primeiro tura proposta por Malli-
estrato a ser considerado é o contexto social, chamado de contexto da nowski ( l964, p. 307 em
Eggins, 1996, p.51), a
situação, que é extralinguístico.
qual concebe que a for-
macomo as pessoas usam
Esse contexto nos remete aos aspectos linguísticos relevantes para a língua(gem) para alcan-
çar seus objetivos é guiada
o entendimento do texto, já que o significado de qualquer palavra so- por regras impostas cultu-
mente pode ser entendido com referência ao contexto em que ocorre ralmente. O contexto da
(Halliday, l978), entendimento que encontra sua origem nos postulados situação, portanto, reflete
a situação de produção do
de Bakhtin, que percebe língua(gem) como construída na e pela inte- próprio texto, que, por sua
ração. Sendo assim, qualquer análise textual que se dê na perspectiva vez, é definido como qual-
quer manifestação linguís-
funcionalista hallidayana buscará responder a questões que abarcam
tica que tenha uma função.
três aspectos do contexto da situação, quais sejam as noções de campo, (Halliday and Hasan, l985).
relação e modo. Vamos a elas?

3.3.1 Campo

No que tange a campo, é a partir dessa noção que se desvela a ação


social, o objetivo comunicativo, o assunto do texto. Nesse nível de análi-
se, procura-se entender quem faz alguma coisa, o que é feito, para quem
é feito e quando e como é feito. A noção de campo, que remete a um dos
significados manifestos na e pela linguagem – a saber, o significado ide-
acional ou experiencial – realiza-se sintaticamente por meio de proces-
sos, dos participantes desses processos e das circunstâncias associadas
a esses processos (Halliday, ibid, p.106). As estruturas linguísticas que
realizam essas funções são os verbos, os substantivos e os advérbios ou
adjetivos respectivamente.

59
Estudos Linguísticos I

3.3.2 Relação

No que diz respeito à noção de relação – é por meio dela que se


revelarão os papéis sociais dos participantes, bem como seu status nas
relações sociais que se estabelecem por meio de textos (sejam eles orais
ou escritos). Postula-se que questões de poder, envolvimento e conta-
to influenciam diretamente o papel que os participantes assumem na
interação, e, consequentemente, a variação no uso da linguagem. Isso
implica dizer que nosso comportamento linguístico varia de acordo
com nosso interlocutor na medida em que trocas linguísticas depen-
dem de questões como ‘com quem estamos interagindo’ e ‘que relação
(envolvimento, contato) temos com essa(s) pessoa(s)’. Nesse nível de
análise, diz-se que as trocas linguísticas são declarações (afirmações
ou negações), interrogações, ofertas ou comandos. É também nesse
nível de análise que podemos perceber o grau de certeza ou de obri-
gação do que o(a) falante está dizendo, ou seja, a atitude do(a) falante
em relação ao que ele/ela está dizendo. Por exemplo, expressões como
“eu acho”, “eu penso” podem revelar que o grau de comprometimento
entre você e o que você fala ou escreve não é alto, ou seja, que você
não está muito ‘certo’ daquilo que você está dizendo ou escrevendo.
Esse nível de análise está, portanto, ligado ao que Halliday chama de
significados interpessoais.

3.3.3 Modo

Finalmente, no que concerne a modo, é aqui que se materializa a


relação entre a língua(gem) e a situação. O canal de comunicação e a
organização retórica são o foco de investigação nesse nível de análise.

Quanto ao canal de comunicação, importa primordialmente se a


interação se dá por meio de língua oral ou língua escrita, haja vista que
o distanciamento (ou não) espacial e interpessoal entre os interagentes
determinam a (im)possibilidade de feedback imediato, o que se refle-
te no uso da linguagem. A organização retórica, por sua vez, faculta a
identificação do ponto de partida da mensagem, ou seja, de onde o(a)

60
Do gerativismo ao funcionalismo – uma visão panorâmica
Capítulo 03

falante parte para comunicar o que pretende. Esses significados são cha-
mados de significados textuais na terminologia hallidayana.

Somente para fins de ilustração, considere a sentença: João foi ao


cinema ontem. Essa sentença, no português brasileiro, pode ter outras
realizações, igualmente aceitas pelo sistema, tal como:

1) Ontem João foi ao cinema, ou outras ainda, nem tão comuns, mas
permitidas pelo sistema da língua portuguesa brasileira, tais como
2) Foi ao cinema ontem, o João, ou 3) Ao cinema, João foi ontem. Na
análise gerativa, o que faríamos seria constatar que os sintagmas
verbais, nominais e preposicionais podem ser ordenados de formas
distintas, certo? Já na proposta hallidayana, cada qual dessas formas
de referirmo-nos à ação praticada por João permite-nos vislumbrar
intenções comunicativas distintas, já que o ponto de partida de
cada qual é distinto. Assim, na sentença 1, o foco recai no momento
em que João foi ao cinema; na 2, o foco está na ação feita por João, e
na sentença 3, o foco centra-se no local para o qual João foi.

Essa mudança de foco na organização retórica, até o momento in-


gênua, no exemplo de João, pode mascarar tanto quanto enfatizar ações,
participantes ou circunstâncias. Tomemos um outro exemplo: Bin Laden
é morto por soldados norte-americanos após anos de fuga. Nessa sentença,
Bin Laden é o ponto de partida, ou seja, é o foco de atenção. Outra possibi-
lidade de realização dessa mesma informação seria, por exemplo, A morte
de Bin Laden, após anos de fuga, é obra de soldados norte-americanos.

Nesse caso, maior atenção é dada ao fato (a morte), e não a um parti-


cipante (Bin Laden), como é o caso do exemplo anterior. Poderíamos ain-
da ter a seguinte ocorrência: Soldados norte-americanos matam Bin Laden
após anos de fuga. Perceba que, aqui, o foco passa a ser dado aos solda-
dos norte-americanos, ou seja, aos participantes praticantes da ação. Por
fim, parece-nos bastante viável que a sentença comece pela circunstância:
Após anos de fuga, Bin Laden é morto por soldados norte-americanos, ou,

61
Estudos Linguísticos I

ainda, Após anos de fuga, soldados norte-americanos matam Bin Laden.


Nessas ocorrências, importância parece estar sendo dada ao tempo que
Bin Laden ficou foragido, seja para ressaltar a sua habilidade de se escon-
der (o que parece ser o foco da primeira ocorrência) ou para ressaltar a
insistência e consequente vitória dos soldados norte-americanos (o que
parece ser o propósito da segunda).

Vamos a um último exemplo, para que você possa entender ainda


melhor a diferença entre as perspectivas gerativa e funcional. Se o(a) falan-
te produz a frase O menino gosta da Maria, ou se ele/ela diz O menino corre
no parque, trata-se, na perspectiva Gerativista, de uma mesma configura-
ção, haja vista ambas serem compostas, no eixo sintagmático, de um sin-
tagma nominal, composto de um determinante + um substantivo, seguido
de um sintagma verbal, composto pelo verbo gostar ou correr, e por um
sintagma preposicional, composto por uma preposição e um substantivo.

Já na perspectiva hallidayana, trata-se de frases distintas, na medida


em que uma posiciona o menino como sujeito de um processo mental,
caracterizando-o como alguém sensível, que gosta de Maria; e outra o
coloca em um processo material, codificando uma característica de al-
guém que age e que é dinâmico, por exemplo. Nessa perspectiva importa,
portanto, o significado do que se diz.

Quanto aos tipos de processos, Halliday propõe três principais tipos:


processos materiais, sensoriais e relacionais. Os processos materiais
são os processos do fazer, tais como correr, comer, sair, estudar,
aprender, para mencionar alguns exemplos. Já os processos mentais
são representados pela realidade interna, são processos de sentido
como pensar, sentir, amar, para citar alguns exemplos. O s processos
relacionais que são aqueles em que fazemos generalizações, e estabe-
lecemos uma relação entre experiências. Esses são processos de ser, e
no português são representados pelos verbos ser e estar e outros ver-
bos de ligação. Além desses processos, nas suas fronteiras, também
temos outros três, que são os behaviorais, os verbais e os existenciais.

62
Do gerativismo ao funcionalismo – uma visão panorâmica
Capítulo 03

Por fim, cumpre-nos ressaltar que, na linguística funcional, dife-


rentes escolhas lexicais – escolhas que acontecem no nível paradigmáti-
co – são levadas em consideração e causam impacto no entendimento e
na análise de sentenças. Por exemplo, há uma diferença entre O menino
corre no parque e O moleque corre no parque na medida em que o segun-
do exemplo parece codificar um juízo de valor quanto ao menino que
corre.

Bem, esperamos ter sido suficientemente claras de modo a sensi-


bilizá-lo(a) para o entendimento de que, na Linguística Sistêmico-Fun-
cional, formas de expressar são formas de significar. E diferentes pala-
vras (ou diferentes formas de organização retórica – para usarmos os
exemplos que usamos para ilustrar) usadas para expressar um mesmo
aspecto da realidade podem codificar diferentes propósitos.

Há muitos outros aspectos a serem explorados para que se possa ter


um conhecimento mais abrangente das questões trazidas pela linguís-
tica sistêmico-funcional, porém o momento não nos permite explorar
seus detalhes e, como dissemos anteriormente, nosso objetivo recai em
oferecer uma brevíssima panorâmica de seus pressupostos em contra-
ponto com os propostos do gerativismo.

Para finalizar, vale pontuar que, em uma análise formalista como


a gerativista, importa a ordenação dos elementos na frase, e, indepen-
dentemente das escolhas lexicais que o falante possa fazer, importa que
suas escolhas estejam ‘dentro das fronteiras do sistema’, ou seja, que o
falante produza língua que obedeça à linearidade do sistema linguístico.
Já na perspectiva hallidayana, a língua(gem) é vista na sua dimensão in-
teracional, a comunicação é função essencial da linguagem, portanto, os
processos sintáticos são entendidos pelas relações que os componentes
da linguagem mantém com os componentes semânticos e discursivos.
Há diferentes alternativas de ordenação, as quais remetem a funções co-
municativas distintas; no entanto, não há nenhum tipo de hierarquia em
relação a essa ordenação.

63
Estudos Linguísticos I

Resumo

Neste capítulo, vimos que a Sintaxe é o ramo dos estudos linguísticos


que explora a sentença. Assim, ocupa-se da estrutura interna da ora-
ção – sintagmas, bem como da relação que orações estabelecem entre
si na sentença e então no discurso. Comentamos, ainda, que a aborda-
gem aos estudos de sintaxe da Gramática Tradicional incita discussões
devido às lacunas que traz consigo, mas esclarecemos que os concei-
tos ali presentes podem contribuir para as discussões da sintaxe sob a
perspectiva dos estudos linguísticos. Apresentamos a sintaxe gerativa
de acordo com a Teoria Padrão chomskyana, na qual arborizações des-
velam relações internas entre sintagmas na oração, bem como relações
externas entre orações no discurso com vistas a explicitar as implicações
de sentido que se erigem nessas mesmas relações. Paralelamente a essa
discussão, apresentamos a abordagem funcional hallydayana à sintaxe,
a qual ganhou força recentemente; no Brasil, já perto dos anos 90. Nessa
perspectiva, importa o contexto linguístico tanto quanto o contexto da
situação extralinguística, sendo a sintaxe, desse modo, percebida, como
moldável em razão das condições em que o discurso se erige. Por fim,
ressaltamos que a sintaxe é uma das microáreas de maior expressividade
na Linguística.  

Estudar sintaxe significa estudar um dos mais fecundos níveis de análise


linguística, nível que, ao contrário da morfologia, por exemplo, ocupa
lugar de destaque na Linguística nos dias atuais em razão da atenção
que tem despertado em estudiosos de renome internacional. Esperamos
que, com o tempo, você aprofunde seus conhecimentos acerca dessas
questões, sobretudo porque haverá outras disciplinas que particulariza-
rão os conceitos aqui introduzidos.

64
Unidade D
Semântica

reavivamentoereforma.com
Possibilidades de significação
Capítulo 04

4 Possibilidades de significação
Ao final desta seção, você deverá ser capaz de identificar a semântica como
um dos níveis de estudos linguísticos, caracterizando-a em seus principais
fundamentos. Elencaremos, assim, alguns fenômenos estudados nessa área
e daremos uma breve explanação sobre cada qual desses fenômenos. Em
seguida, particularizaremos a Semântica Formal, referindo-nos a signifi-
cado, sentido, referência, em especial e terminaremos por fazer uma breve
alusão aos estudos de Semântica da Enunciação e de Semântica Cognitiva.

4.1 Introdução

Estudamos, até aqui, três níveis de análise: a fonética/fonologia, a


morfologia e a sintaxe. Esta seção focaliza a semântica como quarto ní-
vel de análise. Poderíamos, inicialmente, conceituar a Semântica como
a ciência das significações das línguas naturais, abrangendo o estudo do
léxico, das estruturas morfossintáticas e das estruturas textuais e discur-
sivas. É preciso, porém, que advirtamos, a exemplo do que fazem Ilari e
Geraldi (1995, p. 6), que

[...] a semântica é um domínio de investigação de limites movediços; se-


manticistas de diferentes escolas utilizam conceitos e jargões sem me-
dida comum, explorando em suas análises fenômenos cujas relações
não são sempre claras [...] a semântica aparece, em suma, não como um
corpo de doutrina, mas como um terreno em que se debatem proble-
mas cujas conexões não são sempre óbvias.

A semântica é foco de estudos desde o início da ciência linguística,


dado que mesmo os estruturalistas de base saussureana ocupavam-se
com a questão do significado (o signo linguístico), ainda que sejam até
hoje criticados como o tendo preterido em favor de outras discussões.

67
Estudos Linguisticos I

Historicamente, no entanto, os estudos do significado podem ser


remetidos até Aristóteles, que foi pioneiro na postulação de que as
sentenças se estruturam logicamente, por assim dizer, constituindo
a base do que hoje se concebe dentro da Semântica Formal. Você já
deve ter ouvido falar de raciocínio dedutivo, pelo qual as relações de
significado se dão independentemente do conteúdo expresso das ora-
ções: Todos os homens são mortais. Sócrates é homem. Logo, Sócrates é
mortal. Se as duas primeiras sentenças (as premissas) são verdadeiras,
concluímos automaticamente a terceira, não é mesmo? E essas relações
são lógicas, ou formais, e podem ser representadas por letras vazias de
conteúdo. Acompanhando Pires de Oliveira (2006, p. 20), podemos
dizer: “se A é um conjunto qualquer que está contido em um outro
conjunto qualquer, o conjunto B, e se c é um elemento do conjunto A,
então c é um elemento do conjunto B”. Se você se arrepiou com essa
linguagem, pois se lembrou das aulas de matemática, podemos dizer
que nada mais é do que uma metalinguagem com a qual explicamos a
linguagem. Ainda voltaremos a esse conceito mais adiante no capítulo.
Mas veja se a “fórmula” não se aplica também para: Todas as aves têm
duas pernas. Piu-piu é uma ave. Logo... Alteramos as expressões, mas
mantivemos as relações e assim o raciocínio será sempre válido. Você
está convidada(o) a criar mais alguns silogismos; é assim que denomi-
namos isso, sabia?

4.2 Um primeiro olhar

Como a semântica pode ser abordada sob vários olhares teóricos,


optamos, aqui, por referir alguns fenômenos que têm sido objeto de
estudos da semântica, aludindo a eles de modo bastante breve, por-
que nosso objetivo é facultar a você uma noção básica do universo de
estudos desse nível de análise linguística. Dentre os muitos focos de
atenção dos estudos semânticos, estão as seguintes questões:

• Campos semânticos: espécies de sistemas de organização do


material léxico de uma língua, reunindo vocábulos pertencen-
tes a um mesmo campo de significado – aulas, aprendizagem,

68
Possibilidades de significação
Capítulo 04

professor, ano letivo, por exemplo, pertenceriam ao campo se-


mântico relacionado ao item lexical escola;

• Sinonímia, antonímia, hiperonímia, hiponímia: relações de sig-


nificação estabelecidas entre as palavras. Duas palavras seriam
sinônimas (tangerina e bergamota) quando substituídas em con-
textos idênticos sem comprometer tais contextos sob o ponto de
vista do sentido; duas palavras seriam antônimas quando dota-
das de sentido incompatível em uma mesma situação (alto e bai-
xo); uma palavra seria hiperônima de outra quando dotada de
sentido mais genérico que tal (flor como hiperônimo de rosa);
uma palavra seria hipônima de outra quando dotada de sentido
mais específico que tal (cachorro como hipônimo de animal);

• Polissemia e homonímia: a polissemia implicaria um mesmo vo-


cábulo remetendo a diferentes significados (universidade (como
instituição de ensino superior) e universidade (prédio onde esse
ensino acontece), enquanto a homonímia implicaria neutraliza-
ção formal entre dois vocábulos distintos (manga (de camisa) e
manga (fruta), por exemplo);

• Paráfrase: fenômeno linguístico que se fundamenta nas seme-


lhanças de significação entre construções; “[...] mas essas seme-
lhanças não são nunca completas; [...] o reconhecimento de uma
relação de paráfrase corresponde sempre, em alguma medida,
a um apagamento de diferenças que podem ser colocadas em
relevo em outros contextos” (ILARI; GERALDI, 1995, p. 50) –
tomemos um exemplo, mas o façamos sem discutir todas as im-
plicações de sentido dele decorrentes: João foi morto por Pedro
seria um enunciado parafrástico de Pedro matou João;

• Pressupostos e subentendidos: os pressupostos envolveriam evi-


dências admitidas por falantes e ouvintes – no enunciado João
parou de fumar, uma evidência inegável seria João fumava; os su-
bentendidos seriam implicações semânticas que se acrescentam
à significação dada pelo componente linguístico – no enuncia-

69
Estudos Linguisticos I

do Conheço muito bem os políticos de hoje, é possível subenten-


der uma crítica a esses mesmos políticos, o que evidentemente
dependerá do contexto em que o enunciado foi proferido. Essa
vertente teórica, que vem de um estudioso chamado Osvald Du-
crot, apresenta hoje novos elementos que merecem ser conheci-
dos por você em estudos futuros;

• Operadores argumentativos: foco de estudos da semântica ar-


gumentativa, esse conceito traz consigo a concepção de que a
argumentatividade está inscrita na própria língua, que o uso
Figura 6 - Gottlob Frege. Fonte: da linguagem é inerentemente argumentativo; tais operadores
http://www-history.mcs.st-and.
seriam morfemas responsáveis por relacionar enunciados na
ac.uk
construção da argumentação (KOCH, 2004). Se tomarmos, por
exemplo, o enunciado Até o Governador compareceu ao enterro
Gottlob Frege (1845-1925)
do bombeiro que morreu em serviço, poderemos observar que o
nasceu em 8 de Novembro
de 1848 em Wismar, Merk- “[...] o papel específico do até é apontar que o resto da oração
lenberg Schwerin (atualmen- verbaliza um argumento que, numa hierarquia admitida pelo
te Alemanha). Estudou na
Universidade de Jena (1869-
locutor e em relação à conclusão visada, tem posição elevada.”
1871) e na Universidade de (ILARI; GERALDI, 1995, p. 80).
Gottingen (1871-1873), de-
dicando-se à Matemática, à
Física e à Química. Ele queria Passamos a mostrar em mais detalhe, agora, como alguns fenô-
mostrar que a aritmética era menos semânticos podem ser abordados dentro do quadro teórico da
idêntica à lógica e pode-se di-
semântica formal, que se encaixa na abordagem referencial. Um autor
zer que recriou a disciplina da
lógica ao construir o primeiro é sempre citado na literatura a respeito: o lógico alemão Gottlob Frege
«cálculo de predicados». Um com suas contribuições para a semântica, definindo, entre outras coisas,
cálculo de predicados é um
sistema formal constituído o significado em termos de sentido e referência. Voltaremos a esses con-
por duas componentes: a ceitos mais adiante no capítulo.
linguagem formal e a lógica.
Para saber mais, acesse o
Portal da Universidade de Lis-
boa. Disponível em: <http:// 4.3 A Semântica Formal
www.educ.fc.ul.pt/docen-
tes/opombo/seminario/
fregerussel/biografia_frege. De acordo com Cançado (2005, p. 142), essa abordagem se tornou
htm>. Acesso em: 1 mar. 12. influente na linguística e seu foco está nos aspectos das condições de
verdade, a concepção de teoria de modelos em semântica e o princípio
da composicionalidade, entre outros parâmetros que não serão desen-
volvidos aqui por razões de espaço e caráter introdutório à area.

70
Possibilidades de significação
Capítulo 04

Antes, porém, de nos embrenharmos nessas discussões, vamos re-


fletir um pouco sobre a própria noção geral de significado, que
certamente é polissêmico ele mesmo e, portanto, merecedor de ter
suas arestas aparadas.

Sendo o objeto de estudos da semântica o significado de “entidades


linguísticas”, vamos elencar algumas sentenças para verificar se estamos
de comum acordo sobre qual seria, de fato, o significado que nos inte-
ressa analisar dentro desta lista:

(01) O que significa não ter o que comer?


(02) O que significa uma bandeira a meio pau?
(03) O que significa essa choradeira?
(04) O que significa ser uma mulher?
(05) O que significa ‘ser uma mulher’?

Se você está desconfiada(o) de que é a pergunta em (5) aquela que


nos interessaria, está correta(o), pois só neste caso não dependemos de
qualquer contexto para precisar o significado: significa um ser humano,
de uma determinada idade e do sexo feminino.

Só na sentença (5) temos uma parte dela que está sendo mencio-
Outro exemplo para mar-
nada enquanto a sentença como um todo está sendo usada. E a parte car essa diferença: Uma
mencionada vai ser efetivamente o nosso objeto de estudos, e é em cima mãe falando com o filho
desta parte que incide a definição de significado acima. que acabou de receber
um presente de aniversá-
rio da tia: “Diz ‘obrigado’
Caso ainda não tenha ficado totalmente clara a diferença entre uso pra titia, filho!”. A sentença
como um todo está sendo
e menção, que também pode ser pensada em termos de linguagem e
usada, mas tem uma parte
metalinguagem, lá vai mais uma explicação. Pense num professor que- dela que está sendo ape-
rendo explicar um fenômeno físico qualquer. Ele vai poder se valer da nas mencionada.

linguagem da matemática – enquanto metalinguagem -, para fazer isso,

71
Estudos Linguisticos I

não? (F= m . a; V = R . i e por aí vai, você deve se lembrar certamente!).


Já fizemos isso também no capítulo de sintaxe, quando “traduzimos” os
constituintes em metalinguagens do tipo S = SN + SV, SP = P + SN etc. Já
no caso da sentença em (5), pelo fato de que tanto a língua-objeto e a me-
talinguagem são o próprio português, nem sempre a “coisa” é tão visível
assim. Portanto, quando fazemos isso convencionamos que as sentenças
ou palavras da língua-objeto vão estar identificadas por aspas simples.
Uma vez entre aspas, estas vão estar sendo mencionadas, e não usadas.

Evidentemente que podemos nos valer de outras metalinguagens


para descrever a nossa língua-objeto, a linguagem da lógica, por exem-
plo. Essa linguagem é utilizada pelas teorias semânticas formais. Um
exemplo deve deixar isso mais claro: uma notação formal para a senten-
ça Todos os homens são mortais seria, em linguagem lógica, algo como
(Vx∀(HUMANO x → MORTAL x)) (ou: para todo x, se x é homem,
então x é mortal), ou para João encontra um homem (Ǝx (HOMEM x
& João ENCONTRAR x) (ou: existe um x, tal que x é homem e João
encontra x). No livro de Pires de Oliveira (2001) (também da UFSC!),
citado na bibliografia e que é uma ótima introdução à área de Semântica
Formal, você vai se deparar com esse tipo de notação (metalinguagem),
evidentemente muito bem explicado, pois se trata de um manual para
graduandos em Letras.

Feitos esses comentários de ordem mais geral, vamos, conforme já


dito, estar focados na semântica das sentenças. Existe, evidentemente,
uma relação entre o significado das palavras (itens lexicais) e o significa-
do das sentenças. Lá no capítulo de Sintaxe já desenvolvemos, também,
a questão da ordem como sendo uma preocupação básica na análise das
sentenças. Quando tratamos do significado de uma sentença, a questão
da ordem das palavras, ou de outros elementos da estrutura gramatical, é
igualmente determinante. O que as palavras significam e como elas se or-
denam para formar o todo (a sentença) constitui uma propriedade que faz
parte do conhecimento semântico de um falante: a composicionalidade.

Segundo Basso et al. (2009, p. 30), é a composicionalidade que vai


explicar a criatividade, essa nossa capacidade de, a todo instante, cons-

72
Possibilidades de significação
Capítulo 04

truir e interpretar sentenças que nunca ouvimos antes. A sentença a se- Uma sugestão de leitura
guir, por exemplo, certamente é inédita, mas você consegue interpretá- para aprimoramento desse
conhecimento sobre a tra-
-la e atribuir a ela um significado:
ma de sentenças e que é
muito divertida ao mesmo
tempo, pois se baseia em
(06) Sapos miúdos comeram trigo azedo. exemplos reais, é: Introdu-
ção à Semântica. Brincan-
do com a gramática (2001),
de Rodolfo Ilari. Veja a refe-
rência completa na biblio-
Como fazemos isso? Conhecemos os significados lexicais de sapo, grafia ao final deste livro.
miúdo, comer, trigo, azedo. Esses itens, porém, ocorrem em determi-
nada forma gramatical. O verbo comer está conjugado no pretérito
perfeito, do indicativo, na voz ativa. Portanto, não está no futuro do
presente (comerão), nem no pretérito imperfeito (comiam), tampou-
co, está no modo subjuntivo (se comessem) e nem na voz passiva (foi
comido). A sentença também não está sendo negada (não comeram),
os adjetivos concordam com os substantivos (plural em miúdos e sin-
gular em azedo), mas não estão no superlativo (miudíssimos), nem no
comparativo (mais azedo que...). O plural sapos tem significado dife-
rente de sapo e assim por diante... Portanto, de acordo com Löbner
(2002, p. 12), os significados das palavras em suas respectivas formas
dentro da sentença precisam ser derivados dos seus significados lexi-
cais através de regras. Essas regras são parte do aparato que usamos na
composição de sentenças. E as formas resultantes fazem parte do que
convencionamos como significado gramatical.

A sentença acima, portanto, é composta de itens lexicais e itens


gramaticais como qualquer sentença em língua natural. Chamamos
isso de significado composicional. Os significados lexicais são apren-
didos e estão “estocados” em nosso cérebro e à nossa disposição. Já os
significados de sentenças completas não estão armazenados em nossas
mentes (exceto, talvez, os provérbios, as frases feitas etc.).

O princípio da composicionalidade de uma expressão complexa


(digamos, uma sentença), segundo Löbner (2002, p. 15) é:

73
Estudos Linguisticos I

O significado de uma expressão complexa é determinado pelo sig-


nificado lexical de seus componentes, de seus significados grama-
ticais e do significado da estrutura sintática como um todo.

Já vimos, portanto, que somos dotados (geneticamente) de uma ca-


pacidade para combinar palavras e formar sentenças com sentido, o que
revela a nossa competência semântica. Também somos capazes de para-
frasear sentenças ou só palavras, de estabelecer sinônimos; e uma teoria
do significado também deverá dar conta disso: os grevistas quebraram
a porta x a quebra da porta pelos grevistas; uma galinha é maior do que
um pinto x um pinto é menor do que uma galinha. Se essas diferenças
podem ser remetidas ao fenômeno linguístico propriamente dito ou à
uma questão situacional (ou seja, no campo da pragmática) é algo que
precisa ainda ser melhor analisado.

Outro aspecto que caracteriza o nosso conhecimento semântico é


a nossa capacidade de deduzir sentenças de outras sentenças. Pires
de Oliveira (2001) desenvolve essa questão, ou seja, a da trama das
sentenças (uma propriedade das línguas naturais), com muita pro-
priedade. Se sabemos que uma sentença é considerada verdadeira
em certa situação de mundo, sabemos outras tantas. Por exemplo,
se sabemos que ‘João parou de comer carne’ é verdadeira, dedu-
zimos automaticamente que ‘João comia carne’ também é verda-
deira. E mesmo se negamos a primeira ‘João não parou de comer
carne’, ainda assim ‘João comia carne’ continua sendo verdadeira.
Estamos diante de uma pressuposição.

Agora observe o seguinte: se sabemos que a sentença ‘O gato está


miando’ é verdadeira em determinada situação de mundo, também será
verdadeira ‘O gato está fazendo barulho’, ou seja, estamos diante de um
acarretamento. Mas experimente inverter a ordem: ‘O gato está fazendo
barulho’ não significa necessariamente que também a sentença ‘O gato

74
Possibilidades de significação
Capítulo 04

está miando’ seja verdadeira, uma vez que ele muito bem pode estar
brincando com uma bolinha, arranhando uma porta etc.

Esperamos que você tenha ficado curiosa(o) e que fique motivada(o)


a brincar com essas noções semânticas. Às vezes estamos diante de múl-
tiplos pressupostos: pense na sentença ‘Pedro só lavou a louça’ e veja o
que você pode estabelecer como pressupostos para ela, sempre se lem-
brando que uma sentença estabelece uma relação entre linguagem e
estados de mundo (ou mundos) dentro de uma teoria formal sobre a
linguagem, que é a que escolhemos para trabalhar neste capítulo. Para
dizer o valor de verdade da sentença ‘Está trovejando em Florianópolis’
precisamos estabelecer as condições de mundo em que esta sentença
deveria ser avaliada: por exemplo, hoje, dia 20 de novembro de 2011, às
15h40min, ela é verdadeira.

4.4 Significado: sentido & referência

Já que os estudos semânticos como um todo e principalmente a Se-


mântica Formal devem muito às contribuições do filósofo e matemático
alemão Gottlob Frege, vamos desenvolver um pouco como esse autor tra-
tou da noção de significado em seu artigo de 1892, intitulado Über Sinn
und Bedeutung (Sobre sentido e referência). Ele analisou o sinal de igual-
dade “=” e verificou o que exatamente este sinal relaciona. Vejamos o par
de sentenças a seguir, que já se tornou clássico nos estudos semânticos:

(07) A estrela da manhã é a estrela da manhã.


(08) A estrela da manhã é a estrela da tarde.

No primeiro caso, a sentença em (07), você deve ter observado que


igualamos uma coisa a ela mesma, o que parece algo muito óbvio, não
é mesmo? Outras sentenças deste tipo poderiam ser: ‘Lula é Lula’, ‘O
Cristo Redentor é o Cristo Redentor’, ‘Madonna é Madonna’ etc., enfim,
apenas dizemos que algo é igual a si mesmo. Poderíamos, ainda, tradu-

75
Estudos Linguisticos I

zir isso numa linguagem matemática, por exemplo, por a=a, e dizer que,
em todos esses casos, estamos diante de uma tautologia.

Essas sentenças também são sempre verdadeiras, você concorda?


Chamamos isso de uma verdade analítica, pois não precisamos ir
ao mundo para constatar esse valor.

Já na sentença em (08), parece que temos uma nova informação aí,


e a sua tradução numa metalinguagem seria algo como a=b, não é mes-
mo? E foi exatamente o que aconteceu em algum momento de nossa
história. Descobriu-se que aquilo que denominávamos estrela da ma-
nhã era o mesmo objeto que denominávamos estrela da tarde, ambos
serviam para nos referirmos ao planeta Vênus no mundo. Tínhamos
assim, através dessa importante descoberta da Astronomia, traçado
dois caminhos para chegar à mesma referência. Falamos aqui de ver-
dade sintética, daquela que só pode ser determinada inspecionando-se
fatos no mundo. Observe que na sentença em (08) aprendemos algo e
isso é em função das circunstâncias de mundo em que ela é proferida.
Ela era falsa para os gregos, mas é verdadeira para nós, pois nosso co-
nhecimento sobre o mundo aumentou.

Mas voltemos às sentenças acima, traduzidas por a=a e a=b. Am-


bas se referem ao mesmo objeto no mundo: a verdade. E desta forma
poderiam ser consideradas idênticas. Se mesmo assim percebemos que
não é a mesma coisa que estamos afirmando, na qualidade de seman-
ticistas, precisamos explicitar essa diferença. E Frege diz que isso só
é possível, se fizermos a distinção entre sentido e referência. Taylor
(1998, p. 6-7) servirá de base para essa explicação: vamos tomar a des-
crição definida ‘a estrela da manhã’ como sendo um nome próprio, tal
qual podemos fazer com ‘Madonna’ ou ‘Presidente Obama’. A referên-
cia do nome ‘Madonna’ é a cantora Madonna, a referência do nome
‘Presidente Obama’ é o atual presidente dos EUA, a referência do nome
‘a estrela da manhã’ é o planeta Vênus no mundo... Assim, a referência
de um nome é tipicamente um objeto individual (“objeto” aqui precisa

76
Possibilidades de significação
Capítulo 04

ser tomado num sentido amplo). Também a referência de frases como


‘a cor favorita da Júlia’ é a própria cor favorita de Júlia no mundo (diga-
mos, a cor vermelha), ou de ‘o terremoto do Haiti’ é o evento no mundo
que praticamente acabou com aquele país recentemente. Todos esses
nomes (no sentido amplo do termo) denotam a sua referência.

O sentido, de acordo com Frege, é um determinado caminho que


nos leva a uma referência. E, embora a referência seja única, é pos-
sível alcançá-la por sentidos distintos. O sentido é uma rota para a
referência, como um vetor unidirecional.

Assim é possível explicar que tanto ‘a estrela da manhã’ como ‘a


estrela da tarde’ são sentidos diferentes, mas que “pegam” a mesma re-
ferência no mundo, nesse caso, o planeta Vênus. E observe que, em-
bora a referência seja a mesma, os dois sentidos que levam a ela não
precisam ser partilhados, digamos, pela mesma pessoa. Por exemplo,
alguém pode saber que a Madonna é a cantora mais famosa do mundo,
mas pode não saber que ela é a compositora de “Like a virgin”. Então,
concluindo com Frege: as sentenças acima se referem ao mesmo objeto,
nesse caso, a verdade, mas veiculam sentidos distintos, expressam pen-
samentos diferentes. (PIRES DE OLIVEIRA, 2001, p. 101)

Vamos citar um exemplo mais próximo de nós para tentar fixar


melhor a diferença entre sentido e referência: pensemos em um “obje-
to” no mundo, digamos, o Barack Obama. Como podemos traçar di-
ferentes caminhos (= sentidos) para alcançá-lo? Um deles poderia ser,
por exemplo, ‘o atual presidente dos EUA’, você concorda? Esse sentido
seguramente “pega” a referência Barack Obama no mundo. Outro sen-
tido poderia ser ‘o marido da Michele Obama’, ainda outro poderia ser
‘o pai da Sasha e da Malia Obama’ e ainda outro, o próprio nome ‘Ba-
rack Obama’. Cada novo sentido que nós possamos vir a traçar e que
nos leve à referência Barack Obama no mundo é algo que aprendemos
sobre essa referência. Cada novo sentido vai codeterminar essa refe-
rência única. Mas observe que ‘o presidente dos EUA’ (sem o ‘atual’)

77
Estudos Linguisticos I

não “pega” só o Obama, mas também o Bush, o Reagan, o Clinton etc.


Você entendeu o porquê?

Um nome próprio, segundo Frege, deve ter sentido e referência:


‘Barack Obama’ e ‘o atual presidente dos EUA’, são dois nomes próprios
que atendem a esse requisito: eles têm sentido e nos permitem falar so-
bre um objeto no mundo: o Barack Obama, ser no mundo. Os nomes
É claro que este indivíduo
pode ser um indivíduo próprios, conforme especificado acima, são saturados, pois expressam
“plural”: ‘as rosas verme- um pensamento completo. Repare que as descrições introduzidas por
lhas em cima de minha
um artigo definido (descrições definidas) são elas mesmas consideradas
mesa’ vão se referir às ro-
sas vermelhas em cima de “nomes próprios” por Frege, pelo fato de cumprirem o mesmo papel de
minha mesa no mundo. um nome próprio: alcançar um e apenas um indivíduo. Por meio delas
podemos identificar uma referência.

Mas também existem expressões incompletas que não nos permi-


tem chegar a uma referência e que, portanto, não expressam pensamentos
completos. Pense no caso da expressão ser mais alto que. O que ela “pega”
no mundo? Não sabemos, certo? Então ela não serve para alcançarmos
uma referência. Além disso, de acordo com Pires de Oliveira (2006, p. 22),
ela é recorrente em muitas sentenças. Podemos citar como exemplos:

Observe que a noção de


predicado aqui é um pou- (09) O jogador de basquete Oscar é mais alto que a atleta Dayane dos
co diferente do que aquela Santos.
que a gramática tradicional
define como “predicado” (10) O Hotel Castelmar em Florianópolis é mais alto que o Empire
em contrapartida com o State Building em NY.
“sujeito”. Aqui ‘____ ser
bonito’ é um predicado de (11) A inflação na década de 70 era mais alta que a de hoje. (09) O
um lugar; ‘____ estar entre
jogador de basquete Oscar é mais alto que a atleta Dayane dos Santos.
____ e _____’ é um predi-
cado de três lugares, e as-
sim por diante. O que é im-
portante aqui é que ele se
constitui em um elemento Portanto, para expressar um pensamento completo, precisamos
insaturado, que precisa ser
preenchido com argumen- preencher as expressões com o que chamamos de argumento. A expres-
tos, não interessando se são insaturada _____ser mais alto que_____ é chamada de predicado,
são sujeitos, objetos, com-
neste caso, de dois lugares, pois há duas lacunas a serem preenchidas.
plementos sintáticos.
Nas sentenças acima, preenchemos as lacunas com diferentes nomes

78
Possibilidades de significação
Capítulo 04

próprios, assim, as funções (termo de Frege) ficaram completas. Pelo


fato de agora serem completas, tornaram-se elas mesmas nomes pró-
prios. E agora têm sentido e referência.

Você saberia dizer qual seria a referência das sentenças (09), (10) e
(11)? Lembra-se que falamos no início que os “objetos” numa se-
mântica referencial eram coisas bem amplas? Pois bem, agora che-
gamos ao ponto do estranhamento. O “objeto” a que nos referimos
como uma sentença, ou seja, a referência de uma sentença, é o seu
valor de verdade. Quais seriam então os valores de verdade (as re-
ferências!!!) das sentenças acima? Se você disse V (verdadeiro) para
(09) e para (11), e F (falso) para (10), você pegou o “espírito da coisa”.

Faltou explicar por que uma sentença vira um “nome próprio”, não
é mesmo? Temos que pensar em termos de uma máquina, que toma ele-
mentos ou que os relaciona. É que a própria sentença (agora vista como
nome próprio, que tem sentido, expressa um pensamento e tem uma
referência) pode virar argumento de uma nova expressão insaturada.
Não se desespere, o exemplo a seguir já vai elucidar isso.

Vamos pegar, novamente, uma expressão incompleta, desta vez um


predicado que pede apenas um argumento, e não dois como em ‘____
ser maior que _____’. O predicado escolhido poderia ser: ‘Lula verificou
que_____’. Agora, se a sentença (11) acima é um nome próprio, isso
quer dizer que ela pode ocupar o lugar do argumento no predicado in-
saturado de um lugar citado, não? Veja o resultado:

(12) ‘Lula verificou que a inflação na década de 70 era mais alta


que a de hoje.’

E aí poderíamos novamente verificar a referência desta sentença,


ou seja, o seu significado. Para dizer se a mesma é verdadeira, deve

79
Estudos Linguisticos I

existir e referência do nome próprio Lula, esse alguém fez uma ve-
rificação de algo, e esse algo era..., e por aí vai. Se você associou aqui
o que já havíamos comentado antes no capítulo quando falamos da
composicionalidade, você está no caminho certo: “a verdade do todo se
dá a partir da verdade das partes”.

Esse mesmo predicado pode ser preenchido por outros argumen-


tos: ‘Lula verificou que a Marisa Letícia fez cirurgia plástica.’, ‘Lula ve-
rificou que a inflação não subiu muito.’, ‘Lula verificou que o seu índice
de aprovação baixou.’ etc. Lembre-se que essa peculiaridade das línguas
naturais (produtividade) precisa ser contemplada por um modelo que
se propõe a mimetizar a competência semântica de um falante.

Vamos apenas propor, ainda, uma pequena modificação no pre-


dicado acima, para chamar a sua atenção para um interessante aspecto
também discutido por Frege e que ele denominou de “contexto indireto”,
e que foi rebatizado depois como “contexto opaco”, por Quine (1960). O
predicado agora é ‘Lula acredita que_______’. Compare com o predica-
do anterior, também de um lugar, que era ‘Lula verificou que_________’.
Você deve ter percebido que, independente do que colocarmos aqui para
preencher o argumento, não podemos concluir que o valor de verdade
na sentença com acreditar possa também ser deduzido das partes que a
compõem, não é mesmo? A verdade da sentença agora vai depender da
crença de Lula, independente do complemento da sentença ser verda-
deiro ou não, como no exemplo:

(13) ‘Lula acredita que o Hugo Chávez é um grande amigo do Brasil.’

O fato do Chávez ser um grande amigo do Brasil pode até não ser
verdadeiro (e pensamos não o ser mesmo!), mas isso não altera o fato do
Lula acreditar nisso e ela continuará sendo verdadeira. Assim, enquanto
os outros exemplos citados se constituem em sentenças extensionais,
aqui estamos diante de um contexto intensional (atenção: é com “s”
mesmo, pois é em contrapartida a extensional). Nesse tipo de sentença

80
Possibilidades de significação
Capítulo 04

não podemos substituir o argumento por outro com a mesma referên-


cia, pois dependemos, no caso do nosso exemplo, da crença do Lula.
Outros exemplos de verbos que disparam contextos intensionais seriam
pensar, achar, querer etc.

Você já deve estar achando esse tal de Frege um cara genial, por ter
introduzido para nós essa diferença entre sentido e referência (entre ou-
tras coisas que nem comentamos aqui), tão relevante para todo o desen-
volvimento dos estudos semânticos a partir dele, não é mesmo? Tudo isso
tem servido muito às teorias que procuram mimetizar o conhecimento
intuitivo que temos sobre o significado das sentenças de nossa língua.

Mas nem tudo são flores, nem na vida do Frege! E só para lembrar
mais uma vez: na teoria referencial fregueana, a verdade não está na lin-
guagem, mas nos fatos do mundo. Para Frege, portanto, se formos falar de
personagens fictícios, tais como Saci-Parerê, Papai-Noel, Garfield, o fato
de esses personagens carecerem de referência no mundo real faz com que
as sentenças também careçam de valor de verdade, ou seja, é impossível
dizer se são verdadeiras ou falsas. Sentenças que ferem a pressuposição da
existência, no entanto, apesar de não terem referência, têm sim sentido.
Essa, porém, é uma discussão que vai ter de ficar para um outro momento.

Cabe, ainda, uma informação final sobre as considerações de Frege.


Falamos acima do preenchimento dos predicados por nomes próprios,
das descrições definidas que são consideradas nomes próprios, e de sen-
tenças que “viram” nomes próprios. Precisamos ressaltar que existe, tam-
bém, uma outra possibilidade e que todos nós a usamos o tempo todo,
o argumento em forma de uma expressão quantificada, que indica um
certo número de elementos. Observe os exemplos a seguir de sentenças
que contém quantificadores:

(14) Todos os homens são mortais


(15) Todas as alunas beijaram um aluno.
(16) Alguém saiu da sala.

81
Estudos Linguisticos I

Os quantificadores (todos, um, alguém etc.), como podemos per-


ceber, estabelecem uma relação entre conjuntos: na sentença em (14),
estamos diante de um quantificador universal, pois pega a totalidade dos
elementos de um conjunto; na sentença em (15), temos uma combinação
de quantificadores na mesma sentença; e, em (16), temos um quantifi-
cador existencial, indicando pelo menos um elemento de um conjunto.

Observemos que em (15) podemos ter duas interpretações (a sen-


tença gera ambiguidade semântica), exatamente por causa dessa combi-
nação de quantificadores: para toda aluna há pelo menos um aluno que
ela beijou e a leitura é distributiva, ou há um único aluno que todas as
alunas beijaram. Os gráficos a seguir ilustram as duas situações:

Situação 1

Maria João

Josefina Pedro

Yara José

Daniela Luciano

Situação 2

Maria

Josefina
Luciano
Yara

Daniela

O fenômeno da quantificação não se resume somente à quantifi-


cação nominal, mas foi esta a que mais recebeu atenção de Frege. Ele
considerou a quantificação uma predicação de segunda ordem, pois ela
predica sobre um predicado. Você pode ler em Pires de Oliveira (2001),

82
Possibilidades de significação
Capítulo 04

no Capítulo 5, uma explicação bem detalhada sobre quantificação. Aqui


só chamamos a sua atenção para esse interessante fenômeno, sobre o
qual uma teoria semântica necessariamente deve dar conta também.
Com isso encerramos nossas considerações sobre Frege.

4.5 A Semântica da Enunciação e a


Semântica Cognitiva: algumas palavras

Esperamos que essa breve visão sobre a semântica tenha mostrado a


você coisas interessantes que merecem ser estudadas, principalmente, por
um(a) graduando(a) em Letras. Embora não seja possível delimitar esse
campo, em razão de todos os aspectos que envolvem a noção de signifi-
cação nas línguas naturais, as escolhas feitas por nós tinham como obje-
tivo despertar sua curiosidade para esta área que, tradicionalmente, nem
é aventada nos estudos da linguagem feitos na nossa formação até aqui.

Estudar semântica implica considerar o objeto deste nível de estudo


linguístico sob diferentes modelos teóricos. Além do modelo que
optamos por desenvolver ao longo do capítulo, a Semântica Formal,
podemos enquadrar as outras abordagens em pelo menos mais
duas áreas: a Semântica da Enunciação e a Semântica Cognitiva.

Recorrendo às sínteses de Pires de Oliveira (2006) e Cançado


(2005), procuremos registrar brevemente essa questão. Segundo Pires
de Oliveira, a Semântica Formal descreve o problema do significado
considerando que as sentenças se estruturam logicamente; teorizações
do lógico alemão Frege, como vimos acima, estão implicadas no aporte
desse modelo, segundo o qual a linguagem se refere a algo externo a ela
mesma, algo sobre o qual se sustenta.

Já a Semântica da Enunciação, vinculada a Oswald Ducrot, ins-


creve-se, segundo Pires de Oliveira (2006, p. 27), nas semânticas mais
próximas do relativismo, “[...] que acreditam que não há uma ordem no

83
Estudos Linguisticos I

mundo que seja dada independentemente da linguagem e da história”.


É um dos modelos alternativos à semântica formal. A ideia subjacente
ao modelo, de acordo com Cançado (2005, p. 144), é que as sentenças
são pronunciadas como parte de um discurso em que o falante “tenta
convencer seu interlocutor de uma hipótese qualquer”. E ainda que “não
se usa a linguagem para falar do mundo, mas para convencer o ouvinte
a entrar no jogo argumentativo”, complementa a autora. Ilari e Geraldi
(1999), no entanto, chamam atenção para o fato de que a adoção dessa
análise semântica seria muito mais um instrumento político do que um
instrumento de informação. Nesse modelo não existe uma articulação
com os outros componentes da gramática, tais como a sintaxe, a fono-
logia ou a morfologia.

Quanto à Semântica Cognitiva, ela está ligada em sua gênese prin-


cipalmente a George Lakoff e Mark Johnson. Ela parte

[...] da hipótese de que o significado é que é central na investigação so-


bre a linguagem, chocando-se, portanto, com a abordagem gerativista,
que defende a centralidade da Sintaxe. A forma deriva da significação,
porque é a partir da construção de significados que aprendemos, inclu-
sive a lógica e a linguagem. Daí a semântica cognitiva se inscrever no
quadro do funcionalismo. (PIRES DE OLIVEIRA, 2006, p. 33-34).

A significação linguística, na ótica da semântica cognitiva, emerge


(de dentro para fora) de nossas significações corpóreas, dos movimen-
tos de nossos corpos em interação com o meio que nos circunda, afirma
também Pires de Oliveira (2006, p. 34).

Para Cançado (2005, p. 145), entre outras considerações, a semân-


tica cognitiva acredita que o pensamento é estruturado por esquemas
de imagens, mapeando domínios conceituais distintos; a extensão de
conceitos temporais/espaciais para outros campos semânticos se dá via
relação metafórica (Exemplos: A vida é um saco; Essa mesa tem quatro
pernas; Você consegue enxergar a verdade?).

84
Possibilidades de significação
Capítulo 04

As metáforas, para os cognitivistas, têm propriedades sistemáticas.


Para Lakoff (apud Cançado, 2005), a categorização é feita através
de protótipos, que seriam membros centrais da categoria e com os
quais os outros membros mantêm relações de semelhança. Na óti-
ca de uma abordagem de cunho mentalista, o significado tem lugar
não somente em um nível existente entre o mundo e as palavras,
mas também no nível da representação mental. (p. 93)

Como adverte Pires de Oliveira (2006), essas diferentes concepções


repercutem na forma como os fenômenos semânticos (muitos dos quais
referidos brevemente ao longo deste capítulo e elencados na introdu-
ção) são tratados. Logo, ao estudarmos semântica precisamos situar as
teorizações com as quais tomamos contato, de modo a nos apropriar-
mos delas à luz dos modelos teóricos sob os quais estão sendo tomadas.

Resumo

Neste capítulo, focalizamos a semântica, o nível de estudos linguísticos


que aborda o significado. Trata-se de uma área bastante abrangente, na
medida em que abarca o estudo do léxico, assim como das estruturas
morfossintáticas, textuais e discursivas. Optamos por tematizar a Se-
mântica Formal, e nesse horizonte, os aspectos de verdade, a concepção
de teoria de modelos em semântica, o princípio da composicionalidade,
bem como as noções de sentido e referência.

Poderíamos, certamente, elencar uma série de outros fenômenos de que


se ocupam os estudos semânticos, tais como a negação, a conotação,
os papéis temáticos, a ambiguidade e a segmentação, a modalização, a
polifonia etc., mas optamos por essa breve referência a possibilidades de
abordagens semânticas, à guisa de exemplificar o eixo sobre o qual se
estrutura este nível de análise: o foco nos significados e nos sentidos de
palavras, expressões, enunciados, elementos constitutivos do discurso.
Sugerimos a você, para detalhar um pouco mais essas questões, a leitura

85
Estudos Linguisticos I

de Ilari (2002), uma obra introdutória ao estudo da Semântica, escrita


de modo bastante didático, de fácil leitura e com exemplos muito agra-
dáveis de ler.

86
Considerações Finais

Querid@s alun@s, chegamos ao final de nossa caminhada, que procu-


rou oferecer uma panorâmica das áreas que formam o chamado ‘núcleo
duro’ da linguística, a saber, a fonética e fonologia, a morfologia, a sintaxe
e a semântica. Cada uma dessas áreas se debruça sobre a língua(gem)
de maneira especial e única, e nos faz entender o que está por trás desse
multissistema que nos permite significar.

Por meio das incursões feitas na fonética e na fonologia, acreditamos ter


sido possível compreender que tais áreas lidam com os sons de uma de-
terminada língua, porém, enquanto a fonologia ocupa-se dos segmen-
tos sonoros, como o inventário de que dispomos em nosso cérebro, a
fonética ocupa-se deles em seu processo de realização na fala.

Já em relação à morfologia, o grande objetivo foi apresentar-lhes o


conceito de morfema – menor unidade de significado, como também
oportunizar o entendimento de como ocorre a formação de vocábulos
em uma língua, dando atenção especial ao Português Brasileiro.

No que tange à semântica, buscamos desvelar os mecanismos com os


quais damos contorno a nossas intenções comunicativas ao formar sen-
tenças em uma determinada língua, com base nos preceitos do gerati-
vismo e do funcionalismo.

Finalmente, no que concerne à sintaxe (ciência das significações das


línguas naturais), buscamos elucidar questões que premeiam a signi-
ficação e o sentido das palavras, expressões, enunciados e elementos
constitutivos do discurso.

Por conta da complexidade de todos os temas aqui tratados e do curto


espaço que tivemos para explorar cada um desses níveis, nosso tratamen-
to foi pontual, e agora, cabe a vocês aventurarem-se em outras leituras
acadêmicas para afinar seu olhar e compreensão sobre cada uma delas.

87
Estudos Linguísticos I

Esperamos ter sido bem sucedidas em motivá-l@s para essas futuras


buscas, principalmente por percebermos a importância de cada um
desses níveis de análise linguística para um estudante de Letras, e futuro
profissional dessa área. Afinal, o que cada uma das áreas nos revela acer-
ca desse objeto de estudo – a lingua(gem)? De que maneira esses níveis
nos permitem perceber a lingua(gem) e de que forma o conhecimento
poderá informar nosso caminho como falante do Português Brasileiro,
como aluno em processo de aprendizagem do espanhol, e futuro pro-
fessor dessa língua estrangeira?

São com essas interrogações que finalizamos, por ora, nossa conversa,
esperando que as discussões os tenham levado a responder essas per-
guntas. Sabemos, no entanto, que a tarefa é desafiadora, principalmente
porque, no momento em que encontramos algumas repostas, nos da-
mos conta de que outras interrogações surgem. Mas, afinal, é esse o mo-
vimento que nos faz embarcar em eterno aprendizado, não é mesmo?

Siga aprendendo e surpreendendo(-se)!

Adriana, Ina e Raquel.

88
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