Arinos, Afonso - Pelo Sertão
Arinos, Afonso - Pelo Sertão
Arinos, Afonso - Pelo Sertão
PELO SERTÃO
livraria garnier
RIO DE JANEIRO
AFFONSO ARINOS
da Academia Brasileira
PELO SERTÃO
TERCEIRA EDIÇÃO
LIVRARIA GARNIER
— Ora!
— Vossemecê bem sabe : por aqui não ha
boa pastaria ; accresce mais que a tropa deve
andar amilhada. Nem pasto, nem milho na
redondeza desta tapera. Tudo que sahirmos
d'aqui, topamos logo un catingal verde. Este
pouso não presta ; a tropa amanhece desbarri-
gada, que é um Deus-nos-acuda.
— Deixe de poetagens, Venancio ! Eu sei câ.
— Vossemecê pôde .saber, eu não duvido ;
mas na hora da cousa feia, quando a tropa pegar
arriar a carga pela estrada, é um vira-tem-mão, e
— Venancio p'r'aqui, Venancio p'r'acolá.
Manuel deu um muchocho. Em seguida,
levantou-se de um surrão onde estivera assen-
tado durante a conversa e chegou á beira do
rancho, olhando para fóra. Cantarolou umas
trovas e, voltando-se de repente para o Venan-
cio, disse :
— Vou dormir na tapéra. Sempre quero
ver se a bocca do povo fala verdade uma vez.
— Hum, hum 1 está ahi! Eia, eia, eia 1
— Não temos eia, nem peia ! Puxe para fóra
minha rêde.
ASSOMBRAMENTO 9
II
III
34 ASSOMBRAÍIENTO
A CADEIRINHA 55
62 BURITY PERDIDO
BURITY PERDIDO 63
Morreu.
E depois, muito depois, quando, pelo carreiro
que cintava a encosta ao longe, soava magoada
a voz de um vaqueiro que se recolhia, dizendo
— morena, meu bem, morena ! — os olhos de
Barbinha, buliçosos como dous pôtrinhos bravos
amorteciam-se, como se passára deante delles
a aza branca de uma saudade, ou o mésto cre-
púsculo de um remorso.
Ninguém pôde, ninguém que tenlia alma
sensível aos espectaculos da natureza ou á
poesia das éras já mortas, poderá deixar de
recolher-se, de concentrar-se em fundas cogi-
tações ou em caroaveis devaneios, ao vingar
a grande vertebra do Espinhaço e seguir por
ella afóra, numa estrada que lembra aquella
outra de quatrocentas léguas, feita no Perú
sob as Incas.
Lá no alto, a gente sente-se meio despren-
dida da |terra e — não sei se por alguma lei
psychologica o espirito se alargue e o orgulho
augmente á proporção |das eminências vencidas
— o certo é que um frenesi de subir, de arrancar
das nuvens o segredo de alguma cousa extranha
se apodera de nós ; a muitas vezes humilde e
fatigada montaria se transforma em hippo-
grypho e estamos já a correr o risco de uma
queda pelo despenhadeiro, quando os ventos
estouvados nos arrebatam o chapéo brutal-
100 1'AIZAGEM AI<PESTRE
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102 PAIZAGEM ALPKSTRE
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Foi no chapadão extenso que chanfra as
cumiadas da grande cordilheira das Vertentes ;
naquelle ponto dos limites entre Minas e Goyaz
em que o dorso da serra parece morder as
nuvens baixas e aprumar-se para abrir leito ao
remansado Paranahyba.
Passava como peregrino por aquellas para-
gens ermas, tão cheias de soedade e de belleza,
cuja contemplação levanta o espirito á inda-
gação dos grandes problemas cosmogonicos.
O vento cabriolava pelas campinas solitarias,
carregando pannos de neblina, que se afuni-
lavami extendiam-se em amplos mantoá de
arminho)roçagantes, ou voejavam ao longe, na
commissuia do horizonte, quaes brancos albor-
nozes numa escapada de cavalleiros do deserto.
Pelas fraldas dos morros, cingindo-os, bor-
dando os valles, em cujo fundo se espregui-
çavam paúes somnolentos, o buritizal erguia
suas verdes frondes, tão lavadas pelas chuvas
IIO DESAMPARADOS
I20 A VELHINHA
i
A VELHINHA 121
Serenou a tormenta.
E, já na meia claridade da ante-manhã, uma
sensação súbita de frio principiou de invadir
os miseros. Era a grande massa d'agua, far-
rusca, ameaçadora, que grimpava a pedra, trai-
çoeiramente, como um jacaré que se arrasta,
subtil e feroz, na algidez repellente de sua pelle
escamosa, querendo pilhar a presa durante o
somno. Espessa camada de neblina cobria toda
a superfície do rio, montando, da flôr das aguas,
pelas barranceiras acima, aos ramos mais altos
do matto frondejante. O tope do arvoredo ras-
gava no alto o denso véo cinzento, que se esfar-
rapava, prendendo nas pontas da galhada longas
flammulas brancas, arfando serenamente ás
auras matutinas.
Os tons rôxos do céo iam cedendo a uma
coloração de ouro tenuissima, que se accumu-
lava ao longe, na barra do horizonte, onde o rio,
num prestito triumphal de pequenas ondas
y
130 A FUGA
« Assim fizemos.
« Antes de confrontarmos com a fazenda da
Tapéra, eu fiz sô moço entrar num capãosinho
de matto e ficar alii amoitado. De lá elle via
a casa e o curral da frente.
« Entrei, como já contei, sem vêr ninguém.
Subi a escada e gritei : — O' de casa ! — Uma
porta abriu-se e um caboclo de beiço rachado
appareceu, respondendo : — O' de fóra ! Entra
e vem tomar congonha, que está no cuité. —
a Entrei e vi na sala de fóra passante de vinte
pessoas ; uns agachados, outros de pé, os
homens estavam resmungando baixo. Pelas
paredes havia muita arma dependurada nos
tómos. Os homens me reparam de baixo p'ra
cima, de cima p'ra baixo, me estudando.
— « Ainda que mal pergunte, quem é você
rapaz ? disse com máu modo um sujeitinho
bexigoso, com os cabellos já pintando. »
— « Eu sou Manoel João, para o servir. As-
sisto no Vão, perto do arraial de Morrinhos e
vou buscar um sal á cidade. Venho vindo esco-
teiro, mas o carro vem atrás e deve chegar
nestes dous dias.»
JOAQUIM MIRONGA 173
Tá trepado no páu.
De cabeça p'ra baixo,
Com as azas cahidas
Gavião de pennacho !
Todo o mundo tem seu bem.
Só pobre de mim não tem !
Ai ! gavião de pennacho !
Assombramento I
A Cadeirinha 47
Burity Perdido 59
A Esteireira 65
Manuel Lúcio 83
Paizagem Alpestre 97
Desamparados 107
A Velhinha 113
A Fuga 123
O Contractador dos diamantes .... 135
Joaquim Mironga . . . 157
Pedro Barqueiro 181
TOMBO: 7.14-7
FACULDADE DE FILOSOFIA, CIÊNCIAS
E LETRAS DE ASSIS
BIBLIOTECA CENTRAL
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