Texto 01 Gilvan Muller Monolinguismo

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Línguas Brasileiras III 20/06/2010

Brasileiro fala português: Monolingüismo e Preconceito Lingüístico

Por Gilvan Müller de Oliveira

A concepção que se tem do país é a de que aqui se fala uma única língua, a língua
portuguesa. Ser brasileiro e falar o português (do Brasil) são, nessa concepção, sinônimos.
Trata-se de preconceito, de desconhecimento da realidade ou antes de um projeto político
– intencional, portanto – de construir um país monolíngüe?

Em algum nível todos esses fatos andam juntos. Não é por casualidade que se conhecem
algumas coisas e se desconhecem outras: conhecimento e desconhecimento são
produzidos ativamente, a partir de óticas ideológicas determinadas, construídas
historicamente. No nosso caso, produziu-se o “conhecimento” de que no Brasil se fala o
português, e o “desconhecimento” de que muitas outras línguas foram e são igualmente
faladas. O fato de que as pessoas aceitem, sem discutir, como se fosse um “fato natural”,
que o “português é a língua do Brasil” foi e é fundamental, para obter consenso das
maiorias para as políticas de repressão às outras línguas, hoje minoritárias.

Para compreendermos a questão é preciso trazer alguns dados: no Brasil de hoje são
falados por volta de 200 idiomas. As nações indígenas do país falam cerca de 170 línguas
(chamadas de autóctones), e as comunidades de descendentes de imigrantes outras 30
línguas (chamadas de línguas alóctones). Somos, portanto, como a maioria dos países do
mundo – em 94% dos países do mundo são faladas mais de uma língua – um país de
muitas línguas, plurilíngüe.

Se olharmos para nosso passado veremos que fomos, durante a maior parte da nossa
história, ainda muito mais do que hoje, um território plurilíngüe: quando aqui aportaram
os portugueses, há 500 anos, falavam-se no país, segundo estimativas de Rodrigues
(1993: 23), cerca de 1.078 línguas indígenas, situação de plurilingüismo semelhante a que
ocorre hoje nas Filipinas (com 160 línguas), no México (com 241), na Índia (com 391)
ou, ainda, na Indonésia (com 663 línguas).

O Estado Português e, depois da independência, o Estado Brasileiro, tiveram por política,


durante quase toda a história, impor o português como a única língua legítima,
considerando-a “companheira do Império” (Fernão de Oliveira, na primeira gramática da
língua portuguesa, em 1536). A política lingüística do estado sempre foi a de reduzir o
número de línguas, num processo de glotocídio (assassinato de línguas) através de
deslocamento lingüístico, isto é, de sua substituição pela língua portuguesa. A história
lingüística do Brasil poderia ser contada pela seqüência de políticas lingüísticas
homogeinizadoras e repressivas e pelos resultados que alcançaram: somente na primeira
metade deste século, segundo Darcy Ribeiro, 67 línguas indígenas desapareceram no
Brasil – mais de uma por ano, portanto (Rodrigues, 1993:23). Das 1.078 línguas faladas
no ano de 1500 ficamos com cerca de 170 no ano 2000, (somente 15% do total) e várias
destas 170 encontram-se já moribundas, faladas por populações diminutas e com poucas
chances de resistir ao avanço da língua dominante.

Essa ação do estado pode ser observada, por exemplo, no Diretório dos Índios, de 1758,
documento com o qual o Marquês de Pombal pretendeu legislar sobre a vida dos índios –
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primeiro só da Amazônia, depois de todo o Brasil – no período subseqüente à expulsão


dos Jesuítas. A intenção expressa, de “civilizar” os índios, realiza-se através da imposição
do português, língua do Príncipe, como mostra este fragmento com a grafia da época:

Sempre foi maxima inalteravelmente praticada em todas as Naçoens, que consquistaraõ


novos Dominios, introduzir logo nos Póvos conquistados o seu proprio idiôma, por ser
indisputavel, que este he hum dos meios mais efficazes para desterrar dos Póvos rusticos
a barbaridade dos seus antigos costumes; e ter mostrado a experiencia, que ao mesmo
passo, que se intoduz nelles o uso da Lingua do Principe, que os conquistou, se lhes radîca
tambem o affecto, a veneraçaõ, e a obediencia ao mesmo Principe. (…) será hum dos
principáes cuidados dos Directores, estabelecer nas suas respectivas Povoaçoens o uso da
Lingua Portugueza, naõ consentindo de modo algum, que os Meninos, e Meninas, que
pertencerem ás Escólas, e todos aquelles Indios, que forem capazes de instrucçaõ nesta
materia, usem da Lingua propria das suas Naçoens, ou da chamada geral; mas unicamente
da Portugueza, na forma, que Sua Magestade tem recõmendado em repetidas ordens, que
até agora se naõ observáraõ com total ruina Espiritual, e Temporal do Estado (Directorio,
p. 3-4, cap. 6).

Naquele momento histórico, o documento de Pombal volta-se sobretudo contra a língua


geral, o tupi da costa do Brasil transformado em língua veicular de índios, brancos e
negros em vastas porções do território, especialmente na Amazônia, onde também foi e é
chamada de nheengatu. O documento marca o início do ocaso desta importante língua
veicular, ocaso que vai se acelerar com a chacina de cerca de 40.000 pessoas falantes de
nheengatu, índios e negros que pegaram em armas contra a dominação ‘branca’ na
revolução denominada Cabanagem, entre 1834 e 1841 (Bessa Freire, 1983:65). O
processo vai se consumar com o desaparecimento do nheengatu em grande parte da
Amazônia – mas não em toda – fato causado pela chegada de 300 a 500 mil nordestinos,
falantes monolíngües de português, entre 1870, quando começa o ciclo da borracha e
1918, final da Primeira Guerra Mundial. Hoje, apesar desse processo de deslocamento
lingüístico que o substituiu pelo português nas calhas da maioria dos grandes rios, o
nheengatu resiste “entre a cidade de Manaus e as malocas do Alto Rio Negro, numa área
aproximada de 300.000 km² (…) o nheengatu é o instrumento de comunicação usual da
população que aí reside e a língua de comércio” (Bessa Freire, 1983:73). Isso é
demonstrado, para tomar um exemplo, nesta propaganda política de um candidato do
Partido dos Trabalhadores (PT) a deputado estadual na eleição de 1998:

Alto Rio Negro Miraitá Arã

Se´Muitá,Mbuessara Aloysio Nogueira candidato Deputado Estadual arã.


Aé mira katu, ti mira puxi. Aé yane´ anama Deputado Estadual yawé, Mbuessara Aloysio
Nogueira ussu yane?
maramunhangara kirimbawa kuri. Aé ussu Alto Rio Negro miraitá nheenga kuri
Assembléia Legislativa upé. Ixé ayumana penhé, se´ anamaitá. Mbuessara Auxiliomar
Silva Ugarte suí.

Não devemos imaginar, entretanto, que leis como o Diretório tenham, por si só, mudado
o perfil lingüístico do país, ou que tenham sido “obedecidas” tranqüilamente pela
população. O historiador José Honório Rodrigues chama nossa atenção para a resistência
que os diversos grupos lingüísticos do país opuseram contra as políticas de
homogeneização e glotocídio, numa verdadeira guerra de línguas:
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Numa sociedade dividida em castas, em raças, classes, mesmo quando é evidente o


processo de unificação da língua, especialmente num continente como o Brasil, onde
durante três séculos combateram várias línguas indígenas e negras contra uma branca,
não havia nem paz cultural, nem paz lingüística. Havia, sim, um permanente estado de
guerra. (…) O processo cultural que impôs uma língua vitoriosa sobre as outras não foi
assim tão pacífico, nem tão fácil. Custou esforços inauditos, custou sangue de rebelados,
custou suicídios, custou vidas (Rodrigues, 1985: 42)

Não só os índios foram vítimas da política lingüística dos Estados lusitano e brasileiro:
também os imigrantes – chegados principalmente depois de 1850 – e seus descendentes
passaram por violenta repressão lingüística e cultural – já que a língua naturalmente é
parte da cultura. O Estado Novo (1937-1945), regime ditatorial instaurado por Getúlio
Vargas, marca o ponto alto da repressão às línguas alóctones, através do processo que
ficou conhecido como “nacionalização do ensino” e que pretendeu selar o destino das
línguas de imigração no Brasil, especialmente o do alemão e do italiano na região colonial
de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. Foi nesses dois estados, nos quais a estrutura
minifundiária e a colonização homogênea de certas regiões garantiram condições
adequadas para a reprodução do alemão e do italiano, especialmente, que a repressão
lingüística, através do conceito jurídico de “crime idiomático”, inventado pelo Estado
Novo, atingiu sua maior dimensão.

Durante o Estado Novo, mas sobretudo entre 1941 e 1945, o governo ocupou as escolas
comunitárias e as desapropriou, fechou gráficas de jornais em alemão e italiano,
perseguiu, prendeu e torturou pessoas simplesmente por falarem suas línguas maternas
em público ou mesmo privadamente, dentro de suas casas, instaurando uma atmosfera de
terror e vergonha que inviabilizou em grande parte a reprodução dessas línguas, que pelo
número de falantes eram bastante mais importantes que as línguas indígenas na mesma
época: 644.458 pessoas, em sua maioria absoluta cidadãos brasileiros, nascidos aqui,
falavam alemão cotidianamente no lar, numa população nacional total estimada em 50
milhões de habitantes, e 458.054 falavam italiano, dados do censo do IBGE de 1940
(Mortara, 1950). Essas línguas perderam sua forma escrita e seu lugar nas cidades,
passando seus falantes a usá-las apenas oralmente e cada vez mais na zona rural, em
âmbitos comunicacionais cada vez menos extensos.

O estado de Santa Catarina, na gestão do governador e depois interventor Nereu Ramos


montou campos de concentração, chamados eufemisticamente de “áreas de
confinamento”, para descendentes de alemães que insistissem em falar sua língua, entre
outras razões (Dall’ Alba, João Leonir. Colonos e mineiros na grande Orleans. Orleans,
edição do autor e do Instituto São José, 1986). Um desses campos funcionou dentro do
que é hoje o campus da Universidade Federal de Santa Catarina, mais especificamente a
Prefeitura Universitária. A lista com os nomes dos prisioneiros confinados nesse campo
foi publicada por Perazzo, Cristina Ferreira. O perigo alemão e a repressão policial no
Estado Novo. São Paulo, Arquivo do Estado, 1999, p. 239-44)

A partir do recrudescimento do processo, em 1942, as prisões aumentaram, passando, no


município de Blumenau, por exemplo, de 282 em 1941, em sua maioria por ocorrências
comuns, como embriaguez ou briga em bailes, para 861 no ano seguinte, das quais 271,
isto é, 31,5% , pela única razão de se ter falado uma “língua estrangeira”. Isto significou
a prisão de 1,5% de toda a população do município no decorrer deste ano e levou ao
silenciamento da população. No mesmo ano o Exército Brasileiro, mais especificamente
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o 32º Batalhão de Caçadores, composto sobretudo de soldados transferidos do Nordeste,


deslocados para Blumenau para “ensinar aos catarinenses a serem brasileiros”, carimbou
toda a correspondência para o Vale do Itajaí com a frase do ex-governador e ex-ministro
das relações exteriores, Lauro Müller: “Quem nasce no Brasil ou é brasileiro ou é traidor”
(Nogueira, Ruy Alencar. Nacionalização do Vale do Itajaí. Rio de Janeiro, Ministério do
Exército, 1947, p. 13). A ação “nacionalizadora” do Exército, entretanto, data de muito
antes:

“Amparados numa rígida censura à imprensa, que previa a prisão imediata do responsável
pelo jornal que publicasse qualquer restrição à campanha [de nacionalização], militares
passaram a comandar os municípios das zonas coloniais, empossando novas diretorias
nas escolas e nas sociedades recreativas (como na Ginástica Jahn, em Canoinhas),
alterando a denominação de conhecidos centros culturais (a sociedade Músico Teatral
Frohsinn, em Blumenau, tornou-se Teatro Carlos Gomes), e interferindo nos mais
variados aspectos da vida cotidiana. O seu zelo era tal que, em Jaraguá do Sul, o prefeito
nomeado chegou a proibir que lápides e mausoléus do cemitério local contivessem
escritos em ‘língua estrangeira’ (medida que seria depois estendida a todo o Estado), não
aceitando sequer o expediente adotado por um indivíduo de nome Godofredo Guitherm
Lutz, que cobrira as inscrições do jazigo da família com uma placa de bronze. E, para
apoiar ações como esta, um batalhão do exército foi especialmente criado e enviado para
Blumenau, onde ficou acampado na antiga Sociedade de Atiradores. O 32. BC chegou
num dia de chuva, sendo recepcionado por autoridades, escoteiros e delegações das
principais indústrias, enquanto dois aviões militares soltavam confetes com as cores da
bandeira brasileira. Marcando sua chegada, os soldados envolveram-se num conflito com
civis durante um baile no Salão Buerger, e dias depois seu comandante publicava um
edital abolindo “o uso de qualquer língua estrangeira em atos públicos” (“A Gazeta”, 24
e 25 de maio de 1939) (Falcão, 2000, 171 e 200).

A Polícia Militar, em Santa Catarina como em outros estados, prendeu e torturou e


obrigou as pessoas a deixar suas casas em determinadas “zonas de segurança nacional”.
Mais grave que tudo isso: a escola da “nacionalização” estimulou as crianças a denunciar
os pais que falassem alemão ou italiano em casa, criando seqüelas psicológicas
insuperáveis para esses cidadãos que, em sua grande maioria, eram e se consideravam
brasileiros, ainda que falando alemão.

Um dos fatos mais trágicos, entretanto, é que encontramos na nossa história muito poucas
vozes que se opuseram ao esmagador processo de homogeinização, mesmo entre os
intelectuais brasileiros. “Causa perplexidade”, afirma Simon Schwartzman (et allii: 1984,
72) “o fato de nunca ter havido, por parte das diversas correntes políticas de alguma
significação na história brasileira, quem defendesse para o país a constituição de uma
sociedade culturalmente pluralista”.

Para a lingüística brasileira, da forma como ela está estruturada nas nossas universidades
hoje, o estudo da diversidade lingüística, isto é, do plurilingüismo, tem um lugar apenas
modesto nos esforços de pesquisa. Quando se fala em diversidade lingüística muitas vezes
se pensa na diversidade interna à própria língua portuguesa, o que decorre, entre outras
razões, do predomínio, no país, de uma sociolingüística de cunho laboviano que
poderíamos chamar de “sociolingüística do monolingüismo”. Menor ainda é a
preocupação de contribuir para garantir, às populações que não falam português, seus
direitos lingüísticos, através, por exemplo, de intervenções políticas nos órgãos
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responsáveis ou na mídia. Nesse sentido, não temos um quadro muito diferente do que o
que Dora Pellicer (1993:36-7) afirma a respeito da lingüística mexicana em um texto
intitulado “Foi então que as línguas indígenas passaram das mãos dos missionários para
as mãos dos eruditos”:

No obstante, la labor de los especialistas mexicanos en el mundo académico no tuvo


efecto alguno en la legitimación del uso de estos idiomas [indígenas] en el contexto de
la nación independiente. Pueden argumentarse varias razones de que ello ocurriera así.
Pero una determinante principal es que aparentemente no hubo, por parte de este gremio,
tan interesado en descripciones, comparaciones y estudios dialectales, el proposito de
lograr, mediante sus conocimientos acumulados, la reivindicación del uso de estas
lenguas. Para esa recién constituida intelectualidad mexicana – cuyos miembros,
poseedores de una profusa erudición, se mantenían al día de la moderna filología – los
idiomas nativos constituyeron un apasionante objeto de estudio, pero nada más. En el
terreno ideológico todos ellos compartieron, sin someterlo a discusión profunda, el ideal
nacional de una lengua común (..).

A História nos mostra que poderíamos ter sido um país ainda muito mais plurilíngüe, não
fossem as repetidas investidas do Estado (e das instituições aliadas, ou ainda a omissão
de grande parte dos intelectuais) contra a diversidade cultural e lingüística. Essa mesma
História nos mostra, entretanto, que não fomos apenas um país multicultural e plurilíngüe:
somos um país pluricultural e multilíngüe, não só pela atual diversidade de línguas faladas
no território, mas ainda pela grande diversidade interna da língua portuguesa aqui falada,
obscurecida por outro preconceito, o de que o português é uma língua sem dialetos.
Finalmente, ainda, somos plurilíngües porque estamos presenciando o aparecimento de
“novos bilingüismos”, desencadeados pelos processos de formação de blocos regionais
de países, no nosso caso o Mercosul, que acompanha outras iniciativas como a União
Européia e o Tlcan (Nafta). Esses processos desencadeiam novos movimentos
migratórios, novos fatos demolingüísticos e novas configurações para o chamado
“bilingüismo por opção”, isto é, novas orientações para o aprendizado de línguas
estrangeiras. É de se esperar que ocasionem ainda novos tipos de deslocamentos
lingüísticos.

E porque, também, da mesma forma que se resistiu aos processos de homogeinização na


época da Colônia, resistência continua sendo oposta, seja pelos movimentos indígenas
organizados, seja por outros grupos, falantes das línguas de imigração ou de variedades
discriminadas do português. Prova disso é que a Constituição de 1988 reconhece aos
índios o direito às suas línguas, pelo menos no aparato escolar, em dois artigos (210 e
231), fato que foi regulamentado pela nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, de 1996, também em dois artigos (78 e 79). Esse é um fato muito novo na
história das legislações brasileiras, tão ciosas em “integrar o índio”, isto é, fazer com que
ele deixasse de ser o que era, para se transformar em outra coisa: mão-de-obra nas grandes
propriedades ou nas periferias das grandes cidades. Diga-se de passagem que esse direitos
foram ancorados na Constituição por ativa participação do movimento indígena no
processo da constituinte.

Conceber uma identidade entre a “língua portuguesa” e a “nação brasileira” sempre foi
uma forma de excluir importantes grupos étnicos e lingüísticos da nacionalidade; ou de
querer reduzir estes grupos, no mais das vezes à força, ao formato “luso-brasileiro”. Muito
mais interessante seria redefinir o conceito de nacionalidade, tornando-o plural e aberto
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à diversidade: seria mais democrático e culturalmente mais enriquecedor, menos violento


e discricionário, e permitiria que conseguíssemos nos relacionar de uma forma mais
honesta com a nossa própria história: nem tentando camuflar e maquilar o passado,
escondendo os horrores das guerras, dos massacres e da escravidão que nos constituíram,
nem vendo a história apenas como uma seqüência de denúncias a serem feitas.

Encerro com um libelo ao plurilingüismo no Brasil de Darcy Loss Luzzato, autor que tem
se dedicado a escrever na sua língua materna, o talian (ou vêneto rio-grandense) –
amplamente falado nas regiões coloniais italianas do Rio Grande do Sul e, em menor
escala, de Santa Catarina – e a lutar pela sua manutenção, num quadro jurídico que não
dá às línguas de imigração nem os mesmos e poucos e parcos direitos que se reconhecem
aos índios. Ele narra, neste trecho, um sonho que teve:

Che bel insònio che go buo l´altra sera. Me go insonià che in tuto el Sud del Brasile tuti
parléino almanco due léngue: fra de noantri, ogni uno el parleva talian e portoghese; i
dissendenti dei tedeschi i se feva intender tanto in tedesco come in brasilian; i polachi i
parleva tanto in polaco come in portoghese; i giaponesi i dopereva co la medésima
fassilità el brasilian e el giaponese; vissin a le frontiere col Uruguay e la Argentina, tanto
se sentiva che i parleva in brasilian come in spagnolo. E ghen?era de quei che i era
franchi in tre o quatro léngue! Quando me son desmissià ala matina, pensàndoghe sora,
me go incorto che sto bel insònio el podaria esser stato vero: bastaria che gavéssimo buo
Governi invesse de governi. Bastaria che invesse de polìtico-buròcrati gavéssimo buo la
fortuna de esser governadi par òmini de vision, stadisti, e nò gente de vista curta e storta.
Ma, noantri, podemo cambiar la stòria. Me nono, el diseva che tuto l?è scominsiar!
Alora, scominsiemo noantri taliani, che semo stati sempre vanguardieri. Dedrio de
noantri, dopo verta la strada, i vegnarà i altri. Son sicuro! (Tonial, 1995: capa).

* Gilvan Müller de Oliveira é linguista, coordenador do NEP/UFSC (Núcleo de Estudos


Portugueses da Universidade Federal de Santa Catarina) e pesquisador – associado do IPOL
(Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Lingüística).
** Artigo originalmente publicado no site do IPOL.

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