Luiz Augusto
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15 de junho de 2021
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Sumário
3 Séries de Fourier 51
3.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
3.2 A Origem das Séries de Fourier - Uma Explicação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
3.3 Séries de Fourier . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
3.4 A Propriedade de Mínimo da Série de Fourier . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
3.5 Convergência Puntual da Série de Fourier . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
3.6 Séries de Fourier versus Derivação e Integração Termo a Termo . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
3.7 A Forma Complexa da Série de Fourier . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
3.8 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80
3
6 Espaços L2 - Conjuntos Ortonormais Completos 115
6.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115
6.2 Espaços L2 [a, b] . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117
6.3 Outros Tipos de Espaços L2 [a, b] . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118
6.4 O Teorema de Weierstrass . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119
4
Capítulo 1
1.1 Introdução
De modo informal, uma equação diferencial parcial de primeira ordem é uma relação da forma
F (x1 , x2 , ..., xn , u, ux1 , ux2 , ..., uxn ) = 0
envolvendo uma função desconhecida u de n variáveis x1 , ..., xn e suas derivadas parciais de primeira ordem.
Nosso objetivo é determinar uma função u que admite derivadas parciais de primeira ordem numa região D
do espaço Rn tal que
F (x1 , x2 , ..., xn , u(x1 , x2 , ..., xn ), ux1 (x1 , x2 , ..., xn ), ..., uxn (x1 , x2 , ..., xn )) = 0
para todo (x1 , x2 , ..., xn ) ∈ D. Quando u satisfaz esse requisito, dizemos que u é uma solução da equação
diferencial em D. Quando n = 1, a equação dada assume a forma F (x, u, u0 ) = 0 e representa uma equação
diferencial ordinária de primeira ordem, que você já estudou anteriormente.
Para ganharmos alguma familiaridade na compreensão desse vasto e riquíssimo mundo constituído pe-
las equações diferenciais parciais, vamos primeiro nos concentrar em um particular tipo delas, a saber, as
equações diferenciais parciais de primeira ordem quase-lineares, que têm a forma
n
X
aj (x1 , x2 , ..., xn , u)uxj + b(x1 , x2 , ..., xn , u) = 0.
j=1
Como veremos, esse tipo de equação admite um tratamento totalmente geométrico e servirá de guia para
avançarmos na compreensão de equações mais gerais.
Vamos primeiro considerar equações diferenciais lineares nas quais a função incógnita é uma função de duas
variáveis reais.
Denição 1.2.1. Suponha que a, b, c e h sejam funções denidas num subconjunto aberto D do plano R2 .
Uma função u:D→R é uma solução da equação diferencial parcial linear de primeira ordem
a(x, y)ux + b(x, y)uy + c(x, y)u = h(x, y) (1.2.1)
a(x, y)ux (x, y) + b(x, y)uy (x, y) + c(x, y)u(x, y) = h(x, y).
5
A relação (1.2.1) é chamada uma equação diferencial parcial linear. Adicionamos ainda o adjetivo de
primeira ordem pois em (1.2.1) comparecem apenas derivadas parciais de primeira ordem da função incógnita
u. Quando h(x, y) = 0 para todo (x, y) ∈ D, dizemos que (1.2.1) é uma equação linear homogênea. A equação
Proposição 1.2.1. (a) Se u1 e u2 são soluções de (1.2.1), então u1 −u2 é uma solução da equação homogênea
associada (1.2.2);
O segundo resultado, como veremos, é de grande importância operacional para determinar uma solução
particular de (1.2.1) e é conhecido como método da superposição. Ele é descrito na seguinte
Proposição 1.2.2. Suponha que h(x, y) = h1 (x, y) + h2 (x, y) para todo (x, y) ∈ D. Se u1 e u2 são soluções
de
a(x, y)ux + b(x, y)uy + c(x, y)u = h1 (x, y)
e
a(x, y)ux + b(x, y)uy + c(x, y)u = h2 (x, y),
respectivamente, então u(x, y) = u1 (x, y) + u2 (x, y) é uma solução de
As demonstrações das Proposições 1.2.1 e 1.2.2 são imediatas e deixadas para o leitor.
De concreto até o momento, a única coisa que sabemos é que (1.2.2) tem pelo menos uma solução: a
solução trivial u ≡ 0. Vamos examinar alguns exemplos.
d
u(x + 2t, y + 3t) = 0,
dt
de onde decorre que a função t 7→ u(x + 2t, y + 3t) é constante, para todo (x, y) ∈ R2 e t real.
Tomando os valores t = 0 e depois t = −y/3, obtemos u(x, y) = u(x − 2y/3, 0) para todo (x, y). Essa
expressão mostra que o valor u(x, y) só depende do valor de u no ponto (x − 2y/3, 0), que é arbitrário. Dito
de outra forma, se soubermos os valores de u ao longo do eixo-x, digamos u(x, 0) = φ(x), podemos computar
2
o valor de u em qualquer ponto (x, y) ∈ R por meio da expressão u(x, y) = φ(x − 2y/3).
6
Escrevendo f (t) = φ(t/3), u(x, y) = f (3x − 2y). Concluímos
a formula anterior pode ser escrita como
assim que se u é uma solução de classe C1
2ux + 3uy = 0, então existe uma função f : R → R de
da equação
1 2
classe C tal que u(x, y) = f (3x − 2y) para todo (x, y) ∈ R . Reciprocamente, é muito simples demonstrar
que funções desta forma são soluções de 2ux + 3uy = 0. Assim, para a equação diferencial 2ux + 3uy = 0,
podemos descrever o subespaço S da Proposição 1.2.1 como
Por analogia ao tratamento dado às soluções de equações diferenciais ordinárias lineares, vamos nos referir
a u(x, y) = f (3x − 2y), f ∈ C 1 (R), como a expressão da solução geral da equação 2ux + 3uy = 0.
Em particular, as funções un (x, y) = sen(3nx − 2ny), n ≥ 1 inteiro, são exemplos de soluções não-nulas
da equação 2ux + 3uy = 0. linearmente independentes, esse
Como o conjunto dessas funções é um conjunto
exemplo mostra que, com as notações da Proposição 1.2.1, o subespaço vetorial S não tem dimensão nita -
um fato que denitivamente contrasta com o correspondente resultado para equações diferenciais ordinárias
lineares.
Ainda nesse exemplo, suponha que queiramos obter uma solução que satisfaça a seguinte condição:
u(x, 0) = φ(x), para todo x ∈ R. Nesse caso, deveremos então escolher f : R → R tal que f (3x) = φ(x) para
todo x. Isso implica que f (t) = φ(t/3) para todo t ∈ R. Assim, u(x, y) = φ((3x − 2y)/3) fornece a única
solução de 2ux (x, y) + 3uy (x, y) = 0 que satisfaz u(x, 0) = φ(x). ♣
que é equivalente a
d
[u(x + 3t, y − 4t)] = 2u(x + 3t, y − 4t).
dt
2t
Segue então que u(x + 3t, y − 4t) = Ce , para todos x, y e t, onde C é uma constante independente de t.
2t
Tomando t = 0, obtemos C = u(x, y) e, assim, u(x + 3t, y − 4t) = u(x, y)e , para todos x, y e t. Agora,
y
escolhemos t =
4 e obtemos
como solução geral da equação homogênea associada, onde f :R→R é uma função arbitrária de classe
C 1.
Agora, vamos procurar uma solução particular da equação não-homogênea. Para isso, vamos utilizar o
Princípio da Superposição da Proposição 1.2.2. Primeiro, vamos procurar uma solução particular de
Um momento de reexão, mostra que podemos tomar uma solução independente de y, isto é, solução da
0
equação ordinária 3v (x) − 2v(x) = 2 sen 3x. A solução geral dessa última é dada por
2 x 2(x−s)/3
Z
2x/3 18 2x/3 18 4
v(x) = Ce + e sen 3s ds = C + e − cos 3x − sen 3x.
3 0 85 85 85
2
Escolhemos u1p (x, y) = − 85 (9 cos 3x + 2 sen 3x) como solução particular de 3ux − 4uy − 2u = 2 sen 3x.
7
Agora, vamos procurar uma solução particular de 3ux − 4uy − 2u = 5 cos 2y . Novamente, procuramos
solução independente de x, isto é, solução particular de −4w0 (y) − 2w(y) = 5 cos 2y . Como antes, a solução
geral dessa última é dada por
Z y
−y/2 5 −(y−s)/2 5 20 5
w(y) = Ce − e cos 2s ds = C − e−y/2 − sen 2y − cos 2y
4 0 34 34 34
5
e escolhemos u2p (x, y) = − 34 (cos 2y + 4 sen 2y) como solução particular de 3ux − 4uy − 2u = 5 cos 2y .
Finalmente, podemos escrever a solução geral da equação proposta:
2 5
u(x, y) = e−y/2 f (4x − 3y) − (9 cos 3x + 2 sen 3x) − (cos 2y + 4 sen 2y),
85 34
onde f é uma função arbitrária de classe C 1.
Agora, para determinar a solução que satisfaz u(x, 0) = 1 + x2 , devemos determinar f :R→R tal que
2 5
f (4x) − (9 cos 3x + 2 sen 3x) − = 1 + x2 ,
85 34
para todo x. Assim,
f (t) = 1 + (t/4)2 + 5/34 + 2/85[9 cos(3t/4) + 2 sen(3t/4)].
Logo, a solução de 3ux (x, y) − 4uy (x, y) − 2u(x, y) = 2 sen 3x + 5 cos 2y que satisfaz u(x, 0) = 1 + x2 é
dada por
(4x − 3y)2
−y/2 5 2
u(x, y) = e 1+ + + [9 cos(3(4x − 3y)/4) + 2 sen(3(4x − 3y)/4)]
16 34 85
2 5
− (9 cos 3x + 2 sen 3x) − (cos 2y + 4 sen 2y), ♣
85 34
Agora que sabemos que equações da forma (1.2.1) admitem soluções, nossa preocupação é desenvolver
um método geral que nos permita obtê-las. Para isso, suponha que u é uma solução da equação linear de
primeira ordem
a(x, y)ux (x, y) + b(x, y)uy (x, y) + c(x, y)u(x, y) = h(x, y)
numa região D do plano. Se γ(t) = (x(t), y(t)), t ∈ I , um intervalo de R, é uma curva de classe C1 contida
em D, então, pela Regra da Cadeia, temos
d
[u(x(t), y(t)] = ux (x(t), y(t))x0 (t) + uy (x(t), y(t))y 0 (t).
dt
Se as componentes de γ satisfazem as equações x0 (t) = a(x(t), y(t)) e y 0 (t) = b(x(t), y(t)), então a função
t 7→ u(x(t), y(t)) satisfaz a equação diferencial ordinária linear
d
u(x(t), y(t)) = −c(x(t), y(t))u(x(t), y(t)) + h(x(t), y(t)),
dt
que, uma vez integrada, fornece os valores da função u sobre os pontos de D que pertencem à curva γ .
Portanto, nossa esperança de determinar uma solução u de (1.2.1) em D é conhecer seus valores sobre todas as
curvas integrais do campo de vetores V (x, y) = (a(x, y), b(x, y)) denido em D. Essas observações constituem
quase a totalidade da demonstração do Teorema que enunciaremos abaixo a respeito de existência e unicidade
de solução de (1.2.1). Antes, porém, convém discutir alguns conceitos que serão usados na demonstração.
com coecientes de classe C1 numa região aberta D ⊂ R2 . Uma curva integral do campo de vetores
V (x, y) := (a(x, y), b(x, y)) é chamada uma curva característica de (1.2.1).
8
Assim, uma curva característica de (1.2.1) é uma solução do sistema de equações diferenciais ordinárias
x0 = a(x, y)
(1.2.3)
y 0 = b(x, y).
(ii) Dizemos que S é não característica para (1.2.1) se V (p) não é tangente a S para todo ponto p ∈ S .
Nos Exemplos 1.2.1 e 1.2.2 acima, a curva S = {(x, 0) : x ∈ R} é não característica para cada uma das
equações consideradas. De fato, no primeiro Exemplo, V (x, y) = (2, 3) e no segundo, V (x, y) = (3, −4), e
ambos têm segunda componente não-nula.
Denição 1.2.4. Seja S uma curva de classe C1 contida em D e seja φ : S → R uma função denida em
S. Dizemos que uma função u : D → R é uma solução do problema de Cauchy para (1.2.1) em D com
condição inicial φ sobre S se u é de classe C 1 em D, u é solução de (1.2.1) em D e u(x, y) = φ(x, y) para
todo (x, y) ∈ S .
O problema de Cauchy para (1.2.1) em D com condição u=φ sobre S é também chamado de Problema
de Valor Inicial e nos referiremos a ele escrevendo
a(x, y)ux + b(x, y)uy = c(x, y)u, (x, y) ∈ D
(1.2.4)
u|S = φ.
A título de mostrar como o Teorema 1.2.1 pode ser utilizado para resolver problemas de Cauchy e, simul-
taneamente, mostrar como sua demonstração pode ser conduzida, vamos reexaminar a versão homogênea do
Exemplo 1.2.2 no seguinte
9
Obtemos x(t, s) = 3t + s, y(t, s) = −4t e z(t, s) = e2t φ(s), para todos t e s. Das duas primeiras expressões,
y 3y
eliminamos t e s obtendo t = − e s = x −
4 4 que, substituídos na terceira expressão, conduz a u(x, y) =
3y 3y
z(t, s) = e−y/2 φ(x − 4 ) = e−y/2 1 + (x − 4 )2 . Portanto,
24xy − 9y 2
−y 2 /2 2
u(x, y) = e 1+x −
16
é a (única) solução. ♣
Exemplo 1.2.4. α um número real. Uma função f : R2 → R se diz homogênea de grau α se f (tx, ty) =
Seja
tα f (x, y), para todos (x, y) ∈ Df e t > 0. Se f é diferenciável, então a Regra da Cadeia mostra que
xfx (x, y) + yfy (x, y) = αf (x, y), para todo (x, y) ∈ Df . Nesse exemplo, vamos examinar as soluções da
equação
xux (x, y) + yuy (x, y) = αu(x, y)
com condição u|S = φ, onde S é a circunferência unitária x2 + y 2 = 1 e φ:S→R é uma função dada.
Solução. Para obter a solução, primeiro parametrizamos S , por exemplo, como g(s) = (cos s, sen s), com
s ∈ [0, 2π] . O campo de vetores aqui é V (x, y) = (x, y) e S é não característica - de fato, V (x, y) é
perpendicular a S em cada ponto (x, y) ∈ S . Portanto, o problema de Cauchy (1.2.4) tem solução única.
Para obtê-la, consideramos o sistema de equações ordinárias com condições iniciais
0
x = x, x(0) = cos s
y 0 = y, y(0) = sen s
0
z = αz, z(0) = φ(g(s)).
Obtemos x(t, s) = et cos s, y(t, s) = et sen s z(t, s) = eαt φ(g(s)), para todos t
e e s.
2t = x2 + y 2 x y
Das duas primeiras expressões, eliminamos t e s obtendo e e g(s) = ( √ , √ );
x2 +y 2 x2 +y 2
substituindo na terceira, concluímos que
!
x y
u(x, y) = z(t, s) = φ p ,p (x2 + y 2 )α/2 .
x2 + y 2 x2 + y 2
xux + yuy
Portanto, as soluções de = αu são funções homogêneas de grau α. O domínio de todas as soluções
2
contém, pelo menos, R \{(0, 0)}. ♣
Exercício 1.2.1. Discuta a continuidade e/ou classe de diferenciabilidade das soluções de xux + yuy = αu
na origem (0, 0) para os diversos valores de α. Utilize um computador para esboçar os grácos de algumas
funções homogêneas de grau 2 tomando, por exemplo, φ(s) = cos ns quando (x, y) = (cos s, sen s), n ≥ 1
inteiro.
com condição u(x, 0) = φ(x), x ∈ R, é uma função dada e α é um número real xado.
Solução. Novamente, S é o eixo-x. Primeiro parametrizamos S , por exemplo, como g(s) = (s, 0), com s ∈ R.
O campo de vetores aqui é V (x, y) = (x2 , 1) e S é não característica para x2 ux (x, y) + uy (x, y) = αu(x, y):
para todo x, V (x, 0) = (x2 , 1) nunca é paralelo ao eixo-x. Portanto, o problema de Cauchy (1.2.4) tem
solução única. Para obtê-la, consideramos o sistema de equações ordinárias com condições iniciais
0
x = x2 , x(0) = s
y 0 = 1, y(0) = 0
0
z = αz, z(0) = φ(s).
s
Obtemos x(t, s) = 1−st , y(t, s) = t e z(t, s) = eαt φ(s), para todos t e s.
10
x
Das duas primeiras expressões, eliminamos t e s obtendo t = y e s = 1+xy ; substituindo na terceira,
obtemos a solução procurada:
x
u(x, y) = z(t, s) = φ eαy .
1 + xy
Qual o domínio de u? Claro, o domínio de u depende da escolha do dado inicial, mas todas as soluções
têm em comum o fato de que ele deve ser uma vizinhança de S . Em geral, o domínio maximal de u deve ser
tomado como a componente conexa de R2 \{(x, y) : xy = −1} que contém o eixo-x.
D
S
x
xeαy
Por exemplo, se φ(x) = x, então u(x, y) = 1+xy e seu domínio é o conjunto aberto
Para nalizar essa Seção, vamos discutir as ideias da demonstração do Teorema 1.2.1. A demonstração
segue exatamente como procedemos para encontrar as soluções dos exemplos apresentados: primeiro, obtemos
uma parametrização de S : S = {g(s) : s ∈ I}; em seguida, consideramos as soluções de (1.2.3) com condições
iniciais (x(0), y(0)) = g(s) e z(0) = φ(g(s)), obtendo-se as soluções x = x(t, s), y = y(t, s) e z = z(t, s).
Das duas primeiras expressões, eliminamos t e s em função de x e y que, substituindo em z = z(t, s) nos
fornece o valor de u no ponto (x, y): u(x, y) = z(t, s). Obviamente, a justicativa de todo esse procedimento
está baseado fundamentalmente nos Teoremas de Existência e Unicidade e Dependência Diferenciável das
soluções de equações diferenciais ordinárias. A hipótese S é não característica é essencial na demonstração
e é ela que permite utilizar o Teorema da Função Inversa para obter t e s em função de x e y .1
Equações diferenciais parciais quase-lineares de primeira ordem em duas variáveis independentes são equações
da forma
a(x, y, u)ux (x, y) + b(x, y, u)uy (x, y) = c(x, y, u). (1.3.1)
Observe que os coecientes de ux , uy e c podem agora também depender da função incógnita u. [Quando
a, b e c são independentes de u, (1.3.1) é uma equação linear]. Vamos sempre admitir que as funções a, b
1 3
e c são de classe C num aberto U de R . Para simplicar a exposição, vamos admitir que U é da forma
U = D × R, onde D é um conjunto aberto do plano.
O tratamento de (1.3.1) é muito semelhante ao que zemos para equações lineares e vamos nos concentrar
apenas no problema de Cauchy, que consiste no seguinte: se S é uma curva de classe C1 contida em D e
φ:S→R é uma função dada, determinar uma solução u de (1.3.1) denida numa vizinhança de S em R2
que satisfaz u(x, y) = φ(x, y) para todo (x, y) ∈ S . Para isso, vamos começar examinando alguns aspectos
geométricos implícitos na equação (1.3.1). Começamos lembrando que se u é uma função de classe C1 de
duas variáveis x e y denida em D, então
11
é um vetor normal ao gráco de u em cada um de seus pontos (x, y, u(x, y)) ∈ U .
Seja A o campo de vetores denido em U por A(x, y, z) = (a(x, y, z), b(x, y, z), c(x, y, z)). Se u é uma
solução da equação quase-linear (1.3.1) em D, temos a identidade
a(x, y, u(x, y))ux (x, y) + b(x, y, u(x, y))uy (x, y) = c(x, y, u(x, y)), para todo(x, y) ∈ D,
que é equivalente a
~ (x, y) = 0,
A(x, y, u(x, y)) · N para todo(x, y) ∈ D.
Isso signica que, em cada ponto (x, y, u(x, y)), o vetor A(x, y, u(x, y)) é tangente ao gráco de u e, portanto,
devemos esperar que o gráco de u contenha as curvas integrais de A.
Para justicar essa armação, lembremos que γ(t) = (x(t), y(t), z(t)), t ∈ I , é uma curva integral de A
se γ satisfaz γ 0 (t) = A(γ(t)) para todo t ∈ I . Seja γ uma tal curva satisfazendo γ(t0 ) = (x0 , y0 , z0 ) e seja
w : D → R uma função de classe C 1 arbitrária. Então
d
[z(t) − w(x(t), y(t))] = c(x(t), y(t), z(t)) −a((x(t), y(t), z(t)))wx (x(t), y(t))
dt (1.3.2)
−b(x(t), y(t), z(t))wy (x(t), y(t)).
Decorre que se u é uma solução de (1.3.1), então t ∈ I 7→ z(t) − u(x(t), y(t)) é constante. Portanto,
z(t) = u(x(t), y(t)) para todo t ∈ I se e somente se z0 = u(x0 , y0 ). Isso signica que se o gráco de u contém
um ponto de uma curva integral de A, então ele contém toda a curva integral.
Reciprocamente, se w é uma função de classe C 1 em D que satisfaz w(x(t), y(t)) = z(t) para toda curva
integral γ(t) = (x(t), y(t), z(t)) de A, então w é uma solução de (1.3.1). De fato, para todo (x0 , y0 , z0 ) ∈ U ,
existe uma curva integral de A que satisfaz γ(t0 ) = (x0 , y0 , z0 ); de (1.3.2) concluímos que w é solução de
(1.3.1):
a(x0 , y0 , w(x0 , y0 ))wx (x0 , y0 ) + b(x0 , y0 , w(x0 , y0 ))wy (x0 , y0 ) = c(x0 , y0 , w(x0 , y0 )).
S∗
u = u(x, y)
u|S = φ
curva integral de A
S
y
(x, y)
x S
devemos procurar u de modo que seu gráco seja uma reunião de curvas integrais de A.
Isso indica que
Uma forma bastante simples de obter o gráco de uma tal solução u é tomar a reunião de todas as curvas
integrais de A que passam pelos pontos de uma curva xada S ∗ contida em D × R que não seja tangente a
A (isto é, em cada ponto de p ∈ S ∗ , o vetor A(p) é transversal a S ∗ em p). (Veja a gura.)
Aqui entra em cena o dado inicial u|S = φ: escolhemos S∗ como o gráco de φ, isto é, tomamos
S∗ = {(x, y, φ(x, y)) : (x, y) ∈ S}. Logo, a reunião das curvas integrais de A que passam por pontos de S∗ é
o gráco da solução u de (1.3.1), denida numa vizinhança de S , que satisfaz a condição u|S = φ.
O sistema obtido acima deve ainda ser suplementado com condições iniciais da seguinte forma: se S é
parametrizada pela função g(s) = (g1 (s), g2 (s)), com s ∈ I (um intervalo de R), então tomamos x(0) = g1 (s),
12
y(0) = g2 (s) e z(0) = φ(g(s)). Assim, o problema de valor inicial que deverá ser considerado é o seguinte
0
x = a(x, y, z), x(0) = g1 (s)
y 0 = b(x, y, z), y(0) = g2 (s) (1.3.3)
0
z = c(x, y, z), z(0) = φ(g(s)).
O restante do argumento é o mesmo utilizado na Seção anterior: as soluções de (1.3.3) dependem dos
parâmetros t e s; das equações x = x(t, s) e y = y(t, s) obtidas resolvendo (1.3.3) determinamos t e s como
funções de x e y (aqui entra em ação o Teorema da Função Inversa!) e depois substituímos as funções obtidas
na equação z = z(t, s) obtendo a função procurada u = u(x, y) = z(t, s).
Naturalmente, para que toda essa empreitada para obter solução de (1.3.1) tenha sucesso, é necessário
admitir uma hipótese crucial: as curvas integrais de A cortam S ∗ transversalmente. Essa hipótese é satisfeita
se admitirmos que o par (S, φ) é não característico para (1.3.1), conforme a seguinte
Denição 1.3.1. Sejam S uma curva de classe C1 contida em D e φ : S → R uma função de classe
C 1 em S . Dizemos que o par (S, φ) é não característico para (1.3.1) se, para todo (x, y) ∈ S , o vetor
A(x, y, φ(x, y)) = (a(x, y, φ(x, y)), b(x, y, φ(x, y)), c(x, y, φ(x, y))) não é tangente a S ∗ no ponto (x, y, φ(x, y)).
com coecientes a, b e c de classe C 1 numa região U = D ×R, onde D é um subconjunto aberto de R2 . Sejam
S uma curva de classe C 1 contida em D e φ : S → R uma função de classe C 1 denida em S . Suponha que
(S, φ) é não característico para (1.3.1). Então, existem uma vizinhança W de S contida em D e uma única
1
função u : W → R de classe C tal que u|S = φ e u é solução de (2.1) em W , isto é,
a(x, y, u(x, y))ux (x, y) + b(x, y, u(x, y))uy (x, y) = c(x, y, u(x, y))
Como (x, y) ∈ S implica x = y = s, com 0 < s < 1, temos v(x, y) = (φ(s, s), 1) = ( 21 s, 1). O vetor
tangente
0
a S em (x, y) é dado por g (s) = (1, 1). Como 0 < s < 1, o determinante
s/2 1 s
det = − 1 6= 0
1 1 2
e, portanto, o par (S, φ) é não característico.
dx dy du
=u , =1 , =1
dt dt dt
13
s
com condições iniciais x(0) = s, y(0) = s e u(0) = 2 . Obtemos imediatamente
1 1 1
x(t, s) = t2 + st + s , y(t, s) = t + s e u(t, s) = t + s
2 2 2
Agora, eliminamos t e s das duas primeiras equações:
t2 + st + 2s = 2x y 2 − 2x
2x − 2y
implica t= e s= .
t+s=y y−2 y−2
Substituindo na terceira equação obtemos a solução desejada:
y 2 + 2x − 4y y x−y
u(x, y) = = + .
2(y − 2) 2 y−2
A vizinhança (maximal e conexa) W que contém S prevista pelo Teorema 1.3.1, nesse caso, pode ser tomada
como o semiplano W = {(x, y) : y < 2}. ♣
Exemplo 1.3.2. Em R2 , determinar a solução de uux + uy = 0 que satisfaz u(x, 0) = φ(x).
Solução. Aqui, trata-se de obter soluções da equação quase-linear dada que satisfaz a condição u|S = φ,
onde S é a curva parametrizada por g(s) = (s, 0), com s∈R e φ:S→R é uma função dada.
O vetor A A(x, y, u) = (u, 1, 0). A condição (S, φ) é não característico está satisfeita para
é dado por
qualquer φ, uma vez que v(s, 0) = (a(s, 0, φ(s)), b(s, 0, φ(s))) = (φ(s), 1) é transversal ao eixo-x, independen-
temente de φ.
dx dy du
=u , =1 , =0
dt dt dt
com condições iniciais x(0) = s, y(0) = 0 e u(0) = φ(s). Obtemos imediatamente
Observe que as curvas características de uux +uy = 0, isto é, as curvas x = s+tφ(s) e y = t, representam,
no plano xy , uma família de retas x = φ(s)y + s parametrizadas por s ué
e o valor de constante em cada
uma dessas retas: u(x, y) = φ(s), o inverso do coeciente angular da reta x = φ(s)y + s. Vamos examinar o
efeito da escolha de φ na solução de uux + uy = 0 em dois exemplos simples:
(a) Suponha que φ(x) = αx, onde α é uma constante real não-nula. Nesse caso, as curvas características
é a família de retas x = s(αy + 1), que têm (0, − α1 ) como único ponto em comum; portanto, a solução
1
correspondente não pode estar denida em (0, − ) (u não pode tomar dois valores distintos num ponto).
α
Podemos constatar isso diretamente, pois a solução, nesse caso, é
αx
u(x, y) = .
1 + αy
(b) Considere φ(x) = x2 . Nesse caso, as curvas características é a família de retas x = s2 y + s parame-
trizadas por s e o valor de u é constante em cada uma dessas retas: u(x, y) = s2 , o inverso do coeciente
14
angular da reta x = s2 y + s. Entretanto, se s1 6= ±s2 , então as correspondentes retas se interceptam no
s s
ponto ( 1 2 ,
−1
s1 +s2 s1 +s2 ) e temos um choque: u teria dois valores distintos num ponto. Novamente, podemos
2
2x
√ , y 6= 0
se
u(x, y) = φ(s) = .
21 + 1 + 4xy
x , se y = 0.
Nesse caso, podemos escrever uma única formula para a solução u como
2
2x
u(x, y) = √
1 + 1 + 4xy
e a vizinhança (maximal e conexa) W que contém S prevista pelo Teorema 1.3.1 pode ser tomada como o
conjunto W = {(x, y) : 1 + 4xy ≥ 0}, que tem um aspecto semelhante ao do Exemplo 1.2.5. ♣
Observação 1.3.2. Trocando y por t, a equação do Exemplo 1.3.2 se escreve como
ut + uux = 0
(1.3.4)
u(x, 0) = φ(x).
e é conhecida como equação de Burger. Ela é exemplo de uma equação de evolução hiperbólica e faz parte
de um contexto maior de equações de primeira ordem não-lineares da forma ut + [f (u)]x = 0, que tem sido
objeto de intensos estudos. Equações deste tipo estão ligadas ao estudo de leis de conservação e transporte. A
equação de Burger está ligada a uma primeira tentativa (anos 1950) de modelar problemas de transporte e foi
também considerada num modelo para estudar o comportamento da componente x do campo de velocidades
de um uido invíscido e incompressível unidimensional governado pelas equações de Navier-Stokes sem forças
externas e com pressão nula. Para maiores informações, o leitor interessado pode consultar o texto de Mikel
Landajuela [15] ou de Zenhe Zang [25].
n
X
aj (x1 , ..., xn , u)uxj = c(x1 , ..., xn , u), (1.4.1)
j=1
onde admitiremos que a1 , an e c são funções de classe C 1 num conjunto aberto U de Rn+1 .
..., Não há perda
de generalidade em supor que U é da forma U = D × R, onde D é um aberto em R .
n
O problema de Cauchy (também conhecido como problema de valor inicial) para (1.4.1) consiste no
seguinte: dada uma hipersuperfície S de classe C 1 contida em D e uma função φ : S → R de classe C 1 ,
determinar uma função u de classe C1 numa vizinhança W de S tal que u(x1 , x2 , ..., xn ) = φ(x1 , x2 , ..., xn )
para todo (x1 , x2 , ..., xn ) ∈ S e u satisfaz (1.4.1) em W, isto é,
n
X
aj (x1 , ..., xn , u(x1 , ..., xn ))uxj (x1 , ..., xn ) = c(x1 , ..., xn , u(x1 , ..., xn )),
j=1
para todo (x1 , ..., xn ) ∈ W . O problema de Cauchy para (1.4.1) em D com dados iniciais (S, φ) será indicado
por
n
X
aj (x1 , ..., xn , u)uxj = c(x1 , ..., xn , u), x ∈ D
(1.4.2)
j=1
u|S = φ.
15
Nessas notas, uma hipersuperfície de classe C 1 é um conjunto não-vazio S dado pelo conjunto de nível
S = F −1 (0) := {(x1 , x2 , ..., xn ) ∈ D : F (x1 , x2 , ..., xn ) = 0} de uma função F de classe C1 denida em D
que satisfaz a seguinte propriedade:
Decorre do Teorema da Função Implícita que se S é uma hipersuperfície de Rn , então para cada ponto
p ∈ S, V de p
existem uma vizinhança
n U de 0
em R , uma vizinhança em R
n−1 e uma função
g : U → Rn de
1
classe C tais que o conjuntoS ∩V é a imagem da aplicação g , isto é, S ∩V = {g(s1 , ..., sn−1 ) : (s1 , ..., sn−1 ) ∈
U }. A função g satisfaz ainda a seguinte propriedade: o conjunto de vetores {gs1 (s), gs2 (s), ..., gsn−1 (s)} é
linearmente independente, para todo s ∈ U .
Nesse contexto, referimos-nos a g como uma parametrização da vizinhança S ∩ V e a (s1 , ..., sn−1 ) ∈ U
como parâmetros. O leitor já está familiarizado com esses conceitos quando S é uma curva em R2 ou uma
superfície em R3 . Os casos que consideraremos são aqueles nos quais a superfície inteira é a imagem de uma
única parametrização. Uma situação desta natureza é quando S é o gráco de uma função de n − 1 variáveis
f : B ⊂ Rn−1 → R; S então tem a forma
S = {(x1 , x2 , ..., xn−1 , f (x1 , x2 , ..., xn−1 )) : (x1 , x2 , ..., xn−1 ) ∈ B};
g(s1 , s2 , ..., sn−1 ) = (s1 , s2 , ..., sn−1 , f (s1 , s2 , ..., sn−1 )),
A(x, y) = (a1 (x, y), a2 (x, y), ..., an (x, y), c(x, y)).
Se u é uma função de x, o vetor normal ao gráco de u Rn+1 é proporcional a (ux1 , ..., uxn , −1) e,
em
portanto, a equação (1.4.1) nos diz que A é tangente ao gráco y = u(x) de uma solução u de (1.4.2). Isso
sugere que devemos procurar u como uma reunião de curvas integrais de A em R
n+1 que contenha o gráco
dxj dy
= aj (x, y), 1 ≤ j ≤ n , = c(x, y)
dt dt
com condições iniciais na superfície S ∗ = {(x, φ(x)) : x ∈ S} (o gráco da função φ : S → R).
A condição S é não característica para (1.4.2) agora signica que os vetores A e {∂g/∂s1 , ..., ∂g/∂sn }
são linearmente independentes em todo ponto (x, y) ∈ S ∗ . Essa condição estará satisfeita se
∂g1 /∂s1 ... ∂g1 /∂sn−1 a1 (g(x), φ(g(x)))
∂g2 /∂s1 ... ∂g2 /∂sn−1 a2 (g(x), φ(g(x)))
det 6= 0. (1.4.3)
. . .
. . .
. . .
∂gn /∂s1 ... ∂gn /∂sn−1 an (g(x), φ(g(x)))
Teorema 1.4.1. Suponha que S é uma hipersuperfície de classe C1 em Rn e que a1 , a2 , ... an , c e φ são
1
funções reais de classe C . Suponha que o vetor
não é tangente a S em qualquer ponto x ∈ S. Então, existe uma vizinhança W de S em Rn tal que o
problema de Cauchy (1.4.2) tem uma única solução u:W →R 1
de classe C .
16
Exemplo 1.4.1. Determinar, em R3 , a solução de xux + 2yuy + uz = 3u que satisfaz u = φ(x, y) no plano
z = 0.
Solução. Aqui, a hipersuperfície inicial S é o plano z =0 e a função φ:S →R é arbitrária. O vetor A
indicado no texto é
A(x, y, z, u) = (x, 2, 1, −2u).
Uma parametrização de S é g(s1 , s2 ) = (s1 , s2 , 0) e a condição de transversalidade (1.4.3)
1 1 s1
det 0 1 2 6= 0.
0 0 1
está satisfeita em todo S. Portanto, o problema de Cauchy tem solução única. Para encontrar a solução,
resolvemos
dx dy dz du
=x , = 2y , =1 , = 3u
dt dt dt dt
com condições iniciais
x(0) = s1 , y(0) = s2 , z(0) = 0 , u(0) = φ(s1 , s2 ).
Obtemos
x(t) = s1 et , y(t) = s2 e2t , z(t) = t , u(t) = φ(s1 , s2 )e3t .
Eliminando t, s1 , s2 das 3 primeiras equações, obtemos t = z , s1 = xe−z e s2 = ye−2z , que substituídos
na quarta fornece
u(x, y, z) = φ(xe−z , ye−2z )e3z
como a única solução do problema dado. ♣
F (x, y, u, ux , uy ) = 0. (1.5.1)
O problema de Cauchy (ou problema de valor inicial) para (1.5.1) consiste no seguinte: dada uma curva
S no plano das variáveis xey e uma função φ denida em S , obter uma função u de classe C 1 denida numa
vizinhança V de S que satisfaz (1.5.1) em V e a condição inicial u(x, y) = φ(x, y) em todos os pontos (x, y)
da curva S.
Se S S : (x, y) = (g1 (s), g2 (s)), s ∈ I e φ(g1 (s), g2 (s)) = z(s), nosso problema
é parametrizada por
consiste em procurar uma superfície integral u = u(x, y) de (1.5.1) que passa pela curva x = g1 (s),
y = g2 (s), z = z(s). Isso será obtido passando por S ∗ = {(g1 (s), g2 (s), z(s)) : s ∈ I} uma faixa que
constituirá o gráco da solução u.
Vamos admitir que g1 , g2 e z são funções de classe C 1 numa vizinhança de um ponto s = s0 e seja P =
(x0 , y0 , z0 ) = (g1 (s0 ), g2 (s0 ), z(s0 )) ∈ S ∗ . Vamos procurar uma faixa contendo S ∗ procurando inicialmente
funções p = h1 (s) e q = h2 (s) tais que
0
z (s) = h1 (s)g10 (s) + h2 (s)g20 (s)
(1.5.2)
F (g1 (s), g2 (s), z(s), h1 (s), h2 (s)) = 0.
Geometricamente, a segunda equação de (1.5.2) é interpretada como p = h1 (s) e q = h2 (s) são os candidatos
a valores iniciais das derivadas parciais da esperada solução u sobre a curva S ∗ ; a primeira é uma leitura
d
para a derivada
ds [u(g1 (s), g2 (s))].
Como a segunda equação em (1.5.2) é não linear, pode existir uma, várias ou nenhuma solução (h1 , h2 )
satisfazendo as condições (1.5.2). Entretanto, se o sistema
F (x0 , y0 , z0 , p, q) = 0
17
tem uma solução (p0 , q0 ) e o determinante
então, pelo Teorema da Função Implícita, existe um único par (h1 , h2 ) de funções h1 = h1 (s), h2 = h2 (s) de
classe C1 numa vizinhança I de s0 que resolvem (1.5.2) em I.
Para construir nossa faixa que contém S∗, procederemos como no caso de equações quase-lineares. Ad-
mitindo que F 2
é uma função de classe C , derivamos a equação F (x, y, z, p, q) = 0 com relação a x e a y
obtendo
∂F ∂F ∂F ∂F ∂F ∂F
Fx + p+ px + qx = 0 e Fy + q+ py + qy = 0.
∂z ∂p ∂q ∂z ∂p ∂q
Como queremos qx = py , as equações anteriores mostram que p e q devem ser soluções das seguintes equações
parciais quase-lineares:
∂F ∂F ∂F ∂F ∂F ∂F
px + py = −Fx − p e qx + qy = −Fy − q .
∂p ∂q ∂z ∂p ∂q ∂z
Essas equações podem ser resolvidas usando o método de integração ao longo das características, resol-
vendo equações ordinárias da forma
Ao longo de uma característica, queremos ter z(t) = u(x(t), y(t)) como antes. Isso implica que z0 =
zx x0 + zy y0 = zx Fp + zy Fq = pFp + qFq e, portanto, deveremos impor que
Desta forma, o método de integração ao longo das características (1.5.3), (1.5.4) e (1.5.5) sugere procurar
soluções do seguinte sistema de equações diferenciais ordinárias
0
x = Fp (x, y, z, p, q)
y 0 = Fq (x, y, z, p, q)
p0 = −Fx (x, y, z, p, q) − pFz (x, y, z, p, q) (1.5.6)
q 0 = −Fy (x, y, z, p, q) − qFz (x, y, z, p, q)
0
z = pFp (x, y, z, p, q) + qFq (x, y, z, p, q),
x(0) = g1 (s) , y(0) = g2 (s) , p(0) = h1 (s) , q(0) = h2 (s) e z(0) = φ(g(s)) = z(s). (1.5.7)
Uma vez resolvido (1.5.6) com condições iniciais (1.5.7), obtemos a solução
O Teorema de Existência e Unicidade de solução para o problema de valor inicial para (1.5.1) pode
nalmente ser enunciado :
2
2
Para mais detalhes, demonstração e interpretações geométricas, recomendamos o excelente livro de Fritz John [13].
18
Teorema 1.5.1. Suponha que D é um conjunto aberto de R2 e que F : D × R3 → R é uma função de classe
C 2 . Suponha que S 1
é uma curva regular de classe C contida em D parametrizada por (x, y) = g(s) =
(g1 (s), g2 (s)), s ∈ I e suponha que φ:S→R é uma função contínua. Dena z(s) = φ(g1 (s), g2 (s)), s ∈ I .
Suponha que existam funções h1 , h2 : I → R de classe C 1 tais que
Então, existem uma vizinhança U de S em R2 e uma função u:U →R de classe C1 tal que u é solução
de (1.5.1) e u|S = φ.
Observe que as condições (1.5.8) e (1.5.9) dependem fortemente da escolha do par (S, φ). Quando (S, φ)
satisfaz (1.5.8) e (1.5.9), dizemos que (S, φ) é não característicopara a equação (1.5.1). Diferentes escolhas
de h1 e h2 , se possíveis, dão origem a diferentes soluções de (1.5.1).
Uma vez mais, a demonstração do Teorema 1.5.1 consiste em resolver o sistema de equações ordinárias
(1.5.3), (1.5.4) e (1.5.5) com condições iniciais
(1.5.7) x(0) = g1 (s) , y(0) = g2 (s) , p(0) = h1 (s) , q(0) = h2 (s) e z(0) = z(s)
obtendo a solução
Usando o Teorema da Função Inversa, as duas primeiras equações x = x(t, s) e y = y(t, s) permitem
eliminar t e s em função de x e y, que substituídos nas demais, determinam u = u(x, y) = z(t, s). As
condições (1.5.8) e (1.5.9) garantem que o Teorema da Função Inversa pode ser aplicado.
As hipóteses (1.5.8) e (1.5.9) requerem a existência de funções h1 e h2 tais que h1 (s) · 1 + h2 (s) · 0 = 2s
s
e h1 (s)h2 (s) = s2 para todo s. Logo, h1 (s) = 2s e h2 (s) = 2 é a única solução.
x0 = q , y0 = p , p0 = p , q0 = q , z 0 = 2pq
s
x(0) = s , y(0) = 0 , p(0) = 2s , q(0) = e z(0) = s2 .
2
Resultam
s s
x(t, s) = (1 + et ) , y(t, s) = 2s(et − 1) , p(t, s) = 2set , q(t, s) = et e z(t, s) = s2 e2t .
2 2
y
Eliminando t e s das duas primeiras equações obtemos set = x + 4 e, portanto,
y 2
u(x, y) = x +
4
é a solução procurada. ♣
19
Exemplo 1.5.2. ux u2y = 4.
Considere a equação
2
(a) Mostre que o problema de Cauchy ux uy = 4, u = x quando y = 0 tem duas soluções;
2
(b) Mostre que o problema de Cauchy ux uy = 4, u = y quando x = 0 tem solução única;
2 2
(c) O problema de Cauchy ux uy = 4, u = x quando y = 0 tem solução? Quantas?
(a) No caso (a), a curva S é o eixo-x e S : (x, y) = (g1 (s), g2 (s)) = (s, 0), s ∈ R é uma parametrização de
S. Também, z(s) = φ(g(s)) = s para todo s.
Agora, devemos procurar funções h1 e h2 que satisfaçam as hipóteses (1.5.8) e (1.5.9), isto é
x0 = q 2 , y 0 = 2pq , p0 = 0 , q0 = 0 , z 0 = 3pq 2 ,
Obtemos
(b) Nesse caso, a curva S é o eixo-y e S : (x, y) = (g1 (s), g2 (s)) = (0, s), s ∈ R é uma parametrização de
S. Também, z(s) = φ(g(s)) = s para todo s.
Para que funções h1 e h2 satisfaçam as hipóteses (1.5.8) e (1.5.9), devemos ter
Logo, h2 (s) = 1 e h1 (s) = 4 são unicamente determinados. Pelo Teorema 1.5.1, a equação tem uma única
solução u, denidas numa vizinhança do eixo-y tais que u(0, y) = y .
Para determinarmos a solução u, devemos considerar o sistema (1.5.6), que toma a forma
x0 = q 2 , y 0 = 2pq , p0 = 0 , q0 = 0 , z 0 = 3pq 2 ,
Obtemos
x(t, s) = t , y(t, s) = 8t + s , p(t, s) = 4 , q(t, s) = 1 e z(t, s) = 12t + s.
Logo, t=x e s = y − 8x e a solução é u(x, y) = 4x + y .
(c) Novamente, a curva Séo eixo-x e S : (x, y) = (g1 (s), g2 (s)) = (s, 0), s ∈ R é uma parametrização de
S. Também, z(s) = φ(g(s)) = s2 para todo s.
20
Para que funções h1 e h2 satisfaçam as hipóteses (1.5.8) e (1.5.9), devemos ter
Logo, h1 (s) = 2s e 2sh2 (s)2 = 4. Essa última impõe uma restrição sobre a curva S : devemos tomá-la como
o eixo-x positivo e devemos esperar que existam duas soluções. Vamos examinar a solução correspondente à
2
escolha h2 (s) = √ , s > 0. Para isso, devemos considerar o sistema (1.5.6), que nesse caso é
s
x0 = q 2 , y 0 = 2pq , p0 = 0 , q0 = 0 , z 0 = 3pq 2 ,
2
x(0) = s , y(0) = 0 , p(0) = 2s , q(0) = √ , z(0) = s2 .
s
Obtemos
4t √ 2
x(t, s) = s + , y(t, s) = 8t s , p(t, s) = 2s , q(t, s) = √ e z(t, s) = 24t + s2 .
s s
4t
√
Para determinar u, precisamos inverter a função Φ(s, t) = (x, y) = (s + s , 8t t). Como Φ(s, 0) = (s, 0)
e o jacobiano
" #
4t 4
∂(x, y) 1−
= 4t
s2 √
s
∂(s, t) √
s
8 s
∂(x,y) √
satisfaz
∂(s,t) (s, 0) =8 s para todo s > 0, segue-se que Φ (s, 0),
é inversível em torno de qualquer ponto
com s > 0. A inversa local permite denir a solução u numa vizinhança de cada ponto (x, 0) com x > 0. Não
consigo obter fórmulas explícitas para a solução. Sabemos apenas que ela está denida numa vizinhança do
eixo-x e contida no conjunto aberto
√
12 3 5/2
V = {(x, y) : x > 0 e y< √ x }
25 5
5y
e tem como expressão u(x, y) = √
2 s
+ xs, ondes > 0 é uma raiz da equação 4s5 − 8xs4 + 4x2 s3 − y 2 = 0.
O mesmo raciocínio se aplica à outra escolha de h2 . ♣
Observação 1.5.1. (Adendo ao texto) Para estimar o domínio de denição da solução do Exemplo anterior,
√ y
observe que podemos eliminar x = s + 4t
t s e y(t, s) = 8t s e obter (x − s)s = 2 s . Assim,
das equações √
√ √
s é uma solução positiva da equação 2(x − s)s s = y . Denindo σ = s, a equação se escreve como
√
2σ 5 − 2xσ 3 + y = 0, da qual procuramos uma solução σ > 0 que satisfaz σ → x quando y → 0. Ora,
3 2
xado x > 0, o gráco do polinômio r(σ) = 2u (x − u ) tem o aspecto da gura abaixo. Concluímos que
√ q
dados
5
x , então a equação r(σ) = y tem uma única raiz real σ = σ ∗ (x, y) > 3x
12√3 5/2
x > 0 e y < 25 5 tal que
∗ √ ∗
σ (x, y) → x quando y → 0. O Teorema da Função Implícita assegura que σ é também uma função de
∞ ∗ 2
classe C . Logo, s = (σ ) é a primeira componente da função inversa do Exemplo anterior.
√
12√3 5/2
25 5
x
√ q √ x
− x 3x x
5
21
1.6 Aplicações
Um problema com valores de fronteira também pode ocorrer em equações de ondas unidimensionais.
Um exemplo é aquele no qual o meio de propagação da onda é uma semi-reta innita x > 0 e se procura
determinar uma solução de ut + cux = 0 na região Ω = (0, ∞) × (0, ∞) e na fronteira de Ω se assume que
u(x, 0) = φ(x), x > 0 (a onda inicial) e u(0, t) = h(t), t > 0 (i.e., o movimento ondulatório do ponto x = 0).
Nesses casos, sempre procuramos uma solução que seja, pelo menos, contínua em (0, 0). Naturalmente,
admitiremos implicitamente que φ e h são contínuas em (0, ∞).
Vamos examinar mais detidamente esse problema, ainda usando o método de integração ao longo das
características. As características para o problema de valor inicial ut + cux = 0, (x, t) ∈ Ω, u(x, 0) = φ(x),
x > 0, são determinadas pelas soluções do sistema
dt dx
=1 =c
dτ dτ
com condições iniciais
t(0, s) = 0 x(0, s) = s,
e são, portanto dadas por t(τ, s) = τ e x(τ, s) = cτ + s. Eliminando τ e s, obtemos x − ct = s, uma família
de reta no plano xt, parametrizada pelo parâmetro s > 0.
Quando c < 0, x − ct = s intercepta os eixos x e t nos pontos (s, 0) e (0, −c/s).
cada reta da família
Como a equação impõe que u seja constante em cada curva característica, deveremos ter u(s, 0) = u(0, −s/c),
i.e., φ(s) = h(−s/c) para todo s > 0. Assim, excluindo o caso especial no qual os dados na fronteira de Ω
satisfazem φ(s) = h(−s/c) para todo s > 0, o problema de fronteira citado não tem solução quando c < 0.
(Essa conclusão está de acordo com nossa intuição: uma onda que viaja para a esquerda não pode satisfazer
a equação em Ω.)
Quando c > 0, a região Ω é dividida em duas partes pela reta x − ct = 0:
(i) a parte superior Ω
+ = {(x, t) : ct > x, x > 0}, que contém as características que interceptam o eixo-t,
caso em u(x, t) = h(t − xc );
(ii) e a parte inferior Ω− = {(x, t) : ct < x, x > 0}, que contém as características que interceptam o eixo-x,
caso em que u(x, t) = φ(x − ct).
Na reta x = ct, o valor de u pode ser dado por u(ct, t) = φ(0) ou u(ct, t) = h(0) desde que os limites
laterais de φ e h pela direita coincidam: φ(0+) = h(0+) - o que implica continuidade de u em (0, 0). Em
resumo,
1
se φ e h são de classe C em (0, ∞) e φ(0) = h(0), então a (única) solução contínua em Ω do
problema proposto é
h(t − x/c) se ct ≥ x > 0
u(x, t) =
φ(x − ct) se 0 < ct < x
3
Para o tratamento geral c = c(u), veja D. Trim [21].
22
Observação 1.6.1. Diferenciabilidade de u ao longo da reta x = ct exige que h0 (0+) = −cφ0 (+0).
(I) (a(x, y)ux + b(x, y)uy )x = f (x, y) ou (II) (a(x, y)ux + b(x, y)uy )y = f (x, y)
admitem o seguinte tratamento: denido v(x, y) = a(x, y)ux +b(x, y)uy , a equação da forma (I) se transforma
no sistema
a(x, y)ux + b(x, y)uy = v(x, y)
vx = f (x, y)
no caso (I) e expressão análoga no caso (II).
Que condições iniciais e/ou condições de fronteira podem ser impostas para que o problema tenha solução?
Que signicado tem a condição S é não característica? As respostas a essas questões ainda vai aguardar
um pouco mais de tempo até realizarmos um estudo sistemático de equações lineares de ordem dois. Para
o momento, vamos nos concentrar numa equação especial de ordem dois, com coecientes constantes, que
admite um tratamento da forma descrita: a equação das ondas.
Vamos iniciar nossos estudos considerando a equação das ondas não-homogênea quando a variável x
pertence a todo (−∞, ∞), isto é, a equação
Aqui, c>0 é uma constante e o termo não-homogêneo F é uma função contínua em R × (0, ∞). Conside-
raremos o problema de Cauchy para (1.6.1), isto é, complementaremos (1.6.1) com as seguintes condições
iniciais:
u(x, 0) = φ(x) e ut (x, 0) = ψ(x), x ∈ (−∞, ∞), (1.6.2)
onde φ 2
é de classe C e ψ 1
é de classe C em (−∞, ∞).
Uma vez que
∂2u 2
2∂ u ∂ ∂ ∂u ∂u
− c = −c +c
∂t2 ∂x2 ∂t ∂x ∂t ∂x
para toda função u C 2 , nossa estratégia para procurar soluções de (1.6.1) toma a seguinte forma:
de classe
2
se u é uma solução de classe C de (1.6.1), então a função v(x, t) = ut (x, t) + cux (x, t) é solução de vt − cvx =
F (x, t). Reciprocamente, se v é uma solução de classe C 1 de vt − cvx = F (x, t) e se u é uma solução de
2
classe C de ut + cux = v(x, t), então u é solução de (1.6.1). Portanto, soluções de (1.6.1) podem (e serão!)
obtidas a partir do sistema de equações lineares não-homogêneo
vt − cvx = F (x, t)
ut + cux = v(x, t).
Observe que a primeira equação do sistema é desacoplada da segunda e que na solução de ambas pelo método
empregado anteriormente (o método de integração ao longo das características) é necessário escolher uma
curva S não característica para ambas. Ora, o campo vetorial denido pela primeira é V1 (x, t) = (1, −c) e
pela segunda, V2 = (1, c). Como c > 0, os dois campos são transversais ao eixo-x e, portanto, podemos tomar
S = {(x, 0) : x ∈ R} como curva inicial não característica para ambas equações do sistema. As condições
iniciais que escolheremos para v e u sobre S serão
23
Vamos resolver a primeira equação. Para isso, examinamos suas curvas características, ou seja, as soluções
das equações
dx dt
= −c=1 e
dτ dτ
com condições iniciais t(0, s) = 0 e Obtemos t(τ, s) = τ e x(τ, s) = −cτ + s e, portanto, as
x(0, s) = s.
curvas características da primeira equação é a família de retas x + ct = s. Para determinarmos v , resolvemos
dy
= F (x(τ, s), t(τ, s)) = F (−cτ + s, τ )
dτ
com condição inicial y(0, s) = ψ(s) + cφ0 (s), resultando
Z τ
0
y(τ, s) = ψ(s) + cφ (s) + F (s − cξ, ξ) dξ.
0
Z t
v(x, t) = ψ(x + ct) + cφ0 (x + ct) + F (x + c(t − ξ), ξ) dξ.
0
Agora, temos que resolver a equação ut + cux = v(x, t) com condição inicial u(x, 0) = φ(x). Aqui, as
características satisfazem
dt dx
=1 e =c
dτ dτ
com condições iniciais t(0, s) = 0 e x(0, s) = s.
Obtemos t(τ, s) = τ e x(τ, s) = cτ + s e, portanto, as curvas características da segunda equação é a
família de retas x − ct = s. Para determinarmos u, resolvemos
dy
= v(x(τ, s), t(τ, s)) = v(s + cτ, τ )
dτ
com condição inicial y(0, s) = φ(s), resultando
Z τ
y(τ, s) = φ(s) + v(s + cη, η) dη.
0
Z t
u(x, t) = φ(x − ct) + v(x − ct + cη, η) dη.
0
Nas próximos parágrafos, computamos a integral acima. Da expressão de v obtida anteriormente, temos
Z η
v(x − ct + cη, η) = ψ(x − ct + cη + cη) + cφ0 (x − ct + cη + cη) + F (x − ct + cη + c(η − ξ), ξ) dξ
Z η 0
= ψ(x − ct + 2cη) + cφ0 (x − ct + 2cη) + F (x − ct + 2cη − cξ, ξ) dξ
0
e, portanto,
Z t Z t Z η
0
v(x − ct + cη, η)dη = ψ(x − ct + 2cη) + cφ (x − ct + 2cη) + F (x − ct + 2cη − cξ, ξ) dξ dη
0 0 0
Z t
1 x+ct
Z
ψ(x − ct + 2cη) dη = ψ(s) ds.
0 2c x−ct
A segunda integral é muito simples:
Z t
1
cφ0 (x − ct + 2cη) dη = [φ(x + ct) − φ(x − ct)].
0 2
24
A terceira integral é a integral iterada da função (ξ, η) 7→ F (x − ct + 2cη − cξ, ξ) sobre o triângulo
T = {(ξ, η) : 0 ≤ η ≤ t e 0 ≤ ξ ≤ η}. Nessa região, fazemos a mudança de variáveis x − ct + 2cη − cξ = s e
ξ = τ : por meio da transformação L(s, τ ) = (ξ, η) [translação + rotação + cisalhamento], o triângulo T é a
a imagem da região ∆ = ∆(x, t) = {(s, τ ) : 0 ≤ τ ≤ t e x − ct ≤ s ≤ x + ct}. O jacobiano de L é igual 1/2c
1
e, portanto, dξdη =
2c dsdτ . Logo,
Z t Z η ZZ ZZ
1
dη F (x − ct + 2cη − cξ, ξ) dξ = F (x − ct + 2cη − cξ, ξ) dξdη = F (s, τ ) ds dτ
0 0 2c
Z tT Z x+c(t−τ ) ∆(x,t)
= dτ F (s, τ ) ds.
0 x−c(t−τ )
η τ s = x − ct + cτ
η = ξ s = x + ct − cτ
t (x, t)
T L
∆(x, t)
ξ s
x − ct x x + ct
Z x+ct Z t Z x+c(t−τ )
1 1 1
u(x, t) = [φ(x + ct) + φ(x − ct)] + ψ(s) ds + dτ F (s, τ ) ds (1.6.4)
2 2c x−ct 2c 0 x−c(t−τ )
Teorema 1.6.1. Suponha que φeψ são funções de classe C2 e C 1 , respectivamente, denidas em (−∞, ∞).
Então, o problema homogêneo de valor inicial
Z x+ct
1 1
u(x, t) = [φ(x + ct) + φ(x − ct)] + ψ(s) ds.
2 2c x−ct
Teorema 1.6.2. Suponha que F contínua em R × (0, ∞). Então, o problema não-homogêneo
Z t Z x+c(t−τ )
1
u(x, t) = dτ F (s, τ ) ds.
2c 0 x−c(t−τ )
4
Expressão originalmente obtida por Jean-Baptiste le Rond d'Alembert (1717-1783) [6], publicada em 1747.
25
O Teorema 1.6.1 revela alguns fatos importantes a respeito da solução da equação homogênea. A primeira
1
parcela
2 [φ(x + ct) + φ(x − ct)] mostra que o valor de uma solução u no ponto (x, t) depende dos valores da
posição inicial φ em apenas dois pontos: x − ct e x + ct e seu valor é a média dos valores da posição inicial.
R x+ct
1
O termo
x−ct ψ(s) ds é o valor médio da velocidade inicial ψ em todo o intervalo [x − ct, x + ct]. Por
2c
essas razões, o intervalo [x − ct, x + ct] é chamado de domínio de dependência da solução u no ponto (x, t).
Agora, xado um ponto (x0 , 0), os pontos do plano (x, t) tal que ∆(x, t) contém (x0 , 0) é chamado domínio
de inuência do ponto x0 .
τ x = x0 − ct
s = x + ct − cτ s = x − ct + cτ x = x0 + ct
(x, t)
Domínio de
Inuência de
(x0 , 0)
∆(x, t)
s
x − ct x x + ct x0 x
Os resultados do Teorema 1.6.1 também ressaltam o caráter hiperbólico da equação das ondas: a di-
ferenciabilidade de sua soluções não melhora com o passar do tempo t. A classe de diferenciabilidade de
uma solução é a mesma que a dos dados iniciais φ e ψ. A esse proposito, em toda nossa discussão sem-
pre admitimos que os dados iniciais fossem funções de classe C1 ou C 2. Entretanto, em grande parte das
aplicações, necessitamos de usá-las para funções descontínuas. Como conciliar teoria e prática? Graças ao
avanço das ideias, inclusive da extensão do conceito de solução, levadas a efeito a partir dos anos 1935 por S.
5
Sobolev , esses resultados permanecem válidos mesmo quando os dados iniciais forem funções descontínuas.
Nos exercícios, você terá oportunidade de lidar com várias dessas situações.
Outra propriedade importante revelada pelo Teorema 1.6.1 é que a solução depende continuamente dos
dados iniciais : se
6 (u1 , φ1 , ψ1 ) e (u2 , φ2 , ψ2 ) indicam as soluções de (1.6.1), (1.6.2), então a diferença u1 − u2
satisfaz
Z x+ct
1 1
u1 (x, t) − u2 (x, t) = [φ1 (x + ct) − φ2 (x + ct) + φ1 (x − ct) − φ2 (x − ct)] + [ψ1 (s) − ψ2 (s)] ds.
2 2c x−ct
Supondo que os dados iniciais são funções limitadas em (−∞, ∞), obtemos
|u1 (x, t) − u2 (x, t)| ≤ sup |φ1 (s) − φ2 (s)| + t sup |ψ1 (s) − ψ2 (s)|,
−∞<s<∞ −∞<s<∞
e, portanto
sup |u1 (x, t) − u2 (x, t)| ≤ sup |φ1 (s) − φ2 (s)| + t sup |ψ1 (s) − ψ2 (s)|,
−∞<x<∞ −∞<s<∞ −∞<s<∞
para todo t ≥ 0.
Exercício 1.6.1. Seja u a solução de utt = 4uxx em R × (0, ∞), com condições iniciais u(x, 0) = 0 e
ut (x, 0) = ψ(x) , onde
1 se −2<x<5
ψ(x) =
0 caso contrário.
Prove que u(x, t) = 0 quando x > 5 + 2t ou x < −2 − 2t. Determine u(x, t) quando −2 − 2t ≤ x ≤ 5 + 2t.
Exercício 1.6.2. Determine a solução de
utt = 9uxx + 4 cos(x + t), x ∈ R, t > 0 utt = 9uxx + 4 cos(x + t), x ∈ R, t > 0
(a) 1 (b) 1
u(x, 0) = 1+x 2 e ut (x, 0) = 0, x ∈ R. u(x, 0) = 0 e ut (x, 0) = 1+x 2, x ∈ R.
5
Sergei Lvovich Sobolev (São Petersburgo, 6 de outubro de 1908 - Moscou, 3 de janeiro de 1989) foi um matemático russo,
aluno de Vladimir Smirnov. Na década de 1930 trabalhou no Instituto de Matemática Steklov. Sobolev introduziu noções
atualmente fundamentais em diferentes áreas da Matemática, como por exemplo os espaços de Sobolev. Trabalhou com funções
generalizadas, atualmente estudadas no âmbito da teoria das distribuições.
6
A demonstração apresentada no texto mostra a continuidade apenas na norma do supremo.
26
1.7 A Formula de d'Alembert Revisitada
Vamos retornar à equação das ondas e deduzir uma vez mais a formula de d'Alembert para o problema de
valor inicial, desta vez usando o Teorema de Green.
Para cada ponto (x, t) do plano, considere a região ∆(x, t) do plano determinada pelo triângulo de
vértices A = (x, t), B = (x − ct, 0) e C = (x + ct, 0), onde c é uma constante positiva, como na gura abaixo,
correspondente a t > 0.
τ A = (x, t)
∆(x, t)
ξ
(x − ct, 0) = B C = (x + ct, 0)
No plano das variáveis (ξ, τ ), as equações das retas AB e AC são dadas por
Suponha que u é uma função de classe C 2 denida em R2 . Tomando como F~ o campo de vetores de
1
classe C denido por F~ (ξ, τ ) = (uτ (ξ, τ ), c2 uξ (ξ, τ )) e considerando a orientação positiva da fronteira de
∆(x, t), pelo Teorema de Green obtemos
Z ZZ
2
uτ dξ + c uξ dτ = [c2 uξξ (ξ, τ ) − uτ τ (ξ, τ )] dξdτ.
∂∆(x,t) ∆(x,t)
Temos
Z Z 1
uτ dξ + c2 uξ dτ = [uτ (x − cts, t − ts)(−ct) + c2 uξ (x − cts, t − ts)(−t)] ds
∂∆(x,t) Z 0x+ct
+ [uτ (s, 0)(1) + c2 uξ (s, 0) × 0] ds
Zx−ct
1
+ [uτ (x + ct − cts, ts)(−ct) + c2 uξ (x + ct − cts, ts)(t)] ds.
0
Usando a Regra da Cadeia, mudança de variável e o Teorema Fundamental do Cálculo, podemos escrever a
igualdade anterior como
Z Z 1 Z x+ct
d
uξ dξ + uτ dτ = [cu(x − cts, t − ts) − cu(x + ct − cts, ts)] ds + uτ (s, 0) ds.
∂∆(x,t) 0 ds x−ct
Z x+ct
= c[u(x − ct, 0) − u(x, t)] − c[u(x, t) − u(x + ct, 0)] + uτ (s, 0) ds
Z x+ct x−ct
= −2cu(x, t) + c[u(x − ct, 0) + u(x + ct, 0)] + uτ (s, 0) ds.
x−ct
Portanto,
Z x+ct ZZ
1 1 1
uτ τ (ξ, τ ) − c2 uξξ (ξ, τ ) dξdτ,
u(x, t) = [u(x + ct, 0) + u(x − ct, 0)] + uτ (s, 0) ds +
2 2c x−ct 2c ∆(x,t)
para todo (x, t) ∈ R2 com t > 0. Assim, obtemos as mesmas conclusões do Teoremas 1.6.1 e 1.6.2:
27
(1) se u é solução da equação da onda homogênea utt = c2 uxx em todo R2 e satisfaz as condições iniciais
u(x, 0) = φ(x) e ut (x, 0) = ψ(x), então
Z x+ct
1 1
u(x, t) = [φ(x + ct) + φ(x − ct)] + ψ(s) ds,
2 2c x−ct
1 x+ct 1 t
Z Z Z x+c(t−τ )
1
u(x, t) = [φ(x + ct) + φ(x − ct)] + ψ(s) ds + dτ h(ξ, τ ) dξ,
2 2c x−ct 2c 0 x−c(t−τ )
para todos x∈R e t > 0. Essa é uma espécie de fórmula da variação das constantes .
Exercício 1.7.1. Os dois métodos (integração ao longo das características e o imediatamente acima) em-
pregados na dedução da solução da equação das ondas sugerem a mudança de variáveis ξ = x + ct, η = x − ct
diretamente na equação. Use essa mudança de variáveis e dê uma outra demonstração do Teorema 1.6.1.
Essa mudança funciona para obter uma solução da equação não-homogênea como no Teorema 1.6.2?
Exemplo 1.8.1. Determine a solução geral u = u(x, y) das seguintes equações diferenciais parciais lineares:
(a) uy + 2yu = 0 (b) uxx − 9u = 0 (c) uxy − 2ux = 0.
Solução. (a)uy + 2yu = 0 é uma equação linear homogênea de primeira ordem que só contém a derivada
com relação a y . Ela pode ser resolvida como uma equação diferencial ordinária de variáveis separadas.
Outra forma
y2 y2 y2
é multiplicar ambos os lados da equação por e , obtendo e uy + 2ye u = 0. O lado esquerdo
é a derivada do produto e a equação se escreve como
∂ y2
[e u(x, y)] = 0.
∂y
independente de y
2
Logo, existe uma função f tal que ey u(x, y) = f (x). Portanto, a solução geral é
2
u(x, y) = f (x)e−y ,
(b) uxx − 9u = 0 é uma equação linear homogênea de segunda ordem que só contém a derivada com relação
a x. Ela pode ser resolvida como uma equação diferencial ordinária com coecientes constantes. As raízes
características são soluções de λ2 − 9 = 0, isto é, são λ1 = −3 e λ2 = 3. Assim, as soluções dependem de
duas constantes arbitrárias (isto é, funções que não dependem de x) f (y) e g(y) tais que
(c)uxy −2ux = 0 é uma equação linear homogênea de segunda ordem que, permutando a ordem de derivação,
(uy − 2u)x = 0. Isso implica que uy − 2u não depende de x e, portanto, existe uma
pode ser escrita como
função f tal que
uy − 2u = f (y).
Essa última é uma equação ordinária que, multiplicada pelo fator integrante e−2y se transforma em
∂ −2y
[e u] = f (y)e−2y .
∂y
28
Integrando, obtemos Z y
e−2y u(x, y) = f (t)e−2t dt + g(x),
y0
onde y0 é um número real arbitrário e g = g(x) é uma função arbitrária que não depende de y. Assim,
podemos escrever Z y
u(x, y) = e 2y
f (t)e−2t dt + g(x)e2y .
y0
Na igualdade acima, a primeira parcela é uma função que só depende de y e é arbitrária, que vou indicar
por h(y). Logo, a solução geral pode ser escrita como
(a) ut + 4ux = 0, com u(0, t) = sen 3t (b) ut + xux = 1, com u(x, 0) = φ(x)
Solução. (a) Trata-se de um problema de valor inicial, onde a curva S é constituída pelo eixo-t com dado
u(0, t) = sen 3t sobre essa curva. Tomemos g(s) = (0, s) como parametrização de S . Escrevendo a
inicial
equação como 4ux + ut = 0, o campo de vetores denido pela equação é V (x, t) = (4, 1). Como o vetor
0 0
tangente a S em cada ponto é g (s) = (0, 1), concluímos que V (x, t) nunca é paralelo a g (s) e, portanto, S
é não característica. As características da equação satisfazem o sistema
0
t =1
x0 = 4
0
u =0
com condições iniciais t(0) = s, x(0) = 0 e u(0) = sen 3s. (Estamos usando
0 = d
dτ .)
x x
Obtemos t(τ ) = τ + s, x(τ ) = 4τ e u(τ ) = sen 3s. Segue-se que τ = 4 e s = t− 4 . Substituindo na
terceira equação, obtemos x
u(x, t) = sen 3 t − .
4
(b) Trata-se de um problema de valor inicial, onde a curva S é constituída pelo eixo-x com dado inicial
u(x, 0) = φ(x) sobre essa curva. Tomemos g(s) = (s, 0) como parametrização de S . Escrevendo a equação
como xux + ut = 1, o campo de vetores denido pela equação é V (x, t) = (x, 1). Como o vetor tangente
0 0
a S em cada ponto é g (s) = (1, 0), concluímos que V (x, t) nunca é paralelo a g (s) e, portanto, S é não
característica. As características da equação satisfazem o sistema
0
t =1
x0 = x
0
u =1
com condições iniciais t(0) = 0, x(0) = s e u(0) = φ(s). Obtemos t(τ ) = τ , x(τ ) = seτ e u(τ ) = τ + φ(s).
Segue-se que τ =t e s = xe−t . Substituindo na terceira equação,
−t
concluímos que u(x, t) = t + φ(xe ) é a
solução procurada. ♣
Outra forma equivalente para resolver o item (b): seja (x(t), t) a curva em R2 que satisfaz x0 (t) = x(t) e
passando pelo ponto (x0 , 0) quando t = 0. A equação dada signica que
d
u(x(t), t) = ux (x(t), t)x0 (t) + ut (x(t), t) = 1.
dt
Portanto, u(x(t), t) = u(x0 , 0) + t = φ(x0 ) + t. Como x(t) = x0 et , obtemos x0 = xe−t que, substituindo,
resulta u(x, t) = t + φ(xe−t ).
29
Exemplo 1.8.3. Determine a solução dos problemas de vibração de uma corda innita abaixo:
utt − uxx = 0, x ∈ R, t > 0 utt = 4uxx + xt, x ∈ R, t > 0
(a) (b)
u(x, 0) = x e ut (x, 0) = x, x ∈ R. u(x, 0) = sen x e ut (x, 0) = cos x, x ∈ R.
(b) Aqui, c=2 e φ(x) = sen x e ψ(x) = cos x e a solução da equação homogênea associada é
Z x+2t
1 1
uh (x, t) = [sen(x − 2t) + sen(x + 2t)] + cos s ds = 2 sen x cos 2t.
2 2 x−2t
t x+2(t−τ ) t t
τ2 τ3 xt3
Z Z Z
1
up (x, t) = dτ ξτ dξ = xτ (t − τ ) dτ = x t − =
4 0 x−2(t−τ ) 0 2 3 0 6
xt3
é uma solução particular. Portanto, u(x, t) = 6 + 2 sen x cos 2t é a solução procurada. ♣
Exemplo 1.8.4. Usando o método de características, determine a solução do problema de valor de fronteira
Solução. As curvas características da equação utt = c2 uxx são as retas x−ct = constante e x+ct = constante.
A reta x − ct = 0 divide o primeiro quadrante em duas regiões
t x − ct = 0
D2 : 0 ≤ x ≤ ct
A = (x0 , t0 )
D1 : x ≥ ct ≥ 0
x0
(0, t0 − c ) =P
A = (x0 , t0 )
B 0 B0 C C 0 x
Consideremos um ponto A = (x0 , t0 ) com x0 > 0 e t0 > 0. As características que passam pelo ponto A são
dadas por x − ct = x0 − ct0 e x + ct = x0 + ct0 , que intersectam o eixo-x nos pontos B = (x0 − ct0 , 0) e
C = (x0 + ct0 , 0), respectivamente.
2
Se u é solução de utt = c uxx , usamos a formula de d'Alembert para expressar u(x0 , t0 ) como
1 x0 +ct0
Z
1
(∗) u(x0 , t0 ) = [u(x0 − ct0 , 0) + u(x0 + ct0 , 0)] + ut (s, 0) ds.
2 2c x0 −ct0
Essa expressão mostra que se (x0 , t0 ) pertence a D1 e se u satisfaz as condições iniciais u(x, 0) = 0 e
ut (x, 0) = 0 quando x > 0, então u(x0 , t0 ) = 0: isso segue imediatamente da gura acima, pois x0 − ct0 ≥ 0
30
quando (x0 , t0 ) ∈ D1 e, assim, as duas parcelas que compõem (*) são nulas. [Na gura, B e C estão
representados como B 0 e C 0 , respectivamente.]
Se (x0 , t0 ) pertence ao interior da região D2 , temos x0 − ct0 < 0 e x0 + ct0 > 0 [são os valores das
1
R x0 +ct0
abscissas de B e C na gura acima]. Assim, as parcelas u(x0 + ct0 , 0) = 0 e ut (s, 0) ds = 0 em
2c 0
(*) são nulas, mas não temos nenhuma informação das outras parcelas. Para lidar com esse esse fato, vamos
procurar funções φ, ψ : (−∞, 0] → R tais que, tomando
0 se x>0 0 se x>0
(∗∗) u(x, 0) = ut (x, 0) =
φ(x) se x≤0 ψ(x) se x ≤ 0,
a solução resultante dada por (*) também satisfaça u(0, t) = h(t) para t > 0.
Substituindo em (*), concluímos que, se (x0 , t0 ) ∈ D2 , então
Z 0 Z 0
1 1 1 1
u(x0 , t0 ) = u(x0 − ct0 , 0) + ut (s, 0) ds = φ(x0 − ct0 ) + ψ(s) ds.
2 2c x0 −ct0 2 2c x0 −ct0
Para que u(0, t0 ) = h(t0 ) para todo t0 > 0, é necessário que φ e ψ sejam escolhidas de modo que
Z 0
1 1
h(t0 ) = φ(−ct0 ) + ψ(s) ds
2 2c −ct0
x0
u(x0 , t0 ) = h t0 − .
c
Conclusão: A função
0 se x ≥ ct
u(x, t) =
h t − xc
se x < ct
é a única solução do problema dado. Observe que u não contínua em (0, 0), a menos que h(0) = 0. ♣
Exemplo 1.8.5. (a) Usando o método de características, determine a solução do problema de valor de
fronteira
utt = c2 uxx , x > 0, t > 0,
Solução. A solução apresentada a seguir é praticamente a mesma do Exemplo anterior, mas vamos repeti-la
em quase toda sua totalidade de modo a xar as ideias envolvidas. De novo, as curvas características da
equação utt = c2 uxx são as retas x − ct = constante e x + ct = constante e a reta x − ct = 0 divide o primeiro
quadrante em duas regiões
31
e C = (x0 + ct0 , 0), respectivamente. Se u é solução de utt = c2 uxx , usamos a formula de d'Alembert para
expressar u(x0 , t0 ) como
Z x0 +ct0
1 1
(∗) u(x0 , t0 ) = [u(x0 − ct0 , 0) + u(x0 + ct0 , 0)] + ut (s, 0) ds.
2 2c x0 −ct0
Essa expressão mostra que se (x0 , t0 ) pertence a D1 e se u satisfaz as condições iniciais u(x, 0) = f (x) e
ut (x, 0) = g(x) quando x > 0, então
Z x0 +ct0
1 1
(1) u(x0 , t0 ) = [f (x0 − ct0 ) + f (x0 + ct0 ))] + g(s) ds.
2 2c x0 −ct0
Essa expressão segue imediatamente da gura anterior, pois x0 − ct0 ≥ 0 quando (x0 , t0 ) ∈ D1 . [Na gura,
B e C 0
estão representados como B e C 0 , respectivamente.]
Se (x0 , t0 ) pertence ao interior da região D2 , temos x0 − ct0 < 0 e x0 + ct0 > 0 R[são os valores das
1 x0 +ct0
abscissas de B e C na gura acima]. Assim, as parcelas u(x0 + ct0 , 0) = f (x + ct) e 2c 0 ut (s, 0) ds =
g(s) ds em (*) são conhecidas, mas não temos nenhuma informação das outras parcelas. Para lidar
1
R x0 +ct0
2c 0
com esse esse fato, vamos procurar funções φ, ψ : (−∞, 0] → R tais que, tomando
f (x) se x > 0 g(x) se x > 0
(∗∗) u(x, 0) = ut (x, 0) =
φ(x) se x ≤ 0 ψ(x) se x ≤ 0,
a solução resultante dada por (*) também satisfaça ux (0, t) = 0 para t > 0.
Z 0 Z x0 +ct0
1 1 1 1
(2) u(x0 , t0 ) = φ(x0 − ct0 ) + ψ(s) ds + f (x0 + ct0 ) + g(s) ds.
2 2c x0 −ct0 2 2c 0
∂u 1 1 1 1
(x0 , t0 ) = φ0 (x0 − ct0 ) − ψ(x0 − ct0 ) + f 0 (x0 + ct0 ) + g(x0 + ct0 ).
∂x0 2 2c 2 2c
Para que ux (0, t0 ) = 0 para todo t 0 > 0, é necessário que φ e ψ sejam escolhidas de modo que
1 0 1 1 1
φ (−ct0 ) − ψ(−ct0 ) + f 0 (ct0 ) + g(ct0 ) = 0
2 2c 2 2c
para todo t0 > 0. Isso implica que φ e ψ devem satisfazer
1 0 1
[φ (−ct0 ) + f 0 (ct0 )] − [ψ(−ct0 ) − g(ct0 )] = 0
2 2c
para todo t0 > 0, ou, de forma equivalente,
1 0 1
[φ (x) + f 0 (−x)] − [ψ(x) − g(−x)] = 0
2 2c
para todo x < 0.
Vamos fazer a escolha trivial: vamos tomar ψ(x) = g(−x) e φ(x) = f (−x) para x ≤ 0. Da forma
escolhida, resulta que as funções iniciais u(·, 0) e ut (·, 0) de (**) são funções pares. Com essa escolha,
podemos nalmente escrever a solução u(x0 , t0 ), para (x0 , t0 ) ∈ D2 : substituindo φ e ψ em (2), obtemos
1 0 1 x0 +ct0
Z Z
1 1
u(x0 , t0 ) = φ(x0 − ct0 ) + ψ(s) ds + f (x0 + ct0 ) + g(s) ds.
2 2c x0 −ct0 2 2c 0
Z 0 Z x0 +ct0
1 1 1 1
= f (−x0 + ct0 ) + g(−s) ds + f (x0 + ct0 ) + g(s) ds
2 2c Zx0 −ct0 2 2c Z0
−x0 +ct0 x0 +ct0
1 1 1 1
= f (−x0 + ct0 ) + g(s) ds + f (x0 + ct0 ) + g(s) ds
2 2c 0 2 2c 0
32
Conclusão: A solução do problema dado é a função
1 x+ct
Z
1
[f (x − ct) + f (x + ct))] + g(s) ds se x ≥ ct
2 Z −x+ct 2c x−ct
u(x, t) =
1 x+ct
Z
1 f (−x + ct) + 1
1
g(s) ds + f (x + ct) + g(s) ds se x < ct.
2 2c 0 2 2c 0
1 se 4<x<5
(c) Quando g = 0 e f (x) = , as extensões pares de f e g são (vou ainda designa-las
0 caso contrário
por f e g) g ≡ 0 e
1 se 4<x<5 ou −5<x<4
f (x) =
0 caso contrário.
1
[f (x − ct) + f (x + ct))] se x ≥ ct
u(x, t) = 2
1 1
f (−x + ct) + f (x + ct) se x < ct.
2 2
1
O valores que u assume são apenas os números 0, 2 e 1 nas regiões indicadas na gura abaixo. ♣
0 1
2
1
0
1
2
0 1
2
1
−5 −4 4 5 x
1.9 Exercícios
Exercício 1.9.1. Determine a solução de cada um dos seguintes problemas de valor inicial:
a) xux + yuy = u, u = x quando y = x2 ;
2 2
b) x ux + y uy = 4, u = 1 quando xy = x + y e x > 1;
c) ux + uuy = 4u, u = x quando y = x;
d) ux − uuy = u, u = 3x quando y = 2x;
2 2
e) 2y(u − 3)ux + (2x − u)uy = y(2x − 3), u = 0 quando x + y = 2x;
2 2 2 2
f ) x(y + u)ux − y(x + u)uy = (x − y )u, u = 1 quando x + y = 0;
2 2
g) u(x + y)ux + u(x − y)uy = x + y , u = 0 quando y = 2x.
33
Exercício 1.9.3. Determine a solução de 2ux + uuy = 2 tal que u = −y quando y 2 = −4x. Descreva o
domínio de denição da solução.
xux + yuu = u
u(x, y) = φ(x, y) quando y = mx
Exercício 1.9.5. Qual o domínio de existência da solução do problema de valor inicial para ux + uy = u2
com u(x, y) = x quando y = x.
Exercício 1.9.6. Discuta o problema de valor inicial para xux + yuy = 4 que satisfaz
(a) u(x, y) = t2 quando x = t e y = t + 1, t ≥ 1;
2
(b) u(x, y) = t quando x = t e y = 3t, t ≥ 1;
(a) u(x, y) = 4 ln t quando x = t e y = 3t, t ≥ 1.
Exercício 1.9.7. Por que a equação ux + uy = u não tem solução que satisfaz u=1 quando y = x?
Exercício 1.9.8. Determine a solução de uux + uy = 0 que satisfaz u = φ(x) quando y = 0, onde
1, se x≤0
φ(x) = 1 − x, se 0<x<1 .
0, x > 1.
se
Exercício 1.9.13. Resolva a equação da onda unidirecional amortecida ut + cux + βu = 0 com condição
inicial u(x, 0) = φ(x), onde c>0 e β > 0.
Exercício 1.9.14. (a) Determine, em forma integrada, a solução do problema não-homogêneo para a equação
da onda unidirecional ut + cux = F (x, t) com condição inicial u(x, 0) = f (x), onde c é uma constante.
(b) Escreva a solução de (a) quando F (x, t) = x + t.
Exercício 1.9.15. Seja c > 0. Determine a solução do problema de valor de fronteira ut + cux = 0 para
x>0 e t>0 se u(x, 0) = φ(x), x > 0 e u(0, t) = h(t), t > 0.
Exercício 1.9.17. Determine a solução de ut + 2uux = 0 tal que u(x, 0) = φ(x), onde
1, se x < 0
φ(x) = 1 + Lx , se 0 < x < L
2, se x > L.
Compare a solução com a solução limite quando L → 0 da equação ut + 2uux = 0 tal que u(x, 0) = ψ(x),
onde
1, se x < 0
ψ(x) =
2, se x > 0.
34
Exercício 1.9.18. Sejam c > 0 e h > 0. Determine a solução de utt = c2 uxx tal que u(x, 0) = 0 e
ut (x, 0) = ψ(x), onde
1, se |x| < h
ψ(x) =
0, se |x| > h.
(Sugestão: considere as regiões ct < h e ct > h).
Exercício 1.9.19. (Exercícios tomados do livro de D. Trim [21]) Determine, se possível, a solução de cada
dos problemas de valor inicial abaixo (p e q indicam ux e uy e C é a curva dada):
(1) pq = 4, C : y = 0, u = x (2) u = p2 − q 2 , C : 4u + x2 = 0, y = 0
2 2 2
(3) p + q = 4u, C : u = x + 1, y = 0 (4) p + q 2 + u = 0, C : u = y, x = 0
1 2 2
(5) u = 2 (p + q ) + (p − x)(q − y), C : y = u = 0.
Exercício 1.9.20. Determine, se possível, a solução da equação parcial pu = q cujo gráco contém as
seguintes curvas:
(a) C : y = x3 , u = 1 (b) C : u = x, y = 0 (c) C : y = x3 , u = x (d) C : u = y = x, x ≥ 0.
Exercício 1.9.21. Estude existência e unicidade de solução da equação parcial p2 + q 2 = α 2 cujo gráco
contém a curva x
2 + y2 = 1, u = K , onde α≥0 e K são parâmetros reais.
Exercício 1.9.23. A voltagem v e a corrente i num cabo elétrico ao longo do eixo-x satisfazem o sistema
de equações
ix + Cvt + Gv = 0
vx + Lit + Ri = 0,
onde C , G, L e R são a capacitância, condutância, indutância e resistência por unidade de comprimento do
cabo. Mostre que v e i satisfazem a equação do telégrafo
uxx = LCutt + (RC + LG)ut + RGu.
Exercício 1.9.24. Dena u(x, t) = w(x, t)eat na equação do telégrafo do exercício anterior. Qual a equação
que w satisfaz? Mostre que, se LC 6= 0, então a pode ser escolhido de modo que esta equação seja da forma
wxx = Awtt + Bw. (Isto é, a equação resultante não apresenta termo com derivada de primeira ordem.)
35
36
Capítulo 2
Admitiremos que os coecientes A, B e C são funções de classe C2 em duas variáveis x e y denidas numa
2 3
região aberta D do plano R ; a classe de diferenciabilidade da função F : D×R → R não é muito importante
2
neste momento, mas podemos supor que ela é também de classe C . Admitiremos também que procuramos
soluções u de (2.1.1) de classe C2 em D.
Vamos considerar uma mudança de variáveis em D denida por uma transformação T : D → R2 de classe
C 2 dada por
ξ = ξ(x, y), η = η(x, y), (2.1.2)
com jacobiano
∂ξ ∂ξ
∂(ξ, η) ∂x (x, y) ∂y (x, y)
(x, y) =
∂η ∂η
∂(x, y)
∂x (x, y) ∂y (x, y)
diferente de zero na região D. É então possível, usando o Teorema da Função Inversa, resolver o sistema
(2.1.2) de forma única para determinar x e y como funções x = x(ξ, η), y = y(ξ, η) de classe C2 para (ξ, η)
em algum conjunto aberto D̃. Nas novas variáveis, a equação (2.1.1) toma a forma
" 2 #
∂2u ∂ξ 2 ∂ξ ∂ξ ∂ξ
2
A + 2B +C
∂ξ ∂x ∂x ∂y ∂y
2
∂ u ∂ξ ∂η ∂ξ ∂η ∂ξ ∂η ∂ξ ∂η
+2 A +B +B +C (2.1.3)
∂ξ∂η ∂x ∂x
" ∂x ∂y ∂y ∂x ∂y ∂y
2 #
∂2u ∂η 2
∂η ∂η ∂η ∂u ∂u
+ 2 A + 2B +C + F1 ξ, η, u, , = 0.
∂η ∂x ∂x ∂y ∂y ∂ξ ∂η
2 2
∂φ ∂φ ∂φ ∂φ
A + 2B +C =0 (2.1.4)
∂x ∂x ∂y ∂y
37
na função incógnita φ = φ(x, y). Vamos lidar separadamente com os casos B 2 > AC , B 2 < AC e B 2 = AC
em toda a região D . Não vamos considerar o caso quando a expressão B
2 − AC troca de sinal em D ou
quando ela se anula em algum ponto de D sem se anular em todo D.
Vamos primeiro considerar que B
2 > AC em D, hiperbólica
caso em que dizemos que a equação (2.1.1) é
em D. reais e distintas e pode ser resolvida, digamos,
Nesse caso, a equação (2.1.4) tem duas soluções
determinando ∂φ/∂x em função de ∂φ/∂y , dando origem ao seguinte sistema linear de equações de primeira
ordem
∂φ1 ∂φ1
p
A
= [−B − B 2 − AC]
∂x ∂y (2.1.5)
∂φ2 p
2
∂φ2
A
= [−B + B − AC] .
∂x ∂y
Agora, usamos o método de integração ao longo de características para determinarmos soluções não
constantes φi = φi (x, y) (i = 1, 2) de (2.1.5). Para isso, escolhemos curvas distintas e transversais Ci
(i= 1, 2) que são não características para cada uma das equações de (2.1.5). É um tanto trabalhoso mostrar
que as funções φ1 e φ2 assim obtidas podem ser escolhidas com classe de diferenciabilidade C 2 e que o
jacobiano de φ1 e φ2 com relação a x e y nunca se anula em alguma sub-região G de D . Portanto, podemos
tomar
ξ = ξ(x, y) = φ1 (x, y) , η = η(x, y) = φ2 (x, y) (2.1.6)
∂2u ∂2u
∂u ∂u
− = Φ α, β, , . (2.1.8)
∂α2 ∂β 2 ∂α ∂β
Qualquer uma das formas (2.1.7) e (2.1.8) é chamada uma forma canônica de (2.1.1) em G.
Observação 2.1.1. Se o coeciente A é nulo, então uma das equações (2.1.5) se torna indeterminada (se,
por exemplo, B > 0, então a segunda delas se torna indeterminada). Isso não causará qualquer transtorno
uma vez que A ≡ 0 implica que a equação (2.1.4) se reduz a
2
∂φ ∂φ ∂φ
2B +C =0
∂x ∂y ∂y
e o sistema (2.1.5) se torna
2B ∂φ ∂φ1
1
∂x + C ∂y = 0
∂φ2
= 0.
∂y
Para obter a forma canônica neste caso, determinamos uma solução não constante φ1 (x, y) da primeira
equação e escolhemos φ2 (x, y) independente de y de modo que o jacobiano de φ1 e φ2 seja não nulo. Às
vezes, a escolha φ2 (x, y) = x resolve o problema. O caso C ≡ 0 é tratado da mesma forma. Se A ≡ C ≡ 0,
a equação (2.1.1) já está escrita na forma canônica.
Consideremos agora o caso em que a equação (2.1.1) é parabólica em D, isto é, o caso em que B 2 = AC
em toda a região D. Nesse caso, as duas equações do sistema (2.1.5) coincidem com uma única equação
∂φ ∂φ
A +B =0
∂x ∂y
1
A rigor, a solução geral de cada uma das equações (2.1.5) dene uma família de curvas φi (x, y) = constante em G, chamadas
curvas características de (2.1.1).
38
ou, equivalentemente, com a equação
∂φ ∂φ
B +C = 0.
∂x ∂y
Suponha que φ(x, y) = k seja a solução geral desta última equação em alguma região G do plano xy
e suponha que φ é de classe C 2 com gradiente não nulo em G. Escolha uma família de curvas ψ(x, y) =
constante contidas na região G tal que a função ψ seja de classe C 2 e que o jacobiano
∂φ ∂φ
∂x ∂y
∂ψ ∂ψ
∂x ∂y
é não nulo na região G. Se, por exemplo, ∂φ/∂x > 0 em G, podemos tomar ψ(x, y) = y . Com essa escolha,
a mudança de variáveis
ξ = φ(x, y) e η = ψ(x, y)
torna o coeciente de ∂ 2 u/∂ξ 2 em (2.1.3) identicamente nulo em G. O coeciente de ∂ 2 u/∂ξ∂η se torna
∂φ ∂φ ∂φ ∂φ ∂φ ∂ψ
A +B + B +C .
∂x ∂y ∂x ∂x ∂y ∂y
2 2
∂ψ 2
∂ψ ∂ψ ∂ψ ∂ψ 1 ∂ψ
A + 2B +C = A +B .
∂x ∂x ∂y ∂y A ∂x ∂y
Essa expressão não pode ser zero: caso contrário o jacobiano de φ e ψ seria zero nesse ponto. Da mesma
forma, podemos mostrar que se C 6= 0 num ponto, então o coeciente de ∂ 2 u/∂η 2 é diferente de zero nesse
ponto. Isso signica que esse coeciente não se anula em toda a região G, o que legitima dividir a equação
(2.1.3) por esse coeciente para obter
∂2u
∂u ∂u
+ F2 ξ, η, u, , = 0. (2.1.9)
∂η 2 ∂ξ ∂η
∂2u ∂u ∂u
2
= A1 + B1 + C1 u + D1 .
∂η ∂ξ ∂η
Z
1
v(ξ, η) = exp B1 (ξ, η)dη ,
2
39
Admitindo que os coecientes A, B e C são funções reais analíticas, os coecientes de (2.1.10) são também
funções analíticas de (x, y) em D. Seja
como mudança de variáveis em (2.1.1). Os detalhes de que (2.1.10) tem uma solução analítica e que (2.1.11)
tem jacobiano diferente de zero numa vizinhança de (x0 , y0 ) podem ser encontrados em Petrovsky [18].
Vamos computar os coecientes de (2.1.3) pela mudança de variáveis (2.1.11). Separando partes real e
imaginárias da equação
2 2
∂φ ∂φ ∂φ ∂φ
A + 2B +C =0
∂x ∂x ∂y ∂y
obtemos
2 2 2 2
∂ξ ∂ξ ∂ξ ∂ξ ∂η ∂η ∂η ∂η
A + 2B +C =A + 2B +C , (2.1.12)
∂x ∂x ∂y ∂y ∂x ∂x ∂y ∂y
∂ξ ∂η ∂ξ ∂η ∂ξ ∂η ∂ξ ∂η
A +B + +C = 0.
∂x ∂x ∂x ∂y ∂y ∂y ∂y ∂y
Dividindo (2.1.3) por um dos lados de (2.1.12), obtemos
∂2u ∂2u
∂u ∂u
+ 2 = F2 ξ, η, u, , . (2.1.13)
∂ξ 2 ∂η ∂ξ ∂η
Essa forma da equação (2.1.1) é chamada sua forma canônica em G.
Observação 2.1.2. O argumento utilizado acima permite reduzir nossa equação elíptica à forma canônica
numa vizinhança de um ponto (x0 , y0 ) no qual existe uma solução analítica não constante da equação (2.1.10).
Pode-se mostrar que tal redução é possível sem admitir que A, B e C sejam analíticas: é suciente que esses
coecientes sejam de classe C 2.
Observação 2.1.3. Como dissemos, as curvas integrais obtidas resolvendo as equações (2.1.5) são chamadas
curvas características da equação (2.1.1). Quando (2.1.1) é hiperbólica, ela tem um par de características
reais independentes; quando é parabólica, apenas uma característica real e quando elíptica, não tem caracte-
rísticas reais. Em qualquer desses casos, determinamos soluções φx de (2.1.4), obtendo equações parciais de
primeira ordem como (2.1.5) ou (2.1.10) e procuramos suas soluções utilizando, como é de regra, o método
de integração ao longo das características. Entretanto, em nossa abordagem de formas canônicas, não ne-
cessitamos de determinar a solução geral destas equações: tudo que precisamos é escrever a família de suas
curvas características. Para levar adiante essa ideia, vamos lembrar que ao resolver
√ x0 = 1 e y 0 = −λ(x, y),
onde λ = [−B ± B 2 − AC]/A (no caso A 6= 0) e eliminar as variáveis t e s (que têm origem ao empregar
o método), terminamos com uma equação φ(x, y) = k , onde k é uma constante arbitrária. Por essa razão,
dizemos que φ(x, y) = k é a solução geral de (2.1.5).
Uma forma muito simples de obter essa solução geral é observar que podemos obtê-la diretamente da
seguinte forma: uma vez que x0 = 1 implica que x = x(t) é crescente, podemos escrever sua solução na forma
y = y(x). Decorre, então, que y satisfaz a equação diferencial ordinária
dy
= −λ(x, y),
dx
onde, como dissemos acima, λ são as soluções da equação Aλ2 − 2Bλ + C = 0. Assim, a equação diferencial
ordinária que, uma vez resolvida, fornecem as características de (2.1.1) é
2
dy dy
A − 2B +C =0 se A 6= 0 (2.1.14)
dx dx
2
Pode-se usar o Teorema de Cauchy-Kowalewsky para obter uma tal solução numa vizinhança de (x0 , y0 ) tomando um valor
inicial φ(x0 , y) = β(y) para x = x0 com β 0 (y0 ) 6= 0.
40
ou 2
dx dx
C − 2B +A=0 se C 6= 0. (2.1.15)
dy dy
(ATENÇÃO: As equações (2.1.14) e (2.1.15) devem ser comparadas com (2.1.4) e (2.1.1)!)
Resumimos nossa discussão no seguinte
Teorema 2.1.1. Suponha que u é uma solução de classe C2 da equação diferencial parcial
(I) se B 2 − AC > 0 em D (caso em dizemos que (2.1.1) é hiperbólica em D), então a forma canônica de
(2.1.1) em G é de um dos seguintes tipos:
∂2u
∂u ∂u
(2.1.9) + F2 ξ, η, u, , = 0.
∂η 2 ∂ξ ∂η
(III) se B 2 − AC < 0 em D (caso em que dizemos que (2.1.1) é elíptica em D), então a forma canônica
de (2.1.1) em G é do tipo
∂2u ∂2u
∂u ∂u
(2.1.13) + 2 = F2 ξ, η, u, , .
∂ξ 2 ∂η ∂ξ ∂η
Para obter uma mudança de variáveis, consideremos a equação diferencial ordinária
2
dy dy
(2.1.14) A − 2B +C =0 se A 6= 0
dx dx
ou
2
dx dx
(2.1.15) C − 2B +A=0 se C 6= 0.
dy dy
Temos:
(I) se B 2 − AC > 0 em D, então existem duas famílias φ1 (x, y) = k e φ2 (x, y) = k de curvas, chamadas
curvas características de (2.1.1) em D, obtidas como soluções gerais de (2.1.14) ou (2.1.15) e a mudança
de variáveis que reduz (2.1.1) à sua forma canônica (2.1.7) ou (2.1.8) pode ser tomada como ξ = φ1 (x, y) e
η = φ2 (x, y);
B 2 − AC = 0 em D, então (2.1.14) ou (2.1.15) coincidem e denem apenas uma família φ(x, y) = k
(II) se
de curvas, novamente chamadas de curvas características de (2.1.1) em D ; escolhendo uma família de curvas
ψ(x, y) = k de classe C 2 tal que o jacobiano das funções ξ = φ(x, y) e η = ψ(x, y) é diferente de zero em G,
então ξ = φ(x, y) e η = ψ(x, y) é uma mudança de variáveis que reduz (2.1.1) à sua forma canônica (2.1.9)
em G;
B 2 − AC < 0 em D, então (2.1.14) ou (2.1.15) têm uma família φ(x, y) = k de soluções não reais
(III) se
e tomamos ξ = Re(φ(x, y)) e η = Im(φ(x, y)) como uma mudança de variáveis que reduz (2.1.1) à sua forma
canônica (2.1.13) em G.
Observação 2.1.4. 1. A forma canônica de uma equação da forma (2.1.1) não é única e depende da escolha
da mudança de coordenadas.
2. Em algumas situações, a determinação da forma canônica pode ser útil para encontrar a solução geral
de uma equação linear dada. Veremos alguns exemplos a seguir.
41
2.2 Exemplos Resolvidos
Exemplo 2.2.1. A equação unidimensional das ondas c2 uxx − uyy = 0 (c > 0) é o exemplo típico de uma
equação hiperbólica em duas variáveis. Aqui, A = c2 , B = 0, C = −1 e B 2 − AC = c2 > 0; portanto, a
2
equação é hiperbólica em todo o plano R . Suas curvas características podem ser dadas (cf. (2.1.15)) pela
equação diferencial
2
dx
− + c2 = 0,
dy
dx
que é equivalente a = c ou dx
dydy = −c, cujas soluções são as famílias de retas x + cy = k e x − cy = k .
Usando a mudança ξ = x + cy , η = x − cy , obtemos sua forma canônica uξη = 0. Daqui, concluímos que a
2
solução geral é u(ξ, η) = f (ξ) + g(η), onde f e g são funções de classe C arbitrárias. Logo, a solução geral
2
da equação c uxx − uyy = 0 é
u(x, y) = f (x + cy) + g(x − cy),
onde f e g são funções de classe C2 arbitrárias. ♣
Exemplo 2.2.2. A equação unidimensional do calor c2 uxx − uy = 0 (c > 0) é o exemplo típico de uma
equação parabólica em duas variáveis. Aqui, A = c2 , B = 0, C = 0 e B 2 − AC = 0; portanto, a equação
2
é parabólica em todo o plano R . As curvas características são dadas pela família de retas y = k, uma vez
que elas são dadas (cf. (2.1.14)) pela equação diferencial
2
2 dy
c = 0.
dx
1
A equação uxx = u é a sua forma canônica.
c2 y
♣
Exemplo 2.2.3. A equação de Laplace bidimensional uxx + uyy = 0 é o exemplo típico de uma equação
elíptica em duas variáveis. Aqui, A = 1, B = 0, C = 1 e B 2 − AC = −1 < 0; portanto, a equação é elíptica
2
em todo o plano R . Ela não tem características reais e já está na sua forma canônica. ♣
As equações descritas nos Exemplos anteriores são as mais simples que apresentam os 3 tipos de com-
portamento (elíptico, parabólico ou hiperbólico) no plano R2 . Em comum, elas têm a propriedade que seu
tipo é constante em todo o plano. O próximo exemplo mostra que o tipo de uma equação pode mudar de
uma região para outra; num certo sentido, ele é o mais simples exemplo de uma equação de tipo misto que
apresenta simultaneamente os 3 tipos da classicação discutida.
2
dx
+ y = 0.
dy
√
Separando variáveis, obtemos dx = ± −y dy e, portanto, 3x ± 2(−y)3/2 = C é a solução geral. Podemos,
então, tomar
ξ = 3x + 2(−y)3/2 e η = 3x − 2(−y)3/2
como mudança de variáveis: de fato, o jacobiano
3 −3(−y)1/2
∂(ξ, η) = 18(−y)1/2
(x, y) =
∂(x, y) 3 3(−y)1/2
3
Francesco Giacomo Tricomi (1897-1978) foi um matemático italiano. Publicou a equação que leva seu nome em 1923, que
se revelou importante na descrição de objetos movendo-se em velocidade supersônica.
42
ξ+η
é diferente de zero na região D− e a inversa é x= 6 , y = −( ξ−η
4 )
2/3 . Agora, mudamos as variáveis:
3
uyy = − (−y)−1/2 [−uξ + uη ] + 3(−y)1/2 [−uξξ ξy − uξη ηy + uηξ ξy + uηη ηy ]
2 √3
3 4
=− [−uξ + uη ] − 9y[uξξ − 2uξη + uηη ].
2 (ξ − η)1/3
Portanto,
√3
3 4
yuxx + uyy = 9y[uξξ + 2uξη + uηη ] − [−uξ + uη ] − 9y[uξξ − 2uξη + uηη ]
√ 2 (ξ − η)1/3
3
3 4
= 36uξη − [−uξ + uη ].
2 (ξ − η)1/3
Consideremos agora a equação em D+ = {(x, y) : y > 0}. Vamos usar novamente a equação
2
dx
+y =0
dy
dx √
para determinar as curvas características nessa região. Temos
dy = ±i y e, separando variáveis, obtemos a
solução geral
3x ± 2iy 3/2 = C.
De nossa discussão anterior, tomamos ξ = 3x η = 2y 3/2 .
e Como o jacobiano
∂(ξ, η) 3 0
= 9y 1/2
(x, y) =
∂(x, y) 0 3y 1/2
é diferente de zero na região D+ , ξ = 3x e η = 2y 3/2 é uma mudança de variáveis legítima, com inversa
ξ
x= 3, y= ( η2 )2/3 . Agora, mudamos as variáveis:
3 3 3
uyy = y −1/2 uη + 3y 1/2 [uηξ ξy + uηη ηy ] = y −1/2 uη + 3y 1/2 uηη 3y 1/2 = uη + 9yuηη .
2 2 η
1
Portanto, uξξ + uηη + 3η uη =0 é a forma canônica da equação yuxx + uyy = 0 em D+ . ♣
43
xy =constante. A mudança ξ = xy , η = xy é uma bijeção de cada Qi em si mesmo, tem jacobiano igual a
2y
x 6= 0 em cada Qi e tem inversa global Qi → Qi dada por
p p p p
x = ξη −1 , y = ξη em Q1 e x = − ξη −1 , y = − ξη em Q3 ;
p p p p
x = − −ξη −1 , y = −ξη em Q2 e x = −ξη −1 , y = − −ξη em Q4 ;
y
Agora, fazemos a mudança ξ = xy , η = x:
y 1
ux = uξ ξx + uη ηx = yuξ − uη e uy = uξ ξy + uη ηy = xuξ + uη ;
x2 x
1
uξη = uη
2ξ
Exemplo 2.2.6. Considere a equação uxx + 2uxy + uyy = 2ux − 2uy + 3. Temos A = 1, B = 1, C = 1 e
B2 − AC = 0. Portanto, trata-se de uma equação parabólica em todo o plano R2 . As curvas caraterísticas
satisfazem 2
dy dy
−2 + 1 = 0,
dx dx
dy
isto é,
dx = 1. Portanto, as curvas características constituem uma família de retas x − y = k e tomamos
ξ = x−y como uma nova variável. Agora, queremos determinar outra variável η = η(x, y) de modo que o
jacobiano
∂(ξ, η) 1 −1
(x, y) =
∂(x, y) ηx ηy
seja não nulo. Existem innitas escolhas para η , mas vamos escolher η(x, y) = y . Então, o jacobiano é igual
a 1 e (x, y) 7→ (ξ, η) tem uma inversa global x = ξ + η e y = η . Agora, fazemos a mudança ξ = x − y , η = y :
ux = uξ ξx + uη ηx = uξ e uy = uξ ξy + uη ηy = −uξ + uη ;
isto é, uηη = 4uξ − 2uη + 3. A mudança u = e−η v transforma essa última na equação vηη = 4vξ + 3eη . ♣
Exemplo 2.2.7.
2
Mostre que a equação uxx + x2 uxy − ( x2 + 14 )uyy = 0 é hiperbólica em todo plano xy .
Determine as curvas características e represente-as geometricamente
Solução. x2 2 2 2
Temos A = 1, B = 2 , C = −( x2 + 14 ) e, portanto, B 2 − AC = 14 [x4 + x2 + 41 ] = 1 2
2 (x + 21 ) >0
2
para todo (x, y). Portanto, a equação é hiperbólica em R . As curvas características são determinadas pelas
soluções da equação ordinária
2
x2 1
dy dy2
−x − + = 0.
dx dx 2 4
44
Resolvendo, obtemos
√
dy x2 ± x4 + 2x2 + 1 x2 ± (x2 + 1)
= =
dx 2 2
dy dy x3
e, portanto,
dx = x2 + 12 ou
dx = − 12 . A primeira equação fornece y= 3 + x2 + C1 e a segunda, y = − x2 + C2
cúbicas y = x3 + x2 + C1 e uma família
3
como soluções. Assim, as curvas características são uma família de
de retas y = − x2 + C2 , onde C1 e C2 são constantes arbitrárias.
Desta forma, podemos tomar φ1 (x, y) = 2x3 + 3x − 6y e φ2 (x, y) = x + 2y para expressar a solução
geral de cada uma das equações características na forma φ1 (x, y) = C1 e φ2 (x, y) = C2 . Agora, tomamos
ξ = 2x3 + 3x − 6y e η = x + 2y como mudança de variáveis. O jacobiano destas funções com relação a x e a y
2
é igual a 12(x + 1) a, assim, a transformação é localmente inversível em torno de cada ponto do plano, com
∞
inversa de classe C . Para mostrar que a mudança de variáveis é inversível em todo o plano, eliminamos
2y = η − x da segunda equação; substituindo na primeira, obtemos a seguinte equação para determinar x:
2x3 + 6x − ξ − 3η = 0. (2.2.1)
Como é fácil vericar, essa última equação tem uma única raiz real x = x(ξ, η) para quaisquer valores de ξ
e η. A inversa é então dada por x = x(ξ, η) e y = 21 (η − x(ξ, η)). Isso demonstra a armação.
Efetuando a mudança de variáveis indicada, obtemos a forma canônica da equação dada em todo o plano.
Aplicação cuidadosa da Regra de Cadeia conduz à forma canônica:
uxx = (2x2 + 1)2 uξξ + 6(2x2 + 1)uξη + uηη + 12xuη , uyy = 4[9uξξ − 6uξη + uηη ]
uxy = −18(2x2 + 1)uξξ + 12x2 uξη ηy + 2uηη .
Substituindo na equação, obtemos
Exemplo 2.2.8. Determine a forma canônica e dê a solução geral da equação diferencial parcial
Solução. Trata-se de uma equação linear com coecientes constantes e não-homogênea. Vamos primeiro
procurar uma solução particular da equação não-homogênea. A forma especial do termo não-homogêneo
(x + y) sugere procurar uma solução particular, usando o Princípio da Superposição, como soma de duas
soluções particulares:
x3
u1p dependendo só de x: u001p = x implica u1p (x) = 6
3
u2p dependendo só de y : −4u001p = y implica u1p (x) = − y24 .
x3 y3
Logo, up (x, y) = 6 − 24 é uma solução particular de uxx + 3uxy − 4uyy = x + y .
Agora, vamos considerar a equação homogênea uxx + 3uxy − 4uyy = 0. Como B 2 − AC = 9 + 4 = 13,
temos uma equação hiperbólica, cujas características são soluções da equação
2
dy dy
−3 − 4 = 0.
dx dx
dy dy
Logo,
dx = −1 e
dx = 4, cujas soluções são dadas por y = −x + C1 e y = 4x + C2 . Tomemos ξ =x+y
e η = 4x − y como mudança de variáveis. Temos:
ux = uξ ξx + uη ηx = uξ + 4uη uy = uξ ξy + uη ηy = uξ − uη
45
uxx = (uξξ ξx + uξη ηx ) + 4(uηξ ξx + uηη ηx ) = uξξ + 8uξη + 16uηη
uxy = (uξξ ξy + uξη ηy ) + 4(uηξ ξy + uηη ηy ) = uξξ + 3uξη − 4uηη
uyy = (uξξ ξy + uξη ηy ) − (uηξ ξy + uηη ηy ) = uξξ − 8uξη + uηη .
Logo,
uxx + 3uxy − 4uyy = (uξξ + 8uξη + 16uηη ) + 3(uξξ + 3uξη − 4uηη ) − 4(uξξ − 8uξη + uηη )
= 49uξη .
Portanto, a forma canônica é uξη = 0. Integrando com relação a η, obtemos uξ (ξ, η) = f1 (ξ) e integrando
com relação a ξ,
u(ξ, η) = f (ξ) + g(η),
onde f e g são funções arbitrárias. Portanto, u(x, y) = f (x + y) + g(4x − y) é a solução geral da equação
homogênea. Logo, pelo Princípio da Superposição,
x3 y3
u(x, y) = − + f (x + y) + g(4x − y)
6 24
é a solução geral da equação original, onde f e g são funções arbitrárias. ♣
Exemplo 2.2.9. Determine a região em que a equação é elíptica, parabólica ou hiperbólica, e reduza-a à
forma canônica:
(a) x2 uxx − 2xyuxy + y 2 uyy = 0 (b) uxx + 2uxy + 5uyy − 3ux + 5uy = 0
Solução. (a) Como o discriminante B 2 − AC = (−2xy)2 − 4(x2 )(y2 ) ≡ 0 , concluímos que a equação é
parabólica em todo o plano R2 e a equação que fornece as características é dada por
2 2
2 dy dy 2 2 dx dx
(∗) x + 2xy +y =0 ou y + 2xy + x2 = 0,
dx dx dy dy
correspondentes aos casos x 6= 0 ou y 6= 0, respectivamente. Observe que os pontos sobre os eixos x e y são
pontos singulares destas equações e devemos esperar surpresas:
(i) se x 6= 0, então (*) tem a única solução
dy y
=− ;
dx x
(ii) se y 6= 0, então (*) tem a única solução
dx x
=− .
dy y
dy
Como
dx = − xy e
dx
dy = − xy são equações diferenciais ordinárias com variáveis separáveis, é muito fácil
obter suas soluções: nos dois casos, a solução geral é dada por xy = C , onde C é uma constante arbitrária.
A equação que determina as características sugere que podemos tomar ξ = xy como uma das funções que
compõem a mudança de variáveis que conduz a equação dada à sua forma canônica. A outra função deverá
ser escolhida como uma função η = η(x, y) tal que o jacobiano
∂(ξ, η) y x
=
∂(x, y) ηx ηy
46
Teorema da Função Inversa, ela é um difeomorsmo de classe C∞ e, portanto, é uma legítima mudança de
variáveis em D
+ e em D− .
Vamos, portanto, tomar qualquer um dos semiplanos
(†) ξ = xy , η = y.
ux = uξ ξx + uη ηx = yuξ uy = uξ ξy + uη ηy = xuξ + uη
x2 y 2 uξξ − 2xyuξ − 2x2 y 2 uξξ − 2xy 2 uξη + x2 y 2 uξξ + 2xy 2 uξη + y 2 uηη = 0
2ξ
isto é, y 2 uηη − 2xyuξ = exy , ou seja, η 2 uηη − 2ξuξ = 0. Portanto, uηη = u é a forma canônica de
η2 ξ
x2 uxx − 2xyuxy + y 2 uyy = 0 no sistema de coordenadas ξη .
(b) Consideremos agora a equação uxx + 2uxy + 5uyy − 3ux + 5uy = 0. Como o discriminante B 2 − AC =
(2)2 − 4(1)(5) = −16, concluímos que se trata de uma equação elíptica em todo o plano R2 . A equação que
fornece as características (não reais!) é dada por
2
dy dy
(∗) −2 + 5 = 0,
dx dx
dy
ou seja,
dx = 1 ± 2i. Agora, a solução geral é dada por −y + x ± 2xi = C , onde C é uma constante arbitrária.
Tomando partes real e imaginária, a mudança de variáveis sugerida é
isto é,
4uξξ + 4uηη − 8uξ − 6uη = 0.
Portanto, a forma canônica de uxx + 2uxy + 5uyy − 3ux + 5uy = 0 no sistema de coordenadas ξη é
3
uξξ + uηη = 2uξ + 2 uη .
Vamos procurar uma mudança de variável u(ξ, η) = v(ξ, η)eαξ+βη com o objetivo de eliminar os termos
que contém derivadas de primeira ordem. Temos
uξξ = (αvξ + vξξ + α2 v + αvξ )eαξ+βη e uηη = (βvη + vηη + β 2 v + βvη )eαξ+βη ,
47
Substituindo e cancelando o fator eαξ+βη , obtemos
3
2αvξ + vξξ + α2 v + 2βvη + vηη + β 2 v = 2(αv + vξ ) + (βv + vη ),
2
isto é,
3 2 2 3
vξξ + vηη = 2α + β − α − β v + (2 − 2α)vξ + − 2β vη .
2 2
Escolhendoα = 1 e β = 43 , os coecientes do termos contendo derivadas primeira são nulos e como
2α + 32 β − α2 − β 2 = 25
16 , concluímos que
25
vξξ + vηη = v
16
é a forma canônica procurada. ♣
Exemplo 2.2.10. Determine a solução geral das seguintes equações diferenciais parciais:
2
(a) x uxx + 2xyuxy + y 2 uyy + xyux + y 2 uy = 0 (b) xuxx − yuxy + ux = 0
Solução. (a) Como B 2 − AC = (2xy)2 − 4(x2 )(y 2 ) ≡ 0, concluímos que a equação é parabólica em todo o
2
plano R . A equação que fornece as características é dada por
2 2
2 dy dy 2 2 dx dx
(∗) x − 2xy +y =0 ou y − 2xy + x2 = 0,
dx dx dy dy
correspondentes aos casos x 6= 0 ou y 6= 0, respectivamente. Observe que os pontos sobre os eixos x e y são
pontos singulares destas equações e, mais uma vez, devemos esperar surpresas:
(i) se x 6= 0, então (*) tem a única solução
dy y
= ;
dx x
(ii) se y 6= 0, então (*) tem a única solução
dx x
= .
dy y
dy y dx x
Novamente,
dx = x e dy = y são equações diferenciais ordinárias com variáveis separáveis e é muito fácil
obter suas soluções: no primeiro caso, a solução geral é dada por y = Cx e no segundo, x = Cy , onde C
é uma constante arbitrária. Qualquer uma delas exclui um dos eixos coordenados e, por essa razão, vamos
examinar a equação em cada um dos 4 quadrantes abertos
Em denitivo, vamos tomar qualquer um dos quadrante Qj (j = 1, 2, 3, 4) como nossa região de interesse
e vamos escolher η=y como segunda equação para compor nossa mudança de variáveis:
y
(†) ξ= , η = y.
x
∂(ξ,η)
Com essa escolha, o jacobiano
∂(x,y) é igual a − xy2 e é muito simples vericar que a transformação
η
T : (x, y) ∈ Qj 7→ (ξ, η) ∈ D, onde D é um dos Qk , é injetora, sobrejetora e tem inversa x= ξ, y = η. Pelo
48
Teorema da Função Inversa, ela é um difeomorsmo de classe C∞ e, portanto, é uma legítima mudança de
variáveis.
[ Observação. Verique que D = Qj se j=1 ou j = 2, D = Q4 se j=3 e D = Q3 se j = 4.]
Com essa escolha, calculamos ξx = − xy2 , ηx = 0, ξy = 1
x, ηy = 1,
y 1
ux = uξ ξx + uη ηx = − uξ uy = uξ ξy + uη ηy = uξ + uη
x2 x
y2 2y y y 1
uxx = uξξ + 3 uξ uxy = −
uξξ − 2 uξη − 2 uξ
x4 x x3 x x
1 1 2
uyy = (uξξ ξy + uξη ηy ) + (uξη ξy + uηη ηy ) = 2 uξξ + uξη + uηη .
x x x
Substituindo, o Lado Esquerdo (LE) da equação (a) se torna LE=
y2 y2 2y 2 y2 y2
2y y y 1 2
uξξ + uξ + 2xy − uξξ − uξη − uξ + uξξ + uξη + y uηη − uξ + uξ + y 2 uη
x2 x x3 x2 x2 x2 x x x
isto é,
LE = y 2 uηη + y 2 uη = η 2 (uηη + uη ).
Portanto, com essa escolha de coordenadas a forma canônica da equação x2 uxx + 2xyuxy + y2 uyy + xyux +
y 2 uy =0 em qualquer um dos quatro quadrantes abertos é uηη + uη = 0.
Para obtermos a solução geral desta última, integramos com relação a η, obtendo uη + u = f (ξ), que
pode ser escrita como
(eη u(ξ, η))η = f (ξ)eη .
Integrando novamente com relação a η, concluímos que
Voltando às variáveis originais, concluímos que uma expressão para a solução geral da equação dada é
y y
u(x, y) = f + e−y g ,
x x
onde f e g são funções arbitrárias.
(b) Agora, consideremos a equação xuxx −yuxy +ux = 0. Como o discriminante é B 2 −AC = (−y)2 −4(x)(0) =
y2 > 0 para y 6= 0, concluímos que a equação é hiperbólica nos dois semi-planos D
+ = {(x, y) : y > 0} e
2
dy dy
(∗) x +y = 0,
dx dx
y = C1 e xy = C2 ,
onde C1 e C2 são constantes arbitrárias. Isso nos leva a considerar ξ=y e η = xy como mudança de variáveis
para a determinação da forma canônica. Entretanto, o fato de que o jacobiano
∂(ξ, η) 0 1
= = −y
∂(x, y) y x
49
Vamos primeiro examinar o caso y > 0. Nesse caso, a transformação
0
(x, y) ∈ D+ = {(x, y) : y > 0} 7→ (ξ, η) ∈ D+ = {(ξ, η) : ξ > 0}
Os conceitos tratados na Seção anterior podem ser generalizados para dimensão n ≥ 3, com devidas adapta-
ções. O estudo sistemático destas questões foge ao alcance de nosso objetivo imediato; por isso, vamos nos
concentrar apenas nas equações clássicas da Física Matemática, a saber:
Essas 3 constituem os protótipos de equações elípticas, hiperbólicas e parabólicas, que serão discutidas
nos próximos capítulos.
50
Capítulo 3
Séries de Fourier
3.1 Introdução
Séries de Fourier tem sua origem no nal do século XVIII e seu nome é uma merecida homenagem ao
gênio criador desse conceito, J. B. Joseph Fourier .
1 Originalmente, esse conceito foi introduzido como
um ferramental matemático para estudar as soluções de problemas envolvendo transmissão de calor. A
contribuição de Fourier na compreensão da natureza do calor e sua transmissão causaram um forte impacto
nas ciências naturais e no pensamento humano e suas investigações deixaram um legado rico e fértil para o
desenvolvimento da própria Matemática que perduram até hoje. Praticamente, todo o desenvolvimento da
Matemática dos séculos XIX e XX, de uma forma ou outra, giraram em torno do estudo da convergência de
uma série trigonométrica. Sem sombra de dúvida, elas foram as responsáveis por todo o desenvolvimento da
Análise Clássica e lançaram as bases do que hoje conhecemos por Análise Moderna e suas áreas ans. Vale a
pena a consultar o sítio https://mathshistory.st-andrews.ac.uk/Biographies/Fourier/ para a leitura de uma
breve biograa de J. Fourier.
Nessas notas, vamos abordar uma pequena porção desta imensa área do conhecimento em um nível de
razoável profundidade, que lhe permitirá apreciar, não só a beleza do tema, como também sua aplicação na
solução de diversos problemas concretos .
2
Por razões didáticas, vamos apresentar um tratamento com séries de Fourier na solução de um problema
de natureza completamente diferente de sua origem: o problema de uma corda vibrante. Historicamente, o
problema de uma corda vibrante homogênea (como as de um instrumento musical) antecede Fourier e foi
estudado por diversos matemáticos do século XVIII - como, por exemplo, Jean le Rond d'Alembert (1717
Paris -1783 Paris), Leonhard Euler (1707 Basiléia -1783 São Petersburgo), Daniel Bernoulli (1700 Países
Baixos -1782 Basiléia), e Joseph-Louis Lagrange (1736 Turim -1813 Paris) - e consiste (em sua forma mais
simples) em determinar uma função u : (0, `) × (0, ∞) → R que satisfaz a equação diferencial parcial
∂2u 2
2∂ u
(x, t) = c (x, t)
∂t2 ∂x2
para todos x ∈ (0, `) e t>0 e ainda as condições de fronteira u(0, t) = u(`, t) = 0. Aqui, c é uma constante
positiva, que depende da massa da corda e de sua elasticidade.
Na equação diferencial acima mencionada, u = u(x, t) representa a posição, no instante t > 0, do ponto
x ∈ (0, `) ao longo do movimento transversal causado pela vibração de uma corda elástica, que supomos ter
comprimento `. As condições de fronteira u(0, t) = u(`, t) = 0 signicam que as extremidades x=0 e x=`
são mantidas xas durante todo o movimento da corda e são chamadas condições de Dirichlet.
1
Jean-Baptiste Joseph Fourier (21 de março de 1768, Auxerre - 16 de maio de 1830, Paris) foi um matemático e físico francês,
célebre por iniciar a investigação sobre a decomposição de funções periódicas em séries trigonométricas convergentes chamadas
séries de Fourier e a sua aplicação aos problemas da condução do calor.
2
Para um estudo mais profundo, veja N. K. Bary [2].
51
Como equação de segunda ordem em t, para determinarmos o movimento, precisamos fornecer a posição
inicial de cada ponto x ∈ (0, `), bem como sua velocidade inicial. Para isso, supomos que cada ponto x da
corda tem posição inicial u(x, 0) = φ(x) e velocidade inicial ut (x, 0) = ψ(x), 0 < x < `, onde φ, ψ : [0, `] → R
são funções dadas. Desta forma, u deverá ser solução do seguinte problema de valor de fronteira (ou problema
de contorno)
∂2u 2
2∂ u
(x, t) = c (x, t), 0 < x < `, t > 0 (3.2.1)
∂t2 ∂x2
u(0, t) = u(`, t) = 0, t≥0
e condição inicial
u(x, 0) = φ(x) , ut (x, 0) = ψ(x), para 0 ≤ x ≤ `. (3.2.2)
Vamos procurar solução de (3.2.1) seguindo o método proposto originalmente por Fourier. Esse método
recebe hoje o nome de método de Fourier ou método de separação de variáveis (a razão deste último é
explicada pela sua metodologia) e consiste em procurar soluções de (3.2.1) na forma do produto de duas
funções de variáveis separadas u(x, t) = X(x)T (t). As funções não nulas X e T , denidas em (0, `) e
0 < t < ∞, respectivamente, devem então satisfaz a condição X(x)T 00 (t) = c2 X 00 (x)T (t) (notação 0 está
sendo empregada para indicar derivada tanto com relação a x quanto a t, mas isso não causará confusão).
Segue-se que
1 T 00 (t) X 00 (x)
= .
c2 T (t) X(x)
Como o lado esquerdo depende apenas de t e o lado direito apenas de x, os dois membros devem ser constantes
e, portanto, existe uma constante λ tal que
N
X cnπt cnπt nπx
uN (x, t) = an cos + bn sen sen
` ` `
n=1
52
é ainda uma solução de (3.2.1), para qualquer escolha de constantes arbitrárias an e bn .
Todavia, funções da forma uN conduzem a soluções de (3.2.1) cujos valores iniciais são apenas polinômios
trigonométricos: o dado inicial φ deve ser uma função da forma
N
X nπx
φ(x) = uN (x, 0) = an sen .
`
n=1
Essa observação deve ter encorajado Fourier a considerar funções que pudessem ser representadas por somas
de uma série innita da forma
∞
X cnπt cnπt nπx
u(x, t) = an cos + bn sen sen .
` ` `
n=1
Ainda assim, persiste a seguinte pergunta: como devem ser escolhidos os coecientes an e bn para que
u(x, 0) = φ(x) e ut (x, 0) = ψ(x)? Agindo de modo puramente formal e admitindo que as séries envolvidas são
convergentes para todos os valores de x ∈ [0, `] e t ≥ 0, a solução u deverá satisfazer as seguintes condições
em t = 0:
∞
X nπx
φ(x) = an sen
`
n=1
Esse era um problema novo na época de Fourier: dada uma função arbitrária φ : [0, `] → R satisfazendo
φ(0) = φ(`) = 0, existe uma sequência {an }∞
n=1 de números reais tais que, para 0 ≤ x ≤ `, temos
∞
X nπx
φ(x) = an sen ? (3.2.3)
`
n=1
Acreditando ser possível, Fourier partiu em busca da determinação da sequência dos coecientes {an }.
kπx
Seu raciocínio: para cada inteiro k ≥ 1, multiplique (3.2.3) pela função sen ` e integre em [0, `]; obtemos
Z ` ∞
Z `X
kπx nπx kπx
φ(x) sen dx = an sen sen dx.
0 ` 0 n=1 ` `
De maneira ainda puramente formal, trocando a ordem entre integral e soma, obtemos
Z ` ∞ Z `
kπx X nπx kπx
φ(x) sen dx = an sen sen dx.
0 ` 0 ` `
n=1
Como Z `
nπx kπx 0 , se n 6= k
sen sen dx = `
0 ` ` 2 , se n=k
concluímos que
Z `
2 kπx
ak = φ(x) sen dx. (3.2.4)
` 0 `
De maneira análoga, obtemos
Z `
2 kπx
cπkbk = ψ(x) sen dx. (3.2.5)
` 0 `
Desta forma, outra das grandes contribuições que Fourier legou ao mundo foi o de examinar a possibilidade
de expressar uma função arbitrária como soma de uma série trigonométrica. Fourier estava rmemente
convencido desta possibilidade. Observemos que, até então, apenas funções dadas por somas de séries de
53
potencias eram conhecidas. Esse era, portanto, um problema novo em sua época e muitos o receberam com
reservas - anal, perto de 50 anos deveriam se passar para que Dirichlet, Dedekind e outros formulassem
uma denição satisfatória do conceito de função. A resposta a essa pergunta tornou-se preocupação central
dos matemáticos, dominando as pequisas por praticamente todo o século 19.
De todo modo, como veremos, quando φ e ψ satisfazem algumas hipóteses adicionais, a formula obtida por
Fourier para a solução do problema (3.2.1), (3.2.2) é correta e hoje ela pode ser enunciada como uma espécie
de algorítmo: dadas funções integráveis φ, ψ : [0, `] → R satisfazendo φ(0) = φ(`) = 0 e ψ(0) = ψ(`) = 0,
obtenha as sequências {an } e {bn } denidas por (3.2.4) e (3.2.5) e considere a função u(x, t) denida por
∞
X nπct nπct nπx
u(x, t) = an cos + bk sen sen .
` ` `
n=1
Então, u é uma solução de (3.2.1) e (3.2.2). (Bem entendido, é uma solução desde que ela esteja bem denida
e que se possa trocar integração com soma innita - discutiremos esses conceitos mais adiante.) A expressão
da solução mostra ainda que todas as soluções da equação das ondas (3.2.1) é uma função periódica com
2` 2`
relação à variável t, de período mínimo
c : u(x, t + c ) = u(x, t) para todos x e t.
Terminamos essa Seção examinando um exemplo simples.
Exemplo 3.2.1. Suponha que `=π e que φ pulso triangular unitário num ponto 0 < x0 < π, isto é,
é um
uma função (cujo gráco segue abaixo) dada por φ(x) = 1δ (x−x0 +δ) se x0 −δ ≤ x ≤ x0 , φ(x) = − 1δ (x−x0 −δ)
se x0 ≤ x ≤ x0 + δ e φ(x) = 0 se |x − x0 | > δ (com 0 < δ < x0 ) e que ψ ≡ 0.
y
(x0 , 1)
x0 − δ x0 x0 + δ π x
Z π Z x0 Z x0 +δ
2 2 1 1
an = φ(x) sen nx dx = (x − x0 + δ) sen nx dx − (x − x0 − δ) sen nx dx .
π 0 π x0 −δ δ x0 δ
Temos
x0 x0 +δ
πδ cos nx 1 cos nx 1
an = −(x − x0 + δ) + 2 sen nx − −(x − x0 − δ) + 2 sen nx
2 n n x0 −δ n n x0
−δ cos nx0 sen nx0 sen n(x0 − δ) sen n(x0 + δ) δ cos nx0 sen nx0
= + − − − −
n n2 n2 n2 n n2
1 2
= 2 [2 sen nx0 − sen n(x0 − δ) − sen n(x0 + δ)] = [2 sen nx0 − 2 sen (nx0 ) cos(nδ)]
n πδn2
2 sen(nx0 )
= [1 − cos(nδ)].
n2
Portanto,
∞
4 X sen(nx0 )[1 − cos(nδ)]
u(x, t) = cos nct sen nx. (3.2.6)
πδ n2
n=1
54
em Ω, u é contínua em Ω̄ e satisfaz as condições iniciais e de fronteira de Ω̄). Deste fato, decorre que a função
inicial φ pode ser representada como soma da série absolutamente e uniformemente convergente
∞
4 X sen(nx0 )[1 − cos(nδ)]
φ(x) = sen nx
πδ n2
n=1
∞
2 X sen(nx0 )[1 − cos(nδ)]
u(x, t) = [sen(n(x + ct)) + sen(n(x − ct))]
πδ n2
n=1
1
u(x, t) = [φ(x + ct) + φ(x − ct)],
2
que é a expressão obtida por D'Alembert para uma solução de (3.2.1), (3.2.2).
Essa última expressão revela que para t > 0, o gráco da função x ∈ [0, π] 7→ u(x, t) é a média de duas
ondas de perl φ: uma que se desloca para a esquerda com velocidade ct e outra que se desloca para a direita
com mesma velocidade. O leitor deveria consultar o sítio - https://pt.wikipedia.org/wiki/Equação da onda
- para visualizar a dinâmica de u(·, t) para os diversos valores de t.
Para ilustrar o desenvolvimento da onda, vamos retomar o Exemplo 3.2.1 e considerar dois casos parti-
culares.
Logo,
∞
8 X (−1)n sen(2k + 1)x 0 π π x
φ(x) = 2
π2 (2k + 1)2
k=0
e a solução de (3.2.1) e (3.2.2) (com ψ = 0) é dada por
∞
8 X (−1)n sen(2k + 1)x
u(x, t) = 2 cos(2k + 1)ct.
π (2k + 1)2
k=0
55
y y y
x x x
π π π
y y y
x x x
π π π
A corda elástica apresenta vibrações verticais, sem muita alteração do seu perl, modicando apenas
sua amplitude, e tem período temporal igual a π. Nas 6 tomadas do perl da onda, correspondentes aos
instante de tempo t = ti acima apresentados, o movimento da onda é no sentido descendente, com amplitude
decrescente até o instante t = t3 , quando a corda volta à sua posição de repouso, seguindo o movimento
descendente (representados pelas cores amarelo, vermelho e preto), quando alcança sua maior amplitude no
π
instante t= 2 (seu semi-período); em seguida, recomeça seu movimento ascendente e retorna à sua posição
inicial quando t = π, completando um ciclo, e assim sucessivamente. Essas conclusões estão de acordo com
nossa experiência e expectativa do movimento da corda. ♣
Exemplo 3.2.3. Ainda no Exemplo 3.2.1, tomemos x0 = δ , δ < π2 . Nesse caso, φ é uma onda triangular
2
com o aspecto da gura ao lado. Como an = πδn 2 [2 sen(nδ) − sen(2nδ)], a y
função φ é dada por y = φ(x)
∞
2 X [2 sen(nδ) − sen(2nδ)]
φ(x) = sen nx x
δπ n2 0 2δ π
n=1
e a solução u de (3.2.1), (3.2.2) (com ψ = 0) é então
∞
2 X [2 sen(nδ) − sen(2nδ)]
u(x, t) = sen nx cos nct.
δπ n2
n=1
π
Vamos escolher δ= 8 e c=2 e usar a aproximação u ≈ u4 (x, t) somando apenas os quatro primeiros
termos da série. Obtemos a seguinte aproximação para u4 :
u4 (x, t) = 1.621[0.058 sen x cos 2t + 0.103 sen 2x cos 4t + 0.126 sen 3x cos 6t + 0.125 sen 4x cos 8t]
= 0.094 sen x cos 2t + 0.167 sen 2x cos 4t + 0.204 sen 3x cos 6t + 0.203 sen 4x cos 8t.
56
Abaixo apresentamos os grácos deu = u4 (x, t) para valores de t = kπ
8 , com k = 0, 1, 2, · · · 8. Neles, pode-
π
mos observar que a onda se move para a direita enquanto 0 ≤ t ≤ (seu semi-período). No instante seguinte,
2
ela reinicia seu movimento, agora para a esquerda, porem reetida com relação ao eixo-x. Quando t = π , ela
retorna à sua posição inicial. Convidamos o leitor a consultar o sítio - https://pt.wikipedia.org/wiki/Equação
da onda - para visualizar a evolução dinâmica do pulso u(·, t). ♣
y y y
x x x
π π π π π π
4 4 4
y y y
x x x
π π π π π π
4 4 4
y y y
x x x
π π π π π π
4 4 4
Em toda essa Seção, consideraremos funções denidas no intervalo [−π, π]. Para adaptar os resultados obtidos
b−a
para uma função f denida num intervalo arbitrário [a, b], é suciente mudar a variável x=a+ 2π (t + π)
g(t) = f a + b−a
e considerar
2π (t + π) denida em [−π, π].
Iniciamos a discussão registrando nosso entendimento do conceito de função integrável que será utilizado
em todo esse texto.
Denição 3.3.1. Dizemos que f : [−π, π] → R é integrável se f e |f | são integráveis em [−π, π].
Aqui, f pode inclusive ser uma função não limitada; nesse caso, tratamos a integral como uma integral
impropria de uma função denida em [−π, π]. Na maior parte dos exemplos, lidaremos com funções que
são contínuas por partes, isto é, funções contínuas em [−π, π], exceto num número nito de pontos t1 ,
t2 , · · · , tN , nos quais, digamos −π < tj < π , os limites laterais à direita f (tj +) := limt→tj + f (t) e à
esquerda f (tj −) := limt→tj − f (t) existem e são nitos. (Quando tj = π ou tj = −π , postulamos a existência
do correspondente limite lateral). Dessa forma, toda função contínua por partes em [−π, π] é limitada e
integrável. Os valores que f assume em um conjunto nito de pontos é irrelevante para integrabilidade de f .
Quando se zer necessário, usaremos a notação CP [−π, π] para indicar a totalidade das funções contínuas
por partes em [−π, π].
Denição 3.3.2. f : [−π, π] → R é uma função integrável e n ≥ 0 é um número inteiro, os números reais
Se
1 π 1 π 1 π
Z Z Z
a0 = f (t) dt (n = 0) , an = f (t) cos nt dt e bn = f (t) sen nt dt (se n ≥ 1) (3.3.1)
π −π π −π π −π
são chamados coecientes de Fourier de f . Se {an }∞
n=0 e {bn }∞
n=1 são sequências denidas por (3.3.1) para
uma dada função integrável f : [−π, π] → R, a série trigonométrica
∞
a0 X
+ (an cos nx + bn sen nx) (3.3.2)
2
n=1
57
é chamada a série de Fourier associada a f .
Quando queremos nos referir a uma série trigonométrica (3.3.2) como a serie de Fourier associada a f ,
escreveremos
∞
a0 X
f∼ + (an cos nx + bn sen nx).
2
n=1
Observemos que a expressão (3.3.2) é simplesmente a notação para uma série trigonométrica e não
signica, a priori, que se trata de uma série convergente. Como cada termo da série (3.3.2) é uma função
periódica de período 2π , se a série for convergente para um especial valor x = x0 , então ela também será
convergente para todo x da forma x = x0 + 2kπ , com k ∈ Z. Em particular, se para qualquer valor real de
x, a série (3.3.2) for convergente, ca denida uma função S : R → R que a cada x associa o valor S(x) =
soma da série (3.3.2), isto é,
∞
a0 X
S(x) = + (an cos nx + bn sen nx).
2
n=1
A discussão central que norteará essas notas é estabelecer as propriedades gerais de uma possível soma
S da série (3.3.2) e suas relações com a função f que lhe deu origem. Primeiro, vamos examinar alguns
exemplos.
1 π
Z
1 t π 1h π π i 2 2
bn = − cos nt|−π + cos nt dt = − cos nπ − cos nπ + 0 = − cos nπ = (−1)n+1 .
π n n −π π n n n n
Portanto, a série
∞
(−1)n+1 sen nx
X sen 2x sen 3x sen 5x
f ∼2 = 2 sen x − + − + ...
n 2 3 5
n=1
é a série de Fourier de f. ♣
Antes de prosseguir, vamos registrar alguns fatos que serão úteis no cálculo dos coecientes de Fourier e
que já foram usados no Exemplo 3.3.1.
(a) Se f é uma função impar, então an = 0, para todo n e bn pode ser calculado a partir do fato que
t 7→ f (t) sen nt é uma função par:
Z π Z π
1 2
bn = f (t) sen nt = f (t) sen nt dt;
π −π π 0
(b) Se f é uma função par, então bn = 0, para todo n e an podem ser calculado a partir do fato que
t 7→ f (t) cos nt é uma função par:
1 π 2 π
Z Z
an = f (t) cos nt = f (t) cos nt dt;
π −π π 0
58
Observação 3.3.1. As relações enunciadas em (c), cujas demonstações são imediatas, são conhecidas na
literatura Matemática como Relações de Ortogonalidade. A razão do nome reside no seguinte fato: o conjunto
V = C2π (R) das funções contínuas f :R→R e 2π -periódicas constitui um espaço vetorial real e a forma
bilinear Z π
hf, gi := f (t)g(t) dt
−π
confere a V uma estrutura de espaço com produto interno. Considere em V as funções en e fn denidas por
1 cos nx sen nx
e0 = √ , en (x) = √ e fn (x) = √ ,
2π π π
a0
= hf, e0 ie0 (x) , an cos nx = hf, en ien (x) e bn sen nx = hf, fn ifn (x)
2
e a soma parcial de ordem N de (3.3.2) pode ser entendida como a projeção3 do vetor f no subespaço gerado
pelos 2N + 1 primeiros vetores VN = [e0 , en , fn : n = 1, 2, ..., N ]:
N N
a0 X X
se SN (x) = + (an cos nx + bn sen nx) , então SN = hf, e0 ie0 + [hf, en ien + hf, fn ifn ]. ♣
2
n=1 n=1
Voltaremos a explorar mais tarde a linha de pensamento esboçada nas considerações feitas na Observação
3.3.1 no contexto do estudo da convergência de uma série de Fourier. Para o momento, vamos considerar
mais exemplos e desenvolver alguns conceitos. Vamos primeiro considerar o conceito conhecido como série
de Fourier de senos e série de Fourier de cossenos.
Denição 3.3.3. Suponha que f : [0, π] → R é uma função integrável denida no intervalo [0, π].
(i) a função f˜ : [−π, π] → R denida por
f (t), se 0≤t≤π
f˜(t) =
f (−t), se −π ≤t<0
f (t), se 0≤t≤π
f˜(t) =
−f (−t), se −π ≤t<0
Exemplo 3.3.2. Determine a série de senos e a série de cossenos da função f (t) = π−t
2 , 0 ≤ t ≤ π.
Solução. Nesse Exemplo, o que realmente se deseja é obter a série de Fourier das extensões ímpar e par de
f ao intervalo [−π, π], respectivamente dadas por
π−t π−t
2 , se 0≤t≤π 2 , se 0≤t≤π
f˜i (t) = e f˜p (t) =
− π+t
2 , se −π ≤t<0 π+t
2 , se − π ≤ t < 0.
3
Com ligeiras modicações, a armação é verdadeira quando f tem quadrado integrável - Ver a próxima Seção.
59
y
π y
2 π
2
y = f˜i (t)
−π t
t
π
−π π
y = f˜p (t)
− π2
Consideremos primeiro a extensão ímpar f˜i . Como função ímpar, seus coecientes de Fourier an = 0
para todo n ≥ 0. Vamos calcular os coecientes bn lembrando que t 7→ f˜i (t) sen nt é uma função par:
1 π ˜ 2 π 2 π π−t 1 π
Z Z Z Z
bn = f (t) sen nt = f (t) sen nt dt = sen nt dt = (π − t) sen nt dt.
π −π π 0 π 0 2 π 0
Z π
1 cos nt π cos nt 1
bn = (π − t) | + dt = .
π n 0 0 n n
π−t
Portanto, a série de Fourier de senos de f (t) = 2 é a série
∞
X sen nx
f∼ .
n
k=1
Para obtermos a série de Fourier de cossenos, devemos considerar a série de Fourier de f˜p . Resulta bn = 0
para todo n,
π π
1 2 π2
π−t
Z Z
1 2 π
a0 = f˜p (t) dt = dt = π − =
π −π π 0 2 π 2 2
e
π π Z π
1 − (−1)n
π−t
Z Z
1 2 1 sen nt π sen nt
an = f˜p (t) cos nt dt = cos nt dt = (π − t) |0 + dt = = .
π −π π 0 2 π n 0 n πn2
2
Assim, an = 0 se n é par e se n = 2k + 1, então a2k+1 = π(2k+1)2
. Logo,
∞
π X 2 cos nx
f∼ +
4 π(2k + 1)2
n=0
π−t
é a série de Fourier de cossenos de f (t) = 2 . ♣
Exemplo 3.3.3. Determine a série de senos e a série de cossenos da função f (t) = cos t, 0 ≤ x ≤ π.
Solução. A extensão ímpar da função f (t) = cos t ao intervalo [−π, π] é a função dada por
cos t, se 0≤t≤π
f˜(t) =
− cos t, se − π ≤ t < 0.
Como função ímpar, os coecientes de Fourier an = 0 para todo n ≥ 0. Vamos calcular os coecientes bn
lembrando que t 7→ f˜(t) sen nt é uma função par:
1 π ˜ 2 π 2 π
Z Z Z
bn = f (t) sen nt = f (t) sen nt dt = cos t sen nt dt.
π −π π 0 π 0
Se n = 1, então
Z π
1 1
b1 = sen 2t dt = − [cos 2π − cos 0] = 0.
π 0 2π
60
Se n ≥ 2, então
π
cos(n + 1)t cos(n − 1)t π 2n[1 + (−1)n ]
Z
1 1
bn = [sen(n + 1)t + sen(n − 1)t] dt = − − = .
π 0 π n+1 n−1 0 π(n2 − 1)
8k
Portanto, bn = 0 se n é ímpar e se n = 2k , então b2k = π(4k2 −1)
. Logo, a série de Fourier de senos de
Para obtermos a série de Fourier de cossenos, devemos considerar a extensão par da função f (t) = cos t
ao intervalo [−π, π]. Resulta f˜(t) = cos t para todo t ∈ [−π, π] e as relações de ortogonalidade mostram
imediatamente que an = 0 para todo n 6= 1 e bn = 0 para todo n. Como
1 π ˜ 1 π
Z Z
a1 = f (t) cos t dt = cos2 t dt = 1
π −π π −π
Proposição 3.3.1. Suponha que f e f0 são integráveis em [−π, π]. Então, para todo n ≥ 1, temos
1 1 (−1)n
an [f ] = − bn [f 0 ] e bn [f ] = an [f 0 ] + [f (π) − f (−π)].
n n n
Como consequência, para todo n ≥ 1, temos
Z π Z π
1 1
|an [f ]| ≤ |f 0 (t)| dt e |bn [f ]| ≤ |f 0 (t)| dt.
nπ −π nπ −π
Nessa seção vamos estabelecer algumas propriedades gerais da série de Fourier de uma função integrável
f : [−π, π] → R que, além do seu interesse histórico e matemático, desempenhará papel importante no estudo
da convergência puntual da série. Retornando ao contexto de espaço vetorial mencionado na Observação
3.3.1, vamos destacar o seguinte fato: no que concerne às propriedades algébricas de espaço vetorial com
produto interno, todo nosso tratamento de conjuntos ortonormais e a fórmula da projeção de f no subespaço
VN pode ser realizado no conjunto L 2 [−π, π] das funções reais de quadrado integrável em [−π, π]:
L 2 [−π, π] = {f : [−π, π] → R : f 2 é integrável}.
Embora pareça irrelevante, essa observação é extremamente importante já que, no conjunto L 2 [−π, π],
a fórmula que dene o produto interno
Z π
hf, gi = f (x)g(x) dx
−π
(Essa última é uma das razões que motivou H. Lebesgue a desenvolver sua teoria de integração, assunto que
foge ao escopo dessas notas - entretanto, ver Capítulo 5.)
61
Comecemos calculando a distância entre f ∈ L 2 [−π, π] e sua projeção no espaço VN mencionado na
Observação 3.3.1: VN é o subespaço gerado pelas funções e0 , en e fn , para 1 ≤ n ≤ N , onde
1 cos nx sen nx
e0 = √ , en (x) = √ e fn (x) = √ ,
2π π π
para n inteiro positivo. Como vimos, o conjunto BN = {e0 , en , fn : 1 ≤ n ≤ N } é uma base ortonormal de
VN e a projeção de f em VN é o vetor
N
X
SN = hf, e0 ie0 + [hf, en ien + hf, fn ifn ].
n=1
N
X
kΣN − f k2 = kSN − f k2 + (α0 − hf, e0 i)2 + [(αn − hf, en i)2 + (βn − hf, fn i)2 ]
n=1
Voltando à expressão do cálculo de kSN − f k2 , o fato de que seu valor é um numero não-negativo implica
que
N
X
hf, e0 i2 + (hf, en i2 + hf, fn i2 ) ≤ kf k2
n=1
a0
= hf, e0 ie0 (x) , an cos nx = hf, en ien (x) e bn sen nx = hf, fn ifn (x)
2
62
e integrando em [−π, π], obtemos
πa20
= hf, e0 i2 , πa2n = hf, en i2 e πb2n = hf, fn i2 .
2
Assim, a desigualdade anterior pode ser escrita como
N π
a20 X 2
Z
1
+ (an + b2n ) ≤ f (x)2 dx.
2 π −π
n=1
∞
a20 X 2 1 π
Z
2
+ (an + bn ) ≤ f (x)2 dx.
2 π −π
n=1
Essa desigualdade é conhecida como Desigualdade de Bessel. Devido a sua importância e para futura
referência, registramo-la no seguinte
Teorema 3.4.2. (Desigualdade de Bessel) Suponha que f : [−π, π] → R tem quadrado integrável. Então,
∞
a20 X 2 1 π
Z
2
+ (an + bn ) ≤ f (x)2 dx. (3.4.1)
2 π −π
n=1
Segue do Teorema 3.4.2 que as sequências {an } e {bn } têm limite zero quando n → ∞. Esse resultado é
um caso particular do famoso Lema de Riemann-Lebesgue, dado no seguinte
Teorema 3.4.3. (Lema de Riemann-Lebesgue) Suponha que f : [−π, π] → R é integrável. Então,
Z π Z π
lim f (t) cos nt dt = lim f (t) sen nt dt = 0.
n→∞ −π n→∞ −π
Observação 3.4.1. Não é verdade que a desigualdade de Bessel seja válida para qualquer função integrável.
O simples exemplo f (t) = √1 , se t 6= 0 e f (0) = 0 mostra uma função integrável em [−π, π] (verique!)
|t|
para a qual bn = 0 para todo n e
1 π 1 1 π 2 π 1
Z Z Z
4
a0 = p dt = √ , an = f (t) cos nt dt = √ cos nt dt (se n ≥ 1).
π −π |t| π π −π π 0 t
Mudança de variável nt = s transforma a última integral em
Z π Z nπ
2 1cos s ds 2
an = √ cos nt dt = √
√ .
0π 0 t s π n
R ∞ cos s ds √
Como a integral imprópria
0
√
s
é convergente (verique!), segue que nan tem limite quando n → ∞.
P 2
Isso implica que an tende a zero (como previsto pelo Lema de Riemann), mas an resulta divergente. ♣
A demonstração do Lema de Riemann-Lebesgue é um pouco mais delicada e não será tratada aqui.
4
Voltando uma vez mais à expressão do cálculo de SN , vimos que se f é uma função de L 2 [−π, π], então
N
# "
π
a20 X 2
Z
2 2 2
kSN − f k = f (x) dx − π + (an + bn ) .
−π 2
n=1
∞ π
a20 X 2
Z
1
lim kSN − f k = 0 se e somente se + (an + b2n ) = f (x)2 dx.
N →∞ 2 π −π
n=1
5
Sem demonstração , vamos enunciar o resultado mais importante desta Seção no seguinte
4
Para uma demonstração, ver, e.g., F. A. Baidoo [1].
5
Para uma demonstração, consultar N. K. Bary [2].
63
Teorema 3.4.4. Se f : [−π, π] → R é uma função de quadrado integrável e SN é a soma parcial de ordem
N de sua série de Fourier,
N
a0 X
SN (x) = + (an cos nx + bn sen nx),
2
n=1
" N
#2
Z π
a0 X
lim f (x) − + (an cos nx + bn sen nx) dx = 0.
N →∞ −π 2
n=1
Teorema 3.4.5. (Identidade de Parseval) Se f : [−π, π] → R é uma função de quadrado integrável, então
N π
a20 X 2
Z
1
+ (an + b2n ) = f (x)2 dx. (3.4.2)
2 π −π
n=1
Teorema 3.4.6. Se f e g são funções de quadrado integrável em [−π, π] com séries de Fourier
∞
a0 X
f∼ + (an cos nx + bn sen nx)
2
n=1
∞
c0 X
g∼ + (cn cos nx + dn sen nx),
2
n=1
então
Z π ∞
1 a0 c0 X
f (t)g(t) dt = + (an cn + bn dn ). (3.4.3)
π −π 2
n=1
Exemplo 3.4.1. Vimos no Exemplo 3.3.1 que a série de Fourier da função f (t) = t, −π ≤ t ≤ π , é dada por
∞
X 2
(−1)n+1 sen nx.
n
n=1
∞
1 π 2 2π 2
Z
X 4
= x dx = ,
n2 π −π 3
n=1
∞
X 1 1 1 π2
= 1 + + + ... = . ♣
n2 22 32 6
n=1
Exemplo 3.4.2. No Exemplo 3.3.2 determinamos as séries de Fourier de senos e cossenos da função f (t) =
π−t
2 , 0≤t≤π e obtivemos as seguintes séries:
64
e a identidade de Parseval fornece
∞
1 π ˜ 2 2 π
Z π
π2
Z Z
X 1 2 1 2 1 3 π
= f (x) dx = f (x) dx = (π − x) dx = (x − π) |0 =
n2 π −π π 0 2π 0 6π 6
n=1
∞
π X 2 cos nx
+ .
4 π(2k + 1)2
n=0
∞ π π π
π2 X π2
Z Z Z
4 1 2 1
+ = f˜(x)2 dx = f (x)2 dx = (π − x)2 dx = ,
8 π 2 (2k + 1)4 π −π π 0 2π 0 6
n=0
∞
X 1 1 1 1 π4
= 1 + + + + ... = . ♣
(2k + 1)4 34 54 74 96
n=0
∞ ∞ ∞ ∞
!
X 1 1 X 1 1 X 1 X 1
4
= = + ,
(2k) 16 k4 16 (2k)4 (2k + 1)4
k=1 k=1 k=1 k=0
de onde resulta
∞ ∞
X 1 1 X 1 π4
4
= 4
= .
(2k) 15 (2k + 1) 1440
k=1 k=0
Logo,
∞ ∞ ∞
X 1 X 1 X 1 π4
= + = .
k4 (2k)4 (2k + 1)4 90
k=1 k=1 k=0
∞ π
4π 4 48π 2 2π 6
Z
X 144 1
+ − 4 = x6 dx = .
n6 n2 n π −π 7
n=1
Consequentemente,
∞
X 1 π6
= .
n6 945
n=1
P∞ 1 π8 P∞ 1
Podemos continuar nessa linha de raciocínio e obter n=1 n8 = 9450 e, eventualmente, n=1 n2s para
s≥1 inteiro. Uma tal formula existe e sua expressão envolve os famosos números de Bernoulli. Para uma
exposição concisa sobre esse tema, consulte https://lucaszanella.com/pt/artigos/mat/bernoulli.
7
Roger Apéry (Rouen, 14 de novembro de 1916 Caen, 18 de dezembro de 1994) foi um matemático greco-francês, mais
conhecido pelo Teorema de Apéry, estabelecendo que ζ(3) é um número irracional.
8
Julian Havil, The Irrationals, A Story of the Numbers You Can't Count On, Princeton University Press, 2012.
65
Observação 3.4.2. De sua denição, os coecientes de Fourier não se alteram se a função f tiver seus valores
modicados em um conjunto nito de pontos (ou mais geralmente, em todos os pontos de um subconjunto
de medida nula de [−π, π]). Mesmo que a soma da série de Fourier de f resultar numa função S(x) denida
para todo x real, o resultado do Teorema 3.4.4 signica apenas que S é a única função que melhor aproxima
f em L 2 [−π, π]), isto é, S é a função que minimiza o erro quadrático médio. Isso não deve ser confundido
com aproximação puntual, assunto que trataremos na próxima Seção. ♣
Nessa Seção vamos estudar a convergência da série de Fourier de uma função f em um ponto especíco
x = x0 de [−π, π]. Vamos iniciar a discussão obtendo uma expressão para a soma de suas N primeiras
parcelas.
Lembremos que se f : [−π, π] → R é uma função integrável e
1 π π
Z Z
1
an = f (t) cos nt dt e bn = f (t) sen nt dt
π π π π
(cf. 3.3.1) são seus coecientes de Fourier, então para cada inteiro N ≥ 1, a soma parcial de ordem N da
série de Fourier de f é a função SN : R → R denida por
N
a0 X
SN (x) = + (an cos nx + bn sen nx). (3.5.1)
2
n=1
Z π N Z
1 1X π
SN (x) = f (t) dt + f (t)[cos nt cos nx + sen nt sen nx] dt
2π −π π −π
n=1
Z " N
#
1 π 1 X
= + cos n(x − t) f (t) dt.
π −π 2
n=1
Proposição 3.5.1. Para todo número real x 6= 2kπ , com k inteiro, tem-se
1 sen (n + 21 )x
+ cos x + cos 2x + ... + cos nx = . (3.5.2)
2 2 sen( x2 )
Demonstração. Para cada x real, os números
66
Exercício 3.5.1. Demonstre que se x 6= 2kπ , com k inteiro, então
sen( n+1
2 )x nx
sen x + sen 2x + ... + sen nx = sen( ). (3.5.3)
sen( x2 ) 2
Assim, a soma parcial de ordem N da série de Fourier de f pode ser escrita como
Z π
SN (x) = DN (x − t)f (t) dt, (3.5.4)
−π
−π π x
Figura 3.1: Núcleos de Dirichlet Dn , com n=5 (vermelho), n=7 (azul) e n = 10 (laranja).
1 sen (n + 12 )s 2 · s/2
1 1 1
lim Dn (s) = lim n + = n+ .
s→0 2π s→0 2 (n + 21 )s sen(s/2) π 2
Demostração. (i) é a Observação 3.5.1; (ii) e (iii) são imediatas e (iv) decorre da Proposição 3.5.2.
Observação 3.5.2. Do resultado (iii) da Proposição 3.5.2 também decorre que Dn pode ser (e será) estendida
de modo 2π -periódico a toda a reta real como uma função de classe C∞ em R. ♣
Todo o busílis relativo à convergência da série de Fourier de uma função f num ponto x0 ∈ [−π, π] é
saber se existe um número real ` (dependendo de x0 ) tal que limN →∞ [SN (x0 ) − `] = 0. Com isso em mente,
vamos primeiro obter uma expressão tratável para calcular a diferença SN (x0 ) − `, onde ` é um número real
a ser determinado.
Decorre de (3.5.4), da periodicidade de DN e das propriedades (ii) e (iv) da Proposição 3.5.2, que a
diferença SN (x0 ) − ` pode ser escrita como
Z π Z π Z π
SN (x0 ) − ` = DN (x0 − t)f (t) dt − ` DN (x0 − t) dt = DN (x0 − t)[f (t) − `] dt. (3.5.5)
−π −π −π
67
Suponhamos inicialmente que −π < x0 < π . Para cada δ > 0 (com 0 < δ < min{π − x0 , x0 + π}), vamos
Rπ Rπ R x0 −δ R x0 +δ R π
escrever
−π como soma de 3 integrais
−π = −π + x0 −δ + x0 +δ e examinar cada uma delas. Começamos
com a primeira: escrevemos
x0 −δ x0 −δ
f (t) − `
Z Z
1 1
DN (x0 − t)[f (t) − `] dt = sen N + (x0 − t) dt.
−π π −π 2 sen( x02−t ) 2
Como −π ≤ t ≤ x0 − δ , temos −x0 + δ ≤ −t ≤ π ; daí, δ ≤ x0 − t ≤ x0 + π e, portanto, 2δ ≤ x02−t ≤ x02+π <
x −t
π. Daí decorre que existe m > 0 tal que 2| sen( 0
2 )| ≥ m para todo t ∈ [−π, x0 − δ]. Disso concluímos que
a função
f (t) − `
t ∈ [−π, x0 − δ] 7→
2 sen( x02−t )
é integrável em [−π, x0 − δ]. Pelo Lema de Riemann-Lebesgue (Teorema 3.4.3), concluímos que
Z x0 −δ
lim DN (x0 − t)[f (t) − `] dt = 0.
N →∞ −π
π π
f (t) − `
Z Z
1 1
DN (x0 − t)[f (t) − `] dt = sen N + (x0 − t) dt.
x0 +δ π x0 +δ 2 sen( x02−t ) 2
x0 −π
Novamente, t ∈ [x0 +δ, π] implica −π ≤ ≤ x02−t ≤ − 2δ e assim, existe m > 0 tal que 2| sen( x02−t )| ≥ m
2
para todo t ∈ [x0 + δ, π]. Disso, como anteriormente, concluímos que a função
f (t) − `
t ∈ [x0 + δ, π] 7→
x −t
2 sen( 2 )
0
Concluímos assim que a existência do limite de SN (x0 )−` depende apenas da existência do limite quando
N →∞ da integral intermediária, isto é, da existência do limite quando N → ∞ de
Z x0 +δ
DN (x0 − t)[f (t) − `] dt.
x0 −δ
Os valores desta última integral dependem apenas dos valores f (t) nos pontos de uma vizinhança arbi-
trariamente pequena de x0 ; portanto, seu limite, se existir, só depende dos valores de f numa vizinhança
arbitrariamente pequena de x0 . Esses cálculos constituem-se na demonstração do que é conhecido como
Princípio da Localização de Riemann9 , que enunciamos formalmente no seguinte
Teorema 3.5.1. (Princípio da Localização de Riemann) A convergência ou divergência da série de Fourier
num ponto x0 depende apenas do comportamento da função f numa vizinhança de x0 .
Uma última observação: a mudança de variável x0 − t = −s transforma a última integral em
Z x0 +δ Z δ
DN (x0 − t)[f (t) − `] dt = DN (s)[f (x0 + s) − `] dt.
x0 −δ −δ
9
Georg Friedrich Bernhard Riemann (Breselenz, Reino de Hanôver, 17 de setembro de 1826 Selasca, Itália, 20 de julho
de 1866) foi um matemático alemão, com contribuições fundamentais para a análise e a geometria diferencial. Começou seus
estudos na Universidade de Göttingen e continuou na Universidade Humboldt de Berlim. Obteve o doutorado na Universidade
de Göttingen, com uma tese no campo da teoria das funções complexas, tendo Carl Friedrich Gauss como orientador. Na tese são
introduzidos as equações diferenciais de Cauchy-Riemann e o conceito de superfícies de Riemann, que trouxeram considerações
topológicas à análise. Com uma denição própria, a integral de Riemann, abriu caminho para a generalização deste conceito
no século XX, a integral de Lebesgue, e daí para horizontes mais amplos como a relatividade geral.
68
Movidos pelo argumento utilizado nas duas integrais consideradas anteriormente, e tendo em mente o
Lema de Riemann-Lebesgue, somos conduzidos a conjecturar a respeito da integrabilidade absoluta da função
f (x0 + s) − `
s ∈ [−δ, δ] 7→
sen( 2s )
no intervalo [−δ, δ]. O fato de o denominador da fração se anular em s=0 conjugado com um momento
de reexão sugere que uma possibilidade para que essa função seja absolutamente integrável em [−δ, δ] é
admitir f contínua em x0 , tomar ` = f (x0 ) e exigir que a função
f (x0 + s) − f (x0 )
s ∈ [−δ, δ] 7→
sen( 2s )
Teorema 3.5.2. Seja f : [−π, π] → R uma função integrável. Suponha que x0 é um ponto no interior de
[−π, π] no qual f é contínua e satisfaz a seguinte propriedade: a função
f (x0 + h) − f (x0 )
h 7→
h
é absolutamente integrável numa vizinhança de h = 0. Então, a série de Fourier S(x0 ) de f, em x0 , é
convergente e temos S(x0 ) = limN →∞ SN (x0 ) = f (x0 ).
Demonstração. É imediata usando o Lema de Riemann-Lebesgue (Teorema 3.4.3) e limt→0 sen t/t = 1:
δ +δ
f (x0 + s) − f (x0 ) f (x0 − s) − f (x0 )
Z Z
ds é nita se e somente se ds é nita. ♣
−δ
2 sen( 2s )
−δ
s
Exercício 3.5.2. Mostre que se f satisfaz qualquer uma das condições (1), (2) ou (3), então f é contínua
em x0 .
Exemplo 3.5.1. (i) Qualquer função de classe C 1 denida num intervalo aberto I satisfaz uma condição de
Lipschitz em qualquer ponto x0 ∈ I . De fato, se x0 ∈ I e δ > 0 é tal que x0 + h ∈ I para todo h com |h| ≤ δ
e se M= sup{|f 0 (t)| : |t − x0 | ≤ δ}, então, pelo Teorema do Valor Médio, temos
(ii) A funçãof (x) = |x| não é de classe C 1 em qualquer intervalo aberto contendo x0 = 0, mas satisfaz
a condição de Lipschitz |f (x0 + h) − f (x0 )| = ||x0 + h| − |x0 || ≤ |h| em qualquer ponto x0 .
p
(iii) A função f (x) = |x| não satisfaz uma
p condição de Lipschitz em x = 0, mas satisfaz uma condição
de Hölder em x0 = 0: |f (x0 + h) − f (x0 )| = |h| ≤ |h|1/2 para todo h.
(iv) Se α>0 e f (x) = |x|α sen(1/x), se x 6= 0 e f (0) = 0, então f satisfaz uma condição de Hölder em
x0 = 0.
Vamos agora analisar o caso em que f é descontínua num ponto interior x0 de [−π, π]. O leitor pode
imaginar diversos exemplos de comportamento surreal de f numa vizinhança de x0 e a questão da conver-
gência da série de Fourier em x0 pode ser uma pergunta de imensa diculdade. Entretanto, um caso de
tratamento muito simples é aquele em que, embora descontínua em x0 , os limites laterais de f existem em
69
x0 . Usaremos as notações f (x0 −) e f (x0 +)para indicar os limites laterais à esquerda e à direita de f em
x0 , repectivamente, e lembramos que, se existirem, eles são denidos por
f (x0 −) = lim f (x) e f (x0 +) = lim f (x).
x→x0 − x→x0 +
Com o objetivo de ressaltar a importância dos limites laterais de f no contexto da convergência de sua
(x0 −)
série de Fourier, vamos tomar ` = f (x0 +)+f
2 em (3.5.5) e refazer os cálculos anteriores para concluir que
(x0 −)
a existência do limite de SN (x0 ) − f (x0 +)+f
2 só depende da existência do limite de
Z 0 Z δ
DN (s)[f (x0 + s) − f (x0 −)] ds + DN (s)[f (x0 + s) − f (x0 +)] ds
−δ 0
0
1 δ f (x0 + s) − f (x0 +)
f (x0 + s) − f (x0 −)
Z Z
1 1 1
sen N + s ds + sen N + s ds.
π −δ 2 sen( 2s ) 2 π 0 2 sen( 2s ) 2
Agora, impomos a condição de Dini em cada subintervalo lateral [−δ, 0] e [0, δ]: admitimos que ambas
0 +δ
f (x0 − s) − f (x0 −) f (x0 − s) − f (x0 +)
Z Z
ds e ds
−δ
s
0
s
Teorema 3.5.3. Seja f : [−π, π] → R uma função integrável. Suponha que x0 é um ponto no interior de
[−π, π] no qual f é descontínua, mas os limites laterais f (x0 +) e f (x0 −) existem. Suponha ainda f satisfaz
a seguinte propriedade: as funções
Um critério muito simples e largamente utilizado para vericar as hipóteses de integrabilidade absoluta
exigida no Teorema 3.5.3 é analisar a existência das derivadas laterais de f em x0 :
Quando ambas existem, a função f satisfaz as condições do Teorema 3.5.3. Registramos essa conclusão no
seguinte
Corolário 3.5.1. Seja f : [−π, π] → R uma função integrável. Suponha que x0 é um ponto no interior de
[−π, π] no qual f é descontínua, mas os limites laterais f (x0 +) e f (x0 −) existem. Suponha ainda que f
satisfaz a seguinte propriedade: as derivadas laterais
existem. Então, a série de Fourier S(x0 ) de f, em x0 , é convergente e temos S(x0 ) = limN →∞ SN (x0 ) =
1
2 [f (x0 +) + f (x0 −)].
π π
f (t) − `
Z Z
1 1
SN (x0 ) − ` = DN (x0 − t)[f (t) − `] dt = sen N + (x0 − t) dt,
−π π −π 2 sen( x02−t ) 2
70
o integrando apresenta um problema nos pontos t = −π e t = π, onde sen((x0 − t)/2) se anula. A solução é
tomar um número δ>0 e invocar o Lema de Riemann para concluir que
π−δ
f (t) − `
Z
1 1
sen N + (x0 − t) dt → 0
π −π+δ 2 sen( x02−t ) 2
quando N → ∞. Nos intervalos [−π, −π + δ] e [π − δ, π], procedemos com os mesmos argumentos utilizados
no caso em que tratamos com limites laterais: suponha que existam os limites laterais
e que as funções
1
lim SN (0) = lim SN (π) = [f (π−) + f (−π+)].
N →∞ N →∞ 2
Denição 3.5.2. Dizemos que uma função f : R → R é contínua por partes no intervalo [a, b] se ela é
limitada e contínua em todos os pontos de [a, b], exceto num número nito de pontos {x1 , x2 , ..., xk } de [a, b]
e, para cada 1 ≤ j ≤ k, os limites laterais
existem.
O resultado principal a respeito da convergência puntual de uma série de Fourier pode ser agora enunciado
como
Teorema 3.5.4. Seja f : [−π, π] → R uma função contínua por partes em [−π, π]. Sejam {x1 , x2 , ..., xk } os
pontos de [a, b] nos quais f é descontínua e suponha que, para cada 1 ≤ j ≤ k , as derivadas laterais
f (x0 ), se f é contínua em x0
1
lim SN (x0 ) = [f (x 0 +) + f (x0 −)], se f é descontínua em x0
N →∞ 12
[f (−π+) + f (π−)], se x0 = π ou x0 = −π.
2
Observação 3.5.4. Como dissemos anteriormente, quando a série de Fourier S(x) de uma função f é
convergente em todos os pontos x ∈ [−π, π], ela é também convergente em todos os pontos x ∈ (−∞, ∞).
Assim, S é uma função 2π -periódica denida em todo R. ♣
71
Observamos que, da forma como foi denida, se f é contínua por partes, então f˜ é 2π -periódica e é
contínua à direita em qualquer x ∈ R.
Assim, a conclusão do Teorema 3.5.4 pode ser formulada da seguinte forma: se f satisfaz as hipóteses do
1 ˜
Teorema 3.5.4, então sua série de Fourier S(x) converge para
2 [f (x+) + f˜(x−)], para todo x ∈ R.
Exemplo 3.5.2. Suponha que o gráco de uma função f é, em cada um dos subintervalos abertos (−π, x1 ),
(x1 , x2 ), (x2 , x3 ) e (x3 , π) indicados na gura abaixo, a restrição de um polinômio a esse subintervalo.
y
11
3
3
−π x1 x2 x3 π x
Logo, a série de Fourier de f é convergente em (−∞, ∞) e sua soma dene uma função S : R → R dada
1 ˜
por S(x) = 2 [f (x+) + f (x−)] para todo x ∈ R, onde f˜ é a extensão 2π -periódica de f a (−∞, ∞). Em
˜
particular,
5 17 5 3
S(x1 + 2kπ) = , S(x2 + 2kπ) = , S(x3 + 2kπ) = , S((2k + 1)π) = , para todo k ∈ Z. ♣
2 6 2 2
Exercício 3.5.3. (a) Prove que
sen 2x sen 3x sen 4x
x = 2 sen x − + − + ... , para − π < x < π.
2 3 4
π 4 cos 3x cos 5x cos 7x
|x| = − cos x + + + + ... , para − π < x < π.
2 π 32 52 72
(b) Justique as seguintes identidades
π 1 1 1 1 π2 1 1 1 1
(i) = 1 − − + − + ... (ii) = 1 + 2 + 2 + 2 + 2 + ...
4 3 5 7 9 8 3 5 7 9
(c) Usando a Identidade de Parseval, mostre que
1 1 1 1 1 π2 1 1 1 1 1 π4
(i) 1+ + + + + + ... = . (ii) 1+ + + + + + ... = .
22 32 42 52 62 6 34 54 74 94 114 196
(d) Calcule S1 (728), S1 (327), S2 (1735) e S2 (2703), onde S1 , S2 : R → R são denidas por
∞ ∞
X (−1)n+1 sen nx X cos (2k + 1)x
S1 (x) = e S2 (x) = .
n (2k + 1)2
n=1 k=0
72
Quando f˜ é contínua em (−∞, ∞), podemos melhorar signicativamente o resultado do Teorema 3.5.4
com o seguinte
Teorema 3.5.5. Suponha que f : [−π, π] → R é contínua e f (−π) = f (π). Suponha ainda que a derivada
f 0 (x) existe em todo x ∈ (−π, π) exceto possivelmente em um número nito de pontos e que |f 0 |2 é integrável.
Então a série de Fourier de f é uniformemente convergente em (−∞, ∞), isto é,
N
˜ a0 X
lim sup f (x) − − [an cos nx + bn sen nx] = 0,
N →∞ x∈(−∞,∞) 2
n=1
Observe que a hipótese f (−π) = f (π) implica que f˜ é contínua em (−∞, ∞).
Demonstração do Teorema 3.5.5. É suciente demonstrar o resultado quando f é derivável em todos os
0 2
pontos de [−π, π], o que faremos no que segue. Como |f | é integrável, a fórmula de integração por partes
mostra que
Z π Z π
1 sen nt π
πan [f ] = f (t) cos ntdt = [f (π) sen nπ + f (−π) sen nπ] − f 0 (t) dt = bn [f 0 ],
−π n −π n n
1 1 1
|an [f ]| ≤ |bn [f 0 ]| ≤ 0 2
+ |bn [f ]| .
n 2 n2
P∞
Agora, usamos a Desigualdade de Bessel para concluir que a série n=1 |an [f ]| é convergente. Da mesma
P∞ 10 uma
forma, concluímos que n=1 |bn [f ]| é convergente. O resultado segue agora do Teste de Weierstrass,
vez que cada termo da série de Fourier de f
∞
a0 X
f∼ + [an cos nx + bn sen nx] ,
2
n=1
satisfaz |an cos nx + bn sen nx| ≤ |an | + |bn |, para todos n≥1 e x ∈ R.
Nessa Seção vamos discutir o comportamento de uma Série de Fourier quanto às operações de derivação e
integração. Vamos sempre admitir que f é uma função denida em todo R e é periódica de período mínimo
2L > 0. Você sempre pode supor que f foi originalmente denida em [−L, L] e considerar sua extensão
2L-periódica a todo o intervalo (−∞, ∞).
Iniciamos observando que se f : R → R é 2L-periódica e derivável em todo ponto x, então a função
f0 : R → R é também 2L-periódica. A demonstração deste fato decorre imediatamente da denição de
derivada.
R xEntretanto, primitivas de uma função periódica não são necessariamente periódicas. De fato,
F (x) = 0 f (t) dt é 2L-periódica se somente se F (x + 2L) = F (x), que é equivalente a F (2L) = 0, isto é,
f tem média zero em [−L, L]. (A média de uma função f num intervalo [a, b] é o número b−a 1
Rb
a f (x)dx).
1
RL
Como g = f −
2L −L f (x)dx tem média zero, então g é 2L-periódica e, portanto, tem uma série de Fourier.
0
O que estudaremos nessa Seção é a relação entre as séries de Fourier de f com as de f e de g .
Por ser mais simples, vamos começar com a derivação. Seja f : [−L, L] → R uma função contínua
satisfazendo f (−L) = f (L) 0
e suponha que a derivada f (x) existe em todo x ∈ (−π, π) exceto possivelmente
10
O Teste de Weierstrass estabelece que se {fn }∞ n=1 é uma sequência de funções reais (ou complexas) denidas Pem I e se
{Mn }∞ n=1 é uma sequênciaP de números reais não-negativos tais que |fn (x)| ≤ Mn para todos x ∈ I e n ≥ 1 e ∞ n=1 Mn é
convergente, então a série ∞ n=1 fn é uniformemente convergente em I , isto é, existe uma função f : I → R (ou C) tal que
limN →∞ supx∈I |f (x) − N n=1 fn (x)| = 0. Se cada f é contínua em I , então f é contínua em I . Se cada fn é integrável em
P
Rb n Rb
[a, b] ⊂ I , então f é integrável em [a, b] e temos a f (x) dx = ∞n=1 a fn (x) dx.
P
73
em um número nito de pontos e que |f 0 |2 é integrável . Do Teorema 3.5.5, sabemos que a série de Fourier
de f é uniformemente convergente para a a extensão 2L-periódica f˜ de f , isto é, para todo x ∈ (−∞, ∞),
temos
∞
a0 X h nπx nπx i
f˜(x) = + an cos + bn sen . (3.6.1)
2 L L
n=1
0
Uma vez que f é integrável, ela também tem uma série de Fourier. O próximo resultado mostra que a série
0
de Fourier de f é a série obtida de (3.6.1) por derivação termo a termo.
Teorema 3.6.1. Suponha que f : [−L, L] → R é contínua e f (−L) = f (L). Suponha ainda que a derivada
f 0 (x) existe em todo x ∈ (−L, L), exceto possivelmente em um número nito de pontos, e que |f 0 |2 é
integrável. Então a
0
série de Fourier de f é dada por
∞
π Xh nπx nπx i
f0 ∼ nbn cos − nan sen . (3.6.2)
L L L
n=1
Observação 3.6.1. Embora a armação (3.6.1) seja verdadeira para todo x, a fórmula (3.6.2) signica
0
apenas que a série de Fourier da função f é a série do lado direito. Os Exemplos 3.7.1 e 3.7.2 mostram que
continuidade de f e a hipótese de que f (−L) = f (L) não podem ser removidas: nesses exemplos, a derivada
da função original f é nula exceto em dois pontos, a série de Fourier de f converge em todo um intervalo,
mas a série obtida por derivação termo a termo não é uma série de Fourier.
Demonstração do Teorema 3.6.1. A desigualdade |f 0 (x)| ≤ 21 [1 + |f 0 (x)|2 ] nos pontos onde existe mostra
RL
0 (x)|dx é nito e, portanto, f 0 é absolutamente integrável. Vamos computar os coecientes de
que
−L |f
0 0
Fourier de f . Como na demonstração do Teorema 3.5.5, podemos supor que f existe em todos os pontos
de [−L, L]. O Teorema Fundamental do Cálculo implica que
Z L
La0 [f 0 ] = f 0 (t)dt = f (L) − f (−L) = 0
−L
L
nπ L
Z Z
0 0nπt nπt
Lan [f ] = f (t) cos dt = f (L) cos nπ − f (−L) cos nπ + f (t) sen dt = nπbn [f ]
−L L L −L L
Z L
nπ L
Z
0 0 nπt nπt
Lbn [f ] = f (t) sen dt = f (L) sen nπ − f (−L) sen nπ − f (t) cos dt = −nπan [f ],
−L L L −L L
e o Teorema está demonstrado.
Teorema 3.6.2. Suponha que f : [−L, L] → R é uma função tal que |f |2 é integrável e seja
∞
a0 X h nπx nπx i
f∼ + an cos + bn sen (3.6.3)
2 L L
n=1
Z xh ∞ ∞ nπx
˜ a0 i L X bn L X bn nπx a
n
f (t) − dt = + − cos + sen , (3.6.4)
0 2 π n π n L n L
n=1 n=1
do Teorema 3.5.5. Logo, sua série de Fourier converge uniformemente para F, isto é, para todo x ∈ R,
∞
A0 X h nπx nπx i
F (x) = + An cos + Bn sen ,
2 L L
n=1
74
onde An = An [F ], Bn = Bn [F ] são os coecientes de Fourier de F.
Tudo que precisamos agora é calcular esses coecientes. Se n ≥ 1, integração por partes, convergência
uniforme e Relações de Ortogonalidade mostram que
L L
L2
Z nπx Z
L nπx
LAn = F (x) cos dx = − f (x) sen dx = − bn [f ]
−L L nπ −L L nπ
L L
L2
Z nπx Z
L nπx
LBn = F (x) sen dx = f (x) cos dx = an [f ].
−L L nπ −L L nπ
Para calcular A0 , substituímos x=0 na igualdade acima:
∞ ∞
A0 X A0 X L
F (0) = + An = − bn [f ].
2 2 nπ
n=1 n=1
Z x ∞
˜ a0 x L X an nπx b
n
nπx
f (t)dt = + sen + cos −1 ,
0 2 π n L n L
n=1
para todo x ∈ R. Essa última enfatiza a integração termo a termo da série (3.6.3).
x2
1 − cos x 1 − cos 2x 1 − cos 3x 1 − cos 4x
=2 − + − + ...
2 12 22 32 42
∞
X (−1)n−1 ∞ ∞
X cos nx π2 X cos nx
=2 + 2 = + 2 , para − π < x < π.
n2 n2 4 n2
n=1 n=1 n=1
x3 π2x
sen x sen 2x sen 3x sen 4x
= +4 + + + + ...
3 2 13 23 33 43
2 sen 2x sen 3x sen 4x sen x sen 2x sen 3x sen 4x
= π sen x − + − + ... + 4 + + + + ... ,
2 3 4 13 23 33 43
para −π < x < π .
Desta forma, você pode obter as séries de Fourier das funções, dadas em [−π, π], por xn , n = 4, 5, 6, ... e
mesmo qualquer polinômio. As séries obtidas convergem uniformemente em R para a extensão 2π -periódica
da função que a gerou.
75
Exemplo 3.6.2. Você já ouviu dizer que, dentre todas as curvas planas simples e fechadas de um dado
perímetro, a que encerra maior área é o círculo. Esse é o famoso problema isoperimétrico. Vamos mostrar
como esse resultado pode ser demonstrado usando a teoria desenvolvida nas Seções anteriores.
11
Daremos a demonstração no caso em que as curvas consideradas sejam lisas por partes. Para isso,
suponhamos que x = x(s), y = y(s) seja a representação paramétrica de uma curva lisa por partes, simples
e fechada γ, e parametrizada pelo comprimento de arco. Suponhamos ainda que γ tenha comprimento 2π ,
de modo que as funções x e y satisfazem x(0) = x(2π) e y(0) = y(2π). Escrevendo o desenvolvimento de
séries de Fourier de x e y como
∞
a0 X
x(s) = + (an cos ns + bn sen ns)
2
n=1
∞
c0 X
y(s) = + (cn cos ns + dn sen ns),
2
n=1
obtemos
∞
X
0
x (s) = (−nan sen ns + nbn cos ns)
n=1
X∞
y 0 (s) = (−ncn sen ns + ndn cos ns).
n=1
Z 2π ∞
X
2π = [x0 (s)2 + y 0 (s)2 ] ds = π n2 (a2n + b2n + c2n + d2n ).
0 n=1
Agora, expressamos a área delimitada por γ usando o Teorema de Green e o Teorema 3.4.6 como
Z Z 2π ∞
1 1 πX
A= −ydx + xdy = [x(s)y 0 (s) − y(s)x0 (s)]ds = 2n(an dn − bn cn ).
2 γ 2 0 2
n=1
∞
2A X
2− = {n2 (a2n + b2n + c2n + d2n ) − 2n(an dn − bn cn )}
π
n=1
X∞
= {(nan − dn )2 + (nbn + cn )2 + (n2 − 1)(c2n + d2n )} ≥ 0.
n=1
Assim, a área delimitada por uma curva de comprimento 2π é menor ou igual a π. Além disso, a igualdade
A=π é equivalente a
implica a21 +b21 = 1. Portanto, existe uma constante α em [0, 2π) tal que a1 = cos α e b1 = sen α. Substituindo
esses valores nas expressões de x e de y, obtemos
a0 a0
x(s) = + cos α cos s + sen α sen s = + cos(s − α)
2
c0 c20
y(s) = − sen α cos s + cos α sen s = + sen(s − α),
2 2
11
Baseado em G. Chilov [5].
76
e a curva é uma circunferência de raio 1 e centro no ponto ( a20 , c20 ).
Se o comprimento total da curva γ é igual a um número ` 6= 2π , efetuamos a homotetia u = 2π 2π
` x, v = ` y
0 0
que transfroma a curva γ numa curva γ de comprimento 2π delimitando área A = (
2π 2
` ) A. Do que acabamos
0 `2 0
de demonstrar, A ≤ π implica A ≤
4π e, quando γ assume seu extremo numa circunferência de raio 1, a
`
curva correspondente γ é igualmente uma circunferência de raio
2π . A demonstração está completa. ♣
Como vimos, se f : [−L, L] → R é uma função absolutamente integrável num intervalo [−L, L], sua série de
Fourier é a série
∞
a0 X h nπx nπx i
f∼ + an cos + bn sen ,
2 L L
n=1
onde
Z L Z L
1 nπt 1 nπt
an = f (t) cos dt e bn = f (t) sen dt.
L −L L L −L L
Usando a identidades
nπx nπx
einπx/L + e−inπx/L = 2 cos e einπx/L − e−inπx/L = 2i sen
L L
podemos reescrever
∞
a0 X an inπx/L −inπx/L
b
n inπx/L −inπx/L
f∼ + e +e + e −e
2 2 2i
n=1
ou ainda
∞
a0 X an bn inπx/L an bn −inπx/L
f∼ + + e + − e .
2 2 2i 2 2i
n=1
a0
Denindo c0 = 2 e ck = 21 (ak − ibk ) e c−k = 12 (ak + ibk ) para todo k ≥ 1, a fórmula acima pode ainda
ser escrita como
∞
X
f∼ cn einπx/L , (3.7.1)
n=−∞
para todo k ∈ Z.
A série (3.7.1) com coecientes denidos por (3.7.2) é a forma complexa da série de Fourier de f . Sempre
podemos passar da forma real para a forma complexa e vice-versa tendo em conta as relações
Z π Z π
1 aA 1 A A sen na
c0 = f (t) dt = e cn = f (t)e−int dt = [e−ina − eina ] =
2π −π π 2π −π −2inπ nπ
77
y
A
−π −a a π x
π
Figura 3.2: Somas parciais Sn do Exemplo 3.7.1 quando a= 2 e n=4 (vermelho) e n=5 (azul).
e a série de Fourier de f é
∞
A X sen na inx A sen na aA
f∼ e . [Convenção: adotamos = quando n = 0]
π n=−∞ n nπ π
Para obter a série de Fourier real de f , basta somar os termos simétricos: para n ≥ 1,
A h sen na inx sen na −inx i 2A sen na
cn einx + c−n e−nx = e + e = cos nx
π n n nπ
e a série de Fourier real é
∞
!
A X sen na
f∼ a+2 cos nx.
π n
n=1
π
Tomando, por exemplo, a= 2 , a série se escreve como
∞
!
A π X cos(2k + 1)x
f∼ +2 (−1)k
π 2 2k + 1
k=0
y
A
−π π x
Figura 3.3: Somas parciais Sn do Exemplo 3.7.2 para n=4 (vermelho) e n=5 (azul).
78
Se V indica espaço vetorial das funções cujo quadrado é absolutamente integráveis em [−L, L], isto é,
V = {f : [−L, L] → C : |f |2 é integrável},
então, a fórmula
12
Z L
hf, gi = f (x)g(x) dx
−L
Z L
hfk , fn i = ei(k−n)πx/L dx = 0
−L
se k 6= n e hfk , fn i = 2L, se k = n. Portanto, o conjunto S = {en : n ∈ Z}, onde en (x) = √12L einπx/L , é um
√
sistema ortonormal em V . A projeção de f ∈ V no vetor en é dada por hf, en ien = 2Lcn en . Isso signica
que (hf, en ien )(x) = cn einπx/L , para todo x.
A soma parcial simétrica SN da série de Fourier (3.7.1), dada por
N
X
SN (f )(x) = ck eikπx/L
k=−N
um vetor que pertence ao subespaço VN gerado por 2N + 1 vetores VN = [e−N , e−N +1 , ..., e−1 , e0 , e1 , ..., eN ].
Como {en }N
n=−N é uma base ortonormal de VN , temos
N
X
kSN (f ) − f k2 = kf k2 − |ck |2
k=−N
PN
e, portanto, kSN (f ) − f k2 → 0 quando N → ∞ 2
k=−N |ck | → 0 quando N →
se e somente se kf k2 −
∞. Qualquer uma dessas condições é equivalente ao fato que o conjunto {en }∞
n=−∞ constitui um sistema
ortonormal completo em V . Delas ainda decorre a Desigualdade de Bessel
∞
X
|ck |2 ≤ kf k2
k=−∞
e a Identidade de Parseval ∞
X
|ck |2 = kf k2 ,
k=−∞
∞ L
a20 X 2
Z
1
+ (an + b2n ) = |f (x)|2 dx
2 L −L
n=1
∞ Z L
X 1
2
|cn | = |f (x)|2 dx.
n=−∞
2L −L
12
z indica o conjugado do número complexo z .
79
3.8 Exercícios
1. Determine a série de Fourier das funções abaixo, determine sua soma e esboce seu gráco:
a, −π < x ≤ 0 ax, −π < x ≤ 0
a) f (x) = b) f (x) =
b, 0 < x ≤ π bx, 0 < x ≤ π
c) f (x) = |x|, −π < x ≤ π
ax
d) f (x) = e , −π < x ≤ π, a 6= 0
e) f (x) = sen(ax), −π < x ≤ π, a ∈
/Z f ) f (x) = ax + b, −π < x ≤ π
g) f (x) = | cos x|, −π < x ≤ π
2. Determine as séries de Fourier de senos e de cossenos das funções abaixo, determine suas somas e
esboce seus grácos:
3. Mostre que
π 1 1 1 (−1)n π2 1 1 1
a)
4 =1− 3 + 5 − 7 + ··· + 2n+1 + ··· ; b)
6 =
√
1+ 22
+ 32
+ ··· + n2
+ ··· ;
n−1
π 3 P∞ (−1) 3 2π 3 1 1 1 1 1
c)
32 = n=1 (2n−1)3 ; d)
128 =1+ 33
− 53
− 73
+ 93
+ 113
− ··· ;
3π
√ 1
√ 1
√ 1 1
√ √ √ √
e)
4 = 2+1+ 3 2− 5 2− 3 − 7 2 + 91 2 + 1
5 + 1
11 2− 1
13 2 − ....
6. Determine c1 , c2 e c3 de modo que cada uma das integrais abaixo assumam o menor valor possível:
Rπ Rπ
a)
−π [x − c1 sen x − c2 sen 2x − c3 sen 3x]2 dx b)
−π [x
2 − c1 ]2 dx
Rπ
c)
−π [| cos x| − c1 − c2 sen x − c3 cos x]2 dx.
7. Determine a série de Fourier da função f (x) periódica de período 1 e que satisfaz f (x) = x2 se 0 ≤ x < 1.
Qual a soma de série quando x = 999/2? E quando x = 999?
8. a) Determine a série de Fourier da função ímpar f, periódica de período 4, e que satisfaz f (x) = x se
0≤x≤1 e f (2 − x) = f (x) se 0 ≤ x < 1;
∞
X (2n − 1)x
b) Determine b1 , b2 , b3 , ... tais que bn sen =x se 0<x<1 e f (2 − x) = f (x) se
2
n=1
0 < x < 1;
∞
X (2n − 1)x
c) Determine c1 , c2 , c3 , ... tais que cn sen =1−x se 0<x<1 e f (2 − x) = f (x) se
2
n=1
0 < x < 1;
d) Qual o valor da soma de série do item c) quando x = 200? E quando x = 201?
80
9. Determine constantes a e b tais que a série de senos de f (x) = x3 + ax, 0 ≤ x ≤ π , seja da forma
∞
X sen nx
b (−1)n .
n3
n=1
11. Calcule
∞ ∞
X 1 X 1
(a) (b) .
(2n − 1)4 (4n2 − 1)2
n=1 n=1
Respostas
∞
a+b sen((2n−1)x)
+ π2 (b − a)
P
1. (a) .
2 2n−1
n=1
a+b
soma: a,(2k − 1)π < x < 2kπ ; b, se 2kπ < x < (2k + 1)π ;
se
2 , se x = kπ , k ∈ Z.
∞ ∞
b−a 2 cos(2n−1)x
(−1)n sinnnx .
P P
(b)
4 π + π (a − b) (2n−1)2 − (a + b)
n=1 n=1
b−a
soma: ax, se (2k − 1)π < x ≤ 2kπ ; bx, se 2kπ ≤ x < (2k + 1)π ; 2 π , se x = (2k + 1)π , k ∈ Z.
∞
π 4 P cos(2n−1)x
(c)
2 − π (2n−1)2
.
n=1
soma: |x|, se −π ≤ x ≤ π e sua extensão periódica para x ∈ R.
∞
sinh(aπ) 2 sinh(aπ) P (−1)n
(d)
aπ + π n2 +a2
(a cos(nx) − n sin(nx)).
n=1
soma: eax , se −π < x < π ; cosh(aπ), se x = ±π e a sua extensão periódica para x ∈ R.
∞
2 sin(aπ) n
(−1)n−1 n2 −a
P
(e)
π 2 sin(nx).
n=1
soma: sin(ax), para −π < x < π ; 0 para x = ±π e sua extensão periódica para x ∈ R.
∞
(−1)n−1 sinnnx .
P
(f ) b + 2a
n=1
soma: ax + b, para −π < x < π ; b, para x = ±π , e sua extensão periódica, para x ∈ R.
∞
2 P (−1)n−1 cos(2nx)
(g)
π 1+2 4n2 −1
.
n=1
soma: | cos x|, x ∈ R.
∞
(−1)n−1 sinnnx .
P
2. (a) série de senos: 2a
n=1
soma: ax, −π < x < π ; 0 para x = ±π
para e sua extensão periódica para x ∈ R.
∞
aπ 4a P cos(2n−1)x
série de cossenos:
2 − π (2n−1)2
.
n=1
soma: a|x|, para −π ≤ x ≤ π e sua extensão periódica para x ∈ R.
∞ ∞
sin(2n−1)x
(−1)n−1 sinnnx − π8
P P
(b) série de senos: 2π .
(2n−1)3
n=1 n=1
soma: x2 0 ≤ x < π ; −x2 , para −π ≤ x ≤ 0;
para 0 para x = ±π e sua extensão periódica para x ∈ R.
∞
π2
(−1)n cosn2nx .
P
série de cossenos:
3 + 4
n=1
soma: x2 , para −π ≤ x ≤ π e sua extensão periódica para x∈R
∞
P 2 n
(c) série de senos:
nπ [b − (aπ + b)(−1) ] sin nx.
n=1
soma: ax − b, se −π < x ≤ 0; ax + b, se 0 < x < π ; 0, se x = 0, ±π e sua extensão periódica, se x ∈ R.
∞
aπ 4a P cos(2n−1)x
série de senos:
2 +b− π (2n−1)2
.
n=1
soma: a|x| + b, para −π ≤ x ≤ π e sua extensão periódica de a|x| + b para x ∈ R.
81
(d) série de senos: sin x.
soma: sin x, para x ∈ R.
∞
2 4 P cos 2nx
série de cossenos:
π − π 4n2 −1
.
n=1
soma: | sin x| para x ∈ R.
π π π π
4. (a) use 3a) e x= 2 ; (b) use 3d) e x = 0; (c) use 3e) e x= 2 ; (d) use 3e) e x = 4 ; (e) use 3b) e x = 4.
π2 π2 2π 2
5. (a)
8 b)
12 . c1 = 2, c2 = −1, c3 = 32
6. (a) (b) c1 =
3 ,
4
(c) c1 = , c2 = c3 = 0.
π
∞
1 1
cos( nπx 1 nπx 1
P
7.
3 + π 2 n2 4 ) − πn sin( 2 ) , S(999) = 0 e S(999/2) = 2.
n=1
∞
8 P (−1)k 8 (−1)(n−1)
8. (a) 2
π (2k+1)2
sin( (2k+1)πx
2 ). (b) bn = π 2 (2n−1)2
para n ≥ 1.
k=0
4 (−1)n 8
(c) cn =
(2n−1)π + (2n−1)2 π 2
, para n ≥ 1. (d) S(200) = S(0) = 0; S(201) = S(1) = 0.
π4 π2 1
9. a = −π 2 e b = 12. 10. (a) Use f (x) = x3 . (b) Use exercício 9. 11. (a)
96 (b)
16 − 2.
82
Capítulo 4
4.1 Introdução
Quando possível sua aplicação, o método de separação de variáveis (ou método de Fourier) é uma ferramenta
poderosa para a obtenção de soluções de problemas que envolvem uma equação diferencial parcial e algumas
condições complementares, chamadas condições iniciais e/ou condições de fronteira.
Já utilizamos esse método na discussão da solução da equação das ondas, tratada no início do Capítulo
anterior. Vamos mais uma vez exemplicar o método, estudando o exemplo em que a equação parcial é a
equação do calor, a origem das séries de Fourier. Em sua forma mais simples, o problema consiste em obter as
soluções da equação do calor unidimensional com condutividade térmica c > 0 constante e pode ser enunciado
da seguinte forma: determinar uma função contínua u : [0, π] × [0, ∞) → R que admite derivadas parciais ut ,
ux e uxx no retângulo aberto Ω = (0, π) × (0, ∞) e suas derivadas parciais satisfazem ut (x, t) = cuxx (x, t)
para todo (x, t) ∈ Ω; u também satisfaz as condições de fronteira u(0, t) = u(π, t) = 0 para todo t ≥ 0 e a
condição inicial u(x, 0) = φ(x) para 0 ≤ x ≤ π.
Observe que a fronteira de Ω F1 = {0} × [0, ∞), F2 = [0, π] × {0} e
é composta de três segmentos
F3 = {π} × [0, ∞). As condições de fronteira em F1 e u é nula nos pontos de F1 ∪ F3 ,
F3 signicam que
enquanto que na fronteira F2 o valor de u é o de uma função φ dada a priori. Como a variável t na equação
do calor representa o tempo, referimos-nos à condição de fronteira em F2 como condição inicial e a função
φ como valor inicial ou dado inicial.
Todas essas considerações e linguagem serão doravante reduzidas ao seguinte enunciado: determine a
solução do problema
ut = cuxx , 0 < x < π, t > 0
u(0, t) = u(π, t) = 0 t > 0
que satisfaz u(x, 0) = φ(x), para 0 ≤ x ≤ π.
Na próxima seção, vamos discutir esse e outros exemplos aos quais o método de separação de variáveis
se aplica.
A equação diferencial parcial ut = cuxx é usada como modelo de transmissão de calor ao longo de uma barra
homogênea construída de material com condutividade térmica constante c > 0. Aqui, u = u(x, t) representa
a temperatura de um ponto x da barra no instante t > 0. Supondo que a barra tem comprimento ` e,
durante todo o processo, a temperatura é mantida constante (que tomaremos como zero) nos extremos x=0
e x = ` da barra, nos perguntamos: qual é a função u = u(x, t) denida para x ∈ [0, `] e t > 0 que satisfaz
ut = cuxx quando 0 < x < ` e t > 0 e as condições de fronteira u(0, t) = u(`, t) = 0? A resposta a essa
pergunta depende de qual é a distribuição da temperatura no inicio do processo, isto é, depende do valor
inicial u(x, 0), que admitiremos ser uma função φ : [0, `] → R. Assim, a procura da solução deste problema
83
conduz à discussão das soluções de
e condição inicial
u(x, 0) = φ(x), 0 ≤ x ≤ `. (4.2.3)
As condições (4.2.1), (4.2.2) e (4.2.3) constituem um problema de valor de fronteira e condição inicial e será
indicado abreviadamente por
ut (x, t) = cuxx (x, t), 0 < x < `, t > 0
u(0, t) = u(`, t) = 0, t > 0
u(x, 0) = φ(x), 0 ≤ x ≤ `.
Como zemos no Capítulo 3, vamos procurar uma solução não-nula de ut = cuxx que seja de variáveis
separadas u(x, t) = X(x)T (t). Substituindo, obtemos X(x)T 0 (t) = 00
cX (x)T (t), e portanto
T 0 (t) X 00 (x)
=
cT (t) X(x)
se T e X não são nulas. (Esperamos que o uso de
0 para indicar a derivada tanto com relação a
t e a x não
cause confusão). Como o lado esquerdo depende apenas de t e o lado direito apenas de x, então ambas devem
se constantes e, assim,
0 00
existe uma constante λ tal que (I) T (t) = cλT (t) e (II) X (x) = λX(x). A constante
λ é chamada constante de separação e devemos, em princípio, considerá-la como um número complexo.
A solução da primeira equação é imediata: T (t) = T0 ecλt , onde T0 é uma constante arbitrária. Quanto à
segunda, procuramos uma função não-nula X que satisfaz
O sistema (4.2.4) é chamado umproblema de autovalores e, quando existe um valor λ ∈ C e uma função
não-nula X tais que o par (λ, X) é uma solução de (4.2.4), dizemos que λ é um autovalor de (4.2.4) e que X
é um autovetor (ou autofunção) de (4.2.4) correspondente a λ.
Para estudar os autovalores de (4.2.4), observamos primeiro que multiplicando a equação por X(x)
(conjugado de X(x)) e integrando por partes em [0, π], obtemos
Z ` Z ` Z ` Z `
00 0 0
λ 2
|X(x)| dx = X(x)X (x) dx = X(x)X (x)|`0 − 2
|X (x)| dx = − |X 0 (x)|2 dx
0 0 0 0
uma vez que X(0) = X(`) = 0. Concluímos assim que λ deve ser um número real não-positivo, que
vamos escrever na foma λ = −µ2 , com µ ≥ 0. Logo, a equação diferencial em (4.2.4) se escreve como
X 00 (x) + µ2 X(x) = 0.
A possibilidade µ=0 a e b tais que X(x) = ax + b para todo x ∈ [0, `]
implica que existem constantes
e a condição de fronteira X(0) = X(`) = 0
a = b = 0; portanto λ = 0 não é um autovalor de
implica que
(4.2.4). Logo, µ > 0 e a autofunção correspondente é da forma X(x) = c1 cos µx + c2 sen µx, onde c1 e c2 são
constantes arbitrárias. As condições de fronteira agora implicam c1 = 0 e c2 sen(µ`) = 0. Como queremos
soluções não-nulas, devemos tomar c2 6= 0 e, portanto, devemos ter sen(µ`) = 0. As soluções desta equação
são os números µ` = kπ , com k inteiro. Logo, µ deve ser um número real da forma µ = kπ/`. Assim, para
2
cada inteiro n ≥ 1, obtemos valores λ = λn = −(nπ/`) para os quais (9.6.2) tem uma solução não-nula
2 2 2
un (x, t) = e−cn π t/` sen(nπx/`).
Como a equação (4.2.1) é homogênea, soma de soluções é uma solução e, assim, a função
∞
2 π 2 t/`2
X
u(x, t) = an e−cn sen(nπx/`) (4.2.5)
n=1
84
é uma solução de (4.2.1) desde que a série seja convergente. E quanto à condição inicial u(x, 0) = φ(x),
0 ≤ x ≤ π? Bem, você coloca t=0 em (4.2.5) e obtém
∞
X
φ(x) = an sen(nπx/`),
n=1
de onde você rapidamente identica que an são os coecientes de Fourier da extensão ímpar de φ ao intervalo
[−`, `], que são dados por
Z `
2
bn [φ] = φ(x) sen(nπx/`) dx (4.2.6)
` 0
para n = 1, 2, . . . . Mas o que garante que a série (4.2.5) é convergente quando t = 0? Bem, você tem que
procurar uma classe de funções φ às quais essa operação se aplica. Do que vimos sobre séries de Fourier,
podemos com certeza tomar φ na classe CP [0, `] da funções φ tais que φ e sua derivada φ0 sejam contínuas
por partes em [0, `]. Tendo feito essa escolha, podemos enunciar o seguinte Teorema/Algorítimo:
Teorema 4.2.1. Suponha que φ : [0, `] → R seja uma função tal que φ e φ0 sejam contínuas por partes. Se
a série de Fourier de senos de φ é
∞
X
φ(x) = bn [φ] sen(nπx/`),
n=1
então a solução do problema (4.2.1) com condição inicial φ é dada por
∞
2 π 2 t/`2
X
(4.2.5) u(x, t) = bn [φ]e−cn sen(nπx/`).
n=1
Portanto, todo seu trabalho para obter a solução de (4.2.1) com condição inicial φ é determinar os
coecientes bn [φ] da série de Fourier de senos de φ usando (4.2.6) e escrever a série (4.2.5).
Observação 4.2.1. Quando φ apresenta um ponto de descontinuidade em algum ponto x0 ∈ [0, `], a igual-
1
dade (4.2.5) quando t = 0 deve ser entendida que u(x0 , 0) é igual a
2 [φ(x0 +) + φ(x0 −)]. Quando φ é
contínua e φ0 t = 0 é estrita e vale em todos os pontos de
é contínua por partes, a igualdade (4.2.5) quando
2 2 2
[0, `]. Quandot > 0, a expressão (4.2.5) mostra que bn [φ]e−cπ n t/` são os coecientes de Fourier da série
de senos da função x ∈ [0, `] 7→ u(x, t). A série converge uniformemente e é uma função de classe C
∞ em
Ω = (0, `) × (0, ∞) e é, portanto, uma solução genuína da equação ut = cuxx em Ω. A vericação das demais
condições de fronteira são imediatas.
De (4.2.6) decorre que |bn [φ]| ≤ 2 sup |φ(x)| para todo n≥1 e como
x∈[0,`]
∞ ∞
X 2 −1)πt/`2
X 2 1
e−c(n ≤ e−c(n−1)πt/` =
n=1 n=1
1 − e−cπ2 t/`2
∞ 2 2
2 t/`2
X 2 −1)π 2 t/`2 2e−cπ t/`
|u(x, t)| ≤ e−cπ |bn [φ]|e−c(n ≤ sup |φ(x)|
n=1
1 − e−cπ2 t/`2 x∈[0,π]
para todos t > 0 e φ ∈ CP [0, `]. Assim, para toda φ ∈ CP [0, `], a temperatura u(·, t) tende uniformemente
a zero quando t → ∞. Esse fato explica a observação experimental que, com o passar do tempo, a barra
esfria e sua temperatura tende exponencialmente para zero. ♣
Se, em vez de condições de Dirichlet na fronteira, tomarmos condições de Neumann homogêneas
ux (0, t) = ux (`, t) = 0, (4.2.7)
o método de separação de variáveis conduz às mesmas conclusões anteriormente obtidas, exceto que o pro-
blema de autovalores (4.2.4) agora se escreve como
X 00 (x) = λX(x),
0<x<`
0 0 (4.2.8)
X (0) = X (`) = 0.
85
A mesma análise anterior mostra que, novamente, os autovalores são números reais não-positivos, com a
diferença que agora λ = λ0 = 0 X0 (x) = 1,
é um autovalor de (4.2.8) correspondente à autofunção constante
2
0 ≤ x ≤ `. As autofunções correspondentes a autovalores não-nulos λ = −µ , com µ > 0, devem ser
0 0
procuradas entre as funções X(x) = c1 cos µx + c2 sen µx que satisfazem X (0) = X (`) = 0, isto é, c1 = 0 e
c2 µ cos µ` = 0. Como µ e c2 devem ser não-nulos, devemos ter
2
(2n − 1)π
λ = λn = − ,
2`
(2n − 1)πx
φn (x) = cos .
2`
Desta forma, um resultado semelhante ao Teorema 4.2.1 para o caso de condições de fronteira de Neumann
para a equação do calor pode ser formulado e é dada no seguinte
Teorema 4.2.2. Suponha que φ : [0, `] → R seja uma função tal que φ e φ0 sejam contínuas por partes. Se
a série de Fourier de cossenos de φ é
∞
a0 X
φ(x) = + an [φ]φn (x),
2
n=1
então a solução da equação (4.2.1) com condições de fronteira de Neumann (4.2.7) e condição inicial φ é dada
por
∞
a0 X (2n − 1)πx
u(x, t) = + an [φ]eλn t cos ,
2 2`
n=1
2
R`
onde λn e an [φ] são dados por λ0 = 0 e a0 [φ] = ` 0 φ(x) dx e
2 `
(2n − 1)π (2n − 1)πx
Z
2
λn = − e an [φ] = φ(x) cos dx
2` ` 0 2`
para n ≥ 1.
Em particular,
Z `
1
lim u(x, t) − φ(x) dx = 0.
t→∞ ` 0
Outro problema clássico que agora consideraremos é substituir as condições de fronteira em (4.2.2) por
condições de fronteira periódicas, isto é, impomos as condições
u(0, t) = u(`, t) e ux (0, t) = ux (`, t). (4.2.9)
Condições de fronteira periódicas são utilizadas, por exemplo, quando se considera a transmissão de calor
em um anel circular de comprimento `.
Uma vez mais, vamos empregar método de separação de variáveis. Escrevendo u(x, t) = X(x)T (t) e
substituindo, obtemos T (t) = T0 eλt , onde T0 é uma constante arbitrária e (λ, X) satisfaz
00
X (x) = λX(x), 0 < x < `
(4.2.10)
X(0) = X(`) e X 0 (0) = X 0 (`).
Novamente, para estudar os autovalores de (4.2.10), observamos primeiro que multiplicando a equação
por X(x) e integrando por partes em [0, `], obtemos
Z ` Z ` Z ` Z `
λ |X(x)|2 dx = X(x)X 00 (x) dx = X(x)X 0 (x)|`0 − |X 0 (x)|2 dx = − |X 0 (x)|2 dx
0 0 0 0
86
uma vez que X(0) = X(`) e X 0 (0) = X 0 (`). Concluímos assim que λ deve ser um número real não-positivo,
que vamos escrever na foma λ = −µ2 , com µ ≥ 0. Logo, a equação diferencial em (4.2.10) se escreve como
X 00 (x) + µ2 X(x) = 0.
Novamente, λ0 = 0 é um autovalor de (4.2.10) com autofunção correspondente φ0 (x) = 1. As autofunções
correspondentes a autovalores não-nulos λ = −µ2 , com µ > 0, devem ser procuradas entre as funções
X(x) = c1 cos µx + c2 sen µx que satisfazem X(0) = X(`) e X 0 (0) = X 0 (`), isto é,
c1 = c1 cos µ` + c2 sen µ` (1 − cos µ`)c1 − sen µ` c2 = 0
, i.e.
c2 = −c1 sen µ` + c2 cos µ` sen µ` c1 + (1 − cos µ`)c2 = 0.
Como c21 + c22 6= 0, segue-se que (1 − cos µ`)2 + sen2 µ` = 0 e, portanto, cos µ` = 1. Logo, µ` = 2nπ com
n = 0, 1, 2, . . . e, assim, λ = λn = −(2nπ/`)2 são os autovalores de (4.2.10) com correspondentes autofunções
linearmente independentes φn e ψn dadas por
para n ≥ 1. Como existem duas autofunções linearmente independentes correspondentes ao mesmo autovalor
λn 6= 0, dizemos que λn são autovalores de multiplicidade dois de (4.2.10). Obviamente, λ0 = 0 é o único
autovalor de multiplicidade 1 de (4.2.10). Como antes, escrevemos a solução de (4.2.1) na forma
∞
c0 X −(2nπt/`)2 2nπx 2nπx
u(x, t) = + e cn cos + dn sen . (4.2.11)
2 ` `
n=1
Para que a solução (4.2.11) satisfaça a condição inicial u(x, 0) = φ(x) para 0 ≤ x ≤ `, devemos ter
∞
c0 X 2nπx 2nπx
φ(x) = + cn cos + dn sen . (4.2.12)
2 ` `
n=1
De (4.2.12), multiplicando por φ por φn e por ψn e integrando em [0, `], decorre que
Z ` Z `
2 2nπx 2 2nπx
cn = φ(x) cos dx e dn = φ(x) sen dx
` 0 ` ` 0 `
A série (4.2.12) é a série de Fourier da extensão `-periódica da função φ, que é uma função ímpar com
relação à reta y = φ(0), como mostrado na gura abaixo.
−` ` x
Figura 4.1: Gráco da função φ (amarelo) e o gráco de sua extensão `-periódica (vermelho).
Naturalmente, há diversas outras condições de fronteira que podem ser impostas num problema de valores
de fronteira para a equação (4.2.1) num domínio [0, `]. Por exemplo, considere a classe de problemas de
autovalores dependendo de parâmetros reais a0 e a` , dada por
As condições de fronteira em (4.2.13) são exemplos de condições de fronteira mistas e inclui as condições
de Dirichlet (a0 =0 e/ou a` = 0) e condições de Neumann (a0 =1 ou a` = 1) nos pontos x=0 e/ou x = `.
87
Quando a0 6= 0, 1, obtemos a condição de Robin em x = 0, etc. Se a0 6= 0 e a` 6= 0, então multiplicando a
equação por X(x) e integrando por partes em [0, `], obtemos
` ` `
a` − 1 a0 − 1
Z Z Z
00
λ 2
|X(x)| dx = X(x)X (x) dx = |X(`)|2 − |X(0)|2 − |X 0 (x)|2 dx
0 0 a` a0 0
a0 −1 a` −1
uma vez que X 0 (0) = a0 X(0) e X 0 (`) = a` X(`). Portanto, para essa classe de problemas de fronteira,
os autovalores são reais.
Podeλ = µ2 , com µ > 0 ser um autovalor? Se sim, então existe uma solução não-nula de X 00 (x) =
µ2 X(x) = 0 tal que X(0) = 0 e X 0 (`) + hX(`) = 0. Isso implica X(x) = C1 eµx + C2 e−µx com
C1 + C2 = 0 C2 = −C1
, i.e.
µ[C1 eµ` − C2 e−µ` ] + h[C1 eµ` + C2 e−µ` ] = 0 C1 [(µ + h)e2µ` + (µ − h)] = 0.
h−µ
A segunda equação é equivalente a C1 = 0 ou e2µ` = h+µ . A gura abaixo mostra que não existem autovalores
h−µ 2µ` .]
tais que µ ≥ 0. [Em azul, o gráco de f (µ) = h+µ e, em vermelho, de g(µ) = e
h µ
y
π 3π 5π
x= 2 x= 2 x= 2
µ1 µ2 µ3
µ
y = −µ/h
88
Vamos examinar mais detalhadamente o caso h > 0. {µn }∞
n=1 satisfaz 0 < µ1 <
Como vimos, a sequência
µ2 < . . . e µn → ∞ quando n → ∞. Como função de h, temos µk = µk (h) → kπ quando h → 0+, para
cada k ≥ 1 xado. É um exercício interessante mostrar que as autofunções Xn (x) = sen(µn x) são duas a
duas ortogonais e você deve fazer a demonstração, bem como obter a norma de Xn em L2 (0, `). [Se corretos,
2 1
pelos meus cálculos, kXn k = [l + 2
2
h
h +µ2n
].] Portanto, denindo φn (x) = Xn (x)
kXn k , o conjunto S = {φn : n ≥ 1}
1
é um conjunto ortonormal completo em L (0, `).
2
Teorema 4.2.3. Suponha que φ : [0, `] → R seja uma função tal que φ e φ0 sejam contínuas por partes. Se
∞
X
φ(x) = bn [φ] sen(µn x),
n=1
∞
onde {µn }n=1 é a sequência crescente das raízes positivas da equação tg(`µ) = −hµ e
Z ` Z `
1 2
bn [φ] = φ(x) sen(µn x) dx com kXn k = sen2 (µn x) dx,
kXn k2 0 0
então a solução do problema ut = cuxx com condição inicial φ e condições de fronteira u(0, t) = 0 e ux (`, t) +
hu(`, t) = 0 é dada por
∞
2
X
u(x, t) = bn [φ]e−cµn t sen(µn x).
n=1
O leitor atento não se surpreenderá ao perceber que as conclusões dos três Teoremas são as mesmas.
De fato, a única coisa que muda em cada uma delas é o conjunto ortonormal das autofunções e respectivos
autovalores dos problemas de fronteira (4.2.4), (4.2.8), (4.2.10) e (4.2.13). Isso é um exemplo de como o
método de separação de variáveis é eciente e permite tratar vários problemas de diferentes naturezas de
uma forma unicada. Como veremos mais adiante, ele também permite tratar casos mais complexos como
equações e/ou condições de fronteira não-homogêneas. Antes, porém, vamos abordar um problema onde a
complexidade se deve ao fato de que a dimensão do domínio é maior que 1.
O problema de Dirichlet consiste em encontrar uma solução da equação de Laplace numa região D que
assume valores dados na fronteira ∂D de D:
∆u = 0 em D, u(x) = f (x) para x ∈ ∂D. (4.3.1)
Este problema pode ser estudado em qualquer numero de dimensões. O caso unidimensional é trivial:
seD = (a, b) é um intervalo não-trivial e u(a) = A e u(b) = B são os valores de u na fronteira de D, então
b−a (x − a) é a única solução de (4.3.1). Para o caso n > 1, é muito simples mostrar que (4.3.1)
u(x) = A + B−A
tem no máximo uma solução: se u1 e u2 são soluções de (4.3.1), então a diferença u = u1 − u2 é solução de
∆u = 0 e u = 0 em ∂D e isso implica que u ≡ 0 em D. (Basta usar as Identidades de Green).
Surpreendentemente, o problema de existência de solução de (4.3.1) adquire uma complexidade enorme
quando n>1 e uma discussão profunda envolve a geometria do domínio D. Não vamos tratar o caso geral;
contentar-nos-emos em considerar apenas o caso bidimensional para algumas regiões simples, às quais se
aplica o método de separação de variáveis. Outras condições de fronteira para a equação ∆u = 0 serão
considerados oportunamente.
1
A completude de S será justicada mais tarde, quando estudarmos problemas Sturm-Liouville.
89
4.3.1 O Problema de Dirichlet num Retângulo
A situação mais simples é aquela em que D é um retângulo. Vamos tomar um retângulo com lados de
comprimentos l e L e escolher a origem como o canto inferior esquerdo. Assim, D = [0, l] × [0, L] = {(x, y) :
0 ≤ x ≤ l, 0 ≤ y ≤ L} e o problema de valores de fronteira a ser estudado é
uxx + uyy = 0, (x, y) ∈ D
u(x, 0) = f1 (x), u(x, L) = f2 (x), u(0, y) = g1 (y), u(l, y) = g2 (y),
y y y
u = f2 v = f2 w=0
L L L
u = g1 D u = g2 = v=0 D v=0 + w = g1 D w = g2
∆u = 0 ∆v = 0 ∆w = 0
0 u = f1 l x 0 v = f1 l x 0 w=0 l x
Vamos aplicar o método de separação de variáveis. Esquecendo por alguns momentos os termos não-
homogêneos e substituindo u(x, y) = X(x)Y (y) na equação, obtemos X 00 (x)Y (y) + X(x)y 00 (y) = 0, isto é,
Y 00 (y)/Y (y) = −X 00 (x)/X(x). Colocando Y 00 (y)/Y (y) e −X 00 (c)/X(x) iguais a uma constante µ2 , obtemos
00
X (x) + µ2 X(x), X(0) = X(l) = 0
Y 00 (y) − µ2 Y (y) = 0.
com autofunções sen(nπx/l), para n ≥ 1 inteiro. Em outras palavras, estamos lidando ainda com séries de
00 2
Fourier de senos na variável x. Quanto a Y , qualquer solução da equação Y (y) − µ Y (y) com µ = (nπ/l)
2
é uma combinação linear de cosh(nπy/l) e de senh(nπy/l), e portanto, estamos procurando uma solução u
de (4.3.2) da forma
∞
X
u(x, y) = [αn cosh(nπy/l) + βn senh(nπy/l)] sen(nπx/l) (4.3.3)
n=1
e precisamos apenas determinar as constantes αn e βn para que (4.3.3) satisfaça as condições u(x, 0) = f1 (x)
e u(L, x) = f2 (x) (condições inicial e nal, podemos dizer). Isso implica que
∞
X ∞
X
f1 (x) = αn sen(nπx/l) e f2 (x) = [αn cosh(nπL/l) + βn senh(nπL/l)] sen(nπx/l).
n=1 n=1
90
e Z l
αn cotgh(nπL/l)
βn = −αn cotgh(nπL/l)bn [f2 ] = − f2 (x) sen(nπx/l) dx.
2l 0
A solução u é agora obtida substituindo essas expressões em (4.3.3).
Podemos escrever a solução numa forma mais simétrica substituindo cosh(nπy/l) e senh(nπy/l) por
senh(nπ(y − L)/l) e senh(nπy/l) Y 00 (y) − (nπ/l)2 Y (y) = 0; obtemos
como base das soluções de
∞ nπx nπy
X nπ(L − y)
u(x, y) = sen An senh + Bn senh , (4.3.4)
l l l
n=1
onde
nπL nπL
An = an cossech e Bn = bn cossech
l l
e an e bn são os coecientes da série de Fourier de senos de f1f2 , respectivamente:
e
l
2 l
Z Z
2 nπx nπx
an = f1 (x) sen dx e bn = f2 (x) sen dx.
l 0 l l 0 l
D
u=0
r1
u = g(θ)
u=0
β
r0
α
x
0
1 1
∇2 u = uxx + uyy = urr + ur + 2 uθθ .
r r
Como no caso de um retângulo cartesiano, a solução pode ser escrita como soma das soluções em que
u é nula nas duas partes radiais da fronteira de D ou nas duas partes circulares da fronteira de D. Vamos
estudar o primeiro destes casos (veja gura); se tempo houver, consideraremos o segundo caso. Por uma
rotação de coordenadas (lembre-se que o Laplaciano é invariante por rotação do plano - Exercício!), podemos
supor que o ângulo inicial α é igual a 0 e, portanto, vamos considerar o problema
( 1 1
urr + ur + 2 uθθ = 0 em D
r r (4.3.5)
u(r, 0) = u(r, β) = 0 para r0 ≤ r ≤ r1 , u(r0 , θ) = g(θ), u(r1 , θ) = f (θ)
Como de costume, começamos procurando soluções como produto u(r, θ) = R(r)Θ(θ) que satisfaça apenas
as condições de fronteira homogêneas u(r, 0) = u(r, β) = 0. Para tais soluções, temos
91
r2 R00 (r) + rR0 (r) − µ2 R(r) = 0. (4.3.7)
A equação (4.3.6) é nossa velha conhecida e implica que os autovalores são µ2 = (nπ/β)2 com autofunções
sen(nπθ/β). A equação (4.3.7) é uma equação de Euler
r2 R00 (r) + rR0 (r) − (nπ/β)2 R(r) = 0.
Equações de Euler constituem exemplos das poucas equações com coecientes variáveis cujas soluções podem
ser obtidas por métodos elementares; na verdade, elas admitem soluções da forma R(r) = rλ . Para determinar
λ, substituímos: o resultado é [λ(λ − 1) + λ − µ2 ]rλ = 0, isto é, λ = ±µ = ±nπ/β . Portanto, encontramos a
seguinte expressão para a possível solução da equação de Laplace em D :
∞
X nπθ
u(r, θ) = sen (an rnπ/β + bn e−nπ/β ).
β
n=1
Falta apenas determinar as constantes an e bn para que a solução satisfaça as condições de fronteira em
(4.3.5). Mas isso é muito fácil: basta escrever as séries de Fourier de senos de f e g como
∞ ∞
X nπθ X nπθ
f (θ) = cn sen e g(θ) = dn sen
β β
n=1 n=1
De maneira análoga, podemos considerar o problema de Dirichlet para a equação de Laplace numa coroa
circular
D = {(r cos θ, r sen θ) : r0 ≤ r ≤ r1 },
y
u = f (θ)
D
x
u = g(θ)
( 1 1
urr + ur + 2 uθθ = 0 em D
r r (4.3.8)
u(r0 , θ) = g(θ), u(r1 , θ) = f (θ).
Empregando o método de separação de variáveis uma vez mais, obtemos equações diferenciais como (4.3.6)
e (4.3.7). As condições de fronteira anteriormente consideradas em θ=0 e θ=β são agora trocadas pela
exigência de que u seja 2π -periódica em θ. Assim, em vez da condição de fronteira como (4.3.6), vamos
procurar
00 2
soluções 2π -periódicas de Θ + µ Θ = 0.
O caso µ = 0 merece atenção especial: uma vez que a solução geral de Θ00 (θ) = 0 é Θ(θ) = aθ + b,
a condição de 2π -periodicidade implica que a = 0 e Θ(θ) = b, uma constante. Portanto, µ = 0 é um
autovalor com correspondente autofunção constante Θ0 = 1. Se µ 6= 0, então Θ(θ) = c1 cos µθ + c2 sen µθ ;
2π -periodicidade força µ = n, um número inteiro. Assim, λn = −n2 são autovalores com autofunções sen nθ
e cos nθ .
92
Quanto a R, temos: quando µ = 0, R é solução da equação
un (r, θ) = (r/r1 )n (An cos nθ + Bn sen nθ) + (r/r0 )−n (Cn cos nθ + Dn sen nθ).
Assim, o método de separação de variáveis conduz à expressão
∞ ∞
r n r −n
X X
u(r, θ) = (A0 + B0 ln r) + (An cos nθ + Bn sen nθ) + (Cn cos nθ + Dn sen nθ) (4.3.9)
r1 r0
n=1 n=1
como solução da equação de (4.3.8). Observe que se An , Bn , Cn e Dn são constante reais arbitrárias, mas
limitadas, isto é, satisfazem
|An | + |Bn | + |Cn | + |Dn | ≤ K
para alguma constante K e para todo n ≥ 1, então as séries dadas em (4.3.9) são convergentes quando
r0 < r < r1 e θ ∈ R. Assim, u é uma função denida em (r0 , r1 ) × R e é simples vericar que u é uma solução
de (4.3.8). Para que ela satisfaça as condições de fronteira, devemos exigir que
∞ ∞
r0 n
X X
g(θ) = (A0 + B0 ln r0 ) + (An cos nθ + Bn sen nθ) + (Cn cos nθ + Dn sen nθ)
r1
n=1 n=1
e
∞ ∞
r1 −n
X X
f (θ) = (A0 + B0 ln r1 ) + (An cos nθ + Bn sen nθ) + (Cn cos nθ + Dn sen nθ).
r0
n=1 n=1
Z 2π k
r0
πak [g] = g(θ) cos kθ dθ = πAk + πCk
0 r1
Z 2π −k
r1
πak [f ] = f (θ) cos kθ dθ = πAk + πCk
0 r0
e, portanto,
ak [f ] − ak [g](r0 /r1 )k ak [g] − ak [f ](r0 /r1 )k
Ak = e Ck = .
1 − (r0 /r1 )2k 1 − (r0 /r1 )2k
93
Exercício 4.3.2. Determine Bk e Dk acima indicados e escreva a solução de (4.3.8).
Finalmente, podemos permitir r0 tender a zero e considerar o problema de Dirichlet num disco
D = {(r cos θ, r sen θ) : 0 ≤ r ≤ r1 },
( 1 1
urr + ur + 2 uθθ = 0 em D
r r (4.3.10)
u(r1 , θ) = f (θ).
Comparando com (4.3.8), a condição na fronteira interna desaparece mas deixa como herança uma outra
condição: queremos determinar a solução de (4.3.10) que seja contínua numa vizinhança de (0, 0).
Aplicando o método de separação de variáveis como no caso da coroa, escolhemos R e Θ no presente caso
de forma que u(r, θ) = R(r)Θ(θ) seja uma função contínua numa vizinhança de (0, 0). Com essa escolha, e
seguindo os cálculos efetuados anteriormente, concluímos que a expressão da solução de (4.3.10) é dada por
∞
r n
X
u(r, θ) = A0 + (An cos nθ + Bn sen nθ). (4.3.11)
r1
n=1
Os coecientes An e Bn devem ser determinados para que u(r1 , θ) = f (θ), isto é, para que
∞
X
f (θ) = A0 + (An cos nθ + Bn sen nθ).
n=1
1
R 2π 1
R 2π 1
R 2π
Isso implica que A0 = 2π 0 f (t) dt, An = π 0 f (t) cos nt dt e Bn = π 0 f (t) sen nt dt. Substituindo em
(4.3.11), obtemos
∞
" #
2π
r n
Z
1 X
u(r, θ) = 1+2 cos n(θ − t) f (t) dt. (4.3.12)
2π 0 r1
n=1
∞
" #
r n
1 X
P (r, θ) = 1+2 cos nθ (4.3.13)
2π r1
n=1
Para obter uma expressão para o núcleo de Poisson, procedemos da seguinte forma: para todo z ∈ C com
1
|z| < 1, temos 1−z =1+z+ z2 + ··· + zn + ... (série geométrica) e, portanto
∞
1+z X
= (1 + z + z 2 + · · · + z n + . . . ) + (z + z 2 + z 3 + · · · + z n+1 + . . . ) = 1 + 2 zn.
1−z
n=1
Como
1+z (1 + z)(1 − z) 1 + z − z − |z|2 1 + 2iIm(z) − |z|2
= = = ,
1−z (1 − z)(1 − z) 1 − z − z + |z|2 1 − 2Re(z) + |z|2
substituindo z = ρeiθ = ρ(cos θ + i sen θ), com 0 ≤ ρ < 1, concluímos que
∞
X 1 + 2iρ sen θ − ρ2
1+2 ρn einθ = .
1 − 2ρ cos θ + ρ2
n=1
94
Assim, para 0 ≤ ρ < 1, temos
∞ ∞
X 1 − ρ2 X ρ sen θ
1+2 ρn cos nθ = e ρn sen nθ = .
1 − 2ρ cos θ + ρ2 1 − 2ρ cos θ + ρ2
n=1 n=1
Logo, para todos 0 ≤ r < r1 e θ ∈ [0, 2π], o núcleo de Poisson é dado por
1 r12 − r2
P (r, θ) = (4.3.14)
2π r12 − 2r1 r cos θ + r2
4.4 Exercícios
Exercício 4.4.1. Cada um dos itens abaixo utiliza a equação ∇2 u = 0 em D, onde D é o quadrado
D = {(x, y) : 0 ≤ x ≤ l, 0 ≤ y ≤ l}.
(i) Determine a solução de ∇2 u = 0 em D, sujeita às condições de fronteira u(x, 0) = u(0, y) = u(l, y) = 0
e u(x, l) = x(l − x);
(ii) Determine a temperatura de equilíbrio em D se os lados x = 0 e x = l são isolados, o lado y=0 é
mantido à temperatura zero e o lado y=l é mantido à temperatura u(x, l) = x;
Exercício 4.4.3. Suponha que a fronteira interna da coroa D = {(r, θ) : r0 ≤ r ≤ 1} é isolada e a fronteira
externa r=1 é mantida à temperatura u(1, θ) = f (θ).
(a) Determine a temperatura de equilíbrio;
95
96
Capítulo 5
5.1 Introdução
Quando utilizamos o método de separação de variáveis para obter soluções das equações clássicas da Física-
Matemática, somos invariavelmente conduzidos ao problema de representar uma função f como soma de uma
série obtida a partir de uma coleção innita S de funções especiais, que constituem um conjunto ortogonal.
Esse foi, por exemplo, o tratamento dado à solução do problema de valor inicial para a equação do calor
ut = cuxx , −π < x < π e t > 0, u(x, 0) = φ(x), −π < x < π , e condições de fronteira u(−π, t) = u(π, t) = 0.
Naquela oportunidade, obtivemos a solução como
∞
2
X
u(x, t) = e−cn t bn [φ] sen nx,
n=1
ondebn = bn [φ] são os coecientes de Fourier da extensão ímpar de φ ao intervalo [−π, π], relativos ao sistema
√ √
trigonométrico S = {en , fn } constituído das funções en (x) = cos nx/ π e fn (x) = sen nx/ π , n ∈ N. Como
vimos, S é um sistema ortonormal relativamente ao produto interno
Z π
hf, gi = f (x)g(x)dx
−π
no espaço vetorial V, digamos, das funções contínua no intervalo [−π, π]. Às vezes, referimo-nos à formula
acima como a expansão da solução da equação do calor em série de Fourier.
A série de Fourier é apenas um exemplo de expansão de uma função em uma série innita de funções
pertencentes a um xado conjunto ortogonal de funções. Nesse capítulo, vamos discutir o conceito geral de
expansão ortogonal e mostrar como eles surgem no estudo de diversas equações diferenciais. Embora nossas
aplicações estejam concentradas primordialmente em conjuntos de funções reais, é importante discutir o caso
complexo, como zemos quando consideramos a forma complexa da série de Fourier.
Na próxima Seção vamos rever os conceitos de espaço com produto interno, ortogonalidade, conjuntos
ortogonais, projeção ortogonal e introduziremos o importante conceito de conjuntos ortonormais completos.
Faremos esse estudo de um ponto de vista abstrato para que os resultados obtidos sejam usados em qual-
quer situação cabível, evitando assim a desnecessária repetição de argumentos conhecidos em cada situação
particular. Nas Seções seguintes apresentaremos exemplos novos de conjuntos ortogonais tais como classes
de polinômios ortogonais (por exemplo, polinômios de Legendre, polinômios de Hermite, etc) e funções de
Bessel.
Seja H um espaço vetorial complexo. Começamos lembrando que um produto interno em H é uma aplicação
h·, ·i : H → C que satisfaz as seguintes condições: para todos a, b, c em H e λ, µ em C, temos
97
hb, ai = ha, bi (5.2.2)
(ii) Podemos supor que b 6= 0 e, trocando a por αa, onde α = e−iθ se ha, bi = reiθ , podemos supor que
ha, bi é real. De (i) segue-se que, para todo t real,
Isso implica que o discriminante 4ha, bi2 − 4kak2 kbk2 ≤ 0, donde segue o resultado.
Exemplo 5.2.1. O exemplo típico de um espaço vetorial complexo com produto interno, de dimensão nita
n, é espaço Cn = {(a1 , a2 , . . . , an ) : aj ∈ C} com o produto interno usual
ha, bi = a1 b1 + a2 b2 + · · · + an bn
p
quando a = (a1 , a2 , . . . , an ) e b = (b1 , b2 , . . . , bn ). A norma de a é dada por kak = |a1 |2 + · · · |an |2 . ♣
Exemplo 5.2.2. Um exemplo de um espaço vetorial complexo com produto interno, de dimensão innita,
é espaço P de todo os polinômios com coecientes complexos. Um produto interno em P pode ser dado
por: se p e q são polinômios, denimos
Z 1
hp, qi = p(x)p(x) dx.
−1
dene um produto interno no espaço das funções contínuas no intervalo [−1, 1].
Denição 5.2.1. (a) Dizemos que dois vetores f1 e f2 em H são ortogonais se hf1 , f2 i = 0.
(b) Dizemos que {f1 , f2 , ..., fn , . . . } é um conjunto ortogonal se fj 6= 0 para todo j e hfj , fl i = 0 para
j 6= l. Se, além disso, kfj k = 1 para todo j , dizemos que {f1 , f2 , ..., fn , . . . } é um conjunto ortonormal.
Decorre da Proposição 5.2.1 (i) que a e b são ortogonais se e somente se ka + bk2 = kak2 + kbk2 . Esse
resultado é conhecido como Teorema de Pitágoras e pode ser estendido para um número nito qualquer de
parcelas: para todo k ≥ 1, temos
Denição 5.2.2. Seja S um subconjunto de H. Dizemos que f é ortogonal a S se hu, f i = 0 para todo
u ∈ S.
98
O conjunto dos vetores ortogonais a S é indicado por S⊥ e é imediato que S⊥ é um subespaço vetorial de
H. f ∈
Se S ⊥ , então f é ortogonal a qualquer combinação linear de elementos de S e, portanto, f ∈ [S]⊥ ,
onde [S] indica o subespaço vetorial gerado por S. Como [S]⊥ ⊂ S ⊥ , temos S ⊥ = [S]⊥ . Claro, {0}⊥ = H e
H ⊥ = {0}.
Nesse ponto, o leitor atento terá percebido que se faz necessário uma discussão mais detalhada sobre o
P∞
signicado de k=1 ck ek . Para esse m, e também para xarmos linguagem, coletamos os diversos conceitos
que usaremos sistematicamente na seguinte
Xn
lim
ak − s
= 0.
n→∞
k=1
Dizemos que {an }∞ é uma sequência de Cauchy se limn,m→∞ kan − am k = 0. Finalmente, dizemos que H
n=1
é completo (ou um espaço de Hilbert), se toda sequência de Cauchy em H é convergente.
Suponha que S = {e1 , e2 , . . . , en , . . . }Pseja um conjunto ortonormal em H. Se f é um elemento de H e
P∞ ∞
existe uma série n=1 λn en tal que f = n=1 λn en , então
N
X N
X
hf, ek i = h lim λn en , ek i = lim λn hen , ek i = lim λk = λk .
N →∞ N →∞ N →∞
n=1 n=1
Assim, a única forma de obter f como soma de uma série convergente de combinações lineares de en é
tomar sua série de Fourier em relação a S. Isso mostra a importância de se considerar apenas a convergência
da série de Fourier de um vetor dado f em H.
Nas considerações que seguem, vamos sempre usar a notação cn ou cn [f ] para indicarmos os coecientes
de Fourier de f, dados por cn = cn [f ] = hf, en i, n = 1, 2, . . . .
O estudo da convergência da série de Fourier de
PN f é bastante geométrico e depende de uma boa com-
preensão das suas somas parciais σN = k=1 ck fk . Observe que a soma parcial σN de ordem N se escreve
como
N
X
σN = hf, e1 ie1 + hf, e2 ie2 + · · · + hf, eN ieN = hf, ek iek
k=1
projV
N
f = hf, e1 ie1 + hf, e2 ie2 + · · · + hf, eN ieN . (5.2.4)
H f H f
f −h
eN eN h
VN e1 projV
N
f = σN VN e1 projV
N
f = σN
99
hf − σN , ej i = hf, ej i − N
P
Como k=1 ck hek , ej i = cj − cj hej , ej i = 0 para todo 1 ≤ j ≤ N , o vetor f − σN é
ortogonal a todos os vetores de VN . Assim, se h = α1 e1 + α2 e2 + · · · + αN eN é um vetor de VN , do Teorema
de Pitágoras, obtemos
N
X
2 2 2 2
kf − hk = kf − σN k + kσN − hk = kf − σN k + (ck − αk )2
k=1
e concluímos a seguinte propriedade de mínimo de σN :
Teorema 5.2.1. Para cada N ≥ 1, seja VN = [{e1 , e2 , . . . , eN }] e seja f ∈ H . Então, para todo h ∈ VN ,
temos kf − hk ≥ kf − σN k e kf − hk = kf − σN k se e somente se h = σN = projVN f .
Logo, σN = projVN f é o único vetor de VN mais próximo de f.
Ainda do Teorema de Pitágoras, temos
N
X
2 2 2
kf k = kσN k + kf − σN k = |ck |2 + kf − σN k2 , (5.2.5)
k=1
PN 2 2
de onde decorre que k=1 |ck | ≤ kf k para todo N ≥ 1. Fazendo N → ∞, obtemos
Teorema 5.2.2. Se S = {en }∞n=1 é um conjunto ortonormal em H , então, para todo f ∈ H , a série numérica
P ∞ 2
k=1 |hf, ek i| é convergente e temos
∞
X
|hf, ek i|2 ≤ kf k2 . (5.2.6)
k=1
A desigualdade (5.2.6) é chamada desigualdade de Bessel. Agora, se N > M , ortogonalidade de S implica
N
X M
X N
X N
X
2 2 2
kσN − σM k = k hf, ek iek − hf, ek iek k = k hf, ek iek k = |hf, ek i|2
k=1 k=1 k=M +1 k=M +1
Exemplo 5.2.3. Consideremos o espaço H = L2 [−π, π] das funções reais cujo quadrado é integrável, com
o produto interno denido por Z π
hf, gi = f (x)g(x) dx.
−π
Vamos oportunamente voltar a considerar este espaço com mais detalhes, mas, no momento, acredite que
H é um espaço completo. [Se você se sentir mais confortável, tome H = CP [−π, π], o conjunto das funções
contínuas por partes em [a, b] - a conclusão será a mesma.] Em H, ∞
consideremos S = {en }n=1 , constituído
sen
√2nx .
das funções en (x) = π
É fácil vericar que S é um conjunto ortonormal. Consideremos a função
f (x) = x. Temos
√
1 sen 2nx x cos 2nx π
Z π
1 π
cn [f ] = √ x sen 2nx dx = √ 2
− =− ,
π −π π 4n 2n −π n
π
2
−π π x
− π2
−π
100
g : [−π, π] → R denida por g(x) = − ∞ sen 2nx
P
Seja n=1 . Com algum trabalho, é possível mostrar que a série
n
que dene g converge para a extensão π -periódica da função (ainda indicada por g ) dada por
x + π2 se π < x < 0
g(x) = 0 se x=0
π
x − 2 se 0 < x < π
e, portanto, f (x) 6= g(x) para todo x ∈ [−π, π], x 6= 0. Os grácos de f (verde) e de g (vermelho) estão
indicados na gura acima. A distância entre f egé
0 π
π3
Z Z
2 2
kf − gk = [x − (x + π/2)] dx + [x − (x − π/2)]2 = .
−π 0 2
π N N
2π 3 π3
Z
2 2 2 2
X 1 X 1
kf − hk ≥ kf − projVN f k = kf k − kprojVN f k = |f (x)|2 dx − π = − π >
−π k2 3 k2 2
k=1 k=1
π2 P∞ 1
uma vez que
6 = k=1 k2 .
Esse exemplo mostra que a bola aberta
q B(f, r) = {h ∈ H : kh − f k < r} de centro f e raio r, com
0<r< π3
2 , em H, não intersecta VN para todo N ≥ 1. Logo, o conjunto dos pontos de acumulação da
reunião ∪∞
N =1 VN é diferente de H. ♣
Voltando às nossas considerações, e usando as mesmas notações, o Exemplo 5.2.3 mostra que g 6= f
é uma possibilidade real e, quando acontece, o vetor f − g é um vetor não nulo e ortogonal a S (já que
g e f têm os mesmos coecientes de Fourier relativos a S ). Como o referido exemplo ilustra, os termos
∞
da sequência {σN }N =1 (em que cada termo é o vetor de VN mais próximo de f ), embora convergente, se
mantém afastada de f - e portanto, existe uma bola aberta de centro f que não intersecta VN , para todo
N . Asim, intuitivamente, para que f seja a soma de sua série de Fourier, é necessário que, para cada N ≥ 1,
exista um vetor zN em VN tal que lim zN = f . Essa importante propriedade recebe um nome que registramos
na seguinte
Outra forma alternativa para a denição de conjunto ortonormal completo é exigir que [S]⊥ = {0}. Isto
equivale a dizer que se f ∈H é ortogonal a todo elemento de S , então f = 0. Também, da identidade (5.2.5)
N
X
kf k2 = |ck |2 + kσN − f k2 ,
k=1
P∞
segue que S é completo se e somente se kσN − f k → 0, que por sua vez é equivalente a kf k2 = n=1 |cn |
2
Teorema 5.2.3. Sejam H um espaço de Hilbert e S = {e1 , e2 , . . . , ...} um sistema ortonormal em H . Então,
as seguintes armações são equivalentes:
(i) S é completo;
101
N
X
(ii) f = lim ck ek em H, onde ck são os coecientes de Fourier de f relativos a S;
N →∞
k=1
XN
(iii) lim kf − ck ek k = 0, onde ck são os coecientes de Fourier de f relativos a S;
N →∞
k=1
(iv) lim hcn [f ], cn [g]i = hf, gi, para todos f e g em H , onde cn [f ] e cn [g] são os coecientes de Fourier
n→∞
de f e de g relativos a S , respectivamente;
X∞
(v) |ck |2 = kf k2 , onde ck são os coecientes de Fourier de f relativos a S ;
k=1
(vi) se hf, ek i = 0 para todo k, então f = 0.
A igualdade (v) é chamada Identidade de Parseval.
Para que o desenvolvimento de uma função em série de funções ortogonais seja uma ferramenta útil nas
H e selecionar um conjunto ortonormal completo S de
aplicações, é necessário denir um espaço de Hilbert
funções em H . As aproximações dos elementos de H são obtidas usando a projeção ortogonal de H sobre
subespaços de dimensão nita, como descritos no texto. Frequentemente, H é conhecido mas o mesmo não
acontece com S . O máximo que temos é um conjunto F = {f1 , f2 , . . . , fn , . . . } linearmente independente
de elementos de H . Felizmente, o próximo resultado nos ensina a obter uma base ortogonal a partir de F
e nos fornece um algorítimo para a construção de conjuntos ortogonais G em H . O algorítimo é conhecido
como processo de ortogonalização de Gram-Schmidt, que você certamente já conhece quando estudou espaços
vetoriais de dimensão nita. Vamos usar a mesma técnica para a construção de sistemas ortogonais a partir
de um conjunto linearmente independente qualquer de vetores de H . A completude de sistemas ortonormais
será discutida no próximo Capítulo.
Teorema 5.2.4. Seja F = {f1 , f2 , ..., fn , ...} um conjunto qualquer, nito ou innito, de vetores de um
espaço vetorial com produto interno H com a seguinte propriedade: qualquer número nito deles é um
conjunto linearmente independente. Então, é possível determinar constantes ajk tais que o conjunto de
vetores G = {g1 , g2 , ..., gn , ...} denidos pelas relações
g1 = f1 ,
g2 = a21 f1 + f2 ,
g3 = 231 f1 + a32 f2 + f3 ,
. (5.2.7)
.
.
gn = an1 f1 + an2 f2 + an3 f3 + · · · + an,n−1 fn−1 + fn ,
.
.
.
102
Como o determinante
hf1 , f1 i hf2 , f1 i hf3 , f1 i . . . hfn−1 , f1 i
hf1 , f2 i hf ,
2 2 f i hf ,
3 2 f i . . . hfn−1 , f2 i
(5.2.8)
..
.
hf1 , fn−1 i hf2 , fn−1 i hf3 , fn−1 i . . . hfn−1 , fn−1 i
é diferente de zero se e somente se {f1 , f2 , . . . , fn−1 } é linearmente independente, o sistema acima tem solução
única e suas incógnitas são determinadas de forma única pela Regra de Cramer. O restante da demonstração
segue por indução.
Exercício 5.2.2. Demonstre que (5.2.8) é diferente de zero se e somente se {f1 , f2 , . . . , fn−1 } é linearmente
independente.
Observação 5.2.2. O determinante (5.2.8) é chamado gramniano dos vetores f1 , f2 , . . . , fn−1 . Quando
n = 3, seu módulo representa o volume do paralelepípedo gerado pelas arestas f1 , f2 e f3 . ♣
Polinômios de Legendre foram originalmente apresentados em 1782 por Adrien-Maire Legendre na publicação
[16] de seus estudos sobre a expressão da intensidade do potencial gravitacional, medido por um observador
situado na origem (0, 0), exercido num ponto P de coordenadas (r, θ) por uma massa situada no ponto (a, 0),
como na gura
z
P
R
r
a θ
∞
1 X
p = Pk (cos θ)η k .
2
1 + η − 2η cos θ k=0
1
sequência dos polinômios de Legendre {Pk }. Observe que quando −1 ≤ x ≤ 1, a função η 7→ √ está
1+η 2 −2xη
denida e é analítica em (−1, 1) e a série em (5.3.1) é convergente quando η ∈ (−1, 1) .
103
Colocando x=0 em (5.3.1) e utilizando a série binomial
∞
1X 1 · 3 · 5 · · · · (2k − 1) 2k
= (−1)k η ,
2k k!
p
1+η 2
k=0
1 · 3 · 5 · · · · (2n − 1)
Pk (0) = 0 se k é ímpar e P2n (0) = (−1)n . (5.3.2)
2n n!
1
Colocando x=1 em (5.3.1), o lado esquerdo se torna
1−η para todo η ∈ (−1, 1) e, comparando com a
1 P∞ k
série geométrica
1−η = k=0 η , concluímos que Pk (1) = 1 para todo k ≥ 0.
1
Da mesma forma, se x = −1, o lado esquerdo de (5.3.1) se torna 1+η para todo η ∈ (−1, 1); comparando
1 P ∞ k k k
com a série geométrica
1+η = k=0 (−1) η , concluímos que Pk (−1) = (−1) . Portanto, Pk (−1) = 1 se n é
par e Pn (−1) = −1 se n é ímpar.
Por outro lado, usando indução (ou a expressão da derivada n-ésima da função composta f (t) = (1 +
t)−1/2 ,
t= − 2xη ), podemos mostrar que cada coeciente
η2 Pn (x) em (5.3.1) é, de fato, um polinômio de
grau n em x, cuja expressão tem a forma
1 · 3 · 5 · · · (2n − 1) n (2n)! n
Pn (x) = x + ··· = n x + ··· . (5.3.3)
n! 2 (n!)2
Observemos também que o efeito da troca de x por −x na função do lado esquerdo de (5.3.1) é equivalente
à troca de η por −η e, portanto,
∞ ∞
1 X 1 X
p = Pk (−x)η k e p = Pk (x)(−η)k .
1 + η 2 + 2xη k=0 1 + η 2 − 2x(−η) k=0
Disso concluímos que Pn (−x) = (−1)n Pn (x) para todos n ≥ 0. Logo, Pn é um polinômio par se n é par e
Pn é um polinômio ímpar se n é ímpar.
! !
1 d 1
P0 (x) = p = 1, P1 (x) = p = x,
1 + η 2 − 2xη dη 1 + η 2 − 2xη
η=0 η=0
!
1 d2 1 1
P2 (x) = = (3x2 − 1),
2! dη 2
p
1 + η 2 − 2xη 2
η=0
etc. A seguir estão listados os 10 primeiros Polinômios de Legendre
P0 (x) = 1, P1 (x) = x, P2 (x) = 12 (3x2 − 1), P3 (x) = 21 (5x3 − 3x), P4 (x) = 18 (35x4 − 30x2 + 3),
P5 (x) = 81 (63x5 − 70x3 + 15x) , P6 (x) = 1
16 (231x
6 − 315x4 + 105x2 − 5) ,
1 7 5 3
P7 (x) = 16 (429x − 693x + 315x − 35x),
1 8 6 4 2
P8 (x) = 128 (6435x − 12012x + 6930x − 1260x + 35),
1 9 7 5 3
P9 (x) = 128 (12155x − 25740x + 18018x − 4620x + 315x),
1
P10 (x) = 256 (46189x10 − 109395x8 + 90090x6 − 30030x4 + 3465x2 − 63)
e os grácos dos oito primeiros estão esboçados na gura abaixo.
Vamos agora mostrar que os Polinômios de Legendre também podem ser obtidos utilizando o processo
de ortogonalização de um conjunto conveniente, descrito na Seção precedente. Para isso, considere o espaço
vetorial H de todos os polinômios reais com o produto interno dado por
Z 1
hf, gi = f (x)g(x) dx.
−1
104
y y
1 1
−1 1 x −1 1 x
−1
É uma tarefa bastante simples vericar que essa expressão dene um produto interno em H e é deixada
como exercício ao leitor. O conjunto de funções S = {f0 , f1 , . . . }, onde f0 (x) = 1, f1 (x) = x, f2 (x) = x2 , ...,
fn (x) = xn , . . . é linearmente independente, pois qualquer combinação linear nita e não-trivial de elementos
de S é um polinômio não-nulo.
Seguindo o processo indicado em (5.2.7) do Teorema 5.2.4, primeiro tomamos g0 (x) = f0 (x) = 1. Devemos
agora escolher a10 tal que g1 = a10 f0 + f1 seja ortogonal a g0 ; isso implica determinar a10 tal que
Z 1
[a10 · 1 + x] · 1 dx = 0.
−1
105
Z 1
[a40 · 1 + a41 x + a42 x2 + a43 x3 + x4 ] · x2 dx = 0
−1
Z 1
[a40 · 1 + a41 x + a42 x2 + a43 x3 + x4 ] · x3 dx = 0,
−1
que são equivalentes a 2a40 + 32 a42 + 25 = 0, 23 a41 + 25 a43 = 0, 23 a40 + 25 a42 + 27 = 0 e 25 a41 + 72 a43 = 0. Segue-se
3
que a40 = 35 , a41 = 0, a42 = − 67 e 43 = 0 e obtemos o polinômio g3 (x) = x4 − 76 x2 + 35 3
.
Esse processo pode ser continuado indenidamente e encontramos um conjunto ortogonal {g0 , g1 , g2 , . . . }
gn (x)
de polinômios reais dois a dois ortogonais. A normalização Pn (x) = gn (1) dos polinômios acima obtidos
conduz aos polinômios
1 1 1
P0 (x) = 1, P1 (x) = x, P2 (x) = (3x2 − 1), P3 (x) = (5x3 − 3x), P4 (x) = (35x4 − 30x2 + 3),
2 2 8
que são os cinco primeiros polinômios de Legendre!
É importante ressaltar que esse processo de ortogonalização de {1, x, x2 , . . . } junto com a normalização
Pn (1) = 1 conduz, de fato, aos Polinômios de Legendre e poderíamos usá-lo para denir esses polinômios. Não
vamos fazer a demonstração deste fato, mas mencionar que existem diversas maneiras de denir os Polinômios
de Legendre. Por exemplo, na mesma época em que Legendre anunciou suas descobertas, Lagrange deniu
os mesmos polinômios usando a relação de recorrência
n = 1, 2, . . . , com P0 (x) = 1 e P1 (x) = x. Poderíamos usar (5.3.4) para denir os Polinômios de Legendre.
Uma geração mais tarde, em 1815, em sua tese de doutorado, Olinde Rodrigues obteve a surpreendente
fórmula
1 dn 2
Pn (x) = (x − 1)n , (5.3.5)
2n n! dxn
conhecida como Formula de Rodrigues, para descrever os polinômios de Legendre [quando n = 0, denimos
P0 (x) = 1]. Essa poderia igualmente ser adotada como denição dos Polinômios de Legendre.
Exercício 5.3.1. Tomando n = 1, 2, 3, 4 e 5, verique as fórmulas (5.3.4) e (5.3.5) para os primeiros polinô-
mios de Legendre.
f (x) = x4 − 5x3 − 2x + 4.
Solução. Uma vez que f é um polinômio de grau 4, sua expansão em série de Polinômios de Legendre é
nita e só contém os polinômios Pk com k ≤ 4. Para determiná-la, nenhum cálculo de integrais é necessário:
se a4 é o coeciente dominante de P4 , então a diferença f − a−1 4 P4 é um polinômio de grau 3; em seguida,
−1
escolhemos uma constante c tal que f − a4 P4 − cP3 é um polinômio de grau 2 e, procedendo desta forma,
escrevemos f como combinação linear de P0 , . . . , P4 . Aos cálculos: como P4 (x) = 18 (35x4 − 30x2 + 3), temos
8
f− 35 P4 é o polinômio
8 8 1 30 137
f (x) − P4 (x) = x4 − 5x3 − 2x + 4 − × (35x4 − 30x2 + 3) = −5x3 + x2 − 2x + .
35 35 8 35 35
Agora, P3 (x) = 21 (5x3 − 3x) e, portanto, f− 8
35 P4 + 2P3 é o polinômio
8 30 137 1 30 137
f (x) − P4 (x) + 2P3 = −5x3 + x2 − 2x + + 2 × (5x3 − 3x) = x2 − 8x + .
35 35 35 2 35 35
Novamente, P2 (x) = 12 (3x2 − 1) e, portanto f− 8
35 P4 + 2P3 − 20
35 P2 é o polinômio
8 30 137 20 1 147
f (x) − P4 (x) + 2P3 = x2 − 8x + − × (3x2 − 1) = −8x + .
35 35 35 35 2 35
106
8 20
Uma vez mais, P1 (x) = x e, portanto f− 35 P4 + 2P3 − 35 P2 + 8P1 é o polinômio
8 147 147
f (x) − P4 (x) + 2P3 = −8x + + 8x = .
35 35 35
8 20 147
Finalmente, f− 35 P4 + 2P3 − 35 P2 + 8P1 − 35 P0 = 0, de onde concluímos
8 20 147
f= P4 − 2P3 + P2 − 8P1 + P0 ,
35 35 35
ou, se preferir
8 20 147
x4 − 5x3 − 2x + 4 = P4 (x) − 2P3 (x) + P2 (x) − 8P1 + P0 (x),
35 35 35
para todo x ∈ R. ♣
Mais adiante veremos um exemplo menos trivial; entretanto, a técnica empregada na solução do Exemplo
5.3.1 é muito mais importante que sua solução. Para que não passe despercebida, vamos (como G. Folland
em [8]), destacá-la na seguinte
Proposição 5.3.1. Suponha que {pn }∞ n=0 é uma sequência de polinômios tais que o grau de pn é exatamente
igual a n, para todo n ≥ 0. Então, todo polinômio de grau k, com k = 0, 1, . . . , é uma combinação linear de
p0 , p1 , . . . , pk .
Demonstração. Se f é um polinômio de grau k , escolha uma constante ck tal que ck pk tem o mesmo
coeciente dexk na expressão de f . Então, f −ck pk é um polinômio de grau k−1 e, portanto, podemos escolher
uma constante ck−1 tal que f −ck pk e ck−1 pk−1 têm o mesmo coeciente em x
k−1 ; portanto f −c p −c
k k k−1 pk−1
P k
tem grau k − 2 e procedemos indutivamente para escolher constantes ck−2 , . . . , c0 tais que f − j=0 j pj = 0.
c
Pk
Desta forma, f = j=0 cj pj , e a demonstração está completa.
Observação 5.3.1. O resultado da Proposição anterior é bastante conhecido e sua demonstração decorre
imediatamente de argumentos utilizados em disciplinas de Álgebra Linear básica: o conjunto {p0 , p1 , . . . , pk }∪
{f } no espaço vetorial dos polinômios de grau ≤ k é linearmente dependente e, portanto, existem constantes
a0 , a1 , . . . , ak tais que f = a0 p0 + a1 p1 + · · · + ak pk . Esse argumento é legítimo, mas a determinação de
a0 , a1 , . . . , ak pode ser muito trabalhosa. Por essa razão, preferimos o argumento utilizado na solução do
Exemplo 5.3.1. ♣
Os Polinômios de Legendre também podem ser denidos como soluções de equações diferenciais lineares.
Os próximos resultados tratam desta questão e foram tomados do livro de G. Folland [8].
Demonstração. Seja g(x) = [(1 − x2 )Pn0 (x)]0 . Como Pn0 tem grau n − 1, g tem grau n. De (5.3.3), temos
1 · 3 · 5 · · · (2n − 1) n (2n)! n
Pn (x) = x + ··· = n x + ···
n! 2 (n!)2
107
Portanto, o coeciente de xn no polinômio de g + n(n + 1)Pn é igual a zero e, assim, g + n(n + 1)Pn é um
polinômio de grau n − 1. Portanto, existem constantes c0 , c1 , . . . , cn−1 tais que
n−1
X
g(x) + n(n + 1)Pn (x) = [(1 − x2 )Pn0 (x)]0 + n(n + 1)Pn (x) = cj Pj (x).
j=0
Z 1
hg, Pj i = [(1 − x2 )Pn0 (x)]0 Pj (x) dx.
−1
Integrando por partes duas vezes, os termos de fronteira se anulam (pois x2 − 1 = 0 para x = ±1) e obtemos
Z 1
hg, Pj i = Pn (x)[(1 − x2 )Pj0 (x)]0 dx.
−1
Como [(1 − x2 )Pj0 (x)]0 é um polinômio de grau j , ele é combinação linear de P0 , P1 . . . , Pj e, portanto,
ortogonal a Pn . Assim, cj = 0 para todo j . Logo,
[(1 − x2 )y 0 ]0 + λy = 0 (5.3.6)
0 0
Pn+1 (x) − Pn−1 (x) = (2n + 1)Pn (x).
d
[2(n + 1)x(x2 − 1)n ] = 2(n + 1)[(x2 − 1)n + 2nx2 (x2 − 1)n−1 ]
dx
e escrevendo x2 = (x2 − 1) + 1, reescrevemos
d2 2
(x − 1)n+1 = 2(n + 1)(2n + 1)(x2 − 1)n + 4(n + 1)n(x2 − 1)n−1 .
dx
Pela Formula de Rodrigues (5.3.5), temos
1 dn−1 d2 2
Pn+1 (x) = (x − 1)n+1
2n+1 (n + 1)! dxn−1 dx2
(2n + 1) dn−1 2 1 dn−1 2
= (x − 1) + (x − 1)n−1
2n n! dxn−1 2n−1 (n − 1)! dxn−1
(2n + 1) dn−1 2
= (x − 1) + Pn−1 (x).
2n n! dxn−1
108
Derivando ambos os lados e usando mais vez a Formula de Rodrigues, concluímos que
0 0
Pn+1 (x) = (2n + 1)Pn (x) + Pn−1 (x),
Vamos nalmente obter o conjunto ortonormal dos polinômios de Legendre. Para isso, precisamos calcular
a norma de cada polinômio, cujo valor é dado pelo seguinte
2
kPn k2 = . (5.3.8)
2n + 1
Demonstração. Primeiramente, vamos completar a demonstração de que {Pn }∞
n=0 é um conjunto ortogonal.
Para isso, vamos usar a Formula de Rodrigues: Para qualquer função f : [−1, 1] → C de classe C n , temos
1 1
dn
Z Z
n
2 n!hf, Pn i = f (x) n (x2 − 1)n dx = (−1)n f (n) (x)(x2 − 1)n dx.
−1 dx −1
Isso segue imediatamente usando integração por partes n vezes e o fato que as derivadas de Pn até ordem
n − 1 são nulas em −1 e 1, já que (x−2 = (x − 1)n 1)n (x
+ 1)n tem derivadas nulas até ordem n − 1.
Se f é um polinômio de grau menor que n, então f
(n) ≡ 0 e, portanto, hf, Pn i = 0. Isso é verdadeiro
para f = P0 , P1 , ..., Pn−1 ; assim, Pn é ortogonal a todo Pk com k < n. Usando o mesmo raciocínio com os
papeis de n e k invertidos, obtemos hPn , Pm i = 0 para todo m > n. Logo, os polinômios Pn são dois a dois
ortogonais.
Se f = Pn , f (n) (x) = 1 · 3 · 5 · · · · (2n − 1) e portanto
a formula (5.3.3) mostra que
1 · 3 · 5 · · · · (2n − 1) 1
Z
2
kPn k = (1 − x2 )n dx.
2n n! −1
√
Efetuando a mudança x = y e usando as propriedades das funções Beta e Gama, obtemos
Z 1 Z 1 Z 1
Γ(n + 1)Γ(1/2)
2 n
(1 − x ) dx = 2 2 n
(1 − x ) dx = 2 (1 − y)n y −1/2 dy =
−1 0 √ 0 Γ(n + 3/2)
n! π n! 2n+1 n!
= = 1 3 = .
Γ(n + 3/2) ( 2 )( 2 ) . . . (n + 12 ) 1 · 3 · 5 . . . (2n + 1)
Substituindo, obtemos
2
kPn k2 = ,
2n + 1
o que completa a demonstração.
Nota: Lembrar que a funções Beta e Gama são denidas por
Z 1 Z ∞
B(p, q) = (1 − x)p−1 xq−1 dx e Γ(α) = tα−1 e−t dt,
0 0
Γ(p)Γ(q) √
B(p, q) = , Γ(α + 1) = αΓ(α) e Γ(1/2) = π.
Γ(p + q)
Concluindo, a série de Fourier-Legendre de uma função f : [−1.1] → R é dada
∞
X
f∼ cn Pn , (5.3.9)
n=0
109
onde Pn são os polinômios de Legendre denidos por (5.3.1) ou (5.3.5) e
Z 1
2n + 1
cn = f (x)Pn (x) dx. (5.3.10)
2 −1
Escrevendo
∞
X Pn
f∼ (kPn kcn )
kPn k
n=0
1 ∞
2|cn |2
Z X
|f (x)|2 dx = .
−1 2n + 1
n=0
Para analisar a convergência puntual da série de Fourier-Legendre num ponto especíco x ∈ [−1, 1] ou
sua convergência uniforme num subintervalo de [−1, 1], procedemos como zemos anteriormente para tratar
dessas questões na série de Fourier. Primeiro escrevemos uma soma parcial sn como
n n Z 1 n Z 1
X X (2k + 1)Pk (x) X Pk (x)Pk (t)
sn (x) = ck Pk (x) = f (t)Pk (t) dt = f (t) (2k + 1) dt.
2 −1 −1 2
k=1 k=1 k=1
é chamada núcleo de Fourier-Legendre de ordem n. Essas funções têm propriedades muito semelhantes aos
núcleos de Dirichlet estudados anteriormente. Uma delas é a identidade de Christofel-Darboux
n + 1 Pn+1 (x)Pn (t) − Pn (x)Pn+1 (t)
Ln (t, x) = .
2 t−x
Operando com os núcleos de Fourier-Legendre da mesma forma que zemos com os núcleos de Dirichlet,
podemos demonstrar o seguinte
1 se 0≤x≤1
f (x) =
−1 se −1≤x<0
em série de Fourier-Legendre.
Solução. 1
R1
Vamos calcular cn . Como P0 (x) = 1, temos c0 = 2 −1 f (x) dx = 0, pois f é uma função ímpar.
Da mesma forma, como P1 (x) = x,
Z 0 Z 1
3 3
c1 = (−1)x dx + x dx = .
2 −1 0 2
110
Para n ≥ 2, de (5.3.7), temos
Z 1 Z 0 Z 1
2
cn = f (x)Pn (x) dx = (−1)Pn (x) dx + (+1)Pn (x) dx
2n + 1 −1 −1 0
1 1
=− [Pn+1 (x) − Pn−1 (x)]|0−1 + [Pn+1 (x) − Pn−1 (x)]|10
2n + 1 2n + 1
1
= {−[Pn+1 (0) − Pn−1 (0)] + [Pn+1 (−1) − Pn−1 (−1)] − [Pn+1 (0) − Pn−1 (0)]}
2n + 1
1 2
= {−2[Pn+1 (0) − Pn−1 (0)] − [(−1)n+1 − (−1)n−1 ]} = − [Pn+1 (0) − Pn−1 (0)]
2n + 1 2n + 1
uma vez que Pn+1 (1) = Pn−1 (1) = 1 e Pk (−1) = (−1)k .
De (5.3.2), sabemos que Pk (0) = 0 se k é ímpar e P2k (0) = (−1)k 1·3·5····(2k−1)
2k k!
. Logo, an = 0 se n é par e
se n = 2k + 1, com k = 1, 2, . . . , então
c2k+1 = −[P
2(k+1) (0) − P2k (0)]
k+1 1 · 3 · 5 · · · · (2k + 1) k 1 · 3 · 5 · · · · (2k − 1)
= − (−1) − (−1)
2k+1 (k + 1)! 2k k!
1 · 3 · 5 · · · · (2k − 1) 2k + 1
= (−1)k 1+
2k k! 2(k + 1)
1 · 3 · 5 · · · · (2k − 1)
= (−1)k (4k + 3).
2k+1 (k + 1)!
Logo,
∞
1 X 1 · 3 · 5 · · · · (2k − 1)
f ∼ P1 (x) + (−1)k (4k + 3)P2k+1 (x)
2 2k+1 (k + 1)!
k=1
é a série de Fourier-Lgendre de f. ♣
Exemplo 5.3.3. Uma importante aplicação do desenvolvimento de uma função em série de Fourier-Legendre
é a solução do seguinte problema de Dirichlet: determinar uma função contínua u denida na bola fechada
B = {(x, y, z) ∈ R3 : x2 + y2 + z2 ≤ 1} que satisfaz a equação de Laplace
∞
X
f (φ) = γn Pn (cos φ);
n=1
∞
X
u(r, φ) = γn rn Pn (cos φ),
n=1
p
onde r = x2 + y 2 + z 2 .
Solução. Em coordenadas esféricas
com r ∈ [0, ∞), θ ∈ [0, 2π] φ ∈ [0, π], o Laplaciano de u é dado por
e
∂2u
1 ∂ 2 ∂u 1 1 ∂ ∂u
∆u = 2 r + 2 + 2 sen φ .
r ∂r ∂r r sen2 φ ∂θ2 r sen φ ∂φ ∂φ
111
Uma solução de ∆u = 0 que não depende de θ satisfaz a equação
∂ 2 ∂u 1 ∂ ∂u
r + sen φ = 0.
∂r ∂r sen φ ∂φ ∂φ
Vamos usar o método de separação de variáveis escrevendo u(r, φ) = R(r)V (φ). Substituindo, concluímos
que existe um constante λ tal que
d 2 dR d dV
(I) r = λR(r) e (II) sen φ = −λV (φ) sen φ.
dr dr dφ dφ
A constante λ, bem como as funções R e V podem, a priori, ser complexas. Se (λ, R) é solução de (I),
então, multiplicando (I) por R e integrando em [0, r] usando integração por partes, obtemos
Z r Z r Z r
2 d 2 dRdR(r) r 2R(r) dR(r)
λ |R(r)| dr = r R(r) dr = r R(r) |0 − r2 dr
0 0 dr dr dr 0 dr dr
2
Z r Z r 2
r2 d 2 R(r) r2 d 2 2 R(r)
= [R(r)R(r)] − r dr = |R(r)| − r dr.
2 dr dr 2 dr dr
0 0
dV dy ds dy
= = sen φ
dφ ds dφ ds
dy
e, assim, sen φ dV
dφ = ds sen2 φ. Derivando, obtemos
d2 y
d dV dy
sen φ = 2 sen3 φ + 2 sen φ cos φ
dφ dφ ds ds
d2 y dy
2
sen3 φ + 2 sen φ cos φ = −λy(s) sen φ
ds ds
e, dividindo por sen φ, concluímos que se −1 < s < 1, então
d2 y dy
(1 − s2 ) − 2s + λy(s) = 0,
ds2 ds
que também pode ser escrita na forma
onde
0 indica a derivada 0 = d
ds .
A equação assim obtida é uma equação de Legendre da forma (5.3.6). Como o polinômio de Legendre
Pn satisfaz
[(1 − x2 )Pn0 (x)]0 + n(n + 1)Pn (x) = 0,
para todo x ∈ (−1, 1), uma escolha possível é λ = n(n + 1) e y(s) = Pn (s), onde n ≥ 0 é um número inteiro.1
A
2 0
escolha λ = 0 implica que existe uma constante real A tal que (1 − s )y (s) = 2A, cuja solução é
112
onde AeB são constante arbitrárias. Em correspondência, as soluções da equação (I) com λ=0 são dadas
C
por R(r) = r + D, onde C e D são constantes arbitrárias.
Assim, o valor λ=0 produz a solução u(r, φ) = ( Cr + D)(A ln(sen φ) + B) da equação original. Todavia,
para que essa solução seja limitada em (0, 1] × (0, π) é necessário que A = C = 0 e, portanto, u é constante,
digamos u0 (r, φ) = 1.
Vamos agora examinar os valores λn = n(n + 1), com n ≥ 1 inteiro. Já temos uma solução V (φ) =
Pn (− cos φ) = (−1)n P n (cos φ) da equação (II). A correspondente solução de (I) deve ser solução da equação
em [0, 1]. Esta última é uma equação de Cauchy-Euler e, como tal, admite soluções da forma R(r) = rα ,
onde (substituindo) α satisfaz α(α − 1) + 2α − n(n + 1) = 0. Isso implica que α = n ou α = −(n + 1). Assim,
a solução geral de (I) para λ = n(n + 1) é
R(r) = C1 rn + C2 r−(n+1)
para todo r ∈ (0, 1], onde C1 e C2 são constantes arbitrárias. Entretanto, para que essa solução seja limitada
em (0, 1], devemos tomar C2 = 0 e, assim, podemos escolher Rn (r) = rn .
Portanto, para cada n ≥ 1 inteiro, a função un (r, φ) = (−1)n rn Pn (cos φ) é uma solução da equação
original ∆u = 0 no interior de B e, portanto,
∞
X
u(r, φ) = (−1)n an rn Pn (cos φ)
n=0
é uma solução da equação original, para quaisquer constantes an ∈ R. Para que u(r, φ) satisfaça a condição
de fronteira u(1, φ) = f (φ), devemos tomar an tais que
∞
X
f (arccos(−x)) = (−1)n an Pn (x).
n=0
Isso implica que (−1)n an = γn são o coecientes de Fourier-Legendre de f (arccos(−x)) em relação à base
ortonormal de {Pn }∞
n=0 . Isso encerra a discussão do Exemplo. ♣
Usando o processo de Gram-Schmidt discutido no Teorema 5.2.4 combinado com o produto interno denido
em L2w [a, b] com uma função peso w, é possível construir uma innidade de conjuntos ortonormais completos
de
2 2 n
polinômios em Lw [a, b]: basta ortogonalizar o conjunto linearmente independente {1, x, x , . . . , x , . . . }
com relação ao produto interno
Z b
hf, gi = w(x)f (x)g(x) dx.
a
A seguir, veremos alguns exemplos. Em primeiro lugar, o que deu origem a esse texto:
113
de Legendre {P0 , P1 , . . . , Pn }. Portanto, {Tn }∞
n=0 é uma base ortogonal de L2w [−1, 1]. Uma função geradora
dos polinômios de Chebyshev é dada por
∞
1 − tx X
2
= Tn (x)tn ,
1 − 2xt + t
n=0
1 2 2
Hn (x) = √ ex [e−x ](n) . ♣
2n n!π
Exemplo 5.4.4. Para a = 0, b = ∞ e w(x) = e−x , obtemos os polinômios de Laguerre Ln , que podem ser
denidos pela fórmula
1 x n −x (n)
Ln (x) = e [x e ] . ♣
n!
Todos esses conjuntos de polinômios são exemplos de conjuntos ortonormais no espaço L2w apropriado.
114
Capítulo 6
6.1 Introdução
Lembremos que uma função f : [a, b] → C é contínua por partes se ela é contínua em todos os pontos de [a, b],
com a exceção de um número nito deles, nos quais os limites laterais de f existem. Mais precisamente,
Denição 6.1.1. Dizemos que f : [a, b] → C é contínua por partes se existem a ≤ x1 < x2 < · · · < xN ≤ b
tais que
(i) f é contínua em x0 , qualquer que seja x0 6= xk , 1 ≤ k ≤ N ;
(ii) para todo 1 ≤ k ≤ N , os limites laterais
existem. Se x1 = a e/ou xN = b, exigimos apenas a existência dos limites laterais à direita e/ou à esquerda
f (a+) e/ou f (b−), respectivamente.
Claramente, toda função contínua por partes é limitada e, portanto, integrável em [a, b]. Também, a
soma e o produto de funções contínua por partes resultam funções contínuas por partes; em particular, o
conjunto
CP [a, b] = {f : [a, b] → C : f é contínua por partes}
é um espaço vetorial. Se as funções são reais,CP [a, b] é um espaço vetorial real. Se f é contínua em todos
os pontos de [a, b],f obviamente satisfaz as condições da Denição 6.1.1 e concluímos que C[a, b] é um
então
subespaço vetorial de CP [a, b].
Dadas duas funções f e g em CP [a, b], a formula
Z b
hf, gi = f (x)g(x) dx (6.1.1)
a
dene uma aplicação bilinear em CP [a, b] que satisfaz todas as propriedades de um produto interno em
CP [a, b], exceto a seguinte:
f 6= 0 implica hf, f i > 0.
A razão é que funções que são nulas em todos os pontos de[a, b] exceto num número nito deles tem integral
zero. Entretanto, essa formula dene um produto interno no subespaço C[a, b], de acordo com o seguinte
Uma forma de tornar (6.1.1) um produto interno em CP [a, b] é sugerido pela soma da série de Fourier e
consiste em considerar somente funções f ∈ CP [a, b] com a propriedade que
1
f (x) = [f (x+) + f (x−)] para todo x ∈ (a, b), f (a) = f (a+), f (b) = f (b−).
2
115
Exercício 6.1.2. Suponha que f ∈ CP [a, b] satisfaz propriedade anterior e que f (x0 ) 6= 0. Mostre que
existe um intervalo I contendo x0 tal que |f (x)| > 0 para todo x ∈ I e portanto hf, f i > 0.
Com esse entendimento, o espaço CP [a, b] munido da distancia d(f, g) = kf − gk, onde
Z b
kf − gk2 = |f (x) − g(x)|2 dx (6.1.2)
a
é a norma induzida pelo produto interno (6.1.1), parece ser um bom espaço de funções para estudar desen-
volvimentos de funções em séries de funções ortogonais. Entretanto, ele padece de um problema muito sério:
sequências de Cauchy em CP [a, b] podem não ser convergentes. Eis um exemplo:
0 ≤ x ≤ n1
0 se
fn (x) = 1 1
x1/4
se
n < x ≤ 1.
1
Cada fn é contínua em todos os pontos de [0, 1], exceto em xn = lim fn (x)
n , no qual temos x→x = 0,
n−
que tende a zero quando m, n → ∞. Assim, {fn } é uma sequência de Cauchy em CP [0, 1]; entretanto, para
cada x ∈ [0, 1], temos limn→∞ fn (x) = f (x), onde
0 se x=0
f (x) = 1
x1/4
se 0 < x ≤ 1,
que não pertence a CP [a, b] pois não é uma função limitada em [0, 1]. ♣
Outro exemplo extremo, admitindo que você tem conhecimento de que o conjunto dos números racionais
é enumerável.
Exemplo 6.1.2. Seja Q = {r1 , r2 , . . . , rn , . . . } uma enumeração dos números racionais do intervalo [0, 1] e
dena fn : [0, 1] → R por
0 se x ∈ {r1 , r2 , . . . , rn }
fn (x) =
1 se x∈/ {r1 , r2 , . . . , rn }.
Cada fn é contínua em todos os pontos de [0, 1], exceto em r1 , r2 , . . . , rn e em cada um deles temos
R1
limx→rk ± fn (x) = 1 e, portanto fn ∈ CP [0, 1] para todo n. Também, temos
0 fn (x) dx = 1 para todo
ne Z 1
kfn − fm k2 = |fn (x) − fm (x)|2 dx = 0,
0
n > m, então fn (x) − fm (x) = 0 exceto em rm+1 , . . . , rn . Assim, {fn }∞
pois se n=1 é uma sequência de Cauchy
em CP [0, 1]. Entretanto, não existe uma função g em CP [0, 1] para a qual a sequência converge. De fato,
um candidato natural para fazer o papel de g seria a função f : [0, 1] → R dada por
0 se x é racional
f (x) =
1 se x é irracional
116
Assim, precisamos rever todos nossos conceitos e é inevitável até a revisão do conceito de integral.
Felizmente, essas questões foram examinadas por H. L. Lebesgue que, em sua tese, em 1902, apresentou uma
extensão do conceito de integral e deu uma resposta satisfatória ao problema em tela. Não vamos aqui fazer
um estudo profundo de suas ideias, mas apenas recolher alguns resultados da teoria que serão de grande
utilidade.
Para nossos propósitos, não necessitamos conhecer a construção ou detalhes das propriedades da integral
de Lebesgue e tudo que precisamos é de algumas denições e alguns resultados importantes que vamos utilizar
sem demonstração.
Z b Z b Z b
1 2 2
|f (x)g(x)| dx ≤ |f (x)| dx + |g(x)| dx
a 2 a a
e, portanto, a integral
Z b
hf, gi = f (x)g(x) dx
a
é absolutamente convergente e (6.1.1) está bem denido para funções f e g em L2 [a, b].
Como no caso deCP [a, b], existe um pequeno problema com a positividade para hf, f i já que a condição
Rb
a |f | = 0 não implica que f é identicamente nula em [a, b], mas apenas que f = 0 em quase todo ponto. A
interpretação correta desta frase é a seguinte: dizemos que uma propriedade sobre números reais é verdadeira
para quase todo x se ela é verdadeira para todo x, exceto para aqueles que pertencem a um conjunto de medida
nula1 . A teoria da integral de Lebesgue mostra que se f ∈ L2 [a, b], então hf, f i = 0 se e somente se f (x) = 0
para quase todo x ∈ [a, b]. Desta forma, considerando como idênticas duas funções cujos valores diferem
apenas num conjunto de medida nula, obtemos f = 0. Essa noção mais fraca de igualdade é compatível com
aquela comumente empregada para funções e é a mais adequada em vários outros contextos.
Teorema 6.2.1. (i) O conjunto L2 [a, b] com a distancia d(f, g) = kf − gk dada por (6.1.2) é um espaço
completo;
f ∈ L 2 [a, b], existe uma sequência {fn }∞
(ii) Para toda n=1 de funções contínuas em [a, b] tais que kfn −
f k → 0 quando n → ∞;
(iii) As funções fn em (ii) podem ser tomadas como restrições a [a, b] de funções de classe C
∞ denidas
em todo R;
(iv) As funções fn em (iii) podem ser tomadas como restrições a [a, b] de funções (b − a)-periódicas de
classe C
∞ ou de funções de classe C ∞ que se anulam fora de um conjunto limitado.
No exemplo a seguir mostraremos uma possível aproximação de uma função em CP [a, b] por uma função
contínua.
Exemplo 6.2.1. Suponha que f é uma função em CP [a, b] cujo gráco tenha o aspecto da gura abaixo.
1
Dizemos que um subconjunto E de R tem medida nula se, para qualquer ε > 0, existe uma sequência de intervalos abertos
I1 , I2 , . . . , In , . . . , de comprimentos l1 , l2 , . . . , ln , . . . , tais que E ⊂ ∪∞
n=1 In e
P∞
n=1 ln < ε. Por exemplo, qualquer conjunto nito
ou enumerável E tem medida nula. O conjunto dos números racionais tem medida nula.
117
a x0 − δ x0 x0 + δ b x
Para cada δ>0 sucientemente pequeno, considere a função fδ : [a, b] → R denida por
|x − x0 | > δ
f (x), se
fδ (x) = f (x0 −δ)+f (x0 +δ) f (x0 +δ)−f (x0 −δ)
2 + 2δ (x − x0 ), se |x − x0 | ≤ δ.
O trecho do gráco de fδ x0 −δ e x0 +δ é a reta que passa pelo pontos (x0 −δ, f (x0 −δ) e (x0 +δ, f (x0 +δ)
entre
e portanto fδ é contínua em[a, b]. É imediato que se |f (x)| ≤ M em [a, b], então |fδ (x)| ≤ 2M em [a, b].
2 2
Usando a desigualdade (s − t) ≤ 2(s + t ), temos
2
Z x0 +δ 2
2
f (x0 − δ) + f (x0 + δ) f (x0 + δ) − f (x0 − δ)
kf − fδ k = f (x) − − (x − x 0 ) dx
x0 −δ
2 2δ
Z x0 +δ ( 2 2 )
f (x 0 − δ) + f (x 0 + δ) f (x0 + δ) − f (x0 − δ)
≤2 f (x) − + (x − x0 ) dx
x −δ
2 2δ
Z 0x0 +δ 2 8M 2 2δ 3
4M
≤2 2(4M 2 + 4M 2 ) + 2 |x − x0 |2 dx = 64M 2 δ + 2 ×
x0 −δ δ δ 3
208M 2 δ
= < 70M 2 δ.
3
√ 1
Portanto, kf − fδ k < 9M δ para todo δ > 0. Se tomarmos δ =
n , obtemos uma sequência de funções
9M
contínuas gn tais que kgn − f k < √ para todo n = 1, 2, . . . . ♣
n
Uma vez demonstrado que podemos aproximar uma função f ∈ CP [a, b] por uma função contínua g da
forma descrita no Exemplo 6.2.1, podemos agora aproximar g ∞
por funções de classe C . De fato, podemos
aproximar g por um polinômio utilizando o Teorema de Aproximação de Weierstrass (veja Teorema 6.4.2).
Essa aproximação é uniforme em todo o intervalo [a, b] e, portanto, é também uma aproximação de f na
norma de L2 [a, b]. denso em L2 [a, b] e demonstra,
Esse argumento mostra que o conjunto dos polinômios é
em particular, que o conjunto constituído pelos polinômios de Legendre é um sistema ortonormal completo
em L2 [−1, 1].
Da mesma forma, utilizando o Teorema 6.2.1 (iv), podemos aproximar uma função f ∈ L2 [−π, π] por
uma função 2π -periódica g ∞
de classe C ; como a série de Fourier de g converge uniformemente para g,
o truncamento desta última produz um polinômio trigonométrico TN que aproxima f 2
em L [−π, π]. Isso
demonstra que o sistema trigonométrico
1 sen x cos x sen 2x cos 2x
√ , √ , √ , √ , √ ,... ,
π π π π π
ou seu equivalente { √12π einx }n∈Z , são conjuntos ortonormais completos em L2 [−π, π].
118
e o produto interno e norma, respectivamente, por
Z b Z b
hf, gi = f (x)g(x)w(x) dx e kf k2w = |f (x)|2 w(x) dx.
a a
Segundo, podemos trocar o intervalo [a, b] por uma semi-reta ou mesmo toda a reta real e considerar
espaços com peso L2w [a, ∞), L2w (−∞, b] ou mesmo L2w (−∞, ∞). As denições são imediatas.
Indicando por D qualquer um dos conjuntos [a, b], [a, ∞), (−∞, b] ou (−∞, ∞), as conclusões nos Teorema
6.2.1 permanecem válidas. Para referência futura, vamos transcreve-lo no seguinte
A demonstração do Teorema de Weierstrass apresentada a seguir é uma re-leitura daquela de Anton R. Schep
em [20] e é essencialmente a mesma apresentada por K. Weierstrass em 1885.
Teorema 6.4.1. Seja f :R→R uma função limitada e uniformemente contínua. Para cada h > 0, dena
Sh f : R → R por
Z ∞
1 u−x 2
(Sh f )(x) = √ f (u)e−( h
)
du.
h π −∞
Então, Sh f é uma função de classe C∞ e converge uniformemente para f quando h → 0+, isto é,
Demonstração. Seja ε > 0. Como f é limitada e uniformemente contínua, existem M > 0 e δ > 0 tais
que|f (x)| ≤ M para todo x e |f (x1 ) − f (x2 )| ≤ ε/2 sempre que |x1 − x2 | ≤ δ . Usando o fato de que
R ∞ −z 2 √
−∞ e dz = π e a mudança u − x = hz , temos
Z ∞ Z ∞
1 u−x 2 1 2
√ e−( h
)
du = √ e−z h dz = 1,
h π −∞ h π −∞
Z ∞
1 u−x 2
f (x) = √ f (x)e−( h
)
du
h π −∞
e portanto
Z ∞
1 u−x 2
Sh f (x) − f (x) = √ [f (u) − f (x)]e−( h
)
dt.
h π −∞
119
√
εδ π
Seja h0 > 0 tal que h0 < 4M . Então, para todos x e 0 < h < h0 , temos
Z ∞
1 u−x 2
|Sh f (x) − f (x)| ≤ √ |f (u) − f (x)|e−( h ) du
h π Z−∞ Z
1 −( u−x 2 1 u−x 2
= √ )
|f (u) − f (x)|e h du + √ |f (u) − f (x)|e−( h ) du
h π Z |u−z|≤δ Z h π |u−x|≥δ
ε u−x 2 2M u−x 2
≤ √ e−( h ) du + √ e−( h ) du
2h π Z|u−x|≤δ h Z π |u−x|≥δ
∞
ε −( u−x 2 2M 2
≤ √ )
e h du + √ e−z h|z| dz
2h π Z−∞ h π Z|z|≥δ/h
∞
ε u−x 2 4M h 2
≤ √ e−( h ) du + √ |z|e−z dz
2h π −∞Z δ π |z|≥δ/h
ε 4M h ∞ −z 2
≤ + √ ze dz
2 δ π 0
ε 2M h ε ε
= + √ < + = ε.
2 δ π 2 2
Teorema 6.4.2. Seja f : [a, b] → R uma função contínua. Então, em [a, b], f é o limite uniforme de
∞
polinômios. Isto é, existe uma sequência de polinômios {pn }n=1 tal que
Z R
1 u−x 2
Sh0 f (x) = √ f (u)e−( h
)
du.
h0 π −R
Como a série
∞
2
X (−1)n
e−t = t2n
n!
k=0
N
√
2 X
−t (−1)n 2n εh0 π
e − t <
n! 4RM
k=0
2R u−x 2R
para |t| ≤ h0 . Assim, tomando |x| ≤ R e |u| ≤ R, temos t= h0 satisfaz |t| ≤ h0 e concluímos que
N √
(−1)n u − x 2n εh0 π
u−x 2 X
−( h0 )
e − < .
n! h0 4RM
k=0
Seja
N
1 X (−1)n R u − x 2n
Z
PN (x) = √ f (u) du.
h0 π n! −R h0
k=0
Então, PN é um polinômio de grau ≤ 2N . Vamos mostrar que |f (x) − PN (x)| ≤ ε para todo x ∈ [a, b]. De
120
fato, se x ∈ [a, b], |x| ≤ R e |f (x) − PN (x)| ≤ |f (x) − Sh0 f (x)| + |Sh0 f (x) − PN (x)|. Como
temos
N
1 Z R u − x 2n
Z RX
(−1)n
−( u−x )2 1
|Sh0 f (x) − PN (x)| = √ f (u)e h du − √ f (u) du
h0 π −R h0 π −R n! h0
k=0
N
" #
1 Z R (−1)n u − x 2n
u−x 2 X
= √ f (u) e−( h ) − du
h0 π −R n! h0
k=0
N
(−1)n u − x 2n
Z R
1 u−x 2 X
≤ √ |f (u)| e−( h ) − du
h0 π −R n! h0
√ k=0
1 εh0 π ε
≤ √ × 2RM × = ,
h0 π 4RM 2
ε ε
concluímos que se x ∈ [a, b], então |f (x) − PN (x)| ≤ 2 + 2 = ε, que completa a demonstração.
Corolário 6.4.1. Se f : [a, b] → R tem quadrado integrável, então existe um sequência de polinômios
{pn }∞
n=1 tais que
Z b
lim |f (x) − pn (x)|2 dx = 0.
n→∞ a
Demonstração. Seja f uma função em L 2 [a, b] e ε > 0. Então, existe uma função contínua g : [a, b] → R
tal que
b
ε2
Z
|f (x) − g(x)|2 dx <
a 4
∞
e existe uma sequência de polinômios {pn }n=1 tal que
Como Z b
|g(x) − pn (x)|2 dx ≤ (b − a) sup |g(x) − pn (x)|2
a a≤x≤b
b
ε2
Z
|g(x) − pn (x)|2 dx ≤ .
a 4
121
122
Capítulo 7
O Problema de Sturm-Liouville
7.1 Introdução
Em capítulos anteriores, tivemos contato com as bases ortogonais {sen nx} e {cos nx} para o espaço L2 (0, π)
quando procuramos as soluções dos problemas de valor de fronteira
e
u00 (x) + λ2 u(x) = 0, u0 (0) = u0 (π) = 0.
Da mesma forma, a base ortogonal {einx }∞
n=−∞ para L2 (−π, π) foi obtida considerando funções periódicas e
também como solução do problema de fronteira
Na realidade, existe uma classe muito ampla de problemas de valores na fronteira sobre um intervalo
[a, b] que conduzem a bases ortogonais de L2 [a, b]. O estudo de alguns desses problemas constitui o objetivo
do presente capítulo.
Inicialmente, vamos recordar alguns conceitos de álgebra linear em espaços de dimensão nita. Lembremos
que uma transformação linear T : Ck → Ck é auto-adjunta ou hermitiana se
hT a, bi = ha, T bi para todos a, b ∈ Ck .
Um dos resultados básicos de Álgebra Linear, conhecido como Teorema Espectral ou Teorema dos Eixos
Principais, arma que se T é autoadjunto, então existe uma base ortonormal de Ck constituída de autovetores
de T. O que faremos nessa Seção é estudar um resultado análogo deste teorema para operadores diferenciais
denidos em L2 (a, b).
Denição 7.2.1. Suponha que S : DS → L2 (a, b) e T : DT → L2 (a, b) são operadores lineares denidos em
certos subespaços DS e DT de L2 (a, b). Dizemos que S é o adjunto de T (ou que T é o adjunto de S ) se
(Em situações mais gerais, essas denições precisam ser mais elaboradas e envolvem os domínios DS e DT ;
para nossos propósitos, elas são sucientes.)
123
Agora, suponha que L é um operador diferencial de segunda ordem com coecientes reais da forma
L(f ) = rf 00 + qf 0 + pf,
onde r, q p são
e funções reais de classe C2 no intervalo [a, b]. Vamos admitir que o coeciente líder r é
não-nulo em [a, b] que, sem perda de generalidade, supomos r(x) > 0 para todo x ∈ [a, b]. (A existência
de pontos singulares onde r=0 complica consideravelmente nosso estudo; mais tarde, vamos considerar o
caso em que r seja nulo em um ou nos dois pontos extremos).
Tomando DL = C 2 [a, b], o espaço das funções de classe C 2 em [a, b], como o domínio de L, nos pergun-
tamos: qual o adjunto de L? Ao escrevermos a integral que dene hL(f ), gi, vamos mover as derivadas de f
para g usando integração por partes:
Z b Z b b
Z b
00 0 0 0 0
g|ba f (rg)0 a f (rg)00 dx;
(rf )g dx = rf − f (rg) dx = rf g − +
a a a
Z b Z b
0
(qf )g dx = qf g|ba − f (qg)0 dx.
a a
Como r, q e p são reais, temos
Z b
hL(f ), gi = (rf 00 + qf 0 + pf )g dx
Za b b (7.2.1)
f (rg)00 − (qg)0 + pg dx + rf 0 g − f (rg)0 + qf g a
=
a b
= hf, L∗ (g)i + r(f 0 g − f g 0 ) + (q − r0 )f g a ,
Observe que quando L é formalmente autoadjunto, o segundo termo de fronteira em (7.2.1) se anula: q(a) =
r0 (a) e q(b) = r0 (b). Essas observações constituem a demonstração da seguinte
Evidentemente, a discrepância entre adjunto formal e o adjunto de L é a presença dos termos de fronteira
em (7.2.4). Ela pode ser eliminada se restringirmos L a um domínio menor DL , consistindo de funções
que satisfazem condições de fronteira convenientes. É frequentemente apropriado impor duas condições de
fronteira independentes para as funções f no domínio de L da forma
Denição 7.2.3. Dizemos que as condições de fronteira (7.2.5) são autoadjuntas (relativamente ao operador
L = L(f ) = rf 00 + qf 0 + pf ) se
b
r(f 0 g − f g 0 ) a = 0
para todos f, g satisfazendo (7.2.5). (7.2.6)
124
Quase todas condições de fronteira que consideraremos são da forma
Condições de fronteira da forma (7.2.7) são chamadas separadas, uma vez que cada uma delas envolve
uma condição em exatamente um extremo.
Proposição 7.2.2. Condições de fronteira separadas são autoadjuntas (relativas a qualquer operador L).
Demonstração. Suponha que f e g satisfazem, em x = a, a condição
Vamos mostrar que a expressão r(a)(f 0 (x)g(x) − f (x)g 0 (x)) em (7.2.4) se anula em x = a. Isso é imediato
se α= 0, pois então f 0 (a) = g 0 (a)= 0. Se α 6= 0, reescrevemos a condição em x = a como f (a) = cf 0 (a) e
g(a) = cg 0 (a) e obtemos
Já temos todos os ingredientes para formular os problemas de valores na fronteira que consideraremos e
que nos permitirão construir bases ortogonais de L2 (a, b).
Denição 7.2.4. Um problema regular de Sturm-Liouville no intervalo [a, b] é especicado pelos seguintes
dados:
(i) um operador formalmente autoadjunto L denido por L(f ) = (rf 0 )0 + pf , onde r, r0 e p são reais e
contínuas em [a, b] e r(x) > 0 para x ∈ [a, b];
(ii) um conjunto de condições de fronteira autoadjuntas B1 (f ) = 0 e B2 (f ) = 0 para o operador L;
(iii) uma função contínua e positiva w : [a, b] → R.
O objetivo é encontrar todas as soluções f do problema de valores de fronteira
L(f ) + λwf = 0, isto é, [r(x)f 0 (x)]0 + p(x)f (x) + λw(x)f (x) = 0, a < x < b,
(7.2.8)
B1 (f ) = B2 (f ) = 0,
Como veremos, para a maioria dos valores de λ, (7.2.8) tem apenas a solução trivial f (x) ≡ 0 em [a, b]. Se
(7.2.8) tem solução não-nula, λ é chamado um autovalor do problema de Sturm-Liouville e as correspondentes
chamadas autofunções.
soluções não-nulas f são
1 Se f e g satisfazem (7.2.8), então qualquer combinação
125
cada subespaço Vλ tem dimensão menor ou igual a 2.
No próximo resultado, registramos as propriedades elementares de autovalores e autofunções do problema
(7.2.8), que mostram a importância das autofunções do ponto de vista de conjuntos ortogonais. Vamos
lembrar que se w>0 é uma função peso em [a, b], o produto interno com peso hf, giw é dado por
Z b
hf, giw = f (x)g(x)w(x) dx = hwf, gi = hf, wgi. (7.2.9)
a
(b) Autofunções correspondentes a autovalores distintos são ortogonais com relação à função peso w, isto
é, se f e g são autofunções correspondentes aos autovalores λ e µ, respectivamente, e λ 6= µ, então
Z b
hf, giw = f (x)g(x)w(x) dx = 0.
a
(c) Para todo autovalor λ, o autoespaço correspondente Vλ tem dimensão no máximo 2. Se as condições
de fronteira são separadas, então Vλ é sempre unidimensional.
λkf ||2w = hλwf, f i = −hL(f ), f i = −hf, L(f )i = hf, λwf i = λhf, wf i = λkf k2w ,
uma vez que f satisfaz condições de fronteira autoadjuntas. Como kf kw > 0, conlcuimos que λ = λ, isto é,
λ é real.
(b) Suponha que L(f )+λwf = 0 e L(g)+µwg = 0, com f e g não-nulas. Como acabamos de demonstrar,
λ e µ são reais e, como anteriormente,
λhf, giw = hλwf, gi = −hL(f ), gi = −hf, L(g)i = hf, µwgi = µhf, wgi = µhf, giw .
126
onde Z b
hf, φn i = f (x)φn (x)w(x) dx.
a
Exemplo 7.2.1. Considere L(f ) = f 00 em [0, 2π], com condições de fronteira periódicas
f (0) = f (2π), f 0 (0) = f 0 (2π).
1 cos nx sen nx
φ0 (x) = √ , φn (x) = √ , ψn (x) = √ ,
2π π π
são as normalizações das autofunções, é a base das séries de Fourier clássicas de funções f ∈ L2 [0, 2π].
Segue da última conclusão do Teorema 7.2.2 que, para toda função f 2
de classe C em [0, 2π] que satisfaz
f (0) = f (2π) e f 0 (0) = f 0 (2π), a série de Fourier de f,
∞
a0 X
+ [an cos nx + bn sen nx],
2
n=1
em que
Z 2π Z 2π
1 1
an = √ f (x) cos nx dx e bn = √ f (x) sen nx dx,
π 0 π 0
converge absoluta e uniformemente para f em [0, 2π], isto é,
N
a0 X
lim sup f (x) − − [an cos nx + bn sen nx] = 0.
N →∞ 0≤x≤2π 2
n=1
Obviamente, essas informações não são novas e apenas foram re-apresentadas para mostrar a utilização
de problemas de Sturm-Liouville para obter base ortonormais de L2 [0, 2π]. ♣
127
Exercício 7.2.1. Escreva a identidade de Parseval para o sistema ortonormal trigonométrico obtido acima.
Exemplo 7.2.2. Considere L(u) = u00 em [0, l], com condições de fronteira
Seja fazendo o cálculo diretamente ou utilizando a Proposição 7.2.2, é fácil vericar que temos em mãos
um problema de Sturm-Liouville regular em [0, l]. Em particular, os autovalores são reais.
Podeλ = 0 ser um autovalor? Se sim, então existe uma solução não-nula de u00 (x) = 0 tal que u(0) = 0
0 + hu(l) = 0. Isso implica u(x) = Ax + B , B = 0 e A + hAl = 0. Como 1 + hl 6= 0, temos u(x) ≡ 0;
e u (l)
portanto, λ = 0 não é autovalor.
Podeλ = −µ2 , com µ > 0 ser um autovalor? Se sim, então existe uma solução não-nula de u00 (x) −
µ2 u(x) = 0 tal que u(0) = 0 e u0 (l) + hu(l) = 0. Isso implica u(x) = C1 eµx + C2 e−µx com
C1 + C2 = 0 C2 = −C1
, i.e.
µ[C1 eµl − C2 e−µl ] + h[C1 eµl + C2 e−µl ] = 0 C1 [(µ + h)e2µl + (µ − h)] = 0.
h−µ
A segunda equação é equivalente a C1 = 0 ou e2µ` = h+µ . A gura abaixo mostra que não existem
autovalores tais que λ < 0.
h µ
h−µ
Figura 7.1: Grácos das funções f (µ) = h+µ (azul) e g(µ) = e2µ` (vermelho).
Logo, λ > 0. Escrevendo λ = µ2 , comµ > 0, a solução de u00 (x) + µ2 u(x) = 0 é u(x) = C1 cos µx +
C2 sen µx e as condições de fronteira implicam C1 = 0 e C2 (sen µl + hµ cos µl) = 0. Como queremos C2 6= 0,
devemos ter h sen µl + µ cos µl = 0.
Se h=0 (condição de Neumann em x = l), então os autovalores são
2
(2n − 1)π
λn =
2l
128
y
π 3π 5π
x= 2l x= 2l x= 2l
y = µ/h
µ1 µ2 µ
Figura 7.2: Grácos das funções f (µ) = tg(lµ) (vermelho) e g(µ) = µ/h (azul).
Z l Z l
1 2
bn [f ] = φ(x) sen(µn x) dx com kun k = sen2 (µn x) dx.
kun k2 0 0
No próximo exemplo, vamos usar o fato bem conhecido que a solução geral da equação de Euler-Cauchy
é dada por y = c1 xr1 + c2 xr2 , onde r1 e r2 são as raízes da equação r(r − 1) + ar + b = 0. (Se as
r r
raízes coincidem, r1 = r2 , a solução geral é y = c1 x 1 + c2 x 1 ln x.) Se r1 e r2 são não-reais, usamos
xiθ = eiθ ln x = cos(θ ln x) + i sen(θ ln x).
u(1) = 0, u(b) = 0.
129
√
−λ
√
−λ
√
Como o determinante ∆ = e(1−b) − e(b−1) = 2 senh((1 − b) −λ) 6= 0 (pois b > 1), segue-se que
c1 = c2 = 0 e, portanto, λ < 0 não pode ser autovalor de L.
Logo, λ > 0 e escrevendo λ = µ2 , com µ > 0, a solução de r2 + λ = 0 são r = ±iµ e a solução geral de
x2 u00 (x) + xu0 + λu(x) = 0 é dada por u(x) = c1 cos(µ ln x) + c2 sen(µ ln x). Agora, as condições de fronteira
kπ
implicam c1 = 0 e c2 sen(µ ln b) = 0. Para que u 6= 0, devemos ter sen(µ ln b) = 0 e, portanto, µ =
ln b ,
k = 1, 2, 3, . . . .
nπ 2
Assim, os autovalores são λn = ( ln b) e as autofunções são un (x) = sen( nπlnlnb x ), n = 1, 2, 3, . . . .
nπ ln x
Para normalizar un , vamos calcular sua norma. Mudando de variável
ln b = t, obtemos
Z b Z nπ
nπ ln x 1 ln b ln b
kun k2w = sen 2
dx = sen2 t dt = .
1 ln b x nπ 0 2
Portanto,
r
2 nπ ln x
φn (x) = sen
ln b ln b
são as autofunções normalizadas e λn = ( lnnπb )2 são os autovalores do problema dado. ♣
A título de exemplo, vamos determinar a série de Fourier da função g(x) = 1 em relação ao sistema {φn }.
Como
Z b Z br r
2 ln b nπ
Z
dx 2 nπ ln x dx
hg, φn iw = g(x)φn (x) = sen = sen t dt,
1 x 1 ln b ln b x ln b nπ 0
q
temos hg, φn iw = 0 se n é par e hg, φn iw = ln2b 2nπ
ln b
se n é ímpar. Logo, a série de Fourier de g é
∞
4X 1 (2n − 1)π ln x
g(x) ∼ sen .
π 2n − 1 ln b
n=1
A Identidade de Parseval é
Z b ∞ ∞
1 X 8 ln b X 1
ln b = g(x)2 dx = |hg, φn iw |2 = 2
.
1 x π (2n − 1)2
n=1 n=1
Aqui, L é o operador L(u)(x) = (xu0 )0 (x), 1 ≤ x ≤ b e w(x) = 1. Como x>1 e w(x) > 1/b para todo
x ∈ (1, b), temos um problema de Sturm-Liouville regular.
Do Teorema 7.2.1, já sabemos que λ é um número real e a mesma análise do Exemplo anterior mostra que
2
√ r +r+λ = 0
raízes reais de conduzem à solução nula. Portanto, 1 − 4λ < 0 e as raízes são r = 21 (−1 ± iµ),
onde µ = 4λ − 1.
Logo, a solução geral de x2 u00 (x) + 2xu0 + λu(x) = 0 é dada por
−1/2 µ ln x µ ln x
u(x) = x c1 cos + c2 sen .
2 2
Agora, as condições de fronteira implicam c1 = 0 e c2 b−1/2 sen(µ ln b/2) = 0. Para que u 6= 0, devemos
2kπ
ter sen(µ ln b/2) = 0 e, portanto, µ =
ln b , k = 1, 2, 3, . . . .
Logo, os autovalores são λn =
1 nπ 2 −1/2 sen( nπ ln x ), n = 1, 2, 3, . . . .
4 + ( ln b ) e as autofunções são un (x) = x ln b
130
nπ ln x
Agora, com a mudança de variável
ln b = t, obtemos
Z b Z nπ
nπ ln x 1 ln b ln b
kun k2w = sen 2
dx = sen2 t dt = .
1 ln b x nπ 0 2
Portanto,
r
2 −1/2 nπ ln x
φn (x) = x sen
ln b ln b
são as autofunções normalizadas
e λn =
1 nπ 2
4 + ( ln b ) são os autovalores do problema dado. Do Teorema 7.2.2,
∞
{φn }n=1 é um conjunto ortonormal completo de L2 [1, b]. ♣
Um comentário a respeito da demonstração do Teorema 7.2.2: os exemplos acima discutidos nos dão
uma indicação da maneira de obter os autovalores. Primeiro, determinamos duas soluções linearmente
independentes {y1 (·; λ), y2 (·; λ)} da equação (linear homogênea de segunda ordem)
e escrevemos sua solução geral na forma u(x) = c1 y1 (x; λ) + c2 y2 (x; λ), a < x < b, onde c1 e c2 são constantes
a serem determinadas. Aqui, a propriedade de que y1 (·; λ) e y2 (·; λ) dependem analiticamente de λ ∈ C (que
decorre da teoria básica de existência, unicidade, dependência contínua, analítica, etc) é usada em toda a sua
plenitude e mostra que os valores de λ devem procurados entre aqueles que se obtém impondo as restrições
B1 (u) = 0 e B2 (u) = 0. Dessas restrições, resulta uma equação ∆(λ) = 0, onde ∆ é uma função inteira,
isto é, uma função analítica em todo o plano complexo. Daí, resulta que suas raízes são todas isoladas e
têm multiplicidade nita (em nossos problemas, a multiplicidade é, no máximo, dois). Essa é a parte fácil
da demonstração do Teorema 7.2.2. Embora fundamental, esse argumento ainda deixa uma lacuna: por que
∆(λ) = 0 tem alguma solução? A resposta positiva a essa pergunta mostra a importância do resultado do
Teorema. Sua demonstração completa é estudada em disciplinas mais avançadas de Matemática e não será
discutida aqui.
Entretanto, é muito fácil obter limitação inferior dos autovalores, conforme a seguinte
Exemplo 7.2.5. Considere o problema de Sturm-Liouville (7.2.8) e suponha que as condições de fronteira
são separadas, de um dos seguintes tipos:
(i) y(a) = y(b) = 0 ou (ii) y 0 (a) = αy(a) e y 0 (b) = βy(b), com α≥0 e β ≤ 0.
Então, existe um número real m tal que λn ≥ m para todo autovalor λn de (7.2.8).
Z b
kyk2w = |y(x)|2 w(x) dx = 1.
a
1 1
Rb Rb
Seja k>0 tal que
k < w(x) < k . Então,
k a |y(x)|2 dx ≤ kyk2w ≤ k a |y(x)|2 dx.
Multiplicando a equação λw(x)y(x) = −[r(x)y 0 (x)]0 − p(x)y(x) por y(x) e usando integração por partes,
obtemos Z b Z b Z b
λ w(x)|y(x)|2 = −r(x)y 0 (x)y(x)|ba + r(x)|y 0 (x)|2 − p(x)|y(x)|2 dx,
a a a
isto é,
Z b Z b
λ=− p(x)|y(x)| dx + 2
r(x)|y 0 (x)|2 dx − r(b)y 0 (b)y(b) + r(a)y 0 (a)y(a).
a a
Z b Z b Z b Z b Z b
0 0 c
λ=− p(x)|y(x)| dx+ 2
r(x)|y (x)| dx ≥ −c 2 2
|y(x)| dx+ r(x)|y (x)| dx ≥ − + 2
r(x)|y 0 (x)|2 dx
a a a a k a
131
No caso (ii), temos
Z b Z b Z b
2 0 2 2 2 c
λ=− p(x)|y(x)| dx + r(x)|y (x)| dx − βr(b)|y(b)| + αr(a)|y(a)| ≥ − p(x)|y(x)|2 dx ≥ −
a a a k
Generalizações. A teoria de Sturm-Liouville pode ser generalizada para algumas equações de ordem su-
perior. Como um exemplo, consideremos o operador L(f ) = f (4) sobre um intervalo [0, l]. Um análogo da
identidade de Lagrange para L é
Z b
(∗) [f (4) (x)g(x) − f (x)g (4) (x)] dx = [f 000 g − f g 000 + f 0 g 00 − f 00 g 0 ]ba .
a
Para a equação de quarta ordem L(f ) − λf = 0 precisamos quatro condições de fronteira envolvendo f,
f 0 , f 00 e f 000 . Um tal conjunto de condições de fronteira é chamada autoadjunto se o lado direito de (*) se
anula quando ambas f e g satisfazem essas condições. Um exemplo de condições de fronteira autoadjuntas
é impor, em x=0 e em x = l, um par de qualquer uma das seguintes condições
f = f 0 = 0, f = f 00 = 0, f 0 = f 000 = 0, f 00 = f 000 = 0.
Uma vez escolhidas condições de fronteira autoadjuntas, podemos demonstrar os mesmos resultados do
Teorema 7.2.1. Em particular, os autovalores são reais e as autofunções correspondentes são ortogonais em
L2 [0, l]. Pode-se mostrar que o resultado análogo do Teorema 7.2.8 também é verdadeiro, isto é, o conjunto
dos autofunções constituem uma base ortonormal de L2 [0, l]. Como exercício, determine os autovalores e
autofunções do problema
u(4) (x) − λu(x) = 0, 0 < x < l
rf 00 + r0 f 0 + pf + λwf = 0
num intervalo fechado e limitado [a, b], no qual admitimos que as funções r, r0 , p e w fossem contínuas e que
r e w fossem estritamente positivas e mostramos que o conjunto de todas suas soluções formam um conjunto
ortogonal completo. Entretanto, em alguns exemplos práticos, essas hipóteses podem ser enfraquecidas, como
mostra o exemplo dos polinômios de Legendre e o das funções de Bessel, o que nos leva a discutir problemas
de Sturm-Liouville singulares. Especicamente, consideraremos as seguintes modicações:
(i) o coeciente líder r pode se anular em um ou nos dois pontos extremos de [a, b]. Além disso, a função
peso w pode se anular ou tender a innito em um ou nos dois pontos extremos e a função |p| pode tender a
innito em um ou nos dois pontos extremos de [a, b];
(ii) o intervalo [a, b] pode ser não limitado, isto é, a = −∞ e/ou b = ∞;
O primeiro problema é decidir que especie de condições de fronteira devemos impor. Como queremos
usar os conceitos de produto interno e ortogonalidade como no caso regular, queremos usar apenas soluções
de rf 00 + r0 f 0 + pf + λwf = 0 que tenham quadrado integrável. Entretanto, no caso (i) as soluções podem
não ter quadrado integrável pois elas podem car não limitadas em um ou nos dois pontos extremos de [a, b],
enquanto que no caso (ii) as soluções podem não ter quadrado integrável, pois não decaem a zero no innito.
Assim, devemos distinguir dois casos concernentes ao comportamento das soluções em cada um dos pontos
extremos; vamos considerar o extremo a.
Caso I . Todas as soluções de rf
00 + r0 f 0 + pf + λwf = 0 pertencem a L2w [a, c] para a < c < b. Neste caso,
impomos uma condição sobre o comportamento da solução, como, por exemplo, f (x) seja limitada quando
x → a+
132
Caso II. Nem todas as soluções pertencem a L2w [a, c]. Neste caso, não impomos nenhuma condição em a,
exceto a que automaticamente venha do problema em consideração, isto é, a solução pertença a L2w [a, c].
Em qualquer caso, exigimos que as condições impostas sejam autoadjuntas, isto é, se f e g satisfazem as
condições dadas, então os termos de fronteira na Identidade de Lagrange (7.2.4) se anulam. Mais precisa-
mente, como f e g podem ter singularidades em a e em b ou a e/ou b podem ser innito, essa exigência será
formulada como
h ib−
lim r(x)(f 0 (x)g(x) − f (x)g 0 (x)) = 0. (7.3.1)
δ,→0+ a+δ
para quaisquer funções de classe C2 que satisfazem as condições de fronteira discutidas acima. Portanto,
todos os resultados do Teorema 7.2.1 se aplicam ao problema de autovalores L(u) + λu = 0 e concluímos que
todos os autovalores são reais e que as autofunções correspondentes a autovalores distintos são ortogonais.
Quanto aos resultados do Teorema 7.2.8, a situação é diferente: não temos garantia de que existam
autofunções sucientes para formarem uma base ortonormal. Algumas vezes existem, algumas vezes não
existem. Quando existem, ainda é possível expandir uma função arbitrária em L2w [a, b] que satisfazem as
condições de fronteira em termos das autofunções, mas a expansão pode envolver uma integral em vez de
uma série.
A solução geral é
Nenhuma dessas soluções, para qualquer valor de λ, pertence a L2 (−∞, ∞), exceto a solução nula.
Entretanto, como veremos, qualquer f ∈ L2 (−∞, ∞) pode ser escrita como uma integral das funções eiνx
quando ν varia de −∞ a ∞, por meio da transformação de Fourier. Esse será um tópico a ser abordado
mais tarde.
Aqui temos r(x) = 1 − x2 se anula nos extremos do intervalo [−1, 1] e impomos a condição de que uma
solução y deve ser limitada quando x → 1− e x → −1+. A condição (7.3.1) aqui é trivialmente vericada
uma vez que
h i1−
lim (1 − x2 )(f 0 (x)g(x) − f (x)g 0 (x)) = 0,
δ,→0+ −1+δ
pois f e g são limitadas quando x → 1− e x → −1+. Logo, temos um problema de Sturm-Liouville singular
em [−1, 1]. Os autovalores são λn = n(n+1) e as autofunções correspondentes são os polinômios de Legendre
Pn (x), como vimos em capítulo anterior. Nesse caso, o conjunto {Pn }∞ 2
n=0 é uma base ortonormal de L [−1, 1].
No próximo Capítulo, vamos discutir um problema de Sturm-Liouville singular para uma equação de
Bessel
x2 f 00 (x) + xf 0 (x) + (x2 − ν 2 )f (x) = 0.
133
134
Capítulo 8
Funções de Bessel
8.1 Introdução
Ao considerar problemas de vibrações de uma membrana plana que ocupa uma região Ω ⊂ R2 , somos levados
a considerar a equação
com condição de fronteira como aquela acima referida e condição inicial u(x, y, 0) = u0 (x, y), (x, y) ∈ Ω.
Mostraremos que o método de separação de variáveis permite tratar esses dois problemas de uma forma
unicada. Se u(x, y, t) = v(x, y)T (t), (x, y) ∈ Ω e t ∈ R, a primeira equação se transforma em
e assim, existe uma constante a∈C tal que T 00 (t) = ac2 T (t) e vxx (x, y) + vyy (x, y) = av(x, y). Agora, a
∂v
transforma em α(x, y)v(x, y) + β(x, y)
condição de fronteira imposta ao problema se
∂N (x, y) = 0.
A equação para determinar T é nossa velha conhecida e suas soluções dependem da constante de separação
a. Portanto, a novidade que temos em mãos é estudar o problema
(x, y) ∈ Ω
(
vxx (x, y) + vyy (x, y) = av(x, y),
∂v
α(x, y)v(x, y) + β(x, y) (x, y) = 0, (x, y) ∈ ∂Ω
∂N
Até esse momento, não zemos nenhuma hipótese a respeito da região Ω. Entretanto, é conveniente
admitir que Ω é um aberto limitado, conexo e sua fronteira é uma curva fechada simples e de classe C 2. A
normal N que aparece na condição de fronteira é sempre tomada como a normal unitária exterior.
Para economizar notação, vamos escrever ∆u(x, y) = vxx (x, y) + vyy (x, y) = div∇u(x, y), chamado
Laplaciano de u. ∇2 u para o Laplaciano de u. Se v é solução de ∆v = av em Ω,
Alguns autores escrevem
então
2 2
multiplicando por v , obtemos a|v| = v∆v = div(v∇v) − |∇v| . Integrando em Ω, obtemos
ZZ ZZ ZZ
a |v(x, y)|2 dxdy = v(x, y)∆v(x, y) dxdy = [div(v∇v) − |∇v|2 ] dxdy.
Ω Ω Ω
135
Usando o Teorema do Divergente (ou Teorema de Green), a formula anterior pode ser escrita como
ZZ ZZ ZZ
2 2 ∂v
a |v(x, y)| dxdy = − |∇v(x, y)| dxdy + v(x, y) (x, y)ds.
Ω Ω ∂Ω ∂N
Isso indica que a é um número real e a ≤ 0. Se α e β são não nulas e tem o mesmo sinal (caso em que
chamamos de condição de fronteira de Robin), temos
ZZ ZZ ZZ
2 2 α(x, y)
a |v(x, y)| dxdy = − |∇v(x, y)| dxdy − |v(x, y)|2 ds
Ω Ω ∂Ω β(x, y)
e obtemos ainda a ≤ 0.
Vamos escrever a = −λ2 , onde λ ≥ 0 e vamos resumir as conclusões de nossa discussão no seguinte
algorítimo: Se (λ, v), com v não identicamente nula, é uma solução de
Assim, nosso problema é examinar as soluções do problema (8.1.1). Um resultado fundamental a respeito
(8.1.1), que não demonstraremos em sua generalidade, é que (8.1.1) tem uma innidade de soluções não-nulas.
Mais precisamente, temos
Teorema 8.1.1. Existe uma sequencia innita λ1 < λ2 ≤ λ3 , . . . , com λn → ∞ tal que se λ = λn , então
(8.1.1) tem solução não-nula n=1 é um conjunto ortonormal completo (também chamado
φn e o conjunto {φn }∞
uma base ortonormal) de L2 (Ω).
é a solução geral da equação das ondas. As constantes an e bn são determinadas de modo que u(x, y, 0) =
u0 (x, y) e ut (x, y, 0) = u1 (x, y). Resulta
ZZ ZZ
an = u0 (x, y)φn (x, y) dxdy e cλn bn = u1 (x, y)φn (x, y) dxdy,
Ω Ω
ZZ N
X
lim [f (x, y, t) − [an cos(cλn t) + bn sen(cλn t)]φn (x, y)]2 dxdy = 0,
n→∞ Ω n=1
para todo t ≥ 0.
Os valores de λ = λn para os quais (8.1.1) tem solução não-nula são chamados autovalores do operador
−∆ e uma solução correspondente φn é chamada uma autofunção do operador −∆. Para um dado λ, o
conjunto das soluções de (8.1.1) é um subespaço vetorial de C 2 (Ω), chamado auto-espaço correspondente a
λ.
136
Da mesma forma, de posse da informação contida no Teorema 8.1.1, a solução da equação do calor
ut = K∆u (K > 0), com condição inicial u0 e com a mesma condição de fronteira considerada no inicio é
dada por
∞
2
X
u(x, y, t) = bn e−Kλn t φn (x, y),
n=1
Assim, as soluções dos problemas para as equações da onda e do calor (e mais outras que não consi-
deraremos) podem ser tratadas de uma maneira unicada e só dependem do conhecimento dos autovalores
do problema (8.1.1). O estudo desse último depende, obviamente, da região Ω. Casos simples como o de
um retângulo podem ser considerados sem qualquer diculdade . O caso de um disco será considerado na
próxima seção e apresentará um ingrediente novo: a equação de Bessel.
SejaD = {(x, y) : x2 + y 2 < b2 } o disco de centro (0, 0) e raio b > 0. Em coordenadas polares, a equação
∆v + λ2 v = 0, (x, y) ∈ D, se escreve como
1 1
vrr + vr + 2 vθθ + λ2 v = 0
r r
com 0<r<b 0 ≤ θ ≤ 2π . A
e condição de fronteira se escreve na forma αv(b, θ) + βvr (b, θ) = 0, onde α e
β são constantes e 0 ≤ θ ≤ 2π .
Vamos aplicar o método de separação de variáveis tomando v = R(r)Θ(θ). Obtemos, apos multiplicar
por r2 , a equação
r2 R00 rR0 Θ00
+ + λ2 r 2 = − .
R R Θ
Assim, ambos os lados são iguais a uma constante, que designaremos por ν 2, e assim, chegamos às equações
Θ00 + ν 2Θ = 0, que já é bastante familiar, e
que é nova. A equação (8.2.1) pode ser ainda simplicada pela mudança de variável x = λr. Substituindo
R(r) = f (x),
x 2 x 0
λ2 f 00 (x) + λf (x) + (x2 − ν 2 )f (x) = 0,
λ λ
isto é,
Essa é a equação de Bessel de ordem ν . Ela e suas variantes têm diversas aplicações em Física e Engenha-
ria, especialmente em problemas que envolvam alguma simetria circular. As soluções da equação (8.2.2) são
chamadas funções de Besssel. A próxima seção contém uma exposição de algumas propriedades básicas das
funções de Bessel. Vamos retornar à solução do problema dos autovalores de −∆ mais tarde. Por enquanto,
contente-se com o fato de que devemos ter que ν precisa ser um número inteiro para que Θ seja 2π -periódica
e poderíamos nos contentar em estudar a equação de Bessel apenas para valores inteiros de ν - isso seria uma
perda muito grande. Vamos, portanto, na próxima seção considerar o caso geral ν ≥ 0.
137
8.3 Soluções da Equação de Bessel
Nessa seção vamos construir soluções da equação de Bessel por meio de série de potencias. Embora possamos
considerar que xeν sejam complexos, vamos considerar o caso real e sempre admitiremos que x > 0 e ν ≥ 0.
Inicialmente, lembremos que x = 0 é um ponto singular regular da equação (8.2.2). Para obter suas
soluções, empregamos o método de Frobenius escrevendo
∞
X
r
f (x) = x an xn , x > 0,
n=0
∞
X ∞
X ∞
X
n+r 0 n+r−1 00
f (x) = an x , f (x) = (n + r)an x , f (x) = (n + r)(n + r − 1)an xn+r−2
n=0 n=0 n=0
em (8.2.2), obtemos
∞
X
[(n + r)(n + r − 1)an xn+r + (n + r)an xn+r + an xn+r+2 − ν 2 an xn+r ] = 0.
n=0
∞
X ∞
X
n+r+2 r+2 r+3
an x = a0 x + a1 x + ··· = an−2 xn+r ,
n=0 n=2
∞
X
(r2 − ν 2 )a0 xr + [(r + 1) − ν 2 ]a1 xr−1 + {[(n + r)2 − ν 2 ]an + an−2 }xn+r = 0.
n=2
Para que a série de potências seja nula, seus coecientes devem ser todos nulos e assim obtemos as seguintes
equações
(I) (r2 − ν 2 )a0 = 0, (II) [(r + 1)2 − ν 2 ]a1 = 0, (III) [(n + r)2 − ν 2 ]an + an−2 = 0, para n ≥ 2.
Vamos primeiro considerar o caso ν > 0. Como admitimos que a0 6= 0, da equação (I) decorre
que r = ±ν . Suponhamos que r = ν (o outro caso será considerado a seguir). A equação (II) implica que
(2ν + 1)a1 = 0 e, portanto, devemos tomar a1 = 0. A equação (III) se escreve como
an−2
an = − , para n ≥ 2. (8.3.1)
n(n + 2ν)
a0 a2 a0
a2 = − , a4 = − = ,
2(2 + ν) 4(4 + 2ν) 2 · 4(2 + 2ν)(4 + 2ν)
e, em geral,
(−1)k (−1)k
a2k = = 2k .
2 · 4 . . . (2k)(2 + 2ν)(4 + 2ν) . . . (2k + 2ν) 2 k!(1 + ν)(2 + ν) . . . (k + ν)
∞
X (−1)k x2k+ν
f (x) = a0 , x > 0,
22k k!(1 + ν)(2 + ν) . . . (k + ν)
k=0
138
Vamos normalizar f fazendo a escolha de a0 como
1
a0 = ,
2ν Γ(ν + 1)
onde Γ(ν + 1) indica o valor da função gama em ν + 1. Da igualdade funcional Γ(z + 1) = zΓ(z) decorre que
∞
X (−1)k x 2k+ν
Jν (x) = , x > 0. (8.3.2)
k!Γ(k + ν + 1) 2
k=0
Uma aplicação simples do Critério da Razão mostra que, para todo x ∈ R, a série (8.3.2) é absolutamente
convergente e Jν (0) = 0 para todo ν > 0. A função Jν é chamada a função de Bessel (de primeira especie)
de ordem ν .
Quando r = −ν , as equações (II) e (III) se transformam em (1 − 2ν)a1 = 0 e n(n − 2ν)an = an−2 , n ≥ 2 e
temos problema em determinar an quando 2ν for um número inteiro. Se 2ν = 2k + 1 for um número inteiro
ímpar, a escolha a2k+1 = 0 é compatível com a equação resultante 0a2k+1 = an−2 = 0 e assim obtermos
a2k+1 = 0 para todo k ≥ 0. Se 2ν = 2k é um número inteiro par, o método não fornece nenhuma solução
e temos usar outro argumento - que será apresentado a seguir. Portanto, excluindo o caso em que ν é um
número inteiro, procedendo como zemos anteriormente, obtemos a2k+1 = 0 e
(−1)k (−1)k
a2k = = 2k .
2 · 4 . . . (2k)(2 − 2ν)(4 − 2ν) . . . (2k − 2ν) 2 k!(1 − ν)(2 − ν) . . . (k − ν)
∞
X (−1)k x 2k−ν
J−ν (x) = , x > 0, (8.3.3)
k!Γ(k − ν + 1) 2
k=0
∞ ∞
X (−1)k x 2k+n X (−1)k x 2k+n
Jn (x) = = , x > 0,
k!Γ(k + n + 1) 2 k!(k + n)! 2
k=0 k=0
∞ ∞
X (−1)k x 2k−n X (−1)n+m x 2m+n
J−n (x) = = , x > 0.
k!(k − n)! 2 m!(m + n)! 2
k=n m=0
Observe que a denição é equivalente a J−n (x) = (−1)n Jn (x), para todo n inteiro.
Falta apenas considerar o caso ν = 0. Nesse caso, a equação (I) tem r =0 como raiz dupla e só
obtemos a solução
∞ ∞
X (−1)k x 2k X (−1)k x 2k
J0 (x) = = , x > 0.
k!Γ(k + 1) 2 (k!)2 2
k=0 k=0
Para encontrar a outra solução, o leitor está convidado a consultar o parágrafo 5.8 do livro de W. E.
Boyce e R. C. DiPrima, para obter a solução
∞
" #
2 x X (−1)m+1 Hm x 2m
Y0 (x) = γ + ln J0 (x) + , x > 0,
π 2 (m!)2 2
m=1
139
onde
1 1 1
Hm = 1 + + + ··· +
2 3 m
e γ = limn→∞ (Hn − ln n) ≈ 0, 5772 é a constante de Euler-Mascheroni.
xν x−ν
Jν (x) ≈ e J−ν (x) ≈ para x ≈ 0.
2ν Γ(ν + 1) 2−ν Γ(−ν + 1)
Assim, a solução geral de (8.2.2) é f (x) = c1 Jν (x) + c2 J−ν (x), x > 0, onde c1 e c2 são constante arbitrárias.
y
1
h x
Quando n é um número inteiro, temos J−n (x) = (−1)n Jn (x), e Jn e J−n não são linearmente indepen-
dentes. Para contornar esse problema, vamos trocar a segunda solução J−ν pela função Yν , conhecida como
função de Weber1 ou função de Bessel de segunda especie, denida por
cos(νπ)Jν (x) − J−ν (x)
Yν (x) = . (8.3.4)
sen(νπ)
Como combinação linear de Jν e J−ν , Yν é uma solução da equação de Bessel (8.2.2). Também, Jν e Yν
são linearmente independentes e podemos usá-las como base de soluções da equação de Bessel para escrever
sua solução geral na forma f (x) = c1 Jν (x) + c2 Yν (x), x > 0, onde c1 e c2 são constantes arbitrárias. Observe
que quando ν é um número inteiro, a expressão (8.3.4) é indeterminada. Entretanto, pode-se mostrar (regra
de L'Hospital) que se n é um número inteiro e x 6= 0, então o limite de Yν , quando ν → n, existe e tem-se
Nas listas de exercícios da disciplina você terá oportunidade de calcular esse limite. A propriedade mais
importante de Yn é seu comportamento quando x → 0+, que é descrito por
(n − 1)! x −n
Yn (x) ≈ − quando x → 0 + (n = 1, 2, 3, . . . ),
π 2
2 x
Y0 (x) ≈ ln quando x → 0 + (n = 0).
π 2
Em vista de sua importância, vamos coletar a seguir algumas propriedades imediatas sobre funções de
Bessel de ordem inteira, que serão úteis mais tarde. São os seguintes: para todo inteiro n ≥ 0, Jn está
denida em (−∞, ∞) e temos
x n 1 1 x 2 1 x 4 1 x 6
Jn (x) = − + − + ...
2 0!n! 1!(n + 1)! 2 2!(n + 2)! 2 3!(n + 3)! 2
1 x 2 1 x 4 1 x 6
J0 (x) = 1 − + − + ...
(1!)2 2 (2!)2 2 (3!)2 2
x 1 1 x 2 1 x 4 1 x 6
J1 (x) = − + − + ...
2 0!1! 1!2! 2 2!3! 2 3!4! 2
1
Em homenagem ao matemático alemão Heinrich Weber (1842-1913).
140
1
J0 (0) = 1 , J00 (0) = 0 e J000 (0) = −1. J1 (0) = 0 , J10 (0) = e J000 (0) = 0.
2
Existem fórmulas que relacionam as diversas funções de Bessel entre si e com outras funções especiais;
algumas tem natureza algébrica e outras envolvem integrais ou séries innitas. Nessa seção, vamos discutir
algumas mais elementares e que serão úteis em nossos estudos.
Começamos com algumas identidades algébricas relacionando Jν e suas derivadas com as funções adja-
centes Jν−1 e Jν+1 : Para todos x e ν, temos
d −ν
x Jν (x) = −x−ν Jν+1 (x),
(8.4.1)
dx
d ν
[x Jν (x)] = xν Jν−1 (x), (8.4.2)
dx
xJν0 (x) − νJν (x) = −xJν+1 (x), (8.4.3)
Demonstração. Para demonstrar (8.4.1) e (8.4.2), usamos a série de potencias para Jν (x), efetuar as
derivadas indicadas e renomear o índice de soma. Para demonstrar (8.4.3) e (8.4.4), basta efetuar as derivadas
indicadas em (8.4.1) e (8.4.2)
√
k 1 k 1 3 1 1
2 Γ k+ =2 k− k− ... Γ = (2k − 1)(2k − 3) . . . (1) π,
2 2 2 2 2
temos
∞ 1 ∞
1/2 X 1/2
(−1)k x2k− 2 (−1)k x2k
X 2 2
J−1/2 (x) = −1/2 [2k k!][2k Γ(k + 1 )]
= = cos x.
2 2
πx (2k)! πx
k=0 k=0
Da mesma forma,
∞ 1 ∞
1/2 X 1/2
(−1)k x2k+ 2 (−1)k x2k+1
X 2 2
J1/2 (x) = 1/2 [2k k!][2k Γ(k + 1 + 1)]
= = sen x.
2 2
πx (2k + 1)! πx
k=0 k=0
Portanto,
1/2 1/2
2 2
J1/2 (x) = sen x e J−1/2 (x) = cos x.
πx πx
141
De (8.4.5) com ν = 1/2 e ν = −1/2, obtemos
1/2
1 2 sen x
J3/2 (x) = J (x) − J−1/2 (x) = − cos x
x 1/2 πx x
1/2
1 2 cos x
J−3/2 (x) = J1/2 (x) − J−1/2 (x) = − + sen x .
x πx x
Para registro,
1/2 1/2
2 sen x 2 cos x
J3/2 (x) = − cos x e J−3/2 (x) = − + sen x .
πx x πx x
1
Por aplicação repetida da formula de recorrência (8.4.5) concluímos que, se ν =n+ 2 , então
onde Pn e Qn são funções racionais. [Nota: dentre as funções de Bessel, as de ordem semi-inteiro são as
únicas funções elementares.]
y
3π
2 3π
π π 2π x
2
Figura 8.2: Grácos das funções J−1/2 (azul), J1/2 (vermelho), J−3/2 (laranja) e J3/2 (verde).
Tomando ν=0 em (8.4.2), obtemos J00 (x) = J−1 (x) = −J1 (x) para todo x ≥ 0.
O próximo grupo de resultados mostram como gerar as funções de Bessel de ordem inteira. A demons-
tração pode ser encontrada no livro de G. Folland [8], p. 134.
∞
X x n 1
Jn (x)z = exp z− . (8.4.7)
n=−∞
2 z
∞
X
Jn (x)einθ = eix sen θ .
n=−∞
Como o lado direito desta última igualdade é uma função 2π -periódica em θ e a expressão do lado esquerdo
é uma série de Fourier, concluímos que os coecientes Jn (x) na série devem ser os coecientes de Fourier da
função θ 7→ eix sen θ , isto é, para todo n ∈ Z, temos
Z π
1
Jn (x) = eix sen θ−inθ dθ. (8.4.8)
2π −π
142
Esta é uma nova formula para Jn , completamente diferente de sua denição original como série de
potencias e muito útil. Por exemplo, ela mostra imediatamente que |Jn (x)| ≤ 1 para todo x real:
π Z Z π
1 1
|Jn (x)| ≤ |eix sen θ−inθ | dθ = dθ = 1,
2π −π 2π −π
um fato nada evidente da série de potencias (8.3.2). Ela mostra também que as derivadas de Jn também são
todas limitadas: Z π
1
Jn(k) (x) = (i sen θ)k eix sen θ−inθ dθ.
2π −π
Como, para x real,
eix sen θ−inθ = cos(x sen θ − nθ) + i sen(x sen θ − nθ),
Rπ
e θ ∈ [−π, π] 7→ sen(x sen θ − nθ) é uma função ímpar, temos −π sen(x sen θ − nθ) dθ = 0 e, portanto,
Z π
1 π
Z
1
Jn (x) = cos(x sen θ − nθ) dθ = cos(x sen θ − nθ) dθ,
2π −π π 0
pois θ ∈ [−π, π] 7→ cos(x sen θ − nθ) é uma função par. Como J−n (x) = (−1)n Jn (x), temos
1 π
Z
Jn (x) = [cos(x sen θ) cos(nθ) + sen(x sen θ) sen(nθ)] dθ,
π 0
1 π
Z
n
(−1) Jn (x) = [cos(x sen θ) cos(nθ) − sen(x sen θ) sen(nθ)] dθ.
π 0
Se n é par, somamos essas duas expressões e dividindo por 2; se n é ímpar, subtraímos as expressões e
dividimos por 2, para obter a seguinte
1 π 2 π/2
Z Z
Jn (x) = cos(x sen θ) cos(nθ) dθ = cos(x sen θ) cos(nθ) dθ, se n é par,
π Z0 π Z0
1 π 2 π/2
Jn (x) = sen(x sen θ) sen(nθ) dθ = sen(x sen θ) sen(nθ) dθ, se n é ímpar.
π 0 π 0
A segunda igualdade é justicada notando que as funções integrandas têm grácos que são simétricos em
π
relação à reta x= 2 . Na gura, à esquerda, o gráco de y = cos(x sen θ) cos(nθ), com n =4 e n=6 e à
y y
1 1
π π x π π x
2 2
O tema que discutiremos nessa seção é a localização aproximada dos zeros das funções de Bessel, um problema
de fundamental importância nas aplicações. Para termos uma ideia do comportamento assintótico destas
funções quando x tende a innito, vamos examinar a função g(x) = x1/2 f (x), onde f é uma solução da
equação de Bessel
Substituindo
143
na equação (8.2.2) e multiplicando o resultado por x−3/2 , obtemos
1
00 4 − ν2
g (x) + g(x) + g(x) = 0.
x2
para x 1, com erro menor que Cx−3/2 . Assim, se pensarmos em Jν como uma aproximação para uma
onda amortecida da forma cosseno, então Yν é a correspondente onda seno amortecida.
Observação 8.5.1. Pode-se mostrar que a relação (8.5.2) continua valendo mesmo se ν é um número inteiro.
ν
Jν0 (x) = Jν−1 (x) − Jν (x)
x
e r r
2 (ν − 1)π π 2 νπ π
Jν−1 (x) = cos x − − + Eν−1 (x) = − sen x − − + Eν−1 (x).
πx 2 4 πx 2 4
Logo, para x ≥ 1, temos
r
2 νπ π
Jν0 (x) =− sen x − − + Ẽν (x),
πx 2 4
onde Ẽν (x) = Eν−1 (x) − xν Jν (x) satisfaz
1/2
Cν−1 2 |ν| |ν|Cν Cν0
|Ẽν (x)| ≤ + + ≤ .
x3/2 π x3/2 x5/2 x3/2
Em resumo, temos
144
Proposição 8.5.1. Para cada ν ∈ R, existe uma constante Cν0 tal que, se x ≥ 1, então
r
0 2 νπ π Cν0
Jν (x) = − sen x − − + Ẽν (x), onde |Ẽν (x)| ≤ 3/2 . (8.5.3)
πx 2 4 x
Para as aplicações que temos em mente, vamos precisar de uma razoável descrição de como se distribuem
as raízes das equações Jν (x) = 0 e cJν (x) + xJν0 = 0, onde c é uma constante real. Para tratar esse problema
de uma forma unicada, vamos estudar o problema de descrever os zeros positivos da equação
Proposição 8.5.2. Suponha que f é uma função real derivável que satisfaz
onde ε 1. Então, para todo inteiro n ≥ M, f tem um único zero zm em cada intervalo [mπ, (m + 1)π] e
|zm − (m + 21 π)| < 2ε.
1 1
f (x) = x̃1/2 Jν (x̃), com x̃ = x + νπ + π.
2 4
Como f 0 (x) = x̃1/2 Jν0 (x̃) + 12 x̃−1/2 Jν (x̃), as estimativas (8.5.1) e (8.5.3) mostram que |f (x) − cos x| e |f 0 (x) +
sen x| são menores que uma constante vezes x−1 e, portanto, podem ser tornadas tão pequeno quanto se
queira tomando x sucientemente grande. Assim, existe M > 0 tal que as soluções da equação Jν (x) = 0
1 3
com x > M ocorrem em pontos próximos de (m + ν + )π , onde m é um inteiro.
2 4
Um argumento análogo pode ser aplicado à função
1 1
f (x) = cx̃−1/2 Jν (x̃) + x̃1/2 Jν0 (x̃), com x̃ = x + νπ − π.
2 4
Por (8.5.3), o segundo termo em f (x) é aproximadamente sen(x + 12 π) = cos x e o primeiro é dominado por
x−1 por (8.5.1). Temos
1 1
f 0 (x) = − cx̃−3/2 Jν (x̃) + cx̃−1/2 Jν0 (x̃) + x̃−1/2 Jν0 (x̃) + x̃1/2 Jν00 (x̃).
2 2
145
Os três primeiros termos são dominados por x̃−1 e da equação de Bessel temos
de modo que
f 0 (x̃) = x̃1/2 Jν (x̃) + (termos de ordem x−1 ).
Estimativa (8.5.1) implica que f 0 (x) cos(x + 21 π) = − sen x. Portanto, a Proposição
é aproximadamente
0
8.5.2 pode ser aplicada a f para concluir que a função cJν (x̃) + x̃Jν (x̃) = x
1/2 f (x) tem zeros proximos dos
1 0
pontos (m + )π para valores grandes de m. Em outras palavras, cJν (x) + xJν (x) tem zeros aproximados
2
1 1
em (m + ν + )π para m sucientemente grande.
2 4
Permanece sem resposta a questão de localizar os zeros positivos intermediários de
0 (x).
aJν +bxJnu Vamos
nos contentar em obter um limitante inferior para o menor zero positivo destas funções sob a condição ν≥0
e a≥0 e b ≥ 0. (Os casos em que ν < 0, a < 0 ou b<0 não são frequentes nas aplicações.)
Proposição 8.5.3. Suponha que ν ≥ 0, a ≥ 0, b ≥ 0 e (a, b) 6= (0, 0). Se ων é o menor zero positivo de
aJν (x) + bxJν0 (x) = 0, então ων > ν .
Observação 8.5.2. O resultado da Proposição 8.5.3 é suciente para nossos propósitos, mas existem es-
timativas mais precisas para ων . Pode-se mostrar (ver paragrafo 15.3, p. 486 de George N. Watson [24])
que
p p
ν(ν + 2) < ων < 2(ν + 1)(ν + 3).
Assim, ων é da mesma ordem que ν. ♣
a sequencia dos zeros positivos de aJν (x) + bxJν0 (x). Então, λ1 > ν e temos:
1 3
λk ∼ k+M + ν+ π quando k → ∞.
2 4
1 1
λk ∼ k + M + ν + π quando k → ∞.
2 4
Vamos lembrar que a equação diferencial (8.2.1) da qual obtivemos a equação de Bessel é
e que todas as soluções desta equação são funções f (x) = g(λx), onde g satisfaz a equação de Bessel (i.e., a
equação (8.6.1) com λ = 1). Dividindo por x, (8.6.1) pode ser reescrita como
ν2
[xf 0 (x)]0 − f (x) + λ2 xf (x) = 0. (8.6.2)
x
146
Isto é uma equação do tipo das que compõem um problema de Sturm-Liouville que estudamos anterior-
mente, isto é, do tipo
ν2
(rf 0 )0 + pf 0 + λ2 wf = 0 onde r(x) = x, p(x) = − , w(x) = x.
x
Se considerarmos essa equação em um intervalo [a, b] com 0<a<b e impusermos condições de fronteira
da forma
αf (a) + α0 f 0 (a) = 0, βf (b) + β 0 f 0 (b) = 0,
obtemos um problema regular de Sturm-Liouville. As autofunções serão da forma
onde cλ e dλ devem ser escolhidos para que f satisfaça as condições de fronteira. Desta forma, obtemos
2
uma base ortonormal de Lw [a, b] consistindo de funções da forma (8.6.3), onde w(x) = x. Em geral, a
determinação dos autovalores λ e dos coecientes cλ e dλ podem envolver cálculos desagradáveis de realizar
e não vamos prosseguir nessa linha.
Mais importante e interessante é considerar a equação (8.6.2) em um intervalo [0, b] com a hipótese
ν ≥ 0. Nessas condições, o problema de Sturm-Liouville resultante ésingular, pois o coeciente líder r se
anula quando x = 0 e o coeciente p tende para −∞. Resulta que não é apropriado impor qualquer condição
0 0
de fronteira do tipo αf (a) + α f (a) = 0 em x = 0 - de fato, todas soluções são da forma (8.6.3) e tais funções
(e suas derivadas) são não limitadas quando x → 0 a menos que dλ = 0. Como em x = b podemos colocar
uma condição de fronteira daquelas que consideramos anteriormente, vamos, em denitivo, considerar, para
ν ≥ 0, o seguinte problema de Sturm-Liouville singular
ν2
xf 00 (x) + f 0 (x) − f (x) + λ2 xf (x) = 0, 0 < x < b,
x (8.6.4)
Segue-se que, se f é uma solução não-nula de (8.6.4), então existe uma constante não-nula c tal que
f (x) = cJν (λx) e, para que ela satisfaça a condição de fronteira βf (b) + β 0 f 0 (b) = 0, devemos ter
A equação (8.6.5) foi estudada no Teorema 8.5.2 e sabemos que ela tem uma innidade de soluções λn > 0
tais que λn → ∞ quando n → ∞. Cada raiz λn determina uma solução não-nula Jν (λn x) de (8.6.4) e são,
portanto, os autovalores e as autofunções do problema (8.6.4).
Vamos mostrar que autofunções f (x) = Jν (λn x) e g(x) = Jν (λk x) correspondentes a autovalores distintos
0 0 ν2
vericar que o operador L(f ) = (xf ) −
são ortogonais. Para isso, basta
x f satisfaz a condição
Z b h ib
hL(f ), gi − hf, L(g)i = [L(f )(x)g(x) − f (x)L(g)(x)] dx = xf 0 (x)g(x) − xf (x)g 0 (x) .
ε ε
A condição de fronteira em b implica bf 0 (b)g(b)−bf (b)g 0 (b) = 0. Em x = ε, temos εf 0 (ε)g(ε)−εf (ε)g 0 (ε) =
0 se ν=0 e se ν > 0, então f (ε), g(ε), εf 0 (ε), e εg 0 (ε) são limitadas por Cεν , então
quando ε → 0.
147
Observação 8.6.1. (a) λ=0 é um autovalor de (8.6.4) se e somente se β/β 0 = −ν/b. De fato, se λ = 0, a
equação de Bessel é uma equação de Euler
x2 y 00 + xy 0 − ν 2 y = 0
(b) Se β0 = 0 ou β/β 0 ≥ −ν/b, não existem autovalores negativos. Para a demonstração, consultar G.
Folland [8], p. 146.
Z b
kfk k2w = |fk (x)|2 x dx.
0
Para esse m, vamos a seguir enunciar alguns resultados que não demonstraremos. (Ver G. Folland [8]).
Como as autofunções são reais, retiramos os módulos nos enunciados.
b
b2 0 b2
Z
se Jν (λb) = 0, então Jν (λx)2 xdx = Jν (λb) = Jν+1 (λb)2 .
0 2 2
Z b 2
ν 2 b2 c2
b
se cJν (λb) + λJν0 (λb) = 0, então
2
Jν (λx) xdx = − 2+ Jν (λb)2 .
0 2 λ 2λ2
Agora podemos escrever uma quantidade imensa de conjuntos ortonormais de funções de Bessel denidas
em [0, b] obtidas dos problemas de Sturm-Liouville (8.6.4). Uma última pergunta crucial permanece: Esses
conjuntos ortonormais são bases? O Teorema estudado anteriormente não pode ser aplicado, uma vez que
no caso presente temos um problema singular. Entretanto, a resposta é sim, esses conjuntos ortonormais são
bases, mas a demonstração foge ao escopo dessas notas (Ver G. Watson [24]). Vamos registrar esses fatos no
seguinte
b2 (λ̃2k − ν 2 + c2 ) b2ν+2
kψk k2w = Jν (λ̃k )2 (k ≥ 1), kψ0 k2w = .
2λ̃2k 2ν + 2
148
Segue do Teorema 8.6.1 que, se f ∈ L2w [0, b], então f pode ser expandida em série de Fourier-Bessel
∞ Z b
X 1
f= ck φk , ck = f (x)φk (x) xdx
kφk k2w 0
n=1
ou em série de Dini ∞ Z b
X 1
f= dk ψk , dk = f (x)ψk (x) xdx.
kψk k2w 0
n=1
As séries convergem em norma de L2w [0, b], mas sob condições convenientes, elas também convergem
puntualmente ou uniformemente em [0, b]. Excluindo os extremos 0 e b, o comportamento destas séries é
como o da série de Fourier clássica: se f é contínua por partes em [0, b], então as duas séries convergem para
1
2 [f (x+) + f (x−)] para todo x ∈ (0, b). Uma vez que φk (b) = 0 no caso da condição de Dirichlet, temos
φk (0) = φ(b) = 0 e não podemos esperar convergência puntual nesses pontos a menos que f satisfaça a
mesma condição. A demonstração desses fatos pode ser encontrada em G. Watson [24].
Exemplo 8.6.1. Vamos retomar o Exemplo com que iniciamos essas notas, a saber, o problema de determinar
os autovalores de −∆ no disco D = {(x, y) : x2 + y 2 < b2 }, isto é, determinar as soluções não-nulas de
para 0 < r < b. Vamos tomar condições de fronteira impondo que R seja contínua em r=0 e, em r = b,
uma condição da forma αR(b) + α0 R(b) = 0, onde α 0
e α são constantes.
Não podemos usar essa expressão para decidir se λ = 0 é ou não um autovalor, pois as duas parcelas
se anulam quando λ = 0. Entretanto, como já vimos, quando λ = 0, a equação para R é uma equação de
n
Euler, cujas soluções são R(r) = c1 r + c2 r
−n , se n > 0 e R(r) = c + c ln r , se n = 0. Limitação de R numa
1 2
n
vizinhança de zero implica c2 = 0 em qualquer caso e a condição de fronteira em b implica αb + α nb
0 n−1 = 0.
0 0
Assim, λ = 0 é um autovalor de (8.1.1) se e somente se αb + α n = 0. Se α = 0 (condição de Dirichlet na
fronteira), então zero não é um autovalor e se α = 0 (condição de Neumann na fronteira), então λ = 0 é um
0
autovalor com correspondente autofunção constante, digamos, φ0 (r) = 1. Quando α e α tem mesmo sinal,
λ = 0 não é um autovalor.
Dos resultados do Teorema 8.5.2, sabemos também que o primeiro zero positivo da equação αJn (λb) +
α0 λJn0 (λb) = 0 satisfaz λb > n. Assim, se zero não é um autovalor de (8.1.1), então o menor autovalor
satisfaz λ1 ≥ λ10 /b, onde λ10 é o menor zero positivo de J0 .
Observe que o primeiro autovalor de (8.1.1) com condição de Dirichlet (α
0 = 0) corresponde a n=0 e
λ10 é simples e a primeira autofunção φ1 (x, y) = φ1 (r, θ) = J0 (λ10 r) é não-nula no interior de D.
Em resumo: os valores λ2 tais que o problema (8.1.1) tem solução não-nula pertencem ao conjunto
{λn,k : existe n≥0 tal que αJn (λn,k b) + α0 λJn (λn,k b) = 0}.
149
Cada autovalor tem multiplicidade dois, exceto o primeiro, e as autofunções correspondentes são dadas por
∞
X
f (r, θ) = Jn (λn,k r)[an,k cos nθ + bn,k sen nθ],
n,k=0
com os coecientes de Fourier-Bessel sendo calculados a partir da base ortonormal acima discutida.
Observação 8.6.2. Na tabela abaixo, apresentamos os cinco primeiros zeros λn,k da função de Bessel Jn (x)
quando n = 0, 1, . . . , 5.
k J00 (x) J10 (x) J20 (x) J30 (x) J40 (x) J50 (x)
1 3.8317 1.8412 3.0542 4.2012 5.3175 6.4156
2 7.0156 5.3314 6.7061 8.0152 9.2824 10.5199
3 10.1735 8.5363 9.9695 11.3459 12.6819 13.9872
4 13.3237 11.7060 13.1704 14.5858 15.9641 17.3128
5 16.4706 14.8636 16.3475 17.7887 19.1960 20.5755
Fonte: https://mathworld.wolfram.com/BesselFunctionZeros.html
Da primeira tabela acima, os primeiros nove zeros de Jn são, aproximadamente, λ0,1 = 2.40, λ1,1 =
3.83, λ2,1 = 5.14, λ0,2 = 5.52, λ3,1 = 6.38, λ1,2 = 7.02, λ4,1 = 7.59, λ2,2 = 8.42. Logo, as autofunções
correspondentes são
150
(a) u(r, θ) = J0 (λ0,1 r) (c) u(r, θ) = J2 (λ2,1 r) cos 2θ
(b) u(r, θ) = J1 (λ1,1 r) cos θ
Figura 8.3: As primeiras autofunções pares u(r, θ) = Jn (λn,k r) cos nθ do Laplaciano no disco unitário, com
condição de Dirichlet na fronteira.
151
(b) u(r, θ) = J1 (λ2,1 r) sen 2θ (c) u(r, θ) = J2 (λ2,1 r) sen 2θ
(a) u(r, θ) = J1 (λ1,1 r) sen θ
Figura 8.4: As primeiras autofunções ímpares u(r, θ) = Jn (λnk r) sen nθ do Laplaciano no disco unitário,
com condição de Dirichlet na fronteira.
152
Capítulo 9
Transformação de Fourier
9.1 Introdução
Vamos primeiro efetuar alguns cálculos para motivar o resultado nal. Suponha que f : (−∞, ∞) → C é
uma função. Para qualquer l > 0, podemos expandir f em série de Fourier no intervalo [−l, l] e queremos
saber o que acontece com essa expansão quando l → ∞. Para isso, vamos escrever a expansão de f : para
x ∈ [−l, l], temos
∞ Z l
1 X
f (x) = cn,l eiπnx/l , cn,l = f (y)e−iπxy/l dy.
2l n=−∞ −l
∞ Z l
1 X
f (x) = cn,l eiξn x ∆ξ, cn,l = f (y)e−iξn y dy.
2π n=−∞ −l
Suponhamos que f se anula rapidamente quando x → ±∞. Então, cn,l não muda muito se estendermos
o domínio de integração de [−l, l] para (−∞, ∞):
Z ∞
cn,l ≈ f (y)e−iξn y dy.
−∞
Essa última integral é uma função apenas de ξn , que indicaremos por fˆ(ξn ), e agora temos
∞
1 X ˆ
f (x) ≈ f (ξn )eiξn x ∆ξ (|x| < l).
2π n=−∞
Essa formula se parece muito com uma soma de Riemann. Se zermos l → ∞, temos ∆ξ → 0 e ≈ se
torna = e a soma se transforma numa integral:
Z ∞ Z ∞
1
f (x) = fˆ(ξ)eiξx dξ, onde fˆ(ξ) = f (x)e−iξx dx. (9.1.1)
2π −∞ −∞
Todo essa argumentação com integrais, limites, etc carecem de justicativas, são completamente não-
rigorosos, mas o resultado nal é correto se a função f satiszer certas condições. Esse é o tema central de
nossa discussão e os resultados serão demonstrados no seu devido tempo. A função fˆ é chamada transformada
de Fourier de f e (9.1.1) é chamado Teorema de Inversão de Fourier.
Denição 9.1.1. Se f : (−∞, ∞) → C é uma função absolutamente integrável, a função fˆ : (−∞, ∞) → C
denida por Z ∞
fˆ(ξ) = f (x)e−iξx dx
−∞
é chamada transformada de Fourier de f . Da mesma forma, se g : (−∞, ∞) → C é absolutamente integrável,
a função Z ∞
1
ǧ(x) = g(ξ)eiξx dξ
2π −∞
é chamada transformada inversa de g.
153
Com essas notações, a formula (9.1.1) pode ser escrita como (fˆ)ˇ= f .
O espaço de todas as funções absolutamente integráveis em (−∞, ∞) será indicado por L1 (R):
Z ∞
L1 (R) = {f : |f (x)| dx < ∞}.
−∞
Observe que o espaço L1 (R) não é um subconjunto de L2 (R) nem L2 (R) é um subconjunto de L1 (R). Por
exemplo, sejam
x−2/3 , x−2/3 ,
se 0<x<1 se x>1
f (x) = e g(x) =
0, caso contrário 0, caso contrário
Exercício 9.1.1. Verique que f pertence a L1 (R) mas não a L2 (R) e que g pertence a L2 (R) mas não a
L1 (R).
Vamos nesse contexto ampliar o conceito de função contínua por partes de forma a permitir também que
as funções possam ser não limitadas em vizinhanças de um número nito de pontos isolados, com a condição
de que elas sejam absolutamente integráveis em R. Por exemplo, a função f acima denida é contínua por
partes.
Z ∞ Z ∞
|f | ≤ M =⇒ |f |2 ≤ M |f | =⇒ |f (x)|2 dx ≤ M |f (x)| dx < ∞. (9.1.2)
−∞ −∞
(ii) Se f ∈ L2 (R) e f se anula fora de um intervalo limitado [a, b], então f ∈ L1 (R). Isso segue imediata-
mente da Desigualdade de Cauchy-Schwarz:
Z ∞ Z b Z b 1/2
1/2 2
|f (x)| dx = 1 · |f (x)| dx ≤ (b − a) |f (x)| dx < ∞. (9.1.3)
−∞ a a
Z ∞
(f ∗ g)(x) = f (x − y)g(y) dy, (9.2.1)
−∞
em todos os pontos x para os quais a integral existe. Várias condições para f e g podem impostas para que
a integral seja absolutamente convergente para todo x em R. Por exemplo:
Z ∞ Z ∞ Z ∞
|f (x − y)g(y)| dy ≤ M |f (x − y)| dy = M |f (y)| dy < ∞.
−∞ −∞ −∞
Z ∞ Z ∞ 1/2 Z ∞ 1/2
2 2
|f (x − y)g(y)| dy ≤ |f (x − y)| dy |g(y)| dy < ∞.
−∞ −∞ −∞
154
(iv) Se f é contínua por partes e g é limitada e nula fora de um intervalo limitado [a, b], então (f ∗ g)(x)
existe para todo x. Isso decorre imediatamente do fato de que a função y 7→ f (x − y) é limitada em [a, b]
para qualquer x.
(v) Se f e g estão ambas em L1 (R), então (f ∗ g)(x) existe para quase todo x e f ∗g pertence a L1 (R).
Para a demonstração, consultar G. B. Folland [7], 8.1.
Essa lista não esgota as possibilidades para a existência de f ∗ g. Nas propriedades que seguem, estamos
sempre supondo que a convolução está denida.
Z ∞ Z ∞Z ∞
(f ∗ g) ∗ h(x) = (f ∗ g)(x − y)h(y) dy = f (z)g(x − y − z)h(y) dz dy
Z−∞
∞ Z ∞
−∞ −∞ Z
∞
= f (z)g(x − z − y)h(y) dy dz = f (z)(g ∗ h)(x − z) dz = f ∗ (g ∗ h)(x).
−∞ −∞ −∞
Teorema 9.2.2. Suponha que f é diferenciável e que as convoluções f ∗ g e f 0 ∗ g estão bem denidas.
Então, f ∗g é diferenciável e (f ∗ g)0 = f 0 ∗ g . Da mesma forma, se g é diferenciável, então (f ∗ g)0 = f ∗ g 0 .
Z ∞ Z ∞
0 d
(f ∗ g) (x) = f (x − y)g(y) dy = f 0 (x − y)g(y) dy = (f 0 ∗ g)(x).
dx −∞ −∞
Z b N
X
f (x − y)g(y) dy ≈ f (x − ȳj )g(ȳj )∆yj (9.2.2)
a j=1
relativa a uma partição P : a = y0 < y1 < y2 < · · · < yN −1 < yN = b do intervalo [a, b] e a uma escolha de
pontos ȳj ∈ [yj−1 , yj ] com norma kP k sucientemente pequena.
Se MP indica a soma de Riemann
N
X
MP = g(ȳj )∆yj
j=1
155
relativa a P e à mesma escolha de ȳj , a soma de Rieman (9.2.2) pode ser escrita como
N N N
X 1 X X
f (x − ȳj )g(ȳj )∆yj = f (x − ȳj )g(ȳj )∆yj × g(ȳj )∆yj
MP
j=1 j=1 j=1
A soma entre colchetes é a média ponderada dos valores de f nos pontos x − ȳ1 , x − ȳ2 , . . . , x − ȳN −1 ,
x − ȳN com pesos g(ȳ1 )∆y1 , g(ȳ2 )∆y2 , . . . g(ȳN )∆yN e
N N N Z b
X 1 X X
lim f (x − ȳj )g(ȳj )∆yj = lim f (x − ȳj )g(ȳj )∆yj × g(ȳj )∆yj = f (x − y)g(y) dy.
kP k→0 kP k→0 MP a
j=1 j=1 j=1
Assim, a convolução (f ∗ g)(x) é uma média ponderada dos valores de f numa vizinhança de x com pesos
denidos pela função g. Essas ideias carão mais claras nos exemplos que seguem.
Exemplo 9.2.1. Comecemos com um exemplo simples: seja f = χ[−1,1] a função característica do intervalo
[−1, 1], isto é, a função dada por f (x) = χ[−1,1] (x) = 1 se −1 < x < 1 e igual a 0 em caso contrário. Então,
y y
2
y = f (x) y = (f ∗ f )(x)
1
−1 1 x −2 2 x
para todo x ∈ R. Assim, (f ∗ f )(x) é a área sob o gráco de f entre x−1 e x + 1, que é dada por
0, se x < −2 ou x > 2
(f ∗ f )(x) = x − 2, se −2≤x≤0
2−x 0 < x ≤ 2.
se
Z ∞ Z 1 Z x+1
[(f ∗ f ) ∗ f ](x) = (f ∗ f )(y − x)f (y) dy = (f ∗ f )(y − x) dy = (f ∗ f )(t) dt
−∞ −1 x−1
e
0, se x < −3 ou x > 3
1
2
2 (x + 3) , se − 3 ≤ x ≤ −1
[(f ∗ f ) ∗ f ](x) =
3 − x2
se −1<x≤1
1 2
2 (x − 3) se 1 ≤ x ≤ 3.
y
3
y
−1 1 x −3 3 x
156
Exemplo 9.2.2. Sejam a>0 e ga denida por
1
2a , se −a<x<a
ga (x) =
0, caso contrário
Se h é uma função contínua por partes qualquer intervalo [a, b], então (h ∗ ga )(x) está denida e, para todo
x ∈ R, temos
Z ∞ Z a Z x+a
1 1
(h ∗ ga )(x) = h(x − y)ga (y) dy = h(x − y) dy = h(t) dt.
−∞ 2a −a 2a x−a
Assim, (h ∗ ga )(x) é o valor médio (ou média) da função h no intervalo [x − a, x + a]. Em particular, h ∗ ga
é contínua em todo R. Se h é contínua num intervalo I, então (h ∗ ga )(x) → h(x) quando a → 0+, para
todo x ∈ I. Esse exemplo mostra que o produto de convolução de duas funções é tão boa ou melhor que as
funções.
y y
y = f (x) y = (f ∗ ga )(x)
1 1
Por exemplo, se f (x) = χ[−1,1] (x) = 1 se x ∈ [−1, 1] e =0 se |x| > 1 e se 0 < a < 1, então (verique!)
0 se x < −1 − a ou x > 1 + a
x+a 1
Z
1 2a (x + a + 1) se −1−a≤x≤a−1
(f ∗ ga )(x) = f (t) dt =
2a x−a
1 se a−1≤x≤1−a
1
2a (1 + a − x) se 1−a≤x≤1+a
Z ∞ Z a Z x+a
1 1
(f ∗ ga )(x) = f (x − y)ga (y) dy = f (x − y) dy = (t − t3 ) dt.
−∞ 2a −a 2a x−a
Portanto,
1 1 1
(f ∗ ga )(x) = [(x + a)2 − (x − a)2 ] − [(x + a)4 − (x − a)4 ] = (1 − a2 )x − x3 .
2a 2 4
Assim, (f ∗ ga )(x) − f (x) = −a2 x e, portanto, (f ∗ ga )(x) → f (x) quando a → 0+, para todo x. Mais
ainda, a convergência é uniforme em cada intervalo limitado:
y y
y = f (x) y = (f ∗ ga )(x)
x x
157
No Exemplo 9.2.3 usamos as funções ga (que são todas descontinuas, integráveis, com integral 1) e
obtivemos polinômios f ∗ga que aproximam f uniformemente em intervalos limitados. No próximos exemplos,
∞
discutiremos como essa ideia pode ser utilizada para aproximar funções arbitrárias por funções de classe C .
Começaremos com funções f contínuas por partes, limitadas e que se anulam fora de um intervalo limitado
(para que a convolução esteja bem denida em todo R) e sempre tomaremos g como uma função de classe
C ∞.
se − 1 < x < 1
Exemplo 9.2.4. Sejam f (x) = x, 1 1
R∞
e g(x) = 2 , de modo que −∞ g(x) dx = 1.
0, caso contrário π 1+x
Como f é nula fora do intervalo (−1, 1) e g é uma função absolutamente integrável de classe C , a
∞
y
1
πε
O leitor deve vericar que para todo ε > 0, gε é uma função de classe C∞ e temos
Z ∞
gε (x) dx = 1.
−∞
Z ∞ Z 1
ε y dy
(f ∗ gε )(x) = f (y)gε (x − y) dy = ,
−∞ π −1 ε2 + (x − y)2
1 (x+1)/ε
(x − εt) dt
Z Z
y dy −1 −1
h ε 2
i(x+1)/ε
=ε = ε x arctg t − ln(1 + t )
−1 ε + (x − y)2
2 1 + t2 2 (x−1)/ε
(x−1)/ε
+ 1)/ε)2
−1 x + 1 x − 1 ε 1 + ((x
=ε x arctg − arctg − ln .
ε ε 2 1 + ((x − 1)/ε)2
Portanto,
2
ε + (x + 1)2
1 x+1 x−1 ε
(f ∗ gε )(x) = x arctg − arctg − ln 2 .
π ε ε 2 ε + (x − 1)2
−1
1 x
Figura 9.2: Os grácos de y = f (x) (vermelho) e de y = (f ∗ gε )(x), com ε = 10−1 (laranja) e ε = 10−2
(azul).
158
Observe que se x = 1, então
1n ε o 1
lim (f ∗ gε )(1) = lim arctg(2/ε) − ln[1 + (2/ε)2 ] = ,
ε→0+ ε→0+ π 2 2
uma vez que
4 π
lim ε ln(1 + )=0 e lim arctg(2/ε) = .
ε→0+ ε2 ε→0+ 2
(no primeiro limite, usamos a Regra de L'Hospital). Da mesma forma, se x = −1, então
1n ε 2
o 1
lim (f ∗ gε )(−1) = lim arctg(−2/ε) + ln[1 − (2/ε) ] = − .
ε→0+ ε→0+ π 2 2
ε2 + (x + 1)2 x + 1 2
π π
lim ln = ln
, lim arctg((x + 1)/ε) = e lim arctg((x − 1)/ε) = −
ε→0+ ε2 + (x − 1)2 x − 1 ε→0+ 2 ε→0+ 2
e, portanto,
2
ε + (x + 1)2
1 x+1 x−1 ε
lim (f ∗ gε )(x) = lim x arctg − arctg − ln 2 = x.
ε→0+ ε→0+ π ε ε 2 ε + (x − 1)2
Finalmente, se |x| > 1, então os limites limε→0+ arctg((x + 1)/ε) e limε→0+ arctg((x − 1)/ε) são iguais
π
(iguais a
2 se x > 1 ou − π2 se x < −1) e, portanto,
2
ε + (x + 1)2
1 x+1 x−1 ε
lim (f ∗ gε )(x) = lim x arctg − arctg − ln 2 = 0.
ε→0+ ε→0+ π ε ε 2 ε + (x − 1)2
Logo, para todo x ∈ R, temos (f ∗ gε )(x) → 21 [f (x+) + f (x−)]. A convergência é uniforme em qualquer
subintervalo fechado I contido em (−1, 1) ou qualquer intervalo [a, +∞) ou (−∞, b], para todos a > 1 e
b < −1. ♣
Exemplo 9.2.5.
2
Consideremos a mesma função f do Exemplo 9.2.4, mas agora troquemos g pela função
g(x) = √1π e−x . Novamente, g é uma função positiva, com integral 1 e é de classe C ∞ em R. Para cada
ε > 0, os grácos da função gε é bastante semelhante ao gráco da função do Exemplo 9.2.4 e a convolução
f ∗ gε se escreve como
Z ∞
ε−1 1 −(x−y)2 /ε2
x−y
Z
−1
(f ∗ gε )(x) = ε f (y)gε dy = √ ye dy.
−∞ ε π −1
(x+1)/ε (x+1)/ε
ε2
Z Z
1 −t2 x 2 2 2 2 2
(f ∗ gε )(x) = √ (x − εt)e dt = √ e−t dt − √ [e−(x+1) /ε − e−(x−1) /ε ].
π (x−1)/ε π (x−1)/ε 2 π
Z (x+1)/ε
x 2
Figura 9.3: O gráco de y = (f ∗ gε )(x) = √ e−t dt, com ε = 10−1 .
π (x−1)/ε
159
Como √
Z 0 Z +∞
2 2 π
e−t dt = e−t dt = ,
−∞ 0 2
1
é imediato que se x = ±1, então (f ∗ gε )(x) → ε → 0+. Também, é fácil
2 quando vericar que se |x| < 1,
então (f ∗ gε )(x) → x e se |x| > 1, então (f ∗ gε )(x) → 0 quando ε → 0+. Portanto, para todo x ∈ R, temos
(f ∗ gε )(x) → 21 [f (x+) + f (x−)] quando ε → 0+. ♣
Uma peculiaridade da função g empregada nesse último Exemplo é a estimativa
Z (x+1)/ε
x −t2
ε2
(f ∗ gε )(x) − √ e dt ≤ √
π (x−1)/ε π
válida para todo x∈R e ε > 0. Ela signica que podemos aproximar
Z (x+1)/ε
x 2 x
(f ∗ gε )(x) ≈ √ e−t dt = [erf((x + 1)/ε) − erf((x − 1)/ε)]
π (x−1)/ε 2
0 1 t −1 0 1 t
Figura 9.4: À esquerda, os grácos de y = h(t) (vermelho) e de y = h(−t) (verde); à direita, os grácos de
y = h(t + 1) (em vermelho) e de y = h(−t + 1) (verde).
É imediato que h [0, ∞), limt→0+ h(t) = 0 e limt→∞ h(t) = 1. Menos imediato,
é estritamente crescente em
e ca como exercício para o leitor, é vericar que h é innitamente derivável em t = 0 e que h(n) (0) = 0
para todo n. Portanto, h é uma função de classe C
∞ em (−∞, ∞). Logo, suas translações e reexões em
−1 1 x
1 x
gε (x) = g , (9.2.3)
ε ε
160
então f ∗ gε é de classe C∞ em R e temos
1
lim (f ∗ gε )(x) = [f (x+) + f (x−)]
ε→0+ 2
para todo x ∈ R. Em particular, se f é contínua em x, então
Alem disso, se f é contínua em todo ponto de um intervalo fechado e limitado [a, b], então a convergência
em (9.2.4) é uniforme em [a, b]. Se f ∈ L2 (R, então
Z ∞
lim |(f ∗ gε )(x) − f (x)|2 dx = 0,
ε→0+ −∞
isto é, kf ∗ gε − f k → 0 quando ε → 0+
Exercício 9.2.3. Mostre que para todo δ > 0, existe uma função φ : R → R com as seguintes propriedades:
(i)φ é de classe C ∞ , (ii) 0 ≤ φ(x) ≤ 1 para todo x, (iii) φ(x) = 1 quando 0 ≤ x ≤ 1 e (iv) φ(x) = 0 quando
x < −δ ou quando x > 1 + δ .
δ δ
[Sugestão: Dena f por f (x) = 1 se − ≤ x ≤ 1 +
2 2 e f (x) = 0 aso contrário. Mostre que f ∗ gε , onde g é a
δ
função do Exemplo 9.2.6, satisfaz as propriedades exigidas quando ε < .]
2
Denição 9.3.1. Se f :R→C é uma função absolutamente integrável, a função fˆ : R → C denida por
Z ∞
fˆ(ξ) = f (x)e−iξx dx (9.3.1)
−∞
para indicar que f é a transforma de Fourier inversa de g . Às vezes, usamos ω em vez de ξ como variável
da transformada de Fourier de f .
Como |e
iξx | = 1, a integral que dene fˆ é absolutamente convergente para qualquer valor de ξ e dene
161
Teorema 9.3.1. Suponha que f pertence a L1 (R) (i.e., f é absolutamente integrável em R). Então, fˆ é
uniformemente contínua.
Temos Z r Z
|fˆ(ξ) − fˆ(η)| ≤ |eiξx − eiηx ||f (x)| dx + |eiξx − eiηx ||f (x)| dx
−r |x|≥r
|eiξx − eiηx | = |ei(ξ+η)x/2 ||ei(ξ−η)x/2 − e−i(ξ−η)x/2 | = |2i sen((ξ − η)x/2)| ≤ |ξ − η||x| ≤ r|ξ − η|.
R∞
Seja M > 0 tal que
−∞ |f (x)| dx ≤ M e escolha δ > 0 tal que 2M rδ < ε. Se ξ , η satisfazem |ξ − η| < δ ,
então Z r Z
|fˆ(ξ) − fˆ(η)| ≤ |eiξx − eiηx ||f (x)| dx + |eiξx − eiηx ||f (x)| dx
−r Z r Z |x|≥r
ε
≤ r|ξ − η| |f (x)| dx + 2 |f (x)| dx ≤ M rδ + 2 × < ε.
−r |x|≥r 4
Assim, |fˆ(ξ) − fˆ(η)| < ε sempre que |ξ − η| < ε. Portanto, fˆ é uniformemente contínua.
F [f 0 ](ξ) = iξ fb(ξ).
e, para a segunda,
Z ∞ Z ∞
F [eiax f (x)] = f (x)eiax e−iξx dx = f (x)e−iξ(x−a) dx = fb(ξ − a).
−∞ −∞
(b) Temos
Z ∞ Z ∞ Z ∞
−iξx −1 −iξx
F [fδ ](ξ) = fδ (x)e dx = δ f (x/δ)e dx = f (t)e−iδξt dt = fb(δξ).
−∞ −∞ −∞
162
Z ∞ Z ∞
−iξx −1 −itξ/δ 1b ξ
F [f (δx)] = f (δx)e dx = f (t)δ e dt = f = [fb]δ (ξ).
−∞ −∞ δ δ
(c) Primeiro, vamos mostrar que f tem limite 0 quando |x| tende a ∞. Para todo x > 0, pelo Teorema
Fundamental de Cálculo, temos Z x
f (x) = f (0) + f 0 (t) dt.
0
Como Z x
lim f 0 (t) dt
x→+∞ 0
existe, concluímos que o limite lim f (x) = l existe. Como f ∈ L1 (R), concluímos que l = 0. O mesmo
x→+∞
argumento mostra que lim f (x) = 0. Portanto, podemos integrar por partes e os termos de fronteira são
x→−∞
nulos: Z ∞ Z ∞
F [f 0 ](ξ) = f 0 (x)e−iξx dx = f (x)e−iξx |∞
−∞ − (−iξ)f (x)e−iξx dx = iξ fb(ξ).
−∞ −∞
Como f 0
e f são integráveis, podemos permutar integral com derivada e obtemos
Z ∞ Z ∞ Z ∞
d −iξx d
F [xf (x)] = xf (x)e−iξx dx = i f (x) (e ) dx = i f (x)e−iξx dx = i[fb]0 (ξ).
−∞ −∞ dξ dξ −∞
(d) Como já observamos, f ∗ g está denida em todo x ∈ R e, invertendo a ordem de integração, temos
Z ∞ Z ∞ Z ∞ Z ∞
−iξx −iξ(x−y) −iξy
F [f ∗ g](ξ) = e f (x − y)g(y) dy dx = e f (x − y)e g(y) dx dy
Z−∞
∞ Z ∞
−∞ −∞ −∞
Observação 9.3.1. Mais adiante (após a formula de inversão de Fourier), mostraremos que também vale a
seguinte igualdade: fb ∗ gb = 2π (f
d g). Junto com (d) do Teorema 9.3.2, podemos apreciar a correspondência
que existe entre as operações de tomar a transformada de Fourier de um produto de duas funções e tomar o
produto de convolução das transformadas de Fourier dos fatores. ♣
Então,
∞ a
e−aξ − eiaξ
Z Z
2 sen aξ
F [fa ](ξ) = e−iξx f (x) dx = e−iξx dx = = .
−∞ −a −iξ ξ
y
2a
y
a x ξ
−a
Exercício 9.3.1. Sejam a < b e f = χ[a,b] a função característica do intervalo [a, b]. Determine F [χ[a,b] ].
2 sen ((b−a)ξ/2)
(Resp. F [χ[a,b] ](ξ) = ξ [cos((a + b)ξ/2) − i sen((a + b)ξ/2)]).
163
Exemplo 9.3.2. Seja g denida por
0, se x < −2 ou x > 2
g(x) = x − 2, se −2≤x≤0
2−x 0 < x ≤ 2.
se
Essa função foi obtida no Exemplo 9.2.1 como convolução da função fa (com a = 1) do Exemplo anterior
consigo mesma. Usando a propriedade (d) do Teorema 9.3.2, obtemos
4 sen2 ξ
F [g](ξ) = (f\
1 ∗ f1 )(ξ) = F {f1 }(ξ)F {f1 }(ξ) = .
ξ2
Agora, g0 é absolutamente integrável e temos
0, se x < −2 ou x > 2
g 0 (x) = 1, se −2<x<0
−1 0 < x < 2.
se
4i sen2 ξ
F [g 0 ](ξ) = iξb
g (ξ) = .
ξ
Da mesma forma, tomando h(x) = −xg 0 (x), da segunda identidade F [xf (x)] = i[fb]0 (ξ) em (c) do
Teorema 9.3.2, concluímos que
" 2 #
2 ξ)
d 4(ξ sen 2ξ − sen sen 2ξ sen ξ
F [h](ξ) = −F [xg 0 (x)] = −i F [g 0 ](ξ) = =4 − .
dξ ξ2 ξ ξ
A gura abaixo apresenta um esboço dos grácos das funções y = g 0 (x), y = h(x) e o da transformada de
Fourier de h.
y
2
y
1 y = g 0 (x) y = h(x) = −xg 0 (x)
2
−2 x −2 2 x
−1
y
4
y = F [h](ξ)
Exercício 9.3.2. Seja g a função g =f ∗f ∗f do Exemplo 9.2.1. Determine F [g], F [g 0 ] e F [xg 0 (x)].
Observação 9.3.2. Resulta da primeira propriedade (c) do Teorema 9.3.2 que, se f , f 0 , f 00 , . . . , f (n) per-
1
tencem a L (R), então
F [f (n) ](ξ) = iξF [f (n−1) ](ξ) = (iξ)2 F [f (n−2) ](ξ) = · · · = (iξ)n F [f ](ξ).
164
Exemplo 9.3.3. Seja f (x) = e−k|x| , onde k > 0. O cálculo direto mostra que
Z 0 Z ∞ Z 0 Z b
−kx−iξx
fb(ξ) = ekx−iξx
dx + e dx = lim e kx−iξx
dx + lim e−kx−iξx dx
−∞ 0 a→−∞ a b→+∞ 0
1 − eka−iaξ e−kb−ibξ − 1 1 1 2k
= lim + lim = + = 2 .
a→−∞ k − iξ b→+∞ −k − iξ k − iξ k + iξ k + ξ2
y
2/k
y
1 y = e−k|x| y= 2k
k2 +ξ 2
x ξ
F [ k2 +x
1
2 ](ξ) = 2π ×
1 −k|ξ|
2k e = π −k|ξ|
ke . Por enquanto, vamos utilizar apenas a denição e o Teorema de
Cauchy dos Resíduos.
∞
e−iξx dx R
e−iξx dx
Z Z
fb(ξ) = = lim .
−∞ k 2 + x2 R→∞ −R k 2 + x2
ik z = Reiθ
x
−R R
165
Pelo Teorema dos Resíduos, para todo R > k, temos
e−iξz ekξ
Z
π
h(z) dz = 2πi Resz=ik f (z) = 2πi lim (z − ik)h(z) = 2πi lim = 2πi × = ekξ .
γ z→ik z→ik z + ik 2ik k
Porém,
iθ
R π R
e−iξt π
e−iRξe (iR)eiθ dθ
Z Z Z Z Z
h(z) dz = h(t) dt + h(Reiθ )(iR)eiθ dθ = dt + .
γ −R 0 −R k 2 + t2 0 k 2 + R2 e2iθ
Para 0 ≤ θ ≤ π, temos
ReRξ sen θ R
|h(Reiθ )(iR)eiθ | = ≤ 2 ,
|k 2 + R2 e2iθ | R − k2
Rπ iθ
para todo 0 ≤ θ ≤ π. Logo,
0 h(Reiθ )(iR)eRe dθ → 0 quando R→∞ e, assim,
∞
e−iξt π
Z Z Z
iθ Reiθ π kξ
dt = lim h(z) dz − h(Re )(iR)e dθ = e .
−∞ k 2 + t2 R→∞ γ 0 k
Vamos encerrar essa Seção com mais uma propriedade da transformada de Fourier de funções f em L1 (R):
além de fˆ ser limitada e uniformemente contínua em R (cf. Teorema 9.3.1), temos o seguinte
Demonstração. Suponha primeiro que f é uma função escada, isto é, f (x) = kj=1 cj φj (x), onde c1 , c2 ,
P
... , ck são constantes e cada φj é uma função igual a 1 num intervalo limitado |x − xj | < aj e igual a 0 no
complementar desse intervalo. Pelos Teorema 9.3.2 (a) e Exemplo 9.3.1, temos φ bj (ξ) = 2ξ −1 e−ixj ξ sen aj ξ e,
portanto,
k
X sen aj ξ
fb(ξ) = 2cj e−ixj ξ .
ξ
j=1
Z ∞
lim |fn (x) − f (x)| dx = 0.
n→∞ −∞
Z ∞
sup |fbn (ξ) − fb(ξ)| ≤ |fn (x) − f (x)| dx.
ξ∈R −∞
Logo, fbn → fb uniformemente. Como cada fbn tende a zero quando |ξ| → ∞, o mesmo ocorre com fb.
166
9.4 O Teorema de Inversão de Fourier
Vamos agora discutir o problema de inversão da transformada de Fourier. O argumento heurístico considerado
no inicio dessas notas sugere a expressão
Z ∞
1
f (x) = eiξx fb(ξ) dξ (9.4.1)
2π −∞
como possível procedimento de recuperar f a partir de fb e, portanto, nossa tarefa é investigar a validade de
(9.4.1). Naturalmente, e tendo em conta os resultados a respeito da convergência de uma série de Fourier, a
validade de (9.4.1) depende das propriedades da função f.
A primeira diculdade que deverá ser levada em conta é que fb pode não pertencer a L1 (R), como mostra
o Exemplo 9.3.1.
A segunda é que, mesmo que fb pertença a L1 (R), não podemos concluir a validade de (9.4.1) simplesmente
substituindo fb em (9.4.1) obtendo
Z ∞ Z ∞ Z ∞
iξx
e fb(ξ) dξ = eiξ(x−y) f (y) dydξ
−∞ −∞ −∞
R∞ iξ(x−y) dξ é divergente. Uma forma simples de corrigir
e inverter a ordem de integração, pois a integral
−∞ e
esses dois problemas é multiplicar fb por uma função de corte para tornar a integral convergente e então passar
ao limite para remover a função de corte. Naturalmente, diversas funções de corte podem ser consideradas
e cada uma delas fornece um resultado.
y
1
ξ
−R R
∞ R ∞
|ξ| iξ(x−y)
Z Z Z
iξx
(∗) e gR (ξ)fb(ξ) dξ = 1− e f (y) dy dξ,
−∞ −R −∞ R
Essa esperança é, de fato, concretizada se admitirmos que f seja, por exemplo, uma função contínua por
partes em qualquer intervalo limitado [a, b] e absolutamente integrável em (−∞, ∞); isso será oportunamente
justicado. Quanto ao lado direito de (*), e com essas mesmas hipóteses sobre f , podemos trocar a ordem
de integração e obter
R ∞ ∞ R
|ξ| |ξ| iξ(x−y)
Z Z Z Z
iξ(x−y)
1− e f (y) dy dξ = 1− e f (y) dξ dy.
−R −∞ R −∞ −R R
RR
O cálculo da integral
−R à direita é muito simples e seu valor depende apenas de x−y e R. Os detalhes
do cálculo cam como exercício.
167
Exercício 9.4.2. Mostre que para todos R>0 e x, y ∈ R, temos
R 2
|ξ| sen(R(x − y)/2)
Z
iξ(x−y)
1− e dξ = R .
−R R R(x − y)/2
Decorre do Exercício 9.4.2 que, para todos x∈R e R > 0, podemos escrever
∞ ∞ 2 ∞
sen(R(x − y)/2)
Z Z Z
iξx
(∗∗) e gR (ξ)fb(ξ) dξ = Rf (y) dy = 2π f (y)φε (x − y) dy,
−∞ −∞ R(x − y)/2 −∞
onde
1 sen t 2
1 t 2
φε (t) = φ , φ(t) = e ε= . (9.4.2)
ε ε π t R
Como φ é uma função de classe C ∞, par e
∞ ∞ ∞ ∞
sen2 x sen2 x
Z Z Z Z
2 sen 2x sen x
dx = 2 dx = − sen2 x |∞
0 +2 dx = 2 × dx = π,
−∞ x2 0 x 2 x 0 x 0 x
Z ∞ Z ∞
1
lim eiξx gR (ξ)fb(ξ) dξ = 2π lim f (y)φε (x − y) dy = 2π lim (f ∗ φε )(x) = 2π [f (x+) + f (x−)].
R→∞ −∞ ε→0+ −∞ ε→0+ 2
Z ∞
1 1
eiξx fb(ξ) dξ = lim (f ∗ φε )(x) = [f (x+) + f (x−)].
2π −∞ ε→0+ 2
Teorema 9.4.1. Suponha que f é absolutamente integrável e contínua por partes em R. Então, para todo
x ∈ R, temos
R
|ξ|
Z
1 1
[f (x+) + f (x−)] = lim 1− eiξx fb(ξ) dξ. (9.4.3)
2 2π R→∞ −R R
Z ∞
1
f (x) = eiξx fb(ξ) dξ. (9.4.4)
2π −∞
A formula de inversão (9.4.4), ou sua variante (9.4.3), expressa uma função arbitrária f como uma
superposição contínua de funções exponenciais eiξx e pode ser pensada como uma extensão, para funções não
periódicas, do desenvolvimento de uma função periódica em série de Fourier. Essas formulas são às vezes
conhecidas como formulas integrais de Fourier.
Corolário 9.4.1. Se fb = gb, então f = g.
168
Conforme dissemos anteriormente, diversas funções de corte podem ser utilizadas para a obtenção da
2 /2
formula de inversão de Fourier. No próximo exemplo, escolhemos g(x) = e−εξ , um função C∞ e par tal
que g e suas derivadas de qualquer ordem são absolutamente integráveis.
Exemplo 9.4.2. 2
gε (x) = e−εξ /2 . Então, para cada ε > 0 xado, gε decai rapidamente
Seja em quando
ξ → ±∞. Para
1
qualquer f ∈ L (R) e ε > 0, temos
Z ∞ Z ∞Z ∞
1 iξx −εξ 2 /2 b 1 2
(†) e e f (ξ) dξ = eiξ(x−y) e−εξ /2 f (y) dy dξ.
2π −∞ 2π −∞ −∞
Agora a integral dupla é absolutamente convergente e podemos trocar a ordem de integração:
Z ∞ Z ∞ Z ∞ Z ∞
2 /2 2 /2
eiξ(x−y) e−εξ f (y) dy dξ = eiξ(x−y) e−εξ f (y) dξ dy.
−∞ −∞ −∞ −∞
onde
1 2 1 x 1 2 2
φ(x) = √ e−x /2 , φε (x) = φ = √ e−x /2ε .
2π ε ε ε 2π
Mas essa é novamente a situação descrita no Teorema 9.2.3! Segue-se que se f é contínua por partes, então
Z ∞
1 2 1
lim eiξx e−εξ /2 fb(ξ) dξ = [f (x+) + f (x−)]
ε→0+ 2π −∞ 2
para todo x ∈ R. Temos, portanto, o seguinte
Teorema 9.4.2. Suponha que f é absolutamente integrável e contínua por partes em R. Então, para todo
x ∈ R, temos Z ∞
1 1 2 /2
[f (x+) + f (x−)] = lim eiξx e−εξ fb(ξ) dξ. (9.4.5)
2 ε→0+ 2π −∞
Observe que as conclusões dos Teoremas 9.4.1 e 9.4.2 são as mesmas e qualquer dos limites descritos
nesses teoremas pode ser usado para recuperar f a partir de sua transformada de Fourier. Vamos analisar
mais um caso de função de corte, que dá origem ao conceito de valor principal de uma integral impropria.
Exemplo 9.4.3. Considere o caso em que a função de corte é igual a 1 no intervalo [−r, r] e 0 em caso
contrário, isto é,
1, se −r ≤ξ ≤r
gr (ξ) =
0, caso contrário
Nesse caso, a formula de inversão pode ser demonstrada, não mais para uma função integrável contínua
por partes f, mas sim quando f é integrável e lisa por partes. Vale o seguinte
169
9.5 A Transformada de Fourier em L2 (R)
Embora todo o nosso estudo sobre a transformada de Fourier tenha se concentrado em funções do espaço
L1 (R), nossa experiência com séries de Fourier sugere que o espaço L2 (R) também desempenhe papel rele-
vante. Uma razão para pensar em estender a transformada de Fourier para algum outro espaço de funções se
deve ao fato de que existem funções f ∈ L1 (R) tais que / L1 (R), isto é, F não aplica L1 (R) em si mesmo.
fb ∈
nal, L (R) é um espaço no qual F é uma bijeção. Mas
(Veja o Exemplo 9.3.1). Conforme cará claro ao
2
L2 (R) mas não a L1 (R). Para transpor essa diculdade, vamos usar um resultado chave, análogo à formula de
Parseval, que decorre imediatamente da formula de inversão (9.4.4); esse resultado é o conteúdo da seguinte
Observação 9.5.1. Sejam f e g funções de L1 (R) e suponha que fb e gb também pertencem a L1 (R). Então,
f , g , fb e gb pertencem a L2 (R) (Cf. Observação 9.4.1). Disso segue, usando a formula de inversão (9.4.4),
que Z ∞ Z ∞ Z ∞
2πhf, gi = 2π f (x)g(x) dx = f (x)eiξx gb(ξ) dξ dx
Z ∞ −∞
Z ∞ −∞ −∞ Z
∞
= f (x)e−iξx gb(ξ) dx dξ = fb(ξ)b g (ξ) dξ = hfb, gbi.
−∞ −∞ −∞
Em outras palavras, a transformada de Fourier preserva produtos internos, a menos de um fator 2π :
Z ∞ Z ∞
2π f (x)g(x) dx = fb(ξ)b
g (ξ) dξ (9.5.1)
−∞ −∞
Utilizando as denições de norma e produto escalar em L2 (R), as formulas (9.5.1) e (9.5.2) podem ser
escritas mais concisamente como
Vamos agora indicar como construir a transformada de Fouirer em L2 (R). Vários resultados técnicos não
serão demonstrados, mas o leitor interessado pode consultar o livro-referencia G. Folland [8]. Se f é uma
2
função arbitraria em L (R), pode-se demonstrar que existe uma sequencia {fn } tal que fn e fbn pertencem a
1 2
L (R) e fn → f em L (R). De (9.5.2), temos
isso implica que {fbn } é uma sequencia de Cauchy em L2 (R). Como L2 (R) é completo, existe uma função
g ∈ L2 (R) tal que kfbn − gk → 0. Pode-se demonstrar que g depende apenas de f e não da sequencia
aproximante {fn }. Denimos g = fb. Desta forma, o domínio da transformação de Fourier é estendido para
2
incluir L (R) e, usando um argumento com limites, pode-se demonstrar que essa transformação estendida
ainda preserva as normas e produtos internos a menos do fator 2π e que ela satisfaz todas as propriedades
do Teorema 9.4.2. Numa palavra, temos o seguinte
Teorema 9.5.1. A transformação de Fourier, denida originalmente em L1 (R) ∩ L2 (R), admite uma única
extensão como uma aplicação F : L2 (R) → L2 (R) que satisfaz as seguintes propriedades: escrevendo
F [f ] = fb, temos
(i) hfb, g
bi = 2πhf, gi;
(ii) kfbk2 = 2πkf k2 , para todos f e g em L2 (R).
(iii) Para todo x ∈ R, temos
Z ∞
1 1 2 /2
[f (x+) + f (x−)] = lim eiξx e−εξ fb(ξ) dξ.
2 ε→0+ 2π −∞
170
(iv) Para todo x ∈ R, temos
Z ∞
1
f (x) = eiξx fb(ξ) dξ.
2π −∞
converge na norma de L2 (R) e converge, em quase todo ponto ξ ∈ R, para fb(ξ). Da mesma forma, a função
f ε denida por Z ∞
1 2 /2
f ε (x) = eiξx e−εξ fb(ξ) dξ
2π −∞
φ = fb =⇒ φ(ξ)
b = 2π f (−ξ). (9.5.3)
sen ax
Usando essa observação, é agora muito simples computar a transformada de Fourier de φ(x) = x ,
1
onde a > 0. Conforme vimos no Exemplo 9.3.1, φ é a transformada de Fourier da função f = χ[−a,a] . Logo,
2
de (9.5.3), obtemos
Na tabela que segue, reunimos todos os resultados obtidos e demonstrados até o momento. Nela, a e c
são constantes, com a>0 e c ∈ R. A função da terceira coluna na linha j é a transformada de Fourier da
função na mesma linha da segunda coluna.
171
Transformadas de Fourier Básicas. Nesta tabela, a e c são constantes reais e a > 0.
1. f (x) fb(ξ)
2. f (x − c) e−icξ fb(ξ)
3. eicx f (x) fb(ξ − c)
1 b ξ
4. f (ax) a f a
5. f 0 (x) iξ fb(ξ)
6. xf (x) i( fb)0 (ξ)
7. (f ∗ g)(x) fb(ξ) gb(ξ)
8. f (x)g(x) (2π)−1 (fb ∗ gb)(ξ)
q
2 /2 2π −ξ 2 /2a
9. e−ax a e
1 π −a|ξ|
10.
x2 +a2 ae
11. e−a|x| 2a
ξ 2 +a2
1 se |x| < a 2 sen(aξ)
12. χa (x) =
0 se |x| > a ξ
sen(ax) π se |x| < a
13. πχa (ξ) =
x 0 se |x| > a
9.6 Aplicações
Vamos admitir que u e φ têm transformada de Fourier com relação à variável x. Então, tomando a
transformada de Fourier (formalmente) dos dois membros da equação ut = kuxx com relação a x e usando a
formula (c) do Teorema 9.3.2, obtemos
F [ut (·, t)](ξ) = kF [uxx (·, t)](ξ) = k(iξ)F [ux (·, t)] = k(iξ)2 F [u(·, t)] = −kξ 2 F [u(·, t)].
Como
∂
F [u(·, 0)](ξ) = F [φ](ξ) = φ(ξ)
b e F [ut (·, t)](ξ) = F [u(·, t)](ξ),
∂t
concluimos que
∂
F [u(·, t)](ξ) = −kξ 2 F [u(·, t)](ξ).
∂t
Assim, v(t) := F [u(·, t)](ξ) é a solução da equação diferencial ordinária
d
dt v(t) = −ξ 2 v(t) com condição
172
q
2 2π −ξ 2 /2a
para todo t ≥ 0 e ξ ∈ R. Ora, pelo Exemplo 9.3.4, sabemos que se f (x) = e−ax /2 , então fb(ξ) = a e .
2
Tomando a=1
2kt , da pela propriedade (9.5.3), concluímos que, para todo t > 0, e−ktξ é a transformada de
2
Fourier da função K(x, t) = √
1
4kπt
e−x /4kt com relação a x. Assim, para t > 0 e ξ ∈ R, temos
Z ∞
u(x, t) = (K(·, t) ∗ φ)(x) = K(x − y, t)φ(y) dy,
−∞
onde
1 2
K(x, t) = √ e−x /4kt . (9.6.1)
4kπt
Uma vez obtida uma possível expressão para a solução do problema
ut = kuxx −∞ < x < ∞, t > 0
(9.6.2)
u(x, 0) = φ(x), −∞ < x < ∞,
é uma tarefa de rotina vericar que essa expressão dene uma solução de (9.6.2). Esse é o resultado do
seguinte
Teorema 9.6.1. Suponha que φ:R→R é uma função absolutamente integrável e seja u : R × (0, ∞) → R
denida por
Z ∞
1 2 /4kt
u(x, t) = √ e(x−y) φ(y) dy. (9.6.3)
4kπt −∞
Então, u é uma função de classe C ∞ em D := R × (0, ∞) e suas derivadas parciais satisfazem ut (x, t) =
uxx (x, t) para todos x ∈ R e t > 0 e, assim, u é uma solução de ut (x, t) = uxx (x, t) em D. Alem disso, se φ
1
é contínua por partes, então u(x, t) → [f (x+) + f (x−)] quando t → 0+, para todo x ∈ R.
2
A expressão da função K acima obtida mostra que K(·, t) ∈ L1 (R) para todo t > 0 e, portanto, o
produto de convolução está bem denido para qualquer função limitada φ e t > 0. Em vista dos resultados
do Teorema 9.2.3, temos o seguinte
Corolário 9.6.1. Suponha que φ : R → R é contínua e limitada. Então, u(x, t) → φ(x) para todo x, quando
t → 0+. Se φ é limitada e uniformemente contínua, então supx∈R |u(x, t) − φ(x)| → 0 quando t → 0+.
É no sentido do Corolário 9.6.1 que dizemos que u satisfaz a condição inicial u(x, 0) = φ(x), −∞ < x < ∞.
Observação 9.6.1. Como vimos, a função u denida por (9.6.3) é uma solução do problema (9.6.2). Essa
solução é única na classe das funções u que satisfazem uma condição do seguinte tipo: existem um número
2
real ε>0 e uma constante C>0 tais que |u(x, t)| ≤ Ceε|x| para todos x e t > 0. Um exemplo (devido a
A. N. Tychonov - ver referencia D. Trim [21], p. 338-343) mostra que existem soluções não-nulas de (9.6.2)
com condição inicial nula. Tais soluções crescem muito rapidamente quando x → ±∞ e são descartadas por
não serem sicamente realistas. O que de concreto temos é que se a temperatura inicial φ é limitada, então
(9.6.3) é a única solução de (9.6.2). ♣
173
Alguns problemas importantes envolvendo a equação do calor unidimensional, mesmo quando formulados
em domínios não-limitados, podem envolver também condições de fronteira. Um exemplo é a formulação
matemática para o modelo da distribuição da temperatura u(x, t) numa barra semi-innita, representada
pelo intervalo [0, ∞). Vamos admitir que a temperatura inicial é dada por uma função u(x, 0) = φ(x) para
x > 0, e que a extremidade x=0 é mantida a uma temperatura conhecida u(0, t) = g(t). Se k > 0 indica
a condutividade do material constituinte da barra, então o problema proposto é determinar a solução do
seguinte problema de fronteira e condição inicial
ut = kuxx 0 < x < ∞, t > 0
u(0, t) = g(t), t>0 (9.6.4)
u(x, 0) = φ(x), 0 < x < ∞.
Vamos mostrar como utilizar a transformada de Fourier para tratar problemas desta natureza.
Essa discussão sugere a seguinte ideia para tratar o problema (9.6.4): que tal estender o dado inicial φ
para (−∞, ∞) e obter a solução como antes? Que extensão tomar? Bem, como queremos usar a transformada
de Fourier, é melhor nos preocuparmos com a transformada das derivadas sucessivas destas funções. Vamos
primeiro obter a transformada de Fourier de funções pares e ímpares e de suas derivadas.
174
Decorre do Teorema 9.6.2 que, se f é par, f, f0 e f 00 são absolutamente integráveis e existem os limites
laterais f (0+) 0
e f (0+), então integração por partes mostra que
Z ∞ Z ∞
00 00 ∞ 0
F [f (x)](ξ) = 2 f (x) cos(ξx) dx = 2f (x) cos(ξx)|0 + 2ξ f 0 (x) sen(ξx) dx
0 Z ∞ 0
= −2f 0 (0+) + 2ξ[f (x) sen(ξx)|∞
0 − ξ f (x) cos(ξx) dx] = −2f 0 (0+) − ξ 2 fb(ξ).
0
Nossa próxima aplicação é obter a solução do problema (9.6.4) mencionado acima. Vamos considerar
uma versão ligeiramente modicada de modo a incorporar um termo −αu na equação. O problema (9.6.4)
corresponde a α=0 em (9.6.5).
em que α e k > 0 são números reais e g e φ são funções que satisfazem propriedades que serão oportunamente
apresentadas.
Como temos muitos cálculos pela frente, a primeira providencia é fazer desaparecer o termo −αu na
equação. Para isso, tomamos u(x, t) = e−αt v(x, t): como ut = [−αv(x, t) + vt (x, t)]e−αt , a equação resultante
para v é vt (x, t) = kvxx (x, t) e condição de fronteira se
αt
transforma em v(0, t) = e g(t); a condição inicial
permanece inalterada.
sua transformada de Fourier com relação a x. Procedendo de maneira puramente informal, tomamos a
transformada de Fourier nos dois lados da equação vt = kvxx e usamos o Teorema 9.6.3 (ii):
∂ 2
xx (ξ, t) = −kξ v
vb(ξ, t) = k vc b(ξ, t) − 2kiξv(0+, t) = −kξ 2 vb(ξ, t) − 2kiξeαt g(t).
∂t
Essa é uma equação diferencial ordinária linear. A condição inicial para vb(ξ, ·) é b , ξ ∈ R.
vb(ξ, 0) = φ(ξ)
Pela formula da variação das constantes, a solução é dada por
Z t
2 2 (t−s)
vb(ξ, t) = e−kξ t φ(ξ)
b − 2kiξ e−kξ eαs g(s) ds.
0
175
Como b(ξ, t) = e−αt vb(ξ, t),
u concluímos que
Z t
−αt −kξ 2 t b 2 (t−s)
u
b(ξ, t) = e e φ(ξ) − 2k iξe−kξ e−α(t−s) g(s) ds. (9.6.6)
0
Tomando F −1 nos dois lados e lembrando o resultado da lina 6 da Tabela, escrevemos nalmente
Z t
−αt x 2 /4k(t−s)
u(x, t) = e (K(·, t) ∗ φ)(x) + √ (t − s)−3/2 e−x e−α(t−s) g(s) ds,
4kπ 0
Portanto,
∞
e−αt t
Z Z
−(x+y)2 /4kt −(x−y)2 /4kt x 2 /4k(t−s)
u(x, t) = √ [e −e ]φ(y) dy + √ (t − s)−3/2 e−x e−α(t−s) g(s) ds.
4kπt 0 4kπ 0
Antecipando objeções: a primeira parcela na expressão de u(x, t) é uma função ímpar, de classe C∞ e,
como tal, satisfaz u(0, t) = 0 para todo t >R 0. Isso leva você a pensar que a segunda parcela também é nula,
t
pois tem um x multiplicando a integral
0 , e portanto temos uma bobagem escrita - ledo engano, caro(a)
leitor(a)! - ; quando x → 0+, o integrando tende a innito por causa do fator (t − s)
−3/2 (estamos supondo
Rt
g , por exemplo, limitada). Assim, o produto x 0 ... tem uma indeterminação em x = 0. Como está escrita,
a expressão de u é mais comoda para vericar que ela fornece uma solução do problema (9.6.4) (Exercício!).
Como esperado, uma vez mais a expressão da solução u mostra que ela pode ser escrita como soma
u = u1 + u2 de duas soluções: a primeira resolve o problema (P1) e a segunda, o problema (P2), onde (P1)
e (P2) são
ut = kuxx − αu, 0 < x < ∞, t > 0 ut = kuxx − αu, 0 < x < ∞, t > 0
(P1) u(0, t) = 0, t>0 (P2) u(0, t) = g(t), t>0
u(x, 0) = φ(x), 0 < x < ∞. u(x, 0) = 0, 0 < x < ∞.
176
Uma última mudança: tomando t−s=τ na segunda integral, podemos ainda escrever u como
∞
e−αt t
Z Z
2 /4kt 2 /4kt x 2 /4kτ
u(x, t) = √ [e−(x+y) − e−(x−y) ]φ(y) dy + √ τ −3/2 e−x e−ατ g(t − τ ) dτ.
4kπt 0 4kπ 0
∂2u 2
∂x2
+ ∂∂yu2 (x, y) = 0, (x, y) ∈ H +
(x, y)
(D1) u(x, 0) = f (x), −∞ < x < ∞ (9.6.7)
u é limitada em H +
Vamos, mais adiante, explicitar que hipóteses devemos impor para a função f : R → R; por enquanto, admita
que f é contínua e integrável.
Como zemos quando discutimos a equação do calor, vamos inicialmente proceder de forma puramente
informal para obter uma expressão para a solução de (9.6.7) utilizando a transformada de Fourier. Seja
u = u(x, y) uma solução de (9.6.7) e seja u
b(ξ, y) sua transformada de Fourier com relação à variável x,
Z ∞
u
b(ξ, y) = e−iξx u(x, y) dx.
−∞
Então, tomando a transformada de Fourier com relação a x na equação diferencial em (9.6.7) e usando a
propriedade da linha 5 da Tabela da Seção anterior, obtemos
∂2u
−ξ 2 u
b
b(ξ, y) + = 0.
∂y 2
177
Comparando com a expressão obtida anteriormente, devemos ter C(ξ) = u
b(ξ, 0) = fb(ξ). Logo,
Teorema 9.6.4. Seja f :R→R uma função contínua e limitada e seja u : R × (0, ∞) → R denida por
Z ∞
1 yf (s) ds
u(x, y) = . (9.6.8)
π −∞ (x − s)2 + y 2
Então, u é a única solução do problema de Dirichlet (9.6.7): ∆u(x, y) = 0 para todo y > 0, u é limitada em
H+ limy→0+ u(x, y) = f (x) para todo x ∈ R. Se f é uniformemente contínua, então limy→0+ u(x, y) = f (x)
e
1
uniformemente. Se f é limitada e contínua por partes, então limy→0+ u(x, y) = [f (x+) + f (x−)].
2
R∞
A expressão (9.6.8) costuma ser escrita como o produto de convolução u(x, y) =
−∞ P (x − s, y)f (s) ds,
e
1 y
P (x, y) = (9.6.9)
π x + y2
2
∂2u ∂2u
(x, y) +
∂x2
(x, y) = 0, (x, y) ∈ D
∂y 2
(DN)
u(0, y) = g(y), y>0 (9.6.10)
u
y
(x, 0) = f (x) x>0
u é limitada em D
Primeiramente, observamos que qualquer solução do problema (9.6.10) pode ser escrita como soma u=
v + w, onde v e w são soluções limitadas dos problemas (DN)1 e (DN)2 , respectivamente, denidos por
∂2v ∂ v 2 ∂2w 2
∂x2
(x, y)
+ ∂y 2 (x, y) = 0, (x, y) ∈ D
∂x2
+ ∂∂yw2 (x, y) = 0, (x, y) ∈ D
(x, y)
(DN)1 v(0, y) = g(y), y>0 (DN)2 w(0, y) = 0, y>0
vy (x, 0) = 0 x>0 wy (x, 0) = f (x) x > 0.
178
y y y
0 uy = f x 0 vy = 0 x 0 wy = f x
Como a transformada de Fourier com relação a x não enxerga valores individuais de u(0, y), vamos
resolver o problema (DN)1 utilizando a transformada de Fourier par na variável y. Primeiro, estendemos g
a todo (−∞, ∞) colocando g(−y) = g(y) para y > 0 e, correspondentemente, denimos a extensão par de
uma solução v de (DN)1 ao semiplano X
+ = {(x, y) : x > 0} colocando v(x, −y) = v(x, y).
y
D
v=g
∆v = 0
vy = 0 x
X+
nos dois lados da equação vxx + vyy = 0 e levando em conta que uy (x, 0) = 0 e o Teorema 9.6.3 (i), obtemos
F [vyy ](x, ξ) = −2vy (x, 0+) − ξ 2 vb(x, ξ) = −ξ 2 vb(x, ξ), obtemos
∂2u
(x, ξ) − ξ 2 u
b
b(x, ξ) = 0. (9.6.11)
∂x2
Essa é uma equação diferencial ordinária linear homogênea para a função incógnita u
b(·, ξ) e variável inde-
pendente x e ξ é um parâmetro. Com o mesmo argumento que utilizamos no Exemplo anterior, concluímos
que a única solução lisa por partes limitada de (9.6.11) é vb(x, ξ) = C(ξ)e−x|ξ| . Como
Z ∞ Z ∞
vb(0, ξ) = e−iyξ v(x, y) dy = 2 v(0, y) cos(ξy) dy = gb(ξ),
−∞ 0
concluímos, nalmente, que vb(x, ξ) = e−x|ξ| gb(ξ). Agora, usando a transformação inversa F −1 e repetindo os
mesmo cálculos realizados no Exemplo anterior, concluímos que a solução v é dada por
Z ∞
1 xg(s) ds
v(x, y) = .
π −∞ x2 + (y − s)2
Lembrando que tomamos a extensão par de g e escrevendo a integral como soma das integrais em (−∞, 0] e
em [0, ∞), concluímos nalmente que a solução do problema (DN)1 é dada pela expressão
Z ∞
1 x x
v(x, y) = + g(s) ds. (9.6.12)
π 0 x2 + (y − s)2 x2 + (y + s)2
Agora, voltamos nossa atenção ao problema (DN)2 . Como já observamos anteriormente, vamos considerar
a extensão ímpar
de f a (−∞, ∞) e denir w em H
+ = {(x, y) : y > 0} pela sua extensão ímpar com relação
179
y
w=0
H+
D
∆w = 0
wy = f x
A discussão que segue é bastante informal e necessita de formalização. Ela está incluída aqui simplesmente
para motivar o resultado nal, que é correto sob hipóteses adicionais. O argumento utilizado é simplesmente
observar que se w é uma solução do problema (DN)2 em H + , então z(x, y) := wy (x, y) também é uma solução
de zxx + zyy = 0 em H + que satisfaz z(0, y) = 0, como boa função ímpar, e z(x, 0) = f (x). Pela Formula de
Poisson (9.6.8) (veja Exemplo 9.6.3 anterior), temos
Z ∞
1 yf (s) ds
z(x, y) = ,
π −∞ (x − s)2 + y 2
Z ∞
1 y y
z(x, y) = − f (s) ds.
π 0 (x − s)2 + y 2 (x + s)2 + y 2
∞
(x − s)2 + y 2
Z
1
w(x, y) = f (s) ln ds + φ(x),
2π 0 (x + s)2 + y 2
onde φ só depende de x. Substituindo em wxx + wyy = 0 concluímos que φ00 (x) = 0. Logo, φ(x) = Ax + B ;
entretanto, limitação de w implica φ(x) = B e w(0, y) = 0 implica que B = 0. Assim, a solução de (DN)2 é
∞
(x − s)2 + y 2
Z
1
w(x, y) = f (s) ln ds, (9.6.13)
2π 0 (x + s)2 + y 2
para todos x>0 e y > 0.
Logo, a solução do problema (9.6.10) é u(x, y) = v(x, y) + w(x, y), onde v e w são denidas por (9.6.12)
e (9.6.13), respectivamente.
Observação 9.6.2. (i) Naturalmente, f e g devem satisfazer condições para que (9.6.12) e (9.6.13) façam
sentido. Pelo Teorema 9.6.4, é suciente que g : (0, ∞) → R seja contínua e limitada; para f devemos impor
uma condição de modo que a integral impropria seja convergente - podemos tomar f, por exemplo, com
suporte compacto.
(ii) Repassando os argumentos utilizados, nossa discussão sugere que uma expressão para a solução do
problemauxx + uyy = 0 no semiplano superior H +, com condição de fronteira de Neumann uy (x, 0) = f (x),
−∞ < x < ∞, deve ser dada por
Z ∞
1
u(x, y) = f (s) ln[(x − s)2 + y 2 ] ds. (9.6.14)
2π 0
Teorema 9.6.5.
R∞
Se f é uma função contínua com suporte compacto e
−∞ f (x) dx = 0, então u denida
por (9.6.14) é uma solução do problema de Neumann uxx + uyy = 0 em H
+ que satisfaz u (x, 0) = f (x).
y
Alem disso, exceto por uma constante aditiva, ela é a única solução limitada: se ū é outra solução limitada,
então existe uma constante c tal que ū − u = c +
em H .
180
Esse resultado é devido a K. Wang. Para a demonstração, ver a referencia [23].
Exemplo 1. Sejaf (x) = x para −1 ≤ x ≤ 1, f (x) = 2 − x para 1 < x < 2, f (x) = −2 − x se −2 < x < 1 e
f (x) = 0 para |x| ≥ 2.
É imediato vericar que f satisfaz as hipóteses do Teorema 9.6.5. Seja w denida por (9.6.14). Como f
é ímpar e nula para |x| ≥ 2, temos
Z 0 Z 2
1 2 2 1
w(x, y) = f (s) ln[(x − s) + y ] ds + f (s) ln[(x − s)2 + y 2 ] ds
2π −2 2π 0
2 Z Z 2
1
=− f (t) ln[(x + t)2 + y 2 ] dt + f (s) ln[(x − s)2 + y 2 ] ds
2πZ 0 Z 20
1
1 (x − s)2 + y 2 1 (x − s)2 + y 2 1
= s ln 2 2
ds + (2 − s) ln 2 2
ds = (I1 (x, y) + I2 (x, y)).
2π 0 (x + s) + y 2π 1 (x + s) + y 2π
−2 −1
1 2 x
(x−1)2 +y 2
h i
I1 (x, y) = 12 (1 − x2 + y 2 ) ln (x+1)2
+y 2
+ 2xy arctg x+1
y − arctg x−1
y + 2x
2 2 2 2 2 2 2 2
I2 (x, y) = 2 ln yy2 +(x+2)
+(x−2)
− 3 ln y +(x−1)2 + 12 [y 2 − x2 − 4x] ln yy2 +(x+2) + 12 [y 2 − x2 + 4x] ln yy2 +(x−1)
n h2 2 y2 +(x+1)
i h +(x+1)2 io +(x−2)2
x+2 x+1 x−1 x−2
−2y (x + 2) arctg y − arctg y + (x − 2) arctg y − arctg y + 2x.
1
Portanto, para todo y > 0, a solução é dada por w(x, y) = 2π (I1 (x, y) + I2 (x, y) (essa deve ser a maior
função harmônica que eu já escrevei!).
Analisando o comportamento da diferença arctan(a/y) − arctan(b/y), onde a e/ou b pertencem aos
diversos intervalos (−∞, −2), (−2, −1), (−1, 0), etc, não é muito difícil constatar que lim wy (x, y) = f (x).
y→0+
Por exemplo, se x ∈ (0, 1), temos
∂I1 x+1 x−1
lim (x, y) = lim 2x arctg − arctg = 2πx
y→0+ ∂y y→0+ y y
∂I2
e lim (x, y) = 0, uma vez que
y→0+ ∂y
x+2 x+1 x−1 x−2
lim arctg − arctg =0 e lim arctg − arctg =0
y→0+ y y y→0+ y y
quando 0 < x < 1. Assim, lim wy (x, y) = x = f (x) quando 0 < x < 1. Os demais subintervalos são
y→0+
analisados da mesma maneira. ♣
R∞
Quando f é limitada, mas não é contínua nem satisfaz a condição
−∞ f (x) dx = 0, a derivada normal
1
da função dada por (9.6.14) converge, quando y→ 0+, para 2 [f (x+) + f (x−)] para todo x. Isso é ilustrado
no próximo exemplo.
Exemplo 2. f (x) = 0 para |x| ≥ 1 e f (x) = 1 para −1 < x < 1, então w dada por (9.6.14) satisfaz
Se
Z 1 Z x+1
2πw(x, y) = ln[(x − s)2 + y 2 ] ds = ln(τ 2 + y 2 ) dτ = [τ ln(τ 2 + y 2 ) − 2τ + 2y arctg(τ /y)]|x+1
x−1
−1 x−1
= (x + 1) ln[(x + 1)2 + y 2 ] − 2(x + 1) + 2y arctg((x + 1)/y)
−[(x − 1) ln[(x − 1)2 + y 2 ] − 2(x − 1) + 2y arctg((x − 1)/y)].
181
Portanto,
0, se |x| > 1
2 1
lim wy (x, y) = lim [arctg((x + 1)/y) − arctg((x − 1)/y)] = se x = ±1
y→0+ y→0+ 2π 2
1 se − 1 < x < 1,
como esperado. ♣
182
Referências Bibliográcas
[1] F. A. Baidoo, https://math.uchicago.edu/ may/REU2015/REUPapers/Baidoo.pdf.
[5] G. Chilov, Analyse Mathématique - Fonctions d'une Variable, II, Éditions Mir, Moscou, 1973.
[6] J. B. le Rond d'Alembert, Recherches sur la courbe que forme une corde tenduë mise en vibration,
Histoire de l'Académie royale des sciences et belles lettres de Berlin. 3. pp. 214219 e 220-249.
[13] F. John, Partial Dierential Equations, 3th. Ed., Applied Mathematical Sciences, Springer-Verlag,
1978.
http://www.bcamath.org/projects/NUMERIWAVES/Burgers_Equation_M_Landajuela.pdf.
[16] A.-M. Legendre, A.-M. (1785) [1782]. Recherches sur l'attraction des sphéroïdes homogènes. Mémoires
de Mathématiques et de Physique, présentés à l'Académie Royale des Sciences, par divers savans, et
lus dans ses Assemblées (in French). X. Paris. pp. 411435. Archived from the original (PDF) on
2009-09-20.
[17] M. A. Naimark, Linear Dierential Operators (vol. 1), Frederick Ungar, New york, 1967.
[18] I. Petrovsky, Lectures on Partial Dierential Equations, Dover Ed., 1991.
[19] Allan Pinkus, Weierstrass and Approximation Theory, Journal of Approximation Theory 107, p. 1-66,
2000.
183
[20] Anton R. Schep, THE WEIERSTRASS'PROOF OF THE WEIERSTRASS APPROXIMATION THE-
OREM, disponível em https://people.math.sc.edu/schep/weierstrass.pdf.
http://www.math.mcgill.ca/gantumur/math581w19/BurgersEquation_ZhenheZhang.pdf.
184
Índice Remissivo
Adjunto formal, 124 Desigualdade
Aproximação da Identidade, 161 de Bessel, 63, 79, 100
Apéry, Roger, 65 de Cauchy-Schwarz, 98, 154
Autofunção, 84, 88, 108 triangular, 98
Autovalor, 84, 88, 108 domínio de dependência, 26
domínio de inuência, 26
Base de Hilbert, 101, 114, 127 domínio maximal de existência, 11
Base ortonormal, 62
Bernoulli, Daniel, 51, 65 Equação
das Ondas, 23, 52
choque, 15 de Bessel, 137
Coecientes de Fourier, 57, 99 de Burger, 15
Condição de Euler, 148
de Dini, 69 de Euler-Cauchy, 129
de Hölder, 69 de Laplace, 42, 89, 111
de Lipschitz, 69 de Segunda Ordem, 37
de Transversalidade, 13 de Tricomi, 42
inicial, 9 do calor, 42, 83
condição elíptica, 39
de Dirichlet, 51 hiperbólica, 38
Condições de fronteira, 52 parabólica, 38
autoadjuntas, 124 Erro quadrático
de Dirichlet, 52, 84 médio, 62
de Neumann, 85 mínimo, 62, 100
de Robin, 88 Espaço
mistas, 88 com produto interno, 59
periódicas, 86, 125 completo, 100, 117
separadas, 125 de Hilbert, 99
Conjunto de medida nula, 117 vetorial, 61
Conjunto Ortogonal, 98, 133, 147 vetorial complexo, 97
Conjunto Ortonormal, 59, 146 Euler, Leonhard, 51
completo, 89, 101, 127, 130, 131, 148 Extensão
Constante de Euler-Mascheroni, 140 par, 59
convolução, 154 periódica, 55, 71
Coordenadas ímpar, 59
esféricas, 111
polares, 91 Forma Canônica, 3841
Curva Formula
integral, 12 de Poisson, 94
185
C∞ com suporte compacto, 160 Problema
analítica, 40 de autovalores, 84
contínua por partes, 57, 71, 115, 154 de Cauchy, 9, 11, 15, 17, 18
de Bessel de primeira espécie, 139 de contorno, 52
de Bessel de segunda espécie, 139, 140 de Dirichlet, 89, 90
geradora, 103, 114, 142 de Dirichlet no disco, 94
integrável, 57 de Dirichlet num retângulo, 90
peso, 119 de Dirichlet num retângulo polar, 91
zeta de Riemann, 65 de Dirichlet numa coroa, 92
de Dirichlet numa esfera, 111
Gramniano, 103
de Sturm-Liouville, 108
hipersuperfície, 16 de valor de fronteira, 52
isoperimétrico, 76
Identidade
Problema de Sturm-Liouville
de Christofel-Darboux, 110
regular, 125, 129
de Green, 89
singular, 132
de Lagrange, 124, 147
Processo de ortogonalização de Gram-Schmidt,
de Parseval, 64, 79, 102, 130
102
Integração ao longo das características, 38
Produto de convolução, 154
Lagrange, Joseph-Louis, 51 propriedades básicas, 155
Laplaciano, 50, 89 Produto interno, 61, 79, 97, 113, 115
autovalores do, 136, 149 Projeção ortogonal, 62, 99
em coordenadas esféricas, 111
Relações de Ortogonalidade, 53, 59, 79
em coordenadas polares, 91
Riemann, Bernhard, 65
Lebesgue, Henri, 61, 117
Lema de Riemann-Lebesgue, 63, 68 Sequência de Cauchy, 99
Sobolev, Sergei, 26
Mudança de Variáveis, 37
Superfície não-característica, 16
Método
Série
de Fourier, 52
de Fourier, 51, 53, 58, 99
de Frobenius, 138
de Fourier complexa, 77
de separação de variáveis, 52, 83, 90
de Fourier de cossenos, 59
não característico, 13, 19 de Fourier de senos, 59
Núcleo de Fourier-Bessel, 149
de Dirichlet, 67 de Fourier-Legendre, 110
de Fourier-Legendre, 110 de MacLaurin, 103
de Poisson, 94
Teorema
onda unidimensional, 22 de aproximação de Weierstrass, 119
Operador de Cauchy-Kowalewsky, 40
autoadjunto, 123 de Existência e Unicidade, 13
formalmente autoadjunto, 124 de Green, 27, 136
Ortogonalidade, 98 de Pitágoras, 62, 98
do Divergente, 136
parametrização, 16
Espectral, 123
Polinômios
Teste de Weierstarss, 73
de Chebychev, 113
Transformada de Fourier, 153
de Laguerre, 114
inversa, 153
de Legendre, 103, 105107, 109, 113
transversal, 12, 13
ponto singular regular, 138
Tricomi, Francesco G., 42
potencial eletrostático, 89
potencial gravitacional, 103 velocidade de propagação, 22
Princípio
Weierstrass, Karl, 54
da Localização de Riemann, 68
da Superposição, 6, 25 Zeros das funções de Bessel, 144, 146
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