MACIEL, 1997. Primeiros Caminhos Primeiros Olhares
MACIEL, 1997. Primeiros Caminhos Primeiros Olhares
MACIEL, 1997. Primeiros Caminhos Primeiros Olhares
Resumo: Este texto procura sistematizar dados sobre os primeiros relatos e trabalhos
de natureza etnográfica e antropológica envolvendo populações do Estado do Rio
Grande do Sul, compreendendo o período anterior ao da criação da disciplina na
UFRGS. Iniciando com as primeiras informações de europeus sobre as populações
indígenas encontradas, segue com os relatos de estrangeiros e as contribuições dos
chamados “eruditos locais”.
Abstract: This article aims as systematizing data from the first reports and hooks
involving populations from the state of Rio Grande do Sul, covering a period prior to
the creation of the discipline of Anthropology at the Federal University of Rio Grande
do Sul. Beginning with the first records by Europeans on indigenous populations, we
follow up with a consideration on travel logs left by foreign visitors and, finally, the
works of “local erudites”.
Introdução
Este trabalho faz parte de um projeto institucional desenvolvido dentro
do Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da UFRGS a partir de
1990, Durante este período, o projeto contou com a colaboração de diversos
pesquisadores que, em momentos distintos, integraram a equipe. O idealizador
do projeto foi o professor Ruben George Oliven, que foi seu primeiro coor-
denador. Posteriormente, a coordenação ficou a cargo do professor Bernardo
Lewgoy e, atualmente, está com a professora Maria Eunice Maciel. O projeto
contou com o trabalho das antropólogas Sinara Robin e Lúcia Muller, numa
fase inicial, e de diversos alunos, que contribuíram para o seu desenvolvimen-
to. Entre o material já coletado encontram-se entrevistas com antigos profes-
sores, textos didáticos, fotos e filmes que constituem o início de um acervo
sobre o tema que está, no momento, em fase de organização.
Os primeiros registros
Atualmente observa-se um interesse crescente pelos antigos relatos (es-
critos e pictóricos) – particularmente pelos efetuados por cronistas, viajantes
e artistas que percorreram as terras brasileiras nos primeiros tempos de seu
povoamento tais como os de Thevet (1557) ou de Léry (1578), relatos de
viagens que influenciaram no pensamento europeu.1 Sobre este assunto, Ana
Maria Belluzzo (1996, p. 10) assim coloca:
[…] No entanto, essas obras só podem dar a ver um Brasil pensado por outros.
O olhar dos viajantes espelha, também, a condição de nos vermos pelos olhos
deles. As obras configuradas pelos viajantes engendram uma história de pontos
de vista, de distâncias entre modos de observação, de triangulações do olhar.
Mais do que a vida e a paisagem americana, exigem que se focalize a espessa
camada da representação. Evidenciam versões mais do que fatos. Na sua origem,
as imagens elaboradas pelos viajantes participam da construção da identidade
européia. Apontam modos como as culturas se olham e olham as outras, como
1
Ver Todorov (1989).
2
Como estamos lidando com um período inicial, para fins de análise, os limites extrapolam o que hoje
constitui o Rio Grande do Sul que nesta época era uma “terra de ninguém”.
3
Cf. Jaeger (1956, p. 22). Segundo este autor, o relatório do padre Rodrigues foi publicado por S. Leite no
vol. 194 da Brasiliana, p. 196-246.
4
É de sua autoria também Os bem-aventurados Roque Gonzales, Afonso Rodriguez e João del Castillo,
Livraria Selbach, Porto Alegre.
O povoamento
Com o povoamento, surge na região uma sociedade que aos poucos se
estabelece com alguns contornos particulares, especialmente no que se refere
à militarização. A tardia colonização fez com que o Rio Grande do Sul fosse
povoado não apenas por portugueses vindos diretamente da metrópole mas,
também e principalmente, por Ilhéus (açorianos) e pelos chamados “vicenti-
nos” ou “lagunistas” (particularmente soldados), populações de origem portu-
guesa porém de áreas de povoamento já estabelecidas no Brasil. Assim, como
em outras regiões, trata-se de um povoamento de desdobramento, já contando
com misturas raciais e culturais. Junte-se a este fato a influência da coloniza-
ção espanhola vizinha e esta região toma contornos que poderíamos chamar
de “particulares” no que concerne ao Brasil.
Decorre daí um interesse em assinalar as características da região. Já em
1777, o cirurgião-mor de um regimento do Rio Grande do Sul, Francisco Ferreira
de Souza, relata os costumes locais da população de origem européia que havia
se estabelecido e elabora a primeira coleção de vocábulos e frases característi-
cas da região sendo que suas apreciações são particularmente depreciativas em
relação aos locais comparando-os com os europeus como segue:
morrem; as camas constão de hum Couro, e hum ponxe por abuzarem dos
lançoes. (Souza, 1979, p. 246).
5
Cf. Saint-Hilaire (1974).
6
Cf. Isabelle (1983).
7
Cf. Beschoren (1989).
A intenção deste livro é, por enquanto, descrever uma região, conhecida pelo
autor, conforme a verdade e a finalidade da emigração; tirar as consequências,
fica a critério do leitor. […] Também eu, um admirador do gênero humano em
suas baixesas e grandezas, convencido dos incomensuráveis tesouros que o solo
virginal do Brasil guarda em seu regaço para o trabalhador aplicado, pego, em-
bora mais acostumado à espada, da pena, na esperança de me tornar útil ao país
e aos meus patrícios. (Hormeyer, 1986, p. 15, 16).
Os eruditos locais
Já no século XIX iniciaram-se os estudos sobre a população local rea-
lizados por brasileiros ou por estrangeiros radicados no Rio Grande do Sul e
cuja preocupação não se limitava a aspectos referentes às possibilidades imi-
gratórias (embora em alguns estivesse também presente). Eram estudos em-
brionários, porém, já mostravam uma preocupações de certo cunho etnológico
e lingüístico procurando detectar particularidades da sociedade aqui formada,
ou seja, entram em jogo as diferenças. De certa forma, também representa
uma busca pelo “pitoresco” e o “exótico” do território.
Um caso particular é o de Nicolau Dreys cuja obra foi editada em por-
tuguês em 1839/1840. Embora também contenha informações gerais sobre o
território, tal como os estrangeiros anteriormente citados, Dreys viveu durante
muitos anos no Rio Grande do Sul e sua obra, publicada durante a Revolução
Farroupilha, não é, necessariamente, voltada para o exterior. E dele uma das
descrições mais completas do grupo de gaúchos e dos rio-grandenses (com os
quais estabelece distinções), utilizada até hoje por quem trabalha com o tema.
Citando um breve extrato:
8
Primeira edição possivelmente de 1839.
9
Cf. Spalding (1956, p. 197, 229).
Lutou pela imigração européia porém salientava que esta deveria ser fei-
ta através das colônias, núcleos baseados na pequena propriedade familiar e
não como forma de suprir de mão de obra as grandes lavouras baseadas no
latifúndio, em substituição ao braço escravo africano. Foi em função disso
que bateu-se contra a imigração chinesa, em 1883, tentada por Tong – King
– Sing, da China Merchant’s Steam Navigation Company. Estando no Rio de
Janeiro, relata:
No que diz respeito ao interessante chinês, devo ainda ajuntar que ele chegou a
três dias, tendo sido recebido com o maior entusiasmo pelos barões do café, de
10
Cf. Carneiro (1959, p. 19). As informações aqui utilizadas baseiam-se, principalmente se bem que não
exclusivamente, neste autor, seu principal biógrafo.
tal maneira que no mesmo dia de sua chegada compareceu a um baile nos salões
de conto de fada do palácio Haritoff com o qual Madame Haritoff encerrou a
estação. Ali, naqueles salões dourados, onde corria em torrentes a champanha
paga com o suor dos negros e nos quais a nata da sociedade daqui, que vive do
trabalho dos negros, exibe o seu luxo, o mandarim foi naturalmente o herói do
dia considerado como um Messias. […] Nós declaramos guerra ao latifúndio e
tentamos levar à vitória o sistema de pequenas propriedades, com a introdução
de colonos agricultores. Os barões do café pretendem continuar a sua vida de
vagabundos e se esforçam por isso na procura de novos escravos de cor amarela
em substituição aos antigos pretos.11
11
Artigo de 13 de outubro de 1883 (Carneiro, 1959, p. 32).
12
Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, números de 1921 a 1929.
13
Ver o artigo de Dayse Macedo de Barcellos nesta publicação.
14
Informação do professor Dante de Laytano.
15
Esta publicação da Editora Globo criada em 1945 teve grande importância na vida intelectual da região.
Embora de caráter regional, dedicava-se às letras e ciências humanas em geral publicando trabalhos de,
por exemplo, Artur Ramos, Gilberto Freyre, Manuel Diégues Junior, Oliveira Viana, Emílio Willems,
Antônio Cândido, Nelson Werneck Sodré, Sergio Buarque de Holanda e Helio Vianna.
Referências
BASTIDE, R. As congadas do Sul do Brasil. Província de São Pedro, Porto
Alegre, n. 10, 1947.