Noção de Direito Administrativo

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Noção de direito administrativo

É o ramo do Direito Público constituído pelo sistema de normas jurídicas que, em


termos específicos, regulam a organização e a atividade da Administração Pública,
disciplinam as relações procedimentais, substantivas e processuais daquela com os
particulares e asseguram a responsabilidade democrática da Administração.

Quatro ideias-chave para concretizar o fenómeno jurídico-administrativo: a


organizatória, a funcional, a relacional e a da responsabilidade democrática
(accountability)

Noção de administração em geral

No seu sentido comum, administração significa uma gestão de recursos escassos, através
do funcionamento de uma organização, para obtenção de utilidades (que podem ser
permanentes, periódicas ou fortuitas), segundo opções racionais (finalidades e
prioridades) que foram pré-definidas (em regra, por outrem).

O conceito de “administração” pode ser entendido em sentido subjectivo ou


orgânico, representando então o quadro institucional ou a organização que realiza a
gestão (em regra, escrito com maiúscula) – por exemplo, quando se referem as
decisões ou as actuações da “Administração”. Tal como pode ser entendido em
sentido objectivo, designando, então, a tarefa ou actividade desenvolvida – por
exemplo, quando se refere a necessidade de uma “administração” eficiente ou eficaz.

Características típicas da administração pública

Estas notas genéricas do conceito verificam-se na administração pública, que, no


entanto, apresenta características específicas.

Por um lado, a administração pública implica a existência necessária de fins públicos,


isto é, visa directamente a satisfação daquelas necessidades colectivas que sejam
qualificadas como interesses públicos por referência ao entendimento, em cada época,
do que é indispensável ou adequado à realização das finalidades últimas da comunidade
política.

Actualmente, as finalidades reconhecidas à comunidade política são a Segurança, a


Justiça e o Bem-estar, que constituem, assim, o que se designa tradicionalmente por
interesse público primário.

A lei define os “interesses públicos secundários”, que correspondem às necessidades


colectivas instrumentais dessas finalidades últimas, determinando as actividades que
qualifica como tarefas públicas, cuja realização atribui e impõe às entidades públicas.

Essa atribuição de tarefas pode ser feita em exclusividade (uso legítimo da força,
justiça, defesa, segurança pública, tributação), ou, sobretudo no que respeita ao Bem-
estar, com a complementação pelo sector social (não lucrativo) e pelo sector privado
(nas áreas da saúde, segurança social e educação). Admite-se ainda a possibilidade de
concessão translativa (serviços públicos de abastecimento de água e de recolha,
tratamento e rejeição de efluentes, serviço postal universal, transportes ferroviários,
exploração dos portos de mar, construção e exploração de infra-estruturas) ou de
delegação (auto-regulação do desporto federado) de algumas das tarefas públicas a
favor de entidades privadas.

Acentua-se hoje uma limitação das tarefas de prestação pública – assim, sobretudo
por determinação europeia, privatizam-se serviços essenciais ou de interesse económico
geral (como, por exemplo, a energia, os transportes e as telecomunicações), em que
passam a caber à Administração, como tarefas públicas, a regulação, a fiscalização, a
garantia da universalidade do serviço e a defesa dos consumidores, cuja prestação
passou a ser tarefa privada e a ser cometida a empresas privadas, actuando em
concorrência no mercado.

Por outro lado, a actividade pública administrativa está, por definição, sujeita a previsão
normativa (é, nesse sentido, tipicamente executiva) e a subordinação política (é de
natureza heterónoma).
A qualificação de interesses colectivos como interesses públicos, bem como a
atribuição da respectiva prossecução a entidades públicas (ou sob direcção ou controlo
público), exprimem escolhas realizadas num momento anterior e num plano
superior, ao nível político-legislativo – plano em que, no âmbito europeu ou nacional,
se definem as “políticas públicas”, entre nós, em regra, mediadas, concretizadas ou
determinadas pela via legislativa governamental (decreto-lei).

Administração pública em sentido organizatório

A prossecução dos fins públicos, sendo obrigatória, exige uma aparelhagem


especializada, com uma lógica própria de funcionamento, que assegure a satisfação
regular, disciplinada e contínua das necessidades colectivas publicamente assumidas.

Pode conceber-se teoricamente a “Administração Pública” como uma unidade


administrativa, tendo como “órgão superior” o Governo (nos termos do artigo 182.º
da Constituição). Trata-se, no entanto, especialmente hoje, na sequência de
fenómenos generalizados de pluralização e de privatização, de uma estrutura complexa,
composta por um grande número de entes públicos, que se agrupam, a diversos
níveis, em sectores fundamentais – na realidade há diversas «Administrações
públicas».

O aparelho administrativo em sentido estrito é formado pelas pessoas

colectivas públicas, que, numa perspectiva sumária, se podem estruturar em

dois grandes conjuntos:

a) Administrações estaduais (que visam a satisfação directa de interesses


nacionais):
aa) Administração estadual directa, que corresponde à pessoa colectiva
pública Estado (Estado-Administração), constituída pelos órgãos e serviços,
hierarquicamente dependentes do Governo, organizados em Ministérios,
sediados num centro (central) ou espalhados pelo território (periférica);
ab) Administrações estaduais indirectas, formadas por institutos públicos,
pessoas colectivas públicas (distintas do Estado), que desempenham tarefas
estaduais específicas (relativas a interesses nacionais) em nome próprio, sob
a superintendência e tutela do Governo;
ac) Autoridades reguladoras independentes, que são entes da administração
estadual indirecta com autonomia acrescida perante o Governo,
encarregadas da supervisão e regulação da actividade económica dos sectores
privado, público, cooperativo e social, designadamente prestadores de
serviços de interesse geral (actividades financeiras, energia, telecomunicações,
transportes, saúde);
ad) Autoridades administrativas independentes: autoridades ligadas ao
Parlamento, com poderes predominantes de fiscalização da legalidade
administrativa e de garantia dos direitos dos cidadãos (Provedor de Justiça,
CNDH).
b) Administrações autónomas, constituídas por entes de base associativa, que
satisfazem, em primeira linha, interesses próprios das comunidades respectivas,
através de órgãos eleitos, sob a fiscalização do Governo, que podem ser:
ba) territoriais: autarquias locais (municípios);
bb) corporativas (designadamente, as «associações públicas», como as Ordens
profissionais ou as Academias).

Os entes administrativos autónomos de fins múltiplos (em especial as autarquias


territoriais) também podem criar entes públicos de carácter institucional, com fins
específicos, que constituem uma administração autónoma indirecta (empresas públicas
municipais, fundações municipais), ou então uma administração de 2.º grau
(associações de municípios, empresas intermunicipais, consórcios públicos).

A Administração Pública compreende ainda, como veremos, entidades privadas


administrativas (entes privados de mão pública) – designadamente, as sociedades de
capitais exclusiva ou maioritariamente públicos (que são empresas públicas) e as
fundações privadas de instituição pública – que constituem uma administração
indirecta privada (estadual, regional ou municipal).

Administração pública em sentido material - funcional

A administração pública, entendida em sentido material (ou funcional-material),


engloba as actividades ou as tarefas substancialmente administrativas, desenvolvidas,
em regra, pelos órgãos do Estado e demais entes públicos.

Esta dimensão pressupõe que a função administrativa se distingue substancialmente


das outras funções públicas estaduais (legislativa, política e jurisdicional), em termos
que serão tratados posteriormente.

Inclui-se também na função administrativa a actividade desenvolvida por entidades


privadas (não só por entidades privadas criadas pela Administração, mas por
verdadeiros privados), na medida em que implique o exercício de poderes públicos ou
seja regulada por princípios ou disposições normativas específicas de direito
administrativo.

Em contrapartida, exclui-se da função administrativa, em princípio, a actividade


desenvolvida pelos entes públicos administrativos, no puro exercício da sua capacidade
de direito privado, por exemplo: negócios auxiliares, administração do património,
administração de estabelecimentos económicos em concorrência ou gestão de
participações públicas em empresas – embora, em razão do seu carácter instrumental
e sobretudo dos sujeitos actuantes, tal actividade esteja adstrita ao cumprimento dos
princípios gerais de direito administrativo e, eventualmente, a pré-procedimentos de
natureza pública.

Administração pública em sentido jurídico-formal

A forma típica tradicional da actividade jurídica de autoridade da Administração


pública era o acto administrativo, concreto e unilateral, mas hoje têm de considerar-
se igualmente como formas principais o regulamento e o contrato administrativo.
Há a considerar, para além disso, outras actuações jurídicas, instrumentais
(preparação, comunicação e execução dos actos, regulamentos e contratos
administrativos) ou de cumprimento directo da lei, bem como as operações materiais
(acções materiais de exercício e acções materiais de execução) da Administração Pública
– e, actualmente, as actuações administrativas informais, apesar de estas, em regra,
terem uma relevância jurídica atenuada.

Em síntese, considerando os diversos aspectos referidos, podemos concluir que a


administração pública constitui o objecto do Direito Administrativo, nos termos
seguintes.

O Direito Administrativo abrange, em primeira linha, as normas que regulam a


actividade materialmente administrativa das pessoas colectivas públicas, determinando os
fins (interesses públicos), a organização e a competência dos órgãos, o regime
jurídico da actividade e os meios de controlo e fiscalização.

O Direito Administrativo visa, no seu núcleo, disciplinar o exercício de poderes


públicos de autoridade, que justifica a sua autonomia substancial como subsistema
jurídico (face ao direito privado) – por isso, é ainda aplicável à actividade
desenvolvida por pessoas colectivas privadas, quando actuem no exercício de
prerrogativas de autoridade pública.

O Direito Administrativo não regula toda a actividade materialmente


administrativa das Administrações públicas, as quais, seja no mero uso da sua
capacidade privada, seja no exercício próprio da função administrativa, lançam mão,
cada vez mais, de formas organizativas e de regimes substantivos de direito privado –
situações em que se verifica uma miscigenização do direito administrativo com o
direito privado, ou, pelo menos, a sujeição dessa actividade “administrativa privada”
aos princípios gerais de direito administrativo.

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