A Crise Dos Anos Vinte e A Revolução de Trinta

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FERREIRA, Marieta de Moraes; PINTO, Surama Conde Sá.

A Crise dos anos 20 e a Revolução de


Trinta . Rio de Janeiro: CPDOC, 2006. 26f.

A Crise dos Anos Vinte e a Revolução de Trinta

Marieta de Moraes Ferreira


Surama Conde Sá Pinto

1. Introdução

Nos anos vinte a sociedade brasileira viveu um período de grande efervescência


e profundas transformações. Mergulhado numa crise cujos sintomas se manifestaram
nos mais variados planos o país experimentou uma fase de transição cujas rupturas mais
drásticas se concretizariam a partir do movimento de 1930.
O ano de 1922, em especial, aglutinou uma sucessão de eventos que mudaram de
forma significativa o panorama político e cultural brasileiro. A semana de Arte
Moderna, a criação do Partido Comunista, o movimento tenentista, a criação do Centro
Dom Vital, a comemoração do centenário da Independência e a própria sucessão
presidencial de 1922 foram indicadores importantes dos novos ventos que sopravam,
colocando em questão os padrões culturais e políticos da Primeira República.
Do ponto de vista econômico, a década de vinte foi marcada por altos e baixos.
Se nos primeiros anos o declínio dos preços internacionais do café gerou efeitos graves
sobre o conjunto da economia brasileira, como a alta da inflação e uma crise fiscal sem
precedentes, por outro também se verificou uma significativa expansão do setor cafeeiro
e das atividades a ele vinculadas. Passados os primeiros momentos de dificuldades, o
país conheceu um processo de crescimento expressivo que se manteve até a Grande
Depressão em 1929. 1 A diversificação da agricultura, um maior desenvolvimento das
atividades industriais, a expansão de empresas já existentes e o surgimento de novos
estabelecimentos ligados a indústria de base foram importantes sinais do processo de
complexificação pelo qual passava a economia brasileira.
Junto com estas mudanças observadas no quadro econômico processava-se a
ampliação dos setores urbanos com o crescimento das camadas médias, da classe

1
Para um aprofundamento da discussão sobre a crise econômica brasileira em 1922 ver: FRITSCH,
Winston. “1922: A Crise econômica.” In: Revista Estudos Histórico, Rio de Janeiro, vol. 6, n.º 11, 1993,
p. 3-8.

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trabalhadora e a diversificação de interesses no interior das próprias elites econômicas.
Em seu conjunto estas transformações funcionariam como elementos de estímulo a
alterações no quadro político vigente colocando em questionamento as bases do sistema
oligárquico da Primeira República.

2. Os Fundamentos do Sistema Político na Primeira República

Um alto grau de instabilidade marcou a tônica dos primeiros anos do regime


instituído em 1889. Se a defesa do federalismo era algo que unia grupos dominantes e
representantes das principais províncias, outras questões relativas ao formato a ser dado
ao novo sistema político provocavam inúmeras divergências. 2
A primeira Constituição republicana do país, inspirada no modelo norte-
americano, viria consagrar como forma de governo a República Liberal Federativa,
garantindo ampla autonomia para os estados e instituindo um regime formalmente
representativo democrático. 3 Nem a Carta de 1891, contudo, nem as alternativas
buscadas nos anos seguintes foram capazes de dar forma a um sistema político que
respondesse a três problemas fundamentais: o da geração de atores políticos, o das
relações entre os Poderes Executivo e Legislativo e o da interação entre poder central e
poderes regionais.
A República Brasileira só conseguiria lançar bases para sua estabilidade, através
do equacionamento destas questões, com a criação em 1898 do pacto político conhecido
como política dos governadores ou política dos estados, como preferia denominá- lo
Campos Sales, seu idealizador. “Com Campos Sales a República encontraria(sic) sua
rotina” (LESSA, 1987).
A política dos governadores teve como objetivos: confinar as disputas políticas
no âmbito de cada estado, impedindo que conflitos intra-oligárquicos transcendessem
as fronteiras regionais provocando instabilidade política no plano nacional; chegar a um

2
Para uma análise dos diferentes projetos de república em disputa no período ver: CARVALHO, José
Murilo de. Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das
Letras, 1987, capítulo II.
3
Apesar da supressão do critério censitário, ao excluir menores de vinte e um anos, mulheres,
analfabetos, praças de pré e frades, a Constituição de 1891 deixou como margem para a qualificação
enquanto eleitores um índice bastante reduzido da população brasileira, que girou no período entre 1,4 e

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acordo básico entre a união e os estados; e pôr fim às hostilidades existentes entre
Executivo e Legislativo, controlando a escolha dos deputados.
A inovação política introduzida para efetivá- la foi a reforma do Regimento
Interno da Câmara no tocante à constituição da Comissão de Verificação de Poderes.
Anteriormente cabia ao parlamentar mais idoso entre os presumidamente eleitos para a
presidência da Câmara nomear cinco deputados para formar a comissão encarregada de
decidir sobre a legitimidade dos mandatos dos demais congressistas. Com o novo
critério o encarregado de nortear a Comissão de Verificação passou a ser o mesmo da
legislatura anterior. Paralelamente se procedeu a uma definição mais precisa dos
diplomas: pelo novo texto o diploma passou a ser a ata geral da apuração da eleição,
assinada pela maioria da Câmara Municipal, encarregada por lei de coordenar a
apuração eleitoral. Com estas mudanças as eleições passaram a ser decididas antes que a
Câmara deliberasse a respeito, tendo o Legislativo federal se transformado numa
expressão da vontade política dos chefes estaduais.
A historiografia produzida sobre o sistema político da Primeira República
tradicionalmente enfatiza a força da aliança entre Minas Gerais e São Paulo, detentores
das maiores bancadas no Congresso no período, 4 como importante elemento fiador
deste pacto (CASTRO, 1932; BELLO, 1969; FAUSTO, 1970; WIRTH, 1975; LOVE,
1975; MARTINS FILHO, 1981; KUGELMAS, 1986; IGLÉSIAS, 1993).5
Recentemente, contudo, alguns autores têm inovado ao chamar a atenção para o caráter
instável da aproximação entre paulistas e mineiros ao mesmo tempo em que relativizam
a idéia da eficácia da política dos governadores no que diz respeito à neutralização dos
conflitos. A historiadora francesa Armelle Enders ressaltou em sua análise sobre o
federalismo brasileiro no período a inexistência de uma solidez na aliança Minas-São
Paulo até 1920, uma vez que o Rio Grande do Sul em algumas conjunturas importantes
apresentou-se como um parceiro preferencial para os mineiros (ENDERS, 1993).
Radicalizando esta orientação, em seu livro que revê a chamada política do café com
leite, Viscardi mostrou que a aliança entre Minas e São Paulo foi eivada de conflitos e o

3,4%. Ver CARVALHO, José Murilo de. ”Os três povos da República.” In: CARVALHO, Maria Alice
Resende de. (org.) A República no Catete. Rio de Janeiro: Museu da República, 2001, p. 72.
4
Na Primeira República, a bancada mineira, composta por 37 deputados, era a maior do Congresso. Em
segundo lugar vinha a paulista com 22 parlamentares, igualando-se à da Bahia. Rio Grande do Sul,
Pernambuco e Rio de Janeiro (estes dois últimos apresentavam o mesmo número de representantes)
tinham respectivamente 16 e 17 deputados.
5
Para uma análise da produção historiográfica sobre a Primeira República ver: FERREIRA, Marieta de
Moraes & GOMES, Ângela de Castro. Primeira República: Um balanço historiográfico. In: Revista
Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2, n.º 4, 1989, pp. 244-280.

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pacto instituído a partir de 1898 não eliminou o grau de incerteza do sistema político
vigente, na medida em que deixou de regular o principal elemento disfuncional do
regime republicano: o fundamento de sua própria renovação, além disso, o principal
mecanismo acionado para efetivá- lo (a mudança no regimento interno da Câmara no
tocante à Comissão de Verificação de Poderes) teve breve duração (VISCARDI, 2001,
p. 33). 6 Assim a cada quatro anos abria-se na política brasileira uma nova conjuntura
que mesclava, em maior ou menor grau, instabilidade e imprevisibilidade.
Por outro lado, apesar do revisionismo introduzido nos debates sobre o
federalismo brasileiro no período, estas autoras não chegam a discordar que, na prática,
com a política dos governadores o governo federal passou a sustentar os grupos
dominantes nos estados, enquanto estes, em troca, apoiavam a política do presidente da
República votando no Congresso com o governo. Este tipo de acordo se repetia entre
governadores e as lideranças locais, os coronéis, que controlavam a massa de eleitores
dada as características da sociedade brasileira no período predominantemente rural.
Os fundamentos para a compreensão do coronelismo foram lançados no clássico
Coronelismo, enxada e voto (LEAL, 1948). A grande inovação da obra é a proposta de
rompimento com teses consagradas que apresentavam a sociedade brasileira a partir de
modelos dicotômicos que opunham ordem privada a ordem pública, do qual o trabalho
de Nestor Duarte é o melhor exemplo (DUARTE, 1939). Definindo o coronelismo
como “...o resultado da superposição de formas desenvolvidas do regime
representativo a uma estrutura econômica e social inadequada,”(LEAL, 1948, p. 20)
para Victor Nunes Leal, o fenômeno era fruto de um fato político e uma conjuntura
econômica. O fato político apontado como desencadeador do coronelismo foi o
federalismo implantado no país pela Carta de 1891, que concedeu ampla margem de
autonomia aos estados, em detrimento dos municípios, e criou um novo ator político -
os governadores, que passaram a ser eleitos a partir da máquinas estaduais. Já o fato
econômico responsável pela manifestação do fenômeno foi a crise dos fazendeiros, que
acarretou o enfraquecimento político do poder dos coronéis frente a seus dependentes e
rivais. A manutenção deste poder passava a exigir então a presença do Estado que
expandia sua influência na medida em que diminuía a dos donos de terras. Numa
espécie de barganha, onde a moeda era o voto, o poder público alimentava o poder local

6
Em seu livro, inicialmente apresentado como Tese de Doutorado à Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Viscardi questiona ainda a tese da existência de um consenso político mineiro interno como
suporte para a projeção do estado na esfera nacional e a hegemonia exclusiva dos interesses cafeeiros no
controle do Estado Republicano.

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com uma autonomia extra- legal em troca do voto do eleitorado rural que, embora
incorporado ao processo político com a supressão do critério censitário permanecia
dependente social e economicamente dos proprietários rurais. Deste compromisso
fundamental, que ligava chefes locais a governadores de estado e estes ao presidente da
República resultariam características secundárias do fenômeno coronelista como o
mandonismo, o filhotismo, o falseamento do voto e a desorganização dos serviços
locais. 7
Se por um lado este esquema de funcionamento minimizou os conflitos intra-
oligárquicos, garantindo uma permanência mais duradoura das situações no poder,
desde que atuassem em consonância com a situação federal, por outro acabou dando
forma a um federalismo desigual marcado pela preponderância de Minas Gerais, São
Paulo e Rio Grande do Sul sobre as demais unidades da federação. Assim, no
condomínio oligárquico em que se transformou a política brasileira havia oligarquias de
primeira e segunda grandezas, além dos chamados estados satélites.
Como resultado concreto deste modelo vigente durante grande parte da Primeira
República os conflitos políticos, embora não eliminados, foram minimizados e as
sucessões presidenciais marcadas por disputas controladas, sendo o candidato da
situação aquele que a priori tinha garantida sua eleição salvo alguns momentos
excepcionais, conforme ocorrido na disputa presidencial de 1909/1910 que deu origem à
Campanha Civilista.
Em inícios da década de vinte, contudo, este sistema apresentaria sinais de
esgotamento com a eclosão de graves conflitos no interior das oligarquias. As práticas
de controle das dissidências começaram a se mostrar menos eficazes.

7
Diferente de Victor Nunes, Maria Isaura Pereira de Queiroz e Eul Soo Pang, nos anos sessenta e setenta,
identificaram o coronelismo com mandonismo dilatando o conceito e comprometendo sua precisão
histórica. Maria Isaura ampliaria inclusive a caracterização do fenômeno ao incorporar manifestações
urbanas. Ver dos autores: QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. “O coronelismo numa interpretação
sociológica. “ In: FAUSTO, Boris (dir.) História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: Difel, 1975,
tomo III, vol. I, pp. 155-190; PANG, Eul Soo. Coronelismo e oligarquias 1889-1943. A Bahia na
Primeira República. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. Para críticas ao modelo coronelista de
Victor Nunes e uma resposta às mesmas ver CAMMACK, Paul. “O coronelismo e o compromisso
coronelista: uma crítica.” In: Cadernos do Departamento de Ciência Política. Belo Horizonte, n. 5, mar.,
1979, pp. 1-20; CARVALHO, José Murilo de. “Mandonismo, coronelismo, Clientelismo: uma discussão
conceitual.” In: DADOS, Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 40, n.º 2, 1997, pp. 229-250.

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3. A cisão intra-oligárquica e a Reação Republicana

As disputas em torno da sucessão presidencial de1922 que abririam espaço para


a formação da Reação Republicana podem ser tomadas como indicadores do
esgotamento do modelo político vigente na Primeira República.
Iniciadas as articulações em torno da candidatura à sucessão de Epitácio Pessoa,
os grupos dominantes de Minas e São Paulo fecharam em torno dos nomes de Arthur
Bernardes e Urbanos Santos.
O lançamento oficial desta chapa gerou no entanto discordâncias importantes no
seio das oligarquias regionais. Diferente das disputas eleitorais anteriores, onde o
consenso em torno de um nome se fazia com relativa facilidade, neste momento vozes
dissonantes emergiram para contestar a candidatura oficial.
Inconformados com a imposição do candidato situacionista, as oligarquias dos
estados de segunda grandeza representados pelo Rio de Janeiro, Pernambuco, Bahia e
Rio Grande do Sul articularam um movimento que ficaria conhecido como Reação
Republicana, lançando as candidaturas de Nilo Peçanha e J.J. Seabra à presidência e
vice-presidência da República em convenção realizada em 24 de junho de 1921.
Na historiografia produzida sobre o movimento, a Reação Republicana tem sido
objeto de diferentes interpretações. Os cronistas da época atribuíram a cisão à disputa
pela indicação do candidato à vice-presidência da República na chapa
oficial.(CASTRO, 1932) Segundo eles, o motor da crise teria sido a impossibilidade de
acordo entre Bahia, Pernambuco e secundariamente Rio de Janeiro, que pleiteavam a
indicação do vice-presidente e se viram frustrados diante da escolha de um
representante do Maranhão. Nesta perspectiva, o conflito não espelharia contradições
mais profundas, seria antes o resultado de uma disputa eleitoral mais localizada.
Nos anos 1980 ao analisar a problemática econômico financeira da Primeira
República Boris Fausto relacionou a cisão a divergências mais profundas (FAUSTO,
1982). De acordo com ele, o movimento revelaria a intensificação das dissidências
interoligárquicas provocadas por aqueles setores que não estavam diretamente ligados à
cafeicultura e se mostravam insatisfeitos com a política de desvalorização cambial e de
endividamento externo destinada a garantir a terceira operação de valorização do café
em curso. O conflito refletir ia assim, basicamente, o enfrentamento de interesses
opostos no terreno econômico, diretamente ligados à terceira política de valorização do
café.

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Ainda nos anos 1980, uma terceira proposta de interpretação foi apresentada
pelo brasilianista Michael Conniff que identificou a Reação Republicana como o
primeiro ensaio de populismo no país, ao enfatizar o papel das camadas urbanas
cariocas e suas articulações com Nilo Peçanha, visto como um precursor das lideranças
populistas (CONNIFF, 1981).
A década de noventa foi marcada pela revisão destas vertentes. Os novos
trabalhos passaram a valorizar elementos de natureza política como principais fatores
explicativos para a cisão (FERREIRA, 1993). A insatisfação dos estados de segunda
grandeza com as distorções do federalismo é alçada assim ao centro da explicação
histórica. A Reação Republicana é interpretada não como uma proposta de ruptura com
o modelo oligárquico em vigor mas como uma tentativa de construção de um eixo
alternativo de poder que ampliasse a participação das chamadas oligarquias de segunda
grandeza no jogo do federalismo brasileiro do período.
Esta nova linha de interpretação tem como base de sustentação a própria
plataforma do movimento que incluía a crítica ao imperialismo dos grandes estados,
sobretudo no que dizia respeito aos processos de escolha do candidato à presidência e à
influência exercida na constituição das bancadas dos estados mais fracos, a regeneração
dos costumes políticos, a diversificação da agricultura, o desenvolvimento da produção
de alimentos, além da conversibilidade da moeda e a adoção dos orçamentos
equilibrados no plano financeiro.
Apesar destas propostas estarem voltadas para os interesses dos grupos
oligárquicos dissidentes, a Reação Republicana também estava interessada em mobilizar
as massas urbanas.
Para atender a esse objetivo, a campanha se revestiu de um apelo popular,
pregando a urgência "de arrancar a República das mãos de alguns para as mãos de
todos". Nesse sentido, Nilo Peçanha declarava:
"O mundo não pode ser mais o domínio egoístico dos ricos, e
(...) só teremos paz de verdade, e uma paz de justiça, quando nas nos-
sas propriedades (...) e nas nossas consciências, sobretudo, forem tão
legítimos os direitos do trabalho como os do capital. Não é mais
possível a nenhum governo brasileiro deixar de respeitar, dentro da
ordem, a liberdade, a liberdade operaria, o pensamento operário."8

O destaque dado à questão da relação capital-trabalho estava ligado à intensa


agitação operária que marcou os últimos anos da década de 1910 e colocou em

8
PEÇANHA, Nilo. Política, economia e finanças – Campanha presidencial de 1921-1922, p. 45.

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evidência o debate acerca da questão social. Nilo advogava igualmente a extensão da
instrução pública para acabar com o analfabetismo e como alternativa para ampliar a
participação política dos segmentos desprivilegiados. A despeito desse discurso
progressista, nenhuma proposta concreta que propiciasse uma maior democratização foi
entretanto apresentada. O voto secreto, por exemplo, já reivindicado por expressivos
segmentos urbanos, não era objeto de discussão.
Ainda que com uma plataforma tão limitada em termos de propostas concretas
para os interesses das populações urbanas, Nilo conseguiu obter uma considerável
penetração nesse contingente eleitoral, em especial no Distrito Federal. No interior
fluminense, contudo, o candidato dissidente enfrentaria maiores resistências.
A penetração do nome de Nilo junto às camadas urbanas do Distrito Federal
pode ser explicada não só em função de suas características pessoais, pois era um
excelente orador, com grande capacidade de comunicação, mas também pelas próprias
características e anseios dos grupos urbanos. Numa sociedade em que esses segmentos
achavam-se marginalizados da participação política, o simples fato de o discurso nilista
considerá- los como interlocutores dignos de atenção já era em si uma iniciativa
mobilizadora.
Na verdade, enquanto no Distrito Federal e em outras capitais do país Nilo
apresentava um discurso mais progressista, no seu estado natal, onde residiam suas
principais bases, seu papel era o do oligarca típico, que promovia perseguições políticas,
fraudava eleições, 9 enfim, lançava mão de todas as práticas características do
coronelismo (FERREIRA, 1994; PINTO, 1998).
A despeito das diferentes práticas adotadas visando a ampliar as possibilidades
de vitória da chapa da Reação Republicana, o desenrolar da campanha sucessória e a
aproximação do pleito evidenciavam os limites dessas estratégias. A cooptação dos
elementos dissidentes não era fácil de ser efetivada, e muitas adesões esperadas não se
concretizaram. As práticas políticas vigentes na Primeira República, baseadas no
compromisso coronelista, implicavam uma postura de reciprocidade em que cada parte
tinha algo a oferecer. No caso da Reação Republicana, poucos eram os trunfos que
podiam ser usados para obter o apoio eleitoral dos oligarcas e coronéis do interior, já
que a máquina federal não podia ser usada na distribuição de privilégios e favores. Por
outro lado, a campanha eleitoral, por mais sucesso que obtivesse, não era capaz de

9
Para uma análise das fraudes eleitorais na Primeira República ver: TELAROLLI, Rodolpho. Eleições e
fraudes eleitorais na República Velha. São Paulo: Brasiliense, 1982.

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definir o pleito. Ainda que sem abrir mão dessas iniciativas, tornava-se fundamental
contar com alternativas mais eficazes: era preciso encontrar um novo parceiro político
capaz de antepor-se às oligarquias dominantes. Os militares eram o segmento ideal.
Os conflitos entre os militares e o governo federal já haviam marcado vários
momentos da política republicana. A posse de Epitácio Pessoa e a posterior escolha de
civis para ocupar as pastas militares durante seu governo só fizeram acirrar as
dificuldades (CARVALHO, 1982) O retorno de Hermes da Fonseca da Europa em
novembro de 1920 recrudesceu os antagonismos, e sua eleição para presidente do Clube
Militar em 1921 abriu novas articulações em torno de seu nome, que chegou a ser
cogitado para a sucessão presidencial. A não concretização de sua candidatura veio
aumentar ainda mais a insatisfação dos militares, o que os tornava aliados em potencial
das oligarquias dissidentes. De fato, desde o lançamento do manifesto da Reação
Republicana no Rio de Janeiro ficaram claras as preocupações de obter uma
aproximação com os militares, através da crítica à posição secundária que lhes vinha
sendo atribuída pelo governo federal. Também nos estados a campanha eleitoral
procurou a adesão e a simpatia dos elementos militares distribuídos pelas várias regiões.
O arquivo de Nilo Peçanha traz informações significativas acerca de suas
ligações com os militares ao longo de todo o segundo semestre de 1921. São inúmeras
as cartas de militares provenientes de diferentes estados do país declarando seu apoio a
Nilo e relatando suas iniciativas para a criação de comitês eleitorais. A imprensa nilista
também fazia questão de enfatizar o apoio dos militares ao candidato oposicionista,
como o demonstra a notícia publicada em novembro de 1921 pelo jornal O Imparcial:
"Nilo Peçanha desce de bordo do Iris nos braços de um general e de um almirante - O
Exército e a Armada se confraternizam com o povo para glorificar o grande líder
democrático.”10
O ponto culminante desse processo de aproximação se deu com o episódio das
chamadas "cartas falsas", supostamente enviadas por Bernardes a Raul Soares,
contendo referências desrespeitosas aos militares. A publicação desses documentos pela
folha Correio da Manhã visava claramente incompatibilizar o candidato situacionista
com os militares e envolvê-los definitivamente na causa dissidente.
A despeito do clima de intensa agitação política que marcou os primeiros meses
de 1922, as eleições presidenciais realizaram-se na data prevista, em 1o de março. Os
resultados eleitorais, controlados pela máquina oficial, deram a vitória a Bernardes, com

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466 mil votos, contra 317 mil de Nilo Peçanha (CARONE, 1971, p. 345) Mais uma vez
o esquema eleitoral vigente na República Velha funcionou para garantir a posição do
candidato oficial. Diferentemente dos pleitos anteriores, porém, não houve uma
aceitação dos resultados eleitorais pela oposição. A Reação Republicana não
reconheceu a derrota e, além de reivindicar a criação de um Tribunal de Honra que
arbitrasse o processo eleitoral, desencadeou uma campanha visando de uma lado manter
a mobilização popular, e de outro aprofundar o processo de acirramento dos ânimos
militares.
Ao longo de todo o primeiro semestre de 1922, e em especial após as eleições, a
imprensa pró-Nilo assumiu uma postura panfletária, denunciando diariamente as
punições e transferências sofridas pelos tenentes antibernardistas. Além de denunciar as
perseguições feitas pelos bernardistas aos militares, as lideranças da Reação
Republicana radicalizavam suas posições, abrindo espaço para a possibilidade de
intervenção armada na decisão do conflito político. A esse respeito JJ. Seabra declarava:
"Se não for aceita essa solução patriótica e honrosa do Tribunal de Arbitramento,
teremos a luta e a sangueira."11 Nesse clima de intensa agitação política, os militares
começaram a passar do protesto à rebeldia e a intervir de fato em disputas políticas
locais em favor de seus aliados civis, como aconteceu no Maranhão. Paralelamente,
começavam a aparecer os primeiros sinais de tentativas de levantes no Distrito Federal e
em Niterói.
As lideranças políticas de Minas e São Paulo não se deixaram entretanto
intimidar diante das declarações alarmistas dos militares sobre a ameaça de revolta das
tropas, e nem a idéia do Tribunal de Honra nem a proposta conciliadora de Epitácio
foram consideradas. Às advertências militares, segundo O Estado, Raul Soares teria
respondido: "Se as classes armadas se acham no direito de fazer a revolução, nós nos
achamos no dever de debelá-la." Carlos de Campos, líder da bancada paulista na
Câmara Federal, assumia posição semelhante ao declarar: "Não cogitamos de acordo,
nem é possível aceitá-lo. A atitude de São Paulo é definida e definitiva."12
Em conformidade com essa orientação, ao ser realizada em maio de 1922 a
eleição para a mesa da Câmara Federal e para as diversas comissões parlamentares,
foram excluídos todos os deputados dissidentes. A disposição clara das forças

10
O Imparcial, 6/11/1921.
11
O Estado, 27/4/1922.
12
Idem, 6/5/1922.

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bernardistas de não fazer nenhum tipo de negociação conduziu a uma radicalização
maior das correntes oposicionistas. Com o afastamento de seus partidários de todas as
comissões da Câmara e dos trabalhos de reconhecimento eleitoral, Nilo Peçanha e
J.J.Seabra lançaram um manifesto que declarava: "A dissidência retira-se do Congresso
e só a este caberá a responsabilidade do que acontecer de hoje em diante." 13
Totalmente marginalizadas no cenário político nacional e sem nenhuma possibilidade de
acordo, as forças dissidentes não tinham outra alternativa senão o aprofundamento das
relações com os militares.
Do exposto pode-se dizer que a Reação Republicana não foi resultado direto das
divergências em torno da terceira política de valorização do café, nem da disputa pela
vice-presidência da República, nem da insatisfação das camadas urbanas cariocas.
A Reação Republicana resultou da insatisfação das oligarquias de segunda
grandeza ante a dominação de Minas-São Paulo. A resistência dos estados do Rio de
Janeiro, Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Sul e do Distrito Federal não era um
fenômeno novo, pois em várias ocasiões pode-se detectar uma busca de articulação
entre essas oligarquias estaduais com o objetivo de aumentar seu poder de negociação
frente aos estados dominantes. O movimento de 1922 foi um momento expressivo dessa
luta. Não devem ser esquecidas entretanto as formas de articulação buscadas pelos
integrantes da Reação Republicana com os setores urbanos, em especial do Distrito
Federal, e com os militares.

4. O movimento tenentista

As possibilidades de subversão da ordem e de intervenção militar tornavam-se


por sua vez cada vez mais concretas. Ainda em meados de maio de 1922, Dantas
Barreto, já suspeitando da crise que iria eclodir em Pernambuco, telegrafou a Nilo
declarando: "Tribunal de Honra ou revolução." A rebelião eclodiu finalmente em 5 de
julho e contou com a participação das guarnições de Campo Grande, Niterói e Distrito
Federal.

13
Idem, 6/5/1922.

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Este levante militar, que ficou conhecido como Dezoito do Forte de
Copacabana, é considerado a estréia dos tenentes no cenário nacional
(PRESTES,1997, p.70)
A tentativa de revolta no entanto fracassou desde o começo, sendo logo sufocada
pelas forças federais. O movimento não obteve a adesão de segmentos militares
expressivos e as oligarquias dissidentes, que tanto haviam contribuído para acirrar os
ânimos militares, não se dispuseram a um engajamento mais efetivo. Epitácio pediu
imediatamente a decretação do estado de sítio no Estado do Rio e no Distrito Federal, e
grande número de deputados dissidentes do Rio Grande do Sul, Bahia e Pernambuco
votaram a favor da medida, demonstrando um recuo das oligarquias e a desarticulação
completa da Reação Republicana.
Nos meses seguintes, a repressão desencadeada pelo governo fortalecido de
Epitácio determinou inúmeras prisões e instaurou vários processos.
O tenentismo recebeu esta denominação uma ve z que teve como principais
figuras não a cúpula das forças armadas mas oficiais de nível intermediário do Exército
– os tenentes e os capitães. O alto comando militar do Exército manteve-se alheio a uma
ruptura pelas armas, assim como a Marinha. O movimento, que tomou proporções
nacionais, empolgou amplos setores da sociedade da época, desde segmentos
oligárquicos dissidentes aos setores urbanos (camadas médias e a classe operária das
cidades).
O grande mal a ser combatido eram as oligarquias, já que segundo os tenentes,
elas haviam transformado o país em “vinte feudos” cujos senhores eram escolhidos pela
política dominante. Embora na época não chegassem a formular um programa
antiliberal, e não obstante suas profundas contradições e seu vago nacionalismo, os
tenentes identificavam-se com a defesa de propostas como a reforma da Constituição, a
limitação da autonomia local, a moralização dos costumes políticos e a unificação da
justiça e do ensino, assim como do regime eleitoral e do fisco (PRESTES, 1997, p. 97)
Meses após ter sido debelado o primeiro levante, em novembro de 1922, Arthur
Bernardes tomou posse. Visando garantir a estabilidade de seu governo o presidente
decretou o estado de sítio no Rio de Janeiro aprofundando o movimento de repressão.
A Reação Republicana já estava naquele momento completamente diluída, e as
oligarquias dissidentes tentavam se rearticular com a situação dominante de forma a
evitar as intervenções federais. Se a posição do Rio Grande do Sul garantiu o controle
do estado para o Partido Republicano Rio-Grandense de Borges de Medeiros, a Bahia,

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Pernambuco e Rio de Janeiro sofreram alterações significativas nas suas políticas
internas, com a troca dos grupos dominantes. Especialmente no Estado do Rio, esse
processo de revezamento de grupos no controle do estado assumiria um caráter radical
(FERREIRA, 1989).
Para homenagear o movimento de 1922, dois anos depois eclodiria o chamado 5
de julho em São Paulo. Em 1924, contudo, a articulação dos militares foi melhor
preparada. O movimento tinha como objetivo a derrubada do governo de Arthur
Bernardes, visto pelos tenentes como ícone das oligarquias dominantes.
A ação do grupo foi iniciada com a tomada de alguns quartéis. Apesar dos
tenentes conseguirem se instalar na capital paulista, com a ação repressiva do governo
que não distinguia rebeldes dos civis os tenentes resolveram abandoná-la, deslocando-se
para o interior de São Paulo onde também eclodiam revoltas. Fixando-se em seguida no
oeste do Paraná as tropas vindas de São Paulo enfrentaram os legalistas à espera dos
“tenentes” provenientes do Rio Grande do Sul, onde as revoltas tiveram à frente figuras
como João Alberto e Luís Carlos Prestes e contaram com a oposição gaúcha PRR. Em
abril de 1925 as duas forças se juntaram dando origem à Coluna Miguel Costa- Luís
Carlos Prestes.
Momento culminante das revoltas tenentistas e episódio mais importante da saga
dos tenentes, a Coluna, organizada sem que um plano tivesse sido previamente traçado,
com seus 1500 homens, percorreu cerca de 25 mil quilômetros, atravessando 13 estados
brasileiros, propagando a revolução e o levante da população contra as oligarquias, até
que seus remanescentes dirigiram-se para a Bolívia e para o Paraguai.
Com o fim da Coluna Miguel Costa-Luís Carlos Prestes, estava eliminado o
último foco de contestação do regime.
Na produção historiográfica sobre o movimento tenentista, três correntes se
delineiam. A primeira, a mais tradicional e amplamente difundida, explica o tenentismo
como um movimento que, a partir de suas origens sociais nas camadas médias urbanas,
por vezes chamada de pequena burguesia, representaria os anseios destes setores por
uma maior participação na vida nacional e nas instituições políticas (SANTA ROSA,
1933).14 A Segunda corrente, formulada a partir de trabalhos produzidos nos anos
sessenta e setenta, tenta contestar a absolutização da origem social na definição do
conteúdo do tenentismo privilegiando aspectos organizacionais do movimento, ou seja,
entende este movimento como produto da instituição militar (CARVALHO, 1977;

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DRUMOND, 1985,1986). Nesta perspectiva, o tenentismo seria um movimento cujo
objetivo maior era a defesa dos interesses da corporação. Drumond, chega a defender
que o tenentismo era uma corrente política dentro do Exército, que falava para o
Exército e mobilizava oficiais de patentes inferiores. Suas conexões com os setores civis
teriam sido assim limitadas e pouco sistemáticas Finalmente a terceira corrente,
criticando as vertentes anteriores, defende uma análise mais global, levando-se em
conta tanto a situação institucional dos tenentes como membros do aparelho militar,
quanto a sua composição social como membros das camadas médias.(FAUSTO, 1970;
FORJAZ, 1977).
Dentro dos debates em torno da temática, merece ser mencionado também o
trabalho de Anita Prestes que interpreta o tenentismo como um movimento político-
social e a Coluna Prestes como um movimento da mesma natureza que se transformou
numa organização militar com características populares (PRESTES, 1997, p.394).
A despeito das diferenças entre as correntes enunciadas sobre o tenentismo, os
autores identificados com cada uma delas concordam quanto ao importante papel
representado pelo movimento no processo de erosão do sistema político vigente.
Passados os momentos mais agudos da crise, a recomposição do pacto
oligárquico parecia completa, reinaugurando um novo momento de estabilidade. Essa
possibilidade, entretanto, se mostrou pouco duradoura, e no final da década uma nova
cisão intraoligárquica se manifestaria fortemente fazendo eclodir a Revolução de 30.
A eleição em março de 1926 de Washington Luís, governador de São Paulo
apresentado como candidato único, ocorreu sem maiores problemas indicando que o
pacto entre as oligarquias estava temporariamente recomposto.

5. A Aliança Liberal e a Revolução de 1930

“Assim como não veio substituir homens a revolução não veio


também substituir partidos. O seu programa é substituir princípios e
normas para evitar o regresso à política dos antigos donos da
República dos senhores absolutos do regime.” 15

14
Nelson Werneck Sodré é caudatário deste tipo de interpretação.
15
Entrevista de Osvaldo Aranha ao Correio do Povo, edição de 14/06/1931.

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O governo Washington Luís decorreu em clima de relativa estabilidade. Os
confrontos que marcaram os primeiros anos da década de vinte pareciam estar
contornados. Em 1929, iniciou-se um novo processo de sucessão presidencial. Tudo
indicava que as regras que norteavam o funcionamento da política até então seriam mais
uma vez cumpridas: as forças da situação, por meio do presidente da República,
indicariam um candidato oficial, que deveria ser apoiado por todos os grupos
dominantes nos estados.
Dessa vez, contudo, a cisão se processaria no cerne do próprio grupo dominante.
Washington Luís, resolvido a fazer seu sucessor, indicou Júlio Prestes, paulista como
ele e então presidente do estado, como candidato oficial. Com isso, rompia-se o acordo
tácito com Minas, que esperava ocupar a presidência da República.
A divergência entre Minas e São Paulo abriu espaço para que outras disputas e
pretensões, sufocadas num passado não muito distante, pudessem ressurgir. Nesse
contexto, em julho de 1929, contando com o apoio mineiro, foi lançada a candidatura de
Getúlio Vargas, ex-Ministro da Fazenda de Washington Luís e então governador do Rio
Grande do Sul, tendo como vice na chapa dissidente o governador da Paraíba, João
Pessoa. Estava formada a Aliança Liberal, uma coligação de forças políticas e
partidárias pró-Vargas. Sua base de sustentação era o situacionismo de Minas Gerais,
Rio Grande do Sul e Paraíba, e mais alguns grupos de oposição ao governo federal de
vários estados, tais como o Partido Democrático (PD), 16 criado em 1926 em São Paulo,
e facções civis e militares descontentes. Com uma composição cuja característica mais
pronunciada era a heterogeneidade, a Aliança Liberal explicitava as dissidências
existentes no interior das próprias oligarquias estaduais.
Sob o lema “Representação e Justiça,” sua plataforma estava voltada
fundamentalmente para a regeneração política, o que implicava na luta pela reforma
eleitoral, com a criação de uma justiça eleitoral, na defesa do voto secreto, da
moralização dos costumes políticos e das liberdades individuais. Ao propugnarem pelo
liberalismo, as oposições pretendiam tornar o sistema político mais representativo ao
nível da classe dominante, integrando à mesma as frações da elite não representadas na
estrutura de poder, além dos segmentos médios urbanos que se desenvolveram em

16
O Partido Democrático(PD) se diferenciava do Partido Republicano Paulista (PRP) pelo seu
liberalismo, repudiado na prática pelo PRP e pela maior juventude relativa de seus integrantes. Defensor
de reformas políticas, da “vocação agrária do país” e sem defender uma política industrialista, em suas
linhas militavam tanto setores da burguesia urbana e profissionais liberais quanto representantes das

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função da expansão econômica (VIZENTINI, 1983, p.74). O programa propunha além
das já mencionadas reformas políticas, a anistia para os revoltosos dos anos vinte e
medidas de proteção ao trabalho como a aplicação da lei de férias e a regulamentação
do trabalho de menores e o da mulher.
A acirrada disputa eleitoral foi agravada pela profunda crise econômica mundial
provocada pela quebra, em outubro de 1929, da bolsa de Nova York. No final desse
ano já havia centenas de fábricas falidas no Rio de Janeiro e em São Paulo, e mais de
um milhão de desempregados em todo o país. A crise atingiu também as atividades
agrícolas, especialmente a cafeicultura paulista, produzindo uma violenta queda dos
preços do café e liquidando o programa de estabilização do governo que vinha sendo
implementado.
As eleições se realizaram em março de 1930 e a vitória coube a Júlio Prestes,
que recebeu cerca de um milhão de votos, contra 737 mil dados a Getúlio Vargas.
Passadas as eleições, setores da Aliança Liberal não conformados com a derrota,
buscaram uma aproximação com lideranças do movimento tenentista que, embora
derrotas, continuavam sendo uma força importante por sua experiência militar e seu
prestígio.
A articulação entre estes segmentos (os setores oligárquicos dissidentes e os
tenentes) avançava lentamente, principalmente porque a mais importante liderança
tenentista – Luís Carlos Prestes – em maio de 1930 lançara no exílio um manifesto no
qual condenava o apoio às oligarquias.
Ao fazer uma avaliação do momento político brasileiro Prestes declarou:

”A última campanha política acaba de encerrar-se. Mais uma farsa


eleitoral metódica e cuidadosamente preparada pelos politiqueiros foi
levada a efeito com o concurso ingênuo de muitos (...) ainda não
convencidos da inutilidade de tais esforços.
...
A revolução brasileira não pode ser feita com o programa anódino da
Aliança Liberal. Uma simples mudança de homens, um voto secreto,
promessas de liberdade eleitoral de honestidade administrativa, de
respeito à Constituição e moeda estável, nada resolvem, nem podem
interessar à grande maioria da nossa população, sem o apoio da
qual qualquer revolução que se faça terá o caráter de uma simples
luta entre as oligarquias dominantes. 17

oligarquias cafeeiras descontentes com seus representantes políticos. Ver: FORJAZ, Maria Cecília Spina.
Tenentismo e Aliança Liberal (1927-1930). São Paulo: Ed. Pólis, 1978.
17
Manifesto de Luís Carlos Prestes dirigido à Nação Brasileira em 30/05/1930. Arquivo Getúlio Vargas,
GV 30.5.30.

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A posição de Prestes, que já se manifestava influenciado pelo comunismo
(tendência que se acentuaria nos anos seguintes através de leituras e contatos com
líderes comunistas latino-americanos), encontrou fortes resistências junto a outras
lideranças tenentistas. 18 Respondendo ao antigo líder da Coluna, em carta aberta, Juarez
Távora afirmaria:

“Discordo do último manifesto do general; Luís Carlos Prestes. Não


julgo viáveis os meios de que se pretende lançar mão para executar o
movimento, nem aceito a solução social e política que preconiza para
resolver, depois dele, o problema brasileiro.
Temos tido todos nós que hoje palmilhamos o caminho da revolução
um mesmo ponto de partida: a descrença na eficiência dos processos
legais para a solução da crise que asfixia a nacionalidade ...
Nós os da velha guarda revolucionária acreditamos que o mal não
reside apenas nas deficiências dos homens - mas, sobretudo, na
prática (...) defeituosa de uma Constituição divorciada das realidades
da vida nacional ... O remédio contra esta diátese política não pode
consistir na simples substituição dos homens ... Impõem-se, portanto,
como base de nosso saneamento político, a eliminação desta
atmosfera de corrupção que nos envolve ... Estou firmemente
convencido da prática defeituosa de uma Constituição política
inadequada às nossas tendências, nossa cultura e nossas realidades ...
Nós revolucionários não cremos que uma tal reforma possa
processar-se por uma pacífica evolução legal ...” 19

Se no interior do movimento tenentista havia divergências quanto ao melhor


caminho a ser seguido, a idéia da revolução também provocava reticências entre os
setores civis da Aliança Liberal
A carta de Osvaldo Aranha a Borges de Medeiros exemplifica esta posição:
“Felizmente a hora da confusão passou e a nossa marcha,
bem orientada e coesa, caminha sem desertores e vacilações para um
porto seguro... Houve um pouco de relutância e de alvoroço ... já
agora, não há mais lugar senão no quinhão que nos cabe, de
responsabilidade e sacrifício dentro da família republicana.” 20

18
Apesar da aproximação com o comunismo, Prestes enfrentaria séries resistência para ingressar no
Partido Comunista Brasileiro (PCB), que condenava o que chamavam de conteúdo personalista de sua
postura política. Seu ingresso no Partido se daria apenas em 1934.
19
Carta Aberta de Juarez Távora de 31.05.1930. Arquivo Pedro Ernesto Batista, PEB, 30.05.31
20
Carta de Osvaldo Aranha a Borges de Medeiros provavelmente de junho de 1930. Arquivo Osvaldo
Aranha, AO, 30.06.00 (?)

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Um acontecimento inesperado deu força à conspiração revolucionária. Em 26 de
julho de 1930, o candidato a vice da Aliança Liberal, João Pessoa, foi assassinado em
Recife. Embora as razões do crime tenham sido passionais e não políticas, ele foi
transformado em mártir do movimento que se articulava. Nos meses seguintes, a
conspiração recrudesceu com a adesão de importantes quadros do Exército.
Em carta a Borges de Medeiros, Getúlio Vargas comentava sobre o agravamento
da situação política:
“Como já deve ser de seu conhecimento, o assassínio do
presidente (da Paraíba) João Pessoa causou funda impressão em todo
o país. Nesta capital, o povo manifestou-se energicamente em
concorridos comícios de protestos ... Não devo, porém, ocultar-lhe
que há aqui acentuada tendência revolucionária, principalmente entre
os dirigentes do Partido Libertador e alguns prezados amigos nossos
... O atual momento político é bastante delicado. De uma parte, dizem
os libertadores que ou o governo (gaúcho) faz a revolução ou eles
rompem conosco quebrando a frente única. De outra, são os nossos
companheiros que, mais exaltados, se manifestam francamente em
favor do movimento armado.”21

Se nesse momento Vargas ainda demonstrava temores quanto ao curso dos


acontecimentos nos meses seguintes o papel das jovens lideranças gaúchas e mineira foi
decisivo para o aprofundamento da opção da luta armada.
Era clara no interior da Aliança Liberal uma diferenciação mais explicável em
termos de geração do que ideologia. Lado a lado no movimento estavam quadros
tradicionais e jovens que haviam iniciado sua carreira política à sombra de velhos
oligarcas da Primeira República. No Rio Grande do Sul esta força jovem, conhecida
como “geração de 1907” (ano relativo ao término de sua formação universitária), era
representada por Vargas, Flores da Cunha, Osvaldo Aranha, Lindolfo Collor, João
Neves, Maurício Cardoso e Paim Filho, já em Minas, Virgílio de Mello Franco e
Francisco Campos, ambos descendentes de famílias tradicionais da região, eram seus
principais representantes. Estes políticos mais jovens, alguns dos quais haviam se
destacado na luta contra o tenentismo, estavam dispostos a seguir o caminho dos
tenentes.
O documento de Osvaldo Aranha à Vargas confirma esta afirmação:

21
Carta de Getúlio Vargas a Borges de Medeiros em 29/07/1930. Arquivo Getúlio Vargas, GV, 30.07.29

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“Nada se pode esperar das leis, que não são praticadas, nem
dos homens que são seus violadores. Onde a lei não é cumprida, o
governo assenta no arbítrio e na força. ... As soluções pacíficas,
preconizadas como melhores e mais simpáticas, tornam-se inúteis,
quiméricas. ... Não há duas situações para uma só realidade, como
não há duas soluções verdadeiras para uma mesma hipótese. Assim,
ou concordamos com a situação de anarquia moral e de miséria
material, que domina a República, ou, animados de espírito de
sacrifício, de altruísmo cívico, dentro de nossa missão social
resolvemos procurar os meios de corrigir essa situação...” 22

A conspiração acabou estourando em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul, no


dia 3 de outubro de 1930. Em seguida, ela se alastrou para vários estados do Nordeste.
Em todos esses locais, após algumas resistências, a situação pendeu para os
revolucionário. Em 24 de outubro, os generais Tasso Fragoso, Mena Barreto e Leite de
Castro e o almirante Isaías Noronha depuseram o então presidente Washington Luís, no
Rio de Janeiro, e constituíram uma Junta Provisória de Governo. Essa Junta tentou
permanecer no poder, mas a pressão das forças revolucionárias vindas do sul e das
manifestações populares obrigaram- na a entregar o governo do país a Getúlio Vargas,
empossado na presidência da República em novembro de 1930.
A chegada de Vargas ao poder deu início a uma nova fase da história política
brasileira.
O golpe de outubro de 1930 que deslocou as tradicionais oligarquias do
epicentro do poder tem sido tratado na historiografia a partir de diferentes vertentes
explicativas.
Uma primeira linha de interpretação vê o movimento de 1930 como uma
revolução de classes médias (SANTA ROSA, 1933). De acordo com os autores
identificados com esta corrente, a Primeira República teria sido marcada pela existência
de um antagonismo entre uma pequena burguesia, formada pelos setores médios
urbanos, e uma burguesia nacional, representada por industriais, grandes comerciantes
e fazendeiros de café. O conflito entre entres dois segmentos teria evoluído para a
revolução devido à cisão das oligarquias dominantes processada em torno da sucessão
presidencial de 1929 e ao fato das classes médias terem encontrado expressão política
no movimento tene ntista. Os pressupostos básicos desta vertente são assim o papel
central desempenhado no movimento pelas classes médias que no pós-trinta teriam

22
Carta de Osvaldo Aranha a Vargas

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ascendido ao poder embora em caráter não exclusivo e a existência de uma forte
identidade entre estes setores e o movimento tenentista. 23
Outra linha de interpretação, que ganhou destaque nos anos sessenta entre os
setores da esquerda brasileira, sustenta que a revolução de trinta expressaria a ascensão
da burguesia industrial à dominação política (SODRÉ, 1962). Partindo do pressuposto
da existência na sociedade brasileira de uma contradição entre o setor agrário-
exportador (representado pelo latifúndio e visto como associado ao imperialismo) e os
interesses voltados para o mercado interno (representados pela burguesia nacional), a
revolução de trinta seria assim o resultado de uma brecha na classe dominante que, ao
cindir-se, permitiu a composição de uma de suas frações (a burguesia industrial) com
setores médios urbanos e sua ascensão ao aparelho do Estado.
Os anos setenta são marcados pela revisão destas vertentes explicativas
(WEFFORT, 1968; FAUSTO,1970). Ao erigirem um novo modelo de intelegibilidade
do movimento de trinta, autores como Boris Fausto expuseram a fragilidade das
interpretações anteriores.
Com a publicação em 1970 do livro A Revolução de 30: história e
historiografia. Fausto, através de uma análise historio gráfica, aprofundou as críticas
tanto às concepções que interpretam os conflitos da Primeira República como fruto das
contradições antagônicas entre o setor agrário-exportador e setores urbano- industriais e
a Revolução de 1930 como o resultado final desse embate, quanto a que concebe o
movimento como uma revolução das classes médias.
No que diz respeito à primeira concepção, tomando como base as
características da indústria nacional no período, o comportamento da burguesia
industrial do Rio de Janeiro e de São Paulo, o programa e a composição do Partido
Democrático (PD) e a plataforma da Aliança Liberal, que era despida de qualquer
proposta industrialista, o autor mostra que a burguesia industrial não oferecia qualquer
programa voltado para o desenvolvimento da industrialização como alternativa a um
sistema cujo eixo básico eram os interesses cafeeiros. 24 Já no tocante à segunda

23
Guerreiro Ramos e Hélio Jaguaribe são alguns dos autores caudatários desta interpretação. Para
Ramos, a revolução de trinta seria a continuidade dos movimentos militares da década de vinte e da
Campanha Civilista. O movimento teria assim encerrado o ciclo da constitucionalização efetiva do
Estado, abrindo um ciclo de lutas políticas pela estruturação ideológica das classes sociais no Brasil.
24
Em 1972, como um aprofundamento de seus trabalhos anteriores, o mesmo autor publicou Pequenos
ensaios de história da República. A intenção destes textos foi apresentar as linhas gerais da forma ção
social brasileira e seu sistema político durante a Primeira República. Uma das idéias centrais do autor é
que a concentração das atividades econômicas em áreas geográficas definidas propiciou a formação no
país de uma estrutura regional de classes. As oposições entre os diferentes grupos regionais no interior da

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vertent e, os principais argumentos utilizados por Fausto para contestá- la relacionam-se
às características ideológicas do tenentismo nos anos vinte nas quais o elitismo e a
centralização apareceriam como traços fortes, à heterogeneidade da origem social dos
tenentes e às características dos próprios setores médios no período, vistos pelo autor
como uma força subordinada, cujo inconformismo se adaptava às cisões da classe
dominante.
Propondo uma interpretação alternativa, para Fausto a revolução de 1930 deve
ser entendida como o resultado de conflitos intra-oligárquicos fortalecidos por
movimentos militares dissidentes, que tinham como objetivo golpear a hegemonia da
burguesia cafeeira. Contudo, em virtude da incapacidade das demais frações de classe
para assumir o poder de maneira exclusiva e, com o colapso político da burguesia do
café, abriu-se um vazio de poder. A resposta para essa situação foi o Estado de
Compromisso.
Para se entender o significado do Estado de Compromisso é preciso remontar a
própria composição da Aliança Liberal.
Os vitoriosos de 1930 formavam um grupo bastante heterogêneo, tanto do ponto
de vista social como do ponto de vista político. Se o combate às oligarquias tradicionais
era o que se poderia chamar de um objetivo em comum, o mesmo não pode dizer em
relação às expectativas dos diferentes atores envolvidos no movimento. Assim,
enquanto os setores oligarcas dissidentes mais tradicionais desejavam um maior
atendimento à sua área e maior soma de poder, com um mínimo de transformações; os
quadros civis mais jovens almejavam a reforma do sistema político; os tenentes
defendiam a centralização do poder e a introdução de reformas sociais; e o setores
vinculados ao Partido Democrático (PD) tinham como meta o controle do governo
paulista, além da efetiva adoção de princípios liberais. Como nenhuma classe ou fração
de classe ascende em caráter exclusivo ao Estado o que se observa no pós-trinta é um
reajuste nas relações internas dos setores dominantes. O Estado de Compromisso, neste
sentido, nada mais é do que um Estado que se abre a todas as pressões sem se
subordinar necessariamente a nenhuma delas. Suas principais características são uma
maior centralização com a subordinação das oligarquias ao Poder Central, a ampliação

classe dominante ganharam mais importância do que as divisões setoriais (burguesia agrária, comercial,
industrial).
Com esta afirmação, Fausto não só aprofundou as críticas às interpretações dualistas (contradições entre
oligarquias agrárias e setores urbano-industriais), como ofereceu novas contribuições no sentido de
melhor explicitar o papel da oligarquia cafeeira.

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do intervencionismo que deixa de ser restrito `a área do café, além do estabelecimento
de certa racionalização na utilização de algumas fontes fundamentais de riqueza pelo
capitalismo internacional (FAUSTO, 1970, p. 109-110).
Do ponto de vista ideológico o que se verifica é um progressivo abandono das
fórmulas liberais pelos quadros dirigentes, apesar do formado dado à Constituição de
1934, e uma aproximação com matrizes de pensamento autoritárias, como o fascismo.
Num contraponto a esta contribuição de Boris Fausto consagrada na
historiografia, em inícios dos anos oitenta uma nova corrente foi desenhada nos debates
em torno da revolução de trinta em cujo cerne está a desqualificação de 1930 enquanto
marco revolucionário e a idéia de que a revolução representaria um golpe preventivo da
burguesia contra o movimento operário, visto como uma séria ameaça à dominação
burguesa. (DEDECCA, 1981; TRONCA, 1982).25
De acordo com os autores identificados com esta vertente, ao invés de 1930, o
verdadeiro momento revolucionário teria sido 1928, quando no plano institucional teria
se explicitado a luta de classes no país através da criação do Bloco Operário Camponês
(BOC) pelo Partido Comunista. A fundação do Centro das Indústrias do Estado de São
Paulo, no mesmo ano, teria assim representado a resposta das classes dominantes à
mobilização operária, enrijecendo-se a postura patronal repressiva, cujos
desdobramentos, a nível ideológico, resultaram na “conotação” do golpe enquanto
instrumento da produção discursiva vitoriosa, destinada a apagar a memória da
verdadeira luta de classes.
As principais críticas que tem sido endereçadas a esta interpretação dizem
respeito à problemática comprovação empírica dos argumentos sustentados por estes
26
autores.
A despeito da polêmica instalada, ainda nos anos oitenta, embora não cheguem a
propor um modelo alternativo, alguns autores chamaram a atenção para as vantagens e
os perigos implicados na tendência existente tanto na sociologia quanto na história de
conceber a revolução de 1930 como um marco da his tória contemporânea devido à
condensação de fenômenos observados em torno do movimento (MARTINS, 1980).
Conforme ressaltam, entre as principais vantagens deste procedimento está a economia
de meios proporcionada. Ou seja, a revolução de trinta se transforma numa espécie de

25
Maria Helena Capelato, em sua análise sobre o movimento de 1932, é caudatária deste tipo de
interpretação.
26
Ver PRESTES, Anita. A Coluna Prestes. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997, p. 34.

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evento matriz que serve de catalisador para se captar a cultura política, o
comportamento, as aspirações e demandas dos diferentes segmentos integrantes do
sistema político brasileiro. Em compensação entre os inconvenientes estão a perigosa
tendência de se transferir para o acontecimento uma dimensão que não é intrínseca à sua
e sobretudo induzir à conversão do que pode ser apenas uma simultaneidade de
fenômenos em nexos fortes entre eles (MARTINS, 1980, p. 671).
O resultado da Revolução de trinta mais do que as propostas do movimento em
si é que transformaram 1930 em um marco histórico importante.

Bibliografia Referenciada
I. Fontes Primárias
Arquivos Privados:
Nilo Peçanha– Museu da República
Getúlio Vargas – CPDOC – FGV
Pedro Ernesto – CPDOC – FGV
Osvaldo Aranha – CPDOC - FGV
Imprensa
O Imparcial (1921)
O Estado (1922)
O Correio do Povo (1931)

II. Livros, Artigos e Teses


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-------------- Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo:

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