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Os impactos do programa habitacional “Morar Feliz” em Campos dos

Goytacazes/RJ no cotidiano de mulheres empobrecidas chefes de família


monoparental

RESUMO
O Programa “Morar Feliz” no município de Campos dos
Goytacazes/RJ, desde 2009 com recursos advindos dos royalties do
petróleo, vem viabilizando moradias populares a diversas famílias que
viviam de aluguel social e/ou em áreas consideradas de risco. O
presente artigo objetiva fornecer elementos de análise sobre os
impactos deste programa sobre a vida de mulheres empobrecidas
chefes de família, trazendo o debate sobre o direito à cidade e acesso
a outras políticas, sob a perspectiva da questão de gênero e território.
Constatou-se que estes conjuntos estão atualmente distantes do
acesso pleno à cidade em sua totalidade, pois estão marcados pela
dificuldade no que tange à mobilidade urbana e pela ausência de
serviços públicos essenciais à vida.

Palavras-chave: Política Pública. Monoparentalidade Feminina.


Moradia.

ABSTRACT

The "Morar Feliz" program in the municipality of Campos dos


Goytacazes/RJ, since 2009 with resources from oil royalties, has been
providing affordable housing to several families who lived on social rent
and/or in risk areas. This article aims to provide elements of analysis
on the impacts of this program on the lives of impoverished women
heads of families, bringing the debate about the right to the city and
access to other policies, from the perspective of gender and territory. It
was found that these communities are currently far from full access to
the city in its entirety, because they are marked by difficulties in terms
of urban mobility and the absence of public services essential to life.

Keywords: Public Policy. Female single parenthood. Housing.


1 INTRODUÇÃO

Historicamente, a sociedade brasileira tem passado por diversas


mudanças em seu sistema, sobretudo relacionadas às transformações políticas,
econômicas e sociais, e que nos últimos cinquenta anos interferiram
significativamente na esfera familiar, modificando as relações vivenciadas em seu
interior.
O aumento das famílias monoparentais femininas vem ganhando ênfase
em dados oficiais, tornando-se um dos motivos de tais mudanças. Algumas
questões podem ser levantadas a partir destas informações, e uma delas é
apreender como e por quê essas mudanças ocorreram.
Nos últimos cinquenta anos um dos acontecimentos mais marcantes no
Brasil, foi a alta inserção das mulheres no mercado de trabalho, e esse constante
crescimento da participação da força de trabalho feminina é explicado por uma
combinação de fatores políticos, sociais, econômicos e culturais (MELO, 2005).
Segundo Rego (2017), as taxas de atuação feminina – especialmente no
mercado de trabalho – cresceram consideravelmente, e estão relacionadas
principalmente às mudanças culturais, a diminuição da fecundidade, ao
progressivo aumento nos níveis de escolaridade e à necessidade de
complementar a renda familiar principalmente na década de 1990, conjuntura
marcada pela crise econômica, empobrecimento dos trabalhadores e
trabalhadoras e pela precarização das atividades de forma geral.
O aumento destes arranjos familiares não é um fenômeno recente no
Brasil, principalmente entre as camadas mais pobres, e está relacionada
fundamentalmente à menor capacidade de ganho das mulheres, provocada por
diversos fatores cujo principal vetor é a condição de gênero articulado à classe e
à raça.
O pauperismo das massas trabalhadoras representava o aumento da
pobreza, resultante da ampliação da capacidade da sociedade de produzir cada
vez mais bens e serviços. Logo, quando os trabalhadores e trabalhadoras
decidem contrapor-se às condições de vida concebidas pelo pauperismo surge a
intitulada questão social como um fenômeno consequente do industrialismo
nascente no século XIX (BISPO, 2009).
Para Iamamoto (2011) a questão social expressa as desigualdades
econômicas, políticas e culturais das classes sociais mediatizadas por
disparidades nas relações de gênero, étnico- raciais e regionais.
Com o processo de reestruturação do capital a partir dos anos 70, verifica-
se uma forte apreensão no campo teórico e político com o aprofundamento da
questão social, e consequentemente com o crescimento da pobreza como
componente capaz de anunciar a retomada do ciclo expansivo/acumulativo
capitalista. Tal conjuntura possibilita a criação de políticas segmentadas,
focalizadas e de transferência de renda (SOARES, 2011).
Após constatada a ausência de uma discussão aprofundada a respeito de
questões históricas de desigualdade entre homens e mulheres que se
apresentam, de maneira geral, na criação das políticas públicas que procuram
abordar uma perspectiva de gênero, foram criados mecanismos que atendessem
a população feminina. Contudo, a focalização de políticas públicas nas mulheres
torna-se preocupante na medida em que acaba contribuindo para a perpetuação
dos papéis tradicionalmente atribuídos ao gênero feminino.
A política habitacional é um exemplo disto. Em muitas cidades a mulher é
prioridade na obtenção da posse ou na propriedade de imóveis adquiridos através
de programas habitacionais, e no município de Campos dos Goytacazes/RJ isso
não é diferente.
O Programa “Morar Feliz”, buscou priorizar a mulher dentro da seleção,
fazendo com que a titularidade do imóvel fosse preferencialmente realizado em
nome da mulher, associando-se a outras questões legais de cunho protetivo que
buscam garantir o direito deste grupo de sujeitos.
Embora a família seja alvo de tantas transformações, ela é elemento
central das ações governamentais. Contudo, esta centralidade vem
sobrecarregando as mulheres de forma demasiada pelo fato delas serem
consideradas as principais responsáveis pelos cuidados da família e do lar.
Apesar de tais políticas terem como objetivo melhorar as condições de vida
das mulheres e diminuir as disparidades de gênero, indo na direção do
“empoderamento” e garantia da autonomia feminina, acaba tendo efeitos
colaterais e tendendo a reafirmar o papel tradicional, considerado adequado às
mães/donas-de-casa/não-trabalhadoras como cuidadoras do lar.
Com base neste entendimento, a proposta deste artigo é fornecer
elementos de análise sobre os impactos deste programa sobre a vida de mulheres
empobrecidas chefes de família, contemplada com os imóveis, trazendo o debate
sobre o direito à cidade e acesso a outras políticas, sob a perspectiva da questão
de gênero e território.

2 MONOPARENTALIDADE FEMININA:UMA ANÁLISE SOBRE SUA ESTRUTURA

Nos estudos sobre a sociologia da família e política social, entende-se


como família monoparental uma mãe ou um pai sem cônjuge e com filhos
dependentes (crianças ou jovens adultos solteiros). A família monoparental
feminina- que neste caso é composta apenas pela figura materna- vem crescendo
nos últimos anos de forma muito acelerada em nossa sociedade, onde a mulher
tem o papel principal de provedora do sustento da família. O tema acerca da
monoparentalidade feminina não é algo novo, visto que a existência desse tipo de
arranjo familiar sempre existiu nas camadas mais pobres da população, tanto no
Brasil quanto em outros países.
Conforme Silveira e Silva (2013), com as transformações ocorridas, as
famílias compostas por casais com filhos diminuiu consideravelmente dando
margem para o aumento das famílias compostas por um membro com filhos (seja
homem ou mulher), entretanto, as famílias chefiadas por mulheres têm crescido
de forma significativa nas últimas décadas.
Esse fenômeno da monoparentalidade feminina advém de diversos fatores,
e o aumento do número de famílias monoparentais têm sido evidenciado em
alguns indicadores que apontam o perfil das famílias na contemporaneidade. De
acordo com as Estatísticas de Gênero - Uma análise dos resultados do Censo
Demográfico 2010 (2014), dos 57,3 milhões de domicílios existentes no Brasil
38,7% eram chefiados por mulheres, e este reconhecimento se dá pelo critério de
que os demais membros da família reconhecem a pessoa como responsável pelo
provimento do sustento familiar.
Por conta das diversas modificações que atingiram a família e a condição
feminina, a monoparentalidade feminina deixou de ser algo limitado às camadas
mais pobres da sociedade e teve uma ascensão também na classe média,
ganhando uma nova expressão, associada ao surgimento dos já referidos estudos
de gênero. No entanto, a matrifocalidade¹ sempre esteve presente nas camadas
mais pobres, e sempre sofreram com os impactos das desigualdades econômicas,
sociais e de gênero, desse modo vivenciando situações de pobreza e exclusão
social.
Segundo o Retrato das desigualdades de gênero e raça elaborado pelo
Ipea, em 2015 havia no Brasil 28.614.895 famílias chefiadas por mulheres, sendo
15.872.953 chefiadas por mulheres negras.
Esse modelo familiar sempre existiu, porém, foi desenvolvendo-se
consideravelmente nos últimos vinte anos. E com os impactos das mudanças
sociais, econômicas e culturais advindas do capital, esses arranjos familiares
tendem a experienciar com mais assiduidade as expressões da questão social e
acabam tornando-se grupos em risco de pobreza, passando a ter caráter
prioritário na implementação de políticas públicas e sociais destinadas para o
auxílio dessas famílias, visto que muitas mulheres vem assumindo vários papéis
no seu cotidiano, sendo chefes de família e buscando conciliar os afazeres
domésticos com o trabalho e os filhos.
Segundo Rego (2017) quando falamos em famílias monoparentais
femininas,

________________________

¹ Entende-se por matrifocalidade, um grupo de mulheres e crianças matrilateralmente relacionadas,


com a presença instável do homem ao redor do grupo. O pai-marido pode estar fisicamente presente
ou completamente ausente, porém, em qualquer caso a autoridade do grupo é feminina (ZARUR,1976).
entende-se que a forma social família é ao mesmo tempo expressão das
relações de gênero e também espaço de interação social que vai recriar e
dinamizar estas relações articuladas às relações de classe social, e de raça
como elementos explicativos fundamentais da realidade social (REGO,
2017, p. 78).

A percepção da monoparentalidade não tem ficado associada apenas ao


sexo, mas também à pobreza, visto que as mulheres continuam em desvantagem
em relação ao usufruto dos direitos no que se refere à carga horária de trabalho e
a média salarial e em virtude disso, aumentam-se as dificuldades financeiras e
essas famílias chefiadas por mulheres acabam sendo classificadas como
incapazes de administrar o lar sem a presença de um homem. Logo, a
desigualdade de gênero e raça existentes em todas as esferas da sociedade
demonstram porque tantas mulheres que são chefes de família são desafiadas
todos os dias pela dupla função que elas devem exercer no trabalho e em casa, e
as condições desvantajosas da renda se comparado aos homens.
Apesar disso é importante ter cautela quando abordamos a questão da
pobreza nas famílias exclusivamente chefiadas por mulheres, visto que:

Ao enfocar somente o aspecto da pobreza contribui-se para a crença de


que são as mulheres chefes que geram a pobreza, como se elas fossem
incapazes de cumprir as obrigações de chefia familiar, um papel atribuído
historicamente aos homens. Atribuem-se a estes arranjos o status de
desorganização familiar, legitimando a ideia de que há a transferência
desse papel para alguém destituído dos atributos desejáveis ao
enfrentamento da dupla condição de provedor e responsável pelo domicílio
(REGO, 2017,p.81).

Outra questão importante a ser analisada a respeito da pobreza que atinge


essas famílias chefiadas por mulheres é o território em que elas vivem. As
condições de vulnerabilidade destacam-se “não só pelo lugar da mulher na
família, mas também pela família de determinado lugar.” (AZEREDO, 2010, p.583)
É importante pensar a dimensão geográfica da pobreza e o quanto isso reflete
sobre as famílias e mais especificamente sobre as mulheres, pois, muitas famílias
vivem em locais periféricos que não possuem acesso a moradia de qualidade,
saneamento básico, acesso à saúde, à escola e ao lazer, e a dimensão
étnica/racial contribui para o agravamento do conjunto dessas dificuldades.
É fundamental trazer a discussão da raça dentro das famílias monoparentais
femininas, visto que a cidadania conquistada pelas mulheres não atinge a todas
de forma homogênea, tendo em vista a desigualdade experimentada por mulheres
negras.
Segundo Babiuk (2015), a dominação burguesa do Estado brasileiro e as
desigualdades sociais possibilitam a violência estrutural que alcançam com mais
facilidade as mulheres negras, levando-as a condições subalternas de moradia,
educação, saúde, alimentação e outros direitos fundamentais que garantem uma
vida digna.
As consequências da questão social sobre as famílias monoparentais
chefiadas por mulheres traz a necessidade da implantação de políticas sociais
ofertadas pelo Estado. Nas famílias chefiadas por mulheres, cuja provedora na
maioria das vezes é preta ou parda, mais atingida de forma negativa pelo sistema
econômico vigente e, levando em conta também a discriminação e o preconceito
racial, essas questões são agravadas.

3. OS IMPACTOS DO PROGRAMA “MORAR FELIZ” NA VIDA DE MULHERES


CHEFES DE FAMÍLIA MONOPARENTAL: SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL
GENERIFICADA?

Campos dos Goytacazes, localizado no Norte Fluminense e distante cerca


de 270 km da cidade do Rio de Janeiro, constitui o maior município em extensão
territorial (4.032.487 km2) do estado do Rio de Janeiro, com 511.168 mil
habitantes, dos quais 90,3% residem na área urbana. O atual prefeito é Wladimir
Garotinho (PSD) (IBGE, 2020).
Campos teve como principal atividade econômica a pecuária, mas é
tradicionalmente conhecida na produção de cana, açúcar e álcool, sendo
beneficiada nas décadas de 1970 e 1980 com recursos públicos destinados a
essas atividades, dando protagonismo a região Norte Fluminense. Além disso,
Campos é responsável por aproximadamente 80% da produção nacional de óleo
e gás, passando a receber parte dos royalties provenientes da extração do
petróleo regional (REGO, 2017).
Contudo, apesar da ascensão econômica, o Norte Fluminense está entre
as regiões com o menor desenvolvimento do país, principalmente no que tange a
desigualdade de renda, qualidade de vida, pobreza e emprego.

O padrão de dominação e de desenvolvimento regional, hegemonizado


pelas elites açucareiras, faz emergir a questão social do Norte
Fluminense como a questão das relações de trabalho no campo, da
precarização do mercado de trabalho, da pobreza e da exclusão social
(CRUZ, 2006, p. 55).

Segundo Rego (2017), a crise da economia açucareira na cidade


impulsionou a urbanização do mercado de trabalho, proporcionando um cenário
de instabilidade e desproteção, principalmente no que se refere às oportunidades
de emprego. Dado que, a maioria dos trabalhadores e trabalhadoras migraram de
zonas rurais e o que restou foram postos de trabalho informais, precários e sem
vínculos empregatícios, aumentando ainda mais os índices de pobreza, pois, os
mesmos não se adequavam ao perfil dos novos setores.
Diante disso, houve um aumento nos índices de trabalho informal entre
grande parte da população campista. Os “biscates”, a construção civil e o serviço
doméstico tornaram-se a saída de muitas famílias, que inclusive, residem nas
áreas periféricas da cidade. Ou seja, além da informalidade há a restrição dos
direitos básicos ligados à urbanização.
De acordo com Mendes. et al (2014) as condições de vida da população
campista indicam que os serviços públicos como saúde, educação, habitação,
transporte, lazer, entre outros não são implantados de maneira a suprimir as
demandas locais.
Em 2009 surge a proposta de uma política pública habitacional por meio do
programa “Morar Feliz”, que visou reassentar famílias residentes em áreas de
risco² da cidade em conjuntos habitacionais. Campos dos Goytacazes foi um dos
municípios pioneiros na criação de programas destinados a sanar o déficit
habitacional, para além do Programa Minha Casa Minha Vida, materializado pelo
Governo Federal.
Com recursos advindos dos royalties e das participações especiais, os
gestores municipais à época assumiram a responsabilidade de executar um
grande e ambicioso programa habitacional, com ou sem a parceria dos governos
estadual e federal. Nesse processo, o foco era em uma política habitacional que
não se centrava no endividamento da população por meio do financiamento das
casas, mas na construção de conjuntos habitacionais entregues em regime de
comodato e sem ônus para o beneficiário que, após cinco anos, adquiriam a posse
definitiva da residência.
Nestes novos espaços há a presença de alguns serviços como água
encanada, energia elétrica, pavimentação de ruas e saneamento básico.
Entretanto, serviços de telefonia pública, correios, áreas de lazer, postos
de saúde, transportes, escolas e Centros de Referência da Assistência Social não
foram implantados próximos a essas localidades, ou foram de maneira
insuficiente em alguns conjuntos (MENDES, et al., 2014).

Apesar do programa ser de grande relevância, apresenta inúmeras


contradições, agudizando ainda mais as expressões da questão social na vida das
famílias reassentadas, principalmente de famílias monoparentais femininas.

Assim como em alguns programas habitacionais, o programa “Morar Feliz”


dá preferência às mulheres como titulares da posse dos imóveis.
Para que houvesse uma distribuição adequada das moradias populares,
ou seja, que as casas fossem entregues às famílias que de fato necessitassem
da assistência social, inclusive da habitação, uma das premissas da prefeitura de
Campos/RJ era a de que as famílias passassem por um processo de seleção para
que suas condições sociais fossem analisadas.

________________________

² “A
noção de risco não implica somente a iminência imediata de um perigo, mas quer dizer também
a possibilidade de, num futuro próximo, ocorrer uma perda de qualidade de vida pela ausência de
uma ação preventiva” (SPOSATI, 2001, p.69).
Deste modo, a prioridade pela mulher se dá pelas peculiaridades que a
mesma possui na relação de vínculos afetivos instituídos com os demais
membros da família, na responsabilidade de assegurar abrigo, da dedicação à
saúde, à educação e no cuidado com o lar e com os/as filhos/as. Tradicionalmente
tal compreensão costuma ser levada em conta pelos governos na formulação de
políticas públicas ou execução de projetos.
Essas famílias foram removidas das supostas áreas de risco da cidade, e
realocadas nos 14 conjuntos habitacionais existentes a fim de lhes garantir
moradias de qualidade. No entanto, o que deveria solucionar um determinado
problema serviu como agente catalisador do agravamento de outros problemas
como a segregação dessas famílias, os altos índices de violência nesses
territórios, a ausência de serviços públicos essenciais à vida e o não acesso pleno
à cidade, tendo em vista que os conjuntos habitacionais foram construídos em
locais afastados do centro, na periferia do município, onde os lotes imobiliários
são mais baratos (CORTES, 2020).
Logo, no imaginário social a execução da função das políticas deve ser
breve e de urgência, quer dizer, que seja eficiente em suavizar o sofrimento do
sujeito, mas não de atingir a responsabilidade em responder a um direito de
cidadania, estabelecendo resultados prolongados (SPOSATI, 2007).
É importante ressaltar, que o novo local de moradia transformou todas as
esferas da vida dessas famílias reassentadas. Estas, foram direcionadas para
diferentes ruas no mesmo conjunto habitacional ou diferentes conjuntos , não
respeitando os laços pessoais, sociais e afetivos desses indivíduos.
A mulher/mãe chefe de família, mesmo inserida no mercado de trabalho,
muitas vezes depende de uma rede de apoio, que parte de parentes próximos e
amigos que auxiliam nos cuidados com os filhos. As relações com a vizinhança
também são importantes. Entretanto, com as mudanças abruptas, estes laços
foram rompidos.
Para além de todo agravante relacionado à objetividade e subjetividade dos
indivíduos, é importante destacar os impactos relacionados ao mundo do trabalho
e renda dessas mulheres. Isso ocorreu, pois muitas moradoras perderam seus
meios de produção, já que trabalhavam no seu próprio bairro de origem ou em
suas imediações, como babás, empregadas domésticas, trabalhadoras do
comércio ou vendiam mercadorias de revistas de cosméticos para vizinhança,
como fonte de renda principal ou complementar.
Quando não afastadas do trabalho, essas mulheres tiveram que se
submeter ao precário, caro e irregular transporte público para se locomover pela
cidade. Muitos(as) trabalhadores(as), por trabalharem sem direito ao vale
transporte, optaram por buscar novas formas de inserção no mercado, já que os
baixos salários não compensavam a subtração para arcar com o transporte
público (CORTES, 2020). Deixar de trabalhar é a última opção por conta das
condições de pobreza, então muitas mulheres acabam se sujeitando a trabalhos
com longas jornadas, condições precárias, sem direitos e com baixos salários.
Para além disso, é indispensável ressaltar que muitas famílias perderam o
benefício do Programa Bolsa Família, visto que não conseguiram matricular suas
crianças nas escolas, o que é uma condicionalidade do programa.
Todas essas questões afetam não apenas as condições materiais e de
subsistência dessas famílias chefiadas exclusivamente por mulheres, afetam
também sua própria convivência e organização.
A desapropriação territorial promovida pela política habitacional do
município de campos, não só retirou a base territorial dos expropriados e os seus
meios de trabalho, como também potencializou uma série de outras
expropriações contemporâneas, representadas pelas expropriações dos direitos,
notadamente, conhecidas como as expropriações secundárias (CORTES, 2020).

A partir disso, é necessário que o Estado ofereça uma rede de serviços que
de fato atendam às necessidades e demandas dessas famílias, com o intuito de
evitar o rompimento de laços familiares e violações de direitos (REGO, 2017).
É fundamental compreendermos que, a garantia do direito à moradia e a
cidade às mulheres é essencial para a realização de suas atividades do dia a dia
e, inclusive, para a promoção da autonomia em todas as esferas da sua vida e
para a efetivação de outros direitos. Devendo-se levar em consideração todas as
adversidades vivenciadas por um grande número de mulheres,
predominantemente negras, principais provedoras do sustento dessas famílias.

4 CONCLUSÃO

O Programa “Morar Feliz” segue a mesma trajetória da política habitacional


brasileira, removendo setores subalternizados das áreas centrais, com o objetivo de
“higienizar” esses espaços que interessavam a capitalização fundiária e imobiliária.
Segundo Alves (2016), o Estado admite o direito à moradia, mas não o direito
à cidade, tendo em vista que o direito à cidade não consiste apenas na garantia do
direito à moradia, mas também de gestão da própria cidade como espaço privilegiado
de atuação política.
Os conjuntos habitacionais estão localizados em áreas periféricas
desassistidas pelo poder público municipal, que não conta com instalações devidas
para promover habitações dignas para a população atendida.
Para as mulheres chefes de família, ou não, ter uma casa tem o significado de
um lugar privilegiado para a realização do cotidiano da família e representa uma forma
de proteção social num contexto de adversidades, sendo a materialização dos
esforços da melhoria de vida: uma garantia mínima numa vida cheia de incertezas
(CAMPOS, 2019).
A segregação espacial é a expressão material das desigualdades de uma
sociedade dividida em classes. Estes elementos impactam de forma relevante a vida
de muitas mulheres consideradas chefes de família, que vivenciam um cotidiano
marcado pela vulnerabilidade econômica e social. Além de terem que encarar a
sobrecarga de cuidar do lar e da educação dos filhos, enfrentam ainda outras
adversidades como a inexistência de creches e escolas, de uma rede de apoio de
parentes, amigos e vizinhos, que antes era forte em sua moradia de origem, entre
outras alternativas que são importantes para aliviar a sobrecarga do trabalho
doméstico e que possibilitam seu acesso ao mercado de trabalho e reforçam sua
autonomia.
A falta de equipamentos sociais nesses locais impede a garantia de autonomia
dessas mulheres, privando-as de possibilidades de independência econômica e
suporte social, reiterando sua condição de exclusão social.
É necessário compreendermos a moradia como um espaço de representação
livre. Compreender como um espaço vivido pelo próprio sujeito, ou seja, como um
espaço diferencial, que para Lefebvre (2006) seria o espaço de transformação e para
Harvey (2000) espaço de esperança.

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