O Ideal Iniciatico Wirth Oswald

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O IDEAL INICIÁTICO

TAL COMO SE DEPREENDE


DOS RITOS E SÍMBOLOS

POR

OSWALD WIRTH
Proibido o uso comercial desta obra.
Exclusivamente para os membros da GLOJARS
www.glojars.org.br

Nada inculcar, mas convidar à reflexão.


2 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

“...Quando existirem em Maçonaria Mestres


esclarecidos capazes de ler e de escrever a
língua sagrada, então nossa instituição
passará do Símbolo à Realidade. Ela
encarnará a Iniciação verdadeira e
construirá efetivamente o Templo da
Suprema Sabedoria Humana...”
Oswald Wirth

Meus Irmãos,

Como se pode colher da introdução escrita pelo próprio Oswald Wirth, esta
obra resulta de uma coletânea de artigos publicados a partir de janeiro de
1922. Reunidos, deram origem ao livro que, agora, é colocado à disposição
de todos os Irmãos da Muito Respeitável Grande Loja Maçônica do Estado
do Rio Grande do Sul. Como não foi possível encontrar o original francês,
não nos restou outra alternativa senão nos utilizarmos da tradução
espanhola feita por Fernando Villard, cuja cópia nos foi generosamente
presenteada pelo Ir.'. João Carlos Miranda, M.'. I.'., em 28 de setembro de
2000.

Divulgar o trabalho de Oswald Wirth é objetivo prioritário do Departamento


Cultural da Muito Respeitável Grande Loja Maçônica do Estado do Rio
Grande do Sul que tenho a honra de dirigir. Por outro lado, esta divulgação
não seria possível sem o apoio do Departamento de Informática, apoio este
irrestrito que encontramos na pessoa do Ir.'. Roberto Viola, M.'. I.'., o qual se
dispôs a nos ceder grande espaço no site oficial de nossa Instituição, numa
iniciativa conjunta de dois Departamentos.

O pensamento wirthiano traduz-se por uma completa isenção no que


respeita a crenças pessoais. Filósofo reflexivo sobretudo, incita-nos a
examinar de perto nossos preconceitos e crenças, enfim, nossos metais,
tudo o que trazemos conosco e que, muitas vezes, nos conduz ao erro e ao
fanatismo. Ensina-nos que o erro resulta de uma falsa verdade e que esta,
uma vez acreditada, dá origem ao fanatismo. Mas errar é humano e, ao
combater o erro e o fanatismo, devemos começar por nós mesmos, a partir
dos primeiros passos em direção ao Ideal Iniciático, tema desta obra que,
esperamos, seja útil a todos os nossos Irmãos.

Pessoalmente, como titular do Departamento de Atividades Culturais da


MRGLRS, é meu sincero desejo que este trabalho seja de alguma forma útil e
proveitoso a todos aqueles que desejam, em espírito e verdade, prosseguir
em direção ao Ideal que a Iniciação nos assina.

Fraternalmente
Ir.'. Bruno C. Carravetta, M.'. I.'.
bcarravetta@cpovo.net

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3 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

Índice

1. Introdução.......................................................04
2. A Iniciação Maçônica......................................06
3. As Obrigações do Iniciado..............................10
4. A Preparação do Candidato............................15
5. A Descida a Si Mesmo....................................18
6. A Conquista do Céu........................................22
7. A Posse de Si Mesmo.....................................28
8. O Fogo Sagrado..............................................32
9. O Cálice da Amargura.....................................36
10. O Primeiro Dever do Iniciado..........................39
11. A Magna Obra.................................................42
12. Os Poderes do Iniciado...................................45
13. Os Ensinamentos da Franco-Maçonaria.........48
14. “Maçonismo” e Franco-Maçonaria...................51
15. A Iniciação Feminina........................................54
16. A Inacessível Amante......................................58
17. Masculinidade e Feminilidade..........................62
18. A Sabedoria Iniciática.......................................67
19. A Força Realizadora.........................................73
20. A Divina Beleza.................................................80

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4 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

01
Introdução
A Iniciação confere tal sorte de pretexto a certos ensinamentos
equívocos, mas nem sempre inofensivos, sobretudo, quando a
investigação de conhecimentos anormais conduz ao desequilíbrio dos
indivíduos...

Em todos os tempos, temos visto falsos profetas pregarem


em tom doutoral e com absoluta boa-fé sobre o que pensavam
saber. Antigamente, inspirava-os a religião e, — em sua crença
de possuir a verdade graças à iluminação, — vinham nos revelar
aquilo em que deveríamos crer, dando-nos precisas idéias a
respeito da divindade, dos anjos e dos demônios. Em nossos
tempos, costumam dá-las os Iniciados instruídos nos supremos
mistérios que permanecem velados à penetração da
generalidade dos homens. A Iniciação confere tal sorte de
pretexto a certos ensinamentos equívocos, mas nem sempre
inofensivos, sobretudo, quando a investigação de conhecimentos
anormais conduz ao desequilíbrio dos indivíduos.

Em presença de tão grande número de elucubrações malsãs


que preconizam o desenvolvimento de um estado alucinatório
considerado erroneamente como conquista de um privilégio
iniciático, não será demais formular os princípios da sã e
verdadeira iniciação tradicional.

É o que tentamos numa série de artigos publicados em “Le


Symbolisme” desde janeiro de 1922, artigos que reunimos neste
opúsculo para maior comodidade do leitor.

Não temos, desde já, a pretensão de haver elucidado


inteiramente a questão, mas o caminho que sinalamos é o
verdadeiro, e todos os documentos iniciáticos concordam nesse
ponto.

A pista, na verdade, fica apenas ligeiramente esboçada;


algumas vezes, chega a perder-se, e é preciso que saibamos

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5 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

encontrá-la outra vez, fazendo uso de nossa sagacidade para


orientar-nos. A Iniciação, com efeito, deve pôr em obra nossa
própria iniciativa, sem impor-se jamais; é preciso descobri-la e
violentá-la, se quisermos possuí-la.

Não espere, pois, o leitor encontrar nestas páginas um


tratado metódico. A Iniciação deve ser adivinhada, e o autor,
sinceramente iniciático, não pode fazer outra coisa senão ajudar
a descobri-la.

Oswald Wirth

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6 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

02
A Iniciação Maçônica
Alegoricamente, a Franco-Maçonaria aspirava a remediar a confusão das
línguas que dispersara os construtores da Torre de Babel. Seu objetivo
era formar Maçons capazes de compreenderem-se de um pólo a outro,
para juntos edificarem um templo único aonde viriam a se confraternizar
os sábios de todas as nações. Este edifício não se inspirava, de modo
algum, no capricho humano: não é uma Torre destinada a desafiar o céu
com seu orgulho, mas um santuário cujo plano concebeu o Grande
Arquiteto do Universo.

A Franco-Maçonaria é uma instituição moderna quanto à sua


organização que não vai além de 1717, data da constituição, em
Londres, da Grande Loja mãe da qual derivam mais ou menos
diretamente todas as federações maçônicas do mundo.

O que nasceu então foi uma confraternidade que se afirmava


como universal e que deveria permanecer aberta a todos os
homens de reconhecida moralidade, sem distinção de religião, de
opiniões políticas, de nacionalidade, de raça nem de posição
social. Essa associação tinha por finalidade conseguir que seus
adeptos se unissem, apesar de tudo quanto os poderia separar.
Era seu dever a mútua estima e o esforço pela compreensão
recíproca, em que pese o distanciamento em sua maneira de
pensar ou de expressar-se.

Alegoricamente, a Franco-Maçonaria aspirava a remediar a


confusão das línguas que dispersara os construtores da Torre de
Babel. Seu objetivo era formar Maçons capazes de
compreenderem-se de um pólo a outro, para juntos edificarem
um templo único aonde viriam a se confraternizar os sábios de
todas as nações. Este edifício não se inspirava, de modo algum,
no capricho humano: não é uma Torre destinada a desafiar o céu
com seu orgulho, mas um santuário cujo plano concebeu o
Grande Arquiteto do Universo.

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A Franco-Maçonaria tem grande cuidado em não definir o


Grande Arquiteto, deixando toda liberdade aos seus adeptos
para que façam do mesmo uma idéia de acordo com sua fé ou
com sua filosofia. Os Franco-Maçons deixam a teologia aos
teólogos, cujos dogmas levantam discussões apaixonadas,
quando não conduzem a guerras ou a perseguições iníquas. Ao
dogmatismo rígido e intransigente, a tradição maçônica opõe um
conjunto de símbolos coordenados logicamente, de maneira a
explicarem-se uns aos outros. Os espíritos reflexivos encontram-
se, de tal sorte, convidados a descobrir por si mesmos os
mistérios aos quais alude o simbolismo. Algumas sumárias
indicações marcarão o caminho a percorrer, mas não se
comunica ao neófito mais que a primeira letra da palavra
sagrada: ele deverá saber por si mesmo adivinhar a segunda.
Seu instrutor revela-lhe, a seguir, a terceira, a fim de que possa
encontrar a quarta e assim sucessivamente.

Esse método é muito antigo. Seu propósito é formar


pensadores independentes, desejosos de chegar, por seu próprio
esforço, a discernir a verdade. Nada se lhes inculca nem se lhes
pede algum ato de fé a propósito de qualquer revelação
sobrenatural; do longínquo passado, onde tem fixadas as suas
raízes espirituais, a Franco-Maçonaria não herdou crenças
determinadas nem doutrinas concretas, mas, sim, apenas seus
procedimentos de sã e leal investigação da Verdade.

Portanto, pedir a admissão na Franco-Maçonaria não pode


ser questão de esperar a comunicação destes fatos misteriosos
que tanto intrigam os aficionados em ciência oculta. Os Franco-
Maçons interessam-se individualmente por todos os
conhecimentos humanos, e podem ser, se for o caso e segundo
lhes apraz, ocultistas, teósofos, metapsiquistas, etc., mas a
Franco-Maçonaria abstém-se, em absoluto, de ensinar algo em
qualquer ordem de idéias. Não tem por missão resolver os
enigmas que se apresentam à mente humana e não se declara a
favor de nenhuma das teorias explicativas dos fatos sensoriais.
Indiferente a toda suposição arriscada, coloca-se acima dos
sistemas cosmogônicos formulados, ora por religiões, ora por
escolas de filosofia.

O que preconiza é este prudente positivismo que toma por


ponto de partida em todas as coisas o comprovável. No decorrer
de suas viagens simbólicas, o neófito parte sempre do Ocidente,
onde se ergue a fachada da objetividade, ou seja, a

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8 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

fantasmagoria das aparências que perturbam nossos órgãos.


Tudo termina aí para o materialista que acredita inútil buscar algo
mais. Todavia, muito distinta é a convicção dos espíritos
propensos à meditação. Estes últimos se recusam a ficar no
aspecto superficial das coisas, e sua ambição é aprofundar tudo.
Para esses aspirantes à iniciação, tudo quanto afeta nossos
sentidos constitui um enigma que podemos decifrar. Buscam o
significado do espetáculo que lhes oferece o mundo e lançam-se
a suposições por demais arriscadas. Ao penetrarem desse modo
na tenebrosa selva das quimeras, com tanta complacência
quanto a descrita nas novelas cavalheirescas, o pensador vê-se
obrigado a combater todos os monstros de sua própria
imaginação. Deve abrir passo através do inextrincável
emaranhado das concepções mal vindas, para alcançar
penosamente o Oriente, de onde brota a luz. De outra parte, ao
sair das trevas da noite, a luz da manhã deixa-o discernir
somente o absurdo das teorias preconizadas para explicar o
inexplicável; convencido de sua impotência para penetrar o
mistério das coisas, empreende o regresso ao Ocidente,
seguindo agora a rota do Meio-Dia.

Já não é mais um caminho semeado de obstáculos,


marcado apenas pela densidade da obscura selva do Norte:
cheia de rochas e na absoluta falta de vegetação, a região sul
não oferece o menor abrigo ao peregrino que avança sob os
ardentes raio de um sol implacável. Uma luz cruel ilumina os
objetos que encontra a sua passagem e aos quais enxerga tais
como são, sem que possa formar qualquer ilusão a respeito dos
mesmos.

Chegado outra vez ao Ocidente, julga então de diferente


maneira o que afeta os seus sentidos. O eterno enigma parece-
lhe menos indecifrável, porém mais penetrante ainda. Irritado,
não pode permanecer por muito tempo em estado contemplativo;
seu espírito trabalha outra vez, e temo-lo entregue a conjecturas,
porém já em meio a uma prudente desconfiança, e as
extravagâncias do início transformaram-se em hipóteses mais
sólidas.

Recomeça a viagem que prossegue indefinidamente sempre


no mesmo sentido, partindo do Ocidente em direção ao Norte,
para regressar a seguir do Oriente pela rota do Meio-Dia. Cada
vez resulta menos áspero o caminho, por mais que abundem os
obstáculos: deve escalar montanhas, transitar por planícies

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9 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

repletas de perigos, atravessar rios de impetuosa corrente,


explorar desertos abrasadores e sondar abismos vulcânicos. Tais
são as provas que deve suportar, — não simbolicamente nem na
imaginação, — mas em seu verdadeiro significado, ou seja, em
espírito e verdade, para que a venda de nossa ignorância se vá
atenuando até cair, por fim, de nossos olhos, ao cabo de nossa
purificação mental.

Logo, tratar-se-á de encontrar a luz entrevista, e viajar com


tal propósito, imitando o sol em sua aparente revolução diária.

Eis o processo tradicional da iniciação maçônica. É o


ensinamento através do silêncio. Nada de palavras que possam
faltar à verdade, mas apenas ações, cuja finalidade é nos
convidar à investigação. Aqui, não encontramos uma doutrina
explícita, mas unicamente um ritual por meio do qual vivenciamos
aquilo que devemos aprender. Nenhum dogma. Apenas alguns
símbolos.

Não é um método ao alcance das multidões que pedem


soluções prontas e seguem felizes àqueles que as enganam, por
certo, de boa-fé na maioria dos casos.

A característica da iniciação, — da verdadeira, — é sua


absoluta sinceridade: não enganar ninguém, eis aí sua constante
e principal preocupação. Por isso mesmo, resulta amarga e
decepcionante. Quem a possui, compreende que não sabe nada;
o sábio observa um modesto silêncio e guarda-se de erigir-se em
pontífice. Se o iniciado pede a luz, é apenas para poder melhor
cumprir a tarefa que lhe incumbe e, rechaçando toda curiosidade
indiscreta, não perde tempo em querer aprofundar mistérios
insondáveis por sua própria natureza. Começando sempre pelo
que é conhecido (Ocidente), vai se instruindo sem precipitação e
não teme examinar de novo o que lhe parecia certo. Resiste a
perder-se em estéreis especulações e aceita apenas aquelas que
têm como finalidade a ação. O trabalho é, em sua maneira de
ver, a justificativa de sua própria existência. A função cria o
órgão, e não somos mais que instrumentos constituídos à vista
de uma tarefa que devemos cumprir.

Apliquemos, pois, toda nossa inteligência em discernir o que


de nós se espera e esforcemo-nos por trabalhar bem. Trabalhar
bem é viver bem, e viver bem é, sem dúvida alguma, o ideal que
nos propõe a vida. Trata-se de aprender a teoria para logo

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10 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

exercitar a prática da Arte de Viver. Eis aí o objetivo essencial da


iniciação maçônica.

03
As Obrigações do Iniciado
A Iniciação não nos instrui debalde nem sequer pelo gosto de instruir-
nos. Ilumina a quem quer trabalhar, a fim de que o trabalho possa ser
levado a cabo.

Ao animal basta-lhe desejar viver e obedecer aos impulsos


de sua natureza. Suas determinações são automáticas, sem a
necessidade de deliberar sobre seus atos. O mesmo estado de
ignorância encontra-se também na criança na qual ainda não
despertou a consciência que lhe vai permitir distinguir o bem e o
mal. Com o discernimento nasce a responsabilidade, e esta nos
impõe certos deveres que, por sua vez, aumentam cada vez
mais, à medida que nossa inteligência se desenvolve. Quem
compreende mais perfeitamente é obrigado a conduzir-se de
maneira diferente do bruto dotado apenas de instinto.

Muito bem: o Iniciado tenciona penetrar certos mistérios que


escapam ao vulgo; sua compreensão abarca muito mais, e é-lhe,
portanto, necessário submeter-se a certas obrigações menos
indispensáveis ao comum dos mortais. Para conseguir a
Iniciação devemos conhecer estas obrigações especiais e
comprometermo-nos antecipadamente a uma escrupulosa
conformidade para com as mesmas. Quais são, pois?

Em primeiro lugar, exige-se de todo candidato à Iniciação a


estrita observância da lei moral. Deve-se compreender por isso
que o futuro iniciado deve observar uma conduta irreprochável e
gozar da estima de seus concidadãos. De outra parte, a moral
humana não tem regras absolutas e sofre variações conforme o
ambiente, de sorte que o iniciado deve se conformar aos usos
correntes na sociedade. Seu dever primordial é viver em
harmonia com seus concidadãos e observar escrupulosamente
as leis que regulam a vida em comum.

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11 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

O iniciado não se comportará como um super-homem


desdenhoso da moral ordinária nem se considerará isento de
qualquer uma das obrigações que pesam sobre o homem
simplesmente honrado. Longe de querer alijar-se da carga
normalmente imposta a todos, conformar-se-á, ao contrário, com
aumentá-la na proporção de suas forças, tanto morais quanto
intelectuais.

A Iniciação não nos instrui debalde nem sequer pelo gosto


de instruir-nos. Ilumina a quem quer trabalhar, a fim de que o
trabalho possa ser levado a cabo. Comecemos por aceitar um
trabalho, depois demos prova de zelo e de constância em seu
cumprimento, e teremos então direito à instrução necessária;
mas nada receberá quem não tenha direito a essa instrução.

De nada servem as fraudes nessa matéria, e quem não


merece a instrução não a recebe. Poderá, sem dúvida alguma,
imaginar haver aprendido, mas, neste caso, não será mais que
miserável joguete do falso saber dos charlatões do mistério. A
verdadeira Iniciação não quer deslumbrar as pessoas com um
brilho fictício. É austera, e ninguém pode obtê-la sem antes havê-
la buscado na pureza de seu coração. Ao candidato é
perguntado: Onde fostes preparado para ser recebido Franco-
Maçom? Deve responder: Em meu coração. Com efeito, ele deve
estar bastante resolvido ao sacrifício anônimo e não desejar
outra recompensa que a satisfação de colaborar com a Magna
Obra.

Na verdade, o homem não pode aspirar maior satisfação, já


que, por sua participação na Magna Obra, tem consciência de
divinizar-se para fazê-la divina; eis aí o resultado a que tende a
Iniciação e, portanto, o mínimo que se pode exigir do postulante
é que observe, na vida, irreprochável conduta e saiba
permanecer honrado no lugar, — por modesto que seja, — que
ocupa entre seus concidadãos. Deverá justificar seus meios de
existência, a lealdade de suas relações e não se admitirá que
engane ao próximo nem que trate com leviandade as promessas
feitas sob o império da paixão. Sofrer honradamente as
conseqüências de seus atos sem se esquivar covardemente aos
seus resultados é conquistar a simpatia dos Iniciados e merecer
sua ajuda para evitar as dificuldades.

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12 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

Uma vez satisfeitas as condições prévias de moralidade,


garantidas pelo bom renome do candidato, sua primeira
obrigação formal concerne à discrição. Deve comprometer-se a
guardar silêncio em presença de profanos, posto que a Iniciação
confia segredos que não devem ser divulgados.

Trata-se, em primeiro lugar, de um conjunto de tradições que


não devem cair em domínio público. São, em sua maior parte,
sinais convencionais através dos quais os Iniciados se
reconhecem entre si. Seria desonroso divulgá-los, e todo homem
digno deve guardar os segredos que lhe foram confiados. Além
disso, o indiscreto resultaria culpado de impiedade, a ponto de os
verdadeiros mistérios não lhe poderem ser confiados de maneira
alguma.

Com efeito, os pequenos mistérios convencionais são


simplesmente símbolos de segredos muito mais profundos, e o
Iniciado deve descobri-los conforme o programa da Iniciação.
Estamos agora muito distantes das palavras, atitudes, gestos ou
ritos mais ou menos complicados. Tudo o quanto afeta nossos
sentidos não pode, de maneira alguma, traduzir o verdadeiro
segredo, e ninguém jamais o divulgou, por ser de ordem
puramente espiritual. A força de aprofundar, o pensador concebe
aquilo que ninguém conseguirá penetrar sem observar certa
disciplina mental. Esta disciplina é a dos Iniciados. Através das
alusões simbólicas podem comunicar entre si seus segredos,
mas nada, absolutamente, poderá entender quem não esteja
preparado para compreendê-los. De outra parte, nada é mais
perigoso que a verdade mal compreendida, daí a obrigação de
calar imposta aos que sabem.

Ensinai progressivamente, de acordo com as regras da


Iniciação ou, do contrário, calai. Sobretudo, cuidai de não fazer
alarde de vosso saber. O Iniciado é sempre discreto: não
pontifica, foge ao dogmatismo e esforça-se em todas as
circunstâncias e em todo lugar para encontrar uma verdade que
têm consciência de não possuir.

Bem ao contrário das comunidades de crentes, a Iniciação


não impõe nenhum artigo de fé e limita-se a colocar o homem
frente ao que pode ser comprovado, incitando-o a adivinhar o
enigma das coisas. Seu método reduz-se a ajudar o espírito
humano em seus esforços naturais e espontâneos de
adivinhação racional. Opina, além disso, que o indivíduo isolado

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13 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

expõe-se a um fracasso ao aventurar-se com temeridade no


domínio do mistério. Esta exploração é perigosa, o caminho está
cheio de obstáculos e, de ambos os lados, sobejam os abismos.
Quem sozinho empreende a viagem corre o risco de deter-se
logo, mas deve-se levar em conta que ninguém ficará
abandonado às suas próprias forças se merecer assistência,
porque a mútua ajuda é o primeiro dever dos Iniciados.

Tende as crenças que melhor vos pareceis, mas senti-vos


solidários com vossos semelhantes. Tende a firme vontade de
ser útil, de desenvolver vossa própria energia para revertê-la em
benefício de todos; sede completamente sinceros para com vós
mesmos em vosso desejo de sacrifício e, então, tereis direito a
que os guias que aguardam no umbral sagrado venham a
conduzir os legítimos solicitantes.

Todavia é preciso deixar-se guiar com confiança e


docilidade, fortalecido por esta sinceridade que impõe o respeito
e também traz consigo responsabilidades de muita gravidade.
Estabelece-se um verdadeiro pacto entre o candidato e seus
iniciadores: se aquele preencher os requisitos, devem estes lhe
dispensar sua proteção e preservá-lo dos tropeços que podem
afastá-lo do caminho da luz.

Tende muito em conta que os guias permanecem invisíveis e


evitam impor-se. Nossa atitude interna pode atraí-los, e acodem
à chamada inconsciente do postulante, desejosos de suportar as
cargas que a Iniciação impõe. Tudo depende de nossa coragem,
não em sofrer algumas provas meramente simbólicas, senão que
para sacrificarmo-nos sem reservas.

Ninguém pode se iniciar lendo ou assimilando doutrinas por


sublimes que sejam. A Iniciação é essencialmente operante;
requer pessoas de ação e rechaça os curiosos. É preciso
consagrar-se à Magna Obra e querer trabalhar para ser aceito
como aprendiz, em virtude de um contrato formal em realidade,
como se levasse estampada vossa assinatura.

As obrigações contraídas são o ponto de partida de toda


verdadeira iniciação. Guardai-vos, portando, de bater à porta do
Templo, se não houverdes tomado a decisão de ser, daqui para
diante, um homem diferente, disposto a aceitar deveres maiores
e mais imperativos que os que se impõem à maioria dos mortais.
Tudo fora ilusão e engano ao querer ser iniciado gratuitamente,

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14 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

sem pagar de nossa alma o privilégio de ser admitido a entrar em


união fraternal com os construtores do grande edifício
humanitário, cujo plano traçou o Grande Arquiteto do Universo.

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15 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

04
A Preparação do Candidato
O iniciado verdadeiro, puro e autêntico não se contenta de um verniz
superficial: deve trabalhar ele mesmo, na profundidade de seu ser, até matar
nele o profano e fazer com que nasça um homem novo.

Solicitar a iniciação não é algo superficial. É necessário


firmar um pacto. A verdade não tem firma estampada, visível e
externa, não vai aposta com uma pena empapada de sangue, senão
que moral e imaterial, comprometendo puramente a alma consigo
mesma. Não se trata aqui de um pacto com o diabo, espírito
maligno e, por certo, fácil de enganar, mas, na realidade, trata-se de
um comprometimento bilateral e muito sério, cujas cláusulas são
iniludíveis. Os iniciados, com efeito, contraem deveres muito sérios
com o discípulo que admitem em seus templos e este fica, por sua
vez, unicamente pelo ato de sua admissão, ligado de modo
indissolúvel a seus Mestres.
Seguramente, é possível enganar nossos Mestres e burlar-
lhes as esperanças ao nos revelarmos maus discípulos, depois de
lhes haver feito conceber grandes esperanças. Mas toda
experiência resulta instrutiva e, por dolorosa que seja, ensina-nos a
prudência; quem resta, ao final, confundido é o presunçoso que quis
empreender uma tarefa superior às suas forças. Na verdade, se sua
ambição limita-se a luzir as insígnias de uma associação iniciática
como a Franco-Maçonaria, pode, com pouco dinheiro, pagar-se esta
satisfação. Mas as aparências são enganadoras e, do mesmo modo
que o hábito não faz o monge, tampouco pode o avental fazer por si
só o Maçom. Ainda que alguém fosse recebido na devida forma e
proclamado membro de uma Loja regular, poderia ficar para sempre
profano no que se refere ao seu interior. Uma fina capa de verniz
iniciático pode induzir em erro as mentes superficiais, mas não pode,
de modo algum, enganar o verdadeiro iniciado. Não consiste a
Iniciação num espetáculo dramático nem aparatoso, sem que sua
ação profunda transmute integralmente o indivíduo.
Se não se verificar em nós a Magna Obra dos hermetistas,
seguiremos sendo profanos e jamais poderá o chumbo de nossa
natureza transmutar-se em ouro luminoso. Mas quem seria bastante

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16 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

crédulo para imaginar que tal milagre pudesse ter lugar em virtude
de um apropriado cerimonial? Os ritos da iniciação são apenas
símbolos que traduzem, em objetos visíveis, certas manifestações
internas de nossa vontade, com a finalidade de ajudar-nos a
transformar nossa personalidade moral. Se tudo se reduzisse ao
externo, a operação não daria resultado: o chumbo permanece
chumbo, ainda que recoberto de ouro.
Entre os que lerem estas linhas, ninguém, por certo, há de
querer ser iniciado por um método galvanoplástico. O que se chama
toque não se aplica à Iniciação. O iniciado verdadeiro, puro e
autêntico não se contenta de um verniz superficial: deve trabalhar
ele mesmo, na profundidade de seu ser, até matar nele o profano e
fazer com que nasça um homem novo.
Como proceder para obter êxito?
O Ritual exige, como primeiro passo, que se despoje dos
metais. Materialmente, é coisa fácil e rápida; sem embargo, o
espírito se desprende com dificuldade de tudo quanto o deslumbra.
O brilho externo o fascina e é com profundo pesar que se decide a
abandonar suas riquezas. Aceitar a pobreza intelectual é condição
prévia para ingressar na confraternidade dos Iniciados, como
também no reino de Deus.
Ser consciente de nossa própria ignorância e rechaçar os
conhecimentos que acreditamos possuir é o que nos capacita a
aprender o que desejamos saber. Para chegar à Iniciação, é preciso
voltar ao ponto de partida do próprio conhecimento, em outros
termos: à ignorância do sábio que sabe ignorar o que muitos outros
figuram saber, quiçá demasiado facilmente. As idéias
preconcebidas, os preconceitos admitidos sem o devido contraste
falseiam nossa mentalidade. A iniciação exige que saibamos
desprezá-los para voltar à candura infantil ou à simplicidade do
homem primitivo, cuja inteligência é virgem de todo ensinamento
pretensioso.
Podemos pretender o êxito completo? É, desde logo, muito
duvidoso; mas todo sincero esforço nos aproxima da meta. Lutemos
contra nossos preconceitos, buscando nos livrar de nós mesmos;
sem pretender atingir uma libertação integral, este estado de ânimo
favorecerá nossa compreensão que se abrirá, assim, às verdades
que nos incumbe descobrir, principiando nossa instrução.
Em primeiro lugar, o desenvolvimento de nossa sagacidade.
Ser-nos-ão propostos enigmas, a fim de despertar nossas
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17 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

faculdades intuitivas, posto que, antes de tudo, devemos aprender a


adivinhar. Em matéria de iniciação, não se deve inculcar nada, nem
se impor nada, ainda que com o mínimo espírito. Sua linguagem é
sóbria, sugestiva, cheia de imagens e parábolas, de tal maneira que
a idéia expressa escapa a toda assimilação direta. O iniciado deve
negar-se a ser dogmático e guardar-se-á de dizer: “Estas são
minhas conclusões; acreditai na superioridade de meu juízo e
aceitai-as como verdadeiras”. O iniciado duvida sempre de si
mesmo, teme um possível equívoco e não quer se expor a enganar
os demais. Assim é que seu método remonta até o nada saber, à
ignorância radical, confiando em sua negatividade para preservar-lhe
de todo erro inicial.
Entre os que pretendem ser iniciados, por se haverem
empapado de literatura ocultista, quantos haverão de saber
depositar seus metais? Se eles faltam, de tal sorte, ao primeiro de
nossos ritos, é de todo ilusório o valor de sua ciência, tanto mais
mundana quanto mais originária de dissertações profanas. Tantos
quantos tentaram vulgarizar os mistérios, profanaram-nos; e os
únicos escritores que permaneceram fiéis ao método iniciático foram
os poetas, cuja inspiração nos revelou os mitos, e os filósofos
herméticos, cujas obras resultam de propósitos ininteligíveis à
primeira leitura.
A iniciação não se dá nem está ao alcance dos débeis: é
preciso conquistá-la e, como o céu, só a conseguirão os decididos.
Por isso se exige do candidato um ato heróico: deve fazer abstração
de tudo, realizar o vazio em sua mente, a fim de logo poder criar seu
próprio mundo intelectual, partindo do nada e imitando Deus no
microcosmo.

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18 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

05
A Descida a si Mesmo
Saber morrer: aqui está o grande segredo que não se pode ensinar. Deveis
encontrá-lo ou, do contrário, vossa iniciação não passará de fictícia, como
sucede infelizmente na maior parte das vezes.

Ao despojar-se dos metais, o candidato afasta sua atenção


do aspecto externo das coisas e esforça-se por esquecer as
revelações dos sentidos, para concentrar-se em si mesmo. Uma
venda é colocada sobre os seus olhos, e a noite o envolve. Começa
a descer, rodeado de trevas e, por inumeráveis degraus, chega,
finalmente, ao próprio coração da câmara. Então, cai a venda e o
neófito vê-se aprisionado em um sepulcro. Compreende que chegou
a hora da morte e conforma-se; mas, antes de renunciar à vida,
redige o testamento que concretiza suas últimas vontades.
Não se trata de dispor de alguns bens que já não possui,
posto que foi necessário renunciar a tudo quanto possuía para poder
sofrer as provas. Despojado de tudo quanto não constitui seu
verdadeiro ser, pode dispor unicamente do que lhe resta, fazendo
doação de sua energia fundamental. Concentrado em si mesmo, e
depois de fazer abstração de tudo quanto é alheio à sua natureza
primordial, o indivíduo encontra-se frente a frente com seu próprio
espírito, com o foco imaterial de seus pensamentos, de seus
sentimentos e de sua vontade. Tem consciência de ser, em última
análise, uma força, uma energia, cuja livre disposição lhe pertence.
Como entende aplicar essa energia? Eis aí o problema que
deve resolver ao redigir seu testamento. Se ele procura então
indagar qual é o melhor caminho, poderá ver claramente que a
vontade individual não saberia se aplicar a ideal mais alto do que a
realização do supremo bem. Esta constatação incita-o a consagrar-
se à Magna Obra, e toma a resolução de trabalhar de acordo com os
princípios dos Iniciados, para a melhora da sorte da humanidade.
Já pode morrer para a existência profana, uma vez tomada
essa resolução. Com efeito, o homem comum não se inspira senão
que no egoísmo. Imagina-se ser, ele mesmo, sua própria finalidade

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19 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

e, com gosto, considera-se como o centro do mundo. Nisto difere o


Iniciado: ao voltar-se para si mesmo, reconheceu sua própria
insignificância. Sua consciência lhe diz que não é nada por si
mesmo, mas que forma parte de um imenso todo. É tão-só humilde
átomo deste conjunto, mas essa célula individual, fragmento de um
organismo muito maior, tem sua razão de ser na própria função que
lhe toca desempenhar. Assim é que toda a ciência iniciática tem por
base o reconhecimento de nossa relação ontológica com o Grande
Adão dos cabalistas, ou seja, a Humanidade considerada como o
ser vivente no seio do qual vivemos e do qual emana nossa própria
vida.
Sendo assim, que irá significar para nós a palavra viver?
Devemos acaso pretender as satisfações individuais? Sim, mas
dentro de certos limites. Todo embrião em via de desenvolvimento
deve, a princípio, monopolizar e atrair até si a substância
circundante, dando mostra de feroz avidez. O instinto vital procede
de um egoísmo inerente à própria natureza das coisas e possui um
caráter sagrado, quando tem por finalidade a construção
indispensável do indivíduo. A caridade bem ordenada começa por
nós mesmos, e é preciso adquirir antes de poder dar. Mas os hábitos
de aquisição tendem a perdurar mais além do termo normal.
Chegado ao seu pleno desenvolvimento, o indivíduo fica exposto a
seguir ignorando seu destino superior, a não mais pensar senão em
si mesmo, deixando a direção da vida apenas aos seus apetites.
Contanto que, obedecendo aos seus impulsos naturais, o
indivíduo saiba lembrar-se de seus semelhantes, portando-se com
eles eqüitativamente, poderá conduzir-se em leal unidade com o
rebanho humano. Será credor da estima dos Iniciados, se soube
levar a cabo fielmente a tarefa que lhe correspondeu. O imenso
organismo humanitário requer múltiplas funções de infinita
variedade; feliz de quem sabe responder lealmente às longínquas
chamadas de sua vocação.
Tudo isso se refere ao mundo profano que os Iniciados
cuidam bem em não menosprezar. A honradez consiste em não
prejudicar ao próximo nem causar dano a ninguém, conservando
nossa liberdade para buscar satisfações lícitas. É colocar em prática
o “cada um para si”, mantendo-se em seus justos limites para que
seja possível a vida em comum entre indivíduos civilizados.
Desde logo o estado de civilização que resulta da aplicação
desses princípios constitui um imenso progresso sobre os costumes
selvagens dos primeiros tempos, quando não se reconhecia outra lei

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20 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

senão que a dos apetites desencadeados. Mas a humanidade tem


aspirações muito mais elevadas. Quando compreende que o homem
não é nada por si, buscará mais estreito contato com a fonte de sua
vida e de sua existência. Terá a convicção de que sua vida
verdadeira não é esta mísera vida da personalidade, senão a
Grande Vida que anima a todos os seres. Então saberá morrer para
as mesquinharias de sua esfera individual, para, no mesmo instante,
nascer para uma vida superior muito mais ampla que é a da espécie
humana vista em conjunto. Em outras palavras, é questão de deixar
o personalismo, para chegar a humanizar-se no mais amplo sentido
da palavra.
O que caracteriza o profano é precisamente esse
personalismo. Tem fé em si mesmo, neste “eu” que acredita
imperecível, e quer assegurar sua salvação eterna. Um cândido
egoísmo constitui o motivo de todas as suas ações, inclusive das
mais generosas.
Ao contrário, o Iniciado não conserva a menor ilusão no
tocante à sua personalidade. Não vê nela mais que um efêmero
conglomerado destinado a dissolver-se mais tarde e por meio do
qual se manifestam transitoriamente certas energias permanentes
de ordem geral e transcendente. Ao descer a si mesmo, acha-se em
presença, — não de um pobre eu raquítico, — senão que de um
vazio sagrado no qual vê refletir-se a divindade.
É então que chega a compreender que todos somos deuses,
como diz o Evangelho (João, X, 34) e como o expressa o Salmo
LXXX, 6: Está dito, Deuses sois e filhos todos do Soberano.
Mas, se o animal, ao tomar consciência de sua
hominalidade, contrai deveres muito mais extensos, muito mais, com
tal motivo, vamos ter de exigir do homem que penetrou o segredo de
sua divina natureza. Uma formidável responsabilidade nos incumbe
em virtude de nossa qualidade de deuses, já que o Universo passa a
ser nosso absolutamente, do mesmo modo que a coisa pública (res
publica) passa a ser propriedade do cidadão consciente da
soberania nacional.
O homem-deus não pode já se contentar em viver como
homem-animal honrado. Sente-se responsável pelos destinos
mundiais, e compreende que deve completar a criação. Aqui o
temos chamado a ordenar o caos moral em que se agita a
humanidade. Sua tarefa é coordenar e construir. Como e de que
maneira? Não o sabe ainda, mas quer ingressar na escola dos

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21 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

construtores e ser iniciado em sua arte. Daqui para frente, eles


poderão instruí-lo, porque a chispa do fogo sagrado brotou em seu
interior.
Haveis acaso penetrado até o fogo central de onde, sob a
cinza das impressões externas, segue ardendo o fogo divino, vós
todos que pretendeis haver alcançado a categoria de iniciados? Em
vosso afã de subir rapidamente, não se deu acaso haverdes
esquecido de baixar primeiro? Tanto pior para vós, se já vos falhou a
primeira operação da Magna Obra, a que simboliza a cor negra,
pois, sem esta base prévia, tudo será inútil.
Saber morrer: aqui está o grande segredo que não se pode
ensinar. Deveis encontrá-lo ou, do contrário, vossa iniciação não
passará de fictícia, como sucede infelizmente na maior parte das
vezes.
Sem haver morrido realmente para as atrações profanas, o
falso iniciado não pode renascer para a vida superior, privilégio
reservado aos poucos que souberam regenerar-se pela
compreensão da divindade humana. Para conseguir a iniciação, é
preciso sofrer a morte iniciática, operação árdua e eliminatória; entre
o grande número de candidatos, apenas um pequeno núcleo de
eleitos obtém o êxito.
Preparai-vos, pois, para esta morte, se quiserdes ser
iniciados; de outro modo, apenas o rito tradicional, em si, nada pode
dar, posto não ser mais que uma forma oca e enganadora de
superstição; sabei morrer ou, do contrário, melhor será renunciar
modestamente, de antemão, à Iniciação.

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22 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

06
A Conquista do Céu
Para ver realmente as coisas do alto, é necessário substituir-se, em espírito,
ao próprio Deus. E não digam que isso é ímpio; nada pode ser tão saudável
para nosso ser moral como a ginástica mental da sublimação filosófica
preconizada pelos Hermetistas.

Não basta aprofundar. Triste sabedoria a que consiste em


retrair-se em si mesmo e desinteressar-se do mundo exterior. A
imersão nas trevas onde se desvanecem as aparências não é uma
meta, é apenas uma etapa do itinerário que o Iniciado é obrigado a
seguir. Se descemos, é para subir outra vez, e o nível que podemos
atingir na subida depende justamente das profundezas que
soubemos sondar. Se fosse possível penetrar até o próprio fundo do
abismo infernal, seguramente, poderíamos chegar de rebote até o
céu, pois a força ascensional está na razão direta da intensidade da
queda. O espírito superficial não sabe descer nem subir, apegado ao
solo, há de seguir suas ondulações, sem poder chegar a
concepções profundas nem abraçar amplos horizontes.
Muito bem: o que, antes de tudo, distingue o Iniciado é a
profundidade de seu pensamento, como também o limitado de suas
visões.
Livre já de todas as apreciações rasteiras do profano, deve
chegar a compreender o que existe, tanto por baixo, quanto por cima
das coisas que percebe na vida corrente, e as primeiras provas
iniciáticas fazem precisamente referência a esse duplo campo de
exploração.
Ao sair da tumba onde se encerrou para morrer de livre e
espontânea vontade, o candidato sobe até o cume do monte
evangélico e dali pode divisar todos os reinos da Terra. Nem o
acompanha o Diabo, nem lhe promete a posse do mundo, se
consente em adorá-lo. Para quem chegou a tais alturas, a tentação
está bem em fugir de todo o material. Mas este perigo não pode

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23 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

ameaçar ao futuro iniciado e, pela prova do ar, volta de repente à


realidade positiva. Após descer tão profundamente como soube,
para logo alcançar os mais sublimes cumes, deve voltar ao nível
normal de equilíbrio, capacitado já, tanto por sua queda, quanto por
sua ascensão, para apreciar rigorosamente o mundo, teatro de sua
ação iniciática.
As profundezas complementam-se com as abstrações
geradoras das coisas. No segundo Fausto, Goethe nos fala das
terríveis divindades que chama de as Mães. Apesar de sua dialética
dissolvente, Mefistófeles não se atreve a aproximar-se destas
eternas criadoras de formas; nem as rodeia o espaço, nem as afeta
o tempo. Em seu isolamento coletivo, concebem as imagens
criadoras, os arquétipos de tudo quando se vai construindo. Por
intermédio dessas deusas, o Ser brota sem descontinuidade da
matriz tenebrosa do Nada. O pensador desejoso de aprofundar pode
fazer considerações acerca desse tema que a sutil poesia de Goethe
lhe apresenta.
De outra parte, o inferno não é, em Iniciação, outra coisa que
o caminho do céu. Quem sondou o Nada descobre ali mesmo o
Todo. Quando descemos até o próprio fundo do abismo de nossa
personalidade, chegamos a descobrir nela a personalidade que atua
no Universo, então, somos capazes de nos colocar acima de todas
as contingências, para considerar as coisas de um ponto de vista
diferente: o da potência que governa o mundo. Para ver realmente
as coisas do alto, é necessário substituir-se, em espírito, ao próprio
Deus. E não digam que isso é ímpio; nada pode ser tão saudável
para nosso ser moral como a ginástica mental da sublimação
filosófica preconizada pelos Hermetistas.
Segundo o sistema alegórico, o indivíduo que há de ser
objeto da Magna Obra deve ficar encerrado em um ovo. Ali entra em
putrefação e, por fim, chega à cor negra, representativa da morte
iniciática do candidato. De outra parte, a putrefação libera o sutil que
se desprende do grosseiro e sobe até o céu deste mundo em
pequena escala simbolizado pela matriz hermeticamente fechada
com a massa que usa o alquimista. Nas alturas, não se faz sentir a
ação do fogo central (infernal), e as evaporações se condensam,
para cair em forma de chuva sobre o cadáver do indivíduo. Este
último experimenta, de tal sorte, uma série de lavagens, graças às
águas em suas alternativas evaporação e condensação, até que, ao
término das abluções, apareça como testemunho a cor branca.
Do mesmo modo que desceu tão-só para subir mais alto
logo depois, assim mesmo, o candidato sobe para cair outra vez em
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24 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

seu campo de atividade. Certos mitos antigos dão a entender que o


sábio não deve iludir sua missão terrena. Como mortal, não deve
desdenhar a Terra nem tem direito a burlar suas leis.
Ainda que divinizado em duas terças partes (e, por
conseguinte, muito adiantado em Iniciação), Gilgamés, o herói
caldeu, teve de regressar a Ourouk para voltar à tarefa que
abandonou no afã de conquistar a imortalidade. Podemos aspirar ao
sublime e fugir, por um momento, aos vínculos da matéria, mas
nosso campo de ação é a Terra, e a ela devemos voltar.
Tal é a moral comum a todos os mitos de ascensão. Os de
Adapa e de Etana são muito característicos desse ponto de vista.
Em sua qualidade de favorito de Ea, deus da Suprema
Sabedoria, Adapa beneficiava-se de um vasto entendimento,
todavia, não da Vida Eterna.
De outra parte, Adapa alimentava a cidade de Eridou com
cereais, bebidas e peixes. Um dia, enquanto pescava, o vento sul
arremeteu-se contra sua embarcação, afogando o protegido de Ea
que, lutando, sem embargo, conseguiu destroçar as asas do vento
inimigo. Logo, Anou, rei do céu, deu-se conta de que já não soprava
o vento Sul e, indagando a razão disso, soube da façanha de Adapa
e decidiu castigá-lo.
Chamado a comparecer à sua presença, Adapa encaminha-
se ao céu e chega à porta, cuja entrada guardam Tammouz e
Gishida. Estas duas divindades o acolhem com benevolência, e
prometem-lhe interceder em seu favor junto a Anou, advertindo-o de
que o deus lhe oferecerá um alimento e uma bebida de morte que
Adapa deverá recusar.
Durante seu interrogatório, sabe atrair os favores de Anou, e
o deus, em seu desejo de conceder-lhe a imortalidade, oferece ao
benfeitor de Eridou um alimento e uma bebida de Vida. Mas Adapa
atém-se à advertência recebida que sabe emanada de Ea; aceita
unicamente a roupa que lhe oferecem e deixa-se ungir com os
sagrados óleos antes de voltar à Terra seguido pela vista
benevolente de Anou.
Quanto à ascensão de Etana, verifica-se graças à amizade
da águia socorrida pelo eleito dos deuses.
Predestinado a reinar sobre os homens como pastor, Etana
só pode encontrar no céu as insígnias de uma dignidade cuja
natureza mais parece mágica ou espiritual. Enquanto isso, Etana
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25 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

agita-se sobre a Terra, inquieto com sua obra em perpétuo estado


de gestação. Em suas angústias, suplica a Shamash, o deus Sol,
que lhe indique a erva de parto (de realização), e Shamash
responde-lhe: “Vá andando até chegar ao alto do monte”.
Etana obedece e, por fim, chega um dia à borda de uma
greta da montanha onde jaz, maltratada, uma águia com as asas
feridas por uma serpente, cuja prole havia devorado. Etana cuida do
pássaro ferido que recupera as forças e sara pouco a pouco. Ao
cabo de oito meses, a águia recupera por completo o uso de suas
asas e propõe a Etana levá-lo ao céu, para juntos prosternarem-se à
entrada da porta de Anou, de Bel e de Ea. A águia conhece também
a entrada da porta de Sin, de Samash, de Adad e de Isthar1. Teve
ocasião de contemplar a deusa em todo seu esplendor, sentada
sobre seu trono com uma guarda de leões.
Etana aceita a proposta da águia e abraça estreitamente a
ave, ombros contra peito, flancos contra flancos, braços estendidos
sobre as penas das asas. Carregada de tal sorte com um peso que
se adere a ela exatamente, sem impedir nenhum de seus
movimentos, a águia vai subindo pelo espaço de horas e pergunta
então a Etana que impressão lhe produz a Terra: “Nem abarcando o
mar parece maior que um simples pátio”.
Após duas horas de ascensão, a Terra e o Oceano parecem-
se a um jardinzinho rodeado por um riacho. Sobem mais ainda e,
transcorridas outras duas horas, Etana, apavorado, perde
completamente de vista a terra e o mar imenso.
Sua vertigem paralisa a águia que cai durante duas horas, e
continua a cair por outra e outra hora ainda. Por fim, a águia
estatela-se sobre o solo, e Etana parece transformado num rei
fantasma.
Sob o ponto de vista iniciático, este mito resulta muito
instrutivo, apesar de parecer meio obscuro em razão de não haver
chegado íntegro até nós. Ainda que seja verdade que, para
conquistar a dignidade real, o iniciado deva transcender as baixezas
1
O setenário divino do mito de Etana corresponde aos planetas, nas seguinte
ordem:
ANOU, Rei do Céu, Júpiter.
BEL, Senhor da Terra, Saturno.
EA, Água vaporizada, Éter, Sabedoria Suprema, Mercúrio.
SIN, Gerador das formas, Imaginação, Lua.
SHAMASH, Luz do homem, Razão, Sol.
ADAD, Fomentador das tormentas, Marte.
ISTHAR, Energia vital, Encanto, Vênus.
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26 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

humanas, seu reino não é deste mundo, mas do “astral”, como o de


Etana, o sonhador inquieto, que busca a maneira de realizar seus
ideais.
Tanto se trate de conquistar o céu como de construir uma
torre semelhante à de Babel, o simbolismo é o mesmo. Também
podemos ver como corresponde ao mito de Etana a chave do
Arcano XVI do Tarô, intitulada a Casa de Deus, que nos representa
a queda de dois personagens, um deles coroado. Para a maior parte
das pessoas, isso alude às empresas quiméricas, como, por
exemplo, a descoberta da Pedra Filosofal que perseguiram os
“sopradores”, esses alquimistas vulgares, incapazes de penetrar o
esoterismo das alegorias herméticas. Na realidade, a queda é uma
das provas previstas em iniciação, e o candidato é elevado tão-só
para cair de maior altura. Ao atravessar o ar, em sua queda, verifica-
se a purificação; é outro homem inteiramente diferente quando
chega a terra, maltratado, sim, mas capaz de erguer-se para
prosseguir seu caminho.
Para chegar a ser dono de si mesmo, é de todo necessário
apartar a atenção do mundo exterior, para internar-se na noite da
personalidade verdadeira; logo, depois de haver-se fechado em si
mesmo, há que sair outra vez por meio da sublimação iniciática.
Além disso, não estamos destinados a viver em nosso foro íntimo
nem tampouco fora de nós mesmos. Uma tarefa nos espera neste
mundo objetivo do qual somos parte integrante e, para tanto, não
podemos desaparecer numa vida meramente interior e, por aí,
absolutamente estéril. O Iniciado deve descer a si mesmo, mas não
perde tempo na contemplação de seu umbigo, ao modo dos
anacoretas orientais. Tampouco ignora o caminho da saída
sublimatória, mas tem muito cuidado em não permanecer no limbo e,
ao contrário, abandona-se à queda salutar.
A Iniciação não tem por objetivo satisfazer curiosidades
indiscretas. Não vem revelar os mistérios do inferno nem os do céu;
instrui-nos tão-só nos segredos da Magna Obra e limita-se a
preparar, por uma educação prática, obreiros dóceis às diretivas do
G.’.A.’.D.’.U.’..
Graças à sua queda, o candidato criou raízes nas
profundezas de seu ser; sua força ativa estimula-o poderosamente e
infunde-lhe a indomável energia dos Ciclopes; depois, sem romper
seus vínculos infernais, sumamente elásticos e extensíveis,
empreende a subida e vai roubar o fogo do céu, capacitando-se a
poder aplicar ao trabalho as potencialidades, tanto superiores quanto

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27 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

inferiores. Esta união interna dos dois extremos estriba seu poder de
Iniciado.

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28 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

07
A Posse de si mesmo
Purifiquemos nossa imaginação que, de tal sorte, poderá refletir, — sem
deformá-las, — as imagens reveladoras dos mistérios tradicionais. O
precioso não pode se perder. Esta verdade que nos importa reconhecer
conserva-se viva, e percebem-na os cérebros que souberam tornar-se
receptivos às ondas de uma telefonia sem fios tão velha quanto o mundo. A
Iniciação ensina a Arte de Pensar, ou seja, a Arte Suprema, a Arte Real, a
Grande Arte por excelência.

Criatura encarnada, o homem tem por campo de ação a


superfície de nosso planeta, e a ela temos de voltar, impelidos pela
força dos fatos; com efeito, não é próprio de nossa natureza
permanecer nas alturas etéreas. Se somos transportados a tão
elevadas regiões, é pelo efeito da lei dos contrastes, depois de haver
chegado até as tenebrosas entranhas da terra. Nossas tendências
nos inclinam alternativamente aos extremos opostos, até que
saibamos encontrar a posição de equilíbrio sobre o terreno que há
de ser o teatro de nossa fecunda atividade.
Após retornar do vôo muito alto, acima das mesquinharias
humanas, voltamos a cair pesadamente sobre o solo endurecido da
realidade brutal. Ainda que nos machuque a queda, em troca, o
susto nos acorda de nossos sonhos. Ao observar da melhor maneira
que sabemos através da névoa que nos rodeia, procuramos muito
mais ouvir que ver distintamente, damo-nos conta de haver
aterrissado em pleno campo de batalha, onde os adversários, como
duelistas, esgrimem suas armas. É o campo dos conflitos. Cada um
aí defende sua causa com aspereza, entrincheirado em seu ponto
de vista, sem querer levar em consideração o modo de ver de seu
oponente.
Impregnado da harmonia das serenas regiões, o sábio
guarda-se de imiscuir-se nas disputas dos combatentes. Se acaso
desliza entre os pares, nem sequer percebem sua presença os
gladiadores excitados pela luta. Suas disputas parecem-lhe pueris: é
que soube elevar-se mais além das discussões vulgares que inspira
o espírito de partido.
Por que os homens não chegam a se entender?
Simplesmente por seu inveterado costume de praticar, — muitas
vezes sem se dar conta, — a mais absoluta parcialidade. Um, por

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29 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

exemplo, proclamar-se-á republicano e tão-só quererá ver as janelas


da república para opô-las triunfalmente aos inconvenientes da
monarquia. O monarquista fará exatamente o contrário, e será
interminável a contenda nesta matéria como em qualquer outra. De
tal maneira que, de um extremo ao outro da terra, não cessa o
estrondo das vãs contendas, tão logo apaziguadas, se os homens
aprendessem a julgar com equidade. Muito ao contrário, o
republicano fervoroso considera uma impiedade reconhecer o bom
que pode haver na monarquia; o monarquista convicto estima um
sacrilégio ver na República algo mais que uma abominação. E o
mesmo sucede em todos os aspectos em nosso infeliz planeta.
Onde poderemos encontrar homens que saibam conservar a
independência de seu juízo em meio a tantas tendências
partidaristas?
É por isso que a generalidade dos mortais não se pertence,
e confessam-no candidamente, ao dizer que pertencem a tal ou qual
partido, cuja disciplina acatam, inclusive, com todas as suas
estreitezas. Em troca, o Iniciado distingue-se por sua imparcialidade
e quer basear seu juízo sobre um exame completo do pró e do
contra das causas em litígio. Se suas preferências racionais vão à
república, não se vai iludir sobre as debilidades desse regime, nem
deixará de reconhecer o que tem feito de bom a monarquia. Em tudo
quanto se preste à controvérsia agira de igual maneira.
Quem julga assim as coisas eqüitativamente e sem
preconceito tem o privilégio de conservar o domínio de si mesmo,
intelectualmente. É livre e está preparado para ser iniciado se, além
disso, for um homem de bons costumes.
Depois de atravessar a grande planície na qual se chocam
as opiniões, o candidato chega por fim à margem de um rio de
corrente impetuosa que há de atravessar a nado.
O candidato pode negar-se a realizar a prova, muito pouco
atrativa, por certo, em razão de torvelinhos ameaçadores. Mas,
nesse caso, será questão de contentar-se com uma sabedoria
bastante estéril: a do crítico hábil em discernir os erros humanos,
mas incapaz de orientar-se em direção à Verdade. Realmente, triste
será a sorte do sábio cujo coração se apieda dos duelistas e cuja
impotência em dissuadi-los condena-o, à perpetuidade, a ser
espectador de sua contenda.
Semelhante impotência repugna ao futuro Iniciado que,
distanciando-se do campo de batalha, entra resolutamente no rio.

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30 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

Até aí, para não se filiar a nenhum partido, bastava-lhe permanecer


passivo e observar absoluta reserva, a fim de conservar seu domínio
próprio. Agora, deve, ao contrário, desenvolver toda sua atividade
para poder resistir à investida da corrente: esta corresponde à
pressão que determina o pensamento do indivíduo. Nosso
pensamento é mais coletivo do que imaginamos comumente. Todos
os pensamentos emitidos em um ambiente exercem, por sugestão,
uma influência sobre os cérebros compreendidos em sua área.
Temos as idéias e a mentalidade de nosso tempo, de maneira que,
intelectualmente, não nos pertencemos em absoluto, nem ainda
quando permanecemos separados de todo partido, posto que
nossos pensamentos são, na realidade, a cópia exata dos que fluem
ao nosso redor. Resistir à corrente simbólica é realizar ato de
pensadores verdadeiramente independentes; é livrarmo-nos da
moda em matéria de pensamento: as modalidades intelectuais do
século deixam de impor-se a nós, e nossa imaginação se emancipa
da tutela dos convencionalismos. Daqui para diante, podemos
conceber idéias que escapam à trivialidade fluvial. Aprendemos a
compreender os pensadores da Antiguidade, quando se expressam
por meio de imagens completamente desconhecidas de nós no
presente. A filosofia inicia-nos nas ciências e nas religiões do
passado. Depois de franquear o rio, ficamos purificados de tudo
aquilo quanto turvava nosso espírito. Desse modo, somos capazes
de forjar uma filosofia liberal e ampla, e podemos chegar, no domínio
religioso, até o “catolicismo” integral, graças à assimilação do
esoterismo gerador de crenças essencialmente universais.
Podemos agora compreender o significado da prova da
Água, à qual há de submeter-se o pensador que não quer se limitar
a pensar superficialmente como a massa de seus contemporâneos.
Se permanecesse escravo dos preconceitos de seu tempo e de seu
ambiente, ser-lhe-ia de todo impossível entrar em comunhão
intelectual com os sábios que pensaram antes dele, e cuja herança
imperecível deve recolher. Purifiquemos nossa imaginação que, de
tal sorte, poderá refletir, — sem deformá-las, — as imagens
reveladoras dos mistérios tradicionais. O precioso não pode se
perder. Esta verdade que nos importa reconhecer conserva-se viva,
e percebem-na os cérebros que souberam tornar-se receptivos às
ondas de uma telefonia sem fios tão velha quanto o mundo. A
Iniciação ensina a Arte de Pensar, ou seja, a Arte Suprema, a Arte
Real, a Grande Arte por excelência.
O iniciado deve esforçar-se por pensar de uma maneira
superior e, para consegui-lo, deve romper toda comunicação com os
pensamentos de ordem inferior, negando-se, por um lado, a tomar
Departamento de Atividades Culturais da GLOJARS — Proibido o uso comercial.
31 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

parte nas querelas de partido, a fim de conservar a plena


independência de seu juízo e tendo cuidado, por outro lado, em não
se assimilar sem prévio exame das concepções alheias que formam
a torrente da opinião pública. A respeito desta última, o pensador
mantém uma atitude independente e sabe resistir à corrente que
arrasta os débeis. Exteriorizando sua força, evita o domínio
intelectual de seu século e a tirania mental do ambiente. Vencedor
da torrente, o Iniciado domina-a desde a margem onde assentou
suas raízes com firmeza.
Purificado pela água fria que temperou suas energias, o
vencedor do elemento fluídico impõe-se já ao rio que nada pode
contra sua firmeza. Sem dúvida alguma, não tem o poder de
mandar, ao seu capricho, na impetuosa corrente; sem embargo, uma
imaginação límpida, em pura calma, exerce sempre uma poderosa
influência sobre os ânimos passivos e ajuda-os a refinar e a
esclarecer suas idéias.
O sonhador que sonha iniciaticamente estimula o sonho, e o
sonho engendra o sentimento que fará surgir a ação. Tudo quanto
há de se realizar começa por ser imaginado.
Ao triunfar do rio, o adepto põe termo ao “trabalho no
branco” dos filósofos hermetistas. Não tem ainda o poder de
transmutar o chumbo em ouro, mas em sua viagem em busca desse
ideal detém-se momentaneamente para produzir a prata, símbolo do
sentimental e imaginativo. Esse metal depura as almas e
encaminha-as à realização do sonho.
Mas o sonhador ansioso por exercer sua influência de
transmutação deve ficar completamente livre. Para não ser escravo
de nada, é indispensável que tenha eterna posse de si mesmo, sem
pertencer a ninguém mais.
Tenhamos em conta que esta estrita posse de si mesmo
nada tem de egoísta. Não é possível alcançá-la, com efeito, sem
antes se haver abandonado, para deixar-se guiar pelo deus interno
ao qual descobriu ao desviar a atenção do mundo sensitivo,
descendo até as profundas trevas da própria personalidade. O
iniciado liberta-se e, se entra em plena posse de si mesmo, é para
dar-se logo aos demais.

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32 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

08
O Fogo Sagrado
O Aspirante interna-se pelas areias em meio às rochas calcinadas. Não há a
menor vegetação nem rastro de ser vivente: aqui, o dono absoluto é o Sol
que tudo seca e mata. Essa luz que não projeta a menor sombra
corresponde à luz da razão humana que pretende fazer omissão de tudo o
que não seja ela mesma. Esta razão analisa e decompõe, mas sua própria
secura incapacita-a para vivificar o que quer que seja.

Fugindo da planície dos conflitos, onde se entrechocam


simultaneamente os antagonismos, o aspirante atravessa o rio da
vida coletiva. Longe de deixar-se levar pela corrente, sabe resistir
às suas mais poderosas investidas e afirma desse modo sua
individualidade. Por fim, triunfou do elemento líquido e, subindo pelo
terreno abrupto da orla, pode, do alto, contemplar as águas, cujos
torvelinhos o separam do imenso campo de batalha onde os vivos
combatem entre si sem trégua alguma. Essa terra que de hoje em
diante pisa é a da paz no isolamento como também, a da morte e a
da aridez. Quando volta dá as costas para o rio, se lhe oferece o
espetáculo do deserto no qual penetrou Jesus ao sair das águas
batismais do Jordão.
O Aspirante interna-se pelas areias em meio às rochas
calcinadas. Não há a menor vegetação nem rastro de ser vivente:
aqui, o dono absoluto é o sol que tudo seca e mata. Essa luz que
não projeta a menor sombra corresponde à luz da razão humana
que pretende fazer omissão de tudo o que não seja ela mesma.
Esta razão analisa e decompõe, mas sua própria secura incapacita-a
para vivificar o que quer que seja. Bem está que nos esforcemos
para raciocinar com absoluto rigor, mas não criemos certas ilusões
sobre o poder da razão, cujo trabalho não passaria de demolição,
caso fosse chamada a ser a dona absoluta de nossa mente.
Tenhamos bem presente que o Iniciado não deve ser escravo de
nada, nem sequer de uma lógica levada ao extremo.
Se a verdadeira sabedoria nos aparta da vida, de suas
alucinações e de suas quimeras, é simplesmente para ensinar-nos a
dominá-la, não ao modo dos anacoretas que a desdenham, senão
como conquistadores do princípio vital que anima todas as coisas no
universo. A potência que rege o mundo tem por símbolo o fogo, tal

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33 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

como o conceberam os alquimistas: muito longe de consumir e de


destruir, seu ardor anima e constrói. Propaga-se a tudo quanto vive.
Mas o Fogo dos sábios comporta uma infinidade de graus em direta
correspondência com as diferentes vidas que produz sua atividade.
É preciso que um indivíduo saiba inflamar-se de um ardor divino, se
pretende ser algo mais que um autômato incapaz de realizar a
Magna Obra. Por mais que a água do rio o tenha purificado
externamente, limpando-o, como se diz, de tudo quanto turva o juízo
da maioria dos mortais, o aspirante ficaria condenado a vagar sem
proveito no domínio da esterilidade, se retrocedesse diante da prova
suprema, a do Fogo. O ardor do Sol faz-se cada vez maior e
anuncia que a prova é iminente. Diante dessa ameaça, o aspirante
pode ainda retroceder, permanecendo às margens do rio,
estabelecendo ali sua morada, à maneira dos moralistas que perdem
seu tempo com lamentações sobre as misérias humanas e belas
prédicas que se perdem no deserto2.
Mas o Iniciado não desperdiça seu tempo com discursos: é
um homem de ação, um agente eficaz da Magna Obra, por cujo
meio é criado e transformado o mundo; se o aspirante sente a
vocação do heroísmo, não vacilará em expor à chama seu pé
descalço3. Não retrocederá, ainda que as chamas surjam sob suas
plantas, mas ver-se-á obrigado a deter-se, quando chegarem a
formar uma muralha intransponível. Se quiser voltar atrás, que não
perca um instante; ainda é tempo, e tem livre o caminho para bater
em retirada. Mas, se domina sua angústia e afronta estoicamente a
barreira do fogo, esta cresce e forma duas alas. De pronto, forma
um semicírculo cujas extremidades se unem por fim, deixando o
temerário envolto por completo numa fogueira circular, cujo fogo lhe
abrasa. As chamas aproximam-se cada vez mais do aspirante que
permanece impávido, disposto a ser consumido pelo fogo.
Com efeito, a purificação suprema é obra do fogo que
destrói, no coração do iniciado, até o último germe de egoísmo ou de
mesquinha paixão. Este ardor purificante de que falamos aqui não é
outra coisa senão o amor que nos sinala São Paulo na I Epístola aos
Coríntios, nos seguintes termos:

2
João, o precursor, batiza e prega a penitência às margens do Jordão, mas não
tem por missão esta obra de redenção à vista da qual Jesus interna-se no deserto,
para jejuar e purificar-se durante quarenta dias. O Evangelho é, muitas vezes, à
sua maneira, um ritual iniciático.
3
Na preparação do candidato, e segundo um antigo ritual maçônico, prescreve-se
desnudar certas partes de seu corpo e, dentre elas, o pé esquerdo, como se o
contato direto com o solo tivesse sua importância para o candidato que, com os
olhos vendados, coloca o pé sobre um terreno que, em absoluto, desconhece.
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34 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e


não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o
címbalo que retine.

E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os


mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda fé, de
maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor,
nada seria.

E ainda que distribuísse todos os meus bens para sustento


dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser
queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria.

Conhecedor das noções iniciáticas difundidas pela corrente


do pensamento helênico, o apóstolo acertou em seu modo de sentir:
todos os dons da inteligência, todos poderes de ação serão vãos, se
não forem aplicados ao serviço da grande causa do bem geral. É
preciso amar, chegar até o sacrifício absoluto de si mesmo, para ser
admitido na cadeia de união dos iniciados. É pelo coração, e tão-só
pelo coração, que alguém chega a ser maçom, obreiro fiel e
colaborador verdadeiro do Grande Arquiteto do Universo.
O cerimonial de recepção é simbólico e representa
objetivamente o que deve realizar o candidato em seu foro interno.
Se tudo ficasse limitado às formalidades externas, a iniciação seria
meramente simbólica, marcando tão-só a admissão numa confraria
de iniciados superficiais que souberam conservar um conjunto de
exterioridades tradicionais e nada mais. Não se veria mais que a
casca do fruto. Sem embargo, no interior está a semente, núcleo
central, de tal maneira que o iniciador que trabalha em conformidade
com a letra do ritual, põe à disposição do verdadeiro candidato um
esoterismo velado que se conserva intacto, ao abrigo de toda
profanação.
Quando a maçonaria, ou qualquer outra confraternidade
iniciática, faz referência à inviolabilidade de seus segredos, trata-se,
não do continente dos segredos, sempre comunicável, senão que de
seu conteúdo inteligível. Pode-se divulgar a letra morta, mas não o
espírito que os privilegiados da compreensão saberão penetrar.

De outra parte, é indispensável sentir, para poder


compreender. A ponta de uma espada fere o candidato perto do
coração no momento de sua admissão no Templo para buscar a luz.
Antes de podermos discernir, devemo-nos abrir às verdades cujo
germe existe em nós.
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35 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

Não se deve desprezar o intelectualismo; sem embargo, seu


domínio absoluto nos condena a uma estéril e desesperadora
atividade especulativa. Caindo no excesso contrário, a iniciação
cavalheiresca desdenhava o saber, para enaltecer unicamente o
amor, este inspirador das mais sublimes ações. Melhor equilibrados,
o hermetismo medieval, o rosacrucianismo e a maçonaria moderna
têm preconizado o desenvolvimento simultâneo do intelecto e do
sentimento. É indispensável que nos capacitemos a reconhecer a
verdade, a fim de conquistar a luz que deve iluminar nossas ações.
De outra parte, se não tivermos o acicate de um ideal, como
poderemos nos sentir impelidos à Iniciação? O que atrai e fascina é
precisamente uma pressentida beleza. Um amor secreto nos
empurra até o santuário e nos infunde coragem para enfrentar os
obstáculos das múltiplas provas que ainda nos esperam antes de
alcançar o móvel desejado.

Ainda que não pudéssemos compreender mais que


medianamente, o essencial seria levar sempre em nosso coração a
chama do fogo sagrado, para sermos capazes de nos elevar quando
assim o requerer a ação. Os melhores maçons não são os mais
eruditos nem os mais ilustrados, senão que os mais ardentes e
constantes trabalhadores, porque são os mais sinceros e os mais
convictos. Quem ama com fervor está acima daquele que se
contenta com o saber: a verdadeira superioridade afirma-se pelo
coração, a câmara secreta de nossa espiritualidade.

Os que não souberam amar perderam-se no deserto sem


passar pela prova do fogo. Cépticos, arrastam sua vida num eterno
desencanto. São verdadeiros fantasmas ambulantes, em vez de
homens que honram a vida com energia. Será necessário o
sofrimento para ensinar-lhes o amor. Em resumo, o sofrimento não
é em si um mal, posto que, sem a dor purificadora, ninguém chega a
ser grande.

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36 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

09
O Cálice da Amargura
Estas exigências da vida poderão parecer tirânicas ao profano que não
tenha compreendido a existência; uma inexorável necessidade condena-o ao
trabalho. Em meio a trabalhos e penas, lamenta-se e revolta-se airoso
contra a dor que lhe foi imposta. Esse suplício dura enquanto não se
determina a encontrar o paraíso, tão pronto saiba renunciar ao mesmo.
Sofrer, trabalhar: significará isso, por acaso, decadência? E quem pode ser
forte e poderoso sem antes haver sofrido cruelmente? A alma que quer
conquistar a nobreza e a soberania deve buscá-las nas fragas do sofrimento.

Em seu Quadro da Vida Humana, Cebes, que nasceu em


Tebas, cidade da Beócia, no Século V a. C., descreve-nos um vasto
recinto onde vivem seus habitantes. Uma multidão de candidatos à
vida aglomera-se à porta. Um gênio, representado por um venerável
ancião, dirige aos candidatos atilados conselhos. Infelizmente, suas
sábias advertências sobre a conduta que se deve observar perante a
vida são de pronto esquecidas pelas almas ávidas por viver. Tão
logo entram no fatal recinto, sentem-se obrigadas a desfilar diante
do trono da Impostura, mulher cujo semblante é de uma expressão
convencional e que tem maneiras insinuantes. Ela apresenta-lhes
um copo. Não se pode entrar sem beber pouco ou muito. Para viver
intensamente, muitos bebem a grandes sorvos do erro e da
ignorância; outros, mais prudentes, apenas provam a mágica
beberagem e, em conseqüência, esquecem menos os conselhos
recebidos e não sentem tanto apego à vida.
Do mesmo modo, um cálice será apresentado ao neófito,
quando ingressar na nova vida de Iniciado. O aspirante que acaba
de sofrer a prova do fogo refrigera-se com esta água pura e
refrescante. Mas, enquanto bebe a grandes goles, a doce bebida
torna-se amarga. Quisera então rechaçar o cálice, mas se lhe
ordena que beba até as fezes. Obedece, dócil e decidido a suportar
a carga de sofrimento que o aguarda. Bebe, mas, – oh! Milagre! – a
fatídica beberagem volta ao seu primitivo sabor!
Este rito nos inicia no grande mistério da vida que nos brinda
com suas doçuras, mas que quer que saibamos aceitar também
seus rigores e crueldades.

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37 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

Quando aceitamos a vida, nossa tendência é de provar tão-


só o agradável e desejamos a felicidade como se pudéssemos
consegui-la gratuitamente sem havê-la merecido. Isso é
desconhecer em absoluto a Lei do Trabalho que vale,
necessariamente, para toda a vida. Viver é, em suma, cumprir uma
função e, portanto, trabalhar. A Vida é a tal ponto inseparável do
trabalho e do esforço, que não se a pode conceber na inércia.
Nossa existência é ação. Descansamos para repor as forças, a fim
de poder prosseguir com nossas atividades. Quem deixa de obrar
renuncia à existência: o descanso definitivo esteriliza e equivale à
anulação, à morte!
Para dizer a verdade, é possível, – valendo-se de artifícios, –
fugir a toda pena e obrar de maneira que só nos proporcione
satisfações. Mas essa tática não produz mais que engano, e a vida
sabe vingar-se daqueles que não querem acatar suas leis. Quando
menos, o fastio de viver será sua herança.
Para o Iniciado, impõe-se tanto mais a honra de viver,
quanto mais ambicione possuir os segredos que são, precisamente,
os da própria vida. A Iniciação ensina a viver uma vida superior, ou
seja, em perfeita harmonia com a Grande Vida. Compreender bem
a vida: eis aqui o objetivo de todo aspirante à sabedoria. Que nos
importam os segredos da morte? Em seu devido tempo, ser-nos-ão
revelados, e não há por que se preocupar com eles. Em troca,
devemos viver, e viver de acordo com as exigências da vida.
Estas exigências da vida poderão parecer tirânicas ao
profano que não tenha compreendido a existência; uma inexorável
necessidade condena-o ao trabalho. Em meio a trabalhos e penas,
lamenta-se e revolta-se airoso contra a dor que lhe foi imposta.
Esse suplício dura, enquanto não se determina a encontrar o
paraíso, tão logo saiba renunciar ao mesmo. Sofrer, trabalhar:
significará isso, por acaso, decadência? E quem pode ser forte e
poderoso sem antes haver sofrido cruelmente? A alma que quer
conquistar a nobreza e a soberania deve buscá-las nas fragas do
sofrimento.
Isto não quer dizer, todavia, que seja indispensável buscar o
ascetismo ou tormentos intencionais: a vida saberá nos proporcionar
provas salutíferas e nos brindará o cálice, convidando-nos a esvaziá-
lo com firmeza, sem necessidade, de nossa parte, de aí
acrescentarmos qualquer amargor. O Iniciado não teme a dor e
sofre com coragem, mas não vive obrigado a amar nem a se
comprazer com o sofrimento. Tem fé na vida. Sabe-a

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38 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

misericordiosa, apesar de suas leis inexoráveis, e saboreia as


doçuras que nos reserva como compensação das penas que nos
inflige.
O que devemos buscar é a harmonia, o acordo harmônico
com a vida. Não podemos obtê-lo de golpe; é indispensável uma
penosa aprendizagem da Arte de Viver, a Grande Arte por
excelência, a Arte que praticam os Iniciados. A vida é sua escola,
onde não pode ser admitido aquele que não está decidido a beber
do cálice da amargura.
Sem embargo, a vida nos brinda felicidade. Todo ser
acredita ter direito a ela, e esta é sua constante aspiração. Vivemos
de esperanças, e nos parecem mais leves as penas de hoje, se as
ponderarmos com as alegrias de amanhã. A vida corrente pode
trazer para nós certas ilusões e tratar-nos como adolescentes, mas a
vida iniciática considera-nos homens já maduros, pouco dispostos,
portanto, a deixar-se levar por ilusões. A felicidade nos é
assegurada, contanto que a saibamos buscar nós mesmos. De
nada somos credores sem merecimento: se a vida nos é dada, é
para que a utilizemos como é devido, não para desfrutar dela sem
pagar tributo. Saibamos, pois, considerá-la sob seu verdadeiro
aspecto. Entremos a seu serviço dispostos a consagrarmo-nos ao
estrito cumprimento de nossa obra de vida, que deve ser a Magna
Obra dos Alquimistas.
Em todos os tempos, a Iniciação foi privilégio dos valentes,
dos heróis dispostos a sofrer, dos homens com energia que não
pouparam seus esforços. É a glorificação do esforço criador do sábio
que chegou à plena compreensão da vida, a tal ponto que, ao viver
para trabalhar, consegue romper as correntes do presidiário
condenado a trabalhar para viver. Diz o adágio: Trabalho equivale à
Liberdade, e ainda seria melhor dizer que nos libertamos da
escravidão através de nosso amor ao trabalho. É, portanto, questão
de desejar o trabalho, de buscar o esforço fecundo sem temor ao
sofrimento que possa acompanhar sua realização. Então a vida
será, para nós, amena, confortadora e bela.
Assim fica explicado o simbolismo da poção cuja amargura
não deve nos desanimar. Podemos devolver-lhe o primitivo sabor,
aceitando, simplesmente, a obrigação de beber, até o fim, o Cálice
Sagrado da Vida.

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39 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

10
O Primeiro Dever do Iniciado
Em todos os tempos, têm existido charlatões pontífices e hierofantes:
prometem dar-nos uma ciência infalível, um poder ilimitado, a riqueza neste
mundo e a felicidade no outro. Não pedem, em troca, mais que a confiança
absoluta em suas palavras e o serem reverenciados como semideuses.
Inumeráveis são os que se deixam enganar e jactam-se de ser iniciados,
depois de conseguirem assimilar algumas doutrinas e de aprenderem a
contentar-se com as miragens de certos fenômenos que mais pertencem à
patologia. As teorias que tudo explicam e os desequilíbrios psicofisiológicos
nada têm a ver com a Verdadeira Iniciação.

A Iniciação não é de ordem meramente intelectual e não tem


por objeto satisfazer a curiosidade graças à revelação de certos
mistérios inacessíveis ao profano. O que nos vem ser ensinado não
é uma ciência mais ou menos oculta nem uma filosofia que nos
desse a solução de todos os problemas: é uma Arte, a Arte da Vida.
Muito bem: a teoria pode ajudar-nos a compreender melhor
uma arte, mas, sem a prática, não existe artista. Da mesma maneira,
não é realmente iniciado quem não possui verdadeiramente a arte
iniciática, e é, portanto, de absoluta necessidade aproveitar todas as
oportunidades para colocá-la em prática.
De outra parte, como poderemos começar a praticar a arte
de viver? Muito simplesmente, procurando ajudar ao nosso próximo.
A vida é um bem coletivo: não nos pertence particularmente; para
desfrutá-la, devemos participar da vida dos demais, sofrer com os
que sofrem e dar quanto de nós dependa para aliviar suas penas.
Quando, em uma Loja maçônica, o Irmão Hospitaleiro
cumpre sua missão com respeito ao neófito, vem a recordar-lhe que
seu primeiro dever é ajudar aos infelizes. Poderá ver mais adiante
que nunca ficam esquecidos os que estão no infortúnio: em toda
reunião maçônica é obrigação circular, antes do fechamento, o
Tronco de Solidariedade.
Este costume que se observa no mundo inteiro dá à Franco-
Maçonaria um caráter humanamente religioso que jamais terão as
associações profanas que pretendam nos revelar os mistérios.

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40 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

Em todos os tempos, têm existido charlatões pontífices e


hierofantes: prometem dar-nos uma ciência infalível, um poder
ilimitado, a riqueza neste mundo e a felicidade no outro. Não pedem,
em troca, mais que a confiança absoluta em suas palavras e o
serem reverenciados como semideuses. Inumeráveis são os que se
deixam enganar e jactam-se de ser iniciados, depois de
conseguirem assimilar algumas doutrinas e de aprenderem a
contentar-se com as miragens de certos fenômenos que mais
pertencem à patologia. As teorias que tudo explicam e os
desequilíbrios psicofisiológicos nada têm a ver com a Verdadeira
Iniciação.
Esta, — e nunca se o dirá bastante, — é ativa. Torna-nos co-
participantes em uma obra, a Obra por excelência, a Magna Obra
dos Hermetistas. A Iniciação não se busca para saber, senão que
para obrar, para aprender a trabalhar. Segundo a linguagem
simbólica empregada pelas escolas de iniciação, o trabalho tem por
objetivo a transmutação do chumbo em ouro (Alquimia), ou a
construção do Templo da Concórdia Universal (Franco-Maçonaria).
Em um caso como no outro, trata-se de um mesmo ideal de
progresso moral. O que busca o Iniciado é o bem de todos, e não a
satisfação de suas pequenas ambições particulares. Se não morreu
para todas as mesquinharias, é prova de que ainda continua
profano.
Se verdadeiramente passou pelas provas, seu único desejo
será colocar-se a serviço do aperfeiçoamento geral, coletivo e, por
conseguinte, correr em socorro do companheiro de fadigas
assoberbado do pelo peso de sua tarefa. Ajudar ao próximo: eis aí o
primeiro dever do Iniciado.
Sua ajuda espontânea irá a quem o chamar. Não se vai
deter em buscar se o sofrimento é ou não merecido, se é
conseqüência de um mau carma procedente de encarnações
anteriores. Os favorecidos deste mundo não estão autorizados a se
acreditarem melhores do que os parias da existência. Uma doutrina
que tendesse a sugerir sentimentos de tal natureza resultaria
eminentemente antiiniciática. Quem suporta dignamente a dor é um
aristocrata do espírito e é credor de nosso respeito, se a sorte foi
mais clemente para conosco. Seus sofrimentos não são
necessariamente expiação de algumas faltas que pudesse haver
cometido, e sustentar semelhante tese equivale a uma impiedade.
Todo esforço produz um sofrimento que torna mais meritório nosso
trabalho. A dor é santa e devemos honrar aos que sofrem.

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41 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

O melhor que podemos fazer é, desde logo, nos solidarizar


com eles, compartilhar suas penas e suas angústias e ajudá-los, do
melhor modo que saibamos, material e moralmente. Toda iniciação
que não comece pela prática do amor ao próximo resulta falaz, por
maior que seja o prestígio que se lhe queira dar.
Pelo fruto se conhece a árvore. Ainda que não proporcione à
humanidade um alimento de todo são e reconstituinte, a árvore
pode, sem embargo, oferecer-lhe um abrigo sob seus ramos, por
mais que tão-só seja utilizável sua madeira, uma vez cortada. Para
julgar uma instituição é, portanto, necessário ponderar os serviços
que presta à humanidade. Se não inspirar aos indivíduos
sentimentos mais humanos, se, graças à sua influência, não
sentirem mais profundamente o amor, se não se tornarem mais
serviçais uns aos outros, não terá direito a proclamar-se iniciática,
porque a Iniciação se baseia sobre o desenvolvimento de tudo
quanto contribui para elevar o homem acima da animalidade: pelo
coração, bem mais que pela inteligência.
Podemos compreender assim toda a importância do rito que
convida o neófito a contribuir para com a assistência das viúvas e
órfãos, em cumprimento ao ser primeiro dever de Iniciado.

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42 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

11
A Magna Obra
Esse tesouro supremo, último objetivo da Iniciação hermética, instrui os
ignorantes, cura as enfermidades do espírito, da alma e do corpo, enriquece
os pobres e, de modo geral, transmuta o mal em bem. Não é uma
substância. É um estado de ânimo que confere poderes de ação e
influência.

Se existimos, é para trabalhar. A inteligência e a


sensibilidade servem unicamente para guiar nossa atividade.
Portanto, não busquemos nossa razão de ser em nós mesmos,
recordando que não se pode cair em maior equívoco do que atribuir
tudo a si mesmo. Tudo está unido neste mundo, e o indivíduo tem
seu valor como parte integrante da coletividade. Isoladamente, não
somos nada e, nesse sentido, o Iniciado deve poder dizer a si
mesmo e com absoluta sinceridade: Sei que não sou nada. Se do
eu faço um ídolo, o centro do mundo, o objetivo de minhas
preocupações, então, não contenho mais que o vazio, a impotência
e a vaidade. Querer viver tão-só para si mesmo é isolar-se da vida
universal para condenar-se à morte.
Não posso resistir à tentação de citar, no tocante a esse
assunto, o capítulo V de um opúsculo muito raro, editado em 1775
sob o título de A Magna Obra sem Véus para os Filhos da Luz.

Segundo uma opinião corrente neste mundo, a vida é curta


e, de minha parte, eu a encontro, ao contrário,
extremamente longa para muitíssimas pessoas. Quantos
encontraremos que não se queixem da brevidade da vida e
que não tenham feito, sem embargo, outra coisa senão
entediar-se ao longo de toda existência? Sim, é
demasiado curta a vida para quem pensa, e demasiado
longa para quem não pensa. O tempo voa quando
trabalhamos e transcorre lentamente quando não fazemos
nada. Sem ação, a vida em nada se diferencia da morte, e
viver na ociosidade não é viver, mas apenas vegetar. Viver
somente para si mesmo é viver pela metade. Interessar-se
pela felicidade universal dos homens e trabalhar para isso

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43 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

é viver de verdade e ter a sensação de viver. Quão poucos


são os que vivem neste mundo, e quantos são os que
vegetam em vez de viver! Os ricos, orgulhosos de sua
opulência e embriagados pelo incenso que lhes
prodigalizam seus aduladores, não podem compreender o
que é a vida. Os pobres, oprimidos pelo peso da miséria,
humilhados pelo desprezo dos demais, tampouco a podem
entender. Aqueles que se encontram em meio a grandes e
pequenos, ricos e pobres, preocupando-se, a maior parte
do tempo, apenas com aquilo que lhes incumbe, não a
sentem tampouco. Quem vive, pois, em lugar de vegetar?
Os filósofos. Sim, os filósofos unicamente compreendem
o que é a vida, conhecem as oportunidades que apresenta
e sabem aproveitá-las. Não vivem apenas para eles
mesmos, senão que vivem, ademais, para os outros e,
seguindo o exemplo do excelso Hermes, de quem têm por
glória serem e chamarem-se discípulos, tão apenas vivem
para fazer bem à sociedade humana. Pouco lhes importa
que os adulem ou que os ameacem os poderosos da terra,
que seus parentes os queiram ou os persigam, que seus
amigos os sustentem ou os abandonem; nem por isso
deixam de ser filósofos, ou seja, amantes da sabedoria. A
vida tem, para eles, tanto mais atrativos quanto mais
tempo lhes deixa para fazer o bem a quem o mereça; sua
benevolência dirige-se àqueles que vivem para trabalhar,
nunca àqueles que trabalham para viver.

Essas linhas nos revelam o Grande Arcano da Filosofia


Hermética. A Pedra dos Sábios é um símbolo, como também o ouro
filosófico e tudo referente a ele. Na realidade, o segredo de toda
verdadeira Iniciação faz referência àquilo que, antes de tudo,
interessa ao homem, quer dizer, sua própria vida e o emprego
judicioso das energias que a mesma põe à sua disposição.
O sábio busca a Pedra em seu foro interno, como recorda
muito bem a engenhosa fórmula tirada da palavra VITRIOL, à
maneira do acróstico: VISITA INTERIORA TERRAE,
RECTIFICANDO INVIENIES OCULTUM LAPIDEM, ou, em outros
termos: desce a ti mesmo, submete-te às provas purificadoras e
encontrarás a pedra escondida. Esse tesouro supremo, último
objetivo da Iniciação hermética, instrui os ignorantes, cura as
enfermidades do espírito, da alma e do corpo, enriquece os pobres
e, de modo geral, transmuta o mal em bem. Não é uma substância.
É um estado de ânimo que confere poderes de ação e influência.
Não se trata aqui, sem embargo, de nenhuma taumaturgia
vulgar. Os milagres de detalhe têm um interesse muito secundário
ao lado de todo o milagre universal que abarca a totalidade do

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44 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

gênero humano. A Obra Magna é um trabalho que não tem princípio


nem fim, e seu resultado é tudo quanto existe.
Somos seus colaboradores, sem que seja condição
indispensável ter consciência disso. Se, ao cumprir a tarefa que nos
incumbe, o fazemos com mau humor, sem inteligência nem
compreensão, como animal atrelado ao carro, somos meros
escravos da necessidade que nos açoita e nos atormenta com seu
implacável aguilhão. É essa a sorte do profano que se lamenta, e
cuja única preocupação é livrar-se do jugo de um labor obrigatório
como de uma pesada carga.
O Iniciado sabe que o trabalho é a razão de sua existência.
Longe de querer esquivar-se, sua ambição é adiantar seu trabalho
do melhor modo que conhece, empregando nisso todas as suas
forças. Seu próprio zelo entusiasta alivia a fadiga que não sente e
transforma-a em prazer. É amante do trabalho e se entrega a ele
com paixão, atraindo, de tal sorte, uma misteriosa ajuda, graças a
qual pode fazer verdadeiras maravilhas. A Iluminação é sua
recompensa, e já vive sabendo o que é a vida e participando da
grande Vida da eterna ação.

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45 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

12
Os Poderes do Iniciado
Os três poderes do Iniciado estão em estreita relação uns com os outros, e
ninguém alcançará o último sem antes haver conseguido alcançar os dois
primeiros. Para terminar, podemos dizer que, fora desse ternário, tudo é vão
e ilusório no domínio desses “poderes” que servem de engodo aos
aficionados em ciências ocultas.

A Vida não é em si uma finalidade. Não vivemos pelo gosto


de viver, senão em vista de cumprir com um dever. Todo ser vivo
tem sua razão de ser, seu posto designado no harmonioso concerto
da vida universal. Se existimos, é em razão da tarefa que nos foi
sorteada; correspondemos a uma necessidade.
Se não fosse assim, não haveria lógica nem ordem no
Cosmos, e o mundo não seria mais que um mecanismo cego,
trabalhando à-toa sem nenhum proveito, sem realizar trabalho
efetivo.
Não é assim que o concebem os Iniciados que sempre
acreditaram na Magna Obra. Eles representam-se o universo como
uma imensa oficina de construção, na qual cada ser trabalha para a
realização de um ideal supremo. Todos somos obreiros providos
cada qual das ferramentas adequadas ao trabalho que se nos pede.
Daí a estreita relação que podemos notar entre nossas
predisposições naturais e nosso destino. Nossas aptidões são o
indício de nossa vocação e, portanto, do programa ao qual tende a
sujeitar-se nossa vida.
Enquanto os seres vivem instintivamente, obedecem aos
seus impulsos e, conseqüentemente, cumprem de modo iniludível
toda a série de atos de uma vida em perfeita concordância com as
leis da espécie. Este estado de inocência edênica desaparece assim
que intervém o discernimento. O ser torna-se autônomo então, e, a
partir desse momento, raciocina e toma decisões, não já em virtude
de impulsos automáticos e infalíveis em sua esfera de ação, senão
que a partir de seu juízo ainda inexperto e propenso ao erro. Ainda
assim, este é o privilégio do ser inteligente.

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46 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

Quando este último reconhece um equívoco, esforça-se por


conquistar um discernimento mais perfeito; aspira a não mais se
equivocar e busca a sabedoria, esta luz do espírito que sabe
distinguir entre o falso e o verdadeiro.
Aqui é de toda necessidade fazer uma advertência de suma
importância. Para as escolas profanas, a sabedoria consiste na
posse da Verdade; mais modesta, a Iniciação contenta-se em
orientar em direção à Verdade, à qual considera como um objetivo
ideal, ainda que inalcançável. Consciente da debilidade humana,
combate o erro sem forjar a ilusão de poder destruir o inimigo.
“Errare humanum est”. O homem cairá no erro enquanto for homem,
mas seus equívocos poderão ser de maior ou menor importância.
Procuremos, pois, nos livrar dos erros mais grosseiros, satisfeitos
em haver realizado um progresso e fazendo com que nossa
satisfação nos estimule a perseverar na eterna luta contra o erro.
Depois disso, não pode subsistir nenhuma dúvida a respeito
da índole do poder que servirá de arma ao iniciado em qualquer
circunstância. Deve adquirir o poder de discernir o erro. Mas, do
mesmo modo que a caridade bem entendida deve se aplicar a si
mesmo, da mesma maneira o juízo crítico deve também se aplicar,
antes de tudo, ao próprio indivíduo. Os erros alheios não nos
interessam minimamente, quando menos de momento, e temos
bastante o que fazer com os nossos. Quanto mais soubermos
distingui-los, mais potentes seremos contra o erro em geral.
O discernimento é mais indispensável ainda quando se trata
da maneira de combater o erro. Devemos respeitar as convicções
alheias e evitar atacar seus erros sem atenção. A violência é sempre
contraproducente, e jamais poderá ocorrer a idéia de empregá-la, se
houvermos conseguido discernir nossos próprios erros: se
soubermos reconhecer de boa-fé nossos equívocos, resultar-nos-á
também mais fácil admitir a boa-fé dos outros. E mais: saberemos
aduzir a eles as razões que nos convenceram, podendo, de tal sorte,
dissipar um erro que foi nosso em outro tempo.
O segundo poder que deve procurar adquirir o iniciado é a
benevolência. Os bons sentimentos que nos animam não deixam de
exercer sua influência ao nosso redor. Conferem-nos um verdadeiro
poder mágico, e, ao lado deste poder, todas as concentrações de
vontade preconizadas pelos ocultistas não são mais que decepções
e passatempos de crianças. Esforcemo-nos por querer bem tanto
aos maus quanto aos bons. Se souberdes desenvolver esse poder
afetivo, disporeis de uma força colossal.

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47 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

Aprendei, finalmente, a contrastar vossas volições. Abster-se


de tudo querer, e deter nossa vontade é muito mais difícil do que
projetar ordens capazes de sujeitar um indivíduo hipnotizável. Se
nossa vontade há de ser operante, devemos usá-la com parcimônia.
Ela não deve servir de joguete em mãos de um faquir ou de um
mago de salão. Não deveis desejar senão o que merece ser
desejado, sem aspirar ao poder de mando.
Os três poderes do Iniciado estão em estreita relação uns
com os outros, e ninguém alcançará o último sem antes haver
conseguido alcançar os dois primeiros. Para terminar, podemos
dizer que, fora desse ternário, tudo é vão e ilusório no domínio
desses “poderes” que servem de engodo aos aficionados em
ciências ocultas.
Os poderes do Iniciado são reais, mas tão-só pode obtê-los
à vista do cumprimento de sua tarefa, e somente na medida
indispensável para a execução de seu trabalho. Se nos esforçarmos
por trabalhar bem, colocarão em nossas mãos as ferramentas ou as
faculdades necessárias para levar a bom termo a obra que nos
incumbe.
Oxalá possam essas sucintas indicações abrir os olhos
daqueles que pudessem ser tentados a considerar a Iniciação à
maneira de uma escola de atletismo psíquico ou de um
conservatório de magia operante. O verdadeiro Iniciado jamais
alardeia seus poderes, e exerce-os discretamente, sem buscar a
admiração nem se vangloriar de possuí-los. De outra parte, nunca
trabalha isoladamente nem quer medir a parte que lhe corresponde
na colaboração que pôde prestar. Consciente de haver trabalhado
tão bem quanto soube, participa do êxito da obra com a modéstia do
soldado cuja coragem contribuiu para com a vitória. A Iniciação
conduz à humildade, da mesma maneira que a ela conduz a ciência
pura ou a religião bem entendida.

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48 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

13
Os Ensinamentos da Franco-Maçonaria
A todas as questões, a Franco-Maçonaria responde sempre por meio de
símbolos em si enigmáticos e que convidam à reflexão. Cada um pode
interpretá-los à sua maneira, e tudo que podem sugerir é justo, com a
condição de que satisfaçam à lógica. As interpretações contraditórias vêm a
nos apresentar uma mesma verdade, mas sob aspectos diametralmente
opostos. O Iniciado não sabe, e não estranha isso.

Ao propor unir fraternalmente os homens, apesar de tudo


quanto tende a separá-los, a Franco-Maçonaria moderna teve o
cuidado de não impor aos seus adeptos qualquer sistema de
crenças marcadamente delimitado.

Já ao publicar o Livro das Constituições, redigido por James


Anderson, declarava, em 1723, que sua intenção era deixar aos
homens absoluta liberdade no tocante às suas opiniões, tanto
religiosas como políticas. Fiel a essa atitude, a Franco-Maçonaria
deixa campo aberto a todas as discussões e abstém-se de
pronunciar-se sobre uma em particular, filhas todas da curiosidade
humana.

É a grande mudança e, se bem que possua seu segredo,


condenou-se ela mesma a não revelá-lo jamais. Diz-nos: buscai,
aprofundai, trabalhai, revolvei o terreno: o tesouro que vos prometo é
o mesmo que foi a recompensa dos filhos do lavrador da fábula.
Buscar a verdade é compreender que ela nos escapa e, então,
aprendemos a ser indulgentes para com os erros dos outros. Daí em
diante, abster-nos-emos de condenar, praticando a tolerância,
virtude por excelência dos Franco-Maçons.

Depois de tudo, esta não é mais que a obrigatória cortesia


com respeito àqueles que opinam de maneira distinta. Com que
direito vamos pretender que se enganam eles e nós não? Será que
pretendemos possuir um critério infalível para discernir o verdadeiro
do falso? O certo é que a Franco-Maçonaria prega, neste ponto,
uma humildade verdadeiramente cristã, da qual poderia mostrar-se
ciumenta a Igreja.

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49 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

Temos consciência do pouco que podemos conhecer e


inclinamo-nos, com religioso respeito, diante do mistério que nos
rodeia. Sem nos querer beneficiar de qualquer revelação
sobrenatural, não pretendemos ensinar aos homens no que devem
crer; em troca, todo ser humano, animado pelo desejo verdadeiro de
buscar a verdade por suas próprias forças e com absoluta
independência pode ingressar em nossa escola. Esforçamo-nos por
guiá-los em seus esforços de investigação, e poderão aproveitar-se
de nossa larga experiência tradicional. Se esperam de nossa parte
afirmações concretas, não terão mais que decepções, pois nós
mesmos nos proibimos todo dogmatismo sobre qualquer matéria. A
todas as questões, a Franco-Maçonaria responde sempre por meio
de símbolos em si enigmáticos e que convidam à reflexão. Cada um
pode interpretá-los à sua maneira, e tudo que podem sugerir é justo,
com a condição de que satisfaçam à lógica. As interpretações
contraditórias vêm a nos apresentar uma mesma verdade, mas sob
aspectos diametralmente opostos. O Iniciado não sabe, e não
estranha isso.

Limita-se a sorrir, vendo a solução materialista de uns e a


espiritualista de outros. Que nos importa que existam opiniões
contraditórias, se, de antemão, está bem assentado que nada
sabemos de definitivo e que ninguém pode se erigir em juiz das
convenções alheias?

Mas tirar do antecedente a conclusão de que os franco-


maçons não possuem concepção doutrinal alguma comum a todos
seria ir demasiado longe. Para poderem perseguir juntos um mesmo
ideal é de todo necessário que participem das mesmas idéias e que
tenham idêntica maneira de apreciar e de sentir. Qual é, pois, esse
laço intelectual e moral que une os Franco-Maçons tanto no tempo
como no espaço? A idéia fundamental da Franco-Maçonaria é a
construção de um edifício humanitário; os homens são os materiais
vivos e devem eles mesmos trabalhar-se, para logo se ajustarem
harmonicamente, formando um edifício único, verdadeiro “Templo da
Beleza” que nunca chegará a ser terminado.

Toda iniciação maçônica limita-se a ensinar a arte de


construir humanitariamente. Não se vá, pois, pedir-lhe a revelação
dos segredos do universo ou da natureza humana: seus segredos
são os do trabalho sobre as pedras humanas destinadas a passar de
seu primitivo estado grosseiro, inutilizável para nosso edifício
humanitário, ao estado de materiais esquadrados e polidos à

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50 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

perfeição, em vista de sua colocação no grande edifício. Por certo,


são estes segredos da maior importância, por serem relativos ao
mistério da Vida.

Que é a Vida? Que finalidade tem? Como pode o homem


colocar-se em harmonia com a vida universal? Todas essas
questões são propostas pela iniciação maçônica que não as resolve
dogmaticamente, proporcionando, porém, elementos suficientes
para responder de modo satisfatório àqueles que sabem interpretar
os símbolos.

Sem embargo, as especulações filosóficas preocupam tão-


só a um número reduzido de Franco-Maçons que poderíamos
chamar de os doutores da instituição. A maior parte não se interessa
por análises sutis e fica satisfeita com a parte sentimental. Sua
sensibilidade a faz vibrar sob a influência do sentimento geral e
poderoso do amor à humanidade. Instintivamente, essa multidão
divinizou a humanidade e pretende servi-la com desinteresse. Quer
o progresso, o melhoramento para todos no porvir.

Eis aí a origem desta fé maçônica ativa e independente de


toda opinião particular. A Maçonaria é a Igreja do Progresso humano
e, se alguma ação exerce no mundo, é devido às firmes convicções
de seus adeptos no advento de uma humanidade melhor, mais
clarividente e mais fraterna.

Alguns cépticos querem ridicularizar esta fé que qualificam


de cândida; parecem esquecer-se de que, ao compartilharem seu
ceticismo com a humanidade, o progresso humano não passaria,
com efeito, de uma mera ilusão. Em troca, os convictos confiantes
em sua utopia emprestam-lhe uma força de realização que triunfa de
todos os obstáculos. Se acreditarmos no progresso e trabalharmos
por ele, o progresso será um fato; se o negarmos, teórica e
praticamente, nunca chegará a tornar-se realidade. Em matéria de
crenças, imitemos as multidões, acreditando com firmeza no que
convém crer e, quando menos, não diminuamos uma fé inspiradora
muitas vezes de ações generosas. Impõe-se ao Iniciado o silêncio,
sobretudo, quando se tratam de convicções que servem de base à
moral do povo. Tenhamos cuidado em não perturbar bruscamente
as almas, sob o pretexto de emancipá-las. Devemos saber calar
diante daqueles que não estão preparados para compreender e, ao
falar, procuremos mais provocar a reflexão em lugar de querer
convencer a qualquer preço. Esta é a sã tradição iniciática.

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51 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

14
“Maçonismo” e Franco-Maçonaria
O verdadeiro iniciado há de iniciar-se por si mesmo. Poderá ter quem o guie,
é verdade, mas apenas o esforço que houver realizado o levará à entrada da
senda da Verdadeira Luz.

As igrejas cristãs não realizaram senão de uma maneira


muito imperfeita o Ideal cristão. Não poderia acontecer outra coisa,
pois os homens, considerados em conjunto, não são anjos nem
sequer santos. Tampouco são sábios, tal como aspira formá-los a
Iniciação, e, quando chegam a merecer o título de filósofos ou
amigos da Sabedoria, não são mais que reduzida falange que não
encontra colocação adequada em nenhuma das instituições
organizadas.

Não deixaria de ser ingênuo figurar-se que uma associação


de homens pudesse chegar à perfeição. Os indivíduos podem
alcançar uma perfeição relativa, mas não as coletividades, e a
Franco-Maçonaria não pode escapar à mesma lei. Demasiado
numerosos são seus adeptos para poderem chegar todos ao nível
de Iniciados verdadeiros; sem embargo, a instituição não deixa de
merecer respeito e ser digna de simpatia. Com efeito, trabalha para
a realização da Magna Obra, mas a transformação do chumbo
profano em ouro iniciático não pode verificar-se instantaneamente
nem em virtude uma conjuração mágica.

Um Franco-Maçom é um homem como os outros, menos


instruído muitas vezes, que bom número de aficionados às ciências
ocultas: consciente de sua ignorância, busca a verdade sem
preconceito, com toda sinceridade. Talvez não vá muito longe em
suas investigações intelectuais, e deixará tão-só de compartilhar os
erros mais grosseiros de seus contemporâneos. Ainda que negativa,
essa sabedoria não deixa de ter seu valor.

Mas é pelo coração, bem mais que pela inteligência, que se


chega a ser um verdadeiro Franco-Maçom. O adepto efetivo é, antes
de tudo, um homem de boa-vontade, e deseja o bem com toda força
de seu ser interno; a força da Franco-Maçonaria apóia-se

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52 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

precisamente no querer coletivo de seus membros; reúnem-se para


trabalhar e, como nada se perde na esfera das energias postas em
ação, toda Loja vem a ser um foco de transformação social e
humanitária.

Não venhamos, sem embargo, a pedir à imensa maioria dos


Franco-Maçons que raciocinem seus atos. Trabalham por instinto e
de acordo com suas tradições algo obscuras, mas cuja influência
sugestiva perdura, todavia, através dos séculos.

Ademais, existe uma doutrina maçônica sem fórmula


explícita que vem a ser, para a Franco-Maçonaria, o que é o
cristianismo para as igrejas cristãs: é o “Maçonismo”.

Todas as críticas que dirigem à Franco-Maçonaria os seus


adversários, — e com maior severidade, se couber, os seus amigos,
— referem-se a nossa instituição tal como funciona, trabalhando do
melhor modo que sabe, sem que consiga chegar à realização
perfeita de seus muito legítimos desideratos. Mas nem uma objeção
sequer foi apresentada contra o “Maçonismo” pelos que chegaram a
compreendê-lo. Muito ao contrário, ao “Maçonismo”, tem devido, em
todos os tempos, a Franco-Maçonaria, e deve a ele, ainda hoje, seus
recrutas de maior valor. Segundo a opinião dos pensadores mais
eminentes, não há filosofia superior à que se desprende do
simbolismo da Franco-Maçonaria. Tem a inestimável vantagem de
não se apresentar sob o aspecto de sistema fechado; seu objetivo é
ensinar a cada um as regras comprovadas de toda sã construção
intelectual. O Franco-Maçom aprende a construir o templo de suas
convicções pessoais, mas, tudo, em o construindo de acordo com
sua conveniência particular, e para si mesmo, observando as leis de
uma arquitetura tradicional, graças à qual persiste a unidade na
construção do grande santuário universal edificado segundo o plano
do Grande Arquiteto do Universo.

Em resumo, o ideal iniciático não pode ser realizado


coletivamente por uma associação numerosa de homens
forçosamente incapazes de elevar-se, em seu conjunto, muito acima
do nível mediano da humanidade.

Que cada um se esforce individualmente, pois, para matar


em si o profano e, ao mesmo tempo, favorecer ao nascimento do
Iniciado. Sobretudo, que ninguém se apresse em ser admitido na
Franco-Maçonaria até que o “maçonismo” se haja revelado em suas
meditações. Deve tornar-se ele mesmo Franco-Maçom pelo próprio

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53 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

esforço e em seu próprio coração antes de querer bater à porta do


Templo.

O maior obstáculo das instituições iniciáticas reside na


deficiente preparação dos candidatos, e seus fracassos são devidos,
em grande parte, a uma prematura assimilação de elementos
profanos sem o devido contraste. Criam a ilusão de poder
transformar em iniciado qualquer indivíduo; este poderá muito bem
não ter maior defeito que sua absoluta ignorância de tudo o que se
refere à Iniciação.

No interesse do bom recrutamento da Franco-Maçonaria, já


é tempo de que se vá esclarecendo o público sobre as questões
iniciáticas, para chegar a compreender que nem a virtude de uma
cerimônia nem a admissão na devida forma em uma sociedade
qualquer podem conferir a Iniciação.

O verdadeiro iniciado há de iniciar-se por si mesmo. Poderá


ter quem o guie, é verdade, mas apenas o esforço que houver
realizado o levará à entrada da senda da Verdadeira Luz.

Exige a iniciação que aprendamos a adivinhar. Demos


provas, pois, de nossa aptidão, adivinhando, quando menos, o
significado geral da Iniciação. E, se não soubermos adivinhar nada,
bem inútil será querer participar dos mistérios.

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54 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

15
A Iniciação Feminina
Infelizmente, um feminismo mal compreendido incita a mulher de hoje a
masculinizar-se, como se se considerasse inferior e sentisse a necessidade
de elevar-se à masculinidade. Equivoco lamentável e também traição à
feminilidade! A mulher difere do homem e rende homenagem à sua força;
enquanto o homem, — se ele admira a mulher, — é precisamente quando ela
se caracteriza como tal. Conscientemente ou não, rende homenagem às
suas qualidades peculiares, inclusive quando brilham por sua ausência.
Enfim, o homem quer encontrar na mulher dotes de complemento que a ele
faltam precisamente.

Com razão ou sem ela, a Iniciação nos mistérios da Magna


Obra não alcançou a mulher. Se existiram, na Antiguidade, algumas
iniciadas femininas, é que os Mistérios nascidos de religiões
particulares perseguiam uma finalidade estritamente religiosa:
pretendiam, com efeito, assegurar uma bem-aventurada imortalidade
aos seus adeptos divinizados por ritos secretos.

Todavia, romanos e gregos reconheceram à mulher uma


alma tão digna do favor divino como a do homem, e não podiam,
portanto, impor a distinção de sexos no aspecto puramente místico.

Mas os mistérios clássicos, — cuja herança o cristianismo


recolheu, — repercutiram de maneira longínqua sobre as iniciações
modernas. O que caracteriza estas últimas é seu caráter operativo;
preocupam-se com nosso trabalho nesta terra, e seus segredos
referem-se a uma arte de prática muito difícil. Para o alquimista,
tratava-se de operar sobre os metais, e, para a Franco-Maçonaria,
da construção de edifícios materiais. Apesar de tudo, a metalurgia
dos alquimistas conduziu-os a sutis especulações sobre os poderes
da natureza, e o trabalho das pedras sugeriu também transposições
fecundas no domínio humano, e, assim, foi se desenvolvendo o
conceito desse imenso trabalho humanitário que é, em nossos dias,
o objetivo da Iniciação Maçônica.

Logicamente, esse trabalho requer indistintamente a


colaboração de todas as forças humanas, tanto masculinas quanto
femininas; mas, por outro lado, a tradição está em desacordo com a

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55 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

lógica; os adeptos da Alquimia eram todos varões, e nunca nenhuma


mulher sonhou entrar como aprendiz ao lado de um mestre pedreiro.
Ao tornar-se exclusivamente especulativa, a Franco-Maçonaria
moderna poderia adaptar seus antigos usos ao seu novo programa.
Não se preocupou com isso e quis seguir, como antes,
exclusivamente masculina, como medida de prudência, e com razão,
tanto quanto pudemos apreciá-lo.

Essa afirmação precisa ser explicada. Com efeito, somos


partidários do “masculinismo” do passado, mas convencidos também
de que a mulher tem direito à Iniciação e de que convém estudar
como e de que maneira podemos associá-la realmente à Magna
Obra. O certo é que não se a poderia admitir de imediato numa
associação composta somente por homens e organizada à base
desse sexo unicamente. A Loja inglesa constituiu-se tomando por
modelo o “Club”; este não corresponde nem pouco nem muito à
mulher, cujo elemento verdadeiro é o “salão”. De tal modo que, para
estar a mulher em seu ambiente, seria preciso transformar as Lojas
em salões ou vice-versa. Não é coisa de todo impossível; inclusive,
é desejável sob muitos aspectos. Mas, na prática, e até nova ordem,
o mais prudente é que sigam as Lojas organizadas como o são
atualmente, deixando que alguns salões escolhidos se transformem,
senão em Lojas, pelo menos em focos de iniciação feminina.

Esta metamorfose depende unicamente da mulher. Ela não


tem necessidade alguma de solicitar autorização das autoridades
maçônicas para trabalhar em sua própria casa como iniciada ou,
para ser mais modesta, como aspirante à iniciação feminina.

Para que germine a idéia, é indispensável à mulher conhecer


as bases da Iniciação e, de acordo com esse critério, temos
procurado formulá-lo nesta mesma publicação durante todo o ano de
1922. A mulher deve aspirar à Iniciação, não para satisfazer à
mesquinha satisfação de ingressar numa coletividade até agora
ciumentamente reservada aos homens, senão porque sinta nela a
vocação para a Magna Obra humanitária. Se sofre e se dá conta das
misérias humanas, só lhe faltará descobrir o segredo do que
chamamos de a dinamização dos bons sentimentos.

Aí está o grande segredo da Iniciação feminina, a palavra


perdida que devem outra vez encontrar as mulheres, a exemplo dos
Mestres Maçons. A elas corresponde conquistar novamente um
poder que seu sexo soube exercer no passado. Acaso não fundou a
mulher a civilização, chegando a domar o macho brutal e bárbaro?

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56 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

Disso não duvidavam os estampeiros medievais, quando


representavam a Força sob a figura de uma mulher que, sorrindo,
mantém abertas as mandíbulas de um leão furioso. Muito da
nobreza da Cavalaria deve atribuir-se à influência feminina. E, no
que respeita a essa cortesia que valeu à França a conquista da
Europa culta do século XVIII, não foi acaso genuinamente feminina?

Infelizmente, um feminismo mal compreendido incita a


mulher de hoje a masculinizar-se, como se se considerasse inferior e
sentisse a necessidade de elevar-se à masculinidade. Equivoco
lamentável e também traição à feminilidade! A mulher difere do
homem e rende homenagem à sua força; enquanto o homem, — se
ele admira a mulher, — é precisamente quando ela se caracteriza
como tal. Conscientemente ou não, rende homenagem às suas
qualidades peculiares, inclusive quando brilham por sua ausência.
Enfim, o homem quer encontrar na mulher dotes de complemento
que a ele faltam precisamente.

E inútil nos alongarmos mais sobre esse ponto. Basta


reconhecer que, segundo acabamos de ver, a iniciação feminina
deve diferenciar-se essencialmente da masculina, contanto que seja
Iniciação verdadeira. Se se tratar tão-só dessa iniciação meramente
simbólica e convencional, cujos ritos não hão de traduzir-se numa
transformação de nossa vida, é de todo indiferente que homens e
mulheres fiquem submetidos às mesmas cerimônias ridículas. Os
homens que tiveram a idéia de aplicar às mulheres as provas de seu
ritual masculino provaram ipso facto que o simbolismo maçônico era,
para eles, letra morta. A maçonaria mista deveu nascer à força
dessa época de ignorância absoluta do significado do cerimonial
maçônico, que os maçons mais clarividentes consideram apenas
sobrevivência de um passado formalista e ignorante.

Em nossos tempos, aprecia-se melhor o simbolismo


profundo dos pensadores, e compreendemos quão absurdo é propor
à mulher um programa iniciático cuja tendência seja o
desenvolvimento da masculinidade. Se a mulher tiver de ser iniciada,
deve sê-lo nos mistérios da feminilidade.

Mas surge aqui uma dificuldade considerável. Quais são


esses mistérios? E onde estão formulados? Como descobri-los? Até
agora ninguém respondeu a essas perguntas, nem temos
precedentes em matéria de iniciação feminina. É preciso buscar o
caminho, na ausência de toda indicação que nos poderia
subministrar alguma tentativa anterior. No mais, podemos recordar

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57 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

os erros cometidos, procurando evitá-los no futuro. Ter-se-á de


proceder com cálculo, sem pretender que, repentinamente, surja a
iniciação feminina, como saiu Minerva da cabeça de Júpiter.

De qualquer maneira, podemos vislumbrar alguns princípios


fundamentais:

1. O propósito da mulher deve ser influir mais eficazmente sobre


a humanidade em conjunto, sobre a marcha do progresso,
esforçando-se particularmente para infundir nas almas o
espírito da verdadeira civilização.
2. Deve tornar-se consciente de seus meios de ação particulares
(Mistérios da Iniciação Feminina).
3. As mulheres devem adestrar-se na influência coletiva, tendo
por objetivo um trabalho de ordem superior, sem limitar-se à
influência individual que há tempos vêm exercendo.
4. Às mulheres corresponde buscar o modo de associação e
cooperação mais adequado à sua maneira de ser.
5. É conveniente, mesmo assim, que tenham seus próprios
segredos, segredos que confiarão apenas aos homens que
julgarem dignos de conhecê-los.

O problema interessa a todos os nossos leitores, tanto


homens quanto mulheres. Que todos trabalhem para encontrar a
solução. De sua parte, o “Simbolismo” pede a todos sua fraternal
colaboração.

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58 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

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A Inacessível Amante
Discorrer sobre o mistério das coisas é perder tempo. Mais vale calar e
buscar as certezas apenas no campo da ação. Nada podemos saber do que
convém crer com relação aos enigmas que atormentam aos humanos, mas
cada um de nós pode adivinhar sem esforço excessivo aquilo que a Vida
exige e, assim, uma verdade se nos revela proporcional à norma: é uma
verdade de ordem moral que emana das próprias leis da Vida.

Um jovem teosofista, — por certo bom conhecedor de


metafísica, — houve por bem submeter à minha apreciação algumas
páginas, fruto de seus estudos no Campo de Châlons onde esteve
mobilizado em 1920. Intitula sua dissertação: Por que o homem
busca a Verdade e como pode encontrá-la. Começa assim: O
homem quer saber, quer conhecer. Por quê? Porque é. Porque, em
sendo, o é em conseqüência de sua função de Ser. O Ser é
Verdade e, portanto, é assim mesmo Verdade em sua essência e,
por este fato apenas, sua norma é aspirar à Verdade.

O autor pensa haver estabelecido de tal sorte a identidade


entre o homem e a Verdade que ele deseja, como também a
possibilidade de alcançá-la, posto que tal é sua norma.
Considerando logo que procedemos da Verdade, o jovem dialético
não vacila em dizer-nos o que somos em realidade.

Posto que deseje conhecer minhas observações de velho


simbolista, permitir-me-á a resposta na linguagem que costumo usar.
Eu perdi, com efeito, o costume de raciocinar sobre abstrações e
desconfio dos argumentos edificados sobre palavras.

Certo dia, conversando a respeito de questões religiosas e


mitológicas com um sacerdote de muita erudição, disse-lhe com
humor: Enfim, no domínio do desconhecido, os poetas são os que
mais acertam. Seguramente, — respondeu o padre, — são os que
menos se enganam, mas, infelizmente, os teólogos são os que
menos acertam.

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59 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

Compreendi então que a culpa é dos crentes, quando


exigem precisões de todo impossíveis sobre o objeto de suas
preocupações. Alguns conceitos permanecerão sempre longínquos,
vãos e indeterminados para nosso entendimento. Se tentarmos
examiná-los ao microscópio, a fim de precisá-los, chegaremos tão-
só a falseá-los, e pode-se muito bem dizer que a teologia toda é uma
empresa quimérica para demonstrar o indemonstrável. O campo do
raciocínio é muito limitado. É este pequeno círculo compreendido
entre as pontas de nosso compasso intelectual. Na totalidade dessa
área, nossa visão é exata, e nossas deduções, lógicas. Mas não
vamos nós raciocinar além de nossa razão, que deve reconhecer
sua impotência quando se trata do infinito. O que não tem princípio
nem fim, nem lugar determinado, nem duração no tempo, nem
qualidade de nenhuma espécie fica fora do domínio da razão, e,
neste ponto, podemos unicamente calar. Devemos honrar, como
nosso silêncio, o que se impõe a nós e permanece velado à nossa
compreensão. O primeiro ato do candidato a franquear o umbral do
templo da iluminação deve ser o de inclinar-se humildemente diante
do insondável mistério que nos rodeia.

Essa lição ritualística nos convida racionalmente a limitar


nossas visões especulativas. O homem quer saber, e esta
curiosidade que o leva a instruir-se é muito saudável. Mas, limitado
como é, — tanto em seus meios de constatação quanto em seu
potencial intelectual, — será bom que também pergunte a si mesmo
o que realmente precisa saber e busque apenas o que poderá ver
claramente com sua inteligência.

Sejamos positivos ao abordar o grande Mistério da Vida.


Será que, verdadeiramente, precisamos conhecer a fonte de onde
emana, como também a meta final rumo à qual nos dirigimos?
Aceitemos a vida tal como ela se apresenta, satisfeitos em constatar
que ela nos impõe uma tarefa. Não é acaso o principal trabalho de
nossa inteligência tornar-nos plenamente conscientes desta tarefa?

Obreiros da Vida, esforcemo-nos por compreender o que a


Vida espera de nós, e procuremos instruir-nos, para poder realizá-lo
com perfeição. Graças a essa orientação, seguiremos o caminho
reto, sem ceder aos desvios de uma vã curiosidade. O sábio jamais
se vangloria de poder responder a tudo; sabe demasiado que seu
saber é muito pouco comparado à sua ignorância. Sua luz abarca
apenas um espaço reduzido, mas é suficiente para que possa
realizar com brilho o seu trabalho, não possuindo maior ambição.

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60 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

Há uma verdade que o homem pode buscar e alcançar. É


unicamente esta verdade, cuja missão é orientá-lo no caminho da
Vida. É a Verdadeira Luz simbolizada pela estrela flamígera. A
verdade que homem alcança em virtude de sua norma, ele não pode
deixar de relacioná-la ao esquadro (em latim, norma). Unido ao
compasso, esse instrumento decora o avental do Mestre Maçom,
livre já de toda ilusão depois de sua estadia na Câmara do Meio. Em
seu modo de ver, o campo de seu saber é o estreito domínio da
relatividade, o ínfimo espaço que sua razão pode iluminar. Discorrer
sobre o mistério das coisas é perder tempo. Mais vale calar e buscar
as certezas apenas no campo da ação. Nada podemos saber do que
convém crer com relação aos enigmas que atormentam aos
humanos, mas cada um de nós pode adivinhar sem esforço
excessivo aquilo que a Vida exige e, assim, uma verdade se nos
revela proporcional à norma: é uma verdade de ordem moral que
emana das próprias leis da Vida.

Essa verdade nos obriga, em primeiro lugar, a ganhar a Vida


no mais alto sentido desta expressão corrente. A cada dia,
contraímos obrigações para com a Vida, e devemos nos esforçar em
cumpri-las honradamente, inspirando-nos nessa rigorosa equidade
cujo emblema é o esquadro maçônico. Devemos estar conscientes
de nossos deveres para com nossos semelhantes, companheiros de
nossa vida. Seus direitos e seus deveres são idênticos aos nossos,
e nossa atitude para com eles vem ditada, sem vacilações, pelo
esquadro, norma determinante de toda forma de vida normal.

Portanto, nós duvidaremos das afirmações arriscadas dos


espíritos temerários sobre as coisas impossíveis de serem
positivamente controladas. Em troca, na vida prática, podemos
trabalhar com absoluta certeza: aqui, a norma (esquadro) dita-nos a
conduta a seguir com impecável precisão. Se soubermos nos
conduzir na vida com absoluta segurança, que mais poderemos
desejar? Tudo mais poderá muito bem resultar pura vaidade e nada
mais. Limitemos o domínio de nossas investigações, partindo
daquilo que podemos comprovar objetivamente, sem pedir ao
raciocínio mais do que ele pode dar de si. A razão humana
equivoca-se ao querer escalar o céu. É firme apenas no plano
terreno, e ainda aí amiúde tropeça.

O simbolismo filosófico nos ensina a não nos pagarmos com


palavras, e o valor que concede às nossas concepções é muito
relativo. Em seu modo de ver, não são mais que as imagens
imperfeitas do quanto aspiramos a nos representar.

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61 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

A Verdade nos atrai. Perseguimo-la sem trégua, mas, para o


simbolista, a Verdade não é uma palavra suscetível de entrar numa
equação silogística. É uma virgem que foge eternamente, atraindo
com irresistível poder o pensador enamorado da inacessível deusa.

Assim o cantam os poetas. E, ainda que seja verdade que


mesmo os filósofos não chegam tampouco a estreitar a Verdade em
seus braços, quando menos lhes fica o júbilo de recolherem, às
vezes, o comovente sorriso da eterna fugitiva.

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62 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

17
Masculinidade e Feminilidade
A masculinidade e a feminilidade mentais combinam-se em doses muito
variáveis nos indivíduos de ambos os sexos. Muito poucas são as mulheres
cujo cérebro é estritamente feminino e também, felizmente, os homens estão
bem distantes de pensar unicamente segundo a tendência de seu sexo. A
intelectualidade mais equilibrada será desde logo a que participará, em
proporções harmoniosas, do raciocínio masculino e da intuição feminina.

Dona Gina Lombroso, — filha e colaboradora do célebre


antropólogo, — remeteu-nos um estudo sobre Alma da Mulher que
ajuda a compreender a lei do binário a que aludem as duas colunas
Jakin e Boaz, erguidas à esquerda e à direita do Templo de
Salomão.

Os Franco-Maçons atribuem suma importância a essa


dualidade, imagem dos extremos abstratos ou subjetivos entre os
quais se desenvolve a realidade concreta ou objetiva. Os Maçons
que penetraram o significado dos mistérios dividem o que é uno,
para poderem discernir e comprovar. Mas estas distinções
indispensáveis a nossa função mental não devem ser causa de
ilusões. As abstrações, filhas de nossa mente, marcam os limites do
real do mesmo modo que as colunas de Hércules pretendiam marcar
os limites do mundo conhecido. Quando falamos de ativo, de
passivo, de espírito e de matéria, de bem e de mal, devemos ter
muito cuidado em não objetivar nossos conceitos mais além da
realidade. Tudo quanto existe é necessariamente mediano e misto,
ao mesmo tempo ativo e passivo, espírito e matéria, bem e mal.

À luz desses princípios tão familiares aos iniciados podemos


aplicar as distinções teóricas de Dona Gina Lombroso no terreno da
sã aplicação prática. Quando nos representamos as características
da masculinidade por um lado e da feminilidade de outro, é bom
lembrar que não os encontramos realizados em nenhum ser
humano. Podemos conceber a humanidade como situada entre dois
pólos inacessíveis: a masculinidade pura e a feminilidade. Esta
polarização masculina e feminina repercute nos indivíduos, e vemos,
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63 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

segundo o caso, predominar uma ou outra, ficando bem entendido


que a maior masculinidade realizada leva consigo sempre algo da
feminilidade, do mesmo modo que a feminilidade resta também
modificada por certas influências femininas. Tanto homens quanto
mulheres, trazemos todos um atavismo masculino e feminino ao
mesmo tempo, de modo que, do ponto de vista psíquico, somos
andróginos na realidade, com predomínio masculino ou feminino.

Não fosse assim, a vida seria impossível. Os exageros da


masculinidade ou da feminilidade tornariam de todo impossível a
harmonia, a boa inteligência e a fusão entre os seres. Insensível e
brutal, o homem tiranizaria a mulher sem visar a que ela
conseguisse feminizá-lo. Tal “feminização” é, de outra parte, fatal em
virtude daquilo que os ocultistas chamam de choque de retorno. O
hipnotizador que se ufana de seu poder, pretendendo que o
hipnotizado é sua coisa, não se dá conta de que, por sua vez,
passou em parte ao poder de seu instrumento passivo.

A toda influência colocada em jogo corresponde uma contra-


influência, e esta constatação entra em cheio nas aplicações da
lei do binário iniciático. Em virtude de sua submissão e doçura, a
mulher obtém predomínio sobre o homem e impõe-lhe a
civilização. Feiticeira por instinto, soube adivinhar que sua força
se baseia precisamente em sua resignação à dor como ao
sacrifício, e, como nada se perde, o triunfo da mulher fica
assegurado no domínio espiritual, graças às virtudes operativas
da feminilidade. Acaso não se diz que seu pé esmagaria algum
dia a cabeça da serpente, ou seja, o egoísmo do macho?

*
* *

Não é esta precisamente a tese de Dona Gina Lombroso.


Ela estabelece uma comparação entre o homem, egocêntrico, e a
mulher, alocêntrica. O significado dessas palavras dá-nos a entender
que a mulher busca como centro de seus desejos e de sua ambição,
não sua própria pessoa, senão outra distinta que ama ou de quem
deseja o amor: marido, filhos, pais, amigos.

O homem, ao contrário, faz de si mesmo, de seus


interesses, de seus prazeres, de suas ocupações, o centro do
mundo onde vive. Esse duplo ponto de partida da masculinidade e
da feminilidade reflete-se nos indivíduos de um ou outro sexo, e daí

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64 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

convém, na prática, impor a certos temperamentos a distinção,


teoricamente muito acertada, de Dona Gina Lombroso.

No homem predomina o ardor sulforoso dos alquimistas. É


um centro de ação autônomo, cuja organização responde
perfeitamente à conquista do mundo exterior. Dominado pelo que lhe
apetece, pelo que considera desejável, lança-se à realização de
suas aspirações sem considerações de espécie alguma para com
ele mesmo ou para com os demais. Tanto a debilidade quanto a
sensibilidade inspiram-lhe tão-só desprezo, por ser rude por
natureza, grosseiro e, até certo ponto, selvagem.

Felizmente, o homem é sociável e sente a necessidade de


unir seus esforços aos de seus semelhantes, o que explica suas
tendências à disciplina, a inclinação que sente para com os grupos e
as coletividades organizadas.

Acrescente-se que o homem raciocina e dá margem à


argumentação; interessam-lhe as abstrações; facilmente chega a
considerá-las como reais, de tal modo que, muito amiúde, é joguete
de suas concepções quiméricas.

E a mulher? Em lugar de trabalhar por impulso próprio, suas


determinações são quase sempre conseqüência das influências
externas, e sua tônica é receber tudo o que vem do exterior. Sua
natureza atrai o influxo penetrante do mercúrio dos hermetistas. Os
materiais que vai acumulando não procedem de seu foro íntimo.
São, como se diz, emprestados. Daí o altruísmo feminino
diametralmente oposto ao egoísmo masculino. Este último procede
da convicção de pertencer-se a si mesmo, sentimento que a mulher
rejeita por natureza. Ela quer entregar-se, e é feliz quando o homem
a possui.

Mas aqui intervém a lei do binário, em virtude da qual


ninguém pode dar sem receber na medida estritamente equivalente,
nem receber sem vir a ser obrigado à restituição de uma forma ou
outra. A mulher, ao abandonar-se com abnegação, atrai, portanto,
de um modo irresistível. A atração pode muito bem não ser imediata
e corre o risco de não produzir os efeitos sonhados pela interessada,
mas nada se perde na esfera dos sentimentos, como no domínio
material. Isso nos explica a influência inegável da mulher em todas
as épocas.

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65 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

Feita a mulher, não para exercer o mando nem para


conquistar a terra, senão que para fundar um lar e reproduzir a
espécie, suas preocupações são opostas às do homem. Esforça-se
em ser agradável, em cativar pela doçura, buscando, ao final, o
amor dos outros, a fim de poder amar. A maternidade é o eixo
normal de sua existência; por instinto, rodeia o homem de seduções,
a fim de atraí-lo e de conseguir a família indispensável à sua ternura.

Em razão de sua função de mãe, a mulher limita seu carinho


ao estreito círculo dos seus. Não é sociável em tão alto grau como o
homem. O sentimento de franco companheirismo, tão natural entre
os varões, não se enquadra bem com a sensibilidade feminina.

Menos sensitivo, o homem é de temperamento pacífico e


suporta com indulgência os pequenos defeitos de seus
companheiros de luta e de trabalho. Sente a fraternidade e compraz-
se em desempenhar seu papel de parceiro neste concerto de mútua
admiração que caracteriza os agrupamentos masculinos. Não
acontece o mesmo com a mulher. Temendo em todas uma rival,
guarda uma atitude defensiva para com as pessoas de seu sexo e
observa-as sem grande benevolência, pronta e recolher a ainda a
ampliar a menor impressão desagradável. Nisso não faz mais que
obedecer aos impulsos de uma organização mais refinada. Sentindo
e adivinhando muitas coisas que não afetam a sensibilidade mais
grosseira do homem, alarma-se também com mais facilidade. Pouco
disposta a seguir ponto por ponto as demonstrações lógicas, não lhe
venham com a elaboração lenta e metódica do pensamento. Este
lhe chega à mente como que formado de antemão. O cérebro
feminino funciona de maneira inversa ao masculino. Isso não supõe
inferioridade intelectual para uns nem outros, e a intelectualidade
feminina produz resultados tão dignos de admiração como os mais
notáveis que têm por causa a intelectualidade masculina.

A masculinidade e a feminilidade mentais combinam-se em


doses muito variáveis nos indivíduos de ambos os sexos. Muito
poucas são as mulheres cujo cérebro é estritamente feminino, e
também, felizmente, os homens estão bem distantes de pensar
unicamente segundo a tendência de seu sexo. A intelectualidade
mais equilibrada será, desde logo, a que participará, em proporções
harmoniosas, do raciocínio masculino e da intuição feminina. Sem
embargo, as especializações, até as mais exageradas, têm sua
utilidade, quando se completam e produzem a afinidade entre os
contrários, fonte eterna de fusão em todos os domínios entre a
masculinidade e a feminilidade.

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66 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

*
* *

Por hora, nada mais resta senão tirar do antecedente lições


relativas à iniciação feminina.

A alma da mulher nos ajudará a resolver esse problema.

Depois de ler o livro, parece prudente renunciar ao sonho de


uma Maçonaria feminina, com seus segredos próprios e
completamente desinteressada da cooperação masculina.

O homem pode prescindir da mulher para as empresas


próprias de seu sexo. Não quer admiti-la em um lugar que, a seu
juízo, não lhe corresponde, e nisto tem razão. A mulher, ao contrário,
não quer prescindir do homem, posto que vive apenas para ele. As
mulheres não se sentem atraídas umas pelas outras e não aspiram
reunir-se, à vista de exercerem sobre o mundo, em conjunto, uma
influência coletiva transformadora. Compreendem perfeitamente que
sua esfera de ação deve limitar-se aos seres humanos que têm ao
seu redor. Elas têm o poder de formar a alma desses seres.
Feiticeiras inconscientes, vão trabalhando as almas e operam
invisíveis metamorfoses de inegável realidade. De um bruto fazem
um civilizado, de um guerreiro sanguinário, um herói animado dos
mais nobres sentimentos cavalheirescos. A ação da mulher
manifesta-se no mundo através do homem. Para ela, o homem é
tudo. Sobre ele concentra todas as suas potencialidades e, se o
homem é grande, deve-o à mulher.

Então: o que podemos fazer para a mulher como Iniciados?


Ensinar-lhe o que sabemos e depois deixá-la trabalhar, seguindo os
ditames de sua natureza. No passado, ela soube encontrar o
caminho para chegar ao coração do homem e, sob sua influência, o
homem amoldou sua conduta ao ideal feminino. A mulher de hoje
em dia vale tanto quanto suas irmãs de antanho e, seguramente,
seremos seus devedores nessa regeneração que desejam os povos
enfastiados de masculinidade exagerada.

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67 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

18
A Sabedoria Iniciática
O candidato à Sabedoria começará por renunciar com propósito deliberado
a toda curiosidade indiscreta. Pedirá luz, na medida necessária aos seus
trabalhos. Se aplicar esta regra com discernimento, não correrá o perigo de
perder-se nessa enorme confusão das especulações ocas e sem
fundamento nas quais permanecem absortos muitos espíritos incapazes de
resistir a essa fascinação. A vida é curta, demasiado curta, se refletirmos
quão longa e difícil é a arte de viver. Saibamos, pois, nos limitar com
prudência, e não vamos ambicionar ao que está fora de nosso alcance.

O edifício espiritual da Franco-Maçonaria descansa sobre


três colunas simbólicas chamadas Sabedoria, Força e Beleza.

A tradição ensina-nos que a Sabedoria concebe o que se há


de construir. Ordena o caos dos projetos confusos e representa-se
com clareza a obra, tal como deve ser realizada. Sua missão é criar
em espírito e determinar as formas materiais destinadas à realização
objetiva.

Uma vez terminado esse modelo invisível, vem a Força e


executa. É a fiel servidora da idéia que manda e dirige. Nada se
constrói cegamente. As energias ativas aplicam-se à obra concebida
e já realizada no plano mental. Se assim não fosse, o obreiro agitar-
se-ia inutilmente, seus esforços resultariam estéreis e, ainda que
acreditasse construir, ficaria exposto tão-só a acumular montanhas
informes de materiais mal desbastados e mal ajustados. Para
construir utilmente, é de todo indispensável que a Força obedeça
docilmente às instruções da Sabedoria.

Não basta tampouco que seja bem coordenada, sólida e


prática; deve ainda resultar agradável, e há de receber remate de
Beleza encarregada de adorná-la. O belo resulta sagrado, e
ninguém se atreve a atacá-lo sem se reconhecer culpado de um
sacrilégio.

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68 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

Por isso os antigos maçons “operativos” foram muito bem


inspirados na eleição dos termos de sua trindade construtora:
Sabedoria, Força e Beleza. Simbolizava-a o triângulo eqüilátero,
figura geométrica distinta do Nível, instrumento que afeta formas
variadas que muito bem podem nada ter de triangular. Ademais, é o
emblema do segundo oficial da Loja que toma assento na coluna J.’.,
representativa da Força, enquanto o terceiro oficial, adornado do
Prumo, tem seu lugar ao lado da Coluna B.’., que simboliza a
Beleza. A Sabedoria é atributo do Venerável Mestre da Loja à qual
preside do Oriente, de frente para as duas colunas erguidas à
esquerda e à direita da entrada do templo.

Essa disposição coloca a Sabedoria no próprio centro da


região de onde emana a luz. Recebe esta luz do Sol (Razão) e da
Lua (Imaginação), e entre ambos ergue-se o trono do Rei Salomão
no qual toma assento o Venerável Mestre da Loja. Se este oficial
ostenta o Esquadro, cuja forma é a da letra Guimel, terceira do
alfabeto primitivo, é em razão de os lados desse instrumento
marcarem a conciliação entre a horizontal e a vertical, entre o Nível
e o Prumo. O representante da Sabedoria deve levar em conta as
oposições entre J.’. e B.’., entre o Sol e a Lua. Seu dever é
raciocinar com implacável rigor, sem rechaçar o que podem sugerir
as crenças consideradas como percepções da alma. A Razão,
iluminada no mais alto sentido da palavra, o conduz de tal sorte à Fé
dos Sábios ou à pura Gnose dos Iniciados.

O caráter mais notável dessa Sabedoria é a humildade.


Quem é chamado a dirigir os demais em seus trabalhos não pode
figurar-se saber tudo nem pensar que se tornou conhecedor dos
mistérios em virtude de um processo sobrenatural e pelo simples
fato de sua qualidade de instrutor. As provas que deve ter sofrido
desvaneceram nele toda ilusão. Compreende a insensatez do
esforço humano aplicado unicamente a edificar uma torre intelectual
com o fim de unir o céu e a terra, e não pode consentir em ser o
arquiteto de semelhante edifício. Quer trabalhar no plano deste
mundo, tomando por ponto de partida o pouco que podemos
conhecer com certeza e evidência. Tira apenas conclusões
prudentes que são tachadas de timoratas pelos que ambicionam as
sínteses arriscadas que visam a dar respostas a todas as perguntas.
O verdadeiro sábio não pode fazer mais que responder: “Não sei
mais”. Quando o filósofo, entusiasmado com seu sistema, engalana-
se com suas sutis explicações, o Iniciado, em vez de aturdir com sua

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69 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

charla sedutora, medita e convida os demais a fazerem como ele


mesmo.

Em vez de falar sem consideração, está sempre disposto a


escutar, e, quando escuta, procura compreender e discernir o que
existe de verdadeiro em meio ao que traz a linguagem humana, à
maneira das pepitas de ouro perdidas no limo de um rio. Este ouro
disperso é o tesouro da Sabedoria oculta das nações e corresponde
ao corpo de Osíris, cujos membros espalhados são recolhidos por
Ísis. Os Maçons reconhecem nele o cadáver de Hiram, que devem
descobrir e animar outra vez.

Mas a que pode aludir esse misterioso organismo


despedaçado senão à soma do saber humano difundido através das
gerações de todas as épocas e de todos os lugares onde o homem
tem trabalhado? A Sabedoria humana não pode ser privilégio de um
indivíduo, de uma raça ou de algum século. Ela pertence a todos os
povos, desde os mais primitivos até os que fazem alarde, não
certamente sem presunção, de uma cultura muitas vezes demasiado
estreita, em razão do desprezo na qual têm as noções do passado.
Por mais que, na atualidade, não tenham circulação, as verdades
esquecidas, desfiguradas ou desconhecidas não deixam de
conservar íntegro o seu valor. A obra intelectual da Iniciação
consiste justamente em discerni-las e a dar a conhecer este valor.

Assim, a Sabedoria do Iniciado limita-se, sem dúvida com


muito acerto, ao domínio humano. Não pretende resolver todos os
enigmas; ao contrário, ensina a saber ignorar humildemente muitas
coisas; sobretudo, ao que se refere ao outro mundo, permanece
muda e não emite qualquer fala a respeito das hipóteses que se
podem emitir. Sua preocupação é a herança espiritual do passado, e
deseja recolhê-la. Os homens podem enganar-se individualmente e
ainda de modo relativo; enquanto trabalham de boa-fé, jamais
podem cair no erro absoluto, e sempre existe em suas concepções
algo verdadeiro. Não é justo atribuir ao espírito humano que sugere
todas as meditações o primeiro posto entre os pensadores? Não é
acaso o Grande Instrutor em cuja escola aprenderam todos os
verdadeiros sábios?

Estes últimos, com efeito, têm se beneficiado da revelação


constante e natural que inspirou os pensadores de todas as raças,
desde o primeiro momento em que existiu uma humanidade
pensante. Por genial que possa ser um pensador, jamais pôde criar
ex nihilo o que acudiu à sua mente. Em matéria intelectual, quiçá

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70 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

mais do que em qualquer outro aspecto, nada se cria e nada se


perde. Produz-se apenas uma nova manifestação do que preexistia
oculto e voltará a subsistir em seu primitivo estado, quando
abandonar o cenário do teatro das aparências.

O pensamento elevado é o patrimônio comum de todos os


que meditam, de tal sorte que pensar é esforçar-se instintivamente
para entrar em comunhão com os mestres, — tanto atuais quanto
desaparecidos, — da arte do pensamento. É impossível refletir com
perseverança sem entrar, por esse mero fato, em cadeia com uma
misteriosa tradição. O passado, então, pensa conosco, e Hiram
ressuscita.

Se não fosse assim, como seria possível prosseguir na


Magna Obra do Progresso humano, portando-nos como dignos
sucessores daqueles que pensaram, sofreram, e trabalharam antes
de nós? É indispensável que o passado renasça, que seja venerado,
compreendido e aprofundado, para que o Templo do porvir possa
ser construído de acordo com sua finalidade.

Por conseguinte, o Iniciado não deve se limitar a recolher


com benevolência as opiniões divergentes que se expressam ao seu
redor; sabe também escutar outras vozes que não podem ouvir as
multidões desorientadas. As próprias coisas lhe falam, e mostra-se
sensível à muda eloqüência dos monumentos e restos arqueológicos
do passado, sobretudo, aquela das tumbas.

Nada morreu de tudo aquilo que um dia teve vida. As


épocas longínquas e as civilizações desaparecidas deixaram suas
pegadas, e pode percebê-las aquele que possui o poder das
evocações meditativas. Existe uma magia inegável que dá vida outra
vez aos conhecimentos que parecem mortos e permite-nos
encontrar outra vez a Palavra Perdida.

Mas que ninguém pense que vamos receber a Palavra por


milagre! A realidade não surgirá em virtude das cerimônias postas
em prática, por significativas que possam ser; o símbolo é apenas
promessa, programa que deve ser posto em execução. Não é
realização nem prodígio realizado. Se fosse suficiente ser erguido
ritualisticamente para que Hiram ressuscitasse em nós, a Sabedoria
iniciática poderia ser adquirida com relativa facilidade.

Sem embargo, podemos adquiri-la, sem que seja


indispensável nos elevarmos de modo transcendental além do nível

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71 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

mediano de uma humanidade bem ponderada e verdadeiramente


honrada.

O candidato à Sabedoria começará por renunciar com


propósito deliberado a toda curiosidade indiscreta. Pedirá luz, na
medida necessária aos seus trabalhos. Se aplicar esta regra com
discernimento, não correrá o perigo de perder-se nessa enorme
confusão das especulações ocas e sem fundamento nas quais
permanecem absortos muitos espíritos incapazes de resistir a essa
fascinação. A vida é curta, demasiado curta, se refletirmos quão
longa e difícil é a arte de viver. Saibamos, pois, nos limitar com
prudência, e não vamos ambicionar ao que está fora de nosso
alcance.

A verdade que podemos abarcar é a que cabe entre as


pernas de nosso compasso. Permanecendo em nossa esfera,
procuremos, neste domínio reduzido, ver claramente e obrar como
sábios. O que importa são nossos atos, e não as teorias nas quais
podemos nos comprazer. Tenhamos o propósito de trabalhar bem, e
a Verdadeira Luz nos será dada, na medida necessária para
podermos trabalhar utilmente. Como é de todo impossível saber
tudo, saibamos nos contentar com pouco, mas aprofundemos e
aprendamos bem.

O sábio, quando é modesto, longe de aspirar à onisciência,


aprende a ignorar o que muitos pretendem saber. Aplica sua
inteligência na execução da tarefa que lhe incumbe na Magna Obra.
Pouco importa que seu alcance seja muito reduzido, contanto que
saiba responder ao que dele se espera. Cada um de nós abarca
apenas uma ínfima porção do imenso plano de conjunto do Grande
Arquiteto do Universo. Trabalhar de acordo com as instruções
recebidas é suficiente. E não pode existir Sabedoria alguma que
supere a que nos inspira o cumprimento de nosso destino.

Tenhamos o fervoroso desejo de cumprir fielmente o


encargo de nossa função vital e busquemos ver claro, pois isso é
indispensável à nossa finalidade. Podemos ter a segurança de
encontrar esta luz, a verdadeira, a que inspirará nossos atos sem
temos de que nos enganemos, graças à veracidade de nosso
sacrifício em razão do bem de todos.

Sábio é o aquele que quer o que a Sabedoria nos aconselha


ao dizer: “Paz na terra aos homens de boa vontade”, fórmula legada
pela alta sabedoria iniciática. Queira Deus que saibam compreender

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bem todo o seu alcance os Construtores chamados a construir o que


quer ser edificado, em nós como fora de nós.

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73 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

19
A Força Realizadora
...uma mulher graciosa que, sorridente, domina um leão furioso e mantém
abertas suas mandíbulas. É a personificação da Força Suprema tal como foi
concebida na Idade Média. Pois bem: a mulher que tranqüila e pacificamente
domina é a Alma, enquanto o animal que ruge representa a veemência das
paixões, a impetuosidade dos instintos, o furor dos apetites, todas estas
energias saudáveis, desde que não ultrapassem certos limites. Dessa sorte,
não se trata de matar o leão, seguindo o exemplo de Hércules, herói não
completamente iniciado. Seu antecessor, o caldeu Gilgamés, demonstrou
ser mais sábio: apoderou-se da fera e estreitou-a bem viva contra o seu
coração, de modo que o sábio nada destrói, preferindo assimilar-se às
energias que se vê obrigado a combater.

Os termos da unidade-trina construtiva, — Sabedoria, Força


e Beleza, — seguem unidos indissoluvelmente. Por mais sábias que
fossem as concepções, elas ficariam inúteis, se a Força não se
empregasse às ordens da Sabedoria para realizá-las. Sem a Beleza,
que as torna agradáveis, tais obras não mereceriam ser duradouras,
posto que executadas de maneira tosca.

Subordinada à Sabedoria, a Força obedece docilmente e


consegue, ao mesmo tempo, comprazer a Beleza da qual está
enamorada. Se é assim, o trabalho far-se-á segundo as regras da
Arte e honrará por igual Obreiro e Arquiteto.

Mas qual é a força da qual falamos aqui? Será que vamos


assimilá-la àquela dos músculos colocados a serviço do cérebro?
Resultaria, em tal caso, muito difícil explicar então a influência da
Beleza. Não devemos, portanto, nos limitar à analogia fisiológica.
Por Força os Iniciados entendem tudo quanto é ativo e realizador,
tudo quanto produz efeito, da mesma maneira que chamam
Sabedoria ao que concebe a forma ou que a cria no mundo das
idéias. À Beleza, eles atribuem esse encanto inspirador do
sentimento e concebem-na como mãe do Amor que deve reger o
mundo. É reconhecer definitivamente, no homem, — o microcosmo,
reflexo do universo (macrocosmo) — três fatores que podemos
muito bem chamar de Inteligência, Energia e Afeto.

A distinção profana entre Força e Matéria não pode


satisfazer ao Obreiro que, ao refletir, nega-se a separar, no mundo

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74 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

concreto, o agente pelo qual se dá conta de que ele próprio é o


objetivo de seu trabalho e constitui a pedra que há de ser
desbastada e trabalhada. Examinados separadamente, os termos
Força e Matéria são apenas meras abstrações, quimeras de um
materialista superficial, sem profundidade alguma de pensamento.
Na realidade, a matéria é um efeito da Força, prova é que, ao cessar
a Força de agir, a matéria, que deveria ser indestrutível, desvanece-
se para voltar ao nada. A Força é, portanto, criadora do que
chamamos matéria, e não devemos perder de vista esta noção, se
quisermos compreender bem todo o alcance da palavra Força
associada à Sabedoria e à Beleza.

Tudo quanto existe é energia, mas esta energia pode se


hierarquizar segundo suas aplicações, segundo seu objetivo seja
mais ou menos reduzido. No átomo mineral, tudo se reduz à
conservação do equilíbrio dinâmico constitutivo. Temos aí a estrita
autonomia na estreiteza de um torvelinho ínfimo segregado do
funcionamento geral do Universo. A força atômica trabalha de tal
sorte mecanicamente, sem que com isso se preocupe a Sabedoria
nem se interesse a Beleza. Essa independência desaparece na
célula orgânica incorporada a um conjunto do qual não pode se
separar sem perecer. Já não existe por si nem para si. Aqui intervém
a Sabedoria, para construir e conservar o organismo, como também
a Beleza, para a qual tende todo organismo.

Ademais, as energias, tanto vegetais quanto animais, ficam


passivamente subordinadas à Sabedoria e à Beleza que regem cada
espécie em particular4. — Os peles-vermelhas atribuem a cada
espécie um manitó particular, sob cuja influência se desenvolve e se
dirige a vida. O êxito da caça depende do manitó da espécie, e o
caçador deve saber atrair os seus favores. — Todo indivíduo se
desenvolve segundo a lei à qual fica submetido com a fatalidade de
um autômato. Não pode desobedecer esta lei, como faz o ser,
quando, consciente de si mesmo, determina cada vez mais seu
modo de trabalhar, à medida que se eleva acima da animalidade.

Quando essa evolução chegar a um nível suficiente, o


homem tem o direito de dizer que nasceu livre e de pretender a
Iniciação. Esta última o ensina a conquistar plenamente sua
hominalidade, ou seja, o estado de discernimento que permite ao

4
Os peles-vermelhas atribuem a cada espécie animal um manitu particular, sob
cuja influência se desenvolve e dirige-se na vida. O êxito na caça depende do
manitu da espécie, e o caçador deve saber atrair seus favores.
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75 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

indivíduo empregar deliberadamente sua Força a serviço da


Sabedoria para realizar um ideal de Beleza.

*
* *

Aqui se nos apresenta o tradicional enigma da Esfinge que


convida o homem a resolver o mistério de sua própria natureza.
Individualidades humanas transitórias, de onde viemos? Para onde
vamos? E não poderia ser a humanidade em seu conjunto, através
de sua permanência, esta entidade tão misteriosa quanto real da
qual emanamos para nos individualizar, e para cujo seio temos de
voltar, uma vez terminada nossa tarefa material? Este pequeno
homem que nasce, agita-se e finalmente morre procede do grande
Homem invisível que perdura através de sucessivas gerações. A
teoria do Adão Imortal, parcialmente encarnado, nada tem de
absurdo, e impõe-se ao positivismo decidido a perseguir a realidade
mais além do que a que cai diretamente sob os sentidos.

Acostumemo-nos, pois, a nos reintegrar a essa Unidade


humanitária, procurando nos sentir solidários na imensa cadeia de
nossos semelhantes que abarca todos quantos sofreram como
homens no passado, trabalham conosco no presente, e lutarão,
depois de nós, no porvir, ansiosos por realizarem um mesmo ideal.
O ser humano, para conquistar verdadeiramente a hominalidade,
deve ter, senão consciência absoluta, quando menos, o sentimento
dessa santa solidariedade unitiva. É preciso vibrar sob essa
influência, para poder, em Maçonaria, passar da Perpendicular ao
Nível ou, em outros termos, do Grau de Aprendiz ao de
Companheiro.

Com efeito, o Aprendiz, — trabalhando a si mesmo,


desbastando a Pedra Bruta e esforçando-se para tomar
integralmente posse de si mesmo, — pratica o egoísmo da caridade
bem ordenada que começa por si mesmo. Este trabalho é apenas de
preparação do indivíduo à vista de torná-lo apto ao trabalho de
conjunto que espera pelos Companheiros. O Aprendiz não tem de
sair de sua própria esfera, onde desenvolve o que possui em seu
foro íntimo, suas faculdades, sua energia, seu valor e sua vontade.
Por isso recebe o seu salário ao lado da coluna ardente cujo nome
significa estabelece, funda. O Companheiro, em troca, vai recebê-lo
junto à coluna branca, cujo nome se traduz por nele a Força. Cabe,
portanto, ao iniciado do 2º Grau, conquistar uma potência que não
reside nele mesmo, a fim de participar, de tal sorte, da Magna Obra

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76 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

dos Franco-Maçons. O Aprendiz assimila-se à Sabedoria que deve


determinar sua conduta individual; o Companheiro conquista a Força
que caracteriza a ação coletiva; por fim, o Mestre torna-se sensível à
Beleza, objetivo supremo da Arte.

E qual é essa Força exterior a si mesmo que deve captar o


Companheiro com sua mão esquerda levantada, para concentrá-la
em seu coração, senão o fogo do céu que Prometeu foi roubar?
Trata-se de um dinamismo psíquico semelhante ao que representa a
eletricidade no domínio físico. Mas não se deve abusar da analogia
nem do símil mitológico. Não se deve temer que um Júpiter ciumento
nos castigue se formos buscar, nas alturas espirituais, as forças
necessárias à execução do plano segundo o qual se constrói o
mundo. Se nos preocupassem tão-só mesquinhas ambições, poder-
se-ia negar a nós esse direito, e nosso gesto de chamada ficaria
sem resposta. Enquanto o coração não se tornar atrativo, nada se
pode produzir. O Homem celeste responde ao homem terreno
somente na medida da receptividade deste último e todas as
purificações do Grau de Aprendiz, tendem precisamente a colocá-lo
nesse estado de receptividade. Assim que estivermos em estado de
receber, se nos será dado, e a força assim recebida nos consagrará
Companheiros.

Como tais, chegaremos a realizar com a maior naturalidade


verdadeiras maravilhas, sem pensar sequer em nos dar conta desse
processo. Parece que as coisas vêm por si mesmas e, sem
embargo, sem a nossa ajuda, muitos resultados deixariam de se
produzir. Tudo andaria muito pior no mundo, não fosse a energia
que empregam em querer bem os homens que, em seu coração,
rendem culto à Humanidade. Esta espécie de conspiração mental
chega a fazer fracassar, a frustrar inclusive, os mais terríveis
complôs da cobiça, das paixões egoístas, do mais cego fanatismo e
da ignorância sob todas as suas formas. Se todas as catástrofes não
chegam a ser evitadas é porque, infelizmente, se impõe como
terríveis lições completamente indispensáveis. Cultivando melhor a
sabedoria e procurando vibrar com veemente desejo do bem geral,
deixaremos de ser impotentes, pois poderemos dispor desta Força à
qual renderam homenagem os estampeiros do século XVIII que
desenharam o Tarô.

Sua décima primeira composição simbólica representa uma


mulher graciosa que, sorridente, domina um leão furioso e mantém
abertas suas mandíbulas. É a personificação da Força Suprema tal
como foi concebida na Idade Média. Pois bem: a mulher que

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77 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

tranqüila e pacificamente domina é a Alma, enquanto o animal que


ruge representa a veemência das paixões, a impetuosidade dos
instintos, o furor dos apetites, todas estas energias saudáveis, desde
que não ultrapassem certos limites. Dessa sorte, não se trata de
matar o leão, seguindo o exemplo de Hércules, herói não
completamente iniciado. Seu antecessor, o caldeu Gilgamés,
demonstrou ser mais sábio: apoderou-se da fera e estreitou-a bem
viva contra o seu coração, de modo que o sábio nada destrói,
preferindo assimilar-se às energias que se vê obrigado a combater.

Tudo vai entrelaçado, tudo procede de uma mesma fonte,


tudo é, portanto, sagrado. O mal é o resultado de nossos erros, mas
a Sabedoria tem a possibilidade de colocar outra vez as coisas em
seu lugar. O Aprendiz comete uma infinidade de equívocos, e o
Companheiro nem sempre sabe evitá-los; a Arte é dificílima, e não
se pode alcançar a perfeição logo numa primeira tentativa. Sem
embargo, o Mestre utiliza o trabalho de todos, e a obra prossegue
para aperfeiçoar-se indefinidamente.

É, de todo modo, indispensável que uma força


coordenadora se imponha sem violência, mas irresistivelmente e
como que por efeito de um encanto mágico. Assim sucede que todo
organismo permanece dominado por um poder misterioso que sabe
empregar, em benefício de todas, o egoísmo das células que
constituem o conjunto. Estas não têm consciência de sua função,
que desempenham automaticamente, como se obedecessem a uma
sugestão irresistível. A necessidade faz conceber a função, e uma
vez concebida esta ideoplásticamente, vem a criação do órgão
material. Nada pode se formar sem pré-vocação, ou seja, sem
vocação prévia. Tudo quanto existe responde a uma chamada em
vista de uma finalidade determinada. Segundo os caldeus, os
destinos dos seres ficam determinados antes que saiam do reino
das sombras pelo tribunal de Anounnaki, espíritos das águas
tenebrosas, cujas sentenças são ditadas na Câmara do Meio de
Aralu, prisão dos mortos.

Mas não basta que seja concebida uma função para que o
órgão indispensável ao seu cumprimento se produza ipso facto. A
Sabedoria que concebe restaria estéril sem a Força que executa.
Esta última realiza em ato o ideal até então em potência, para
empregar-se a costumeira fórmula dos Hermetistas. A Força
realizadora confunde-se também com o Poder criador, cujo exercício
está confiado aos Obreiros do Grande Arquiteto do Universo.

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78 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

O Iniciado deve, pois, considerar-se como um agente divino,


e não se acreditar limitado apenas aos recursos dinâmicos que pode
encontrar em si mesmo; seu próprio fogo interno não resulta
suficiente para levar a feliz termo sua tarefa desinteressada. Ao
despendê-lo generosamente, este ardor se esgota em evidente
prejuízo do indivíduo que enfraquece e chega a ponto de falecer,
quando, então, se sente reanimado por um calor externo que,
paulatinamente, invade todo seu ser e devolve-lhe íntegra sua
potência de ação. Alquimia e Maçonaria, ainda que utilizem símbolos
diferentes, concordam em matéria iniciática: as operações da Magna
Obra correspondem às provas do ritual maçônico.

Depois de sofrer a purificação pelo fogo, o Aprendiz


ascende a Companheiro. O fogo interno diabólico atravessou sua
prisão corporal, à qual abandona para unir-se ao fogo externo
celeste. Neste momento, produz-se, no coração do adepto, um vazio
atrativo; sua mão direita crispa-se sobre seu peito, enquanto a
esquerda dirige um chamado às energias que quer recuperar. O
gesto é eloqüente e equivale à prece mais ardente, que não deixará
de ser atendida, se a atitude for verdadeira e traduzir disposições
mentais adequadas e sinceras.

Infelizmente, nem todos os Companheiros sabem se


aproximar, em espírito e verdade, da Coluna B.’.. Existem maus
obreiros que matam o Mester Hiram; a Tradição, todavia, é
imperecível e nada pode se perder de tudo aquilo que é digno de
perdurar.

A obra, portanto, prossegue em meio às perturbações e às


angustiantes peripécias que chegam a desencorajar e a paralisar os
que a ela se consagram com toda a sua alma, porque estes valentes
se beneficiam da grande Cadeia de União dinâmica formada por
todos quantos, mortos ou vivos, vibram com fervoroso amor à
Humanidade.

Em resumo, a Iniciação ensina-nos a amar, não de uma


maneira egoísta, como acontece no mundo profano, senão que com
abnegação verdadeira e eficiente. Depuremos nossos sentimentos.
Amemos para amar, e não para sermos amados. Que nossa alma
transborde de generosidade, se aspiramos a nos consagrar à Magna
Obra. Para dela poder-se participar eficazmente, é indispensável
purificar nossa mente e fazer com que ela adquira a ductilidade, a
fim de bem aproveitar a corrente da Força realizadora.

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79 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

O bom Obreiro e perfeito Companheiro dispõe, para seu


trabalho, de uma energia que não é apenas a sua própria. Depois de
modificar sua natureza pelas purificações sofridas, pôde acercar-se
da Coluna cujo contato confere a Força.

Infelizmente, as iniciações cerimoniais não passam de ritos


externos, e não são mais que míseras afetações, quando nada lhes
corresponde internamente. Quanto tempo tardaremos em
compreender o valor dos símbolos e seu significado a respeito da
vida? Oxalá se vá gradualmente ampliando o reduzido círculo dos
verdadeiros Iniciados, para que a Força misteriosa, acumulada por
estes agentes de boa vontade, intervenha por fim nos assuntos da
humanidade, e encaminhe-nos rumo ao nosso ideal maçônico: o
Templo universal da paz e da harmonia.

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80 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

20
A Divina Beleza
Qual é a verdadeira religião? Não é acaso superior a do artista, que adora a
Beleza, àquela do pobre beato aterrorizado por algumas quimeras? Ninguém
pode duvidar da Beleza que em tudo se realiza e que todos podemos realizar
em nós mesmos. Não depende de nós, em absoluto, sermos felizes nesta
vida ou levar a cabo grandes empresas; todavia, o mais aflito dos humanos
pode viver com beleza e, se permanecer fiel ao culto do Belo, a morte não
poderá parecer-lhe mais que suprema apoteose. Tornamo-nos divinos, se
sabemos amar o belo a ponto de nos identificarmos com a Beleza.

Quem sugeriu aos Franco-Maçons a idéia das três colunas


espirituais sobre as quais descansa todo o seu edifício? É muito
difícil obter, sobre esse particular, indicações bastante exatas. O
certo é que as mais antigas compilações de cantos maçônicos
consagram estrofes à Sabedoria, à Força e à Beleza. Tem-se
propagado a idéia de que essa tríade poderia ser muito bem o fruto
da Árvore dos Sephirot, em cujos ramos florescem Sabedoria
(C’hohmah), Beleza (Thiphereth) e também Força (Geburah, cujo
significado exato é Severidade ou Rigor). De outra parte, não se vê a
necessidade de aceitar fatalmente essa procedência, levando em
conta que os construtores poderiam muito bem conceber sozinhos
sua trindade operante, apenas distinguindo o pensamento do ato, e
este último, por sua vez, do sentimento ao qual vai unido.

Para construir, é de todo necessário saber o que queremos


edificar e, portanto, fixar definitivamente em nosso espírito a imagem
do futuro edifício. Tal é o trabalho da Sabedoria. Logo, trata-se de
construir materialmente, valendo-nos da Força que executa, sem
nos esquecermos tampouco da Beleza, sem a qual o edifício não
pode atingir a categoria de arte.

O que justamente caracteriza o artista é o desejo que sente


em relação ao Belo. Se não for enamorado da Beleza, não passa de
simples incompetente, preocupado com a ganância, quando não é
um escravo que trabalha apesar de si mesmo, fustigado pelo chicote
da inexorável necessidade.

Muito bem. Para o Iniciado, para o sábio que chegou à


Compreensão (Gnose), trabalhar é sinônimo de viver. Vivemos para
preencher uma função e trabalhar para tanto. O trabalho é a lei
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81 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

fundamental de nossa existência e, sendo assim, a Arte de Viver, —


da qual a Iniciação nos ensina ao mesmo tempo a teoria e a prática,
— repousa sobre esta base primordial de aceitar com alegria o
esforço que a Vida sabe impor, sem brandura, aos agentes
recalcitrantes de sua Magna Obra. Se aprendermos a compreender
a Obra, amá-la-emos por sua grandiosidade, por sua nobreza e sua
beleza. Consagrados a ela por amor, o trabalho, em lugar de ser
penoso, proporcionar-nos-á um prazer intenso, bem superior a todas
as satisfações ordinárias. O artista amante de sua arte deleita-se
com sua prática, inclusive e, sobretudo, se for à custa de algumas
horas de sofrimento. O verdadeiro prazer afirma-se em vencer as
dificuldades, e nossa felicidade está na relação direta de nossos
sofrimentos. A vida não pode nos dar mais do que podemos receber;
se não nos tornarmos acessíveis ao mais precioso de seus dons,
então, trata a cada um segundo seus méritos, condenando-nos à
escravidão da limitação, até que sejamos dignos da liberdade.

Essa é a recompensa do ser que compreendeu a lei da Vida


e a ela conforma-se com propósito deliberado.

Se quisermos viver, tomemos a resolução de trabalhar, não


à maneira de presidiários, mas como seres livres, amantes do
trabalho e orgulhosos de ser assim. É, d’outra parte, muito difícil
desejar o trabalho em si e praticá-lo como passatempo, porque,
neste caso, poderia muito bem suceder que o entusiasmo não fosse
duradouro. Se consentirmos em nos esforçar e prosseguir com
afinco, é que o resultado nos parece digno de admiração. Tão-só a
beleza da obra empreendida pode nos fazer amar o trabalho que
consentimos realizar.

Um ideal abstrato, uma visão do espírito, um sonho do porvir


estimulam nossa atividade da maneira mais nobre e libera-nos em
absoluto do jugo que a Vida impõe aos seus escravos. Sem a
Beleza que nos fascina e torna agradável nossa tarefa, vivemos
apenas por viver, como míseros mercenários indiferentes à Magna
Obra, verdadeiro objetivo da Vida.

Os povos antigos adoravam uma deusa suprema que


dispensava a vida e personificava a Beleza. Para os caldeus, foi
Ishtar, divindade que logo voltamos a encontrar sob diferentes
nomes na Síria, na Grécia, em Cartago e na Espanha. A Idade
Média fê-la renascer inconscientemente na Virgem-Mãe a quem
foram dedicadas as catedrais. Esta Rainha do Céu da
Espiritualidade reina na alma dos artistas enamorados da Beleza. É

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82 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

a inspiradora da Religião do Belo que parece satisfazer às


aspirações dos espíritos religiosos em sua orientação rumo ao
porvir.

Pretender estar na posse da Verdade, formulá-la em


dogmas imperativos que se impõem à fé, tudo isso corresponde a
um regime fora de moda, a ciência moderna ensina-nos a ser
modestos, dando-nos a compreender o quão pouco sabemos em
seu próprio campo, aquele dos fatos concretos; com mais razão,
convém darmo-nos conta exata de nossa pequenez frente ao que
escapa às nossas percepções. A razão humana mais judiciosa,
graças à reflexão, prefere confessar sua impotência antes de aceitar
o que não está demonstrado e, tratando-se do desconhecido, nega-
se a afirmar, deixando, de tal sorte, campo aberto a todas as
suposições. Não pode ser questão impor, de alguma maneira,
limitações aos direitos da imaginação de quem tem, desde logo,
desculpadas todas as ousadias, quando seus esforços tendem a
decifrar o profundo enigma da Esfinge.

Mas há que se renunciar às ilusões do passado: a chave do


grande enigma escapa-nos, e aqueles que se jactam de possuí-la
por revelação divina estão em desacordo com os espíritos ilustrados
de nosso tempo. Não que se negue o divino; é que não o
concebemos de uma maneira tão infantil como aqueles que se
propuseram, por certo com temeridade, a satisfazer a indiscreta
curiosidade das multidões ignaras.

Busquemos a verdade e persigamo-la sempre, sem nunca


pensar no privilégio de possuí-la e deslindá-la. Bem sabemos que a
Ísis reveladora das supremas verdades não pode aparecer sem véu.
Se nós perseguimos um ideal de concórdia humanitária, tenhamos
cuidado em não preconizar uma solução uniforme aos eternos
problemas metafísicos que dividem entre si tanto crentes, quanto
pensadores. Não pode haver acordo, tratando-se de impor como
Verdade tal ou qual opinião.

Não acontece o mesmo quando se trata da Beleza. Os


homens não têm todos o mesmo conceito da estética, mas a
harmonia realizada impressiona muito mais que os argumentos.
Nada mais universal que o prestígio da Beleza. O próprio
materialista, cuja perspectiva última é o aniquilamento total e
definitivo de sua personalidade, rege sua conduta guiado pelo
sentimento do Belo. Toda ação feia lhe inspira verdadeiro horror, a
tal ponto que chega a cuidar de sua limpeza moral com mais zelo

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83 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

que o próprio crente, que acredita desfrutar antecipadamente da


felicidade celestial, apesar dos temores que lhe inspiram as torturas
do além-túmulo.

Qual é a verdadeira religião? Não é acaso superior a do artista,


que adora a Beleza, àquela do pobre beato aterrorizado por algumas
quimeras? Ninguém pode duvidar da Beleza que em tudo se realiza
e que todos podemos realizar em nós mesmos. Não depende de
nós, em absoluto, sermos felizes nesta vida ou levar a cabo grandes
empresas; todavia, o mais aflito dos humanos pode viver com beleza
e, se permanecer fiel ao culto do Belo, a morte não poderá parecer-
lhe mais que suprema apoteose. Tornamo-nos divinos, se sabemos
amar o belo a ponto de nos identificarmos com a Beleza.

*
* *

Construtor de um mundo melhor, o Franco-Maçom, para


realizar seu ideal individual e social, apóia-se sobre as três colunas
simbólicas: Sabedoria, Força e Beleza.

Para conquistar a luz que o tornará capaz de trabalhar bem,


esforça-se antes de tudo por pensar bem e ver com justiça.
Iluminado pela Sabedoria, pode começar a obra e assimilar-se a
uma misteriosa energia que não reside nele mesmo. Esta misteriosa,
mas efetiva força ignorada pelo profano é a que inspira o artista,
quando realiza a Beleza.

Muito bem: o belo não pode se realizar através de fórmulas


assimiladas por nossa inteligência; para traduzi-lo fielmente, é
preciso sentir e, para sentir, é necessário amar.

O bom Construtor inspira-se, portanto, no Amor, único poder


iniciático efetivo. Quem ama profundamente se purifica, merece ser
amado e atrai irresistivelmente as três Irmãs que o tornam sábio,
forte e sensível à suprema harmonia.

Sejamos artistas, cada um em sua esfera. Procuremos


corrigir a fealdade em todas as nossas ações e, antes de tudo, em
nós mesmos. Assim realizaremos o Ideal Iniciático, e nossa conduta
será a de Iniciados discretos, porém verdadeiros.

Fim

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84 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

A confecção deste arquivo virtual é uma iniciativa do


Departamento de Atividades Culturais da Muito Respeitável
Grande Loja Maçônica do Estado do Rio Grande do Sul.

Traduzido de El Ideal Iniciático tal como se desprende de los


Ritos y Símbolos de Oswald Wirth, trad. Para o espanhol de
D. Fernando Villard, Espanha, 1928. Versão para o português
de B.C.C e M. B. T.

Proibido o uso comercial, bem como divulgação fora do


âmbito maçônico. Trabalho com finalidade didática,
integrando o Projeto de Docência Maçônica da GLOJARS,
aprovado pelo Decreto Nº 019- 2003/2005

Ir.’. Bruno Cezar Carravetta, M.’. I.’.


Diretor do Departamento de Atividades Culturais
da GLOJARS

bcarravetta@cpovo.net

www.glojars.org.br

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85 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

DECRETO Nº 019- 2003/2005

PEDRO MANOEL RAMOS, Grão-


Mestre dos MM ∴ AA∴ LL∴ &
AA∴ da M∴ R∴ Grande Loja
Maçônica do Estado do Rio Grande
do Sul, Brasil, no uso das
atribuições que lhe são conferidas
pela Constituição, Regulamento
Geral da Obediência e Leis
Tradicionais da Ordem, faz saber
aos Maçons da sua Jurisdição e do
Universo que:

Considerando a necessidade de as jurisdicionadas


propiciarem aos obreiros uma estrutura básica que os habilite à prática
maçônica do Rito Escocês Antigo e Aceito;

Considerando que a prática do Rito implica no domínio de


aspectos ritualísticos, legais e esotéricos;
Considerando a imperiosa necessidade de coerência nesse
triplo aspecto que apresenta o conteúdo dos ensinamentos maçônicos, e,
em especial, o fato de tratar-se de um programa iniciático que impõe
correlações rigorosas desses conteúdos;

Considerando que a ausência de método leva à dispersão


do conhecimento, que não adquire unidade ao longo dos três graus,
unidade esta que nos parece fundamental para a compreensão da matéria;

Considerando que a Maçonaria deve abster-se de toda e


qualquer interferência na crença religiosa individual de seus membros e,
em especial, deve evitar a prática de proselitismo religioso no interior de
seus Templos, assegurando, ao mesmo tempo o direito à convicção
individual de cada um, como forma de assegurar a liberdade de todos;
Considerando a existência de um Projeto de Docência que
visou, especificamente, facilitar aos dirigentes de Lojas a formação de
Obreiros que possam dispor de um mínimo conhecimento necessário à
sua formação;
Considerando que esse Projeto desenvolve os três
aspectos do Rito Escocês Antigo e Aceito, a saber, o aspecto ritualístico,
ao enfatizar a prática dentro dos Templos; o aspecto legal, ao enfatizar a
rigorosa observância às nossas Leis, Usos, Costumes e Tradições; e,
finalmente, o aspecto esotérico e iniciático, ao enfatizar, como linha básica,
o pensamento do eminente simbolista Oswald Wirth, filósofo cuja exegese
não conflita, seja com práticas, convicções ou crenças individuais de
nossos filiados;

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86 O Ideal Iniciático — Oswald Wirth

Considerando que esse Projeto apresenta-se dinâmico, na


medida em que pode sofrer ajustes, acréscimos e aperfeiçoamentos
constantes ao longo de sucessivas edições;

Considerando que foram colhidos resultados positivos na


Jurisdição, junto às Lojas que livremente decidiram adotar e implantar o
Projeto,

D E C R E T A:

Art. 1º - Fica aprovado o Projeto de Docência Maçônica de


autoria do Ven∴ Ir∴ Bruno Cezar Carravetta, Diretor do Departamento de
Atividades Culturais da Muito Respeitável Grande Loja Maçônica do
Estado do Rio Grande do Sul, recomendando sua implantação pelas
jurisdicionadas e viabilizando sua distribuição pela Internet no site
www.glojars.org.br, observada a necessária reserva mediante o uso de
senhas que impossibilitem o acesso a profanos, bem como aqueles que
ainda não houveram alcançado o respectivo grau, de maneira que tão só
os MM∴ MM∴ terão acesso completo ao trabalho, agora em segunda
edição

Art. 2º - Este Decreto entra em vigor nesta data, revogando-


se as disposições em contrário, ficando a Gr∴ Secretaria encarregada da
sua publicação e distribuição.

Dado e traçado aos 24 (vinte e


quatro) dias do mês de março do
ano de 2003 (dois mil e três), da
E∴ V∴ , no Gabinete do Grão-
Mestre, Palácio Maçônico Osvaldo
Nunes, sito à Av. Praia de Belas,
número 560 (quinhentos e
sessenta), em Porto Alegre, capital
do Estado do Rio Grande do Sul,
República Federativa do Brasil.

Pedro Manoel Ramos Jorge Luiz Porto Ferreira


Grão-Mestre Grande Secretário

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