A Condesa Paula - OESE + OCEOI - Allan Kardec

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 O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO - CAP.

XII
NÃO SAIBA A VOSSA MÃO ESQUERDA O QUE DÊ A VOSSA MÃO DIREITA

 OS INFORTÚNIOS OCULTOS

4. Nas grandes calamidades, a caridade se emociona e observam-se


impulsos generosos, no sentido de reparar os desastres. Mas, a par desses
desastres gerais, há milhares de desastres particulares, que passam
despercebidos: os dos que jazem sobre um grabato sem se queixarem. Esses
infortúnios discretos e ocultos são os que a verdadeira generosidade sabe
descobrir, sem esperar que peçam assistência.
Quem é esta mulher de ar distinto, de traje tão simples, embora bem
cuidado, e que traz em sua companhia uma mocinha tão modestamente
vestida? Entra numa casa de sórdida aparência, onde sem dúvida é
conhecida, pois que à entrada a saúdam respeitosamente. Aonde vai ela?
Sobe até a mansarda, onde jaz uma mãe de família cercada de crianças. À
sua chegada, refulge a alegria naqueles rostos emagrecidos. É que ela vai
acalmar ali todas as dores.
Traz o de que necessitam, condimentado de meigas e consoladoras palavras,
que fazem que os seus protegidos, que não são profissionais da
mendicância, aceitem o benefício, sem corar. O pai está no hospital e,
enquanto lá permanece, a mãe não consegue com o seu trabalho prover as
necessidades da família. Graças à boa senhora, aquelas pobres crianças
não mais sentirão frio, nem fome; irão à escola agasalhadas e, para as
menorzinhas, o leite não secará no seio que as amamenta. Se entre elas
alguma adoece, não lhe repugnarão a ela, à boa dama, os cuidados
materiais de que essa necessite. Dali vai ao hospital levar ao pai algum
reconforto e tranquilizá-lo sobre a sorte da família. No canto da rua,
uma carruagem a espera, verdadeiro armazém de tudo o que destina aos seus
protegidos, que todos lhe recebem sucessivamente a visita. Não lhes
pergunta qual a crença que professam, nem quais suas opiniões, pois
considera como seus irmãos e filhos de Deus todos os homens. Terminado o
seu giro, diz de si para consigo: Comecei bem o meu dia. Qual o seu nome?
Onde mora? Ninguém o sabe. Para os infelizes, é um nome que nada indica;
mas é o anjo da consolação. À noite, um concerto de bênçãos se eleva em
seu favor ao Pai celestial: católicos, judeus, protestantes, todos a
bendizem.
Por que tão singelo traje? Para não insultar a miséria com o seu
luxo. Por que se faz acompanhar da filha? Para que aprenda como se deve
praticar a beneficência. A mocinha também quer fazer a caridade. A mãe,
porém, lhe diz: “Que podes dar, minha filha, quando nada tens de teu? Se
eu te passar às mãos alguma coisa para que dês a outrem, qual será o teu
mérito? Nesse caso, em realidade, serei eu quem faz a caridade; que
merecimento terias nisso? Não é justo. Quando visitamos os doentes, tu me
ajudas a tratá-los. Ora, dispensar cuidados é dar alguma coisa. Não te
parece bastante isso? Nada mais simples. Aprende a fazer obras úteis e
confeccionarás roupas para essas criancinhas. Desse modo, darás alguma
coisa que vem de ti.” É assim que aquela mãe verdadeiramente cristã
prepara a filha para a prática das virtudes que o Cristo ensinou. É
espírita ela? Que importa! Em casa, é a mulher do mundo, porque a sua
posição o exige. Ignoram, porém, o que faz, porque ela não deseja outra
aprovação, além da de Deus e da sua consciência.
Certo dia, no entanto, imprevista circunstância leva-lhe a casa uma
de suas protegidas, que andava a vender trabalhos executados por suas
mãos. Esta última, ao vê-la, reconheceu nela a sua benfeitora. “Silêncio!
ordena-lhe a senhora. Não o digas a ninguém.” Falava assim Jesus.
 A CONDESSA PAULA
Obra “O Céu e o Inferno” – Allan Kardec
Espíritos Felizes

Bela jovem, rica e de estirpe ilustre, era também perfeito modelo de


qualidades intelectuais e morais. Faleceu com 36 anos de idade, em 1851.
Seu necrológio é daqueles que podem resumir-se nestas palavras por mil
bocas repetidas: - “Por que tão cedo retira Deus pessoas assim da Terra?”
Felizes aqueles que tornam abençoada a sua memória. Ela era boa, meiga e
indulgente, sempre pronta a desculpar ou atenuar o mal, em lugar de
aumentá-lo. Nunca a maledicência lhe conspurcara os lábios. Sem
arrogância nem austeridade, era, ao contrário, com benevolência e
delicada familiaridade que tratava os fâmulos (*criados), despercebida,
ao demais, de quaisquer aparências de superioridade ou de humilhante
proteção. Compreendia que pessoas que vivem do trabalho não são rendeiros
e que, por conseguinte, têm precisão daquilo que lhes é devido, já pela
sua condição, já para se manterem, jamais reteve o pagamento de um
salário.
A simples ideia de que alguém pudesse experimentar uma privação, por
sua causa, causar-lhe-ia um remorso de consciência. Ela não pertencia ao
número daqueles que sempre encontram dinheiro para satisfazer os
caprichos, sem pagarem as próprias dívidas; não podia compreender que
houvesse prazer para o rico em ter dívidas, e humilhada se sentiria se
lhe dissessem que os seus fornecedores eram constrangidos a fazer-lhes
adiantamentos. Também por ocasião da sua morte só houve pesares, nem uma
reclamação.
A sua beneficência era inesgotável, mas não essa beneficência
ostentosa à luz meridiana; e assim exercia a caridade de coração e não
aquela do amor de vanglórias. Só Deus sabe as lágrimas que ela enxugou,
os desesperos que acalmou, pois essas práticas caridosas só tinham por
testemunhas os infelizes que socorria. Ela timbrava, além disso, em
descobrir os mais pungentes infortúnios, os secretos, socorrendo-os com
aquela delicadeza que eleva o moral em vez de o rebaixar.
De sua estirpe e das altas funções do marido decorriam-lhe onerosos
encargos domésticos, aos quais não podia eximir-se; satisfazendo
plenamente às exigências de sua posição, sem avareza, ela o fazia,
contudo, com tanto método, evitando desperdícios e superfluidades, que
lhe bastava metade daquilo que a outrem não bastaria.
Assim procedendo fazia com que da sua fortuna maior quinhão fosse
facultado aos necessitados. Destinando a renda de uma parte dessa fortuna
exclusivamente para esse fim, considerava-a sagrada e como de menos a
despender no serviço da sua casa. Dessa maneira encontrara meios de
conciliar os seus deveres e para com os infortúnios (1). Um dos seus
parentes iniciado no Espiritismo evocou-a doze anos depois de falecida, e
obteve em resposta a diversas perguntas, a seguinte comunicação (2):
“Tem razão, meu amigo, em pensar que eu sou feliz. Assim é
efetivamente e mais ainda do que a linguagem pode exprimir, conquanto,
longe do seu último grau. Mas eu estive na Terra entre os felizes, pois
não me lembro de haver aí experimentado um só desgosto real. Juventude,
homenagens, saúde, fortuna, tudo o que entre vós outros constitui
felicidade eu possuía! O que é, no entanto essa felicidade comparada
àquela que desfruto aqui?
Esplêndidas festas terrenas em que se ostentam os mais ricos
paramentos, o que são elas comparadas a estas assembleias de Espíritos
resplandecentes de brilho que as vossas vistas não suportariam, brilho
que é o apanágio da sua pureza?
Os vossos palácios de dourados salões, que são eles comparados a estas
moradas aéreas, vastas regiões do Espaço matizadas de cores que
obumbrariam o arco-íris? Os vossos passeios, a passos contados nos
parques, a que se reduzem comparados aos percursos da imensidade, mais
velozes que o raio?
Horizontes nebulosos e limitados, que são, comparados ao espetáculo de
mundos que se movem no Universo infinito ao influxo do Altíssimo? E como
são monótonos os vossos concertos mais harmoniosos em relação à suave
melodia que faz vibrar os fluidos do éter e todas as fibras d'alma! E
como são tristes e insípidas as vossas maiores alegrias comparadas à
sensação inefável de felicidade que nos satura todo o ser como um eflúvio
benéfico, sem mistura de inquietação, de apreensão, de sofrimento! Aqui
tudo ressuma amor, confiança, sinceridade: por toda parte corações
amantes, amigos por toda parte!
Nem invejosos nem ciumentos! É este o mundo em que me encontro, meu
amigo, e ao qual você chegará infalivelmente se seguir o reto caminho da
vida.
A felicidade uniforme fatigaria, no entanto, e assim não acredito que
a nossa seja extreme de peripécias: nem concerto perene, nem festa
interminável, nem beatífica contemplação por toda a eternidade, porém o
movimento, a atividade, a vida.
As ocupações, ainda que isentas de fadiga, se revestem de perspectivas
e emoções variáveis e incessantes, pelos mil incidentes que se lhes
filiam. Tem cada um sua missão a cumprir, seus protegidos a velar, amigos
terrenos a visitar, mecanismos na Natureza a dirigir, almas sofredoras a
consolar; e o vai-e-vem não de uma rua a outra, porém de um a outro
mundo; reunindo-nos, separando-nos para novamente nos juntarmos; e,
reunidos em certo ponto, comunicamo-nos o trabalho realizado,
felicitando-nos pelos êxitos obtidos; ajustamo-nos, mutuamente nos
assistimos nos casos difíceis. Finalmente, asseguro que ninguém tem tempo
para enfadar-se, por um segundo que seja.
Atualmente a Terra é o magno assunto de nossas cogitações. Que
movimento entre os Espíritos! Que numerosas falanges aí afluem a fim de
lhe auxiliarem o progresso e a evolução! Dir-se-ia uma nuvem de
trabalhadores a derrubarem uma floresta sob as ordens de chefes
experimentados; abatem uns troncos seculares, arrancam-lhes as raízes
profundas, desbastam outros o terreno; amanham estes à terra, semeiam;
edificam aqueles a nova cidade sobre as ruínas carunchosas de um velho
mundo. Neste comenos reúnem-se os chefes em conferência e transmitem suas
ordens por mensageiros, em todas as direções.
A Terra deve regenerar-se em dado tempo - pois importa que os
desígnios da providência se realizem, e, assim, em cada qual o seu papel.
Nem me julgue simples desta grande empresa, o que me envergonharia, uma
vez que todos nela trabalham. Importante missão me é designada e
grandemente me esforço por cumpri-la o melhor possível.
Não foi sem labores que alcancei a posição que ora ocupo na vida
espiritual; e fiquei ciente de que a minha última existência, por mais
meritória que porventura lhe pareça, não era por si só e a tanto
suficiente. Em várias existências passei por provas de trabalho e miséria
que voluntariamente havia escolhido para fortalecer e depurar o meu
espírito. Dessas provas tive a dita de triunfar, vindo a faltar entanto
uma, porventura a mais perigosa: a da fortuna e bem-estar materiais, um
bem-estar sem sombras de desgosto. Nessa consistia o perigo. Antes de o
tentar quis sentir-me assaz forte para não sucumbir.
Deus, tendo em vista as minhas boas intenções, concedeu-me a graça do seu
auxílio.
Muitos Espíritos há que, seduzidos por aparências, pressurosos
escolhem essa prova, mas, fracos para afrontar-lhe os perigos, deixam que
as seduções do mundo triunfem da sua inexperiência.
Trabalhadores, estou nas vossas fileiras. Eu, a dama nobre, ganhei
como vós o pão com o suor do meu rosto; saturei-me de privações, sofri
reveses e foi isso que me retemperou as forças da alma; do contrário eu
teria falido na última prova, o que me teria deixado para trás, na minha
carreira.
Como eu tereis também a vossa prova da riqueza, mas não nos apresseis
em pedi-la muito cedo. E vós outros, ricos, tende sempre em mente que a
verdadeira fortuna, a fortuna imorredoura, não existe na Terra; procurai
antes saber o preço pelo qual podeis alcançar os benefícios do Todo-
Poderoso.

Paula, na Terra, Condessa de...”

(1) Podemos dizer que essa senhora era a encarnação viva da mulher
caridosa, ideada n'O Evangelho segundo o Espiritismo, Cap. XIII.

(2) Da comunicação em apreço, cujo original é em alemão, extraímos os


tópicos que interessam ao assunto de que nos ocupamos suprimindo os
familiares.

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