Feminismo Entre Ondas (Tese) - Iracélli Da Cruz Alves
Feminismo Entre Ondas (Tese) - Iracélli Da Cruz Alves
Feminismo Entre Ondas (Tese) - Iracélli Da Cruz Alves
INSTITUTO DE HISTÓRIA
NITERÓI
2020
IRACÉLLI DA CRUZ ALVES
Orientadora:
Profª Drª Rachel Soihet
NITERÓI
2020
IRACÉLLI DA CRUZ ALVES
BANCA EXAMINADORA
AGRADECIMENTOS
Cheguei naquela hora que deixei para escrever por último: os agradecimentos.
Corro o risco de esquecer nomes importantes. Peço desculpas desde já. Não é ingratidão.
Há quase três anos o universo me presenteou com a chegada de Ellis. Ela veio
trazendo esperança e muito amor. Revirou tudo. Como é bom tê-la em meu cotidiano!
Grande parte desta tese foi escrita em sua presença, que demandava atenção, trabalho,
carinho e muita criatividade. Com Ellis aprendi in loco sobre os desafios e delícias da
maternagem, sobre o que significa rede de apoio e sobre a difícil tarefa de educar uma
criança a partir dos valores feministas, especialmente agora. Obrigada por tudo que vem
me ensinando, minha pequena! Você desperta tantos sentimentos lindos! “Você é o amor
da minha vida, a esperança que arde em calor, você é a tradução do que é o amor”.
Ellis é parte de uma rede feminista poderosa – e redes poderosas não se constroem
sem conflitos, tensões e pensamentos divergentes. Tudo o mais é romantização do
cotidiano ou idealizações individualistas. Sou grata à minha mãe Célia Maria Alves e à
minha irmã Isabelle Alves por tudo que temos construído e aprendido juntas. Dentro de
nossas diferenças, sabemos que podemos contar umas com as outras sempre, em qualquer
circunstância. Agradeço a papai, Iraldo Alves, por todo apoio, cuidado e afeto dedicados.
Sua presença foi e é essencial em minha trajetória. Admiro os desafios e dificuldades (e
não foram poucas!) que, junto com mamãe, enfrentou para garantir nossa existência de
modo que não nos faltasse alimento de corpo e de alma. A papai devo o amor pela
Literatura!
Falando em redes de apoio, sou grata a Mauricio, meu par, por tudo que temos
compartilhado. Obrigada pela cumplicidade, amor, trocas acadêmicas, escuta e pela
coleção de momentos inesquecíveis. Agradeço ainda a oportunidade de dividir a
companhia de pessoas queridas. Magui, Néa, Amanda, Arlen, Marquinhos e a garotada,
obrigada por sempre me acolherem tão bem e com afeto.
Minhas trigêmeas, Louise, Marjorie e Manuela, obrigada por rechearem minha
vida com tantos momentos felizes. Há dez anos vocês chegaram como uma deliciosa e
desafiadora novidade. Três bebês de uma vez só! Vocês fazem parte de um repertório
lindo e me sinto muito feliz em ter contribuído com ele. Ocupem todos os espaços!
Alice, minha afilhada, você também me ensinou e ensina muito sobre cuidado. Há
13 anos você existe e há 13 anos sou sua fã. Foi um prazer compartilhar com sua mãe
V
(que como eu ainda era uma menina) os cuidados com você, especialmente em seus
primeiros anos de vida. Olhe, foi um grande desafio, viu! Sou grata ao Universo por você
existir alegrando e desafiando nossas vidas. Sua maturidade me impressiona (até quando
dá piti).
Gratidão ao carinho de minhas primas Damaris e Rosa, de Arthurzinho e de
Merks. Agradeço ainda ao meu primo Igor e ao meu tio Ivan pela ajuda que me deram
durante a seleção de doutorado, articulando parte das passagens. Sou grata ao meu
cunhado Adilson pela convivência e pelo auxílio imprescindível com os trâmites da
qualificação quando eu não estava no país. Dorita, obrigada pela alegria e brincadeiras.
Ellis se diverte muito com a vovó de Ipiaú.
Não posso deixar de expressar minha gratidão a Silvana Andrade. Ao longo dos
quatro anos de doutorado ela não mediu esforços para me ajudar. Morando em Salvador,
nem sei como seria se uma baiana tão solidária não entregasse todos os meus relatórios
semestrais, além das outras demandas institucionais que vez ou outra aparecia. Silvana,
não tenho palavras para te agradecer! Outra baiana que em muito me ajudou no Rio de
Janeiro foi Tamy Assad. Sua presença no meu exame de qualificação me encheu de
alegria e segurança. Muito obrigada, mulher!
Erasmo, meu presente da seleção. Jamais vou esquecer sua generosidade em um
momento tão tenso para nós: a seleção de doutorado. Saímos com a sensação de que nos
encontraríamos no próximo ano para tentar de novo. Nem imaginávamos que seríamos
aprovados... Nos tornamos amigos. Nosso santo bateu. Obrigada por tanto. Na mesma
vibe, agradeço a Guilherme, sempre solícito, desde o processo seletivo. Passamos muitos
dilemas semelhantes no doutorado. Muito obrigada pela força.
Agradeço aos amigos e amigas queridas que me fazem sorrir, compartilham
dúvidas, angústias, passeios, cervejas e conversas regadas a gargalhadas. Aline, Davi,
Débora, Djalma, Eneida, Hernandes, Itamar (Manchinha), Patrícia (Baiana), Berga,
Larissa, Letícia, Michele, Rafael... muito obrigada! Vocês fazem valer a ideia de que a
vida não cabe no Lattes. Rafa, obrigada pela paciência, pelos ouvidos sempre atentos,
pelo apoio nos momentos mais duros, pela leitura dos meus textos (inclusive da tese) e
obrigada por, junto com Lary, presentear o mundo com Bentinho. Continuem firmes e
fortes no lindo e desafiador processo de educá-lo para a liberdade. Débora, obrigada pelo
diálogo e pela troca de figurinhas de pesquisa de sempre. Muitas ideias surgiram depois
de nossas conversas. Agradeço também os vários livros doados. Guardo todos com muito
carinho e alguns me ajudaram na escrita. Muito obrigada Thaila e Laise, minhas amigas
VI
desde pequenininha, pela amizade de tantos anos e tantos sonhos. Lai, grata por Lulu
linda e todo amor que ela representa.
Nos dois primeiros anos do doutorado não tive bolsa, não fossem os “acasos” –
que, parafraseando o poeta, me protegem quando eu ando distraída –, nem sei o que seria
de mim. Renata foi um desses presentes de Orixá. Nos conhecemos por acaso e em pouco
tempo ela abriu as portas de sua casa no Rio de Janeiro, sem cobrar absolutamente nada
por isso. Muito obrigada, Renatinha! Talvez você nem imagine o tamanho da minha
gratidão. Estendo os agradecimentos a Rita, que compartilhou o ap. e generosamente me
recebeu. Agradeço a Márcio (Marcinho) por ter mediado o encontro e por me presentear
com generosas e revigorantes aulas de Yoga e meditação, sobretudo naqueles momentos
em que eu estava prestes a explodir.
Agradeço a Antônio Sales, meu tio, que não hesitou em me ajudar para a minha
permanência no Rio enquanto eu estava sem bolsa. O auxílio material foi uma maneira
de demonstrar carinho e uma aposta de que eu precisava concluir. E conclui! Também
agradeço as nossas trocas acadêmicas, profissionais e políticas. Estendo os
agradecimentos à minha tia Rose pela troca afetiva de sempre e pela oportunidade de
participar das rodas de conversas na Pastoral do Menor em Alagoinhas, partilhando
saberes com a garotada do projeto Jovem Aprendiz. Aqueles eram momentos importantes
para abastecer o coração com esperança.
Gratidão aos apoios e afetos da UFF. Em primeiro lugar, agradeço à minha
orientadora: Professora dr.ª Rachel Soihet. Por Rachel nutro um enorme carinho, respeito
e admiração por tudo que ela representa como mulher, professora, historiadora... Sobra
admiração e faltam palavras. Me sinto muito honrada em tê-la como minha orientadora.
Muito obrigada às professoras dr.ª Juniele Rabelo e dr.ª Larissa Viana por me segurarem
pela mão e me ajudarem enormemente na reta final do doutorado. Vocês são um doce! A
Juniele sou grata ainda pelas aulas maravilhosas e descontraídas junto com a professora
dr.ª. Ismênia e por suas sugestões imprescindíveis no exame de qualificação. Igualmente
fundamental foram as contribuições da professora dr.ª Joana Maria Pedro. Larissa,
gratidão pelo auxílio na organização da defesa e pelas palavras encorajadoras.
Agradeço a todas as professoras que aceitaram o convite para arguir este trabalho:
dr.ª Ana Carolina Barbosa Pereira (UFBA), dr.ª Janaína Cordeiro (UFF), dr.ª Joana Maria
Pedro (UFSC) e dr. Rodrigo Passo Sá Motta (UFMG). Não tenho dúvidas de que as
críticas serão fundamentais para o aprimoramento do texto e para instigar outras
possibilidades de pensamento. Agradeço também a dr.ª Larissa Vianna por presidi-la.
VII
famoso Gota D’Água (Alagoinhas) junto com o saboroso pirão de aipim com carne do
sol ou tripa frita, porque merecemos!
Gratidão eterna a todas as professoras, professores, alunas, alunos e alunes que
atravessaram a minha vida. Vocês me ensinaram demais!
Registro o apoio da CAPES pelos dois anos de bolsa imprescindíveis para que eu
pudesse dar continuidade à pesquisa.
Enfim, uma rede de apoio, afeto e solidariedade gigantesca foi fundamental para
que eu encerrasse mais uma etapa importante de minha trajetória acadêmica. Grande parte
dessa rede é formada por mulheres, especialmente por mulheres negras, contrariando
aquela ideia da “rivalidade feminina”. Rivalidade para quem?
IX
RESUMO
Partindo das ações e vozes de mulheres que movimentaram a política brasileira entre as
décadas de 1940 e 1970 defendo a tese de que entre as chamadas primeira e segunda onda
feministas houve um processo significativo de construção do feminismo no Brasil. Muitas
das novidades comumente apontadas como próprias da segunda onda já vinham sendo
construídas. Analiso, sobretudo, o feminismo de orientação comunista protagonizado por
mulheres cisgênero e desenvolvido entre 1946 e 1957 em sintonia com o Partido
Comunista do Brasil (PCB). Em 1946 foi fundado o Instituto Feminino de Serviço
Construtivo (IFSC) com o objetivo de criar uma organização que conseguisse articular
um movimento de mulheres nacional e unificado. No ano seguinte, emergiu o jornal
Momento Feminino, importante meio de articulação do projeto político. Em 1949 nasceu
a Federação de Mulheres do Brasil (FMB), que atuou com visibilidade pública até 1957.
Pensando a dimensão coletiva, este período se sobressai na tese. No entanto, o
enfraquecimento institucional não implicou o encerramento da circulação de projetos
feministas de sociedade. A análise das trajetórias de duas militantes do PCB – Jacinta
Passos e Alina Paim – serviu de baliza para pensar o feminismo durante as décadas de
1960-70, temporalidade que atravessa a tese. Optei por pensar o processo como
movimento não em fases apartadas que pouco ou nada dialogam. Acredito que abordagens
que enfatizem as relações no lugar das descontinuidades seja a forma mais adequada de
pluralizar e democratizar o debate, contribuindo tanto para repensar a linearidade e a
evolução entre as supostas ondas, quanto para descobrir outros sujeitos que atuaram entre
e para além delas.
ABSTRACT
Starting from the actions and voices of women that moved Brazilian politics between the
1940s and 1970s, I defend the thesis that between the so-called first and second feminist
waves there was a significant process of construction of feminism in Brazil. Many of the
novelties commonly identified as belonging to the second wave were already being built.
I analyze, above all, the communist-oriented feminism led by cisgender women and
developed between 1946 and 1957 in tune with the Communist Party of Brazil (PCB). In
1946 the Feminine Institute of Constructive Service (IFSC) was founded with the
objective of creating an organization that managed to articulate a national and unified
women's movement. In the following year, the newspaper Momento Feminino emerged,
an important means of articulating the political project. In 1949 the Federation of Women
of Brazil (FMB) was born, which acted with public visibility until 1957. Thinking about
the collective dimension, this period stands out in the thesis. However, the institutional
weakening did not imply the end of the circulation of feminist society projects. The
analysis of the trajectories of two members of the PCB - Jacinta Passos and Alina Paim -
served as a guideline for thinking about feminism during the 1960s-70s, a temporality
that runs through the thesis. I chose to think of the process as a movement, not in separate
phases that have little or nothing dialogue. I believe that approaches that emphasize
relationships instead of discontinuities are the most appropriate way to pluralize and
democratize the debate, contributing both to rethink linearity and the evolution between
supposed waves, and to discover other subjects who have acted between and beyond
them.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
AGRADECIMENTOS ............................................................................................................... IV
RESUMO .................................................................................................................................... IX
ABSTRACT ................................................................................................................................. X
LISTA DE ILUSTRAÇÕES ...................................................................................................... XI
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS .............................................................................. XII
INTRODUÇÃO – FEMINISMOS EM DEBATE: MEMÓRIA E HISTORIOGRAFIA... 16
Trajetória da investigação ............................................................................................ 21
Conceito de feminismo: notas preliminares ................................................................ 23
Feminismo no Brasil: disputa de narrativas ............................................................... 29
Estrutura da tese ........................................................................................................... 40
PARTE 1 – MULHERES EM MOVIMENTO....................................................................... 43
CAPÍTULO 1: MOMENTO FEMININO: DORES E SABORES DE UM JORNAL DE
MULHERES PARA MULHERES .......................................................................................... 45
1.1. “Para o coração, sim. Mas também para o espírito”: orientação política e
objetivos de Momento Feminino........................................................................................... 45
1.2. Estrutura, funcionamento e iniciativas feministas ................................................. 57
1.3. “Luta mas vive!”: movimento para colocar o jornal em circulação ..................... 70
1.4. Anticomunismo, antifeminismo e perseguição política .......................................... 76
1.5. Momento Feminino e a retórica antifeminista ........................................................ 80
CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO DE UMA ORGANIZAÇÃO NACIONAL DE
MULHERES: DIÁLOGOS, DISPUTAS E TENSÕES ......................................................... 85
2.1. O movimento de mulheres em tempos de expectativas democráticas e Guerra Fria
................................................................................................................................................. 85
2.2. O processo de construção de uma frente única de mulheres .................................... 103
CAPÍTULO 3: COMUNISTAS E FEMINISTAS: A FMB E O MOVIMENTO NACIONAL
DE MULHERES ..................................................................................................................... 116
3.1. A FMB e a organização do “movimento feminino” ............................................. 116
3.2. Anticomunismo, antifeminismo e violência........................................................... 126
3.3. Marxismo, libertação das mulheres e moralismo ................................................. 133
3.4. Violência política e resistências .............................................................................. 139
3.5. Notas sobre o Golpe Civil-Militar e os movimentos feministas ........................... 151
PARTE 2 – INVENÇÃO DA LIBERDADE: A POLÍTICA EM PROSA E POESIA ...... 157
4.1. Apresentação ................................................................................................................ 160
4.2. Mergulho na vida pública: literatura, imprensa e política ....................................... 161
4.3. Casamento, maternidade, PCB e consagração literária ........................................... 169
4.4. Últimos passos: o difícil equilíbrio entre a lucidez e a loucura ................................ 183
CAPÍTULO 5 – POLÍTICA EM PROSA: OS ROMANCES FEMINISTAS DE ALINA
PAIM ........................................................................................................................................ 189
5.1. Apresentação ................................................................................................................ 189
5.2. Mudanças e projeção na cena pública ........................................................................ 191
5.3. Mergulho na militância partidária, contribuições na imprensa e investimento na
literatura romanesca ........................................................................................................... 199
5.4. Uma pausa na introspecção: experimentando o realismo socialista ........................ 208
5.5. De volta aos compartimentos da alma: retomando a politização do cotidiano....... 214
PARTE 3 – DEBATE FEMINISTA: A DEFESA DA AUTONOMIA DAS MULHERES
NOS ÂMBITOS PÚBLICO E PRIVADO ............................................................................ 231
CAPÍTULO 6 – DESIGUALDADES DE GÊNERO NA ESFERA PÚBLICA E DILEMAS
DO COTIDIANO .................................................................................................................... 232
6.1. O Código Civil de 1916 e as restrições à liberdade das mulheres ............................ 232
6.2. Mulheres em busca de autonomia: reivindicações pela alteração da lei civil ......... 236
6.3. Por mais mulheres na política institucional ............................................................... 241
6.4. Mundo do trabalho: dignidade e melhores condições para as trabalhadoras ........ 245
6.5. Emprego doméstico: trabalho de fronteira, relação intragênero e superexploração
............................................................................................................................................... 249
6.6. Classe e gênero: diferentes mulheres, diferentes necessidades ................................ 258
6.7. Prioridades do movimento: gênero ou classe? ........................................................... 266
CAPÍTULO 7 – DESIGUALDADES DE GÊNERO NA ESFERA PRIVADA: A POLÍTICA
DA INTIMIDADE ................................................................................................................... 269
7.1. Trabalho doméstico e relações de gênero ................................................................... 269
7.2. Família, educação das crianças e maternidade.......................................................... 273
7.3. Moral sexual heteronormativa .................................................................................... 286
7.4. Casamento e divórcio ................................................................................................... 297
7.5. Desnaturalização da desigualdade de gênero ............................................................ 306
7.6. As chaves da liberdade: independência econômica, moral e afetiva ....................... 311
EPÍLOGO – FEMINISMO EM MOVIMENTO: UMA HISTÓRIA PARA ALÉM DAS
ONDAS ..................................................................................................................................... 319
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................... 325
Fontes ........................................................................................................................... 325
Bibliografia .................................................................................................................. 346
16
Com estas palavras a narradora caminha para o fim da narrativa do romance Simão
Dias, de Alina Paim, publicado em 1949. Ao falar em “escravidão afetiva” como um dos
principais fatores de subalternização das mulheres, a prosa parece antecipar um debate
que se tornaria forte a partir da década de 1970, momento em que se convencionou
chamar de segunda onda feminista. A autora estaria à frente do seu tempo?
“À frente do tempo”... Frase de efeito comum em biografias que atribuem às
personagens históricas o lugar da excepcionalidade. Não é isso que pretendo. Alina Paim
não foi uma voz isolada. Nem seria possível sê-lo. As pessoas sempre estão, de maneira
complexa, mergulhadas em seu contexto, afetando e sendo afetadas por ele. Sendo assim,
a escritora imprimiu em seu romance um debate que estava colocado no tempo da escrita,
contribuindo com a sua sensibilidade de romancista.
O trecho de abertura representa uma amostra dos temas que agitaram as discussões
feministas antes dos famosos anos 1970. Individualizar em Alina Paim a capacidade de
enxergar os problemas do seu tempo seria injusto com suas contemporâneas, mulheres
que como ela e/ou com ela escolheram dedicar parte importante de suas vidas à utopia
feminista. O romance tem uma autoria, mas tem as marcas de um movimento coletivo do
qual a autora fez parte: o movimento de mulheres de orientação comunista que se
estruturou em meados da década de 1940 e manteve-se forte até o final dos anos 50. Um
feminismo que chamo de entre ondas por estar fora dos marcos temporais consolidados.
As narrativas historiográficas sobre os movimentos feministas se dividem
basicamente em dois grandes grupos, evidentemente que com nuances. Um define que o
1
PAIM, Alina. Simão Dias. Rio de Janeiro: Casa do Estudante do Brasil, 1949. p. 203-206.
17
feminismo nasceu na década de 1970, 2 o outro aponta para numa perspectiva linear
dividida em três ou quatro ondas que pouco ou nada dialogam. A primeira teria começado
no final do século XIX, se estendendo até aproximadamente o início da década de 1940;
a segunda, nos anos 1970 – após um intervalo de duas décadas; a terceira, na década de
1990 – sofisticando o debate da segunda; e a última teria começado por volta de 2012-
2013, inovando radicalmente a predecessora. A emergência das ondas geralmente é lida
com o signo da ruptura. A “nova” viria sempre propondo mudanças radicais.3
Um olhar sobre as temporalidades comumente negligenciadas pode revelar outras
histórias. Entre as supostas duas primeiras ondas, por exemplo, houve um movimento
expressivo quase nada investigado. Será que não atingiu o tamanho ou a força suficiente
ao ponto de se tornar uma onda? Ou seria necessário remexer nas etapas? A segunda onda
estaria localizada entre 1940-50? Ao invés de quatro, os movimentos feministas no Brasil
teriam cinco ondas?
Não necessariamente. Prefiro pensar o processo como movimento. Talvez o
esforço em dividir essa história em etapas não dê conta de explicar a complexidade dos
feminismos, cuja história não é marcada por uma temporalidade conectada a uma linha
evolucionista e diacrônica. A perspectiva da linearidade talvez aumente o risco de
respostas fáceis: rotular de excepcionais casos que fogem às características atribuídas às
fases.
Ao analisar a história acadêmica produzida, sobretudo, na Europa e nos Estados
Unidos sobre a segunda onda feminista ocidental, Clare Hemmings chamou a atenção
para o fato de que a abordagem dominante “simplifica a complexa história dos
feminismos ocidentais, fixa autoras e perspectivas dentro de uma década específica e,
2
DELPHY, Christine. Feminismo e Recomposição da Esquerda. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 13,
n. 1. p. 187-199, 1992; SARTI, Cynthia Andersen. O feminismo brasileiro desde os anos de 1970:
revisitando uma trajetória. Estudos Feministas, v. 12, n. 2. p. 35-50, 2004; BASTOS, Natália de Souza.
Elas por elas: trajetórias de uma geração de mulheres de esquerda. Brasil – anos 1960-1980. 2007.
Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de História, Universidade Federal Fluminense, Niterói,
2007.
3
TOSCANO, Moema; GOLDEMBERG, Mirian. A Revolução das Mulheres. Rio de Janeiro: Revan, 1992;
BACK, Lilian. A seção feminina do PCB no exílio: debates entre o comunismo e o feminismo (1974-1979).
2013. Dissertação (Mestrado em História) – Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal
de Santa Catarina, Florianópolis, 2013; RIBEIRO, Djamila. Simone de Beauvoir e Judith Butler:
aproximações e distanciamentos e os critérios da ação política. Dissertação (Mestrado em Filosofia) –
Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Paulo, Guarulhos, 2015;
ABREU, 2010; BLAY, Eva Alterman; AVELAR, Lúcia (Orgs). 50 anos de feminismo: Brasil, Argentina e
Chile. São Paulo: EdUSP/FAPESP, 2017; KREUZ, Débora Strieder. A formação do movimento feminista
brasileiro: considerações a partir de narrativas de mulheres que militaram contra a Ditadura Civil-Militar.
Tempo & Argumento, Florianópolis, v. 10, n. 24, p. 316-340, abr./jun., 2018.
18
4
HEMMINGS, Clare. Contando estórias feministas. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 17, n. 1, p. 215-
241, jan./abr., 2009. p. 215.
5
Segundo nota emitida pela edição: “O uso da palavra ‘estória’ demarca a contingência do termo em relação
a “história”. Em inglês os termos correspondentes “story” and “history” não são tão marcados quanto em
português pela diferença em termos de construção de uma narrativa ficcional (estória) e de uma referência
a fatos passados (história). Em inglês, “story” geralmente refere-se a narrativas ou tradições orais; “history”
refere-se a eventos que ocorreram e relatos formais ou pesquisas. Ao longo do texto original a autora utiliza
o termo “story”, aqui traduzido por “estória”, para enfatizar o processo pelo qual se produz sentidos sobre
o passado, questionando a noção de que a “história” é algo meramente descritivo”. Ibid., p. 215-216.
6
Ibid.
19
7
GROSFOGUEL, Ramón. A estrutura do conhecimento nas universidades ocidentalizadas:
racismo/sexismo epistêmico e os quatro genocídios/epistemicídios do longo século XVI. Sociedade e
Estado, Brasília, v. 31, n. 1, p. 25-49, jan./abr., 2016. p. 26.
8
Ibid.
9
HEMMINGS, 2009, p. 215-216.
10
Grosso modo, a expressão é utilizada para definir as pessoas que constroem sua identidade de gênero
conforme o sexo que lhe foi atribuído no nascimento a partir, principalmente, da genitália. Estas identidades
seguem uma divisão binária: macho/fêmea – homem/mulher – masculino/feminino. As pessoas que nascem
com genitálias ou estrutura fisiológica ambíguas – considerando o padrão normatizado pela ciência – são
chamadas de intersexo e frequentemente a medicina intervém para corrigir o que supõe ser uma anomalia.
No entanto, em muitos casos, as intervenções têm gerado problemas. Não raro, as crianças operadas
crescem e não se identificam com o gênero que lhe foi designado na cirurgia. Estes problemas têm
movimentado um largo debate científico, em que se questiona, inclusive, até que ponto o caso constitui-se
em uma deficiência. Ademais, as pessoas que nascem com a genitália e a fisiologia alinhadas a um dos
sexos da divisão binária construída pela biologia nem sempre se identificam com o gênero que lhes é
atribuído no nascimento. Nestes casos, elas se identificam como pessoas transgênero e não necessariamente
se encaixam no binarismo macho/fêmea – homem/mulher – masculino/feminino. Para um debate mais
aprofundado sobre os temas cf.: MACHADO, Paula Sandrine. O sexo dos anjos: um olhar sobre a anatomia
e a produção do sexo (como se fosse) natural. Cadernos Pagu, Campinas, n. 24, p. 149-251, jan./jun., 2005;
SANTOS, Ana Lúcia. Para lá do binarismo? O intersexo como desafio epistemológico e político. Revista
20
Comunista do Brasil – que depois viria a se chamar Partido Comunista Brasileiro (PCB).11
A cronologia não funciona como uma camisa de forças. Quando necessário fiz recuos ou
avanços que julguei importantes para explicitar a dimensão interligada do movimento.
Antes da emergência do pós-estruturalismo, o feminismo entre ondas
desafiou – não sem contradições – a naturalização do que significava ser mulher ou
homem e das diferenças de classe/raça presentes na construção do gênero, em um
momento em que o gênero ainda não tinha sido forjado enquanto conceito. Entretanto,
ele não compõe as narrativas historiográficas sobre os movimentos feministas. No geral,
há uma supervalorização da suposta segunda onda em detrimento da primeira, vista como
menos ousada.12 Já o movimento que emergiu entre elas é genericamente chamado de
“movimento de mulheres” ou “movimento feminino”.
Na década de 1980, Elisabeth Souza Lobo já chamava a atenção para o
problema. De acordo com ela, naquele contexto, as pesquisas sobre os “movimentos de
mulheres” e os “movimentos feministas” estabeleciam divisões problemáticas quando os
separavam, problema ainda recorrente. Ademais, os estudos sobre os movimentos
populares – que tiveram ampla participação de mulheres – frequentemente não se
preocupavam em estabelecer recortes de gênero, comprometendo reflexões mais
profundas sobre o processo de construção do feminismo enquanto movimento.13
Apesar dos avanços nos estudos feministas da década de 1980 para cá, ainda
carecemos de reflexões mais abrangentes no que diz respeito às relações entre os
movimentos populares de mulheres e os movimentos feministas. Os diálogos
Crítica de Ciências Sociais, n. 102, n. 3-20, dez., 2013; MODESTO, Edith. Transgeneridade: um complexo
desafio. Via Atlântica, São Paulo, n. 24, p. 49-65, dez., 2013.
11
Até 1961 o partido a sigla PCB se referia ao Partido Comunista do Brasil. Mas em agosto daquele ano,
como estratégia para conseguir um registro legal, substituiu o “do Brasil” por “Brasileiro”. A intenção era
se esquivar de uma das justificativas para cassação do registro em 1947, a de que o PCB não era um partido
brasileiro, mas uma seção da Internacional Comunista (IC). Mesmo assim, o Tribunal Superior Eleitoral
(TSE) negou o visto. A mudança de nome aguçou tensões internas que já vinham se arrastando desde 1956,
sendo o estopim para uma cisão da qual sairia o Partido Comunista do Brasil (PCB do B), em fevereiro de
1962. O novo partido reivindicava-se o “verdadeiro Partido Comunista”. As duas legendas ainda hoje
disputam qual delas representa o “verdadeiro” partido fundado em 1922. Cf.: GORENDER, Jacob.
Combate nas Trevas. A esquerda brasileira: das ilusões à Luta Armada. 2° ed. São Paulo: Ática, 1987. p.
33-34.
12
O livro 50 anos de Feminismo, publicado em 2017, carrega no próprio título a supervalorização da
chamada segunda onda. Ao datar o feminismo na América Latina, o título subestima ou secundariza as
experiências que vieram antes dos cinquenta anos que celebra. A coletânea pontua a existência de
movimentos anteriores, mas confere aos últimos cinquenta anos um caráter mais inovador e consequente
dos feminismos. Ou seja: o verdadeiro feminismo estaria completando meia década. Cf. BLAY, Eva
Alterman; AVELAR, Lúcia (Orgs). 50 anos de feminismo: Brasil, Argentina e Chile. São Paulo:
EdUSP/FAPESP, 2017.
13
LOBO, Elisabeth Souza. A classe operária tem dois sexos: trabalho, dominação e resistência. São Paulo,
Perseu Abramo, 2011. p. 241.
21
Trajetória da investigação
A tese é resultado de uma pesquisa que não começou há quatro anos quando
ingressei no doutorado. Certo incômodo com narrativas que negavam a existência de
movimentos feministas no Brasil entre as décadas de 1940 e 1970 apareceu em 2010,
quando dei os primeiros passos como pesquisadora. A bolsa de Iniciação Científica que
recebi quando cursava Licenciatura Plena em História na Universidade do Estado da
Bahia (UNEB) – Campus II, Alagoinhas-BA – foi muito importante para o
desenvolvimento do projeto. A ausência de investimento em pesquisa compromete
drasticamente o desenvolvimento científico.
Orientada por dr. Raimundo Nonato Pereira Moreira comecei a investigar as
representações do feminino em um periódico comunista: o jornal O Momento. 14 Suas
páginas apresentaram indícios de uma complexa relação entre os movimentos comunista
e feminista. E a questão seguiu como um enigma difícil de desvendar, sobretudo, quando
dialogava com a bibliografia até então existente. Lembro que uma manchete intitulada
“As mulheres devem organizar-se para saírem da escravidão” se sobressaiu como um
problema que eu não conseguia responder.15
O texto tratava de uma palestra-sabatina realizada em 1946, na cidade de Salvador,
pelo então deputado comunista Carlos Marighella. Durante o evento, ele advertiu que o
14
A pesquisa estava vinculada ao projeto intitulado “No rastro de Miranda: uma investigação histórica
acerca de Antônio Maciel Bonfim”, coordenado por dr. Raimundo Nonato Pereira Moreira. No primeiro
ano fui bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB); no ano seguinte pelo
Programa de Iniciação Científica da UNEB (PICIN/UNEB). Como desdobramento, além das tarefas
exigidas pela IC, escrevi a monografia: ALVES, Iracélli. Bravas Companheiras! Representações do
feminino em O Momento (1945-1947). 2013. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura Plena em
História) – Departamento de Educação, Universidade do Estado da Bahia, Alagoinhas, 2013.
15
AS MULHERES devem organizar-se para saírem da escravidão. O Momento, Salvador, ano 1, p. 1, 05
mai. 1946.
22
16
Na banca de defesa do TCC, dr.ª Elizangela Oliveira Ferreira sugeriu que aquela poderia ser uma grande
questão para pesquisar no futuro, já que na monografia o trecho aparecia apenas como uma nota de
curiosidade. Ela estava certa. Rendeu uma tese de doutorado.
17
Cf. ALVES, Iracélli da Cruz. A política no feminino: uma história das mulheres no Partido Comunista
do Brasil – seção Bahia (1942-1949). 2015. Dissertação (Mestrado em História) – Departamento de
Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana, 2015.
23
18
BAIRROS, Luiza. Nossos feminismos revisitados. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 95, n. 2, p. 458-
463, jun./dez., 1995. p. 462.
19
RAGO, Margareth. A aventura de contar-se: feminismos, escrita de si e invenções de subjetividade.
Campinas: Editora da Unicamp, 2013. p. 28.
20
HOOKS, bell. O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras. 4ª ed. Rio de Janeiro: Rosa dos
Tempos, 2019. p. 13.
21
CURIEL, Ochy. Descolonizando el feminismo: una perspectiva desde América Latina y el Caribe. In:
Primer Coloquio Latinoamericano sobre Praxis y Pensamiento Feminista, 2009, Buenos Aires. Anais do
Grupo Latinoamericano de Estudios, Formación y Acción Feminista (GLEFAS) – Instituto de Género de
la Universidad de Buenos Aires. Buenos Aires: UBA, 2009.
22
HOOKS, op. cit., p. 13.
23
Igualdade aqui assume um caráter político. Não tem a ver com ser igual ao homem e/ou se igualar ao que
se convencionou chamar de masculino. Igualdade tem a ver com respeito às diferenças. Está relacionada à
garantia à vida, saúde, segurança, educação, dignidade e liberdade para todas as pessoas. Reivindicar
24
entrevista publicada em 1992, Martha Suplicy afirmou que na década de 1970 sentia
dificuldade em se assumir feminista porque “era uma coisa que pegava muito mal,
sapatona, coisa de mal-amada. Mas eu dizia, sem justificar direito”. 27 Rachel Soihet
analisou os estereótipos, inclusive ligados à sexualidade lésbica, forjados pelos
“libertários” do jornal O Pasquim entre as décadas de 1960-70. Segundo a autora:
27
TOSCANO, Moema; GOLDEMBERG, Mirian. A revolução das mulheres: um balanço do feminismo
no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1992. p. 51.
28
SOIHET, Rachel. Zombaria como arma antifeminista: instrumento conservador entre libertários. In.:
SOIHET, Rachel. Feminismos e antifeminismo: mulheres e suas lutas pela conquista da cidadania plena.
Rio de Janeiro: 7Letras, 2013, p. 165-190. p. 184.
26
política e social entre homens e mulheres. Por outro lado, quando levamos em
consideração todo o movimento daquelas que não se percebiam feministas, mas agiram
efetivamente e de forma direta em defesa da quebra das hierarquias entre os gêneros,
defendo que é possível e viável pensá-las como tal.
Estou de acordo com Gláucia Fraccaro quando ela diz que a delimitação do
feminismo não está restrita às teorias sociológicas e filosóficas, mas se constrói e se define
a partir dos embates travados pelas mulheres em diferentes conjunturas e em relação com
diversos grupos políticos. Além dos grupos específicos, o movimento compôs até mesmo
as organizações com a presença de homens, como partidos e sindicatos. As demandas
feministas foram levantadas junto a outras bandeiras e sonhos de liberdade. Neste sentido,
a história do feminismo se constrói e pode ser contada através das lutas – diversas e
heterogêneas – das próprias mulheres.29
Ao mesmo tempo não perco de vista que muitas dessas mulheres dispensavam
o adjetivo de feminista, e como bem lembrou João Pinto Furtado, “um pensamento
historicamente construído precisa ser historicamente explicado”. 30 Para se tornarem
inteligíveis, os acontecimentos precisam ser explicados a partir do “conhecimento mais
amplo de todo o complexo histórico que os engendrou, tanto no que respeita aos seus
aspectos mais propriamente objetivos, quanto até mesmo no que respeita à sintaxe e à
semântica dos termos empregados”. 31 O que não significa dizer, ainda como propõe
Furtado, que não possam ser associadas e utilizadas como elementos de investigação e
demonstração analógica.32
As variações no conceito de feminismo estão imbricadas à história do próprio
movimento. Concordo com Reinhart Koselleck quando afirma que as palavras podem até
permanecer as mesmas, mas não indicam necessariamente a permanência do mesmo
conteúdo ou significado. A maneira como os grupos se apropriam delas e os significados
que lhes são atribuídos em diferentes contextos temporais e espaciais são importantes
para compreendermos tanto a história do conceito quanto os movimentos da sociedade.
Explicando melhor, os usos e significados do conceito são resultado da forma como
pessoas e grupos se apropriam dele. As alterações de sentido pelas quais passam são
29
FRACCARO, Glaucia. Os direitos das mulheres: feminismo e trabalho no Brasil (1917-1937). Rio de
Janeiro: FGV, 2018. p. 16.
30
FURTADO, João Pinto. Uma república entre dois mundos: Inconfidência Mineira, historiografia e
temporalidade. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 21, n. 42, p. 343-363, 2001. p. 359.
31
Ibid., p. 344.
32
Ibid.
27
reflexos de conflitos sociais e políticos. 33 Por isso é que os nomes não devem ser
enjaulados em significados estáticos e categorias rígidas e abstratas. Como sugeriu Sérgio
Buarque de Holanda, é inevitável “a contingência em que nos vemos de ter de lidar
sempre com vocábulos de sentido equívoco ou sujeito a variações, mormente quando
destacamos do seu contexto originário”.34 Este é o caso do conceito de feminismo.
Todavia, para Susan Faludi, desde que a palavra apareceu pela primeira vez em
1895 nas páginas de uma revista inglesa não houve mudanças. A partir daquele momento
a palavra foi definida como a defesa da independência das mulheres. Seria a proposta
básica feita por Nora, personagem da Casa de Bonecas:35 “‘antes de mais nada, eu sou ser
humano’. É simplesmente o cartaz que uma mocinha segurava em 1970 durante a Greve
das Mulheres pela Igualdade: Eu não sou uma boneca Barbie”.36
33
KOSELLECK, Reinhart. História dos conceitos e história social. In: ______. Futuro Passado:
Contribuições à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto, 2006. p. 105-106.
34
HOLANDA, Sérgio Buarque. Sobre uma doença infantil da historiografia. In: Costa, Marcos (Org).
Escritos Coligidos - Livro II, 1950-1979. São Paulo: Unespe/ Fundação Perseu Abramo, 2011. p. 422-423.
35
Casa de Bonecas se refere a uma peça teatral escrita em entre 1878-79 pelo dramaturgo norueguês Henrik
Ibsen.
36
FALUDI, Susan. Backlash: o contra-ataque na guerra não declarada contra as mulheres. Rio de Janeiro:
Rocco, 2001. p. 22.
37
Ibid.
28
As mulheres negras não eram (e continuam não sendo) pensadas dentro dos
estereótipos culturalmente atribuídos ao gênero feminino como características naturais de
todas as mulheres: frágeis, com menor força física, por isso inapropriadas para trabalhos
pesados; quando mães, inseparáveis de seus filhos. Como demonstrou María Lugones, a
partir da modernidade colonial foi retirado delas o status de humanas, por isso tratadas
como “fêmeas”, animalizadas. A autora chamou atenção para o fato de que existe o que
chamou de colonialidade do gênero, o que implica em reconhecer que aos homens e às
mulheres negras não são atribuídos os sentidos de gênero construídos pelos
colonizadores. 38 Mas esses sujeitos se apropriam deles mediante ressignificações. Em
outras palavras, reconstroem sentidos de feminilidade e masculinidade a partir de suas
próprias experiências sem deixar de estar enredados nos valores culturalmente
compartilhados.
Ao afirmar que o significado do feminismo sempre foi o mesmo, Faludi se
esbarra justamente na colonialidade de gênero apontada por Lugones, pois generaliza
experiências localizadas como se fizessem sentido para todas as mulheres. Silencia muitas
experiências e releituras do conceito elaboradas por mulheres que nunca puderam ocupar
o lugar de “elementos decorativos” nem de “bonecas Barbeis”. Entre elas o feminismo
ganhou novas roupagens. Os feminismos não hegemônicos (negro, pós-colonial,
indígena, lésbico, decolonial etc.) são exemplos emblemáticos. O feminismo negro
denunciou que a subordinação das mulheres negras é marcada por opressões
interseccionais de raça, classe, gênero, sexualidade e nação. Se constituiu “como resposta
ativista a essa opressão”. 39 Já feminismo indígena, como demonstrou Ochy Curiel,
questionou as relações patriarcais, racistas e sexistas das sociedades latino-americanas,
ao mesmo tempo em que problematizou os usos e costumes de suas próprias comunidades
e povos que mantém as mulheres subordinadas.40
De acordo com Yuderkys Espinosa Miñoso, o pensamento feminista
decolonial, por sua vez, recuperou correntes críticas dos feminismos não hegemônicos,
ao mesmo tempo em que tem avançado no questionamento da unidade das mulheres. Sua
proposta emerge do encontro entre a perspectiva da interseccionalidade e as investigações
38
LUGONES, María. Rumo ao feminismo descolonial. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 22, n. 3, 935-
952, set./dez., 2014. p. 936.
39
COLLINS, Patrícia Hill. Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do
empoderamento. São Paulo: Boitempo, 2019. p. 63.
40
CURIEL, Ochi. Critica pós-colonial desde las praticas del feminismo antirracista. Nómadas, Bogotá, n.
26, p. 91-100, abr., 2007. p. 99.
29
41
MIÑOSO, Yuderkys Espinosa. De por qué es necessario um feminismo descolonial: diferenciación,
dominación co-constitutiva de la modernidade occidental y el fin de la política de identidad. Solar, Lima,
n. 1, v. 12, p. 141-171, ago., 2017.
42
LOUGONES, 2014, p. 935-937.
43
CURIEL, 2007, p. 100.
44
PEDRO, Joana. Narrativas fundadoras do feminismo: poderes e conflitos. Revista Brasileira de História,
São Paulo, v. 26, n. 52, p. 249-272, 2006. p. 250-251.
30
45
Ao longo de sua trajetória a FBPF se engajou na defesa dos direitos civis e políticos das mulheres.
Organização de nível nacional, alcançou uma institucionalização significativa. Nas primeiras décadas de
existência, instalou filiais em vários Estados brasileiros, como São Paulo, Bahia e Pernambuco, assim como
outras associações assistenciais e profissionais se uniram à entidade. Além da articulação nacional,
internacionalmente, a FBPF estava vinculada a organização feminista norte-americana International
Alliance of Women (Aliança Internacional de Mulheres) e participou de vários eventos promovidos pela
entidade. Cf. PINTO, Céli Regina Jardim. Uma história do feminismo no Brasil. São Paulo: Perseu Abramo,
2003. p. 14; SOIHET, Rachel. O feminismo de Bertha Lutz: conquistas e controvérsias. In: SOIHET,
Rachel. Feminismos e antifeminismos: mulheres e suas lutas pela conquista da cidadania plena. Rio de
janeiro: 7Letras, 2013, p. 55-122. p. 65-66.
46
Programa para a celebração do Ano Internacional da Mulher, 10° Boletim Periódico, jan., 1975. Arquivo
Nacional, Fundo Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Código de Referência: BR RJANRIO
Q0.ADM, EVE.CNF,TXT.33, v. 2.
47
Ano Internacional da Mulher. Arquivo Nacional, Fundo Federação Brasileira pelo Progresso Feminino.
Código de Referência: BR RJANRIO Q0.ADM, EVE.CNF,TXT.33, v. 3.
31
48
PEDRO, 2007, p. 249.
49
Ibid.
32
No entanto, como veremos, tanto o debate sobre a liberdade sexual das mulheres,
quanto acerca da relação homem-mulher compôs o repertório do grupo feminista que
50
MONTENEGRO, Ana. Ser ou não ser feminista? Recife: Cadernos Guararapes, v. 3, 1981, p. 63.
51
BRITO, Antônio Mauricio Freitas. O Golpe de 64, o movimento estudantil na UFBA e resistências à
Ditadura Militar (1964-1968). 2008. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2008. p. 13.
52
TOSCANO; GOLDEMBERG, 1992. p. 29.
53
Ibid., p. 30.
33
estudo na tese. As discussões não deixaram de ser marcadas por resistências de mulheres
que não julgavam os temas fundamentais. A polêmica tinha menos a ver com um recorte
geracional entre feministas “novas” e “velhas” do que com concepções políticas e
interpretações sobre as prioridades e estratégias do movimento.
Partindo dos depoimentos de mulheres exiladas e da documentação que
produziram, Maira Abreu acredita que até os anos 1970 sequer havia feminismo no Brasil
enquanto movimento coletivo. Para ela, até os anos 1960 isso ainda era algo muito
distante porque muitos militantes de esquerda identificavam o movimento como liberal
ou sexista e anti-homem. Embora a questão começasse a ser discutida em meios como
alguns jornais da imprensa alternativa, um movimento organizado só tomaria corpo a
partir de 1975, muito em função do contato que as exiladas tiveram com as ideias
feministas enquanto estiveram no exterior, especialmente na França. A experiência teria
contribuído para uma alteração profunda da concepção de feminismo entre as
brasileiras.54
Certamente, o contato com o então efervescente ideário feminista francês
influenciou as mulheres de forma significativa. Mas seria interessante saber em que
medida a presença das brasileiras e de outras mulheres latino-americanas na França
impactou o feminismo francês. Resposta que não posso dar. Mas me parece uma
generalização um tanto exagerada a ideia de que o contato contribuiu para “uma alteração
profunda da concepção de feminismo entre as brasileiras”. Nas décadas anteriores à
ditadura já havia um processo de articulação e debate feminista no país.
A ressalva de Abreu de que não existia feminismo porque as esquerdas
socialistas e comunistas faziam uma leitura enviesada do movimento pressupõe que no
Brasil o feminismo se desenvolveu a reboque dos grupos políticos de esquerda, versão
muito comum nas memórias das próprias militantes. Esta leitura apaga a pluralidade
política dos diversos grupos feministas. Nem todos se vincularam aos projetos socialistas
ou comunistas. Havia feministas liberais, como ela própria deixa implícito. Embora a
autora tenha ressaltado que definir o feminismo não é neutro, em alguma medida, ela se
prendeu as narrativas de quem viveu a experiência na década de 1970.
Mas as memórias são divididas. Como propôs Alessandro Portelli, além da
dicotomia entre a memória institucional e a memória coletiva de determinado grupo, há
54
ABREU, 2010, p. 78.
34
55
PORTELLI, Alessandro. O massacre de Civitella Val di Chiana (Toscana: 29 de julho de 1944): mito,
luto e senso comum. In: FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína (Orgs.) Usos & abusos da
História oral. 4 ed. Rio de Janeiro: FGV, 2001. p. 103-130.
56
BRITO, Mauricio Freitas. Militância estudantil e memória dos anos 1960. Tempo & Argumento, v. 9. n.
21, Florianópolis, 2017, p. 123.
57
PEDRO, Joana. Trajetórias políticas em mudança: tornar-se feminista no Cone Sul. In: SIMPÓSIO
NACIONAL DE HISTÓRIA, 25, 2011, São Paulo. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História –
Associação Nacional de História. São Paulo: USP, 2011.
58
Cf. FONTELES, 2005; PEDRO, 2006; MÉNDEZ, 2008.
35
59
PINTO, 2003, p. 11.
60
Ibid., p. 43.
61
TELES, Maria Amélia de Almeida. Breve história do feminismo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1999,
p. 50-51.
62
Ibid., p. 9-11.
36
da Europa e nos Estados Unidos no final do século XX. Como apontaram Luis Felipe
Miguel e Flávia Biroli, essa perspectiva se pautou na recusa ao universalismo – saturado
de masculinidade. Nesse sentido, não seria suficiente exigir o acesso das mulheres às
atividades próprias do universo dos homens. Era preciso redefinir os critérios de
valoração que atribuem maior importância às atividades culturalmente desenvolvidas por
eles. O movimento pendeu para a construção da “positividade feminina”, no sentido de
mostrar que “a igualdade entre os sexos não exige que as mulheres adotem o padrão de
comportamento que hoje é visto como masculino – agressividade sexual, éthos
competitivo, racionalidade fria, desprezo aos afetos”.63
A partir da descoberta da política da diferença, Maria Amélia de Almeida Teles,
implicitamente demarcou que o feminismo mais consequente para a libertação das
mulheres nasceu na década de 1970. Não percebeu, como é próprio do processo de
rememoração e construção de sentidos a partir da própria experiência e leitura de mundo,
que antes da década de 1970 questões relativas ao que chamou de luta por libertação já
estavam sendo colocadas.
Na tese, demonstro que muitas das supostas ideias renovadas da década de 1970,
sobretudo em relação ao debate sobre a liberdade sexual foram discutidas dentro do
movimento feminista de orientação comunista desenvolvido entre as décadas de 1940-70.
Mesmo antes, como demostrou Margareth Rago, mulheres anarquistas, como Maria
Lacerda de Moura e Luce Fabri, propuseram a emancipação das mulheres e uma nova
moral sexual de cunho profundamente libertário.64
Mas para Andréa Bandeira, até o advento do Golpe Militar em 1964, a
participação das mulheres nos movimentos populares, nos partidos e federações não foi
resultado de uma consciência de gênero. Por isso, ela considera anacronismo falar em
feminismo naquela conjuntura. O entendimento de que existia uma opressão de gênero
teria surgido posteriormente como consequência da leitura de suas experiências
63
MIGUEL, Luis Felipe; BIROLI, Flávia. Introdução: Teoria política feminista, hoje. In: MIGUEL, Luis
Felipe; BIROLI, Flávia. Teoria política feminista: textos centrais. Vinhedo: Horizonte, 2013, p. 7-54. p.
23.
64
Cf. RAGO, Margareth. O prazer no casamento. Cadernos Ceru, série 2, n. 7, p. 97-111, 1996; Idem.
Entre a História e a liberdade: Luce Fabri e o anarquismo contemporâneo. São Paulo: UNESP, 2001; Idem.
Ética, anarquia e revolução em Maria Lacerda de Moura. In: FERREIRA, Jorge; REIS, Daniel Arão (Orgs.).
A formação das tradições (1889-1945). v. 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 275-293.
37
65
BANDEIRA, 2012, p. 26.
66
Grosso modo, o conceito de gênero propõe a desnaturalização das diferenças sexuais apontando para o
fato de que as categorias binárias homem-mulher; masculino-feminino são construções culturais. Em outras
palavras, muitas das caraterísticas que definem o “ser homem” ou o “ser mulher” não são biológicas, mas
historicamente construídas. Tanto é assim que mudam e apresentam diferenças substanciais a depender do
tempo e/ou da cultura em que os sujeitos estão inseridos. Para aprofundar a reflexão cf.: TILLY, Louise A.
Gênero, História das Mulheres e História Social. Cadernos Pagu, Campinas, n. 3, p. 29-62, 1994;
VARIKAS, Eleni. Gênero, experiência e subjetividade: a propósito do desacordo Tilly-Scott. Cadernos
Pagu: São Paulo, n. 3, p. 63-84, 1994. MORANT, Isabel. El sexo de la historia. In: ______. Las Relaciones
de Genero. Madri: Marcial Pons, 1995; SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para a análise histórica.
Educação & Realidade: Porto Alegre, v. 20, p. 71-99, jul./dez. 1995; GONÇALVES, Andréa Lisly.
Gonçalves. História & Gênero. Belo Horizonte: Autêntica, 2006; KÜHNER, Maria Helena; JACOBINA,
Eloá (Orgs.). Feminino Masculino no imaginário de diferentes épocas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
1998; FAGUNDES, Tereza Cristina Pereira Carvalho (Org). Ensaios sobre Educação, sexualidade e
Gênero. Salvador: Helvécia, 2005; LUGONES, 2014; BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo
e subversão da identidade. 11ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.
67
DARNTON, Robert. Poesia e política: redes de comunicação na Paris do século XVIII. São Paulo: Cia
das Letras, 2014. p. 134-135.
68
MACEDO, Elza Deli Veloso. Ordem na casa e vamos à luta! Movimento de mulheres: Rio de Janeiro
1945-1964. Lydia da Cunha – uma militante. 2001. Tese (Doutorado em História) – Instituto de História,
Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2001. p. 190; LEÃO, Viviane Maria Zeni. Momento Feminino:
Mulheres e imaginário comunista (Uma nova história, uma história nova). 1945-1956. 2003. Dissertação
(Mestrado em História) – Setor de Ciências Humanas, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2003;
TORRES, Juliana Dela. A representação visual da mulher na imprensa comunista brasileira (1945-1957).
38
2009. Dissertação (Mestrado em História) – Centro de Letras e Ciências Humanas, Universidade Estadual
de Londrina, Londrina, 2009.
69
TAVARES, Btzaida Mata Machado. Mulheres Comunistas: Representações e práticas femininas no PCB
(1945-1979). 2003. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2003.
70
FERREIRA, Alane. Mulheres Vermelhas: a atuação das militantes do Partido Comunista do Brasil (PCB)
no jornal Momento Feminino (1947-1950). Dissertação (Mestrado em História) – Departamento de
Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana, 2019.
71
RIBEIRO, Iracema. Sobre o trabalho do Partido Comunista do Brasil entre as mulheres. Imprensa
Popular, Rio de Janeiro, ano 3, n. 1.468, p. 2-4 (3° Caderno), 03 abr., 1955.
39
pautada “em velhas ideias que prega[vam] a superioridade do homem sobre a mulher e
defend[iam] a condição do homem como ‘senhor’ o que acarreta[va] graves prejuízos ao
movimento revolucionário”.72
Vinte anos depois, em 1975, foi a vez de Zuleika Alambert elaborar outro
documento com reclamações semelhantes. Passadas duas décadas, persistia o incômodo
de que no partido “a mulher era uma coisa secundária”.73 De acordo com Rachel Soihet,
o documento enfatiza que até aquele momento o PCB se preocupava com as mulheres
apenas formalmente. A presença de mulheres militantes era pequena, menor ainda nos
cargos de direção. Zuleika, assim como Iracema, destacou inexistir uma política definida
em relação às mulheres. O partido, até aquele momento, não havia encarado com
profundidade a “questão da mulher”, tanto teórica quanto politicamente.74 Desta vez, pela
primeira vez houve a incorporação positiva da expressão feminismo, que se repetiu na
resolução política de 1979, atualizada em 1982.75
Em 2006, em entrevista concedida a Roselane Neckel, Zuleika relembrou o
processo de construção do documento que, segundo ela, foi tenso. A narrativa sugere que
o viés feminista teria motivado sua expulsão do PCB. “Eu fiz depois eu cheguei aqui [do
exílio], e refiz o livro já com as ideias que eu adquiri na França, entende? [...] Eu era
louca, eles me expulsaram, me expulsam, olha aqui, resolução política de maio de 79
atualizada em abril de 82, né”.76
Os marxistas tinham uma ideia muito feia do feminismo, e por isso que
me empurraram fora, porque eu comecei, eu não era feminista, eu não
me dizia feminista, mas eu participava do grupo da Ruth Escobar, que
era um grupo escrachadamente feminista, reunia as maiores feministas
de SP e depois fui assessora dela.77
72
RIBEIRO, 1955, p. 2-4.
73
ALAMBERT, Zuleika. Entrevista cedida a Roselane Neckel em 04 ago., 2006. Transcrita por Veridiana
Bertelli de Oliveira.
74
SOIHET, Rachel. Do comunismo ao feminismo: a trajetória de Zuleika Alambert. Cadernos Pagu,
Campinas, n. 40, p. 169-195, jan./jun., 2013. p. 178
75
OS COMUNISTAS e a questão da mulher. São Paulo: Cerifa/Novos Rumos, 1982.
76
ALAMBERT, 2006.
77
Ibid.
40
Estrutura da tese
78
OS COMUNISTAS e a questão da mulher, 1982, p. 8.
79
Ibid.
41
1
À época, embora já houvesse discussão sobre as desigualdades entre homens e mulheres e a
problematização de que até que ponto as diferenças biológicas serviam para justificá-las, não havia uma
dissociação entre mulher-feminino; homem-masculino, características percebidas como naturais. No debate
feminista do contexto, problematizava-se a ideia de que as mulheres – todas percebidas como naturalmente
femininas – eram frágeis, menos inteligentes e racionais que os homens, e que aos homens – sempre vistos
como masculinos – caberia o lugar de dominação em todas as esferas da vida social. Portanto, quando falar
do debate da época, utilizarei a expressão feminino entre aspas para lembrar que a terminologia é
historicamente localizada e que hoje o masculino e o feminino não são – ou não deveriam ser – entendidos
como características naturais de homens e mulheres, respectivamente. A própria ideia que define o ser
homem ou mulher é construída historicamente.
44
1.1. “Para o coração, sim. Mas também para o espírito”: orientação política e
objetivos de Momento Feminino
Posso dizer que agora que tenho muita esperança pelo seu futuro. Não
é que esteja perfeito. Deverá melhorar muito para se tornar um jornal
indispensável a todas as mulheres. Mas alcançará este fim se continuar
a ser dominado pelo mesmo espírito de honestidade. [...] Já existia uma
revista feita por mulheres. Faltava-nos um jornal. “Momento Feminino”
vai preencher esta lacuna. Tenho a certeza absoluta de que contribuirá
1
JEAN, Yvone. Momento Feminino. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, ano 17, n. 7606, p. 3 (Seção 2),
12 ago. 1947.
2
A SEU serviço. Tribuna Popular, Rio de Janeiro, ano 3, n. 609, p. 5, 28.mai. 1947. Entendo que o texto
pode representar uma estratégia de propaganda. Ao publicar uma resposta a uma possível leitora, é provável
que a finalidade fosse despertar curiosidade e aumentar as vendas do periódico quando ele fosse lançado.
3
Segundo Rafael Pereira da Silva, de origem judia – natural de Antuérpia, Bélgica – Yvonne Jean (1911-
1981) imigrou para o Brasil em 1940 e logo se estabeleceu como jornalista na imprensa carioca. Em 1962
transferiu-se para o Distrito Federal para lecionar na Universidade de Brasília (UNB), a convite de Darcy
Ribeiro. “Intelectual atuante, além de jornalista exerceu trabalhos como tradutora, arte-educadora e
literata”. Cf.: SILVA, Rafael Pereira da. Fragmentos de (auto)imagem: notas sobre o fundo Yvonne Jean
no Arquivo Público no Distrito Federal (1911-1981). Maracan, Rio de Janeiro, n. 20, p. 171-184, jan./abr.,
2019.
4
JEAN, Yvone, op. cit.
46
5
JEAN, 1947, p. 3.
6
Segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na década de 1940 o Brasil
possuía cerca de 16,4 milhões de analfabetos, concentrados principalmente nos estados do Norte e Nordeste
do país. Menos de um terço da população entre 7 e 14 anos frequentava a escola. Apesar da taxa de
analfabetismo ser alta e da baixa frequência escolar das crianças e adolescentes, de acordo com Gláucia
Fraccaro, a partir de 1888 até a década de 1940, houve a expansão do ensino público e profissional no
Brasil, ampliando significativamente a instrução para ambos os sexos, mas de maneira mais importante
para as mulheres. “O número de mulheres alfabetizadas cresceu quase três vezes mais que os dos homens”,
especialmente nas grandes capitais do país, como Rio de Janeiro e São Paulo. Cf. ESTUDO revela 60 anos
de transformações sociais no Brasil. Agência IBGE Notícias, 2007. Disponível em: <
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/13300-
asi-estudo-revela-60-anos-de-transformacoes-sociais-no-pais> Acesso em: 08 out., 2019; FRACCARO,
Gláucia. Os direitos das mulheres: feminismo e trabalho no Brasil (1917-1937). Rio de Janeiro: FGV, 2018.
p. 24.
47
7
O Dicionário Mulheres do Brasil e o Dicionário crítico de escritoras brasileiras trazem notas biográficas
da maioria das mulheres citadas, com exceção de Sagramor Scuvero. As informações sobre sua trajetória
artística podem ser encontradas na Revista do Rádio. Cf. SCHUMAHER, Schuma; BRAZIL, Érico Vital.
Dicionário Mulheres do Brasil: de 1500 até a atualidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000; COELHO,
Nelly Novaes. Dicionário crítico de escritoras brasileiras (1711-2001). São Paulo: Escrituras, 2002. Sobre
Sagramor Scuvero cf.: AROLIMA. Sagramor: uma vida voltada para uma obra. Revista do Rádio, Rio de
Janeiro, ano 1, n. 4, p. 4-5, maio de 1948.
8
Para mais informações sobre a trajetória de Alice Tibiriçá cf. SCHUMAHER; BRAZIL, 2000, p. 31-33;
PEREIRA, Andréa Ledig de Carvalho. Conservadoras ou Revolucionárias? Trajetórias femininas,
filantropia e proteção social: São Paulo e Rio de Janeiro (1930/1960). Tese (doutorado em Política Social)
– Centro de Estudos Sociais Aplicados, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2016, p. 28-101.
48
se aproximando do partido desde a década de 1930. Na década seguinte ficou ainda mais
próxima quando, em 1946, fundou e dirigiu o Instituto Feminino de Serviço Construtivo
(IFSC), que logo se filiaria a Federação Democrática Internacional de Mulheres (FDIM),
instituição de orientação comunista sediada em Paris.
Ana Montenegro atuou como jornalista. Na década de 1940 tornou-se militante
do PCB, filiando-se oficialmente ao partido em 1945. No contexto, exerceu sua militância
entre a Bahia e o Rio de Janeiro. Em Salvador, atuou na União Democrática Feminina da
Bahia e foi candidata a deputada estadual em 1947. No Rio de Janeiro, participou dos
movimentos populares e do movimento de mulheres, tornando-se colaboradora do jornal
Momento Feminino.9
Nice Figueiredo era advogada, formada pela antiga Faculdade Nacional de Direito
da Universidade do Brasil (atualmente Universidade Federal do Rio de Janeiro). 10
Também se enveredou nas artes cênicas, atuando como atriz na peça Vestir os Nus, texto
escrito em 1922 por Luigi Pirandelo, italiano prêmio Nobel da Literatura.11 De setembro
de 1947 até junho de 1950 foi responsável pela coluna Direitos da Mulher de Momento
Feminino. Ao longo de sua trajetória no periódico publicou 51 artigos, a maioria
discutindo como as leis ratificavam os valores socioculturais que inferiorizavam as
mulheres.12 No que diz respeito ao seu vínculo com o PCB, não temos meios de atestar
uma ligação oficial, mas suas ideias se alinhavam com os valores do partido.13
Além de comunistas, a maioria das colaboradoras e diretoras de Momento
Feminino, era branca ou socialmente branca (no Brasil)14, escolarizada, de classe média,
9
Sobre a trajetória de Ana Montenegro cf.: SCHUMAHER; BRAZIL, 2000, p. 60-61; MONTENEGRO,
Ana; OLIVEIRA, Jardilina de Santana. Falando de Mulheres. Salvador: ND. Gráfica e Editora LTDA,
2002. p. 47-62; FLÔRES, Fernanda Lédo. Na mira da repressão: militância política e escrita jornalística
em Ana Montenegro (1947-1983). Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2017.
10
FACULDADE Nacional de Direito (nota de convocação). Correio da Manhã, Rio de Janeiro, ano 40, n.
14214, p. 8, 07 mar., 1941.
11
Vestir os nus narra uma história envolvendo a tentativa de suicídio de uma mulher, Ersília. O fato é
narrado através de várias versões dos personagens envolvidos e do próprio espectador.
12
Cf.: ALVES, Iracélli da Cruz. Nice Figueiredo, Momento Feminino e o debate feminista no Brasil.
Saeculum, João Pessoa, v. 40, n. 40, p. 265-288, jan. /jun., 2018.
13
Até o momento tem sido difícil localizar as peças que nos ajude a montar o quebra-cabeça sobre a
trajetória de Nice Figueiredo. Ela escreveu em Momento Feminino de 1947 a 1950. A maioria dos dados
biográficos foram encontrados no próprio periódico. Nice Figueiredo não foi citada em nenhum dos
dicionários consultados, nem aparece nos sites especializados em notas biográficas de personalidades.
14
Quando me refiro às pessoas socialmente brancas falo dos indivíduos pardos que, no Brasil, a depender
das circunstâncias, podem transitar como brancos, sobretudo quando das camadas médias ou altas da
sociedade. Atualmente, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística define como negras pessoas pretas
e pardas, mas na década de 1940 não havia essa delimitação. A maioria das pessoas das camadas abastadas,
quando pardas de pele clara, provavelmente eram percebidas e se autodeclaravam brancas. Conceitos têm
sido forjados para dar conta do complexo debate racial no Brasil, tanto nos movimentos sociais quanto na
49
residindo nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo. A idades variavam: havia a
colaboração de jovens na casa dos 20-25 anos, como Alina Paim, Arcelina Mochel e
Jacinta Passos; até mulheres com idade mais avançada, na faixa dos sessenta anos, como
Alice Tibiriçá e Nuta Bartlet James. Eram mulheres que formavam uma elite, em um país
pouco escolarizado e marcado por profundas desigualdades (sociais, raciais, regionais e
de gênero), interessadas em mobilizar politicamente outras mulheres, especialmente das
camadas populares, negras em sua maioria.
Apesar do lugar social que ocupavam, assumiram, não sem contradições e
dificuldades, o engajamento político na luta em defesa das mulheres trabalhadoras, que,
não podemos esquecer, eram majoritariamente negras.15 Ainda que de forma mediada,
imprimiram vozes das trabalhadoras. Era frequente a publicação de reportagens
relacionadas à visita aos morros cujo principal objetivo era ouvir as narrativas das
moradoras sobre os problemas que enfrentavam no dia a dia, sobretudo, aqueles
relacionados à falta de água, alimento, saneamento básico, emprego, moradia e creches
para que elas pudessem deixar as crianças enquanto trabalhavam.
No que diz respeito ao debate racial, houve um silêncio relacionado ao fato da
maioria das mulheres da classe trabalhadora ser negra. Em linhas gerais, o debate racial
academia, entre eles branquitude e colorismo. Para mais informações cf.: ALVES, Luciana. Significados
de ser branco – a brancura no corpo e para além dele. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade
de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010; SCHUCMAN, Lia Vainer. Entre o
“encardido”, o “branco” e o “branquíssimo”: raça, hierarquia e poder na construção da branquitude
paulista. Tese (Doutorado em Psicologia) – Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo,
2012; PASSOS, Ana Helena Ithamar. Um estudo sobre branquitude no contexto de reconfiguração das
relações raciais no Brasil. Tese (Doutorado em Serviço Social) – Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013; CARNEIRO, Sueli. Negros de pele clara. Centro de Estudos das Relação
de Trabalho e Desigualdades (CEERT), 25 set., 2016. Disponível em: <
https://www.ceert.org.br/noticias/genero-mulher/13570/sueli-carneiro-negros-de-pele-clara> Acesso em:
06 set., 2019; SCHUMAHER, Schuma. Branquitude para além do incômodo. Geledés Instituto da Mulher
Negra, 14 jun., 2017. Disponível em < https://www.geledes.org.br/branquitude-para-alem-do-
incomodo/>Acesso em: 06 set., 2019; BERTH, Joice. Branquitude e privilégios: o lacre social. Justificando,
27 set., 2017. Disponível em: < http://www.justificando.com/2017/09/27/branquidade-e-privilegio-o-lacre-
social/> Acesso em: 06 set., 2019; SANTANA, Bianca. Quem é mulher negra no Brasil? Colorismo e o
mito da democracia racial. Revista Cult Digital, 08 mai., 2018. Disponível em:
<https://revistacult.uol.com.br/home/colorismo-e-o-mito-da-democracia-racial/> Acesso em: 06 set., 2019;
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Colorismo ou que horas são? Nexo, 18 jun., 2018. Disponível em:
http://liliaschwarcz.com.br/conteudos/visualizar/Colorismo-ou-que-horas-sao7> Acesso em: 06 set., 2019;
entre outros.
15
Lugar social representa o lugar que o sujeito ocupa socialmente (negro, mulher, homossexual etc.),
independente de sua vontade ou autoidentificação. Segundo Joaze Bernardino-Costa e Ramón Grosfoguel,
o fato de alguém compor socialmente o lado oprimido das relações de poder não implica necessariamente
que ele vai pensar “epistemicamente a partir do lugar epistêmico subalterno”, nem significa, acrescento,
que vai se engajar nas lutas políticas dos grupos subalternizados. “O sistema-mundo moderno/colonial se
sustenta porque teve êxito em fazer com que os sujeitos que fazem parte do lado oprimido da diferença
colonial pensem epistemicamente como aqueles que se encontram em posições dominantes.
BERNARDINO-COSTA, Joaze; GROSFOGUEL, Ramón. Decolonialidade e perspectiva negra.
Sociedade e Estado, Brasília, v. 31, n. 1, p. 15-24, 2016. p. 19.
50
16
ENEIDA. Mundo de Hoje. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 12, p. 2, 10 out., 1947.
17
ARCELINA. Uma grande mulher. Momento Feminino, Rio de Janeiro, 27 fev., ano 1, n. 31, p. 2, 27 fev.,
1948.
18
PROBLEMAS daqui e do mundo: o futuro das mulheres de cor. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano
1, n. 27, p. 6-7, 23 jan., 1948.
51
À época, embora autores como Lima Barreto e Guerreiro Ramos já estivessem produzido
reflexões sobre as desigualdades raciais, a perspectiva preponderante era a de que o Brasil
era um país positivamente miscigenado. 19 O grande conflito não seria racial, mas de
classe.
Criado, dirigido e mantido especialmente por comunistas, o debate racial, embora
presente, não ganhou muito espaço em Momento Feminino. O periódico tinha como
finalidade principal orientar as mulheres tanto para a luta dos “direitos femininos”, quanto
para a sua formação política mais ampla, no sentido de informá-las sobre a conjuntura
nacional e internacional. Tudo isso sem perder a dimensão “feminina” da proposta.
19
Cf. MAIO, Marcos Chor. Cor, intelectuais e nação na sociologia de Guerreiro Ramos. Cadernos
EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 3, ed. especial, p. 605-630, set., 2015; SCHWARCZ, Lilia Moritz. Lima
Barreto: triste visionário. São Paulo: Cia das Letras, 2017.
20
FERRARO, Leda. Sonho de ontem, realidade de hoje. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 2, n. 46,
p. 15, 06 ago., 1948.
21
MACEDO, 2001, p. 158.
22
MORAES, Dênis. O imaginário vigiado: a imprensa comunista e o realismo socialista no Brasil (1947-
53). Rio de Janeiro: José Olympio, 1994, p. 60-62.
52
23
MORAES, 1994, p. 58-63.
24
Ibid., p. 60-62.
25
FARGE, Arlette. O sabor dos arquivos. São Paulo: Edusp, 2009. p. 13.
53
para que todas as organizações de mulheres tivessem seu órgão de imprensa. Para aquelas
organizações que ainda não tinham condições de ter seu próprio jornal, recomendou que
utilizassem o máximo possível a imprensa progressista de seus respectivos países.26
Na medida do possível, Momento Feminino se esforçou para atender às
orientações da FDIM. Na edição de 01 de agosto de 1950, Arcelina Mochel usou sua
coluna para alertar sobre a necessidade de multiplicar sua tiragem, garantir a impressão,
bem como organizar e ampliar a sua rede de distribuição, “fazendo-o penetrar em todos
os lares”. 27 No mesmo número, o editorial reforçou as recomendações da diretora,
evidenciado que era preciso atender “à resolução do Conselho da Federação de Mulheres
do Brasil” no que diz respeito a ampliação da tiragem e rede de circulação.28 No ano
seguinte, apesar das dificuldades financeiras, conseguiu alcançar a tiragem de 10.000
exemplares.29
Além disso, não poupou textos exaltando o modo de vida dos países do bloco
comandado pela União Soviética e personalidades comunistas, como Stalin, considerado
o “grande dirigente do povo soviético, intransigente defensor da paz para os povos de
todo o mundo e da colaboração pacífica entre países de regimes diferentes”;30 Luiz Carlos
Prestes, descrito como “bom irmão, bom pai, bom homem”,31 que “sempre tem defendido
os direitos da mulher brasileira”;32 Leocádia Prestes, a mãe do “Cavaleiro da Esperança,
mulher corajosa, persistente, trabalhadora”; 33 Olga Benário, sempre lembrada como
“esposa do grande líder brasileiro Luiz Carlos Prestes e mãe de uma menina brasileira,
Anita Leocádia, que nasceu entre as grades de uma prisão”;34 Dolores Ibarruri, secretária
geral do Partido Comunista Espanhol (PCE), que recebeu os adjetivos de “velha amiga
da liberdade, lutadora infatigável pela República espanhola, pela democracia da Espanha,
pela felicidade de todas as mulheres do mundo”.35
26
REUNIÃO do Conselho da Federação Democrática Internacional de Mulheres. Momento Feminino, Rio
de Janeiro, ano 2, n. 62, p. 3, 30 out., 1949.
27
MOCHEL, Arcelina. Três anos de luta. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 73, p. 2, 01 ago.,
1950.
28
COMO FUNCIONA Momento Feminino. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 73, p. 12-23, 01
ago., 1950.
29
QUATRO anos de vida. Uma vitória e uma necessidade. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 4, n.
86, p. 5, ago., 1951.
30
NOSSA saudação. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 79, p. 11, 20 dez., 1950.
31
O SENADOR do povo – Bom irmão, bom pai, bom homem. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1,
n. 24, p. 6, 3 jan., 1948.
32
COISAS que aconteceram. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 2, n. 54, p. 7, 07 abr., 1949.
33
D. LEOCÁDIA. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 2, n. 59, p. 2, 20 mai., 1949.
34
A FIGURA de Olga Benário Prestes. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 65, p. 2, 24 fev., 1950.
35
DIA 8 de março. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 32, p. 4, 05 mar., 1948.
54
O jornal também ocupou suas páginas com divulgações dos êxitos de mulheres
que atuaram nos vários campos da vida política, artística e social, tanto no Brasil quanto
em outros países. 36 A intenção era tirar das margens a importância das mulheres nos
acontecimentos históricos nacionais e internacionais e na construção do conhecimento, e
concomitantemente, colocá-las como heroínas no panteão dos heróis masculinos. O título
da seção “Heroínas do Brasil e do mundo” é reflexo do que estou falando.37 É provável
que o exercício tenha tido um caráter pedagógico: inspirar as leitoras e encorajá-las à
militância política junto aos movimentos de mulheres organizados.
As propostas do movimento eram evidenciadas nas publicações das resoluções
internas e externas. Momento Feminino não deixava de publicar os boletins da FDIM e
notícias sobre sua movimentação pelo mundo, 38 assim como convites, exortações,
chamadas para congressos, diretrizes sobre articulação de campanhas internacionais,
notícias sobre a movimentação de Madame Cotton, então presidenta da FDIM, informes
sobre reuniões do Conselho Consultivo realizadas com delegadas de diversos países e
análises críticas sobre a “situação da mulher” em várias países, com destaque sempre para
as supostas condições de vida superiores das mulheres do bloco soviético.
Sua principal utopia era a mudança radical da ordem política e social, com a
consciência de que o processo era lento e gradual. Suas páginas tornaram-se palco dos
debates caros ao PCB, como a luta pela paz, contra a bomba-atômica, em defesa do
petróleo, contra o alto custo de vida, em defesa da classe trabalhadora. Mas também
36
Os textos eram geralmente publicados nas seções “Prazer em Conhecê-la” e “Heroínas do Brasil e do
Mundo”, mas fora delas também. Exemplos: AS HEROÍNAS de Tejucupapo. Momento Feminino, Rio de
Janeiro, ano 1, n. 1, p. 2, 25 jul., 1947; BARBARA Heliodora. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 2,
n. 68, p. 3, 02 mai. 1950; DUAS heroínas na luta pela independência nacional. Momento Feminino, Rio de
Janeiro, ano 3, n. 71, p. 6, 15 jul. 1950; CLARA Felipe Camarões e a resistência aos holandeses. Momento
Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 75, p. 2, 01 set. 1950; entre outras.
37
Entre as várias homenageadas na seção, estavam: Tereza Margarida da Silva Orta, descrita como autora
do primeiro romance publicado no Brasil. “O primeiro romance escrito por um brasileiro data de 1752 e é
de autoria de uma mulher. [...] Esse livro chama-se ‘Aventuras de Diofanes e sua autora é Tereza Margarida
da Silva Horta, nascida em São Paulo em 1711 ou 1712 e falecida em Portugal, mais ou menos em 1787”;
Sonia Kavalevska, matemática russa. Natural de Moscou, a intelectual nasceu em 1850 e morreu em 1891.
Foi professora na Universidade de Estocolmo, ocupando a cadeira de Análise a partir de 1884. “Escreveu
vários trabalhos de grande valor”, sendo premiada pela Academia de Ciências de Paris em 1888; e Maria
Amélia de Queiroz, abolicionista pernambucana “de inteligência brilhante e cultivada, tomou parte muito
ativa na propaganda em favor da abolição e se ocupou de assuntos tendentes ao engrandecimento de seu
país, em conferências públicas em vários pontos do seu Estado natal. Cf., respectivamente, TEREZA
Margarida da Silva Orta. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 3, p. 5, 08 ago., 1947; SONIA
Kavakevska. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 6, p. 5, 29 ago., 1947; MARIA Amélia de
Queiroz. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 7, p. 4, 05 set., 1947.
38
RESOLUÇÕES: Conselho da FDIM. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 2, n. 64, anexo, 31 jan.,
1950; A MULHER nos continentes: conferência das mulheres na Ásia. Momento Feminino, Rio de Janeiro,
ano 2, n. 64, p. 7, 31 jan., 1950.
55
39
MACEDO, 2001., p. 174.
40
COMO FUNCIONA Momento Feminino. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 4, n. 73, p. 12-13, 01
ago., 1950. Houve um projeto para que o jornal circulasse em Portugal, mas a polícia política portuguesa
censurou o periódico. PROIBIÇÃO da revista Momento Feminino. Arquivo Nacional Torre do Tombo,
PIDE, Secretariado Nacional de Informação, Censura, cx. 733, 2f.
41
COMO FUNCIONA Momento Feminino, op. cit.
42
MONTENEGRO, Ana. A Imprensa feminina fator de educação. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano
1, n. 20, p. 10, 05 dez. 1947.
43
Ibid.
44
MOCHEL, Arcelina. Nossos Problemas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 1, p. 2, 25 jul.,
1947.
56
supostamente mais sensíveis que os homens, por isso, indispensáveis na trincheira contra
a fome e a miséria que assolava milhares de famílias e crianças. Ao mesmo tempo,
pretendia divulgar “as realizações da mulher no mundo de hoje na tarefa grandiosa e
ingente”. Visava incentivar o engajamento de mulheres numa espécie de “luta geral”,
indo além dos “assuntos sentimentais ou sociais mundanos”, atentando também “para o
campo comum dos problemas gerais da vida”, integrando-se “na complexidade dos
mesmos”.45
O jornal assumia-se como “essencialmente feminino”. Partindo do pressuposto de
que toda mulher era naturalmente feminina, reatualizava temas que culturalmente eram
pensados como de interesse das mulheres, ou seja, assuntos ligados à esfera dos
sentimentos e das sensibilidades. Ao mesmo tempo em que essencializava as mulheres e
o feminino, temperava a suposta essência com os condimentos da razão, tradicionalmente
pensada no masculino. Neste sentido, instituía, sem negar os valores tradicionais, uma
feminilidade não tradicional. O periódico seria “essencialmente feminino” não apenas no
que diz respeito ao coração (sentimento), mas ao espírito (razão). E dentro desse paradoxo
Momento Feminino se construiu, característica que gerou tensões entre suas
colaboradoras, divididas entre o “coração” e o “espírito” e/ou engajadas no esforço de
unir as duas coisas.
A autonomia e a conquista do espaço público – culturalmente instituídos como
masculinos – não deveria vir acompanhada da perda de “feminilidade”. Era preciso
encarar a difícil tarefa de ocupar espaços pensados como masculinos, sem deixarem de
ser femininas. Imaginemos o tamanho do desafio: manter a feminilidade, pensada na
esfera da emoção e dos sentimentos, em espaços que valorizavam a razão e a frieza. A
estratégia utilizada foi ao mesmo tempo veicular informações necessárias à luta no/por
espaço público, instituindo que não deixava de estar a “serviço do lar”. Seguindo esta
linha, reforçava estereótipos do feminino, pensado como a essência de toda mulher.
Este dilema atravessou todo o movimento, não apenas o Momento Feminino. O
movimento de mulheres de orientação comunista se debatia em como conquistar a
autonomia e a cidadania para as mulheres – direitos pensados para os homens/masculinos
– sem perder a feminilidade – tradicionalmente pensada como pouco racional,
excessivamente sensível, por isso, impróprias para as responsabilidades demandadas na
vida pública.
45
MOCHEL, Arcelina. Nossos Problemas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 1, p. 2, 25 jul.,
1947.
57
46
OLIVEIRA, Déa Novais. A mulher precisa fazer política. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 8, n.
108, p. 18, set./out./nov., 1954; RIBEIRO, Elisabeth. A mulher e a emancipação. Momento Feminino, Rio
de Janeiro, ano 9, n. 116, p. 24, 1956.
58
47
Para mais informações sobre a trajetória de Eneida de Moraes cf. SANTOS, Eunice Ferreira dos. Eneida
de Moraes: militância e memória. Em tese, Belo Horizonte, v. 9, p 99-106, dez., 2005,
48
BRASIL. Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Rio de
Janeiro, DF: Presidência da República [1916]. Disponível em: <
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1910-1919/lei-3071-1-janeiro-1916-397989-publicacaooriginal-
1-pl.html> Acesso em: 31 jun., 2019.
49
FIGUEIREDO, Nice. Os deveres da mulher casada. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 27, p.
8, 23 jan., 1948. No sexto capítulo trazemos mais detalhes sobre o código e a movimentação feminista para
alterá-lo.
59
50
ATENDENDO a sua consulta. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 16, p. 12, 07 nov., 1947.
51
FIGUEIREDO, Nice. É preciso compreender... Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 17, p. 12,
14 nov., 1947.
52
Ibid.
53
Ibid.
54
Ibid.
60
55
MALHEIROS, 2000 apud TORRES, 2009, p. 78.
56
1) O direito de greve, ano 3, n. 65, p. 6, 24 fev., 1950; 2) Greve justa – greve injusta, ano 3, n. 66, p. 10,
17 mar. 1950; 3) Por que discutir, ano 3, n. 67, p. 10, 04 abr. 1950; 4) A defesa coletiva, ano 3, n. 68, p.
10, 02 mai., 1950; 5) O medo dos nomes, ano 3, n. 69, p. 10, 18 mai. 1950.
57
FIGUEIREDO, Nice. O medo dos nomes. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 69, p. 10, 18
mai., 1950.
58
Idem. Um erro de revisão. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 70, p. 10, 15 jun. 1950.
59
Ibid.
61
Ana Montenegro deixou para trás as temáticas comumente debatidas por Nice
Figueiredo cuja preocupação central foi analisar a subjugação das mulheres na vida
familiar, sexual e afetiva. Era comum criticar o modelo de casamento e família em que as
mulheres eram reduzidas à condição de total dependência em relação aos maridos, assim
como criticava a moral sexual que pregava o recato sexual para as mulheres, ao contrário
do que era recomendado aos homens. Os assuntos que ele elegeu como centrais gerava
polêmicas e insatisfações em parte das leitoras e companheiras de jornal. Como muitas
de suas companheiras, Ana Montenegro priorizou a luta contra a desigualdade de classe,
que para ela era o principal problema a ser enfrentado.61
Mas Momento Feminino, como qualquer outro periódico, não viveu apenas de
colunas assinadas. Manteve seções do editorial, como “Atividades Femininas” destinada
a apresentar as organizações de mulheres e eventos “femininos” em todo país,
especialmente no Rio de Janeiro e São Paulo. Também publicava reportagens sobre as
dificuldades enfrentadas pelas mulheres trabalhadoras pobres e/ou a atuação das uniões
femininas em todo o Brasil. Ademais, publicou textos literários, como capítulos de
romances, contos, histórias em quadrinho e poesias. Preocupou-se também em contribuir
com a diminuição dos índices de analfabetismo através do espaço de alfabetização, onde
se publicava aulas, atividades e mecanismos de autoavaliação.
O jornal se pretendia democrático e popular. Em suas páginas encontramos uma
relativa diversidade de posições políticas, especialmente no que se refere ao debate
feminista. Para se tornar popular investiu em frentes de diálogos com suas leitoras, entre
elas as seções “Atendendo a sua Consulta”, “Confidências...”, “Conversando com as
60
MONTENEGRO, Ana. Direitos da mulher. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 9, n. 115, p. 34,
1955.
61
Depois da década de 1970 sua interpretação permaneceu muito semelhante, como atesta o livro:
MONTENEGRO, Ana. Ser ou não ser feminista? Recife: Cadernos Guararapes, v. 3, 1981.
62
leitoras” e “Nosso Amor, Nossa Vida”. Além disso, como falei antes, era comum a
publicação de reportagens e entrevistas sobre a vida das mulheres das camadas populares
e os diversos problemas que enfrentavam no cotidiano. Para a produção de conteúdo suas
repórteres costumavam subir os morros do Rio de Janeiro com relativa frequência e vez
ou outra viajavam para ouvir mulheres de outras cidades, inclusive do Norte (nome que
à época era usado para se referir às regiões do Norte e Nordeste do Brasil).62
Considero que todas essas iniciativas foram fundamentais para que suas páginas
imprimissem a ideia de que “o pessoal é político”.63 A expressão que se tornou lema do
feminismo da década de 1970 não chegou a ser estampada, mas é visível que as arquitetas
do periódico assumiram a responsabilidade de colocar suas páginas à serviço do debate
público dos dilemas da vida privada. “Atendendo a sua consulta” e “Confidências” foram
as primeiras colunas a ventilar a discussão, mas não tiveram muito êxito. A periodicidade
foi bastante irregular e não se detiverem exclusivamente às demandas da “intimidade”.
Em ambas era comum a publicação de orientações jurídicas para mulheres em processo
de desquite, viuvez e direitos trabalhistas, bem como dicas para o lar, receitas culinárias
e sugestões de corte-costura e moda.
“Nosso Amor Nossa Vida” abriu uma interlocução mais direta com e entre suas
leitoras. Em sua primeira fase, que durou de 20 de novembro de 1950 até maio de 1951,
elas eram estimuladas a escrever cartas compartilhando suas atribulações. A maioria era
assinada com pseudônimos. Na seção seguinte, outras leitoras respondiam com sugestões
para a resolução do problema. Nesta fase foram publicadas sete cartas, predominando a
discussão sobre os dilemas das relações heteroafetivas (casamento, noivado e namoro).
Havia ainda a iniciativa de premiar as melhores respostas, que abriam a seção na edição
seguinte.
A segunda fase, que durou de outubro/novembro de 1953 até o número 112 de
1955,64 teve dois momentos: nos dois primeiros números foi mantido o modelo anterior,
62
O Nordeste foi inventado décadas depois. Para uma discussão sobre o processo de construção de sentidos
de “Nordeste” e “Nordestino” cf. ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz. A invenção do Nordeste e
outras artes. 4ª ed. São Paulo: Cortez, 2018.
63
A expressão ganhou força na década de 1970, no entanto, o debate sobre as esferas pública e privada e
como os movimentos feministas debateram a divisão das esferas, bem como os valores atribuídos as
atividades desenvolvidas nos dois campos vêm sendo debatido por feministas ao longo da história, a partir
de diferentes perspectivas. Cf. VARIKAS, Eleni. “O pessoal é político”: desenvolvimento de uma promessa
subversiva. Tempo, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 59-80, 1996.
64
A partir de 1955 (número 109) os números não informam o dia e o mês da edição. Ao mesmo tempo,
elas são enumeradas com alguma confusão e a hemeroteca não disponibiliza todas as edições até o seu
último número. Faltam as edições 113 e 114 de 1955. No entanto não sabemos se houve algum problema
na hora de enumerá-los, decorrentes dos próprios erros de edição dos originais. A edição número 112, por
63
mas a partir de março de 1954 tornou-se mais compacta, publicando apenas o resumo das
cartas, seguido imediatamente das respectivas respostas, assinadas por Madalena,
provavelmente um pseudônimo. Neste momento predominou o debate sobre a educação
dos filhos, especialmente das jovens moças. Como estratégia para apresentar sugestões,
ora respondia diretamente as “cartinhas” das jovens, ora respondia às mães preocupadas
com a educação das suas crianças e adolescentes. No total foram compartilhados dez
casos, somados a quatro pequenos comentários publicados no número 110 aos quais não
sabemos precisar quais sejam, pois Madalena respondeu diretamente e em poucas
palavras às missivistas, sem pormenorizar do que se tratava.
Essa fase não foi apresentada como continuidade da primeira, em que pese a
manutenção do mesmo nome e proposta. Após o intervalo de um ano e sete meses sem
compor as páginas do Momento Feminino, o texto de reinauguração foi escrito em tom
de ineditismo: “A partir desse número ‘Momento Feminino’ inicia, sob o título acima,
[Nosso Amor Nossa Vida] uma nova seção”. 65 Em nenhum momento o editorial fez
referência a experiência anterior, apesar de seguir o mesmo modelo e traçar os mesmos
objetivos da primeira fase, qual seja, “contribuir para um maior intercâmbio de ideias, o
que redundará em benefício coletivo, pois a troca de impressões honestas e francas servirá
sem dúvida para a resolução de problemas que, diariamente, surgem na vida de cada
pessoa”.66 No texto de reinauguração, voltou a frisar que a finalidade seria dedicar-se “aos
inevitáveis problemas que afetam o dia-a-dia e o coração de cada mulher... São problemas
que o peso das dificuldades em que nos movemos no mundo de hoje tornam ainda mais
complicados, e às vezes, parecem praticamente insolúveis”.67
exemplo, possui na capa o número 113 enquanto o sumário indica 112. Em 1956 só tivemos acesso aos
números disponíveis na hemeroteca: 116 e 118. Não consultamos a 117. Segundo Elza Macedo, a última
edição do jornal (n. 118) saiu em fevereiro de 1956. MACEDO, 2001, p. 176.
65
NOSSO Amor, Nossa Vida. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 7, n. 102, p. 2, out./nov., 1952.
66
Idem., ano 4, n. 79, p. 2, 20 dez., 1950.
67
Idem., ano 7, n. 102, p. 2, out./nov., 1952.
68
Ibid.
64
69
MARIA CLARA. Confidências... Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 5, p. 4, 22 ago., 1947.
65
70
NOSSO AMOR, nossa vida. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 4, n. 79, p. 2, 20 dez., 1950.
71
Idem., ano 4, n. 78, p. 2, 20 nov., 1950.
72
Ibid.
73
Ibid.
74
Idem., ano 4, n. 80, p. 2, 18 jan., 1951.
66
75
Nas duas fases, a seção publicou cartas de mulheres enviadas de várias regiões do país. A equipe editorial
fazia questão de informar nas publicações a cidade de onde falavam as supostas missivistas.
67
Provavelmente, o dilema sobre quais seriam as questões que mereciam mais atenção
influenciou o recuo. Naquele contexto as camadas populares passavam por sérios
problemas sociais, como desemprego, carestia de vida, crise de moradia, carência de
alimentação, epidemias de doenças, altos índices de analfabetismos, entre outros.
Ao longo da tese demonstrarei que diante dessa realidade as mulheres pecebistas
viam-se divididas entre suas prioridades: lutar contra a miséria, reivindicar liberdade para
as mulheres, ou as duas coisas? Parte delas talvez interpretasse que seria contradição e/ou
egoísmo manter uma seção dedicada a debater questões geralmente interpretadas como
secundárias, com frequência percebidas como meros “sentimentalismos”. Provavelmente
julgaram que problemas considerados mais urgentes mereciam maior atenção e
comprometimento.
No entanto, elas pareciam ter noção da necessidade de, no mínimo, desgastar os
muros que dividia em espaços dicotômicos as esferas pública e privada. Este caso é
sintomático do que Nanci Fraser observou acerca das fronteiras arbitrariamente
construídas entre as duas esferas. Frequentemente atribuía-se à privacidade os temas
envolvendo a propriedade privada em uma economia de mercado, e a vida doméstica e
sexual; e ao público os assuntos relacionados ao Estado, ao bem comum e ao interesse
coletivo. Mas, no mundo ocidental, a definição do que corresponde ao bem comum e ao
interesse coletivo é elaborada majoritariamente por homens brancos que geralmente
atuam para a manutenção de seus privilégios.76
Neste sentido, as expressões público e privado não são meras designações diretas
de âmbitos sociais, mas etiquetas retóricas moldadas culturalmente. No discurso político
são termos poderosos geralmente acionados para valorizar alguns interesses, opiniões e
temas em detrimento de outros. A delimitação dessa fronteira é desvantajosa para os
grupos sociais subalternizados, contribuindo para reforçar desigualdades de gênero, raça,
classe e etnia, mesmo depois da eliminação das restrições explícitas e formais.77
Mas as chamadas minorias políticas não assistem passivamente à delimitação das
fronteiras. Ainda que não estejam incluídas nas principais esferas de tomada de decisão e
atuem apenas nos espaços de formação de opinião (a imprensa é um exemplo), corroem,
paulatinamente, os muros construídos para mantê-las excluídas. O debate público sobre
a violência doméstica é um exemplo. Como lembrou Fraser, foi só a partir de muita luta
76
FRASER, Nacy. Repensar el ámbito público: uma contribución a la crítica da democracia realmente
existente. Debate Feminista, Cidade do México, v. 7, n. 4, p. 23-58, mar., 1993. p. 48-51.
77
Ibid., p. 48-51.
68
que os movimentos feministas conseguiram fazer entender que o tema não dizia respeito
à intimidade. 78 Consequentemente, conquistaram, pelo menos, o estabelecimento de
políticas públicas de combate à violência doméstica, superando em muitos países, no
plano político e legal, a máxima de que “em briga da marido e mulher não se mete a
colher”.
Deste modo, as dificuldades em manter o debate público de assuntos supostamente
íntimos em um jornal de mulheres que se pretendia “altamente qualificado” e politizado
só podem ser entendidas quando consideramos as delimitações arbitrárias das fronteiras
entre as duas esferas. Não podemos esquecer que Momento Feminino estava vinculado a
um partido político de hegemonia masculina e branca. Ainda que tivesse um caráter
progressista e abrisse janelas para o debate sobre as desigualdades de gênero e raciais79,
os sujeitos que o compunham não apagaram, como num passe de mágicas, toda a sua
formação cultural vinculada ao machismo e ao racismo, ainda muito prementes na
primeira metade do século XX. Portanto, a rejeição à seção “Nosso Amor Nossa Vida”,
bem como o debate que se estabeleceu dentro dela estiveram atravessadas pela leitura de
mundo das pessoas que viviam o contexto.
Mas nem só de problemas se alimentava o jornal. As seções também serviam para
trocas de receitas culinárias, dicas domésticas e de moda, entre outras utilidades. Às
vezes, as seções de “utilidades femininas” serviam de brecha para discussões políticas.
Em um texto sobre moda assinado por Simone aparece a advertência de que aqueles que
se dedicavam ao “‘metier’ de compor e executar a indumentária feminina” precisavam
estar alertas para as necessidades práticas das trabalhadoras. Em um contexto em que o
trabalho se tornava uma realidade cada vez mais próxima das mulheres das camadas
médias, a autora criticou a falta de sensibilidade da maioria dos figurinistas em relação a
elas. “Queremos alertar aos costureiros para um cuidado diferente e especial. As mulheres
que trabalham preferem defender a própria personalidade”.80
Pensando nisso, orientou sobre quais seriam as bolsas e os sapatos mais adequados
para elas. No caso das bolsas, o estilo a tiracolo seria mais apropriado e eficiente para
aquelas que precisavam enfrentar as filas, fazer compras e utilizar o transporte público.
78
FRASER, 1993, p. 48-51.
79
Sobre o debate racial no PCB cf.: LIMA, Aruã Silva de. Comunismo contra o racismo: autodeterminação
e vieses de integração de classe no Brasil e nos Estados Unidos (1919-1939). Tese (Doutorado em História)
– Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.
80
SIMONES. Mulheres que trabalham. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 5, p. 6-7, 22 ago.,
1947.
69
Hoje, com essa mulher que assistiu duas guerras ou que delas viveu, os
“maillots” e o esporte em geral se encarregam de fazê-la diferente,
apesar das anquinhas, muitíssimo diferente, apesar da saia comprida.
Os cabelos estão curtos para estabelecer contraste mais violento. E há
na moda atual – que me perdoem os ranzinzas – um tom inteiramente
novo que em nada relembra o passado. Nossas avozinhas não sabiam o
que era trabalhar, ganhar a vida. Também não sabiam o que era a luta
das filas, da comida, da condução. Ficaram nos retratos como
pequeninas princesas das histórias de nossa infância. Eram frágeis
como as bonecas. Pelo menos em aparência. A mulher de hoje, seja qual
for a moda a que ela adira, traz em si o selo da luta pela vida, da luta
para sobre-existir.83
Ao falar para e das mulheres trabalhadoras, Joana tomou como referência uma
ideia universal e idealizada de mulher que em muito destoava da vida prática das mulheres
pobres e negras. Como bem demonstrou Rachel Soihet a partir do estudo das vivências
das mulheres pobres do Rio de Janeiro, essas experiências desmitificam “a imagem
feminina de ociosidade, dependência, frivolidade, passividade etc., difundida a partir de
81
SIMONES. Mulheres que trabalham. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 5, p. 6-7, 22 ago.,
1947.
82
JOANA. A Moda. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 41, p. 4, 11 jun., 1948.
83
Ibid.
70
uma postura que se pauta no protótipo da mulher da classe dominante que pode também
ser questionada e que é estendida a todas as classes”.84
O texto de Joana está conectado ao lugar da mulher branca ocidentalizada e por
isso produz uma subjetividade feminina situada neste lugar. A noção de feminino
construída por ela dialoga com as experiências de mulheres brancas das camadas sociais
abastadas a quem era possível performar uma feminilidade frágil, dependente e frívola.
A narrativa não contempla as trajetórias de mulheres pobres e/ou negras cujas
“avozinhas” sempre souberam o que era trabalhar e nunca compuseram retratos como
“pequeninas princesas” das histórias de infância. Como bem lembrou Sueli Carneiro, no
Brasil, “as mulheres negras fazem parte de um contingente de mulheres que não são
rainhas de nada, que são retratadas como as antimusas da sociedade brasileira, porque o
modelo estético de mulher é a mulher branca”.85 Nunca são vistas como “frágeis como
bonecas”. Suas experiências também contradizem o estereótipo. O mito da “fragilidade
feminina” que historicamente justificou que as mulheres fossem “protegidas” pelos
homens foi restrita às mulheres brancas e de camadas remediadas.86
84
SOIHET, Rachel. Condição feminina e formas de violência: mulheres pobres e ordem urbana, 1890-
1920. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989. p. 26.
85
CARNEIRO, Sueli. “Identidade Feminina”. In: SAFFIOTI, Heleiheth I. B. MUÑOZ-VARGAS, Monica
(Orgs). Mulher brasileira é assim. Rio de Janeiro: Rosa dos tempos, 1994, p. 187-193. p. 191.
86
Ibid., p. 190.
71
87
PINSKY, 2014, p. 23-46.
88
GAZETA da Tia Ruth. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 63, 31 dez. 1949. p. 16.
89
Todas as sedes funcionaram no Rio de Janeiro. De julho de 1947 – quando foi fundado – até fevereiro de
1948, estava situada à Rua do Lavradio, nº 55, 1º andar. De março de 1948 a fevereiro de 1951 passou a
funcionar na Avenida Rio Brando, nº 257, sala 715. Em março de 1951 houve outra mudança para a Rua
Evaristo de Veiga, nº 16, 8ª andar, sala 808-A. Em setembro de 1954 deslocou-se para a Av. Almirante
Barroso, nº 97, 10º andar, sala 1008. No ano seguinte funcionou na Av. Nilo Peçanha, nº 12 a/426. Por fim,
as poucas edições de 1956 passaram a ser produzidas na Av. 13 de maio, nº 23, 15º andar, sala 1515.
Edifício Darke de Matos. Todas os dados foram retirados do próprio jornal. Geralmente a terceira página
72
estampava uma nota com informações técnicas do periódico, indicando os nomes que compunham a
diretoria e o endereço da redação e administração. Cf. ALVES, 2015, p. 104.
90
PROIBIÇÃO da revista Momento Feminino. Arquivo Nacional Torre do Tombo, PIDE, Secretariado
Nacional de Informação, Censura, cx. 733, 2 f.
91
Cf. TRECHOS das intervenções da delegada da Federação de Mulheres do Brasil, Fany Bastos, na
Conferência de Moscou. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 64, p. 7, 31 jan., 1950. As seções “A
Vida de Momento Feminino” e “Ajuda à Imprensa feminina” são espaços privilegiados para acompanhar
as diversas atividades do jornal para conseguir angariar recursos.
92
Além das dificuldades financeiras, a perseguição do Estado ao PCB impactou na dinâmica do periódico.
É possível que este tenha sido uma das razões das constantes mudanças de endereço. Volto ao tema no
tópico seguinte.
93
Circulou ininterruptamente como semanário até o 28º número, publicado em 30 de janeiro de 1948. O n.
29 só circulou no dia 13 de fevereiro. Após o intervalo, voltou a circular semanalmente até o dia 12 de
março. Houve mais um intervalo quinzenal e a edição seguinte só saiu no dia 25, quando o jornal retomou
a regularidade semanal, interrompida na 40ª edição, publicada em 07 de maio. Após esta edição voltou para
as ruas em 11 de junho, seguindo suas publicações semanais até o dia 25, quando assumiu a regularidade
quinzenal, com algumas interrupções. Em 1949 circulou mensalmente até março, mês que publicou duas
edições, uma no dia 06 a outra no dia 25. Este número veio acompanhado de um suplemento dedicado ao
movimento pacifista organizado pelo PCB. De março a junho o periódico voltou a ser mensal, com exceção
dos meses de maio e junho que publicaram duas edições. A partir julho passou a ser bimestral, até janeiro
de 1950, quando voltou a sair uma vez por mês.
94
Na década de 1950 o jornal ficou ainda mais irregular. Nos três primeiros meses de 1950 circulou
mensalmente, depois passou a ser quinzenal, às vezes, com intervalos um pouco maiores. O intervalo de
mais de um mês entre as edições de setembro e outubro quebraram a regularidade anterior, e nos últimos
dois meses a revista voltou a circular mensalmente, mantendo a regularidade no ano seguinte, com exceção
dos meses de junho e setembro de 1951. Em 1952 a revista só circulou mensalmente nos dois primeiros
meses. Em março não circulou, voltando às ruas em abril. Nos dois meses seguintes, junho e julho, voltou
73
Mas a coisa não fica por aí. É preciso controlar. Marcar o dia. Telefonar.
Insistir. Beleza. Cozinha. Página literária. Falta a fotografia para a
página do cinema. E a página de moda? A reportagem da fábrica tem
que ser aproveitada da correspondência enviada por uma amiga
operária. E a capa?98
a circular mensalmente, regularidade interrompida a partir de agosto, já que os dois números seguintes
saíram bimestralmente, um em setembro e outro em novembro. Em dezembro saiu a edição especial de
natal. A partir de 1953 os intervalos de publicação foram mais largos. Entre janeiro e abril circulou
bimestralmente. O número seguinte só circulou em julho, conjugando os meses de maio e junho. O último
número do ano circulou em novembro, como outubro/novembro, acompanhada do suplemento de natal,
programado para o mês de dezembro. No ano seguinte, o número 103 circulou como janeiro/fevereiro.
Entre março e abril voltou a ser mensal. Os números 104, 105 e 106 saíram de forma conjugada; maio/junho,
julho/agosto, setembro/outubro/novembro, respectivamente. Nos dois últimos anos não conseguimos
precisar a regularidade, em função dos limites do próprio arquivo, que aparentemente não armazena alguns
números. Em 1955 a Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional armazena apenas as edições 109 a 112,
excluem-se os números 113 e 114, para em seguida fechar com o 115. Em 1956 armazena apenas as edições
116 e 118, portanto falta a 117 e não sabemos se após a 118 circulou mais alguma que se perdeu no tempo.
Mas a impossibilidade de consultar todas as edições não invalida tanto nossa análise, embora sempre haja
a possibilidade de escapar dados importantes.
95
COMO FUNCIONA Momento Feminino. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 73, p. 12-13, 01
ago., 1950.
96
MOCHEL, Arcelina. Três anos de luta. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 73, p. 2, 01 ago.,
1950.
97
COMO FUNCIONA Momento Feminino, op., cit.
98
Ibid.
74
escrever as matérias, “discutir os assuntos, aguardar cartas com as notícias dos Estados”.
O jornal precisava, ainda, cumprir as demandas da administração: preparar faturas,
responder correspondências, controlar as finanças, mandar para as bancas, expedir para
outros estados. “São pacotes e mais pacotes de jornal. É preciso contar, embrulhar, botar
o endereço e expedir. Quarenta e oito horas depois da saída do jornal, a sala ainda esta[va]
intransitável”.99
Mas o cansativo trabalho depreendido nem era o maior problema; era preciso
batalhar pelos recursos financeiros. O dinheiro era sempre curto. Era impossível contratar
funcionárias para os trabalhos especializados, o que amenizaria os dilemas de suas
arquitetas. Cada número custava em média Cr$ 6.500,00 (seis mil e quinhentos cruzeiros),
sem incluir as despesas com aluguel. A receita necessária para a produção vinha das
assinaturas, do lucro das festas, “de um sorteio, dinheiro adquirido
extraordinariamente”.100
Os recursos, portanto, eram instáveis, realidade que precisava ser superada porque
as contas, “imprescindíveis para a composição e impressão”, 102 se impunham. Além
disso, sem dinheiro, seria difícil cumprir as metas estabelecidas: aumentar a tiragem e
atingir um número cada vez maior de cidades e, consequentemente, de mulheres. A crise
financeira se acentuou em 1948. Neste ano o jornal ficou três semanas fora de circulação.
Segundo Arcelina Mochel, faltou dinheiro para pagar a oficina e a clicheria. Sem
recursos, pôr os jornais na rua era uma verdadeira batalha. Sua diretora fez questão de
compartilhar os dilemas com o público. “E queremos que todos sintam conosco essas
dificuldades. Hoje, ninguém mais ignora a luta que procuramos vencer para a manutenção
de um jornal. Além de exigir trabalho, e muito trabalho material, não vive sem
dinheiro”.103
99
COMO FUNCIONA Momento Feminino. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 73, p. 12-13, 01
ago., 1950.
100
Ibid.
101
ARCELINA. Nossos Problemas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 41, p. 2, 11 jun., 1948.
102
Ibid.
103
Ibid.
75
Para provar que o jornal já havia ganhado o gosto nacional, que penetrava
efetivamente nas casas da classe trabalhadora e que era preciso um esforço maior para
ajudá-lo, Arcelina afirmou que as três semanas em que ficou fora de circulação foram
suficientes para provar que Momento Feminino já era “querido e desejado”. Segundo sua
narrativa, as senhoras dos subúrbios distantes e de cidades do interior reclamaram.
“Aflitas, nos diziam que o correio suspendera a entrega dos jornais”. Os homens também
sentiam sua ausência. Suas “esposas lhes pediam diariamente que lhes levassem
‘Momento Feminino’”.104 A diretora escreveu para convencer as pessoas a colaborarem.
Era preciso evidenciar que Momento Feminino era mesmo indispensável.
Mas como as pessoas poderiam ajudar? Arcelina Mochel deu algumas sugestões:
organizando conferências, festas e donativos para arrecadar verbas; contribuindo com a
divulgação, ampliando as assinaturas e a publicidade, auxiliando nas vendas avulsas,
“tudo que possa significar dinheiro para garantir a circulação desse semanário de
mulheres”.106
É plausível que interroguemos que tipo de público se interessava pelo jornal e
lamentava sua ausência. As muitas cobranças e a suposta aflição das leitoras que ficaram
privadas do jornal durante três semanas, quantitativamente, pode ser relativizada.
Provavelmente, suas leitoras mais assíduas eram militantes e/ou simpatizantes do PCB
e/ou mulheres interessadas no debate feminista. Portanto, Momento Feminino circulava
dentro de um grupo menos amplo quando comparado ao Jornal das Moças.
Elaborado de maneira quase artesanal e com parcos recursos, Momento Feminino
enfrentava muitos problemas de edição. Não era incomum que seus textos apresentassem
erros ortográficos ou problemas de montagem que, às vezes, comprometia a legibilidade.
Além disso, suas intenções políticas atraíram os olhares anticomunistas. Diametralmente
oposta ao Jornal das Moças, o periódico, como disse, tinha como objetivo central
104
ARCELINA. Nossos Problemas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 41, p. 2, 11 jun., 1948.
105
Ibid.
106
Ibid.
76
107
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917-
1964). São Paulo: Perspectiva, 2002, passim.
108
MOTTA, 2002, p. 1.
77
109
MOTTA, 2002, passim.
110
A chamada Guerra Fria dividia o mundo em dois blocos antagônicos, comandados, de um lado, pelos
Estados Unidos da América (EUA), potência do bloco capitalista e, do outro, pela União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas (URSS), que dirigia o bloco comunista. A polarização começou a ser delineada logo
após a Segunda Guerra Mundial, mas foi a partir de 1947 que o antagonismo se tornou mais explícito,
alterando significativamente as bases das relações internacionais. No contexto, havia a sensação de que a
qualquer momento poderia estourar uma terceira guerra mundial que devastaria o planeta com a energia
atômica, tragicamente experimentada em Hiroshima e Nagasaki, devastadas por bombas atômicas lançadas
pelos EUA no final da guerra.
111
MACEDO, 2001, p. 148-149.
78
112
MOTTA, op. cit., p. XXIV.
113
Cf. MORENTE, Marcela Cristina de Oliveira. Invadindo o mundo público: movimento de mulheres
(1945-1964). São Paulo: Humanitas, 2017. p. 41-51.
114
MORADORAS de Irajá protestam contra violências e dirigem um apelo ao chefe de polícia. Diário de
Notícias, Rio de Janeiro, ano 18, n. 7726, p. 1 (seção 2), 31 dez., 1947.
79
Em janeiro de 1950 foi a vez de Alice Padilha ser interceptada pela política quando
distribuía o jornal na porta da fábrica Corcovado, localizada no bairro da Tijuca, zona
Norte do Rio de Janeiro. Ao distribuir o jornal às tecelãs, “apareceu um carro da Rádio
Patrulha que, arbitrariamente, usando da violência habitual, conduziu-a a presa”. No
momento, “dezenas de operárias e de outras pessoas que assistiram à prisão protestaram
em altas vozes contra mais essa violência da polícia”. A direção do jornal tomou as
medidas legais cabíveis, impetrando “uma ordem de habeas-corpus em favor de
Alice”.119
115
MORADORAS de Irajá protestam contra violências e dirigem um apelo ao chefe de polícia. Diário de
Notícias, Rio de Janeiro, ano 18, n. 7726, p. 1 (seção 2), 31 dez., 1947.
116
Ibid.
117
Ibid.
118
MULHERES sofrem violência. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 2, n. 24, p. 7, 03 jan. 1948.
119
MAIS UMA arbitrariedade policial. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 64, p. 2, 31 jan., 1950.
80
Mas não era apenas a polícia – ou indivíduos que se apresentavam como tal – que
tentou inviabilizar sua circulação. O diretor geral dos Correios e Telégrafos proibiu a
emissão de uma de suas remessas. Mais uma vez, as mulheres solicitaram amparo jurídico
e reclamaram das arbitrariedades cometidas contra um jornal que tinha autorização para
circular. Elas procuraram o potiguar Café Filho, então deputado federal pelo Partido
Republicano Progressista (PRP), que em uma seção da Câmara dos Deputados se
pronunciou dizendo que aquela atitude do diretor dos correios era “um abuso que não
pode qualificar”. O deputado, que “tivera o cuidado de examinar detidamente diversos
exemplares da revista”, atestou que nada justificava “tal medida”. Por isso, “lançava seu
protesto e lembrava ser melhor ‘arriar as máscaras’, já que estamos próximos do
Carnaval; se não vivemos em democracia, então que se fecha logo o Parlamento”.120
Como se vê, Momento Feminino realmente incomodou algumas autoridades em
um contexto, como assinala Elza Macedo, democrático na forma, mas herdeiro direto do
autoritarismo dos anos 1930 na essência. A consequência da herança autoritária em um
regime mascarado de democracia foi a perseguição aos movimentos sociais, destacando
aí parte do movimento de mulheres e sindical operário. Tanto um como o outro tinham
marcada influência comunista, o que assanhava ainda mais a repressão governamental.121
120
ABERTURA de inquérito na Câmara dos deputados. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, ano 18, n. 7751,
p. 3 (seção 1), 30 jan., 1948, p. 3.
121
MACEDO, 2001, p. 185.
122
A frase completa impressa na matéria é “Momento Feminino não é um jornal feminista, mas uma
publicação para os lares”. MOMENTO feminino. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 2, p. 2, 01
ago. 1947.
123
ALVES, 2015, p. 92.
81
entanto não era um jornal feminista, ainda que reunisse “muitas pessoas que tinham
posição feministas e que achavam que era necessário levantar esses pontos de vista”.124
Mas, como disse, havia o receio da associação com o feminismo.
No PCB, partido com o qual Momento Feminino dialogava de maneira muito
próxima, a ideia hegemônica era de que o feminismo era um movimento liberal,
consequentemente, de orientação burguesa. Em 1946, em uma palestra para as mulheres
em Salvador, uma das lideranças do partido, o então deputado Carlos Marighella,
expressou que o feminismo era um movimento reacionário de mulheres contra homens.125
Tomada de forma isolada e fora de contexto, como aparece na biografia escrita por Mário
Magalhães 126, fica a impressão de que Marighella era antifeminista. Mas levando em
consideração que à época o feminismo era lido pelos comunistas como um movimento
político tipicamente liberal, a fala do deputado ganha outra conotação.
Marighella defendeu a emancipação das mulheres partindo do pressuposto de que
o único caminho para a “verdadeira libertação do sexo feminino” era a formação de
organizações junto ao povo nos bairros periféricos e marginalizados. Ancorado nas teses
defendidas por Engels no clássico A origem da família, da propriedade privada e do
Estado127, o pecebista entendia que a subjugação das mulheres não era um dado natural,
mas construída historicamente. Endossando a tese de Engels, sublinhou que nos tempos
primitivos as mulheres teriam experimentado uma situação de liberdade por participarem
ativamente da produção, mas com o surgimento da propriedade privada elas teriam sido
inferiorizadas, situação que se agravou com a emergência do capitalismo.128
No mundo capitalista, segundo ele, elas foram sujeitadas a uma verdadeira
“escravidão” de vida, decorrente, sobretudo, da sua dependência econômica. O deputado
também chamou a atenção para os fatores culturais responsáveis pelo que chamou de
“escravização feminina”, destacando que na Rússia, mesmo após a Revolução de 1917,
alguns homens continuavam oprimindo as mulheres devido à “mentalidade”. Mesmo
assim, endossou o etapismo defendendo que a liberdade seria conquistada, primeiro,
quando as mulheres voltassem a participar dos meios de produção. As mudanças nas
124
MALHEIROS, 2000 apud TORRES, 2009, p. 78.
125
AS MULHERES devem organizar-se para saírem da escravidão. O Momento, Salvador, ano 1, p. 1, 05
mai. 1946.
126
MAGALHÃES, Mario. Marighella: o guerrilheiro que incendiou o mundo. São Paulo: Cia das Letras,
2012. p. 174.
127
ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. 3ª ed. São Paulo:
Expressão Popular, 2012.
128
ALVES, Iracélli da Cruz. Os movimentos feminista e comunista no Brasil: história e historiografia.
Tempos Históricos, Marechal Cândido Rondon, v. 21, n. 2, p. 107-140, jun./dez., 2017. p. 120-121.
82
formas de pensar viriam com o tempo, a partir da “educação das massas”. Portanto,
naquele contexto, o mais urgente seria garantir a independência econômica das mulheres,
que viria acompanhada de uma processual transformação da mentalidade da classe
trabalhadora.129
Além da palestra, segundo informações do próprio Magalhães, em Salvador,
Marighella costumava conversar com as trabalhadoras sobre suas mazelas, além de
propagar a necessidade de aderirem à União Democrática Feminina, organização ligada
ao PCB, fundada na capital da Bahia em 1945.130 No mesmo ano, de acordo com Ricardo
Sizilio, ele proferiu uma palestra no Comitê de Mulheres Pró-Democracia do Rio de
Janeiro.131 Ao que parece, Marighella foi um entusiasta do movimento de emancipação
das mulheres.
O entendimento de que o feminismo era um movimento de orientação burguesa
não era exclusivo de Marighella. Como disse, era compartilhado entre os comunistas e
marcou presença nas páginas de Momento Feminino. O jornal não só se referiu ao
movimento como “pequeno burguês”, como lhe atribuiu outras características
pejorativas, sendo apresentado ora como um movimento de mulheres insatisfeitas com a
sua condição biológica (“Para que não pairem dúvidas, reafirmamos aqui que estamos
absolutamente satisfeitas de termos nascido mulher”); 132 ora como uma maneira
exagerada de expressão daquelas pouco acostumadas com a liberdade. Segundo esta
perspectiva, após viverem séculos de opressão, algumas mulheres se tornavam feministas
por superdimensionarem sua importância na sociedade. Nas entrelinhas está a ideia de
que as feministas instituíam uma guerra de sexos na medida em que buscavam afirmar a
“superioridade feminina”. Esta foi a interpretação de Yvonne Jean que, ao elogiar o
jornal, destacou que uma de suas qualidades era “não cair no defeito de um feminismo
demagógico”.133
129
AS MULHERES devem organizar-se para saírem da escravidão. op. cit.
130
Cf. MAGALHÃES, 2012, p. 173-174.
131
SIZILIO, Ricardo José. “Vai, Carlos, ser Marighella na vida”: outro olhar sobre os caminhos de Carlos
Marighella na Bahia (1911-1945). Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2017.
132
FIGUEIREDO, Nice. Os direitos da mulher. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 2, n. 48, p. 4, 03
set., 1948.
133
JEAN, 1947, p. 3.
83
134
JEAN, 1947, p. 3.
135
BASTOS, Lygia Maria Lessa. A mulher venceu... Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 2, n. 45, p.
3, 23 jul., 1948.
84
1
ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz. Nordestino: invenção do “falo”. Uma história do gênero
masculino (1920-1940). 2 ed. São Paulo: Intermeios, 2013. p. 30.
2
BATISTA, Eliana Evangelista. A Bahia para os baianos: acomodação e reação política ao governo de
Getúlio Vargas (1930-1937). 2018. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2018; Idem. As eleições de 1933 e 1934 na Bahia e a
inserção de mulheres na política partidária. In: BATISTA, Eliana Evangelista; SILVA, Paulo Santos
(Orgs.). Dos fios às tramas: tecendo histórias, memórias, biografia e ficção. Salvador: Quarteto, 2019, p.
33-62.
86
3
RAGO, Margareth. O prazer no casamento. Cadernos Ceru, série 2, n. 7, p. 97-111, 1996; ______. Entre
a História e a liberdade: Luce Fabri e o anarquismo contemporâneo. São Paulo: UNESP, 2001; ______.
Ética, anarquia e revolução em Maria Lacerda de Moura. In: FERREIRA, Jorge; REIS, Daniel Arão (Orgs.).
A formação das tradições (1889-1945). v. 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 273-193.
4
FRACCARO, Gláucia. Os direitos das mulheres: feminismo e trabalho no Brasil (1917-1937). Rio de
Janeiro: FGV, 2018. p. 85.
5
Para maiores informações sobre o levante e suas consequências cf. VIANNA, Marly de Almeida Gomes.
Revolucionários de 35: sonho e realidade. São Paulo: Expressão Popular, 2007.
6
A UFB foi fundada em maio de 1935 no Rio de Janeiro. A entidade pretendia organizar um movimento
de mulheres de caráter nacional. Houve a iniciativa de instalação de filiais em outros estados, mas dois
meses após seu surgimento foi fechada pelo governo Vargas e suas dirigentes presas. Maria Werneck, uma
das presas políticas do contexto e membro da UFB registrou suas lembranças enquanto atuou na
87
A organização tinha entre os seus objetivos a defesa da emancipação das mulheres. Logo
após seu fechamento, o Capitão Filinto Müller, então chefe de polícia, não disfarçou seu
antifeminismo. Segundo reportagem publicada no jornal carioca A Nação, ele descreveu
o movimento feminista como uma piada: “uma das blagues mais antigas que a mulher
pregou à própria mulher”. Quando não acabava no ridículo, “como no Velho Mundo onde
só serve de tema de ‘vaudeville’, acaba[va] às voltas com a polícia. O que para uma
criatura delicada é um tanto desagradável”7, disse em tom de ameaça.
Sobre as mulheres da UFB além do antifeminismo pesou o anticomunismo. Para
o capitão, elas deveriam se ocupar do que considerava natural para as mulheres: as
atividades domésticas e de cuidado. Para ele, a política não era apropriada para o gênero
feminino, menos ainda o comunismo. Partindo dessa perspectiva que naturalizava lugares
sociais para homens e mulheres, atacou:
organização e do tempo em que esteve presa junto com outras mulheres, entre as quais, Olga Benário,
Eneida Costa de Moraes, Elza Fernandes, Francisca Moura, Beatriz Bandeira, Catarina Landsberg, entre
outras. Cf. WERNECK, Maria. Sala 4: primeira prisão política. Rio de Janeiro: CESAC, 1988; SIQUEIRA,
Tatiana Lima de. Impressões feministas: discursos sobre o feminismo no Diário da Bahia (1930-1937).
Dissertação (Mestrado em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo) – Faculdade
de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009, passim.
7
A BLAGUE do feminismo. A Nação, Rio de Janeiro, ano 3, n. 786, p. 1, 03 ago., 1935.
8
Ibid.
88
quando disse que as feministas, no final das contas, pretendiam mesmo era chamar sua
atenção ou dominá-los. Inflacionando a importância masculina, julgava que todos os
comportamentos das mulheres, inclusive no campo da política, tinham como finalidade
última seduzir o sexo oposto.
Filinto Müller não foi o único a descrever o movimento como uma pilhéria
inconsequente e a destacar que as mulheres não deveriam desviar das suas supostas
características naturais. Anos antes, a seção “Bric-Á-Brac” do Diário de Notícias carioca,
sob a rubrica de W.B., destacou que “o feminismo que se pratica no Brasil é a maior das
‘blagues’, porque sejam quais forem as vitórias que uma mulher tenha logrado, não abre
mão ela nunca de suas prerrogativas de sexo”. 9 Em seguida, em tom debochado,
descreveu as feministas como “cavalheiras” que resolveram “não obedecer ao recente
decreto que proíbe as acumulações. Ela acumula os direitos masculinos e femininos.
Quanto aos deveres respectivos nem é bom falar... A criatura possui memória muito
fraca”.10
É evidente que o antifeminismo, em diferentes níveis, pesava sobre todos os
grupos, inclusive sobre a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF) que
transitava com relativa tranquilidade entre os políticos detentores do poder público. Como
chamou a atenção Elisabeth Rago, as experiências de mulheres das camadas médias e
altas da sociedade que romperam com a lógica dos “espaços desenhados e planejados pela
arquitetura masculina” esbarraram na resistência por parte dos “donos do poder” que
insistiam em mantê-las restritas ao espaço doméstico.11A possibilidade de quebra das
hierarquias de gênero, por menor que fosse, não agradava os grupos conservadores. Mas
as mulheres ligadas à FBPF, até onde se tem notícia, nunca foram alvo direto da repressão
do Estado. A tática de negociar por cima e evitar discursos radicais, somado aos
privilégios de raça e classe, bem como as alianças com os governantes, certamente as
livrou da violência policial, cárcere e tortura. Esse lugar também rendeu a elas a oposição
da União Feminina do Brasil que, como disse, não se percebia feminista, rotulando o
movimento, mais especificamente aquele dirigido por Bertha Lutz, de “pequeno-burguês”
9
W. B. Bric-Á-Brac. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, ano 2, n. 228, p. 15, 25 jan., 1931.
10
Ibid.
11
RAGO, Elisabeth Juliska. Outras Falas: feminismo e medicina na Bahia (1836-1931). São Paulo:
Annablume/FAPESP, 2007. p. 28-29.
89
12
Para mais informações sobre os embates entre as comunistas e a FBPF cf. ALVES, Iracélli da Cruz.
Feminismos em debate: disputas, contradições e tensões (1930-1937). Oficina do Historiador, Porto
Alegre, v. 10, n. 2, p. 113-130, jul./dez., 2017.
13
EM PROPAGANDA da União Feminina. Diário da Bahia, Salvador, p. 1, 04 jul. 1935.
14
PINSKY, Carla Bassanezi. Mulheres dos anos dourados. São Paulo: Contexto, 2014. p. 16-17.
15
Ibid.
16
Ibid.
90
paulatinamente deixava de ser regra, não sem resistência daqueles que se autodeclaravam
defensores da família. Elas precisaram constantemente disputar politicamente o direito ao
mundo público.
Para legitimar sua presença no mundo do trabalho e brigar pela permanência, se
apropriavam dos impactos da Segunda Guerra Mundial na vida prática. Era comum
demarcarem que “a participação ativa das mulheres nos diversos ramos da indústria”
durante a guerra era uma prova inconteste da “falsa teoria sobre a inferioridade da
mulher”, na medida em que o evento teria contribuído para ampliar acentuadamente o
número de trabalhadoras no mundo inteiro. Segundo as estimativas que fizeram, “na
maioria dos países, [representavam] mais da terça parte da população laboriosa. Essa
proporção alcança[va], às vezes, de 70 até 80 por cento em numerosas indústrias”.17
Em 1948, Lygia Maria Lessa Bastos, apesar da ressalva de que era necessário
continuar na luta, considerou que as mulheres venceram. Diferente de outros tempos,
julgou que pela primeira vez, em consequência das duas grandes guerras mundiais, elas
tinham conquistado “o pleno gozo de todos os direitos, inclusive os políticos, e isso lhe
custou até serviços de guerra”.18
17
RESOLUÇÃO sobre a defesa dos direitos econômico-políticos das mulheres. Momento Feminino, Rio
de Janeiro, ano 2, n. 55, p. 8, fev. 1949.
18
BASTOS, Lygia Maria Lessa. A mulher venceu... Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 2, n. 45, p. 3,
23 jul., 1948.
19
Ibid.
91
apesar de crescente. Entre a década de 1940 e 1970, em que pese o crescimento industrial,
a taxa de atividades das mulheres acima de 10 anos registradas no mundo do trabalho
rentável permaneceu pouco significativa (em 1920 era de 13,5%, em 1960 subiu apenas
3 pontos percentuais, atingindo 16,6%; e em 1970 subiu para 18,5%).20
Por outro lado, Gláucia Fraccaro advertiu que os censos produzidos nas primeiras
décadas do século XX, dadas as fragilidades metodológicas, os limites técnicos e o grande
número de trabalhadoras informais, são incapazes de demonstrar todas as mudanças dos
primeiros anos da República. No que diz respeito à participação das mulheres no mercado
de trabalho, havia uma frágil fronteira entre o emprego passível de identificação e o
trabalho formal. A autora demonstrou que houve um crescimento no número de mulheres
no trabalho industrial, nos setores de costura e bordado, em indústrias domiciliares, no
setor de serviços (transporte e comunicação) ou trabalhando por conta própria (nem
sempre contabilizadas), principalmente em atividades que pudessem conciliar trabalho
externo e atividades domésticas.21
Segundo dados apresentados por Iracema Ribeiro no Pleno Ampliado do PCB,
realizado em 1955, em 1950 as mulheres representavam aproximadamente 50,52% da
população economicamente ativa no Brasil, que perfazia o número aproximado de
36.560.000 pessoas, destas 18.470.000 eram mulheres. Demonstrando em números,
Iracema chamou a atenção para a grande quantidade de mulheres operárias:
20
MARQUES, Teresa Cristina de Novais; MELO, Hildete Pereira de. Os direitos civis das mulheres
casadas no Brasil entre 1916-1962. Ou como são feitas as leis. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 16, n.
2, p. 463-488, mai./ago., 2008. p. 468.
21
FRACCARO, 2018, p. 24-27.
22
RIBEIRO, Iracema. Sobre o trabalho do Partido Comunista do Brasil entre as mulheres. Imprensa
Popular, Rio de Janeiro, ano 3, n. 1.468, p. 2-4 (3° Caderno), 03 abr., 1955.
92
sociais das mulheres no século XX, especialmente entre aquelas das camadas médias e
altas da sociedade, em sua maioria brancas. No mundo do trabalho rentável elas eram as
mais afetadas, sobretudo pelo Código Civil de 1916 que estabelecia que as mulheres
casadas precisavam de autorização do marido para trabalharem. No período em tela, as
mulheres pobres, majoritariamente negras e não brancas, pouco casavam legalmente; e
independente do estado civil, trabalhar fora do lar era uma necessidade vital.23
As alterações sentidas e descritas pelas próprias mulheres que viveram as
mudanças ampliaram as demandas e impactaram a correlação de forças dos movimentos
feministas. Além de acelerar as transformações no campo sociocultural, a Segunda
Guerra Mundial (1939-1945) trouxe novos ares e articulações políticas. Após as
experiências dos regimes de orientação nazifascistas derrotados na guerra, a democracia
virou tema de primeira grandeza. Era necessário eliminar os resquícios do autoritarismo.
No Brasil, as novas perspectivas apontavam para o fim da ditadura do Estado
Novo (1937-1945), que flertava com o fascismo. Conforme Dênis de Moraes, a partir de
1943, o Estado Novo entraria em queda livre. No ano seguinte o país viu pipocar comitês
pró-anistia aos presos políticos e enviou 25 mil pracinhas para combater o fascismo na
Itália. 24 Com eles, 60 enfermeiras se deslocaram do Brasil para cuidar dos feridos na
Itália.25 Abria-se, portanto, uma contradição: “lutávamos lá fora contra o totalitarismo e
internamente vivíamos sob o julgo de um governo discricionário”.26
Em 1945, com o final da guerra, o Estado Novo, que já dava sinais de falência,
se desmanchava rapidamente. A ideia de que o país estava cada vez mais próximo de uma
democracia começava a ganhar materialidade através de medidas como a anistia dos
presos políticos e exilados, em 18 de abril; a promulgação do código eleitoral, em 28 de
maio; a legalização oficial do PCB, em 12 de novembro; as eleições para a Assembleia
Constituinte, em 2 de dezembro; o fim da censura dos jornais, revistas e rádios e o
23
Sobre as experiências das mulheres pobres e negras no Brasil e as diferentes maneiras de “ser mulher”,
considerando os demarcadores de raça e classe cf. SOIHET, Rachel. Condição feminina e formas de
violência: mulheres pobres e ordem urbana, 1890-1920. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989;
CARNEIRO, Sueli. “Identidade Feminina”. In: SAFFIOTI, Heleiheth I. B; MUÑOZ-VARGAS, Monica
(Orgs). Mulher brasileira é assim. Rio de Janeiro: Rosa do Tempos, 1994. p. 187-193; DIAS, Maria Odila
da Silva. Quotidiano e poder em São Paulo no século XIX. São Paulo: Brasiliense, 1995.
24
MORAES, Dênis. O velho Graça: uma biografia de Graciliano Ramos. São Paulo: Boitempo, 2012. p.
202.
25
Para acessar a lista nominal das enfermeiras enviadas cf.: OLIVEIRA, Alexandre Barbosa. Enfermeiras
da Força Expedicionária Brasileira no front do Pós-Guerra: o processo de reinclusão no Serviço Militar
Ativo do Exército (1945-1957). Tese (Doutorado em Enfermagem) – Escola de Enfermagem Ana Nery,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010. p. 297-299.
26
MORAES, op. cit., p. 202.
93
aparecimento de partidos políticos nacionais. Tudo isso era novidade na história política
do país.
No mesmo ano, estouraram novas greves de várias categorias da classe operária.
Em 29 de outubro Getúlio Vargas foi deposto por um golpe militar. José Linhares, então
presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ocupou a presidência para reorganizar a
política nacional. Numa tensa negociação, em 02 de dezembro as eleições foram
realizadas; Eurico Gaspar Dutra eleito presidente. Antes, desencadeou-se uma onda de
prisões, intervenções em sindicatos e depredações em sedes estaduais do PCB. “O alvo
era o processo de democratização em curso, mas o clima de mobilização impediu [de
imediato] o retrocesso”.27
Em que pese o golpe militar e a agitação política imediatamente posterior, o clima
era de democracia. Com a sensação de que a ditadura não assombrava mais, os grupos
políticos antes estigmatizados e perseguidos, notadamente o PCB, se sentiram livres para
se organizarem e/ou se reorganizarem politicamente. Como lembrou Moisés Vinhas,
embora tenha vivido curtos períodos de legalidade no passado, foi somente nos anos de
1945 a 1947 que se tornou possível ao PCB, pela primeira vez em sua história, apresentar-
se à sociedade brasileira de corpo inteiro e disputar as preferências políticas do eleitorado
e da opinião pública. 28 João Falcão recordou que, no contexto, o partido cresceu
rapidamente, recebendo um grande número de operários e trabalhadores em geral,
estudantes, intelectuais, jornalistas e profissionais liberais.29
Apesar da pouca ou nenhuma referência feita pela maioria dos memorialistas do
30
partido, característica que reverberou na produção historiográfica, a atmosfera
democrática contribuiu para que as mulheres pecebistas ou simpatizantes, antes
perseguidas pelo Estado, voltassem a disputar o espaço público de maneira expressiva.
27
MORAES, 2012. p. 202.
28
VINHAS, Moisés. O Partidão: a luta por um partido de massas 1922-1974. São Paulo: Hucitec, 1982. p.
87.
29
FALCÃO, João. O Partido Comunista que eu conheci (20 anos de clandestinidade). Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 1988. p. 266.
30
A partir do final da década de 1970 (quando se aproximava o fim da Ditadura Civil-Militar) até a década
de 1990 (quando mais uma vez os ares da democracia pareciam soprar no país depois de duas décadas de
Ditadura Civil Militar – 1964-1985), foi publicada uma quantidade significativa de memórias de ex-
militantes pecebistas sobre suas experiências no partido nas décadas anteriores. A maioria delas foi escrita
por homens e faz avaliações políticas, destacando suas impressões sobre os “erros” e “acertos” nas
estratégias e táticas do PCB, bem como as forças políticas fundamentais para a sobrevivência do partido.
Somente para ficar em alguns exemplos: BASBAUM, Leôncio: uma vida em seis tempos (memórias). São
Paulo: Alfa-Omega, 1976; CHAVES NETO, Elias. Minha vida e as lutas de meu tempo. São Paulo: Alfa-
Omega, 1977; VINHAS, 1982; FALCÃO, 1988; PRESTES, Maria. Meu companheiro: 40 anos ao lado de
Luiz Carlos Prestes. Rio de Janeiro: Rocco, 1992.
94
31
Para mais informações sobre os Comitês Populares Democráticos cf. PINHEIRO, Marcos César de
Oliveira. O PCB e os Comitês Populares Democráticos da Cidade do Rio de Janeiro (1945-1947).
Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do
Rio de Janeiro, 2007; VAZQUEZ, Petilda Serva. Momento: intervalo democrático e sindicalismo (1942-
1947). Salvador: UNIJORGE, 2009; SILVA, Raquel de Oliveira. O PCB e Comitês Populares
Democráticos em Salvador (1945-1947). Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2012; PINHEIRO, Marcos César de Oliveira.
Dos Comitês Populares Democráticos (1945-1947) aos Movimentos de Educação e Cultura Popular
(1958-1964): uma história comparada. Tese (Doutorado em História Comparada) – Instituto de História,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.
32
SILVA, op. cit. p. 66.
33
CHAVES NETO, 1977, p. 73.
34
Ibid.
95
35
Para mais informações sobre a história do periódico cf. SERRA, Sônia. O Momento: História de um
jornal militante. Dissertação (Mestrado dm Ciências Sociais) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1987.
36
SILVA, 2012, p. 66-67.
37
OS COMITÊS Democráticos farão o natal dos bairros. O Momento, Salvador, ano 1, n. 42, p. 8, 24 dez.
1945.
38
FALCÃO, 1988, p. 42. Na dissertação de mestrado fiz um balanço da pequena quantidade de mulheres
na direção da seção baiana do PCB e nos comitês da Bahia, tanto na capital quanto nas cidades do interior.
Cf. ALVES, 2015, p. 79-85.
39
O jornal Momento Feminino, principalmente a seção “Atividades Femininas”, traz várias notícias
relacionadas à fundação e funcionamento de diversas associações, uniões e federações regionais, tanto no
Rio de Janeiro quanto em outros estados do país, nas capitais e nos municípios do interior. Entre as várias
organizações, encontramos a União Feminina de Alagoinhas (cidade do interior da Bahia). Quando
fundada, em 1952, reuniu sete associadas e era dirigida por: Letícia Campos, presidenta; Maria A. Cardoso,
secretária e Dirmane O. Oliveira, tesoureira. ATIVIDADES Femininas. Momento Feminino, Rio de
Janeiro, mar./abr., ano 4, n. 92, p. 2 1952.
96
40
A MULHER baiana na luta pacífica pela democracia. O Momento, Salvador, ano 1, n. 28, p. 1, 15 out.
1945.
41
LEÃO, Viviane Maria Zeni. Momento Feminino: mulheres e imaginário comunista. Dissertação
(Mestrado em História) – Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná,
Curitiba, 2003. p. 76.
42
MACEDO, Elza Deli Veloso. Ordem na casa e vamos à luta! Movimento de mulheres: Rio de Janeiro
1945-1964. Lydia da Cunha – uma militante. 2001. Tese (Doutorado em História) – Instituto de História,
Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2001. p. 145.
43
UMA INSTITUIÇÃO de Mulheres. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 28, p. 4, 30 jan. 1948.
97
44
MACEDO, 2001, p. 146.
45
REGRESSARAM ao Brasil as mensageiras da Paz. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 2, n. 54, p.
2-3, 07 jan., 1949.
46
A IMPORTÂNCIA do IIº Congresso Internacional de Mulheres em Budapest. Momento Feminino, Rio
de Janeiro, ano 2, n. 51, p. 7, 22 out., 1948.
47
Ibid.
48
REGRESSARAM ao Brasil as mensageiras da Paz. op. cit.
49
Ibid.
98
50
REGRESSARAM ao Brasil as mensageiras da Paz, 1949, p. 2-3.
51
Cf.: QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER,
Edgardo (Org). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas.
Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina: CLACSO, 2005. Colección Sur. p. 227-278.
99
política e fornecer dados sobre a situação dos seus países. Nas narrativas sobre o evento,
as próprias brasileiras parecem compartilhar deste lugar. Nas palavras de Nice
Figueiredo: “Para isso é que fomos ao II Congresso Internacional de Mulheres.
Adquirirmos experiência com as mulheres mais afortunadas que nós”.52Ao retornarem,
as delegadas brasileiras afirmaram em entrevista ao jornal Momento Feminino que “o II
Congresso foi um verdadeiro brado de alerta contra a guerra, contra aqueles que esmagam
os povos”.53 O conclave havia reafirmado que a “força feminina organizada [é] capaz de
salvar o mundo de uma hecatombe”.54
Na conjuntura, o medo de mais um massacre que uma nova guerra traria povoava
corações e mentes. Havia a sensação de que a qualquer momento poderia estourar uma
terceira guerra mundial que devastaria o planeta com a energia atômica, tragicamente
experimentada em Hiroshima e Nagasaki, devastadas por bombas atômicas lançadas
pelos EUA no final da Segunda Guerra.55 A chamada Guerra Fria, que dividia o mundo
em dois blocos antagônicos, começou a ser delineada logo após a Segunda Guerra
Mundial, mas foi a partir de 1947 que o antagonismo se tornou mais explícito, alterando
significativamente as bases das relações internacionais.
Assim como o bloco capitalista, comandado pelos Estados Unidos, o lado
comunista, dirigido pela União Soviética, também produzia armas nucleares. O equilíbrio
de forças e os lucros advindos da corrida armamentista, de certo modo, impediram a
explosão de um confronto direto entre os dois blocos, mas não evitaram guerras quentes
em diversas regiões com conflitos internos, marcadas por mortes e derramamento de
sangue, a exemplo de países africanos e asiáticos nas guerras de independência
intensificadas nos anos 1960.56
Segundo Jayme Ribeiro, o início da Guerra da Coreia, conflito entre a Coreia do
Norte (capitalista) e a Coreia do Sul (comunista), em 25 de junho de 1950, foi o primeiro
marco para os contemporâneos de que a explosão de uma nova guerra estaria bastante
próxima. A URSS orientou os partidos comunistas a formarem uma ampla frente
52
FIGUEIREDO, Nice. As mulheres defendem os seus direitos civis. Momento Feminino, Rio de Janeiro,
ano 2, n. 53, p. 5, 10 dez., 1948.
53
REGRESSARAM ao Brasil as mensageiras da Paz, 1949, p. 2-3.
54
Ibid.
55
Não há consenso sobre o evento que marca o início da Guerra Fria. Para Erick Hobsbawm, o lançamento
das bombas atômicas nas cidades japonesas seria o marco zero. HOBSBAWM, Eric J. Era dos Extremos:
o breve século XX: 1914-1991. 2° ed. São Paulo: Cia das Letras, 1995. p. 223.
56
Cf. KIERNAN, V. G. Estados Unidos: o novo imperialismo. Rio de Janeiro: Record, 2005. p. 307-325.
100
57
RIBEIRO, Jayme Fernandes. Combatentes da paz: os comunistas e as campanhas pacifistas dos anos
1950. Rio de Janeiro: 7Letras, 2011. p. 66.
58
MOTTA, 2002, p. XXI.
59
RIBEIRO, op. cit., p. 21.
60
Ibid.
101
61
RIBEIRO, 2011, p. 22-23.
62
Ibid., p. 134-139.
63
Há alguns trabalhos que analisam – direta ou indiretamente – a participação do movimento de mulheres
nas campanhas do PCB, demonstrando como contribuíram para a circulação das ideias do partido e para o
desenvolvimento dos seus projetos políticos, especialmente nos contextos em que o partido se encontrava
mais fragilizado. Cf. MACEDO, 2001; LEÃO, 2003; TAVARES, Btzaida Mata Machado. Mulheres
Comunistas: Representações e práticas femininas no PCB (1945-1979). 2003. Dissertação (Mestrado em
História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo
Horizonte, 2003; MORENTE, Marcela Cristina de Oliveira. Invadindo o mundo público: movimento de
mulheres (1945-1964). São Paulo: Humanitas/FAPESP, 2017; LOBO, Daniella Ataíde. Militância feminina
no PCB: memória, história e historiografia. Dissertação (Mestrado em Memória: Linguagem e Sociedade)
– Departamento de Estudos Linguísticos e Literários, Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Vitória
da Conquista, 2017.
64
VINHAS, Moisés. O Partidão: a luta por um partido de massas 1922-1974. São Paulo: Hucitec, 1982. p.
96.
102
Possivelmente, para ele essa atuação não foi “politicamente significativa”,65 embora elas
tenham contribuído com 700 mil assinaturas na campanha contra o emprego da bomba
atômica e 800 mil em favor de um Pacto de Paz entre as grandes potências, segundo
balanço feito por Iracema Ribeiro, que ainda destacou:
65
Na introdução do seu livro de memórias Vinhas destacou que seu objetivo era contribuir com o “resgate
da história do Partido Comunista Brasileiro” em seus “primeiros cinquenta e dois anos de existências”. Para
tanto, optou por um texto sintético, “onde ficassem destacados os fatos e posições que julgo politicamente
mais significativas”. Ao silenciar sobre a participação das mulheres, e mais particularmente de sua
federação nacional, o autor não as via como importantes para a política. Ibid., p. 1.
66
RIBEIRO, 1955, p. 2-4.
67
RIBIERO, 2011, p. 88-89.
103
importante – talvez até mais fundamental – foi o movimento construído por elas próprias,
a partir das conexões possíveis e das escolhas que julgavam mais adequadas às suas
inclinações político-ideológicas, à forma como liam o mundo, o lugar periférico que
ocupavam nas relações de poder e às suas expectativas de liberdade.
68
MACEDO, 2001, p. 145.
69
Carta da Associação Cívica Feminina (assinada por sua presidenta, Felita Presgare Amaral) para Bertha
Lutz. 11 abr., 1945. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, Fundo Federação Brasileira pelo Progresso
Feminino, código de referência: BR AN, RIO Q0. ADM, COR A945.4, p. 7-8.
70
As cartas podem ser consultadas em: Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, Fundo Federação Brasileira pelo
Progresso Feminino, código de referência: BR AN, RIO Q0. ADM, COR A945.
104
71
AS MULHERES brasileiras querem um lugar na mesa da paz. Diário da Bahia, Salvador, p. 2, 12 fev.
1945.
72
Livro de Atas, vol. 5, p. 50-52. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, Fundo da Federação Brasileira pelo
Progresso Feminino, Rio de Janeiro. Código de Referência BR AN, RIO Q0. ADM, EOR.SEC, TXT.2, v.5
73
Ibid.; Conclusões da 5° Convenção Nacional Feminina convocada pela Federação Brasileira pelo
Progresso Feminino em louvor a Princesa Isabel, no seu centenário. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro,
Fundo da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, Rio de Janeiro. Código de Referência: BR AN,
RIO Q0. ADM, EVE. COV. 16.
74
O projeto de livro encontra-se no acervo da federação, mas não está datado. Conseguimos descobrir a
data mediante o cruzamento de fontes. A ata de uma reunião da FBPF realizada em 08 de agosto de 1946,
traz a informação de que Maria Sabina, então presidenta da federação, expôs o projeto do livro, que foi bem
acolhido pelo grupo. A intenção era publicá-lo no vigésimo quinto aniversário da federação, que seria
comemorado em agosto de 1947. Livro de Atas, vol. 5, p. 50-52. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, Fundo
da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, Rio de Janeiro. Código de Referência BR AN, RIO Q0.
ADM, EOR.SEC, TXT.2, v. 5.
105
sua relação com a Comissão Interamericana de Mulheres (CIM). A quinta e última parte
concentraria seus oito capítulos no movimento feminista internacional nos cinco
continentes e, obviamente, o engajamento da FBPF em boa parte dele. A escrita chegou
a ser iniciada, mas não encontrei notícia sobre sua publicação.75
Em 1947, a federação continuou tentando trazer para suas bases a maior parte das
organizações de mulheres em atividade. Quando da comemoração dos seus vinte e cinco
anos, endereçou convite para a vereadora comunista Arcelina Mochel, que compareceu
ao jantar festivo e “agradeceu à federação pela posição que hoje as mulheres conseguiram
galgar”. 76 O jornal Momento Feminino também prestou homenagem ao jubileu,
publicando uma longa matéria sobre a história da FBPF, com ênfase na atuação de Bertha
Lutz, fundadora e líder máxima da entidade. O texto não poupou elogios. Ciente do
antifeminismo, destacou a importância tanto de Bertha quanto da federação que não
esmoreciam, apesar de serem frequentemente “incompreendidas e certamente
ridicularizadas”.77
As comemorações – que junto ao livro representam uma iniciativa de instituir o
lugar da federação na história política, mais especificamente do feminismo – contaram
ainda com a realização de uma assembleia geral, realizada no dia 12 de agosto, “à qual
compareceram representantes de várias entidades femininas cariocas”. 78 Durante a
assembleia debateram “os problemas mais sentidos pela mulher brasileira” e criaram
“uma comissão encarregada de buscar aproximação com todas as associações femininas
do país”.79 No mesmo ano, a FBPF decidiu realizar uma mesa-redonda no Rio de Janeiro,
programada para os dias 26 a 28 de novembro. A mesa pretendia discutir as reivindicações
das mulheres. Para tanto, dividiu o debate em três pontos centrais: 1) O problema da
mulher em face da justiça; 2) Emancipação da mulher e 3) Participação mais ativa da
mulher na vida política. 80 Para Bertha Lutz, os três pontos eram essenciais pois as
75
Anteprojeto de plano para organização de livro sobre História do Movimento Feminino no Brasil.
Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, Fundo da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, Rio de Janeiro.
Código de Referência: BR AN, RIO Q0.ADM, EOR.ELV.1. fl. 1-75.
76
Livro de Atas, vol. 5, p. 76-78. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, Fundo da Federação Brasileira pelo
Progresso Feminino, Rio de Janeiro. Código de Referência BR AN, RIO Q0. ADM, EOR.SEC, TXT.2, v.
5.
77
A ênfase na expressão “incompreendidas e ridicularizadas” demonstra que as mulheres estavam atentas
aos ataques antifeministas mencionados na primeira seção deste capítulo. JUBILEU da Federação
Brasileira pelo Progresso Feminino. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 3, p. 10, 08 ago., 1947.
78
ATIVIDADES Femininas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 4, p. 7, 15 ago., 1947.
79
Ibid.
80
AS MULHERES discutem seus problemas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 17, p. 8-9, 14
nov., 1947.
106
81
AS MULHERES discutem seus problemas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 17, p. 8-9, 14
nov., 1947.
82
Ibid.
83
Ibid.
84
Livro de Atas, vol. 5, p. 89-92. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, Fundo Federação Brasileira pelo
Progresso Feminino. Código de Referência BR AN, RIO Q0.ADM, EOR.SEC, TXT.2, V.5.
107
deveriam ser convidadas todas “as associações com diretoria e corpo social feminino”,
pois “a Federação era acima de tudo feminista”.85
A ressalva foi feita em função de discordâncias internas, provavelmente, em
decorrência do convite direcionado às comunistas. A vice-presidenta, Leontina Licínio
Cardoso, protestou, ressaltando que o Comitê Interamericano de Mulheres, instituição
com sede nos Estados Unidos com a qual a FBPF dialogava – portanto o lado capitalista
da Guerra Fria – não se faria representar, assim como a Federação das Bandeirantes do
Brasil (FBB), organização que sempre se manteve próxima da federação de Bertha.
Apesar dos embates, Lutz – com o apoio de algumas companheiras – decidiu pela
manutenção do evento, gerando profunda insatisfação de outras, que se demitiram do
cargo.86
Repórteres de Momento Feminino, que tinham marcado uma entrevista com
Bertha Lutz, chegaram no final da reunião, quando parte da diretoria já não estava mais
presente. É possível que não tenham assistido ao debate mais tenso; se o fizeram
preferiram não relatar na reportagem. Segundo elas próprias, foram amavelmente
recebidas por Lutz que, ao falar do Momento Feminino, destacou que a federação deveria
colaborar com o jornal. “Afinal, é um jornal de mulheres e uma iniciativa como essa não
pode morrer”. 87 No que diz respeito à mesa-redonda, Bertha enfatizou que seriam
convidadas “delegadas de todas as organizações femininas cuja diretoria e corpo social”
fossem “formadas exclusivamente por mulheres”. 88 Ainda de acordo com Lutz, a
intenção era “conhecer a opinião de todas as mulheres” antes da realização da convenção
da Federação, projetada para 1948.
O jornal Momento Feminino foi convidado para participar da mesa-redonda e
enviou como representantes Léa de Sá Carvalho, Nice Figueiredo e Ana Montenegro.89
Bertha e parte das companheiras da FBPF decidiram colocar o movimento feminista
acima das divergências político-ideológicas, mesmo com os protestos da outra parte das
associadas. As mulheres reunidas em torno do IFSC e do Momento Feminino, naquele
momento, concordaram com a parceria, mas disputavam a hegemonia de um movimento
que, segundo as percepções de Nuta Bartlet James – filiada à União Democrática
85
Livro de Atas, vol. 5, p. 89-92. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, Fundo Federação Brasileira pelo
Progresso Feminino. Código de Referência BR AN, RIO Q0.ADM, EOR.SEC, TXT.2, V.5.
86
Ibid.
87
AS MULHERES discutem seus problemas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 17, p. 8-9, 14
nov., 1947.
88
Ibid.
89
ATIVIDADES Femininas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 18, p. 8-9, 21 nov., 1947.
108
90
Nuta Barlet James (1885-1976) é uma figura controversa do movimento feminista. Foi caraterizada pelo
Dicionário Mulheres do Brasil como uma udenista “radical” e “nacionalista”. O verbete não explica as
razões de sua radicalidade. Nuta ajudou a fundar a UDN e, ainda segundo o dicionário, foi lembrada entre
as militantes do movimento de mulheres das décadas de 1940-50 como “uma figura contraditória: embora
de postura liberal-conservadora, era defensora dos direitos da mulher”. Mesmo sendo da UDN, em 1945,
quando concorreu ao cargo de deputada na Câmara Federal (RJ) a Igreja Católica desencadeou uma
campanha contra ela, acusando-a de comunista, ainda que sua candidatura fosse pela UDN. Em 1950 voltou
a concorrer ao cargo pelo mesmo partido, conseguindo apenas a suplência. Durante os anos 50 participou
da campanha “O Petróleo é Nosso” – associada ao PCB – e foi atuante no movimento de mulheres
protagonizado por comunistas, “levantando fundos e arregimentando simpatizantes no seio dos partidos
conservadores para apoiar as iniciativas do movimento feminista ao longo dos anos 1940-50”. Cf.
SCHUMAHER; BRAZIL, 2000, p. 452-453.
91
AS MULHERES discutem seus problemas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 17, p. 8-9, 14
nov., 1947.
92
Ibid.
93
A título de exemplo, Bertha Lutz palestrou em um evento promovido pela União Feminina do Flamengo
Catete e Glória, vinculada ao IFSC, e Alice Tibiriçá participou de algumas reuniões da diretoria da FBPF.
Cf. PALESTRA da dra. Berta Lutz na União Feminina do Flamengo. Momento Feminino, Rio de Janeiro,
07 nov., 1947, p. 11; Livro de Atas, vol. 5. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, Fundo Federação Brasileira
pelo Progresso Feminino. Código de Referência BR NA, RIO Q0.ADM, EOR.SEC, TXT.2, V.5.
109
94
MORENTE, 2017, p. 61.
95
Carta da Associação Cívica Feminina para Bertha Lutz. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, Fundo
Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, Código de Referência: BR NA, RIO Q0.ADM, COR,
A945.4
96
AS MULHERES discutem seus problemas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 17, p. 8-9, 14
nov., 1947.
97
Ibid.
110
redonda é uma oportunidade para isso”. 98 Alice também discordou de Nuta sobre a
garantia legal dos direitos civis e políticos das mulheres. Para ela, as leis ainda eram
insuficientes. Defendeu que as mulheres se organizassem em um movimento amplo,
“mais organizado, que partindo do Rio de Janeiro, atinja a todos os outros Estados,
tornando assim a mulher brasileira organizada uma força viva à serviço da nação”.99
O programa do IFSC estava de acordo com a perspectiva de sua presidenta,
defendendo a necessidade da ampliação dos direitos civis e políticos para as mulheres,
bem como a garantia de que na prática fossem respeitados aqueles já conquistados. O
jornal Momento Feminino endossou a ideia de que era preciso levar adiante o movimento
pela emancipação das mulheres. A justificativa mobilizada por Nuta de que as
desigualdades sociais entre homens e mulheres eram reflexo das diferenças biológicas,
também foi alvo de disputas. Falarei disto mais adiante.
Apesar das várias interpretações sobre a emancipação das mulheres e das distintas
orientações político-partidárias, por vezes antagônicas, a mesa-redonda aconteceu como
programada. Segundo reportagem publicada em Momento Feminino, a abertura do evento
contou com grande número de mulheres, ao ponto de Bertha Lutz, “com a sua linguagem
simples e agradável”, declarar que “numa reunião de mulheres... sobram cadeiras. Hoje
estamos vendo que as cadeiras estão faltando. Isso é um bom sinal”.100
Em um evidente esforço de provar que a federação estava disposta a superar as
divergências políticas, compuseram a mesa de abertura, além da anfitriã Bertha, as
vereadoras comunistas do Rio de Janeiro Arcelina Mochel e Odila Schmidt. Segundo a
reportagem, a mesa aconteceu em um ambiente “de franca cordialidade. Tinha-se a
impressão que todas as mulheres se conheciam...”.101 Entre as ouvintes estavam, segundo
Momento Feminino, mulheres de diferentes extratos profissionais, “operárias, estudantes,
funcionárias, intelectuais, advogadas, médicas, donas de casa, todas se irmanavam num
espírito comum”, unidas pela “maior boa vontade e tolerância”.102
Mas o clima de irmandade não freou debates calorosos. Ainda de acordo com o
jornal, a principal discordância se deu quando uma das participantes, Dona Esther,
representante da Associação das Senhoras, destacou que “a mulher é o centro da
98
AS MULHERES discutem seus problemas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 17, p. 8-9, 14
nov., 1947.
99
Ibid.
100
FEDERAÇÃO Brasileira pelo Progresso Feminino. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 19, p.
22, 28 nov. 1947.
101
Ibid.
102
Ibid.
111
gravidade do mundo”. Nice Figueiredo, que não era dada a evitar polêmicas quando sentia
a necessidade de defender seu ponto de vista, prontamente discordou. Para ela, o
movimento não deveria ter por objetivo colocar as mulheres num pedestal, mas garantir
sua independência através da emancipação econômica. “O problema deveria ser colocado
com mais justeza: a mulher precisa de independência econômica para se emancipar”. O
ponto gerou uma discussão acalorada. Segundo a reportagem, “quatro corajosas senhoras
que assistiam ao debate da porta, apartearam...”:
103
FEDERAÇÃO Brasileira pelo Progresso Feminino, 1947, p. 22.
104
FIGUEIREDO, Nice. Uma lição aprendida com a experiência. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano
3, n. 62, p. 4, 30 out., 1949.
105
Ibid.
112
legais e da cultura que limitava sua autonomia. Ademais, ao lado das trabalhadoras
economicamente desfavorecidas, havia as mulheres das camadas médias, “que por
causalidade de nascimento não têm os mesmos problemas, que já estão em condições
físicas e sociais mais favoráveis e adiantadas e que, portanto, têm o direito de lutar por
outros direitos que nem elas nem as primeiras possuem ainda”. O erro, segundo sua
perspectiva, “contrariava a lógica e as próprias mulheres, na medida em que as impedia
de aspirar posições mais altas, um lugar equivalente à sua capacidade e aptidão e que
preparem um futuro para os seus filhos”. As mulheres “deveriam trabalhar juntas e todas
as necessidades de cada uma é que constituirão a base do seu programa de reivindicações
e lutas”. O mundo ideal de Nice Figueiredo seria aquele onde todas e todos seriam
“igualmente vistos e [poderiam] juntos correr para o bem estar e o desenvolvimento de
uma sociedade sem falta de água, sem fome, sem miséria, sem mortalidade infantil, sem
males que tanto atormentam as mães e as mulheres de hoje”.106
Provavelmente, a narrativa do jornal, imbuída em transmitir a ideia de que, apesar
das divergências, o clima era de absoluta harmonia, amenizou a tensão do momento.
Dificilmente em uma reunião envolvendo pessoas de campos políticos antagônicos seria
possível debater na mais absoluta harmonia e tolerância. Muito provavelmente, a
cordialidade foi deixada de lado em alguns instantes. Mesmo assim, as feministas
tentaram efetivamente construir um movimento unificado nos dois meses que sucederam
a mesa-redonda. De dezembro de 1947 a janeiro do ano seguinte, Momento Feminino
publicou as resoluções da mesa, enfatizando a importância de dar encaminhamento ao
acordo estabelecido no sentido de construir um movimento de mulheres
suprapartidário.107 No entanto, o projeto foi frustrado pela dinâmica do contexto e pelo
conhecido anticomunismo que, mais uma vez, ganhava força política.
A insistência de Bertha Lutz em levar o debate adiante com a presença das
comunistas e o trabalho desenvolvido nos meses que se seguiram impactou
106
FIGUEIREDO, Nice. Uma lição aprendida com a experiência. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano
3, n. 62, p. 4, 30 out., 1949.
107
A MESA REDONDA da Federação foi uma grande vitória para a mulher. Momento Feminino, Rio de
Janeiro, ano 1, n. 20, p. 2, 05 dez., 1947; RESOLUÇÕES da Mesa Redonda da Federação Brasileira pelo
Progresso Feminino. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 20, p. 8-9, 05 dez., 1947;
MONTENEGRO, Ana. Imprensa Feminina Fator de Educação. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1,
n. 20, p. 9, 05 dez., 1947; EM ATIVIDADE a comissão de resoluções da Mesa Redonda. Momento
Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 22, p. 2, 19 dez., 1947; CRECHES, necessidade imediata para todas as
mães. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 22, p. 6, 19 dez., 1947; TRECHOS de teses
Apresentadas à Mesa Redonda promovida pela Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Momento
Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 25, p. 2, 09 jan., 1948; UMA INSTITUIÇÃO de Mulheres. Momento
Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 28, p. 4, 30 jan. 1948.
113
108
MORENT, 2017, p. 40-41.
114
alta burguesia, defendendo seu exclusivo conforto”.109 Assim, as mulheres da FBPF que
dois meses antes eram aliadas e exaltadas se converteram em inimigas. Se há pouco tempo
Arcelina Mochel sentava na mesma com Bertha Lutz, agora dizia que ela e suas
companheiras de federação eram “mulheres que vivem o luxo e as riquezas, pouco se
incomodando que o povo viva com fome, que as crianças morram à míngua ou que os
velhos esmolem”:
Por isso se articula, para que a situação lhes permaneça como está,
vendo na nossa luta um perigo para os seus prazeres. Essa é uma
verdade, que infelizmente existe aqui e em todo o mundo. Elas também
se organizam e procuram mascarar sua luta com ares de democracia e
igualdade, mas, no fundo, querem esmagar-nos.110
109
MOCHEL, Arcelina. Nossos Problemas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 28, p. 2, 30 jan.,
1948.
110
Ibid.
111
Ibid.
115
Desta vez, o nome da federação de Bertha Lutz foi excluído do projeto de união.
Certamente, a presença ou não de homens não era a maior divergência nem a mais difícil
de ser superada. A polarização política gerada pela Guerra Fria e o anticomunismo foram
os maiores problemas. Ironicamente, o anticomunismo de parte das associadas da FBPF
pode ter sido responsável pelo enfraquecimento da organização, colaborando para o
fortalecimento do movimento feminista de orientação comunista. Apesar do
anticomunismo que começava a ganhar força em 1946, fator que supostamente
privilegiaria a FBPF, a organização teve suas expectativas frustradas. Não conseguiu
recuperar a força política da década de 1920-30 e praticamente se desintegrou em 1948.
Ao contrário do que aconteceu como o IFSC que, no ano seguinte, fundou a projetada
Federação de Mulheres do Brasil (FMB), tema do próximo capítulo.
112
CONSTRUTORAS da Hora Presente. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 2, n. 55, p. 3, fev., 1949.
116
1
CONFERÊNCIA Nacional Feminina. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 2, n. 59, p. 4. 20 mai.,
1949; NOSSO Congresso. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 2, n. 60, p. 3, 30 jun. 1949.
2
Ibid.
3
MACEDO, Elza Deli Veloso. Ordem na casa e vamos à luta! Movimento de mulheres: Rio de Janeiro
1945-1964. Lydia da Cunha – uma militante. 2001. Tese (Doutorado em História) – Instituto de História,
Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2001. p. 166.
117
principais estados já tinham núcleos de apoio para uma “ampla e forte organização
feminina, de caráter nacional”.4
O debate foi dividido em três eixos temáticos: “direitos da mulher”, infância e
juventude, e paz mundial/alto custo de vida. Interligando todos os problemas, as
participantes entenderam que era fundamental a construção de um “movimento feminino”
forte e unificado em torno da Federação de Mulheres do Brasil (FMB). O principal
objetivo da entidade era “organizar a ação de mulheres nas questões relativas aos seus
direitos, à proteção à infância e à paz mundial, mas principalmente mobilizar campanhas
contra a carestia de vida”.5 Esses foram os três grandes eixos que efetivamente orientaram
as ações da FMB durante a sua existência.
Tanto a realização do evento quanto a criação de uma “grande federação nacional
de mulheres” foram orientadas pela Federação Democrática Internacional de Mulheres
(FDIM), que para o grupo representava o “quartel general das mais valentes batalhadoras
do mundo inteiro”.6 Lembremos que logo quando foi fundado, o Instituto Feminino de
Serviço Construtivo se aproximou da organização internacional de orientação comunista.
Coerente com o debate da conferência e com as orientações da FDIM, o estatuto da
Federação de Mulheres do Brasil (FMB) pautou três eixos básicos: 1) a defesa dos direitos
civis, econômicos e políticos das mulheres, 2) da infância e da juventude (dos filhos e
dependentes) e 3) da paz, guarda-chuva que abrigava desde o movimento contra o alto
custo de vida, até a defesa da exploração estatal dos recursos naturais. De acordo com
Elza Macedo, a FMB operacionalizou um conjunto de ações e estratégias diversificadas
para cobrir esse programa. No esforço para atingir o maior número de mulheres, escolheu
como ponto nuclear do movimento uma questão que, de imediato, falava a todas: o alto
custo de vida.7
O jornal Momento Feminino serviu como meio de propaganda, divulgação de
ideias, de articulação e de educação militante. Juliana Torres estudou as representações
visuais do feminino na imprensa comunista, evidenciando que várias ferramentas
didáticas foram utilizadas para orientar e atrair novas militantes, entre elas, histórias em
quadrinhos. Em Momento Feminino, Zezé, personagem das histórias de Quirino
4
CONFERÊNCIA Nacional Feminina. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 2, n. 59, p. 4. 20 mai.,
1949.
5
NOSSO Congresso. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 2, n. 60, p. 3, 30 jun. 1949.
6
MOBILIZAM-SE as mulheres do mundo inteiro na luta contra a guerra. O Momento, Salvador, ano 5, n.
969, p. 3, 12 abr. 1949.
7
MACEDO, 2001, p. 195.
118
8
TORRES, Juliana Dela. A representação visual da mulher na imprensa comunista brasileira (1945-1957).
2009. Dissertação (Mestrado em História) – Departamento de História, Universidade Estadual de Londrina,
Londrina, 2009. p. 132.
119
9
A FEDERAÇÃO de Mulheres do Brasil reúne seu Conselho de Representantes. Momento Feminino, Rio
de Janeiro, ano 9, n. 116, p. 25, 1956.
120
Apesar do avanço, a comunista julgou que o trabalho ainda era muito insuficiente
porque restrito a uma minoria de mulheres. Segundo sua avaliação, a FMB ainda não era
capaz de “mobilizar milhões de mulheres e influir com sua força no desenvolvimento dos
10
RIBEIRO, Iracema. Sobre o trabalho do Partido Comunista do Brasil entre as mulheres. Imprensa
Popular, Rio de Janeiro, ano 3, n. 1.468, p. 2-4 (3° Caderno), 03 abr., 1955.
121
No que diz respeito aos métodos, Iracema acreditava que eram “impregnados do
mais profundo sectarismo”. Para ela, não se levava em conta “as características e
peculiaridades próprias do trabalho feminino. Transplantamos para o movimento de
massa os métodos de trabalho interno do Partido”. Faltava uma compreensão de que “o
11
RIBEIRO, 1955, p. 2-4.
12
Segundo Prestes, o PCB era negligente em relação ao trabalho desenvolvido entre as mulheres. Para o
Secretário Geral, “a parte feminina da população representa[va] importante reserva que deve ser ganha para
a classe operária”. Por isso, eram injustificados o “desprezo e a subestimação do trabalho entre as
mulheres”. Tomadas como categoria social importante para servir à luta dos trabalhadores, citando Stalin,
o dirigente definiu como tarefa do Partido Comunista, vanguarda do proletariado, “libertar as mulheres,
operárias e camponesas da influência da burguesia, para educar politicamente e organizar as operárias e as
camponesas sob a bandeira do proletariado”. Desse modo, não seriam apenas as organizações de massa e
de base femininas as responsáveis por “esclarecer” as mulheres. Mas todas as organizações do partido
deveriam “incluir entre suas tarefas cotidianas e permanentes o trabalho entre as massas femininas, a fim
de dirigir e orientar a luta das mulheres em defesa dos seus direitos, em defesa da infância e da paz”.
INFORME de Prestes ao IV Congresso. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, ano 7, n. 1365, p. 4-6
(Suplemento dedicado ao IV Congresso do Partido Comunista do Brasil), 28 nov., 1954.
13
RIBEIRO, op. cit.
14
Ibid.
122
trabalho feminino exige o uso de uma linguagem simples, capaz de falar ao sentimento
da mulher, além de formas especiais que tornem mais fácil a organização das massas
femininas”. 15 Falando sobre as “Organizações de Base femininas”, considerou que a
militância não trabalhava em geral como “organizações de massa femininas”. Suas
atividades se limitavam às tarefas partidárias internas.
15
RIBEIRO, 1955, p. 4-6.
16
Ibid.
17
Ibid.
123
elas talvez preferissem não deixar tão evidente, muito embora publicassem textos
exaltando personalidades comunistas.
Apesar da ligação com o PCB, existia alguma autonomia no movimento de
mulheres de orientação comunista, que se dizia aberto às mulheres de qualquer orientação
política, credo religioso, raça e classe social. Mas seus vínculos com o PCB e, como
decorrência, seu compromisso com a classe trabalhadora são evidentes. A preocupação
de Iracema Ribeiro com as estratégias e táticas da federação é um indício significativo.
Além disso, ao longo dos seus quase dez anos de atuação política expressiva (1949-1957),
a FMB levantou todas as bandeiras do partido, como a luta pela paz mundial e a defesa
da exploração estatal das riquezas naturais, especialmente do petróleo. Em períodos
eleitorais, fazia campanha para os candidatos, especialmente candidatas comunistas. O
partido, por sua vez, respondendo as demandas colocadas pelas mulheres que vinham
atuando em suas fileiras desde a sua fundação 18 , costumava lançar representantes do
“sexo feminino” como candidatas nos processos eleitorais.19
Em Salvador, por exemplo, nas eleições estaduais de 1947, a Chapa Popular,
representante do Programa Mínimo do PCB, lançou seis candidatas: Maria Lopes de
Melo, professora primária; Bernadete Ribeiro, operária da zona fumageira; Carmosina
18
Segundo Btzaida Tavares, há indícios de uma expressiva participação de mulheres no processo que
culminou na formação do partido, fundado em 25 de março de 1922. As experiências das mulheres no
movimento operário nas décadas de 1910-30, tema estudado por Gláucia Fraccaro, demonstra que isso é
muito provável. Ronald H. Chilcote fez referência a uma Liga Comunista Feminina em um organograma
sobre a formação do PCB. Além da atuação na fundação do partido, desde os primeiros anos da existência
do PCB há referências sobre a presença das mulheres. Em suas memórias, João Falcão faz referência a
fundação, em 1928, de um Comitê das Mulheres Trabalhadoras, ligado ao partido. Laura Brandão teria sido
uma das fundadoras. Maria Elena Bernardes endossou a afirmação. Ademais, destacou que Laura participou
de várias atividades, entre as quais, a fundação do jornal A Classe Operária em 1925. Mas depois foi
invisibilizada. “Mais uma vez assistimos à direção do PCB ocultando o trabalho da militância feminina”,
reclamou Bernardes. Cf. TAVARES, Btzaida Mata Machado. Mulheres Comunistas: Representações e
práticas femininas no PCB (1945-1979). Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2003, p. 61; FRACCARO,
Gláucia. Os direitos das mulheres: feminismo e trabalho no Brasil (1917-1937). Rio de Janeiro: FGV, 2018;
CHILCOTE, Ronald. H. O Partido Comunista Brasileiro. Rio de Janeiro: Graal, 1982. Tabela 2.1, p. 55;
FALCÃO, João. O Partido Comunista que eu conheci (20 anos de clandestinidade) Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1988, p. 45; BERNARDES, Maria Elena. Laura Brandão: a invisibilidade feminina
na política. Campinas: UNICAMP/CMU, 2007. p. 100.
19
Aqui cito apenas exemplos pontuais. Não fiz um estudo sobre a participação das mulheres em processos
eleitorais no Brasil, nem analisei em que medida o PCB incorporou candidatas do sexo feminino em suas
chapas, bem como suas demandas consideradas específicas. Na dissertação de mestrado fiz uma breve
análise das eleições de 1945 e 1947 na Bahia, sobretudo, em Salvador. Ricardo José Szilio fez um balanço
sobre a situação das mulheres nas eleições no Brasil. Cf. ALVES, A política no feminino: Uma História das
Mulheres no Partido Comunista do Brasil – Seção Bahia (1942-1949). Dissertação (Mestrado em História)
– Departamento de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de
Santana, 2015. p. 131-154; SZILIO, Ricardo José. “Vai, Carlos, ser Marighella na vida”: outro olhar sobre
os caminhos de Carlos Marighella na Bahia (1911-1945). Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade
de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2017. p. 182-185.
124
20
AS MULHERES baianas têm as suas candidatas. O Momento, Salvador, ano 2, n. 283, p. 1, 03 jan. 1947.
21
PROCLAMAÇÃO Feminina. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 14, p. 5, 24 out., 1947; A
PRÓXIMA vitória eleitoral em São Paulo. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 14, p. 16, 24 out.,
1947.
22
REUNIU-SE o Conselho de Representantes. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 6, n. 98, p. 5,
jan./fev., 1953.
23
O Comitê Central (CC) era o carro chefe na hierarquia partidária e se subdividia em seções. A mais alta
era o Comitê Executivo. Em 1954, no IV Congresso do partido, três mulheres foram eleitas para o CC: a
doméstica Lourdes Benaim, de São Paulo; a professora Arcelina Mochel, do Rio de Janeiro e a professora
Zuleika Alambert, de São Paulo. Além delas, foram eleitas quatro suplentes: a tecelã Orondina Silva, de
São Paulo; a doméstica Olga Maranhão, do Rio de Janeiro; a tecelã Maria Salas, de São Paulo e a professora
Iracema Ribeiro, do Rio de Janeiro. No V Congresso, realizado em setembro de 1960, apenas uma mulher
foi eleita, Zuleika Alambert, que desta vez ocupou o Comitê Executivo, a primeira vez que uma mulher
ocupava uma vaga no lugar mais elevado na hierarquia partidária. cf. VINHAS, 1982, p. 135-184.
24
MACEDO, 2001, p. 205.
125
25
VINHAS, p. 129-130; CHAVES Neto, Elias. Minha vida e as lutas de meu tempo. São Paulo: Alfa-
Omega, 1977. p. 124; GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. A esquerda brasileira: das ilusões à luta
armada. 2° ed. São Paulo: Ática, 1987, p. 21.
26
MOCHEL, Arcelina. A estrada da libertação nacional deve ser aberta por nós. Momento Feminino, Rio
de Janeiro, ano 3. n. 75, p. 2, 01 set., 1950.
27
Ibid.
28
Ibid.
29
Memorialistas e historiadores apontaram que a militância, na prática, não seguiu a linha política do
manifesto, que passou por algumas pequenas modificações; a primeira em 1952 e a segunda em 1954,
durante o IV Congresso Nacional do Partido, realizado após o suicídio de Getúlio Vargas. Com a morte do
presidente e a reação popular a ela, o partido teve de dar um giro de 180 graus da noite para o dia e
acompanhar as massas. Mesmo assim, segundo avaliam, de imediato, as mudanças foram pouco
substanciais. Para o debate sobre as mudanças de linha política empreendidas pelo partido no período em
tela cf.: CHAVES NETO, 1977; VINHAS, 1982; GORENDER, 1987; MAZZEO, Antonio Carlos. Sinfonia
inacabada: a política dos comunistas no Brasil. São Paulo: Boitempo, 1999; ALMEIDA, Lúcio Flávio
Rodrigues. Insistente desencontro: o PCB e a revolução burguesa no período 1945-1964. In: MAZZEO,
Antônio Carlos; LAGOA, Isabel (Orgs). Corações vermelhos: os comunistas brasileiros no século XX. São
Paulo: Cortez, 2003, p. 83-122; SOARES, Ede Ricardo Assis. Insubordinação das bases do PCB frente às
orientações políticas dos Manifestos de Janeiro de 1948 e Agosto de 1950. In: SENA JÚNIOR, Carlos
Zacarias. Capítulo de história dos comunistas no Brasil. Salvador, EDUFBA, 2016, p. 197-213.
126
30
MACEDO, 2011; TAVARES, 2002; LEÃO, 2003; TORRES, 2009; ALVES, 2015; PEREIRA, Andréa
Ledig de Carvalho. Conservadoras ou revolucionárias? Trajetórias femininas, filantropia e proteção social:
São Paulo e Rio de Janeiro (1930-1960). 2016. Tese (Doutorado em Política Social) – Centro de Estudos
Sociais Aplicados, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2016; MORENTE, Marcela Cristina de
Oliveira. Invadindo o mundo público: movimento de mulheres (1945-4964). São Paulo: Humanitas, 2017;
LOBO, Daniella Ataíde. Militância feminina no PCB: memória, história e historiografia. Dissertação
(Mestrado em Memória: Linguagem e Sociedade) – Departamento de Estudos Linguísticos e Literários,
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Vitória da Conquista, 2017; FERREIRA, Alane. Mulheres
Vermelhas: a atuação das militantes do Partido Comunista do Brasil (PCB) no jornal Momento Feminino
(1947-1950). Dissertação (Mestrado em História) – Departamento de Ciências Humanas e Filosofia,
Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana, 2019.
31
MACEDO, op. cit., p. 196; BRASIL. Lei Delgada nº 4, de 26 de setembro de 1962. Intervenção no
domínio econômico para assegurar a livre distribuição de produtos necessários ao consumo do povo.
Brasília, DF. Presidência da República [1962]. Disponível em: <
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/leidel/1960-1969/leidelegada-4-26-setembro-1962-366961-
publicacaooriginal-1-pl.html> Acesso em: 25 jan., 2020.
127
32
MOTTA, 2002, p. 66.
33
A dominação masculina, geralmente exercida/atribuída aos homens, segundo Pierre Bourdieu significa a
força da ordem masculina des-historicizada e eternizada pelas estruturas da divisão sexual e dos princípios
de divisão correspondentes. Portanto, é um poder que dispensa justificação. “A visão androcêntrica impõe-
se como neutra e não tem necessidade de se enunciar em discursos que visem a legitimá-la”. Assim, “a
ordem social funciona como uma imensa máquina simbólica que frequentemente ratifica a dominação
masculina sobre a qual se alicerça: “é a divisão social do trabalho, distribuição bastante estrita das atividades
atribuídas a cada um dos dois sexos, de seu local, seu momento, seus instrumentos; é a estrutura do espaço,
opondo o lugar de assembleia ou de mercado, reservados aos homens, e a casa, reservada às mulheres; ou,
no interior desta, entre a parte masculina, como o salão, e a parte feminina, como o estábulo, a água e os
vegetais; é a estrutura do tempo, a jornada, o ano agrário, ou o ciclo de vida, como momentos de ruptura,
masculinos, e longos períodos de gestação, femininos”. Cf. BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina.
11. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012. p. 18.
34
BASBAUM, Leôncio. Uma vida em seis tempos: memórias. São Paulo: Alfa-Ômega, 1976. p. 117.
128
machismo. “Creio que era o que ela esperava ou queria pois, nessa base, me acusou de
‘ser contra as mulheres’ e ter ‘um conceito burguês sobre as mulheres e o comportamento
feminino’”.35
A fala denota que o dirigente não percebia seu comportamento como inadequado,
ofensivo e machista. Para ele o problema estava na atitude da “companheira”, que em sua
leitura havia forjado uma situação para fazê-lo parecer “contrário às mulheres”. Ademais,
suas palavras indicam que a presença da militante no Comitê Central lhe aborrecia. A
única mulher a compor o CC naquele contexto incomodou Basbaum desde a sua
convocação. O dirigente achava que ela “era muito nova no partido, cerca de um ano na
ocasião, e não tinha condições nem qualificações para o cargo de responsabilidade”.36
Mas apesar de suas ponderações, ela assumiu o secretariado e o serviço burocrático em
geral. “Ela fazia a correspondência, mantinha contato com as direções regionais, guardava
o arquivo, expedia cartas para o exterior, e para isso tinha todos os endereços necessários.
Mas nenhuma participação política”.37
A narrativa de Basbaum é um indício de que as reuniões de cúpula do PCB
poderiam ser misóginas e antifeministas. A expressão “mulheirismo”38 foi usada para
desqualificar a emotividade, lida como fraqueza, como coisa de mulher, portanto,
feminina. O espaço da política partidária era visto como ambiente de expressão
viril/masculina. Ou seja, lugar de força, racionalidade, frieza e controle absoluto das
emoções, sendo que ele próprio não conseguiu controlar a sua, ao explodir diante do choro
da “companheira”. Basbaum justificou seu incômodo com a presença de Cina pela
suposta falta de experiência da militante, mas não é improvável que o fato de ser uma
mulher ocupando uma atmosfera de poder tradicionalmente ocupada por homens tenha
influenciado a sua antipatia.
O mesmo argumento foi utilizado na delegação das funções que Cina assumiu,
descritas como sem função política. As atividades consideradas políticas provavelmente
eram aquelas realizadas pelos homens: elaborações teóricas, construção de resoluções,
definições partidárias. Podemos imaginar quão difícil era para as mulheres se fazerem
35
BASBAUM, 1976, p. 117.
36
Ibid., p. 115
37
Ibid.
38
Hoje a expressão mulherismo ou mulherismo africana é usada por grupos que defendem a
emancipação/libertação das mulheres a partir de uma perspectiva afrocêntrica. Neste sentido, chama a
atenção para a opressão racial e de gênero às quais estão expostas as mulheres negras. Para mais
informações sobre o debate cf.: DOVE, Nah. Mulherismo Africana: uma teoria afrocêntrica. Jornal de
Estudos Negros, v. 28, n. 5, mai., 1998; COLLINS, Patrícia Hill. O que é um nome? Mulherismo,
Feminismo Negro e além disso. Cadernos Pagu, Campinas, n. 51, dez., 2017.
129
Para Patrícia Galvão, o fato dela, por escolha, contrariar a moral sexual vigente,
não autorizava seus companheiros a manipularem sua vida sexual. Os limites entre
liberdade sexual – pauta à época defendida por parte do movimento feminista – e
desrespeito às mulheres que decidiam ser sexualmente livres eram muito tênues. Nas
descrições de Galvão, as pessoas muitas vezes interpretavam mal o discurso
emancipacionista de algumas companheiras. Achavam que elas estavam sempre
disponíveis para o sexo. Não por acaso, ela ficou indignada com o assédio sexual de um
companheiro: “Como era revoltante e ridículo despir a capa comunista. Que nojo ao vê-
39
Refletindo sobre o racismo, Grada Kilomba, citando Paul Gilroy, citou cinco mecanismos distintos de
defesa do ego pelos quais o sujeito branco passa até se tornar capaz de entender sua própria branquitude e
a si próprio, são eles: negação, culpa, vergonha, reconhecimento e, por fim, reparação. Por analogia, acho
que os mecanismos podem ser aplicados quando analisamos o machismo e o antifeminismo. Aqui gostaria
de chamar a atenção para o primeiro mecanismo: a negação, característica presente no discurso de Basbaum.
A negação, “é um mecanismo de defesa do ego que opera de forma inconsciente para resolver conflitos
emocionais através da recusa em admitir os aspectos mais desagradáveis da realidade externa, bem como
sentimentos e pensamentos internos. Essa é a recusa em reconhecer a verdade. [...] Como escrevi
anteriormente, o sujeito nega que ela/ele tenha tais sentimentos, pensamentos ou experiências, mas continua
a afirmar que “outra” pessoa o tem”. KILOMBA, Grada. A Máscara. In: KILOMBA, Grada. Memória da
plantação: Episódios de racismo cotidiano [Recurso eletrônico]. Rio de Janeiro: Cobogó, 2020, n.p.
40
A carta foi publicada em 2005 por seu filho, Geraldo Galvão Ferraz: FERRAZ, Geraldo Galvão (Org).
Paixão Pagu: uma autobiografia precoce de Patrícia Galvão. Rio de Janeiro: Agir, 2005.
41
Ibid., p. 126-127.
130
lo atirar-se a minha procura com a vulgaridade brutal e desastrada que eu já conhecia nos
homens de outras classes sociais!”.42
Além dos problemas apontados acima, de acordo com as lembranças de Maria
Prestes – “codinome que eclipsou o nome verdadeiro” de Altamira Rodrigues Sobral –43,
ela e suas companheiras estavam passíveis à violência psicológica dos homens nos
chamados aparelhos, espaços de moradia de uma ou mais famílias militantes em tempos
de clandestinidade do PCB. Em meados da década de 1950, após o nascimento de um dos
seus filhos com o Secretário Geral do Partido, Luiz Carlos Prestes, ela passou o puerpério
em um aparelho em Jacarepaguá, Rio de Janeiro. Lá morava Arruda Câmara, um dos mais
importantes dirigentes do PCB no período, com quem teve um sério conflito durante os
dias que se resguardava do parto. Segundo suas lembranças, Arruda costumava maltratar
todo mundo. Ela conta que um dia a companheira que cozinhava esqueceu que o dirigente
não comia cebola.
O Arruda quase que virou a mesa, teve uma reação terrível. A pobre
companheira em pânico ficou aos prantos. Eu disse que não era através
de gritos e murros na mesa que a ordem deveria ser mantida, o Arruda
ficou furioso, disse que eu estava com pretensões de ser dirigente.
Mandou eu me comportar, pois ele sim, um comunista, sabia das
coisas.44
Com raiva, Maria respondeu que se o autoritarismo era pré-requisito para ser
comunista, ela dispensava fazer parte “desta organização autoritária”; ao passo que ele
reagiu de forma ainda mais violenta. Com insultos, gritou para humilhá-la: “– Vá cuidar
de sua criança, sua vagabunda!”.45
Estes três exemplos são emblemáticos de como comportamentos machistas e
antifeministas atravessava todos os setores da sociedade, inclusive o partido que pretendia
revolucioná-la. As mulheres militantes estavam expostas a diversos tipos de violência. A
ideia de que “mulher tinha o seu lugar” implicava na distribuição das funções: na direção,
nas atividades partidárias e nos aparelhos em que compartilhavam o cotidiano. E essa
42
FERRAZ, 2005, p. 87.
43
Altamira Rodrigues Sobral nasceu em Recife em 02 de fevereiro de 1932. Filha do comunista João
Rodrigues Sobral, ou “camarada Lima”, e de Mariana Ribas Pontes, que faleceu quando ela ainda era
criança. Uma semana após a morte da mãe, seu pai foi preso por ter participado do Levante de 1935,
pejorativamente chamada de Intentona Comunista. Em 1945, Altamira se filiou ao partido, por influência
do pai. Em 1952 conheceu Luiz Carlos Prestes, com quem se casaria logo em seguida. GOMES, Dias.
Prefácio. In: PRESTES, Maria. Meu companheiro: 40 anos ao lado de Luiz Carlos Prestes. Rio de Janeiro:
Rocco, 1992. p. 39-41.
44
PRESTES, op. cit., p. 74-75.
45
Ibid., p. 75.
131
reafirmavam sua feminilidade com a intenção de provar que o fato de estarem disputando
a política pública não as masculinizavam.46
Na década de 1950, quando novamente a FBPF retomou a regularidade de suas
atividades, o anticomunismo orientou o movimento, o que reforça a tese do feminismo
tático, defendida por Soihet; 47 ao mesmo tempo em que evidencia uma postura
estratégica. Estratégia, segundo Michel de Certeau, seria “o cálculo (ou a manipulação)
das relações de forças que se torna possível a partir do momento em que um sujeito de
querer e poder (uma empresa, um exército, uma cidade, uma instituição científica) pode
ser isolado”.48 Já a tática é “a ação calculada que é determinada pela ausência de um
próprio. Então nenhuma delimitação de fora lhe fornece a condição de autonomia. [...] A
tática é a arte do fraco”.49 Se por um lado, a estratégia “é organizada pelo postulado de
um poder”; a tática é determinada pela ausência dele. 50 Portanto, seria a ação de
indivíduos e grupos que ocupam o lugar do outro nas estruturas de poder, por isso jogam
no terreno do possível, aproveitando-se das circunstâncias favoráveis “para captar no voo
as possibilidades oferecidas por um instante”.51
Desde que foi fundada, a Federação de Bertha Lutz adotou como estratégia a
ocupação de espaços no poder político institucional, terreno majoritariamente ocupado
por homens brancos e tradicionalmente construído por e para eles. A partir da conquista
do poder público, agia taticamente para garantir conquistas feministas. Nesse espaço, era
preciso jogar no terreno do possível e aproveitar as circunstâncias favoráveis. Ao longo
de sua história, marcada por altos e baixos, a federação se adequou ao clima político do
momento, calculando a correlação de forças e estudando formas que julgava mais
adequadas para a conquista do poder público; na posse dele, construía alternativas para
que seus interesses feministas fossem atendidos. A partir de 1948 era completamente
desfavorável para a sua estratégia costurar alianças com o movimento de mulheres
rotulado de comunista, logo, destruidor radical da família, da “moral” e “dos bons
costumes”.
Nos anos 1950 a FBPF expressou-se publicamente contrária as atividades da
Federação de Mulheres do Brasil, de orientação comunista. Em 1954 chegou a lançar um
46
SOIHET, Rachel. Feminismos e antifeminismos: mulheres e suas lutas pela conquista da cidadania plena.
Rio de janeiro: 7Letras, 2013, passim.
47
Ibid., p. 55-122.
48
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. 15° ed., v. 1. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 99.
49
Ibid., p. 100-101.
50
Ibid., p. 101.
51
Ibid.
133
52
LIDO no Senado o manifesto de numerosas senhoras brasileiras contra a Conferência Latino Americana
de Mulheres. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, ano 54, n. 18.824, p.3, 07 ago., 1954.
53
O resumo das principais teses dessas autoras e autores pode ser consultado em: BEAUVOUIR, Simone.
O segundo sexo: fatos e mitos. v. 1, 3 ed., Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2016. p. 83-91; ALAMBERT,
Zuleika. Feminismo: o ponto de vista marxista. São Paulo: Nobel, 1986, passim; TOLEDO, Cecília (Org.).
A mulher e a luta pelo socialismo: Coletânea de textos de Marx, Engels, Lenin, Clara Zetkin, Trotski.
Sundermann: São Paulo, 2014, passim.
54
Para um panorama geral dos movimentos feministas em nível internacional e nacional cf. GONÇALVES,
Andréa Lisly. História & Gênero. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
134
55
BEAUVOUIR, 2016, p. 87-89.
56
MOTTA, 2002, p. 66; LEÃO, 2003, p. 44; GOLDMAN, 2014, p. 19-31.
57
LÊNIN, V. I. O socialismo e a emancipação da mulher. Rio de Janeiro. Vitória, 1956. p. 9-10.
135
Defendeu a construção de uma nova moral sexual capaz de servir aos interesses coletivos
da classe trabalhadora. Para ela, o matrimônio legal e indissolúvel contribuía para a
“desigualdade absurda entre os sexos”.58
Portanto, a legalidade do casamento, bem como a sua indissolubilidade (o
divórcio) eram dispensáveis na nova moral proposta, que substituiria o amor “absorvente
e exclusivo da moral burguesa” pelo “amor-camaradagem”, indiferente à estabilidade da
relação. No entanto, o “amor-camaradagem” não deveria ser confundido com a “luxúria”.
Para Kollöntai, o ato sexual não era visto como um fim em si mesmo, prazer fácil,
“satisfação única dos desejos carnais pela prostituição” como, segundo ela, acontecia nas
sociedades que se orientavam pelos valores burgueses. A nova forma de amar não
excluiria a atração física entre os sexos, considerada base importante, “assim como na
luxúria”, do “amor espiritual”. De acordo com a bolchevique, a diferença era que o “amor
espiritual” despertava no casal qualidades como sensibilidade, delicadeza e desejo de ser
útil aos outros, traços fundamentais na construção da sociedade comunista baseada em
uma “moral proletária”. Para que o projeto se tornasse possível, a autora estabeleceu três
pilares básicos:
58
KOLLÖNTAI, Alexandra. A nova mulher e a moral sexual. São Paulo: Global, 1979, p. 125-129.
59
Ibid., p. 125-129.
60
GOLDMAN, Wendy Z. Mulher, Estado e Revolução: política familiar e vida social soviéticas, 1917-
1936. São Paulo: Boitempo, 2014. p. 23.
136
61
GOLDMAN, 2014, p. 25-26.
62
LÊNIN, 1956, p. 72.
63
FERREIRA, Jorge. Prisioneiros do mito: cultura e imaginário dos comunistas no Brasil (1930-1956).
Niterói/Rio de Janeiro: EdUFF/MAUAD, 2002. p. 128.
64
GOLDMAN, op. cit., p. 31-46.
137
65
GOLDMAN, 2014, passim.
66
PICHUGINA, P. As Mulheres na União Soviética. A Classe Operária, Rio de Janeiro, ano 1, n. 36, p.
12, 07 nov. 1946 apud LEÃO, 2003, p. 55.
67
Ibid.
68
LEÃO, 2003, p. 55.
138
69
Processo de apreensão de material comunista. Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB), fundo:
Secretaria de Segurança Pública, Delegacia Auxiliar (Capital), fl. 2. A consulta foi realizada em 2014.
Naquele momento, a documentação estava em processo de catalogação, indisponível para consulta pública.
Enquanto escrevia a tese, o arquivo estava fechado para a reforma. Não fosse a generosidade de Djalma
Melo, que me avisou da existência da caixa, e de Edilza do Espírito Santo, à época coordenadora do Setor
Judiciário, que autorizou a consulta, não teria sido possível acessar e fotografar a documentação.
70
O episódio foi narrado por João Falcão como uma farsa da polícia soteropolitana inventada para, pela
segunda vez, empastelar O Momento. Em suas palavras: “Propositalmente, agentes da polícia consideraram
a carga de uma carroça com chumbo para a oficina do jornal como sendo um carregamento de material
subversivo e sob esse pretexto invadiram a redação do jornal e depredaram”. FALCÃO, 1988, p. 387.
71
A Lei de Segurança Nacional foi promulgada em 4 de abril de 1935, definia crimes contra a ordem
política e social. Seu principal objetivo foi transferir para uma legislação especial os crimes considerados
contra a segurança do Estado, submetendo-os a um regime mais rigoroso, com o abandono das garantias
processuais. Em setembro de 1936, sua aplicação foi reforçada com a criação do Tribunal de Segurança
Nacional. Cf.: A ERA Vargas. Dos anos 20 a 1945. FGV/CPDOC. Disponível em: <
https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/> Acesso em: 06 set., 2019.
72
Panfleto La Mujer Sovietica. Processo de apreensão de material comunista. Arquivo Público do Estado
da Bahia (APEB), fundo: Secretaria de Segurança Pública, Delegacia Auxiliar (Capital), anexo.
73
No caso do Brasil, a partir da década de 1940, o PCB se empenhou na defesa do modelo de família
tradicional. Ainda que muitos dos autores compartilhassem da cultura machista, entendo que a insistência
nas publicações, especialmente aquelas que reforçavam que os casais comunistas eram “normais”, foi um
meio disputa pública com os discursos anticomunistas que acusavam os adversários de destruidores da
família. Os jornais do partido, com alguma regularidade, publicavam textos exaltando as qualidades dos
casais comunistas, reforçando a ideologia do homem público em contraposição à mulher do lar, mesmo
quando se referiam aos casais em o homem e a mulher eram ativos militantes políticos, a exemplo de Prestes
e Olga Benário.
139
Foi nesse clima que o anticomunismo recuperava seu poder político. Entre 1947
e 1950 a repressão tornou-se mais contundente e as mulheres militantes sentiram o seu
peso. Muitas foram afogadas pela onda de violência política, e algumas saíram sem vida,
como Zélia Magalhães e Angelina Gonçalves. Os órgãos da imprensa comunista
registram um número significativo de prisões e perseguições.
74
SCHUMAHER, Schuma; BRAZIL, Érico Vital. Dicionário mulheres do Brasil: de 1500 até a atualidade.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000, p. 530-531; ZÉLIA nossa heroína. Momento Feminino, Rio de Janeiro,
ano 3, n. 63, p. 4-5, 31 dez., 1949.
75
MACEDO, 2001, p. 187-188.
76
Ibid., p. 188-189; MONTENEGRO, Ana. Novos Mártires. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n.
69, p. 3, 18 mai., 1950.
140
Nos trens, nos bondes, nas filas, nas casas comerciais, nas repartições
públicas, por toda a parte o nome de Zélia era pronunciado. Uma
heroína da mais dura época nacional tombou defendendo os mais
sagrados direitos da humanidade. Consternação e revolta. Protestos,
lutas, vingança. Levantou-se contra a Câmara, contra o traiçoeiro
fuzilamento em plena fase constitucional. Para onde vamos?78
77
ARCELINA. Seremos a palavra da vida. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 63, p. 2, 31 dez.,
1949.
78
Ibid.
79
Ibid.
80
TELEGRAMAS da FMB. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 69, p. 2, 18 mai., 1950.
141
I. Teu Grito não cala/ nem de noite nem de dia/ Teu grito não cala/ e só
calará na madrugada de nosso dia.
II. Nem tu, nem Zélia/ nos querem/ chorando aflitas/ no epílogo branco
do cemitério.
III. Na nossa luta não há mistérios:/ Terra, Pão e Liberdade./ Por esse
nosso céu de fraternidade./ Bala assassina/ matou mais uma mulher
IV. Mas tu sabias,/ companheira Angelina,/ Zélia sabia.../ que ficam
muitas/ são/ velha, moça e menina/ Pra não chorar./ Pra não temer./ Pra
não parar.
V. Não tenho mortos/ pra velar/ Elas são claridade,/ são impulsos/ para
enxergarmos/ para alcançarmos/ Terra, Pão e Liberdade.
VI. Vamos andar,/ Velha, moça e menina./ Vamos andar/ Tua Bandeira,
Angelina/ em nossa mão/ erguida está.
VII. Teu grito/ pelo Direito/ só calará/ na madrugada de Nosso Dia.82
A poeta Jacinta Passos, através do poema “Elegia das quatro mortas”, publicado
no livro Poemas Políticos (1951), também homenageou Zélia e Angelina, além de Dade
e Olga Benário, todas mortas pelo Estado. Dade, diferente das outras, não morreu por ser
militante política, mas “se acabou” por “labutar demais”.83 O fato de Jacinta ter colocado
uma anônima entre as heroínas do movimento de mulheres e do PCB, e o lugar que ela
ocupou no texto (não veio por último, mas no meio) é emblemático. Provavelmente, quis
evidenciar o heroísmo da luta cotidiana de milhares de mulheres pobres e negras cujo
valor não era reconhecido. É possível que houvesse muito afeto envolvido. Dade,
provavelmente, acompanhou bem de perto a infância de Jacinta, contribuindo com os
cuidados que envolvem o maternar. Ela foi uma das empregadas domésticas que trabalhou
muitos anos para a sua família, em Cruz das Almas, interior da Bahia.
A família Passos, como será detalhado no quarto capítulo, era formada por
latifundiários da região do Recôncavo Baiano. A mulher que inspirou a personagem do
81
PRESTES, Luiz Carlos. Manifesto de agosto de 1950 apud VINHAS, 1982, p. 157.
82
HERVE, Edith. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 69, p. 4, 18 mai., 1950.
83
Além desse poema, Dade inspirou outras personagens na poesia de Jacinta. AMADO, Janaína (Org.).
Jacinta Passos, coração militante: poesia, prosa, biografia, fortuna crítica. Salvador: EDUFBA/Corrupio,
2010, p. 152 (nota de rodapé n. 18).
142
poema era negra, como boa parte das empregadas domésticas do país. Trabalhando para
uma família latifundiária, Dade provavelmente realizava tarefas relacionadas aos
cuidados com as crianças e às tarefas domésticas para além do espaço restrito da casa. O
excesso de trabalho, segundo o poema, era a causa do seu adoecimento e morte.
O problema racial, assim como o de gênero e classe, fez parte das preocupações
de Jacinta, que ao longo de sua carreira político-artística escreveu textos numa perspectiva
interseccional, ainda que o conceito de interseccionalidade não existisse.85 Ao colocar a
empregada doméstica entre figuras heroificadas, a poeta certamente quis evidenciar o
heroísmo das muitas mulheres em condição semelhante a de Dade: mulheres negras que,
diariamente, lutavam para sobreviver em uma sociedade socialmente desigual, racista,
sexista e excludente. A preocupação com os marcadores sociais que atravessam os
sujeitos, e mais especificamente o racial, ficou ainda mais demarcada na homenagem que
fez a Zélia. Até onde pude pesquisar, Jacinta, usando uma linguagem de seu tempo, foi a
única que deu ênfase ao lugar racial da militante: mulher negra.
84
PASSOS, Jacinta. Elegia das quatro mortas. In: PASSOS, Jacinta. Poemas Políticos. Rio de Janeiro:
Livraria-Editora da casa do Estudante do Brasil, 1951 apud AMADO, Janaína (Org.). Jacinta Passos,
coração militante: poesia, prosa, biografia, fortuna crítica. Salvador: EDUFBA/Corrupio, 2010, p. 151.
85
Embora não fosse necessariamente nova a reflexão sobre as a multiplicidade das “opressões”, sobretudo
em termos de raça, classe e sexo/gênero, o conceito de interseccionalidade começou a ser forjado no interior
do feminismo negro norte-americano nas décadas de 1970-80 para se referir à forma pela qual essas
categorias criam desigualdades; ao mesmo tempo em que forjam uma “interseccionalidade emancipadora”,
ou seja, solidariedades políticas em torno de projetos decoloniais. Por decolonialidade entende-se o
movimento que rompe com a colonialidade do poder e do saber. Cf. LUGONES, María. Rumo ao
feminismo descolonial. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 22, n. 3, 935-952, set./dez., 2014, passim;
BERNARDINO-COSTA, Joaze. Decolonialidade e interseccionalidade emancipadora: a organização
política das trabalhadoras domésticas no Brasil. Revista Sociedade e Estado, Brasília, v. 30, n. 1, p. 143-
163, jan./abr., 2015. p. 151-154.
143
trabalhador?)/ Pelas mãos dos pobres que têm fome e sede de justiça na
terra.86
Além das poesias, várias outras homenagens foram prestadas às “heroínas” Zélia
Magalhães e Angelina Gonçalves e, em número muito menor, às empregadas domésticas.
O jornal Momento Feminino publicou muitos textos, entre os quais, notas biográficas,
artigos e poesias, sobre as duas “heroínas” que tombaram defendendo os “interesses do
povo”. Os textos enfatizavam aspectos como coragem, altruísmo e espírito de resistência.
Além das publicações, foram organizados eventos para homenageá-las, especialmente em
datas comemorativas como Dia das Mães, Dia Internacional da Mulher e Primeiro de
Maio. No que diz respeito às empregadas domésticas, saíram, em número menor, artigos
que denunciavam o trabalho exaustivo e a ausência de direitos trabalhistas para a
categoria.
Voltando à violência sofrida pelas mulheres politicamente organizadas em torno
da FMB e do PCB, além dos assassinatos, muitas sofreram prisões e violência física. Em
setembro de 1949, Alice Tibiriçá, à época uma mulher de 63 anos, foi detida na sede da
FMESP pelo Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo (DEOPS/SP) para
prestar esclarecimentos sobre uma reunião de mulheres. Pesava sobre Alice a acusação
de ser uma das lideranças do PCB e de ter pretensões de infiltrar comunistas em feiras
livres de São Paulo para promover uma “agitação” em favor da paz e contra a carestia.87
Naquele mesmo ano e estado, na cidade de Tupã, a jovem Maria Aparecida, que segundo
Momento Feminino era menor de idade, foi presa em novembro quando participava de
uma reunião em defesa da paz. Meses antes ela já havia sido detida no Rio de Janeiro
durante a Primeira Convenção Feminina daquele estado. Na primeira vez, foi liberada de
imediato, mas em São Paulo amargou 6 meses e 9 dias de cárcere.88
A FMB se mobilizou para libertá-la, buscando orientações com a FDIM e
enviando delegações de mulheres que partiam de vários estados do país em direção ao
estado de São Paulo para negociarem sua libertação e para visitá-la na prisão.89 Segundo
86
PASSOS, Jacinta. Poemas Políticos. Rio de Janeiro: Livraria-Editora da casa do Estudante do Brasil,
1951 apud AMADO, Janaína (Org.). Jacinta Passos, coração militante: poesia, prosa, biografia, fortuna
crítica. Salvador: EDUFBA/Corrupio, 2010, p. 152-153.
87
PEREIRA, 2016, p. 28; MORENTE, Marcela Cristina de Oliveira. Invadindo o mundo público:
Movimentos de mulheres (1945-1964). São Paulo: Humanitas, 2017. p. 90.
88
LOUDES. Solidariedade a Maria Aparecida. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 64, p. 2, 31
jan., 1950; UMA tarde com Maria Aparecida. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 68, p. 3, 02
mai., 1950.
89
ATIVIDADES Femininas [Caravana exige em Tupã a libertação de Maria Aparecida]. Momento
Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 67, p. 2, 24 fev., 1950; MARIA Aparecida, a jovem heroína. Momento
Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 66, p. 5, 17 mar., 1950; CARAVANA de solidariedade às mulheres de
144
São Paulo – Liberdade a Maria Aparecida. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 67, p. 5, 04 abr.,
1950; UMA tarde com Maria Aparecida. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 68, p. 3, 02 mai.,
1950.
90
MARIA Aparecida, a jovem heroína. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 66, p. 5, 17 mar.,
1950.
91
LOUDES. Solidariedade a Maria Aparecida. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 64, p. 2, 31
jan., 1950.
92
MONTENEGRO, Ana. Eleições marcadas de sangue. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 4, n. 76,
p. 3, 20 set., 1950.
93
PARANÁ: as mulheres vencem o Mandado de Segurança. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n.
66, p. 5, 17 mar., 1950.
94
MOCHEL, Arcelina. Nosso Problemas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 66, p. 2, 17 mar.,
1950.
95
Ibid.
145
96
MOCHEL, Arcelina. Nosso Problemas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 66, p. 2, 17 mar.,
1950.
97
AS MULHERES do Brasil festejam entusiasticamente o 8 de março data Internacional da Mulher.
Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 66, p. 3, 17 mar., 1950.
98
ADEMAR de Barros espanca mulheres em São Paulo. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 66,
p. 3, 17 mar., 1950.
99
Ibid.
100
MACEDO, 2001, p. 209.
146
101
MACEDO, 2001, p. 209.
102
MONTENEGRO, Ana. Eleições marcadas de sangue. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 4, n. 76,
p. 3, 20 set., 1950.
103
CONTRA a paz o governo de Pernambuco. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 76, p. 11, 20
nov., 1950.
104
Prontuário 107813, Alina Paim, 16 mar., 1951. Arquivo Público do Estado de São Paulo, Departamento
de Ordem Política e Social, DEOPSSPA007709. Disponível em: <
http://www.arquivoestado.sp.gov.br/site/acervo/repositorio_digital/deops_ficha> Acesso em: 12 set.,
2019; NOSSA solidariedade a Alina Paim. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 51, p. 7, abr.,
1951. No quinto capítulo retomaremos o caso.
105
Prontuário n. 113825, Jacinta Passos, 17 dez., 1951. Arquivo Público do Estado de São Paulo,
Prontuários, Departamento de Ordem Política e Social, DEOPSSPJ000115. Disponível em: <
147
Mas, apesar de todas as dificuldades criadas pela polícia de São Paulo, o congresso
aconteceu, sob forte pressão policial, entre os dias 28 e 30 do mês seguinte, reunindo 231
delegadas de treze estados do país, a maioria de São Paulo.106 No mesmo ano, Arcelina
Mochel foi investigada por sua participação no “movimento feminino” de orientação
comunista.107 Ao que parece, entre 1952 e 1953 houve uma diminuição na perseguição.
No Rio de Janeiro, atividades públicas voltaram a ser proibidas em 1954. A primeira
Conferência Latino Americana de Mulheres, organizada pela FMB com a anuência da
FDIM e programada para agosto, sofreu uma ofensiva anticomunista. Com a aparente
retração do anticomunismo, a FMB voltou a apostar na possibilidade de integrar mulheres
de grupos políticos divergentes, tanto que convidaram a Federação Brasileira pelo
Progresso Feminino para participar da conferência internacional.108
Mas o PCB continuava ilegal, ainda que com a imprensa ativa e as organizações
de massa e de base na legalidade, a exemplo da FMB e das uniões femininas. No entanto,
a disposição FBPF, acostumada a atuar dentro da ordem, não era a mesma da década
anterior. A Federação de Bertha Lutz, que mais uma vez trabalhava para se recompor e
recuperar a liderança do movimento feminista nacional, desta vez, optou por não arriscar
uma nova aliança com as mulheres comunistas. Provavelmente, suas dirigentes, em
particular Bertha Lutz, receavam mais um desmoronamento da entidade, tal qual
aconteceu em 1947, quando houve a mesa-redonda com a presença de mulheres
comunistas, como vimos no segundo capítulo.
Talvez por isso, somado ao verdadeiro medo do “perigo vermelho” que sempre
esteve presente entre suas associadas, a FBPF, após debate em duas reuniões realizadas
em junho de 1954, resolveu recusar o convite, além de elaborar um manifesto contra as
comunistas e divulgá-lo na imprensa. 109 O “Manifesto às Mulheres da América e do
Mundo” foi assinado por vários grupos e personalidades e lido no senado pelo Senador
Hamilton Nogueira. O documento anticomunista apresentou doze justificativas contrárias
à Conferência Latino Americana de Mulheres e responsabilizou o Estado pelo
crescimento do comunismo, na medida em que não trabalhava para garantir a “equidade
para o povo brasileiro”. Ademais, suas autoras destacaram:
110
Lembrando que a Federação de Mulheres do Brasil, entidade à qual o manifesto se refere, só foi fundada
em 1949. Nesse sentido, um ano antes não poderia estar em seu segundo congresso, tampouco com filiais
espalhadas em todo Brasil. Por uma confusão, deliberada ou não, o manifesto certamente se referia as
atividades do Instituto Feminino de Serviço Construtivo que antecedeu a fundação da federação.
111
Assinaram o manifesto: “Maria Soares de Andrade, Bertha Lutz – pela Federação pelo Progresso
Feminino; Maria Sabina de Albuquerque, escritora, declamadora, vice-pres., FPS; Romy Medeiros, pelo
Conselho Nacional de Mulheres; Carmen Portinho, engenheira, pela União Universitária feminina;
Magdala de Paula Freitas, engenheira, pela Associação de Engenheiras e Arquitetas; Diva de Miranda
Moura, vice-presidente da FBF; Ruth Leoni, presidente da Federação das Antigas Alunas CC; Maria Luiza
Munis de Aragão, presidente da Associação de Assistências Sociais; Rosaura Frias de Paula, presidente da
Associação de São Vicente de Paula; Carlota Paes de Carvalho, pela Associação de pais (e mães de família)
e pela União Nacional de Associações Familiares; Maria Eugênia Celso, escritora e jornalistas; Adelaide
Paixão, engenheira da prefeitura; Vera de Melo, jornalista; Sofia Magno de Carvalho, vice-presidente da
Federação Brasileira pelo Progresso Feminino e jornalista; Ida Belisário Távora, serventuária de Justiça;
Dylam Cunha Ribeiro, poeta; Laura de Figueiredo, musicista; Nayle Jurgens, advogada; América Xavier
da Silveira, presidente das Juntas Brasileiras das obras de Preservação das Jovens; dra. Iracy Doyle, médica
psiquiatra, diretora do Instituto de Medicina Psicológica; Stella de Faro, diretora do Instituto de Serviço
149
Social; Maria Luisa Aché Pilar, pela União Social Feminina e Maria Luisa Souza Leão, pela Associação de
Senhoras Brasileiras”. LIDO no Senado o manifesto de numerosas senhoras brasileiras contra a Conferência
Latino Americana de Mulheres. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, ano 54, n. 18.824, p.3, 07 ago., 1954.
112
MACEDO, 2001, p. 229.
113
FIALHO, Branca. Resposta ao Senador Hamilton Nogueira Arquivo Público do Estado de São Paulo,
microfilmes do Archivio Storico del Movimento Operaio Brasiliano, Instituto Astrojildo Pereira,
Resistência Interna [e apoio internacional]. Processos, prisões e torturas.
114
Ibid.
115
Ibid.
116
Ibid.
150
Até onde pude verificar, o senador não voltou atrás das denúncias e a reunião com
as senhoras nominalmente convidadas não aconteceu. A conferência, sim. A FMB
recorreu ao Ministério da Justiça expondo os propósitos do evento e solicitando garantias
da sua realização. O pedido foi aceito e no dia 27 de agosto abriram-se os trabalhos na
sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), reunindo representantes de 10 países.
A conferência aconteceu sob proteção policial, dada a convulsão política do momento
provocada pelo suicídio de Getúlio Vargas três dias antes. Muito provavelmente ela não
teria acontecido se o anticomunismo estivesse fortalecido politicamente, o que veio a
acontecer dois anos depois.117
Em meados de 1956 o impacto do anticomunismo atingiu mais diretamente o
funcionamento da federação. Naquele momento iniciaram-se ameaças de que seria
colocada na ilegalidade. Suas associadas tentaram impedir a decisão arbitrária emitindo
uma nota à imprensa. O texto tinha por objetivo “obviar a manifesta tentativa de violação
de seus legítimos direitos, garantidos pela Constituição Federal”. Elas se colocaram “à
disposição da Imprensa para mais amplos esclarecimentos”.118 No entanto, diferente de
1954, ao que parece, o anticomunismo começava a ganhar robustez, ao mesmo tempo em
que a crise interna do partido se tornava ainda mais dramática. Em agosto de 1956 ocorreu
o XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, que divulgou os crimes de
Stalin e o autoritarismo decorrente do culto à personalidade. Segundo lembranças de
Moisés Vinhas:
117
MACEDO, 2001, p. 232; SINAL dos tempos. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 8, n. 108, p. 20-
23, set./out., 1954.
118
FEDERAÇÃO de Mulheres do Brasil. Última Hora, Rio de Janeiro, ano 6, n. 1.525, p. 10 (cad. 2), 12
jun., 1956.
119
VINHAS, 1982, p. 176.
151
funcionamento da FMB e de todas as entidades filiadas.120 Esta foi a primeira vez que a
instituição foi colocada na ilegalidade. Segundo nota divulgada nas páginas policiais da
imprensa carioca de grande circulação, a FMB e a Associação Feminina do Rio de Janeiro
(AFRJ) “tinham caráter subversivo e nada mais eram do que frentes legais do instinto
PCB”. 121 A federação tentou se defender, respondendo, mediante nota divulgada nos
mesmos jornais, que provaria “em juízo serem patrióticas as atividades da Federação de
Mulheres”.122 A imprensa comunista se mobilizou para defendê-la.123
Apesar dos protestos e do retorno à legalidade após os seis meses, a partir daquele
ano ficou difícil para a FMB manter a força política do início da década. Desde 1956 não
contava mais com seu principal meio de comunicação e articulação – o jornal Momento
Feminino, e ainda tinha de lidar com medidas autoritárias. Mesmo com dificuldades,
continuou funcionando. Em 1959, participou da Segunda Conferência Latino Americana
de Mulheres, no Chile; em 1960 comemorou o 8 de março no Rio de Janeiro124; no ano
seguinte tentou realizar o II Encontro Latino Americano de Mulheres, mas parece que o
evento não saiu do papel.125 Formalmente, segundo Macedo, a partir de 1957 a FMB
sobreviveu muito precariamente até 1965, quando deixou de existir após a morte de
Branca Fialho.126
120
Segundo Marcela Morente, o decreto de Kubistchek se baseou no artigo 6° do decreto 9.085, de 25 de
março de 1946, lançado pelo Governo Dutra, que dispunha sobre o registro civil de pessoas jurídicas,
estabelecendo que seriam fechados, por um prazo não superior a seis meses, “as sociedades que fizessem
falsa declaração de seus fins, ou que após receberem o registro passassem a exercer atividades ilícitas ou
nocivas à segurança do Estado, a ordem política ou social, ao bem público, à moral e aos bons costumes”.
MORENT, 2017, p. 35.
121
DE CARÁTER subversivo as duas entidades. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, ano 56, n. 19.581, p.
5 (1 cad.), 24 jan., 1957; FECHADAS a Federação de Mulheres do Brasil e a Associação Feminina. Diário
de Notícias, Rio de Janeiro, ano 27, n. 10.495, p. 15, 24 jan., 1957.
122
PROVAREMOS em juízo serem patrióticas as atividades da Federação de Mulheres. Última Hora, Rio
de Janeiro, ano 7, n. 2.037, p. 5, 16 fev., 1957.
123
ILEGAL a suspenção da Federação de Mulheres. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, ano 5, n. 2.025, p.
3, 27 jan., 1957; SÉRIE de provocações anticomunistas para abrir caminho à reação e ao entreguismo. Voz
Operária, Rio de Janeiro, n. 402, p. 3, 02 fev., 1957; PARA onde vai o governo de JK. Voz Operária, Rio
de Janeiro, n. 402, p. 5, 02 fev., 1957.
124
MACEDO, 2001, p. 240-241.
125
Manuscrito. Arquivo Público do Estado de São Paulo, microfilmes do Archivio Storico del Movimento
Operaio Brasiliano, Instituto Astrojildo Pereira, Resistência Interna [e apoio internacional]. Processos,
prisões e torturas.
126
MACEDO, op. cit., p. 240-241.
152
quase todo o regime ditatorial a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino continuou
atuando, como de hábito, nas franjas do poder. Como não compõe os objetivos centrais
da pesquisa, não posso mensurar a sua força política, nem apresentar dados mais
consistentes sobre os resultados dos diálogos que manteve com os governantes durante a
ditadura. O que posso dizer depois de uma breve investigação na documentação da
federação é que as associadas se mobilizaram por cima, trocando cartas com os generais
com relativa frequência. Elogios às forças armadas eram comuns e, pelo menos no
período imediatamente posterior ao golpe, apelos anticomunistas. Ao mesmo tempo,
reivindicavam direitos para mulheres, especialmente da elite.127
Poucos dias depois do fatídico 31 de março de 1964, a federação enviou
telegramas para as forças golpistas, entre as quais, o então presidente do Senado federal,
Senador Auro Moura Andrade 128 ; o governador do Estado de São Paulo, Ademar de
Barros129; o governador do Estado de Minas Gerais, Magalhães Pinto;130 o governador do
então Estado da Guanabara, Carlos Lacerda;131 ao chefe da Segunda Região Militar (São
Paulo), General Amaury Kruel; ao chefe da Quarta Região Militar e ao General Olímpio
Mourão Filho.132 Todos os telegramas foram assinados por sua presidenta Bertha Lutz,
que congratulava as autoridades por supostamente terem acabado com a crise que
“infelicitava” o país e pela suposta restituição da democracia. Bertha Lutz, numa evidente
estratégia de conseguir uma colocação para a federação no novo governo, não esqueceu
127
Reconhecer que a federação estava preocupada com os interesses das mulheres de elite que compunham
a sua base e o consequente limite dessa atuação, não implica em negar a importância dela e, depois, a
extensão – a posteriori – das conquistas– ainda que muito limitada – para mulheres das camadas populares.
Atualmente, legalmente, qualquer mulher pode prestar concurso para o Banco do Brasil, fazer concurso
para exercer o cargo de juíza ou adentrar na carreira diplomática, mesmo que na prática, especialmente nos
dois últimos casos, sejam profissões extremamente elitizadas e majoritariamente masculina e branca. Mas
o direito legal de exercer o cargo foi uma conquista feminista, e a FBPF desempenhou um papel importante
na reivindicação desse direito, como indica o amplo acervo documental depositado no Arquivo Nacional,
Rio de Janeiro, no Fundo Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Parte dessa documentação
encontra-se disponível para consulta online no site do arquivo.
128
Telegrama enviado ao Senador Auro Moura Andrade em 03 abr., 1964. Arquivo Nacional, Rio de
Janeiro, Fundo Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Código de Referência BR RJANRIO Q0.
ADM, COR. A964.3, p. 26.
129
Telegrama enviado ao Governador Ademar de Barros em 06 abr., 1964. Arquivo Nacional, Rio de
Janeiro, Fundo Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Código de Referência BR RJANRIO Q0.
ADM, COR. A964.3, p. 27.
130
Telegrama enviado ao Governador Magalhães Pinto em 06 abr., 1964. Telegrama enviado ao Senador
Auro Moura Andrade em 03 abr., 1964. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, Fundo Federação Brasileira pelo
Progresso Feminino. Código de Referência BR RJANRIO Q0. ADM, COR. A964.3, p. 28.
131
Telegrama enviado ao Governador Carlos Lacerda em 06 abr., 1964. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro,
Fundo Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Código de Referência BR RJANRIO Q0. ADM,
COR. A964.3, p. 29
132
Telegrama enviado ao General Olímpio Mourão Filho em 08 abr., 1964. Arquivo Nacional, Rio de
Janeiro, Fundo Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Código de Referência BR RJANRIO Q0.
ADM, COR. A964.3, p. 31.
153
133
Telegrama enviado ao Governador Magalhães Pinto em 06 abr., 1964. Telegrama enviado ao Senador
Auro Moura Andrade em 03 abr., 1964. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, Fundo Federação Brasileira pelo
Progresso Feminino. Código de Referência BR RJANRIO Q0. ADM, COR. A964.3, p. 28.
134
Telegrama enviado ao Governador Ademar de Barros em 06 abr., 1964. Arquivo Nacional, Rio de
Janeiro, Fundo Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Código de Referência BR RJANRIO Q0.
ADM, COR. A964.3, p. 27.
135
Carta enviada ao General Humberto de Alencar Castelo Branco em 14 abr., 1964. Arquivo Nacional,
Rio de Janeiro, Fundo Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Código de Referência BR RJANRIO
Q0. ADM, COR. A964.3, p. 34.
136
Ibid.
137
Livro de Atas, v. 7, p. 21-24. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, Fundo Federação Brasileira pelo
Progresso Feminino. Código de Referência: BR NA, RIO Q0.ADM, EOR.SEC, TXT.2, V.7.
138
Ibid.
154
Ao longo de toda a ditadura, que se estendeu até 1985, a FBPF, negociando por
cima e dialogando amistosamente com os ditadores, pautou demandas feministas
relevantes, como o direito de as mulheres prestarem concurso para o Banco do Brasil e
para juízas, além de disputar a linguagem, exigindo que as mulheres que ocupavam cargos
públicos fossem chamadas no feminino, rejeitando, por exemplo, a expressão deputado
até então usada somente no masculino.139 Defendeu os direitos para mulheres na linha do
igualitarismo, por acreditar que uma legislação com “direitos especiais” para um dos
gêneros contribuía para manter as desigualdades entre homens e mulheres.
A federação se posicionou contrária à proibição do trabalho noturno para as
mulheres e à exigência de um tempo menor de contribuição para a aposentadoria. Talvez
muito presas somente às experiências das mulheres das camadas economicamente
privilegiadas e aos seus interesses de classe, defendia que a lei deveria ser a mesma para
todos e todas, sem nenhuma diferenciação. Partindo dessa premissa, se descolava da
realidade de milhares de mulheres trabalhadoras cujas experiências eram marcadas por
longas e exaustivas jornadas de trabalho, dentro e fora de casa.
Na mesma década de 1960 e nos anos iniciais da década seguinte, além da
federação de Bertha Lutz, havia outras mulheres movimentando o debate feminista.
Pesquisadoras demonstraram que mulheres como Carmen da Silva, Rose Muraro,
Heleieth Saffioti, Romy Medeiros, Ana Montenegro, Ecilda Ramos de Souza, entre
outras, não deixaram para trás a defesa da emancipação das mulheres. Houve iniciativas
coletivas, a exemplo dos grupos de reflexão que, sem nenhum regulamento, reunia
mulheres para falar de tudo, em especial sobre os assuntos relacionados aos sentimentos
e ao cotidiano das participantes.140
No campo das organizações de esquerda, que depois do Golpe de 1964 se
fragmentou em uma constelação de siglas141, as mulheres também marcaram presença.
139
Durante a década de 1960 elas enviaram várias cartas as autoridades políticas bem como as redações de
jornais em um movimento para que tornasse possível que mulheres pudessem prestar concurso para
qualquer cargo do Banco do Brasil, bem como passaram a exigir que mulheres ocupantes de cargo público
fossem tratadas no feminino. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, Fundo da Federação Brasileiro pelo
Progresso Feminino. Código de Referência: BR RJANRIO Q0.ADM, COR (Várias pastas).
140
Para mais informações sobre a movimentação feminista na década de 1960 cf.: DUARTE, Ana Rita
Fonteneles. Carmen da Silva: o feminismo na imprensa brasileira. Fortaleza: Expressão Gráfica, 2005;
PEDRO, Joana. Narrativas fundadoras do feminismo: poderes e conflitos. Revista Brasileira de História,
São Paulo, v. 26, n. 52, p. 249-272, 2006; MÉNDEZ, Natália Pietra. Com a palavra o segundo sexo:
percursos do pensamento intelectual feminista no Brasil dos anos 1960. 2008. Tese (Doutorado em História)
– Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre,
2008.
141
Segundo Jacob Gorender, até 1964 o PCB era a principal força de esquerda de inspiração marxista do
Brasil, com sólida irradiação no movimento operário e ramificações no meio estudantil, camponês e nas
155
Ainda que não necessariamente tenham construído organizações específicas e que nem
todas tivessem preocupações feministas, muitas delas relataram que não deixaram de
problematizar as hierarquias de gênero dentro das organizações.142
*
Ao longo da discussão espero ter deixado evidente que apesar do autoritarismo –
presente mesmo em tempos que se pretendiam democráticos –, do conservadorismo, do
anticomunismo e do antifeminismo, antes da década de 1970 mulheres cisgênero
construíram um amplo movimento político através de meios como a imprensa e
organizações. Parte dele assumiu um caráter feminista defendendo a igualdade política,
jurídica e social entre mulheres e homens. Na década de 1940 mulheres comunistas e
liberais atuaram em organizações próprias, construíram eventos, tentaram fundar um
movimento de mulheres unificado acima das divergências ideológicas e partidárias,
tentativa frustrada na década seguinte em função do acirramento da Guerra Fria e do
consequente anticomunismo. Na década de 1950 foi o movimento organizado em torno
da Federação de Mulheres do Brasil, alinhada ao PCB, que se tornou hegemônico.
Todo o processo foi marcado por disputas e tensões, alianças e rupturas,
divergências conciliáveis e irreconciliáveis. O antifeminismo não poupava nenhum dos
grupos de seus adjetivos desqualificadores. Independente da orientação política, mulheres
com pretensões emancipacionistas eram, no mínimo, acusadas de estarem “fora de lugar”,
reivindicando demandas que contrariavam a “natureza” dos sexos. As mulheres
campanhas anti-imperialistas. O partido era referência para todas as organizações de esquerda. Embora o
autor silencie, acrescentamos a presença nos movimentos de mulheres, como a tese vem demonstrando.
Mas depois do golpe, houve várias rupturas e o surgimento de diversas siglas que construíram a resistência
a partir de táticas diversas. GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas. A esquerda brasileira: das ilusões à
Luta Armada. 2° ed. São Paulo: Ática, 1987. p. 20-140.
142
Há vários trabalhos que analisam a participação das mulheres nas organizações de esquerda e na
resistência à Ditadura Civil-Militar, muitos dos quais preocupados em analisar as relações entre os gêneros,
entre os quais: RIDENTI, Marcelo Siqueira. As mulheres na política brasileira: os anos de chumbo. Tempo
Social. São Paulo, v. 2, n. 2, p. 113-128, jun./dez., 1990; FERREIRA, Elisabeth F. Xavier. Mulheres,
militância e memória. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1996; COLLING, Ana Maria. A
resistência da mulher à ditadura militar no Brasil. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1997; CUNHA, Maria
de Fátima da. A face feminina da militância clandestina de esquerda: Brasil anos 1960/70. Tese (Doutorado
em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas,
2002; WOLFF, Cristina Scheibe. Jogos de gênero na luta da esquerda armada no Brasil: 1968-1974. In:
WOLFF, Cristina Scheibe; FÁVERI, Marlene de; RAMOS, Tânia Regina Oliveira. Leituras em rede:
gênero e preconceito. Florianópolis: Mulheres, 2007; JOFFILY, Mariana. A diferença na igualdade: gênero
e repressão política nas ditaduras militares do Brasil e da Argentina. Espaço Cultural, Cascavel, n. 21, p.
78-88, 2009; CRUZ, Jaíza Pollyanna Dias da. “Ou isto ou aquilo”: implicações entre maternidade e
militância para mulheres que militaram em oposição à ditadura militar no Brasil (1964-1985). Dissertação
(Mestrado em Psicologia) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas
Gerais, Belo Horizonte, 2013; REIS, Débora Ataíde. Memória(s) Militante(s): narrativas autobiográficas e
imagens de resistência em Derlei Catarina de Luca (1966-1973). Dissertação (Mestrado em História) –
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015.
156
1
RAGO, Margareth. A aventura de contar-se: feminismos, escrita de si e invenções da subjetividade.
Campinas: Unicamp, 2013. p. 52
158
2
EAGLETAN, Jerry. Marxismo e crítica literária. São Paulo: Unesp, 2001. p. 14-15.
3
CHARTIER, Roger. Literatura e História. Topoi, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 197-216. Dez. 2000. p. 197.
159
Estudos de lógica:
A mulher está presa porque é comunista ou é comunista porque está
presa?
O homem tem família porque tem propriedade privada ou
tem propriedade privada porque tem família?
Este homem faz continência porque trabalha ou
trabalha para fazer continência?
Os trabalhadores da arte trabalham para fazer figuração ou
fazem figuração porque trabalham?
Eu faço arte porque sou artista ou sou artista porque faço arte?
– Por que é que aquele bezerro vai atrás das tetas da vaca?
– Preguiça de comer capim...
– Ó esquerdista!2
Não sois a cabeça de esquerda, sois a esquerda de uma cabeça!
Caderno 14, 19683
1
Fotografias disponíveis em: AMADO, Janaína (Org.). Jacinta Passos, coração militante: poesia, prosa,
biografia, fortuna crítica. Salvador: EDUFBA/corrupio, 2010. p. 329; 333.
2
A expressão esquerdista era pejorativa. Esquerdismo significava sectarismo e construção de teorias não
coerentes com a realidade.
3
Os textos foram escritos por Jacinta Passos no período em que esteve internada na Casa de Saúde Santa
Maria, um sanatório localizado na cidade de Aracaju. O conjunto de manuscritos foi organizado por sua
filha Janaína Amado em Cadernos numerados. COMPRIMIDOS poéticos. In.: AMADO, Janaína (Org.).
Jacinta Passos, coração militante: poesia, prosa, biografia, fortuna crítica. Salvador: EDUFBA/corrupio,
2010.
160
4.1. Apresentação
Natural da cidade de Cruz das Almas, interior da Bahia, Jacinta Velloso Passos
nasceu em 30 de novembro de 1914, na Fazenda Campo Limpo. Filha do político Manoel
Caetano da Rocha Passos e da dona de casa Berila Eloy Passos, era parte de uma família
de tradição aristocrática da região. Seu avô, conhecido na região como comendador
Themístocles, era latifundiário, escravagista e político. Seu pai, filho mais velho do
comendador, nasceu quatro anos antes da promulgação da Lei Áurea. Quando adulto, por
um período, se dividia entre a política e a administração das fazendas da família. Sua mãe,
Bedé entre os familiares, também descendia da aristocracia da região.4
Em 1926 Manoel Caetano vendeu a um dos seus irmãos a fazenda que possuía,
comprou um sobrado no bairro de Nazaré, em Salvador, para onde se mudou com a esposa
e as cinco filhas (entre as quais um menino). Ele desejava progredir em sua carreira
política e a capital aparecia como espaço privilegiado. Um ano após a mudança,
conseguiu ser eleito deputado estadual, conquistando o prestígio e o poder almejados. No
entanto, o cargo não lhe garantiu estabilidade econômica. Sua carreira política foi
conturbada, com sucessivas perdas de mandatos, próprias do clima político da época.
Quando faleceu, na década de 1950, o único patrimônio da família era o sobrado de
Nazaré.5 A contradição entre a real situação financeira e a imagem de pompa que a família
transmitia foi narrada em versos por Jacinta no poema “Canção da Partida”:
4
Grande parte das informações sobre sua trajetória foram extraídas da biografia escrita por sua filha, a
historiadora Janaína Amado. A biografia compõe o livro Coração Militante, organizado por ela. Com rigor,
a obra une história e memória. Com base em depoimentos orais e outras fontes históricas a historiadora e
neste caso também memorialista e personagem, montou uma narrativa emocionante. Para evitar notas
exaustivas, evitamos sinalizar a todo momento. O faremos apenas nas citações diretas e quando a
informação estiver em outra fonte. Cf. AMADO, Janaína. Biografia de Jacinta Passos: Canção da liberdade.
In: AMADO, Janaína. (Org.) Jacinta Passos, coração militante: poesia, prosa, biografia, fortuna crítica.
Salvador: EDUFBA/Corrupio, 2010, p. 335-442.
5
Na época, o bairro de Nazaré era povoado pela classe média ascendente, especialmente profissionais
liberais. Para um interessante passeio nos bairros de Salvador no período em tela convém consultar o livro
Bahia de Todos os Santos, de Jorge Amado. Na obra, o autor constrói um excelente espelho (lembrando
que espelhos enquadram imagens a partir da perspectiva de quem olha) da cidade do Salvador e da história
e características centrais dos bairros soteropolitanos. Cf. AMADO, Jorge. Bahia de Todos os Santos. São
Paulo: Martins, 10ª ed. 1964. bairros de Salvador no período em tela
6
Alusão ao casamento de uma de suas irmãs com um médico.
161
Muitos dos poemas de Jacinta Passos foram inspirados em histórias vividas por
ela mesma. “Canção da Partida” é um deles. O trecho acima faz referência ao lugar social
de sua família: típica classe média. A ausência de estabilidade financeira foi decisiva para
que Berila e Manoel resolvessem investir na educação das quatro filhas e do filho mais
novo. Caso necessário, precisavam ter meios que lhes assegurassem a sobrevivência. Em
1927, mesmo ano em que chegaram em Salvador, as “quatro passos”, como ficaram
conhecidas entre suas colegas, começaram a estudar na renomada e concorrida Escola
Normal. Em 1932 saíram de lá professoras, uma das poucas profissões consideradas
apropriadas para moças das camadas médias. Jacinta foi laureada na formatura,
destacando-se em Matemática, o que contribuiu para que no ano seguinte passasse a
ensinar a disciplina na mesma escola em que se formou, e Literatura Brasileira no Instituto
Isaías Alves.
O irmão, Manoel Caetano Filho, ingressou na Faculdade de Medicina da Bahia
em 1933, quando começou a se envolver com o movimento estudantil e os círculos
literários do estado. Nesse período nasceu a afinidade entre ele e Jacinta, os únicos da
família apaixonados por leitura, poesia, filosofia e política. Mesmo sendo mais jovem, foi
ele que a aproximou dos estudantes e intelectuais católicos e comunistas que faziam arte
e política. Por ser homem, Nelito, como era chamado pelos familiares, gozava de
autonomia e liberdade de movimento no espaço público, ao contrário da irmã. Em
companhia de um homem tornou-se mais fácil para ela circular mais livremente nas ruas
e participar das primeiras reuniões e manifestações públicas que marcaram sua vida.
7
PASSOS, Jacinta. Canção da Partida. São Paulo: Edições Gávea, 1945 apud AMADO, 2010, p. 95.
162
razoável para mulheres da camada social da qual fazia parte – se envolvesse ainda mais
nas atividades políticas.
Participou de passeatas, comícios, atos públicos, manifestações de rua, além de
escrever textos contra o nazifascismo para a imprensa local. Nesse período seu irmão lhe
apresentou um amigo, Giovane Guimarães, com quem Jacinta engatou um namoro. O
novo namorado também frequentava os círculos dos intelectuais comunistas e socialistas.
A relação a aproximou ainda mais desses setores, inclusive com os militantes pecebistas,
maior força política da esquerda do período. A partir de então passou a estudar com afinco
os preceitos do socialismo e do comunismo, a história da Revolução Russa e os materiais
produzidos pelo PCB.
Embora figuras masculinas tenham facilitado a circulação de Jacinta na esfera
pública e no contato com as ideais comunistas, quando mergulhou na militância não ficou
à sombra dos homens. Dentro do possível, caminhou com as próprias pernas, fez escolhas
e em muito contrariou os padrões da sua família, cuja história ancorava-se num passado
escravista veementemente criticado por ela, embora na prática, como veremos, tenha
usufruído dessa “herança” em alguma medida.
Nas décadas de 1940-50 tornou-se uma figura proeminente nos cenários político
e intelectual do país. Na Bahia, entre 1942 e 1943, colaborou e trabalhou na redação da
revista Seiva, ligada ao PCB. Segundo João Falcão, era a única mulher entre os redatores.8
Também colaborou com o jornal O Imparcial, à época, de grande circulação no Estado.
Nele, dirigiu uma página semanal, a “Página Feminina”. Como jornalista, escreveu,
“sobretudo, sobre a situação política do Brasil e do mundo, os acontecimentos da Segunda
Guerra Mundial, a necessidade de combater o nazifascismo, a mobilização das mulheres,
as opções que via a cada momento para a sociedade brasileira”.9
Publicou poemas e construiu reflexões sobre teoria literária, expressando as
inquietações próprias do contexto. Se referindo aos reflexos da guerra nas dinâmicas
políticas e principalmente sociais, declarou que “às novas formas de vida correspondem
sempre novas formas literárias”. Para ela, a literatura e qualquer expressão artística
deveriam ser “fiéis à realidade do seu tempo [...]. Quando alguém, dentro da arte, procura
falsificar a realidade, procura prolongar épocas que já terminaram, consegue apenas
8
FALCÃO, João. A história da revista Seiva – Primeira revista do Partido Comunista do Brasil – PCB.
Salvador: Ponto & Vírgula, 2008, p. 74.
9
PASSOS, Jacinta. O sentido atual da Literatura. Seiva, Salvador, ano 3, n. 13, p. 9-10, ago., 1942.
163
Assim o grande poeta reacionário Mário Quintana faz arte social porque
sua obra reflete o desespero e o fim de vida de uma classe sem solução.
Assim os romancistas revolucionários de 30 fizeram arte social porque
refletiram no romance as aspirações de uma parte da população
brasileira que começava a pesar na vida social: os explorados do campo,
famintos da terra. Nos regimes democráticos, existe arte reacionária e
arte revolucionária. No fascismo não há arte. Foi o que se viu na Itália,
na Alemanha e no período de fascistização do Brasil.12
Lembremos que naquele ano a guerra havia acabado e a ditadura do Estado Novo
dava sinais de falência. A sensação era de que o país estava cada vez mais próximo de
uma democracia. Na leitura de Jacinta, “com o processo de redemocratização do país”,
os “artistas revolucionários” encontravam novas condições para produzir. Sobre o perfil
dos escritores que chamou de revolucionários, destacou que a maioria era “homens [sic]
de classe média não identificados com sua classe, e que por isso não podem criar, dentro
dela, uma arte que seria reacionária”. Por isso, para produzirem precisavam “de um
contato com o povo”. Para tanto, o Partido Comunista serviria de ponte entre eles e as
camadas populares. O Partido estaria ligado, “realmente, à massa, e representa[va] as suas
aspirações”.13
Embora considerasse a importância dos “artistas revolucionários”, ou seja,
daqueles preocupados em criar uma arte vinculada à vida das camadas populares, em sua
opinião, a literatura só encontraria sua forma mais perfeita quando fosse
“verdadeiramente popular”, isto é, produzida pelo povo. E quem era o povo para Jacinta?
Deixemos que ela própria responda:
O povo é feito de vós que estais aqui [no primeiro comício de Prestes
na Bahia após a anistia], que viestes da Penha, da Barroquinha, do
Chame-Chame, da Estrada da Liberdade, das fábricas, das oficinas, das
casas, lojas, repartições e escritórios. É Joaquim Monteiro, é Manoel
estivador que mora no Pau-Miúdo, que tem 7 filhos para criar, e cuja
filha mais velha vai todo dia a pé, muitas vezes em jejum, do Pau-Miúdo
até a Escola Normal, porque não mora longe, como milhões de irmãos
10
PASSOS, Jacinta. O sentido atual da Literatura. Seiva, Salvador, ano 3, n. 13, p. 9-10, ago., 1942.
11
Idem. Só unidas as mulheres resolverão seus problemas [Entrevista]. O Momento, Salvador, ano 1, n. 40,
p. 3, 10 dez., 1945.
12
Ibid.
13
Ibid.
164
nossos, que a distância isolou, sem dinheiro para pagar o bonde. O povo
é negro Benedito, que como estrangeiro, em plena solidão, perdido no
meio do mato, morando numa casa de terra batida, comendo carne-seca
com farinha, de pé no chão, trabalhando sem descanso, sem saúde, sem
médico, sem instrução, sem alegria, porque não tem dinheiro, porque
não tem terra para plantar, e não tem terra para plantar porque o patrão
é dono de léguas e léguas de terras abandonadas. O povo é feito de vós,
dessa gente que forma a maioria, a grande massa da nação brasileira.14
Porque é feita por gente que não vive nas casinhas miseráveis que mal
abriga do sol e da chuva, no sertão onde a luta do homem contra a
natureza e o meio toma, às vezes, um caráter de resignação trágica, nos
morros por onde trepam as criaturas que as grandes cidades excluíram
de sua vida. Tudo isso é tomado como motivo exótico e não como
material vivo. [...] Poesia popular verdadeira será com o ‘lundu de Pai
João’, lundu que vivia na boca do povo e que foi recolhido por vários
estudiosos do folclore, em vários pontos do Brasil. O lundu diz o
verdadeiro sentimento do negro, revolta reagido pela ironia. [...] Os
esforços para atingir essa incorporação virá delas mesmas, dessas
correntes humanas, como delas virá a sua realização literária. Qualquer
esforço, nesse sentido, dos que vivem fora dessas correntes humanas
será um esforço mais ou menos falso. Reconhecer isso é talvez a atitude
mais honesta, o máximo que podemos atingir com nossa pobre
capacidade de sermos objetivos, nós outros, os burgueses.15
Falando como mulher burguesa, lugar de fala16 que reconheceu como seu, Jacinta
Passos destacou que como tal carregava “também a crosta/ essa que a classe gerou/ vil,
tirânica, escamenta”. 17 Como considerava impossível se desvencilhar totalmente dos
valores burgueses no qual havia sido formada, defendeu que somente aqueles que viviam
na pele a exploração e a exclusão seriam capazes de expressar com verdade a realidade.
14
O POVO não pode mais ser enganado. O Momento, Salvador, ano 1, n. 37, p. 5, 29 nov., 1945.
15
PASSOS, Jacinta. O sentido atual da Literatura. Seiva, Salvador, ano 3, n. 13, p. 9-10, ago., 1942.
16
O conceito de “lugar de fala” problematiza a universalidade. Como destacou a filósofa Djamila Ribeiro,
todos os sujeitos possuem um lugar de fala. O que significa dizer que as pessoas têm lugar social, seja de
subalternidade ou de privilégio. Mas os demarcadores de especificidade só aparecem quando se trata de
sujeitos subalternizados. A universalidade é uma construção arbitrária que esconde privilégios ao mesmo
tempo que deixam intocáveis. Só são rotulados de específicos os grupos que são minorias políticas. Homens
brancos, cisgênero e heterossexuais também ocupam lugares de raça, gênero e sexualidade, muito embora
não sejam demarcados com esses qualificadores, diferente do que acontece, por exemplo, quando se trata
de uma mulher trans, negra e homossexual. “Só fala na voz de ninguém quem sempre teve voz e nunca
precisou reivindicar sua humanidade”. RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala? Belo Horizonte:
Letramento/Justificando, 2017. p. 90.
17
PASSOS, Jacinta. Canção do amor livre. In: PASSOS, Jacinta. Poemas Políticos. Rio de Janeiro: Casa
do Estudante do Brasil, 1951 apud AMADO, 2010, p. 157.
165
Nesse momento a literatura encontraria sua forma perfeita. Mas enquanto as condições
sociais não eram favoráveis, visto que o analfabetismo penalizava largas parcelas da
sociedade brasileira, caberia aos intelectuais “burgueses” construírem uma literatura
engajada que expressasse, ainda que de forma limitada, as desigualdades sociais. Em sua
leitura, a arte não deveria ser mero vínculo de entretenimento, mas direcionada para a
transformação social.18
A teoria literária marxista que influenciava as escritoras e escritores comunistas,
entre os quais Jacinta, nega que, por si só, a arte tem o poder de mudar o curso da História,
mas insiste que pode ser um elemento ativo de mudança. 19 Tomando a arte como
eminentemente política, Jacinta Passos colocou sua pena a serviço de um projeto de
sociedade comunista, feminista e antirracista, sem deixar de estar conectada a atmosfera
intelectual do contexto. Segundo Ilka Oliveira, na década de 1940 muitos escritores
brasileiros produziam uma “literatura proletária” e/ou regionalista, tendência iniciada nos
anos 1930, atravessados por “uma grande fertilidade da produção literária de caráter
regionalista”.
18
PASSOS, Jacinta. O sentido atual da Literatura. Seiva, Salvador, ano 3, n. 13, p. 9-10, ago., 1942.
19
EAGLETON, Terry. Marxismo e crítica literária. São Paulo: Unesp, 2011. p. 25.
20
OLIVEIRA, Ilka. A literatura na Revolução: contribuições literárias de Astrojildo Pereira e Alina Paim
para uma política cultural do PCB nos anos 50. Dissertação (Mestrado em Teoria Literária) – Instituto de
Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1998. p. 37.
166
21
OLIVEIRA, 1998, p. 41.
22
As expressões feministas de Jacinta Passos serão analisadas no sexto capítulo em diálogo com o
feminismo do seu tempo.
23
SPINOLA, Lafaiete. O Imparcial. Salvador, 24 out., 1942, p. 5. Biblioteca Pública do Estado da Bahia.
Setor: Periódicos Raros. Salvador.
24
No Brasil, o cenário parece não ter mudado muito, pelo menos até 2004. Ao estudar a produção literária
brasileira entre 1990 e 2004, Regina Dalcastagnè constatou um “mapa de ausências” nos romances
brasileiros, sobretudo, de dois grandes grupos: pobres e negros. A equação de gênero também apresentou
resultados desfavoráveis para as mulheres, que publicam bem menos que os homens, responsáveis por
167
72,7% das publicações. “Ainda mais gritante que a pouca presença feminina entre os autores publicados é
a homogeneidade racial. São brancos 93,9% dos autores e autoras estudados. [...] E, em grande medida,
aqueles que participam do campo literário já estão presentes também em outros espaços privilegiados de
produção de discurso, notadamente na imprensa e no ambiente acadêmico. [...] Os números indicam, com
clareza, o perfil do escritor brasileiro. Ele é homem, branco, aproximando-se ou já entrando na meia idade,
com diploma superior, morando no eixo Rio-São Paulo”. DALCASTAGNÈ, Regina. Literatura brasileira
contemporânea: um território contestado. Vinhedo: Horizonte, 2012. p. 158-162.
25
ESCRITORES das Américas: Lima Barreto. Seiva, Salvador, ano 3, n. 10, out., 1941, p. 35.
26
BEAUVOUIR, Simone. O segundo sexo: fatos e mitos. v. 1, 3 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2016.
p. 210-223.
27
Ibid., p. 13.
168
28
BEAUVOIR, 2016, p. 15.
29
Ibid., p. 11.
30
Ibid.
31
Ibid., p. 12.
32
Aos 50 anos de idade foi assim que Jacinta Passos se definiu ao dar entrada, em 31 de maio de 1964, na
Casa de Saúde Santa Maria, sanatório localizado em Aracaju: mulher, branca, casada/desquitada, mãe e
comunista. Cf. MACHADO, Dalila. A história esquecida de Jacinta Passos. Salvador: Secretaria da
Cultura e Turismo/Fundação Cultural do Estado, EGBA, 2000. p. 30.
33
AMADO, 2010, p. 363.
169
duro de seus ideais”.34 Como militante do PCB, atuou em diferentes espaços e cidades,
entre as quais, Salvador, São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Petrolina e Aracaju.
Organizou núcleos, sobretudo de mulheres, participou de reuniões e passeatas, escreveu
textos sobre a “situação feminina” e sobre a importância da ação das mulheres na
construção da democracia no país. No movimento de mulheres, como escrevi no capítulo
anterior, presidiu a Federação de Mulheres do Brasil. Foi detida em 1951, em São Paulo,
durante um evento promovido pela organização. Ao que parece, foi na capital paulista,
cidade para a qual se mudou em fevereiro de 1944, que ela mergulhou ainda mais na
militância comunista.
A mudança para São Paulo foi um marco importante em sua trajetória. Quando se
mudou foi morar com o namorado, James Amado, um jovem estudante quase dez anos
mais novo que ela. Para uma mulher branca de classe média, morar com o namorado antes
do casamento representava uma afronta à moralidade. Mas a prática era relativamente
comum no meio artístico e político do qual Jacinta e James faziam parte. Ela não seria a
primeira companheira de James a contrariar a norma. Antes dela, ele já havia morado com
uma jovem artista. E no partido, por diversas razões, a exemplo da clandestinidade ou
como escolha de não submeter às leis burguesas, não era incomum que homens e
mulheres comunistas vivessem uma vida matrimonial sem oficializar ou legalizando
tardiamente a relação.35
A diferença de idade entre os dois também não correspondia ao lugar comum,
neste caso independente do meio. Ele acabara de completar 22 anos, ao passo que ela
estava chegando à casa dos trinta. Uma “solteirona”36 para os padrões do período, mas
intelectual respeitada na Bahia. O lugar de prestígio na vida pública, todavia, não tinha o
mesmo valor atribuído aos homens. Como observou Clara Coria, o sucesso profissional
34
AMADO, 2010, p. 11.
35
Luiz Carlos e Maria Prestes, bem como Mauricio e Alzira Grabois são dois exemplos de casais
comunistas que só oficializaram o matrimônio após anos de convivência. No primeiro caso, segundo
lembrou Maria, a ilegalidade pesou, além disso, ela alegou não querer formalidade, pois se a relação não
desse certo seria mais fácil a separação. O segundo casal resolveu viver o que entendia por união livre, leia-
se, casamento não legal. Cf. PRESTES, Maria. Meu Companheiro: 40 anos ao lado de Luiz Carlos Prestes.
2° ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1992. p. 74; LEÃO, Viviane Maria Zeni. Mulheres e o imaginário comunista
(uma nova história; uma história nova) 1945-1956. Dissertação (Mestrado em História) – Setor de Ciências
Humanas, Artes e Humanidades, Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2003. p. 122.
36
Expressão pejorativa usada para mulheres que depois dos 25 anos ainda não estavam casadas.
170
Além de mais velha que o companheiro, quando começaram a namorar ela já havia
tido outra experiência sexual. Em 1941 havia “perdido a virgindade”, então considerada
sagrada para a mulher, com uma paixão do momento.40 O namoro durou pouco tempo e,
ao que tudo indica, o final foi sofrido para ela. Em dezembro de 1943 conheceu James e
depois de alguns meses morando juntos, em 18 de março do ano seguinte, se casaram
apenas no civil, numa cerimônia inusitada. Dela participaram apenas os noivos, duas
testemunhas (um amigo do casal e um desconhecido que escolheram na hora) e o juiz
responsável. Como estabelecia o Código Civil adotou o sobrenome do marido e passou a
chamar-se Jacinta Passos Amado. Ao sair do cartório, os recém-casados dirigiram-se a
37
CORIA, Clara. O sexo oculto do dinheiro: formas de dependência feminina. Rio de Janeiro: Record/Rosa
dos Ventos, 1996. p. 42.
38
AMADO, 2010, p. 375.
39
Ibid., p. 376.
40
A relação afetiva e sexual virou tema de cinco de seus poemas: O Momento eterno, Limitação, Mulher,
Canção Simples e Ressonância, todos escritos em 1941 e publicados em Nossos Poemas. O homem com o
qual se envolveu, que preferiu manter-se no anonimato, anos depois, confirmou o ato em entrevista a
Janaína Amado. Revelou que o namoro começou a esquentar e, certo dia, por iniciativa de Jacinta,
consumaram o ato na casa de uma amiga dela, na Cidade Baixa. AMADO, 2010, p. 62-67.
171
41
AMADO, 2010, p. 370.
42
Ibid., p. 374.
43
Cf. COSTA, Suely Gomes. Proteção social, maternidade transferida e lutas pela saúde reprodutiva.
Estudos Feministas. Santa Catarina, v. 10, n. 2, p. 301-322. Jul./dez., 2002; MELLO, Soraia Carolina de.
Feminismos de Segunda Onda no Cone Sul problematizando o trabalho doméstico (1970-1989).
Dissertação (Mestrado em História) – Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de
Santa Catarina. Florianópolis, 2010; SILVA, Maciel Henrique da. Domésticas criadas entre textos e
práticas sociais: Recife e Salvador (1870-1910). Tese (doutorado em História) – Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2011; BERNARDINO-COSTA, Joaze.
Decolonialidade e interseccionalidade emancipadora: a organização política das trabalhadoras domésticas
no Brasil. Revista Sociedade e Estado. Brasília, v. 30, n. 1, p. 147-163. Jan-abr., 2015.
172
44
AMADO, 2010, p. 371.
45
PASSOS, Jacinta. Canção da Partida apud. AMADO, 2010, p. 85-86
46
Ibid., p. 94-95.
173
Para o crítico, a grande qualidade do livro, qual seja, “o senso de apego às coisas
e às pessoas”, também era responsável pelos defeitos: “certa vulgaridade discursiva, um
sentimentalismo por vezes fácil demais e, não raro, uma demagogia que a autora não sabe
evitar”. Ao final, destacou que Canção da Partida firmava Jacinta Passos “numa posição
50
de primeira plana na moderna poesia brasileira”. Roger Bastide também se
impressionou positivamente com a capacidade da autora em fundir “a necessidade
revolucionária do progresso humano e a cultura popular tradicional, à herança lírica dos
ancestrais”,51 o que para ele era o problema essencial da poesia. Já nas palavras Geraldo
Vieira a obra trazia uma
47
Cândido, Antônio. Poeta e Poesia. O Jornal, Rio de Janeiro, ano 27, n. 7864, p. 4, 15 dez., 1945. Segundo
Janaína Amado, a crítica foi publicada originalmente no jornal Diário de São Paulo em 13 de dezembro de
1945. Cf. AMADO, 2010, p, 459-464; BASTIDE, Roger. Trimestre Poético. O Jornal, Rio de Janeiro, ano
27, n. 7.639, p. 4, 24 mar., 1945; Segundo Janaína Amado, a crítica foi escrita em 1946 e publicada no livro
Diário crítico de Sérgio Milliet. AMADO, 2010, p. 465-471.
48
CÂNDIDO, op. cit., p. 4.
49
Ibid.
50
Ibid.
51
BASTIDE, Roger, op. cit.
174
52
VIEIRA, José Geraldo. Poesia – solução para tudo. Correio Paulistano, São Paulo, ano 91, n. 27.343, p.
4, 13 mai., 1945.
53
Segundo Janaína Amado, a crítica foi escrita em 1946 e publicada no livro Diário crítico de Sérgio Milliet.
AMADO, 2010, p. 465-471.
54
Carta de Graciliano Ramos a Cândido Portinari, 15 fev., 1946 apud MORAES, Dênis. O Velho Graça:
uma biografia de Graciliano Ramos. São Paulo: Boitempo, 2012. p. 221.
175
imposto como padrão estético para os artistas do partido. Foi somente em 1948 que o
Comitê Central demonstrou obstinação em adotá-lo, tendo em Andrei Zhdanov a maior
força de propagação.55
55
MORAIS, 2012, p. 249.
56
Ibid.
57
OLIVEIRA, 1998, p. 36.
58
AMADO, 2010, p. 378.
176
Diferente de Jacinta, James teve sua candidatura recusada pelo Tribunal Superior
Eleitoral (TSE). Ela foi a única candidata do gênero feminino dos 23 candidatos lançados
à Assembleia Constituinte pelo PCB. Mesmo não sendo candidata preferencial do partido,
que escolheu Carlos Marighela, não deixou de fazer campanha, assumindo uma vida
pública junto aos demais candidatos e a outras mulheres que atuavam na retaguarda.60 Ao
longo da campanha, participou ativamente de comícios em defesa do programa pecebista
da “Chapa Popular”, “com ênfase na questão das mulheres, o principal assunto sobre o
qual se debruçava, escrevia e discursava”.61
Em que pese o esforço, não conseguiu se eleger. O único candidato à Constituinte
eleito pelo partido foi Carlos Marighela. Luiz Carlos Prestes elegeu-se Senador. Passadas
as eleições, Jacinta e James continuaram em Salvador, mas se mudaram para uma casa
modesta na Cidade Baixa, em Mont Serrat. A intensa atividade político-partidária
permaneceu fazendo parte da vida de ambos. A militância consumia a maior parte do
tempo do casal, que sobrevivia, basicamente, com subsídio transferido pelo partido e
talvez com alguma ajuda da família. Jacinta e o marido escreviam regularmente para o
jornal O Momento. Ela, com menos intensidade do que antes, também produzia poemas,
muitos dos quais com temáticas relacionadas aos eventos políticos que agitavam o
contexto; ele investia na ficção em prosa. No período escreveu o romance que, em 1949,
foi publicado com o título Chamado do mar.62
Como era comum às mulheres do PCB, Jacinta dava aulas em comunidades
pobres, usando o espaço para divulgar o ideário comunista. Em 1947, mais uma vez o
partido a escolheu como candidata, agora ao cargo de Deputada Estadual Constituinte.63
59
AMADO, 2010, p. 378.
60
Os candidatos preferenciais eram aqueles nos quais os membros do partido tinham o dever de votar. De
acordo com Ricardo Szilio, a escolha desses candidatos seguia uma linha autoritária, que foi criticada por
Mauricio Grabois em um documento da Secretaria Nacional de Divulgação do PCB. SZILIO, Ricardo José.
“Vai, Carlos, ser Marighella na vida”: outro olhar sobre os caminhos de Carlos Marighella na Bahia (1911-
1945). Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade
Federal da Bahia, Salvador, 2017. p. 310.
61
AMADO, 2010, p. 239.
62
AMADO, James. Chamado do mar. São Paulo: Círculo do Livro, s/a.
63
Após a promulgação da nova Constituição, em setembro de 1946, foram marcadas novas eleições para o
dia 19 de janeiro do ano seguinte. O pleito destinou-se a escolha dos deputados estaduais, governadores,
um terceiro senador e mais um deputado federal.
177
Mas desta vez ela não foi a única mulher a concorrer pelo partido ao pleito no estado da
Bahia. Entre os 60 candidatos da “Chapa Popular”, 6 eram mulheres (10%) e nenhuma
foi candidata preferencial. Assim como nas eleições de 1945, mergulharam em intensa
campanha, com exceção de Jacinta.64
Nas curvas imprevisíveis da vida, pouco tempo após saber que disputaria mais
uma eleição, engravidou. Seu nome não foi retirado da chapa, mas não foi possível
participar da campanha. A gravidez era de risco. Durante sete meses ficou internada no
Instituto de Radiologia, em Salvador, e no dia 21 de abril de 1947 deu à luz a sua filha,
três meses após as eleições que lhe rendeu 23 votos. 65 O casal decidiu chamá-la de
Janaína, um dos nomes de Yemanjá. Segundo memórias da família recuperadas pela
própria Janaína, “era um nome tão inusitado à época que o padre da igreja de Nazaré,
mesmo sendo conhecido dos Passos, recusou-se a batizar a criança, por causa do seu
‘nome de candomblé’”;66 caso explícito de racismo religioso.
A maternidade impôs mais uma grande mudança em sua vida. Os primeiros meses
foram difíceis. Além das dificuldades comuns do puerpério, o PCB mergulhava em mais
uma tempestade política. O nascimento de Janaína coincidiu com o crescimento do
anticomunismo e perseguição política ao partido. Lembremos que naquele ano o registro
do PCB foi caçado iniciando-se a caça aberta aos comunistas. Na época, ela e o marido
moravam em um modesto quarto de pensão na rua Chile, para onde James se mudou nos
meses em que Jacinta esteve internada. Pouco mais de dois meses após o nascimento de
Janaína, a sede do jornal O Momento, na qual James trabalhava, foi depredada pela
polícia, que quebrou muitas máquinas essenciais para o funcionamento do periódico. Os
minguados recursos financeiros que o casal recebia do partido praticamente sumiram.
Sem dinheiro e sob intensa pressão, assim encontrava-se a mulher que acabara de se tornar
mãe.
64
Além de Jacinta, candidataram-se: Ana Montenegro, funcionária pública; Bernadete Santos, operária
fumageira, Carmosina Nogueira, enfermeira, Dagmar Gudes, médica e Maria Lopes de Melo, professora
primária. Os candidatos preferenciais do partido foram: Mario Alves, Giocondo Dias e Jaime Maciel. A
CHAPA popular, O Momento, Salvador, 19 jan. 1947, p. 2; AS MULHERES baianas têm as suas
candidatas. O Momento, Salvador, 03 jan. 1947. p. 1.
65
O PCB obteve um total de 12.580 votos no estado. Conseguiu eleger dois deputados estaduais: Giocondo
Dias (com 1.094 votos) e Jaime da Silva Maciel (com 1174 votos). Seu pai conseguiu se eleger pela UDN,
tornando-se o parlamentar mais idoso daquela legislatura. AMADO, 2010, p, 380; SERRA, Sônia. O
Momento: História de um jornal militante. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1987. p. 56.
66
Segundo narra Janaína Amado, o batizado só ocorreu devido a muita insistência da família de Jacinta.
Jacinta e o marido não queriam batizá-la. Ainda de acordo com Janaína, seu nome só se tornaria popular na
década de 1970 quando a atriz Leila Diniz deu esse nome a filha, que nasceu em 1971. AMADO, 2010, p.
380.
178
Foi preciso dar uma pausa na agitada vida pública. No início de 1948, contando
com a retaguarda familiar, mudaram-se para uma das fazendas do pai de James, localizada
em Ponta do Sul, região afastada dos centros urbanos e de difícil acesso, no sul do estado
da Bahia. Na mudança, mais uma vez Regina Figueiredo foi “enviada” para acompanhar
o casal.67 Lá permaneceram por cerca de três anos. Só saíam de tempos em tempos para
visitar as famílias – a dela em Salvador, a dele no Rio de Janeiro – e para as atividades
partidárias. No ano de 1950, como destaquei no capítulo anterior, a repressão aos
militantes do PCB era intensa, mas, distantes das aglomerações urbanas, Jacinta e James
viviam com tranquilidade. Afastada das pressões políticas, ela aproveitou para mergulhar
em leituras e escrever poemas. Segundo narra Regina Figueiredo:
Ao que parece, a roça não era tão palatável para Regina, que a descreveu como
um fim de mundo, “sem nada”. Na roça “sem rádio nem qualquer outro meio de
comunicação, sem eletricidade ou água encanada”69, provavelmente o trabalho de Regina
tornou-se mais difícil. Mas para Jacinta, que anos antes trabalhava intensamente como
militante e enfrentava turbulências políticas e pessoais representou o encontro com a paz,
interrompida em 1951, quando o casal, por ordem do partido, teve de retomar a militância
em tempo integral. Mudaram-se com a filha para o Rio de Janeiro. Regina voltou para a
Bahia. “A partir de maio, passaram a residir com a filha em Copacabana, próximo ao
túnel novo, num apartamento com três quartos espaçosos, construído havia pouco”.70
No Rio de Janeiro Jacinta publicou o seu terceiro livro: Poemas Políticos, agora
pela Livraria-Editora da Casa do Estudante do Brasil, ligada ao PCB. Sua nova criação
reuniu textos inéditos e uma coletânea do livro anterior. Os inéditos, escritos entre 1946
67
Lembremos que em 1945, quando Jacinta sofreu o aborto, Regina Figueiredo foi enviada para São Paulo
para trabalhar para o casal enquanto Jacinta se recuperava. Não há registros, mas provavelmente quando o
casal voltou para Salvador, Regina retornou a prestar serviços à família Passos. Quatro anos depois, mais
uma vez a empregada doméstica teve de deslocar-se, agora para uma fazenda distante. Não dispomos de
mais nenhuma informação sobre quem era Regina, além de empregada doméstica que por muitos anos
serviu a família Passos. De onde era? Tinha filhos? Como era mudar-se de cidade toda vez que recebia
ordens?
68
Depoimento de Regina Menezes Figueiredo apud. AMADO, 2010, p. 384.
69
Ibid., p. 381.
70
Ibid., p. 385.
179
71
MORAES, Dênis. O imaginário vigiado: a imprensa comunista e o realismo socialista no Brasil (1947-
53). Rio de Janeiro: José Olympio, 1994. p. 150.
72
Ibid.
73
Ibid., p. 158-167.
180
defeito de Poemas Políticos “era o apego aos padrões clássicos”.74 Conforme Dênis de
Moraes:
As críticas ao seu novo livro foram um dos menores problemas na vida da escritora
naquele ano de 1951, período particularmente agitado em sua trajetória. O PCB
atravessava mais uma fase conturbada, ela havia assumido a presidência da FMB,
rendendo-lhe uma prisão em São Paulo, e acabara de publicar um livro que a deixava
ainda mais na mira da polícia.76 Ao acúmulo de trabalhos de outrora e à perseguição
política com a qual já estava relativamente acostumada, somava-se a maternidade, tarefa
que exigia – e exige – muito da mãe em uma cultura cujo cuidado com as crianças e
vulneráveis era – e é – visto como função “naturalmente feminina”.77
Era – e continua sendo – difícil para as mulheres se desvencilhar desse lugar. No
caso de Jacinta, é possível que naquele momento o marido não se dedicasse tanto quanto
ela à gestão do cotidiano e às responsabilidades com a filha. Talvez por isso, como era
comum entre as mulheres das camadas médias, brancas em sua maioria, sempre que
julgava necessário, solicitava à família a presença de uma empregada doméstica de sua
confiança e simpatia. Em 1951 foi a vez de Tomázia Ribeiro de Queirós ser “enviada”
para passar uma temporada com Jacinta no Rio de Janeiro para que ela pudesse participar,
em setembro, do IV Congresso de Escritores, em Porto Alegre. Por que não Regina, que
já havia estado com ela em dois momentos? Não tenho resposta.
74
MORAES, 1994, p. 165.
75
Ibid.
76
Em 1951 a polícia política de São Paulo abriu um prontuário para registrar sua vida política Prontuário
n. 113825, Jacinta Passos, 17 dez., 1951. Arquivo Público do Estado de São Paulo, Prontuários,
Departamento de Ordem Política e Social, DEOPSSPJ000115. Disponível em: <
http://www.arquivoestado.sp.gov.br/site/acervo/repositorio_digital/deops_ficha> Acesso em> 12 set.,
2019.
77
O que não significa dizer que sempre foi assim e que todas as sociedades atribuem os mesmos
significados e práticas no que diz respeito ao lugar das mães no cuidado com as crianças. Elisabeth Badinter,
em seu estudo sobre a sociedade francesa no século XVIII, demonstrou que o amor materno e
consequentemente as formas de maternar sofreram variações ao longo do tempo. Seguindo essa linha Nancy
Chodorow demonstrou que “a maternação das mulheres não é um fato universal transcultural imutável. [...]
O papel das mulheres, tal como o conhecemos, é um produto histórico”. Cf. BADINTER, Elisabeth. Um
amor conquistado: o mito do amor materno. São Paulo: Circulo do Livro, s/a; CHODOROW, Nancy.
Psicanálise da maternidade: uma crítica a Freud a partir da mulher. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos,
1990. p. 52.
181
78
MORAES, 2012, p. 239.
79
Ibid., p. 245.
80
Ibid., p. 246-247.
182
81
CASTRO, Moacir Werneck de. Éramos assim em 1949. Jornal do Brasil, ano 97, n. 136, p. 11 (1°
Caderno), 22 ago., 1987.
82
MORAES, op. cit., p. 247.
83
AMADO, 2010, p. 388
183
continuar parindo ou vai parar? Um casal já chega, dona”.84 Ao que tudo indica, para
Jacinta “ter e cuidar de muitos filhos era incompatível com a militância política”.85
84
Carta de Jacinta à Zélia Gatai, 20 set., 1951 apud AMADO, 2010, p. 387.
85
AMADO, op. cit., p. 387-388 (nota de rodapé n. 100).
86
Ibid., p. 389.
87
Ibid.
88
Janaína Amado narrou o processo de todas as internações de sua mãe. Depois da clínica de Isaías Paim,
Jacinta passou pelos seguintes sanatórios: Casa de Repouso do dr. Francisco Sá Pires, na Ilha do
Governador, Rio de Janeiro; Clínica Psiquiátrica Charcot, São Paulo; Sanatório São Paulo, Salvador; Casa
da Saúde Santa Maria, Aracaju.
184
que dar continuidade ao tratamento, Jacinta continuou morando em São Paulo na casa de
sua irmã, Dulce, com quem tinha muitas diferenças de temperamento e valores, e do
cunhado Nestor Santos, que era médico. Por que não foi para a casa do irmão com quem
guardava tantas afinidades? Não sei.
Em junho daquele mesmo ano, Jacinta teve mais uma recaída e voltou a ser
internada na clínica Charcot, onde permaneceu por cerca de um ano e meio. Mais uma
vez no sanatório, em condições totalmente desfavoráveis, escreveu seu quarto e último
livro: o épico A Coluna, um longo poema de 15 cantos que recria a história da Coluna
Prestes, a famosa marcha do “Cavaleiro da Esperança” pelo interior do Brasil. Seu último
livro estava ainda mais marcado pelo realismo socialista. Entre as entradas e saídas do
sanatório, Jacinta não deixou de dialogar com o PCB e certamente estava a par do padrão
estético estabelecido pelo partido que, ao que tudo indica, ajudou a financiar a edição, tão
em sintonia com o zdanovismo.
O livro foi escrito de 1953 a 1954 e publicado em 1957, pela editora Coelho
Branco, do Rio de Janeiro. O poema épico era uma parte de um projeto maior: um livro
que seria intitulado “Histórias do Brasil e outros poemas”. O manuscrito perdeu-se na
cinzenta ditadura que se instalou no Brasil em 1964. Jacinta, à época com 50 anos, fora
presa em Aracaju no ano seguinte ao golpe. Sua irmã Maria José resolveu examinar o
material de Jacinta que se encontrava na casa da mãe, em Salvador, e chegou à conclusão
de que se tratava de “substância subversiva”. Numa conversa tensa entre ela, a mãe e a
irmã Lourdes decidiram queimar os papeis. O marido de Lourdes, Eraldo Siqueira, tentou
demovê-las da ideia e sugeriu armazenar os achados em sua casa, mas a tentativa foi
fracassada. Elas acharam perigoso continuar com o material que poderia complicar ainda
mais a situação de Jacinta. Assim, em Brotas, bairro de Salvador, na casa de Lourdes e
Eraldo arderam na fogueira “os originais de sete livros de Jacinta Passos, aqueles que
anunciara em A Coluna, além dos textos que pode ter escrito entre 1957 [...] e 1959,
quando deixou Salvador”89 e mudou-se para Petrolina.
Como nos livros anteriores, em A Coluna as mulheres personagens marcaram
presença. A história da Coluna Prestes, que geralmente era contada enfatizando apenas o
protagonismo dos homens, na pena de Jacinta foi povoada por mulheres. No poema “Os
heróis e as feras”, que compõe o épico, elas entraram como figuras importantes das tropas
da coluna, cujo valor era invisibilizado.
89
AMADO, 2010, p. 428.
185
90
PASSOS, Jacinta. A Coluna. Rio de Janeiro: Coelho Branco, 1947 apud AMADO, op. cit., p. 188-189.
91
Para um debate mais amplo sobre a moral comunista cf.: MOTTA, Rodrigo Patto Sá. O PCB e a moral
comunista. Locus, Juiz de Fora, v. 3, n. 1, p. 69-83, 01 jan., 1997; FERREIRA, 2002.
186
92
AMADO, 2010, p. 399.
93
Ibid., p. 411.
94
Ibid., p. 414.
187
atuou com mais autonomia. Não esperava ordens diretas do partido para fazer discursos
junto às aglomerações e distribuir seus textos, tanto em Barra dos Coqueiros quanto em
Aracaju. “Entre os militantes de Aracaju, que ignoravam sua história pessoal ou a
conheciam apenas superficialmente, Jacinta recuperou o prestígio perdido em Salvador”95
– e voltou para a mira da polícia.
Quando o golpe protagonizado pelos militares aconteceu em 1964, ela era figura
conhecida por sua militância em Sergipe. Não tardou a ser presa. A primeira detenção
provavelmente aconteceu em fevereiro de 1965; a segunda, no final de abril, quando
pichava um muro com palavras de ordem. Foi levada para o 28º Batalhão de Caçadores
de Aracaju e submetida a interrogatórios conduzidos pelo tenente Rabelo. Vinte e seis
anos depois, o militar deu entrevista à pesquisadora Dalila Machado. “Sequioso por
demonstrar que agiu com correção, ponderação e brandura (raros na época), assim como
obedeceu a todos os procedimentos processuais devidos (o que também era raro)” 96 ,
informou que no primeiro interrogatório, ao ser questionada sobre suas manifestações
públicas, Jacinta respondeu em versos. No segundo, incialmente manteve-se calma,
depois demonstrou agressividade. No terceiro, “o tenente estava atento quando ela
começou a se exaltar, perdendo o controle diante de suas provocações”.97 Ao prosseguir
com as perguntas, chegou à conclusão de que a depoente, “apesar de seu relacionamento
com pessoas como Jorge Amado [...], Eduardo Portella, Carlos Marighella e João
Amazonas, nomes por ela citados, possuía uma independência de ideias que o deixou
impressionado”.98
Diante da situação, a encaminhou para o Pavilhão de Mulheres onde foi
consultada por um médico, que a diagnosticou como “doente mental”, “portadora de
desequilíbrio nervoso”.99 Depois do diagnóstico, ela foi encaminhada para o Sanatório
Público do Estado de Sergipe Adulto Botelho, onde permaneceu por 10 dias. Em seguida
a família bancou a transferência para a Casa de Saúde Santa Maria, instituição particular.
Durante os sete anos em que esteve internada produziu textos em prosa e verso de uma
lucidez surpreendente para uma mulher considerada louca. 100 No período não ficou a
parte dos acontecimentos. “Estava sempre bem informada. Além de atenta ao noticiário
95
AMADO, 2010, p. 420.
96
Ibid., p. 422.
97
MACHADO, 2000, p. 29.
98
Ibid.
99
Ibid.
100
Parte da produção encontra-se reunida no livro organizado por Janaína Amado nas seções Comprimidos
Poéticos, que abre o livro, e Textos inéditos. Cf. AMADO, 2010, p. 15-21; 219-259.
188
101
AMADO, op. cit., p. 427.
102
Ibid., p. 427.
103
“Sua certidão de óbito registra como causa mortis um derrame cerebral. Escreveu em seu caderno até à
véspera, dia 27 de fevereiro, já com a letra bastante alterada. Contaram à enfermeira Ates, de férias na
ocasião, que, no dia do seu falecimento, mesmo se sentindo mal, Jacinta ainda queria que lhe dessem a
enceradeira para encerar o chão. [...] Compareceram ao seu enterro em Aracaju a irmã Lourdes, a sobrinha
Marta (filha de Lourdes) e o ex-marido, James Amado”. Na ocasião, Manoel Caetano Filho já havia
falecido. Seu irmão mais novo morreu em 1972. AMADO, 2010, p. 433-434.
104
PASSOS, Jacinta. Eu serei poesia. In: AMADO, op. cit., p. 81.
189
5.1. Apresentação
1
A primeira fotografia (esquerda para a direita) está presente em: Prontuário n° 45.289 (Solicitação de
antecedentes de Alina Leite Paim para viagem para a Itália, França, Suíça e Inglaterra). Arquivo Público
do Estado do Rio de Janeiro, fundo DPS. A segunda está disponível na contracapa do romance PAIM,
Alina. A Correnteza. Rio de Janeiro: Record, 1979.
2
PAIM, Alina. Estrada da Liberdade. Rio de Janeiro: Leitura, 1944. p. 140.
190
3
Caixeiro viajante era o nome dado aos homens que trabalhavam com vendas de produtos em várias regiões
do país, em uma época em que os transportes entre as cidades não eram tão fáceis. Por analogia, os
representantes comerciais atuais exercem uma atividade similar.
4
Diferente de Jacinta Passos, ainda não foi escrita uma biografia de Alina Paim, fato que dificultou o
mergulho em sua vida privada. Para montar o pequeno quadro biográfico juntei fragmentos de artigos,
entrevistas, dicionários, prontuários produzidos pela polícia e dos elementos pré-textuais de seus romances,
que por vezes, apresentam uma nota biográfica. Os documentos oficiais e policiais consultados foram:
Certidão de Óbito de Alina Leite Paim, nº 062000155 2011 4 00108 22 0032362 27. Documento consultado
no acervo particular do pesquisador Gilfrancisco Santos, que gentilmente abriu seu acervo localizado em
sua residência, em Aracaju; SECRETARIA da Educação, Saúde e Assistência Pública. Diário Oficial da
Bahia. 19 mai., 1938. Arquivo Público do Estado da Bahia, Salvador; Prontuário n° 45.289 (Solicitação de
antecedentes de Alina Leite Paim para viagem para a Itália, França, Suíça e Inglaterra). Arquivo Público
do Estado do Rio de Janeiro, fundo DPS; Recrutamento para o Partido Comunista do Brasil. Arquivo
Público do Estado do Rio de Janeiro, Fundo Polícia Política; Série comunismo, notação 2-A, maço 03. fls.
99-152; Elementos subversivos do SIA Ministério da Agricultura, Rio de Janeiro, 10 nov., 1966. Arquivo
Nacional, Serviço Nacional de Informações. ID. C0084001-1983; Prontuário 107813, Alina Paim, 16 mar.,
1951. Arquivo Público do Estado de São Paulo, Departamento de Ordem Política e Social,
DEOPSSPA007709.
5
SECRETARIA da Educação, op. cit.
191
diferença era comum. Depois do matrimônio, Alina, agora Leite Paim, abandonou a
estabilidade de um concurso público e mudou-se para o Rio de Janeiro para acompanhar
o marido que tinha por objetivo construir carreira na Capital Federal. Como era comum
às mulheres do seu tempo, o sucesso profissional do marido era a prioridade do casal.
Natural de Juazeiro, interior da Bahia, de família de poucos recursos, o marido de
Alina Paim conseguiu se formar médico pela Faculdade de Medicina da Bahia. Ao que
parece, pelas parcas informações disponíveis, era um homem polêmico. De acordo com
Juberty Antônio de Sousa e Walmor J. Piccinini, “uma das características de Paim era sua
capacidade de se meter em confusões, com colegas, com amigos, com mulheres”.6 Pouco
se sabe sobre a dinâmica da sua vida de casado e sobre os pactos estabelecidos com sua
companheira. A informação disponível é que, como grande parte dos homens do seu
tempo, Isaías era dado a relacionamentos sexuais e afetivos extraconjugais. Naturalizando
o modelo machista de relação, Sousa e Pccinini escreveram que o médico:
Casada e morando no Rio de Janeiro, Alina Paim ficou sem profissão definida.
Seu diploma só tinha validade na Bahia. A saída encontrada foi lecionar em uma escola
6
SOUZA, Juberty Antonio; PICCININI, Walmor. História da Psiquiatria: Isaías Paim (1909-2004).
Psychiatry online Brasil, v. 15, n.1, jan., 2010.
7
O trecho parece sugerir que além das duas filhas com Alina, ele teve filhos de outras relações.
8
SOUZA; PICCININI, op. cit.
192
para filhos de pescadores em Marambaia, Rio de Janeiro, onde atuou por um ano. Nesse
ínterim, escreveu seu primeiro romance. Segundo declarou em entrevista, o romance já
estava pronto em sua cabeça antes da mudança para a Capital Federal – “Quando vim da
Bahia trazia-o na cabeça, bem escondidinho”. 9 Mas a geralmente difícil e tortuosa
travessia da cabeça para a folha em branco aconteceu nos intervalos das aulas que dava
em Marambaia.
Talvez sem programar, a mulher sem profissão definida que chegou à Capital
Federal acompanhando o marido se projetou no cenário político e nos círculos literários.10
Firmou-se no espaço público como Alina Paim. Desde que casou, passou a assinar com
o sobrenome do cônjuge, o que não significa dizer que se firmou publicamente como a
“mulher de”. Pouco mais de um ano após a mudança para o Rio de Janeiro, publicou seu
primeiro romance: Estrada da Liberdade. Após vencer um concurso de lançamento de
novos escritores promovido pela editora Leitura, a edição, dirigida por José Barbosa de
Mello (membro do PCB), foi publicada. Os exemplares foram impressos no apagar das
luzes de 1944 e o lançamento ocorreu no início do ano seguinte.
Dedicado aos escritores Jorge Amado, Dias da Costa e Edson Carneiro, o livro foi
o primeiro da Coleção Leitura, lançando uma série que tinha por objetivo “revelar à crítica
e ao público do Brasil novos nomes de escritores brasileiros”.11 A pré-estreia contou com
a publicação de textos entusiasmados cujo objetivo era criar expectativas nos futuros
leitores e, claro, vender.12 Muito provavelmente, Alina Paim já era um nome conhecido
entre os examinadores do concurso, pelo menos, de ouvir falar. A dedicatória aos três
conhecidos intelectuais comunistas, um deles Dias da Costa, que também trabalhava na
editora, é um indício de que ela já tinha inserção no meio intelectual antes da publicação.13
Além disso, Graciliano Ramos, que já era um consagrado literato, foi seu interlocutor.
Antes de se submeter ao concurso, a autora teve aulas de técnica literária com o escritor,
9
LIMA, Melo. Leitura descobre uma romancista. Leitura, Rio de Janeiro, n. 19, p. 40-41; 69, jun. 1944.
10
O nome de Alina Paim aparece em número muito maior nas páginas dos periódicos, quando comparada
com seu marido, que muito raramente é citado, e sempre de forma muito rápida. Ao que parece, ele se
tornou figura conhecida em seu campo profissional. Publicou vários livros na área de psiquiatria
reconhecidos pelos pares. Mas sem dúvida, ela se tornou uma figura pública muito mais conhecida que ele.
11
PAIM, Alina. Estrada da Liberdade. Rio de Janeiro: Leitura, 1944, orelha.
12
LIMA, 1944, p. 40-41.
13
A informação foi encontrada no próprio artigo de Melo Lima. “Minutos depois apareceu Dias da Costa.
Interrogado, disse logo que o livro era bom e que aconselharia a publicá-lo. Mas Dias da Costa era suspeito,
a dedicatória estava ali a ameaçá-lo”. Ibid.
193
14
CARDOSO, 2010, p. 127; MORAES, Dênis. O velho Graça: uma biografia de Graciliano Ramos. São
Paulo: Boitempo, 2012. p. 194.
15
PAIM, 1944, orelha.
16
LIMA, 1944, p. 40-41.
17
MALHEIROS, Eglê. Três romances e sua autora. Sul: Revista do Círculo de Arte Moderna.
Florianópolis, ano 4, n. 14, p. 19-22, ago./set., 1951.
18
PAIM, op. cit., p. 23.
19
Contrapondo-se ao romantismo, o gênero realista preocupava-se em “imaginar, mas também descrever e
criticar as mazelas da realidade, além de inspirar-se por elas. [...] A literatura realista deveria apresentar o
indivíduo – seus sentimentos, talentos, inspirações – a partir das engrenagens sociais que o condicionavam”.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Lima Barreto: Triste visionário. São Paulo: Cia das Letras. p. 211.
20
PAIM, op. cit., p. 193-194.
194
21
MALHEIROS, 1951, p. 19-22.
22
GONÇALVES, Isolda. Autora de livros queimados em praça pública rompe silêncio de 12 anos. Diário
de Pernambuco, Recife, ano 154, n. 169, p. 7 (seção D), 24 jun., 1979.
195
23
PAIM, 1944, p. 98-99.
24
LIMA, Camillo de Jesus. Estrada da Liberdade. Leitura, Rio de Janeiro, n. 29, p. 48, mai., 1945.
196
novo”, sentenciou Roger Bastide. 25 Jorge Medauar teve a mesma impressão, com a
ressalva de que o deslize não comprometia o conjunto da obra que, em sua leitura, tinha
uma unidade perfeita. “Seu conjunto compensa falhas e evidencia a fibra de um
temperamento criador”.26
Opinião não compartilhada por Álvaro Penafiel, que julgou o romance sem
literatura, revelando “a inexperiência, a falta de aprendizagem que a maior vocação não
conseguirá superar”.27 Newton Braga concordou. Dialogando com a ressalva da orelha de
que a autora era estreante, destacou que a informação não tinha relevância. “Um livro é
mercadoria à venda e é obra que o autor acha madura. E assim deve ser recebido, até
como homenagem ao autor”. Em sua opinião, o romance de Alina Paim tratava de uma
“revolta primária contra as desigualdades sociais e contra as deficiências e absurdos da
educação num colégio religioso”.28 Raimundo Souza Dantas chegou a decretar a morte
de Alina Paim enquanto ficcionista, por julgá-la “inexpressiva pela completa ausência de
um sentido artístico em suas produções”.29
Em uma sociedade marcada por lugares bem demarcados de gênero, o fato de a
autora ser mulher atraiu análises generificadas. Como vimos, eram os homens
majoritariamente brancos que construíam as convenções literárias e os compartimentos
de classificação das obras. Os livros escritos por mulheres eram colocados na caixa de
literatura feminina; ao passo que não existia a caixa masculina para as obras dos
homens. 30 A chamada literatura feminina era descrita como um tipo de ficção de
25
BASTIDE, Roger. Tabuleiro de livros da Bahia. O Jornal, ano 27, n. 7627, p. 4, 10 mar., 1945.
26
MEDAUAR, Jorge. Dois romances. Leitura, Rio de Janeiro, n. 34, p. 12-16, out., 1945.
27
A.F. Livros do Dia. A Manhã, Rio de Janeiro, ano 4, n. 1095, p. 3, 6 mar., 1945.
28
BRAGA, Newton. Uma voz da província. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, ano 44, n. 15452, p. 1 (2ª
seção), 18 mar., 1945.
29
DANTAS, Raimundo Souza. Meditações sobre jovens. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, ano 47, n.
16907, p. 8 (2ª seção), 1-2 mai., 1948.
30
Passadas algumas décadas, a realidade apresenta alguma semelhança. Analisando a produção literária
brasileira entre 1990 e 2004, Regina Dalcastagnè observou: “É claro que os tempos mudaram, que algumas
lutas por direitos civis desembocaram também na literatura, fazendo com que mulheres, negros,
homossexuais, índios começassem, timidamente, a se revelar na condição de escritores. Mas, como vimos,
ainda não foram incorporados de fato. Séculos de literatura em que as mulheres permaneciam nas margens,
condicionaram-nos a pensar que a voz dos homens não tem gênero e, por isso, existam duas categorias, a
literatura, sem adjetivos, e a literatura feminina, presa a seu gueto. Da mesma forma, aliás, que, por vezes,
parece que apenas os negros têm cor ou somente os gays carregam as marcas de sua orientação sexual.
Romper com essa estrutura de pensamento é muito mais difícil quando não se percebe, ou não se assume,
que nosso olhar é construído, que nossa relação com o mundo é intermediada pela história, pela política,
pelas estruturas sociais. E que, portanto, toda e qualquer apreciação literária é regida por interesses, por
mais difusos que eles sejam. Negar isso é insistir na perpetuação de uma forma de opressão, que elimina da
literatura tudo o que traz as marcas da diferença social e expulsa para os guetos tantas vozes criadoras em
potencial”. DALCASTAGNÈ, Regina. Literatura brasileira contemporânea: um território contestado.
Vinhedo: horizonte, 2012. p. 192-193.
197
31
LEITE, Ascendino. Estrada da Liberdade. Leitura, Rio de Janeiro, n. 25, p. 18, jan., 1945.
32
MEDAUAR, Jorge. Dois romances. Leitura, Rio de Janeiro, n. 34, p. 12-16, out., 1945.
33
CARNEIRO, Aparecida Sueli. A construção do Outro como não-ser como fundamento do ser. Tese
(Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. p. 20-
24.
34
Todo escritor que publica um livro escreve para ser lido. Ganhar visibilidade na crítica, bem ou mal
falado, é importante para movimentar a circulação. O silêncio também é uma forma de recepção e é a mais
198
frustrante para um escritor. Segundo Lília Schwarcz, a crítica que mais incomodou Lima Barreto foi o
silêncio. SCHWARCZ, Lilia Moritz. Lima Barreto: triste visionário. São Paulo: Cia das Letras, 2017. p.
215.
35
MALHEIROS, 1951, p. 19-22.
36
SOUZA, Fernando Tude. A professorinha Marina. Leitura, Rio de Janeiro, n. 27, p. 13, mar., 1945.
37
GENI Marcondes. Enciclopédia Itaú Cultural, 05 jan., 2015. Disponível em: <
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa393078/geni-marcondes> Acesso em: 24 fev., 2020.
199
Paim foi homenageada pela União Brasileira de Escritores (UBE) com o diploma especial
de Personalidade do Ano Internacional da Criança.38
Em 1945, mesmo ano em que começou a escrever para a rádio, onde colaborou
até 1956, se filiou oficialmente ao PCB, partido com o qual, ao que tudo indica, ela já se
relacionava desde quando morava em Salvador. No partido, atuou no movimento de
mulheres como colaboradora do jornal Momento Feminino e do Departamento Feminino
do Comitê Democrático Botafogo-Lagoa. Fez parte das células Estivador Santana e
Theodore Dreiser, composta somente por escritores, entre os quais, Graciliano Ramos,
Floriano Gonçalves, Ignácio Rangel, Lia Corrêa Dutra, Benedito Papi, Laura
Austregésilo, Israel Pedrosa e Gilberto Paim. Uma das funções da célula, cujo nome
homenageava um escritor norte-americano, era “disseminar as teses que vinham do
Comitê Central através de artigos, conferências, conversas e reuniões”.39
Em pouco tempo a Theodore Dreiser foi dissolvida. O motivo: por sugestão de
Graciliano, resolveu à revelia da cúpula partidária criar uma seção para apreciar originais
inéditos de jovens escritores. Após a decisão, o jornal Tribuna Popular publicou uma
nota solicitando o envio de textos para que se iniciassem as apreciações. O projeto chegou
ao conhecimento de Diógenes de Arruda Câmara, dirigente do PCB, que entendeu que o
grupo de intelectuais desejava controlar os jovens escritores. “Centralizador, Arruda
ordenou a dissolução da célula. [...] Os intelectuais se dispersaram pelos comitês
distritais. [...] A hierarquia não podia ser melindrada”.40
Alina Paim completaria sua agenda política e intelectual escrevendo textos para a
imprensa comunista e não comunista. Além do jornal Momento Feminino, onde se ocupou
da seção de Puericultura e publicou contos, colaborou com revistas literárias, como
Esfera, dirigida por Silvia Leon Chalreo e Maura de Sena Pereira, e Leitura. Também se
ocupou das revistas especializadas em “assuntos femininos”, como a revista Walkyria e
O Cruzeiro, além de escrever para os jornais cariocas Correio da Manhã e Voz Operária
(do PCB). Geralmente publicava contos, muitos dos quais fragmentos dos seus romances
38
LIVROS e autores. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, ano, 89, n. 163, p. 9 (Caderno B), 18 set., 1979.
39
MORAES, 2012, p. 212.
40
Ibid., 212-213.
200
41
Em uma busca utilizando a ferramenta de busca nominal na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional
digitei o nome Alina Paim e localizei os seguintes textos: Artigos – PAIM, Alina. A educação na Rússia.
Leitura, Rio de Janeiro, ano 3, n. 29, p. 47, mai., 1945; Idem. Dez dias que abalaram o mundo. Leitura, Rio
de janeiro, ano 3, n. 31, p. 34, jul., 1945; Idem. A Mulher e a FEB, O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 22 set., n.
48, p. 3, 1945. Contos – PAIM, Alina. Inauguração da luz elétrica. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano
1, n. 2, p. 8, 01 ago., 1947; Idem. Agonia. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, ano 48, n. 17.184, p. 2 (3°
Caderno), 27 mar., 1949; Idem. A casa. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 68, p. 4, 02 mai.,
1950; Idem. O comunismo é como o vento. Voz Operária, Rio de Janeiro, ano 2, n. 82, p. 12, Rio de Janeiro,
16 dez; Idem. A outra lição. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 81, p. 4, fev., 1951; Idem. A
Carta. Leitura, Rio de Janeiro, ano 9, n. 43-44, p. 22-23, jan./fev., 1961.
42
Foi assim que Graciliano Ramos a descreveu na orelha de Simão Dias. Além do Velho Graça, Jorge
Amado, no prefácio de Sol do Meio Dia, observou que a modéstia e a timidez eram traços característicos
da autora. Ao entrevistá-la, em 1979, Isolda Gonçalves disse estar diante de uma mulher “miúda” com
“jeito quieto de quase timidez. E uma voz segura, um olhar direto e firme encarando a gente. Assim é Alina
Paim”. GONÇALVES, 1979, p. 7.
43
Romances: Estrada da Liberdade (1944), Simão Dias (1949), A Sombra do Patriarca (1950), A Hora
Próxima (1955), Sol do Meio Dia (1961), a Trilogia de Cataria (1965) – O Sino e a Rosa, A Chave do
Mundo e o Círculo –, A Correnteza (1979) e A Sétima Vez (1994). Livros infanto-juvenis: O lenço
encantado (1962); A casa da coruja verde (1962); Luzbela vestida de cigana (1962) e Flocos de algodão
(1966).
44
MORAES, 2012, p. 194.
45
PAIM, Alina. A sombra do patriarca. Porto Alegre: Globo, 1950.
201
Assim, ela não nos quer dar uma tese, mas um episódio característico
que prova, no rumo em que ela investe, isto é, no sentido de mostrar um
estágio social medievalesco que nos é próprio. E, portanto, esse estudo
46
Nos dois romances a autora datou o tempo da escrita. O lançamento de A Sombra do Patriarca começou
a ser anunciado pela editora em 1948. O livro foi divulgado como parte de uma coleção de autores
brasileiros, entre os quais, Noite na Taverna e Macário, de Álvares de Azevedo; Lendas do Sul, de Simões
Lopes Neto; Segredos da Infância de Augusto Meyer; Pássaro Ferino, de Genolino Amado; Os filhos do
medo, de Ruth Guimarães e Solidão dos Campos, de Raimundo S. Dantas. Portanto, desde aquele ano a
editora já estava de posse dos originais. Não sei os motivos do atraso, que pode ter sido por problemas do
próprio processo de edição, marcado por correções e sucessivas trocas entre editores e autoras. PRÓXIMOS
Lançamentos. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 18 jan., 1948, p. 1 (Segunda Seção); ROSEMBLATT
nos fala da Editora Globo. Leitura, Rio de Janeiro, n. 47, p. 18, fev.; DE TODOS os Fronts. Correio da
Manhã, Rio de Janeiro, 13 jun., 1948, p. 8 (2ª Seção)1948.
47
A versão que disponho foi restaurada. Sem capa original. O livro não tem prefácio. A apresentação
provavelmente foi feita na orelha, que não tive acesso em função da ausência da capa.
48
No contexto, o patriarcado se referia às grandes famílias agrárias. No romance, a expressão apareceu
como um sistema de opressão de classe não de gênero, destacando que é marcado pelo machismo. O
conceito de patriarcado passou a ser utilizado para explicar a subordinação das mulheres em relação aos
homens a parir da década de 1970. De acordo com Joan Scott, grosso modo, as teóricas do patriarcado
explicaram a subordinação das mulheres como uma necessidade de o macho dominar as mulheres em
função da reprodução e/ou da sexualidade em si. Para a autora, esta interpretação é problemática sobretudo
porque se baseia na diferença física como se ela tivesse um caráter universal e imutável. No entanto, há
quem conteste esta leitura. Há uma polêmica envolvendo a pertinência ou não do uso do conceito ao mesmo
tempo em que se discute até que ponto o conceito de gênero deve substitui-lo. Cf. SCOTT, Joan. Gênero:
uma categoria útil para a análise histórica. Educação & Realidade: Porto Alegre, v. 20, p. 71-99, jul./dez.
1995; MACHADO, Lia Zanotta. Perspectivas em confronto: relações de gênero ou patriarcado
contemporâneo? Série Antropológica, n. 284, Brasília, p. 2-19, 2000.; DELPH, Christine. Patriarcado
(teorias do). In: HIRATA, Helena et alii. Dicionário crítico do feminismo. São Paulo: UNESP, 2009, p.
173-178. SAFFIOTI, Heleieth. Gênero, Patriarcado e violência. São Paulo: Expressão Popular/Fundação
Perseu Abramo, 2015.
49
FORA do Prelo. Revista da Semana, Rio de Janeiro, n. 44, p. 45, 04 nov., 1950.
202
Para Ruth Guimarães, uma das poucas mulheres que aparece como crítica
literária, as únicas “qualidades extraordinárias” do livro eram: coragem, sinceridade e
assunto. No mais, era um livro mal realizado. “É uma coisa anódina, insípida e
impalpável. Ninguém vê o patriarca em ação, ninguém sente a sua atuação envolvente ou
a sua vitalidade absorvente”; além do excesso de diálogos feitos para ilustrar “as ideias
da Autora, principalmente sobre a posição da luta da mulher, posição de combatente e
não de expectadora” e, sobretudo, sua orientação política. “Ah, meu deus! Essas
tendências na literatura”.51
A explicitação da tendência política nas narrativas de ficção era uma característica
que também não agradou a João Vasconcelos. Concordando com a crítica anterior, ele
achou o patriarca inexpressivo: a sombra do patriarca que deveria dominar o romance,
como era prometido no título, era fraca. Em sua leitura, o livro não se concretizava
enquanto literatura pois não atendia à verossimilhança exigida. Achou a narrativa “uma
má caricatura” de romance que, “por má-fé”, era reconhecido apenas pelas “esquerdas
que tudo topa, até mesmo aplaudir sem discrepâncias realizações mofinas como esta de
d. Paim”.52 Para ele, a narrativa era uma tentativa fracassada de imitação da vida que,
conforme lembrou, tinha “o direito de ser, por vezes, inverossímil, enquanto a ficção
“precisa antes de tudo ser verossímil para ser boa. Assim, a vida cria arbitrariamente, mas
o ficcionista cria só livremente e dentro de limites rígidos que devem ser respeitados”.53
As palavras de Vasconcelos se aproximam de uma visão de literatura que continua
movimentando a teoria literária contemporânea: a de que a ficção “triunfa por si mesma
[...] e não pelo testemunho que oferece sobre o mundo real”.54 Sua verdade, segundo o
crítico e romancista Mario Vargas Llosa, é intrínseca ao próprio texto que comunica
verdades fugazes que escapam das descrições científicas da realidade. As fabulações
romanescas encapsulam o caos da vida real numa trama de palavras que para parecerem
verdadeiras dependem “da sua própria capacidade de persuasão, da força comunicativa
50
FORA do Prelo. Revista da Semana, Rio de Janeiro, n. 44, p. 45, 04 nov., 1950.
51
GUIMARÃES, Ruth. Sobre um moleiro e duas sombras. Jornal de Notícias, São Paulo, ano 5, n. 1.375,
p. 1 (Segundo caderno), 15 out., 1950,
52
VASCONCELOS, João. Nos domínios da Ficção. Diário de Pernambuco, Recife, ano 26, n. 51, p. 1-2
(2ª seção), 04 mar.,1951.
53
Ibid.
54
LLOSA, Mario Vargas. A verdade das mentiras. São Paulo: Arx, 2004. p. 64.
203
de sua fantasia, da habilidade de sua magia”.55 A verdade do romance não estaria em sua
capacidade de documentar o real, mas na verossimilhança, leia-se, na harmonia e
coerência da narrativa, por mais imaginosa ou fantástica que seja.
Por outro lado, autores ligados à teoria literária marxista continuam se opondo a
esta concepção de arte, por eles chamada de burguesa. Terry Eagleton é um deles. Para o
crítico, a literatura revela mais do que concepções exclusivamente estéticas, ao mesmo
tempo que não deve ser entendida como uma forma de organização do “caos da vida”.
Mais do que entreter, as expressões artísticas, entre elas a literatura, revelam (e podem
servir), ao mesmo tempo que instituem a partir da dialética forma-conteúdo, as ideologias
da sociedade. O autor atualizou as reflexões de Georg Lukáks para quem a ficção
representa “as conexões mais profundas entre homem [sic], destino e mundo, e
certamente surgiu dessa busca pela profundidade, ainda que no mais das vezes não tenha
consciência da própria origem”.57
Não por acaso, na perspectiva de Eagleton, as mudanças de convenções literárias
são reflexos de mudanças ideológicas profundas. Por isso, a arte revolucionária (leia-se,
marxista) deveria disputar/impor alterações. Mas não há uma relação simples e simétrica.
“A forma literária, como Trotsky nos faz lembrar, possui um alto grau de autonomia. [...]
Também sobrevivem nas novas formas literárias vestígios das antigas”.58
55
LLOSA, 2004, p. 16.
56
Ibid.
57
LUKÁCS, Georg. Sobre a forma e a essência: carta a Leo Popper (1910). A alma e as formas. Belo
Horizonte: Autêntica, 2015. p. 37-41.
58
EAGLETON, Terry. Marxismo e crítica literária. São Paulo: Unesp, 2011. p. 53.
59
Ibid., p. 53-54.
204
60
DALCASTAGNÈ, 2012, p. 93.
61
Ibid., p. 191.
62
Ibid.
205
estar uma calamidade para pedir um dia todo’, pensou ela”.63 Em um restaurante vazio,
deu um tapa na pasta e sentenciou:
63
MORAES, 2012, p. 194-195.
64
Ibid., p. 195.
65
Ibid.
66
PAIM, 1949, orelha.
67
RAMOS apud PAIM, 1949, orelha.
206
Conforme observado por Ilka Machado, em Simão Dias Alina Paim depurou seu
estilo e expôs com mais firmeza o que elegeu como centro de suas atenções: a condição
social das mulheres. Em tom autobiográfico, desenvolveu uma história em que o coletivo
se sobrepôs ao individual, sem prejuízo de personagens fortes e bem construídas.69 As
personagens centrais são mulheres que tiveram suas potencialidades reduzidas pelo estilo
de vida e pelos valores compartilhados na pequena cidade do interior. Como
consequência, viviam angustiadas e submetidas ao elemento masculino – pai ou marido.
O casamento era a única expectativa de suas vidas; caso contrário amargariam a condição
de “solteironas”.
Mas nem todas aceitaram esse lugar com passividade, embora muitas vezes a força
das circunstâncias a fizessem padecer por serem do sexo feminino, como foi o caso de
Maria do Carmo e Luísa, transposições que a autora fez de si mesma com a licença poética
e a coerência da vida fictícia que marcava seu estilo literário. 70 A primeira, uma
adolescente criada pelos avós e mais três tias “solteironas”. Só conhecia carinho quando
estava aos cuidados da tia Luísa. As decepções da vida e a eterna dependência ao pai, um
senhor intransigente cujas vontades deveriam ser sempre satisfeitas, tornaram as tias
amargas e grossas. A menina tornou-se válvula de escape das frustrações, a qualquer
vacilo eram surras e castigos.
Do Carmo não tolerava os maus tratos e desprezava o estilo de vida da pequena
cidade, pequena demais para as suas necessidades objetivas e subjetivas. Desejava um dia
poder abandoná-la. “Se fosse embora, não voltaria nunca. Não. Era preciso voltar um dia,
apenas por algumas horas, para vingar-se de todos”. 71 Contrariando o ideal de
feminilidade, a menina não era doce e tinha dúvidas se desejava realmente casar-se.
“Casar traria mesmo vantagens? Esfregar fundo de panela, pregar botão em roupa, ter
68
RAMOS apud PAIM, 1949, orelha.
69
OLIVEIRA, 1998, p. 19.
70
Para o escritor e crítico literário Antônio Cândido, mesmo sendo herdeiras das ambiguidades da vida, as
personagens possuem contornos bem definidos e definitivos na plena concretização do ser humano
individual, vivendo momentos supremos, perfeitos à sua maneira; bem diferente do “fluir cinzento e
cotidiano da vida empírica, onde as pessoas “de carne e osso” não se apresentam de modo tão nítido e
coerente, nem de forma tão transparente e seletiva. CÂNDIDO, Antônio et. al. A personagem de ficção. 5ª
ed. São Paulo: perspectiva, 1976. p. 45-46.
71
PAIM, 1949, p. 108.
207
filho, mudar fraldas mijadas, ouvir berros: nisto se resumia a sorte de vovó Carolina e de
Comadre Mariana”.72 Ela sonhava em conquistar a vida fora de Simão Dias, ganhar seu
próprio dinheiro, ser independente e “falar grosso”, ser como a tia Luísa.
Tia Luísa não era como Iaiá e Adélia, que engoliam a seco tudo que o
velho [Bernardinho] dizia. Tia Luísa não precisava dele, tinha marido,
loja de sobrado, malhada e dinheiro dela mesma. Não era para conseguir
outra coisa que ensinava no salãozinho. Seria bom ser como tia Luísa.
Ganhar dinheiro e falar grosso.73
72
PAIM, 1949, p. 119.
73
Ibid. p. 80-84.
74
JEAN, Yvonne. Presença da Mulher. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, ano 49, n. 17.347, p. 15, 15 out.,
1949; PAIM, 1949, p. 206.
75
JURANDIR, Dalcídio. Sobre “A Hora Próxima”. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, ano 3, n. 1.657, p.
4, 13 nov. 1955.
208
76
PEREIRA, Astrojildo. O novo romance de Alina Paim. Imprensa Popular, ano 3, n. 1.556, p. 1-2 (3°
caderno), 17 jul. 1955.
77
SALLES, Heráclio. Notas de literatura. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, ano 26, n. 10.554, p. 2
(Suplemento Literário), 14-15 ago., 1955.
78
PAIM, Alina. A Hora Próxima. Rio de Janeiro: Vitória, 1955, orelha.
79
Ibid.
209
classe trabalhadora, não para os “problemas miúdos” do cotidiano. Como foi narrado no
capítulo anterior, no período o partido incitou seus escritores a produzirem literatura com
objetivos sociais revolucionários. “Os ‘heróis positivos’ do proletariado deveriam ser
‘divinizados’ em suas lutas contra a dominação burguesa”.80 Esta era a fórmula estética
numa época em que o sectarismo estabelecia as regras. Junto com outros escritores, Alina
Paim ficou encarregada de escrever um romance verdadeiramente proletário.81 A ela foi
dada a tarefa, prontamente aceita, de documentar uma greve de ferroviários que estourou
por iniciativa das mulheres dos trabalhadores no dia 28 de fevereiro de 1951 na cidade de
Cruzeiro, em São Paulo, e logo se espalhou pelas estações de Minas Gerais (Soledade,
Divinópolis, Itajubá e Três Corações).
O conteúdo central do enredo é o movimento grevista, dando especial atenção ao
protagonismo das mulheres no movimento e ao papel dos dirigentes comunistas na
condução da greve. Embora a narrativa traga a participação de mulheres e homens negros,
a negritude some do cartão de visita. O desenho da capa representa mulheres posicionadas
em frente a um trem num movimento de pará-lo. Todas elas de pele clara e cabelos lisos.
80
MORAES, 2012, p. 251.
81
Segundo Dênis de Moraes, além de Alina Paim outros escritores receberam a tarefa de documentar
eventos operários e transformá-los em romances, entre os quais, Dalcídio Jurandir e Plínio Cabral. Ibid.
210
Sabemos que essa não era – nem é – a cor nem a cara que predominava – e
predomina – na classe trabalhadora brasileira, mas vivendo em um período em que o
debate sobre a invisibilidade e a ausência de representação/representatividade da
negritude ainda não tinha a dimensão de hoje, é possível que a autora não tenha
identificado o problema. Durante o processo de escrita, Alina Paim contou com a
colaboração dos trabalhadores que inspiraram as personagens, que lhe cederam
entrevistas, sugeriram temas e lhe apresentaram pessoas importantes do sindicato dos
ferroviários. 82 A experiência certamente marcou sua vida. Anos depois, em entrevista
concedida em 1979, lembraria com carinho e orgulho do contato direto que teve com os
ferroviários e as mulheres grevistas.
82
A informação aparece em uma das entrevistas que concedeu no período de pré-lançamento do romance.
Segundo declarou: recebi dos ferroviários e de suas companheiras a maior contribuição e estímulo.
Contavam-me sua vida, seus sentimentos, iam buscar velhos [no] bairro ferroviário de Cruzeiro”. UM
LIVRO de luta e de esperança. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, ano 7, n. 1283, p. 3 (Suplemento
Dominical), 22 ago., 1954.
83
GONÇALVES, Isolda. Autora de livros queimados em praça pública rompe silêncio de 12 anos. Diário
de Pernambuco, Recife, ano 154, n. 169, p. 7 (seção D), 24 jun., 1979.
84
SALLES, Heráclio. Notas de literatura. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, ano 26, n. 10054, p. 2
(Suplemento Literário), 14-15ago., 1955.
211
pobre. Nesse momento a personagem “toma um sopro de vida, agora tem nervos, sangue,
memória, é um ser humano de cujo destino participamos, com as suas humilhações e
perplexidades”.85
Alina Paim declarou que escreveu o romance “procurando captar na ação, nos
caracteres, no estilo, a humanidade exuberante do povo brasileiro, no que ele tem de mais
novo e poderoso, o impulso e o crescimento do movimento operário”. 86 Em uma
autocrítica pública, provavelmente estimulada pelo PCB, enfatizou – quase se
desculpando pelo que havia produzido até então – que o novo romance representava um
divisor de águas em sua carreira literária. A mudança teria começado, de acordo com ela,
quando tomou consciência de que “a vida do escritor deve estar ajustada à do militante.
Não há literatura sem partido e sem classe. Sendo assim, coloquei minha arte a serviço
do proletariado e da revolução”.87
O livro saiu três anos após o esperado. A publicação programada para 1952 foi
atrasada em função das críticas do dirigente Diógenes de Arruda Câmara, que não era
especializado em crítica literária e nunca havia escrito uma linha de romance. A autora
teve de modificar a narrativa para garantir sua publicação. Ela não foi a única a sofrer
censuras do partido. De acordo com Dênis de Moraes, “nem a ‘vanguarda intelectual’ se
85
SALLES, Heráclio. Notas de literatura. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, ano 26, n. 10054, p. 2
(Suplemento Literário), 14-15ago., 1955.
86
MEIRA, Mauritônio. Alina Paim (escritora com rosto de adolescente) faz Romance Social com a
participação do povo. Última Hora, Rio de Janeiro, ano 4, n. 999, p. 5-6, 18 set., 1954.
87
Entrevista publicada em Para Todos, n. 7, mar., 1951 apud MORAES, Dênis. O imaginário vigiado: a
imprensa comunista e o realismo socialista no Brasil (1947-53). Rio de Janeiro: José Olympio, 1994. p.
162.
88
MEIRA, Mauritônio, op. cit.
212
esquivou dos dissabores”.89 Dalcídio Jurandir, que em 1952 havia concluído Linha do
Parque, só conseguiu publicá-lo em 1959, sem os rigores do início da década. O escritor
Ariovaldo Matos também sofreu intervenções no romance Corta-Braço que narra uma
invasão de terrenos urbanos em Salvador e só foi editado depois que o autor aceitou
reescrevê-lo construindo a figura do herói positivo ao gosto dos censores.90Atuando como
censor literário, Arruda Câmara matou e ressuscitou personagens de Jorge Amado; tentou
impedir que romances de Alina Paim fossem levados à URSS para tradução; ridicularizou
poetas e novelistas do PCB; trabalhou, sem sucesso, para deixar inéditos manuscritos de
Graciliano Ramos, pois o escritor se recusou a transformar sua arte em instrumento de
propaganda política. Para ele, a literatura era essencialmente revolucionária, portanto, não
precisava virar cartaz.91
Era difícil aplicar o método exportado da URSS à realidade brasileira e ao gosto
dos “analistas” do partido. Alina Paim não conseguiu realizar-se completamente dentro
da fórmula zdanovista. A autora teve de fazer várias mudanças na narrativa devido às
“inconveniências”. 92 Mesmo assim, o final não atendeu as expectativas. Segundo
avaliaram os críticos pecebistas, as ações da greve foram narradas de maneira
empolgante, mas o romance não trazia para os leitores a consciência do proletariado, algo
central no realismo socialista, tampouco construiu personagens comunistas fortes e
expressivas, o que também estava no script da fórmula stalinista. Ademais, pontuaram
que havia muito esquematismo e personagens que pouco se diferenciavam entre si.93
Alina Paim não conseguiu se adequar completamente ao estilo imposto, o que para
Dênis de Moraes seria impossível, pois o realismo socialista “não guardava o menor
parentesco com a realidade brasileira subdesenvolvida”.94 Mesmo assim, os comunistas
consideraram que aquele era o melhor romance da escritora. “Com todos os seus defeitos,
porém, «A Hora Próxima» é um bom romance, o melhor da autora e um dos mais
89
MORAES, 1994., p. 161.
90
MATOS, Ariovaldo. Corta-Braço. 2 ed. Salvador: EGBA; Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1988.
91
MORAES, 2012, p. 249-252.
92
Idem., 1994, p. 162.
93
Em agosto de 1955, Fernando Guedes publicou três textos no jornal Imprensa Popular (ano 8, números
1580 – 14 ago., p. 4; 1584, 19 ago., p. 4 e 1586, 21 ago., p. 5), analisando o romance. Todos com o título
“O novo Romance de Alina Paim”. Além dele, o jornal publicou comentários de outros autores:
JURANDIR, Dalcídio. Sobre “A Hora Próxima”. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, ano 8, n. 1657, p. 4,
13 nov. 1955; HAMPEJS, Zdenek. Um acontecimento significativo na literatura Latino-Americana.
Imprensa Popular, Rio de Janeiro, ano 8, n. 1682, p. 5, 11 dez., 1955; PEREIRA, Astrojildo. Balanço
editorial. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, ano 9, n. 1701, p. 5, 08 jan., 1956.
94
MORAES, 2012, p. 251.
213
significativos do ano que finda”.95 Nos próximos, conforme esperavam, ela superaria os
problemas. Após destacar algumas falhas do romance, “muito naturais em quem está
abrindo um novo caminho” 96 , Fernando Guedes apostou que aquele era o “ponto de
partida de um debate com o qual muito terá a lucrar nossa literatura”.97
A dificuldade da romancista em usar a nova técnica e as deficiências da forma não
ficaram invisíveis aos olhos dos críticos não comunistas, menos otimistas sobre o
progresso da autora dentro do padrão estético importado da URSS. Para Heráclio Salles
o problema não estava na convicção político-ideológica da autora, mas no desprezo de
suas “tendências pessoais”. Para evitar falhas na técnica narrativa que comprometiam a
realização literária seria mais prudente que a autora evitasse “entrar em domínio que não
é o seu”.98 Em sua concepção, Alina Paim era bem-sucedida quando mantinha a técnica
da construção da alma das personagens através do mergulho em suas memórias,
característica dos seus primeiros romances. Mas ao que parece, como vimos linhas acima,
os trabalhadores que se tornaram personagens gostaram de se ver representados. A autora
foi uma das homenageadas no IV Congresso Ferroviário, realizado em Campinas no
mesmo ano da publicação do romance, experiência que marcou sua carreira. Conforme
declarou em entrevista, aquela foi “a coisa mais estupenda de minha vida de escritora”.99
Ao final da palestra, o beijo que um trabalhador lhe deu na mão direita certamente coroou
o momento de alegria.
Ainda que não tenha atendido completamente as expectativas dos
“companheiros”, A Hora Próxima foi traduzido na Rússia e na China. A autora – junto
com Maria Alice Barroso, Jorge Amado, Caio Prado Júnior, José Lins do Rego, Josué de
Castro, Érico Veríssimo, Afonso Schmidt, Graciliano Ramos – figurou na lista dos
autores brasileiros mais traduzidos na União Soviética. 100 Mas as glórias vieram
acompanhadas de complicações com a polícia do estado de São Paulo. Sua presença no
movimento grevista lhe rendeu um mandado de prisão expedido pelo Juiz da comarca de
Cruzeiro e a mira do DOPS-SP, que logo em seguida abriu um prontuário para registrar
95
JURANDIR, Dalcídio. Sobre “A Hora Próxima”. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, ano 8, n. 1657, p.
4, 13 nov. 1955.
96
GUEDES, Fernando. O novo romance de Alina Paim. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, ano 8, n. 1580,
p. 4 (2° caderno), 14 ago., 1955.
97
Ibid.
98
SALLES, Heráclio. Notas de literatura. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, ano 26, n. 10054, p. 2
(Suplemento Literário), 14-15ago., 1955.
99
GONÇALVES, Isolda. Autora de livros queimados em praça pública rompe silêncio de 12 anos. Diário
de Pernambuco, Recife, ano 154, n. 169, p. 7 (seção D), 24 jun., 1979,
100
BRASILEIROS: lemos os seus livros na Rússia. Leitura, Rio de Janeiro, n. 59, p. 32-33, mai., 1962;
TRÊS notáveis escritores soviéticos visitaram o brasil. Leitura, Rio de Janeiro, n. 67, p. 61, jan., 1963.
214
seus passos. Ela não chegou a ser presa. 101 Quando o mandado foi expedido já se
encontrava no Rio de Janeiro. O partido e o movimento de mulheres se mobilizaram
amplamente contra a arbitrariedade.102
Aparentemente, quando o romance A Hora Próxima foi publicado, Alina Paim já
era mãe. Por volta de 1952 ela engravidou.103 As demandas da maternidade, somadas às
outras atividades da vida, como o trabalho no partido e na rádio provavelmente
contribuíram para que a escritora desacelerasse o ritmo de trabalho. Como era – e é
comum – os cuidados com os filhos recaíam e recaem muito mais sobre as mães. Maternar
envolve doação e muito trabalho. Os cuidados com a criança não são “simplesmente uma
série de comportamentos, mas participação num relacionamento interpessoal, difuso e
afetivo”.104 Foi preciso dar um tempo. Seu próximo romance só seria publicado em 1961,
embora tenha sido anunciado em 1957 sob o título “A telha de vidro”.105
101
A cópia do mandado de prisão foi anexada ao Prontuário 107813, Alina Paim, 16 mar., 1951. Arquivo
Público do Estado de São Paulo, Departamento de Ordem Política e Social, DEOPSSPA007709.
102
AMEAÇADA de prisão a romancista Alina Paim. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, ano 4, n. 654, p. 1,
29 mar., 1951; O “UKASE” contra Alina Paim. Imprensa Popular, Rio de Janeiro, ano 4, n. 655, p. 3, 30
mar., 1951; A ORDEM de prisão contra Alina Paim. Voz Operária, Rio de Janeiro, ano 3, n. 98, p. 3, 07
abr., 1951; NOSSA solidariedade a Alina Paim. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 86, p. 8, abr.,
1951.
103
Não tenho muitas informações sobre a vida privada de Alina Paim. Sei que ela teve duas filhas: Luísa e
Teresa. Sabemos que Alina Paim engravidou da primeira filha nove anos após o casamento, portanto, em
1952.
104
CHODOROW, Nancy. Psicanálise da maternidade: uma crítica a Freud a partir da mulher. Rio de
Janeiro: Rosa dos Temos, 1990. p. 53.
105
“A romancista Alina Paim acaba de concluir um novo livro, seu quinto romance, que tem o nome de ‘A
telha de vidro’. Explicando a simbologia do título, a romancista disse-nos que a telha de vidro, muito usada
no interior, é o lugar por onde entra a luz nas casas escuras”. A HORA Próxima em Russo. Leitura, Rio de
Janeiro, ano 15, n. 5, p. 72, nov., 1957.
215
106
MORAES, Santos. Gazetilha Literária. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, ano 134, n. 198, p. 6 (1º
Caderno), 29-30 mai., 1961.
107
PAIM, Alina. Sol do meio dia. Rio de Janeiro: Associação Brasileira do Livro, 1961, p. 154.
216
A imagem é composta por uma mulher de pele clara e cabelos lisos, séria, olhando
de frente. O enquadramento é semelhante às fotos de documento de identidade. Ao fundo,
aparece a pensão, principal cenário do romance. O desenho representa Ester, militante
comunista e uma das principais personagens do romance. Um dos seus lados está
sombreado, o outro iluminado pelo sol. A representação tem a ver com o título. Ao meio
dia o sol não faz sombras, uma metáfora do mundo desejado por Ester: sem sombras,
marcado pela iluminação que aparece ao lado esquerdo da face desenhada. Uma
sociedade sem hipocrisia e “febre de moralidade”.
“A Telha de Vidro”, título inicialmente anunciado, tinha significado similar.
Segundo declarou Alina Paim, nas cidades do interior, as telhas de vidro eram muito
utilizadas nas casas para servir de entrada de luz. 108 Ester, assim como sua criadora,
observando a fresta deixada por uma telha de vidro que o pai instalou em seu quarto,
percebeu que “na hora do meio dia a luz ficava em pé. [...] Mais tarde descobriu que na
vida também é preciso fender a escuridão com telhas de vidro”.109
Assim como A Hora Próxima, Sol do Meio Dia circulou internacionalmente. Foi
traduzido na Bulgária em 1963, e na Alemanha em 1968. A narrativa, embora continue
apostando no comunismo como redentor da humanidade, se desprendeu do realismo
socialista e ousou questionar as prioridades revolucionárias, bem como o lugar que as
demandas feministas ocupavam na luta de classes. O romance é mais um indício que
informa sobre a circulação do debate feminista no Brasil entre as duas primeiras ondas.
Esther, uma das personagens centrais, assim como sua criadora, era comunista e
“moça do norte”.113 Ambas saíram do interior de Sergipe para morar na então Capital
Federal. No entanto, diferente de Alina Paim, Ester não era de Estância, mas de
Paripiranga, e não chegou ao Rio de Janeiro casada, mas em busca de crescimento
profissional. Morando na Capital Federal, passou momentos difíceis. Como a autora,
passou alguns meses internada no manicômio e foi filiada ao PCB. Quando entrou no
partido, era quente na memória de Ester os “vultos de mulheres tristes”, “a infinita
procissão de solteironas” de Paripiranga. Elas apareciam como “um pesadelo que não se
desvencilhava inteiramente”.114 Por isso, no primeiro pichamento que fez como militante
comunista teve vontade de se rebelar contra aquela situação.
A passagem traz uma aspiração da romancista – a luta pela liberdade das mulheres,
fossem elas casadas ou “solteironas”. De acordo com a narrativa, por muito tempo o PCB
112
AMADO, Jorge. Prefácio apud PAIM, 1961, p. 8.
113
No tempo da escrita a expressão era utilizada para se referir as pessoas do Norte-nordeste. Para uma
discussão sobre o processo de construção de sentidos o “Nordeste” e o “nordestino” cf. ALBUQUERQUE
JUNIOR, Durval Muniz. A invenção do Nordeste e outras artes. 4ª ed. São Paulo: Cortez, 2018.
114
PAIM, 1961, p. 33.
115
Ibid., p. 33-34.
218
tratou a questão como “desvio feminista” – “‘A companheira tem desvio feminista –
disse-lhe certa vez o secretário político”.116 Esther não reagiu. O fuzilou com os olhos e
controlou o impulso de gritar-lhe: “Conheça melhor as companheiras. Pontifique menos
e enxergue mais”.117 Além de pejorativamente rotulada de feminista, no partido, Esther
era discriminada por ser intelectual. Certa vez, ouviu de um dirigente: “Vocês intelectuais
pequeno burguesas embelezam a realidade, têm teias de aranha na cabeça”.118 A frase lhe
deixou confusa e desapontada: “Por que existia a dúvida contra ela? Tinha culpa se
aprendera a ler, estudara, traduzia francês, encontrava-se por trás de um teclado ao invés
dos pentes de um tear?”.119
Analisando as advertências e preconceitos de outrora, Esther não mais aceitaria
anular suas ideias – e aqui está o impacto de 1956 e as críticas que vieram depois
relacionadas ao lugar que os literatos e artistas ocupavam na cúpula partidária. Segundo
Dênis de Moraes, a camisa de força ideológica e às exigências impostas aos militantes,
sobretudo nos tempos do zdnovismo, marginalizaram os escritores e artistas do centro
partidário. Geralmente, suas atividades estavam ligadas aos movimentos culturais e
políticos que serviam para cobertura legal do PCB, conferências, congressos, publicações
e assinaturas de manifestos. O grupo não ascendia à alta cúpula dirigente.120
Havia chegado a hora de não se envergonhar por ser intelectual e por colocar a
luta pela liberdade das mulheres no centro da militância. Conforme as histórias vão se
desenrolando, a narradora aponta quais são as grandes sombras que atrapalhavam a
entrada de luz na vida das pessoas: a desigualdade de classes e a “febre da moralidade”,
que impediam as pessoas, sobretudo as mulheres, de “defenderem a própria
personalidade”.121 Era preciso romper com o “falso pudor diante das coisas que realmente
emocionam”.122 As duas grandes sombras eram responsáveis por encobrir a possibilidade
de uma vida plena, na medida em que limitava a realização pessoal dos indivíduos presos
às aperturas materiais e às convenções morais.
Ao fazer esta simbiose, a narradora deixou evidente que o pessoal é tão político
quanto a estrutura econômica responsável pelas discrepâncias sociais. O romance foi bem
recebido pelos críticos literários, embora poucos textos tenham sido escritos sobre ele.
116
PAIM, 1961, p. 93.
117
Ibid.
118
Ibid., 169.
119
PAIM, 1961, p. 170.
120
MORAES, 2012, p. 249.
121
PAIM, op. cit., p. 271.
122
Ibid.
219
Nos poucos comentários que localizei, no geral, Sol do meio dia foi bem avaliado.
Considerado com menos defeitos que os livros anteriores, elogiaram o amadurecimento
literário da autora. “Com aquela sua maneira, bem feminina, de ver e narrar, com a finura
e uma linguagem de quem sabe nos comover profundamente”.124 No entanto, a maneira
“bem feminina” da narrativa desagradou a Assis Brasil. Pouco afeito às criações literárias
de mulheres e carregado dos preconceitos antifeministas, lamentou que no Brasil as
literatas abusavam de “veleidades literárias” e “casinhos domésticos”. Pior era a literatura
“que quer se passar por feminista, por (apenas) esboçar reação em face aos conflitos
sociais”. 125 Conforme avaliou, o surgimento das escritoras, especialmente a partir de
1930, não tinha importância alguma para a literatura do país. Elas formavam, “talvez,
uma espécie de marginalismo, de eclosão espontânea, para só então aparecerem as
romancistas, ou as ficcionistas de valor comprovado. O que existe de bom – muito pouco
– é ainda encarado como exceção.”126 Enquadrando Alina Paim na caixa da literatura
feminista – “esta mais feminista que as outras”127 – o crítico, em um tom provocativo,
definiu Sol do Meio Dia como “sintomático feminino em luta contra seu temperamento
romântico”.128
Com o evidente objetivo de desqualificar o tom feminista da obra e, em alguma
medida, naturalizar o feminino, Assis Brasil declarou que o esforço de Alina Paim em
construir um outro lugar para as mulheres não foi bem-sucedido. Em sua interpretação,
ela não conseguiu superar o “romantismo de normalista” quando tentou levar para o
centro da narrativa os problemas políticos que o país passava. Talvez, para o autor, a
123
FILHO, Adonias. A crítica literária. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, ano 32, n. 11.847, p. 2 (Segunda
seção), 28 jun., 1961.
124
JURANDIR, Dalcídio. Três Livros. Novos Rumos, Rio de Janeiro, ano 3, n. 120, p. 5, 23-29 jun., 1961.
125
BRASIL, Assis. Literatura feminista (2). Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, ano 71, n. 211, p. 2
(Suplemento Dominical).09 set., 1961.
126
Ibid.
127
Ibid.
128
BRASIL, op. cit.
220
129
BRASIL, Assis. Literatura feminista (2). Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, ano 71, n. 211, p. 2
(Suplemento Dominical).09 set., 1961.
130
PAIM, Alina. A Carta. Leitura, Rio de Janeiro, ano 19, n. 43, p. 22-23, jan./fev., 1961. O conto é um
fragmento do romance O Círculo, terceiro volume da trilogia de Catarina.
131
A contracapa de A Casa da Coruja Verde, publicado em 1962 traz a informação de que “O Duelo de
Catarina” estava “em preparo”. PAIM, 1962.
132
JURANDIR, Dalcídio. Menina Órfã em colégio de Freira: A trilogia de Alina Paim. Diário de Notícias,
Rio de Janeiro, ano 36, n. 13.303, p. 2 (Suplemento Literário), 03 abr., 1966.
221
Ao velar o sono de sua filha de dois anos que ardia em febre, Catarina faz uma
catarse ao rememorar toda a vida em suas diferentes fases. Em O Sino e a Rosa revelou a
infância vivida no convento da Santa Casa de Misericórdia de Salvador, onde foi deixada
na roda dos expostos. O título faz referência a um castigo injusto que a protagonista sofreu
no convento, ficando três dias embaixo de um sino, um cubículo apertado – ela mal podia
estirar as pernas – e sem iluminação. Ali desabrochou como uma menina de convicções
fortes que não se dobrava diante de injustiças, mesmo quando exposta a situações de
sofrimento físico e psicológico.134
A Chave do Mundo se refere ao momento em que ela extrapola os muros do
convento, evidenciando a trajetória da protagonista na adolescência. Nessa fase ela vai
passar uma temporada na mansão de um casal burguês localizada no Corredor da Vitória,
área nobre de Salvador. Vitória, mais conhecida como Madame Jordão, e Maurício, um
jovem engenheiro, pretendiam adotá-la, plano frustrado pela paixão, em alguma medida
correspondida, de Mauricio por Catarina, menina no auge dos seus 14 anos, recém-
chegada à adolescência.135
No último, O círculo, a protagonista é internada num sanatório na cidade de
Salvador após um ataque decorrente de uma tentativa de suicídio com doses excessivas
de remédios. Ela acabara de completar 20 anos e foi acometida por uma crise existencial.
No sanatório Catarina fez um balanço da própria vida, costurando todas as experiências
e dando sentido a elas. O título faz referência ao processo de abertura dos
“compartimentos selados”, concluído na noite de vigília acompanhando a filha doente,
quando ela deu um giro de 360° em torno de si própria. No processo, juntou retalhos de
si, “emendando a porcelana que o mundo trincou e o tempo desprendeu em mil
pedaços”.136
133
FILIZOLA, Wania. Alina Paim, a vencedora. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, ano 34, n. 13080, p. 6
(Suplemento Literário), 11 jul., 1965.
134
PAIM, Alina. O sino e a rosa. v. 1. Rio de Janeiro: Lidador, 1965.
135
Idem. A chave do mundo. v. 2. Rio de Janeiro: Lidador, 1965.
136
Idem. O círculo. v. 3. Rio de Janeiro: Lidador, 1965. p. 158.
137
Ibid., p. 168.
222
138
PAIM, O círculo, 1965, p. 157.
139
CÂNDIDO, Antônio et. al. A personagem de ficção. 5ª ed. São Paulo: perspectiva, 1976. p. 45-46.
140
FILIZOLA, 1965, p. 6.
223
141
FILIZOLA, 1965, p. 6; JURANDIR, Dalcídio. Menina Órfã em colégio de Freira: A trilogia de Alina
Paim. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, ano 34, n. 13.303, p. 2 (Suplemento Literário), 03 abr., 1966, p.
2; CAVALCANTI, Valdemar. Jornal Literário. O Jornal, Rio de Janeiro, ano 47, n. 13.673. p. 2 (2°
Caderno), 27 abr., 1966.
142
FILIZOLA, op. cit., p. 6.
143
BONFIM, 1979, p. 1.
144
CAVALCANTI, Valdemar apud PAIM, Alina. A Correnteza. Rio de Janeiro: Record, 1979, orelha.
145
Ibid.
224
já passaram dos cinquenta anos. Não tem apenas uma personagem central e a história é
contada sob as diferentes perspectivas dos sujeitos, fato que contribuiu para humanizá-
los, na medida em que evidencia a complexidade das relações sociais e os diferentes
sentidos que os acontecimentos adquirem a depender do lugar que a pessoa ocupa no
desenrolar da história. Segundo declarou em entrevista concedida a Beatriz Bonfim, o
título sugere um jogo de memória.
Como disse, depois da publicação de Flocos de Algodão, Alina Paim ficou treze
anos sem lançar novo livro; ela que, desde o primeiro romance não passava mais de cinco
anos sem contar uma nova história, além de escrever novelas infantis para um programa
radiofônico da Rádio do MEC. Quando perguntada sobre os motivos da ausência,
respondeu:
146
BONFIM, 1979, p. 1.
147
Ibid.
225
148
PROFESSORES do Rio apoiam manifesto de paulistas. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, ano 87, n. 50,
p. 20 (1° caderno), 28 mai., 1977.
149
BONFIM, 1979, p. 1.
150
MARQUES, Núbia apud PAIM, Alina. A sétima Vez. Aracaju: Fundesc, 1994, orelha.
226
centrada nos dilemas das mulheres, para os problemas de exclusão e invisibilidade dos
idosos. Numa narrativa emocionante, evidenciou os dramas de uma fase da vida em que
o ser humano é percebido como estorvo. Curiosamente, este é o único romance em que o
protagonista é um homem.
Diferente de todos os outros, os “problemas femininos” saíram do centro da
narrativa. Os anteriores, publicados de 1944 até 1979, salvaguardadas as diferenças,
tiveram uma presença marcante de mulheres que questionavam as normas sociais
estabelecidas para o gênero, inclusive a literatura infanto-juvenil, a exemplo da curiosa,
inteligente e corajosa Catita, a menina que “sempre se arranja”151, personagem dos livros
A casa da Coruja Verde e Luzbela vestida de Cigana, publicados em 1962 pela editora
Conquista.152
No entanto, Alina Paim nunca se assumiu feminista, embora as características das
suas personagens e seu engajamento no movimento por emancipação das mulheres tenha
contribuído para que seus contemporâneos assim lhe percebessem. Entrevistada em
diferentes momentos de sua vida, a pergunta sobre sua relação com o feminismo quase
sempre aparecia. Até 1979 ela negou pertencimento. Admitia que o “problema da mulher”
era central em suas preocupações políticas, mas entendia o feminismo como um
movimento que descolava a luta das mulheres das demais – “Claro que sou favorável à
afirmação da mulher, mas não em contraposição ao homem. O problema da mulher não
é isolado, como nenhum outro”.153 Não se sentia feminista “no sentido de lançar a mulher
contra o homem, não. Os dois têm de marchar lado a lado. Sou a favor do ser humano,
isso sim”.154
Mas as mudanças de sentido pelas quais a palavra passou transformou também
suas respostas. Trinta anos depois, quando lhe foi feita a mesma pergunta ponderou: “se
sou feminista não sei, mas sei que sou verdadeira. A verdade é o meu grande
compromisso. Estou sempre do lado da verdade, e se isso é ser feminista, então eu sou”.155
Flutuando conforme as mudanças de contexto e significados atribuídos as palavras, em
2009 Alina Paim já permitia ser considerada feminista, ainda que com ressalvas; diferente
da década de 1970 em que ela dispensou o adjetivo. O relativo consenso sobre o
151
PAIM, Alina. A casa da coruja verde. Rio de Janeiro: Conquista, 1962. p. 37.
152
Ibid.; PAIM, Alina. Luzbela vestida de cigana. Rio de Janeiro: Conquista, 1962.
153
BONFIM, 1979, p. 1.
154
GONÇALVES, 1979, p. 7.
155
Entrevista concedida a Ana Maria Leal Cardoso, fev., 2009, Campo Grande, MS apud CARDOS, Leal.
A obra de Alina Paim. Interdisciplinar, Aracaju, ano 4, v. 8, p. 35-45, jan./jun., 2009. p. 37.
227
156
Inspirado em Maurice Halbwachs, Michael Pollak advertiu que embora pareça um fenômeno individual,
a memória também deve ser compreendida, sobretudo, como um fenômeno coletivo e social, “como um
fenômeno construído socialmente e submetido a flutuações, transformações e mudanças constantes”.
POLLAK, Michael. Memória e identidade social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, p. 200-
212, 1992. p. 202.
157
PAIM, 1949, p. 207.
228
psicologia em linha reta. Sem curvas e ziguezagues, amor e flores, a mulher se torna um
monstrengo de saias”.158 Em grande parte de seus romances, as protagonistas, mesmo que
críticas ao modelo de casamento que “escravizava” as mulheres, sonhavam com o
“príncipe encantado”, homem que não lhes diminuiriam o desenvolvimento pessoal.
Marina apostava suas fichas em Paulo, jovem médico diferente de todos os homens que
conhecia. Rachel e Leonor também tinham seu par perfeito, ainda que a segunda
desafiasse as normais morais por ter se apaixonado por um homem casado. Livre da
“escravidão afetiva”, Luísa sonhava em encontrar alguém com quem pudesse construir o
“verdadeiro” matrimônio. “Em seu projeto de felicidade havia lugar para o homem,
desejo de um companheiro”.159 Ester projetou sua vida ao lado de Osvaldo, homem que
sabia aceitá-la “sem indagações e censuras”.160
O modelo projetado por Alina se distanciava do príncipe protetor e provedor que
circulava nos contos de fadas. O homem ideal, em parte, não correspondia à
masculinidade hegemônica. A fabulação tem uma perspectiva feminista. No que diz
respeito às “solteironas”, leia-se, mulheres que não casavam, foram construídas como
mulheres tristes, deprimidas e dependentes do pai. Aí entra uma ambiguidade: as
narrativas não deixam evidente se elas eram tristes simplesmente porque não casaram, ou
porque havia uma cultura que impunha às mulheres o casamento como destino, o que
impedia a muitas buscarem outras alternativas para a realização pessoal e o encontro com
uma vida feliz.
As contradições inerentes em todas as experiências humanas não nos impedem de
reconhecer em Alina Paim uma escritora que contribuiu para o movimento e o
pensamento feminista. Aos 91 anos, na manhã do dia 28 de fevereiro de 2011, mais
precisamente às 10h:13 min ela fechou a última página. A escritora de tantas histórias
marcantes, emocionantes e carregadas de sensibilidade e “assuntos “femininos” se
despediu do mundo real. Na hora da partida, ela estava em casa, na cidade de Campo
Grande, Mato Grosso do Sul.161 A passagem foi silenciosa, sem nenhuma nota de pesar
nos jornais de grande circulação nacional, tampouco nos programas de televisão de
grande audiência. Como herança, deixou as vidas e as ideias vibrantes das suas
personagens que lutaram por um mundo mais justo e igualitário, onde as mulheres não
158
PAIM, 1961, p. 158.
159
Idem., 1949, p. 206.
160
Idem., 1961, p. 66.
161
Certidão de Óbito de Alina Leite Paim, nº 062000155 2011 4 00108 22 0032362 27. Documento
consultado no acervo particular do pesquisador Gilfrancisco.
229
tivessem suas experiências limitadas pelo lugar de gênero, onde ninguém passasse fome
e privações materiais e onde o racismo não carimbasse corpos e vidas negras. A vida das
personagens, guardadas as devidas proporções, se confunde com a da própria autora.
1
CAULFIELD, Sueann. Em defesa da honra: moralidade, modernidade e nação no Rio de Janeiro.
Campinas: Unicamp, 2000. p. 33.
232
1
BRASIL. Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Rio de
Janeiro, DF: Presidência da República [1916]. Disponível em: <
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1910-1919/lei-3071-1-janeiro-1916-397989-publicacaooriginal-
1-pl.html> Acesso em: 31 jun., 2019.
2
CAULFIELD, Sueann. Em defesa da honra: moralidade, modernidade e nação no Rio de Janeiro (1919-
1940). Campinas: Unicamp, 2000. p. 62-64.
233
começou-se a difundir a ideia de que os homens eram incapazes de desempenhar tão bem
as “funções superiores” exercidas pelas mulheres no âmbito doméstico. Exagerava-se “a
incompetência masculina no desempenho das funções superiores por elas exercidas. Não
haveria outro recurso senão abandonar aos últimos as ‘mesquinhas’ ocupações
profissionais e intelectuais”.3
Em que pese a vinculação com o pensamento de que naturalmente homens e
mulheres tinham funções sociais distintas e que aos homens cabia a autoridade, Beviláqua
não considerava que a autoridade do marido deveria anular o princípio jurídico da
igualdade. Todavia, a comissão parlamentar reformulou seu projeto inicial. A versão final
reproduziu as diferenças de gênero, colocando os homens como sujeitos jurídicos
capazes, e as mulheres incapazes. Refletindo “tanto os valores culturais que condenavam
o comportamento sexual ilícito das mulheres, mas não o dos homens, como o
paternalismo tradicional que diluía os princípios liberais de igualdade e
responsabilidade”4, a nova lei civil restringiu a cidadania e a autonomia das mulheres
casadas, dentro e fora do lar. Equiparadas aos menores de 16 anos, legalmente, ficavam
na condição de relativamente incapazes. A lei representava, portanto, uma interdição
institucional do lugar de fala das mulheres.
Tomando como parâmetro o comportamento sexual, a lei reverberava os valores
compartilhados culturalmente que dividiam as mulheres em duas categorias, de acordo
ao comportamento sexual: “honestas” e “desonestas”.5 Caso descobrisse que a esposa não
era mais virgem ou qualquer indício de “desvio sexual” prévio, o marido poderia pedir a
anulação do casamento. 6 Seguindo o mesmo princípio, as filhas “desonestas” ou
“impuras” estavam sujeitas à deserdação, condição que não se aplicava aos filhos.7
Seguindo as tradições do direito canônico e imperial, o direito do livre-arbítrio na
escolha do cônjuge foi mantido, sem direito ao divórcio, em que pese as reivindicações
de alguns juristas, parlamentares e de mulheres, como a jornalista Josefina Almeida de
Azevedo e a advogada Mirtes Campos. O Código previa apenas o desquite, caracterizado
pela separação de corpos e bens sem direito a contrair novo matrimônio. Caso a esposa
3
SOIHET, Rachel. Feminismos e antifeminismos: mulheres e suas lutas pela conquista da cidadania plena.
Rio de janeiro: 7Letras, 2013. p. 30.
4
CAULFIELD, 2000, p. 69.
5
Para aprofundar o debate sobre a circulação dos valores que classificavam as mulheres como “honestas”
ou “desonestas” / “faladas” cf. PEDRO, Joana Maria. Mulheres honestas e mulheres faladas: uma questão
de classe. Florianópolis: EdUFSC, 1994; CAULFIELD, op. cit.
6
Somente em 2002 o Código Civil brasileiro deixou de considerar a ausência de virgindade como causa
legítima para anulação do casamento.
7
CAULFIELD, op. cit., p. 66.
234
fosse pobre e considerada “honesta”, ela teria direito à pensão alimentícia e aos meios de
subsistência para os filhos, mas se mantivesse relações sexuais com outros homens depois
da separação poderia perder este direito.8
No que diz respeito aos filhos fora do casamento, a lei civil proibia o
reconhecimento dos “espúrios”, a exceção dos casos em que os pais voluntariamente
quisessem ou viessem a se casar com a mãe do “ilegítimo”, o que só era possível se ficasse
viúvo, já que o divórcio não estava previsto. No caso dos concubinatos, os filhos naturais
poderiam abrir processo de reconhecimento de paternidade desde que a mãe fosse
considerada “mulher honesta”. Também havia, ainda que raramente, os filhos que
processavam mulheres casadas pedindo reconhecimento de maternidade. “A medida
relembra [...] a prática social de esconder os filhos ilegítimos para proteger a honra das
mulheres e de suas famílias”.9
Sobre as relações matrimoniais, a lei civil estabelecia que cabia aos maridos a
condição de chefes da família, dando ao homem total autoridade em relação às decisões
importantes da vida conjugal e familiar. Considerado o “cabeça do casal”, ele tinha o
dever de proteger, defender e sustentar financeiramente esposa, filhos e filhas; enquanto
elas só poderiam exercer profissão, comerciar, aceitar tutela ou curatela e mandato com a
autorização do “chefe” que, “coerente com a perspectiva patrimonialista que regia a
sociedade conjugal, tudo isso podia fazer sem consultá-la”.10 Até a escolha do domicílio
conjugal, legalmente, ficava a cargo do homem, embora na prática, como enfatizou Nice
Figueiredo, eram as circunstâncias que determinavam essa fixação “e são marido e
mulher, juntos, quem a fazem”.11
Se para tomar posse de um mandato, a esposa precisava de autorização do
cônjuge, que poderia revogá-lo quando bem entendesse, o Código limitava, inclusive, o
pleno exercício dos direitos políticos assegurados no Código Eleitoral de 1932, conquista
dos movimentos feministas das décadas de 1920-1930. Elas também ficavam em
desvantagem no que diz respeito ao poder que tinham na família. As mães eram
destituídas do pátrio-poder, atribuído apenas ao pai. Mesmo viúvas, caso casassem
novamente, ao segundo marido era transferida a responsabilidade legal sobre os filhos
dela.
8
CAULFIELD, 2000, p. 66.
9
Ibid., p. 68.
10
MACEDO, 2001, p. 197.
11
FIGUEIREDO, Nice. O domicílio conjugal. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 18, p. 6, 21
nov., 1947.
235
12
FIGUEIREDO, Nice. O estado civil das mulheres. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 8, p. 7,
12 set., 1947.
13
Idem. Os deveres da mulher casada. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 27, p. 8, 23 jan., 1948.
14
Idem. Os deveres de um marido. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 25, p. 2, 09 jan., 1948.
15
Ibid.
16
Ibid.
17
RESOLUÇÃO sobre a defesa dos direitos econômico-políticos das mulheres. Momento Feminino, Rio
de Janeiro, ano 2, n. 55, p. 8, fev. 1949.
18
FIGUEIREDO, Nice. Os deveres da mulher casada. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 26, p.
2, 16 jan., 1948.
236
Com a sensação de que após a Segunda Guerra Mundial o mundo e o lugar das
mulheres nas relações sociais não eram mais os mesmos, Nice Figueiredo destacou que o
Código Civil não acompanhava as mudanças que vinham se processando no século XX
de forma cada vez mais acelerada. No Brasil, as transformações aconteciam e atingiam
de forma mais direta e perceptível as pessoas dos grandes centros urbanos. Na virada do
século XIX para o XX, o processo de industrialização e urbanização no país ocorreu de
forma desigual espacial e socialmente.
Durante a Primeira República a tradição se inscreveu na modernidade. Novo e
velho confundiam-se. As ruas das grandes cidades ganhavam configurações modernas
inspiradas em modelos europeus, ao mesmo tempo em que conviviam com práticas rituais
e hábitos herdados da escravidão. Além disso, a marginalização – econômica, política,
social e cultural – das camadas populares e dos ex-escravizados convivia com o luxo de
poucos. Além dos paradoxos das cidades, a dinâmica dos grandes centros urbanos se
contrapunha aos demais “Brasis” perdidos nos sertões longínquos ou nas florestas
fechadas. “Brasis” que na verdade eram um só a conviver de maneira ambivalente e
conflituosa. Nesse novo mundo, conviviam muitas temporalidades, marcadas por
cenários contraditórios: sertão e cidade, patrão e empregado, imigrantes e ex-escravos,
homens e mulheres. O poder e o privilégio continuavam nas mãos de poucos: homens
brancos.19
Na década de 1940 as ambivalências não se dissolveram. As desigualdades sociais
e os vários “Brasis” continuaram existindo em que pese os efeitos da Segunda Guerra que
aceleravam o desenvolvimento industrial e urbano. Vivendo as mudanças do período,
Jacinta Passos denunciou em um comício do PCB que a população pobre da Bahia ainda
enfrentava muitas dificuldades ficando à margem das vantagens da “modernização”, a
exemplo do Negro Benedito, “que como estrangeiro, em plena solidão, perdido no meio
do mato, morando numa casa de terra batida, comendo carne-seca com farinha, de pé no
chão, trabalhando sem descanso, sem saúde, sem médico, sem instrução, sem alegria
[...]”.20 Este também era o caso das empregadas dos latifúndios que eram superexploradas
19
SCHWARCZ, Lilia Moritz. População e sociedade. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz. História do Brasil
Nação: A abertura para o mundo (1889-1930), vol. 3, Madrid/Rio de Janeiro: Fundación
MAPFRE/Objetiva, 2012. p. 50-51.
20
O POVO não pode mais ser enganado. O Momento, Salvador, ano 1, n. 37, p. 5, 28 nov., 1945.
237
21
PASSOS, Jacinta. Elegia das quatro mortas. In: PASSOS, Jacinta. Poemas políticos. Rio de Janeiro:
Livraria-Editora da Casa do Estudante do Brasil, 1951 apud AMADO, Janaína (Org.). Jacinta Passos,
coração militante: poesia, prosa, biografia, fortuna crítica. Salvador: EDUFBA/Corrupio, 2010. p. 153.
22
Falar em novas expectativas não implica em dizer que antes as mulheres não tinham aspirações e desejos
próprios. Como demonstrou Elisabeth Badinter, em sociedades em que às mulheres são atribuídas maiores
responsabilidades em relação ao cuidado com os filhos, a mulher casada que tem filhos legítimos “é uma
personagem relativa e tridimensional. Relativa porque ela só se concebe em relação ao pai e ao filho.
Tridimensional porque, além dessa dupla relação, a mãe é também uma mulher, isto é, um ser específico
dotado de aspirações próprias que frequentemente nada têm a ver com as do esposo ou com os desejos do
filho. BADINTER, Elisabeth. Um amor conquistado: o mito do amor materno. São Paulo: Círculo do Livro,
s./a. p. 23.
23
Os dois estiveram abertos ao diálogo tanto com as mulheres da Federação dirigida por Bertha Lutz,
quanto com a Federação de Mulheres do Brasil, participando de eventos e debates promovidos pelas duas
organizações.
238
24
Cf. MARQUES, Tereza Cristina de Novais; MELO, Hildete Pereira de. Os direitos civis das mulheres
casadas no Brasil entre 1916 e 1962. Ou como são feitas as leis. Estudos Feministas, Florianópolis, n. 2, v.
16, p. 463-488, mai./ago., 2008.
25
MACEDO, Elza Deli Veloso. Ordem na casa e vamos à luta! Movimento de mulheres: Rio de Janeiro
1945-1964. Lydia da Cunha – uma militante. 2001. Tese (Doutorado em História) – Instituto de História,
Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2001. p. 196.
26
Ibid., p. 197.
27
RESOLUÇÕES. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 60, p. 4, 30 jun. 1949.
28
INSTALADO o Conselho da Federação de Mulheres. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 4, n.71,
p. 4, 15 jun., 1950; A ASSEMBLEIA e os direitos da mulher. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 5,
n.96, p. 2, out./nov., 1952; SINAL dos tempos a união das mulheres latino-americanas. Momento Feminino,
Rio de Janeiro, ano 8, n. 108, p. 20-21, set./out./nov., 1954; PREPARANDO a Conferência Internacional
239
Seguindo a mesma linha, Iracema Ribeiro que não era atuante na FMB, mas ligada
à cúpula do PCB, defendeu as mudanças legais. Segundo ela, o código era inspirado em
“ideologias retrógradas sobre a pretensa superioridade masculina”. Desse modo, julgou
absurdas as “restrições aos direitos das mulheres”. 31 Por isso, tanto o “movimento
feminino” quanto o PCB deveriam priorizar a luta pela reforma da lei civil que não estava
sintonizada com a realidade de muitas mulheres. Igualmente, Nice Figueiredo
demonstrou que além do descompasso entre a lei civil e a realidade, havia um choque de
princípios entre ela e a própria Constituição de 1946, que assegurava a igualdade de
direitos entre os sexos.32
das Mulheres Trabalhadoras. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 9, n. 115, p. 34, 1955; NA
HISTÓRIA do Trabalho Humano pela primeira vez reúnem-se Mulheres Trabalhadoras do Mundo inteiro.
Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 9, n. 118, p. 21, 1956.
29
A ASSEMBLEIA e os direitos da mulher. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 5, n.96, out./nov.,
1952, p. 5.
30
1ª Assembleia Nacional de Mulheres, op. cit.; A ASSEMBLEIA e os direitos da mulher. Momento
Feminino, Rio de Janeiro, ano 5, n. 96, p. 5, out./nov., 1952; I ASSEMBLEIA Nacional de Mulheres.
Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 7, n. 97, p. 3, dez., 1952.
31
RIBEIRO, Iracema. Sobre o trabalho do Partido Comunista do Brasil entre as mulheres. Imprensa
Popular, Rio de Janeiro, ano 3, n. 1.468, p. 2-4 (3° Caderno), 03 abr., 1955.
32
FIGUEIREDO, Nice. O estado civil das mulheres. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 8, p. 7,
12 set., 1947.
240
33
BRASIL. Lei n° 4.121, de 27 de agosto de 1962. Situação Jurídica da Mulher Casada. Brasília, DF:
Presidência da República [1962]. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1950-
1969/L4121.htm> Acesso em: 29 out., 2019.
34
MACEDO, 2001, p. 198; MARQUES; MELO, 2008, p. 483.
35
BRASIL. Emenda Constitucional n° 9, de 28 de junho de 1977. Brasília, DF: Câmara dos
Deputados/Senado Federal [1977]. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc09-77.htm> Acesso
em: 30 nov., 2019.
36
Idem. Lei n°. 6.515, de 26 de dezembro de 1977, de 26 de dezembro de 1977. Dissolução da Sociedade
Conjugal e do Casamento. Brasília, DF: Presidência da República [1977]. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6515.htm> Acesso em: 30 nov., 2019.
37
Para mais informações sobre a trajetória política de Lydia da Cunha cf.: MACEDO, 2001.
241
38
MACEDO, 2001, p. 198.
39
Ibid., p. 199-204.
242
Para hooks, a crença de que trabalhar fora de casa iria realmente proporcionar
ganhos que garantissem a autossuficiência econômica era restrita às mulheres
economicamente privilegiadas. Pela experiência, as mulheres trabalhadoras já sabiam que
o salário que recebiam era insuficiente para libertá-las.41 Se em termos gerais os salários
da classe operária já eram baixos, ficavam ainda menores quando a profissional era
mulher.
No que diz respeito ao casamento legal, a preocupação com a administração do
patrimônio, e o direito de ocuparem cargos políticos, elementos que compunham as
restrições do Código Civil, as experiências das trabalhadoras pobres também era outra.
Por diversas razões, inclusive de ordem material – oficializar o casamento era caro – não
casavam legalmente, tampouco tinham patrimônio para administrar. Além disso, ocupar
os quadros da política institucional estava muito distante das prioridades da maioria delas,
dada a dinâmica do dia a dia e as necessidades mais urgentes de sobrevivência, como se
alimentar, vestir e sustentar as filhas e os filhos. Por outro lado, parte das mulheres das
camadas médias aspiravam a conquista do poder político institucional. Reconheciam a
importância das conquistas feministas no campo da política, mas reclamavam que na
prática muito deveria ser feito para que ocupassem efetivamente o poder público, seja no
mundo da política, onde eram sub-representadas, seja no mundo do trabalho, onde ainda
se levantavam muitos obstáculos.
O programa da FMB pautou a maior participação das mulheres nos quadros da
política institucional, defendendo a necessidade de “pugnar pela maior participação da
mulher nos cargos legislativos e administrativos do país”.42 Definiu como fundamental
que se respeitasse, coisa que o Estado não vinha fazendo na prática, o direito de livre
40
HOOKS, bell. Feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos,
2019. p. 66.
41
Ibid., p. 67.
42
NOSSO Congresso. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 60, p. 3-4, 30 jun., 1949.
243
43
SINAL dos tempos a união das mulheres latino-americanas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 8,
n. 108, p. 20-21, set./out./nov., 1954.
44
PENSAMENTO da Mulher. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 30, p. 9, 20 fev., 1948.
45
Ibid.
46
Ibid.
244
própria posição de lutas e conquistas”. Não importava “se a tarefa [era] difícil ou se [...]
nada consegui[ssen]. O que importa[va] [era] lutar”.47 No Pleno Ampliado do Comitê
Central do PCB, realizado em março de 1955, Iracema Ribeiro, assim como Ivone
Miranda, lamentou a baixíssima representatividade das mulheres na política pública.
Segundo ela, era “monstruoso que uma parcela considerável, mais de 50%, da população
brasileira, seja mantida à margem dos grandes problemas da nação”.48
A Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, que na década anterior
protagonizou o movimento pelos direitos das mulheres na política institucional, também
se ressentiu da baixa representatividade “feminina” nas esferas do poder público. Para
amenizar a situação, a partir de 1945 a organização tentou concretizar um antigo projeto:
criar um partido exclusivamente composto por mulheres. De imediato, o objetivo foi
frustrado pelas limitações legais. De acordo com a advogada Maria Lourdes Pinto,
consultora jurídica da federação, para que um partido pudesse ser criado era necessário
49
que a legenda tivesse “dez mil eleitores em cinco circunscrições”. Elas não
conseguiriam chegar ao número em pouco tempo. Por isso, resolveram formar um núcleo
eleitoral destinado a trabalhar para eleger “candidatos democráticos e reconhecidamente
feministas”.50
O movimento pela criação de uma Liga Eleitoral Feminina com status de partido
político continuou sendo empreendido pela federação ao longo da década de 1940,
embora não tenha conseguido logro. Mas a tentativa foi importante e a federação criou
meios de atuar nas eleições e na política institucional negociando com as autoridades
públicas a ampliação dos direitos das mulheres. A FBPF sempre assumiu publicamente
seu compromisso com o feminismo. Nas eleições, não deixava de enfatizar “a necessidade
de se trabalhar com os homens que são feministas”, defendendo ao mesmo tempo a
importância de “colocar nas chapas elementos femininos, principalmente nas que tem
probabilidade de eleger, procurando que haja desses elementos em vários partidos”.51
Em que pese as conquistas legais de 1932, mais de uma década depois os grupos
feministas precisaram reivindicar a integração prática das mulheres nos espaços formais
da política pública. A federação de Bertha Lutz o fez assumindo a identidade feminista,
47
PENSAMENTO da Mulher, op. cit.
48
RIBEIRO, 1955, p. 2-4.
49
Livro de Atas, vol. 5, p. 11. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, Fundo da Federação Brasileira pelo
Progresso Feminino, Rio de Janeiro. Código de Referência BR AN, RIO Q0. ADM, EOR.SEC, TXT.2, v.5.
50
Ibid., p. 14.
51
Ibid., p. 20-21.
245
o que significa dizer que nem em termos nominais o feminismo saiu de cena entre as
supostas primeira e segunda ondas feministas.
Ainda no campo da esfera pública, a crítica sobre o não cumprimento das leis no
mundo do trabalho compôs o repertório do debate feminista. Como demostrou Gláucia
Fraccaro, no início do século XX as próprias operárias reivindicaram direitos que lhes
assegurassem melhores condições de trabalho e salários. 52 O movimento da FMB,
embora dirigido por mulheres brancas das camadas médias, sobretudo profissionais
liberais, colocou como prioridade a defesa dos direitos das trabalhadoras das camadas
populares, entre as quais operárias, camponesas e empregadas domésticas, categorias que
marcaram presença no campo do feminismo de orientação comunista.
A Federação de Mulheres do Brasil estabeleceu em seu programa a necessidade
de fazer valer a aplicação em todo o país da lei que previa a igualdade salarial, sem
distinção de sexo, para pessoas que desempenhassem a mesma função e em iguais
condições; defendeu a criação de dispositivos legais que impedissem que as mulheres
fossem dispensadas do trabalho quando casassem, noivassem ou engravidassem; sugeriu
às mulheres que se organizassem em campanhas para fazer valer a assistência aos filhos
das trabalhadoras mediante a criação de lactários, creches, escolas maternais etc., em
todos os estados, procurando levar realmente essa assistência a zona rural; e pontuou que
era fundamental trabalhar para obter uma legislação que fixasse direitos e deveres que
regulassem a relação das empregadas domésticas e suas patroas.53
No que diz respeito ao trabalho noturno, defendeu que se cumprisse a legislação,
no sentido de impedir que as mulheres trabalhassem entre 22 e 5 horas da manhã,
salvaguardada algumas exceções. O Decreto do Trabalho das Mulheres liberava aquelas
empregadas junto com outros membros da família; as funcionárias em que a interrupção
do serviço prejudicasse o funcionamento normal do estabelecimento; ou ainda as
mulheres cuja interrupção da atividade tivesse como consequência a perda de produtos
perecíveis; bem como as que ocupavam postos de trabalho na área da saúde: hospitais,
clínicas, sanatórios e manicômios; as incumbidas de tratamento de enfermos e aquelas
52
Cf. FRACCARO, Gláucia. Os direitos das mulheres: feminismo e trabalho no Brasil (1917-1937). Rio
de Janeiro: FGV, 2008. p. 21-35.
53
NOSSO Congresso. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 2, n. 60, p. 3, 30 jun., 1949; RESOLUÇÕES
do Congresso Nacional Feminino. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 2, n. 61, p. 4, 30 ago. 1949.
246
54
FRACCARO, 2018, p. 192-193.
55
MONTENEGRO, Ana. Direitos da mulher. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 9, n. 115, p. 34,
1955.
56
PASSOS, Jacinta. Só unidas as mulheres resolverão seus problemas [Entrevista]. O Momento, Salvador,
ano 1, n. 40, p. 3, 10 dez., 1945.
57
FRACCARO, op. cit., p. 193-195.
247
por lei em virtude de sexo, raça, estado civil, classe social, ou crença religiosa”. Era
preciso que fosse “expressamente reconhecido o texto da carta das Nações Unidas
assinada pelo Brasil em S. Francisco que estabelece a igualdade absoluta de direitos para
os sexos”.58 Nem a regulamentação da aposentadoria, que conferia às mulheres um tempo
menor de serviço quando comparadas aos homens, deveria ser diferenciada. Esses
argumentos não levavam em consideração a realidade de mulheres que, na prática,
cumpriam uma jornada de trabalho exaustiva nas fábricas e em casa não contavam com a
distribuição do trabalho com os homens, fossem eles maridos, pais, filhos ou irmãos;
tampouco com o serviço, ainda que muito baratos, de empregadas domésticas. Mesmo
recebendo baixíssimos salários, boa parte das famílias da classe trabalhadora não tinham
condição de contratá-las.
O lugar de gênero e os valores culturais atribuídos às funções sociais de homens
e mulheres traziam implicações para as trabalhadoras. Fossem elas das camadas populares
ou médias, recebiam salários menores e, em diferentes proporções, sofriam com a falta
de assistência à maternidade e à infância, além de estarem expostas aos assédios morais
e sexuais. Iracema Ribeiro relatou os problemas:
58
5ª Convenção Nacional Feminina convocada pela Federação Brasileira pelo Progresso Feminino.
Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, Fundo da Federação Brasileiro pelo Progresso Feminino. Código de
Referência: BR RJANRIO Q0.ADM, EVE. COV.16. p. 1.
59
RIBEIRO, 1955, p. 2-4.
60
Ibid.
248
Apesar de viverem com menos privações materiais, a vida das mulheres de classe
média também não era um mar de rosas. “Difícil é a vida das comerciárias, funcionárias
públicas, bancárias, etc. Ganhando salários que mal chegam para sua subsistência, são
obrigadas, pela natureza de sua profissão, a apresentar-se sempre bem vestidas e bem
calçadas”.61 Elas também não dispunham de creches ou jardins de infância “onde possam
deixar os filhos nas horas de trabalho”. Mas diferente das trabalhadoras pobres, aquelas
com salários menos baixos tinham a possibilidade de “pagar mensalidades exorbitantes
em estabelecimentos particulares”. Caso recebessem salários mais modestos eram
“levadas a deixar seus filhos entregues aos cuidados de pessoas inexperientes”.62
As mulheres das camadas médias também estavam vulneráveis ao assédio no
mundo do trabalho, situação que virou tema na literatura de Alina Paim. Em Sol do Meio
Dia, Ester se sentiu constrangida ao perceber que o corpo e o “poder de sedução” eram
critérios para a escolha das mulheres no mercado de trabalho. Percebeu que na busca por
emprego elas tinham seus corpos erotizados:
61
RIBEIRO, 1955, p. 2-4.
62
Ibid.
63
PAIM, Alina. Sol do meio dia. Rio de Janeiro: Associação Brasileira do Livro, 1961. p. 93.
249
condições, sentindo falta do mais necessário para seu conforto. E nas fábricas quase
sempre receb[iam] salário inferior ao dos operários”.64
64
PASSOS, Jacinta. Só unidas as mulheres resolverão seus problemas [Entrevista]. O Momento, Salvador,
ano 1, n. 40, p. 3, 10 dez., 1945.
65
Aqui me refiro exclusivamente ao problema das empregadas domésticas que compõem um grupo maior
do chamado emprego doméstico, que inclui serviços diversos, desde os relacionados à limpeza, cuidado de
crianças e idosos, até atividades de portaria, motorista, entre outras. No campo do emprego doméstico
também há hierarquias de gênero. O trabalho geralmente realizado por homens (motorista, porteiro etc.)
quase sempre é regulamentado e formalizado, ao contrário do que acontece com as mulheres (lavadeiras,
empregadas domésticas, cuidadora de idosos).
66
Como pontuou Thelma Guedes, Parque Industrial é um romance ligado à tradição realista. Seu foco
narrativo são as difíceis condições de vida do proletariado de São Paulo na década de 1930. O enredo
denuncia o modo de vida dos ricos – classe burguesa e aristocrática do café. Para tanto, instrumentaliza
“sofisticados expedientes estéticos, nascidos no seio desse mesmo grupo privilegiado a ser combatido, ou
seja, recursos provenientes do legado modernista”. GUEDES, Thelma. Pagu: Literatura e Revolução: um
estudo sobre o romance Parque Industrial. São Paulo: Ateliê Editorial/Nankin Editorial, 2003. p. 42-43.
67
LOBO, Mara. Parque industrial. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006. p. 76-78.
250
68
De acordo com Eliana Batista, na década de 1930, durante o primeiro governo de Getúlio Vargas, a
admissão do “voto feminino” se constituiu em uma pauta recorrente nos jornais, encontrando diferentes
questionamentos tanto por parte do governo quanto da oposição. “Desde o início da República se discutia
no Brasil se o ‘belo sexo’ era dotado de autonomia necessária exigida a um corpo eleitoral”. BATISTA,
Eliana Evangelista. A Bahia para os baianos: acomodação e reação política ao governo de Getúlio Vargas
(1930-1937). 2018. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2018. p. 239.
69
ABREU, Edith Mendes da Gama. Restrições inaceitáveis apud VIEIRA, Cláudia Andrade. Mulheres de
elite em movimento por direitos políticos: o caso de Edith Mendes da Gama e Abreu. 2002. (Dissertação)
– Mestrado em História – Faculdade de História, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo,
2002. p. 108.
251
políticas contavam com o trabalho das empregadas domésticas, cuja remuneração era
baixíssima.70 Como vimos no quarto capítulo, isso também podia ser comum entre as
comunistas. A relação patroa e empregada é atravessada por uma série de problemas
decorrentes de um pacto desigual entre mulheres, voltaremos a isto mais adiante.
A comunista Jacinta Passos contou com empregadas domésticas em algumas fases
de sua vida, mas era um tipo de emprego que parecia incomodá-la. Tanto que usou a
ficção para idealizar um mundo em que essa exploração deixasse de existir. No universo
comunista, “o progresso de uma” não custaria “o atraso de muitas”.71 Alina Paim também
usou a literatura para demonstrar como a amenização do trabalho doméstico para umas
mulheres só era possível mediante a exploração de outras. Em praticamente todos os seus
romances aparecem personagens que são empregadas domésticas, todas negras. Em uns,
de maneira inexpressiva, com falas pontuais, apenas como parte do cotidiano das famílias
das camadas médias, como é o caso de Sinhá Ernestina, de Estrada da Liberdade e Joana
de Sol do Meio Dia; em outros elas ganham voz e demonstram ter consciência da
exploração ao qual estavam submetidas, a exemplo de Maria Pequena de Simão Dias, que
mesmo morando longe se recusava a dormir no emprego ou morar perto das patroas.
70
SOIHET, Rachel. Feminismos e antifeminismo: mulheres e suas lutas pela conquista da cidadania plena.
Rio de Janeiro: 7Letras, 2013. p. 95.
71
PASSOS, Jacinta. Uma história de três mães. Caderno 2, 1967 apud AMADO, 2010, p. 237.
72
PAIM, Alina. Simão Dias. Rio de Janeiro: Casa do Estudante do Brasil, 1949. p. 7.
73
Ibid., p. 16.
252
havia creches – para lavar as roupas de mulheres que provavelmente não enxergavam
quão difícil e miserável era aquele dia a dia.
Aquelas mulheres lavavam desde quando o sol subia no céu, até quando
ele se escondia no lado oposto. Ali mesmo cozinhavam o feijão. Aqui
e acolá, nas trempes de paralelepípedos, alguns pedaços de tábuas
crepitavam, cozinhando o feijão magro em latas negras de sujo. As
mulheres tinham o suor a escorrer pelo rosto, e quando se inclinavam,
Marina pela gola da camisa de ombros largos, única peça de roupa que
havia sobre o busto, via os peitos moles e pelancudos batendo de
encontro à barriga. Uma lavadeira tossiu e assoou o nariz na mão,
sacudindo o catarro no capim, em seguida mergulhou as mãos na
espuma esfregando a roupa. Marina, enquanto seguia para o morro
fronteiro, olhava o coradouro. Lenços bordados alvejavam sob os raios
do sol, combinações e calças de fazenda delicada e com bicos de rendas
finos, estendidas no capim, tinham salpicos de espuma brilhantes. De
quem seria aquela roupa? Saberia a dona daqueles lenços bordados o
trabalho torturante daquelas mulheres, do nascer ao pôr do sol, na Baixa
do Estica?74
A federação dirigida por Bertha Lutz também se colocou no debate, mas até onde
investiguei, na década de 1940, a linha central não foi a defesa da regulamentação, mas a
capacitação profissional da categoria. Segundo Rachel Soihet, o trabalho das mulheres,
inclusive das mulheres pobres, fez parte do repertório político de Bertha Lutz que
“estimulou as diversas categorias profissionais femininas, entre elas as operárias, a
formarem associações de classe”. 76 Mas seus vínculos diretos com a categoria eram
74
PAIM, 1944, p. 77-78.
75
AS EMPREGADAS domésticas no seu trabalho exaustivo. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1,
n. 10, p. 1, 26 set. 1947.
76
SOIHET, 2013, p. 79-95.
253
77
Livro de Atas, vol. 5, p. 56. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, Fundo da Federação Brasileira pelo
Progresso Feminino, Rio de Janeiro. Código de Referência BR AN, RIO Q0. ADM, EOR.SEC, TXT.2, v.5.
78
BERNARDINO-COSTA, Joaze. Decolonialidade e interseccionalidade emancipadora: a organização
política das trabalhadoras domésticas no Brasil. Revista Sociedade e Estado. Brasília, v. 30, n. 1, p. 147-
163. Jan-abr., 2015. p. 155.
79
PEREIRA, Maura de Sena. Em Nova Lima uma das mais belas organizações femininas do Brasil.
Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 14, p. 6, 24 out., 1947.
254
80
A PRÓXIMA vitória eleitoral em São Paulo. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 14, p. 16, 24
out., 1947.
81
O livro de ficção infantil intitulado Rainhas, de Ladjane Alves Sousa, através de uma narrativa lúdica,
fala dessa realidade ainda muito comum para muitas mães e crianças pretas e periféricas do Brasil. SOUSA,
Ladjane Alves. Rainhas. Salvador: EDUFBA, 2018.
82
COSTA, Suely Gomes. Proteção social, maternidade transferida e lutas pela saúde reprodutiva. Estudos
Feministas, Florianópolis, v. 10, n. 2, p. 301-322. Jul.-dez, 2002. p. 303-304.
255
83
COSTA, 2002, p. 303-304.
84
Ibid., p. 306
85
Ibid., p. 308.
256
mulheres das classes médias e altas. Para tornar possível suas carreiras profissionais,
costumam contratar outras mulheres economicamente desfavorecidas, que muito
dificilmente ascendem socialmente. Segundo os dados estatísticos analisados pela autora,
historicamente a ascensão social das empregadas domésticas em países amefricanos –
para usar a expressão de Lélia Gonzalez –86, tem sido praticamente nula, provocando uma
espécie de “estabilidade da pobreza”, devido às características do emprego e aos baixos
salários. Mello destacou que estudos revelaram que nas décadas de 1970-80, em regiões
onde o emprego doméstico não era tão comum ou barato quanto no Sul Global, o número
de mulheres com alto grau de instrução no mercado de trabalho era menor.87
86
A autora criou a categoria de amefricanidade para pensar a realidade social marcadamente racista dos
países da região conhecida como América Latina – que ela prefere denominar Améfrica Landina. Para mais
detalhes cf.: GONZALEZ, Lélia. A categoria político cultural de Amefricanidade. Tempo Brasileiro, Rio
de Janeiro, n. 92/93, p. 69-82, jan., jun., 1988.
87
MELLO, Soraia Carolina de. Feminismos de Segunda Onda no Cone Sul problematizando o trabalho
doméstico (1970-1989). Dissertação (Mestrado em História) – Centro de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2010. p. 151-152.
88
Ibid., p. 152.
257
problemas, algumas vezes elas precisam driblar o ciúme da patroa em relação aos filhos
e/ou ao marido; outras são vítimas de violência sexual e/ou testemunham episódios de
violência doméstica que vitimam as patroas.89
[...] a sororidade jamais teria sido possível para além dos limites de raça
e classe se mulheres individuais não estivessem dispostas a abrir mão
de seu poder de dominação e exploração de grupos subordinados de
mulheres. Enquanto mulheres usarem poder de classe e de raça para
dominar outras mulheres, a sororidade feminista não poderá existir por
completo.93
O fato de serem mulheres não foi (e continua não sendo) suficiente para gerar
sororidade entre patroas e empregadas domésticas. Por isso, segundo Joaze Bernardino-
Costa, o movimento político das domésticas precisou problematizar a invisibilidade que
tiveram em muitos debates feministas. O movimento pode ser definido como um processo
de construção da interseccionalidade emancipadora: uma articulação estratégica dos
marcadores de desigualdade: classe, raça e gênero. A mobilização foi importante para a
89
MELLO, 2010, passim.
90
Ibid., p. 151.
91
HOOKS, 2019. p. 36.
92
Ibid.
93
Ibid.
258
94
BERNARDINO-COSTA, 2015, p. 159.
95
PAIM, 1944. p. 60.
96
BRASIL. Decreto-Lei n° 5.452, de 1 de maio de 1943. Consolidação das Leis do Trabalho. Rio de
Janeiro, DF: Presidência da República [1943]. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm> Acesso em: 30 nov., 2019.
259
97
1ª Assembleia Nacional de Mulheres: Resoluções sobre os direitos das mulheres, documento aprovado
em 18 nov., 1952. Arquivo Público do Estado de São Paulo, microfilmes do Archivio Storico del Movimento
Operaio Brasiliano, Instituto Astrojildo Pereira, Fundo Roberto Morena, 1932-1978.
98
Ibid.
99
MONTENEGRO, Ana. Direitos da mulher. Momento Feminino, ano 9, n. 115, p. 34, 1955.
100
RIBEIRO, 1955, p. 2-4.
101
A ASSEMBLEIA e os direitos da mulher. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 5, n. 96, p. 5,
out./nov., 1952.
102
MONTENEGRO, Ana. Direitos da mulher. Momento Feminino, ano 9, n. 115, p. 34, 1955.
103
1ª Assembleia Nacional de Mulheres: Resoluções sobre os direitos das mulheres, documento aprovado
em 18 nov., 1952. Arquivo Público do Estado de São Paulo, microfilmes do Archivio Storico del Movimento
Operaio Brasiliano, Instituto Astrojildo Pereira, Fundo Roberto Morena, 1932-1978.
104
Ibid.
260
105
MONTENEGRO, Ana. Direitos da mulher. Momento Feminino, ano 9, n. 115, p. 34, 1955.
106
FIGUEIREDO, Nice. A manutenção da família. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 21, p. 10,
12 dez., 1947.
107
Ibid.
261
Fez esforço para compreender claro, todo o coração voltado para a ânsia
de compreender o que se passava entre os dois. E pequenos incidentes
começaram a despontar em sua lembrança. Aqui uma discussão, ali
outra, sempre a Igreja e o Partido como o miolo das questões. Muitas
vezes lhe ridicularizava a devoção, num dia pilheriava contra a missa
ou contra o padre, noutro ria das velas acesas diante do nicho, na
cantoneira do quarto. “A religião foi feita para tapear tolos”. [...]
108
FIGUEIREDO, Nice. A manutenção da família. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 21, p. 10,
12 dez., 1947.
109
O POVO não pode mais ser enganado. O Momento, Salvador, ano 1, n. 37, p. 5, 29 nov., 1945.
110
PAIM, Alina. A Hora Próxima. Rio de Janeiro: Vitória, 1955. p. 250.
262
111
PAIM, 1955, p. 287-288.
112
BEAUVOUIR, Simone. O segundo sexo: fatos e mitos. v. 1, 3 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2016.
p. 142.
113
Ibid., p. 146.
114
Frequentemente os militantes do PCB representavam a classe trabalhadora e os comunistas – vanguarda
da revolução proletária– como pessoas heroicas, potencialmente honestas, bondosas e solidárias, incapazes
de atitudes que ferissem a dignidade humana. Essas representações aparecem de forma muito contundente
na literatura, a exemplo dos romances: PAIM, Alina. A hora próxima. Rio de Janeiro: Vitória, 1955; PAIM,
Alina. A sombra do patriarca. Rio de Janeiro/Porto Alegre/São Paulo: Globo, 1950; MATOS, 1988;
AMADO, Jorge. O Cavaleiro da Esperança: vida de Luís Carlos Prestes. São Paulo: Cia das Letras, 2011.
263
PASSOS, Jacinta. A Coluna. Rio de Janeiro: Coelho Branco, 1957 apud AMADO, Janaína. (Org.): poesia,
prosa, biografia, fortuna crítica. Salvador: EDUFBA/Corrupio, 2010. p. 161-217.
115
CORIA, 1996, p. 39.
116
BEAUVOUIR, 2016. p. 170-175.
264
117
ALBUQUERQUE, Graciana. Nosso Amor Nossa Vida. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 4, n.
79, p. 2, 20 dez., 1950.
118
LIMA, Ana de. Nosso Amor Nossa Vida. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 4, n. 79, p. 2, 20 dez.,
1950.
119
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX: 1014-1991. São Paulo: Cia das Letras, 1995.
p. 282-311.
120
FIGUEIREDO, Nice. A manutenção da família. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 21, p. 10,
12 dez., 1947.
121
PASSOS, Jacinta. Só unidas as mulheres resolverão seus problemas [Entrevista]. O Momento, Salvador,
ano 1, n. 40, p. 3, 10 dez., 1945.
122
FIGUEIREDO, Nice. A importância do trabalho para a mulher casada. Momento Feminino, Rio de
Janeiro, ano 1, n. 37, p. 11, 16 abr., 1948.
265
Simone de Beauvoir afirmou que, na maioria dos casos, “a mulher burguesa faz questão
de seus grilhões porque faz questão de seus privilégios de classe”. 123 O suposto
desinteresse das mulheres burguesas em relação ao feminismo, destacado tanto por Nice
quanto por Beauvoir, parte da ideia de que elas estavam mais alinhadas aos interesses de
sua classe por viverem em uma condição materialmente confortável. Por isso, a carreira
profissional era completamente secundária. No entanto, a própria Nice reconhecia que,
“apesar de rica, [...] é o marido quem chefia a vida conjugal e esta mulher afortunada
sofre todas as restrições que uma mulher sofre em sua capacidade de agir”.124 E Beauvoir
na própria metáfora que utilizou, reconhecia que as mulheres burguesas estavam presas
aos grilhões do machismo.
Sabemos que a necessidade de crescimento profissional, intelectual, político vai
além das necessidades meramente materiais. Justamente por isso a conquista de espaços
de sociabilidade para além do mundo doméstico compôs as aspirações de mulheres
burguesas ao longo da história. Não por acaso, a própria Nice tratou o tema com
ambiguidade, ora reconhecendo que a incapacidade civil da mulher casada limitava a vida
das mulheres ricas, ora enfatizando que elas não se engajavam no “movimento feminino”,
pois estariam em situação absolutamente confortável. O tempo livre de que dispunham
seria dedicado às frivolidades como “belereiros, chás, pife-pafe, Jokey”, ou “para
martirizar as empregadas e a família com os seus excessos de limpeza e de ordem”.125
É evidente a aproximação entre o pensamento de Nice Figueiredo e Simone de
Beauvoir, ambas inspiradas no marxismo. Não quero sugerir com isto que houve um
diálogo direto entre as intelectuais, mas demonstrar que as ideias feministas foram
produzidas e circularam em diferentes espaços. O pensamento foi forjado não apenas por
pensadoras europeias e norte-americanas que obtiverem reconhecimento e repercussão
internacional certamente pela importância de suas ideias, mas também em função do
espaço em que foram produzidas: o chamado Norte Global.
De acordo com Grosfoguel, a produção de conhecimento nortecêntrica tem gerado
a inferiorização dos conhecimentos produzidos por homens e mulheres de todo o planeta
(incluindo as mulheres ocidentais). A legitimidade e o monopólio do conhecimento
nortecêntrico instituem o racismo e/ou sexismo epistêmico, “desqualificando outros
123
BEAUVOIR, 2016. p. 163.
124
FIGUEIREDO, Nice. A importância do trabalho para a mulher casada. Momento Feminino, Rio de
Janeiro, ano 1, n. 37, p. 11, 16 abr., 1948.
125
Idem. Você não trabalha porque não quer. Momento Feminino, Rio de Janeiro, 09 jul., 1948. p. 5.
266
126
GROSFOGUEL, Ramón. A estrutura do conhecimento nas universidades ocidentalizadas: racismo/
sexismo epistêmico e os quatro genocídios/epistemicídios do longo século XVI. Sociedade e Estado.
Brasília, v. 31, n. 1, p. 25-49, jan./abr., 2016. p. 25-26.
127
Aqui não tenho a pretensão de analisar com a profundidade merecida a construção da epistemologia
feminista no Brasil. Mas acho importante registrar que não é incomum que coletâneas direcionadas ao
debate teórico feminista incluam somente – ou sobretudo – teóricas feministas do chamado Norte-Global.
A coletânea Teoria política feminista: textos centrais, organizada por Luis Felipe Miguel e Flávia Baroli é
um exemplo. Nela não encontramos nenhuma referência às teóricas feministas negras e/ou decoloniais.
Estas não seriam centrais para a teoria política feminista? Cf. MIGUEL, Luis Felipe; BIROLI, Flávia.
Teoria política feminista: textos centrais. Vinhedo: Horizonte, 2013.
128
PASSOS, Jacinta. Só unidas as mulheres resolverão seus problemas [Entrevista]. O Momento, Salvador,
ano 1, n. 40, p. 3, 10 dez., 1945; FIGUEIREDO, Nice. Uma lição aprendida com a experiência. Momento
Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 62, p. 4, 30 out., 1949.
129
PASSOS, op. cit.
130
FIGUEIREDO, op. cit.
131
Ibid.
267
elétrica”.132 Elas também mereciam se livrar das restrições legais e da cultura que limitava
a autonomia das mulheres.
No entanto, no mesmo grupo circulava a ideia de que em um primeiro momento
o movimento deveria concentrar energia exclusivamente no combate às desigualdades de
classe. Na opinião de Rosa Bittencourt, as mulheres precisavam “lutar contra essas
condições de vida que perturbam a vida das famílias”.133 Todas tinham o dever de se opor
à exploração de classe, “contra a fome e a miséria que atormentam todos os lares, lutar
por melhores salários para o seu companheiro, por mais um pedaço de pão, por um
sapatinho para seus filhos”. 134 Para Ana Montenegro, embora não descartasse a
importância da emancipação das mulheres, seria necessário, primeiro, eliminar a miséria
e exploração do povo. Não por acaso, quando substituiu Nice Figueiredo na coluna
“Direitos da Mulher” deixou de lado as temáticas da companheira e tratou exclusivamente
dos direitos das mulheres operárias.
A problemática sobre quais problemas eram prioritários – classe ou gênero –
atravessou as décadas. Mesmo depois dos anos 1970, quando se começou a construir um
relativo consenso sobre a urgência da emancipação das mulheres, inclusive em termos
sexuais, as comunistas continuaram debatendo se a luta deveria ocorrer em etapas. No
livro publicado em 1981, que intitulou Ser ou não ser feminista?, Ana Montenegro
continuou priorizando a luta de classes. Ela criticou o movimento feminista no Brasil e
algumas teóricas feministas internacionais que, a partir da década de 1970, passaram a
ser lidas com intensidade pelas brasileiras, como Simone de Beauvoir, Betty Friedan,
Alice Schwarzer, Juliet Mitchell e Helene Lange. Para Ana, as mulheres deveriam investir
mais energia na luta contra o capitalismo porque a “opressão feminina” era resultado dele.
Por isso, não deveria ser pensada isoladamente, “como o fazem algumas correntes e
personalidades feministas, sem explicar a relação entre a discriminação da mulher e a
propriedade privada, entre a exploração e a opressão”.135 Em sua opinião, o feminismo
exagerava nos temas sexuais e na política sexual, fato que imobilizaria politicamente o
132
FIGUEIREDO, Nice. Uma lição aprendida com a experiência. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano
3, n. 62, p. 4, 30 out., 1949.
133
BITTENCOURT, Rosa da Costa. Nosso Amor, Nossa Vida. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 4,
n. 80, p. 2, 18 jan., 1951.
134
LIMA, Ana de. Nosso Amor Nossa Vida. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 4, n. 80, p. 2, 18 jan.,
1951.
135
MONTENEGRO, Ana. Ser ou não ser feminista? Recife: Cadernos Guararapes, v. 3, 1981. p. 42.
268
136
MONTENEGRO, 1981, p. 30-46.
137
ALAMBERT, Zuleika. Feminismo: o ponto de vista marxista. São Paulo: Nobel, 1986. p. XV-XVIII.
269
1
PASSOS, Jacinta. Oposição no singular. Caderno 2, 1967 apud Jacinta Passos, coração militante: poesia,
prosa, biografia, fortuna crítica. Salvador: EDUFBA/Corrupio, 2010. p. 231.
2
Ibid. p. 237.
3
RIBEIRO, Iracema. Sobre o trabalho do Partido Comunista do Brasil entre as mulheres. Imprensa
Popular, Rio de Janeiro, ano 3, n. 1.468, p. 2-4 (3° Caderno), 03 abr., 1955.
270
do lar, envoltas numa rede de preconceito, privadas do acesso à instrução”.4 Viviam uma
“completa inferioridade, reduzidas a um isolamento quase total da vida social e política”.5
Na mesma linha, em artigo jornalístico, Maria Guerra sugeriu que a construção de
novos modelos de relações sociais entre homens e mulheres perpassava o investimento
em “instituições em que pessoas especializadas e responsáveis” ajudassem as mães a
educar os filhos. Destacou que enquanto isso não fosse uma realidade, era preciso a
“colaboração de todos os elementos da família – pais e filhos” nas tarefas domésticas para
que homens e mulheres pudessem “realmente viver uma vida completa”. 6 Nice
Figueiredo estava de acordo. Segundo ela, o trabalho doméstico merecia uma atenção
relativa e não deveria “ser a finalidade exclusiva das mulheres”.7 Era imprescindível a
“construção de creches e estabelecimentos similares que venham resolver,
favoravelmente, o problema da criança e a situação da mulher casada que trabalha”.8 Ao
mesmo tempo, era necessário dividir os afazeres entre todos os membros da família. Para
a advogada: “Tanto o homem como a mulher podem executar as duas espécies de
trabalho, quer doméstico ou não doméstico, pois assim como existem as médicas,
advogadas, professoras e funcionárias, existem também os cozinheiros, [ilegível], criados
de quarto, criados de sala etc...”9
Em sintonia com as interpretações bolcheviques, o movimento feminista de
orientação comunista concordava que era necessário fazer das tarefas do lar coisa pública.
A coletivização implicaria em transformar o trabalho de reprodução em trabalho
remunerado. Maria Guerra e Nice Figueiredo pontuaram que enquanto isso não fosse
possível, era preciso dividir o trabalho entre todos os membros da família, independente
do gênero. Dentro do pensamento comunista havia certo desprezo pelas atividades do lar
quando não remuneradas e restritas ao espaço doméstico. Essas tarefas eram vistas como
improdutivas e limitadoras do pleno desenvolvimento da personalidade humana. Dessa
maneira, as mulheres só conseguiriam se realizar individualmente quando ingressassem
no mercado de trabalho e colhessem os frutos do próprio trabalho.
4
RIBEIRO, 1955, p. 2-4.
5
Ibid.
6
GUERRA, Maria. Educação para a guerra, educação para a paz. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano
7, n. 108, p. 10-11, set./out./nov., 1954.
7
FIGUEIREDO, Nice. A mulher casada e o trabalho. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 20, p.
2, 05 dez., 1947.
8
Ibid.
9
Idem. Você não trabalha porque não quer. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 44, p. 5, 09 jul.,
1948.
271
10
GOLDMAN, Wendy Z. Mulher, Estado e Revolução: política familiar e vida social soviéticas, 1917-
1936. São Paulo: Boitempo, 2014. p. 23-24.
11
ARENDT, Hannah. A condição humana. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. p. 99.
12
VARIKAS, Eleni. “O pessoal é político”: desventuras de uma promessa subversiva. Tempo, Rio de
Janeiro, v. 2, n. 3, p. 59-82, 1996. p. 77.
272
Ela não tinha tempo de sentar-se, às voltas com o trabalho de casa. [...]
Fiquei olhando-a por muito tempo. Cheia de resignação, repetindo com
simplicidade frases feitas, essa mulher humilde que não sabia guardar
nada para si mesma me ensinara muito sobre a vida e sobre os homens
[sic]. Fiquei admirando tia Celina, senti um respeito religioso pelo seu
sacrifício cotidiano e anônimo. Por trás dos seus olhos mansos e doces
se escondia uma força; em seu braço frágil, durante anos tio Olavo se
havia apoiado sem saber [que] se este apoio lhe faltasse, ele teria rolado
como um fardo até o desespero.13
13
PAIM, Alina. A sombra do Patriarca. Porto Alegre: Globo, 1950, p. 213.
14
Ibid. p. 61.
15
Ibid.
273
encará-lo como “deveres e não como obrigação”.16 Diná Mendes Pereira, colaboradora
assídua da coluna “Nosso Amor Nossa Vida”, escreveu:
16
ALBUQUERQUE, Graciana. Nosso Amor Nossa Vida. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 4, n.
79, p. 2, 20 dez., 1950.
17
PEREIRA, Dina Mendes. Nosso Amor Nossa Vida. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 4, n. 79, p.
2, 20 dez., 1950.
18
PASSOS, 1967 apud AMADO, 2010, p. 237.
274
dedicados defensores da família”.19 A defesa foi tática. Ocupando o lugar do outro nas
estruturas do poder político tradicionalmente anticomunista, os pecebistas precisavam
atuar no terreno do possível e aproveitar as oportunidades abertas pelo contexto.
Lembremos que entre 1945-46, o partido crescia de forma vertiginosa, ampliando
consideravelmente o número de filiados. A estratégia era tornar-se um “partido de
massas”. Portanto, era preciso destruir os rótulos anticomunistas enfatizando que os
casais comunistas eram exemplares, seguindo o modelo tradicional de família, mesmo
que na prática isso nem sempre fosse possível.
Por vezes, a vida clandestina e sucessivas prisões impediam uma vida familiar
dentro da normatividade, na medida em que dificultavam a convivência e até a
estabilidade das relações conjugais. Luiz Carlos Prestes e Maria são exemplos. O casal
desafiou o padrão da “família tradicional”. Viveu boa parte da vida conjugal sem
oficializar a relação em função da vida clandestina na década de 1950. Quando se
conheceram, Maria era uma mulher separada e já criava sozinha dois filhos do primeiro
casamento e Prestes possuía uma filha, criada pela avó e tias. Quando ele propôs que se
casassem no exterior, ela preferiu não oficializar a relação. Segundo suas lembranças:
“Além de ser impossível um casamento legal, eu não queria qualquer formalidade. Nesse
sentido disse para o Velho que se não desse certo seria até mais fácil nos separarmos. Sem
essa coisa de documentos, tudo é mais tranquilo”.20 Além disso, houve sujeitos que se
recusaram a casar tanto no religioso quanto no civil como forma de não se enquadrarem
nos valores burgueses.21 Apesar dos vários arranjos familiares que, por diversos motivos,
na prática, o PCB comportou, a imagem que os comunistas queriam deixar era de que os
casais do partido respeitavam todos os valores tradicionais de família, diferente do que
pregava a “reação”.
Reconhecer a tática não anula desconsiderar a formação cultural dos sujeitos.
Certamente, boa parte dos pecebistas que escreveram na imprensa em defesa do
casamento tradicional, da família e da moral sexual acreditava efetivamente nesse
modelo. De acordo com Jorge Ferreira, o PCB, sobretudo a partir do início dos anos 1950,
19
CONFIAR firmemente nas liberdades conquistadas. O Momento, Salvador, ano 1, p. 1, 25 jun., 1945
1945. p. 1.
20
PRESTES, Maria. Meu companheiro: 40 anos ao lado de Luiz Carlos Prestes. Rio de Janeiro: Rocco,
1992. p. 74.
21
LEÃO, Viviane Maria Zeni. Momento Feminino: mulheres e imaginário comunista. Dissertação
(Mestrado em História) – Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná,
Curitiba, 2003. p. 121-123.
275
tentou submeter seus militantes a uma moral, uma ética e uma rígida conduta pessoal.22
Mesmo assim, as mulheres não deixaram de desafiar as normatizações. Através da poesia,
Jacinta Passos contrariou o ideal de família normatizado. Endossando a tese marxista de
que o surgimento da família estava relacionado ao nascimento da propriedade privada,
acreditava que a destruição do capitalismo eliminaria o modelo familiar burguês. O trecho
a seguir, escrito na década de 1960 em um dos seus cadernos do sanatório, é
representativo:
Por que é que aquele cachorro, mais aquela cachorra, mais aqueles oito
cachorrinhos não formam uma família?
Por que não têm propriedade privada [...]
Janaína é minha filha, não é minha propriedade.23
A ficção também foi o meio escolhido por Alina Paim para problematizar as
relações familiares normatizadas. Em Estrada da Liberdade (1944), em conexão com
suas percepções do mundo real, construiu uma família de classe média, tipicamente
nuclear: a família de dona Edite (madrinha de Marina) e seu Augusto. Nela, o amor não
fazia morada. As relações eram marcadas pelo autoritarismo do marido, subserviência da
esposa e autoritarismo de ambos em relação ao único filho. Parece que a narrativa queria
evidenciar que a estrutura familiar fundamentada em uma cultura machista também
vitimava as crianças, que sofriam violências diversas alicerçadas em um modelo de
educação autoritário reproduzido por homens e mulheres. Décadas depois, a teórica
feminista bell hooks chamou a atenção para o mesmo problema. Ao analisar a violência
no lar, a autora destacou que, em casa, a “violência patriarcal”, frequentemente chamada
de violência doméstica, não é exercida exclusivamente pelos homens, mas se manifesta
através de várias forças coercitivas. Tal violência está pautada na legitimação do controle
do indivíduo mais poderoso. “Essa definição estendida de violência doméstica inclui a
violência de homens contra mulheres, a violência em relacionamentos entre pessoas do
mesmo sexo e a violência de adultos contra crianças”.24
Voltando às discussões de Alina Paim, a família de tio Ramiro de A Sombra do
Patriarca (1950), uma família de latifundiários assentada na zona rural, não destoava do
padrão urbano no que diz respeito ao autoritarismo do marido e à subserviência da esposa.
22
FERREIRA, Jorge. Prisioneiros do mito: cultura e imaginário dos comunistas no Brasil (1930-1956).
Niterói/Rio de Janeiro: EdUFF/MAUAD, 2002. p. 127.
23
PASSOS, Jacinta. Caderno 18, 1968 apud AMADO, 2010, p. 19-21.
24
HOOKS, bell. O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras. 4ª ed. Rio de Janeiro: Rosa dos
Tempos, 2019. p. 95-96.
276
No entanto, neste caso, a autoridade não foi um atributo apenas do homem. Tereza, filha
do patriarca, tal qual o pai, era autoritária e manipuladora, representando junto com ele a
voz do patriarcado, que no romance aparece como um sistema de opressão de classe. Tio
Ramiro, grande proprietário rural, tinha a filha como aliada no controle das instituições –
família, religião e política – para manutenção do seu poder.
Contrariando as normatizações de gênero, a narrativa construiu, em contraposição
à mulher autoritária, um homem submisso. Oliveira, marido de Tereza, era passivo diante
da esposa e se submetia aos desmandos dela e do sogro. Embora insatisfeito, não tinha
coragem para romper o casamento e se livrar do patriarcado. Ao construir um personagem
masculino frágil que precisou da ação de duas jovens comunistas para libertá-lo – Raquel
e Leonor –, provavelmente, a intenção de Alina Paim foi, subliminarmente, se contrapor
a naturalização da masculinidade forte e corajosa e da feminilidade doce e passiva.25 A
estratégia foi repetida em mais dois romances. Em Sol do Meio Dia (1961), Veloso, o
marido de D. Beatriz, era uma voz completamente apagada diante da esposa. Na família
de Dona Isabel de A Correnteza (1979) não era diferente. Era ela quem tinha voz altiva
diante de um marido completamente inexpressivo.26 Estas construções informam sobre a
elaboração e circulação do pensamento feminista na literatura de Alina Paim.
Além de apresentar personagens que se contrapunham ao ideal de gênero
culturalmente construídos, a autora levou para a ficção a vida de famílias que destoavam
do padrão. A narrativa de Sol do meio dia trouxe diversos modelos, desde aqueles
compostos apenas por “mães solteiras” – como à época eram chamadas as mães que
criavam seus filhos sozinhas, hoje chamadas de mães solo – e filha; ou mãe, filha e avó;
até aquelas normatizadas: mãe, pai e filhos. Eram famílias muito comuns na realidade
brasileira, mas que não correspondiam ao modelo idealizado como normal. Reunidas na
pensão de dona Beatriz, em função das dificuldades como alto preço dos aluguéis,
desemprego e carestia de vida, que também atingia as camadas médias das grandes
cidades do Brasil na década de 1950, as várias famílias de Sol do Meio Dia se
amalgamaram em um mesmo teto, tornando-se única, numerosa e atravessada por
diferentes dilemas. Eram obrigadas a compartilhar o lar e o dia a dia, com suas alegrias e
problemas.
25
Cf. ALVES, Iracélli da Cruz. A política em prosa: representações comunofeministas em A sombra do
patriarca. In: BATISTA, Eliana Evangelista; SILVA, Paulo Santos (Orgs.). Dos fios às tramas: tecendo
histórias, memórias, biografia e ficção. Salvador, Quarteto, 2019, p. 171-187. p. 177.
26
PAIM, Alina. Sol do meio dia. Rio de Janeiro: Associação Brasileira do Livro, 1961; PAIM, Alina. A
Correnteza. Rio de Janeiro: Record, 1979.
277
27
PASSOS, Jacinta. Pânico no planeta Marte. In: PASSOS, Jacinta. Canção da Partida. São Paulo: Gaveta,
1945 apud AMADO, 2010, p. 102.
28
PAIM, 1950, p. 205.
29
Ibid.
278
30
principalmente, construiria novos homens e mulheres. Se todos os membros
colaborassem, a instituição familiar viraria uma pequena coletividade, “forma de
organização superior ao caos que geralmente reina nas famílias em que a mãe é uma quase
escrava dos filhos ou em que estes não têm voz ativa”.31
Como Alina Paim demonstrou na ficção, Maria Guerra concordava que o modelo
familiar tradicional também prejudicava as crianças já que condicionadas a uma educação
autoritária. A partir desse pressuposto, reivindicou que as crianças fossem educadas
dentro de um espírito coletivo. Independente do sexo, elas precisavam de senso de
responsabilidade.32 Era fundamental formar “cidadãos e não homens e mulheres aos quais
apresentamos exigências morais completamente diversas”. 33 Embora o conceito de
gênero ainda não tivesse sido forjado, Maria Guerra compreendeu que “ser homem” e
“ser mulher” não se resumiam meramente aos critérios biológicos. Homens e mulheres,
de acordo com ela, eram educados dentro de ideais de masculinidade e feminilidade
culturalmente construídos.
Mais uma vez, lemos uma análise que se assemelha ao que escreveu Beauvoir em
1949 – “Ninguém nasce mulher: torna-se-mulher”.35 Assim como a filósofa francesa, a
jornalista brasileira evidenciou os aspectos culturais que normatizavam o ser mulher ou
homem, muitos dos quais tomados como naturais. Alina Paim também estava atenta ao
30
GUERRA, 1954, p. 10-11.
31
Ibid.
32
Ibid.
33
Ibid.
34
Ibid.
35
BEAUVOIR, Simone. O Segundo Sexo: a experiência vivida. v. 2. 3° ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
2016. p. 12.
279
problema de que meninos e meninas eram formados de forma diversa, o que contribuía
para forjar desigualdades entre homens e mulheres. Desde muito cedo, seus destinos
começavam a ser traçados. Para os meninos, a expectativa era a conquista do mundo
público. Eles eram ensinados a aspirar carreira profissional e desenvolvimento intelectual.
As meninas, ao contrário, eram educadas para a vida do lar. Luísa, personagem de Simão
Dias, dava aulas particulares às crianças das camadas médias da pequena cidade e
observou com incômodo a desigualdade.
36
PAIM, 1949, p. 52-54.
37
GUERRA, 1954, p. 10-11.
38
Ibid.
280
39
GUERRA, 1954, p. 10-11.
40
Ibid.
41
CONSENTIMENTO para casar. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 10, p. 8, 26 set., 1947.
42
PAIM, 1961, p. 197.
43
LÉA. Creches para as crianças. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 27, p. 4, 23 jan., 1948.
281
44
LÉA, 1948, p. 4.
45
Ibid.
282
Além das mães pobres, o aborto também fazia parte do universo das mulheres de
classe média. Algumas circunstâncias contribuíam para que optassem pela interrupção da
gravidez. Na prosa de Alina Paim, o motivo que levou uma de suas personagens ao aborto
foi a ausência de independência econômica que a deixava completamente subordinada ao
marido, era o caso de d. Edite. Ela e seu Augusto já tinham um filho. Por acidente, ela
engravidou, contrariando o desejo do marido, preocupado apenas com as despesas que
um novo filho traria. Inicialmente, D. Edite se recusou a interromper a gravidez, mas
depois cedeu à pressão de Seu Augusto e se submeteu a um aborto clandestino feito de
maneira precária em sua própria casa.48 Como nos conta a narradora:
46
LÉA, 1948, p. 4.
47
Ibid.
48
PAIM, 1944, p. 57.
49
Ibid., p. 129-132.
50
Ibid., p. 134.
283
algoz, conversou com a vítima. Depois do diálogo, entendeu que o aborto significava
mais um meio de opressão das mulheres, que colocavam sua vida em risco para atender
as vontades dos seus “senhores”. Além disso, era um negócio lucrativo. A enfermeira que
fez o procedimento vivia daquilo e não cobrava barato. “Para se ver livre do menino,
Augusto deu, sem pena”.51
Não houve nem no projeto de lei nem em Alina Paim a defesa da regulamentação
do aborto, pauta completamente ausente no movimento investigado. Nos dois casos a
prática foi condicionada a fatores econômicos e morais. O deputado demonstrou repúdio
pela prática, descrita como criminosa. Para Gregório Bezerra o crime era motivado
basicamente por duas razões, não necessariamente separadas: dificuldade financeira e
salvaguarda de uma “falsa moral”. Quando feito por mulheres pobres e solteiras, as razões
se cruzavam já que elas eram duplamente ameaçadas, tanto pela falta de condição
material, quanto pelo moralismo que condenava as “mães solteiras”. Para o deputado,
opinião chancelada pelas editoras de Momento Feminino, com a eliminação da pobreza
as mulheres não teriam motivos para abortar. Alina Paim preocupou-se em denunciar os
riscos à saúde das mulheres sem criminalizá-las. Para a escritora, quando se livrassem da
dependência econômica não precisariam colocar a vida em risco para atender à
determinação do marido.
Hoje o debate sobre o aborto está em outro patamar. Vai além das questões
meramente materiais. Está pautado na defesa da descriminalização e regulamentação.
Grosso modo, defende-se que todas as mulheres têm direito ao aborto legal e seguro, sem
esquecer que em países em que o aborto é crime, são as mulheres pobres – no caso do
Brasil pobres e negras – que mais morrem em abortos clandestinos. E quando levam a
gravidez adiante não deixam de estar expostas aos riscos, seja durante a gestação, seja na
hora do parto, já que na maioria das vezes não contam com assistência adequada à saúde
materna e infantil, problemas de longa data.
Na década de 1950 o jornal Momento Feminino denunciou que as operárias
grávidas eram maltratadas. Mesmo nos últimos meses, executavam os mesmos
trabalhos. 52 Além disso, como falei, não era incomum perderem o emprego quando
engravidavam. No puerpério, a licença maternidade praticamente não existia – muitas
empresas davam apenas quinze dias de afastamento – e elas não tinham horário para a
51
PAIM, 1944, p. 56.
52
A ASSEMBLEIA e os direitos da mulher. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 5, n.96, p. 5, out./nov.,
1952.
284
amamentação, tampouco locais reservados para tal. No parto, sofriam com a carência de
maternidades e de cuidados médicos. Quando eram da zona rural a situação poderia ser
ainda mais degradante. Como era comum à época, especialmente no interior, as mulheres
pariam em casa. Quando pobres, muitas vezes em condições precárias de higiene e sem
acesso a amparo hospitalar. Este foi o caso de Lucrécia, mulher negra que trabalhava em
um latifúndio. Em função de complicações no parto, morreu “estirada na esteira, jogada
como um fardo”53, “na imundice, como um bicho, miserável como sempre vivera, isolada
dos seus”.54
A tragédia trata-se de uma narrativa ficcional representativa da realidade de
muitas mulheres pobres que sofriam com a carência de serviços de saúde e assistência à
maternidade – da gestação, passando pelo parto, até a criação das filhas e filhos. Na
década de 1950, segundo denúncia de Iracema Ribeiro, o número de maternidades no país
era baixíssimo. De acordo com dados apresentados por ela, o Brasil contava apenas com
103 maternidades “com um total de 4.464 leitos”. Além do baixo número de locais
seguros para o parto, a comunista denunciou ainda que as mães trabalhadoras depois não
contavam com assistência nem educação escolar para seus filhos e filhas. Mais uma vez
recorrendo aos números, destacou:
Diante de tantas maneiras distintas – muitas das quais trágicas – de ser mãe no
Brasil, Nice Figueiredo estava correta quando dizia que o Código Civil não legislava para
todas, deixando à margem muitas mulheres em que as formas de estar no mundo
destoavam por completo dos ideais de mulher, maternidade e família definidos pela lei
civil. Atenta às ambiguidades entre a lei e a vida prática, a advogada defendeu que era
injusto o estabelecimento legal da autoridade paterna. Muitas crianças nem tinham pais e
tantas outras eram sustentadas pelos salários de ambos. O menor, enfatizou ela, era filho
tanto de um homem quanto de uma mulher que “sofreu a tragédia biológica da
maternidade, que o criou e que tem uma série de obrigações a cumprir com esse filho até
53
PAIM, 1950, p. 220.
54
Ibid., p. 222.
55
RIBEIRO, 1955, p. 2-4.
285
56
CONSENTIMENTO para casar. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 10, p. 8, 26 set., 1947.
57
NOSSOS Filhos. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 33, p. 5, 12 mar., 1948.
58
MADALENA. Nosso Amor Nossa Vida. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 8, n. 108, p. 2, 1954.
59
NOSSOS Filhos, op. cit.
60
MADALENA, op. cit.
286
61
PINSKY, Carla Bassanezi. Mulheres dos anos dourados. São Paulo: Contexto, 2014. p. 18.
62
Ibid., p. 18.
63
FIGUEIREDO, Nice. A anulação do casamento. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 13, p. 6,
17 out., 1947.
287
Nos teus gestos vibra nesta hora, hora única de amor,/ a minha mesma
grande ânsia impossível./ Nas tuas carícias sôfregas,/ no apelo
magnético do teu olhar debruçado sobre o meu,/ nos teus ouvidos que
parecem esperar uma palavra inefável,/ na tua boca ansiosa querendo
sorver o sopro substancial de minha vida,/ nas tuas narinas ofegantes,/
nas tuas mãos tateando o meu corpo/ como se quisessem guardar nas
pontas dos dedos a memória de minhas formas/ nos teus gestos vibra
nesta hora, hora única de amor,/ a minha mesma grande ânsia
impossível./ Ânsia de posse total./ Atingir, através de teu corpo, tua
64
FIGUEIREDO, Nice. A anulação do casamento. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 13, p. 6,
17 out., 1947.
65
Ibid.
66
ARBEX, Daniela. Holocausto brasileiro. Genocídio: 60 mil mortos no maior hospício do Brasil. Rio de
Janeiro: Intrínseca, 2013.
67
ALVES, Iracélli da Cruz. Os movimentos feminista e comunista no Brasil: história e historiografia.
Tempos Históricos, Marechal Cândido Rondon, v. 21, n. 2, p. 107-140, jun./dez., 2017. p. 123.
288
A relação que virou tema de poesia foi confirmada pelo homem com quem Jacinta
compartilhou a experiência sexual, que em entrevista a Janaína Amado pediu
anonimato. 69 Ciente dos rótulos aos quais estava exposta por ter violado os padrões
culturais ao transar antes do casamento – juridicamente legitimados pelo Código Civil –
Jacinta escreveu o poema Canção Simples, uma evidente crítica ao duplo padrão moral
arbitrariamente construído e normatizado.
A flor caída no rio/ que leva para onde quer,/ sabia disso e caiu,/ seu
destino é ser mulher./ Leva tudo e segue em frente,/ amor de homem é
tufão,/ o de mulher é semente/ que o vento enterrou no chão./ Mulher
que tudo já deu,/ homem que tudo tomou,/ é mulher que se perdeu,/ é
homem que conquistou./ Mulher virgem, condição/ para homem dar –
nobre gesto –/ resto duma divisão/ se a divisão deixou o resto./ No
sangue, a honra é lavada/ de homem que mulher engana,/ mulher que
vive enganada/ coitado! Fraqueza humana./ A flor caída no rio/ que a
leva para onde quer,/ sabia disso e caiu,/ seu destino é ser mulher!70
68
PASSOS, Jacinta. Limitação. In: PASSOS, Jacinta; CAETANO FILHO, Manoel. Nossos Poemas.
Salvador: Bahiana, 1942 apud AMADO, 2010, p. 63.
69
AMADO, op. cit., p. 365 (nota n. 55).
70
PASSOS, Jacinta. Canção Simples. In: PASSOS, Jacinta; CAETANO FILHO, Manoel. Nossos Poemas.
Salvador: Bahiana, 1942 apud AMADO, 2010, p. 66. O poema foi publicado pela primeira vez em 1941.
71
Augusto Forel foi um médico português. O livro foi publicano no início do século XX e várias vezes
editado no Brasil. É uma obra volumosa e densa com o objetivo de oferecer uma explicação biológica e
social sobre a sexualidade de homens e mulheres. São 549 páginas divididas em 19 capítulos, a saber: 1. A
Reprodução dos seres vivos, 2. A evolução da descendência dos seres vivos, 3. Condições naturais e
mecanismo da copula humana – gravidez – características sexuais correlativas, 4. O desejo sexual, 5. O
amor e as outras irradiações do desejo sexual na alma humana, 6. Etnologia e história da vida sexual do
homem e do casamento, 7. A evolução sexual, 8. Patologia sexual, 9. O papel da sugestão e da psicanálise
na vida sexual, a embriaguez amorosa, 10. A questão sexual em relações com o dinheiro e a propriedade.
Prostituição, cafetismo e concubinagem venal. 11. Influência do meio sobre a vida sexual, 12. Religião e
vida social. 13. O direito à vida sexual, 14. A medicina e a vida sexual, 15. Moral sexual, 16. A questão
sexual na política e na economia política, eugenismo, 17. A questão sexual na pedagogia. 18. A vida sexual
na arte e 19. Olhar retrospectivo e perspectivas futuras. É interessante observar que, seguindo o
entendimento que prevalecia no contexto, o autor defendeu que o “homossexualismo” era uma patologia e
a masturbação de ambos os sexos provocava doenças psicológicas. Como demonstrarei mais adiante, Alina
289
convento não falavam de sexo com franqueza e naturalidade. Menos do que vigilância,
as meninas precisavam de informação, ao passo que as freiras ofereciam ignorância ao
falar somente sobre castidade. A Madre Superiora costumava dizer:
Em Sol do Meio Dia, Alina Paim construiu personagens femininas positivas que
desafiavam as normas sexuais. A autora cuidou de evidenciá-las como mulheres
batalhadoras, sem deixar de destacar que, mesmo assim, eram discriminadas socialmente
por destoarem do comportamento considerado adequado para o gênero. Era o caso de
Iracema e Silvia, a primeira desquitada e mãe de uma filha que criava sozinha. Sob a outra
recaía a confirmação da suspeita de que mantinha casos extraconjugais. O ato foi
considerado imoral pela dona da pensão que a expulsou. Por outro lado, na mesma pensão,
Alexandre, marido de Albertina, também saía sozinho durante à noite, enquanto a esposa
ficava triste por saber que ele mantinha relações fora do casamento. Mas sendo homem,
não era condenado por isso. Essa dupla moral apareceu como um problema na narrativa.
Paim abordou a questão da homossexualidade de maneira ambígua, provavelmente influenciada pela leitura
do livro. FOREL, Augusto. A Questão Sexual. 10 ed. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 1941.
72
PAIM, 1944, p. 12.
73
Idem., 1961, p. 201.
290
a benção e o olhar da Igreja”.74 Ela não preservou castidade até o matrimônio, não teve
filhos, tinha desejos sexuais e não venerava o marido, embora tenha se violentado para
satisfazê-lo sexualmente, de acordo com o previsto nos ensinamentos religiosos –
“Crescei e multiplicai-vos. Multiplicai-vos. Multiplicai-vos”. 75 Infeliz por sentir suas
potencialidades limitadas, Luísa não conseguia sentir prazer quando transava com o
marido, mas se sentia obrigada a satisfazê-lo.
74
PAIM, Alina. Simão Dias. Rio de Janeiro: Livraria Editora da Casa do Estudante do Brasil, 1949, p. 117-
118.
75
Ibid.
76
PAIM, 1949, p. 38-39.
77
Ibid., p. 161-162.
291
atravessada por conflitos, mas sexualmente prazerosa. No entanto, o prazer por si só não
era suficiente. O parceiro ideal seria aquele que lhe proporcionasse satisfação sexual e
leveza na alma. E ela sonhou literalmente com isso. No sonho, estava só e infeliz quando
encontrou um homem que, embora não conseguisse enxergar o rosto, despertou-lhe o
desejo e lhe satisfez sexualmente.
Luísa deixa entrever que os pilares básicos para a relação sexual e afetiva entre
um homem e uma mulher era o prazer sem angústias, sem peso na alma, sem culpa, sem
ciúmes. Partindo desse ideal e incomodada com as normatizações sociais que criavam
desigualdades entre os sexos, ela se solidarizava com todas as mulheres cujas vidas
destoavam do que era considerado moralmente certo, a exemplo da viúva “mal falada” e
da vizinha que engravidou antes do casamento. Entendia que as pessoas deveriam ser
“livres de fazer o que entendem, de agir como julgarem certo”.79
Ester – Sol do Meio Dia – também levantou a bandeira contra o que chamou de
falso pudor. Mesmo apaixonada por Osvaldo, seu namorado, sentiu “enleio e
perturbação” com o beijo que Sérgio lhe deu de repente. “Como podia amar Osvaldo e
estremecer com o contato de outro homem?”.80
78
PAIM, 1949, p. 111-113.
79
Ibid. p. 57-59.
80
Idem., 1961, p. 129.
292
81
PAIM, 1961, p. 129-130.
82
Idem, 1944, p. 122.
83
No capítulo 8 do livro A Questão Sexual citado por Alina Paim no romance Estrada da Liberdade como
uma referência importante para entender a sexualidade humana, o autor trata das patologias sexuais, entre
elas, enquadra a homossexualidade. No tópico II do capítulo, intitulado “Inversão sexual e amor
homossexual”, ele foi taxativo: “o amor homossexual é de ordinário patológico e [...] quase todos os
invertidos são menos ou mais acentuado, psicopatas ou nervroticos [sic], cujo desejo sexual é tão anormal
como ainda ordinariamente exaltado”. FOREL, Augusto. A questão sexual. 10° Ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1941. p. 242.
84
FERREIRA, 2002, p. 127.
85
Caso 171. Folhetos do Partido Comunista do Brasil. Disponível em: <http://sovdoc.rusarchives.ru/>
Acesso em: 10 set., 2019.
293
Mas houve quem provocasse uma reflexão sobre os aspectos culturais que levava
à discriminação. Graciliano Ramos em suas Memórias do Cárcere problematizou até que
ponto era natural a repugnância que sentiu quando, na prisão, testemunhou a relação
sexual entre dois homens. O autor reconhecia que suas conclusões eram incompletas e
movediças e que lhe faltava um exame que transpusesse as barreiras culturais.
86
RAMOS, Graciliano. Memórias do Cárcere, vol. 1. Rio de janeiro/São Paulo: Record, 1986. p. 311.
87
FERREIRA, 2002, p. 118-121; LEÃO, 2003, p. 123-124
88
LEÃO, op. cit., p. 118-124.
294
89
FERREIRA, 2002, p. 118-129.
90
Ibid., p. 125-126.
91
Ibid., p. 126.
92
Ibid., p. 127.
93
Atualmente, sobrevivem leituras que interpretam a prostituição como resultado de uma sociedade
machista e moralista. Neste sentido, as mulheres são sempre vistas como vítimas desse sistema. Por outro
lado, como demonstrou Margareth Rago, são grandes os desencontros entre as prostitutas que se organizam
295
politicamente e algumas feministas. As abolicionistas, por exemplo, lutam para acabar com a prostituição
em vez de regulamentar suas práticas, pauta defendida por muitas prostitutas brasileiras. RAGO, Margareth.
A aventura de contar-se: feminismos, escrita de si e invenções de subjetividade. Campinas: Unicamp, 2013,
passim.
94
FALCÃO, João. O Partido Comunista que eu conheci. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1988. p.
71.
296
acima de qualquer interesse pessoal. Na década de 1980, ao fazer autocrítica, ele não
identificou o erro na agressão em si, mas no envolvimento pessoal com prostitutas.
Fernando Sant’Anna também não silenciou sobre o hábito de frequentar zonas de
meretrício. Ao falar de sua juventude como militante comunista na cidade de Salvador,
nos anos 1930, informou que dividia suas ocupações entre a sala de aula – ele estudava
no Ginásio da Bahia – e as reuniões do partido. Para se divertir frequentava o Baiano de
Tênis, clube frequentado pelas elites; e, sobretudo, o cassino Tabaris, que ficava perto da
Praça Castro Alves. O espaço era frequentado por políticos, homens da elite baiana e
algumas mulheres que entravam por curiosidade. Além do óbvio espaço para jogos, o
cassino, como de costume, contava com área de dança e shows. Entre as dançarinas,
muitas eram “mulheres de vida livre”, expressão usada por Sant’Anna como sinônimo de
prostituta. Mas advertiu que quem frequentava o Baiano e o Tabaris, ambos altamente
elitistas, era o “Fernando mundano” não o “Fernando Comunista”. 95 A ressalva
provavelmente foi feita para frisar que quando vestia a capa de comunista assumia um
comportamento condizente à moral pregada pelo partido.
Ede Ricardo Soares, ao investigar a atuação do PCB em Alagoinhas-Bahia, entre
1945 e 1956, descobriu que mais do que um espaço de entretenimento, as casas de
prostituição poderiam servir para reuniões políticas. Ao que parece, esse foi o caso da
Pensão Americana, propriedade de Maria Francisca Pereira, mais conhecida como
Arabela. A “dona de pensão” foi militante do partido e seu estabelecimento frequentado
por pecebistas. Os indícios apontam que anos antes das atividades políticas, Arabela teria
sido prostituta.96 Em 1950, quando anunciou sua desfiliação do PCB na imprensa local e
estadual, aproveitou para solicitar aos “ex-companheiros” que tivessem a “fineza” de
pagar o que lhes deviam. E ameaçou: “Em caso contrário chamarei nominalmente os
mesmos pela imprensa”.97
Os “desvios” de conduta de parte da militância, bem como a moral e o
comportamento dos pecebistas, considerando questões relacionadas à família e à
sexualidade, estavam em total acordo com a moral – e a tolerância a certos desvios – da
95
RISÉRIO, Antônio. Adorável comunista: história, política, charme e confidências de Fernando
San’Anna. Rio de Janeiro Versal, 2002. p. 50-60.
96
SOARES, Ede Ricardo de Assis. Os comunistas e a formação da esquerda (Alagoinhas, 1945-1956).
Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal
da Bahia, Salvador, 2013, passim.
97
Ibid., p. 68
297
moral burguesa tão criticada pelo grupo. As narrativas sobre o casamento não se
distanciavam desses valores.
98
GUIMARÃES, Wladimir. Heroina e Martir. O Momento, Salvador, ano 1, p. 2, 15 out., 1945.
99
PRESTES, 1993, p. 64.
298
devotada e dona de casa exemplar100, que seu marido Luiz Carlos Prestes lembrava que,
diferente dela, Olga nunca foi uma mulher dada às prendas domésticas. “Não sabia fazer
tantos pratos, costurar, muito menos arrumar o aparelho clandestino com feminilidade.
Olga, dizia o velho, era inteligente, gostava de estudar, mas do prazer cotidiano ela abriu
mão muito cedo”.101
Não é possível atestar as avaliações de Prestes sobre sua relação com Olga a partir
das memórias de Maria, com quem casou (não legalmente) em 1952 e permaneceu até o
final da vida. As lembranças falam mais dela mesma e de suas concepções sobre o que
seria o “prazer cotidiano” das mulheres. Ser inteligente e gostar de estudar, para Maria, e
talvez para Prestes dada a sua formação cultural, comprometia a “feminilidade” e,
consequentemente, a harmonia do lar. Ainda segundo as lembranças da sua companheira,
quando foi pedida em casamento ela ficou com medo de aceitar por ele ser o chefe
máximo do partido, “pessoa importante e de inteligência singular, enquanto ela era
simplesmente uma pessoa subordinada à estrutura partidária”.102 Diante do impasse, o
“Cavaleiro da Esperança” teria argumentado, segurando em sua mão:
100
O próprio título do seu livro de memórias reflete a importância que o casamento assumiu em sua vida.
Em Meu companheiro: 40 anos ao lado de Luiz Carlos Prestes, ela narra suas experiências como militante
do PCB e como mulher de Prestes. A narrativa centra-se no cotidiano da militância e da entrecruzada vida
em família com o famoso “Cavaleiro da Esperança”.
101
PRESTES, 1992, p. 63-64.
102
Ibid., p. 72.
103
Ibid., p. 73.
299
Até nas fileiras de nosso Partido se faz sentir a influência dessas velhas
ideias que pregam a superioridade do homem sobre a mulher e
defendem a condição do homem como “senhor”, o que acarreta graves
prejuízos ao movimento revolucionário e conduz a subestimar o papel
da mulher na luta de libertação nacional e social do povo brasileiro.106
104
Para ampliar o debate cf: ÁVILA, Maria Betânia. Notas sobre o trabalho doméstico. In: LIMA, Maria
Ednalva Bezerra de. et al (Orgs). Transformando as relações trabalho e cidadania: produção, reprodução
e sexualidade. São Paulo: CUT/BR, 2007.
105
FERREIRA, 2002, p. 124.
106
RIBEIRO, 1955, p. 2-4.
107
O Código Civil de 1916 atravessou quase um século sendo palco de disputas. Somente em 2002 foi
integralmente reformulado. BRASIL. Lei nº 10.406, de10 de janeiro de 2002. Código Civil. Brasil, DF.
Presidência da República [2002]. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm> Acesso em 18 jan., 2020.
300
108
A ASSEMBLEIA e os direitos da mulher. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 5, n. 96, p. 5,
out./nov., 1952.
109
SINAL dos tempos a união das mulheres latino-americanas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 8,
n. 108, p. 20-21, set./out./nov., 1954.
110
BRITO, Fernanda. Divórcio. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 5, n. 93, p. 10, jun., 1952. Nesta
edição o artigo está assinado no masculino, Fernando Brito. No entanto, os artigos das edições seguintes
passaram a ser assinados no feminino, como Fernanda Brito. Como eram comuns os erros de edição,
acreditamos que foi o que ocorreu quando foi publicado o primeiro texto da colunista.
111
Ibid.
112
Ibid.
113
Ibid.
301
114
BRITO, 1952, p. 10.
115
FIGUEIREDO, Nice. Os deveres da mulher casada. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 26, p.
2, 16 jan., 1948.
116
Idem. A capacidade da mulher casada. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 33, p. 3, 12 mar.,
1948.
302
era traída, que sofria violência física e/ou que o marido não estava provendo a família
devidamente. Quando a mulher não apresentava causa justa para abrir mão do casamento,
a lei obrigava que parte dos seus rendimentos fossem temporariamente sequestrados “em
proveito dos filhos e do marido”.117 Nice estava de acordo com a obrigatoriedade das
mulheres assumirem a responsabilidade financeira com os filhos, mas considerou
inaceitável que o marido tivesse o direito de receber e gastar parte dos rendimentos da
esposa. Para ela, a imposição era uma forma de coagi-la, contrariando sua liberdade
individual.
Se uma mulher, pela razão, pelo sentimento e pelo seu caráter não se
sente vinculada ao homem que é seu marido e aos filhos que saíram do
seu ventre, não será castigo econômico e a privação de dinheiro que fará
essa mulher mudar de atitudes e compreensão, transformando-a em boa
esposa e boa mãe. Pode ser que forçada pela situação financeira ela
volte para habitação conjugal; pobres filhos e pobres maridos, que têm
por mãe e esposa não uma mulher que os ame, mas uma mulher que
ama o seu dinheiro, o conforto que lhe proporciona. [...] Compreende-
se perfeitamente o sequestro em favor dos filhos, porque essa medida
traduz uma responsabilidade em face destes filhos, responsabilidade
que tem de ser dividida entre pai e mãe. Mas o sequestro em favor do
marido é incompreensível, pois é atribuído como medida coercitiva que
além de vergonhosa é inútil e, sobretudo, prejudicial quando consegue
surtir os efeitos desejados.118
117
FIGUEIREDO, Nice. O sustento da mulher. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 22, p. 2, 19
dez., 1947.
118
Ibid.
119
Ibid.
303
Para ela, a lei nada mais era do que uma forma de mascarar a ausência de coragem
dos homens “de enfrentar suas derrotas conjugais”.120 Através do recurso da ironia, a
advogada sugeriu que os homens precisavam aprender a lidar com o abandono afetivo.
No texto, ela evita se posicionar sobre os motivos que poderiam levar uma mulher a
romper com o casamento e com a maternagem, também não fez nenhum julgamento
moral, se atendo à análise das determinações legais que, para ela, eram absurdas e
atentavam contra a autonomia das mulheres.
Além de provocar problemas no plano jurídico, os papeis idealizados para homens
e mulheres no casamento embaraçavam o cotidiano dos casais que em alguma medida
estavam fora do padrão, realidade que inspirou a criação literária de Alina Paim. Zélia,
personagem de Sol do Meio Dia, enfrentava problemas conjugais porque era
profissionalmente bem-sucedida, ao contrário do marido que não conseguia se estabelecer
em sua profissão. O fato fazia com que ele se sentisse diminuído, mas sem iniciativas
para mudar. Zélia parecia não ver problema na condição em si, mas na imobilidade do
marido diante dela.
Já as mulheres da pequena cidade de Simão Dias eram submetidas a um modelo
de casamento que diminuía suas potencialidades. A personagem Maria do Carmo
questionava as vantagens da vida conjugal. “Casar traria mesmo vantagens? Esfregar
fundo de panela, pregar botão em roupa, ter filho, mudar fraldas mijadas, ouvir berros
[...]”. 121 Não era essa sua expectativa de vida. O que desejava mesmo era “Ganhar
dinheiro e falar grosso” para não precisar “engolir a seco” tudo que lhe diziam.122 Marina
de Estrada da Liberdade estava certa de que não queria para si um matrimônio em que
tivesse que se submeter a um “senhor”. Para ela:
120
FIGUEIREDO, Nice. O sustento da mulher. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 22, p. 2, 19
dez., 1947.
121
PAIM, 1949, p. 119.
122
Ibid., p. 84.
304
123
PAIM, 1944, p. 140.
124
Ibid., p. 153.
125
Ibid., p. 140.
126
Idem., 1961, p. 275.
305
127
FIGUEIREDO, Nice. Contra o casamento. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 31, p. 8, 27
fev., 1948.
128
Idem. Os deveres da mulher casada. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n, 27, p. 8, 23 jan., 1948.
129
Idem. Contra o casamento. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 31, p. 8, 27 fev., 1948.
130
Ibid.
131
Ibid.
132
Ibid.
133
CONSENTIMENTO para casar. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 10, p. 8, 26 set., 1947.
306
134
RIBEIRO, 1955, p. 2-4.
307
135
A MULHER e o 1º de Maio. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 7, n. 107, p. 18, mai., 1954.
136
BASTOS, Lygia Maria Lessa. A mulher venceu... Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 2, n. 45, p.
3, 23 jul., 1948.
137
PASSOS, Jacinta. Chiquinha. In: PASSOS, Jacinta. Canção da Partida. São Paulo: Gaveta, 1945 apud
AMADO, 2010. p. 117.
308
túnica,/ foi vênus olímpica,/ foi deusa na arte,/ foi serva na vida./ No
império romano,/ teu corpo serviu a César/, guerreiros,
fidalgos, patrícios,/ à flor da nobreza,/ miséria e grandeza,/ foi
senhora-escrava,/ matrona impoluta,/ dama e prostituta
Chiquinha/ Chiquinha/ durante dez séculos,/ teu corpo fechado/ nas
torres feudais/ de imensos castelos,/ foi corpo arrancado/ da terra, da
vida,/corpo sem raiz,/ feito puro espírito,/mistério e tabu,/ teu corpo
adorado/ foi corpo explorado.
E quando as nações/, nos tempos modernos,/ abriram caminhos/ ao
mundo futuro,/caminhos no mar/ em busca de terras,/ riquezas,
escravos,/ teu corpo apanhado/ nas selvas da África/ chegou ao
mercado/vendido e comprado,/teu corpo de negra/ teus braços de
serva,/ teu sexo de fêmea,/ teu ventre fecundo,/ produtor de escravos,/
dos donos do mundo./ Teu corpo apanhado/ nas selvas da África,/ nas
terras indígenas,/ nas tribos nativas/ das ilhas do mar,/ teu corpo
ajudou/ Europa a crescer/ e um mundo a nascer/ nas terras da
América.138
138
PASSOS, 1945, p. 116-117.
139
Para mais informações sobre as estruturas sociais em África e sobre os imaginários acerca do continente,
cf., respectivamente, LOVEJOY, Paul E. A escravidão na África: uma história de suas transformações. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002; OLIVA, Anderson Ribeiro. Reflexos de África: ideias e
representações sobre os africanos no imaginário ocidental, estudos no Brasil e Portugal. Goiânia: Ed. da
PUC Goiás, 2010.
309
Pareces criança./ Chiquinha,/ magrinha/ que doce esperança te faz resistir?”. 140 A
esperança estaria no desenvolvimento das forças produtivas burguesas que oferecia as
bases materiais – industrialização e inserção das mulheres no mundo produtivo
desvencilhando-as do mundo doméstico – para a posterior revolução comunista:
140
PASSOS, op. cit., p. 115.
141
PASSOS, 1945, p. 115-120.
142
Idem. Estrela do Oriente. In: PASSOS, Jacinta. Canção da Partida. São Paulo: Gaveta, 1945 apud
AMADO, 2010. p. 106.
143
PAIM, 1950, p. 79.
144
Idem., 1944, p. 222-224.
145
Idem., 1950, p. 203.
146
Ibid.
310
Minha terra tem gaiola/ onde canta o sabiá. [...] Bernadete é preta,/ é
preta que nem tição/ Bernadete é pobre/ é pobre sem um tostão./ Regina,
Minervina, Estelita e Conceição.151/ – Pelo sinal da pobreza!/ – Pelo
sinal de mulher!/ – Pelo sinal da nossa cor!/ Nós somos gente marcada/
– ferro em brasa em boi zebu –/ ninguém precisa dizer:/ Bernadete,
quem és tu? 152
147
1ª Assembleia Nacional de Mulheres: Resoluções sobre os direitos das mulheres, documento aprovado
em 18 nov., 1952. Arquivo Público do Estado de São Paulo, microfilmes do Archivio Storico del Movimento
Operaio Brasiliano, Instituto Astrojildo Pereira, Fundo Roberto Morena, 1932-1978.
148
PAIM, 1950, p. 46.
149
Ibid., p. 40.
150
PASSOS, 1945, p. 91.
151
As personagens foram inspiradas nas empregadas da família Passos de mesmo nome. Lembremos, como
foi narrado no capítulo 4, que Regina trabalhou para Jacinta em alguns momentos de sua vida.
152
PASSOS, op. cit., p. 92.
311
Para a maioria das mulheres que compuseram o movimento feminista que estamos
acompanhando nestas páginas, a independência econômica era a chave mestra da porta
da liberdade. Para Nice Figueiredo: “Só a independência econômica assegurará às
mulheres um tratamento igual aos homens. Não a independência resultante de herança ou
dote, mas a decorrente do trabalho”.154 Lembremos que independência econômica não
significava simplesmente trabalhar fora de casa. As trabalhadoras pobres sabiam – e o
movimento feminista de orientação comunista compreendeu – que trabalhar por baixos
salários e sem infraestrutura adequada para as crianças não garantiria a autossuficiência
para as mulheres. Dentro do projeto defendido pelo PCB, as mulheres só conseguiriam
conquistar efetivamente a independência econômica quando existisse as condições
materiais necessárias no Brasil, o que só aconteceria quando o país se emancipasse do
imperialismo norte-americano. Pensando a intersecção de gênero e classe, Iracema
Ribeiro destacou:
153
1ª Assembleia Nacional de Mulheres, op. cit.
154
FIGUEIREDO, Nice. A importância do trabalho para a mulher casada. Momento Feminino, Rio de
Janeiro, ano 1, n. 37, p. 11, 16 abr., 1948.
155
RIBEIRO, 1955, p. 3-4.
312
Se você, leitora, é uma mulher capaz de orientar a sua vida sem precisar
dos conselhos de todos os seus parentes e vizinhos, se você resolve seus
problemas morais ou de qualquer outra espécie sem exigir ajuda de
amigos; se você luta para realizar um ideal mesmo contra o ambiente
em que você vive; se você tem a coragem de sofrer para não obedecer
servilmente; se você prefere perder o conforto, o luxo e a comodidade
para sustentar a sua opinião e a sua vontade ou para não fazer o que lhe
parece errado, então, você pode ser independente. Você só não será
realmente independente se não for capaz, além de tudo, de bastar-se por
si própria, de trabalhar e sustentar-se, de se vestir, comer e morar na sua
própria casa, ou de contribuir com a sua parcela para a satisfação das
necessidades do grupo em que você vive. Esta é a independência
econômica que lhe permite ter independência moral.157
156
BEAUVOIR, 2016, p. 142.
157
FIGUEIREDO, Nice. O que é independência? Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 39, p. 4, 30
abr., 1948.
313
demarcação de gênero mais explícita. Através da voz de Luísa, observou que as mulheres
estavam imersas em uma cultura que as tornavam afetivamente dependentes dos homens.
De geração em geração eram ensinadas que precisavam de uma figura masculina gerindo
e controlando autoritariamente suas vidas, “primeiro o pai depois o marido”. Assim, a
sustentação do “poder odioso” era garantida pelas próprias mulheres devido ao “defeito
de visão” e à “educação lhe haviam colocado diante dos olhos”.158
158
PAIM, 1949, p. 202-203.
159
Ibid., p. 202.
160
Depois de perder o marido em uma tragédia e de ter enfrentado a tentativa do pai em segurar as rédeas
de sua vida agora que estava viúva, Luísa colocou-se a pensar. Atrás do balcão da loja que agora lhe
pertencia, “passou as mãos sobre as cochas, alisando dobras do vestido de luto. Continuou pensando,
abrindo os compartimentos da alma, como quem penetra em terreno desconhecido, cheio de surpresas, de
que nunca se havia aproximado na ausência da luz”. PAIM, 1949, p. 203.
161
PAIM, op. cit., p. 206.
314
Em sintonia com Luísa, a personagem Ester – Sol do Meio Dia – quebrou muito a
cabeça para entender os problemas enfrentados pelas mulheres. Como consequência,
viveu tensos debates com os companheiros comunistas, que lhe acusavam de ter uma
“visão unilateral imbuída de paixões e, por isso, desgarrada do conjunto”.165 Acusada de
ter “um desvio feminista” – adjetivo que, no período, soava pejorativo para as mulheres
comunistas porque era uma forma de equipará-las às “pequeno-burguesas” – sofreu
muitas repreensões, que não a impediu de manter-se firme na defesa da igualdade entre
os sexos. Acreditava que os problemas das mulheres não poderiam ser pensados apartados
da luta de classes. “Custou-lhe muito entender que não existem problemas isolados, que
enquanto todo o povo fosse explorado, a mulher, por abandonar a casa pela fábrica ou
escritório, não alcançava por este gesto a sua carta de alforria”.166
Para Ester, diferente do que o partido muitas vezes tentou impor, o fim da
exploração da classe trabalhadora não traria a liberdade para as mulheres de maneira
automática. Para alcançá-la, seria necessária uma mudança estrutural radical nos campos
político, social e cultural. O projeto só seria bem-sucedido com a eliminação das
162
PAIM, 1949, p. 203-204.
163
Ibid. 206.
164
Ibid.
165
Idem., 1961, p. 92-93.
166
Ibid.
315
hierarquias entre homens e mulheres. A “questão da mulher” não deveria ser colocada em
plano secundário. “A luta não é mesquinha. [...] E por que é que você pensa que estamos
na luta, nós as mulheres? De que adianta vencer se na grande partilha não houver violetas
para todas”.167
167
PAIM, 1961 p. 92-93.
168
Ibid., p. 33-34.
169
Ibid., p. 309.
316
170
PAIM, 1961, p. 324-325.
317
Apesar dos dissensos, grande parte das mulheres que movimentou o debate
compreendeu que havia uma cultura de subordinação do gênero feminino que atravessava
diferentes tempos e espaços. De geração em geração, as mulheres aprendiam a naturalizar
suas amarras e organizar suas vidas a partir de uma ordem de gênero regulada pelo
machismo estrutural que se misturava ao racismo e às desigualdades de classe. O
imbricamento gerava desigualdade entre as próprias mulheres.
As feministas que nos acompanharam ao longo da tese perceberam as
desigualdades e discutiram o que mais tarde Pierre Bourdieu chamou de violência
simbólica, que se traduz, na prática, no fato das mulheres assumirem sozinhas uma série
de responsabilidades na esfera doméstica, mesmo quando trabalham fora dela,
sobrecarregando-se; ao mesmo tempo em que se sentem culpadas e deprimidas quando
não conseguem se enquadrar aos ideais da feminilidade perfeita, que inclui o casamento
e a maternidade como suas principais realizações.171
Para o movimento feminista de orientação comunista, havia chegada a hora de
quebrar as hierarquias de gênero historicamente construídas. Sem pressa, de maneira
171
Pierre Bourdieu definiu a violência simbólica como um tipo de violência sutil marcada pela primazia da
dominação masculina, que “se afirma na objetividade de estruturas sociais e de atividades produtivas e
reprodutivas, baseadas em uma divisão sexual do trabalho de produção e de reprodução biológica e social,
que confere aos homens a melhor parte, bem como nos esquemas imanentes a todos os habitus: moldados
por tais condições, portanto objetivamente concordes, eles funcionam como matrizes de percepções, dos
pensamentos e das ações de todos os membros da sociedade, como transcendentais históricos que, sendo
universalmente partilhados, impõem-se a cada agente como transcendentes. Por conseguinte, a
representação androcêntrica da reprodução biológica e da reprodução social se vê investida da objetividade
do senso comum, visto como senso prático, dóxico, sobre o sentido das práticas. E as próprias mulheres
aplicam a toda a realidade e, particularmente, às relações de poder em que se veem envolvidas, esquemas
de pensamento que são produto da incorporação dessas relações de poder e que se expressam nas oposições
fundantes da ordem simbólica. Por conseguinte, seus atos de conhecimento são, exatamente por isso, atos
de reconhecimento prático, de adesão dóxica, crença que não tem que se pensar e se afirmar como tal e que
‘faz’, de certo modo, a violência simbólica que ela sofre”. BOURDIER, Pierre. A dominação masculina.
11ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012. p. 45.
318
172
PASSOS, Jacinta. Canção do Segredo. In: PASSOS, Jacinta. Canção da partida. Salvador: São Paulo:
Edições Gaveta, 1945 apud AMADO, 2010, p. 109.
319
Chegou a hora das palavras finais de uma história que não se encerra aqui: a
história do feminismo ou dos feminismos no Brasil. Na tese minha intenção foi
demonstrar que entre as décadas de 1940 e 1970 desenvolveu-se um significativo
movimento feminista que comumente é negligenciado pela historiografia, que considero
ainda muito presa a uma cronologia que divide as temporalidades em fases bem
demarcadas. Essas narrativas pensam o movimento como uma extensão do movimento e
da epistemologia feminista construídos em países da Europa e nos Estados Unidos.
Ao longo dos capítulos espero ter demonstrado que é possível enxergar outros
movimentos para além das ondas. A primeira onda feminista não foi interrompida nos
anos 1940 para ressurgir em 1970 completamente renovada. A maré feminista sempre
esteve em movimento. Na disputa de narrativas produzidas no pós-1970 as vozes das
mulheres que se engajaram na luta contra a ordem de gênero antes da famosa década do
feminismo foram silenciadas.
No período que antecedeu a emblemática década de 1970, mulheres se articularam
politicamente e construíram projetos feministas de sociedade. A história que escolhi
contar está relacionada ao movimento feminista de orientação comunista que começou a
se articular institucionalmente a partir de 1945, perdendo força entre 1956-57. Apesar da
desestruturação institucional, suas agentes continuaram se movimentando e construindo
o pensamento/ação feminista. No processo, articularam e se expressaram de diferentes
maneiras, mobilizando vários meios: imprensa, organizações e literatura. Foi dirigido por
mulheres das camadas médias, letradas, brancas em sua maioria, o que não significa dizer
que não contou com a presença de mulheres negras e das camadas populares; presença
fundamental para que o movimento levantasse bandeiras compatíveis com a realidade
delas, a exemplo da legalização do emprego doméstico e de condições dignas para as
trabalhadoras, como creches próximas ao local de trabalho, lactários, escolas e condições
de higiene e segurança no emprego. O movimento assumiu o lugar político conectado às
mulheres trabalhadoras.
As demandas feministas foram diversas. Além das reivindicações próprias ao
mundo do trabalho, o movimento lutou por espaços no mundo da política pública ciente
320
Nós, as mulheres, temos muito que fazer. Temos de lutar contra muita
coisa e por muita coisa. Seja por um lugar ao sol ou um descanso à
sombra, seja pela igualdade de direitos ou pelo direito de comer, seja
pela paz ou guerra às injustiças, ao desrespeito e à irresponsabilidade.
Há, e ninguém melhor do que nós, sabe que há, muito que defender e
conquistar. [...] É possível que realizemos alguma coisa ou que nada
consigamos. Não importa. Virá um ano novo e com ele uma nova
esperança. Assim vamos continuando o nosso trabalho enquanto o
tempo passa sem olhar sequer para nós. Mas este mesmo tempo
indiferente será o nosso mensageiro às mulheres que viverão depois no
mundo melhor que estamos preparando.1
1
FIGUEIREDO, Nice. Mais um ano de luta. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 24, p. 2, 03 jan.,
1948.
325
REFERÊNCIAS
Fontes
1. Imprensa
ARCELINA. Uma grande mulher. Momento Feminino, Rio de Janeiro, 27 fev., ano 1, n.
31, p. 2, 27 fev., 1948.
ARCELINA. Uma grande mulher. Momento Feminino, Rio de Janeiro, 27 fev., ano 1, n.
31, p. 2, 27 fev., 1948.
AS EMPREGADAS domésticas no seu trabalho exaustivo. Momento Feminino, Rio de
Janeiro, ano 1, n. 10, p. 1, 26 set. 1947.
AS HEROÍNAS de Tejucupapo. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 1, p. 2,
25 jul., 1947.
AS MULHERES discutem seus problemas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1,
n. 17, p. 8-9, 14 nov., 1947.
AS MULHERES discutem seus problemas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1,
n. 18, p. 8-9, 21 nov., 1947.
AS MULHERES discutem seus problemas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1,
n. 19, p. 7, 28 nov., 1947.
AS MULHERES do Brasil festejam entusiasticamente o 8 de março data Internacional
da Mulher. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 66, p. 3, 17 mar., 1950.
ATENDENDO a sua consulta. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 16, p. 12,
07 nov., 1947.
ATIVIDADES Femininas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 67, p. 2, 24
fev., 1950.
ATIVIDADES Femininas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 4, p. 7, 15
ago., 1947.
ATIVIDADES Femininas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 18, p. 8-9, 21
nov., 1947.
ATIVIDADES Femininas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, mar./abr., ano 4, n. 92,
p. 2 1952.
BARBARA Heliodora. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 2, n. 68, p. 3, 02 mai.
1950.
BASTOS, Fany. Na URSS a mulher já conquistou os seus direitos. Momento Feminino,
Rio de Janeiro, ano 3, n. 65, p. 7, 24 fev., 1950.
BASTOS, Lygia Maria Lessa. A mulher venceu... Momento Feminino, Rio de Janeiro,
ano 2, n. 45, p. 3, 23 jul., 1948.
BITTENCOURT, Rosa da Costa. Nosso Amor Nossa Vida. Momento Feminino, Rio de
Janeiro, ano 4, n. 80, p. 2, 18 jan., 1951.
BRITO, Fernanda. Divórcio. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 5, n. 93, p. 10,
jun., 1952.
327
MARIA Aparecida, a jovem heroína. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 66,
p. 5, 17 mar., 1950.
MARIA CLARA. Confidências... Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 5, p. 4,
22 ago., 1947.
MOCHEL, Arcelina. A estrada da libertação nacional deve ser aberta por nós. Momento
Feminino, Rio de Janeiro, ano 3. n. 75, p. 2, 01 set., 1950.
MOCHEL, Arcelina. Nosso Problemas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n.
66, p. 2, 17 mar., 1950.
MOCHEL, Arcelina. Nossos Problemas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n.
1, p. 2, 25 jul., 1947.
MOCHEL, Arcelina. Nossos Problemas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n.
28, p. 2, 30 jan., 1948.
MOCHEL, Arcelina. Três anos de luta. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n.
73, p. 2, 01 ago., 1950.
MOMENTO feminino. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 2, p. 2, 01 ago.
1947.
MOMENTO político. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 7, n. 105, p. 16, abr.,
1954.
MONTENEGRO, Ana. Direitos da mulher. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 9,
n. 115, p. 34, 1955.
MONTENEGRO, Ana. Eleições marcadas de sangue. Momento Feminino, Rio de
Janeiro, ano 4, n. 76, p. 3, 20 set., 1950.
MONTENEGRO, Ana. Imprensa feminina fator de educação. Momento Feminino, Rio
de Janeiro, ano 1, n. 20, p. 10, 05 dez. 1947.
MONTENEGRO, Ana. Novos Mártires. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n.
69, p. 3, 18 mai., 1950.
MULHERES sofrem violência. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 2, n. 24, p. 7,
03 jan. 1948.
NA HISTÓRIA do Trabalho Humano pela primeira vez reúnem-se Mulheres
Trabalhadoras do Mundo inteiro. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 9, n. 118, p.
21, 1956.
NOSSA saudação. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 79, p. 11, 20 dez.,
1950.
NOSSA solidariedade a Alina Paim. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 51, p.
7, abr., 1951.
NOSSO Amor Nossa vida. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 4, n. 79, p. 2, 20
dez., 1950.
331
A HORA Próxima em Russo. Leitura, Rio de Janeiro, ano 15, n. 5, p. 72, nov., 1957.
BRASILEIROS: lemos os seus livros na Rússia. Leitura, Rio de Janeiro, n. 59, p. 32-33,
mai., 1962.
LEITE, Ascendino. Estrada da Liberdade. Leitura, Rio de Janeiro, n. 25, p. 18, jan.,
1945.
LIMA, Camillo de Jesus. Estrada da Liberdade. Leitura, Rio de Janeiro, n. 29, p. 48,
mai., 1945.
LIMA, Melo. Leitura descobre uma romancista. Leitura, Rio de Janeiro, n. 19, p. 40-41;
69, jun. 1944.
MEDAUAR, Jorge. Dois romances. Leitura, Rio de Janeiro, n. 34, p. 12-16, out., 1945.
ROSEMBLATT nos fala da Editora Globo. Leitura, Rio de Janeiro, n. 47, p. 18, fev.
1948.
SOUZA, Fernando Tude. A professorinha Marina. Leitura, Rio de Janeiro, n. 27, p. 13,
mar., 1945.
TRÊS notáveis escritores soviéticos visitaram o brasil. Leitura, Rio de Janeiro, n. 67, p.
61, jan., 1963.
A ORDEM de prisão contra Alina Paim. Voz Operária, Rio de Janeiro, ano 3, n. 98, p.
3, 07 abr., 1951.
PAIM, Alina. O comunismo é como o vento. Voz Operária, Rio de Janeiro, ano 2, n.
82, p. 12, Rio de Janeiro, 16 dez.
PARA onde vai o governo de JK. Voz Operária, Rio de Janeiro, n. 402, p. 5, 02 fev.,
1957.
ESCRITORES das Américas: Lima Barreto. Seiva, Salvador, ano 3, n. 10, p. 35, out.,
1941.
PASSOS, Jacinta. O sentido atual da Literatura. Seiva, Salvador, ano 3, n. 13, p. 9-10,
ago., 1942.
JURANDIR, Dalcídio. Três Livros. Novos Rumos, Rio de Janeiro, ano 3, n. 120, p. 5,
23-29 jun., 1961.
A.F. Livros do Dia. A Manhã, Rio de Janeiro, ano 4, n. 1095, p. 3, 6 mar., 1945.
ABERTURA de inquérito na Câmara dos deputados. Diário de Notícias, Rio de Janeiro,
ano 18, n. 7751, p. 3 (seção 1), 30 jan., 1948, p. 3.
AROLIMA. Sagramor: uma vida voltada para uma obra. Revista do Rádio, Rio de
Janeiro, ano 1, n. 4, p. 4-5, maio de 1948.
AS MULHERES brasileiras querem um lugar na mesa da paz. Diário da Bahia, Salvador,
p. 2, 12 fev. 1945.
BASTIDE, Roger. Tabuleiro de livros da Bahia. O Jornal, ano 27, n. 7627, p. 4, 10 mar.,
1945.
BASTIDE, Roger. Trimestre Poético. O Jornal, Rio de Janeiro, ano 27, n. 7.639, p. 4,
24 mar., 1945.
336
BONFIM, Beatriz. Com Alina Paim voltam ao romance os temas do subúrbio carioca: A
Correnteza. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, ano 89, n. 69, p. 1 (Guia Semanal de Ideias
e Publicações), 16 jun., 1979.
BRAGA, Newton. Uma voz da província. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, ano 44, n.
15452, p. 1 (2ª seção), 18 mar., 1945.
BRASIL, Assis. Literatura feminista (2). Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, ano 71, n. 211,
p. 2 (Suplemento Dominical).09 set., 1961.
CÂNDIDO, Antônio. Poeta e Poesia. O Jornal, Rio de Janeiro, ano 27, n. 7864, p. 4, 15
dez., 1945. apud AMADO, 2010, p, 459-464.
CASTRO, Moacir Werneck de. Éramos assim em 1949. Jornal do Brasil, ano 97, n. 136,
p. 11 (1° Caderno), 22 ago., 1987.
CAVALCANTI, Valdemar. Jornal Literário. O Jornal, Rio de Janeiro, ano 47, n. 13.673.
p. 2 (2° Caderno), 27 abr., 1966.
DANTAS, Raimundo Souza. Meditações sobre jovens. Correio da Manhã, Rio de
Janeiro, ano 47, n. 16907, p. 8 (2ª seção), 1-2 mai., 1948.
DE CARÁTER subversivo as duas entidades. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, ano 56,
n. 19.581, p. 5 (1 cad.), 24 jan., 1957.
DE TODOS os Fronts. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 13 jun., 1948, p. 8 (2ª
Seção)1948.
EM PROPAGANDA da União Feminina. Diário da Bahia, Salvador, p. 1, 04 Jul. 1935.
Entrevista concedida a Ana Maria Leal Cardoso, fev., 2009, Campo Grande, MS apud
CARDOS, Leal. A obra de Alina Paim. Interdisciplinar, Aracaju, ano 4, v. 8, p. 35-45,
jan./jun., 2009. p. 37.
FACULDADE Nacional de Direito (nota de convocação). Correio da Manhã, Rio de
Janeiro, ano 40, n. 14214, p. 8, 07 mar., 1941.
FECHADAS a Federação de Mulheres do Brasil e a Associação Feminina. Diário de
Notícias, Rio de Janeiro, ano 27, n. 10.495, p. 15, 24 jan., 1957.
FEDERAÇÃO de Mulheres do Brasil. Última Hora, Rio de Janeiro, ano 6, n. 1.525, p.
10 (cad. 2), 12 jun., 1956.
FILHO, Adonias. A crítica literária. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, ano 32, n. 11.847,
p. 2 (Segunda seção), 28 jun., 1961.
FILIZOLA, Wania. Alina Paim, a vencedora. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, ano 34,
n. 13080, p. 6 (Suplemento Literário), 11 jul., 1965.
FORA do Prelo. Revista da Semana, Rio de Janeiro, n. 44, p. 45, 04 nov., 1950.
GONÇALVES, Isolda. Autora de livros queimados em praça pública rompe silêncio de
12 anos. Diário de Pernambuco, Recife, ano 154, n. 169, p. 7 (seção D), 24 jun., 1979.
337
GUIMARÃES, Ruth. Sobre um moleiro e duas sombras. Jornal de Notícias, São Paulo,
ano 5, n. 1.375, p. 1 (Segundo caderno), 15 out., 1950,
JEAN, Yvone. Momento Feminino. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, ano 17, n. 7606,
p. 3 (Seção 2) 12 ago. 1947.
Livros infanto-juvenis
Contos
PAIM, Alina. A Carta. Leitura, Rio de Janeiro, ano 9, n. 43-44, p. 22-23, jan./fev.,
1961.
______. A casa. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 68, p. 4, 02 mai., 1950.
______. A outra lição. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 3, n. 81, p. 4, fev., 1951.
______. Agonia. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, ano 48, n. 17.184, p. 2 (3°
Caderno), 27 mar., 1949.
______. Inauguração da luz elétrica. Momento Feminino, Rio de Janeiro, ano 1, n. 2, p.
8, 01 ago., 1947.
339
______. O comunismo é como o vento. Voz Operária, Rio de Janeiro, ano 2, n. 82, p.
12, Rio de Janeiro, 16 dez.
Artigos jornalísticos
PAIM, Alina. A educação na Rússia. Leitura, Rio de Janeiro, ano 3, n. 29, p. 47, mai.,
1945.
______. Dez dias que abalaram o mundo. Leitura, Rio de janeiro, ano 3, n. 31, p. 34,
jul., 1945.
______. A Mulher e a FEB, O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 22 set., n. 48, p. 3, 1945.
Entrevistas
BONFIM, Beatriz. Com Alina Paim voltam ao romance os temas do subúrbio carioca:
A Correnteza. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, ano 89, n. 69, p. 1 (Guia Semanal de
Ideias e Publicações), 16 jun., 1979.
GONÇALVES, Isolda. Autora de livros queimados em praça pública rompe silêncio de
12 anos. Diário de Pernambuco, Recife, ano 154, n. 169, p. 7 (seção D), 24 jun., 1979,
republicada em Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, ano 29, n. 109, p. 6, 14-15 jul.,
1979.
Entrevista concedida a Ana Maria Leal Cardoso, fev., 2009, Campo Grande, MS apud
CARDOS, Leal. A obra de Alina Paim. Interdisciplinar, Aracaju, ano 4, v. 8, p. 35-45,
jan./jun., 2009.
MEIRA, Mauritônio. Alina Paim (escritora com rosto de adolescente) faz Romance
Social com a participação do povo. Última Hora, Rio de Janeiro, ano 4, n. 999, p. 5-6, 18
set., 1954.
PASSOS, Jacinta. Canção Simples. In: PASSOS, Jacinta; CAETANO FILHO, Manoel.
Nossos Poemas. Salvador: Bahiana, 1942.
340
______. Eu serei poesia. In: PASSOS, Jacinta; CAETANO FILHO, Manoel. Nossos
Poemas. Salvador: Bahiana, 1942.
______. Limitação. In: PASSOS, Jacinta; CAETANO FILHO, Manoel. Nossos Poemas.
Salvador: Bahiana, 1942.
______. Mulher. In: PASSOS, Jacinta; CAETANO FILHO, Manoel. Nossos Poemas.
Salvador: Bahiana, 1942.
______. O momento eterno. In: PASSOS, Jacinta; CAETANO FILHO, Manoel. Nosso
Poemas. Salvador: Bahiana, 1942.
______. Ressonância. In: PASSOS, Jacinta; CAETANO FILHO, Manoel. Nossos
Poemas. Salvador: Bahiana, 1942.
______. Canção da Partida. In: PASSOS, Jacinta. Canção da Partida. São Paulo:
Edições Gaveta, 1945.
______. Canção do Segredo. In: PASSOS, Jacinta. Canção da Partida. São Paulo:
Edições Gaveta, 1945.
______. Os heróis e as feras. In: PASSOS, Jacinta. A Coluna. Rio de Janeiro: Coelho
Branco, 1947.
______. Canção do amor livre. In: PASSOS, Jacinta. Poemas Políticos. Rio de Janeiro:
Casa do Estudante do Brasil, 1951.
______. Elegia das quatro mortas. In: PASSOS, Jacinta. Poemas Políticos. Rio de
Janeiro: Casa do Estudante do Brasil, 1951.
______. Oposição no singular. Caderno 2, 1967.
______. Comprimidos poéticos, Caderno 14, 1968
______. Comprimidos poéticos. Caderno 18, 1968.
Contos
Artigos jornalísticos
PASSOS, Jacinta. O sentido atual da Literatura. Seiva, Salvador, ano 3, n. 13, p. 9-10,
ago., 1942.
Entrevistas
PASSOS, Jacinta. Só unidas as mulheres resolverão seus problemas. O Momento,
Salvador, ano 1, n. 40, p. 3, 10 dez., 1945.
341
MEMÓRIAS
Livros
BASBAUM, Leôncio. Uma vida em seis tempos: memórias. São Paulo: Alfa-Ômega,
1976.
CHAVES NETO, Elias. Minha vida e as lutas de meu tempo. São Paulo: Alfa-Omega,
1977.
FALCÃO, João. O Partido Comunista que eu conheci (20 anos de clandestinidade). Rio
de Janeiro, Civilização Brasileira, 1988.
FERRAZ, Geraldo Galvão (Org). Paixão Pagu: uma autobiografia precoce de Patrícia
Galvão. Rio de Janeiro: Agir, 2005. p. 126-127.
GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. A esquerda brasileira: das ilusões à luta
armada. 2° ed. São Paulo: Ática, 1987.
MONTENEGRO, Ana. Ser ou não ser feminista? Recife: Cadernos Guararapes, v. 3,
1981.
MONTENEGRO, Ana; OLIVEIRA, Jardilina de Santana. Falando de Mulheres.
Salvador: ND. Gráfica e Editora LTDA, 2002.
PRESTES, Maria. Meu companheiro: 40 anos ao lado de Luiz Carlos Prestes. Rio de
Janeiro: Rocco, 1992.
RAMOS, Graciliano. Memórias do Cárcere, vol. 1. Rio de janeiro/São Paulo: Record,
1986.
TOSCANO, Moema; GOLDEMBERG, Mirian. A Revolução das Mulheres. Rio de
Janeiro: Revan, 1992.
VINHAS, Moisés. O Partidão: a luta por um partido de massas 1922-1974. São Paulo:
Hucitec, 1982.
WERNECK, Maria. Sala 4: primeira prisão política. Rio de Janeiro: CESAC, 1988.
Entrevistas
OUTROS DOCUMENTOS
Oficiais
342
Textos diversos
ALAMBERT, Zuleika. Feminismo: o ponto de vista marxista. São Paulo: Nobel, 1986.
AMADO, James. Chamado do mar. São Paulo: Círculo do Livro, s/a.
AMADO, Jorge. Bahia de Todos os Santos. São Paulo: Martins, 10ª ed. 1964.
______. O Cavaleiro da Esperança: vida de Luís Carlos Prestes. São Paulo: Cia das
Letras, 2011.
Caso 171. Folhetos do Partido Comunista do Brasil. Disponível em:
<http://sovdoc.rusarchives.ru/> Acesso em: 10 set., 2019.
FOREL, Augusto. A Questão Sexual. 10 ed. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 1941.
KOLLÖNTAI, Alexandra. A nova mulher e a moral sexual. São Paulo: Global, 1979.
LÊNIN, V. I. O socialismo e a emancipação da mulher. Rio de Janeiro. Vitória, 1956.
LOBO, Mara. Parque Industrial. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006.
MATOS, Ariovaldo. Corta-Braço. 2 ed. Salvador: EGBA; Fundação Cultural do Estado
da Bahia, 1988.
TELES, Maria Amélia de Almeida. Breve história do feminismo no Brasil. São Paulo:
Brasiliense, 1999.
TOLEDO, Cecília (Org.). A mulher e a luta pelo socialismo: Coletânea de textos de Marx,
Engels, Lenin, Clara Zetkin, Trotski. Sundermann: São Paulo, 2014.
Livro de Atas
Cartas e telegramas
Carta da Associação Cívica Feminina (assinada por sua presidenta, Felita Presgare
Amaral) para Berta Lutz. 11 abr., 1945, p. 7-8. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro,
Fundo Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, código de referência: BR AN,
RIO Q0. ADM, COR A945.4.
Carta enviada ao General Humberto de Alencar Castelo Branco em 14 abr., 1964.
Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, Fundo Federação Brasileira pelo Progresso
Feminino. Código de Referência BR RJANRIO Q0. ADM, COR. A964.3, p. 34.
345
Documentos policiais
Bibliografia
1. Livros
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX: 1014-1991. São Paulo: Cia
das Letras, 1995.
HOOKS, bell. O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras. 4ª ed. Rio de
Janeiro: Rosa dos Tempos, 2019.
KIERNAN, V. G. Estados Unidos: o novo imperialismo. Rio de Janeiro: Record, 2005.
KILOMBA, Grada. Memória da plantação: Episódios de racismo cotidiano [Recurso
eletrônico]. Rio de Janeiro: Cobogó, 2020.
KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: Contribuições à semântica dos tempos
históricos. Rio de Janeiro: Contraponto, 2006.
KÜHNER, Maria Helena; JACOBINA, Eloá (Orgs.). Feminino Masculino no
imaginário de diferentes épocas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.
LLOSA, Mario Vargas. A verdade das mentiras. São Paulo: Arx, 2004.
LOVEJOY, Paul E. A escravidão na África: uma história de suas transformações. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
MACHADO, Dalila. A história esquecida de Jacinta Passos. Salvador: Secretaria da
Cultura e Turismo/Fundação Cultural do Estado, EGBA, 2000.
MAGALHÃES, Mario. Marighella: o guerrilheiro que incendiou o mundo. São Paulo:
Cia das Letras, 2012.
MAZZEO, Antonio Carlos. Sinfonia inacabada: a política dos comunistas no Brasil.
São Paulo: Boitempo, 1999.
MORAES, Dênis. O imaginário vigiado: a imprensa comunista e o realismo socialista
no Brasil (1947-53). Rio de Janeiro: José Olympio, 1994.
______. O velho Graça: uma biografia de Graciliano Ramos. São Paulo: Boitempo,
2012.
MORENTE, Marcela Cristina de Oliveira. Invadindo o mundo público: movimento de
mulheres (1945-4964). São Paulo: Humanitas, 2017.
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no
Brasil (1917-1964). São Paulo: Perspectiva, 2002.
OLIVA, Anderson Ribeiro. Reflexos de África: ideias e representações sobre os
africanos no imaginário ocidental, estudos no Brasil e Portugal. Goiânia: Ed. da PUC
Goiás, 2010.
PANDOLFI, Dulci. Camaradas e companheiros: História e memória do PCB. Rio de
Janeiro: Relume-Dumará: Fundação Roberto Marinho, 1995.
PEDRO, Joana Maria. Mulheres honestas e mulheres faladas: uma questão de classe.
Florianópolis: EdUFSC, 1994.
PINSKY, Carla Bassanezi. Mulheres dos anos dourados. São Paulo: Contexto, 2014.
349
PINTO, Céli Regina Jardim. Uma história do feminismo no Brasil. São Paulo: Perseu
Abramo, 2003.
RAGO, Elisabeth Juliska. Outras Falas: feminismo e medicina na Bahia (1836-1931).
São Paulo: Annablume/FAPESP, 2007.
RAGO, Margareth. A aventura de contar-se: feminismos, escrita de si e invenções de
subjetividade. Campinas: Editora da Unicamp, 2013.
______. Entre a História e a liberdade: Luce Fabri e o anarquismo contemporâneo. São
Paulo: UNESP, 2001.
RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala? Belo Horizonte: Letramento/Justificando,
2017.
RIBEIRO, Jayme Fernandes. Combatentes da paz: os comunistas e as campanhas
pacifistas dos anos 1950. Rio de Janeiro: 7Letras, 2011.
RISÉRIO, Antônio. Adorável comunista: história, política, charme e confidências de
Fernando San’Anna. Rio de Janeiro Versal, 2002.
SAFFIOTI, Heleieth. Gênero, Patriarcado e violência. São Paulo: Expressão
Popular/Fundação Perseu Abramo, 2015.
SCHUMAHER, Schuma; BRAZIL, Érico Vital. Dicionário Mulheres do Brasil: de
1500 até a atualidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Lima Barreto: triste visionário. São Paulo: Cia das Letras,
2017.
SOIHET, Rachel. Condição feminina e formas de violência: mulheres pobres e ordem
urbana, 1890-1920. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989.
______. Feminismos e antifeminismos: mulheres e suas lutas pela conquista da
cidadania plena. Rio de janeiro: 7Letras, 2013.
SOUSA, Ladjane Alves. Rainhas. Salvador: EDUFBA, 2018.
SOUZA-LOBO, Elisabeth. A classe operária tem dois sexos: trabalho, dominação e
resistência. São Paulo, Perseu Abramo, 2011.
TOSCANO, Moema; GOLDEMBERG, Mirian. A Revolução das Mulheres. Rio de
Janeiro: Revan, 1992.
VAZQUEZ, Petilda Serva. Momento: intervalo democrático e sindicalismo (1942-
1947). Salvador: UNIJORGE, 2009.
VIANNA, Marly de Almeida Gomes. Revolucionários de 35: sonho e realidade. São
Paulo: Expressão Popular, 2007.
3. Capítulos de livros
DELPHY, Christine. Patriarcado (teorias do). In: HIRATA, Helena et alii. Dicionário
crítico do feminismo. São Paulo: UNESP, 2009.
HOLANDA, Sérgio Buarque. Sobre uma doença infantil da historiografia. In: Costa,
Marcos (Org). Escritos Coligidos - Livro II, 1950-1979. São Paulo: Unespe/ Fundação
Perseu Abramo, 2011.
LUKÁCS, Georg. Sobre a forma e a essência: carta a Leo Popper (1910). In: LUKÁCS,
Georg. A alma e as formas. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.
354
MIGUEL, Luis Felipe; BIROLI, Flávia. Introdução: Teoria política feminista, hoje. In:
MIGUEL, Luis Felipe; BIROLI, Flávia (Orgs). Teoria política feminista: textos
centrais. Vinhedo: Horizonte, 2013, p. 7-54.
PORTELLI, Alessandro. O massacre de Civitella Val di Chiana (Toscana: 29 de julho
de 1944): mito, luto e senso comum. In: FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO,
Janaína (Orgs.). Usos & abusos da História oral. 4° Ed. Rio de Janeiro: FGV, 2001, p.
103-130.
QUIJANO, Anibal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In:
LANDER, Edgardo (Org). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais.
Perspectivas latino-americanas. Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina:
CLACSO, 2005. Colección Sur. p. 227-278.
RAGO, Margareth. Ética, anarquia e revolução em Maria Lacerda de Moura. In:
FERREIRA, Jorge; REIS, Daniel Arão (Orgs.). A formação das tradições (1889-1945).
v. 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 273-293.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. População e sociedade. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz
(Org.) História do Brasil Nação: A abertura para o mundo (1889-1930), vol. 3,
Madrid/Rio de Janeiro: Fundación MAPFRE/Objetiva, 2012.
SOARES, Ede Ricardo Assis. Insubordinação das bases do PCB frente às orientações
políticas dos Manifestos de Janeiro de 1948 e Agosto de 1950. In: SENA JÚNIOR,
Carlos Zacarias. Capítulo de história dos comunistas no Brasil. Salvador, EDUFBA,
2016, p. 197-213.
WOLFF, Cristina Scheibe. Jogos de gênero na luta da esquerda armada no Brasil: 1968-
1974. In: WOLFF, Cristina Scheibe; FÁVERI, Marlene de; RAMOS, Tânia Regina
Oliveira. Leituras em rede: gênero e preconceito. Florianópolis: Mulheres, 2007.
BRITO, Mauricio Freitas. Militância estudantil e memória dos anos 1960. Tempo &
Argumento, v. 9. n. 21, Florianópolis, 2017.
CHARTIER, Roger. Literatura e História. Topoi, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 197-216.
Dez. 2000.
COLLINS, Patrícia Hill. O que é um nome? Mulherismo, Feminismo Negro e além
disso. Cadernos Pagu, Campinas, n. 51, 2017.
COSTA, Suely Gomes. Proteção social, maternidade transferida e lutas pela saúde
reprodutiva. Estudos Feministas. Santa Catarina, v. 10, n. 2, p. 301-322. Jul./dez, 2002.
CURIEL, Ochy. Descolonizando el feminismo: una perspectiva desde América Latina y
el Caribe. In: Primer Coloquio Latinoamericano sobre Praxis y Pensamiento Feminista,
2009, Buenos Aires. Anais do Grupo Latinoamericano de Estudios, Formación y
Acción Feminista (GLEFAS) – Instituto de Género de la Universidad de Buenos Aires.
Buenos Aires: UBA, 2009.
______. Critica pós-colonial desde las praticas del feminismo antirracista. Nómadas,
Bogotá, n. 26, p. 91-99, abr., 2007.
DELPHY, Christine. Feminismo e Recomposição da Esquerda. Estudos Feministas,
Florianópolis, v. 13, n. 1. p. 187-199, 1992.
DOVE, Nah. Mulherismo Africana: uma teoria afrocêntrica. Jornal de Estudos Negros,
v. 28, n. 5, mai., 1998.
DUARTE, Constância Lima. Feminismo e Literatura no Brasil. Estudos Avançados,
São Paulo, v. 17, n. 49, p. 151-172, set./dez., 2003.
FRASER, Nacy. Repensar el ámbito público: uma contribución a la crítica da
democracia realmente existente. Debate Feminista, Cidade do México, v. 7, n. 4, p. 23-
58, mar., 1993.
FURTADO, João Pinto. Uma república entre dois mundos: Inconfidência Mineira,
historiografia e temporalidade. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 21, n. 42, p.
343-363, 2001.
GONZALEZ, Lélia. A categoria político cultural de Amefricanidade. Tempo Brasileiro,
Rio de Janeiro, n. 92/93, p. 69-82, jan., jun., 1988.
GROSFOGUEL, Ramón. A estrutura do conhecimento nas universidades
ocidentalizadas: racismo/sexismo epistêmico e os quatro genocídios/epistemicídios do
longo século XVI. Sociedade e Estado, Brasília, v. 31, n. 1, p. 25-49, jan./abr., 2016.
______. Para descolonizar os estudos de economia política e os estudos pós-coloniais:
transmodernidade, pensamento de fronteira e modernidade global. Revista Crítica de
Ciências Sociais, Coimbra, n. 80, p. 115-147, mar., 2008.
HEMMINGS, Clare. Contando estórias feministas. Estudos Feministas, Florianópolis,
v. 17, n. 1, p. 215-241, jan./abr., 2009.
JOFFILY, Mariana. A diferença na igualdade: gênero e repressão política nas ditaduras
militares do Brasil e da Argentina. Espaço Cultural, Cascavel, n. 21, p. 78-88, 2009.
356
<https://revistacult.uol.com.br/home/colorismo-e-o-mito-da-democracia-racial/> Acesso
em: 06 set., 2019.
SCHUMAHER, Schuma. Branquitude para além do incômodo. Geledés Instituto da
Mulher Negra, 14 jun., 2017. Disponível em < https://www.geledes.org.br/branquitude-
para-alem-do-incomodo/>Acesso em: 06 set., 2019.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Colorismo ou que horas são? Nexo, 18 jun., 2018.
Disponível em: http://liliaschwarcz.com.br/conteudos/visualizar/Colorismo-ou-que-
horas-sao7> Acesso em: 06 set., 2019.
ESTUDO revela 60 anos de transformações sociais no Brasil. Agência IBGE Notícias,
2007. Disponível em: < https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-
imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/13300-asi-estudo-revela-60-anos-de-
transformacoes-sociais-no-pais> Acesso em: 08 out., 2019.
VERBETE. Ligia Maria Lessa Bastos. Fundação Getúlio Vargas. Disponível em: <
http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/ligia-maria-lessa-
bastos> Acesso em: 15 dez., 2018.