MANNHEIM, Karl Ideologia e Utopia

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FICHA DE LEITURA

MANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986. Tradução de Sérgio Magalhães Santeiro.

I – ABORDAGEM PRELIMINAR DO PROBLEMA

1. O conceito sociológico de pensamento

“Êste livro se dedica ao problema de como os homens realmente pensam. (…) na vida pública e na política como instrumento
de ação coletiva” p. 29

“A importância do conhecimento social cresce na razão da crescente necessidade de intervenção reguladora no processo
social” p. 30

este conhecimento prático “constitui um complexo que não pode ser prontamente destacado seja das raízes psicológicas dos
impulsos emocionais e vitais, seja da situação de que emerge e que busca resolver” p. 30

“elaborar um método conveniente para a descrição e para a análise dêste tipo de pensamento e de suas mudanças (…). O
método que intentaremos apresentar é o da Sociologia do Conhecimento” p. 30

“A principal tese da Sociologia do Conhecimento é que existem modos de pensamento que não podem ser compreendidos
adequadamente enquanto se mantiverem obscuras suas origens sociais” p. 30

“só o indivíduo é capaz de pensar (…). Não obstante, seria falso daí deduzir que tôdas as idéias e sentimentos que motivam o
indivíduo tenham origem apenas nêle, e que possam ser adequadamente explicados tomando-se ùnicamente por base sua
experiência de vida” p. 30

“é também incorreto explicar-se a totalidade de uma perspectiva com a referência exclusiva à sua gênese na mente do
indivíduo. Sòmente num sentido muito limitado o indivíduo cria por si mesmo um modo de falar e pensar que lhe atribuímos.
Êle fala a linguagem de seu grupo; pensa do modo que seu grupo pensa. Encontra à sua disposição sòmente certas palavras
e seus significados. Estas não apenas determinam em um sentido amplo os caminhos de abordagem ao mundo que o
envolve, mas igualmente mostram, e ao mesmo tempo, de que ângulo e em que contexto de atividades os objetos foram
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anteriormente perceptíveis e acessíveis ao grupo e ao indivíduo” p. 31

“a Sociologia do Conhecimento busca compreender o pensamento no contexto concreto de uma situação histórico-social, de
onde só muito gradativamente emerge o pensamento individualmente diferenciado. Assim, quem pensa [são] (…) os homens
em certos grupos que tenham desenvolvido um estilo de pensamento particular em uma interminável série de respostas a
certas situações típicas características de sua posição comum” p. 31

o indivíduo “participa no pensar acrescentando-se ao que outros homens pensaram antes dêle. O indivíduo se encontra em
uma situação herdada, com padrões de pensamento a ela apropriados, tentando reelaborar os modos de reação herdados,
ou substituindo-os por outros, a fim de ligar adequadamente com os novos desafios surgidos das variações e mudanças em
sua situação” p. 31

“cada indivíduo é, dessa forma, predeterminado em duplo sentido pelo fato de crescer em uma sociedade: encontra, por um
lado, uma situação definida e, por outro, descobre em tal situação padrões de pensamento e de conduta prèviamente
formados” p. 31

“A segunda característica da Sociologia do Conhecimento é não separar os modos de pensamento concretamente existentes
do contexto de ação coletiva por por meio do qual, em um sentido intelectual, descobrimos inicialmente o mundo. Homens
vivendo em grupos (…) agem com ou contra os outros, em grupos diversamente organizados, e, enquanto agem, pensam
com ou contra os outros” p. 31-2

“Estas pessoas, reunidas em grupos, ou bem se empenham, de acôrdo com o caráter e a posição social dos grupos a que
pertencem, em transformar o mundo da natureza e da sociedade a sua volta, ou, então, tentam mantê-lo em uma dada
situação. A direção dessa vontade da atividade coletiva de transformar ou manter é que produz o fio orientador para
a emergência de seus problemas, seus conceitos e suas formas de pensamento. De acôrdo com o contexto particular
da atividade coletiva de que participam, os homens tendem sempre a ver diferentemente o mundo que os circunda” p. 32

“Pode ser que, em certas esferas do conhecimento, seja o impulso para a ação que inicialmente torne os objetos do mundo
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acessíveis ao sujeito que age, e pode ser, além disso, que seja êste fator que determine a seleção daqueles elementos da
realidade que participam do pensamento”, esse elemento volitivo pode determinar o conteúdo concreto dos conceitos e “uma
colocação compreensível do problema” p. 32

“Talvez precisamente quando se tornam visíveis a dependência oculta do pensamento à existência do grupo e seu
enraizamento na ação, é que seja realmente possível, pela primeira vez, obter-se um nôvo modo de contrôle sôbre fatores do
pensamento anteriormente incontrolados”p. 32-33

“Estas observações devem tornar claro que uma preocupação com êstes problemas e sua solução fornecerão um
fundamento para as Ciências Sociais, e responderão à pergunta quanto à possibilidade de orientação científica para a vida
política” p. 33

“É evidentemente verdade que nas Ciências Sociais, como em qualquer parte, vai encontrar-se o último critério de verdade ou
de falsidade na investigação do objeto, e a Sociologia do Conhecimento não é um substituto para tal critério. Mas o exame do
objeto não é um ato isolado; ocorre num contexto permeado por valôres e impulsos volitivos do inconsciente coletivo. Nas
Ciências Sociais é êste interesse intelectual, orientado por uma matriz de atividade coletiva, que proporciona não apenas as
questões gerais, mas as hipóteses de pesquisa concretas e os modelos de pensamento para a ordenação da experiência” p.
33

“Sòmente na medida em que conseguimos trazer à área de observação consciente e explícita os vários pontos de partida e
de abordagem dos fatos correntes tanto na discussão científica, como na popular, é que podemos esperar, no correr do
tempo, controlar as motivações e pressupostos inconscientes que, em última análise, deram existência a êsses modelos de
pensamento. Um nôvo tipo de objetividade pode ser obtido nas Ciências Sociais, mas não por meio da exclusão de
valorações, e sim através da percepção e do contrôle crítico destas” p. 33

2. Os condicionamentos contemporâneos do pensamento

“Não se trata absolutamente de um acaso que o problema das raízes sociais e ativistas do pensar tenha emergido em nossa
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época” p. 33

“É uma das intuições fundamentais da Sociologia do Conhecimento que o processo pelo qual se tornaram conscientes as
motivações coletivas inconscientes não pode operar em tôdas as épocas mas apenas em uma situação específica” p 33-4

“os fâtores que estão inevitàvelmente forçando um número cada vez maior de pessoas a refletir (…) sôbre o alarmante fato de
que o mesmo mundo possa se mostrar diferentemente a observadores diferentes” p. 34

“época em que a discordância predomina sôbre a concordância (…) em que situação social e intelectual uma tal transferência
de atenção das coisas para opiniões divergentes, e daí para as motivações inconscientes do pensamento” p. 34

“é principalmente a intensificação da mobilidade social que destrói a ilusão anterior, prevalecente numa sociedade estática, de
que tôdas as coisas podem mudar, mas o pensamento permanece eternamente o mesmo” p. 35

“A mobilidade horizontal (movimento de uma posição para outra ou de um país para outro, sem mudança do status social) nos
mostra que povos diferentes pensam diferentemente” p. 35

“Sòmente quando a mobilidade horizontal se faz acompanhar de uma intensa mobilidade vertical, isto é, do movimento rápido
entre estratos no sentido de ascensão ou de descenso social, é que a crença de alguém na validade geral e eterna das
próprias formas de pensamento é abalada” p. 35

“Do ponto de vista sociológico, a mudança decisiva ocorre quando se atinge âquele estágio de desenvolvimento histórico em
que os estratos anteriormente isolados começam se se comunicar uns com os outro e se estabelece uma certa circulação
social. O mais relevante estágio dessa comunicação é atingido quando as formas de pensamento e de experiência, que até
então desenvolviam independentemente, penetram em uma consciência compelindo a mente a descobrir a irreconciabilidade
das concepções conflitantes do mundo” p. 36

“Além de uma considerável ascensão social, não é senão quando temos uma democratização geral que a elevação dos
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estratos inferiores permite a seu pensamento adquirir uma relevância pública. Êstes processo de democratização possibilita,
pela primeira vez, às maneiras de pensar dos estratos inferiores, antigamente sem validade pública alguma, adquirir validade
e prestígio” p. 36

“em nossos dias, o pragmatismo, como se verá adiante, quando visto sociològicamente, constitui a legitimação de uma
técnica de pensamento e de uma Epistemologia que elevou os critérios da experiência cotidiana ao nível da discussão
acadêmica” p. 36, n. 2.

“Em cada sociedade, há grupos sociais cuja tarefa específica consiste em dotar aquela sociedade de uma interpretação de
mundo. Chamamos tais grupos de intelligentsia” p. 38

“Êste estrato intelectual, organizado em casta e monopolizando o direito de pregar, ensinar e interpretar o mundo, está
condicionado pela ação de dois fâtores sociais” p. 38

1. Tendência ao escolasticismo: a) “Tem que conceder uma fôrça dogmàticamente coercitiva aos modos de pensamento
válidos anteriormente apenas para um seita”;b) “concentração de poder dentro da estrutura social se tornar tão pronunciada
que se possa impor a uniformidade do pensamento e da experiência” p. 39

2 “seu relativo afastamento dos conflitos manifestos da vida cotidiana; assim, também neste sentido, é ‘escolástico’, isto é,
acadêmico e sem vida. Êste tipo de pensamento não surge primàriamente do embate com os problemas concretos da vida,
nem da tentativa e êrro, nem de experiências de domínio sôbre a natureza e a sociedade, mas, pelo contrário, de sua própria
necessidade de sistematização, que sempre remete os fatos emergentes na esfera religiosa e nas demais esferas de vida a
determinadas premissas tradicionais e intelectualmente não-controladas. Os antagonismos que emergem de tais discussões
não espelham o conflito de vários modos de experiência e, sim, as várias posições de poder dentro de uma mesma estrutura
social, posições estas que, na ocasião, se haviam identificado com as diferentes interpretações possíveis da ‘verdade’
dogmática tradicional. O conteúdo dogmático das premissas de que partiam tais grupos divergentes e que, sob diversas
formas, tal pensamento buscava justifica, revela-se, na maioria dos casos, uma questão de acidente, se julgado pelos critérios
de evidência fatual. Tal conteúdo é completamente arbitrário, na medida em que depende de qual seita consegue ter sucesso,
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de acôrdo com o destino político-histórico, em fazer de suas tradições intelectuais e de experiência as tradições de tôda a
casta clerical da igreja” p. 39

“o fato decisivo dos tempos modernos, em contraste com a situação vigente na Idade Média, é o de ter sido quebrado êste
monopólio da interpretação eclesiástica do mundo, mantido pela casta sacerdotal, tendo surgido, no lugar de um estrato de
intelectuais fechado e inteiramente organizado, uma intelligentsia livre. Sua característica principal é a de ser recrutada, de
modo cada vez mais freqüente, em estratos e situações de vida constantemente variáveis, e de seu modo de pensamento
não mais estar sujeito a ser regulado por uma organização do tipo casta. Devido à ausência de uma organização social
própria, os intelectuais permitiram que os diversos modos de pensamento e de experiência chegassem a competir
abertamente entre si, no mundo mais amplo dos demais estratos. Quando, além disso, se considera que, com a renúncia aos
privilégios de uma existência do tipo casta, a livre competição começou a dominar os modos de produção intelectual,
compreende-se porque, na medida em que estavam em competição, os intelectuais adotaram, de forma cada vez mais
pronunciada, os mais variados modos de pensamento e de experiência à disposição na sociedade, e os jogaram uns contra
os outros. E assim fizeram porque tinham de competir pelos favores de um público que, diferentemente do público do clero,
não mais seria acessível sem esfôrço. Tal competição pelos favores dos vários grupos de público foi acentuada porque os
modos de experiência e pensamento de cada grupo obtiveram progressivamente expressão pública e validade” p. 39-40

“Desaparece, nesse processo, a ilusão do intelectual de que haja apenas uma forma de pensar. O intelectual não é mais,
como antigamente, um membro de uma casta ou grupo, cuja maneira escolástica de pensar aparece como o pensamento em
si. (…) Com a liberação dos intelectuais da rigorosa organização da igreja, foram sendo cada vez mais reconhecidas outras
formas de interpretar o mundo” p. 40

“devemos atribuir à desintegração organizacional da igreja unitária o fato de ser novamente abalada a crença na unidade e na
natureza eterna do pensamento, quer persistia desde a antiguidade clássica (…) causas adicionais de natureza inteiramente
diferente. Desta primeira aparição da profunda inquietude do homem moderno emergiram os novos modos de pensamento e
de investigação, o epistemológico, o psicológico e o sociológico, sem os quais não nos seria possível atualmente sequer
formular nossa problemática” p. 40
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3. Origem dos pontos-de-vista epistemológico, psicológico e sociológico modernos

“A epistemologia foi o primeiro produto filosófico relevante da derrocada da visão de mundo unitária”, inquietou-se com as
numerosas visões de mundo e com as numerosas ordens ontológicas possíveis, “buscou eliminar essa incerteza fundando
seu ponto de partida (…) em uma análise do sujeito conhecedor” p. 41

“Toda especulação epistemológica está orientada dentro da polaridade de sujeito e objeto. Ou parte do mundo de objetos,
que, de uma forma ou de outra, pressupõe dogmàticamente como familiar a todos, e com base nisto explica a posição do
sujeito nesta ordenação do mundo, derivando daí seus podêres cognitivos; ou, então, parte do sujeito como o dado imediato e
indiscutível buscando derivar dêle a possibilidade de conhecimento válido” p. 41

em períodos de visão de mundo estáveis e de ordenação do mundo não ambíguas, parte-se preferencialmente do mundo
objetivo para daí determinar o lugar do sujeito, p. 41

“a concepção de ordem no mundo dos objetos, que havia sido garantida pela predominância da igreja, se tornou
problemática, não restando outra alternativa que a reviravolta e a tomada do caminho oposto, tornando-se o sujeito como
ponto de partida, para se determinar a natureza e o valor do ato humano de cognição, tentando-se dessa maneira encontrar,
no sujeito conhecedor, um ancoradouro para a existência objetiva” p. 42

tendo o mundo objetivo tornado-se ambíguo, partiu-se do pressuposto que o sujeito é imediatamente mais acessível, “por
esta razão devemos, sempre que possível, reconstruir empìricamente a gênese do pensamento no indivíduo, que é mais
acessível a nosso contrôle. Na mera preferência pelas observações empíricas e pelos critérios genéticos que se tornaram
gradativamente supremos, revelou-se em ação a vontade de destruir princípio autoritário. Representa uma tendência
centrífuga em oposição à Igreja como o intérprete oficial do universo. Sòmente tem validade o que eu puder controlar na
minha própria percepção, o que fôr corroborado pela minha própria atividade experimental, ou o que eu mesmo posso
produzir ou, pelo menos, construir conceptualmente como possível de produzir” p. 42

“emergiu uma concepção da formação do mundo, estando suas várias partes sujeitas ao contrôle intelectual. Êste modelo
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conceptual de produtibilidade da visão de mundo pelo ato cognitivo conduziu à solução do problema epistemológico.
Esperava-se que se pudesse, por meio da inquirição das origens da representação cognitiva, atingir alguma noção do papel e
da relevância do sujeito no ato de conhecer e do valor da verdade do conhecimento humano em geral” p. 43

o problema epistemológico só poderia ter uma solução definitiva se uma mente extra-humana lhe garantisse os juízos, no
entanto, este era o caminho do dogmatismo anterior e que resultou em decepções e ilusões. Seguiu-se o caminho então das
ciências naturais, ou seja, o método empírico como orientação frente ao mundo, p. 43

“Quando no curso de tal desenvolvimento, se elaboraram as Ciências Filológicas e Históricas, surgiu também, para a análise
do pensamento, a possibilidade de recorrer às concepções do mundo històricamente emergentes e de compreender esta
riqueza de visões filosóficas e religiosas do mundo em têrmos do processo genético pelo qual vieram a existir” p. 43

“Tornou- se evidente que se podia dizer muito mais sôbre a maneira pela qual a estrutura do sujeito influencia sua visão do
mundo quando se fazia uso da psicologia (…) do que quando se utilizava uma análise puramente especulativa das
realizações de um sujeito transcendente” p. 43

“O recurso epistemológico ao sujeito tornou possível, neste sentido, a emergência de uma psicologia que se tornou cada vez
mais precisa, incluindo uma psicologia do pensamento” p. 43

“quanto mais precisa se tornou essa psicologia empírica e quanto maior o reconhecimento da amplitude da observação
empírica, tanto mais evidente se fêz que o sujeito não era de forma alguma (…) um ponto de partida seguro para a obtenção
de uma nova concepção do mundo. (…) Também a psique, com tôdas as suas ‘experiências’ interiorizadas imediatamente
perceptíveis, é um segmento da realidade. E o conhecimento dessas experiências, adquirido por ela, pressupõe uma teoria
da realidade, uma ontologia. Entretanto, exatamente como tal a ontologia se tornara mais ambígua com relação ao mundo
exterior, assim se tornou não menos ambígua com relação à realidade psíquica” p. 44

“O tipo de psicologia que ligou a Idade Média com os tempos modernos e que extraiu seus conteúdos da auto-observação do
homem religioso permanece ainda de fato operando com certos conceitos ricos em conteúdos, que evidenciam a continuada
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influência de uma ontologia religiosa da alma. Nesse sentido, reportamo-nos à psicologia surgida do conflito interno pela
escolha entre o bem e o mal, agora concebida como ocorrendo no sujeito”, ex. Pascal, Montaigne e ;Kierkegaard p. 44

“como resultado da formalização radical, a científica observação psíquica interna assume novas formas (…) o mesmo
processo que caracterizava a experimentação com objetos no mundo externo e o pensar sôbre eles. Tais interpretações
atribuidoras de significado, com conteúdos qualitativamente ricos (tais como, por exemplo, pecado, desespêro, solidão, amor
cristão) foram substituídas por entidades formalizadas tais como o sentimento de ansiedade, a percepção do conflito interior,
a experiência do isolamento e a libido. Estas últimas buscavam aplicar, à experiência interna do homem, esquemas
interpretativos derivados da mecânica. (…) a tentativa antes se destinava a excluir do conteúdo da experiência todos os
elementos distintivos, a fim de sempre que possível, aproximar a concepção dos acontecimentos psíquicos do esquema da
mecânica (posição, movimento, causa e efeito). O problema passa a ser (…) o de como pode uma situação externa, com grau
verificável de probabilidade, requerer mecânicamente uma reação interna. A categoria de causalidade eterna era
crescentemente utilizada, operando-se com a idéia de uma sucessão regular de dois acontecimentos formalmente
simplificados” p. 45

Ou “se empregava a categoria de função, no sentido de que os fenômenos simples eram interpretados a partir de seu papel
no funcionamento formal do mecanismo psíquico total, como por exemplo, no caso em que se interpretam os conflitos
mentais como, bàsicamente, o resultado de duas tendências contraditórias não-integradas na esfera psíquica, como
expressões do desajustamento do sujeito. Sua função é compelir o sujeito a reorganizar seu processo de adaptação e
alcançar um nôvo equilíbrio” p. 46

“Seria reacionário (…) negar valor cognitivo aos procedimentos simplificadores tais como êstes, que são fàcilmente
controláveis e aplicáveis, em alto grau de probabilidade, a grandes massas de fenômenos. A fecundidade destas ciências
formalizadoras que trabalham em têrmos de causas e funções está longe de se exaurir; e seria danoso impedir ser
desenvolvimento” p. 46

“já está claro hoje em dia que a abordagem formal isolada não exaure o que pode ser conhecido do mundo, e especialmente
a vida psíquica dos seres humanos” p. 46
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Os procedimentos da psicologia excluem as conexões de significado de modo que se rejeita os conteúdos concretos da
experiência.

“As interconexões de significado (…) não são recapturadas pelo mero aperfeiçoamento da formalização através da
descoberta de correlações e funções”, assim é um tipo de “fetichismo científico acreditar-se que tal purificação metódica
substituísse efetivamente a riqueza original da experiência. É ainda mais errado pensar-se que uma extrapolação científica e
uma enfatização abstrata de um aspecto de um fenômeno (…) sejam capazes de enriquecer a experiência original da vida” p.
46

“não pode surgir desta teoria a interpretação do si mesmo e do mundo requerida mesmo pela mais simples ação baseada em
qualquer decisão avaliativa (…) nada diz sobre o significado da conduta (…). O modo mecanicista de pensamento sòmente é
útil quando o objetivo ou o valor são indicados por outra fonte, e sòmente os ‘meios’ são considerados” p. 47

“O mais importante papel do pensamento na vida consiste, entretanto, em proporcionar orientação para a conduta quando se
tem de tomar decisões. Tôda decisão real (…) implica um juízo relativo ao bem e ao mal, concernente ao sentido da vida e da
mente” p. 47

“esta extrapolação dos elementos formalizadores, por meio da mecânica geral e da teoria da função, surgiu originalmente
para auxiliar os homens, em suas atividades, a alcançar seus objetivos mais fàcilmente. (…) o fim ou o objetivo prescrito pela
atividade ainda existia (geralmente composto por fragmentos de um mundo anterior religiosamente compreendido)” p. 47

“quanto mais os homens se adiantavam na análise, tanto mais o objetivo desaparecia de seu campo de visão, de tal forma
que hoje em dia um pesquisador poderia dizer com Nietzsche: ‘Esqueci por que comecei’. Caso alguém indague hoje em dia
sôbre os fins a que serviu a análise, a questão não pode ser respondida com referência à natureza, à alma ou à sociedade,
senão estaríamos formalmente colocando uma condição ótima puramente técnica, psíquica ou social” p. 47

“Sem concepções valorativas, sem um mínimo de objetivo significativo, nada podemos fazer seja na esfera do social, seja na
esfera do psíquico. Com isto queremos dizer que, mesmo quando se adota um ponto de vista causal ou funcional, sòmente
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mais tarde é que se vai descobrir o sentido originalmente oculto na ontologia que se partiu (…) os significados que nos dá
nossa ontologia servem para integrar as unidades de conduta e nos capacita a ver os elementos de observação individuais
em um contexto configurativo” p. 48

“Vemos cada vez mais claramente que qualquer que seja a fonte de onde extraímos nossos significados, sejam elas falsas ou
verdadeiras, tôdas têm uma certa função psicológico-sociológica, que é a de fixar a atenção dos homens que desejam fazer
alguma coisa em comum sôbre uma certa ‘definição da situação’. Uma situação se constitui como tal quando é definida da
mesma maneira pelos membros do grupo (…) é só por essa definição, dotadora de significado e avaliativa, que os
acontecimentos produzem uma situação onde a atividade e a contra-atividade são passíveis de distinção, e a totalidade de
acontecimentos é articulada em um processo” p.49

“a derivação de nossos significados (…) desempenha um papel indispensável que é o de socializar os acontecimentos para
um grupo. Pertencemos a um grupo (…) porque vemos o mundo e certas coisas no mundo do mesmo modo que o grupo vê
(isto é, em têrmos dos significados do grupo em questão). Em cada conceito, em cada significado concreto, está contida a
cristalização das experiências de um certo grupo. (…) existe em cada conceito (…) tôda fonte de onde derivamos o
significado e a interpretação atual igualmente como fator estabilizador das possibilidades de experimentar e conhecer objetos
com referência ao objetivo central da ação que nos orienta” p. 49-50

“O mundo dos objetos externos e da experiência psíquica parece estar em um fluxo contínuo. (…) O fato de darmos nomes a
coisas que estão em fluxo implica inevitàvelmente uma certa estabilização, orientada segundo as linhas de atividade coletiva.
A derivação de nossos significados enfatiza e estabiliza o aspecto das coisas que é relevante para a atividade e encobre, o
interêsse da ação coletiva, o processo perpètuamente fluido, subjacente a tôda as coisa. Exclui as outras organizações
configuracionais que tendem a direções diferentes. Cada conceito representa uma espécie de tabu contra outras possíveis
fontes de significado – simplificando e unificando, em benefício da ação, a multiplicidade da vida” p. 50

“um número demasiado de fontes conflitantes referentes a um dado objetivo, conduz afinal à dissolução de todos os sistemas
de significado. Em tal sociedade, dividida internamente quanto a todo sistema concreto de significado, sòmente se pode
estabelecer um consenso quanto aos elementos formalizadores do objeto” p. 50
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A psicologia trata com categorias que não avaliativas, desse modo torna-se incapaz de orientar a conduta, p. 51

“O homem atuante precisa saber quem é, e a ontologia da vida psíquica preenche uma certa função quanto à ação. Na
medida em que a Psicologia Mecanicista e seu paralelo na vida efetiva, o ímpeto social em direção à mecanização
onienvolvente, negavam êstes valôres ontológicos, destruíam um elemento importante na auto-orientação dos sêres humanos
em sua vida cotidiana” p. 52

Abordagem psicogenética em oposição à da psicologia mecanicista

“A abordagem psicogenética pode portanto contribuir na grande maioria dos casos para um mais profundo entendimento do
significado, sempre que nos preocupamos não com as inter-relações abstratas e formais, mas, antes, com os significados,
cuja motivação pode ser simpàticamente experimentada, ou com um complexo de conduta significativa, que pode ser
compreendida em têrmos de sua estrutura motivacional ou de seu contexto de experiência” p. 53

“O grande mérito do método psicogenético é ter destruído a concepção mecânica anterior que tratava as normas e valôres
culturais como coisas materiais” p. 53

“Deve-se notar que o ponto-de-vista genético enfatiza a interdependência em contraste com a abordagem mecanicista que
preocupa com a atomização dos elementos da experiência” p. 53, n. 6

“Quando confrontado com um texto sacro, o método genético substitui a obediência aquiescente a uma norma pela
apreciação viva do processo pelo qual os vâlores e normas culturais surgem inicialmente, e com o qual êles devem manter-se
em contato contínuo a fim de que sempre possam ser renovadamente interpretados e dominados. O significado da história e
da vida está contido em seu vir-a-ser e em seu fluxo” p. 53-4

“O método genético de explicação (…) não pode, a longo prazo, limitar-se à história de vida individual, mas deve unir
elementos até atingir finalmente a interdependência da história de vida e da situação de grupo mais inclusiva. (….). Constitui
mérito, do ponto-de-vista sociológico, estabelecer, ao lado da gênese individual do significado, a gênese do contexto da vida
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do grupo” p. 54

O método da epistemologia e o da psicologia buscam o significado no sujeito, já a sociologia “põe fim à ficção do
desligamento do indivíduo do grupo, dentro de cuja matriz o indivíduo pensa e tem experiências” p. 54

“A ficção do indivíduo isolado e auto-suficiente está subjacente, em várias formas, à Epistemologia individualista e à
Psicologia genética. A Epistemologia trabalhou com êste indivíduo isolado e auto-suficiente como se, desde o início, êle
possuísse em essência tôdas as capacidades características aos sêres humanos, inclusive a do conhecimento puro, e como
se êle produzisse seu conhecimento do mundo a partir apenas de si mesmo através da mera justaposição ao mundo exterior.
Similarmente, na Psicologia evolutiva individualista, o indivíduo passa necessàriamente por certos estágios de
desenvolvimento no decorrer dos quais o ambiente físico e social externo não tem outra função senão a de liberar estas
capacidades preformadas” p. 55-6

“o conhecimento é, desde o primeiro momento, um processo cooperativo de vida de grupo, no qual cada pessoa desdobra
seu conhecimento interior do quadro de um destino comum, de uma atividade comum e da superação de dificuldades comuns
(…) nem todos os aspectos possíveis do mundo se acham ao alcance dos membros de um grupo, mas apenas aquêles de
que surgem dificuldades e problemas para o grupo. E mesmo êsse mundo comum (…) aparece diferentemente aos grupos
subordinados dentro de um grupo maior (…). No domínio intelectual sôbre os problemas da vida, cabem a cada um
segmentos diferentes, com os quais cada um lida bastante diferentemente, de acôrdo com os seus interêsses vitais” p. 56-7

“o nexo social original, onde cada experiência e percepção individuais, no grupo, se nutre e se desenvolve” p. 57

“Sòmente quando se introduz na abordagem genética, e isso desde o início, o ponto-de-vista segundo o qual um grupo de
2.000 pessoas não percebe a mesma coisa 2.000 vêzes, mas que, de acôrdo com a articulação interna da vida grupal e com
as várias funções e interêsses, surgem subgrupos que agem e pensam coletivamente um com ou contra o outro – sòmente
quando vemos as coisas sob êste ângulo é que podemos atingir a compreensão de que, na mesma sociedade inclusiva,
podem surgir significados diversos devidos às divergentes origens sociais dos diferentes membros da sociedade
como um todo” p. 58
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“Em regra, o pensamento humano não é motivado por um impulso contemplativo, uma vez que requer uma corrente
subterrânea volitiva e emocional inconsciente que assegura, na vida grupal, uma orientação contínua em direção ao
conhecimento” p. 58

“Precisamente porque o conhecer é fundamentalmente um conhecer coletivo (…) pressupõe uma comunidade de conhecer,
que cresce a partir de uma comunidade de experiência formada no subconsciente. Entretanto, uma vez percebido o fato de
que a maior parte do pensamento é erigida sôbre uma base de ações coletivas, somos levados a reconhecer a fôrça do
inconsciente coletivo. A plena emergência do ponto-de-vista sociológico referente ao conhecimento traz consigo,
inevitàvelmente, o descobrimento gradativo do fundamento irracional do conhecimento racional” p. 58

A epistemologia e a psicologia nasceram numa época burguesa de individualismo e subjetivismo acerbado, os intelectuais
dessa época “podiam, pois, e com tôda a boa-fé, apresentar o conhecimento e a experiência como fenômenos tìpicamente
individuais. Tanto mais que sòmente tinham em mente o segmento da realidade que se referia às minorias dominantes e que
se caracterizava pela competição entre os indivíduos, os acontecimentos sociais podiam aparecer como se os indivíduos
autônomos tivessem por si a iniciativa para agir e conhecer (…). Seria, entretanto, incorreto definir a natureza do pensamento
em geral com base nesta situação histórica especial em que se permitiu a um modo de pensar relativamente individualizado
desenvolver-se em condições excepcionais. Seria forçar os fatos históricos encarar-se esta condição excepcional como se
fôsse a característica axiomática da Psicologia do Pensamento e da Epistemologia” p. 59

“Não conseguiremos atingir uma Psicologia e uma teoria do conhecimento inteiramente adequadas, enquanto nossa
Epistemologia deixar, desde o início, de reconhecer o caráter social do conhecer e não encarar o pensar individualizado como
apenas um momento excepcional” p. 59

“Nem é por acaso que a perspectiva que realiza a união das esferas social e cognitiva venha emergir em uma época em que
o empenho máximo da humanidade mais uma vez consiste na tentativa de se contrapor à tendência de uma sociedade
individualista não-dirigida, que se aproxima da anarquia, com um tipo mais orgânico de ordem social. Em tal situação, deve
surgir um senso generalizado de interdependência – da interdependência que liga a experiência isolada ao caudal de
experiências dos indivíduos isolados, e estas, por sua vez, à contextura da comunidade mais ampla de experiência e de
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MANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986. Tradução de Sérgio Magalhães Santeiro.

atividade” p. 60

“a teoria do conhecimento recentemente surgida é uma tentativa de se tomar em consideração o enraizamento do


conhecimento na textura social. Nela põe-se em atuação uma nova espécie de orientação da vida, buscando sustar a
alienação e a desorganização que emergiram do exagêro da atitude individualista e mecanicista” p. 60

“Os modos epistemológico, psicológico e sociológico de enunciar problemas são as três mais importantes formas
de investigar e levantar questões sôbre a natureza do processo cognitivo. Procuramos apresentá-los de tal forma
que parecessem como partes de uma situação unitária, emergindo, uma após outra, em uma seqüência necessária, e
se interpenetrando mùtuamente. Dessa forma, proporcionam a base das reflexões do presente livro” p. 60

4. O controle do inconsciente coletivo como um problema de nossa época

“A derrocada da visão de mundo objetiva, garantida na Idade Média pela Igreja, refletiu-se até nas mentes mais simples. O
que os filósofos disputavam com uma terminologia racional era experimentado pelas massas na forma de conflito religioso” p.
61

“quando surgiram vários setores pequenos onde havia anteriormente uma religião mundial, as mentes dos homens simples
se viram afetadas por tensões similares às que os intelectuais experimentavam no nível filosófico em têrmos da coexistência
de numerosas teorias da realidade e de conhecimento” p. 61

O protestantismo levou a uma subjetivação da salvação, ou seja, a salvação passa a depender de processos subjetivos. Esse
processo é análogo ao que levou da objetividade para a subjetividade na epistemologia, a psicologia abandona o tema da
salvação e passa para a simples investigação dos processos subjetivos, p. 61

Os Estados também contribuíram para a diminuição da crença em uma ordenação do mundo objetiva na medida em tentava
impor sua própria visão de mundo objetivo.
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MANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986. Tradução de Sérgio Magalhães Santeiro.

“Tanto o Estado moderno quanto a burguesia [armada das ideias Iluministas] lograram sucesso, à medida em que a visão de
mundo naturalista e racionalista ia cada vez mais deslocando a religiosa” p.61

No entanto, a visão de mundo naturalista e racionalista não atingiu todos os estratos da sociedade pois dependia da difusão
dos conhecimentos racionais e de uma individualização das formas de viver, p. 61-2

“sem uma situação social de vida impelindo e tendendo para a individualização, um modo de vida despido de mitos coletivos
se torna difìcilmente suportável” p. 62

comerciantes, empresários e intelectuais atuam no cotidiano a partir de uma previsibilidade racional que leva em conta seus
interesses, por outro lado, camponeses, white collars dependem ainda de mitos coletivos para viver, p. 62

“Vida em têrmos de equilíbrio interno a ser conquistado de novo a ser sempre conquistado de nôvo é o elemento
essencialmente original que o homem moderno precisa, ao nível da individualização, elaborar para si mesmo, se pretende
viver com base na racionalidade do Iluminismo” p. 62

“Uma sociedade que, na sua divisão do trabalho e diferenciação funcional, não possa oferecer a cada indivíduo um conjunto
de problemas e campo de atuação em que possa exercitar plena iniciativa e discernimento individual, não pode igualmente
realizar uma Weltanschauung individualista e racionalista penetrante, que possa aspirar a se tornar uma realidade social
efetiva” p. 62

Ainda que os ideais do Iluminismo não tenham penetrado totalmente na plebe, eles abalaram fortemente a visão de mundo
religiosa, p. 63

“As formas de pensamento características da sociedade industrial gradativamente penetraram naquelas áreas que tinham
qualquer contato com a indústria, eliminando, mais cedo ou mais tarde, um após o outro, os elementos da explicação religiosa
do mundo” p. 63
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O Estado absoluto “mostrou que a política era capaz de usar sua concepção do mundo como uma arma e que a política não
era apenas uma luta pelo poder (…) infundiu em seus objetivos uma espécie de filosofia política com uma concepção política
do mundo” p. 63

“a democratização progressiva, não só o Estado, mas também os partidos políticos buscaram dotar seus conflitos de
fundamentos e sistematização filosóficos. Primeiro, o liberalismo, depois, seguindo hesitantemente seu exemplo, o
conservadorismo, e, finalmente, o socialismo, todos fizeram de seus objetivos políticos um credo filosófico, uma visão de
mundo com métodos de pensamento bem fundados e conclusões prescritas. Assim, à ruptura da visão de mundo religiosa
veio somar-se o fracionamento das visões políticas. (…) os partidos políticos emergentes incorporavam argumentos racionais
e, se possível, científicos em seus sistemas de pensamento em um grau muito maior”, pois se constituíram numa época de
prestigio da ciência e a partir da colaboração de intelectuais emancipados, p. 63

“Estava de acôrdo com as necessidades de uma sociedade industrial e com as dêstes estratos intelectuais que êles
baseassem suas ações coletivas não em um enunciado sincero de seu credo, mas, antes, em um sistema de idéias
racionalmente justificável” p. 63-4

“O resultado dêste amálgama de pensamento político e científico foi-se aplicar gradativamente, a cada tipo de política, pelo
menos nas formas em que se oferecia à aceitação, uma tintura científica, vindo cada tipo de atitude científica a ser, por seu
turno, dotado de uma coloração política” p. 64

Este amálgama “facilitou de tal forma a difusão de idéias científicas que estratos cada vez mais amplos (…) tinham de buscar
justificativas teóricas para suas posições. Aprenderam dessa forma - muito embora freqüentemente de maneira bastante
propagandística – pensar sôbre a sociedade e a política com as categorias da análise científica” p. 64

“Tal amálgama foi igualmente de valia para a ciência social e política, por ganhar maior acesso à realidade, sendo assim
dotado de um tema para o enunciado de seus problemas, o qual forneceu um vínculo contínuo entre esta ciência e o campo
de realidade com o qual tem de operar, que é a sociedade. As crises e as exigências da vida social ofereceram a matéria
empírica, as interpretações sociais e políticas e as hipóteses por meio das quais os acontecimentos se tornaram analisáveis”
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MANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986. Tradução de Sérgio Magalhães Santeiro.

p. 64

“O principal risco, no entanto, desta conexão direta entre teoria e política reside no fato de que, enquanto o conhecimento tem
de manter sempre seu caráter experimental, se deseja fazer justiça a um nôvo conjunto de fatos, o pensamento dominado
pela atitude política não se pode dispor a ser contìnuamente readaptado a novas experiências. Os partidos políticos, pelo
próprio fato de serem organizados, não podem manter elasticidade em seus métodos de pensamento, nem estar preparados
para aceitar qualquer resposta que venha a surgir de suas indagações. Estruturalmente, trata-se de corporações públicas e
organizações de luta. Por si mesmos, isto já os força a uma orientação dogmática. Quanto mais os intelectuais se tornam
funcionários de partido, tanto mais perdem a virtude da receptividade e de elasticidade que trouxeram consigo de sua flexível
situação anterior” p. 64

“A política é um conflito e tende cada vez mais a se tornar uma luta de vida e morte. Quanto mais violento se tornou êste
conflito, tanto mais firmemente captou as correntes subterrâneas emocionais que anteriormente operavam inconscientemente
, e com extrema intensidade, e as forçou ao domínio aberto do consciente” p. 65

“A discussão política possui um caráter fundamentalmente diferente do da discussão acadêmica. Busca não apenas estar
com o direito mas, igualmente, demolir a base da existência social e intelectual de seu oponente. Portanto, a discussão
política penetra mais profundamente no fundamento existencial do pensamento do que o tipo de discussão que sòmente
pensa em têrmos de uns poucos ‘pontos-de-vista’ selecionados e sòmente considera a ‘relevância teórica’ de um argumento”
p. 65

“O conflito político, uma vez que é desde o início uma forma racionalizada da luta pela predominância social, ataca o status
social do opositor, seu prestígio público e sua autoconfiança. É difícil decidir, nesse caso, se a sublimação ou a substituição
da discussão, em lugar das armas mais antigas de conflito, e o uso direto da fôrça e da opressão constituíram realmente um
progresso fundamental da vida humana. A repressão física é, na verdade, mais dura de se suportar externamente, mas a
vontade de aniquilamento psíquico, que em muitas ocasiões tomou o seu lugar, é talvez ainda mais insuportável” p. 65

na esfera da discussão política “cada refutação teórica seja gradativamente transformada em ataque muito mais fundamental
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ao todo da situação de vida do opositor, esperando-se, com a destruição de suas teorias, solapar igualmente sua posição
social. Também nada há de surpreendente em que êste conflito, onde, desde o início, não sòmente se leva em conta o que a
pessoa disse, como também o grupo de que é porta-voz, e que ação tinha em vista quando expôs seus argumentos, se
visualizasse o pensamento em conexão com os modos de existência a que estava ligado” p. 65

“É verdade que o pensamento sempre tem sido a expressão da vida e da ação grupais (exceto quanto ao pensamento
altamente acadêmico, que em dada época era capaz de se isolar da vida ativa). Mas a diferença estava em que, nos conflitos
religiosos, as possibilidades teóricas não eram de relevância primordial; ou em que, ao analisar seus adversários, não se
chegava a uma análise dos grupos a que seus adversários pertenciam porque, como já vimos, os elementos sociais dos
fenômenos intelectuais não se tinham tornado visíveis aos pensadores de uma época individualista” p. 66

“Na discussão política nas democracias modernas, onde as idéias são mais claramente representativas de certos grupos, a
determinação social e existencial do pensamento tornou-se mais fàcilmente perceptível. Em princípio, foi a política que
primeiro descobriu o método sociológico no estudo dos fenômenos intelectuais. Foi bàsicamente nas lutas políticas que os
homens pela primeira vez tomaram consciência das motivações coletivas inconscientes que sempre guiaram a direção do
pensamento. A discussão política é, desde o início, mais do argumentação teórica; ele é o desfazer-se de disfarces – o
desmascaramento dos motivos inconscientes que ligam a existência de um grupo a suas aspirações culturais e a seus
argumentos teóricos. Contudo, à medida que a política empregava em suas batalhas armas teóricas, o processo de
desmascaramento penetrava as raízes sociais da teoria” p. 66

“A descoberta de raízes social-situacionais do pensamento adotou, pois, a princípio, a forma do desmascaramento. Em


ascrèscimo à dissolução gradativa da visão de mundo objetiva unitária (…) penetrou na mente pública a tendência para
desmascarar as motivações situacionais inconscientes do pensamento grupal. Esta intensificação final da crise intelectual
pode ser caracterizada pelos dois conceitos do tipo slogan ‘ideologia e utopia’ que devido à sua importância simbólica foram
escolhidos para título dêste livro” p. 66

“O conceito de ‘ideologia’ reflete uma das descobertas emergentes do conflito político, que é a de que os grupos dominantes
podem, em seu pensar, tornar-se tão intensamente ligados por interẽsse a uma situação que simplesmente não são capazes
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de ver certos fatos que iriam solapar seu senso de dominação. Está implícita na palavra ‘ideologia’ a noção de que, em certas
situações, o inconsciente coletivo de certos grupos obscurece a condição real da sociedade, tanto para si como para os
demais, estabilizando-a portanto” p. 66

“O conceito de ‘utópico’ reflete a descoberta oposta à primeira, que é a de que certos grupos oprimidos estão intelectualmente
tão firmemente interessados na destruição e na transformação de uma dada condição da sociedade que, mesmo
involuntàriamente, sòmente vêem na situação os elementos que tendem a negá-la. Seu pensamento é incapaz de
diagnosticar corretamente uma situação existente da sociedade. Eles não estão absolutamente preocupados com o que
realmente existe; antes, em seu pensamento buscam logo mudar a situação existente. Seu pensamento nunca é um
diagnóstico da situação; sòmente pode ser usado como orientação para a ação. Na mentalidade utópica, o inconsciente
coletivo, guiado pela representação tendencial e pelo desejo de ação, oculta determinados aspectos da realidade. Volta as
costas a tudo o que pudesse abalar sua crença ou paralisar seu desejo de mudar as coisas” p. 67

“O inconsciente coletivo e a atividade por êle impelida servem para ocultar – em duas direções – certos aspectos da realidade
social”, pode-se “determinar a fonte e a direção da distorção” p. 67

“É a tarefa dêste livro alinhar – nas duas direções indicadas – as fases mais significativas na emergência desta descoberta do
papel do inconsciente como aparece na história da ideologia e da utopia (…) delinear o estado mental que decorre destas
noções” p. 67

“A princípio, os partidos que possuíam as novas ‘armas intelectuais’, o desmascaramento do inconsciente, tinham uma
vantagem formidável sôbre seus adversários. Os últimos tornavam-se aterrorizados quando se demonstrava que suas idéias
eram, meramente, reflexos distorcidos de sua situação vital, antecipações de seus interêsses inconscientes. (…) a aurora de
um nível de consciência que anteriormente a humanidade havia sempre ocultado de si mesma” p. 67

“Hoje em dia, entretanto, já atingimos um estágio em que esta arma de desmascaramento e desnudamento recíprocos das
fontes inconscientes da existência intelectual se tornou propriedade (…) de todos os grupos. Mas, na medida em que vários
grupos buscavam destruir a confiança de seus adversários em seu próprio pensar (…), destruíram igualmente, visto que
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todas as posições foram sendo gradativamente submetidas à análise, a confiança do homem no pensamento humano em
geral (…) inevitável é o fato de que cada vez maior número de pessoas se abriga no ceticismo e no irracionalismo” p. 68

“O recurso ao inconsciente tende a escavar o solo de que emergiam os vários pontos-de-vista. Tornam-se expostas as
raízes, onde até aqui o pensamento humano se alimentava. Começa a ficar claro para todos nós que não podemos continuar
vivendo da mesma maneira, já que conhecemos de nossos motivos inconscientes” p. 68

“logo surgirá alguém para sustentar contra estas noções que ‘nosso problema não é o da verdade em si, mas o nosso
pensamento, tal como o encontramos com seu enraizamento na ação na situação social em motivações inconscientes.
Mostre-nos como podemos avançar, partindo de nossas percepções concretas a suas definições absolutas. Não nos fale da
verdade em si, mostre-nos o caminho pelo qual o que enunciamos ao impulso da nossa existência social possa alçar-se à
esfera em que se transcenda o partidarismo, a fragmentaridade da visão humana, em que a origem origem social e o
predomínio do inconsciente no pensamento conduzam a observações controladas ao invés de ao caos” p. 69

A formalização e a esquematização mecanicista dos problemas da sociologia e suas consequências, p. 70-1

“Se quisermos compreender um fenômeno concreto tal como a situação ou o conteúdo normativo de um ambiente, jamais
sera suficiente o esquema puramente mecanicista de abordagem, tendo que ser introduzido, em acréscimo, conceitos
adequados para o entendimento de elementos significativos e incomensuráveis” p. 71

“a interdependência recíproca dos elementos que constituem um acontecimento é muito mais ìntimamente compreensível do
que a de elementos externos estritamente formalizados. Aqui, assume sua dimensão própria a abordagem que, seguindo
Dilthey, eu gostaria de designar como compreensão da interdependência primária da experiência. Nesta abordagem, pela
utilização da técnica da compreensão, a interpenetração funcional recíproca entre as experiências psíquicas e as situações
sociais torna-se imediatamente inteligível. Aqui nos confrontamos com um domínio de existência no qual a emergência das
reações psíquicas interiores se torna necessàriamente evidente, e não é compreensível meramente como o é uma
causalidade externa, em têrmos de grau de probabilidade de sua freqüência” p. 71
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MANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986. Tradução de Sérgio Magalhães Santeiro.

“estas interconexões entre as situações sociais, de um lado, e, do outro, os modos de comportamento ético-psíquicos (…) são
evidentes porque utilizamos uma abordagem compreensiva das interdependências primárias da experiência de que surgiram
estas normas” p. 71-2

“as proposições principais das Ciências Sociais (…) [representam] diagnósticos situacionais, em que geralmente utilizamos os
mesmos conceitos e modelos de pensamento concretos que foram criados para fins de atividade na vida real” p. 72

“cada diagnóstico da ciência social se acha estreitamente ligado às avaliações e orientações inconscientes do observador, e
que a autoclarificação crítica das Ciências Sociais está ìntimamente vinculada à autoclarificação crítica de nossa orientação
no mundo cotidiano” p. 72

nas interpretações utiliza-se conceitos carregados de valoração e esta valoração lhes dá concretude. p. 72

“a vontade orientada para um objetivo é a fonte de compreensão da situação” p. 73

“Para trabalhar nas Ciências Sociais é preciso participar do processo social (…) participação na luta do inconsciente coletivo
(…) a participação no contexto da vida social é um pressuposto para a compreensão da natureza interna dêste contexto de
vida. O tipo de participação do pensador determina como êste irá formular seus problemas” p. 73

na esfera científica “se obtém uma singular dinâmica interna dos modos de comportamento em que, pela retenção do élan
politique, êste élan se sujeita ao contrôle intelectual. Existe um ponto em que o élan politique colide com algo, após o que
retorna a si e passa a submeter-se ao contrôle crítico. Existe um ponto em que o próprio movimento da vida, principalmente
em suas maiores crises, se eleva por sôbre si mesmo e se torna consciente de seus próprios limites” p. 73

“o relativismo e o ceticismo acarretam o autocontrôle e a autocrítica, levando a uma nova concepção de objetividade” p. 73

“continuar a viver com o inconsciente à mostra – é o pré-requisito histórico da autoconsciência crítica científica” p. 73
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“Não é desistindo de sua vontade de ação e colocando suas avaliações em suspenso, mas no confronto e no exame de si
mesmo, que o homem consegue objetividade e conquista um self com referência à sua autoconcepção de seu mundo. O
critério para êste auto-esclarecimento é o de que não só o objeto, mas nós mesmos entramos totalmente em nosso campo
de visão. Tornamo-nos visíveis para nós mesmos, não apenas vagamente como um sujeito conhecedor em si, mas em um
determinado papel até então escondido, em uma situação até então impenetrável e com motivações de que não tínhamos até
então consciência. Em tais momentos, a conexão interna entre nosso papel, nossa motivações e nossos tipos de maneira de
experimentar o mundo aparecem-nos repentinamente. Daí o paradoxo subjacente a estas experiências, que é o de que a
oportunidade para a relativa emancipação da determinação social aumenta proporcionalmente à percepção desta
determinação” p. 74

“a extensão de nosso conhecimento do mundo se acha ìntimamente relacionada com o crescente autoconhecimento e
autocôntrole pessoais” p. 74

“tipo de conhecimento situacionalmente determinado, isto é, de cada tipo de conhecimento que (…) se interesse pela
compreensão de uma interdependência interna do processo vital. A interdependência interna só pode ser captada pelo
método compreensivo de interpretação, e os estágios desta compreensão do mundo estão ligados, a cada passo, ao
processo de autoclarificação”

“o auto-esclarecimento possibilita a extensão de nosso conhecimento do mundo que nos rodeia (…) autoconhecimento
individual (…) auto-esclarecimento do grupo” p. 74–5

O auto-esclarecimento dos indivíduos e dos grupos tem uma estrutura comum que consiste no fato de que “na medida em
que o mundo se torna um problema, não o faz como um objeto desligado do sujeito, mas, pelo contrário, vai ao encontro da
contextura das experiências dêste. A realidade é descoberta pelo modo em que aparece ao sujeito no decorrer de sua auto-
extensão (quando se estende sua capacidade de experiência e seu horizonte)” p. 75

da incerteza que vigora na vida pública “a ciência social moderna retira intuições inteiramente novas. Estas se agrupam em
três tendências principais: a primeira, a tendência para a autocrítica das motivações inconscientes coletivas, na medida em
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que determinam o pensamento social moderno; a segunda, a tendência para o estabelecimento de um nôvo tipo de história
intelectual, que seja capaz de interpretar as mudanças de idéias relacionando-as às mudanças histórico-sociais; e a terceira,
a tendência para a revisão de nossa Epistemologia que até agora não levou suficientemente em conta a natureza social do
pensamento. Neste sentido, a Sociologia do Conhecimento e uma sistematização da dúvida que é encontrada, na vida social,
sob a forma de insegurança e incertezas vagas” p. 76

“nosso objetivo é o de, primeiro, refinar a análise do significado tão profundamente (…) caracterizações cada vez mais
detalhadas e exatas dos vários estilos de pensamento; e, segundo, aperfeiçoar a técnica da reconstrução da história social ao
ponto de se ser capaz de perceber (…) a estrutura social como um todo (…) onde surgiram os vários modos de observar e
pensar sôbre as realidades existentes (…) a análise do significado e o diagnóstico sociológico situacional” p. 76

“em nosso tempo, várias noções derivadas de estilos de pensamento contraditórios atuam sôbre um mesmo pensador.
Sòmente não notamos, contudo, porque o pensador sistemático oculta cuidadosamente suas contradições, tanto para si
mesmo como para seus leitores. Enquanto para o sistematizador as contradições constituem uma forte de desconsêrto, o
pensador experimental percebe nelas pontos de partida, em que o caráter fundamentalmente polêmico de nossa situação
atual se torna pela primeira vez realmente aberto ao diagnóstico e à investigação”p. 79

III – PANORAMA DE UMA POLÍTICA CIENTÍFICA: A RELAÇÃO ENTRE TEORIA SOCIAL E PRÁTICA POLÍTICA
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MANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986. Tradução de Sérgio Magalhães Santeiro.

1. Por que não existe uma ciência política?

“A emergência e o desaparecimento de problemas do nosso horizonte intelectual são governados por um princípio do qual
não temos consciência. Mesmo a ascensão e o desaparecimento de sistemas inteiros de conhecimento podem ser reduzidos
em última análise a determinados fâtores, tornando-se dessa forma explicáveis. (…) a Sociologia do conhecimento deveria
procurar investigar as condições em que os problemas e as disciplinas se formam ou desaparecem” p. 136

“a conduta política está relacionada ao Estado e à sociedade na medida em que estão ainda em processo de transformação.
A conduta política tem pela frente um processo no qual cada momento cria uma situação singular e procura extrair desta
corrente de fôrças algo de caráter duradouro. Então, a questão é: ‘há uma ciência desta transformação, uma ciência da
atividade criadora?” p. 138

negócios rotineiros do Estado: “uma série de fatos sociais que adquiram um padrão definido, e ocorrem regularmente”; em
oposição política: “fatos que ainda estão em processo de transformação, nos quais, em casos individuais, as decisões
deverão ser tomadas, dando origem a situações novas e singulares” p. 138

“todo processo social pode ser dividido em uma esfera racionalizada, que consiste em procedimentos estabelecidos e
rotinizados para lidar com situações que se repetem de uma maneira ordenada, e a ‘irracional’, que a circunscreve. Estamos
portanto distinguindo entre estrutura ‘racionalizada’ da sociedade e matriz ‘irracional’” p. 139-140

“o têrmo ‘estereótipo, tal como utilizou Max Weber, tanto em sentido amplo, quanto em sua distinção das duas subclasses da
tendência de estereotipar: a) tradicionalismo; b) racionalismo. Não obstante tal distinção não seja relevante para nossos
propósitos, usaremos o conceito de ‘estrutura racionalizada’ no sentido mais abrangente em que Max Weber emprega a
noção geral de estereotipar” p. 140, n. 3

“A característica básica da cultura moderna é a tendência a absorver o máximo possível na esfera do racional, submetendo-o
ao contrôle administrativo – e, por outro lado, a reduzir o elemento ‘irracional’ à insignificância” p.140
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MANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986. Tradução de Sérgio Magalhães Santeiro.

“A percepção da distinção entre o esquema racionalizado e o contexto irracional em que opera proporciona a possibilidade de
uma definição do conceito de ‘conduta’” p. 140

“Tôdos êstes modos de comportamento seriam considerados meramente ‘reprodutivos’ porque são executados dentro de um
quadro racional, de acôrdo com uma prescrição definida não exigindo nenhuma decisão pessoal. A conduta, no sentido
utilizado por nós, sòmente começa ao atingirmos a área ainda não penetrada pela racionalização, onde somos forçados a
tomar decisões em situações até então não submetidas à regulamentação. É nessas situações que surge todo o problema
das relações entre teoria e prática” p. 140-1

“Por mais racionalizada que nossa vida possa parecer ter-se tornado, tôdas as racionalizações até aqui se deram são
meramente parciais, uma vez que as mais importantes esferas de nossa vida social se acham ainda agora prêsas ao
irracional”, a economia não constitui uma economia planificada, a ordenação em classes implica “fôrças irracionais, que
decidem o lugar e a função do indivíduo na sociedade” p. 141

“Estas fôrças irracionais da sociedade forma aquela esfera da vida social que não é organizada nem racionalizada, e em que
se tornam necessárias a política e a conduta. As duas principais fontes de irracionalismo na estrutura social (a competição
sem contrôle e a dominação pela fôrça) constituem a esfera social ainda não-organizada onde a política se torna necessária”
p. 141

“a constelação das fôrças em interação muda contìnuamente. Onde quer que as mesmas fôrças, cada uma imutável em
caráter, interajam, e onde a sua interação siga um curso regular, é possível formular leis gerais. O que não é tão fácil quando
novas fôrças estão penetrando incessantemente no sistema e formando combinações imprevisíveis” p. 142

“o observador não está fora do domínio do irracional, mas participa no conflito de fôrças. Estas participação o vincula
inevitàvelmente a uma visão partidária, através de suas valorações e interêsses (…) a maneira pela qual o problema se
apresenta a êle, seu modo de pensamento mais geral, incluindo até suas categorias, se vincula às correntes políticas e
sociais gerais. Tanto quanto isso se dê, na esfera do pensamento político e social, devemos, a meu ver, reconhecer
diferenças reais nos estilos de pensamento – diferenças que se estendem mesmo ao campo da Lógica” p. 142
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“Nisto, sem dúvida, reside o maior obstáculo a uma ciência da política (…) na política a formulação de um problema e as
técnicas lógicas envolvidas variam com a posição política do observador” p. 142-3

2. Os determinantes políticos e sociais do conhecimentos

“o pensamento político-histórico assume formas várias, de acôrdo com as correntes políticas diversas” p. 143

“a relação entre teoria e prática. Veremos que mesmo êste problema, o mais geral e fundamental de uma ciência da conduta
política, é diversamente concebido pelas diferentes correntes histórico-políticas” p. 143

“correntes políticas dos séculos XIX e XX. Como tipos ideais representativos mais importantes, teremos os seguintes:
1. O conservantismo burocrático.
2. O historicismo conservadorismo.
3. O pensamento liberal-democrático burguês.
4. A concepção socialista-comunista.
5. O facismo.” p. 143

“A tendência fundamental de todo pensamento burocrático é converter todos os problemas de política em problemas de
administração” p. 143

“A tentativa de ocultar todos os problemas da política sob a cobertura da administração pode ser explicada pelo fato de que a
esfera de atividade do funcionário dá-se apenas nos limites de leis já formuladas. Portanto, a gênese e a a evolução da lei se
situam fora do âmbito de sua atividade. (…) o funcionário deixa de ver que, por trás de cada lei promulgada se encontram os
interêsses socialmente articulados e as Weltanschauung de um grupo social específico. (…) Não compreende que cada
ordem racionalizada constitui apenas uma das muitas formas pelas quais as fôrças socialmente conflitantes se conciliam”p.
144

A racionalidade burocrática vê a revolução como um acaso que abala a ordem e não a expressão de forças vivas.
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MANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986. Tradução de Sérgio Magalhães Santeiro.

“A mentalidade jurídica administrativa só sabe construir sistemas de pensamento estáticos e fechados, deparando sempre
com a tarefa paradoxal de ter que incorporar em seu sistema novas leis, que emergem da interação não-sistematizada de
foças vivas, como se fôssem apenas uma elaboração ulterior do sistema original” p. 144

A burocracia “tende a desconsiderar o fato de que o campo da administração e da ordem em funcionamento regular
representa apenas uma parte da realidade política total (….) descuida dos fatos irracionais” p. 145

“conservantismo histórico. Era peculiar ao grupo social da nobreza e aos estratos burgueses entre os intelectuais (…). Êste
modo de pensamento trazia a marca das universidades alemãs, e, em especial, do grupo dominante de historiadores” p. 145

O conservantismo histórico “focaliza quase exclusivamente sua atenção nos fatôres irracionais e impulsivos que propiciam a
base para o desenvolvimento posterior do Estado e da sociedade. Considera tais fôrças como inteiramente superiores à
compreensão, inferindo que, em si, a razão humana é impotente para entendê-las e controlá-las” p. 145

O conservadorismo histórico defende que a política envolve a experiência de gerações nos assuntos políticos, assim legitima
a posição da nobreza que desde o início tem os olhos voltados para a política.

“os interêsses sociais de um dado grupo tornam os membros do grupo sensíveis a determinados aspectos da vida social, a
que os situados em outra posição não reagem” p. 145

o líder político na visão conservadora histórica precisa de algo de um instinto inato aguçado pela experiência, p. 146-7

“um modo de pensamento que concebe a história como sendo o domínio de fôrças pré-racionais e supra-racionais” p.147

o historicismo está associado à mentalidade da aristocracia feudal

A burguesia liberal democrática trouxe uma visão intelectualista que acredita que os irracionalismo podiam ser submetidos
pela razão. Porém a livre concorrência e a luta de classes traz os elementos irracionais para o seio da vida liberal burguesa.
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“assim como o parlamento é uma organização formal – uma racionalização formal do conflito político, mas não sua solução –
a teoria burguesa alcança apenas uma intelectualização formal e aparente dos elementos inerentemente irracionais” p. 147-8

o espírito burguês acredita que a ação política pode ser cientificamente definida, no entanto, essa ciência se constitui pela
abstração de todo elemento irracional da política de modo a se obter uma teoria pura p. 148-9

“O intelectualismo moderno se caracteriza por sua tendência a não tolerar o pensamento valorativo e emocionalmente
determinado” p. 149

a teoria burguesa do parlamentarismo supõe como fim legítimo da política a busca da verdade objetiva através da discussão.
O socialismo mostra que esta luta é, na verdade, permeada pelos interesses da burguesia.

“por trás de cada teoria, existem fôrças coletivas que expressam propósitos, pôderes e interêsses de grupo” p. 149

“No conflito com seu adversário burguês, o marxismo tornou a descobrir que, em assuntos históricos e políticos, não pode
haver ‘teoria pura’ alguma. Vê que por trás de cada teoria existem pontos-de-vista coletivos. O fenômeno do pensamento
coletivo, que se desenrola de acôrdo com os interêsses e com as situações sociais e existenciais, era chamado por Marx de
ideologia” p. 150

o conceito de ideologia foi “uma importante descoberta (…) [que] continha o cerne do problema do pensamento político em
geral”, porém não resolve ou esclarece esse problema. Por isso são necessárias duas correções: a) a ideologia não se refere
apenas ao pensamento do outro e considera o próprio pensamento como livre de qualquer ideologia -como faz o marxismo;b)
“o conceito de ‘ideologia’ está sendo aqui utilizado não como um juízo de valor negativo, no sentido de que insinue uma
mentira política consciente, mas com o intuito de designar o ponto-de-vista inevitàvelmente associado a uma dada situação
histórica e social, bem como à Weltanschauung e ao estilo de pensamento vinculado a esta situação” p. 150

“a pesquisa científica da noção de ideologia”


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“tôdas as formas de pensamento histórico e político se acham essencialmente condicionadas pela situação de vida do
pensador e de seu grupo (…) a maneira pela qual o indivíduo encara a história, e a maneira pela qual o indivíduo constrói
uma situação total, partindo de determinados fatos, dependem, ambas, da posição que o indivíduo ocupa na sociedade. Em
cada uma das contribuições históricas e políticas, é possível determinar de que posição vantajosa os objetos foram
observados. Entretanto, o fato de nosso pensamento ser determinado por nossa posição social não constitui necessàriamente
uma fonte de êrro” p. 151

“outra dimensão importante do pensamento marxista, a saber a de uma nova concepção da relação entre teoria e prática.
Enquanto o teórico burguês devotava um capítulo especial à proposição dos fins, o que sempre ocorria a partir de uma
concepção normativa da sociedade, um dos mais significativos passos dados por Marx foi atacar o elemento utópico no
socialismo. (…) Não existe norma alguma a ser alcançada que se possa destacar do próprio processo” p. 151

“A teoria (…) é uma função do processo do vir-a-ser. A relação dialética entre a teoria e a prática consiste no fato de que,
antes de mais nada, a teoria, ao surgir de um impulso definidamente social, clarifica a situação. E no processo de clarificação
a realidade passa por uma mudança. Penetramos assim em uma nova situação de que emerge uma nova teoria. O processo
se apresenta, então como se segue: 1) A teoria é uma função da realidade; 2) esta teoria conduz a um certo tipo de ação; 3) a
ação modifica a realidade, ou, no caso de fracasso, nos força a uma revisão da teoria inicial. A mudança da situação efetiva
ocasionada pelo ato dá emergência a uma nova teoria” p. 152

A solução marxista da relação entre teoria e prática contorna os problemas posto pela teoria burguesa (intelectualismo
extremo) e pela teoria conservadora (irracionalismo)

“Uma lição básica derivada da experiência política e magnìficamente formulada por Napoleão na máxima: ‘ On s’engage, puis
on voit’ encontra aqui sua sanção metodológica” p. 153

“O pensamento marxista se assemelha ao pensamento conservador no fato de não negar a existência de uma esfera
irracional e de não tentar dissimulá-la como o faz a mentalidade burocrática, ou de tratá-la de forma puramente intelectual,
como se fôsse racional, como o fazem os pensadores liberal-democráticos. Distingue-se, contudo, do pensamento
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conservador, pelo fato de conceber esta irracionalidade relativa como potencialmente compreensível através de novos
métodos de raciocínio (…) a esfera do irracional não é inteiramente irracional, arbitrária ou incompreensível (…) sòmente um
número limitado de situações pode ocorrer (…) a própria esfera política se acha permeada por tendências que, embora
sujeitas a mudança, determinam, não obstante, por sua mera presença, em uma ampla medida, as várias possibilidades” p.
154-5

“a primeira tarefa do marxismo consiste na análise e na racionalização de tôdas as tendências que influenciam o caráter da
situação”, relações de produção, relações de classe e relações ideológicas, p. 155

“A estrutura ideológica não se modifica independentemente da estrutura de classe, e a estrutura de classe não se modifica
independentemente da estrutura econômica. E exatamente esta interconexão e êtes entrelaçamento da formulação tríplice do
problema, a econômica, a social e a ideológica, é que conferem às idéias marxistas a sua qualidade penetrante (…) o
marxismo não se contenta com a mera aceitação do irracional. Tenta, ao invés disso, eliminar o mais que pode o irracional
através de um nôvo esfôrço de racionalização” p. 156

“Considerada sociològicamente, eis uma teoria de uma classe ascendente (…) que, devido a suas tendências revolucionárias
inerentes, precisa estar sempre sensível e alerta a constelações imprevisíveis da situação. Tôda teoria que se origina de uma
posição de classe e que se baseia (…) em grupos históricos organizados, precisa necessàriamente possuir um largo campo
de visão. Conseqüentemente, requer uma visão da história plenamente racionalizada, na base da qual seja possível a
qualquer momento nos indagarmos onde estamos agora e em que estágio de desenvolvimento se encontram o nosso
movimento” p. 156

“em grupos que não se achem bàsicamente interligados por êstes laços orgânicos da vida comunitária, mas que ocupam
posições semelhantes no sistema social, a teorização rigorosa constitui um pré-requisito da coesão (…) esta extrema
necessidade de teoria é a expressão de uma sociedade de classes em que as pessoas têm de ser reunidas (…) por
circunstâncias similares de vida em uma esfera social extensa (…) uma Weltanschauung teórica retém um poder de
unificação sôbre grandes distâncias (…) os limites da racionalidade desta classe são definidos por sua posição oposicional e,
particularmente, por sua reconhecida posição revolucionária” p.157
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MANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986. Tradução de Sérgio Magalhães Santeiro.

“O propósito revolucionário impede que a racionalidade se torne absoluta (…) ainda deve restar em algum ponto de nossa
concepção da história e de nossos esquemas de vida um lugar para a irracionalidade essencial que acompanha a revolução”
p. 57

pois a revolução é “uma ruptura na estrutura de racionalidade da sociedade”, um momento de irracionalidade aproveitado
pelos que desejam a revolução, p. 58

“O pensamento dialético é na verdade racionalista, mas culmina no irracionalismo”, pois a teoria está sempre em conexão
essencial com a ação, que implica agir num momento para poder conhecê-lo e esta ação política implica sempre algo de
irracional, p. 159

“Tomado como um todo, o fascismo é ativista e irracional (…). No coração de sua teoria e de sua prática situa-se a apoteose
da ação direta, a crença no feito decisivo, e a importância atribuída à iniciativa de uma elite dirigente (…) o que importa é a
incondicional subordinação a um líder. (…) A história [se faz] (…) com as elites que de tempos em tempos se afirmam ” p.
159-160

o fascismo “é um completo irracionalismo, mas de forma alguma o tipo de irracionalismo conhecido dos conservadores, não o
irracional que ao mesmo tempo e supra-racional, não o folk spirit (Volkgeist), não as forças atuando silenciosamente, não a
crença mística na criatividade de longos períodos de tempo, mas o irracionalismo do feito que nega mesmo a interpretação da
história” p. 160

A concepção conservadora, a liberal-democrática e a socialista “partilham do pressuposto de que existe na história uma
estrutura definida e averiguável e que dentro dela, por assim dizer, cada acontecimento detém sua devida posição. Nem tudo
é possível em cada situação. (…) Certas experiências, ações e modos de pensamento, etc., sòmente são possíveis em certos
lugares e em certas épocas. Referências à história e ao estudo da história ou da sociedade são valiosas porque tomá-las
como orientação pode e deve tornar-se um fator determinante na conduta e na atividade política”, já para o fascismo tudo é
possível e a história não serve como guia p. 161
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MANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986. Tradução de Sérgio Magalhães Santeiro.

liberais (história racional como progressão linear), socialistas (história racionalmente concebida como dialética),
conservadores (história intuída como morfologia) p. 162

“O fascismo considera tôda a interpretação da história como mera construção fictícia destinada a desaparecer perante feito
do momento quando êste irrompe no padrão temporal da história” p. 163

“o pensamento e a atividade històricamente orientados (…) consistem na consciência do lugar que cada um ocupa no
processo histórico, que tem uma estrutura nìtidamente articulada. É esta nítida articulação da estrutura que torna inteligível a
participação do indivíduo no processo” p. 163

no fascismo o conhecimento histórico e politico vale apenas como ideologia e mito. O pensamento lhe serve apenas para
desmascarar como fictícias as formas de buscar sentido na história e abrir caminho para a ação prática.

“O indivíduo superior, o líder, sabe que tôdas as idéias políticas e históricas são mitos. Êle próprio se acha delas inteiramente
emancipado, mas as avalia (…) porque são ‘derivações’ que estimulam os sentimentos entusiásticos e que põem em ação
‘resíduos’ irracionais existentes nos homens e são as únicas fôrças que conduzem à atividade política” p. 163-4

“a abordagem intuitiva, que tão repetidamente se afirma na teoria fascista, concebe o conhecimento e a razoabilidade como
algo incerto, e as idéias como fenômenos de importância inteiramente secundária. Só um conhecimento limitado da história e
da política é possível – a saber, o que se acha contido na mecânica e na Psicologia Social” p. 164

No fascismo, “a política sòmente é possível como ciência em um sentido restrito – a saber, na medida em que abre caminho
para a ação”, isto é, através da denúncia dos sentidos da história como mitos e da busca de leis anistóricas para a psicologia
coletiva p. 166

O fascismo explora as crises das sociedades modernas cujos fatores irracionais levam à irracionalidade no espírito. “Estando
psicològica e socialmente situados em um ponto de onde só conseguem discernir o que há de desordenado e de não-
racionalizado na evolução da sociedade, o desenvolvimento estrutural e o quadro integrado da sociedade permanecem
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ocultos a seu campo de visão” p. 167

“uma correlação sociológica entre o tipo de pensamento a que os grupos organizados ou orgânicos recorrem, e uma
interpretação sistemática e consistente da história. Por outro lado, existe uma profunda afinidade entre os grupos sem raízes
sociais e um intuicionismo a-histórico. Quanto mais os grupos organizados e orgânicos se expõem a desintegração, tanto
mais tendem a perder a inclinação a uma concepção consistentemente ordenada da história e tanto mais se inclinam ao
imponderável e ao fortuito. À medida que os grupos golpistas espontâneamente organizados vão-se tornando mais estáveis,
tornam-se igualmente mais receptivos às grandes perspectivas históricas e a uma visão ordenada da sociedade” p. 167

“O conceito de prática [dos fascistas], nesse modo de pensamento, constitui, da mesma forma, parte integrante da técnica
golpista, enquanto os grupos socialmente mais integrados, mesmo quando em oposição à ordem existente, concebem a ação
como um movimento contínuo no sentido da realização de seus fins” p. 168

Dois métodos de autojustificação: a) dos grupos estabelecidos : “uma liderança que se considera um órgão de expressão dos
interêsses de amplos estratos sociais”, interesse em derrubar, reformar ou preservar a estrutura social, concebe a história
como transformação da estrutura histórico social; b) elites ascendentes ainda socialmente desvinculadas: operam com a
dicotomia líder-massa, opõem-se as pretensões de representação dos grupos estabelecidos, interesse em substituir as elites,
concebem a história como circulação de elites, p. 168-9

“Cada um dêles [grupos estabelecidos ou em ascensão] só consegue ver, fundamentalmente, o aspecto da totalidade
histórica e social a que o seu propósito o oriente” p. 169

Momentos em que os mecanismos burgueses regulatórios da luta de classe se mostram insuficientes que são momentos de
crise aguda, as consciências dos grupos se tornam confusas e surgem as massas. Esses momentos possibilitam ditaduras. E
o fascismos nada mais faz que transformar “o que não passa de uma situação parcial em uma visão total da sociedade” p.
169

“a existência destas explosões de curta duração atrai a atenção para os abismos irracionais ainda não-compreendidos e
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incompreensíveis pelos métodos históricos ordinários”. Esses abismos envolvem: a) elemento biológico sub-histórico:
elementos da vida irredutíveis à categorias históricas; b) elementos espiritual transcendental: elemento irredutível às
categorias históricas, algo não-histórico e alheio ao pensamento,ligado à experiências místicas, p. 170

Uma linha: sub-histórico – histórico – transcendental. Do ponto de vista histórico, não se pode ver os dois outros pontos
extremos, dos pontos extremos não se pode ver o histórico, p. 170

“É extraordinário que o homem, vivendo no brilho ofuscante do irracional, ainda seja capaz de dominar, em cada momento, o
conhecimento empírico necessário para prosseguir sua vida cotidiana (…) o homem pode agir a despeito de pensar”, daí o
fascínio do fascismo que considera todo o pensamento ilusão, p. 170-1

“Uma classe que já tenha ascendido na escala social tende a conceber a história em têrmos de eventos isolados e sem
ligação. Os acontecimentos históricos sòmente aparecem como um processo enquanto a classe que observa tais
acontecimentos ainda espera alguma coisa dêles. Sòmente estas expectativas podem dar ocasião a utopias, por um lado, e a
conceitos de processo, do outro. Contudo, o sucesso no conflito de classes afasta o elemento utópico, e relega as visões
mais amplas para o segundo plano, a fim de melhor dedicar suas fôrças às tarefas imediatas. O resultado é que, em lugar de
uma visão de conjunto que anteriormente levava em consideração as tendências e as estruturas totais, surge uma imagem do
mundo composta de meros acontecimentos imediatos e fatos isolados. A idéia de um ‘processo’ e da inteligibilidade estrutural
da história se converte em um simples mito”p. 171

“O fascismo é capaz de adotar serenamente êste repúdio burguês da história como estrutura e processo, sem nenhuma
inconveniência, já que o próprio fascismo é o expoente de grupos burgueses. Em conformidade com isso, não tem a intenção
de substituir a ordem social existente por outro, mas apenas a de substituir um grupo dirigente por outro grupo dirigente,
dentro da configuração de classes existente” p. 171-2

3. A síntese das diversas perspectivas como um problema da sociologia política

“não só diferem as orientações fundamentais, as avaliações e o conteúdo das idéias, mas que a maneira de formular um
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problema, o tipo de abordagem utilizada, e mesmo as categorias em que experiências são classificadas, coligidas e
ordenadas, variam de acôrdo com a posição social do observador” p. 172

Duas possibilidades acerca do problema de uma ciência política:

a) “desde que, no campo da política, o único conhecimento que possuímos é um conhecimento limitado pela posição que
ocupamos, e, desde que a formação de partidos constitui estruturalmente um elemento irremovível da política, segue-se que
a política sòmente pode ser estudada de um ponto-de-vista partidárioe e ensinada em uma escola partidária” p. 173

b) “Tornou-se hoje indiscutìvelmente claro que todo conhecimento político, ou que implique uma visão de mundo, é
inevitàvelmente partidário. O caráter fragmentário de todo conhecimento é reconhecível claramente. Mas isso implica a
possibilidade de uma integração de muitos pontos-de-vista mùtuamente complementares em um todo amplo” p. 174

“Exatamente por nos acharmos, hoje em dia, em uma posição que nos possibilita ver com crescente nitidez que as opiniões e
as teorias mùtuamente opostas não são infinitas em número, nem produtos de uma vontade arbitrária e sim mùtuamente
complementares, derivando de situações sociais específicas, é que a política como ciência se torna, pela primeira vez,
possível” p. 174

“a tese de que cada ponto-de-vista particular necessita ser complementado por todos os demais” p. 174

“A divergência das teorias políticas deve-se sobretudo ao fato de que as diferentes posições e pontos sociais vantajosos, ao
emergirem na corrente da vida social, habilitam cada indivíduo a reconhecer, do ponto de observação particular que ocupa
naquela corrente, a própria corrente. Assim, em diferentes épocas, emergem interêsses sociais elementares diferentes e, em
consonância, diferentes objetos de atenção, na estrutura total, são iluminados e vistos como se fossem os únicos existentes”
p. 176

“Todos os pontos-de-vista, em política, são apenas parciais, porque a totalidade histórica é sempre demasiado mais ampla
para ser apreendida por qualquer dos pontos-de-vista individuais que dela emergem. Contudo, já que todos êles emergem da
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mesma corrente social e histórica, e já que sua parcialidade existe na matriz de um todo emergente, é possível vê-los em
justaposição, e sua síntese se torna um problema que deve ser contìnuamente reformulado e resolvido. A síntese
constantemente revista e renovada dos pontos-de-vista particulares existentes torna-se tanto mais possível quanto as
tentativas de síntese, igualmente, possuem uma tradição, da mesma forma que o conhecimento fundado no partidarismo” p.
176

“A exigência de uma síntese absoluta e permanente viria, segundo nossa opinião, a significar uma recaída na visão de mundo
estática do intelectualismo. Numa esfera em que tudo se acha em processo de transformação, a única síntese adequada
seria uma síntese dinâmica, reformulada de tempos em tempos” p. 177

“um dos mais importantes problemas que podem ser postos, ou seja, de fornecer a visão do todo mais englobante que seja
possível em um dado momento” p. 177

“Tentativas de síntese não aparecem sem relações umas com as outras, pois cada síntese, ao resumir as fôrças e opiniões de
seu tempo, prepara o caminho para a seguinte. Pode-se notar um certo progresso em direção a uma síntese absoluta, no
sentido utópico, no fato de cada síntese tentar alcançar uma perspectiva mais ampla do que a precedente, vindo a última a
incorporar os resultados das que precederam” p. 177

A parcialidade dos pontos de vista não é uma questão de grau, como se cada uma iluminasse um aspecto do mesmo objeto.

“a determinação dos pontos-de-vista particulares por suas situações se baseia não apenas na seleção do tema, mas também
na divergência dos aspectos e das maneiras de colocar o problema, e, finalmente, na divergência do aparato categórico e dos
princípios de organização” p. 177

“será possível a diferentes estilos de pensamento (…) fundir-se um com o outro e sofrer uma síntese? O curso do
desenvolvimento histórico mostra a possibilidade desta síntese. Tôda análise concreta do pensamento, que procede
sociològicamente e busca revelar a sucessão histórica de estilos de pensamento, indica que êstes sofrem uma ininterrupta
fusão e interpenetração” p. 177-8
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“as sínteses de estilos de pensamento não são efetuadas apenas pelos que sejam bàsicamente sintesistas e que tentem,
mais ou menos conscientemente, englobar em seu pensar tôda uma época. Fazem-nas também certos grupos contendores,
na medida em que tentam unificar e conciliar pelo menos tôdas as correntes em conflito que encontram em sua própria esfera
limitada” p. 178

“Esta síntese de estilos de pensamento, que até então se desenvolviam separadamente, parece tanto mais necessária, já que
o pensar deve visar constantemente o aumento da capacidade de seu âmbito categórico formal, quanto pretenda dominar os
problemas que crescem diàriamente em número e dificuldade” p. 178

4. O problema sociológico da “intelligentsia”

“como devemos conceber os portadores sociais e políticos de qualquer síntese existente? Que interêsse político irá assumir o
problema da síntese e quem se empenhará em realizá-la na sociedade?” p. 178

“Uma vez reconhecido que o pensamento político está sempre vinculado a uma posição na ordem social, é coerente supor
que a tendência a uma síntese total deva estar incorporada na vontade de algum grupo social” p. 179

“os expositores da síntese sempre representaram estratos sociais definidos, sobretudo classes que se sentiam ameaçadas de
cima e de baixo e que, por necessidade social, procuraram escapar por um caminho intermediário. Mas esta busca de
compromisso assume, desde o princípio, tanto uma forma estática quanto uma forma dinâmica. A posição social do grupo a
que se filiam os portadores da síntese determina amplamente qual destas duas alternativas deverá ser enfatizada” p. 179

“uma síntese válida deve-se basear numa posição política que venha a constituir um desenvolvimento progressivo, no sentido
de reter e utilizar boa parte das aquisições culturais e energias sociais acumuladas na época anterior. Ao mesmo tempo, a
nova ordem deve permear os mais amplos setores da vida social, deve adquirir raízes naturais na sociedade, a fim de colocar
em ação o seu poder de transformação. Esta posição requer uma especial vigilância para com a realidade histórica do
presente. O ‘aqui’ espacial e o ‘agora’ temporal de cada situação devem ser considerados no sentido histórico e social, e
sempre lembrados a fim de, em cada caso, se determinar o que já não é necessário e o que ainda não é possível” p. 179
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“Tal visão experimental, incessantemente sensível à natureza dinâmica da sociedade e à sua unicidade, não virá
provàvelmente a ser desenvolvida por uma classe que ocupe uma posição intermediária, mas por um estrato relativamente
sem classe, cuja situação na ordem social não seja demasiado firme” p. 180

“Êste estrato desamarrado, relativamente sem classe, consiste, para usar uma terminologia de Alfred Weber na ‘intelligentsia
socialmente desvinculada’” p. 180

“Embora sejam por demais diferenciados para que se os considere como uma classe, existe, no entanto, entre todos os
grupos intelectuais, um vínculo sociológico de unificação, ou seja, a educação, que os enlaça de modo surpreendente. A
participação em uma herança cultural comum tende progressivamente a suprimir as diferenças de nascimento, status,
profissão e riqueza, e a unir os indivíduos instruídos com base na educação recebida” p. 180-1

“Constitui, entretanto, uma característica peculiar a esta nova base de associação o fato de que preserve a multiplicidade dos
elementos componentes em tôda a sua variedade, por criar um meio homogêneo dentro do qual as partes em conflito podem
aferir suas fôrças. A educação moderna é, por sua origem, uma luta viva, uma réplica, em pequena escala, dos propósitos e
tendências em conflito que se entrechocam na sociedade mais ampla. Conseqüentemente, o homem instruído é determinado
quanto ao seu horizonte intelectual, de múltiplas maneiras. Essa herança cultural adquirida sujeita-o à influência de
tendências opostas na realidade social” p. 181

“Um dos fatos mais marcantes da vida moderna é que (…) a atividade intelectual não é exercida de modo exclusivo por uma
classe social rìgidamente definida, como a dos sacerdotes, mas por um estrato social em grande parte desvinculado de
qualquer classe social e recrutado em uma área mais extensa da vida social. Êste fato sociológico determina essencialmente
a singularidade do espírito moderno que [é] (…) dinâmico, elástico, em estado de constante fluidez e perpètuamente
confrontado com novos problemas” p. 181

“período da ascendência burguesa é que o nível da vida cultural vai-se tornando cada vez mais desligado de uma classe
determinada” p. 181
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“A burguesia moderna teve, desde o início, uma dupla raiz social – por um lado, os proprietários de capital; por outro, os
indivíduos cujo único capital consistia em sua instrução” p. 182

os intelectuais surgem como um estrato situado entre as classes, grupo que “resume em si mesmo todos interêsses que
permeiam a vida social. Com o aumento em número e variedade das classes e estratos em que se recrutam os diversos
grupos de intelectuais, observam-se maiores multiplicidades e contrastes nas tendências que, atuando ao nível intelectual, os
ligam uns aos outros. Então, o indivíduo participa mais ou menos da massa de tendências em conflito mútuo” p. 182

“os intelectuais, além de portarem indubitàvelmente a marca de sua afinidade específica de classe, são também
determinados, em seus pontos-de-vista, por êste meio intelectual que contém todos os pontos-de-vista contraditórios. Esta
situação social sempre forneceu a energia potencial que habilitava os intelectuais mais eminentes a desenvolverem a
sensibilidade social indispensável para que se tornassem sintonizados com as fôrças dinâmicamente em conflito. Cada ponto-
de-vista era constantemente examinado quanto à sua importância para a situação presente. Além disso, exatamente por meio
dos vinculos cultural dêste grupo, atingiu-se uma apreensão tão profunda da situação total que a tendência a uma síntese
dinâmica reaparecia constantemente” p. 182-3

“A primeira saída para a crise em que os intelectuais se encontram, que é a da filiação direta a classes e partidos, evidencia
uma tendência, ainda que inconsciente, a uma síntese dinâmica. A classe que recebia o seu apoio era, em geral, a classe que
necessitava de desenvolvimento intelectual. Bàsicamente, o conflito de intelectuais é que transformava conflito de interesses
em conflito de idéias” p.184

“A segunda saída para o dilema dos intelectuais consiste precisamente em tomar consciência de sua própria posição social e
da missão nela implícita. Uma vez feito isto, a filiação ou a oposição política serão decididas com base em uma orientação
consciente dentro da sociedade e de acôrdo com as exigências da vida intelectual” p. 185

está ao alcance do intelectual “realizar coisas de indispensável significação para o processo social total. Destas, a mais
importante seria a descoberta da posição que possibilitasse uma perspectiva total. Dêsse modo, poderiam desempenhar o
papel de vigias no que, de outra forma, seria uma noite impenetrável” p. 185
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“A capacidade de adquirir um ponto-de-vista mais amplo deveria ser considerada meramente um ônus? Não se trataria, pelo
contrário, de uma missão?” p. 186

“dêste estrato médio relativamente desvinculado, que se encontra aberto ao ingresso constante de indivíduos das mais
diversas classes e grupos sociais, com todos os pontos-de-vista possíveis. Só nessas condições pode surgir a síntese
incessantemente nova e ampla a que nos referimos” p. 186

“a tentativa de fazer desta mediação uma mediação viva e de associar as decisões políticas a uma orientação total prévia.
Hoje, mais do que nunca, espera-se que êste grupo médio dinâmico se esforce por criar um fôro, alheio às escolas de partido,
que salvaguarde a perspectiva do todo e o intêresse pelo todo” p. 186

“È provável que, de acôrdo com o espírito da época, venham surgir mais e mais escolas partidárias, e, assim, tanto mais será
de se desejar que se crie um fôro efetivo, quer nas universidades, quer em instituições especializadas de ensino superior, que
sirva à busca desta forma avançada de ciência política” p. 187

“Mesmo numa escola dêste tipo, não se deve esperar que os professôres sejam isentos de tendências partidárias. Esta
escola não tem por objetivo evitar que se chegue a decisões políticas. Mas existe uma profunda diferença entre um professor
que, após cuidadosa deliberação, se dirije a seus alunos, cujas mentes ainda não estão formadas, de um ponto-de-vista
adquirido por uma cuidadosa meditação, conduzindo a uma compreensão da situação total, e um professor exclusivamente
interessado em inculcar um ponto-de-vista partidário já firmemente estabelecido” p. 187

“as relações que sempre existem entre as concepções de história e os ponto-de-vista políticos” p. 188

“Em resumo [da nova ciência política]: quaisquer que sejam os teus interêsses, êles serão teus na qualidade de pessoa
política, mas o fato de teres êstes ou aquêles interêsses implica também que faças isto ou aquilo para compreendê-los, e em
que devas conhecer a posição específica que ocupas no processo social total” p. 188

cabe a ciência política “a investigação e a comunicação da relação estrutural entre o juízo e o ponto de vista, entre o processo
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MANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986. Tradução de Sérgio Magalhães Santeiro.

social e o desenvolvimento do interesse (…). A Sociologia Política, neste sentido, deve estar consciente de sua função de
síntese mais completa das tendências de uma época. Deve ensinar ùnicamente o que se pode ensinar: as relações
estruturais” p. 188

5. A natureza do conhecimento político

“uma ciência tão ìntimamente associada à prática” p. 189

“Se, no entanto, se verifica que a vida oferece possibilidade de conhecimento e de compreensão, mesmo em campos em que
a ciência não desempenha papel algum, não constitui solução denominar-se êste conhecimento de ‘pré-científico’ ou relegá-lo
à esfera da ‘intuição’, simplesmente para preservar a pureza de uma definição arbitrária de ciência. Pelo contrário, impõe-se,
acima de tudo, que investiguemos a natureza interna dêstes tipos de conhecimento ainda não formulados, para depois
examinarmos a possibilidade de estender os horizontes e concepções da ciência, de modo a serem incluídas essas
pretensas áreas pré-científicas do conhecimento” p. 189-190

“A diferença entre ‘científico’ e ‘pré-científico’ depende, naturalmente, do que pressupomos serem os limites da ciência (…) a
definição tem sido demasiado estreita, e que apenas determinadas ciências se tornaram, por motivos históricos, modelos do
que uma ciência deveria ser. (…) o ideal da ciência tem sido o conhecimento matemática e geomètricamente demonstrável,
ao passo que tudo o que é qualitativo sòmente se admite como derivado do quantitativo. O positivismo moderno (que sempre
manteve sua afinidade com a visão liberal-burguesa e que se desenvolveu neste espírito) aderiu sempre a êste ideal de
ciência e verdade. No máximo, acrescentou, em têrmos de uma séria forma de conhecimento, a busca de leis gerais. De
acôrdo com êste ideal predominante, o espírito moderno impregnou-se de medições, formalizações e sistematizações com
base em axiomas fixos” p. 190

“nas Ciências da Culturais em que, por sua própria natureza, não nos interessa tanto a estreita esfera de questões redutíveis
a leis, mas a riqueza de fenômenos e estruturas singulares e concretos com que os homens práticos estão familiarizados,
mas que são inatingíveis pelos axiomas positivistas. O resultado disto foi que o homem prático, lidando com situações
concretas e aplicando informalmente seu conhecimento, mostrava-se mais entendido que o teórico que apenas observava
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uma esfera limitada, porque estava prêso às pressuposições de uma ciência. Tornou-se cada vez mais evidente que o
primeiro possuía algum conhecimento em campos dos quais o último – isto é, o intelectual teórico moderno – há muito deixara
de ter qualquer conhecimento” p. 190-1

“a tendência fundamental da ciência moderna era analítica, e desde que nada era considerado científico a menos que tivesse
sido reduzido a seus elementos constitutivos, desapareceu o interêsse pela percepção direta e imediata de totalidades” p. 191

“a concepção intelectualista de ciência, subjacente ao positivismo, tem suas raízes em uma concepção de mundo definida, e
que se tem desenvolvido em estreita conexão com interêsses políticos definidos” p. 191

“Precisamos reportar-nos aos intêresses políticos e sociais expressos por êstes princípios metodológicos [análise e
quantificação]” p. 191

o critério básico do pensamento intelectualista: “tese de que nada será considerado ‘verdadeiro’ ou ‘cognoscível’, a não ser
que possa ser apresentado como universalmente válido e necessário – sendo êstes dois requisitos qualificados, sem maiores
cuidados, como sinônimos. Presumia-se simplesmente que sòmente seria necessário o que fôsse universalmente válido, isto
é, comunicável a todos” p. 191-2

“é muito possível existirem verdades ou intuições corretas que sejam acessíveis apenas a uma certa disposição pessoal ou a
uma determinada orientação de interesses de um certo grupo. O cosmopolitismo democrático da burguesia ascendente
negava o valor e o direito à existência destas noções. Com isto, revelou-se um componente puramente sociológico no critério
de verdade, que é o da exigência democrática de que estas verdades sejam as mesmas para todos” p. 192

“sòmente seriam legítimas as formas de conhecimento que se aplicassem ao que é comum a todos os sêres humanos. A
elaboração da noção de ‘consciência de si’ nada mais é que a destilação dos traços da consciência humana individual que
pudéssemos presumir como sendo os mesmos em todos os homens (…). O fundamento básico desta consciência comum foi
encontrado, antes de mais nada, as concepções de tempo e espaço, e, em estreita associação com estas, no campo
puramente formal da Matemática. (…) acreditava-se na possibilidade de se construir, com base em uns poucos característicos
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axiomáticos, um homem econômico, um homem político, etc., independentemente do tempo e da raça. Somente o que se
podia conhecer pela aplicação dêstes princípios era considerado cognoscível. (…) O principal objetivo dêste modo de
pensamento consistia em um conjunto purificado de conhecimentos genèricamente válido, cognoscível por todos e a todos
comunicável” p. 192

“Todo conhecimento que dependesse da receptividade total dos homens, ou de certos característicos histórico-sociais total
dos homem concreto, era suspeito e devia ser eliminado (…) era suspeita tôda experiência que se fundasse em percepções
puramente pessoais do indivíduo” p. 192

“desconfiava-se de qualquer tipo de conhecimento que sòmente pudesse ser adquirido por certos grupos histórico-sociais.
Desejava-se o tipo de conhecimento que estivesse livre de tôdas as influências da concepção de mundo (Weltanschauung)
do sujeito. O que não se notou foi que o mundo do meramente quantificável e analisável só podia ser descoberto com base
na concepção do mundo (Weltanschauung) definida. De modo análogo, não se percebia que uma concepção de mundo
(Weltanschauung) não constitui necessàriamente uma fonte de êrro, mas que, muitas vezes, proporciona acesso a esferas de
conhecimento de outra forma impenetráveis” p. 193

“Mais importante, contudo, era a tentativa de eliminar os interêsses e os vâlores que constituem o elemento humano no
homem. Na caracterização do intelectualismo burguês, voltava-se a atenção para o empenho em eliminar os interêsses até
da política” p. 193

“o nexo orgânico entre, de um lado, o homem como sujeito histórico e como membro da sociedade, e, do outro, o seu
pensamento, foi arbitràriamente rompido. Eis a principal fonte de êrro” p. 193

“existe uma variedade de temas sòmente acessíveis a certos indivíduos ou em certos períodos históricos”

“existe um certo tipo de conhecimento que nunca pode ser concebido em têrmos de categorias de uma consciência em si
puramente contemplativa, e cujo enunciado fundamental consiste em que é sòmente vivendo e agindo com os nossos
semelhantes que podemos chegar a conhecê-los (…). Tratamos aqui com um processo dinâmico do homem em que seus
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característicos emergem no curso de sua conduta concreta e no confronto com problemas reais” p.193-4

“A própria autoconsciência não surge da mera contemplação, mas sòmente através de nossas lutas com o mundo – isto é, no
decurso do processo em que, pela primeira vez, tomamos consciência de nós mesmos” p. 194

“a percepção de si e a dos demais se interligam inserparàvelmente com a atividade e o interêsse e com os processos de
interação social (…) as relações volitivas, subjetivas, e processuais do conhecimento ativo” p. 194

“existem certos domínios de conhecimento cuja acessibilidade [depende] (…) de certas precondições históricas e sociais
definidas. Determinados acontecimentos da história e da vida psíquica do homem sòmente se tornam visíveis em certas
épocas históricas, que, através de uma série de experiências coletivas e de uma concepção de mundo ( Weltanschauung)
paralelamente desenvolvida, abrem caminho a determinadas intuições” p. 194

“existem certos fenômenos cuja percepção depende da presença de determinados propósitos coletivos que refletem os
interêsses de estratos sociais específicos” p. 194

“um conhecimento preciso e prontamente objetivável é possível na medida em que se trata de captar aquêles elementos da
realidade social que, de início, definimos como componentes estáveis e rotineiros da vida social. Parece não haver obstáculo
algum à formulação de leis neste domínio, uma vez que os objetos de atenção obedecem a um ritmo periódico de seqüência
regular” p. 194

“ao entrarmos no campo da política (…) parece emergir um nôvo tipo de conhecimento, que é aquêle em que decisão e
ponto-de-vista se acham inseparàvelmente ligados. (…) A visão do homem é dada justamente pelas intenções que o homem
tenha” p. 195

“Nestes casos, nunca devemos separar do produto do pensamento o interêsse, a valoração, e a concepção de mundo
Weltanschauung) (…). Esta é a tarefa da Sociologia, na medida em que a Sociologia é a ciência do que é político (…)
reconstrói os ponto-de-vista originários para os quais o mundo se apresenta de tal ou qual forma, e procura compreender a
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MANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986. Tradução de Sérgio Magalhães Santeiro.

totalidade das visões, derivadas das várias perspectivas, através da totalidade do processo” p. 195

“A política como ciência, sob a forma de uma Sociologia Política (…) está sempre em transformação e, no entanto,
permanece sempre ligada à corrente de que deriva. Surge no desdobramento dinâmico de fôrças em conflito.
Conseqüentemente, pode-se construí-la com base em perspectivas bastante unilaterais, que refletiam as inter-relações de
acontecimentos tal como determinado partido político os percebe, ou pode surgir em sua forma mais avançada – como uma
tentativa constantemente renovada de síntese de tôdas as perspectivas existentes, visando uma conciliação dinâmica” p. 195

“Se buscamos uma ciência do que se acha em processo de transformação, uma ciência da prática e para a prática, sòmente
podemos reaizá-la pela descoberta de uma nova estrutura em que êste tipo de conhecimento possa encontrar uma expressão
adequada” p. 195-6

6. A comunicabilidade do conhecimento politico

“O impulso original para se investigar o problema da ideologia surgiu da própria vida política, em seus mais recentes
desenvolvimentos. (…) o estudioso da ideologia está embaraçado tão só em meditar sôbre um problema que tem
embaraçado muita gente que procura orientar-se na vida cotidiana da sociedade. Êste problema consiste essencialmente na
inevitável necessidade de compreender-se a si mesmo e ao adversário no seio do processo social” p. 196

“Cada visão deve ser referida à posição social do observador. Se possível, deveria investigar-se, em cada caso, o motivo por
que as relações se apresentam de uma determinada maneira quando encaradas de um dado ponto-de-vista” p. 196

“A unilateralidade peculiar a uma posição social é sempre mais evidente ao se a considerar em justaposição a tôdas as
demais. A vida política (…) modifica-se no decorrer de seu próprio desenvolvimento, ao corrigir os exageros de um ponto-de-
vista pelo que é revelado por outro. Em cada situação será, portanto, indispensável existir uma perspectiva total que abarque
todos os pontos-de-vista” p. 197

“Devemos ter sempre em mente que, por trás de qualquer trabalho científico (por mais impessoal que pareça), existem tipos
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de mentalidade que influenciam em ampla medida a forma concreta da ciência” p. 197

“O fato de as ciências serem cultivadas em meios acadêmicos constitui um perigo, pois as atitudes adequadas à
compreensão de um setor real da experiência humana são reprimidas na atmosfera contemplativa que predomina nas
instituições acadêmicas. Hoje em dia, pràticamente aceitamos sem contestação que a ciência começa quando destrói nossa
abordagem inicial e a substitui por outra, estranha à experiência vivida. Eis a mais importante razão por que a prática não
pode tirar proveito dêste tipo de teoria. Isso cria uma tensão entre teoria e prática” p. 197

“a principal diferença entre êste ponto-de-vista intelectualista e contemplativo e o ponto-de-vista resultante da experiência
vivida e aceito no campo da prática, poderíamos dizer que o cientista aborda sempre seus temas com uma tendência
ordenadora e esquematizadora, ao passo que o homem prático (…) busca uma orientação com referência à ação” p. 197-8

os procedimentos do colecionador de idéias, do sistematizador filosófico (ambos uma esquematização abstrata), do


historiador (imediatismo histórico) , p. 198-9

procedimento do político - “tentativa de compreender as teorias e suas mutações em estreita relação com os grupos coletivos
e as situações totais típicas de que surgiram e que expõem. Neste caso, as conexões internas entre o pensamento e a
existência social têm de ser reconstruídas. (…) são os grupos sociais que, possuindo um certo tipo de estrutura, formulam
teorias correspondentes a seus interêsses tais como os percebem em determinadas situações. O resultado é que, para cada
situação específica, são descobertos certos modos de pensar e possibilidades de orientação” p. 200

“Sòmente será capaz de seguir inteligentemente o curso dos acontecimentos quem compreender arranjo estrutural que é
subjacente a uma determinada situação e a um determinado acontecimento históricos, e que os possibilita” p. 200

“A escola fenomenológica, em particular, procurou mostrar, em oposição ao intelectualismo moderno, que há mais de uma
forma de conhecimento” p. 201, n. 44

Cada disciplina tem seus métodos e técnicas de transmissão de conhecimento, p. 44


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modo de transmissão do conhecimento intelectualista ligado à preleção e ao seminário que pressupõem um ambiente
rarefeito livre das circunstâncias pessoais, este modo de transmissão está ligado à ciências que não possuem influência das
visões de mundo e da volição pessoal p. 202-3

modo de transmissão das artes, no atelier baseado numa relação aprendiz e mestre por meio da colaboração criativa e
técnica, p. 203-4

o clube como estrutura fundamental da transmissão da arte política p.205-6

a necessidade e os perigos da formação especializada em política, p. 206

“Não existe oportunidade mais favorável para compreender a estrutura peculiar do campo político do que debater com os
adversários os problemas vitais e imediatos, pois que, em semelhantes ocasiões, se expressam as fôrças e os pontos-de-
vista existentes em um dado período” p. 208

mudança na concepção de história em direção à necessidade política de compreender as mudanças estruturais e a partir
delas as relações entre passado e presente, p. 208

7. Três variedades de sociologia do conhecimento

“a Sociologia do Conhecimento ainda deixa aberta três vias de análise. Na primeira, depois de reconhecer que o
conhecimento histórico-político está sempre vinculado a um modo de existência e a uma posição social, alguns se inclinarão,
precisamente devido a esta determinação social, a negar a possibilidade de se alcançar a verdade e a compreensão. Esta
será a resposta dos que tomam seus critérios e modelos de verdade em outros campos do conhecimento, e deixam de
perceber que cada nível de realidade pode ter sua própria forma de conhecimento. Nada seria mais perigoso do que esta
orientação unilateral e estreita para o problema do conhecimento” p. 210

Segunda abordagem: separar fatos de valores. “a Sociologia do Conhecimento tem a tarefa de desvencilhar, de cada parcela
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concretamente existente de ‘conhecimento’, o elemento valorativo vinculado a interêsses, e de eliminá-lo como uma fonte de
êrro, visando a alcançar um campo ‘não valorativo’, ‘supra-social’ e ‘supra-histórico’ de verdade ‘objetivamente’ válida” 210

“existem áreas de conhecimento histórico-político onde há uma regularidade autônoma que pode ser formulada, em grande
parte, independente da concepção de mundo(Weltanschauung) e da posição social individuais (…) existe uma área da vida
social em que se podem perceber certas regularidades estruturais gerais, isto é, as formas mais gerais de associação
humana. (‘Sociologia Formal’). Em Economia e Sociedade, Max Weber escolheu como tarefa central a elaboração dêste
estrato de relações puramente perceptíveis, de modo a atingir êste campo não-valorativo e objetivo da Sociologia” p. 210

“mesmo os que se esforçam por atingir uma esfera não-valorativa separável do resto do conhecimento devem procurar
contìnuamente, pelo menos como corretivo, a equação social de seu pensamento, usando meios tais como a Sociologia do
Conhecimento” p. 211

“se, depois de explanada a influência da posição político-social sôbre o conhecimento, restasse ainda um campo de
conhecimento não-valorativo ( … no sentido do emprêgo de um aparato axiomático e categórico unívoco e não-valorativo) –
caso esta esfera realmente exista, sòmente poderíamos atingi-la se levarmos em conta tôdas as ‘equações sociais’ do
pensamento que nos fôssem acessíveis” p. 211

Terceira abordagem: “consiste em afirmar que, no ponto em que começa o que é propriamente político, o elemento valorativo
não pode ser separado com facilidade (…). Esta posição insistirá em que o elemento de vontade detém uma importância
essencial no conhecimento na esfera política e histórica” p. 211

“em qualquer ponto histórico do tempo, existe uma quantidade substancial de conhecimento acessíveis sòmente quando
vistos de uma perspectiva social. (…) nosso problema consiste não em como lidar com um tipo de conhecimento que seja a
‘verdade em si’, mas antes em como o homem lida com os seus problemas cognitivos, vinculado que está, em seus
conhecimentos, à sua posição no tempo e na sociedade” p. 212

“Se defendemos uma visão compreensiva do que ainda não se pode sintetizar em um sistema é porque a consideramos
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como a possibilidade relativa ótima em nossa situação atual, e porque acreditamos que agindo dessa forma (…) estejamos
dando os passos preparatórios necessários para a síntese seguinte. Contudo, depois de enunciada esta solução para o
problema, precisamos acrescentar, de pronto, que a disposição para chegar a uma síntese, a partir do ponto-de-vista mais
compreensivo e avançado, traz implícita um juízo prévio, que é a nossa decisão de chegar a uma mediação intelectual
dinâmica. (…) De fato, nossa tese principal é que o conhecimento político (…) é impossível sem tal decisão, e que esta
decisão a favor da mediação intelectual dinâmica deve ser vista como um elemento da situação total” p.212

“Tôda a vez que tomamos conhecimento de um determinante que nos dominava, removemo-lo do campo da motivação
inconsciente para o da motivação controlável, calculável e objetivada. A escola e a decisão não são, dessa forma, eliminadas;
pelo contrário, os motivos que anteriormente nos dominavam tornam-se sujeitos ao nosso domínio; somos cada vez mais
referidos ao nosso verdadeiro self e, ao passo que anteriormente éramos escravos da necessidade, agora achamos possível
unir-nos às fôrças com as quais estejamos em total acôrdo” p.213

“a esfera do racionalizável e do racionalmente controlável (mesmo em nossa vida mais íntima) se encontra em constante
crescimento, ao passo que a esfera do irracional se vai tornando proporcionalmente mais estreita” p. 213

“pode-se afirmar com segurança que a política como política somente é possível enquanto o campo irracional ainda existe
(onde êste desaparece, a ‘administração’ toma o seu lugar). (…) Na política, o elemento racional se acha inerentemente
entrelaçado com o irracional; finalmente, existe uma tendência a se eliminar o irracional do campo do social e, em estreita
ligação com ela, ocorre uma conscientização mais elevada dos fâtores que, até então, nos dominava inconscientemente” p.
214

o surgimento em nossa época do princípio ético da responsabilidade: “Seus imperativos principais são: primeiro, que a ação
não só deveria estar de acôrdo com os ditames da consciência, mas deveria levar em consideração suas possíveis
consequências, na medida em que estas sejam calculáveis; segundo, o que se pode acrescentar com base na nossa
discussão anterior, a própria consciência deveria ser submetida ao auto-exame crítico, a fim de eliminar tôdos os fatôres que
atuam cega e compulsivamente” p. 214-5
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MANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986. Tradução de Sérgio Magalhães Santeiro.

“Max Weber forneceu a primeira formulação aceitável desta concepção da política. Suas idéias e pesquisas refletem o
estágio da ética e da política, em que o destino cego parece encontrar-se, pelo menos parcialmente, em curso de desaparição
do processo social, e o conhecimento de tudo que seja cognoscível se torna uma obrigação do homem ativo. É neste ponto,
se é que em algum, que a política pode vir a ser ciência, uma vez que, de um lado, a estrutura do campo histórico a ser
controlado se tornou transparente, e, por outro lado, a partir da nova ética emerge um ponto-de-vista que encara o
conhecimento, não como contemplação passiva, mas como auto-exame crítico, e neste sentido prepara o caminho para a
ação política” p. 215

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