Lei Saraiva (1881) - o Analfabetismo É Um Problema Nacional.
Lei Saraiva (1881) - o Analfabetismo É Um Problema Nacional.
Lei Saraiva (1881) - o Analfabetismo É Um Problema Nacional.
Resumo: Este trabalho tem por objetivo identificar e analisar os argumentos invocados pelos liberais em favor
da exclusão dos analfabetos do direito de voto, nos debates travados na Câmara dos Deputados e no Senado, por
ocasião da reforma eleitoral para introdução do voto direto no final do Império, no período de janeiro 1879 a
janeiro de 1881. Em 1878, depois de dez anos de governos conservadores, o Imperador Dom Pedro II convoca os
liberais para realizar reforma eleitoral para introdução do voto direto no Brasil, que, primeiramente e sem
sucesso, no gabinete Sinimbu, é buscada através de reforma da Constituição de 1824. A reforma, então é
concretizada pelo gabinete Saraiva por meio de Lei Ordinária, conhecida como Lei Saraiva - Lei 3.029, de 09 de
janeiro de 1881. É nesse período que se verifica aquilo que se pode chamar de construção do discurso da
incapacidade eleitoral dos analfabetos, resultando, a partir de então, na exclusão dos analfabetos do direito de
voto por mais de um século (até 1985) e na estigmatização, até hoje, dos “portadores” de analfabetismo.
Introdução
Este texto se propõe a identificar e analisar, nos Anais da Câmara dos Deputados e do
Senado, as argumentações que alguns políticos brasileiros fizeram uso no período de janeiro
de 1879 a janeiro de 1881 para defenderem a exclusão dos analfabetos do direito de voto
quando da apresentação dos projetos visando a reforma eleitoral para introdução do voto
direto no Brasil. Desse modo, pretende-se entender quais as razões que levaram o
analfabetismo, em um dado momento da história brasileira, a ser percebido como um
problema político e social.
Assim, a calmaria no cenário político era assegurada através da alternância dos dois
partidos, que muito se assemelhavam, já que os dois representavam basicamente as elites
agrárias.
Conforme o momento, a presidência do Gabinete Ministerial era entregue ao Partido
Liberal ou ao Partido Conservador. Esta política não poderia ser praticada com a adesão de
um único partido; necessitava do apoio de ambos. Desta forma, se tornava necessário cultivar,
na esfera dos dois partidos, um empenho de afastamento das divisões mais radicais.
Por detrás das aparências liberais do regime, o que na verdade existia era uma
sociedade repressiva e altamente conservadora e preconceituosa, componentes que exerciam
inegável papel censório. Um imperador patriarcal e bonachão mal disfarçava as realidades de
um Estado oligárquico, não-democrático e autoritário. (LOPEZ, 1993, p. 67-68).
Essa realidade social e política se refletia no campo educacional. Ao se estudar a
atenção dispensada à educação no Brasil, é possível observar que as ações nessa área foram
desorganizadas e pouco eficientes desde o Brasil Colônia, quando o quadro educacional era,
então, composto por um ensino elementar e um ensino secundário desarticulados e
assistemáticos, precariamente organizados, em sua maioria, sob a forma de aulas avulsas e
irregulares.
O ensino brasileiro, ao iniciar-se o século XIX, estava reduzido a pouco mais que
nada, em parte como decorrência do desmantelamento do sistema jesuítico (o Marquês de
Pombal , em 1759, extinguiu as escolas jesuíticas de Portugal e de todos os âmbitos de seus
territórios, que foram sucedidas pelas reformas pombalinas, com o principal objetivo de
substituir a escola que convinha aos interesses da fé pela escola favorável aos fins do Estado),
sem que nada parecido fosse preparado em seu lugar.
Quanto ao cenário cultural existente quando da chegada da Família Real, Ferreira (2001,
p.79) destaca que
A vinda da Família Real (1808) e a Independência (1822) colaboraram para que novas
condições político-econômicas conduzissem ao estabelecimento de uma nova direção no que
se referia ao ensino, orientando a educação brasileira para a formação das elites dirigentes.
Assim, o ensino superior e o secundário passaram a ser privilegiados, em prejuízo do ensino
primário e do técnico-profissional. Deixado ao encargo das províncias, o ensino primário era
pouco difundido. Embora a Constituição Imperial de 11 de dezembro de 1823 determinasse a
garantia da instrução primária gratuita a todos os cidadãos, na prática, tanto nos anos que a
precederam quanto nos anos que a sucederam, pouco se fez pelo ensino popular. Elevar a
quantidade de doutores (médicos e advogados, principalmente) é uma das justificativas
apontadas por Ferreira (2001) para o descaso com o ensino elementar. A autora complementa
que “Na verdade, o governo pretendia formar burocratas capazes de gerenciar e prover os
cargos públicos, resolvendo, dessa maneira, o problema da falta de técnicos e administradores
para as diferentes atividades governamentais.” (FERREIRA, 2001, p.82). Deste modo, ao
longo de todo o século XIX foi muito diminuto o grupo dos cidadãos que tinham acesso a um
diploma.
No período de 1860 a 1890 ações particulares se organizam, e são fundados importantes
colégios, principalmente católicos, até mesmo de jesuítas, que retornam ao Brasil décadas
após sua expulsão. A disposição de instituir escolas religiosas no Brasil do século XIX é uma
contradição a do resto do mundo, cuja laicização se torna cada vez mais frequente. Os
colégios leigos do período são os mais progressistas e renovadores.
No último quartel do século XIX, o positivismo intensifica a luta pela escola pública,
leiga e gratuita, bem como pelo ensino das ciências.
Para Romanelli (2002, p.41) ao longo do Império desenvolveu-se uma educação de tipo
aristocrática, voltada mais para a formação de uma elite do que à educação do povo. A autora
observa ainda que a educação popular estava desassistida e que a educação média era
simplesmente propedêutica, pode-se assim, pensar o quanto a educação foi minimizada, a
ponto de transformar-se em mera ilustração.
Este modelo de educação doméstica escolar, a separação social entre os adultos e as
crianças, a rigidez da autoridade, a carência da participação da mulher, a ampla diferença na
educação dos dois sexos foi favorável para a total preponderância das atividades unicamente
intelectuais sobre as de base manual e mecânica, resultando na produção de uma cultura
antidemocrática, de privilegiados. A tradição colonial, de fundo europeu, não é a única
explicação para o tipo de cultura que se buscava servir, mas está intimamente relacionada à
composição e ao modelo da estrutura social que se estabeleceram por todo o Império. Nessa
sociedade, de economia fundamentada no latifúndio e na escravidão, e à qual, deste modo,
não interessava a educação popular. Esse contraste entre a quase carência de educação
popular e o acréscimo de desenvolvimento de elites tinha de forçosamente constituir, como
constituiu, uma enorme disparidade entre a cultura da classe dirigida, de nível
extraordinariamente baixo, e a da classe dirigente, erguendo sobre uma ampla contingência de
analfabetos uma pequena elite em que figurava homens de cultura aprimorada.
É nesse contexto político-social que se realiza a reforma eleitoral para introdução do
voto direto no Brasil. Reforma iniciada em janeiro de 1878, quando o Imperador D. Pedro II,
pressionado pelas cobranças em favor de eleições diretas, convoca o Visconde João Lins
Vieira Cansansão de Sinimbu para presidir um gabinete liberal, que teria como única tarefa o
cumprimento da reforma eleitoral, por meio da qual deveria ser inserido o voto direto no
Brasil.
O Projeto Sinimbu
O projeto Saraiva
Referências
ALENCAR, Francisco; RAMALHO, Lúcia Capri; RIBEIRO, Marcus Venício T.. História da
sociedade brasileira: 2º grau. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1979.
BANDECCHI, Brasil. História do Brasil: ciclo ginasial. São Paulo: Didática Irradiante, 1969.
FAUSTO, Boris. História do Brasil. 13. ed. São Paulo: Ed. da USP, 2008.
FERREIRA, Liliana Soares. Educação & História. 2. ed. Ijui: Ed. Unijui, 2001.
LOPEZ, Luiz Roberto. História do Brasil contemporâneo. 7. ed. Porto Alegre: Mercado
Aberto, 1994
________. História do Brasil imperial. 6. ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1993.