Marcos Rezende - Precedentes

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 173

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

FACULDADE MINEIRA DE DIREITO

Marcos Rezende

PRECEDENTES, UMA CONTRIBUIÇÃO À

FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE

DIREITO

Belo Horizonte
2015
Marcos Rezende

PRECEDENTES, UMA CONTRIBUIÇÃO À

FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE

DIREITO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Direito da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais, como
requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Dierle José Coelho Nunes

Belo Horizonte
2015
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Rezende, Marcos
R467p Precedentes, uma contribuição à fundamentação da decisão no estado
democrático de direito / Marcos Rezende. Belo Horizonte, 2015.
180 f.

Orientador: Dierle José Coelho Nunes


Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Direito.

1. Precedentes judiciais. 2. Direito comum. 3. Direito civil. 4. Decisão


(Direito). 5. Direito processual constitucional. 6. Estado democrático de direito.
7. Julgamentos. I. Nunes, Dierle José Coelho. II. Pontifícia Universidade Católica
de Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito. III. Título.

CDU: 347.953
Marcos Rezende

PRECEDENTES, UMA CONTRIBUIÇÃO À

FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE

DIREITO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Direito da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais, como
requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em Direito.

___________________________________________________
Prof. Dr. Dierle José Coelho Nunes (Orientador) – PUC Minas

___________________________________________________
Prof. Dr. Érico Andrade – UFMG

___________________________________________________
Profa. Dra. Flaviane de Magalhães Barros – PUC Minas

___________________________________________________
Prof. Dr. Flávio Barbosa Quinaud Pedron – FUMEC

___________________________________________________
Prof. Dr. Leonardo Augusto Marinho Marques – PUC Minas

Belo Horizonte, 24 de abril de 2015


À Deus, pela permanente proteção.
AGRADECIMENTOS

Ao Professor Dr. Dierle José Coelho Nunes, pelo estímulo permanente a


favor da divulgação dos trabalhos acadêmicos, pelas oportunas sugestões ofertadas
no decurso da elaboração desta dissertação e pela paciência na orientação.

À Professora Dra. Flaviane de Magalhães Barros, pelo incentivo à


pesquisa e pela elogiável metodologia aplicada na condução de sua disciplina.

Ao Professor Dr. Flávio Barbosa Quinaud Pedron, pela colaboração


gratuita e pela disponibilidade nas revisões e sugestões na elaboração de textos
acadêmicos.

Ao Professor Dr. Leonardo Augusto Marinho Marques, pela ativa


participação na construção do Estado Democrático de Direito.

Ao Professor Dr. Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, pela seriedade na


condução do aprendizado, pelo empenho na preservação da técnica e pelo apoio na
divulgação e publicação de trabalho acadêmico.

Ao Professor Dr. Rosemiro Pereira Leal, pelas inovadoras e intrigantes


abordagens sobre o direito e o processo.

Ao Professor Dr. Antônio Cota Marçal, pela discussão aberta,


contextualizada e incentivadora de temas complexos, atuais e tão importantes para o
desenvolvimento do direito.

À Professora Dra. Lusia Ribeiro Pereira, pela contribuição ofertada ao


projeto de minha pesquisa.

Ao Professor Dr. Thomas da Rosa de Bustamante, pela disponibilidade e


pela dedicação em enriquecer o estudo dos precedentes no direito brasileiro.

A todos os professores do Curso de Mestrado do Programa, pela


contribuição no esforço de ampliar conhecimentos e criticar o status quo ainda pouco
democrático das funções do Estado brasileiro.

Aos colegas, cujo convívio resultou em sólidas amizades.


RESUMO

Há uma urgente necessidade de mirar o sistema jurídico brasileiro sob a perspectiva


democrática, participativa e discursiva. Em um mundo economicamente globalizado,
torna-se impossível desprezar as influências dos sistemas jurídicos melhores
estruturados sobre os demais. Nesta perspectiva incluem-se os precedentes do
common law. Os precedentes deste sistema jurídico se fortaleceram a partir de uma
matriz positivista, há muito sedimentada pelo princípio do stare decisis, que
estabelece o respeito quase incondicional aos precedentes das cortes superiores às
demandas posteriores. Procura-se demonstrar que os precedentes do common law,
sob uma leitura participativa democrática, podem aprimorar a qualidade das
decisões no direito brasileiro, contribuindo para a integridade do direito democrático.
A aplicação dos precedentes, na perspectiva do common law, se comparada à
aplicação costumeira da jurisprudência e dos enunciados de súmulas, no direito
brasileiro, exige uma interpretação de maior densidade, considerando a dedicada
análise das questões jurídicas envolvidas. No direito brasileiro, a jurisprudência e os
enunciados das súmulas são tratados equivocadamente com status de normas
gerais e abstratas, em frontal desconsideração dos fatos originários destas espécies
normativas jurisprudenciais. A garantia constitucional da fundamentação da decisão
compõe uma base principiologicamente uníssona, juntamente com o contraditório e
a ampla defesa e devem ser exercitadas em um necessário esquema de
codependência. O precedente, contextualizado democraticamente e se aplicado em
conformidade com os atributos que lhe confere o novo Código de Processo Civil,
contribuirá qualitativamente para a fundamentação das decisões, aumentando a
confiabilidade no sistema jurídico, privilegiando a igualdade, a segurança e o
processo constitucional democrático.

Palavras-chave: Precedentes. Common law. Civil law. Fundamentação da decisão.


Processo constitucional. Estado Democrático de Direito.
ABSTRACT

There is an urgent necessity to view the brazilian legal system under the democratic,
participatory and discursive perspective. In an economically globalized world, it is
impossible to disregard the influences of the best legal systems structured on the
others. This perspective includes the precedents of the common law. The precedents
of this legal system increased their power from a positivist matrix, long settled by the
principle of stare decisis, establishing almost unconditional respect to the precedents
of the superiors courts to subsequent cases. This text seeks to demonstrate that
precedents of the common law, under a democratic participatory reading, can
improve the quality of decisions in Brazilian law, contributing to the integrity of the
democratic law. The application of the precedents, in the common law perspective, if
compared to the usual application of case law and abridgments of decisions in
Brazilian law requires an interpretation of higher density, considering the dedicated
analysis of the legal issues involved. Under Brazilian law, case law and the
statements of the overviews are treated with mistakenly general and abstract norms,
in status front of the original disregard these facts normative jurisprudence species.
The constitutional guarantee of the decision reasoning makes part of the unique base
of the principles, along with the adversarial principle and plain defense principle and
must be exercised in a necessary codependency scheme. The precedent,
contextualized democratically and applied in accordance with the attributes that gives
the new Civil Procedure Code, contributes qualitatively to the reasons for decisions,
increasing reliability in the legal system, emphasizing equality, security and
democratic constitutional process.

Keywords: Precedent. Common law. Civil law. Reasons for judicial decisions.
Constitutional process. Law Democratic State.
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ................................................................................................ 17

2. O POSITIVISMO JURÍDICO E O SISTEMA DO COMMON LAW .................. 20


2.1. Breve estudo sobre o positivismo jurídico – origens e fundamentos .. 20
2.2. O positivismo jurídico e suas relações com o poder estatal ................. 26
2.3. A matriz positivista do precedente vinculante no sistema do
common law inglês ........................................................................................... 28
2.4. A importância dos procedimentos no common law ............................... 37
2.5. A influência do Estado Social e da Comunidade europeia no
common law da Inglaterra ................................................................................ 40

3. A CIÊNCIA DO DIREITO PROCESSUAL DEMOCRÁTICO .......................... 45


3.1. A ciência do direito processual democrático ......................................... 45
3.2. O processo constitucional e o poder discricionário do órgão
julgador .............................................................................................................. 57
3.3. O precedente como componente do modelo de integridade do
sistema jurídico ................................................................................................. 62
3.4. Os precedentes e os casos difíceis .......................................................... 64

4. OS PRECEDENTES NO PROCESSO CONSTITUCIONAL DEMOCRÁTI-


.............................................................................................................................. 69
4.1. A construção do direito por meio da decisão ......................................... 69
4.2. Os precedentes em sentido amplo e restrito ........................................... 74
4.3. Os precedentes sob uma perspectiva processual democrática ............ 84
4.4. A aplicação dos precedentes no sistema jurídico brasileiro ................. 87
4.5. Os precedentes no novo Código de Processo Civil sob uma visão
principiológica ................................................................................................... 91
4.6. Ratio decidendi ........................................................................................... 101
4.7. O princípio do stare decisis no novo Código de Processo Civil
brasileiro ............................................................................................................ 110

5. A FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO E OS PRECEDENTES ...................... 120


5.1. Fundamentação da decisão ...................................................................... 120
5.2. Síntese histórica da fundamentação das decisões ................................ 127
5.3. Exigência democrática da fundamentação da decisão .......................... 132
5.4. O silogismo na fundamentação da decisão ............................................. 146
5.5. Fundamentação da decisão e racionalismo ............................................ 150
5.6. Decisões fundamentadas em ementas .................................................... 152
5.7. Contribuição dos precedentes para a fundamentação da decisão ....... 154

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 156

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................... 167


17

1. INTRODUÇÃO

O sistema jurídico não se pode cristalizar, sob pena de tornar-se inútil à


sociedade à qual se instalou. Os avanços e os retrocessos sociais exigem uma
permanente adequação do sistema jurídico e não há como desprezar as influências
de outros sistemas em um mundo globalizado economicamente.
Sob esta perspectiva, se apresenta o estudo dos precedentes judiciais, com
especial destaque à sua contribuição para a fundamentação da decisão no Estado
Democrático de Direito.
Os precedentes vinculantes, originários do sistema do common law,
participam de uma matriz positivista, há muito sedimentada pelo princípio do stare
decisis, que estabelece a sua obrigatória aplicação aos julgamentos posteriores.
Fator relevante no estudo dos precedentes se refere à autoridade que as
cortes superiores exercem no sistema jurídico do common law. A literatura
especializada cita com frequência a prevalência das cortes e a sua influência na
condução dos casos, sequer considerando a participação democrática dos
interessados na construção do precedente e de sua aplicação.
O problema que se pretende abordar, reporta-se à análise da possível
contribuição da aplicação dos precedentes, para aprimorar a qualidade das decisões
no Estado Democrático de Direito, adotando-se, com ajustes democráticos, a
configuração que lhe é dada pelo sistema jurídico do common law e, desta forma,
colaborar para a integridade do direito democrático.
Como premissa, concebe-se o precedente como gênero, que tem como
espécies o precedente stricto sensu, os enunciados de súmula e a jurisprudência,
considerando que a análise das questões de fato e de direito é requisito comum a
todas as espécies.
A aplicação dos precedentes no sistema do common law exige maior
densidade de interpretação, contemplando a análise fundamentada das questões
fático-jurídicas envolvidas, situação que não corresponde à atual utilização da
jurisprudência e dos enunciados de súmulas no sistema jurídico brasileiro, uma vez
que estes são tratados como normas gerais e abstratas.
Apesar da forte influência positivista no sistema do common law, acredita-se
que o precedente possa contribuir para melhorar a qualidade das decisões
18

jurisdicionais e para o desenvolvimento do Estado Democrático de Direito, desde


que a sua aplicação se faça sob uma leitura democrática .
Há que se considerar que a fundamentação da decisão compõe o rol de
garantias constitucionais, em uma base principiologicamente uníssona, na qual,
juntamente, com o contraditório, a ampla defesa, deve manifestar-se em um
esquema de codependência, em uma concepção aproximada da garantia do tudo ou
nada.
É possível afirmar que o precedente, contextualizado democraticamente,
contribuirá para a melhoria da qualidade das decisões, aumentando a confiabilidade
no sistema jurídico e privilegiando a segurança jurídica, a partir da construção
participada de decisões democráticas fundamentadas corretamente.
A dissertação apresenta, inicialmente, um breve estudo sobre o positivismo
jurídico e sua interseção com o common law, uma vez que o precedente deste se
origina. Acredita-se que o estudo conceitual do sistema do common law auxilia no
entendimento do funcionamento dos precedentes, para possibilitar uma posterior
releitura democrática do instituto. Procura-se demonstrar que o precedente
vinculante, originário no século XIX no sistema do common law, descende de uma
matriz positivista que, em sua configuração original, pouco contribui para o processo
constitucional democrático. Posteriormente, discute-se a importância dos
procedimentos no sistema do common law, figuras semelhantes às adotadas no
direito romano, na fase da legis actiones, demonstrando o formalismo do sistema
inglês. Encerrando o primeiro capítulo, o estudo apresenta a dificuldade de
adaptação do sistema do common law ao Estado Social de Direito e ao sistema
jurídico da Comunidade europeia, da qual a Inglaterra é um dos participantes.
No capítulo seguinte, aborda-se a ciência do direito sob uma perspectiva
democrática, em conformidade com o modelo de integridade de Dworkin. Faz-se
uma análise do processo constitucional e a sua incompatibilidade com o poder
discricionário do juiz. Estuda-se, a seguir, a contribuição do precedente para o
modelo de integridade do sistema jurídico e como os precedentes podem auxiliar na
solução dos casos difíceis.
No terceiro capítulo, elabora-se uma leitura dos precedentes no processo
constitucional democrático e a construção do direito a partir da decisão jurisdicional.
Na continuidade, os precedentes são estudados em sentido amplo e restrito,
reforçando a necessidade de se aplicá-los sob uma perspectiva essencialmente
19

democrática, destacando-se como esta prática poderá ocorrer no sistema brasileiro.


Ao final deste capítulo, faz-se uma incursão no projeto do novo Código de Processo
Civil, especificamente no tratamento atribuído aos precedentes. Na sequência,
critica-se a indefinição da noção de ratio decidendi e a possibilidade da aplicação do
princípio do stare decisis no processo constitucional.
No próximo capítulo, se desenvolve o tema da fundamentação da decisão,
utilizando a aplicação dos precedentes. Inicialmente, estuda-se, sinteticamente, o
desenvolvimento histórico da fundamentação da decisão, defendendo as razões
democráticas de sua exigência. A seguir, busca-se demonstrar a inutilidade do uso
do silogismo para o estudo da fundamentação da decisão, bem como a influência do
racionalismo nos sistemas jurídicos que adotam os precedentes vinculantes. Critica-
se o costume judiciário brasileiro de fundamentar decisões a partir de ementas de
acórdãos e, na sequência, apresentam-se as contribuições dos precedentes, a partir
de uma releitura democrática, ao processo constitucional.
Assim, o estudo se desenvolve a partir de uma releitura democrática do
direito, manifestando-se, favoravelmente, sobre a utilidade da aplicação dos
precedentes no sistema brasileiro do civil law, a contribuir para a fundamentação da
decisão e para a integridade do direito, ressaltando-se que a manutenção do
precedente na esfera positivista pouco colabora para o desenvolvimento do Estado
Democrático de Direito.
20

2. O POSITIVISMO JURÍDICO E O SISTEMA DO COMMON LAW

2.1. Breve estudo sobre o positivismo jurídico – origens e fundamentos

O estudo que se faz do positivismo jurídico tem a intenção de investigar as


características desta teoria do direito1 que se encontram presentes na formação dos
precedentes vinculantes e em qual medida estes precedentes sofrem influência da
matriz positivista. A partir desta investigação, verifica-se a possibilidade da releitura
dos precedentes persuasivos e vinculantes a contribuírem para o processo como
garantia no Estado Democrático de Direito.2
O positivismo jurídico pode ser considerado como uma vasta e complexa
teoria,3-4 de origem incerta,5 que ao longo dos séculos se esforça para manter-se

1
DIMOULIS, Dimitri. Positivismo jurídico: introdução a uma teoria do direito e defesa do
pragmatismo jurídico-político. São Paulo: Editora Método, 2.006, p. 71.
2
Resumidamente, compreende-se o Estado Democrático de Direito como instituição
despersonalizada pós-moderna, constituída sobre o substrato constitucional e democrático, em
constante tensão com os discursos liberais e sociais, comprometida irrestritamente com a liberdade
política de participação e com os direitos fundamentais para solucionar conflitos e dar soluções às
vicissitudes originárias em uma sociedade complexa e heterogênea, por meio de procedimentos
discursivos, realizados em contraditório. CATTONI DE OLIVEIRA, M. A. Devido processo
legislativo. Uma justificação democrática do controle jurisdicional de constitucionalidade das
leis e do processo legislativo. Belo Horizonte: Mandamentos, 2.000, p. 67, 68, 69, 73, 81, 83.
HABERMAS, Jürgen, Direito e democracia. Entre facticidade e validade. 2ª. ed. Trad. Flávio Beno
Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo brasileiro, 2.003, vol II, p. 186. NUNES, Dierle José Coelho.
Processo jurisdicional democrático. Curitiba: Juruá. 2.008, p. 136, 137. LEAL, Rosemiro Pereira.
Teoria geral do processo. Primeiros estudos. 11ª. ed. São Paulo: Editora Forense, 2.012, p. 126.
3
“O estudo comparativo de obras dedicadas ao tema em vários países indica que há várias maneiras
para definir o positivismo jurídico. Qual deve ser a postura do estudioso diante dessa multiplicidade?
[...]. Para tanto, devemos elaborar uma definição que seja suficientemente genérica para englobar
todos os positivistas e, ao mesmo tempo, suficientemente restritiva para excluir as teorias não
positivistas”. DIMOULIS, Dimitri. Positivismo jurídico: introdução a uma teoria do direito e defesa
do pragmatismo jurídico-político. São Paulo: Editora Método, 2.006, p. 71.
4
Marcelo Galuppo em sentido semelhante afirma que: “O termo Positivismo Jurídico tem sido
utilizado de formas tão distintas e, por vezes, tão contraditórias, que, para não haver ambigüidade e
vagueza, é preciso que esclareça o que devemos entender por ele [...]”. GALUPPO, Marcelo Campos.
O direito civil no contexto da superação do positivismo jurídico: a questão do sistema. In: NAVES,
Bruno Torquato de Oliveira; FIUZA, César; SÁ, Maria de Fátima Freire de (Coords.). Direito civil:
atualidades. Belo Horizonte: Livraria Del Rey Editora Ltda., 2.003, p. 159-195. Também: GREEN,
Leslie. Legal positivism. The Stanford encyclopedia of philosophy. Edward N. Zalta (ed.), 2.009.
Disponível em: <http://plato.stanford.edu/archives/fall2009/entries/legal-positivism/>. Acesso em:
01/05/2.014.
5
Bobbio afirma que o positivismo jurídico se iniciou na Alemanha: “A expressão ‘positivismo jurídico’
não deriva daquela de ‘positivismo’ em sentido filosófico, embora no século passado tenha havido
uma certa ligação entre os dois termos, posto que alguns positivistas jurídicos eram também
positivistas em sentido filosófico: mas em suas origens (que se encontram no início do século XIX)
nada tem a ver com o positivismo filosófico - tanto é verdade que, enquanto o primeiro surge na
Alemanha, o segundo surge na França” (grifos acrescidos). BOBBIO, Norberto. O positivismo
jurídico: lições de filosofia do direito. Trad. Márcio Pugliesi, Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São
Paulo: Ícone Editora, 1.996, p. 15. Diversamente, Douglas E. Edlin assevera que “Like the common
law, legal positivism originated in England. Curiously, given their shared birthplace, there is a widely
21

renovada,6 a partir de contribuições filosóficas.7 Há diversas correntes positivistas,8


nem todas claramente identificadas, inclusive contraditórias entre si,9 mas não há
dúvida que o positivismo, se é assim que pode denominar-se uma teoria em
constante metamorfismo, se mantém influente nos sistemas de direito atuais,10
mantendo forte e prevalente a estrutura hierárquica de poder.

held suspicion that legal positivism cannot fully account for the various ways in which legal rules are
formulated within the common law tradition” (grifos acrescidos). Em tradução livre: “Como o common
law, o positivismo jurídico se origina na Inglaterra. Curiosamente, dado o seu compartilhado local de
nascimento [o common law e o positivismo], há uma suspeita generalizada de que o positivismo
jurídico não pode explicar totalmente as várias maneiras em que as normas jurídicas são formuladas
dentro da tradição do common law”. EDLIN, Douglas E. Introduction In: EDLIN, Douglas E. (ed.)
Common law theory. Cambridge: Cambridge University Press, 2.007, p. 5. Dimitri Dimoulis assinala
que: “O PJ [positivismo jurídico] não deve seu nome e seu objeto de estudo à visão positivista que foi
desenvolvida nas ciências humanas a partir do século XIX. Sua origem está no termo ius positivum
(ou ius positum), algo que se percebe mais claramente no termo ‘juspositivismo’. [...]. Pesquisas
históricas revelam que termos relacionados com a positividade do direito foram utilizados na Europa a
partir da terceira década do século XII, para indicar o direito criado e (im)posto pelo legislador. Os
termos iustitia positiva se encontram pela primeira vez na obra Didascalicon de Hugo de Saint-Victor,
escrita provavelmente em 1.127. A mais antiga referência aos termos ius positivum foi identificada em
texto de Thierry de Chartres, jurista e teólogo francês, conhecido como Theodoricus. O texto em
questão foi redigido alguns anos após a obra de Saint-Victor”. DIMOULIS, Dimitri. Positivismo
jurídico: introdução a uma teoria do direito e defesa do pragmatismo jurídico-político. São
Paulo: Editora Método, 2.006, p. 68.
6
“Na verdade, a teoria combatida [teoria pura do direito] não é de forma alguma algo assim de tão
completamente novo e em contradição com tudo o que até aqui surgiu. Ela pode ser entendida como
um desenvolvimento ou desimplicação de pontos de vista que já anunciavam na ciência jurídica
positivista do séc. XIX”. Prefácio da 1ª edição da Teoria Pura do Direito. KELSEN, Hans. Teoria pura
do direito. 6ª ed. Trad. João Baptista Machado. Coimbra: Armênio Amado Editora, 1.984, p. 8. “De
todo modo, como sempre tem ocorrido, o positivismo discricionário, darwinianamente, acaba fazendo
uma adaptação às novas/velhas circunstâncias, contornando o problema sem precisar abandonar a
tese central que o sustenta: o máximo de subjetivismo para preservar as suas ‘reservas de sentido’,
que serão utilizadas sempre que for necessário impor a vontade de poder” (grifo no original).
STRECK, Lenio Luiz. Prefácio. In: RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no
direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2.010, p. 17.
7
AFONSO, Elza. M. M. O positivismo na epistemologia jurídica de Hans Kelsen. 1.982. 312 f.
Tese (Doutorado em Direito). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, p. 6.
8
GUEST, Stephen. Ronald Dworkin. Trad. Luís Carlos Borges. Rio de Janeiro: Elsevier Editora,
2.010, p. 120.
9
“La expresión ‘positivismo jurídico’ es intolerablemente ambigua. Se la ha usado e se la sigue
usando para designar uma variedad heterogénea de actitudes, tesis, concepciones y doctrinas, todas
las cuales se relacionan, de distintas maneras, com el fenómeno social denominado ‘derecho’.
Algumas de ellas son incompatibles entre sí. Otras están ligadas por lazos familiares. Por todo ello,
para identificar la línea general de ideas de um jurista dado no basta, em la mayoria de los casos,
com decir que es positivista. Además, cuando alguien dirige sus ataques, em forma indiscriminada,
contra el ‘positivismo jurídico’, lo que quiere decir pude resultar muy confuso si no aclara em qué
sentido está usando dicha expressión”. CARRIÓ, Genaro R. Notas sobre derecho y lenguaje. 4ª.
ed, corr., ampl., 1ª reimpr. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1.994, p. 322.
10
“O positivismo é uma posição filosófica que permanecerá em discussão enquanto ocorrer um
debate sobre o conceito e a natureza do direito. O positivismo jurídico cai no espaço lógico das
respostas possíveis à pergunta ‘o que é o direito?’, e ninguém poderá jamais dar uma resposta bem
fundamentada a essa pergunta sem refutá-lo ou a seus opositores. Nessa medida, pode-se falar em
um significado perpétuo do positivismo jurídico para a filosofia do direito”. ATIENZA, Manuel.
Entrevista a Atienza. In: ALEXY, Robert. Teoria Discursiva do direito. Org. e Trad: Alexandre
Travessoni Gomes Trivisonno. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2.014, p. 327.
22

O positivismo jurídico, no século XX, procurou renovar-se na tentativa de


eliminar o vínculo entre o direito e a moral,11 a fim de possibilitar a justificação da
existência da norma jurídica em si mesma,12 sob a regência da autoridade estatal na
aplicação do direito, contexto não afeiçoado com os princípios do Estado
Democrático de Direito.
Tão abrangente é a teoria positivista do direito, que sua presença é marcante
tanto no sistema do civil law, como no do common law, os quais se posicionam como
os principais modelos de sistemas jurídicos do ocidente.13
O positivismo jurídico apoia a sua formação e o seu desenvolvimento em
estruturas estatais, sem a preocupação com os fundamentos da democracia ou do
Estado de Direito.14 Os direitos que se reconhecem neste modelo são aqueles que
as autoridades estatais consideram como tais,15 legitimados por atos legislativos,16

11
“Conforme entende Kelsen, as idéias que se encontravam em germe no positivismo do século XIX
não foram suficientemente desenvolvidas para imprimirem uma direção nova à ciência do direito.
Embora tenha abraçado o positivismo e abandonado a doutrina do direito natural, a ciência jurídica,
desenvolvida durante o século XIX e no decurso do século XX, conservara as tendências ideológicas
de justificar o direito pela moral, por juízos de valor e pelos ideais de justiça [...]”. AFONSO, Elza. M.
M. O positivismo na epistemologia jurídica de Hans Kelsen. 1.982. 312 f. Tese (Doutorado em
Direito). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, p. 13. “Rules that confer rights,
though distinct from commands, need not be moral rules or coincide with them. [...]. Nor need rules
which confer rights be just or morally good rules”. Em tradução livre: “As regras que conferem direitos,
embora distintas dos comandos, não precisam ser regras morais ou coincidirem com elas. [...]. Nem
precisam as regras que conferem direitos ser justas ou moralmente boas”. HART, H. L. Positivism and
the separation of law and morals. Harvard law review, vol. 71, nº. 4, feb., 1.958, p. 593-629.
Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/1338225>. Acesso em: 05/05/2.014.
12
LOSANO, Mario Giuseppe. Os grandes sistemas jurídicos. Trad. Marcela Varejão. São Paulo:
Martins Fontes, 2.007, p.19.
13
DIMOULIS, Dimitri. Positivismo jurídico: introdução a uma teoria do direito e defesa do
pragmatismo jurídico-político. São Paulo: Editora Método, 2.006, p. 70.
14
“Whether a society has a legal system depends on the presence of certain structures of
governance, not on the extent to which it satisfies ideals of justice, democracy, or the rule of law. What
laws are in force in that system depends on what social standards its officials recognize as
authoritative; for example, legislative enactments, judicial decisions, or social customs”. Em tradução
livre: “Se uma sociedade tem um sistema jurídico, ela depende da presença de certas estruturas de
governo, não na medida em que são satisfeitos ideais de justiça, da democracia, ou do Estado de
direito. As leis que estão em vigor nesse sistema, dependem de quais padrões sociais são
reconhecidos, por seus agentes, como autorizados; por exemplo, atos legislativos, decisões judiciais,
ou costumes sociais”. GREEN, Leslie. Legal Positivism. The Stanford encyclopedia of philosophy.
Edward N. Zalta (ed.), 2.009. Disponível em: <http://plato.stanford.edu/archives/fall2009/entries/legal-
positivism/>. Acesso em: 01/05/2.014.
15
Nesse sentido, a crítica de Alexandre Bahia e Dierle Nunes: “O que se critica é que após todos os
avanços da teoria do direito e da ciência jurídica, se aceite a reprodução, mesmo sem se perceber, de
uma peculiar aplicação do positivismo normativista da jurisprudência dos conceitos
(Begriffsjurisprudenz), que defendia a capacidade do Judiciário criar conceitos universais; um sistema
jurídico fechado que parte do geral para o singular e que chega a ‘esse’ geral com a negligência às
singularidades. Perceba-se: nos séculos XVIII e XIX acreditava-se que o legislador poderia fazer
normas ‘perfeitas’, gerais e abstratas de tal forma que seriam capazes de prever todas as suas
hipóteses de aplicação. Descobrimos no século XX que isso não é possível (que, e.g., por detrás de
toda pretensa objetividade da lei estavam os preconceitos daquele que a aplicava). Agora, em fins do
século XX e início deste apostamos, mais uma vez, no poder da razão em criar regras perfeitas,
23

decisões judiciais e costumes sociais, sem preocupações com o mérito de tais


atos,17 tal como afirma Austin:
A existência do direito é uma coisa; seu mérito ou demérito é outra, saber
se é ou não, é uma investigação; saber se é ou não, conforme um suposto
18
padrão, é uma investigação diferente (tradução livre).

Para o positivismo, no sentido filosófico, o direito se refere a um agrupamento


de normas, cuja validade está depositada nos atos de autoridades constituídas e
somente podem ser revogadas por atos da mesma ou de autoridades superiores.19
Em razão de o objeto do presente estudo se desenvolver em torno do
precedente judicial na construção participada da fundamentação da decisão, não se
pode desconsiderar a análise do positivismo. A presença dos precedentes em
sistemas positivistas, como o do common law,20 não retira dele o mérito de
possibilitar a melhoria qualitativa do sistema jurídico, razão pela qual se avalia a
possibilidade de sua releitura no contexto do processo constitucional no Estado
Democrático de Direito, considerando a sua importante contribuição na formação da
fundamentação das decisões.
Quando se estuda o common law, duas espécies de costumes podem ser
consideradas, a primeira, formulada por uma comunidade de sujeitos de direitos
(customs in pays), e a outra espécie, se referindo ao costume formulado por
autoridades que exercem a função jurisdicional (customs in foro),21 do qual é
exemplo o precedente judicial vinculante.22 O direito costumeiro, de caráter

apenas que agora seu autor não é mais (só) o legislador mas (também) o juiz”. BAHIA, Alexandre;
NUNES, Dierle José Coelho. Falta aos tribunais formulação robusta sobre precedentes. Revista
Conjur. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-jan-07/falta-aos-tribunais-formulacao-
robusta-precedentes>. Acesso em: 21/01/2.014.
16
WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno. 4ª. ed. Trad. A. M. Botelho Hespanha.
Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2.010, p. 493.
17
GREEN, Leslie. Legal Positivism. The Stanford encyclopedia of philosophy. Edward N.
Zalta (ed.), 2.009. Disponível em: <http://plato.stanford.edu/archives/fall2009/entries/legal-
positivism/>. Acesso em: 01/05/2.014.
18
No original: “The existence of law is one thing; its merit or demerit is another, whether it be or be not
is one enquiry; whether it be or be not conformable to an assumed standard, is a different enquiry”.
AUSTIN, John. The province of Jurisprudence determined. Ed. W.E. Rumble. Cambridge:
Cambridge University Press, 1.995, p. 157.
19
FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito – técnica, decisão,
dominação. 4ª. ed. rev. ampl. São Paulo: Editora Atlas, 2.003, p. 74.
20
GARDNER, John. Some Types of Law. In: EDLIN, Douglas E. (ed.) Common law theory.
Cambridge: Cambridge University Press, 2.007, p. 51.
21
GARDNER, John. Some Types of Law. In: EDLIN, Douglas E. (ed.) Common law theory.
Cambridge: Cambridge University Press, 2.007, p. 60. BENTHAM, Jeremy. A comment on the
commentaries and a fragment on government. Ed. J. H. Burns, H. L. A. Hart. New York: Oxford
University Press, 1.977, p. 182-183.
22
GARDNER, John. Some Types of Law. In: EDLIN, Douglas E. (ed.) Common law theory.
Cambridge: Cambridge University Press, 2.007, p. 74.
24

normativo social,23 apresenta algumas características, v.g., não é expresso, não é


intencionalmente criado e depende da prática de comportamentos convergentes e
continuados de vários atores.24 Estas características, que também estão presentes
na doutrina do precedente vinculante, apoiam a afirmação de considerá-lo, em sua
origem, como espécie do costume judicial.
No sistema do common law, o ordenamento jurídico autoriza ao juiz a criação
e a aplicação do direito, no exercício de uma função estatal.25 Neste contexto
surgem os precedentes judiciais obrigatórios, em conformidade com o princípio do
stare decisis. Sob esta perspectiva, não há dificuldade em associar os precedentes
vinculantes ao positivismo, se se considerar entre os pressupostos deste último a
reticência em relação à equity,26 o desvincular-se da “lei” moral,27 o direito como um
fato e não como um valor, a coatividade do direito, a imperatividade das decisões e a
completude do ordenamento, que no sistema do common law é favorecido pelo
princípio do judge-made law.28-29

23
GARDNER, John. Some Types of Law. In: EDLIN, Douglas E. (ed.) Common law theory.
Cambridge: Cambridge University Press, 2.007, p. 61.
24
GARDNER, John. Some Types of Law. In: EDLIN, Douglas E. (ed.) Common law theory.
Cambridge: Cambridge University Press, 2.007, p. 63.
25
GARDNER, John. Some Types of Law. In: EDLIN, Douglas E. (ed.) Common law theory.
Cambridge: Cambridge University Press, 2.007, p. 75.
26
DAVID, René; JAUFFRET-SPINOSI, Camille. Los grandes sistemas jurídicos contemporâneos.
11ª. ed. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2.010, p. 224.
27
Austin, ao se posicionar em favor da separação entre o direito e a moral, questiona Blackstone: “Sir
William Blackstone, in the second section of his Introduction, talks in the following manner. He tells us
‘that the laws or God (whether they are revealed, or are indicated by general utility) are superior in
obligation to any other laws: that no human laws are of any validity, if contrary to them: that all human
laws which are valid, derive all their force, and all their authority, mediately or immediately, from those
divine originals’, The foregoing passage would seem to import, that no human law which conflicts with
the law of God, is obligatory or binding: or (changing the expression) that no human law which
conflicts with the law of God, is a law imperative and proper. For as every imperative law necessarily
imposes a duty, a law imperative, but not binding, implies a contradiction in terms”. Em tradução livre:
“O Senhor William Blackstone, na segunda parte de sua Introdução, fala da seguinte maneira. Ele nos
diz ‘que as leis de Deus (se elas são reveladas, ou são indicadas por utilidade geral) são superiores
em obrigação a quaisquer outras leis: que não há leis humanas de alguma validade se contrárias a
estas: que todas as leis humanas válidas derivam todas as suas forças e autoridades, mediatas ou
imediatas, a partir das originais divinas’, a passagem anterior parece importar, que nenhuma lei
humana, que está em conflito com a lei de Deus, é obrigatória ou vinculativa: ou (alterando a
expressão) que nenhuma lei humana que conflita com a lei de Deus é uma lei imperativa e adequada.
Pois, como toda lei imperativa, impõe necessariamente um dever, uma lei imperativa, mas não
obrigatória, implica uma contradição em termos”. AUSTIN, John. The province of jurisprudence
determined. London: John Murray, 1.832, p. 278.
28
GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito. 2ª. ed. Trad. A. M. Botelho Hespanha e L. M.
Macaísta Malheiros. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2.001, p. 208. BOBBIO, Norberto. O positivismo
jurídico: lições de filosofia do direito. Trad. Márcio Pugliesi, Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São
Paulo: Ícone Editora, 1.996, p. 131-134.
29
“The expression 'positivism' is used in contemporary Anglo-American literature to designate one or
more of the following contentions: (I) that laws are commands of human beings; (2) that there is no
necessary connection between law and morals, or law as it is and law as it ought to be; (3) that the
25

A teoria do precedente judicial stricto sensu se origina no common law,


sustentado pelo direito judiciário30 e pelo costume do sistema jurídico inglês. A sua
principal função é implementar uma linearidade decisória no sistema jurídico,
orientando o órgão julgador a procurar situações jurídicas semelhantes, decidindo
também de forma similar, e, assim, promovendo o princípio da igualdade, resultando
na confiança na jurisdição e em maior segurança jurídica para a sociedade. O locus
representativo desta função se apresenta na fundamentação da decisão. É
necessário, pois, que o desenvolvimento da função do precedente e a realização de
todas as atividades da jurisdição estejam em conformidade com os princípios do
Estado que os abriga.
Não há dúvida que o common law se caracteriza como uma espécie de direito
jurisprudencial, que considera o processo como um dos seus elementos principais,
em oposição aos sistemas de concepções romanistas, nos quais o processo é um
acessório do direito material.31 O precedente obrigatório se mantém, no sistema do
common law, consistente com o positivismo jurídico, uma vez que a sua aplicação
está fortemente vinculada à autoridade do Estado,32 na atuação das cortes, com
base em uma norma escrita, no caso, o próprio precedente.33
Ainda que o desenvolvimento do precedente judicial stricto sensu tenha se
dado sob o manto do positivismo jurídico, esta condição não impede a sua adoção

analysis or study of meanings of legal concepts is an important study to be distinguished from (though
in no way hostile to) historical inquiries, sociological inquiries, and the critical appraisal of law in terms
of morals, social aims, functions, &c.; (4) that a legal system is a 'closed logical system' in which
correct decisions can be deduced from predetermined legal rules by logical means alone; (5) that
moral judgments cannot be established, as statements of fact can, by rational argument, evidence or
proof ('non cognitivism in ethics'). [...]”. Em tradução livre: “A expressão ‘positivismo’ é usada na
literatura anglo-americana contemporânea para designar uma ou mais das seguintes afirmações: (1)
que as leis são comandos de seres humanos; (2) que não há nenhuma conexão necessária entre
direito e moral, ou do direito como ele é, e o direito como ele deve ser; (3) que a análise ou estudo
dos significados dos conceitos jurídicos é um estudo importante para ser distinguido de (apesar de
nenhuma maneira hostil a) indagações históricas, indagações sociológicas e avaliação crítica do
direito em termos de moral, objetivos sociais, funções, etc.; (4) que um sistema legal é um ‘sistema
lógico fechado’ em que as decisões corretas podem ser deduzidas a partir de regras jurídicas
predeterminadas somente por meios lógicos; (5) que os juízos morais não podem ser estabelecidos,
como as declarações de fato podem, pelo argumento racional, demonstração ou prova (‘não
cognitivismo em ética’). [...]”. HART, H. L. A. The concept of law. 2ª ed. Oxford: Clarendon, 1.994, p.
302, nota p. 185.
30
Direito judiciário no contexto deste trabalho se refere ao direito criado e aplicado pelos juízes das
cortes do common law.
31
GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito. 2ª. ed. Trad. A. M. Botelho Hespanha e L. M.
Macaísta Malheiros. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2.001, p. 209.
32
“[...], porque a teoria jurídica dominante na Europa ainda é a positivista: para essa teoria, é direito
apenas o positivo, ou seja, o estatuído pelo Estado”. LOSANO, Mario Giuseppe. Os grandes
sistemas jurídicos. Trad. Marcela Varejão. São Paulo: Martins Fontes, 2.007, p. 318.
33
LOSANO, Mario Giuseppe. Os grandes sistemas jurídicos. Trad. Marcela Varejão. São Paulo:
Martins Fontes, 2.007, p. 382-383.
26

no sentido de aperfeiçoar o processo a ser construído em conformidade com o


Estado Democrático de Direito, em um sistema civil law, como é o ordenamento
jurídico brasileiro, ressaltando a necessária conformação ao processo
constitucional.
A fim de demonstrar a inconformidade do positivismo jurídico com o Estado
Democrático de Direito e a aceitação acrítica dos precedentes no sistema jurídico
brasileiro, faz-se no próximo tópico a correlação entre o positivismo jurídico e o
poder estatal.

2.2. O positivismo jurídico e suas relações com o poder estatal

Não há a pretensão, neste plano, de se criticar o positivismo jurídico sob o


espectro da separação entre a moral e o direito, ou a respeito do seu repúdio ao
suporte metafísico do direito,34 aspectos nos quais não se põe em discórdia.
Procura-se, sob outro ponto de vista, observar a relação antagônica entre
Estado Democrático de Direito e o positivismo jurídico, demonstrando a incoerência
em se adotar a teoria positivista, para amparar a ciência do direito processual
democrático, uma vez que o positivismo considera o direito como “uma imposição
coercitiva feita pelos detentores do poder”.35
O positivismo jurídico, ao representar um mecanismo de conservação do
poder, privilegia o binômio hierarquia-autoridade, a promover sistemas de direitos,
como se percebe na afirmação de Dimitri Dimoulis, a seguir assinalada:
A consolidação das premissas do positivismo jurídico se deu em paralelo à
monopolização do poder político pelos aparelhos estatais nas sociedades
capitalistas, relacionando-se com as idéias racionalistas sobre a criação e a
aplicação do direito. Isso se verificou no século XIX sob o impulso das
“grandes codificações” em muitos países europeus e em suas colônias ou
ex-colônias. Nos países sem direito codificado, como acontecia no século
XIX na Inglaterra e, em certa medida, na Alemanha, a visão juspositivista se
consolidou graças à forte presença do Estado que conseguiu monopolizar a
produção jurídica, fazendo com que os costumes fossem consolidados e
36
parcialmente reformulados pelos tribunais estatais.

Na perspectiva positivista da hierarquia e da autoridade, percebe-se uma


reciprocidade destas (hierarquia e autoridade) com o ordenamento jurídico e a
34
DIMOULIS, Dimitri. Positivismo jurídico: introdução a uma teoria do direito e defesa do
pragmatismo jurídico-político. São Paulo: Editora Método, 2.006, p. 66.
35
DIMOULIS, Dimitri. Positivismo jurídico: introdução a uma teoria do direito e defesa do
pragmatismo jurídico-político. São Paulo: Editora Método, 2.006, p. 80.
36
DIMOULIS, Dimitri. Positivismo jurídico: introdução a uma teoria do direito e defesa do
pragmatismo jurídico-político. São Paulo: Editora Método, 2.006, p. 70.
27

jurisdição, seguindo modelos semelhantes. De um lado, a hierarquia das normas,


cuja validade se apoia nos fatos sociais37 e na norma superior,38 e de outro, a
prevalência da hierarquia, explícita ou implícita, no exercício das funções
jurisdicionais, subordinando os órgãos inferiores aos superiores,39 ambas as
estruturas objetivando a conservação estrutural do poder estabelecido.
Assim, as autoridades estatais se manifestam em loci privilegiados do poder,
exercidos por órgãos jurisdicionais, tanto nos sistemas do civil law, como no
common law, em contextos nos quais se prioriza o direito positivo (civil law) e
naqueles em que o direito jurisprudencial (common law) é patrocinado.
Estas estruturas de poder procuram perpetuar-se, aderentes ao positivismo
jurídico, no qual prevalece a autoridade estatal,40 no exercício das funções
jurisdicionais, no qual povo e Estado são entidades jurídicas distintas e
inconciliáveis, ainda que sob a denominação de Estado de Direito.41
Em todos os sistemas jurídicos ocidentais atuais, no civil law e no common
law, um amplo espaço de decisão é atribuído à discricionariedade dos órgãos
julgadores, para que estes concretizem cláusulas originariamente abertas, em
resposta às suas incertezas, ou para que desenvolvam e especifiquem normas
abstratas a partir dos precedentes vinculantes.

37
DIMOULIS, Dimitri. Positivismo jurídico: introdução a uma teoria do direito e defesa do
pragmatismo jurídico-político. São Paulo: Editora Método, 2.006, p. 80.
38
“As normas de uma ordem jurídica cujo fundamento de validade comum é esta norma fundamental
não são - como o mostra a recondução à norma fundamental anteriormente descrita - um complexo
de normas válidas colocadas umas ao lado das outras, mas uma construção escalonada de normas
supra-infra-ordenadas umas às outras. [...]. Entre uma norma de escalão superior e uma norma de
escalão inferior, quer dizer, entre uma norma que determina a criação de uma outra e essa outra, não
pode existir qualquer conflito, pois a norma do escalão inferior tem o seu fundamento de validade na
norma do escalão superior” (grifos acrescidos). KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6ª ed. Trad.
João Baptista Machado. Coimbra: Armênio Amado Editora, 1.984, p. 277, 289.
39
Ainda que explicitamente se declare a vinculação apenas administrativa.
40
“Entretanto, o Estado hobbesiano era um Estado cuja soberania ainda se encontrava na pessoa
do rei (absolutismo monárquico), como se vê em Maquiavel e Bodin, embora muitos atribuem a
Hobbes o título de precursor do positivismo jurídico que, como já frisamos em ponto anterior, trocou
as leis da natureza pelas leis da razão e permutou a ontologia pela metodologia do útil e do
necessário. Hobes, ao achar que o estado de natureza é um estado de anarquia de significados,
preconizou o totalitarismo estatal em que as leis eram extraídas da racionalidade soberana do rei e
dos governantes para a preservação da unidade, ordem e progresso das nações” (grifos no original).
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo. Primeiros estudos. 11ª. ed. São Paulo:
Editora Forense, 2.012, p. 26.
41
“Atualmente, a concepção de Estado de Direito não basta ao exercício do Direito em sua plenitude,
porque o Estado autocrático é também um Estado de Direito em sua plenitude, com seu povo, sua
soberania formal, sua constituição, seus parlamentos e tribunais regidos por leis restritivas de
liberdade, dignidade política e econômica, impeditivas do exercício da cidadania e da liberdade de
ampla crítica e processual participação popular na criação e reconstrução do Estado”. LEAL,
Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo. Primeiros estudos. 11ª. ed. São Paulo: Editora
Forense, 2.012, p. 28.
28

Não é crível que estas estruturas de poder, ainda, possam representar, na


configuração da atual quadra histórica, o processo constitucional discursivo,
compartilhado, democrático, típico do Estado Democrático de Direito.42
O estudo histórico, a seguir, apresenta as origens do positivismo jurídico no
sistema do common law inglês e sua relação com o precedente.

2.3. A matriz positivista do precedente vinculante no sistema do common law


inglês

O permanente destaque do instituto do precedente na Inglaterra, durante


tantos séculos, como vetor principal para a fundamentação da decisão, provoca a
pesquisa sobre as razões históricas pelas quais este instituto mantém-se firme no
sistema jurídico do common law. O conhecimento histórico de sua formação permite
avaliar a possibilidade de sua inserção no processo constitucional brasileiro, a partir
de uma releitura democrática do instituto.
Na originalidade do common law inglês, não se falava em precedentes
vinculantes. A influência do direito romano na Inglaterra se deu de forma restrita,43
ao contrário do que ocorreu na Europa continental.44 Antes da conquista normanda,
em 1.066, não havia na Inglaterra um ordenamento jurídico centralizado e com o
surgimento do common law é concebido um sistema jurídico unitário, sob o controle
de um poder soberano.45 O direito consuetudinário (common law, ou ius commune)46

42
“Como veremos, a instituição do processo constitucionalizado é referente jurídico-discursivo de
estruturação dos procedimentos (judiciais, legiferantes e administrativos) de tal modo que os
provimentos (decisões, leis e sentenças decorrentes), resultem de compartilhamento dialógico-
processual na Comunidade Jurídica Constitucionalizada, ao longo da criação, alteração,
reconhecimento e aplicação de direitos, e não de estruturas de poderes do autoritarismo sistêmico
dos órgãos dirigentes, legiferantes e judicantes de um Estado ou Comunidade” (grifo no original).
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo. Primeiros estudos. 11ª. ed. São Paulo:
Editora Forense, 2.012, p. 90.
43
“O direito que começava a germinar na antiga Britania era essencialmente autóctone, fundado na
regra conhecida e na prática quotidiana, e muito pouco influenciado pelo ius romanorum. Quando, no
crepúsculo do século XII, o estudo científico do direito romano-canônico passa a ganhar autoridade
na praxe dos tribunais canônicos, e no curso do século XIII, a influir nos tribunais laicos, já era muito
tarde para que o direito inglês fosse, de alguma forma seduzido pelas reflexões jurídicas de cunho
científico”. TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2.004, p. 150.
44
SLAPPER, Gary; KELLY, David. The english legal system. 14ª. ed. New York: RoutLedge, 2.013,
p. 4. GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito. 2ª. ed. Trad. A. M. Botelho Hespanha e L. M.
Macaísta Malheiros. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2.001, p. 20.
45
SLAPPER, Gary; KELLY, David. The english legal system. 14ª. ed. New York: RoutLedge, 2.013,
p. 6.
29

e o direito estatutário ou legislativo (statute law, ou ius particulare) prevaleceram na


Inglaterra e ambos se referiam ao direito positivo,47 sendo que o common law foi
aplicado, a partir do século XIII, pelas Cortes Reais (Courts Westminster) para a
solução dos conflitos,48 situando-se, inicialmente, como um apêndice do poder real,
passando a adquirir com o tempo uma estrutura institucional diferenciada.49
Bobbio afirma que a “atitude antijusnaturalista é congênita a todo pensamento
jurídico que sustentou em primeiro plano o costume”,50 e em razão de a “fonte”
principal do direito na Inglaterra ser o ius commune (common law), o direito natural
fora negligenciado, a ponto de um comentador anônimo de Henry of Bracton
(1.210–1.268) ter afirmado que In Anglia minus curatur de jure naturali quam in
aliqua regione de mundo.51 Porém, há controvérsias a respeito destas afirmações,
conforme noticia Helmholz,52 que relata a influência do direito natural sobre a
jurisprudência na Inglaterra.

46
“O sentido do common law é, pois muito diferente do sentido da expressão ‘direito comum’, ius
commune, utilizada no continente para designar, sobretudo a partir do século XVI, o direito erudito,
elaborado com base no direito romano e servindo de direito supletivo às leis e costumes de cada
país” (grifos acrescidos). GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito. 2ª. ed. Trad. A. M.
Botelho Hespanha e L. M. Macaísta Malheiros. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2.001, p. 208.
47
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Trad. Márcio Pugliesi,
Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone Editora, 1.996, p. 33.
48
DAVID, René; JAUFFRET-SPINOSI, Camille. Los grandes sistemas jurídicos contemporâneos.
11ª. ed. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2.010, p. 213. SLAPPER, Gary; KELLY,
David. The english legal system. 14ª. ed. New York: RoutLedge, 2.013, p. 6.
49
SLAPPER, Gary; KELLY, David. The english legal system. 14ª. ed. New York: RoutLedge, 2.013,
p. 6.
50
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Trad. Márcio Pugliesi,
Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone Editora, 1.996, p. 54.
51
Tradução livre: “Na Inglaterra, menos atenção é dada ao direito natural do que em qualquer outro
lugar do mundo”.
52
“The third topic is case law. [...]. The question is whether the acceptance of the law of nature by
English common lawyers, considered in the context of then contemporary understanding of natural
law, meant anything in practice. Did natural law have any impact on the English case law? And, in
particular, did natural law play any role in the assertion of human rights in the common law? The
evidence on the point is equivocal. An anonymous late thirteenth-century commentator on Bracton
said, 'In England less attention is paid to natural law than anywhere else in the world'. However, there
is also evidence on the other side. Norman Doe has made a careful study of the Yearbooks, the
principal source of English case law from the end of the thirteenth century to the first third of the
sixteenth, finding some express recognition of the law of nature as playing a part in English law. For
example, in a case from 1.468, William Yelverton, one of the judges of the King's Bench, was recorded
as speaking of the ley de nature as ‘the ground of all laws’ and therefore to be adopted in cases where
no settled rule existed. The English law also incorporated a favor libertatis very much like that
endorsed as part of the law of nature in the jus commune. And natural law thinking played a role in
some of the common law's most famous cases: Calvin's Case, Somerset's Case, and Moses v.
Macferan, for example. However, nothing is conclusively proven by these examples“. Em tradução
livre: “O terceiro tema é a jurisprudência. [...]. A questão é saber se a aceitação do direito natural por
advogados ingleses, considerados no contexto do então entendimento contemporâneo do direito
natural, significou alguma coisa na prática. Será que o direito natural teve algum impacto sobre a
jurisprudência inglesa? E, em particular, o direito natural desempenhou algum papel na afirmação dos
direitos humanos no common law? As evidências sobre este ponto são equívocas. Um comentarista
30

As relações entre o common law (ius commune) e o statute law (ius


particulare) não se desenvolveram em harmonia.
O ius commune inglês, ou common law, é identificado como:
um direito consuetudinário tipicamente anglo-saxônico que surge
diretamente das relações sociais e é acolhido pelos juízes nomeados pelo
Rei; numa segunda fase, ele se torna um direito de elaboração judiciária,
uma vez que é constituído por regras adotadas pelos juízes para resolver
controvérsias individuais (regras que se tornaram obrigatórias para os
sucessivos juízes, segundo o sistema do precedente obrigatório) (grifos
53
acrescidos).

O ius particulare (direito estatutário, ou statute law), por sua vez, é aquele que
tem sua origem no poder soberano e posteriormente conta com a participação do
parlamento em sua elaboração.54
Há uma diferença significativa entre o desenvolvimento do ius commune da
Europa continental55 e o ius commune da Inglaterra.56 Enquanto o primeiro é
absorvido pelo direito dos segmentos sociais da Idade Média (ius proprium),
compondo posteriormente o monopólio do direito estatal, o segundo manteve a

anônimo de Bracton do século XIII disse: ‘Na Inglaterra, menos atenção é dada à direito natural do
que em qualquer outro lugar do mundo’. No entanto, também, há evidência em sentido contrário.
Norman Doe fez um estudo cuidadoso dos Anuários, a principal fonte da jurisprudência inglesa a
partir do final do século XIII, até o primeiro terço do século XVI, encontrando algum reconhecimento
expresso do direito natural, desempenhando algum papel no direito inglês. Por exemplo, em um caso
de 1.468, no qual William Yelverton era um dos juízes do King’s Bench ficou registrado, como se ele
tivesse se referindo à lei da natureza como ‘a terra de todas as leis’ e, portanto, a ser adotado nos
casos em que não existia regra estabelecida. O direito inglês também incorporou o favor libertatis,
muito parecido como parte do direito natural no ius commune. E o direito natural desempenhou um
papel em alguns dos casos mais famosos do direito do common law, como por exemplo: os cases de
Calvino, Somerset e Moisés vs. Macferan, por exemplo. No entanto, nada está provado
conclusivamente por esses exemplos” (grifos no original). HELMHOLZ, Richard. H. Natural law and
human rights in english Law: From Bracton to Blackstone. Ave Maria law review. 2.005, vol. 3, p. 20.
Disponível em:
<http://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=2480&context=journal_articles>.
Acesso em: 10/02/2.014.
53
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Trad. Márcio Pugliesi,
Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone Editora, 1.996, p. 33.
54
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Trad. Márcio Pugliesi,
Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone Editora, 1.996, p. 33.
55
O ius commune na Europa ocidental, embora não haja precisão sobre o seu conceito, era
associado ao direito comum escrito prevalente em todas as cidades e vilas, em oposição ao jus
proprium, que se referia ao direito específico de cada uma destas localidades, ressaltando-se que
desde o século XII, esta distinção já existia na Itália. FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução
ao estudo do direito – técnica, decisão, dominação. 4ª. ed. rev. ampl. São Paulo: Editora Atlas,
2.003, p. 72. WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno. 4ª. ed. Trad. A. M. Botelho
Hespanha. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2.010, p. 78-81. TUCCI, José Rogério Cruz; AZEVEDO, Luiz
Carlos de. Lições de história do processo civil romano. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais.
2.009, p. 28, 54.
56
A expressão common law (ius commune inglês) é usada a partir do sec. XIII para indicar o direito
comum de toda a Inglaterra de forma a opor-se aos costumes locais, próprios de cada região.
GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito. 2ª. ed. Trad. A. M. Botelho Hespanha e L. M.
Macaísta Malheiros. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2.001, p. 207.
31

distinção e prevaleceu sobre o direito estatutário (statute law), mesmo quando a


monarquia medieval se transformou em monarquia moderna,57 vigorando o princípio
“segundo o qual o direito estatutário vale enquanto não contrariar o direito comum”,58
obrigando o poder real e o parlamento a respeitarem o ius commune (common
law).59
Esta situação demonstra que a monarquia na Inglaterra não era soberana e
seus poderes não eram ilimitados, ao contrário do que ocorria nas monarquias
absolutistas europeias, confirmando que, naquela época, a Inglaterra já apresentava
um embrião da separação das funções estatais.60
Apesar destes avanços, o common law não se colocou imune às críticas,
como as de Thomas Hobbes (1.588-1.679).61 Para Hobbes, o direito comum era
ilegítimo, porque surgiu anteriormente ao próprio Estado, e ao soberano caberia o
poder exclusivo, ilimitado e absoluto,62 que incluía o monopólio da coerção e
normatividade das relações sociais mais relevantes.63
Hobbes, apontado como um dos precursores do positivismo jurídico,64
concebe o direito como “expressão de quem tem o poder e por isto ele nega o valor
à common law, que é produto da sapiência dos juízes”.65

57
LOSANO, Mario Giuseppe. Os grandes sistemas jurídicos. Trad. Marcela Varejão. São Paulo:
Martins Fontes, 2.007, p. 75. BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do
direito. Trad. Márcio Pugliesi, Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone Editora, 1.996, p.
33.
58
GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito. 2ª. ed. Trad. A. M. Botelho Hespanha e L. M.
Macaísta Malheiros. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2.001, p. 209. BOBBIO, Norberto. O positivismo
jurídico: lições de filosofia do direito. Trad. Márcio Pugliesi, Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São
Paulo: Ícone Editora, 1.996, p. 33.
59
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Trad. Márcio Pugliesi,
Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone Editora, 1.996, p. 33.
60
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Trad. Márcio Pugliesi,
Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone Editora, 1.996, p. 33.
61
WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno. 4ª. ed. Trad. A. M. Botelho Hespanha.
Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2.010, p. 343. Para Hobbes “O estado de natureza constitui um estado
de anarquia permanente, no qual todo homem luta contra os outros, no qual – segundo a fórmula
hobbesiana – existe um ‘bellum omnium contra omnes’. Para sair desta condição, é preciso criar o
Estado, é preciso portanto, atribuir toda a força a uma só instituição: o soberano” (grifos acrescidos).
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Trad. Márcio Pugliesi,
Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone Editora, 1.996, p. 35.
62
DEL VECCHIO, Giorgio. Lições de filosofia do direito. Trad. Antônio José Brandão. 5ª. ed.
Coimbra: Armênio Amado, 1.979, p. 92. BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de
filosofia do direito. Trad. Márcio Pugliesi, Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone
Editora, 1.996, p. 34.
63
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Trad. Márcio Pugliesi,
Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone Editora, 1.996, p. 35.
64
MATA-MACHADO, Edgar de Godói. Elementos de teoria geral do direito. Belo Horizonte, Vega,
1.981, p. 78.
65
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Trad. Márcio Pugliesi,
Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone Editora, 1.996, p. 36.
32

A noção de direito construída por Hobbes pode ser apreendida a partir da


obra A dialogue between a philosopher and a student, of the common laws of
England,66 na qual emergem duas características do positivismo, quais sejam: a) o
formalismo (declaring publicly and plainly), ao não se preocupar nem com o
conteúdo, nem com a finalidade do direito e, b) o imperativismo (what every of them
may do, and what they must forbear to do), ao ressaltar que cabe ao soberano
ordenar aos seus súditos o que eles podem ou não devem fazer.67
Se, por um lado, Thomas Hobbes afirmava que o soberano detém o poder
exclusivo de criar e valer o direito, Edward Coke68 ocupa o vértice da posição

66
Em passagem da obra ”A dialogue between a philosopher and a student, of the common laws of
England”, Hobbes, atuando no papel do personagem filósofo, expressa a sua concepção de direito:
“L.: How would you have a Law defined? Ph.: Thus; a Law is the Command of him, or them that have
the Sovereign Power, given to those that be his or their Subjects, declaring publicly and plainly what
every of them may do, and what they must forbear to do”. No original “Ph” significa “Philosopher” e “L”
é abreviatura de “Lawyer”. Em tradução livre: “Jovem jurista: Como você define o direito? Filósofo:
Portanto, o direito é o comando daquele ou daqueles que detêm o poder soberano, determinando
àqueles que serão o seu ou seus súditos, declarando publicamente e claramente o que cada um
deles pode fazer, e o que eles devem deixar de fazer”. HOBBES, Thomas. The english works of
Thomas Hobbes of Malmesbury. London: John Bohn, 1.840, vol. vi, p. 26.
67
HOBBES, Thomas. The english works of Thomas Hobbes of Malmesbury. London: John Bohn,
1.840, vol. vi, p. 26.
68
Principal porta-voz do direito comum (common law) na Inglaterra do século XVII foi Edward Coke:
“[...] was a seventeenth-century English jurist and Member of Parliament whose writings on the
common law were the definitive legal texts for nearly 150 years. [...]. In 1.606, Coke was made Chief
Justice of the Court of Common Pleas, later being elevated, in 1.613, to Lord Chief Justice of England.
As a judge, Coke delivered numerous important decisions, and he gained a reputation as the greatest
jurist of his age. Nonetheless, his unwillingness to compromise in the face of challenges to the
supremacy of the common law made him increasingly unpopular with James I, and he was eventually
removed as Lord Chief Justice in 1.616. His career in parliament culminated in 1.628 when he acted
as one of the primary authors of the Petition of Right. This document reaffirmed the rights of
Englishmen and prevented the Crown from infringing them. Coke's enduring fame and importance
rests principally on his immensely influential legal writings and on his staunch defence of the rule of
law in the face of royal absolutism. His legal texts formed the basis for the modern common law, with
lawyers in both England and America learning their law from his Institutes and Reports until the end of
the eighteenth century. As a judge and Member of Parliament, Coke supported individual liberty
against arbitrary government and sought to ensure that the king's authority was circumscribed by law.
In later times, both English reformers and American Patriots, such as John Lilburne, James Otis, and
John Adams, used Coke's writings to support their conceptions of inviolable civil liberties”. Em
tradução livre: “[...] foi um jurista inglês do século XVII e membro do parlamento, cujos escritos sobre
o common law foram definitivos por pelo menos 150 anos. Em 1.606, Coke foi Chief Justice da Court
of Common Pleas, e em 1.613 Lord Chief Justice. Como juiz, Coke decidiu numerosos casos e
ganhou reputação de grande jurista de sua época. No entanto, sua relutância em comprometer-se
desfavoravelmente em relação à supremacia do common law o tornou cada vez mais repudiado por
James I, e ele acabou removido do cargo de Lord Chief Justice em 1.616. Sua carreira no parlamento
culminou em 1.628, quando ele atuou como um dos autores principais do Petition of Right. Este
documento reafirmou os direitos dos ingleses e impediu a Coroa de infringi-los. A fama duradoura de
Coke e a sua importância repousa principalmente em seus escritos jurídicos imensamente influentes
e em defesa do Estado de Direito em face do absolutismo real. Seus textos jurídicos formaram a base
para o moderno common law, com os advogados na Inglaterra e da América aprendendo o direito por
meio de suas obras até o final do século XVIII. Como juiz e membro do parlamento, Coke apoiou a
liberdade individual contra o governo arbitrário e procurou assegurar que a autoridade do rei estaria
circunscrita pelo direito. Em tempos mais recentes, reformadores ingleses e americanos, John
33

oposta, defendendo que caberia aos juízes resolverem os conflitos com base no
direito comum.69 Coke concebe o direito como produto da atuação dos juízes,
afirmando que o soberano não estaria autorizado a modificar as normas costumeiras
ou estatais.70
Ao observar as posições antagônicas entre Hobbes (1.588-1.679) e Coke
(1.552-1.634), é permitido inferir que o positivismo jurídico não se identifica tão
somente com o direito legislado, razão pela qual é possível identificar traços pré-
positivistas também no direito do common law.
Nesta perspectiva, há que se entender que a concepção de direito positivo é
mais ampla que o senso comum pode acatar, não se restringindo apenas ao direito
produzido pelo parlamento, mas, também, àquele construído e aplicado por outros
órgãos estatais autorizados, como é o caso dos juízes e dos tribunais no sistema
jurídico brasileiro do civil law, especialmente, quando estes órgãos criam enunciados
universais a partir de súmulas, caracterizados por seu caráter normativo, abstrato e
geral, utilizando-os, para fundamentar, com frequência e de forma quase exclusiva,
as suas decisões.
É interessante observar o paradoxo existente entre o sistema jurídico inglês e
a codificação. Thomas Hobbes, considerado o maior teórico a favor da onipresença
do legislador e Jeremy Bentham (1.748-1.832), um dos inspiradores do utilitarismo,71

Lilburne, James Otis, e John Adams, usaram os escritos de Coke para apoiar as suas concepções de
liberdades civis invioláveis”. PRINCETON UNIVERSITY. Edward Coke. Disponível em:
<http://www.princeton.edu/~achaney/tmve/wiki100k/docs/Edward_Coke.html>. Acesso em:
11/02/2.014.
69
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Trad. Márcio Pugliesi,
Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone Editora, 1.996, p. 32-35.
70
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Trad. Márcio Pugliesi,
Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone Editora, 1.996, p. 169.
71
“Utilitarianism is the idea that the moral worth of an action is determined solely by its usefulness in
maximizing utility/minimizing negative utility (utility can be defined as pleasure, preference satisfaction,
knowledge or other things) as summed among all sentient beings. It is thus a form of
consequentialism, meaning that the moral worth of an action is determined by its outcome. The most
influential contributors to this theory are considered to be Jeremy Bentham and John Stuart Mill.
Utilitarianism was described by Bentham as ‘the greatest happiness or greatest felicity principle’.
Utility, the good to be maximized, has been defined by various thinkers
as happiness or pleasure (versus suffering or pain), although preference utilitarians define it as the
satisfaction of preferences. It may be described as a life stance, with happiness or pleasure being
of ultimate importance. Utilitarianism can be characterised as a quantitative and reductionist approach
to ethics. [...]. In general usage, the term utilitarian refers to a somewhat narrow economic or
pragmatic viewpoint. [...]. Both rule utilitarianism and act utilitarianism are teleological [...], meaning
that they are consequential, however Bentham's act utilitarianism is primarily absolutist, even though it
is much more free than theories such as those put forward by Immanuel Kant. This means that in all
acts require ‘Felicific calculus’ to achieve ‘the greatest pleasure for the greatest number’. Therefore
there are definite rules and codes as to what the person must do in each situation to benefit the most
people”. Em tradução livre: “Utilitarismo é a ideia de que o valor moral de uma ação é determinado
34

juntamente com Stuart Mill (1.806-1.873), elaboraram a mais abrangente teoria


sobre a codificação e mesmo sendo os dois primeiros filósofos de origem inglesa, a
Inglaterra não aderiu à codificação do direito em seu ordenamento.72
É de se destacar que Bentham, fortemente influenciado pelo iluminismo
europeu continental, propôs uma ampla reforma na estrutura da organização do
ordenamento jurídico inglês, considerado, segundo Bobbio,
um direito não codificado, cujo desenvolvimento era confiado
essencialmente ao trabalho dos juízes; tal direito, portanto, não se fundava
em leis gerais, mas em “casos”, segundo o sistema do precedente
obrigatório. Era, assim, radicalmente assistemático, visto que não
apresentava uma linha uniforme de desenvolvimento legislativo, mas antes
uma pluralidade de linhas de desenvolvimento judiciário, sendo que cada
uma delas se interrompia num certo ponto para ser substituída por uma

unicamente pela sua utilidade no quociente entre a maximização da utilidade e a minimização da


utilidade negativa (utilidade pode ser definida como o prazer, a satisfação preferencial, conhecimento
ou outras coisas) pela soma entre todos os seres conscientes. É, portanto, uma forma de
consequencialismo, o que significa que o valor moral de uma ação é determinado pelo seu resultado.
Os colaboradores mais influentes para essa teoria são Jeremy Bentham e John Stuart Mill. O
utilitarismo foi descrito por Bentham como ‘a maior felicidade ou o princípio da maior felicidade'.
Utilidade, o bem a ser maximizado, tem sido definida por vários pensadores como felicidade ou prazer
(contra o sofrimento ou a dor), embora a preferência dos utilitaristas seja defini-la como a satisfação
das preferências. A utilidade pode ser descrita como uma postura de vida, de felicidade ou sendo o
prazer de importância suprema. O utilitarismo pode ser caracterizado como uma abordagem
quantitativa e reducionista da ética. [...]. No uso geral, o termo se refere a um utilitário ponto de vista
econômico ou pragmático. [...]. O utilitarismo regra e o agir utilitarista são ambos teleológicos, o que
significa dizer que eles são consequentes, no entanto o agir utilitarista de Bentham é essencialmente
absolutista, mesmo que ele seja muito mais livre do que as teorias apresentadas por Immanuel Kant.
Isso significa que em todos os atos se exige o ‘cálculo da felicidade’ para se alcançar ‘o maior prazer
para o maior número’. Portanto, há regras e códigos definidos sobre o que se deve fazer em cada
situação para beneficiar o maior número de pessoas”. PRINCETON UNIVERSITY. Utilitarism.
Disponível em: <http://www.princeton.edu/~achaney/tmve/wiki100k/docs/Utilitarianism.html>. Acesso
em: 15/02/2.014. WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno. 4ª. ed. Trad. A. M.
Botelho Hespanha. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2.010, p. 516, 657. A respeito da filosofia do direito
na Inglaterra, Del Vecchio afirma: “Por outro lado, em Ética e na Filosofia do Direito predomina o
utilitarismo, isto é, a tendência para basear no útil e no prazer a lei fundamental da acção” e em outro
ponto critica o utilitarismo de Bentham: “Mas as bases do seu sistema são algo defeituosas. O
princípio utilitário reveste nele uma forma grosseira e primitiva. O prazer (entendido em sentido
materialista como satisfação sensível ou vantagem pessoal) é o único fim da vida. Bem, portanto, é o
que proporciona prazer”. DEL VECCHIO, Giorgio. Lições de filosofia do direito. Trad. Antônio José
Brandão. 5ª. ed. Coimbra: Armênio Amado, 1.979, p. 226-227. “Essa doutrina foi denominada de
utilitarismo, denominação que de modo algum expressa seu sentido principal. Na tradução latina, o
termo útil não expressa o que se tinha em mente ao empregá-lo. Referia-se, na verdade, àquelas
ações eficazes, isto é, que se mostravam adequadas à consecução dos objetivos visados. No fundo,
tem-se aí a idéia protestante de que o sucesso social seria um indício de salvação (a partir da
premissa de que as ações dos indivíduos deveriam ter em vista erigir na terra uma obra digna da
glória de Deus). E, se merece a aprovação de Deus, sua ação é benéfica para todos (a ‘mão invisível’
de Adam Smith)” (grifos no original). CARDIM, Carlos Henrique. Apresentação In: RAWLS, John. O
liberalismo político. 2ª. ed. Trad. Dinah de Abreu Azevedo. Rev. Álvaro de Vita. São Paulo: Editora
Ática, 2.000, p. 10.
72
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Trad. Márcio Pugliesi,
Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone Editora, 1.996, p. 91. WIEACKER, Franz.
História do direito privado moderno. 4ª. ed. Trad. A. M. Botelho Hespanha. Lisboa: Calouste
Gulbenkian, 2.010, p. 314.
35

outra, salvo sempre a possibilidade de que aquela precedentemente


73
abandonada fosse retomada.

Para Bentham, um racionalista, era inaceitável concordar com esta estrutura


aparentemente caótica do direito inglês. Sua oposição à casuística histórica e
costumeira do common law contribuiu para a codificação da Europa ocidental.74 Este
teórico defendia que o direito fosse produzido pelo parlamento, posição contrária a
Blackstone (1.723-1.780), que elogiava o sistema do common law pela sua perfeição
em se fundar e ser aplicado conforme o direito natural.75-76
No início de 1.800, Bentham desenvolve um projeto com o objetivo de propor
uma codificação completa do direito inglês, sistematizando-o em três ramos: direito
civil, direito penal e direito constitucional,77 sem que obtivesse sucesso em suas
propostas reformadoras, dentro e fora da Inglaterra.78
A crítica de Bentham à produção judiciária do direito se fundamentava em
cinco aspectos: a) a insegurança jurídica devida à imprevisibilidade das
consequências dos comportamentos sociais, que não necessariamente estavam
previstos em “leis” escritas, bem como o critério adotado pelo juiz, para escolher ou
não um precedente, dependia de uma avaliação subjetiva, passível de ser
arbitrária;79 b) a retroatividade do common law, pois ao decidir um caso não

73
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Trad. Márcio Pugliesi,
Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone Editora, 1.996, p. 94.
74
WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno. 4ª. ed. Trad. A. M. Botelho Hespanha.
Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2.010, p. 314.
75
DEL VECCHIO, Giorgio. Lições de filosofia do direito. 5ª. ed. Trad. Antônio José Brandão.
Coimbra: Armênio Amado, 1.979, p. 242. HELMHOLZ, Richard. H. Natural Law and Human Rights in
English Law: From Bracton to Blackstone. Ave Maria law review. 2.005, vol. 3, p. 20. Disponível
em:<http://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=2480&context=journal_articles>.
Acesso em: 10/02/2.014.
76
“Como Hobbes, no século XVII, sustentara suas concepções em favor da produção legislativa do
direito contra um jurista, Coke, defensor da common law, do mesmo modo Bentham desenvolve sua
crítica frente a esta última, entrando em polêmica com o maior estudioso do direito inglês de seu
tempo, Blackstone, que fora seu mestre nos estudos universitários e que, em 1.765, publicara os
Comentários sobre o direito comum inglês, em que o sistema da common law era considerado com
grande otimismo como perfeito, porque se fundava no e fazia valer completamente o direito natural”
(grifos acrescidos). BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Trad.
Márcio Pugliesi, Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone Editora, 1.996, p. 95.
77
DEL VECCHIO, Giorgio. Lições de filosofia do direito. Trad. Antônio José Brandão. 5ª. ed.
Coimbra: Armênio Amado, 1.979, p. 227.
78
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Trad. Márcio Pugliesi,
Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone Editora, 1.996, p. 95-96.
79
Ressalta-se a mesma preocupação, em momento anterior, de Montesquieu (1.689-1.755) quando
já alertava a respeito da subjetividade na aplicação do direito ao afirmar que “But, though the tribunals
ought not to be fixed, the judgements ought; and to such a degree, as to be ever conformable to the
letter of the law. Were they to be the private opinion of the judge, people would then live in society
without exactly knowing the nature of their obligations”. Em tradução livre: “Mas, embora os tribunais
não devem ser fixos, os julgamentos devem sê-lo, e de tal forma, a ponto de ser sempre conforme à
36

assentado em um precedente, o juiz cria um provável novo precedente, uma nova


norma, post factum, a ser aplicada a um caso do passado, tornando a eficácia do
direito judiciário retroativa, criando no presente uma norma a ser aplicada ao fato
pretérito, violando o princípio da irretroatividade da “lei”;80 c) o common law não teria
como fundamento o princípio da utilidade, pois o juiz não conseguiria criar um
sistema completo de normas jurídicas baseado no princípio da utilidade, uma vez
que ele cria e aplica o direito com base na analogia e no precedente;81 d) o juiz tem
o dever de resolver qualquer espécie de conflito, embora lhe falte competência
específica em todos os campos do direito, ao contrário da função legislativa; e) a
produção do direito judiciário não é controlável pelo povo, ao contrário do direito
legislativo.82 Desta forma, Bentham defendia o direito codificado na Inglaterra,
propugnava o afastamento do common law e sua substituição pelo direito legislativo,
com a instalação de um código simples, coerente e de características universais.
Os estudos de Bentham não foram em vão, pois, também na Inglaterra
ocorreu a supremacia da “lei” sobre o direito comum, embora este país não tenha
adotado o sistema de codificação. Na Inglaterra, o direito legislado (statute)
prevaleceu sobre o direito comum, concorrentemente ao estabelecimento do Estado
parlamentar,83 ressaltando que a prevalência do parlamento não levou à extinção do
common law.
Observa-se que na Inglaterra, apesar dos confrontos históricos entre o
common law e o statute law,84 estabeleceu-se uma convivência harmônica entre as
duas espécies que se mantém em virtude do respeito entre elas. Em razão disto,
detecta-se um equilíbrio entre as funções jurisdicionais e legislativas no sistema
jurídico inglês, apesar de os seus fundamentos não se alinharem ao processo

letra da lei. Sendo eles [os julgamentos] uma opinião particular do juiz, as pessoas, então, viveriam
em sociedade, sem saber exatamente a natureza das suas obrigações”. SECONDAT, Charles Louis
de. The complete works of M. de Montesquieu. London: T. Evans, 1.777, vol. 1, p. 241.
80
SLAPPER, Gary; KELLY, David. The english legal system. 6ª. ed. London: Cavendish Publishing
Limited, 2.003, p. 92-93.
81
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Trad. Márcio Pugliesi,
Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone Editora, 1.996, p. 98.
82
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Trad. Márcio Pugliesi,
Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone Editora, 1.996, p. 96-99.
83
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Trad. Márcio Pugliesi,
Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone Editora, 1.996, p. 120.
84
“[...], o common law não é todo o direito inglês; o statue law (direito dos estatutos, isto é, das leis
promulgadas pelo legislador) desenvolveu-se à margem do common law e retomou, sobretudo no
século XX, uma importância primordial”. GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito. 2ª. ed.
Trad. A. M. Botelho Hespanha e L. M. Macaísta Malheiros. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2.001, p.
208.
37

constitucional democrático, especialmente, no que toca à criação do direito pelo


órgão julgador, ou seja, o judge-made law.85
Percebe-se, assim, que o positivismo é uma complexa teoria do direito, que
abrange não apenas o direito positivo, mas também o direito do common law, onde a
norma escrita é identificada também pelo precedente, que contextualizado sob os
princípios do processo constitucional poderá permitir um aumento qualitativo na
fundamentação das decisões judiciais, contribuindo para a estabilidade e segurança
do sistema jurídico.
Muitas das críticas de Bentham, pronunciadas há 200 anos, podem ser
aplicadas ao direito atual brasileiro, quando as decisões utilizam os precedentes
para a sua formação. Aqui também prevalece a insegurança jurídica em razão dos
critérios adotados pelos tribunais superiores, muitas vezes casuísticos, subjetivos e
discricionários.
Da mesma forma, as decisões dos tribunais, ao desconsiderarem o
contraditório, causam surpresa às partes, com efeito semelhante à retroatividade da
norma. Neste passo, as técnicas aplicadas para fundamentar as decisões se
amoldam ao positivismo, quando desprezam o conteúdo dos precedentes,
desconsiderando os fatos e as motivações destes.
Acredita-se que o positivismo não serve ao direito democrático, exigindo este
uma nova abordagem, que assegure aos interessados as garantias processuais
constitucionais.

2.4. A importância dos procedimentos no common law

Os sistemas jurídicos do common law e do civil law, configurados pelas


respectivas tradições, receberam influência, em grau variável, do direito romano. A
presença do direito romano não é um parâmetro seguro e suficiente para diferenciar
o sistema jurídico do civil law em relação ao common law. O que permitirá diferenciar
um sistema do outro é a importância e a forma de utilização, prioritária ou
subsidiária, que o direito romano exerceu sobre cada sistema jurídico.86

85
FRANK, Jerome. Law and the modern mind. New Brunswick: Transaction Publishers, 2.009, p.
36-45. MATA-MACHADO, Edgar de Godói. Elementos de teoria geral do direito. Belo Horizonte,
Vega, 1.981, p. 122.
86
STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto – o precedente judicial e as súmulas
vinculantes? Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2.014, p. 22.
38

É também importante salientar que, desde o seu surgimento, o common law


se adequou perfeitamente às necessidades sociais da época, razão pela qual não
havia necessidade de mudanças,87 ou de excessiva fidelidade às fontes do direito
romano.88
A influência das Cortes Reais de justiça, instaladas a partir da conquista
normanda, em 1.066, foi fundamental para a construção do common law,89 pois, a
partir deste evento, o direito passou a ser utilizado como instrumento de governo,
substituindo o poder militar da conquista.90 As Cortes Reais, no período que se
estendeu da Idade Média até o século XIX,91 se posicionaram como a única
jurisdição capaz de administrar a “justiça”.92
Importa ressaltar a vasta importância endereçada aos procedimentos criados
e utilizados pelas Cortes Reais, para a solução dos conflitos.
Enquanto na Europa continental os juristas concentravam os seus estudos na
determinação dos direitos e das obrigações das partes no processo, os juristas
ingleses, desde a origem do common law, se preocupavam com os procedimentos,
sob o entendimento assentado na convicção de que os procedimentos precedem os
direitos. Por esta razão, havia a previsão de um número determinado de
procedimentos a serem aplicados para alcançar a solução dos conflitos. As Cortes
Reais, ao exercerem a sua competência, adotavam procedimentos, para os quais se

87
CAENEGEM, R. C. van. The birth of the english common law. 2ª. ed. Cambridge: Cambridge
University Press, 1.988, p. 142.
88
“Enfim, a unidade jurídica, a configuração geográfica, a centralização judiciária e a homogeneidade
da classe forense justificam a ‘recepção falhada’ das fontes do direito romano-canônico na Inglaterra.
Enquanto, por exemplo, na Itália e na Alemanha, a divisão territorial em comunas e pequenos reinos,
tornava indispensável recorrer ao direito romano como fonte jurídica mais aperfeiçoada, ‘a Grã-
Bretanha já tinha o seu próprio direito comum’”. TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial
como fonte do direito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2.004, p. 151.
89
DAVID, René; JAUFFRET-SPINOSI, Camille. Los grandes sistemas jurídicos contemporâneos.
11ª. ed. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2.010, p. 206.
90
GLENN, H. Patrick. Legal traditions of the world: sustainable diversity in law. New York: Oxford
University Press, 2.000, p. 215,
91
BAKER, J. H. An introduction to english legal history. 4ª. ed. London: Butterworths, 2.002, p. 26.
MAITLAND, Frederic William. The history of english law before the time of Edward I. 2ª. ed.
Indianapolis: Liberty Fund Inc., 2.010, vol. 1, p. 202.
92
DAVID, René; JAUFFRET-SPINOSI, Camille. Los grandes sistemas jurídicos contemporâneos.
11ª. ed. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2.010, p. 215.
39

exigia um excessivo formalismo,93 de forma bastante similar às legis actiones do


direito romano.94
A significativa influência do common law no direito inglês é devida,
principalmente, aos seguintes fatores: a) os juristas ingleses concentraram seus
interesses, prevalentemente, nos procedimentos jurisdicionais, em comparação às
categorias de direito material; b) a redução da importância do direito privado; c) a
existência de obstáculos na recepção e incorporação, na Inglaterra, das categorias e
noções do direito romano.95
Ao analisar o formalismo procedimental no common law, até o século XIX,
verifica-se que os juristas ingleses não canalizavam suas preocupações em relação
ao conteúdo da decisão, e este fenômeno pode ser sintetizado na expressão:
Remedies precede rights. Nessa perspectiva, observa-se que o objetivo do common
law não era a proteção dos direitos, consistia, ao contrário, na fixação de regras de
procedimento para garantir, em um maior número de casos, a solução dos litígios,
conferindo pouca importância ao mérito da controvérsia. Neste período, o interesse
dos juristas se concentrou no estudo dos procedimentos, excessivamente
formalistas, correspondentes aos writs.96 Preponderou a espécie de procedimento

93
BAKER, J. H. An introduction to english legal history. 4ª. ed. London: Butterworths, 2.002, p.
101. DAVID, René; JAUFFRET-SPINOSI, Camille. Los grandes sistemas jurídicos
contemporâneos. 11ª. ed. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2.010, p. 216.
94
Em síntese, o sistema da legis actiones caracterizava-se por ser oral, combinar a atuação pública
(fase in iure) e privada (fase apud iudicem ou in iudicio), exigir um formalismo exagerado na fase do
in iure e a previsão de diversas espécies de procedimentos. MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito
romano. 10ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1.997, vol 1. p. 193-204. LOSANO, Mario Giuseppe. Os
grandes sistemas jurídicos. Trad. Marcela Varejão. São Paulo: Martins Fontes, 2.007, p. 329.
95
“On the other hand, it is not to be denied that the few legal ideas and institutions which we can
confidently describe as imported from Normandy, were of decisive importance. This is preeminently
true of the transplanted Frankish inquest. It has in it the germ of all that becomes most distinctively
English in the English law of the later middle ages, the germ of trial by jury and of a hard and fast
formulary system of actions which will be tough enough to resist the attacks of Romanism”. Em
tradução livre: “Por outro lado, não é para negar que as poucas ideias e instituições jurídicas que
podemos confiantemente descrever como importadas da Normandia foram de importância decisiva.
Isto é preeminentemente verdadeiro a respeito do inquérito francês transplantado. Ele tem em si o
germe de tudo o que se torna mais distintamente inglês no direito inglês do final da Idade Média, o
germe de julgamento pelo júri e um sistema de formulário forte e rápido de ações que será forte o
suficiente para resistir aos ataques do romanismo”. POLLOCK, Frederick; MAITLAND, Frederic
William. The history of english law before the time of Edward I. 2ª. ed. Indianapolis: Liberty Fund
Inc., 2.010, vol. 1, p. 101. GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito. 2ª. ed. Trad. A. M.
Botelho Hespanha e L. M. Macaísta Malheiros. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2.001, p. 20.
DAVID, René; JAUFFRET-SPINOSI, Camille. Los grandes sistemas jurídicos contemporâneos.
11ª. ed. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2.010, p. 217.
96
“O direito desenvolveu-se em Inglaterra desde o séc. XIII, com base nesta lista de writs, isto é, das
acções judiciais sob a forma de ordens do rei. Em caso de litígio, era (e continua a ser) essencial
encontrar o writ aplicável ao caso concreto; o processo, assim, é aqui mais importante que as regras
do direito positivo: remedies precede rights. O common law elaborou-se com base num número
limitado de formas processuais e não sobre regras relativas ao conteúdo do direito. É por isso que a
40

que exigia a solução da controvérsia por um júri, com base em questões de fato
formuladas. Tanto, assim, é que, em 1.856, todas as demandas propostas perante
as cortes do common law eram solucionadas perante um júri.97
A complexidade da técnica dos writs era de tal expressão, que somente
através da prática era possível conhecê-la. O conhecimento e a formação
universitária de base romanística contribuía para encontrar a solução, mas não
auxiliava no sucesso da demanda.98 Juristas e juízes ingleses eram essencialmente
práticos, ao contrário do que ocorria nos países da Europa continental. A formação
em Direito na Inglaterra não era necessária e raramente um advogado ou um jurista,
até o século XX, recebia formação universitária.99
Observa-se, assim, que prevaleceu no common law da Inglaterra um
excessivo formalismo, em prejuízo da realização dos direitos. Entretanto, as
influências do Estado Social na Europa obrigaram o sistema jurídico inglês a se
adaptar a um novo ciclo, que se apresenta no próximo tópico.

2.5. A influência do Estado Social e a Comunidade europeia no common law da


Inglaterra

O direito inglês passou por diversas transformações nos séculos XIX e XX.100
Até a década de 1.830, o direito inglês se desenvolveu em uma perspectiva

estrutura do common law é fundamentalmente diferente da estrutura dos direitos dos países do
continente europeu”. GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito. 2ª. ed. Trad. A. M. Botelho
Hespanha e L. M. Macaísta Malheiros. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2.001, p. 211. DAVID, René;
JAUFFRET-SPINOSI, Camille. Los grandes sistemas jurídicos contemporâneos. 11ª. ed. México:
Universidad Nacional Autónoma de México, 2.010, p. 217-218.
97
GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito. 2ª. ed. Trad. A. M. Botelho Hespanha e L. M.
Macaísta Malheiros. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2.001, p. 214. DAVID, René; JAUFFRET-SPINOSI,
Camille. Los grandes sistemas jurídicos contemporâneos. 11ª. ed. México: Universidad Nacional
Autónoma de México, 2.010, p. 217.
98
GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito. 2ª. ed. Trad. A. M. Botelho Hespanha e L. M.
Macaísta Malheiros. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2.001, p. 214. DAVID, René; JAUFFRET-SPINOSI,
Camille. Los grandes sistemas jurídicos contemporâneos. 11ª. ed. México: Universidad Nacional
Autónoma de México, 2.010, p. 211. DAVID, René; JAUFFRET-SPINOSI, Camille. Los grandes
sistemas jurídicos contemporâneos. 11ª. ed. México: Universidad Nacional Autónoma de México,
2.010, p. 221.
99
Conforme afirma René David, na Inglaterra, para o ingresso no conselho profissional de advogados
se exige uma formação universitária, mas não necessariamente em Direito. DAVID, René;
JAUFFRET-SPINOSI, Camille. Los grandes sistemas jurídicos contemporâneos. 11ª. ed. México:
Universidad Nacional Autónoma de México, 2.010, p. 221.
100
LOSANO, Mario Giuseppe. Os grandes sistemas jurídicos. Trad. Marcela Varejão. São Paulo:
Martins Fontes, 2.007, p. 332-346. DAVID, René; JAUFFRET-SPINOSI, Camille. Los grandes
sistemas jurídicos contemporâneos. 11ª. ed. México: Universidad Nacional Autónoma de México,
2.010, p. 225.
41

procedimental prevista para os diversos tipos de pretensões.101 A partir desta época,


os juristas ingleses se dedicaram ao estudo do direito inglês com o objetivo de torná-
lo mais sistemático. No mesmo sentido, a organização judiciária se alterou de forma
substancial na década de 1.870, por meio dos Judicature Acts,102 resultando na
criação da Supreme Court of Judicature,103 que suprimiu a separação formal entre as
Cortes Reais (cortes do common law) e as Cortes da Chancelaria (equity), com
competência ampla para aplicar indistintamente as regras do common law e da
equity.104 No que se refere à equity, é importante observar o declínio de sua força no
direito inglês. As cortes inglesas atuais a identificam como sendo um conjunto de
regras justificadas historicamente, auxiliando a correção da aplicação do direito, mas
que não mais fazem parte do ordenamento jurídico, uma vez que ao Parlamento
cabe adotar as normas necessárias para a construção do direito.105 Acrescentam,
ainda, que a segurança jurídica e a primazia do direito estariam prejudicadas, caso
fossem aplicadas as regras de equidade.106
O avanço da legislação inglesa, ocorrida no século XIX,107 não prejudicou o
seu aspecto tradicional e os cases do direito inglês, a partir desta época, podiam ser
pesquisados nos Law Reports (1.865) e na enciclopédia de Laws of England.108
As transformações do direito inglês continuaram a ocorrer durante o século
XX, principalmente em razão das influências de caráter social do Welfare State,109

101
DAVID, René; JAUFFRET-SPINOSI, Camille. Los grandes sistemas jurídicos
contemporâneos. 11ª. ed. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2.010, p. 226.
102
STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto – o precedente judicial e as súmulas
vinculantes? Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2.014, p. 26.
103
LOSANO, Mario Giuseppe. Os grandes sistemas jurídicos. Trad. Marcela Varejão. São Paulo:
Martins Fontes, 2.007, p. 332.
104
GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito. 2ª. ed. Trad. A. M. Botelho Hespanha e L. M.
Macaísta Malheiros. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2.001, p. 213. DAVID, René; JAUFFRET-SPINOSI,
Camille. Los grandes sistemas jurídicos contemporâneos. 11ª. ed. México: Universidad Nacional
Autónoma de México, 2.010, p. 226.
105
LOSANO, Mario Giuseppe. Os grandes sistemas jurídicos. Trad. Marcela Varejão. São Paulo:
Martins Fontes, 2.007, p. 333. DAVID, René; JAUFFRET-SPINOSI, Camille. Los grandes sistemas
jurídicos contemporâneos. 11ª. ed. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2.010, p.
224.
106
DAVID, René; JAUFFRET-SPINOSI, Camille. Los grandes sistemas jurídicos
contemporâneos. 11ª. ed. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2.010, p. 224.
107
LOSANO, Mario Giuseppe. Os grandes sistemas jurídicos. Trad. Marcela Varejão. São Paulo:
Martins Fontes, 2.007, p. 334.
108
LOSANO, Mario Giuseppe. Os grandes sistemas jurídicos. Trad. Marcela Varejão. São Paulo:
Martins Fontes, 2.007, p. 339. DAVID, René; JAUFFRET-SPINOSI, Camille. Los grandes sistemas
jurídicos contemporâneos. 11ª. ed. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2.010, p.
226.
109
“Segundo a concepção dominante nos séculos XVIII e XIX, a legislação não ocupa senão o
segundo lugar entre as fontes do direito inglês, depois da jurisprudência; os acts ou statutes (leis) são
apenas considerados como excepções em relação ao common law; os juízes interpretam-nos duma
42

singularizado pela forte atuação do Estado nas políticas públicas e nas vidas das
pessoas, com o objetivo de ampliar os benefícios sociais,110 em face da crise do
Estado Liberal. Dificuldades na adaptação do direito à nova situação social
ocorreram durante todo o século XX, em razão da estrutura casuística e
jurisprudencial do direito inglês.111 As normas e os procedimentos do common law
alcançaram tão elevada importância, que criaram uma série de conflitos entre a
Administração e os particulares, que as Cortes existentes não estavam preparadas
para resolver.112 Para tanto, foram criados tribunais administrativos na Inglaterra,
sem que os mesmos tivessem autonomia em relação à sua competência,
ressaltando que estes tribunais não decidiam conforme os princípios do common
law.113 O direito do common law não era adequado para solucionar os conflitos
relacionados ao contexto do Welfare State,114 os quais deveriam ser
procedimentalizados perante as cortes administrativas, inferindo-se que a solução
mais adequada não se daria pela aplicação das normas do common law e sim do
civil law, o que levou a uma aproximação entre os dois sistemas na Inglaterra.115
As reformas nos sistemas jurídicos provocadas pelo neoconstitucionalismo, a
globalização, bem como o ingresso do Reino Unido na União Europeia, em 1.972,
influenciaram fortemente o direito inglês.116
Importante ressaltar que as reformas constitucionais ocorridas no Reino Unido
no final do século XX, em relação às atividades administrativas e legislativas,

maneira restritiva respeitando mais a letra que o espírito. Esta concepção é, todavia, cada vez mais
posta em causa, em virtude da extensão crescente da actividade dos legisladores; o divórcio é
crescente entre o tradicional common law, de espírito liberal, e a legislação cada vez mais abundante
de inspiração social, ou mesmo socializante, tendente a assegurar a intervenção do Estado nos
domínios económicos e sociais no welfare-state”. GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito.
2ª. ed. Trad. A. M. Botelho Hespanha e L. M. Macaísta Malheiros. Lisboa: Calouste Gulbenkian,
2.001, p. 215. DAVID, René; JAUFFRET-SPINOSI, Camille. Los grandes sistemas jurídicos
contemporâneos. 11ª. ed. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2.010, p. 226.
110
SLAPPER, Gary; KELLY, David. The english legal system. 14ª. ed. New York: RoutLedge, 2.013,
p. 572.
111
DAVID, René; JAUFFRET-SPINOSI, Camille. Los grandes sistemas jurídicos
contemporâneos. 11ª. ed. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2.010, p. 226.
112
DAVID, René; JAUFFRET-SPINOSI, Camille. Los grandes sistemas jurídicos
contemporâneos. 11ª. ed. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2.010, p. 226.
113
DAVID, René; JAUFFRET-SPINOSI, Camille. Los grandes sistemas jurídicos
contemporâneos. 11ª. ed. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2.010, p. 227.
114
SLAPPER, Gary; KELLY, David. The english legal system. 6ª. ed. London: Cavendish Publishing
Limited, 2.003, p. 325.
115
LOSANO, Mario Giuseppe. Os grandes sistemas jurídicos. Trad. Marcela Varejão. São Paulo:
Martins Fontes, 2.007, p. 340. DAVID, René; JAUFFRET-SPINOSI, Camille. Los grandes sistemas
jurídicos contemporâneos. 11ª. ed. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2.010, p.
227.
116
DAVID, René; JAUFFRET-SPINOSI, Camille. Los grandes sistemas jurídicos
contemporâneos. 11ª. ed. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2.010, p. 227.
43

incluem a restituição e a descentralização de funções para a Escócia, País de Gales


e Irlanda do Norte, bem como a incorporação da Convenção Europeia de Direitos
Humanos ao direito inglês no ano de 1.998.117
A respeito dos direitos fundamentais, o Reino Unido foi o primeiro Estado
membro do Conselho da Europa a ratificar a Convenção Europeia de Direitos
Humanos, incorporado ao direito inglês por meio do Human Rights Act 1.998, em
vigor a partir de 2/10/2.000. Ao incorporar a Convenção Europeia de Direitos
Humanos ao seu ordenamento jurídico, a Inglaterra adere ao princípio pelo qual
somente o parlamento está legitimado a legislar a respeito de quaisquer matérias, o
que impede ao juiz a possibilidade de revogar uma norma que esteja em
conformidade com os direitos humanos.118 O juiz deve interpretar e aplicar a norma
em conformidade com os direitos previstos na Convenção Europeia de Direitos
Humanos.119 Também a Administração Pública deve atuar em conformidade com os
direitos previstos na Convenção.120 Nos termos do Human Rights Act, uma pessoa
que tem os seus direitos violados por parte de uma autoridade administrativa pode
interpor um recurso perante os tribunais.121 O Human Rights Act é de tal amplitude
que pode inclusive modificar a aplicação do stare decisis. 122
Assim, verifica-se que o sistema do common law, que se desenvolveu sobre o
instituto do precedente, adquiriu durante o extenso período de sua formação uma
forte consistência e autonomia, incompatível com as regras da equidade.
Também se constata a dificuldade do common law em solucionar conflitos
provocados em razão da atuação intervencionista do Estado Social, bem como a
necessidade de adaptar-se aos direitos humanos para manter a sua eficácia.
Desta forma, é importante observar que a introdução dos precedentes stricto
sensu no ordenamento jurídico brasileiro, sob o modelo constitucional de processo,
requer, para sua implementação e desenvolvimento em conformidade com os

117
SLAPPER, Gary; KELLY, David. The english legal system. 6ª. ed. London: Cavendish Publishing
Limited, 2.003, p. 5. DAVID, René; JAUFFRET-SPINOSI, Camille. Los grandes sistemas jurídicos
contemporâneos. 11ª. ed. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2.010, p. 227.
118
DAVID, René; JAUFFRET-SPINOSI, Camille. Los grandes sistemas jurídicos
contemporâneos. 11ª. ed. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2.010, p. 229.
119
DAVID, René; JAUFFRET-SPINOSI, Camille. Los grandes sistemas jurídicos
contemporâneos. 11ª. ed. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2.010, p. 229.
120
SLAPPER, Gary; KELLY, David. The english legal system. 6ª. ed. London: Cavendish Publishing
Limited, 2.003, p. 37.
121
DAVID, René; JAUFFRET-SPINOSI, Camille. Los grandes sistemas jurídicos
contemporâneos. 11ª. ed. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2.010, p. 229.
122
DAVID, René; JAUFFRET-SPINOSI, Camille. Los grandes sistemas jurídicos
contemporâneos. 11ª. ed. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2.010, p. 230.
44

direitos e garantias fundamentais (direitos humanos positivados na Constituição), a


observância dos princípios e regras delineados na Constituição, quais sejam, o juízo
natural, a ampla defesa, o contraditório, a fundamentação da decisão com base na
reserva legal.123
Somente a partir desta reconstrução democrática, o precedente servirá ao
processo constitucional.

123
BRÊTAS, Ronaldo de Carvalho Dias. Processo constitucional e Estado Democrático de
Direito. 2ª. ed., rev. e ampl. Belo Horizonte: Editora Del Rey Ltda., 2.012, p. 32.
45

3. A CIÊNCIA DO DIREITO PROCESSUAL DEMOCRÁTICO

3.1. A ciência do direito processual democrático

A filosofia política e a teoria do direito encontram um sério problema em


explicar, satisfatoriamente, a relação entre a igualdade e a liberdade, princípios
imprescindíveis para a construção de uma sociedade democrática.
De início, parecem inconciliáveis, sob um mesmo prisma filosófico, pois em
tese, um é preferencial ao outro, como se verifica nas distintas abordagens de Kant
(1.724-1.804) e de Aristóteles (384a.C.-322a.C.). Kant defende a primazia da
liberdade como causa das ações humanas,124 e, de outro lado, Aristóteles defende a
igualdade como fundamento da “justiça”.125 Na prática, apresentam-se, a seguir,
exemplos nos quais se reportam, de um lado, ao crescimento das desigualdades
sociais na predominância do neoliberalismo econômico nos países em
desenvolvimento, na década de 1.990, frente à implantação de igualdades sociais
nos países socialistas, no século XX, que resultou em uma considerável redução da
liberdade.
Em sua teoria “liberal”, Dworkin (1.931-2.013), um autêntico antipositivista,
reinterpreta o “liberalismo” e procura demonstrar a necessidade de igualdade e

124
“Como ser racional e, portanto, pertencente ao mundo inteligível, o homem não pode pensar
nunca a causalidade da sua própria vontade senão sob a ideia da liberdade, pois que independência
das causas determinantes do mundo sensível (independência que a razão tem sempre de atribuir-se)
é liberdade. Ora à ideia da liberdade está inseparavelmente ligado o conceito de autonomia, e a este
o princípio universal da moralidade, o qual na ideia está na base de todas as acções de seres
racionais como a lei natural está na base de todos os fenómenos” (grifos no original). KANT,
Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70,
2.007, p.102.
125
“Ora, igualdade implica pelo menos duas coisas. O justo, por conseguinte, deve ser ao mesmo
tempo intermediário, igual e relativo (isto é, para certas pessoas). E, como intermediário, deve
encontrar-se entre certas coisas (as quais são, respectivamente, maiores e menores); como igual,
envolve duas coisas; e, como justo, o é para certas pessoas. O justo, pois, envolve pelo menos
quatro termos, porquanto duas são as pessoas para quem ele é de fato justo, e duas são as coisas
em que se manifesta — os objetos distribuídos. [...]. Isso, aliás, é evidente pelo fato de que as
distribuições devem ser feitas ‘de acordo com o mérito’; pois todos admitem que a distribuição justa
deve recordar com o mérito num sentido qualquer, se bem que nem todos especifiquem a mesma
espécie de mérito, mas os democratas o identificam com a condição de homem livre, os partidários
da oligarquia com a riqueza (ou com a nobreza de nascimento), e os partidários da aristocracia com a
excelência”. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. 4ª. ed. Trad. de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim.
São Paulo: Nova Cultural, 1.991, p. 102.
46

liberdade se complementarem, prevalecendo a igualdade como seu fundamento, ao


contrário da teoria de Rawls (1.921-2.002), na qual prevalece a liberdade.126
Há que se assinalar que a expressão “liberal” nos Estados Unidos tem uma
conotação própria, que a torna equívoca em outros espaços geográficos. Conduz à
noção bem distinta da atribuída no Brasil e na Europa. Nos Estados Unidos, os
conservadores associam o termo “liberal” como sinônimo de “socialista”, a merecer
um ajuste, de forma a melhor se identificar com as políticas indexadas à social-
democracia europeia.127 É neste sentido que é possível associar a ideologia “liberal”
norte-americana à Rawls.
O “liberalismo” político de Rawls repousa em um princípio igualitário pelo qual
Todos os valores sociais - liberdade e oportunidade, renda e riqueza, e as
bases sociais do auto-respeito - devem ser distribuídos igualmente, a menos
que uma distribuição desigual de qualquer, ou todos, destes valores traduza
128
em vantagem para todos (tradução livre).

Rawls procura respostas para a preservação da estabilidade das instituições


democrático-representativas frente às relevantes diferenças existentes na sociedade
moderna. Para Rawls, a estabilidade do sistema político se apoia no consenso sobre
questões sociais relevantes, o que ele denomina de “consenso sobreposto”
(overlapping consensus). Este consenso deve dar-se a partir da manifestação livre
sobre questões de igualdade política, igualdade de oportunidade, respeito mútuo e
garantia de reciprocidade econômica.129
Dworkin, em sua teoria “liberal”, procura uma alternativa ao “liberalismo” de
Rawls. Tanto Dworkin quanto Rawls defendem o “liberalismo”, mas as suas
justificações são distintas.
Dworkin se declara expressamente a favor de uma teoria “liberal” igualitária
do direito,130 mas assinala que a sua teoria “liberal” não se equipara à teoria, ainda
preponderante, também, de índole “liberal”, que representa o positivismo jurídico, o

126
DALL’AGNOL, Darlei. O igualitarismo liberal de Dworkin. Revista de filosofia Kriterion. vol. 46,
nº. 111. Belo Horizonte: Faculdade de Filosofia da Universidade de Minas Gerais, 2.005,
Jan./June 2.005. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0100-512X2005000100005>. Acesso
em: 05/09/2.014.
127
CARDIM, Carlos Henrique. Apresentação. In: RAWLS, John. O liberalismo político. 2ª. ed. Trad.
Dinah de Abreu Azevedo. Rev. Álvaro de Vita. São Paulo: Editora Ática, 2.000, p. 5.
128
“All social values - liberty and opportunity, income and wealth, and the social bases of self-respect -
are to be distributed equally unless an unequal distribution of any, or all, of these values is to
everyone's advantage”. RAWLS, John. A theory of justice. 6ª print. Rev. ed. Cambridge: Harvard
University Press, 2.003, p. 54.
129
CARDIM, Carlos Henrique. Apresentação. In: RAWLS, John. O liberalismo político. 2ª. ed. Trad.
Dinah de Abreu Azevedo. Rev. Álvaro de Vita. São Paulo: Editora Ática, 200, p. 7.
130
DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1.978, p. vii.
47

qual Dworkin secciona em duas grandes concepções teóricas. A primeira, sobre o


que é o direito:
trata-se de uma teoria sobre as condições necessárias e suficientes para a
verdade de uma proposição jurídica. Esta é a teoria do positivismo jurídico,
que sustenta que a verdade das proposições jurídicas consiste em fatos a
respeito de regras que foram adotadas por instituições sociais específicas e
131
nada mais do que isto.

E a segunda,
acerca de que o direito deve ser e sobre o modo como as instituições
jurídicas que nos são familiares deveriam comportar-se. Essa é a teoria do
utilitarismo, que sustenta que o direito e as instituições deveriam estar a
132
serviço do bem-estar geral e tão-somente isto (grifos acrescidos).

O autor afirma que o positivismo jurídico e também o utilitarismo afastam um


pressuposto “liberal” de extrema relevância, ao desconsiderarem os direitos
humanos individuais, ou seja os direitos fundamentais.133
Há uma forte imbricação entre a teoria de Dworkin e a teoria do Estado
Democrático de Direito, cujo objetivo é possibilitar o exercício dos direitos e
garantias fundamentais. Pelas razões expostas pelo autor, não se pode, e nem se
deve, considerar o positivismo jurídico como marco teórico do Estado Democrático
de Direito, ainda que, no atual momento histórico, obriga-se, durante a construção
do paradigma democrático de direito, em razão da realidade posta, a conviver com
institutos, instituições e teorias apegadas ao positivismo e não afastáveis de pronto.
Não há como desprezar as contribuições de Dworkin para a ciência do direito,
para os direitos fundamentais e para o Estado Democrático de Direito,
principalmente quando o tema de estudo em destaque, o precedente judicial, é parte
essencial do sistema jurídico do common law, gênese do utilitarismo formulado por
Bentham (1.748-1.832) e Stuart Mill (1.806-1.873).
A ciência do direito processual democrático deve ancorar-se simultaneamente
em bases normativas (princípios e regras) e conceituais,134 observando as garantias

131
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins
Fontes, 2.002, p. vii-viii. No original: “it is a theory about the necessary and sufficient conditions for the
truth of a proposition of law. This is the theory of legal positivism, which holds that the truth of legal
propositions consists in facts about the rules that have been adopted by specific social institutions,
and in nothing else”. DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University
Press, 1.978, p. vii.
132
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins
Fontes, 2.002, p. vii-viii. No original: “about what the law ought to be, and how the familiar legal
institutions ought to behave. This is the theory of utilitarianism, which holds that law and its institutions
should serve the general welfare, and nothing else”. DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously.
Cambridge: Harvard University Press, 1.978, p. vii.
133
DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1.978, p. vii.
48

constitucionais do devido processo constitucional e a jurisdição constitucionalizada.


No mesmo sentido, a completude e a legitimidade do direito no Estado Democrático
há que observar os mesmos fundamentos para o processo legislativo e para o
processo administrativo.
Ressalta-se que o direito não se confunde com a moral, apesar de se
complementarem, o primeiro não é um subconjunto da segunda, conforme elucida
Chamon Junior:
enquanto a Moral se cristaliza em uma forma de saber cultural, enquanto
sistema simbólico, o Direito, uma vez que sistema de ação, é capaz de
cobrar obrigatoriedade de suas normas em um plano institucional. Ou seja,
[...], o Direito supera os déficits funcionais que o sistema da Moral
135
apresenta.

A base normativa do direito se constrói sobre a política geral e sobre a


filosofia moral, as quais, por sua vez, dependem de teorias filosóficas sobre a
natureza humana ou sobre a objetividade da moral.136 Há que se entender que, no
campo da formação e da produção do direito, as normas sofrem decisivas
influências políticas e morais,137 além de outros valores, inclusive, e infelizmente, os

134
Em conformidade com Dworkin, em relação às bases normativa e conceitual: “A general theory of
law must be normative as well as conceptual. The normative theory will be embedded in a more
general political and moral philosophy which may in turn depend upon philosophical theories about
human nature or the objectivity of morality. The conceptual part will draw upon the philosophy of
language and therefore upon logic and metaphysics”. Em tradução livre: “Uma teoria geral do direito
deve ser normativa bem como conceitual. A teoria normativa será construída sobre uma política e
filosofia moral mais abrangentes, que por sua vez, dependem de teorias filosóficas sobre a natureza
humana ou sobre a objetividade da moral. A parte conceitual projeta-se sobre a filosofia da linguagem
e portanto sobre a lógica e a metafísica”. DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge:
Harvard University Press, 1.978, p. vii-ix.
135
CHAMON JUNIOR, Lúcio Antônio. Teoria da argumentação jurídica. Rio de Janeiro: Lumen
Juris Editora, 2.009, p. 82.
136
Neste sentido Dworkin: “The normative theory will be embedded in a more general political and
moral philosophy which may in turn depend upon philosophical theories about human nature or the
objectivity of morality. The conceptual part will draw upon the philosophy of language and therefore
upon logic and metaphysics [...]. Bentham was the last philosopher in the Anglo-American stream to
offer a theory of law that is general in the way just described. One may find in his work a conceptual
part and a normative part of a general theory of law, and one may find, within the latter, distinct
theories of legitimacy, legislative justice, jurisdiction and controversy, all suitably related under a
political and moral theory of utilitarianism and a more general metaphysical theory of empiricism”. Em
tradução livre: “A teoria normativa incorpora uma política geral e uma filosofia moral mais
abrangentes, as quais, por sua vez, podem depender de teorias filosóficas sobre a natureza humana
ou a objetividade moral. A parte conceitual projeta-se a partir da filosofia da linguagem e, portanto, da
lógica e da metafísica. [...]. Bentham foi o último filósofo na corrente anglo-americana a oferecer uma
teoria do direito que é geral na forma acima descrita. Pode-se encontrar em sua obra uma parte
conceitual e uma parte normativa de uma teoria geral do direito, e pode encontrar-se, na última [parte
normativa], teorias distintas da legitimidade, da justiça legislativa, da jurisdição e da controvérsia,
todas devidamente relacionadas com uma teoria política e moral do utilitarismo e uma teoria
metafísica mais geral do empirismo”. DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge:
Harvard University Press, 1.978, p. VIII-IX.
137
Neste sentido, Dworkin: “The legislator may very often concern himself only with issues of
background morality or policy in deciding how to cast his vote on some issue. He need not show that
49

imorais, quando, em qualquer hipótese, a produção normativa deveria pautar-se pelo


processo legislativo democrático. No mesmo sentido, se manifesta Chamon Júnior a
respeito dos discursos de justificação e de aplicação:
Se no processo legislativo, argumentos referidos a valores (axiológicos),
argumentos morais (referidos à justiça) e argumentos pragmatistas
(referidos a uma concepção a tomar em conta os meios adequados para
realização de determinados fins) podem assumir de maneira determinante a
força de argumentos capazes de determinar a decisão legislativa, por outro
lado, em um processo jurisdicional tão-somente argumentos jurídicos
podem cobrar força em uma decisão, uma vez que estamos nos referindo a
um discurso de aplicação normativa e não a um discurso de criação, ou
138
justificação de normas.

Sob ponto de vista semelhante, a dicotomizarem os discursos de justificação


e de aplicação, se expressam Marcelo de Oliveira Cattoni e Flávio Quinaud Pedron:
Os discursos de justificação jurídico-normativa se referem à validade das
normas, e se desenvolvem com o aporte de razões e formas de
argumentação de um amplo espectro (morais, éticas e pragmáticas),
através das condições de institucionalização de um processo legislativo
estruturado constitucionalmente, à luz do princípio democrático assim
caracterizado. [...]. Já discursos de aplicação se referem à adequabilidade
de normas válidas a um caso concreto, nos termos do princípio da
adequabilidade, sempre pressupondo um "pano de fundo de visões
paradigmáticas seletivas”, a serem argumentativamente problematizadas: “o
critério formal da adequabilidade só pode ser a coerência da norma com
todas as outras e com as variantes semânticas aplicáveis na situação”. [...].
O direito, ao contrário do que defende uma jurisprudência dos valores,
possui um código binário, e não um código gradual: que normas possam
refletir valores, no sentido de que a justificação jurídico-normativa envolve
questões não apenas acerca de o que é justo para todos (morais) mas
também acerca de o que é bom, no todo e a longo prazo, para nós (éticas),
não quer dizer que elas sejam ou devam ser tratadas como valores (grifos
139
no original).

his vote is consistent with the votes of his colleagues in the legislature, or with those of past
legislatures”. Em tradução livre: “O legislador pode, muitas vezes, preocupar-se apenas com questões
fundamentais de moralidade ou de política ao decidir a forma de exercer o seu voto em alguma
questão . Ele não precisa mostrar que seu voto é consistente com os votos de seus colegas do
legislativo, ou com os de legislaturas anteriores” (grifos acrescidos). DWORKIN, Ronald. Taking
Rights seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1.978, p. 112.
138
CHAMON JUNIOR, Lúcio Antônio. Teoria da argumentação jurídica. Rio de Janeiro: Lumen
Juris Editora, 2.009, p. 181.
139
CATTONI DE OLIVEIRA, M. A.; QUINAUD PEDRON, F. B. O que é uma decisão judicial
fundamentada? Reflexões para uma perspectiva democrática do exercício da jurisdição no contexto
da reforma do processo civil. In: Reforma do processo civil: perspectivas constitucionais. Belo
Horizonte: Fórum, 2.010, p.119-149. Na obra referenciada, os autores se apoiam expressamente em
Habermas para firmar o entendimento a respeito do discurso de justificação. Veja-se no próprio
Habermas: “The impartial application of a norm closes the gap that normally had to remain open in the
norm's impartial justification because of the unforeseeability of future situations. Discourses of
application concern not the norm's validity but its appropriate reference to a situation. Because each
norm selects only specific features of an individual case situated in the lifeworld, the application
discourse must determine which descriptions of the facts are significant and exhaustive for interpreting
the situation in a disputed case; it must also determine which of the prima facie valid norms is the
appropriate one once all the significant features of the situation have been apprehended as fully as
possible”. Em tradução livre: “A aplicação imparcial de uma norma fecha a lacuna que normalmente
teve que permanecer aberta na justificação imparcial da norma por causa da imprevisibilidade das
50

Como consequência do afirmado, na aplicação das normas, no caso concreto,


é antidemocrático e lamentável que a autoridade jurisdicional, na fundamentação
das decisões se ampare em componentes morais, subjetivos, arbitrários,
discricionários e em argumentos políticos.
A base conceitual do Estado Democrático de Direito não se coaduna com o
positivismo jurídico, nem de Bentham, nem o atualizado de Hart (1.907-1.992), que
indevidamente concebe o direito como produto de decisões não participadas,140
assim como os direitos serem determinados apenas por um rol de normas explícitas
de um ordenamento jurídico.141 A parte conceitual é construída pela filosofia da
linguagem, espécie da filosofia analítica, pela lógica e pela argumentação.142
Os direitos e as garantias constitucionais são prerrogativas que os indivíduos
obtiveram em confrontos políticos durante um longo período histórico e não resultam
da dádiva do poder,143 ou da oferta mítica dos deuses.144 Da mesma forma, não é

situações futuras. Discursos de aplicação não se preocupam com a validade da norma, mas com a
sua referência adequada para a situação. Uma vez que cada norma seleciona apenas aspectos
específicos de cada caso situado no mundo da vida, o discurso de aplicação deve determinar quais
descrições dos fatos são significativos e exaustivos para interpretar a situação de um caso em
disputa; ele também deve determinar quais normas prima facie válidas são as mais adequadas, uma
vez todos os aspectos significativos da situação tenham sido apreendidos, tanto quanto possível”.
HABERMAS, Jürgen, Between facts and norms. Contributions to a discourse theory of law and
democracy. Trasl. William Rehg. New Baskerville: MIT Press, 1.996, p. 217, 218.
140
“The ruling theory is also criticized because it is rationalistic. It teaches, in its conceptual part, that
law is the product of deliberate and purposeful decision by men and women planning, through such
decisions, to change the community through general obedience to the rules their decisions create”.
Em tradução livre: “A teoria dominante é também criticada por ser racionalista. Ensina, em sua parte
conceitual, que o direito é o produto de decisões deliberadas e intencionais de homens e mulheres
que planejam, por meio de tais decisões, modificar a comunidade através da obediência geral às
regras que as decisões criam”. DWORKIN, Ronald. Taking Rights seriously. Cambridge: Harvard
University Press, 1.978, p. x.
141
“Legal positivism rejects the idea that legal rights can pre-exist any form of legislation; it rejects the
idea, that is, that individuals or groups can have rights in adjudication other than the rights explicitly
provided in the collection of explicit rules that compose the whole of a community’s law”. Em tradução
livre: “O positivismo jurídico rejeita a ideia de que os direitos jurídicos podem preexistir a qualquer
forma de legislação, ele rejeita a ideia de que os indivíduos ou grupos podem ter direitos a uma
decisão para além dos direitos expressamente previstos na coleção de regras explícitas que
compõem o ordenamento jurídico de uma comunidade”. DWORKIN, Ronald. Taking Rights
seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1.978, p. xi.
142
Na concepção que Dworkin trabalha: “The conceptual part will draw upon the philosophy of
language and therefore upon logic and metaphysics”. Em tradução livre: “A parte conceitual irá se
projetar sobre a filosofia da linguagem e, portanto, na lógica e metafísica”. DWORKIN, Ronald.
Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1.978, p. x.
143
Sobre uma breve noção de poder: “[...] em sentido especificamente social, ou seja, na sua relação
com a vida do homem em sociedade, o Poder torna-se mais preciso, e seu espaço conceitual pode ir
desde a capacidade geral de agir, até à capacidade do homem em determinar o comportamento do
homem: Poder do homem sobre o homem. O homem é não só o sujeito mas também o objeto do
Poder social”. BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; GIANFRANCO, Pasquino. Dicionário de
política. Trad. Carmen C, Varriale et al. 11ª. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1.998, vol.
I, p. 933.
51

crível que os órgãos julgadores também recebam orientações de divindades para


exercerem as suas atribuições, como alguns, e não são poucos, creem e praticam. A
toga não pode ser mais um símbolo sobre o qual o homem ainda se ilude, se
protege, oprime e pratica arbitrariedades, em muitas situações acatadas,
respeitosamente, por uma categoria muitas vezes subserviente.145
O positivismo jurídico defende que os indivíduos só são titulares de direitos
quando estes foram formatados por decisões políticas ou práticas sociais
expressas.146 Este ponto de vista é incompatível com o Estado Democrático de
Direito, no qual os direitos são aplicados a partir do processo e de decisões judiciais

144
No mesmo sentido o entendimento de Dworkin: “But the idea of individual rights that [...] not
presuppose any ghostly forms; that idea is, in fact, of no different metaphysical character from the
main ideas of the ruling theory itself [positivism]”. Em tradução livre: “Mas a ideia de direitos
individuais [...] não pressupõe nenhuma forma fantasmal; a ideia é que, de fato, não há característica
metafísica distinta das principais ideias da teoria dominante [positivismo]”. DWORKIN, Ronald.
Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1.978, p. xi.
145
Lenio Streck, no mesmo sentido do adotado pelo texto, explica: “Afinal, o Direito compõe-se de
uma estrutura discursiva, composta de doutrina e jurisprudência, a partir da qual é possível sempre
fazer uma reconstrução da história institucional, extraindo daí aquilo que chamo de DNA do Direito (e
do caso). Isso quer dizer que sentença não vem de sentire; sentença não é uma escolha do juiz;
sentença é decisão (de-cisão). Há uma responsabilidade política dos juízes e tribunais, representada
pelo dever (has a duty) de accountability (hermenêutica) em obediência ao artigo 93, inciso IX, da CF.
Portanto, a sentença ou acórdão não deve ser, em uma democracia, produto da vontade individual,
do sentimento pessoal do decisor” (grifos acrescidos). STRECK, Lenio Luiz. Quanto vale o narcisismo
judicial? Um centavo? Revista Conjur. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-mai-17/senso-
incomum-quanto-vale-narcisismo-judicial-centavo?pagina=3>. Acesso em: 18/01/2.014. Outro
exemplo indicativo: “Não me importa o que pensam os doutrinadores. Enquanto for Ministro do
Superior Tribunal de Justiça, assumo a autoridade da minha jurisdição. O pensamento daqueles que
não são Ministros deste Tribunal importa como orientação. A eles, porém, não me submeto. Interessa
conhecer a doutrina de Barbosa Moreira ou Athos Carneiro. Decido, porém, conforme minha
consciência. Precisamos estabelecer nossa autonomia intelectual, para que este Tribunal seja
respeitado. É preciso consolidar o entendimento de que os Srs. Ministros Francisco Peçanha Martins
e Humberto Gomes de Barros decidem assim, porque pensam assim. E o STJ decide assim, porque
a maioria de seus integrantes pensa como esses Ministros. Esse é o pensamento do Superior
Tribunal de Justiça, e a doutrina que se amolde a ele. É fundamental expressarmos o que somos.
Ninguém nos dá lições. Não somos aprendizes de ninguém. Quando viemos para este Tribunal,
corajosamente assumimos a declaração de que temos notável saber jurídico - uma imposição da
Constituição Federal. Pode não ser verdade. Em relação a mim, certamente, não é, mas, para efeitos
constitucionais, minha investidura obriga-me a pensar que assim seja” (grifos acrescidos). Voto do
Min. Humberto Gomes de Barros, no julgamento do Agravo Regimental nos Embargos de Divergência
em Recurso Especial nº 279889, realizado em 14/08/2.002. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça.
Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/processo/revistaeletronica/inteiroteor?num_registro=200101540593&data=28/1
0/2003>. Acesso em: 10/02/2.014.
146
Dworkin explicita a sua concepção (neste ponto, em resumo) do positivismo jurídico, quando
afirma: “Legal positivism, in this vocabulary, is the theory that individuals have legal rights only insofar
as these have been created by explicit political decisions or explicit social practice”. Em tradução livre:
“Positivismo jurídico, neste vocabulário, é a teoria segundo a qual os indivíduos somente têm direitos
jurídicos na medida em que estes foram criados por decisões políticas explícitas ou práticas sociais
explícitas”. DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University Press,
1.978, p. xii.
52

construídos participadamente,147 e na ausência de normas expressas ou em casos


difíceis, os princípios constitucionais compõem a base normativa para a solução do
conflito.
Os argumentos de princípio e os de política da teoria de Dworkin são, por sua
vez, plenamente compatíveis com o Estado Democrático de Direito, contando que a
aplicação de cada um constitua a base dialógica das respectivas funções estatais.148
Isto quer dizer que, no exercício das funções legislativas, os argumentos de política
são legítimos para o processo legislativo e a partir deles é que se constroem as
normas do direito. Por outro lado, os argumentos de princípio são indispensáveis na
construção do processo jurisdicional de caráter democrático, no qual o processo e as
decisões são delineados comparticipadamente. Não seria legítimo construir o
processo jurisdicional a partir de argumentos de política, pois a adoção de valores
subjetivos, componentes morais e pressões políticas, resultaria em um processo
arbitrário e corrompido.
A respeito do que sejam argumentos de princípios e argumentos de política,
Dworkin faz o seguinte esclarecimento:
Argumentos de princípio são argumentos destinados a estabelecer um
direito individual; argumentos de política são argumentos destinados a
estabelecer um objetivo coletivo. Princípios são proposições que descrevem
direitos; políticas são proposições que descrevem objetivos. Mas o que são
os direitos e objetivos, e qual é a diferença? É difícil fornecer qualquer
definição que não incorra em petição de princípio. Parece natural dizer, por
exemplo, que a liberdade de expressão é um direito, não um objetivo,
porque os cidadãos têm direito à liberdade por uma questão de moralidade
política, e que o aumento na produção de armamento é um objetivo, não um

147
Em sentido contrário: “Valoração da prova é a avaliação da capacidade de convencer, de que
sejam dotados os elementos de prova contidos no processo. No direito atual essa valoração é feita
preponderantemente pelo juiz, a quem poucos e específicos parâmetros são impostos pela lei; o juiz
aprecia os elementos probatórios, menos considerando aprioristicamente as fontes ou meios de prova
como categorias abstratas (prova testemunhal, prova documental, prova pericial) e mais sob
influência que cada prova efetivamente produzida possa exercer sobre seu espírito crítico. Existe
notoriamente uma graduação do poder de convicção segundo as fontes utilizadas, mas ela não é
ditada pela lei, não é de observância obrigatória para o juiz e sequer se impõe de modo constante ou
regular em todos os casos. Esses critérios são preponderantemente subjetivos e correspondem aos
juízos ordinariamente feitos pelos próprios juízes e tribunais” (grifos acrescidos). DINAMARCO,
Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 3ª. ed. São Paulo: Malheiros Editores,
2.003, p. 103.
148
No mesmo sentido, Dworkin: “[...] provides a normative theory of adjudication, which emphasizes
the distinction between arguments of principle and policy, and defends the claim that judicial decisions
based on arguments of principle are compatable with democratic principles”. Em tradução livre: “[...]
oferta uma teoria normativa da decisão judicial, a qual enfatiza a distinção entre argumentos de
princípio e de política, e defende a tese de que as decisões judiciais com base em argumentos de
princípio são compatíveis com os princípios democráticos”. DWORKIN, Ronald. Taking rights
seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1.978, p. xii.
53

direito, porque contribui para o bem-estar coletivo, mas nenhum fabricante


149
em particular tem direito a um contrato com o governo (tradução livre).

Argumentos de princípio se referem, pois, a direitos e se prestam a


subsidiarem decisões jurisdicionais para a solução de conflitos.
Argumentos de política, por outro lado, são diretrizes políticas que defendem
o estabelecimento de objetivos que intencionam melhorias econômica, política ou
social para uma parcela, majoritária ou minoritária, da comunidade. Dworkin explica
o que seja um objetivo político:
Eu inicio com a noção de um objetivo político, como uma justificação política
genérica. A teoria política leva em consideração um certo estado de coisas
como um objetivo político. Para essa teoria, conta a favor qualquer decisão
política para que ela seja alcançada, ou para proteger determinado estado
de coisas, e desfavoravelmente a decisão que irá retardar ou colocar em
perigo tal estado. O direito político é um objetivo político individualizado
150
(tradução livre).

A partir da diferenciação entre argumentos de política e argumentos de


princípio, é possível concluir que os órgãos julgadores não estão legitimados
constitucionalmente a fundamentarem as suas decisões nos primeiros e ao fazerem
afrontam as atribuições do parlamento. Ocorre que este comportamento é usual no
exercício da jurisdição, o que será a seguir exemplificado. Trata-se da utilização
conjunta da discricionariedade e de argumentos de política na fundamentação da
decisão.
No case McLoughlin v. O'Brian K.,151 o cônjuge e três filhos da demandante
envolveram-se em um grave acidente de trânsito, no qual o veículo em que estavam
foi atingido por um caminhão, provocado por negligência do motorista deste, réu na
demanda. Uma das crianças morreu no acidente. Uma ambulância transportou as

149
No original: “Arguments of principle are arguments intended to establish an individual right;
arguments of policy are arguments intended to establish a collective goal. Principles are propositions
that describe rights; policies are propositions that describe goals. But what are rights and goals and
what is the difference? It is hard to supply any definition that does not beg the question. It seems
natural to say, for example, that freedom of speech is a right, not a goal, because citizens are entitled
to that freedom as a matter of political morality, and that increased munitions manufacture is a goal,
not a right, because it contributes to collective welfare, but no particular manufacturer is entitled to a
government contract”. DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University
Press, 1.978, p. 90.
150
No original: “I begin with the idea of a political aim as a generic political justification. A political
theory takes a certain state of affairs as a political aim if, for that theory, it counts in favor of any
political decision that the decision is likely to advance, or to protect, that state of affairs, and counts
against the decision that it will retard or endanger it. A political right is an individuated political aim”.
DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1.978, p. 90.
151
ENGLAND. House of Lords. McLoughlin v O’Brian [1.983] 1 AC 410, 429. Disponível em:
<http://www.pierre-legrand.com/mcloughlin-v-obrian.pdf>. Acesso em: 20/01/2.015. DWORKIN,
Ronald. Law's empire. Cambridge: Harvard University Press, 1.986, p. 23, 24.
54

vítimas para o hospital. A demandante, informada do acidente, se deslocou


imediatamente para o hospital, onde ficou sabendo da morte da filha mais jovem,
bem como, presenciou o sofrimento dos outros membros da família, antes que eles
fossem medicados. No processo, a demandante alega, em razão do anúncio da
morte de sua filha e do cenário de sofrimento de seus familiares que presenciou no
hospital, choque emocional grave, depressão e mudança de personalidade. A
demandante pediu indenização pelo prejuízo psiquiátrico que sofreu. O juiz de
primeira instância indeferiu o pedido da demandante, fundamentando a sua decisão
em divergência fática com o precedente que poderia assemelhar-se ao caso. Até
aquele momento, a jurisprudência somente havia reconhecido indenização por
danos emocionais às pessoas que estavam presentes nas cenas dos acidentes ou
próximas a estes. A demandante interpôs recurso à Court of Appeal. Debateu-se no
tribunal se os precedentes referenciados pela parte autora e pelo juiz de primeira
instância deveriam ser aplicados ao caso da ora recorrente. Discutiu-se, também, se
o dano psicológico era razoavelmente previsível ou não. A Court of Appeal indeferiu
o pedido da recorrente, com fundamentos diversos daqueles presentes na decisão
do juiz de primeira instância. O tribunal argumentou que havia importantes
circunstâncias políticas, a serem consideradas, na medida em que a procedência do
pedido se tornaria um precedente a provocar uma avalanche de novas demandas. A
demandante interpôs recurso à House of Lords que por unanimidade deu provimento
ao recurso.152
A partir do relato do case McLoughlin v. O'Brian K., verifica-se que o tribunal
utilizou a discricionariedade ao aplicar um argumento de política, desconsiderando
as argumentações das partes. Mas não é só, o tribunal poderia, da mesma forma
que utilizou argumentos de política, aplicar, equivocadamente, a discricionariedade
para afastar ou aproximar o caso sub judice aos precedentes citados, sob outra
fundamentação. Por esta razão, faz-se necessário que, no processo democrático,
para afastar a discricionariedade, a fundamentação, consectária das argumentações
apresentadas pelos interessados, demonstre as razões pelas quais os argumentos
são suficientes e necessários para o acolhimento ou não do pedido do demandante,

152
ENGLAND. House of Lords. McLoughlin v O’Brian [1.983] 1 AC 410, 429. Disponível em:
<http://e-lawresources.co.uk/cases/McLoughlin-v-O-Brian.php>. Acesso em: 12/11/2.014. CROSS,
Rupert; HARRIS, J. W. Precedent in english law. 4ª. ed. reimpr. New York: Oxford University Press,
2.004, p. 218.
55

como expressamente destaca o novo Código de Processo Civil, em seu art. 486,
§1º, IV.
De certa forma, juízes que se apoiam em argumentos de política, para
decidirem casos concretos, terminam por criarem direitos e, neste sentido há duas
objeções a esta fictícia legitimidade. A primeira se refere ao comprometimento da
função legislativa. Quando juízes se arvoram em criar direitos, ocorre uma
transgressão à legitimidade do parlamento, cujo corpo é composto de cidadãos
eleitos por seus representantes. Juízes, em regra, não são eleitos e não detém
qualquer compromisso com o eleitorado, e não lhes compete a função originária de
criar o direito.
Dworkin, neste sentido, afirma que:
As decisões políticas devem, portanto, ser elaboradas por meio da operação
de algum processo político, destinado a produzir uma expressão exata dos
diferentes interesses que devem ser levados em conta. O sistema político
da democracia representativa pode trabalhar apenas indiferentemente a
este respeito, mas funciona melhor do que um sistema que permite que os
juízes não eleitos, que não têm interação com os eleitores, lobistas ou
grupos de pressão, possam comprometer interesses conflitantes em seus
153
gabinetes (tradução livre).

A segunda objeção diz respeito à questão da retroatividade da lei, que


representa um fator de insegurança jurídica para a sociedade. A possibilidade de
criar o direito por decisão judicial se dá post factum, sempre em momento posterior
ao que ocorreu o conflito, que surgiu a partir de um ou vários fatos sociais. Ao criar o
direito, por meio de decisão, posterior ao conflito, o juiz estará retroagindo a norma
ilegitimamente instituída por ele, no tempo presente (da decisão), para aplicá-la a um
fato ocorrido no passado e com isto ofenderá o princípio da irretroatividade da
norma, tão caro à segurança dos cidadãos.154 Esta situação se torna ainda mais
grave quando a decisão é fruto de um comportamento solipsista do juiz.

153
No original: “Policy decisions must therefore be made through the operation of some political
process designed to produce an accurate expression of the different interests that should be taken
into account. The political system of representative democracy may work only indifferently in this
respect, but it works better than a system that allows nonelected judges, who have no mail bag or
lobbyists or pressure groups, to compromise competing interests in their chambers”. DWORKIN,
Ronald. Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1.978, p. 85.
154
A crítica de Dworkin: “The familiar story, that adjudication must be subordinated to legislation, is
supported by two objections to judicial originality. The first argues that a community should be
governed by men and women who are elected by and responsible to the majority. Since judges are,
for the most part, not elected, and since they are not, in practice, responsible to the electorate in the
way legislators are, it seems to compromise that proposition when judges make law. The second
argues that if a judge makes new law and applies it retroactively in the case before him, then the
losing party will be punished, not because he violated some duty he had, but rather a new duty
created after the event. These two arguments combine to support the traditional ideal that adjudication
56

Sobre esta segunda objeção, Dworkin se manifesta:


[...] é também convincente, inclusive, quando utilizada por uma decisão
gerada pela política. Todos nós concordamos que seria errado sacrificar os
direitos de um homem inocente em nome de algum novo direito criado após
155
o fato, [...] (tradução livre).

Considerando corretas essas objeções, não é aceitável, em ordenamentos


jurídicos que se fundamentam no princípio da legalidade, adotar a teoria jurídica que
permite a criação do direito a partir do precedente, uma vez que esta técnica irá se
confrontar com uma dessas duas objeções, quando não das duas. Conclui-se,
portanto, que, no Estado Democrático de Direito, ilegítima é a criação do direito pelo
precedente, ressaltando-se que a sua função não é criar direitos e sim aumentar a
estabilidade e coerência156 do sistema jurídico, observando e aplicando o direito
criado por seu legítimo titular, ou seja, os representantes do povo.
O primeiro fundamento, que permite afastar a aplicação de argumentos de
política em casos concretos, ao optar pela implementação de argumentos de
princípios, pode ser assim defendido:
[...], uma vez que um argumento de princípio nem sempre se apoia em
pressupostos sobre a natureza e intensidade das diferentes demandas e
preocupações distribuídas por toda a comunidade. Pelo contrário, um
argumento de princípio se fixa em algum interesse apresentado pelo
proponente do direito, descrito por ele, um interesse alegado de tal caráter

should be as unoriginal as possible. But they offer much more powerful objections to judicial decisions
generated by policy than to those generated by principle. The first objection, that law should be made
by elected and responsible officials, seems unexceptionable when we think of law as policy; that is, as
a compromise among individual goals and purposes in search of the welfare of the community as a
whole”. Em tradução livre: “A tradicional história de que a decisão judicial deve ser subordinada à
legislação está baseada em duas objeções frente à originalidade judicial [criação do direito pelo juiz].
A primeira objeção argumenta que a comunidade deve ser governada por homens e mulheres eleitos
pela maioria e responsáveis perante ela. Desde que juízes não são, em sua maior parte, eleitos e
desde que eles não são, na prática, responsáveis perante o eleitorado, da mesma forma que os
legisladores, essa situação parece comprometer a proposição de juizes criarem o direito. A segunda
objeção argumenta que se os juízes criam um direito novo e o aplicam retroativamente aos casos que
lhes são apresentados, então a parte que perdeu será punida não porque violou algum dever, mas
em razão de um dever criado pelo juiz, após o fato. Esses dois argumentos combinam para dar
fundamento ao ideal tradicional de que a decisão judicial deve ser a menos original possível [o juiz
deve evitar criar o direito]. Mas estes argumentos oferecem objeções mais poderosas para decisões
geradas por políticas do que aquelas geradas por princípios. A primeira objeção, de que o direito
deve ser criado pelos eleitos e responsáveis, parece inatacável quando pensamos o direito como
política; isto é, como compromisso entre objetivos individuais e propósitos na procura do bem-estar
da comunidade como um todo”. DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge: Harvard
University Press, 1.978, p. 84.
155
No original: “[...] is also persuasive against a decision generated by policy. We all agree that it
would be wrong to sacrifice the rights of an innocent man in the name of some new duty created after
the event; [...]”. DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University Press,
1.978, p. 85.
156
Critério pelo qual os casos semelhantes são decididos da mesma maneira. DWORKIN, Ronald. O
império do direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1.999, p. 263.
57

que torna irrelevante as discriminações de qualquer argumento de política


157
que ela possa se opor (tradução livre).

O segundo fundamento, para validar o argumento de princípio e evitar o de


política na solução de conflitos levados à jurisdição, está em que,
Se o requerente tem um direito contra o réu, como consequência, o réu tem
um dever correspondente, e é este dever, não algum novo dever criado pelo
tribunal, que justifica a decisão contra ele. Mesmo que o dever não tenha
sido imposto sobre ele [o réu] por uma explícita legislação prévia, não há,
exceto por uma diferença, mais injustiça na imposição desse dever do que
se tivesse sido imposto explicitamente. A diferença está, de certo modo, em
que, se o dever tivesse sido criado por lei, o réu teria sido informado mais
explicitamente do dever, e seria razoável que tivesse organizado os seus
negócios de forma a prever as consequências do descumprimento do dever.
Mas, um argumento de princípio que nos faz olhar para a alegação do réu, é
158
que é injusto surpreendê-lo, em uma nova situação (tradução livre).

Desta forma, é possível afirmar que a legitimidade das decisões jurisdicionais


no processo constitucional de caráter democrático se ampara em bases normativas
e conceituais, onde não há espaço para a inserção de argumentos de política.

3.2. O processo constitucional e o poder discricionário do órgão julgador

O processo não é o locus apropriado para o exercício da discricionariedade,


termo afeto à teoria positivista,159 que autoriza o órgão julgador a decidir, a partir do
exercício do seu suposto poder discricionário,160 no caso de não haver uma regra
preexistente.

157
No original: “[...], because an argument of principle does not often rest on assumptions about the
nature and intensity of the different demands and concerns distributed throughout the community. On
the contrary, an argument of principle fixes on some interest presented by the proponent of the right it
describes, an interest alleged to be of such a character as to make irrelevant the fine discriminations
of any argument of policy that might oppose it”. DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously.
Cambridge: Harvard University Press, 1.978, p. 85.
158
No original: “If the plaintiff has a right against the defendant, then the defendant has a
corresponding duty, and it is that duty, not some new duty created in court, that justifies the award
against him. Even if the duty has not been imposed upon him by explicit prior legislation, there is, but
for one difference, no more injustice in enforcing the duty than if it had been. The difference is, of
course, that if the duty had been created by statute the defendant would have been put on much more
explicit notice of that duty, and might more reasonably have been expected to arrange his affairs so as
to provide for its consequences. But an argument of principle makes us look upon the defendant’s
claim, that it is unjust to take him by surprise, in a new light”. DWORKIN, Ronald. Taking rights
seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1.978, p. 85-86.
159
DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1.978, p. 31.
160
“We may now return, with these observations in hand, to the positivists’ doctrine of judicial
discretion. That doctrine argues that if a case is not controlled by an established rule, the judge must
decide it by exercising discretion”. Em tradução livre: “Podemos agora retornar, com essas
observações na mão, para a doutrina positivista da discricionariedade judicial. Essa doutrina
argumenta que, se um caso não é controlado por uma regra estabelecida, o juiz deve decidi-lo pelo
58

A discricionariedade se vincula a padrões estabelecidos por uma autoridade,


para atos a serem praticados em determinada situação, oportunizando-lhe a melhor
escolha,161 o que demonstra alguma abertura subjetiva para o decisor. O modelo
democrático de Estado de Direito, ao se fundamentar na efetiva participação das
partes na construção do processo, afasta de per si a discricionariedade do órgão
julgador.
Indo além, há uma corrente do positivismo que defende o poder discricionário
do órgão julgador independentemente da preexistência ou não da regra, afirmando
serem os juízes a autoridade a proferir a última palavra em relação à “lei”.162
Ao analisar este entendimento, constata-se uma forte contradição, pois se os
juízes e tribunais pudessem modificar a qualquer momento as regras, estas não
seriam obrigatórias para eles, o que contraria o próprio positivismo. Assim, mesmo o
poder discricionário dos juízes se encontra limitado por regras, que determinam
quando o órgão julgador pode ou não alterar uma regra preestabelecida.163

exercício da discricionariedade”. DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge: Harvard


University Press, 1.978, p. 33.
161
Dworkin se expressa a respeito da discricionariedade, afirmando que: “The concept of discretion is
at home in only one sort of context; when someone is in general charged with making decisions
subject to standards set by a particular authority. [...]. Discretion, [...], does not exist except as an area
left open by a surrounding belt of restriction. It is therefore a relative concept. It always makes sense
to ask, ‘Discretion under which standards?’ or ‘Discretion as to which authority?’ Generally the context
will make the answer to this plain, but in some cases the official may have discretion from one stand-
point though not from another”. Em tradução livre: “O conceito de discricionariedade está presente em
apenas um tipo de contexto, quando alguém é encarregado de, em geral, tomar decisões a partir de
padrões estabelecidos por uma determinada autoridade. [...]. Discricionariedade, [...], não existe a não
ser como uma área aberta delimitada por um círculo de restrições. Discricionariedade, portanto, é um
conceito relativo. Sempre faz sentido questionar: ‘discricionariedade sob quais padrões?’ ou
‘discricionariedade a respeito de qual autoridade?’ Geralmente, o contexto dará a resposta a esta
simples, mas, em alguns casos, a autoridade pode ter discricionariedade em razão de um ponto de
vista, embora de outro não”. DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge: Harvard
University Press, 1.978, p. 31.
162
“Some nominalists argue that judges always have discretion, even when a clear rule is in point,
because judges are ultimately the final arbiters of the law”. Em tradução livre: “Alguns nominalistas
argumentam que os juízes sempre têm discricionariedade, mesmo quando uma regra é, no ponto,
clara, porque os juízes são em última análise, os árbitros finais da lei”. DWORKIN, Ronald. Taking
rights seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1.978, p. 33.
163
“In most American jurisdictions, and now in England also, the higher courts not infrequently reject
established rules. Common law rules - those developed by earlier court decisions - are sometimes
overruled directly, and sometimes radically altered by further development. Statutory rules are
subjected to interpretation and reinterpretation, sometimes even when the result is not to carry out
what is called the ‘legislative intent’. If courts had discretion to change established rules, then these
rules would of course not be binding upon them, and so would not be law on the positivists’ model.
The positivist must therefore argue that there are standards, themselves binding upon judges, that
determine when a judge may overrule or alter an established rule, and when he may not”. Em
tradução livre: “Na maioria das jurisdições americanas e, agora, também na Inglaterra, os tribunais
superiores não raramente rejeitam as regras estabelecidas. Regras do common law - aquelas
desenvolvidas por decisões judiciais anteriores - algumas vezes são revogadas, e outras vezes são
radicalmente alteradas por formulações posteriores. As regras formuladas pelo parlamento estão
59

Em sistemas jurídicos mais estáveis, como, por exemplo, o ordenamento


jurídico norte-americano e o inglês, os juízes não têm ampla liberdade para
alterarem, ao seu livre entendimento, a interpretação de uma regra ou de um
precedente, sob pena de reduzir a eficiência do sistema, uma vez que a instabilidade
e a incoerência na interpretação normativa levam-no à sua deterioração. Os juízes
estão obrigados a respeitar a supremacia do legislativo e também os precedentes
dos tribunais, para a eficiência e consistência do sistema, ressaltando que as
alterações na interpretação das regras jurídicas devem obedecer a padrões
predeterminados.164
O positivismo jurídico, nos casos difíceis, atribui ao juiz o poder discricionário
para resolver, arbitrariamente, o conflito a favor de uma ou de outra parte, a partir da
produção de uma norma retroativa para o caso, o que, em tese, viola o princípio da
segurança jurídica, por aplicar uma norma formulada posteriormente ao fato,
situação sobre a qual assevera Dworkin:
O positivismo jurídico oferta uma teoria para os casos difíceis. Quando uma
demanda específica não puder ser tratada sob uma regra clara de direito,
prevista por alguma instituição com antecedência, então o juiz tem, de
acordo com essa teoria, o “poder discricionário” para decidir o caso de uma
ou outra maneira. Sua opinião é redigida em uma linguagem que parece
supor que uma ou outra parte tinha o direito preexistente de ganhar a
demanda, mas tal ideia é apenas uma ficção. Na realidade, ele [o juiz]
legislou novos direitos, e, em seguida, aplicou-os retroativamente para a

sujeitas a interpretações e reinterpretações, por vezes, mesmo quando não resultam do que é
chamado de ‘intenção legislativa’. Se os tribunais tivessem poder discricionário para alterar as regras
estabelecidas, então essas regras não seriam vinculantes para eles e por isso não haveria direito no
modelo positivista. O positivista deve, portanto, argumentar que existem padrões que vinculam os
juízes, que determinam quando um juiz pode revogar ou alterar uma regra estabelecida, e quando ele
não pode”. DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University Press,
1.978, p. 37.
164
“Second, any judge who proposes to change existing doctrine must take account of some important
standards that argue against departures from established doctrine, and these standards are also for
the most part principles. They include the doctrine of ‘legislative supremacy’, a set of principles that
require the courts to pay a qualified deference to the acts of the legislature. They also include the
doctrine of precedent, another set of principles reflecting the equities and efficiencies of consistency.
The doctrines of legislative supremacy and precedent incline toward the status quo, each within its
sphere, but they do not command it. Judges are not free, however, to pick and choose amongst the
principles and policies that make up these doctrines - if they were, again, no rule could be said to be
binding”. Em tradução livre: “Em segundo lugar, qualquer juiz que se propõe a alterar a doutrina
existente deve levar em conta alguns padrões importantes que não apoiam desvios na doutrina
estabelecida, e esses padrões são em sua maior parte princípios. Esses padrões incluem a doutrina
da 'supremacia legislativa’, um conjunto de princípios que requer dos tribunais uma deferência
qualificada para os atos do parlamento. Os padrões também incluem a doutrina do precedente, um
outro conjunto de princípios que reflete as ações e a consistência. As doutrinas da supremacia
legislativa e do precedente inclinam em direção ao status quo, cada uma em sua esfera, mas elas
não são imperativas. Os juízes não são livres para escolher os princípios e políticas que compõem
essas doutrinas - se fossem, nenhuma regra poderia se dizer que é obrigatória”. DWORKIN, Ronald.
Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1.978, p. 37-38.
60

demanda em questão. [...]. Eu argumentei que essa teoria de julgamento é


165
totalmente inadequada (tradução livre).

Em seguida, o autor apresenta uma teoria, por meio da qual é possível ao


juiz,166 mesmo nos casos difíceis, reconhecer à parte o seu direito, sem a
inconstitucional criação de norma post factum:
[...] eu vou descrever e defender uma teoria melhor. Devo argumentar que,
mesmo quando nenhuma regra estabelecida dispõe sobre o caso, uma das
partes pode, no entanto, ter o direito de ganhar. Resta o dever do juiz,
mesmo em casos difíceis, descobrir que direitos as partes têm, e não
167
inventar novos direitos a serem aplicados retroativamente (tradução livre).

Ao descrever a possibilidade de os tribunais criarem o direito, quando se


tratar de casos difíceis, nos quais não há regra específica a ser aplicada, Dworkin
afirma que nestes casos, os tribunais agiriam como delegados do “poder” legislativo,
aplicando argumentos de política.168 Mas, após descrever esta situação, a refuta
declarando que:

165
No original: “Legal positivism provides a theory of hard cases. When a particular lawsuit cannot be
brought under a clear rule of law, laid down by some institution in advance, then the judge has,
according to that theory, a ‘discretion’ to decide the case either way. His opinion is written in language
that seems to assume that one or the other party had a pre-existing right to win the suit, but that idea
is only a fiction. In reality he has legislated new legal rights, and then applied them retrospectively to
the case at hand. [...]. I argued that this theory of adjudication is wholly inadequate”. DWORKIN,
Ronald. Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1.978, p. 81.
166
Não se negligencia a imprescindível participação da jurisdição, das partes e dos interessados na
construção do processo e da decisão.
167
No original: "[...] I shall describe and defend a better theory. I shall argue that even when no settled
rule disposes of the case, one party may nevertheless have a right to win. It remains the judge’s duty,
even in hard cases, to discover what the rights of the parties are, not to invent new rights
retrospectively". DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University Press,
1.978, p. 81.
168
“Theories of adjudication have become more sophisticated, but the most popular theories still put
judging in the shade of legislation. The main outlines of this story are familiar. Judges should apply the
law that other institutions have made; they should not make new law. That is the ideal, but for different
reasons it cannot be realized fully in practice. Statutes and common law rules are often vague and
must be interpreted before they can be applied to novel cases. Some cases, moreover, raise issues so
novel that they cannot be decided even by stretching or reinterpreting existing rules. So judges must
sometimes make new law, either covertly or explicitly. But when they do, they should act as deputy to
the appropriate legislature, enacting the law that they suppose the legislature would enact if seized of
the problem. [...]. When judges make law, so the expectation runs, they will act not only as deputy to
the legislature but as a deputy legislature. They will make law in response to evidence and arguments
of the same character as would move the superior institution if it were acting on its own”. Em tradução
livre: “Teorias da decisão judicial se tornaram mais sofisticadas, mas as teorias mais populares ainda
colocam o julgamento na sombra da legislação. Os principais contornos desta história são familiares.
Os juízes devem aplicar o direito que outras instituições criaram, eles não devem criar um direito
novo. É o ideal, mas por razões diferentes isso não pode ser realizado totalmente na prática . As leis
e as regras do common law são muitas vezes vagas e devem ser interpretadas antes de serem
aplicadas aos novos casos. Em alguns casos, por outro lado, suscitam-se questões tão novas que
não podem ser decididas pela ampliação ou reinterpretação das regras existentes. Assim, os juízes
devem, em algumas vezes, criar um direito novo, implicitamente ou explicitamente. Mas quando o
fizerem, devem agir como delegados do legislativo, promulgando o direito que eles supõem que o
61

No entanto, proponho a tese de que as decisões judiciais em matéria civil,


mesmo em casos difíceis, como Spartan Steel, caracteristicamente são e
devem ser gerados por [argumentos de] princípios, não por [argumentos de]
169
política (tradução livre).

Dworkin denuncia um procedimento prejudicial ao Estado Democrático de


Direito, que ocorre no sistema americano e com frequência é adotado no sistema
judiciário brasileiro, com grandes chances de manter-se com a implementação dos
precedentes pelo novo Código de Processo Civil. A crítica se refere à utilização dos
argumentos de política, utilizados pelos juízes, no julgamento das demandas de
forma casuística, aplicando a cada decisão um entendimento diverso,
comprometendo a consistência e a estabilidade do sistema:
Um argumento de princípio pode ofertar uma justificativa para uma decisão
particular sob a doutrina da responsabilidade, somente se o princípio citado
mostrar-se coerente com as decisões anteriores não refutadas e com as
decisões que a instituição poderia tomar nas circunstâncias hipotéticas
[futuras]. Isso não é de surpreender, mas o argumento [de princípio] não se
manteria se os juízes baseassem as suas decisões em argumentos de
política. Eles teriam liberdade para dizer que alguma política pode ser
adequadamente sustentada para o caso em julgamento, concedendo, por
exemplo, o direito ao subsídio apenas a alguma indústria com problemas,
de modo que nem decisões anteriores, nem as decisões futuras hipotéticas
precisariam ser entendidas como sustentação da mesma política (tradução
170
livre).

O teórico esclarece que os juízes são autoridades políticas171 e como tais


estão subordinados à teoria da responsabilidade política,172 quando se comportarem
em desconformidade com as suas atribuições.

legislativo iria promulgar se estivessem diante do problema. [...]. Quando juízes criam o direito, a
expectativa é que eles vão agir não apenas como delegados do legislativo, mas como legisladores.
Eles vão criar o direito em resposta aos fatos e argumentos de mesma características que moveria a
instituição superior se o fizesse por sua iniciativa própria” (grifo acrescido). DWORKIN, Ronald.
Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1.978, p. 82.
169
No original: “I propose, nevertheless, the thesis that judicial decisions in civil cases, even in hard
cases like Spartan Steel, characteristically are and should be generated by principle not policy”.
DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1.978, p. 84.
170
No original: “An argument of principle can supply a justification for a particular decision, under the
doctrine of responsibility, only if the principle cited can be shown to be consistent with earlier decisions
not recanted, and with decisions that the institution is prepared to make in the hypothetical
circumstances. That is hardly surprising, but the argument would not hold if judges based their
decisions on arguments of policy. They would be free to say that some policy might be adequately
served by serving it in the case at bar, providing, for example, just the right subsidy to some troubled
industry, so that neither earlier decisions nor hypothetical future decisions need be understood as
serving the same policy”. DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge: Harvard
University Press, 1.978, p. 87.
171
“Judges, like all political officials, are subject to the doctrine of political responsibility”. Em tradução
livre: “Juízes como todas autoridades políticas estão sujeitas à doutrina da responsabilidade política”.
DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1.978, p. 87.
172
“This doctrine states, in its most general form, that political officials must make only such political
decisions as they can justify within a political theory that also justifies the other decisions they propose
62

O que se pode concluir é que o processo jurisdicional no Estado Democrático


de Direito não é compatível com a aplicação da discricionariedade e com a utilização
dos argumentos de política pelo órgão julgador, porque estas práticas chancelam
uma possível realização de um processo arbitrário e antidemocrático.

3.3. O precedente como componente do modelo de integridade do sistema


jurídico

Lenio Streck se manifesta, corretamente, ao afirmar que não serão apenas


reformas legislativas, novas nomenclaturas, novos institutos e deslumbramentos que
irão melhorar o sistema jurídico.173
As causas são inúmeras e complexas e não há preocupação, vontade, ou
conhecimento para corrigi-las globalmente, se é que se sabe quais ações devem ser
adotadas. Mas, não se pode negar que algo está sendo feito, ainda que seja apenas
para mascarar a realidade. Não se sabendo como solucionar os problemas, prefere
colocar-se em evidência o problema crônico do excessivo número de processos nos
tribunais. Sob uma visão míope, medidas que objetivam uma imediata redução do
estoque de processos tendem a representar uma suposta “eficiência” do judiciário,
como por exemplo, a fixação de metas numéricas, sem grandes preocupações em
relação aos direitos e garantias fundamentais.174
Os precedentes se aplicados tão somente para reduzir o estoque de
processos acumulados nos tribunais pouco ou nada contribuirão para o
desenvolvimento do processo jurisdicional e para garantia dos direitos fundamentais.
Mas, se aplicados como mecanismo contributivo da integridade do sistema,

to make. The doctrine seems innocuous in this general form; but it does, even in this form, condemn a
style of political administration that might be called, following Rawls, intuitionist”. Em tradução livre:
“Esta doutrina [teoria da responsabilidade política] afirma, em sua forma mais geral, que as
autoridades políticas somente devem tomar decisões políticas quando justificáveis sob uma teoria
política que também justifique outras decisões que se propõem a tomar. A doutrina parece inócua
nesta forma geral, mas ela, mesmo sob esta forma, condena um estilo de administração política que
poderia ser chamada, seguindo Rawls, de intucionista”. DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously.
Cambridge: Harvard University Press, 1.978, p. 87.
173
Na introdução da obra “O que é isto – o precedente judicial e as súmulas vinculantes?”, Lenio
Streck apresenta a política do “agora vai”, por meio da qual acumulam-se reformas legislativas, na
infindável esperança de aumentar, a qualquer custo, inclusive com ofensa direta aos direitos
fundamentais, o desempenho do judiciário, quase sempre focado na eficiência quantitativa. STRECK,
Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto – o precedente judicial e as súmulas vinculantes?
Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2.014, p. 13.
174
STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto – o precedente judicial e as súmulas
vinculantes? Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2.014, p. 14.
63

certamente, poderão melhorar a sua consistência e estabilidade. Porém, parece que


este papel, se entregue deliberadamente aos julgadores, consistirá, tão somente, na
formação de uma padronização de um só partido, qual seja, a dos tribunais
superiores. A consolidação deste estado em nada contribuirá para a democracia. É,
portanto, necessária a participação de todos os interessados, partes, órgãos
julgadores e teóricos, para a construção de uma teoria democrática dos
precedentes. Ao se adotar, tão somente, a transposição da configuração dos
precedentes do sistema do common law para o ordenamento jurídico brasileiro, não
há dúvida que reduzida será a contribuição ao Estado Democrático de Direito, pois,
prevalecerá o positivismo e o encarceramento da formatação dos precedentes como
propriedade dos tribunais.175
O direito, no Estado Democrático, se manifesta em reflexões e interpretações
construtivo-participadas, possibilitando que a sua aplicação seja a melhor justificativa
das práticas jurídicas.176 Nessa dimensão, se consistentemente adotados, os
precedentes passam a atuar na colaboração de um modelo de integridade.177
Os precedentes devem ser aplicados no ordenamento por meio de
argumentos de princípio, a fim de contribuírem para a integridade e estabilidade do
sistema jurídico.178
Assim, não há dúvida que a aplicação democrática dos precedentes, também,
colabora para a integridade do sistema jurídico no Estado Democrático de Direito.

175
STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto – o precedente judicial e as súmulas
vinculantes? Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2.014, p. 16.
176
DWORKIN, Ronald. Law's empire. Cambridge: Harvard University Press, 1.986, p. vi.
177
DWORKIN, Ronald. Law's empire. Cambridge: Harvard University Press, 1.986, p. 228.
178
No sentido apresentado por Dworkin: “When a judge chooses between the rule established in
precedent and some new rule thought to be fairer, he does not choose between history and justice. He
rather makes a judgment that requires some compromise between considerations that ordinarily
combine in any calculation of political right, but here compete. The rights thesis therefore provides a
more satisfactory explanation of how judges use precedent in hard cases than the explanation
provided by any theory that gives a more prominent place to policy”. Em tradução livre: “Quando um
juiz escolhe entre a regra estabelecida em um precedente e uma nova regra que considera mais
justa, ele não escolhe entre a história e a justiça. Ele, ao invés, faz um julgamento que requer alguma
conciliação entre as considerações que normalmente combinam em qualquer cálculo do direito
político, mas que aqui se competem. Assim, a tese dos direitos oferece uma explicação mais
satisfatória a respeito de como os juízes usam o precedente em casos difíceis, em desfavor da
explicação fornecida por qualquer teoria que valorize mais a política”. DWORKIN, Ronald. Taking
rights seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1.978, p. 87
64

3.4. Os precedentes e os casos difíceis

O procedimento realizado em contraditório nem sempre soluciona de plano os


conflitos levados à jurisdição. Há situações concretas, para as quais o ordenamento
jurídico não oferece regras que poderiam contribuir na solução do conflito. Dworkin
apresenta uma situação, na qual não havendo qualquer disposição legislativa a
respeito da questão levada a juízo, se seria possível aplicar decisões anteriores para
solucionar o conflito, decidindo a favor de uma das partes.179
De início, ressalta-se que a resposta ao questionamento não é simples, não é
rápida e não é óbvia.180 Não seria uma justificativa adequada responder à questão
amparando-se em argumentos de política, que, em regra, se destinam a beneficiar
uma determinada comunidade, ou parcela desta, pois, neste caso, o precedente
estaria sendo tratado como “lei”, e o órgão julgador estaria agindo como se
legislador fosse.181
Um dos problemas em se adotar a interpretação do precedente como se “lei”
fosse esbarra na incompatibilidade da estrutura lógico-gramatical da “lei”, que se
apresenta em uma forma canônica, não coerente com a estrutura do precedente.182

179
No original: “One day lawyers will present a hard case to Hercules that does not turn upon any
statute; they will argue whether earlier common law decisions of Hercules’s court, properly
understood, provide some party with a right to a decision in his favor”. Em tradução livre: “Um dia,
juristas apresentaram um caso difícil a Hércules, sem previsão em qualquer norma; eles arguiram se
as decisões anteriores do tribunal de Hércules, se propriamente entendidas, poderiam proporcionar a
uma das partes o direito a uma decisão em seu favor”. DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously.
Cambridge: Harvard University Press, 1.978, p. 110.
180
No original: “Hercules must begin by asking why arguments of that form are ever, even in principle,
sound. [...]. But the details of the practices of precedent he must now justify resist any comparably
simple theory”. Em tradução livre: “Hércules precisa começar perguntando porque argumentos desta
forma são sempre, mesmo em princípio, parecidos. [...]. Mas os detalhes das práticas do precedente
que ele deve agora justificar resistem a qualquer teoria comparativamente simples”. DWORKIN,
Ronald. Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1.978, p. 110.
181
No original: “He might, however, be tempted by this answer. Judges, when they decide particular
cases at common law, lay down general rules that are intended to benefit the community in some way.
[...]. If this account of the matter were a sufficient justification of the practices of precedent, then
Hercules could decide these hard common law cases as if earlier decisions were statutes, using the
techniques he worked out for statutory interpretation”. Em tradução livre: “Ele pode, no entanto, ser
tentado por esta resposta: juízes, quando decidem casos particulares no common law, estabelecem
regras gerais, que se destinam a beneficiar a comunidade de alguma forma. [...]. Se essa abordagem
da questão fosse uma justificação suficiente das práticas do precedente, então Hércules poderia
decidir esses casos difíceis do common law como se as decisões anteriores fossem leis, usando as
técnicas que funcionam na interpretação da lei”. DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously.
Cambridge: Harvard University Press, 1.978, p. 110.
182
No original: “Statutory interpretation, [...], depends upon the availability of a canonical form of
words, however vague or unspecific, that set limits to the political decisions that the statute may be
taken to have made. Hercules will discover that many of the opinions that litigants cite as precedents
do not contain any special propositions taken to be a canonical form of the rule that the case lays
down”. Em tradução livre: “A interpretação da lei, [...], depende da disponibilidade de uma forma
65

O aspecto de maior gravidade, porém, não se identifica na estrutura da


norma, mas na possibilidade de a solução do conflito resultar da aplicação dos
argumentos de política. Os argumentos de política quando utilizados pelo órgão
julgador exorbitam as suas responsabilidades e atribuições, invadindo competência
própria do parlamento.183 Para Dworkin, o órgão julgador deverá limitar-se a utilizar
apenas os argumentos de princípio, sob pena de atuar como se legislador fosse, na
produção primária de direitos.184
Dworkin, ao construir a sua crítica, faz uma comparação entre a prática
judicial e a prática dos árbitros do xadrez, afastando a semelhança entre as duas,
ressaltando a constante necessidade de interpretação na aplicação do direito, o que
não ocorreria, em regra, na aplicação das regras do jogo de tabuleiro.
A partir dessa conclusão, Dworkin crítica a teoria de Hart, para quem os casos
difíceis existiriam apenas em razão da abertura textual da norma jurídica.185

canônica de palavras, ainda que vagas ou inespecíficas, que estabelece limites para as decisões
políticas que a lei pode tomar quando aplicada. Hércules vai descobrir que muitas das opiniões que
os litigantes citam como precedentes não contêm proposições especiais que possam ser tomadas
como uma forma canônica da regra sobre o que o caso estabelece”. DWORKIN, Ronald. Taking
rights seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1.978, p. 110-111.
183
No original: “But since Hercules will be led to accept the rights thesis, [...], his ‘interpretation’ of
judicial enactments will be different from his interpretation of statutes in one important respect. When
he interprets statutes he fixes to some statutory language, as we saw, arguments of principle or policy
that provide the best justification of that language in the light of the legislature’s responsibilities. His
argument remains an argument of principle; he uses policy to determine what rights the legislature has
already created”. Em tradução livre: “Mas, desde que Hércules seja levado a aceitar a tese de
direitos, [...], a sua ‘interpretação’ das decisões judiciais será diferente de sua interpretação das leis
em um aspecto importante. Quando ele interpreta as leis ele fixa para a linguagem jurídica, como
vimos, os argumentos de princípio ou de política que fornecem a melhor justificativa dessa linguagem
à luz das responsabilidades do Legislativo. Seu argumento continua a ser um argumento de princípio,
ele usa a política para determinar quais são os direitos já criados pelo legislador”. DWORKIN, Ronald.
Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1.978, p. 11, nota 24.
184
No original: “But when he ‘interprets’ judicial enactments he will fix to the relevant language only
arguments of principle, because the rights thesis argues that only such arguments acquit the
responsibility of the ‘enacting’ court”. Em tradução livre: “Mas quando ele [o tribunal] ‘interpreta’
decisões judiciais fixará para a linguagem relevante apenas argumentos de princípio, porque a tese
dos direitos sustenta que apenas esses argumentos correspondem à responsabilidade do tribunal
decidendo”. DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University Press,
1.978, p. 11, nota 24.
185
Neste sentido, Dworkin assevera: “[...], in spite of the fact that the earlier decision contained no
language that could plausibly be interpreted to enact that right. He would urge that the earlier decision
exerts a gravitational force on later decisions even when these later decisions lie outside its particular
orbit. This gravitational force is part of the practice Hercules’ general theory of precedent must
capture. In this important respect, judicial practice differs from the practice of officials in other
institutions. In chess, officials conform to established rules in a way that assumes full institutional
autonomy. They exercise originality only to the extent required by the fact that an occasional rule, like
the rule about forfeiture, demands that originality. Each decision of a chess referee, therefore, can be
said to be directly required and justified by an established rule of chess, even though some of these
decisions must be based on an interpretation, rather than on simply the plain and unavoidable
meaning, of that rule. Some legal philosophers write about common law adjudication as if it were in
this way like chess, except that legal rules are much more likely than chess rules to require
66

Para Dworkin, há um consenso entre os juízes, que não diz respeito ao


aspecto interpretativo, a respeito da influência de decisões anteriores sobre as
atuais:
[...], os juízes parecem concordar que as decisões anteriores contribuem
para a formulação de regras novas e controversas, de alguma forma que
não seja por interpretação. Eles concordam que as decisões anteriores têm
força gravitacional, mesmo quando discordam sobre o que é essa força
186
(tradução livre).

Mesmo que não preencha os pressupostos para a criação do direito, a


decisão anterior exerce uma força gravitacional sobre a construção de decisões
futuras e essa força gravitacional do precedente é fundamental para a construção de
sua teoria. Dworkin assinala que a força gravitacional do precedente reduz a
independência da atuação do juiz:
[...] o juiz, muito raramente, assume o caráter de independência. Ele sempre
vai tentar associar a justificativa de uma decisão original que ele profere às
decisões de outros juízes ou de autoridades que foram proferidas no
187
passado (tradução livre).

interpretation. That is the spirit, for example, of Professor Hart’s argument that hard cases arise only
because legal rules have what he calls ‘open texture’”. Em tradução livre: “[...], apesar de o fato de
que a decisão anterior não contém uma linguagem que poderia plausivelmente ser interpretada para
promulgar esse direito. Ele insistiria que a decisão anterior exerce uma força gravitacional sobre
decisões posteriores, mesmo quando essas decisões posteriores se encontram fora de sua órbita
particular. Esta força gravitacional é parte da prática que a teoria geral de Hércules do precedente
deve capturar. Neste importante aspecto, a prática judicial difere da prática de autoridades de outras
instituições. No xadrez, os árbitros agem em conformidade com as regras estabelecidas de uma
forma que assumem plena autonomia institucional. Exercem originalidade apenas na medida
necessária, pelo fato de que uma regra ocasional, como a regra que impõe uma sanção. Cada
decisão de um árbitro do xadrez pode dizer-se é necessária e justificada por uma regra estabelecida
no xadrez, apesar de algumas dessas decisões serem baseadas em uma interpretação e não
simplesmente no significado claro e inevitável desta regra. Alguns filósofos do direito escrevem sobre
a decisão judicial no common law, como se fosse algo como o xadrez, exceto quando as regras
jurídicas são muito mais propensas do que as regras de xadrez para exigir interpretação. Esse é o
espírito, por exemplo, do argumento de Professor Hart, que afirma que os casos difíceis surgem
apenas porque as regras jurídicas têm o que ele chama de ‘textura aberta’”. DWORKIN, Ronald.
Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1.978, p. 111-112.
186
No original: “[...], judges seem agreed that earlier decisions do contribute to the formulation of new
and controversial rules in some way other than by interpretation; they are agreed that earlier decisions
have gravitational force even when they disagree about what that force is”. DWORKIN, Ronald.
Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1.978, p. 112.
187
No original: “[...] the judge very rarely assumes that character of independence. He will always try
to connect the justification he provides for an original decision with decisions that other judges or
officials have taken in the past”. DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge: Harvard
University Press, 1.978, p. 112.
67

O teórico de Oxford deixa claro que a força gravitacional do precedente não


pode ser entendida como uma força criadora do direito, como se fosse uma criação
legislativa.188
A força gravitacional do precedente se constitui a partir de um critério de
continuidade e de integridade do sistema jurídico em relação aos casos semelhantes
julgados no passado, conforme sinaliza Dworkin:
A força gravitacional de um precedente pode ser explicada pelo recurso,
não relacionado com a sensatez da promulgação de leis, mas com a justiça
de tratar casos semelhantes de forma parecida. Um precedente é um relato
de uma decisão política anterior, o próprio fato de que uma decisão, como
parte da história política, oferece alguma razão para decidir outros casos de
189
forma semelhante no futuro (tradução livre).

Assim, uma das principais conclusões sobre a aplicação dos precedentes é


que a sua força gravitacional somente será legítima se a decisão anterior se ativer a
argumentos de princípios,190 pois os argumentos de política se referem a objetivos
estratégicos e contingentes da função legislativa,191 que podem conceder benefícios
a determinados seguimentos da sociedade, em detrimentos de outros, que
[...] são claramente compatíveis com a concessão de consideráveis
benefícios adicionais para um grupo, que são negadas a outros. Não pode
haver, portanto, nenhum argumento geral de justiça que um governo que

188
No original: “The gravitational force of precedent cannot be captured by any theory that takes the
full force of precedent to be its enactment force as a piece of legislation”. Em tradução livre: “A força
gravitacional do precedente não pode ser capturada por qualquer teoria que leva a força do
precedente a ser a sua força de promulgação como uma peça da legislação”. DWORKIN, Ronald.
Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1.978, p. 112.
189
No original: “The gravitational force of a precedent may be explained by appeal, not to the wisdom
of enforcing enactments, but to the fairness of treating like cases alike. A precedent is the report of an
earlier political decision; the very fact of that decision, as a piece of political history, provides some
reason for deciding other cases in a similar way in the future”. DWORKIN, Ronald. Taking rights
seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1.978, p. 113.
190
Conforme Dworkin: “So Hercules, when he defines the gravitational force of a particular precedent,
must take into account only the arguments of principle that justify that precedent”. Em tradução livre:
“Portanto, Hércules, quando definir a força gravitacional para um precedente particular, deverá tomar
em consideração apenas os argumentos de princípio que justificam este precedente”. DWORKIN,
Ronald. Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1.978, p. 115.
191
No sentido adotado por Dworkin: “The most important of these is that he must limit the gravitational
force of earlier decisions to the extension of the arguments of principle necessary to justify those
decisions. If an earlier decision were taken to be entirely justified by some argument of policy, it would
have no gravitational force. Its value as a precedent would be limited to its enactment force, that is, to
further cases captured by some particular words of the opinion. The distributional force of a collective
goal, as we noticed earlier, is a matter of contingent fact and general legislative strategy” (grifos
acrescidos). Em tradução livre: “A mais importante delas é que ele deve limitar a força gravitacional
de decisões anteriores à extensão dos argumentos de princípio necessários para justificar essas
decisões. Se uma decisão anterior foi inteiramente justificada por algum argumento da política, ela
não teria nenhuma força gravitacional. Seu valor como um precedente seria limitado à sua força de
aprovação, ou seja, aos casos abarcados por alguns termos específicos da decisão. A força de
distribuição de um objetivo coletivo, como notamos anteriormente, é uma questão de fato contingente
e estratégia legislativa geral” (grifos acrescidos). DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously.
Cambridge: Harvard University Press, 1.978, p. 113.
68

atende a um objetivo coletivo, de uma forma em uma ocasião deve atendê-


lo dessa forma, ou até mesmo atender o mesmo objetivo, sempre que uma
192
paralela oportunidade surgir (tradução livre).

Confirma-se, assim, que, no Estado Democrático de Direito, mesmo a solução


dos casos difíceis não se deve amparar em argumentos de política. Também nestes
casos, a solução deve ser construída participadamente, a partir de argumentos de
princípio, com auxílio dos precedentes, a fim de se manter a integridade e coerência
do sistema jurídico.
No próximo capítulo será apresentado o estudo dos precedentes sob uma
perspectiva essencialmente democrática, no formato no qual se considera adequado
ao processo constitucional no Estado Democrático de Direito.

192
Conforme Dworkin, no original: “[...] are plainly compatible with providing sizeable incremental
benefits to one group that are withheld from others. There can be, therefore, no general argument of
fairness that a government which serves a collective goal in one way on one occasion must serve it
that way, or even serve the same goal, whenever a parallel opportunity arises”. DWORKIN, Ronald.
Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1.978, p. 114.
69

4. OS PRECEDENTES NO PROCESSO CONSTITUCIONAL DEMOCRÁTICO

4.1. A construção do direito por meio da decisão

Parece muito claro que o direito, cuja noção é controvertida,193 se manifesta e


se desenvolve, em considerável parcela de sua atuação, por meio de decisões
judiciais.194 No parlamento, o processo legislativo determina, pela decisão dos
parlamentares, quais normas jurídicas deverão compor o ordenamento. Até mesmo
os princípios, cuja natureza se considera normativa, com elevado grau de abstração,
se originam por meio de decisões político-jurídicas.
No exercício da jurisdição, a decisão, em regra, ao final do processo, define o
direito de uma das partes, e a validade da decisão deve dar-se por meio da
fundamentação.
Não é democrática a construção da decisão tão somente pela atuação da
autoridade, a participação dos interessados é necessária para a sua concepção,
porque serão estes os seus destinatários.195
O processo democrático no Estado Democrático de Direito, necessariamente,
deve compreender todas as funções estatais.196 Quando a democracia restringe-se
apenas ao processo eleitoral, pelo exercício do direito ao voto, e ao processo
legislativo, na produção de normas jurídicas, a densidade democrática se situa em
nível minimum minimorum, assaz acanhado para o Estado Democrático de Direito.
Constatável é que a democracia no Estado brasileiro ainda se encontra em um nível
hiposuficiente de participação, restringindo-se quase, essencialmente, ao processo

193
“[...], esa palavra [derecho] designa um fenómeno social, uma compleja técnica de control social
característica de comunidades que han alcanzado um cierto grado de desarrollo”. CARRIÓ, Genaro
R. Notas sobre derecho y lenguaje. 5ª. ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2.006, p. 324.
194
“O direito, tal como funciona efetivamente, é essencialmente um problema de decisão: o legislador
deve decidir quais serão as leis obrigatórias numa comunidade organizada, o juiz deve decidir sobre o
que é o direito em cada situação submetida ao seu juízo. Mas nem o legislador nem o juiz tomam
decisões puramente arbitrárias: a exposição dos motivos indica razões por que uma lei foi votada e,
num sistema moderno, toda sentença deve ser motivada. O direito positivo tem como correlativo a
noção de decisão, senão razoável, pelo menos raciocinada”. PERELMAN Chaïm. Ética e direito.
Trad. Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 1.996, p. 453.
195
“Há processo sempre onde houver o procedimento realizando-se em contraditório entre os
interessados, e a essência deste está na ‘simétrica paridade’ da participação, nos atos que preparam
o provimento, daqueles que nele são interessados porque, como seus destinatários, sofrerão seus
efeitos”. GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro:
Aide, 1.992, p. 115.
196
BRÊTAS, Ronaldo de Carvalho Dias. Processo constitucional e Estado Democrático de
Direito. 2ª. ed., rev. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2.012, p. 23, 24.
70

eleitoral, à algumas políticas definidas pela função executiva e à ações incipientes


da sociedade civil.
Nesta linha de entendimento, não se espera do Estado, que se diz
democrático, o acolhimento do órgão julgador como autoridade quase incontestável
e reverencial. Se assim o fosse, a considerar o juiz como único detentor do poder de
decidir, dispensável seria o processo, uma vez que este apenas serviria como meio
para validar a suposta legitimidade do órgão julgador.
Ressalta-se que esta tendência não se restringe apenas à figura do juiz. No
Brasil, por exemplo, ainda existe quase uma veneração à autoridade, seja ela
administrativa, legislativa ou judiciária, embora, de forma positiva, já se perceba
situações cotidianas que demonstram a revogação desta cultura subserviente. Este
costume não se restringe, tão somente, a países em desenvolvimento, na Inglaterra,
a crítica ao judiciário pode ser considerada como desacato, mesmo se for
justificada.197
Afora isto, a contribuir para a construção de um super Estado e,
concomitantemente, prejuízo para a democracia, o sistema convalida princípios e
conceitos jurídicos com alto grau de indeterminação, cujo alcance se desconhece,
ficando a cargo da autoridade sentenciar a sua extensão. Como exemplo, citam-se
os princípios da supremacia do interesse público, da presunção de legitimidade ou
de veracidade,198 da razoabilidade, da proporcionalidade, assim como a
indeterminação dos conceitos de autotutela e de bons costumes,.
Em outra perspectiva, há uma generalizada crença, e uma grande ilusão, no
Brasil, quase um consenso, a respeito da qual, a solução de todo e qualquer
problema que se apresenta à sociedade se resolveria facilmente com a promulgação
de leis.
Porém, a “lei” nada mais é que o resultado de um consenso político-social,
partidário, ou econômico,199 e deveria representar a última ratio para solucionar

197
“Além disso, a crítica ao judiciário é muito arriscada na Inglaterra, onde o desacato ao tribunal é
uma espada de Dâmocles terrível e imprevisível. Tal crítica nos meios de comunicação pode ser
considerada desacato ao tribunal e punida, mesmo quando é justificada”. CAENEGEM, R. C. van.
Juízes, legisladores e professores: capítulos de história jurídica europeia: palestras Goodhart
1.984-1.985. Trad. Luiz Carlos Borges. Rio de Janeiro: Elsevier, 2.010, p. 111.
198
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 13ª. ed. São Paulo: Atlas, 2.001, p. 69-
75.
199
“A lei contemporânea voltou a ser, como sempre fora, uma norma comprometida com particulares
forças políticas, quando não partidárias”. BAPTISTA DA SILVA, Ovídio. Fundamentação das
sentenças como garantia constitucional. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, Porto
Alegre, v. 1, n. 4, p. 323-352, 2.006.
71

controvérsias.200 Entretanto, não há como negar que a “lei” ainda ocupa lugar de
destaque nas sociedades atuais, como fórmula para se resguardar direitos, se
comparada com outras formas de solução de controvérsias, v.g., a força, a
autotutela, a discricionariedade.
A exemplo de outros Estados, a Constituição brasileira elegeu o princípio da
legalidade como um de seus fundamentos. Em razão desta escolha, não é possível
afastar, na aplicação do direito, as normas jurídicas elaboradas no exercício da
função precipuamente legislativa, mesmo reconhecendo que a atual representação
popular não retrate uma democracia que mereça encômios.
Sob o aspecto da participação popular no processo legislativo, embora a linha
de pesquisa deste trabalho não seja aderente à teoria jurídica do pragmatismo norte-
americano, merece menção o entendimento de Posner (1.939-), defensor da
abordagem econômica do direito, quando retrata a medíocre representatividade
popular no âmbito parlamentar, em assimétrica relação com os efeitos que a grande
massa de destinatários das normas sofrerá, se comparados à sua participação na
elaboração das normas jurídicas. O excerto que se transcreve demonstra este
desequilíbrio:
Presumo que os legisladores sejam maximizadores racionais de suas
satisfações tanto quanto as outras pessoas. Portanto, nada do que fazem é
motivado pelo interesse público enquanto tal. Todavia, eles querem ser
eleitos e reeleitos, e precisam de dinheiro para fazer uma campanha eficaz.
O mais provável é que esse dinheiro venha de grupos bem organizados, e
não de indivíduos desorganizados. O indivíduo racional sabe que sua
contribuição provavelmente não faça diferença alguma; por esse motivo, e
também porque na maioria das eleições os eleitores votam em candidatos,
e não em projetos políticos, o que enfraquece ainda mais a relação entre
votar e obter o tipo de política pública que se prefere, o indivíduo racional
terá pouco incentivo para investir tempo e empenho para decidir em quem
votar. Somente um grupo organizado de indivíduos (ou empresas, ou outras
organizações - mas estas são canais para os indivíduos) será capaz de
superar os problemas informacionais e de free-riding que infestam a ação
coletiva. Um grupo desses, porém, só irá organizar-se a atuar com
efetividade se seus membros tiverem muito a ganhar ou muito a perder com
políticas públicas específicas, como os plantadores de tabaco, por exemplo,
têm muito a ganhar com os subsídios federais ao cultivo do tabaco e muito a
perder com a retirada desses subsídios. A tática básica de um grupo de
interesses consiste em trocar os votos de seus membros e seu apoio
financeiro aos candidatos pela promessa implícita de uma legislação

200
“Concebendo o direito, nem como a expressão da justiça e da razão, nem como a expressão da
vontade do legislador, e sim como a expressão de um consenso político e social sobre uma solução
razoável numa sociedade em rápida evolução, afirmamos que essa solução resulta, o mais das
vezes, de um compromisso difícil entre valores incompatíveis e cuja coexistência importa organizar. O
direito, assim concebido, só ganha forma através dos conflitos e das controvérsias em todos os
níveis, e já não pode fornecer a imagem tranquilizadora de uma ordem estável, garantida por um
poder imparcial”. PERELMAN Chaïm. Ética e direito. Trad. Maria Ermantina Galvão. São Paulo:
Martins Fontes, 1.996, p. 463.
72

favorável. Essa legislação assumirá normalmente a forma de uma lei que


transfere riqueza de contribuintes não organizados (consumidores, por
exemplo) ao grupo de interesses. Se o alvo fosse outro grupo de interesses,
a transferência legislativa poderia ser efetivamente contestada. Os
desorganizados geralmente não criam uma oposição eficaz, e sua riqueza,
portanto, é o que costuma ser transferido para os grupos de interesses
201
(grifos acrescidos).

Posner, um dos expoentes do pragmatismo jurídico contemporâneo, linha


teórica considerada variante do realismo jurídico, apresenta o direito, como
instrumento político de caráter antiteórico e prático,202 que atua na busca de
resultados imediatos,203 acoplável a sistemas capitalistas neoliberais, nos quais a
participação política se restringe a fortes grupos de interesses, predominantemente,

201
POSNER, Richard A. Problemas de filosofia do direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São
Paulo: Martins Fontes, 2.007, p. 474-475.
202
“Everyday pragmatism is the mindset denoted by the popular usage of the word ‘pragmatic’,
meaning practical and business-like, ‘no-nonsense’, disdainful of abstract theory and intellectual
pretension, contemptuous of moralizers and utopian dreamers. It long has been and remains the
untheorized cultural outlook of most Americans, one rooted in the usages and attitudes of a brash,
fast-moving, competitive, forward-looking, commercial, materialistic, philistine society, with its
emphasis on working hard and getting ahead”. Em tradução livre: “O pragmatismo cotidiano é uma
representação do uso popular da palavra ‘pragmática’, significando atitude prática e metódica,
‘empreendedora’, desdenhoso de teorias abstratas e de pretensão intelectual, desdenhoso de
moralizadores e sonhadores utópicos. Há muito foi e permanece sendo a perspectiva cultural não
teorizada da maior parte dos norte-americanos, arraigados nos costumes e atitudes de uma
sociedade impetuosa, rápida, competitiva, orientada para o futuro, comercial, materialista, filistéia,
com ênfase em trabalhar muito e ter êxito”. POSNER, Richard A. Law, pragmatism and democracy.
Cambridge, MA: Harvard University Press, 2.003, p. 49,50.
203
“An everyday pragmatist in law, an everyday-pragmatist judge for example, wants to know what is
at stake in a practical sense in deciding a case one way or another. This does not mean, as detractors
of legal pragmatism such as Ronald Dworkin assert, that such a judge is concerned solely with
immediate consequences and the short term. The pragmatic judge does not deny the standard rule-of-
law virtues of generality, predictability, and impartiality, which generally favor a stand-pat approach to
novel legal disputes. He just refuses to reify or sacralize those virtues. He dares to balance them
against the adaptationist virtues of deciding the case at hand in a way that produces the best
consequences for the parties and those similarly circumstanced. He is impatient with abstractions like
‘justice’ and ‘fairness’, with slogans like ‘self-government’ and ‘democracy’, and with the highfalutin
rhetoric of absolutes — unless he is persuaded that such flag-waving has practical social value. For
the everyday pragmatist, as for the sophists of ancient Greece whom he resembles (they are among
his ancestors), moral, political, and legal theories have value only as rhetoric, not as philosophy”. Em
tradução livre: “Um pragmatista do cotidiano em direito, um juiz pragmatista cotidiano, por exemplo,
quer saber o que está em jogo em um sentido prático ao decidir um caso de uma forma ou de outra.
Isso não significa, como querem os detratores do pragmatismo jurídico, tal como Ronald Dworkin
afirma, que esse juiz está preocupado somente com consequências imediatas e de curto prazo. O juiz
pragmatista não nega as virtudes do Estado de Direito da generalidade, da previsibilidade e da
imparcialidade, que geralmente favorecem uma abordagem apropriada às novas disputas jurídicas.
Ele simplesmente se recusa a reificar ou sacralizar essas virtudes. Ele se desafia a equilibrá-las
contra as virtudes adaptacionistas de decidir o caso em questão de uma forma que produza as
melhores consequências para as partes e para aqueles em circunstâncias semelhantes. Ele é
impaciente com abstrações, tais como ‘justiça’ e ‘equidade’, com slogans, tais como ‘auto-governo’ e
‘democracia’, e com as empoladas retóricas - a menos que ele esteja convencido de que tal aceno
tenha valor social prático. Para o pragmatista cotidiano, como para os sofistas da Grécia antiga aos
quais ele se assemelha (eles estão entre seus antepassados), as teorias morais, políticas e jurídicas
têm valor apenas como retórica, não como filosofia”. POSNER, Richard A. Law, pragmatism and
democracy. Cambridge: Harvard University Press, 2.003, p. 12.
73

financeiros. Nessa perspectiva, o direito passa a retratar, em sua maior extensão, as


parcialidades daqueles que representam os grupos econômicos prevalentes.
Avançando sobre o tema jurisdição, é de se observar que o processo
democrático se harmoniza com a participação e contrasta com a
discricionariedade,204 uma vez que esta concede à autoridade o poder de decidir
livremente, sem uma clara definição de limites, de forma solitária e de acordo com
sua convicção, consciência e outros aspectos subjetivos.
Dependendo do contexto, este amplo espectro de poder não demarcado posto
à disposição do julgador resulta em um indeterminável número de respostas aos
conflitos semelhantes levados à jurisdição,205 provocando instabilidade ao sistema
jurídico e desconfiança na sociedade.
A resposta democrática para o problema da discricionariedade206 não é, tão
somente, vincular o ato de decidir do juiz à “lei”. A solução está na participação dos
interessados na construção da decisão, a partir do discurso linguístico,207 que

204
Acredita-se que haja semelhança entre a atuação discricionária da autoridade judicial ao decidir o
conflito e da autoridade administrativa ao proferir um ato administrativo decisório, cuja noção pode ser
assim descrita: “resulta para o administrador [autoridade] um campo de liberdade em cujo interior
cabe interferência de uma apreciação subjetiva sua quanto à maneira de proceder nos casos
concretos, assistindo-lhe, então, sobre eles prover na conformidade de uma intelecção, cujo acerto
seja irredutível à objetividade e ou segundo critérios de conveniência e oportunidade administrativa”
(grifo no original). BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Discricionariedade e controle
jurisdicional. 2ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1.996, p. 9.
205
“Negar a possibilidade de que possa existir (sempre) – para cada caso – uma resposta
conformada à Constituição – portanto, uma resposta correta sob o ponto de vista hermenêutico
(porque é impossível cindir o ato interpretativo do ato aplicativo) –, pode significar a admissão de
discricionariedades interpretativas, o que se mostra antitético ao caráter não-relativista da
hermenêutica filosófica e ao próprio paradigma do novo constitucionalismo principiológico introduzido
pelo Estado Democrático de Direito, incompatível com a existência de múltiplas respostas”. STRECK,
Lenio Luiz. Bases para a compreensão da hermenêutica jurídica em tempos de superação do
esquema sujeito-objeto. Revista Sequência. Florianópolis, n. 54, p. 29-46, 2.007.
206
As restrições à noção de discricionariedade da autoridade que faz Celso Antônio Bandeira de
Mello não são capazes de “descontaminar” o seu deficit democrático. Para o autor, a
discricionariedade pode ser conceituada como “a margem de liberdade que remanesça ao
administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um dentre pelo menos
dois comportamentos cabíveis, perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a
solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões
da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente, uma
solução unívoca para a situação vertente”. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio.
Discricionariedade e controle jurisdicional. 2ª. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1.996, p. 48.
207
“Nesta quadra do tempo em que o direito assume um caráter cada vez mais hermenêutico, em
face do viés transformador que é lhe destinado pelo constitucionalismo exsurgido a partir do segundo
pós-guerra e em face do deslocamento da esfera de tensão dos poderes legislativo e do executivo
em direção da jurisdição constitucional, o dilema da teoria jurídica nestes tempos de resgate de
direitos passa a estar centrada na seguinte questão metodológica: ‘como se interpreta’, ‘como se
aplica’ (Ian Schapp) e de como é possível superar o decisionismo positivista que permite múltiplas e
variadas respostas (STRECK, 2.006). Para tanto, é necessário dar um salto em direção às
perspectivas hermenêuticas que têm na linguagem não (apenas) um instrumento ou uma terceira
coisa que se coloca entre um sujeito e um objeto, mas, sim, a sua própria condição de possibilidade”.
74

permita afastar a excessiva discricionariedade do órgão julgador, o que resulta na


liberdade de atribuição de sentidos às regras jurídicas aplicáveis ao caso
concreto.208
Portanto, é de se concluir que a discricionariedade não é componente
adequado a atuar na construção da decisão no processo democrático
constitucionalizado, que tem como objetivo a proteção dos direitos fundamentais.

4.2. Os precedentes em sentido amplo e restrito

Em termos aristotélicos, o termo precedente pode designar um gênero, a


partir do qual se podem categorizar espécies.209 A esse respeito, consideram-se
como tais, o precedente stricto sensu, vinculante ou persuasivo, originário do
common law, a jurisprudência, as súmulas e qualquer julgado do passado,210 que
influencie nas decisões do presente.211-212

STRECK, Lenio Luiz. Bases para a compreensão da hermenêutica jurídica em tempos de superação
do esquema sujeito-objeto. Revista Sequência. Florianópolis, n. 54, p. 29-46, 2.007.
208
“A possibilidade de múltiplas respostas está relacionada com o conceitualismo da regra, que tem a
pretensão de ‘abarcar’ (todas) as possíveis ‘situações de aplicação’ de forma antecipada,
independente do mundo prático. Nesse ‘mundo’, o que conta é o enunciado, isto é, todas as outras
formas de linguagem e todos os outros modos de dizer do objeto de análise se resumem ao
enunciado. Para melhor explicar esse fenômeno, é possível dizer – fundado em Gadamer –, que a
possibilidade de múltiplas respostas está calcada no logos apofântico, cuja função é significar o
discurso, isto é, a proposição cujo único sentido é a de realizar o apofainesthai, o mostrar-se do que
foi dito. É uma proposição teórica no sentido de que ela abstrai de tudo que não diz expressamente.
O que constitui o objeto da análise e o fundamento da conclusão lógica é apenas o que ela própria
revela pelo seu dizer. Ora, na medida em que sempre há um déficit de previsões, as posturas
positivistas ‘delegam’ ao juiz uma excessiva discricionariedade (excesso de liberdade na atribuição
dos sentidos), além de dar azo à tese de que o direito é (apenas) um conjunto de normas (regras).
Em conseqüência, transforma-se a interpretação jurídica em filologia, forma refinada de negação da
diferença ontológica. E também não se pode, a pretexto de superar o problema da arbitrariedade
(subjetivista-axiologista) do juiz, ‘desonerá-lo’ da ‘tarefa’ de elaboração de discursos de
fundamentação, que, na teoria do discurso de Habermas e Günther, dão-se prima facie”. STRECK,
Lenio Luiz. Bases para a compreensão da hermenêutica jurídica em tempos de superação do
esquema sujeito-objeto. Revista Sequência. Florianópolis, n. 54, p. 29-46, 2.007.
209
HONDIUS, Edwoud. General report. In: Precent and the law: reports to the XVIIth Congress
International Academy of Comparative Law. Ed. Edwoud HONDIUS. Bruxelles: Etablissements
Emile Bruyland, 2.007, p. 11.
210
“Seja como for, é certo que em ambas as experiências jurídicas [direito casuístico e direito
codificado] os órgãos judicantes, no exercício regular de pacificar os cidadãos, descortinam-se como
celeiro inesgotável de atos decisórios. Assim, o núcleo de cada um destes pronunciamentos constitui,
em princípio, um precedente judicial” (grifos no original). TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente
judicial como fonte do direito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2.004, p. 11.
211
Esta classificação se assemelha à adotada na pesquisa contratada, no ano de 2.014, pelo
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) à Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa
(FUNDEP/UFMG), concebida e executada por Grupo de Pesquisa vinculado à Faculdade de
Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sob a coordenação do Prof. Dr. Thomas
da Rosa de Bustamante (Contrato n. 17/2.013), relatório final, p. 8: “Estudou-se, em particular, os
fundamentos apresentados nessas decisões, com vistas a obter uma descrição o mais exata possível
75

É insuspeito afirmar que os precedentes auxiliam na interpretação do direito e


na fundamentação das decisões. Parece não haver sistema jurídico no mundo,
antigo ou moderno, que não utilizou ou não utilize os precedentes para auxiliar na
construção das decisões.
O precedente exerce relevante função na fundamentação das decisões,
porque o direito se constrói pela história, não é metafísico, e não há grau zero
interpretativo, como tem observado Lenio Streck e Neil MacCormick (1.941-
2.009).213-214 Neste sentido, merece transcrição o pensamento de Castanheira Neves
(1.929-):

do grau de vinculatividade atribuído aos diferentes tipos de precedentes judiciais no Direito Brasileiro,
bem como dos fatores que contribuem para elevar ou enfraquecer a intensidade dessa
vinculatividade” (grifos acrescidos).
212
Em sentido a ser aproveitado, GoodHart: “Now, taken in that sense, all legal systems follow
precedents; for it is a natural practice of the human mind, whether legal or non-legal, to accept the
same pattern in similar or analogous cases. [...]. This method of using precedents as a desirable
model is accepted by the English Law in common with all other systems”. Em tradução livre: “Agora
tomadas neste sentido, todos sistemas jurídicos seguem os precedentes; pois, é uma prática natural
da mente humana, seja jurídica ou não-jurídica, para aceitar o mesmo padrão em casos semelhantes
ou análogos. [...]. Este método de usar precedentes como um modelo desejável é aceito pelo direito
inglês em comum com todos os outros sistemas”. GOODHART, Arthur Lehman. Precedent in
english and continental law. London: Stevens and Sons, Limited, 1.934, p. 8.
213
“Não há conceitos em abstrato. Conceitos não flutuam no ar, para servirem de capas de sentido
aos ‘fatos desnudos’. Não há grau zero na atribuição de sentido. Insisto: o intérprete deve estar
atento à tradição (e à sua autoridade), compreender os seus pré-juízos como pré-juízos, promovendo
uma reconstrução do direito, perscrutando de que modo um caso similar (não somente a ementa, é
evidente, lembrando, aqui, a questão hermenêutica representada pelo grau de objetivação
abrangente que cada decisão deve ter/conter) vinha sendo decidido até então, confrontando a
jurisprudência com as práticas sociais que, em cada quadra do tempo, surgem estabelecendo novos
sentidos às coisas e que provocam um choque de paradigmas, o que sobremodo valoriza o papel da
doutrina jurídica e a interdisciplinaridade do direito. Como bem diz Gadamer, a compreensão alcança
suas verdadeiras possibilidades quando as opiniões prévias com as que se inicia não são arbitrárias”
(grifos no original). STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso - Constituição, hermenêutica e
teorias discursivas - Da possibilidade à necessidade de respostas corretas em direito. 3ª. ed.
rev., ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2.009, p. 267, 268.
214
Em sentido semelhante, MacCormick: “The legal context, however, is one in which the recently
mentioned idea of coherence has a particular and obvious significance. In a legal argument, no one
starts with a blank sheet and tries to work out a reasonable conclusion a priori. A solution offered must
ground itself in some proposition that can be presented with at least some credibility as a proposition
of law, and such a proposition must be shown to cohere in some way with other propositions that we
take to state established laws. Legal arguments makers and decision makers do not approach
problems of decision and justification in a vacuum, but rather in the context of a plethora of material
that serves to guide and to justify decisions, and to restrict the range within the decisions of public
agencies can legitimately be made”. Em tradução livre: “O contexto jurídico, no entanto, é aquele no
qual a ideia recentemente mencionada de coerência tem um significado especial e óbvio. Em um
argumento jurídico, ninguém começa com uma folha em branco e tenta descobrir uma conclusão
razoável a priori. A solução oferecida deve fundamentar-se em alguma proposição que possa ser
apresentada com pelo menos alguma credibilidade como uma proposição jurídica, e tal proposição
deve mostrar coerência de alguma forma com outras proposições que tomamos para declarar as leis
estabelecidas. Formuladores de argumentos jurídicos e de decisões não abordam os problemas de
decisão e de justificação em um vácuo, mas sim no contexto de uma infinidade de materiais que
servem para orientar e justificar as decisões, e para restringir o intervalo a partir do qual as decisões
dos órgãos públicos podem legitimamente ser feitas” (grifos acrescidos). MACCORMICK Neil.
76

O presente nada mais do que a realização do pré-visto, ou pelo menos pré-


anunciado potencialmente por um sistema definido de antemão - o que
sendo a pretensão de dominar racionalmente o histórico é, justamente, a
negação dele. Mas fora do seu alcance fica a verdadeira mutabilidade
histórica das situações e dos sentidos, a impor que a compreensão unitária
e totalizante da realidade histórica só possa realizar-se por uma contínua
reelaboracão a posteriori, e dialéctico-regressiva do «sistema». Vejamo-lo
esquematicamente. β) A vida comunitária, como forma da vida humana, é
histórica. Isto significa, em primeiro lugar, que se encontra imersa na história
e que, portanto, «não podendo começar nunca do princípio» sempre se vê
referida a uma situação histórica. É isto só um modo diferente de dizer que
a existência humana, sendo um ser-no-mundo, sempre a si mesma se
depara determinada pela facticidade do mundo. Não uma existência
absoluta a actuar num meio vazio, mas uma existência fáctica cujo agir
depara com a resistência de uma situação, a definir-lhe um campo de
possibilidade. A «situação» (histórica) é aquele contexto natural-social-
cultural que se impõe como um dado à existência, em que ela se encontra
imersa e de que terá de emergir a sua acção. Mas não é menos verdade
que a situação actual é o resultado das realizações da praxis humana no
passado, a resultante de um passado transcender o mundo - não menos
essencial à existência - pelo qual ela foi afeiçoando, constituindo o seu
mundo. Quer dizer, na situação actual depara-se com a presença do
passado - recebido nela como uma «herança» -; e porque a acção só é
possível na e através da situação - assumindo a situação -, também dessa
forma o passado continua actuante no presente, como uma «tradição». Pois
assumir a situação na acção fundada e reflectida é compreender as
possibilidades que ela oferece já realizadas e abrir-se às exigências e apoio
que essas realizações passadas trazem a realização presente: ao
compreender os sentidos constituídos — e constitutivos da situação —
através das possibilidades cumpridas, no modo por que foram cumpridas, e
das tarefas experimentadas, no modo como foram experimentadas, depara-
se a acção o seu primeiro critério e a sua primeira condição de
objectividade. Ao aceitar e assumir a situação, reiterando
compreensìvelmente as possibilidades que através dela se revelam já terem
sido possíveis, abre-se a existência ao «saber da experiência feito» aí dado
(històricamente), e na «ordem» que este tenha constituído e nas estruturas
que o definem não só encontra uma imediata discriminação do viável e do
inviável, como ainda o contorno objectivo, universalmente heterónomo e
ordenado, que a subtrai ao «perigo do caos subjectivo». Assim, já neste
modo histórico da realidade humana vemos fundados a possibilidade e o
valor existenciais das ordens instituídas, enquanto sentidos constitutivos e
imanentes que são das objectivas situações históricas. E é ela possibilidade
da própria ordem jurídica vigente, em particular, de aquela positiva ordem
juridica explicitada pelo ordenamento positivo, consciencializada pela
«ciência do direito» e precipitada--experimentada pelos precedentes
215
jurisprudenciais (grifos acrescidos).

Mas, nem por isto, os precedentes, principalmente os vinculantes, podem se


tornar dogmas,216 exigindo esforços sobre-humanos para serem afastados. O Estado

Rhetoric and the rule of law – A theory of legal reasoning. New York: Oxford University Press,
2.005, p. 23.
215
CASTANHEIRA NEVES, Antônio. Questão-de-facto - questão de direito. O problema
metodológico da juridicidade (ensaio de uma reposição crítica). Coimbra: Livraria Almedina,
1.967, p. 300, 301.
216
“O nosso pensamento jurídico eminente realmente se dogmatizou em um sistema que deixou de
pensar verdadeiramente o Direito. Há um sistema de dogmatização de pressupostos que se afirmam
como a expressão do próprio Direito, mas não são. Porque, frequentemente, essa dogmatização tem
77

Democrático de Direito não trabalha com mitos. O precedente vinculante se assenta


na obrigação de seguir o caso anterior, impedindo o órgão julgador de adotar outros
fundamentos em sua decisão.217 As regras do precedente vinculante obedecem a
uma hierarquia rígida, própria do positivismo, na qual as cortes inferiores estão
subordinadas às superiores.218
Os precedentes, mais ainda os que se classificam em sentido estrito, são
importantes para a compreensão coerente de uma determinada situação jurídica,
auxiliando na interpretação dos fatos, das normas e na correta amplitude dos
espaços de interpretação, sobretudo em sistemas jurídicos nos quais os princípios
detêm força normativa, pois estes, naturalmente permitem interpretações com maior
amplitude se comparados às regras.

soluções, tem as figuras midiáticas, mas realmente há alguma coisa de mais importante do que isto.
É o problema que está por trás. Este problema tem sido de tal forma esquecido que o Direito tem sido
mobilizado para consequências que o atraiçoam”. CASTANHEIRA NEVES, Antônio. Um matemático
desviado pelo Direito. [28 de setembro, 2.012]. Londrina: Gazeta do Povo. Entrevista concedida
a Joana Neitsch. Disponível em:
<http://www.gazetadopovo.com.br/vidapublica/justica−direito/entrevistas/conteudo.phtml?id=1301606
>. Acesso em: 25/11/2.014.
217
“So far the English system resembles the Continental one, but if the point has already been
decided in prior case, then the English system applies the doctrine of precedent in a different and
more technical sense. The prior case, being directly in point, is no longer one which may be user as a
pattern; it is one which must be followed in the subsequent case. It is more than a model; it has
become a fixed and binding rule”. Em tradução livre: “Até agora, o sistema inglês assemelha-se com o
sistema continental, mas se o ponto já foi decidido em um caso anterior, então o sistema inglês aplica
a doutrina do precedente em sentido diferente e mais técnico. Se o caso anterior se refere
diretamente ao ponto, não é mais um que pode ser usado como padrão; é aquele que deve ser
seguido no caso subsequente. É mais que um modelo; torna-se uma regra fixa e vinculante” (grifos no
original). GOODHART, Arthur Lehman. Precedent in english and continental law. London: Stevens
and Sons, Limited, 1.934, p. 8,9.
218
“This absolute and binding quality does not apply to all cases. Thus, a superior Court is never
bound by the decisions of the lower Courts, although, if a general practice has developed in these
Courts, the superior Court will hesitate to depart from it, nor will it, as rule reverse a case which has
been generally accepted as a model by the Bar. Nor is one Court of first instance bound by the
decision of another Court of similar jurisdiction, although it will pay it great respect. Absolute authority
exists only in the following cases: 1. Every Court is absolutely bound by the decisions of all Courts
superior to itself. 2. The House of Lords is absolutely bound by is own decisions [The Practice
Statement (1.966) was a statement made in the House of Lords by Lord Gardiner LC on July 26,
1.966 that depart binding precedent in the House of Lords]. 3. The Court of Appeal is probably bound
by its own decisions, though on this point there is some doubt”. Em tradução livre: “Esta qualidade
absoluta e vinculante não se aplica a todos os casos. Assim, a corte superior nunca se vincula pelas
decisões das cortes inferiores, embora, se uma prática generalizada se desenvolveu nestas cortes, a
corte superior hesitará afastar-se dela, nem irá, como regra, reverter um caso o qual foi geralmente
aceito como um modelo pelo tribunal. Nem uma corte de primeira instância se vincula pela decisão de
outra corte de similar competência, embora tenha por ela um grande respeito. A autoridade absoluta
existe somente nos seguintes casos: 1. Toda corte está absolutamente vinculada pelas decisões de
todas as cortes superiores a ela. 2. A House of Lords está absolutamente vinculada pelas suas
próprias decisões [A Practice Statement (1966) foi uma declaração apresentada na House of Lords
por Lord Gardiner LC em 26 de julho de 1.966, afastando os precedentes vinculantes na House of
Lords]. 3. A Court of Appeal está provavelmente vinculada pelas suas próprias decisões, embora
sobre este ponto exista alguma dúvida”. GOODHART, Arthur Lehman. Precedent in english and
continental law. London: Stevens and Sons, Limited, 1.934, p. 9, 10.
78

Ressalta-se que as interpretações nunca são isentas, pois o intérprete se


encontra sempre “contaminado” pelas influências históricas que conduzirão a sua
interpretação e não há como se desvencilhar de seus pré-juízos e pré-conceitos para
atuar sob um contexto de “assepsia” interpretativa.219
Esta impossibilidade,220 referente à originalidade interpretativa, coloca o
precedente como técnica interpretativa auxiliar na solução da demanda sub judice,
no sistema jurídico brasileiro do civil law, que em conformidade com o processo
constitucional não é dirigido apenas pelo juiz, porque, na democracia, cuja noção
não deve restringir-se apenas ao exercício do voto, a decisão deve ser participada.
É certo que o precedente somente contribuirá para aumentar a segurança
jurídica e para a estabilidade do sistema, se corretamente observada a interpretação
democrática do contexto fático-jurídico, em que o julgado que lhe deu suporte foi
proferido.221 De outra forma, o precedente funcionará apenas para justificar
casuísmos.
É induvidosa a crescente utilização dos precedentes lato sensu no sistema
jurídico brasileiro, principalmente em razão da utilização da tecnologia da
informação. Porém, os precedentes nem sempre são construídos com a densidade
argumentativa suficiente para considerá-los como tais.
Alguns fatos contribuem para esta situação, como por exemplo, a
disponibilização pelos tribunais às consultas aos bancos de dados de seus julgados,
facilitando a pesquisa de determinada questão jurídica, tanto para as partes,222

219
“Isso é assim porque, com a idéia do procedimento, Habermas quer eliminar toda a idéia de pré-
conceito, de pré-compreensão; esquece, entretanto, que sempre já chegamos ao procedimento com
elementos anteriores ao procedimento, que são inelimináveis, que é o nosso modo de compreender
(prático). Não é possível, desse modo, concordar com a tese de que a verdade é puramente
consensual ou resultante de uma praxis argumentativa [...]”. STRECK, Lenio Luiz. Verdade e
consenso. Constituição, hermenêutica e teorias discursivas da possibilidade à necessidade de
respostas corretas em direito. 3ª. ed., rev., ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen juris, 2.009, p. 80.
220
“Novamente, aqui, a distância entre teoria do discurso e hermenêutica; não há grau zero na
compreensão; e não há como estabelecer condições ideais de fala para alcançar um resultado, a
partir de uma ‘imparcialidade’ proporcionada por um princípio D, como quer Habermas. O
procedimento implica um puro espaço lógico, uma troca de argumentos. Só que cada um já sempre
vem de um lugar de compreensão, que é a pré-compreensão. Na formulação do juízo de validade
(fundamentação-justificação) já está presente a dimensão estruturante, transcendental, que se
assenta no mundo prático (que é a ‘situação concreta’ de que falam os juristas). E isso é
instransponível” (grifos no original). STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso. Constituição,
hermenêutica e teorias discursivas da possibilidade à necessidade de respostas corretas em
direito. 3ª. ed., rev., ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen juris, 2.009, p. 80.
221
RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre:
Livraria do Advogado Editora, 2.010, p. 90.
222
RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre:
Livraria do Advogado Editora, 2.010, p. 30.
79

quanto para o órgão julgador. Tal facilidade, sem exigir grandes esforços, possibilita
a escolha de uma decisão que atenda ao interesse e à preferência do interessado.
Além da facilidade ofertada pela tecnologia da informação, outros fatores
contribuem para o uso dos precedentes. A complexidade da sociedade moderna,223-
224
associada ao crescente volume de processos,225 cujo estoque se mantém
extremamente elevado, encoraja as partes e o órgão julgador a simplificarem os
fundamentos da pretensão e da decisão, os quais passam a se orientar quase por
completo pelas decisões dos tribunais superiores. Ocorre que estas decisões, muitas
vezes, são construídas utilizando insuficientemente os fundamentos de outros
precedentes, alimentando um ciclo de inconsistentes fundamentações.
Em regra, as condições ofertadas para o exercício da jurisdição no Brasil,
v.g., número reduzido de juízes, exigências de produtividade e de cumprimento de
metas, excessivo volume de trabalho, não colaboram para que o órgão julgador
verifique cuidadosamente a semelhança entre a questão jurídica sub judice e aquela
na qual se fixou o precedente.
A contribuir para tal situação, há um costume no direito brasileiro, assentado
no comportamento dos órgãos jurisdicionais inferiores e das partes, em adotar
posições subservientes em relação às decisões, muitas vezes insuficientemente

223
RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre:
Livraria do Advogado Editora, 2.010, p. 30.
224
Apenas a título de curiosidade, sem a intenção de se aprofundar no tema, observa-se que o
aumento da complexidade da sociedade moderna ocorre até mesmo em segmentos bastante
tradicionais, v.g., a família. No censo de 2.010, o IBGE constatou uma diversidade de tipos de família,
apresentando em seu relatório a seguinte informação: “Maior diversidade com relação aos tipos de
famílias, arranjos menos tradicionais, crescimento do número de uniões consensuais e, como os
divórcios aumentaram, há também um crescimento significativo das famílias reconstituídas, onde os
filhos podem ser apenas de um dos cônjuges. Outro efeito conhecido das separações e divórcios é o
aumento do número de crianças que crescem em famílias monoparentais”. BRASIL. Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2.010 – Família e domicílio. Disponível
em: <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/imprensa/ppts/0000001043561021201256361
6217748.pdf>. Acesso em: 20/01/2.015.
225
A taxa de congestionamento, utilizada pelo Conselho Nacional de Justiça, mede a eficiência dos
órgãos jurisdicionais em determinado período, considerando as novas demandas que ingressaram, os
processos baixados e os pendentes de solução. As taxas de congestionamento na jurisdição
brasileira continuam elevadas, conforme relatório do Conselho Nacional de Justiça do ano de 2.013.
No ano 2.009 a taxa de congestionamento foi de 69,7%; em 2.010 de 71,4%; em 2.011 de 70,9%; em
2.012 de 69,9%. Assim, em média, de cada dez demandas iniciadas, apenas três são encerradas.
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/pesquisas-
judiciarias/Publicacoes/relatorio_jn2013.pdf>, <http://www.cnj.jus.br/gestao-e-planejamento/gestao-e-
planejamento-do-judiciario/indicadores/486-rodape/gestao-planejamento-e-
pesquisa/indicadores/13659-03-taxa-de-congestionamento>. Acesso em: 01/11/2.013.
80

fundamentadas, dos tribunais superiores, sob o argumento de que entendimentos


desconformes serão reformados em sede recursal.226
Neste aspecto, há uma semelhança, pelo menos na forma,227 com a técnica
utilizada no sistema do common law, no que se refere ao princípio do stare decisis.
Por outro lado, o temor em não contrariar decisões dos tribunais superiores, ainda
que estas não sejam vinculantes, não é recente no Brasil, e era utilizada nas
primeiras décadas do século passado, conforme noticiou Carlos Maximiliano.228
A observação do senso comum afiança o entendimento pelo qual se afirma
que demandas semelhantes devem ser decididas de forma semelhante.229 É
questionável se esta orientação deve ser considerada como uma obrigação ou não.

226
“E não se pode deixar de mencionar, nesta etiologia, o caótico sistema recursal vigente no Brasil,
que tende a concentrar a verdadeira autoridade judiciária nos seus tribunais centrais, produzindo no
meio jurídico uma cultura de passividade frente ao poder político. Em outras palavras, o fato de que
praticamente todas as decisões prolatadas pelos juízes são revisadas nos órgãos recursais cria a
impressão de inutilidade de se produzir decisões que não estejam adequadas ao pensamento dos
tribunais superiores, pois estas serão, inevitavelmente, reformadas quando chegarem a eles”.
RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre:
Livraria do Advogado Editora, 2.010, p. 30-31.
227
“[...], a invocação de precedentes, no Brasil, tem seguido uma lógica de aleatoriedade que é
estranha a qualquer sistema de case law que se conheça, e em especial ao inglês e ao norte-
americano. Sequer os rudimentos da teoria dos precedentes, destilada durante séculos nos paises
que têm essa tradição, são reconhecidos por aqui. O resultado é um ecletismo improvisado entre
duas tradições diversas, sem que haja uma real interlocução entre elas”. RAMIRES, Maurício. Crítica
à aplicação de precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora,
2.010, p. 31.
228
“Em virtude da lei do menor esforço e também para assegurarem os advogados o êxito e os juízes
inferiores a manutenção das suas sentenças, do que muitos se vangloriam, preferem causídicos e
magistrados, às exposições sistemáticas da doutrina jurídica os repositórios de jurisprudência. Basta
a consulta rápida a um índice alfabético para ficar um caso liquidado, com as razões na aparência
documentadas cientificamente. Por isso, os repertórios de decisões em resumo, simples compilações,
obtêm esplêndido êxito de livraria. Há verdadeiro fanatismo pelos acórdãos: dentre os freqüentadores
dos pretórios, são muitos os que se rebelam contra uma doutrina: ao passo que rareiam os que
ousam discutir um julgado, salvo por dever de ofício, quando pleiteiam a reforma do mesmo. Citado
um aresto, a parte contrária não se atreve a atacá-lo de frente, prefere ladeá-lo, procurar convencer
de que se não aplica à hipótese em apreço, versara sobre caso diferente”. MAXIMILIANO Carlos.
Hermenêutica e aplicação do direito. 16ª. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1.997, p. 181.
229
“It is a basic principle of the administration of justice that like cases should be decided alike. This is
enough to account for the fact that, in almost every jurisdiction, a judge tends to decide a case in the
same way as that in which a similar case has been decided by another judge. The strength of this
tendency varies greatly. It may be little more than an inclination to do as others have done before,or it
may be the outcome of a positive obligation to follow a previous decision in the absence of justification
for departing from it”. Em tradução livre: “É um princípio básico da administração da justiça que cases
parecidos devem ser decididos da mesma forma. Isso é suficiente para explicar o fato de que, em
quase todas as jurisdições, um juiz tende a decidir um caso, da mesma forma como aquele em que
um caso semelhante foi decidido por outro juiz. A força desta tendência varia muito. Pode ser pouco
mais do que uma inclinação para fazer o que outros fizeram antes, ou pode ser o resultado de uma
obrigação positiva de seguir uma decisão anterior, na ausência de justificação para se afastar dela”.
CROSS, Rupert; HARRIS, J. W. Precedent in english law. 4ª. ed. reimpr. New York: Oxford
University Press, 2.004, p. 3.
81

A coerência,230-231 a estabilidade do sistema jurídico e o princípio da igualdade


seriam suficientes para fundamentar a subordinação ao precedente, a ponto de
esses precedentes se tornarem quase dogmas? Acredita-se que obrigar equivale a
se submeter, e submissão não se conforma com Estado Democrático de Direito,
cujos fundamentos se apoiam na participação e no consenso. E mais, seria aceitável
que as noções de segurança, de igualdade e de coerência sejam definidas por
cortes superiores da jurisdição?
Nesta perspectiva, não é difícil criticar a obrigatoriedade em se adotar os
precedentes dos tribunais superiores,232 concebidos, muitas vezes, por atitudes
discricionárias,233 autoritárias, monocráticas, em um contexto positivista e
prioritariamente hierárquico, ao invés de se adotar a persuasividade das decisões
anteriormente prolatadas.
Parece não haver dúvida que a justificativa para se respeitar o princípio do
stare decisis corresponde a uma questão política, não significando dizer que seja
democrática, o que impõe questionar o grau de democraticidade do exercício da
jurisdição tanto no common law como também no civil law.
Ressalta-se que há inúmeros critérios políticos capazes de caracterizar um
julgado como precedente, como por exemplo, o número de vezes em que a questão
jurídica foi adotada, o órgão que proferiu a decisão, a notabilidade do juiz que
decidiu, a discricionariedade do próprio órgão jurisdicional.

230
A coerência do sistema jurídico é proporcional à sua densidade principiológica. Neste sentido Neil
MacCormick: “To the extent however that the rules are, or are treated as being, instances of more
general principles the system acquires a degree of coherence”. Em tradução livre: “Porém, na medida
em que as regras são, ou sejam tratadas como se fossem instâncias de princípios mais gerais, o
sistema adquire um grau de coerência”. MACCORMICK, Neil. Legal reasoning and legal theory.
Oxford: Clarendon Press, 1.978, p. 107.
231
“[...] ‘coherence’ in the sense that the multitudinous rules of a developed legal system should ‘make
sense’ when taken together. Sets of rules may be such that they are all consistent with some more
general norm, and may therefore be regarded as more specific or ‘concrete’ manifestations of it”. Em
tradução livre: “[...] ‘coerência’ no sentido de que as inúmeras normas de um sistema jurídico
desenvolvido devem ‘fazer sentido’ quando tomadas em conjunto. Conjuntos de normas podem ser
de tal natureza que todas elas são consistentes com alguma norma mais geral, e pode, portanto, ser
consideradas como manifestações mais específicas ou ‘concretas’ dessa norma”. MACCORMICK,
Neil. Legal reasoning and legal theory. Oxford: Clarendon Press, 1.978, p. 152.
232
“O aspecto que caracteriza a regra do precedente, nesse particular [vinculante], é o seu cunho
fortemente coercitivo. Esse princípio jurídico é denominado stare decisis, significando que a anterior
decisão cria direito” (grifo no original). TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte
do direito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2.004, p. 12.
233
HONDIUS, Edwoud. General report. In: Precent and the law: reports to the XVIIth Congress
International Academy of Comparative Law. Ed. Edwoud HONDIUS. Bruxelles: Etablissements
Emile Bruyland, 2.007, p. 10.
82

Em relação aos precedentes, interessante questão se apresenta no sistema


jurídico brasileiro, a respeito do entendimento prevalente nos tribunais superiores,
por meio do qual estes tribunais não devem reexaminar questões fáticas em sede
recursal, destacando-se o claro objetivo em reduzir a apreciação de recursos e com
isto a quantidade de processos a tramitarem nestes órgãos.
Ocorre que a adoção dos precedentes ao estilo do common law parece
implicar obrigatoriamente uma drástica mudança no método pelo qual os recursos
serão avaliados, caso se queira respeitar a tradicional noção de precedentes
daquele sistema.234 De outro modo, se na aplicação dos precedentes, os órgãos
julgadores continuarem a desconsiderar as semelhanças entre as questões jurídicas
ter-se-á algo figurativo, no melhor estilo dos precedentes “à brasileira”.
Na teoria do precedente, os fatos e a motivação são essenciais para a sua
construção.235 Caso não haja alteração na forma de se analisar e de construir a
fundamentação dos recursos, considerando as premissas do novo Código de
Processo Civil, prevalecerá a separação entre direito e fato, resquício do
racionalismo do século XVIII, resultando na continuidade da universalização e da
abstração de ementas, súmulas e excertos de julgados.
Ovídio Baptista (1.929-2.009) assinalava a incoerência do entendimento de
destacar o fato do direito:
Segundo a Constituição Federal, nossos supremos tribunais têm a missão
de velar pela uniformidade da jurisprudência, além de impedir que as
instâncias ordinárias cometam violação à Constituição e às leis federais,
pressupondo, porém, o texto constitucional a separação entre “direito” e
“fato”, de tal modo que esses tribunais não reexaminem as “questões
probatórias”, que haverão de ser soberanamente apreciadas pelos tribunais
ordinários. Certamente é possível, em teoria, fazer a separação entre o
momento da “formação” da prova e o segundo momento, relativo ao
“sentido” da prova produzida, o momento em que o julgador, dispondo da
prova, em sua materialidade, dá-lhe o sentido que lhe pareça pertinente. É o

234
“[...] o futuro de nossos tribunais supremos depende da urgente reforma constitucional, no que
pertine aos pressupostos de cabimento dos recursos extraordinários. É necessário modernizá-los de
modo eles ultrapassem a modernidade, superando a equivocada distinção entre ‘questão de fato’ e
‘questão de direito’, que é o atual pressuposto de nosso sistema constitucional, para reconhecer que,
além da errônea aplicação da lei, a verdadeira missão dessas cortes excepcionais é o controle da
motivação fática das sentenças, bem como o controle dos erros de fato, na apreciação da prova, seja
pela ilogicidade dos fundamentos aceitos pela sentença; seja pela ‘incompletude’ da análise da prova,
determinante de erro na aplicação do direito”. BAPTISTA DA SILVA, Ovídio. Fundamentação das
sentenças como garantia constitucional. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, Porto
Alegre, v. 1, n. 4, p. 323-352, 2.006.
235
“Bem é de ver que, pressupondo, sob o aspecto temporal, uma decisão já proferida, todo
precedente judicial é composto por duas partes distintas: a) as circunstâncias de fato que embasam a
controvérsia; e b) a tese ou o princípio jurídico assentado na motivação (ratio decidendi) do
provimento decisório” (grifos no original). TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como
fonte do direito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2.004, p. 12.
83

chamado momento da “qualificação” da prova. Diz-se não caber aos


tribunais supremos pronunciarem-se sobre a existência da prova. Esta é
considerada uma missão exclusiva das instâncias ordinárias. Mas é legítimo
que os tribunais dos recursos extraordinários revisem a “qualificação” da
prova, de modo a determinar se, da prova existente – respeitada a sua
“completude” –, fora adequada a conclusão extraída pela decisão recorrida.
Nisto, substancialmente, costuma esgotar-se o exame das “questões de
fato” perante nossos tribunais supremos. Os recursos extraordinário e
especial serão admitidos quando essas instâncias considerem que a prova
foi mal apreciada pelo acórdão recorrido, porque o julgamento – atendo-se à
236
prova existente nos autos – qualificaram-na equivocadamente.

São numericamente irrelevantes as decisões do Supremo Tribunal Federal e


do Superior Tribunal de Justiça,237 que analisam as provas e esta atitude é
amparada por enunciados de súmulas destes próprios tribunais.238 No que toca ao
precedente, questiona-se se não haveria uma incompatibilidade entre estes e o
enunciados das súmulas n. 279, do Supremo Tribunal Federal, e n. 7, do Superior
Tribunal de Justiça. Há anos, Ovídio Baptista se irresignava com a posição dos
tribunais superiores, conforme assinalado a seguir:
Impõe-se, portanto, a conclusão de que nossos tribunais supremos,
simultaneamente à tarefa de vigiarem a “qualificação” dos “fatos” devem
preocupar-se também com a correta – e completa – fundamentação das
sentenças, de modo que tanto o princípio constitucional que o manda
respeitar quanto os arts. 131 e 458 do Código de Processo Civil, pilares de
uma jurisdição compatível com um Estado Democrático de Direito,
passassem a ter vigência efetiva, impedindo o arbítrio de decisões
jurisdicionais carentes de fundamentação. Em última análise, a missão dos
supremos tribunais é, sim, examinar “fatos” ou, se quisermos, vigiar que
eles sejam utilizados pelas instâncias ordinárias de modo a assegurar a
correta aplicação da lei, para que essas Cortes exerçam o “controllo della
logicità del fatto”, exigência fundamental tanto da racionalidade do
239
julgamento, quanto da observância do “princípio do contraditório”.

Cross (1.912-1.980) e Harris (1.940–2.004) destacam que, também no


sistema do common law inglês, há decisões dos juízes da County Courts sobre

236
BAPTISTA DA SILVA, Ovídio. Fundamentação das sentenças como garantia constitucional.
Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, Porto Alegre, v. 1, n. 4, p. 323-352, 2.006.
237
“Todavia, o número desses julgados não chega a fazer sombra à extraordinária avalanche de
decisões, em geral monocráticas, dos respectivos relatores, que impedem o acesso do recurso, sob a
alegação de que o recorrente pretende, simplesmente, o ‘reexame’ da prova; ou pretende que esses
tribunais rejulguem a causa, como uma terceira instância”. BAPTISTA DA SILVA, Ovídio.
Fundamentação das sentenças como garantia constitucional. Revista do Instituto de Hermenêutica
Jurídica, Porto Alegre, v. 1, n. 4, p. 323-352, 2.006.
238
Enunciado da súmula do Supremo Tribunal Federal n. 279: “Para simples reexame de prova não
cabe recurso extraordinário” e do Superior Tribunal de Justiça de n. 7: “A pretensão de simples
reexame de prova não enseja recurso especial”. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/enunciados.jsp?&b=SUMU&p=true&t=&l=10&i=510>
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula&pagina=sumula_201_3
00>. Acesso em: 25/09/2.014
239
BAPTISTA DA SILVA, Ovídio. Fundamentação das sentenças como garantia constitucional.
Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, Porto Alegre, v. 1, n. 4, p. 323-352, 2.006.
84

questões de fato que são irrecorríveis,240 de forma semelhante ao que ocorre no


sistema jurídico brasileiro.
Como pode notar-se, a aplicação dos precedentes no ordenamento jurídico
democrático brasileiro não significa apenas transformá-lo, tão somente, em normas
jurisprudenciais, ou em normas jurídicas, ou inseri-los no Código de Processo. É
muito mais do que isso, será necessária a sua adequação ao processo
constitucional, conformando-os aos princípios verdadeiramente democráticos que
devem fundamentar a jurisdição.

4.3. Os precedentes sob uma perspectiva processual democrática

Predominantemente, as obras que dissertam sobre o estudo do direito


processual, incluindo as publicadas nos países que adotam o sistema do civil law
quanto as publicadas nos países do common law, dedicam demasiada ênfase às
atividades dos juízes e pouco esclarecem sobre a necessária participação das
partes na construção do processo e da decisão. Questiona-se se esta
sobrevalorização não seria perniciosa e incentivadora de portar o judiciário ao locus
de superego da sociedade, como critica Ingeborg Maus (1.937-) . Veja-se:
Não se trata simplesmente da ampliação objetiva das funções do Judiciário,
com o aumento do poder da interpretação, a crescente disposição para
litigar ou, em especial, a consolidação do controle jurisdicional sobre o
legislador, principalmente no continente europeu após as duas guerras
mundiais. Acompanha essa evolução uma representação da Justiça por
parte da população que ganha contornos de veneração religiosa. [...]. Na
visão retrospectiva do século XX, a jurisprudência da Suprema Corte norte-
americana apresenta-se como obra das marcantes personalidades de juizes
que fizeram sua história constitucional, os quais aparecem como ‘profetas’
ou ‘deuses do Olimpo do direito’. Nessas representações se revela mais que
em qualquer outro campo a atual tendência ao biografismo, que demonstra
uma reação passiva da personalidade em face de uma sociedade dominada
241
por mecanismos objetivos (grifos acrescidos).

240
“[...] there is the rule that there is no appeal on a question of fact from certain classes of decisions
of a County Court judge, [...]”. Em tradução livre: “[...], existe uma regra segundo a qual não é possível
recorrer de certas sentenças proferidas pelos juízes das County Courts quando se tratar de questões
de fato, [...]”. CROSS, Rupert; HARRIS, J. W. Precedent in english law. 4ª. ed. reimpr. New York:
Oxford University Press, 2.004, p. 222.
241
MAUS, Ingeborg. Judiciário como superego da sociedade. O papel da atividade jurisprudencial na
“sociedade órfã”. Trad. Martonio Lima e Paulo Albuquerque. Revista Novos Estudos, São Paulo, n.
28, p. 183-202, 2.000.
85

Ao considerar a democracia como princípio,242 não seria adequado restringi-la


ao voto e à política, bem como, conforme o faz Paulo Bonavides, associar a noção
de cidadania, como se fosse uma esfera de capacidades, da qual
derivam direitos, quais o direito de votar e ser votado (status activae
civitatis) ou deveres, como os de fidelidade à Pátria, prestação de serviço
militar e observância das leis do Estado. Sendo a cidadania um círculo de
capacidade conferido pelo Estado aos cidadãos, este poderá traçar-lhe
limites, caso em que o status civitatis apresentará no seu exercício certa
variação ou mudança de grau. De qualquer maneira é um status que define
o vínculo nacional da pessoa, os seus direitos e deveres em presença do
243
Estado e que normalmente acompanha cada indivíduo por toda a vida.

Desta concepção estatal de cidadania, resulta um impedimento implícito que


afasta a democracia do exercício das demais funções do Estado, especialmente,
para o presente estudo, das funções jurisdicionais.
A cidadania na pós-modernidade deve exercitar-se por meio de
procedimentos democráticos, compreendendo, conforme assinala Marcelo Cattoni,
a:
titularidade de direitos reciprocamente reconhecidos e que se garantem
através dessa institucionalização de procedimentos, capaz de possibilitar a
formação democrática da vontade coletiva, a formação imparcial de juízos
de aplicação jurídico-normativa e a execução de programas e de políticas
públicas, sem impor um único modelo de vida boa, embora os mesmos
devam garantir aos cidadãos, no exercício de sua autonomia publica, a
possibilidade de realização de um projeto cooperativo de fixação de
244
condições de vida e recorrentemente mais justas (grifos acrescidos).

É neste contexto democrático que o processo constitucional deve


desenvolver-se e o mesmo deverá ocorrer com os precedentes.
O ordenamento jurídico, no Estado Democrático de Direito, ao categorizar
julgados como precedentes, deve adotar requisitos democráticos para a aplicação
destes, tais como os enumerados por Dierle Nunes:

242
“Tôda democracia é atenção ao querer; e esforço para identificar: marcha-se, sem que se saiba
para onde; mas marcha-se. O seu fim é, pois, esperança, e não pròpriamente, fim; espera-se que se
chegue ao acôrdo, pelas simetrizações que atenuem as diversidades da vontade. Daí a irremediável
contradição de tôda democracia que não igualiza a escola, que não procura tornar possível a
identificação a que aspira. Não é só isso. Tôda democracia é luta contra as lutas, porque organiza
pleitos que evitem choques. Ainda mais. Tôda democracia supõe a vontade livre; portanto, liberdade,
que precede à função democrática, e solução, que não a sacrifique porque a democracia é no tempo,
em soluções sucessivas e provisórias”. (grifos no original). PONTES DE MIRANDA, Francisco
Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1.967, com a Emenda nº 1 de 1.969. 3ª ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1.987, tomo I, p. 12.
243
BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 10ª. ed. rev., atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2.000, p.
93.
244
CATTONI DE OLIVEIRA, M. A. Direito processual constitucional. Belo Horizonte:
Mandamentos, 2.001, p. 178, 179.
86

1.º - Esgotamento prévio da temática antes de sua utilização como um


padrão decisório (precedente): ao se proceder à análise de aplicação dos
precedentes no common Iaw se percebe ser muito difícil a formação de um
precedente (padrão decisório a ser repetido) a partir de um único julgado,
salvo se em sua análise for procedido um esgotamento discursivo de todos
os aspectos relevantes suscitados pelos interessados. Nestes termos,
mostra-se estranha a formação de um "precedente" a partir de um
julgamento superficial de um (ou poucos) recursos (especiais e/ou
extraordinários) pinçados pelos Tribunais (de Justiça/regionais ou
Superiores). Ou seja, precedente (padrão decisório) dificilmente se forma a
partir de um único julgado.
2.º Integridade da reconstrução da história institucional de aplicação da
tese ou instituto pelo tribunal: ao formar o precedente o Tribunal Superior
deverá levar em consideração todo o histórico de aplicação da tese, sendo
inviável que o magistrado decida desconsiderando o passado de decisões
acerca da temática. E mesmo que seja uma hipótese de superação do
precedente (overruIíng) o magistrado deverá indicar a reconstrução e as
razões (fundamentação idônea) para a quebra do posicionamento acerca da
temática.
3.° - Estabilidade decisória dentro do Tribunal (stare decisis horizontal): o
Tribunal é vinculado às suas próprias decisões: como o precedente deve se
formar com uma discussão próxima da exaustão, o padrão passa a ser
vinculante para os Ministros do Tribunal que o formou. É impensável
naquelas tradições que a qualquer momento um ministro tente promover um
entendimento particular (subjetivo) acerca de uma temática, salvo quando
se tratar de um caso diferente (distinguishing) ou de superação (overruIíng).
Mas nestas hipóteses sua fundamentação deve ser idônea ao
convencimento da situação de aplicação.
4.° - Aplicação discursiva do padrão (precedente) pelos tribunais inferiores
(stare decisis vertical): as decisões dos tribunais superiores são
consideradas obrigatórias para os tribunais inferiores ("comparação de
casos"): o precedente não pode ser aplicado de modo mecânico pelos
Tribunais e juízes (como v.g., as súmulas são aplicadas entre nós). Na
tradição do common law, para suscitar um precedente como fundamento, o
juiz deve mostrar que o caso, inclusive, em alguns casos, no plano fático, é
idêntico ao precedente do Tribunal Superior, ou seja, não há uma repetição
mecânica, mas uma demonstração discursiva da identidade dos casos.
5.° - Estabelecimento de fixação e separação das ratione decidendi dos
obiter dicta da decisão: a ratio decidendi (elemento vinculante) justifica e
pode servir de padrão para a solução do caso futuro; já o obiter dictum
constituem-se pelos discursos não autoritativos que se manifestam nos
pronunciamentos judiciais [...].
6.° - Delineamento de técnicas processuais idôneas de distinção
(distinguishing) e superação (overruling) do padrão decisório: A ideia de se
padronizar entendimentos não se presta tão só ao fim de promover um
modo eficiente e rápido de julgar casos, para se gerar uma profusão
numérica de julgamentos. Nestes termos, a cada precedente formado
(padrão decisório) devem ser criados modos idôneos de se demonstrar que
o caso em que se aplicaria um precedente é diferente daquele padrão,
mesmo que aparentemente seja semelhante, e de proceder à superação de
seu conteúdo pela inexorável mudança social - como ordinariamente ocorre
245
em países de common law.

245
NUNES, Dierle José Coelho. Processualismo constitucional democrático e o dimensionamento de
técnicas para a litigiosidade repetitiva: a litigância de interesse público e as tendências ‘não
compreendidas’ de padronização decisória. Revista de Processo, São Paulo, v. 199, ano 36, p. 41-
82, set. 2.011.
87

Poder-se-ia acrescentar, além dos enumerados pelo processualista, o


requisito da procedimentalização do “diálogo” entre os órgãos jurisdicionais, a fim de
que a aplicação dos precedentes se realize a partir do consenso e não de forma
autoritária, conforme encontra-se estruturada a hierarquia do judiciário. De outra
forma, estar-se-ia prestigiando o protagonismo judicial, a fossilização dos
precedentes e, tão somente, a eficiência quantitativa na solução das demandas,
resultando, destes comportamentos, uma inevitável redução da densidade
democrática do processo.
Ressalta-se, assim, que a adoção do precedente no ordenamento jurídico
pátrio necessita de mais investimentos na compreensão e na delimitação teórica do
instituto, a fim de se obter os benefícios que a sua aplicação pode resultar para a
segurança, isonomia, previsibilidade e integridade do direito.
Na sequência, prossegue-se na reconstrução dos precedentes sob uma
perspectiva democrática, ressaltando-se, desde já, a impossibilidade de
desconsiderar o envolvimento histórico e cultural de sua construção. Por outro lado,
ampara-se na perspectiva teórica da integridade do direito de Dworkin, respeitando o
desenvolvimento continuado do direito, em conformidade com os direitos
fundamentais.

4.4. A aplicação dos precedentes no sistema jurídico brasileiro

A resposta que se gostaria de obter é se o sistema jurídico brasileiro, com a


aprovação e vigência do novo Código de Processo Civil, estará apto a permitir a
aplicação dos precedentes de forma alcançar os resultados finalísticos que este
instituto proporciona ao sistema do common law, uma vez que a sua aplicação
exigirá um maior envolvimento do órgão julgador para fundamentar a decisão,
ensejando uma análise mais aprofundada das questões jurídicas da demanda sub
judice e do precedente.246

246
No momento atual, o sistema processual não corresponde a esta expectativa, conforme afirma
Dierle Nunes: “Infelizmente, em face de inúmeros fatores, o sistema processual brasileiro costuma
trabalhar com a eficiência quantitativa, impondo mesmo uma visão neoliberal de alta produtividade de
decisões e de uniformização superficial dos entendimentos pelos tribunais (padronização decisória),
mesmo que isto ocorra antes de um exaustivo debate em torno dos casos, com a finalidade de
aumentar a estatística de casos ‘resolvidos’”. NUNES, Dierle José Coelho. Processualismo
constitucional democrático e o dimensionamento de técnicas para a litigiosidade repetitiva: a litigância
de interesse público e as tendências ‘não compreendidas’ de padronização decisória. Revista de
Processo, São Paulo, v. 199, ano 36, p. 41-82, set. 2.011.
88

Não há dúvidas que este necessário plus interpretativo à análise do caso e do


precedente exigirá um maior esforço em alguma etapa do processo. E não é
absurdo afirmar que a vantagem em relação ao aspecto qualitativo da decisão
exigirá, por outro lado, um tempo maior no processo.
Assim, ceteris paribus, não há como prever melhorias na efetividade do
processo, preservando as técnicas do processo clássico individualizado,
principalmente no sistema jurídico brasileiro, no qual as fases preparatórias do
processo não são levadas tão a sério como deveriam. Os precedentes, tout court,
não serão suficientes para solucionar as crises da jurisdição e do processo. Tudo
indica que o sucesso dos precedentes deve estar relacionado a novos paradigmas
de abordagem dos conflitos, que considerem seriamente a litigiosidade repetitiva e
serial,247 a fim de atender os direitos fundamentais de uma sociedade de massas
instalada.248
Aspecto relevante a ser destacado nas cortes supremas do common law, da
Inglaterra e dos Estados Unidos, é aquele que se refere aos casos a serem julgados
por estas cortes. Não existem normas compelindo estas cortes supremas a
processarem e a julgarem determinado recurso. A escolha é realizada pela própria
corte, utilizando a mal afamada discricionariedade. A corte escolhe o caso
merecedor de processo e julgamento. A utilização desta técnica resulta na reduzida
quantidade de casos julgados por estas cortes, conforme assinala Michele Taruffo
(1.943-):

247
“A recente divulgação do relatório “Justiça em Números” do CNJ mostra que em 2.013 tramitavam
no Poder Judiciário cerca de 95 milhões de processos. Neste ambiente saturado, de litigiosidade
massiva (em grande medida repetitiva), de uso recorrente de modelos decisórios, informatização
padronizadora, julgamentos em lista, em pseudo-colegialidade, torna-se imperativa a mudança da
atuação da advocacia com a finalidade de atendimento à garantia fundamental ofertada a todo o
cidadão de obtenção de uma defesa técnica (art. 133, CRFB/1.988)”. NUNES, Dierle José Coelho;
DELFINO, Lúcio Delfino. Infantilização dos advogados e juízes: mais um PL que tenta esvaziar a
defesa técnica do cidadão. Justificando. Disponível em:
<http://justificando.com/2014/10/02/infantilizacao-dos-advogados-e-juizes-mais-um-pl-que-tenta-
esvaziar-defesa-tecnica-cidadao>. Acesso em: 04/10/2.014.
248
“O processo civil clássico foi idealizado para dimensionar conflitos privados e individuais
(prioritariamente questões envolvendo a propriedade, relações contratuais, família e sucessões): a
denominada litigiosidade individual. No entanto, na atualidade, esta litigiosidade não se mostra como
a mais preocupante para o sistema de aplicação de direitos em face do fato de que após a
Constituição cidadã de 1.988, e da assunção efetiva de garantias de acesso à justiça (art. 5º, XXXV,
da CF/1.988) e do devido processo legal (art. 5º, LIV; da CF/1.988), o processo se tornou urna
garantia do cidadão para viabilizar a obtenção de direitos (fundamentais) e permitir que a litigiosidade
coletiva e serial (repetitiva), especialmente a litigância de interesse público (PIL), fosse submetida ao
Poder judiciário”. NUNES, Dierle José Coelho. Processualismo constitucional democrático e o
dimensionamento de técnicas para a litigiosidade repetitiva: a litigância de interesse público e as
tendências ‘não compreendidas’ de padronização decisória. Revista de Processo, São Paulo, v.
199, ano 36, p. 41-82, set. 2.011.
89

El primero de estos elementos [la uniformidad de la jurisprudencia y el


control de legalidad] está constituido por el poder, que estas cortes tienen,
para escoger los casos que las propias cortes consideran deben decidir. La
Corte Suprema de los Estados Unidos utiliza el denominado certiorari con
plena e ilimitada discrecionalidad, estableciendo cuáles son los casos que
se entienden merecedores de consideración y decisión, y ésta elección –
positiva o, como sucede en la mayor parte de los casos, negativa - no
requiera motivación. [...]. El segundo elemento que se toma en
consideración, y que está directamente ligado al poder discrecional de elegir
los casos que merecen ser decididos, es el número limitado de decisiones
que estas cortes emiten. Actualmente la House of Lords pronuncia menos
de 100 sentencias al año, y la corte suprema de los Estados Unidos menos
de 200, con una línea de tendencia que va en el sentido de una progresiva
reducción del número de casos que vienen tomados en consideración
249
(grifos acrescidos).

Uma preocupação que desponta no cenário dos precedentes diz respeito ao


perverso costume, há muito radicado no sistema jurídico brasileiro, de, em regra,
fundamentar superficialmente as decisões em enunciados de súmulas,250 ementas e
nas próprias normas jurídicas, situação que diverge da técnica de aplicação do
precedente no formato dos países do common law. Assim, corre-se o risco de se
criar um novo instituto: o precedente tipicamente brasileiro, em desfavor da
integridade do direito.251
A utilização criteriosa dos precedentes parece não se conformar com a atual
técnica pátria de motivar decisões, que utiliza a jurisprudência e os enunciados de
súmulas, e até ementas,252 como se fossem normas genéricas e abstratas,

249
TARUFFO, Michele. Las funciones de las cortes supremas. In: La prueba, artículos y
conferencias. Santiago: Editorial Metropolitana, 2.008, p. 205-223.
250
“No Brasil, a utilização do aludido ‘marco zero’ se apresenta, inclusive, quando são utilizadas
Súmulas e julgados passados, isto é, a mera referência a ‘teses’ colhidas daqueles não garante maior
integridade” (grifos acrescidos). NUNES, Dierle José Coelho. Processualismo constitucional
democrático e o dimensionamento de técnicas para a litigiosidade repetitiva: a litigância de interesse
público e as tendências ‘não compreendidas’ de padronização decisória. Revista de Processo, São
Paulo, v. 199, ano 36, p. 41-82, set. 2.011.
251
“Sequer os rudimentos da teoria dos precedentes, destilada durante séculos nos países que têm
essa tradição, são conhecidos por aqui”. RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes
no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2.010, p. 31.
252
Apenas para exemplificar, transcreve-se excerto do voto: “[...]. A propósito trago à colação os
seguintes julgados:
‘ADMINISTRATIVO - CONSELHO PROFISSIONAL EM DISPUTA COM VIGILÂNCIA SANITÁRIA. 1.
Cabe ao CRF fiscalizar, pelo exercício do poder de polícia, as farmácias e drogarias. 2. A
competência funcional do Conselho não se confunde com a de Vigilância Sanitária, que tem por
escopo zelar pela vigilância de funcionamento organizacional, inclusive de horário. 3. Recurso
especial provido’. (STJ, RESP- 274415, Proc. nº 200000863572, Data da Decisão 21/02/2002, Rel.
Min. Eliana Calmon).
‘ADMINISTRATIVO. DROGARIAS E FARMÁCIAS. FISCALIZAÇÃO. COMPETÊNCIA DO
CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA. RESPONSÁVEL TÉCNICO EM HORÁRIO INTEGRAL. 1.
Recurso Especial interposto contra v. Acórdão que reconheceu a competência do órgão de
fiscalização sanitária local, e não do Conselho Regional de Farmácia, para fiscalizar e aplicar as
penalidades no caso de infrações cometidas pelos estabelecimentos que não cumprirem a obrigação
legal de manter um responsável técnico em horário integral. 2. Irresignação recursal no sentido de
90

universalizantes, tipicamente legislativas, em desconformidade com a distribuição


das funções constitucionais atribuídas à jurisdição e ao parlamento.
Não criticando, neste momento, a democraticidade do instituto, a
fundamentação da decisão baseada em precedentes é uma técnica que procura
privilegiar a estabilidade e a linearidade do sistema jurídico, embora também possa,
quando mal utilizada, produzir efeitos deletérios,253 ocasionando ofensas e
desrespeitos aos direitos e garantias fundamentais.
O sistema jurídico brasileiro, no qual a jurisprudência sobre o mesmo tema
oscila em diversas frequências, apresenta, não raro, decisões que se contradizem,
inclusive em tribunais que detém a qualidade de superiores, disponibilizando aos
interessados e aos julgadores um “cardápio” que serve a toda e qualquer
pretensão.254
Interessa referenciar, principalmente em razão do elevado prestígio que o
autor do texto, a seguir transcrito, Luís Roberto Barroso, ocupa no cenário jurídico, o
comentário sobre os precedentes, no qual, se por um lado e em sua maior parte,
defende os fundamentos democráticos da segurança jurídica, isonomia e eficiência,
por outro lado, subordina os precedentes ao entendimento dos tribunais. Assim,
expressa o autor:
Pois bem: nesse ambiente marcado pela expansão, pela judicialização das
relações e pelo poder criativo dos intérpretes é que se coloca, de maneira
decisiva, a questão da função dos precedentes judiciais. O acatamento
amplo à jurisprudência dos tribunais, notadamente dos tribunais superiores,
em um mundo marcado pela complexidade, pela diversidade e pelo
pluralismo, tem a potencialidade de realizar três grandes princípios
constitucionais: segurança jurídica, isonomia e eficiência. De fato, o respeito

que compete à Vigilância Sanitária, e não ao CRF, impor ao estabelecimento a penalidade decorrente
do fato desta não manter, durante todo o horário de funcionamento, responsável técnico habilitado e
registrado no Conselho Regional. 3. Inexistência da alegada incompetência do Conselho Regional de
Farmácia para promover a fiscalização e punição devidas, uma vez que o art. 24, da Lei nº 3.820/60,
que cria os Conselhos Federais e Regionais de Farmácia, é claro no estatuir que farmácias e
drogarias devem provar, perante os Conselhos, terem profissionais habilitados e registrados para o
exercício de atividades para os quais são necessários, cabendo a aplicação de multa aos infratores
ao Conselho Regional respectivo. 4. As penalidades aplicadas têm amparo legal no art. 10, ‘c’, da Lei
nº 3.820/60, que dá poderes aos Conselhos Regionais para fiscalizar o exercício da profissão e punir
as infrações. 5. A Lei nº 5.991/73 impõe obrigação administrativa às drogarias e farmácias no sentido
de que terão, obrigatoriamente, a assistência de técnico responsável, inscrito no Conselho Regional
de Farmácia, na forma da lei’ (art. 15), e que ‘a presença do técnico responsável será obrigatória
durante todo o horário de funcionamento do estabelecimento. 6. Recurso provido’. RESP 364827/SP,
DJ. 04/03/2002, P.00215, Relator Min. JOSÉ DELGADO). [...]”.BRASIL. Tribunal Regional Federal
da 3ª Região. Apelação nº 2.004.03.99.029646-8 AC-SP, rel.: Juiz Conv. Manoel Álvares, Órgão
Julgador: 4ª Turma, Julg.: 29/09/2.004.
253
RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre:
Livraria do Advogado Editora, 2.010, p. 31.
254
RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre:
Livraria do Advogado Editora, 2.010, p. 31.
91

generalizado aos precedentes, por parte de juízes e tribunais, assegura a


previsibilidade das condutas, elemento fundamental da idéia de segurança.
Por outro lado, a aplicação da mesma solução a casos efetivamente
equiparáveis impede que se produzam resultados discriminatórios em
relação a pessoas que se encontrem na mesma situação. E, por fim, a
observância dos precedentes, como regra geral, simplifica a atuação dos
órgãos judiciais, permitindo decisões objetivas e com motivações mais
255
sucintas (grifos acrescidos).

Mais à frente, no mesmo texto, o autor demonstra a sua opção pelo


protagonismo judicial:
E cabe apenas, antes de encerrar, fazer um registro fundamental. Pode
acontecer de o juiz ou o tribunal se convencer que determinada tese jurídica
firmada por instância superior não realiza, por fatores diversos, a justiça do
caso concreto que lhe cabe decidir. Não se trata de mera divergência
doutrinária, mas da constatação de que uma regra de direito que foi
adequada para um problema pode não ser para outro. Nessa hipótese, não
deve o órgão judicial decidir contra sua convicção, cabendo-lhe produzir a
solução que se lhe afigure correta e justa. Em situações como esta,
naturalmente, potencializa-se para o prolator da decisão o ônus
argumentativo de demonstrar os elementos distintivos que impediram a
adoção da regra geral. Tal compreensão da função dos precedentes
judiciais, dotados de uma vinculação prima facie que pode não prevalecer
em determinadas situações, supera as duas objeções que são normalmente
opostas à sua valorização: (a) não há risco de se violar a consciência do
juiz, (b) nem tampouco perigo de engessamento da jurisprudência (grifos
256
acrescidos).

Como pode observar-se, a instalação de um processo de cunho


essencialmente democrático exige um contínuo esforço na realização dos princípios
constitucionais que estabeleçam, na práxis, a possibilidade da concreta participação
das partes e do órgão julgador, a fim de afastar o solitário desempenho da
autoridade estatal.

4.5. Os precedentes no novo Código de Processo Civil sob uma visão


principiológica

Ao analisar o novo Código de Processo Civil,257 aprovado pelo Senado


Federal em sessão plenária de 17/12/2.014, é possível perceber que o novo Código

255
BARROSO, Luís Roberto. Elementos para a construção de um direito jurisprudencial. In: MELLO,
Patrícia Perrone Campos. Precedentes – o desenvolvimento judicial do direito no
constitucionalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2.008, p. s.n.
256
BARROSO, Luís Roberto. Elementos para a construção de um direito jurisprudencial. In: MELLO,
Patrícia Perrone Campos. Precedentes – o desenvolvimento judicial do direito no
constitucionalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2.008, p. s.n..
257
O novo Código de Processo Civil, na data de conclusão deste trabalho, encontrava-se pendente
de sanção presidencial. BRASIL. Senado Federal. Novo Código de Processo Civil. Texto
Consolidado com os ajustes promovidos pela Comissão Temporária do Código de Processo Civil.
92

empenha-se, implicitamente, em designar o precedente como gênero,258 cujas


espécies são as decisões em matéria de controle concentrado de
constitucionalidade, os enunciados de súmula, os acórdãos em determinados
procedimentos e as orientações do plenário do órgão especial dos tribunais.259
O novo Código de Processo, em seu art. 925, III, dispõe que os acórdãos260
nos procedimentos de “incidente de assunção de competência”, “resolução de
demandas repetitivas”, “julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos”
e “controle concentrado de constitucionalidade” deverão ser observados por todos
os órgãos jurisdicionais, o que significa dizer que se categorizam como precedentes
vinculantes.261 Neste sentido, pode afirmar-se que o novo Código de Processo não
equiparou o precedente à parte dispositiva do acórdão, e o fez corretamente, pois
desta forma, possibilita uma ampla análise das questões jurídicas (fáticas e de
direito) do precedente frente ao caso sub judice.
Por outro lado, o artigo 925, III, induz ao entendimento de que os acórdãos
referentes aos procedimentos supracitados, antes mesmo de serem proferidos, já
nasceriam nomeados precedentes, utilizando uma técnica que contraria a própria
noção do instituto, uma vez que um precedente nunca nasce titulado.262 Tal
entendimento traduziria uma contradictio in terminis, ou o dispositivo estaria a tratar
de uma nova figura, semelhante ao precedente, mas precedente não é.

Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=116731>.


Acesso em 20/01/2.015.
258
A evidência é mais destacada na Emenda aglutinativa global ao PLC 8046/2.010, apensado ao PL
6.025/2.005, Capítulo XV – DO PRECEDENTE JUDICIAL, arts. 520 e 521, na qual o precedente
ocupa um capítulo próprio e bem definido.
259
Livro III – Dos processos nos tribunais e dos meios de impugnação das decisões judiciais – Título I
– Da ordem dos processos e dos processos de competência originária dos tribunais – Capítulo I –
Disposições gerais - arts. 924 e 925.
260
“Art. 202. Recebe a denominação de acórdão o julgamento colegiado proferido pelos tribunais”.
BRASIL. Senado Federal. Novo Código de Processo Civil. Texto consolidado com os ajustes
promovidos pela Comissão Temporária do Código de Processo Civil. Disponível em:
<http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=116731>. Acesso em
07/02/2.015.
261
A confirmação de que se tratam de precedentes se encontra no art. 925, § 5º, “Os tribunais darão
publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os,
preferencialmente, na rede mundial de computadores”. BRASIL. Senado Federal. Novo Código de
Processo Civil. Texto Consolidado com os ajustes promovidos pela Comissão Temporária do Código
de Processo Civil. Disponível em:
<http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=116731>. Acesso em
07/02/2.015.
262
“O precedente então nasce como uma regra de um caso e, em seguida, terá ou não o destino de
tornar-se a regra de uma série de casos análogos” (grifo no original). TUCCI, José Rogério Cruz e.
Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2.004, p. 12.
93

A norma, que se extrai do texto do artigo 925, se isoladamente interpretada,


agrega ao precedente uma abstração maior que a desejada, pois, o destaque do
instituto passa a ser o binômio competência-procedimento, ao invés do conjunto ratio
decidendi-fatos.
Nada obstante, este dispositivo (art. 925) e todos os outros que compõem o
novo Código de Processo, sob o pálio democrático do processo constitucional,
exigem uma técnica própria de aplicação e interpretação, qual seja: a sistemática, a
respeito da qual: a) há proibição de interpretação isolada de qualquer dispositivo do
novo Código de Processo Civil; b) é inarredável a observância dos princípios
constitucionais em conjunto com as normas fundamentais que o próprio Código
estabelece, em seus artigos 1º ao 12, as quais constituem o Capítulo I do Título
Único do Livro I da Parte Geral do estatuto processual. É necessário frisar que o
Código é uma unidade e que deve ser permanentemente prestigiado com tal.
Nestas situações, vale repetir que a formação e a aplicação do precedente
deverá observar os princípios constitucionais e as normas fundamentais do novo
Código de Processo Civil.
Precedente, em sentido lato ou stricto, não pode ser aceito como um dogma,
ou quase-dogma, tal como a “lei”. No processo constitucional, o precedente deve ser
aplicado a partir da participação discursiva dos interessados, convencidos de que
determinado precedente será adequado a fundamentar o julgamento sub judice, sob
pena de se continuar privilegiando o positivismo.263
No sistema do common law, a obrigatoriedade em respeitar as decisões
anteriores não é co-originária deste sistema.264 Surge em 1.898,265 assim mesmo

263
“É que até mesmo o sistema de precedentes necessita de ‘blindagens’ contra discricionariedades
interpretativas...!”. STRECK, Lenio Luiz. Prefácio. In: RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de
precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2.010, p. 17.
264
“The system of precedents is much younger than the common law itself, it is not uncontested and it
is subject to erosion. Historically speaking, precedent is much younger than one might think. 'Prior to
the mid - or late nineteenth century, judges in England did not regard themselves bound by earlier
decisions (...)'”. Em tradução livre: “O sistema de precedentes é muito mais jovem que o próprio
common law, ele não é incontestável e está sujeito à erosão. Historicamente falando, precedente é
muito mais jovem do que se poderia pensar. ‘Antes de meados - ou final do século XIX, os juízes na
Inglaterra não se consideravam vinculados por decisões anteriores (...)'”. HONDIUS, Edwoud.
General report. In: Precent and the law: reports to the XVIIth Congress International Academy of
Comparative Law. Ed. Edwoud HONDIUS. Bruxelles: Etablissements Emile Bruyland, 2.007, p. 10.
265
“Only in 1.898 was the binding force of precedents accepted, without everyone being convinced..
Someone like Lord Denning engaged in an epic battle with precedents (he was known for his
dissenting opinions)”. Em tradução livre: “Somente em 1.898 a força obrigatória dos precedentes foi
aceita, embora nem todos estivessem convencidos. Alguém como Lord Denning engajou-se em uma
batalha épica com os precedentes (ele era conhecido por suas opiniões divergentes)”. HONDIUS,
Edwoud. General report. In: Precent and the law: reports to the XVIIth Congress International
94

com críticas.266 O grau de rigidez do princípio do stare decisis, na Inglaterra, chegou


a tal ponto, que nem mesmo os precedentes da House of Lords poderiam ser
modificados por este tribunal, fator contributivo para a cristalização do direito, em
total desconformidade com a dinamicidade da sociedade, por mais conservadora
que esta seja.
Nessa perspectiva, é importante ressaltar que a interpretação atual do
precedente não se pode limitar à interpretação que lhe foi dada pelo julgador
original,267 ou, tão somente, pelo órgão julgador do caso sub judice, pois, no
processo democrático, os interessados na demanda deverão participar da
construção da melhor interpretação, evitando o antidemocrático judge-made law, na
interpretação em que se afirma ser o juiz o criador do direito.
Para a própria sobrevivência do precedente, ressalta-se que este nem sempre
poderá servir como fundamentação do caso presente. Nos casos de haver
semelhança, embora inaplicável o precedente, será necessário utilizar as válvulas de
escape para afastar o precedente, v.g., departures,268 distinguishing, institutos que
também exigem motivações adequadas.
Somente a partir da interpretação comparticipativa do caso sub judice, em
conjunto com os possíveis precedentes aplicáveis, é que estes poderão ser

Academy of Comparative Law. Ed. Edwoud HONDIUS. Bruxelles: Etablissements Emile Bruyland,
2.007, p. 10.
266
“In the mid-nineteenth century the House of Lords developed the practice that it would be bound by
its own decisions. This was reaffirmed in London Tramways Co v London County Council [1.898] AC
375. The House of Lords felt that decisions of the highest appeal court should be final in the public
interest so that there would be certainty in the law and an end to litigation. However, this practice was
criticised from the 1.930s. Some of the Law Lords said that the rule did not produce the desired
certainty in the law and it had become too rigid (eg, Lord Wright, Lord Denning and Lord Reid).
Nevertheless, the practice was not changed until 1.966 by Lord Gardiner LC”. Em tradução livre: “Em
meados do século XIX, a House of Lords desenvolveu a prática pela qual esta mesma corte se
vincularia às suas próprias decisões. Isso foi reafirmado em London Tramways Co. v. London County
Council [1.898] AC 375. A House of Lords considerou que as decisões da mais elevada corte
deveriam ser finais, e de interesse público, para que houvesse segurança jurídica e um fim aos
litígios. No entanto, esta prática foi criticada a partir da década de 1.930. Alguns dos lordes disseram
que a regra não estava produzindo a certeza desejada e tornou-se demasiada rígida (por exemplo,
Lord Wright, Lord Denning e Lord Reid)” (grifos acrescidos). LAWTEACHER. Doctrine of precedent –
law making potential. English legal system lecture notes. Disponível em:
<http://www.lawteacher.net/english-legal-system/lecture-notes/judicial-precedent-2.php>. Acesso em:
02/10/2.014.
267
RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre:
Livraria do Advogado Editora, 2.010, p. 73.
268
NUNES, Dierle José Coelho. Afastamento de precedente não pode continuar sendo regra. Revista
Conjur. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-jun-04/dierle-nunes-afastamento-precedente-
nao-regra>. Acesso em: 20/10/2.014. SUMMERS, Robert S.; ENG, Svein. Departures from
precedent. In: MACCORMICK, Daniel Neil; SUMMERS, Roberts S. (Edited by). Interpreting
precedents: a comparative study. Aldershot-Brookfield: Dartmouth Publishing Company, 1.997, p.
519-520.
95

afastados ou não. A desconsideração do precedente tout court, sem apresentar uma


motivação adequada também compromete a consistência e a integridade do
sistema, dais quais Dworkin é defensor. Significaria desprezar a experiência na
formação encadeada de suas interpretações, perceptíveis a partir das decisões
anteriores, nas quais foi ou não utilizado.
A teoria do precedente vinculante, por si só, não está apta a afastar a
discricionariedade do julgador, uma vez que a aplicação do precedente,
independentemente de ser vinculante ou persuasivo, também é resultado de uma
interpretação. A discricionariedade somente será controlada a partir da intensa
participação das partes, asseguradas as garantias fundamentais do contraditório269 e
da ampla defesa e do devido processo.270
A adequação dos precedentes ao processo constitucional deve dar-se sob um
prisma principiológico, considerando-os como argumentos de princípios que
procuram traduzir a igualdade material. Ressalta-se que princípios não são
“inventados” por especialistas, como esclarece Chamon Júnior:
[...], se por um lado podemos afirmar que o juiz, ou os Senhores Ministros,
não estão autorizados a inventar normas, a “criar” princípios jurídicos –
mesmo porque princípios jurídicos somente são jurídicos se assumidos
como referidos à praxis discursiva que o Direito representa, e não se
“inventados” por um especialista –, [...], por outro lado o que nos parece
adequado reconhecer é que os julgadores têm reconhecida uma autoridade
que assim é assumida por autorizá-los, e deles cobrar, uma constante re-
interpretação do Direito, uma contínua re-leitura do sistema do Direito,
assumindo seus pressupostos e sua complexidade no próprio ato de julgar.
O que devemos colocar em relevo é que muito embora os especialistas do
Direito possam ter um ponto privilegiado na compressão do Direito, isso
jamais significa que o Direito somente possa ser compreendido pelos
mesmos e, mais que isso, que o Direito seja aquilo que esses especialistas
271
pretendam que ele seja [...].

269
A respeito do conteúdo do contraditório, explicita Dierle Nunes: “Em relação às partes, o
contraditório aglomera um feixe de direitos dele decorrentes, entre eles: a) direito a uma cientificação
regular durante todo o procedimento, ou seja, uma citação adequada do ato introdutivo da demanda e
a intimação de cada evento processual posterior que lhe permita o exercício efetivo da defesa no
curso do procedimento; b) o direito à prova, possibilitando-lhe sua obtenção toda vez que este for
relevante; c) em decorrência do anterior, o direito de assistir pessoalmente a assunção da prova e de
e contrapor às alegações de fato ou às atividades probatórias da parte contrária ou, mesmo oficiosas
do julgador; e d) o direito de ser ouvido e julgado por um juiz imune à ciência privada (private
informazioni), que decida a causa unicamente com base em provas e elementos adquiridos no debate
contraditório”. NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático. Curitiba: Juruá.
2.008, p. 230.
270
RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre:
Livraria do Advogado Editora, 2.010, p. 77.
271
CHAMON JUNIOR, Lúcio Antônio. Teoria da argumentação jurídica. Rio de Janeiro: Lumen
Juris Editora, 2.009, p. 183.
96

Nesta perspectiva, torna-se necessário afastar a interpretação apenas textual


do precedente ou sua utilização como argumentos de política, o que reduziria
drasticamente o seu alcance de atuação,272 contrariando a desejável abrangência da
teoria dos precedentes. Assim, a utilização principiológica dos precedentes exige a
participação efetiva dos interessados, a fim de coibir a discricionariedade e a
arbitrariedade do órgão julgador.273
O exemplo, a seguir, apresentado por Dworkin é suficiente para esclarecer a
questão:274 um fabricante de automóveis é condenado a indenizar um cliente
consumidor que se acidentou em razão de defeito no seu veículo. Questiona-se se
este precedente poderia ser utilizado quando uma empresa sofre prejuízos em razão
de negligência de empregados de uma companhia de energia elétrica que fornecia
energia à primeira, ao romperem cabos alimentadores de energia. Caso a
interpretação do precedente coubesse apenas ao órgão julgador, este poderia
decidir discricionariamente, afirmando que o precedente é ou não aplicável à
demanda sub judice, envolvendo a companhia de energia elétrica. No processo
constitucional, ao se adotar as garantias processuais, a aplicação do precedente ao
caso envolverá a ampla participação das partes, apresentando padrões de
semelhança e dessemelhança entre as questões de fato e de direito, argumentos
favoráveis e desfavoráveis a respeito da aplicação ou não do precedente e a
decisão deverá ser fundamentada com base nas questões discutidas durante o
processo.
Em sistemas jurídicos instáveis, com constantes modificações de
entendimentos, a utilização do precedente pouco ou nada acrescentaria à
estabilidade do sistema, pois a variedade de entendimentos não contribuiria para a
272
RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre:
Livraria do Advogado Editora, 2.010, p. 74, 75, 76.
273
“A partir das lições de DWORKIN E HABERMAS podemos esclarecer que em face de hard cases
a autoridade jurisdicional há de assumir, sim, sua autoridade que, em uma democracia e em um
exercício legítimo, é autorizada. Autorizada a assumir o Direito como um sistema de princípios, como
um sistema capaz de ser, a cada novo caso difícil surgido, re-interpretado em face de novos
argumentos ou novas questões trazidas à esfera institucional que a jurisdição representa. Afinal, tal
autoridade está autorizada a aplicar o Direito ao caso, e não a ‘inventá-lo’ ao seu gosto ou agrado, e
não a ‘criar’ uma solução que entenda mais justa ou capaz de atingir uma ‘finalidade’ que
supostamente embute, em sua interpretação, como sendo uma ‘finalidade da norma’ [...] Como
insistentemente marcado nessas páginas, a autoridade jurisdicional está autorizada a interpretar o
Direito, perante os casos, a partir do sentido que a própria prática jurídica, desde o passado, nos
informa qual é, senão o sentido de igual realização dos direitos fundamentais a todos e em cada caso
e na maior medida possível”. (grifos no original). CHAMON JUNIOR, Lúcio Antônio. Teoria da
argumentação jurídica. Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2.009, p. 183.
274
DWORKIN, Ronald. Taking Rights Seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1.978, p. 83-
84, 111.
97

coerência entre as decisões sobre situações semelhantes. Lenio Streck apresenta,


na sequência, uma abordagem dos precedentes no sistema jurídico brasileiro,
comparando-a com a do sistema norte-americano do common law, além de criticar a
súmula como espécie de precedente:
Nos Estados Unidos, precedente tem “nome e sobrenome”; aqui, uma
súmula (para falar apenas em um “tipo” de “precedente”) possui apenas um
número; lá o precedente serve para resolver casos passados; aqui, tem a
pretensão de abarcar todos os casos futuros (aliás, uma súmula é feita
275
exatamente para esse fim).

Em seguida, Streck assinala a postura dos juristas brasileiros, dependentes


da superação do esquema sujeito-objeto para a transformação do direito:
[...], sem modificar o nosso modo de compreender o mundo, sem superar o
esquema sujeito-objeto, sem superar a cultura manualesca que assola e
domina o imaginário dos juristas, sem superar a discricionariedade
positivista e a falsa impressão de serem críticas determinadas posturas
subjetivistas-axiologistas que desconsideram o texto (inclusive da
Constituição), será temerário falar no resgate do papel transformador do
direito, entendido como aquele que exsurge do papel dirigente e
276
compromissório da Constituição.

Em relação à possibilidade da adoção dos precedentes stricto sensu pelos


tribunais superiores brasileiros, constata-se um problema, analisado em outra parte
deste texto. Os tribunais superiores, que preponderantemente têm a eles atribuída a
competência recursal, adotam orientação restritiva em relação à rediscussão dos
fatos, restringindo-se às questões de direito, inclusive com entendimento sumulado
pelo Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça.277
Ressalta-se que na utilização dos precedentes, tanto os persuasivos como os
vinculantes, a interpretação participada dos fatos é essencial para definir o
fundamento da decisão da demanda em discussão. Em razão disso, o atual costume

275
STRECK, Lenio Luiz. Prefácio. In: RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no
direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2.010, p. 19.
276
STRECK, Lenio Luiz. Prefácio. In: RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no
direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2.010, p. 19.
277
“O que também contribui bastante para o alheamento do direito em relação aos fatos são as
regras sobre os recursos especiais e extraordinários, no âmbito dos quais é vedada a (re)discussão
dos fatos alegados e provados, cindindo-se os julgamentos às ‘questões de direito’, mais
especificamente da ‘vigência’ da lei federal ou da Constituição. Disso decorrem consequências
nefandas, que atuam em relação circular: a produção jurídica mais ‘autorizada’ é aquela dos tribunais
superiores, por força da concentração de poder imposta pelo sistema recursal; por isso, também é ela
a mais estudada e citada; como os julgados do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de
Justiça desconhecem os fatos, também o estudo jurídico e a doutrina os ignoram. Como resultado,
surgem uma teoria e uma prática independentes da realidade que os solicita, separando com isso o
direito da realidade social e histórica” (grifos acrescidos). RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de
precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2.010, p. 46-47.
98

judicial dos tribunais superiores em afastar a análise das questões fáticas deve ser
atenuado, a fim de contribuir para o sucesso dos precedentes stricto sensu.
Embora haja inter-relação entre o precedente obrigatório e decisão com efeito
vinculante, estes institutos não se confundem, mas há semelhanças entre os
mesmos. Ainda que os dois se originem de decisões políticas, que os definem
vinculantes a priori, sem que haja preocupação com o seu conteúdo e com a relação
entre os fatos, exterioriza-se uma forte perspectiva do positivismo jurídico.
O efeito da decisão é vinculante porque uma força política credenciou um
determinado órgão a emitir decisões com tais efeitos. O elemento essencial na
decisão vinculante e no precedente obrigatório passa a ser o órgão que os institui,
ao invés de identificar a sua força nos fatos e na fundamentação da decisão. O
critério adotado deixa de ser o convencimento e passa a ser a subordinação, um
comportamento tipicamente positivista, ao determinar que decisões de determinados
órgãos em procedimentos escolhidos previamente se tornem precedentes
vinculantes.
Ao se adotar esta política de subordinação, cria-se uma obrigação jurídica, na
qual determinados julgados e decisões se tornam precedentes e sejam aplicados
como padrões para os julgamentos futuros, situação que é perfilhada, também, no
sistema do common law.278 Neste contexto, a força gravitacional do precedente não
se origina da persuasão, do convencimento, da participação democrática, ao
contrário, resulta da subordinação de órgãos inferiores a órgãos superiores, com o
objetivo de modelar decisões destes órgãos, que passam a corresponder a regras
genéricas e abstratas.279
O elemento essencial da teoria do precedente é a semelhança entre as
questões jurídicas, de fato e de direito, entre o caso sub judice e o caso paradigma,
considerando toda a dimensão jurisprudencial acumulada, bem como a ordem

278
SLAPPER, Gary; KELLY, David. The english legal system. 11ª. ed. New York: RoutLedge, 2.010,
p. 112, 116.
279
“Se ficou dito [...] que as decisões judiciais não são elaboradas para resolver casos futuros, mas
apenas com olhos na resolução do caso presente (ao menos na common law), onde surgiu a ideia de
precedentes e de stare decisis), como poderá se dar que elas venham a ser levadas em conta no
futuro? Em outras palavras, se não há pretensão de abstração e generalidade na resolução de um
caso, como poderá essa resposta gerar um campo gravitacional hermenêutico que venha a atrair um
número indeterminado de casos subsequentes?” (grifos no original). RAMIRES, Maurício. Crítica à
aplicação de precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2.010,
p. 87-88.
99

normativa legislada. Por isso, aplicando um raciocínio puramente lógico silogístico, é


impossível que um julgado seja preconcebido com o status de precedente.
Interessa sublinhar que no sistema do common law, a teoria do precedente
vinculante contém em si um paradoxo, pois ao reconhecer a legitimidade do juiz do
case para criar o direito, a conclusão lógica seria que esta legitimidade também
fosse concedida aos juízes dos cases futuros, que também poderiam criar o direito.
Porém, o precedente constrange o juiz do case posterior ao precedente
vinculante.280
Uma peculiaridade nefasta no sistema jurídico-administrativo brasileiro, com
efeitos sobre a jurisdição, se refere a vincular a progressão funcional dos juízes à
sua atuação jurisdicional em sentido coincidente com os entendimentos dos tribunais
superiores, conforme determina a resolução nº 106 do Conselho Nacional de
Justiça.281 Cria-se com a publicação desta norma administrativa uma espécie de
coação moral, incidindo sobre a atuação dos juízes, demonstrando não apenas a
hierarquia administrativa, mas também a jurisdicional, o que o CNJ denomina de
disciplina judiciária.
Outro equívoco que ocorre no sistema jurídico brasileiro é o de vincular o
precedente apenas a uma “questão de direito”, considerando que há distinção entre
esta e a “questão de fato”. Na análise de um caso, tanto as “questões de direito”,
como as de fato são relevantes e devem ser consideradas na construção do
processo.282
Não é incomum no sistema jurídico brasileiro a utilização dos precedentes se
transformarem em regras abstratas, afastadas dos fatos que lhe deram origem,
principalmente quando se trata de enunciados das súmulas dos tribunais. Sempre
será necessário lembrar que todo e qualquer precedente somente exerce

280
WHITTAKER, Simon. Precedent in english law: A view from the citadel. In: HONDIOUS, Ewoud
(ed.). Precent and the law: reports to the XVIIth Congress International Academy of
Comparative Law. Bruxelles: Etablissements Emile Bruyland, 2.007, p. 28.
281
Conselho Nacional de Justiça, resolução nº 106, de 06 de abril de 2.010, “art. 10 Na avaliação do
merecimento não serão utilizados critérios que venham atentar contra a independência funcional e a
liberdade de convencimento do magistrado, tais como índices de reforma de decisões. Parágrafo
único. A disciplina judiciária do magistrado, aplicando a jurisprudência sumulada do Supremo Tribunal
Federal e dos Tribunais Superiores, com registro de eventual ressalva de entendimento, constitui
elemento a ser valorizado para efeito de merecimento, nos termos do princípio da responsabilidade
institucional, insculpido no Código Ibero-Americano de Ética Judicial (2.006)” (grifos acrescidos).
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/atos-
administrativos/atos-da-presidencia/323-resolucoes/12224-resolucao-no-106-de-06-de-abril-de-
2010>. Acesso em: 10/10/2.014.
282
RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre:
Livraria do Advogado Editora, 2.010, p. 68.
100

corretamente a sua função de influenciar decisões no presente e no futuro se


observado o binômio “questão de fato”-“questão de direito”.283 De outra forma,
desvirtua-se o instituto, transgredindo-o para servir à discricionariedade do órgão
julgador.
Propugna-se que a construção das decisões judiciais com auxílio dos
precedentes deve obedecer ao modelo de integridade. Na integridade ilustrada por
Dworkin, na visão de uma chain novel, o órgão julgador do caso sub judice precisa
conhecer os “capítulos” que os juízes do passado construíram, juntamente com a
contribuição das partes, porque todos são atores no desenvolvimento do “romance”.
O modelo de integridade se compatibiliza com os precedentes, a fim de
auxiliar na interpretação das questões jurídicas, em favor da estabilidade e
consistência do direito.
O respeito à continuidade dos entendimentos, que não é absoluto e nem deve
ser dogmático, exige coerência, de um lado, com as mudanças sociais que
modificam o direito e contribuem para a confiança da sociedade na jurisdição e, de
outro, no dever dos juízes em construir o processo sem utilizar arbitrariedades e
subjetivismos.
A partir dessas observações, é possível afirmar que o precedente não é fator
determinante da democraticidade processual, o é a participação das partes na
construção do processo e de sua decisão. Por outro lado, a sua aplicação orientada
pelo processo constitucional democrático contribuirá significativamente para a
integridade do direito. Não é aceitável, no Estado Democrático de Direito, a
utilização discricionária e subjetiva dos precedentes a encaminhar práticas
antidemocráticas, potencializando o ativismo judicial.
A seguir, faz-se uma breve análise da ratio decidendi, em razão de sua
fundamental importância para o estudo dos precedentes.

283
RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre:
Livraria do Advogado Editora, 2.010, p. 90.
101

4.6. Ratio decidendi

Ao considerar o precedente como sustentáculo do sistema do common law,284


não seria incoerente considerar a ratio decidendi como o núcleo do precedente.
A ratio decidendi não coincide com a decisão. Não é a decisão que fixa o
precedente, como não é o que o torna vinculante. Esta função é atribuída
tecnicamente à ratio decidendi. A ratio decidendi corresponde a uma regra
jurisprudencial abstrata que se extrai da decisão na solução do conflito,
representado e circunscrito pelos fatos levados à jurisdição.285 Na aplicação dos
precedentes a vinculação se dá a partir da ratio decidendi e não a partir da decisão.
Nesta linha, a razão de decidir, certamente, não se confunde com a
fundamentação, sendo esta o seu suporte textual. Ressalta-se que a fundamentação
da decisão pode conter uma ou mais razões de decidir.
A aplicação do precedente, necessariamente, exige o conhecimento atento da
fundamentação da decisão paradigma, pois, este componente é essencial para a
construção das razões de decidir, ainda que seja, também, importante o estudo do
relatório e do dispositivo da decisão.286
A importância da ratio decidendi no precedente coincide, no mesmo grau,
com a sua polemização no sistema do common law, tal como assevera Thomas
Bustamante:

284
“LORD GARDINER L.C.: Their Lordships regard the use of precedent as an indispensable
foundation upon which to decide what is the law and its application to individual cases. It provides at
least some degree of certainty upon which individuals can rely in the conduct of their affairs, as well as
a basis for orderly development of legal rules”. Em tradução livre: “LORD GARDINER LC: Seus
Lordes consideram o uso do precedente como um fundamento indispensável para decidir o que é o
direito e a sua aplicação aos casos individuais. Ele fornece pelo menos algum grau de certeza sobre
o que os particulares podem confiar na condução dos seus negócios, bem como uma base para o
desenvolvimento ordenado das normas jurídicas”. ENGLAND. House of Lords. Practice statement
(judicial precedent) [1.966] 1 W.L.R. 1234. Disponível em:
<http://www.uniset.ca/other/cs2/19661WLR1234.html>. Acesso em: 15/01/2.015.
285
“Ratio decidendi. It is important to establish that it is not the actual decision in a case that sets the
precedent; that is set by the rule of law on which the decision is founded. This rule, which is an
abstraction from the facts of the case, is known as the ratio decidendi of the case. The ratio decidendi
(Latin for ‘reason for deciding’) of a case may be understood as the statement of the law applied in
deciding the legal problem raised by the concrete facts of the case”. Em tradução livre: “Ratio
decidendi. É importante estabelecer que não é a própria decisão de um caso que define o
precedente; este é definido pela regra jurídica na qual se funda a decisão. Esta regra, que é uma
abstração dos fatos do caso presente, é conhecida como ratio decidendi do caso. A ratio decidendi
(em latim: ‘razão para decidir') de um caso pode ser entendida como a declaração do direito aplicado
para decidir o problema jurídico levantado pelos fatos concretos do caso”. SLAPPER, Gary; KELLY,
David. The english legal system. 14ª. ed. New York: RoutLedge, 2.013, p. 138.
286
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. Editora Revista dos Tribunais: São Paulo,
2.010, p. 221.
102

Mas a noção de ratio decidendi e os critérios para sua determinação


constituem algo ainda fortemente controvertido. Talvez este seja o ponto
mais polêmico da teoria dos precedentes e de toda a teoria jurídica
produzida no common law. [...]. É natural, portanto, que surjam disputas
doutrinárias infindáveis acerca do que deve ser considerado vinculante em
287
um precedente judicial.

Thomas Bustamante afirma que a dificuldade em se determinar a ratio


decidendi decorre da existência de uma pressuposta relação unívoca funcional 1d
(uma demanda) ─› 1rd (uma ratio decidendi), na qual cada demanda deve
corresponder a apenas uma ratio decidendi. Confira-se:
A dificuldade para determinar a ratio decidendi de um caso qualquer
decorre, em minha opinião, da pressuposição de que há apenas uma ratio
em cada caso julgado. Tal premissa apenas resultaria plausível enquanto se
admitisse como inquestionável a tese positivista de que as razões dadas
pelo juiz para sua decisão são irrelevantes para determinar a regra
jurisprudencial. Uma teoria dos precedentes que supere o Positivismo
Jurídico e sua exasperação do momento auctoritas no raciocı́nio jurıd ́ ico
288
não pode aceitar essa tese (grifos no original).

Não há consenso sobre a noção do que seja a ratio decidendi de um case.289


O tema é controvertido e esta indefinição provoca incertezas e dificuldades no
desenvolvimento da fundamentação das decisões e na própria interpretação do
princípio do stare decisis. Há quem entenda que ratio decidendi ou holding290
é o que foi discutido, arguido e efetivamente decidido no caso anterior, [...].
Apenas o holding pode ser vinculante (binding) para os casos futuros, pois
291
ele representa o que foi realmente estabelecido.

Outros entendem que holding ou ratio decidendi se refere às decisões


reinterpretadas.292 Alguns interpretam que a ratio decidendi expressa mais de um

287
BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do precedente judicial: a justificação e a
aplicação de regras jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2.012, p. 259.
288
BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do precedente judicial: a justificação e a
aplicação de regras jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2.012, p. 270.
289
“When a precedent is said to be binding, it is not every word uttered by the judge or judges in
justifying the decision which is transubstantiated into binding law – only the ratio decidendi. The
trouble is that there is no generally agreed statement either of what a ratio is or of how you find the
ratio of any given case”. Em tradução livre: “Quando se diz que um precedente é obrigatório, não se
quer dizer que toda palavra proferida pelo juiz ou juízes para justificar a decisão que se
transubstancia em direito vinculante - apenas a ratio decidendi. O problema é que não existe qualquer
indicação geralmente aceita do que seja uma ratio ou como encontrar a ratio de qualquer dado case”.
MACCORMICK, Neil. Legal reasoning and legal theory. Oxford: Clarendon Press, 1.978, p. 82.
290
Neste estudo, adotou-se a equivalência entre ratio decidendi e holding, este último, utilizado no
direito norte-americano.
291
RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre:
Livraria do Advogado Editora, 2.010, p. 68-69.
292
“All that it does is to stipulate a particular usage for the technical term ratio, which is in fact
somewhat ambiguous in its ordinary use, precisely because it is variably used in practice. Sometimes
it is used as referring to the proposition as actually laid down in the original decision of a case,
103

sentido.293 Há quem equipare ratio decidendi aos fatos da demanda e outros à


questão de direito,294 ou às proposições de direito relacionadas aos fatos e às
alegações das partes.295 E há quem afirme que proposições de fato não constituem
precedentes.296

sometimes to that proposition as explained reinterpreted qualified or whatever in later cases”. Em


tradução livre: “Tudo o que isto faz é estipular um uso específico para a o termo técnico ratio, que é
de fato um tanto ambíguo em seu uso comum, precisamente porque é variavelmente utilizada na
prática. Às vezes é usada como referência à proposição como realmente previsto na decisão original
de um caso, às vezes para a proposição como explicada, reinterpretada, qualificada ou, não importa o
que seja, em casos posteriores”. MACCORMICK, Neil. Legal reasoning and legal theory. Oxford:
Clarendon Press, 1.978, p. 85-86.
293
“Professor Montrose suggested that the expression ratio decidendi is used in two senses: (i) ‘The
rule of law for which a case is binding authority', and (ii) ‘The rule of law to be found in the actual
opinion of the judge, forming the basis of his decision'. If our description of the ratio decidendi is
correct, there is generally no distinction between these two senses of the phrase until a decision has
been interpreted in subsequent cases. Up to that moment the rule of law for which the decision is
binding authority is that which is to be found in the actual opinion of the judge, forming the basis of his
decision”. Em tradução livre: “O Professor Montrose sugeriu que a expressão ratio decidendi é usada
em dois sentidos: (i) ‘a norma jurídica que determina que um caso seja autoridade vinculante', e (ii) ‘a
norma jurídica encontrada na atual opinião do juiz, formando a base de sua decisão’. Se a nossa
descrição da ratio decidendi estiver correta, geralmente não há distinção entre esses dois sentidos da
frase até que uma decisão tenha sido interpretada em casos posteriores”. CROSS, Rupert; HARRIS,
J. W. Precedent in english law. 4ª. ed. reimpr. New York: Oxford University Press, 2.004, p. 72.
294
“A ideologia que se tem acerca dos precedentes também interfere fortemente na definição da
ratio, ora fazendo-a colocar-se entre os fatos da causa, ora equiparando-a à questão de
direito. Para os realistas estadunidenses, por exemplo, são os fatos que determinam o uso
posterior do critério de julgamento. Já para os positivistas do common law, é a regra de
direito subjacente dos julgamentos”. LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no
constitucionalismo brasileiro contemporâneo. Salvador: Editora JusPodivm, 2.014, p. 100.
295
“However, the crucial aspect of the definition given above is that the ratio of a case relates the
propositions of law discussed in the judgment or judgments to the facts of the case and to the claims
of the parties. These two necessary connections delineate the boundaries of the binding force of the
propositions in the text of the judgments. Obiter dicta are all the legal propositions in the judgments
which do not have the force of ratio. [...]. This means, first, that the facts of a case form very much
more than just a context: they play a crucial role in determining its future force. In this way, the binding
force of precedent recognises the inherent particularity of any legal development made in the course
of litigation, the judges having in mind the circumstances and, let it be said, the desired outcome of the
litigation before them”. Em tradução livre: “No entanto, o aspecto crucial da definição dada acima é
que a ratio de um caso relaciona as proposições de direito discutidas no julgamento ou julgamentos
para os fatos do caso e as alegações das partes. Estas duas conexões necessárias delineiam os
limites da força obrigatória das proposições no texto dos julgamentos. [...]. Isto significa, em primeiro
lugar, que os fatos de um caso formam muito mais do que apenas um contexto: eles desempenham
um papel crucial na determinação de sua futura força. Desta forma, a força obrigatória do precedente
reconhece a particularidade inerente a qualquer desenvolvimento jurídico efetuado no âmbito de um
litígio, os juízes que têm em mente as circunstâncias e, diga-se, o resultado desejado do litígio antes
deles”. WHITTAKER, Simon. Precedent in english law: A view from the citadel. In: HONDIOUS,
Ewoud (ed.). Precent and the law: reports to the XVIIth Congress International Academy of
Comparative Law. Bruxelles: Etablissements Emile Bruyland, 2.007, p. 41-42.
296
“It has been emphasized at different points in this book that decisions on questions of fact do not
constitute a precedent. A few words must now be added with regard to the distinction between
propositions of law and propositions of fact”. Em tradução livre: “Foi enfatizado em diferentes pontos
neste livro que as decisões sobre questões de fato não constituem um precedente. Algumas palavras
devem, agora, ser acrescentadas no que diz respeito à distinção entre proposições de direito e
proposições de fato”. CROSS, Rupert; HARRIS, J. W. Precedent in english law. 4ª. ed. reimpr. New
York: Oxford University Press, 2.004, p. 222.
104

Toni Fine, ao tratar do case law nos Estados Unidos, ressalta a figura do
rationale, que corresponde à “explicação da corte para o seu holding, assim como
para cada questão”.297 O rationale elucida as razões pelas quais a corte se
encaminhou para o precedente escolhido, quais normas formaram o fundamento da
decisão e se a decisão se fundou em um precedente vinculante ou persuasivo.298 Há,
pois, uma vantagem na utilização do rationale, pois, a sua análise permite o controle e
a verificação da coerência da atuação da corte na construção da decisão.
Em termos genéricos, a noção de ratio decidendi pode ser entendida como
uma regra jurisprudencial expressa ou implícita necessária para alcançar a
conclusão de uma demanda.299
Porém, a controvérsia não se limita à noção do que seja ratio decidendi,
atinge, também, a técnica para discriminá-la em um case. Citam-se como exemplos
os testes de Wambaugh, de GoodHart, de Oliphant, de Scalia.300 Apenas para
exemplificar as dificuldades na descoberta da ratio decidendi, resumidamente
apresenta-se, a seguir, os métodos de Wambaugh e de Goodhart.
Eugene Wambaugh (1.856-1.940) elabora o seu método, para extrair a ratio
decidendi de um case, utilizando o teste de inversão (Inversion Test).301 Este teste

297
FINE, Toni M. Introdução ao sistema jurídico anglo-americano. Trad. Eduardo Saldanha. São
Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2.011, p. 72.
298
FINE, Toni M. Introdução ao sistema jurídico anglo-americano. Trad. Eduardo Saldanha. São
Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2.011, p. 72.
299
“The ratio decidendi of a case is any rule of law expressly or impliedly treated by the judge as a
necessary step in reaching his conclusion, having regard to the line of reasoning adopted by him, or a
necessary part of his direction to the jury”. Em tradução livre: “A ratio decidendi de um caso é
qualquer norma jurídica expressa ou implicitamente tratada pelo juiz como um passo necessário para
alcançar sua conclusão, tendo em conta a linha de raciocínio adotada por ele ou uma parte
necessária da sua direção para o júri”. CROSS, Rupert; HARRIS, J. W. Precedent in english law. 4ª.
ed. reimpr. New York: Oxford University Press, 2.004, p. 72.
300
RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre:
Livraria do Advogado Editora, 2.010, p. 69.
301
No original: “Yet by experiment even the beginner can determine whether it is possible for a given
proposition of law to be involved in a given case. In order to make the test, let him first frame carefully
the supposed proposition of law. Let him then insert in the proposition a word reversing its meaning.
Let him then inquire whether, if the court had conceived this new proposition to be good, and had had
it in mind, the decision could have been the same. If the answer be affirmative, then, however
excellent the original proposition may be, the case is not a precedent for that proposition, but if the
answer be negative the case is a precedent for the original proposition and possibly for other
propositions also. In short, when a case turns on only on point the proposition or doctrine of the case,
the reason of the decision, the ratio decidendi, must a general rule without which the case must have
been decided otherwise”. Em tradução livre: “No entanto, pela experiência, mesmo um iniciante pode
determinar se é possível para uma dada proposição jurídica envolver um dado caso. A fim de fazer o
teste, deixe-o primeiro enquadrar com cuidado a suposta proposição jurídica. Deixe-o em seguida,
inserir na proposição uma palavra que inverta o seu significado. Deixe-o, em seguida, perguntar se o
tribunal poderia conceber esta nova proposição como se boa fosse, e se tinha em mente, que a
decisão poderia ter sido a mesma. Se a resposta for afirmativa, então, embora seja excelente a
proposição original, o caso não é um precedente para essa proposição. Mas se a resposta for
105

se baseia no pressuposto de que a ratio decidendi é uma regra geral, sem a qual o
case será decidido de outro modo. O teste é realizado seguindo as seguintes
instruções:
1. Extrair, cuidadosamente, a proposição jurídica que supostamente
constituiria a ratio decidendi.
2. Introduzir no texto da proposição uma palavra ou termo que inverta o seu
significado.
3. Responder a pergunta: se a corte tivesse concebido esta nova proposição
invertida, a decisão seria a mesma?
4. Se a resposta for afirmativa, então, conclui-se que, embora sem importar-
se com a excelência da proposição original, o case não é um precedente
para aquela proposição.
5. Mas se a resposta for negativa, o case é um precedente para a proposição
original e possivelmente para outras proposições também.
Assim, a proposição jurídica que obtém resposta afirmativa no teste, para
Wambaugh, consiste em mero dictum.
Rupert Cross critica o Inversion Test de Wambaugh, alegando que a
necessidade de demarcar cuidadosamente a proposição jurídica, que supostamente
constitui a ratio decidendi, e a restrição do teste aos cases que se referem a uma
única questão jurídica, retira dele a sua eficiência para descobrir qual é a ratio
decidendi do case, porém, afirma que o teste é útil para determinar quais
proposições jurídicas não se configuram como ratio decidendi.302

negativa o caso é um precedente para a proposição original e possivelmente para outras proposições
também. Em resumo, quando um caso versa apenas sobre uma questão jurídica, a proposição ou
doutrina do case, a razão de decidir, a ratio decidendi, deve ser a regra de caráter geral, sem a qual o
case deve ter sido decidido de outra maneira”. WAMBAUGH, Eugene. The study of cases: a course
of instruction in reading and stating reported cases, composing head-notes and briefs,
criticising and comparing authorities, and compiling digests. 2ª. ed. Boston: Little, Brown, and
Company, 1.894, p. 17-18.
302
"The exhortation to frame carefully the supposed proposition of law and the restriction of the test to
cases turning on only one point rob it of most of its value as a means of determining what was the ratio
decidendi of a case, although it has its uses as a means of ascertaining what was not ratio. [...]. Thus,
the merit of Wambaugh’s test is that it provides what may be an infallible means of ascertaining what
is not ratio decidendi”. Em tradução livre: "a exortação para enquadrar cuidadosamente a suposta
proposição jurídica e a restrição do teste para os casos circunscritos à apenas uma questão jurídica,
retira dele a maior parte de seu valor, como meio para determinar qual foi a ratio decidendi de um
caso, embora tenha utilidade como meio de determinar o que não é a ratio. [...]. Assim, o mérito do
teste de Wambaugh é que ele oferece um meio infalível para determinar o que não é a ratio
decidendi". CROSS, Rupert; HARRIS, J. W. Precedent in english law. 4ª. ed. reimpr. New York:
Oxford University Press, 2.004, p. 52-53, 56.
106

Outra crítica ao método de Wambaugh é empreendida por Neil Duxbury. Em


situações em que a decisão se firma em fundamentos alternativos, cada um deles
suficientes e independentes para suportar a decisão, ao se inverter cada um dos
fundamentos, todos os outros se tornam dicta, não havendo como definir a ratio
decidendi.303
Arthur Lehman Goodhart (1.891-1.978) sugere outra abordagem para se
identificar a ratio decidendi. Para ele, a ratio decidendi não se identifica com a
fundamentação da decisão (opinion). Goddhart afirma que a ratio decidendi pode ser
encontrada nos fatos tratados pelo juiz como relevantes, em conjunto com a sua
decisão com base na interpretação destes fatos. É pela escolha dos fatos relevantes
que o juiz cria o direito. GoodHart apresenta as seguintes diretrizes para a
descoberta da ratio decidendi de um case:304
1. A ratio decidendi não deve ser buscada nas razões (opinions) em que o
juiz baseou a sua decisão. Goodhart considera equívoco o termo ratio
decidendi, porque as razões (ratio) que o juiz apresenta para a sua
decisão nunca se referem à parte vinculante do precedente,305 e assinala

303
“In fact, the main reason for doubting Wambaugh’s test and the reason for doubting Vaughan’s are
the same: where a court bases its decision on two alternative grounds, taking either ground and
reversing its meaning does not alter the decision, for although the meaning of one of the grounds
sufficient to support the decision has thereby been reversed, the other one is undisturbed and so the
decision stands. Where a case contains two independent operative rationes, in other words, the
inversion test decrees that there are only obiter dicta, for neither ratio is necessary to the decision”.
Em tradução livre: “Na verdade, a principal razão para duvidar dos testes de Wambaugh e de
Vaughan é a mesma: quando uma corte baseia a sua decisão em dois fundamentos alternativos,
tomando qualquer um deles e invertendo o seu significado, isto não altera a decisão, pois, embora o
significado de um dos fundamentos seja suficiente para suportar a decisão ter sido invertido, o outro
não é alterado e assim a decisão se mantém. Quando um case contém duas rationes independentes
e operativas, o teste de inversão demonstra que há apenas obiter dicta para o case, pois nenhuma
ratio é necessária para a decisão”. DUXBURY, Neil. The nature and authority of precedent.
Cambridge: Cambridge University Press, 2.008, p. 76-77.
304
GOODHART, Arthur Lehman. Determining the ratio decidendi of a case. The Yale Law Journal,
vol. 40, nº. 2, Dec. 1.930, p. 161-183. Disponível em:
<http://www.umiacs.umd.edu/~horty/courses/readings/goodhart-1930-ratio.pdf>. Acesso em:
10/02/2.015.
305
'“The initial difficulty with which we are faced is the phrase ratio decidendi itself. With the possible
exception of the legal term "malice," it is the most misleading expression in English law, for the reason
which the judge gives for his decision is never the binding part of the precedent”. Em tradução livre: “A
dificuldade inicial com o qual nos deparamos é o próprio termo ratio decidendi. Com a possível
exceção do termo jurídico malice, ratio decidendi é a expressão mais enganosa no direito Inglês, uma
vez que a razão que o juiz dá para sua decisão nunca é a parte vinculante do precedente”.
GOODHART, Arthur Lehman. Determining the ratio decidendi of a case. The Yale Law Journal, vol.
40, nº. 2, Dec. 1.930, p. 161-183. Disponível em:
<http://www.umiacs.umd.edu/~horty/courses/readings/goodhart-1930-ratio.pdf>. Acesso em:
10/02/2.015.
107

que, mesmo as razões sendo falsas, a decisão mantém sua autoridade,


inclusive na condição de tornar-se um precedente.
2. O princípio do case (ratio decidendi) não se encontra na regra de direito
(rule of law) estabelecida na fundamentação (opinion).306
3. O princípio do case (ratio decidendi) não é necessariamente encontrado
por meio de uma consideração de todos os fatos verificáveis do case e da
decisão do juiz. Esta premissa é uma crítica de Goodhart à teoria de
Oliphant, a qual afirma que não é a opinião dos juízes que devem ser
consideradas, mas, a maneira pela qual o juiz decide o case.
4. O princípio do case (ratio decidendi) corresponde aos fatos que o juiz
determinou como relevantes para o case, conjugados com a sua decisão,
com base nesses fatos. Isto é, pela escolha dos fatos relevantes é que o
juiz cria o direito.307
5. O juiz pode tratar explicitamente ou implicitamente certos fatos como
relevantes ou irrelevantes. Goodhart estabelece critérios para definir os
fatos relevantes e os fatos irrelevantes, entre eles, a jurisprudência e os
argumentos das partes.308

306
“If these statements are to be understood in their literal sense, it is respectfully submitted that the
words are misleading, for it is not the rule of law ‘set forth’ by the court, or the rule ‘enunciated’ as
Halsbury puts it, which necessarily constitutes the principle of the case. There may be no rule of law
set forth in the opinion,' or the rule when stated may be too wide or too narrow. In appellate courts, the
rules of law set forth by the different judges may have no relation to each other. Nevertheless each of
these cases contains a principle which can be discovered on proper analysis”. Em tradução livre: “Se
essas instruções são para ser entendidas em seu sentido literal, é respeitosamente sustentável que
as palavras são enganosas, pois não é a regra de direito ‘prevista’ pelo tribunal, ou a regra
‘enunciada’ como Halsbury coloca, que constitui necessariamente o princípio do case. Não pode
haver nenhuma regra de direito exposta na fundamentação, ou a regra, quando estabelecida, pode
ser muito ampla ou restrita. Nas cortes de apelação, as regras do direito estabelecidas por diferentes
podem não ter qualquer relação com as outras. Não obstante cada um destes cases contém um
princípio que pode ser descoberto por uma análise adequada”. GOODHART, Arthur Lehman.
Determining the ratio decidendi of a case. The Yale Law Journal, vol. 40, nº. 2, Dec. 1.930, p. 161-
183. Disponível em: <http://www.umiacs.umd.edu/~horty/courses/readings/goodhart-1930-ratio.pdf>.
Acesso em: 10/02/2.015.
307
“It follows that our task in analysing a case is not to state the facts and the conclusion, but to state
the material facts as seen by the judge and his conclusion based on them. It is by his choice of the
material facts that the judge creates law”. Em tradução livre: “Segue-se que nossa missão na análise
de um caso não é expor os fatos e a conclusão, mas declarar os fatos relevantes, como vistos pelo
juiz e a sua conclusão com base neles. É pela escolha dos fatos relevantes pelo juiz que ele cria o
direito”. GOODHART, Arthur Lehman. Determining the ratio decidendi of a case. The Yale Law
Journal, vol. 40, nº. 2, Dec. 1.930, p. 161-183. Disponível em:
<http://www.umiacs.umd.edu/~horty/courses/readings/goodhart-1930-ratio.pdf>. Acesso em:
10/02/2.015.
308
CROSS, Rupert; HARRIS, J. W. Precedent in english law. 4ª. ed. reimpr. New York: Oxford
University Press, 2.004, p. 66.
108

6. Um fato hipotético deve ser considerado como um dictum.309


Conforme assinala Cross, o mérito do método de Goodhart está na
consideração da relevância dos fatos pelo juiz, se comparado ao método de
Wambaugh, cuja noção de ratio decidendi está na proposição jurídica que a corte
considera necessária para a decisão.310
Thomas Bustamante credita a infindável controvérsia a respeito da noção de
ratio decidendi e dos critérios para determiná-la à teoria do positivista do direito, uma
vez que esta sobrevaloriza a autoridade do juiz na formação do case law: Veja-se:
O conceito de ratio decidendi – pelo menos enquanto prevalecer a teoria
positivista, segundo a qual o que torna o case law relevante é apenas a
autoridade do juiz que tenha decidido a questão jurídica coberta pelo caso,
sendo que essa autoridade ou é absoluta ou ‘não existe’ – parece ser um
conceito fadado à indeterminação. A teoria positivista dos precedentes –
que floresceu na Inglaterra no século XIX – toma como certo que os juízes
têm um poder ilimitado de criação de normas jurídicas. Por isto há uma
tendência a se buscar um conceito o mais estrito possível de ratio decidendi
para o fim de limitar o poder normativo reconhecido ao Judiciário [...] (grifo
311
no original).

Esta posição controvertida representa um paradoxo em relação aos objetivos


dos precedentes, quais sejam, a segurança jurídica e a coerência do sistema,312

309
CROSS, Rupert; HARRIS, J. W. Precedent in english law. 4ª. ed. reimpr. New York: Oxford
University Press, 2.004, p. 66.
310
“This method of determining the ratio decidendi has the great merit of paying more regard to the
facts as seen by the judge than is provided for by Wambaugh's test, while it is less narrow and
therefore more calculated to produce the proposition of law regarded by the judge as necessary for his
decision than the suggestions to be derived from Lord Halsbury's views in Quinn v. Leathern”. Em
tradução livre: “Este método de determinação da ratio decidendi tem o grande mérito de dar maior
relevância aos fatos, tais como eles são vistos pelo juiz, se comparado ao teste de Wambaugh, ao
passo que seja, também menos limitado e, portanto, melhor calculado para produzir a proposição
jurídica considerada pelo juiz, como necessária para sua decisão, do que as sugestões a serem
obtidas a partir do ponto de vista do Lord Halsbury em Quinn v. Leathern”. CROSS, Rupert; HARRIS,
J. W. Precedent in english law. 4ª. ed. reimpr. New York: Oxford University Press, 2.004, p. 63.
311
BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do precedente judicial: a justificação e a
aplicação de regras jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2.012, p. 259, 260.
312
“There have been many different explanations which have sought to show how rationes are to be
distinguished from other parts of a judgment. This proliferation of competing explanations is, in itself, a
strange feature of traditional accounts of English legal reasoning. If precedent is about the search for
centainty and consistency, and if the use of rationes is the way in which the present system of
precedent provides a comparative degree of strictness, then it seems troubling that neither academics
nor judges can provide any clear account of how rationes are to be found [...]. Indeed, the matter goes
further. What we mean precisely by the term ‘ratio decidendi’ remains a matter of dispute”. Em
tradução livre: “Há muitas explicações diferentes, que têm procurado mostrar como rationes devem
ser distinguidas de outras partes de uma decisão. Esta proliferação de explicações concorrentes é,
em si mesma, uma característica estranha à explicação tradicional do raciocínio jurídico inglês. Se o
precedente se refere à busca de segurança e coerência, e se o uso de rationes é a maneira em que o
atual sistema de precedentes fornece um grau comparativo da exatidão, então parece preocupante
que nem acadêmicos, nem juízes possam fornecer qualquer explicação clara de como as rationes
são encontradas. [...].Com efeito, a matéria vai mais além. O que queremos dizer com precisão é que
o termo 'ratio decidendi' continua a ser uma questão controvertida” (grifos acrescidos). COWNIE,
109

uma vez que a controvérsia é palco para a instalação da insegurança e da própria


indefinição na aplicação dos precedentes.
A complexidade, a respeito da ratio decidendi, aumenta quando no
julgamento de um recurso há votos que acompanham a decisão vencedora por
fundamentos diversos implícitos ou explícitos.313 Nesta situação, se questiona qual o
critério para definir a ratio decidendi. Até o momento, não há uma resposta
satisfatória para o problema. Há casos, também, em que não há na decisão uma
ratio decidendi e há casos nos quais há várias rationes decidendi.314
Para assegurar as garantias fundamentais na construção do processo
democrático, acredita-se que as decisões devem considerar tanto os aspectos
fáticos e jurídicos e que estes aspectos sejam continuada e dialeticamente
discutidos nos processos sub judice e posteriores,315 com a participação de todos os
interessados, a fim de constituir precedentes também democráticos, de forma a
evitar decisões e precedentes formados solitária e discricionariamente, por parte de
um só ator.316

Fiona; BRADNEY, Anthony; BURTON, Mandy. English legal system in context. 5ª. ed. New York:
Oxford University Press, 2.007, p. 101.
313
“Not all decisions, alas, are supported by clear and explicit rulings, though by the logic of formal
justice there ought to be at least an implicit ruling in any justifying opinion; worse still, when there is
more than one judge in a court, those who concur in the final result may adopt different lines in
justifying the decision, so that their rulings whether explicit or implicit may be mutually incompatible
wholly or in part”. Em tradução livre: “Nem todos os julgamentos, infelizmente, são sustentados por
decisões claras e explícitas, embora pela lógica da justiça formal deve haver na decisão implícita,
pelo menos, qualquer exposição justificativa; pior ainda, quando houver mais de um juiz em uma
corte, aqueles que concorrem para o resultado final podem adotar diferentes linhas para justificá-lo,
de modo que suas decisões explícitas ou implícitas podem ser incompatíveis entre si, no todo ou em
parte”. MACCORMICK, Neil. Legal reasoning and legal theory. Oxford: Clarendon Press, 1.978, p.
83.
314
“That could be an objection to my suggestion – but only if we adhere to the dogma that each
precedent must have a single clear ratio decidendi. My reply is that such a dogma is mere fiction, and
indeed mischievous fiction; it can prompt a converse fallacy, when former believers, discovering that
some cases have no single articulable ratio, leap to the conclusion that none can have one. The
fallacy is self evident”. Em tradução livre: “Essa poderia ser uma objeção à minha sugestão - mas
apenas se aderirmos ao dogma de que cada precedente deve ter uma única e clara ratio decidendi. A
minha resposta é que tal dogma é mera ficção, e, de fato, uma ficção nociva; que pode suscitar uma
falácia inversa, quando os que antes acreditavam, ao descobrirem que alguns casos não têm sequer
uma única e articulável ratio, incorrem na conclusão de que nenhum caso possa ter uma. A falácia é
evidente”. MACCORMICK, Neil. Legal reasoning and legal theory. Oxford: Clarendon Press, 1.978,
p. 83.
315
Com aproximações: WHITTAKER, Simon. Precedent in english law: A view from the citadel. In:
HONDIOUS, Ewoud (ed.). Precent and the law: reports to the XVIIth Congress International
Academy of Comparative Law. Bruxelles: Etablissements Emile Bruyland, 2.007, p. 41-42.
316
“É preciso, todavia, adiantar que um pronunciamento jurisdicional pode ser considerado em três
aspectos: a) preceitos jurídicos enunciados nele, restringindo-se o uso posterior à sua aplicação
descontextualizada; b) aspectos fáticos, autorizando as similitudes e divergências encontradas entre
um caso e outro; e c) fundamentação e argumentação expedidas, a fim de reutilizá-las e reconstituí-
las no caso posterior. O adequado uso dos precedentes deve considerar necessariamente os três
110

Como se nota, esta infindável controvérsia teórica parece estar longe de um


consenso sobre o que seja ratio decidendi, embora este componente seja essencial
à aplicação dos precedentes. Não há como dissimular que a ratio decidendi se
apresenta como um problema para a utilização dos precedentes no sistema jurídico
brasileiro. Porém, é necessário enfrentá-lo e a fórmula de correção se dará pelo
discurso participativo dos interessados na solução do caso concreto, em
conformidade com o processo constitucional, garantindo o exercício dos direitos
fundamentais.
Ainda que o estudo não se aprofunde no estudo dos componentes do
precedente, seria imperdoável que não se fizesse menção ao stare decisis, em
razão de sua essencial importância para o instituto do precedente e para o sistema
do common law.

4.7. O princípio do stare decisis no novo Código de Processo Civil brasileiro

O stare decisis aparenta ser o elemento diferenciador do common law em


relação a outros sistemas. De forma singela expressa, nos casos em que é aplicável,
o vínculo obrigatório entre o passado e o presente e o respeito entre instâncias
hierárquicas da jurisdição, em que regras jurisprudenciais proferidas pelo órgão
julgador superior ou de igual hierarquia nos casos decididos no passado sejam
observadas no julgamento das demandas atuais.317

aspectos e outros elementos hermenêuticos, como será visto. Só assim é possível aferir a ratio
decidendi em seu devido matiz dialético, apreendendo o jogo de perguntas e respostas do ciclo
hermenêutico. De fato, a existência de todos esses elementos é que indica a importância dos
precedentes no sistema jurídico, pois eles possuem o arcabouço hábil a determinar seu uso posterior,
sendo justamente esta sua principal diferença para uma norma legislativa. Em se prestigiando um
desses aspectos, em detrimento dos outros, há mera citação de precedente e não verdadeiro e
adequado uso”. LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo
brasileiro contemporâneo. Salvador: Editora JusPodivm, 2.014, p. 100-101.
317
“The doctrine of binding precedent, or stare decisis, lies at the heart of the English legal system.
The doctrine refers to the fact that, within the hierarchical structure of the English courts, a decision of
a higher court will be binding on a court lower than it in that hierarchy. In general terms, this means
that when judges try cases, they will check to see if a similar situation has come before a court
previously. If the precedent was set by a court of equal or higher status to the court deciding the new
case, then the judge in the present case should follow the rule of law established in the earlier case.
Where the precedent is from a lower court in the hierarchy, the judge in the new case may not follow,
but will certainly consider, it”. Em tradução livre: “A doutrina do precedente vinculante, ou stare
decisis, se encontra no centro do sistema jurídico inglês. A doutrina se refere ao fato de que, dentro
da estrutura hierárquica das cortes inglesas, uma decisão de uma corte superior será vinculativa para
uma corte inferior na hierarquia. Em termos gerais, isto significa que os juízes, ao julgarem cases,
verificam se uma similar situação ocorreu perante uma corte previamente. Se o precedente foi
definido por uma corte de igual ou superior hierarquia em relação à corte que está decidindo o novo
case, então o juiz no case presente deve seguir a regra de direito estabelecida no case anterior.
111

O stare decisis, apesar de ser amplamente designado como doutrina, teoria


ou regra,318 mais parece se assimilar a um princípio,319 significando que as coisas
decididas no passado devem permanecer, no presente, como estão.
Há dois elementos principais envolvidos no princípio do stare decisis. O
primeiro se refere ao que foi decidido pelos órgãos jurisdicionais de hierarquia mais
elevada. O segundo elemento diz respeito ao próprio fundamento da decisão que,
como regra, deve ser adotado, nos julgamentos dos casos atuais. O primeiro se
relaciona com a competência do órgão e o segundo em relação à matéria ou ao
mérito da decisão.
O princípio do stare decisis demonstra uma confiança e respeito ao passado,
de modo que esta crença desenvolva um procedimento de sedimentação de
determinadas posições jurídicas, que, em tese, apresentariam a vantagem da
segurança e da uniformização do posicionamento jurídico em um determinado
sentido.
O principal efeito do stare decisis é a obrigação dos juízes de motivar a
decisão sub judice no fundamento do precedente paradigma.
Ressalta-se que somente após a primeira metade do século XIX ocorre, na
Inglaterra e também nos Estados Unidos,320 a submissão ao princípio do stare
decisis.321 O princípio do stare decisis se forma e se consolida a partir de três cases

Quando o precedente é de uma corte inferior na hierarquia, o juiz do novo case poderá não segui-lo,
mas irá certamente considerá-lo”. SLAPPER, Gary; KELLY, David. The english legal system. 11ª.
ed. New York: RoutLedge, 2.010, p. 112.
318
“Que el ‘stare decisis’ sea una norma juridica general de origen consuetudinario, o un principio
axiologico (los valores orden y seguridad parecerian ser manifiestos en el caso) o una mera tecnica
judicial, es algo muy discutido en la teoria juridica norteamericana. Por cierto que todas estas
doctrinas han sido sostenidas con buenas razones”. CUETO RÚA, Julio César. El Common Law –
su estructura normativa, su enseñanza. Buenos Aires: Editorial la Ley, 1.957, p. 121. RAMIRES,
Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do
Advogado Editora, 2.010, p. 65.
319
TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2.004, p. 12.
320
SODERO, Eduardo. Sobre el cambio de los precedentes. Isonomía - Revista de teoría y
filosofía del derecho. México, n. 21, p. 217-255, octubre 2.004. TUCCI, José Rogério Cruz e.
Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2.004, p. 23,
24.
321
“La obligatoriedad de observar las reglas que han sido creadas por los jueces (stare decisis) y de
respetar los precedentes judiciales, es el fundamento de un sistema de derecho jurisprudencial. La
necesidad de certeza y de seguridad, sin embargo, no siempre ha experimentado el mismo grado; de
hecho fue después de la primera mitad del siglo XIX cuando la regla del precedente (rule of
precedent), que se estableció con rigor y se impuso a los jueces la obligatoriedad de observar las
reglas de derecho creadas por sus predecesores. Antes de esa época prevaleció la preocupación de
asegurar la cohesión de la jurisprudencia, y —con mayor frecuencia— se determinó que había que
considerar lo que había sido resuelto, en la búsqueda de la solución de la controversia; tardó mucho
tiempo en introducirse el principio que consiste en la obligatoriedad de aplicar las reglas de derecho
112

julgados pela House of Lords: Beamisch v. Beamisch, de 1.861, Bradford v. Pickles,


de 1.865 e London Tramways Company v. London County Council, de 1.898.322
Como característica de todo e qualquer princípio jurídico, o stare decisis não é
absoluto e não se aplica a toda e qualquer decisão.323 Há precedentes que não são
obrigatórios e, neste caso, a sua força é meramente persuasiva, como exemplo, as
decisões dos tribunais superiores no ordenamento brasileiro antes do surgimento
das súmulas vinculantes.
Para se ter uma resumida ideia da aplicação do princípio do stare decisis no
sistema do common law inglês, deve observar-se que a Supreme Court se encontra
no topo da hierarquia judiciária e as suas decisões constituem precedentes
vinculantes para todos os órgãos jurisdicionais, exceto para a própria Supreme
Court. Os recursos interpostos à Supreme Court são considerados de significativa
relevância pública. As decisões da Court of Appeal são vinculantes para os tribunais
inferiores (High Court, Crown Court, County Court, Magistrates Courts, Tribunals),
exceto em matéria criminal julgada pela própria Court of Appeal. As decisões da
High Court of Justice não são totalmente obrigatórias, mas impõem-se sobre os
tribunais inferiores pelo alto grau de persuasão.324
A fundamentação da decisão no sistema do common law, na Inglaterra e nos
Estados Unidos, não se sustenta apenas pela indicação do precedente obrigatório,
primeiro, porque o princípio do stare decisis não é absoluto, segundo, porque o
ordenamento jurídico não se resume apenas aos precedentes, há os statutes law, as

que se contienen en los precedentes. La tendencia legalista del siglo XIX, que encuentra en Francia
su equivalente en la Escuela de la Exégesis, condujo al derecho em Inglaterra a aplicar en forma más
rigurosa la regla del precedente. La organización de uma jerarquía judicial más sistemática por las
Judicature Acts y el mejoramiento de la calidad de las compilaciones de jurisprudencia contribuyeron
en forma importante en la consecusión de este propósito” (grifos acrescidos). DAVID, René;
JAUFFRET-SPINOSI, Camille. Los grandes sistemas jurídicos contemporâneos. 11ª. ed. México:
Universidad Nacional Autónoma de México, 2.010, p. 265-266. RAMIRES, Maurício. Crítica à
aplicação de precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2.010,
p. 65.
322
“A doctrine of binding precedent, já declarada com todas as letras no caso Beamisch v. Beamisch
[1.861], repetida no caso Bradford v. Pickles [1.865], vem definitivamente reconhecida, em 1.898, no
caso London Tramways Company v. London County Council, ocasião em que a House of Lords
reiterou a obrigatoriedade de nortear-se pelas suas próprias anteriores decisões (efeito auto-
vinculante), como, ainda, patenteou a eficácia externa desta às todas as cortes de grau inferior”.
TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2.004, p. 161.
323
RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre:
Livraria do Advogado Editora, 2.010, p. 65.
324
DAVID, René; JAUFFRET-SPINOSI, Camille. Los grandes sistemas jurídicos
contemporâneos. 11ª. ed. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2.010, p. 266. Court
structures of the common law world. JustCite. Disponível em: <www.justcite.com>. Acesso em:
13/08/2.014.
113

regras comunitárias da Comunidade europeia e no caso dos Estados Unidos, a


Constituição. A participação da Inglaterra na Comunidade europeia exige a sua
obediência ao direito comunitário, cujas normas estão expressas e prevalecem sobre
o direito inglês.
De forma semelhante, como, também, ocorre no ordenamento jurídico
brasileiro, nos Estados Unidos, a Constituição escrita se encontra no ápice do
ordenamento e as decisões devem observá-la, conjuntamente com as demais
normas jurídicas do ordenamento,325 embora os precedentes exerçam destacada
força gravitacional sobre as decisões, inclusive no que se refere aos temas
constitucionais.326
Interessante estudo apresentado por Michele Taruffo diz respeito à
vinculatividade dos precedentes. Em pesquisa sobre as funções das cortes
supremas, o autor enumera três principais modelos, quais sejam: o angloamericano,
o alemão e o franco-italiano. Neste estudo, ao comentar as funções das cortes
supremas do common law, da Inglaterra e dos Estados Unidos, Taruffo assinala que
o critério uniforme da interpretação da direito não é consequência do caráter
vinculante do precedente, como frequentemente se sustenta. A influência que se
obtém sobre as decisões sucessivas dos órgãos judiciais inferiores se assenta na
eficácia persuasiva do precedente. Confira-se:
En otros términos, estas cortes [del common law] interpretan sus funciones
no sólo en el sentido que se trata de obtener una solución jurídicamente
correcta del caso singular, sino también – y sobre todo - en el sentido de
proyectar tal solución sobre casos sucesivos, estableciendo criterios a los
cuales los futuros jueces de casos iguales o análogos deberán atenerse.
Bajo este perfil se evidencia la función que nosotros llamaremos de
uniformidad de la jurisprudencia: de hecho, si ésta proyección hacia los
casos futuros tiene éxito, la consecuencia es que habrá una jurisprudencia
uniforme, fundada sobre la aplicación relativamente constante de los
mismos criterios de decisión. Está claro que en esta prospectiva el corazón
del sistema, es decir el instrumento fundamental del cual se sirven las cortes
supremas del common law y que utilizan para desarrollar sus funciones, es
el precedente judicial: es la eficacia de precedente de las sentencias de
éstas cortes el factor que “expande” el ámbito de aplicación sucesiva de la
solución que la corte ha dado a una cuestión de derecho, indicando tal
solución como criterio tendencialmente uniforme de interpretación de la ley.
No es inútil observar incidenter que esto no ocurre – contrariamente a lo
que a menudo se sostiene - em razón de la eficacia vinculante del
precedente en los sistemas inglés y norteamericano: el precedente no es
formalmente vinculante ni siquiera en los sistemas del common law, por lo
cual es oportuno hablar de eficacia o de “fuerza” persuasiva de este

325
RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre:
Livraria do Advogado Editora, 2.010, p. 67.
326
TRIBE, Laurence H.; DORF, Michael C. On reading the Constitution. Cambridge,
Massachusetts, London: Harvard University Press, 1.991, p. 71-72.
114

precedente, en lugar de hablar de su carácter vinculante. De todos modos el


precedente de la House of Lords (aún no siendo formalmente vinculante ni
siquiera para la misma corte, al menos después del Practice Statment de
1996 (sic)), es dotado de uma notable eficacia persuasiva, y por lo tanto,
influye de hecho en modo determinante sobre las decisiones sucesivas;
también los precedentes de la Corte Suprema de los Estados Unidos, que
tampoco son formalmente vinculantes, están dotados de una relevante
eficacia persuasiva e inciden de manera notable sobre las decisiones
sucesivas de los órganos judiciales inferiores. Parece justo, por lo tanto,
decir que éstas cortes son esencialmente corti del precedente, ya que su
función principal consiste em “governare i precedenti” determinando cuáles
son las normas, y según qué interpretación están destinadas a operar como
reglas de juicio tendencialmente uniformes en el ámbito de la jurisprudencia
327
sucesiva (grifos acrescidos).

Mais uma vez, se apoiando em Michele Taruffo, é possível constatar que o


precedente vinculante não é o avalista da uniformidade da jurisprudência, se é que
algum dia o foi. O que se afigura em destaque, é a comodidade que o precedente
vinculante oferece ao órgão jurisdicional para decidir a demanda. Para Taruffo,
La contraposición ley escrita y precedente ya no existe y, sobre todo, ya no
sirve para dividir el mundo en dos, las cosas se volvieron más complejas. Otro
aspecto que también se derrumba es la diferencia tradicional entre eficacia
vinculante o de derecho y la vigencia o eficacia persuasiva o de facto del
precedente judicial. Aquí también, tradicionalmente, tenemos una decisión,
como dicen los americanos y los ingleses, que se basa en la eficacia del
vínculo del precedente y, em cambio, otra con un uso decididamente
persuasivo. Es una distinción que si alguna vez fue real, ya no lo es, ya no
existen esos términos. Primero: el juez americano nunca se consideró
verdaderamente vinculado al precedente, siempre dijeron que ellos utilizaban
el precedente por comodidad, cuando consideraban que la decisión, la regla
de decisión era la correcta. Si no les gustaba, no utilizaban el precedente e
inventaban otro criterio de decisión. Siempre, además, lo han dicho así.
Entonces, en el estilo americano, la utilización del precedente es la utilización
económica de las fuentes. El juez se remonta al precedente, porque así hace
menos esfuerzo para explicar por qué decidió así, pero también en el sistema
inglés, que tradicionalmente se consideraba el más riguroso, el vínculo de
derecho derivado del precedente se rompió. Fue en 1.966 cuando las cortes
supremas inglesas anunciaron que de ahí en adelante ya no serían
considerados los precedentes como vinculantes, entonces, se destruyó la
base del sistema de los precedentes. Por otra parte, Jannin Engles juntó no
menos de 20 ó 25 estrategias que los jueces ingleses utilizaron, para no
verse vinculados por los precedentes. La desaplicación del precedente, que
se há convertido en algo muy viejo, es un asunto diferente (grifos
328
acrescidos).

Assim, o que se verifica é que os precedentes vinculantes não são tão


vinculantes como aparentemente se apresentam, pois a sua capacidade de vincular
depende necessariamente da atuação do órgão julgador, uma vez que há sempre a

327
TARUFFO, Michele. Las funciones de las cortes supremas. In: La prueba, artículos y
conferencias. Santiago: Editorial Metropolitana, 2.008, p. 205-223.
328
TARUFFO, Michele. Cinco lecciones mexicanas: memoria del taller de derecho procesal.
México: Tribunal Electoral del Poder Judicial de la Federación, Escuela Judicial Electoral, 2.003, p.
35-36.
115

possibilidade de o juiz afastar a aplicação do precedente, utilizando as infinitas


interpretações que a linguagem lhe oferece, o que pode ser restringido no processo
constitucionalizado, pela participação democrática das partes na sua construção e
na sua aplicação.
O processo, como garantia das partes, não está na subordinação dos atores
ao entendimento dos tribunais superiores, e sim na possibilidade de efetiva
participação das partes no desenvolvimento do processo e da decisão, com a função
de impedir a discricionariedade e a arbitrariedade do juiz, para que este, em
qualquer instância, não decida de acordo com os seus pré-conceitos, suas
preferências e sua formação social. Ressalta-se que o princípio do stare decisis foi
adotado como norma costumeira permanente de fiscalidade do comportamento dos
juízes na própria Inglaterra e nos países que adotaram o sistema do common law.329
No cenário brasileiro, a jurisprudência atravessa uma crise de identidade. Não
se consolida e se apresenta fortemente oscilante, quando não raro, se desestabiliza
em entendimentos simétricos ao que há pouco se decidiu. Há que se observar, que
nem mesmo os órgãos jurisdicionais colegiados ou individuais respeitam as decisões
que eles próprios proferiram.
Presencia-se, neste momento, uma jurisdição colaborativa de grave
instabilidade da jurisprudência, implicando em uma crescente insegurança e
desconfiança da sociedade no sistema jurídico brasileiro.
Argumentos surpresa, decisões “pseudo-colegiadas”, enunciados de súmulas
utilizadas como se fossem regras universais (genéricas e abstratas),
fundamentações desvinculadas do contraditório, decisões que se arrimam tão

329
“Como es bien sabido, la doctrina del precedente – que según el Chancellor Kent se remonta a ‘los
primeros períodos de la historia inglesa’ – fue definitivamente establecida en Inglaterra hacia el siglo
XVIII, correspondiendo a Blackstone el mérito de haber sido uno de los primeros autores en ocuparse
de este principio en sus Commentaries (1.769), al observar que «es una regla establecida
(established rule) la de atenerse a los precedentes anteriores cuando los mismos puntos se presentan
nuevamente en litigio: para mantener la balanza de la justicia firme y estable, y no sujeta a variación
con la opinión de cada nuevo juez; y también porque el derecho solemnemente declarado y
determinado en ese caso, y que antes era incierto o quizás indiferente, se há convertido ahora en una
permanent rule que no puede ser alterada o modificada por ningún juez posterior de acuerdo con sus
sentimientos privados; [...] él no ha sido comisionado para pronunciar un derecho nuevo, sino para
conservar y exponer el viejo”. SODERO, Eduardo. Sobre el cambio de los precedentes. Isonomía -
Revista de teoría y filosofía del derecho. México, n. 21, p. 217-255, octubre 2.004.
116

somente em ementas, motivações que sequer convencem a quem as elaborou, em


nada contribuem para evitar este cenário catastrófico.330
E como não se bastasse, associado a este panorama angustiante, constatam-
se o ativismo judicial331 e o subjetivismo dos órgãos julgadores.
Para reverter esta situação, há que se privilegiar a integridade do direito, o
princípio da não surpresa, a participação no discurso, a construção de decisões bem
fundamentadas em provas e no contraditório, ou seja, a fiel obediência ao devido
processo constitucional democrático.
Evidentemente, a crescente judicialização das demandas muito contribui para
a permanência desta indesejável situação, instaurando um infindável círculo vicioso.
As causas últimas, em sentido macro, parecem estar na ineficiência do exercício da
função governamental (executiva), incapaz de implementar e coordenar políticas
públicas, capazes de reduzir os conflitos, bem como a presença de um fisiologismo
parlamentar, muito preocupado na manutenção de interesses individuais, próprios e
outros próximos.
É perceptível que apenas reformas legislativas são insuficientes para que
ocorram melhorias no ambiente social, exigem-se mudanças no comportamento e na
visão do mundo a incidirem sobre as pessoas que compõem a sociedade.
Retornando à seara processual, há que se entender, que o princípio do stare
decisis não é propriedade apenas do sistema de precedentes do common law. Todo
o sistema que objetiva e se preocupa em preservar as suas regras jurisprudenciais
construídas no passado participa deste princípio. Considera-se, porém, que há uma

330
NUNES, Dierle José Coelho. É preciso repensar o modo como os tribunais vêm atuando. Revista
Conjur. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2014-jun-11/dierle-nunes-preciso-repensar-modo-
tribunais-atuam>. Acesso em: 25/01/2.015.
331
“[...]. E acabam inventando esquisitices como o ativismo judicial. Ouso dizer que andam na
contramão da história, pois na verdade praticam um certo fundamentalismo trabalhista e judicial que
não se coaduna com os princípios da liberdade e da democracia, em resumo, do Estado democrático
de direito. [...]. Nada fácil conceituar esta novidade, que muitos dizem ser o novo modus operandi do
juiz pós-moderno e progressista. Mas é fácil identificá-lo nos julgamentos à margem ou contrários à
lei, contratos e outras regras de direito, [...]. Assim, os únicos resultados visíveis do ativismo judicial
podem ser resumidos na insegurança jurídica com instabilidade nas relações trabalhistas, sociais e
econômicas, e o aumento exponencial dos níveis de litigiosidade no Judiciário como um todo, e
especialmente no trabalhista. Os primeiros têm sido, sabidamente, um dos fatos influentes no estado
de letargia do país, que simplesmente não consegue crescer e desenvolver para o bem de todos,
principalmente dos trabalhadores. E os segundos, que refletem e são reflexos dos primeiros, resultam
apenas na hipertrofia da máquina da Justiça, com altíssimos custos sociais para um país tão carente
de investimentos em educação saúde, moradia, infraestrutura etc. Não se iludam! O ativismo judicial,
onde o juiz é a própria lei, é perigoso e contrário à democracia”. LARA, João Bosco Pinto. Ativismo
judicial: o que é, sem meias palavras. Estado de Minas, Belo Horizonte, Caderno Direito e Justiça,
21/03/2.014, p.1.
117

gradação na intensidade da proteção destas regras jurisprudenciais, estabelecida


sobre uma escala representada por um mínimo e um máximo de vinculatividade.
Assim, ao classificar o stare decisis como princípio e não como regra, aplica-se a
ele a relativização característica desta espécie normativa.332-333
Neste cenário, com toda a certeza, é possível afirmar que o sistema jurídico
brasileiro, no atual momento, adota o princípio do stare decisis, embora, sem utilizar
esta nomenclatura, em um nível tão ordinário, que não é susceptível de
consideração. É certo e necessário que a situação caótica instalada na
jurisprudência exige uma séria reavaliação.
Neste momento, é prematuro afirmar como ocorrerá a aplicação dos
precedentes no contexto a ser instalado pelo novo Código de Processo Civil.
Determinar a adequada intensidade da força da regra jurisprudencial dependerá de
observações, estudos e da política a ser delineada pelos tribunais, a partir da
vigência do novo estatuto processual. Entretanto, repita-se, a aplicação dos
precedentes não se deve desvincular do processo constitucional, que no Estado
brasileiro está subordinado aos princípios da democracia e da legalidade.
Apesar do entusiasmo de teóricos defendendo a aplicação dos precedentes
vinculantes no sistema jurídico brasileiro,334 há que se ter reservas sobre a questão,
pois o novo Código de Processo Civil não foi tão enfático a tomar esta direção.
Primeiro, porque na versão final do projeto do PL-8046/2.010, aprovado na Câmara

332
“The difference between legal principles and legal rules is a logical distinction. Both sets of
standards point to particular decisions about legal obligation in particular circumstances, but they differ
in the character of the direction they give. Rules are applicable in an all-or-nothing fashion. If the facts
a rule stipulates are given, then either the rule is valid, in which case the answer it supplies must be
accepted, or it is not, in which case it contributes nothing to the decision”. Em tradução livre: ”A
diferença entre princípios jurídicos e regras jurídicas é uma distinção lógica. Ambos os conjuntos de
padrões apontam para decisões particulares sobre obrigações jurídicas em circunstâncias
particulares, mas diferem no caráter da direção que eles atuam. As regras são aplicáveis na forma do
tudo-ou-nada. Se os fatos que a regra estabelece são dados, então ou a regra é válida, caso em que
a resposta que fornece deve ser aceita, ou não é, no caso em que em nada contribui para a decisão”.
DWORKIN, Ronald M. The model of rules. University of Chicago law review, Chicago, n. 35, p. 14-
46, 1.967-1.968.
333
“Principles have a dimension that rules do not - the dimension of weight or importance”. Em
tradução livre: “Princípios têm uma dimensão que as regras não têm - a dimensão de peso ou
importância”. DWORKIN, Ronald M. The model of rules. University of Chicago law review, Chicago,
n. 35, p. 14-46, 1.967-1.968.
334
Entre muitos: MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. Editora Revista dos
Tribunais: São Paulo, 2.010. ZANETI JÚNIOR, Hermes. O valor vinculante dos precedentes.
Salvador: Editora JusPodivm, 2.015. BARBOZA, Estefânia Maria de Queiroz. Precedentes judiciais
e segurança jurídica. São Paulo: Editora Saraiva, 2.014. NOGUEIRA, G. S. Precedentes
vinculantes no direito comparado e brasileiro. Salvador: Editora JusPodivm, 2.013. ATAÍDE
JÚNIOR, J. R. Precedentes vinculantes e irretroatividade do direito no sistema processual
brasileiro. Curitiba: Juruá. 2.012.
118

dos Deputados havia um capítulo específico sobre precedentes,335 que não se


manteve na versão aprovada pelo Senado Federal. Os artigos que se referiam aos
textos das normas sobre o precedente judicial foram deslocados para o LIVRO III –
“DOS PROCESSOS NOS TRIBUNAIS E DOS MEIOS DE IMPUGNAÇÃO DAS
DECISÕES JUDICIAIS”, TÍTULO I – “DA ORDEM DOS PROCESSOS E DOS
PROCESSOS DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DOS TRIBUNAIS”, CAPÍTULO I –
“DISPOSIÇÕES GERAIS”, sofrendo uma perda de identidade. Segundo, as formas
verbais empregadas no projeto aprovado pela Câmara para a aplicação dos
precedentes foram modificadas. Na versão do projeto aprovada na Câmara adotou-
se a expressão “os juízes e tribunais seguirão”,336 o que denota uma noção de
exigência, de obrigatoriedade. Na versão final do Senado Federal, que deu origem
ao novo Código de Processo Civil, a expressão “os juízes e tribunais seguirão” foi
substituída por “Os juízes e os tribunais observarão”,337 que deixa de ser categórica,
imperativa, para conceder-se uma certa abertura interpretativa, uma vez que o verbo

335
“PARTE ESPECIAL - LIVRO I - DO PROCESSO DE CONHECIMENTO E DO CUMPRIMENTO
DE SENTENÇA - TÍTULO I - DO PROCEDIMENTO COMUM - CAPÍTULO XV - DO PRECEDENTE
JUDICIAL” (grifos acrescidos). Substitutivo da Câmara dos Deputados ao PL nº 8.046, de 2.010.
336
“Art. 521. Para dar efetividade ao disposto no art. 520 e aos princípios da legalidade, da segurança
jurídica, da duração razoável do processo, da proteção da confiança e da isonomia, as disposições
seguintes devem ser observadas: I – os juízes e tribunais seguirão as decisões e os precedentes do
Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II – os juízes e tribunais
seguirão os enunciados de súmula vinculante, os acórdãos e os precedentes em incidente de
assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos
extraordinário e especial repetitivos; III – os juízes e tribunais seguirão os enunciados das súmulas do
Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria
infraconstitucional; IV – não sendo a hipótese de aplicação dos incisos I a III, os juízes e tribunais
seguirão os precedentes: [...]” (grifos acrescidos). Substitutivo da Câmara dos Deputados ao PL nº
8.046, de 2.010.
337
“Art. 925. Os juízes e os tribunais observarão: I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em
controle concentrado de constitucionalidade; II – os enunciados de súmula vinculante; III – os
acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em
julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV – os enunciados das súmulas do
Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria
infraconstitucional; V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.
§ 1º Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 486, § 1º, quando decidirem
com fundamento neste artigo. § 2º A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou
em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de
pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese. § 3º Na hipótese de
alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou
daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração
no interesse social e no da segurança jurídica. § 4º A modificação de enunciado de súmula, de
jurisprudência pacificada ou da tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a
necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança
jurídica, da proteção da confiança e da isonomia. § 5º Os tribunais darão publicidade a seus
precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na
rede mundial de computadores” (grifos acrescidos).
119

“observar” não tem plena coincidência com o verbo “seguir”, permitindo o legislador
que interpretações mais abertas sobre o texto fossem adotadas.338
Assim, nota-se que a questão não está pacificada e merece aguardar a
atuação dos teóricos e dos tribunais no estudo e na aplicação do precedente, cujos
atributos, sem nenhuma dúvida, podem contribuir para aumentar a estabilidade e a
integridade de qualquer sistema jurídico moderno.

338
Não se considerou necessário, nos limites deste trabalho, abordar os debates legislativos que
provocaram a alteração proposital do texto, a fim de conhecer as razões que levaram o legislador a
optar por uma redação mais suave em relação à vinculação dos órgãos jurisdicionais aos
precedentes.
120

5. A FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO E OS PRECEDENTES

5.1. Fundamentação da decisão

Ao observar o processo jurisdicional, a decisão é o aspecto que predomina,339


principalmente em função da racionalidade que expressa340 e dos efeitos que a
mesma repercute na posição jurídica dos destinatários, causa suficiente e
necessária para que seja construída democraticamente.341
O Estado moderno que se desenvolve estruturado nas funções legislativa,
governamental e jurisdicional deve ter a democracia como suporte dessas funções.
Entretanto, não é incomum prevalecer, mesmo em países com sistemas jurídicos
desenvolvidos, a discricionariedade e a vontade pessoal dos juízes e dos
administradores.
Parece haver uma forte resistência e uma impermeável barreira na inserção
da democracia na função jurisdicional, inclusive em Estados que se consideram
democráticos.
Não se pretende, com esta crítica, a defesa do modelo liberal de processo,
hipertrófico do princípio dispositivo, de um juiz inerte e passivo, dirigido pelos
advogados das partes,342 derivado de uma concepção irreal de auto-suficiência dos
cidadãos, que supostamente dispensavam qualquer intervenção do Estado para a
defesa de seus direitos e interesses.343

339
ANDREWS, Neil. The modern civil process: judicial and alternative forms of dispute
resolution in england. Tübingen: Mohr Siebeck, 2.008, p.147.
340
“La motivación constituye el signo más importante y típico de la ‘racionalización’ de la función
jurisdiccional”. CALAMANDREI, Piero. Proceso y democracia. Trad. Hector Fix Zamudio. Buenos
Aires: Ediciones Juridicas Europa-America, 1.960, p. 115.
341
“O Estado Democrático de Direito exige fundamentação detalhada de qualquer decisão. [...], o
novo paradigma (neoconstitucionalismo principiológico) não proporcionou maior liberdade aos juízes.
Principios, ao superarem as regras, proporciona(ra)m a superação da subsunção. Princípios não
"facilitam" atitudes decisionistas e/ou discricionárias. Trata-se, portanto, da superação do paradigma
epistemológico da filosofia da consciência e da certeza de si do pensamento pensante
(Selbstgewissheít des denkenden Denken). A superação do esquema sujeito-objeto faz com que os
sentidos se dêem em uma intersubjetividade. A maior liberdade na interpretação (atribuição de
sentidos) em favor dos juízes acarretaria na afirmação da subjetividade assujeitadora, o que afastaria
o mundo prático, introduzido pela fenomenologia hermenêutica (primeiro, pela filosofia hermenêutica
e, logo depois, pela hermenêutica filosófica)” (grifos no original). STRECK, Lenio Luiz. Verdade e
consenso. Constituição, hermenêutica e teorias Discursivas da possibilidade à necessidade de
respostas corretas em direito. 3ª. ed., rev., ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen juris, 2.009, p. 188-
189.
342
NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático. Curitiba: Juruá. 2.008, p. 62.
343
“Tais perspectivas conduziram, no modelo liberal, a uma sobrevalorização do princípio dispositivo,
em face da suposição de uma cidadania paritária capaz de buscar os seus próprios interesses sem
121

No processo liberal, conforme esclarece Dierle Nunes, o juiz,


[...] apresentava-se como um estranho ao objeto litigioso, cumprindo a
função de expectador passivo e imparcial do debate, sem quaisquer
ingerências interpretativas que pudessem causar embaraço às partes e às
344
relações (especialmente contratuais e econômicas) que as envolviam.

Recorrer, na atualidade, ao liberalismo processual,345 seria retroceder a


ciência do direito processual há pelo menos cem anos, valorizando a esperteza da
parte mais hábil,346 e tratando o processo como um jogo ou uma guerra, situação
inaceitável sob o ponto de vista democrático.347
O que se procura defender não é a apologia à atrofia das funções da
magistratura, ou a defesa do processo das partes, mas a atuação do órgão, na
condução do processo, em conformidade com o processo constitucional, evitando
decisões solitárias ou de elevada densidade subjetiva, pois o núcleo do processo
civil está na
comparticipação de todos os interessados nos procedimentos deliberativos
de decisões, cidadãos que possuem de modo co-originário uma autonomia
pública e privada assegurada e se assumem, concomitantemente, como
autores e destinatários (responsáveis) nos espaços públicos, sem a
necessidade de autoridades magnânimas e sensíveis que os aliviem de
348
suas escolhas.

Nesta mesma perspectiva, porque impossível, a realidade não permite a


postura de um juiz “asséptico” do contexto social, isento, descolado de sua
realidade, autômato, conforme assinala, ainda, Dierle Nunes:
O juiz democrático não pode ser omisso em relação à realidade social e
deve assumir sua função institucional decisória num sistema de regras e
princípios, com o substrato extraído do debate endoprocessual no qual

qualquer auxílio estatal”. NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático.
Curitiba: Juruá. 2.008, p. 57.
344
NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático. Curitiba: Juruá. 2.008, p. 77.
345
“Ainda na primeira metade do século passado, em todos os países europeus, os sistemas
processuais civis consideravam o processo como ‘coisa das partes’ – Sache der Parteien. Isto
significava não apenas com respeito ao caráter privado dos direitos subjetivos deduzidos em juízo, ou
seja, do poder monopolístico das partes com respeito ao objeto do processo, [...], mas também algo
mais. Em outras palavras, significava também domínio das partes privadas sobre o desenvolvimento
do processo, sobre a técnica processual, sobre as regras, em resumo, que fixam os termos, as
modalidades do processo. [...]. A lei permitia às partes prolongar um processo no tempo, quase a seu
gosto; nenhum poder correspondia, a princípio, ao juiz, em intervir no objeto para abreviá-lo ou
acelerá-lo. [...]. Toda espécie de poder judiciário, em resumo, era desconhecida ou pelo menos
estava muito atenuada; o juiz devia permanecer totalmente alheio ao processo; o processo - repito -
era ‘coisa das partes’, desenvolvia-se exclusivamente entre as partes; o juiz não apenas estava por
cima como que fora da arena” (grifos acrescidos). CAPPELLETTI, Mauro. O processo civil no
direito comparado. Trad. Hiltomar Martins de Oliveira. Belo Horizonte: Cultura Jurídica (Ed. Líder),
2.001, p. 38, 39.
346
NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático. Curitiba: Juruá. 2.008, p. 77.
347
NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático. Curitiba: Juruá. 2.008, p. 77.
348
NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático. Curitiba: Juruá. 2.008, p. 52.
122

todos os sujeitos processuais e seus argumentos são considerados e


349
influenciam o dimensionamento decisório.

Esta situação tem se configurado porque há um aprisionamento histórico de


significado e de sentido na prática das ações humanas, nas quais também se
inserem as tomadas de decisões, a se libertarem sob a orientação de novos
paradigmas, com a finalidade de concretizarem as garantias fundamentais.350
Por outro lado, compactuar com o protagonismo judicial implica em aderir à
certeza de que a decisão é tão só do juiz, com suas preferências, no sentido de que:
A visão de um protagonismo judicial somente se adapta a uma concepção
teórico-pragmática, que entrega ao juiz a capacidade sobre-humana de
proferir a decisão que ele repute mais justa de acordo com sua convicção e
preferência (solipsismo metódico) segundo uma ordem concreta de valores,
desprezando, mesmo em determinadas situações, possíveis contribuições
das partes, advogados, da doutrina, da jurisprudência e, mesmo, da história
351
institucional do direito a ser aplicado.

Seria negligência afirmar que o protagonismo constitui a regra de atuação da


jurisdição dos países ocidentais, pois, esta suposta assertiva demandaria estudos
aprofundados do comportamento dos juízes em outros países, extrapolando os
limites deste trabalho. Entretanto, parece não haver dúvidas que, no mundo
ocidental, o órgão jurisdicional ocupa o eixo principal da jurisdição, situação
comumente apresentada na maioria das obras jurídicas,352 posição que desvaloriza
o processo democrático.
Ainda que na atual quadra histórica prevaleça este deficit democrático, é
possível revisitar teorias políticas e jurídicas, como a de Dworkin, para adequá-las ao
processo constitucional democrático.

349
NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático. Curitiba: Juruá. 2.008, p. 200.
350
“One can understand what actors respond to, and have responded to, with their decisions and
reasons only if one recognizes their implicit image of society and only if one knows which structures,
achievements, potentials, and dangers they ascribe to their own society at the time, in the light of their
task of realizing the system of rights”. Em tradução livre: “Alguém pode entender o que os atores
respondem e tem respondido, com suas decisões e razões somente se reconhecer as suas imagens
implícitas da sociedade e somente se conhecer quais estruturas, conquistas, potenciais e perigos eles
atribuem à sua sociedade no tempo, à luz de suas tarefas de realizar o sistema de direitos” (grifos no
original). HABERMAS, Jürgen, Between facts and norms. Contributions to a discourse theory of
law and democracy. Trasl. William Rehg. New Baskerville: MIT Press, 1.996, p. 389.
351
NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático. Curitiba: Juruá. 2.008, p. 191,
192.
352
DWORKIN, Ronald. A matter of principle. Cambridge: Harvard University Press, 1.985, p. 159.
DWORKIN, Ronald. Law’s empire. Cambridge: Harvard University Press, 1.986, p. 243. “É um
truísmo dizer que o Direito é tão bom quanto os juízes”. CAENEGEM, R. C. van. Juízes, legisladores
e professores: capítulos de história jurídica europeia: palestras Goodhart 1.984-1.985. Trad.
Luiz Carlos Borges. Rio de Janeiro: Elsevier, 2.010, p. 101. MACCORMICK Neil. Rhetoric and the
rule of law – A theory of legal reasoning. New York: Oxford University Press, 2.005, p. 180. HART,
H. L. A. The concept of law. 2ª ed. Oxford: Clarendon, 1.994, p. 12. RAWLS, John. A theory of
justice. 6ª pr. rev. ed. Cambridge: Harvard University Press, 2.003, p. 71.
123

Para atingir este desiderato, a democracia deve tornar-se a resultante vetorial


da jurisdição e do processo, considerado este como procedimento em
contraditório,353 garantia constitucional, construído com a efetiva participação dos
interessados que serão os destinatários da decisão estatal.
A fundamentação da decisão, no Estado Democrático de Direito, constitui a
garantia processual das partes,354 prevista no art. 93, IX da Constituição, com a
função de proteção dos interessados em desfavor da arbitrariedade e da
discricionariedade do órgão julgador, nas situações em que este tem a competência
para proferir decisões.355 A decisão não pode ser “um produto volitivo subjetivo da
inteligência de um único intérprete do ordenamento jurídico e da Constituição”.356 O
contraditório, a ampla defesa e a observância do ordenamento jurídico são
condições indispensáveis para a formulação fundamentada da decisão. Associa-se a
estas garantias a ampla argumentação e a existência de um terceiro imparcial para
formarem uma base constitucionalmente adequada do processo.357
Interessante observar que a exigência da motivação das decisões sequer está
presente nas Constituições Republicanas brasileiras anteriores à de 1.988, o que
demonstra a impermeabilidade democrática na jurisdição. Há que se observar que a

353
“Se, poi, il procedimento è regolato in modo che vi possano partecipare – in una o più fasi – anche
coloro nella cui sfera giuridica l’atto finale è destinato a svolgere effetti (talché l’autore di esso debba
tener conto della loro attività), e se tale partecipazione è congegnata in modo che i contrapposti
«interessati» (quelli che aspirano alla emanazione del provvedimento e quelli che vogliono evitarla)
siano sul piede di simmetrica parità; allora, come ripetuto, il procedimento comprende il
«contradittorio», si fa quindi più articolato e complesso, e dal genus «procedimento» è consentito
enucleare la specie «processo»”. Em tradução livre: “Se, então, o processo é regulado de modo que
se possa participar - em uma ou mais fases - também aquele em cuja esfera jurídica o ato final é
destinado a produzir efeitos (de tal forma que o autor dele deva ter em conta suas atividades) e, se tal
participação é construída de modo que o «interessado» contraposto (aquele que aspira a emanação
do provimento e aquele que quer evitá-la) esteja em pé de paridade simétrica; então, como repetido,
o procedimento inclui o «contraditório» e faz-se mais articulado e complexo, e do gênero
procedimento é permitido evidenciar a espécie «processo»”. FAZZALARI Elio. Istituzione di diritto
processuale. Padova: CEDAM, 1.975, p. 28-29.
354
SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito
constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2.012, p. 665.
355
RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre:
Livraria do Advogado Editora, 2.010, p. 35.
356
BARROS, Flaviane de Magalhães. A fundamentação das decisões a partir do modelo
constitucional de processo. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, Porto Alegre, v. 1, n. 6,
p.131-148, 2.008.
357
BARROS, Flaviane de Magalhães. A fundamentação das decisões a partir do modelo
constitucional de processo. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, Porto Alegre, v. 1, n. 6,
p.131-148, 2.008.
124

Constituição imperial de 1.824 fazia constar a necessidade de motivação da decisão


em sede penal.358
No Estado Democrático de Direito, a motivação das decisões é uma
justificação do exercício do poder,359 que se realiza através da função jurisdicional
do Estado, conforme esclarece Ronaldo Brêtas, em trecho digno de nota:
No Estado Democrático de Direito, essa justificação tem de ser feita dentro
de um conteúdo estrutural normativo que as normas processuais impõem à
decisão, em forma tal que o agente público julgador lhe dê motivação
racional sob a prevalência do ordenamento jurídico em vigor e indique a
legitimidade das escolhas adotadas, em decorrência da obrigatória análise
dos argumentos desenvolvidos pelas partes, em contraditório, em torno das
360
questões de fato e de direito sobre as quais estabelecem discussão.

A fundamentação da decisão exige uma relação necessária e lógica com o


objeto do contraditório, pois o que neste se discutiu e provou deve ser a base da
decisão.361 Neste sentido, adverte André Cordeiro Leal:
Ao juiz não seria dado reconhecer a existência de um fato que não foi objeto
da prova (entendida, essa, conforme se afirmou, como instituto jurídico
garantidor da dialogicidade na reconstrução dos fatos), porque tal lhe
362
tornaria ilegítima a sentença.

358
Constituição de 1.824, art. 179: “A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos
Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela
Constituição do Imperio, pela maneira seguinte. [...]. VIII. Ninguem poderá ser preso sem culpa
formada, excepto nos casos declarados na Lei; e nestes dentro de vinte e quatro horas contadas da
entrada na prisão, sendo em Cidades, Villas, ou outras Povoações proximas aos logares da
residencia do Juiz; e nos logares remotos dentro de um prazo razoavel, que a Lei marcará, attenta a
extensão do territorio, o Juiz por uma Nota, por elle assignada, fará constar ao Réo o motivo da
prisão, os nomes do seu accusador, e os das testermunhas, havendo-as. [...]. XXXV. Nos casos de
rebellião, ou invasão de inimigos, pedindo a segurança do Estado, que se dispensem por tempo
determinado algumas das formalidades, que garantem a liberdede individual, poder-se-ha fazer por
acto especial do Poder Legislativo. Não se achando porém a esse tempo reunida a Assembléa, e
correndo a Patria perigo imminente, poderá o Governo exercer esta mesma providencia, como
medida provisoria, e indispensavel, suspendendo-a immediatamente que cesse a necessidade
urgente, que a motivou; devendo num, e outro caso remetter á Assembléa, logo que reunida fôr, uma
relação motivada das prisões, e d'outras medidas de prevenção tomadas; e quaesquer Autoridades,
que tiverem mandado proceder a ellas, serão responsaveis pelos abusos, que tiverem praticado a
esse respeito”. (grifos acrescidos) BRASIL. Constituição de 1.824. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao24.htm>. Acesso em: 20/09/2.014.
359
SARLET, Ingo Wolfgang, MARINONI, Luiz Guilherme, MITIDIERO, Daniel. Curso de direito
constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2.012, p. 666.
360
BRÊTAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Processo Constitucional e Estado Democrático de
Direito. 2ª. ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2.012, p. 134.
361
“O problema da extensão do dever de motivação das decisões judiciais tem de ser resolvido à luz
do conceito de contraditório. É por essa razão que o nexo entre os conceitos é radical. E a razão é
simples: a motivação das decisões judiciais constitui o último momento de manifestação do direito ao
contraditório e fornece seguro parâmetro para aferição da submissão do juízo ao contraditório e ao
dever de debate que dele dimana”. SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme;
MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2.012, p. 666, 667.
362
LEAL, André Cordeiro. O contraditório e a fundamentação das decisões jurisdicionais no
direito processual democrático. Belo Horizonte: Mandamentos, 2.002, p. 107.
125

Ainda se percebe uma tensão teórica no que diz respeito ao conteúdo do


contraditório, ora compreendido como garantia fundamental a contribuir para a
construção da decisão, ora “tão-somente como um direito de bilateralidade da
audiência”,363 demonstrando, nesta última concepção, uma restrição forçada das
partes na construção do processo democrático.364 Circunscrever o direito ao
contraditório ao “dizer” e ao “contradizer” condiciona as partes a uma participação
insuficiente para o desenvolvimento do processo democrático. De nada vale “dizer”
ou “contradizer” se o exercício deste direito não é contributo influente na
argumentação do órgão julgador para estruturar a decisão. Apenas o “dizer” e o
“contradizer” não são suficientes para o processo democrático, porque o seu
tratamento isolado e estanque compromete a elaboração da noção atualizada do
contraditório.
Para assegurar o policentrismo processual, o contraditório deve impor-se
como garantia de influência e de “não surpresa” no desenvolvimento do processo. 365
O avanço da ciência do processo, ao representar o objeto imediato do
contraditório como garantia constitucional democrática na construção da decisão,366
não se limitando apenas ao “dizer e contradizer”,367 implica afirmar que o seu objeto

363
NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático. Curitiba: Juruá. 2.008, p. 225.
364
“Aqui, muitos querem compreender o contraditório como direito de ‘influência’ na construção da
decisão judicial, o que poderia representar uma mudança de compreensão do próprio princípio pela
doutrina brasileira. Nessa mesma doutrina, entretanto, ainda se apresentam vários autores, que
seguindo Antônio Carlos Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, ainda reduzem
a participação em contraditório a mero direito à bilateralidade de audiência – às vezes a algo pior, que
seria a antiquada leitura da ‘paridade de armas’, como faz Daniel Amorim Assumpção Neves – ou a
um mero direito de dizer e contradizer. E, com isso, opera-se uma teorização que é insuficiente
quanto confrontada, por exemplo, com a proposta trazida por Elio Fazzalari: contraditório como direito
de participação em igualdade na preparação do provimento” (grifos no original). CATTONI DE
OLIVEIRA, M. A.; QUINAUD PEDRON, F. B. O que é uma decisão judicial fundamentada? Reflexões
para uma perspectiva democrática do exercício da jurisdição no contexto da reforma do processo
civil. In: Reforma do processo civil: perspectivas constitucionais. Belo Horizonte: Fórum, 2.010,
p.119-149.
365
NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático. Curitiba: Juruá. 2.008, p. 227,
229.
366
“Como já se defende há muito o contraditório representa um direito de participação na construção
do provimento, sob a forma de uma garantia processual de influência e não surpresa para a formação
das decisões, trazendo um dever ao juiz de levar em consideração os argumentos das partes (Recht
auf Berücksichtigung von Äußerungen), atribuindo ao magistrado não apenas o dever de tomar
conhecimento das razões apresentadas (Kenntnisnahmepflicht), como também o de considerá-las
séria e detidamente (Erwägungspflicht)”. NUNES, Dierle José Coelho. Fundamentar decisões judiciais
com amplitude e profundidade é cada vez mais necessário. Justificando. Disponível em:
</http://justificando.com/2014/10/23/fundamentar-decisoes-judiciais-com-amplitude-e-profundidade-e-
cada-vez-mais-necessario/>. Acesso em 07/11/2.014.
367
“O contraditório não é o ‘dizer’ e o ‘contradizer’ sobre matéria controvertida, não é a discussão que
se trava no processo sobre a relação de direito material, não é a polêmica que se desenvolve em
torno dos interesses divergentes sobre o conteúdo do ato final. Essa será a sua matéria, o seu
conteúdo possível. O contraditório é a igualdade de oportunidade no processo, é a igual oportunidade
126

mediato368 se torna input obrigatório na parcela da fundamentação da decisão a ser


complementada pelo órgão julgador. A fundamentação da decisão não é de
natureza atômica, ao contrário, reveste de caráter vetorial, cuja resultante se
compõe da somatória dos vetores probatórios e argumentativos que as partes e o
órgão julgador depositam no procedimento em contraditório. A fundamentação da
decisão é produto que exige a obediência a um script delimitado, insuspeito, preciso
e previsível, sob pena de se tornar, ao fim do processo, uma álea para as partes e
uma certeza para o órgão julgador que conhece previamente o resultado, que ele
isoladamente construiu.
O processo não se faz pleno para solucionar os conflitos de forma
democrática se a decisão judicial, ato final do procedimento,369 não se norteia pelo
atributo democrático constitucional da exigência da motivação da decisão,370 em
conformidade com o objeto do contraditório.
Há que se ressaltar, que a fundamentação da decisão tem estreito vínculo
com os precedentes judiciais, uma vez que a utilização destes na decisão exige a
demonstração da relação de convergência entre o precedente e o caso sub judice. É
em relação à fundamentação e aos fatos que se verificará esta relação. E se a
fundamentação é democrática, não há como o precedente não o ser.

de igual tratamento, que se funda na liberdade de todos perante a lei. É essa igualdade de
oportunidade que compõe a essência do contraditório enquanto garantia de simétrica paridade de
participação no processo”. GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria geral do
processo. 2ª. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2.012, p. 38.
368
“A situação de direito substancial comparece nos atos do processo, mas não como pressuposto
desses atos e sim como objeto de alegações e provas, como conteúdo do contraditório”.
GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria geral do processo. 2ª. ed. Belo
Horizonte: Del Rey, 2.012, p. 158.
369
“O provimento implica na conclusão de um procedimento, pois a lei não reconhece sua validade,
se não é precedido das atividades preparatórias que ela estabelece. Mas o provimento pode ser visto
como ato final do procedimento não apenas porque este se esgota na preparação de seu advento.
Pode ser concebido como parte do procedimento, como seu ato final, como o último ato de sua
estrutura. É na possibilidade de se enuclearem os provimentos, em conjunto, segundo essa ótica,
pela qual eles são o próprio ato final do procedimento, que FAZZALARI encontra a perspectiva
própria para o estudo do processo”. GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do
processo. Rio de Janeiro: Aide, 1.992, p. 112.
370
“A exigência de fundamentação das sentenças, hoje consagrada em texto constitucional, justifica-
se por várias razões. Uma delas, decorre da tendência dos sistemas políticos contemporâneos de
ampliar as bases de um regime democrático participativo, caracterizado por sua universalidade.
Regime democrático inspirado no princípio da igualdade absoluta de todos perante a lei. Regime
democrático participativo”. BAPTISTA DA SILVA, Ovídio. Fundamentação das sentenças como
garantia constitucional. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, Porto Alegre, v. 1, n. 4, p.
323-352, 2.006.
127

5.2. Síntese histórica da fundamentação das decisões

No decorrer da história, nem sempre se exigiu a fundamentação da decisão e,


ainda hoje, há ordenamentos nos quais a exigência da motivação não é expressa.371
Parece que sua origem se encontra no direito canônico, embora haja controvérsia
sobre esta afirmação.372
Anteriormente à existência do Estado, a sociedade, em seus diversos
segmentos, produzia as suas normas e o juiz, eventualmente, quando provocado,
fixava livremente a decisão a ser aplicada.373
Neste contexto medieval, o juiz, ante a ausência de uma única “fonte” do
direito estatal normativa, se encontrava relativamente livre para escolher a norma a
ser aplicada, que poderia advir dos costumes, da posição dos juristas, da equidade,
ou do livre convencimento, situação na qual seria possível distinguir claramente o
direito positivo, prefixado pela sociedade em regras preexistentes, do direito natural,
proveniente da razão e da equidade.374
Nas monarquias absolutistas, quando cabia ao monarca o julgamento do
conflito, a fundamentação da decisão se mostrava incompatível com a posição do
soberano, uma vez que o assim declarado representante do poder divino não
incorria em erro e sequer suas decisões poderiam ser discutidas.
371
“Importa, aliás, registrar a ponderável tendência que se manifesta, mesmo onde não existe regra
constitucional expressa, a procurar na sistemática da Lei Maior um suporte para o preceito da
motivação obrigatória. Assim é que, na República Federal da Alemanha, doutrina autorizada enxerga
na obrigatoriedade da fundamentação reflexo direto de princípios constitucionais, notadamente da
garantia do rechtliches Gehör (direito de ser ouvido em juízo) e da subordinação do juiz à lei,
consagrada aquela no art. 103, 1.ª alínea, esta no art. 20, 3.ª alínea, da Grundgsetz. Consideração à
parte merecem os ordenamentos de common law. Não se depara neles norma escrita de alcance
genérico que obrigue os órgãos judiciais a motivar os seus pronunciamentos. Todavia, ao menos no
que concerne ao direito inglês, seria errôneo interpretar o fato como sinal de que a idéia é estranha à
concepção dominante. Muito ao contrário, os estudiosos da matéria assinalam que a motivação
constitui procedimento constante, incorporado à tradição, principalmente nas Cortes Superiores”.
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A motivação das decisões jurisdicionais como garantia inerente
ao Estado Democrático de Direito. In: Temas de direito processual: segunda série. 2ª ed. São
Paulo: Saraiva, 1.988, p. 84, 85.
372
“Há divergências entre os historiadores do direito quanto à sua necessidade no direito romano, e o
instituto era naturalmente estranho aos julgamentos baseados na ordálias ou juízos de Deus do
direito bárbaro germânico da alta idade média. Foi após a abolição das ordálias pelo Concílio de
Latrão, em 1.215, que passaram a surgir alusões aos motivos das decisões no direito canônico, muito
embora a prática se limitasse a breves referências à constatação de fatos, à ouvida de testemunhas
ou à confissão de uma parte, além de não ser recomendada pela doutrina por ‘dificultar a aplicação
da justiça’” (grifos no original). RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no direito
brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2.010, p. 35.
373
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Trad. Márcio Pugliesi,
Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone Editora, 1.996, p. 27.
374
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Trad. Márcio Pugliesi,
Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone Editora, 1.996, p. 28.
128

A partir do momento, em que se afasta o poder divino do soberano e os


julgamentos passam a ser conduzidos por juízes escolhidos pela comunidade ou
designados pelo soberano, no exercício da delegação do seu poder,375 afasta-se o
mito de um julgador infalível, com a necessária consequência de promover a
fundamentação da decisão a afetar os direitos das partes.
Antes da formação do Estado moderno, os juízes resolviam os conflitos com
a discricionariedade que lhes era permitida, podendo escolher entre o direito positivo
(costume) e o direito natural (equidade).376
No final do século XVIII, as concepções de direito natural e de direito positivo
tomam outra dimensão, na qual se conhece a natureza do direito pelo modo em que
este se apresenta à consciência humana, sendo o direito natural representado pelo
conjunto de normas que se faz conhecer apenas pela razão do indivíduo, sob a
influência da moral. O direito positivo é também conhecido pela razão, mas a sua
formação se faz por meio da declaração da vontade do legislador.377
Com o surgimento do Estado moderno, o juiz passa a exercer a função estatal
da jurisdição, cargo vinculado ao órgão do Estado, subordinando-se, no sistema do
civil law, às normas emanadas pelo legislativo, para a solução dos conflitos,
prevalecendo o direito positivo sobre o direito natural, sendo considerado aquele
como o único e verdadeiro direito.378
O positivismo jurídico conduziu à prevalência do parlamento, limitando a
atuação dos juízes do civil law à observância da “lei”. Assim, a fundamentação
decisória passa a ser avaliada sob os limites especificados pela “lei”.379
A obrigação legal de fundamentar a decisão, com a exposição, pelo juiz, das
razões que a embasaram, se inicia, na Europa, a partir da metade do século XVIII,380
com o objetivo de atender à publicidade.

375
“O absolutismo permite que a figura central – o Rei, o déspota – em nome do seu poder
indiferenciado, decida questões, dê sentenças, ou nomeie juízes especiais para resolvê-las”.
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1.967, com a
emenda nº 1 de 1.969. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1.987, tomo I, p. 277.
376
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Trad. Márcio Pugliesi,
Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone Editora, 1.996, p. 28.
377
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Trad. Márcio Pugliesi,
Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone Editora, 1.996, p. 21-22.
378
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Trad. Márcio Pugliesi,
Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone Editora, 1.996, p. 28-29.
379
RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre:
Livraria do Advogado Editora, 2.010, p. 38.
380
Em França, a Lei de organização judiciária de 1.790, Constituição do ano III. Na Prússia,
Allgemeine Gerichtsordnung de 1.793. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A motivação das decisões
129

Esta tendência continuou a prevalecer no século XIX, alcançando diversas


legislações ou códigos de processo, como por exemplo, em França,381 na Itália,382
na Espanha,383 mantendo-se esta mesma perspectiva no mundo ocidental do século
XX.384
Em razão de sua importância e do alcance de seus efeitos, a motivação das
decisões elevou-se ao âmbito das garantias fundamentais e passou a compor os
textos constitucionais,385 o que se confirma nas Constituições da Itália,386
Portugal,387 Bélgica, Colômbia, Grécia, México,388 Espanha,389 e, também na
brasileira de 1.988.

judiciais como garantia inerente ao Estado de Direito. In: Temas de direito processual: segunda
série. 2ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1.988, p. 83.
381
Code de procédure civile de 1.810, art. 141. “La rédaction des jugemens contiendra les noms des
juges, du procureur impérial, s'il a été entendu, ainsi que des avoués; les - noms, professions et
demeures des parties, leurs conclusions, l'exposition sommaire des points de fait et de droit, les motifs
et le dispositif des jugemens”. Em tradução livre: “A elaboração de decisões judiciais conterá os
nomes dos juízes, do procurador imperial, se ele foi ouvido, bem como dos advogados; - nomes,
profissões e endereços das partes, suas conclusões, a exposição resumo dos pontos de fato e de
direito, os motivos e o dispositivo das decisões judiciais”. FRANÇA. Code de procédure civile, suivi
du tarif des frais et depens. Édition originale ete seule officielle. Paris: De L’imprimerie Impériale,
1.810, p. 51.
382
Codice di procedura civile de 1.865, art. 436: “La sentenza deve contenere l'indicazione del nome
e cognome, del domicilio, o della resídenza delle parte, le domande e le eccezioni, i motivi, il
dispositivo. [...]”. Em tradução livre: “A sentença deve conter o nome e sobrenome, domicílio ou
residência da parte, as perguntas e as exceções, os motivos, o dispositivo. [...]”. ITÁLIA. Codice di
procedura civile del regno d’Italia. Milano: Stamperia Reale, 1.865, p. 130.
383
Ley de enjuiciamiento civil de 1.871, art. 372, §3º: “También en párrafos separados, que
principiarán con la palabra «considerando», se apreciarán los puntos de derecho fijados por las
partes, dando las razones y fundamentos legales que se estimen procedentes para el fallo que haya
de dictarse, y citando las leyes o doctrinas que se consideren aplicables al caso.
Si en la sustanciación del juicio se hubieren cometido defectos u omisiones que merezcan corrección,
se apreciarán en el último «considerando» exponiendo, en su caso, la doctrina que conduzca a la
recta inteligencia y aplicación de esta Ley”. ESPANHA. Ley de enjuiciamiento civil de 1.871. Gaceta
de Madrid, Madrid nº 38, p. 353-356, 7 feb. 1.881. Disponível em:
<https://www.boe.es/datos/pdfs/BOE/1881/036/R00326-00518.pdf>. Acesso em: 25/08/2.014.
384
Código de processo civil italiano de 1.940, o português de 1.967, o belga de 1.967, o argentino de
1.970, o francês de 1.975. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A motivação das decisões judiciais
como garantia inerente ao Estado de Direito. In: Temas de direito processual: segunda série. 2ª
ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1.988, p. 83.
385
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A motivação das decisões judiciais como garantia inerente ao
Estado de Direito. In: Temas de direito processual: segunda série. 2ª ed. São Paulo: Editora
Saraiva, 1.988, p. 84.
386
Constituição da República da Itálica de 1.948, art. 111: “[...].Tutti i provvedimenti giurisdizionali
devono essere motivati. [...]”. Em tradução livre: “[...]. Todo provimento jurisdicional deve ser
motivado. [...]”. ITÁLIA. Costituzione della repubblica italiana. Disponível em:
<http://www.governo.it/Governo/Costituzione/CostituzioneRepubblicaItaliana.pdf>. Acesso em:
25/08/2.014.
387
Constituição da República Portuguesa, artigo 205º, 1: “As decisões dos tribunais que não sejam
de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”. PORTUGAL. Constituição da
república portuguesa. Disponível em:
<http://www.parlamento.pt/Legislacao/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.aspx#art205>.
Acesso em: 25/08/2.014.
130

A fundamentação é uma garantia das partes, pois expressa a posição parcial


ou imparcial do julgador, juntamente com a conformidade ou desconformidade da
decisão com o ordenamento jurídico,390 como também permite verificar se o juiz
avaliou corretamente as questões suscitadas durante o processo.391
Enquanto no civil law a fundamentação da decisão é, em regra, dever
constitucional ou legal explícito, endereçado aos juízes, no sistema do common law,
especialmente, na Inglaterra e nos Estados Unidos, não há norma escrita genérica
que obrigue os juízes a fundamentarem a decisão.392 E a razão para isto não seria o
desprezo à necessidade da motivação, mas, fundamentalmente, a tradição,393
ressaltando-se que a lógica do precedente parece condicionar a sua sobrevivência à
motivação, ao se posicionar como um dos seus requisitos.
O juiz do common law, ao decidir e fundamentar um caso, necessariamente,
pesquisa os fatos e a fundamentação dos precedentes. Assim, a ausência destes
elementos na motivação reduziria a força do precedente e a sua influência no
sistema, provocando, com o passar do tempo, o seu desaparecimento.394
Ressalta-se que, na Inglaterra, a obrigação de motivar é exigência legal para
os tribunais administrativos e especiais, o que demonstra a preocupação do atual

388
Constituição mexicana, art. 16: “Nadie puede ser molestado en su persona, familia, domicilio,
papeles o posesiones, sino en virtud de mandamiento escrito de la autoridad competente, que funde y
motive la causa legal del procedimiento”. MÉXICO. Constitución política de los estados unidos
mexicanos. Disponível em: <http://www.diputados.gob.mx/LeyesBiblio/htm/1.htm>. Acesso em:
25/08/2.014.
389
Constituição da Espanha de 1.978, art. 120.3: “Las sentencias serán siempre motivadas y se
pronunciarán en audiencia pública”. ESPANHA. Constitución española. Disponível em:
<http://www.tribunalconstitucional.es/Lists/constPDF/Constitución%20Espa%C3%B1ola%20-
%20Texto%20consolidado.pdf>. Acesso em: 25/08/2.014.
390
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A motivação das decisões jurisdicionais como garantia
inerente ao Estado Democrático de Direito. In: Temas de direito processual: segunda série. 2ª ed.
São Paulo: Saraiva, 1.988, p. 87.
391
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A motivação das decisões jurisdicionais como garantia
inerente ao Estado Democrático de Direito. In: Temas de direito processual: segunda série. 2ª ed.
São Paulo: Saraiva, 1.988, p. 88.
392
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A motivação das decisões judiciais como garantia inerente ao
Estado de Direito. In: Temas de direito processual: segunda série. 2ª ed. São Paulo: Editora
Saraiva, 1.988, p. 84.
393
“Desde esta perspectiva, se podría decir que un principio de obligatoriedad de la motivación ya
está incorporado en la práctica, y si no se enuncia expresamente en una norma es porque no parece
necesaria la existencia de normas que lo establezcan”. TARUFFO, Michele. La motivación de la
sentencia civil. Tr. Lorenzo Córdova Vianello. México: Tribunal Electoral del Poder Judicial de la
Federación, 2.006, p. 329.
394
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A motivação das decisões judiciais como garantia inerente ao
Estado de Direito. In: Temas de direito processual: segunda série. 2ª ed. São Paulo: Editora
Saraiva, 1.988, p. 84.
131

legislador inglês em controlar as decisões e possibilitar a sua impugnação.395 Esta


tendência parece avançar em relação à jurisdição ordinária do common law,
reduzindo o peso da tradição, para possibilitar um maior controle das decisões,396
em favor dos seus destinatários e do controle da atividade jurisdicional.
A inexistência de norma, que obrigue o juiz a fundamentar, impede que a
parte sucumbente se oponha à insuficiência ou vício da decisão, exatamente, pela
ausência de sua obrigatoriedade,397 subtraindo-lhe o meio legítimo para impugnar a
decisão que lhe desfavoreça.
Michele Taruffo (1.943-) informa que na Inglaterra há resistência na adoção
de regra explícita para tornar obrigatória a motivação da decisão, o que pode ser
constatado pela jurisprudência, conforme assinala o autor:

Por un lado, no faltan opiniones orientadas a configurar la motivación como


uno de los requisitos fundamentales para un fair trial, o sea como garantía
contra decisiones arbitrarias o no fundadas en las pruebas y en las
defensas aportadas en el juicio, y como garantía de la posibilidad de
impugnación. En sentido contrario, sobre todo por parte de la jurisprudencia,
se suele excluir que la obligatoriedad de la motivación constituya un
principio de natural justice, y consecuentemente se excluye la conformación
de un derecho de las partes a obtener una sentencia motivada, salvo en los

395
“La afirmación inherente a la ausencia de una obligación expresa de motivar las sentencias es
cierta en el área de la jurisdicción civil y penal, pero no describe la situación de las diferentes formas
de jurisdicción especial y administrativa que se multiplicaron en Inglaterra en las últimas décadas.
Debemos recordar, de hecho, que los Tribunals and Inquiries Act de 1.958 impone a los tribunales
especiales que expongan, a petición de parte, los motivos de la decisión, la obligación de motivación
también se impone a otros órganos especiales mediante leyes relativamente recientes. Normas como
ésta dan testimonio de la preocupación del legislador inglés por el carácter garantista del problema de
la motivación: por un lado, al tratarse de órganos especiales de nueva creación, se había considerado
que no se les debía extender automáticamente el prestigio tradicional y la autoridad característica de
los jueces ordinarios; por el otro, la motivación resultó indispensable tanto para abrirle la puerta a las
impugnaciones, como para permitir un control sobre las decisiones mediante el judicial review”.
TARUFFO, Michele. La motivación de la sentencia civil. Tr. Lorenzo Córdova Vianello. México:
Tribunal Electoral del Poder Judicial de la Federación, 2.006, p. 329.
396
“Por otra parte, esa misma percepción en torno al problema hace que sea más difícil explicar la
ausencia de una intervención legislativa análoga en el plano de la legislación ordinaria; tanto así que
la explicación usual, relacionada con la confianza del ciudadano inglés en sus jueces, podría parecer,
en la sociedad actual, poco menos que uma mistificación voluntariosa” (grifos acrescidos). TARUFFO,
Michele. La motivación de la sentencia civil. Trad. Lorenzo Córdova Vianello. México: Tribunal
Electoral del Poder Judicial de la Federación, 2.006, p. 329,330.
397
“Además, y este es un aspecto muy grave del problema, cada vez es más evidente que la práctica
de la motivación espontánea, por más que sea constante y generalizada en concreto, no permite
satisfacer siquiera la exigencia procesal de fondo a la que se orienta la motivación, que consiste en
fungir como trámite de la impugnación. Es cierto que se ha puesto en evidencia que dicha práctica,
con frecuencia, termina por conculcar o por hacer muy difícil o aleatoria, la posibilidad para las partes
de impugnar la sentencia, de tal forma que la ausencia de una obligación expresa y general de
motivación ha sido señalada como um grave defecto del ordenamiento procesal inglés, y se ha
subrayado la necesidad de una norma general que prescriba dicha obligación” (grifos acrescidos).
TARUFFO, Michele. La motivación de la sentencia civil. Tr. Lorenzo Córdova Vianello. México:
Tribunal Electoral del Poder Judicial de la Federación, 2.006, p. 329, 330.
132

casos particulares en los que la motivación está prescrita por normas


398
especiales.

Desta forma, tanto no sistema do civil law, como do common law, há uma
tendência a demonstrar que a motivação das decisões deve revestir-se de caráter
obrigatório, a fim de suprir os requisitos democráticos de controle dos atos
jurisdicionais, bem como mecanismo para os interessados conhecerem as razões
pelas quais o julgador decidiu.

5.3. Exigência democrática da fundamentação da decisão

A fundamentação das decisões extrapola os limites objetivos e subjetivos da


demanda, para atender a garantia constitucional do processo democrático,399 a fim
de evitar a discricionariedade e a arbitrariedade.
A decisão não pode ser forjada por pura convicção do julgador ou com
fundamento em seus sentimentos. A decisão judicial no Estado Democrático de
Direito é fruto da construção participada, de forma a não causar surpresa às partes,
situação que ocorre quando o órgão julgador fundamenta a decisão em normas ou
em precedentes que não foram discutidos no procedimento realizado em
contraditório.
Tarufo assevera que as normas que impõem a fundamentação da decisão
são destinadas ao órgão julgador, porque constitui um princípio jurídico-político
fundamental para o Estado de Direito, de configuração constitucional.400
Há quem sustente que a fundamentação da decisão seja forma de controle da
sociedade sobre o órgão julgador,401 uma vez que os juízes exercem função estatal,
outorgada pelo povo, ressaltando-se que no Estado Democrático de Direito todo
poder dele emana, conforme dispõe, v.g., a Constituição da República em seu art.
1º, parágrafo único.

398
TARUFFO, Michele. La motivación de la sentencia civil. Tr. Lorenzo Córdova Vianello. México:
Tribunal Electoral del Poder Judicial de la Federación, 2.006, p. 330.
399
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Omissão judicial e embargos de declaração. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2.005, p. 292.
400
TARUFFO, Michele. La motivación de la sentencia civil. Tr. Lorenzo Córdova Vianello. México:
Tribunal Electoral del Poder Judicial de la Federación, 2.006, p. 354.
401
RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre:
Livraria do Advogado Editora, 2.010, p. 40-41.
133

Para corroborar este entendimento, figura-se necessário apresentar a


assertiva de Pontes de Miranda (1.892-1.979), na qual afirma que a titularidade do
exercício do poder jurisdicional é também exercido em nome do povo:
O exercício do poder, ainda por parte daqueles que só indiretamente o
recebem, como os juízes e os funcionários públicos, é sempre exercido em
402
nome do povo.

Não se pode negar que há casos, e não são raros, nos quais prevalece um
interesse próprio e pessoal, ainda que de forma inconsciente, daqueles que exercem
as funções estatais, representando um comportamento corrompido da necessária
obediência aos princípios do Estado Democrático, constatada por uma visão míope
sobre o exercício do poder, que desconsidera ou desconhece a titularidade do poder
no Estado Democrático de Direito. No Estado Democrático de Direito, o juiz não é
“senhor” do processo e o Estado não é “senhor” do povo. Inexiste a relação
senhorio-servo e não há espaço para o arbítrio no exercício da função estatal
jurisdicional.403
O uso do precedente no sistema jurídico do civil law, desconsiderando a sua
leitura democrática, não irá corrigir esta anomalia, pois a textura interpretativa do
precedente, considerando a possibilidade da interpretação analógica entre os fatos
do caso sub judice e do precedente, pode contribuir para alargar a
discricionariedade do julgador, sendo mais um meio de inserir seu solitário
entendimento. A correção desta perversa conduta deve dar-se pela possibilidade de
participação efetiva das partes, como vetor aplicado na direção e sentido da
democracia.
Não há como duvidar que nos Estados aderentes ao sistema político
democrático, como é o caso do Brasil, em conformidade com a Constituição da
República de 1.988, toda decisão jurisdicional deve ter como substrato o exercício
da democracia.

402
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1.946. São
Paulo: Max Limonad, 1.953, tomo v, p. 307.
403
“No Estado Democrático de Direito, em que o exercício do poder é limitado, não há espaço para
exercentes de funções públicas irresponsáveis. Não há lugar para tiranos. Dessa forma, o juiz não
pode ser visto como o ‘senhor’ do processo. A despeito de expedir ordens, o magistrado tem o dever
de se pautar por um critério objetivo fundamental em sua conduta: a lei. Além disso, deve justificar a
decisão tomada, através de motivadas decisões a serem amplamente expostas a quem tiver
interesse em conhecê-las. A fundamentação das decisões judiciais é, pois, uma garantia
constitucional contra o arbítrio e o abuso de autoridade” (grifos no original). NOJIRI, Sérgio. O dever
de fundamentar as decisões judiciais. 2ª. ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2.000, p.
132.
134

Todos os atos jurídicos a serem praticados neste Estado, e neste sentido


incluem-se todas as decisões estatais, devem observar o fundamento
democrático,404 que exige a participação dos interessados nos atos que lhes dizem
respeito. Nesta perspectiva, não se pode aceitar que órgãos do Estado, utilizando os
precedentes, atuem de forma discricionária, omissa ou parcial, trazendo prejuízos à
sociedade e àqueles que são os maiores interessados.
Depositar confiança na autoridade, permitindo-lhe manifestar-se
discricionariamente é conceder-lhe um mandato ilegítimo, além de instigar o decisor
a abusar do poder que detém, correndo o sério risco de a discricionariedade
transformar-se em arbitrariedade.
Há casos nos quais o órgão julgador sequer fundamenta a decisão, e esta
situação não é típica apenas no sistema brasileiro.405 O órgão julgador,
simplesmente, afirma que tal norma incide sobre determinado fato, não esclarecendo
os argumentos que dão suporte à sua afirmação. Em outros casos, o decisor nada
menciona a respeito das insuficiências das razões do sucumbente,406 incutindo

404
“Esto se debe a que el concepto filosófico de democracia, que se concreta en numerosas formas
contemporáneas de organización política, se apoya fundamentalmente en la publicidad y justificación
racional de todos los actos que se ejecutan en el ejercicio del poder”. BARRAGÁN, Julia. La decisión
judicial y la información. Revista de teoría y filosofía del derecho, México, n. 1, p. 99-109, 1.994.
405
Na Inglaterra: “En sentido contrario, sobre todo por parte de la jurisprudencia, se suele excluir que
la obligatoriedad de la motivación constituya un principio de natural justice, y consecuentemente se
excluye la conformación de un derecho de las partes a obtener una sentencia motivada, salvo en los
casos particulares en los que la motivación está prescrita por normas especiales”. TARUFFO,
Michele. La motivación de la sentencia civil. Tr. Lorenzo Córdova Vianello. México: Tribunal
Electoral del Poder Judicial de la Federación, 2.006, p. 330. Nos Estados Unidos: “De hecho, no
consta, que la doctrina estadounidense haya configurado la motivación como requisito del natural
justice of the fair trial, a pesar de la amplia y conocidísima elaboración llevada a cabo en función de la
due process clause. No faltan algunas tomas de posición en el sentido de la oportunidad de la
motivación como uma garantía de la decisión y a través del control (especialmente de las partes)
sobre la actuación del juez, pero esas posturas no llegan a configurar la motivación como requisito
necesario en el nivel general y, sobre todo, no proyectan la oportunidad de una verdadera y real
obligación al respecto. Consideraciones análogas valen para la jurisprudencia que, por lo que consta,
nunca ha planteado la necesidad de la reasoned decision”. TARUFFO, Michele. La motivación de la
sentencia civil. Tr. Lorenzo Córdova Vianello. México: Tribunal Electoral del Poder Judicial de la
Federación, 2.006, p. 332.
406
“12. A primeira conseqüência desta transformação paradigmática será a revisão dos critérios hoje
utilizados por nossos magistrados para fundamentar suas sentenças. Neste campo, é possível
constatar algumas impropriedades sérias. Supõe o sistema que aos magistrados baste fundamentar o
julgado, dizendo que assim o fazem por haver incidido tal ou qual norma legal. Sabendo, porém, que
a norma comporta duas ou mais compreensões; sabendo igualmente que o sentido originário do texto
– se é que, em algum momento, ele existiu – pode transformar-se com o tempo, a conclusão será de
que, quando o juiz disser que julga de tal ou qual modo porque esse é o sentido da norma aplicável,
ele ainda não forneceu nenhum fundamento válido à sentença. Escolhendo ‘livremente’ o sentido que
lhe pareceu adequado, sem justificá-lo, o julgador não teria ido além do raciocínio formulado por
alguém proibido de explicitar os fundamentos da decisão. [...]. A segunda conseqüência impõe que o
juiz, ao fundamentar a sentença, não apenas dê os motivos pelos quais aceitou como válidos os
argumentos do vencedor mas, além disso, demonstre, também com argumentos convincentes, a
135

neste uma sensação de impotência, em virtude de desconhecer os motivos que


levaram à sua derrota.
A fundamentação da decisão é o ponto relevante para o controle das partes
sobre a decisão proferida pelo órgão julgador, a fim de se verificar se as provas e os
argumentos apresentados durante o processo foram considerados, avaliados ou
negligenciados.407
No direito brasileiro, o requisito da fundamentação da decisão compunha o
ordenamento jurídico na vigência das Ordenações Filipinas, no período
compreendido entre 1.603 a 1.916, conforme previsto no Livro III, Titulo LXVI, 7, a
seguir reproduzido:
E para as partes saberem se lhes convém appellar ou aggravar das
sentenças deffinitivas, ou vir com embargos a ellas, e os juízes da mór
alçada entenderem melhor os fundamentos, por que os Juízes inferiores se
movem a condenar, ou absolver, mandamos que todos nossos
Desembargadores, e quaesquer outros Julgadores, ora sejam Letrados ora
o não sejam, declarem specificamente em suas sentenças deffinitivas,
assim na primeira instancia, como no caso de appellação, ou aggravo, ou
revista, as causas, em que se fundaram a condenar, ou absolver, ou a
408
confirmar ou revogar (grifos acrescidos).

Lopes da Costa (1.885-1.966) alertava, há mais de meio século, para a


importância da motivação da decisão. Criticava a hipótese, ainda hoje tão
comumente usada, que considera suficiente o conteúdo da fundamentação restrito
apenas à confirmação e reprodução da motivação prestada por instâncias
inferiores.409

impropriedade ou a insuficiência das razões ou fundamentos de fato e de direito utilizados pelo


sucumbente. A fundamentação deve ser ampla; deve compreender todos os aspectos relevantes do
conflito, especialmente na análise crítica dos fatos.” BAPTISTA DA SILVA, Ovídio. Fundamentação
das sentenças como garantia constitucional. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, Porto
Alegre, v. 1, n. 4, p. 323-352, 2.006.
407
“[...] mas inclui a de fazer valer razões em juízo de modo efetivo, e, por conseguinte, de reclamar
do órgão judicial a consideração atenta dos argumentos e provas trazidas aos autos. Ora, é na
motivação que se pode averiguar se e em que medida o juiz levou em conta ou negligenciou o
material oferecido pelos litigantes; assim, essa parte da decisão constitui 'o mais válido ponto de
referência' para controlar-se o efetivo respeito daquela prerrogativa [direito que têm as partes de
serem ouvidas e de ver examinadas pelo órgão julgador as questões que houverem suscitado]".
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A motivação das decisões judiciais como garantia inerente ao
Estado de Direito. In: Temas de direito processual: segunda série. 2ª ed. São Paulo: Editora
Saraiva, 1.988, p. 88.
408
ALMEIDA, Candido Mendes de. Código philippino ou ordenações e leis do reino de Portugal
recopiladas por mandado d’el-rey d. Philippe I. 14ª. ed. Rio de Janeiro: Typographia do Instituto
Philomathico, 1.870, p. 669.
409
"Não é motivação, mas desta simples aparência, dizer o tribunal que confirma a decisão de
primeira instância 'por ser conforme ao direito e à prova dos autos'. É um círculo vicioso, um idem per
idem. É implícito que a confirmação de uma sentença declara-a certa e justa, de acôrdo com a lei e
com a prova. Então não carecia o tribunal vir dizê-lo. O que é necessário é externar porque ela não
136

Na mesma direção, é frequente, na prática forense, a construção de decisões


a partir de determinada versão probatória de preferência do juiz, ou por uma
interpretação peculiar do texto normativo,410 como se lícito fosse desprezar as
demais versões ou interpretações apresentadas, sem qualquer justificativa do
julgador. A motivação da decisão não se resume, tão somente, à escolha de
determinada interpretação. É dever do juiz apresentar as razões pelas quais não
escolheu as demais versões ou interpretações. É isto que se espera de um processo
democrático.411
O Superior Tribunal de Justiça apresenta entendimento equivocado, quando
afirma que o juiz pode decidir escolhendo apenas os motivos que o convenceu,412

está errada, aplicando mal o direito, e não é injusta, mal apreciando a prova. Mostrar que a decisão é
conforme ao direito e aos fatos não é proclamar dogmaticamente que ela não viola a lei, nem se
afasta da prova. Dizer que um ato é justo não é o mesmo que expor as razões que levaram a tal
afirmação. A afirmação é um juízo; a motivação, uma demonstração. [...]. O juiz não é legislador. A
autoridade de suas decisões assenta na autoridade da lei. É pois necessário que êle demonstre a
conformidade entre uma e outra” (grifos acrescidos). LOPES DA COSTA, Alfredo de Araújo, Direito
processual civil brasileiro. 2ª ed.. Rio de Janeiro: Forense. 1.948, vol. III, p. 26-27.
410
Humberto Ávila destaca a diferenciação entre texto e norma, esclarecendo que: “Normas não são
textos nem o conjunto deles, mas os sentidos construídos a partir da interpretação sistemática de
textos normativos. Daí se afirmar que os dispositivos se constituem no objeto da interpretação; e as
normas, no seu resultado. O importante é que não existe correspondência entre normas e dispositivo,
no sentido de que sempre que houver um dispositivo haverá uma norma, ou sempre que houver uma
norma deverá haber um dispositivo que lhe sirva de suporte” (grifo no original). ÁVILA, H. B. Teoria
dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 15ª. ed., atual. e ampl. São
Paulo: Malheiros Editores, 2.014, p. 50.
411
“14. É mais freqüente do que se imagina depararmo-nos com decisões judiciais, cuja
fundamentação preocupa-se em mostrar a preferência do juiz por uma das versões probatórias, ou
por uma das incontáveis possibilidades de interpretação jurídica da norma, sem que ele, no entanto,
examine criticamente as versões que a infirmem, para mostrar as razões pelas quais as
desmerecera” (grifos acrescidos). BAPTISTA DA SILVA, Ovídio. Fundamentação das sentenças
como garantia constitucional. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, Porto Alegre, v. 1, n.
4, p. 323-352, 2.006.
412
Apenas para confirmar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: AgRg no AREsp
525.644/RJ. Rel. Min. Humberto Martins. Órgão Julgador: 2ª Turma. Julg.: 12/08/2.014. Publ.:
Dje 19/08/2.014: “É sabido que o juiz não fica obrigado a manifestar-se sobre todas alegações das
partes, nem ater-se aos fundamentos indicados por elas ou a responder, um a um, a todos os seus
argumentos, quando já encontrou motivos suficientes para fundamentar a decisão, o que de fato
ocorreu. Ressalte-se, ainda, que cabe ao magistrado decidir a questão de acordo com o seu livre
convencimento, utilizando-se dos fatos, provas, jurisprudência, aspectos pertinentes ao tema e da
legislação que entende aplicável ao caso. [...]. Em suma, nos termos de jurisprudência do STJ, o
magistrado não é obrigado a responder todas alegações das parte se já tiver encontrado motivo
suficiente para fundamentar a decisão, nem é obrigado ater-se aos fundamentos por elas indicados,
com ocorreu no caso em apreço”; Resp 1.119.453/SP. Rel. Min. Laurita Vaz. Órgão Julgador: 5ª
Turma. Julg.: 07/02/2.012. Publ. DJe 19/09/2.012: “Não houve o alegado malferimento ao art. 381,
inciso III, do Código de Proceso Penal, tampouco o cerceamento de defesa por suposta omissão da
Corte Regional na análise dos argumentos defensivos. Ao contrário do sustentado pelos Recorrentes,
o acórdão recorrido examinou detidamente e decidiu as controvérsias relevantes trazidas aos autos.
Com é sabido, não está o Julgador obrigado a responder todas as alegações das partes, a ater-se às
razões por elas expostas, tampouco a refutar um a um todos seus argumentos, quando os
fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão, repelindo, como consectário
lógico, as teses defensivas, com ocorrera na espécie”; AgRg no Ag 1.233.517/SP. Rel. Min. Arnaldo
137

incentivando os juízes das instâncias inferiores a seguirem esta antidemocrática


orientação. Como se nota, se este entendimento permanecer, o precedente em nada
acrescentará ao processo constitucional, servindo apenas para justificar a posição
que mais agrada ao órgão julgador.
Este perverso comportamento se configura como um simulacro da garantia
constitucional da motivação das decisões e na prática cria sérias dificuldades para a
parte sucumbente defender-se.
A exigência da fundamentação da decisão, embora alçada a nível
constitucional na Carta de 1.988, não produziu, até o momento, os resultados
democráticos que se dela se esperavam e, em muitos casos, inclusive, como
anteriormente afirmado, com o aval dos tribunais superiores.
Para corrigir a frequente e contínua ofensa à garantia constitucional,
consubstanciada pela inexistência e insuficiência de fundamentação nas decisões
proferidas pelo Estado, questão há muito abordada pela Escola Mineira de
Processo, tornou-se necessário que o novo Código de Processo Civil, em dispositivo
específico, dedicasse-lhe tratamento especial.
Assim, em conformidade com o processo constitucional, o novo Código de
Processo Civil apresenta o artigo 486,413 elaborado a partir de técnica legislativa de

Esteves Lima. Órgão Julgador: 1ª Turma. Julg.: 17/02/2.011. Publ.: DJe 24/02/2.011: “De início,
ressalta-se que ‘Não está o Julgador obrigado a responder todas as alegações das partes, a ater-se
às razões por elas expostas, tampouco a refutar um a um todos seus argumentos, desde que os
fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão’ (EDcl no RMS 18.110/AL,
Rel. Min. LAURITA VAZ, Quinta Turma, DJ 8/5/06), e que ‘Não configura omissão o simples fato de o
julgador não se manifestar sobre todos os argumentos levantados pela parte, uma vez que está
obrigado apenas a resolver a questão que lhe foi submetida com base no seu livre convencimento
(art. 131, CPC)’ (EDcl nos EDcl no REsp 637.836/DF, Rel. Min. FELIX FISCHER, Quinta Turma, DJ
2/5/06)”; AgRg no REsp 1.087.407/RJ. Rel.: Min. Benedito Gonçalves. Órgão Julgador: 1ª Turma.
Julg.: 04/03/2.010. Publ.: 12/03/2.010: “Inicialmente, destaca-se que não se verificam as alegadas
violações aos artigos 165, 458 e 535 do CPC, pois, como se percebe, o Tribunal de origem aplicou,
de forma clara, coerente e fundamentada, o direito que entendeu incidir à espécie. Isso, porque,
embora tenha citado o laudo do perito, o Tribunal de origem entendeu que o parecer do parquet trata
da matéria de forma juridicamente mais precisa, por isso que o elegeu como razão de decidir. Nesse
contexto, é bom frisar à recorrente que, diante do princípio da persuasão racional (ou livre
convencimento motivado), o magistrado aprecia livremente a prova, atendendo aos fatos e
circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes, tendo tão somente que
indicar os motivos que formaram o convencimento (art. 131 do CPC)” (grifos acrescidos). BRASIL.
Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 20/10/2.014.
413
“Art. 486. São elementos essenciais da sentença: I – o relatório, que conterá os nomes das partes,
a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, bem como o registro das principais
ocorrências havidas no andamento do processo; II – os fundamentos, em que o juiz analisará as
questões de fato e de direito; III – o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as
partes lhe submeterem. § 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela
interlocutória, sentença ou acórdão, que: I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de
ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II – empregar conceitos
jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III – invocar
138

elevado grau de determinação interpretativa, com o objetivo de dar cumprimento à


previsão constitucional. Não há como negar o avanço do novo Código neste
aspecto, uma vez que vincula a validade da decisão a critérios objetivos,
disponibilizando às partes, meios para repudiar, mediante interposição de recursos,
decisões mal fundamentadas.
O novo Código de Processo Civil apresenta coerência com os princípios
democráticos e, de início, define, como norma fundamental do processo civil, a
exigência de fundamentação das decisões, especificamente em seus artigos 10, 11
e 12.
Entretanto, o artigo 11 do novo Código de Processo Civil,414 se isoladamente
interpretado, não impressiona àqueles que se posicionam a favor do processo
constitucional democrático, pois, na atual interpretação majoritária dos tribunais
superiores,
[...], bastar-se-ia que o magistrado colocasse na decisão o seu
entendimento de forma solipsista, pois é o seu querer, como ato de
autoridade – e não um possível consenso sobre a correção – que faria
415-416
suficiente a exigência constitucional.

motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV – não enfrentar todos os argumentos
deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V – se
limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos
determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI –
deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem
demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. § 2º
No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação
efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas
fáticas que fundamentam a conclusão. § 3º A decisão judicial deve ser interpretada a partir da
conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé”. BRASIL.
Senado Federal. Novo Código de Processo Civil. Texto Consolidado com os ajustes promovidos pela
Comissão Temporária do Código de Processo Civil. Disponível em:
<http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=116731>. Acesso em
20/01/2.015.
414
“Art. 11. Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas
todas as decisões, sob pena de nulidade”. BRASIL. Senado Federal. Novo Código de Processo Civil.
Texto Consolidado com os ajustes promovidos pela Comissão Temporária do Código de Processo
Civil. Disponível em:
<http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=116731>. Acesso em
20/01/2.015.
415
CATTONI DE OLIVEIRA, M. A.; QUINAUD PEDRON, F. B. O que é uma decisão judicial
fundamentada? Reflexões para uma perspectiva democrática do exercício da jurisdição no contexto
da reforma do processo civil. In: Reforma do processo civil: perspectivas constitucionais. Belo
Horizonte: Fórum, 2.010, p.119-149.
416
AI 791.292 QO-RG. Rel.: Min. Gilmar Mendes. Julg.: 23/06/2.010. Órgão Julgador: Plenário.
Publ.: 13/08/2.010, voto do relator: “Antiga é a jurisprudência desta Corte segundo a qual o art. 93,
IX, da Constituição Federal exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda que
sucintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou
provas, nem que sejam corretos os fundamentos da decisão. Nesse sentido há reiterados julgados do
Tribunal Pleno, entre os quais o MS 26.163, Rel. Min. Cármen Lúcia, Dje 5/9/2.008; e o RE 418.416,
Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 19/12/2.006. [...]. O acórdão recorrido está de acordo com essa
orientação, uma vez que foram explicitadas razões suficientes para o convencimento do julgador, que
139

Ocorre que a inserção dos parágrafos 1º, 2º e 3º no artigo 486,417 do novo


Código de Processo Civil, surge para, democraticamente, densificar o conteúdo do
princípio constitucional da fundamentação das decisões, de forma a aperfeiçoar o
processo constitucional, pois, passa a exigir do órgão julgador a observância de
critérios objetivos, com a finalidade de evitar decisões não fundamentadas, ou
deficientemente motivadas.
Apesar de os parágrafos 1º, 2º e 3º do art. 486 encontrarem-se mal
posicionados na estrutura do novo Código de Processo Civil,418 por se tratarem de
normas fundamentais aplicáveis a todas as decisões e não apenas à sentença, isto
não implica em reduzir a sua importância. Entretanto, permite sugerir-se que,
tecnicamente, mais adequado seria posicioná-los como parágrafos do art. 11,419
Capítulo I - “DAS NORMAS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO CIVIL”, o que
denotaria uma irradiante incidência destes dispositivos sobre todas as decisões, uma
vez que o caput do art. 11, cujo enunciado tem caráter principiológico, se refere
exatamente à fundamentação de toda e qualquer decisão, determinando, inclusive, a
sanção aplicável.
Na perspectiva do novo Código de Processo Civil, é imperativo que o órgão
julgador fundamente toda e qualquer decisão, considerando conjuntamente os

endossou os fundamentos do despacho de inadmissibilidade do recurso de revista, integrando-os ao


julgamento do agravo instrumento. Desse modo, reputo inexistente a alegada falta de
fundamentação”. RE 769254 RG/SP. Rel.: Min. Teori Zavascki. Julg.: 12/06/2.014. Publ.:
01/08/2.014 DJe-148 Divulg.: 31-07-2.014, voto do relator: “2. No que toca à alegação de ofensa aos
arts. 5º, XXXV e LV, e 93, IX, da Constituição Federal, relativa à suposta negativa de prestação
jurisdicional, deve ser observado entendimento assentado por esta Corte, do qual não divergiu o
acórdão recorrido, no julgamento do AI 791.292 QO - RG (Min. Rel. GILMAR MENDES, DJe de
13/8/2.010), cuja repercussão geral foi reconhecida, para reafirmar jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal no sentido de que: (…) o art. 93, IX, da Constituição Federal exige que o acórdão ou
decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame
pormenorizado de cada uma das alegações ou provas, nem que sejam corretos os fundamentos da
decisão”.
417
Supra colacionado.
418
O dispositivo se situa no “CAPÍTULO XII - DA SENTENÇA E DA COISA JULGADA”. BRASIL.
Senado Federal. Novo Código de Processo Civil. Texto Consolidado com os ajustes promovidos pela
Comissão Temporária do Código de Processo Civil. Disponível em:
<http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=116731>. Acesso em
20/01/2.015.
419
“Art. 11. Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas
todas as decisões, sob pena de nulidade”. BRASIL. Senado Federal. Novo Código de Processo Civil.
Texto Consolidado com os ajustes promovidos pela Comissão Temporária do Código de Processo
Civil. Disponível em:
<http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=116731>. Acesso em
20/01/2.015.
140

artigos 11 e 486, parágrafos 1º, 2º e 3º, em total conformidade com o objeto do


contraditório.
A corroborar a necessária densificação do princípio da fundamentação das
decisões, a exigência de motivação se encontra presente em diversas normas do
novo Código de Processo Civil, v.g., art. 173, § 2º; art. 367, § único; art. 370, § 1º;
art. 423; art. 470, § 1º; art. 476; art. 486, II, § 1º, I, II, III, IV, V, VI, § 2º; art. 917, § 2º;
art. 924, § 2º; art. 925, § 1º; art. 977, § único; art. 1.018, § 3º, § 4º; art. 1.023, § 2º;
art. 1.026, § 2º; art. 1.040, § 5º.
Importa salientar que há, no novo Código de Processo Civil, normas que
procuram homenagear a celeridade em desfavor da técnica e da ciência processual.
Há dispositivos nos quais se constata a possibilidade do exercício da jurisdição com
o afastamento das garantias processuais e do próprio processo, influenciando
negativamente a construção da decisão, como se verifica nos artigos 330 e 930.420 A

420
“Art. 330. Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do
réu, julgará liminarmente improcedente o pedido que contrariar: I – enunciado de súmula do Supremo
Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça; II – acórdão proferido pelo Supremo Tribunal
Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; III –
entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de
competência; IV – enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local. § 1º O juiz também
poderá julgar liminarmente improcedente o pedido se verificar, desde logo, a ocorrência de
decadência ou de prescrição. § 2º Não interposta a apelação, o réu será intimado do trânsito em
julgado da sentença, nos termos do art. 239. § 3º Interposta a apelação, o juiz poderá retratar-se em
cinco dias. § 4º Se houver retratação, o juiz determinará o prosseguimento do processo, com a
citação do réu; se não houver retratação, determinará a citação do réu para apresentar contrarrazões,
no prazo de quinze dias”. BRASIL. Senado Federal. Novo Código de Processo Civil. Texto
Consolidado com os ajustes promovidos pela Comissão Temporária do Código de Processo Civil.
Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=116731>.
Acesso em 20/01/2.015.
“Art. 930. Incumbe ao relator: I – dirigir e ordenar o processo no tribunal, inclusive em relação à
produção de prova, bem como, quando for o caso, homologar autocomposição das partes; II –
apreciar o pedido de tutela provisória nos recursos e nos processos de competência originária do
tribunal; III – não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado
especificamente os fundamentos da decisão recorrida; IV – negar provimento a recurso que for
contrário a a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio
tribunal; b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em
julgamento de recursos repetitivos; c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas
repetitivas ou de assunção de competência; V – depois de facultada a apresentação de
contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a: a) súmula do
Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal; b) acórdão proferido
pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos
repetitivos; c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de
assunção de competência. VI - decidir o incidente de desconsideração da personalidade jurídica,
quando este for instaurado originariamente perante o tribunal; VII – determinar a intimação do
Ministério Público, quando for o caso; VIII – exercer outras atribuições estabelecidas no regimento
interno do tribunal. Parágrafo único. Antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o
prazo de cinco dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação
exigível”. BRASIL. Senado Federal. Novo Código de Processo Civil. Texto Consolidado com os
ajustes promovidos pela Comissão Temporária do Código de Processo Civil. Disponível em:
141

ausência de processo prevista no novo Código de Processo Civil não se justifica,


seja adotando a ultrapassada teoria do processo como relação jurídica, em suas
variações tópicas dos sujeitos processuais, como a linear de Kohler, a triangular de
Wach ou a angular de Planck e Hellwig,421 seja abraçando a teoria do processo
como procedimento em contraditório, de Fazzalari, considerada a mais adequada e
pertinente para a construção desta dissertação.
Além disso, o artigo 9º do novo Código de Processo Civil determina que não
haverá decisão sem que a as partes sejam ouvidas.422 Entretanto, de início, o
próprio dispositivo apresenta exceções, afastando a sua aplicação às tutelas de
urgência e de evidência, postergando a formação do processo, independentemente
da teoria processual que se queira adotar. Mas, há situações mais graves, nas quais
a sentença de mérito se forma antes mesmo da citação do réu, isto é, mesmo na
inexistência do processo. Estas situações estão presentes nos arts. 330 e 930 do
novo Código de Processo Civil, situações as quais se mostram desconformes ao
processo constitucional, para o qual se exige a convergência paralela das garantias
constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do juízo natural na formação da
decisão, conformadas em suficientes e necessários suportes argumentativos.423

<http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=116731>. Acesso em
20/01/2.015.
421
Assinala-se que nesta disposição tópica se percebe uma tensão entre o processo privatista e
estatalista. Veja-se: “Em 1.885 Adolf Wach publicou seu tratado (a que modestamente chamou de
Manual: Handbuch des deutschen Zivilprozessrecht). Três anos depois apareceu a monografia de
Josef Kohler: O processo como relação jurídica (Der Prozess als Rechtsverhältniss). Para o primeiro,
a relação entre o juiz e as partes é de Direito Público, enquanto os vínculos entre autor e réu são de
Direito Privado. O processo é uma relação triangular. Para Kohler, o vínculo é apenas entre autor e
réu e somente de Direito Privado. Logo surgiram os tratados de J. W. Planck (v. 1 em 1.887 e v. 2 em
1.896) e de Hellwig (v. 1 em 1.903; v. 2 em 1.907 e v. 3 em 1.909). Para eles, a intervenção do
Estado, que proíbe a justiça pelas próprias mãos, separa os litigantes e avoca o poder de julgar,
extingue os vínculos diretos das partes entre si e cria uma relação angular, na qual o juiz (Estado)
ocupa o vértice e cada uma das partes está no extremo dos segmentos laterais”. TORNAGHI, Hélio.
A relação processual penal. São Paulo: Editora Saraiva, 1.987, p. 16-28.
422
“Art. 9º. Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que esta seja previamente ouvida.
Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica: I – à tutela provisória de urgência; II – às
hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 309, incisos II e III; III – à decisão prevista no art.
699”. BRASIL. Senado Federal. Novo Código de Processo Civil. Texto Consolidado com os ajustes
promovidos pela Comissão Temporária do Código de Processo Civil. Disponível em:
<http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=116731>. Acesso em
20/01/2.015.
423
Continuam válidas e atualizadas as pertinentes críticas de Marcelo Andrade Cattoni e Flávio
Quinaud Pedron em relação à concepção autoritária do órgão julgador, confira-se: “Nessa mesma
lógica, os artigo 317 [renumerado no substitutivo do Senado Federal para 330, com modificações] e
853 [renumerado no substitutivo do Senado Federal para 930] dão aos magistrados – o primeiro
voltado para o juiz de primeira instância, o segundo para relator nos processos perante os tribunais –
poderes para excluir não apenas o réu, mas todos os demais sujeitos do processo, sempre que existir
pronunciamento do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior sumulado ou em decisões
sobre o incidente de demandas repetitivas. Ao que parece, aqui, está-se atribuindo um peso
142

Estas normas são inconstitucionais, porque: a) não permitem a participação do réu


ou do recorrido em procedimento que se refere à demanda na qual é parte, b)
obstam o exercício do contraditório e, c) em determinadas situações concretas
impedem a atribuição ou reconhecimento do direito ao réu, uma vez que este
somente será intimado do trânsito em julgado da sentença que julgou, liminarmente,
a improcedência do pedido. Tem-se, assim, um exemplo do prejuízo das garantias
fundamentais em favor da celeridade processual.
Considerando a relevância das garantias constitucionais do processo: o
contraditório, a ampla defesa e a fundamentação das decisões, observa-se que
estas garantias se referem a um conjunto indissociável de proteção,424 conduzindo a
um resultado ineficaz se estas garantias não forem respeitadas em bloco.425 É por
esta razão que o modelo constitucionalizado de processo se funda, conforme afirma
Flaviane de Magalhães Barros,
[...] em um esquema geral ou em uma base principiológica uníssona,
abarca-se como pontos iniciais de referência para compreensão das
garantias do processo, o princípio do contraditório, da ampla argumentação,
da fundamentação das decisões e da participação de um terceiro
426
imparcial.

Não se pode dizer da existência do processo constitucional democrático,


quando, mesmo que haja respeito ao contraditório e à ampla defesa, ocorra ofensa

argumentativo supostamente auto evidente a tais decisões, como se elas fossem, por si só,
precedentes, cuja mera referência impossibilitasse, de per si, qualquer contra-argumentação quanto à
sua aplicabilidade ou extensão ao caso específico sub judice” (grifos acrescidos). CATTONI DE
OLIVEIRA, M. A.; QUINAUD PEDRON, F. B. O que é uma decisão judicial fundamentada? Reflexões
para uma perspectiva democrática do exercício da jurisdição no contexto da reforma do processo
civil. In: Reforma do processo civil: perspectivas constitucionais. Belo Horizonte: Fórum, 2.010,
p.119-149.
424
“Deste modo, a fundamentação da decisão é indissociável do contraditório, visto que garantir a
participação dos afetados na construção do provimento, base da compreensão do contraditório, só
será plenamente garantida se a referida decisão apresentar em sua fundamentação a argumentação
dos respectivos afetados, que podem, justamente pela fundamentação, fiscalizar o respeito ao
contraditório e garantir a aceitabilidade racional da decisão”. BARROS, Flaviane de Magalhães. A
fundamentação das decisões a partir do modelo constitucional de processo”. Revista do Instituto de
Hermenêutica Jurídica, Porto Alegre, v. 1, n. 6, p.131-148, 2.008.
425
“É compreensível: – o direito ao contraditório não se esgota na faculdade de ser ouvido e produzir
alegações e provas, perante o tribunal, mas compreende, antes de mais nada, o direito de ver as
alegações e provas produzidas também pelo sucumbente examinadas e, além disso, rejeitadas com
argumentos racionalmente convincentes”. BAPTISTA DA SILVA, Ovídio. Fundamentação das
sentenças como garantia constitucional. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, Porto
Alegre, v. 1, n. 4, p. 323-352, 2.006.
426
BARROS, Flaviane de Magalhães. O modelo constitucional de processo e o processo penal: a
necessidade de uma interpretação das reformas do processo penal a partir da Constituição. In:
MACHADO, Felipe Daniel Amorim; CATTONI DE OLIVEIRA. Marcelo Andrade (Coords.).
Constituição e processo: a contribuição do processo ao constitucionalismo brasileiro. Belo
Horizonte: Del Rey, p. 331-345, 2009.
143

ao princípio da fundamentação da decisão.427 As partes têm, conforme afirma Ovídio


Baptista,
[...], o direito de ver as alegações e provas produzidas também pelo
sucumbente examinadas e, além disso, rejeitadas com argumentos
racionalmente convincentes. É, afinal, o “direito a uma resposta”, resultante
da análise integral da prova e que atenda a um padrão de razoabilidade
428
aceitável.

Decisões não fundamentadas ou fundamentadas insuficientemente, ainda que


fundada em precedentes, demonstram que o órgão decisor não exerceu
corretamente a função que lhe é outorgada pelo Estado, comportamento omissivo
que demonstra tendências arbitrárias pela reserva de uma manifestação que não lhe
é permitida.429
Ainda, há a exigência de a fundamentação apresentar-se em linguagem clara,
compreensível para os seus reais destinatários. A jurisdição está a serviço do povo e
da sociedade e a linguagem utilizada pelo órgão julgador deve ser compreensível
para aqueles que indiretamente representa. Discursos excessivamente técnicos,
herméticos, eruditos, não cumprem os desígnios do Estado Democrático, se se
apresentarem incompatíveis com o nível intelectual da sociedade em que se
manifestam.430 A jurisdição não é uma função desconectada da composição do
Estado.

427
“De nada valeria a Constituição assegurar o contraditório se o julgador se limitasse a dizer que o
sucumbente participou do processo, que fez alegações e produziu provas sobre cujo mérito
(demérito), porém, ele nada disse; ou pior, fingindo que o fez, tergiversa sobre a versão que infirma
seu convencimento”. BAPTISTA DA SILVA, Ovídio. Fundamentação das sentenças como garantia
constitucional. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, Porto Alegre, v. 1, n. 4, p. 323-352,
2.006.
428
BAPTISTA DA SILVA, Ovídio. Fundamentação das sentenças como garantia constitucional.
Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, Porto Alegre, v. 1, n. 4, p. 323-352, 2.006.
429
“Sentenças insuficientemente motivadas ocultam uma parcela de poder arbitrário. Esta conduta
exige que superemos a lógica binária do ‘certo’ e do ‘errado’ que, em questões relativas à formação
da sentença, expressa-se na suposição de que ou o juiz deve basear o julgamento num juízo de
‘certeza’ ou, ao contrário, cairá irremediavelmente na ‘arbitrariedade’”. BAPTISTA DA SILVA, Ovídio.
Fundamentação das sentenças como garantia constitucional. Revista do Instituto de Hermenêutica
Jurídica, Porto Alegre, v. 1, n. 4, p. 323-352, 2.006.
430
“Finalmente, a terceira e última conseqüência será a exigência de que a fundamentação não seja
apenas técnica, vazada em linguagem inteiramente incompreensível para os leigos. Esta é uma
condição imposta pela democracia, que se sustenta no pressuposto de que o Poder Judiciário não
seja um poder hermético, a semelhança das organizações judiciárias primitivas, quando a revelação
do direito era um misterioso segredo de sacerdotes”. BAPTISTA DA SILVA, Ovídio. Fundamentação
das sentenças como garantia constitucional. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, Porto
Alegre, v. 1, n. 4, p. 323-352, 2.006.
144

Uma das principais funções da motivação é o convencimento das partes e de


seus procuradores e este objetivo é, somente, alcançado a partir da decisão
suficientemente motivada, em linguagem acessível a todos os interessados.431
A decisão não fundamentada ou mal fundamentada provoca no sucumbente
um sentimento de irresignação, de inconformismo, que conduz, em muitos casos, à
interposição de recursos,432 sobrecarregando o sistema jurídico,433 sobretudo o
ineficiente sistema brasileiro.
Os precedentes, se corretamente utilizados na fundamentação, considerando
as argumentações sobre as semelhanças ou desemelhanças fáticas e de direito, a
exigirem interpretações com maior densidade de conteúdo, terão maiores chances
de convencerem as partes a não interporem recursos, contribuindo para a redução
do número de processos nos tribunais.
Também, não se pode silenciar que a fundamentação de boa qualidade
beneficia as partes e o próprio órgão julgador ad quem na apreciação do recurso,

431
“Se os preceitos jurídicos podem conter – e na imensa maioria dos casos realmente o contêm –
mais de uma alternativa legítima, então a eliminação do arbítrio judicial (que pode ocorrer quando se
nutre a fantasia de que a lei tenha ‘uma’ vontade constante), impõe a exigência de fundamentação
adequada e coerente, que possa ‘convencer’ não apenas os técnicos, mas as partes e a comunidade
social, detentora do poder de que os magistrados são servidores. Das sentenças insuficientemente
motivadas, poderia o sucumbente dizer: ‘fui vencido, mas não convencido’, que é o sentimento hoje
comum em nossa experiência judiciária. Para superar esse componente arbitrário, é indispensável
que os magistrados fundamentem adequadamente os atos jurisdicionais, explicitando os motivos
reais que o levaram a decidir da maneira que lhes pareceu mais justa e conforme ao direito. A
fundamentação terá de superar o tecnicismo no qual todo dogmático procura refúgio”. BAPTISTA DA
SILVA, Ovídio. Fundamentação das sentenças como garantia constitucional. Revista do Instituto de
Hermenêutica Jurídica, Porto Alegre, v. 1, n. 4, p. 323-352, 2.006.
432
“Ao contrário, o tipo de fundamentação utilizado em nossa experiência judiciária, concorre, com
certeza, para o aumento do número de recursos. Esta é uma verdade óbvia, sobre a qual, no entanto,
pouco se diz e praticamente nada se escreve. Ao contrário, tem-se buscado remédio para o
assombroso aumento do número de recursos estabelecendo punição às partes, sob o pressuposto de
abuso no direito de recorrer. Trata-se de remédio apenas sintomático. Eliminam-se, ou procuram-se
eliminar, os sintomas. A causa do aumento de recursos não é sequer objeto de cogitação. O aumento
exagerado do número de recursos é sintoma de sentenças inconvincentes, sentenças carentes de
fundamentação. Além disso, o número de recursos abusivos ou protelatórios é bem menor do que se
imagina. O que existe em grande número são recursos, tais como as sentenças, também mal
fundamentados. Contra sentenças insuficientemente fundamentadas, opõem-se recursos carentes de
fundamentação adequada”. BAPTISTA DA SILVA, Ovídio. Fundamentação das sentenças como
garantia constitucional. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, Porto Alegre, v. 1, n. 4, p.
323-352, 2.006.
433
“Aunque pueda parecer lo contrario, no es exagerado afirmar que la calidad y los resultados de un
sistema experto aplicado al derecho dependen de una manera directa de la respuesta que se dé a la
pregunta acerca de qué es lo que puede ser considerado una argumentación aceptable en el campo
de las decisiones judiciales”. BARRAGÁN, Julia. La decisión judicial y la información. Revista de
teoría y filosofía del derecho, México, n. 1, p. 99-109, 1.994.
145

uma vez que permite aos interessados e aos órgãos superiores avaliarem os
caminhos e entendimentos adotados pelo juízo a quo.434
Entretanto, se verifica na prática a criação de regras perfunctórias pelos
tribunais, tais como as chamadas “listas de julgamento” ou “julgamento por atacado”
e a prática da “pseudo-colegialidade”, com o objetivo de reduzir o volume de
recursos ou acelerar indevidamente o julgamento destes, políticas insatisfatórias que
apenas aliviam, momentaneamente, um sistema em estado crônico de
435
ineficiência.
Não há como negar a crise que atravessa a função jurisdicional, calcada em
dimensões técnica e política, como certificou Ovídio Baptista:
Ninguém ignora que nosso sistema recursal, além de outros defeitos,
mostra-se submisso aos pressupostos do racionalismo, compreendendo o
direito apenas como "norma", distante dos "fatos", que é a premissa de
todos os normativismos modernos. O que nem todos têm presente é que
estamos convivendo com um momento crucial do que se convencionou
chamar crise do Poder Judiciário, no capítulo dos recursos, causada por
decisões, sentenças e acórdãos despidos de fundamentação, ou
ostentando fundamentação precária ou insuficiente. É compreensível que
assim o seja, tendo em conta a elevada e sempre crescente litigiosidade
que caracteriza a cultura do capitalismo competitivo e individualista.
Entretanto, é correto dizer que o número de recursos aumenta na proporção
em que aumente o número de provimentos judiciais carentes de
fundamentação. O resultado inverso também é verdadeiro: quanto mais
bem fundamentado o ato jurisdicional, tanto menor será o número dos
recursos que o podem atacar. [...]. Não se ignora as adversidades a que se
acha submetido o Poder Judiciário, ante o aumento extraordinário de
litigiosidade, conjugado com as notórias carências materiais e humanas que
a instituição, especialmente a partir do momento em que o Brasil tornou-se
uma "sociedade de mercado", vem enfrentando. Mesmo assim, a exigência
de fundamentação adequada das sentenças, além de atender a uma
imposição constitucional, contribuiria para a redução do número de
436
recursos, especialmente dos recursos extraordinários (grifos acrescidos).

Em perspectiva diversa, o precedente não deve ser universalizado como


norma genérica e abstrata, pois, em sua concretude, representa um mecanismo
adequado para a análise conjunta dos fatos e das normas, a fim de contribuir para a
fundamentação da decisão, ressaltando-se a necessidade urgente de se criarem

434
RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre:
Livraria do Advogado Editora, 2.010, p. 37.
435
NUNES, Dierle José Coelho. É preciso repensar o modo como os tribunais vêm atuando. Revista
Conjur. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2014-jun-11/dierle-nunes-preciso-repensar-modo-
tribunais-atuam>. Acesso em: 25/01/2.015. LEAL, Saul Tourinho. Julgamentos em listas, com
advogado silenciado, mostra que fracassamos. Revista Valor Econômico. Disponível em:
<http://www.valor.com.br/legislacao/fio-da-meada/3573268/julgamentos-em-listas-com-advogado-
silenciado-mostra-que-fracassamos>. Acesso em: 25/01/2014.
436
BAPTISTA DA SILVA, Ovídio. Fundamentação das sentenças como garantia constitucional.
Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, Porto Alegre, v. 1, n. 4, p. 323-352, 2.006.
146

mecanismos eficientes para o tratamento democrático e contínuo da crescente


litigiosidade individual.
A solução do problema, contudo, não se concentra apenas em iniciativas a
serem tomadas pelos tribunais superiores e demais órgãos julgadores. Os
advogados e os teóricos do direito têm o dever de contribuir para a melhoria do
sistema, alterando o seu comportamento, muitas vezes apático, na recepção das
políticas implantadas e na condução das demandas, em total subserviência aos
entendimentos dos tribunais superiores. Aliás, este comportamento havia se tornado
um costume judicial, como observou Carlos Maximiliano (1.873-1.960), no início do
século passado:
Quando a lei é nova, ainda os seus aplicadores atendem à teoria,
compulsam tratados, apelam para o Direito Comparado; desde, porém, que
aparecem decisões a propósito da norma recente, volta a maioria ao
trabalho semelhante à consulta a dicionários. [...]. Desprezam-se os
trabalhos diretos sobre os textos; prefere-se a palavra dos profetas às
437
tábuas da lei.

Não há dúvida, portanto, que a fundamentação da decisão deve ser


consistente, construída em conformidade com os princípios constitucionais,
auxiliando as partes e o órgão julgador na interpretação dos fatos e das normas
jurídicas e jamais se afastando do contraditório e da ampla defesa.

5.4. O silogismo na fundamentação da decisão

Já se pensou, e ainda se pensa, que a decisão de um conflito pela jurisdição


poderia configurar-se em um ou vários silogismos,438-439 no qual a norma jurídica, e

437
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19ª. ed. Rio de Janeiro: Editora
Forense, 2.003, p. 148, 149.
438
“La sentencia debe ser motivada. Em todos los códigos procesales modernos, civiles y penales, la
motivación se establece como uno de los requisitos esenciales de la sentencia, y para aquellos que
pretendem ver en el fallo solamente su aspecto lógico, la motivación es la enunciación de las
premisas del silogismo, que concluye en los puntos resolutivos” (grifos acrescidos). CALAMANDREI,
Piero. Proceso y Democracia. Trad. Hector Fix Zamudio. Buenos Aires: Ediciones Juridicas Europa-
America, 1.960, p. 115-116.
439
“A sentença teria que fazer um silogismo calcado em elementos e provas convincentes para
demonstrar, apesar de não ser integrante dos grupos de controladores da instituição, de não
ter poder decisório com relação a investimentos, aplicações e a essas manobras financeiras, que são
muito sofisticadas nesse mercado especializado, apesar de ele não ter essa qualificação, que ele, de
fato, fez. Nesse caso ele seria responsável” (grifos acrescidos). BRASIL. Superior Tribunal de
Justiça. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 20/10/2.014. REsp 946.653/RJ. Rel.: Min.
Laurita Vaz. Órgão Julgador: 5ª Turma. Julg.: 02/06/2.011. Publ. DJe 23/04/2.012. Voto vencido
do Min. Napoleão Nunes Maia Filho. “Estabelecido que a sentença, nos casos assinalados, irradia
eficácia vinculante também para o futuro, surge a questão de saber qual é o termo ad quem de tal
147

como tal, no common law, a regra jurisprudencial do precedente, seria a premissa


maior, o conflito a premissa menor e a decisão a conclusão.440
Esse entendimento, incentivado em França, pela Escola da Exegese,441
também denominada Escola dos intérpretes, adotou o dogma da onipotência do
legislador, que restringe a solução jurídica a ser dada ao caso concreto à própria
“lei”, “visto que nela estão contidos aqueles princípios que, através da interpretação,
permitem individualizar uma disciplina jurídica para cada caso”,442-443 o que implica

eficácia. A solução é esta e vem de longe: a sentença tem eficácia enquanto se mantiverem
inalterados o direito e o suporte fático sobre os quais estabeleceu o juízo de certeza. Se ela afirmou
que uma relação jurídica existe ou que tem certo conteúdo, é porque supôs a existência de
determinado comando normativo (norma jurídica) e de determinada situação de fato (suporte fático de
incidência); se afirmou que determinada relação jurídica não existe, supôs a inexistência, ou do
comando normativo, ou da situação de fato afirmada pelo litigante interessado. A mudança de
qualquer desses elementos compromete o silogismo original da sentença, porque estará alterado o
silogismo do fenômeno de incidência por ela apreciado: a relação jurídica que antes existia deixou de
existir, e vice-versa” (grifos acrescidos). BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em:
<www.stj.jus.br>. Acesso em: 20/10/2.014. ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das sentenças na
jurisdição constitucional. 2ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2.012, p. 105-106. “Apesar do
inteligente fundamento desenvolvido no acórdão, entendo inaplicável o art. 557⁄CPC para, mediante
decisão singular do relator, impedir a apreciação dos embargos declaratórios pelo Colegiado, porque
este recurso, quando cabível, visa ao aprimoramento do julgado através de decisão integrativa,
suprindo omissão, corrigindo contradição ou esclarecendo obscuridade. Porém,
excepcionalmente, poderá ser emprestado efeito modificativo aos embargos declaratórios, quando o
conserto da omissão ou da contradição implique em alterar o silogismo lógico da decisão, que não é a
hipótese em espécie” (grifos acrescidos). REsp 268.313/PR. Rel.: Min. Francisco Peçanha Martins.
Órgão Julgador: 2ª Turma. Julg.: 03/12/2.002. Publ.: DJ 10/03/2.003. “Ora, não há como vislumbrar
qualquer contradição, nem intrínseca, nem extrinsecamente: primeiro, porque os embargantes,
desconhecendo princípios elementares da argumentação dedutiva, fazem análise superficial e
abreviada de premissas, que teriam sido enunciadas no acórdão, sem estabelecer a ligação os outros
termos e à conclusão do silogismo; e segundo, porque trazem à baila entendimento colhido de outro
precedente jurisprudencial, que não se presta, obviamente, para comprovar contradição no contexto
do julgado. Em resumo, não comprovou a ocorrência de pontos contraditórios do aresto embargado”
(grifos acrescidos). BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso
em: 20/10/2.014. EDcl no REsp 261.542/SC. Rel.: Min. Garcia Vieira. Órgão Julgador: 1ª Turma.
Julg.: 13/03/2.001. Publ.: DJ 11/06/2.001 p. 113. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível
em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 20/10/2.014.
440
GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria geral do processo. 2ª. ed. Belo
Horizonte: Del Rey, 2.012, p. 36.
441
GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria geral do processo. 2ª. ed. Belo
Horizonte: Del Rey, 2.012, p. 36-37.
442
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Trad. Márcio Pugliesi,
Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone Editora, 1.996, p. 74.
443
A Escola da Exegese hipervaloriza o direito positivo e seus fundamentos podem assim ser
resumidos: a) a codificação é para os operadores do direito a fórmula mais simples e rápida para
resolver uma questão jurídica, dispensando pesquisas aos costumes, à doutrina e à jurisprudência; b)
a prevalência da vontade do legislador, expressa no Código, de forma segura e completa, o torna
autoridade legítima para criar o direito, em contraposição à vedação da livre criação do direito pelos
juízes; c) a justificação da separação das funções estatais, fundamento ideológico estrutural do
Estado Moderno, a serem exercidas por estruturas estatais distintas, limitando a função judiciária ao
julgamento dos conflitos e impedindo-lhe de criar o direito; d) a segurança jurídica, com a previsão
antecipada na “lei” e dos efeitos dos comportamentos abstratamente normativados. BOBBIO,
Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Trad. Márcio Pugliesi, Edson Bini e
Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone Editora, 1.996, p. 78-82.
148

na aceitação de outro dogma, qual seja, o da completude do ordenamento


jurídico.444 À Escola de Exegese correspondeu, na Inglaterra, a Analytical School de
Austin, a preconizar o mecanicismo da função judicial.445
Entretanto, parece incorreto caracterizar a decisão jurisdicional como se
silogismo fosse, conforme assinala Aroldo Plínio,
[...], porque não havia como se estabelecer as premissas para a inferência
da conclusão, já que não seria possível se estabelecer previamente a
446
distribuição dos termos dos juízos (grifo acrescido).

Ao aceitar a decisão como silogismo, seria necessário afirmar que as


premissas existiriam a priori e seriam verdadeiras, o que não ocorre, quando se
instaura o processo. Indo além, o silogismo em nada contribui, quando as premissas
são construídas pelos próprios atores, em um procedimento realizado em
contraditório.
Em segundo lugar, conforme adverte Teresa Wambier, a complexidade da
decisão supera em muito a simplicidade do silogismo,447 uma vez que o contexto
fático-normativo relacionado ao caso reveste-se de uma série de situações jurídicas
não reduzíveis ao silogismo, tal como assevera Julia Barragán:
La construcción de una decisión es siempre un proceso complejo, en el que
combinan la evaluación de diversas alternativas de acción
(condenar/absolver, admitir/rechazar) con la evaluación de las situaciones
del entorno que generalmente asumen también un carácter complejo. En el
caso particular de las decisiones judiciales el entorno contiene tanto los
elementos normativos (bajo todas sus formas), como los elementos fácticos

444
A controvérsia entre os redatores e os intérpretes do Código Civil francês de 1.804, em relação ao
dogma da onipotência do legislador se revela a partir da interpretação do artigo 4º do Código que
dispõe sobre o princípio do non liquet. O artigo 4º dispõe que: “Le juge qui refusera de juger sous
prétexte du silence, de l’obscurité ou de l’insuffisance de la loi, pourra être poursuivi comme coupable
de déni de justice”. Em tradução livre: “O juiz que se recusar a julgar sob o pretexto de silêncio,
obscuridade ou insuficiência da lei, poderá ser processado como culpado de denegação de justiça”.
BONAPARTE, Napoléon. Code civil des français. Édition originale et seule officielle. Paris:
Imprimerie de la République, 1.804.
445
“John Austin, ao criticar o casuísmo do common law, recomendou a adoção de processos lógico-
analíticos na interpretação e aplicação do direito costumeiro e do direito derivado das decisões da
Corte da Chancelaria. A ciência do direito deveria estudar apenas a legislação vigente, isto é, o direito
positivo emanado do soberano, sem se ater ao aspecto ético, segundo esquemas lógicos-formais”.
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito: introdução à teoria geral do
direito, à filosofia do direito, à sociologia jurídica e à lógica jurídica. Norma jurídica e aplicação
do direito. 21ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2.010, p. 55, 56.
446
GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria geral do processo. 2ª. ed. Belo
Horizonte: Del Rey, 2.012, p. 37-38.
447
“Temos usado a expressão solução normativa em vez de decisum, como aplicação da lei aos fatos
da causa, para nos referirmos à parte decisória da sentença, porque nos parece mais adequada à
visão do direito (que é nossa) que afasta que a sentença seja, pura e simplesmente, a aplicação da
lei ao caso concreto. Trata-se de um fenômeno cuja complexidade não pode ser ignorada e que não
se reduz à estrutura formal de um silogismo” (grifos no original). WAMBIER, Teresa Arruda Alvim.
Omissão judicial e embargos de declaração. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2.005, p.
256, 257.
149

(en toda su complejidad). De esta evaluación cruzada surge la decisión


judicial, cuyas consecuencias se proyectan directamente al menos en dos
esferas: primero, la del propio asunto resuelto mediante la decisión, y
segundo la de la confianza pública en el estado racional de derecho. Esta
última esfera posee una trascendencia política tal que difícilmente podría ser
exagerada. Por tratarse de una acción, que es seleccionada en virtud de
reglas en concurrencia con evidencias fácticas, la decisión judicial siempre
es elaborada y definida bajo condiciones de incertidumbre; el adecuado uso
de la información actúa como corrector de la misma. En consecuencia, el
terreno seguro de la sola validación deductiva parece quedar cerrado, y la
racionalidad de la selección sólo puede ser evaluada a la luz del manejo
448
que se efectúe de la información disponible (grifos acrescidos).

Em análise simplificada, acredita-se que a decisão não pode ser considerada


como conclusão de um silogismo.449 Somente após a decisão ser proferida é
possível construir o silogismo, pois este, na sua lógica, se forma a partir de
enunciados definidos a priori como verdadeiros. Desta forma, a utilização do
silogismo na fundamentação em nada contribui para a solução de um conflito,
simulando uma racionalidade desnecessária.
Ao tratar da relação entre precedente e silogismo, acredita-se que nenhuma
contribuição será adicionada ao contexto do processo democrático na construção da
decisão. A decisão que incluir o precedente, como seu fundamento,
necessariamente exigirá uma densidade interpretativa maior, pois os fatos e as
normas do precedente devem ser agora cotejados com o caso sub judice, o que não
implica qualquer relação com o silogismo.
No processo democrático, construído a partir do contraditório e da ampla
defesa, a única premissa verdadeira é que o processo se constrói pela participação
das partes e do juiz. A decisão não se reduz a um silogismo, uma vez que somente
a partir do conjunto probatório e das argumentações das partes produzidos em
contraditório, no procedimento, é que o juiz, também argumentando, decidirá o
conflito.

448
BARRAGÁN, Julia. La decisión judicial y la información. Revista de teoría y filosofía del
derecho, México, n. 1, p. 99-109, 1.994.
449
“[...], consignamos que o silogismo, como expressão verbal, é uma forma de argumentação
dedutiva, pela qual de um antecedente (duas premissas), relacionando dois termos (extremos) a
um terceiro (o médio), tiramos uma consequente (conclusão) que une esses dois termos (extremos)
entre si. A argumentação é a disposição correta de premissas para uma conclusão. [...]. Assim,
o ato de relacionar racionalmente constitui o movimento, iniciado no juízo, de ligar, reunir e compor
objetos intelectuais com o fim de provar uma asserção, por meio da combinação de asserções já
aceitas” (grifos no original). ALVES, Alaôr Caffé. Lógica – pensamento formal e argumentação –
elementos para o discurso jurídico. Bauru: Edipro, 2.000, p. 264.
150

Ao aceitar a tese do silogismo, ter-se-ia um silogismo postergado, que


passaria a existir, tão somente, a partir da publicação da decisão,450 sujeito à
correção, no caso de provimento de um possível recurso interposto. Na melhor
hipótese, ter-se-ia, assim um silogismo construído a posteriori, desconstituindo o
próprio conceito de silogismo.
Por outro lado, seria leviano defender a insignificância do silogismo. Este será
útil, em sua forma de raciocínio dedutivo, inclusive no processo, para amparar a
pretensão recursal da parte, quando a conclusão apresentada na fundamentação
pelo órgão julgador não se derivar dos termos maior, médio e menor, contidos nas
premissas. Esta situação, porém, somente está estabilizada em momento posterior
ao proferimento da decisão, quando será possível verificar a veracidade ou falsidade
da conclusão.
Assim, verifica-se que o silogismo não se apresenta como método válido e
suficiente para amparar a construção da fundamentação da decisão, ainda que se
apresente com aparência de validade e como se, a partir dele, fosse possível
concluir logicamente o resultado esperado.

5.5. Fundamentação da decisão e racionalismo

Não é mais tempo de permanecer no racionalismo do século XVIII, que nele


se apoia o positivismo, para resolver conflitos levados à jurisdição. Apenas a lógica
aristotélica não é suficiente e necessária para fundamentar a decisão, considerando
a subsunção do caso sub judice ao precedente ou à norma, em razão dos vários
matizes nos quais a vinculatividade se apresenta. Ao adotar esta técnica, o
precedente vinculante torna-se uma quase-verdade universal, descontextualizado de
seu conteúdo.

450
“Nos três juízos, ‘a lei é a premissa maior’, ‘o caso concreto é a premissa menor’ e ‘a sentença é a
conclusão’, não há meio de se identificar onde está o termo maior e o termo menor. E essa
identificação seria de absoluta necessidade para o modelo de raciocínio que se postulava, pois o
termo maior é o termo predicado da conclusão, e a premissa maior deve contê-lo; o termo menor é o
termo sujeito da conclusão, e a premissa menor deve contê-lo. Não há como se identificar,
igualmente, o termo médio, que não aparece na conclusão, mas comparece nas premissas. Apenas
depois de proferida a sentença, seria possível encontrar as proposições que lhe teriam servido de
base, mas não antes. Pelo modelo do silogismo, poder-se-ia pensar em estranhos arranjos e
estranhas seriam as conclusões deles inferidas”. GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e
teoria geral do processo. 2ª. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2.012, p. 38.
151

A impressão que se tem é que a obrigatoriedade a priori do precedente não


se harmoniza com o processo democrático, pois, a solução da demanda já se inicia
em bases normativas obrigatórias preconcebidas pelos tribunais,
independentemente se foram ou não construídas democraticamente.
Em relação à semelhança do precedente vinculante com a súmula vinculante,
poder-se-ia reivindicar que o procedimento regimental do Supremo Tribunal Federal,
estabelecendo a edição, revisão ou cancelamento de súmula vinculante,451 prevê a
possibilidade de manifestação dos interessados (art. 354-B), traduzindo uma suposta
garantia processual constitucional, o que igualmente poderia também se adotar para
os precedentes obrigatórios. Entretanto, a participação dos interessados, no
procedimento do Supremo, se resume, tão somente, à singela manifestação no
prazo de 5 (cinco) dias, o que parece não configurar a garantia do contraditório. Se
o contraditório está presente, este o faz entre os ministros do Supremo, com direito a
se manifestarem e argumentarem mais amplamente sobre o tema da súmula
vinculante.
Acredita-se que os precedentes persuasivos combinam melhor com o
processo constitucional democrático, pois é a partir da argumentação, da
participação e do consenso que o precedente será aplicado ou não ao caso sub
judice.
A possibilidade de incidência de um precedente vinculante a uma demanda
resulta em um pré-conceito a influenciar a decisão do órgão julgador, em razão da
regra de subordinação pré-concebida.
Não é crível que o precedente vinculante, configurado como norma universal,
genérica e abstrata, seja de alguma forma compatível com os princípios
democráticos, pois, o seu afastamento exige uma altíssima densidade contra-
argumentativa se comparada ao precedente persuasivo, uma vez que o precedente
obrigatório incorpora, a priori, um caráter autoritário e hierárquico.
Lenio Streck, com razão, afirma que a subsunção, o método e o positivismo
circunscrevem a solução dos conflitos ao racionalismo, a partir da aplicação da

451
Título XIII - DA SÚMULA VINCULANTE, arts. 354-A a 354-G. BRASIL. Supremo Tribunal
Federal. Regimento interno do Supremo Tribunal Federal, Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/legislacaoRegimentoInterno/anexo/RISTF_Junho_2014_versao_ele
tronica.pdf>. Acesso em: 15/10/2.014.
152

lógica, encarcerando o direito e os precedentes a uma relação sujeito-objeto,452 a


ser superada pela relação sujeito-sujeito, ínsita à modernidade.
Desta forma, é crível que os precedentes persuasivos estejam melhores
situados em relação aos princípios do Estado Democrático de Direito, uma vez que o
consenso e o convencimento que lhe são intrínsecos, a permitirem a construção da
decisão de forma comparticipada.

5.6. Decisões fundamentadas em ementas

Não é incomum encontrar, em consulta às bases de dados dos tribunais,


decisões que se amparam em ementas, fragmentos de sentenças ou acórdãos, que
pouco ou nada traduzem o mérito da demanda julgada.453
Ocorre que não se pode considerar que ementas exerçam, tão somente, a
função de precedentes com densidade interpretativa processual para fundamentar
decisões, conforme assinala Lenio Streck:
[...], a fundamentação de decisões (pareceres, acórdãos etc.) a partir de
ementas jurisprudenciais sem contexto e verbetes protolexicográficos
apenas reafirma o caráter positivista da interpretação jurídica, pois
454
escondem a singularidade dos “casos concretos”.

Na verdade, essa explicitação é o espaço “epistemológico” da


hermenêutica. Explicita-se as condições pelas quais se compreendeu. Mais
do que fundamentar uma decisão, é necessário justificar (explicitar) o que
foi fundamentado. Fundamentar a fundamentação: essa é a questão
455
fundamental, até porque é um direito fundamental.

Há que salientar que a técnica em se adotar a ementa como precedente não


está restrita ao ordenamento jurídico brasileiro, pois na Finlândia, como afirma Aulis

452
STRECK, Lenio Luiz. Bases para a compreensão da hermenêutica jurídica em tempos de
superação do esquema sujeito-objeto. Revista Sequência. Florianópolis, n. 54, p. 29-46, 2.007.
453
“Com um pouco de atenção e acuidade, pode-se perceber que grande parte de sentenças,
pareceres, petições e acórdãos é resolvida a partir de citações do tipo Nessa linha, a jurisprudência é
pacífica (e seguem-se várias citações padronizadas de número de ementários), [...]. São citados,
geralmente, apenas os ementários, produtos, em expressivo número, de outros ementários (ou da
fusão destes). Raramente a ementa citada vem acompanhada do contexto histórico-temporal que
cercou o processo originário” (grifos acrescidos). STRECK, Lenio Luiz. Prefácio. In: RAMIRES,
Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do
Advogado Editora, 2.010, p. 13.
454
STRECK, Lenio Luiz. Bases para a compreensão da hermenêutica jurídica em tempos de
superação do esquema sujeito-objeto. Revista Sequência. Florianópolis, n. 54, p. 29-46, 2.007.
455
STRECK, Lenio Luiz. Bases para a compreensão da hermenêutica jurídica em tempos de
superação do esquema sujeito-objeto. Revista Sequência. Florianópolis, n. 54, p. 29-46, 2.007.
153

Aarnio (1937-), a ementa (rubrication) também é utilizada como precedente,456


entretanto, como afirma o autor, a rubrication também possui força normativa.
No Brasil, a ementa elaborada solitariamente pelo relator ou redator do
acórdão não detém caráter normativo. Não raro, a ementa sequer contém o resumo
do voto ou do acórdão, apresentando-se descontextualizada dos fatos e dos motivos
determinantes da decisão.457
Formulada pela assessoria ou pelo juiz do voto vencedor, de acordo com os
seus próprios critérios, a ementa desconsidera o caráter colegiado e participativo
dos demais julgadores.
Redigida de acordo com a discricionariedade do julgador, não se exige, para
a sua elaboração, qualquer requisito argumentativo, dialético, ou normativo, a fim de
que lhe seja outorgada legitimidade para fundamentar outras decisões.

456
“In Finland the decisive guiding information of a precedent is included in the so-called 'rubrication'.
It includes a description of the legal norm (a rule or a principle) that has to be applied to the facts
described in the case. A rubrication is thus not exclusively a description about a solution, but one
wants, by its means, to influence the subsequent application of the law. It is thus a normative
instruction. A rubrication contains an indication of the relevant facts as decided on; an explicit holding
on an issue of law, or ratio decidendi; an explicitly formulated (or implicit) rule; and, sometimes, an
explicitly formulated (or implicit) principle. It is the ratio decidendi, whether in the form of a rule or a
principle. Consequently, a judge solving a subsequent case receives the guiding information expressly
from the rubrication. In many cases, the normative guiding information is, however, expressed only
implicitly and has to be rationally reconstructed on the basis of the rubrication and the other parts of
the precedent. In this regard, the rubrication must be interpreted in a similar way as statutes have to
be interpreted in cases of ambiguity and so on”. Em tradução livre: “Na Finlândia, o decisivo guia
informativo de um precedente está incluído na chamada rubrication. Ela inclui uma descrição da
norma jurídica (uma regra ou um princípio) que tem de ser aplicada aos fatos descritos no caso. A
rubrication não é, pois, exclusivamente uma descrição sobre uma solução, mas se quer, por seus
meios, influenciar posteriores aplicações do direito. É, portanto, uma instrução normativa. A
rubrication contém a indicação dos fatos relevantes decididos; uma exploração explícita sobre uma
questão de direito, ou ratio decidendi; uma regra explicitamente (ou implicitamente) formulada; e, às
vezes, um princípio explicitamente (ou implicitamente) formulado. É a ratio decidendi, quer sob a
forma de uma regra ou de um princípio. Consequentemente, um juiz resolve um caso subseqüente
recebendo orientações expressas da rubrication. Em muitos casos, as informações orientativas
normativa são, no entanto, expressa apenas implicitamente e tem de ser reconstruída racionalmente
sobre a base da rubrication e por outras partes do precedente. A este respeito, a rubrication deve ser
interpretada de uma forma semelhante à interpretação dos estatutos, em casos ambíguos e assim por
diante”. AARNIO, Aulis. Precedent in Finland. In: MACCORMICK, Daniel Neil; SUMMERS, Roberts S.
(Edited by). Interpreting precedents: a comparative study. Aldershot-Brookfield: Dartmouth
Publishing Company, 1.997, p. 92.
457
BAHIA, Alexandre; NUNES, Dierle José Coelho. Enunciados de súmulas: Falta aos tribunais
formulação robusta sobre precedentes. Revista Conjur. Disponível em:
<http://www.conjur.com.br/2014-jan-07/falta-aos-tribunais-formulacao-robusta-precedentes#autores>.
Acesso em: 18/01/2.014.
154

Com toda esta deficiência democrática e argumentativa, mesmo assim,


ementas de acórdãos são adotadas como parâmetros para fundamentar decisões,458
ressaltando-se que esta situação é rotineira nos tribunais superiores.459
Em razão de a ementa não ser passível de impugnação, além de inexistir
qualquer participação dos interessados em sua formulação, e em razão de sua
suposta singeleza, não raro, é elaborada dissonante do conteúdo do acórdão.
Não incorrendo em prejuízos aos interessados no processo, em tese a
elaboração da ementa, utilizando esta técnica não traria maiores consequências.
Porém, a partir do momento em que a ementa se torna o núcleo da motivação
da decisão, potencializa-se o risco de prejuízos às partes e ao processo
constitucional, uma vez que a motivação se funda em texto e interpretação inidôneos
para tal função.
É possível concluir que decisões que adotam ementas como parâmetros de
fundamentação não são decisões suficientemente motivadas,460 ainda que o juiz do
caso sub judice argumente a seu favor, em razão do vício original que lhe é
intrínseco.
Assim, a ementa do acórdão não tem caráter normativo, não serve como
precedente e não pode ser utilizada solitariamente para fundamentar decisões.

5.7. Contribuição dos precedentes para a fundamentação da decisão

Os precedentes fazem parte do núcleo do sistema do common law, amparado


principalmente sobre o princípio do stare decisis.
No sistema do civil law, o precedente em sentido estrito não ocupa o núcleo
do sistema, como o é no common law, mas deveria exercer importante função

458
RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre:
Livraria do Advogado Editora, 2.010, p. 45.
459
“A redação em fórmulas gerais resumidas fez a tradição pátria, fortemente marcada pelo
normativismo, enxergar nesses resumos uma norma a ser utilizada como premissa maior de um
silogismo. Paulatinamente, a simples menção à ementa com a subsunção a ela dos fatos da nova
causa ganharam relevo, chegando ao nível desmensurado exemplificado há pouco pelos julgamentos
do Superior Tribunal de Justiça”. LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no
constitucionalismo brasileiro contemporâneo. Salvador: Editora Juspodivm, 2.014, p. 99.
460
“Por questão de economia de tempo nas sessões, entretanto, tornaram-se comuns julgamentos
tidos pelo relator como de casos-padrão se darem pela simples enunciação do número do recurso e
leitura da respectiva ementa. Esse, em verdade, é um julgamento nulo, pois não obedece ao dever de
plena exposição e fundamentação plenária”. LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes
judiciais no constitucionalismo brasileiro contemporâneo. Salvador: Editora Juspodivm, 2.014, p.
98-99.
155

interpretativa para a construção da decisão. Nesta mesma perspectiva alinham-se os


enunciados das súmulas e a jurisprudência, na composição dos precedentes em
sentido amplo.
No Estado brasileiro, filiado ao sistema do civil law, prevalece o princípio da
legalidade, conforme dispõe a Constituição da República, a conduzir a norma
jurídica, elaborada pelo parlamento, como núcleo principal e democrático do
ordenamento, porque construída pelos representantes do povo. Neste sentido, e
considerando normas como gênero, cujas espécies são os princípios e as regras,
toda e qualquer decisão deve fundamentar a sua última ratio nas normas
constitucionais e legais postas no ordenamento jurídico.
O precedente em sentido estrito e amplo, ao ser inserido no sistema jurídico
brasileiro, se coloca como mais um meio discursivo a contribuir para a construção da
decisão democrática, em procedimento realizado em contraditório.
O precedente, configurado pela técnica do sistema do common law,
considerando as questões de fato e de direito, contribui de forma inequívoca para a
integridade do sistema jurídico, pois, a densidade interpretativa que lhe é peculiar,
supera, em muito, os tipos de precedentes atualmente aplicados no sistema
brasileiro (enunciados de súmulas e a jurisprudência).
Entretanto, não há dúvida que a escolha da técnica a ser utilizada para a
aplicação dos precedentes, com a finalidade de fundamentar a decisão, pode
conduzir a comportamentos democráticos, como, também, a comportamentos
discricionários.
Utilizar precedentes, como se fossem regras universais de caráter genérico e
abstrato, pouco contribuirá para a melhoria do sistema processual constitucional.
Por outro lado, a análise criteriosa dos fatos e das normas que compõem o
precedente, com a efetiva participação dos interessados, muito contribuem para a
qualidade da decisão e, em consequência, de todo o sistema.
Ao adotar a atual técnica de interpretação de enunciados de súmulas,
ementas e jurisprudência pelos tribunais, não há dúvida que o precedente se
transformará em mais um meio para amparar a discricionariedade dos órgãos
julgadores.
Não basta, simplesmente, instituir o precedente no ordenamento jurídico. É
necessário aplicá-lo em conformidade com as melhores técnicas participativo-
156

democráticas na construção da fundamentação da decisão, a fim de que se obtenha


maior segurança e estabilidade do sistema.461
O sistema jurídico brasileiro melhorará se os precedentes se estabelecerem
sob condições democráticas, asseguradas as garantias processuais do contraditório
e da ampla defesa, com a efetiva participação dos interessados na construção do
processo.

461
“Realmente, ao assegurar certa estabilidade, a observância do precedente, em análogo caso
posterior, contribui a um só tempo para a certeza jurídica e para a proteção da credibilidade na
tomada de decisão judicial”. TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do
direito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2.004, p. 17.
157

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decurso deste estudo, apresentou-se uma breve abordagem sobre os


precedentes, envidando esforços para demonstrar a sua contribuição para a
fundamentação da decisão, a partir de uma releitura democrática adequada ao
processo constitucional no Estado Democrático de Direito. A seguir, são
apresentadas as principais reflexões produzidas.
Não é possível conhecer minimamente os fundamentos dos precedentes
judiciais sem perpassar pela teoria do positivismo jurídico. Esta teoria, robusta,
complexa, muitas vezes ambígua, de origem incerta, se mantém, ainda hoje,
influente nos sistemas jurídicos do civil law e do common law, forte em uma estrutura
hierárquica de poder, deslocada dos fundamentos da democracia participativa e
distante das garantias processuais constitucionais, objetivos que exigem
permanentes e incansáveis esforços.
O direito, para o positivismo, se refere a um agrupamento de normas, cuja
validade está depositada nos atos de autoridades constituídas e somente podem ser
revogadas por atos da mesma ou de autoridades superiores, que no direito
jurisprudencial do common law corresponde aos precedentes.
No sistema do common law, o ordenamento jurídico autoriza ao juiz a criação
e a aplicação do direito, no exercício da função estatal. A partir dessa autorização
surgem os precedentes judiciais vinculantes, em conformidade com o princípio do
stare decisis. Não há dificuldade em associar o positivismo aos precedentes
vinculantes, considerando os aspectos a seguir destacados: a separação do direito e
da moral (ao contrário da equity), o direito como fato e não como valor, a coatividade
do direito, a imperatividade das decisões e a completude do ordenamento,
fortalecida no sistema do common law pelo princípio do judge-made law. O
precedente vinculante se mantém consistente com o positivismo jurídico e a sua
aplicação está fortemente vinculada à autoridade do Estado, na atuação das cortes,
com base em uma norma escrita, no caso, o próprio precedente.
Neste sentido, pode afirmar-se que o Estado Democrático de Direito e o
positivismo jurídico não se compatibilizam, pois o último considera o direito como
imposição coercitiva e conservativa do poder estatal, no qual povo e Estado são
entidades jurídicas distintas e inconciliáveis, ainda que se considere a tipologia do
Estado de Direito, porque falta a este a essência democrática.
158

O formalismo procedimental no berço common law, até o século XIX,


demonstra que os juristas ingleses não canalizavam suas preocupações em relação
ao conteúdo da decisão, e este fenômeno pode ser sintetizado na expressão:
Remedies precede rights. Nessa perspectiva, observa-se que o objetivo do common
law, ainda que estruturado nos precedentes, não era a proteção dos direitos,
consistia, basicamente, na fixação de regras de procedimento para garantir, em um
maior número de casos, a solução dos litígios, conferindo pouca importância ao
mérito da controvérsia, o que caracteriza também um dos requisitos do positivismo
jurídico.
As modificações no sistema jurídico inglês, nos séculos XIX e XX, não foram
suficientes para resolver as dificuldades de sua adaptação ao Estado Social de
Direito, em razão da estrutura casuística e jurisprudencial do common law. As
maiores dificuldades dizem respeito à relação entre o common law e os tratados de
direitos humanos, Human Rights Acts, cuja aplicação impede ao juiz a possibilidade
de revogar normas que estejam em conformidade com os direitos humanos,
reduzindo, desta forma, a autoridade do princípio do stare decisis e limitando o
poder do órgão julgador.
Em semelhança de sentidos, a adequação dos precedentes ao processo
constitucional do Estado Democrático de Direito, no sistema jurídico brasileiro, exige
uma autêntica releitura do instituto, para a qual são aproveitáveis as contribuições
teóricas de Dworkin, nos aspectos relacionados à integridade e aos argumentos de
princípio. As contribuições de Dworkin são essenciais para a ciência do direito, para
os direitos fundamentais e para o Estado Democrático de Direito, principalmente
quando se trata da aplicação do precedente judicial, que no sistema jurídico do
common law incorpora uma forte tendência utilitarista.
A prevalência da liberdade (liberalismo) sobre a igualdade (democracia) ou
vice-versa encontra na filosofia política um grande problema, que irá refletir na
produção e aplicação do direito democrático. No campo da formação e da produção
do direito, as normas sofrem decisivas influências políticas e morais. Entretanto, na
aplicação destas normas jurídicas, ao caso concreto, não é democrático a
autoridade jurisdicional, na fundamentação das decisões, se amparar em
componentes morais, subjetivos, arbitrários, discricionários e em argumentos
políticos. Ao contrário, os argumentos de princípio são indispensáveis para a
159

construção do processo jurisdicional de caráter democrático, a partir do qual o


processo e as decisões são delineados comparticipadamente.
Não se acredita que seja legítima a criação do direito pelo órgão julgador. A
legitimidade para criar o direito é originária da função legislativa, cujo corpo é
composto de cidadãos eleitos por seus representantes, ainda que o sistema seja
imperfeito e esteja corrompido. Juízes, em regra, não são eleitos e não detém
qualquer compromisso com o eleitorado. A criação do direito por decisão judicial se
dá, sempre, post factum. Ao criar o direito, por meio da decisão judicial, portanto,
posterior ao conflito, o juiz estará retroagindo a norma ilegitimamente instituída por
ele, para aplicá-la a um fato ocorrido no passado, resultando, assim, em ofensa ao
princípio da irretroatividade da norma, princípio este tão caro à segurança jurídica
dos jurisdicionados.
No Estado Democrático de Direito, é ilegítima a criação do direito pelo
precedente, ressaltando-se que a sua função não é criar direitos e sim aumentar a
estabilidade e coerência do sistema jurídico, observando e aplicando o direito criado
por seu autêntico titular, quais sejam, os representantes eleitos pelo povo. Em
sistemas jurídicos caóticos, como se encontra o brasileiro, a permissão para o
judiciário legislar desestabiliza ainda mais o sistema, uma vez que o órgão julgador
culmina por atuar discricionariamente, atuando, ora como mandatário da função
executiva, ora como representante parlamentar.
O processo não é o espaço apropriado para o exercício da discricionariedade.
Os juízes estão obrigados a respeitar a supremacia do legislativo e também a
observarem os precedentes dos tribunais, para a eficiência e consistência do
sistema.
Deste modo, os precedentes, como regras jurisprudenciais que são, devem
ser aplicados no ordenamento por meio de argumentos de princípio, a fim de
contribuírem para a integridade e estabilidade do sistema jurídico. A força
gravitacional do precedente somente será legítima se a decisão anterior se ativer a
argumentos de princípios, pois os argumentos de política se referem a objetivos
estratégicos e contingentes da função legislativa.
Os precedentes se aplicados tão somente para reduzir o estoque de
processos acumulados nos tribunais, focados na “eficiência quantitativa”, pouco ou
nada contribuirão para o desenvolvimento do processo jurisdicional e para garantia
160

dos direitos fundamentais. Configurar-se-ia, nada mais que, uma ação política de
efeitos deletérios para mascarar a triste realidade da “justiça” brasileira.
O direito, no Estado Democrático, se manifesta em reflexões e interpretações
construtivo-participadas, possibilitando a sua aplicação direcionada às melhores
justificativas das práticas jurídicas. Nessa dimensão, os precedentes passam a atuar
na colaboração de um modelo de integridade e de eficiência qualitativa,
influenciando positivamente a confiança e a estabilidade do sistema jurídico.
Outro aspecto a ser destacado é o fato de o direito se manifestar e se
desenvolver, em considerável parcela de sua atuação, por meio de decisões
judiciais. No exercício da jurisdição, a decisão, em regra, define o direito de uma das
partes, e a validade daquela deve dar-se por meio da fundamentação. A construção
da decisão não se pode originar tão-somente pela atuação da autoridade,
imprescindível se faz a participação dos interessados em sua construção, porque
serão estes os seus destinatários.
No exercício da jurisdição, no Estado Democrático de Direito, não se pode
aceitar o juiz na posição de autoridade reverencial, quase incontestável, pois, nesta
configuração, seria ele o único detentor do poder de decidir, dispensando a
necessidade do processo, uma vez que este, apenas, serviria como meio para
validar a suposta legitimidade do órgão julgador.
O processo democrático não se harmoniza com o solipsismo e muito menos
com a discricionariedade. Esta concede à autoridade um hiperbólico poder de
decidir, na ausência de uma clara definição de limites, de forma solitária e de acordo
com sua convicção e com a sua consciência. Dependendo do contexto, este amplo
espectro de poder não demarcado, posto à disposição do julgador, resulta em um
indeterminável número de respostas aos conflitos semelhantes levados à jurisdição,
provocando instabilidade ao sistema jurídico e desconfiança na sociedade. Para
corrigir tal distorção, não há dúvida que os precedentes contribuem positivamente,
pois, auxiliam na interpretação do direito e na fundamentação das decisões.
O precedente se apresenta como uma grande contribuição para melhorar a
consistência da decisão, porque o direito se constrói pela história, não é metafísico e
não há grau “zero” interpretativo. Entretanto, os precedentes vinculantes não se
podem converter em dogmas, exigindo esforços sobre-humanos para ser afastados.
Sabe-se que interpretações nunca são isentas. O intérprete se encontra
sempre “contaminado” pelas influências históricas, que conduzirão a sua
161

interpretação e não há como se desvencilhar de seus pré-juízos e pré-conceitos,


para atuar sob um contexto de “assepsia” interpretativa. A via democrática permite a
correção destas parcialidades, por meio da efetiva participação dos interessados.
Certo é que o precedente somente assegurará a segurança jurídica, a
contribuir para a estabilidade do sistema, se corretamente observada a interpretação
democrática do contexto fático-jurídico, em que a decisão que lhe deu suporte foi
proferida. De outra forma, o precedente funcionará apenas para justificar casuísmos.
A complexidade da sociedade moderna, associada ao crescente volume de
processos, encoraja as partes e o órgão julgador a simplificar os fundamentos da
pretensão e da decisão, as quais passam a se orientar, quase por completo, pelas
decisões dos tribunais superiores. O sistema jurídico brasileiro, no qual a
jurisprudência sobre o mesmo tema oscila em diversas frequências, apresenta, não
raro, decisões que se contradizem, inclusive em tribunais que detém a qualidade de
superiores, disponibilizando aos interessados e aos julgadores um “cardápio” variado
que serve a toda e qualquer pretensão. Esta situação se apresenta inadequada em
qualquer sistema jurídico que pretenda prestigiar a aplicação dos precedentes.
A adoção dos precedentes, ao estilo do common law, exigirá uma profunda
modificação na atuação das partes e do órgão julgador, uma vez que se tornará
necessária a análise acurada das questões jurídicas envolvidas, ou seja, as
questões de fato e de direito, cotejando o paradigma e o caso sub judice. Não
bastam as citações de julgados anteriores, de ementas ou de enunciados de
súmulas para fundamentar a decisão, pois esta técnica acanhada não se conforma
com a aplicação dos precedentes em sentido estrito
O ordenamento jurídico, no Estado Democrático de Direito, ao categorizar
julgados como precedentes, deve adotar requisitos democráticos para a aplicação
destes, tais como, a discussão aprofundada e exaustiva do tema, a reconstrução
histórica da tese, a aplicação discursiva do precedente, a fixação participada da ratio
decidendi, as técnicas de afastamento do precedente e o constante diálogo
democrático entre os órgãos jurisdicionais. De outra forma, estar-se-ia prestigiando o
protagonismo judicial, a fossilização dos precedentes e, tão somente, a eficiência
quantitativa na solução das demandas, resultando destes comportamentos uma
inevitável redução da densidade democrática do processo.
O novo Código de Processo Civil, aprovado pelo Senado Federal em
17/12/2.014, avançou na técnica da aplicação do precedente. É importante ressaltar
162

que a formação e a aplicação do precedente deve ser sempre vinculada aos


princípios constitucionais e às normas fundamentais do novo Código de Processo
Civil.
Destaca-se, ainda, que a interpretação do precedente não pode limitar-se à
interpretação que lhe foi dada pelo julgador original, ou tão-somente pelo órgão
julgador do caso sub judice, pois, no processo democrático, os interessados na
demanda deverão participar para construir a melhor interpretação, evitando o
antidemocrático judge-made law, no entendimento em que se afirma ser o juiz o
criador do direito.
A teoria do precedente vinculante, por si só, não está apta a afastar a
discricionariedade do julgador, uma vez que a aplicação do precedente,
independentemente de ser vinculante ou persuasivo, também é resultado de uma
interpretação. A discricionariedade somente será controlada a partir da intensa
participação das partes, asseguradas as garantias fundamentais do contraditório e
da ampla defesa e do devido processo.
O elemento essencial da teoria do precedente é a semelhança entre as
questões jurídicas, de fato e de direito, entre o caso sub judice e o caso paradigma,
considerando toda a dimensão jurisprudencial acumulada, bem como a ordem
normativa instalada.
Não é incomum no sistema jurídico brasileiro a utilização dos precedentes,
em sentido lato, se transformarem em regras abstratas, afastadas dos fatos que lhe
deram origem, principalmente quando se trata de enunciados das súmulas dos
tribunais. Todo e qualquer precedente somente exerce corretamente a sua função
de influenciar decisões no presente e no futuro se observado o binômio “questão de
fato” - “questão de direito”.
Outro elemento essencial do precedente se refere à ratio decidendi. A ratio
decidendi corresponde a uma regra jurisprudencial abstrata que se extrai da decisão
na solução do conflito, representado e circunscrito pelos fatos levados à jurisdição.
Na aplicação dos precedentes, a vinculação se dá a partir da ratio decidendi e não a
partir da decisão.
Não há consenso sobre a noção do que seja ratio decidendi de um case. O
tema é controvertido e esta indefinição provoca incertezas e dificuldades no
desenvolvimento da fundamentação das decisões e na própria interpretação do
princípio do stare decisis. A complexidade a respeito da ratio decidendi aumenta
163

quando no julgamento de um recurso há votos que acompanham a decisão


vencedora por fundamentos diversos implícitos ou explícitos.
É importante destacar, também, em relação ao estudo dos precedentes o
princípio do stare decisis. De forma simplificada se refere, nos casos em que é
aplicável, ao vínculo obrigatório entre o passado e o presente e o respeito entre
instâncias hierárquicas da jurisdição, em que regras jurisprudenciais proferidas pelo
órgão julgador superior ou de igual hierarquia nos casos decididos no passado
sejam observadas no julgamento das demandas atuais. O princípio do stare decisis
demonstra uma confiança e respeito ao passado, de modo que esta crença
desenvolva um procedimento de sedimentação de determinadas posições
jurisprudenciais, que, em tese, apresentariam a vantagem da segurança e da
uniformização do posicionamento jurídico em um determinado sentido.
Como característica de todo e qualquer princípio jurídico, o stare decisis
também não é absoluto e não se aplica a toda e qualquer decisão. Há precedentes
que não são obrigatórios e neste caso a sua força é persuasiva, como é o caso das
decisões dos tribunais no ordenamento brasileiro.
Há que se entender, que o princípio do stare decisis não é propriedade
apenas do sistema de precedentes do common law. Todo o sistema que objetiva e
se preocupa em preservar as suas regras jurisprudenciais construídas no passado
participa deste princípio, não necessariamente titularizado por stare decisis.
Considera-se na aplicação deste princípio uma gradação na intensidade da proteção
destas regras jurisprudenciais, estabelecida sobre uma escala representada por um
mínimo e um máximo de vinculatividade. Neste contexto, com toda a certeza, se
pode afirmar que o sistema jurídico brasileiro sempre adotou o princípio semelhante
ao stare decisis.
No Estado Democrático de Direito, a fundamentação da decisão constitui a
garantia processual das partes, prevista no art. 93, IX da Constituição. O
contraditório, a ampla defesa e a observância do ordenamento jurídico são
condições indispensáveis e indissociáveis para a formulação fundamentada da
decisão. A fundamentação exige uma relação necessária e lógica com o objeto do
contraditório, pois o que neste se discutiu e se provou compõe a base da decisão. A
decisão não pode ser o produto subjetivo de um só intérprete. No Estado
Democrático de Direito, a motivação das decisões é uma justificativa do exercício do
poder, que se realiza através da função jurisdicional do Estado.
164

A fundamentação da decisão mantém um estreito vínculo com os precedentes


judiciais, uma vez que a utilização destes na decisão exige a demonstração da
relação de convergência entre o precedente e o caso sub judice. É em relação à
fundamentação e aos fatos que se verificará esta relação e se a fundamentação
deve ser democrática, também o deve o precedente.
Interessa observar que no civil law a fundamentação da decisão é, em regra,
dever constitucional ou legal explícito, endereçado aos juízes, enquanto no sistema
do common law, especialmente na Inglaterra e nos Estados Unidos, não há norma
escrita genérica que obrigue os juízes a fundamentarem a decisão. A razão para tal
configuração não seria o desprezo à necessidade da motivação, mas
fundamentalmente a tradição. Ressalta-se que a lógica do precedente parece
condicionar a sua sobrevivência à motivação, ao se posicionar como um dos seus
requisitos. Ocorre que em sistemas jurídicos instáveis ou incipientes, a inexistência
de norma, que obrigue o juiz a fundamentar, pode impedir que a parte sucumbente
impugne a insuficiência ou vício da decisão, exatamente pela ausência de sua
obrigatoriedade.
A motivação das decisões extrapola os limites objetivos e subjetivos da
demanda, para atender a garantia constitucional do processo democrático, a fim de
evitar a discricionariedade, a arbitrariedade e a omissão. É também forma de
controle da sociedade sobre o órgão julgador, uma vez que os juízes exercem
função estatal, outorgada pelo povo. A decisão não pode ser forjada por pura
convicção do julgador ou com fundamento em seus sentimentos. A decisão judicial
no Estado Democrático de Direito é fruto da construção participada, de forma a não
causar surpresa às partes, situação que ocorre quando o órgão julgador fundamenta
a decisão em normas ou em precedentes que não foram discutidos no procedimento
realizado em contraditório.
Todos os atos jurídicos a serem praticados no Estado Democrático de Direito,
e neste sentido incluem-se todas as decisões estatais, devem observar o
fundamento democrático, que exige a participação dos interessados nos atos que
lhes dizem respeito. Nesta perspectiva não se pode aceitar que órgãos do Estado,
utilizando os precedentes, atuem de forma discricionária, omissa ou parcial, trazendo
prejuízos à sociedade e àqueles que são os maiores interessados. Há casos nos
quais o órgão julgador sequer fundamenta a decisão, simplesmente afirma que tal
norma incide sobre determinado fato, não esclarecendo os argumentos que dão
165

suporte à sua afirmação. Em outros casos, o decisor nada menciona sobre o que o
levou a desconsiderar as razões do sucumbente, incutindo neste uma sensação de
impotência, por sequer conhecer os motivos que levaram à sua derrota. Muitas
vezes este comportamento estatal é prestigiado pelos tribunais superiores.
Para corrigir a anomalia da inexistência ou da insuficiência de fundamentação
nas decisões proferidas pelo Estado, questão há muito abordada pela Escola
Mineira de Processo, tornou-se necessário que o novo Código de Processo Civil, em
dispositivo específico, dedicasse-lhe tratamento especial, exigindo do órgão julgador
requisitos para uma fundamentação idônea. Na perspectiva atual do novo Código de
Processo Civil, é imperativo que o órgão julgador fundamente toda e qualquer
decisão, considerando conjuntamente os artigos 11 e 486, parágrafos 1º, 2º e 3º, em
total observância com o objeto do contraditório.
Decisões não fundamentadas ou fundamentadas insuficientemente, ainda que
fundadas em precedentes, demonstram que o órgão decisor não exerceu
corretamente a função que lhe é outorgada pelo Estado, comportamento omissivo
que demonstra tendências arbitrárias pela reserva de uma manifestação que não lhe
é permitida.
A fundamentação da decisão é o ponto relevante para o controle das partes
sobre a decisão proferida pelo órgão julgador, a fim de verificar se as provas e os
argumentos apresentados durante o processo foram considerados, avaliados ou
negligenciados.
Considerando a relevância das garantias constitucionais do processo: o
contraditório, a ampla defesa e a fundamentação das decisões, observa-se que
estas garantias se referem a um conjunto indissociável de proteção, conduzindo a
um resultado ineficaz se estas garantias não forem respeitadas em bloco.
Os precedentes, se utilizados, com seriedade, na fundamentação da decisão,
considerando as argumentações sobre as semelhanças ou desemelhanças fáticas e
de direito, a exigirem interpretações com maior densidade de conteúdo, terão
maiores chances de convencerem os interessados a não interporem recursos,
contribuindo para a redução do número de processos nos tribunais. A
fundamentação de boa qualidade beneficia as partes e o próprio órgão julgador ad
quem na apreciação do recurso, uma vez que permite aos interessados avaliarem os
caminhos e entendimentos adotados pelo juízo a quo na decisão. O precedente não
deve ser universalizado como norma genérica e abstrata, pois, em sua concretude,
166

representa mecanismo adequado para a análise conjunta dos fatos e das normas
legais e jurisprudenciais, ressaltando-se a necessidade, urgente, de se criarem
mecanismos eficientes para o tratamento democrático e contínuo da crescente
litigiosidade individual.
Vislumbra-se que o racionalismo do século XVIII, apoiando-se nele o
positivismo, não se apresenta completamente adequado a resolver conflitos levados
à jurisdição. A lógica aristotélica não é a mais adequada para fundamentar uma
decisão, considerando a subsunção do caso sub judice ao precedente vinculante,
como demonstra a própria variabilidade da escala da força vinculativa do
precedente. Conjectura-se que a obrigatoriedade, a priori, do precedente não se
harmoniza com o processo democrático, pois, a solução da demanda já se inicia em
bases normativas obrigatórias preconcebidas pelos tribunais, independentemente se
foram ou não construídas democraticamente. Acredita-se que os precedentes
persuasivos combinam melhor com o processo constitucional democrático, pois é a
partir da argumentação, da participação e do consenso que o precedente será
aplicado ou não ao caso sub judice.
No Estado brasileiro, filiado ao sistema do civil law, prevalece o princípio da
legalidade, conforme dispõe a Constituição da República, que revela a norma
jurídica, elaborada pelo parlamento, como núcleo principal e democrático, porque
construída pelos representantes do povo. Neste sentido, e considerando normas
como gênero, cujas espécies são os princípios e as regras, toda e qualquer decisão
deve ter a sua última ratio na “lei” e na Constituição. Entretanto, o precedente em
sentido estrito, ao ser inserido no sistema jurídico brasileiro, se coloca como um
meio discursivo a contribuir para a construção da decisão democrática, em
procedimento realizado em contraditório.
Finalmente, procurou-se, com o desenvolvimento do estudo, contribuir para a
construção do sempre inacabado Estado Democrático de Direito. Nesse sentido, a
contribuição do precedente para a integridade do sistema jurídico é inequívoca, pois
a densidade interpretativa que lhe é peculiar amplia o discurso participativo na
construção da fundamentação, uma vez que, em sua configuração, não há como
desprezar as questões de fato e de direito. Mas, não basta instituir, simplesmente, o
precedente no ordenamento jurídico. É necessário utilizá-lo, observando a melhor
técnica para que se obtenha segurança e estabilidade. É certo, que o progresso do
sistema jurídico brasileiro dependerá diretamente das condições democráticas da
167

instituição dos precedentes, asseguradas as garantias processuais do contraditório e


da ampla defesa, com a efetiva participação dos interessados na construção do
processo e da decisão.
168

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AARNIO, Aulis. Precedent in Finland. In: MACCORMICK, Daniel Neil; SUMMERS,


Roberts S. (Edited by). Interpreting precedents: a comparative study. Aldershot-
Brookfield: Dartmouth Publishing Company, 1.997.

AFONSO, Elza. M. M. O positivismo na epistemologia jurídica de Hans Kelsen.


1.982. 312 f. Tese (Doutorado em Direito). Universidade Federal de Minas Gerais,
Belo Horizonte.

ALMEIDA, Candido Mendes de. Código philippino ou ordenações e leis do reino


de Portugal recopiladas por mandado d’el-rey d. Philippe I. 14ª. ed. Rio de
Janeiro: Typographia do Instituto Philomathico, 1.870.

ALVES, Alaôr Caffé. Lógica – pensamento formal e argumentação – elementos


para o discurso jurídico. Bauru: Edipro, 2.000.

ANDREWS, Neil. The modern civil process: judicial and alternative forms of
dispute resolution in england. Tübingen: Mohr Siebeck, 2.008.

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. 4ª. ed. Trad. de Leonel Vallandro e Gerd


Bornheim. São Paulo: Nova Cultural, 1.991.

ATAÍDE JÚNIOR, J. R. Precedentes vinculantes e irretroatividade do direito no


sistema processual brasileiro. Curitiba: Juruá. 2.012.

ATIENZA, Manuel. Entrevista a Atienza. In: ALEXY, Robert. Teoria discursiva do


direito. Org. e Trad. Alexandre Travessoni Gomes Trivisonno. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2.014.

AUSTIN, John. The province of jurisprudence determined. London: John Murray,


1.832.

AUSTIN, John. The province of Jurisprudence determined. Ed. W.E. Rumble.


Cambridge: Cambridge University Press, 1.995.

ÁVILA, H. B. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios


jurídicos. 15ª. ed., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros Editores, 2.014.

BAHIA, Alexandre; NUNES, Dierle José Coelho. Enunciados de súmulas: Falta aos
tribunais formulação robusta sobre precedentes. Revista Conjur. Disponível em:
<http://www.conjur.com.br/2014-jan-07/falta-aos-tribunais-formulacao-robusta-
precedentes#autores>.

BAHIA, Alexandre; NUNES, Dierle José Coelho. Falta aos tribunais formulação
robusta sobre precedentes. Revista Conjur. Disponível em:
<http://www.conjur.com.br/2014-jan-07/falta-aos-tribunais-formulacao-robusta-
precedentes>.
169

BAKER, J. H. An introduction to english legal history. 4ª. ed. London:


Butterworths, 2.002.

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Discricionariedade e controle


jurisdicional. 2ª. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1.996.

BAPTISTA DA SILVA, Ovídio. Fundamentação das sentenças como garantia


constitucional. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, Porto Alegre, v. 1,
n. 4, p. 323–352, 2.006.

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A motivação das decisões jurisdicionais como


garantia inerente ao Estado Democrático de Direito. In: Temas de direito
processual: segunda série. 2ª. ed. São Paulo: Saraiva, 1.988.

BARBOZA, Estefânia Maria de Queiroz. Precedentes judiciais e segurança


Jurídica. São Paulo: Editora Saraiva, 2.014.

BARRAGÁN, Julia. La decisión judicial y la información. Revista de teoría y


filosofía del derecho, México, n. 1, p. 99-109, 1.994.

BARROS, Flaviane de Magalhães. A fundamentação das decisões a partir do


modelo constitucional de processo. Revista do Instituto de Hermenêutica
Jurídica, Porto Alegre, v. 1, n. 6, p.131-148, 2.008.

BARROS, Flaviane de Magalhães. O modelo constitucional de processo e o


processo penal: a necessidade de uma interpretação das reformas do processo
penal a partir da Constituição. In: MACHADO, Felipe Daniel Amorim; CATTONI DE
OLIVEIRA. Marcelo Andrade (Coords.). Constituição e processo: a contribuição
do processo ao constitucionalismo brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, p. 331-
345, 2009.

BARROSO, Luís Roberto. Elementos para a construção de um direito


jurisprudencial. In: MELLO, Patrícia Perrone Campos. Precedentes – o
desenvolvimento judicial do direito no constitucionalismo contemporâneo. Rio
de Janeiro: Renovar, 2.008.

BENTHAM, Jeremy. A comment on the commentaries and a fragment on


government. Ed. J. H. Burns, H. L. A. Hart. New York: Oxford University Press,
1.977.

BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Trad.


Márcio Pugliesi, Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone Editora, 1.996.

BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; GIANFRANCO, Pasquino. Dicionário de


política. Trad. Carmen C, Varriale et al. 11ª. ed. Brasília: Editora Universidade de
Brasília, 1.998, vol. I.

BONAPARTE, Napoléon. Code civil des français. Édition originale et seule


officielle. Paris: Imprimerie de la République, 1.804.
170

BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 10ª. ed. rev., atual. São Paulo: Malheiros
Editores, 2.000.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Emenda aglutinativa global ao PLC-8.046/2.010,


apensado ao PL 6.025/2.005.

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Disponível em:


<http://www.cnj.jus.br/images/pesquisas-
judiciarias/Publicacoes/relatorio_jn2013.pdf>, <http://www.cnj.jus.br/gestao-e-
planejamento/gestao-e-planejamento-do-judiciario/indicadores/486-rodape/gestao-
planejamento-e-pesquisa/indicadores/13659-03-taxa-de-congestionamento>.

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/atos-


administrativos/atos-da-presidencia/323-resolucoes/12224-resolucao-no-106-de-06-
de-abril-de-2010>.

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. BUSTAMANTE, Thomas da Rosa (Coord.).


A força normativa do direito judicial: uma análise da aplicação prática do
precedente no direito brasileiro e dos seus desafios para a legitimação da
autoridade do poder judiciário. Brasília, 2.014.

BRASIL. Constituição de 1.824. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao24.htm>.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1.988. Disponível


em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>.

BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo demográfico 2.010


– Família e domicílio. Disponível
em: <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/imprensa/ppts/000000104356
10212012563616217748.pdf>.

BRASIL. Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1.973. Código de Processo Civil.


Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869.htm

BRASIL. Senado Federal. Novo Código de Processo Civil. Texto Consolidado com
os ajustes promovidos pela Comissão Temporária do Código de Processo Civil.
Disponível em:
<http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=116731>.
Acesso em 20/01/2.015.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça Disponível em:


<https://ww2.stj.jus.br/processo/revistaeletronica/inteiroteor?num_registro=20010154
0593&data=28/10/2.003>.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal Disponível em:


<http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/enunciados.jsp?&b=SUMU&p=true&t=&l=10&i=
510>
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula&pagin
a=sumula_201_300>.
171

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Regimento interno do Supremo Tribunal


Federal, Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/legislacaoRegimentoInterno/anexo/RISTF_Junho_
2014_versao_eletronica.pdf>.

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Apelação nº


2004.03.99.029646-8 967826 AC-SP, Rel.: Juiz Conv. Manoel Álvares, Órgão
Julgador: 4ª Turma, Julg.: 29/09/2.004.

BRÊTAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Processo Constitucional e Estado


Democrático de Direito. 2ª. ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2.012.

BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do precedente judicial: a justificação


e a aplicação de regras jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2.012.

CAENEGEM, R. C van. The birth of the english common law. 2ª. ed. Cambridge:
Cambridge University Press, 1.988.

CAENEGEM, R. C van. Juízes, legisladores e professores: capítulos de história


jurídica europeia: palestras Goodhart 1.984-1.985. Trad. Luiz Carlos Borges. Rio
de Janeiro: Elsevier, 2.010.

CALAMANDREI, Piero. Proceso y democracia. Trad. Hector Fix Zamudio. Buenos


Aires: Ediciones Juridicas Europa-America, 1.960.

CAPPELLETTI, Mauro. O processo civil no direito comparado. Trad. Hiltomar


Martins de Oliveira. Belo Horizonte: Cultura Jurídica (Ed. Líder), , 2.001.

CARDIM, Carlos Henrique. Apresentação. In: RAWLS, John. O liberalismo político.


2ª. ed. Trad. Dinah de Abreu Azevedo. Rev. Álvaro de Vita. São Paulo: Editora Ática,
2.000.

CARRIÓ, Genaro R. Notas sobre derecho y lenguaje. 4ª. ed, corr., ampl., 1ª
reimpr. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1.994.

CARRIÓ, Genaro R. Notas sobre derecho y lenguaje. 5ª. ed. Buenos Aires:
Abeledo-Perrot, 2.006.

CASTANHEIRA NEVES, Antônio. Questão-de-facto - questão de direito. O


problema metodológico da juridicidade (ensaio de uma reposição crítica).
Coimbra: Livraria Almedina, 1.967.

CASTANHEIRA NEVES, Antônio. Um matemático desviado pelo Direito. [28 de


setembro, 2.012]. Londrina: Gazeta do Povo. Entrevista concedida a Joana Neitsch.
Disponível em:
<http://www.gazetadopovo.com.br/vidapublica/justica−direito/entrevistas/conteudo.ph
tml?id=1301606>.
172

CATTONI DE OLIVEIRA, M. A. Devido processo legislativo. Uma justificação


democrática do controle jurisdicional de constitucionalidade das leis e do
processo legislativo. Belo Horizonte: Mandamentos, 2.000.

CATTONI DE OLIVEIRA, M. A. Direito processual constitucional. Belo Horizonte:


Mandamentos, 2.001.

CATTONI DE OLIVEIRA, M. A.; QUINAUD PEDRON, F. B. O que é uma decisão


judicial fundamentada? Reflexões para uma perspectiva democrática do exercício da
jurisdição no contexto da reforma do processo civil. In: Reforma do processo civil:
perspectivas constitucionais. Belo Horizonte: Fórum, 2.010.

CHAMON JUNIOR, Lúcio Antônio. Teoria da argumentação jurídica. Rio de


Janeiro: Lumen Juris Editora, 2.009.

Court structures of the common law world. JustCite. Disponível em:


<www.justcite.com>.

COWNIE, Fiona; BRADNEY, Anthony; BURTON, Mandy. English legal system in


context. 5ª. ed. New York: Oxford University Press, 2.007.

CROSS, Rupert; HARRIS, J. W. Precedent in english law. 4ª. ed. reimpr. New
York: Oxford University Press, 2.004.

CUETO RÚA, Julio César. El Common Law – su estructura normativa, su


enseñanza. Buenos Aires: Editorial la ley, 1.957.

DALL’AGNOL, Darlei. O igualitarismo liberal de Dworkin. Revista de filosofia


Kriterion. vol. 46, nº. 111. Belo Horizonte: Faculdade de Filosofia da Universidade
de Minas Gerais, 2.005, Jan./June 2.005. Disponível em:
<http://dx.doi.org/10.1590/S0100-512X2005000100005>.

DAVID, René; JAUFFRET-SPINOSI, Camille. Los grandes sistemas jurídicos


contemporâneos. 11ª. ed. México: Universidad Nacional Autónoma de México,
2.010.

DEL VECCHIO, Giorgio. Lições de filosofia do direito. 5ª. ed. Trad. Antônio José
Brandão. Coimbra: Armênio Amado, 1.979.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 13ª. ed. São Paulo: Atlas,
2.001.

DIMOULIS, Dimitri. Positivismo jurídico: introdução a uma teoria do direito e


defesa do pragmatismo jurídico-político. São Paulo: Editora Método, 2.006.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 3ª. ed.


São Paulo: Malheiros Editores, 2.003.

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito: introdução


à teoria geral do direito, à filosofia do direito, à sociologia jurídica e à lógica
173

jurídica. Norma jurídica e aplicação do direito. 21ª. ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2.010.

LAWTEACHER. Doctrine of precedent – law making potential. English legal


system lecture notes. Disponível em: <http://www.lawteacher.net/english-legal-
system/lecture-notes/judicial-precedent-2.php>.

DUXBURY, Neil. The nature and authority of precedent. Cambridge: Cambridge


University Press, 2.008.

DWORKIN, Ronald M. The model of rules. University of Chicago law review,


Chicago, n. 35, p. 14-46, 1.967-1.968.

DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University Press,


1.978.

DWORKIN, Ronald. A matter of principle. Cambridge: Harvard University Press,


1.985.

DWORKIN, Ronald. Law's empire. Cambridge: Harvard University Press, 1.986.

DWORKIN, Ronald. O império do direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São


Paulo: Martins Fontes, 1.999.

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo:
Martins Fontes, 2.002.

EDLIN, Douglas E. Introduction In: EDLIN, Douglas E. (ed.) Common law theory.
Cambridge: Cambridge University Press, 2.007.

ENGLAND. House of Lords. Practice statement (judicial precedent) [1.966] 1 W.L.R.


1234. Disponível em: <http://www.uniset.ca/other/cs2/19661WLR1234.html>.

ENGLAND. House of Lords. McLoughlin v O’Brian [1.983] 1 AC 410, 429.


Disponível em: <http://e-lawresources.co.uk/cases/McLoughlin-v-O-Brian.php>.

ENGLAND. House of Lords. McLoughlin v O’Brian [1.983] 1 AC 410, 429.


Disponível em: <http://www.pierre-legrand.com/mcloughlin-v-obrian.pdf>.

ESPANHA. Constitución española. Disponível em:


<http://www.tribunalconstitucional.es/Lists/constPDF/Constitución%20Espa%C3%B1
ola%20-%20Texto%20consolidado.pdf>.

ESPANHA. Ley de enjuiciamiento civil de 1.871. Gaceta de Madrid, Madrid nº 38,


p. 353-356, 7 feb. 1.881. Disponível em:
<https://www.boe.es/datos/pdfs/BOE/1881/036/R00326-00518.pdf>.

FAZZALARI Elio. Istituzione di diritto processuale. Padova: CEDAM, 1.975.


174

FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito – técnica,


decisão, dominação. 4ª. ed. rev. ampl. São Paulo: Editora Atlas, 2.003.

FINE, Toni M. Introdução ao sistema jurídico anglo-americano. Trad. Eduardo


Saldanha. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2.011.

FIORATO, Débora; BRÊTAS, Ronaldo de Carvalho Dias. A conexão entre os


princípios do contraditório e da fundamentação das decisões na construção do
Estado Democrático de Direito. Revista eletrônica de direito processual. Rio de
Janeiro, ano 4, vol. 5º, Jan-Jun, 2.010.

FRANÇA. Code de procédure civile, suivi du tarif des frais et depens. Édition
originale ete seule officielle. Paris: De L’imprimerie Impériale, 1.810.

FRANK, Jerome. Law and the modern mind. New Brunswick: Transaction
Publishers, 2.009.

GALUPPO, Marcelo Campos. O direito civil no contexto da superação do positivismo


jurídico: a questão do sistema. In: NAVES, Bruno Torquato de Oliveira; FIUZA,
César; SÁ, Maria de Fátima Freire de (Coords.). Direito civil: atualidades. Belo
Horizonte: Livraria Del Rey Editora Ltda., 2.003, p. 159-195.

GARDNER, John. Some Types of Law. In: EDLIN, Douglas E. (ed.) Common law
theory. Cambridge: Cambridge University Press, 2.007.

GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito. 2ª. ed. Trad. A. M. Botelho


Hespanha e L. M. Macaísta Malheiros. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2.001.

GLENN, H. Patrick. Legal traditions of the world: sustainable diversity in law.


New York: Oxford University Press, 2.000.

GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de


Janeiro: Aide, 1.992.

GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria geral do processo. 2ª.


ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2.012.

GOODHART, Arthur Lehman. Determining the ratio decidendi of a case. The Yale
Law Journal, vol. 40, nº. 2, Dec. 1.930, p. 161-183. Disponível em:
<http://www.umiacs.umd.edu/~horty/courses/readings/goodhart-1930-ratio.pdf>.
Acesso em: 10/02/2.015.

GOODHART, Arthur Lehman. Precedent in english and continental law. London:


Stevens and Sons, Limited, 1.934.

GREEN, Leslie. Legal positivism. The Stanford encyclopedia of philosophy.


Edward N. Zalta (ed.), 2.009. Disponível em:
<http://plato.stanford.edu/archives/fall2009/entries/legal-positivism/>.
175

GUEST, Stephen. Ronald Dworkin. Trad. Luís Carlos Borges. Rio de Janeiro:
Elsevier Editora, 2.010.

HART, H. L. A. The concept of law. 2ª ed. Oxford: Clarendon, 1.994.

HART, H. L. Positivism and the separation of law and morals. Harvard law review,
vol. 71, nº. 4, feb., 1.958, p. 593-629. Disponível em:
<http://www.jstor.org/stable/1338225>.

HELMHOLZ, Richard. H. Natural law and human rights in english law: From Bracton
to Blackstone. Ave Maria law review. 2.005, vol. 3, p. 20. Disponível em:
<http://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=2480&context=jour
nal_articles>.

HOBBES, Thomas. The english works of Thomas Hobbes of Malmesbury.


London: John Bohn, 1.840, vol. VI.

HONDIUS, Edwoud. General report. In: Precent and the law: reports to the XVIIth
Congress International Academy of Comparative Law. Ed. Edwoud HONDIUS.
Bruxelles: Etablissements Emile Bruyland, 2.007.

ITÁLIA. Codice di procedura civile del regno d’Italia. Milano: Stamperia Reale,
1.865.

ITÁLIA. Costituzione della repubblica Italiana. Disponível em:


<http://www.governo.it/Governo/Costituzione/CostituzioneRepubblicaItaliana.pdf>.

KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. Paulo


Quintela. Lisboa: Edições 70, 2.007.

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6ª ed. Trad. João Baptista Machado.
Coimbra: Armênio Amado Editora, 1.984.

LARA, João Bosco Pinto. Ativismo judicial: o que é, sem meias palavras. Estado de
Minas, Belo Horizonte, Caderno Direito e Justiça, 21/03/2.014.

LEAL, André Cordeiro. O contraditório e a fundamentação das decisões


jurisdicionais no direito processual democrático. Belo Horizonte: Mandamentos,
2.002.

LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual da decisão jurídica. São Paulo:


Landy Editora, 2.002.

LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo. Primeiros estudos. 11ª. ed.
São Paulo: Editora Forense, 2.012.

LEAL, Saul Tourinho. Julgamentos em listas, com advogado silenciado, mostra que
fracassamos. Revista Valor Econômico. Disponível em:
<http://www.valor.com.br/legislacao/fio-da-meada/3573268/julgamentos-em-listas-
com-advogado-silenciado-mostra-que-fracassamos>.
176

LOPES DA COSTA, Alfredo de Araújo, Direito processual civil brasileiro. 2ª ed.


Rio de Janeiro: Forense. 1.948, vol. III.

LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo


brasileiro contemporâneo. Salvador: Editora JusPodivm, 2.014.

HABERMAS, Jürgen, Between facts and norms. Contributions to a discourse


theory of law and democracy. Trasl. William Rehg. New Baskerville: MIT Press,
1.996.

HABERMAS, Jürgen, Direito e democracia. Entre facticidade e validade. 2ª. ed.


Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo brasileiro, 2.003, vol II.

LOSANO, Mario Giuseppe. Os grandes sistemas jurídicos. Trad. Marcela Varejão.


São Paulo: Martins Fontes, 2.007.

MACCORMICK, Neil. Legal reasoning and legal theory. Oxford: Clarendon Press,
1.978.

MACCORMICK Neil. Rhetoric and the rule of law – A theory of legal reasoning.
New York: Oxford University Press, 2.005.

MAITLAND, Frederic William. The history of english law before the time of
Edward I. 2ª. ed. Indianapolis: Liberty Fund Inc., 2.010, vol. 1.

MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. Editora Revista dos


Tribunais: São Paulo, 2.010.

MATA-MACHADO, Edgar de Godói. Elementos de teoria geral do direito. Belo


Horizonte, Vega, 1.981.

MAUS, Ingeborg. Judiciário como superego da sociedade. O papel da atividade


jurisprudencial na “sociedade órfã”. Trad. Martonio Lima e Paulo Albuquerque.
Revista Novos Estudos, São Paulo, n. 28, p. 183-202, 2.000.

MAXIMILIANO Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 16ª. ed. Rio de


Janeiro: Editora Forense, 1.997.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19ª. ed. Rio de


Janeiro: Editora Forense, 2.003.

MÉXICO. Constitución política de los Estados Unidos Mexicanos. Disponível


em: <http://www.diputados.gob.mx/LeyesBiblio/htm/1.htm>.

MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito romano. 10ª. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1.997, vol 1.

NOGUEIRA, G. S. Precedentes vinculantes no direito comparado e brasileiro.


Salvador: Editora JusPodivm, 2.013.
177

NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático. Curitiba: Juruá.


2.008.

NUNES, Dierle José Coelho. Processualismo constitucional democrático e o


dimensionamento de técnicas para a litigiosidade repetitiva: a litigância de interesse
público e as tendências ‘não compreendidas’ de padronização decisória. Revista de
Processo, São Paulo, v. 199, ano 36, p. 41-82, set. 2.011.

NUNES, Dierle José Coelho. Afastamento de precedente não pode continuar sendo
regra. Revista Conjur. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-jun-04/dierle-
nunes-afastamento-precedente-nao-regra>.

NUNES, Dierle José Coelho. É preciso repensar o modo como os tribunais vêm
atuando. Revista Conjur. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2014-jun-
11/dierle-nunes-preciso-repensar-modo-tribunais-atuam>.

NUNES, Dierle José Coelho; DELFINO, Lúcio Delfino. Infantilização dos advogados
e juízes: mais um PL que tenta esvaziar a defesa técnica do cidadão. Justificando.
Disponível em: <http://justificando.com/2014/10/02/infantilizacao-dos-advogados-e-
juizes-mais-um-pl-que-tenta-esvaziar-defesa-tecnica-cidadao>.

NUNES, Dierle José Coelho. Fundamentar decisões judiciais com amplitude e


profundidade é cada vez mais necessário. Justificando. Disponível em:
</http://justificando.com/2014/10/23/fundamentar-decisoes-judiciais-com-amplitude-
e-profundidade-e-cada-vez-mais-necessario/>.

NOJIRI, Sérgio. O dever de fundamentar as decisões judiciais. 2ª. ed., São


Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2.000.

PERELMAN Chaïm. Ética e direito. Trad. Maria Ermantina Galvão. São Paulo:
Martins Fontes, 1.996.

POLLOCK, Frederick; MAITLAND, Frederic William. The history of english law


before the time of Edward I. 2ª. ed. Indianapolis: Liberty Fund Inc., 2.010, vol. 1.

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de


1.967, com a emenda nº 1 de 1.969. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1.987, tomo I.

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de


1.946. São Paulo: Max Limonad, 1.953, tomo V.

PORTUGAL. Constituição da República Portuguesa. Disponível em:


<http://www.parlamento.pt/Legislacao/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.as
px#art205>.

POSNER, Richard A. Law, pragmatism and democracy. Cambridge: Harvard


University Press, 2.003.
178

POSNER, Richard A. Problemas de filosofia do direito. Trad. Jefferson Luiz


Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2.007.

PRINCETON UNIVERSITY. Edward Coke. Disponível em:


<http://www.princeton.edu/~achaney/tmve/wiki100k/docs/Edward_Coke.html>.

PRINCETON UNIVERSITY. Utilitarianism. Disponível em:


<http://www.princeton.edu/~achaney/tmve/wiki100k/docs/Utilitarianism.html>.

RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no direito brasileiro.


Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2.010.

RAWLS, John. A theory of justice. 6ª pr. rev. ed. Cambridge: Harvard University
Press, 2.003.

RE, Edward D. Stare decisis. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Revista de Processo, v.
19, n. 73, p. 47-54, jan./mar. 1.994.

SARLET, Ingo Wolfgang, MARINONI, Luiz Guilherme, MITIDIERO, Daniel. Curso de


direito constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2.012.

SECONDAT, Charles Louis de. The complete works of M. de


Montesquieu. London: T. Evans, 1.777, vol 1.

SLAPPER, Gary; KELLY, David. The english legal system. 6ª. ed. London:
Cavendish Publishing Limited, 2.003.

SLAPPER, Gary; KELLY, David. The english legal system. 11ª. ed. New York:
RoutLedge, 2.010.

SLAPPER, Gary; KELLY, David. The english legal system. 14ª. ed. New York:
RoutLedge, 2.013.

SODERO, Eduardo. Sobre el cambio de los precedentes. Isonomía - Revista de


teoría y filosofía del derecho. México, n. 21, p. 217-255, octubre, 2.004.

STRECK, Lenio Luiz. Bases para a compreensão da hermenêutica jurídica em


tempos de superação do esquema sujeito-objeto. Revista Sequência. Florianópolis,
n. 54, p. 29-46, 2.007.

STRECK, Lenio Luiz. Prefácio. In: RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de


precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora,
2.010.

STRECK, Lenio Luiz. Quanto vale o narcisismo judicial? Um centavo? Revista


Conjur. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-mai-17/senso-incomum-
quanto-vale-narcisismo-judicial-centavo?pagina=3>.
179

STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso - Constituição, hermenêutica e


teorias discursivas - Da possibilidade à necessidade de respostas corretas em
direito. 3ª. ed. rev., ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2.009.

STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto – o precedente judicial e


as súmulas vinculantes? Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2.014.

SUMMERS, Robert S.; ENG, Svein. Departures from precedent. In: MACCORMICK,
Daniel Neil; SUMMERS, Roberts S. (Edited by). Interpreting precedents: a
comparative study. Aldershot-Brookfield: Dartmouth Publishing Company, 1.997

TARUFFO, Michele. Cinco lecciones mexicanas: memoria del taller de derecho


procesal. México: Tribunal Electoral del Poder Judicial de la Federación, Escuela
Judicial Electoral, 2.003.

TARUFFO, Michele. La motivación de la sentencia civil. Tr. Lorenzo Córdova


Vianello. México: Tribunal Electoral del Poder Judicial de la Federación, 2.006.

TARUFFO, Michele. Las funciones de las cortes supremas. In: La prueba, artículos
y conferencias. Santiago: Editorial Metropolitana, 2.008.

TRIBE, Laurence H.; DORF, Michael C. On reading the Constitution. Cambridge,


Massachusetts, London: Harvard University Press, 1.991.

TORNAGHI, Hélio. A relação processual penal. São Paulo: Editora Saraiva, 1.987.

TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do direito. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2.004.

TUCCI, José Rogério Cruz; AZEVEDO, Luiz Carlos de. Lições de história do
processo civil romano. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2.009.

WAMBAUGH, Eugene. The study of cases: a course of instruction in reading


and stating reported cases, composing head-notes and briefs, criticising and
comparing authorities, and compiling digests. 2ª. ed. Boston: Little, Brown, and
Company, 1.894.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Omissão judicial e embargos de declaração.


São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2.005.

WHITTAKER, Simon. Precedent in english law: A view from the citadel. In:
HONDIOUS, Ewoud (ed.). Precent and the law: reports to the XVIIth Congress
International Academy of Comparative Law. Bruxelles: Etablissements Emile
Bruyland, 2.007.

WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno. 4ª. ed. Trad. A. M.


Botelho Hespanha. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2.010.

ZANETI JÚNIOR, Hermes. O valor vinculante dos precedentes. Salvador: Editora


JusPodivm, 2.015.
180

ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. 2ª.


ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2.012.

Você também pode gostar

pFad - Phonifier reborn

Pfad - The Proxy pFad of © 2024 Garber Painting. All rights reserved.

Note: This service is not intended for secure transactions such as banking, social media, email, or purchasing. Use at your own risk. We assume no liability whatsoever for broken pages.


Alternative Proxies:

Alternative Proxy

pFad Proxy

pFad v3 Proxy

pFad v4 Proxy