João Cabral de Melo Neto - Auto Do Frade

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 55

JOÃO CABRAL DE MELO NETO

Auto do Frade

Poema para vozes


(1984)

2
Copyright © by herdeiros de João Cabral de Melo Neto
Todos os direitos desta edição reservados à
E DITO RA O BJE TIV A LTDA . Rua Cosme Velho, 103
Rio de Janeiro – RJ – C E P : 22241-090
Tel.: (21) 2199-7824 – Fax: (21) 2199-7825
www.objetiva.com.br
Capa
Mariana Newlands
Imagem de capa
Stephanie Maze/Corbis/LatinStock
Estabelecimento do texto e bibliografia
Antonio Carlos Secchin
Revisão
Ana Kronemberger
Conversão para e-book
Abreu’s System Ltda.

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
M486a
Melo Neto, João Cabral de
Auto do frade [recurso eletrônico] / João Cabral de Melo Neto. - Rio de Janeiro : Objetiva, 2011.
recurso digital
Formação: ePub
Requisitos do sistema:
Modo de acesso:
48p. ISBN 978-85-7962-123-9 (recurso eletrônico)
1. Poesia brasileira. 2. Livros eletrônicos. I. Título.
11-8170 CDD: 869.91
CDU: 821.134.4(81)-1

3
A meus filhos

4
“I salute you and I say I am not displeased I am not pleased,
I am not pleased I am not displeased.”
GE RTRU DE STE IN

5
Na cela

O Provincial e o carcereiro
O P RO V IN C IA L E O C A RC E RE IRO :
— Dorme.
— Dorme como se não fosse com ele.
— Dorme como uma criança dorme.
— Dorme como em pouco, morto, vai dormir.
— Ignora todo esse circo lá embaixo.
— Não é circo. É a lei que monta o espetáculo.
— Dorme. No mais fundo do poço onde se dorme.
— Já terá tempo de dormir: a morte inteira.
— Não se dorme na morte. Não é sono.
— Não é sono. E não terá, como agora, quem o acorde.
— Que durma ainda. Não tem hora marcada.
— Mas é preciso acordá-lo. Já há gente para o espetáculo.
— Então, batamos mais forte na porta.
— Como dorme. Mais do que dormindo estará mouco.
— Ainda uma vez.
— Melhor disparar um canhão perto da porta.
— Batamos, outra vez ainda.
— Melhor arrombar a porta. Sacudi-lo.
— Dorme fundo como um morto.
— Mas está vivo. Vamos ressuscitá-lo.
— Deste sono ainda pode ser ressuscitado.
— Deste sono, sim. Do outro, nem que ponham a porta abaixo.
— Está dormindo como um santo.
— Santo não dorme. Os santos são é moucos. Mas têm os olhos bem abertos. Vi na
igreja.

6
Na porta da cadeia

O Meirinho
O M E IRIN H O :
— Vai ser executada a sentença de morte natural na forca, proferida contra o réu
Joaquim do Amor Divino Rabelo, Caneca.

O Clero:
O C LE RO :
— Vejo que foi obedecido
— à risca o cerimonial.
— Primeiro, eis as tropas de linha,
— de porte espigado, marcial.
— Depois, as gentes da justiça
— e suas roupas de funeral.
— Depois, irmãos da Santa Casa
— com sua compunção clerical.
— E afinal, nós outros do Clero,
— que conhecemos o ritual.
— Noto apenas é que o Juiz
— que na execução capital
— é mais importante que o réu,
— é até sua figura central,
— não tenha aparecido aqui,
— tão pontual que é no Tribunal.

A Gente nas Calçadas:


A G E N TE N A S C A LÇ A DA S :
— Se já está morto. Se não dorme.
— Sua cela é escura como um poço.
— Pintada de negro, de alcatrão:
— está cego e surdo como morto.
— Não está tão morto. Terá sonhos.
— Não há alcatrão dentro do corpo.
— Na cela de negro alcatrão
— há a luz dos ossos em depósito.
— Veio do século das luzes,
— para uma luz de branco de osso.
— Má para as lições de geometria.
— Lá guardam as caveiras de mil mortos.
— Da luz branca que os ossos guardam
— lhe chega todo o reconforto.
— Mas para ver a própria mão
— a luz pouca de ossos é pouco.

A Tropa
A TRO P A :
— Dizque ele ainda está dormindo,
— como criança quando dorme.

7
— Enquanto ele estiver dormindo,
— sofrerá dos pés quem mais sofre.
— Da morte estará bem mais perto
— quanto mais tarde o réu acorde.
— Dizque uma lei do Imperador,
— que vai chegar, lhe muda a sorte.
— Não sei que esperar desse lado,
— não há navio que hoje aporte.
— Terá sido o sono mais fundo
— de sua vida viva e insone.
— O sol já subiu bastante alto,
— sem que isso a seu sono lhe importe.
— Que sol entra na cela negra?
— Lá se dorme como quem morre.

A Gente nas Calçadas


A G E N TE N A S C A LÇ A DA S :
— O ataúde que lhe preparam
— é mais estreito que sua cela.
— Sepultura de sete palmos,
— não se poderá andar nela.
— Como pôde existir imóvel
— quem tem a cabeça inquieta?
— Não estranhará a sepultura
— quem pôde existir nessa cela.
— Pôde ver o negro da morte
— durante o tempo da cadeia.
— Um capuchinho, na cadeia,
— quis falar da morte que o espera.
— Mandou embora o capuchinho,
— da porta (não tinha janela).
— Quando a morte, daqui a pouco,
— não lhe dará qualquer surpresa.

A Justiça
A JU S TIÇ A :
— Não estamos todos aqui?
— Só noto a ausência do juiz.
— Por que não chega? Já é tarde.
— O sol, todo aceso, já arde.
— A Taborda, como está longe.
— A mais de três gritos deste onde.
— Andar no sol todo o caminho,
— nem para um banho nos Peixinhos.
— Bem pior do que ir de procissão:
— de tarde o sol amansa o cão.
— Por que não apressam o juiz?
— Já o chamaram. Mas não quis vir.
— Não quis vir, não: não o encontraram
— e a ninguém da raça de juiz.
— Nem o próprio, o Ouvidor de Olinda,

8
— nem nenhum vem cá presidir.

Frei Caneca
FRE I CA N E C A :
— Acordo fora de mim
— como há tempos não fazia.
— Acordo claro, de todo,
— acordo com toda a vida,
— com todos cinco sentidos
— e sobretudo com a vista
— que dentro dessa prisão
— para mim não existia.
— Acordo fora de mim:
— como fora nada eu via,
— ficava dentro de mim
— como vida apodrecida.
— Acordar não é de dentro,
— acordar é ter saída.
— Acordar é reacordar-se
— ao que em nosso redor gira.
— Mesmo quando alguém acorda
— para um fiapo de vida,
— como o que tanto aparato
— que me cerca me anuncia:
— esse bosque de espingardas
— mudas, mas logo assassinas,
— sempre à espera dessa voz
— que autorize o que é sua sina,
— esses padres que as invejam
— por serem mais efetivas
— que os sermões que passam largo
— dos infernos que anunciam.
— Essas coisas ao redor
— sim me acordam para a vida,
— embora somente um fio
— me reste de vida e dia.
— Essas coisas me situam
— e também me dão saída;
— ao vê-las me vejo nelas,
— me completam, convividas.
— Não é o inerte acordar
— na cela negra e vazia:
— lá não podia dizer
— quando velava ou dormia.

O Meirinho
O M E IRIN H O :
— Vai ser executada a sentença de morte natural na forca, proferida contra o réu
Joaquim do Amor Divino Rabelo, Caneca.

A Justiça

9
A JU S TIÇ A :
— O juiz não virá: partiu
— na sua visita trimestral
— para correr os dez partidos
— de seu imenso canavial.
— Canavial de muitas sesmarias
— que, para corrê-lo em total,
— se precisa de muitas viagens
— em lombo de escravo ou animal.
— Algo é suspeito em tudo isso,
— tratando-se de homem tão pontual.
— Ao corregedor cabe julgá-lo:
— quem sabe é um monstro liberal.
— Talvez como é tão importante
— (numa execução é central),
— receia que confundam o réu
— com seu meritíssimo animal.

A Gente nas Calçadas


A G E N TE N A S C A LÇ A DA S :
— Ei-lo chega, como se nada,
— como se não fosse o condenado.
— Ei-lo que vem lavado e leve,
— como ia ao Convento do Carmo.
— Quando ia ditar sua geometria.
— Ou fosse à redação do diário.
— Agora vai levado à forca.
— Diziam que ensinava o diabo.
— Na sua boca tudo é claro,
— como é claro o dois e dois quatro.
— Ei-lo que vem descendo a escada,
— degrau a degrau. Como vem calmo.
— Crê no mundo, e quis consertá-lo.
— E ainda crê, já condenado?
— Sabe que não o consertará.
— Mas que virão para imitá-lo.

A Tropa
A TRO P A :
— O que estamos fazendo aqui,
— de pé e à espera qual cavalos?
— Qual cavalos atraímos moscas,
— as moscas de nossos cavalos.
— As moscas não estão saciadas,
— vêm dos cavalos para os soldados.
— Caíram todas sobre nós,
— e os cavalos foram poupados.
— Ficar de pé sem ter por quê
— é dos cavalos e soldados.
— Mas os cavalos têm ao menos
— para plantar-se quatro cascos.

10
— Nós não temos senão dois pés,
— e nenhum dos dois vai ferrado.
— Até quando aqui ficaremos,
— fazendo de cavalos, de asnos?

A Gente nas Calçadas


A G E N TE N A S C A LÇ A DA S :
— Por que essa corda no pescoço,
— como se ele fosse uma rês?
— Por que na corda vai tão manso,
— segue o caminho, assim cortês?
— A corda não serve de nada,
— não o arrasta nem o detém.
— É para mostrar que esse homem
— já foi homem, era uma vez.
— Essa corda é para mostrar
— que ele já é menos que gente.
— Não gente, mas bicho doméstico,
— que segue a corda humildemente.
— Fera não se amarra com corda.
— Querem mostrá-lo claramente.
— Não é essa a corda da forca.
— Querem que a prove, previamente.

O Clero
O C LE RO :
— Nós, que somos da Madre Igreja,
— por força seremos os últimos?
— Teremos de ir detrás de todos?
— Nossos direitos estão nulos?
— O réu já foi um de nós mesmos,
— não é mais, porque foi expulso.
— Por ele sequer rezaremos
— nenhum ofício de defunto.
— Nosso lugar seria à frente,
— como é prescrito pelo uso.
— Deviam prestigiar o clero
— e livrá-lo desses insultos.
— É uma forma de nos punir
— que aqui nos coloquem por último.
— Punir no clero qualquer frade
— levantadiço é mais que absurdo.

O Meirinho
O M E IRIN H O :
— Vai ser executada a sentença de morte natural na forca, proferida contra o réu
Joaquim do Amor Divino Rabelo, Caneca.

11
Da cadeia à Igreja do Terço

A Gente nas Calçadas — Não se Parece a Este o Cortejo


A G E N TE N A S C A LÇ A DA S :
— Não se parece a este o cortejo
— de alguém a caminho da forca.
— Parece mais bem procissão,
— Governador que vem de fora.
— Que gente que veio na frente,
— bandeira, padres, gente de opa?
— São os irmãos da Santa Casa,
— que se diz da Misericórdia.
— Quem são os que passam depois
— de roupas sinistras mas várias?
— São os escrivães, mais os meirinhos:
— não abrem mão de suas toucas.
— Outros conheço de uniforme,
— são da milícia e são da tropa.
— Para que trazer tanta força
— contra um frade doente e sem forças?

Um Oficial
U M O F IC IA L:
— Que ninguém se aproxime dele.
— Ele é um réu condenado à morte.
— Foi contra Sua Majestade,
— contra a ordem, tudo que é nobre.
— Republicano, ele não quis
— obedecer ordens da Corte.
— Separatista, pretendeu
— dar o Norte à gente do Norte.
— Padre existe é para rezar
— pela alma, mas não contra a fome.
— Mesmo vestido como está,
— com essa batina de monge,
— para receber seu castigo
— é preciso que ele se assome.
— Que todo o cortejo avance!
— Temos que chegar ainda longe.

Dois Oficiais
DO IS O F IC IA IS :
— Este passo está muito lento.
— É de procissão, não de guerra.
— Vamos como podemos. Ninguém
— disse que o cortejo tem pressa.
— Nesse andar de frade jamais
— chegaremos às Cinco Pontas.
— Ao juiz cabia dar o ritmo.

12
— Porém não quis vir até a festa.
— Isto aqui não é procissão,
— não tem por que o andar de reza.
— Então o melhor é dizer isso
— a quem todo o cortejo regra.
— Andar como padre é dar vez
— à gente baixa, que protesta.
— Melhor pois que corra o cortejo,
— com passo de assalto, de guerra.

A Gente nas Calçadas


A G E N TE N A S C A LÇ A DA S :
— No centro, um santo sem andor
— caminhando, é um homem sereno.
— Andor sem andor, e esse santo
— pisando o empedrado terreno.
— Ele jamais aceitaria
— que alguém o carregasse em ombros.
— Na tão estranha procissão
— é o santo que anda, e anda aos tombos.
— Tudo tem de uma procissão
— sem cantoria e lausperene.
— Há mesmo tropas desfilando,
— que por dever o Santo prende.
— Levam-no como se levassem
— algum Bispo a missa solene.
— Este vai a outro altar-mor,
— e seguido de mar de gente.

A Gente nas Calçadas


A G E N TE N A S C A LÇ A DA S :
— Ei-lo passa leve e lavado
— como se fosse a uma lição.
— Vou pedir que me dê a bênção
— e depois beijar sua mão.
— Não deixarão chegar onde ele,
— há um eriçado paredão.
— Na procissão, está na cela,
— pois não mudou sua condição.
— Só quem é grade da prisão
— poderá falar-lhe: os soldados.
— Só quem faz muro de prisão
— poderá ser abençoado.
— E só a gente que o leva à forca
— verá de perto o enforcado.
— Mas não creio que a nenhum deles
— interesse sequer tocá-lo.

O Meirinho
O M E IRIN H O :
— Vai ser executada a sentença de morte natural na forca, proferida contra o réu

13
Joaquim do Amor Divino Rabelo, Caneca.

A Gente nas Calçadas


A G E N TE N A S C A LÇ A DA S :
— Na procissão que está passando
— há muitas damas para um preso.
— Fácil tomarão sua bênção
— se isso estiver nos seus desejos.
— Mas será somente por piedade
— que alugam balcões no trajeto?
— Talvez seja até por piedade:
— mas no Carnaval têm os mesmos.
— A procissão é um espetáculo
— como o Carnaval mais aceso.
— Não há música, é bem verdade,
— ainda não se inventou o frevo.
— Mas no cortejo que assistimos
— há mais luxo do que respeito.
— Querem ver o réu, mas de cima,
— é a atração pelo que faz medo.

A Gente nas Calçadas: — Por Que Será Que Ele Não Fala,
A G E N TE N A S C A LÇ A DA S :
— Por que será que ele não fala,
— nem diz nada sua boca muda?
— Senhor que ele foi das palavras,
— não há uma só que hoje acuda.
— Contaram-me que na cadeia
— lhe haviam arrancado a língua.
— Pois, se ele pudesse falar,
— tropa ou juiz, quem que o detinha?
— Cortaram-lhe a língua na cela
— para que não se confessasse.
— Condenado que foi à forca,
— que ao inferno se condenasse.
— Não fala porque lhe proibiram
— na cela onde as caveiras limpas.
— Os muros que o tinham na cela
— são agora essas togas, batinas.
— Lá não tinha com quem falar,
— as paredes nem eco tinham.

Frei Caneca
FRE I CA N E C A :
— Se é procissão que me fazem,
— mudou muito a liturgia:
— não vejo andor para o santo,
— nem há nenhum santo à vista.
— Vejo muita gente armada,
— vejo só uma confraria.
— E tudo é muito formal

14
— para ser uma romaria.
— Talvez seja só um enterro
— em que o morto caminharia,
— que não vai entre seis tábuas,
— mas entre seis carabinas.
— Irmãos da Misericórdia,
— com sua bandeira e insígnias,
— me acompanham no desfile
— no andar triste de batinas,
— com passadas de urubu
— como sempre eles imitam,
— o andar de grua dos padres
— e da gente da justiça.
— E essa tropa de soldados
— formados para ordem unida,
— que cerca o morto, não vá
— escapar da cerca viva,
— pendurada pelas casas
— ou de pé pelas cornijas.
— Dessa gente sei dizer
— quem Manuel e quem Maria,
— quem boticário ou caixeiro,
— e sua mesma freguesia.
— Cada casa dessas ruas
— é também amiga íntima,
— posso dizer a cor que era,
— que no ano passado tinha.
— E essa gente que nas ruas
— de cada lado se apinha
— (neste estranho dia santo
— em que ninguém comercia),
— a gente que dos telhados
— tudo o que vai vê de cima.

A Gente nas Calçadas


A G E N TE N A S C A LÇ A DA S :
— Por que é que deixou de falar?
— Estávamos todos a ouvi-lo.
— Ao passar estava falando,
— vinha conversando consigo.
— Por que agora caminha mudo
— se estava falando a princípio?
— Decerto o forçaram a calar-se.
— Até os gestos lhe são proibidos.
— Fazem-no calar porque, certo,
— sua fala traz grande perigo.
— O que lhe ouvi na rua do Crespo
— foi “mar azul” e “sol mais limpo”.
— Receiam que faça falando
— desta procissão um comício.
— Dizem que ele é perigo, mesmo

15
— falando em frutas, passarinhos.

A Gente nas Calçadas


A G E N TE N A S C A LÇ A DA S :
— Há pessoas com muito medo
— de toda essa gente na rua.
— Muita gente em ruas e praças
— é coisa que a muitos assusta.
— Como se se vissem de súbito
— desarmadas, ou mesmo nuas.
— A gente está com muito medo
— da cheia de gente, da súcia.
— Mas não temem o Carnaval,
— embora a gente se mascare.
— Sabem que no Carnaval, toda
— a gente, em mil gentes, se parte.
— Cada um monta seu Carnaval,
— solto na praça, sem entraves.
— Cada um segue pelo seu lado
— e nada mais há que os engate.

O Meirinho
O M E IRIN H O :
— Vai ser executada a sentença de morte natural na forca, proferida contra o réu
Joaquim do Amor Divino Rabelo, Caneca.

Oficial e Frei Caneca


O F IC IA L E FRE I CA N E C A :
— De que fala Reverendíssimo
— como se num sermão de missa?
— De toda essa luz do Recife.
— Louvava-a nesta despedida.
— Ouvi-o falar em voz alta,
— como se celebrasse missa.
— Vi que a gente pelas calçadas
— como num sermão, calada, ouvia.
— Tanto passeei por essas ruas
— que fiz delas minhas amigas.
— Agora, lavadas de chuva,
— vejo-as mais frescas do que eu cria.
— Um condenado não pode falar.
— Condenado à morte, perde a língua.
— Passarei a falar em silêncio.
— Assim está salva a disciplina.

O Oficial e o Provincial
O O F IC IA L E O P RO V IN C IA L:
— Vem de dizer o condenado
— que suspende sua falação.
— Mas, falando alto, não pregava.
— Falava-se, o que não é sermão.

16
— Que tinha a dizer ante a forca?
— Não lembra a cela de alcatrão?
— O alcatrão já não o preocupa
— e ao sol curou-se da prisão.
— Parecia que estava bêbado.
— Era álcool ou sua desrazão?
— Bêbado da luz do Recife:
— fez esquecer sua aflição.
— Mas pareceu falar em versos.
— É isso estar bêbado ou não?
— Mesmo sem querer fala em verso
— quem fala a partir da emoção.

A Gente nas Calçadas


A G E N TE N A S C A LÇ A DA S :
— Não me lembro de procissão
— com tanta gente para vê-la.
— Parece que todo o Recife
— veio às calçadas, às janelas.
— Gente em pleno meio da rua,
— e a tropa não pode rompê-la.
— E em cada esquina, cada rua,
— na rua mais gente despeja.
— Estamos num rio na enchente
— que recebe cheia e mais cheia.
— Há gente até dependurada
— pelos lampiões, pelas reixas.
— Gente até no poste da forca
— e no alçapão debaixo dela.
— Muita gente pelas cumeeiras
— e gente deitada nas telhas.

A Gente nas Calçadas


A G E N TE N A S C A LÇ A DA S :
— Mais gente há nessa execução
— do que em muita festa de igreja.
— Ver enforcar padre é oração,
— fica bem visto da padroeira.
— Decerto dá bons resultados
— como ao pecador indulgências.
— Como aos flagelantes e àqueles
— que à carne fazem violências.
— Como as orações, os dez terços,
— como os jejuns e as abstinências.
— Por que será que nesse frade
— mais do que em santos, tenham crença?
— Viveu lado a lado com eles,
— conviveu-os, na saúde e doença.
— Viveu sempre como eles todos,
— nunca se isolou com sua ciência.
F rei C aneca:

17
FRE I CA N E C A :
— Sob o céu de tanta luz
— que aqui é de praia ainda,
— leve, clara, luminosa
— por vir do Pina e de Olinda,
— que jogam verde e azul
— sob o sol de alma marinha,
— sob o sol inabitável
— que dirá Sophia um dia,
— vou revivendo os quintais
— que dispensam sesta amiga
— detrás das fachadas magras
— com sombras gordas e líquidas.
— E, se não ouço os pregões,
— vozes das cidades, vivas,
— revivendo tantas coisas
— valem qualquer despedida.
— Sei que acordei para pouco
— e que entre a cela sinistra
— onde só a luz das caveiras
— com luz própria reluzia,
— e o outro telão de sono
— que cai e que não se bisa,
— é estreita a nesga de tempo
— para que se chame vida.
— E as ruas de São José
— com que mais eu convivia,
— que passeava sem prever
— o passeio deste dia.
— Eu sei que no fim de tudo
— um poço cego me fita.
— Difícil é pensar nele
— neste passeio de um dia,
— neste passeio sem volta
— (meu bilhete é só de ida).
— Mas, por estreita que seja,
— dela posso ver o dia,
— dia Recife e Nordeste,
— gramática e geometria,
— de beira-mar e Sertão
— onde minha vida um dia.

A gente nas calçadas:


A G E N TE N A S C A LÇ A DA S :
— Dizque um menino viu no céu,
— revoando, uma Dama Celeste.
— Vestida com um manto pardo
— que de asas fazia as vezes.
— E planava para abrigá-lo,
— para que o sol não o moleste.
— Depois, ela foi-se esgarçando

18
— como com os panos acontece.
— Foi um menino que a enxergou
— e adultos o mesmo pretendem.
— Decerto é a Senhora do Carmo,
— de quem é frade, e que o protege.
— Padroeira também do Recife,
— dos marinheiros que lhe rezem.
— A Virgem que uma estrebaria
— tirou do convento que teve.

A gente nas calçadas:


A G E N TE N A S C A LÇ A DA S :
— Afinal quem marca o compasso
— da procissão de caranguejos?
— Como o juiz não veio cá,
— vai no passo que podem velhos.
— Este é um cortejo militar
— que leva um réu à execução.
— Por causa do clero e outros cleros,
— seguem o passo procissão.
— Mas não há um morto, ainda está vivo:
— da procissão é o santo e o centro.
— Mas não é por culpa do réu
— que o cortejo caminha lento.
— A tropa queria que andassem
— passo acelerado de guerra.
— Mas como obrigar a correr
— um velho que ande como velha?

O meirinho:
O M E IRIN H O :
— Vai ser executada a sentença de morte natural na forca, proferida contra o réu
Joaquim do Amor Divino Rabelo, Caneca.

Frei Caneca:
FRE I CA N E C A :
— O raso Fora-de-Portas
— de minha infância menina,
— onde o mar era redondo,
— verde-azul, e se fundia
— com um céu também redondo
— de igual luz e geometria!
— Girando sobre mim mesmo,
— girava em redor a vista
— pelo imenso meio-círculo
— de Guararapes a Olinda.
— Eu era um ponto qualquer
— na planície sem medida,
— em que as coisas recortadas
— pareciam mais precisas,
— mais lavadas, mais dispostas

19
— segundo clara justiça.
— Era tão clara a planície,
— tão justas as coisas via,
— que uma cidade solar
— pensei que construiria.
— Nunca pensei que tal mundo
— com sermões o implantaria.
— Sei que traçar no papel
— é mais fácil que na vida.
— Sei que o mundo jamais é
— a página pura e passiva.
— O mundo não é uma folha
— de papel, receptiva:
— o mundo tem alma autônoma,
— é de alma inquieta e explosiva.
— Mas o sol me deu a ideia
— de um mundo claro algum dia.
— Risco nesse papel praia,
— em sua brancura crítica,
— que exige sempre a justeza
— em qualquer caligrafia;
— que exige que as coisas nele
— sejam de linhas precisas;
— e que não faz diferença
— entre a justeza e a justiça.

A gente nas calçadas:


A G E N TE N A S C A LÇ A DA S :
— Não sei por que é que este cortejo
— evitou o Pátio do Carmo.
— O caminho era bem melhor:
— era mais direto e mais largo.
— Dizem que todos tinham medo
— de que pudessem sequestrá-lo.
— Tirá-lo do meio da tropa
— e então conduzi-lo a sagrado.
— Ou se arrancasse de repente
— da cela em que ele vai, cercado.
— Ou que vendo as portas abertas
— pudesse escapar dos soldados.
— Sempre foi gente turbulenta
— os carmelitas desse Carmo.
— Bem mais que os das casas de Olinda,
— Paraíba, Goiana, Cabo.

A gente nas calçadas:


A G E N TE N A S C A LÇ A DA S :
— Desde a noite do dia de ontem
— o Carmo está morto e deserto.
— O prior, Frei José de São Carlos,
— mandou para casa leigos, clérigos.

20
— Mandou de férias todos eles
— e ficou sozinho no prédio.
— Todo o convento está de férias
— como se só fosse colégio.
— Assim todos estarão longe
— do condenado e, assim, dos ecos.
— Frei São Carlos segue Caneca,
— desde sua cela, manhã cedo.
— Depois sozinho, no convento,
— fará no claustro seu enterro.

Dois oficiais:

DO IS O F IC IA IS :
— Melhor é apressar mais o passo,
— que a gente já se mostra inquieta.
— A gente é o que há de perigoso:
— sua arma final é um quebra-quebra.
— Um indulto do Imperador
— é o que essa gente ainda espera.
— Não pode haver adiamento
— e a volta à prisão negra e cega?
— Como indulto ou adiamento,
— se nenhum navio hoje chega?
— Então essa gente das calçadas
— vai esperar muito que aconteça.
— Que a padroeira do Recife,
— com seus milagres apareça.
— Talvez por ser dos marinheiros,
— mande navio a toda pressa.

O Oficial e o Provincial:
O O F IC IA L E O P RO V IN C IA L:
— Que fazer para vos fazer
— adotar um passo de carga?
— Demonstrar que em cima de nós
— há inimigo na retaguarda.
— Não sentis que a gente impaciente
— desse espetáculo está cansada?
— A impaciência que nela sinto
— é porque nada disso acata.
— É o indulto do Imperador
— o que essa gente toda aguarda?
— Não compreendeis que minha tropa
— disparará caso atacada?
— A gente não pensa atacar,
— é um milagre que a gente aguarda.
— E não só a gente dessas ruas:
— a gente também das sacadas.

A gente nas calçadas:

21
A G E N TE N A S C A LÇ A DA S :
— Nos fizeram lavar fachadas
— como em dia de procissão.
— Nos fizeram varrer calçadas,
— limpar o que faz todo cão.
— Parece até enterro de Bispo,
— ou mais bonito, a sagração.
— Até nosso céu eles espanaram
— e não só com as brisas, não.
— Como que passaram no céu
— esfregão com água e sabão.
— Mas disso tudo agora vemos
— qual a verdadeira intenção.
— Enforcar um homem que soube
— opor ao Império um duro não.
— (Cem anos depois um outro homem
— dirá “nego” a uma igual questão.)

O meirinho:
O M E IRIN H O :
— Vai ser executada a sentença de morte natural na forca, proferida contra o réu
Joaquim do Amor Divino Rabelo, Caneca.

22
No adro do Terço

Oficial: — Que toda a tropa forme um círculo


O F IC IA L:
— Que toda a tropa forme um círculo
— como se protegesse o altar.
— Que ninguém entre nesse círculo
— nem possa dele se acercar
— sob pena de ser condenado:
— de sedicioso se acusará.
— Quem tentar romper esse círculo
— rebelde se confessará.

O Oficial e o Vigário Geral


O O F IC IA L E O V IG Á RIO G E RA L:
— Passo ao braço da Igreja o padre mestre Frei Joaquim do Amor Divino Rabelo,
Caneca, condenado à morte por sedição e rebelião contra o Império, pela
Comissão enviada pelo Imperador.
— Recebo Frei Joaquim do Amor Divino Rabelo, Caneca, para que se proceda à sua
execração de acordo com o que determina o Direito Canônico.

A Gente no Adro
A G E N TE N O A DRO :
— Agora o estão paramentando:
— para vir celebrar a missa.
— Nenhum sacristão o ajudou
— tão ritualmente em sua vida.
— Talvez porque essa venha a ser
— a última missa que diga.
— Quanto terá de abençoar
— o que há aqui de gente inimiga!

A Gente no Adro
A G E N TE N O A DRO :
— É falsa a unção com que o ajuda
— o frade que é seu sacristão.
— — Põe-lhe o amito, veste-lhe a alva
— como a um judas de diversão.
— — O cordão agora é o litúrgico,
— não o que o trouxe como um cão.
— — Esse cordão com que ora o cingem
— não é o baraço da forca, não.

A Gente no Adro
A G E N TE N O A DRO :

— Põem-lhe um manípulo bordado
— como ele nunca usou nem teve.
— Trazem-lhe uma estola de luxo

23
— que é mais de bispo que de freire.
— Essa casula com que o vestem
— lhe cai perfeitamente, é adrede.
— Como mandada costurar
— por alfaiate que o conhece.

A Gente no Adro
A G E N TE N O A DRO :

— Agora o conduzem ao trono
— como um bispo ou como um vigário.
— Como não temos bispo agora,
— levam-no ao trono do vigário.
— Não sei por que tanto se ajoelha
— como penitente relapso.
— Se já está do lado da morte,
— nada o reterá deste lado.

A Gente no Adro
A G E N TE N O A DRO :

— Não sei se hoje pelas igrejas
— é dia de usar encarnado.
— Para enforcado, o justo é roxo,
— pois sangue não é derramado.
— Quem sabe se há nisso um presságio?
— Quem sabe se vão indultá-lo?
— Me parece, sim, presságio:
— não indulto, vão fuzilá-lo.

A Gente no Adro
A G E N TE N O A DRO :

— Mas não foi para dizer missa
— que de luxo o paramentaram.
— Ainda continua de joelhos
— perante o bispo improvisado.
— Que parece querer falar
— aos que chama de seu rebanho.
— Mas quantos de nós hoje aqui
— querem ouvir sua voz de fanho?

A Meirinho
A M E IRIN H O :

— Vai ser executada a sentença de morte natural na forca, proferida contra o réu
Joaquim do Amor Divino Rabelo, Caneca.

O Vigário Geral
O V IG Á RIO G E RA L
— A degradação eclesiástica é uma pena vindicativa, a mais grave de todas as penas

24
eclesiásticas. Ao iniciar-se a degradação, vestem-lhe todos os paramentos
sagrados, como se o padre houvesse ainda uma vez de celebrar o sacrifício
incruento da redenção. E a cerimônia começa, com grande aparato: o celebrante
lhe tira das mãos o cálice, a hóstia e a patena. Depois, um a um, o vai despindo
dos paramentos sacerdotais. Despem-no finalmente da batina ou hábito religioso.
Está o padre degradado das ordens sacras; já não pode exercer o ministério
sacerdotal.

A Gente no Adro
A G E N TE N O A DRO :
— Não foi mesmo para dizer missa
— que o haviam paramentado.
— Manda tomar o que lhe deram
— esse faz-de-bispo, o vigário.
— O cálice e a patena, vejo,
— foram primeiro arrebatados.
— Com o latim que eles não sabem
— pensam que tudo está explicado.

[em background]

Amovemus a te, quin potus amotan esse ostidimus offerendi Deo sacrificium,
Missanque celebrandi tam pro vivio, quam pro difunctis.

A Gente no Adro
A G E N TE N O A DRO :
— Ainda estão lhe retirando
— até o que não lhe tinham dado.
— Com a faca raspam-lhe as mãos
— que tanto haviam abençoado.
— Do índice e do polegar
— raspam-lhe esse gesto sagrado.
— Parece que o sagrado é poeira:
— muito facilmente é raspado.

[em background]

Potestatem sacrificandi, consecrandi et benedicendi, quam in unctione manum et


paelicum recepisti, tibi tollimus hac rasura.

A Gente no Adro
A G E N TE N O A DRO :
— Vem agora a vez da casula,
— da cor do sangue que evitou.
— Que ele evitou de derramar
— e só por isso se entregou.
— Quem sabe se o matam com sangue,
— cor do paramento que usou?
— Vão sempre falando em latim:

25
— pensam que o fala o Imperador.

[em background]

Veste sacerdotali charitatem signante te merito expoliamus, quis ipsen et omnem


innocentiam exuisti.

A Gente no Adro
A G E N TE N O A DRO :
— O que ainda continuarão,
— continuarão a despir dele?
— Arrancam-lhe agora a estola,
— que lhe é arrancada como pele.
— Se continuam assim, à forca
— não arribará nada dele.
— Enforcarão o esqueleto nu,
— nu de alma, de carne e de pele.

[em background]

Signum Domini per hanc stolam turpiter abjecisti, ideoque ipsam e te amovemus,
quem inhabilem reddimus ad omne Sacerdotale officium exercendum.

A Gente no Adro
A G E N TE N O A DRO :
— Parece que não é o vigário
— que vai continuar a despi-lo.
— Ou já estará muito cansado
— ou do que resta não é digno.
— Os outros padres, seus lacaios,
— tiram-lhe o cíngulo, a alva, o amito.
— De todo o frade que ele foi,
— eis que volta ao que é, sem mito.

A Gente no Adro
A G E N TE N O A DRO :
— Agora lhe raspam a tonsura
— com pobre navalha barbeira.
— Despem-no do hábito do Carmo,
— para ele é despir-se da igreja.
— Nu de toda igreja, em camisa
— e calças de ganga grosseira.
— Voltou a ser qualquer de nós:
— pensará que foi ganho ou perda?

A Gente no Adro
A G E N TE N O A DRO :
— Quando tiravam alguma coisa,
— vinham o incenso e a água benta.

26
— Não era o frade a quem benziam,
— estavam benzendo era a prenda.
— Queriam limpá-la do frade
— e do diabo, se estava prenha.
— Queriam lavá-la de tudo,
— do frade, do diabo e suas lêndeas.

A Gente no Adro
A G E N TE N O A DRO :
— Reparai, agora lhe trazem
— uma outra espécie de batina.
— Dizem-na a alva dos condenados:
— a forca a exige, é da rotina.
— Nela não enxergo os bordados
— que há nas alvas de dizer missa.
— A alva é encardida, é sua mortalha,
— dizem-na alva por ironia.

O Vigário Geral e o Oficial:


O V IG Á RIO G E RA L E O O F IC IA L:
— Devolvo à mão da Justiça o réu Joaquim do Amor Divino, Caneca, devidamente
execrado de sua qualidade de sacerdote pelas leis canônicas.
— Recebo o réu execrado e nele farei cumprir a sentença de condenação à morte
natural na forca.
— O réu foi ritualmente degradado de suas funções e dignidades de sacerdote, e é
como homem que o faço passar às mãos da justiça dos homens.
— E é como homem e como rebelde a nosso amado Imperador que farei executar
nele a sentença ditada pela Comissão Militar.

O Vigário Geral e o Oficial:


O V IG Á RIO E O P RO V IN C IA L:
— Recomendo-lhe seu amigo.
— Queira segui-lo até o algoz.
— A que algoz eu devo levá-lo?
— O pior está longe de nós.
— E onde ele está? Quando chegou?
— Onde se hospeda o Imperador?
— O Imperador nunca viria
— ao Recife, não tem valor.
— (Talvez num dia muito longe
— possível que venha, mas morto.
— Só gente com medo, obrigada,
— desfilará ante seu corpo.)

O Meirinho:
O M E IRIN H O :
— Vai ser executada a sentença de morte natural na forca, proferida contra o réu
Joaquim do Amor Divino Rabelo, Caneca.

27
Da Igreja do Terço ao Forte

Oficial:
O F IC IA L:
— Que se recomponha o cortejo
— como ele vinha até então.
— Todos seguirão na mesma ordem,
— e ainda o réu sob proteção.
— Iremos ao Forte, onde a forca
— está atrasada em sua ração.
— Que todos sigam até o Forte.
— Só depois se dissiparão.

A gente nas calçadas:


A G E N TE N A S C A LÇ A DA S :
— Um dia capangas jagunços
— mandaram para sua defesa.
— Havia, dizem, gente paga
— para caçar sua cabeça.
— Mandou os capangas de volta
— e respondeu dessa maneira:
— Não sou ninguém para ser mártir,
— não é distinção que eu mereça.

A gente nas calçadas:


A G E N TE N A S C A LÇ A DA S :
— Na Casa do Carmo viveu
— desde que era ainda menino.
— Muito antes de ser carmelita
— era aluno de seu ensino.
— Aprendeu lá tudo o que sabe
— e não só rezar ao divino.
— Quando ele entrou para ser frade
— mais do que qualquer tinha tino.

O Meirinho:
O M E IRIN H O :
— Vai ser executada a sentença de morte natural na forca, proferida contra o réu
Joaquim do Amor Divino Rabelo, Caneca.

A gente nas calçadas:


A G E N TE N A S C A LÇ A DA S :
— Dizem que quando vinha preso
— alguém lhe ofereceu a fuga.
— Alguns aceitaram de saída
— e hoje andam soltos pelas ruas.
— Outros se foram para Bolívar
— que livrara várias repúblicas.
— Mas a daqui, compreendeu,

28
— precisa ainda de mais luta.

A gente nas calçadas:


A G E N TE N A S C A LÇ A DA S :
— Pela estrada dita Ribeira,
— onde o Capibaribe sua,
— com tropa pequena e rompida
— foi ao Ceará por ajuda.
— Campina Grande, Paraíba,
— guarda a casa de sua cura,
— e em Acauã, lá no Ceará,
— se rende com a tropa viúva.

A gente nas calçadas:


A G E N TE N A S C A LÇ A DA S :
— Foi contra seu Imperador
— é o que se diz no veredito.
— E separatista ademais;
— saberá Dom Pedro o que é isso?
— Pensa que é ladrão de cavalos
— ou que é capitão de bandidos.
— Pensa não ser mal português,
— sim, de brasileiro, algum vício.

Frei Caneca:
FRE I CA N E C A :
— Dentro desta cela móvel,
— do curral de gente viva,
— dentro da cela ambulante
— que me prende mas caminha,
— posso olhar de cada lado,
— para baixo e para cima.
— Eis as pedras do Recife
— que o professo carmelita,
— embora frade calçado,
— sente na sola despida.
— Como estou vendo melhor
— essa grade, essa cornija,
— o azulejo mal lavado,
— a varanda retorcida!
— Parece que melhor vejo,
— que levo lentes na vista;
— se antes tudo isso milvi,
— as coisas estão mais nítidas.
— Andando nesse Recife
— que me sobrará da vida,
— sinto na sola dos pés
— que as pedras estão mais vivas,
— que as piso como descalço,
— sinto as arestas e a fibra.
— Embora a viva melhor,

29
— como mais dentro, mais íntima,
— como será o Recife
— que será? Não há quem diga.
— Terá ainda urupemas,
— xexéus, galos-de-campina?
— Terá estas mesmas ruas?
— Para sempre elas estão fixas?
— Será imóvel, mudará
— como onda noutra vertida?
— Debaixo dessa luz crua,
— sob um sol que cai de cima
— e é justo até com talvezes
— e até mesmo todavias,
— quem sabe um dia virá
— uma civil geometria?

A gente nas calçadas:


A G E N TE N A S C A LÇ A DA S :
— Eis que ele agora é um réu qualquer
— e como qualquer vai vestido.
— Deram-lhe a roupa que se dá
— aos assassinos e bandidos.
— O cortejo vai como vinha,
— e ele no meio como um bispo.
— Um bispo vigiado, sem pálio,
— todo cercado de inimigos.

A gente nas calçadas:


A G E N TE N A S C A LÇ A DA S :
— Uma procissão sem andor
— é uma procissão quando mesmo.
— A procissão de Corpus Christi
— é a procissão de Deus, é a seco.
— Não tem andor. Mesmo invisível,
— todo mundo acorre para vê-lo.
— Quem não tem balcão para ficar
— aluga algum por qualquer preço.

A gente nas calçadas:


A G E N TE N A S C A LÇ A DA S :
— Afinal o que em contra dele
— disse a gente da Comissão?
— Foi contra o morgado do Cabo,
— sua impopular nomeação;
— foi contra que o rei português
— impusesse uma Constituição;
— contra enviar-se a esquadra ao Recife
— por falsa ameaça de invasão.

O Meirinho:
O M E IRIN H O :

30

— Vai ser executada a sentença de morte natural na forca, proferida contra o réu
Joaquim do Amor Divino Rabelo, Caneca.

A gente nas calçadas:


A G E N TE N A S C A LÇ A DA S :
— A procissão é o recorrido
— que vai de uma igreja a outra igreja.
— Mas nesta vai nosso caminho
— não a igreja, mas fortaleza.
— Até o Forte das Cinco Pontas
— porque tem desenho de estrela.
— Mas ficaremos cá de fora,
— o réu não entrará na capela.

A gente nas calçadas:


A G E N TE N A S C A LÇ A DA S :
— Mas haverá um santuário
— nessa construção holandesa?
— Construíram uma capela mais tarde,
— para exorcizar Calvino e o belga.
— Mas a capela fica dentro
— dos robustos muros de pedra.
— E o altar da forca ficará
— fora dos paredões de pedra.

A gente nas calçadas:


A G E N TE N A S C A LÇ A DA S :
— Não é jovem, tampouco velho,
— apesar dos cabelos brancos.
— Veio andando calmo e sem medo,
— ar aberto de amigo, e brando.
— Não veio desafiando a morte
— nem indiferença ostentando.
— Veio como se num passeio,
— mas onde o esperasse um estranho.

Frei Caneca:
FRE I CA N E C A :
— Esta alva de condenado
— substituiu-me a batina.
— Não penso que ainda venha
— a vestir outra camisa.
— Certo também é mortalha
— e nela sairei da vida.
— Não sei por que os condenados
— vestem sempre esta batina,
— como se a forca fizesse
— disso a questão mais estrita.
— Será que a morte é de branco,
— onde coisa não habita,

31
— ou, se habita, dá na soma
— uma brancura negativa?
— Ou será que é uma cidade
— toda de branco vestida,
— toda de branco caiada
— como Córdoba e Sevilha,
— como o branco sobre branco
— que Malevitch nos pinta
— e com os ovos de Brancusi
— largados pelas esquinas?
— Se essa mortalha branca
— é bilhete que habilita
— a essa morte, eu, que a receio,
— entro nela com alegria.
— Temo a morte, embora saiba
— que é uma conta devida.
— Devemos todos a Deus
— o preço de nossa vida
— e a pagamos com a morte
— (o poeta inglês já dizia).
— Nessa contabilidade
— morte e vida se equilibram,
— e, embora no livro-caixa,
— e também nas estatísticas,
— apareça favorável,
— e sempre, o saldo da vida,
— no dia do fim do mundo
— serão iguais as partidas.

A gente nas calçadas:


A G E N TE N A S C A LÇ A DA S :
— Arrancaram tudo de padre,
— o que dele um padre fizera.
— Em dezessete na Bahia
— de fome e sede ele sofrera.
— Viveu piolhento, esmolambado,
— guardado quase como fera.
— Mas o que lhe arrancaram hoje
— trouxe-lhe ainda maior miséria.

A gente nas calçadas:


A G E N TE N A S C A LÇ A DA S :
— Até que enfim esse cortejo
— conduz um homem, não um frade.
— A execração tirou-lhe tudo.
— Nada é sagrado nessa carne.
— Hoje ninguém da religião
— lhe deve solidariedade.
— Veem os barões e os portugueses
— que não há brechas entre os padres.

32
A gente nas calçadas:
A G E N TE N A S C A LÇ A DA S :
— Foi muitas vezes anunciado
— um indulto do Imperador.
— Tempo já tinha para chegar,
— mas até hoje não chegou.
— Há dias que não chegam barcos,
— nenhum tampouco hoje arribou.
— E mesmo que chegue tal barco,
— quem diz que a Corte o perdoou?

A Meirinho:
A M E IRIN H O :
— Vai ser executada a sentença de morte natural na forca, proferida contra o réu
Joaquim do Amor Divino Rabelo, Caneca.

A gente nas calçadas:


A G E N TE N A S C A LÇ A DA S :
— Veleiro que chega do Rio
— pouco traz (mas leva o que for).
— Para um raro “sim” que eles trazem,
— trazem de “nãos” enorme ror.
— Quem sabe o indulto foi mandado
— para a Guiné, para o Pará?
— Será que alguém na Corte sabe
— onde é que Pernambuco está?

A gente nas calçadas:


A G E N TE N A S C A LÇ A DA S :
— Eu o imaginava homem alto
— com olhos acesos, de febre.
— Eu o imaginava também
— um asceta, puro osso e pele.
— É um homem como qualquer um,
— e profeta não se pretende.
— É um homem e isso não chegou:
— um homem plantado e terrestre.

A gente nas calçadas:


A G E N TE N A S C A LÇ A DA S :
— Assim é que pôde sobreviver
— à viagem com a tropa ao Agreste.
— Foi à Paraíba, ao Ceará,
— que o Capibaribe não investe.
— Foi assim frade e jornalista,
— e, em vez de bispo, padre-mestre.
— Viveu bem plantado na vida,
— coisa que a gente nunca esquece.

33
Na praça do Forte

O Vigário Geral e o Oficial:


O V IG Á RIO G E RA L E O O F IC IA L:
— O bom carrasco oficial
— deve estar aprontando o nó.
— Não quis vir. Diz que matar padre
— é morte que recai, veloz.
— Fizemos todas as ameaças
— e as promessas para depois.
— Não quer vir. Diz que matar padre
— ou gato na vida dá nó.

O Meirinho:
O M E IRIN H O :
— Vai ser executada a sentença de morte natural na forca, proferida contra o réu
Joaquim do Amor Divino Rabelo, Caneca.

:
O ficial

O F IC IA L:
— Agora apenas militares
— podem entrar neste recinto.
— Que os outros todos se dispersem,
— Santa Casa, clero e cabido.
— Mas fique a gente da Justiça,
— os escrivães, que, por escrito,
— darão fé da morte na forca
— do inimigo da Corte do Rio.

A Gente no Largo:

A G E N TE N O LA RG O :
— Quem foi que ainda não chegou
— para que tenha início a festa?
— Decerto alguma autoridade
— que o veleiro do indulto espera.
— O brigadeiro Lima e Silva,
— dizem, é a favor do Caneca.
— Talvez ele saiba do indulto
— e tenha ordenado essa espera.

A Gente no Largo:

A G E N TE N O LA RG O :
— O brigadeiro Lima e Silva
— jamais viria abrir a festa.
— Quem é então o personagem
— por quem todo esse mundo espera?
— É mais do que um personagem:
— é a outra metade da festa.

34
— É o carrasco que se não vem
— não se enforcará o Caneca.

A Gente no Largo:

A G E N TE N O LA RG O :
— Lima e Silva não é a favor.
— Ele não é contra o Caneca.
— Ele dobrou-se à Comissão:
— nem procurou influir nela.
— Se for verdade, o Imperador
— tirará tudo o que ele era.
— Lhe dirá que vá para casa
— com suas grã-cruzes, comendas.

A Gente no Largo:

A G E N TE N O LA RG O :
— Não é o carrasco um tal Vieira
— que à forca irá por assassino?
— Ele mesmo. E se enforca o padre
— terá abertos os caminhos.
— Quando o foram buscar não quis
— aparecer, e o disse a gritos.
— Muita coronhada apanhou,
— porque não quis, e pelos gritos.

A Gente no Largo:

A G E N TE N O LA RG O :
— Que passa com o outro ator
— que nos deixa todos na espera?
— O outro personagem, o carrasco,
— não aceita o papel, se nega.
— Nem o trouxeram da cadeia.
— Ali disse não, e se queda.
— Seu não, está claro, lhe deu
— muito o que curar, muita quebra.

A Gente no Largo:

A G E N TE N O LA RG O :
— Dizem que foi ameaçado
— por padres, parentes, amigos.
— Nada disso: não vem por medo
— do que lhe dizem os espíritos.
— Dizem que uma dama, na véspera,
— pôde chegar a seu cubículo.
— Que não enforcasse o afilhado
— a dama teria pedido.

O Oficial e um Carrasco

35
O O F IC IA L E U M C A RRA S C O :
— Agora chegou. É tua vez
— de se livrar com teu serviço.
— Porém dessa vez eu não posso.
— Matar um santo é mais que um bispo.
— Sabes o que te passará
— se não fizeres o que digo?
— Não te disse que teu indulto
— depende só desse suplício?
— Sei disso. E do que passarei.
— Que a forca é certo, é mais que risco.
— Sabes o que é ser enforcado,
— por que passarás antes disso?
— Morrerei na forca, se chego,
— se das torturas sair vivo.
— Sei que à forca não chegarei;
— morrerei antes, vou para o lixo.

O Oficial e um Outro Carrasco

O O F IC IA L E U M O U TRO C A RRA S C O :
— Devolvam o preso à cadeia.
— Por esperar, nada ele arrisca.
— Onde está o outro assassino
— que às vezes o substituía?
— Aqui estou. Mas, aquele frade,
— não está aqui quem o enforcaria.
— Mas quem é que decide aqui?
— Sou eu ou a tua covardia?
— Não é por covardia, não.
— Cumpro ordens da Virgem Maria.
— E como essas ordens te deu?
— Soprou-te numa ventania?
— Cobrindo o frade com seu manto,
— voando no céu ela foi vista.
— Para mim é mais que uma ordem,
— seja ela falada ou escrita.

O Oficial e um Soldado:
O O F IC IA L E U M S O LDA DO :
— Correndo chegue-se à cadeia.
— Traga o mais malvado de lá.
— Sairá hoje livre. Perdoado
— de tudo o que fez ou fará.
— Chefe, daqui para a cadeia
— muito tempo se tardará.
— Será dupla perda de tempo.
— Preso nenhum aceitará.
— Crê Vossoria nessa história
— da Virgem abençoando-o do ar?
— Como posso crer tal absurdo?

36
— É de hoje, mas é lenda já.
— Mas corro à cadeia, à procura
— do mais facinoroso que há.

A gente no largo:
A G E N TE N O LA RG O :
— Falaram a dois substitutos,
— ambos à morte condenados.
— Ofereceram-lhes igual prêmio:
— ir seus caminhos liberados.
— Nenhum não quis. Do mesmo jeito,
— ambos os dois foram espancados.
— A réus sem morte ofereceram
— mesmo prêmio que aos dois carrascos.

A gente no largo:
A G E N TE N O LA RG O :
— Por falta de quem contracene
— abandonarão todo espetáculo.
— E terminarão confiando
— o enforcamento a um voluntário.
— Consultaram todo o escalão
— do sistema penitenciário.
— Mas ninguém quis. Certo tiveram
— a visita da Dama de pardo.

A gente no largo:
A G E N TE N O LA RG O :
— Um emissário foi mandado
— recrutar gente na cadeia.
— Foi fazer a todos os presos
— oferta melhor que as já feitas.
— Por piores que sejam os crimes,
— sairão soltos, e a vida feita.
— Com bom emprego na cadeia,
— farda, comida, cama e mesa.

A gente no largo:
A G E N TE N O LA RG O :
— Mas duvido que lá encontrem
— o pessoal que lhes convenha.
— Fosse a oferta feita na praça,
— teriam carrascos às pencas.
— Se negociassem esses cargos,
— seria facílima a venda.
— Até padres se prestariam
— para salvar a ordem e a crença.

A gente no largo:
A G E N TE N O LA RG O :
— Assim, cá estamos à espera

37
— de um tipo ideal de carrasco.
— Que não tenha fé numa Dama
— que voa vestida de pardo.
— Que tenha um crime para ser
— de alguma forma premiado.
— Para quem a forca compense
— carência que o deixe saciado.

A gente no largo:
A G E N TE N O LA RG O :
— Uma forca sempre precisa
— de um enforcado e de um carrasco.
— A forca não vive em monólogos:
— dialética, prefere o diálogo.
— Se um dos dois personagens falta,
— não pode fazer seu trabalho.
— O peso do morto é o motor,
— porém o carrasco é o operário.

A gente no largo:
A G E N TE N O LA RG O :
— Dizem por aí que o emissário
— voltou com ambas mãos vazias.
— Ninguém aceitou o perdão
— porque ele é à custa da vida.
— Sair das grades está bem,
— de ser carrasco não se hesita.
— O grave é depois fazer face
— ao que a Dama de pardo exija.

O Soldado
O S O LDA DO :
— Vi na cadeia muitos réus
— que esperam tranquilos a pena.
— Disse tudo o que me mandaram,
— mas foi inútil toda a lenha.
— Nem mesmo o monstruoso assassino
— que trucidou na Madalena
— pai, mãe, filho, mais quatro escravos
— e um bebê de dias apenas,
— que por isso foi condenado
— pegando a última sentença,
— concorda em enforcar o padre,
— diz que é questão de consciência.
— Parece que o melhor carrasco
— é um menino em toda inocência:
— ir buscar no Asilo da Roda
— carrasco infantil, mas com venda.

Oficial
O O F IC IA L:

38
— Seja o que for, vou eu agora
— até a Comissão Militar
— pedir que forme um pelotão
— que venha para o fuzilar.
— Única saída que vejo,
— embora seja irregular:
— é pedir o ascenso do crime
— a um digno crime militar.

A gente no largo:
A G E N TE N O LA RG O :
— Enquanto isso tudo, ele espera
— sentado nos degraus da forca.
— Como se não fosse com ele
— o corre-corre em sua volta.
— Sente como pode ser longo
— o que nós chamamos de agora.
— Que é como um tempo de borracha
— que se elastece ou que se corta.

A gente no largo:
A G E N TE N O LA RG O :
— Há mais de três horas espera
— sem ver chegar a sua própria.
— Não é uma tortura menor
— que a da cela negra e sem horas.
— Maior do que a por que passou
— na caminhada de ainda agora.
— E mais se são horas barradas
— pelo muro onde se ergue a forca.

A gente no largo:
A G E N TE N O LA RG O :
— Sabia, ao vir, que caminhava
— ao encontro da própria morte.
— Pensou que o estivesse aguardando
— encostada ao portal do Forte.
— E que lhe saísse ao encontro
— entreabrindo-lhe os braços, nobre.
— Mas chegando logo sentiu
— como é altiva e fria a consorte.

A gente no largo:
A G E N TE N O LA RG O :
— Logo que chegou descobriu
— que a morte nem sempre tem fome.
— E, mais, que nem sempre tem mãos
— para acionar seus ressortes.
— Necessita sempre de um braço,
— de enfarte, de câncer, virose.
— E que, numa forca inanimada,

39
— precisa de um braço a suas ordens.

A gente no largo:
A G E N TE N O LA RG O :
— A morte já o estava caçando
— desde o ano de dezessete.
— Hoje ele está à espera dela,
— que chegue afinal, se revele.
— Como descobrir quem ela é
— no meio de toda essa plebe?
— Chega a pensar que o não deseja,
— chega imaginar que o despreze.

A gente no largo:
A G E N TE N O LA RG O :
— Não imagina onde ela está,
— de onde virá, nem como seja.
— Imagina que ela é biqueira,
— que há gente que não lhe apeteça.
— Não sabe é que ela já está aqui;
— falta-lhe é o braço com que opera.
— Que desta vez nenhum carrasco
— ousa colaborar com ela.

A gente no largo:
A G E N TE N O LA RG O :
— Como não surge quem o enforque,
— chamaram a tropa de linha.
— Ele ainda está ao pé da forca,
— esperando o carrasco, ainda.
— Se a espera for de muito tempo,
— o povo dele se apropria.
— Já está inquieto e excitado,
— com molas de quem se amotina.

A gente no largo:
A G E N TE N O LA RG O :
— Creio que ao mesmo Frei Caneca
— essa tropa vem como alívio.
— Leva ali horas esperando,
— suplício de esperar suplício.
— Para quem está esperando
— cada minuto vale um espinho.
— E, quando a espera é de martírio,
— vira uma pua cada espinho.

A gente no largo:
A G E N TE N O LA RG O :
— Esperar é viver num tempo
— em que o tempo foi suspendido.
— Mesmo sabendo o que se espera,

40
— na espera tensa ele é abolido.
— Se se quer que chegue ou que não,
— numa espera o tempo é abolido.
— E o tempo longo mais encurta
— o da vida, é como um suicídio.

O Meirinho
O M E IRIN H O :
— Vai ser executada a sentença de morte natural na forca, proferida contra o réu
Joaquim do Amor Divino Rabelo, Caneca.

A gente no largo:
A G E N TE N O LA RG O :
— A morte é sempre natural,
— no que não crê esse meirinho.
— Quer se dê na cama ou na forca
— é natural, pois do organismo.
— Pode vir de dentro ou de fora,
— segundo a anedota ou o ocorrido.
— Só cabe anunciar é se ela
— virá do previsto ou imprevisto.

A gente no largo:
A G E N TE N O LA RG O :
— Cabe perguntar se tudo isso
— é de má-fé ou por equívoco.
— Todos têm medo de assumir
— entrar na desgraça do Rio.
— Ninguém assumindo essa morte,
— fingem carrascos insubmissos.
— Doze homens o vão fuzilar;
— pois ninguém o ousava sozinho.

A gente no largo:
A G E N TE N O LA RG O :
— Enforcar é festa de praça,
— ver fuzilar é para poucos.
— Será fuzilado na forca,
— num suplício híbrido e novo.
— Isso de morrer fuzilado
— não é só decoroso, é honroso.
— É que morrer de bala é nobre,
— embora substitua outro modo.

A gente no largo:
A G E N TE N O LA RG O :
— E, agora, como sairão dessa
— os que arrumaram seu martírio?
— Martírio não é só na forca,
— pode haver outros, e os de tiro.
— Dizque aí que já convocaram

41
— todo um pelotão aguerrido.
— Não se pode mais esperar
— o navio impontual do Rio.

A gente no largo:
A G E N TE N O LA RG O :
— Como ninguém quis enforcá-lo,
— chamaram soldados de linha.
— Cada um mais aposto, levando
— a amante exigente, a clavina.
— Pensam: mais que a guerra estrangeira
— é a guerra ao pé, esquina a esquina.
— É muito fácil transformá-la,
— de política, nessa que pilha.

Dois Oficiais:
DO IS O F IC IA IS :
— Pois creio que esperar ainda
— é coisa de todo impossível.
— A gente que aguarda na praça
— pode ser barril explosivo.
— Uma autoridade não pode
— deixar-se assim desacatar,
— ainda menos por réus de morte,
— mortos, que não querem matar.
— O melhor foi mesmo pedir
— à ilustre Junta Militar
— pelotão da tropa de linha
— que o venha aqui arcabuzar.
— A solução decerto é a única,
— mas um problema vai criar:
— a Caneca tirou-se a forca,
— sendo um criminoso vulgar.

A gente no largo:
A G E N TE N O LA RG O :
— A forca deve estar tristíssima,
— vão fuzilá-lo a clavinote.
— A tropa vem com os utensílios
— da arte de provocar a morte.
— Eis por que a forca está triste,
— privada que foi de seu dote.
— Está triste, ainda mais corcunda,
— de artritismo ou tuberculose.
— Mais, por ver que a tropa manobra
— a seus pés, em filas de morte.
— E mais, porque ela foi privada
— de seu prazer, e assim de chofre.
— Morte mecânica, industrial,
— sem qualquer gosto pelo esporte.
— Luta de doze contra um só,

42
— o que não é digno nem nobre.

A gente no largo:
A G E N TE N O LA RG O :
— Assim, não o podemos ver mais?
— Quando o veremos estará morto?
— Ver, não. Ouviremos sua morte,
— quem de todo ainda não está mouco.
— Nem o poderemos rever
— nem mesmo quando estiver morto?
— Certo, não. Eles saberão
— como escamotear o corpo.

A gente no largo:
A G E N TE N O LA RG O :
— Já não se sabe onde o levaram.
— Foi conduzido à Fortaleza.
— Mas o que que terão lá dentro?
— Vão trucidá-lo na capela?
— Como não chegou o carrasco,
— matam-no de qualquer maneira.
— Deram-lhe veneno ou facada,
— pois tiro levanta suspeitas.

A gente no largo:
A G E N TE N O LA RG O :
— Talvez o fizeram fugir
— saltando por porta travessa.
— Talvez o forçassem a fugir
— para atingi-lo na carreira.
— Não sei. Tiro de carabina
— subiria da Fortaleza.
— Se agora não o estão torturando,
— não lhe farão fazer a sesta.

A gente no largo:
A G E N TE N O LA RG O :
— Por que o chamam sempre Caneca
— se se chama mesmo é Rabelo?
— Frei Caneca é o filho maior
— de certo Rabelo tanoeiro;
— ao pai, por sua profissão,
— chama-o Caneca o povo inteiro.
— E o filho quando se ordenou
— quis levar a alcunha do velho.

A gente no largo:
A G E N TE N O LA RG O :
— Por que não deixou para um lado
— esse apelido de Caneca?
— Ser do Amor Divino era pouco

43
— para dignificar quem ele era?
— Não quis esconder que seu pai
— um simples operário era,
— nem mentir parecendo vir
— das grandes famílias da terra.

O Meirinho
O M E IRIN H O :
— Vai ser executada a sentença de morte natural por espingar deamento, proferida
contra o réu Joaquim do Amor Divino Rabelo, Caneca.

A gente no largo:
A G E N TE N O LA RG O :
— Durante todo esse caminho
— percorrido pelo cortejo,
— se postavam pelos balcões
— senhoras curiosas de vê-lo;
— outras, na rua, desmaiavam
— ou mostravam seu desespero.
— Quem na rua, quem no balcão
— não rezam pelo mesmo terço.

A gente no largo:
A G E N TE N O LA RG O :
— O cabido inteiro de Olinda
— e a mais gente de religião,
— cruz alçada, foram pedir
— que suspendessem a execução.
— Ouvi dizer que não moveram
— os forasteiros da Comissão;
— sequer entraram no palácio
— onde vivem, e sempre em sessão.

A gente no largo:
A G E N TE N O LA RG O :
— Ser fuzilado é dignidade
— do militar, mais que castigo.
— Fuzilado assim, sem direito,
— recebe mais do que o pedido.
— Dizem que a forca reagiu,
— pegou estranho reumatismo.
— Perdeu a honra de enforcar
— de seus patrícios o mais digno.

A gente no largo:
A G E N TE N O LA RG O :
— A forca é a pena habitual
— para assassinos e bandidos.
— Assim, para mais humilhá-lo,
— foi condenado a tal suplício.
— Ser fuzilado é a pena digna

44
— do militar, mesmo insubmisso.
— Como ninguém quis enforcá-lo,
— na hora final foi promovido.

A gente no largo:
A G E N TE N O LA RG O :
— Não puderam não conceder-lhe
— essa honra de ser fuzilado.
— Foi mais bem por medo da gente
— que até aqui veio apoiá-lo.
— A gente se põe inquieta
— pela demora do espetáculo.
— A irritação pode crescer
— e então fazer por libertá-lo.

A gente no largo:
A G E N TE N O LA RG O :
— — Não concebo outra explicação
— para que houvesse tanta espera.
— Decerto emissário do Rio
— deve ter chegado a esta terra.
— Quem dirá que neste momento
— o perdão não é posto em letra?
— Ou portaria que o condene
— somente à cadeia perpétua?

A gente no largo:
A G E N TE N O LA RG O :
— Lá ficaria toda a vida
— com a geometria e a aritmética.
— Sua vida poderia ser
— muito mais útil do que era.
— O Imperador dos brasileiros
— os escritores muito preza.
— Tardou o indulto mas chegou.
— É mais seguro vir por terra.

— (Aqui, descarga de espingardas.)

45
No pátio do Carmo

Um grupo no pátio:
U M G RU P O N O P Á TIO :
— Fora de Portas, no santuário,
— rezou todo o dia o Caneca.
— Acendeu a todos os santos,
— de todos renovou as velas.
— A vizinhança o acompanhava
— na casa que virou capela.
— Nem se lembrou da oficina
— de tanoeiro, ao lado dela.

Mesmo Grupo no Pátio:


ME S M O G RU P O N O P Á TIO :
— Esperou, em todas as formas
— do verbo esperar, nessa espera.
— Sua vista chegava mais longe
— e nem parecia já velha.
— Sua vista chegava a Piedade,
— saltando o Pina e a Barreta.
— O mar de todo indiferente
— desembarcava ondas desertas.

Mesmo Grupo no Pátio:


ME S M O G RU P O N O P Á TIO :
— Esse mar, vacante e baldio,
— é tudo que esse velho enxerga.
— E quando não estava rezando
— perscrutava o mar da janela.
— Ia para a beira do mar
— para ver melhor o que se acerca.
— Da casa para a praia, erradio,
— assim todo o dia navega.

Mesmo Grupo no Pátio:


ME S M O G RU P O N O P Á TIO :
— Por vezes seu olhar fugia
— rumo à Campina do Taborda.
— Porém a vista não podia
— saltar camboas, casas, hortas.
— Seu ouvido é que mais se abria,
— se alongava naquela rota.
— Mas não sabia o que podia
— lhe vir de tão distante porta.

Mesmo Grupo no Pátio:


ME S M O G RU P O N O P Á TIO :
— A todos os santos e santas,
— sem cansar, todo o dia reza.

46
— Reza também ao vento sul
— a ver se envia alguma vela.
— De pé, pela beira do mar,
— com toda a pele todo acesa.
— Está à espera do ar da brisa,
— do vento sul, de língua seca.

Mesmo Grupo no Pátio:


ME S M O G RU P O N O P Á TIO :
— A vista de nada serviu,
— lado do sul, nenhum navio.
— Mas o ouvido, lado do Forte,
— acusou o estalo de tiros.
— Não entendeu logo o que era:
— é surda a forca e seus ruídos.
— Enfim entendeu: fora a bala
— que dera cabo de seu filho.

Mesmo Grupo no Pátio:


ME S M O G RU P O N O P Á TIO :
— Ele nada diz, quando entende
— o que foi a fuzilaria.
— Nada diz, mas sai da janela,
— entra no quarto-santaria.
— Atira as flores para o lixo,
— apaga as velas que ainda ardiam.
— Traz uma primeira braçada
— dos santos que há tanto nutria.

Mesmo Grupo no Pátio:


ME S M O G RU P O N O P Á TIO :
— Mais outras se vão sucedendo
— (era frequentado esse asilo).
— Sobre o peitoril da janela
— enfileirou o pelotão pio.
— Pelo pescoço, santo a santo
— joga no mar, ainda vazio.
— Muitos deles não se afundaram,
— boiaram, míseros navios.

Cinema no Pátio
CIN E M A N O P Á TIO

Quatro calcetas com duas tábuas ao ombro, nas quais se pode distinguir o corpo
de um homem deitado, dirigem-se à porta principal da Basílica do Carmo, e deixam
cair no chão, grosseiramente, o corpo que traziam. Batem na porta, aos pontapés, e
vão embora, sem esperar. A porta da igreja se abre pesadamente e aparece o vulto
de um sacerdote que arrasta para dentro da nave o corpo atirado nos degraus da
escada. A porta se fecha, e a noite prossegue, também pesadamente.
Quito, 1981
Tegucigalpa, 1983

47
Apêndices

Cronologia

1920 – Filho de Luiz Antônio Cabral de Melo e de Carmem Carneiro-Leão Cabral de


Melo, nasce, no Recife, João Cabral de Melo Neto.
1930 – Depois de passar a infância nos municípios de São Lourenço da Mata e
Moreno, volta para o Recife.
1935 – Obtém destaque no time juvenil de futebol do Santa Cruz Futebol Clube.
Logo, porém, abandona a carreira de atleta.
1942 – Em edição particular, publica seu primeiro livro, Pedra do sono.
1945 – Publica O engenheiro. No mesmo ano, ingressa no Itamaraty.
1947 – Muda-se, a serviço do Itamaraty, para Barcelona, lugar decisivo para a sua
obra. Compra uma tipografia manual e imprime, desde então, textos de autores
brasileiros e espanhóis. Nesse mesmo ano trava contato com os espanhóis Joan
Brossa e Antoni Tàpies.
1950 – Publica O cão sem plumas. Em Barcelona, as Editions de l’Oc publicam o
ensaio Joan Miró, com gravuras originais do pintor. O Itamaraty o transfere para
Londres.
1952 – Sai no Brasil, em edição dos Cadernos de cultura do MEC, o ensaio Joan
Miró. É acusado de subversão e retorna ao Brasil.
1953 – O inquérito é arquivado.
1954 – O rio, redigido no ano anterior, recebe o Prêmio José de Anchieta, concedido
pela Comissão do IV Centenário de São Paulo, que também imprime uma edição do
texto. A Editora Orfeu publica uma edição de seus Poemas reunidos. Retorna às
funções diplomáticas.
1955 – Recebe, da Academia Brasileira de Letras, o Prêmio Olavo Bilac.
1956 – Sai, pela Editora José Olympio, Duas águas. Além dos livros anteriores, o
volume contém Paisagens com figuras, Uma faca só lâmina e Morte e vida severina.
Volta a residir na Espanha.
1958 – É transferido para Marselha, França.
1960 – Em Lisboa, publica Quaderna e, em Madri, Dois parlamentos. Retorna para a
Espanha, trabalhando agora em Madri.
1961 – Reunindo Quaderna e Dois parlamentos, junto com o inédito Serial, a Editora
do Autor publica Terceira feira.
1964 – É nomeado um dos representantes da delegação brasileira nas Nações
Unidas, em Genebra.
1966 – Com música de Chico Buarque de Holanda, o Teatro da Universidade Católica
de São Paulo (Tuca) monta Morte e vida severina, com estrondoso sucesso. A peça é
encenada em diversas cidades brasileiras e, depois, em Portugal e na França. Publica
A educação pela pedra, que recebe vários prêmios, entre eles o Jabuti. O Itamaraty
o transfere para Berna.
1968 – A Editora Sabiá publica a primeira edição de suas Poe sias completas. É
eleito, na vaga deixada por Assis Chateaubriand, para ocupar a cadeira 37 da
Academia Brasileira de Letras. Retorna para Barcelona.

48
1969 – Com recepção de José Américo de Almeida, toma posse na Academia
Brasileira de Letras. É transferido para Assunção, no Paraguai.
1972 – É nomeado embaixador no Senegal, África.
1975 – A Associação Paulista de Críticos de Arte lhe concede o Grande Prêmio de
Crítica. Publica Museu de tudo.
1980 – Publica A escola das facas.
1981 – É transferido para a embaixada de Honduras.
1984 – Publica Auto do frade.
1985 – Publica Agrestes.
1986 – Assume o Consulado-Geral no Porto, Portugal.
1987 – No mesmo ano, recebe o prêmio da União Brasileira de Escritores e publica
Crime na calle Relator. Retorna ao Brasil.
1988 – Publica Museu de tudo e depois.
1990 – Aposenta-se do Itamaraty. Publica Sevilha andando e recebe, em Lisboa, o
Prêmio Luís de Camões.
1992 – Em Sevilha, na Exposição do IV Centenário da Descoberta da América é
distribuída a antologia Poemas sevilhanos, especialmente preparada para a ocasião.
A Universidade de Oklahoma lhe concede o Neustadt International Prize.
1994 – São publicadas, em um único volume, suas Obras completas. Recebe na
Espanha o Prêmio Rainha Sofia de Poesia Ibero-Americana, pelo conjunto da obra.
1996 – O Instituto Moreira Salles inaugura os Cadernos de literatura brasileira com
um número sobre o poeta.
1999 – João Cabral de Melo Neto falece no Rio de Janeiro.*

*(Fontes: Melo Neto, João Cabral. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2008; Cadernos de
literatura brasileira. Instituto Moreira Salles. nº 1, março de 1996; Castello, José. João Cabral de Melo Neto: o
homem sem alma & Diário de tudo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006; Academia Brasileira de Letras;
Fundação Joaquim Nabuco.)

49
Bibliografia do autor

POESIA
Livros avulsos
Pedra do sono. Recife: edição do autor, 1942. [sem numeração de páginas.] Tiragem
de 300 exemplares, mais 40 em papel especial.
Os três mal-amados. Rio de Janeiro: Revista do Brasil, nº 56, dezembro de 1943. p.
64-71.
O engenheiro. Rio de Janeiro: Amigos da Poesia, 1945. 55 p.
Psicologia da composição com A fábula de Anfion e Antiode. Barcelona: O Livro
Inconsútil, 1947. 55 p. Tiragem restrita, não especificada, mais 15 em papel
especial.
O cão sem plumas. Barcelona: O Livro Inconsútil, 1950. 41 p. Tiragem restrita, não
especificada.
O rio ou Relação da viagem que faz o Capibaribe de sua nascente à cidade do Recife.
São Paulo: Edição da Comissão do IV Centenário de São Paulo, 1954. [s.n.p.]
Quaderna. Lisboa: Guimarães Editores, 1960. 113 p.
Dois parlamentos. Madri: edição do autor, 1961. [s.n.p.] Tiragem de 200
exemplares.
A educação pela pedra. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1966. 111 p.
Museu de tudo. Rio de Janeiro: José Olympio, 1975. 96 p.
A escola das facas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1980. 94 p.
Auto do frade. Rio de Janeiro: José Olympio, 1984. 87 p.
Agrestes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. 160 p. Além da convencional, houve
tiragem de 500 exemplares em papel especial.
Crime na calle Relator. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987. 82 p.
Sevilha andando. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989. 84 p.
Primeiros poemas. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras da UFRJ, 1990. 46 p.
Tiragem de 500 exemplares.

Obras reunidas

Poemas reunidos. Rio de Janeiro: Orfeu, 1954. 126 p.


Duas águas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1956. 270 p. Inclui em primeira edição
Morte e vida severina, Paisagens com figuras e Uma faca só lâmina. Além da
convencional, houve tiragem de 20 exemplares em papel especial.
Terceira feira. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1961. 214 p. Inclui em primeira
edição Serial.
Poesias completas. Rio de Janeiro: Sabiá, 1968. 385 p.
Poesia completa. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1986. 452 p.
Museu de tudo e depois (1967-1987). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988. 339 p.
Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. Inclui em primeira edição
Andando Sevilha. 836 p.
Serial e antes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997. 325 p.
A educação pela pedra e depois. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997. 385 p.

50
O cão sem plumas. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007, 204 p. Inclui Pedra do sono, Os
três mal-amados, O engenheiro, Psicologia da composição e O cão sem plumas.
Morte e vida severina. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007, 176 p. Inclui O rio, Morte e
vida severina, Paisagens com figuras e Uma faca só lâmina.
A educação pela pedra. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008, 298 p. Inclui Quaderna, Dois
parlamentos, Serial e A educação pela pedra.
Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2008. 820 p.

Antologias

Poemas escolhidos. Lisboa: Portugália Editora, 1963. 273 p. Seleção de Alexandre


O’Neil.
Antologia poética. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1965. 190 p.
Morte e vida severina e outros poemas em voz alta. Rio de Janeiro: Editora do Autor,
1966. 153 p.
Literatura comentada. São Paulo: Abril Educação, 1982. 112 p. Seleção de José
Fulaneti de Nadai.
Poesia crítica. Rio de Janeiro: José Olympio, 1982. 125 p.
Melhores poemas. São Paulo: Global, 1985. 231 p. Seleção de Antonio Carlos
Secchin.
Poemas pernambucanos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira/Centro Cultural José
Mariano, 1988. 217 p.
Poemas sevilhanos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992. 219 p.
Entre o sertão e Sevilha. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997. 109 p. Seleção de Maura
Sardinha.
O artista inconfessável. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007, 200 p.

PROSA

Considerações sobre o poeta dormindo. Recife: Renovação, 1941. [s.n.p.]


Joan Miró. Barcelona: Editions de l’Oc, 1950. 51 p. Tiragem de 130 exemplares.
Com gravuras originais de Joan Miró.
Aniki Bobó. Recife: s/editor, 1958. Ilustrações de Aloisio Magalhães. [s.n.p.] Tiragem
de 30 exemplares.
O Arquivo das Índias e o Brasil. Rio de Janeiro: Ministério das Relações Exteriores,
1966. 779 p. Pesquisa histórica.
Guararapes. Recife: Secretaria de Cultura e Esportes, 1981. 11 p.
Poesia e composição. Conferência realizada na Biblioteca Municipal Mário de
Andrade, de São Paulo, em 1952. Coimbra: Fenda Edições, 1982. 18 p. Tiragem de
500 exemplares.
Idéias fixas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira/FBN; Mogi das Cruzes, SP: UMC, 1998.
151 p. Org. Félix de Athayde.
Prosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. 139 p.
Correspondência de Cabral com Bandeira e Drummond. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira/Casa de Rui Barbosa, 2001. 319 p. Org. Flora Süssekind.

51
Bibliografia selecionada sobre o autor

ATHAYDE, Félix de. A viagem (ou Itinerário intelectual que fez João Cabral de Melo
Neto do racionalismo ao materialismo dialético). Rio de Janeiro: Nova
Fronteira/Fundação Biblioteca Nacional, 2000. 111 p.
BARBIERI, Ivo. Geometria da composição. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1997. 143
p.
BARBOSA, João Alexandre. A imitação da forma: uma leitura de João Cabral de Melo
Neto. São Paulo: Duas Cidades, 1975. 229 p.
_______. João Cabral de Melo Neto. São Paulo: PubliFolha, 2001. 112 p.
BRASIL, Assis. Manuel e João. Rio de Janeiro: Imago, 1990. 270 p.
CAMPOS, Maria do Carmo, org. João Cabral em perspectiva. Porto Alegre: Editora
da UFRGS, 1995. 198 p.
CARONE, Modesto. A poética do silêncio. São Paulo: Perspectiva, 1979. 128 p.
CASTELLO, José. João Cabral de Melo Neto: o homem sem alma & Diário de tudo.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. 269 p.
COUTINHO, Edilberto. Cabral no Recife e na memória. Recife: Suplemento Cultural
do Diário Oficial, 1997. 33 p.
CRESPO, Angel, e GOMEZ Bedate, Pilar. Realidad y forma en la poesía de Cabral de
Melo. Madri: Revista de Cultura Brasileña, 1964. 69 p.
ESCOREL, Lauro. A pedra e o rio. 2ª ed. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de
Letras, 2001, 141 p.
GONÇALVES, Aguinaldo. Transição e permanência. Miró/João Cabral: da tela ao
texto. São Paulo: Iluminuras, 1989. 183 p.
LIMA, Luiz Costa. Lira e antilira – Mário, Drummond, Cabral. 2ª ed. Rio de Janeiro:
Topbooks, 1995. 335 p.
LOBO, Danilo. O poema e o quadro: o picturalismo na obra de João Cabral de Melo
Neto. Brasília: Thesaurus, 1981. 157 p.
LUCAS, Fábio. O poeta e a mídia. Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de
Melo Neto. São Paulo: Senac, 2003. 143 p.
MAMEDE, Zila. Civil geometria. Bibliografia crítica, analítica e anotada de João Cabral
de Melo Neto. São Paulo: Livraria Nobel/Edusp, 1987. 524 p.
MARTELO, Rosa Maria. Estrutura e transposição. Porto: Fundação Eng. António de
Almeida, 1989. 138 p.
NUNES, Benedito. João Cabral: a máquina do poema. Brasília: Editora Universidade
de Brasília, 2007. 173 p.
_______. João Cabral de Melo Neto. Petrópolis: Vozes, 1971. 217 p.
PEIXOTO, Marta. Poesia com coisas: uma leitura de João Cabral de Melo Neto. São
Paulo: Perspectiva, 1983. 215 p.
PEIXOTO, Níobe Abreu. João Cabral e o poema dramático: Auto do frade, poema
para vozes. São Paulo: Annablume/Fapesp, 2001. 150 p.
SAMPAIO, Maria Lúcia Pinheiro. Processos retóricos na obra de João Cabral de Melo
Neto. São Paulo: Hucitec, 1980. 168 p.
SECCHIN, Antonio Carlos. João Cabral: a poesia do menos e outros ensaios
cabralinos. 2ª ed., rev. e ampliada. Rio de Janeiro/São Paulo:
Topbooks/Universidade de Mogi das Cruzes, 1999. 333 p.

52
SENNA, Marta de. João Cabral: tempo e memória. Rio de Janeiro: Antares, 1980.
209 p.
SOARES, Angélica Maria Santos. O poema: construção às avessas: uma leitura de
João Cabral de Melo Neto. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1978. 86 p.
SOUZA, Helton Gonçalves de. A poesia crítica de João Cabral de Melo Neto. São
Paulo: Annablume, 1999. 220 p.
_______. Dialogramas concretos. Uma leitura comparativa das poéticas de João
Cabral de Melo Neto e Augusto de Campos. São Paulo: Annablume, 2004. 276 p.
VÁRIOS. The Rigors of Necessity. Oklahoma: World Literature Today, The University
of Oklahoma, 1992. p. 559-678.
VÁRIOS. Dossiê João Cabral. Revista Range Rede, nº 0. Rio de Janeiro: Grupo de
Estudos Literários Palavra Palavra, 1995. 80 p.
VÁRIOS. João Cabral de Melo Neto. Cadernos de Literatura nº 1. Rio de Janeiro:
Instituto Moreira Salles, 1996. 131 p.
VÁRIOS. Paisagem tipográfica. Homenagem a João Cabral de Melo Neto. Lisboa:
Colóquio/Letras 157/158, julho-dezembro de 2000. 462 p.
VERNIERI, Susana. O Capibaribe de João Cabral em O cão sem plumas e O rio:
Duas águas?. São Paulo: Annablume, 1999. 195 p.
TAVARES, Maria Andresen de Sousa. Poesia e pensamento. Wallace Stevens, Francis
Ponge, João Cabral de Melo Neto. Lisboa: Caminho, 2001. 383 p.
TENÓRIO, Waldecy. A bailadora andaluza: a explosão do sagrado na poesia de João
Cabral. São Paulo: Ateliê Editorial, 1996. 178 p.

53
João Cabral de Melo Neto nasceu no Recife, em 1920. Depois de viver os primeiros
anos no engenho da família, voltou à capital ainda jovem e, ao completar 20 anos,
mudou-se para o Rio de Janeiro. Em 1942, publicou seu primeiro livro, Pedra do
sono. Em 1950, lançou O cão sem plumas, considerado hoje um marco em sua
poesia. Nos anos seguintes, publicou outras obras significativas, como O rio e Morte
e vida severina, que o consagraram definitivamente. Diplomata, residiu em vários
países, sobretudo na Espanha, nas cidades de Sevilha e Barcelona, que se tornariam
tema frequente em sua poesia. Recebeu uma série de prêmios importantes, como o
Camões, o Neustadt International e o Rainha Sofia, e foi cogitado para receber o
Prêmio Nobel. Faleceu em 1999.

54
Sumário

Capa
Folha de Rosto
Créditos
Dedicatória
Epígrafe
Na cela
Na porta da cadeia
Da cadeia à Igreja do Terço
No adro do Terço
Da Igreja do Terço ao Forte
Na praça do Forte
No pátio do Carmo
Cronologia
Bibliografia do autor
Bibliografia selecionada sobre o autor
Sobre o Autor

55

Você também pode gostar

pFad - Phonifier reborn

Pfad - The Proxy pFad of © 2024 Garber Painting. All rights reserved.

Note: This service is not intended for secure transactions such as banking, social media, email, or purchasing. Use at your own risk. We assume no liability whatsoever for broken pages.


Alternative Proxies:

Alternative Proxy

pFad Proxy

pFad v3 Proxy

pFad v4 Proxy