A Clinica Do Corpo Sem Orgãos
A Clinica Do Corpo Sem Orgãos
A Clinica Do Corpo Sem Orgãos
Esquizodrama
The Clinic of the Body without Organs: Schizoanalysis and
v.25 n.44 Schizodrama
Jul/dez 2020
e-ISSN: 2179-8001
Resumo
O objetivo deste artigo é investigar o conceito de Corpo sem Órgãos (CsO),
para discutir possíveis contribuições para a clínica em esquizoanálise e no es-
quizodrama. Como método, revisamos toda a obra de Deleuze e Guattari para
conhecer como o conceito é tratado na esquizoanálise. Cartografamos as di-
versas concepções sobre o CsO ao longo de sua obra. Elaboramos um esque-
ma para pensar como podemos operacionalizar a dinâmica entre os quatro cor-
pos (CsO, Corpo Cheio, Corpo Esvaziado e Corpo Canceroso) no campo da clínica.
Palavras-chave
Esquizoanálise. Esquizodrama. Clínica. Deleuze. Guattari.
Abstract
The aim of this article is to investigate the concept of Body without Or-
gans (BwO), to discuss some contributions to the clinic in schizoanalysis and
schizodrama. As a method, we reviewed the entire work of Deleuze and Guat-
tari to know how the concept is treated in schizoanalysis. We mapped the di-
fferent conceptions about BwO throughout their work. We elaborated a sche-
me to think about how we can operationalize the dynamics between the four
bodies (BwO, Full Body, Empty Body and Cancer Body) in the field of the clinic.
Keywords
Schizoanalysis. Schizodrama. Clinic. Deleuze. Guattari.
DOI: https://doi.org/10.22456/2179-8001.110078
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1- Neste artigo, por questões didáticas, continuaremos a utilizar a grafia tradicional de ‘clínica’, mas com a
concepção de Baremblitt de klínica, de um espaço de encontro e produção de desvios.
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CsO: definições
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O conceito de CsO é retratado de formas distintas na obra de Deleuze e Guattari.
É trabalhado primeiramente na Lógica do Sentido (DELEUZE, 1969). Recebe um desen-
volvimento no Anti-Édipo (DELEUZE; GUATTARI, 1972), mas posteriormente assume
sua ‘forma final’, e mais ‘popularizada’ nos Mil Platôs (DELEUZE; GUATTARI, 1980c), a
qual também é retomada em Francis Bacon - Lógica da sensação (DELEUZE, 1981a).
Vale destacar que o conceito também é citado em outras obras de Deleuze e Guattari.
No Brasil, o CsO é tratado em dezenas de trabalhos nas mais distintas áreas, como
na Filosofia (RAMACCIOTTI, 2012; SCHÖPKE, 2017), Psicologia (RESENDE, 2008; RAN-
GEL, 2019), Medicina (TEIXEIRA, 2004), Educação (MOSSI; OLIVEIRA, 2015), Literatura
(SANDRINI, 2017), Artes cênicas (CAETANO, 2012; MAOILEARCA, 2019), Dança (BOM-
-TEMPO; SALMIN, 2018), Arquitetura (RODRIGUES, 2012), Educação ambiental (GAU-
THIER, 2013) etc. De forma geral estes trabalhos tratam da desterritorialização, rein-
venção e redefinição dos processos em seus distintos campos, proporcionando uma
discussão em que o conceito de CsO agencia e inspira suas reflexões e fazeres.
O CsO é um conceito que está na interface entre a arte e a clínica. Deleuze e Guat-
tari, em seus escritos, têm o hábito de citar autores da Literatura, da Arte, como forma
de figurar e devir os seus conceitos e reflexões. Inclusive alguns dos seus conceitos
recebem até maior inspiração da Arte do que da Ciência, ou da Filosofia. A famosa pro-
posição de sociedade de controle (DELEUZE, 1992) é, por exemplo, mais tributária da
Literatura. Para sua constituição, Deleuze discute as alterações no trabalho, das má-
quinas técnicas, na história da filosofia, a transição de elementos na química (do carbo-
no ao silício), mas só se convence da mudança a um novo diagrama social, ao ler sobre
essa maquinaria de controle num artigo do escritor beatnik, marginal, drogado, queer,
William Burroughs (DELEUZE, 1986a; HUR, 2018a).
Para desenvolver o conceito de CsO, Deleuze e Guattari se referenciam na obra do
artista e diretor de teatro Antonin Artaud, mais especificamente na emissão radiofônica
“Para acabar com o juízo de Deus”. Nela Artaud, bem como em toda sua obra, faz uma
ácida crítica à moral, América, dinheiro, Deus. Artaud costuma denunciar os grandes
estratos que bloqueiam os movimentos, as forças, ao que chama de caca. Flávia Soares
(2018), em sua dissertação de mestrado “O corpo anárquico na obra de Antonin Ar-
taud: [des]encarceramento e crueldade na sociedade contemporânea”, identifica estes
estratos bloqueadores nos escritos de Artaud como a consciência, a alma e o organis-
mo. Estratos que encarceram o corpo, que diminuem a potência da vida. Então, Artaud,
com seu CsO, não combate o corpo, tampouco os órgãos, mas sim o que o bloqueia: o
organismo, a organização estratificada dos objetos parciais, das máquinas-órgãos, do
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sem partes, um corpo sem órgãos, sem boca e sem ânus (...)” (DELEUZE, 1969, p. 193).
Assim há um corpo, um espaço, de indiferenciação, no qual os limites não são precisos,
com uma certa liquidez e viscosidade: “(...) o corpo sem órgãos e a especificidade líquida
estão ligados no sentido de que o princípio molhado assegura a soldadura dos pedaços
em um bloco, ainda que fosse um ‘bloco de mar’” (p. 194). Deste modo, o CsO forma
blocos de coexistência entre distintos elementos, fenômeno que dará origem posterior-
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mente ao conceito de plano de consistência, mais trabalhado nos Mil Platôs (DELEUZE;
Jul/dez 2020 GUATTARI, 1980e).
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No Anti-Édipo (DELEUZE; GUATTARI, 1972), constata-se uma acepção um pouco
distinta sobre o CsO, que pode trazer certa confusão ao leitor. O CsO é tratado por dois
termos distintos: Corpo sem Órgãos e Corpo pleno sem Órgãos. Estes termos discrimi-
nam processos distintos, mas que às vezes são utilizados como sinônimos pelos pró-
prios autores. Então, em diferentes passagens, pergunta-se qual seria o CsO de uma
sociedade, bem como se afirma que ela tem um corpo pleno sem órgãos. No início da
obra os autores defendem que: “O corpo pleno sem órgãos é o improdutivo, o estéril,
o inengendrado, o inconsumível” (DELEUZE; GUATTARI, 1972, p. 20). Depois afirmam
que o CsO “reinjeta o produzir no produto” (p. 100). Consideramos que este conceito
apresenta uma dupla valência, uma bipolaridade, em que de um lado, o corpo pleno
sem órgãos é antiprodução, mas no outro, o CsO é produção. Para contrapor estes dois
processos, neste artigo, denominamos o Corpo pleno sem Órgãos, como Corpo Cheio
(CC), que é a definição que Gregorio Baremblitt (1998) adota.
Dessa forma, quando Deleuze e Guattari (1972) se questionam sobre qual é o CsO
de determinada formação social, entendemos que eles perguntam qual é o seu CC. Por-
tanto, no capítulo Selvagens, Bárbaros e Civilizados, compreendemos que eles estão
cartografando qual é o CC de cada formação investigada: a máquina territorial primiti-
va, a formação imperial-despótica, e a máquina capitalista civilizada, ou seja, refletin-
do sobre seus diagramas de forças constituídos. Consideramos que, posteriormente, a
ideia de CC é traduzida por Deleuze (1986a, 1986b) para a noção de diagrama, conceito
criado por Michel Foucault. A utilização desse novo conceito inclusive o faz abdicar da
proposição de uma História Universal, para conjecturar a transição entre distintos e di-
versos diagramas de forças indefinidamente (DELEUZE, 1986a), não havendo História
Universal e tampouco Fim da história.
Nos Mil Platôs, o CsO não é mais associado com o improdutivo, ou a antiprodu-
ção, mas sim como uma prática, uma produção. “O corpo sem órgãos não é um corpo
morto, mas um corpo vivo, e tão vivo e tão fervilhante que ele expulsou o organismo
e sua organização” (DELEUZE; GUATTARI, 1980a, p. 43). O CsO traz um processo fla-
mejante, produtivo, “que não pára de desfazer o organismo, de fazer passar e circular
partículas a-significantes, intensidades puras, e não pára de atribuir-se os sujeitos
aos quais não deixa senão um nome como rastro de uma intensidade” (DELEUZE;
GUATTARI, 1980a, p. 12).
No platô específico sobre o CsO, Deleuze e Guattari (1980c) adotam uma narrati-
va um tanto insólita para se iniciar um texto filosófico, acadêmico. Partem de um pro-
grama masoquista repleto de chicotadas, costuras, agulhas, em que se visibiliza um
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e atualizado num indivíduo, esse CC faz com que continuamente queira ser alvo de re-
conhecimento, ser legitimado, amado pelos outros, sempre absorvendo, mas muitas
vezes não dando nada em troca, pois os vetores de forças são apenas centrípetos. As
figuras ‘roliças’ pintadas e esculpidas por Fernando Botero são a expressão pictórica do
CC na atualidade. Não são pessoas gordas, senão enrijecidas, como se tudo girasse em
torno do seu corpo e não houvesse nada para mirar no ‘externo’ (HUR, 2018b).
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Contudo, não são produzidos apenas corpos cheios, mas também corpos esvazia-
Jul/dez 2020 dos. Há a tentativa de produção de um corpo sem órgãos, mas que ficou apenas na sua
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primeira etapa: da desterritorialização e esvaziamento do corpo. Nesse caso faltou a
prudência, não se preencheu esse corpo, não se fez passar as forças de preenchimento
e propagação, atração e repulsão, na produção de uma máquina miraculante. Fabri-
cou-se um programa de rechaço de tudo que é externo, com o máximo de porosidade
para as forças centrífugas e o máximo de bloqueio para as forças centrípetas. Consti-
tui-se um claustro em que se pretende um esvaziamento radical das intensidades. Uma
política da recusa ao que pode abalar seu corpo. “Criar um deserto inabitável e vazio.
Linha de fuga auto-abolicionista, autodestruição. Grau de afecção zero que gradativa-
mente leva ao esgotamento da vida” (HUR, 2018b). Tal funcionamento pode ser visto,
por exemplo, nos corpos bulímico e anoréxico.
Já o corpo canceroso é o ápice da deterioração proveniente seja do CC ou do cor-
po esvaziado. Na intensificação do processo de inchaço e enclausuramento do CC, ou
de autoabolicionismo de um corpo esvaziado, “uma célula torna-se cancerosa, louca,
prolifera e perde sua figura, apodera-se de tudo” (DELEUZE; GUATTARI, 1980c, p. 26).
Ela, em conjunção com outras, pode promover processos de bloqueio da circulação dos
fluxos, ou mesmo uma autoasfixia do corpo em si, um ataque às outras células e mo-
léculas. Nos Mil Platôs não há uma teorização extensa do que é esse corpo cancero-
so, apenas alguns traços. Deleuze e Guattari (1980c) também estipulam uma relação
desse quantum de bloqueio e destrutividade com o fascismo, que é uma máquina de
guerra que toma a própria guerra como tarefa final e traça uma linha de fuga autoabo-
licionista, constituindo um Estado e vida suicidários.
Conjecturamos que o corpo canceroso atualiza as forças reativas e de ressenti-
mento, características do niilismo. Ressentimento, má-consciência, vontade de nada e
abolição da vida, em seu limite autoabolição (DELEUZE, 1962). Funcionamento reativo
que se atualiza nas condutas destrutivas e de autoimolação na atualidade, ódio, exter-
mínio e genocídio da diferença, vontade de abolição de si próprio.
CC, corpo esvaziado, corpo canceroso. Constata-se que são três modalidades cor-
porais que podem empobrecer e despotencializar os indivíduos e coletivos. Por isso
que devem ser criados dispositivos que possam transmutar esses corpos no caminho
da produção de um CsO, intensivo, dionisíaco e orgiástico. Corpos que sejam ocupados
por forças ativas de vida. Potencializados e não autointoxicados, enclausurados. Pois:
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como intensidades, pelos quais o corpo pode ‘escapar’, tal como retratado nos quadros
de Francis Bacon. Nessa conexão e transmutação entre estrato e fluxos, a máquina é
sempre máquina da máquina (DELEUZE; GUATTARI, 1975).
Caso não haja a constituição dessa zona paradoxal, corre-se o risco que a criação
do CsO, de produção, reverta-se em antiprodução. Na medida em que se traça a linha
de fuga de forma muito intensa, se o corpo desterritorializado não é preenchido por
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intensidades, essa linha pode se converter numa linha autoabolicionista que esvazia
Jul/dez 2020 esse corpo, levando a um processo de desintensificação radical. Nesse esquema, o ve-
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tor deixa o quadrante superior esquerdo e se desloca rapidamente para o quadrante
superior direito. Da plenitude do CsO, decorre-se o corpo esvaziado e que aos poucos
pode se esvanecer. O corpo anoréxico, o corpo poroso, ou o corpo drogado. Por exemplo,
as drogas, ao invés de produzir um CsO intensivo, “erigem um corpo vazio ou vitrificado,
ou um corpo canceroso: a linha causal, a linha criadora ou de fuga, vira imediatamente
linha de morte e de abolição” (DELEUZE; GUATTARI, 1980d, p. 80).
Nos quadrantes inferiores temos a conformação do corpo característico de nossa
sociedade contemporânea, o CC. Se não está muito estratificado com um alto coeficien-
te de territorialização pode produzir linhas de flexibilização e quem sabe, até de des-
territorialização, mantendo-se com um potencial de produção cognitiva/afetiva, cons-
tituindo linhas de segmentarização, estratos. Situa-se no quadrante inferior esquerdo.
Contudo, se o coeficiente de territorialização se eleva, há uma tendência que a segmen-
tarização dê lugar aos processos de antiprodução, havendo um rápido giro ao quadran-
te inferior direito. O CC tende a inchar e se fechar cada vez mais, entrando em regime de
paranoia e oposição aos outros corpos. Há uma hiperterritorialização em seu próprio
corpo, seja ao Eu, em regimes de códigos, as crenças religiosas, valores conservadores,
a ideologia. Ocorre um recrudescimento da lógica do Eu, uma reterritorialização no ego,
ou seja, um processo de erotização do Eu, que podemos chamar de egotização, isto é,
os investimentos desejantes direcionados de forma centrípeta ao Eu. A egotização é um
processo socialmente perigoso, pois com o recentramento e estratificação do Eu, pode
fomentar processos de ruptura do laço social. Nesse sentido, a rigidez e a estratificação
podem ser tamanhas, que o CC pode se calcificar e se despedaçar. Pode produzir corpos
despedaçados no espaço social. Como exemplos vemos a intensificação do isolamento
social, as práticas de individualismo, do fenômeno standby, a apatia social, a não sen-
sibilidade com o Outro, e no seu limite, o ódio ao outro. E muitas vezes a clínica tradi-
cional realiza esse fortalecimento desmedido do Eu, principalmente em tempos de crise
psicossocial, desconhecendo, ou ignorando, os percalços que com isso pode causar.
Consideramos que a intensificação das linhas abolicionista e autoabolicionista,
que produzem respectivamente o CC e o corpo esvaziado resultam no esmirilhamento
desses corpos. Tal precarização resulta numa outra modalidade: o corpo canceroso.
Nesse sentido o corpo canceroso pode decorrer tanto de processos intensos de dester-
ritorialização, bem como de hiperterritorialização. Ambos podem levar a pulverização
desses corpos, seja por uma linha suicida, ou uma extremamente destrutiva. Corpos
e órgãos que se fecham ou se abrem desmesuradamente, que atacam os outros ór-
gãos, ou a si próprios. Há assim modalidades de precarização coletiva, no ataque e
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depreciação ao outro, tal como podemos ver claramente nesse período de extremismos
políticos (HUR; SABUCEDO, 2020). Os neofascismos e microfascismos podem ser vistos
como o sintoma do mal-estar da sociedade contemporânea, que do alto esvaziamento,
ou inchaço, produziu corpos cancerosos que estão mortificando o corpo coletivo social,
e inclusive planetário-ambiental. Dessa forma, os vetores de crise social podem con-
tribuir para o aumento da produção do CC, do corpo esvaziado e do corpo canceroso,
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propiciando uma necropolítica generalizada.
Jul/dez 2020 A clínica esquizoanalítica e esquizodramática deve operar de modo com que seus
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vetores de intervenção estejam direcionados para a esquerda desse esquema, numa
produção de um CsO que conjugue processos de desterritorialização e reterritorializa-
ção. Deve adotar a compreensão dos riscos dos efeitos da desterritorialização radical,
bem como de hiperterritorializações intensivas, mesmo que paradoxalmente os pro-
cessos de desterritorialização e reterritorialização sejam seus principais instrumentos
de intervenção. Portanto, deve evitar ao máximo que os processos eliciados na clínica
permaneçam nos quadrantes à direita.
Esse esquema deve ser visualizado não como pontos estanques e estáticos, mas
na dinâmica de seus platôs de vibração. Porque sempre estamos em zonas de vibração,
de agitação, em variação contínua. O corpo é um campo de intensidades e o ritmo, a vi-
bração, é um vetor de sensação, “que faz passar de um nível a outro” (DELEUZE, 1981a,
p. 37). Muitas vezes o corpo está obstruído por suas estratificações, por seu organismo.
Num momento pode-se estar na vibração da produção de um CsO, mas logo pode-se
vibrar centripetamente como um CC. Devemos captar as vibrações das moléculas, as
circulações de forças, pois são elas que modulam toda a jornada, o que sentimos, ire-
mos fazer e falar. Destaca-se também que o que falamos, ou a mera compreensão de
como vibramos, são condições necessárias, mas não suficientes para conseguir nos
levar a novos platôs de intensidade, a novos processos de reinvenção social e estética.
Deste modo deve-se criar e manejar dispositivos clínico-políticos de intervenção
que possam fomentar esse movimento à esquerda do esquema, no sentido da pro-
dução de um CsO, e de fuga do buraco negro do CC, da despotencialização do corpo
esvaziado, ou da (auto)destruição do corpo canceroso.
Considerações finais
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em sua propagação, decorrendo, seja num CsO intensivo, um corpo cheio, um corpo
esvaziado, um corpo canceroso.
Na clínica esquizoanalítica e esquizodramática devemos buscar e inventar má-
quinas para fabricar o CsO, pois “máquinas abstractas o cuerpos sin órganos, eso es
el deseo” (DELEUZE; PARNET, 1977, p. 119). E o esquizodrama é o conjunto de mui-
tas máquinas de produção do CsO, com diversos níveis, ou platôs, de intensidades
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e vibração. Seu método sempre é e será clínico-político, pois ao mesmo tempo em
Jul/dez 2020 que se debruça na agitação das moléculas no âmbito psíquico e desejante, analisa
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e intervém nos vetores de forças. Sua intervenção culmina irremediavelmente nas
alterações das relações de poder, seja de um coletivo em relação ao social, ou mesmo
de um indivíduo consigo próprio.
Então, figuramos num esquema a dinâmica que se dá entre as distintas li-
nhas e tipos de corpos para a produção de um CsO. Consideramos que com essa
figura, são visibilizados vetores direcionais que podem contribuir como uma ‘bús-
sola’ para a prática clínica, na qual possivelmente influenciem diretamente no
modo de condução dos processos clínicos, bem como a escolha e operacionaliza-
ção de dispositivos de intervenção.
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