Gilmar Wiercinski - Dissertação
Gilmar Wiercinski - Dissertação
Gilmar Wiercinski - Dissertação
SUL – UNIJUÍ
GILMAR WIERCINSKI
Ijuí (RS)
2016
2
GILMAR WIERCINSKI
Ijuí (RS)
2016
3
Catalogação na Publicação
Zeneida Britto
CRB10/1374
4
de
Gilmar Wiercinski
Como requisito parcial para a obtenção do título de mestre em Educação nas Ciências
Comissão Examinadora:
AGRADECIMENTOS
Aos professores Sidinei Pithan da Silva e Suraya Cristina Darido, por aceitarem
participar da defesa da Dissertação, contribuindo de forma significativa com o trabalho.
RESUMO
No campo acadêmico e profissional da Educação Física, desde o início da década de 80 do século 20,
tem-se produzido, em diferentes perspectivas e com objetivos diversos, distintas proposições. Uma
dessas perspectivas foi a do movimento renovador crítico que se propôs a transformar a Educação
Física escolar, entendida até então como atividade pedagógica, em um componente curricular. Nesse
contexto, enquanto professor de Educação Física, reconheço em mim a influência desse movimento
teórico, tanto na forma de conceber quanto na de realizar minha prática pedagógica. Sinto-me
integrante ativo desse movimento, por isso apresento este trabalho, que tem como objetivo
sistematizar um diálogo entre minha prática pedagógica e a discussão teórica da Educação e da
Educação Física, particularmente no que se refere à produção do currículo. Este estudo sistematizou a
minha experiência profissional de 13 anos de docência na Educação Física escolar, com um recorte
descritivo do trabalho realizado nos últimos 8 anos em uma escola pública estadual do município de
Ijuí (RS). Trata-se de um estudo em que o objeto pesquisado é a prática curricular do próprio
pesquisador. O trabalho foi organizado em quatro capítulos. Inicialmente, as escolhas metodológicas
que sustentaram o desenvolvimento do trabalho. O movimento analítico do conjunto da dissertação e a
forma que foram elaborados os três Capítulos seguintes, tratam, respectivamente: a) da sistematização
da prática curricular, b) da imersão teórica e c) do diálogo entre essas dimensões. Tendo, então, como
metodologia a autoarqueologia, descrevo a prática curricular e pedagógica a partir da experiência do
meu trabalho com a Educação Física escolar. Este estudo foi um processo de interpretação da prática
curricular com base nos meus vestígios materiais gerados em todos esses anos de trabalho, distribuídos
na escola e nos arquivos como pesquisador. A organização dos materiais (vestígios) desenterrados
permitiu mostrar um pouco do trabalho, o diálogo com o contexto e sua transformação no tempo. Na
sequência sistematizei sobre a prática curricular em um conjunto de autores presente no debate
contemporâneo acerca da Educação escolar e da Educação Física. O foco é o currículo e suas
proposições teóricas, principalmente no campo da Educação Física. Por fim, estabeleço um diálogo
entre a prática pedagógica que desenvolvi e o que apresentam autores da Educação e da Educação
Física sobre a prática curricular. A partir de critérios produzidos na pesquisa teórica do terceiro
Capítulo, tensiono a prática textualizada no segundo Capítulo, assim como busco tensionar, com base
nessa experiência, as propostas curriculares para a Educação Física escolar. Para realizar esse
escrutínio de mão dupla, formulo e respondo perguntas sobre convergências e divergências entre a
minha prática curricular e o que é proposto no campo da Educação Física escolar. Nas convergências
destaco: a) a tematização da diversidade das manifestações da cultura corporal de movimento; b) a
proposição de uma sequência/progressão de conteúdos; e c) as diversas formas de ensinar mobilizadas
no desenvolvimento das diferentes Unidades Didáticas trabalhadas no período de 2006 a 2013. Nas
divergências, tendo a teoria como referência para tensionar a prática curricular, ficaram em evidência
inconsistências: a) na articulação entre o discurso legitimador da Educação escolar que enunciava e o
papel defendido para a Educação Física no Ensino Fundamental; b) entre as práticas avaliativas
efetivadas na prática e o papel que o olhar sobre as aprendizagens deveria ter nesse processo. Ainda
nas divergências, mas, desde uma perspectiva inversa, tomando os conhecimentos profissionais como
referência para interpelar as proposições teóricas, destaquei que: a) é imprescindível trabalhar em
longo prazo para poder fazer constatações e correções de percurso; b) a proposta que desenvolvi para
essa escola não poderia ser imaginada/projetada em termos semelhantes antes de realizá-la; e c) é
necessário desenvolver as propostas a partir da proximidade com a realidade escolar e o próprio
professor. Para finalizar, apresento algumas mudanças a partir da minha experiência profissional. A
primeira se refere à organização da proposta curricular, a segunda é sobre o planejamento do
componente curricular, e a terceira aponta para o material didático que serviu de apoio durante as
aulas.
Palavras-chave: Educação Física escolar. Autoarqueologia. Currículo da Educação Física. Prática
pedagógica
8
ABSTRACT
In the academic and professional area of Physical Education, since the beginning of 80’s, in the 20th
century, it has been produced, in different perspectives and with several mains, distinct propositions.
One of these perspectives was the critical renewal movement, which proposes change the School
Physical Education, understood until this moment as pedagogical activity in a curricular component.
In this context, as a Physical Education teacher, I recognize, at me, the influence of this theoretical
movement, as in the way to conceive as in the way to do my pedagogical practice. I feel like active
integrant of this movement, so, I present this work, which aims to systematize a dialogue between my
pedagogical practice and the theoretical discussion of Education and the Physical Education,
particularly in what refers to curriculum production. This study systematized my professional
experience of thirteen years as docent in School Physical Education, with a descriptive cutting of the
work done in the last eight years in a public state school in Ijuí town, state of Rio Grande do Sul (RS).
It is a study that the research object is the curricular practice of the own researcher. The work is
organized in four chapters. Firstly, it will approach the methodological choices that sustained the
development of this work. The analytical movement of the whole Dissertation and the way the three
following chapters are organized, approach, respectively: a) a systematization of curricular practice, b)
a theoretical immersion and c) a dialogue between this dimensions. So, taking as methodology the
auto archeology, I describe the curricular and pedagogical practice by the experience of my work with
School Physical Education. It was approached an interpretation process of the curricular practice based
on materials trace generated in all these years of work distributed at school and in the researcher’s
files. The organization of the discovered materials (trace) allowed us to show a little about the work,
the dialogue with the context and its transformation at time. In the sequence, I systematize the authors
present in the contemporary debate in terms of the school education and the Physical Education about
the curricular practice. The main focus is in the curriculum and its theoretical propositions in the area
of Physical Education. Lastly, I establish a dialogue between my pedagogical practice and what
present the authors of Education and Physical Education about the curricular practice. By the criteria
produced on the theoretical research of the Third Chapter, I put in tension the contextualized practice
of the Second Chapter, aswell as I intend to put in tension, by this experience, the curricular proposes
for School Physical Education. For that, I do and answer questions about convergences and
divergences between my curricular practice and what is proposed in the field of School Physical
Education. In the convergences, I highlight: a) the diversity theme of the movement body’s culture
manifestations; b) the proposition of a sequence/progression of contents; c) the several forms to teach
mobilized in the develop of the different Didacticism Units worked since 2006 to 2013. In the
divergences, taking the theory as reference to put in tension the curricular practice, are in evidence the
following inconsistences: a) the articulation between the legitimate discourse of the School Education
that enunciated the role defended for the Physical Education in Elementary School; b) between the
assessment practice and the look about the learning. Yet, in the divergences, but, in a inverse
perspective, taking the professional knowledge as reference to apostrophize the theoretical
propositions, I highlighted that: a) it is indispensable to work in a long time to make findings and
correct the way; b) the purpose that I develop for this school couldn’t be imagined in a similar way
before to do it; c)it is necessary to develop the proposes nearly with the scholar reality and the reality
of the teacher. At the end, I present some changes by my professional experience. The first, refers to
the organization of curricular propose, the second, is about the planning of the curricular component,
and the third points to the didactical material that served as support during my classes.
Keywords: School Physical Education. Auto archeology. Physical Education Curriculum. Pedagogical
practice
9
LISTA DE FIGURAS
Figura 10 – Caderno do aluno com os temas estruturadores para os quatro Anos Finais do
Ensino Fundamental ................................................................................................................ 49
Figura 13 – Unidades Didáticas desenvolvidas nos oito anos de 5ª série/6º ano a 8ª série/9º
ano ........................................................................................................................................................ 54
Figura 15 – Desenho feito por uma aluna na capa da apostila de esporte de invasão – futebol
sete .......................................................................................................................................... 60
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 14
INTRODUÇÃO
A prática curricular e pedagógica da Educação Física escolar tem sido, nos últimos
tempos, tema de muitos trabalhos de pesquisa. Desde o início da década de 80 tivemos um
número elevado de produções acadêmicas, orientadas por diversas perspectivas, que
propuseram mudanças para a área da Educação Física escolar. De acordo com Darido (2003),
algumas destas perspectivas tinham/têm um enfoque mais psicológico (psicomotricista,
desenvolvimentista, construtivista e jogos cooperativos), outras mais sociológico e político
(crítico-superadora, crítico-emancipatória, cultural, sistêmica e baseada nos PCNs), mas
também com ênfase no biológico (saúde renovada).
décadas. Assumo, assim, o lugar de um sujeito desafiado a pensar a sua prática curricular e
pedagógica e, a partir desta, capaz de interpelar as propostas críticas sobre a pertinência de
suas proposições para este componente curricular.
Esse diálogo entre teoria e prática mantém a esperança de um “casamento feliz”; por
isso não faço esse movimento sozinho, mas caminho junto com o coletivo da área.
CAPÍTULO 1
ESCOLHAS METODOLÓGICAS
O propósito deste trabalho foi textualizar um diálogo entre minha prática pedagógica e
a produção teórica da educação e da Educação Física, particularmente no que se refere à
produção do currículo. Para isso, pensei meu trabalho em três etapas ou movimentos.
1.1 Autoarqueologia
É consenso que o professor que reflete sobre o seu trabalho pode melhorar sua
intervenção pedagógica. Esse olhar para dentro de si revela a necessidade de busca pelo
entendimento sobre como acontece o processo educativo na relação consigo mesmo e com o
outro. “O profissional competente possui capacidades de autodesenvolvimento reflexivo”
(NÓVOA, 1992, p. 27).
Movido por essa questão, fiz um mapeamento sobre as metodologias de pesquisa que
têm como sujeito da investigação o próprio pesquisador. Nesse movimento, encontrei a
autobiografia e a autoetnografia como possíveis desenhos teórico-metodológicos que
poderiam auxiliar neste processo.
Os estudos autoetnográficos, por seu lado, podem variar em sua ênfase de uma
investigação para outra. Conforme Chang (2008 apud LOPES, 2012, p. 101), eles assumem
uma vertente mais descritiva (grafia), expondo um contexto de prática compartilhado em um
grupo social (ethos), considerando os sentidos pessoais (auto) envolvidos em uma cultura
passível de análise e interpretação. Segundo o mesmo autor, o investigador é o próprio sujeito
que perfaz a ação. Neste sentido, podemos citar o trabalho realizado por Bossle e Molina
(2009); no “Olho do furacão: uma autoetnografia em uma escola da rede municipal de ensino
de Porto Alegre”, os autores destacam a importância da realização de uma autoetnografia para
a compreensão das práticas educativas a partir do reconhecimento dos sentimentos e das
emoções do próprio sujeito que pesquisa.
Neste sentido, procurei construir uma forma metodológica capaz de descrever, revisar
e reconstruir uma prática curricular a partir de outros pressupostos, algo próximo da
arqueologia, neste caso de uma autoarqueologia. Vamos, porém, por partes.
1
Refiro-me, em especial, às entrevistas concedidas a colegas professores e acadêmicos do curso de Educação
Física nos diversos trabalhos de pesquisa realizados, em que discorri sobre minha prática curricular e
pedagógica (CARLAN, 2012; FENSTERSEIFER; SILVA, 2011; NASCIMENTO; FENSTERSEIFER;
GONZÁLEZ, 2009; GONZÁLEZ, 2006).
20
A relação entre o que pesquisei (minha prática) e a minha ligação com seus vestígios,
aproximam-se ainda mais da arqueologia se considerarmos Funari (1988), quando fala sobre o
deslocamento de unidades arqueológicas (estudo sobre as coisas) para unidades sociológicas
(estudo da relação entre as coisas). Nesta perspectiva, amplia-se o entendimento sobre
arqueologia:
O sítio arqueológico passa a ser, nessa perspectiva, uma fazenda agrícola escravista,
uma casa camponesa, uma olaria cerâmica, ou seja, uma unidade funcional dentro de
uma rede de relações significativas entre as unidades. Apenas através do sistema de
assentamento, da dinâmica de relações entre olarias, fazendas, cidades etc., pode-se
entender, além de sua função, o porquê da sua localização e como se inter-relaciona
com os outros artefatos. Esta passagem do contexto arqueológico para o contexto
cultural, no entanto, depende de uma postura metodológica por parte do arqueólogo,
não apenas quanto aos seus objetivos, mas também quanto ao caráter específico da
sociedade que ele procura atingir com seu estudo (FUNARI, 1988, p. 27).
A partir desta citação podemos fazer uma analogia deste modo de pesquisa com a
investigação sobre a minha prática pedagógica. Dentro da organização curricular, esta prática
apoia-se nas diversas Unidades Didáticas (UDs) da Educação Física e suas inter-relações.
A execução destas Unidades Didáticas se entrelaça ao contexto em que ela está sendo
trabalhada e tenta alcançar os objetivos propostos no componente curricular da Educação
Física. Apresento como exemplo a Unidade Didática (UD) de Ginástica: Exercício Físico,
uma das Unidades descrita neste trabalho. Esta Unidade teve como culminância uma visita a
uma academia de ginástica como forma de conhecer programas de exercícios que são
oferecidos por estas instituições não escolares. Este fato ilustra o contexto para além da
escola, desde a localização da academia, quem frequenta, as condições de participação e,
principalmente, a relação de aprendizagem que se estabelece a partir das aulas de Educação
Física escolar e uma academia de ginástica.
Esta mesma prática pedagógica está atravessada por um contexto macrocurricular, por
elementos e vestígios que não se encontram em papéis, mas nem por isso deixam de fazer
parte e influenciar nesta prática; são as condições materiais, o que se tem de suporte e o que
falta para realizar cada Unidade Didática, desde as decisões de tempo com número anual de
aulas, o espaço físico para sua realização, até as temáticas das formações continuadas
específicas e de toda a escola, o regulamento externo da mantenedora e o interno da escola.
Tudo isso, de uma forma ou de outra, está vinculado aos vestígios que têm pautado minha
prática pedagógica e curricular.
21
Neste plano de reconstrução, descrevo a estratégia que escolhi para contar minha
prática curricular de 13 anos de trabalho com a Educação Física escolar. As etapas deste
trabalho observaram critérios para melhor organização e entendimento das descrições. A ideia
foi iniciar um processo de reconstrução com um relato detalhado do planejamento dos últimos
8 anos, algo estrutural e cronológico, mostrando continuidades e descontinuidades de
conteúdos de um ano para o outro a partir dos temas estruturadores (esporte, jogo motor,
ginástica, lutas, práticas corporais expressivas, práticas corporais junto a natureza e atividades
aquáticas). Esse percurso de 8 anos contemplou cinco grupos de alunos que, a cada quatro
anos, completaram a etapa dos anos finais (5ª a 8ª série).
Minha prática está representada na Figura 1, que marca os 13 anos do meu trabalho em
educação em três instituições. No próximo tópico mostro como efetivamente desenvolveu-se
o trabalho dos últimos 8 anos na Escola Estadual de Ensino Fundamental Chico Mendes,
descrito no segundo capítulo.
22
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Fonte: O autor.
Foi realizada ainda uma entrevista com a primeira diretora da escola, que esclareceu
dúvidas levantadas durante a consulta aos documentos desta, e descreveu com riqueza de
detalhes alguns registros documentais que, por si, não conseguiram se mostrar com a mesma
clareza. Também acontecimentos relatados na informalidade de uma entrevista, mas que
dizem muito de como foi, na prática, iniciar uma escola com um projeto arrojado e inovador.
A parte relacionada ao meu planejamento e execução das aulas a partir das Unidades
Didáticas foi relatada com o auxílio dos materiais guardados no decorrer destes 13 anos de
trabalho (Figura 2). A organização das quadrículas foi a partir dos anos de trabalho de 2006 a
2013 (horizontal) e dos tipos de materiais (plano de estudos, caderno do professor, guia de
conteúdo dos alunos, material didático, provas e fotos). Mais de 7.000 arquivos foram, de
uma forma ou de outra, usados neste processo. Vestígios escritos do planejamento anual e das
Unidades Didáticas, fotos, filmes, cadernos, apostilas, registros de provas, autoavaliações,
trabalhos de alunos, tudo o que foi escavado serviu de inspiração para reconstruir pedaços da
minha caminhada no exemplo descrito com as Unidades Didáticas de Ginástica: Exercício
Físico e do Esporte (de invasão): Futebol Sete.
Meu primeiro passo na organização da escrita foi tentar responder, com autores
reconhecidos nas respectivas áreas de conhecimento, as perguntas estruturantes da educação e
da Educação Física (para quê? o quê? como? e quando ensinar?) e sobre a avaliação (para
quê? o quê? como? e quando avaliar?). Neste primeiro momento respondendo pela educação
em geral, citei Sacristán (1998, 2001), Sacristán e Gómez (1998), Silva (1999) e Savater
(2012). Em um segundo momento mencionei Apple, Au e Gandin (2011), Apple e Beane
25
A escrita respeitou esta organização como forma de perceber cada pergunta como guia
dentro do processo de formação que busca a produção de um texto mais consistente. Isso
serviu, ao mesmo tempo em que conseguia dar conta destas questões, para ganhar confiança e
avançar no refinamento da escrita a partir da incorporação de mais autores de forma pontual,
com a missão de ampliar as discussões sem perder o foco das ideias centrais do texto.
Depois disso, minha organização foi da seguinte forma: alguns questionamentos foram
elaborados com o objetivo de pôr a prática e a teoria juntas a fim de perceber aproximações,
afastamentos, limitações e avanços da minha prática em relação à teoria produzida no
currículo da educação e da Educação Física.
CAPÍTULO 2
Uma prática curricular e pedagógica está cercada de interesses que influenciam direta
ou indiretamente no encaminhamento das ações educativas. Dessa forma, a pedagogia é
“direção política e vinculação das práticas educativas e uma determinada condução teórica”
(MARQUES, 1996, p. 50). De acordo com o autor, é pela prática pedagógica, entendida como
“tomada de consciência e direcionamento explícito”, que se efetiva a educação, sua
“organização e condução do processo educativo”. Com esse entendimento, o objetivo deste
capítulo é o de revisar e sistematizar minha prática curricular e pedagógica como professor de
Educação Física. Para facilitar o entendimento deste segundo capítulo, vou expor brevemente
a forma como foi organizado.
Trata-se de duas Unidades Didáticas e, portanto, são responsáveis por uma parcela dos
conhecimentos trabalhados na Educação Física nos Anos Finais do Ensino Fundamental.
2.1 Escola
Logo depois de conhecer alguém, temos condições de tecer algumas palavras, mesmo
que imprecisas, sobre esta pessoa. Quando precisamos falar de alguma coisa, sobre um objeto
qualquer, também podemos fazer sem grandes problemas. Quando, no entanto, se trata de
descrever algo que reúne pessoas e sentidos, objetos carregados de significados, estamos
diante da escola, e dessa instituição não podemos falar superficialmente.
Por isso, pretendo, a partir de agora, apresentar um pouco da vida dessa escola, mesmo
sendo de difícil descrição. Arrisco-me, de início, a mostrar a dimensão mais formal e como a
escola se propõe, para, somente depois de situada, contar mais sobre as pessoas e suas
relações no cotidiano escolar.
A Escola Estadual de Ensino Fundamental Chico Mendes está situada na Rua Erno
Fritz, nº 757, área industrial, na cidade de Ijuí, RS. O Decreto de criação está registrado sob o
nº 31.362 de 12/12/1983, a Portaria de denominação possui o nº 011.088, de 27/9/1991 e a
Portaria de Autorização possui o registro nº EF 00315, de 15/12/2000. A escola está
localizada em uma área industrial em um dos bairros com melhor condição socioeconômica
da cidade (Lulu Ilgenfritz). Deste bairro e de outro bairro vizinho (Thomé de Souza) é que
provém a maioria dos 200 alunos que a frequentam. A escola pertence a 36ª Coordenadoria
Regional de Educação (CRE).
No entorno da escola encontram-se muitas indústrias que formam uma das áreas
industriais de Ijuí. Com isso, as ruas próximas da escola são muito movimentadas,
principalmente nos horários de pico em que as pessoas se deslocam para o trabalho. Assim, os
alunos que chegam e saem da escola convivem com este movimento. A rua principal de
acesso à escola é asfaltada e, muitas vezes, os motoristas não respeitam o limite de
velocidade, pondo em risco a integridade física dos alunos.
28
A escola conta com 7 salas de aula, biblioteca, sala de informática, sala para
professores e funcionários, Secretaria, sala para equipe diretiva e pedagógica, sala para
laboratório de aprendizagem e de Recurso Multifuncional, cozinha e banheiros. No total são
1.050 m2 cobertos e 8.000 metros de superfície total, o que a coloca entre as escolas médias
do município, porém, se considerado apenas seu espaço físico total, podemos classifica-la
como uma escola grande.
Dispõe de um amplo espaço de grama, com dois campos de futebol sete, voleibol de areia,
basquetebol na grama, espirobol, cancha de bocha, mesas para jogos, muitas árvores, horta e
pracinha. Conta, ainda, com um espaço coberto, onde são realizadas atividades festivas e de
integração. Estes espaços ganham vida na movimentação de toda a comunidade escolar.
Neste tópico pretendo mostrar a trajetória da escola desde sua criação até os dias
atuais; uma caminhada de 25 anos de trabalho com a educação; um pouco de sua história, sua
organização, os projetos, seus avanços e as pessoas que, ao longo desta caminhada,
participaram e contribuíram nesta construção. Os dados utilizados para isso são basicamente
os que se encontram nos documentos da escola, mais especificamente nos Projetos Políticos
Pedagógicos (PPPs).
A escola EEEF Chico Mendes foi criada para atender uma demanda da parte sudoeste
da cidade de Ijuí, que, na época, era a parte que mais crescia e, com isso, havia a necessidade
de uma escola para suprir a demanda de vagas para o Ensino Fundamental completo. A
princípio não estava definido se a escola atenderia alunos a partir da 5ª série de uma escola
municipal próxima2 que, naquele tempo, era de Primeiro Grau incompleto, ou se a Escola
Francisco de Assis (EFA), mantida até hoje pela Fundação de Desenvolvimento e Integração
do Noroeste do Estado (Fidene), que funcionava no prédio dos Freis Capuchinhos, seria
deslocada para este estabelecimento (o que não aconteceu).
2
Escola Municipal Fundamental Tomé de Souza.
30
O projeto inicial foi norteado pelo levantamento e percepção dos problemas locais.
Conforme a ex-diretora, com a intenção de chegar a uma dinâmica de administração
colegiada, procurou-se planejar, organizar e efetivar ações em conjunto no coletivo dos
professores da escola. Envolveram-se, ainda, nas decisões do projeto, alunos e pais. As
primeiras reuniões eram realizadas com os pais de apenas duas turmas por vez, dado que a
grande participação das famílias contrastava com o pequeno espaço físico em condições de
acolher um grande número de pessoas naquele momento inicial.
A denominação Escola Estadual de 1º Grau Lulu Ilgenfritz sempre foi provisória, pois,
pela gestão da escola, a participação da comunidade na escolha do nome era significativa.
Assim, decidiu-se escolher o nome da escola por meio de uma campanha em agosto de 1990.
Integrantes da Comunidade Escolar participaram com sugestões de nomes. O nome escolhido
foi o de “Escola Estadual de 1º Grau Chico Mendes”. No texto da justificativa para o nome da
escola, presente no PPP, dizia:
[...] a Escola deseja ser um instrumento de luta em favor dos oprimidos, valorizando
sua cultura e seu saber, buscando através do conhecimento, a construção de uma
sociedade mais justa e igualitária, onde homens são valorizados pelo que são e não
pelo que têm. [...] e que cada aluno que passe por aqui seja mais um Chico Mendes
na defesa do direito de viver.
Na atualidade o nome Chico Mendes continua sendo lembrado pela sua luta a favor da
organização dos seringueiros por melhores condições de trabalho e pela preservação do seu
modo de vida. A cada ano, na comemoração do aniversário da escola, celebra-se a herança
deixada pelo patrono Chico Mendes. A história sobre o seu patrono e a escolha do nome é
contada anualmente aos alunos das mais diversas formas. Nesses oito anos de trabalho como
professor de Educação Física dessa escola, acompanhei relatos de ex-professores/diretores,
funcionários e pais, que, oralmente ou com imagens, testemunhavam sobre a história da
escola e de seu patrono.
31
Em outubro de 1999 houve nova eleição para diretores. A professora Rocheli Gräber,
candidata única desta escola, foi eleita diretora pelos segmentos da comunidade escolar para o
biênio 2000/2001. De modo sintético, a proposta dessa nova administração objetivava
“Socializar e reconstruir o conhecimento, visando o desenvolvimento pleno da comunidade
escolar, dando continuidade à construção da Escola Chico Mendes cada vez mais forte e
democrática” (fragmentos do plano de ação da candidata).
O objetivo era abranger o maior número possível de pessoas que desejassem voltar a
estudar e concluir o Ensino Fundamental. Assim, os planos de estudos foram elaborados a
partir de dados coletados em entrevistas e pesquisas, no intuito de chegar o mais perto
possível da realidade desses alunos trabalhadores.
Pelas próximas duas gestões (2002/2006) a professora Rocheli Gräber foi reeleita por
meio do voto direto pelos segmentos da comunidade escolar.
O ano de 2006 marca meu ingresso como professor de Educação Física desta escola.
Havia prestado concurso público e solicitei encaminhamento para a escola Chico Mendes,
pois, como morador do bairro, sempre participei desta comunidade e seria importante dar
minha contribuição como professor. Assumi o cargo substituindo o professor Arlindo Leone
Pessoa, vice-diretor da gestão anterior.
Dois motivos em especial marcaram minha satisfação em iniciar meu trabalho nesta
escola. O primeiro diz respeito à história da sua construção. Nesta época meu pai era o
presidente da Associação do Bairro Lulu Ilgenfritz, local onde foi construída a escola, e como
tal, assumiu o papel de acompanhar as obras. De uma maneira muito particular, tive, no
convívio diário com meu pai, informações sobre a sua construção. O segundo motivo de
satisfação refere-se ao professor Paulo Evaldo Fensterseifer, uma referência nacional para a
Educação Física, por ter sido o primeiro professor desse componente na escola.
No final de 2006 o professor Arlindo Leone Pessoa foi eleito diretor para a gestão
2007/2009, mediante o voto direto pelos segmentos da Comunidade Escolar. Foram eleitas
vice-diretoras as professoras Cleuza Nely Pedroso Mrozinski para os anos iniciais, Maria
Judite Garbinatto para os anos finais e Ivone Leonora Hartge Müller para a Educação de
Jovens e Adultos.
34
De acordo com o PPP nesta época a escola foi alvo de ataques, arrombamentos, furtos
e depredação, danificando a estrutura e o patrimônio de forma drástica. Essa situação levou a
direção a investir esforços em um projeto de recuperação da infraestrutura da escola e sua
revitalização como patrimônio social e cultural da comunidade, buscando, para tanto, o
acolhimento das famílias, seus filhos/alunos, professores e funcionários de forma a fortalecer
as relações de respeito, solidariedade, honestidade e responsabilidade pessoal e coletiva.
Conforme o livro de Atas da escola, a partir de uma reunião geral estes quatro valores
passaram a ser trabalhados sistematicamente todos os anos. No entendimento da direção e do
grupo de professores, teríamos avanços no trabalho com esses valores se conseguíssemos
possibilitar experiências significativas pensadas dentro de um tempo maior de execução. Um
exemplo disso foi a inclusão na avaliação, em todas as turmas, de dez pontos dos cem
possíveis que podem ser alcançados pela observação e vivência desses valores na escola.
Outro projeto especial desse educandário é a Rádio da Escola, que funciona desde
2010 em parceria com a Unijuí, dentro do Projeto de Extensão Rádio na Escola, do curso de
Comunicação Social (Figura 4). Conforme a professora Vera Raddatz, um dos principais
objetivos de oportunizar o trabalho da rádio na escola é o de preparar estudantes para o
exercício da cidadania, a partir da produção de informações de caráter jornalístico e
radiofônico inseridas na realidade do jovem. Atualmente, a responsabilidade do projeto é da
Coordenação Pedagógica e tem participação de alunos dos anos finais. Esse grupo de alunos e
duas professoras da escola fizeram parte de um curso de capacitação realizado pela Unijuí.
Com isso, as atividades da Rádio da Escola são planejadas semanalmente pelos alunos e
supervisionadas pelas professoras. Todas as quartas-feiras o recreio tem um tempo maior para
a realização do programa da rádio.
36
Legenda: *Nos anos finais da EEEF Chico Mendes não foi possível a realização das provas avaliativas
por não possuir o número mínimo de alunos na série avaliada.
Fonte: Brasil, 2011. Classificação não oficial.
A relação entre a escola, seus alunos e a comunidade pode ser estimada de diversas
formas. Entre elas, uma relação muito forte entre os egressos com a escola. Parece que nestes
26 anos de história os ex-alunos continuam com vínculo na comunidade e, especialmente,
com a escola. Isso é evidenciado pelos documentos escolares que mostram que os pais de hoje
foram os alunos de ontem. A presença dos pais hoje nas reuniões da escola é uma constatação
dessa evidência.
Sobre as reuniões, a escola adota um sistema nas quais algumas são gerais (todos os
pais e professores) e outras específicas (pais, alunos e professores por turma). As duas formas
de chamamento das famílias têm sido satisfatórias, porém nas reuniões específicas a
participação dos pais é maior. Momentos de integração em datas comemorativas, como o Dia
das Mães e dos Pais, 20 de Setembro e a Semana da Escola, são as principais e têm boa
participação das famílias.
38
Algumas formações ligadas à relação pais e filhos sempre são oportunizadas em forma
de palestras realizadas por especialistas no assunto e pessoas da comunidade.3 As viagens de
lazer para os alunos, aberta às famílias (pais e irmãos de alunos), é uma prática que aproveita
momentos informais para fortalecer os laços de comprometimento da escola com os pais e/ou
responsáveis pelos alunos.4 A escola segue buscando formas de entender melhor a
comunidade com quem trabalha.
Neste sentido, no primeiro trimestre de 2014 foi encaminhado para as 82 famílias com
filhos na escola, um questionário socioeconômico orientado a recolher informações sobre
estas famílias que formam a escola. Além deste questionário, conversas e entrevistas
individualizadas com os pais de alunos também já foram utilizadas em anos anteriores para
poder conhecer mais sobre as famílias que fazem parte da escola. Essas formas de reunir
informações sobre as famílias seguem em constante reflexão, e o questionário tem sido uma
alternativa importante neste processo.
3
Por exemplo, no ano de 2013 foram oferecidas duas palestras.
4
Idem anterior.
39
Com relação aos cuidados com o meio ambiente, 75% das famílias responderam que
costumam separar o lixo em suas casas e observam os dias de coleta. No aspecto referente à
saúde, constatou-se o registro de alguns problemas. As doenças que mais apareceram nas
famílias foram epilepsia (3), bipolaridade (2), deficiência mental e intelectual (5), diabetes
(2), trombose femoral (1), insuficiência cardíaca (1), deficiência visual (1), deficiência
auditiva (1) e AVC (1).
Junto deste grupo de professores que se mantém há bastante tempo na escola, estava
uma colega com a aposentadoria encaminhada depois de 23 anos de trabalho. Da mesma
forma dos que deixam a escola, os que chegam demonstram satisfação em iniciar o trabalho.
Todos os colegas que ingressaram na escola relatam ter ouvido elogios quando mencionavam
40
Neste sentido, desde minha chegada a esse educandário a Educação Física da escola
tem sido interpretada como componente curricular comprometido em oferecer aos alunos
conhecimentos sistematizados sobre a Cultura Corporal de Movimento. O desenvolvimento
destes temas deu-se no marco de apoio da direção e coordenação pedagógica e de uma boa
relação com meus pares e os alunos. O objetivo principal sempre foi oportunizar aos alunos, o
acesso à pluralidade de práticas corporais sistematizadas da Educação Física. Para isso
acontecer, a organização e o planejamento sempre me foram imprescindíveis.
Que professor é esse que se propõe a desenterrar materiais para revisar sua prática à
luz da teoria? O objetivo deste tópico é contar um pouco da minha história pessoal e em que
medida essa trajetória influenciou em minha formação profissional, em especial na prática
pedagógica da Educação Física.
Ao mesmo tempo em que iniciei minha prática pedagógica nas escolas, mantive meu
vínculo com a Universidade (Unijuí). Desde então participei de um grupo de estudos com
outros colegas da área, com a coordenação do professor Fernando Jaime González e a
participação do professor Paulo Fensterseifer. As reuniões eram semanais, e os estudos
partiam das nossas experiências como professores nas aulas de Educação Física. Em meio a
esse movimento, novamente tive de escolher: assumir outro concurso na escola pública
(Escola Chico Mendes) deixando a particular.
Em toda minha caminhada como professor, tive o cuidado de não abandonar a relação
direta com os alunos em sala de aula. De 2004 a 2009 assumi a vice-direção da Escola Municipal
Tomé de Souza, enquanto seguia minha prática docente na escola estadual. Essa experiência
como gestor desafiou-me a enfrentar situações novas que contribuíram para melhor entendimento
do funcionamento geral da escola, desde a relação com a mantenedora, os colegas professores, os
pais e, principalmente, os alunos na resolução de problemas e encaminhamentos.
Ao olhar para o passado consigo perceber em cada escolha que fiz um objetivo comum,
um sentido. Foi na educação, em especial na Educação Física, que percebi a possibilidade de
contribuir na construção de um mundo mais justo e igualitário, sendo capaz de levar cada aluno a
acreditar que nada está pronto e acabado, e que as escolhas que fazemos são decisivas para o que
pretendemos alcançar. Acredito que a escola possa potencializar o aluno para se perceber sujeito
capaz de ocupar espaços de decisão e ser, assim, protagonista do seu tempo.
O planejamento, desde que comecei a ministrar aulas no ano de 2000, fez parte da
minha prática curricular. Com o passar dos anos ele serviu para que pudesse avançar na
organização da minha prática. Cabe destacar, além do planejamento como professor, também
a forma participativa com que algumas decisões curriculares foram tomadas ano a ano, e o
planejamento com a participação dos alunos. Nesse sentido, Marques (1996, p. 14) afirma
que:
Proponho agora, escrever sobre os planos de estudo da Educação Física para Anos
Finais do Ensino Fundamental desenvolvido na Escola Estadual Chico Mendes, construídos
no último período da etapa pesquisada, plano este construído, ao longo do tempo, em diálogo
com produções curriculares anteriores próprias, com a prática pedagogia, com os documentos
curriculares propostos pelas redes, com os autores do campo da educação e da Educação
Física, colegas de profissão e companheiros de estudo.
44
Os temas são esporte, ginástica, jogo motor, lutas, práticas corporais expressivas,
práticas corporais junto a natureza e atividades aquáticas.
O tema que ocupa o maior tempo das aulas de Educação Física é o esporte. Durante os
quatro anos são trabalhados sete tipos de esportes, segundo a classificação de González (2004,
2006): de invasão, de precisão, de campo e taco, de marca, de quadra dividida ou rebote,
técnico-combinatório e de combate. A escolha por essa classificação é porque ela possibilita
aos alunos um leque de experiências esportivas com seus saberes conceituais e corporais que
fora da escola não teriam. Com isso pretende-se fazer com que os alunos sejam capazes, ao se
deparar com qualquer tipo de esporte, de classificá-lo e, principalmente, ter condições de
praticá-lo satisfatoriamente.
O jogo motor aparece como tema nos 6º e 7º anos. São abordados os jogos populares e
tradicionais, com o propósito de que os alunos conheçam as formas e características dessas
práticas lúdicas e sua relação com a comunidade onde vivem. A prática de jogos existentes na
comunidade local, assim como o resgate de jogos antigos por intermédio dos relatos das
famílias dos alunos, são um dos principais objetivos deste tema.
O ensino das lutas insere-se ao esporte de combate, principalmente pelo pouco tempo
disponível para todos os temas da CCM. Dessa forma, além de praticar para conhecer as
intenções táticas e elementos técnico-táticos dos esportes de combate, a luta também é vista
como uma manifestação cultural e social, produto de determinados períodos históricos.
Nas práticas corporais junto a natureza os alunos têm a possibilidade de trabalhar com
atividades de contemplação e de aventura e conhecer os esportes de aventura, podendo
contemplar a natureza em uma relação de respeito e preservação do meio ambiente. Este tema
é trabalhado no último ano do Ensino Fundamental (9º ano).
Entendo que a tarefa de professar exige estudo e busca constante. Como posso fazer
isso para melhorar a minha função de professor? Neste sentido, sempre, nos planejamentos
anuais, procurei escutar os alunos dando espaço de participação nas aulas. As participações
dos alunos na aula se deram pelo menos em duas dimensões: a) no planejamento e b) na
avaliação do realizado. Na primeira, uma possibilidade efetiva de participação dos alunos é a
de definir com o professor quando poderá acontecer uma determinada prática corporal. Outro
modo de participação dos alunos é pela formação de grupos e equipes equilibradas para a UD
de esportes coletivos. Essa participação maior dos alunos não compromete a execução do que
foi planejado; pelo contrário, aumenta o seu envolvimento e comprometimento. A segunda
dimensão de participação dos alunos é a da avaliação (Figuras 8 e 9). O que os alunos
escrevem e dizem com as avaliações e autoavaliações, mais as observações que fizemos
durante as aulas e informalmente no espaço escolar, sempre ajudaram a conhecer melhor os
estudantes, bem como a refletir sobre o que foi proposto. A participação dos alunos passa a
ser fundamental neste tipo de planejamento.
Diante destas circunstâncias, junto com outros colegas no contexto de alguns grupos
de estudos, comecei a construir uma prática curricular e pedagógica pautada pela ideia de uma
Educação Física como disciplina escolar comprometida com a formação cultural dos alunos.
Garantir no espaço da escola um conhecimento pedagógico sistematizado acerca da CCM,
que possibilitasse a apropriação deste conhecimento para ressignificá-lo no seu contexto
social, passou a ser meu objetivo principal.
Esta prática curricular e pedagógica reflexiva possibilitou ano a ano rever o que foi
trabalhado e tentar melhorar. O permanente contato com meus pares, com o espaço
acadêmico, com as exposições e relatos sobre a minha prática pedagógica, foram definidores
para que durante os treze anos de trabalho com a Educação Física escolar eu pudesse avançar
no planejamento. Desde 2000 até 2013 somam-se, além dos anos, muitas horas de estudo com
busca de materiais, reflexões e orientações de professores da academia. Permito-me afirmar
que tudo isso somente é possível pela persistência e por acreditar o quão incompleto somos.
Quando se constitui uma rotina reflexiva amplia-se as possibilidades de inovações e
mudanças.
No novo plano de estudos da escola, a Educação Física ganhou mais espaço na grade
curricular graças às evidências produzidas nesse processo. Uma delas foi o aumento de duas
para três horas de aula semanal de Educação Física (plano de estudos revisados em 2010).
Outra evidência ocorreu a partir do desenvolvimento da UD de esporte de invasão (futebol
sete). Como culminância do encerramento desta UD foi realizado um evento que ultrapassou
os limites da disciplina de Educação Física e se tornou um anual na escola (2011).
Esta organização de trabalho tem trazido algumas facilidades que, se assim não fosse,
provavelmente limitaria essa condição. Refiro-me ao ganho que podemos ter quando o que
trabalhamos foi planejado. Uma das vantagens, além de outras já descritas, é o tempo para
refletir e poder avaliar o próprio trabalho. Quando se sabe o que e como será trabalhado, é
possível projetar certo grau de aprendizagem.
Nos últimos oito anos, nas aulas de Educação Física na Escola Chico Mendes, foram
trabalhadas nos quatro Afefs um grande número de UDs. A Figura 12 vai mostrar as 152 UDs
trabalhadas nesse tempo.
54
Figura 13 – Unidades Didáticas desenvolvidas nos oito anos de 5ª série/6º ano a 8ª série/9º ano
Série ou Unidade 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Ano Didática
5ª UD1 Minivoleibol Futebol sete Futebol sete Softbol Futebol sete Futebol sete Futebol sete Futebol sete
série/6º UD2 Handebol Minivoleibol G. Acrobática Futebol sete Jogo motor Softbol Softbol Softbol
ano UD3 Softbol Softbol Softbol Minivoleibol Minivoleibol Minivoleibol Jogo motor G. Acrobática
UD4 G. Acrobática Jogo – bolita P. Expressivas Jogo motor Softbol Jogo motor Minivoleibol Jogo motor
UD5 Jogo motor G. Acrobática Ciclismo P. Expressivas G. Acrobática
UD6 P. Expressivas Jogo motor P. Expressivas
UD7 Minivoleibol
6ª UD1 Futebol sete Futebol sete 4 E. de Invasão Futebol sete Jogo motor Futebol sete Futebol sete Futebol sete
série/7º UD2 Atletismo Atletismo Atletismo Judô Futebol sete Atletismo Atletismo Atletismo
ano UD3 Judô G. Ex. Físico P. Expressivas Jogo motor Atletismo G. Acrobática Jogo motor Jogo motor
UD4 Dança e relaxam. Judô Judô Atletismo G. Acrobática G. Ex. Físico G. Acrobática E.Técnico-comb.
UD5 G. Acrobática G. Ex. Físico G. Ex. Físico G. Ex. Físico Dança circular G. Ex. Físico
UD6 G. Acrobática
7ª UD1 Futebol sete Futebol sete Futebol sete Futebol sete Handebol Futebol sete Futebol sete Futebol sete
série/8º UD2 E. Precisão E. Precisão P. Expressivas P. Expressivas Festival – 7 esp. E. Precisão E. Precisão G. Ex. Físico
ano UD3 Voleibol Voleibol G. Ex. Físico G. Ex. Físico Voleibol Práticas Natur. Judô E. Precisão
UD4 P. Expressivas G. Ex. Físico. Voleibol E. Precisão G. Ex. Físico G. Ex. Físico G. Ex. Físico Lutas – semin.
UD5 G. Ex. Físico Práticas exp. E. Precisão Voleibol P. Expressivas Dança circular
8ª UD1 Futebol sete Handebol P. Expressivas Futsal Festival – 7 esp. Futebol sete Futebol sete Futebol sete
série/9º UD2 Voleibol Voleibol G. Ex. Físico Práticas Nat. or. Handebol E. Precisão G. Ex. Físico G. Ex. Físico
ano UD3 Corfebol P. Expressivas Corfebol G. Ex. Físico Voleibol Práticas natur. Tênis Práticas natur.
UD4 G. Ex. Físico G. Ex. Físico Futebol sete P. Expressivas G.: Ex. Físico G. Ex. Físico P. Expressivas
UD5 P. Expressivas Voleibol Seminário EDF
G. Acrobática: Ginástica Acrobática Fonte: Elaborada pelo autor.
G. Ex. Físico: Ginástica: Exercício Físico
P. Expressivas: Práticas Expressivas
E. Precisão: Esporte de Precisão
55
A arqueologia, do ponto de vista da sua tradição, estabelece que seu objeto de estudo
“seriam as coisas, em particular os objetos criados pelo trabalho humano (artefatos), que
constituiriam os fatos arqueológicos reconstituíveis pelo trabalho de escavação e restauração
por parte do arqueólogo” (FUNARI, 1988, p. 10). São os vestígios materiais, os sinais que
deixamos pelo caminho.
A ideia de cada material descoberto é dar sentido e significar este momento que, ainda
que seja de curta duração e já passado, pode, a partir do seu achado, contribuir em uma
reconstrução. De outra forma, afirmamos que, mesmo não podendo voltar ao passado,
podemos dar sentido a este passado; neste caso com todos os registros e materiais
encontrados, suas provocações e lembranças que nos movem para o futuro.
Essa organização dos tópicos é para situar todos os vestígios. Neste momento, apenas
o vestígio em posse do autor (apostila – material de apoio) foi descrito. Os outros serão
desenvolvidos posteriormente.
A aprendizagem dos alunos tem uma justa relação com os materiais disponibilizados
quando do trabalho com as diversas práticas corporais. Considerando a média de materiais
disponibilizados para as escolas públicas estaduais do porte da nossa escola, temos
conseguido os materiais necessários (com algumas exceções) para o desenvolvimento das
UDs realizadas durante todo o ano. Isso se deve ao reconhecimento de toda a equipe diretiva
do trabalho realizado e da importância da Educação Física na escola.
O espaço da Educação Física na escola pode ser percebido também além do lugar
específico dos materiais didáticos ou na figura do próprio professor. No espaço interno da
escola, ou mesmo no seu exterior, podemos, com um olhar atento, perceber como a Educação
Física aparece nos diferentes locais da escola em forma de papéis e artefatos. Nesse sentido, é
visível a presença da Educação Física nos diversos locais, como Secretaria, biblioteca, sala
dos professores, sala da direção/coordenação, sala da orientação educacional e nos corredores.
A Educação Física aparece desde os horários das aulas colocados nos murais da sala
de orientação, convites de formação continuada presentes na sala dos professores, cartazes nas
paredes dos corredores, livros de Educação Física na biblioteca, troféus expostos na
Secretaria. Ainda foi disponibilizado um baú junto a sala dos professores para guardar os
materiais didáticos.
O trabalho que realizo com a Educação Física escolar tem no caderno do professor um
apoio especial. Acompanha-me em todos os momentos, desde o planejamento mais geral até
os registros diários tão importantes para as avaliações e reflexões de todo o trabalho realizado.
O caderno do professor faz parte dos materiais que legitimam uma prática que se compromete
em fidelizar o que foi planejado e depois, se for o caso, rever e propor sua realização de uma
maneira diferente.
2.4.2.3 Guia dos Conteúdos para os Alunos (Planejamento Entregue aos Alunos)
Este guia concentra em uma folha de papel muitas informações que, depois de lidas,
ganham vida própria na imaginação de cada leitor. Não são apenas informações, são
possibilidades reais de aprendizagem que as aulas de Educação Física oferecem a todos. Cada
um a sua maneira faz questionamentos sobre o que é proposto para os quatro Afefs,
especialmente sobre o ano em que irá estudar. A garantia de uma diversidade de práticas e a
aceitação por parte dos alunos nos faz concluir que estamos no caminho certo.
58
2.4.2.5 Provas
Considerando que na Educação Física se trabalha a partir dos temas da CCM e com
eles os saberes corporais e conceituais, vamos localizar mais um vestígio, uma vez que tem
sido usado como material de apoio com bons resultados. A apostila é a materialização dos
conhecimentos sistematizados em cada UD.
Este recurso tem sido incorporado aos planejamentos desde 2006,5 quando assumi a
função de professor de Educação Física na escola Chico Mendes. A cada ano que passa este
material se ajusta para oportunizar melhor compreensão aos alunos.
5
Como resultado do trabalho no grupo de estudo, organizei a primeira apostila usada nas aulas de Educação
Física. O tema foi a ginástica: exercício físico, uma tradução de parte do livro em espanhol: LAVIÑA A. J.
(Coord.). Educación Física. Eso Primer ciclo. Primeiro e segundo cursos. Barcelona. Ediciones Del Serbal,
1999.
59
O objetivo principal de sua utilização é ampliar, para além da sala de aula, o contato
dos alunos com os conteúdos e as atividades desenvolvidas por cada UD em estudo6. A
apostila representa a possibilidade de extensão do trabalho de sala de aula, pois nela
concentram-se os saberes conceituais da UD trabalhada, o tema de casa e também relatos dos
alunos sobre momentos significativos nas aulas de Educação Física.
Para entender melhor o uso deste material como apoio nas aulas de Educação Física,
mostrarei algumas apostilas elaboradas nos últimos anos. A primeira apostila foi organizada
no ano 2006 para trabalhar com a UD de ginástica: exercício físico, para uma turma de 7ª
série. Outros temas da CCM em que utilizo este material são a ginástica acrobática, esporte
de invasão (futebol sete) e esporte de quadra dividida (tênis). Neste sentido, apresento, na
Figura 14, as capas destas apostilas como ilustração e alguns fragmentos que compõem este
material em cada UD.
6
A apostila justifica-se principalmente quando temos uma Unidade Didática (UD) com um número maior de
aulas e, portanto, a necessidade de um maior suporte teórico.
60
A apostila cumpre, além do seu papel principal de apoio no desenvolvimento das UDs,
também uma função avaliativa, seja pelos temas de casa, pelas leituras possíveis de realizar
no material ou pelos registros escritos em cada aula. As apostilas apresentam os objetivos da
Unidade, assim como os conteúdos necessários para a compreensão e aprendizagem de cada
UD. Uma característica na apresentação da apostila ao aluno é o espaço da capa que é deixado
em branco a fim de permitir que ele personalize a sua apostila com um desenho ou colagem
referente ao tema trabalhado.
Em uma dessas capas, conforme a Figura 15, percebe-se além do desenho feito pela
aluna, também seu posicionamento referente à participação sua e das colegas na UD a partir
da escrita que faz, valorizando a participação das meninas nas aulas. Escreve sobre a
importância de competir e repete o escrito presente na apostila, que diz: “ganamos, perdimos,
igual nos divertimos”, de Eduardo Galeano.
A Figura 16 reúne umas poucas fotografias dos mais de 7.500 arquivos entre filmes e
fotos sobre as experiências de aprendizagem realizadas nas aulas. Certamente muitas outras
imagens poderiam integrar o painel, no entanto, ante a impossibilidade de trazer mais
registros, fica esta representação de momentos específicos de diversas UDs. Durante o
desenvolvimento do trabalho exponho mais vestígios.
A organização didática das UDs que apresento como exemplo, também está presente
nas outras UDs dedicadas aos demais temas da CCM. É importante esclarecer que minha
prática pedagógica relacionada ao esporte já foi objeto de estudo em uma Tese de Doutorado
(CARLAN, 2012). Nesse sentido, não pretendo aprofundar as mesmas questões deste
trabalho. Darei o meu olhar, a minha interpretação daquilo que eu fiz. Acredito que com a
sistematização destas UDs, amplio a possibilidade de qualificar meu trabalho, podendo fazer
ajustes para continuar avançando. Quanto mais reflito sobre as UDs melhor consigo mediá-las
com os alunos. Com elas bem-ajustadas, sempre tive a possibilidade de perceber novos
detalhes para melhorar em ofertas posteriores das mesmas UDs. Assim, seguir efetivamente
planejando, executando e avaliando reflexivamente todo o trabalho, torna-se uma necessidade.
Neste contexto, nos últimos 13 anos de prática pedagógica registrei, por meio digital,
diferentes experiências realizadas em sala de aula, o que sempre se constituiu em um suporte
para falar e pensar sobre essas práticas.
Nº de
Unidade
Ano/ aulas Aspecto particular de
Didática Principais objetivos Descrição sucinta Avaliação Registro – foto
Série (em destaque
Nome/Tema
média)
É um dos sete tipos de Tem uma relação
– Conhecer esportes de esporte para conhecer. • Participação estreita com a cultura
campo e taco; Divide-se a turma em local. É esperada pelos
• Prova escrita
UD de Softbol 6° 10 – Diferenciar esportes de duas equipes mistas que alunos todos os anos. A
(esp. Campo e ano outras manifestações da de início alterna ataque e • Uniforme partir de 2012 por
taco) CCM. defesa para experienciar • Autoavaliação pedido dos alunos é
2012 os dois papéis. Depois a realizado um torneio
UD segue com regras do com todas as quatro
softbol. turmas.
O minivoleibol jogado A mobilização e a
– Conhecer esportes de em trio introduz o vôlei. • Participação motivação dos alunos
6° quadra divisória; Este tipo de organização • Prova escrita para a formação dos
Minivoleibol ano 12 facilita o aprendizado trios e o jogo em espaço
• Uniforme
(esp. quadra – Diferenciar esportes de pelo espaço reduzido, reduzido se destacam
dividida) 2012 outras manifestações da número de participantes • Autoavaliação como aspecto positivo.
CCM. e a possibilidade de tocar
mais vezes na bola.
Normalmente os alunos
– Conhecer esportes de são desafiados a mostrar • Participação O destaque desta UD
marca; o que já sabem sobre os • Prova escrita fica por conta da
Atletismo 6ª 14 – Diferenciar esportes de esp. Marca. No atletismo culminância que
• Uniforme
(esp. Marca) série outras manifestações da os alunos criam provas a acontece em espaços
CCM. partir do que sabem e • Autoavaliação oficiais para a prática do
2011 depois aprendem mais • Trabalho atletismo. Nessa
sobre as provas oficiais. experiência as provas
são de nível escolar
66
Apresentação e reflexão
sobre este tipo de esporte Como destaque, a
Sincronismo – Conhecer esportes de (técnico– combinatório). • Participação apresentação dos grupos
de 7º técnico-combinatório; Organização de grupos e a forma de avaliação
movimentos ano para a criação e • Uniforme desse tipo de esporte
(Esp. Técnico- 6 – Diferenciar esportes de apresentação • Autoavaliação chama a atenção dos
combinatório) 2013 outras manifestações da de movimentos • Apresentação alunos
CCM. combinados.
– Interpretar
corporalmente os
Trabalho em pequenos • Participação A crescente participação
8ª grupos. Organização em dos alunos nesta prática,
elementos rítmicos • Apresentação/
Práticas série 10 grupos maiores para a rompe alguns
contidos nas músicas; trabalho
expressivas criação e apresentação de preconceitos de
2009 uma coreografia com • Uniforme participação.
– Compreender os
elementos coreográficos • Autoavaliação
aspectos básicos da
básicos.
organização
coreográfica.
Além da pesquisa, a
– Conhecer jogos proposta é que a
motores, populares e Pesquisa nas famílias • Participação construção dos jogos
tradicionais; sobre jogos tradicionais. seja feita também com a
Jogos – Compreender os jogos Construção e vivência • Prova escrita família. Jogar com
tradicionais 6ª 12 como manifestações dos jogos pesquisados. • Uniforme materiais construídos
(Jogo motor) série culturais; • Autoavaliação dessa forma é especial
– Propor e negociar para os alunos. Também
2010 novas regras, revela a relação
respeitando-as. escola/família/aluno.
Um esporte novo
– Conhecer esportes de São equipes compostas (holandês). As equipes
invasão (corfebol); de oito jogadores, sendo • Participação são mistas. Mobilizou os
obrigatoriamente quatro • Uniforme alunos que, por não
8ª – Diferenciar esportes de do gênero masculino e conhecer este esporte, se
• Autoavaliação
O Corfebol série 6 outras manifestações da quatro do feminino. mostraram muito
(esp. de CCM. Durante o jogo não curiosos e participativos.
invasão) 2008 existe contato físico entre
os gêneros.
– Conhecer jogos Contextualização do jogo O destaque foi a
motores, populares e motor. Escolha de jogo • Participação confecção de um folder
tradicionais; popular para conhecer. • Prova escrita com material explicativo
Jogos 5ª 12 – Compreender os jogos Escolhas de grupos para sobre o jogo popular da
• Uniforme
populares – série como manifestações a prática e organização bolita e a organização
Bolita (Jogo culturais; de material explicativo • Trabalho do espaço pelos alunos
motor) 2007 – Propor e negociar das regras unificadas e • Autoavaliação para a prática do jogo.
novas regras, organizadas pelos
respeitando-as. grupos.
68
Experimentação de jogos
de precisão. Vivência
específica do esporte da O destaque desta UD
– Conhecer esportes de bocha com regras foram as experiências
precisão; adaptadas na cancha da materializadas nos
– Oferecer um espaço escola. Foi encaminhada locais diferentes onde
para conhecer o esporte uma pesquisa sobre o • Participação foi praticado o esporte
da bocha (na escola e em esporte da bocha na • Prova escrita da bocha. O ambiente da
UD de bocha 8º 12 cancha oficial); cidade de Ijuí (fala de um • Uniforme escola com uma cancha
(esp. Precisão) ano – Conhecer o contexto dirigente sobre a • Autoavaliação de areia e
deste esporte (regras, organização deste principalmente a saída
• Trabalho
2013 histórico, locais esporte na cidade). Como para conhecer uma
disponíveis para a prática culminância fomos cancha oficial em um
e questões de gênero). conhecer uma cancha clube da cidade.
oficial.
– Reconhecer Contextualização das A possibilidade de
semelhanças e diferenças lutas e organização de conhecer uma luta e
entre as lutas pelo grupos para trabalho de • Participação praticá-la de uma forma
critério da lógica interna; pesquisa sobre as • Prova escrita lúdica na sala de aula. O
7ª 10 – Identificar as modalidades de luta. tatame colocado na sala
• Uniforme
Aprendendo série características da luta Realizamos jogos de foi um ponto positivo
sobre lutas escolhida para estudar o lutas e a escolha de uma • Autoavaliação destacado pelos alunos.
(esp. de 2012 tema; luta para conhecer • Trabalho Os jogos de luta e a
combate) – Diferenciar e (judô). No final possibilidade de prática
problematizar a relação refletimos sobre a entre gêneros cativaram
entre lutas/ briga e experiência prática e os a todos.
violência; trabalhos apresentados
– Compreender as lutas em forma de Seminário.
como manifestações
culturais sociais e
históricas.
2.5.2 Unidades Didáticas: Pontes entre o Plano Curricular e as Experiências nas Aulas
Trata-se da UD realizada na 8ª série (9º ano a partir de 2013) que fecha um trabalho
iniciado nas séries anteriores com a ginástica e exercício físico. Ela foi planejada para a
última série do Ensino Fundamental e, portanto, busca contemplar as expectativas de alunos
que, nesta fase de suas vidas, têm especial interesse em trabalhar com questões ligadas ao
cuidado do corpo. Conceitos referentes à saúde, doença, treinamento, exercício físico,
atividade física, frequência cardíaca e outros, são tematizados nesta Unidade.
Acredito ser necessário trabalhar com este tema no final do Ensino Fundamental. Dar
condições aos alunos para eles entenderem o que e porque se produzem determinados efeitos
ou resultados com a prática do exercício físico. A expectativa é que, ao sistematizar este tema
no final do Ensino Fundamental, os alunos sejam capazes de avaliar suas posturas em relação
ao cuidado de si e dos outros.
A proposta é treinar no mínimo três vezes por semana durante o período que dura a
UD – 25 aulas –, uma vez durante a aula de Educação Física na escola e duas vezes fora
do horário de aula, completando, assim, o mínimo de três sessões semanais de
treinamento.
Nas duas vezes em que o treinamento é realizado fora da escola os alunos precisam
fazer o monitoramento da frequência cardíaca dentro da zona-alvo de treinamento. Todos os
conceitos trabalhados assumem importância neste momento. A execução do treino está
intimamente ligada ao envolvimento dos alunos nas aulas.
Alguns objetivos são colocados para esta UD como metas a serem alcançadas. Um dos
principais é desenvolver um programa de exercício de resistência aeróbica a partir da
Frequência Cardíaca Máxima (FCM), com caminhadas e corridas. Outros objetivos
formulados para a UD, com a ajuda do Referencial Curricular de Educação Física do RS, são:
– saber diferenciar os tipos de exercícios físicos e sua relação com as capacidades físicas;
– entender e manusear materiais para a identificação dos indicadores das capacidades físicas;
Número
Tema/Tarefa Tema de casa
da aula
1e2 Entrega do plano de ensino e explicação da
Unidade Didática
3 Cadastro no grupo fechado do Facebook
4e5 Realização do pré-teste de Cooper Acessar o link do quadro de classificação do
Teste de Cooper
6 Laboratório de informática. Estudo coletivo do
material postado no Facebook
7e8 Cálculo da frequência cardíaca máxima, Assistir vídeo sobre os tipos de fibras
organização do plano treinamento e o 1º treino musculares
9 Saca dúvidas – vídeo sobre os tipos de fibras
musculares
10 e 11 2º treino
12 3º treino – explicação sobre as fontes de Produzir e postar um vídeo registrando o
energia momento de treinamento fora da escola
13 e 14 Laboratório de informática. Acessar o site da
academia a ser visitada
15 4º treino
16 e 17 Visita à academia para conhecer programas de
treinamento. Realização de uma sessão de
spinning (5º treino)
18 Avaliação e comentários sobre a visita à Estudar para a prova escrita
academia no grupo do Facebook
19 e 20 Prova escrita
21 Entrega da prova e esclarecimentos das
dúvidas
22 e 23 Último treino na escola e reforço dos saberes
conceituais
24 Autoavaliação
25 e 26 Realização do pós-teste de Cooper
A decisão de utilizar o Facebook foi motivada por perceber que as tecnologias digitais
invadem o cotidiano infanto-juvenil e desafiam a escola a dialogar com esse universo. Neste
sentido, entendo que o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) no
cotidiano escolar também pode significar o enriquecimento das experiências educativas dos
alunos, quando empregadas para produzir e compartilhar conhecimento.
73
Dessa forma, durante a apresentação do plano de ensino, expliquei aos alunos que
iriam utilizar as TICs, como ferramenta de trabalho. Passei a realizar uma sondagem com
relação ao emprego das TICs pelos alunos, questionando sobre o acesso ao computador,
internet, se possuíam correio eletrônico, Facebook, etc. Assim, na medida em que foram
respondendo, fui fazendo os registros a fim de aproveitar os dados para criar estratégias de
como melhor aplicar as TICs nas aulas de Educação Física.
Expus aos alunos como seria a avaliação da UD. A Figura 20 mostra os critérios de
avaliação que também foi entregue a eles. No final seria somada a avaliação número 1 e 2 e a
nota alcançada pelo aluno dividida por 2, calculando, assim a nota final da UD.
Critérios Pontos
Autoavaliação 10
Uniforme (menos 2 pontos cada encontro sem uniforme) 10
Participação (o fazer, o praticar, a ajuda com os colegas nas aulas) 20
1
Melhorar a sua marca no teste de Cooper, considerando os conceitos trabalhados
durante a Unidade. A avaliação terá como comparativo o pré-teste e o pós-teste, 25
ninguém será comparado com outro colega, apenas consigo mesmo.
Prova escrita sobre todos os conceitos trabalhados 35
Criar um vídeo (obrigatório) e fotos (opcional) de um momento de treinamento
fora das aulas de Educação Física. O vídeo precisa ter áudio explicando como
2 100
está sendo feito o treinamento, falar sobre seu plano de treinamento (descrição
detalhada).
Para saber mais sobre a ferramenta educativa do Facebook e ter acesso a todos os
materiais, comentários e trabalhos postados, foram incluídos outros membros da comunidade
escolar. Particularmente, o grupo no Facebook teve o acompanhamento da direção, quatro
professores e duas mães de alunos que se cadastraram durante o desenvolvimento da UD
quando ajudaram seus filhos na realização das atividades demandadas durante as aulas.
74
Ao final do teste tenho conversado com os alunos tirando dúvidas e refletindo sobre a
prática realizada. Também explico que o trabalho é focado nas capacidades físicas,
principalmente na resistência aeróbica, e discutimos os resultados alcançados pelos alunos
com base na tabela dos índices do teste de Cooper para pessoas de 13 a 20 anos.
A relação dos nomes dos alunos com a quantidade de metros percorridos no pré-teste
foi colocada em um cartaz feito por eles e afixado na sala de aula (Figura 21). Estes dados
serviriam de comparativo quando da realização do pós-teste.
75
No final da aula foi encaminhado o primeiro tema de casa. Os alunos deveriam entrar
no grupo virtual do Facebook da turma e acessar o link no qual encontrariam mais
informações sobre o Teste de Cooper.7
A aula (6) foi mediada pelas TICs. Iniciei conferindo o tema de casa sobre o quadro de
classificação do Teste de Cooper. Depois, encaminhei os alunos ao laboratório de informática
para acessar os materiais postados na rede social do Facebook e estudar coletivamente. Os
materiais postados foram a respeito dos princípios da atividade física, as zonas de treinamento
e o cálculo da frequência cardíaca máxima (FCM). Mostrou-se importante acessar este
material durante as aulas, pois percebi nos alunos a necessidade de ter o professor por perto
no momento de estudar com os materiais. A maioria dos alunos, quando da necessidade de
estudo em casa, não cumpriu o combinado.
7
Tabela de resultados do teste de Cooper para pessoas entre 13 e 20 anos. Disponível em:
<http://www.copacabanarunners.net/teste-cooper.html>.
76
Ainda na primeira parte da aula os alunos foram desafiados a calcular a sua FCM de
treinamento. A partir deste cálculo, exemplificado no material postado no grupo do Facebook,
cada aluno foi orientado a formular o seu plano de treinamento a partir da zona-alvo escolhida
e entregar antes do primeiro treino, que seria ao final da aula. Este momento exigiu meu
acompanhamento direto no auxílio aos alunos durante os cálculos e na organização do plano
de treinamento individualizado.
No segundo momento da aula foi realizado o primeiro treino da UD. Nele, cada aluno
colocou em ação pela primeira vez seu plano de treinamento a partir da FCM.
Individualmente e em pequenos grupos, os alunos caminharam e correram no campo de
futebol próximo da escola, respeitando seus limites de resistência a partir da zona-alvo de
treinamento.
No início da aula (9), como boa parte dos alunos não assistiram ao vídeo encaminhado
como tema de casa sobre os tipos de fibras musculares, assistimos novamente na sala de
informática. Além disso, percebi nos alunos um interesse em saber mais sobre os assuntos
relacionados à execução do programa de desenvolvimento da resistência aeróbica e sobre
obesidade, emagrecimento, suplementos alimentares, doping, entre outros temas. Neste
sentido, acredito ter alcançado o objetivo de mobilizar e motivar os alunos a seguir estudando
e buscando textos e outros materiais para saber mais sobre estes temas que não se esgotam em
uma única UD.
8
Vídeo – Fisiologia do Treino – Os tipos de Fibra Muscular (Branca e Vermelha). Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=vGTr7QmY9UU>.
77
Ao mesmo tempo em que avançava com as aulas, fui retomando os assuntos tratados
em aulas anteriores. Conversamos sobre os benefícios da atividade física (material postado no
Facebook) e a melhor forma de executar o plano de treinamento individual. Nesta aula (aula
10 e 11) aconteceu, ainda, o segundo treino da aula de Educação Física. Com a zona-alvo de
treinamento definida anteriormente, a maioria dos alunos monitoraram a frequência cardíaca
manualmente, e um aluno fez uso do frequencímetro (Indicador de Diagnóstico da
Capacidade Física), mostrando uma possibilidade tecnológica para o monitoramento da FCM
(Figura 22). O equipamento foi adquirido pela escola em 2012 a pedido meu. O fato de poder
contar com um equipamento não comum nas escolas nas aulas de Educação Física tem a ver
com o lugar que este componente ocupa no currículo escolar desta instituição, e, ao mesmo
tempo, exemplificar uma forma de verificação que permite visualizar simultaneamente a
frequência cardíaca de treinamento. Ao transcorrer as aulas, e com o desenvolvimento dos
treinos, começaram a aparecer dúvidas sobre o gasto energético e as fontes de energia (aula
12). Alguns colocaram como objetivo principal do treinamento a perda de peso. Nesta
direção, expliquei sobre as fontes energéticas recrutadas pelo organismo durante um
treinamento. De maneira genérica, mostrei que a gordura não é a primeira fonte de energia e,
portanto, é necessário um tempo maior de treinamento para perder peso; para isso, é preciso
fazer atividades de baixa intensidade e longa duração.
O treinamento individual foi planejado para acontecer três vezes por semana, duas
vezes fora da escola e uma durante a aula de Educação Física. Uma boa parte dos alunos
estava executando os treinos fora da escola como tinham descrito em seu plano
individualizado de treinamento. Na aula de Educação Física estávamos completando, neste,
dia, a terceira semana de treinamento, portanto o terceiro treino. O treino foi realizado em um
campo de futebol próximo da escola. Durante o treino lembrei aos alunos a importância dos
princípios da atividade física e os possíveis benefícios a partir da sua observação.
Ainda nesta aula foi encaminhada uma tarefa aos alunos que serviu como uma das
avaliações da UD. Eles teriam de postar no grupo do Facebook o trabalho descrito na Figura
23.
Você terá que postar até sexta-feira dia 12/7/13 um vídeo (obrigatório) e fotos (opcional) de um momento de
seu treinamento, fora das aulas de Educação Física. O vídeo precisa ter áudio explicando como está sendo
feito o treinamento.
– Qual a atividade realizada;
– O objetivo;
– Local em que se realiza;
– Zona de treinamento (frequência cardíaca);
– Frequência semanal (quantas vezes por semana);
– Volume de treinamento (km ou tempo) da corrida ou caminhada.
É preciso constar no vídeo além da explicação, o próprio treinamento (a corrida ou caminhada). Seja
criativo(a).
ATENÇÃO: Esta tarefa vale cem pontos que serão somados aos outros cem pontos conforme folha entregue
no início da unidade. O total será dividido por 2 que será a nota do 2º trimestre.
Fonte: O autor.
Paralelo a toda a expectativa vivida pelos alunos, entrei em contato novamente com os
proprietários da academia para fazer a confirmação do dia e hora da visita. Diferentemente
dos alunos, em meu caso era o terceiro ano seguido que fazia esta visita. Construímos, ao
longo deste tempo, uma relação de parceria com os colegas professores, funcionários e os
proprietários desta academia, que todos os anos ajuda na sistematização da UD. Essa
aproximação tem feito com que muitos alunos, depois de sair da escola, comecem a
frequentar a academia.
80
O quarto e último treino (aula 15) antes da visita foi realizado em um campo próximo
à escola. Neste local também foram feitas algumas das filmagens dos treinos que, juntamente
com a explicação do plano de treinamento, deveria ser postada como tarefa avaliativa no
grupo do Facebook. Ao orientar e acompanhar o treino observei o monitoramento da FCM
feita pelos alunos. Outro fato marcante diz respeito aos grupos que se formaram durante o
treino, revelando as diferenças e semelhanças considerando o grau de treinamento de cada
um. O tempo entre este treino e a visita à academia era de apenas dois dias.
Antes de ser uma constatação, desconfiava que este trabalho visual (fotos e filmes)
poderia ajudar, sendo o ponto de partida para, posteriormente, trabalhar com textos ou tarefas
mais complexas. Digo isso porque neste trabalho com a UD da Ginástica: Exercício Físico
iniciei com postagens de textos apenas e foi preciso uma grande cobrança para participação
nas avaliações escritas. Por outro lado, quando postei os vídeos e imagens do registro visual
da visita à academia, obtive melhor resposta. Ficou evidenciado durante o trabalho da UD a
preferência pelas imagens e, a partir delas, ampliou-se o interesse de busca aos materiais
postados.
Na parte avaliativa desta UD (aula 18), realizei uma revisão para a prova escrita e a
avaliação oral sobre a visita à academia. Foram revisados todos os materiais postados no
grupo do Facebook e disponibilizado um tempo para a leitura, releitura e questionamentos
sobre todas as postagens. Como tema de casa os alunos teriam de estudar para a prova.
Acredito que estes momentos avaliativos servem para perceber os avanços de aprendizagem
que os alunos tiveram e, nesse sentido, quanto mais instrumentos de avaliação tivermos mais
82
fiel seremos com a nota que será atribuída ao aluno. Tentar perceber a caminhada do aluno
durante a UD e oferecer oportunidade para todos de mostrar o que e quanto aprendeu, pode
ser um caminho. Além disso, também como tarefa avaliativa, os alunos tiveram que, além de
curtir os materiais postados no grupo do Facebook, fazer comentários sobre a visita.
A realização da prova escrita (aula 19 e 20) provocou neste dia uma mistura de
sentimentos entre os alunos. Alguns preocupados com a prova e o que seria cobrado nessa
avaliação; outros indiferentes com este momento de cobrança e necessidade de estudar e rever
os conteúdos trabalhados durante a UD. Observando estas reações, usei este fato para, antes
da prova, conversar sobre os conceitos trabalhados durante toda a UD, mostrando a
importância de desenvolver formas de estudo não somente para uma prova. Os alunos
realizavam a prova ao mesmo tempo em que reclamaram de algumas questões, mesmo
admitindo não terem estudado.
No encontro posterior à prova escrita (aula 21), fiz a entrega e correção desta, mais
uma oportunidade de tratar todo o trabalho desenvolvido na UD com seriedade e consideração
aos alunos. Nesse momento abri espaço para que colocassem o porquê da sua nota e, a partir
disso, refletir coletivamente para poder avançar na forma de avaliação. Os alunos, na maioria,
não estudaram para a prova. Nesse sentido, conversamos sobre a necessidade de
envolvimento no trabalho de toda a UD para que as aprendizagens aconteçam. Ao mesmo
tempo em que passei cada questão, e reforcei a necessidade de dar conta deste tipo de
avaliação, salientei outra forma de avaliação que somente cada aluno poderia fazer de si
mesmo. Falei sobre o pós-teste de Cooper e o resultado, que dessa vez não passaria pelo meu
olhar, e sim pelo esforço que cada um deles teve em desenvolver o seu treinamento, pois o
resultado do pós-teste iria mostrar como cada um entendeu o desafio de desenvolver um
programa para melhorar a resistência aeróbica e superar sua própria marca.
A autoavaliação da UD foi realizada em seguida (aula 24), com espaço aberto para a
manifestação dos alunos. Procurei criar um ambiente de fala para oportunizar a participação
de todos. Sem cobranças ou sequência de quem falaria primeiro, fui tentando deixar todos
bem à vontade. Neste processo todos os alunos tiveram a liberdade de dar-se uma nota pela
participação nas aulas durante o desenvolvimento da UD, considerando também a relação
com o outro, o colega. Todos participaram dentro do proposto, e isso suscitou que algumas
notas fossem contestadas pelos colegas. Mesmo assim, mantive a nota dada por eles e reforcei
que este momento será importante para suas futuras participações em espaços democráticos.
Cada um exercita a possibilidade de escolhas e precisa assumir o resultado de suas decisões.
De quase tudo que fizemos em sala de aula não conseguimos ter um retorno imediato,
uma vez que trabalhamos com saberes corporais e conceituais que, acredito, são importantes
para toda a vida e não se sedimentam imediatamente nos sujeitos. Sendo assim, os
conhecimentos construídos durante as experiências escolares podem vir a servir e ser
incorporados na vida de cada pessoa em momentos diferentes que não seja na época da
escola. Nela, no entanto, os alunos terão a oportunidade de acesso a este tipo de
conhecimento. Nenhuma outra instituição reconhecida na sociedade, como a Igreja e a
família, cumprem o papel de instrução designado à escola. Com todos os erros e acertos, é
nesta instituição que é apresentado aos alunos o mundo e a produção da humanidade nas
diversas áreas do conhecimento. Dessa forma, o papel do professor continua sendo o de não
desistir, ainda que os resultados não sejam imediatos.
A segunda constatação foi de que o acesso dos alunos ao material pela rede social, se
por um lado facilitou o processo de interação com os saberes conceituais, por outro,
isoladamente, não foi capaz de aumentar o seu envolvimento com os conteúdos em estudo.
Assim, me senti desafiado a continuar pensando e experimentando formas alternativas de
ensinar.
A oportunidade de trabalhar com uma UD que tem uma representação cultural muito
grande no imaginário coletivo, exige uma sistematização que, ao mesmo tempo, trabalhe as
questões práticas e técnicas específicas, mas, também e, principalmente, considere temas
como participação, inclusão/exclusão, gênero e protagonismo. Vou apresentar, durante a
descrição desta UD, algumas situações em que podemos perceber fatos que envolveram estas
temáticas.
Este fragmento que vou descrever agora está relacionado também à Figura 20 e mostra
as possibilidades de realizar atividades que proporcionem a participação de todos, nem que
para isso seja necessário a criação de regras para ajustar ou equilibrar as relações, nesse caso,
de gênero. Foi criada, juntamente com os alunos, o que chamamos de regra interna, para
diminuir as diferenças técnicas entre os gêneros que, normalmente, ocorre, principalmente,
com os esportes coletivos.
Neste sentido, para que fosse possível a participação de meninas e meninos na mesma
equipe, adaptamos e a regra se estabeleceu, ficando definido que, durante o jogo do
“campeonato”, quando uma menina estivesse com a posse de bola, somente outra menina
poderia fazer a marcação. Por outro lado, diferente desta situação, as meninas em qualquer
momento poderiam exercer no ataque ou na defesa a marcação perante os meninos. O não
cumprimento desta regra recebe punição de um tiro livre direto por quem sofreu a infração
(uma menina).
86
O primeiro momento é em sala de aula com o registro do objetivo da aula e o que será
trabalhado (intenções táticas). No segundo momento é desenvolvido o “treino” com as
intenções táticas individuais. Os alunos ocupam lugares e funções no campo de jogo, na
defesa e no ataque com e sem a posse de bola. Esse momento ocupa o maior tempo da aula,
com os alunos divididos por “níveis” de aprendizagem levando em consideração a
compreensão tática do jogo. No terceiro momento sempre acontece o jogo com o
enfrentamento entre duas equipes (A e B), enquanto os alunos da terceira equipe (C) se
ocupam com outras funções que também ajudam na aprendizagem do esporte trabalhado.
A cada aula as equipes se revezam nos enfrentamentos, e a equipe que não joga
assume outros papéis; funções como árbitro, secretário, treinador, cronometrista e o
preenchimento do scout. Estas são trocadas nos grupos a cada aula, oportunizando a
experiência para todos das diversas funções durante o campeonato. Uma delas, em especial,
merece destaque – o preenchimento das fichas de scout (Figura 26) – que ajuda a entender a
participação de cada jogador durante a partida.
87
Mesmo os alunos com maior dificuldade técnica acabam, com as anotações no scout,
aprendendo mais sobre o funcionamento do jogo no ataque e na defesa. O preenchimento do
scout oportuniza fazer a leitura da participação do jogador pelo número de bolas recebidas, a
capacidade defensiva pelas bolas tomadas do adversário, a capacidade ofensiva pelas
finalizações a gol e os gols feitos. Finalmente a adaptação ao jogo é mostrada pelo número de
bolas perdidas durante a partida.
Um dia inteiro é reservado para que todas as turmas mostrem sua organização e
possíveis avanços na aprendizagem, pois o evento não é uma simples confraternização, ele faz
parte das aulas e, portanto, culmina uma etapa da aprendizagem dos esportes de invasão,
sendo, assim, uma avaliação do que foi trabalhado no trimestre. Com este evento é
oportunizado aos alunos experienciar as formalidades de um acontecimento esportivo em um
contexto escolar.
Podemos dividir este evento em quatro momentos que estão representados nas fotos da
Figura 28. De início todas as equipes realizam seu desfile mostrando suas respectivas
bandeiras. As equipes são as mesmas das aulas, dos treinos e do campeonato. O evento serve
também como experiência de participação e exposição para um grande grupo. Mostrar-se para
o outro, estar junto, sentir-se integrante, pertencente a um grupo, ser percebido. Nesta mistura
de sentimentos e sensações, observamos os alunos felizes de ver concretizado algo que
previamente foi planejado e construído juntamente com a participação de todos.
Eventos de culminâncias como este são realizados também com outros temas. Todo o
planejamento para as aulas de Educação Física nos quatro Afefs é conhecido por todos os
alunos. No início de cada ano esse planejamento é apresentado e efetivado a cada UD com
suas respectivas culminâncias.
CAPÍTULO 3
Esse papel de cumprir uma postura de educador crítico, segundo Apple, Au e Gandin
(2011, p. 15) “inclui não só manter as tradições teóricas, empíricas, históricas e política vivas,
mas também, e de maneira importante, ampliá-las e criticá-las, apoiando-as”. De acordo com
91
os autores, a tradição precisa saber lidar com as realidades atuais, perguntando: “Para quem
estamos mantendo vivas tais tradições? Como e de que forma elas podem ser
disponibilizadas?” (APPLE; AU; GANDIN, 2011, p. 16).
Assim, faço a escolha pela teoria crítica, suas ideias sobre a formação da sociedade e o
tipo de sujeito que participará dela, para discutir o papel da escola e da Educação Física neste
contexto. Questionamentos sobre para que ensinar, o que ensinar, quando ensinar, como
ensina e o para que, o que, o quando e o como avaliar, servem de guia para o
desenvolvimento deste capítulo, no qual se pretende realizar um recorte da teoria crítica da
Educação e da Educação Física que potencializem a reflexão sobre a prática.
Antes de tentar responder estas questões, cabe uma breve retomada da teoria da
educação crítica. De acordo com Apple, Au e Gandin (2011, p. 19), “a segunda metade dos
anos 1970 foi um período fundamental para o desenvolvimento de análises críticas da
educação”. Conforme os autores,
[...] o enfoque central crítico da época girava em torno do exame da relação entre as
escolas e a reprodução social e cultural. Embora a tradição do exame crítico do
conteúdo e dos processos de reprodução cultural já estava em andamento na nova
sociologia da educação na Inglaterra (ver, por exemplo, Young, 1971), nos estudos
críticos do currículo nos Estados Unidos (Apple, 1971) e na obra de Bourdieu e
Passeron (1977) na França, muito do debate sobre essa relação cristalizou-se em
torno do livro Schooling in capitalist America, de Bowles e Gentis (1976).
Toda esta produção na década de 70 teve um peso grande no sentido de avançar nos
debates com a ampliação das discussões sobre as relações de classe. “O resultado para os
analistas críticos foi o de continuar a ir além das versões relativamente simplistas de análises
da escola baseadas na classe social” (APPLE; AU; GANDIN, 2011, p. 19). Os autores
afirmam que também foi dada “atenção mais explícita a questões de raça e gênero, e assim
assinalaram a influência crescente das teorias britânicas e francesas da relação entre cultura,
instituições sociais e educação”.
Em conformidade às afirmações dos autores citados, temos a visão do marco legal das
Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para o Ensino Fundamental de nove anos. Este
documento explicita como propósito de ensino que:
Conforme as DCNs (BRASIL, 2010), os alunos são sujeitos de sentido na relação com
a natureza e com os outros. Isso significa ter um lugar e poder construir conhecimento e
visibilidade. Para dar conta disso, de acordo com Brayner (2008, p. 125), a escola “é este
lugar social precisamente designado e pensado para estabelecer relações (entre o passado e o
futuro, entre as gerações, entre os mortos e os vivos, entre o saber e a vida) e fornecer aos
sujeitos que a frequentam mínimas condições de se tornarem visíveis”.
Essa visibilidade significa ser respeitado como pessoa, ser visto na sociedade livre de
preconceitos, independente da cor da pele, da religião, da posição social, da opção sexual, etc.
Conforme o autor, uma das funções principais da educação é a de “tentar reduzir o efeito
devastador que pode ter o fato de entrar num jogo já começado e sair dele sem saber o
9
No conceito de cidadania, em que acreditamos e trabalhamos nessa Dissertação, não concordamos com o
significado de algumas palavras escritas pelo autor. As palavras Transformar as crianças em cidadãos
solidários e também quando afirma que precisam ser reconhecidas como cidadãos enquanto são educadas. No
nosso entendimento, a primeira palavra pode ser substituída por preparar, e a segunda trocada por sujeito de
direito.
94
resultado” (BRAYNER, 2008, p. 144). O autor defende que ao menos temos de saber de que
jogo se trata e como podemos jogá-lo, com que peças e quais as estratégias utilizadas antes da
nossa entrada nele. Mesmo sem saber onde tudo isso vai dar, precisa ser a aposta principal da
educação.
Defendo, assim como Sacristán (2001, p. 75), que “na escola, como na vida exterior a
ela, existe a heterogeneidade e a diferença é o normal”. Talvez o maior sentido que podemos
dar a todas as práticas educativas, principalmente as da escola, é de enfrentamento a essa
“diversidade como um dado da realidade. Diante de tal fato, cabem duas atitudes básicas:
tolerá-lo organizando-o, ou tentar submetê-lo a um padrão que anule a variedade”
(SACRISTÁN, 2001, p. 75).
Assim a educação escolar se coloca como o lugar de trabalhar com toda a herança
cultural da humanidade nas diversas áreas do conhecimento. Além disso, deve permitir ao
aluno entre outras coisas sentir-se parte desse mundo, na convivência com a diversidade de
sujeitos, levando em conta a sua singularidade.
95
Nesse movimento acredito que duas obras representam bem essa convergência que
pensa a Educação Física como um componente curricular. A concepção crítico-superadora
(COLETIVO DE AUTORES, 1992) e a proposta crítico-emancipatória (KUNZ, 1994). Essas
duas concepções respondem à pergunta: Para que ensinar na Educação Física a partir de suas
perspectivas? Mesmo reconhecendo que as obras possuem diferenças no modo de entender a
formação do sujeito e da sociedade, detenho-me no ponto que entendo ser comum nas duas
perspectivas, a preocupação pela formação de um sujeito para a atuação na vida pública.
96
Para que a instituição escolar possa dar sua contribuição na organização de espaços de
participação na sociedade deve cumprir seu papel com o que tem de mais precioso, o
conhecimento. Desse modo,
Assim como a Educação Física, “cabe a cada componente curricular fazer isso na
especificidade de seus conteúdos, constituindo-se em espécie de janelas para o mundo”
(GONZÁLEZ; FENSTERSEIFER, 2010, p. 19). O conhecimento tem o poder de esclarecer e
é nisso que podemos avançar; em dar condições para que nossos alunos possam ter uma
leitura de mundo que permita uma participação qualificada na sua vida em sociedade.
Este tipo de pensamento está alinhado à obra de Elenor Kunz (concepção crítico-
emancipatória), que faz parte do movimento renovador da Educação Física. Obras como
Educação Física ensino e mudança (1991) e, principalmente, Transformação didático-
pedagógica do esporte (1994), são marcos teóricos da Educação Física escolar, em especial
na tematização do esporte. Seu trabalho tem contribuído nas reflexões e produções didático-
pedagógicas da Educação Física, e representa uma tendência progressista, defendendo uma
concepção de “pedagogia crítico-emancipatória no ensino da Educação Física escolar”. Kunz
acredita, a partir do pensamento de Habermas, em uma didática comunicativa, privilegiando
os planos do agir para o trabalho, para a interação e para a linguagem, o saber-fazer, o saber-
pensar e o saber-sentir.
Nesta perspectiva, entendo que Kunz responderia ao “para que ensinar” a partir do que
coloca como objetivo da Educação Física da escola, ou seja, o desenvolvimento de três
competências: a competência objetiva, a social e a comunicativa.
A competência objetiva é definida por Kunz (1994, p. 40) como aquela em que “o
aluno precisa receber conhecimentos e informações, precisa treinar destrezas e técnicas
racionais e eficientes, precisa aprender certas estratégias para o agir prático de forma
competente”. O autor continua explicando sobre a necessidade de ampliação dessa
competência, não somente como conteúdo escolar, mas para toda vida: “Precisa, enfim, se
qualificar para atuar dentro de suas possibilidades individuais e coletivas e agir de forma bem-
sucedida no mundo do trabalho, na profissão, no tempo livre e, no caso, no esporte”.
com o outro. Segundo o autor, “isso significa dizer, que conduzir o ensino na concepção
crítico-emancipatória, com ênfase na linguagem, é ensinar o aluno a ler, interpretar e criticar o
fenômeno sociocultural do esporte”.
Os autores citados até aqui têm, nos últimos anos, produzido materiais que servem de
subsídios para diversos professores e grupos de professores na organização da Educação
Física escolar em todo o país. Esses autores privilegiam, com suas concepções teóricas, a
formação de alunos críticos com capacidade de ler o mundo e atuar de forma ética. Esta
produção da teoria crítica na Educação Física tem alimentado a todos que acreditam ser
possível reconstruir uma Educação Física Escolar com qualidade.
Uma das propostas que foram pensadas com base no movimento renovador e sua
produção teórica, são as Lições do Rio Grande e o Referencial Curricular de Educação Física
do Estado do Rio Grande do Sul (GONZÁLEZ; FRAGA, 2009). Neste documento, a
Educação Física está inserida na área das Linguagens e Códigos, juntamente com Artes,
Literatura, Língua Portuguesa e Língua Estrangeira Moderna.
A Educação Física, por sua vez, tenta fazer a sua parte com o desenvolvimento de
atividades preocupadas não apenas em desenvolver a aptidão física dos alunos, “e sim levar os
estudantes a experimentarem, conhecerem e apreciarem diferentes práticas corporais sis-
tematizadas, compreendendo-as como produções culturais dinâmicas, diversificadas e
contraditórias” (GONZÁLEZ; FRAGA, 2009, p. 113).
Acredito que a área da Educação Física tem ainda um caminho grande a percorrer. Ao
mesmo tempo em que se produziu e se produzem propostas de intervenção, pouco se tem
avançado na sua efetivação.
99
Neste sentido, o que se trabalha na escola e a sua relação com a sociedade torna-se
cada vez mais decisivo. De acordo com Sacristán (1998, p. 19), “uma escola sem conteúdos
culturais é uma proposta irreal, além de descomprometida”. O autor esclarece seu
entendimento sobre cultura expondo que:
Outro fator defendido pelo autor é a necessidade de filtrar o que será ensinado, e se
valer de uma ética cultural que permita decidir o que é e o que não é digno de se propagar.
Essa cultura pode ser propagada a partir da educação escolar, porém, segundo Sacristán
(2001), é preciso respeitar as limitações que a escola possui com relação ao tempo disponível
para dar conta de todo esse conhecimento.
100
[...] é preciso dispor de uma forte seleção de conteúdos, representativa dos grandes
campos do saber codificado e da tradição cultural, com grande densidade
significativa potencial, que facilite a decodificação do mundo, da natureza, da
sociedade e da própria cultura, mas respeitosa com a pluralidade de tradições
culturais, pontos de vista e interesses intelectuais presentes e desejáveis em uma
sociedade aberta.
[...] é especialmente valioso e necessário para os que têm posições mais frágeis na
desigual distribuição do capital cultural, em uma sociedade em que se reproduzem
desiguais oportunidades de acesso aos saberes, os quais, paradoxalmente, são os que
mais fracassam.
A seleção que será feita pelos educadores sobre o que ensinar estará sempre
elucidando os propósitos da escolarização. É preciso fazer escolhas e isso acontece, conforme
Sacristán e Gómez (1998, p. 155), porque “para conhecer o que há por trás de qualquer das
práticas é preciso explicitar as ideias, os interesses, os valores e os mecanismos de decisão
que a determinam”. Os autores, então, enfatizam:
A relação direta que se estabelece entre currículo e sociedade nem sempre é explícita.
Os conteúdos definidos como apropriados vinculam-se, de acordo com Sacristán e Gómez
(1998, p. 155), com as “forças dominantes em cada momento e dos valores que
101
historicamente foram delineando o que se acredita que é valioso para ser ensinado ou
transmitido, assim como aqueles valores nos quais se pretende introduzir os alunos/as”. Para
apoiar o caráter social do processo de seleção de conteúdos, os autores ressaltam três
argumentos: o primeiro conforme Sacristán e Gómez (1998, p. 155), é a relatividade
histórica: “Cada sociedade, por meio de mecanismos de que dispõe para propor ou impor,
selecionou um tipo de conhecimento como digno de ser propagado nas escolas”.
Não é por acaso que temas como meio ambiente e língua estrangeira surgem no
cenário educativo. Sobre isso, Sacristán e Gómez (1998, p. 156) explicam que a “consciência
social que nesse momento, ressalta a deterioração do meio ambiente, no primeiro caso, ou
pela pressão por participar no mundo econômico, de serviços e na criação do conhecimento
no caso dos idiomas”, fazem parte de uma demanda da sociedade em um determinado
momento histórico. Assim,
O último argumento apresentado pelos autores é que nem todos têm o mesmo poder
decisório. De acordo com Sacristán e Gómez (1998, p. 156), “o próprio procedimento de
selecionar os conteúdos que formam os currículos é um processo político que socialmente não
é indiferente, porque nele se evidenciam cotas desiguais de poder nas tomadas de decisão”.
102
De início, cabe apresentar alguns pontos que servem de parâmetro de discussão sobre o
lugar do conhecimento da Educação Física na escola, dentro de um processo de transformação
pelo qual vem passando este componente curricular e também a educação. Nesse sentido, quais
são os conteúdos da Educação Física a partir do movimento renovador? As proposições alinhadas
com este movimento entendem que a Educação Física, como disciplina escolar, é responsável por
refletir acerca dos temas da cultura corporal de movimento (brincadeiras e jogos, danças, esportes,
ginásticas, lutas e práticas corporais de aventura).
O sentido que qualquer conteúdo possa ter para o aluno está ligado diretamente ao
sentido que ele tem para sua própria vida. Todas as atividades de aula acabam sendo testadas,
mostrando sua pertinência ou não. Os acontecimentos que fazem parte da vida das pessoas,
104
dos alunos, do local onde vivem, estão imbricados e relacionam-se dando sentido ao que é
realizado na escola. “Isso quer dizer que cabe à escola promover a apreensão da prática social.
Portanto, os conteúdos devem ser buscados dentro dela” (COLETIVO DE AUTORES, 1992,
p. 63).
Em sua proposta, Kunz (1994) elege o esporte como conteúdo, e desenvolve, a partir
do pensamento emancipatório, as possibilidades de seu desenvolvimento na escola. Para além
deste conteúdo, Kunz (1994, p. 150) informa que os “profissionais que atuam no dia-a-dia da
Educação Física, podem garantir uma mudança efetiva ou, pelo menos, propor um programa
mínimo de conteúdos e métodos para cada série escolar”. Esse programa mínimo, segundo o
autor, “deverá ser muito flexível e deixar muitas opções, para atender, principalmente, a falta
ou a existência de locais e materiais específicos para a prática da Educação Física” (KUNZ,
1994, p. 150).
105
Os conteúdos propostos a partir dos PCNs (BRASIL, 1998a) respeitam três critérios
de seleção: a relevância social (práticas da cultura Corporal de Movimento que são marcantes
na sociedade), as características dos alunos (consideração das diferenças entre regiões,
cidades e localidades brasileiras e suas respectivas populações) e a especificidades do
conhecimento da área (a possibilidade de utilização das práticas da Cultura Corporal de
Movimento de forma diferenciada pelo tratamento metodológico disponível na área).
Nos PCNs (BRASIL, 1998a) os conteúdos estão organizados em três blocos (esportes,
jogos, lutas e ginásticas, atividades rítmicas e expressivas e conhecimentos sobre o corpo).
Conforme os PCNs, eles
Assim, cada realidade escolar deve flexibilizar sua prática de acordo com sua
realidade.
O bloco conhecimentos sobre o corpo tem conteúdos que estão incluídos nos
demais, mas que também podem ser abordados e tratados em separado. Os outros
dois guardam características próprias e mais específicas, mas também têm
interseções e fazem articulações entre si (BRASIL, 1998a).
Mais ou menos flexível, toda a organização escolar tenta classificar seus alunos em um
determinado nível ou tipo.
Nesta direção, quase ninguém questiona, por exemplo, o tempo destinado para o ensino de
uma matéria do currículo. Aceitamos que “seja realizado em períodos de aula que variam entre 50
e 60 minutos, como também se considera normal que a carga horária dedicada à disciplina
educação para a cidadania seja menor do que a de matemática” (SACRISTÁN, 2013, p. 22).
Penso que ainda não temos avançado na ideia da reflexão como necessidade para o
entendimento dos processos normativos e as tomadas de decisão, principalmente quando não
atendem ao coletivo dos educadores. O ensino ainda mantém as prescrições curriculares e,
conforme Sacristán e Gómez (1998, p. 222), “os professores/as não atuam necessariamente a
partir de um projeto de escola coerente e coletivamente elaborado”. Existe pouca participação
coletiva dos agentes envolvidos no processo educativo. “No currículo intervém especialistas,
professores/as, agentes diversos que deveriam estar coordenados para servir a uma finalidade
coerente” (SACRISTÁN; GÓMEZ, 1998, p. 199). Podemos perceber claramente, segundo os
autores, que ainda não temos um sincronismo entre os agentes que atuam no sistema
educativo.
Essa falta de sincronia dos agentes ligados à educação tem sustentado formas de
organização da escola que de nada lembra a consideração da subjetividade de cada aluno, ou
ainda o esforço para a construção coletiva do conhecimento. De acordo com Sacristán (2001,
p. 86), “o modelo de graduação mais comum baseia-se no período ano de vida-ano de escola,
que corresponde à transmissão de partes do currículo”. Um objetivo fica muito claro:
Os autores seguem explicando que “dessa forma, os ciclos não se organizam por
etapas. Os alunos podem lidar com diferentes Ciclos ao mesmo tempo, dependendo do(s)
dado(s) que esteja(m) sendo tratado(s)” (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p. 34). Com essa
ideia, Coletivo de Autores (1992) propõe que o sistema de ciclos seja pouco a pouco
introduzido, sem abandonar o sistema tradicional por séries que seria superado com o tempo.
A proposta apresentada acontece em quatro ciclos. Tendo a seriação como referência, a
organização dos ciclos ficaria assim disposta:
109
Também na Educação Física, cada etapa de ensino possui características próprias que
precisam ser respeitadas. Sendo assim, observar que em cada etapa exige-se uma ênfase no
trato dos conteúdos trabalhados, é ponto de partida para ocupar o espaço dentro do tempo
disponível para a Educação Física da escola.
Mesmo não apresentando um conjunto de conteúdos para cada etapa, Kunz (1994),
aponta para a necessidade de “propor um programa mínimo de conteúdos e métodos para cada
série escolar” (Kunz, 1994, 150). Nesse sentido Oliveira (2002, p. 9) afirma que “um dos
grandes problemas da Educação Física escolar está em organizar e sistematizar os conteúdos a
serem trabalhados ao longo da vida escolar, da Educação Infantil até o Ensino Médio”. Mais
recentemente González (2006), González e Fraga (2009, 2012) contribuem neste processo
ampliando as possibilidades para a organização dos conteúdos e quando trabalha-los.
Uma proposta que se notificou por apresentar uma organização para desenvolver os
temas ligados ao conjunto de práticas da CCM foi produzida por González e Fraga (2009), o
Referencial “Lições do Rio Grande”. A Educação Física esta situada nesse referencial na área
do conhecimento de Linguagens e Códigos. Sobre o quando ensinar foi feita uma
sistematização dos saberes que devem ser trabalhados do 6º ano do ensino fundamental ao 3º
ano do ensino médio.
Nesse sentido o referencial apresenta uma organização que garante “uma proposta de
progressão/sequência de competências para cada um dos temas estruturadores” (GONZÁLEZ;
FRAGA, 2009, p. 124). Nessa proposta se respeitou cada ciclo escolar com sua complexidade
ao longo da escolaridade. Para garantir uma progressão das competências, os autores utilizam
três critérios.
Para exemplificar o uso desses critérios González e Fraga (2009, p.125) explicam que
“as competências são organizadas em uma linha de complexificação progressiva”. Nesse
sentido mostram a progressão da aprendizagem no caso dos esportes de invasão “começando
pelas intenções técnico-táticas individuais, passando pelas combinações táticas para,
posteriormente, trabalhar os sistemas de jogo” (GONZÁLEZ; FRAGA, 2009, p. 125). Os
autores esclarecem que não se trata de cumprir etapas, “e sim, de uma progressão espiralada,
pois aí se supõe que as competências adquiridas no ciclo composto pela 5ª e 6ª séries serão
atualizadas na 7ª e 8ª séries do ensino fundamental, e assim sucessivamente em contextos
mais exigentes” (GONZÁLEZ; FRAGA, 2009, p. 125).
Na Educação escolar todo o aprendizado tem relação direta com a forma como
ensinamos. Como propiciamos a aprendizagem dos conteúdos selecionados em cada
componente curricular?
Junto do ato educativo estão presentes questões que, às vezes, não são percebidas pelo
professor. A capacidade de entendimento do professor sobre estas questões que são sociais,
culturais e econômicas, certamente terá influência no momento de mediar e proporcionar aos
alunos as condições que possam ajudá-lo a entender as situações mais diversas. A maneira
que o professor coloca-se para ensinar, portanto, demonstra o respeito ao aluno no seu direito
de aprendizagem sobre qualquer tema trabalhado e as relações deste com sua vida.
Para trabalhar todos esses elementos apontados pelo autor, depende de o professor
assumir uma postura política que dê aos alunos a possibilidade de serem respeitados como
sujeitos participantes de um mundo comum, e, portanto, em condições de exercitar por
intermédio do diálogo, da argumentação, da problematização, do conhecimento e da reflexão,
sua efetiva condição de aluno de uma escola comprometida com formas intersubjetivas de
trabalhar. Essa maneira de trabalhar é exemplificada pelo autor como a qualidade “de se
colocar no lugar do outro sem, no entanto, perder suas próprias e pessoais referências”
(BRAYNER, 2008, p. 128).
112
Sobre esta escola, a Educação obrigatória e sua diversidade, Sacristán (2001, p. 90)
lembra que “diversificar na escola obrigatória, que tem a meta essencial da desigualdade,
supõe, em primeiro lugar, introduzir fórmulas de compensação em cada sala de aula, em cada
escola ou fora dela”. Percebe-se a complexidade de trabalhar o conhecimento junto da
diversidade na Educação. Sobre isso, Sacristán (2001, p. 92) defende que “a diversidade dos
sujeitos deve ser respondida com a diversificação da pedagogia”. Mesmo assim, aponta para
limites do seu desenvolvimento pela rigidez estabelecida no processo educativo.
Diversificar ritmos de aprendizagem, propor atividades variadas, trabalhar em torno
de projetos adequados às possibilidades de cada um, implantar qualquer outra
medida que amplie a norma ideal de progresso estabelecida de forma rígida é difícil
quando dispõe de curto espaço de tempo (SACRISTÁN, 2001, p. 92).
Para ocorrer a inclusão, com uma escola para todos, “precisamos de uma pedagogia da
complexidade, de forma que as tarefas acadêmicas possam ser atraentes e desafiadoras para
todos, sem que todos sejam obrigados a fazer as mesmas coisas” (SACRISTÁN, 2001, p. 93).
3.4.2 Processos Metodológicos que Caracterizam e Orientam Professor e Aluno na Educação Física
O que se deve ensinar e as formas de realizar este ensino são perguntas recorrentes, em
especial, na Educação Física. No presente trabalho apresentamos discussões a partir de uma
perspectiva crítica sobre os propósitos da Educação Física na escola, os conteúdos trabalhados
e o tempo de execução de cada prática. Como pode ser a mediação em sala de aula para que
aconteça aprendizagem pelos alunos? Qual a melhor forma de ensinar? Vamos trazer alguns
apontamentos sobre método de ensino em Educação Física escolar.
[...] implica um processo que acentue, na dinâmica da sala de aula, a intenção prática
do aluno para apreender a realidade. Por isso, entendemos a aula como um espaço
intencionalmente organizado para possibilitar a direção da apreensão, pelo aluno, do
conhecimento específico da Educação Física e dos diversos aspectos das suas
práticas na realidade social (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p. 87).
113
Percebo que as formas como é pensado o como ensinar na Educação escolar têm um
grau de alinhamento com as da Educação Física, sendo a diversidade de possibilidades
trazidas pelos autores da Educação algo também presente na nossa área. Em particular, a
sistematização dos autores da Educação Física neste tópico de como ensinar e as estratégias
usadas pelos autores, têm marcas em todas as Unidades Didáticas que desenvolvo.
115
A avaliação sempre estará presente em tudo o que fazemos nas mais diferentes áreas;
mesmo que passe despercebido pela maioria das pessoas, não vivemos sem nos avaliar.
Alguns elementos podem contribuir para que atualmente a avaliação não consiga
responder realmente pela aprendizagem do aluno, como a preocupação com o número de
alunos em sala de aula, as avaliações externas e as cobranças burocráticas. Por essa complexa
rede de acontecimentos e a turbulência que se vive dentro das escolas, o que acaba valendo é
o resultado final e não a aprendizagem.
A aprendizagem não pode acontecer se não tiver condições para isso. Todos os passos
precisam ser organizados para que, durante o processo de avaliação, se consiga fazer ajustes
necessários. De acordo com Sacristán e Gómez (1998, p. 297), “qualquer processo didático
intencionalmente guiado implica uma revisão de suas consequências, uma avaliação do
mesmo. A avaliação serve para pensar e planejar a prática didática”.
Para Luckesi (2008, p. 174), o uso da avaliação da aprendizagem na escola tem dois
objetivos: “auxiliar o educando no seu desenvolvimento pessoal, a partir do progresso de
ensino-aprendizagem, e responder à sociedade pela qualidade do trabalho educativo
realizado”.
Nesta lógica, a avaliação está longe de ser um ato seletivo ou classificatório, e sim um
momento para criar condições para o aluno estar sempre avançando. Conforme Luckesi
(2008, p. 180), “a avaliação se destina ao diagnóstico e, por isso mesmo, à inclusão; destina-
se à melhoria do ciclo de vida. Deste modo, por si é um ato amoroso”. É preciso fazer com
que o aluno consiga, a partir da avaliação escolar, “um mínimo necessário de aprendizagem
em todas as condutas que são indispensáveis para se viver e se exercer a cidadania, que
significa a detenção das informações e a capacidade de estudar, pensar, refletir e dirigir as
ações com adequação e saber” (LUCKESI, 2008, p. 45).
117
O currículo se impõe, então, afirmando o que é preciso saber e o que se deve avaliar,
mesmo que, em muitos casos, não se avalia aquilo que foi ensinado, ou não deixamos claro o
que será avaliado e como será feito. Na seleção do que será avaliado, “o valor diagnóstico da
avaliação exige centrá-la em aspectos ou dimensões mais concretas do sujeito ou da realidade
a ser avaliada” (SACRISTÁN; GÓMEZ, 1998, p. 305). Essa seleção, de acordo com Sacristán
e Gómez (1998), exige fazer escolhas do conhecimento que o professor julgue relevante. Para
isso, as decisões não serão apenas técnicas sobre os “conteúdos selecionados, mas também
uma valorização em que se expressa uma filosofia, uma ideologia, uma visão de mundo, toda
uma teoria pedagógica implícita” (SACRISTÁN; GÓMEZ, 1998, p. 305).
Na busca de entendimento sobre o que avaliar, Luckesi (2008, p. 45) assevera que é
indispensável que “o professor estabeleça previamente o mínimo necessário a ser aprendido
efetivamente pelo aluno”. Ao final de um processo de ensino é preciso que o aluno ao menos
perceba que, de todas as atividades propostas, conseguiu aprender o suficiente e assim ir se
preparando para participar cada vez mais conscientemente das decisões que dizem respeito a
sua vida individual e coletiva.
Como orientação, Darido (2005, p. 135) opta “por discutir o que avaliar na dimensão
conceitual, procedimental e atitudinal”. Na dimensão conceitual, a autora (2005, p. 36) afirma
que devemos “evitar utilizar apenas provas escritas em que se deve responder exatamente
conforme o que foi apresentado pelo professor”; é preciso “observar o aluno durante todas as
aulas e, se for o caso, em trabalhos e vídeos, solicitando a sua interpretação dos conceitos
apresentados” (p. 136).
Se a avaliação for pensada na relação com o tempo (quando ensinar), pode ser um
instrumento que ajuda na construção do projeto de ação. Por isso, de acordo com Luckesi
(2008, p. 116), “a avaliação poderia ser compreendida como uma crítica do percurso de uma
ação, seja ela curta, seja ela prolongada. Enquanto planejamento dimensiona o que vai
construir, a avaliação subsidia essa construção, porque fundamenta novas decisões”. Este ato
crítico e de acompanhamento do percurso auxilia na verificação do que estamos fazendo.
Conforme Luckesi (2008, p. 118), “a avaliação atravessa o ato de planejar e de executar: por
isso contribui em todo o percurso da ação planificada”.
Um exame tradicional com várias perguntas, uma prova objetiva, uma entrevista, um
questionário de opiniões, a realização de um trabalho escrito, a defesa de um
argumento oralmente, a execução de habilidades práticas, a confecção de aparelhos
ou objetos, são meios possíveis para obter informações muito diversas
(SACRISTÁN; GÓMEZ, 1998, p. 307).
Para Luckesi (2008), cada etapa de sua ação deve ser marcada por decisões claras e
explícitas; a avaliação neste contexto nunca poderá ser mecânica. “Ao contrário, terá que ser uma
atividade racionalmente definida, dentro de um encaminhamento político e decisório a favor da
competência de todos para a participação democrática da vida social” (LUCKESI, 2008, p. 46).
Para quem se pergunta se as provas podem fazer parte das formas avaliativas nas aulas
de Educação Física, Darido (2005, p. 133) responde que “a prova pode ser útil quando
desejamos avaliar a capacidade do aluno para organizar ideias e expressar-se claramente”. A
autora reconhece, porém, limitações no uso destas provas principalmente quando queremos
122
Sempre que podemos ter um olhar sobre nós mesmos, estamos revendo e
oportunizando crescimento próprio. Na avaliação, Darido (2005, p. 133) mostra que a
autoavaliação pode ser realizada, pois “permite ao aluno tomar uma posição diferente,
fazendo dele não um mero executor de ordens, mas alguém que tem clareza das metas do
projeto, das críticas ao seu trabalho, do domínio do seu caminhar”. Reforça que devemos
considerar, entre as práticas autoavaliativas, especialmente “aquelas em que o aluno pode
analisar seu conhecimento sobre um assunto antes e depois de estudá-lo” (DARIDO, 2005, p.
133).
Ao final deste tópico que trata da avaliação escolar, posso afirmar que os problemas
sobre a avaliação na educação trazidos pelos autores não são os da Educação Física. Se existe
algum problema na área é da não avaliação. Não se tem na Educação Física em geral clareza e
definição de objetivos a ensinar, logo não há o que avaliar; não acontece avaliação. O que se
avalia normalmente são as questões atitudinais, frequência ou ainda se inventa uma nota ou
avalia a aptidão física sem muita intenção; apenas se traduz algo em nota, o que para os
alunos até faz algum sentido.
Por outro lado, se tivermos a intenção de avaliar o aluno podemos, por intermédio do
conjunto de tipos de avaliação (diagnóstica, formativa e somativa), oferecer possibilidades
reais a todos de aprendizagem, independente do tipo de prática corporal que se pretende
trabalhar.
123
CAPÍTULO 4
O quarto capítulo retrata o diálogo que estabeleci entre a minha prática curricular,
descrita no segundo capítulo, e algumas das proposições sobre currículo apresentadas pelos
autores discutidos no terceiro capítulo. Nesse processo, busquei responder questionamentos
que formulei à medida que fui aprofundando no campo teórico, em tensão com a descrição do
que tenho materializado na minha prática curricular na escola.
Dessa forma, para desenvolver este capítulo optei, em linhas gerais, por organizar as
reflexões sobre três pontos: no primeiro perguntei sobre a aproximação da minha prática
curricular com a teoria, sobre a convergência desse pensar-fazer com os pressupostos teóricos
referidos no terceiro capítulo. No segundo indaguei em que medida minha prática pedagógica
se distância dos pressupostos defendidos na literatura e com os quais me identifico, mas que
efetivamente não se localizam em meu fazer. Por último, inverti o sentido do questionamento,
e procurei interpelar as propostas teóricas a partir do conhecimento originado em meu fazer,
tensionar as afirmações sobre a prática curricular encontradas na literatura com base no
conhecimento profissional.
As indagações supracitadas foram feitas para cada uma das perguntas estruturantes do
ensino utilizadas para desenvolver o capítulo 3. Diante disso, os próximos tópicos organizam
o esforço de tensionamento entre a teoria e a minha prática profissional.
Tomando esses entendimentos como base, quando refleti sobre o para que ensinar
procurei tensionar minha prática considerando como pergunta chave a seguinte: Será que a
forma que tenho organizado, planejado e conduzido minha prática curricular e pedagógica
auxilia na instrumentalização dos sujeitos para serem, no futuro, cidadãos críticos,
conscientes da realidade e para conviver e intervir no mundo de forma mais esclarecida?
Acredito que sim.
Por outro lado, a reflexão proporcionada pelos autores, referente ao para que ensinar,
me leva avaliar em que medida as dimensões dos conteúdos foram enfatizadas no trabalho
pedagógico da mesma forma. Pensando sobre isso, reconheço que, particularmente no início
de meu trajeto profissional, valorizei mais a experiência corporal dos alunos do que a reflexão
sobre essa prática ou a contextualização com a realidade dos alunos.
Olhando para os primeiros anos analisados neste trabalho (2006, 2007), percebo que
propus muitas atividades desconectadas de um objetivo maior de formação como o proposto
pelos autores. Eram práticas pedagógicas sem intenções formativas claras ou conscientes.
Nesse momento, os esforços se concentravam em tratar temas diversos nas aulas de Educação
Física, enquanto as questões pedagógicas (garantia de uma sequência na aprendizagem),
mesmo sendo uma preocupação, ficavam enfraquecidas.
125
Uma resposta mais consistente sobre o para que ensinar, foi sendo construída ao longo
dos anos, à medida que a preocupação com o que e o como fazer foi diminuindo. Dar conta
dessas dimensões vinculadas com a seleção e organização dos conteúdos, em conjunto com o
como ensiná-los foi abrindo espaço para indagações mais sistemáticas de porque ensinar o
proposto na Educação Física.
Entendo que a melhora da minha prática tenha sido porque sempre me deixei ser
perguntado e, assim, a teoria manteve-se do meu lado perguntando e me fazendo refletir. Essa
abertura para os questionamentos feitos durante a caminhada docente, vem desde a formação
inicial como professor e até mesmo nas atividades anteriores fora da universidade. O diálogo
entre teoria e prática sempre se manteve em movimento, às vezes com predomínio de um, às
vezes de outro, ou seja, a prática curricular e pedagógica sempre sendo planejada, executada e
avaliada de forma entrelaçada com a teoria.
A partir deste ponto, a minha análise sobre a prática curricular realizada passa a ser
tensionada de forma mais específica pelos autores da Educação Física. Para isso, inicialmente,
escolhi refletir sobre o para que ensinar na Educação Física a partir da concepção crítico-
emancipatória de Elenor Kunz (1994), que propõe como finalidade da intervenção pedagógica
em Educação Física o desenvolvimento de um conjunto de competências, objetiva (técnicas),
social (entender as relações socioculturais) e comunicativa (saber se comunicar e entender a
comunicação dos outros). Dessa forma, inspirado no autor, me perguntei: A forma como
tenho trabalhado as aulas tem favorecido o desenvolvimento de competências objetiva, social
e comunicativa? Penso que sim.
126
A resposta a esse questionamento não está relacionada aos conteúdos que compõem o
plano de estudo, mas, sim, e principalmente, com a forma como conduzo as aulas, o trato com
os alunos e a valorização dos saberes corporais e conceituais dos conhecimentos trabalhados.
Nesse sentido, aponto alguns exemplos, descritos no segundo capítulo, que entendo
contemplam aspectos propostos pelo autor em sua teoria sobre as competências.
No que se refere à competência social, olho para a proposta curricular e acredito que
ela é desenvolvida na mesma UD, quando propicio que as relações de gênero sejam
problematizadas a partir das diferenças entre meninas e meninos no jogo. As reflexões sobre a
participação coletiva e solidária durante o jogo estão representadas nas várias adaptações
realizadas na organização de equipes mistas e na forma de jogar.
Sobre a competência comunicativa, penso que seja a mais difícil de ser alcançada, pois
envolve discussões sobre a influência do fenômeno esportivo (ou de outras práticas corporais)
na vida de cada um e no ambiente escolar. A partir dessa percepção pergunto-me: Será que
tenho clareza suficiente para desenvolver essa competência com os alunos? O “perfil” de
alunos com o qual trabalho tem possibilidades de desenvolver tal reflexão? Ou, ainda, as
dificuldades encontradas em tratar essa competência é sinal de que este grupo, em especial
nesse local, tem outro tipo de preocupação?
Olhando para minha prática, penso que uma possibilidade de melhorar o que já faço,
passa por aprimorar o trabalho com a competência comunicativa (KUNZ, 1994). Por outro
lado, entendo que propiciar que os alunos desenvolvam uma leitura crítica do fenômeno
esportivo é bastante desafiador. Mais do que isso, percebo que os alunos dos anos finais do
Ensino Fundamental encontram dificuldades para discutir sobre a atuação e a influência do
esporte na vida de cada um (entender a relação do esporte com o consumo). Nesse sentido,
10
O esporte ocupa um espaço importante entre todos os temas da Cultura Corporal de Movimento que são
tratados nas Educação Física desta escola. Foi construída uma sequência de todos os temas durante os quatro
Anos Finais do Ensino Fundamental, e, levando em conta as questões socioculturais, é contemplada uma
diversidade de esportes durante os quatro anos (sete tipos), em especial os esportes de invasão (futebol sete)
com um aprofundamento de um ano para outro.
127
talvez a idade dos alunos e a fase escolar em que se encontram não sejam as mais propicias
para avançar no ensino-aprendizagem dessa competência. Outro aspecto que deve ser
considerado é a necessidade de se trabalhar com essa competência em todas as disciplinas do
currículo escolar, pois, segundo Kunz (1994, p. 151), “só existe uma formação crítico-
emancipadora da escola e não de uma disciplina”.
Será que a escola, com todos os componentes curriculares, seria capaz de fazer um
trabalho coletivo para obter êxito nesse processo de ensino-aprendizagem através da
competência comunicativa? Por outro lado, a partir das tensões propostas pela teoria,
pergunto-me: A Educação Física, por ter a “preferência” da maioria dos alunos na relação
com as outras disciplinas, pode potencializar o começo de um movimento em que essa
competência comunicativa esteja contemplada?
Como integrante desse processo que pensa o para que ensinar na Educação Física,
questiono minha prática e também pergunto a teoria. Estou nesse movimento de corpo inteiro,
tentando me entender para avançar naquilo que penso e faço. Até aqui (no desenvolvimento
da minha prática curricular e pedagógica) e de agora em diante (na sequência de tudo o que
farei a partir deste trabalho), é preciso caminhar junto com a teoria e tentar, a partir de um
tensionamento constante avançar sempre.
Quando Sacristán e Gómez (1998) apresentam suas ideias sobre o que ensinar,
salientam a importância de manter as tradições culturais e o trabalho com o conhecimento
acumulado apontando para três aspectos que devem ser levados em consideração na seleção
de conteúdos: a) relatividade histórica, vinculada com a demanda de uma sociedade num
determinado momento histórico, b) a constatação de que a seleção de conteúdos favorece
mais uns do que outros e, c) o fato que nem todos os envolvidos no processo educativo têm o
mesmo poder decisório, e que as escolhas acontecem a partir da força social de cada agente
nesse processo. O estudo dos autores levou-me a perguntar em relação a minha prática
curricular: Como tenho feito a seleção de conteúdos do que ensino nas aulas de Educação
Física?
Ao revisar os vestígios, reconheço que a preocupação principal tem sido garantir o
respeito à pluralidade de conteúdos e tradições culturais. A ideia é a de que se a escola não
permitir o acesso a todos os conteúdos dos quais este componente é responsável, ficam
limitadas as possibilidades de os alunos das redes públicas chegarem a esses conhecimentos
em outros espaços.
128
Inicialmente, pela diversidade de conteúdos que tenho trabalhado e as formas com que
planejei e executei as aulas, acredito não ter feito distinção de grupos nessa escolha.
Desenvolvi minha prática com o objetivo principal de apresentar aos alunos e alunas a
diversidade de conteúdos, respeitando as diferenças individuais, mas, ao mesmo tempo,
cobrando a participação e envolvimento para que todos tivessem acesso aos conteúdos com
possibilidades de aprender. Mesmo com essa constatação, questiono-me: Nessa escolha de
conteúdos ambos os gêneros são contemplados? Será que tanto os que mais sabem (mais
habilidosos) quanto os que menos sabem (menos habilidosos) são contemplados? Os
conteúdos culturais de raízes étnicas diferentes são contemplados (negros, índios, diferentes
Estados, etc.)?
Diante disso, paralelo às decisões dos alunos, continuo acreditando que possibilitar a
diversidade de conteúdos é a melhor forma de contribuir na formação desses alunos. Para o
trabalho ou para o aprofundamento dos estudos, seja qual for a escolha, estarão sendo
considerados todas as experiências de vida do aluno e não apenas o trabalho nas aulas de
Educação Física.
O terceiro aspecto a considerar refere-se ao fato de que nem todos têm o mesmo poder
decisório na escolha de conteúdos.11 Nesse sentido, também concordo com os autores, pois,
quando penso sobre este critério, enxergo, na figura do professor, aquele que vai definir com
quais conteúdos irão trabalhar. Cabe a ele justificar essa prevalência mostrando a importância
de se manter vivo o conjunto de manifestações da CCM produzidos ao longo do tempo.
Quando reflito e penso sobre a prática curricular desenvolvida, vejo que também é
função do professor, sem deixar de lado a diversidade, reconhecer que alguns conteúdos têm
peso maior do que outros, principalmente por questões socioculturais locais. Também
referente a isso, o professor precisa contextualizar e explicitar com clareza o porquê dessas
escolhas.
11
O planejamento participativo, assim como foi pensado no início de minha prática, em que os alunos exerciam
maior poder de decisão na escolha dos temas que eram tratados, com o tempo mostrou seus limites e foi
reconfigurado. Hoje, a participação dos alunos na escolha dos temas não compromete a proposta na
Educação Física da escola, limitando-se no exemplo do esporte de rede divisória em escolher entre a
modalidade a ser praticada (voleibol ou tênis).
130
Em linhas gerais, entendo que estou em sintonia com a afirmação do autor, mais a
partir do que falo e da forma que me relaciono com os alunos no espaço escolar, em
momentos informais, do que propriamente com algo que é sistematizado e trabalhado em uma
ou outra prática corporal que desenvolvo. Percebo-me um professor que se comunica bem
com os alunos e, pela avaliação deles próprios, “alguém que fala bastante”.
Mesmo que esse tipo de comunicação não garanta por si o desenvolvimento dessa
competência, é ponto de partida para tentar mudar o que Kunz (1994) chama de “silêncio
intelectual” na escola, em especial nas aulas de Educação Física. Concordo com o autor de
que é preciso exercitar o pensamento crítico a partir da fala do aluno, descrições de situações-
problema e outras formas de participação ativa no grupo de sala de aula e na escola em geral.
Para continuar dialogando com a teoria e também seguir tensionando minha prática,
mais uma pergunta, discutida com os autores das teorias críticas no terceiro capítulo, ocupa
espaço na reflexão: Quando ensinar na Educação escolar?
A Educação Física, quando desafiada a pensar sobre quando ensinar, mostra através
do tempo o quanto tem se esforçado nos últimos anos para apresentar uma organização desse
componente curricular que contemple uma proposta com os diversos temas da CCM divididos
nos quatro Afefs. Isso, talvez seja o resultado do que foi postulado por Kunz (1994) no final
de sua obra, apontando para a necessidade de “propor um programa mínimo de conteúdos e
métodos para cada série escolar” (p. 150). Nesse sentido, o componente continuou avançando.
Mais recentemente, González (2006), González e Fraga (2009, 2012) assumiram esse
compromisso para contribuir neste processo, construindo uma proposta que garanta a
abordagem da diversidade de temas da Cultura Corporal de Movimento com objetivos
definidos e condições de aprofundamento dentro de um tempo necessário para desenvolvê-
los.
Quando reflito sobre essa afirmação dos autores, também me questiono: Tenho
contemplado, na proposta curricular que desenvolvi, a diversidade e o aprofundamento de
práticas corporais nas aulas de Educação Física? Acredito que sim.
diversidade, não aleatória, mas intencional, feita a partir de escolhas do que é importante e
significativo. Essa escolha respondeu a critérios de uma variedade de práticas, de
modalidades, de exercícios práticos. O que os alunos aprendem faz parte de um conjunto que
tem seu tempo e seu lugar no planejamento. Trabalhar nessa lógica não significa trocar de
prática todas as aulas, mas fazer com que aconteçam durante os quatro Afefs. Um exemplo
foi o trabalho com os sete tipos de esportes distribuídos nesse tempo.
Com isso entendo que consegui juntar diante de tantas incertezas a diversificação e o
aprofundamento. A escolha de quando trabalhar, o acompanhamento teórico, minha teimosia
no enfrentamento aos alunos. Nesse momento em que percebo tudo o que foi preciso para
chegar nessa amostra do que é possível alcançar a partir da organização e o planejamento,
também me certifico que não é por acaso.
134
Minha sustentação teórica nessa obra de González e Fraga (2009) possibilitou sonhar
com uma Educação Física comprometida não apenas com a tradição que nos oferecia a
predominância do esporte nas aulas de Educação Física, mas sim, com reais possibilidades de
aprendizagem de diversas práticas corporais. Isso dentro de um componente com
conhecimento específico e afinado com uma proposta curricular da escola.
Se, por um lado, este tipo de organização ajuda as escolas na regulação de suas ações,
por outro coloca todos os alunos como iguais, como se não tivessem ritmos e diferentes
formas de aprender. Nesse sentido quando reflito sobre a prática curricular na Educação
Física, reconheço-a como um componente que faz parte desse sistema escolar. Desse modo
me pergunto: Será que consigo, a partir da proposta curricular, abrir espaços e realizar ações
que valorizam e consideram o ritmo de cada aluno? Inicialmente, penso que sim.
Para isso retomo o que sistematizei no capítulo dois e tento perceber aproximações da
proposta curricular com algumas ações que desenvolvi como exemplo do quando ensinar. De
todas as situações possíveis vou descrever dois momentos que mostram o que quero expor.
Continuando a análise com apoio nas perguntas estruturantes, vamos dialogar sobre os
métodos de ensino-aprendizagem utilizados na minha prática curricular e a relação que se
estabelece com a teoria, primeiro da Educação e depois da Educação Física. Além dos
propósitos, os conteúdos e sobre o quando ensinar já desenvolvidos nesta análise, agora,
também, o como ensinar será tensionado.
No capítulo três trago uma afirmação desafiadora de Sacristán (2001, p. 92) para
qualquer professor: “a diversidade dos sujeitos deve ser respondida com a diversificação da
pedagogia”. Nesse sentido, volto o olhar para o que desenvolvi no capítulo dois e pergunto-
me: Consegui diversificar (trabalhar com diferentes sujeitos) e manter o equilíbrio variando,
também, as formas de como ensinar nas aulas de Educação Física? Posso concluir que sim.
Outra situação que ilustra as formas de ensinar presentes na minha prática curricular
está relacionada à participação dos alunos na escolha das práticas corporais tematizadas nas
UDs. Dentro dessa diversidade de temas trabalhados, abre-se espaço para os alunos fazerem
escolhas de modalidades dentro de um determinado tipo de esporte. Exemplo, nos esportes de
rede divisória, escolher entre o voleibol e o tênis.
Na sequência da análise sobre o como ensinar, continuo olhando para o que tenho
feito. Penso que o caderno da disciplina mesmo não sendo diretamente uma forma de ensinar,
tem sua importância no registro das partes da aula, seu objetivo e conteúdo. O caderno ajudou
organizar e tornou-se nesse tempo um elemento importante, principalmente para a nossa área,
que não possui uma tradição de registrar no cotidiano escolar da Educação Física o trabalho
realizado. Refiro-me a predominância de atividades práticas, que não passa pela preocupação
de registros dos conceitos do que é desenvolvido, e sim resiste à ideia de aceitar o
componente curricular como um espaço de conhecimento e ensino-aprendizagem.
Todas estas estratégias que usei como resposta para a diversificação da pedagogia em
resposta a diversidade de sujeitos levantada por Sacristán (2001) tiveram como apoio nas
propostas de González e Fraga (2009, 2012), que, por sua vez, sugerem o modelo “Sport
Education” de Daryl Siedentop (1994) para o trabalho com os esportes de invasão o que me
proporcionou inovar em mais uma forma de trabalho com essas modalidades, o
“campeonato”. Nessa metodologia, os alunos não apenas assistem à aula ou obedecem ao
professor, mas organizam suas equipes e materiais, apresentam suas ideias no coletivo, são
protagonistas, assumindo diversos papéis durante o desenvolvimento da UD (jogador, árbitro,
observador, secretário, técnico, gandula, etc.).
137
No terceiro capítulo, apresento uma pesquisa de Sousa e Moura (2015) que sintetiza as
contribuições acadêmicas da literatura brasileira sobre metodologias de ensino em Educação
Física escolar nos últimos dez anos. Nessa análise foram identificadas 11 categorias
pesquisadas em 79 artigos, sendo que as mais encontradas ficaram na seguinte ordem:
Interação, contextualização, dimensão dos conteúdos, valorização das experiências dos
alunos, diversidade de experiências, problematização, autonomia e criatividade, ludicidade,
compreensão e transferência de habilidades, modificação estrutural do conteúdo e utilização
de recursos tecnológicos (SOUZA; MOURA, 2015).
Quando olho para a minha prática me pergunto: Em que medida as formas com que
ensino estão contempladas nessas categorias? Entre os 79 artigos investigados na pesquisa
está a Tese de Doutorado (CARLAN, 2012), em que fui objeto de pesquisa durante seis meses
referente à prática esportiva. Este trabalho apareceu classificado em duas das categorias
(transferência de habilidades e dimensão dos conteúdos), ou seja, minha prática no trato com
o esporte esteve presente nessas duas categorias. Se considerar minha prática curricular como
um todo, penso que dialogo com as diversas categorias apontadas na pesquisa, que encontra
marcas em todas as UDs que desenvolvi.
Pensando de que forma a minha prática pode interpelar a teoria a partir do que faço,
começo reconhecendo, em particular, uma obra que foi um marco no meu trabalho com a
Educação Física escolar. A teoria de Kunz (1994) está dentro de um contexto que, na minha
trajetória, ajudou a romper com a ideia do trabalho centrado na reprodução de movimentos e,
a partir disso, pelas próprias reflexões, fui pensando formas de ensinar apoiado também em
outros referenciais, como González e Fraga (2009, 2012), o que possibilitou ir se
aproximando de uma ideia de desenvolver as aulas priorizando o ensino-aprendizagem.
Hoje estou fazendo uma síntese pessoal do meu trabalho. O que ainda falta não é
diminuir a distância com a teoria, mas com a minha própria proposta. O que preciso avançar?
Entre o que eu faço e o que eu penso o que poderia ser feito diferente? Não eu com a teoria,
mas eu comigo mesmo? Na metodologia não há um teto a se alcançar; em tudo que venho
experimentando e inovando o caminho continua aberto para sempre avançar mais.
138
Nesse sentido, olhando para minha prática curricular me pergunto: A avaliação tem
sido um instrumento de classificação e de controle nas minhas aulas de Educação Física?
Acredito que não.
Conforme Luckesi (2008), a avaliação ainda não tem cumprido sua função. Para o
autor, a avaliação deve servir para que o aluno consiga “um mínimo necessário de
aprendizagem em todas as condutas que são indispensáveis para se viver e se exercer a
cidadania, que significa a detenção das informações e a capacidade de estudar, pensar, refletir
e dirigir as ações com adequação e saber” (p. 45). Sobre essa afirmação, pergunto-me: As
formas avaliativas que utilizo têm construído aprendizagem que contribuam para que os
alunos consigam melhorar sua capacidade reflexiva com ações equilibradas? Trabalho para
isso.
Para realizar a contento esse desafio, utilizei, durante as UDs, formas avaliativas que
tiveram esse papel de diagnosticar o momento em que está o aluno em determinada prática. A
partir desse movimento inicial fiz o acompanhamento, em alguns momentos informais (fora da
aula, mas na escola) e em outros pela observação e anotações em aula. Foram filmagens,
conversas entre professor e aluno, fotos e a uso de fichas de observação (scout) entre os alunos.
Dessa forma, volto para a prática curricular e pergunto: Em que momentos, além de
avaliar os conteúdos (práticas corporais) também foquei o olhar para as questões e saberes
críticos incorporados a essas práticas? Nessa análise retomo o capítulo dois, e lembro-me de
registros e encaminhamentos com o tema esporte em que foi realizado um debate (tribunal)
referente a “jogar, torcer, viver futebol!” (GONZÁLEZ; FRAGA, 2012, p. 78). Essa
experiência proporcionada aos alunos exemplifica o trabalho com os saberes críticos. Esse
movimento oportunizou o debate sobre as relações entre a paixão de jogar e a violência nos
estádios entre torcidas.
140
Para falar sobre o que avaliar na Educação Física recorro a uma autora que marca
presença também nas questões referentes à avaliação. Darido (2005, p. 135) opta “por discutir
o que avaliar na dimensão conceitual, procedimental e atitudinal”. Essa afirmação me faz
pensar sobre a minha prática e refletir a partir de um questionamento: No tipo de avaliação
que fiz e na escolha de o que avaliar estão as dimensões conceitual, procedimental e
atitudinal? Penso que sim.
Procurei em todo meu percurso docente colocar essas três dimensões como parâmetro
na escolha do que avaliar. Assim ao refletir sobre a proposta curricular, penso em algumas
situações que servem para mostrar os encaminhamentos dados na avaliação dessas dimensões.
A grande maioria das práticas desenvolvidas nas UDs foi avaliada dessa forma, porém vou
usar o exemplo da ginástica: exercício físico, descrita no capítulo dois. Nessa unidade estão
bem-marcadas da dimensão conceitual no momento da construção do plano de treinamento,
passando pela produção do vídeo de um treino, o cálculo da frequência cardíaca e a zona de
treinamento, até a prova escrita. Participar de uma experiência em que são necessárias
diversas adaptações corporais para desenvolver um programa de resistência aeróbica (corridas
e caminhadas) foi outro momento marcante (dimensão procedimental). Por último, a
dimensão atitudinal, que esteve presente em toda a UD, nos encaminhamentos e na formação
do grupo fechado de trabalho do Facebook, com postagens e comentários (respeito consigo
mesmo e com o outro). As atitudes e o comportamento dentro da academia na relação com as
pessoas e na experiência com as atividades desenvolvidas também são exemplos da dimensão
atitudinal.
Outro critério que, mesmo sem estar diretamente ligado à aprendizagem fez parte da
avaliação desta UD, foi referente ao material de apoio (apostila), em que se avaliou o fato de
trazer o material nas aulas, o caderno para registros das aulas e o uso do uniforme
(imprescindível para a participação nas aulas). Esses materiais, juntamente com o conjunto de
dimensões, fazem parte do processo avaliativo da minha proposta curricular.
Essa dificuldade para avaliar o tempo todo vai além das limitações encontradas na
educação em geral e deflagra uma relação ainda fragmentada quando tratamos sobre o quando
avaliar na área da Educação Física escolar. Para facilitar o trabalho, conforme Darido (2005,
p. 138), é possível dividir “a avaliação em três momentos distintos; avaliação diagnóstica,
formativa e somativa”. Considerando essas possibilidades avaliativas ao visualizar minha
prática curricular pergunto-me: Minha prática contempla esses três momentos durante o
processo avaliativo? Acredito que sim.
Outro momento avaliativo apresentado pela autora e que tensionei com minha prática
curricular vincula-se com a avaliação somativa. Esse tipo de avaliação está centrada no
resultado final. Nessa dimensão, normalmente são provas aplicadas ao final de um processo,
uma “mensuração” do produto final de um trabalho. Quando olho para a minha prática vejo o
que tenho feito e penso que este tipo de avaliação faz parte do conjunto de momentos
avaliativos em quase todas as UDs que desenvolvi.
142
Na sequência das questões estruturantes, estamos diante de mais uma pergunta, assim
como as anteriores difícil de ser contornada. De acordo com Sacristán e Gómez (1998, p.
307), “cada procedimento de avaliação tem possibilidades específicas para proporcionar
conhecimento sobre a realidade avaliada”.
Diante disso, penso ser necessário tensionar o que apresenta a teoria com aquilo que
está registrado na proposta curricular desenvolvida no capítulo dois. Ao considerar a
afirmação de Darido (2005) sobre o variado número de instrumentos de avaliação possíveis de
143
serem usados para ajudar nas aprendizagens da Educação Física, pergunto-me: A avaliação
que tenho desenvolvido contempla a diversidade de instrumentos citados? Na sua grande
maioria sim.
A influência da teoria na forma com que realizo a avaliação, me faz perguntar: Como
poderia melhorar minha prática avaliativa considerando a teoria estudada? A partir de alguns
instrumentos, como a observação e registros e o portfólio sugeridos por Darido (2005), que
não são utilizados sistematicamente como instrumento avaliativo na minha prática, mas
podem, a partir deste estudo, tornar-se mais um instrumento para avaliação nas aulas de
Educação Física. Por outro lado, acredito, diante do que já realizo, ser necessário ampliar o
comprometimento do aluno com a avaliação da aprendizagem a partir do aumento de tarefas
fora da escola, principalmente com encaminhamentos do “tema de casa” como forma de
manter os alunos conectados e mobilizados com as questões que dizem respeito à avaliação da
aprendizagem individual e coletiva para além da sala de aula.
144
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho inscreve-se no conjunto das produções que pensam a educação escolar e,
em particular, o componente Educação Física a partir da reflexão sobre a prática curricular e
pedagógica. A Dissertação fecha um ciclo que se iniciou na Graduação, continuou com a
produção de minha prática curricular e termina com a elaboração desta Dissertação, que
revisou minha caminhada em diálogo com um conjunto de pesquisadores da educação no
campo do currículo e, principalmente, do currículo da Educação Física. Estou novamente
imbricado com nossa área por fazer parte de um movimento que tenta inovar nas aulas de
Educação Física escolar. A discussão e análise da minha prática curricular possibilitou fazer
algumas considerações que, mesmo com todo o esforço, ficam incompletas, permitindo
apenas um fechamento parcial.
12
Entre os anos de 2006 e 2013 cada uma das turmas estudou, no mínimo, 19 e, no máximo, 22 Unidades
Didáticas nos 4 anos.
146
13
Quando utilizei a teoria de Daryl Siedentop (1994) com a proposta “Sport Education” presentes nas obras de
González e Fraga (2009, 2012) e incorporei seus elementos didáticos, notei uma tendência de transformação da
minha prática da Educação Física escolar a partir desse movimento. Acredito que essa foi uma das inovações
importantes na minha forma de trabalhar nas aulas de Educação Física.
147
Foram, em especial, duas questões que o estudo mostrou ser divergente entre minha
prática e o que é proposto pela teoria. A primeira é referente aos propósitos da educação (para
que ensinar) e a segunda à avaliação. Na sequência, desenvolvo cada uma das questões em
separado.
A avaliação sempre foi algo que me incomodava, mesmo não tendo muita clareza do
que se tratava; porém, após este estudo, isso ficou comprovado. O tipo de avaliação que tenho
realizado na minha prática curricular, quando tensionada com a teoria, mostrou-se com
algumas limitações, principalmente quando analisada no seu papel principal dentro das aulas
de Educação Física – a aprendizagem. Mesmo com a riqueza do trabalho realizado nas aulas e
seu reconhecimento como uma prática inovadora, ao questionar a dimensão da avaliação
percebo carências que são definidoras para uma necessária revisão das formas com que tenho
concebido essa dimensão nas aulas. Fiquei convencido de que tenho de avançar para que as
avaliações sejam mais claras, em um processo compartilhado que envolva mais os alunos a
ponto de se comprometerem com a própria aprendizagem. Acredito que os instrumentos
avaliativos e o próprio encaminhamento devem ser revistos e reorganizados. Nesse sentido,
pretendo estudar mais o assunto e convertê-lo em foco no meu movimento de continuidade na
reflexão sobre a Educação Física escolar.
Os propósitos da educação explicitam sobre o tipo de sociedade que nos institui e que
potencialidades isso permite em relação à educação e à Educação Física que queremos e o
tipo de sujeitos que vamos procurar formar na escola para participar dela. Oferecer conteúdos
diversos, trabalhar de uma forma variada e garantir uma sequência desses conteúdos dentro de
uma grade curricular, não é suficiente para justificar a prática pedagógica em uma perspectiva
mais alargada de educação escolar, que sustenta um papel social específico da escola na
sociedade democrática e republicana.
Mesmo com muita produção teórica da Educação Física nos últimos anos, as
proposições não mostraram força para se efetivarem no campo da prática curricular; talvez
necessitem percorrer ainda um caminho mais longo e testar suas propostas a ponto de ganhar
consistência e confiança para continuar avançando. A partir da prática que desenvolvi nesses
anos, acredito que a definição de conteúdos e, principalmente, sua sequência e progressão nos
quatro Anos Finais do Ensino Fundamental, autorizam-me a afirmar que é imprescindível
trabalhar em longo prazo para poder fazer constatações e correções de percurso. Estou seguro
que a proposta que desenvolvi para essa escola não poderia ser imaginada/projetada em
termos semelhantes antes de realizá-la. As proposições não têm conseguido sensibilizar e
atingir os professores; talvez seja necessário desenvolver as propostas a partir da proximidade
com a realidade escolar e o próprio professor.
proposta de escola, sofreu mudanças de práticas de um ano para o outro com o aumento de
aulas de uma UD e diminuição de outra. Olhando para os vestígios, percebo que isso foi se
estabilizando, ganhando forma, até se configurar em uma estrutura mais estável (ainda que
flexível) que oportunizou um trabalho com o conjunto de práticas corporais mais bem
elaborados com um aprofundamento de algumas práticas a cada ano, como já foi descrito
anteriormente neste texto. O “plano de estudo” do componente curricular é produto de minhas
aprendizagens.
Outro ponto que se evidenciou na reconstrução da minha prática curricular foi que, a
partir do planejamento, consegui construir a base do trabalho de um ano para outro. Além
disso, também de forma planejada, a sistematização do componente Educação Física avançou
e foi notada dentro da escola e junto aos alunos, conquistando espaço importante. Essas
mudanças ocorreram a partir do momento em que a Educação Física, com a minha chegada à
escola em 2006, se apresentou, por meio do planejamento, como um componente com
conhecimento específico, organizado e comprometido com o projeto escolar. Em
consequência disso, quando da reconstrução do plano de estudos da escola (2010), a Educação
Física aumentou sua carga horária de duas para três horas semanais para as aulas de Educação
Física.
Outro movimento que reconheço como significativo que ocorreu durante a minha
prática foi referente ao material didático que serviu de apoio durante as aulas. No início dos
últimos oito anos em análise (2006), esses materiais didáticos que serviam de apoio nas
Unidades Didáticas eram fragmentados e não seguiam uma seleção mais rigorosa que
proporcionasse uma contribuição considerável nas práticas estudadas. A partir de 2009 inicia-
se a consolidação desses materiais de apoio com a elaboração de apostilas em que o aluno
tinha um guia para o desenvolvimento da Unidade Didática. Com isso se evidenciou a
importância desse material como acompanhamento para o aluno na escola e fora dela. O
próprio tempo de aula foi mais bem utilizado e o tema de casa na apostila proporcionou mais
estudo.
Observa-se o que veio acontecendo com o passar dos anos com as avaliações do
trabalho realizado, pela autoconsciência daquilo que foi proposto como objetivo de
aprendizagem a partir da apropriação de uma proposta como a de González e Fraga (2009),
que acredita na aprendizagem de forma espiralada e permitiu, mesmo que o ensino tenha uma
sequência de um ano para outro, não engessar a possibilidade de aprendizagem, mas, ao
150
Ao concluir este estudo, preciso reconhecer o esforço reflexivo com que tentei fazer o
diálogo entre a minha prática curricular e pedagógica e a teoria da educação, particularmente
da Educação Física sobre o currículo. Apesar das dificuldades, o que fica é a convicção da
necessidade de seguir apreendendo, com os outros e comigo mesmo. Meu desejo é que este
trabalho possa contribuir para que mais professores se encorajem, a partir desta produção,
para também refletir e pensar sua prática.
151
REFERÊNCIAS
ANYON, J. Somente a pedagogia crítica não basta: educação voltada à justiça social, à
participação política e à politização dos estudantes. In: APPLE, M. W.; AU, W.; GANDIN, L.
A. Educação crítica: análise internacional. Porto Alegre: Artmed, 2011, p. 431-436.
APPLE, M. W.; AU, W.; GANDIN, L. A. Educação crítica. Análise internacional. Tradução
Vinicius Figueira. Revisão técnica Luís Armando Gandin. Porto Alegre: Artmed, 2011. 548 p.
______. Prova Brasil 2011. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira – Inep, 2011.
GONZÁLEZ, Fernando J.; FENSTERSEIFER, Paulo E. Entre o “não mais” e o “ainda não”:
pensando saídas do não lugar da EF escolar I. In: Cadernos de Formação RBCE, v. 1, n. 1,
p. 9-24, set. 2009.
______. Entre o 'não mais’ e o ‘ainda não’: pensando saídas do não lugar da EF escolar II. In:
Cadernos de Formação RBCE, v. 1, n. 2, p. 10-21, mar. 2010.
KUNZ, Elenor. Educação Física: ensino e mudanças. Ijuí: Ed. Unijuí, 1991.
LAVIÑA A. J. (Coord.). Educación Física. Eso primer ciclo. Primeiro e segundo cursos.
Barcelona: Ediciones Del Serbal, 1999.
______. Pedagogia: a ciência do educador. Ijuí: Ed. Unijuí, 1990. 181 p. (Coleção educação;
10).
NÓVOA, Antônio. Os professores e as histórias da sua vida. In: NÓVOA, Antônio (Org.).
Vidas de professores. Porto: Porto Editora, 1992.
______. O currículo: uma reflexão sobre a prática. 3. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
SAVATER, Fernando. O valor de educar. Tradução Monica Stahel. 2. ed. São Paulo:
Planeta, 2012.
SOUSA, C. B.; MOURA, Diego Luz. Como ensinar em Educação Física? Uma síntese de 10
anos da produção acadêmica sobre métodos de ensino. In: Conbrace, 2015.