Dissertação Aurélio Inácio Faria
Dissertação Aurélio Inácio Faria
Dissertação Aurélio Inácio Faria
Fevereiro / 2022
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO DE HISTÓRIA
PROFHISTÓRIA
Goiânia
2022
AURÉLIO INÁCIO FARIA
Goiânia
2022
AURÉLIO INÁCIO FARIA
Banca Examinadora:
________________________________________________________________
Profª Drª Heloísa Selma Fernandes Capel (orientadora)
Universidade Federal de Goiás - UFG
________________________________________________________________
Profª Drª Cristina Meneguello
Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP
________________________________________________________________
Prof. Dr. Luís Reznik
Faculdade de Formação de Professores – UERJ
Goiânia
2022
Dedico este trabalho aos meus pais, que sempre me incentivaram a lutar pelos meus
sonhos tendo como caminho a educação.
À minha esposa e meus filhos, companheiros em todos os momentos.
Aos povos indígenas que lutam bravamente por seus direitos e visibilidade.
Agradecimentos
A dissertação tem como objeto de estudo o uso da música no ensino de história indígena.
Propõe o uso do rap para o estudo da temática indígena no ensino de história da educação
básica, a partir da perspectiva dos estudos decoloniais. Visa a identificar o estado da arte
dos estudos relacionados ao ensino de história e o uso da música, bem como da temática
indígena, no ProfHistória, avaliando suas possibilidades dentre diferentes linguagens,
focando no potencial do rap indígena como instrumento didático-metodológico e centro
gerador de conteúdos. A intenção é a de contextualizar uma proposta diferenciada do uso
da temática indígena no ensino de história, a partir dos estudos decoloniais, para auxiliar
no conhecimento e valorização da história indígena, além de sensibilizar os alunos quanto
à importância de se estudar a temática indígena e dar visibilidade a essa cultura por meio
da música. A partir das discussões realizadas em uma revisão bibliográfica, a parte
propositiva envolverá um livreto didático com orientações e sugestões para professores,
além de estudos e reflexões intertextuais a serem aplicadas junto aos alunos envolvendo
o uso do rap indígena. A proposta didática tem como fim específico munir os professores
de história de um material didático adequado para se pensar a abordagem da temática
indígena por meio da música (rap indígena), de acordo com as prerrogativas propostas a
partir da “Lei 11.645/2008” e dos debates decoloniais.
The dissertation has as its object of study the use of music in teaching indigenous history.
It proposes the use of rap for the study of indigenous themes in the teaching of history of
basic education, from the perspective of decolonial studies. It aims to identify the state of
the art in studies related to the teaching of history and the use of music as well as
indigenous themes in ProfHistória, evaluating its possibilities among different languages,
focusing on the potential of indigenous rap as a didactic-methodological instrument and
content generator center. The intention is to contextualize a differentiated proposal for
the use of indigenous themes in history teaching based on decolonial studies to assist in
the knowledge and appreciation of indigenous history, in addition to sensitizing students
about the importance of studying indigenous themes and giving visibility to this culture
through music. From the discussions carried out in a literature review, the propositional
part will involve a didactic booklet with guidelines and suggestions for teachers, as well
as intertextual studies and reflections to be applied together to students involving the use
of indigenous rap. The didactic proposal has the specific purpose of providing history
teachers with a suitable teaching material to think about the approach to indigenous
themes through music (indigenous rap), in accordance with the prerogatives proposed
from the “Law 11.645/2008” and of decolonial debates.
INTRODUÇÃO
a temática também não foi abordada. Isso se refletiu em minha prática em sala de aula,
onde nunca me senti suficientemente preparado teórico e metodologicamente para
abordar o tema de forma segura e adequada.
Ao escolher a disciplina História como Diferença: História e Cultura Indígena,
como uma das optativas do mestrado profissional em ensino de História, percebi a
oportunidade de enriquecimento teórico-metodológico em relação à temática. Tal
percepção foi confirmada no decorrer da disciplina, fato que me motivou a pesquisar mais
sobre o tema e a propor um projeto de pesquisa relacionado ao assunto.
Aliado à necessidade de aprofundamento sobre a temática indígena e as
metodologias no ensino de história, escolhi adicionar ao tema o uso da música como
ferramenta de ensino. O estilo musical escolhido foi o rap indígena, devido a sua
característica contestadora, pois apresenta narrativas contra-hegemônicas, confere
visibilidade à causa indígena, além de partir de saberes subalternizados e se utilizar de
métodos híbridos (interculturais). Essa escolha, de trabalhar com música, também se deu
pelas minhas habilidades com o uso dessa metodologia de ensino nas aulas de História e
seus relevantes resultados ao longo de minha experiência no magistério há mais de 22
anos. Verifiquei que o uso da música fomenta a participação dos alunos no processo de
ensino-aprendizagem pelo seu caráter lúdico e intertextual.
Pensar a temática indígena no ensino de História envolve várias problemáticas: a
historiografia relacionada ao tema e seus desdobramentos no ensino, a formação dos
professores de História, o currículo e os livros didáticos. Ao percorrermos essas questões
verificou-se que, ao longo dos anos, concepções sobre a população indígena (com uma
visão superficial, estereotipada e preconceituosa) foram construídas e estabelecidas como
únicas possibilidades para se pensar a participação desses povos na formação da
identidade brasileira.
O que ainda hoje se presencia no ensino de história e, em nosso caso específico, o
trato em relação à temática indígena é resultante dessas “raízes” que originaram a
concepção sobre o que deveria ser ensinado sobre a história de nosso país. Isso porque a
história enquanto disciplina escolar “foi o espaço da história oficial na qual os únicos
agentes visíveis do movimento social eram o Estado e as elites” (NADAI, 1992, p. 152).
o ensino da temática indígena nas aulas de história, sob a perspectiva dos estudos
decoloniais, tivemos como objetivo ampliar a visão da sociedade sobre os sujeitos
históricos envolvidos na formação do povo brasileiro e suas contribuições, colaborando
para a desconstrução de estereótipos e preconceitos.
Sabemos que a educação é um mecanismo de informação e formação, por meio
do qual se possibilita ao educando a construção do conhecimento que será utilizado em
seu cotidiano e na relação com a sociedade em que se insere. Nesse sentido, desmitificar
visões estereotipadas sobre os indígenas por meio do ensino de história constitui-se como
mecanismo de promoção de mudanças em relação a como esses povos e sua cultura são
vistos pela sociedade, dando visibilidade a sua cultura e interagindo com ela num diálogo
intercultural. Assim, nosso trabalho visa a contribuir para que tenhamos uma sociedade
menos preconceituosa e que valoriza a diferença, considerando-a não como um fator de
distanciamento, mas de aproximações que percebam as contribuições de todos os povos
na formação do povo brasileiro.
Existem diversas pesquisas que abordam a temática indígena no ensino de História
e destacam que, com a implantação da Lei 11.645/2008 houve avanços, como a inserção
de conteúdos relacionados à temática indígena nos currículos acadêmicos, currículos da
educação básica e abordagens mais substanciais nos livros didáticos. Todavia, mesmo
com ampla produção, os professores ainda encontram dificuldades teóricas e
metodológicas para tratar da temática nas aulas de história.
Assim, pretende-se, a partir deste estudo, ampliar e fomentar o conhecimento e
valorização da história indígena, sensibilizando os alunos quanto à importância de se
estudar a temática indígena e dar visibilidade a essa cultura. Por meio dessa busca da
visibilidade da história indígena, busca-se evidenciar as perdas e os processos de violência
colonizadora. Procura-se destacar a importância de compreender o lugar do indígena nas
construções identitárias, além de identificar as políticas públicas a partir de 1988 (com
implantação da Constituição Federal ainda vigente) e as lutas indígenas e seus
desdobramentos.
Por outro lado, a decolonialidade, a partir das contribuições de diversos autores,
ligados ao grupo “modernidade/colonialidade”, ajuda-nos a questionar e buscar
mecanismos para desconstruir tais estereótipos. Enrique Dussel (1992; 2005) traz uma
crítica à colonialidade. Walter Mignolo (2003; 2017) busca entender como a
colonialidade se estabelece e reflete sobre a diferença colonial. Aníbal Quijano (2005;
15
produzido por artistas indígenas, é utilizado a partir de seu potencial didático enquanto
fonte documental e ferramenta pedagógica.
No primeiro capítulo, apresentamos as possíveis relações entre música e história.
Abordamos o que é a música e sua importante presença ao longo da história, trazendo
exemplos de várias sociedades. São apresentadas contribuições teórico-metodológicas
para se pensar a relação entre música e história e as possibilidades de uso da música como
fonte e instrumento pedagógico para o ensino. Apontamos de que forma os estudos
decoloniais e suas contribuições colaboram para a discussão de nossa temática. Como
trabalhamos com o estilo musical rap indígena, identificamos alguns conceitos a respeito
do assunto e selecionamos qual caminho a ser utilizado no presente trabalho. Foram
escolhidos para essa análise os trabalhos dos artistas Brô MC’s, Oz Guarani, Kunumi
MC, Souto MC e Kaê Guajajara, sobre os quais apresentamos algumas considerações e o
contexto de sua produção artística.
No capítulo II, apresentamos considerações sobre o currículo e sua relação com o
ensino de história, identificando sua construção desde a institucionalização da disciplina
de história no século XIX. Identificamos como os programas curriculares instituídos
privilegiaram determinados grupos sociais, em detrimento de outros que foram
subalternizados enquanto sujeitos históricos, como no caso dos povos indígenas.
Apresentamos também considerações sobre a temática indígena enquanto política pública
de ensino e o contexto de implantação da Lei 11.645/2008, seus desdobramentos em
relação à temática indígena no ensino de história, avanços e permanências.
No terceiro capítulo, a fim de identificar as contribuições mais recentes sobre o
uso da música e a temática indígena no ensino de história, dialogamos com dissertações
do ProfHistória que versam sobre as referidas temáticas. Focamo-nos, principalmente,
naquelas que corroboram com nossa proposta, ao realizarem intervenções didáticas que
se pautam em referências dos estudos decoloniais e propõem outras perspectivas para se
pensar os povos indígenas enquanto sujeitos históricos.
Apresentamos o processo de construção do “livreto1 didático”, que traz
orientações e sugestões aos professores quanto às possibilidades de se trabalhar o rap
1
Buscamos inspiração nos “libretos” utilizados nas óperas para escolher essa denominação. Sendo libreto:
“uma palavra que veio do russo para o italiano. Em uma tradução literal do idioma original, significa
‘livrinho', representando uma forma diminuta da palavra principal ‘livro’. Hoje, o libreto é o texto completo
de uma peça musical apresentada no palco e, na maioria dos casos, está relacionada à ópera [...].” Disponível
em: https://por.culturell.com/chto-takoe-libretto-view-908038. Acesso em: 12 Nov. 2021.
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linguagem musical se caracteriza como uma das manifestações artísticas que mais
envolvem a participação integral dos sentidos e do corpo, tanto na sua produção quanto
na sua apreciação” (GRANJA, 2006, p. 104).
Moraes (2000), a partir das contribuições de Raynor 2, identifica a existência da
música a partir da sociedade, sendo aquela compreendida como resultante de um processo
de criação, reprodução, difusão e recepção que ocorre a partir das experiências humanas.
Evidencia que “o que denominamos de música, portanto, pressupõe condições históricas
especiais que na realidade criam e instituem as relações entre som, criação musical,
instrumentista e o consumidor/receptor” (MORAES, 2000, p. 211).
A música pode ser ouvida nas mais diversas situações e atividades que exercemos
no dia a dia. Como realça Arnaldo Antunes, na letra de Música para ouvir, há música
para todas situações. “(...) Música para compor o ambiente/ Música para escovar o dente/
Música para fazer chover/ Música para ninar nenê/ Música para tocar novela/ Música de
passarela/ Música para vestir veludo (...)”3. Assim, a música esteve e está presente na
história humana em momentos de distração, de contemplação, ritualísticos, festivos,
fúnebres, com objetivos religiosos, políticos, ideológicos, mercadológicos, dentre outros.
Com a capacidade de despertar emoções, sensações, reativar memórias alegres ou
tristes a música gera várias reações nos seres humanos. Essas reações carregam em si
significados que são socioculturais. “O significado que sentimos não está na música como
tal, mas em nossas próprias reações ao mundo, reações que carregamos sempre conosco.
A música serve para aperfeiçoar essas reações, para torná-las belas” (JOURDAIN, 1998,
p. 404)
Dificilmente alguém não se movimentou ao ouvir uma música ou não se recordou
de coisas passadas, momentos, pessoas. Levitin (2010) apresenta o que chama de
estruturas, que de forma organizada dão origem e alicerçam a música, levando-a a
despertar reações em “nosso cérebro, nossa mente, nossos pensamentos, nosso espírito”.
São elas a intensidade, a altura, o contorno, a duração (ou ritmo), o andamento, o timbre,
a localização espacial e a reverberação, sendo que estes elementos podem ser combinados
de formas diversificadas. Uma vez organizados, originam o que o autor denomina de
2
O musicólogo e escritor britânico Henry Broughton Raynor desenvolveu trabalhos relacionados à história
social da música. Seus estudos colaboraram para se pensar a história da música para além da simples
linearidade dos estilos musicais, buscando uma integração com os aspectos da sociedade em que essa
música se insere (o lugar da música na sociedade).
3
ANTUNES, A; SCANDURRA. E. Música para ouvir. “Um som”, Arnaldo Antunes, BMG, 1998
20
e melodias feitas por certa comunidade são produtos de opções, relações e criações
culturais e sociais (...)” (MORAES, 2000, p. 211), apresentamos algumas contribuições
relativas a essa presença da música na vida das pessoas com alguns exemplos.
Mesmo com a falta de registros sonoros, as pinturas rupestres são elementos que
fornecem informações da presença da música entre os humanos na “pré-história”. Ou seja,
as considerações acerca da música nesse período se deram a partir dos estudos e pesquisas
da arqueologia, além das contribuições da musicologia e antropologia (CAVINI, 2011).
De acordo com Picchi (2008), os registros arqueológicos, como os artefatos encontrados
que se assemelham a instrumentos musicais, dão indícios da presença da música nesse
período. A partir das contribuições de Herbert Spencer e Charles Darwin, acredita-se que
a música teria surgido a partir da imitação de sons da natureza, principalmente dos
pássaros buscando a comunicação. Acredita-se que, ao se servir dos sons e criar música,
os povos desse período poderiam “exteriorizar o júbilo, a tristeza, o amor, os instintos
belicosos, a crença nos poderes supremos, e a vontade de dançar (...) é parte da vida a
música, desde o acalanto até a elegia fúnebre, desde a dança ritual até a cura dos doentes
pela melodia e o ritmo” (PAHLEN, 1965, p. 14).
Para vários povos antigos a música exercerá papeis e funções diferentes em sua
sociedade. A partir das contribuições de Cavini (2011), Glassner (2002) e Kilmer (1980),
verifica-se que a música dos Sumérios, que influenciou outros povos da Mesopotâmia,
tinha instrumentos de sopro e percussão e estava ligada a cerimônias religiosas em
homenagem aos deuses. Tabletes encontrados também revelam a presença do que seria
uma notação musical de um hino religioso. Também entre os Hebreus há um caráter
notadamente religioso, o que pode ser observado tanto na modalidade instrumental quanto
vocal. Contudo, a música na Mesopotâmia não se restringia à religiosidade, existiam
indícios da presença musical nas tabernas, em cerimônias militares, no caso dos
Babilônios, por exemplo. Além disso, os músicos possuíam grande admiração e respeito
por parte da sociedade, como no caso dos Assírios, que chegavam a poupar músicos de
povos derrotados em batalhas.
Entre os Egípcios, na Antiguidade, a música tinha um caráter religioso, sendo
usada inclusive em cerimônias de funerais. Aliada a recitações e hinos, cabia-lhe
promover “a presença divina em seu aspecto mais positivo, apaziguando e afastando as
forças temíveis e indesejáveis que porventura poderiam manifestar-se durante os rituais.”
(BRANCAGLION Jr, 2013, p. 17). Esse caráter mágico e religioso da música também é
22
notado entre os gregos da antiguidade, já que ela está associada a práticas de cura e
purificação. Além disso, sua origem estaria ligada a divindades como Apolo, Anfião e
Orfeu. Como podemos observar:
eram tocados para evocar as diversas divindades desses povos e também como forma de
comunicação. Essa influência é observada na América, na qual a presença cultural
africana também se expressou através da música, seja nos Estados Unidos, Caribe ou
Brasil. Percebe-se a música também como forma de resistência “(...) com a escravidão,
você pode cercear esse povo com essa história, tirar-lhe sua cultura, sua religião, impedir-
lhe de fazer sua música, tocar seus instrumentos, mas uma coisa que não se consegue tirar
é seu pulsar (beat), o ritmo (bate com as mãos)” (HARRIS, 2008, p. 176). Exemplo dessa
resistência conceitual da música africana na América é observada nas raízes do samba do
Rio de Janeiro, pelo fato de as formas de tocar instrumentos europeus, como é o caso do
violão, “incorporaram as concepções polirrítmicas legadas pelas músicas africanas”
(ARAÚJO, 2008, p. 184)
Pensar sobre esses exemplos de diversas contribuições de vários povos para o
desenvolvimento da música instiga-nos a refletir sobre a ideia de “música e alteridade”
(CAMBRIA, 2008). A partir desta é possível discutir a relação entre “nós/outros”, a
construção de identidades, a presença do sobrenatural, a influência da música na
religiosidade e a veiculação de discursos através dela. O autor destaca que essa ideia
“música/alteridade” influenciou sobremaneira o pensamento ocidental. Como aponta:
Barros (2018) diferencia a música de outros objetos de arte por esta ter um caráter
performático ou recreativo. Isso porque vai além da criação, pois necessita de uma
mediação por meio do intérprete que a performatiza. Além disso, compreendem esse
objeto a partitura, instrumentos musicais, os músicos e os meios de execução e fruição.
Os últimos (fontes midiáticas de reprodução) são os responsáveis por colocar os ouvintes
em contato com as performances produzidas em um dado momento, podendo ser estas
repetidas várias vezes enquanto fontes de análise.
Chimènes (2007) identifica que a relação entre o trabalho do historiador e dos
musicólogos é recente, sendo até pouco tempo o que denomina “terra de ninguém”. Vê
nesse diálogo uma rica possibilidade interdisciplinar para se pensar a música
historicamente, contribuindo para a história cultural. Entende que a música carrega
consigo muitos elementos que podem ser pensados por essas duas áreas conjuntamente.
Elementos que transcendem os aspectos tradicionalmente analisados distintamente por
estes profissionais. Argumenta o autor:
4
Em seu livro: “Performance, recepção, leitura”, Paul Zumthor também destaca aspectos relacionados à
performance, entendendo que o texto está para além do que está escrito, que é lido ou verbalizado
oralmente, sendo que a canção se compõe de todos esses aspectos como um conjunto. O autor também
analisa a questão da recepção da obra em diferentes aspectos e possibilidades.
29
possibilita reflexões também sobre esse alargamento de possibilidades nas salas de aula,
como podemos observar na citação abaixo:
passado, mas a partir das indagações do presente. Esse exercício permite enfatizar a
construção do conhecimento histórico como um processo e fim que se deseja atingir.
No início desse capítulo apresentamos considerações que destacam o quanto a
música está presente na vida das pessoas desde os primórdios da humanidade e o quanto
ela é importante não apenas como representação artística ou ritualística, por exemplo,
mas essencialmente pelo seu caráter comunicativo. Logo, ela constitui-se em uma forma
de linguagem. Nesse sentido, observa-se o potencial da música enquanto ferramenta de
ensino no espaço escolar que facilita a aprendizagem e promove o conhecimento.
A música tem um potencial didático na sala de aula. Ela desperta o interesse e a
participação dos alunos por se apresentar como uma linguagem diversificada no ensino
de história, numa perspectiva de ampliação da noção de documento histórico. Sendo a
canção uma linguagem diferenciada de recursos tradicionalmente utilizados para o
ensino, cumpre importante papel no auxílio da construção do conhecimento histórico,
partindo do pressuposto de ser uma proposta didática alternativa (ABUD, 2005). A autora
relaciona o uso de novas linguagens no ensino de história à diversificação dos paradigmas
do conhecimento histórico acadêmico.
Abud (2005) evidencia o uso das linguagens com caráter de formação,
considerando que, ao ir além da informação, pode-se relacionar todas as estruturas
envolvidas nos documentos fomentando a construção do conhecimento. Nesse caso, a
linguagem musical não vem apenas como forma de reforço ou ilustração, mas como meio
no qual se gera e se facilita a aprendizagem. A partir dos conceitos de “empatia histórica”,
de Peter Lee (2003), e de “evidência”, de Ashby (2001), entende-se que a linguagem da
música permite aos estudantes identificarem e contextualizarem o documento (as
músicas), como contribuição sobre um dado fato a partir do que pensaram seus agentes
construtores. A autora explica:
vasta gama de temas que podem ser explorados pelo professor dentro de seus conteúdos,
fugindo de concepções tradicionais no ensino de história. Não se restringindo apenas às
letras das canções, mas analisando estas em uma perspectiva mais ampla, tem-se uma
ressignificação do conhecimento histórico por parte do aluno de um passado que pode
relacionar-se com seu cotidiano (ABUD, 2005).
Por outro lado, Bittencourt (2018) aborda a relação entre música e ensino de
história como profícua e traz alguns apontamentos sobre o assunto. Destaca a importância
do uso da música para ensinar, enfocando que a linguagem musical desperta o interesse
do aluno e que, para além desse objetivo, deve servir como objeto de investigação, indo
do simples “ouvir a música” para se “pensar a música”. A autora data o início dos estudos
históricos relacionados à música no Brasil entre 1970 e 1980, baseados principalmente
nas contribuições de Theodor Adorno. Porém, os estudos tendenciaram para uma
perspectiva da História Cultural e para períodos mais recentes da história, dentre os quais
destaca as contribuições de Arnaldo Contier e Marcos Napolitano.
A autora apresenta, dentre outras recomendações, o método de análise utilizado
pelos historiadores para a música enquanto documento, levando em conta os vários
elementos que compõem uma canção. Logo, foge da abordagem usual na qual se
problematiza letra separada da música. Assim, a música deve “ser analisada mediante a
integração do ritmo, do acompanhamento, da melodia e da estrutura à letra da música,
elemento este mais usual nas aulas e normalmente analisado separadamente”
(BITTENCOURT, 2018, p. 312)
Nos estudos de Xavier (2013), ao tratar do uso da música nos livros didáticos a
partir da análise do PNLD 2010 (coleções didáticas), há a identificação da não
preocupação em historicizar os documentos relativos à música. Entende que a canção é
usada apenas enquanto ilustração na maioria dos conteúdos trabalhados, não ocorre uma
análise aprofundada do todo nas propostas metodológicas encontradas. Assim, corrobora
com a proposta de Bittencourt de pensar a música enquanto fonte histórica/documento,
contextualizando-a historicamente.
Soares (2017) salienta os desafios do ensino de história no Brasil, considerando
que, para além do conhecimento historiográfico, os professores devem estar atentos e
preparados quanto ao uso de metodologias de ensino. Percebe a música como uma aliada
dos professores na tarefa de ensinar, já que ela se faz presente de forma significativa no
cotidiano dos alunos/as e gera empatia. Porém, existem mecanismos adequados quanto
33
ao uso destes documentos em sala de aula, visto que se propostos de forma errônea (tanto
no conteúdo quanto no método utilizados) podem gerar resultados adversos daquilo que
se espera (o maior interesse pelos conteúdos e inteligibilidade destes por parte dos
alunos).
Ao pensar o uso da música nas aulas de história, o autor enfatiza a necessidade de
os professores terem consciência “do que” ensinar, vinculada ao “por que” ensinar e
“como ensinar”. É preciso ter os alunos como foco no uso desse instrumento didático,
compreendendo como estes “interagem e se relacionam com as músicas e gêneros
musicais” (SOARES, 2017, p. 83). Essa relação é pensada a partir da vivência (individual
e coletiva) dos alunos, suas expectativas e articulações com o contexto em que se inserem
(VIGOTSKY, 2010). Ou seja, pensar uma atividade didática que envolva o trato com a
música requer o entendimento desta de forma subjetiva, já que pode ter diferentes
significados para aqueles que a recebem a partir de suas vivências pessoais, o que interfere
de forma significativa na construção do conhecimento histórico.
Ao avaliar algumas contribuições sobre o uso didático da música nas aulas de
história, Soares (2017) tece considerações e reflexões importantes sobre alguns autores
que discutiram o tema. Destacando a necessidade da incorporação da vivência dos alunos,
corrobora as propostas de Contier (1998), Napolitano (2005) e Hermeto (2012) de se
pensar a canção em sua totalidade, o que envolve desde o processo de produção até o
consumo musical, indo além das tradicionais análises da letra e melodia. Porém, faz
alguns questionamentos pertinentes como, por exemplo, o caso da fruição da música
(NAPOLITANO, 1987; 2005) e a “dimensão sensível” (HERMETO, 2012) ficarem
presas ao passado e não a partir da interpretação do presente pelos alunos. Cita também
que o estudo de Abud (2005) desconsidera a relação dos alunos/as com a música, sendo
a interpretação desta apresentada pelo professor. Realça o estudo de Duarte (2011) pelo
fato de perceber questões relevantes, como a empatia que uso da música pode gerar entre
aluno e professor, possibilitando debates de temas diversificados, criando vínculos e
diversificando possibilidades de interpretação da história. Defende que a cultura musical
do público alvo precisa ser, de fato, avaliada:
A partir de suas reflexões sobre o trabalho de Leontiev (1978), o autor reforça que
não só o professor deve ter consciência do uso da música enquanto objeto de estudo e dos
objetivos buscados, tendo-a como instrumento didático, mas também os alunos devem ter
essa consciência. Cada passo planejado de uma atividade deve estar ligado a atingir um
fim específico, de acordo com as características peculiares deste recurso, e ser perceptível
aos alunos, que estabelecem vínculos com aquilo que se propõe. Ou seja, os objetivos
específicos a serem atingidos devem ser compartilhados com os alunos. Nesse trabalho,
conduzido pelo professor, é possível que o aluno tome consciência dos objetivos de cada
ação executada (interpretar a letra, ouvir a canção, contextualizá-la historicamente, por
exemplo) e crie novos significados e estruturas cognitivas que desencadearão o processo
de construção do conhecimento histórico.
Pode-se destacar também a necessidade de se trabalhar a música na escola
enquanto linguagem e conhecimento, propondo uma reflexão possível e interessante no
ensino de história, que seria uma forma “intra/transdisciplinar”. Nesse sentido, tem-se a
possibilidade não só de se articular de forma transversal a música com outras áreas, mas
por meio de um currículo que “contemple uma nova abordagem metodológica, na qual a
dimensão perceptiva seja valorizada tanto quanto a dimensão conceitual” (GRANJA,
2006, p. 110):
inseri-la como uma prática pedagógica significativa em suas aulas. Para tanto, os
professores de história devem se inteirar das questões teórico-metodológicas que dão
suporte a sua prática. Existem inúmeros trabalhos acadêmicos desenvolvidos nessa área
que trazem resultados significativos. Apresentamos alguns desses trabalhos no terceiro
capítulo, no qual trazemos um estado da arte do que vem sido produzido no ProfHistória.
Pensando outras possibilidades para se trabalhar a temática indígena no ensino de
história, com a utilização da música (especificamente o rap indígena), buscamos um
diálogo com as contribuições dos estudos decoloniais. Tais contribuições nos revelam
inúmeros debates em relação a nossas inquietações no que tange ao tratamento dado à
temática indígena no ensino de história. Logo, são de grande relevância para nos
situarmos teoricamente no desenvolvimento de uma proposta pedagógica que se oriente
por outras perspectivas: que valorizem outros saberes e sujeitos subalternizados e
silenciados ao longo da história, propondo um diálogo intercultural na construção de
conhecimentos.
colonialismo, que pensa outras saídas para romper com a herança colonial deixada nesses
países em termos econômicos, sociais, políticos e culturais.
Nos anos 2000, a partir destes debates e, de acordo com as realidades locais,
forma-se, especialmente na América Latina, um grupo de estudos denominado
“modernidade/colonialidade”, com intelectuais de várias áreas: sociólogos, cientistas
sociais, linguistas, filósofos, dentre outros. Esse grupo aprofunda-se de forma mais
radical que os estudos pós-coloniais, trabalhando a ideia de decolonialidade. Entendem
que a modernidade não pode ser dissociada da colonialidade e que esta, ao contrário da
colonização5, que se expressou de forma dominante político e juridicamente e se encerrou
com o “fim do período colonial”, foi além, exercendo seu domínio sobre os colonizados
culturalmente e epistemologicamente6. Além disso, fez-se presente até a atualidade,
reformulando-se e se postulando-se como única matriz cultural possível, por meio do que
foi considerado como superior e verdadeiro enquanto moderno, destituindo os demais
saberes (como os relacionados aos povos indígenas, africanos e outros). De acordo com
Borges (2017, p. 185), observa-se uma diferenciação do grupo de estudo dos decoloniais
em relação aos pós-coloniais, já que se entende o século XVI como referência temporal
para discutir-se as relações de poder, de forma que se evidencia a racialização do poder
enquanto elemento de dominação que levou à inserção da modernidade europeia junto ao
sistema capitalista. Como podemos observar em:
5
É importante destacar a diferenciação entre os termos “descolonização” e “decolonialidade”, tendo em
vista que o primeiro se refere justamente ao processo de descolonização política e jurídica que levaria à
emancipação das populações colonizadas em relação aos países colonizadores europeus. Já o segundo
termo, o qual é proposto pelos pesquisadores do grupo “Modernidade/colonialidade”, refere-se ao processo
de questionar a presença da colonialidade entre nós. Já que ainda permanece no imaginário e se manifesta
em práticas sociais a ideia de que o que é bom, moderno, racional e deve ser valorizado são os saberes
ligados à ciência moderna europeia, e por que não a estadunidense, que nos é imposta de forma hegemônica.
Cabe à decolonialidade questionar esses pressupostos e propor outras possibilidades mais plurais.
(QUIJANO, 2007).
6
Outra contribuição elucidativa sobre a diferença entre colonialismo e colonialidade é a de Maldonado-
Torres: “O colonialismo denota uma relação política e econômica, na qual a soberania de um povo está no
poder de outro povo ou nação, o que constitui a referida nação em um império. Diferente desta idéia, a
colonialidade se refere a um padrão de poder que emergiu como resultado do colonialismo moderno, mas
em vez de estar limitado a uma relação formal de poder entre dois povos ou nações, se relaciona à forma
como o trabalho, o conhecimento, a autoridade e as relações intersubjetivas se articulam entre si através do
mercado capitalista mundial e da idéia de raça. Assim, apesar do colonialismo preceder a colonialidade, a
colonialidade sobrevive ao colonialismo. Ela se mantém viva em textos didáticos, nos critérios para o bom
trabalho acadêmico, na cultura, no sentido comum, na auto-imagem dos povos, nas aspirações dos sujeitos
e em muitos outros aspectos de nossa experiência moderna” (2007, p. 131)
37
acontece com os povos indígenas que muitas vezes não têm sua diversidade cultural
identificada)
Ao trazermos como proposta o uso do rap indígena enquanto manifestação desses
povos na contemporaneidade que reflete sua cultura, suas lutas e sua interculturalidade
com os outros, identificamos a necessidade de fazer emergir novas “visões e reflexões da
diferença que expulsem discriminações, intolerâncias e preconceitos” (BORGES, 2017,
p. 193). Realiza-se um exercício de crítica à modernidade proposto por Dussel, ao trazer
contribuições de culturas que foram subalternizadas numa perspectiva intercultural.
O exercício de uma prática decolonial, ou seja, “o pensamento e a atitude
decolonial [...] se encontram em curso desde o ato inaugural da modernidade e desde o
primeiro contraponto construído pelos indígenas, pelos africanos e seus descendentes
[...]” (ULHOA, 2020, p. 3). Esse exercício, na atualidade, requer o reconhecimento do
que se entende por colonialidade e como ela se estrutura. Busca-se metodologias e
práticas, pensando nossos modos de ser e agir em relação aos aspectos sociais, culturais
e epistemológicos. É justamente essa a proposta dos autores que compõem o Grupo
Modernidade/Colonialidade, visto que neles “percebe-se uma abertura de possibilidades
outras para a produção de conhecimentos, especialmente histórico-educacionais; para
formas múltiplas de ser; para a valorização de saberes e fazeres diversos e valorização
das experiências vividas” (PAIM, 2019, p. 3).
É válido destacar que os estudos decoloniais não visam a anular tudo aquilo que
já foi produzido enquanto conhecimento científico, ao contrário, pretende-se buscar
outras perspectivas que indiquem possibilidades diferentes ao que foi posto como
universal e totalizante dentro da narrativa da modernidade eurocentrada. Logo, considera-
se que:
Ao entender que a música possui uma relação com a história e pode ser pensada
tanto como fonte documental como recurso didático, buscamos no rap indígena essa
intertextualidade. Assim, apresentamos neste item o que se entende por rap indígena e, a
partir dos conceitos e reflexões apresentados, identificamos o caminho a ser percorrido
em nosso trabalho. A fim de explorar o potencial didático do rap indígena e as
contribuições que esse estilo musical pode trazer para as aulas de história, foram
7
Valorização dos conhecimentos científicos produzidos pelos europeus e Estados Unidos em detrimento
de outros saberes.
47
escolhidos artistas dos quais utilizaremos músicas em nosso trabalho: Brô MC’s’s, Oz
Guarani, MC Kunumi, Souto MC e Kaê Guajajara.
O Brô MC’s é um grupo de rappers indígenas que surgiu no ano de 2009, com a
união de quatro jovens Guarani Kaiowá das tribos Jaguapirú e Bororó: Bruno Veron,
Clemersom Batista, Kelvin Peixoto e Charlie Peixoto. Porém, a ideia inicial teria partido
de Bruno Veron, já que enquanto era aluno da Escola Municipal Indígena Araporã, no
ano de 2006, foi solicitado por um professor que os alunos realizassem um trabalho sobre
o meio ambiente. Contudo, o trabalho deveria ser apresentado de uma maneira diferente,
fugindo dos padrões acadêmicos corriqueiros. Foi quando Veron teve a ideia de usar a
música, mais precisamente o rap, para levar a discussão da temática ambiental para a sala
de aula.
Primeiro grupo de rap indígena brasileiro, o Brô MC’s encontrou dificuldades e
resistências no início de sua jornada. No sentido de que causava um certo estranhamento
essa mistura do português com o guarani nas letras do grupo. Além dessa questão,
ressalta-se o preconceito em relação a indígenas se apropriarem desse tipo de ritmo por
parte do público e, até mesmo, membros de seu povo duvidarem do bom êxito do projeto.
O grupo se originou na cidade de Dourados, localizada na região oeste do estado
do Mato Grosso do Sul. Essa região é historicamente marcada por problemas de ordem
ambiental e conflitos ligados à demarcação de terras indígenas, onde o povo guarani-
kaiowá luta em defesa do meio ambiente e de seu direito a terra. Além dessa problemática,
os indígenas convivem com outras questões como a identidade indígena, o alto consumo
de drogas e álcool, além dos elevados índices de suicídio nas aldeias. É nesse contexto
que esse grupo se baseia para criar suas letras que marcam o estilo de contestação presente
no rap.
Desde seu surgimento até os dias de hoje, o grupo tem participado de vários
festivais regionais, nacionais e até em outros países, levando sua mensagem em defesa
das questões ambientais e indígenas. Gravaram CDs, clipes, realizaram diversos shows e
estão presentes nas redes sociais em plataformas de vídeo. Em seus trabalhos, o rap se
apresenta enquanto forma de resistência ao racismo e à violência, os quais vivenciam
constantemente. As letras trazem críticas voltadas para a destruição do meio ambiente, o
preconceito, a matança de indígenas e invasões de suas terras. Buscam também uma
forma de mostrar seus costumes e tradições ao mundo, adquirindo protagonismo e
respeito.
48
aproximadamente 200 famílias divididas em aldeias na zona urbana. Por meio de canções
de Rap e Hip Hop, abordam a luta de seu povo, questões como: a demarcação de terras,
a resistência indígena e os problemas enfrentados em suas comunidades. Os jovens
Xondaro, Wera MC, Vlad MC e Mano Glovers juntaram-se nesse projeto a partir de
protestos realizados pela reintegração de terras indígenas nas aldeias Tekoa Pyau e Tekoa
Ytu. O Oz Guarani é um dos primeiros grupos de rap indígena de São Paulo.
Por meio de suas letras o grupo aborda temáticas relacionadas ao seu cotidiano,
ressaltando as desigualdades vivenciadas nas suas comunidades e as lutas dos povos
indígenas por seus direitos. A militância não se dá apenas a partir do rap, pois participam
ativamente de manifestações, protestos, assembleias e outros eventos relativos às
demandas de seu povo.
Tendo como referências musicais grupos como Sabotage, Facção Central e
Racionais MC’s, o grupo percebeu o rap como linguagem pertinente às suas
manifestações de resistência. A pouca infraestrutura para a produção de seu material
artístico e suas apresentações não impediu esses jovens indígenas de buscarem parcerias
e realizarem um trabalho independente. Aos poucos conseguiram o reconhecimento de
seu trabalho entre seu povo, vendo a arte como um dos caminhos possíveis na luta pelos
direitos indígenas, principalmente apresentando os problemas vivenciados diariamente.
Para além da luta pela ampliação das áreas demarcadas de suas aldeias, as famílias
indígenas localizadas na grande São Paulo enfrentam outros problemas. Convivem com
rodovias que atravessam seu território, o que causa grande poluição e até constantes
atropelamentos. Problemas com lixo e abandono de animais por moradores das áreas
vizinhas nas terras indígenas, falta de saneamento básico, além da invisibilidade. É nesse
contexto de luta e resistência que se situa o grupo “Oz Guarani”. Os versos e rimas, que
inicialmente eram vistos como ameaça pelos indígenas mais antigos, são atualmente uma
manifestação criativa que interage com a sociedade não indígena e, além de levar as
reinvindicações desse povo, ajudam a preservar sua cultura, utilizando, por exemplo, a
mescla entre a língua portuguesa e o guarani. O rap, assim como acontece nas
comunidades pobres das cidades, está para os indígenas como símbolo de luta e
resistência.
50
elementos como o rap e a literatura para dialogar com a sociedade. Logo, leva os costumes
de seu povo e suas contribuições, a natureza, além de denunciar os problemas que
enfrentam em seu cotidiano. Primeiro rapper indígena solo do Brasil, figura ao lado dos
grupos Brô MC’s e Oz Guarani como destaque do rap indígena.
O rap, na vida de Kunumi MC, veio depois da literatura, herdada do pai escritor e
também da oralidade da mãe, uma contadora de histórias, apesar de não saber ler e
escrever em português. Nessa transposição para a música o artista percebeu que a língua
poderia ser um veículo de resistência e que, o rap, enquanto estilo musical, apresentava
uma linguagem mais atrativa, principalmente para o público jovem. Nesse sentido,
acreditava estar contribuindo para o esclarecimento de seu povo em relação às suas causas
buscando mais jovens engajados na militância em defesa das pautas dos povos indígenas.
O rap indígena também conta com figuras femininas que vêm ganhando cada vez
mais espaço com suas composições e se destacando no cenário desse estilo musical. Uma
das rappers que traz questões importantes em suas letras é a paulista Caroline Souto de
Oliveira. Mais conhecida como Souto Mc, a rapper que cresceu em Itaquaquecetuba, na
região metropolitana de São Paulo – SP, fez suas primeiras composições aos 14 anos de
idade e desde então produziu trabalhos independentes destacando suas vivências, vindo a
lançar seu primeiro álbum, “Ritual”, em 2019. Dentre suas pautas estão a luta por temas
como a diversidade de gênero e a inclusão.
52
Souto MC é filha de Pedro Neto, descendente do povo Kariri, que tem sua maior
concentração populacional no semiárido no Nordeste brasileiro. A artista, que cresceu na
região metropolitana de São Paulo, teve, além do rap, influências do samba, estilo musical
que sempre ouviu dentro de casa e nas rodas de samba que sempre frequentou. Tem como
referência artistas como Leci Brandão, Alcione, Ivone Lara, Clementina de Jesus, João
Nogueira, Fundo de Quintal, dentre outros. É perceptível em suas composições o diálogo
com o samba, tanto na questão rítmica quanto na sonoridade e utilização de instrumentos
musicais próprios desse estilo.
Na busca de sua ancestralidade kariri, a artista procurou um contato maior com
vários povos indígenas, na perspectiva de entender as questões que marcam a luta destes
povos, enveredando por elas em suas composições. Para além das questões indígenas, a
artista, que sempre se engajou e posicionou-se politicamente, tem como causa de grande
relevância em suas composições o feminismo. Souto MC critica as características de uma
sociedade em que se observa o machismo enraizado e a falta de protagonismo feminino
em diversas áreas. Além disso, busca principalmente reafirmar a presença feminina na
cultura hip hop e abrir espaços para outras artistas. Por meio da força de suas letras, a
artista se tornou conhecida no cenário do rap nacional pelo seu “flow”, que é um termo
do rap que designa a fluidez das composições, ou seja, a forma como as palavras se
encaixam com a batida do rap, trazendo uma riqueza melódica dentro desse estilo.
A “braba”, como é conhecida entre os rappers, já realizou vários trabalhos
importantes em sua carreira. Dentre eles destaca-se o clipe “Mambo”, um trabalho todo
produzido por mulheres, no qual a artista misturou elementos da música latina ao rap
brasileiro. Em 2018 recebeu o “Prêmio Sabotage” de melhor MC (mestre de cerimônia,
o que lhe rendeu grande destaque no cenário nacional do movimento Hip Hop).
O álbum “Ritual”, lançado em 2019, pode ser considerado um divisor de águas na
carreira da artista. Nele pode ser observada a busca pessoal da compositora por sua
ancestralidade indígena, bem como a valorização das “identidades” desses povos que
lutam por sua visibilidade e direitos. Com oito faixas autorais, o disco contou com a
participação de vários artistas reconhecidos no mundo do rap, do samba e de outros estilos
musicais que são referências para Souto MC, como Kunumi MC, Jean Tassy, Rodrigo
Ogi, Bia Ferreira e Nenê Cintra.
A primeira faixa do álbum é uma das mais marcantes, pois traz um poema
declamado pelo pai da artista, Pedro Neto, intitulado “Warakedzã”. O poema carrega
53
consigo toda a riqueza de conteúdo que está presente no álbum. Dentre outras questões,
aborda a diversidade dos povos indígenas, a luta desses povos pela sobrevivência e
visibilidade, sua resistência frente ao genocídio, epistemicídio e a importância de se
buscar a ancestralidade cultural desses povos nesse processo de luta. As demais
composições também ressaltam a importância de se valorizar e resgatar as tradições
ancestrais, e questionam estereótipos relacionados aos povos indígenas quando debatem
sobre a mistura entre os rituais e as tecnologias. Como o fato, por exemplo, de muitas
vezes ser questionada a identidade indígena quando este não está usando uma roupa ou
adorno “tradicionalmente típico”, como um cocar ou um arco e flecha, mas porta um
aparelho celular, como é citado na música “Retorno”.
As composições da rapper Souto MC contribuem ricamente para discutirmos a
contribuição do rap em diálogo com a temática indígena dentro de uma proposta
decolonial, já que carregam a sua ancestralidade indígena e buscam a visibilidade desses
povos, retratam suas angústias e lutas frente a uma sociedade universalista e eurocêntrica,
que ainda oprime, subalterniza e trata de forma preconceituosa e estereotipada as culturas
indígenas.
Outra rapper que por meio de seu trabalho artístico tem levado as causas indígenas
para um debate amplo é Kaê Guajajara. Além de rapper, a cantora, atriz, arte educadora,
54
atriz, escritora e digital influencer tem sido uma forte ativista das causas indígenas,
denunciando os problemas sociais e o preconceito que esses povos enfrentam em nossa
sociedade. Pertencente à etnia Guajajara, a artista nasceu em Mirinzal, no estado do
Maranhão, e devido ao fato de viver em terras não demarcadas e seu povo sofrer
constantes ataques de grupos de madeireiros, mudou-se para o Rio de Janeiro, passando
a viver no complexo de favelas da Maré. Nesse contexto é que a artista teve seus primeiros
contatos com o rap, buscando suas referências a partir da participação em rodas de rimas,
apresentações de dança e outros elementos ligados ao hip hop. Essa realidade não é
exclusiva da artista, já que com a falta de demarcação de terras vários indígenas se
deslocaram para as grandes cidades brasileiras, passando a viver em favelas e enfrentando
a dura realidade social destes locais.
Sofrendo várias formas de preconceito desde sua infância devido à sua origem
étnica e social, a cantora busca na música um mecanismo de resistência cultural e forma
de romper com o silenciamento e invisibilidade dos povos indígenas. Apropriando-se do
rap, além de denunciar a problemática da demarcação de terras indígenas, aborda outros
problemas vividos por esses povos que, devido às invasões de suas terras, viram-se
obrigados a se deslocar muitas vezes para os grandes centros urbanos, exilando-se
principalmente em favelas. Denuncia também a destruição da natureza, o genocídio e os
preconceitos sofridos pelos povos indígenas concomitantemente ao apagamento de suas
culturas e histórias.
Além de misturar seu idioma nativo “zeeg’ete” à língua portuguesa em suas
composições, como forma de valorização da língua, e ao mesmo tempo fazer-se ouvir por
meio da comunicação na língua “oficial” brasileira, é perceptível em suas músicas um
hibridismo que vai além da letra. Nota-se, por exemplo, a presença da sonoridade da
música indígena e também africana com utilização de ritmos e instrumentos provenientes
dessas culturas, como o uso de maracas, flautas, atabaques, dentre outros. O rap é usado
como mecanismo de expressão, falando das vivências e das lutas cotidianas de seu povo,
nele a artista mistura elementos de sua ancestralidade musical a uma música urbana.
Buscando abrir espaço e dar visibilidade para artistas indígenas de forma
independente, a artista encabeçou e criou o selo “Azuruhu”, por meio do qual, a partir de
uma busca da força da coletividade, acolheu vários artistas indígenas contemporâneos de
diversas áreas ligadas à literatura, à música e ao audiovisual. Dentre os artistas que fazem
parte do projeto liderado por Kaê estão Kandu Puri, Brisa Flow, Ian Wapichana e
55
Mirindju. Além de sua produção musical, destaca-se seu trabalho na literatura. É autora
do livro “Descomplicando com Kaê Guajajara – O que você precisa saber sobre os povos
originários e como ajudar na luta anti-racista”, lançado em 2020. Na obra, traz várias
informações sobre os povos indígenas a partir da perspectiva de vários desses povos,
buscando o rompimento de estereótipos e preconceitos em relação a estes.
Ao longo de sua carreira a artista tem produzido importantes trabalhos que versam
sobre as questões indígenas. Nos EP’s “Hapohu” e “Uzaw”, lançados respectivamente
em 2019 e 2020, aborda, dentre outras temáticas, a invisibilidade dos povos indígenas, a
luta pela demarcação de terras e o genocídio desses povos. Em “Wiramiri”, EP também
lançado em 2020, traz uma importante reflexão sobre um dos estereótipos que podemos
questionar a partir da proposta dos estudos decoloniais, referente a uma visão essencialista
de que o “índio” está preso ao passado e quando se apropria de elementos contemporâneos
da “sociedade branca” perde a sua identidade. Nesse sentido, a artista questiona esse
estereótipo, abordando a relação entre “ancestralidade e futurismo”, entendendo,
inclusive, que só há um futuro possível para a humanidade, que está justamente no resgate
56
O rap tem sido utilizado como forma de contestação pelos jovens indígenas que
expressam em suas letras as lutas diárias de seu povo. Cabe ressaltar que esse estilo
musical se insere na cultura Hip Hop, que traz outros elementos como o grafite, a dança
break, além de outros ligados ao vestuário e acessórios que são utilizados pelos MC’s e
DJs. Esses dois últimos estão diretamente ligados ao estilo musical rap. Faz-se relevante
apresentarmos8, brevemente, uma contextualização na qual se insere o rap indígena, o
qual tomamos como fonte de análise e ferramenta didática para o ensino de história.
Tendo sua origem na década de 1970, nos Estados Unidos da América, o
movimento Hip Hop tornou-se expressão cultural de grupos tradicionalmente
subalternizados naquele país. Jovens negros dos guetos das grandes cidades se utilizavam
da dança break, do graffiti e das rimas do rap para extravasarem suas angústias, bem
como para contestar as desigualdades sociais, discriminação e preconceito presentes
naquela sociedade. Mas o que unia grafiteiros, dançarinos e rappers? “(...), eram todos
jovens, marginalizados, pobres, tinham os mesmos problemas, desejos e gostos. Juntando
tudo isso, não demorou muito para que eles realizassem atividades conjuntas – afinal, o
Hip Hop era uma expressão cultural da diáspora africana.” (MENDES, 2020, pp. 27 - 28)
No Brasil, o movimento Hip Hop chegaria nos anos de 1980, vindo primeiramente
por meio da dança break. Apropriando-se de movimentos visualizados em filmes
estadunidenses que chegavam por aqui, jovens paulistanos se reuniam em praças da
cidade a fim de praticar a dança e reproduzir o que assistiam. Junto à dança viriam as
primeiras rimas do rap, de início descomprometidas, mais como forma de diversão.
8
Para saber mais sobre o movimento Hip Hop e seus desdobramentos, indicamos a leitura de:
ALVES, F. S., e DIAS, R. A dança break: corpos e sentidos em movimento no Hip-Hop. In: Revista Motriz.
Rio Claro, v. 10, n.1, p. 01-07, jan./abr. 2004.
FELIX, João Batista de Jesus. Hip Hop: cultura e política no contexto paulistano. 2005. Tese (Doutorado
em Antropologia Social) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2006. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8134/tde-01052006-
181824/publico/tese.pdf. Acesso em: 21 de Agosto de 2021.
HERSCHMANN, M. Espetacularização e alta visibilidade: a politização da cultura hip-hop no Brasil
contemporâneo. In: João Freire Filho; Micael Herschmann. (Org.). Comunicação, Cultura & Consumo. A
(des)construção do espetáculo contemporâneo. 01ed. Rio de Janeiro: Ed. E-Papers, 2005, v. 01, p. 137-154.
KEHL, Maria Rita. Radicais, raciais, Racionais: a grande fratria do rap na periferia de São Paulo. São Paulo
em Perspectiva, v. 13, n. 3, p. 95-106, 1999.
LARA, A. H. (1996). Grafite: Arte urbana em movimento. Dissertação de mestrado, Escola de
Comunicação e Artes de São Paulo, São Paulo. Disponível em:
https://www.academia.edu/1362782/Grafite_arte_urbana_em_movimento. Acesso em 19 de Agosto de
2021.
NEVES, Marília e Ortega, Rodrigo. Do trap ao rap acústico, qual é a do novo hip hop brasileiro? G1, 2019.
Disponível em: https://g1.globo.com/pop-arte/musica/noticia/2019/01/16/do-trap-ao-rap-acustico-qual-e-
a-do-novo-hip-hop-brasileiro.ghtml. Acesso em: 22 de agosto de 2021.
TEPERMAN, Ricardo. Se liga no som: as transformações do rap no Brasil. São Paulo: Claro Enigma, 2015
59
Elementos próprios da cultura brasileira como a influência das emboladas, dos repentes
e do samba dariam um contorno diferenciado ao rap produzido no Brasil. (MENDES,
2020).
Não tendo espaço na grande mídia, inicialmente, os rappers desenvolveram seus
trabalhos nas comunidades. Com gravações independentes e tendo as músicas tocadas em
rádios comunitárias (às vezes clandestinas), foram ganhando mais ouvintes e admiradores
e emplacando alguns sucessos que levariam esses artistas a participarem em
programações da TV aberta, em programas de grande audiência nacional. Aos poucos, o
grande público, para além das comunidades, teria contato com esse estilo musical e se
familiarizaria com nomes como MV Bill9, Racionais MC’s10 e Marcelo D211. No entanto,
ainda existem preconceitos e estigmas em relação aos rappers, mesmo com essa conquista
de espaço na mídia, nas plataformas digitais e inclusive com público no exterior cada vez
mais crescente. Como destaca Celeste (2019):
Não se pode afirmar que esses estigmas tenham acabado, mas nessas
últimas décadas, quando vários rappers e bandas frequentam os
principais circuitos musicais do país, programas de TV, ganham
prêmios e estão presentes nas principais plataformas e suportes digitais
de divulgação de canções, chegando inclusive e excursionar e terem
público fora do Brasil, tais estigmas e preconceitos pode se dizer que
foram minimizados. (CELESTE, 2019, p. 64)
Como se observa, ao longo de sua existência o rap e suas letras sofreram com o
preconceito, principalmente por virem de grupos sociais subalternizados no decorrer da
história de nosso país: jovens negros das comunidades de grandes metrópoles. Mas foi
justamente essa condição e contexto social que levaram a momentos de reflexão entre
esses grupos que se reuniam para tratar de problemas comuns em suas comunidades e
compor suas rimas. Rimas que expressam problemas sociais cotidianos como “pobreza,
9
MV Bill é um famoso rapper brasileiro nascido no Rio de Janeiro, que também tem trabalhos como
cineasta, ator e escritor. Teve seu primeiro álbum, “Traficando informação”, lançado no ano de 1998. Desde
então gravou mais três álbuns, um disco de vídeo e como escritor lançou dois livros. Seus trabalhos
renderam algumas polêmicas, sendo inclusive acusado de apologia ao crime na época em que gravou o
primeiro álbum. O artista também recebeu alguns prêmios importantes, destacando-se os concedidos pela
UNICEF, por seu ativismo e politização como rapper, além do título de “cidadão do mundo”, concedido
em 2003 pelo” Fórum Mundial das Culturas”, na cidade de Barcelona.
10
O Grupo Racionais MC’s, composto por Edi Rock, Ice Blue, KL Jay e Mano Brown, foi fundado no final
da década de 1980, em São Paulo, destacando-se como um dos mais importantes no cenário do rap
brasileiro. Em suas letras utiliza o rap enquanto linguagem contra-hegemônica para denunciar,
principalmente, a violência, a discriminação e a miséria vivenciada por jovens negros nas periferias
brasileiras.
11
O rapper carioca Marcelo D2 ficou famoso como vocalista da banda Planet Hemp, desenvolvendo mais
tarde uma carreira solo. Destacou-se no cenário do rap pelo seu estilo musical híbrido, misturando
elementos da black music, samba e o BeatBox (sons de batidas rítmicas produzidos com a boca).
60
sociedade, sendo esse processo resultante de embates que se dão no encontro de ideologia
e cultura. Portanto, o currículo manifesta as relações de poder e pode ser utilizado como
elemento de manutenção ou de transformação. Assim, o desenvolvimento dos currículos
pode ter tanto uma postura tradicional como libertadora. Logo, entende-se que:
escolar, o que se reflete de forma relevante na construção dos currículos. Além do mais,
cabe ressaltar a seguinte reflexão:
Sagrada”, “História Universal” e “História Pátria”, ocorrendo debates sobre o ensino que
envolviam liberais e conservadores (Estado e Igreja).
Bittencourt (1993) analisa o momento de constituição da História enquanto
disciplina. No período estudado (1837-1907) verifica-se uma maior preocupação com o
ensino secundário, pensando-se a formação dos quadros burocráticos do Estado. Nesse
quadro, caberia à História colaborar na composição de “uma casta de privilegiados
brasileiros, inculcando-lhe os padrões culturais do mundo ocidental cristão, fazendo com
que se identificassem com o mundo exterior civilizado” (BITTENCOURT, 1993, p.199).
Logo, não caberia nesse momento pensar os povos indígenas, já que seus saberes estariam
do outro lado da “linha abissal”, não podendo contribuir em nada para formar homens
“civilizados”, dentro de uma proposta de formação moral do cidadão e o civismo.
No final do século XIX, identifica-se a superação da história ligada ao sagrado e
à valorização do sentimento nacional associado ao cientificismo. Ocorre a criação de
heróis nacionais profanos, compondo uma galeria de brasileiros ilustres que
exemplificam um modelo de comportamento a ser imitado numa perspectiva nacionalista
(lembrados e firmados por meio da memorização). Os povos indígenas mais uma vez não
estão no rol das “personalidades” a serem lembradas dentro da história do Brasil.
A partir das contribuições de Guimarães (1988) relativas à fundação do IHGB
(Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro) e sua ligação com um projeto de uma história
nacional, verifica-se que muitas das características inerentes àquele período ainda podem
ser vistas no ensino de história na atualidade. É perceptível em várias questões que a
história não fugiu muito ao modelo tradicional, criado no século XIX. Vê-se muito dessa
história sendo reproduzida em sala de aula, o que não é diferente em relação à temática
indígena, com a reprodução de estereótipos e preconceitos, como a visão de indígenas
generalizados, atrasados e romantizados.
O IHGB, com suas “propostas”, foi, até o ano de 1931, o único centro de
referência, baseando-se em histórias biográficas. Tinha como modelo o Instituto Histórico
de Paris, trazendo a influência da civilização francesa para o Brasil. Percebe-se como
ideário voltado à formação da nação brasileira um projeto geográfico e historiográfico
que buscava conhecer e divulgar a natureza brasileira, além de definir limites e territórios.
À história caberia o papel de escrever sobre a mescla das três raças e a diminuição das
diferenças regionais (buscando-se uma ideia de nação – unidade nacional). Entretanto,
68
pode-se dizer que essa ideia de nação difere do ideário de nação europeu, pois observa-
se que:
Uma das problemáticas que deve ser destacada e que ainda hoje gera muitos
debates, não só em relação ao nosso trabalho com o ensino da história em sala de aula,
mas em relação à história pública, é “o mito da democracia racial”. Em 1847, o alemão
Francisco Adolfo Varnhagen foi premiado por seu trabalho que apresentava uma
capacidade ímpar da nação brasileira de possibilitar o convívio cordial entre brancos,
negros e indígenas. Assim, essa mescla seria o alicerce que embasa uma suposta
democracia racial na identidade brasileira. É inegável o caráter político dessa obra ao
pensar uma história que, além de atuar sobre o seu presente, também atuaria no futuro, de
um ensino de história que ignoraria a multiplicidade cultural brasileira e suas
especificidades regionais, já que se pensava a “nação como unidade homogênea e como
resultado de uma interpretação orgânica entre as diversas províncias, este o quadro a ser
desenhado pelo historiador [...]” (GUIMARÃES, 1988, p. 17).
69
12
Nadai (1993) destaca como práticas nesse período: a ênfase no estudo do meio, a aproximação entre
ensino e pesquisa, autonomia na organização de programas de ensino, diversificação e valorização quanto
ao uso do documento histórico e uma nova abordagem deste.
71
Tendo como exemplos para sua análise as duas propostas apresentadas, São Paulo
e Minas Gerais, a autora identifica na década de 1980 um período de transição no
desenvolvimento dos currículos e ensino de história. Transição percebida pelo embate
entre resquícios do período anterior, como o autoritarismo, por exemplo, e ao mesmo
tempo a busca do “novo”, de mudanças significativas. Assim, construía-se uma nova
imagem em relação à história e como deveria ser proposto o seu ensino nas escolas. Logo,
deve levar-se em consideração o seguinte:
história. Entre 1988 e 1996, identifica o debate em torno das reformulações curriculares
nas áreas de Ciências Humanas, buscando na história a redefinição de seus objetivos e
critérios para seleção de conteúdos, além da inclusão das abordagens metodológicas e
incorporação de novas linguagens. No segundo momento (1997 a 2009), Bittencourt
(2011) entende que há uma consolidação das pesquisas relacionadas ao ensino de história.
Os estudos diversificam-se e apontam para as ausências de grupos sociais nos conteúdos
escolares de história e por necessidade de mudanças nos livros didáticos, que são
pensados não apenas como instrumento didático, sendo em uma perspectiva cultural
“articulados aos pressupostos da historiografia”. Essas discussões provenientes
principalmente das pesquisas acadêmicas, que se ampliam por meio do aumento dos
cursos de pós-graduação em história, começam a trazer perspectivas diferentes, porém
ainda não estão presentes de forma efetiva nos currículos e nas salas de aula da educação
básica. Os currículos ainda são mantidos dentro de uma concepção eurocêntrica na qual
não há espaço para o protagonismo dos povos indígenas e a visibilidade de suas culturas.
Faz-se relevante decolonizar os currículos, pois estes ainda asseguram a manutenção de
uma postura eurocêntrica. Ainda refletem a colonialidade do poder (enquanto normativas
políticas), do saber (impondo os saberes julgados mais relevantes dentro da “linha
abissal”, promovendo o epistemicídio) e do ser (impedindo a visibilidade e o
protagonismo dos povos indígenas na sociedade brasileira, fazendo com que muitas vezes
esses povos não se reconheçam mais dentro de sua ancestralidade).
As lutas e reivindicações dos movimentos sociais que emergem por todo país,
pautadas nas mudanças iniciadas a partir do período democrático na década 1980,
principalmente com a Constituição Federal de 1988, desdobram-se em mudanças
significativas na legislação educacional. Em 1996, tem-se a implantação da nova Lei de
Diretrizes e Bases da Educação (LDB), nº. 9.394/96, que traria mudanças significativas
para a educação brasileira. No campo das propostas curriculares entram em vigor os
PCN’S de 1998 (Parâmetros Curriculares Nacionais), como forma de orientação
curricular não obrigatória.
Em relação a LDB 9.394/96, observa-se no seu artigo 26, § 4º, a seguinte redação:
“O ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas
e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana
74
e europeia”, porém é válido destacar que, ao longo do tempo foi sofrendo modificações
por meio de leis complementares que trouxeram contribuições relevantes em relação ao
currículo e ao ensino de história, envolvendo essa questão das contribuições das diversas
etnias na formação do povo brasileiro e sua história. Nesse sentido, ressalta-se a lei
10.639/2003, que tornou obrigatório o ensino de História e Cultura africana e afro-
brasileira no ensino fundamental e médio e, posteriormente, a lei 11.645/2008, que alterou
a lei 10.639/2003, tornando obrigatório “o estudo da história e cultura afro-brasileira e
indígena”, levando em consideração que:
propostas que atingiram todos os níveis de ensino da educação básica, sendo de grande
relevância a questão da flexibilização na forma de se organizar os conteúdos a serem
trabalhados, além da busca de uma articulação entre os temas de história com os temas
transversais, como “meio ambiente, ética, pluralidade cultural, saúde, educação sexual,
trabalho e consumo” (p. 107).
Ao tratar das propostas curriculares para o ensino de história na atualidade,
Bittencourt (2018) questiona o alcance das renovações ocorridas sobre os níveis de
ensino, apontando a retomada do debate “sobre a organização curricular com base em
disciplinas escolares ou por ‘áreas de conhecimento’”, destacando um embate existente
entre a busca de uma história que, enquanto conhecimento escolar, apresenta um caráter
científico em contraposição ao seu uso tecnicista que se alinha a interesses dominantes.
Ao avaliar o processo de construção da chamada BNCC (Base Nacional Comum
Curricular), Bittencourt (2018) percebe o currículo dentro de uma dimensão estratégica
na qual as disciplinas que se voltam para uma formação social, dentre elas História,
perdem espaço por terem seus conteúdos diluídos no que denomina “tópicos genéricos”.
A autora percebe que, nesse sentido, há um retrocesso, principalmente no ensino médio,
que assume um caráter tecnicista em que o foco principal é a formação do estudante para
o mundo do trabalho, além de visar a uma preparação para as chamadas “avaliações
externas” à escola.
Sobre a BNCC, que foi homologada em dezembro de 2017, cabe destacar que é
um documento normativo que se aplica a todo território nacional brasileiro, abrangendo
toda a educação básica, ou seja, engloba a educação infantil, ensino fundamental e médio.
Esse documento traz uma base que deve ser comum a todo o Brasil, seja na rede pública
ou privada, com os conhecimentos e conteúdos que são considerados essenciais, com
organização de aplicação destes a cada ano ou série. A BNCC não deve ser confundida
com o currículo, já que cada rede pode construir seu próprio currículo com inserções no
documento principal, desde que sejam contemplados as propostas e conceitos
estabelecidos na base nacional comum. Ou seja, os currículos, construídos a partir de cada
realidade, assumem um papel complementar no que se estabelece como “aprendizagem
essencial” na BNCC. Nesta verifica-se, além das unidades, os objetos de conhecimento,
habilidades e competências gerais e por área de conhecimento.
Ao tratarmos especificamente da temática indígena na BNCC de história para o
ensino fundamental, verificamos que a proposta demonstra em sua apresentação uma
76
do Brasil teve seu início com a presença do europeu e via a atuação passiva do indígena
[...]” (BRAZÃO, 2017, p. 10)
Como podemos observar na tabela abaixo, construída a partir de trechos da
BNCC, com os objetos de conhecimento e habilidades para o ensino de história nos anos
finais do ensino fundamental, verifica-se a presença da temática indígena em poucos
itens, deixando algumas lacunas consideráveis.
de uma outra espécie que difere dos demais humanos, devido a sua cultura e costumes.
Além de prevalecer esse estereótipo que tem raízes no século XVI, também existe ainda
uma concepção do indígena exótico, preso ao passado (aquele que andava nu, com arco
e flecha e vivia apenas da caça e da pesca). A sociedade, de maneira geral, não consegue
perceber a população indígena enquanto sujeitos que interagem com o presente, mesmo
que em suas lutas pela manutenção de sua cultura. Vê-se ainda os indígenas dentro da
concepção de exotismo, a ser catequizado e civilizado, adequando-se aos padrões da
sociedade branca ocidental, como era visto e tratado na condição de colonizado pelos
europeus. Esse indígena volta a aparecer no currículo em condição também inferiorizada
“como povo marginalizado, necessitado de proteção e/ou distante demais da realidade
moderna, à qual ele estaria em vias de se adequar” (SOUZA, 2019, p. 670)
É imprescindível que os currículos compreendam a diversidade dos povos
indígenas em nosso país, rompendo com a periodização tradicional europeia e excluindo
“[...] a divisão Pré-História e História. Ainda, repensar os estudos de história antiga
inspiradas nas sociedades europeias e ignorando, por exemplo, as sociedades indígenas
americanas em suas origens” (BITTENCOURT, 2018 p. 116). Ou seja, essas e outras
questões devem ser repensadas dentro da perspectiva das reformas curriculares, a fim de
promover mudanças necessárias e urgentes que rompam com um modelo de “ensino de
História calcado no padrão masculino, branco e cristão e centrado no padrão
eurocêntrico” (BITTENCOURT, 2018, p. 108). A questão não é apenas a presença da
temática indígena nos currículos, mas a organização dos objetos de conhecimento em si,
que ainda continuam dentro de um esquema no qual “todos os conteúdos ensinados estão
intimamente ligados à História europeia e surgem como ramos desta” (SOUZA, 2019, p.
671).
Essas e outras modificações teriam por princípio atender o que propõe a Lei
11.645/2008, sobre a qual apresentamos algumas considerações no próximo tópico,
refletindo sobre suas implicações na realidade do ensino de história em nosso país. Até
que ponto essa legislação, a partir de sua implantação, tem sido aplicada de fato nas
escolas? Que mudanças já ocorreram e quais os desafios e possibilidades ainda estão em
aberto?
2.2.1. A Lei 11.645 /2008 e seus desdobramentos para o ensino de história
82
Essa forma de conhecer e estudar as culturas africanas e indígenas fez com que
esses povos fossem estereotipados e inferiorizados a partir de visões eurocêntricas e
etnocêntricas, de modo que tudo que estivesse relacionado a esses povos era considerado
de menor importância. Daí a necessidade de leis que emergiram de lutas pelo
reconhecimento desses grupos, da sua cultura e contribuições. Assim, observa-se a
relevância da lei 11.645/2008 como mecanismo para que as culturas relegadas a um
segundo plano possam ter mais visibilidade.
A Lei 11.645/2008 pode ser entendida como uma mudança na legislação que influi
nas políticas públicas voltadas para a educação em nosso país. Nesse caso, fruto das lutas
dos movimentos sociais em prol da valorização da multiplicidade cultural brasileira e sua
representatividade na educação. Ao alterar o art. 26-A, da Lei nº 9.394 (BRASIL, 1996),
acrescentou-se a obrigatoriedade da história e cultura indígenas no currículo educacional
brasileiro, que anteriormente constava apenas da temática história e cultura afro-
brasileira, instituída pela Lei nº 10.639/03 (BRASIL, 2003). Como vemos a seguir:
esse movimento não restringiu suas reivindicações apenas a propor especificidades para
a educação dos povos indígenas, mas também reforçou a ideia de abolir preconceitos e
estereótipos em relação a esses povos por meio de um conhecimento amplo e
diversificado sobre eles. Assim, o currículo e os livros didáticos também teriam papel
importante nessa reformulação.
Os movimentos indígenas estiveram presentes nas assembleias e discussões que
antecederam a promulgação da Constituição Federal de 1988, e essa presença nos debates
foi de extrema relevância para assegurar mudanças referentes a esses povos. Isso ocorreu,
principalmente, no sentido de exercerem seu protagonismo na sociedade enquanto
cidadãos e cidadãs com identidades culturais próprias, diferenciando-se de posturas
anteriores nas quais se pensava nesses povos dentro de um processo civilizatório, por
meio de uma postura de assimilação. A partir disso, observa-se um processo de constantes
modificações e inovações na legislação, que mesmo de maneira lenta e generalista, já
indicava uma mudança de postura por parte do Estado, colocando-se como responsável
pela aplicação de políticas públicas voltadas ao reconhecimento e valorização dos povos
indígenas e sua cultura, como:
sociais, dentre as quais está a inserção da temática indígena no ensino de escolas não
indígenas.
Prado, Pedro e Gomes (2018) destacam que no período de tramitação da lei os
documentos orientadores do Ministério da Educação tiveram papel fundamental, com o
estabelecimento de orientações e diretrizes direcionadas às escolas de educação básica
para o desenvolvimento de trabalhos relacionados à diversidade. A produção desses
documentos orientadores se deu a partir de um debate amplo entre representantes de
movimentos sociais organizados e o governo federal. Porém, mesmo que esse debate
ainda perdure até os dias atuais, verifica-se a necessidade de programas de formação
continuada direcionados aos professores nas escolas para que possam saber lidar melhor
com essas questões na sala de aula. Ou seja, a implantação da lei, por si só, não assegura
ações exitosas.
Lopes (2016) nos chama atenção para um detalhe muito interessante em relação à
aplicabilidade da Lei 11.645/08, ao ser comparada com a Lei 10.639/03, que estabeleceu
a obrigatoriedade da inclusão de conteúdos na educação básica relacionados à história e
à cultura afro-brasileira. A diferença de aproximadamente cinco anos entre as duas leis
teria sido refletida na “quantidade de ações e materiais produzidos nos dias atuais” (p. 83)
para as populações negra e indígena. Porém, com a inserção da obrigatoriedade da
temática indígena, começou a existir um alinhamento entre essas ações, ampliando o
debate e as políticas afirmativas no âmbito educacional. Isso, segundo o autor, não
significa a resolução de uma problemática que é mais ampla e de cunho estrutural dentro
da educação de nosso país. Considera-se que a lei “é feita sem critérios de aplicação
prática, a História das culturas excluídas dos livros durante toda a trajetória de ensino
brasileiro, entrara, apenas, como apêndice, mais um retalho dentro do engessado currículo
de História escolar” (LOPES, 2016, p. 84)
Isobe, Rezende, Pedrosa e Pacífico (2017) destacam a Lei 11.645/08 como uma
política de ação afirmativa no campo educacional, já que promove uma valorização de
culturas antes subalternizadas dentro do ensino. Assim, visa a assegurar que essas
populações tenham sua cultura e história reconhecidas, trazendo, além de visibilidade, o
cumprimento de direitos sociais às populações negra e indígena. No entanto, também
ressaltam o fato de que, apesar de ser uma conquista, a lei não assegura “a concretização
de uma educação intercultural nos estabelecimentos de ensino na medida em que a
formação inicial dos professores não contempla o ensino daquelas temáticas” (p. 20).
86
Não se trata, entretanto, de substituir um saber pelo outro, mas sim, criar
condições (materiais e imateriais) para que outros saberes, outras
matrizes de conhecimento sejam comtempladas; não superiores nem
88
13
Disponível em: https://profhistoria.ufrj.br/banco_tese. Acesso em 15 Jun. 2021. As demais dissertações
produzidas dentro do ProfHistória podem ser encontradas no site https://educapes.capes.gov.br/.
90
Percebe o objeto como centro gerador dos conteúdos relacionados à História e à cultura
afro-brasileiras, em atendimento à Lei 10.639/03. Discute a importância de se repensar o
currículo de ensino visando a atender às demandas atuais da sociedade, principalmente
no que tange às questões étnico-raciais, ou seja, local em que todos os grupos étnicos
possam ser contemplados (pensando o currículo como um lugar de saberes).
A autora contextualiza seu objeto de estudo apresentando a história do bloco afro
Ilê Aiyê e sua ligação com a luta e resistência do movimento negro, tendo como foco a
música como mecanismo de aproximação das raízes culturais africanas. Logo, entende
esse objeto como um caminho pertinente para se trabalhar as relações étnico-raciais no
ensino de história da educação básica.
Por meio de uma sequência didática elaborada e aplicada em turmas de ensino
fundamental II em uma escola pública de Salvador - BA, usou como metodologia as
aulas-oficina, nas quais realizou um trabalho direto com fontes históricas e a percepção
destas na construção das narrativas históricas. As músicas do bloco Ilê Aiyê foram
utilizadas como “centro gerador dos conteúdos sobre a História e Cultura afro-brasileiras
em colaboração a aplicabilidade da lei 10.639/03” (GUIMARÃES, 2018, p. 64). A
aplicação da pesquisa e os resultados alcançados serviram para o que seria um “produto
final”, um portal digital denominado “Canto Negro na Diáspora”, que como suporte para
professores disponibiliza “o tema, as músicas catalogadas, fórum, áudio, vídeo e letra das
músicas do Ilê Aiyê catalogas e utilizadas no trabalho e o resultado prático da aula-oficina
aplicada (...) e a Revista de história em quadrinhos com as narrativas dos alunos (...)”
(GUIMARÃES, 2018, p. 95).
Nogueira (2018), por sua vez, tem como objeto de estudo a música, as
possibilidades e os desafios de se trabalhar essa ferramenta em sala de aula, analisando o
conteúdo pela letra e discutindo a noção de fonte histórica. Além de trabalhar a construção
de sentidos históricos, a partir de um viés cultural, a autora utiliza seis músicas de Chico
Buarque de Holanda para compreender o período da ditadura militar no Brasil (1964-
1985). Essas músicas “traduziam diretamente uma forma de resistência civil e cultural ao
governo” (NOGUEIRA, 2018, p. 21).
Ao refletir sobre a música enquanto documento e instrumento didático, percebe-
se o professor como mediador no processo em que o aluno é sujeito construtor do
conhecimento histórico a partir de tais documentos. Entende-se a música como fruto de
seu tempo, que pode ser contextualizada pelo aluno enquanto documento que dialoga com
93
o período histórico estudado. Assim, por meio de uma escuta reflexiva, o aluno pode
pensá-lo historicamente e construir sentidos históricos a partir dele. Além disso, a música
enquanto linguagem ligada ao universo cultural dos alunos e suas experiências cotidianas
amplia as possibilidades de interpretação de fontes na sala de aula, indo além de suportes
tradicionalmente utilizados, como o livro didático, por exemplo.
Nogueira (2018) entende que, ao tomar a música como possibilidade didática na
sala de aula, faz-se necessário ir além das músicas em si. Para isso, busca uma
compreensão mais ampla, tratando questões inerentes ao compositor/intérprete escolhido,
Chico Buarque. É preciso inserir seu objeto no contexto político e cultural tratado, visto
que as narrativas históricas estão associadas à experiência humana em um dado momento:
significa que o professor deva ter uma formação específica em música. Logo, o professor
de história pode ser mediador no uso dessa linguagem em sala de aula, desde que se atente
para a “gramática musical”, ou seja, para elementos que merecem atenção no uso dessa
linguagem, “como o contexto da canção, gênero, público a que se propõe, ritmo, etc.”
(PERCILIANO, 2018, p. 27). Não compreende a música apenas como elemento
ilustrativo ou lúdico em suas aulas, portanto.
Observa sobre a necessidade de se levar em consideração o universo cultural dos
alunos e aponta como roteiro para análise as sugestões de Abud, Alves e Silva (2013),
trabalhos nos quais são colocados como passos fundamentais a análise dos processos de
criação, produção, circulação, recepção e apropriação da linguagem musical. Como
processo seguinte, parte das indicações de David (2014), que sugere em primeiro lugar a
audição da música sem a letra, seguida da audição e análise da música com a letra e, por
fim, o momento em que os alunos cantam a música.
A autora faz uma contextualização de seu objeto, identificando a cultura e
sociabilidade da juventude brasileira entre as décadas de 1990 e 2000, a história do hip e
hop e rap no Brasil, o artista Emicida e as principais características de suas composições
e interpretações relacionadas a esse contexto. Percebe e identifica nessas produções uma
possibilidade de uso didático em potencial para o ensino de história na educação básica,
tratando das questões relacionadas à história social do negro e diáspora africana no Brasil.
A proposta foi aplicada em turmas de oitavo ano do ensino fundamental e uma
turma da terceira série do ensino médio de uma escola da cidade de Campo Mourão - PR,
envolvendo as disciplinas de história e sociologia, respectivamente. As canções a serem
trabalhadas foram elencadas a partir de critérios como a relação das letras das músicas
com as disciplinas mencionadas, a relação com o tema da história dos negros e da diáspora
africana no Brasil e adequação das letras à faixa etária dos alunos. A partir disso, as
canções foram apresentadas a partir de videoclipes e letras e, com a mediação do
professor, foram interpretadas e analisadas pelos alunos e alunas. Estes, por sua vez,
realizaram produções escritas em grupos, nos quais relacionaram os conceitos trabalhados
nas disciplinas com as canções apreciadas.
Rodrigues (2016), por sua vez, trabalha o gênero musical rock como possibilidade
de análise do período da década de 1980 no Brasil, entendendo a linguagem musical como
meio de fomento para a participação dos alunos. Percebe as letras e interpretações dos
cantores do rock brasileiro como fontes historiográficas potenciais a serem lidas e
95
interpretadas por discentes. A autora apresenta definições sobre o que se entende por
música e a presença dessa linguagem na história. Destaca as possibilidades de relação
entre história e música, percebendo esta como fonte histórica e recurso didático. A partir
das contribuições de Chartier (2002) e Pesavento (2003), entende a música enquanto
representação da realidade e percebe no diálogo com ela a possibilidade de lhe atribuir
sentido, já que “a canção é um produto cultural humano, uma forma de expressão, uma
narrativa que interpreta e constrói o mundo, bem como a existência humana dele.”
(RODRIGUES, 2016, p. 29)
Traz sugestões de como utilizar a música em sala de aula, destacando que, ao
historiador, não sendo musicólogo, cabe buscar conhecimentos específicos relacionados
à linguagem musical que lhe possibilitem sua compreensão ampla para fins de uma
análise mais aprofundada. Como em outros trabalhos já mencionados, salienta a
necessidade de avaliar o texto e a melodia da música. Corrobora as indicações
metodológicas de David (2014), que também são utilizadas por Perciliano (2018) em seu
trabalho.
Rodrigues (2016) discorre sobre a história da música brasileira a fim de
contextualizar o rock brasileiro da década de 1980, entendendo-o como elemento de
inquietação que dialoga política e culturalmente com a sociedade daquele período. Ele
está ligado, principalmente, à juventude que trazia consigo influências anteriores do rock
de contestação das décadas de 1960 e 1970 no Brasil e em outros países.
Partindo de uma pesquisa de campo por meio da utilização de questionários com
professores do ensino fundamental e médio de quatro escolas da rede pública do
município de Castanhal-PA, investigou as metodologias mais utilizadas para o ensino de
história, observando que a música faz parte da prática docente daqueles professores,
sendo considerada pela maioria que, mesmo não tendo nenhuma formação específica na
área musical, percebe a linguagem como relevante para uso didático. Em um questionário
aplicado aos alunos foram verificados seus gostos musicais e o quanto a música está
presente em seu cotidiano, já que passam grande parte do dia se dedicando a ouvir música.
A partir de tais constatações, evidencia o potencial da música enquanto elemento
motivador para uso no ensino. No entanto, nas respostas dos alunos ao questionário
observou-se que era um recurso pouco utilizado nas aulas de história e mais empregado
nas disciplinas ligadas às línguas estrangeiras.
96
Com uma abordagem diferente das até aqui tratadas, Pinho (2016) busca na
linguagem musical a possibilidade de se trabalhar a história local. A pesquisa
fundamenta-se na análise das letras de canções do grupo “Engenho”, no intento de
identificar aspectos da vida cotidiana e a cultura de comunidades de pescadores da cidade
de Florianópolis-SC entre os anos de 1960 e 1980. Em seu trabalho, o autor identifica as
potencialidades da canção popular enquanto documento histórico ou recurso pedagógico
a ser utilizado a partir das contribuições de Napolitano (2016) e Hermeto (2012).
Considera-se a canção popular como resultante das tensões e relações de poder
que permeiam a sociedade, logo, ela é um produto social. Enquanto produto social a ser
analisado, a canção popular carrega consigo características em seu conteúdo e forma de
mensagem. Para uma análise coerente, faz-se necessário levar em conta três questões
fundamentais: quem é o autor, quem é o público e quem veicula a obra? (PINHO, 2016).
O autor apresenta as mudanças históricas da cidade de Florianópolis-SC e também
a história do grupo musical Engenho. Identifica as temáticas abordadas nas canções do
grupo e como estas se relacionam com a história local. A partir desse histórico, busca a
composição de documentos históricos que possam ser utilizados enquanto recursos
didáticos nas aulas de história. Enquanto parte propositiva, apresenta documentos
históricos produzidos para uso em sala de aula da educação básica, sem ter precisamente
98
uma série específica. Destaca-se que a forma de organização das fontes documentais não
engessa sua possibilidade de uso. Cabe previamente ao professor, enquanto mediador,
“manipulá-las de acordo com seus objetivos pedagógicos específicos e suas escolhas e
elaborações didáticas” (PINHO, 2016, p. 280). O objetivo principal é permitir o contato
do aluno com uma variedade de documentos, dialogando com os mesmos e assim sendo
sujeitos na construção do conhecimento histórico, além de aprimorar sua “competência
de leitura, interpretação e crítica de informações”. Também há um estímulo ao contato
com a história local, o que de certa forma permite ao aluno se ver na história, envolvendo-
se na pesquisa e trazendo experiências de pessoas próximas a si para a escola.
Em “E a música nessa História? A música no ensino de História da África e da
cultura afro-brasileira”, Silva (2016) também aborda o ensino de história da África e
cultura afro-brasileira por meio da linguagem musical como recurso didático para uso dos
professores. Assim como os trabalhos já analisados anteriormente, traz uma discussão
sobre a relação entre história e música e suas potencialidades para o ensino.
Elabora uma proposta para uso didático em formato digital, por meio de um blog.
Nele, montou um repertório de canções populares afro-brasileiras denominado “Orin, A
caixa de música”. Foram disponibilizadas músicas com atividades específicas que
contemplam o 6º, 7º e 8º ano do ensino fundamental. Além das letras das canções e links
com vídeos do youtube, tem-se os objetivos, orientações, contextualização histórica e
análise de cada música relacionada a um tema específico estudado em cada série.
Também são disponibilizadas outras fontes como reportagens, mapas e outros elementos
que fundamentam e fomentam a discussão dos temas em debate (como o racismo e o mito
da democracia racial no Brasil, por exemplo).
A partir dessa revisão de dissertações produzidas no ProfHistória que trabalham
com o uso da música podemos elencar contribuições importantes no que tange ao uso de
metodologias de análise da música em sala de aula de história. Os trabalhos verificados
apontam a potencialidade da música para uso nas aulas de história, a qual é uma
linguagem motivadora no processo de ensino-aprendizagem. Contribuem e reforçam a
ideia de que a música, enquanto documento e linguagem para uso didático, deve ser
analisada como um todo, relacionando forma e conteúdo. Dentro dessa linguagem
artística que é a música, a forma e o conteúdo utilizados pelos autores dizem muito sobre
eles e o contexto em que se inserem. Logo, ao pensarmos a música enquanto documento,
essa questão deve ser levada em consideração. Outra perspectiva interessante é a de
99
educação indígena, ou seja, sobre o ensino de história em escolas indígenas, como nos
casos de Cardoso (2018), Gomes (2016) e Hoshino (2018), e ainda outros como Duarte
(2018), Sanches (2018) e Santos (2020), que analisam a inserção de alunos indígenas nas
escolas urbanas. Como o foco de nossa pesquisa é a temática indígena no ensino de
história de escolas não indígenas e alunos não indígenas, não nos detivemos na análise
dessas propostas.
Os trabalhos relativos à temática indígena em escolas não indígenas dialogam com
nossa proposta pela busca de mecanismos que visem a dar outro tratamento ao ensino de
história do Brasil, o qual pretende romper com visões estereotipadas e preconceituosas
em relação aos indígenas brasileiros. Logo, faz-se relevante abordar esses estudos e
verificar as contribuições que eles nos trazem. Damos um enfoque especial àqueles que
trabalham em específico com os estudos decoloniais e a interculturalidade, que darão
embasamento para nossa proposta de intervenção didática, a qual auxiliará professores de
história em sua prática cotidiana na sala de aula.
Assis (2016) traz em sua dissertação o tema “Os índios do Território Serra da
Capivara: história, memória e ensino”, apresentando um diálogo entre obras acadêmicas
da historiografia piauiense e a educação básica, e um confronto entre história oficial e
memória subterrânea (p. 13). Tendo como inspiração a obra “A memória, a história, o
esquecimento”, de Paul Ricoeur, o autor traz um histórico sobre a presença indígena no
território onde hoje situa-se o estado do Piauí, identificando como essas populações e sua
história foram tratadas pela historiografia referente àquele estado. A partir das ideias de
“uso e abuso da memória”, observa a predominância de uma memória que ressalta o
extermínio de populações indígenas no Piauí em detrimento de uma memória que destaca
a resistência desses povos, sendo que a primeira prevaleceu no ensino de história da
educação básica ao longo do tempo.
Com o objetivo de desconstruir essa memória até então estabelecida como oficial,
o autor propõe colaborar com uma proposta diversificada em relação ao ensino de história
e a temática indígena no estado do Piauí, a partir das memórias indígenas marginalizadas.
Para tanto, faz uso da metodologia da história oral, na qual a partir de entrevistas
realizadas com os descendentes dos povos indígenas constrói um material didático. Nesse
material didático, enquanto parte propositiva, intercruza essas memórias com imagens e
representações. Tendo como objetivo subsidiar professores para suas aulas, esse material
se contrapõe ao que está posto na memória “oficial”, problematizando-a e oferecendo
101
outras possibilidades de discussão que fogem à ideia de extermínio físico das populações
indígenas e, consequentemente, ao extermínio de suas memórias. Além das imagens
utilizadas, o material didático proposto traz também indicações de leitura e atividades que
auxiliam a compreensão da discussão.
Alguns trabalhos relativos ao uso da temática indígena no ProfHistória abordam
a questão dos livros didáticos, sendo eles França (2016), Lima (2016) e Neves (2020).
Considerando o livro didático como um material ainda utilizado de forma preponderante
nas aulas de história da educação básica, faz-se relevante identificar as considerações
desses trabalhos e de que forma elas colaboram para a discussão da temática em questão.
França (2016), em “A contemporaneidade dos povos indígenas em sala de aula”, reflete
sobre as percepções relativas aos povos indígenas no ensino de educação básica e como
estas estão relacionadas aos currículos que foram construídos historicamente sob uma
perspectiva eurocêntrica, o que recai sobre as formações identitárias desses povos.
Percebe que os livros didáticos foram produzidos dentro desse contexto no qual, desde a
institucionalização da história enquanto disciplina no século XIX, identifica-se um
percurso das populações indígenas como não protagonistas. Destaca, ainda, que mesmo
com algumas mudanças que são realizadas ao longo dos anos, os livros didáticos refletem
concepções ultrapassadas, principalmente pelo fato de reforçarem a ideia “de uma única
possibilidade de se perceber o outro, o diferente. Por essa via, seria impensável imaginar
um indígena vivendo na cidade, ou exercendo qualquer profissão (médico, professor,
estudante etc.)” (FRANÇA, 2016, p. 28).
O autor trabalha, especificamente, com a análise de três coleções de livros
didáticos e como estes abordam os povos indígenas: História e Vida Integrada, História,
sociedade e cidadania e Novo História. São apontadas algumas inovações em atividades
específicas ou em textos complementares, porém a temática indígena ainda tem um
espaço pouco privilegiado se comparado com outros temas, principalmente os ligados à
história da Europa Ocidental. Além disso, identifica alguns problemas como:
contemporaneidade, já que “eles tem tanta legitimidade quanto aos que se dedicam a
estudar o passado desses povos” (FRANÇA, 2016, p. 30), o autor propõe como
intervenção didática o desenvolvimento de uma atividade, em forma de oficina, “com
alunos do 8º ano do ensino fundamental de uma instituição especializada em deficiência
visual” (p. 47). Tem-se como foco principal a questão a contemporaneidade dos povos
indígenas, como esses povos se relacionam com o presente. As oficinas foram trabalhadas
em forma de sequência didática com o uso de textos e recursos midiáticos, tais como
vídeos e programas de rádio.
Com o objetivo de identificar as representações imagéticas sobre os povos
indígenas brasileiros nos livros didáticos de história, e tendo em vista a importância das
imagens para o ensino de história, Lima (2016) analisa a coleção Para Viver Juntos, do
Ensino Fundamental II, com destaque para imagens tradicionalmente utilizadas como as
pinturas de Debret e gravuras de Théodore de Bry, além de outras fotografias
contemporâneas cujos autores não são identificados. A partir dessa análise, o autor
identifica a invisibilidade dos povos indígenas como sujeitos nos livros didáticos, além
de investigar as percepções que alunos e professores das turmas do 7º Ano A e B têm em
relação à imagem do indígena no Colégio Estadual José Luiz Siqueira, localizado no
município de Wanderlândia - TO.
A partir da “radiografia inicial dos alunos acerca dos conhecimentos que já
possuem em relação ao conteúdo que se propõe ensinar” (LIMA, 2016, p. 57), ou seja, a
partir do que os alunos conheciam em relação à temática indígena e as representações
acerca desses povos, constatou-se a presença da ideia do “bom selvagem”. É essa
percepção que difunde a imagem de um indígena que “vive em harmonia com a natureza,
caçando e pescando para sobreviver, reside sempre em aldeias e pinta o corpo na
realização de seus rituais” (LIMA, 2016, p. 58). Isso ficou perceptível por meio da
aplicação de um questionário junto aos alunos, que além de buscar, na visão deles, “o que
é ser índio?”, também indagou sobre outras questões como: se conheciam músicas e livros
que falam sobre os indígenas, se a escola realiza estudos sobre os povos indígenas, se já
haviam visto algum índio em um determinado local e, por último, de que forma os
indígenas aparecem nos livros didáticos de história.
Percebeu-se, a partir da investigação realizada na escola campo, que ainda
prevalece no imaginário de alunos e professores, o que não difere de outros tantos
brasileiros, a imagem estereotipada e preconceituosa em relação aos indígenas que foi
103
No que tange à temática indígena, isso é essencial, já que, como se observa, há muitos
estereótipos a serem desconstruídos e, na maioria das vezes, essa não é uma questão de
primeira ordem dos livros didáticos. Daí a necessidade da produção de outros matérias
didáticos que auxiliem os professores quanto à abordagem da temática na sala de aula.
Nesse sentido, temos alguns trabalhos relevantes que produziram materiais
diversificados em relação à abordagem da temática indígena no ensino de história da
educação básica e que trazem diversas possibilidades. Dentre eles estão as contribuições
de Costa (2020), Fagundes (2016), Maia (2016), Ryn (2018) e Silveira (2016). Costa
(2020) faz um recorte temporal, entre 1778 e 1884, para analisar a presença dos povos
indígenas Chiquitano, Bororo, Guató e Guaná no momento da criação da cidade de
Cáceres – MT. A partir dos estudos das relações históricas e culturais entre esses povos e
os colonizadores, propõe a construção de um site pedagógico que auxilie os professores
no estudo da temática indígena. Sua pesquisa, de cunho bibliográfico, fundamenta-se em
dissertações, teses e relatos de viajantes que estiveram na região estudada entre os séculos
XVII e XIX.
A partir de sua pesquisa, Costa (2020) disponibiliza uma gama de informações
referentes aos povos indígenas que habitaram a região oeste do Mato Grosso, valorizando
sua diversidade, bem como “suas riquezas ancestrais, cosmológicas e suas contribuições
para a composição étnica do povo brasileiro” (p. 116). Logo, colabora para a
desconstrução de preconceitos e estereótipos relativos a esses povos, atingindo estudantes
da educação básica, ou seja, indo além dos já existentes estudos acadêmicos sobre os
indígenas da região estudada que não atingem esse público. A proposta de intervenção
traz um site14no qual professores podem buscar informações relativas aos grupos
indígenas Chiquitano, Bororo, Guató e Guaná.
Com o objetivo de colaborar com a proposta de implantação da Lei 11.645/2008,
em relação à obrigatoriedade da temática indígena no ensino, Fagundes (2016)
desenvolveu, no que denomina de produto, um livro paradidático que conta a história do
indígena Antônio Felipe Camarão. Tendo em vista que “a análise de um personagem
indígena dentro dessas referências de identidade, memória e do papel do indivíduo na
história são fundamentais para contribuir com um novo olhar sobre a história indígena”
14
http://www.vilamariadoparaguai.com.br -Durante a escrita desse texto tentamos acesso ao site
pedagógico para conhecer melhor a proposta, no entanto, não foi possível acessá-lo, aparecendo a
mensagem “O acesso a esse website está desativado no momento.”
105
alunos pelos conteúdos trabalhados, promove a interação entre eles, tendo um caráter
colaborativo. No caso da temática indígena, promove a problematização de conteúdos
adquiridos previamente e estimula a criação de outros conhecimentos a partir da vivência
de personagens indígenas na prática do jogo.
Assim como se observa em outras dissertações já analisadas, Ryn (2018) também
realiza uma contextualização sobre a temática indígena e sua inserção no ensino de
história, identificando discussões que envolvem a Lei 11.645/2008 e a presença daquela
temática nos livros didáticos. Seu estudo concentra-se nos povos indígenas do estado do
Mato Grosso, a diversidade existente entre eles e a forma como foram retratados na
história da colonização daquele estado. Tendo em vista a problematização e
desconstrução de estereótipos e preconceitos construídos ao longo do tempo e
reafirmados no ensino de história sobre as populações indígenas, propõe uma intervenção
didática em uma escola pública da cidade de Tapurah – MT.
A intervenção proposta iniciou-se a partir de uma pesquisa qualitativa na qual, por
meio de um questionário aplicado juntos aos alunos, foram identificados seus
conhecimentos prévios. Em seguida, realizaram-se as aulas oficinas nas quais se
trabalhou a problematização da temática indígena no ensino de história com os alunos,
que tiveram a oportunidade de protagonizar seu processo de construção de conhecimento.
A partir das análises e considerações e, buscando a materialização do conhecimento
adquirido, foi realizada a produção de “um jornal em sala pelos alunos como alternativa
de ação para modificar positivamente as ideias prévias dos mesmos sobre a temática
indígena nas aulas de história (...)” (RYN, 2018, p. 70).
Em sua dissertação, intitulada “Identidades (in)visíveis: indígenas em contexto
urbano e o ensino de história na região metropolitana do Rio de Janeiro”, Silveira (2016)
traz uma discussão sobre legislação e currículo referentes à temática indígena e sua
inserção no ensino de história. A partir do conceito de memória, analisa como foram
construídas representações sobre os povos indígenas e como estas influenciam na
aprendizagem em relação a esses povos e suas contribuições. A autora propõe um material
didático que tem por fim desconstruir a ideia de colonialidade em relação à temática
indígena no ensino de história, refletindo sobre a invisibilidade dos povos indígenas e sua
convivência nas sociedades urbanas.
O material proposto como forma de intervenção é composto de uma exposição
itinerante, com banners que são levados para várias escolas da região metropolitana do
107
colonizador do saber e do ser, que tentou silenciar os outros” (CARNEIRO, 2020, p. 106);
o que foi refletido também no saber acadêmico e escolar.
O autor percebe que houve grandes avanços nos últimos anos que se deram na
legislação e no currículo quanto à temática indígena, principalmente pelas demandas e
lutas sociais, como também pelos estudos acadêmicos desenvolvidos. Entende o quão
relevante é estudar e analisar o discurso que se dá sobre o “índio” na história ensinada,
sendo o papel dos professores primordial, já que “quando não tomamos os devidos
cuidados, construímos diversos sentidos sobre os povos indígenas, que muitas vezes não
condizem com as nossas responsabilidades como professores, como agentes construtores
de uma sociedade mais democrática” (CARNEIRO, 2020, p.115).
A partir dessas considerações, o autor destaca a necessidade de formação para
professores e professoras de história, no sentido de romper com estereótipos e
preconceitos ainda existentes em relação aos povos originários (reconhecendo, entre
outras coisas, sua diversidade e contribuições). Logo, seu “produto educacional”,
denominado “Itinerários de Formação: Subsídios para um ensino das histórias dos
povos indígenas do Brasil nas escolas de kraís”, consistiu na realização de várias
formações direcionadas a professores, nas quais se realizaram, além de apresentações de
vídeos, leituras e debates, sugestões de materiais pedagógicos, referências bibliográficas
sobre a temática indígena e atividades direcionadas para alunos dos anos finais do ensino
fundamental.
Outra dissertação que traz uma reflexão importante sobre os docentes e sua
atuação no ensino de história em relação à temática indígena é a da professora Patrícia
Angélica de Oliveira Farias. Esse trabalho tem uma contribuição ímpar para nossa
reflexão sobre o rap indígena e, mais especificamente, o grupo Oz Guarani, já que a
pesquisa de Farias (2019) se concentrou justamente junto à região do Jaraguá, localizada
na zona oeste da cidade de São Paulo, de onde o grupo de rap indígena citado é oriundo.
As letras produzidas pelo grupo trazem justamente uma demonstração de resistência
frente à invisibilidade e aos preconceitos que sofrem na comunidade em que estão
inseridos. Porém, o trabalho em questão não trata do rap indígena, como abordamos no
presente estudo.
A autora parte do ponto de vista de que existem representações xenófobas e
preconceituosas que se dão em relação aos povos indígenas por parte de pessoas do bairro
Jaraguá, onde está situado um território indígena Guarani. Evidencia, principalmente,
112
aquelas vindas de docentes e alunos de escolas ali localizadas. Tais falas reproduzem
discursos historicamente construídos sobre os povos indígenas, desconsiderando seus
problemas e suas lutas, como, por exemplo, a que vem ocorrendo recentemente na luta
do povo Guarani Mbya Tekoá Pyaú pela demarcação de terras no Pico do Jaraguá. Fator
preocupante, indicado pela autora, é a questão desses docentes e discentes estarem tão
próximos à essa realidade vivenciada pelos indígenas e, ao mesmo tempo, “tão longe” (já
que a convivência com os indígenas não se dá apenas nas ruas da comunidade, mas nas
próprias escolas onde estudam alunos indígenas).
Essas inquietações, que emergiram dessas representações preconceituosas e a
partir de uma análise da legislação vigente, dos currículos escolares e dos PPP (projetos
políticos pedagógicos) das escolas, motivaram a construção de uma proposta de
intervenção didática. Proposta que problematizasse essa realidade e propusesse outras
possibilidades para se pensar a temática indígena não só no ensino de história, mas de
forma mais abrangente, no cotidiano dessa comunidade. A partir disso, Farias (2019), a
fim de trazer sua contribuição enquanto meio de decolonização do currículo e das formas
de ver os povos indígenas de docentes e discentes, criou o seguinte material voltado para
professores do ensino fundamental:
15
Essa proposta entende que “O centro gerador facilita a condução metodológica do trabalho, porque
permite a reflexão a partir do agora, do imediato e, por essa razão, abre-se para o arrolamento e seleção de
temas, inerentes a proposta inicial, mas que corresponde aos interesses mais imediatos da sala de aula.”
(DAVID, 2012, s/n).
118
por direitos que são expressos nas canções. Assim também acontece com o rap indígena
apresentado pelos artistas que escolhemos e com os quais dialogamos. Estes representam
a resistência e a luta dos povos indígenas pela preservação e visibilidade de sua cultura e
seus saberes. Questionam estereótipos e preconceitos, além de abordar problemas sociais
enfrentados por esses povos tanto em áreas rurais como nas periferias das grandes
cidades. Por meio de suas canções, também promovem a interculturalidade e nos ajudam
a refletir sobre temas fundamentais da decolonialidade, como o daltonismo cultural, o
epistemícidio, a ecologia dos saberes, a justiça cognitiva e a busca da interculturalidade
crítica. Colaboram para desconstruir narrativas e estereótipos sobre as populações
indígenas, tais como as ideias de um “índio” genérico (desconsiderando a diversidade
cultural desses povos), de povos atrasados e presos ao passado (desconsiderando a
dinamicidade dessas culturas), e a inferioridade de seus saberes frente ao “universalismo”
e racionalismo científico europeu.
Dentro do material didático proposto para o uso dos professores, “o livreto
didático” (anexo), além das letras das canções propostas de análises, utilizamos a
intertextualidade. Os “conteúdos gerados” a partir do rap serão correlacionados a outros
materiais, tais como: imagens, videoclipes, textos complementares, entrevistas,
documentários, charges, obras de arte, fotografias, dentre outros. Esses materiais, além
de enriquecer a análise do professor e dos alunos, trarão a perspectiva de uso de outras
fontes históricas com as quais as canções de rap indígena poderão ser correlacionadas e
contrastadas. Logo, promove-se o exercício do “pensar historicamente” a partir de
diversas linguagens.
Como tratamos anteriormente, existem vários estereótipos que foram criados a
partir da colonialidade sobre os povos indígenas, começando pela própria nomenclatura
em relação ao uso do termo “índio”. Observa-se que esse termo dá a ideia de um “índio
genérico”, ou seja, traz a invisibilidade e descaracteriza a diversidade cultural existente
entre esses povos, como se todos fossem iguais. O uso desse termo reforça os preconceitos
e ignora a diversidade existente entre os povos indígenas.
É possível identificar no uso desse estereótipo um dos questionamentos da
decolonialidade que observa que, no intuito de se afirmar a cultura europeia como
superior à dos povos originários, desqualificou-se a cultura desses povos, sua diversidade
e seus saberes. É o que Boaventura de Souza Santos denominou de “daltonismo cultural”,
ou a incapacidade de perceber a diversidade das culturas (nesse caso entre os povos
120
originários). É comum atribuir a todos os povos indígenas hábitos que são próprios de
determinadas etnias, como o caso de práticas antropofágicas, por exemplo.
A partir de trechos de duas canções, essa diversidade de povos indígenas
brasileiros pode ser observada e servir como elemento gerador de conteúdos, como
observamos nas letras de “Território Ancestral”, de Kaê Guajajara, e no poema
“Warakedzã”, primeira faixa do Álbum “Ritual”, de Souto MC, que é declamado por
Pedro Neto, pai da cantora e descendente dos Kariris. Nesse poema, que é acompanhado
por um fundo musical indígena, são apresentados nomes de diversos povos indígenas,
destacando também o questionamento em relação à ideia de um índio genérico: “Dentro
de cada canto uirapuru/ Existe um pedaço de um coração tabajara/ Pataxó/ e xucuru/
Dentro de cada tronco forte de sapucaia e jatobá/ Existe a força de um toré/ Kariri/ Tikuna/
Bororó/ E Guarani” (SOUTO, 2019).
Kaê Guajajara traz, em “território ancestral”, a batida e o compasso do rap
misturados a uma música incidental indígena. Além de questionar o uso do termo “índio”,
destaca que os povos indígenas muitas vezes são tratados como números dentro de
estatísticas, desprezando-se suas características e contribuições. Ainda lembra nomes de
alguns indígenas que foram brutalmente assassinados por resistirem e lutarem pela causa
indígena ou mesmo por preconceito (como no caso de Galdino Pataxó, que foi queimado
vivo por ser confundido com um morador de rua enquanto dormia num ponto de ônibus
em Brasília-DF):
indígenas que não se enquadram nesse paradigma deixam de pertencer a essa etnia. O que
afetaria, inclusive seus direitos a partir de sua ancestralidade questionada. Para se
questionar essa narrativa a partir de uma proposta decolonial, partindo da ideia de
dinamicidade das culturas indígenas dentro da proposta da interculturalidade crítica, que
pretende romper com tais estereótipos, propomos como documento gerador de conteúdos
o rap “Retomada”, do grupo Brô MC’s, e o rap “Essa rua é minha”, de Kaê Guajajara.
No videoclipe de “Retomada” o grupo formado por indígenas do povo Guarani
Kaiowa, fixado na região de Dourados-MS, além de abordar a temática da demarcação
de terras (que faz parte de sua luta na atualidade) traz questões interessantes. Uma delas
é o uso de três línguas diferentes: a língua nativa, o português e o espanhol (devido à
proximidade desse povo à divisa com o Paraguai). O uso da língua nativa exprime a
valorização da cultura desse povo enquanto identidade e o uso dos demais idiomas busca
ampliar o alcance de suas reinvindicações, fazendo com que sejam ouvidos. Eles têm
consciência dessa necessidade de interação com as outras culturas para que possam
manifestar suas questões, usando a linguagem musical do rap com esse intento. Isso é
inclusive expresso na letra do rap, no trecho no qual se apresenta “Eu creio que, pelo
Brasil inteiro, vai levantar ou já levantou, índios esclarecidos, como eu, que levantará sua
voz em prol de sua raça” (BRÔ, 2021)
No videoclipe16 são mostrados rituais desses povos, como danças, pintura
corporal, uso de utensílios típicos, adornos e fabricação de alimentos, valorizando sua
cultura, porém demonstra também que não estão presos a um passado distante (colonial)
e que interagem com outras culturas presentes na sociedade na contemporaneidade. Logo,
a partir de alguns elementos demonstrados podemos dialogar com a proposta decolonial
de desconstruir o estereótipo de que o índio está preso ao passado. Ao contrário, os povos
indígenas praticam a intereculturalidade, pois sua cultura, assim como as outras, é
dinâmica. Alguns elementos que promovem essa discussão podem ser destacados pelo
professor a partir das imagens, como, por exemplo: a mulher indígena utilizando um
aparelho de CD player, os indígenas utilizando sapatos, bonés, camiseta estampada com
o nome da banda de rock “Ramones”, a menina indígena brincando com uma boneca
industrializada (loura e de olhos azuis), outra criança com um pirulito e uma criança
16
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=2BOzVntagzo. Acesso em: 24 Nov. 2021.
122
Figura 7 - Capa do primeiro álbum lançado pelo grupo Brô Mc's. FONTE: https://abre.ai/dDgv
A discussão pode ser ampliada sobre a dinamicidade das culturas, destacando que
as culturas dos povos indígenas já apresentavam uma grande diversidade entre si e já
interagiam com trocas culturais antes da chegada dos europeus e africanos. O próprio
contato com os invasores europeus e, mais tarde, com os povos trazidos da África, fez
com que essas culturas se alterassem ao longo dos anos. Hoje, percebe-se por meio desses
rappers uma busca pelo pertencimento e visibilidade na sociedade em que se inserem,
sem negar suas origens, porém isso faz com que sejam rotulados de “não-índios”, por não
mais andarem nus e viverem isolados, utilizando-se desse pressuposto como justificativa
para negar-lhes direitos.
Em “Essa rua é minha”, a rapper Kaê Guajajara traz a criticidade do rap e utiliza
a batida do funk para parodiar a canção “Se essa rua fosse minha”, de domínio popular
123
Figura 8 - Imagem de divulgação do single "Essa rua é minha" - Kaê Guajajara nas plataformas digitais. FONTE:
https://abre.ai/dDgw
Já no trecho “Não sou tua indiazinha/ nem tua Iracema/ não sou tua Pocahontas/
nenhuma das tuas lendas/ sou filha desta terra/ pronta pra retomada/ se ficar de papo torto/
vai tomar uma flechada” (GUAJAJARA, 2020a), a rapper questiona a forma romantizada
como os indígenas foram tratados na literatura, no cinema e na história, o que, além de
ser um estereotipo não condizente com a realidade, menospreza as mazelas desses povos
124
e os coloca em posição de vítimas que não são capazes de lutar pela sua cultura e seus
direitos.
Dentro da perspectiva da interculturalidade, enquanto proposta decolonial para
tratar a temática indígena, observamos em outras canções um potencial do rap enquanto
tradução intercultural. Como dito anteriormente, a mistura dos idiomas utilizada pelos
rappers é um mecanismo utilizado tanto para valorizar a língua nativa, quanto para
promover a interlocução com a sociedade como um todo por meio da língua portuguesa,
que é tida como a oficial. Assim, é possível, a partir dessa mistura, fazer com que as outras
pessoas reconheçam o cotidiano desses dos povos indígenas que buscam sua visibilidade
e se manifestam por meio da música. Essa proposta pode ser observada também na canção
“O índio é forte”, do grupo OZ Guarani, em trechos como “O dia a dia de batalha do índio
guerreiro [...] Eu rimo e vou mandando em Guarani [...] Orembaé Xondaro Kuery rovae
orereko’ma roxauka (Nossos jovens guerreiros chegaram mostrando nosso modo de
vida)” (OZ GUARANI, 2018). O rap é utilizado como forma de luta e resistência, é a
“linguagem” contra-hegemônica dos jovens guerreiros que vivem com seu povo na região
do Pico do Jaraguá, na grande São Paulo. É um manifesto intercultural frente aos desafios
que enfrentam enquanto indígenas excluídos, vivendo às margens da sociedade e sendo
discriminados.
No videoclipe da música “índio é forte”17, pode ser observado o contexto em que
se insere o grupo de rappers “Oz Guarani”, que vivem em uma aldeia próxima a favelas
da cidade de São Paulo-SP. Destaca que eles não são os invasores, mas que o crescimento
das cidades é que tomou seu espaço. Assim como outras pessoas que vivem nas favelas
das grandes cidades, esses jovens veem no rap um mecanismo para manifestar sua luta e
indignação. Demonstram também essa busca do diálogo com os jovens não só a partir do
rap, mas de outros elementos do hip hop, como as roupas e acessórios utilizados por eles
nos clipes. Logo, a comunicação vai para além de uma interlocução musical, acontecendo
também de forma visual. No clipe também é possível se observar pichações nas paredes
das casas das aldeias que fazem referência ao hip hop e críticas ao sistema político
vigente.
Caso semelhante também pode ser observado no rap “Eju orendive”, do grupo Brô
MC’s. Além de utilizar o recurso linguístico com a hibridização de idiomas, na linguagem
17
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=iXIpDa28HQU. Acesso em: 25 Nov. 2021.
125
18
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=nCRfDMbVUn0. Acesso em: 26 Nov. 2021.
126
respeito pelos outros seres vivos, a conexão com a natureza e tudo que ela pode oferecer,
possibilitando um planeta mais equilibrado e harmonioso. A letra é toda em Guarani e em
sua tradução ressalta a importância de seguirmos “adiante, todos nós” (“Jaguatá tenondé,
jupivé, jaguatá tenondé”). Como observamos em recortes de imagens do videoclipe
abaixo:
19
De acordo com o dicionário virtual “Dicio – dicionário online de Português”, samplear significa “Utilizar
trechos de registros sonoros antes realizados para montar uma nova composição (geralmente musical).”
Disponível em: https://www.dicio.com.br/samplear/. Acesso em: 30 Nov. 2021.
129
uso didático, já que “todo dia é dia de índio. Se liga, mano, vamos fortalecer a nossa
cultura, através do rap” (KUNUMI, 2018).
Em “Mãos vermelhas”, Kaê Guajajara expressa o funcionamento ideológico da
modernidade/colonidade, que buscou mecanismos e ainda atua no sentido de
subalternizar as culturas e saberes indígenas, colocando-os como inferiores e não
merecedoras de relevância. Como observa Boaventura Souza Santos, tudo que é relativo
ao “outro”, que está do outro lado da linha abissal, não tem valor, é inferior e irrelevante.
Assim, para enfraquecer os povos colonizados, foram subtraindo elementos de sua
identidade cultural, que hoje devem ser resgatados na busca da ancestralidade. Como se
observa no trecho: “Chamam de pardos pra embranquecer/ Enfraquecer e desestruturar
você/ Pra não saber de onde veio/ E conta a história da bisa/ Da sua bisa que era índia/ E
não é branco, nem preto, nem indígena o suficiente/ Pelos fiscais do id” (GUAJAJARA,
2020b).
Nesse trecho, a partir de uma mudança no ritmo e batida do rap, com a inserção
de um acompanhamento de percussão de atabaques africanos, a cantora faz uma analogia
entre os povos indígenas e os africanos, já que estes também tiveram sua identidade
cultural “roubada” e seus saberes silenciados pela colonialidade. A mudança drástica de
ritmo e sonoridade também tem a intenção de marcar e dar intensidade ao trecho, que
remete à desestruturação das culturas ancestrais que leva à perda das identidades. A
canção ainda fala da questão do preconceito em relação aos indígenas, já que sua
diversidade, seus saberes ligados à natureza e ao manuseio da terra, por exemplo, não são
reconhecidos e valorizados. Critica as convenções sociais do homem branco, que coloca
valores como preconceito de gênero acima da valorização da vida humana, já que vários
povos indígenas foram e ainda foram dizimados, como se observa nestes versos:
O livreto orientador (anexo) tem como objetivo trazer aos professores de história
da educação básica uma proposta teórico-metodológica para se trabalhar a temática
indígena na sala de aula. Essa proposta se constitui em um diálogo entre música e
princípios da decolonialidade, utilizando como documento histórico e material didático
canções de artistas de rap indígena (Brô MC’s, OZ Guarani, Kunumi MC, Souto MC e
Kaê Guajajara).
20
“[...] trata do "diálogo" de um texto com um ou mais textos, que podem ser verbais, não-verbais ou mistos
[...] não precisa ser necessariamente em gêneros iguais. Entende-se aqui como texto qualquer tipo de
gêneros textuais, pintura, cartum, charge, poesia, poema, publicidade, livro, novela, filme, etc.” Disponível
em: https://www.educamaisbrasil.com.br/enem/lingua-portuguesa/intertextualidade. Acesso: 30 Nov.
2021.
133
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Logo, partimos para a banca de qualificação, na qual apresentei a proposta que havia sido
desenvolvida até aquele momento. A partir das relevantes considerações e
posicionamentos da banca de qualificação, composta por minha orientadora prof. Drª
Heloísa Capel, pelo professor Dr. Luís Reznik e pela professora Drª Cristina Meneguello,
identifiquei outras possibilidades que viriam mais ao encontro das propostas
desenvolvidas pelos estudos decoloniais, principalmente no foco em materiais (no caso,
músicas) que fossem oriundos de artistas indígenas. Dentre as sugestões, estava a ideia
de usar o rap indígena, que por coincidência já havia sido sugerida pelo professor Dr.
Alexandre Martins ao analisar minha proposta de pesquisa durante suas aulas. Após
longas e proveitosas conversas com minha orientadora, resolvi trabalhar a relação entre
música, decolonialidade e ensino de história a partir da potencialidade do rap indígena
enquanto gerador de conteúdos.
Assim, cada capítulo foi desenvolvido buscando entrecruzar música,
decolonialidade e ensino de história e tendo como documentos os raps indígenas
produzidos pelos rappers Brô Mc’s, OZ Guarani, Kunumi MC, Souto MC e Kaê
Guajajara. No primeiro capítulo foi abordada a importância da música para diversas
sociedades ao longo da história e o seu potencial didático para o ensino de história.
Destacamos como surgiu a ideia de decolonialidade, em contraponto à
modernidade/colonialidade imposta pelos europeus em relação às sociedades que foram
subalternizadas, além do rap indígena como gerador de conteúdos dentro de uma proposta
decolonial para se trabalhar a temática indígena no ensino de história. Nessa perspectiva,
apresentamos o contexto de criação e performance dos rappers indígenas com os quais
trabalhamos. A partir dos estudos e contribuições de diversos autores com os quais
dialogamos nesse capítulo, foi possível reafirmar o quanto o uso da música para o ensino
de história é profícuo, entendendo este documento em sua totalidade em diálogo com
outros documentos.
No capítulo II, por meio de uma retomada da “história do ensino de história”, foi
possível entender como os currículos de história foram construídos historicamente,
resultando no “apagamento” das culturas indígenas nesses documentos normatizadores
da educação brasileira, em relação ao ensino de história. A partir disso, vislumbrou-se a
necessidade de mudanças na legislação educacional brasileira, que surgiram a partir de
reivindicações de movimentos sociais ligados aos povos indígenas e a especialistas da
educação voltados para um ensino que rompesse com o tradicionalismo eurocêntrico. Tais
138
“todo”, pensando na “performance” desses artistas. Logo, pudemos entender que não se
deve recorrer apenas às letras das canções, mas também a outros aspectos como a
sonoridade, o processo de criação e apresentação, o contexto em que se inserem os
artistas, que também nos permitem inferir importantes reflexões. Entendemos também
que uma abordagem na sala de aula tendo o rap indígena como documento permite um
exercício do “fazer historiográfico” com os alunos, já que é possível realizar um diálogo
com outros documentos e fontes de maneira intertextual, como o uso de imagens,
videoclipes, charges, obras de arte, entrevistas, documentários, textos literários e outros.
A partir de uma revisão bibliográfica realizada em relação às dissertações
produzidas no ProfHistória que tratam da temática indígena e do uso da música no ensino
de história, verifiquei inúmeras contribuições que corroboram nossas considerações. Isso
se dá tanto em relação ao potencial didático da música no ensino de história, quanto na
emergência de se tratar da temática indígena na educação básica a partir de outras
abordagens e com materiais que possam colaborar com o trabalho dos professores.
Nesse sentido, acredito que este trabalho poderá colaborar com diversos
professores de história que ainda enfrentam dificuldades em relação à temática indígena
e como abordá-la em suas aulas. Dificuldades que vão desde aspectos teórico-
metodológicos, como a falta de materiais que permeiem uma discussão decolonial, capaz
de questionar narrativas predominantes nos materiais didáticos, que por mais que tenham
passado por inovações na última década (tentando se adequar à legislação e a mudanças
curriculares), ainda trazem preconceitos e estereótipos em relação aos povos indígenas
em suas abordagens.
O uso do rap indígena, a partir das canções de Brô MC’s, OZ Guarani, Kunumi
MC, Souto MC e Kaê Guajajara, no ensino de história, mostra-se como uma possibilidade
aos professores para romper com estereótipos que foram construídos e reforçados dentro
da nossa sociedade e no próprio ensino de história. Estereótipos como o uso do termo
“índio”, generalizando as culturas indígenas como se fossem únicas, os povos indígenas
presos ao passado, como se suas culturas fossem estáticas e não interagissem com outras
de forma intercultural, a romantização e exotização dos povos indígenas a partir de
representações da literatura e das artes, principalmente do século XIX, a cultura indígena
como inferior, atrasada e subalternizada.
A revisão dessa narrativa proveniente da “modernidade/colonialidade” busca
promover outras possibilidades de se pensar a história que não sejam pelo viés
141
REFERÊNCIAS
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VÍDEOS
BRÔ, MC‘s. Brô MC‘s. [Compositor e intérprete]: Brô MC‘s. [S. l.: s. n.], 2009.
Disponível em: https://abre.ai/dH4E. Acesso em: 25 nov. 2021.
BRÔ, MC's. Retomada. [Compositor e intérprete]: Brô MC's. [S. l.: s. n.], 2021.
Disponível em: https://abre.ai/dH4D. Acesso em: 24 nov. 2021.
OZ GUARANI. Rap Oz Guarani - Contra a Pec 215. IN: CAIO CASTOR, Youtube, 14
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BRÔ, MC’s. Brô MC's - Koangagua. IN: CANAL GUATEKA Youtube, 20 de jul. de
2015. Disponível em: https://abre.ai/dH4A. Acesso em: 26 Nov. 2021
KUNUMI, MC. Todo dia é dia de índio. [Compositor e intérprete]: MC Kunumi. [S. l.]:
Bico do Corvo, 2018. Disponível em: https://abre.ai/dH4p. Acesso em: 26 nov. 2021.
SOUTO, MC. Ritual. [Compositor e intérprete]: Souto MC. [S. l.]: Verso, 2019.
Disponível em: https://abre.ai/dH4r. Acesso em: 24 nov. 2021.
LIVRETO ORIENTADOR
Ilustração da capa: Jaider Esbell, “Conhecimento e dignidade”, 2012, acrílica sobre tela,
120 x 230 cm. Disponível em: https://abre.ai/dDhB. Acesso em: 05 Dez. 2021; manipulado
eletronicamente.
CDU 94
“Tanto nos textos mais antigos, nas narrativas que
foram registradas, como na fala de hoje dos nossos
parentes na aldeia, sempre quando os velhos vão falar
eles começam as narrativas deles nos lembrando, seja
na língua do meu povo, onde nós vamos chamar o
branco de Kraí, ou na língua dos nossos outros parentes,
como os Yanomami, que chamam os brancos de Nape. E
tanto os Kraí como os Nape sempre aparecem nas
nossas narrativas marcando um lugar de oposição
constante no mundo inteiro, não só aqui neste lugar da
América, mas no mundo inteiro, mostrando a diferença
e apontando aspectos fundadores da identidade própria
de cada uma das nossas tradições, das nossas culturas,
nos mostrando a necessidade de cada um de nós
reconhecer a diferença que existe, diferença original, de
que cada povo, cada tradição e cada cultura é
portadora, é herdeira. Só quando conseguirmos
reconhecer essa diferença não como defeito, nem como
oposição, mas como diferença da natureza própria de
cada cultura e de cada povo, só assim poderemos
avançar um pouco o nosso reconhecimento do outro e
estabelecer uma convivência mais verdadeira entre
nós.”
Sua estrutura foi inspirada nos “libretos” direcionados aos espectadores de espetáculos de ópera,
cantatas e musicais. Logo, está dividido em atos, personagens, cenas e rubricas. Nosso livreto traz enquanto
personagens os artistas de rap com os quais trabalhamos (Brô Mc’s, OZ Guarani, Kunumi Mc, Souto Mc
e Kaê Guajajara”. As cenas, são as falas dessas personagens expressas através das letras de suas canções.
Cada temática e problemática relacionada aos estudos decoloniais será tratada em “atos” separados que
trazem um conjunto de cenas e personagens. Como forma de orientar os professores em relação a
procedimentos, questionamentos e usos de materiais complementares que dialogam com as “cenas” (numa
proposta intertextual) nos utilizamos de um recurso dos textos dramáticos, as chamadas “rubricas” (que
são utilizadas no texto dramático para orientar todos os envolvidos na cena: atores, leitores, diretor, dentre
outros).
O que se espera, a partir desse material, é promovermos reflexões sobre a prática dos professores
de história. Reflexões que promovam mudanças não somente nos professores, mas que se reflitam nos
alunos e em toda sociedade. Afinal, decolonizar é preciso e urgente, e você professor, tem papel
fundamental nesse processo. Nesse “espetáculo” que aqui se inicia, dividido em “atos” com “cenas” e
“personagens” com “rubricas” e referências, você professor, é o “diretor”.
RECOMENDAÇÕES AOS PROFESSORES
A abordagem que propomos para o uso desse material, entende o rap indígena dentro de um caráter
polissêmico, ou seja, onde sua análise compreende uma articulação a partir de uma ideia de “performance”
(ZUMTHOR, 2018), numa concepção estética e social (NAPOLITANO, 2002). Ou seja, ao se trabalhar o rap
indígena na sala de aula o professor não trará apenas uma análise da letra (poesia) e da melodia (timbre, ritmo,
sonoridade, dentre outros), mas também de outros aspectos relacionados “a criação, produção, circulação e
recepção/apropriação” (NAPOLITANO, 2005).
É importante observar nas canções escolhidas uma hibridização de sonoridades que trazem elementos
da própria batida (beat) do rap, misturados a sons, ritmos e instrumentos de origem indígena e africana. O
processo de criação desses artistas refletem não só a busca por visibilidade cultural de suas tradições e língua,
mas também problemas sociais do contexto em que estão inseridos como a luta por demarcação de terras, a
marginalização da população indígena nas grandes cidades e os preconceitos que enfrentam.
A escolha do estilo musical rap se deu pelo próprio caráter contestador que esse estilo musical traz.
Dentre outros elementos, apresenta as mazelas sociais sofridas pela população das periferias tais como a
violência, a discriminação, a invisibilidade e a luta por direitos que são expressos nas canções. Assim também
acontece com o rap indígena apresentado pelos artistas que escolhemos e com os quais dialogamos. Estes
representam a resistência e a luta dos povos indígenas pela preservação e visibilidade de sua cultura e seus
saberes. Questionam estereótipos e preconceitos, além de abordar problemas sociais enfrentados por esses
povos tanto em áreas rurais como nas periferias das grandes cidades. Através de suas canções, também
promovem a interculturalidade e nos ajudam a refletir sobre temas fundamentais da decolonialidade.
Nesse “livreto didático”, além das letras das canções propostas e de suas análises, utilizamos a
intertextualidade. Tendo em vista que os “conteúdos gerados” a partir do rap serão correlacionados a outros
materiais, tais como: imagens, videoclipes, textos complementares, entrevistas, documentários, charges, obras
de arte, fotografias, dentre outros. Esses materiais, além de enriquecer sua análise a dos alunos trarão a
perspectiva de uso de outras fontes históricas com as quais as canções de rap indígena poderão ser
correlacionadas e contrastadas. Logo, promovendo o exercício do “pensar historicamente”. Esse exercício
deverá sempre ser ressaltado junto aos alunos, identificando que várias fontes e documentos podem ser usados
para se pensar e escrever a história, trazendo diversas perspectivas e possibilidades.
CONHECENDO E RECONHECENDO NOSSAS PERSONAGENS – OS RAPPERS
INDÍGENAS
Conhecer o contexto
desses artistas possibilita
entender seu processo
criativo, suas influências Está inserido na interpretação
e motivações da música como um todo
proposta por Napolitano (2005).
Através do QR Code abaixo você pode ter guerreiros Guarani Mbya”, o grupo Oz
acesso a um vídeo que mostra o contexto do Guarani é oriundo do Jaraguá, região oeste da
grupo OZ Guarani e da realidade de seu cidade de São Paulo. Nesta região habitam
povo que vive no TI (Território Indígena) aproximadamente 200 famílias divididas em aldeias na
zona urbana. Através de canções de Rap e Hip Hop,
do Jaraguá na cidade de São Paulo – SP.
abordam a luta de seu povo, questões como: a
demarcação de terras, a resistência indígena e os
problemas enfrentados em suas comunidades. Os
jovens Xondaro, Wera MC, Vlad MC e Mano Glovers
juntaram-se nesse projeto a partir de protestos
realizados pela reintegração de terras indígenas nas
aldeias Tekoa Pyau e Tekoa Ytu. O Oz Guarani é um
dos primeiros grupos de rap indígena de São Paulo.
Por meio de suas letras o grupo aborda
temáticas relacionadas ao seu cotidiano, ressaltando as
desigualdades vivenciadas nas suas comunidades e as
lutas dos povos indígenas por seus direitos. A
militância não se dá apenas a partir do rap, pois
participam ativamente de manifestações, protestos,
assembleias e outros eventos relativos às demandas de
seu povo.
É nesse contexto de luta e resistência que se
situa o grupo “Oz Guarani”. Os versos e rimas, que
inicialmente eram vistos como ameaça pelos indígenas
mais antigos, são atualmente uma manifestação
criativa que interage com a sociedade não indígena e,
além de levar as reinvindicações desse povo, ajudam a
preservar sua cultura, utilizando, por exemplo, a
mescla entre a língua portuguesa e o guarani. O rap,
assim como acontece nas comunidades pobres das
cidades, está para os indígenas como símbolo de luta e
resistência.
Disponível em: https://abre.ai/dCZk. Acesso em: 02 Dez. 2021.
CENA I: Warakedzã Que os reais donos, pelas terras que são suas, não mais
implore. E que nenhum território ao ser invadido, seja
nomeado nos livros como "terras que o colonizador
descobre"
Não seremos mais só figuras, somos o futuro que o passado
tentou apagar. Nascidos sem aldeia, carregamos nosso chão
no espírito
A invasão não calou nossos cantos, os ventos sopraram aos
Use sua câmera para ler o QR Code e assistir o vídeo do poema tantos espalhados que era hora de guerra, de resistência não
somos um erro aqui, somos tudo o que os ancestrais
-PERSONAGENS: Souto Mc/Pedro Neto sonharam do primeiro e até o ultimo enfrentamento
E todo tormento e lamento, lavado e trazido no nosso sangue
(Pedro Neto declama o poema Warakedzã que está na o sofrimento, terá seu reconhecimento
primeira faixa do álbum “Ritual” de sua filha Souto MC)
Somos almas indomaveis, espíritos livres/ Somos
Dentro de cada canto uirapuru incatequizáveis
Existe o pedaço de um coração tabajara, pataxó e xucuru O plano do colonizador fracassou, a força não passou e nem
vai passar
Dentro de cada tronco forte de Sapucaia e árvores jatobá
Nem em 1500, nem em '64, nem 2019 e nem em momento
Existe a força de um tore kariri, tikuna, bororo e guarani algum
Dentro de cada segredo e mistério da Jurema estamos nós Somos terra e terra não finda, terra não morre e nós e a terra
somos um Inatekié Badzé, Poditã Warakedzã
Somos o plano dos encantados e de Badzé que deu certo
O caminho que nos foi deixado, será seguido Neste poema, que é acompanhado por um fundo
E nele será plantado a força de uma raíz pra que outros musical indígena, são apresentados nomes de
troncos fortes sejam erguidos diversos povos indígenas destacando também o
É o resgate de tudo que nos foi roubado e negado
questionamento em relação à ideia de um índio
genérico.
A todo tempo tentam dizimar nossa história
Tentam impedir o direito de viver
“Daltonismo Cultural” – Para compreender esse
Quem tenta, descende de quem nos impedia do direito de ter
alma conceito, assista “Abecedário de Educação e
Interculturalidade com VERA CANDAU”. É só usar a
Somos nós, filhos de uma luta ancestral que nunca cessa
câmera do seu celular para ler o QR Code abaixo e
Que nunca cala e nem com balas são capazes de matar anhy começar a assistir o trecho que vai do minuto 11:45 ao
Não queremos e nem admitimos mais balas minuto 14:25.
Os indígenas ainda são vistos de forma romantizada ou exótica. É comum a ideia de que devem viver isolados
nas matas, morando em ocas, apenas caçando, coletando e cultivando. Devem andar nus e utilizando adornos como o
cocar, os colares e as pinturas corporais. Não quer dizer que tais elementos não façam mais parte da cultura indígena,
porém, essa cultura não pode ser vista como estática.
CENA I: retomada
(Brô MC’s usando de três línguas diferentes: a língua nativa, (Eu não quero dinheiro, importante é minha terra) (4x)
o português e o espanhol expressando a interculturalidade)
Mi tierra (Minha terra)
Eu creio que, pelo Brasil inteiro, vai levantar ou já
[Verso 2]
levantou
De novo awahe achuka hategua
Índios esclarecidos, como eu, que levantará sua voz em
prol de sua raça (De novo aqui chegando e te mostrando)
[Refrão] Nda haei ko nde chagua (Não somos iguais a você)
Yo no quiero la plata, importante es mi tierra Ha'e kuera paichagua ojapo nhande rehe
(Eu não quero dinheiro, importante é minha terra) (4x) (Eles já fizeram muita coisa contra nós)
Mi tierra (Minha terra) Koape kaiowa (Aqui Kaiowa)
[Verso 1] Owahe omombeu hate haetegua
"Demarción já" (Demarcação já) (2x) (Chegando e falando a verdade)
Grito de lideranças por seus tekoha Arecha opaichagua owahe che critica
Importante es mi tierra (importante é minha terra) (Já vi muita coisa eles chegam e nos criticam)
Yo no voy a parar (eu não vou parar) Nhande jara ohecha (Deus está vendo)
Sigo sempre em frеnte na lucha Ywy pitã oremba'e (Terra vermelha é nossa)
Nhaguahe, nhanhee, jae Pеju pendeve Nda ha'ei pene mba'e (E não é de vocês)
(Chegamos, chegamos e falamos, venha com nós) Demarcação upea roipota (Demarcação isso que queremos)
[Ponte]
Nemamdua né pa karai
[Refrão]
Mi tierra
DIALOGANDO COM
OUTRAS FONTES...
ISA | #MenosPreconceitoMaisÍndio
CENA II: “ESSA RUA É
MINHA” Além de trabalhar a questão da
interculturalidade a partir da apropriação do
ritmo funk e sua mistura com o rap, pode se
observar uma crítica aos preconceitos
estabelecidos em relação aos indígenas que
muitas vezes são tratados de forma romantizada
ou exótica. Em datas comemorativas, como o dia
19 de abril (onde se comemora o dia do índio) é
muito comum nas escolas apresentações
artísticas e caracterização de alunos com cocár
e “vestimentas indígenas” improvisadas. No
Use sua câmera para ler o QR Code e assistir o vídeoclipe da
música
carnaval além das fantasias em blocos, também
se observa nas escolas de samba os indígenas
apresentados de forma exótica e idealizada
ALEGRE, M. S. P. Imagem e
representação do Índio no
Século XIX. In: GRUPIONI,
Figura 1 - Iracema, 1881 - José Maria de Medeiros. Óleo L. D. B. (org.). Índios no
sobre tela, c.i.e. 255,00 cm x 168,30 cm Brasil. 4. ed. São Paulo:
Disponível em: https://abre.ai/dCZw. Acesso em: 03 Dez. 2021 Global, 2000. pp. 59 - 72
O USO DE FANTASIAS
INDÍGENAS NO CARNAVAL?
Além, muito além daquela serra, que ainda Isso pode gerar um bom
azula no horizonte, nasceu Iracema. Iracema,
a virgem dos lábios de mel, que tinha os debate. O que você acha?
cabelos mais negros que a asa da graúna e
mais longos que seu talhe de palmeira. O favo
da jati não era doce como seu sorriso; nem a
baunilha recendia no bosque como seu hálito
perfumado. Mais rápida que a ema selvagem,
a morena virgem corria o sertão e as matas do
Ipu [...]. Trecho de “IRACEMA” José de
Alencar, 1865.
Podemos observar as canções de rap indígena como exemplos de tradução intercultural. A mistura dos
idiomas utilizada pelos rappers é um mecanismo que tanto valoriza a língua nativa quanto promove a interlocução com
a sociedade contemporânea, através da língua portuguesa, que é tida como a oficial. Assim, é possível através dessa
mistura fazer com que as outras pessoas reconheçam o cotidiano dos povos indígenas que buscam sua visibilidade e se
manifestam através da música, se fazendo ouvir pelo estilo contestador do rap.
(Misturando o Guarani e a Língua Portuguesa, rimando e [Fazem sua dança e pedem força para todos os parentes]
mostrando os problemas de seu povo que vivem na região do
Morô...
Pico do Jaraguá em São Paulo-SP.)
Nóis tá de pé, firme e forte assim que é
Os mano firmeza já vêm chegando
Se liga na fita é Hip Hop Guarani nessa quebrada
Salve, salve, no corre, na correria
Oz Guarani chegou,
Pode pá, é nóis que tá. Pode crer, estamo aqui no ar
Tekoa [aldeia] representou,
Representando no Rap
Satisfação total
O dia a dia de batalha do índio guerreiro
Yvy kaguy yy opa´mbaé [a terra, a natureza e outras coisas]
Atrás da paz, verdade, anhete [verdade] que é natural
Com a fé de Deus na mente Orembaé Xondaro kuery rovae orereko´ma roxauka
M´Bya kuery [O indígena] não desiste [Nossos jovens guerreiros chegaram mostrando nosso modo
Direto da Aldeia Jaraguá de vida]
Na responsa pra soma. A nossa voz está no ar Um dia de sol, na zona oeste, Jaraguá, Tekoa
Aqui mais um rapaz, humilde sobrevivente, Os mano e as mina no campo jogando bola
Eu manjo mesmo no som, a minha rima está aqui A criançada brincando, com o sorriso no rosto
No meu rap eu vou seguindo meu caminho Sendo feliz, assim que é, no meu olhar
Até o fim, muitas vezes já caí Xerexa´py aexá tekoa [No meu olhar eu vejo] é bom lugar
Meus parceiros me levantam, me levanto e mais forte fico Mas então por que não demarcar?
Assim que é truta, no mundão a batalha é que não falta Prazer sou mano Glovers
Sobre, sobreviver no Inferno, vou mandando o meu som
Pros irmãos lá do fundão, agora nóis barra pesada
O rap é utilizado como forma de luta e resistência, é a
Da aldeia Jaraguá, com total confiança “linguagem” contra-hegemônica dos jovens guerreiros
Pode crer, Oz Guarani, com vocês para somar que vivem com seu povo na região do Pico do Jaraguá
na grande São Paulo. É um manifesto intercultural frente
Pode crer, Oz Guarani, com vocês para somar aos desafios que enfrentam enquanto indígenas
Pode crer, Oz Guarani, com vocês para somar
excluídos, vivendo às margens da sociedade e sendo
discriminados.
O índio é forte e sobrevive jogado à própria sorte
No videoclipe da música “índio é forte” pode ser
O índio é forte e sobrevive jogado à própria sorte observado o contexto em que se insere o grupo de
rappers “Oz Guarani”, que vivem em uma aldeia
próxima a favelas da cidade de São Paulo-SP. Destaca
Como pode, sem terra pra morar, sem rio para pescar que eles não são os invasores, mas que o crescimento das
cidades é que tomou seu espaço. Assim como outras
O Juruá [não indígena] desmata a mata e mata os M´bya
[indígenas]
pessoas que vivem nas favelas das grandes cidades, esses
jovens veem no rap um mecanismo para manifestar sua
Mas Wera MC e Oz Guarani luta e indignação. Demonstram também essa busca do
diálogo com os jovens não só a partir do rap, mas de
Não cansa de lutar, e seguiremos assim até a morte
outros elementos do hip hop, como as roupas e
O índio é forte acessórios utilizados por eles nos clipes. Logo, a
comunicação vai para além de uma interlocução musical,
acontecendo também de forma visual. No clipe também
Tekoa´pyma oiko peteí xondaro é possível se observar pichações nas paredes das casas
das aldeias que fazem referência ao hip hop e críticas ao
[na aldeia vive um guerreiro] sistema político vigente.
Pytu nhavó omaé jaxy tatare
[toda noite olha as estrelas]
PARA COMPREENDER:
Pavé Japorai nhanderu ete´pe
[vamos rezar todos juntos]
A luta não para, a luta não para Hibridismo linguístico
“[...] a mistura de duas linguagens sociais no interior
de um único enunciado, é o reencontro na arena deste
Tekoa´pyma oiko peteí xondaro
enunciado de duas consciências linguísticas, separadas
[na aldeia vive um guerreiro] por uma época, por uma diferença social (ou por
Pytu nhavó omaé jaxy tatare
ambas) das línguas." (BAKHTIN, 1998, p. 156)
Nhandejára aveakwehaseoinupãjaveíxupe
(Venha com nós)
Jesus também chorou quando ele apanhou
Ndendokatúieremanha
Eremanharõxe-rehemba’evenderehexái
pra revolucionar
(Hibridizando as línguas, mostrando a resistência e
convocando a união para luta) Áraete ore ra’arõ
Umikaraikwéraopukanhande-rehe
Por isso estou aqui pra defender meu povo represento cada AMPLIANDO SABERES...
um
Será que os indígenas devem viver isolados e com os mesmos costumes de cinco séculos atrás? O uso das
tecnologias faz deles “menos indígenas”? Cria-se um preconceito, a partir de uma visão “essencialista”, que os indígenas
que não se enquadram neste paradigma deixam de pertencer a esta etnia. O que afetaria, inclusive seus direitos a partir
de sua ancestralidade questionada. Principalmente, no sentido de utilizar-se das
tecnologias digitais para representar através de um
videoclipe uma música de “rezo”. O artista se utiliza
CENA I: “JAgUAtá tENONdé” do violão para tocar um ritmo tipicamente indígena
(usado nas cerimônias de ayahuasca) e falar sobre
empoderamento e libertação através das crenças de
seu povo em “Nhanderu” (Deus verdadeiro para os
Guaranis), que está presente em todos os lugares e em
todos os seres. No videoclipe, além da questão da
conexão espiritual e religiosidade desses povos, é
possível explorar a temática da “ecologia dos saberes”
(identificando a importância dos saberes dos povos
Use sua câmera para ler o QR Code e assistir o originários), já que pode ser observado o contato e o
vídeoclipe da música. respeito pelos outros seres vivos, a conexão com a
natureza e tudo que ela pode oferecer possibilitando
-PERSONAGEM: Kunumi Mc um planeta mais equilibrado e harmonioso.
CENA I: “rEtOrNO”
São mais de 500 anos, que eles causam danos visando apenas
cédulas
(A cantora se reconhece enquanto indígena através do não somos só figura pra ser estudado
resgate e valorização de sua ancestralidade como forma
identitária. Com a participação de convidados importantes somos ruptura de colonizados
do cenário do rap Kunumi MC, Pedro Neto, Nenê Cintra,
Giovani Felizati, Rodrigo Ogi, Emicida, Stefanie MC, Dory feitos de bravura, não domesticado
de Oliveira )
força que perdura, não catequizados
Quanto tempo de nois foi tirado?
eles captura, traz escravatura, e nois é que tem que ser
Quanto tudo que é nosso é negado? civilizado?
Filhos da terra, de volta pra terra todo canto do mundo é seu Nossa presença além de estatísticas,
lar
Lógicas sexistas antiética
Nossa alma não grita mas berra, nosso canto é guerra que
atravessa rio e mar
Sem tempo pra ser didática
Não vão mais roubar, não vão mais ousar
queremos a prática enfática que tanto se fala
Da história de um povo se apropriar
se ver por completo não só objeto de sala de aula
(Propondo a linguagem do rap enquanto “chave” que abre Laje ou cobertura fartura batendo nos grave (grave)
“portas” caminhos e perspectivas de luta em busca da
visibilidade e preservação da cultura indígena) Festa ou fartura batendo nos grave (grave)
Festa e fartura pra quem fechou, Laje ou cobertura, fartura batendo nos grave (grave)
Festa e fartura pra quem ficou Festa ou fartura batendo nos grave (grave)
Colhendo os louro, melhora pra nois chegou Pra além do discurso da igreja
Festa e fartura pra quem fechou As mão até caleja de fazer as base
Festa e fartura pra quem ficou Domingo, segunda, terça, quarta e quinta-feira produzindo
chaves
É tudo nosso, e sem choro
No fim de semana a mente que aparecer na nossa frente nois
Colhendo os louro, melhora pra nois chegou abre
Hoje não vamo pedir licença Nossa papo é reto, As mina é chave
Pra quem não me atura, só paciência Eu não conto ate três, no um parto pro ataque
Não subestimem nossa potência Não fecha com nois no cuscuz, mas na hora do bolo tu quer
um pedaço?
Tirem de mim os seus dogmas, que eu tô ótima
Afasta de mim Zé povin', talarica, inveja e o mau olhado
Muito além da sua ótica
Que na festa não tenha traíra, só tenha fartura e os aliado
Tô jogada pro fervo, não tem meio termo
Fartura para nois celebrar as
Livre de ideia robóticas, No baile ou no bate
Conquistas sem nunca mais faltar no prato
Riqueza pra mim hoje em dia é ter conhecimento e as amiga Laje ou cobertura, fartura batendo nos grave (grave)
do lado
Festa ou fartura batendo nos grave (grave)
Riqueza pra mim hoje em dia é ter conhecimento e as amiga
do lado
Em “Festa e fartura”, misturando a batida do rap ao batidão
do “Funk”, Souto MC também traz aspectos relativos à
Riqueza pra mim hoje em dia é ter
preservação da cultura indígena como forma de evitar o
epistemicídio. Além de misturar a língua nativa à língua
Conhecimento, conhecimento, conhecimento
portuguesa (como proposta de hibridismo intercultural) a
rapper cita elementos da cultura material e imaterial desses
Conhecimento, conhecimento povos dignificando o valor destes enquanto forma de
expressão e resistência e não como símbolos de exotismo.
Kunumi MC, guarani da aldeia krukutu
[Refrão]
(Iniciar com uma sampleagem que também será usada no
refrão, com a música gravada pela cantora Baby do Brasil Todo dia era dia de índio (4x)
“Todo dia era dia de índio”)
Todo dia é dia do índio, do povo que foi excluído
(SAMPLE – Baby do Brasil - Todo dia era dia de índio)
Não ouvido, não entendido e não sei se entenderão
Matéria rima
Eles não são nosso irmãos, eles não são nossos amigos
Eu pego meu cachimbo e na casa de reza sempre refletindo
Porque eles são nós e todos nós somos índios
Minha matéria rima está sempre comigo
Português inimigo, pagou de malandro mesmo e pá
Ajudando o meu povo sofrido
Tipo Zé Pequeno, "quem disse que a terra é tua, rapá?"
Pelas comunidade, ser um jovem de ativismo
Até hoje, alá, ainda não quer demarcar
Sou um indígena, do povo Guarani
Ajudar e ampliar, A aldeia como fica?
Lutamos sempre pela demarcação
O retrocesso foi com o índio e atrasado estão vocês
Pra nos manter vivo, termos a nossa cultura
Que pensam igual há 500 anos e ainda quer explorar
E é de coração
Kunumim fala mais uma vez. "Demarcação já"
Eu já fiz uma ação na Copa do Mundo
E o Brasil de vocês, do preconceito
Soltei uma faixa de protesto escrito "demarcação"
Do desrespeito aos direitos, a cultura e a tradição
A gente faz muita coisa pra salvar a natureza
E, se não dá dinheiro, vocês não dão atenção
Eu sou um MC, de uma coisa tenho a certeza
Sempre penso nos meus primeiros
Que amando as pessoas você tira do peito essa grande
tristeza Por isso, que eu vou a fundo
Pode pá, pode pá. Que todo dia é o dia do índio É, matéria
rima
(Uso de instrumentos de origem africana para remeter à Vejo meus filhos se perguntando
cultura desse povo que assim como os povos indígenas foram
Se você os mata ou se eles se matam
explorados e tiveram seus saberes subalternizados)
Se você os mata ou se eles matam primeiro
Me diz pelo que você luta?
Que ar você respira, senão o meu fôlego? Observa-se nessa letra uma crítica ao
Que comida você come, senão a que eu dou? funcionamento ideológico da modernidade/ colonialidade,
que buscou mecanismos, e ainda atua, no sentido de
Abra a sua mente antes da sua boca subalternizar as culturas e saberes indígenas colocando-os
É o Brasil que ninguém vê como inferiores e não merecedoras de relevância. Como
observa Boaventura Souza Santos, tudo que é relativo ao
Tic tac, tic tac, o agro não é tech
“outro” que está do outro lado da linha abissal, não tem
Não é pop e também mata valor, é inferior e irrelevante. Assim, para enfraquecer os
povos colonizados foram se subtraindo elementos de sua
Vestem rosa ou azul
identidade cultural, que hoje devem ser resgatados na busca
Com as mãos manchadas de vermelho da ancestralidade.
Vejo meus filhos se perguntando
Nesse trecho, por meio de Professor, você pode usar a capa do
Se você os mata ou se eles se matam uma mudança no ritmo e álbum “Uzaw” de Kaê Guajajara
para analisar a crítica que se faz a
Se você os mata ou se eles matam primeiro batida do rap, com a inserção
de um acompanhamento de esse processo de silenciamento e
Você não sabe, ninguém viu percussão de atabaques genocídio dos povos indígenas,
africanos, a cantora faz uma executados sob o pretexto religioso de
Mas ficou cravado na minha memória catequização e uma pretensa ideia de
analogia entre os povos
Pega no laço e você sabe a história modernização. O que levou ao
indígenas e os africanos,
derramamento de muito sangue em
Legalizam o genocídio vistos que estes também nossas terras.
tiveram sua identidade
Chamam de pardos pra embranquecer
cultural “roubada” e seus
Enfraquecer e desestruturar você saberes silenciados pela
Pra não saber de onde veio colonialidade. A mudança
drástica de ritmo e
E conta a história da bisa sonoridade também tem a
Da sua bisa que era índia intenção de marcar e dar
intensidade ao trecho que
E não é branco, nem preto remete à desestruturação das
Nem indígena o suficiente culturas ancestrais que leva à
perda das “identidades”.
Pelos fiscais de id
Ninguém é ilegal em terra roubada
Tô renascendo das cinzas do fogo Disponível em: https://abre.ai/dCZy . Acesso em:
03 Dez. 2021
Em que queimaram meus ancestrais
CENA V: “pemomba eme” Falo da vida dos jovens da perifa
Eu cansei de chorar
As histórias do passado faz eu sangrar
Mais uma criança morreu na madrugada
Cadê a solução pra mortalidade infantil ?
Sou nascido pra lutar
Nunca estarei só
O sol me acordou
Use sua câmera para ler o QR Code e assistir o vídeoclipe da
música. Nhanderu me levantou
De novo estou aqui
-PERSONAGEM: OZ Guarani
Passando essa mensagem consciente para os mano
(Ressaltando seus saberes como forma de resistência, índios Eu já lembrei de Deus e pra mim tá firmão
esclarecidos levantam sua voz em defesa de seu povo)
No dia de amanhã eu só quero acordar com sorriso no olhar
Tentando nãoerrar mais do que errei
Nhande ka'aguy jareko va'ekue pembovaipa eme Pembovaipa
eme.. Encara seus problemas com muita fé em Deus
Nhande yvy jareko va'ekue Em 1500 teve a invasão
Pembovaipa eme nhande yvy re E até hoje é bomba no meus irmão
Nhande ka'aguy jareko va'ekue Bomba no meus irmão ( MC Xondaro)
Pembovaipa eme nhande yvy re Refrão
Nhande ka'aguy jareko va'ekue ( Wera MC) TRADUÇÃO DO TRECHO EM GUARANI
Xamoi opu’ã tarova oupi mbaraka mirim’i Nhande popy
Vocês destruíram nossa terra
jareko xondaro kuery nha’puã
e a nossa mata que tínhamos
Jerojy ja xauka mborai nhamonhendu
Não destruam, não destruam nossa terra
Amba wera nharõ m’baraete kunha karai kuery Opu’ã
takua’pu omonhendu porã ete Não destruam nossa terra e a nossa mata
Aguyjevete pave’i vocês destruíram nossa terra e a nossa mata que tínhamos
Xamoi opu’ã tarova oupi mbaraka mirim’i Nhande popy Não destruam, não destruam nossa terra (Wera MC -
jareko xondaro kuery nha’puã
(Refrão)
Jerojy ja xauka mborai nhamonhendu
O pajé levanta e faz a sua reza
Amba wera nharõ m’baraete kunha karai kuery Opu’ã
takua’pu omonhendu porã ete Vamos pegar o Mbaraká em nossas mãos guerreiros
Nhande yvy jareko va'ekue (Fala de Marçal tupã liderança indígena assassinado "...
pelo Brasil inteiro vai levantar ou já levantou índios
Pembovaipa eme nhande yvy re esclarecidos, levantará sua voz em prol da sua raça.")
Nhande ka'aguy jareko va'ekue
Pembovaipa eme nhande yvy re
Nhande ka'aguy jareko va'ekue (Wera Mc)
Através dessa batida falo da minha vida
Com o objetivo de fortalecer sua cultura e seus POR DENTRO DA NOTÍCIA
saberes promovendo a visibilidade do povo
Guarani que habita a região do Pico do Jaraguá Veja que interessante essa notícia e o quanto ela
na grande São Paulo, o grupo OZ Guarani traz na valoriza os saberes indígenas, muitas vezes
subalternizados e ignorados frente aos
letra de “Pemomba eme”, uma mistura entre sua
conhecimentos produzidos pelos europeus:
língua e a Língua Portuguesa e apresenta
elementos culturais que ainda lutam para
preservar num diálogo intercultural. Através Astronomia Indígena na Amazônia
dessa representação que fazem de seu povo antecede Galileu, diz pesquisador
resistem em um embate com universo que os “A astronomia e seus impactos em fatos cotidianos e
circunda, onde o rap é o ritmo e a poesia que práticos não é uma prática unicamente do ocidente. Os
caracterizam sua resiliência. A cosmologia e o indígenas já estudavam o movimento dos astros muito
misticismo de sua cultura se relacionam com suas antes, para conhecer os períodos de seca e cheia dos rios
vivências cotidianas, seus embates e desafios frente da Amazônia, assim como, épocas específicas do ano
à sociedade contemporânea. para plantar e colher. Algumas vezes eles estiveram até à
frente da ciência. Em 1632, Galileu Galilei publicou o
livro "Diálogo sobre os dois máximos sistemas do
mundo; ptolomaico e copernicano". O livro marcou toda
a ciência ocidental dos próximos séculos. Nele Galileu
afirmava que a causa das marés eram os movimentos
rotação e translação da terra, desconsiderando a
DIALOGANDO COM influência da Lua.
OUTRAS FONTES... Vinte anos antes, o missionário capuchinho francês
A valorização dos saberes indígenas é Claude d'Abbeville passou quatro meses entre os
tupinambá do Maranhão, da família tupi-guarani. No seu
fundamental no processo de busca da visibilidade livro "Histoire de la mission de pères capucins en l'Isle
desses povos e para que esses saberes também não de Maragnan et terres circonvoisines", ele conta uma
pouco dessa história. Um dos trechos do livro diz que:
sejam perdidos. Esses saberes foram subalternizados ao "Os tupinambá atribuem à Lua ao fluxo e o refluxo do
longo do tempo pela imposição de uma ideia de mar e distinguem muito bem as duas marés cheias que se
verificam na lua cheia e na lua nova ou poucos dias
universalismo, onde se impôs o racionalismo científico depois".Somente em 1687, setenta e três anos após a
europeu sobre quaisquer outras formas de publicação de d'Abbeville, Isaac Newton demonstrou
que a causa das marés é a atração do Sol e da Lua. Esses
“conhecimento”. Faz-se relevante questionar essa visão fatos mostram que, muito antes da Teoria de Galileu, que
junto aos alunos e permear essa discussão. Como não considerava a Lua, os indígenas que habitavam o
Brasil já sabiam que ela é a principal causadora das
sugestão apresentamos o vídeo “AMAZÔNIA marés.
INTERATIVA - Cosmologia e etnoastronomia De acordo com artigo publicado pelo Prof. Germano
indígena” e a notícia “Astronomia Indígena na Afonso, os indígenas já utilizavam os corpos celestes
para se localizar. A palavra Itacoatiara, que em tupi e em
Amazônia antecede Galileu, diz pesquisador”: guarani significa pedra pintada, são rochedos decorados
encontrados em algumas regiões. Esses foram os
primeiros registros desses povos de eventos
Use sua câmera para ler o QR Code e assistir o astronômicos. Os indígenas utilizavam a astronomia
vídeo “AMAZÔNIA INTERATIVA - principalmente para a agricultura. Dessa maneira
Cosmologia e etnoastronomia indígena”. associavam as estações do ano e as fases da Lua com a
biodiversidade local, para determinarem a época de
plantio e da colheita, bem como para a melhoria da
produção e o controle natural das pragas.” Disponível
em: https://abre.ai/dEar. Acesso em: 05 Dez. 2021.
Ampliando saberes... Enriquecendo a discussão
Indicamos a leitura de dois textos que falam um Dentro das culturas dos povos indígenas
pouco mais sobre os saberes indígenas ligados ao existem a arte do grafismo e da pintura corporal, fazem
“misticismo”, cosmologias e arte. São eles: “Mitos e parte dos seus saberes e tradições. Muitas vezes vemos
cosmologias indígenas no Brasil: breve introdução” de pessoas utilizando tatuagens com esses símbolos mas
Aracy Lopes da Silva e “Arte Indígena: Referentes não sabem o significado e a importância dessas dentro
Sociais e Cosmológicos” de Lúcia Hussak van Velthem do contexto das cultura indígenas. Que tal refletir sobre
Os textos também fazem parte do livro “Índios isso com seus alunos?
no Brasil” organizado por Luís Grupioni e conta com Primeiro veja como Alves e Moreira (2016)
uma versão em PDF on-line para acesso. diferenciam grafismo e pintura corporal
Tatuar grafismos
indígenas, é
homenagem? BATE-
PAPO com Benício
Pitaguary
ATO VI – A VOZ DO INDÍGENA É A VOZ DO AGORA – EMPODERAMENTO E
LUTAS CONTEMPORÂNEAS
A partir das contribuições de Catherine Walsh (2009), verifica-se que a pedagogia decolonial e as propostas da
decolonialidade emergiram das lutas dos movimentos sociais e suas reivindicações. Daí, a importância de se destacar
dentro das emergências da decolonialidade no rompimento da colonialidade e da linha abissal que ainda separam
mundos em desiguais, o empoderamento dos povos indígenas. O rap indígena traz consigo esse caráter contestatório e
mobilizador, e exprime as lutas cotidianas desses povos por seus direitos. Esse empoderamento se dá na perspectiva
pela qual esses povos querem ser vistos na atualidade. Que mesmo estando às margens da sociedade, sendo
discriminados e não tendo seus direitos cognitivos e sociais reconhecidos, se mobilizam e lutam.
Apuka penderehe, nde ave reikotevê Bom dia boa tarde ndo je’ei ko ape avape
Esse rap chegou lá na frente. Mas será que você vai contar?
Dou risada de vocês, agora que você precisa. Vê se não fale à toa.
Falo a verdade e não quero ser igual a você. O tempo vai passando e assim vou caminhando.
Canto vários temas e isso que venho mostrando. Antigamente era muito mais feliz.
Voz indígena é a voz de agora. Nos dias de hoje ninguém sabe a quantas anda.
O rap mostra o que é a verdade. Manda quem pode, pode quem manda.
Essa é a verdade e aqui nós somos a banca. Nos dias de hoje não sentimos confiança.
Só não pode dar risada. Nos dias de hoje ninguém sabe o que o espera.
Porque Deus está vendo e ele é grande. Se é inverno ou primavera, indiferença ou compaixão.
O tempo vai passando e assim vou caminhando. Salvam-se os beijos que tu me dás.
Antigamente era muito mais feliz. Nos dias de hoje ninguém sabe o amanhã.
O céu está limpo, no meio de todos existe. E fazer planos é coisa vã.
Os pássaros voam. Juntos são felizes. Nos dias de hoje já não há motivação.
Esses querem saber mais. Nos dias de hoje ninguém sabe o que o espera.
Que os outros vão perder. Se é um sonho ou uma quimera ter saudades do futuro.
No jornal fala várias coisas. Nos dias de hoje ninguém põe as mãos no fogo.
A TV mostra várias coisas. Por um amanhã mais novo, por um amanhã mais puro.
Mas, existem pessoas com a ideia forte. Como se percebe a mensagem é clara,
elas não querem ser pensados por
Não fale não fale bobagem. “verdades” que foram construídas
Assim é feio, você não sabe, você não viu. sobre eles sob uma perspectiva do
EURO-USA-CENTRISMO. Eles têm
Eles não sabem. muito o que falar a partir do que são e
vivenciam na atualidade e questionam
Bom dia, boa tarde, não se fala para um índio.
a ideia de igualdade que se expressa na
Mas caminhamos. sociedade.
“Sônia Guajajara
desmonta
preconceito indígena
de senadora do
PSL”
“Soja à moda
Paresi”
DIALOGANDO COM
OUTRAS FONTES, gerando
conteúdos...
Qual o lugar do indígena na sociedade
contemporânea? Como os indígenas se inserem na
O blog “Fundo Brasil” aponta quais são
sociedade? Quais são suas lutas e reivindicações?
as principais causas e lutas das
Quais são as “verdades” que eles defendem (como populações indígenas na atualidade,
sendo:
observamos na letra do rap “Koanguagua”? Que tal
dialogar com outras fontes que tratam dessa - Desrespeito às terras indígenas;
Disponível em: https://abre.ai/dCE9. Acesso em: 04 Dez. 2021 Disponível em: https://abre.ai/dCZA . Acesso em: 04 Dez. 2021
PARA SABER MAIS: É Hora de cinema
Uma questão relevante para debater sobre as
lutas indígenas na atualidade, principalmente em Essa proposta visa discutir como se deu o
relação à demarcação de terras, é o marco processo de contato dos povos indígenas com a
temporal. A reportagem “O que é o marco
temporal sobre terras indígenas: entenda o que urbanização, uma das consequências da
está em jogo no julgamento do STF” de “modernidade” e do “progresso”. Observa-se nesse
27/08/2021 é uma importante fonte para debater
essa questão. Use a sua câmera para ler o QR ponto um dos grandes embates referente aos povos
Code abaixo e abrir o site com reportagem. indígenas e sua relação com o tempo e o espaço, a
questão da terra, o meio ambiente, dentre outros.
Para refletir sobre essas questões, sugerimos o uso
do curta-metragem “Pajerama” de Leonardo
Cadaval, 2008.
Leituras indicadas:
Dois textos podem auxiliar você professor para
tratar de dois conteúdos gerados a partir das
canções de rap trabalhadas nesse “ATO VI”. Um
sobre a questão dos indígenas e o “Direito” no
Brasil, e o outro sobre a questão das terras
indígenas em nosso país. Ambos, estão no livro
“Índios no Brasil” organizado por Luís
Grupioni. Que tal aprofundar suas leituras para
trabalhar essa proposta com seus alunos. É só
acessar através dos QR Codes abaixo:
SOUZA FILHO, C. F.
M. de. O Direito
envergonhado: O
Direito e os índios no
Brasil. In: GRUPIONI,
L. D. B. (org.). Índios
no Brasil. 4. ed. São
Paulo: Global, 2000. Título: Pajerama
2021. pp. 153 – 168.
Ano produção: 2008
Dirigido por:
VIDAL, L. B. As terras
Leonardo Cadaval
indígenas no Brasil. In:
GRUPIONI, L. D. B. Duração: 9 minutos
(org.). Índios no
Brasil. 4. ed. São Classificação: Livre
Paulo: Global, 2000.
2021. pp. 193 – 204. Gênero: Animação
. País de Origem:
Brasil
ew/8153/5597. Acesso em: 5 dez. 2021. 15ª ed. Colecção histórias e ideias. Porto:
Afrontamento, 2007.
BAKHTIN, M. O discurso no romance. IV - A
pessoa que fala no romance. In: BAKHTIN, M. SOUZA FILHO, C. F. M. de. O Direito
Questões de literatura e estética – A teoria do envergonhado: O Direito e os índios no Brasil. In:
romance. Tradução de Aurora Fornoni Bernardini GRUPIONI, L. D. B. (org.). Índios no Brasil. 4.
et al. São Paulo: UNESP, 1998. ed. São Paulo: Global, 2000. 2021. pp. 153 – 168
Orientador: Heloísa Selma Fernandes Capel. 2022. (org.). Índios no Brasil. 4. ed. São Paulo: Global,
192 f. Dissertação (Mestrado Profissional em 2000. 2021. pp. 83 –92
Ensino de História - ProfHistória) (Mestrado) - VIDAL, L. B. As terras indígenas no Brasil. In:
Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2022 GRUPIONI, L. D. B. (org.). Índios no Brasil. 4.
FRESQUET, A. Abecedário de educação e ed. São Paulo: Global, 2000. 2021. pp. 193 – 204
interculturalidade com Vera Maria Candau. WALSH, C. Interculturalidade Crítica e Pedagogia
https://www.youtube.com/watch?time_continue=1 Decolonial: in-surgir, re-surgir e re-viver. In:
4&v=0OWPYJUaT10. Acesso em: 23 Nov. 2021. CADAU, Vera Maria (Org.) Educação
MONTSERRAT, R. M. F. Línguas indígenas no Intercultural na América Latina: entre
(org.). Índios no Brasil. 4. ed. São Paulo: Global, Letras, 2009, p.12-42
2000. 2021. pp. 93 – 104. ZUMTHOR, P. Performance, recepção, leitura.
São Paulo: Ubu, 2018.