O Gênero Conto No Ensino
O Gênero Conto No Ensino
O Gênero Conto No Ensino
Resumo: Este trabalho tem por objetivo expor como pode ser realizado o trabalho
pedagógico com o gênero textual conto em sala de aula, apresentando-o como
facilitador da aprendizagem da leitura e tomando como base a literatura de Machado de
Assis. Foi criada uma sequência didática a partir do conto “A Carteira”, de Machado de
Assis, a qual foi formulada, inicialmente, para o 1º ano do ensino médio, mas que pode
ser adaptada para outros níveis de ensino. Para fundamentar as reflexões e da proposta
pedagógica desenvolvida, recorremos a perspectivas teóricas que versão sobre gêneros
textuais, conto, leitura, mediação pedagógica e sequência didática. As proposições
construídas no presente artigo ressaltam a necessária autonomia relativa que o professor
precisa desenvolver no decorrer de suas práticas, para que este não se limite à posição
de reprodutor de ações pedagógicas anteriormente elaboradas.
Considerações iniciais
Revista Entre Saberes, Práticas e Ações, Palmeira dos Índios, AL, v.1 n.1, p.1-180, mar./jun. 2021
identificar os elementos históricos e escolásticos da literatura, a produção de sentidos
também era considerada.
Com base nas observações realizadas no estágio, surgiu a necessidade de se
criar uma sequência didática que abordasse o gênero conto, enfatizando a sua
abordagem no ensino médio. Acreditamos que tal gênero textual pode contribuir para as
práticas de leitura nas salas de aulas, dada a importância de se pensar nos processos de
reflexão dos estudantes por intermédio do ensino da língua e da literatura. A esse
respeito, Antunes (2009) afirma que o gosto pela leitura de textos da esfera literária é
adquirido por um estado de sedução, de fascínio, de encantamento. É um estado que
precisa ser estimulado, exercitado e vivido (ANTUNES, 2009). Portanto, é papel do
professor estimular que o estudante desperte o interesse no seu eu interior para a prática
da leitura, isto é, o prazer pelo hábito de ler. Os textos literários ajudam nesse incentivo,
pois geralmente abordam temáticas que chamam a atenção do leitor.
Além disso, surge a necessidade de abordar a literatura de Machado de Assis
por este ser um escritor que apresenta características singulares em suas obras,
enfatizando temáticas como a questão do adultério e demais problemáticas socialmente
relevantes. Esses aspectos chamam a atenção dos estudantes, uma vez que despertam
neles o gosto pela leitura, bem como o interesse em descobrir o que se encontra
implícito no texto. Com isso, compreendemos que o conto é um gênero antigo que se
iniciou com a tradição oral, algo passado de geração em geração, e que, com o passar
dos anos, começou a se manifestar na sociedade na modalidade escrita. O conto possui
algumas características particulares, como a questão do foco narrativo, das personagens,
da estrutura do enredo, entre outras.
Diante disso, é apresentada, neste trabalho, após uma explanação teórica sobre
gêneros textuais, conto, leitura, mediação pedagógica, uma Sequência Didática sobre o
conto A Carteira, de Machado de Assis, no intuito de servir de auxílio para práticas
pedagógicas com a leitura, a compreensão e a produção de sentidos. A Sequência
Didática desenvolvida está voltada ao 1º ano do ensino médio, mas pode ser adaptada
para outros níveis de ensino. As proposições construídas no presente artigo ressaltam a
necessária autonomia relativa (ZOZZOLI, 2006) que o professor precisa desenvolver no
decorrer de suas práticas, para que este não se limite à posição de reprodutor de ações
pedagógicas anteriormente elaboradas.
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O gênero textual conto, a literatura de Machado de Assis e as sequências didáticas
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ensino fundamental e ao ensino médio. Para tanto, Cunha, Amandio e Saraiva (2010, p.
3) compreendem que
O gênero conto pode fazer parte, dessa maneira, da base para o trabalho com a
língua e a literatura em sala de aula, visto que ele está presente no cotidiano social, além
de ser um gênero curto e de fácil compreensão para os estudantes, pois a linguagem e o
conteúdo utilizado para sua produção fazem parte da realidade dos leitores, já que tal
gênero é “produzido à luz das situações cotidianas” (ARAÚJO, 2015, p. 04). Nesse
ínterim, as abordagens com o gênero conto em sala de aula podem acontecer de maneira
mais descontraída. No entanto, Cunha, Amandio e Saraiva (2010, p. 5) inferem que “Os
contos, por serem mais curtos e propiciarem uma leitura mais rápida, viabilizam sua
leitura integral numa só aula, o que permitirá ao professor realizar uma leitura
compartilhada com os alunos.”. Com base nisso, surge a pertinência de se trabalhar a
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leitura de contos nas aulas de Língua Portuguesa, uma vez que, assim, os estudantes têm
acesso a esse gênero por meio da leitura e a compreensão.
Compactuando com o que fora apresentado, Kleiman (2013, p. 36) relata que
"é durante a interação que o leitor mais inexperiente compreende o texto: não é durante
a leitura silenciosa, nem durante a leitura em voz alta, mas durante a conversa sobre
aspectos relevantes do texto". Nesse caso, é importante que a leitura compartilhada seja
realizada tanto quanto o debate sobre trechos mais destacados na obra, para que, com
isso, o aluno compreenda mais afundo o texto estudado, suas características, estrutura
do enredo.
Os gêneros mais comuns de serem abordados no ensino são: romance, novela e
conto. Segundo Soares (2007), o conto é uma narrativa menor que o romance e a
novela. Nesse sentido, ele possui particularidades na sua estrutura. Com o conceito de
conto apresentado até o momento, podemos compreender que a estrutura desse gênero
se dá, basicamente, pela situação inicial, o desenvolvimento, o conflito, o clímax –
momento de maior tensão na narrativa – e o desfecho. Além disso, também é possível
encontrar, no citado gênero narrativo, a caracterização do tempo, do espaço, das
personagens e do foco narrativo em que a obra se encontra. O trabalho com o gênero
conto é pautado em suas particularidades para a compreensão dos estudantes, na leitura
e na escrita, de forma com que o texto narrativo ajude o professor a desenvolver práticas
de leitura e compreensão, além de influenciar a escrita criativa usando a imaginação ou
fatos do cotidiano.
Fazendo uma articulação entre as abordagens com os gêneros em sala de aula e
a mediação pedagógica, Gaignoux (2014, p. 8) pontua que
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sociedade nos tempos passados, como também ocorre em A Cartomante e em outros
contos do autor. Em sua escrita, é possível ver uma relação direta de diálogo entre o
autor e o leitor. Sobre as características da escrita de Machado de Assis, ainda é possível
encontrar o humor irônico que, segundo França e Paula (2017, p. 9-10),
Por esse motivo, Machado é até os dias atuais um grande escritor por possuir
particularidades únicas na sua escrita como essa questão do humor irônico e do
pessimismo. Esse pessimismo não julga as personagens, mas descreve como elas são de
acordo com seu status social. Nessa perspectiva, o humor iônico e o pessimismo estão
ligados um ao outro. De acordo com França e Paula (2017, p. 10), “A ironia machadiana
surge como um pano de fundo para descrever a forma como viviam a sociedade
escravocrata e a classe dominante da época, ou boa parte dessa”. Nesse sentido, as obras
de Machado refletiam o contexto social da época em que o Realismo era predominante
no Brasil, época na qual Machado era pioneiro. Para tanto, Cunha, Amandio e Saraiva
(2010, p. 2) estabelecem uma relação entre a escrita de Machado e o contexto atual das
relações humanas.
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personagens e as mesmas apresentam fortes características psicológicas em seus
contos.”, como em A Carteira, pois as personagens demonstram medos, angústias,
segredos, algo que está próximo do ser humano. Nesse sentido, o conto “A Carteira” se
aproxima da realidade das pessoas, despertando interesse na leitura, visto que o gênero
conto é prosaico com uma escrita muito bem elaborada, principalmente quando integra
Sequências Didáticas.
Em relação à Sequência Didática, Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004, p. 96-
97) compreendem que ela corresponde a “um conjunto de atividades escolares
organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito”.
Dessa maneira, a Sequência Didática propõe que os estudantes tenham o acesso à língua
através de gêneros textuais, no intuito de aprimorar a leitura, a compreensão e outras
habilidades. Ainda para Dolz, Noverraz e Scheneuwly (2004, p. 97), a Sequência
Didática tem “a finalidade de ajudar o aluno a dominar melhor um gênero de texto”,
nesse caso, o gênero conto trabalhado a partir da literatura de Machado de Assis.
Mesquita, Leão e Souza (2016, p. 64) afirmam que
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Entender sobre tempo psicológico e cronológico, características físicas e mentais das
personagens e tipos de narradores.
A Carteira1
...De repente, Honório olhou para o chão e viu uma carteira. Abaixar-se, apanhá-la e
guardá-la foi obra de alguns instantes. Ninguém o viu, salvo um homem que estava à
porta de uma loja, e que, sem o conhecer, lhe disse rindo:
— Olhe, se não dá por ela; perdia-a de uma vez.
— É verdade, concordou Honório envergonhado.
Para avaliar a oportunidade desta carteira, é preciso saber que Honório tem de pagar
amanhã uma dívida, quatrocentos e tantos mil-réis, e a carteira trazia o bojo recheado. A
dívida não parece grande para um homem da posição de Honório, que advoga; mas todas
as quantias são grandes ou pequenas, segundo as circunstâncias, e as dele não podiam ser
piores. Gastos de família excessivos, a princípio por servir a parentes, e depois por
agradar à mulher, que vivia aborrecida da solidão; baile daqui, jantar dali, chapéus,
leques, tanta cousa mais, que não havia remédio senão ir descontando o futuro.
Endividou-se. Começou pelas contas de lojas e armazéns; passou aos empréstimos,
duzentos a um, trezentos a outro, quinhentos a outro, e tudo a crescer, e os bailes a darem-
se, e os jantares a comerem-se, um turbilhão perpétuo, uma voragem.
— Tu agora vais bem, não? dizia-lhe ultimamente o Gustavo C..., advogado e familiar da
casa.
— Agora vou, mentiu o Honório.
A verdade é que ia mal. Poucas causas, de pequena monta, e constituintes remissos; por
desgraça perdera ultimamente um processo, em que fundara grandes esperanças. Não só
recebeu pouco, mas até parece que ele lhe tirou alguma cousa à reputação jurídica; em
todo caso, andavam mofinas nos jornais.
D. Amélia não sabia nada; ele não contava nada à mulher, bons ou maus negócios. Não
contava nada a ninguém. Fingia-se tão alegre como se nadasse em um mar de
prosperidades. Quando o Gustavo, que ia todas as noites à casa dele, dizia uma ou duas
pilhérias, ele respondia com três e quatro; e depois ia ouvir os trechos de música alemã,
que D. Amélia tocava muito bem ao piano, e que o Gustavo escutava com indizível
prazer, ou jogavam cartas, ou simplesmente falavam de política. Um dia, a mulher foi
achá-lo dando muitos beijos à filha, criança de quatro anos, e viu-lhe os olhos molhados;
ficou espantada, e perguntou-lhe o que era.
— Nada, nada.
Compreende-se que era o medo do futuro e o horror da miséria. Mas as esperanças
voltavam com facilidade. A idéia de que os dias melhores tinham de vir dava-lhe conforto
para a luta. Estava com trinta e quatro anos; era o princípio da carreira: todos os
princípios são difíceis. E toca a trabalhar, a esperar, a gastar, pedir fiado ou: emprestado,
para pagar mal, e a más horas.
A dívida urgente de hoje são uns malditos quatrocentos e tantos mil-réis de carros. Nunca
demorou tanto a conta, nem ela cresceu tanto, como agora; e, a rigor, o credor não lhe
punha a faca aos peitos; mas disse-lhe hoje uma palavra azeda, com um gesto mau, e
Honório quer pagar-lhe hoje mesmo. Eram cinco horas da tarde. Tinha-se lembrado de ir
a um agiota, mas voltou sem ousar pedir nada. Ao enfiar pela Rua da Assembléia é que
viu a carteira no chão, apanhou-a, meteu no bolso, e foi andando.
Durante os primeiros minutos, Honório não pensou nada; foi andando, andando, andando,
até o Largo da Carioca. No Largo parou alguns instantes, — enfiou depois pela Rua da
Carioca, mas voltou logo, e entrou na Rua Uruguaiana. Sem saber como, achou-se daí a
1
Utilizamos o texto na sua versão original. Por essa razão, o texto não segue as normas do Novo Acordo
Ortográfico da Língua Portuguesa.
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pouco no Largo de S. Francisco de Paula; e ainda, sem saber como, entrou em um Café.
Pediu alguma cousa e encostou-se à parede, olhando para fora. Tinha medo de abrir a
carteira; podia não achar nada, apenas papéis e sem valor para ele. Ao mesmo tempo, e
esta era a causa principal das reflexões, a consciência perguntava-lhe se podia utilizar-se
do dinheiro que achasse. Não lhe perguntava com o ar de quem não sabe, mas antes com
uma expressão irônica e de censura. Podia lançar mão do dinheiro, e ir pagar com ele a
dívida? Eis o ponto. A consciência acabou por lhe dizer que não podia, que devia levar a
carteira à polícia, ou anunciá-la; mas tão depressa acabava de lhe dizer isto, vinham os
apuros da ocasião, e puxavam por ele, e convidavam-no a ir pagar a cocheira. Chegavam
mesmo a dizer-lhe que, se fosse ele que a tivesse perdido, ninguém iria entregar-lha;
insinuação que lhe deu ânimo.
Tudo isso antes de abrir a carteira. Tirou-a do bolso, finalmente, mas com medo, quase às
escondidas; abriu-a, e ficou trêmulo. Tinha dinheiro, muito dinheiro; não contou, mas viu
duas notas de duzentos mil-réis, algumas de cinquenta e vinte; calculou uns setecentos
mil réis ou mais; quando menos, seiscentos. Era a dívida paga; eram menos algumas
despesas urgentes. Honório teve tentações de fechar os olhos, correr à cocheira, pagar, e,
depois de paga a dívida, adeus; reconciliar-se-ia consigo. Fechou a carteira, e com medo
de a perder, tornou a guardá-la.
Mas daí a pouco tirou-a outra vez, e abriu-a, com vontade de contar o dinheiro. Contar
para quê? Era dele? Afinal venceu-se e contou: eram setecentos e trinta mil-réis. Honório
teve um calafrio. Ninguém viu, ninguém soube; podia ser um lance da fortuna, a sua boa
sorte, um anjo... Honório teve pena de não crer nos anjos... Mas por que não havia de crer
neles? E voltava ao dinheiro, olhava, passava-o pelas mãos; depois, resolvia o contrário,
não usar do achado, restituí-lo. Restituí-lo a quem? Tratou de ver se havia na carteira
algum sinal.
"Se houver um nome, uma indicação qualquer, não posso utilizar-me do dinheiro,"
pensou ele.
Esquadrinhou os bolsos da carteira. Achou cartas, que não abriu, bilhetinhos dobrados,
que não leu, e por fim um cartão de visita; leu o nome; era do Gustavo. Mas então, a
carteira?... Examinou-a por fora, e pareceu-lhe efetivamente do amigo. Voltou ao interior;
achou mais dous cartões, mais três, mais cinco. Não havia duvidar; era dele. A descoberta
entristeceu-o. Não podia ficar com o dinheiro, sem praticar um ato ilícito, e, naquele caso,
doloroso ao seu coração porque era em dano de um amigo. Todo o castelo levantado
esboroou-se como se fosse de cartas. Bebeu a última gota de café, sem reparar que estava
frio. Saiu, e só então reparou que era quase noite. Caminhou para casa. Parece que a
necessidade ainda lhe deu uns dous empurrões, mas ele resistiu.
"Paciência, disse ele consigo; verei amanhã o que posso fazer."
Chegando a casa, já ali achou o Gustavo, um pouco preocupado, e a própria D. Amélia o
parecia também. Entrou rindo, e perguntou ao amigo se lhe faltava alguma cousa.
— Nada.
— Nada?
— Por quê?
— Mete a mão no bolso; não te falta nada?
— Falta-me a carteira, disse o Gustavo sem meter a mão no bolso. Sabes se alguém a
achou?
— Achei-a eu, disse Honório entregando-lhe.
Gustavo pegou dela precipitadamente, e olhou desconfiado para o amigo. Esse olhar foi
para Honório como um golpe de estilete; depois de tanta luta com a necessidade, era um
triste prêmio. Sorriu amargamente; e, como o outro lhe perguntasse onde a achara, deu-
lhe as explicações precisas.
— Mas conheceste-a?
— Não; achei os teus bilhetes de visita.
Honório deu duas voltas, e foi mudar de toilette para o jantar. Então Gustavo sacou
novamente a carteira, abriu-a, foi a um dos bolsos, tirou um dos bilhetinhos, que o outro
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não quis abrir nem ler, e estendeu-o a D. Amélia, que, ansiosa e trêmula, rasgou-o em
trinta mil pedaços: era um bilhetinho de amor.
Machado de Assis
4º momento: Narrador
- Assinale V para verdadeiro e F para falso:
( ) Podemos dizer que o narrador, no conto, é onisciente (aquele que sabe de tudo o que
se passa com a personagem), mas essa onisciência do narrador só se aplica a Honório,
pois ele (o narrador) não sabe o que se passa no interior das outras personagens.
( ) O narrador pretende disfarçar sua onisciência, pois usa aspas em dois momentos,
demonstrando o que Honório pensa. Com esse recurso, o leitor tem a impressão de que
ele (o narrador) só sabe o que a personagem pensa nos momentos em destaque com as
aspas.
( ) Desde o primeiro momento, o narrador já sabia de tudo, inclusive do desfecho do
conto, que nos revela ser outro o tema abordado, mas fez o leitor crer que o tema do conto
girava em torno de “devolver ou não devolver a carteira”.
( ) Quando o leitor, durante a primeira leitura do conto (sem conhecer ainda o
desfecho), chega ao final, ele é induzido, pelo narrador, a crer que Gustavo “olhou
desconfiado para o amigo”, porque Honório poderia ter se apropriado do dinheiro. Isso se
dá pelo uso da palavra “desconfiado”.
( ) A narração do conto está em 1ª pessoa. Nesse caso, o narrador não é onisciente.
Assim, não tem conhecimento das personagens e dos fatos.
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( ) Era zombado pelos jornais devido a um processo que perdeu, na função de
advogado. Além disso, seus clientes o procuravam por causa de pequenos serviços, que
não rendiam o que ele precisava.
( ) Era poupada dos assuntos financeiros. Não sabia o que se passava com o marido.
( ) Era inescrupuloso, pois frequentava a casa do amigo e tinha um caso com a esposa
dele.
( ) Não há descrição nenhuma dessa personagem. Porém, devido à sua função, que é a
de emprestar dinheiro e cobrar juros mais altos que o dos bancos, supomos que seja
alguém com condição financeira favorável.
( ) Personagem que “vivia aborrecida da solidão”.
( ) Tem quatro anos de idade.
Reflexões sobre a SD
O desenvolvimento de práticas de leitura em sala de aula é um grande desafio
para o professor, visto que os materiais didáticos comumente não dispõem de muito
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suporte para que isso ocorra. No entanto, o docente pode buscar meios de aprimorar o
ensino sobre textos literários para apresentá-los em sala. O hábito da leitura é algo que
deve ser influenciado para que desperte nos estudantes o gosto pelo estudo. Assim, cabe
a necessidade de se desenvolver atividades que estimulem a leitura, a compreensão e a
escrita de textos. Propostas pedagógicas como a que foi apresentada não objetivam
servir como receitas prontas para a reprodução em contextos de ensino variados. Elas
atuam como estimuladoras de práticas de ensino mais coerentes com as realidades
sociais.
Sobre isso, Geraldi (2016) diz que o professor precisa ultrapassar os limites da
noção de reprodução de práticas e transmissão de conhecimentos e adentrar no plano
concreto da mediação pedagógica, que se dá quando o docente planeja e efetua práticas
que tenham como base as situações linguístico-discursivas e histórico-sociais dos
sujeitos. Essa afirmativa se articula com o pensamento de Zozzoli (2006), para a qual o
sujeito, tanto professor como aluno, constrói sua autonomia relativa com o passar do
tempo e dos acontecimentos sociais. A autonomia do sujeito (ZOZZOLI, 2006) vai ser
sempre relativa, uma vez que ela é oscilante e interdepende das relações acadêmicas,
pessoais e profissionais dos sujeitos no decorrer da vida social.
A Sequência Didática apresentada, vislumbrando estimular práticas de leitura
literária e compreensão no 1º ano do ensino médio, serve como um relevante
pressuposto para o trabalho pedagógico no ensino fundamental e no ensino médio. A
autonomia relativa (ZOZZOLI, 2006) do professor é responsável pelo processo de
adequação da proposta apresentada para níveis mais ou menos avançados de ensino.
Dada a complexidade da escrita machadiana, entendemos que essa proposta pode ser
mais esmiuçada e endereçada para alunos do 3º ano do ensino médio, em preparação
para vestibulares e outros processos seletivos.
A inter-relação entre a leitura, a compreensão e a produção de sentidos é uma
ligação bastante válida para o ensino de língua portuguesa, em níveis de ensino e esferas
variadas. O estudo da língua por meio da literatura e vice-versa revela práticas de ensino
mais amplas e concretas, levando em conta aspectos linguísticos e discursivos.
Considerações finais
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portuguesa, especialmente no que se refere ao ensino médio. Ficou nítido que o trabalho
com gêneros textuais pode ser um importante veículo para a construção de
conhecimentos linguístico-discursivos diversos, os quais só são possíveis por
intermédio da mediação pedagógica do professor frente à sua sala de aula. O gênero
conto contribui em grande escala com essa questão, pois, segundo Cunha, Amandio e
Saraiva (2010), ele tem uma estrutura curta, é um texto menor que o romance ou a
novela e, por esse motivo, torna-se de mais fácil compreensão. Além disso, o professor
pode se utilizar desse gênero textual para realizar leituras comentadas e compartilhadas
em sala de aula.
Conforme destacam França e Paula (2017) sobre Machado de Assis, a escrita
desse autor tem características e traços únicos da época do Realismo no Brasil. No
conto A Carteira, é de possível percepção traços comuns das obras do autor, como o
adultério, que foi abordado de maneira implícita para o protagonista e explícita para os
leitores, fazendo com que gerasse uma crítica a sociedade de família culta presente no
Rio de Janeiro na época em que o autor escreveu o conto, no ano de 1884. Com base
nisso, as obras machadianas devem ser utilizadas no ensino dos textos literários para
incentivar a leitura e instigar a curiosidade do estudante, em virtude das temáticas
geralmente abordadas nas obras de Machado. O gênero conto, por ser curto, facilita a
leitura dos estudantes, levando-os a estudar a língua na sua realização natural e
dinâmica, sendo, assim, mais atrativa e presente nos contextos de ensino e
aprendizagem no Brasil.
REFERÊNCIAS
ANTUNES, I. Língua, texto e ensino: outra escola possível. 2. ed. São Paulo:
Parábola, 2009.
Revista Entre Saberes, Práticas e Ações, Palmeira dos Índios, AL, v.1 n.1, p.1-180, mar./jun. 2021
DOLZ, J.; NOVERRAZ, M.; SCHNEUWLY, B. Seqüências didáticas para o oral e a
escrita: apresentação de um procedimento. In: SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. e
colaboradores. Gêneros orais e escritos na escola. Tradução e organização: Roxane
Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas-SP: Mercado de Letras, 2004.
KLEIMAN, A. B. Oficina de leitura: teoria e prática. 15. ed. Campinas: Pontes, 2013.
MAGALHÃES JÚNIOR, R. A arte do conto: sua história, seus gêneros, sua técnica,
seus mestres. Rio de Janeiro: Edições Bloch, 1972.
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