Um Acordo Improvável - Bruna Eloisa

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Copyright © 2022 Bruna Eloísa
Design de Capa: GB Design Editorial
Créditos de Produção Visual: iStock.com/Goodboy Picture Company
Diagramação e Logos: Bruna Eloísa
Revisão: Vitor Matheus
Betagem: Ana Júlia Gomes, Maria Clara Ronda e Sofia Degan
Leitura Sensível: Isabeli Nascimento, Maria Clara Ronda e Mariane Bueno
Ilustração: Gabriela Gois
 
Foto licenciada – posada por profissional
 
Esta é uma obra literária de ficção. Todos os personagens, estabelecimentos
e acontecimentos retratados são produtos da imaginação da autora.
Qualquer semelhança com pessoas e acontecimentos reais é mera
coincidência. Todos os direitos são reservados à autora.
São expressamente proibidas a distribuição ou reprodução de toda ou
qualquer parte desta obra por qualquer forma, meio eletrônico ou mecânico
sem a prévia permissão da autora.
Plágio é crime!
Esta obra segue as regras do Novo Acordo Ortográfico.
 
 
 
 
 
Para aqueles que acreditaram,
em algum momento,
não serem merecedores do amor.
 
 
 
 
 
“Eu pensei que o amor fosse uma guerra.
Eu não sabia que era para ser paz”.
— Daisy Jones & The Six
 
 
 
 
 
 
NOTA DA AUTORA
PRÓLOGO
PARTE UM
01
02
03
04
05
06
07
08
09
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
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25
PARTE DOIS
26
27
28
29
30
31
32
33
34
35
PARTE TRÊS
36
37
38
39
40
41
42
43
44
45
PARTE QUATRO
46
47
48
49
50
51
52
53
54
55
56
57
58
59
60
EPÍLOGO
AGRADECIMENTOS
 

 
Eu comecei a escrever essa história cerca de dois meses depois de
ter publicado outro livro na Amazon. Um Acordo Improvável não era para
ter saído esse ano. Na verdade, era para ele ser completamente diferente.
Mas é aquela coisa que todo escritor vivencia em algum momento: os
personagens é que mandam na gente e não ao contrário.
Anne Scott e Reed Rollins fizeram tanto barulho na minha cabeça
que eles já estavam quase criando vida própria. O amor por eles foi tão
instantâneo que eu vi me apaixonando por dois personagens como não
acontecia há muito tempo.
Então...
Sejam bem-vindos ao universo dos Rebels Of Horizon!
Um Acordo Improvável reúne tudo aquilo que a gente mais gosta.
Tem cenas que vão te arrancar risadas, frios na barriga, gritinhos e muitos
surtos – principalmente por estarmos falando de um slow burn. Então, sim,
vocês vão ter que ter um pouquinho de paciência com eles, mas garanto que
a espera vai valer a pena.
É importante ressaltar que a proposta desse livro é ser uma leitura
divertida. Não espere encontrar aqui plots revolucionários ou tramas super
difíceis. É uma experiência para te deixar feliz. É um livro que me fez tão
bem durante os seis meses que passei escrevendo, que não sei como
descrevê-lo além de ‘um suspiro’. Isso faz sentido? Sinceramente, não sei.
Mas espero que, ao longo da leitura, vocês entendam o que eu quis dizer.
No entanto, antes de prosseguir com a leitura, há alguns avisos
importantes: Um Acordo Improvável é recomendando para maiores de 18
anos e o enredo aborda temas que podem despertar  gatilhos, dentre
eles:  abuso psicológico familiar, problemas familiares e morte/luto
familiar. Há também consumo de bebidas alcoólicas, cenas explícitas de
sexo, violência e linguagem imprópria.  
Então, caso seja um tema sensível para você, não prossiga com a
leitura. Sua saúde deve vir sempre em primeiro lugar!
Lembrando também que 99% das cidades citadas ao longo da
história são fictícias, como também os times de futebol americano e a
universidade. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.
Sem mais delongas, desejo a todos uma ótima leitura!
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Uma vez, alguém me disse que toda história de amor inesquecível é
escrita através de grandes gestos.
Não faço a mínima ideia se isso é verdade ou não.
A única coisa da qual tenho certeza é de que foi por causa de uma
mentira que Reed Rollins e eu nos apaixonamos.
 
 
 
 
 
 

 
 
“Eu sei que você tem problemas com o seu pai”
Daddy Issues | The Neighbourhood
 

— Eu vou me casar. 
Essa é a primeira coisa que escuto ao me sentar de frente ao meu pai
em um dos seus restaurantes favoritos. Pisco os olhos, diversas vezes, sem
entender. Ele só pode estar brincando comigo ou, em último caso, isso faz
parte de uma alucinação.
— O quê?
Ele se remexe na cadeira, como se houvesse espinhos pinicando a
sua bunda, e cruza os braços sobre a mesa. No seu dedo anelar, não há
nenhuma aliança, mas sei que é somente uma questão de tempo. Se o que
ele me disse é verdade, não vai demorar para que um aro dourado repouse,
orgulhosamente, ali. 
— Decidi pedir a Dianna em casamento e ela aceitou. Nós já
tínhamos planos, então aconteceu naturalmente — ele fala em um tom
tranquilo, nem um pouco consciente da minha reação. — Devemos nos
casar daqui a alguns meses. Vai ser uma cerimônia simples. Não queremos
chamar a atenção. 
Aqui vai uma verdade: Ricky Rollins é viciado em se casar. Sua
maior conquista, além do futebol americano, é poder contar para a mídia o
quanto ele é um homem de sorte por encontrar o amor várias vezes. Alguns
acham romântico, um filme meloso reproduzido na vida real. Já no meu
ponto de vista, acho tudo uma tremenda mentira de enrugar o nariz. 
Se meu pai fosse um ótimo marido — como ele gosta de se gabar
por aí —, ele não estaria se encaminhando para o seu quinto casamento. São
tantos divórcios no seu currículo que me surpreendo que as mulheres não
saiam correndo assim que descobrem sobre suas ex-esposas. Isso sem
contar os casos extraconjugais que ele conseguiu esconder embaixo do
tapete. 
— Legal — murmuro, a língua ficando pesada. — Parabéns, pai.
Você e Dianna combinam. 
Eu acho que sim, pelo menos.
Ele concorda com um sorriso que deixa seus dentes à mostra e
levanta o braço, chamando o garçom. Ele rapidamente chega até a nossa
mesa. E, como em todas as outras vezes, Ricky não me deixa fazer escolha
nenhuma. Vamos comer o que ele decidir, mesmo que eu deteste a culinária
mediterrânea. 
— Estamos pensando em convidar a sua mãe. Você acha que ela vai
ficar chateada? 
Estico as pernas embaixo da mesa, o rosto de Noreen surgindo na
mente. Posso vê-la revirando os olhos diante da frase do meu pai. Desde
que eles se divorciaram, ele a convida para todos os casamentos, como se
quisesse se certificar do que ela perdeu anos atrás. 
Mal sabe ele que ela vê a separação como um livramento divino. 
— Ela vai levar na boa. Talvez essa seja a primeira vez que uma
noiva sua vai conseguir aturar a presença de Noreen Newman.
A expressão de Ricky se torna carrancuda. É assim toda vez que
defendo a minha mãe. A costumeira ruga se acentua no centro da testa,
enquanto os lábios se tensionam em uma linha reta. Falar sobre casamentos
anteriores, por mais irônico que seja, não é o assunto favorito do meu pai.
Subir no altar, entretanto, é o seu passatempo número um.
— E como Noreen está? — pergunta. — Ainda descontando suas
mágoas nos clientes? 
Suspiro de alívio quando o garçom retorna com as nossas bebidas.
Uma taça de vinho seco para o meu pai, enquanto, para mim, uma água com
gás. Bebo um generoso gole, desejando que isso seja capaz de me impedir
de suas perguntas. 
E ainda nem chegamos na pior parte da conversa.
— Muito bem — respondo ao pousar a taça na mesa, dispensando
sua alfinetada. — Ela conseguiu vencer um caso difícil na semana passada.
Da última vez que nos falamos, ela tinha saído para comemorar com as
amigas. 
Diferente do meu pai, minha mãe não se casou de novo. O divórcio,
na verdade, foi uma das melhores coisas que aconteceram na sua vida. Ela
abriu o próprio escritório em Mountain City, comprou uma nova casa e se
livrou das garras da mídia. Nas poucas vezes que noticiam sobre ela, é para
relembrar quem foi a primeira esposa do grande jogador Ricky Rollins. 
— Ela ainda gosta de viajar?
— Sim. No mês passado, ela foi para Calgary, no Canadá, com o
pessoal do trabalho.
Ricky abre um meio-sorriso, encerrando o assunto. Segundos
depois, o garçom traz as nossas comidas. Ele deposita diante de mim um
dos pratos mais famosos do cardápio, os Dolmates, uma espécie de charuto
feito com folha de uva e recheado com carne de cordeiro e outros
ingredientes que não faço ideia do que sejam.
Almoçar no Medi Del Mar é o meu pior pesadelo. Gosto muito do
meu pai, ele é como um ídolo, mas compartilhar de uma comida que não
sou muito fã junto das suas cobranças intermináveis não é a minha
combinação favorita.
Durante os próximos minutos, Ricky faz alguns comentários e me
lança olhares analíticos. Bem lá no fundo, estou ciente de que ele está
preparando o terreno para o seu assunto favorito de todos: o futebol
americano. 
Comecei a jogar só por causa dele, aos 10 anos. Desde aquele dia,
me tornei o seu maior investimento. Tudo o que faço é para garantir que
serei tão bom quanto Ricky foi nos gramados. Falhar não é nem mesmo
uma possibilidade. Meu irmão já fez isso por todos os filhos que nossa
família terá no futuro. 
— E como vão os treinos? A temporada começa em breve, então dá
para a gente treinar algumas vezes aqui em North Groove. Posso também
chamar meus amigos. Holden assumiu o cargo de treinador do The
Mountain Eagles e alguns dos jogadores podem estar dispostos a treinarem
com você. 
Mordo o interior da bochecha, consciente do que meu pai está
querendo fazer. Seus treinamentos são exatamente como quando eu era
adolescente, só que agora ele não me poupa dos seus xingamentos. Analisa
cada passo que dou, pronto para apontar o primeiro erro. Quer que eu seja
perfeito em todos os aspectos possíveis. 
Da última vez, voltei para casa com o corpo detonado. Foi difícil
contar para os meus amigos que isso era apenas uma amostra de como é
treinar com o meu pai. O pior de tudo é que não faço nenhuma reclamação,
porque sei que Ricky Rollins só faz isso porque quer que eu tenha a carreira
que meu irmão não pensou duas vezes em recusar.  
— Vou ver se consigo encaixar isso no meu cronograma. Tudo
depende das minhas aulas.
Ricky faz uma careta. 
— Nós já conversamos sobre esse assunto, Reed — censura. — Se
você se inscrever no draft, vai ser escolhido em pouco tempo. Te criei para
isso, não para andar balançando por aí a droga de um diploma universitário.
Eu sei que ele tem razão. Sou muito bom no que faço. Posso não ser
o quarterback do time, mas me dedico ao futebol americano como se minha
vida dependesse disso. Desde o momento que acordo, até o final do dia,
estou garantindo que vou ser a estrela que meu pai quer que eu seja. 
No entanto, não gosto de pensar que toda a minha carreira depende
unicamente do draft. Preciso ter um plano B. E o diploma é a minha
segunda opção. Foi só por isso que ainda não me inscrevi, mas a paciência
do meu pai está se esgotando.
— Eu gosto de jornalismo. 
Ele revira os olhos e bebe um gole do vinho. 
— E eu gosto de cozinhar, mas nem por isso decidi fazer
gastronomia na USLV — rebate. — Você tem uma grande chance diante de
si, filho. Não a desperdice com bobagens. Não foi para isso que dediquei
anos da minha vida a você.
A frase me atinge em cheio, semelhante a um soco na boca do
estômago durante uma partida.
— Não quero que você seja igual ao seu irmão. Fracassado, sem
ambições para o futuro e dono de um pub de merda que fica cheio de
universitários bêbados no final de semana — continua a dizer, cuspindo as
palavras. — Você é o meu legado, Reed.
Diferente de mim, Aaron Rollins não faz nenhum esforço para
agradar ao nosso pai. Ricky fez de tudo, mas nunca conseguiu convencer o
filho a jogar futebol americano. Meu irmão nem mesmo terminou a
universidade. Trancou o curso no segundo ano e se mudou para Boston com
a melhor amiga. Depois que ela sumiu sem deixar rastros, ele fez merda
atrás de merda. Não demorou muito para que chamasse a atenção da mídia.
Eles tinham nas mãos a notícia perfeita: filho do grande jogador Ricky
Rollins causa confusão por onde passa.
Diante das ameaças do meu pai, ele voltou para Maple Hills e abriu
o próprio negócio com o dinheiro que ganhou para manter a boca fechada.
Aaron ainda teve que prometer que jamais voltaria a envergonhar a família
Rollins. 
— Não vou decepcioná-lo — garanto. — Nem você e nem o nosso
legado. 
A resposta dele é assentir sutilmente, os olhos fixos nos meus. Para
o meu grande azar — ou sorte —, nós somos muito parecidos. O mesmo
cabelo castanho escuro, quase preto; os olhos expressivos e as sobrancelhas
retas. A única diferença é que a passagem dos anos é visível em seus traços.
As rugas de expressão ao redor das pálpebras e os fios grisalhos próximos
das orelhas denunciam sua idade.
Ele não é mais a estrela do esporte, mas ainda é influente o bastante
no ramo. 
— E quanto ao draft? — o questionamento é acompanhado de um
arquear de sobrancelha desafiador. 
Ele está me encurralando. Suas táticas sempre me fazem se sentir
colocado em cima de uma corda bamba.
— Vou me inscrever assim que a temporada acabar — minto, a
garganta se apertando em um nó invisível. 
— Não espero nada menos que um grande time, Reed. New England
Patriots, certo?
O New England Patriots é um dos times mais famosos dos Estados
Unidos e o sonho de qualquer jogador. Meu pai foi a grande estrela deles e
espera que eu também seja. E é por isso que tenho adiado a minha inscrição
no draft. Não estou preparado para ver a sua reação caso eu não consiga. 
Porque as chances estão lá, batendo na minha porta e só esperando o
momento certo para quebrar a maçaneta.
— Como deve ser — concordo. 
Ele abre um sorriso em concordância e volta a atenção para a
comida. A pior parte da conversa já acabou e me sinto vitorioso por ter
sobrevivido mais uma vez ao pior assunto de todos: a universidade.

Depois de um longo almoço que terminou com o meu pai me


convidando para um jantar em sua casa para conhecer Dianna, estou
dirigindo de volta para Maple Hills, a cidade universitária do Condado de
San Valley.
Diferente do meu pai, que vive em North Groove, Maple Hills foi
projetada para atender as necessidades dos estudantes. É uma cidade
pequena que funciona, quase que inteiramente, em função da USLV. Tudo
aqui é feito para os universitários. 
No começo, tive dificuldade em me acostumar com a calmaria do
lugar. As noites, por sorte, são mais agitadas. E morar com outros dois
jogadores é a garantia de nunca passar um final de semana encarando o teto
mofado do quarto.
A casa de dois andares no estilo vitoriano surge quando faço a curva
na esquina e estaciono o carro em uma das vagas da garagem. Saltito para
fora e aciono o alarme do carro. Faço o curto percurso até a porta de entrada
e não fico nem um pouco surpreso ao encontrá-la aberta.
— Cheguei!
— Estou aqui! — Mason grita de algum cômodo. 
Sigo o som da sua voz e atravesso o corredor, chegando na cozinha.
Mason está de frente para o fogão, usando um avental que imita o abdômen
de um homem sarado e um pano pendurado no ombro. Estico o pescoço,
tentando ver o que ele está cozinhando. 
Não me parece ser muito confiável.
— Como foi o almoço com o seu pai? Ele fez te dar uma pirueta no
ar e praticar um touchdown em cima da mesa?
Deixo escapar uma risada.
— Foi como todas as outras vezes. Ele vai se casar.
Mason gira sobre os calcanhares na mesma hora. As sobrancelhas
castanhas praticamente alcançam o couro cabeludo. A surpresa em seu rosto
é a mesma reação que eu tive.
— Tá de brincadeira. De novo?
— Sem zoeira. — Abro a geladeira e pego uma latinha de
refrigerante. — Dianna é a sortuda da vez.
— Aposto que não dura um ano. Assim que ela aparecer na capa de
uma revista, vai pular fora.
— Eu não duvido. E sabe o que é pior? Eu nem a conheço. 
Mason dá risada e desliga a chama do fogão. O cheiro é bom, mas
não arrisco comer nada que ele faz. Da última vez, ele deixou o time todo
com uma intoxicação alimentar que durou uma semana. Quase perdemos
um jogo importante por causa disso.
— Ela deve ser como todas as outras esposas do seu pai: sedentas
para conseguir uma grana boa no divórcio. — Coloca a comida em um
prato. — Qual é a do seu pai? Ele não cansa de bancar o jogador gostoso
que joga dentro e fora do campo?
Aperto os lábios para não deixar evidente demais o meu sorriso.
Mason é um dos meus únicos amigos que detesta Ricky Rollins —
além de Dave, meu outro amigo. Ele acha a carreira do meu pai
superestimada demais e que os anos de glória já passaram. Há outros nomes
no ramo que merecem mais atenção do que um jogador aposentado com
tendência a casamentos fracassados.
Palavras dele, não minhas.
Ele se acomoda em uma das banquetas e enche a boca de comida.
Seu almoço é uma mistura entre ovos, milho, purê de batata e alguma outra
coisa pastosa de origem suspeita.
— Inteligente é a sua mãe que pediu o divórcio. Sou o maior fã
dela. 
— Vou falar isso para ela no próximo feriado. 
— Daqui a pouco ela vai achar que estou dando mole para ela.
Escoro o quadril contra o balcão da pia, arqueando a sobrancelha.
— Nem ouse.
Ele levanta as mãos em rendição, cada uma delas segurando o garfo
e a faca respectivamente. 
— Não curto mulheres mais velhas — murmura. — Três anos é o
meu limite. Esse é o lance do Keeran. 
Bebo mais um gole do refrigerante e giro o pescoço, procurando por
Keeran. Sua moto estava na garagem quando estacionei o carro, o que
significa que ele está em casa.
— E o Keeran? 
Mason enche a boca de comida, então sua resposta não passa de
murmúrios impossíveis de serem compreendidos. Ao mesmo tempo, as
escadas relincham e Keeran surge em nosso campo de visão. Ele não usa
nada além de uma toalha enrolada ao redor do quadril. Os cabelos se
encontram molhados e há um rastro de água em seu abdômen musculoso,
combinando com a tintura preta que cobre boa parte da pele branca.
— O grande rei chegou. — Abre os braços e caminha até a
geladeira. Pega uma cerveja e abre a tampinha com os dentes, cuspindo-a
na pia. — Sobre o que vocês estão conversando?
Analiso-o da cabeça aos pés, observando o vermelhidão nada
discreto no pescoço. Parece muito com uma mordida. Posso até ver o
formato dos dentes.
— Você está com alguém?
Ele faz um movimento com a mão, dispensando a minha pergunta.
— O pai do Reed vai se casar de novo — Mason diz, mudando de
assunto. 
Keeran franze a ponta do nariz. 
— Corajoso. — Leva a long-neck aos lábios. — Isso, certamente,
merece uma comemoração.
O garfo de Mason paralisa no ar e eu prendo a respiração, já
sabendo que vem aí uma ideia mirabolante que envolve bagunça e música
alta.
— Não é como se o Reed fosse subir no altar. Essa coisa de
despedida de solteiro só rola com o noivo.
Keeran revira os olhos esverdeados.
— Você pensa demais, Mason. — Aproxima-se dele e afaga os
cabelos castanhos. — Só relaxa e goza. 
A reação de Mason é levantar o dedo e empurrar Keeran para longe
com um único empurrão, enquanto eu gargalho alto. 
De nós três, Keeran Flanagan é o único que aproveita todas as
regalias que a vida de um jogador universitário oferece. Ele está sempre
acompanhado de uma garota, não dispensa o convite para uma festa e nunca
perde a oportunidade de ser o centro das atenções.
— Estou falando sério. — Aponta com o indicador para mim. —
Não quero ficar em casa em plena sexta encarando a cara feia de vocês
enquanto poderia estar aproveitando uma festa.
— E o que você sugere, grande rei?
O tom de deboche é evidente em meu tom de voz e Mason mascara
a sua risada ao levar mais uma colherada de purê de batata na boca. Keeran
me mostra a língua, sacando de primeira. 
— Cheers Bar, huh?
Mason se contorce na banqueta, como se estivesse desviando de um
soco.
— Sem chance. Da última vez, uma caloura me perseguiu durante a
noite inteira dizendo que eu tinha o cheiro do grande amor da vida dela.
— O cheiro de cocô, você quer dizer — Keeran alfineta e é atingido
por uma maçã que estava esquecida na fruteira. Ele a pega no ar em um
movimento ágil e dá uma mordida. — Você precisa treinar seus arremessos,
Mason.
Keeran é o wide receiver[1] do Rebels of Horizon, então seus
reflexos são muito bons. Ele é surreal. Fico abismado sempre que o vejo em
campo.
— Estou pegando leve com você, Flanagan. 
Meu amigo faz um beicinho e bebe mais um gole da cerveja.
— Martial Kappa Tau então? Dave disse que a festa vai ser
pequena. Só o pessoal mais íntimo. — Os olhos encontram os meus. — Ele
não disse nada para você, Reed? 
Coço a nuca, lembrando vagamente de Dave comentar sobre o
assunto no começo da semana. Eu estava tão distraído que apaguei da
memória. 
— Esqueci. — Sacudo os ombros e termino o refrigerante, jogando
a latinha na lixeira. — Vocês podem ir, se quiserem. Não estou no clima. 
Mason pragueja um palavrão, ao mesmo tempo em que Keeran dá
um cutucão nas minhas costelas.
— Você, sem clima para uma festa? Contra outra, Reed. 
Suspiro alto. 
— E a Angel vai estar lá. — Keeran balança as sobrancelhas
grossas, em um gesto cheio de malícia. — Essa é sua oportunidade de reatar
o relacionamento esquisito que vocês tinham. Ouvi dizer que ela sente a sua
falta.
— Você está ouvindo mal, isso sim — sibilo e Mason ri pelo nariz.
— Quem o Dave convidou?
— O pessoal de sempre. — Keeran faz uma careta ao ver a mistura
no prato de Mason. — O time de futebol americano e as garotas da
irmandade. Claire e Anne também, é claro.
Ao ouvir o nome de Anne, seu rosto vem à mente. Os longos
cabelos loiros, os olhos esverdeados cintilantes cheios de raiva e a mania
irritante de sempre me provocar. A última vez que nos vimos foi na aula de
Jornalismo Político, na qual fez questão de se sentar do outro lado da sala
só para me evitar.
O seu jeitinho de fazer birra é fofo.
— Okay — cedo. — Eu vou, mas só porque é na sexta.
Keeran e Mason comemoram com um palavrão fazendo um high
five no ar e alguns pedaços do almoço bizarro voam juntos em várias
direções.
— Isso foi nojento — reclamo ao ver um pedaço do purê de batata
grudado na minha camiseta.
Mason tomba a cabeça para o lado, analisando a mancha. 
— Te garanto que está gostoso.
— Eu não vou comer isso.
— Não sabe o que está perdendo. — Pesca um pedaço de frango
caído em cima do balcão. — O melhor dos dois mundos reunidos em um só
lugar.
Keeran ergue a sobrancelha.
— Posso saber que merda de dois mundos é essa?
— Mason Henderson e mãos talentosas, é claro.
Dessa vez, todos nós gargalhamos.
— Mãos de anjo, você quer dizer — Keeran sugere.
Mason leva a mão ao coração, fingindo estar emocionado.
— Quer experimentar, Keeran Flanagan? Experiência única.
Keeran arrepia-se da cabeça aos pés e sai da cozinha praticamente
correndo, a toalha deslizando e revelando um pedaço da bunda. Antes de
subir para o segundo andar e sumir de vez, escutamos a sua voz:
— Nem em seus sonhos, Mason!
 
“Você está procurando por uma garota que vai te tratar bem?”
Promiscuous | Nelly Furtado (feat. Timbaland)
 

 
Quarta é um dos dias mais cansativos da minha semana.
Tenho duas aulas no começo da manhã, faço o meu almoço correndo
e pego um ônibus para Sunbay. Cumpro o meu turno de meio período na
lanchonete Brooklyn Blues e volto para Maple Hills quando já é tarde da
noite. 
Eu detesto ter que fazer esse percurso durante todos os dias, mas
Adele me paga bem. O único defeito é terminar o dia com o desejo
incessante de dormir na primeira superfície reta que eu encontrar.
— Quer café? — Becky, uma das garçonetes que trabalha comigo,
aponta para a máquina de café atrás de nós. — Talvez possa te ajudar. Você
está quase dormindo em pé, Anne.
Encosto o quadril no balcão e tento relaxar sobre os patins pesados.
— Pode ser.
Becky concorda com um sorriso doce e gira sobre as rodinhas azuis,
a saia do vestido oscilando com a rapidez do movimento. 
O Brooklyn Blues é uma lanchonete temática localizada na área
comercial de Sunbay. As paredes exibem capas de discos famosos dos anos
80 e o piso é quadriculado, imitando um tabuleiro de xadrez. As garçonetes
mantêm os cabelos presos e usam vestidos azuis rodados. No meu ponto de
vista, o pior de tudo são os patins, uma peça obrigatória e que faz meus pés
latejarem de dor no final do dia. 
Comecei a trabalhar aqui no meu primeiro ano na USVL, quando
ainda morava com a minha mãe na cidade. No final deste verão, tomei a
decisão de me mudar para Maple Hills e facilitar o percurso de quase vinte
minutos que era feito todos os dias. O problema é que nunca encontrei um
emprego que pagasse tão bem quanto aqui. 
Ou seja, continuo na mesma. Só que, agora, estou morando a poucas
quadras da universidade. 
— Aqui. — Becky coloca o copo diante de mim alguns minutos
depois. — Um café para afastar todo o mal do mundo.
Sorrio em agradecimento.
— Obrigada. Você é a minha salvadora.
Ela agita os ombros de um jeito engraçado. Assim como as unhas,
os olhos estão maquiados com delineador amarelo. 
— É o meu dom especial. Preparo os melhores cafés de Sunbay e
sou a babá mais extraordinária que as crianças já conheceram.
— Quanto a isso, não posso discordar. Todo mundo te ama. 
Becky dá um beijo estalado na minha bochecha e contorna o balcão
no formato de U, indo atender alguns clientes que chegaram. O jukebox
toca True Colors, da Cyndi Lauper, e uma garotinha se aproxima do
aparelho, inserindo algumas moedas e escolhendo a próxima música.
Beberico meu café e observo o ambiente ao meu redor.  
Embora eu goste muito de Maple Hills, Sunbay é a minha cidade
favorita de todo o mundo. A sensação de estar presa em um filme de verão
é constante em todas as estações do ano. Sentir a brisa agitando os cabelos e
o sol aquecendo a pele é a terapia perfeita para afastar os dias ruins.
Acho que é por isso que não consigo me desapegar por completo
desse lugar. Ele tem um pedaço de mim e uma conexão difícil de ser
definida. 
— Você pode pedir o dia de folga, sabia? — Adele, a proprietária da
lanchonete, diz no pé do meu ouvido, me arrancando do transe. — Você
trabalha demais, menina. Precisa descansar.
Adele afaga o meu ombro e coloca um prato com cookies diante de
mim.
— Não quero sobrecarregar a Becky.
Ela faz um sinal com a mão, dispensando minha preocupação.
— Minha neta dá conta. Não é como se fôssemos a lanchonete mais
badalada de toda a cidade. — Empurra uma mecha do cabelo grisalho para
atrás da orelha. — Eu deixo isso para o Jackson. É ele que rouba todos os
turistas de mim.
Jackson é dono da Jackson House, uma lanchonete com karaokê a
poucos metros daqui. Assim como o Brooklyn Blues, o lugar é temático,
mas nenhum dos funcionários precisa usar patins. Isso é um diferencial
unicamente de Adele Goode. 
— Você e Jackson possuem a rivalidade mais harmônica que já vi.
As bochechas de Adele assumem um tom rosado fofo. 
— Não tenho culpa se ele é um galanteador de primeira — reclama
e beija o topo da minha cabeça. — Agora, coma os cookies, beba o café e
depois vá para casa. Quero te ver aqui só na semana que vem.
— Adele...
— Sem reclamações, menina. — Arruma o avental florido ao redor
da cintura e dá um passo para trás. — Isso é uma ordem. 
Apesar do tom frio, há um sorriso lutando para ser expressado.
Antes que sua pose de chefe mandona se perca, Adele retorna para dentro
da cozinha. De forma quase combinada, a música escolhida pela menininha
começa a tocar: é Take On Me do A-ha. 
— Eu adoro essa música. — Becky retorna dos atendimentos e
pesca um dos cookies, dando uma mordida. — Você ouviu minha avó, a
propósito. Não quero te ver aqui nem que o mundo esteja passando por uma
dominação zumbi. Eu dou conta dos turnos, prometo. 
— Tem certeza?
— Absoluta. Você merece descansar e curtir um pouco a vida.
Alguém comentou que vai ter uma festa na fraternidade. Essa é a sua
chance de se divertir com os seus amigos. 
Tenho uma vaga lembrança de Claire comentar sobre a festa durante
o almoço. Dave era o mais animado enquanto tentava convencer o pessoal
da mesa a comparecer. Isso foi na segunda. Ele já deve ter garantido que
todo o pessoal do time de futebol americano irá. 
Inclusive Reed Rollins.
Só de pensar no nome dele, tenho vontade de xingar um palavrão.
Nós não nos damos bem desde que botamos o olho um no outro pela
primeira vez, na festa dos calouros. Eu o considero arrogante, com um ego
extremamente irritante e uma mania insuportável de me tirar do sério. Ele é
um dos seres humanos que mais detesto, perdendo somente para o professor
de Redação Criativa.
— Muito obrigada, Becky. Nunca vou conseguir agradecer por tudo
o que você faz por mim.
— Não se preocupe. Amigas são para isso. 
Antes de ir embora, abraço-a e prometo que irei recompensá-la
comprando a melhor fatia de bolo de todo o mundo. Como de costume,
Becky dispensa o meu gesto e dá um tapinha na minha bunda, me
empurrando para fora da lanchonete.
É final de tarde, então o céu de Sunbay esbanja traços de tons
laranja, vermelho e rosa, uma mistura de cores que faz um sorriso de
satisfação surgir. Enquanto espero no ponto de ônibus, tiro uma foto e
mando para a minha mãe. 
Minutos depois, o ônibus chega e eu quase adormeço no assento
durante a viagem para Maple Hills, de tão cansada que estou. Se os meus
ossos pudessem virar gelatina, eles teriam essa consistência durante a
maioria dos dias.
Aí está uma coisa que ninguém conta: estudar e trabalhar tem como
resultado uma exaustão infinita que só pode ser recuperada com um sono
tão profundo quanto o da Aurora, do filme Bela Adormecida.
E isso é algo que não está nem perto de se tornar realidade na minha
vida. 
Cerca de trinta minutos depois, estou subindo os degraus que levam
ao apartamento de dois quartos que divido com a minha colega. Insiro a
chave na fechadura e acendo as luzes da sala. Suspiro de alívio ao encontrar
o cômodo vazio. Sidney deve estar com o namorado, o que me dá a
liberdade de curtir o silêncio.  
Chuto os tênis para longe e jogo a mochila em cima do sofá,
fazendo o mesmo com os patins. Foda-se a organização, eu só quero
dormir. 
Nem mesmo tomo banho. Apenas entro no quarto e jogo meu corpo
na cama, adormecendo em questão de minutos com o rosto enterrado no
travesseiro. 
A vida de universitário é uma tortura que nunca parece ter fim.

Na quinta de manhã, estou sozinha na biblioteca da USVL,


produzindo um texto para a aula de Jornalismo Político.
Essa é uma das piores aulas do curso, sem sombra de dúvidas. São
tantos textos para ler e dissertações para produzir que começo a duvidar da
minha capacidade em conseguir um diploma.
Adele ter me dado uma semana de folga é a luz no fim do túnel que
eu precisava. Pude dormir mais do que oito horas e acordei pela manhã sem
querer chutar o despertador para longe.
— Você vai na festa de sexta, né?
Claire chega como um furacão na biblioteca, jogando os livros em
cima da mesa e puxando uma cadeira. As roupas coloridas tornam a sua
presença ainda mais notável. Ela usa um macacão xadrez e botas de cano
curto, com saltos dourados. Nos lábios carnudos, há o inseparável batom
rosa que contrasta com a sua pele negra-escura. O complemento final é a
peruca loira com franjinha.
Nunca consigo entender como ela consegue combinar tantas cores
sem parecer ter sido atingida por uma caminhão de tinta.
— Não é como se você me desse escolha, certo?
Claire revira os olhos dourados.
— É a primeira vez que vamos conseguir ir em uma festa sem você
ter um turno de trabalho no dia seguinte. — Entrelaça os dedos aos meus.
— Esse tipo de coisa não acontece com frequência.
O entusiasmo de minha amiga é evidente. Se isso aqui fosse um
desenho infantil, ela estaria dançando em cima da mesa enquanto fogos de
artifício explodem ao seu redor, juntamente a uma melodia brega de
trompetes.
— Nós iremos e vai ser incrível — garanto. — Só, por favor, não
me deixe fazer nenhuma merda. Da última vez, acordei na cama do Chad
Eaton. E você sabe melhor do que ninguém que eu detesto me envolver
com qualquer pessoa do curso.
— Fique tranquila, vou ficar de olho em cada passo seu. — Sorri. —
E nada de Chad Eaton e qualquer outra transa perigosa.
— Obrigada — agradeço e fixo a atenção nos livros jogados em
cima da mesa. — Você não deveria estar na aula?
Claire murcha contra a cadeira, o lábio inferior se projetando para
frente em descontentamento. Diferente de mim, que curso Jornalismo, ela é
estudante de Moda. 
— Meu professor teve um imprevisto de última hora. Agora estou
aqui tendo que aguentar a minha própria companhia.
— Eu tenho um texto para terminar, mas podemos ir almoçar
depois, se você quiser.
— Seria perfeito. — Concorda e abre a bolsa, pegando o celular e
uma garrafa de água. — Enquanto você estuda, vou conversar com a minha
irmã sobre uma empresa que produz tecidos sustentáveis na costa leste, a
Davis Comportarion. Ela disse que realizou uma entrevista com eles no ano
passado, mas é difícil conseguir contato.
Claire está envolvida em várias iniciativas envolvendo o universo da
moda, mas recentemente, durante as férias de verão, ela teve a brilhante
ideia de preparar um desfile com roupas sustentáveis. A iniciativa é incrível
e vai complementar ainda mais o seu currículo já impecável.
O único problema é que não há empresas de tecidos sustentáveis no
Condado de San Valley.
Desde então, Claire e sua irmã mais velha, Candice, embarcaram em
uma missão para encontrar uma empresa que topasse esse convite. Por se
tratar de algo sem fins lucrativos, as chances tendem a diminuir.
Mas eu estou confiante. Claire Howard é uma das pessoas mais
insistentes que conheço. Ela não vai desistir desse projeto.
— Se você conseguir que eles aceitem o convite, qual é o próximo
passo?
Claire se anima com a pergunta, saltitando na cadeira.
— Eles vão aceitar, Anne. — Aponta o dedo em riste, a unha
pintada de dourado. — Logo depois que eles toparem, eu começo a
confecção dos croquis. Minha cabeça tem fervido em ideias e pensei em
fazer uma coleção inspirada nos contos de fadas clássicos. O que você
acha?
Abro um sorriso.
— Eu acho que vai ser perfeito, Claire. Todo mundo vai amar, como
tudo o que você faz.
Ela bate palminhas, animada, e desbloqueia o celular, retornando a
atenção para a tela.
— Agora vou te deixar em paz um pouquinho — diz. — Se escutar
a minha barriga roncando, ignore.
Balanço a cabeça, achando graça. Claire Howard sempre consegue
me arrancar um sorriso, mesmo quando tenho um milhão de problemas para
resolver. E eu a amo muito por isso.

Um suspiro de pura satisfação escapa da minha boca quando dou a


primeira mordida no lanche de atum. É a sétima maravilha do mundo. O
melhor lanche já inventado pelo ser humano. O meu paraíso na Terra e
alinhador de todos os planetas no Sistema Solar.
— Isso é bizarro — Claire diz ao me encarar com as sobrancelhas
franzidas. — Você é estranhamente obcecada por atum, sabia?
Levanto o sanduíche, como se fosse uma obra de arte, e o admiro
com os olhos brilhando em felicidade.
— Uma obra de arte comestível jamais deve ser ignorada. — Dou
mais uma mordida, gemendo baixinho. — Céus, que delícia.
— Esse é o barulho que você faz quando está transando, Annie?
Congelo na cadeira ao ouvir a voz da pessoa que eu mais detesto em
todo esse mundo. Reed Rollins, infelizmente, está no topo da lista,
ocupando o primeiríssimo lugar.
Ele puxa a cadeira livre ao meu lado e se senta, a bandeja
repousando ao lado da minha. Um sorriso ladino brinca em sua boca. A
pose, relaxada no assento, é deboche em sua mais pura essência.
— E então, joaninha? — O apelido deixa minhas bochechas
vermelhas. — Isso foi uma amostra grátis do que devo esperar de você
daqui a alguns meses?
— Vai se foder — respondo de boca cheia, pouco me importando
com os bons modos. — A única coisa que você deve esperar de mim é um
chute nas suas bolas.
Reed dá risada, ao mesmo tempo em que Dave se acomoda ao lado
de Claire. Ele a cumprimenta com um beijo meloso e depois sorri para mim,
dando uma piscadinha. Para o meu grande azar, a sua reação ao ver o
sanduíche de atum em minhas mãos é a mesma da minha amiga.
— Atum, hum? — Abre a garrafa de água e dá um grande gole. —
Você já pensou em experimentar o de frango?
Nego.
— Atum é a minha alma gêmea. Ninguém nunca vai conseguir
ocupar o lugar dele na minha vida.
Claire e Dave acham graça no que eu disse. Reed, no entanto,
mantém os olhos fixos nos meus. Sua expressão é difícil de decifrar. Não
sei se ele está pensando que eu sou uma garota pé no saco ou criando
teorias de como se livrar do meu corpo tarde da noite. A última opção é a
que mais me preocupa.
Ergo as sobrancelhas em um gesto questionador e Reed desvia
rapidamente o olhar, voltando a atenção para a bandeja com comida. Há ali
uma salada verde, uma porção de batatas cozidas e alguma outra coisa que
não consigo identificar
— E a festa de sexta, vocês vão?
A pergunta de Dave me obriga a encará-lo. Nesta manhã, ele usa
uma camiseta branca que combina com o tom da sua pele negra-retinta e
uma jaqueta com o mascote do time bordada nas costas, enquanto os
cabelos com dreads foram presos em um coque no alto de sua cabeça,
deixando as bochechas magras mais visíveis.
— Pode contar com a nossa presença — Claire confirma com um
sorriso, deitando a cabeça em seu ombro. — Anne conseguiu uma folga no
trabalho, então vamos poder aproveitar até o sol nascer.
— Isso quer dizer que a Anne vai acordar, de novo, na cama do
Chad Eaton? — Reed alfineta.
Viro-me na cadeira, ficando de frente para ele.
— Melhor acordar na cama dele do que na sua, Reed.
Ele leva a mão ao coração.
— Você nunca acordou na minha para ter certeza que seria assim tão
ruim.
— Não é necessário. Os boatos fazem jus a sua péssima reputação.
Reed inclina o corpo para frente, diminuindo a distância entre os
nossos rostos.
— E que boatos são esses?
A voz carrega o tom mais baixo de provocação. É sutil, mas consigo
perceber o desafio implícito ali, o que quase me faz esquecer que Dave e
Claire nos observam de soslaio. Uma fina camada de suor se forma nas
palmas das minhas mãos, mas ignoro. Me limito a inclinar o rosto para o
lado e esticar os lábios em um sorriso zombeteiro.
— Que tudo não passa de fingimento.
Não preciso dizer mais nenhuma palavra. O significado está mais do
que óbvio para Reed. Ele contorce os lábios e trava a mandíbula, me
fulminando através do olhar.
— A sorte é que não ligo para a merda dos boatos. — Afasta-se e
bebe um gole do suco de laranja. — Ainda mais daqueles que saem da sua
boca.
— Não fui eu quem os começou. Estou apenas passando a
informação.
— Para uma jornalista em formação, é bem decepcionante que você
não cheque a veracidade da informação, joaninha.
Merda.
Forço minha mente a elaborar uma resposta à altura, mas está
evidente que Reed venceu essa rodada. É uma droga que façamos o mesmo
curso, porque seus argumentos conseguem ser tão bons quanto os meus.
— Sobre o que vocês estão conversando?
A voz calma de Claire me obriga a furar a bolha cheia de tensão que
Reed e eu criamos. Nos viramos na cadeira em sincronia e respondemos
juntos ao mesmo tempo:
— Nada de importante.
Minha amiga estreita levemente os olhos, nos avaliando com um
ponto de interrogação pairando acima da cabeça. Noto que a garganta dela
oscila para dizer alguma coisa, mas acaba optando pelo silêncio. Sua única
reação é sorrir do jeito mais apaziguador possível.
— E você, Reed? Vai na festa?
Reed dá uma garfada na salada verde e afasta a cadeira alguns
centímetros da minha, criando uma distância razoável. Estranhamente, os
olhos continuam repousados em mim.
— Eu não perderia essa festa por nada.
 
“Seus olhos e palavras são tão frios, mas ela queima como rum sobre o
fogo”
Cherry Wine | Hozier
 

 
Na sexta, estou dirigindo junto dos meus amigos rumo a Martial
Kappa Tau.
A fraternidade é uma das mais antigas da Universidade do Condado
San Valley. Além de ser conhecida por seus integrantes que conquistaram
lugares importantes na política estadunidense, a MKT realiza uma das
maiores festas do campus. É praticamente impossível não ser convidado,
especialmente as que marcam o início e fim do semestre.
Por sorte, a festa de hoje é para ser mais tranquila.
Mas isso não significa que a casa vai estar vazia. Não mesmo.
Porque assim que entramos, somos engolidos pelo burburinho de conversas
e pela música alta tocando nas caixas de som. Keeran murmura alguma
coisa, sumindo logo em seguida. O próximo é Mason, que dá dois tapinhas
no meu braço e desaparece entre as pessoas.
— Ei! — Dave grita e me cumprimenta com um aperto de mãos. —
Já estava achando que você tinha desistido de vir.
— Você sabe como o Keeran é. Antes de sair, ele fica se olhando no
espelho por duas horas, só para garantir que vai ser o maior gostoso da
festa.
Ele ri, o pescoço pendendo para trás. Os dreads oscilam com o
movimento, revelando o pequeno brinco de argolinha na orelha.
— E onde ele está?
— Sumiu para fazer aquilo de sempre: enfiar a língua dentro da
boca de uma veterana.
Dave revira os olhos castanhos, desacreditado com a atitude de
Keeran, e faz um sinal com a mão. É questão de segundos para que um
copo de cerveja seja depositado em minhas mãos.
Dave Morris é o quarterback [2]do Rebels of Horizon e um dos
primeiros amigos que fiz na USVL. Nos conhecemos na festa dos calouros,
a mesma noite em que ele se viu completamente apaixonado por Claire
Howard.
Não é nenhuma surpresa que hoje eles sejam namorados. Não
duvido também que, após jogarmos nossos capelos para cima no dia da
formatura, ele vai pedi-la em casamento.
— E a Claire?
Ao ouvir o nome dela, um sorriso surge.
— Está na cozinha com a Anne, eu acho. Elas foram preparar algum
drinque. — Levanta o copo na altura dos olhos. — Você sabe, algumas
garotas odeiam cerveja.
— Eu vou até lá.
Despeço-me com um aceno e escuto alguém chamar por Dave.
Cinco segundos depois, ele já desapareceu entre a multidão. Ser o anfitrião
da festa deve ser um pé no saco. Não dá nem para aproveitar antes de ser
interrompido.
Suspiro alto e contorno as pessoas, rumando em direção à cozinha.
O cômodo é um dos maiores da casa, sem dúvidas. Há uma ilha gigante no
meio, cheia de vasilhas com salgadinhos e garrafas de bebidas. A geladeira
deve ser do tamanho de dois jogadores de futebol americano — sem
brincadeira — e há tantas banquetas em frente ao balcão quanto no pub do
meu irmão.
Encontro Claire em frente a pia, de costas para mim, despejando
cubos de gelo no copo. Não há nenhum sinal de Anne. 
Assovio e ela levanta o olhar, as íris douradas se iluminando. Assim
como Dave, Claire tem aquela aura de pessoa que está sempre feliz. Não há
dias tristes na sua rotina.
Ela se aproxima e me puxa para um abraço, depositando um beijo
molhado na minha bochecha.
— Como você está? Com o seu atraso, já tinha gente especulando
que você e os meninos iam ficar em casa comendo pizza barata e assistindo
filme ruim.
As pessoas de Maple Hills são viciadas em falar da vida dos outros e
isso me faz revirar os olhos todas as vezes. Essa é uma das coisas que mais
sinto falta em North Groove: os únicos que recebem atenção são aqueles
que têm o seu lugar garantido no pódio do sucesso. Como o meu pai, por
exemplo.
— O pessoal fala demais.
Claire assente e volta a atenção para o copo de bebida. Eu deixo o
meu em cima da bancada, nem um pouco a fim de beber cerveja. A
temporada de jogos ainda não começou, então a maioria dos jogadores não
está ligando muito para isso. Eu, no entanto, gosto de me precaver.
Acordar de ressaca não é o meu passatempo favorito para um
sábado de manhã.
Volto minha atenção para Claire. Nesta noite, ela está radiante
usando um vestido estampado de bolinhas e sandálias com saltos
transparentes. Os olhos, como sempre, estão maquiados com alguma coisa
colorida que combina com sua pele negra-escura. O estilo de Claire é a sua
marca registrada, chamando a atenção por onde passa. 
— E a Anne? — Uso o meu melhor tom descontraído. — Já foi para
casa?
— Uh, isso é impossível de acontecer. — Adiciona um guarda-
chuvinha no drinque. — Você sabe que ela adora uma festa. Deve estar na
pista de dança rebolando aquela bunda gostosa.
Mordo o interior da bochecha, não querendo sorrir. Porque, droga,
Claire tem razão. Anne tem uma das bundas mais maravilhosas que eu já vi.
E quando está dançando, é como se ela criasse vida própria. Uma tentação
difícil de resistir.
— Vou lá cumprimentá-la.
Claire faz um biquinho desconfiado com os lábios, mas não diz
absolutamente nada.
A verdade é que Claire e Dave não fazem ideia do quanto Anne me
detesta. Para eles, não passa de uma brincadeira nossa. A realidade é que,
desde que nos conhecemos, existe aquela tensão pairando no ar, só
esperando o momento certo para nos acertar em cheio.
Sei que torno a situação ainda pior, porque gosto de provocá-la. Ver
os olhos dela se revirarem de desgosto e respostas ácidas saindo daquela
boca suja é a melhor parte do meu dia.
Sorrio comigo mesmo e empurro algumas pessoas durante o
caminho, até chegar na sala. Varro o lugar com o olhar, encontrando Anne
bem longe da pista de dança. Ela está em um canto, de costas para mim e
conversando com um garoto que não conheço.
A sua expressão corporal deixa evidente o que está acontecendo: ele
está enchendo a porra do saco.
Pela maneira que os ombros se remexem, ela tenta se livrar dele,
mas sem sucesso. Ele estende o braço, fechando os dedos ao redor do pulso
dela enquanto diz alguma coisa. Sinto algo ferver dentro de mim e aperto o
passo até eles sem pensar duas vezes.
O percurso, infelizmente, é impedido por Keeran. Ele encaixa o
braço ao redor da minha nuca e bagunça o meu cabelo com os dedos.
— A Angel está lá no gramado, só para você saber — diz perto do
meu ouvido. — Quando é que você vai contar para a gente o porquê de
vocês terem terminado?
— Não tem nada pra contar. — Tento me esquivar dele, ainda
mantendo a atenção fixa em Anne. Ela dá um passo para trás, mas o garoto
avança um para frente. — A gente só não deu certo.
Keeran solta um lamento e segue a direção do meu olhar. Anne está
de costas e, pela maneira em que está agindo, as coisas com o garoto não
vão nada bem.
— Se eu fosse você, ia até lá — Keeran aconselha.
— Era isso que eu estava fazendo quando você se enfiou no meio do
caminho.
Não dou a ele a chance de responder. Me esquivo do seu braço e me
aproximo como um predador atrás da sua caça. Não sou nem um pouco
sutil ao empurrar algumas pessoas do meu caminho enquanto atravesso a
pista de dança. Quando estou perto o bastante, tomo a decisão de fazer uma
coisa que pode acabar com a minha vida.
Pouso uma das mãos na cintura de Anne, puxando-a para mais perto
de mim, o perfume de morango chegando até as minhas narinas. O ombro
aconchega-se entre o meu peitoral e ela vira imediatamente o rosto na
minha direção. Os lábios pressionados em uma linha reta denunciam o seu
descontentamento.
— O que você...
— Desculpe o atraso, Annie. — Abro um sorriso e beijo o canto de
sua boca. O cara desconhecido solta a mão dela de imediato. — Acabei de
chegar com os meninos. Você não vai me apresentar o seu amigo?
Os olhos esverdeados tremulam em algo que não consigo identificar.
Ódio, talvez. Essa noite vai acabar com ela chutando as minhas bolas. Estou
torcendo para que toda essa encenação não seja estragada por causa da sua
petulância.
Quase suspiro de alívio ao vê-la empinar o queixo para cima e abrir
um maléfico sorriso. A mão pequena desce por minhas costas, dando um
beliscão. Gemo internamente com a dor.
Merda de garota arisca.
— Drake Collins. Ele faz parte da rádio universitária e esse é ...
Estendo o braço livre, cumprimentando-o. Aperto os dedos com
força demais, só de propósito.
— Reed Rollins, o namorado.
O polegar de Anne afunda em minhas costelas e manter o rosto
inexpressivo nunca foi tão difícil. Drake, no entanto, está alheio ao que está
acontecendo. Seu sorriso galanteador se desmancha e ele dá um passo para
trás, como se o fato de Anne ter namorado fosse algo contagioso.
Bom garoto.
— Oh, não sabia que o grande Reed Rollins estava namorando.
— Você me conhece, então?
— E quem não conhece? — Drake coça a nuca. Ele tem cabelo
ruivo, sardas no nariz e um porte atlético. — Você e o Dave são as estrelas
dos Rebels of Horizon.
— A gente tenta, mas a verdadeira estrela é ela. — Beijo os cabelos
de Anne e subo por dedos por sua coluna, até chegar no espaço nu de suas
costas. — A dona do meu coração e futura jornalista do PK Journal.
Drake arregala os olhos de um jeito que os deixa nada
proporcionais.
— Você conseguiu um estágio lá?
As bochechas de Anne ficam coradas.
— Ainda não, mas estou confiante que este ano vou conseguir.
Drake murmura mais algumas frases de incentivo, frisando o quanto
está torcendo para que Anne consiga a vaga, e por fim, vai embora. Depois
dessa conversa, as chances dele perturbá-la novamente são muito próximas
de zero.
Assim que ele some do nosso campo de visão, sou empurrado para o
lado com uma força surpreendente.
— Que porra foi essa? Você enlouqueceu? — Anne vocifera.
Levanto as mãos em rendição e dou um passo para trás. A versão da
Anne raivosa é a pior de todas. É igual a um cachorrinho rangendo os
dentes.
— Só estava te ajudando. Ele não ia desgrudar do seu pé a noite
toda.
Anne cruza os braços na altura do peito, assumindo uma posição
defensiva. O vestido azul bebê adere a pele branca do seu colo,
evidenciando o contorno dos seios.
— Eu dava conta dele. Não precisava que você viesse até aqui, em
cima de um cavalo branco, bancando o príncipe salvador da donzela em
perigo.
— Na realidade, eu vim até aqui com as minhas próprias pernas.
Mesmo com a música elevada, consigo escutar o palavrão proferido
em alto e bom som.
— Você é irritante — reclama e bate com a ponta do dedo no meu
peitoral. — Se isso der problema para gente, você não vai querer estar vivo.
— Um “obrigada, Reed” já era bom o bastante.
Ela ri pelo nariz.
— Prefiro comer lâminas de barbear a agradecer a você por alguma
coisa.
— Eu tenho um ótimo estoque lá em casa. Podemos ir buscar, se
você quiser.
A única reação de Anne é bufar alto e girar sobre os calcanhares, me
deixando sozinho em frente à pista de dança. Gargalho alto com a sua
reação. Conforme ela se afasta com determinação, a encaro da cabeça aos
pés, observando por mais tempo a bunda redondinha que se destaca no
vestido curto.
Maldito seja o dia em que Anne Scott entrou na minha vida como
um furacão impossível de ser contido.

Uma hora mais tarde, a música está tão alta que meus tímpanos
imploram por um descanso. O número de pessoas aumentou
consideravelmente e o papo do Dave que seria uma festa pequena já não
cola mais.
A pista de dança é uma mistura entre corpos suados e roupas
coloridas. E embora eu não esteja interessado em ver as pessoas dançando,
uma em especial chama a minha atenção. Anne Scott está de frente para
mim, rebolando o quadril ao ritmo de Gimme More da Britney Spears.
A cena faz algo dentro de mim se agitar.
Ela captura o meu olhar e desce as mãos por todo o corpo, a barra
do vestido subindo alguns centímetros e revelando a pele nua da coxa
torneada. As luzes no teto mudam de cor e o vermelho torna a cena ainda
mais erótica.
A batida muda e Anne se equilibra sobre os saltos, descendo em
direção ao chão. Os cabelos loiros se agitam, criando uma aura brilhosa ao
seu redor. Os dentes mordiscam o lábio inferior e ela sorri ao impulsionar o
corpo para cima em câmera lenta.
Puta merda.
Fecho as mãos em punho, o corpo pinicando em um formigamento
nada agradável. Quero ir até lá e dançar com ela. Ao mesmo tempo, quero
ficar aqui e observar cada um dos seus movimentos. A maneira com que o
peito se move de acordo com a respiração, as unhas deslizando pela pele e o
quadril acompanhando as batidas da música é uma cena difícil de desviar o
olhar.
Engulo a espessa saliva e apoio as costas na parede, procurando por
sustento.
Anne, sorrateira como é, vira de costas e começa a dançar contra um
garoto que não conheço. A bunda dela está a poucos centímetros de
distância do quadril do cara. Basta um maldito passo para trás. Ela brinca
com o perigo, deixando que ele pouse as mãos em sua cintura e a conduza,
mas não ultrapassando nenhum limite.
Ao notar a minha careta, ela dá risada e pisca um dos olhos para
mim, descendo novamente até o chão. O desconhecido a ajuda a subir e
dessa vez os dois dançam de frente. Os narizes estão muito próximos e
Anne mantém os braços pendurados ao redor do pescoço dele. Ele diz
alguma coisa no seu ouvido e ela sorri. A porcaria de um sorriso que
ilumina o seu rosto corado.
Suspiro de alívio no momento em que a música acaba e as luzes
mudam novamente de cor, dessa vez para o azul. Ela se despede do garoto
com um beijinho na bochecha e, para o meu completo terror, caminha
diretamente para onde estou.
O vestido adere às suas curvas e os saltos deixam as pernas muito
mais longas do que realmente são. Uma fina camada de suor recobre o seu
colo e noto a maneira com que os seios sobem e descem por conta da
respiração acelerada.
— O seu queixo, Reed — ela diz ao parar de frente para mim.
Franzo o cenho, sem entender.
— O que tem ele?
— Está pingando de baba. — Ri baixinho. — Nunca viu uma garota
dançar?
— Não é todo dia que a gente vê alguém dançar assim tão mal. Tive
que apreciar o show de horrores em primeira mão.
Anne estreita os olhos, consciente de que estou mentindo. Ela sabe
que dança bem. Dança tão bem que ninguém consegue desviar o olhar.
Certeza que não fui o único que apreciou a maneira que seu corpo se movia
de acordo com a música.
— Deve ser difícil para você admitir que sou boa em alguma coisa,
não é? — Dá mais um passo, encurtando a nossa distância. — Se você fosse
corajoso o bastante, teria se juntado a mim.
— E sujado minhas mãos tocando o seu corpo? Dispenso o convite,
Annie.
Ela ergue a vista, me encarando de baixo.
— Você não pensou assim horas atrás quando bancou o namorado
protetor.
Inflo as bochechas de ar ao relembrar a sensação de tê-la tão perto
de mim. A nossa diferença de altura é de alguns bons generosos
centímetros, então meu corpo todo se encaixou ao redor do seu, como um
cobertor em um dia de frio. E olha que aquilo foi somente a porra de um
abraço de lado.
— Você tem um ponto.
— É claro que sim. — Dá dois tapinhas na minha bochecha e se
afasta novamente. — Da próxima vez, espero que você se junte a mim na
pista de dança.
— E por que eu faria isso?
Ela empurra uma mecha do cabelo para trás do ombro, revelando as
clavículas nuas e a correntinha ao redor do pescoço. As luzes azuis
iluminam uma parcela do seu rosto, criando uma sombra no restante. Isso,
no entanto, não me impede de notar o seu sorriso.
— Pra eu descobrir se você é bom em alguma coisa além do futebol
americano. Esse parece ser o seu único talento, pelo visto.
— Eu não concordaria. Há outra coisa que sou melhor ainda.
Anne finge tirar um fiapo imaginário da sua roupa.
— Ah, é?
Estendo o braço e a puxo para mais perto. Dessa vez, ela pousa as
mãos em meu peitoral, mantendo ainda uma distância segura entre nós.
Pouso o dedo em seu queixo e a obrigo a olhar para cima. O seu semblante
deixa evidente a provocação latente que nos envolve. Não consigo me
conter e abro um sorriso, acariciando sutilmente a sua mandíbula.
— Tirar você do sério — sussurro. — É o meu passatempo favorito
e o meu maior talento fora do gramado.
Anne sobe os ombros, meneando a cabeça para o lado.
— Eu não teria tanta certeza disso.
— Não?
— É claro que não. — Pressiona os lábios em uma linha reta,
lutando contra o próprio sorriso. — Porque, assim como todas as outras
garotas, eu sou muito boa em fingir, Reed.
Ela não me dá a chance de formular qualquer tipo de argumento a
altura. Empurra meu peito para trás e gira sobre os saltos, me dando as
costas com facilidade. A última coisa que escuto, antes dela sumir entre as
pessoas, é o som da sua risada.
No final da noite, com a festa parcialmente vazia, estou sentado em
uma das espreguiçadeiras da área da piscina, sendo acompanhado por Dave,
Mason, Keeran e os outros meninos do time. Todos estão acompanhados,
exceto por mim. Chad Eaton, inclusive, está aqui. Ele mantém uma garota
sentada em seu colo e sussurra coisas sujas no ouvido dela, fazendo-a dar
risadinhas curtas.
É inacreditável que Anne tenha transado com esse cara.
Ao pensar nela, a encenação de horas atrás volta à minha mente.
Quando tomei a decisão de ajudá-la a se livrar da presença irritante do
Drake, a ideia não era fingir ser o seu namorado. O plano era bancar o
amigo protetor. Só que alguma coisa despertou dentro de mim e segui o pior
caminho sem hesitar.
— Reed?
Giro meu corpo na cadeira ao ouvir alguém me chamando. Angel
está parada a alguns metros de distância. Me levanto da espreguiçadeira em
um pulo e sigo até onde ela está. Diferente das outras garotas da festa, o
corpo esguio traja uma calça jeans com estampas de rosas e uma camiseta
de babados.
— Aconteceu alguma coisa?
Angel empurra uma mecha do cabelo para trás da orelha e me puxa
para um lugar mais longe de onde os meninos estão.
— Nada além das situações ruins de sempre. Só acho que devemos
fazer algo a respeito.
Arqueio a sobrancelha.
— Como assim?
— As pessoas ainda acham que estamos juntos. Na última semana,
um garoto disse que não ia sair comigo por causa do nosso lance. — Cruza
os braços, soando irritada. — Você precisa fazer alguma coisa, Reed.
Suspiro e afundo os dedos no couro cabeludo.
— O que você sugere?
Angel e eu nos envolvemos durante o verão. Ela estava tocando
violão no pub do meu irmão com a sua banda de garotas e, logo depois que
a curta apresentação acabou, eu a encurralei no corredor do banheiro. Nós
transamos em uma das cabines. Foi divertido, como todo sexo casual é.
Mantivemos essa rotina entre a gente durante uns bons dois meses.
Eu passava as tardes no seu quarto da irmandade e ela me visitava na minha
casa durante os finais de semana. Depois de um tempo, percebemos que as
coisas não estavam mais tão divertidas entre a gente. Se tornou cômodo e
sem nenhum sentimento além do tesão.
Decidimos terminar tudo e seguirmos como amigos. No entanto, as
garotas da irmandade não acreditaram muito nesse papo. Não tenho dúvidas
de que foram elas que começaram os boatos a nosso respeito.
Por causa disso, a maioria das pessoas acham que mantemos nossa
relação às escondidas, enquanto outros têm a certeza de que traio Angel
sempre que encontro uma oportunidade.
A situação prejudica mais a ela do que a mim.
— Encontrar uma namorada.
Se eu estivesse com cerveja dentro da boca, certamente teria
cuspido.
— O quê?
— O melhor jeito de limpar a minha barra é você começar a
namorar. As pessoas vão esquecer em algumas semanas que estivemos
juntos e vão focar só nisso.
Troco o peso dos pés, encarando o rosto diante de mim. Angel tem
sobrancelhas bem delineadas, maçãs elevadas e olhos doces. Os cabelos são
pretos, caindo em cascata por suas costas.
— Você não pode estar falando sério, Angel.
— Não é algo assim tão difícil, Reed.
— Você sabe que não vendem namoradas no supermercado, certo?
Ela empurra o meu ombro de brincadeira, dando risada.
— Foi apenas uma sugestão. Se você tiver uma ideia melhor...
O problema é que não consigo pensar em nada que consiga limpar a
barra de Angel além disso. Encontrar uma namorada e apagar os boatos a
seu respeito é a solução perfeita. Com todos focados em mim, ninguém vai
se lembrar que Angel e eu tivemos algo.
Eu poderia ser um cara arrogante e não ligar para nada disso.
Poderia virar as costas e deixar Angel se foder com os próprios problemas.
Só que eu não sou assim. E nós dois nos tornamos ótimos amigos desde
aquela noite. A atração sexual que sentimos foi apagada com um gigante
balde de água fria. Hoje não consigo vê-la de outra forma além de uma
amiga incrível.
Então, vou ajudá-la. Não posso ignorar o seu pedido. 
— Vou pensar em alguma coisa — garanto. — Não se preocupe.
Daqui a algumas semanas, ninguém nunca mais vai lembrar desse assunto.
Angel inclina ligeiramente a cabeça para o lado, soando
desconfiada.
— Se você estiver brincando comigo, Reed...
Pouso as mãos em seus ombros.
— Tudo vai se resolver. Você vai ver. Promessa de escoteiro.
— Você nunca foi escoteiro.
— Para tudo existe uma primeira vez, Angel.
Um sorriso discreto se insinua no canto dos seus lábios e esse é o
incentivo que preciso para encontrar uma solução o mais rápido possível.
 
“Eu não sou de ficar por perto, um strike e você está fora, amor”
Ariana Grande | Stuck With U (feat. Justin Bieber)
 

 
Na segunda, três dias depois da festa, acordo com a certeza de que
tem alguma coisa errada.
Em dias comuns, eu caminho pelos corredores da USVL sem ser
notada por ninguém. Hoje, no entanto, desde que botei os pés no prédio de
Jornalismo, estão todos me encarando e cochichando entre si. Até verifiquei
no espelho do banheiro se estava com a roupa do avesso ou com uma
mancha de chocolate na bunda.
Tudo sob controle.
Ou pelo menos, deveria estar.
Mordisco a cutícula do dedão e me acomodo em uma das cadeiras
do auditório onde temos as aulas de Jornalismo Econômico. Duas garotas,
que não sei o nome, me analisam da cabeça aos pés. Esbugalho os olhos e
elas se viram imediatamente para frente, voltando a conversar baixinho.
Tiro o celular da bolsa e mando uma mensagem para Claire.
Anne: Eu fiz alguma besteira na festa de sexta e não estou
sabendo?
Claire responde alguns segundos depois.
Claire: Nadinha. Você foi uma menina comportada. Por que?
Anne: Está todo mundo me olhando de cara feia. Devo estar com
alguma doença e não estou sabendo.
A tela se enche de emojis dando risada.
Claire: Não deve ser nada demais. Deixa pra lá. A minha aula vai
começar aqui. A gente se vê no almoço?
Anne: Sim. Eu trouxe sanduíche de atum.
Claire: Que nojo! Nos falamos depois. Bjo.
Mando um emoji de beijinho e aproveito para responder também as
mensagens de Alex, meu irmão. Há uma foto dele com o seu café da manhã
e depois da nossa mãe. Essa semana ele decidiu passar alguns dias em
Sunbay, na cidade vizinha, para matar as saudades.
— Waffles gostosos. Foi você quem fez?
Dou um pulo na cadeira ao ouvir a voz rouca de Reed no meu
ouvido. Giro o corpo, encontrando seus braços escorados no encosto e um
sorriso de covinhas iluminando o rosto barbeado.
— O que você está fazendo aqui?
— Faço essa aula com você, Scott. — Impulsiona o corpo e salta
por cima da cadeira, se acomodando no assento vago ao meu lado. —
Jornalismo Econômico, Político e Esportivo. Essas são as aulas que temos
juntos.
— Você faz isso de propósito.
— O quê?
Coloco as minhas anotações em cima das minhas coxas e ligo o
computador.
— Me perseguir durante as aulas do curso.
Ele apoia a mão no queixo e dá um apertão de brincadeira no meu
joelho.
— Não tenho culpa se fazemos o mesmo curso. Grades idênticas,
huh?
Solto um sopro de ar, já começando a ficar irritada. E ainda são oito
horas da manhã.
— Jogadores de futebol americano não precisam estudar. Já estão
com o futuro garantido.
Reed aperta os lábios em uma linha reta e lança um rápido olhar
para o restante dos alunos. Como aconteceu antes, estão todos nos
encarando. Definitivamente, tem alguma coisa acontecendo e não cheira
nada bem.
— Não gosto de contar com a sorte — Reed murmura, voltando a
me observar.
Os cabelos escuros estão penteados para trás, um pouquinho
molhados na raiz, e o suéter de mangas longas adere aos seus músculos
definidos. O tom azul escuro combina com a pele branca ainda bronzeada
do verão. Nunca vou admitir isso em voz alta, mas Reed Rollins —
infelizmente — é muito bonito. Tão bonito que tenho vontade de chutar a
sua cara, só para deixá-lo um pouquinho mais feio.
Ele tem aquele tipo de beleza que chama a atenção e o fato dele
estar consciente disso, através da sua autoconfiança, torna tudo ainda pior.
— E outra coisa... — Inclina o rosto para mais perto do meu. O
perfume de cravos com sândalo pinica a ponta do meu nariz. — Não posso
perder a oportunidade de ficar perto da minha namorada.
Estreito os olhos e estico o pescoço, fingindo procurar por alguém
no auditório.
— Não estou vendo-a. Acho que ela decidiu faltar.
Reed abre um meio-sorriso.
— Ela está bem aqui. Na minha frente.
— Eu não vou cair nessa, Reed.
— Não tem nenhum buraco aqui, Annie.
Franzo os lábios em desgosto.
— Você sabe do que estou falando. Não se faça de engraçadinho.
Reed deixa a cabeça pender para o lado em um gesto sarcástico. O
braço se acomoda no encosto da minha cadeira, a ponta dos seus dedos
encostando na pele do meu braço. A jaqueta que estou usando torna o toque
meio que imperceptível.
— Você leva as coisas a sério demais. Posso resolver o seu estresse,
se quiser.
A malícia escorre como veneno. Fecho as mãos em punho e engulo
a espessa saliva. Isso só deve ser vingança pelo o que aconteceu na pista de
dança.
— Só se for comprando uma caixa de pizza de pepperoni.
— É isso que você quer?
Viro o corpo na cadeira, ficando de frente para ele. Lentamente,
curvo a coluna. Nessa posição, consigo identificar as minúsculas pintinhas
douradas salpicadas em suas íris castanhas.
— Quero que me deixe em paz, Reed.
Ele faz menção de responder, mas é interrompido pela voz do
senhor Dawson, o professor de Jornalismo Econômico. O projetor começa,
então, a transmitir a cena de um documentário e, durante as próximas três
horas, Reed se mantém em silêncio ao meu lado. Vez ou outra ele muda de
posição, mas o braço que estava atrás da minha cadeira já é coisa do
passado.
Ao fim da aula, depois que as luzes são acesas, não deixo de notar
que os olhares ainda permanecem sobre nós, mesmo com Reed indo embora
sem se despedir. Minha língua coça para perguntar qual o problema das
pessoas, mas fico quieta no meu canto.
Tem alguma coisa acontecendo aqui e eu vou descobrir o que é.

Na hora do almoço, Claire e eu estamos sentadas em uma das mesas


do refeitório. O treino dos Rebels of Horizon foi adiantado, então essa é
uma das poucas vezes que estamos sozinhas. Sem nenhum sinal de Dave,
Reed e dos seus amigos.
Sugo o suco de uva pelo canudinho e perlustro o ambiente. Ainda há
pessoas sussurrando e passando por nossa mesa com olhares curiosos.
Claire está inquieta ao meu lado, achando as coisas estranhas demais.
O problema da USVL é que ela não é uma universidade muito
grande. O número de cursos e estudantes é relativamente pequeno. E todo
mundo, sem exceção, conhece o time de futebol americano. Quando Claire
e Dave começaram a namorar, ninguém parou de falar disso por semanas.
Era até mesmo desconfortável. O mesmo para quando Reed e Angel se
envolveram durante o verão.
Entretanto, dessa vez, não consigo pensar em nada que pudesse
chamar a atenção das pessoas.
— Você está com alguma doença, só pode ser — ela murmura ao
levantar os olhos do croqui que está desenhando. É um com vestido de
mangas bufantes. — Quando você me disse que todos estavam te
encarando, não achei que fosse sério.
Me encolho na cadeira de metal. Nunca quis tanto ser uma tartaruga.
— Eu te falei que era bizarro. Você tem certeza que não aconteceu
nada na festa?
Claire bufa e cruza os braços sobre a mesa. As pulseiras ao redor do
pulso tintilam e não deixo de notar que elas combinam com o cinto do seu
vestido: são no formato de cerejas.
— Você fez algo de que não estou sabendo?
— É claro que não.
Minha melhor amiga pega uma batatinha frita e mergulha no molho,
mordendo-a logo em seguida.
— Então.... — Engole a batatinha e dá um gole no suco verde
esquisito, voltando os olhos para o bloco de desenhos. — Teremos que
descobrir o que aconteceu. Dave talvez saiba de algo.
Essa é a droga de morar em uma cidade universitária: a única coisa
que as pessoas fazem, além de irem em festas e assistirem aos jogos, é
fuxicar a vida alheia.
— Hey, Anne.
Claire e eu nos viramos na cadeira ao ouvir a voz de Sidney. Ela está
de pé diante da nossa mesa, acompanhada do seu namorado. Diferente de
Claire e Dave que exalam aquele tipo de relacionamento dos sonhos, Moose
parece sugar toda a energia de Sidney.
— Hey! — Empurro minha cadeira de metal para o lado, dando
espaço para ela e o namorado se sentarem junto com a gente.
Sidney e eu nos conhecemos há pouco tempo. Ela divulgou que
tinha um quarto vago no seu apartamento e que queria dividir o aluguel.
Não perdi a oportunidade e mandei uma mensagem para ela, dizendo que
estava interessada. Uma semana depois, nós estávamos morando juntas.
Não somos muito próximas em questão de amizade, porque ela está
sempre acompanhada do Moose ou trancada no quarto, estudando, mas nos
damos relativamente bem. O bom de morar com Sidney é que ela é uma
pessoa tranquila. Nunca tive que me preocupar com festas inesperadas ou
barulho alto.
Acho que a pessoa mais chata dessa relação de colegas de
apartamento sou eu.
— Como vocês estão?
Moose fica de pé, atrás de Sidney, enquanto ela se acomoda na
cadeira. Cruza os braços sobre a mesa, remexendo nos anéis de um jeito
nervoso. Posso não conhecê-la tão bem, mas é visível que há algo por trás
acontecendo. Aparentemente, hoje todo mundo está escondendo alguma
coisa.
— Estamos ótimos. — Moose concorda com um aceno e massageia
os ombros da namorada. — E vocês?
— Tirando o fato de que todo mundo está me encarando como se eu
estivesse com alguma doença contagiosa... O resto vai muito bem.
Sidney pisca as pálpebras algumas vezes e Moose franze a testa. A
reação dos dois é curiosa até demais. O que está acontecendo aqui?
— Bom... Acho que você já deveria saber que isso iria acontecer —
Moose comenta e me lança um olhar esquisito. Consigo notar uma pequena
gotinha de deboche por trás de suas palavras.
— Como assim? — Claire questiona, soando tão confusa quanto eu.
Sidney dá um sorrisinho de lado e empurra o óculos para cima do
nariz.
— O campus todo já sabe, Anne. Não precisa mais mentir pra gente,
embora eu tenha ficado bem surpresa com a notícia.
Claire se remexe ao meu lado, já ficando impaciente. Compartilho
do mesmo sentimento. Todo esse papo de mentiras e surpresas já está me
tirando do sério.
— Do que vocês estão falando? Porque, juro por Deus, estou prestes
a fazer alguma coisa muito ruim se ninguém me contar que merda está
acontecendo.
Moose escora a mão no encosto da cadeira e coça o queixo. Sua
pose despretensiosa é irritante.
— Todo mundo está falando e olhando para você não por causa de
uma doença imaginária. — Ele soa calmo até demais. — Mas por causa do
seu namoro com o Reed Rollins.
Sinto todo o ar do meu corpo ser drenado e um chute fictício acertar
o meu estômago. A sensação de querer expurgar tudo dentro mim é tão real
que me vejo gritando para todo o refeitório ouvir:
— O quê?!
 
“Acho que nós somos dois fodidos e está tudo bem”
We Belong | Dove Cameron
 

 
Estou vendo vermelho.
Cada passo que dou em direção ao vestiário dos Rebels of Horizon
faz o meu coração acelerar uma batida. O sangue pulsa com força nos
ouvidos e minhas unhas afundam na carne da palma da mão. Silencio os
sons ao meu redor, consciente de que deixei Claire, Moose e Sidney falando
sozinhos no refeitório.
A única pessoa que quero ver na minha frente é a que mais odeio
nesse momento.
Atravesso por vários corredores, recebendo olhares reprovadores.
Faço a curva e empurro a porta do vestiário em um único movimento. A
tranca de ferro bate na parede e vários pares de olhos repousam sobre mim.
O cheiro pungente de suor é insuportável. Há garotos nus para onde
quer que eu olhe e o espaço, por mais que seja grande, não parece ser capaz
de ocupar tantos jogadores. É uma lata de sardinha com várias bundas e
abdomens sarados.
Dave é o primeiro a me notar. Por sorte, ele ainda está vestido com o
uniforme do time. Gotículas de suor escorrem pelo rosto e se infiltram no
tecido da camiseta.
— Anne? O que você está fazendo aqui?
Empino o queixo para cima.
— Preciso falar com o Reed.
Ele vacila, ponderando se deve me dar uma resposta ou não. Vejo,
pelo canto do olho, Chad Eaton me medir da cabeça aos pés. Ele só está
usando cueca. Ainda não acredito que transamos.
— Ele está nos chuveiros — Keeran, um dos amigos de Reed, se
intromete. — Você pode ir até lá.
Ao dar o primeiro passo, o braço de Dave se estende na minha
frente, impedindo a passagem. Minhas células imploram para que eu dê
uma resposta irritada a ele, porque a cada segundo que fico parada, mais
ódio sinto. Contudo, sei que ele não merece a minha hostilidade. Dave é
legal demais para isso.
— Você não deveria estar aqui. O treinador não vai gostar.
— É urgente, Dave. E eu tenho certeza que você vai conseguir dar
um jeito para que o treinador não descubra sobre mim.
Dave solta uma longa lufada de ar e abaixa o braço. Antes que eu
possa apertar o passo e seguir em frente, ele diz:
— Não faça eu me arrepender disso, Anne.
Faço um sinal de joinha com a mão e desvio dos armários, seguindo
para os chuveiros. O local está todo embaçado e com cheiro de sabonete.
Dá para ouvir a água caindo junto do som de conversas que vem do outro
lado, abafando os meus passos conforme analiso cabine por cabine,
procurando por Reed.
Ao encontrá-lo na última, ajo no impulso por estarmos sozinhos.
Não penso nas consequências e muito menos no que pode acontecer se o
treinador me ver aqui. Estou puta. Fervendo em fúria.
Levanto o pé e dou um chute na porta da cabine. Imediatamente,
Reed vira o corpo e xinga um palavrão.
— Puta merda! O que você está fazendo aqui?
Cruzo os braços.
— Querendo dar um chute na sua cara. É isso o que estou fazendo
aqui, Reed.
Ele desliga o chuveiro e passa as mãos pelo cabelo molhado,
gotículas de água pingando em seus cílios. A porta da cabine cobre do seu
quadril até a altura dos tornozelos, mas isso não me impede de olhar para o
seu peitoral. Há músculos definidos até demais, embora eu devesse esperar
por isso.
— O que eu fiz dessa vez para você me odiar além do normal? —
pergunta com irritação.
— Sério que você vai fingir que não sabe?
Ele bufa e pega a toalha pendurada em um ganchinho. Ele não se
seca. Somente a enrola no quadril e abre a porta da cabine. De forma
instintiva, meus pés se movem para trás.
— A única coisa que eu sei é que você, aparentemente, errou o
caminho para o vestiário feminino, joaninha. Porque a única coisa que você
vai encontrar aqui são bundas suadas.
Reed agora está de frente para mim, não usando nada além de uma
toalha branca. A água escorre por seus gominhos definidos, seguindo um
caminho perigoso para o centro de suas pernas. Aperto os lábios, desviando
o olhar antes que ele me pegue no flagra.
— Não errei o caminho — sibilo. — Estou procurando por você.
— E a minha bunda? — Sorri.
— Se for para dar umas palmadas, pode ter certeza que sim, Rollins.
Minhas palavras fazem a tensão entre nós triplicar de tamanho. Reed
avança um passo, me encurralando contra a parede de azulejos. A minha
respiração fica mais densa. De repente, me esqueço que esse lugar fede a
suor e cueca velha.
— Você sabe que eu não vou me opor a isso.
Ergo as sobrancelhas.
— Você está flertando comigo?
Reed inclina a cabeça para o lado.
— Não sei. Você está?
— Só em seus sonhos — resmungo e tento empurrá-lo para longe de
mim, mas ele não se mexe. — A gente precisa conversar.
— Sou todo ouvidos.
Ergo o queixo para cima e encaro seus olhos castanhos. Acho que
Reed tem o olhar mais expressivo que já vi. São a porta de entrada da sua
alma. Ele não tem medo que as pessoas saibam o que ele está pensando.
— Você precisa consertar essa merda em que nos enfiamos. Eu te
avisei que nos traria problemas.
O cenho dele se franze em confusão.
— Do que você está falando?
Inflo as bochechas de ar, a impaciência subindo de nível mais uma
vez. Todo esse fingimento está me dando vontade de vomitar em seus pés
descalços.
— Não banque o inocente para cima de mim, Reed. Você sabe muito
bem do que estou falando.
Ele revira os olhos e pousa as duas mãos ao redor da minha cabeça,
me mantendo presa ao redor do seu corpo. Se ele se aproximar um
centímetro a mais, não haverá nenhum espaço entre nós. Todas as minhas
partes estarão pressionadas contra as suas em um sanduíche cheio de
hormônios.
— Eu sou muito paciente quando o assunto é você, Annie, mas
estou começando a duvidar do quanto mais desse joguinho eu aguento.
Estreito os olhos em uma fenda e empino o queixo. Meu nariz toca o
seu maxilar, os pontinhos de barba causando cócegas.
— O campus todo acha que nós estamos namorando. E você sabe
muito bem o motivo.
Reed paralisa.
Arrisco dizer que até a sua respiração se torna mais lenta. As íris
descem para a minha boca, como se ele não acreditasse no que eu acabei de
dizer. As mãos, que estavam escoradas ao lado da minha cabeça, deslizam
pela parede até pararem na altura do meus ombros.
— O quê?
— Drake deve ter contado para alguém. Esse alguém contou para
mais alguém e... — Levo as mãos aos cabelos, afundando as unhas no couro
cabeludo. — Está todo mundo falando sobre eu ser a sua namorada.
Quando cheguei hoje de manhã, um monte de gente ficou me olhando de
cara feia. E isso tudo é culpa sua!
— Minha culpa? — Solta um muxoxo. — Sem essa. Nós dois
fingimos. Se é pra culpar alguém, culpe a você também.
— Eu jamais fingiria um namoro com você, Reed.
— Então, deveria ter dito ao Drake que eu não era o seu namorado.
Simples, huh?
Nossa, que vontade de socar a cara dele.
— E é exatamente isso que vou fazer. Vou dizer que tudo não passou
de uma mentira — murmuro e o empurro mais uma vez. Dessa vez, Reed
dá um passo para trás. — E amanhã, quando eu botar os meus pés aqui de
novo, ninguém vai falar mais nada sobre nós dois.
Reed coça a ponta do nariz e gesticula para o meu corpo.
— Esse é o seu plano? Falar para o Drake que não somos
namorados e esperar, milagrosamente, que ele acredite?
Uma pontada atinge o lado esquerdo do meu cérebro, a consciência
da situação se tornando mais clara. Minha estratégia para calar as fofocas é
inútil, porque não vai trazer efeito nenhum.
— Fala você, então. — Empurro a responsabilidade para os seus
ombros. — As pessoas vão acreditar no que você disser. Todo mundo te
conhece.
— Não é assim que funciona.
Vejo uma centelha de preocupação cintilar no seu olhar. Ela some
tão rápido quanto surgiu.
— E como é que funciona, então? Eu subo em um pedestal, visto a
sua camiseta do time e me vanglorio por ser a sua namorada?
Reed abre a boca para responder, mas noto que a atmosfera do
vestiário mudou. O burburinho de conversas ao longe não existe mais e os
chuveiros foram desligados. Nós estamos sozinhos aqui ou...
— Rollins, posso saber o que a sua namorada está fazendo no meu
vestiário?
A voz do treinador Turner chega até os meus ouvidos como uma
lâmina afiada. Reed me lança um olhar duro, implorando para que eu me
comporte.
— Ela já estava de saída, treinador.
— Ela nem deveria estar aqui, para começo de conversa.
— Era um assunto urgente — me justifico.
O treinador me fulmina do jeito mais frio que já vi. Os pelos do meu
braço se arrepiam e noto, tarde demais, que eu disse a coisa errada. Pela
primeira vez, estou com vontade de sair correndo e puxar Reed comigo.
— Você pode resolver os seus assuntos urgentes fora do horário de
treinamento dos meus jogadores. — Gesticula para a saída. — Fora.
Meneio a cabeça em um gesto de concordância e giro sobre os
calcanhares. Ao passar pelo treinador, ele me analisa da cabeça aos pés,
parando por mais tempo em meu rosto. Uma fagulha de reconhecimento
surge em seu semblante enfurecido.
— Você é a irmã do Alex Scott?
— Sim.
Um sorriso minúsculo surge em sua boca.
— Um grande jogador. Diga a ele que mandei lembranças. — O
bom humor desaparece tão rápido quanto surgiu. — Agora, suma daqui,
Scott. Da próxima vez, não espere que eu seja condescendente.
— É claro.
Saio do vestiário praticamente correndo. Por sorte, o local se
encontra vazio, o que me deixa um pouco mais aliviada. Seria péssimo se o
time tivesse presenciado a nossa conversa. Não tenho dúvidas de que as
pessoas inverteriam os fatos e fariam parecer, ainda mais, que Reed e eu
estamos envolvidos.
Determinada a colocar um fim nesse boato, sigo em direção ao
prédio da rádio universitária. Dessa vez, meus pés se movem com uma
rapidez impressionante, cada passo servindo como incentivo.
Drake Collins vai consertar essa bagunça, nem que eu tenha que
suborná-lo com o gabarito de uma prova e notas de dinheiro.
 
“Foda-se você e todas as suas expectativas,
eu não quero nem os seus elogios.
Eu reconheço essa sua falsa confiança
e previ todos os argumentos na sua conversa”
All The Stars | Kendrick Lamar (feat. SZA)
 

 
Sabe aquele ditado que diz que toda maré de azar é seguida por uma
grande onda de calmaria?
Maior papo furado. Eles nunca estiveram tão errados. Nas últimas
horas, as coisas têm dado tão errado que começo a suspeitar que fiz algo
muito ruim na vida passada. Talvez eu tenha roubado o doce de uma
criança, quem sabe. Ou puxado o rabo de um cachorrinho e depois jogado
água em um gato de rua.
A única coisa que sei é que as probabilidades não estão ao meu
favor.
E como se as coisas não pudessem ficar ainda mais complicadas,
meu celular vibra em uma notificação. Desbloqueio a tela e quase jogo o
telefone para fora da janela ao ler a mensagem.
Angel: Você salvou a minha vida! Ninguém fala de outra coisa além
do seu namoro com a Anne. Obrigada <3
Porra.
Se isso aqui fosse uma bola de neve descendo de um penhasco, eu já
estaria morto.
Bufo com raiva e largo o celular em cima da mesinha de centro da
sala. Keeran, que está sentado na poltrona do canto jogando uma partida de
Fallout 4 no Xbox, me encara com curiosidade.
— Algum problema?
Rio sem nenhum traço de humor.
— Um não, vários. — Estico as pernas no sofá e uso uma almofada
para apoiar o pescoço. — Estou atolado na merda.
— Você quer conversar sobre isso?
Ele pausa o jogo e vira o corpo na poltrona, focando sua atenção em
mim. Depois que o treino e a aula acabaram, voltamos para casa em
silêncio. Ninguém ainda criou coragem para perguntar sobre o meu namoro
com Anne Scott. Mason só largou a mochila em um canto e subiu para o
quarto, me dando espaço para pensar. Keeran, no entanto, está comigo na
sala desde que chegamos. Acho que ele está esperando que eu toque no
assunto.
— Não estou namorando a Anne.
Keeran revira os olhos e se acomoda melhor na poltrona.
— Nunca achei que estivesse.
— Sabe por que as pessoas estão achando isso? — Ele nega. —
Lembra do cara na festa, enchendo o saco dela? Fui lá espantá-lo. Não sei o
que deu em mim e falei que Anne e eu éramos namorados.
— Grande tática, campeão. — Assovia em deboche e mostro a ele o
dedo do meio.
— Na hora, me pareceu uma boa ideia. E, de fato, deu certo. Drake
saiu com o rabo no meio das pernas. O problema é que ele abriu a boca para
alguém. O resto da história você já sabe. Ninguém fala de outra coisa agora.
Keeran acomoda os braços através da cabeça e apoia os pés em cima
da mesinha de centro. Queria estar tão relaxado quanto ele. Os meus
músculos estão contraídos, doloridos por causa do treino e cheios de tensão
pelos acontecimentos do dia.
— Ainda não entendi qual é o problema. É só você dizer que vocês
não estão namorando e a fofoca acaba por aí.
A fala de Keeran é tão inocente que começo a me dar conta que ele,
realmente, não sabe de nada sobre o que aconteceu entre mim e Angel.
Porque, se soubesse, não estaria dizendo nada disso.
— Não vai dar certo.
— E por que não?
— Angel.
Keeran grunhe e me cutuca com a ponta do pé.
— Vocês estão juntos, então?
Abro os olhos e o fulmino com o olhar.
— Você está querendo ganhar um soco no nariz e não está sabendo
pedir, Flanagan.
Ele dá risada e se levanta da poltrona. Pega as latinhas de
refrigerante esquecidas em cima da mesinha e desliga o Xbox, deixando a
televisão em um canal aberto. Segue para a cozinha e retorna com uma
maçã na boca. Assim como eu, Keeran não está usando nada além de uma
calça de moletom folgada e meias.
— Se você me contar a história direito, talvez eu possa te dar algum
conselho. Até agora só sei que você, aparentemente, é um namorado
bígamo.
Preciso apertar os lábios com força para não dar risada.
— Angel e eu não estamos juntos desde o verão. Foi uma coisa
passageira e que durou o tempo que deveria — explico a situação. — Só
que você sabe como as coisas funcionam aqui em Maple Hills. As pessoas
não pararam de falar ao longo dessas semanas que eu a estava traindo ou
não querendo assumir o namoro.
O maxilar do meu amigo se tensiona enquanto ele pensa sobre o
assunto. Sei que não facilitei as coisas para o lado da Angel. Quando nos
envolvemos naquela noite, ela deveria saber que haveria riscos. Moramos
em uma cidade pequena com estudantes que não conseguem cuidar da
própria vida.
— E por que você não disse que era mentira?
— Eu disse para você, Keeran. Para todo mundo. Ninguém
acreditou.
A compreensão imediatamente cruza o seu olhar. A maçã, que
estava sendo levada à boca, se paralisa no meio do percurso. As
sobrancelhas se franzem e um vinco surge no centro de sua testa. Um
xingamento é proferido baixinho.
— Cacete. 
Agora Keeran sabe que não importa o que Anne e eu digamos para
nossos amigos e conhecidos. Ninguém vai acreditar. Eles preferem defender
com unhas e dentes a sua própria versão dos fatos: Anne Scott e Reed
Rollins estão namorando. É isso. Merda até o pescoço.
— E sabe qual é a pior parte?
Ele se arrepia, o rosto ficando branco feito um fantasma.
— Ainda pode ficar pior?
Conto a ele sobre a minha conversa com Angel na festa e o pedido
dela para que eu desse um jeito nas coisas começando a namorar com
alguém. A ideia me pareceu tão sem lógica que não me dei conta que havia
feito, horas atrás, exatamente o que ela tinha me pedido.
Só que de um jeito mentiroso.
Mostro também a mensagem que recebi minutos atrás. Depois de lê-
la, ele faz uma careta e me olha de um jeito bondoso.
— Você está fodido, Reed.
— Fodido é eufemismo.
A ponta do seu nariz se enruga, uma coisa que ele sempre faz
quando está pensando. Dá mais uma mordida na maçã e, por fim, murmura
de boca cheia, alguns farelos caindo no chão:
— E o que você vai fazer?
— Não faço a mínima ideia.
No dia seguinte, vou para a USVL torcendo para que tudo não tenha
passado de um delírio coletivo.
Meu pedido não é atendido.
Assim que meus pés tocam o gramado do campus, a certeza me
abraça de um jeito nada confortável. Os olhares curiosos de ontem e os
cochichos começam a fazer sentido. Eu deveria ter desconfiado.
— Reed!
Fecho os olhos com força ao ouvir a voz de Angel atrás de mim.
Seguro as alças da mochila e me viro, encontrando-a diante de mim. Nesta
manhã nublada de setembro, ela está usando um vestido de mangas longas e
meia calça preta. O cabelo preso em um rabo de cavalo deixa seu rosto mais
jovem.
— Oi.
Ela dá um beijo estalado na minha bochecha.
— Não acredito que você está namorando! Você poderia ter me
contado, sabia? Eu não teria te pedido aquilo na sexta se soubesse da
verdade.
Não existe verdade nenhuma aqui.
— Queria fazer uma surpresa.
Ela abre um sorriso e engancha o braço ao redor do meu. Diferente
de mim, que cursa Jornalismo, Angel é estudante de Música. Ela tem uma
banda com outras quatro garotas e, eventualmente, elas tocam no pub do
meu irmão.
— E que surpresa, hein? — Atravessamos o gramado e nos
sentamos em um dos bancos de madeira. Diferente das outras vezes, a
postura de Angel é de pura descontração. Ela não está preocupada com o
que vão pensar de nos vermos juntos conversando. — Quando foi que isso
aconteceu?
Passo a língua pelos dentes, pensando. Dizer para ela que meu
namoro é uma mentira inventada por alguém não está entre as opções. A
minha única escolha é justamente a que vai deixar as coisas ainda piores.
Porra, Reed.
— Há algumas semanas. Anne queria manter as coisas só entre nós
— minto, desejando que meu tom de voz não me entregue. — Nem os
nossos amigos sabiam. Está sendo uma surpresa para todo mundo, na real.
— E você está feliz?
Diante da sua pergunta, preciso fazer um esforço maior que o
aceitável para abrir um sorriso que a convença
— Nunca estive tão feliz, Angel.
Ela dá um gritinho animado e me puxa para um abraço
desengonçado por causa da posição em que estamos sentados. Não quero
magoá-la trazendo o assunto anterior à tona. Sei que os cochichos ao seu
respeito insinuando que eu a estava traindo não foram tão fáceis de ignorar.
— Obrigada, de verdade, Reed. — Segura meu rosto entre as suas
mãos, os olhos fixos nos meus. — Você é o melhor amigo do mundo.
— E você merece todas as coisas boas. Desculpe por tudo.
— Não há pelo o que se desculpar. Agora as coisas vão voltar a ser
como antes. Isso é o que importa.
Aceno em concordância, querendo muito me esconder dentro de um
buraco para que essa conversa acabe de uma vez. No entanto, meu desejo é
interpretado de outra forma. Ao longe, vejo Anne caminhar pelo gramado
do campus como se estivesse pisando na cabeça de várias formigas. Ela
anda com raiva, cada passada expressando seu descontentamento.
Quando nossos olhares se encontram, chego a certeza de que esse é
o meu fim, porque ela muda o percurso e caminha para onde estou.
— Porra... — resmungo baixinho, já fazendo menção de me
levantar. Angel ergue as sobrancelhas, sem entender. — Acabei de me
lembrar que preciso resolver um assunto urgente. A gente conversa depois?
Ela mal tem tempo de responder. Arrumo a mochila ao redor do
ombro e começo a caminhar na direção oposta de Anne. Meus pés se
movem com rapidez. Se eu quisesse, poderia sair correndo sem que ela
jamais me alcançasse. Entretanto, diante das circunstâncias, a última coisa
que quero é chamar — ainda mais — a atenção.
— Reed Rollins! — Anne grita, sua voz a poucos metros de
distância.
Ela não está nem aí para o que vão pensar.
Solto uma longa lufada de ar e paro de caminhar. Por sorte, estamos
em um canto mais afastado com poucos estudantes circulando. Anne
contorna o meu corpo e fica de frente para mim. As bochechas coradas são
um indicativo gritante de que, para ela, não foi nada fácil me alcançar. Às
vezes, esqueço o quanto o meu preparo físico é diferente em comparação
com o das outras pessoas.
— Bom dia, joaninha — provoco-a, só para ver os olhos se
revirarem.
— Sem essa, zangão.
Quase cuspo uma risada.
— Você me chamou do quê?
— Você ouviu da primeira vez, não me obrigue a repetir.
— Prefiro aderir a outros métodos para conseguir o que eu quero —
falo, encenando um tom inocente que a faz estreitar as pálpebras. — A que
lhe devo estimada presença?
A postura dela murcha. Anne não é de se deixar abater, o que me faz
chegar à conclusão de que ela deve estar tão na merda quanto eu.
— Drake não vai nos ajudar.
— Não me diga. — Reviro os olhos. — Você esperava mesmo que
ele fosse fazer alguma coisa?
Anne bufa.
— Ele poderia se esforçar. Somos colegas de curso, droga. —
Empurra o cabelo loiro para trás do ombro. — Ele nem me ouviu, Reed.
Disse que eu deveria ficar contente por todo o campus estar falando de mim
agora.
— Você ofereceu suborno?
Um sorriso sapeca surge.
— Ofereci dois subornos. Dinheiro e o gabarito de qualquer prova
que ele quisesse.
Rapidamente, a imagem de Anne encurralando Drake na rádio
universitária surge na minha mente. Na cena criada na minha cabeça, ela
está chacoalhando notas de dinheiro na cara dele e mantendo-o preso na
parede por algum tipo de corda.
Sem querer, acabo deixando escapar uma risada.
— Você está rindo de mim?
Nego com um chacoalhar de cabeça, voltando à realidade. O rosto
de Anne está próximo do meu, a expressão nada serena. Preciso me segurar
para não estender a mão e desfazer as linhas que se formam na sua testa de
tanto franzir as sobrancelhas.
— Não, não estou — digo. — Na verdade, eu estava pensando em
você amarrando o Drake com uma corda.
— Da próxima vez, vou me certificar de que seja você o amarrado.
E usando uma mordaça, de preferência.
— Isso me soa sujo demais, Annie.
Anne dá um sorriso de canto, mas a descontração não dura muito.
Seu semblante se torna duro novamente, o maxilar ficando rígido. Agora a
presença de outros alunos é nula.
— Nós precisamos encontrar um jeito de acabar com isso, Reed —
pede de forma lacônica. — Urgentemente.
— Não sei como fazer isso.
Ela torce os lábios de um lado para o outro, pensando. Tento fazer o
mesmo, mas na minha cabeça, não há nada além do vazio. É difícil
contornar uma situação como essa. Desmentir para o campus já se provou
ineficaz.
— E se você sair com outra garota? — sugere, um brilho de
esperança surgindo. — Várias e várias vezes. Tantas vezes que as pessoas
vão se esquecer de mim.
— Não vai funcionar. Eu já tentei.
— De ontem para hoje você fez isso? — Arregala os olhos. — Uau.
Você é rápido mesmo. Em todos os sentidos, pelo visto.
Puxo Anne pelas alças da mochila, nossos corpos se colidindo. Ela
grunhe com o embate, as mãos pousando em meu peitoral para não cair.
Aproveito o momento de distração e enlaço sua cintura, não deixando
nenhum espaço entre nós. Como acontece sempre, ela levanta o queixo e
me encara de baixo. As íris tremulam e os lábios se entreabrem.
— Posso ser rápido em muitas coisas, Annie. Principalmente no
gramado. — Uso o polegar para afastar uma mecha da sua franja para o
lado. — Mas nunca sou rápido quando estou entre as pernas de uma garota.
Vejo sua garganta se mover ao engolir em seco. A língua umedece a
pontinha dos lábios e minha atenção se move para lá. Encaro o movimento,
sem conseguir ignorar o formigamento que me acomete.
— E embora a sua ideia seja tentadora... — continuo a falar, a mão
ainda pousando em seu pescoço. — Não vai funcionar. Acredite em mim
quando eu digo que já tentei fazer isso antes.
Sem esperar por alguma reação sua, dou um passo para trás, criando
uma distância segura. Ao mesmo tempo, os braços de Anne caem ao redor
do corpo. As feições adquirem um tom perdido, mas que rapidamente é
substituído por sua costumeira careta mal humorada de quando estamos
juntos.
— Você não tentou nada.
— Tentei, sim — afirmo. — Só que não com você.
Ela grunhe.
— Qual sua ideia, então? Dizer para todo mundo que somos
namorados de verdade? Corta essa, Reed.
O silêncio entre nós se estende, o que faz o meu subconsciente
acordar de um sono profundo. Ele está de braços cruzados e enchendo a
minha cabeça de sugestões. Todas são horríveis. Contudo, uma em especial
me chama a atenção. A voz de Angel também soa baixinha, até meio
distante, mas é o que me faz considerar. 
É uma ideia horrorosa, para ser sincero.
Mas é a única solução que consigo pensar sem que traga mais
prejuízos para a Angel.
Pisco os olhos e Anne continua parada diante de mim. As maçãs do
rosto já não estão mais coradas, mas os lábios pintados de batom vermelho
a deixam com uma aparência tentadora. Deve ser incrível vê-la usando um
vestido da mesma cor.
— Até que não soa tão ruim, joaninha. — Estendo o braço e pego
por sua mão, levando aos lábios e dando um beijo casto. — Vamos ser
namorados.
A resposta de Anne é me dar um safanão.
 
 
“Você sabe o quanto machuca toda vez que você diz que me odeia”
Perfectly Wrong | Shawn Mendes
 

 
Vamos ser namorados.
Ele só pode estar zoando. Nunca, na minha vida, vou concordar com
essa ideia mirabolante. Desfilar pelos corredores da USVL ostentando o
título de ser namorada do Reed Rollins é um boato que nunca vai ser real.
— Você é sempre assim, brincalhão, ou só faz isso para me tirar do
sério? — Puxo minha mão para longe, escondendo-a dentro do bolso da
jaqueta jeans. — Porque, sinceramente, Reed, essa situação não tem graça
nenhuma.
— Não estou brincando — ele diz, soando sério. — Essa é a minha
ideia. Sermos namorados.
— Eu não gosto de você.
— Eu sei.
— Você é irritante.
— Eu sei disso também.
— Você também não gosta de mim.
— Na maior parte do tempo, não.
— E na outra metade? — indago.
Reed se aproxima novamente, sorrateiro.
Meus pés se movem para trás, mas ele é rápido o bastante para me
alcançar. O braço contorna a minha cintura, me enlaçando como um cobra
em ataque. Cravo as unhas ao redor dos seus ombros, não gostando nem um
pouco de senti-lo tão perto de mim. É desconcertante.
— Na outra metade, eu penso em te dar umas boas palmadas por
mau comportamento.
Reprimo um gemido angustiado.
— Para o seu grande azar, eu penso em te dar um soco durante todas
as vinte quatro horas do meu dia.
— Quem diria que você poderia ser tão violenta.
— Sou muito pior do que você imagina.
O rosto de Reed se contrai naquilo que poderia ser um sorriso de
covinhas. Os olhos procuram os meus e, quando os encontra, procuro
entender o que há por trás dessa confusão em que nos metemos. Ele não
sugeriria a ideia do namoro se não houvesse algo em jogo. Exceto a terrível
probabilidade disso não passar de uma brincadeira de mau gosto feita só
para me irritar.
— O que você ganha com isso?
A pergunta faz o músculo do braço ao redor da minha cintura se
contrair. É sutil, mas consigo perceber. Reed permanece quieto, hesitando
dar uma resposta, o que faz a minha teoria se tornar ainda mais verdadeira.
Tem alguma coisa acontecendo.
— Estou devendo um favor a uma amiga.
Rio pelo nariz.
— O seu favor é namorar comigo?
— Não. Mas vai ser de grande ajuda.
Encaro o queixo de Reed, pensando que tipo de merda ele fez para
estar devendo um favor desse tipo. Ainda mais um namoro comigo. Eu sou
a última pessoa que ele escolheria. Porra, ele me odeia. E eu o odeio muito
mais.
— Não é problema meu. — Me solto do seu aperto e arrumo a
mochila ao redor do ombro. — Ache outra pessoa para lidar com seus
problemas. Eu estou caindo fora.
Ele resfolega.
— O que você precisa?
— O quê?
— Do que você precisa para aceitar ser minha namorada?
Solto um sopro pelo nariz que não é nada elegante.
— Você está querendo me subornar?
Ele levanta as mãos.
— Você fez isso com o Drake. Não pode me julgar por tentar fazer o
mesmo.
— Argh, você é um canalha.
Reed dá risada e cruza os braços na altura do peito, acentuando os
músculos. Odeio que ele seja atleta, porque isso o faz deixar os outros
garotos da USVL comendo poeira. Nunca fui muito fã dos magrelos.
E Reed Rollins é uma parede de músculos tonificados. Parece um
pacote de presente, esperando para ser rasgado e lambido.
Credo.
— O que você precisa, Annie? — Repete a pergunta pela terceira
vez, obrigando meus olhos a subirem e se fixarem aos seus. — A vaga de
emprego no PK Journal? Eu consigo para você.
Fico ofendida no mesmo instante que suas palavras chegam até os
meus ouvidos. Reed nota a expressão em meu rosto e a boca se curva para
baixo.
— Annie...
— É desanimador que você ache que eu não consiga a vaga de
estágio sem ser por mérito próprio — sibilo com irritação. — Não preciso
de nada vindo de você, Reed. Você que se dane com os seus problemas e
esse namoro.
Não penso duas vezes ao me virar e caminhar em direção ao prédio
de Jornalismo, deixando-o sozinho. Escuto Reed chamar por mim, a voz
alcançando grandes oitavas, mas não volto atrás.
Ele que se foda. 

— Você poderia ter me contado, sabia? Eu não teria ficado chateada.


Claire nem me cumprimenta. Só empurra na minha direção um copo
de café e se senta ao meu lado de forma abrupta. Agradeço com um meio-
sorriso.
— Contar o quê? — Levo o copo aos lábios e bebo um gole.
— Reed e você.
Para a sorte dela, engoli o café. Se não, teria cuspido tudo em sua
roupa imaculada. Hoje, Claire está vestida de branco. Casaco branco,
camiseta de bolinhas e calça também branca. Os sapatos tem o solado da
mesma cor. O único ponto colorido são os brincos que imitam rosas.
— Não há nada o que contar.
Claire faz um barulhinho com a boca, discordando.
— Ainda não sei como tudo aconteceu. 
Limpo os lábios com o dorso da mão e deixo o copo em cima da
mesa. Não quero arriscar derrubá-lo.
— Reed bancou o macho protetor fingindo ser o meu namorado na
festa de sexta. Drake, então, espalhou para a faculdade toda que estamos
juntos. Ainda não encontrei um jeito de desfazer essa salada mista. —
Sopro o ar. — Tentei subornar o Drake ontem ou, pelo menos, convencer
ele que tudo era mentira. Não deu certo. Parece que tudo está conspirando
para dar errado.
— Você sabe que Maple Hills é um ovo. Desmentir um namoro não
é assim tão fácil. Vocês precisam de algo mais... convincente.
— Sair com outras pessoas?
— Agora? — Claire sacode a cabeça e tira, de dentro da bolsa, uma
pasta grossa com os seus inseparáveis desenhos. — Não daria certo. Só
faria os boatos irem para uma direção pior.
— E qual seria?
Claire bebe um gole do seu café.
— Que vocês têm um relacionamento aberto.
Faço uma careta.
— Basicamente, não há nada que a gente possa fazer — concluo. —
Sempre vão dar um jeito de inverter.
Claire levanta o seu copo de café na altura dos olhos.
— Bem-vinda a Maple Hills! — Ela dá risada, os dentes
perfeitamente alinhados ficando evidentes. Claire não tem nenhum defeito.
Até mesmo o ossinho do nariz é algo que a deixa ainda mais charmosa. —
Onde as fofocas são o combustível para manter essa cidade funcionando.
Rio, me divertindo com a sua mania de fazer piadas diante de
acontecimentos ruins. Para o meu azar, o namoro com Reed não é somente
uma pedra no sapato. É uma kriptonita capaz de derrubar não somente o
Super-Homem, mas toda a minha vontade de sair da cama.
— Tem mais uma coisa que você precisa saber.
O copo, que estava em sua boca, é abaixado em câmera lenta.
— O quê?
Respiro fundo, criando coragem para colocar as palavras para fora.
— Reed está devendo um favor para alguém. — Contorço minhas
mãos, sentindo as palmas ficarem suadas. — Não sei que favor é, mas... ele
disse que, se namorarmos de verdade, pode ajudar.
Claire fica em silêncio, os grandes olhos estáticos encarando os
meus por tanto tempo que parece que o mundo inteiro congelou. Eu ainda
escuto o burburinho de conversas ao nosso redor, o vai e vem de clientes se
movimentando e o som da cafeteira moendo o café.
— Okay. — O timbre de sua voz sai um pouco esganiçado. — Por
isso eu não esperava.
Jogo as mãos para cima da cabeça, deixando-as cair em cima das
minhas pernas logo depois.
— É muita loucura. Nem faz sentido ele me pedir isso.
Minha amiga mordisca o cantinho do lábio inferior e olha ao redor,
sondando as pessoas. A cafeteria em que estamos é uma das poucas que tem
no campus da USVL. É pequena, com paredes de tijolinhos à vista e
cadeiras com estofado laranja. O ar sempre tem aquele aroma gostoso de
chocolate quente e a música que toca baixinho nos alto-falantes ajuda a
manter o clima descontraído.
— Na verdade, pode ajudar muito mais do que vocês imaginam.
— Não, não tem como.
Claire se remexe na cadeira, arrastando-se de forma que fiquemos
de frente para a outra. Ela segura meus dedos livres com as duas mãos.
— Vocês ficarem negando pelos corredores não vai ajudar em nada,
Anne. Só vai deixar as coisas ainda mais confusas, dando margem para que
as pessoas só falem disso durante semanas. — Faz uma mínima pressão
contra a minha mão. — Mas, se vocês estiverem de fato namorando, o
boato vai desaparecer tão rápido quanto surgiu.
Droga.
É duro admitir, mas sei que ela está certa. Reed e eu ainda não
encontramos nenhuma solução para o problema, além dessa proposta
horrível de um namoro. Só de pensar em ter que bancar a namorada
apaixonada... Uma vontade imensa de gritar toma conta dos meus pulmões.
— Eu não gosto dele, Claire.
As orbes se reviram em divertimento.
— Mas ele gosta de você.
— Você está vendo coisa, isso sim. — Me solto de seu aperto e
encho a boca de café. Só quero evitar essa conversa e ir logo para casa.
Hoje é meu último dia de folga antes de voltar para a rotina conturbada de
estudar e trabalhar. — Talvez você tenha razão em relação aos boatos, mas
quanto ao restante... Sem chance, Claire. Prefiro ficar mal falada a enfrentar
um namoro com o Reed Rollins.
Claire projeta o lábio inferior para frente e pisca as pálpebras
inocentemente igualzinho ao Gato de Botas.
— Ele não é tão ruim.
Dou uma cotovelada em sua costela.
— Ele é um atleta cheio de si, com nariz empinado e que se acha o
dono do universo porque vai conseguir ser draftado por um time muito
bom. E quando esse dia chegar, ele não vai pensar duas vezes em fazer as
malas e ir embora dessa cidade — resfolego. — É isso que Reed Rollins é,
Claire.
Ela deixa escapar uma risada curta, seguida de um sorriso.
— Entendi. Nada de Reed Rollins para você, então.
Sorrio e aperto a sua bochecha, dando um beijo estalado na outra.
— Exatamente. Nada de Reed Rollins, nem mesmo como meu
namorado. Só como o melhor amigo do Dave.
— Se é assim que você quer, eu não vou me opor.
— É exatamente assim que deve ser. — Faço um movimento com a
mão, como se estivesse afastando um mosquito, e dou duas batidinhas sobre
a pasta grossa em cima da mesa. — Agora me conta como vai o seu projeto
das roupas sustentáveis. Preciso de uma distração urgentemente.
Claire abre um sorriso tão feliz que me faz ter a certeza de que ela
tem boas notícias.
— A minha irmã conseguiu marcar uma entrevista online com
aquela empresa gigante da costa leste! — exclama, animada. — Estou super
nervosa, com medo de que eles não aceitem a proposta. A ideia, no
momento, é apresentar o projeto e fazer um convite formal. É tudo meio
incerto ainda, mas já estou feliz que eles aceitaram me ouvir, pelo menos.
Claire é uma das pessoas mais sonhadoras que conheço. Se esse
projeto se concretizar da maneira que ela está planejando, vai trazer um
grande destaque para o curso de Moda da USVL. Pelo o que eu soube, os
investimentos na área estão um pouco baixos, limitando um pouco a
realização de iniciativas como essa.
— Vai dar tudo certo, você vai ver — garanto.
— Se eles não aceitarem, a gente manda o time inteiro de futebol
americano bater em peso na empresa.
Gargalho alto diante da sua sugestão.
— Será que o Dave toparia fazer um negócio desses?
— Acho que não, mas eu sempre consigo convencê-lo. — Apruma
os ombros daquele jeito que só ela consegue fazer. — Consigo fazer
maravilhas com a minha boca. Recomendo você tentar um dia desses com o
seu namorado. Ele pode se juntar a nós nessa missão.
Coloco a língua para fora e finjo uma ânsia de vômito.
— Eu prefiro morrer!
Claire revira os olhos dourados e bebe um gole do café, os lábios
ficando manchados no cantinho.
— Um dia eu ainda vou fazer você mudar de ideia. Guarde as
minhas palavras, Anne.
Cruzo os braços e relaxo a coluna contra o assento da cadeira.
— Vai sonhando, Howard.
 
 
 
 
 
“Eles estão todos posando em uma moldura
enquanto o meu mundo está desabando”
To Die For | Sam Smith
 

 
Cada parte do meu corpo está formigando enquanto o treinador
Turner apita e gesticula para os jogadores que correm pelo campo. Minhas
chuteiras afundam no gramado enquanto a minha cabeça lateja em
exaustão. Estamos há tanto tempo seguindo os comandos e as correções que
não consigo mais me lembrar nem mesmo do que comi no café da manhã.
— Ele quer nos matar, só pode. — Dave ofega ao meu lado, a
camiseta molhada de suor. — Não me lembro da última vez em que senti
meu pulmão doer tanto.
— Deve ter sido quando você nasceu.
Ele me mostra o dedo do meio.
— Hoje você está muito engraçadinho, Rollins.
— Não há outra forma de aguentar esse treino sem ser fazendo
piada.
Dave revira os olhos e continuamos a correr ao redor do gramado,
nos esforçando para terminar a última sequência de exercícios. O treinador
Turner deve ter tido um péssimo começo de manhã, porque está
descontando em nós a sua raiva. Até Mason levou um esporro quando errou
o passe.
Não está sendo um dia fácil para ninguém.
— E quando você pretendia me falar sobre esse seu lance com a
Anne?
E lá vamos nós de novo.
— Não enquanto estamos no meio de um treino, pode acreditar.
Dave dá um empurrão de brincadeira no meu ombro, quase me
derrubando no chão.
— Depois que acabarmos aqui, então. No Cheers Bar?
— Pode ser.
Quando o último apito é assoprado, suspiros de alívio escapam de
todos os jogadores. Posso até ver, pelo canto do olho, Murray — nosso
cornerback[3] — levantar as mãos para o céu e murmurar um
agradecimento.
Ao entrarmos no vestiário, o cheiro de suor é repugnante. A maior
mentira já inventada é que esses lugares são cheirosos. A realidade é bem
pior. Tem cheiro de chulé, cueca velha esquecida dentro da máquina de
lavar roupa e alguma outra coisa azeda que nem prefiro saber o que é.
— Ei, Rollins — JP me chama.
Nós não somos muito próximos, mas ele sempre faz ótimas jogadas,
ajudando nas pontuações mais importantes do jogo.
— Fala, cara.
JP usa o ombro para se escorar no armário de alumínio azul escuro.
O cabelo loiro é cortado rente a cabeça e sua presença exala aquela energia
de surfista que errou o caminho para a praia e acabou indo parar no campo
de futebol.
— O que você e a Anne vão fazer na sexta?
Porra.
Mordo a minha língua para não deixar que minha expressão
entregue a verdade.
— Não faço ideia. — Abro a porta do armário, criando uma barreira
para que ele não veja o meu rosto. — Assistir Meninas Malvadas, talvez?
JP dá risada.
— Minha namorada acabou de abrir um restaurante em Sunbay.
Seria legal se vocês fossem para a inauguração — sugere. — A festa vai ser
com o tema de namorados, então vocês estão convidados.
Eu nem sabia que ele tinha uma namorada.
— Maneiro — digo da forma mais entusiasmada que conheço. —
Vou passar o recado para ela, mas pode contar com a gente.
Sério, Reed?
Agora estou atolado na merda até a cabeça.
JP dá dois tapinhas no meu ombro e segue para os chuveiros, me
deixando sozinho. Encosto a testa no armário, não acreditando que estou
deixando as coisas chegarem a esse ponto. Da próxima vez, não duvido que
Anne surja através do ralo da pia e me puxe para a rede de esgoto, dando
um fim à minha existência.
Massageio a ponta do nariz e pego uma toalha, rumando também em
direção aos chuveiros. Depois de uma ducha revigorante ao som de uma
conversa nada agradável entre Chad e O’Malley, estou caminhando para o
estacionamento.
Destravo as portas e jogo o meu corpo no assento do Jeep,
esperando por Dave. Assim que insiro a chave na ignição, o meu celular
começa a vibrar em cima do painel. O nome de minha mãe brilha na tela.
Atendo com um sorriso.
— Oi, mãe.
— Oi, mocinho — cumprimenta animada. — Como você está?
— Sobrevivendo. — Rio comigo mesmo. — Acabei de sair do
treino. Hoje foi puxado, mas vai valer a pena depois. E você?
Minha mãe suspira feliz do outro lado da linha.
Quando ela e Ricky se divorciaram, meu coração ficou dolorido não
por ter os meus pais mais juntos. Na escola, eu odiava a sensação, porque
sentia que minha família era infeliz. Levou alguns anos para eu entender
que a separação fez Noreen muito mais feliz.
— Estou planejando uma viagem para Cancún no final do ano. O
que você acha?
— Acho que vai ser incrível para você. — Encaro o estacionamento
praticamente vazio. Só tem o meu carro estacionado e os de mais alguns
alunos. — Talvez dessa vez você conheça o grande amor da sua vida e se
torne uma mulher milionária que nunca mais vai precisar colocar os pés em
um fórum.
Ela dá risada.
— Você sonha alto, filho.
— Não podemos deixar de pensar nas possibilidades.
Noreen grunhe, algo que costuma fazer sempre que discorda de algo
que eu digo.
— E o seu pai?
Fico tenso no mesmo instante.
— Me encontrei com ele na semana passada. Sabia que ele vai casar
de novo?
— O quê? — exclama. — Quem é a azarada da vez?
Caralho, eu amo a minha mãe.
— Dianna. Devo conhecer ela daqui a algumas semanas. Ricky quer
que eu vá jantar na casa dele.
— Se precisar que eu te busque, me avise, okay? Não há nada pior
do que conhecer a quinta futura esposa do seu pai.
Concordo, embora ela não possa ver.
— Vai ser entediante, como sempre.
Minha mãe e eu, então, entramos em um debate sobre todas as
outras três esposas do meu pai. Josie foi a segunda e eles se conheceram
durante uma viagem que ele fez para Nova York. Se casaram com somente
dois meses de namoro e se divorciaram menos de um ano depois. Hoje, ela
trabalha do outro lado do mundo.
Gina foi a terceira e uma das mais divertidas. O seu senso de humor
era um pouco peculiar, mas arrancava algumas risadas minhas durante os
jantares. Ela engravidou e eles tiveram gêmeos. Tive pouco contato, mas
eles odeiam futebol americano. Acho que essa foi a causa do divórcio.
A quarta foi a pior de todas. Susan criou uma teoria de que meu pai
tinha um caso com uma modelo dez anos mais nova e conseguiu encontrar
provas que vieram a público. Conseguiu o apoio da mídia e quase acabou
com a carreira de jogador aposentado do meu pai. O divórcio se estendeu
por anos até que Susan ficou contente em levar uma boa bolada de dinheiro
para casa.
Acreditei que, depois dessa dor de cabeça infinita, meu pai teria
desistido do casamento. Nunca estive tão enganado. Só espero que Dianna
seja a última. Ninguém aguenta mais esse papo de amor verdadeiro.
— Espero que Gina esteja bem — minha mãe diz, soando perdida
nas próprias lembranças. — Eu gostava dela.
— Eu também. E os gêmeos eram divertidos.
Noreen e eu conversamos por mais alguns minutos e nos
despedimos com a promessa de que ligarei mais vezes. Diferente do meu
irmão, não tenho sido um filho muito presente nos últimos dias. Desde que
o namoro explodiu como uma bomba ao meu redor, não tenho pensado em
muitas coisas além disso.
Sou despertado dos meus pensamentos quando a porta do passageiro
é aberta e Dave entra em um pulo, jogando a mochila do treino no chão.
Assim como eu, ele está usando a jaqueta do time com a águia bordada nas
costas.
— O treino de hoje foi de derrubar qualquer um — reclama
enquanto coloca o cinto de segurança. — Mal vejo a hora de chegar em
casa e enfiar meus pés dentro de um balde com gelo.
— Estou contando os minutos para isso também. — Insiro a chave
na ignição e saio do estacionamento da USVL. — Você acha que temos
chance de chegar aos playoffs esse ano?
Dave brinca com o brinco pequenino na orelha, ponderando uma
resposta.
— Estou confiante, mas você sabe como são essas coisas. Não dá
pra contar vitória até estar com a bunda roxa de tanto levar chute no
gramado.
Sopro uma risada. Dave e eu somos parceiros de time desde que
entramos na USVL; a única diferença é que ele é bolsista, então o seu
comprometimento com o esporte não tem nenhuma relação com um pai que
já foi a estrela do esporte.
Dave joga futebol americano porque ama de verdade. Faz parte de
quem ele é. É quase como uma extensão dele mesmo. Ser o quarterback do
time reflete no quanto ele leva isso a sério.
— Se a gente chegar nos playoffs, pode ter certeza que não vai ser
só a nossa bunda que vai ficar roxa.
Dave ri pelo nariz e se acomoda melhor no banco, esticando as
pernas compridas. Uma música baixinha toca no rádio e, por mais que eu
tente impedir, sou puxado de volta para os problemas que estou tentando
resolver.
— Reed? — Lanço um rápido olhar para o meu amigo. Ele me
observa com curiosidade, uma das mãos apoiadas na porta. — Como você
vai acabar com os boatos envolvendo você e a Anne? Porque, hoje na aula
de Empreendedorismo, o pessoal só falava disso.
Ao mencionar o nome de Anne, o rosto dela batuca na minha cabeça
como um pica-pau irritante. A ideia de namorarmos... Sinceramente, onde
eu estava com a cabeça para propor isso a ela? Era óbvio que seria uma
péssima ideia.
E como ela disse, nós dois não gostamos um do outro. Anne Scott,
em especial, não só gosta de mim como me odeia. Não tenho dúvidas que,
se tivesse oportunidade, já teria me jogado na fogueira da festa dos
calouros. Desde aquela noite, quando fiz uma brincadeira dizendo que a
minha língua ia caber perfeitamente dentro da sua boca, a nossa relação
nunca progrediu.
Talvez eu tenha jogado sujo naquela noite.
Um ano e meio atrás, eu a teria beijado. Éramos calouros e a única
coisa que eu pensava era que queria aproveitar ao máximo a vida de
solteiro. Sorte que o tempo passa e os pensamentos mudam. Mudam tanto
que agora Anne Scott é minha namorada de acordo com as fofocas.
Profiro um muxoxo e afundo levemente o pé no acelerador.
— Eu dei a ideia de namorarmos de mentira. — Jogo a bomba de
uma vez, já não aguentando mais.
Dave arregala os ombros e grunhe um palavrão que ofenderia até as
gerações anteriores da sua família.
— Você está fodido, sabia? Ela nunca vai aceitar.
— A minha sorte é que tenho você ao meu lado para curtir o fundo
do poço comigo.
A resposta de Dave é me mostrar o dedo do meio.
 
“Se você quer ser meu amor, saiba que vou te deixar maluco”
Baby | Madison Beer
 

 
Na quarta de manhã, estou de volta ao meu trabalho no Brooklyn
Blues. A demanda de clientes é alta, me deixando mais cansada que o
normal. A cada vez que forço minhas pernas a pegarem impulso sobre as
rodinhas e rodarem entre as mesas, os músculos protestam em
descontentamento.
É praticamente final da tarde quando as coisas se acalmam.
Becky está em seus minutos de descanso, fumando nos fundos da
lanchonete, enquanto Adele e Jackson conversam embaixo do toldo em
frente a porta de entrada. A relação dos dois me desperta a curiosidade. Não
sei se não inimigos ou qualquer outra coisa perto de amigos.
Ao pensar nesse assunto, o rosto de Reed me vem à mente. Os
cabelos escuros penteados para trás, o maxilar bem definido e os olhos
expressivos que não deixam os sentimentos serem mantidos em segredo.
Mordisco o cantinho do lábio inferior, a proposta feita por ele
retumbando na minha cabeça. Vamos ser namorados. É muito doido pensar
que isso poderia funcionar entre nós e, de quebra, ainda acalmar os boatos
entre nós.
Durante o começo dessa semana, tive a esperança de que, com o
passar dos dias, as coisas iriam ser esquecidas. Nunca estive tão enganada.
Duas garotas da irmandade Sigma Nu me pararam no corredor para me
convidar a participar de uma das festas — desde que Reed também fosse.
Houve ainda uma outra menina que me entregou um convite para participar
da sua peça de teatro, com o meu nome e o do Reed estampados no
envelope.
As pessoas estão se esforçando para nos verem juntos em todos os
ambientes possíveis.
Xingo um palavrão, não acreditando que minha vida tomou essa
perspectiva.
O sininho da porta de vidro ressoa e vejo Sidney e Moose entrarem.
Ela está usando um moletom com a logo da USVL, enquanto ele exibe as
tatuagens coloridas do antebraço com orgulho. Até hoje não sei qual curso
ele faz.
— Olá. — Cumprimento-os com um sorriso. — Não sabia que
vocês estavam em Sunbay hoje.
— Temos alguns assuntos importantes para tratar — Sidney diz,
meio acanhada, se sentando em uma das banquetas de frente para o balcão.
— Você tem alguns minutinhos?
Algo dentro do meu estômago se remexe, não gostando nem um
pouco da expressão que ambos exibem. Sidney cruza as mãos, os dedos
tremendo timidamente. Já Moose mantém os olhos fixos em mim, como
uma águia se preparando para o ataque.
Antes mesmo que eles digam alguma coisa, sei que vou ser a maior
afetada da história. Eles não iriam dirigir até Sunbay se não fosse algo
importante.
Respiro fundo e engulo em seco, a garganta arranhando.
— É claro. — Limpo as mãos no tecido do avental. — Vocês
querem beber alguma coisa antes?
— Não será necessário. — Moose dispensa a minha cordialidade
com um aceno de mão e se aproxima da namorada, pousando a palma sobre
o ombro dela. — Vamos ser rápidos.
— Okay. — Tento soar tranquila. — Sobre o que vocês querem
conversar?
O silêncio dura curtos segundos. As íris de Sidney se desviam das
minhas, encarando o mármore do balcão e, depois, o cardápio escrito com
giz atrás de mim. Quando encontra coragem dentro de si, finalmente olha
para mim. Ela nem disse nada, mas nem é preciso. Sei exatamente o que vai
acontecer.
— Você precisa se mudar, Anne.

Um saco cheio de areia para eu encher de socos cairia bem agora.


Ou talvez um boneco inflável para eu disparar dardos até ele furar e
esvaziar, o rosto de plástico não passando de um pedaço murcho no chão.
Qualquer coisa serviria para eu descontar o turbilhão de sentimentos
que estou sentindo. Não acredito que Sidney disse para eu me mudar só
porque quer ter privacidade para morar com o namorado. E acredito menos
ainda que esteja acontecendo comigo.
Sou o ser humano mais azarado que já habitou Maple Hills, não
tenho dúvidas.
— Que vaca — Claire comenta do outro lado da linha. — Aposto
que é ideia do Moose te chutar para fora do apartamento. Ele nunca gostou
de você.
Bufo, relaxando as costas contra a parede.
Estou sentada no chão dos fundos do Brooklyn Blues acompanhada
de um copo de milkshake de chocolate e um donut que Adele comprou para
mim. O céu estrelado é o maior indicativo de que já está tarde o suficiente.
— Certeza — respondo de boca cheia, farelos de donut caindo no
meu vestido. — E eu não posso fazer nada. Nós nem somos assim tão
próximas.
Se nós fôssemos amigas, como sou de Claire, eu me sentiria segura
em rebater o seu pedido. Mas, se Sidney fosse como Claire, nada dessa
merda teria batido no ventilador. Eu teria um teto para morar e uma colega
de apartamento que não cederia tão fácil às insistências do namorado.
— E o que você vai fazer agora?
— Procurar por um novo apartamento. Sidney me deu um prazo de
uma semana.
Claire xinga tão alto que sou obrigada a afastar o celular da orelha.
— Vaca ao quadrado. Como ela pode ter coragem? — Sei que é uma
pergunta retórica, então permaneço em silêncio. — Um mês era o mínimo
que você merecia. É impossível encontrar um apartamento em uma semana.
Fecho os olhos, consciente do imenso problema que tenho diante de
mim. Encontrar um apartamento para dividir em Maple Hills não é assim
tão fácil — e com um valor acessível, mais difícil ainda. Ter conseguido
morar com Sidney foi um golpe de sorte.
Contudo, as probabilidades de eu conseguir um lugar tão bom
quanto esse é como encontrar um ingresso para o show da Beyoncé dando
bobeira na rua.
— Estou ferrada, eu sei.
— Você sabe que se eu pudesse, eu te ajudava, certo?
— Eu sei, amiga.
Claire é o ser humano mais bondoso e altruísta que conheço. Não
tenho dúvidas de que, se fosse possível, ela sacudiria uma varinha mágica e
faria um teto magicamente surgir em cima da minha cabeça.
— Mas a gente vai pensar em alguma coisa, não se preocupe.
Rio.
— Esse é um conselho horroroso porque estou aqui, sentada no
chão, comendo um donut e bebendo milkshake enquanto crio coragem para
voltar para casa.
Claire arqueja.
— Você quer que eu te busque?
Quero ser orgulhosa e dizer que não preciso de sua ajuda. Que é só
um momento ruim que vai passar. Só que não é verdade. A coisa que mais
quero é um abraço apertado e um chuveiro quentinho para tomar banho.
Eu até poderia ligar para a minha mãe, já que ela mora aqui em
Sunbay, mas não quero enchê-la de mais problemas. Saí da sua casa
justamente para facilitar a sua vida e deixá-la ter um pouco de sossego.
Bater na casa dela, com o uniforme imundo e com a maquiagem borrada, só
a faria se preocupar ainda mais.
— Sim, por favor.
Escuto o barulho de alguma coisa caindo no fundo e depois a voz de
Claire alcançando meus ouvidos:
— Em menos de meia hora estou aí.

O carro de Claire é tão aconchegante que quase pego no sono


conforme ela dirige de volta para Maple Hills. Para a nossa sorte, a viagem
não demora muito, porque o pior horário do trânsito já passou, então em
menos de quinze minutos, ela está estacionando o carro em frente ao
apartamento de Sidney.
É uma construção singela, já que Maple Hills não tem nenhum tipo
de arranha-céu. As casas são todas no estilo americano e os prédios são de,
no máximo, cinco andares. É uma cidade boa de se morar, mas viver em
North Groove — o coração do Condado de San Valley — deve ser incrível.
Claire desliga o motor e se vira no assento, ficando de frente para
mim. Nesta noite, ela não está usando nenhuma peruca. Os cabelos
curtinhos, praticamente raspados, quase nunca são mostrados. Ela continua
linda do mesmo jeito.
— Você vai ficar bem?
Concordo com um aceno, apertando a bolsa ao redor dos meus
braços.
— Vou, sim. Desculpe por te atrapalhar.
— Você é a minha melhor amiga, Anne. O mínimo que eu poderia
fazer era te ajudar.
Sorrio.
— Muito obrigada.
— Não há pelo o que agradecer. — Lança um rápido olhar para o
prédio. — Se precisar de qualquer coisa, não hesite em me ligar. Amanhã
eu passo aqui mais cedo para procurarmos algum apartamento, pode ser?
— Você é boa demais, que saco. — Projeto o lábio inferior para
frente, fingindo estar irritada.
Ela dá risada e me abraça meio de lado.
— Não posso deixar minha amiga morando com os ratos. Seria
maldade demais.
— Não será dessa vez que vou conhecer o Remy do Ratatouille.
Claire se arrepia e esfrega os braços.
— Vou ter pesadelos com esse rato cozinheiro e vai ser culpa sua.
— Ei! — Empurro seu ombro de brincadeira e nós duas
gargalhamos.
Depois de mais algumas palavras trocadas e a promessa de que
ligaria para ela diante de qualquer problema, Claire vai embora. Subo,
então, para o apartamento. Ao entrar no ambiente, não consigo conter o
alívio que me inunda ao não encontrar Sidney no sofá da sala estudando,
como de costume.
No entanto, a luz acesa que atravessa a porta fechada do seu quarto
denuncia a sua presença. Acho que assim como eu, ela não está no clima
para enfrentar uma conversa.
Tiro os sapatos e deixo os patins jogados em um canto. Faço o
mesmo com a mochila e a jaqueta. Ao observar as paredes com pôsteres dos
seriados favoritos de Sidney, fico triste ao pensar que essa é uma das
últimas noites que vou passar nesse apartamento.
Na semana que vem, cada momento vivido aqui vai ser somente
uma memória.
Deixo um choramingo escapar e caminho até a cozinha. Pego um
pacote de salgadinhos e sigo para o corredor. Paro por míseros segundos em
frente à porta do quarto de Sidney, ponderando se devo ou não bater.
Chutar é uma boa opção também. Quase rio com o pensamento que
surge repentinamente. Seria divertido ver Sidney dar um gritinho de susto
para compensar o que ela disse hoje. Foi tão insensível que me deixou com
o coração dolorido.
Mostro o dedo do meio para a porta e entro no meu quarto, passando
a tranca. Ao encher a boca de salgadinho, paraliso ao encontrar um bilhete
em cima da cama. A caligrafia redondinha não engana porque é idêntica a
dos recados que estão colados na geladeira. É de Sidney.

Amasso o bilhete e o jogo na parede com força, a bolinha quicando


e rolando para debaixo da cama.
— Filha da mãe!

Apesar dos esforços contínuos meus e de Claire durante boa parte da


manhã, encontramos somente um apartamento.
E ele é tão ruim que fico com coceira só de pensar a respeito.
Além de ser longe demais da USLV, o aluguel é absurdo e a garota
não me parece muito confiável. Posso estar sonhando alto, mas gostaria de
morar em um lugar habitável, sem estar correndo nenhum risco de vida —
como um possível incêndio.
Solto uma longa lufada de ar e relaxo o corpo contra o assento do
passageiro. Claire está com as mãos fechadas ao redor do volante, soando
tão desanimada quanto eu. Os lábios grossos, pintados de batom roxo, estão
curvados para baixo e os ombros pendem para frente, cabisbaixos.
— Não acredito que isso está acontecendo. Não é possível que não
haja nenhum apartamento disponível. É uma cidade universitária, droga.
— Sou azarada, Claire, essa é a realidade.
Ela balbucia em irritação e liga o carro, dirigindo para a
universidade.
Durante o percurso, que não dura mais que cinco minutos, fico
pensando em formas de sair dessa situação. Voltar a morar com a minha
mãe não é nem mesmo uma possibilidade. Sou orgulhosa demais para
retornar para sua casa com meus pertences e uma expressão de perdedora.
Ir morar com o meu irmão e o seu namorado em North Groove,
menos ainda. Eles acabaram de comprar a casa própria e contar com a
minha presença só atrapalharia. E Claire nem mesmo é uma opção por
causa da política das irmandades.
Não me resta nenhuma opção, essa é a verdade.
Tento não entrar em pânico, mas é difícil diante dos últimos
acontecimentos. Primeiro os boatos sobre o namoro com Reed. Agora o
despejo do apartamento. Qual vai ser o próximo golpe? A minha demissão
do Brooklyn Blues?
Estremeço só de pensar.
— E se você tentar uma vaga nos dormitórios?
— É muito caro. Não consigo pagar nem mesmo 50% do valor com
o dinheiro que ganho trabalhando na lanchonete.
— E a Sigma Nu?
A Sigma Nu é uma das irmandades mais influentes de Maple Hills.
Assim como a fraternidade Martial Kappa Tau, ela é famosa por seus anos
de história e pelas tradições que não se apagaram com o tempo. Fazer parte
dela não é tão difícil, mas vai contra tudo o que acredito.
— Nem fodendo, Claire. Eu tenho amor à minha vida.
— Então... Estamos com zero opções.
Estico o pescoço para trás, encarando o teto do carro. O ambiente
cheira a baunilha e perfume importado, a marca registrada de Claire.
— Tem o apartamento que visitamos.
Ela me lança um rápido olhar antes de voltar a atenção para o
trânsito.
— Eu não vou te deixar morar lá. Vai contra os princípios de
sobrevivência das melhores amigas.
— Eu não teria coragem de me mudar, de qualquer jeito. — Tiro o
celular de dentro da mochila. Ainda são nove horas da manhã. — Se eu
encontrar mais um emprego, talvez consiga alugar o meu próprio
apartamento.
— Se você trabalhar mais do que já trabalha, sabe o que vai
acontecer? — questiona, enquanto estaciona o carro em uma das vagas
disponíveis. Nego. — Você vai desaparecer. A lenda urbana de Anne Scott.
Para o meu azar, ela tem razão. Meu turno na lanchonete não é tão
extenso, mas já ocupa boa parte do meu dia. Se eu procurar por mais um
emprego, teria que ser no período da noite. E isso significa que eu não
dormiria nada além de três horas. É, virar um zumbi não é uma boa ideia.
— Não sei o que fazer, Claire.
Ela solta o cinto de segurança e pega a bolsa atrás do banco.
— Nós vamos encontrar alguma coisa. Nem que você vá morar com
os meninos na casa do Reed.
— Agora você está exagerando. — Abro a porta, saltando para fora.
— Isso vai além de todos os meus limites. Prefiro perder os dentes do que
dividir uma casa com três jogadores de futebol americano.
Ela dá risada e sai do carro também, travando as portas. Apoia o
braço no teto do carro e arqueia as sobrancelhas escuras. Hoje ela usa uma
peruca roxa e óculos de grau falsos, além de um vestido com estampa de
onça. Colorida e excêntrica, como sempre.
— O Mason é divertido. O Keeran é meio chulé, mas você aguenta
— diz. — E o Reed...
Finjo fazer uma arminha com a mão e disparo contra a minha
cabeça.
— É um atentado à minha existência.
— Você exagera demais.
— Apenas os fatos.
Ela discorda, mas se limita a dar de ombros e engatar o braço no
meu, como de costume. Conforme saímos do estacionamento e caminhamos
pelo gramado bem aparado da USVL, torço baixinho para conseguir
encontrar algum anúncio de apartamento nos murais dos corredores da
universidade.
Porque, se não encontrar nenhum, não sei o que farei além de chorar
no banho.
 
 
 
“Onde está a minha mente?
Talvez esteja na sarjeta, onde deixei o meu amor”
Bellyache | Billie Eilish 
 

 
A aula de Jornalismo Esportivo é a minha favorita de todo o curso.
Poderia gozar de felicidade só de ouvir o professor falar sobre as
coberturas jornalísticas e as reportagens que fizeram vários jornalistas
alcançarem o topo de suas carreiras.
Unir as duas coisas que mais amo em um único lugar é a minha
parte favorita do curso. Não é todo mundo que consegue esse privilégio.
A única coisa que me deixa desanimado é pensar que, se eu for
entrar para um time da NFL, o jornalismo vai ficar em segundo plano. Não
serei o entrevistador, mas o entrevistado. Deve ser divertido também, é
claro. Só não sei se irei me acostumar aos holofotes como o meu pai.
Me sento em uma das cadeiras vagas e, como se um imã estivesse
me puxando, meus olhos se movem para a porta de entrada. Anne entra
distraída, a atenção fixa no celular em suas mãos.
A temperatura hoje é agradável, então ela dispensou a costumeira
jaqueta jeans, ficando somente com uma camiseta que combina com o tom
de sua pele. A calça adere as coxas torneadas e preciso me esforçar para
desviar o olhar da sua bunda.
Passo a ponta dos dedos pela barba, que já está crescendo, e
acompanho Anne se sentar do outro lado da sala. Não penso duas vezes.
Ajunto minhas coisas e vou até onde ela está. Do jeito mais silencioso
possível, me acomodo na cadeira atrás de si e curvo o corpo para frente,
sussurrando em seu ouvido:
— Oi, joaninha.
Ela dá um salto, quase derrubando o celular no chão.
— Porra, Reed — xinga. — Você quer me matar de susto?
— A intenção ainda não é essa.
Anne revira os olhos e volta a atenção para o celular, ignorando a
minha presença. Eu, no entanto, continuo com os olhos pregados nela. O
perfume de morango chega até as minhas narinas e, quando ela agita o
cabelo, prendendo-o em um coque bagunçado no topo da cabeça, torna-se
difícil não encarar seu pescoço esguio.
— Sua resposta ainda é não?
Ela franze a pontinha do nariz de um jeito fofo.
— Sobre o quê, exatamente?
Estico o braço e tampo a tela do seu celular, obrigando-a a prestar
atenção em mim.
— Sermos namorados — digo baixinho.
As íris de Anne recaem sobre a minha boca por um milésimo de
segundo. É tão sutil que facilmente passaria despercebido, mas não por
mim.
— Nem que você fosse a última pessoa habitando essa Terra, eu
cogitaria a possibilidade de aceitar.
Estalo a língua no céu da boca.
— Não seja teimosa.
Ela se ofende, as sobrancelhas quase alcançando o couro cabeludo.
— Não seja você um sapo asqueroso que não consegue largar do
meu pé.
— Um sapo? — Rio. — Você não tem um xingamento melhor?
— Tenho vários, mas vou poupá-los para outro dia.
Cruzo os braços sobre a mesa.
— E que dia tão espetacular seria esse?
— O seu elogio fúnebre. Só que não vai ter elogio nenhum.
Droga.
Implicar com Anne não deveria ser assim tão divertido. E eu não
deveria gostar tanto. É difícil conter o sorriso ao vê-la trincar os dentes,
levantar o queixo e rebater minhas provocações.
— O que preciso fazer para você aceitar?
— Já te falei, Reed. — Empurra a cadeira para frente, criando um
espaço maior entre nós. — Não vou aceitar essa proposta. É tão sem noção
que começo a questionar suas habilidades de distinguir a realidade de uma
alucinação.
— Minhas habilidades vão muito bem, obrigado pela preocupação.
— Sopro um beijo e ela se vira na cadeira, ficando novamente de costas.
Arrasto a cadeira no piso, me aproximando. O professor ainda não chegou,
o que é um ponto a meu favor. — Faço o que você quiser. Qualquer coisa.
Anne hesita ao ouvir minha última frase e percebo, tarde demais,
que falei o que não deveria. Essa é a oportunidade perfeita para ela me
sacanear do pior jeito possível. Já me vejo desfilando pelos corredores da
universidade só de cueca ou tatuando Anne Scott na minha bunda,
acompanhado de um coraçãozinho.
— Encontre um lugar para eu morar.
Fico momentaneamente confuso, porque não era essa a resposta que
eu esperava.
— Um teto, Reed — pede, meio áspera. — Se você achar um lugar
para eu morar, aceito sua proposta de sermos namorados.
Anne não estava brincando quando disse que conseguir um
apartamento vago em Maple Hills não seria uma tarefa fácil.
Ela fez isso de propósito, com certeza. Foi a maneira mais prática
que encontrou de fugir da minha proposta de sermos namorados. Porque,
para os poucos números que liguei, não obtive nenhuma resposta positiva.
Um soco teria doído menos.
Estou feliz que hoje não tivemos treino. Seria um tormento ter que
me concentrar em qualquer coisa que não seja conseguir a droga do
apartamento.
— Reed!
Sigo o som da voz me chamando e vejo Angel atravessando o
gramado. Seu rosto exprime a mais pura felicidade e sei que ela só está
assim porque dei um jeito de acabar com os boatos ao seu respeito.
Entretanto, ao mesmo tempo em que fico feliz por ela, fico irritado comigo
mesmo. Pelo visto, não há como todos saírem vitoriosos nessa história.
Ela me cumprimenta com um beijo estalado na bochecha e se senta
ao meu lado. Estou do lado de fora da cafeteria do campus. O cheiro que
vem das janelas é delicioso. Com a temporada de jogos prestes a começar, o
time inteiro já entrou em uma dieta esportiva. E um bolo cheio de cobertura
não está incluso no cardápio, para o meu gigantesco azar.
— Estou atrasada para a minha aula de canto, mas queria te fazer
um convite — Angel fala, me puxando de volta para a realidade.
A boca dela está esticada em um sorriso bonito que me deixa
receoso. Boa coisa daí não vem.
— Faça seu convite, minha querida donzela. — Faço um floreio
com a mão, lhe arrancando uma risada curta.
— Quero convidá-lo para um encontro duplo.
Puta merda.
— Você está saindo com alguém?
— Não é nada demais. A gente se conheceu há algumas semanas,
mas... Por causa dos boatos sobre nós dois, ele ficou inseguro de levar
adiante. E agora que você está namorando a Anne, a gente finalmente
conseguiu se entender. Seria muito importante se você o conhecesse. E eu
também quero conhecer a Anne. Ela me parece ser muito legal.
Você não faz ideia do quanto, Angel.
— Não vai ser constrangedor? — questiono e gesticulo para nós
dois. — Nós dois já transamos, Angel.
É tão estranho. Meses atrás, eu não pensava em outra coisa que não
fosse ficar com Angel. Agora, não consigo sentir nada além de um grande
carinho por nossa amizade. Às vezes, tenho a impressão de que tomamos o
caminho errado. Desde o começo, deveríamos ter sido somente amigos.
Fico feliz que hoje em dia consigamos ver a situação com mais
clareza.
— Ele não vai se importar com isso. Já entendeu que é coisa do
passado e que agora... — Aponta para o próprio peito e depois para o meu.
— Você e eu somos amigos.
Relaxo a lombar no encosto da cadeira e abro o melhor sorriso que
consigo.
— Então, considere o seu convite aceito.
Angel dá um gritinho animado.
— Quando você e a Anne vão estar livres?
Na próxima vida, quem sabe.
— Preciso ver com ela. Sabe como é... Vida de estudante e tudo
mais. A temporada começa em breve, então nossas agendas estão um pouco
confusas.
Sua cabeça se movimenta em um gesto de concordância.
— Sem problemas. Só me avisa, okay?
Ela se levanta da cadeira, se preparando para ir embora. Preciso me
segurar para não suspirar em agradecimento. Não sei se aguentaria mais
cinco minutos de uma conversa envolvendo o meu namoro — inexistente
— com a Anne. É incrível a capacidade que ela tem de me desestabilizar
mesmo não estando presente.
— Te mando uma mensagem.
Angel sorri e se despede com um aceno, seus pés saltitando pela
calçada de lajotas em uma felicidade que me causa inveja. Porque, pelo
visto, a única coisa que tenho feito nos últimos dias é pular de uma merda
para a outra.
Namoro de mentira, boatos e encontro duplo foram tudo o que
consegui em apenas uma semana. Não quero nem pensar no que vai
acontecer daqui um mês.
Quem sabe, uma bola de merda que vai me engolir tão em cheio que
não vou conseguir fazer nada além de ficar lá, atolado.

Depois de duas horas procurando por um apartamento para Anne, eu


desisto. Ou pelo menos, desisto de tentar por hoje. Amanhã posso ir atrás de
outras possibilidades, como perguntar para um dos meninos do time se eles
sabem de algum lugar vago. Deve haver alguma namorada procurando por
uma colega de apartamento.
Com esse pensamento positivo em mente, eu estaciono o Jeep em
frente ao pub do meu irmão. Ainda está cedo demais para as portas estarem
abertas, então vou até os fundos. Encontro-o onde imaginei que estaria: no
depósito, checando o estoque de bebidas.
O London Foot Pub é o lugar favorito do meu grupo de amigos. A
cada partida vencida durante o campeonato, gostamos de vir aqui
comemorar.
Assovio para chamar a atenção e Aaron gira sobre os calcanhares.
Ele está com uma prancheta nas mãos repleta de papéis e a caneta se
mantém presa atrás da orelha. O cabelo, como de costume, está escondido
por um boné, com alguns fios escapando pelo regulador.
— Não sabia que você viria hoje.
— Estou cheio de problemas, então achei que poderia ser uma boa
vir aqui encher o seu saco e esfriar a cabeça.
Aaron estreita os olhos, idênticos ao de nossa mãe, e aponta para o
banquinho de madeira em um canto. Me acomodo ali, enquanto ele
continua a verificar o inventário. Meu irmão poderia fazer isso pelo
computador, mas ele não é muito adepto às tecnologias — e olha que ele
tem apenas 30 anos de idade.
— O que você aprontou dessa vez? — Faço menção de responder,
mas ele me corta no meio. — Deixa eu adivinhar... Incendiou a casa de um
amigo? Foi pego pelo treinador transando nos vestiários? Ou pior ainda, foi
pego no teste antidoping?
— Estou namorando.
O silêncio é assustador.
Em câmera lenta, meu irmão se vira para mim, os olhos arregalados
e os lábios pressionados em uma linha reta.
— Você está zoando comigo, não está? — pergunta, me medindo de
cima a baixo. A prancheta é colocada embaixo do braço. — Alguma
brincadeira de mau gosto?
— Estou com cara de quem está brincando, Aaron?
Ele caminha até onde estou, me observando com cuidado. Embora
meu irmão não se dedique a treinos exaustivos de futebol americano, seu
porte físico é de causar inveja em qualquer um. Intimá-lo para uma briga é
ter a garantia de voltar sem os dentes para casa.
— Isso está me cheirando a coisa ruim.
— E você não está errado.
Dito isso, eu conto a situação envolvendo Anne e Angel. Detalhe
por detalhe. No meio da conversa, ele retorna a atenção para a prancheta,
mas ainda me ouve atentamente conforme caminha por entre as prateleiras.
Quando falo sobre a questão envolvendo o apartamento de Anne, a caneta
paralisa no papel e ele franze as sobrancelhas, me lançando um olhar de
soslaio.
— Você não vai encontrar, lamento informar.
— Obrigado pelo incentivo, irmão.
— Estou falando sério e não para te encher de bajulações. Deixo
isso para a nossa mãe. — Tira o boné e passa os dedos pelos fios
bagunçados. — Vai ter que apelar para outra tática, se você quer que Anne
aceite essa proposta.
— Não tem outra tática, Aaron. Se não tem um teto para ela morar,
não tem namoro.
— Acho que Ricky te derrubou tantas vezes no chão que acabou
afetando a sua capacidade de pensar rápido, Reed.
Está aí uma coisa que Aaron nunca faz: chamar Ricky de pai. Desde
que ele largou a USVL, a relação dos dois nunca mais foi a mesma. Meu
pai evita o filho o máximo que pode, enquanto Aaron faz o que está ao seu
alcance para manter Ricky o mais longe possível.
Já pensei que seria capaz de juntá-los novamente. Que a minha
paixão pelo futebol americano faria os dois estarem na arquibancada
torcendo por mim. Nunca aconteceu. Se Ricky está entre os torcedores,
Aaron vai estar em casa. E se Aaron estiver vibrando por mim, Ricky vai
dar um jeito de assistir ao jogo, mas bem longe da sua presença.
Até penso em falar sobre o noivado dele com Dianna, mas não vai
servir de nada. Só vai aumentar o abismo entre os dois que já é do tamanho
de uma cratera gigantesca.
— Isso não tem graça, Aaron.
Ele dá um peteleco na minha cabeça.
— Pense, porra — resmunga. — Se não há nenhum apartamento
aqui na cidade para Anne Scott morar, então...
Obrigo meu cérebro a seguir a linha de pensamento do meu irmão.
Seu olhar queima na minha pele e não tenho dúvidas de que, em breve, ele
vai dar com a prancheta na minha testa em um gesto de brincadeira.
— Tic tac... — Imita o barulho de um relógio, a língua batendo no
céu da boca. Ele está igualzinho ao nosso pai agora, mas nunca vou dizer
isso em voz alta. Quero voltar com meu nariz intacto para casa. — Vamos
lá, Reed.
Levanto as mãos, desistindo. Se eu ficar mais um segundo nessa
situação, o rosto de Aaron vai ser substituído pelo de Ricky.
— Não sei, porra! Você é muito chato e está me deixando nervoso.
Aaron faz uma expressão de decepção. As sobrancelhas se agitam,
como se a resposta estivesse estampada na sua testa em um painel de
estrada brilhoso.
Babaca.
— Se não há nenhum apartamento aqui na cidade para Anne Scott,
então ela vai morar com você e os meninos.
E dito isso, ele bate com a prancheta de leve na minha testa, bem do
jeito que imaginei que faria.
 
“Todos querem roubar a minha garota. Todos querem levar seu coração.
Há bilhões de pessoas no mundo. Procurem outra pessoa,
porque ela é minha”
Steal My Girl | One Direction  
 

 
É a ideia mais ridícula que meu irmão já teve?
Claro que sim.
É tão ruim que tenho dor de barriga só de pensar nas consequências
que ela vai me causar. O lado bom é que eu já estou tão ferrado que mais
uma cagada para a lista não vai mudar em nada.
Com isso em mente, estico o braço e toco a campainha do
apartamento que Anne divide com Sidney. Ou que dividia. Sei lá. Ela estava
tão afobada me contando o que aconteceu antes que o professor de
Jornalismo Esportivo chegasse para a aula que fiquei momentaneamente
confuso.
O ressoar da musiquinha ecoa pelo corredor vazio, me causando
uma onda de calafrios. Se ninguém atender dentro dos próximos dez
segundos, vou girar sobre os calcanhares e ir embora sem hesitar.
Faltando dois segundos para o tempo acabar, escuto as chaves
tintilarem e a tranca ser aberta. Sidney aparece, com uma expressão de
surpresa no rosto. Diferente de Anne, que tem cabelos loiros, ela possui
mechas castanhas escuras e olhos doces escondidos por uma armação de
óculos cinza.
— Reed?
— A Anne está? — pergunto e escondo as mãos dentro dos bolsos
da calça jeans.
Sidney gagueja uma resposta e dá um passo para trás, me
convidando a entrar. O apartamento é bonito. As paredes são pintadas de
cinza claro e há uma televisão na sala, assim como também um sofá de
quatro lugares cheio de almofadas e uma mesa para as refeições.
Procuro encontrar por algo que remeta a presença de Anne no
ambiente, mas cada detalhe aparenta pertencer somente a Sidney. Arrisco
dizer que Anne é como uma intrusa nessa casa.
— Ela está no quarto. — Sidney aponta para o corredor. — Pode ir
até lá. É a segunda porta à direita.
Agradeço com um sorriso e caminho até o quarto, dando duas
batidinhas antes de entrar. Anne está sentada na cama, cercada de livros,
canetas e papéis, o computador repousando em uma almofada no formato
de donut.
— O que você está fazendo aqui? — Gira o corpo na cama e me
fulmina com o olhar assim que me vê.
Fecho a porta e me recosto na superfície de madeira. Meu coração
está batendo agitado no peito. Nem parece que encaro jogadores com quilos
e mais quilos de músculos em uma simples partida de futebol americano.
— Tenho uma proposta para te fazer.
— Mais uma? — debocha.
Reprimo a vontade de revirar os olhos e caminho pelo seu quarto,
observando os detalhes, desde a cama de solteiro no centro até a cômoda
bagunçada e os patins esquecidos em um canto. Há também uma pequena
estante perto da janela, com livros que não conheço e um mural cheio de
fotos pregado na parede. A maioria é de Anne com Claire nas festas da
USVL.
Foco minha atenção no chão e permaneço de costas para Anne.
Forço minha garganta a engolir a saliva, criando coragem para dizer o que
quero. É mais difícil do que pensei. As chances dela arremessar o abajur em
cima da minha cabeça vão ficar bem altas daqui a pouco.
— Não encontrei nenhum apartamento — despejo, a garganta
arranhando. — Mas você pode vir morar comigo e com os meninos.
O silêncio que se segue é perturbador, semelhante à expectativa que
se cria durante um filme de terror. Se os pensamentos de Anne tivessem
som, seriam o de trovoadas, porque é essa sensação que tenho enquanto fico
parado no meio do quarto, esperando por sua resposta.
— Nem fodendo — Anne diz, o colchão fazendo barulho com os
seus movimentos.
Com certeza está pegando o abajur em cima da mesinha de
cabeceira.
— É o único lugar disponível que você vai encontrar, joaninha.
— Não, Reed. Não é.
Estou morrendo de vontade de encará-la, mas permanecer de costas
torna as coisas menos piores. É mais fácil domar o seu inimigo se ele não
souber das suas fraquezas. Pelo menos, foi isso que me disseram. 
— É, sim, confie em mim — insisto.
Ela xinga um palavrão e seus passos ecoam pelo piso, até que ela
me dá um empurrão ao ficar de frente para mim. Sou pego de surpresa e
caio de costas na cama, os pés se mantendo fixos no chão. Anne permanece
de pé, me olhando de cima e esbanjando um olhar que poderia fazer um
bebê sair correndo atrás da mãe.
As pupilas dilatadas e os lábios franzidos a deixam gostosa pra
caramba. O cabelo mantido preso em um coque bagunçado deixa à mostra
cada detalhe do seu rosto.
— Essa merda não me beneficia em nada — grunhe, a mandíbula
cerrada. — O combinado não era esse, Reed. Era você me arranjar um teto.
Sorrio de forma lasciva.
— Você não especificou o tipo de teto.
Anne geme em irritação e sobe em cima de mim em uma velocidade
surpreendente para uma pessoa tão pequena. Ela pousa os joelhos no
colchão, se mantendo equilibrada sobre o meu quadril. São minúsculos
centímetros nos separando.
Estico o pescoço para trás para conseguir encará-la. Puta merda. É
demais para mim.
— Não estou no clima para brincadeirinhas, Rollins — rosna. —
Você vai arranjar um teto para mim. Um teto onde não haverá espaço
nenhum para você e sua bunda suada.
— E então você vai aceitar ser minha namorada? — Subo com as
mãos por suas coxas, deslizando os dedos ao longo da pele nua. Anne não
usa nada além de um shorts de pijama e uma camiseta duas vezes maior que
o seu tamanho. — Um teto longe de mim e um sexo gostoso na sua cama
como forma de agradecimento?
Tudo acontece tão rápido que mal consigo processar. Um segundo
atrás, Anne estava pairando sobre mim, os olhos faiscando em fúria. Agora,
há uma régua sendo pressionada contra a minha garganta — que, com
certeza, ela pegou entre as coisas que estão espalhadas em cima da cama. O
seu corpo pende para mais perto do meu, os seios a poucos centímetros do
meu rosto.
Nossas respirações estão tão aceleradas que consigo sentir meu
coração retumbando com força nos ouvidos, o sangue pulsando em cada
maldita célula. Anne não está tão diferente. O peito sobe e desce de forma
descompassada, os lábios entreabertos.
— O único agradecimento que você vai ter aqui vai ser eu tacando
fogo nas suas roupas. — A régua pressiona com mais força a minha
garganta. — E só depois disso é que vou aceitar ser sua namorada.
— Você quer me ver pelado, então? — Inclino o rosto para o lado, a
ponta da régua tocando um ponto dolorido. — É só você pedir, joaninha.
Você pede, eu faço.
— No dia em que eu te ver pelado, pode ter certeza que meus olhos
vão cair no chão.
— De tesão, não é? — Dou uma risadinha debochada. — Prometo
não contar para ninguém.
Anne range os dentes e faz mais pressão com a régua. Encaramos
um ao outro, a tensão aumentando no ar de forma que sinto o oxigênio ficar
mais pesado. O silêncio, combinado com a expectativa do que está por vir,
me deixa inquieto.
— Sabe o que eu quero que você faça? — Ela não me dá a chance
de responder. Inclina o rosto para mais perto, diminuindo a curta distância
que nos separa. — Quero que encontre um apartamento para mim. Nem que
para isso precise subornar alguém.
Mordisco o canto do lábio inferior e deslizo uma das mãos pela coxa
exposta, parando na sua cintura. Ela me observa desconfiada, mas antes que
possa dizer algo, fecho os dedos da mão livre ao redor do seu braço e
inverto as nossas posições. Ela dá um gritinho quando as costas atingem o
colchão, me deixando por cima.
Separo suas coxas, me acomodando entre elas porque não tenho
dúvidas de que, se ela tiver a oportunidade, vai me dar um chute nas bolas.
É o truque mais antigo e previsível de todos.
— Você é a única pessoa que estou disposto a subornar. — Prendo
as mãos dela acima da cabeça, deixando-a encurralada. — More comigo e
os meninos e seja a minha namorada. Depois disso, faço o que você quiser.
Os olhos esverdeados se estreitam, cheios de desconfiança.
— Por que se esforçar tanto para isso?
— Já te falei, estou devendo um favor para uma amiga e o melhor
jeito de fazer isso é sermos namorados.
Anne balança a cabeça para o lado, me dando uma visão
privilegiada do seu pescoço. Há uma veia ali pulsando, indicando que ela
está tão nervosa quanto eu. A diferença é que estamos assim por motivos
variados. Ela, porque me odeia com todas as forças. Eu, porque é a primeira
vez que estou quase implorando para conseguir alguma coisa vindo dela.
— Você me odeia, Reed.
— Você é quem me odeia, Annie. Eu só te detesto na maior parte do
tempo.
Ela solta um muxoxo irritado.
— Sua definição de me detestar é um pouco incoerente, sabia? —
Remexe-se embaixo de mim, a barra da camiseta subindo alguns
centímetros. — Se isso fosse verdade, você não estaria com o joelho
enfiado entre as minhas pernas.
— E o seu ódio por mim é infundado. Não faz um pingo de sentido.
Anne arrebita o nariz para cima. Inferno de garota irritante.
— Claro que faz — murmura, teimosa.
— Me diga, então, um bom motivo para você me odiar.
Continuamos na mesma posição, com ela embaixo de mim e as
mãos erguidas para cima da cabeça. O quarto se encontra mergulhado em
um tipo de inquietação desconhecida por mim. Para ser sincero, nunca
estivemos assim tão próximos. Anne está tão perto de mim que consigo
sentir seu perfume de morango.
— Porque você é você — diz, finalmente cortando o silêncio.
Arqueio a sobrancelha.
— E o que isso significa?
— Que você é tudo aquilo que eu detesto e mais um pouco.
— Ainda não faz sentido para mim.
Anne bufa.
— Bom, para mim faz — insiste. — E muito.
Respiro fundo e afrouxo levemente os dedos ao redor dos seus
pulsos. Quando ela faz menção de se soltar, estalo a língua no céu da boca,
negando com a cabeça.
— E o que eu posso fazer para mudar essa situação?
— Encontrar um apartamento para mim.
— Eu tentei, joaninha. Juro para você que tentei — explico, tão
paciente que fico surpreso comigo mesmo. — Não há nenhum lugar para
você além da minha casa.
Anne murcha embaixo de mim, o lábio inferior se projetando para
frente em um biquinho decepcionado. Pelo visto, eu era a sua última
esperança, porque conseguir um apartamento com um preço acessível e
vago durante o início das aulas é uma tarefa impossível. Nem com os
melhores contatos da cidade seria possível.
— Não há outra opção, certo?
Balanço a cabeça, negando. Ela fecha os olhos e suspira.
Longos segundos se passam até que Anne abre as pálpebras e me
encara de baixo. Solto seus braços, sabendo que dessa vez não corro
nenhum risco. Lentamente, saio de cima dela, me deitando ao seu lado na
cama de solteiro. O espaço é pequeno demais para nós dois, de forma que
preciso deixar meus pés para fora.
Anne cruza as mãos sobre a barriga.
— Tudo bem — cede, por fim. Posso jurar que um arrepio atinge
cada parte esquecida do meu corpo. — Eu aceito morar com você.
Viro o corpo no colchão, ficando de lado. Observo cada detalhe do
seu perfil: o nariz pequeno e arrebitado na ponta, os lábios retesados em
uma linha reta que expressa a sua insatisfação e o cabelo loiro bagunçado.
Anne não sabe, mas ela é uma das garotas mais bonitas que tive o desprazer
de conhecer.
— E ser minha namorada?
Anne se vira também, apoiando o braço no travesseiro para sustentar
a cabeça. Trocamos um olhar difícil de entender. Não sei se ela está brava,
chateada ou cansada. Pode também estar planejando uma forma de me
assassinar durante a noite, já que estaremos morando juntos. Vai ser a
oportunidade perfeita.
— Eu não vou beijar você, Reed.
Dou risada.
— Acha que é fácil assim me beijar? — Agito as sobrancelhas. —
Você vai ter que batalhar, Annie. 
— Batalhar para conseguir um beijo seu? — Sopra os lábios de um
jeito engraçado. — Vai sonhando. Vou batalhar para me livrar de você o
quanto antes, isso sim.
— Sempre tão romântica... Vai ser difícil convencer as pessoas que
você está perdidamente apaixonada por mim.
— Já te falei, Reed. — Estica a mão e acaricia o meu braço nu com
a ponta dos dedos. — Fingir não é um problema para mim. Para você, vai
ser?
Só percebo que prendi a respiração quando Anne abre um sorriso e
pisca as pálpebras de um jeito inocente que não combina nada com sua
expressão irônica.
— Fingir é minha especialidade. Você nunca vai ter alguém tão bom
quanto eu nisso — retruco.
— Só acredito vendo.
— E você vai ver.
Pego sua mão, que estava repousada sobre o meu braço, e entrelaço
os nossos dedos. É tão estranho. Nunca imaginei que chegaríamos a esse
ponto de nossa irritante relação. Estamos os dois deitados na sua cama, em
um apartamento que não é dela e com as palmas pressionadas uma na outra.
Encaramos juntos as nossas mãos e, como se uma onda de choque
nos acertasse, nos soltamos de imediato. Anne esconde a sua embaixo do
travesseiro e volta a encarar o teto, evitando o meu olhar. Acomodo-me
melhor no pequeno espaço restante do colchão e obrigo a pulsação a se
acalmar.
Permanecemos quietos, uma muralha invisível crescendo
gradativamente entre nós. Se eu conhecesse Anne, até poderia dizer que
está abalada com o que aconteceu, mas ela é uma fortaleza impenetrável.
— Para quem você está devendo um favor, Reed? — pergunta em
um fio de voz.
Balanço o pé para cima e para baixo, mantendo os olhos fixos na
parede em que as fotografias estão coladas com fita colorida.
— Angel Patterson.
— E posso saber por que?
Conto para Anne cada detalhe. Desde o momento em que Angel e
eu nos conhecemos ao pedido que ela me fez na festa da Martial Kappa
Tau. Menciono até mesmo a mensagem que ela me mandou agradecendo
por assumir o meu namoro com Anne. Quando as últimas palavras são
despejadas, fico com a sensação que um peso invisível saiu dos meus
ombros. O que é bizarro, porque desabafei sobre esse assunto com o meu
irmão horas atrás. No entanto, sinto que dessa vez foi diferente. Talvez
porque Anne esteja envolvida nessa confusão.
— Você não precisava fazer isso, sabia? — Inclina o pescoço para o
lado e me dá um olhar duro. — Era só dizer para ela encontrar um jeito de
se livrar dessa bagunça.
Faço uma careta.
— Eu não sou um cuzão, Scott.
Ela semicerra os olhos, deixando claro a sua opinião.
— Comigo você é.
— Porque você merece.
Meu ombro é empurrado, mas mal saio do lugar. Continuo
acomodado no travesseiro e no minúsculo espaço em que consegui me
encaixar do colchão de solteiro.
— Se o seu objetivo é me derrubar da cama, você não vai conseguir.
— Consegui dominar você com uma régua, Reed.
Abro um sorriso de canto.
— Eu deixei você fazer aquilo comigo, Annie. E foi bem excitante,
por sinal.
Anne cospe uma sequência engraçada de palavrões e se levanta da
cama, me dando uma visão privilegiada da sua bunda. Como se
compreendesse o rumo do meu olhar, ela empurra a camiseta comprida para
baixo e cruza os braços na altura do peito. Estico os braços para trás e me
esparramo na cama.
— É por isso que precisamos namorar, então? — Retorna ao assunto
anterior enquanto fecha a cortina. — Para que as pessoas parem de falar
sobre ela?
Concordo com um aceno e Anne sacode a cabeça, discordando.
— E quando a gente terminar esse namoro? Você acha mesmo que
as pessoas não vão ficar falando sobre mim também?
Desvio o olhar para a coberta com vários queijos estampados de
diferentes tamanhos. Me abrir com Anne a respeito dos meus problemas
nunca foi uma possibilidade. Não temos esse tipo de intimidade em que eu
desabafo sobre as merdas envolvendo o meu pai e, no final, ela me consola
com um abraço. Esse tipo de coisa não acontece entre a gente.
Por isso, opto pela versão resumida e que não deixa de ser verdade.
— Ano que vem, vou ser draftado por algum time. Os boatos vão
acabar assim que eu for embora de Maple Hills.
Anne esquadrinha atentamente o meu rosto. A primeira coisa que
penso é que ela deve estar aliviada por termos poucos meses juntos. O draft
acontece durante o offseason[4], ou seja, temos alguns bons meses para tirar
um ao outro do sério. Depois disso, acabou.
— Você não vai terminar o curso de Jornalismo?
Aperto os lábios, odiando o rumo dessa conversa.
— É bem provável que não — murmuro. — Então, não precisa se
preocupar. A gente termina o nosso namoro meses antes e sua vida volta ao
normal. Eu também vou estar super ocupado com a época dos playoffs,
então não vou ter tempo para muita coisa. Só quero que Angel se livre desse
pesadelo.
A resposta de Anne é se esticar sobre a cama e recolher os materiais
espalhados. Acompanho cada movimento, analisando-a por mais tempo do
que deveria. Ela é difícil de decifrar. Parece estar sempre na defensiva,
pronta para atacar qualquer um que ousar se aproximar.
— Quais são os termos?
Pisco os olhos, confuso.
— O quê?
Ela coloca os livros na estante e se vira novamente para mim, se
sentando na beirada da cama.
— Quais são os termos para o nosso namoro, Reed?
Abro um sorriso de pura felicidade. Eu facilmente poderia puxá-la
para um abraço e enchê-la de beijos por estar disposta a seguir em frente
com essa ideia. É inacreditável que isso esteja, de fato, acontecendo.
— Não vamos namorar de verdade, se essa é a sua preocupação.
Um suspiro falso de alívio escapa da boca dela.
— Que sorte a minha, pois serei a primeira namorada que não vai
transar e nem beijar o namorado — diz de forma irônica.
— Ainda vai ter que bancar a namorada apaixonada, para o seu azar.
— Já disse que não será um problema para mim. O que mais?
Coço o nariz, pensando.
Nunca tive uma namorada. Desde que entrei na puberdade, meu
tempo livre sempre foi dedicado ao futebol americano. O envolvimento
com Angel foi o relacionamento mais longo que tive durante esse período
estudando na USVL. Anne vai ser a primeira que vai ocupar esse cargo na
minha vida.
— Temos que aparecer juntos para convencer as pessoas que
estamos namorando e levando a nossa relação a sério.
— Eu morar com você já não é resposta o suficiente?
— É claro que não, joaninha. — Impulsiono o corpo para cima e me
aproximo de onde ela está. Anne só não se afasta porque cairia da cama. —
Não podemos deixar nosso namoro cair na rotina.
Ela dá risada, o pescoço pendendo para trás.
— O que você planeja, então?
— JP nos convidou para a inauguração do restaurante da namorada
dele em Sunbay nesta sexta. Prometi a ele que iríamos. — Diminuo mais a
distância entre nós enquanto falo, até estar sentado de frente para ela. —
Angel também quer te conhecer. Um encontro duplo.
Anne estreita as pálpebras.
— E o que mais?
— Também não vamos sair com outras pessoas.
— Era o mínimo que você poderia me oferecer.
Umedeço os lábios com a pontinha da língua e coloco uma mecha
que escapou do seu coque para atrás da orelha. Ela está paralisada diante da
minha aproximação, a respiração soando descompassada. 
Fixo a atenção em seus olhos e depois desço para sua boca. Vai ser
difícil convencer as pessoas de que somos namorados sem nos beijarmos
nenhuma vez, mas seria demais para mim e para Anne. Esse é um limite
que não estamos dispostos a ultrapassar.
— O que você está fazendo? — Anne pergunta baixinho, a voz
tremendo.
Não falo nada. Desço com o polegar pelo seu pescoço e encaixo a
palma ali. Inclino o queixo dela para cima e, porra, é a visão mais excitante
do mundo. Anne está com as bochechas coradas, os lábios entreabertos e os
olhos cintilando.
Quando faço menção de tocar os lábios em sua bochecha, Anne dá
um tapa no meu braço e me empurra para longe.
— Tira suas mãos pegajosas de mim, Reed!
Dou risada.
— Você não deveria falar assim com o seu namorado. Ninguém vai
acreditar em nós se você agir assim toda vez que eu te tocar.
A compressão cruza o seu olhar e ela faz um beicinho enraivecido.
Acaricio seu braço, subindo de forma lenta até chegar novamente ao seu
pescoço. Dessa vez, ela não se contrai, mas ainda mantém os muros
erguidos ao seu redor, não me deixando ultrapassar o limite.
Roço a maçã do rosto com os nós dos dedos e encaixo a palma ao
redor da nuca. Lentamente, aproximo nossos rostos. Anne mantém os olhos
abertos, me encarando com tanto fervor que me deixa constrangido. Se
fosse outra garota, ela já estaria de olhos fechados e afundando a boca na
minha.
Devolvo o olhar de Anne e uso o polegar para contornar os seus
lábios. Ela os entreabre, ofegante, mas o sinal de alerta que grita de suas íris
é que, se eu passar dos limites, ela não vai pensar duas vezes em se vingar.
O abajur aguarda o seu momento de ser espatifado na minha cabeça.
Respiro fundo, sentindo a boca seca, e aproximo meus lábios da
orelha dela. Anne afunda as unhas na coberta. Posso jurar que ouço o seu
coração palpitar quando deslizo o nariz pelo seu cabelo. É um gesto
pequeno, mas que vai além de tudo o que já fizemos juntos.
— Nós temos um acordo, então? — sussurro, prolongando as
sílabas.
Anne engole em seco.
— Sim, Reed. — Concorda em um fio de voz. — Nós temos o
acordo mais improvável de todos.
 
“Não, você não significa nada para mim”
Say It Right | Nelly Furtado
 

 
As coisas que a gente aceita quando se passa por um problema são
inacreditáveis. Decisões tomadas no calor do momento geram o quê? Isso
mesmo, resultados péssimos com consequências assustadoras.
Reed está com o porta-malas do Jeep aberto enquanto empilha as
minhas caixas etiquetadas. Ele decidiu que hoje, após o fim do meu
trabalho, seria uma ótima ideia fazermos a minha mudança para a sua casa.
Ainda não acredito que concordei com essa loucura sem estar com um
pingo de álcool na boca.
— É só isso? — pergunta ao tirar o boné azul e passar os dedos
pelos fios bagunçados.
É uma crime que ele seja bonito mesmo sem fazer nenhum esforço.
Reed Rollins esbanja aquele tipo de presença que te deixa meio fora de
órbita. A sorte é que sou imune.
Exceto quando ele está usando boné. Isso já é um detalhe difícil de
ignorar.
— Só tem mais uma caixa. Eu vou lá buscar.
Reed concorda com um sorriso e subo as escadas.
Quando entro no apartamento, uma estranha sensação de nostalgia
me atinge. Não morei aqui com Sidney muito tempo, mas foi o suficiente
para criar boas memórias.
Fungo baixinho e entro no meu quarto, pegando a última caixa. O
que me deixa mais irritada é que Sidney nem está aqui. É como se ela
dissesse: pode ir embora, eu não me importo. E mesmo que essa situação
tenha influência do Moose, ainda fico com raiva por ela ser filha da mãe a
esse ponto comigo.
Sacudo a cabeça e saio do quarto. Dou uma última olhada no
apartamento e fecho a porta, deixando a minha chave embaixo do capacho.
Desço e encontro Reed encostado na lataria do carro.
— Pronta?
Assinto e Reed pega a caixa em minhas mãos, colocando-a junto das
outras. Antes que eu possa abrir a porta do passageiro, ele se prontifica e
faz um sinal.
— Primeiro as damas.
Bufo.
— Vai se foder, Reed.
Ele dá risada e contorna o carro, acomodando o corpo no banco do
motorista. Insere a chave na ignição e dá a ré, seguindo adiante pela rua que
leva ao bairro mais nobre de Maple Hills, o que não é nenhuma surpresa
para mim, já que ele é filho de um dos jogadores mais famosos do New
England Patriots.
Mesmo que eu não acompanhe o esporte, sei que Ricky Rollins é
uma lenda. Diziam que o seu talento nos gramados era uma coisa de outro
mundo. Aquele tipo de dom que nasce com a pessoa, sabe?
Então, é de se esperar que Reed tenha uma vida tão boa quanto os
garotos engomadinhos da fraternidade Martial Kappa Tau.
  — O que você quer ouvir? — Reed pergunta de forma
descontraída.
— Qualquer coisa que não seja a sua voz.
Seus olhos castanhos se reviram e o rádio é ligado. A voz de
Beyoncé invade os alto-falantes. Arqueio as sobrancelhas, surpresa.
— Você gosta de Beyoncé?
— Você não? — Me lança um rápido olhar, voltando a prestar
atenção no trânsito tranquilo da cidade. — Não podemos ser namorados se
você tiver um gosto musical ruim, lamento dizer.
Contenho o meu sorriso.
— Meu gosto musical é muito bom. Bem melhor que o seu, pode
apostar.
— Joaninha... Não existe nada acima da Beyoncé.
— Infelizmente, você tem razão — resmungo. — Mas eu também
gosto de Bruno Mars, Chase Atlantic e The Weeknd.
Reed abre um sorriso malicioso. Suspeito que estamos próximos da
sua casa, porque as construções são de estilo vitoriano com grandes
gramados bem cuidados e garagens espaçosas para mais de dois carros.
Nunca estive aqui antes.
— Os dois últimos são ótimos para se ouvir enquanto transa. Isso é
alguma indireta para você rebolar gostoso para mim, Annie?
Mostro a língua para ele.
— Sexo não está incluso no pacote namorados de mentirinha.
Reed faz um bico de birra e encolhe os ombros, tentando soar
decepcionado.
— Vai me deixar chupando o dedo, então?
— Vou deixar você bater punheta no chuveiro, isso sim.
Dessa vez, ele explode em uma gargalhada e me vejo rindo também.
— Okay, Annie. — Diminui a velocidade do carro e noto que
estamos parados na entrada de uma garagem. A casa ao fundo está com as
janelas iluminadas. — Podemos ouvir Bruno Mars da próxima vez, já que
me nego a escutar The Weeknd dentro de um carro com você.
— Por quê? — Solto o cinto de segurança, ficando de frente para
ele.
Reed faz o mesmo, olhos me sondando de cima a baixo.
— Você não vai querer saber a resposta.
Antes que eu possa reclamar, ele abre a porta e salta para fora,
seguindo para o porta-malas. Faço o mesmo, saindo do Jeep e pegando duas
caixas pequenas. Eu não trouxe muita coisa, já que todos os móveis e
eletrodomésticos são de Sidney. Os únicos itens que me restaram foram as
roupas e os objetos pessoais.
Reed aponta para as lajotas e o sigo até a varanda. A casa é no estilo
vitoriano, com janelas espaçosas e um jardim muito bem cuidado. Poderia
facilmente ter saído de um catálogo de arquitetura — ou do seriado Irmãos
à Obra. O aluguel não deve ser nada barato e, por um momento, sinto o
bichinho verde da inveja picar o meu ombro.
A vida que Reed tem está a milhas de distância da minha.
Enquanto seu pai ganhou a vida como jogador, o meu faleceu em
um acidente no mar quando eu ainda era pequena. Não me lembro dele
tanto como gostaria. Tudo o que me resta são as histórias que Alex me
conta e as fotografias espalhadas na casa de nossa mãe.
Eu daria de tudo para ter meu pai presente em minha vida. Reed é
sortudo pra caralho por viver esse privilégio.
— Antes de entrarmos, quero que saiba que Mason e Keeran podem
ser meio... Exagerados demais — Reed avisa, os dedos da mão livre
fechados ao redor da maçaneta. — É a primeira vez que vamos ter uma
mulher morando com a gente.
Ergo a sobrancelha esquerda.
— Eu devo me preocupar?
Ele sorri.
— É claro que não. — Empurra a porta alguns centímetros. — Eu
protejo você, como todo namorado apaixonado deve fazer.
Mal tenho a chance de retrucar. Assim que as dobradiças rangem,
sou engolida por uma explosão de gritos e assovios masculinos.
— Anne Scott, que honra recebê-la em nossa humilde residência —
Mason diz com um sorriso fofo e tira as caixas das minhas mãos. — Deixa
comigo.
— Você é muito educado, Mason. — Keeran se intromete no meio e
me puxa para um abraço. Sou engolida por seus braços musculosos e, sem
esperar, ele dá um tapinha de brincadeira na curva da minha coluna. — Tem
que ser mais ousado.
Reed pigarra.
— Tire as mãos da minha namorada, Flanagan.
Ele faz um biquinho e beija a minha bochecha, se afastando logo em
seguida. Ainda estou assustada com a velocidade em que as coisas estão
acontecendo.
— Ela não é sua namorada de verdade.
— Para você, ela é.
— Hum... — Ele coça a barba. — Você vai levantar a sua perna e
fazer xixi nela que nem um cachorro?
Aperto os lábios para que uma risada não me escape.
Não conheço Keeran e Mason tão bem quanto gostaria. Eles
almoçam em nossa mesa durante alguns dias da semana e são parte do time
universitário, mas nossas interações sempre se resumiram a rápidos
cumprimentos e eventuais comentários.
O pouco que sei é que Keeran tem a fama de não sossegar com uma
única garota e que Mason é o mais tranquilo dos meninos. E depois tem o
Reed... Que nem prefiro comentar a respeito. Meu desgosto por ele é a
única coisa que vale a pena ser levado em conta.
— Se for preciso, sim.
Lanço a ele um olhar mortal e Reed dá de ombros.
— Vou subir com a Anne para arrumar as coisas. — Aponta para as
caixas e Mason as coloca acima das outras que ele já está segurando. —
Peçam três pizzas de pepperoni pra gente. Um presente de boas-vindas para
a Anne, okay?
Mason faz um sinal de positivo com a mão, ao mesmo tempo em
que Keeran tira o celular do bolso, rumando para a cozinha. Ele o segue,
deixando eu e Reed sozinhos no vestíbulo. Só agora que percebo que a casa
é muito mais organizada do que eu esperava. Na minha cabeça, haveria
bagunça espalhada por cada canto possível.
— Vamos? — Reed me chama, obrigando meus olhos a se moverem
em direção à sua voz.
— Você não precisa de ajuda com as caixas?
Ele dispensa o meu gesto com uma piscadela egocêntrica e segue
rumo às escadas. Acompanho-o, ainda tentando assimilar o giro de 180
graus que minha vida sofreu nas últimas horas. Até ontem, eu estava
deitada na minha cama, fazendo um trabalho de Jornalismo Político quando
Reed entrou no quarto e fechamos o acordo mais improvável do mundo.
Claire não estava tão errada, afinal. Acabei realmente vindo morar
com Reed e os meninos.
Ao alcançarmos o segundo andar, Reed aponta para a segunda porta
do corredor. Entro no quarto e, no mesmo segundo que meus pés tocam o
piso, tenho a certeza de que esse quarto é dele. Tem o cheiro de Reed
Rollins no ar. Aquela combinação deliciosa entre cravos e sândalo que
nubla os meus pensamentos quando ele está perto demais.
As paredes são pintadas de um cinza escuro e há dois pôsteres
pregados na parede: Top Gun – Ases Indomáveis e Missão Impossível,
ambos com o Tom Cruise. A cama de casal fica do lado oposto, próxima da
janela, e há uma porta que julgo levar ao banheiro. A estante cheia de
filmes junto da escrivaninha organizada e as prateleiras cheia de troféus da
época da escola são detalhes difíceis de desviar o olhar.
— Que romântico da sua parte me trazer para conhecer o seu quarto.
— Giro sobre o solado emborrachado do tênis. — O covil da cobra Rollins
é surpreendente.
Reed revira os olhos e se desvia do meu corpo, deixando as caixas
em um canto do quarto. Ele se joga, então, na cama e um suspiro alto é
proferido ao acomodar os braços atrás da cabeça. A camiseta sobe alguns
centímetros, revelando um pequeno pedaço de pele do abdômen.
— Na verdade, esse agora é o covil Rollins-Scott.
Minha boca fica seca no mesmo instante.
— Que merda você está falando, Reed?
Ele levanta a cabeça e me lança um dos sorrisos mais sujos que já
vi. É aquele tipo de sorriso que molharia a minha calcinha e me deixaria
sedenta por sua boca me chupando. A sorte é que sou imune a qualquer tipo
de sedução barata que ele vier pra cima de mim.
Mas não posso negar que o seu sorriso abala, só um pouquinho, a
minha autoconfiança e faz a ponta dos dedos formigarem. Porque, bem lá
no fundo, vejo a fagulha de uma bomba se preparando para ser arremessada
na minha direção.
— Você e eu. — Gesticula para o próprio rosto e depois para o meu.
— Em uma cama. Na minha, mais especificamente. É disso que estou
falando, Annie. Seja muito bem-vinda ao nosso quarto.
Ranjo os dentes e pego a primeira coisa que encontro ao meu
alcance. Arremesso em sua direção com toda a força que tenho dentro de
mim. Ele desvia com facilidade do objeto que corta o ar e atinge o chão em
um baque alto. Segundos depois, Reed explode em uma gargalhada
maléfica e enterra o rosto nos travesseiros, abafando o som.
Agora, definitivamente, Reed Rollins é a pessoa que mais odeio
nesse mundo.
 

“É como se você fizesse qualquer coisa pela minha afeição”


abcdefu | Gayle 
 

 
Uma hora mais tarde, estou na cozinha com os meninos comendo
pizza. Keeran está sentado ao meu lado, acompanhado de uma garrafa de
cerveja. Mason se mantém do lado oposto, mastigando de boca aberta e
trocando mensagens no celular.
Já Reed brinca com a tampinha da cerveja, roubando vez ou outra
um pedaço de pepperoni. Seus olhos não desgrudam dos meus. A irritação
ainda pinica em minha pele depois do que aconteceu em seu quarto. É
inacreditável que ele tenha me convidado para morar em sua casa sem ter
uma cama livre para mim.
Só nos sonhos dele que vamos dormir juntos.
— Então, estou curioso. — Keeran vira o corpo na banqueta. — Por
quanto tempo vocês vão fingir esse namoro?
Observo o seu rosto, me atentando a cada detalhe. Keeran tem
sobrancelhas grossas, uma mandíbula bem definida e lábios médios. Seu
nariz é reto e o sorriso, arrisco dizer, é o seu ponto mais forte. E como todo
jogador de futebol americano, ele é uma parede de músculos.
— Pelo tempo que for necessário — Reed responde. 
— Três meses — digo ao mesmo tempo.
A sobrancelha de Reed se arqueia em um arco perfeito.
— Nós ainda não conversamos sobre isso.
Pego um pedaço de pizza da caixa.
— Você me fez entrar nesse acordo maluco. O mínimo a me oferecer
é a decisão de escolher quanto tempo vai durar.
Reed trinca os dentes e enche a boca de cerveja. Dessa vez, é a raiva
que dilata as pupilas, deixando as íris castanhas quase invisíveis.
— Três meses, então — Mason repete. — Isso quer dizer que vocês
vão comemorar o Ano-Novo juntos?
— Está cedo demais para pensar sobre isso. — Me desvio do
assunto e mordisco a pontinha da pizza. — E aposto que ninguém vai ligar
se passarmos o final de ano separados. Todo mundo vai estar ocupado
demais para lembrar da gente.
Espero que Reed diga algo, mas ele mantém o olhar fixo no balcão.
— E quando os jogos de vocês começam? — pergunto, voltando os
olhos para Keeran.
— Na semana que vem. Temos um jogo na sexta contra os State
Tigers em Barryton. Vamos acabar com eles.
— Zero inseguranças?
Keeran abre um dos sorrisos mais cafajestes que já vi e inclina o
corpo para perto do meu. Ainda há uma distância segura entre nós, mas
sinto o olhar de Reed queimando em minhas costas.
— Eu sou o melhor wide receiver que você já viu. Insegurança não
faz parte da minha personalidade.
— E na vida pessoal? Você também é assim tão autoconfiante
quando uma garota te dá o fora?
Mason engasga com uma risada, ao mesmo tempo em que Keeran
mordisca o cantinho do lábio inferior e bebe mais um gole da cerveja.
— Você é muito mais petulante do que eu imaginei, Anne.
Faço uma reverência.
— É o meu jeitinho único de ser.
— Acho que seremos grandes amigos.
Reed pigarra. O quadril dele está apoiado no balcão da pia e os
braços se mantêm cruzados. Os músculos tensionados e a mandíbula rígida,
como se estivesse bravo, me arrancam um discreto sorriso. Já percebi que
ele não gosta nem um pouco das minhas interações com Keeran, porque ele
não esconde o tom de flerte na voz.
— Você não sabe onde está se metendo, Flanagan — resmunga. —
Depois não diga que não te avisei.
Keeran faz um sinal de desdém com a mão. Eu, no entanto, apoio os
cotovelos no balcão e encaixo o queixo entre as minhas palmas.
— E onde, exatamente, ele está se metendo? — indago.
Reed troca o peso dos pés.
— No covil de uma serpente sedenta por sangue.
Mason e Keeran explodem em uma gargalhada, enquanto Reed e eu
permanecemos fulminando um ao outro. Na minha imaginação, minhas
mãos estão ocupadas apertando o seu pescoço da mesma forma que uma
serpente faria. No final do bote, ele cai duro no chão.
— Você nunca esteve tão certo, Rollins.
Pego a cerveja esquecida em cima do balcão, levantando-a em um
brinde cheio de deboche, para logo depois beber um generoso gole. Reed
faz o mesmo e o sorriso que se insinua em sua boca é um sinal gritante de
que os próximos meses não serão nada calmos para nós.

Depois de tomar um longo banho com direito a muito hidratante


corporal, saio do banheiro e vejo Reed esparramado no colchão, os olhos
fechados. Diferente da minha cama de solteiro, a sua é tão grande que
caberia facilmente três pessoas. Surpreendentemente, ele consegue ocupar
um generoso espaço entre os travesseiros.
Dou uma tossida exagerada e as suas pálpebras se abrem. Reed
levanta o pescoço e me encara. Meu pijama é composto por um shorts de
malha e uma camiseta com o logo da USVL no centro. Não é nada vulgar,
mas me sinto estranha diante do seu olhar analítico, como se ele fosse capaz
de ver, através do tecido, os meus seios livres do sutiã.
— Eu não vou dormir com você, se é isso que está pensando.
— Tem espaço suficiente para nós dois aqui.
— Não concordei com isso quando aceitei vir morar com você.
— Você não perguntou, então... — Inclina o queixo para o lado de
um jeito arrogante. — Ou você fica aqui comigo ou dorme no sofá da sala.
Fecho as mãos em punho e caminho até a cama. Reed sorri, achando
que venceu essa rodada. Tenho vontade de dar um soco no seu queixo ao
pegar um dos travesseiros. No momento em que saio pela porta do quarto,
ele se dá conta do que estou fazendo e pragueja um palavrão.
Desço as escadas correndo, mas assim que meus pés tocam o piso
do primeiro andar, mãos grandes e ligeiras se fecham ao redor da minha
cintura, me paralisando. Grito, torcendo para que Keeran e Mason venham
ao meu socorro.
— Você não vai dormir na porra do sofá, Anne — Reed resmunga,
sua voz soando tão rouca que faz os pelinhos do meu braço se arrepiarem.
— Ah, eu vou, sim. — Arremesso o travesseiro para trás, tentando
acertá-lo. Ele desvia com uma facilidade incrível. — Não vou compartilhar
do mesmo lençol nojento que você usa para transar com as garotas dessa
universidade.
Reed ri contra o meu pescoço, seu hálito quente fazendo cócegas.
Os dedos permanecem em minha pele, pressionando-a de forma que não
consigo fugir. Mais uma vez, ele me mantém presa em seus braços.
— Meu quarto está intacto, assim como a minha cama. Não se
preocupe. A única pessoa que vai sujar os meus lençóis agora será você.
Meu peito queima com as palavras.
— Com o sangue do assassinato que vou provocar — corrijo-o e
sacudo meu corpo, tentando me soltar. É inútil e Reed ri atrás de mim. —
Juro por Deus, você está muito perto de ser estraçalhado essa noite com
uma motosserra. Eu não vou pensar duas vezes em te picar todinho.
— Você fala demais. Se você fosse acabar comigo, já teria feito isso
há muito tempo.
— Nunca duvide de mim.
Ele dá uma mordidinha sorrateira no meu pescoço. Abro a boca para
gritar o mais alto que conseguir, mas Reed age em uma velocidade difícil de
acompanhar. As mãos giram o meu corpo para frente e, de repente, estou
em cima dos seus ombros, como um saco de batatas sendo carregado. Soco
as suas costas, meu cabelo solto atrapalhando a visão.
— Reed! — exclamo, sacudindo as pernas. — Me coloca no chão,
seu babaca!
Ele dá risada e começa a subir as escadas. Assim como foi com as
caixas, não há nenhuma dificuldade durante o percurso. É como se eu
tivesse o peso de uma pena. Não faz nem cosquinha nos seus músculos
irritantes e definidos.
Assim que chegamos ao seu quarto, ele me coloca na cama com um
único movimento. Minha bunda quica no colchão.
— Eu não acredito que você fez isso.
— Não havia escolha. — Caminha até a porta e a fecha. Não sei
como Keeran e Mason ainda não vieram ver o que está acontecendo. Tenho
certeza de que meus gritos foram ouvidos pelos vizinhos. — Não vou
deixar você dormir no sofá. Não confio naquele lugar.
— E posso saber por quê?
Reed tira a camiseta, jogando-o no cesto de roupa suja. Obrigo meus
olhos a não se desviarem do seu rosto. Não estou interessada em ver o
abdômen definido que termina em um V perfeito. Nem um pouquinho.
— Tenho a vaga sensação que Keeran já transou lá com alguma
garota.
Engasgo com a saliva só de pensar em deitar a minha cabeça em um
lugar que já foi vítima de vários orgasmos. 
— Que nojo.
Reed concorda com um resmungo e entra no banheiro, acendendo a
luz. Pego um vislumbre das suas costas torneadas antes dele se virar sobre
os calcanhares e apoiar a mão na maçaneta, me observando sentada em sua
cama.
— Quando eu voltar, nós vamos conversar.
Formulo uma resposta cheia de ódio, mas ele não me dá a chance de
articulá-la. Fecha a porta em um clique, mergulhando o quarto em um
silêncio confortável. Escuto a tubulação ranger e o chuveiro ser ligado.
Minha mente, traiçoeira como consegue ser, se recorda de quando encontrei
Reed tomando banho no vestiário da USVL.
Isso parece ter sido há meses, sendo que só se passaram alguns dias.
Empurro meu cabelo para atrás da orelha e pego os travesseiros,
empilhando-os e criando uma barreira no centro da cama. Depois, me
escondo embaixo da coberta até a altura do queixo. Fico longos minutos
encarando o teto, refletindo sobre tudo o que tem acontecido na minha vida.
É engraçado perceber o quanto as coisas podem mudar em questão
de poucos dias. Até a semana passada, eu estava muito bem dividindo o
apartamento com Sidney. Agora, tenho um namorado de mentira e moro
com pessoas que nunca imaginei que fosse conviver diariamente.
Me mantenho tão presa nos pensamentos que não percebo o
momento em que a porta é aberta e Reed sai do banheiro. Dessa vez, ele
está usando uma calça de moletom caída ao redor do quadril e uma
camiseta de malha com o seu nome estampado nas costas. Provavelmente é
o uniforme antigo do time.
Ao ver a barreira que criei no centro da cama, ele dá risada.
— Sempre tão previsível. — Se deita ao meu lado, o colchão
afundando. O perfume chega até as minhas narinas, junto do aroma de
shampoo e sabonete. — Se eu quiser te atacar, nenhuma montanha de
travesseiros vai me impedir.
— Podem não te impedir, mas são um sinal de alerta para mim.
As orbes se reviram em descontentamento e a luz do abajur é
apagada. Nós dois estamos com os braços cruzados sobre a barriga e
encarando o teto. O som da respiração de Reed chega até os meus ouvidos
e, mesmo que ele esteja relativamente longe de mim, fico com a vaga
sensação de que consigo sentir o calor do seu corpo aquecendo a nós dois.
— Tem um quarto vago ao lado do quarto do Keeran — Reed fala,
cortando o silêncio. — Comprei os móveis hoje de manhã pela internet.
Deve chegar na semana que vem.
Fico momentaneamente surpresa com o seu gesto. É bom saber que
a minúscula fagulha de esperança de conseguir um espaço só meu nessa
imensa casa não foi apagada por completo.
— Vou te pagar o valor que eu pagava para a Sidney de aluguel. É o
máximo que consigo. Quanto aos móveis, vou usar o dinheiro que tenho
reservado.
Reed grunhe.
— Não vai mesmo.
— Claro que vou. Não vou vir morar com você sem arcar com
nenhuma despesa. Eu sei que o seu pai é todo cheio da grana e dinheiro não
é um problema para você, mas...
Reed me corta, soando magoado.
— Não tem nada a ver com dinheiro.
— Então, tem a ver com o quê?
Reed se vira na cama e fica de costas para mim. Encaro suas
omoplatas, odiando o clima estranho que surgiu repentinamente.
— Esquece esse assunto.
— Não vou esquecer, Reed.
— Fique com o dinheiro e com os móveis. Daqui a três meses, você
vai precisar, para encontrar um novo apartamento.
Não discuto, porque sei que ele tem razão. Em dezembro, espero eu,
já estarei preparando a minha mudança e, com sorte, terei uma colega de
apartamento que não vai chutar a minha bunda por causa de um namorado
pé no saco.
Estar aqui com Reed é temporário, assim como o nosso namoro de
mentira e o que vem junto com esse acordo. Ainda assim, quando as coisas
acabarem entre nós, vou garantir que ele não saia no prejuízo. Posso não ter
muito dinheiro na minha conta bancária, mas nunca vou conseguir dormir
em paz se souber que estou devendo algo a ele.
Sou orgulhosa demais para aceitar tão facilmente a ajuda de alguém.
Especialmente se essa ajuda vier de Reed Rollins.
 
“Ele me machucou, mas parece amor verdadeiro”
Ultraviolence | Lana Del Rey
 

 
As manhãs na casa que divido com Keeran e Mason são sempre
uma confusão. Xingamento pra lá, bate boca pra cá e, quando percebemos,
está todo mundo atrasado para a aula. Então, ao ouvir o despertador tocar, já
me preparo psicologicamente para ver Anne metida nessa confusão.
Viro o corpo na cama e encontro o espaço vazio ao meu lado.
Franzo as sobrancelhas, sem entender. Checo as horas no celular. Ainda
falta uma hora para as aulas começarem e, como hoje é sexta, sei que não
temos nenhuma matéria juntos.
Então, não faço ideia de onde ela vai estar ao longo da manhã.
Saio do quarto e desço as escadas. Resfolego ao ver Anne de frente
para o fogão, usando o avental de Mason e com o cabelo loiro preso em um
rabo de cavalo alto. Meus dois melhores amigos estão sentados em frente ao
balcão, como dois cachorrinhos adestrados esperando pelo pote de comida.
— O que está acontecendo aqui?
Keeran sorri.
— Anne está preparando o café da manhã para a gente.
Arqueio a sobrancelha.
— Vocês se esqueceram de como se prepara o café?
Mason revira os olhos e empurra uma mecha do cabelo para trás, os
músculos do braço se contraindo. Ao contrário de Keeran, sua pele se
mantém intacta, livre de qualquer tatuagem.
— Não seja tão dramático, Rollins. Ela está apenas nos mimando.
— Vocês não merecem nenhum tipo de mimo. — Contorno o balcão
e pego por uma caneca no armário. — E ela não tem obrigação nenhuma de
alimentar a boca faminta de vocês dois.
— Porque ela só pode alimentar a sua, não é? — Keeran provoca.
Inflo as bochechas de ar e encho minha caneca com café.
— Vai se foder, Flanagan.
Ele dá risada e empurra de brincadeira o ombro de Mason, os dois
compartilhando de uma piada que não me diz respeito. Balanço a cabeça em
negação e bebo um gole de café. Anne me observa com as sobrancelhas
erguidas e eu devolvo o gesto, franzindo o cenho.
— O que foi?
— Só para você saber, o café da manhã é dedicado somente a eles.
— Ela puxa a caneca das minhas mãos, deixando-a em cima do balcão. —
Se quiser comer ou beber, vai ter que preparar por conta própria.
— Você está zoando comigo?
— Nunca. — Fica na pontinha dos pés e dá um beijo estalado na
minha bochecha, movendo, então, os lábios em direção à minha orelha. —
Isso é uma vingança por tudo o que aconteceu ontem, só para você saber.
Anne se afasta logo em seguida, dando um passo para trás e
pegando a minha caneca. Ela bebe um generoso gole do café, sorrindo
através da borda. A cena é mais excitante do que eu gostaria de admitir.
Seus olhos brilham de um jeito malicioso que faz minha mente criar os
pensamentos mais sujos possíveis.
— Você está seguindo por um caminho perigoso — alerto-a.
O queixo se projeta para a frente e a luz do sol se infiltra pela janela
da cozinha, iluminando a sua pele branca. Nessa posição, ela fica parecendo
um anjo.
— Eu não tenho medo de você e muito menos das consequências. 
Olho sobre o seu ombro, notando que Keeran e Mason observam
nossa interação atentamente. Mason exibe o seu costumeiro sorriso de
canto, enquanto Keeran faz um barulhinho com a boca que simula um gesto
que eu não gostaria de ter entendido.
Volto os olhos para Anne e dou um peteleco em seu nariz. Ela não
tem a chance de me dar um tapa, porque escondo minhas mãos dentro do
bolso da calça de moletom logo em seguida.
— Quero ouvir você dizer isso quando estiver amarrada na minha
cama e recebendo umas boas palmadas nessa bunda gostosa.
Ela rosna para mim.
— Repete o que você disse sobre a minha bunda!
Engulo uma risada.
— A sua bunda é a mais gostosa de todo o campus.
Saio da cozinha antes que Anne tenha a oportunidade de responder.
Subo para o segundo andar ouvindo os assovios debochados dos meus
amigos.

Após preparar o meu café da manhã e colocar a louça suja na


máquina lava-louças, estou esperando Mason na garagem. Todas as manhãs,
vamos para a universidade juntos, enquanto Keeran vai cerca de meia hora
depois. De nós, ele é quem tem a grade mais bagunçada possível. Nunca sei
se ele vai estar em casa ou no meio da aula.
— Ei! — Mason entra no carro, jogando a mochila no chão e se
acomodando no banco do passageiro. — Você não vai dar carona para sua
namorada?
— Achei que ela já tivesse ido para USVL.
Ele discorda.
— Ela acabou de sair. Está indo a pé.
Suspiro pelo nariz e ligo o motor do Jeep, dando a ré e saindo da
garagem. Anne Scott é a garota mais teimosa que conheço. Ela tem um dom
natural em ir contra tudo e todos. Seu passatempo preferido deve ser tirar os
outros do sério, não há outra explicação.
Faço a curva na esquina e a encontro atravessando a rua. Diminuo a
velocidade, aproximando o carro do meio-fio, e abaixo o vidro. Assovio
alto, chamando sua atenção.
— Entra no carro, Annie.
Ela me mostra o dedo do meio.
— Não preciso de carona.
— Não vou deixar você ir a pé.
As mãos se fecham ao redor das alças da mochila e ela aperta o
passo, caminhando mais rápido. Piso de leve no acelerador, acompanhando
o seu ritmo. Ela não pode estar achando que vai andar mais rápido que a
droga de um carro.
— Não ligo para o que você deixa de fazer ou não — resmunga. —
Vai embora, Reed.
Mason ri do meu lado, se divertindo com a discussão. Um carro
buzina atrás de nós, impaciente com a minha velocidade de tartaruga.
Segundos depois, ele invade a pista contrária, fazendo a ultrapassagem e me
mostrando o dedo do meio.
— Anda logo. Não vou embora até você entrar na merda desse
carro.
Ela me ignora e continua a caminhar. Estou muito perto de sair de
dentro desse carro e carregá-la como fiz na noite passada. Minha
impaciência faz um nó desconfortável se formar ao redor da garganta.
— Deixa isso pra lá, Reed. Ela não vai ceder — Mason aconselha.
— Ela é a minha namorada, caramba. Não vou deixar ela ir pra
universidade sozinha sendo que moramos juntos.
— Anne não é sua namorada de verdade.
Fulmino-o com o olhar.
— Para você e pro Keeran ela pode não ser, mas para o restante da
universidade, sim. — Piso no acelerador, alcançando-o. Anne está a poucas
quadras da USVL. — Vamos logo, Scott.
Anne para de caminhar e meu pé afunda no freio. Se não fosse pelo
cinto de segurança, Mason teria voado para fora do Jeep. Um xingamento é
proferido, mas não ligo. Estico o pescoço para fora da janela e forço minha
boca a abrir um sorriso doce. É a minha última tentativa.
— Se você me deixar levá-la para a aula, prometo fazer o que você
quiser.
Os braços se cruzam de um jeito petulante.
— Qualquer coisa?
Reviro os olhos.
— Já te falei, mas não custa repetir. É só você pedir, Annie. Você
pede, eu faço.
Anne hesita, trocando o peso dos pés. Por causa da caminhada feita
praticamente correndo, a pele dela está corada em alguns pontos e a regata
de alças finas revela as curvas das clavículas.
— Okay — cede e eu assovio em aprovação. — Só depois não
reclame das consequências.
— Jamais — digo quando ela se senta no banco atrás do meu.
Mason se mantém quieto, meio taciturno até. — Um namorado apaixonado
nunca se queixa de agradar o amor da sua vida.
— Se você é irritante assim sendo um namorado de mentira, prefiro
nem saber como é quando o negócio é real.
Minha única reação é rir e dar partida no carro, seguindo para a
universidade.

Sexta é o único dia da semana em que os treinos são moleza.


Moleza no sentido figurado mesmo, porque mesmo horas depois, os
efeitos ainda podem ser sentidos por cada partícula do meu corpo. Estou
exausto. Foi uma semana cansativa, com milhões de problemas para
resolver e um treinador Turner nada satisfeito com os nossos resultados.
Ele quer que o jogo da semana que vem contra os State Tigers seja
destruidor. Quer detonar com o time, deixando-os tão atônitos que nem vão
saber onde a bola está. Acredito que exista uma rixa antiga contra o nosso
treinador e o deles, porque Dave e o resto do time tem certeza que vamos
ganhar.
Somos muito bons.
E se perdermos, não estou preparado para ver a expressão de
decepção do meu pai quando nos encontramos após o jogo. Não gosto da
sensação.
— Conto com a sua presença e da sua namorada hoje à noite,
Rollins?  
A voz grave de JP me puxa para a realidade. Estou na cafeteria do
campus, que está quase vazia para um final de tarde, estudando para uma
prova de Mídia Online na semana que vem.
Pisco os olhos, vendo letrinhas miúdas voarem ao meu redor e, por
fim, desaparecerem.
— É claro. — Aceno positivamente. — Anne está ansiosa para
encher a barriga de comida e depois reclamar que só cozinho ovos e bacon
para ela.
JP dá risada e me passa a localização do restaurante via mensagem.
Ele se despede com um aceno e eu volto para os meus estudos. Meia hora
depois, meu celular vibra em cima da mesa. Olho de soslaio para a tela,
vendo o nome do meu pai brilhar como uma árvore de Natal.
Merda.
Pondero se devo atender ou não. Já faz mais de uma semana desde
que conversamos, então meio que desconfio do que se trata essa ligação.
Futebol americano, é claro. Ricky não liga para a minha vida pessoal desde
que não atrapalhe os meus objetivos como futuro jogador da NFL.
— Oi, pai.
— Reed. — Ele me cumprimenta friamente. — Quando você
pretendia me contar que está namorando?
Porra.
— Como você sabe disso?
Ele ri de forma amarga do outro lado da linha.
— Tenho ouvidos em todos os lugares. Foi só uma questão de tempo
até alguém me contar.
Esse é o maior problema do meu pai. Ele consegue descobrir sobre a
minha vida em Maple Hills com uma facilidade invejável. Basta um estalar
de dedos e ele tem todas as informações sobre o que fiz ou deixei de fazer
em uma festa. Com os treinos, é a mesma coisa. Se erro os passes, ele dá
um jeito de me ligar no mesmo dia e me encher de conselhos e correções.
— Então, é isso. — Giro a caneta entre os dedos. — Estou
namorando.
— E por que você não me contou no almoço da semana passada?
— Não tínhamos decidido se iríamos levar as coisas a sério ou não.
Ele não diz nada, mas aposto que sua mente avalia o quanto esse
namoro pode me prejudicar ao longo da temporada. Durante sua carreira no
New England Patriots, meu pai se manteve casado com a minha mãe. Não
havia distrações, porque Noreen era especialista em evitar que elas
surgissem.
A onda de casamentos só começou quando ele se aposentou do
esporte. Então, nesse momento da vida, as distrações eram mais do que
bem-vindas. Não havia nenhuma responsabilidade pairando acima da
cabeça dele além de aproveitar uma deliciosa lua de mel nas Ilhas Maldivas.
— E agora é sério o bastante?
Consigo imaginar com facilidade a carranca estampada em seu rosto
amargurado.
— Sim. É tão sério como deve ser.
— E o futebol americano?
Me remexo na cadeira, desejando ser capaz de me esconder dentro
de um buraco para não ter que enfrentar essa conversa no meio de uma
cafeteria.
— Continua onde deve estar, pai. Ocupando o primeiro lugar na
minha vida.
Minha resposta parece agradá-lo, porque consigo sentir um sorriso
em sua voz. Às vezes, começo a entender porque Aaron abriu mão dessa
vida. Ele é um espírito livre pronto para desbravar o mundo e conquistar a
própria história. Aaron Rollins não precisa de um pai famoso na sua cola,
ditando regras e qual o melhor caminho a se seguir.
Eu só queria ser como o meu irmão e não ter medo de tomar minhas
próprias decisões e defender aquilo que acredito. Sou uma extensão do
grande Ricky Rollins.
— Espero que continue dessa forma, Reed — avisa. — Não quero
ter que tomar medidas restritivas a respeito do seu namoro. A garota deve
ficar no lugar em que ela pertence.
Estremeço da cabeça aos pés. Não duvido do que meu pai é capaz
de fazer se ver que estou desviando do caminho que ele trilhou para mim
desde os 10 anos de idade. Para ele, Anne deve ficar em último lugar na
minha lista de prioridades. Um item fácil de ser descartado — e ignorado.
— Não se preocupe, pai — garanto-o. — As coisas vão continuar
como devem ser.
— E o treino que combinamos?
— Depois do primeiro jogo da temporada estarei livre. Você pode
corrigir os erros que cometi ao longo da partida.
Você é um babaca, Reed, meu subconsciente agita os braços,
implorando para que me posicione e pare de agradar o meu pai. É só dizer
não. No entanto, a sílaba não consegue se formar. Ela fica presa em minha
garganta, como todas as outras vezes.
— Ótima ideia. Na semana que vem, eu te ligo para acertarmos os
detalhes — ele declara e murmuro em concordância, prestes a desligar, mas
o seu pigarro me impede. — Ah, Reed, mais uma coisa. Dianna quer te
conhecer e eu também estou curioso sobre a sua namorada. Decidimos dar
um jantar em breve.
É uma intimação, não uma pergunta. Ricky não quer saber se eu ou
Anne estaremos ocupados. Teremos que dar um jeito de comparecer.
Nenhuma desculpa bem elaborada vai conseguir nos libertar desse jantar. Já
estou com pena do que Anne vai ter que aturar por causa de uma mentira
que decidimos contar.
— Claro, pai. — Sorrio, embora ele não possa ver. — Estou ansioso
para conhecer Dianna.
Ele não se despede, simplesmente encerra a chamada. Jogo meu
celular em cima da mesa e afundo os dedos no couro cabeludo, o coração
palpitando. Ele pulsa em cada parte do meu corpo, principalmente nos
ouvidos e na ponta dos dedos.
Se eu fosse capaz, voltaria no tempo e tomaria decisões diferentes.
Posso amar o futebol americano com todo o meu coração, mas gostaria que
esse amor não fosse tão doloroso.
Ele me consome por inteiro, ateando fogo em minhas veias, e não
sei até quando aguentarei em silêncio essa situação. O nó está cada vez
mais perto de se romper e causar consequências irreparáveis.
 
“Eu sei exatamente o que eu quero e quem eu quero ser”
Oh No! | MARINA
 

 
O cheiro de café moído predomina no ar.
Todas as mesas do Brooklyn Blues estão desocupadas, exceto pela
última. Meu irmão está sentado diante de mim usando uma camisa polo e
calças cáquis, idêntico a um jogador de golfe cheio da grana. Até mesmo o
seu cabelo, no tom loiro escuro, está penteado para trás com gel. Se eu não
o conhecesse, arriscaria dizer que ele tem uma mansão de dez quartos em
Los Angeles e um carro importado que nem foi lançado no mercado.
Entretanto, Alex Scott não é nada disso.
— E o que você tem de bom para me contar? — pergunta e bebe um
gole do café que preparei. Macchiato, o seu favorito. — Estou aqui há
quase uma semana e não faço ideia do que está acontecendo na sua vida.
— Fui despejada do apartamento em que morava e estou namorando
de mentirinha. Ah, e eu também moro com três atletas do time.
Alex fica estático, o rosto petrificado em uma máscara de choque.
As pálpebras nem mesmo piscam durante alguns segundos. Estico o braço e
estalo os dedos na frente do seu nariz, puxando-o de volta para a realidade.
A reação dele é beber mais um gole de café, os cantos dos lábios
ficando manchados de creme.
— Desde quando a sua vida ficou tão agitada?
Rio da sua escolha de palavras.
— Desde que Drake Collins espalhou um boato que chegou nos
ouvidos de todos os estudantes da USVL.
— Fofoca é o que move Maple Hills, acho que você deveria saber.
Levo a mão ao coração.
— Obrigada pelo conselho, irmãozinho, mas agora já é tarde
demais.
Alex ri baixinho e dá uma mordida na torta de limão.
Meu irmão é somente dois anos mais velho que eu, mas sua vida é
tão diferente da minha que, em alguns momentos, me esqueço que
crescemos na mesma casa e fomos criados por Daisy Scott. Não me recordo
muito do meu pai, mas as fotografias não mentem. Alex é uma cópia fiel de
quem Gustaf foi um dia.
O único detalhe que ele herdou da nossa mãe foram os olhos
esverdeados. Porque o restante, desde as sobrancelhas grossas ao nariz fino,
é Gustaf em sua mais pura essência. Alex tem até mesmo desvio no dente,
no qual o incisivo central se sobrepõe ao outro.
— Da próxima vez, vou garantir que meus conselhos venham na
hora certa. — Sorri gentil e me estende o garfo, me convidando a comer a
torta com ele. — E posso saber quem é o seu namorado de mentira?
Dou uma mordida na torta. 
— Se eu te contar, você não vai acreditar.
— Espero que não seja o Chad Eaton.
Faço ânsia de vômito.
— Que horror! Chad Eaton aconteceu em um mundo paralelo. —
Minha pele se arrepia só com a recordação da boca dele na minha. — Você
conhece o pai do meu namorado.
Minha dica faz uma careta surgir em seu belo rosto.
— Caso você tenha esquecido, eu conheço muitos pais. Mais do que
a média norte-americana, se você quer saber.
Dou risada.
Meu irmão era uma estrela do futebol americano e ninguém tinha
dúvidas de que ele teria uma carreira incrível na NFL. No entanto, no seu
último ano na USVL, ele decidiu que não iria se inscrever no draft. Naquele
dia, eu jurei que ele estava pregando uma pegadinha.
Nunca estive tão enganada.
Alex Scott decidiu que queria ser treinador. E hoje, três anos depois
de conquistar o tão sonhado diploma, ele trabalha em uma escola em North
Groove como treinador da liga infantil. As crianças o adoram.
— Okay. Vou dar uma dica mais específica: ele não é o quarterback
dos Rebels of Horizon.
Ele suspira alto, os lábios imitando o formato de um bico.
— Estou aliviado, porque seria bem estranho você estar namorando
o namorado da sua melhor amiga.
Empurro o seu ombro, lhe arrancando uma gargalhada. A nossa
sorte é que a lanchonete se encontra vazia. Becky deu uma saída para
resolver um problema que surgiu de última hora, então somos só eu, Alex e
Adele na cozinha.
— Você é muito palhaço, Alex!
— Culpa sua que fala essas coisas absurdas e quer que eu reaja
normalmente. — Afunda o indicador na cobertura de limão e dá um
peteleco no meu nariz, deixando-o sujo. — E então? Quem é?
Limpo o nariz com o dorso da mão e imito o barulho de tambores,
aumentando a sua curiosidade. Meu corpo se enche de expectativa, se
divertindo com a situação e ansiando para ver a reação do meu irmão ao
descobrir que estou namorando o filho de Ricky Rollins.
— Reed Rollins. — Despejo de uma vez só. — Reed Rollins é o
meu namorado de mentira.
— Puta merda!
— Pois é!
— Caralho, An-An! — Sua coluna descansa no banco de couro
sintético. A surpresa ilumina o seu semblante. — Como isso aconteceu?
Conto ao meu irmão a versão resumida da história. Alex escuta
atentamente, levando vez ou outra um pedaço de torta na boca e bebendo
um gole do Macchiato. Quando termino, o ambiente fica em silêncio. Acho
que ele está assimilando as informações e procurando, no fundo da mente,
por um conselho cheio de sabedoria que só ele tem.
— Você não tem medo?
— Do quê?
— De acabar envolvida demais?
Bufo e rio ao mesmo tempo de um jeito nada elegante.
— Isso nunca vai acontecer, Alex. Reed me odeia e eu o odeio
também. O máximo que pode acontecer é a gente botar fogo na casa que ele
divide com os meninos. Ou, talvez, eu trancá-lo por engano no porão.
Alex pressiona os lábios em uma linha reta e desvia o olhar, focando
a atenção na janela que oferece uma vista privilegiada do píer de Sunbay.
— Quando eu conheci o Soren, eu também o odiava.
Soren Gauthier é o namorado do meu irmão. Eles dois se
conheceram na escola em que Alex trabalha, já que Soren é professor de
Estudos Sociais. A primeira interação foi um desastre. Alex trombou com
ele no corredor e derrubou café na sua camisa branca. Na semana seguinte,
aconteceu a mesma coisa.
Foram dez copos de café derrubados e um ódio latente até que Alex
decidiu que o odiava. Aposto que Soren sentiu a mesma coisa. Foi somente
no começo desse ano em que eles perceberam que o ódio, na verdade, era
amor.
Eu não confio muito nesse lance de que esses dois sentimentos são
separados por uma linha tênue. Não há possibilidade alguma de eu me
apaixonar por Reed Rollins. Meu coração é incapaz de deixar a raiva para
trás e ser consumido pela paixão.
Isso só funciona em filmes de romance — e com o meu irmão, pelo
visto.
— É diferente — justifico. — Você e Soren foram feitos um para o
outro. Eu soube disso desde que os vi pela primeira vez. Não havia ódio
entre vocês dois. Só desafeto e camisas manchadas de café.
— Tem certeza do que está falando?
— Absoluta. Não se preocupe comigo. Nada vai acontecer.
A cabeça dele se move em concordância, dando por encerrado o
assunto. Conversamos sobre variados assuntos até que Becky retorna para a
lanchonete e se junta a nós. Durante a próxima hora, debatemos a respeito
de filmes, séries e músicas.
Quando Alex vai embora, Becky e eu preparamos dois milkshakes
de morango e nos sentamos em uma das mesas.
— E quais são os seus planos para hoje? — Becky pergunta
enquanto suga o canudinho.
— Vai ter a inauguração de um restaurante aqui em Sunbay. Acho
que é da namorada de um colega de time do Reed.
— Ah, sim. É da Gina Bastien — diz. — Ela se formou em
gastronomia no ano passado e se mudou para Sunbay para abrir o próprio
negócio. Me conta depois como foi. Acho que vou convidar a minha
namorada para irmos lá um dia.
— Mesmo que não seja bom, eu já fico feliz com o simples fato de
poder comer de graça.
Becky gargalha, divertida.
— Não posso discordar de você. Comer sem pagar nada é um ato
divino.
Estou prestes a fazer um comentário engraçadinho a respeito, mas
meu celular vibra dentro do bolso do avental. Pego-o e desbloqueio a tela.
Há uma mensagem de Reed na barra de notificação. O nome que salvei o
seu contato me faz rir nasalado.
Zangão: Estou aqui no estacionamento te esperando, Annie. Fique
bem gostosa para o seu namorado bonitão aqui.
Reviro os olhos e deslizo os dedos pelo teclado, dando uma
resposta. Quando a mensagem é enviada, encontro Becky me encarando de
um jeito esquisito. Seu sorriso é igual ao do Gato de Cheshire, do filme
Alice no País das Maravilhas. Assustador pra caralho.
— O que foi?
Ela pisca as pálpebras maquiadas com sombra azul bebê e rosa
pastel, idêntico ao que as garotas faziam nos anos 80.
— Nada, não.
Fico desconfiada, mas não digo nada. Levanto do banco com um
pouco de dificuldade por causa dos patins e pego o copo de milk-shake.
Não vou embora daqui antes de terminá-lo.
— Reed já está me esperando no estacionamento, então vou me
arrumar para a inauguração do restaurante. Você dá conta de fechar o caixa
e a lanchonete?
— Sim, Anne, não se preocupe. Minha avó está aqui também. — Dá
um tapinha na minha bunda, me enxotando para longe. — Agora vá se
arrumar e ficar bem gostosa para o seu namorado.
Meu céu da boca pinica para dizer que Reed não é o meu namorado
de verdade, mas Becky não sabe da mentira.
— Você é o ser humano mais maravilhoso que já conheci! —
exclamo enquanto impulsiono o corpo para frente e deslizo sobre os patins.
— E você namora o cara mais gato do campus, então acho que a
maravilhosa é você! — grita de volta, sua voz me acompanhando enquanto
sigo em direção aos fundos da lanchonete onde ficam os banheiros dos
funcionários.
Solto uma risada e, antes que imagens de Reed sem toalha possam
ressurgir na minha mente, eu as empurro para longe com um chute mental.
Um chute que estou ansiando para dar nele também. Quem sabe a noite de
hoje seja perfeita para concretizar, de uma vez por todas, esse desejo.
 
“Os arrepios começam a aumentar no momento em
que minhas mãos encontram a sua cintura.
Então, eu vejo seu rosto e coloco meu dedo em sua língua,
porque você ama provar, sim”
Sweater Weather | The Neighbourhood
 

 
Estaciono o Jeep em frente ao Brooklyn Blues. A fachada da
lanchonete é iluminada com piscas-piscas coloridos e as grandes janelas
dão uma visão privilegiada do seu interior. Comi aqui poucas vezes, quando
Dave e Claire passaram o final de semana em Sunbay.
Tiro o celular de dentro do bolso e mando uma mensagem para
Anne, avisando que cheguei. O relógio marca pontualmente seis horas,
como o combinado. Prometi ao JP que iria comparecer à inauguração do
restaurante da sua namorada. O evento é perfeito para que as pessoas vejam
Anne e eu como um casal de verdade.
O celular vibra em minha coxa, o nome joaninha brilhando na tela.
Joaninha: Cinco minutos para eu ficar bem feia para você. 
Sorrio, imaginando qual vestido ela vai usar. Como é um evento
importante, decidi vestir a minha melhor roupa. A camisa branca de botões
adere aos músculos e, como a temperatura está agradável, as mangas foram
dobradas na altura dos cotovelos. A calça jeans é a minha favorita. No pé,
mantenho os costumeiros coturnos.
  A porta dos fundos se abre e Anne desce os dois únicos degraus,
surgindo em meu campo de visão.
Puta. Merda.
O ar dos meus pulmões são sugados conforme ela caminha em
direção ao Jeep. O vestido de alcinhas acompanha o ritmo dos seus pés, a
saia balançando ao seu redor como uma cauda, deixando-a idêntica a uma
sereia. Ela está bonita pra caralho.
Mantenho meus olhos fixos nela enquanto ela abre a porta e salta
para o assento ao meu lado. Anne me observa, parando por mais tempo nos
meus braços nus e depois no meu peitoral. As mãos, então, se cruzam na
altura do colo e o nariz se arrebita para cima.
— Estou surpresa que você saiba como se vestir adequadamente
para um evento que não seja um jogo chato de futebol americano.
— Eu poderia ter vindo pelado, se você quisesse. — Direciono a ela
uma piscadela. — Aposto que você iria se surpreender muito mais.
— E queimar os meus olhos com a visão mais horripilante de todas?
Obrigada pela oferta, mas eu dispenso.
— Sempre dispensando as melhores coisas da vida, joaninha. —
Coloco o endereço no GPS. — Estou levemente decepcionado com você.
— Não estou nem aí, Reed. — Estica o braço e pega o meu celular
esquecido em cima do painel. — Qual a senha?
Faço uma careta.
— Você está zoando comigo?
Ela desliza o dedo para cima, abrindo o teclado numérico.
— Quero escolher uma música. Não vou abrir a sua galeria e ver
foto da sua bunda em um ângulo esquisito, pode ficar tranquilo.
— Você não veria somente a minha bunda, pode ter certeza. —
Lanço um rápido olhar para o retrovisor e saio do estacionamento. — Tenho
aí dentro uma coleção infinita de cobras grandes e muito grossas.
— Inofensivas, aposto.
— Não tenho certeza... Quer checar?
Anne semicerra as pálpebras em uma linha reta.
— Só quando eu morrer.
— Necrofilia não é a minha praia, foi mal. — Fecho as mãos ao
redor do volante e aponto com o queixo para o celular. — A senha é a data
do meu aniversário.
— Eu não sei quando é.
— 15 de fevereiro. — Os polegares de Anne deslizam pela tela e
então o aplicativo de músicas é aberto. — Me surpreenda com o seu gosto
musical incomparável. Duvido que seja melhor que o meu.
Anne me mostra a língua. Depois que a música é selecionada, a
batida irrompe pelos auto falantes internos. Levo poucos segundos para
identificar a voz de Britney Spears em Gimme More — a que Anne dançou
para mim na festa da Martial Kappa Tau.
A provocação não me passa despercebida.
Sei que ela escolheu essa música de propósito, porque consigo
identificar aquela energia desafiadora emanando do seu corpo. Esse mesmo
sentimento reflete em mim, formando pequenas gotículas de suor na palma
da mão.
— Você se acha muito engraçadinha, não é? — O GPS diz que devo
seguir para a área gastronômica de Sunbay e assim faço, girando na
rotatória. — Só não esqueça de um detalhe. Eu também posso brincar com
você.
Britney cantarola o trecho nós podemos nos divertir como se não
tivesse ninguém por perto e Anne aperta as coxas umas nas outras. Meu
sorriso surge de imediato.
— Faça o seu pior, Reed — murmura. — Eu não tenho medo.
— Se eu fosse você, pensaria duas vezes antes de dizer isso.
— O que você pretende fazer, hum? — O tom de malícia escorre na
voz dela feito veneno.
Imagens nada comportadas surgem na minha mente. Afasto-as com
um safanão imaginário, não querendo que elas sigam por um caminho ainda
mais perigoso. O calor dentro desse carro já está insuportável o bastante.
— Você vai descobrir hoje à noite. Afinal, é a nossa primeira
aparição como um casal.
A voz de Britney chega no refrão.
— Eu não vou te beijar, caso tenha se esquecido.
Olho-o por um curto segundo e retorno a atenção para a estrada.
Minhas bochechas estão formigando com o que estou prestes a dizer.
Provocar Anne é sempre uma delícia.
— Quem precisa de beijos quando se tem as mãos?
Britney para de cantar, como se soubesse que o clima mudou
drasticamente. Escuto apenas o som da minha respiração e a brisa do vento
atravessar as janelas parcialmente abertas.
— Se você ousar tocar um dedo na minha bunda, Reed, não vou
responder por mim.
— Acho que ainda estamos cedo demais para dedos na bunda. —
Brinco. — Mas tudo bem. Na próxima semana, quem sabe?
O GPS indica o fim do trajeto e estaciono em frente a um
estabelecimento de dois andares, semelhante aos que aparecem nas
produções cinematográficas ambientadas em Paris. As letras Bistrô
Boucherie se destacam na fachada.
— Na próxima semana, estarei me certificando de que a minha
bunda fique bem longe da sua cama.
Faço um biquinho manhoso.
— Vou ter que aproveitar os poucos dias que me restam, então. —
Desligo o motor do Jeep e solto o cinto de segurança.
— Não ouse. — Bate com o indicador no meu ombro e abaixa o
espelhinho do quebra-sol. — Você não vai querer me ver com raiva.
Apoio o cotovelo na lateral do volante, observando-a.
— Eu vejo você com raiva todos os dias, Annie. Não há nada aí que
eu já não esteja acostumado.
Ela bufa em descontentamento e abre a bolsa, pegando outra
bolsinha minúscula. De lá, tira um batom. Os olhos se concentram nos
lábios e o vermelho é deslizado por sua boca. Caralho. Meus pulmões se
contraem diante da visão. Acho que esqueci como se respira.
A cena de Anne Scott sentada no banco do meu carro passando
batom vermelho vai me aterrorizar por anos, porque é excitante demais. É
uma tentação em formato de pessoa. É difícil demais manter meu rosto
inexpressivo quando ela leva o dedo à boca e chupa, limpando os
resquícios.
O barulhinho é a gota d’água que faltava. Desvio o olhar, contraindo
a barriga como uma forma de evitar que meu pau reaja a essa cena.
Fica quietinho aí, porra.
— Vamos? — diz depois de guardar a bolsinha dentro da outra
bolsa. — Dave e Claire disseram que também viriam. Eles já devem ter
chegado.
Concordo com um aceno e saio do carro. Tranco as portas, o alarme
apitando, e contorno o Jeep. Estendo o braço, esperando que ela entenda o
gesto, mas os olhos são um mar confuso com pontos de interrogação.
— O que foi?
— Me dê a sua mão.
Ela as esconde atrás das costas, desconfiada.
— Por quê?
Avanço um passo, ficando de frente para ela. Anne é alguns bons
centímetros mais baixa que eu, a sua boca pairando mais ou menos na altura
do meu pescoço.
— Porque você é minha namorada. — Pouso o polegar no seu
queixo, levantando-o. — Isso significa que nós devemos entrar de mãos
dadas.
Não espero que ela responda. Desço meus dedos do queixo para o
seu braço, deslizando em direção a mão, entrelaçando-as. A palma de Anne
está gelada, igual à minha. Acho que estamos os dois mais nervosos do que
gostaríamos de admitir.
Acaricio com o polegar o interior do seu pulso e ela respira
baixinho, ofegante.
— Promete que não vai terminar a noite dando um soco na minha
cara?
— Só se você prometer manter suas mãos longe da minha bunda.
Me inclino para perto do seu ouvido e sussurro:
— Isso eu já não posso prometer. Ela é irresistível demais para ser
ignorada.
Tudo o que recebo é um soco de brincadeira no ombro.

Entro no Bistrô Boucherie com Anne ao meu lado.


O interior é iluminado com luzes amarelas e o teto imita o céu
estrelado do quadro mais famoso de Van Gogh. Nas paredes, há espelhos
refletindo não somente a nossa imagem, mas como os outros detalhes do
ambiente.
É bonito pra caralho.
Ouço um suspiro vindo de Anne, sua boca pintada de vermelho
abrindo um pouquinho em sinal de surpresa. As íris brilham junto às
lamparinas, criando estrelas no tom esverdeado. Ao vê-la assim, ninguém
poderia imaginar que ela rosna para mim como um cachorrinho raivoso.
— Anne e Reed! — Escuto alguém nos chamar e viro levemente o
pescoço para trás, encontrando Claire.
Ela está acompanhada de Dave. Os dois estão tão bem vestidos que
poderiam estampar o catálogo da Vogue, sem brincadeira. Hoje, ela
dispensou as perucas, optando por usar os cabelos naturais que fazem seu
rosto se tornar muito mais jovem.
Já Dave decidiu prender os dreads em um coque torcido para trás. O
brinco na orelha balança quando ele dá um tapinha nas minhas costas, me
cumprimentando com um largo sorriso.
— Como vocês estão?
— Estamos bem. — Aperto com mais força os dedos de Anne ao
redor dos meus, não a deixando escapar. — Essa é a nossa primeira
aparição como um casal, então não estraguem tudo com a boca grande de
vocês.
Claire dá risada.
— O segredo de você está a salvo com a gente. — Finge tirar uma
chave imaginária do bolso de Dave, passando na boca dos dois e a jogando
por cima do ombro. — Vamos levá-lo para o túmulo.
Sorrio com o seu bom humor.
Nunca gostei muito dessa ideia de namorar na universidade, mas o
relacionamento de Claire e Dave é uma das coisas mais bonitas que já vi.
Eles compreendem um ao outro, se respeitam e sabem os limites de cada
um. Sei que toda relação deveria ser assim, mas é um pouco difícil acreditar
nisso quando cresci cercado de quatro divórcios.
Meu pai não trata suas esposas dessa maneira. Ele as exibe como os
troféus conquistados ao longo de sua carreira. Não se preocupa se elas estão
felizes ou tristes. O que importa para Ricky é ser visto e lembrado.
Mordo a ponta da língua e me obrigo a prestar atenção na conversa
se desenrolando diante de mim. Anne e Claire estão entusiasmadas
conversando sobre uma empresa de tecidos da costa leste, enquanto Dave
finge entender. Ao notar o meu semblante, ele indica a torre com bebidas.
Caminhamos até lá.
Pego uma taça de champanhe e ele faz o mesmo.
— Então, o lance do namoro entre vocês é sério mesmo.
Bebo um gole, escondendo o sorriso atrás da taça.
— Tão sério que chegou aos ouvidos do meu pai.
— Sério?
— Infelizmente, sim — falo. — Ele me ligou hoje à tarde,
preocupado se o namoro não vai afetar a minha performance ao longo da
temporada.
Dave é uma das únicas pessoas que sabe sobre as cobranças
intermináveis de Ricky para cima de mim. Até tentei contar a verdade para
Mason e Keeran, mas travo todas as vezes. Abrir meu coração e despejar a
verdadeira faceta do meu pai para os meus amigos não é tão fácil quanto eu
gostaria.
E mesmo que Mason já não goste muito dele, sinto que eles iriam
me tratar diferente quando descobrissem. A maioria das pessoas acham que
ser filho de um astro é um presente divino. Um golpe de sorte do caralho.
Quase como nascer com a bunda virada para a lua. Mal sabem eles que
viver isso na pele é bem diferente.
— Que merda, cara. — Dave sorve um gole do champanhe. — E
como você está com isso?
— Tranquilo, porque não tem como Anne me atrapalhar no esporte
se ela nem é minha namorada de verdade. — Abaixo o tom de voz,
agradecendo pela música ambiente impedir que outras pessoas escutem a
nossa conversa. — Ainda assim, sei que terei que encarar uma longa
discussão quando for almoçar com ele de novo.
— Já sabe quando vai ser?
— Em breve. Ele quer conhecer Anne também.
Dave assovia.
— Vai ser um almoço longo, então.
Concordo com um aceno.
— Não estou nem um pouco entusiasmado para esse dia.
— Bom, se serve de consolo, eu também estou apavorado para
conhecer a família da Claire.
Embora namorem há praticamente um ano, Dave ainda não teve a
oportunidade de conhecer a família de Claire por completo. Os pais dela
viajam muito por causa do emprego como cirurgiões cardíacos em North
Groove, então a única vez que eles estiveram reunidos foi no Dia de Ação
de Graças no ano passado.
E o pai dela estava ausente porque surgiu uma emergência de última
hora.
— Cuidado, as chances dele te furar com um bisturi no meio do
jantar são bem altas.
Dave se arrepia da cabeça aos pés.
— Você não está ajudando, Rollins.
— Você sabe que conselhos familiares não são a minha praia,
Morris — esclareço. — Mas é impossível o pai da Claire não gostar de
você. Já se olhou no espelho? Se ele te odiar, vou chamar o time em peso
para aterrorizar ele no estacionamento do hospital em que trabalha.
— Aí é de vez que ele vai me odiar.
— Dizem que a primeira impressão é a que fica. Ele não vai
conseguir te esquecer nem mesmo se quiser.
A nossa conversa é interrompida com a aproximação de Claire e
Anne. Dave não perde tempo e enlaça a cintura da namorada com o braço
livre, dando um rápido beijo em sua boca. As coisas entre eles são tão
naturais que nem soa desconfortável.
Movo meus olhos para o rosto de Anne e me deparo com ela já me
observando. Trocamos um olhar silencioso. Arrumo uma mecha do seu
cabelo atrás da orelha, movendo os dedos em câmera lenta. Como de
costume, ela respira baixinho, controlando as reações do próprio corpo.
Beijo a sua testa do jeito mais natural possível e sou pego de
surpresa ao senti-la se aconchegar mais perto de mim, o nariz tocando a
ponta do meu queixo.
— Saiba que isso é encenação, Reed — avisa. Os lábios, então,
depositam um beijo no meu pescoço. Nessa hora, o oxigênio é totalmente
drenado dos pulmões. — Porque não estou gostando nem um pouco de
sentir suas mãos em mim.
— É claro que não, joaninha — sussurro de volta e pouso minha
mão em sua cintura, subindo os dedos pela coluna. — Também estou
odiando sentir a sua boca no meu pescoço.
— É o único lugar que ela vai tocar, já aviso de antemão.
Uma curta risada arranha minha garganta.
— Eu já não posso dizer o mesmo sobre a minha.
Ela levanta o rosto. As sobrancelhas estão tão franzidas que chegam
a se tornarem uma só. Uso o polegar para acariciar o centro de sua testa,
desfazendo o franzido.
— Você é linda demais para ficar fazendo careta para mim o tempo
todo.
— E você fica muito mais bonito de boca fechada.
Abro um sorriso malicioso.
— Você me acha bonito, então?
Ela pisa de brincadeira no meu pé e dá um passo para trás. Enceno
um gemido de dor, me afastando também. Só depois que percebo que Claire
e Dave estão nos assistindo com um vinco de preocupação. É difícil dizer o
que se passa na cabeça deles, mas não deve ser algo muito amigável, porque
o lábio inferior de Dave se contrai de um jeito que só acontece quando ele
grita comandos durante o jogo.
— Então...
Suspiro de alívio no momento em que Dave é interrompido com a
chegada de JP. Ele nos cumprimenta com um sorriso tão largo que dói
minhas bochechas só de olhar.
— Estou feliz que vocês tenham vindo. Minha namorada está
ansiosa para conhecer vocês. — Ele se vira e grita de um jeito nada
elegante: — Ei, Gina, venha aqui!
Escuto o batuque de saltos se aproximar e meu coração para de bater
por um milésimo de segundo. Bons generosos anos podem ter se passado,
mas eu a reconheceria em qualquer lugar. O cabelo ruivo é algo difícil de se
esquecer, ainda mais quando já estampou várias capas de revistas de
fofocas.
— Gina, meu amor, quero que você conheça os meus parceiros de
time e suas namoradas. — JP apresenta primeiro Dave e Claire e então se
vira para nós. Há um nó comprimindo o meu estômago. — E esses são
Anne Scott e ...
— Reed Rollins. — Ela interrompe o namorado, os olhos tão
arregalados que poderiam saltar de órbita.
— Gina Bastien. — Faço um rápido aceno de cabeça. O ambiente
gira ao meu redor em um carrossel em alta velocidade.
— Vocês se conhecem? — JP pergunta em uma careta nada discreta.
Procuro pela mão de Anne, entrelaçando os nossos dedos. O que
estou prestes a dizer não vai ser nem um pouco divertido.
— Gina é a terceira ex-esposa do meu pai.
 
“Eu senti amor, encontrei paz do tipo mais puro e o seu amor brilha tão
forte.
Você me traz de volta à vida”
God Made You Beautiful | Beyoncé
 

 
Se constrangimento tivesse um cheiro, eu diria que seria de
champanhe importado.
As bochechas coradas de Gina denunciam a sua vergonha. Já o seu
namorado esboça uma expressão nada contente, os cantos dos lábios
pendendo para baixo. Nenhum de nós esperava por uma situação como
essa.
— Oh! — Claire arfa ao meu lado e cobre a boca com a palma da
mão.
— Isso não tem nenhuma graça, Rollins — JP resmunga. A mão
dele pousa sobre o ombro nu de Gina, puxando-o para mais perto.
— Ele não está brincando, JP — ela diz. — Fui casada com Ricky
Rollins há alguns bons anos. Você não se lembra porque, bem... era uma
criança.
Os acordes da música clássica mudam e os dedos de Reed se
apertam com mais força ao redor dos meus. Minha garganta coça para fazer
uma reclamação, mas sei que essa não é a melhor hora. Gina está quase
cavando um buraco no piso para se esconder.
Me apresso em tomar uma atitude. Se a gente continuar nessa
tensão, vou acabar vomitando em meus próprios pés.
— Seu restaurante é lindo, Gina — elogio. — Estou encantada com
a arquitetura. 
Gina abre um sorriso que deixa evidente o seu alívio.
— Depois de um tempo conturbado na minha vida, decidi me mudar
para a França. Me especializei em vários cursos de gastronomia e, como o
meu avô era francês, decidi abrir esse restaurante em sua homenagem —
explica, entusiasmada. — É uma realização não somente para mim, mas
também para a memória dele.
Ela continua seu discurso sobre os anos vivendo na França e,
conforme o assunto avança, Reed relaxa ao meu lado. Seu aperto se torna
mais leve e as gotículas de suor deixam de existir.
— Daqui a alguns minutos, vamos servir o bufê. Fiquem à vontade
— Gina avisa e afaga meu ombro, em um gesto de agradecimento não dito
em palavras.
Abro um sorriso e observo ela e JP se moverem em direção aos
outros convidados, dando-lhe as boas-vindas. Gina tem uma presença
marcante. O cabelo ruivo destaca sua pele branca como a neve e os olhos
verdes são idênticos a uma floresta. O vestido vermelho a deixa ainda mais
deslumbrante.
— Quando o seu pai se casou com ela?
Reed também está a observando.
— Quando eu tinha 13 anos, eu acho. Não me lembro ao certo. — A
taça de champanhe continua em suas mãos. — Foi o casamento mais longo
e eles tiveram gêmeos. Foi a única esposa que não detestei.
— E por que eles se divorciaram?
Reed dá de ombros.
— Pelo mesmo motivo que todas as outras pessoas se divorciam.
— E qual seria?
— Não faço ideia. Nunca fui casado, Annie — diz, debochado.
— Larga de ser chato, Reed — reclamo. — Houve traição?
Uma centelha de mágoa cruza o seu olhar, mas desaparece tão
rápido quanto surgiu.
— Não que eu saiba. Acho que as coisas só pararam de dar certo. —
O garçom passa do nosso lado e Reed me entrega uma taça de champanhe.
Experimento um golinho. — Gina se mudou para outra cidade e seguiu com
a vida.
— E os gêmeos?
— Eles detestam futebol americano. — Ele soa brincalhão. —
Então, digamos que eles não são os filhos favoritos do meu pai.
— Ah, então é você?
Reed levanta uma das mãos e faz um sinal para o próprio corpo
atlético.
— Sou o favorito de todo mundo.
— Menos o meu.
— Ainda não sou — me corrige e dá um peteleco no meu nariz. —
É só uma questão de tempo para que eu seja o seu número um.
— Você já é o meu número um.
— Sou? — Há um traço de esperança em sua voz.
— Óbvio que sim. — Fico na pontinha dos pés e sopro o ar quente
em sua boca. — O número um da lista de pessoas que mais odeio.
Reed reage de um jeito inusitado. Leva a taça de champanhe aos
lábios, sorvendo um generoso gole. Em nenhum momento, ele desvia o
olhar do meu.
— Continue repetindo isso que, quem sabe, você consiga me
convencer que todo o seu ódio por mim não é tesão reprimido.
A taça é abaixada. Não há nenhum resquício de bebida ali.
— Posso ter muitas coisas reprimidas, Reed, mas tesão por você não
é uma delas. Não tenha dúvidas disso.
— Quero ouvir você dizer isso daqui a três meses.
Dessa vez, sou eu que encho a minha boca de champanhe. O gosto é
tão maravilhoso que quase me esqueço que Reed Rollins habita o mesmo
universo que o meu.
— Daqui a três meses, eu espero estar bem longe de você, isso sim. 
Reed ri. O som repercute pelo meu corpo como uma rajada de vento
que antecede a tempestade. O rumo dessa conversa se torna cada vez mais
perigoso.
— Guarde bem suas palavras, joaninha — sussurra em meu ouvido.
— Porque não vou hesitar em usá-las contra você quando estiver deitada na
minha cama implorando por mais.
Entro no seu jogo. Giro sutilmente o corpo para o lado, de forma
que agora estejamos de frente um para o outro. Reed está bonito pra cacete
com o cabelo penteado para trás, a camisa branca com os primeiros botões
abertos e a barba bem feita.
— E pelo o que eu imploraria?
O pomo-de-adão sobe e desce conforme ele engole em seco. A mão
livre, que não está segurando a taça, contorna a minha cintura de um jeito
nada comportado. O polegar brinca com a costura do vestido, se
aproximando de forma perigosa da minha bunda. Se ele me tocar lá, não
garanto que ele voltará para casa com o nariz inteiro.
— Por minha boca em todos os lugares do seu corpo. — O tom é tão
baixo que, se eu não estivesse com a atenção fixa em seus lábios, eu jamais
entenderia. — Até mesmo naqueles lugares que nunca ninguém ousou
experimentar.
Uma batida do meu coração vacila e preciso me controlar para não
esboçar nenhuma expressão.
— Sorte a nossa, então, que isso nunca vai acontecer. Porque a única
coisa pela qual vou implorar é para que você desapareça da minha vida.
— Só mais alguns meses, Annie. — Reed abaixa a mão, deixando o
calor da sua ausência em minha pele. — E então você vai poder fazer uma
festa em minha despedida.
— Vou esperar ansiosamente por esse dia.
Limpo o cantinho dos lábios molhados de champanhe com a ponta
dos dedos. Reed acompanha o deslizar do meu polegar, meio fascinado.
— Eu também esperarei. Vou até mesmo marcar no meu calendário.
— Também quer se livrar de mim?
Ele sorri, acentuando a covinha.
— Você não imagina o quanto.

Estou mais bêbada do que gostaria.


Tudo ao meu redor está girando de um jeito nada legal. Solto um
arroto, rindo comigo mesma e torcendo para que Reed também dê uma
gargalhada. Ele, no entanto, mantém a atenção fixa no trânsito.
Depois da conversa que tivemos, me entupi de champanhe com
Claire até que o jantar fosse servido. Gina fez um discurso genial,
agradecendo a presença de todos e a ajuda que o namorado, JP, lhe ofereceu
durante o processo de abrir o próprio restaurante. Foi tão fofo que eu quase
acreditei que o amor pode nos encontrar incontáveis vezes ao longo da vida.
Os efeitos da bebida surgiram depois, mais especificamente ao final
da inauguração. Claire não estava em condições melhores que as minhas
quando entrou dentro do carro de Dave, dando tanta risada que chamou a
atenção de alguns garotos do time.
Eu já fui mais contida.
Ou talvez não.
Não sei.
Reed está me ignorando desde que colocou o cinto de segurança em
mim.
— Você não vai dizer nada? — Choramingo, emburrada.
Ele diminui a velocidade do Jeep e noto, de relance, que já
chegamos em casa. Mais especificamente, na casa que ele divide com os
amigos. Ainda não considero esse lugar minha casa de verdade. Nem sei se
vou considerar. Não quero me apegar para, daqui a três meses, ter que
recomeçar novamente.
— O que você quer que eu diga? — Desliga o motor do carro. As
luzes traseiras permanecem acesas, impedindo que a gente fique na
escuridão da garagem.
— Não sei. — Deito a cabeça no encosto do assento. — Que eu sou
muito divertida?
— Você não é divertida, Annie.
Suspiro baixinho, meu corpo ficando molengo.
— O que eu sou, então?
— Uma bêbada irritante.
Escuto o clique do meu cinto e, depois, vejo seus dedos o
empurrando para trás, me libertando. Antes que ele possa se afastar, fecho
minhas mãos ao redor do seu braço. Nossos rostos estão próximos, de um
jeito que me faz enxergar detalhes que eu não havia percebido antes.
Reed tem uma minúscula pintinha próxima do olho. É tão pequena
que preciso estreitar os olhos para conseguir enxergá-la com clareza.
Afundo o dedo ali e solto uma risada.
— Não pedi para que você me insultasse — murmuro, grogue. —
Queria que você me elogiasse.
Uma mecha do meu cabelo é afastada para trás. Só agora me dou
conta de que uma parte da franja estava recaída sobre o meu olho, me
impedindo de enxergar com clareza. Noto que as luzes abaixaram a
intensidade, de forma que uma sombra escura nos cerca.
— Que elogio você quer ouvir, joaninha?
Passo a língua pelos dentes, a boca seca.
— Você me acha bonita?
— Sim.
— De verdade?
Reed abre um sorriso.
— Sim, Scott. Eu te acho bonita.
— E divertida?
Dessa vez, o sorriso desaparece, dando vez a uma careta.
— Nem sempre.
Murcho.
— Posso lidar com isso, porque você também é bem chato. — Me
aconchego melhor no assento, o sono chegando. — Tão chato e sem graça
que me dá preguiça.
O som da risada dele preenche o espaço.
— E você?
— O que tem eu?
Reed abaixa a vista e seus dedos pousam sobre os meus. Percebo,
tarde demais, que minha mão ainda está em seu braço, impedindo que ele se
mova. Antes que eu tenha a chance de me afastar, ele entrelaça os nossos
dedos. Exatamente como aconteceu durante toda a noite no restaurante, é
estranho sentir o calor de sua pele contra a minha.
Sua mão grande praticamente engole a minha. Sou um bichinho
indefeso entre seus dedos.
— Você também me acha bonito?
Meu dedo, que ainda estava em sua bochecha, desliza para cima.
Acompanho o contorno de suas sobrancelhas e desço ao longo do nariz reto,
chegando aos lábios. Minha mão treme, enquanto a outra permanece
escondida embaixo da sua.
— Às vezes — confesso. — Depende do dia, na verdade.
— E hoje?
Minha mão continua a descer, chegando na gola da camisa. Brinco
com o botão. Minhas pálpebras estão pesadas, mas obrigo-as a se manterem
abertas. Essa é uma das poucas vezes que estou conversando com Reed sem
querer arrancar a sua cabeça ou chutar a sua bunda.
— Hoje, sim. — Fecho os olhos. — Hoje você está muito bonito.
Mas, por favor, vamos fingir que eu nunca disse isso.
Reed ri.
— Não se preocupe. Seu segredo estará a salvo comigo. Vou
guardá-lo em meu coração.
Resmungo uma resposta que nem eu mesma consigo entender. A
escuridão então, causada pelo sono e pela bebida em excesso, me atinge em
cheio e a última coisa que sinto é o polegar de Reed acariciando meu pulso,
os outros dedos ainda juntinhos ao redor dos meus — da mesma forma que
estiveram ao longo de toda a noite.
Isso me faz sorrir. E eu prefiro não saber o motivo.

Acordo na manhã seguinte com uma terrível dor de cabeça e um


mau humor do caralho.
Fragmentos da noite anterior retornam de forma bagunçada e a
última coisa que me recordo é de ajeitar a montanha de travesseiros entre
mim e Reed antes de pegar no sono. Quando saí do quarto, encontrei Mason
preparando o café da manhã na cozinha. Ele disse que Keeran e Reed
saíram para treinar e que não voltariam até a hora do almoço.
Foi com essa informação em mente que decidi pegar um ônibus e ir
até Sunbay visitar a minha mãe depois de vários dias ausente.
Encarar uma conversa com Reed sobre o meu comportamento
bêbado não é o meu top cinco de assuntos favoritos do momento. Prefiro
empurrar para debaixo do tapete pelo máximo de tempo disponível. Ou
seja: até o sábado acabar.
E enquanto o relógio não marca o fim deste dia, eu vou me refugiar
na pequena casa de três quartos em que morei até alguns meses atrás.
Quando saltito para fora do ônibus, encaro a fachada. A maioria das
casas em Sunbay são tão compostas por aquela energia praiana: grandes
varandas que oferecem uma sensação de conforto e gramados verdinhos,
além de um deque com churrasco.
No entanto, diferente das outras residências da vizinhança, a casa de
minha mãe é uma extensão de sua personalidade. Basta bater o olho nela
que você diz: essa casa é de Daisy Scott.
Minha mãe é um ser humano cheio de energia, com uma luz que
preenche nossos corações. Ouvi dizer uma vez que cada pessoa tem uma
cor de áurea. Daisy Scott tem todas as cores. Ela é uma mistura de tenra
alegria e doce felicidade.
Quem a vê andando pelo calçadão de Sunbay e trabalhando até tarde
mal imagina que, no auge do seu casamento, perdeu o marido em um
acidente no mar.
Ninguém da família gosta de falar sobre esse assunto. Nem ela, nem
eu e tampouco Alex. A morte de Gustaf é aquela ferida que luta para se
cicatrizar. Seu processo de cura é lento e, quando achamos que ela não
passa de um machucado esquecido, a lembrança retorna e tudo volta a ser
como antes.
De nós três, eu sou a única que não sofre com a dor das memórias.
O que eu tenho são fotografias e cenários que minha própria imaginação
criou a respeito do meu pai. Durante a minha infância, eu imaginava que, se
tivesse outra chance, ele me buscaria na escola nos finais de tarde e me
ensinaria sobre navegação.
Aos finais de semana, nossa família sairia reunida para passear de
bar e contemplar o pôr do sol no horizonte. Nesse mundo utópico que criei
através de fotografias espalhadas pela casa, Gustaf e Daisy viveriam a sua
história de amor até o último suspiro de suas vidas.
Seria eterno, como deveria ter sido desde o começo.
Pena que a vida não funciona desse jeito.
Limpo uma lágrima solitária que eu nem percebi que havia
derrubado e subo os degraus que levam a porta de entrada na varanda
comprida. Como de costume, há vasos de cactos descansando no parapeito
da janela e um carrinho de tintas encostado no canto.
Fecho os dedos em punho e dou duas batidas na porta. Logo em
seguida, sou recebida por um abraço que tem cheiro de hortelã e amaciante
de roupas.
— Achei que tivesse esquecido que sou sua mãe, danadinha! —
Aperta minha bochecha. — Seu irmão já voltou para North Groove porque
tem um jogo importante da liga infantil hoje. Então, seremos só nós duas.
— Melhor ainda. Assim, não preciso aguentar ele pegando no meu
pé.
Daisy dá uma curta risada e move os pés para trás, me dando
passagem para entrar. O ambiente é uma mistura de cores vibrantes e obras
de arte penduradas nas paredes coloridas.
— Podem se passar anos e vocês dois ainda vão se comportar como
dois adolescentes quando estão juntos.
— Ele que é irritante pra cacete.
— Olha a boca, Anne! — Ela dá um tapinha de brincadeira na
minha bunda e me empurra para o sofá. A cozinha fica ao lado da sala,
então consigo vê-la se movimentar enquanto prepara um chá para nós duas.
— Ele foi te visitar na lanchonete?
— Foi sim, ontem à tarde. Conversamos e logo depois ele foi
embora. Disse que tinha uns problemas para resolver antes de voltar para
North Groove.
A água quente é despejada em uma das xícaras.
— E como estão as aulas?
— Estão bem. Estou com dificuldade em Redação Criativa, mas
nada que você deva se preocupar.
Daisy franze as sobrancelhas loiras de forma que as rugas ao redor
dos seus olhos esverdeados se acentuam.
— Não me preocupar? — Faz um muxoxo. — Isso jamais vai
acontecer. Vou me preocupar com você e com Alex até quando eu não
estiver mais aqui.
Abraço uma almofada no formato de um pavão.
— Você merece viver, mãe. Viver os anos que nós sugamos de você.
— Ninguém sugou nada de mim, Anne — me repreende. — Estou
muito feliz assim.
Ela termina de encher a última xícara e devolve a chaleira para o
fogão. Retorna para a sala com uma bandeja com os nossos chás e uma
fornada de cupcakes em um pratinho. O cheiro de chocolate me dá água na
boca e preciso me segurar para não atacá-los.
Não tomei café antes de vir para cá. Só levantei da cama, me
arrumei e entrei no primeiro ônibus. Nem mesmo chequei o meu celular.
Deve haver inúmeras mensagens de Claire comentando sobre a noite
passada.
— Queria que você se divertisse mais... — Pego a xícara com o chá
fumegante. — Saísse com suas amigas, viajasse para North Groove e, sei lá,
tatuasse um elefante na bunda.
Ela dá risada.
— Estou feliz assim, Anne. — Se acomoda ao meu lado no sofá e
usa uma das almofadas coloridas para apoiar as costas no encosto. — Gosto
de passar minhas tardes trabalhando na lavanderia e pintando quadros pela
manhã. Não existe nada mais satisfatório que terminar a noite bebendo uma
taça de vinho ao som de Madonna.
— Tem certeza?
Os dedos finos empurram os cabelos loiros e curtos para trás,
revelando os ombros cobertos por um vestido de babados na cor vermelha.
O tom combina com a sua pele branca e levemente bronzeada por causa do
sol.
— Não pense tanto nesse assunto — diz daquele jeito manhoso que
toda mãe domina como ninguém. — Você é jovem demais para ficar
pensando se eu estou tatuagem um elefante na minha bunda ou não.
Dessa vez, a risada me escapa antes que eu possa me controlar.
— Só quero que você seja feliz.
Quando digo isso, nossos olhares recaem sobre o porta-retrato na
estante. Ela e Gustaf estão abraçados na orla de Sunbay, logo após a
cerimônia do seu casamento. A foto, por causa da passagem do tempo, está
amarelada em alguns cantos. O registro não faz jus a beleza da cidade
litorânea.
— Eu sou muito feliz, Anne. — A voz dela soa distante. — Sou
feliz pela família que construí, pelo amor que ainda sinto por seu pai e por
ter dois filhos maravilhosos.
Discretamente, enxugo uma lágrima traiçoeira.
Deixo a xícara em cima da mesinha de centro, que é um caixote
antigo, e puxo minha mãe para um abraço. Enterro o rosto na curva do seu
pescoço e fecho os olhos, desejando transmitir, por meio desse gesto, o
amor gigantesco que sinto por ela. Bem lá no fundo, nós sabemos que ela só
não desistiu porque tinha Alex e eu em suas vidas.
E nós sempre seremos gratos por ela enfrentar tantas coisas em prol
da nossa felicidade.
 
 
“Não quero, mas eu penso em você”
Heat Waves | Glass Animals
 

 
Sábado é o dia que Dave, Mason, Keeran e eu nos reunimos na sala
e assistimos um filme na televisão.
A tradição começou quando Dave descobriu que eu tenho uma
paixão — nada secreta — por produções cinematográficas. Então, depois de
muita insistência e um longo jogo de suborno, Keeran e Mason aceitaram se
juntar a nós. Para tornar o processo mais justo, cada um tem direito a
escolher um filme por mês.
Hoje, a escolha foi Uma Linda Mulher.
Não vou nem comentar sobre quem foi que fez essa escolha, porque
a resposta é óbvia.
Jogo o meu corpo no sofá e levo um punhado de pipoca à boca,
esperando que Mason ache o filme na Netflix. Cinco minutos depois,
Keeran e Dave retornam da cozinha com quatro garrafas de cerveja. Acho
que esse é o último final de semana que podemos encher a cara sem ter
medo das consequências.
A temporada de jogos começa na segunda e temos o primeiro jogo
marcado contra os State Tigers na sexta. Estou borbulhando em tensão e
expectativa. Temos esperança de conseguir chegar aos playoffs desta vez. O
treinador também está confiante.
— E a sua namorada? — Keeran pergunta, ao se acomodar na
poltrona livre e chutar os coturnos para longe.
Dave senta na poltrona oposta e se livra da jaqueta do time.
— Não faço a mínima ideia.
A noite anterior foi uma comédia. O que começou com um clima
terrível no restaurante terminou com Anne bêbada dentro do meu carro
perguntando se eu a achava bonita. Foi difícil conter a risada ao vê-la
choramingar e fazer beicinho.
Depois de ajudá-la a subir para o quarto, dei a devida privacidade
para que trocasse de roupa e escovasse os dentes. Quando entrei no quarto,
Anne estava com o corpo esticado na cama e o rosto enterrado no colchão.
Sem escolha, me vi ajeitando a colcha e a colocando para dormir com a
barreira de travesseiros nos separando.
Não preguei os olhos quase a noite inteira. Só fiquei lá, deitado,
encarando o teto e ouvindo o som da sua respiração calma. Ainda estou
com dificuldades em acreditar que JP, o meu colega de time, está
namorando Gina, a ex-mulher do meu pai e 16 anos mais velha que ele.
— Ela saiu logo depois que vocês foram treinar — Mason diz. —
Não disse para onde iria, mas parecia apressada.
Dou uma checada no meu celular. São oito horas da noite. Sei que
não tenho nada a ver com o que Anne faz ou deixar de fazer, mas fico
momentaneamente preocupado com o seu paradeiro. Será que ela foi se
encontrar com alguém? Um possível namorado?
Para com isso, Reed.
— E a Claire? — Mason pergunta para Dave ao se levantar do chão
e pegar por sua bacia de pipoca.
— Está na irmandade trabalhando em um projeto de roupas
sustentáveis que ela vai apresentar na segunda para uma empresa da costa
leste.
Mason se senta ao meu lado e bebe um gole da cerveja. Keeran faz o
mesmo e solta um arroto nada discreto. Dave nem fica incomodado. Na
fraternidade, deve ser ainda pior.
— Quer dizer, então, que hoje podemos convidar várias strippers
para a nossa noite do filme? — As sobrancelhas de Keeran fazem uma
dancinha ridícula.
— Você não consegue pensar em outra coisa além de mulher, cara?
Escondo uma risada atrás da almofada.
— Futebol americano também. 
Dave anui em concordância, mas a expressão no rosto dele me dá
vontade de gargalhar alto. Ele bem que tenta, mas é péssimo em disfarçar
quando não está contente com algo.
— Nada além disso?
Keeran observa o rótulo da cerveja.
— E precisa de algo além disso?
Meu melhor amigo pressiona a ponte do nariz e gesticula com o
queixo para Mason.
— Só coloca esse filme de uma vez, Henderson.
Keeran dá uma risada e apaga as luzes, deixando somente o abajur
lateral aceso. 
O play no filme é dado e o rosto de Richard Gere, no papel do
bilionário Edward, ilumina a sala. Julia Roberts está bonita pra cacete em
Uma Linda Mulher. A gente entende porque o Edward se apaixonou por ela.
Até eu me apaixonaria, porra.
Quando a icônica cena ao som de Oh, Pretty Woman começa, a porta
de entrada é aberta. O curioso é que só eu pareço notar. Keeran, Mason e
Dave mantém seus olhos fixos na televisão, encantados com Vivian
provando roupas e mais roupas em lojas de grife.
Estico o pescoço e procuro por Anne. De costas para a sala, ela tira
os sapatos e pendura a jaqueta no cabideiro, fazendo o mesmo com a bolsa.
As luzes apagadas não me oferecem uma visão digna de um Oscar, mas é
boa o bastante para que eu a note franzir as sobrancelhas para a televisão.
— Vocês estão assistindo Uma Linda Mulher?
Mason e Dave praguejam um palavrão ao levarem um susto do
caralho. Keeran procura o controle e pausa o filme. A expressão no rosto
indica que ele não gostou da intromissão.
— Cacete, Anne. — Mason leva a mão ao coração. — Que porra.
Desde quando você está aí?
— Acabei de chegar. — Cruza os braços e se aproxima. — Desde
quando vocês assistem filme de romance?
Keeran bebe um gole da cerveja.
— Homens não podem assistir filme de romance?
— Não foi isso que eu disse.
— Mas foi isso que você pensou, joaninha — provoco-a, lhe
direcionando uma piscadela.
Ela bufa em descontentamento e gesticula com o queixo para a
televisão. Não acredito que paramos na melhor parte do filme. Ver um
bilionário se apaixonar por uma prostituta nunca foi tão divertido.
— De quem foi a ideia?
Mason vira no sofá, ficando de joelhos para conseguir observá-la.
Noto que os olhos de Anne estão inchados, como se tivesse chorado antes
de vir pra cá.
— Todo sábado, a gente assiste a um filme. Hoje foi meu dia de
escolher. — Balança as sobrancelhas, animado.
— Quer se juntar a nós? — Dave é quem pergunta com o seu jeito
gentil de sempre. — Ainda tem pipoca e cerveja sobrando.
Anne vacila, ponderando se deve aceitar o convite. Mason faz um
biquinho e pisca as pálpebras igualzinho ao Gato de Botas. Se ele não
conseguir convencer Anne a se juntar a nós, ninguém mais irá. 
— Okay — cede e contorna o sofá, se sentando entre mim e Mason.
— Vocês me convenceram, mas só por causa da pipoca. A cerveja eu
dispenso.
Oculto o meu sorriso atrás do gargalo.
— Noite difícil, Scott?
Ela me fuzila com o olhar.
— Você não faz ideia do quanto, Rollins.
Entrego a Anne a minha vasilha com pipoca e Dave volta a dar play
no filme. Dessa vez, não somos interrompidos por ninguém.

Estou saindo do chuveiro quando vejo Anne parada em frente às


prateleiras que tenho pregadas na parede. Há ali vários troféus conquistados
na época da escola, tanto da liga infantil quanto da juvenil. Exibi-los por aí
foi ideia do meu pai. Por mim, eles estariam encaixotados dentro do
armário.
Pigarro, chamando sua atenção. Anne continua de costas para mim,
os braços cruzados na altura do peito.
— É uma coletânea invejável. Desde quando você joga?
— Desde os dez anos.
Ela assovia.
— Tempo pra cacete. — Seu tom de surpresa chega a ser palpável.
— Foi ideia do seu pai?
Respiro fundo, me recordando de quando conquistei o primeiro
troféu. Ricky Rollins mandou fazê-lo com um dos seus amigos. Não era
nada relacionado aos campeonatos estudantis. Foi mais como uma
recompensa por eu ter decidido que queria jogar futebol americano.
Lembro-me como se fosse ontem quando ele bagunçou meus cabelos e
disse que tinha um presente para mim.
Desde então, conseguir outros troféus se tornou um objetivo. Não
somente para mim, mas para ele também. A ideia sempre vai ser que eu
conquiste o mundo e que me torne tão bom quanto ele foi — melhor, até. É
tão cansativo que, às vezes, gostaria de ter dez anos novamente e decidir
por outros esportes. Beisebol, talvez.
— Inconscientemente, sim — confesso. — Sabe aquele desejo de
criança de agradar aos pais? Conseguir fazer com que eles abram aqueles
sorrisos direcionados somente para a gente? Era isso que eu queria. Queria
que meu pai sorrisse cheio de orgulho para mim.
— E então você começou a jogar futebol americano.
Confirmo com um aceno e me aproximo, ficando de frente para os
troféus na parede.
— Você já pensou em parar?
A pergunta me faz virar o rosto. Anne imita a minha posição, me
observando com seus olhos esverdeados. Hoje, eles estão mais escuros, até
meio líquidos. Sei que ela chorou antes de voltar para casa, mas não acho
que tenhamos intimidade para eu perguntar o que aconteceu.
Ela me odeia, afinal de contas.
E a gente nunca confia nossos segredos e inseguranças a esse tipo de
pessoa.
— Nunca. Não é uma possibilidade. — Anne concorda, em silêncio,
provavelmente sem saber o que dizer. — E você?
— O que tem eu?
— Gosta de futebol americano?
O rosto dela se contorce faz uma careta que me arranca uma risada.
— Gostar é uma palavra muito forte. Eu apenas aturo por causa do
meu irmão.
Se me lembro bem, Anne tem um irmão mais velho, Alex Scott.
Não o conheço, mas pelo o que Dave me contou, ele era a estrela dos
Rebels Of Horizon anos atrás. Só que, contrariando as possibilidades e o
que o pessoal dizia, ele não se inscreveu no draft. Decidiu que queria ser
treinador e jogou para o alto a chance de ser uma estrela da NFL.
Admiro a coragem dele, porque esse é o tipo de decisão que eu
dificilmente tomaria.
— A propósito, tenho um jogo na semana que vem. Como é em
Barryton, você deu sorte. — Uma ruguinha na testa de Anne surge, em sinal
de que não está entendendo nada do que estou falando. — Mas, da próxima
vez, quero que você vá me assistir.
— Nem fodendo.
— Ah, você vai sim. — Diminuo a distância entre nós e giro o
polegar ao redor da correntinha que descansa em seu pescoço. — E você
ainda vai usar uma camiseta com o meu nome estampado nas costas.
Seus lábios se repuxam em uma linha reta de puro
descontentamento.
— Você está fazendo isso por que me odeia? É algum tipo de
vingança pelo que aconteceu ontem à noite?
Sorrio.
— Eu não iria tocar no assunto, mas já que você abriu essa boca
safada pra me relembrar...
— Não aconteceu nada ontem.
Inclino a cabeça para o lado em um gesto de deboche.
— Tem certeza? Porque, se me lembro bem, você perguntou se eu te
achava bonita.
As bochechas assumem um delicioso tom rosado. Ela está tão fofa
de braços cruzados e com a petulância colorindo as suas feições que tenho
vontade de puxá-la para mais perto e enterrar o meu nariz em seu pescoço
só para sentir aquele delicioso cheiro de morango que emana de sua pele.
— Eu estava bêbada.
Ergo uma única sobrancelha.
— E o que isso significa?
Anne dá um passo para frente e fica na ponta dos pés, de forma que
nossos narizes se mantêm separados por pouquíssimos centímetros.
— Significa que minha capacidade de formar pensamentos
coerentes foi pro ralo. Virou líquido feito de cevada, caso ainda não tenha
entendido.
Preciso tossir para mascarar a minha risada.
— Então agora eu posso dizer que você é tudo, menos bonita?
Ela abre um sorriso cheio de crueldade e resvala, propositalmente, a
pontinha do nariz no meu queixo. O toque sutil não deveria significar muita
coisa, nem mesmo me abalar, mas é como se uma bola de canhão acertasse
em cheio o meu estômago.
— Você pode até dizer — sussurra cada uma das sílabas com uma
lentidão cheia de luxúria —, mas eu sei que é mentira. Seus olhos não
mentem, Reed.
— E o que eles estão dizendo agora, joaninha?
Longos segundos se passam, com nossos olhares conectados um ao
outro. O quarto desaparece, restando somente Anne Scott e Reed Rollins na
porra do mundo. Sentir essa sensação em toda a minha pele não é nada
confortável. É um grito ensurdecedor para ter cautela.
Preciso fechar as mãos em punho com força para não tocá-la do
jeito que quero.
— Não sei... — A ponta da unha desliza pela extensão do meu
braço. — Me diga você.
Um grunhido escapa da minha garganta e essa é a reação que Anne
precisa para soltar uma risada malvada e mover os pés para trás, se
afastando. A visão dela, com o cabelo bagunçado e os lábios entreabertos,
vai me assombrar por longas noites.
E quando ela gira sobre os calcanhares e segue em direção ao
banheiro, me dando uma visão privilegiada da sua bunda coberta pela calça
jeans, eu tenho a certeza que estou muito fodido.
Fodido em proporções que só um banho de sal vai poder me salvar.
Com isso em mente, forço minha língua a acordar do transe e reagir.
— Annie.
Ela paralisa, a mão fechada ao redor da maçaneta da porta.
— Eu estava falando sério. Quero você na arquibancada usando a
minha camiseta e torcendo por mim como uma namorada apaixonada e
loucamente viciada em ver o seu grande amor jogando deve fazer.
O dedo do meio levantado que recebo faz a noite valer a pena.
 
“Você agarrou meu corpo como se você o quisesse para sempre.
Que mentira, que mentira, que mentira”
What a Time | Julia Michaels (feat. Niall Horan)
 

 
No final da tarde de quarta, estou organizando minhas coisas no meu
novo quarto.
Reed comprou uma cômoda de quatro gavetas, um colchão muito
maior do que o que eu tinha no apartamento de Sidney, uma escrivaninha e,
curiosamente, uma estante para os meus livros. O bônus é uma poltrona
azul bebê. Só de olhar pra ela, fico apavorada porque deve ter custado
muito caro.
Reed Rollins e sua carteira infinita de dinheiro podem ir tomar no
cu.
— Uau — Claire elogia ao passar pela porta segurando uma caixa
com as minhas roupas. — Eu bem que disse para você que vir morar com
os meninos não seria uma péssima ideia.
— É uma ideia horrorosa, na verdade — digo de forma divertida e
tiro dois livros da caixa, colocando-os na estante. — A minha sorte é que
posso usar esses três meses para procurar algo melhor.
— Algo melhor? — As sobrancelhas pintadas com sombra se
erguem de forma que acabam sumindo por debaixo da franja da peruca
ruiva. — Você acha isso aqui ruim?
O indicador aponta para a grande cama de casal e, depois, para o
mural de fotos que o montador dos móveis pregou na parede para mim.
— Não é que seja ruim, Claire. Só que não é meu.
Ela bufa e se deita na cama, balançando os pés.
Hoje, suas roupas não são uma mistura de elementos, o que é uma
novidade. Calças jeans desbotada, camiseta de algodão com uma frase em
italiano estampada que não consigo traduzir e coturnos pretos. O único
ponto colorido é a peruca ruiva comprida com uma franjinha meiga.
— É seu. — Insiste e puxa uma almofada para apoiar embaixo do
pescoço. — Seu quarto tem até um banheiro. Não sei como isso pode ser
insuficiente.
Retorno a atenção para os livros, não querendo discutir com ela.
É difícil fazer Claire entender que conquistar as coisas por conta
própria é algo que priorizo na minha vida. Posso ter esse quarto perfeito
para mim, mas cada item, desde o tapete embaixo da cama às almofadas
coloridas, foram compradas com o dinheiro de Reed.
E até eu pagar por cada item, não vou sentir que eles são totalmente
meus.
Diante do meu silêncio, minha amiga se remexe na cama. Agora, ela
está com a barriga descansando no colchão e as pernas cruzadas para o alto,
o rosto encaixado entre as palmas da mão. O sol atravessa a fina cortina,
iluminando os pontinhos de glitter do hidratante em sua pele negra-escura.
— Eu sei o que você está pensando — fala de um jeito manhoso. —
Você quer que cada item seja seu de verdade e não um mero favor que o
Reed fez para você. Mas, Anne, não tem problema em deixar as pessoas
ajudarem a gente. As coisas que tinham no apartamento da Sidney também
não eram suas.
— Eu só peguei emprestado — retruco. — Ela não me deu de
presente um quarto inteiro mobiliado.
— Encare isso como um empréstimo, então. Depois que os três
meses acabarem, você devolve para o Reed e fim de papo.
Suspiro alto, desistindo de vez de discutir. Claire Howard não vai
largar do meu pé até que eu concorde com ela.
— Tá bom. — Abro um sorriso puramente falso e tiro mais livros da
caixa. — Vou encarar como um empréstimo que custou muito dinheiro.
Ela estreita os olhos, desconfiada.
— Eu sei que você está dizendo isso para que eu cale a boca.
Mando um beijinho no ar para ela. Como resposta, a almofada é
arremessada em minha direção. Só que a mira de Claire é péssima e bem na
hora Mason entra no quarto. O donut bate no seu joelho, caindo no chão.
— Que ótima recepção, hein — debocha com um sorriso de
covinhas e assovia ao notar os móveis. — Que merda deu na cabeça do
Reed? Esse quarto está mais bonito que o meu. E olha que eu tenho um
ótimo gosto para decoração.
Claire ri e dá dois tapinhas no colchão, convidando-o a se sentar ao
seu lado. Mason se joga na cama, testando a maciez e solta um resmungo de
desaprovação.
— Infelizmente, tenho uma notícia ruim para te dar, Anne.
Levanto a cabeça em direção ao som da sua voz.
Mason é enorme. Os ombros largos, a estatura alta e as pernas
compridas fazem dele um jogador e tanto. Ao lado dele, Claire fica igual
uma formiguinha ao lado de um elefante. Basta ele dar um peteleco e ela
estará voando para o outro lado do quarto.
— Pode dizer. Eu aguento mais uma desgraça na minha vida. 
Ele encurva o canto dos lábios em um zombeteiro sorriso.
— A minha cama é bem melhor que a sua — cantarola.
— Oh, que tristeza. — Levo a mão ao coração. — Esse é o seu jeito
sutil para me convidar a dormir com você?
Mason me dá uma piscadela.
— Se você prefere somente dormir, eu não vou me opor, mas
podemos nos divertir de outras maneiras.
Claire dá um cutucão nas costelas de Mason. Ele se contorce,
desviando para o lado.
— Ela tem namorado!
— Reed não é namorado de verdade!
— Não sou o quê?
Todos os rostos se viram para a porta. Reed está parado ao lado do
batente com um dos ombros apoiados. A mandíbula tensionada é um jeito
de mascarar a risada que luta para ser proferida.
— Nada, não. — Mason pisca as pálpebras inocentemente. — O
quarto ficou um tesão. Da próxima vez, vou te contratar como meu
decorador.
Reed entra no quarto e esconde as mãos dentro dos bolsos da calça
jeans. Ao ficar de costas, me pego encarando a sua bunda. Se ele pode ficar
falando da minha, eu também posso olhar para a sua. E é uma bunda bonita.
Charmosa até. Deve ficar mais bonita ainda sem...
Balanço a cabeça, praguejando mentalmente. Horrível. Nojento. Ver
a bunda de Reed Rollins seria repugnante. Essa é a verdade. Tudo que foge
dessa linha é puramente resquício da bebida que ingeri dias atrás.
— Pode ter certeza que vou comprar uma cama no formato de um
carrinho de corrida — Reed cantarola ao se acomodar na poltrona. — E
talvez um ursinho de pelúcia para você abraçar enquanto dorme.
— Você é detestável. Não se espalha os segredos dos amigos assim.
Reed dá de ombros.
— Foi você que começou dando em cima da minha namorada.
— Ela nem é a sua namorada de verdade.
— Nessa vida, tudo é uma questão de perspectiva, Henderson.
Claire engasga, chamando a atenção dos meninos. Só agora que
Reed parece perceber que estou no quarto, sentada no chão ao lado de uma
caixa e arrumando a estante. Seus olhos se movem para o livro que tenho
nas mãos.
— Esse é o livro da Clio?
Abaixo a vista, encontrando o nome de Clio McGoy estampado na
capa, junto do título Adagas & Segredos.
A gente se conheceu durante o verão, quando ela e Sagan vieram
passar curtos meses em Sunbay. Ela trabalhou na livraria de Willa por
algumas semanas e tivemos a oportunidade de conhecê-la. Clio é uma
escritora muito boa. O seu romance de época sobre o assassinato do
príncipe herdeiro é um dos melhores que já li.
— É sim.
— Legal. Ela ainda está na cidade?
— Não, ela voltou para Boston.
Claire faz um biquinho.
— Que pena, achei ela super divertida.
Mason nos observa com um ponto de interrogação pairando acima
da sua cabeça.
— De quem vocês estão falando?
Reed faz um movimento com a mão, dispensando-o.
— De uma escritora que você não conhece, já que as únicas coisas
que você lê são os rótulos de camisinha da farmácia.
Mason cruza os braços.
— Você está me confundindo com o Keeran. E eu não transo. Eu
faço amor.
Dessa vez, rimos em uníssono.
É curioso como Keeran, Reed e Mason são pessoas extremamente
diferentes em questão de personalidade. Keeran tem aquele jeito
galanteador que é difícil de ignorar. Já Mason é igual a um cachorro golden
retriever. Tem toda aquela vibe de bobão. Reed, no entanto...
É o Reed, droga.
Chato, irritante e cheio de si. Não consigo pensar em nenhum
adjetivo bom para descrevê-lo, porque não existe.
— O último romântico da Terra. — Claire afaga o antebraço de
Mason. — Eu te entendo. É difícil viver no século da putaria.
— E como vai o namoro de vocês? — Reed pergunta.
— Às vezes, desconfio que estejamos vivendo um conto de fadas.
— Claire empurra uma mecha do cabelo para atrás da orelha. — Tenho
medo de acordar desse sonho e me deparar com um pesadelo.
— Oh! A Claire está vivendo um conto de fadas, que terrível! —
Reed debocha e Claire dá um empurrão nele, lhe arrancando uma risada. —
Mas agora falando sério, Claire. Dave é apaixonado pra cacete em você.
Aquele típico amor de filme de romance.
— Tipo Edward e Vivian de Uma Linda Mulher — Mason sorri,
animado.
O rosto de Claire se contorce em uma expressão esquisita.
— Você está insinuando que o Dave se apaixonou por uma
prostituta, Mason?
Sou obrigada a encher as bochechas de ar para evitar dar risada.
Mason se remexe na cama e a face assume um tom vermelho. Não sei se é
de vergonha ou vontade de explodir em uma risada. Lanço um rápido olhar
para Reed. Ele mantém a mão fechada em punho em frente a boca,
provavelmente lutando para se manter sério também.
— Prostitutas também são livres para amar, Claire.
— Não foi isso que eu perguntei — sibila.
Mason levanta as mãos em rendição e levanta da cama em um pulo.
A almofada caí no chão, mas ele não a ajunta. Somente salta por cima e
caminha para a porta, praticamente correndo.
— Esqueça o que eu disse, okay? — Cospe as palavras tão rápido
que fica difícil de entender. — Vou descer. Acho que alguém tocou a
campainha.
A porta do quarto é fechada em um baque e o som dos passos de
Mason descendo as escadas ecoa pela casa. Dois segundos depois, Reed e
eu explodimos em uma risada.
— Isso não tem graça nenhuma! — Claire bate com as mãos no
colchão, irritada de um jeito fofo.
— Ah, tem graça, sim. — Reed se curva para frente, ainda rindo. —
Ele nunca mais vai querer assistir Uma Linda Mulher depois dessa.
— E isso agora é culpa minha?
— É claro que sim. — Concordo e fungo igual a um porquinho. Isso
faz Reed rir ainda mais, se contorcendo na poltrona. — Você traumatizou o
cara.
Claire mostra a língua para a gente e, então, seu rosto se ilumina.
Ela levanta a mão em um pedido mudo para que a gente espere e caminha
até onde deixou a sua bolsa. Vasculha o interior e sorri quando puxa um
envelope do fundo. Há um laço brilhante no centro.
— Como vocês bem sabem, o meu aniversário é no mês que vem —
Estende o envelope para mim e gesticula para o Reed. — Como agora
vocês são um casal, minha mãe achou justo que eu fizesse o convite em
nome de vocês dois.
Arregalo os olhos.
— Você contou para a sua mãe?
Os ombros dela se remexem despretensiosamente.
— Por que eu mentiria?
— Porque é um namoro de mentira, talvez.
— Você reclama demais, joaninha. — Reed solta um muxoxo e
puxa o envelope da minha mão, jogando o laço em cima de mim. Seus
olhos deslizam pelo papel, lendo em silêncio o que está impresso. — Uau!
Festa à fantasia com temática de filmes. Posso ir de Coringa?
O lábio inferior de Claire treme em desacordo.
— Eu pensei para vocês algo mais...
Levanto a mão.
— Vocês?
Ela cruza as pernas e pousa uma das mãos sobre o joelho,
assumindo uma postura de quem está no controle da situação.
— É uma festa à fantasia e já que vocês são namorados, a ideia é
que fossem combinando. — Ao notar a minha careta, Claire bufa. — E nem
adianta fazer essa cara para mim, Anne! Você sabe que eu tenho razão.
Reed fica todo empolgado e sorri.
— Por mim é perfeito. Combinando fantasia com a minha namorada
ranzinza? Eu achei um tesão.
Claire dá um beijo estalado na bochecha dele e se vira para mim. As
pálpebras piscam daquele jeito inocente de quem está querendo ganhar de
Natal o maior presente da loja de brinquedos.
— Anne?
Sopro a minha franja para o lado.
— Saiba que só estou concordando com essa merda porque você é
minha amiga.
— Vai ser divertido, confia em mim! Todo mundo vai amar e
ninguém vai ter dúvidas de que o namoro de vocês é real.
Cubro meu rosto com as mãos e gemo baixinho, não acreditando
que Claire Howard, minha melhor amiga, está me jogando aos leões. Posso
até vê-la agitando os braços e dando risada ao lado da Dave. Eles devem ter
prazer em ver Reed e eu fingindo que estamos insanamente apaixonados um
pelo outro.
Só pode.
Sinto um cutucão em meu joelho e, ao abrir os olhos, encontro o pé
de Reed esticado em minha direção. O sorriso que dança em sua face só me
dá vontade de derrubá-lo dessa poltrona escada a baixo.
— Estou ansioso para me fantasiar do amor da sua vida. Vou até
levar um arco de cupido para ilustrar que você me flechou de jeito.
Trinco os dentes, ao mesmo tempo em que Reed me dá uma
piscadela e relaxa na poltrona, exalando a energia de quem vai fazer dessa
festa um grande Inferno na minha vida.
Porra.
Me fodi.
 
 
“Nunca acreditei muito no amor ou milagres.
Nunca quis pôr meu coração em jogo.
Mas nada em sua água é algo espiritual.
Eu nasço de novo cada vez que você passa a noite”
Locked Out Of Heaven | Bruno Mars
 

 
No jogo de sexta, fazemos exatamente aquilo que prometemos:
detonamos os State Tigers.
O placar ficou 28 X 18, o que deve ter arrancado um sorriso
orgulhoso do meu pai. Começar o campeonato com o pé direito é quase que
uma obrigação imposta por ele. Se a pontuação do time adversário ficar
próxima demais do nosso time, é um sinal gritante de que as coisas não vão
nada bem.
Por sorte, hoje não vou precisar me preocupar com os seus longos
sermões.
Entro no ônibus e me acomodo em um dos assentos. A viagem de
Barryton até Maple Hills não é muito longa. Uma hora e meia, no máximo.
O que significa que todo o time vai comemorar a vitória no pub do meu
irmão. E, porra, é sexta. Ninguém quer ficar em casa depois de um jogo
eletrizante como esse.
A adrenalina deve estar pulsando até agora no meu pau.
— Rollins. — JP me cumprimenta ao sentar ao meu lado.
Desde o que aconteceu na inauguração do restaurante, a gente não
conversou mais. Ficou aquele clima pesado no ar e eu não me arrisquei em
dizer nada. A situação já foi ruim o bastante na hora.
— Cooney — cumprimento de volta.
Ele estica as pernas por baixo do banco à nossa frente e solta uma
longa lufada de ar.
— Não reagi bem ao que aconteceu na semana passada. Eu não
esperava que a Gina fosse esposa do seu pai.
— Ex-esposa — corrijo-o. — Eu também não esperava. E, se eu
soubesse, nem teria aparecido.
JP dá uma curta risada.
— Pelo menos teremos uma ótima história para contar no futuro.
— E bota história nisso, cara.
Ele coloca o cinto de segurança e eu faço o mesmo. Ao mover o
braço, uma pontada de dor me atinge. Merda. Levei uma pancada logo nos
primeiros minutos de jogo. O defensive tackle [5] do State Tigers me
bloqueou de um jeito que vou levar dias para me recuperar.
O futebol americano é um jogo violento até demais.
— E como vocês se conheceram? — A pergunta me escapa antes
que eu possa me conter.
— Em Sunbay, mesmo. Eu estava no supermercado e a gente
começou a conversar. Como você deve saber, meu avô é dono do Jackson
House, então eu estava ajudando-o nas compras do mês. — Não, eu não
sabia. Mas informação nunca é demais. — Percebi que tínhamos um papo
maneiro e chamei ela pra sair. Eu estava crente que ela ia me dar um pé na
bunda.
Rio.
JP tem um jeito tão relaxado que começo a entender porque Gina e
ele são namorados. Ela é tão de boa com a vida quanto ele.
— E ela deu?
Ele abre um sorriso cheio de malícia.
— Se ela tivesse dado, nós não estaríamos juntos agora.
Escuto uma gargalhada e, ao olhar para o lado, vejo que Chad Eaton
esteve ouvindo a nossa conversa esse tempo todo. Ele é um babaca de
primeira linha, mas como somos parceiros de time, não posso dizer isso na
cara dele.
— Quer dizer que você está comendo a gostosa da Gina Bastien?
O rosto de JP fica vermelho na mesma hora.
— O que você disse?
Chad sorri, mostrando os dentes perfeitamente alinhados. Quebrar
um deles seria uma ótima ideia. Talvez, assim, ele aprenda a calar a boca.
— Você ouviu da primeira vez, Cooney, mas não tenho problema
em repetir. — Curva o corpo no braço do assento. — Quer dizer que você
está comendo a gostosa da Gina Bastien?
A reação de JP acontece tão rápido que tenho dificuldade em
acompanhar. Um segundo atrás, ele estava sentado ao meu lado e agora um
dos seus braços está fechado ao lado do pescoço de Chad, pressionando sua
cabeça contra a poltrona. O ônibus, de repente, mergulhou em uma quietude
que cheira a tensão e testosterona.
— Fala de novo da minha namorada que eu não vou pensar duas
vezes em explodir a sua cabeça com uma bola quando estivermos no
campo, Eaton — JP cospe as palavras, gotículas de saliva atingindo o rosto
de Chad.
— Você não teria coragem.
Esse é o estopim para que JP perca a paciência e desfira um soco na
cara de Chad. Escuto o barulho de um osso quebrando e, logo em seguida, o
apito do treinador Turner arrebentando os meus ouvidos.
— Posso saber que merda está acontecendo aqui? — grita em alto e
bom som, mas ainda mantendo a calma na voz.
Ninguém diz nada por longos segundos.
JP dá um passo para trás e se acomoda de volta ao meu lado, pouco
ligando para o nariz quebrado de Chad. E Chad é tão orgulhoso que não
emite nenhum gemido de dor. Seu semblante não combina em nada com o
que acabou de acontecer.
— JP quebrou o nariz do Chad — Bradley, um dos garotos do time,
responde.
O treinador emite um grunhido nada agradável e cruza os braços.
Hoje os seus cabelos estão escondidos por um boné com o símbolo do
Rebels Of Horizon. A águia tem o mesmo olhar que ele direciona para a
gente.
— Estou vendo com meus próprios olhos, Bradley — diz, amargo.
— Para o meu azar, infelizmente.
— Por que o senhor perguntou se já sabia a resposta, hein?
Me seguro para não rir.
Bradley Powell não tem medo de abrir a boca grande e tirar o
treinador do sério. Me surpreendo que ele não tenha sido expulso do time
ainda.
— Só cale a boca, Powell. Seu desempenho no campo não me
impede de tirá-lo do próximo jogo.
Escuto Bradley choramingar e o restante do time dar risada. Ao
notarem o olhar frio do treinador, o silêncio predomina novamente. Se
Turner fosse um personagem de desenho, não tenho dúvidas de que seria a
Elsa. O cara consegue esfriar o clima com uma facilidade desumana.
— Quando chegarmos em Maple Hills, vá cuidar desse nariz no
hospital, Eaton — aconselha ao Chad e move a atenção para o JP. — E
você, Cooney, a gente conversa na segunda. Mais alguma coisa que eu
precise saber?
— Não, treinador — Bradley diz mais uma vez ao fundo. 
— Ótimo. — Os lábios se esticam em algo que poderia ser um
sorriso. — Parabéns pela vitória de hoje. Houveram falhas, é óbvio, mas
vamos resolver isso nos próximos treinos. O nosso próximo jogo é daqui
duas semanas, na USVL contra os Willards. Eles são um time que já
conseguiu chegar aos playoffs dois anos atrás, então estejam cientes de que
não será tão fácil quanto foi hoje.
Turner continua a apontar detalhes que passaram despercebidos por
nós e parabeniza Dave por fazer a maioria dos pontos. Me elogia também
por ter auxiliado no touchdown que garantiu a nossa vitória e, por fim, pede
para o motorista dar partida em direção a Maple Hills.
Aproveito a descontração e tiro o celular do bolso da jaqueta,
mandando uma mensagem para a Anne.
Reed: Vitória no jogo de hoje. Quer ir comemorar com o time no
London Foot Pub?
Mantenho a conversa aberta, torcendo para que ela responda e não
me deixe no vácuo. Sorrio ao ver os pontinhos saltitando embaixo do seu
nome, indicando que está digitando.
Joaninha: Vou ter que bancar a namorada apaixonada?
Meus dedos se movem pelo teclado feito um foguete.
Reed: É claro que sim. Você vai ter que me encher de beijos e dizer
que sou o melhor jogador que a USVL já viu.
Joaninha: Então, eu não vou.
Rio. Posso imaginá-la com facilidade fazendo uma careta para o
celular.
Reed: Mesmo se eu te pagar uma rodada de bebidas e depois uma
pizza de pepperoni quando chegarmos em casa?
Anne digita por incontáveis segundos.
 Joaninha: Uma pizza e uma caixa de donuts de baunilha.
 Reed: Fechado. Te vejo lá?
Sua única reação é um emoji vomitando e, pela segunda vez, me
pego sorrindo para o celular.

O London Foot Pub está explodindo de universitários e atletas dos


Rebels Of Horizon.
A música retumba nas caixas de som e o burburinho de conversas é
um zumbido difícil de entender. Vejo, pelo canto do olho, meu irmão
trabalhar com agilidade atrás do balcão de bebidas.
— E a sua namorada, Reed? — Bradley pergunta ao meu lado antes
de virar um shot de bebida. Ele está pouco se fodendo para a ressaca que
vai acordar amanhã. — Ela não vem?
— Você acha mesmo que Anne perderia a oportunidade de
comemorar ao meu lado? — Sorrio. — Ela deve estar quase chegando.
Dito isso, a porta de entrada do pub é aberta e Anne surge em meu
campo de visão. Por um momento, posso jurar que o meu mundo gravita ao
seu redor. Resta somente ela e sua petulância que me arranca um sorriso
cheio de alegria.
Levanto o braço e assovio, chamando sua atenção. Seus olhos
procuram entre a multidão até que me encontram a poucos passos de
distância. A expressão em seu rosto, contente por me ver, pode até
convencer as pessoas, mas é a mais pura mentira. Na realidade, ela mal vê a
hora de se livrar de mim ao me chutar de um penhasco.
Anne desvia das pessoas até que chega na mesa em que a maioria do
time está acomodado. Uma parte dos outros jogadores está do lado oposto,
enquanto Bradley, Keeran, Mason, Cooper e Dylan riem entre si e revezam
quem vai buscar as bebidas dessa vez. O último a ir foi Bradley.
— Anne! — Mason grita por cima do barulho. — Não sabia que
você viria!
— Não poderia perder a oportunidade de comemorar a vitória de
vocês, hein? — Dá uma risadinha curta e, para a minha total surpresa,
deposita um beijo estalado na minha bochecha. Sorte que estou sentado na
cadeira da beirada. — Parabéns pelo jogo, meu amor.
Meu amor.
Ela só pode estar zoando com a minha cara.
Os garotos ovacionam diante do elogio e eu só posso abrir um
sorriso, porque qualquer reclamação não vai pegar bem pra gente. Nesse
momento, preciso bancar o namorado meloso.
— Os boatos são mais do que verdadeiros, então — Dylan fala ao
apoiar os braços no tampo da mesa. — Reed Rollins foi fisgado por Anne
Scott.
— Na verdade, foi ele quem me fisgou. — Anne dá uma piscadela e
Bradley gargalha ao meu lado. — Quem resiste à bunda gostosa do Reed?
Vocês tinham que ver como é vê-la ao vivo e a cores.
— Ah, acredite. A gente vê ela todos os dias no vestiário. É uma
bunda que vale milhões no mercado de bundas — Cooper é quem diz e,
dessa vez, a mesa explode em gritos e assovios.
Até mesmo Keeran e Mason, que sabem da mentira, não conseguem
se conter. Eles estão se divertindo às minhas custas e Anne é quem mais
está gostando de ver.
— Muito engraçado, seus merdas. — Arrasto a garrafa de bebida
para mais perto e encho um copo para mim. — Não se esqueçam que eu
também vejo a bunda de vocês todos os dias.
— E o que você acha da minha? — Keeran pergunta. — É mais
bonita que a da Anne ou não?
— Não vou responder essa pergunta.
Keeran me mostra o dedo do meio e retorna a atenção para Anne.
Ela continua de pé em frente à mesa.
— Você não quer sentar, Anne? — O tom cordial pode até enganar
as garotas com quem ele transa, mas não a mim. — Tem um espaço vago
aqui no meu colo.
— Nem fodendo, porra — reclamo. — Vem aqui, joaninha.
Dou dois tapinhas na minha coxa e Anne arqueia uma única
sobrancelha, desconfiada. Não tem uma cadeira sobrando no pub e ela tem
somente duas opções: ou senta no meu colo ou vai passar a noite toda em
pé. Não precisa ser muito esperto para saber que a primeira decisão é a mais
inteligente. Ainda mais que ela está usando um par de botas de salto que
não aparentam ser muito confortáveis.
Antes que Anne tenha tempo para pensar, puxo-o pelos passadores
da calça jeans e a bunda se acomoda no meu colo. O cheiro de morango
invade minhas narinas e preciso de todo o autocontrole do mundo para não
afundar o meu nariz no seu pescoço.
Afundo as mãos ao redor da sua cintura, ajudando seu corpo a se
acomodar junto do meu. Não é nada fácil ignorar a pouca distância
existente entre a sua bunda e o meu pau. Vai ser a porra de uma tortura ficar
nessa posição.
— Fique quietinha, por favor — peço, em voz baixa, em seu ouvido.
— Por que?
Mordo o interior da bochecha e empurro seu cabelo loiro para atrás
do ombro, deixando o pescoço livre.
— Você sabe bem o porquê, Annie.
A boca se curva de forma maliciosa e ela estica o braço, pegando o
meu copo de cerveja e dando um grande gole. Fecho os dedos da mão livre
na borda da mesa, incapaz de formular qualquer pensamento coerente.
— Não espere que eu seja uma menina comportada, Reed. —
Abaixa o copo. — Não hoje, pelo menos.
Desvio o olhar e fixo minhas íris na parede iluminada do bar do
London Foot Pub. O estabelecimento parece estar mais cheio que minutos
atrás.
— Não me provoque — aviso. — Hoje não estou para suas
brincadeirinhas.
— Sobre o que vocês estão conversando aí? — Cooper se intromete,
me obrigando a mover o rosto em direção ao som de sua voz.
— Deixa eles, cara. — Mason bagunça o cabelo loiro do nosso
defensive end[6]. — Você não quer ser o empata foda dos pombinhos.
— Fica tranquilo, vocês não estão atrapalhando nada — Anne
garante. — Como foi o jogo de hoje?
Bradley se empolga e começa a falar sobre os passes e arremessos
que fez ao longo da partida. Dentre todos os jogadores, ele é o mais nariz
em pé e com a vaga garantida em um time de respeito da NFL. Não digo
isso da boca para fora, mas porque ele é bom pra caralho. Nunca vi alguém
jogar tão bem quanto Bradley Powell.
No gramado, ele é um monstro e tenho certeza que ele vai ser um
jogador tão bom quanto o Dave futuramente.
— E o Dave? — Minha namorada de mentira pergunta, como se
fosse capaz de alinhar os pensamentos aos meus. — Ele não jogou hoje?
— Ele foi para casa. Disse que estava com dor depois de sofrer um
bloqueio que deixou até o treinador Turner preocupado — explica.
Cooper continua a falar junto do Bradley, mas minha concentração é
fatalmente prejudicada quando Anne remexe a bunda em meu colo de um
jeito que conheço muito bem. A maneira que ela encontra de me provocar é
fingir procurar uma posição confortável.
Caralho.
— Eu sei o que você está fazendo — sussurro em seu ouvido e
movo minha mão da sua cintura para a coxa. — Para com isso, Scott.
— Foi você quem começou — sussurra de volta.
— Estou te avisando. Se você se mover mais um centímetro, vai
sentir o meu pau na sua bunda.
Ela ofega diante da sinceridade das minhas palavras e se remexe
mais um vez. Meu pau enrijece só um pouquinho e me prontifico em
apertar a cintura de Anne, mantendo-a parada no meu colo.
Inferno de garota petulante que não consegue sossegar.
Como não recebo nenhuma resposta engraçadinha, retorno minha
atenção para os garotos do time. Keeran já sumiu há alguns minutos,
provavelmente atrás de uma garota. Mason também desapareceu, mas
consigo ter um vislumbre do seu cabelo castanho ao redor da mesa de
sinuca. Os únicos que restam na mesa são Bradley, Dylan e Cooper.
— Eu vou buscar mais uma bebida — Dylan anuncia ao levantar da
cadeira. — Quer beber alguma coisa, Anne?
— Pode ser uma Margarita.
— E vocês?
— Eu vou junto. — Bradley flexiona os joelhos e puxa Cooper pela
gola da camiseta. — E você também vem com a gente.
Cooper arqueja.
— Não quero.
— Quer sim. Vamos vencer o babaca do Mason na sinuca.
Os três vão embora em questão de segundos. Não me passa
despercebido que eles vazaram só para que Anne e eu ficássemos sozinhos.
E ao notar que agora as cadeiras estão vazias, ela faz menção de se levantar
do meu colo, mas prendo meu braço ao redor do seu corpo.
— Não mesmo. Você só sai daqui quando eu sair também.
Escuto o som da sua risada.
— Entendi. Depois de várias semanas, essa é a sua oportunidade de
poder sentir a minha bunda. É isso que você tanto queria, não?
— Você é muito chata.
— E você é um pé no saco com uma bunda feia e um ego que fede a
chulé.
Gargalho e viro o seu corpo no meu colo, de forma que agora
conseguimos encarar um ao outro. Essa é a primeira vez ao longo da noite
que tenho o seu rosto tão próximo ao meu. Os olhos estão maquiados,
acentuando o tom esverdeado, e uma fina camada de batom pincela a boca
dela.
— Quantos anos você tem mesmo? Doze?
— Se eu tenho doze, você tem seis. — Pesca um dos anéis de cebola
esquecidos em cima da mesa. Acho que ninguém comeu além do Bradley.
— Porque, se lembro bem, quem começou com essas provocações entre a
gente foi você.
— Oh, então você se lembra da noite dos calouros?
— Gostaria de não me lembrar — responde de boca cheia. Zero
educada, como sempre. — Já que foi nessa noite em que descobri que meu
ódio por você pode atravessar a camada de ozônio.
Movo a cabeça de um lado para o outro, achando graça.
Não deveria ser tão divertido assim estar com Anne. Na minha
cabeça, esse namoro falso seria um compilado imenso de xingamentos,
empurrões e respostas ácidas. Agora estou aqui, com ela sentada no meu
colo, comendo anéis de cebola no pub do meu irmão após uma vitória.
— Essa não foi a minha primeira impressão sobre você.
O anel de cebola paralisa no ar.
— Claro que não. Sua primeira impressão foi que a sua língua
caberia perfeitamente na minha boca. — Recita as palavras que eu disse
naquela noite. — Que ótimo jeito de impressionar uma garota, Reed. Estou
comovida até hoje.
— Eu não estava tentando te impressionar. — Dou uma mordida no
anel de cebola que seus dedos seguram. — Só queria te beijar mesmo.
— E você ainda quer?
Limpo o canto dos seus lábios sujos de farelo e acaricio seu rosto
com o nós dos dedos.
— Sim — confidencio.
Anne sorri sem mostrar os dentes.
— Pois vai ficar querendo.
Rio pelo nariz e dou um beliscão de brincadeira na sua cintura. Ela
dá um pulinho no meu colo.
— Um dia você ainda vai mudar de ideia. Pode acreditar.
Anne pesca por mais um anel de cebola e dá uma mordidinha na
ponta. Os olhos continuam fixos nos meus e acabo descendo as vistas para a
sua boca. Mesmo que eu deteste Anne na maior parte do tempo, nunca
neguei o meu interesse em beijá-la.
Seria um beijo cheio de ódio, não tenho dúvidas disso.
— Não foi você quem disse que eu deveria batalhar para conseguir
um beijo seu?
— Se você me pedir com muito carinho, eu posso mudar de ideia e
facilitar as coisas.
Anne semicerra as pálpebras em uma linha fina e come o restante do
anel de cebola. Observo-a atentamente, dando mais atenção à roupa que
está vestindo. A calça jeans desbotada, as botas de salto e a blusinha de
mangas com um cardigã azul bebê a deixam muito fofa.
— O que foi? — pergunta, depois de limpar as mãos no guardanapo.
— Você está me olhando com uma cara esquisita.
— Só estava pensando o quanto você fica feia comendo anel de
cebola.
— Isso já não é problema meu. Você que abaixou os seus critérios e
decidiu me pedir em namoro. Tinha outras meninas bem mais bonitas nesse
campus para você fazer isso.
Acaricio sua cintura com a ponta dos dedos. O movimento é tão
sutil que duvido que ela tenha sentido através das duas camadas de roupa.
— Mas nenhuma delas iria me tirar do sério como você faz.
A testa de Anne se franze.
— Você gosta de ser tirado do sério, então?
— Só se essa pessoa for uma loirinha irritante que finge ser
apaixonada por mim. 
Como de costume, sua primeira reação é proferir baixinho um
palavrão e dar um empurrão no meu ombro. E, mais uma vez, me pego
rindo em sua presença.
 
 
“Tanto ódio por aqueles que amamos.
Me diga, nós dois importamos, não é?”
Running Up That Hill | Placebo 
 

 
No dia seguinte, sou acordado com meu telefone tocando
insistentemente em cima da mesinha de cabeceira.
Afundo o rosto no travesseiro e gemo alto um palavrão enquanto
estico meu braço e procuro o aparelho. Abro os olhos e atendo a ligação,
sem olhar no identificador de chamadas.
— Alô? — murmuro, meio grogue.
— Bom dia, Reed — meu pai diz em um tom frio. — Consegui
marcar um treino para a gente no ginásio do time dos The Mountain Eagles.
Te vejo lá em uma hora.
Ele nem me dá a chance de responder, só desliga na minha cara.
Grosso e estúpido, como de praxe. Quem conhece o Ricky Rollins dos
tabloides e das entrevistas da NFL nem imagina como é a sua verdadeira
personalidade.
Aperto os dedos ao redor do celular e levanto da cama, nada
contente em começar o meu sábado desse jeito. A minha sorte é que, agora,
Anne tem o seu próprio quarto. Não seria nada legal explicar para ela essa
interação entre pai e filho.
Tomo um rápido banho e arrumo minha mochila para passar o dia
inteiro treinando ao lado do meu pai. Vai ser desgastante e meu corpo ainda
nem se recuperou de ontem. Vou estar lento no campo por causa do álcool
e, consequentemente, vou deixar meu pai puto pra cacete.
Ótimo.
Desço as escadas e rumo para a cozinha para preparar o meu café da
manhã. Eu esperava encontrar o ambiente vazio, já que Mason e Keeran
aproveitaram a vitória do time de uma maneira que vão ficar na cama
durante o sábado inteiro; no entanto, sou pego de surpresa ao encontrar
Anne parada em frente ao fogão preparando waffles.
— Annie?
Ela gira sobre os calcanhares ao som da minha voz.
— Reed? O que você está fazendo acordado?
Deixo minha mochila em uma das banquetas e abro a geladeira,
pegando uma jarra de suco.
— Te faço a mesma pergunta.
Ela gesticula para o vestido azul que está usando. É o uniforme do
Brooklyn Blues, só que sem o avental e os patins. O cabelo ainda não foi
preso em um penteado esquisito dos anos 80.
— Hoje é o meu turno de trabalho no Brooklyn Blues — explica e
tira a jarra da cafeteira, despejando o café em sua caneca. — E você?
Desvio o olhar do seu.
— Vou treinar.
— Você não deveria treinar com os meninos?
— Prefiro treinar sozinho.
— E tem como treinar futebol americano sozinho?
Encho meu copo com suco.
— Você já deveria saber que dá para fazer muitas coisas sozinho
nessa vida, Annie — brinco. — Treinar é uma delas.
Se ela entende a minha piada de duplo sentido, prefere ignorar.
Anne se limita somente a colocar os waffles no próprio prato e se sentar em
uma das banquetas, tomando o seu café da manhã sem dizer nenhuma
palavra.
É difícil entendê-la. Vi a noite de ontem como um progresso para a
estranha relação que temos. Entretanto, agora pela manhã, ela permanece na
defensiva, não disposta a abrir nenhuma brecha para que eu me aproxime.
Seu campo de defesa é um muro cheio de espinhos venenosos.
— Vai querer carona?
— Não, eu consigo me virar sozinha.
Concordo com um aceno e tiro os ingredientes da geladeira para
preparar os ovos mexidos. O silêncio chega a ser torturante. O único
barulho presente no ambiente são os talhares de Anne batendo no prato.
Longos minutos se passam até que ela termina a sua refeição e coloca a
louça na lava-louças, pronta para cair fora o quanto antes.
Antes que ela desapareça da cozinha, faço um barulhinho com a
boca, chamando sua atenção. Os pés paralisam em frente ao balcão.
— Que horas acaba o seu turno?
— Seis horas. Por quê?
— Só para saber mesmo.
— Reed...
Coloco os ovos mexidos no meu prato e levo um punhado à boca,
mastigando. Engulo e lhe direciono uma piscadela.
— Relaxa. Não vou invadir o seu trabalho usando apenas uma cueca
do Homem-Aranha.
Os olhos se reviram em irritação e quando Anne dá mais um passo
para fora da cozinha, chamo-a de novo. A expressão em seu rosto é de pura
impaciência. Posso até ver a fumacinha escapando dos seus ouvidos,
idêntico aos desenhos animados.
— O que foi, caramba?!
— Bom trabalho, joaninha.
Os ombros se movem de acordo com a inspiração profunda que dá.
Se tivesse algo para ela arremessar em minha direção, certamente já o teria
feito.
— Tchau, Reed.
— Tchau, namorada! — grito para que ela consiga me escutar. —
Não esqueça que hoje a gente vai inaugurar o seu colchão novo. Estou
ansioso para testar a resistência dele enquanto você rebola gostoso em cima
de mim.
A resposta vem logo em seguida, cheia de ódio:
— Vai se foder, Rollins!
Gargalho alto, sentindo o começo da minha manhã ficar só um
pouquinho melhor, mesmo que esse momento de paz só dure curtos
segundos. Mas vale a pena. Vale muito a pena. Tudo que envolve Anne
Scott sempre consegue ter esse efeito sobre mim, por mais que eu odeie
admitir.

— Você está atrasado, Reed.


Meu pai me repreende assim que saio do Jeep. Ele está parado de
braços cruzados em frente ao portão do complexo da liga juvenil The
Mountain Eagles, em que seu amigo é treinador.
A tensão que demarca as expressões do seu rosto são um sinal
gritante de que meu sábado vai ser uma merda. Já estou com vontade de
entrar de volta no carro e voltar para Maple Hills.
— O trânsito estava ruim. — Uso a primeira desculpa que me vem à
mente.
— Só por causa disso a gente vai treinar uma hora a mais.
Não faço nenhuma reclamação, porque sei que ele não vai me ouvir.
Só assinto e arrumo a mochila ao redor do ombro, acompanhando os seus
passos para dentro do complexo.
Meu pai aponta para o túnel que leva para os vestiários e sigo até lá.
Coloco os meus equipamentos de proteção, como as ombreiras e os pads[7],
e calço as chuteiras. Saio do local com o capacete em mãos e encontro
Ricky sentado em dos bancos laterais do campo, me esperando.
Sua carreira, diferente da minha, começou quando ele ainda era
criança. Meu avô, Melvin Rollins, era um amante fanático de esportes, mas
o futebol americano tinha um espaço exclusivo em seu coração.
Apaixonado pela ideia de ter um filho que dominasse os gramados, ele
incentivou Ricky a começar a treinar na liga infantil.
Aos 16 anos, ninguém tinha dúvidas de que meu pai seria um
brilhante jogador da NFL. Ele foi draftado pelo New England Patriots seis
anos depois e se tornou uma estrela do esporte, exatamente como Melvin
tanto sonhou.
Arrisco dizer que meu avô é o primeiro e maior fã do meu pai.
O futebol americano marca a pele de Ricky Rollins como uma
tatuagem. É para sempre. É o que o motiva a levantar todas as manhãs e
enfrentar os dias difíceis. Contudo, embora seja motivo de orgulho para ele,
é também o motivo que me faz questionar se meu pai me ama pelo que sou
ou pelo que ele me transformou.
Ele pagaria a minha universidade e os demais custos se eu não
estivesse seguindo os seus passos? A gente sabe a resposta.
Não. 
— Você não cometeu muitos erros no jogo de sexta — fala, os olhos
pregados na tela do celular. Aposto que está reproduzindo em looping a
partida contra os State Tigers. — Onde você acha que deve melhorar?
Cruzo os braços e forço minha consciência a ignorar a sensação de
queimadura que se alastra por minha pele. É sempre assim quando estou
diante do escrutínio do meu pai. Não me sinto um jogador tão bom quanto
deveria ser. A única coisa que consigo pensar é que, embora eu me esforce,
dificilmente chegarei aos pés do meu pai.
Ainda sim, eu tento.
Tento todos os malditos.
Tento em cada jogo.
Em cada partida.
Tento até sentir cada parte do meu corpo implorar por um descanso.
— Não bloqueei o defensive end do time adversário e por isso o
Dave sofreu um sack [8]. Se não fosse por isso, ele teria feito um
touchdown[9].
Ele concorda.
— E o que mais?
Troco o peso dos pés, não sabendo o que responder.
Os lábios dele se repuxam em uma desgostosa linha reta e o olhar
indiferente encontra o meu. Seus cabelos levemente grisalhos na raiz estão
escondidos por um boné do New England Patriots, criando assim uma
sombra sobre as pálpebras cansadas.
— E o que mais, Reed? — insiste. — O que mais você precisa
melhorar para o próximo jogo?
Repasso o jogo mentalmente na cabeça, sem encontrar nenhum
defeito. Antes do começo da temporada, meu pai e eu passamos os últimos
dias das férias de verão treinando juntos. Melhorei muito como running
back[10], então não consigo pensar no que posso ter feito de errado. 
— Você é o half-back, filho. Você sabe o que isso significa. — Dá
um passo para frente e pega o capacete de minhas mãos. — Você não pode
ser lento. E nos últimos três quartos do jogo, você foi a merda de um
corredor lento, porra.
A frase me atinge como lâminas afiadas.
De repente, tenho de novo 12 anos. Ele estava treinando comigo e,
quando errei a recepção mais vezes do que consegui contar nos últimos
minutos, ele perdeu a paciência comigo.
Ele não me empurrou e muito menos me bateu.
Ricky Rollins só despejou todas as suas frustrações para cima de
mim.
Dez anos podem ter se passado desde aquela tarde, mas ainda
guardo na memória a maneira como me senti. A dor se infiltra na pele como
uma queimadura que não consegue sarar por completo. É constantemente
reaberta quando estamos no gramado juntos.
— A sua sorte é que a gente consegue resolver esse detalhe de um
jeito fácil. — Gesticula para o campo. — Cinquenta voltas ao redor
completas. Vou cronometrar e depois nós conversamos.
Faço um sinal positivo com o queixo e, ao longo das próximas
horas, acato aos seus pedidos e comandos exclamados em alto e bom som.
Sou um fantoche nas mãos de Ricky Rollins e não há nada que eu possa
fazer a respeito sem causar prejuízos na minha carreira. 
Esse é nosso legado.
E decepcioná-lo não é uma opção.

Às seis horas em ponto, estaciono em uma das vagas do Brooklyn


Blues.
O céu muda do azul para o laranja e os raios solares refletem no
oceano que cerca a costa de Sunbay. É uma visão muito bonita que me faz
abrir um pequeno sorriso depois de longas horas na companhia do meu pai.
Ele não mediu esforços em me corrigir até que eu implorasse por um
descanso.
Sua única reação foi me entregar uma garrafinha de água e me
encher de elogios pelos avanços feitos.
Ricky desafia as linhas da compreensão humana quando se
comporta dessa forma. Eu já desisti de tentar entender.
Pego o celular e mando uma mensagem para Anne. Pensar no meu
pai é algo que não quero mais fazer hoje.
Reed: Estou aqui no estacionamento te esperando. 
A resposta demora menos de cinco segundos para vir. Ela deve estar
trocando de roupa.
Joaninha: O quê? Eu disse que não precisava de carona, Reed.
Reed: Hoje é a noite de filmes, esqueceu? Não vou deixar você
chegar atrasada. Traz essa bunda gostosa pra cá e vamos para casa.
Ela me manda um emoji mostrando o dedo do meio.
Joaninha: Para a sua casa. Ela não é nada minha.
Reviro os olhos.
Reed: Que seja. Só anda logo.
Como meu celular não vibra com mais nenhuma mensagem, deduzo
que ela foi fazer o que pedi. Cerca de dez minutos depois, a porta dos
fundos é aberta e Anne surge. Como a encontrei pela manhã, ela mantém
somente o vestido azul rodado. Os cabelos, no entanto, estão presos de um
jeito bizarro.
Estico o braço e abro a porta. Anne salta para dentro e joga os patins
no soalho do carro. A expressão em seu rosto é difícil de decifrar. Não sei
se ela está triste, feliz ou irritada de me ver aqui. Eu aposto na terceira
opção, como sempre.
Reed e felicidade são palavras que nunca vão ser ditas juntas por
Anne. Só se houver o elemento morte no meio.
— Olá, joaninha. — Me viro no banco, ficando de frente para ela.
— Como foi o seu dia?
Anne põe o cinto e sopra o ar.
— Estava terminando muito bem até você aparecer. Por que você
veio, Reed?
— Já te falei. Hoje é a noite dos filmes e não vou deixar você de
fora. — Giro a chave, o motor rugindo baixinho. — O Keeran pode até ser
meio bonzinho e deixar você escolher o filme no lugar dele.
Ela sorri.
— Ele vai deixar, não tenha dúvidas disso.
Franzo a sobrancelha.
— E posso saber por que você tem tanta certeza disso?
— Ah, você sabe muito bem, Rollins. — Pisca os olhos, inocente. —
Keeran está flertando comigo desde que decidimos namorar de mentira.
Bufo.
— Ele só faz isso para me tirar do sério.
— Isso significa que você não vai ficar bravo se eu decidir transar
com ele?
Ela precisa parar urgentemente de agir desse jeito.
— A gente concordou que não iríamos sair com outras pessoas ao
longo desse namoro de mentira, se lembra? — resmungo, as mãos fechadas
em punho ao redor do volante. — Ou vou ter que refrescar a sua memória?
— Não precisa. Eu me lembro bem do que você disse, mas quem
garante que não há uma outra garota na sua vida?
Lanço a Anne um olhar que poderia cortar o ar carregado dentro
desse carro.
— E quem garante que você não tem alguém também?
O silêncio que se segue é tão incômodo quanto o zumbido em meu
ouvido. Faço a rotatória em direção à saída de Sunbay e caio na rodovia
vazia.
— Não saio com ninguém faz um bom tempo — Anne diz e
entrelaça as mãos sobre as coxas nuas. — E a última pessoa que transei foi
o Chad Eaton. Você estragou as minhas oportunidades de me divertir.
Dou risada.
— Se você quiser se divertir comigo, sabe que estou sempre aberto a
possibilidades.
Escuto o barulhinho de ânsia de vômito.
— Eu não vou transar com você, Reed.
Afundo o pé no acelerador e deixo uma risada escapar pelo nariz.
— Você não quer me beijar e nem transar comigo. Já entendi que
sou desprezível para cacete. Mas eu tenho sentimentos, sabia? Meu coração
se parte toda vez que você me dá um fora.
— Não é minha culpa se você fica insistindo em alguém que não te
quer.
Ouch.
Gatinha arisca, essa é a melhor definição para Anne Scott.
— E o seu coração vai se recuperar — emenda, soando divertida. —
Você é durão.
— Vou encarar isso como um elogio. — Ligo o rádio e a voz de
Nick Jonas ressoa no volume baixo. — Durão e bonito. O meu próximo
objetivo é fazer você concordar que sou o melhor jogador do time.
— Essa eu vou ficar devendo. — Aumenta o volume e só agora
percebo que Nick Jonas está cantando Close. — O campus inteiro sabe que
o melhor jogador é o Keeran.
— O quê? — Desvio a atenção do trânsito por um curto período. —
Nem fodendo. O melhor depois de mim é o Bradley. Ele sim que é bom pra
cacete. Vai ser draftado por um time enorme e vai arremessar uma bola na
sua cabeça só de raiva.
Anne gargalha alto, o pescoço pendendo para trás.
Diminuo a velocidade do carro e me permito encará-la só por um
segundinho a mais. As feições, normalmente tensas, deram vez à
descontração. O sorriso que dança em sua boca, juntamente das bochechas
elevadas de forma a deixarem os seus olhos menores, é uma visão e tanto.
Sem querer, me pego curvando os lábios para cima.
Estou mantendo a calma enquanto você continua sorrindo, Nick
Jonas cantarola e a única coisa que consigo pensar é que ele precisa calar a
boca urgentemente.
— E o Dave?
— Ele é ótimo também. — A placa na estrada indica que faltam
poucas milhas para chegarmos em Maple Hills. — Mas todo mundo sabe
que ele vai ser draftado por um grande time.
Anne vira o rosto para a janela, focando no horizonte que nos cerca.
— E você? Quais são os seus planos?
— Você sabe a resposta dessa pergunta. Meu objetivo é ser draftado
pelo New England Patriots e me tornar um jogador tão bom quanto o meu
pai foi — digo. — E você?
— Me mudar para North Groove e, com sorte, conseguir um
trabalho no PK Journal.
O PK Journal é um dos jornais mais influentes do condado de San
Valley. Eles tem três sedes, uma em cada cidade, mas a principal fica em
North Groove. É um lugar bonito que respira Jornalismo de um jeito que
chega a ser palpável. Se eu não fosse seguir os passos de Ricky, também
iria querer trabalhar lá.
— Você vai conseguir — asseguro. — E caso não consiga, vou
chutar a bunda de todos os jornalistas que trabalham lá.
— Isso é você bancando o namorado altruísta?
— Esse sou eu bancando o Reed Rollins.
Nossos olhares se chocam por um curto espaço de tempo antes que
eu retorne a atenção para o trânsito.
— E posso saber o que significa?
Batuco com os dedos no volante ao som da música. Nick Jonas está
cantando a última parte da música. Me diga, amor, o que você quer. Oh, eu
quero você perto e perto não é perto o suficiente, não.
 — Um dia eu te conto, joaninha.
 
 
 
“É uma linha tênue entre todo esse amor e ódio”
Hate Me | Ellie Goulding (feat. Juice WRDL)
 

 
Depois do expediente no Brooklyn Blues na segunda, eu decido
visitar a minha mãe.
A caminhada da lanchonete até a sua casa não dura mais que dez
minutos e, como de costume, sou recebida com um abraço que tem cheiro
de hortênsias e chá. Estamos agora sentadas na varanda dos fundos,
contemplando o horizonte.
Deito a cabeça no ombro de minha mãe e suspiro baixinho. Sinto
mais saudades da sua companhia do que gostaria de admitir. E embora as
minhas viagens diárias para Maple Hills sejam cansativas, a gente ainda
encontra um jeito de estar presente na vida uma da outra. No entanto, eu
não consigo abandonar a sensação em meu peito que Daisy agora deve voar
para longe do ninho em que Alex e eu fomos criados.
Ela merece ir para longe sem ter medo de voltar para casa.
— O que você acha de uma viagem para Mountain City? — sugiro e
giro o polegar ao redor da borda da xícara. — Eles têm ótimos cursos de
arte, pelo o que eu soube.
O murmúrio dela é um sinal de discordância.
— Estou velha demais para estudar.
Levanto o rosto e estico os ombros para trás. Ela se movimenta
também, agora contemplando o meu rosto com seus olhos cansados.
Minha mãe é uma mulher bonita para sua idade. Os cabelos loiros,
do mesmo tom que os meus, hoje caem soltos ao redor dos ombros em
ondas suaves. Nas orelhas, os brincos de pérolas se complementam com o
colar rente ao pescoço. No corpo, ela usa o seu vestido favorito feito de um
tecido vermelho que alcança a altura das suas panturrilhas.
— Quem disse? Nunca é tarde demais para começar a estudar.
— Não acho que seja uma boa ideia, danadinha. Gosto da calmaria
que minha vida se encontra neste momento. Já tive compromissos demais
ao longo de todos esses anos. Uma pausa é a única coisa que preciso.
Sopro minha franja para o lado, exausta.
É difícil entender a minha mãe. Quando vejo as fotos espalhadas por
sua casa, vejo outra mulher sorrindo para a câmera. Daisy e Gustaf se
conheceram adolescentes, em uma feira de artistas em Sunbay. A cidade era
muito menor do que é hoje em dia, então todo mundo meio que se conhecia.
Eles tinham um círculo de amigos em comum e foi natural acabarem se
tornando amigos.
O resto da história a gente sabe como termina: uma grande amizade
que cresceu tanto que acabou com eles dois no altar, jurando amor eterno.
— Como você acha que seria a sua vida se o papai não tivesse
morrido naquela noite?
A tensão recai sobre os seus ombros, fazendo-os se encolherem
minimamente.
— Ele estaria sentado aqui ao meu lado, bebendo chá e dizendo que
tem muito orgulho dos filhos que tivemos — murmura em um tom baixo.
— Depois, ele iria reclamar que a tecnologia acabou com os jovens e que o
Alex deveria ter reformado o telhado como ele pediu na semana anterior. Eu
diria para ele deixar de ser um velho chato e o encheria de bolo de baunilha,
que era o seu favorito.
Meu coração se comprime dentro do peito.
— E o que mais?
Minha mãe aperta os lábios, contendo as lágrimas que lutam para
serem derramadas.
— Quando o sol tocasse o mar, ele me puxaria para dançar ao som
de Madonna. E, de novo, ele diria que tem muito orgulho da nossa família.
Ele diria que está orgulhoso da menina incrível que vai conquistar o mundo.
— Abaixa a vista para as mãos magras. — Você sempre foi muito parecida
com ele, Anne. Quando olho em você, só consigo me lembrar do sorriso
que ele deu quando te segurou pela primeira vez nos braços. Essa memória
é a minha favorita do dia do seu nascimento.
— Mas o Alex é igualzinho a ele.
Daisy balança a cabeça e afaga a minha bochecha com a ponta dos
dedos. Fecho os olhos, apreciando o carinho.
— Somente de aparência. De coração, vocês dois são idênticos.
Não digo nada, só abro um sorriso sem desgrudar os lábios.
— Mas, respondendo a sua pergunta, a minha vida não seria tão
diferente da que tenho hoje. A mudança maior é que eu teria alguém para
me aquecer na cama.
Rio.
— E por que você nunca se casou de novo?
— Gustaf era minha alma gêmea. Ninguém vai ocupar o lugar que
ele tem no meu coração. Um segundo casamento seria somente isso: uma
segunda pessoa que lutaria para substituir a anterior.
A resposta me deixa inquieta. Não consigo imaginar como deve ser
amar alguém dessa forma, de um jeito tão devoto e intenso que li apenas em
livros. Na vida real, o amor dificilmente funciona dessa forma. Ele é muito
mais duro, cruel e sofredor.
— Nada de novos amores, então?
Minha mãe aperta minha bochecha em um movimento de pinça.
— Nada de novos amores e cursos de arte — ressalta. — Mas posso
considerar a possibilidade de fazer aulas de pintura. Beth disse que abriu
uma galeria ao lado da livraria da Willa. Nós podemos ir lá um dia, se você
quiser.
Sorrio.
— Seria perfeito, mãe.
Daisy retribui o meu sorriso e dá um beijinho na minha testa,
acariciando os meus cabelos com a ponta dos dedos. Rondo meus braços ao
redor da sua cintura, puxando-o para um abraço meio desengonçado.
— Mas saiba que eu ainda vou conseguir te convencer a fazer uma
viagem — digo, a voz abafada. — Guarde as minhas palavras.
— Você é o ser humano mais insistente que conheço, então não irei
te contradizer. Só vou aguardar por essa mudança drástica na minha vida.
— Uma vida feliz, mãe — reforço. — Uma mudança de vida feliz.
Daisy não me contradiz, o que me faz acreditar que, em breve, ela
vai compreender que respirar novos ares é a melhor escolha. Uma escolha
que vai trazer tanta cor quanto os quadros que ela pinta para si mesma. E,
nessa pintura, não há espaço para outro sentimento além da felicidade
infinita.

Quando fecho a porta de entrada, noto que a casa que Reed divide
com os meninos está estranhamente silenciosa. Por sorte, as luzes do andar
inferior estão acesas, o que indica que não estou sozinha. Mas, ao passar
pela cozinha, não há nenhum sinal de Keeran ou Mason.
Tento não me preocupar com os seus paradeiros e subo as escadas.
As três portas do corredor se encontram fechadas e não há nenhum barulho
além do som dos meus passos. Até penso em arriscar e chamar por alguém,
mas desisto.
Entro no meu quarto e suspiro de alívio ao tirar o vestido rodado. O
turno de trabalho foi tão cansativo que contei as horas para acabar. Os calos
nos meus pés, por causa dos patins, gritam em um pedido de socorro.
Me arrasto em direção ao banheiro para tomar um banho, mas
paraliso ao notar uma caixa em cima da minha cama. Há até um laço no
topo, acompanhado de um bilhete.
Tiro-o de dentro do envelope e meus dedos pinicam de ansiedade ao
ler as palavras escritas em uma caligrafia bagunçada:

Um sorriso idiota surge no meu rosto, mas eu o contenho o mais


rápido possível. Pare com isso, me repreendo mentalmente. No entanto, é
difícil manter a expressão entediada no rosto quando levanto a tampa e
encontro seis donuts perfeitamente alinhados e esperando para serem
devorados.
Minha boca saliva. Não vai dar para jogar essa caixa para fora da
janela.
— Que se dane. 
Pego um com confeitos coloridos na cobertura e dou uma mordida.
Droga, está gostoso pra cacete. Deve ser um dos melhores donuts que já
comi. Tem gosto de nuvens fofinhas em um céu de verão, embora eu não
faça ideia de qual seja o verdadeiro sabor de um nuvem.
Deve ser algo parecido com isso. Tem que ser.
Meu gemido de satisfação se torna um gritinho assustado ao
encontrar Reed encostado no batente da porta. O sorriso que dança na boca
dele faz meu estômago se contrair de um jeito nada agradável.
— Estou vendo que você gostou da minha surpresa.
Afasto o donut da boca e o jogo dentro da caixa.
— Eu odiei. Presente horroroso com gosto de mofo.
Reed dá risada e gesticula para o meu corpo.
— Bom, eu gostei da sua lingerie. Você fica bem de vermelho.
Só então me dou conta que estou só de calcinha e sutiã. O vestido do
uniforme está jogado rente aos pés da cama e corro para alcançá-lo. Me
cubro com ele do jeito mais desajeitado possível. O som da risada de Reed
repercute pelo cômodo.
— Sai daqui, Rollins! — Gesticulo para o corredor. — Isso é
invasão de privacidade, sabia?
Reed continua a rir, se divertindo com a situação horrorosa. A
vontade que tenho de dar um chute no seu nariz só diminui quando ele
finalmente sai do quarto. No entanto, antes que eu possa me desfazer do
vestido e mergulhar em um poço de vergonha, seu rosto espreita pela fresta
da porta.
— O que foi agora? Eu mandei você cair fora! — exclamo.
Ele passa a língua pelos lábios e me mede da cabeça aos pés.
Mesmo que eu ainda mantenha as mãos fechadas no tecido do vestido,
mantendo-me coberta, me sinto nua diante do seu olhar. O castanho líquido
de suas íris se dissolve em um tipo de calor que formiga no centro das
minhas pernas.
— Só queria sugerir uma coisa
— Não estou interessada.
As orbes giram em um círculo de descontentamento. Ele não está
nem aí para o que estou dizendo.
— Quando a gente for transar pela primeira vez, use essa mesma
lingerie para mim.
Cerro os dentes e profiro um resmungo que só faz o seu sorriso
aumentar de tamanho. Se eu não estivesse tendo que segurar a droga desse
vestido contra o meu corpo, com certeza já teria arremessado algo em sua
direção.
— Isso nunca vai acontecer, seu insuportável! Nem nessa vida, nem
em todas as outras que vierem.
Reed faz um biquinho desajeitado e acena em despedida. A porta é
fechada, mas ainda consigo escutar as palavras cheias de malícia que
atravessam a madeira:
— Quero ouvir você repetir isso quando eu estiver com a minha
boca em você, joaninha.
Arquejo e arremesso o vestido no chão.
Porra, como eu odeio ele.

Após o fim das aulas, estou sentada em uma das mesas da cafeteria
do campus estudando, acompanhada de um copo gigante de café e uma
porção de muffins. Minha cabeça parece estar pesando dez quilos e minha
linha de raciocínio para criar uma boa redação criativa já me abandonou há
tempos.
Fecho os olhos e massageio as têmporas, sentindo o cansaço me
abater. Antes que eu tenha a chance de quase adormecer em cima da mesa,
uma pilha de livros caem sobre a superfície e eu dou um gritinho estridente,
pulando na cadeira.
Claire se joga sobre mim, me puxando para um abraço
desengonçado. Minhas pernas se flexionam para cima e ela começa a pular
feito uma mola. Não faço ideia do que está acontecendo, mas pulo de volta.
Pelo menos isso vai afastar o meu sono.
— Você não vai acreditar no que aconteceu! — ela diz, animada, ao
colocar as mãos sobre os meus ombros e se afastar.
A peruca cor de chiclete tutti-frutti me faz lembrar da Katy Perry. A
blusa com pirulitos estampados na gola alta e o casaco de algodão
colaboram para essa associação. Claire hoje poderia saltar por nuvens e
cantar California Gurls.
— Se você não me contar, não tem como eu saber.
Ela me mostra a língua e faz mistério, permanecendo em silêncio e
me encarando com os seus olhos dourados. Eles estão brilhando feito um
céu estrelado.
— Eu consegui o apoio da Davis Corporation para o meu desfile de
roupas sustentáveis!
Fico sem reação.
— O quê?
— Sim! Eles acabaram de me ligar avisando que o convite foi aceito
e que irão entrar em contato em breve para acertarmos os detalhes. — As
palavras são ditas euforicamente. — Eles amaram o projeto e disseram que
estão ansiosos para trabalharem ao meu lado.
— Porra, Claire, isso é perfeito!
Claire concorda com um aceno e enxuga as pequenas lágrimas de
felicidade que desceram por suas bochechas.
— Ainda estou tentando assimilar que está acontecendo de verdade.
Antes, era só uma ideia no papel, mas agora é real. Nas próximas semanas,
eu devo apresentar para eles os croquis e um representante da empresa vai
vir até Maple Hills para me auxiliar na escolha dos tecidos — explica. —
Não é incrível?
Abro um imenso sorriso.
— É extraordinário. — Puxo-a para um abraço menos bagunçado
dessa vez. — Eu disse que você ia conseguir. O céu nunca é o limite quando
estamos falando de Claire Howard.
Ela dá um beijo estalado na minha bochecha.
— Obrigada por sempre confiar em mim, Anne. Eu estava com
medo que nada disso desse certo e o apoio seu e do Dave fez total a
diferença na hora da entrevista. — Os lábios molhados de gloss se esticam
em um mínimo sorriso. A expressão no rosto dela ainda é de pura emoção.
— Você acha que eu dou conta?
Me sento novamente e faço um sinal para que ela se acomode na
cadeira livre ao meu lado. Quando Claire está diante de mim, eu pouso
minhas mãos sobre as dela.
— Você não só vai dar conta, como também vai arrasar — afirmo.
— E eu vou estar lá na plateia, assobiando e gritando o quanto você é
maravilhosa. A Davis Corporation já notou isso em você, Claire. E quem
não notar, pode ter certeza que eu vou dar um chute no nariz.
— Você é uma boba, sabia? — Dá risada e eu me pego rindo de
volta. — E por falar em chute no nariz, como foi a comemoração da vitória
dos meninos?
— Foi divertido. — Dou de ombros. — Por que você não foi?
— Dave me mandou mensagem logo depois que o jogo terminou
dizendo que o detonaram no campo. Esse é o jeito dele dizer para
passarmos as noites juntos abraçadinhos. — Revira os olhos. — Coloquei
gelo nos machucados e depois a gente assistiu Gossip Girl até cairmos no
sono.
Faço uma careta.
Aí está uma coisa que Claire e Dave amam fazer: assistir o
relacionamento nada saudável de Chuck Bass e Blair Waldorf. A série é um
clássico e eles já devem ter visto pelo menos umas duas vezes juntos desde
que começaram a namorar.
Eu não consegui passar do primeiro episódio. Achei um pé no saco.
— E o Reed?
— O que tem ele?
Claire puxa a cadeira para mais perto de onde estou sentada.
— Você também colocou gelo nos machucados dele?
— Não. Eu deveria?
Os olhos marcados com delineador branco se agitam em
aborrecimento.
— Você é uma namorada horrível. Reed é o running back do time,
ele deveria estar tão detonado quanto o Dave — assinala. — Aconteceu
alguma coisa no pub que eu deva saber?
— Nada demais. Conheci os outros meninos do time e comemos
anel de cebola. — Não menciono sobre ter sentado no colo do Reed. Prefiro
guardar esse momento entre a gente. — E nós não somos namorados de
verdade. Não se esqueça desse detalhe.
As pálpebras piscam lentamente, feito o Gato de Botas.
— Você tem que aproveitar as coisas boas que existem por trás
dessa situação. Reed não é assim tão ruim.
— O que você está insinuando?
Ela espreme os lábios e depois estala a língua no céu da boca. Os
ombros se minimamente curvam para frente, ao mesmo tempo em que
sugere:
— Para você se divertir.
— Com o Reed?
Escuto-a bufar.
— Se vocês toparam um relacionamento aberto, por mim tudo bem.
Nada contra. Se joga. — Levanta as mãos. — Mas se decidiram manter só
entre vocês... Se joga também.
Não reajo por longos minutos e Claire permanece na mesma
posição, nada incomodada com o peso do meu olhar. Minha amiga é imune
a qualquer tipo de constrangimento.
— Eu não vou ser mais uma garota da lista interminável de com
quem Reed transou. 
— Eu não disse nada sobre transar com ele.
Suspiro alto.
— Você insinuou.
— Eu disse para você se divertir. Entenda como quiser.
Apoio meu corpo no encosto da cadeira e cruzo os braços, ficando
na defensiva.
— A gente pode voltar a falar sobre você, por favor? — suplico e
puxo meu copo de café para mais perto, dando um golinho. — Eu aceito
falar sobre qualquer coisa, desde que não seja sobre esse namoro falso.
Claire estreita os olhos para mim, mas acaba cedendo, mesmo a
contragosto. Durante a próxima meia hora, falamos sobre os croquis que ela
desenhou nas últimas semanas e algumas ideias para apresentar na próxima
reunião com a Davis Corporation.
O assunto Reed Rollins, para a minha sorte, é completamente
esquecido.
Graças a Deus.
 
“Todos pensam que nós somos perfeitos.
Por favor, não deixe eles olharem através das cortinas”
Dollhouse | Melanie Martinez
 

 
Os sábados de manhã são dedicados a treinar na academia
improvisada da fraternidade que o Dave faz parte. E como meus colegas de
casa são uns folgados, eles não perdem a oportunidade de me
acompanharem. São iguais a dois cachorrinhos seguindo o dono pela casa.
A nossa sorte é que a Martial Kappa Tau se encontra praticamente
vazia. A maioria dos garotos festejaram a sexta em grande estilo,
terminando a noite na cama de alguma caloura do campus. Estou surpreso
que Mason tenha topado acordar cedo. Ele dificilmente faz isso nos finais
de semana, já que prefere dormir até o colchão ficar com o formato da sua
bunda. 
— Você acha que a gente consegue vencer os Willards na semana
que vem? — Mason pergunta ao levantar peso. — O Bradley disse que eles
são fodas.
— Se eles forem bons, a gente arrebenta com a cara deles — Keeran
sibila. — Nada que um soco não resolva.
— Você quer ser expulso do time, Flanagan? — Dave ergue a
sobrancelha daquele jeito que ele faz sempre que está dando uma bronca em
alguém durante o jogo. — Você é a droga do wide receiver, não o Super-
Homem.
Abafo uma risada ao enterrar o rosto na curva do braço, ao mesmo
tempo em que Keeran levanta o dedo do meio para Dave, que devolve com
um mostrar de língua.
— Vocês se preocupam demais — digo. — A gente vai detonar com
eles. Estamos treinando pra cacete e o treinador Turner não vai pegar leve
com a gente durante essa temporada. Ele está convicto que nós vamos
chegar aos playoffs.
— E você acha que a gente consegue? — Mason questiona. Há uma
pitada de preocupação escondida em seu tom de voz.
— Eu acredito que sim — Dave garante e bagunça os cabelos de
Mason com a ponta dos dedos. — Se anime, Henderson. Daqui a alguns
meses, vamos estar comemorando com todos os litros de bebidas
disponíveis em Maple Hills.
Keeran limpa o suor do rosto com a barra da camiseta.
— E muitas garotas gostosas, eu espero.
Dave faz uma careta.
— Fale isso por você e pelo Mason. Eu e o Reed somos homens que
levam a sério os seus relacionamentos com suas namoradas.
— Você sabe que o namoro do Reed com Anne é falso, certo? —
Keeran relembra. — Nada impede ele de se juntar com a gente na diversão.
Jogo uma toalha em sua direção, acertando cabeça e lhe arrancando
uma reclamação.
— Não vou trair a Anne enquanto estivermos nesse acordo — friso
a última palavra para que ele não tenha dificuldades em entender. — Sendo
verdadeiro ou não, nunca vou deixar que ela fique mal falada no campus. Já
basta o que aconteceu com a Angel.
Três pares de olhares recaem sobre mim. Um traço de curiosidade
invade as pupilas de Dave, como se ele soubesse algo que não quer contar
para mim. Enquanto isso, Mason cruza os braços na frente do corpo, a
camiseta se agarrando aos músculos do seu braço torneado. Keeran,
contudo, se mantém neutro, exceto pelo leve tremular de seus lábios no que
suspeito ser um sorriso sacana.
— Soldado abatido. — Meu amigo brinca e se levanta do banquinho
com estofado emborrachado que esteve sentado esse tempo todo. — Estou
vendo que só vou curtir a vida de solteiro ao lado dos meus amigos quando
a Terra virar pó.
— Você tem o Mason, o Bradley e o Cooper para te fazerem
companhia.
Como se estivesse ouvindo a conversa em um lugar escondido, a
porta de correr da academia improvisada no porão é empurrada e Bradley
surge. Usando somente uma bermuda de academia e tênis esportivos, não
duvido de que ele só estava esperando o momento certo de entrar e encher o
nosso saco.
— Eu ouvi o meu nome?
— Você estava aqui esse tempo todo? — pergunto.
Bradley dá de ombros e caminha até o supino, se sentando no
banquinho e abrindo as pernas. Ele prendeu os cabelos de comprimento
médio em um coque no topo da cabeça, deixando a mandíbula definida em
evidência.
— Estava só de passagem na lavanderia e ouvi vocês conversarem.
Qual o papo da vez e por que eu estou envolvido?
Mason coloca os pesos no supino e apoia o ombro direito na parede.
— Keeran estava reclamando que ele é o único solteiro entre nós.
Maior drama, porque sabemos que é mentira — Dave conta. — É só uma
questão de tempo até ele encontrar sua alma gêmea.
Ouço um palavrão como resposta.
— Isso não vai rolar, Dave. Pode parar de sonhar.
O quarterback do time arqueia a sobrancelha esquerda em um arco
perfeito.
— E por quê?
— Não acredito nesse lance de amor — reclama e fecha os dedos ao
redor da barra, levantando o peso das extremidades com uma puxada de ar.
— Parei de acreditar há muito tempo, na real. É só pra gente quebrar a cara.
Elas partem o nosso coração falando um monte de bobagem e vão embora
sem pensar duas vezes. Não quero nada disso pra minha vida. Sou muito
melhor solteiro.
A quietude que recai sobre o ambiente é desconfortável.
Não sei muita coisa sobre a vida pessoal dele. Keeran Flanagan é
um mistério, na maior parte do tempo. E acredito que a versão que ele
mostra para os seus amigos não é nem 1% do que ele é de verdade.
Acho que, no fundo, todos nós somos assim. Meus amigos não
sabem quem é o Reed Rollins por inteiro. Sem máscaras, piadinhas ou
frases polidas. Na real, duvido que alguém de fato saiba. É difícil mostrar
os nossos defeitos para as pessoas quando há a possibilidade delas irem
embora diante da primeira imperfeição que lhes desagrada.
— Oh, alerta de coração partido. — Bradley assovia. — Quem foi
que chutou a sua bunda, Flanagan?
— Eu chutei a bunda dela antes que ela pudesse chutar a minha.
Dave solta um grunhido que deixa evidente a sua insatisfação com o
rumo da conversa. Não deve ser nada fácil para ele aguentar uma casa cheia
de jogadores em que ele é o único que tem namorada.
— Trabalhamos com nomes, cara.
Keeran bufa e impulsiona a barra com os pesos para cima,
descontando sua revolta no inocente do supino.
— Não me lembro. Faz tempo demais. Apaguei ela da memória.
— Se tivesse mesmo apagado da memória, não estaria falando dela
agora.
— Vai se foder, Bradley — xinga e faz um sinal com o queixo para
que Mason o ajude a apoiar na barra no suporte de segurança. — Apaguei
ela da memória, mas não a lição que ela me ensinou.
— E qual é? — Dave questiona e, mesmo que ele tente disfarçar,
consigo perceber uma centelha de deboche por trás. — Nos encha com sua
sabedoria divina, Flanagan.
O wide receiver se limita a impulsionar as pernas para cima ao se
levantar do aparelho de academia e caminhar até o frigobar. Tira de lá uma
garrafinha de água e bebe todo o conteúdo em goles rápidos. Ao se virar
novamente para nós, não consigo entender o que sua expressão diz.
É um bloco de gelo.
— Solteiro sim, sozinho nunca. — Abre um sorriso amargo. —
Aproveitem a vida, porra, porque no final de tudo, é sempre você por você.
E nunca acreditem em quem tentar convencer do contrário. 

Ao final do dia, estou em frente ao fogão preparando uma porção de


waffles. A casa se encontra vazia, já que Keeran conseguiu convencer
Mason a ir com ele ao Cheers Bar. Dave também decidiu levar Claire ao
cinema e depois em um restaurante que inaugurou aqui na cidade. Ou seja,
a noite de filmes em grupo escorreu pelo ralo, o que me dá a liberdade de
assistir sozinho o que eu quiser.
Não que eu esteja reclamando. Eu gosto pra cacete da minha própria
companhia.
Coloco os waffles no prato e meu celular vibra em cima do balcão
no mesmo instante. Lanço um rápido olhar direção a tela e vejo que é uma
chamada de vídeo da minha mãe. Sorrio e apoio o celular na xícara vazia,
dando a ela a chance de me enxergar por inteiro quando aceito a ligação.
— Olha só quem resolveu se lembrar de que tem mãe. — Noreen
encena um choramingo e pisca os olho para a câmera. — Ainda está vivo?
— Não foi dessa vez que você se livrou de mim, mãe — brinco ao
colocar a louça suja dentro da pia. — Como estão as coisas aí em Mountain
City?
— Iguais, como sempre. Estou planejando fazer uma viagem com a
Kirsten. Você se lembra dela?
Forço minha memória a fazer qualquer tipo de ligação com o nome.
Minha mãe costuma viajar muito e conhecer diversas pessoas, então é
difícil decorar quem é quem. Da última vez que estive na sua casa, tive que
fingir que conhecia os seus colegas de trabalho, já que fomos apresentados
meses antes.
Foi bem difícil manter o sorriso gentil no rosto por intermináveis
horas. Terminei a noite com dor no dente.
— A sua amiga do trabalho? — Arrisco, torcendo para estar correto.
O olhar de minha mãe vacila por um milésimo de segundo. Os
dedos da mão direita brincam com o colar de pérolas ao redor do pescoço
esguio, analítica. Ela está bonita e arrumada para uma noite de sábado. Com
certeza vai sair e chutar o estresse para longe depois de uma semana cheia
no trabalho.
— Sim, ela mesma. — Acaba concordando, o receio escondido atrás
do seu sorriso. — Inclusive, quando você tiver o final de semana livre,
poderia vir me visitar. Faz tempo que não passamos um tempo só juntos.
Não faço nenhum tipo de reclamação, porque sei que ela tem razão.
A gente tem uma relação boa, comparando com a que mantenho
com o meu pai, mas desde que passei a morar com Ricky em North Groove
e depois fiz a mudança para Maple Hills, a nossa principal forma de
comunicação é através do celular. Não sinto o abraço da minha mãe há
meses.
Porra. Estou ficando pior que o Aaron.  E olha que o Aaron não
visita ninguém da família há anos, além da nossa mãe.
Ele é o filho ignorado. Aquele que as pessoas fazem um breve
comentário durante os jantares comemorativos, mas nunca o convidam para
estar lá. Aaron Rollins é como uma fotografia esquecida em uma caixa
dentro do armário. Você só se lembra que ele existe quando decide revirar
as memórias do passado.
Eu até tento conversar com ele a respeito, mesmo que seja para a
gente terminar a noite com uma ressaca do caralho. Contudo, ele não cede.
Aaron não quer conversar sobre o assunto. Duvido que tenha se aberto com
alguém a respeito. Ele só engole tudo, guardando para si em um lugar que
ninguém tem acesso.
— Podemos nos ver no Dia de Ação de Graças, se você quiser. —
Abro a gaveta e pego os talheres. — Não tenho nenhum jogo nessa data.
Noreen abre um sorriso que revela os dentes brancos e alinhados.
— Vou preparar a sua sobremesa favorita.
— E você ainda se lembra de qual é?
— Eu sou mãe, Reed. — Afina os olhos em uma linha estreita. —
Eu jamais vou esquecer do que os meus filhos gostam.
— Você tem falado com Aaron, aliás?
Puxo o prato para mais perto e espeto um pedaço do waffles,
levando-o à boca.
— Falei com ele no começo do mês. Disse que estava ocupado e
pediu desculpas por não retornar as minhas ligações. — Ela soa triste do
outro lado da tela. — Você tem certeza de que ele está bem, filho?
Encolho os ombros, desejando ter uma resposta melhor para dar.
— Nada de diferente. Continua o mesmo rabugento de sempre —
digo, de forma descontraída, antes que o clima dessa conversa vire um
bloco de gelo. — Não se preocupe. Se algo acontecer, eu vou ficar sabendo.
Estamos morando na mesma cidade, afinal.
Minha mãe concorda com um rápido aceno de cabeça e troco de
assunto logo em seguida, não querendo deixá-la triste. Minutos depois, ela
se despede com um beijinho na tela e me faz prometer, pela segunda vez,
que irei ligar mais vezes. Eu levanto o dedo mindinho só para zoar com a
sua cara e Noreen encerra a chamada entre risadas.
Estou agora dando a última mordida no waffles quando a porta de
entrada é aberta. O relógio na parede marca oito horas da noite, então não
tenho dúvidas de que é Anne. Mason e Keeran não devem voltar para casa
hoje.
Assovio, chamando-a para a cozinha e ouço seus passos se
aproximarem até estar de frente para o balcão. Como de costume, Anne está
usando o vestido do uniforme da lanchonete e o cabelo cai ao redor dos
seus ombros. As olheiras denunciam seu cansaço.
— Quer waffles? Fiz três porções.
Os lábios se retorcem em um sinal de desconfiança.
— Você colocou veneno nisso aí? — Aponta para a pilha de waffles
do outro lado da pia.
— Se eu tivesse colocado, não estaria te oferecendo.
Ela dá um passo para mais perto.
— Não sei se acredito. Essa seria a oportunidade perfeita para você
se livrar de mim de uma vez por todas. Ninguém ia desconfiar.
Reviro os olhos e pego um prato no armário ao lado da pia,
colocando ali dois pedaços de waffles e uma calda, junto de alguns pedaços
de framboesa. Empurro em sua direção, junto dos talheres.
— E por que eu faria isso?
Anne pega o garfo e espeta a primeira framboesa, levando aos
lábios. Dá só uma mordidinha na ponta, testando o sabor. Está uma delícia,
mas duvido que ela vá dizer isso em voz alta. O orgulho fala mais alto
quando se trata de Anne Scott.
— Porque a gente se odeia, é óbvio.
— Já falei para você, Annie. Eu não odeio você. — Contorno o
balcão, ficando atrás do seu corpo. Anne troca o peso dos pés, os ombros
tensos. — Odiar é uma palavra forte demais para definir o que sinto por
você.
— E o que você sente por mim, então?
Respiro fundo, inalando o seu perfume adocicado, e uso a ponta dos
dedos para empurrar uma mecha do cabelo loiro para trás dos ombros. O
pescoço fica à mostra e preciso reunir mil toneladas de autocontrole dentro
de mim para não mordê-la bem ali.
— Um pouco de raiva.
— E o que mais?
Anne brinca com a faca entre os dedos e rapidamente minha mente é
transportada para o dia que ela afundou a régua no meu pescoço. Pode ser
só uma questão de tempo para que outro objeto seja pressionado na minha
jugular.
— Irritação quando você me tira do sério — sussurro em seu
ouvido. — E uma vontade gigantesca de te prender na parede e te fazer
calar a boca durante todas as vezes em que faz comentários sarcásticos.
Anne dá uma risadinha e gira o quadril, ficando de frente para mim.
A distância entre nós é minúscula. Na posição em que estamos, consigo até
ver as manchas que colorem as suas íris. Parecem grãos de areia em uma
floresta.
— Isso é mais parecido com o ódio do que você imagina, Reed.
Balanço a cabeça e pouso o indicador em seu queixo, obrigando-a a
olhar para mim.
— Se eu te odiasse, joaninha, você com certeza iria saber. — Sopro
o ar quente na boca dela e uma pontada aguda atinge o meio das minhas
pernas.
— Vou esperar ansiosamente por esse dia — retruca.
— Eu não contaria com tanta expectativa assim.
A cabeça tomba para o lado, uma mecha do cabelo escapando por
detrás da orelha.
— Por quê?
Passo a língua entre os dentes e abaixo a mão, dando um passo para
trás.
— Porque está bem longe de acontecer, Scott.
 
“Demônios jogam os dados, anjos reviram os olhos.
O que não me mata, me faz te querer mais”
Cruel Summer | Taylor Swift
 

 
Não acredito que estou fazendo isso.
Na escala das coisas ruins que já aceitei fazer nesses vinte e dois
anos de vida, estar nessa arquibancada com as bochechas pintadas com
riscos pretos e brancos consegue ser a pior de todas.
Chega a causar dor no dedinho do pé.
E como se não bastasse ter sido arrastada até aqui, há algo ainda
pior. Tão ruim que vou sofrer de dor de barriga para o resto da minha
medíocre existência toda vez que lembrar desse dia.
Estou usando a merda de uma camiseta com o número 22 nas costas
juntamente do sobrenome Rollins estampado em letras garrafais.
É como um letreiro na beira de estrada gritando “eu pertenço a esse
homem!”
— Para de fazer careta! — Claire grita no meu ouvido, tentando
sobrepor sua voz diante da gritaria dos torcedores ao nosso redor. — Vão
achar que você está com dor de barriga!
— Acho que já estou. — Pressiono as mãos contra o estômago. —
Também estou prestes a fazer cocô em mim mesma.
Claire estampa um semblante de dúvida diante da minha frase.
Como todos os outros torcedores do Rebels Of Horizon, minha
amiga está com as bochechas pintadas com as cores do time e com um
chapeuzinho na cabeça que se parece com um bicho de pelúcia ambulante.
Ela dispensou a costumeira peruca, exibindo os cabelos castanhos cortados
bem próximos da raiz.
Nas orelhas, há os inseparáveis brincos. Só que, dessa vez, eles são
no formato da letra D.
Sim. D de Dave.
É inacreditável as coisas que a gente faz quando está apaixonado.
— Do que você está falando? — exclama e desvia de um homem
cheio de músculos que passa por nós, empurrando quem está no seu
caminho.
Não tenho a chance de responder, porque a gritaria triplica de
tamanho conforme as líderes de torcida, as Horizon Eagles, entram no
campo. Vestidas com as saias rodadas e o top com a águia bordada no
centro, elas dão piruetas no ar e gritam frases que não consigo entender. A
capitã se encontra no centro, se movendo com uma graciosidade invejável.
Quando a música termina, a agitação ao nosso redor se torna um
zumbido irritante no meu ouvido.
Eu nunca tinha vindo a nenhum dos jogos do time desde que entrei
na USVL, então estou surpresa com o quanto as pessoas levam o esporte a
sério por aqui. Claire, por exemplo, se torna uma pessoa completamente
diferente enquanto pula ao meu lado. Ela grita e assovia com os dedos
dentro da boca.
Entendo sua animação ao ver Reed e Dave atravessando o túnel e
surgindo em nossa linha de visão. Por mais que haja uma distância
considerável entre a arquibancada e o gramado, não é difícil de reconhecê-
los. Dave tem aquele porte atlético de quarterback que chama a atenção: os
ombros largos, as pernas compridas e os músculos decorrentes de horas na
academia escondidos pela camiseta.
Já Reed...
Essa é a primeira vez que o vejo com o uniforme. Sua autoconfiança
com aquele capacete na cabeça chega a ser palpável. Se eu esticar o braço,
vou poder tocar o seu ego com a ponta dos dedos. Dá pra ver que Reed
Rollins nasceu para estar ali, respirando o suor e a adrenalina que
antecedem o começo de uma partida.
Após os gritos se acalmarem, o time adversário entra em campo
também, junto das líderes de torcida. Embora eu não seja muito fã de
futebol americano, tenho que concordar que há um pouquinho de emoção
em estar aqui.
Claire se vira para mim e se inclina para mais perto. Seus lábios,
melados de gloss, grudam no meu cabelo solto.
— Acho que depois do jogo vai ter uma festa em comemoração na
fraternidade! Você vai?
Ergo as sobrancelhas.
— O jogo nem começou e eles já estão certos de que vão ganhar?
Isso traz azar, sabia?
Minha amiga abre um sorriso cheio de orgulho.
— A única coisa que vai trazer azar é se você não torcer para o seu
namorado.
Quero contradizê-la e dizer que Reed pode ser várias coisas nessa
vida, menos o meu namorado. Mas o momento é interrompido com o agito
e ambos os times se alinham no gramado. Eu não entendo nada do que está
acontecendo, exceto as poucas coisas que Alex me contava anos atrás, então
a única coisa que consigo identificar são as posições em que Dave, Mason e
Reed estão posicionados.
O apito ecoa por meus ouvidos e o jogo começa.
Claire quase entra em combustão ao meu lado durante os próximos
minutos. Ela grita, sacode os braços, xinga palavrões e esbugalha os olhos
de um jeito engraçado, a adrenalina aquecendo as suas veias.
Eu estreito os olhos, com dificuldade, para focar na visão de Reed
correndo de um lado para o outro. Como ele é o running back dos Rebels Of
Horizon, seu corpo é constantemente atacado pelo time da defesa. Até já
perdi a conta de quantas vezes ele foi derrubado com a bola nos braços.
— O defensive tackle deles é muito bom — Claire reclama do meu
lado, mastigando a unha do polegar. — Que merda!
O xingamento me pega de surpresa. Olho para o painel luminoso e
vejo que os Willards estão quatro pontos na frente. Não sei como isso
aconteceu.
— Por que eles estão perdendo?
— Aquele babaca do quarterback, o Calloway, fez a merda de um
touchdown — resmunga. — Que droga, Dave! Faz alguma coisa, porra!
Claire não poupa xingamentos quando chegamos no último quarto
de tempo. Está todo mundo tremendo de cabeça aos pés. Sem brincadeira.
Posso sentir o chão se mover embaixo de mim tamanha ansiedade. O placar
encontra-se empatado, o que faz os jogadores ficarem ainda mais
impacientes.
Posso apostar que o treinador Turner está com dor de barriga.
Quem não estaria? Aposto que até o Reed sente o estômago pinicar.
Foco minha atenção na camiseta 22, o mesmo número que tenho
estampado nas costas. Reed gesticula para o Dave, gritando coisas que não
entendo e depois faz um sinal para o jogador posicionado ao seu lado. Os
Willards fazem o mesmo, analisando a melhor forma de pontuar e levar a
vitória.
O apito ressoa mais uma vez e fecho os olhos, não querendo ver o
que vai acontecer.
— Porra!
— Bloqueia esse merda!
— Filho da puta!
Os xingamentos, então, se sobrepõem aos assovios e entreabro as
pálpebras. Reed está correndo tão rápido quanto o personagem de um
desenho animado. Ele desvia de um jogador e desvia do defensive tackle.
Ele ergue o braço e prendo a respiração ao ver a bola ser arremessada em
direção ao Dave.
Ele a pega no ar e corre. Quase é derrubado por outro jogador, mas
desvia com uma habilidade surpreendente. Estou fincando as unhas na
palma da mão tamanho nervosismo. Claire não está muito diferente de mim.
A mandíbula cerrada e os braços pressionados ao redor do corpo, como um
abraço de urso, são o maior indicativo de que ela se encontra tão tensa
quanto eu.
No exato segundo em que as chuteiras de Dave alcançam a end
zone, a arquibancada vibra. Latinhas de cerveja são jogadas no ar e pingos
de bebida caem no meu rosto. Claire levanta os braços para cima e me puxa
para um abraço apertado, as cordas vocais entonando todos os tipos de
exclamações.
Me pego gritando também e nem sei ao certo o motivo.
Porra. Eu nem gosto de futebol americano.
— A gente ganhou? — pergunto ao afastá-la sutilmente para o lado.
Mesmo com gotículas de suor salpicadas na pele das bochechas e a
maquiagem borrada no canto dos olhos, Claire continua bonita. Já eu tenho
medo só de pensar em como deve estar a minha aparência. Passo a língua
pelos lábios, sentindo o gosto de cevada.
Que nojo.
— Não sei! — Dá uma risada alta. — Mas o Dave acabou de fazer
um touchdown!
E eu rio com ela, porque estar aqui está sendo mais divertido do que
jamais pensei que seria.

Os Rebeles Of Horizon venceram os Willards com o placar de 28 X


22.
O touchdown que Dave fez foi o ponto decisivo para que o treinador
Turner abrisse um daqueles seus minúsculos sorrisos e parabenizasse os
jogadores.
E, é claro, essa vitória só facilitou para que o ego de Reed Rollins
triplicasse de tamanho.
Neste momento, seu braço está pousado ao redor dos meus ombros
enquanto subimos os poucos degraus que dão acesso a Martial Kappa Tau.
A música alta, combinada com o barulho de conversas, é o maior indicativo
de que comemorar a vitória do time é uma das especialidades da
fraternidade.
— O campeonato já é nosso, porra! — Keeran grita atrás de nós ao
entrarmos na imensa casa. — O que você achou do jogo, Anne?
Sacudo os braços do jeito mais descontraído que consigo.
— Não entendo de futebol americano, então tudo o que eu disser vai
ser uma grande mão acariciando o seu ego.
Keeran dá risada.
— Eu preferia a sua mão acariciando outra coisa em mim.
Reed resmunga um palavrão e dá um beijo estalado na minha
bochecha. O gesto não dura mais que cinco segundos, mas me pega
desprevenida. Não sabia que nós já tínhamos avançado nesse tipo de
encenação em nosso namoro de mentira.
Nem é preciso de nada disso com o Keeran. Ele sabe da verdade,
afinal de contas.
— Fica longe da minha namorada, Flanagan. Vai procurar outra mão
pra te acariciar.
Seu amigo explode em uma risada e me dá uma piscadela conforme
Reed me puxa para a cozinha, fugindo da conversa. Quase tropeço em meus
próprios pés durante o caminho e quando finalmente chegamos no cômodo
bem iluminado, me desvencilho do seu toque.
— Qual seu problema com o Keeran?
Reed paralisa em frente a geladeira de aço inox que é tão grande
quanto ele.
— Problema? — Uma ruguinha se acentua no centro de sua testa.
— Você fica todo nervosinho quando ele faz qualquer tipo de
insinuação para cima de mim. — Avalio seu rosto. — Você está com
ciúmes, Rollins?
Ele cospe um palavrão e pega duas cervejas.
— Ciúmes? — Fecha a porta da geladeira com o cotovelo. — Você
está delirando.
— Uhum. — Concordo com um resmungo.
Reed se aproxima e me entrega uma das cervejas. Bebo um gole da
bebida, mas mantenho os olhos conectados aos seus. Ele imita o meu
movimento e nos encaramos através das bordas da garrafa.
— Só não quero que mexam no que é meu — confidencia em um
sussurro.
Abaixo a cerveja.
— Desde quando eu sou sua, Rollins?
Uma risada arranha a sua garganta e ele usa a mão livre para colocar
uma mecha do meu cabelo atrás da orelha. Os dedos deslizam em câmera
lenta pelo pescoço, parando na gola da camiseta do time. Se infiltram só um
pouquinho para dentro, parando na altura das minhas clavículas.
— A roupa que você está usando diz exatamente isso — diz e
inclina os ombros para baixo, de forma que agora temos a mesma altura. —
Que você é minha. Só minha. Minha Annie Scott.
Droga.
Mordo o interior da bochecha com raiva.
— Só pelos três meses que esse acordo ridículo durar, Reed.
O polegar sobe e desenha círculos ao redor do meu pescoço. A
sensação é gostosa pra cacete. É difícil evitar que um arrepio não me
acometa da cabeça aos pés.
— Isso é o que vamos ver. — O hálito pinica em minha pele, como
formigas. — Porque três meses não é tempo o bastante.
Crispo o cenho, confusa.
— Para o quê?
Reed umedece os lábios com a pontinha da língua e apruma os
ombros, dando mais um gole na cerveja. A cena é mais sedutora do que
deveria ser. Me pego encarando cada um dos seus movimentos, hipnotizada.
Deve ser o efeito de vitória pós-jogo, porque ele nunca esteve tão bonito
quanto agora.
— Você sabe muito bem, Annie. Mas, caso esteja na dúvida,
prometo que um dia eu te conto.
Bato com o pé no chão, o que faz sua risada ecoar pela cozinha.
Odeio quando ele faz esse tipo de joguinho comigo. Reed ama deixar
assuntos importantes pendendo no ar.
— E o que você achou do jogo de hoje? — Apoia o quadril na ilha.
— Você e a Claire pareciam bem animadas lá na arquibancada.
— Estávamos torcendo pelo time adversário. Não teve nada a ver
com você.
— Vou fingir que acredito — murmura. — Da próxima vez, vou ver
se consigo um convite para você lamentar a derrota do time adversário na
fraternidade deles. A cerveja deve ter um gosto maravilhoso.
Faço um biquinho.
— E você? — Reed franze as sobrancelhas em confusão. Dou um
passo para frente, me aproximando. Tamborilo a ponta dos dedos nos
ombros dele e paro na gola da camisa de botões que está usando. — Vai
bancar o namorado ciumento se ver a sua namorada confraternizando com o
inimigo? Porque, dependendo da resposta...
Reed arqueja e encaixa a mão na minha cintura, me puxando em um
solavanco. Meus seios pressionam o seu peitoral, ao mesmo tempo em que
minhas mãos procuram amparo em seus ombros. A posição é esquisita.
É perto demais.
Perigoso demais.
Tentador demais.
— Não vou gostar nem um pouco. Vou ficar puto da vida.
Sorrio maliciosamente e inclino o pescoço para trás para poder
encarar os seus olhos. As pupilas dilatadas denunciam que não sou a única
que está sentindo um formigamento se espalhar pelas veias de um jeito nada
confortável.
— Isso é você confessando que sente ciúmes de mim?
Ele trinca os dentes.
— Você não vai desistir desse assunto até conseguir a resposta que
quer, não é?
— Jamais.
Reed sacode a cabeça em negação e aproxima o rosto do meu. A
respiração quente e acelerada se condensa de encontro a minha e sinto as
pálpebras vacilarem, querendo se fechar quando os lábios quentes tocam
um ponto sensível da minha orelha. Posso jurar que ele vai me morder,
como fez naquela noite na sua casa.
No entanto, ele paralisa no meio do percurso e deixa escapar um
suspiro bem baixinho, ao mesmo tempo em que ouço a voz de Claire:
— Estou interrompendo?
Pulo para trás, me desvencilhando do toque de Reed e giro sobre os
solados do tênis. Minha amiga está parada no arco que dá acesso à cozinha,
segurando um copo de bebida e com uma expressão de confusão.
— Não! — Me xingo mentalmente ao notar o tom desesperado em
minha voz. — A gente só estava conversando.
Claire resmunga em concordância e move os olhos para Reed.
— Ótimo jogo hoje, campeão — elogia. — Aquele tackle no
terceiro quarto de tempo foi surreal de bom. O ombro sobreviveu?
— Está mais inteiro do que imaginei que estaria.
Claire e Reed engatam em uma conversa cheia de termos técnicos
que não faço ideia do que significam. É visível que minha amiga procurou
entender mais do esporte depois que começou a namorar o quarterback do
time.
Enquanto os observo, me pego questionando se eu seria capaz de
fazer esse tipo de esforço por alguém. Eu aprenderia sobre algo que odeio
só porque sou apaixonada por essa pessoa? Eu faria questão de estar em
todos os jogos e torcer mesmo que não seja assim tão divertido? Eu deixaria
minhas questões de lado só para arrancar um sorriso do meu namorado?
Abaixo a vista e encaro a camiseta que estou usando. Depois, fixo
meus olhos em Reed. Ele está alheio ao turbilhão de pensamentos que
pipocam na minha cabeça, mas basta olhar para ele para ter a minha
resposta.
Não, eu não faria isso por ninguém.
E se fiz o que fiz hoje, foi só porque é tudo parte de uma encenação.
Uma mentira que estamos contando para todos que conhecemos.
Uma mentira que me coloca em situações que só irão durar um curto
período de tempo.
Uma mentira que não me obriga a me esforçar de verdade.
E chegar a essa constatação só me faz ter a certeza de que nunca
serei capaz de amar alguém como Claire ama Dave. Pelo menos, não sem
perder uma parte de mim durante o processo.
 
“As coisas que você sente por dentro, eu também sinto”
Lonely Eyes | LAUV
 

 
Anne está presa nos próprios pensamentos, alheia a minha presença.
A festa acontece embaixo de nós, o time comemorando a vitória de
mais um jogo na temporada. Não faço ideia de onde Keeran e Mason foram
parar, mas aposto que estão com uma garota no quarto. Dave e Claire
também sumiram.
E como não estou no clima em terminar a noite com os tímpanos
estourados, decidi subir até o segundo andar da casa. A sacada em que
Anne se encontra dá uma visão privilegiada da área da piscina da Martial
Kappa Tau e é um ótimo lugar para esfriar a cabeça.
— Ei.
Ela se sobressalta ao som da minha voz, quase derrubando o copo de
bebida no chão.
— O que você está fazendo aqui?
Escondo as mãos dentro do bolso da calça jeans e me aproximo.
— Procurando pela doce presença da minha linda namorada. 
As pálpebras se estreitam em uma linha fina, desconfiada. Aproveito
o momento para observá-la. Mesmo com Anne odiando a ideia e me
enchendo de xingamentos, a camiseta do time combinou com o tom dos
seus olhos. Além de ser um tesão do caralho vê-la com o meu nome
estampado nas costas. É uma visão que vou relembrar incontáveis vezes
antes de dormir.
— Você não cansa disso, não é? — Escora os antebraços na
balaustrada, dando as costas para mim. — Não precisamos mentir quando
estamos sozinhos, Reed.
— Ninguém te contou que as paredes têm ouvidos? — Imito a sua
posição e empurro o seu ombro de brincadeira com o meu. — Elas sabem
de todos os segredos do mundo.
— Você é um pé no saco.
Sorrio.
— Só quando estou com você.
As orbes se reviram em descontentamento e Anne dá um gole na
bebida.
— Já que estamos falando de paredes... — Começo e ela xinga um
palavrão baixinho. — Me conte algo sobre você.
— O quê?
— Me conte algo sobre você — peço. — Não tenha medo do que as
paredes vão pensar. O seu segredo vai estar seguro.
— E quanto a você?
Levo a mão ao coração com a palma pressionando o lado esquerdo.
— Pode confiar no seu namorado. Sou um homem de palavra.
Anne ri nasalado, soando meio irritada, mas acaba cedendo depois
de um tempo. Os dedos giram o copo de bebida, a atenção fixa em um
ponto distante no horizonte escuro.
— Nunca tive um cachorro.
— Você não pode estar falando sério.
— Estou, sim! — Vira o corpo, ficando de frente para mim. — Meu
irmão é alérgico, então a gente foi proibido de ter qualquer tipo de animal
de estimação.
— Nem mesmo um peixinho?
— Alex deixou morrer os três que ganhou do nosso pai quando era
criança e então...
A voz perde o som gradativamente, a tristeza cruzando o seu
semblante. Anne aperta os lábios e desvia o olhar do meu, não querendo
que eu veja qualquer vislumbre da sua vulnerabilidade. Não digo nada.
Somente permaneço em silêncio, deixando que ela encontre a própria força
dentro de si para seguir em frente com o assunto.
— A gente entrou em um acordo que não teríamos mais peixinhos.
Nem cachorros. Nem gatos. Nem qualquer tipo de pássaro. —A voz soa
rouca. — Então, é isso. Nunca tive um animal de estimação.
Não dou uma resposta de imediato.
Inclino ligeiramente a cabeça para o lado, contemplando os detalhes
do seu rosto. Decifrá-la é uma das coisas mais difíceis que alguém pode
tentar fazer. Ao mesmo tempo em que Anne te dá abertura para entrar, ela te
empurra para fora com um chute certeiro. Ela não hesita em se manter
fechada dentro da própria casca.
É um lugar seguro.
— E você? — pergunta, os lábios inclinados de um jeito forçado
para esconder o que realmente está sentindo.
Entro na dela, porque não quero deixar o clima uma merda.
— Tive dois cachorros. Ambos morreram velhinhos.
— Não! Me conte algo sobre você, Reed. Algo que ninguém sabe.
Estico o braço e pego o copo de suas mãos, dando um gole na
bebida. Me surpreendo ao notar que é água. Nada de álcool para a gente,
então.
— Qualquer coisa?
— Absolutamente qualquer coisa. — Abre um sorriso sapeca. —
Não irei contar para ninguém.
Troco o peso dos pés, avaliando uma resposta. Anne me encara em
expectativa, os olhos cintilando em curiosidade. Sua animação quase me
faz acreditar que não existe um ódio permeando o seu coração ao meu
respeito. Que, por uma curta probabilidade, a gente pode ser algo além de
somente namorados de mentira.
— Um dos meus filmes favoritos é Missão Impossível.
A risada de Anne ecoa pelo espaço vazio, se mesclando ao som da
música alta.
— Você só pode estar brincando comigo, Rollins.
— É um ótimo filme, okay? Foi um marco na carreira do Tom
Cruise.
— Oh, eu posso apostar que sim — debocha.
Tenho vontade de cutucar suas costelas e enchê-la de cócegas até
que implore entre gritinhos para que eu pare. Nunca ninguém me irritou
tanto quanto ela.
— E posso saber qual é o seu filme favorito? — Deixo o copo de
bebida em cima da mesinha de ferro atrás de mim. — Se for uma merda, eu
não vou pensar duas vezes em rir da sua cara.
— É um clássico. Ofendê-lo é um crime contra a humanidade.
Dou risada. De onde essa garota saiu e por que demorei tanto tempo
para conhecê-la?
— Eu tenho uma proposta para te fazer, então.
— Não, eu não vou me casar de mentirinha com você, Reed —
provoca. — Chega de propostas, por favor!
Apoio o quadril na balaustrada.
— Essa é a primeira vez que vejo uma mulher se negando a todas as
regalias de um casamento com um Rollins. — Dou uma piscadela,
arrancando de Anne um gemido de frustração. Fazer piada com os inúmeros
casamentos do meu pai nunca perde a graça. — A minha proposta não
envolve nenhuma aliança no seu dedo, pode ficar tranquila.
Anne me analisa com atenção. Esconder a curiosidade não é um dos
seus pontos fortes.
— Qual é a proposta, então?
— No próximo sábado, vamos assistir aos nossos dois filmes
favoritos — proponho.
A sobrancelha loira se ergue em um sinal de desafio.
— Sem Keeran e Mason?
— Só você e eu. — Encurto a distância entre nós, voltando a ficar
de frente para ela. Anne estica o pescoço para trás, tão bonita que poderia se
tornar o oitavo pecado. — O que me diz, joaninha?
A hesitação faz meu estômago se contrair em posições
desconfortáveis. É um tiro no escuro convidá-la para passar um tempo
comigo. As chances de eu terminar a noite com um golpe na cabeça
aumentam a cada dia.
— Eu topo, zangão.

Voltar de uma festa na companhia de Anne Scott é sempre uma


diversão.
A diferença é que, dessa vez, ela não está bêbada. Contudo, a
animação causada por alguns drinques coloridos de horas atrás a deixam
com um humor contagiante. Se ela fosse descontraída desse jeito 24 horas
por dia, a minha vida seria muito fácil.
Ela se joga na cama e enterra o rosto no travesseiro, ficando de
bruços. A calça jeans adere aos contornos do seu corpo, valorizando as
coxas torneadas e a bunda que me tira de órbita. Eu daria de tudo para lhe
dar umas boas palmadas.
Se estivesse usando aquela maldita lingerie vermelha, então...
Pisco os olhos, afastando a visão e me sento ao seu lado no colchão.
As luzes do quarto estão apagadas, exceto pelo abajur ao lado da cabeceira.
— Você precisa parar de me levar nessas festas de pós-jogo —
murmura, a voz soando abafada.
— Por quê?
Anne levanta o rosto do travesseiro e gira o corpo na cama, deitando
de lado. O cabelo loiro cai ao redor dos seus ombros feito um véu. Mesmo
cansada e com a maquiagem borrada, ela continua tendo aquele tipo de
beleza difícil de ignorar.
— Porque eu sempre acabo me divertindo.
Crispo a testa.
— E por que isso seria um problema?
Ela sopra o ar em uma irritação engraçada.
— Não quero me divertir com você, Reed. É um dos itens proibidos
da minha lista.
Me empolgo com o assunto e me acomodo melhor na cama,
esticando as pernas, mas mantendo os pés para fora.
— Você tem uma lista sobre mim? — Levo a mão ao coração. —
Estou me sentindo tão lisonjeado com o seu carinho por mim, Annie. Há
também uma foto minha escondida dentro da sua gaveta de calcinhas?
— A única coisa escondida na minha gaveta é uma fita isolante para
te fazer calar a boca.
Gargalho alto.
— Não curto sadomasoquismo. Deixo isso para o Christian Grey.
Anne arqueja e se vira na cama de novo, dando as costas para mim.
O silêncio que se segue entre a gente é confortável. Não é constrangedor e
nem incômodo. São raras as pessoas com quem consigo sentir isso.
E admitir que Anne Scott é uma delas é um chute na bunda bem
dado.
— Você não respondeu a minha pergunta, Scott.
A resposta dela é um grunhido.
— Você não fez pergunta nenhuma, seu chato.
Estalo a língua no céu da boca e chuto os sapatos para longe. Eles
caem contra o piso em um eco mudo. A casa silenciosa indica que Keeran e
Mason ainda não voltaram da festa. É somente Anne, eu e a nossa briga de
egos infinita.
— Você tem uma lista sobre mim? — pergunto em um sussurro.
A demora em ouvir sua voz me faz acreditar que ela pegou no sono.
No entanto, Anne se vira novamente no colchão. Dessa vez, ela apoia o
cotovelo no travesseiro, usando a mão de sustento para a cabeça.
— Não. Mas estou considerando fazer uma.
— E o que você vai colocar nela?
Anne mordisca o lábio inferior, pensativa. É uma tortura aguardar a
sua resposta e, como se ela soubesse ler a minha mente, os olhos se juntam
de encontro aos meus, ao mesmo tempo em que uma centelha de diversão
cruza a sua expressão.
— Você sabe muito bem. Mas, caso esteja na dúvida, prometo que
um dia eu te conto — diz as mesmas palavras que usei contra ela na cozinha
da fraternidade. — Agora, sai do meu quarto. Você tem a sua própria cama.
Ela não me dá a chance de retrucar. O movimento acontece tão
rápido que, quando me dou conta, estou com a bunda estalada no chão do
quarto. Escuto a risada e depois o rosto dela urgindo na beira da cama.
— Boa noite, Rollins.
— Saiba que isso vai ter um troco.
— Eu vou esperar ansiosamente. — Sopra um beijo e se joga de
novo na cama.
Xingo mentalmente um palavrão e me levanto, obrigando meus pés
a se arrastarem pelo piso. No entanto, antes de sair do quarto e fechar a
porta, cedo à tentação e dou uma última olhada em direção à cama. Anne
está deitada de barriga para cima, os olhos fechados.
— Eu sei que você ainda está aí, zangão.
Abro um meio-sorriso.
— Boa noite, joaninha. Sonhe comigo.
O braço se levanta junto do dedo médio e eu me pego rindo sozinho
enquanto fecho a porta.
 
 
 
 
 
 
 
 

 
 
“Porque nós fomos educados para ver a vida do melhor jeito e aguentar o
que pudermos”
Ode To My Family | The Cranberries
 

 
A mensagem do meu pai pipoca na tela do meu celular.
Ricky: Ótimo jogo na sexta.
Simples e sucinta, exatamente como ele. Não há grandes elogios ou
algum traço de felicidade pelo resultado. É como se, por trás de suas
palavras, houvesse aquela sensação de que ele é o único responsável por eu
ter um bom desempenho no campo.
Zero mérito próprio.
Xingo um palavrão e jogo o celular entre as almofadas do sofá, sem
clima para respondê-lo.
O barulho chama a atenção do meu irmão. Ele estica o pescoço para
trás, tentando me ver por cima da mesa de jantar.
— O de sempre?
Aaron me conhece melhor do que ninguém. Mesmo que não
sejamos tão próximos quanto irmãos deveriam ser, ele ainda consegue me
ler com uma facilidade incrível.
— Não é como se eu tivesse outros problemas na vida além desse.
Ele faz um bico e retorna para a sala com duas garrafas long-neck.
Me entrega uma delas e se acomoda no espaço vago ao meu lado. A
televisão está ligada em um jogo de beisebol. Nada de futebol americano na
casa do Aaron.
O apartamento, inclusive, fica em cima do pub em que ele
administra. O espaço é pequeno, mas confortável. Tem um ar meio rústico,
como a personalidade do meu irmão. As paredes são com os tijolos à vista e
há uma dedicada especialmente aos seus discos de vinil favoritos.
— Você é um babaca mimado — murmura ao se desfazer da jaqueta
de couro e jogá-la em cima da poltrona. — As coisas vão tão mal assim?
Não sei se Aaron realmente está curioso ou só está bancando o papel
de irmão mais velho. Ele odeia falar sobre o Ricky.
— Nada fora do normal. E como vão as coisas no pub?
Ele tenta esconder, mas vejo seus ombros se moverem em alívio
com a troca de assunto. Na verdade, até eu fico mais tranquilo sabendo que
não vamos estragar o nosso curto momento juntos falando do babaca do
nosso pai.
— Melhores do que pensei. Esse negócio de Halloween e temporada
de jogos do time ajuda nas vendas — explica. — E por falar nisso... E a sua
namorada de mentira? Eu vi vocês dois naquela noite e pareciam bem
próximos.
— Quem me dera, mas ela topou morar comigo. Valeu pelo
conselho, a propósito. Mas continuamos do mesmo jeito. Ela segue
planejando uma forma de me eliminar da face da Terra.
Aaron estica as pernas em cima da mesinha de centro no formato de
um tronco de madeira.
— E você?
— Gosto de um crime mais limpo — provoco em um tom de
brincadeira. — Nada de facas e sangue. O negócio é o jogo psicológico.
— Sinceramente, começo a entender porque ela te odeia — Aaron
resmunga com desgosto. — Até eu te odeio às vezes.
Dou risada.
— Eu sempre soube. Você quebrou um vaso de flor na minha cabeça
quando eu tinha sete anos.
Aaron bebe um gole da cerveja, a diversão visível em sua expressão
carrancuda. Arrancar um traço de bom humor do meu irmão é uma
conquista que poucas pessoas conseguem. Ele tem aquela energia de quem
desgosta da maioria da população e que não faz nenhum esforço para
disfarçar.
— Você era um irmão pé no saco. O vaso na cabeça foi pouco para
as coisas que você aprontava — justifica. — O que eu queria perguntar é se
você também a odeia.
Franzo o cenho, confuso.
— Quem?
— A sua namorada de mentira.
O rosto de Anne me vem à mente de forma automática. Os olhos
cheios de irritação, a boca teimosa que insiste em me encher de
provocações e o sorriso que surge quando digo alguma coisa que a diverte.
Essa é a minha parte favorita nela.
Não preciso pensar muito na pergunta de Aaron. A resposta está na
ponta da língua.
— Não. Eu não a odeio. — Bebo um gole da cerveja. — Só a
detesto na maior parte do tempo.
Aaron encrespa a testa em ruguinhas que denunciam sua
incompreensão.
— E por que você não se livra dela de uma vez?
Porra, Aaron.
Não quero nem pensar em como é ter um tipo de relação amorosa
com ele. Deve ser como levar um chute na cara dez vezes por dia em forma
de palavras.
— Sei lá. Gosto de irritá-la.
Os olhos analíticos, e da mesma tonalidade dos meus, me avaliam
com atenção. Longos segundos se passam até que Aaron dá mais um gole
na cerveja e retorna a atenção para a televisão.
— Eu realmente quebrei com força demais aquele vaso na sua
cabeça.
Infelizmente, talvez eu tenha que concordar com ele.

Horas mais tarde, estou acomodado em uma das banquetas do


London Foot Pub enquanto meu irmão prepara o estoque para a noite. Hoje
é terça, então o movimento vai ser tranquilo.
— Rollins!
Giro na banqueta ao escutar o meu nome ser chamado. Mal tenho
tempo de processar de onde veio a voz antes de ser acometido por um
abraço desajeitado. Os braços finos de Angel envolvem o meu pescoço e o
perfume adocicado pinica a ponta do meu nariz.
— O que você está fazendo aqui? — pergunta ao se afastar. —
Achei que você estaria no treino ou, sei lá, passando um tempo com a sua
namorada.
Aparentemente, minha vida nessa cidade se resume a duas coisas:
futebol americano e Anne Scott. Não que eu esteja reclamando.
— Vim encher o saco do meu irmão. — Aponto para as portas que
dão acesso ao estoque interno e ao seu escritório. — E você? Tem música
ao vivo hoje?
Angel tem uma banda junto de outras quatro meninas.
Eventualmente, elas vêm tocar no pub do meu irmão.
— Sim, mas nada muito especial. Estamos pensando em preparar
algo mais especial para o Halloween.
— Legal. — Sorrio e abaixo o tom de voz, não querendo que
ninguém escute o que estou prestes a dizer. — E as coisas melhoraram para
o seu lado?
Angel mordisca o cantinho do lábio inferior e troca o peso dos pés.
— Às vezes escuto alguém comentar algo, principalmente agora que
estou saindo com alguém. Mas não se preocupe. — Faz um sinal com a
mão. — A Anne estar nos seus jogos já ajuda bastante os boatos
desaparecerem.
— Você soube do jogo na sexta, então?
— Seria difícil não ficar sabendo. Vocês foram vistos chegando
juntos na festa da fraternidade com ela usando a sua camiseta. As coisas
estão progredindo bem entre vocês, hein?
Ah, Angel, se você soubesse...
— Melhores do que eu poderia ter imaginado.
Sinto uma vontade tremenda de cair na gargalhada só de imaginar a
careta no rosto de Anne ao presenciar essa conversa.
— Falando nisso, a gente poderia marcar o nosso encontro duplo
para essa sexta. Estou ansiosa para conhecê-la — Angel sugere. — Vocês
vão estar livres?
— Acredito que sim. Só tenho jogo no final do mês, então estou
mais tranquilo.
Angel abre um sorriso que faz suas bochechas se elevarem e
diminuírem o tamanho dos seus olhos. Só agora noto que ela está arrumada
pra cacete. Maquiagem carregada, cabelo ondulado nas pontas e um vestido
preto que destoa das cores pastéis que ela sempre usa.
Quando a vi pela primeira vez, tocando guitarra com a banda das
meninas, soube que a Angel de cima dos palcos é totalmente oposta da
Angel da vida cotidiana. É como se ela assumisse uma segunda
personalidade, cheia de sensualidade e segredos.
— Eu mando uma mensagem para confirmar. — Fica na pontinha
dos pés e dá um beijo estalado na minha bochecha. — Vou achar um lugar
bacana para a gente ir.
— Qualquer lugar menos o Cheers Bar, por favor.
— Seu irmão não ia gostar de comemorarmos no arqui-inimigo. —
Dá uma piscadela divertida e se afasta, dando pequenos passos para trás. —
A Anne gosta de comida mexicana?
Boa pergunta.
Se eu fosse um bom namorado, saberia disso. Acho que Anne e eu
precisamos — urgentemente — fazer uma rodada de perguntas sobre o
outro. Convencer Angel desse namoro não vai dar certo se a única coisa que
compartilhamos é a raiva mútua.
— Ela adora — minto, torcendo para não estar cavando minha
própria cova com essa afirmação.
— Então, tenho o lugar perfeito em mente.
Abro um sorriso, já imaginando que essa noite tem duas opções.
Pode terminar de um jeito bom, com todos nós se divertindo e dando risada
da situação. Ou, na pior das hipóteses, com uma faca sendo pressionada
contra o meu pescoço enquanto Anne entoa para Maple Hills inteira o
quanto me odeia.
Estou torcendo pela primeira opção.

Ao chegar em casa, a primeira coisa que noto é que Anne está


sentada na beira da piscina. Os pés se encontram mergulhados dentro da
água e criando ondinhas.
Empurro a porta que dá acesso aos fundos e caminho pelo deque de
madeira, descendo os únicos dois degraus e parando do outro lado da
piscina. O som chama sua atenção e os olhos encontram os meus. Não sei
decifrar o que há por trás deles.
Como de costume, os cabelos estão soltos ao redor dos ombros em
ondas bagunçadas e o vestido do uniforme adere ao seu corpo. Os botões
localizados estrategicamente no centro dão um volume maior para o seu
busto.
Aperto os lábios e me acomodo ao seu lado. Chuto os tênis para
longe e dobro a barra da calça jeans, mergulhando os pés dentro da água. O
sistema de aquecimento a gás não foi ligado desde que o verão acabou,
então a temperatura gelada me causa um arrepio.
Não dizemos nada por um longo tempo.
Estico o pescoço para trás, encarando o céu que começa a escurecer.
As luzes da área de lazer já estão acesas, iluminando parcialmente a borda
da piscina e metade do rosto de Anne. Noto, de relance, as olheiras
causadas pelo cansaço.
— Me encontrei com a Angel hoje. — Anne vira o rosto para mim
de um jeito que diz: E daí? Não ligo. Sufoco uma risada. — Lembra do
encontro duplo que te falei? Ela quer te conhecer. Sexta. Vai estar livre?
— Sim — diz, desinteressada. — Vou ter que bancar a namorada
apaixonada?
Abro um sorriso.
— Uma namorada apaixonada e determinada a atravessar o oceano
inteiro só para fazer o seu namorado feliz.
Os olhos se reviram em uma irritação que já conheço como a palma
da minha mão. Porra, como eu adoro tirar essa garota do sério.
— Eu atravessaria o oceano inteiro dentro de um barquinho se isso
significasse que eu iria me livrar de você.
— Minha companhia é assim tão ruim?
— Você não faz ideia. É como enfrentar diariamente uma tortura
que nunca tem fim — murmura. — Mas estar dentro dessa sua cabeça
também deve ser um saco. Muito ego e infantilidade para pouca
inteligência.
A língua pinica para que eu faça um comentário arrogante a respeito
do meu ego, mas prefiro seguir pelo caminho mais perigoso. Sem esperar
que Anne reaja ou entenda o que estou fazendo, fecho as mãos ao redor de
sua cintura e impulsiono o seu corpo em direção a piscina.
Ela arregala os olhos e grita, afundando as unhas no meu antebraço
descoberto pela camiseta.
— Reed! Por favor!
— O que foi, joaninha? — pergunto em um sussurro, empurrando
mais um pouco para frente. A ponta dos cabelos dela tocam a superfície da
água. — Até cinco segundos atrás, você estava enchendo essa boca sacana
para falar mal de mim. Onde está a sua coragem agora?
Ela me fuzila.
— Você está jogando sujo. Me derrubar dentro da piscina não é uma
tática muito madura. — Empina o queixo para cima. Mesmo prestes a
morrer congelada, Anne continua teimosa pra cacete. — O que só
comprova meu ponto. 
Para irritá-la, solto um pouco o aperto, deixando que o cabelo
mergulhe mais alguns generosos centímetros dentro da água. Anne tenta
impulsionar as costas para cima, sem sucesso.
— Reed.
— Anne.
Quase nunca a chamo pelo nome verdadeiro. Prefiro muito mais
Annie. Acho que combina com ela e tudo o que representa para mim.
Então, ao ouvir as sílabas rasgando a minha garganta, um minúsculo sorriso
curva os lábios dela para cima.
— Achei que estivéssemos progredindo em nosso namoro. — Finjo
um tom tristonho. — Compro para você uma caixa de donuts, te dou minha
camiseta favorita e ainda te convido para assistir filmes comigo... E como
você retribui isso? Dizendo que minha companhia é um saco.
— Eu não pedi que você fizesse nada por mim.
— Só pediu por um teto.
Anne suspira alto e aperta com mais força o meu braço.
— Um teto em troca de um namoro falso. Nossos favores poderiam
ter terminado aí. Você que insiste em fazer coisas além.
Estalo a língua no céu da boca e, sem esperar, desfaço o aperto que a
mantém segura. O corpo de Anne atinge a água em um único movimento, o
grito de surpresa sendo abafado pela minha risada.
Quando o rosto dela surge, com o cabelo molhado e o vestido
boiando ao seu redor feito uma água viva, eu não consigo me conter e curvo
a coluna para frente, encurtando a distância entre nós.
— Resposta errada, Scott.
Ela pragueja um palavrão e se aproxima de onde estou sentado.
Percebo que fui ignorante em me manter na borda da piscina. Deveria ter
levantado e deixado Anne na piscina. Sozinha. Molhada feito um pintinho.
Mas não. Estou aqui.
E agora as mãos delas estão fechadas ao redor das minhas pernas, o
rosto encaixado entre os joelhos. A visão faz minha virilha pinicar.
Minha imaginação é a mais traiçoeira de todas. Nela, Anne não está
usando a droga desse vestido cafona dos anos 80. Em um cenário paralelo,
ela está trajando aquela maldita lingerie vermelha que deixa os seus seios
incríveis e uma calcinha que se afunda no meio de sua bunda.
Porra.
Fecho os olhos, obrigando a imagem ir embora. Quando os abro
novamente, Anne continua entre as minhas pernas, a mão serpenteando de
forma traiçoeira. Subindo e subindo até alcançarem as coxas. Ela fixa as
palmas ali e impulsiona o corpo para cima. As palmas molham o tecido da
calça jeans.
Tento formular uma frase, qualquer coisa para provocá-la, mas
minha garganta está seca feita o deserto. Fico quieto, observando o seu
rosto tão próximo ao meu.
— Anne. — O tom de alerta na minha voz é uma mistura entre
rouquidão e malícia.
Cacete.
As bochechas de Anne se elevam em um sorriso cheio de diversão e
a cartada final é dada. As mãos se movem rapidamente para o meu pescoço,
os dedos se entrelaçam ali e, num movimento muito bem calculado, Anne
nos puxa para trás.
Caímos na água.
Juntos.
Em uma reação automática, puxo seu corpo para o meu e as pernas
rondam o meu quadril conforme afundamos. Fico de olhos abertos e ela
também. A visão fica nublada por causa da água, mas isso não me impede
de encararmos um ao outro.
O momento é esquisito pra cacete.
Os pulmões protestam pela falta de oxigênio e impulsiono os nossos
corpos para cima. Puxo uma longa lufada ao inspirar o fundo, sentindo cada
célula gritar em desespero pela temperatura baixa da água.
— Agora eu acho que te odeio de verdade — digo, ainda mantendo
minhas mãos nela. Ela está tremendo de frio.
— Foi você quem começou com essa brincadeira patética.
— Foi você quem começou dizendo que minha companhia é um pé
no saco.
— Não tenho culpa se você se magoa assim tão fácil com as coisas
que eu digo.
Sacudo a cabeça em negação e pressiono suas costas na beira da
piscina. Sustento o peso do corpo dela com apenas uma mão, usando a outra
para afastar uma mecha do cabelo da testa. Anne acompanha o gesto com
um vinco no centro da testa.
— Já te falei, joaninha — sussurro. — Meu coração é frágil.
Anne inspira baixinho e, com a ponta dos dedos, enxuga as
minúsculas gotas de água que recaem sobre as minhas bochechas. Ela
dedilha a pele com cuidado, como se estivesse com receio. Paralisa na
altura dos lábios, o polegar pairando a centímetros de distância.
O clima mudou drasticamente. Sinto como se houvesse uma pedra
de gelo entalada na minha garganta.
— Você não deveria me dizer esse tipo de coisa.
— Por que não?
— Porque isso significa que ele será muito mais fácil de quebrar.
Passeio com a mão ao longo do seu ombro coberto pelo vestido
encharcado.
— E isso é um problema para você? — indago.
Ela move a cabeça de um lado para o outro.
— O seu coração não me diz respeito, Rollins.
— Só de mentirinha, Scott. — Dou uma batidinha na ponta do seu
nariz e afrouxo o aperto, deixando que suas pernas flutuem para longe de
mim. — Enquanto o nosso acordo durar, meu coração é seu.
Anne bufa e começa a nadar em direção à escadinha da piscina.
— Isso é uma indireta para eu dizer que meu coração é seu também?
Cruzo os braços e inspiro, fazendo meu corpo boiar.
— É o mínimo que as pessoas esperam.
Ela fecha as mãos ao redor do corrimão e impulsiona o corpo para
cima. O vestido se encontra tão molhado que gruda em cada parte do seu
corpo. A bunda redondinha continua sendo o meu maior ponto fraco.
— E o que você espera de mim? — pergunta enquanto torce o
cabelo.
— O mesmo que dou a você.
Ela faz uma careta nada contente.
— Dor de cabeça?
Rio.
— Não, Annie.
Desço as pernas para baixo da água e nado até onde ela está. Apoio
os braços na borda da piscina e faço um sinal para que ela se aproxime. A
desconfiança é evidente, mas Anne acaba cedendo. Os joelhos são
flexionados para baixo, de forma a nivelar a nossa altura.
— Me dê mais do seu coração e menos do seu ódio — peço. — É só
o que peço de você. Nada além disso.
 
“Você joga jogos estúpidos, você ganha prêmios estúpidos.
Somos eu e você, não há nada como isso”
Miss Americana & The Heartbreak Prince | Taylor Swift
 

 
O mês de outubro é uma das minhas épocas favoritas do ano.
A cafeteria da universidade parece compartilhar da mesma paixão
que a minha. Há bandeirinhas de abóboras penduradas no teto e o cardápio
escrito em giz tem vários fantasmas desenhados. Até os doces expostos na
vitrine são temáticos.
Sem resistir, peço dois cupcakes. Estou prestes a virar sobre as botas
e procurar por uma mesa livre quando trombo com uma garota. O grunhido
escapa de nós duas e me pego segurando seus ombros para que nenhuma de
nós caia no chão.
Quando meus olhos focam em seu rosto, arquejo em surpresa.
A garota é Angel Patterson.
Ela é muito mais bonita do que eu gostaria de admitir. Os cabelos
são de um castanho escuro, quase pretos, e caem majestosamente ao redor
dos seus ombros cobertos por um cardigã de margaridas. Os olhos estão
maquiados com delineador preto e os lábios pincelados de batom vermelho
evidenciam o tom de sua pele branca.
Angel é igual a uma boneca de porcelana.
E, sabe lá por qual motivo, eu me sinto insegura ao constatar esse
fato.
— Oh, Anne? — Ela também não disfarça a surpresa ao me
reconhecer. — Não acredito que é você!
Pois é. Nem eu.
— Em carne e osso. Não foi dessa vez que me tornei uma lenda
urbana.
Angel dá risada.
— Todo mundo daqui conhece você. Ou seja, você pode ser tudo,
menos uma lenda urbana — diz animada. — O Reed me falou tanto sobre
você. Nem acredito que nunca conversamos antes. Você faz Jornalismo, não
é?
Okay. Angel tem uma capacidade sobrenatural de interagir como se
fôssemos amigas há anos. Não sei se isso é bom ou ruim. Ainda estou meio
travada, tentando assimilar a sua presença.
— Isso. — Concordo. — Espero que o Reed não tenha falado merda
sobre mim. O passatempo favorito dele é me encher o saco.
A constatação de que falei algo suspeito me atinge quando Angel
franze levemente a sobrancelha para cima. Sou salva quando o garçom
chama a sua senha. Ela levanta o dedo indicador, pedindo para que eu
espere, e se curva sobre o balcão, fazendo o pedido.
Pelo curto espaço de tempo, me pego imaginando como era o seu
relacionamento com o Reed. Eles não me soam compatíveis. Não porque
ela não seja bonita, porque ela é bonita pra cacete. Acho que é mais porque
a energia de Angel não se completa com a de Reed.
Nem sei porque estou pensando nisso, porque eu nem conheço Reed
tão bem assim.
Chacoalho a cabeça. Logo em seguida, Angel retorna segurando um
copo de café.
— Eu estou meio ocupada, mas foi um prazer te conhecer — Angel
diz, meio afobada. — A gente se vê na sexta? Não sei se o Reed comentou
com você sobre o nosso encontro duplo.
— Sim, já estou sabendo de tudo. Estou ansiosa para conhecer a
pessoa que roubou seu coração.
— E eu estou curiosa para saber tudo e mais um pouco sobre a
garota que conseguiu fazer o grande Reed Rollins sossegar. — Me dá uma
piscadela. — A gente se vê na sexta, então?
— É claro.
Angel dá um beijo estalado na minha bochecha e vai embora. Fico
um tempo encarando a porta pela qual ela saiu, assimilando sua presença
marcante. Eu realmente não esperava por isso.
O assovio alto é o que me desperta da divagação. Giro o pescoço e
encontro Keeran sentado em uma das mesas no fundo, me encarando com
uma pitada de diversão. Reviro os olhos e caminho até onde ele está.
Keeran mantém os braços cruzados na altura do peito conforme me
aproximo, me analisando da cabeça aos pés de um jeito nada sutil. Na
verdade, sutileza é uma palavra que jamais deve ser associada a ele.
Keeran Flanagan é quente, sedutor e um poço fundo demais para
qualquer um mergulhar.
— Vejo que você acabou de conhecer a inesquecível Angel
Patterson — ele provoca e dá dois tapinhas no assento, me convidando a
sentar ao seu lado.
Coloco a bolsa no banco e me acomodo na cadeira livre, arrancando
de Keeran uma risada.
— Você aprende rápido, Scott. — O orgulho é visível no timbre de
sua voz.
— Prefiro não arriscar.
As orbes de Keeran giram em um círculo perfeito e repousam
novamente em mim. Nesta manhã de outono, ele usa uma camiseta que
recobre a pele branca de seus braços e uma correntinha ao redor do pescoço
com a letra C. Curioso, no mínimo.
O que mais me chama a atenção são as tatuagens. Não há nenhuma
colorida. Elas variam entre uma caveira com serpentes escapando pelos
olhos escuros e uma rosa inteiramente pintada de preto. Ao redor do pulso,
noto um escorpião em que a ponta do rabo se transforma na flecha de um
cupido.
— Gostou? — Keeran me puxa de volta para a realidade.
Levanto o rosto e dou de ombros.
— Achei interessante.
— Você também é bem interessante, Scott.
Faço uma careta.
— Não é muito educado de sua parte flertar com a namorada do seu
amigo.
Keeran pousa as mãos sobre a mesa e inclina a cabeça para o lado.
— Pouco educado é você e o Reed desperdiçarem o tesão de vocês
se odiando.
Se eu estivesse comendo meu cupcake, com certeza teria engasgado.
— Não faço ideia do que você está falando.
— Se você quer seguir por esse caminho, tudo bem. — Bebe um
gole do café. — Eu finjo que não sei de nada e você finge que é tudo coisa
da minha imaginação.
Abro um sorriso ladino.
— Fingir é a minha especialidade, Flanagan.
— Estou vendo que sim, Scott — resmunga. — E o que você achou
da Angel, então? Para essa resposta, não vale nenhum tipo de mentira.
Passo a língua pelos lábios, sentindo a garganta secar. Nunca desejei
tanto um café quanto agora. Talvez os cupcakes não sejam o suficiente para
afastar o aperto repentino no meu estômago.
— Normal. Nada demais.
Keeran ri pelo nariz.
— Pelo visto você é boa somente em fingir, porque essa mentira não
cola nem a pau. — Empurra o café para mim e faz um sinal para que eu
beba. — Joga a verdade, Anne.
Encaro o café, demorando a formular uma resposta.
Angel é estranhamente intimidante. Energética. Bonita. Um espírito
livre pronto para levantar voo e sobrevoar as coisas mais lindas do mundo.
Angel Patterson é aquilo que não consigo ser, por mais que eu tente. E olha
que eu nem a conheço direito.
Nem sei se quero, na real. Isso só vai contribuir para que um buraco
ainda maior cresça dentro de mim.
— Por quanto tempo ela e o Reed namoraram?
Se Keeran percebe que desviei de sua pergunta, prefere ignorar.
— Não foi um namoro de verdade. Não igual ao de vocês, pelo
menos. Eles saíram algumas vezes, se divertiram e foi isso. Não é como se
o Reed fosse apaixonado por ela. Duvido muito que tenha sido.
— Como assim?
Keeran hesita e aponta para o café. Dessa vez, bebo um gole.
— O Reed nunca namorou, Anne. — Estica as pernas por debaixo
da mesa, a ponta do coturno tocando as minhas panturrilhas. — Você é a
primeira, mesmo que de um jeito meio bizarro.
Assimilo a informação despejada na minha cara como um balde de
gelo.
Na minha cabeça, as namoradas que Reed colecionava eram de uma
lista imensa. Foi isso o que ouvi pelos corredores da USVL logo depois da
festa dos calouros. E a maneira que ele me tratou naquela noite só
comprovou isso. Babaquice escorrendo por todos os poros.
— Eles...
— Um romance de verão, nada além disso. Não precisa se sentir
ameaçada.
— Não me senti ameaçada por ela — nego, as palavras arranhando a
garganta.
Não me senti, certo?
Foi só um susto repentino. Acontece com todo mundo.
— O que você sentiu, então?
— Eu já te falei, Keeran. — Empurro o café de volta para ele.
Porra, onde está a droga do garçom com os meus cupcakes? — Achei ela
intimidante. Só isso.
Viro o corpo na cadeira, mirando o balcão. O número de estudantes
dentro da cafeteira triplicou. A fila para fazer os pedidos está imensa. Vou
ter que encontrar outra forma de fugir daqui.
— Esqueça essa merda de se sentir intimidada. Reed e Angel não
são mais compatíveis. O lance agora é você.
Franzo a testa.
— Só até o ano acabar.
— E depois disso?
— Cada um de nós segue com a própria vida. Não finja que não
sabe disso.
Keeran me dá uma olhada cheia de significado. A boca se curva
para cima em um tipo de sorriso difícil de entender. É como uma extensão
da sua personalidade. Cheia de mistérios e significados ocultos.
— Então, depois que essa mentira com o Reed acabar... — Balança
as sobrancelhas de forma sugestiva. — Eu posso te chamar para sair?
Trinco a mandíbula. Uma parte minha quer cair na gargalhada,
enquanto a outra quer beirar a infantilidade e erguer o dedo do meio.
— Você não faz o meu tipo.
Ele se curva sobre a mesa, os ombros criando uma sombra. Keeran é
tão alto quanto todos os outros meninos do time.
— E qual o seu tipo?
Abaixo a vista para as tatuagens que recobrem a pele da sua mão e
depois retorno para o rosto. Há um traço de diversão desenhando as linhas
de seu semblante.
— Com menos tatuagens, é claro.
Keeran faz um biquinho.
— Não custa tentar a sorte, hein?
— Em outra vida, quem sabe. Por enquanto...
— Por enquanto o seu tipo é Reed Rollins.
Abro a boca para retrucar, mas o garçom chega com os meus
cupcakes já quase esquecidos. Até perdi a fome depois dessa conversa cheia
de altos e baixos.
É somente quando voltamos a ficar sozinhos que Keeran se levanta
da cadeira em uma indireta de que está prestes a ir embora. Antes disso, no
entanto, ele me dá um beijo na bochecha e aperta sutilmente meu ombro.
— E não se esqueça do que eu disse.
Franzo a testa, confusa.
— Hum?
— O lance do Reed agora é você. Goste disso ou não.
Ele não me dá a chance de retrucar. Apenas vai embora, deixando o
impacto de sua frase corroer os meus pensamentos como uma ferrugem
venenosa.

Estou trancada no quarto desde que voltei da cafeteria.


Hoje é o meu dia de folga no trabalho, então aproveitei para colocar
os meus trabalhos em dia. Tenho um artigo para entregar sobre Jornalismo
Político e um relatório de Jornalismo Econômico. Não é muito difícil, mas
minha cabeça não consegue se concentrar desde a conversa com o Keeran,
horas atrás.
A minha relação com Reed tem seguido por um caminho que eu não
esperava e o que ele me disse na piscina, dias atrás, cutuca o meu cérebro
como uma dor de cabeça. Ao mesmo tempo em que quero compreender
melhor as coisas entre nós, sinto também que preciso fortalecer a minha
zona segura.
Quanto mais longe Reed estiver de mim, melhor. E se para
conquistar isso, eu precisar despejar o meu ódio por ele em palavras
nutridas de mágoa, não vou pensar duas vezes. É assim que eu funciono.
Não consigo ver as outras de outra forma.
Respiro profundamente e pego a garrafinha de água esquecida em
cima da mesinha de cabeceira. Estou prestes a tomar um gole quando o meu
celular começa a vibrar. Procuro-o entre os livros espalhados por cima da
cama e abro um sorriso gigantesco ao ver o nome na tela.
— Sagan! — exclamo, o rosto surgindo no mesmo instante na tela.
— An-An! — Ele me cumprimenta no mesmo tom animado.
— Achei que tivesse se esquecido de mim. — Choramingo. — Já
faz quase dois meses desde que você foi embora.
Sagan coça a barba em um gesto envergonhado.
— Eu sei, mas as coisas estão corridas aqui em Dublin. Não tenho
passado muito tempo em casa — conta. — E quando consigo alguma folga,
acabo saindo.
O bichinho da curiosidade me pica assim que ouço a última
informação.
No último verão, Sagan conheceu Clio McGoy, a renomada
escritora de Adagas & Segredos. Ele não me contou muita coisa, mas sei
que o envolvimento deles foi intenso. Nada perto de um romance de verão
passageiro. No entanto, ele teve que ir embora, assim como ela. Os dois
seguiram em frente com suas vidas e sem data marcada para se
reencontrarem. Sagan e Clio estão à mercê da sorte.
— Você conheceu alguém?
Ele compreende a desconfiança escondida atrás da minha pergunta.
— Ninguém especial. Não estou no clima para nenhum tipo de
relacionamento no momento. E você? Como vão as coisas em Maple Hills?
— Insanas. Bastante coisa mudou desde que você foi embora para o
outro lado do mundo.
Engatamos em uma conversa sobre a loucura que minha vida se
tornou no último mês. Não menciono sobre o namoro falso com Reed,
porque Sagan não vai conseguir controlar a língua. Já que, assim como
Alex, Sagan gosta de me provocar como se fosse o meu irmão mais velho.
Não temos nenhum laço de sangue nos unindo, mas ele ocupa um
espaço especial em minha vida — mesmo com a grande diferença de idade
entre nós. Sagan esteve presente em momentos decisivos da minha vida e
me apoiou mesmo à distância, quando morava em Nova York. E mesmo
que esteja Dublin por causa da sua carreira, ele continua presente.
Sagan está no meio de um monólogo sobre a vida noturna da cidade
quando escuto a porta do meu quarto ser aberta. Reed espreita pela fresta e
ao notar que estou sozinha, entra sem ser convidado.
Babaca.
Em suas mãos, há uma bandeja com um prato de macarronada e um
copo de suco. Meu estômago ronca que o cheiro maravilhoso invade as
minhas narinas. Não consigo nem disfarçar, porque Reed dá uma risadinha.
O som, para o meu grande desespero, chama a atenção de Sagan.
— Você está com alguém, An-An? — ele pergunta.
Não tenho tempo de negar. Reed deixa a bandeja em cima da
cômoda e se joga ao meu lado na cama. O seu rosto surge na tela, ao mesmo
tempo em que os olhos de Sagan se arregalam em choque ao reconhecer o
atleta que pressiona o corpo de encontro ao meu.
— Reed Rollins?
— E aí, coroa? — Cumprimenta-o cheio de diversão. — Ouvi dizer
que você está em Dublin agora. Bebendo muita cerveja nos famosos pubs?
Sagan dá risada.
— Só o suficiente para dizer que não estou aproveitando a cidade
como um turista costuma fazer.
— Essa é a vida que eu quero ter daqui alguns bons anos — Reed
diz e se vira para mim. — O que você acha, Annie?
— Acho que você está sonhando alto e se intrometendo onde não foi
chamado.
Ele emite um barulhinho com a boca que indica a sua discordância.
— Você está morando comigo. Posso me intrometer no seu quarto
quando bem entender.
Sinto meus dentes rangerem.
— Não é assim que as coisas funcionam.
— E como devem funcionar?
O pigarro de Sagan nos faz girar o pescoço em sincronia e encará-lo
atrás da tela do celular. Não gosto nem um pouco do brilho que ilumina as
íris douradas. Faz um nó se formar ao redor da minha traqueia.
— Estou interrompendo?
Nego com um balançar de cabeça e empurro Reed pelo ombro.
— Você não tem nada melhor para fazer? — Gesticulo para a porta
entreaberta. — Vai encher o saco dos seus amigos.
— Prefiro você.
Reprimo a vontade de soltar um palavrão e aperto o celular com
mais força entre os dedos suados. Há um sorriso tão grande no rosto de
Sagan que fico com vontade de dar um soco em qualquer coisa que
encontrar pela frente.
— E eu prefiro você bem longe daqui.
— Não seja tão ranzinza, Annie. Sagan vai achar que não somos
bons namorados.
A exclamação de Sagan me faz fechar os olhos com força.
Eu.
Vou.
Matar.
O.
Reed.
— Como assim, vocês estão namorando?!
— A gente conversa outra hora, okay? — peço afobada, puxando o
celular para mais perto do meu rosto. — Me desculpa.
Sagan não tem a chance de responder. Encerro a chamada clicando
com raiva no botão vermelho. Jogo o celular para trás e fico de joelhos na
cama. Reed está esparramado entre as almofadas, exibindo um sorriso que
mostra todos os dentes que eu gostaria de quebrar usando a porra de um
martelo.
— Acho que ele não gostou de receber a informação desse jeito —
debocha, cruzando os braços atrás da cabeça. — Será que o coração dele
aguenta?
Elimino um muxoxo irritado e jogo uma almofada em sua cabeça
com toda a força que encontro dentro de mim. Reed finge um gemido de
dor e dou um gritinho assustado quando ele vem pra cima de mim, me
encurralando. Minhas costas tocam o colchão, ao mesmo tempo em que se
acomoda entre as minhas pernas, o joelho pedindo espaço.
E eu cedo, sabe-se lá por qual motivo.
— Você é um babaca, sabia? — digo, erguendo a cabeça para que
nossos rostos fiquem na mesma altura. — Agora ele vai achar que gosto de
você de verdade. Quando, na realidade, estou doida para te jogar de um
penhasco.
Reed dá uma risadinha e espalma as mãos ao redor dos meus
ombros, curvando o corpo para tão perto do meu que se torna difícil manter
a respiração tranquila.
— Você não ousaria.
— Te jogar de um penhasco? É claro que sim.
— Não, Annie. — A voz baixa algumas oitavas, as íris fixas na
minha boca. — Gostar de mim de verdade.
— Bom que sabe. — Tento fugir do casulo que ele criou ao meu
redor, mas é impossível. O corpo de Reed é como uma muralha me
pressionando de encontro ao colchão. — Você quer mais alguma coisa além
de me irritar? Porque se esse era o seu objetivo, já pode sair de cima de
mim.
— Eu trouxe o seu jantar — diz baixinho. — Fiz macarronada.
— Não sabia que você cozinhava.
— Eu não cozinho. Só em ocasiões especiais.
Ergo as sobrancelhas.
— Posso saber que ocasião especial é essa?
Reed inclina os ombros para frente, de forma que agora a boca se
mantém separada da minha por míseros centímetros. Nos encaramos com
afinco.
— Você é a pior namorada que Maple Hills já viu. — Resvala o
nariz no meu. O hálito quente pinica na minha língua. — Hoje
comemoramos um mês de namoro, joaninha.
— E aí você decidiu fazer uma macarronada?
O lábio inferior projeta-se para baixo em decepção. Parece uma
criança chateada porque não recebeu o presente de Natal que queria.
— Você não gosta de macarronada?
Rio. Essa conversa tomou um rumo inesperado.
— Não sei se gosto da sua macarronada em específico, mas no geral
eu curto. — Dou de ombros. — Você não está fazendo isso só como uma
forma de me envenenar, certo?
Reed sacode a cabeça e dá um beijinho na minha testa, para logo
depois se afastar. O gesto me pega tão de surpresa que fico alguns segundos
petrificada, com as mãos caídas ao redor do corpo.
— Envenená-la é a última coisa que quero fazer com você.
Ele se levanta da cama e caminha até a cômoda, pegando a bandeja
com a comida. Seu andar exala uma autoconfiança invejável e me pego
virando o corpo para admirá-lo de costas. Os ombros de Reed são largos e
imponentes por causa dos treinos incansáveis na academia, enquanto os
músculos do braço se agarram ao tecido da camiseta branca.
Reed é bonito.
Bonito demais.
Mais bonito ainda quando se vira e abre um sorriso de covinhas para
mim.
— Gostando da visão?
Nego, apoiando o cotovelo no travesseiro.
— Já vi melhores.
A risada repercute pelo cômodo conforme ele caminha até onde
estou deitada e coloca a bandeja com a macarronada ao meu lado. O cheiro
é delicioso e a minha boca se enche de saliva.
— Tipo o Chad Eaton?
Projeto a língua para fora em um gesto de vômito.
— Ele está no top cinco dos piores.
Reed faz um sinal para que me sente. Puxo as pernas para mais
perto, ficando em posição de yoga. Gentilmente, ele me entrega o prato de
macarronada, juntamente de um par de talheres. É um gesto que me deixa
inquieta porque exala um tipo de cuidado que não estou acostumada a
receber.
— E o top cinco dos melhores?
Levo um punhado de macarronada para a minha boca e me pego
soltando um gemido involuntário de satisfação. Está bom pra cacete.
Reed não consegue se conter e abre um sorriso. Ele sabe que, se isso
fosse um jogo, teria feito uma pontuação altíssima.
— Não costumo enumerar as coisas boas dessa forma — respondo
de boca cheia, sem nenhum pingo de vergonha. — Só as piores para que eu
não cometa o erro de repeti-las.
— Eu estou no top cinco das coisas ruins, não é?
Dou uma risadinha e gesticulo para o copo de suco. Bebo um
pequeno gole, só para a macarronada não ficar presa na garganta.
— Você é o número um, Reed. — Sorrio, provocadora. — Achei
que já soubesse disso.
Ele revira as orbes em descontentamento e se deita no colchão,
esticando as pernas. Diferente da cama que eu tinha no apartamento de
Sidney, nessa aqui cabe tranquilamente umas três pessoas — quatro, se não
houver nenhum jogador de futebol americano determinado a ocupar todo o
espaço disponível.
— Eu ainda vou fazer você mudar de ideia, Annie. — Afaga o meu
joelho nu com a ponta dos dedos. — E me tornar o número um no seu
coração.
— Pois saiba que isso nunca vai acontecer — garanto. — Meu
coração é imune a Reed Rollins.
— Eu já não posso dizer o mesmo sobre o meu. — Tomba a cabeça
para o lado e me lança uma piscadela. — Feliz um mês de namoro,
joaninha.
Levanto o prato e entro na sua brincadeira.
— Feliz um mês de namoro, zangão.
 
“Eu estava de pé e você estava lá.
Dois mundos colidiram e eles jamais poderiam nos separar”
Never Tear Us Apart | INXS
 

 
Depois do treino de sexta, no qual o treinador Turner não poupou
esforços para que todos os jogadores do time encerrassem o último treino
da semana com os músculos da perna tremendo em exaustão, Dave me
convidou para ajudá-lo a comprar um presente de aniversário para a Claire.
Por isso, neste momento, estamos caminhando pela área comercial
de Maple Hills.
— Estou pensando em fazer uma surpresa.
Dave diz essa frase tão de repente que meu pescoço se vira de
imediato em sua direção. Ele mantém o semblante tranquilo, mas há um
sorriso lutando para surgir. As mãos escondidas dentro dos bolsos da
jaqueta do time são um péssimo disfarce.
— Porra. Que tipo de surpresa?
— Se eu contar, vai deixar de ser uma surpresa — aponta e eu
resmungo em desacordo.
— Vai pedir a Claire em casamento?
Dave hesita, mas acaba negando com um balançar de cabeça.
— Ainda não. — Gesticula para uma loja que tem vários vestidos
coloridos na vitrine. — A gente meio que já entrou em um acordo que só
vamos nos casar depois que terminarmos a faculdade.
Mordo o interior da bochecha e entro na loja. Sou sugado por um
furacão de roupas coloridas e sapatos chamativos — exatamente o tipo
favorito de Claire. Curiosamente, o seu estilo é uma extensão da sua
personalidade: alegre e cativante.
— Não foi dessa vez que consegui levar você para uma despedida
de solteiro cheia de strippers — digo, brincalhão, e recebo um tapa na nuca
como resposta. — Vai dizer que você ia odiar? São strippers, Dave. Esse
tipo de presente não se nega.
— Eu detestaria. — Remexe em uma das araras, analisando os
vestidos. — E a Claire nunca me perdoaria.
— E quem garante que ela não iria em uma despedida com homens
usando cuecas dois números menores?
O olhar mortal que recebo poderia derrubar um jogador de futebol
americano.
— Você é ridículo. É por isso que seu único namoro é de mentira.
Apoio o antebraço na arara e estico a coluna, tentando relaxar. Meu
corpo está fodido em níveis preocupantes que só me fazem pensar na minha
cama. O foda é que hoje ainda tem o encontro duplo com a Angel. As
chances de eu conseguir dormir cedo estão bem próximas de zero.
Que cocô ambulante de dia.
— O lado bom é que me poupa das obrigações de ser um namorado
apaixonado 24 horas por dia. Tipo você — provoco e Dave elimina um
muxoxo, me dando as costas conforme caminha pela loja. Impulsiono as
pernas para frente, seguindo-o. — Estou pensando em aderir aos namoros
falsos depois que esse acordo com a Anne acabar. O que você acha?
— Acho que você esqueceu do capacete hoje no treino e bateu a
cabeça com força demais no gramado.
Solto uma risada.
— É uma possibilidade.
Dave sacode a cabeça em negação e pega um vestido cheio de
lantejoulas
— Sabe o que eu realmente acho? — Ele não me dá a chance de
responder. É uma pergunta retórica. — Que está na hora de você parar de
mentir para si mesmo.
Pisco as pálpebras, confuso.
— Você precisa ser mais específico, Dave. Eu não sou a porra do
Edward Cullen que lê mentes.
Ele dá uma risadinha pelo nariz e pega mais um vestido. Dessa vez,
é preto com um decote que imita um coração. Simples, mas Claire sempre
consegue transformar peças básicas em algo único.
— Esse lance de fingir que a Anne não significa nada para você já
não rola mais — avisa. — Não comigo, pelo menos.
Um frio nada agradável atinge a boca do meu estômago. Vomitar
poderia ser uma boa possibilidade para sair dessa enrascada que me meti.
— Eu nunca disse que ela não significava nada para mim. — Desvio
a atenção para a arara de roupas, remexendo nos cabides. — Só que a sua
presença era indiferente na minha vida.
Dave cruza os braços, os dois vestidos ficando pressionados contra o
seu peitoral largo.
— E ainda é?
— Não sei. É difícil de entender — respondo e ergo as vistas. Dave
me observa com curiosidade. — Não dá pra fingir que ela não existe
quando está, literalmente, dormindo embaixo do mesmo teto que o meu.
— Você que convidou ela para morar com você.
— Foi o jeito que encontrei dela aceitar namorar comigo.
Cavar um buraco e me esconder dentro dele é o meu maior desejo
neste momento. Falar sobre Anne Scott me desperta sensações estranhas,
porque é difícil ordenar os pensamentos a respeito do que tem acontecido
nas últimas semanas.
É como pisar em um punhado de ovos recém botados.
— E depois?
— Ela vai encontrar um novo lugar para morar e seguimos com as
nossas vidas assim que a temporada de playoffs começar.
— E é isso que você quer?
Franzo a testa.
— Isso aqui virou a porra de um interrogatório e não estou sabendo?
Dave suspira e se aproxima de onde estou. A nossa diferença de
altura é de poucos centímetros, então nossa linha de visão é a mesma.
Encaramos um ao outro em silêncio. E, para o meu grande azar, fico com a
leve sensação de que meu melhor amigo sabe de alguma coisa que não quer
me contar.
Os seus olhos não mentem. Ele é péssimo em disfarçar.
— Só estou querendo entender o que está rolando. As coisas são
esquisitas entre vocês dois desde a festa dos calouros.
A mera menção a aquela noite faz meu coração errar uma batida. Às
vezes, me questiono como as coisas seriam entre mim e a Anne se eu não
tivesse dito nada, se tivesse deixado rolar naturalmente. Provavelmente não
estaríamos aqui, com ela bancando a minha namorada de mentira e me
derrubando para fora da sua cama.
— Ela me odeia porque falei uma merda logo que nos conhecemos.
Foi isso que rolou entre a gente naquela noite — explico. — E ela só não
contou nada para a Claire porque não queria que o clima ficasse esquisito
toda vez que nos encontrássemos. E agora ela me odeia ainda mais porque
estamos juntos por causa de um boato.
Dave assente, taciturno, e vira de costas, retornando para a arara de
roupas. Franzo a testa, desacreditado com a sua rápida mudança de
expressão.
— Você fez todas essas perguntas e não vai dizer nada?
Os lábios carnudos dele se curvam em um sorriso.
— O que você quer que eu diga, Rollins?
— Um conselho, quem sabe.
— Sobre o quê, especificamente?
Bufo, já ficando irritado.
— Você é um pé no saco. Não acredito que somos amigos.
Uma risada é proferida e mais vestidos são escolhidos. Daqui a
pouco ele vai comprar a loja inteira de presente para a namorada.
— Ainda dá tempo de você pular fora.
Aponto o dedo em riste em sua direção.
— Na primeira oportunidade que eu encontrar, pode ter certeza que
o Bradley vai ocupar o seu cargo de melhor amigo. Não dá pra continuar
desse jeito, Morris.
O quarterback se limita a revirar as orbes em um círculo perfeito e
volta a caminhar por entre as araras. No entanto, antes de mudar para a
seção de lingeries da loja — onde ele vai gastar boa parte do seu dinheiro
—, Dave inclina ligeiramente a cabeça para o lado e diz:
— O meu conselho é muito simples, Rollins. Não pise na bola,
porque Anne é uma garota bacana demais. Ela não merece passar por uma
situação ruim por sua causa.
Fico na defensiva.
— Eu nunca faria isso com ela.
Dave sorri de um jeito orgulhoso, as bochechas acompanhando o
subir de lábios.
— Eu sei.
E sem esperar por minha resposta, Dave gira sobre os calcanhares e
me deixa sozinho no meio de um emaranhado de vestidos extravagantes que
Anne Scott jamais usaria.

A primeira coisa que faço ao chegar em casa é procurar por Anne.


Conforme subo os degraus, escuto a música alta ressoar do seu
quarto. Me aproximo lentamente, enquanto tento decifrar a melodia. Para a
minha sorte, a porta se encontra entreaberta, então espio pela generosa
fresta.
Anne está de frente para o espelho da penteadeira usando um roupão
de cetim e passando batom vermelho nos lábios que pensei em beijar
quando nos conhecemos, vários meses atrás. 
Ela ainda não notou a minha presença porque cantarola o refrão da
música em alto e bom som.
Aproveito esse momento de distração para observá-la melhor. Anne
está descalça, as unhas dos pés pintadas de azul, e o quadril rebola
sutilmente de um lado para o outro. Os cabelos loiros foram ondulados na
ponta e caem ao redor dos ombros ossudos. Há ainda esse roupão que não
deixa muito espaço para a imaginação.
Eu daria de tudo para puxar a porra do laço e vê-la somente de
lingerie na minha frente como da última vez.
E se ela gemesse o meu nome baixinho, eu já não responderia por
mim.
A merda desse quarto ia ficar cheirando a nós dois por horas.
Passo a ponta do polegar pelos lábios e desço para o queixo. Preciso
engolir uma quantia espessa de saliva quando o trecho da música ecoa pelo
quarto em um tipo de tentação nem um pouco divertida.
Chupando um pirulito, rebolando no meu jeans na pista de dança e
sem calcinha.
Como se houvesse um imã nos puxando, Anne desvia a atenção da
própria boca e me encontra atrás do reflexo do espelho. Não dizemos nada.
Ela só fica lá, parada e me observando.
— Há quanto tempo você está aí? — pergunta, abaixando o batom e
o tampando.
Escoro o cotovelo no batente da porta.
— Tempo o bastante para imaginar você rebolando em outra coisa.
Anne xinga um palavrão, como de praxe, e estica o braço para
abaixar o volume da música no celular, mas eu nego. Lentamente, caminho
para onde ela está e pouso as mãos sobre as suas clavículas. Seu corpo
estremece sutilmente com o contato.
— O seu jeito de flertar comigo está ficando cada vez pior —
murmura rispidamente.
— Não estou flertando com você, Annie.
Movimento o dedo sutilmente para o lado, esbarrando na barra do
roupão.
— O que você está fazendo, então?
Respiro uma longa lufada de ar, enchendo os pulmões, e procuro
pelo olhar dela através do espelho. O rosto de Anne é uma máscara
congelante. Não há nenhum indicativo do que ela está pensando.
— Só dando voz aos meus pensamentos.
Ela sorri, cheia de malícia.
— Você tem pensado em mim?
Aproximo os lábios da sua orelha e sopro o ar. Anne bem que tenta
disfarçar, mas vejo os dedos se fecharem com força ao redor do tubo de
batom. Estamos seguindo por um caminho perigoso, não tenho dúvidas
disso.
— Você não faz ideia do quanto. — Empurro uma mecha do cabelo
dela para o lado. — Penso em você todos os malditos dias como um
namorado apaixonado deve fazer.
Anne troca o peso dos pés e engole em seco, os olhos faiscando em
chamas. Os meus devem estar da mesma maneira. Prontos para incendiar a
porra desse quarto. Prontos para desnudá-la em pensamentos e afundar
minha boca de encontro à sua como tenho desejado fazer há muito tempo.
Pigarro para afastar a vontade de proferir um gemido e aproximo o
nariz do seu pescoço, inspirando o perfume.
— É esse papel que desempenharemos essa noite?
O tom sussurrado, quase como se arranhasse a sua garganta, não me
passa despercebido.
— É esse papel que eu desempenho diariamente — retruco,
mordiscando a pontinha do lóbulo da sua orelha. — Só falta você entrar no
papel também.
— Eu sou muito boa em fingir, Rollins.
Sorrio e sussurro em seu ouvido:
— Prova pra mim quão boa você é, Scott.
Minha frase é interpretada como um desafio que Anne está mais do
que disposta a vencer. Ela pousa a mão sobre a minha que ainda descansa
em seu ombro e gira o corpo, ficando de frente para mim. Nesse milésimo
de segundo, meu estômago se contrai involuntariamente.
A consciência de que estou me metendo em uma enrascada me
atinge em cheio. É tipo um chute nos testículos.
Obrigo meu coração a se acalmar, mas é praticamente impossível.
Anne fica na pontinha dos pés e pressiona os seios de encontro ao meu
peitoral. Os mamilos ficam intumescidos, sedentos para serem chupados
por minha língua.
Abaixo o olhar para a sua boca e vejo que ela faz o mesmo,
encarando os meus lábios. A mão volta então a se movimentar, descendo e
se esgueirando para dentro da minha camiseta. A palma gélida me causa um
arrepio mais do que bem-vindo.
É gostoso pra caralho.
Permaneço estático no piso, apreciando a mulher que desabrocha
diante de mim. Anne arranha o meu abdômen com a ponta das unhas e
morde de leve o meu queixo. Controlar o arquejo que luta para escapar é tão
difícil que me vejo fechando as mãos em punho.
Como se ela fosse capaz de compreender o turbilhão de sensações
que dominam cada uma das minhas células, as íris esverdeadas procuram
pelas minhas, trêmulas.
— Coloca as mãos em mim, Reed — exige em um tom rouco.
E eu faço exatamente o que ela pede.
Porque isso aqui é fingimento.
É um desafio.
É Anne provando que ela é tão boa jogadora quanto eu.
Enrosco minhas mãos ao redor de sua cintura, mas a cabeça dela
oscila de um lado para o outro em discordância.
— Mais para baixo.
Desço, parando na altura do seu quadril.
— Mais um pouco, zangão. — Resvala o nariz no meu. — Você
sabe do que eu estou falando. 
Fecho os olhos e deslizo as mãos para baixo, segurando a bunda
coberta pelo roupão de cetim. Afundo os dedos na carne macia. A palma da
mão formiga para desferir um tapa ali por todas as coisas que ela já me
disse e por todas as outras que estão se passando na minha cabeça.
Meu pau está começando a despertar dentro da calça jeans e isso
não é nada bom.
— Está bom agora?
Anne sorri e usa a mão livre para acariciar a minha bochecha.
— Está mais do que bom, Reed — diz. — Suas mãos estão
exatamente onde deveriam estar.
Bato com a língua no céu da boca.
— Eu não sei se concordo. Acho que existe um lugar muito melhor
para elas estarem. 
Ela arqueia sugestivamente uma das sobrancelhas loiras.
— Só em seus sonhos.
— Nos meus sonhos eu faço muito pior.
Anne ofega, pega de surpresa, mas se recupera com uma facilidade
incrível. É admirável ver como ela consegue assumir o controle da situação
e ainda me deixar com tesão. Há brutalidade e raiva pulsando em suas
pupilas, mas também um fogo que envolve nós dois perigosamente.
— Estou esperando por esse seu lado — provoca —, porque, até
agora, você não fez nada demais.
Rosno um palavrão e dou um tapa na sua bunda. Anne arregala os
olhos e dá um pulinho, pega de surpresa. Não foi forte o bastante, somente
para fazer a região formigar e a palma da minha mão se lembrar disso para
o restante da noite.
— Não brinque comigo — aviso. — Você não vai querer embarcar
nesse jogo.
Anne faz um biquinho fofo e esfrega a pélvis na minha de forma
lenta. Meu pau pulsa com o contato, adorando a sensação.
— Eu não só embarquei, como já estou no controle.
A mão que estava descansando debaixo da minha camiseta esse
tempo todo se movimenta mais uma vez, terminando o percurso ao repousar
sobre os meus ombros. Trocamos um olhar que poderia incendiar cada
maldito canto desse quarto.
— Annie... 
O meu tom de alerta, mesclado com o nervosismo, faz um sorriso
maléfico surgir e, com uma facilidade invejável, ela dá um passo para trás,
fazendo o mesmo com o meu corpo ao dar um sutil empurrão. Minhas mãos
caem para baixo, deixando-a livre.
Não sei explicar o que acabou de acontecer. Um delírio, sem sombra
de dúvidas.
— O que achou? Fingi bem o bastante para você?
A pergunta tem o mesmo impacto que um soco na boca do
estômago. Eu havia me esquecido que os últimos minutos não passaram de
uma encenação para a noite que nos aguarda.
— Vai servir, Scott.
Ela me dá uma piscadela e aponta para o meu peitoral.
— E você?
Cruzo os braços e abro um dos sorrisos mais cafajestes. Minha
perna está tremendo.
— Aguarde e verá. Garanto que posso ser tão talentoso quanto você.
A resposta de Anne é girar sobre os calcanhares descalços e retornar
a atenção para o espelho, para logo em seguida dizer:
— Prova pra mim o quão bom você é, Rollins.
 
“Você continua fazendo ser mais difícil ficar,
mas, mesmo assim, eu não consigo fugir”
Prisoner | Miley Cyrus (feat. Dua Lipa)
 

 
— Como vai ser?
Minha pergunta faz Reed virar o rosto em minha direção.
Estamos dentro do seu Jeep, com somente a luz do poste iluminando
o interior. Faz cerca de cinco minutos que ele estacionou o carro em uma
das vagas do Hambre, um restaurante de comida mexicana aqui em Maple
Hills.
Chegamos mais cedo que o previsto porque ainda não decidimos
como essa noite vai ser — e tampouco que história iremos contar para
Angel. Estou um pouco nervosa, porque ela é uma das responsáveis por
esse namoro falso existir, embora não faça ideia disso. Na cabeça dela,
Reed e eu estamos envolvidos há mais tempo do que somente um mês.
— Você tem alguma ideia?
Solto o cinto e me acomodo melhor no banco do passageiro.
— O que você disse para ela quando contou sobre mim?
Reed coça a nuca, pensando. A manga da camisa sobe uns pequenos
centímetros, revelando o relógio de pulso que deve custar o valor da minha
casa em Sunbay.
Às vezes, eu me esqueço que ele é rico e que bancar esse jantar não
será nenhum problema para ele. Para mim, no entanto, a única forma de
conseguir jantar no Hambre é cobrindo os turnos de Becky na lanchonete
todos os sábados do mês.
— Nada demais, além de que não revelamos o namoro antes porque
não tínhamos certeza se era o momento certo.
Bato palmas.
— Perfeito. Isso dá a chance da gente dizer que começamos a nos
envolver há uns dois meses. Pode ser?
Reed assente, os olhos longe dos meus. Ele está distante desde que
saiu do meu quarto para se arrumar. Nada de brincadeirinhas ou
provocações a respeito da minha roupa. A única reação dele foi esboçar um
rápido sorriso e abrir a porta para que eu entrasse no Jeep.
Esquisito.
— Okay, então estamos há dois meses juntos e perdidamente
apaixonados um pelo outro — tagarelo. — E o que mais?
Os dedos compridos batucam no volante.
— Me diga cinco coisas sobre você.
— O quê?
— Cinco coisas sobre você, Annie. Um namorado normalmente
sabe dessas baboseiras.
Faço um barulhinho com a boca, me amaldiçoando por não ter
pensado nisso.
— Minha cor favorita é azul. Não gosto de Friends e nem de
chocolate quente. Donuts e sanduíche de atum são o meu ponto fraco.
Quando eu tinha sete anos, quebrei o dente. — Coço a pontinha do nariz
enquanto tento me lembrar de mais coisas. — Não vou te dizer o meu filme
favorito porque isso tem que ser uma surpresa e o mais importante de todos:
detesto futebol americano.
Reed revira os olhos.
— É claro que detesta. — Vira o corpo, ficando de frente para mim.
— Minha cor favorita também é azul. Não gosto de filmes de romance e
nem de garotas loiras que bancam as espertinhas. Quero jogar
profissionalmente pelo New England Patriots e jogo futebol americano
desde os 10 anos.
Faço um sinal afirmativo com a cabeça.
— Acho que é o suficiente. Só estou decepcionada por você não
gostar de filmes de romance. — Projeto o lábio inferior para frente,
decepcionada. — Nosso namoro está fadado ao fracasso por causa disso.
Reed abre um sorriso e dá um peteleco no meu nariz.
— Não precisamos de filmes de romance. Eu já sou romântico o
bastante.
Deixo escapar uma risada baixa e aponto com o queixo para o
restaurante.
— Estou pronta. E você?
Ele solta um longo sopro de ar e estica o braço, procurando por
minha mão. De forma automática, como se fosse um gesto que eu fizesse
todos os dias, entrelaço os meus dedos junto aos seus. Ainda é um negócio
esquisito, porque esse gesto representa um tipo de intimidade que não
temos.
No entanto, sei que isso faz parte do acordo e da mentira que
estamos contamos juntos. Nada além.
— Vamos lá mostrar como ser um casal de verdade, joaninha.
Dou risada da sua escolha de palavras e salto para fora do carro.
Reed contorna o para-choque e rodeia minha cintura com o antebraço, me
puxando para mais perto. A aproximação, se fosse semanas atrás, teria me
despertado uma vontade imensa de sair correndo. Hoje, no entanto, já estou
acostumada a sentir o calor do seu corpo aquecendo o meu.
— Você sabe quem é o namorado da Angel? — pergunto enquanto
subimos os degraus que levam à porta de entrada do restaurante.
— Não faço a mínima ideia. — Reed faz um sinal para que eu entre
primeiro. — Mas espero que ele não seja mais bonito que eu.
— Mesmo que seja, vou fingir que ele é feio só para não te magoar.
Ele leva a mão ao coração, emocionado.
— Muito obrigado, Annie. É por isso que somos namorados.
Mando um beijinho no ar e enrosco meu braço ao redor do seu. No
mesmo instante em que as luzes amarelas do Hambre pinicam em minhas
vistas, escuto o gritinho animado de Angel, ao longe, nos chamando.
— Talvez eu tenha esquecido de mencionar que ela é meio animada
demais — Reed sussurra em meu ouvido conforme Angel se aproxima de
onde estamos.
Como da primeira vez, Angel exibe uma áurea invejável de beleza.
Os cabelos escuros foram presos para o alto, revelando o pescoço esguio e a
pele pálida das clavículas. Os lábios pintados de vermelho juntamente do
vestido amarelo a deixam idêntica a Branca de Neve.
— Eu já estava pensando que vocês tinham desistido de vir — diz,
ao nos cumprimentar com beijos estalados. — Estávamos quase cedendo à
fome e fazendo os pedidos.
— A gente se empolgou um pouco antes de vir. — Reed dá uma
piscadela, arrancando uma risada de Angel. Ele acabou de dizer que... Meu
Deus. — E onde está o seu namorado misterioso?
— Escolhemos uma mesa mais reservada. — Indica os fundos do
restaurante. — É por aqui.
Angel caminha alguns passos à nossa frente. Aproveito o momento
de distração para dar um beliscão no braço de Reed. Ele geme, me
fuzilando com o olhar.
— Qual a porra do seu problema? Achei que estava tudo bem entre
a gente — reclama baixinho para que não sejamos ouvidos.
— Você acabou de insinuar que a gente se atrasou porque estávamos
transando.
— Talvez você tenha se esquecido, mas não custa relembrar. — O
hálito pinica no meu pescoço. — Namorados costumam transar,
principalmente aqueles que estão em começo de relacionamento.
Movo minhas íris de encontro às suas. Dura curtos segundos, porque
não quero correr o risco de tropeçar e cair, mas é tempo o bastante para que
eu deixe a minha mensagem muito clara: vou matá-lo quando chegarmos
em casa.
— Não somos como os outros casais. Decidimos esperar.
— Uma porra que decidimos esperar. No meu mundo de mentiras,
eu já te peguei de quatro várias vezes.
Abro a boca para despejar uma quantia absurda de insultos, mas
Angel se vira novamente para nós. O rosto dela carrega um semblante tão
carinhoso que me esqueço do que senti aquele dia na cafeteria. Agora, ela
não me soa nada intimidante. É somente uma garota apaixonada que
precisou recorrer a Reed para poder viver seu novo relacionamento em paz.
Nessas horas, eu odeio o quanto os estudantes da USVL conseguem
ser cruéis.
— Bom, não adianta mais fazer mistério. — Dá um pulinho,
animada. — Quero que vocês conheçam o Micah.
Dito isso, o garoto sentado na mesa atrás de Angel se levanta e vem
nos cumprimentar. Ele exibe um sorriso tão grande quanto o da namorada,
de forma que um pequeno buraquinho no centro do queixo acaba surgindo.
Assim como a barba que cobre a mandíbula, as sobrancelhas e os cabelos
são em um escuro de castanho, combinando com o tom dos olhos.
Micah é meio mauricinho, eu diria. Consigo facilmente imaginá-lo
usando uma gravata borboleta e mocassins em um dos eventos chatos que
os pais da Claire oferecem anualmente.
— É um prazer conhecê-los. — Ele cumprimenta Reed com um
aperto de mão e depois deposita um suave beijo no dorso da minha. — O
grande Reed Rollins e a inesquecível Anne Scott.
Uau.
— O prazer é todo meu — Reed diz de um jeito tão educado que
fico surpresa.
Angel murmura algo que não consigo prestar atenção e aponta para
a mesa. Nos acomodamos lado a lado, com o novo casal sentado à nossa
frente. A combinação entre eles é curiosa.
— E então, Micah, de onde você é? — meu namorado de mentira
questiona, esticando o braço e pousando-o sobre meu ombro. — Percebi
que você tem um leve sotaque britânico.
A ponta do nariz de Micah cora de um jeito fofo.
— Sou de Leeds, uma cidade do norte da Inglaterra — explica. —
Meu pai é piloto de avião, enquanto a minha mãe se aposentou da carreira
de modelo faz uns bons anos. A gente decidiu se mudar para os Estados
Unidos mais ou menos nessa época. Eles queriam um pouco mais de
sossego.
— Deve ter sido difícil a adaptação.
— Em partes. — Micah concorda. — Sinto saudades de Leeds, mas
estar aqui em Maple Hills não é nada mal. Ter Angel ao meu lado, melhor
ainda.
Ela se derrete na cadeira e pousa a cabeça no ombro do namorado,
suspirando de forma prolongada.
Reed arqueia sutilmente as sobrancelhas para mim e entendo como
um sinal. Puxo minha cadeira para mais perto da sua e cruzo as pernas, de
forma que a ponta do meu sapato toca a sua panturrilha. Aproveito a
oportunidade e pouso minha mão sobre a coxa musculosa.
— E como foi que vocês se conheceram? — indago.
Sou obrigada a afugentar um gritinho assustado ao sentir a ponta dos
dedos de Reed passearem por minha pele em uma carícia lenta. Como o
vestido que estou usando é um tomara que caia, meu colo e braços estão
completamente nus. Controlar a onda de arrepios é difícil pra cacete.
— Vou deixar essa história para a Angel, porque ela adora.
Angel dá uma risada e se curva sobre a mesa.
— Eu estava com dúvidas sobre alguns papéis a respeito da minha
bolsa de estudos e fui até o setor administrativo do campus. Estava tão
distraída que não percebi o momento em que esbarrei com o Micah no
corredor. Quando olhei para ele, a única coisa que se passou na minha
cabeça era que ele era o homem mais bonito que eu já tinha visto — conta.
— Pedimos desculpas e ele foi embora. Depois, quando cheguei na
administração, adivinha quem foi que me atendeu?
Reed arqueja um palavrão.
— Não brinca.
— Pois é! Micah resolveu o meu problema e antes de eu ir embora,
ele me passou o seu número de celular caso eu tivesse alguma dúvida. E
como eu não sou boba, já sabia que ele tinha um pingo de interesse em
mim.
Micah revira os olhos.
— É impossível resistir à sua beleza, Angel. No momento em que te
vi derrubando todos aqueles livros no chão e me pedindo um milhão de
desculpas, eu já sabia que você seria a mulher da minha vida.
Não faço ideia de que forma reagir diante dessa declaração. Me
limito a morder o interior da bochecha enquanto vejo Angel e Micah
declararem o seu amor de um jeito que eu jamais vou conseguir fazer. Me
sentir vulnerável dessa forma, a ponto de entregar meu coração para outra
pessoa cuidar, ineditamente me causa uma sensação de sufocamento.
O constrangimento causado pelo silêncio é salvo pela chegada do
garçom. Angel e Micah aparentemente vêm aqui com frequência, porque
fazem o pedido sem nem olhar o cardápio. Reed, no entanto, analisa os
itens com atenção, a mão ainda deslizando por meu braço, como se fizesse
isso todos os dias.
— O que você acha de um Pozole[11]? — sugere.
— Por mim pode ser. Você vai comer o quê?
Ele abaixa o cardápio e olha para a minha boca.
— O mesmo que você.
Engulo em seco. De repente, aqui ficou tão quente quanto a droga
de uma sauna.
— Pode ver pra gente o Pozole — peço ao garçom. — E para beber,
dois Licuados [12]de framboesa.
O garçom assente e se afasta, dizendo que logo vai voltar com os
nossos pratos. O assunto, então, retorna para Angel e Micah. Não faço
muitos comentários, apenas escuto o que eles têm a dizer, principalmente
Micah. Ele mantém os ombros eretos o tempo todo, passando uma energia
de pessoa que se sente segura consigo mesma e que consegue desenvolver
uma conversa de forma profissional.
Fico curiosa a respeito da sua idade. Ele é visivelmente mais velho
que a gente.
— Agora fiquei na dúvida a respeito de você, Reed. Rollins não é o
sobrenome de um dos melhores jogadores que o New England Patriots já
teve?
O corpo de Reed congela ao meu lado.
— É sim. — Ele concorda, a voz rígida. — Ricky Rollins é o meu
pai.
Micah assovia em aprovação.
— Suponho que você também jogue.
— Sim, estou nessa desde os dez anos de idade.
— Não deve ser nada fácil. Ricky era um monstro no esporte, se
não, um dos melhores que já vi.
Reed agita a perna embaixo da mesa, o desconforto com o assunto
ficando cada vez mais visível. Não sei o que está se passando na sua
cabeça, mas me vejo na obrigação de fazer algo. Nem que seja algo
minúsculo e insignificante.
Em câmera lenta, deslizo minha mão à procura da dele por debaixo
da mesa. Ao encontrar os dedos fechados em punho, acaricio com a ponta
do indicador o dorso em um pedido mudo de permissão. Reed cede e
entrelaça a mão ao redor da minha em um aperto gentil. Aperto de volta,
demonstrando que estou ali para ele. 
— Ele é realmente muito bom. Tenho sorte de tê-lo como meu pai.
— E como treinador também, certo? — Micah frisa. — Porque para
ser tão bom quanto ele, você precisa ser treinado por alguém no mesmo
nível.
Reed abre um meio-sorriso, anuindo a contragosto.
— Os treinos ajudam, é claro. Mas o time da USVL tem muitos
jogadores bons também. Não serei o único a ser draftado pela NFL.
— Mas vai ser o único a conseguir uma vaga no melhor dos times
— Micah retruca. — Guarde minhas palavras, Reed. Eu entendo do assunto
e sei que, daqui a alguns anos, você vai estar brilhando tanto quanto o seu
pai.
A irritação com o tom desdenhoso de Micah começa a me irritar e
me intrometo na conversa. Angel não tem coragem para isso. Ela está
encarando a mesa de forma desconfortável desde que o namorado metido
abriu a boca.
— E mesmo que ele não seja draftado pelo melhor time do mundo,
Reed vai continuar sendo um jogador incrível. — Saio em defesa. — Com
ou sem Ricky Rollins no meio disso, ele é bom. Bom pra cacete.
Micah trinca os dentes, sem saber o que dizer.
O aperto dos dedos de Reed ao redor dos meus se intensifica e movo
a cabeça para o lado. Ele já está com os olhos engolindo os meus. Um
sorriso tímido curva os lábios para cima.
— Você é a melhor do mundo, sabia?
Ele não diz isso em voz alta, então preciso fazer a leitura labial e,
quando compreendo as palavras, sacudo os ombros.
— Eu sei.
Reed balança a cabeça em negação e, pelos próximos minutos, vejo-
o fazer um esforço absurdo para seguir conversando com Micah e Angel. O
garçom também retorna com os nossos pedidos e eu aproveito para encher
minha boca de comida para evitar qualquer tipo de xingamento. O Pozole
está uma delícia, o que ajuda a compensar a babaquice do Micah.
Dar um soco na cara dele seria uma ótima forma de terminarmos a
noite.
— Já que estamos falando sobre a vida, posso fazer a pergunta de
milhões, huh? — Angel bebe um gole da sua cerveja e limpa a boca com o
guardanapo. Sua atenção se mantém em mim e Reed. — Como vocês dois
souberam que estavam apaixonados um pelo outro?
Porra.
Meu coração erra uma batida ao constatar que essa pergunta não
estava no nosso roteiro.
Me remexo na cadeira, desesperada para sair correndo daqui, mas
Reed pousa a mão sobre o meu joelho nu, os dedos brincando para cima e
para baixo. O semblante dele é de pura calmaria.
— Não acho que tenha sido um momento em específico, mas uma
coletânea de pequenas coisas. — Reed olha para mim como se houvesse
corações saltitando de suas íris castanhas. — Me apaixonei pela maneira em
que ela sorri das piadas ruins que eu conto, do jeito em que o nariz se franze
na ponta quando estamos provocando um ao outro e no som de sua risada
nas noites que passamos juntos. Me apaixonei quando nos conhecemos na
noite dos calouros, mesmo que ela tenha me achado um babaca. Me
apaixonei quando a última coisa que eu desejava era estar dando uma parte
do meu coração para outra pessoa.
O silêncio que se segue após a sua declaração faz as batidas do meu
coração se tornarem insuportáveis. Não duvido que Reed consiga ouvir ele
batendo insistentemente contra o meu peito, pronto para partir as minhas
costelas.
Puta merda.
Não acredito que ele acabou de dizer todas essas coisas.
É jogo sujo.
— Reed...
Ele balança a cabeça de um lado para o outro.
— Foi assim que eu soube que estava apaixonado por Anne Scott.
— Afirma para Angel e Micah, que nos observam petrificados. — E se me
fizerem essa mesma pergunta daqui algumas semanas, terei outros milhões
motivos para listar. Todo dia eu descubro uma nova forma de amá-la.
Se meu corpo pudesse virar gelatina, pode ter certeza que seria
assim que ele estaria neste momento.
Derretido.
Dissolvido.
Zero consistência.
Feito somente de um líquido visguento e nada atrativo.
— E você, Anne? — Angel questiona. Não estou vendo seu rosto,
mas certamente há estrelas pipocando ao seu redor de pura paixão. —
Como soube que estava apaixonada pelo Reed?
Sorrio.
— Quando ele me beijou pela primeira vez. — Entro no jogo de
fingimento, determinada a mostrar que não vacilo. — Foi aquele tipo de
beijo que as garotas sonham em receber. Intenso. Quente. Alucinante. Foi
como se o mundo congelasse ao nosso redor e existisse somente nós dois
descobrindo que poderíamos ser ainda melhores se estivéssemos juntos.
Micah assovia.
— Me soa bastante intenso.
— Você não faz ideia do quanto, Micah.
Reed aperta os lábios em uma linha reta e pousa o polegar sob o
meu queixo, levantando-o. Trocamos um olhar tão intenso que poderia
derreter a porra de uma calota polar no Polo Norte.
— Você ainda vai me matar um dia, joaninha.
Para tornar o fingimento ainda mais convincente, beijo a ponta do
seu nariz.
— Esse é o objetivo, zangão.
 
“E pela primeira vez, você esquece dos seus medos e seus fantasmas”
You Are In Love | Taylor Swift
 

 
Jogo as chaves do carro em cima do aparador que fica no vestíbulo e
ajudo Anne a tirar os sapatos de salto. As luzes estão todas apagadas,
dificultando que enxerguemos um palmo à nossa frente.
— Argh, eu odeio essa merda — Anne reclama ao chutar para longe
um dos sapatos. Ele quica no chão feito uma mola. — E odeio mais ainda
ter que usá-los.
— Era só você ter ido de tênis — argumento, equilibrando-a com o
meu braço conforme o outro sapato é tirado. — Ninguém iria reclamar.
Anne resmunga um palavrão e relaxa os pés contra o piso. Sem os
saltos, seu tamanho diminui novamente. A diferença de altura entre nós não
é tão grande, talvez uns trinta centímetros, mas por eu ser uma parede de
músculos, ela fica minúscula ao meu lado. Consigo escondê-la entre meus
braços sem nenhuma dificuldade.
— Você viu como a Angel estava vestida? Seria um crime eu ir de
tênis. Ela é intimidante pra cacete.
Dou de ombros e tiro a jaqueta, pendurando-a no cabideiro ao lado
da porta. Gesticulo para que Anne faça o mesmo. Ela se livra do casaco,
ficando somente com o vestido que deixa seus seios bonitos pra cacete.
Uma tentação difícil de desviar o olhar mesmo na escuridão.
— Não reparei. Eu só tinha olhos para você.
Ela range os dentes.
— Nós não precisamos mais fingir, Reed.
— Mas isso não me impede de elogiá-la. — Movo os pés para
frente, encurtando a nossa distância. — Você está muito bonita. Azul
combina com você.
— Você também não está nada mal. — Coloca uma mecha do
cabelo atrás da orelha. — Essa pose de namorado apaixonado combina com
sua personalidade de irritante metido.
Rio.
— Você não consegue me elogiar sem soltar um insulto logo
depois?
Anne me mostra a língua, como uma criança de cinco anos.
— Eu ter me dado ao trabalho de pensar em um elogio já é um
avanço e tanto.
— Falando assim você me faz acreditar que, em breve, outra coisa
vai estar saindo da sua boca.
Ela resfolega e empurra meu ombro de brincadeira, revirando as
orbes.
— Você é tão babaca.
Aproximo a boca da sua orelha.
— Mais um insulto e eu juro que vou te dar umas boas palmadas
nessa sua bunda safada.
Mesmo com o ambiente escuro, consigo notar que a provocação tem
o efeito desejado. As sobrancelhas se franzem minimamente em um sinal de
desafio e os lábios se repuxam para cima.
— Estou começando a achar que você é do tipo que fala e fala, mas
quando chega a hora de agir, acaba não fazendo nada. — Empina o queixo.
— Estou enganada?
Maldita.
— Não me teste, Annie. — Abaixo o tom a ponto de minha voz não
passar de um sussurro quase inaudível. — Porque não há nenhuma garantia
que a sua bunda vá aguentar.
Anne pisca os cílios, fingindo inocência.
— Minha bunda aguenta muitas coisas, Reed.
Rosno um palavrão, não querendo ter compreendido o segundo
sentido por trás de sua frase. Ela fez de propósito, não tenho dúvidas.
Minhas mãos formigam para encurralar o seu corpo pequeno contra
a parede atrás de nós e deixar bem explícito que ele não vai aguentar merda
nenhuma.
— Isso é o que vamos ver.
Dou um passo para trás e viro as costas, deixando-a sozinha
enquanto rumo para a cozinha. Escuto uma reclamação baixinha e logo em
seguida o som dos seus passos me seguindo. Mesmo descalça, Anne não
consegue ser silenciosa.
Não sei se vejo isso como algo bom ou ruim.
— Você está me desafiando?
A pergunta é feita no mesmo instante em que acendo as luzes que
ficam pendentes sobre a bancada de mármore.
— Eu não ousaria. — Abro a geladeira, procurando pela jarra d
´agua. — Você já me estressa o bastante. Um desafio só tornaria as coisas
ainda piores.
Anne se aproxima do balcão e cruza as mãos sobre a superfície.
— Vai desistir assim tão fácil, Reed? Achei que você fosse melhor
que isso.
— Eu não vou responder essa merda. — Procuro por dois copos no
armário, ainda me mantendo longe da mira do seu olhar. — Mas não estou
desistindo, apenas evitando alimentar uma onça sedenta por sangue.
Anne dá risada quando entrego para ela o copo com água e bebo um
gole do meu.
— Agora sou uma onça? Nada de joaninha?
Travo a mandíbula para esconder o meu sorriso.
— Você sempre será a minha joaninha.
O silêncio nos engole de um jeito nada agradável. Anne gira o
indicador ao redor do copo e começo a me arrepender do que falei. Ela vai
sair correndo daqui cinco segundos, se a conheço bem.
— Eu vou subir — Anne cospe as palavras com pressa, exatamente
como suspeitei. Coloca o copo dentro da pia e me dá um meio-sorriso. —
Boa noite, Reed.
Não tenho a oportunidade de responder, porque Anne sai da cozinha
como se o ambiente estivesse pegando fogo.
Suspiro alto e fico encarando o espaço vazio que a ausência dela
deixou. O cheiro de morando predomina no ar, o que torna as coisas ainda
piores, porque se eu fechar os olhos, vou conseguir sentir o seu corpo junto
do meu. Vou conseguir sentir até a porra do seu hálito pinicando em minha
língua.
Xingo um palavrão e abandono o copo para trás, subindo também.
No entanto, antes de entrar no meu quarto, lanço um olhar para a última
porta no final do corredor. Um milhão de pensamentos passam pela cabeça,
mas os empurro com um chute imaginário.
Para com essa merda, Reed.
Dou voz ao meu consciente que banca o Rei da razão sempre que
pode e entro no quarto. Os troféus na parede debocham de mim, mas não
estou nem aí. Só tiro a roupa e entro no chuveiro, consciente que nenhum
banho frio vai ser capaz de silenciar a minha mente.
Vai ser uma longa noite.

— Quais são os planos para hoje?


O questionamento de Keeran me obriga a tirar o fone do ouvido.
Nos sábados de manhã, quando meu pai não está bancando o
treinador e o time está cansado após uma sexta barulhenta, nós costumamos
treinar juntos. Acordamos cedo e corremos alguns bons quilômetros no
parque que fica próximo da casa que dividimos.
— Noite do filme com a Anne.
Keeran ergue a sobrancelha.
— E a gente está convidado?
Diminuo o passo. Já estamos na última parte do percurso.
— É claro que não. — Gesticulo para o seu peitoral coberto por uma
regata. — Encontre um lugar para ir e leve o Mason com você.
Meu amigo emite um barulho esquisito com a boca.
— Não garanto que vou conseguir que ele não volte para casa.
Estamos no começo da temporada e com um jogo daqui duas semanas.
Encher a cara não é uma opção.
Balanço os ombros daquele jeito que sempre o irrita.
— Apresente uma garota para ele e deixe a mágica acontecer.
Confio no seu potencial, Flanagan.
— Vai se foder, Rollins.
— Ah, vai dizer agora que você tinha planos de passar o sábado
comendo pipoca e assistindo um filme clichê dos anos 90?
— Tinha me esquecido que é a sua vez de escolher um filme. Dei
sorte, então. — Suspira de alívio. — Maior castigo nessa vida é assistir as
suas merdas.
Estreito os olhos.
— A gente assistiu Uma Linda Mulher da última vez — contesto.
Keeran faz um sinal com a mão, me dispensando.
— Estamos falando de Julia Roberts, porra. — Agita as
sobrancelhas escuras, a testa criando pequenos vincos. — Eu assistia
qualquer merda só para vê-la. A mulher é fenomenal.
— Bem que o Mason me avisou que você curte as velhonas.
Keeran para de correr de imediato e assume uma posição que o
deixa igual a uma criança birrenta que teve o seu doce favorito negado. A
cereja do bolo é o beicinho projetado para frente. Quero explodir em uma
gargalhada com a cena.
Se ele soubesse o quanto fica feio assim, aposto que pararia com
essa merda sem hesitar.
— Você precisa aprender muita coisa ainda sobre a vida: mulheres
são como vinho. Quanto mais velhas, melhores são.
Finjo ânsia de vômito.
— O caminho para o asilo é para o outro lado, caso tenha se
esquecido.
Nessa hora, nem ele consegue se conter e rimos em uníssono. A
barriga chega a doer. Porra, eu tinha me esquecido o quanto é bom passar
um tempo conversando com Keeran. A gente não é tão próximo quanto eu
sou do Dave, mas sua amizade também ocupa um espaço importante na
minha vida.
Vai ser uma merda quando formos draftados para times diferentes. A
chance de jogarmos juntos fora da USVL são quase nulas.
— Mas eu entendi o recado, não se preocupe. — Sorri
maliciosamente. — Vou dar um jeito de chutar o Mason para longe e deixar
a casa para vocês dois. E nada de transar no sofá. Eu gosto de dormir lá
quando estou de ressaca.
— A gente não vai transar.
Flanagan faz uma expressão de desdém.
— Não precisa mentir para mim. Transar não é pecado.
Bufo e volto a correr, deixando-o falando sozinho. Keeran aperta o
passo e me alcança mais rápido do que eu gostaria. Nessas horas, gostaria
que ele fosse uma pedra para que eu pudesse chutá-lo para bem longe
apenas para calar a boca.
— Se você abrir essa boca mais uma vez, Flanagan, vou descer
minha mão no seu nariz que você vai até se esquecer de como se respira.
Como de costume, Keeran não se sente ameaçado diante dos meus
resmungos. Ele só assovia em deboche e apruma a coluna.
— Se vocês não vão transar, qual vai ser, então? Comer pipoca de
mãos dadas e depois dormir de conchinha?
Escondo meu sorriso ao imaginar essa cena. Anne arremessaria o
abajur na minha cabeça só com a mera menção de terminamos a noite
assim. Mas eu não reclamaria. De ser atingido pelo abajur, claro que sim,
mas o resto...
— Por que você é tão enxerido? — A placa na trilha indica que falta
pouco para o fim. Quase suspiro de alívio. — Eu não estou perguntando em
como você vai transar essa noite.
— Se você quiser saber, eu te ligo logo depois contando. Adoro
compartilhar minhas experiências.
— Você é babaca pra cacete. Por isso que está solteiro.
— Estou solteiro porque nenhum relacionamento vale a pena. Tenho
coisas melhores a fazer na vida do que dedicar meu tempo inteiramente a
uma pessoa que depois de alguns meses vai me trocar por outra.
A conversa que tivemos na academia da fraternidade retorna. Foi
um confusão de argumentos e reclamações por parte do Bradley, mas notei
a mágoa oculta por trás das palavras de Keeran. Ele não pensaria dessa
forma se algo ruim não tivesse acontecido.
E como ele não me conta muita coisa, a única suspeita que tenho é
que falar sobre esse assunto não é nem mesmo uma possibilidade.
Por isso, decido seguir pelo caminho mais fácil.
— A Anne não é assim.
Ele deixa escapar uma risada sem humor.
— Está me dizendo que devo chamar a sua namorada pra sair?
Porque, assim, ela já me disse que eu não faço o tipo dela.
Olho para as tatuagens que recobrem a pele branca dos braços e
depois para o seu rosto. As íris exibem um tipo vulnerabilidade que vi
pouquíssimas vezes. Na maior do tempo, Keeran tenta mascarar esse traço,
quase como se ele fosse contagioso.
— Fique longe da Anne, já te avisei — alerto. — Mas o que eu
quero dizer é que, talvez, seja só uma questão de conhecer alguém que
compreenda o que você sente.
Keeran revira os olhos.
— Agora você virou conselheiro amoroso? Esse cargo é do Dave.
Ele tem propriedade para encher a gente com suas histórias de amor
verdadeiro já que namora desde que botou os pés nessa universidade.
— Só estou dizendo que nem todo mundo é um monstro, como você
gosta de pintar — murmuro. — E se a pessoa gostar de você de verdade, ela
não vai te trocar na primeira oportunidade que surgir.
Keeran trinca os dentes e desviar o olhar para as árvores que nos
cercam. É difícil ler sua expressão corporal. Assim como Anne, ele é uma
muralha impenetrável que não deixa ninguém chegar perto. Diante de
qualquer ameaça, as defesas se erguem ainda mais.
— Acredite, ela vai sim. — A mágoa escorre de suas palavras. —
Vai te trocar por algo melhor, porque não está a fim de lidar com alguém
cheio de problemas.
Um nó aperta minha garganta.
— Keeran...
Ele balança a cabeça repetidas vezes e coloca os fones novamente,
dispensando minha presença. Não me dá nem a chance de acompanhá-lo no
final da corrida. Keeran aperta o passo e some por entre as árvores.
Sozinho. Exatamente como ele sempre gosta de estar.

O cheiro de pipoca de manteiga predomina no ar, despertando a


curiosidade desenfreada do meu estômago.
Anne parece compartilhar da mesma sensação, porque solta um
gemido ao entrar na cozinha. As pálpebras se fecham e um sorriso
minúsculo surge.
— Essa é sua chance de me envenenar, porque esse negócio está tão
cheiroso que nem vou me importar — murmura engraçadinha e se aproxima
de onde estou, espiando a pipoqueira por cima do meu ombro. Flexiono um
pouco os joelhos para baixo, facilitando. — Essa pipoca só perde para o
sanduíche de atum e os donuts de baunilha.
Ao mencionar os donuts, me lembro automaticamente de algo.
— Por falar em donuts, tem uma coisa ali para você. — Aponto para
o balcão e Anne caminha até lá, meio receosa. — Não tinha os seus
favoritos, então tive que comprar os de chocolate.
Escuto o barulho da tampa da caixa ser aberta e o arquejo de
surpresa.
— Você comprou isso para mim?
Aperto os lábios com força, não querendo sorrir.
— É um presente por você ter sido uma namorada comportada
ontem e não terminado a noite chutando a minha bunda.
Desligo a chama do fogão e giro sobre os calcanhares, apoiando o
quadril no balcão da pia. Anne está segurando a caixa entre as mãos, um
vinco mantendo a testa encrespada. Não sei se ela está contente, irritada ou
planejando uma maneira de arremessar os donuts na minha cabeça.
Eu aposto na terceira opção, como de costume.
Não dá pra baixar a guarda quando se trata dos humores peculiares
de Anne Scott.
— Vontade para chutar a sua bunda e o seu sorriso engraçadinho
nunca me falta. A noite de ontem foi uma exceção em nome do nosso
relacionamento.
Para provocá-la, abro um sorriso de covinhas.
A resposta dela é um rosnado semelhante ao de um cachorro
chihuahua.
— Já estou me arrependendo. — O polegar brinca com o adesivo
que estampa a caixa da doceria que fica do outro lado da cidade. — Mas só
para não criar expectativas, não comprei nada para você. Nem sabia que
tínhamos começado com essa palhaçada.
Dispenso-a com um sinal e retorno para a pipoqueira. Pego uma
vasilha grande no armário e despejo a pipoca.
— Não começamos nada. Veja mais como um gesto de paz.
— Você está querendo comprar a minha paz com uma caixa de
donuts de chocolate?
Movimento os ombros em um gesto inocente.
— Não custa nada tentar, hein? Da próxima vez, quem sabe, eu
acabe comprando alguma coisa mais grandiosa, tipo... Um carro.
Mesmo de costas, sinto o olhar dela queimar em minhas costas.
— Se você aparecer com um carro, não vou hesitar em enfiar um
milhão de pregos em todos os pneus.
Engasgo com uma risada.
— Sorte a minha, então, que você ainda não fez isso com o meu
Jeep.
— É uma questão de tempo, Reed. Um dia, você vai acordar, e seu
carro não vai passar de um veículo chamuscado.
Viro novamente o corpo para frente e coloco a vasilha com a pipoca
em cima do balcão. Anne continua segurando a caixa de donuts, como se
não soubesse o que fazer. Dou um cutucão na sua cintura e ela se esquiva
antes que eu possa enchê-la de cócegas.
— Vai ser um dia triste, porque daí não poderemos transar no meu
carro como fazem todos os universitários.
— É exatamente por isso que quero tacar fogo nele. As chances da
gente transar ficam estagnadas no zero.
— Ainda temos o meu quarto e o seu. — Encurto a distância entre
nós e Anne dá um passo para trás. — Não podemos nos esquecer também
do sofá. Há ainda o vestiário dos meninos e o auditório da USVL.
Anne arqueia a sobrancelha loira.
Só agora noto que ela não está usando maquiagem. A pele branca
não tem nenhuma imperfeição e os cílios longos tornam o seu olhar mais
ameaçador. O esverdeado mudou para uma tonalidade idêntica a água da
piscina da área de lazer. É difícil associar a sua imagem raivosa com a
garota bonita diante de mim.
A nossa vida seria muito fácil se não houvesse tanto ódio envolvido.
Embora, bem lá no fundo, eu esteja com a mera sensação de que esse ódio
infinito tem diminuído nessas últimas semanas.
— Não duvide da minha capacidade de colocar fogo em todos esses
lugares.
Acaricio o seu queixo com a ponta do indicador. O toque queima na
pele.
— O único lugar em que quer ver você queimando é na minha
cama, joaninha.
Como Anne nunca cansa de me surpreender, ela leva um donut na
boca e dá uma generosa mordida. Então, abre um sorriso com os dentes
cheios de massa e lambuzados de chocolate.
Eu deveria achar essa cena ridícula, mas só consigo pensar que ter
conhecido essa garota é o equivalente a ter encontrado um pote de ouro no
final do arco-íris.
— Suas tentativas de sensualizar são bem preocupantes, mas não
vou reclamar. — Inclino o corpo para frente e estico o braço, abrindo a
geladeira. Anne dá um passo para frente, diminuindo a distância. A caixa
fica pressionada contra as nossas barrigas. — O que você vai querer beber?
— Um refrigerante está ótimo — responde de boca cheia.
Nada educada — não que ela se importe com isso.
— Então, preciso que você se afaste. Embora eu esteja gostando
muito de ter você assim perto de mim.
— Foi você que veio para cima de mim.
A temperatura fria que emana do interior da geladeira começa a me
deixar com frio. O que é estranho, considerando que minhas veias pulsam
em um tipo de calor incomum.
— Você que sempre está no meio do caminho.
— Se está incomodado, passa por cima.
Rio nasalado.
— Você é tão irritante, porra. — Fecho as mãos em sua cintura num
aperto e impulsiono o corpo para cima, colocando-a sobre o balcão. Anne
dá um gritinho assustado, a caixa de donuts quase saindo no chão. — Minha
expectativa de vida diminuiu uns vinte anos desde que você veio morar
comigo.
Pego o refrigerante favorito de Anne, junto de uma garrafa de água
para mim, e fecho a porta da geladeira. Quando retorno meu olhar para o
balcão, Anne está balançando os pés no ar.
— Ao menos, até o final do ano, terei certeza que terei sugado boa
parte da sua juventude. — Lambuza o dedo com cobertura de chocolate e
leva à boca, chupando. Desvio o olhar. — Você vai perder os seus anos de
ouro no futebol americano.
— Não sei se fico triste ou feliz com essa informação.
O impacto da confissão nos atinge como um trem desgovernado. Ela
empurra a caixa de donuts para o lado e limpa o dedo lambuzado em um
guardanapo. Os olhos, quando procuram pelos meus, transmitem um tipo de
conforto inesperado.
— Você quer conversar sobre o que aconteceu ontem?
Viro o rosto para o lado e engulo em seco. Parece que há mil facas
na minha garganta só de lembrar do tom usado por Micah. Me lembrou
muito dos conselhos cheios de razão que meu pai adora dar sem ninguém
ter pedido. O incômodo habitou o meu estômago não foi nada legal. Me deu
vontade de deixar o namorado de Angel falando sozinho e levar Anne
comigo para um lugar bem longe daquele restaurante mexicano.
— Não sei se há muito o que dizer. — Encolho os ombros,
envergonhado.
Anne mordisca o cantinho do lábio inferior, pensativa, e faz um
sinal para que me aproxime. Deixo a garrafa de água e o refrigerante ao
lado da caixa de donuts e sou pego de surpresa quando ela me puxa pela
gola da regata. Me acomodo entre as suas pernas, ainda meio sem reação.
É uma posição curiosa.
— Apenas me conte o que você se sentir confortável — pede,
baixinho. — E se não quiser falar nada, está tudo bem também. Não vou ser
uma cuzona com você, pelo menos não a respeito desse assunto.
Abro um sorriso amargo e pouso as mãos sobre as suas coxas
cobertas por uma calça fina de pijama.
— E o nosso filme?
— A gente tem a noite toda, zangão. — Soa manhosa. — Eu não
vou a lugar nenhum.
Sopro o ar, me rendendo.
Continuar guardando uma bola de sentimentos dentro de mim não é
uma coisa que está me agradando nas últimas semanas. E o que aconteceu
durante o jantar envolvendo Micah é uma prova de que o assunto me
incomoda mais do que eu gostaria de admitir.
Falar de Ricky Rollins é como cutucar uma ferida com ferro quente.
— Digamos que o meu relacionamento com o meu pai não é um dos
melhores — confidencio, dedilhando sua perna com a ponta dos dedos. Se
eu não encará-la, talvez fique mais fácil de falar em voz alta. — A gente se
dá bem como pai e filho, mas quando estamos falando do futebol
americano...
— Não é nada legal — completa a minha frase e eu concordo com
um aceno. — E o que a sua mãe acha disso?
— Essa é a pior parte, porque ela não sabe de nada. — Meus dedos
continuam a subir e descer, amassando o tecido da calça. — Moro com o
meu pai desde que ela se mudou para Mountain City à trabalho, logo depois
do divórcio. Como eu ainda era criança, fiquei com Ricky em North
Groove.
Anne sibila e encaixa o indicador embaixo do meu queixo, me
obrigando a olhá-la. O que encontro em seu olhar é exatamente o que
suspeitei: uma mistura de afeto com pena. Meu coração se aperta diante da
visão.
— Mais alguém sabe do que está acontecendo?
— Só o meu irmão e o Dave. — Sorrio amarelo. — E agora você.
A cabeça dela oscila de um lado para o outro, dispensando a última
informação.
— Foi por isso que você ficou tenso ontem? Por causa das coisas
que o Micah disse sobre o seu pai?
Assinto e depois nego. Minha cabeça é uma confusão irritante.
— Não necessariamente sobre a carreira do Ricky, mas pela maneira
em que ele falou. Parecia o meu pai gritando um monte de merda para mim
quando faço alguma coisa errada no campo ou o time acaba perdendo
algum jogo. — Anne desliza as mãos para os meus ombros, os
massageando com cuidado. — Ele quer que eu seja o melhor. Que tenha
uma carreira tão grandiosa quanto a dele. Meu pai quer me ver no topo,
porque é o único lugar em que sabe estar.
Anne não responde de imediato.
Os dedinhos continuam a trabalhar, fazendo minhas pálpebras
oscilarem para se fecharem e um gemido de satisfação ser proferido. Mordo
a minha língua, não querendo dar na telha o quanto gosto de ter suas mãos
em mim.
Mas eu gosto.
Muito.
Gosto pra cacete de ter Anne sentada aqui na bancada da cozinha
me ouvindo falar do quanto a minha vida não é tão perfeita como mostro
por aí.
Gosto tanto que, por um milésimo de segundo, me esqueço de que
isso aqui não é fingimento.
É verdadeiro.
Não tem ninguém além de nós dois aqui, então não precisamos
desempenhar nenhum papel.
Somos apenas Reed Rollins e Anne Scott conversando em uma
noite de sábado.
— E você quer estar no topo?
O questionamento me faz puxá-la para mais perto. Não sei se Anne
percebe, mas as pernas torneadas se encaixam com perfeição ao redor do
meu corpo, como se tivessem sido feitas para estar ali e em nenhum outro
lugar.
— Não gosto de grandes alturas.
Anne empurra a minha cabeça de leve para o lado em um gesto de
brincadeira, me arrancando uma risada sincera. O clima dessa conversa
pode não ser um dos melhores, mas não me sinto nem um pouco acuado. É
fácil desabafar com a minha namorada.
— Eu estou falando sério, Reed!
— Eu sei que está, joaninha. Quer saber a real? Eu só queria
jogador futebol americano sem que cada respirada minha fosse controlada.
Queria não ter medo do futuro e de decepcionar o meu pai. Queria que
seguir o meu sonho não fosse também um pesadelo.
Fico surpreso comigo mesmo por ter colocado para fora o que
estava entalado na garganta. Posso desabafar com meu irmão sobre várias
coisas, mas falar sobre nosso pai não é um tópico fácil. E Dave, mesmo que
ele seja o amigo que mais confio, ainda é complicado.
Não quero enchê-lo com os meus problemas como se ele também
não tivesse os seus envolvendo o esporte.
No entanto, falar com Anne e abrir o meu coração... É diferente.
— Não precisa ser um pesadelo, Reed. — As mãos se movem para
as minhas bochechas, as palmas pressionando a pele. Quente e frio. — Não
quando são os seus objetivos que estão em jogo.
Respiro fundo e faço algo inesperado: puxo Anne para um abraço. A
posição é meio esquisita, mas não estou nem aí. Fecho os olhos e afundo o
nariz no tecido da sua camiseta.
Se isso aqui for o Paraíso, não vou reclamar nem um pouco.
Anne fica meio hesitante no começo, por ter sido pega de surpresa,
mas acaba cedendo. As mãos afundam em meu couro cabeludo, acariciando
os fios lentamente, ao mesmo tempo em que as pernas se firmam mais ao
meu redor. Estou a um passo de pedir para ela nunca mais ouse me soltar.
— Agora, talvez, seja uma boa hora para a gente ver o meu filme
favorito. Uma forma de consolo depois de eu despejar em cima de você
meus problemas. — Minha voz fica abafada, mas acho que ela consegue me
ouvir, porque o corpo vibra em uma risada.
— Se ele filme for ruim, pode ter certeza que vou puxar o seu pé
enquanto estiver dormindo esta noite — ameaça. — E vou garantir que
ninguém venha te socorrer. Vai ser um crime sem testemunhas.
Sorrio.
— Guarde seus truques assassinos para outra noite, Annie, porque
estamos prestes a ver a melhor produção já feita pelo ser humano.
O nariz se enruga na pontinha.
— Você só diz isso porque ainda não assistimos ao meu filme
favorito.
Belisco sua cintura de brincadeira e ela dá um gritinho, tentando
fugir do meu agarre. O que é impossível, convenhamos. E antes que ela
encontre qualquer brecha para fugir de mim, encaixo os braços por debaixo
de suas coxas e a puxo para o meu colo.
— Reed! Que merda! O que você está fazendo?
As mãos se firmam em meus ombros. O medo de cair chega a ser
tão palpável quanto o corpo pressionando o meu. Movo as mãos para cima,
segurando sua bunda. Não faço nenhuma gracinha, embora essa cena me
lembre o que aconteceu em seu quarto na noite anterior antes de irmos para
o restaurante mexicano.
Essa lembrança, em específico, vai me render inúmeros banhos frios
para as próximas semanas.
— Facilitando as coisas para a gente — digo. — Porque você está
prestes a ter a melhor noite da sua vida.
Anne arqueia as sobrancelhas e indica com o queixo as coisas
esquecidas em cima da bancada. A manteiga da pipoca já deve ter esfriado
depois de todo esse tempo e as bebidas estão com as superfícies cheia de
gotículas de suor.
— Esquece isso aí. Pega só a caixa com os donuts.
Anne estica o braço e abraça a embalagem como se fosse um
tesouro. Escrutino o seu rosto, analisando por mais tempo os olhos. Sempre
os achei muito bonitos, sendo uma das coisas que mais me chamaram a
atenção quando nos conhecemos na festa dos calouros, contudo, hoje eles
estão diferentes.
Estão mais vivos.
Mais felizes.
Mais vibrantes.
E como sou um egocêntrico do cacete, não posso deixar de pensar
que o motivo para eles estarem assim é eu.
Somente eu.
Firmo as mãos com mais força, impulsionando seu quadril um
pouquinho mais para cima, e umedeço os lábios com a pontinha da língua.
Se as coisas entre nós não estivessem tão confusas e nebulosas, eu a beijaria
neste exato instante.
Afundaria a boca de encontro a sua e deixaria que o resto do mundo
desmoronasse ao nosso redor.
— Pronta, Scott?
Anne apruma os ombros e sorri.
— Pronta, Rollins.
Concordo com um aceno e sigo em direção à sala. A cada passo que
dou, me sinto o homem mais feliz do mundo inteiro — e essa sensação não
tem nada a ver com o fato de estarmos prestes a ver o filme favorito.
Não mesmo.
 
 
 
“Se você precisa ir devagar, eu não me importo”
Cool Out | Matthew E. White (feat. Natalie Prass)
 

 
— A coisa foi boa no sábado?
Viro o rosto diante da voz de Mason. O time inteiro está no gramado
fazendo os aquecimentos antes do treino começar para valer. É a parte que
eu acho mais chata, porque isso dá margem para que meus amigos me
encham de perguntas sobre a noite de dois dias atrás.
Aperto o passo, aumentando o ritmo da corrida, mas Mason não tem
nenhuma dificuldade em me acompanhar. Posso ser o corredor dos Rebels
Of Horizon, mas isso não quer dizer que eu tenha me tornado o Flash.
— Foi boa.
Minha resposta evasiva não o agrada.
— É só isso que você tem a dizer? Que foi boa? — Ele empurra o
meu ombro de brincadeira. — Larga disso, Rollins. Quero saber como foi
de verdade.
Trinco os dentes.
— Por que você não pergunta para a Anne?
Mason assovia e Keeran, acompanhado de Dave, se materializam ao
meu lado em um tipo de feitiço assustador. Quase tropeço em minhas
próprias chuteiras por causa do susto. Como eu odeio esses caras.
— Puta merda! De onde vocês saíram?
— A gente estava aqui esse tempo todo. — Dave passa a mão pela
testa, afastando o cabelo para trás e enxugando as gotículas de suor. — Que
papo é esse de você passar a noite com a Anne? O Keeran acabou de me
contar que você chutou ele e o Mason para fora de casa.
— Não foi exatamente assim.
Keeran cospe um sorriso.
— É claro que foi, Rollins — insiste. — Agora conta pra gente.
Assistiram ao filme de mãos dadas e deram pipoca um na boquinha do
outro?
— Sabe o que vou dar na boca de vocês dois? — Keeran abre um
sorriso tão grande quanto os músculos do seu braço diante da minha frase.
— Um soco que vai arrebentar cada um desses dentes. Vão ter que usar
dentadura para o resto da vida.
Mason explode em uma gargalhada e acelera um pouco o ritmo,
ficando na minha frente. Vira-se então de costas, agora correndo sem olhar
para onde está indo. Estou torcendo para que ele caia de bunda no chão.
— Não seja um velho chato de cinquenta anos. A gente só está
curioso — Dave questiona no seu tom calmo de sempre. — Rolou alguma
coisa ou não?
Inspiro o ar, compreendendo que eles não vão largar do meu pé até
que eu dê qualquer tipo de migalha a respeito da noite anterior. O ruim é
que não quero falar sobre a conversa que Anne e eu tivemos envolvendo os
problemas com o meu pai.
Foi um momento legal e que vai ficar só entre a gente. Se ela quiser
contar para a Claire, tudo bem, mas eu não vou abrir a minha boca.
— Comprei uma caixa de donuts para Anne. Não tinha os seus
favoritos, então acabei pegando uns de chocolate. Ela gostou do mesmo
jeito — digo, sem olhar para eles. — Depois disso, assistimos Top Gun –
Ases Indomáveis. Ela odiou.
Keeran uiva feito um lobisomem, rindo logo em seguida. Mesmo
com a palhaçada, ele consegue acompanhar o meu ritmo. Não estamos na
frente, como JP e Chad, e nem por último, como Bradley e Cooper. O que
quer dizer que essa conversa tem pequenas chances de ser ouvida por uma
boa parte do time.
— É aquele filme com o Tom Cruise? Em que ele sobe em cima de
uma moto enquanto toca Take My Breath Away? — Dave coça a
sobrancelha, pensativo.
Sorrio só com a lembrança da cena. Mas, em vez da minha cabeça
projetar a imagem de Maverick e Charlie embalados em sua primeira noite
de amor, estou vendo Anne sentada no sofá com a caixa de donuts
repousando entre as pernas.
A boca manchada de chocolate não era um incômodo para ela, mas
era um problemão para mim. Porque, enquanto o filme rodava na tela, eu só
conseguia pensar como seria puxá-la para o meu colo e beijá-la.
Beijá-la do jeito que tenho imaginado fazer desde que coloquei os
meus olhos nela na primeira vez. E isso já faz a porra de um ano.
— Esse mesmo. — Concordo. — São poucas as pessoas que sabem
apreciá-lo de verdade.
Dave grunhe.
— Aparentemente, a sua namorada não está inclusa nessa sua
porcentagem esquisita — aponta. — E depois que ela odiou a sua obra-
prima, o que vocês fizeram?
— Nada demais.
Mason bate com as duas mãos no peito, simulando alguma coisa que
não consigo entender.
— Pare de enganar a gente, Rollins! Conta aqui pro Henderson em
detalhes. Prometo que não vou zoar vocês dois no café da manhã.
— Já te falei, porra. Nada demais. Terminamos de comer os donuts
enquanto conversávamos e depois cada um subiu para o seu quarto —
resmungo. — Fim da noite.
Keeran murcha ao meu lado feito uma planta esquecida no deserto.
— Inacreditável. Qual o problema de vocês dois? Passaram a noite
sozinhos e não fizeram nada. Vocês têm 16 anos de novo e não me
contaram?
Mason assente, concordando com o amigo. Dave se limita a me
encarar com uma expressão difícil de entender.
Esses três são uns babacas. Se eles estivessem lidando com a
companhia de Anne Scott como eu lido diariamente, saberiam que não é
assim que as coisas funcionam. Qualquer aproximação nesse nível vai me
render um chute na bunda e um soco no queixo.
— Acho que vocês se esqueceram da parte que ela me odeia.
Mason revira os olhos. Diminuímos o ritmo das passadas e o
restante do time segue nos acompanhando. Bradley e Cooper dão passos de
tartaruga. Não duvido que tenham saído ontem e chegaram pela manhã em
casa.
O treinador Turner vai ficar puto.
— Esse lance aí é passado já. Se ela odiasse de verdade, não teria
concordado em namorar com você e ainda compartilhar o mesmo teto —
Dave argumenta.
— Foi uma troca de favores — relembro-o. — Um teto por um
namoro. Anne não se mudou por livre e espontânea vontade para a nossa
casa.
— Você está analisando as coisas da perspectiva errada, Reed —
Mason fala, me obrigando a encarar o seu rosto. — Já faz um mês que Anne
está morando com a gente. As coisas mudaram.
Arqueio a sobrancelha, curioso diante da sua análise.
— Tipo o quê?
— Talvez ela ainda te odeie, mas não nas mesmas proporções que
antes. Não dá pra odiar uma pessoa e também namorá-la. Os sentimentos
não batem.
Lanço um olhar para trás. Bradley e Cooper estão entretidos nas
brincadeiras que só eles dois entendem, alheios à nossa presença. JP e Chad
seguem a vários metros de distância, concentrados no treino. Não devem
estar nem aí para o que o restante de nós está fazendo ou dizendo.
Ou seja, território limpo.
— Um namoro de mentira, quer dizer. — Meus pulmões se
contraem. Não é divertido conversar e correr ao mesmo tempo. — Você
está se esquecendo dessa parte.
— Um pequeno detalhe. — Sacode a mão, dispensando o que acabei
de dizer. — Aposto que nem ela mais se lembra disso.
Rio sem humor.
— Ah, pode apostar que se lembra, sim. Vida real não é um filme
dos anos 90, Henderson. — Dou um tapa na sua testa. — Para de achar que
a gente vai terminar namorando de verdade, com uma cachorra chamada
Luluzinha e com duas crianças correndo no gramado.
Keeran contorce o nariz.
— A parte das crianças não me agradou, mas seria legal ter um
cachorro. A nossa casa está meio vazia desde que o hamster do Mason
morreu.
Mason faz um biquinho, tristonho.
— Sinto saudades do Faro Fino. Ele era um companheiro e tanto.
Faro Fino era o hamster de Mason. Quando decidimos morar todos
juntos, o bicho já estava nos últimos momentos de vida. Brincava vez ou
outra na roda, mas passava boa parte do dia dormindo. Acabou morrendo
uns cinco meses depois do início do semestre.
— Ele não fazia nada, Mason. Só ficava lá, existindo.
Os olhos do meu amigo se enchem de lágrimas. Fico em pânico,
mas ele explode logo em uma gargalhada escandalosa ao notar a minha
expressão.
Filho da puta.
— Ele era um bom companheiro exatamente por esse motivo. —
Flexiona os braços. — Estava comigo nos bons e ruins momentos.
— E a gente não? — Keeran reclama.
Nessa altura, já não estamos mais correndo. Estamos caminhando do
mesmo jeito que Bradley e Cooper: a passos de tartaruga. É vergonhoso
para os jogadores que planejam chegar aos playoffs.
— Você não sabe brincar em uma rodinha.
— E ele não sabia dar conselhos. Ponto para mim, porra. — Dave
agita as pernas para cima e para baixo, como se estivesse correndo, mas
sem sair do lugar.
— Aquele bicho ainda era o maior preguiçoso. Dava duas voltinhas
e já estava cansado — Keeran relembra.
Prendo a respiração para não rir.
— Ele era um senhorzinho de idade — Mason defende Faro Fino
como se o hamster ainda estivesse entre nós.
Faro Fino agora não deve passar de um monte de minúsculos ossos
enterrados nos fundos do jardim.
— Ele era sem graça, essa é a verdade. Admita, Henderson.
Mason grunhe.
— Não vou admitir nada. Você está insultando o meu hamster.
Keeran está prestes a formular um argumento quando o apito do
treinador Turner ecoa em nossos ouvidos. E como se pudesse se
teletransportar com apenas um estalar de dedos, ele surge ao nosso lado.
Pousa as mãos grandes em um dos meus ombros, enquanto a outra repousa
no de Dave. Os olhos audaciosos miram Mason e Keeran.
Ser alvo do olhar moral do treinador é o meu maior pesadelo na
Terra.
— Posso saber sobre o que os bonitões estão conversando em vez de
estarem treinando para o jogo da semana que vem?
— Nada demais.
— Hamster morto.
— Faro Fino.
As vozes dos meus amigos se mesclam e os dedos do treinador
afundam só um pouquinho no tecido da camiseta do uniforme.
— Faro Fino? Que merda é essa?
Mason coça a nuca, envergonhado.
— Meu hamster, treinador.
Turner pigarra alto demais.
— Seu hamster se chama Faro Fino?
Olho de soslaio para Dave. Ele tenta manter a expressão séria, mas
não consegue. Os lábios pressionados em uma linha reta denunciam sua
falha tentativa.
— Se chamava. Ele morreu.
Dessa vez, sou obrigado a morder a minha língua. A garganta está
coçando loucamente para soltar uma risada.
— Oh! — O treinador se solidariza com um arquejo surpreso. — Há
quanto tempo?
Mason faz a conta nos dedos, quase em câmera lenta. Ele não é ruim
de datas. Sabe exatamente há quanto tempo o Faro Fino morreu. Só está
fazendo isso porque está se divertindo com a situação.
— Quase um ano, eu acho.
O treinador bufa e dá um tapa na minha cabeça e no de Dave ao
mesmo tempo. Gemo com o ato, pego de surpresa com a ardência contra a
pele já aquecida por causa do sol.
— Um ano é tempo o bastante para vocês esquecerem a existência
desse rato e nunca mais se lembrarem dele no meio de um campeonato. —
Indica o gramado. — Voltem para o treino se querem ir para os playoffs. Se
quiserem chorar pelo bicho morto, o banco está ali esperando vocês.
— Hamster, treinador.
O treinador Turner vira o rosto ao som da voz de Mason.
— O que disse, Henderson?
— Não era um rato. Faro Fino era um hamster.
Começo a correr antes de ouvir a resposta do treinador e puxo Dave
e Keeran comigo. Meio que saímos aos tropeços, mas que se foda. É uma
luta pela vida.
Se Mason quer ser morto antes do campeonato, o problema não é
meu.
Eu que não vou arriscar o meu pescoço.
Estou saindo do vestiário após um treino que arrancou a minha alma
quando meu telefone começa a tocar.
Tiro-o de dentro do bolso da jaqueta e paraliso ao ver o nome do
meu pai. A gente não conversa desde o último jogo. Como não cometi
nenhuma gafe durante a partida, fui poupado dos seus conselhos passivos
agressivos. Essa é a primeira vez, depois de semanas, que ele se lembra da
minha existência.
Engulo em seco e grito para que meus amigos não me esperem. Não
sei quanto tempo vai durar essa ligação e ficar sozinho é a melhor forma de
lidar com o furacão Ricky Rollins.
Me afasto da porta de saída do vestiário, entrando em um corredor
adjacente, e atendo a chamada.
— Pai.
— Reed.
Respiro fundo e fixo a atenção nos troféus que estão espalhados em
um memorial para o time. Há uma foto de Jordan Harris, um dos primeiros
jogadores da USVL a ser draftado por um time grande. O registro é antigo,
não valorizando a sua aparência de jovem adulto sedento para conquistar o
mundo.
— Como você está?
— Ocupado. Em breve vou participar da inauguração de um centro
esportivo voluntário em parceria com a USVL em North Groove. É um
projeto grande que vai chamar a atenção da mídia. O organizador do evento
não quer que nada dê errado — discorre em um tom calmo, mas há um
traço de orgulho por trás. Ser o centro das atenções é o que ele mais ama
nesse mundo. — E como estão indo as coisas em Maple Hills?
Afugento um suspiro de alívio por ele não me convidar para
participar desse evento.
— Nada de diferente. Montei uma grade mais tranquila esse
semestre por causa dos jogos, então as aulas estão de boa.
— Até porque essas aulas não vão levar você a lugar nenhum. O
importante mesmo são os treinos e a temporada de jogos. Quando é o
próximo?
A rápida mudança de assunto é uma tática que Ricky encontrou para
que eu não discuta com ele. Para que eu concorde com um aceno de cabeça
e mantenha a boca calada. No entanto, minha cabeça formiga com a
conversa que tive com Anne no sábado à noite.
Posso confrontar o meu pai.
Posso discordar das coisas que ele diz.
Posso impor as minhas opiniões, porque não sou mais uma criança.
Só que é aí que entra o bicho de sete cabeças: não consigo.
Toda vez que penso em confrontá-lo, meu corpo deixa de responder
aos comandos básicos. Minha língua passa a pesar dez quilos e minhas
cordas vocais não conseguem reproduzir nenhum som. Eu travo da cabeça
aos pés.
— Na semana que vem — respondo somente a última parte em um
tom engasgado.
A decepção me atinge em um raio certeiro.
— Em Maple Hills?
Posso ver o rosto do meu pai se projetando na minha frente. A barba
rala cobrindo a mandíbula, os lábios repuxados em um sorriso de escárnio e
os olhos castanhos que um dia já representaram um porto seguro para mim.
Hoje, não sei mais o que eles significam.
— Não, em West Falmouth.
— Estarei lá.
Concordo com um aceno, embora ele não possa ver.
— Mais alguma coisa, pai?
Faço a pergunta, ao mesmo tempo em que encaro o meu reflexo no
vidro do memorial. Diferente de Jordan Harris, não há nenhum traço de
felicidade em minhas feições. O que vejo é um par de olhos vazios e
cansados, combinado com um rígido pressionar de lábios.
— Não se esqueça do jantar com a Dianna no próximo mês. Pensei
em convidar os meus amigos da época do New England Patriots. — Há
uma ameaça oculta por trás caso eu faça merda. — Sua namorada não vai se
incomodar, acredito.
Fecho os olhos ao pensar em Anne. Estou arrastando-o para um
buraco fundo demais.
— Com jogadores de futebol americano aposentados ou não, Anne
vai comigo do mesmo jeito. — Friso o seu nome. — Ela é parte da família
agora.
Ricky resmunga algo que não consigo entender.
— Tudo bem, como quiser — cede. — Mas não se esqueça do que
falei. Não quero ela atrapalhando sua carreira. Você nasceu para estar no
topo, Reed.
Massageio a têmpora esquerda com a ponta dos dedos, descendo
para a ponte do nariz. Abro os olhos e encaro meus tênis. A minha sorte é
estarmos tendo essa conversa por telefone. Se fosse pessoalmente, eu
estaria me sentindo um lixo fedido dentro de uma caçamba abandonada.
— Eu sei disso, pai. Estarei sempre no topo, exatamente como um
Rollins.
Posso sentir Ricky sorrindo do outro lado da linha.
— Esse é o meu garoto — diz, satisfeito. — Preciso desligar. A
gente se fala depois do jogo de sexta.
E, como de costume, ele não me dá a chance de responder. Desliga o
telefone e encerra a chamada. Guardo novamente o celular dentro do bolso
da jaqueta e exalo a respiração, esvaziando os pulmões. A sensação é
revigorante, mas não afasta a dor em meu peito.
Tampouco a decepção de que, mais uma vez, não fui capaz de
confrontar Ricky Rollins.
E o pior é que eu nem sei se um dia irei conseguir.
Saio da aula de Antropologia da Comunicação e vou direto para o
refeitório. O ambiente está entupido de estudantes conversando em um
burburinho irritante, mas não tenho nenhuma dificuldade em encontrar
Claire e Dave. Eles estão sentados na mesa de todos os dias, com Anne
acomodada do lado oposto.
Desvio de algumas pessoas que me cumprimentam com um sorriso
simpático demais e me aproximo a passos lentos.
— E aí — cumprimento o casal de namorados apaixonados e depois
movo minha atenção para Anne. — Oi, joaninha.
Como sei que estamos sendo observados, não hesito em me sentar
ao lado dela e depositar um beijo no canto dos lábios. Encaixo também o
braço em seus ombros, puxando-a para mais perto de mim. Minha boca
desliza por sua pele, até chegar na altura da orelha.
— Não surte — sussurro em seu ouvido. — Só entra na minha.
Os dedinhos de Anne afundam no meu cabelo, fazendo carinho. A
sensação é deliciosa demais e me esforço para não deixar transparecer.
Mantenho apenas o sorriso apaixonado nos lábios ao me afastar e empurrar
o cabelo dela para trás.
É nesse momento que noto o que Anne está usando. A regata fina
deixa muito pouco para a minha imaginação. Não é nada indecente ou
inapropriado, mas não me impede de encarar.
Porra.
Levanto as vistas rapidamente. Contudo, é inútil. Ela me pegou no
flagra e o sorriso é a maior prova disso.
— Olá, zangão. — Pega o suco de caixinha, dando um golinho. —
Quem está surtando agora?
Mordo um sorriso.
— Você está jogando sujo.
Ela sacode a cabeça, negando.
— Estou jogando com as armas que tenho. — Cruza as pernas por
debaixo da mesa e a saia curta acompanha o movimento. Que merda deu na
cabeça dela hoje? — Só estou curiosa a respeito de onde você está
escondendo as suas. 
Abro o pote com a salada verde e espeto com o garfo uma quantia
generosa, levando à boca.
— É só puxar a minha calça para baixo que você já vai descobrir.
O assovio baixo que escuto não vem de Anne. Mas sim, de Dave.
Merda.
Eu tinha esquecido que tínhamos companhia.
Como todas as outras vezes, Claire e Dave nos analisam com um
olhar atento. Ainda não esqueci da conversa que tive com ele na loja de
roupas, alguns dias atrás. Assim como meu amigo, também estou tentando
entender a minha relação com Anne.
Estamos fingindo esse tempo todo?
Esquecemos que não precisamos interpretar os nossos papéis 24
horas por dia?
Há outra coisa acontecendo?
Essas são perguntas para as quais não consigo formular nenhum tipo
de resposta.
— Guarde suas armas para quando estiverem sozinhos no quarto
brincando de lutinha, Reed — Claire alfineta antes de mordiscar um pedaço
do sanduíche de frango.
— Ninguém vai brincar de lutinha — Anne protesta, cruzando os
braços sobre a mesa e dando um pulo discreto para o lado. — É apenas uma
provocação boba.
Dave ri e limpa as mãos no guardanapo.
— É claro. — O tom condescendente não é percebido por Anne,
mas eu o conheço melhor do que gostaria. — A propósito, já decidiram com
que fantasia vão no aniversário da Claire?
Claire faz um beicinho fofo.
Nesta manhã, ela conseguiu um feito e tanto: conseguiu combinar as
suas roupas coloridas com as do namorado. Diferente de Claire, que se
veste com todos os tons possíveis, Dave é do monocromático. Preto no
branco.
Gosto de pensar que a Claire é a cor que faltava na vida dele.
E mesmo que eu não acredite nesse lance de almas gêmeas, não
tenho dúvidas de que foram feitos um para o outro. Quem os vê de longe,
mesmo sem conhecê-los, já tem uma certeza: eles se amam intensamente.
Seja pela forma em que se tocam, se tratam ou conversam, em cada atitude,
é possível perceber que Dave atravessaria a porra do oceano para vê-la
feliz. E Claire não hesitaria em fazer o mesmo.
— Estou mais curiosa para saber com que fantasia vocês dois vão.
— Anne aponta para os dois. — Esse mistério todo está me matando.
— Aposto que a fantasia deles é horrível e estão com vergonha de
admitir.
Claire me chuta por debaixo da mesa e dá risada.
— Não seja ridículo, Reed. Você acha mesmo que eu, Claire
Howard, me vestiria mal para a festa do meu aniversário? — Gesticula com
as mãos, as pulseiras ao redor do pulso fazendo barulho. — Seria um crime
contra mim mesma.
— E contra o Dave, não?
Dave pousa o braço sobre os ombros da namorada e dá um beijo na
lateral da cabeça dela.
— Mesmo que eu vá vestido em um saco de lixo, não me
importaria. Meu relacionamento com a moda é um divórcio cheio de
mágoas.
Levo mais um punhado de salada à boca.
— Nenhuma dica para a gente, então? — Anne insiste, agora
comendo também o seu sanduíche de atum.
Não sei como ela consegue.
É ruim.
Ruim mesmo.
Ruim do tipo: nunca mais quero experimentar isso na vida.
— Digamos que faz referência a uma coisa que a gente gosta muito
— Claire fala.
— Vocês gostam de coisa pra cacete. Essa dica foi péssima —
desdenho. — Elabore uma melhor, Morris.
O quarterback do time contorce os lábios cheios de um lado para o
outro, procurando por uma resposta. Empurra os cabelos com dreads para
trás e agita o brinco da orelha com a ponta dos dedos. Dave nessa situação é
mais engraçado do que eu gostaria de admitir.
— Hummm... É inspirado em um filme da Disney. Única coisa que
consigo pensar.
Anne bufa ao meu lado e cruza os braços. Ela fica tão fofinha que eu
poderia enchê-la de beijos e beliscões.
— Continua sendo difícil, então espero ser surpreendida — diz,
animada. — A festa inteira vai ser uma surpresa, na verdade.
Os próximos minutos, então, são dedicados à festa da Claire que vai
acontecer no sábado, uma semana antes do jogo em West Falmouth. E não é
nenhuma novidade que o aniversário de Howard é sempre comemorado em
grande estilo. Com direito a fogos de artifício, se duvidar.
— E quando vai ser mesmo o seu desfile? — pergunto, dando uma
mordida no frango frito.
— No começo de dezembro. Alguns dias depois do Dia de Ação de
Graças, se tudo der certo como o planejado.
— Talvez você devesse convidar o irmão da Anne. Você acredita
que até hoje ela não me apresentou para ninguém da família?
Anne me dá uma cotovelada.
— Não é como se houvesse uma árvore genealógica com milhões de
galhos para você conhecer. E como você acha que eu vou te apresentar? Ei,
família, esse é o meu namorado de mentira?
— Pode me apresentar do jeito que você quiser, eu não vou
reclamar. — Sorrio. — Desde que eu possa conhecê-los, já fico feliz.
— Vou te apresentar como um cara irritante, mimado e cheio da
grana. Acho que minha mãe vai te odiar no mesmo segundo.
— Impossível, Annie. Eu sou irresistível. Sua mãe vai se apaixonar
por mim assim que me conhecer.
— Vou deixar você sonhar. — Limpa as mãos com o guardanapo e
arruma a bolsa ao redor do ombro. Faço um esforço para não olhar para os
seus seios quando ela se levanta. — Está muito legal ouvir você o quanto
consegue ser galanteador, mas eu preciso ir trabalhar.
Claire choraminga.
— Mas já?
— Adele pediu para que eu fosse mais cedo para ajudá-la a receber
um novo estoque no depósito — explica. — Mas o nosso grupo de estudos
ainda está de pé, huh?
Sua amiga concorda e Dave deseja a Anne uma boa tarde de
trabalho na lanchonete. Depois de agradecer com um sorriso, a atenção dela
se locomove para mim. Permaneço sentado, mas estico o braço e pego a
mão entre as minhas.
Faz parte do fingimento, repito mentalmente.
— Você quer que eu te leve? Não tenho mais nenhum treino hoje, só
uma aula de Mídia Social no final da tarde.
Ela discorda com um chacoalhar de cabeça.
— Não precisa. Eu me viro sozinha. — Se abaixa e dá um beijo
estalado na minha bochecha. — Mas, quando eu chegar em casa, uma pizza
de pepperoni talvez seja o que mais esteja precisando no momento.
— Vou providenciar.
Anne sopra um beijo para Claire e Dave e gira sobre os calcanhares,
indo embora. Acompanho-a com o olhar até empurrar as portas de vidro e
sumir.
Quando retorno a atenção para os meus dois amigos, vejo-os
sorrindo de uma forma tão assustadora que me dá medo. Posso ver até as
gengivas de Dave.
— O que foi?
Claire sacode a mão, espantando um mosquito imaginário.
— Ah, nada demais. — Finge um riso inocente. — Acho que você
está apaixonado demais.
— Faz parte do fingimento, Claire.
Ela sorri e deita a cabeça no ombro do namorado.
— É claro que sim. Vocês estão desempenhando o papel bem até
demais.
Solto um grunhido e arremesso uma batatinha frita que Anne deixou
no prato. Antes que Claire possa ser atingida, Dave pega a batatinha no ar e
dá uma mordida, sacudindo as sobrancelhas de forma arrogante.
— Vão se foder vocês dois.
Meu insulto faz ambos caírem na risada, se divertindo às minhas
custas. Fico irritado e me levanto da mesa em um pulo, pegando a bandeja
com a comida que ainda não terminei.
— Vou embora também. Não dá pra almoçar com vocês dois.
Dave limpa as lágrimas ao redor dos olhos.
— Você não engana a gente, Rollins! Não adianta fugir!
Me afasto, mas antes de procurar por outra mesa, levanto o dedo do
meio sobre o ombro.
E, de novo, eles caem na risada.
 
 
“Você incendiou meu mundo, não conseguiu lidar com o calor”
Ruin My Life | Zara Larsson
 

 
O senhor Adkins caminha pelo púlpito com um sorriso discreto. É
como se ele estivesse escondendo um segredo que ninguém mais deveria
saber, mas que está se esforçando para não contar.
— O que será que ele está tramando? — Reed pergunta baixinho. —
Alguma coisa tipo o Massacre da Serra Elétrica?
— Se isso aqui fosse um filme de terror, pode ter certeza que você
não demoraria muito para morrer.
Reed se remexe na cadeira, ficando de frente para mim. O perfume
masculino só me faz relembrar da noite em que assistimos Top Gun – Ases
Indomáveis. O cheiro de cravos com sândalo impregnou na minha pele feito
uma tatuagem.
— Ah, é? E posso saber por quê?
— Você é o típico estereótipo de filme de adolescente. Popular entre
as meninas, jogador de futebol americano, cheio da grana e com um ego
gigante para compensar a falta de caráter. — Enumero as características. —
Em filmes de terror, esse tipo de personagem costuma namorar a garota
loira com zero neurônios e morrer logo depois de transar com ela em uma
cena pra lá de brega.
A reação de Reed me pega de surpresa. Ele não dá risada e nem me
contradiz como imaginei que faria. Muito pelo contrário: abre um sorriso de
covinhas e estica as pernas, os pés se escondendo embaixo da cadeira à
nossa frente.
— Você só esqueceu um detalhe, mas muito importante dessa
história. — Ergo sugestivamente a sobrancelha, incentivando-o a continuar.
— Se estivermos mesmo presos em uma remake ruim de O Massacre da
Serra Elétrica, eu não estaria apaixonado pela loira burra com zero
neurônios.
— Não?
— É claro que não. — Toca a ponta do meu queixo. — Eu estaria
apaixonado por você. A loira inteligente que insiste em me odiar, mesmo
quando eu sei que é mentira.
Ranjo os dentes e empurro seu ombro, afastando-o de mim.
— Eu não sou o tipo de pessoa que mente.
Ele solta um sopro de ar e estica o braço, pousando-o sobre os meus
ombros. Não tenho dúvidas que alguns alunos nos observam de um jeito
nada discreto.
— Você é do tipo que finge, eu sei. Já entendi como funciona seu
jogo. 
Viro o rosto para frente e encaro a parede. Obrigo minhas feições a
se manterem congeladas enquanto me mantenho em silêncio. Reed dá uma
risadinha cheia de sarcasmo e aproxima a orelha da minha boca,
sussurrando:
— E ele nunca me pareceu tão gostoso de jogar, Annie.
Meu nome soa de um jeito tão sedutor que me pego apertando as
coxas uma contra a outra. Minhas terminações nervosas se agitam, rumando
para um cenário que estou evitando a todo custo de imaginar: Reed Rollins
transformando em realidade tudo aquilo que sai de sua boca irritante.
A saliva se torna mais espessa e a engulo com força.
Quase suspiro de alívio quando o senhor Adkins fecha a porta do
auditório e apaga as luzes. Ele não precisa dizer nada, porque os alunos
compreendem. O burburinho de conversas é encerrado e resta somente o
silêncio.
Agora não sei se estou ansiosa para o que professor tem a dizer ou
nervosa por causa das palavras cheias de duplo sentido que Reed sussurrou.
Desgraçado.
Minha vontade de chutá-lo de uma janela acabou de triplicar de
tamanho.
Como se fosse capaz de ler a minha mente, em um estilo meio
Edward Cullen, Reed desliza levemente o polegar pelo meu braço nu e
afunda o nariz em meus cabelos, inspirando.
— Relaxa, joaninha — pede. — Consigo escutar os seus
pensamentos daqui.
— Então, você deve estar ouvindo que eles estão sedentos para dar
um chute no seu nariz.
Reed ri e se acomoda melhor na cadeira. Os dedos permanecem
dançando pelo meu braço em uma carícia mais do que provocadora.
— Depois que essa aula acabar, a gente pode resolver isso lá fora. O
vestiário vai estar vazio. Ninguém vai nos descobrir.
— Você é irritante demais.
Para a minha sorte, Reed permanece calado durante os próximos
minutos. O senhor Adkins caminha até o computador e se curva diante da
tela. Logo em seguida, o projetor reproduz um folheto repleto de
informações com o ícone do PK Journal no topo.
Ofego.
Não preciso de mais de cinco segundos para entender o que
significa, porque já sonhei com isso mais vezes do que gostaria de admitir.
— Hoje eu tenho uma notícia ótima para dar para vocês. Na
verdade, eu ia manter segredo, mas não consigo me conter. — Os alunos
dão risada de sua fala. — Uma vez por ano, o jornal mais prestigiado do
condado de San Valley abre três vagas de estágio para diferentes áreas. Eu
trabalhei no PK Journal por dez anos e foi uma das experiências mais
transformadoras da minha carreira. Tenho consciência que não serão todas
as pessoas que terão essa oportunidade, mas se algum de vocês tem
interesse em ser um profissional que atua com dignidade, ética e respeito,
iniciar seus primeiros anos de trabalho no PK Journal é a melhor decisão a
ser tomada.
Se fosse possível, meu coração já teria saltado para fora do peito.
É a oportunidade que estou buscando desde que fui aprovada na
USVL.
No ano passado, quando os professores divulgaram as vagas de
estágio no PK Journal, não consegui nem passar da primeira fase. Fiquei
super triste. Magoada em níveis preocupantes. Quis desistir do Jornalismo
diante do primeiro não que recebi.
O sermão que Claire me deu naquela época foi o suficiente para eu
entender que não deveria desistir.
O professor continua a falar, sua voz preenchendo cada espaço vazio
da minha mente. Quero manter os pés no chão, mas é impossível não criar
expectativas. Essa vaga precisa ser minha.
— As informações para concorrer às vagas vão estar no site do PK
Journal e, quem tiver interesse, pode se inscrever. Como no ano passado,
serão duas fases e quatro vagas. Eu vou participar de uma das fases do
processo, então estarei de olho em vocês. — Ele dá uma piscadela divertida.
— Alguma dúvida?
Durante os próximos minutos, o senhor Adkins se dedica a
responder às perguntas dos alunos. Eu aproveito o momento e puxo o meu
celular do bolso da mochila. Abro o site do PK Journal e sorrio comigo
mesma enquanto leio as informações sobre a vaga de estágio.
— Você vai tentar?
O som da voz de Reed me faz levantar as vistas. Ele continua na
mesma posição de antes, mas agora os braços descansam nas laterais da
cadeira.
— Não só tentar, como vou fazer de tudo para conseguir — digo e
volto a atenção para o celular. São quatro vagas em diferentes editorias. —
Você sabe que meu sonho é trabalhar nesse jornal.
— E você vai conseguir — afirma. — Posso te achar um pé no saco
na maior parte do tempo, mas eu não estava brincando quando disse que
você é inteligente e pode conseguir tudo o que quiser.
Arqueio a sobrancelha e abaixo o celular. Analiso suas feições,
procurando por algum traço que indique que ele está zoando com a minha
cara, mas Reed se mantém sério.
— Isso, por acaso, foi um elogio?
— Pode parecer meio bizarro para você, mas eu não tenho
dificuldades em elogiar as pessoas, Annie. Não dói nada. Recomendo você
tentar, pode fazer bem para a sua alma sombria.
— Eu sei elogiar as pessoas, okay? — Empino o queixo. — O
problema é encontrar elogios para você.
— Eu devo ser mesmo muito ruim. Um saco de lixo ambulante.
Aperto os lábios para evitar dar uma risada. Estar na presença de
Reed era mais fácil quando não sabíamos tanto um sobre outro. Agora eu
passo quase 24 horas do meu dia ao seu lado. É inevitável não me divertir
na sua companhia.
— Um saco de lixo com um lacinho no topo — provoco-o. — Mas
ainda é o melhor namorado que eu poderia ter.
— E por falar em namorado... — Reed se inclina para frente. A luz
do palco ilumina seus traços, deixando-o bonito pra cacete. Deve ser a
droga dessa barba rala que ele deixou crescer nesses últimos dias. — Vai ter
um jogo em West Falmouth na semana que vem. Seria legal se você fosse.
West Falmouth é uma cidade que fica a cerca de duas horas e meia
de distância de Maple Hills. Fui lá pouquíssimas vezes, quando criança. É
um lugar bonito.
— E onde eu ficaria?
— O time normalmente fica no hotel. Posso dar um jeito de
conseguir um quarto para a gente.
Rio.
— Eu não vou transar com você.
Reed levanta a sobrancelha esquerda de forma debochada.
— Ninguém disse nada sobre transar.
Ranjo os dentes.
— Eu conheço suas táticas, Reed. Você não me engana.
Ele passa a língua pelos lábios e afunda os dedos no couro cabeludo.
O cabelo castanho é empurrado para trás, as mechas ficando bagunçadas,
como se ele tivesse acabado de transar.
Merda.
Antes que imagens de Reed seminu possam habitar a minha mente e
despertar novamente o formigamento entre as minhas pernas, eu desvio o
olhar. Me obrigo a prestar atenção somente no celular e nas informações
sobre a vaga de estágio.
— Então, você vai ou não?
Pondero.
Minha consciência sabe que boatos surgiriam se eu deixasse de ir no
jogo e West Falmouth nem é assim tão longe. Se minha memória não
estiver tão ruim quanto a da Dory de Procurando Nemo, Claire costuma
acompanhar as partidas de Dave fora de Maple Hills.
Ela é a maior fã de ver o namorado em campo. Só falta erguer um
cartaz com o nome de Dave impresso em caixa alta e usar uma camiseta
com o rosto dele estampado no centro.
Será que a definição de estar apaixonada é isso? Confeccionar uma
camiseta com o rosto do meu namorado e combinar os nossos sobrenomes
na última folha do caderno? Que pesadelo horrível.
— Vou pensar no seu caso.

Ao final do dia, estou sentada em uma das banquetas do Brooklyn


Blues com o meu computador aberto no site do PK Journal. Estou
respondendo todas as perguntas do formulário e tentando mostrar através
das palavras que, desta vez, sou boa o bastante para conseguir ser
classificada para a primeira fase.
Cada partícula do meu corpo treme em expectativa.
— Um milkshake de baunilha com muito chantilly para a futura
jornalista do jornal mais famoso de San Valley — Becky anuncia ao
deslizar sobre os patins e depositar um copo gigantesco na minha frente.
Abro um sorriso em agradecimento e afundo o canudo no chantilly,
bebendo um generoso gole.
— Estou torcendo muito por isso. Vou entrar em um mar de tristeza
infinita se não conseguir a vaga dessa vez.
— Temos que pensar positivo e não há motivo para eles não
aceitarem. Você é boa demais para desperdiçar seu talento em cima de um
par de patins pesados.
Semicerro os olhos.
— Você não pode dizer muito, Becky.
Ela revira os olhos e impulsiona o corpo para frente, ficando atrás
do balcão. Assim como eu, minha parceira de trabalho está com os cabelos
presos em um penteado dos anos 80 e com uma maquiagem que evidencia
sua beleza. O delineador é colorido, com pequenas pedrinhas brilhosos
coladas no canto superior das têmporas.
— Meu sonho de ser atriz vai ficar para outra vida. — Pega uma
xícara e começa a enchê-la de café. — E eu também não quero deixar
minha avó sozinha aqui em Sunbay. O que já é bem diferente do seu caso.
Você pode conquistar o mundo inteiro.
— Acho que o mundo inteiro é demais para mim. Mas conseguir
trabalhar com aquilo que amo já seria uma grande realização. Morar em
North Groove também não seria uma má ideia para o futuro.
Becky despeja dois saquinhos de açúcar no café e me lança um
olhar sobre os cílios maquiados.
— North Groove e o PK Journal é apenas o começo — murmura,
antes de beber um gole do café e apontar para mim. — Daqui a alguns anos,
vou poder dizer que te conheci quando ainda estava dando os primeiros
passos da carreira. Quem sabe eu até venda informações sigilosas sobre o
seu passado obscuro.
Deixo escapar uma risada, mas logo em seguida, me recordo de um
assunto mais importante. Aprumo os ombros e abaixo a tela do computador,
possibilitando que eu possa ver melhor o rosto de Becky. Ela me observa
com curiosidade.
— Se eu conseguir o estágio... — Remexo as mãos, tensa. — Eu
vou ter que deixar vocês na mão. Não vou conseguir conciliar os dois
empregos e a universidade. Não vai ser um problema para vocês?
— Você não está amarrada aqui com a gente, Anne. Adele e eu
sempre soubemos que, em algum momento, você iria pedir demissão.
Sabíamos que o Brooklyn Blues era algo temporário na minha vida.
— Eu...
— Não há pelo o que se preocupar. A gente vai sobreviver, só
vamos sofrer de saudades, porque você é a melhor colega de trabalho do
mundo. — Abre um sorriso triste, mas que desaparece com uma facilidade
surpreendente. Becky não é o tipo de garota que deixa se abalar. — Não se
sinta culpada por correr atrás dos seus sonhos.
Meus lábios tremem quando sorrio.
— Obrigada, Becky. Não só pelo o que acabou de dizer, mas por
tudo.
Ela funga baixinho e se esconde atrás da xícara de café, não
querendo deixar transparecer as próprias emoções.
— Saiba que sempre que precisar, vou estar aqui para ser o braço
amigo que você precisa.
— Daqui a alguns anos, quero te ver em cima dos palcos atuando.
Não aceito menos que uma carreira repleta de premiações para você.
— Não vou te decepcionar. Eu prometo.
Levanto o copo de milkshake e improvisamos um brinde entre
risadas. Se eu conseguir a vaga de estágio, não tenho dúvidas que vou sentir
saudades dela, de Adele e desse ambiente descontraído. Os patins, no
entanto, são um dos itens de que vou me livrar com a maior felicidade do
mundo.
Deixo essa tortura de usá-los todos os dias para a próxima vida.
Nessa, eu quero alcançar os meus sonhos.
Quero encontrar meu próprio caminho.
E não vou permitir que nada atrapalhe isso.
 
 
 
“Me dê o que eu preciso, me puxe para perto, bem fundo.
Me possua como eu quiser. Eu quero que você me queira”
I’ll Make You Love Me | Kat Leon
 

 
Aposto que tenho uma dívida de jogo na vida passada.
Devo ter sido um lorde viciado em frequentar casas noturnas e torrar
meu dinheiro com jogos de azar e bebida com gosto de mijo.
Única explicação plausível.
— Não vou vestir essa merda.
Anne dá uma risadinha que faz suas bochechas se elevarem, os
cílios tocando a pele corada. Mesmo irritado, tenho que concordar que ela
está bonita.
— Você vai sim. Faz parte do combinado, Reed.
Resmungo um palavrão.
Hoje é o aniversário de Claire. E, como é de conhecimento geral, ela
não costuma decepcionar em suas festas. No entanto, esse ano ela decidiu
seguir por um caminho mais ousado. Todos os convidados, sem exceção,
devem ir fantasiados.
E não pode ser uma fantasia qualquer. Tem que ser algo fora do
comum. Nada de anjinho e diabinha. Isso é para quem não tem criatividade
nenhuma.
E Claire Howard e criatividade são duas palavras que caminham
juntas no dicionário.
— Para de ser um pé no saco — Anne grunhe, se curvando sobre a
cama e tirando as nossas fantasias de dentro do saco com zíper. — Quando
Keeran deu a ideia para a gente, você achou legal. Agora vai bancar o
bunda mole?
Okay.
A proposta de fantasia não é ruim. O que me incomoda é o fato de
que irei em uma festa repleta de universitários usando uma calça social,
uma camisa de botões e um paletó preto. Sem contar os sapatos que, de tão
ilustrados, podem refletir as luzes do teto.
Vou sair diretamente do aniversário para uma reunião de negócios
com o Christian Grey.
— Eu tinha me esquecido da parte em que vou passar a noite vestido
igual a um CEO.
Anne revira os olhos e me entrega a camisa, juntamente da calça e o
paletó. O traje completo de John Smith.
— Um assassino de aluguel — me corrige, dando um tapinha no
meu peitoral. — Tire logo essa roupa e se vista. A gente já está atrasado.
— Esse é o jeito que você encontrou para me ver só de cueca? —
Abro um sorriso malicioso. — Porque você sabe, Annie. É só pedir que eu
faço. Não precisa fazer nenhum tipo de joguinho.
— Quando esse dia chegar, não tenha dúvidas de que vou cair dura
no chão — rebate. — Meus olhos não vão sobreviver a tamanho horror.
Inclino a cabeça para o lado, ao mesmo tempo em que uso a mão
livre para puxá-la para mais perto. Anne tropeça nas próprias pantufas e
espalma as palmas em meu peitoral para não perder o equilíbrio. A quentura
da pele atravessa a regata fina que estou usando.
— Você é uma péssima mentirosa. — Dedilho a coluna dela coberta
apenas pelo fino roupão de seda. — Não faz mal admitir que você sente
tesão, Scott. Porque... — Subo mais um pouco, parando na altura do seu
pescoço. Enrolo os dedos ali e curvo a cabeça para trás, obrigando que os
olhos me encarem. — Eu também sinto.
Anne hesita e engole em seco. A ponta das unhas afundam em
minha pele. A atmosfera que nos cerca muda, se tornando mais densa. Até o
ar fica mais difícil de puxar para os pulmões.
— Não vou admitir nada. — Semicerra as pálpebras, me desafiando.
— Porque não estou sentindo tesão nenhum.
Afugento uma risada amarga.
Fazer Anne Scott abaixar a guarda é um desafio que vai me render
incontáveis dores de cabeça. Ela não faz o tipo que cede.
— Eu posso verificar com os meus próprios dedos, então?
Anne estreme, mas se recupera tão rápido quanto um foguete. Eu,
no entanto, não perco a oportunidade de fazer uma mínima pressão em seu
pescoço. Meu pau se anima só com a possibilidade de repetir essa mesma
cena com ela deitada nua na minha cama.
Ou usando somente aquela lingerie vermelha que faz os seus seios
ficarem empinados e sedentos para serem chupados por minha língua.
— Avance um centímetro e vai sofrer as consequências. Não se
esqueça que a Jane não hesitou em explodir o John — sibila. — Eu também
não vou pensar duas vezes em acabar com você.
Abaixo o rosto e trocamos um olhar que incendeia minhas veias.
— Eu bem que te acharia bem sexy apontando uma arma para a
minha cabeça. — Inclino o pescoço para o lado e resvalo os lábios em sua
mandíbula. Anne estreme por debaixo da minha mão que não está
segurando a fantasia de John Smith. — E seria um tesão do caralho ver
você explodir a casa inteira. Eu não me esqueci das suas ameaças
incendiárias, Scott.
Anne abre um sorriso malicioso.
Um sorriso que eu estava morrendo de saudades de ver.
Eu adoro provocá-la com brincadeiras bobas, mas nada se compara
à versão que assumimos quando as palavras seguem para um rumo mais
sujo.
— Você quer fogo, Reed?
— Eu quero muitas coisas, Anne — digo seu nome como se fosse
um segredo que ninguém mais pudesse saber. — Mas um pouco de fogo
estilo Jane Smith seria ótimo para nós dois.
A língua bate no céu da boca e entrego a ela o controle da situação.
Sei exatamente a maneira que Anne gosta de brincar comigo.
Por isso, não faço nenhuma objeção quando suas mãos empurram o
meu peito para trás e minhas costas atingem a cama. Abro as pernas,
deixando que ela se acomode entre elas, ainda de pé. A visão é de encher os
olhos de qualquer um. 
Eu, um jogador de futebol americano com mais de um e oitenta de
altura, sendo dominado por uma loirinha que é tão ameaçadora quanto um
chihuahua.
— Tem certeza disso? — questiona. — Você pode se queimar.
— Eu não ligo.
Anne ofega baixinho e se inclina para frente. Um dos joelhos afunda
no colchão, enquanto as mãos repousam em meu peitoral. Mordo o interior
da bochecha com força para evitar que meu corpo reaja.
— Se eu fosse você, tomaria mais cuidado.  
Arqueio levemente o pescoço para trás, mirando sua face. As
bochechas coradas, os olhos maquiados com um risco preto e os lábios
livres de batom me fazem desejar inverter as nossas posições e beijá-la de
uma vez por todas.
Detesto essa tensão sexual infinita.
E detesto mais ainda que Anne negue o que está acontecendo entre a
gente.
Não posso ser o único a sentir isso.
— Eu sei me cuidar.
Anne imita um biquinho tristonho e desliza a ponta do indicador por
meu peitoral, subindo pelo tecido da regata e parando na altura da minha
boca. Ela empurra meu lábio inferior para baixo e eu resfolego em resposta.
— Se eu fosse você, me cuidaria ainda mais. — Curva a coluna para
frente e o tecido do roupão de seda desliza por seu ombro, revelando
parcialmente a curva do seio direito. — Especialmente essa noite, senhor
Rollins-Smith. Nunca se sabe quando haverá uma assassina de aluguel
determinada a acabar com a sua vida.
Não tenho a chance de tocá-la, porque Anne prevê o meu
movimento e se afasta, dando um passo para trás. Uma curta risada lhe
escapa, mas há um traço de nervosismo por trás. Ela bem que pode tentar
disfarçar, mas eu já conheço suas táticas para se esconder.
Sorrio por dentro, consciente de que não fui o único a quase perder
o controle. 
— Agora, vá se arrumar, Reed — pede, apontando para a porta que
dá acesso ao corredor. A mudança repentina de expressão não condiz com o
tom rosado da pele dela. — Antes que eu encontre outro namorado falso
para ir comigo.
Me sento na cama e pego as peças de roupa já esquecidas. Antes de
sair do quarto, no entanto, dou uma última olhada em direção a Anne.
— Você só se esqueceu de uma coisa, Scott-Smith. — Faço a
mesma combinação de sobrenomes que ela fez comigo. — Por essa noite,
eu também sou um assassino de aluguel. E não vou pensar duas vezes em
explodir uma cozinha inteira para ter você só para mim.
Não dou a ela a chance de responder.
Saio do quarto e fecho a porta com o meu coração prestes a sair pela
boca e cair no chão a qualquer momento.
Porra.

— Nada mal, hein. — Mason dá risada ao descer as escadas e me


encontrar no corredor esperando por Anne. — Qual a sua fantasia, afinal?
James Bond versão universitário?
Mostro a ele o dedo do meio.
— Vai se foder, Henderson — resmungo. — Minha versão James
Bond vai explodir sua cabeça antes que possa pensar em implorar por
misericórdia.
Ele cruza os braços e apoia o quadril na parede. O tecido da fantasia
adere a todos os músculos do corpo, quase como uma segunda pele.
— Então o lance é James Bond mesmo?
Trinco a mandíbula e aponto para a aranha bordada no centro do
peitoral dele.
— E o seu lance é subir pelas paredes e se pendurar em uma teia?
Mason fica imediatamente ofendido e leva a mão ao coração,
projetando o lábio inferior para frente.
— Homem-Aranha é uma obra-prima. Não é só subir pelas paredes
e se pendurar em uma teia. Tem toda uma história por trás.
— Aham, sei bem. — Finjo concordar e passo as mãos pelo cabelo.
Diferente de John Smith que tem os fios raspados, eu tive que batalhar uma
guerra com Anne para que ela entendesse que eu não iria incorporar a
fantasia desse jeito. Tudo tem limite, porra. — Espero que nessa versão
você consiga salvar sua namorada da morte.
— Agora você pegou pesado, cara.
— Foi mal, mas temos que aceitar os fatos.
Mason choraminga, imitando um cachorrinho que caiu da mudança.
Às vezes, eu custo a acreditar que moro com ele e Keeran. Não
temos quase nada em comum, exceto a paixão pelo futebol americano. E
sendo bem sincero, acho que se não fosse por esse detalhe, nunca teríamos
nos tornado amigos — mesmo que jogássemos no mesmo time.
— Isso é um bebê chorando? — Keeran debocha, conforme desce
os degraus pulando de dois em dois. — Porque se for, eu estou caindo fora.
Não gosto de criança.
Dou risada.
— Já pode preparar o berço no tamanho de dois metros, porque isso
aí é o Mason chorando.
As sobrancelhas grossas se erguem na altura do couro cabeludo.
— Por causa do Homem-Aranha?
Mason impulsiona o corpo para frente ao se desencostar da parede,
se intrometendo entre a gente. O movimento me dá uma visão curiosa da
sua bunda.
Bem desagradável, diga-se de passagem. Não acredito que ele
realmente achou uma boa ideia vestir essa fantasia. Dá pra ver até demais.
— Por causa da morte da Gwen Stacy.
Keeran assovia.
— Uh, dessa vez você pegou pesado. Até eu fiquei triste quando ela
morreu.
Mason sacode a cabeça em concordância e dá um tapinha no ombro
de Keeran em forma de agradecimento. Eu não digo nada, apenas reviro os
olhos. Tem vezes que as conversas com esses dois não fazem um pingo de
sentido.
E o que faz menos sentido ainda é a roupa que Keeran está usando.
A regata branca e fina deixa os músculos e as tatuagens à mostra,
especialmente aquelas que eu nem me lembrava da existência. A calça
baixa e larga estilo anos 2000 dá uma visão irritante do elástico da sua
cueca. E o pior de todos vem agora: os cabelos castanhos foram empurrados
para trás e escondidos por um boné de aba reta.
— Que merda de fantasia você está usando, Flanagan?
Keeran se prepara para responder, mas é outra voz que preenche o
ambiente:
— Você nunca ouviu falar do Magic Mike, Reed?
Abro a boca, mas meu queixo paralisa no meio do caminho quando
vejo Anne no topo das escadas, uma das mãos apoiadas no corrimão.
Puta.
Merda.
Puta merda ao quadrado.
Puta merda demais.
— Porra.
A voz sussurrada de Mason exemplifica perfeitamente o que está se
passando na minha cabeça.
Anne Scott está de matar.
O vestido idêntico ao da Jane Smith adere a todas as suas curvas,
evidenciando o tamanho dos seios e se abrindo em uma fenda que exibe as
coxas torneadas. O sapato de salto possui alguns bons generosos
centímetros de altura e, conforme ela desce os degraus, meio que em
câmera lenta, posso jurar que fui sugado para dentro da boca do tubarão.
— E então? — Anne pergunta, divertida, ao dar uma voltinha.
É difícil desviar o olhar da sua bunda. Eu daria de tudo para tê-la em
minhas mãos.
— Não vou reclamar se você quiser me assassinar hoje estilo Jane
Smith — Mason quem diz e abre um sorriso brincalhão.
Anne dá risada.
— Eu estava falando do Magic Mike, Henderson. — Revira os olhos
maquiados e move sua atenção para onde Keeran está. Ele não disse uma
palavra desde que Anne surgiu no meio da conversa. — Uma pena que
quase ninguém vai te reconhecer nessa fantasia.
Keeran dá uma piscadela e cruza os braços na altura do peitoral.
— A intenção é justamente essa, Scott. Ser reconhecido somente por
quem realmente importa.
As segundas intenções por trás de palavras dele não me passam
despercebidas e encaixo minha mão ao redor da cintura de Anne, puxando-
o para mais perto. Ela acompanha o meu movimento com uma facilidade de
quem já está acostumada a ser pega desse jeito.
— Vai amarrar seu bode em outra árvore, porra — resmungo em um
mau humor encenado.
— Você está muito territorial ultimamente, Rollins — Mason
comenta. — Qual vai ser o próximo passo? Colocar uma coleira no pescoço
da sua namorada de mentira?
— Pelo menos eu não deixei a minha namorada morrer.
Uma sequência infinita de assovios e xingamentos preenchem o
corredor e Mason me dá o dedo do meio, já cansado de ser sacaneado por
causa do lance envolvendo a Gwen.
— Vai se foder, caramba! Nem personagem fictício consegue ter paz
nessa vida?
Dou risada e Anne tenta disfarçar, mas o corpo vibra timidamente
em contato com o meu.
— Eu vou cair fora antes que sobre para mim. — Keeran levanta as
mãos em rendição e pega o celular e a carteira em cima do aparador. — E se
eu fosse você, faria o mesmo, Mason.
Meu amigo concorda e acompanha Keeran. No entanto, antes de
sumir pelo arco que dá acesso ao vestíbulo, ele gesticula para os próprios
olhos e depois para a gente. A expressão não é nada ameaçadora, por mais
que ele tente.
— Saiba que estou de olho em vocês — avisa. — E que essa
conversa vai ter vingança.
Anne estica o pescoço para trás, mirando-o com um sorriso. Os
lábios melados de gloss vermelho me levam para um cenário perigoso pra
cacete em que ela está, novamente, usando aquela lingerie enquanto chupa
o meu pau.
Vai ser uma tortura aguentar essa noite na sua presença.
Comer vidro e tomar dez litros de veneno talvez não seja uma ideia
tão ruim.
— Eu posso acabar com a sua vida hoje, Homem-Aranha — diz,
brincalhona. — Não se esqueça de que eu sou uma assassina de aluguel.
Mason nos mostra a língua e vai embora quando Keeran grita por
ele. Assim que a porta de entrada é fechada, a casa mergulha em um
silêncio esquisito. Ao mesmo tempo em que não quero olhar para Anne,
quero manter minhas mãos presas em seu corpo.
Quero fugir, mas não quero que ela fuja de mim.
Confuso? Com certeza.
Como se Anne compreendesse o rumo dos meus pensamentos
caóticos, as mãos deslizam por meus ombros e arrumam a gola da camisa
branca. Dispensei o uso da gravata, porque ia contra os princípios da
sobrevivência.
— Até que não ficou tão ruim — elogia falsamente, os olhos fixos
na minha boca. Curiosamente, os meus também estão fissurados na sua. —
Mas está faltando um pequeno detalhe.
Suspiro alto quando ela se afasta e caminha até o aparador, puxando
uma caixa pequena de dentro de uma dos compartimentos do armário.
— Se você me aparecer com uma gravata com o seu nome gravado,
juro por Deus que ninguém vai nessa merda de aniversário.
Anne dá uma risadinha ao se abaixar para pegar a caixa. O tecido do
vestido desliza para o lado, revelando uma faca de mentira escondida em
sua coxa. Ela entrou na personagem de um jeito que faz o meu pau cutucar
a costura da calça.
— Até que não é uma má ideia — diz, ao se aproximar com dois
objetos na mão que não consigo identificar. — Mas não foi dessa vez que
você tatuou Anne Scott na sua bundinha de jogador. Tenho uma coisa muito
melhor.
— E o que seria, Anne Scott-Smith?
Chamá-la pelo nome verdadeiro, sem ser o apelido que lhe dei,
causa uma sensação estranha não somente na boca do meu estômago, mas
também em Anne. Noto a maneira que seus ombros estremecem de leve e o
incisivo mergulha no lábio inferior, puxando-o para dentro timidamente.
No entanto, Anne se recupera tão rápido quanto foi atingida.
Ela aproveita o meu momento de distração e, em um movimento
fluído, pressiona o cano de uma arma de brinquedo em minha jugular. Os
olhos esverdeados faíscam em luxúria, tesão e provocação.
E eu tenho que admitir: é sedutor pra caralho vê-la assumindo o
controle.
Me dominando sem que eu me sinta acanhado.
Me desnudando sem tirar nenhuma peça de roupa.
Essas são as minhas partes favoritas de todo esse acordo sem pé e
nem cabeça que firmamos.
— Isso aqui. — As sílabas saem rasgando. — Eu não poderia deixar
que faltasse o item principal da nossa fantasia.
Arqueio a sobrancelha e deslizo o polegar por sua cintura, descendo
pela coxa nua. Paraliso ao sentir o cabo da faca.
— Você, finalmente, me matando?
Anne tomba a cabeça para o lado e o cabelo solto acompanha o
movimento. As alças do vestido são tão finas que não sei como os seios
ainda não saltaram pelo decote. Deve ser algum tipo de mágica que as
mulheres sabem fazer.
— Eu bem que gostaria. Mas hoje eu vou me contentar com as
nossas armas de brincadeira.
Dito isso, ela dá um passo para trás e esconde a arma na coxa,
juntamente da faca oculta. Assisto, hipnotizado, a cena. Agora eu entendo
porque o John Smith não pediu o divórcio definitivo quando viu a máscara
da sua esposa cair.
Jane Smith e Anne Scott se dariam muito bem.
Exceto pelo fato de que — talvez — Anne explodiria a cozinha
comigo dentro.
— E a faca? — Aponto para a fenda do seu vestido.
Anne sacode os ombros.
— Não garanto que ela seja de brincadeira.
— Isso é um convite para que eu levante o seu vestido e verifique
com as minhas próprias mãos?
Anne resmunga um palavrão que representa sua irritação e
arremessa, em minha direção, uma arma idêntica a que apontou para o meu
queixo minutos atrás. É leve como uma pluma e feito de um plástico frágil.
Tão inofensiva quanto um peixinho dentro de um aquário.
— É um alerta para você manter as mãos longe de mim ao longo
desta noite, Rollins.
Ergo somente uma sobrancelha sugestivamente.
— E depois da meia-noite?
Os dedos empurram o cabelo para trás das orelhas, dando uma visão
privilegiada das feições misteriosas.
— Você pode tentar a sorte e torcer para que a minha faca também
seja de brinquedo.
Dou um passo para frente, encurtando a distância entre nós. Anne
não recua, se mantém cheia de marra com o queixo projetado para cima.
Sua superioridade é engraçada, porque não me afeta em nada.
— Esse é um convite para levantar o seu vestido, joaninha? —
Sopro o hálito quente na boca dela. — Porque você não precisa pedir duas
vezes.
A risada doce ressoa, combinando-se com o respirar profundo que
movimenta os ombros para cima. O perfume de morango coça as minhas
narinas. É uma tortura, como todas as outras vezes.
A diferença é que, agora, as coisas estão diferentes entre nós.
— Pode ser um convite para algo maior, talvez — cantarola.
Franzo o cenho e coloco a arma de brinquedo dentro do cós da
minha calça social. Gostaria de ter uma faca também. Ou, quem sabe, um
arco e flecha. Bancar o arqueiro John Smith seria divertido.
— Annie — repreendo-a. — Não brinque comigo.
Os lábios dela se curvam em um sorriso sedutor e os pés recuam
para trás. Trocamos um olhar que comprime o meu coração.
— Estou com cara de quem está brincando com você?
— Você está com cara de quem está pedindo umas boas palmadas na
bunda.
Ela sacode os ombros e caminha em direção ao vestíbulo, rebolando
a bunda de propósito para mim. O vestido marca cada uma das suas curvas,
me deixando com vontade de puxá-la pela cintura e não sairmos dessa casa
até que nossas roupas não passem de um amontoado de tecido no chão do
meu quarto.
As íris encontram as minhas quando ela procura o meu olhar sobre o
ombro. Anne parece uma miragem. Tão linda e tão inalcançável.
— Talvez seja exatamente isso que eu esteja querendo, Reed.
E como de costume, não tenho a chance de responder, porque ela
vira as costas e volta a caminhar, o barulho dos seus saltos mascarando as
batidas altas do meu coração.
Porra.
 
 
 
 
 
“Você sabe o que eu estou pensando, vejo isso nos seus olhos.
Você odeia me querer”
Die For You | The Weeknd
 

 
Uma vez, me disseram que a família Howard era especialista em
realizar as melhores festas. Não importava se fosse uma comemoração
íntima entre amigos, o anúncio de um noivado na família ou um simples
evento para festejar alguma data especial.
Eles sempre souberam surpreender os seus convidados.
E Claire Howard sabe honrar as suas raízes, porque o que estou
vendo diante de mim é, provavelmente, uma alucinação vinda de outro
mundo.
Puta merda.
Ela não estava brincando quando disse que queria comemorar os
seus vinte e dois anos em grande estilo.
— Uau! — Anne assovia um elogio ao ver a fachada da irmandade
Sigma Nu decorada com luzes brilhantes e um tapete vermelho na entrada.
Tem até uma estatueta imitando o icônico Oscar. — Ela pegou pesado dessa
vez. Nem que eu trabalhasse a minha vida toda, conseguiria pagar uma festa
dessa.
Escondo uma das mãos dentro do bolso da calça, enquanto a outra
descansa confortavelmente na cintura de Anne.
— Não se preocupe com isso. Suas próximas festas de aniversário
serão bancadas por mim. Serei a estrela da NFL em breve. Ou seja, dinheiro
não vai ser um problema no nosso relacionamento.
Recebo um beliscão de leve no meu bíceps.
— Não quero festa nenhuma, Reed. Ainda mais se for bancada por
você.
Reviro os olhos e indico com o queixo a entrada ornamentada da
irmandade. Anne entende o meu sinal e começamos a caminhar pela
calçada, até alcançarmos o tapete vermelho. Ao lado da estatueta do Oscar,
há um segurança de terno e gravata. Ele pede por nossos nomes, checa a
lista e libera nossa entrada.
— Quando você faz aniversário, a propósito? — pergunto, ao
atravessarmos as portas duplas.
Anne demora para responder. A atenção dela passeia pelo espaço,
parando por mais tempo no imenso lustre pendurado no teto e terminando
na parede de espelhos. Observamos, juntos, o nosso reflexo de corpo
inteiro.
Mesmo com os sapatos, ainda há uma diferença de altura entre nós.
No entanto, a maneira segura que Anne se equilibra em cima dos saltos e
exibe esse vestido preto a deixam tão alta quanto eu. Ela tem um
magnetismo que prende feito uma cola resistente.
— Se eu falar, você vai fazer uma festa?
— Se eu fizer, você vai me odiar ainda mais?
Anne mordisca o cantinho do lábio inferior e gira o pescoço, me
encarando agora cara a cara.
— Não acho que seja possível te odiar ainda mais, Reed —
murmura, séria, mas noto um traço oculto de diversão na voz. — Mas, se
você fizer uma festa, pode ter certeza que vou tacar água sanitária em suas
roupas favoritas.
Rio e entrelaço nossas mãos. Meu polegar brinca com o interior do
seu pulso em uma carícia que meus dedos já fazem de forma inconsciente.
— Sempre dando um jeito de me ver pelado. Você precisa ser mais
sutil, Annie. Ou, se quiser, pode pedir com todas as letras. Tirar a roupa
para você não vai ser um problema.
— Você é um chato, sabia?
— Só quando estou com você.
— Essa é sua maneira de dizer que também me odeia, por acaso?
Nego.
— Essa é a minha maneira de dizer que gosto de ter você na minha
vida.
A confissão atinge a nós dois igual a um trem desgovernado. Não
sei qual direção vamos tomar, se vamos avançar alguns passos nessa
estranha relação ou regredir para um terreno que nos era seguro há semanas.
Lidar com Anne é como pisar em ovos.
Fixo minhas íris nas suas e vejo o pavor cintilar ali. Brilha tanto
quanto um letreiro de beira de estrada. Anne pede socorro em dez idiomas
diferentes.
— Esquece o que eu disse. — Faço um movimento com a mão,
querendo empurrar o constrangimento para longe. — Claire já deve estar
preocupada com o nosso atraso.
Faço menção de caminhar com Anne ao meu encalço em direção às
portas que levam para a festa, mas sou impedido pelo aperto dos dedos ao
redor dos meus. Olho para baixo e depois para o seu rosto.
Anne parece meio envergonhada. Acanhada, até.
— Eu também gosto de ter você na minha vida, Reed. — Encolhe os
ombros. — Mesmo que você seja um pé no saco na maior parte do tempo.
Abro um sorriso tão grande que até minhas gengivas devem estar
visíveis.
— E pode esconder esse sorrisinho convencido aí. — Aponta para a
minha boca, o dedo em riste. — Porque eu jamais vou admitir isso de novo.
Foi coisa do calor do momento.
— É claro, Annie. — Aperto os lábios e obrigo meus pés a se
manterem fixos no piso. Eu poderia sair pulando por aí igual a um canguru
de desenho animado. — Vou fingir que foi alucinação minha.
— Muito obrigada.. — Agradece ironicamente e engancha o braço
ao redor do meu. — E respondendo a sua pergunta... Eu faço aniversário dia
20 de maio.
Faço um biquinho e aproximo minha boca da sua orelha,
sussurrando:
— Sabe o que isso significa? — Anne balança a cabeça e aproveito
para afundar o nariz na curva do seu pescoço. — Que terei que fingir ser o
seu namorado até lá para poder bancar uma festa de arromba.
Ela pragueja um palavrão que é abafado pelo som da festa, mas sei
que está sorrindo.
Porque eu também estou.
Sorrindo pra caralho.

A festa está lotada de pessoas.


Uma lei da Física aí diz que dois corpos não podem ocupar o mesmo
espaço, mas não sei se concordo. É difícil pra cacete atravessar o mar de
universitários que conversam e bebem animados na sala de estar da
irmandade e seguir para a cozinha.
Maple Hills inteira deve estar aqui dentro.
Uma música desconhecida retumba nas caixas de som e o DJ diz
algo que não consigo entender. As pessoas na pista de dança gritam em
resposta e meus ouvidos pinicam. É demais para aguentar estando sóbrio.
Entretanto, antes de sair de casa, eu fiz a promessa que não
colocaria uma gota de álcool na boca, porque, 1) estou dirigindo e 2) ano
passado eu fiquei tão bêbado que não me lembro nem da metade da festa.
Desta vez, quero ter alguma memória que valha a pena.
Afinal, estou fantasiado de John Smith. Seria um crime não honrar
um dos melhores filmes já feitos — na minha humilde opinião.
— Hey, Rollins!
Alguém grita o meu nome sobre a multidão e me viro para trás,
procurando pelo dono da voz. Não demora muito para eu ver o rosto de
Bradley. Ele está irreconhecível vestido de Sherlock Holmes. O cachimbo
equilibrado entre os dentes me arranca uma gargalhada.
— Sem gracinhas para cima de mim, porque você está vestido igual
a um empresário que transa escondido com a secretária no armário do
zelador — reclama ao se aproximar e me cumprimentar com um tapa nas
costas. — Qual é a da fantasia?
Tiro a arma de brinquedo de dentro do cós da calça e a giro entre os
dedos, fazendo uma pose. As sobrancelhas loiras de Bradley se escondem
embaixo da boina xadrez, sem entender porra nenhuma.
— James Bond?
— Não, porra. John Smith.
Bradley revira os olhos e bebe um gole da cerveja.
— E cadê a Jane? — Estica o pescoço, procurando por Anne.
— Está na pista de dança com a Claire — digo e começo a preparar
o drinque de Anne. Ela pediu por algo sem álcool, então acho que nenhum
de nós está no clima de encher a cara esta noite. — Provavelmente
rebolando aquela bunda gostosa para todo mundo ver.
Meu amigo dá uma curta risada e apoia o quadril no balcão da pia.
Noto, então, que ele está usando um casaco grosso que chega quase na
altura dos seus joelhos. Há também uma lupa escondida dentro de um dos
bolsos. Ele levou a sério esse negócio de Sherlock, pelo visto.
— Você não vê problema nisso?
Arqueio a sobrancelha ao pegar por gelos dentro do balde.
— Sou o namorado, não o dono dela.
— Ah, sei lá. — Dá de ombros. — Tem caras que são ciumentos
com esse tipo de coisa. Tipo o Chad.
Ao ouvir o nome de Chad, um alerta pisca na minha cabeça. Sei que
o envolvimento dele com Anne foi curto, um lance de uma noite, mas não
consigo deixar de ficar desconfiado. Chad é famoso por encher a boca para
falar merda sem medir as consequências.
— O que isso tem a ver com a Anne?
— Nada. Mas eles se envolveram uma vez, não?
— Sim, mas foi só uma transa — explico e afundo o canudinho no
copo. Adiciono também um enfeite no formato de uma claquete de cinema
com o nome de um filme dos anos 90 que Anne não deve conhecer. — Não
acho que eles tenham levado a coisa para frente.
— Só fica de olho. — Dá um apertão no meu ombro. — Ele andou
falando uma merdas pro JP aquele dia após o jogo em Barryton. Então, se
ele disser algo contra a Anne, vou arrebentar a cara dele. Gosto dela.
Viro o rosto, encarando Bradley.
— Agora você também decidiu que gosta da minha namorada? Que
merda é essa?! Um complô contra mim?
Ele dá risada e bebe mais um gole da cerveja.
— Essas são as consequências de namorar uma garota legal, Rollins
— diz e dá um passo para trás, indicando que está prestes a sair daqui e
voltar para a festa. — Cuide dela, viu? Você é meio irritante, mas merece
alguém como ela.
— Pode deixar — garanto.
Bradley faz um joinha e sai da cozinha, cantarolando a música que
ecoa pelo ambiente. Após terminar o drinque de Anne, solto um suspiro e
crio coragem para enfrentar o mar de pessoas que me espera.
Mantenho a mão em cima do copo enquanto empurro gentilmente as
pessoas para o lado. A última coisa que preciso que aconteça essa noite é
que um desgraçado coloque alguma merda na bebida de Anne. Nunca vi
acontecer isso com nenhuma garota que conheço, mas os riscos estão
sempre aí.
Quer a gente queira ou não.
E como se um imã me puxasse, queimando a pele feito brasa, meu
olhar encontra Anne Scott na pista de dança.
Perco o ar imediatamente.
Nesse único segundo, o mundo ao meu redor desaparece, restando
apenas nós dois e a batida da música. E numa sensação alucinante de déjà
vu, eu reconheço a letra. É Gimme More, da Britney Spears.
A mesma música que tocou na noite em que fingi ser o namorado de
Anne para que Drake saísse do seu pé.
É, a vida é mesmo engraçada.
Passo a língua pelos dentes e assisto Anne dançar, imersa nas
próprias sensações. O vestido acompanha o ritmo dos seus movimentos,
agindo quase como uma extensão do seu corpo. As mãos afundam no
cabelo loiro e ela rebola o quadril, as pálpebras se mantendo fechadas.
Anne sente a música de um jeito tão intenso que me pego engolindo
em seco, desejando que, desta vez, ela me convide para dançar com ela.
Como se meus pensamentos tivessem sido gritados em um
megafone, ela abre os olhos e me encontra do outro lado da pista, parado
próximo a uma pilastra decorada com luzes coloridas. As mãos continuam a
passar por seu corpo, mas há um tipo diferente de calor em suas íris.
Não sei se é possível um coração gaguejar, porém essa é a única
definição que consigo encontrar ao ver Anne dizer algo no ouvido de Claire
e caminhar na minha direção.
Acompanho cada um dos seus passos e me pego prendendo a
respiração quando Anne para diante de mim, os seios subindo e descendo
de acordo com a sua respiração acelerada. Ela nunca esteve tão linda.
— Você trouxe a minha bebida? — pergunta em um tom mais alto
por causa da música, mas sem gritar.
Olho para o copo em minhas mãos e depois para ela. Acho que
esqueci como montar uma frase sem parecer um adolescente sendo notado
pela garota mais bonita da escola.
Porra, Reed.
— Acho que sim.
Anne dá uma risadinha e estica o braço, entrelaçando as nossas
mãos. A palma suada e gelada causa um contraste curioso com a minha,
porque estou mais quente que a droga da fogueira da festa dos calouros.
— Você vai ficar só me olhando dançar ou vai, finalmente, se juntar
a mim? — Fica na pontinha dos pés e resvala a boca na minha orelha. —
Estou esperando você aceitar o meu convite desde aquela festa, Reed.
Uso a mão livre para acariciar a curva da sua cintura. Como o
vestido tem uma abertura nas costas, meus dedos tocam a pele dela,
dedilhando. Nós dois ofegamos com o mínimo contato.
— E a sua bebida?
Anne tira o copo de plástico das minhas mãos e entrega para um
garoto desconhecido que está passando ao nosso lado. Ele nem reage, sendo
pego de surpresa.
— Que se dane a bebida, caramba. — Me puxa. — Só dança
comigo logo. Você sabe dançar, certo?
Sorrio.
— Ainda duvidando da minha capacidade de fazer algo
maravilhosamente bem além de jogar futebol americano, joaninha?
Nos misturamos entre as pessoas, nos tornando parte de uma massa
de universitários suados e bêbados.
— Nunca vou cansar de duvidar de você — murmura.
A melodia muda e a minha namorada falsa brilha mais que a porra
do sol ao identificar a música. O DJ não está de brincadeira. Ele gosta de
Britney Spears pelo visto, porque agora é If U Seek Amy que ecoa pelas
caixas de som.
Não dou tempo para Anne fazer outro comentário engraçadinho.
Puxo-a pela cintura e encaixo minhas pernas entre as suas. O corpo pequeno
se funde com perfeição ao redor do meu, mesmo que eu tenha o dobro do
seu tamanho.
Deslizo uma das mãos para a nuca dela, fechando os dedos ao redor
dos cabelos loiros e inclinando levemente o pescoço para trás, obrigando
que os olhos não desviem do meu em nenhum momento sequer. Quando
começamos a nos mover de acordo com a música, tenho certeza de que
estamos chamando a atenção.
Não sou o tipo de cara que dança com garotas. Para ser sincero, eu
não consigo nem me lembrar da última vez que estive na pista de dança
com alguém. Mas abrir uma exceção para a minha namorada não faz mal,
certo? Claro que não, porra.
Nossas pélvis roçam uma contra a outra e meu pau pinica no zíper
da calça social. Com uma rápida olhada para baixo, noto que os bicos dos
seios de Anne estão intumescidos. Eles pressionam o tecido do vestido e
roçam no meu peitoral em uma carícia de apertar as bolas.
— Agora quero que me diga a verdade. — Resvalo os lábios no
queixo de Anne, seguindo em direção ao ouvido. — Você ainda acha que
não me juntei a você daquela vez porque não sabia dançar?
Anne resfolega e gira o corpo, ficando de costas para mim. Ela
rebola a bunda contra o meu pau e desce lentamente, se equilibrando sobre
os saltos. A cena faz meu cérebro formigar ao imaginá-la de joelhos entre
as minhas pernas em um quarto fechado.
Essa dança está sendo um atentado a minha existência.
Vou terminar a noite dentro de uma ambulância e a culpa vai ser
unicamente dela.
— O que eu acho não tem mais tanta importância agora, huh?
Ela flexiona os joelhos para cima e inclina levemente as costas para
trás. Meus lábios deslizam por seu pescoço. Passo carinhosamente a língua
por ali, arrancando um gemido.
— A sua opinião sempre vai ser importante para mim, Annie. —
Acompanho o rebolar do quadril, a batida da música muito mais agitada que
os nossos movimentos. — Joga a real. Não vou ficar chateado.
Anne disfarça uma risada e gira sobre os saltos, voltando a ficar de
frente para mim. Trocamos um olhar que começa nas íris e termina em
nossas bocas. Ela entreabre os lábios livres daquele gloss melado e me pego
passando a língua pelos dentes.
Minhas terminações imploram para beijá-la.
— Até que não foi tão ruim. — Balança a cabeça de um jeito
engraçadinho e pousa as mãos em meus ombros, seguindo o ritmo da
música que já está no final. — Mas ainda tem bastante coisa para melhorar.
Posso te dar umas aulas, se quiser.
Ergo a sobrancelha.
— Eu vou ter que pagar?
— Depende. — Seu tom dá uma indicação de que estamos
flertando. — Quanto de dinheiro você está disposto a me dar?
Inclino a cabeça para o lado e enlaço sua cintura, diminuindo de
uma vez por todas a distância entre nós. Gosto de sentir cada parte de Anne
pressionando a minha, como se não houvesse nenhum outro lugar para ela
estar além dos meus braços.
E que se dane que tudo isso não passa de uma mentira.
O que estou sentindo não é.
Deixou de ser há muito mais tempo do que eu gostaria de admitir.
— Te dou a porra de todo o meu dinheiro se isso significar que vou
dançar igual ao Tyler Gage em Ela Dança, Eu Danço.
A gargalhada de Anne me faz rir também.
— Vamos manter os pés no chão, zangão.
— Na verdade, estou ansioso por outra coisa.
Ela arqueia a fina sobrancelha. Britney foi substituída por uma
música mais lenta. Ainda há uma batida que permite as pessoas dançarem,
mas não é nada que arranque o seu pulmão na base de chutes.
— Estou com medo de perguntar sobre o que você está falando.
Reviro os olhos e acaricio o rosto de Anne com o nó dos dedos.
Contemplo os detalhes das suas feições com uma devoção difícil de
disfarçar. Sei que o que estou prestes a dizer vai me render um bom beliscão
nas costelas e, talvez, aquele sorriso que exibe a irritação que ela sente em
relação a mim.
— Eu finalmente vou poder dizer que estou namorando uma
professora gostosa.
A reação que recebo é exatamente a que eu já esperava.
 
 
“Nós temos esse amor, do tipo maluco.
Eu sou dele e ele é meu.
No final, somos ele e eu.”
Him & I | G-Eazy feat. Halsey
 

 
Claire está deslumbrante em seu vestido idêntico ao de Tiana, do
filme A Princesa e o Sapo. Os diferentes tons de verde combinam com a
sua pele negra-escura, evidenciando a tonalidade dos olhos. Desta vez, as
inseparáveis perucas foram dispensadas, revelando o seu cabelo cortado
bem curtinho.
Os detalhes da sua fantasia são tão perfeitos que ela poderia
facilmente se passar por uma princesa perdida de um reino distante.
Dave também não fica para trás. E é claro que ele viria de Príncipe
Naveen, o par de Tiana. Os dreads foram presos em um coque no topo da
cabeça e, não sei como, mas ele está usando o mesmo casaco verde escuro
com a capa verde clara que Naveen usa no filme.
Mas se tem uma coisa que aprendi sendo amiga de Claire, é que não
dá para duvidar de suas capacidades. Quando o assunto envolve roupas e
moda, ela atravessaria um oceano inteiro só para encontrar a peça perfeita.
E se tratando de uma fantasia para o seu namorado, ela pegaria até
mesmo um foguete para Júpiter, se pudesse.
— O que você acha que eles estão aprontando? — Mason pergunta
do meu lado, segurando um copo com refrigerante em uma das mãos, e na
outra, um cupcake com um sapo desenhado no topo. O sapo é Naveen, no
caso. — Dave comentou alguma coisa sobre uma surpresa para a Claire.
— É isso mesmo. — Reed concorda ao meu lado. — Uma surpresa
para Claire em comemoração ao seu aniversário.
— Você sabe o que é? — questiono.
Reed me lança um olhar que dura mais tempo do que deveria.
Depois que dançamos na pista de dança — e descobri que ele não
tinha dois pés esquerdos —, um frio desagradável tem feito morada na
minha barriga. Cada vez que seus dedos me tocam e sua atenção repousa
em mim, o calor sobe pela garganta, se tornando difícil de respirar.
Não é nada legal. Mas não sei como refrear essa sensação e chutá-la
para a puta que pariu.
— Não faço ideia. Ele não quis me contar.
Reed leva o copo de bebida aos lábios, dando um rápido gole e me
entregando. É um drinque sem álcool, como todos os outros que ele tem
preparado para mim ao longo da noite. É fofo da parte dele, considerando
que tenho que trabalhar amanhã na lanchonete. 
Voltar para casa bêbada não é uma opção.
— Vai ser uma surpresa para todos nós, então.
Mason resmunga em afirmação e as luzes coloridas do teto são
desligadas, deixando somente uma central, onde Claire e Dave estão, e
outra nas laterais da grande sala da irmandade. Mesmo que o espaço seja
maior que a casa de minha mãe em Sunbay, ainda há a chata sensação de
ombros roçando um no outro.
Claire convidou gente demais. Eu nem sabia que ela conhecia tantos
estudantes da USVL assim. Contudo, isso não é nenhuma surpresa. Ela tem
um carisma que encanta. É impossível você conversar com ela e não querer
ser amiga dela para sempre.
Reed solta um assovio animado quando um dos garotos do time
entrega um microfone para Dave. Mesmo de longe, noto que ele está
nervoso. A luz que ilumina sua pele negra-retinta revela as pequenas linhas
de preocupação.
Meu Deus. Será que ele vai...
— Reed. — Afundo as unhas no seu bíceps. É como uma melancia,
de tão grande e duro. — O Dave vai pedir a Claire em casamento?
— O quê?
Olho apavorada para Dave e depois para Reed.
— Casamento. Ele não vai pedir ela em casamento, vai?
— Eu acho que não. Se ele fosse pedir, teria me falado. E eles
combinaram de ir em frente com esse lance de casamento depois da
formatura. Diploma antes da aliança. Uma coisa assim.
Suspiro aliviada. Reed dá risada da minha reação e aproxima os
lábios da minha orelha. O hálito, uma mistura entre amora e limão, faz o
céu da boca coçar. 
— Você vai surtar assim também quando eu te pedir em casamento?
— Primeiro, que para você me pedir em casamento, eu teria que
estar muito fora de mim. Bêbada e em Las Vegas. — Faço um movimento
com a mão. — E como eu não tenho dinheiro para ir para Las Vegas, suas
chances caem para zero. E segundo, nós nunca vamos nos casar, Reed. A
nossa mentira não vai chegar a esse ponto.
— Gosto de pensar em possibilidades.
Faço uma careta.
— Você gosta de viver em um mundo paralelo, isso sim.
Reed ri pelo nariz e Dave dá dois toquinhos no microfone, testando
o som. O silêncio recai entre os inúmeros convidados. A curiosidade sobre
o que está prestes a acontecer me deixa com vontade de gritar.
Dou uma rápida olhadinha em Claire. O sorriso que estica seus
lábios delineados de batom vermelho é de uma garota apaixonada. Nada
apavorada. Aposto que se Dave se ajoelhasse e a pedisse em casamento, ela
nem iria reclamar deles estarem indo contra os próprios planos.
O amor faz coisas estranhas com as pessoas.
Ao mesmo tempo em que acho bonito, acho também pavoroso.
Tenho vontade de vomitar em meus sapatos ao pensar na mera possibilidade
disso acontecer comigo.
— Bom, acho que não é novidade para ninguém que hoje é
aniversário de Claire Howard, a garota mais bonita do campus da USVL de
acordo com a Revista Morris. — Todo mundo ri de sua fala. — Desde que
nos conhecemos, há um ano e meio, eu sabia que o aniversário de 22 anos
seria inesquecível para nós dois, porque seria o primeiro que passaríamos
como um casal de verdade. Então, fiquei um bom tempo planejando o
presente perfeito. E acreditem, é muito difícil surpreender uma mulher que
já tem o mundo aos seus pés.
Claire revira os olhos e Dave coça a nuca, envergonhado.
— Pensei em várias possibilidades e Mason até sugeriu que eu
mandasse esculpir uma estátua de Claire no estilo que os romanos faziam.
Foi a maior bobagem que já ouvi. Foi mal, Henderson.
— É um ato de romantismo, Morris! — Mason exclama ao meu
lado e as pessoas o acompanham em uma sessão de assovios.
O quarterback encolhe os ombros de um jeito fofo e retorna a
atenção para Claire, levando o microfone aos lábios. Não sei se ele está
improvisando ou se realmente preparou esse discurso.
— Depois de pensar a ponto de quase derreter o meu cérebro, eu
comprei vários presentes; de todos os tipos que alguém pode imaginar.
Cada um deles devem ser abertos em um momento especial durante os
próximos 365 dias que antecedem ao seu próximo aniversário — diz, os
olhos fixos nos de Claire. — Mas você sabe que a gente não costuma falar
sobre os nossos sentimentos em voz alta. Somos mais de atitudes. Hoje, no
entanto, eu decidi arriscar.
Claire balança a cabeça de um lado para o outro, tentando afastar a
vontade de chorar. Até eu estou sentindo um nó se formar na minha
garganta e o fundo dos olhos pinicar.
Porra, hein, Dave.
— Uma vez você me fez assistir um filme chamado “Set It Up[13]”.
Eu não sou chegado a romances, mas assisti mesmo assim. Em uma cena, a
amiga da protagonista discursa para o noivo e diz algo sobre: você gosta
porquê e ama apesar de. Quando essa cena chegou, você quase me fez colar
o nariz na televisão.
Claire esboça um sorriso trêmulo.
— Naquela época, eu não tinha entendido direito o que significava o
porquê desse filme ser tão importante para você. Agora, eu compreendo que
esse foi o seu jeito de dizer para mim, através de uma cena, que me amava.
— Dave entrelaça os dedos ao redor dos da namorada, enquanto a outra
mão afaga o seu rosto, enxugando as lágrimas. — Claire, respeitando o fato
de que você ama esse filme tanto quanto ama sapatos e roupas coloridas, eu
não poderia deixar de dizer agora, com todas as letras: eu gosto de você
porque você é uma das mulheres mais encantadoras que já conheci, com um
sorriso que ilumina meus dias e um coração que transborda de amor. E te
amo apesar de seu talento na cozinha ser um crime contra a humanidade,
cantar mal pra cacete no chuveiro e ser um furacão colorido contra a minha
monotonia.
Minha amiga não diz nada. Com o seu tom afobado de sempre, os
braços se entrelaçam ao redor do pescoço de Dave e o puxa para um beijo
apaixonado. Os convidados se animam com a declaração cheia de
sentimentos e uma sequência escandalosa de gritos, assovios e palmas
ecoam em meus ouvidos.
Reed leva os dedos à boca, se juntando a comemoração.
— É isso, pessoal! — Dave diz contra o microfone quando
consegue se afastar da boca de Claire, agora manchada de batom vermelho.
— Bora curtir a festa!
Solto um gritinho de surpresa quando Reed me gira no ar e Mason
bagunça meus cabelos.
— Pronta, Annie?
Cruzo os braços na altura do peito. O copo de bebida já desapareceu
e eu nem sei como isso aconteceu. Viro o pescoço para trás e vejo Mason
virando o restante do líquido em um único gole.
Okay.
— Para o quê, especificamente?
Reed abre um sorriso de covinhas.
— Você já vai descobrir.

Mais uma vez, estou sentada no banco do passageiro do Jeep de


Reed e, dessa vez, mal posso sentir as minhas pernas. Meus pés já deixaram
de existir há horas. São feitos agora de uma gelatina derretida em um dia de
calor em Sunbay.
E essa sensação é inteiramente culpa de Reed.
Nós dançamos pelo menos umas oito músicas juntos desde a
declaração inesperada de Dave. Bebi sabe lá quantos drinques sem álcool,
me enchi de cupcakes coloridos e fiz xixi atrás de uma árvore nos fundos da
irmandade porque o banheiro estava lotado.
Não sei como vou trabalhar nessas condições amanhã.
E ainda tem essa maldita sensação de frio na minha barriga que não
passa desde que Reed entrou no meu quarto, horas atrás, reclamando que
iria ficar idêntico a um CEO de camisa e calça social.
A verdade é bem outra: ele está um gostoso vestido de John Smith.
Eu não iria reclamar se ele usasse essa roupa pelo menos uma vez
durante a semana. Minha imaginação — e minha boceta — iriam ficar mais
do que agradecidas.
Reed tira a chave da ignição e desliga o rádio, me puxando de volta
para a realidade. Estamos na garagem, com as luzes da traseira do carro
iluminando parcialmente o espaço. É difícil ver o seu rosto com clareza,
mas sei que os olhos estão em mim.
O olhar de Reed é do tipo que se alastra pela pele, arranhando e
deixando um rastro de arrepios. É impossível de não sentir. Por isso sei que
eles não saíram de cima de mim ao longo de toda noite. Mesmo quando eu
estava distraída conversando com alguém, eu o sentia.
Por inteiro.
Não somente o seu olhar, mas Reed Rollins por completo.
Um nó desconfortável se forma ao redor da minha garganta e forço
minha saliva a descer. De repente, minha boca fica seca de um jeito nada
legal.
— Anne...
Reed se mexe no assento do motorista, soltando o cinto de
segurança e ficando de frente para mim.
Quando ele me chama de Anne, posso sentir que tudo dentro de
mim desmorona. É uma tortura me manter afastada e longe do magnetismo
que sua presença exerce sobre mim. Massageio as têmporas em uma
tentativa de me manter focada.
No entanto, me pego girando o pescoço e focando a atenção uns
centímetros abaixo da sua face. Os primeiros botões da camisa branca
foram abertos, revelando a pele bronzeada do verão que estou doida para
lamber. 
Eu não deveria estar olhando.
O problema é que eu sei muito bem o que tem por debaixo desse
tecido. Eu tentei apagar da minha memória, mas é um desafio esquecer o
que Reed Rollins esconde debaixo da merda dessa roupa.
— Reed... — sussurro de volta, soando algo entre afogada e rouca.
Ele grunhe e estica o braço, soltando o meu cinto de segurança com
uma facilidade invejável. O próximo movimento é tão rápido quanto sua
agilidade dentro do campo de futebol. As mãos se prendem em minha
cintura e me puxam, indicando o lugar que devo ir.
Seu colo.
Ele quer que eu sente no colo dele.
Puta merda.
Abro a boca para reclamar, mas, novamente, os seus olhos sugam os
meus. As pupilas dilatadas cobrem o castanho e gritam aquilo que nenhum
de nós quer dizer em voz alta. Não tão cedo, pelo menos.
— Não pense demais, Scott.
Afundo as unhas na palma e me sento sobre o colo dele. O volante
pressiona as minhas costas e, ao notar o meu desconforto com a posição,
Reed empurra o banco para trás, dando mais espaço para mim. Meus
joelhos pressionam o couro do assento e minha boceta descansa sobre o seu
pau, a bunda acomodada com perfeição em suas coxas.
A única coisa que nos separa é o tecido da minha calcinha e da sua
calça social.
Reed respira fundo e, de forma cautelosa, pousa as palmas geladas
em minhas coxas. A faca continua no mesmo lugar de antes, escondida
debaixo do vestido. Os dedos passeiam pela região, brincando com a minha
paciência.
Sobem e descem.
Avançam e recuam.
— Já passou da meia-noite. Sabe o que significa? — Reed questiona
com um meio-sorriso. O polegar para na metade da minha coxa,
encontrando o cabo da faca. — Você já pode me contar se esse tempo todo
esteve carregando uma faca de verdade ou apenas brincando de assassina de
aluguel comigo.
Esboço um sorriso.
— Por que você mesmo não checa?
O som de um ranger de dentes ecoa pelo silêncio do carro.
— Sem riscos de morte?
— Sem riscos de morte.
Reed assente e uma das mãos sobe por minha coxa, dedilhando a
pele nua em uma carícia. Preciso reunir a maior quantia de autocontrole
armazenado dentro de mim para não rebolar o quadril.
A pinicação me consome por inteira.
O tecido do vestido se acumula ao redor da minha barriga e a faca é
revelada por completo. Reed abre um pequeno sorriso e aproxima o polegar
da ponta afiada. Quando a pele afunda, mas sem nenhuma gota de sangue se
acumulando na ponta do dedo, o ar muda.
Meu pulmão se comprime contra a caixa torácica. Não duvido que,
se ele pudesse, quebraria as minhas costelas ao meio.
— Eu deveria estar surpreso, Annie? — pergunta ao fechar os dedos
ao redor do cabo.
Dou de ombros e apoio uma das mãos em seu peitoral. Consigo
sentir o coração acelerado bater contra a minha palma.
Ele solta uma longa lufada de ar e minhas vistas se fixam no seu
semblante. As luzes traseiras do Jeep se apagaram, dificultando a minha
visão. Entretanto, mesmo com a escuridão, consigo notar o sorriso
inconfundível.
É aquele maldito sorriso que Reed dificilmente revela para mim,
mas que faz a minha calcinha pinicar.
— Você estava com planos assassinos e não me contou? — indaga,
brincalhão.
Reviro os olhos em diversão, mesmo que haja uma possibilidade
dele não conseguir ver.
— Ela não machuca — explico. — Não de verdade, pelo menos.
Reed puxa a faca da minha coxa com um único movimento e a joga
por trás do ombro. O objeto atinge o banco traseiro. Fico sem ar, pega de
surpresa.
— Não estou a fim de testar se você está falando a verdade ou não.
Arqueio a sobrancelha.
— E o que você está a fim de fazer, Reed?
O silêncio se prolonga entre nós dois por intermináveis minutos.
Não vacilo, nem mesmo quando sua outra mão, a que não está pousada em
minha coxa, sobe por minha coluna, parando na altura do pescoço.
Os dedos se enrolam ali e refrear os pensamentos que surgem na
minha cabeça já é uma tentativa falha. Eu deixo que eles venham. Deixo
que eles me desnudem. Que me inflamem e me queimem feito gasolina.
Minha língua brinca com os lábios, umedecendo-os.
— Não sei se você está preparada para ouvir, Anne.
Anne.
Anne.
Anne.
Socorro.
Eu vou desfalecer daqui a pouco.
— Não custa nada arriscar.
Reed permanece estático, as costas pressionando o encosto do banco
e as mãos repousadas em mim. O peitoral sobe e desce de acordo com a
respiração. Começo a suspeitar de que ele está criando coragem para falar, o
que me deixa ainda mais nervosa.
Remexo sutilmente o quadril e os dedos compridos afundam na
minha coxa com força. Refreio um gemido ao sentir o seu pau endurecer
debaixo de mim.
— Se você se mexer, vai ser pior — murmura, rouco. — Porque aí
eu não vou só falar. Vou ter que fazer também.
Ofego.
Se eu pudesse sair correndo de dentro desse carro, certamente já
teria feito.
Em outras condições, eu estaria trancada dentro do meu quarto
reprimindo a dança alucinante que se agita dentro da minha barriga.
No entanto, ainda estou aqui e não saber o significado disso me
apavora.
— Ainda estou esperando você dizer, Reed — peço e me surpreendo
ao notar a maneira que minhas palavras soam. — Prometo que, dessa vez,
não vou te odiar por ouvi-las.
Ele fecha as pálpebras e geme baixinho, o som atingindo o meio das
minhas pernas. Quando Reed as abre novamente, eu sei que estou ferrada.
Fodidamente fodida.
— Eu quero te beijar, Anne — confessa, encarando a minha boca.
— Quero tanto que não consigo pensar em outra coisa que não seja te beijar
agora mesmo.
Minha primeira reação é inclinar o corpo para frente.
A segunda é afundar uma das mãos em seus cabelos macios.
E a terceira reação é exclusivamente de Reed.
Ele puxa meu rosto para perto do seu, com pouquíssimos
centímetros separando as nossas bocas. O hálito quente é como
formiguinhas coçando os lábios e meus incisivos afundam neles como uma
tentativa de afugentar a sensação.
Reed arqueja diante da visão.
Eu arquejo junto, não conseguindo controlar nenhuma parte do meu
corpo.
Em câmera lenta, a boca dele passeia por meu pescoço, a língua
deixando um rastro de desejo para trás. Ao chegar no queixo, eu afundo as
unhas em seu ombro, enquanto a outra puxa alguns fios do seu cabelo. O
corpo imenso embaixo de mim vibra em satisfação.
— Eu tenho pensado em te beijar desde que nos conhecemos —
murmura de forma abafada. — Tenho pensado em como seria desde que te
vi naquela festa, usando a droga daquele vestido azul. — Ele empurra o
meu pescoço para trás e desce os lábios por meu pescoço novamente,
sugando. — Tenho pensado se você me deixaria te prender contra a parede,
se iria gemer em meus braços ou se, no final de tudo, iria dizer que ainda
me odeia mais que tudo nesse mundo.
Minhas cordas vocais não conseguem formular nenhum tipo de
resposta.
Eu somente fecho os olhos e empurro o quadril para frente. A calça
que Reed está usando é a pior barreira entre nós.
— E fingir que você não mexe comigo me tira do sério tanto quanto
ver você dizendo que não sente nada, cacete.
Puxo uma grande quantia de ar e pressiono os seios no peitoral
musculoso. Os bicos entumescidos gritam o desejo que se alastra por cada
parte adormecida de minhas células. A umidade que começa a se formar na
minha calcinha também é um indicativo de que estamos seguindo por um
caminho perigoso.
Desta vez, sou eu que arrasto a minha boca por seu maxilar. Os
pontinhos da barba recém-aparada ardem em contato com os meus lábios
sensíveis. Reed suspira alto, lutando para manter o controle da situação.
Estamos brincando um com o outro, vendo até onde conseguimos
aguentar.
Roço lentamente minha boca na sua, sentindo a maciez. Minhas
pálpebras tremulam e nós dois ofegamos ao mesmo tempo. É como ser
sugada para um buraco escuro em que tudo o que consigo ouvir é o meu
coração batendo com força nos ouvidos.
Tum. Tum. Tum.
Encosto nossos narizes e sopro o ar quente, o sorriso surgindo.
— Eu não vou ceder, Reed.
As mãos de Reed se fecham em conjunto: a primeira, em meu
pescoço; a segunda em minha coxa nua, me reivindicando. Não tenho para
onde correr. Estou à sua mercê, mas — ao mesmo tempo — mantenho o
controle da situação.
Vejo uma montanha de pensamentos surgirem. Eles duelam entre si,
procurando encontrar um vencedor para esta partida. Reed não sabe se
recua ou se avança. Se abaixa a guarda ou me enfrenta de uma vez por
todas.
Sua decisão é tomada em cinco segundos.
Sem hesitação.
— Que se foda, Anne.
A boca afunda de encontro a minha em um choque de desejo,
luxúria e tesão reprimido. Qualquer pensamento que eu pudesse ter em
relação a não ceder para Reed Rollins se desfaz feito fumaça. Resta
somente a sensação de sentir cada parte do meu corpo estar pressionando
cada parte dele.
Meus mamilos roçam no tecido fino da camisa e minha boceta se
contrai, ao mesmo tempo em que ofego, deixando que a língua quente de
Reed passeie por meu lábio inferior, para logo em seguida procurar pelo
calor da minha.
Nossos gostos se misturam e identifico, bem ao longe, o sabor do
drinque de amora com limão que bebemos juntos.
Esse é o principal indício de que não estou delirando.
De que este momento é real.
De que Reed Rollins está me beijando.
E eu estou o beijando de volta.
Afundo as unhas no couro cabeludo e gemo em sua boca, deixando
que ele tome tudo de mim. Me entrego à maneira deliciosa com que as
mãos geladas exploram o meu corpo e agarram a minha bunda com força,
me puxando ainda para mais perto.
Sinto o seu pau duro cutucar a minha boceta molhada e não tenho
dúvidas de que, em breve, ele vai sentir a umidade atravessando o fino
tecido rendado.
Eu daria a minha vida para sentir mais dele.
Mais dele dentro de mim.
Rebolo propositalmente sobre o seu colo e dou um pulinho
assustado ao sentir uma palmada certeira atingir a minha bunda.
Ele me deu um tapa.
A porra de um tapa enquanto estamos nos beijando.
Arfo em sua boca e essa é a oportunidade perfeita que Reed
encontra para ir mais além. Antes, o beijo era um pequeno passo.
Estávamos testando o terreno e garantindo que nenhum de nós iria fugir.
E agora, que temos a certeza de que não vamos a lugar nenhum,
afundamos juntos. Fecho os olhos com ainda mais força e sugo sua língua
em um pedido que faça o mesmo com a minha.
Reed não decepciona.
O beijo se torna animalesco. Violento. Necessitado. Um grito no
vácuo para o que realmente queremos um do outro. O beijo arranca o meu
fôlego de um jeito que me faz duvidar de que conseguirei, um dia, encontrar
o oxigênio novamente.
A mão estapeia novamente a minha bunda e gemo baixinho, não
conseguindo aguentar. Me afasto minimamente e entreabro os olhos. Reed
já está com os seus abertos, me encarando de um jeito tão malicioso que
minha barriga se contrai.
O sorriso cresce conforme ele desliza os lábios novamente por meu
pescoço. Ele chupa a região e depois dá uma mordiscada, me marcando. Me
marcando para que, quando me olhar no espelho amanhã de manhã, eu me
lembre de que foi Reed Rollins quem fez isso comigo.
De que eu cedi para ele, mesmo quando disse que nunca o faria.
— Diz agora que não sente nada, Anne — Reed murmura contra a
minha pele, a língua fazendo círculos em um ponto atrás da orelha. Estou
tremendo em seus braços. — Diz para mim que você me odeia, mesmo que
esteja com essa bunda deliciosa pressionando o meu pau e implorando por
mais.
Minha garganta arranha e eu tento criar sustento em minhas pernas,
mas estou molenga e incendiando de tesão.
— Diz para mim, Anne — pede novamente e aperta os dedos ao
redor da minha garganta, me privando de respirar por curtos segundos. —
Diz para mim que me odeia tanto quanto eu gosto de você.
Puta merda.
Agarro as laterais do banco e encaro-o com toda a raiva que consigo
encontrar dentro de mim.
— Eu odeio você, Rollins.
Reed sorri lascivo e empurra o meu lábio inferior para baixo.
— E eu não consigo te odiar, Scott.
Dito isso, ele me beija de novo.
E de novo.
E de novo.
Me beija até eu perder o ar e ver estrelas, mesmo com as pálpebras
fechadas.
Reed toma para si cada pedacinho de mim enquanto roça os lábios
macios nos meus, brincando com a língua. Quando sinto que estamos
prestes a dar um fim em tudo isso, ele avança novamente, sem nenhuma
dose de piedade.
Desta vez, Reed empurra gentilmente minhas costas para trás, até
que elas estejam tocando o volante. Ele se senta junto comigo e afasta uma
mecha do meu cabelo para trás, revelando os ombros nus. O polegar passeia
pela alça fina do vestido, ponderando se o puxa ou não para baixo.
— Agora eu fiquei curioso, Anne — diz, em um tom tão baixo que
eu não conseguiria ouvir se não estivesse fissurada em sua boca inchada. —
Esse é o seu jeito de não ceder para mim?
O questionamento é como um copo de água fria despejado em cima
da minha cabeça.
É o indício gritante de que deixei as coisas irem longe demais e de
que eu preciso retomar o controle da situação. Está mais do que claro que
quem comanda agora as coisas é Reed.
É apavorante pra cacete.
É um pesadelo do qual não consigo acordar.
Nesse pesadelo, Reed movimenta os pauzinhos ao seu favor para
garantir que eu vá terminar a noite deitada em sua cama, fazendo tudo
aquilo que jurei que jamais aconteceria.
Porra, Anne.
— Não, Reed. — Aprumo os ombros. — Esse é o jeito de fingir que
cedi para você. A realidade é bem outra.
Não dou a Reed a chance de responder.
Destranco as portas do Jeep e empurro seu peitoral para trás até as
costas alcançarem o encosto do assento, dando espaço livre. As mãos frias,
que até então estavam presas em mim, caem derrotadas ao lado do seu
corpo.
A decepção é evidente em cada detalhe de sua expressão, mas não
dou nenhuma atenção.
Me obrigo a não olhar de volta.
Salto para fora do carro do jeito mais elegante que consigo e bato a
porta. Não olho para trás nenhuma vez conforme faço o percurso até a porta
de entrada da casa de dois andares, mas minhas costas queimam com o seu
olhar frio.
Reed não deixa de me olhar nem mesmo quando minha presença
não passa de um pontinho esquecido no escuro.
 
 
 
 
 
 
 

 
 
“Seu jogo favorito é ficar na defensiva.
Eu desafio você a deixar isso de lado às vezes”
I Hate The Way | Sofia Carson
 

 
Estou puto pra caralho.
Desde que acordei com o sol batendo na minha cara porque esqueci
de fechar as cortinas na noite passada, o mau humor tem se apossado de
mim feito um parasita.
Posso até sentir as garras dele enfiadas em meu corpo, sugando toda
a energia vital que luto diariamente para nutrir.
Sendo bem sincero? Estou puto e na merda.
Afugento um palavrão e ligo a cafeteira. São nove horas e, por mais
que eu goste de seguir um treino rigoroso nas manhãs de sábado, sei que
ninguém estará a fim de me acompanhar.
Keeran chegou tarde da noite com uma garota.
Mason entrou em casa logo depois que deitei na cama.
E aposto que nem Bradley, Dave ou Cooper vão mover um músculo
para fora da cama.
A festa de Claire foi insana. Não somente pelo número absurdo de
convidados, mas porque todo mundo aproveitou até sentir que não havia
mais nenhum pico de energia para ser estabelecido.
Massageio as têmporas com a ponta dos dedos e abro a geladeira,
pegando os ingredientes para preparar uma porção de ovos mexidos. Acho
que, depois que terminar por aqui, vou fazer uma visita ao meu irmão.
Aaron deve ser o único ser humano em Maple Hills que vai aguentar
a minha presença hoje.
Quebro os ovos na frigideira e minha mão paralisa ao ouvir o som
de passos descendo as escadas. Não preciso de mais de cinco segundos para
reconhecer a maneira em que os pés se movem no chão e o perfume de
morango que se mistura no ar.
A presença de Anne é difícil de não ser sentida.
O que aconteceu na noite anterior é a maior prova disso: mesmo
depois de eu ser rejeitado da pior forma possível, eu ainda não consigo tirar
Anne da minha cabeça. Fui dormir com o gosto da sua boca na minha. Não
havia a merda de nenhum creme dental capaz de me livrar dessa sensação.
E ao abrir os olhos pela manhã, me senti ainda pior. Minhas mãos
formigavam com a lembrança de sentir o seu corpo roçando no meu. Dos
seus seios pressionando o meu peitoral. Da sua bunda se encaixando com
perfeição entre os meus dedos.
Cada parte do meu cérebro acordou condicionada a reviver cada
maldito minuto dentro daquele carro. Cada momento em que minha boca
desnudou a sua pele, chupou sua língua e mordeu seus lábios. Cada
momento em que me controlei para não arrancar aquele vestido e ver se ela
estaria usando a mesma lingerie vermelha que povoa minha mente há
incontáveis semanas.
Estou preso em uma tortura que atende pelo nome de Anne Scott.
Ela entra na cozinha e se movimenta atrás de mim, não dizendo
nenhuma palavra. Abre a geladeira e pega a garrafa de leite. Faz o mesmo
com a caixa de cereal e, no momento em que vai abrir a gaveta dos talheres,
eu desligo a chama do fogão e jogo a espátula dentro da pia.
Anne dá um pulinho, assustada.
Giro o quadril e a encaro pela primeira vez depois das últimas horas.
Se a maneira de Anne ficar na defensiva pudesse ser visível, pode ter
certeza que eu bateria a minha cara em uma muralha.
— O que nós estamos fazendo, Scott?
Os dedos se fecham ao redor da caixa de cereal e uma centelha de
pavor cruza as suas íris.
— Não sei do que você está falando, Rollins — murmura e pega
uma colher na gaveta, fechando-a com o quadril.
O costumeiro vestido azul do uniforme balança com o movimento,
revelando as coxas torneadas.
Respiro fundo e cruzo os braços, assumindo a mesma posição que a
dela.
— É isso que você quer fazer, então? — Braceio, apontando para
nós dois. — Fingir que nada aconteceu?
— Não é isso que temos feito no último mês? Fingido para todo
mundo?
— Existe uma grande diferença entre fingir para os outros e fingir
entre a gente, Annie. — Dou um passo em sua direção, ao mesmo tempo
em que os pés dela recuam para trás. — Esse papo de fingir não me
convence mais. Não depois do que aconteceu quando você sentou essa
bunda gostosa no meu colo e gemeu na minha boca.
Anne ofega tão alto que não duvido de que os vizinhos tenham
escutado. A caixa de cereal pressiona a barriga com mais força, como se
uma simples embalagem fosse uma barreira grande o bastante para me
manter longe.
Não vai funcionar.
— Eu ainda odeio você.
A afirmação, diferente das outras vezes, não me incomoda. Porque
eu sei que é mentira. Não tem como odiar alguém depois daquele beijo.
Sorrio e apoio as duas palmas no balcão, prendendo-a contra mim.
A posição me lembra de quando ela apareceu no vestiário masculino após o
treino.
Abaixo os ombros e deslizo a ponta do nariz por seu queixo. Anne
fecha as pálpebras e morde os lábios, prendendo-os entre os dentes. Estou
louco para beijá-los novamente e fazê-la admitir que, sim, nada disso é
fingimento.
É a merda da realidade.
— Vamos ver se você ainda vai me odiar quando eu te beijar —
sussurro, soprando o hálito quente. — De novo.
Anne entreabre as pálpebras e me fulmina.
— Você não ousaria.
Tombo a cabeça para o lado.
— Tenho pensado em te beijar há muito tempo — murmuro. —
Pode ter certeza que eu ousaria, sim. Não tenho medo de nada quando o
assunto é ter você só para mim.
Impulsiono o corpo para trás e me afasto, pegando não somente
Anne de surpresa, mas a mim também. O vazio que se cria com a distância
repentina comprime o meu coração.
Nós dois procuramos por um apoio. Ela, no balcão que pressiona as
suas costas. Eu, na parede oposta. Meus músculos estão tensos, latejando
em procura de alívio.
— Essa conversa é ridícula. — Anne se recompõe e coloca a caneca
na cafeteira, enchendo-a de café. — O que aconteceu ontem à noite não vai
se repetir, porque...
Solto um grunhido.
— Se você disser que foi um erro, eu vou te beijar de novo até fazê-
la mudar de ideia — ameaço, a voz rouca. — Guarde as minhas palavras.
Eu te avisei para não brincar comigo, Annie.
Ela arqueia a sobrancelha loira e deixa a caneca em cima do balcão,
se aproximando novamente. Os calcanhares descalços deslizam pelo piso
em uma dança sedutora, embora eu ache que ela faça isso sem perceber.
— E se eu brincar? — indaga, encurtando a distância até que reste
pouquíssimos centímetros separando as nossas bocas. Basta um movimento
em falso e estarei beijando-a novamente. — O que vai acontecer, hum?
— Você não vai querer saber. 
— Ah, pode apostar que vou querer, sim. — Fica na ponta dos pés e
observo a maneira em que seus olhos tremulam, procurando pelos meus. —
Me fala o que vai acontecer se eu brincar com você, Reed.
Aperto as mãos em punho, lutando para não tocá-la.
— Quando você admitir para si mesma que tudo não passa de
fingimento, você me procura — aviso, baixo. — Que daí eu não vou só te
contar, Annie. Vou fazer. Com a minha boca, com as minhas mãos e com o
meu pau também.
Puxo o ar em uma lufada única e contorno seu corpo, pegando sua
caneca de café e lhe dando as costas. Deixo os ovos mexidos para trás.
Depois eu me preocupo com o café da manhã.
Preciso sair dessa cozinha antes que eu faça algo que vou me
arrepender para o resto da vida.
— Só não demore muito — alerto. — Não tenho todo o tempo do
mundo.
A resposta de Anne é um silêncio doloroso.

Horas mais tarde, estou batendo na porta do apartamento do meu


irmão.
Aaron me recebe com uma expressão semelhante à minha: uma
combinação entre mau humor e cansaço. A diferença é que meu irmão
realmente aparenta estar cansado. As olheiras são o maior indicativo disso.
— A que devo a sua estimada presença? — Dá um passo para trás,
me dando espaço para entrar no pequeno apartamento. — Não tenho
dinheiro, caso precise. Estou mais duro que nossos antepassados.
Sufoco uma risada.
— Não preciso de dinheiro. — Penduro a jaqueta jeans no cabideiro
atrás da porta. — Queria conversar, na real. Bater um papo de irmãos, sabe?
Aaron ergue a sobrancelha direita em dúvida, os lábios se franzindo
no canto.
Nesta manhã, ele usa uma camiseta preta com a logo de uma banda
que não conheço no centro e uma calça jeans rasgada nos joelhos. Há
também um boné escondendo os cabelos castanhos para trás. A barba que
não é feita há alguns dias o deixa bem mais velho. Ele está parecendo um
lenhador recém saído de uma fazenda minúscula no interior da Carolina do
Norte.
— Aham, papo de irmãos. — Concorda e caminha até a cozinha. —
Desembucha logo em que merda você se meteu. Na verdade, espera um
pouco. — Levanta a mão e abre o armário, pegando um saco de
salgadinhos. — Eu até poderia te oferecer uma cerveja, mas não estou no
clima hospitaleiro. Pode jogar a bomba. Eu aguento.
Reviro os olhos e me acomodo no sofá gasto.
— Anne e eu nos beijamos.
— Anne, a sua namorada?
— Sim.
— Bom... — Prolonga as sílabas, enchendo a boca de salgadinho e
depois engolindo. — Da última vez que eu chequei, é normal namorados se
beijarem.
— Ela é a minha namorada de mentira, Aaron — retruco, frisando a
última parte. — Um dos combinados é que não seguiríamos por esse
caminho. Nada de beijos. Nada de sexo.
As feições de Aaron se transformam em uma careta.
— Seu namoro falso estava fadado ao fracasso, lamento informar —
Dá um sorrisinho arrogante, as covinhas idênticas às minhas surgindo. —
Ainda não entendi qual é o problema, Reed.
Suspiro alto e estico o pescoço, mirando o teto com pontinhos de
infiltração. Organizo meus pensamentos, procurando criar uma linha de
raciocínio que faça sentido. Uma linha que me faça compreender o que está
se passando na cabeça de Anne.
A gente se beijou. Okay.
Foi um beijo bom pra cacete. Okay.
Levei o pior fora da minha vida. Okay.
Ela quer fingir que nada aconteceu. Nada okay.
— Ela me deu um pé na bunda. — Decido seguir pelo caminho mais
fácil, despejando a merda de uma vez. — Logo depois que nos beijamos,
disse que tudo não passou de fingimento. E agora de manhã, pediu para
esquecermos tudo.
Aaron se engasga com o salgadinho.
— E sabe qual é a pior parte? — A minha pergunta é retórica, então
não espero por uma resposta dele. — Foi o melhor beijo da minha vida.
Disparado. Anne atropelou todos os outros e os jogou no buraco do
esquecimento.
— Então é pior do que imaginei. — Aaron deixa o salgadinho em
cima da mesa e se aproxima, se acomodando em um dos caixotes de
madeira. — O que você vai fazer agora?
— Sei lá. É por isso que estou aqui. Preciso de um conselho
espiritual seu.
— E eu lá tenho cara de conselheiro amoroso, Reed?
Chuto sua panturrilha de brincadeira, lhe arrancando uma
reclamação.
— Confio no seu potencial. Você já teve um relacionamento sério,
deve saber como esse negócio funciona.
Aaron coça a barba comprida com a ponta dos dedos.
— Já faz um bom tempo e você sabe que não acabou de um jeito
muito legal. — Desvia o olhar, encarando a varanda com o cinzeiro
esquecido em um canto, juntamente de um vaso com a planta já em estado
de decomposição. — É um tiro no escuro eu tentar te aconselhar.
— Manda ver. Eu resisto. Se der errado, pelo menos a gente pode
dizer que eu me arrisquei.
Ele se levanta do caixonete e pressiona o polegar e o indicador na
ponte do nariz, subindo e descendo, até alcançar as sobrancelhas e seguir o
mesmo processo. Essa é a maneira que Aaron se comporta quando está
pensando.
Apesar de sermos parecidos de aparência, somos extremamente
diferentes de personalidade. Aaron foi criado por Noreen, já que Ricky
esteve ausente a maior parte do tempo por causa dos jogos. Eu, no entanto,
passei grande parte da minha infância e adolescência com o meu pai.
Moramos juntos. Treinamos juntos. Fazíamos tudo juntos. Sou uma
extensão de Ricky Rollins, embora odeie admitir isso.
O espaço que separa Aaron e eu é gritante de gigante não só por
esse motivo, mas por vários outros.
Por causa de nossas vivências separadas, não sei quase nada sobre o
seu primeiro e único relacionamento. Aconteceu na época em que tudo
explodiu e Aaron teve a pior discussão do mundo com Ricky. Desde então,
meu irmão se trancou dentro de si mesmo, negando-se a falar sobre
qualquer coisa.
Ainda assim, ele está disposto a abrir uma pequena brecha para me
dar um conselho que vai trazer memórias desagradáveis do passado.
— Não posso achar a solução milagrosa para esse problema, Reed.
Mas você, por si só, vai conseguir pensar em algo — diz. — Você conhece
Anne melhor que eu. Deve saber, ou suspeitar, do que se passa na cabeça
dela. Um beijo significa muita coisa em uma relação, seja ela de mentira ou
não. Então...
— Então... — Repito, sem entender onde ele quer chegar com esse
papo.
— Você precisa entender porque ela decidiu fingir que nada
aconteceu em vez de assumir o que fizeram. Deve ter algum motivo aí.
Sempre há, pode acreditar.
— Eu devo confrontá-la?
Aaron dá uma curta risada sem humor.
— Só se você quiser levar o segundo fora em menos de 24 horas.
Bufo e arremesso uma das almofadas em sua direção. Ele a pega no
ar e a joga novamente, acertando a minha cabeça.
— Pensa no que eu falei, okay? — A expressão no rosto dele é séria
demais. — Você vai encontrar uma solução. Se o beijo foi tão bom quanto
você está dizendo, pode ter certeza que Anne não vai achar que foi um erro.
— Tomara que você esteja certo, Aaron.
Ele me dá uma piscadela.
— Eu sempre estou, Reed.
 
 
“Eu sei que vou me apaixonar por você, amor.
E não é isso que eu quero fazer”
Cry Baby | The Neighbourhood
 

 
Eu cometi um grande erro.
Um daqueles erros que são difíceis de consertar. Não é como se, sei
lá, eu pudesse passar uma borracha por cima e apagar o que aconteceu.
Não tenho muita escolha a não ser admitir para mim mesma que
pisei na bola e agora tenho um elefante gigante, com braços musculosos e
um sorriso de covinhas, determinado a me perseguir até arrancar a verdade
de mim.
E qual é a verdade?
A verdade é que eu gostei de beijar Reed Rollins.
Eu esperava que fosse ser um beijo qualquer, daqueles que a gente
esquece logo depois que acaba.
Quem me dera.
Beijar Reed Rollins foi como comprar uma passagem só de ida para
o céu das maravilhas. Estou presa lá desde então, revivendo a maneira com
que suas mãos apertaram a minha bunda, o jeito que sua boca desnudou a
minha e o sabor inconfundível de seus lábios.
Se eu soubesse que seria assim tão bom, teria o beijado na noite da
festa dos calouros, antes dele falar aquelas merdas. Teria me poupado a dor
de cabeça que estou sentindo espremer os meus neurônios.
Abro o armário de metal gasto do Brooklyn Blues e penduro o
avental no ganchinho. Pego o meu celular e mando uma mensagem para
minha mãe avisando que hoje não vou conseguir dar uma passada na casa
dela. Estou tão exausta que meu único desejo é pegar o primeiro ônibus
para Maple Hills e enterrar o nariz no travesseiro.
Me despeço de Becky e Jane, a garota do turno da noite da
lanchonete, e saio pela porta dos fundos. Paralido contra o chão de cimento
assim que identifico o Jeep estacionado em uma das vagas.
Puta merda.
Agarro a bolsa com mais força ao ver Reed abrir a porta e saltar
para fora. Ele abre um sorriso que causa um frio desconfortável na minha
barriga. A jaqueta jeans adere aos bíceps, me relembrando a maneira como
foi sentir cada um dos músculos com a ponta dos meus dedos e da força que
esconde por debaixo dessas roupas.
Ele cruza os braços na altura do peito e me dá uma piscadela.
— O que você está fazendo aqui? — Confronto-o ao descer os
degraus e caminhar na direção de onde ele está parado, o quadril apoiado na
lataria do carro.
— Basta você olhar para o céu, joaninha, e já vai ter a sua resposta.
Bufo e estico o pescoço para trás, olhando para cima.
Grossas nuvens estão se formando, anunciando o início de uma
tempestade. Não dou mais que cinco minutos para que uma quantia
exorbitante de água recaia sobre o Condado de San Valley. Ir pegar o ônibus
a pé já não me soa como uma opção assim tão legal. Não tenho guarda-
chuva na bolsa.
— Decidiu bancar o cavalheiro comigo de repente?
— Alguma vez eu fui outra coisa a não ser um cavalheiro com
você?
Aperto os lábios e reduzo ainda mais a nossa distância, parando na
sua frente.
— Você quer mesmo que eu responda essa pergunta? Por que você
não foi nada cavalheiro quando bateu na minha bunda — murmuro. —
Duas vezes, a propósito.
— Para quem está querendo fugir do assunto, você está bem
espertinha para o meu gosto.
Ajeito a bolsa ao redor do ombro e troco o peso dos pés. Em uma
das mãos, mantenho os patins pesados.
— Foi você quem começou.
Reed não se abala. Estende o braço e pega os patins, fazendo o
mesmo com a minha bolsa. Assisto, atônita, ele abrir a porta lateral do Jeep
e colocar as coisas lá dentro, voltando a atenção para mim. Há alguma coisa
diferente nele. Uma determinação cintila nas feições que não existia pela
manhã.
— Entra no carro, Annie — pede, dando o assunto por encerrado. —
Antes que essa chuva impeça a gente de chegar em casa. E acredite, eu
estou doido para tomar um banho e assistir a um filme de péssima qualidade
com você reclamando no meu ouvido.
— Quem disse que eu vou passar a noite de sábado com você e os
meninos?
Reed abre a porta e apoia o braço no teto do carro. Trocamos um
olhar que relembra a época em que não estávamos envolvidos nessa
bagunça.
— Quais são os seus planos, então? Comprar um para-raios e
passear pela cidade?
— Argh, você é tão irritante. — Entro no carro e me acomodo no
banco do passageiro. Reed faz o mesmo e insere a chave na ignição. — A
minha vida não gira em torno de você e desse namoro falso.
Ele coloca o cinto de segurança e liga o rádio em uma estação
qualquer. O locutor avisa os ouvintes sobre a tempestade que se aproxima
nas três cidades do Condado. Eles recomendam que as pessoas fiquem em
casa e alertam sobre as rajadas fortes de vento.
Acho que o Brooklyn Blues vai acabar encerrando o expediente mais
cedo. Não tem porque manter as portas abertas se o mundo vai estar
desabando em água. 
— Ah, não? — Gira a chave e o motor ruge em resposta. Ele dá a ré,
saindo do estacionamento com uma habilidade invejável e caindo na estrada
vazia. — Gira em torno do que, então? Expedientes intermináveis em uma
lanchonete, aulas cansativas na USVL e odiar a população de Maple Hills
no tempo livre?
Me seguro para não dar uma risada.
— Talvez. E você não pode falar nada sobre mim, Reed. Sua vida
gira em torno do futebol americano.
— A minha vida gira em torno das coisas que eu gosto — corrige,
me lançando um olhar significativo antes de retornar a atenção para a
estrada. — Futebol americano, filmes e, às vezes, você.
As palavras se condensam no ar. Se elas fossem uma bola de
canhão, teriam me acertado em cheio e me derrubado para fora do carro.
Bater a minha cara no chão não parece uma ideia assim tão ruim.
— Essa tática não vai funcionar comigo, Reed.
Reed diminui a velocidade do Jeep quando as gotas de chuva
começam a cair violentamente no vidro. O para-brisa se move de um lado
para o outro, gemendo baixinho. O horizonte está ainda mais escuro, com
nuvens carregadas e relâmpagos cortando o céu.
— Não estou tentando nenhuma tática com você. Estou apenas
dizendo a verdade.
— E aquele papo de você somente tolerar a minha presença? —
Preciso elevar o tom de voz devido a intensidade da chuva.
O trovão ecoa alto e estrondoso. Reed diminui a velocidade do
carro, já que o para-brisa mal dá conta de conter a água.
— Eu acho que essa definição já não cabe mais a nós dois, Annie.
Analiso o seu rosto de perfil, me demorando por mais tempo na
linha reta do nariz e no contorno do maxilar. A barba cresceu um
pouquinho, recobrindo a mandíbula e o deixando com uma aparência que
causa um cutucão no meio das minhas pernas.
Eu posso negar muitas coisas nessa vida, mas dizer que Reed
Rollins não me atrai de maneiras preocupantes é uma das coisas mais
difíceis de serem feitas. A existência dele incendeia as minhas veias e me
puxa para um tipo de sentimento que não quero me deixar ser dominada.
— Agora você não me odeia mais? É isso?
As mãos grandes se apertam ao redor do volante, os nós dos dedos
ficando brancos.
— Quantas vezes vou ter que dizer a mesma coisa, porra? —
grunhe, com raiva. — Eu. Não. Consigo. Odiar. Você. É impossível, Scott.
Você me desperta um milhão de sentimentos, mas o ódio não é um deles.
Fico em silêncio, sem saber ao certo como reagir. Afundo as unhas
na palma da mão e forço a pulsação a desacelerar. É difícil. Meu coração
está prestes a sair pela boca e cair em cima do painel do carro.
Reed pragueja um palavrão e dá sinal, desviando da estrada e
seguindo para um posto de gasolina fechado. A chuva cai agora com força,
os pingos repercutindo no teto e ricocheteando no para-brisa. Não dá para
ver um palmo na nossa frente, exceto as luzes acesas do farol.
— O que você está fazendo?
— Sem condições de continuar dirigindo com essa tempestade. Não
vou arriscar — explica, ainda irritado. — E eu não vou ter essa discussão
com você enquanto estou na estrada. Vai me fazer perder a cabeça.
Me recosto na porta, desejando ser capaz de me esconder dentro do
vestido. Eu sabia que Reed iria me confrontar em algum momento, só não
esperava que fosse agora. A tempestade caiu como uma luva, nos
obrigando a ficarmos presos dentro do mesmo espaço.
— Você não vai perder a cabeça.
Reed suspira pesadamente e desliga o rádio. Vira o corpo para mim,
os olhos subindo na minha direção como se desejasse me dar um
chacoalhão e depois me puxar para um abraço.
— Se você continuar me tirando do sério, pode ter certeza que sim.
Dessa vez sou eu que solto um suspiro. Está difícil manter qualquer
tipo de diálogo com ele.
— Para de descontar em mim as suas frustrações! É por causa da
noite passada? — Solto o cinto de segurança e me remexo no banco, me
sentando sobre uma das pernas. — Você está bravo por causa daquilo que
falei?
Reed desvia o olhar, focando nos vidros que já começam a embaçar.
— Estou puto por causa da noite passada, sim. E eu nem deveria
estar te pressionando sobre esse assunto, mas eu não consigo ficar quieto
enquanto você está aqui, sentada do meu lado, achando que eu te odeio. —
O músculo do maxilar pulsa em resposta. — Se eu te odiasse, eu não teria te
convidado para morar comigo, não teria dirigido até o outro lado da cidade
para comprar os seus donuts favoritos e muito menos te beijado na noite
passada.
Ele passa as mãos pelo cabelo, bagunçando os fios. Um sopro de ar
escapa de seus lábios e a atenção retorna para mim. A expressão dele é tão
vulnerável que é como estar dentro dos seus pensamentos. Dá pra ver que
ele está chateado comigo.
— Eu não sei o que dizer.
Reed libera uma risada cheia de mágoa e balança a cabeça repetidas
vezes. Fixa a atenção no posto de gasolina fechando, se negando a olhar
para mim.
— Não achei realmente que tivesse. — Uma trovoada corta o céu e
eu me sobressalto com o barulho. — Vamos esperar a tempestade se
acalmar e aí voltamos para casa. 
Aceno em concordância, não sabendo ao certo como me comportar.
A confissão ainda ecoa em minha cabeça. Torço os dedos uns nos outros,
não suportando o silêncio que cresce entre a gente. O som das gotas de
chuva batendo na lataria com força são um teste para a minha paciência.
— Você ainda quer que eu vá no jogo de sexta?
Reed gira o pescoço, voltando a prestar atenção em mim.
— Nós ainda estamos namorando, não estamos?
— De mentira.
— Você não precisa me lembrar disso a todo momento — reclama.
— Você foi bem clara quando disse que tudo não passa de fingimento. Mas,
sim, ainda quero que você vá. Reservei um quarto para a gente. O treinador
Turner provavelmente não vai gostar da ideia, mas ele já está acostumado
com esse tipo de coisa.
Ergo a sobrancelha.
— Com o time levando garotas desconhecidas para o quarto de
hotel?
— Com as namoradas dos jogadores acompanhando eles nos jogos
fora da cidade. — O tom é tão frio que fico arrepiada. — Eu não costumo
convidar garotas para assistirem os meus jogos. Apenas você.
— Ah, okay. — É a única coisa que consigo proferir.
Reed batuca com os dedos no volante e ficamos sem dizer nada por
um bom tempo. A tempestade continua a cair violentamente.
— Vou te emprestar o meu carro, a propósito. Pode dar carona para
a Claire, se quiser. Ela costuma ir com o próprio carro, mas como vocês vão
juntas dessa vez, acho que é uma boa ideia — diz. — Ela já sabe como
funcionam as coisas, mas a gente costuma comemorar a vitória no time do
bar do hotel. Nada muito exagerado, já que estamos fora da cidade.
— E se vocês perderem?
Reed inclina a cabeça para o lado, abrindo um sorriso ladino.
— A gente não vai perder. Gosto de pensar positivo.
— Devo usar a sua camiseta?
Meu questionamento faz as íris descerem para a minha boca. A
ponta dos meus dedos formigam para tocar as suas bochechas, puxar os fios
de cabelo e arranharem os músculos torneados dos braços. Tê-lo beijado foi
um erro grotesco.
— Você quer usar?
Sim.
Não.
— Você quer que eu use? — pergunto de volta.
Estamos jogando um contra o outro, vendo quem vai ceder primeiro
e admitir o que realmente quer. Reed, como se já estivesse na linha do
abismo, estica o braço e acaricia a minha face, os nós dos dedos escovando
a pele.
— Se eu disser que sim, isso significa que você vai usar? Ou vai
bancar a teimosa e aparecer usando a camiseta do time rival?
Sorrio.
— Agora você me deu uma ótima ideia.
Escuto-o gemer em irritação e abrir a palma da mão, encaixando-o
na curva do meu pescoço. Ele puxa o meu rosto para perto do seu de um
jeito tão bruto e inesperado que me pego friccionando as coxas umas nas
outras. O movimento chama a atenção dele, porque os olhos recaem para o
meio das minhas pernas e depois retornam para a minha boca.
— Não teste os meus limites, Scott.
— Não se preocupe, Rollins. — Resvalo a ponta do nariz entre os
seus lábios entreabertos. — Quando você olhar para aquela arquibancada na
sexta, pode ter a certeza que vai me encontrar lá. E, com sorte, usando a
droga da sua camiseta. Serei a namorada troféu que você tanto procura.
Ele nega com um sutil balançar de cabeça.
— Você entende sempre tudo errado, não é? — Franzo o cenho,
confusa. — Não quero nenhuma namorada troféu. Só quero você lá, usando
a minha camiseta ou não. O importante é saber que, quando eu for fazer a
droga de um ponto, vou ter a quem dedicar.
— Isso não fazia parte do nosso acordo, Reed. — Dessa vez é ele
quem fica confuso. — Declarações não estavam inclusas.
— Beijos também não, mas olha onde chegamos.
Dou uma curta risada e me afasto pelo máximo de espaço que há
disponível.
— E que não vai voltar a acontecer.
Reed deixa a cabeça pender em um gesto sarcástico.
— Isso é o que nós vamos ver.
O trovão que corta o céu torna o desafio ainda mais real.
Mesmo odiando a ideia, estou buzinando em frente à irmandade
Sigma Nu na sexta.
Claire surge poucos minutos depois com uma mala de rodinhas e
uma bolsa de lantejoulas a tiracolo. A peruca em um corte Chanel atua
como um complemento das roupas que ela escolheu para usar hoje. A calça
jeans é no estilo de combate, com uma corrente pendendo nos passadores e
o moletom curto exibe a pele da barriga magra. Nos pés, há um par de
coturnos de plataforma que a deixam bons centímetros mais alta que eu.
— Gostei da roupa — elogio quando ela coloca a mala no banco
traseiro e se acomoda ao meu lado logo depois. — E esse corte de cabelo
combina com você. Dave vai se apaixonar ainda mais quando te ver. Se isso
for humanamente possível, é claro.
Minha melhor amiga dá uma risadinha e tira o celular do bolso,
sincronizando a sua playlist favorita com o sistema de som do carro de
Reed.
— Se as coisas continuarem desse jeito, logo ele vai me pedir em
casamento, isso sim.
Ao ouvir sua frase, minha mão paralisa no processo de girar a chave
na ignição.
Claire e Dave têm um combinado desde que começaram a namorar:
nada de pedidos de casamento. Pelo menos, não até quando eles estiverem
formados e Dave for draftado por um time da NFL.
— E você aceitaria, se ele pedisse?
— Não sei. É complicado pensar nesse assunto. — Soa pensativa.
— A gente tem tantos planos, Anne. Eu, principalmente. Quero conseguir o
meu diploma, me mudar para Los Angeles e lançar a minha própria marca
de roupas. E tem a carreira do Dave também. Dependendo de qual time ele
for draftado, haverá uma distância gritante entre a gente.
Noto um traço de dúvida na sua voz.
— Mas...
— Mas, ao mesmo tempo, eu sei que ele é o amor da minha vida.
Não tenho nenhuma dúvida disso. Meu coração sabe que nunca vai
conseguir se apaixonar de novo por outra pessoa. Dave Morris me pegou de
jeito. Por isso que eu digo que é complicado. Ao mesmo tempo em que
quero, eu acho que não é uma boa ideia. Mas aí eu me lembro que não
existe hora certa para o amor.
Mordo o interior da bochecha e ligo o motor. Cuidadosamente, saio
da vaga em frente à irmandade e retorno para a avenida parcialmente
movimentada.
— Então... Se ele fizesse o pedido hoje, você negaria?
Ela puxa as pernas para cima e encaixa o queixo entre os joelhos.
— Não sei. São muitas coisas envolvidas quando falamos de um
casamento — diz. — E eu nem posso pedir a sua opinião sobre esse
assunto, porque eu sei exatamente o que vai dizer. Você vai dizer que estarei
abrindo mão de mim mesma para me encaixar na vida do Dave, em vez de
ser ao contrário.
— E eu estou errada em pensar assim?
— Dá para ter as duas coisas, Anne. Você não precisa escolher entre
uma carreira e um relacionamento duradouro — explica. — E nenhum de
nós vai abrir mão dos próprios sonhos para se encaixar na vida do outro.
Não é assim que as coisas funcionam.
Arqueio a sobrancelha, sentindo os olhos dela em mim.
— E como exatamente deve funcionar?
— Vocês sonham, almejam e conquistam juntos. Relacionamento
não é unilateral.
— Claire...
— Quer um exemplo? Bom, eu te dou um. — Me interrompe. — Os
meus pais. Cathryn e Cameron se conheceram no primeiro ano da
universidade, assim como Dave e eu, e estão juntos até hoje. E a carreira
não ficou de lado, tampouco o casamento ou os filhos.
Afugento um palavrão, não querendo admitir que ela pode ter razão,
porque falar da Cathryn e Cameron é jogar baixo. Os Howard são aquela
típica família que todos sonham em ter. Eles se apoiam nas decisões,
acampam nas montanhas durante as férias e fazem jantares temáticos todos
os meses.
E o golpe final está exatamente aqui: eles são um renomado casal de
cirurgiões cardíacos em Trenton, no estado de Nova Jersey.
— Você está tentando convencer a mim ou a você?  
Claire joga as mãos para o alto e bufa.
— Eu estou querendo que você veja as coisas por outra perspectiva.
Você não é a sua mãe, Anne. — Me encolho dentro da jaqueta de Reed e
aperto os dedos com força ao redor do volante. — Ela decidiu viver dessa
forma após a morte do seu pai. Foi uma decisão tomada unicamente por ela.
Isso não quer dizer que você deve fazer o mesmo. Você não precisa se
diminuir para ter um relacionamento sério com alguém.
O fundo dos meus olhos pinicam em um tipo de choro que não
quero deixar vir à tona. O pior é que sempre reajo dessa forma quando
Claire cutuca nessa ferida. Ela não tem medo de desnudar os meus medos e
despejá-los na minha frente em uma tentativa de que eu deixe de ignorá-los.
Às vezes, eu gostaria de ser 1% da mulher que Claire é. Queria ter
crescido com uma família completa, com um pai que me daria conselhos e
uma mãe que não desistiria dos seus sonhos por causa do casamento e
filhos. Queria que Daisy Scott pudesse alcançar o topo do mundo, mesmo
que ela já tenha desistido dessa possibilidade há muito tempo.
— Eu estou com medo — confidencio em um sussurro quase
inaudível.
Claire pisca as pálpebras calmamente, me direcionando um olhar
carinhoso. Ela ainda não sabe sobre o beijo e não sei se me sinto pronta
para contar agora.
— Por causa do Reed?
Movimento a cabeça em um gesto confuso.
— Por causa do Reed e por causa de você. — Desvio rapidamente a
atenção da estrada para Claire. — Não quero ver a minha amiga perdendo a
si mesma e se esquecendo do potencial que tem.
Claire estica o braço e afaga o meu ombro. As inseparáveis pulseiras
ao redor do pulso dela fazem barulho.
— Eu não vou me perder. Não há motivo para você se preocupar
com isso — garante, abrindo um sorriso que reflete a verdade. — Mas sabe
o que eu quero para você? Aquilo que desejo com todo o meu coração?
— Hum?
A ponta dos dedos fazem uma mínima pressão em minha pele.
— Eu quero que você se encontre e que não tenha medo — declara.
— E quero também que você seja a minha madrinha de casamento. Não há
pessoa melhor.
Não me contenho e exprimo uma risada que se torna um sorriso.
A capacidade que Claire tem de descontrair o ambiente e chutar para
longe o clima tenso de uma conversa é um talento que merece ser admirado.
São poucas as pessoas que carregam essa leveza.
— Obrigada. Por existir e por ser você. — Uso a mão livre e aperto
os dedos dela, que ainda repousam em meu ombro. — E sobre esse lance de
ser madrinha...
 
“Olhe nos meus olhos, não minta para mim, preciso
que você me conte a verdade”
Shut Up And Listen | Nicholas Bonnin (feat. Angelicca)
 

 
— Eu preciso da sua ajuda.
— Estou indisponível.
Recebo uma cotovelada entre as costelas e contenho um gemido.
Dave me fuzila com as orbes castanhas, mas há a sombra de um sorriso
brincando em sua boca. Nunca vi esse cara de mau humor e duvido que
alguém nessa vida o consiga tirar do sério.
Dave possui mestrado e doutorado em paciência. O que acredito que
seja um critério básico para ser o quarterback do time e, de quebra, ainda
morar em uma fraternidade entupida de caras.
É muita merda sendo ouvida diariamente.
— Estou falando sério, Reed. Preciso da sua ajuda.
Gesticulo com a mão na forma de um floreio, indicando para que ele
desembuche de uma vez.
Dave respira fundo e puxa a mochila de viagem para cima,
pousando-a sobre o seu colo. Abre um dos zíperes e tira de lá de dentro de
uma caixinha vermelha. Ofego quase que de forma instantânea.
Eu sei muito bem o que tem dentro dessa caixinha.
— Reed...
Levo a mão ao coração e abro um sorriso emocionado.
— Que romântico da sua parte, Dave. — Enceno um tom
apaixonado, piscando as pálpebras da mesma forma que as mocinhas fazem
nos desenhos. — Não precisa nem perguntar, porque a resposta é sim. Eu
aceito me casar com você.
— Para de ser ridículo, cara. Eu estou falando sério. — Levanta a
tampa da caixinha. Ali, há um anel descansando no centro que deve pesar
dez quilos. — O que você acha?
— Eu acho que não vai caber no meu dedo.
— Mais uma brincadeira dessas e eu não vou te convidar para ser o
meu padrinho.
— Ei, ei, ei! Aí você jogou sujo. — Puxo o braço dele para poder
olhar o anel mais de perto. — É bonitão. Deve ter custado uma fortuna.
— A Claire merece — diz com um sorriso de quem está apaixonado
até o último fio de cabelo. — Eu usaria todas as minhas economias só para
ver esse anel no dedo dela. Ela é o amor da minha vida, Reed.
Seguro a respiração com a declaração repentina.
Estamos dentro do ônibus do time, com vários jogadores sentados
ao nosso redor, mas ninguém parece estar prestando atenção na nossa
conversa. A viagem para West Falmouth costuma durar cerca de duas horas,
então a maioria usa esse tempo para descansar.
— E aquele lance de vocês esperarem até a formatura para se
casarem?
Dave massageia a ponta do nariz largo e guarda o anel de volta na
mochila.
— É por isso que preciso da sua ajuda. Quero um conselho. —
Balança a perna para cima e para baixo, agitado. — Eu não estarei sendo
um filho da mãe em ir contra os nossos planos e fazer o pedido? Porque
tenho pensado nisso há muito tempo. Sei que vou ser draftado por um time
em breve e que as chances de permanecer aqui na costa leste são pequenas,
mas Claire também quer se mudar para Los Angeles quando terminar o
curso. Então...
— Então...
Dave infla as bochechas de ar e empurra os dreads para trás, os
prendendo em um coque no topo da cabeça.
— Então, eu penso: por que não dar o próximo passo? Porque adiar
o que tanto queremos? No entanto, tem também o peso de fazer o pedido
sem a certeza de que ela vai aceitar — desabafa. — Afinal, a gente tem esse
combinado. Um diploma antes de uma aliança.
Contorço os lábios de um lado para o outro, procurando por algum
conselho. Posso detestar os casamentos intermináveis de Ricky Rollins, mas
aposto que ele teria algo útil para dizer a Dave.
O que eu entendo de casamentos? Nada.
É surreal comparar a diferença entre os meus planos de vida com os
planos de Dave. Ele quer ser um grande jogador, se casar e construir uma
família — tudo isso ao mesmo tempo.
Dave Morris e Claire Howard vivem o tipo de amor raro.
— Eu acho que você já tem a sua resposta, Dave — digo. — Você e
Claire têm todo o tempo do mundo, mas, como você disse, por que esperar?
E não é como se vocês fossem subir no altar no dia seguinte. Um casamento
demora para ser preparado, ainda mais se estivermos falando da sua
namorada. Ela vai querer uma festa de arromba.
Dave dá risada.
— Você tem razão. Não vai ser uma festa íntima com poucos
convidados.
— Não mesmo. O meu conselho para você é: procure o momento
certo. Você vai saber quando a hora perfeita chegar. E nem você e nem a
Claire vão ter dúvidas. Não tem como duvidar do amor quando ele é sentido
no coração.
Dave abre a boca para responder, mas é interrompido por um
pigarro. Viramos o pescoço ao mesmo tempo e encontramos o treinador
Turner sentado na poltrona do lado oposto do corredor do ônibus. Como de
praxe, o boné descansa sobre a cabeça dele, criando uma sombra sobre os
olhos.
— O Rollins tem razão, Morris. Se você e a sua namorada se amam
como dizem, o pedido de casamento fora de hora não vai ser nenhum
problema. É só ajoelhar e abrir o coração, moleque.
Caramba.
O treinador Turner desvia o olhar do nosso e volta a encarar um
ponto perdido. Ele bem que tenta disfarçar, mas é possível notar um
minúsculo sorriso se mantendo escondido por trás de sua pose de durão.
— Obrigado pelo conselho, treinador. — Dave agradece e Turner
move o queixo em concordância, voltando a ficar quieto.
No entanto, antes que Dave e eu possamos voltar a conversar, a
cabeça de Bradley surge por trás do nosso assento. Ele dá um tapa na minha
nuca e faz barulhos de beijos para o Dave. Eu não sei como esse cara
consegue levar o futebol americano a sério. Tudo na vida dele é baseado na
zoeira.
— Quer dizer que você vai pedir a Claire em casamento? — As
sobrancelhas fazem uma dancinha animada. — Me convida para a
despedida de solteiro, cara. Eu sempre quis ir em uma.
— Não vai ter nenhuma despedida de solteiro, Bradley.
Bradley arregala os olhos.
— Como assim, porra? — Bate com a mão no encosto do assento.
— É um ritual de passagem. Dá sete anos de azar se não tiver despedida de
solteiro.
Franzo o cenho.
— Sete anos de azar é para quando a gente quebra um espelho,
Bradley.
— Dez anos de azar, então. Sem despedida de solteiro e a
consequência é uma década na merda e um casamento fracassado.
— Ele nem se casou e você já está dizendo que eles vão se
divorciar? — Dou um beliscão no braço dele e Bradley finge uivar de dor.
— Cria vergonha nessa sua cara feia, Powell. Cadê o seu romantismo?
— Está bem aqui. — Bate com a mão do lado esquerdo do peito. —
Habitando esse coração que respira amor e romantismo. Sou um príncipe.
Estou apenas esperando a minha princesa.
— Só se for a Fiona, né? — Dave provoca e acabo caindo na
gargalhada.
Bradley resmunga um palavrão.
— Vocês são um bando de babacas. Ainda vou encontrar uma
mulher que vai me deixar tão loucamente apaixonado que não vou ligar se
ela for a Fiona, a Cinderela ou sei lá o quê.
— Você é um romântico incurável, Powell?
Viro o pescoço para trás para conseguir vê-lo. Assim como o
treinador, os cabelos de Bradley estão escondidos pelo boné do time.
— Você não é? Porque deve ter algum motivo para a Anne te
aguentar sendo um pé no saco todos os dias.
Ao pensar em Anne, meu pulso palpita em expectativa. Convidá-la
para viajar até West Falmouth e ficar no mesmo hotel que o time foi uma
atitude inocente da minha parte. Na época do convite, não imaginei que
haveria uma bola de neve gigante pairando acima das nossas cabeças.
Agora é como se pudéssemos ser atingidos em cheio a qualquer
instante. Não vai ser uma experiência divertida.
— Ah, você não faz ideia de como o Rollins é romântico, meu caro
amigo. — Dave encaixa o braço ao redor do meu pescoço em um mata-
leão. — Da última vez, pelo o que eu soube, ele atravessou a cidade apenas
para comprar os donuts favoritos da namorada.
Minhas bochechas ficam coradas.
Que merda.
— Aposto que você faria o mesmo pelo Claire.
— É claro que sim. — Há um traço de aviso nas suas palavras.
Como se estivesse deixando subentendido a mensagem: a diferença é que a
Claire é a minha namorada de verdade. — Eu atravessaria os Estados
Unidos inteiro, se fosse necessário.
— Você não é parâmetro, Morris — Bradley reclama. — Não dá
para competir com você e seus atos românticos. Aquela declaração no
aniversário da Claire vai me perseguir para o resto da vida, porque nunca
vou conseguir pensar em nada tão bom.
Dave sorri.
— Você vai sim, confia no que estou te falando. Quando a gente está
apaixonado, as palavras fluem naturalmente. Pode ser uma declaração boba
ou espalhafatosa, tanto faz. O que importa é a intenção por trás.
— E um anel de diamantes, é claro — provoco-o, consciente de que
logo ele vai me dar um chute na bunda. — Não dá para conquistar apenas
com palavras. Precisa de gestos românticos também.
Bradley tira o boné e bagunça os fios. Para o nosso completo azar,
ele nota a presença do treinador ao nosso lado. Deve ser uma tortura para
ele ouvir seus jogadores falarem merda atrás de merda.
— E você, treinador? — chama-o. — O que acha?
O treinador suspira alto e afunda o corpo na poltrona. Certeza que
quer desaparecer. De todos os garotos do time, Bradley é o único que tem
coragem de puxar papo com o Turner. E o mais divertido é que o treinador
se submete a responder, mesmo que seja com um xingamento.
— Eu acho que você deve calar a boca, Powell. Não estou no clima
para as suas brincadeirinhas hoje.
— Poxa, treinador, estou curioso para a sua opinião. — Se escora
novamente entre as nossas poltronas, os braços servindo como apoio do
imenso corpo. — O que você considera como um grande gesto romântico?
— Você ficar quieto por vinte e quatro horas pelo bem da sanidade
mental da sua namorada — ele responde de mau humor.
Escondo uma risada atrás do punho. Essa conversa vai ser
inesquecível.
— Ah, não! Sem essa. — Coloca o boné de volta. — Trabalhamos
aqui com gestos românticos de verdade. Esse aí foi péssimo.
A mandíbula do treinador aperta em impaciência. Em breve,
Bradley vai estar com o nariz sendo esmagado.
— Não sou romântico, Powell.
Ele não fica nada contente com a resposta, porque faz uma pergunta
que suga até o ar dos meus pulmões. Dave até arqueja, pego de surpresa.
— O senhor já foi casado, treinador?
Bradley não tem medo de morrer? Com certeza, não.
O treinador fecha as mãos em punho e tira o boné, deixando-o sobre
as pernas. Sustenta o cotovelo no apoio de braço e direciona a nós três um
olhar que poderia nos cortar ao meio.
— Se eu fosse, pode ter certeza que eu não estaria respirando o
mesmo ar que o seu, Powell.
— Isso foi bem romântico, treinador.
Turner se limita a balançar a cabeça em um gesto negativo várias
vezes e se esconder embaixo do boné novamente. Acho que o papo se
encerrou de vez. Eu é que não vou arriscar abrir a minha boca.

Às quatro horas em ponto, Anne está entrando no quarto que


reservei para nós dois no hotel em que o time está hospedado. Diferente de
Claire, que parece ter trazido o guarda-roupa inteiro para West Falmouth,
ela se limitou a uma pequena mala de viagem. O básico para um final de
semana.
— É bonitinho — Anne diz ao caminhar para dentro, deixando a
bolsa em cima da cama. — Espero que não tenha custado muito. Prometo
que vou te pagar depois.
Passo a tranca na porta e me apoio as costas na estrutura de madeira.
— Você não precisa me pagar nada. Eu te convidei, então eu que
arco com as despesas. Só relaxa, Annie. Nem tudo nessa vida se resume a
dinheiro.
— Você diz isso porque o seu pai é o Ricky Rollins.
Assim que as palavras saem da sua boca, Anne se dá conta do que
disse. Além de Dave, ela é a única que sabe sobre a merda que é a minha
relação com o meu pai. Nada de flores ou unicórnios dançantes. É um saco
imenso de cocô ambulante que nenhum dinheiro do mundo é capaz de
consertar.
— Pois é. — Dou de ombros. — Pena que ser filho dele não garante
nada, não é?
— Droga, Reed. — Anne dá um passo para frente, insegura. — Me
desculpa. Eu tinha me esquecido.
— Sem problemas, eu já estou acostumado em ser pisoteado por
você feito um inseto. — Enfio as mãos dentro dos bolsos do moletom. —
Como foi a viagem?
— Ah, não. Nem fodendo — resmunga e se aproxima de vez, os
saltos da bota ecoando pelo piso. — Você não vai trocar de assunto e fingir
que está tudo bem.
— Você é especialista nesse assunto. Estou entrando na onda.
Anne trinca os dentes e para na minha frente.
Nesta tarde, os cabelos foram presos em um rabo de cavalo alto,
revelando as maçãs do rosto magras e o pescoço esguio. Mesmo chateada,
não posso deixar de notar o quão linda Anne está. O chute certeiro nas
minhas bolas é ela estar usando não somente a camiseta com meu nome
estampado nas costas, mas também a minha jaqueta jeans.
E mesmo com raiva dela, eu ainda não consigo odiá-la nem um
pouquinho. Nem que eu me esforce pra caralho.
— Não faz isso, Reed — pede, baixinho.
— Isso o quê?
Anne abraça o próprio corpo e ergue as vistas. Devolvo o seu olhar,
procurando entender exatamente o que está acontecendo. As nossas
interações tem se tornado uma bomba relógio. Não dá para saber onde
vamos parar ou que direção vamos seguir.
— Não fala como se eu não me importasse com você. Porque eu me
importo. — Faz uma pausa. — Eu me importo de verdade e admitir em voz
alta é difícil pra caramba. Você não faz ideia do quanto. Então me desculpe
pelo o que eu disse, okay? Foi sacanagem da minha parte.
Fico quieto, observando a maneira em que os olhos dela tremulam e
o cantinho do lábio inferior é mordiscado no canto. Ela estala os dedos, o
barulho ecoando pelo silêncio do quarto juntamente da minha pulsação
acelerada.
Não penso antes de agir. Enlaço sua cintura e a puxo para um
abraço, enterrando o nariz nos cabelos loiros. Anne relaxa os ombros e se
aconchega contra o meu corpo, tão pequenina que eu poderia escondê-la ao
redor dos meus braços sem nenhuma dificuldade.
Porra.
Esse abraço é a melhor coisa do mundo que já experimentei.
Anne dedilha a ponta dos dedos em minhas costas e inspira, me
abraçando com mais força. Eu abraço-a da mesma forma, desejando viver
aqui para sempre.
O jogo de hoje que se foda. Isso aqui é o paraíso em formato de
Anne Scott.
— Eu acho que ele vai estar no jogo de hoje à noite — conto,
desejando que ela não tenha conseguido ouvir. Mas escuta, porque levanta o
rosto e me observa de baixo. — Talvez vocês dois acabem se conhecendo.
Há uma possibilidade disso acontecer.
Anne faz uma careta e volta a descansar a bochecha no meu peitoral.
— Não sei se é uma boa ideia.
— Por quê?
— Porque eu não vou conseguir me segurar. Vou acabar xingando-o
de um palavrão bem feio e aí, sabe o que vai acontecer? — nego. — Ele vai
dizer para você que sou uma péssima influência para a sua carreira e que a
gente deve terminar. Ele pode até me oferecer dinheiro, para tornar a coisa
mais emocionante.
Sorrio, imaginando a cena. Anne tem uma criatividade e tanta.
— E você vai aceitar?
— Dependendo da quantia...
Belisco as suas costelas e ela dá um gritinho, tentando se soltar do
meu aperto. Contraio os músculos dos braços, não deixando-a ir a lugar
nenhum. Quando Anne para de se debater, eu encaixo o polegar embaixo do
seu queixo, obrigando-a a olhar para mim.
— Eu ofereço o dobro, joaninha.
— Para que a gente termine e eu nunca mais apareça na sua vida?
— Não mesmo. Eu ofereço o dobro de dinheiro para que você nunca
saia dela. Para que fique comigo para sempre.
— Esse namoro está ficando cada vez mais capitalista. Mas eu
dispenso o dinheiro. Daqui a pouco vou estar devendo até a próxima vida
para você.
— Eu já disse que você não precisa me pagar nada.
— Reed...
Pouso o indicador sobre os lábios dela, calando-a.
— Se você me pagar, eu não vou aceitar.
— Isso não é justo — murmura contra o meu dedo, as palavras
soando desengonçadas.
Deslizo a mão para o seu pescoço e faço uma carícia. Cacete, como
eu queria que Anne não estivesse sempre na defensiva comigo. Eu daria
todo o meu dinheiro para conseguir atravessar essa muralha de ferro e vê-la
por inteira.
— Nada nessa vida é justo, Annie. — Deposito um rápido beijo no
seu nariz. — Mas se isso acalma a sua consciência, você pode pagar por
uma dose de bebidas para a gente após a vitória do time no jogo de hoje à
noite.
— Você está confiante de que vão ganhar mesmo, hein?
Assinto e brinco com a gola da sua camiseta.
— Confiante pra cacete. Tenho um amuleto da sorte muito bom.
— E posso saber qual é?
Inclino a cabeça para o lado e abro um largo sorriso.
— Você. — Desfiro um tapinha na sua bunda de brincadeira e me
afasto, destrancando a porta. — Eu te vejo na arquibancada daqui a algumas
horas?
Anne anuí em concordância.
— Eu vou ser a namorada troféu.
Pisco um olho para ela.
— E eu vou ser o namorado jogador.
Sopro um beijo no ar de brincadeira e saio do quarto.
Ao fechar a porta em um clique, noto que minhas bochechas estão
doendo de tanto sorrir. A droga de um sorriso que vai me acompanhar
durante as próximas horas até o jogo começar.

O vestiário borbulha em conversas e reclamações. É sempre assim


nos minutos que antecedem a nossa entrada no gramado. Por estarmos
jogando fora de casa, a ansiedade é ainda maior.
Dave estica os braços acima da cabeça e respira fundo, os ombros se
tensionando. Ele já vestiu o equipamento por completo, faltando somente o
capacete e o protetor bucal. Os dreads estão presos em um coque e o brinco
da orelha foi dispensado.
— Está nervoso? — pergunto, enquanto amarro o cadarço da
chuteira.
— Não sei. Eu deveria?
— Você é o quarterback. Seria normal estar nervoso, ainda mais que
esse é um jogo importante para o time. Os West Panthers quase venceram o
campeonato na temporada passada.
Apesar da minha confiança, sei que vencer os West Panthers não vai
ser assim tão fácil. O treinador deles, um antigo amigo do meu pai, tem a
fama de não ser nem um pouco misericordioso. Ele coloca os jogadores
para detonar com o time rival, mesmo que isso custe alguma penalidade.
Eles só querem ganhar, custe o que custar.
— Eu confio nos meus jogadores — Dave declara. — E confio em
você também. Não porque é filho do Ricky, mas porque você é bom no que
faz e ama o esporte tanto quanto eu. Não tem como dar errado, Reed.
Dou duas batidinhas no joelho e me levanto. A nossa diferença de
altura é de uns dez centímetros, no máximo. O porte atlético de Dave
contribui para que ele pareça ainda mais alto. Uma muralha de músculos,
como diria Claire.
— Com você falando assim, me sinto pronto para conquistar o
mundo.
Dave dá uma curta risada e empurra minha cabeça de brincadeira
para o lado, me arrancando um sorriso divertido.
— Conquistar a vitória no jogo de hoje está mais do que suficiente.
Pego o capacete do chão e escuto, ao longe, a música que dá entrada
à coreografia das Horizon Eagles, as líderes de torcida dos Rebels Of
Horizon. A gritaria não é tão alta quanto a do time da casa, mas é
barulhento o suficiente para me deixar confiante de que a vitória já é nossa.
— Pronto para detonar com eles, Morris?
Meu melhor amigo sacode os ombros e dá pulinhos no chão. O
restante do time também está atento e sei que não vai levar mais que dez
segundos para o treinador Turner atravessar a porta do vestiário e fazer um
discurso rápido sobre trabalhar em equipe.
Porque o futebol americano é isso: é contar com o seu parceiro de
jogo para garantir a vitória. Não tem como vencer sozinho nesse esporte.
Dave inclina a cabeça para o lado e pega o capacete também,
encaixando-o sobre a cabeça.
— Vamos mostrar para eles o que é jogar de verdade, Rollins.
 
 
“Se tudo é justo no amor e na guerra, eu não posso mais fazer isso”
Love & War | Yellow Claw
 

 
Mesmo não sendo uma grande fã do futebol americano, sou
obrigada a concordar que o jogo de hoje foi mais do que emocionante. Foi
de arrancar os cabelos, gritar até as cordas vocais reclamarem de dor e de
sentir o coração quase saltando para fora da boca.
Os West Panthers estavam com sangue nos olhos, determinados a
conquistarem a vitória sem hesitar.
Reed foi derrubado tantas vezes no chão que não sei como ele está
inteiro. Dave também não conseguiu se safar dos bloqueios. Houve um
momento que eu até duvidei de que os Rebels Of Horizon iriam conseguir
vencer.
Mas, por um golpe de sorte, deu tudo certo. O placar ficou 27X25.
Foi um jogo arriscado demais e que rendeu a Claire uma quase dor de
cabeça. Ela leva o esporte a sério.
Agora, algumas horas depois, estamos todos reunidos no bar do
hotel, comemorando uma das vitórias mais difíceis da temporada com
direito a música alta, drinques coloridos e um treinador parcialmente
sorridente.
Me acomodo em uma das banquetas e faço um sinal para o barman,
pedindo duas cervejas. Rapidamente sinto os braços de Reed rodearem a
minha cintura e o queixo repousar em meu ombro.
— Esse é o seu jeito de flertar comigo, Annie? Pagando uma cerveja
para mim?
Giro as orbes em um círculo, embora ele não possa ver.
— Esse é o meu jeito de aliviar a consciência, já que só falta você
pagar as minhas lingeries.
— Até que não seria uma má ideia. Quais cores você mais gosta?
Luto contra um sorriso.
Esse tipo de provocação com Reed não deveria acontecer com tanta
frequência, porque elas me levam para um caminho que não há mais volta.
O beijo na noite do aniversário da Claire é o maior sinal de alerta.
Contudo, eu não consigo me conter. Meu corpo corresponde ao de
Reed apesar de todos os esforços para evitá-lo.
— Vermelho, branco e azul — respondo, torcendo para que a
música alta abafe o som da minha voz.
O meu pedido não é atendido, porque Reed gira a banqueta, de
forma que fiquemos de frente um para o outro. Inconscientemente, abro
minhas pernas, deixando que ele se acomode entre elas. A posição é mais
do que perigosa: é um prelúdio para o que nos aguarda ao final da noite.
Não sei se consigo resistir ao charme dele. Não mais, pelo menos.
— Vermelho também é a minha favorita — murmura, os olhos
mergulhados na luxúria de uma lembrança. — Quanto ao branco e ao azul,
já não posso dizer nada.
Abro um sorrisinho arrogante e entrelaço minhas mãos ao redor da
sua nuca. Puxo levemente o rosto para perto do meu e a atenção de Reed
recai para a minha boca. Mal sabe ele que o que estou prestes a dizer é uma
bomba relógio que vai explodir — exclusivamente — por nossa culpa.
— Talvez você possa descobrir essa noite.
Reed paralisa e o olhar sobe, encontrando o meu. Ele me analisa
com curiosidade, tentando descobrir se estou falando sério ou fazendo uma
brincadeira de mau gosto. A verdade é que nem eu sei. Minha cabeça está
confusa pra cacete e a presença dele só torna as coisas ainda mais
nebulosas.
— Anne.
Porra, eu amo quando ele me chama de Anne.
Torna as coisas mais íntimas e reais. É a certeza de que não estou
delirando ou criando cenários imaginários na cabeça enquanto me masturbo
no chuveiro.
Reed é real.
— Eu...
Ele move a cabeça em discordância e firma as mãos ao redor da
minha cintura. É um toque possessivo e que expressa a dimensão do que ele
sente.
— Não brinque comigo — avisa. — Porque eu só vou ceder quando
você decidir ceder para mim. Sem a porra de fingimentos ou qualquer outra
merda que você inventar. Eu quero você por inteira.
Empurro a grossa saliva para baixo e obrigo meu pulso a
desacelerar.
— Estou falando sério — continua a dizer e pousa o indicador
abaixo do meu queixo, inclinando minha cabeça para trás. — Não quero
metade. Não quero nem mesmo uma parcela minúscula. Não é assim que as
coisas funcionam comigo. Ou é você por inteira, ou não é nada.
— E se eu não puder me doar por inteira?
— Então, nós teremos problemas.
Reed inclina o corpo para frente e pega as cervejas, me entregando
uma. Bebericamos um gole juntos, nossos olhares conectados através da
borda. A cena é mais sensual do que deveria e quase me faz esquecer de
que não estamos sozinhos. O time todo está aqui, assistindo a cada maldita
interação minha entre Reed.
A diferença é que, semanas atrás, eu me preocuparia em passar a
imagem de que somos um casal de verdade. Agora, no entanto, essa
preocupação está esquecida dentro um baú, porque estar com Reed não
exige nenhum tipo de encenação.
A nossa relação de mentira se tornou tão natural que pode ser
facilmente confundida com algo real.
— Não pense tanto, Annie. — Reed deixa a cerveja em cima do
balcão e fecha os dedos ao redor do meu joelho nu. Estou usando somente
uma saia jeans. — Eu não vou te devorar.
Ergo as sobrancelhas.
— Mas você bem que gostaria.
Ele dá uma risada pelo nariz.
— Não coloque palavras na minha boca, sua espertinha.
Abro um sorriso divertido e levo a garrafa de cerveja aos lábios,
sorvendo um pequeno gole. Reed contempla os movimentos de forma
hipnotizada, o corpo ainda acomodado entre as minhas pernas. O silêncio se
estende, exceto pela música que toca nas caixas de som do bar.
É The Night Is Still Young da Nicki Minaj. Pelo canto do olho, noto
nossos dois melhores amigos dançando, mesmo com a ausência de uma
pista de dança. 
As mãos de Dave passeiam pela cintura de Claire e ele cochicha
algo no ouvido dela, arrancando-lhe uma gargalhada. O sorriso que minha
amiga dá para o quarterback é o mais bonito que já vi. É aquele tipo de
sorriso de quem tem a certeza que vai passar o resto da vida ao lado daquela
pessoa.
— Eles são um casal e tanto, não é? Quase me faz acreditar de volta
no amor.
Keeran chega de repente, o quadril encostado no balcão. Reed e eu
viramos o rosto ao mesmo tempo. Ele tem em uma das mãos um copo de
bebida, enquanto, na outra, um tipo de camarão. Eu nem sabia que eles
estavam servindo frutos do mar.
— Quase?
— Você sabe como funciona a minha vida, Scott. Nada de
relacionamentos sérios. — Dá uma mordida no camarão. — Mas, quem
sabe, para você eu possa abrir uma exceção. O meu quarto fica no mesmo
andar que o seu.
Reed grunhe.
— Quando você vai parar de dar em cima da minha namorada,
Flanagan?
— Até vocês dois pararem de mentirem para si mesmos. — Levanta
as mãos em rendição. — Estou ficando cansado. O meu estoque de flertes já
está acabando e vocês continuam nesse mesmo joguinho de gato e rato.
— E como exatamente deveríamos estar?
Keeran passa as mãos pelo cabelo e bebe um gole da cerveja, se
afastando do balcão. Assim como os outros meninos do time, ele veste uma
camisa de botões e calças jeans. A única diferença são as tatuagens que
recobrem a pele do seu braço em locais espalhados, dando um ar de garoto
cheio de problemas e com um passado misterioso.
— Diga-me você, Scott. — Keeran gesticula para a camiseta que
uso. — Como você gostaria de estar esta noite?
E da mesma forma que surgiu, Keeran se afasta. Ele se mistura no
mar de pessoas ao nosso redor, mas a ausência dele não apaga o impacto da
pergunta que fez.
— Não liga para o que Keeran fala — Reed diz perto do meu
ouvido, mas sem me tocar. — Ele está zoando com a gente.
Giro sobre os calcanhares e esquadrinho o semblante de Reed. Ele
está tão bonito e gostoso que parece uma miragem.
Como que eu vou resistir a esse homem até o final do nosso acordo?
Não vou. Essa é a resposta. Não agora que eu sei o gosto que a boca
dele tem.
— E se eu ceder, Reed? — Jogo a pergunta. — O que acontece?
Reed avança para cima de mim.
Eu posso jurar que ele vai me beijar aqui, no meio de todas as
pessoas. Entretanto, o que ele faz é o completo oposto. Os dedos se fecham
ao redor do meu pescoço em um aperto delicioso e a boca paira sobre a
minha, o ar quente escapando por entre os lábios.
— Você quer ouvir a resposta ou quer que eu faça?
Puta merda.
Aprumo a coluna e pressiono os seios no seu peitoral. Mesmo com o
sutiã, sinto os mamilos ficarem intumescidos e apontarem contra as duas
camadas de tecido. Eles estão doidos para serem tocados e chupados pela
língua de Reed.
— Eu quero que você faça.
Não leva mais do que cinco segundos para Reed reagir. Ele encaixa
os dedos ao redor do meu pulso e me puxa para fora da banqueta.
Caminhamos por entre as pessoas e rumamos para os fundos do bar, onde a
iluminação é mais baixa. Reed não hesita em nenhum momento. Ele abre a
primeira porta e nos empurra lá para dentro, fechando-a em um clique.
Demoro curtos segundos para me dar conta de que estamos no banheiro
feminino.
Quando nossos olhares se encontram, não sei ao certo o que pensar.
Ele mantém as costas pressionadas contra a porta, me impedindo de
fugir, e os braços cruzados em posição defensiva. A camisa está com os
dois primeiros botões abertos, revelando um pedaço da pele ainda
bronzeada do verão, e as mangas foram dobradas para cima, na altura dos
cotovelos.
O tecido adere ao seu porte atlético de um jeito que me dá água na
boca e faz a minha boceta se contrair em expectativa. Os pensamentos de
Reed, aparentemente, seguem o mesmo caminho, porque ele me analisa
com atenção da cabeça aos pés, mordiscando o cantinho do lábio inferior.
— Venha aqui.
Ele faz um sinal com o dedo, pedindo para que eu me aproxime.
E eu obedeço.
Meus pés se arrastam pelo piso até que estejamos novamente de
frente um para o outro. Reed empurra meu cabelo para trás e os prende em
punho, puxando minha cabeça para trás. A ação é tão inesperada que acabo
arfando em surpresa.
— Eu vou perguntar para você apenas uma vez e quero que me
responda com sinceridade, okay? — manda, de um jeito tão rude que
começo a ficar molhada.
Concordo com um aceno, mas não parece bastar. Reed dá mais um
leve puxão e meus pés se contraem dentro das botas. Eu não sabia que
podia despertar esse seu lado — e muito menos, gostar.
— Eu quero ouvir da sua boca, Anne — exige.
— Eu vou responder com sinceridade, Reed — confirmo, a voz
arranhando as cordas vocais.
Reed curva discretamente a boca em um sorriso convencido e usa a
outra mão, a que não está presa em meus cabelos, para apertar a minha
bunda. É o lugar favorito dele no meu corpo, não tenho dúvidas. E tenho
que confessar que estou ansiosa para ele me estapear do mesmo jeito que
fez dentro do seu carro.
Foi quente.
Foi excitante.
Foi gostoso pra cacete.
— Eu vou te beijar de novo. Vou te beijar até que esquecemos o
nome um do outro. Vou te beijar quantas vezes forem necessárias para que
você nunca se esqueça por que cedeu para mim. E, dessa vez, não quero que
saia correndo ou diga que é tudo a merda de um fingimento — murmura e
aproxima as nossas pélvis. — É isso que você quer, Anne?
Encaro os olhos felinos de Reed. Ali há um tipo de fogo que poderia
incendiar não somente esse banheiro, mas o hotel inteiro.
— Sim.
Minha confirmação é o que basta para que tudo ao nosso redor
exploda.
Reed emite um gemido e puxa a minha boca para sua, afundando os
dentes no meu lábio inferior. Eu solto um arquejo em resposta, as pernas
ficando molengas somente com o primeiro contato que não chega nem perto
do que já fiz com outras caras. Contudo, com Reed, a intensidade não me
abandona em nenhum segundo sequer.
Ele faz valer a pena o começo e o fim.
A língua brinca com a minha, dançando em um tipo de provocação
que se assemelha a nossa relação. É como se ele estivesse me convidando
para assumir o controle da situação, mas sem deixar de me entregar por
completo.
Eu gosto de como as coisas funcionam entre a gente, desse jeito que
me confunde e me preenche de forma simultânea.
Afasto minimamente os lábios e aponto para a fechadura.
— Tranca a porta, Reed.
Ele estica o braço e gira a chave. O clique é o único som que
precisamos ouvir para que voltemos a nos beijar. Eu impulsiono as pernas
para cima e o corpo dele compreende de imediato. As duas mãos grandes se
firmam em minha bunda e me puxam para seu colo.
Nessa posição, minha calcinha resvala no tecido da calça jeans, que
já evidencia o volume surgindo por debaixo dela, e eu aproveito a
oportunidade para rebolar o quadril em um círculo, desejando sentir o seu
pau.
Reed e eu engolimos um gemido e a boca suga com mais força a
minha, desnudando a minha alma. Ele desliza os lábios molhados por minha
mandíbula e desce em direção ao pescoço, dando ali uma mordida que
certamente vai deixar uma marca no dia seguinte.
— Você me deixa tão louco, porra. — Dá um passo para frente, sem
nenhuma dificuldade, e desfere um tapa na minha bunda. — Você ao menos
tem noção do que faz comigo?
Fecho os olhos e mordo o lábio inferior quando Reed me coloca
sentada sobre o granito gelado da pia. As mãos retornam para os meus
joelhos, os entreabrindo. Os dedos dedilham o interior das pernas, subindo
lentamente para dentro das coxas.
Começo a ficar impaciente.
Ao notar a minha expressão, Reed paralisa os dedos. A boca paira
sobre a minha e fecho os punhos no colarinho da sua camisa. Quero
arrancar esse tecido e senti-lo pressionar cada parte minha sem nenhum
tecido nos atrapalhando.
— Eu não vou ceder para você se continuar brincando comigo,
Reed.
— Não vai? — Arqueia a sobrancelha e uma das mãos sobe, se
escondendo embaixo da minha saia jeans. — Nem mesmo se eu me ajoelhar
aqui e te chupar?
Porra.
Empino o queixo e uso de toda a confiança que tenho dentro de mim
para dizer:
— Não.
A risada irônica vem seguida de um dar de ombros, divertido.
— Isso é o que nós vamos ver.
Reed não espera que eu dê uma resposta à altura. Ele se ajoelha em
câmera lenta e ergue o rosto, me observando de baixo. A imagem é muito
mais sensual do que imaginei. Os lábios molhados e inchados por causa do
beijo, as bochechas coradas e as pupilas dilatadas fazem minha boceta ficar
molhada.
E ele ainda nem fez nada.
Sou puxada para a beirada e os dedos voltam a subir, se infiltrando
por debaixo da saia jeans. Ao chegar na altura da calcinha, Reed brinca com
o polegar no centro, sentindo a umidade que se acumula no tecido rendado.
Não tem mais como mentir. Não quando ele me dá um sorriso
arrogante e distribui uma mordidinha no meu joelho.
— Se eu me lembro bem, você tinha dito que não ficava molhada
para mim.
Contraio a barriga.
— E eu não fico.
— E essa boceta molhada é para quem, então?
Sugo o ar com uma única lufada e fecho a mão ao redor da beirada
do balcão.
— Para qualquer um, menos para você.
Reed faz um biquinho descontente e o polegar faz uma pressão
maior contra a minha intimidade. O tecido rendado da calcinha pinica, me
deixando ainda mais impaciente.
Ele continua a me provocar; dessa vez, com a boca se fechando no
interior da minha coxa esquerda. A língua desliza por minha pele em
círculos imaginários e minha mão voa para sua cabeça, prendendo os fios
de cabelo entre os dedos.
Meu pescoço arqueia para trás e afogo um gemido quando o nariz
paira sobre a minha boceta. Ele inspira e empurra o tecido da saia para
cima. O tecido do jeans se acumula na minha cintura e, simples assim, estou
exposta para Reed, com uma fina camada de renda me mantendo
parcialmente escondida.
— A quem está tentando convencer, Anne? — Abre mais as minhas
pernas. — A mim ou a você?
— Isso importa agora? — resmungo, em um nítido mau humor.
Reed não me responde, apenas age.
Sou puxada para a beirada da pia e os polegares se engatam nas
laterais da minha calcinha, a puxando para baixo. Ele não tem nenhuma
dificuldade em deslizar a renda molhada por meus joelhos e finalmente
pelos meus pés.
Ao tê-la em mãos, leva-a ao nariz e inspira baixinho.
Cacete.
Por um momento, cogito a possibilidade de eu mesma me tocar
diante dessa cena. Afundar o dedo em minha entrada e acariciar o clitóris
com o polegar, gemendo de boca fechada para que ele não saiba as reações
que consegue causar em mim.
Ao notar o meu olhar sobre o seu, Reed me direciona um meio-
sorriso e guarda a calcinha dentro do bolso traseiro da calça jeans.
— Isso aqui fica comigo até segunda ordem — declara e abaixa as
vistas para a minha boceta descoberta. — Porque imaginar você voltando
para aquele bar sem essa calcinha é excitante pra cacete.
Quem dispensa uma resposta dessa vez sou eu. Puxo-o pelo tecido
da camiseta, obrigando-o a ficar de pé, e o beijo com força, puxando o lábio
inferior entre os dentes, para logo em seguida afundar a língua na sua boca.
Nós dois gememos em uníssono e, com os dedos trêmulos, desabotoo mais
dois botões da sua camisa. Deslizo a palma da mão por seu peitoral,
sentindo os músculos se contraírem.
Hoje, eu amo que Reed seja um atleta.
Ele volta a apertar as minhas coxas e eu me abro ainda mais em um
convite mais do que bem-vindo.
— Ainda estou esperando você me responder — sibila em um
rosnado quando se afasta abruptamente. A expressão dele é um poço de
tesão e sedução. — Porque só depois disso eu vou enfiar meus dedos dentro
de você e te chupar do jeito que eu sei que você gosta.
Qual era a merda da pergunta mesmo? Minha cabeça é uma nuvem
de fumaça.
— Não consigo me lembrar da pergunta.
Ele arqueia uma das sobrancelhas, ponderando se refaz a pergunta
ou me deixa no escuro. A minha sorte é que Reed escolhe a primeira opção.
— Essa boceta molhada é para quem?
Ah.
— Para você. Só para você e para ninguém mais.
— Boa garota. — Sorri e se ajoelha novamente, mantendo a atenção
fixa na minha intimidade descoberta. Estou tão molhada que posso senti-la
pulsar com o mero olhar que recebe. — É assim que eu gosto que as coisas
funcionem entre a gente, Anne. Não quero ver você fingindo.
Reed não me dá a chance de formular nenhum tipo de pensamento.
Simplesmente dá um tapa na minha boceta e insere um dedo. Eu dou um
grito estridente, não esperando que ele já fosse começar dessa maneira.
Mordo o interior da bochecha com força e qualquer chance que eu
tivesse de manter a minha sanidade intacta se estilhaça em inúmeros
pedacinhos quando ele afunda mais um dedo e os curva levemente para
cima, tocando um ponto que me faz revirar os olhos.
Estou tão úmida que não há nenhuma dificuldade. Ele desliza para
dentro sem encontrar nenhuma barreira no caminho.
Me contraio ao seu redor e afundo os dedos em seu ombro quando,
com o polegar, Reed começa a massagear o meu clitóris em movimentos
circulares. A pressão é perfeita e capaz de me derrubar no chão a qualquer
instante.
Não tem como eu sair viva daqui.
Meu quadril começa a dançar, acompanhando o ritmo do vai e vem
dos dedos dele e da pressão aplicada no meu clitóris. Mas eu quero mais.
Preciso de mais. Não vou conseguir gozar assim e a última coisa que eu
quero é sair desse banheiro frustrada.
Reed vai ter que ir até o fim.
— Eu quero sua boca em mim — exijo ao sentir mais um dedo
entrar. Três dedos dentro de mim. — Me chupa, Reed.
Ele inclina o pescoço para trás, me sondando de baixo com as
pupilas dilatadas. Com todos os botões da camiseta aberta e o pau ereto se
destacando no tecido da calça, eu não tenho dúvidas de que estou vivendo
um tipo de sonho. Não tem como ser real.
Não quando Reed espalma a mão livre na minha bunda e me puxa
para o limite da beirada da pia. Estou sustentada por poucos centímetros.
— Finalmente você aprendeu, Anne. — Abaixa o rosto e desliza o
nariz para cima e para baixo em minha virilha. O seu jeito de torturar é o
mais sujo que já vi. — É só você pedir que eu faço.
Ele caí de boca na minha boceta sem hesitar, fazendo exatamente o
que pedi. A língua sobe e desce por toda a minha extensão, os dedos
sincronizando os movimentos dentro de mim enquanto me contorço, o
quadril não conseguindo ficar quieto.
Quando meu clitóris é sugado, estrelas minúsculas se formam no
canto dos meus olhos. Afundo as unhas nos ombros de Reed e prendo o
tecido entre as palmas, um gemido nada bonito sendo liberado.
— Agora eu quero saber... — Reed murmura, os lábios molhados
com a minha excitação, os dedos ainda saindo e entrando em um ritmo
enlouquecedor. Manter minhas pálpebras abertas é uma tortura. — Quando
eu te fizer gozar, você vai continuar aqui comigo?
Puta merda.
Ele precisa parar de falar assim comigo.
Não consigo acompanhar a linha dos seus pensamentos quando há
três dedos dentro da minha boceta. É o jogo mais cretino de todos e que,
infelizmente, combina perfeitamente com Reed Rollins.
— Eu quero que você me responda, Scott.
Arqueio a coluna para trás e respiro fundo, entreabrindo as
pálpebras. Reed permanece de joelhos, a mão livre mantendo as minhas
pernas abertas e os cabelos bagunçados nas mais diferentes direções.
— Eu não vou a lugar nenhum.
O sorriso malicioso exprime o orgulho ao ouvir a minha declaração
e, como eu tanto desejei durante toda a noite, ele encaixa minhas pernas ao
redor do seu pescoço e avança novamente, sugando tudo de mim.
Dessa vez, os dedos são substituídos por sua língua. Ela adentra a
minha entrada, enquanto o polegar dedica-se ao meu clitóris já inchado.
Meus fluidos escorrem por sua boca e me puxam para cada vez mais
perto do orgasmo. O costumeiro formigamento começa a se formar em meu
ventre e eu rebolo na boca de Reed, deixando que ele invista mais fundo
dentro de mim.
— Reed, eu...
Ele desliza novamente a língua por toda a minha extensão molhada
e esse é o golpe final. Minhas coxas se apertam ao redor do seu pescoço e
eu explodo, gemendo alto e gozando na sua boca.
Recosto minha cabeça no espelho e relaxo os dedos, deixando Reed
livre do meu aperto enquanto um pedaço da minha alma é drenado para
longe.
Minha pulsação acelerada fica ainda mais confusa quando Reed
resvala os lábios molhados nos meus, deixando que eu sinta o gosto do meu
próprio gozo. Esse gesto é de uma intimidade tão grande que me pego
abrindo um minúsculo sorriso.
— Você não estava brincando quando disse que iria me chupar do
jeito que eu gostava.
Reed empurra meu cabelo suado para trás e acaricia minhas
bochechas com carinho, me reverenciando logo depois de acabar com cada
partícula de resistência que eu ainda poderia ter. Não existe nenhuma
possibilidade de eu ir embora e deixá-lo para trás.
— Esse é apenas o começo, Annie. — Retorna ao apelido e beija a
pontinha do meu nariz. — Porque eu, com certeza, ainda não terminei com
você.
 
 
“Você sabe, eu não consigo suportar”
I Put A Spell On You | Nina Simone
 

 
Reed e eu estamos dentro do elevador logo depois dele proporcionar
o melhor orgasmo da minha vida. Ainda posso visualizar as estrelas no
canto dos meus olhos e o leve tremular do meu joelho. Não que eu vá
admitir qualquer um desses detalhes para ele. Vou levar cada um deles
comigo até o túmulo.
Se eu elevar ainda mais o ego de Reed, não duvido que logo ele vai
atravessar a estratosfera dentro de um foguete.
Quando o elevador apita que estamos no sétimo andar, caminhamos
em direção ao quarto. Nossos passos repercutem pelo silêncio do corredor.
A maioria dos jogadores do time continuam no bar do hotel, determinados a
celebrar a vitória até o amanhecer. Dave e Claire, curiosamente, sumiram
logo depois que Reed e eu saímos do banheiro.
— Você não precisava me acompanhar até o quarto, sabia? — Insiro
o cartão no leitor. A porta é aberta em um clique. — Poderia ter ficado lá
embaixo com os outros meninos.
Uma das sobrancelhas grossas se ergue em um arco perfeito.
— Estou cansado, joaninha. Foi um jogo difícil, a única coisa que
eu quero é tomar um banho e me jogar na cama.
— Bom, então...
Minha dispensa é vista de outra forma e, inesperadamente, Reed cai
na gargalhada, o pescoço pendendo para trás. Quando volta a olhar para
mim, as bochechas estão coradas e há um sorriso zombeteiro dançando em
sua boca.
— Acho que você não entendeu ainda, Annie... — Se aproxima e
empurra a porta para trás, abrindo-a totalmente. Ele dá mais um passo para
frente e eu recuo, entrando no cômodo escuro. — Mas esse quarto é para
nós dois. Vamos dormir juntos, como um casal deve fazer.
Meus olhos se arregalam e eu me afasto mais um pouco, tateando a
parede em busca do interruptor. Reed aproveita o momento e entra de vez
no quarto, fechando a porta com um chute. Estamos agora na densa
escuridão e eu não vejo absolutamente nada.
Aguço os ouvidos, procurando escutar qualquer som, mas a quietude
predomina, exceto pelo galopar vergonhoso do meu coração.
— Reed?
Nada.
Movo meus pés para trás, sem saber ao certo para onde seguir. Pelo
o que lembro, a cama fica no extremo oposto e, do lado esquerdo, há a porta
que dá acesso ao banheiro. O grande problema é que não faço ideia se estou
a poucos passos da cama ou do outro lado do quarto.
— Isso não tem graça, sabia? — resmungo e cruzo os braços. — Se
é o seu jeito de me aterrorizar para que ceda o colchão para você, saiba que
não vai dar certo. Eu não cedo fácil.
Um grito agudo me escapa assim que as mãos de Reed se fecham ao
redor da minha cintura e a boca dá uma mordida de leve no meu pescoço, a
língua trilhando um caminho perigoso até a orelha.
— Você gosta de bancar a difícil comigo, hein? — ronrona e
empurra meu cabelo para trás, respirando baixinho na minha pele. —
Quando você vai entender, de uma vez por todas, que eu gosto de ser
desafiado?
— Gosta de correr atrás de quem não está nem aí para você?
Ele ri e infiltra os dedos por debaixo da minha camiseta.
— Gosto de conquistar o que já sei que é meu — me corrige ao
prender o lóbulo da minha orelha entre os dentes. Minha boceta desperta
embaixo da saia, sem nenhuma calcinha para mantê-la protegida desta vez.
— Eu sou sua, então?
Reed demora para responder. As mãos exploram o meu corpo,
subindo e descendo por minhas costelas, o polegar brincando com o arco do
sutiã, mas sem avançar de fato.
— Me responda você. — Reed me vira de frente para o seu corpo
com um único movimento. Como estamos no escuro, não consigo visualizar
o seu rosto, mas tenho certeza de que está sorrindo. — Você já é minha? Ou
eu vou ter que me esforçar mais um pouco?
— Talvez você deva fazer uma forcinha a mais. Estou facilitando as
coisas demais para você.
— Você não faz ideia do quanto você é difícil de lidar.
— Você está me insultando por acaso? E no escuro ainda, para não
correr o risco de levar um soco no nariz? Você é patético.
Reed ri.
— Eu não ousaria. Gosto do meu nariz, mas também gosto de você.
Sugo o ar em uma lufada única.
O bom das luzes estarem apagadas é que ele não pode ver a careta
que estou fazendo. Eu ter deixado as coisas avançarem entre nós não
significa que estou pronta para me desnudar dessa forma.
Não quero me entregar por inteira, muito menos me permitir sentir
qualquer sentimento grande demais por ele.
— Não torne isso maior do que é — suplico e subo com as mãos,
parando-a na altura dos ombros largos. Reed é gigante.
— E o que é isso entre a gente?
— Algo casual. Um bônus pelo nosso namoro falso.
Reed fica quieto em primeiro momento. A primeira reação que ele
tem é mover as mãos pela minha cintura e parar na altura do pescoço. A
segunda é encaixar os polegares ali, massageando de leve.
— É isso que você quer, Annie?
Concordo, desejando poder ver o rosto dele e saber exatamente o
que está pensando. Ler Reed é fácil. E talvez seja por isso que estejamos
tendo essa conversa no escuro. Com as luzes acesas, nos tornamos
vulneráveis.
— Sim.
Ele abaixa as mãos e dá um passo para trás.
— Que assim seja.
Então, ele acende a luz com um leve toque no interruptor. Demoro a
me acostumar com a claridade do quarto, mas quando meus olhos
conseguem focar nos de Reed, um friozinho se apodera da minha barriga.
Existe um tipo de calor dilatando as pupilas dele que estou notando
pela primeira vez.
Ele passa a língua pelos lábios e leva a mão ao bolso traseiro da
calça jeans. De lá, tira a minha calcinha. A calcinha que levou ao nariz e
cheirou, gemendo logo em seguida.
Puta merda.
Pensar nessa cena me deixa com vontade de empurrá-lo para cima
da cama, subir em seu colo e gozar de novo com a sua boca irritante na
minha boceta. O calor aquece as minhas bochechas e tenho certeza de que
ele compreende o rumo dos meus pensamentos, porque dá uma risadinha
arrogante.
— Esqueci de falar para você... — Gira a calcinha no polegar e a
arremessa em cima da cama. — Mas há uma chance de azul ser a minha cor
favorita agora.
O tecido rendado, na cor azul, se destaca na colcha branca da cama
de casal.
— Desistiu da ideia do vermelho?
Reed discorda com um aceno de cabeça, os olhos devorando o meu
corpo de cima a baixo. Mesmo usando a saia jeans e a camiseta com o seu
nome nas costas, me sinto nua diante da intensidade que emana de suas íris.
— Guarde as suas lingeries vermelhas para a próxima vez —
declara autoritário e contorna meu corpo, rumando para o banheiro. Antes
de entrar no cômodo, no entanto, ele me observa sobre o ombro. — Porque
haverá muitas para eu tirar a sua roupa no futuro. Eu não vou desistir de
você, Annie.
Como de costume, ele não me dá a chance de responder. Entra no
banheiro e fecha a porta. Mesmo com o silêncio me rodeando, ainda sinto
suas palavras flutuando no ar, atingindo em cheio o único lugar que quero
manter intacto: o meu coração.

Uma hora e meia depois, estou saindo do banheiro com os cabelos


secos e um pijama confortável. Reed está esparramado na cama, as mãos
cruzadas atrás da cabeça e não usando nada além de uma calça de moletom.
É uma merda ter que admitir, mas não consigo desviar o olhar.
O abdômen é feito inteiramente de músculos, com os seus gominhos
se destacando e terminando em um V que leva diretamente para aquele
lugar. Os braços também são uma visão e tanto. Os bíceps se destacam
devido às inúmeras horas de treino e de esforços físicos no gramado.
Repentinamente, fico com vontade de passar a minha língua por
cada um deles.
Balanço a cabeça em negação e abraço meu próprio corpo,
desejando que a cama fosse muito maior. É um jogo sujo ele ter alugado um
único quarto para nós dois — ainda mais depois do que aconteceu no
banheiro do bar. Se não estivéssemos fingindo ser um casal, eu certamente
teria ido até a recepção e implorado de joelhos por um quarto só para mim.
Mas já que estamos metidos nessa farsa, não me resta escolha.
— Está com medo? — Reed pergunta com o seu jeito provocador,
me lançando um sorriso ladino e dando um tapinha no espaço vago ao seu
lado. — Prometo que não vou tentar te seduzir com o meu pau mágico.
Bufo pelo nariz e me aproximo, me sentando na beirada do colchão.
— Até porque eu duvido que ele seja capaz de fazer milagres.
Preciso muito mais do que um pau mágico para ser seduzida.
Reed puxa um travesseiro, colocando-o atrás do pescoço.
— Meus dedos dentro de você, por exemplo?
A vermelhidão da vergonha inunda as minhas bochechas e
arremesso o travesseiro livre em sua direção. Reed dá risada, se divertindo
com a situação.
— Agora você está com vergonha? — Ele estreita os olhos em uma
fenda e estende o braço para mais perto de onde estou sentada. — Vem cá e
deita comigo, Annie.
Hesito, embora eu saiba que não tenha outras opções. Dormir no
chão não me soa nada confortável e obrigar Reed a sair da cama depois de
um jogo como o de hoje seria maldade. O corpo dele deve estar todo
detonado e dolorido.
Me desfaço das pantufas e me acomodo ao seu lado. Mantenho a
barriga para cima, encarando o teto. O perfume de Reed me rodeia, assim
como o calor do corpo dele. É impossível ignorar a sua presença,
especialmente com o braço nu roçando no meu.
— Nada de pilha de travesseiros entre a gente hoje? — pergunta
baixinho.
Eu me viro no colchão, ficando de frente. Reed mantém os olhos
castanhos nos meus, analisando cada detalhe com atenção. O foco se
mantém por minutos a mais na minha boca e me vejo entreabrindo os
lábios, desejando — bem lá no fundo — que ele me beije de novo.
— Confio em você.
— Decisão horrorosa — debocha e empurra uma mecha do meu
cabelo para trás. — Com uma pilha de travesseiros entre a gente ou não, eu
nunca iria fazer algo que você não quisesse.
— Ah.
— Sempre me dando pouco crédito — diz. — Não sou tão ruim
assim, Annie. Na maior parte do tempo, não costumo ser um babaca.
— Exceto quando nos conhecemos — relembro-o e Reed faz um
movimento com o queixo, pronto para discordar. — Nem vem com esse
papo. A gente não tinha nem trocado duas palavras direito quando você
soltou aquela frase horrorosa para cima de mim.
— Eu estava nervoso.
— Com o quê?
— Por estar perto de você.
— Não seja ridículo.
Reed sopra o ar pelas narinas e se aproxima, o nariz tocando a
minha testa. Eu tento manter as minhas mãos paradas, mas quando me dou
conta, elas estão deslizando por seu peitoral, acompanhando o contorno dos
músculos. Eles estão tensos embaixo da minha palma.
— Estou falando a verdade, joaninha. — Um gemido escapa de sua
boca quando toco em um ponto dolorido da sua costela. — Você não faz
ideia do quanto consegue ser intimidadora quando quer. E naquela noite,
porra, você poderia ter me chutado na bunda que eu não iria reclamar.
— Estou começando a achar que você gosta de sadomasoquismo.
O nariz dele se move em minha testa, indicando que está negando
com um balançar de cabeça.
— Eu gosto de você, Anne Scott. É diferente.
Reprimo a vontade de erguer a cabeça e encarar as suas vistas. É
difícil compreender o que ele realmente quer dizer com essa frase e que tipo
de resposta espera de mim.
Devo dizer que também gosto dele? Ou permanecer quieta? É difícil
saber.
— Você está falando sério ou...
— Zoando com você? Posso fazer outras milhões de coisas com
você, Annie, mas zoar não é uma delas. — Gentilmente, meu queixo é
inclinado para cima. Nossos olhares congelam de encontro um ao outro. —
Posso fingir quando estamos na frente de outras pessoas, mas quando
estamos sozinhos, como agora, eu não consigo.
Mordo o interior da bochecha.
— Você realmente estava nervoso quando nos conhecemos, então?
Ele me dá um meio-sorriso.
— Você não faz ideia do quanto. Se eu pudesse voltar no tempo,
agiria de outra forma com você. Não foi nada legal da minha parte.
— Não foi mesmo. Um dos motivos para eu te odiar foi por causa
daquela noite.
— E agora? Você ainda me odeia?
— Se eu disser que sim, o que você vai fazer?
Ele toca a ponta do meu nariz e sorri, as covinhas surgindo.
— Tentar fazer você mudar de ideia, é claro. Eu já te falei, não vou
desistir. Não até conseguir o que eu quero.
— E o que você quer?
Reed pressiona os lábios em uma linha reta, o sorriso
desaparecendo. As mãos descem por meus ombros, me acomodando
novamente entre os seus braços. Descanso a bochecha no peitoral dele,
ouvindo o coração bater contra o meu ouvido. É uma melodia que deixa
minhas pálpebras pesadas de sono.
Longos minutos se passam e começo a desconfiar de que ele não vai
me dar uma resposta. O sono, gradativamente, se apodera de mim e, quando
estou quase sucumbido a escuridão, escuto-o dizer, a voz abafada por causa
dos meus cabelos:
— É insano você ainda não ter se dado conta, Annie. Mas acho que,
na hora certa, você vai descobrir.

Estou sentada em uma das inúmeras cadeiras do shopping da praça


de alimentação. 
O time inteiro retornou para Maple Hills com o ônibus dos Rebels
Of Horizon logo pela manhã, mas Claire e eu decidimos ficar em West
Falmouth até o almoço. Ela insistiu para que conhecêssemos a cidade e
fizéssemos algumas compras. Dentro de algumas semanas, Dave vai
conhecer, de forma oficial, a família dela. E como é algo especial, ela quer
uma roupa inesquecível.
Rodamos a maioria das lojas e Claire não economizou nas
possibilidades. Há cinco sacolas em cada uma das cadeiras vagas da nossa
mesa. Eu comprei apenas um vestido preto e um conjunto de lingerie
vermelho.
Não sei porque fiz isso.
Mas, quando me dei conta, eu estava imaginando a reação de Reed
quando me visse usando-a. 
Batuco com as unhas no tampo da mesa e balanço o pé, impaciente.
Claire está com a atenção fixa no hambúrguer que está comendo, meio
inerente ao turbilhão de pensamentos que batucam na minha cabeça.
Eu ainda não consegui nem tocar no meu almoço.
— Você não vai comer? — Ela abaixa o hambúrguer e bebe um gole
do refrigerante pelo canudinho. Os olhos de águia me escrutinam através da
borda do copo. — Podemos pedir outra coisa, se você quiser. Eu pago.
Sacudo a cabeça.
— Posso te pedir um conselho?
Os lábios delineados com batom roxo, que agora desbota no centro,
se esticam em um sorriso animado. Ela abaixa o copo e se acomoda melhor
na cadeira, ajeitando a blusa de babados ao redor dos ombros, revelando a
pele negra-escura e a pequena tatuagem de beija-flor nas clavículas.
— Finalmente você decidiu abrir essa boca e me pedir um conselho.
Eu já estava ficando ansiosa com essa sua inquietação desde que nos
encontramos para tomar café da manhã no hotel.
Crio coragem através de um suspiro longo.
— Reed e eu nos beijamos na noite do seu aniversário — despejo a
informação de uma vez só e antes que ela tenha a chance de responder,
emendo: — A gente discutiu no dia seguinte, porque eu falei uma merda
bem feia depois que ele me beijou. E como se não bastasse, ele me chupou
no banheiro do bar ontem e dormimos abraçados durante à noite.
Claire bem que tenta esconder, mas noto o esforço para esconder
uma risadinha. O mais estranho é que ela nem parece surpresa com o que
acabei de contar.
— E o que mais?
— Não sei o que estou fazendo, Claire — desabafo. — Reed é ...
intenso demais. Quando estou com ele, é difícil dar voz aos meus medos.
Não penso nas consequências. Elas surgem apenas no dia seguinte. E
mesmo que eu tenha cedido para ele na noite anterior, não consigo parar de
pensar que estou deixando as coisas irem longe demais.
— E por causa disso você está surtando.
— Você não estaria?
Minha amiga empurra o copo de refrigerante e o hambúrguer para o
canto da mesa, esticando o braço sobre a superfície e remexendo os dedos
para que eu faça o mesmo. Ela entrelaça as nossas mãos.
— Pode soar assustador, mas não há problema em se arriscar de vez
em quando, Anne. Não somente na vida profissional e acadêmica, como
você gosta de fazer, mas também na vida amorosa — diz. — E eu sei que
você tem medo de perder o controle da situação, mas quando achar que esse
lance entre você e o Reed estiver indo além, é só dizer para vocês pararem.
Ele não vai te amarrar no pé da cama e te obrigar a manter algo que não está
interessada.
— Será que não?
— Até parece que você não o conhece. Estamos falando de Reed
Rollins, afinal de contas. — Inclina a cabeça para o lado. — Ele tem essa
pose de mimado que conquista o que quer e que não liga para nada, mas ele
te respeita, Anne. Eu vi a maneira como vocês têm convivido nessas
últimas semanas. É mais do que um namoro falso.
— E o que seria?
— A possibilidade de estarem gostando um do outro.
Nego repetidas vezes, meu cabelo quase se soltando do coque
improvisado que fiz.
— Impossível. Gostar de Reed já vai além dos meus limites.
Claire encolhe os ombros e solta as minhas mãos. Mesmo com a
franja da peruca loira cobrindo uma parte do seu olhar, noto que há um
traço de discordância cintilando mais do que a sombra brilhosa que ela
escolheu usar.
— Gostando ou não, você não precisa se preocupar tanto. — Bebe
um gole da bebida e indica com o queixo para que eu faça o mesmo. —
Deixe acontecer naturalmente e se, porventura, sentir que precisa
estabelecer limites, assim faça. Só não deixe de viver algo legal. Nunca vou
te perdoar por isso.
Mostro a língua e coloco o canudinho no meu refrigerante.
Aproveito para encher a minha boca de bebida e assimilar os seus
conselhos. O que ela disse faz muito sentido e ainda me dá a oportunidade
de manter as coisas dentro dos meus parâmetros.
A relação entre mim e Reed já é um acordo e se eu conseguir manter
assim, melhor será. Não somente para mim, mas para ele também.
Engulo o refrigerante e aprumo a coluna.
— E você não precisa de um conselho também, por acaso?
Ela ri da minha rápida mudança de assunto nada discreta e pesca
uma batatinha, mergulhando-a dentro do molho e depois dando uma
mordida.
— Já tirei as medidas das garotas e também dei início na costura das
roupas sustentáveis para o desfile antes das férias de final de ano, mas
preciso que você me ajude com alguns detalhes, como o anúncio nas redes
sociais e, quem sabe, um comunicado na rádio universitária convidando os
alunos da USVL para prestigiarem o evento. — Claire bate com a ponta da
unha no queixo pontudo. — Ah, e antes que eu me esqueça, é importante
frisar que o desfile vai ter o apoio de várias instituições.
Concordo com um aceno.
— Eu dou conta de tudo, não se preocupe. Preciso apenas que você
me passe todas as informações. Se quiser, posso também entrar em contato
com algum fotógrafo para a data do evento e elaborar um briefing para as
assessorias de imprensa.
— Você ainda pergunta? É claro que eu quero! — Dá um pulinho
animado na cadeira. — Caramba, esse desfile vai ser perfeito! Se eu não
conseguir um ótimo estágio depois disso, vou ficar extremamente chateada.
— Você não vai conseguir só um, mas vários — digo com um
sorriso animado.
— A gente pode se encontrar na quinta, então, para acertar esses
detalhes?
Tiro o meu hambúrguer da embalagem e experimento um dos
bacons.
— Quinta, na cafeteria do campus?
Claire sorri, animada.
— Combinado! — Empurra a bandeja com as batatas fritas. —
Agora come. A gente não vai embora até a sua barriga estar cheia de
comida.
Sopro a minha franja para o lado, irritada, mas faço o que ela
manda.

O sábado está quase no fim quando bato na porta do quarto de Reed.


Escuto seus passos do outro lado e, poucos segundos depois, as dobradiças
rangem. Ele surge diante de mim, usando somente uma calça de moletom e
uma regata fina.
— Annie?
Cruzo os braços e me balanço para frente e para trás sobre os pés
descalços.
— A gente pode conversar?
Reed faz uma expressão de suspeita, mas dá um passo para trás, me
convidando para entrar. A última vez que estive no seu quarto foi há
semanas, mas o ambiente continua idêntico.
O computador está ligado em cima da cama, junto com outros
livros, indicando que ele estava estudando antes de eu entrar. Reed os
empilha em cima da escrivaninha e faz um sinal para que me sente no
colchão. Quando minha bunda está acomodada na colcha, ele se junta a
mim, mas apoiando as costas na cabeceira.
— Ao que devo a sua estimada presença? Veio me mostrar a sua
coleção de lingeries?
Mostro a ele o dedo do meio e puxo as pernas para cima, me
sentando em posição de yoga.
— Eu vim conversar. De verdade. — Friso a última frase. — Nada
de lingeries ou seja lá o que esteja passando por essa sua cabeça de formiga.
Reed dá uma curta risada e faz um floreio com a mão.
— Sou todo ouvidos. Inunde os meus tímpanos com a sua voz de
anjo angelical.
— Você não consegue levar nada a sério?
Ele arqueia a sobrancelha direita.
— Não depois do que aconteceu em West Falmouth.
A mera menção à cidade faz o meu pulso palpitar.
A minha sorte foi que, ao despertar hoje pela manhã, Reed já tinha
ido embora do quarto de hotel. Acordei com uma mensagem sua no meu
celular, avisando que o ônibus já estava de saída para Maple Hills e que a
gente se via em casa depois.
Ele não sabe, mas o tempo que passamos longe foi essencial para eu
organizar os meus pensamentos e pedir conselhos para Claire. Preciso
assumir o controle da situação para sentir que esse relacionamento estranho
não tome um caminho perigoso demais.
— É sobre isso que quero conversar com você.
Reed trava a mandíbula e desvia o olhar, os ombros descendo. A
expressão risonha e divertida dá lugar à preocupação.
— Não sei se quero ouvir — reclama. — Vai ser uma merda?
Belisco a perna musculosa dele de brincadeira.
— É claro que não. Só quero esclarecer as coisas e deixar a nossa
consciência limpa. — Procuro por seus olhos e, como ele continua a encarar
a janela, eu me inclino para frente. Viro seu rosto, obrigando-o a olhar para
mim. — Eu não vou te dar mais um fora, se é nisso que você está pensando.
Reed finge um suspiro de alívio.
— Até porque eu acho que não resistia a dois foras em uma única
semana, joaninha.
— Você está sendo dramático pra cacete.
A cabeça dele oscila para o lado e a mão entremeia-se entre os meus
fios de cabelo em uma carícia que me deixa menos na defensiva. É como
se, com o passar do tempo, Reed estivesse aprendendo como perfurar as
minhas barreiras e se aconchegar, timidamente, na minha vida.
— Não gosto de ter o meu coração pisoteado. Você é conhecida por
ser impiedosa.
— Gosto de fazer as coisas do meu jeito — corrijo-o. — E não
costumo ceder para as pessoas.
— Devo me sentir privilegiado?
Balanço os ombros de forma despretensiosa e coloco as mãos sobre
os seus ombros, criando sustento. Reed, como nunca perde a oportunidade
de ter as mãos sobre o meu corpo, me puxa para o seu colo.
— Quero te relembrar que isso aqui não é um namoro de verdade —
murmuro, apontando para o peito dele e depois para o meu. 
Ele agarra a minha mão, beijando a ponta dos meus dedos e
mordiscando a ponta do mindinho.
— O que é, então?
— Eu já te disse, Reed. — Faço uma pausa, não querendo
demonstrar o efeito que ele causa em mim. — Um bônus pelo nosso
namoro falso.
Ele assente em compreensão, mas continua a brincar com os meus
dedos, seguindo em direção ao pulso. Quando Reed exala a respiração
contra a minha pele, manter os arrepios escondidos dentro de mim se torna
uma tarefa impossível.
Meu corpo fraqueja e escuto a risadinha debochada, aquela que já
ouvi inúmeras vezes desde que nos conhecemos.
— Mais alguma coisa, Annie?
— Eu decido quando esse... lance termina entre a gente — declaro,
a voz firme. — Sou eu que determino as regras aqui.
— Sempre tão mandona. — Faz um barulhinho de discordância com
a boca e coloca a minha mão sobre o seu coração. Ele bate
descompassadamente. — Bônus pelo nosso namoro falso e você decide
quando eu devo parar de te chupar. — Dá um sorrisinho diante da minha
careta. — Nós temos um novo acordo, então?
— Sim, Reed. Nós temos.
Ele puxa meu quadril para frente e nossas pélvis esfregam de
encontro uma na outra.
— Isso quer dizer que eu posso te beijar agora?
— Pode, Reed. Você pode me beijar.
Reed se limita a sorrir e inverte os nossos corpos, minhas costas
atingindo os travesseiros em que ele estava deitado até agora. Minhas
pernas se abrem, dando espaço para que ele se acomode entre elas, e as
mãos pousam no colchão, criando sustento.
Ele me observa de cima com um tipo de reverência que me deixa
inquieta. A ponta dos meus seios pinicam e se destacam sob o tecido da
camiseta, ansiosos para receberem o mesmo tipo de atenção.
— E pensar que, até umas semanas, você estava louca para
arremessar um abajur na minha cabeça — provoca e roça o quadril no meu
em movimentos lentos.
— Eu ainda posso arremessar. Você sabe disso, certo?
Reed elimina um muxoxo e se inclina.
A distância que nos separa é minúscula. Cada parte minha está
pressionada contra a dele. Sou uma formiguinha escondida embaixo de uma
montanha de músculos e um ego gigantesco que poderia ser palpável.
— O novo acordo não permite esse tipo de violência.
— Quem disse?
— Eu. — As sobrancelhas dele dançam em divertimento. — Tenho
direito a acrescentar cláusulas novas, hum? Também estou envolvido nesse
acordo e vou defender pela minha sobrevivência.
— Cala a boca e me beija de uma vez, Rollins.
— Você quem manda, Scott.
Diferente das outras vezes, Reed me beija como se estivesse
determinado a me levar até o topo do mundo. A língua mergulha de
encontro a minha boca e sinto o seu gosto, uma combinação deliciosa entre
creme dental, menta e café.
Gemo, desejando que essa mistura não seja esquecida por mim
jamais.
As mãos, então, se deslocam para a minha cintura, empurrando o
tecido da camiseta para cima e se infiltrando por debaixo do tecido. Os
polegares passeiam pelas costelas e chegam na altura dos meus seios ainda
cobertos pelo sutiã. De repente, começo a me arrepender por tê-lo colocado
antes de vir para o seu quarto.
Empurro meu quadril para cima e giro-o, sentindo o pau já ereto
cutucar a minha coxa. Reed suspira em minha boca e puxa meu lábio
inferior entre os dentes, mordiscando-o. Eu entreabro as pálpebras e
encontro as íris castanhas com as pupilas dilatadas fixas em mim.
Reed exala desejo, sedução e luxúria.
— Passa a noite aqui comigo? — ele pede baixinho no meu ouvido.
Minha boceta pulsa para aceitar o seu pedido.
Mas a minha consciência ganha a batalha desta vez.
— Não acho que seja uma boa ideia.
Empurro uma mecha do seu cabelo castanho escuro para trás. Há
um arranhão no centro da testa, provavelmente devido ao jogo de sexta.
— Com medo de não conseguir resistir a mim?
Aproximo nossas bocas e sopro o ar quente. Reed se contrai abaixo
das minhas mãos, os músculos tensionando por debaixo da regata. A
maneira que ele me afeta é na mesma intensidade em que consigo mexer
com ele.
— Você não faz ideia do quanto.
A resposta dele é me beijar de novo.
 
 
“Quando você está bonita assim, eu simplesmente não consigo resistir”
fOoL fOr YoU | Zayn
 

 
Estou sentado no Medi Del Mar, o restaurante favorito do meu pai
em North Groove.
Como de costume, marcamos de nos encontrar para o almoço. Para
a minha total surpresa, ele está atrasado, algo que não costuma acontecer.
Ricky é a pessoa mais pontual que conheço.
A última vez que estive aqui foi no início de setembro, algumas
semanas antes da temporada de jogos começar. O curioso é que, desde
aquele dia, a minha vida sofreu uma reviravolta surpreendente. Chega a ser
irônico o quanto um boato espalhado despretensiosamente é capaz de
bagunçar a cabeça de uma pessoa.
Batuco com os dedos no tampo da mesa e dispenso o garçom
quando ele pergunta se quero beber algo. Leva quase dez minutos para que
eu veja Ricky estacionar o carro em frente ao restaurante e saltar para fora,
arrumando o paletó e a gravata.
No momento em que ele se acomoda na cadeira em frente à minha,
trocamos um olhar silencioso. A expressão em seu rosto cansado não é nada
agradável. É um aviso da tempestade que se aproxima. Vai ser um almoço
difícil. Principalmente pelo fato de que não o vi no jogo em West Falmouth,
mesmo com ele dizendo  que estaria lá.
— Como você está? — pergunta em um tom frio. — Não tive
notícias suas desde a vitória contra os West Panthers.
— Estive ocupado — respondo e pego o cardápio, criando uma
barreira segura. — É um momento importante do campeonato. Não quero
perder o foco.
Ricky deixa escapar uma risada de puro deboche e empurra o meu
cardápio para baixo. Ele me fulmina com um tipo de ódio latente.
— Você não parece estar tão focado como diz, Reed. Tenho estado
de olho em você.
Um balde de água com gelo me atinge e instantemente, eu sei.
Eu sei que Ricky esteve no jogo de sexta.
E sei que ele me viu com Anne no bar do hotel.
E não duvido que ele saiba o que tenha acontecido entre a gente
naquele banheiro também.
— Tenho frequentado todos os treinos e melhorado cada vez mais a
minha performance no campo — retruco. — O que você quer além disso? 
Ele arqueia a sobrancelha com fios grisalhos.
— O que você quer da vida, Reed?
— Ser draftado pelo New England Patriots.
— E o que mais?
— Ser um jogador tão bom quanto você.
Meu pai concorda com um leve aceno e cruza os braços sobre o
peito largo.
— E o que a garota quer da vida?
A raiva cresce dentro de mim.
— Ela se chama Anne.
Ricky faz um movimento com a mão, como se estivesse pouco
interessado no que estou falando. Anne poderia ser uma mosca que ele não
hesitaria em enxotá-la para fora.
— O nome pouco me importa. Quero saber quais são os objetivos
dela.
Trinco os dentes.
— Por que você mesmo não pergunta? Essa é a oportunidade
perfeita para você encurralá-la com os seus questionamentos e procurar por
algum tipo de humilhação. — A palma da minha mão formiga. — Por que,
nos últimos anos, você tem feito isso muito bem, não é?
Ricky aperta os lábios em uma dura linha e as feições congelam
duramente. A imagem se assemelha a de quando ele brigou comigo pela
primeira vez por não atender às suas expectativas.
Curiosamente, desta vez, não me sinto afetado. Não vou deixar que
ele humilhe ou destrate Anne. Ele não vai fazer com ela o mesmo que faz
comigo. Esse fardo é totalmente meu.
— Você não está entendendo — ruge, mas em um tom baixo para
que não sejamos ouvidos pelos outros clientes. — Não é isso que eu desejo
para você.
— Pode apostar que estou entendendo muito bem, pai.
Ele sorri amargamente.
— Claramente entende, então, quando digo que não quero que você
perca o foco do que realmente importa por causa de uma garota
insignificante.
Xingo mentalmente um palavrão.
— E correr o risco de me casar e ter um casamento de merda como
o seu? — debocho. — Eu dispenso a sua preocupação. Ela pode ir para a
puta que pariu.
A pose tranquila de Ricky se perde de imediato. As sobrancelhas se
franzem e as rugas se acentuam no centro da testa, o músculo do maxilar
pulsando em impaciência. As mãos se fecham em punho e as narinas
dilatam quando ele respira fundo e expira profundamente.
— Olha como você fala comigo, Reed. 
Sacudo a cabeça e arrasto a cadeira para trás, ficando de pé. Essa é a
primeira vez que o encaro de cima, sem me sentir nada intimidado.
— E olha como você fala da minha namorada. — Espalmo as mãos
sobre o tampo da mesa. Sinto olhares curiosos arderem em minhas costas.
— Você não vai tratá-la do mesmo jeito que trata a mim e ao Aaron. Guarde
suas merdas para si mesmo, porque eu estou indo embora.
— Se der mais um passo, não espere que eu seja condescendente
com você. Está agindo como uma criança mimada.
Reprimo a vontade de rir na sua cara.
— E o que vai fazer? Me comprar com o seu dinheiro para eu cale a
boca e suma da sua vida como você fez com o Aaron? — Estalo a língua no
céu da boca, contente por vê-lo congelar na cadeira. — Você não vai fazer
isso, é claro. Porque eu sou o seu legado, não é?
Ricky permanece em silêncio conforme trocamos um olhar que, se
fosse semanas atrás, certamente teria me feito abaixar a cabeça e me sentar
novamente na cadeira. Entretanto, dessa vez, não vou recuar. Essa briga não
é somente por causa de Anne, mas por tudo o que tenho aguentado nesses
últimos anos.
Estou esgotado e cansado de fazer as coisas por ele e não por mim.
— Você vai se arrepender disso, Reed. — A ameaça oculta não me
passa despercebida. — É um erro colocar uma garota acima do que você
quer para a vida.
— E se for ela quem eu quiser de verdade?
Ele move o rosto para o lado e massageia a barba.
— Você abriria mão do futebol americano por causa de uma garota?
— questiona. — Esse relacionamento pode não durar, Reed. Já uma
carreira, é para a vida toda. Ela nunca vai te abandonar, porque depende
exclusivamente de você.
— Você pensou assim quando decidiu se divorciar da Noreen?
Sei pouquíssima coisa sobre o casamento de Ricky com Noreen.
Como eu era criança, minha percepção sobre a relação dos dois era inocente
demais. Na minha cabeça, eles estavam felizes e sendo os pais perfeitos
para mim. Não havia riscos de eu viver uma vida com um deles ausente.
Mas aconteceu.
A pergunta, curiosamente, parece despertar também uma onda de
memórias em meu pai. Ele massageia a ponta do nariz e sobe em direção
aos cabelos, empurrando-os para longe da testa. Quando volta a me
observar, a resposta está estampada em cada ruga de expressão.
Suspiro pelo nariz e visto novamente a jaqueta jeans. É inacreditável
como meu pai é um merda. Qualquer inspiração que ele poderia me
fornecer acabou de virar um monte de lixo.
— Não sei por que fiz essa pergunta. Eu vou embora.
Para a minha total surpresa, Ricky não se opõe. Não levanta da
cadeira, não tenta me convencer a ficar e tampouco se move. Ele só me
chama uma última vez e eu lanço um olhar frio sobre o ombro.
— Não se esqueça do jantar — relembra. — Dianna ainda quer
conhecer você e vai preparar algo especial.
Assinto, mesmo a contragosto.
— Não se preocupe. Eu estarei lá.
Não espero que ele formule qualquer tipo de resposta, apenas viro as
costas e vou embora, consciente de que essa discussão mudou tudo entre
nós.

Volto para casa desejando esquecer as últimas horas.


Fiz o percurso de North Groove até Maple Hills com as mãos
segurando fortemente o volante, sentindo a ponta dos nós dos dedos ficarem
brancos e os pulsos latejar de dor.
Esse domingo entrou para um dos piores dias da minha vida. Posso
até sentir o gosto de bile na boca.
Entretanto, me esforço a deixar a merda do meu mau humor para
trás quando destranco a porta e penduro a jaqueta no cabideiro do vestíbulo.
Me desfaço também dos tênis, das chaves do carro e da carteira, ficando
somente com o celular.
O cheiro de pipoca predomina no ar e sigo até a cozinha. Abro
automaticamente um sorriso ao ver Anne de costas para mim, os cabelos
presos em um coque bagunçado enquanto rebola o quadril de um lado para
o outro.
Me aproximo e pouso as mãos ao redor do seu quadril. Ela dá um
gritinho assustado, mas relaxa ao notar que sou eu. Enterro o nariz no
cabelo loiro, inalando o perfume de morango. Anne é o meu paraíso na
Terra. Não há outra definição.
— Não ouvi você chegar. Faz quanto tempo que voltou de North
Groove?
— Foi agora há pouco — digo e mordisco sua orelha. — Mal entrei
e já fui atraído pelo maravilhoso cheiro de pipoca.
Anne dá uma risada e se vira, ficando de frente para mim. Faço um
esforço para mascarar a minha irritação, mas devo ter falhado, porque ela
massageia o meu cenho, desfazendo o nó.
— Como foi lá?
— Não quero falar disso agora.
Ela concorda com um aceno e aponta para a vasilha de pipoca em
cima do balcão da pia.
— Eu estava pronta para ver um filme. Quer ver comigo?
Sorrio.
— Você ainda pergunta? — Belisco a sua cintura de brincadeira e
ela se esquiva para o lado, fugindo de mim. — Porque, se eu me lembro
bem, a gente tinha combinado de ver os nossos filmes favoritos juntos.
Ficou faltando o seu.
— Eu precisava de um tempo para me recuperar depois da gente ver
um filme gravado em 1986. Minhas vistas não estavam preparadas para
algo com tão baixa qualidade.
— Você se acha muito engraçadinha, hein?
— E você adora esse meu jeito que eu sei.
Resmungo em discordância, embora nós dois saibamos que o que
ela disse é verdade. O único detalhe que mantenho para mim é que eu adoro
Anne por completo. As piadas ruins, o senso de humor duvidoso e a
maneira terrível de sempre me tirar do sério. O combo inteiro que vem com
a sua presença.
Faço um sinal para que Anne pegue a vasilha e procuro duas
latinhas de refrigerante na geladeira. Uma Coca-Cola de cereja para ela, sua
favorita, e uma Coca-Cola Diet para mim. Nada de cerveja, porque temos
aula amanhã.
— Vamos, Annie — digo e dou um tapinha na bunda dela,
empurrando-a em direção à sala. — Vamos ver o que você tem aí.
Anne me mostra a língua e faz um sinal para que eu me acomode no
sofá, colocando a vasilha de pipoca entre as minhas pernas, enquanto as
latinhas estão no apoio de braço.
Ao me sentar, constato que nossa altura fica quase a mesma, embora
ela permaneça de pé diante de mim, as mãos apoiadas na cintura. Fofa pra
cacete.
— Hoje você vai ver o que é uma produção de verdade, Reed.
— Top Gun – Ases Indomáveis é um clássico, joaninha. Você que
não soube apreciar a magnitude do amor de Maverick e Charlotte.
Anne faz uma careta e pega o controle remoto em cima da mesinha,
abrindo o aplicativo da Netflix na televisão.
— Para mim, o amor ficou em segundo plano. Só vi aviões pra todo
lado. O romance tem que ser a estrela do filme.
— O amor é a estrela do filme — insisto e me acomodo melhor
entre as almofadas, deixando um espaço livre para ela se sentar.
Logo em seguida, Anne joga o corpo ao lado do meu, subindo com
as pernas no estofado.
— Só se for o amor do Maverick por aviões — rebate e os olhos
astutos encontram os meus.
Com somente a luz do abajur lateral aceso, o rosto dela fica
parcialmente encoberto pela sombra, deixando-a estranhamente sedutora.
Os lábios entreabertos livres de batom me dão vontade de lambê-los e
depois mordiscá-los até ficarem inchados.
O pior de tudo é a regata de alcinhas. Sem sutiã, consigo ver os
mamilos pressionando o tecido fino. Ainda estou doido para tê-los na minha
boca.
— Reed?
Ergo a vista. Anne está sorrindo, daquele jeito que me faz ter certeza
de que ela me pegou no flagra fazendo coisa errada. Pigarro e aperto seu
joelho. 
— É possível amar duas coisas ao mesmo tempo — argumento
contra a sua reclamação, rapidamente lembrando da discussão que tive com
o meu pai horas atrás. Quanta ironia. — Agora coloca a droga do seu filme
favorito. Quero só ver o que de tão extraordinário ele tem.
Anne se empolga e clica em alguns botões do controle, dando play
no filme.
— Você vai vivenciar a melhor obra cinematográfica já feita.
— Cinquenta Tons de Cinza?
— Não é hoje que você vai ver o Christian algemando a Anastácia.
— Estica o braço e mergulha a mão dentro da vasilha de pipoca. — A noite
de hoje é dedicada à história de amor mais clássica e antiga de todas. Mas
de um ponto de vista diferente.
— Para de fazer mistério, Scott. Coloca logo o filme. 
— Tudo bem. — Prolongas as sílabas e faz um barulhinho de
suspense. — Pronto?
— Mais do que pronto.
Ela, finalmente, dá play no filme e deixa o controle no minúsculo
espaço vazio entre nós. Sentada ao meu lado, os braços se agarram em uma
almofada e as pernas se esticam, os dedinhos do pé se agitando,
entusiasmados.
Mantenho a atenção fixa na televisão, a primeira cena se
desenrolando. Não faço ideia de que filme é esse, mas deve ser mais recente
que Top Gun. Acho que é com a Hillary Duff.
Depois de alguns minutos, a personagem corre pelo gramado e o
nome do filme é revelado.
A Nova Cinderela.
— Ah, não! — Pego o controle e pauso o filme. Anne dá um
gritinho. — Eu não vou assistir isso.
— Como não?
— Vai além dos meus limites.
— Corta essa, Reed. — Gesticula para a televisão. — Eu assisti
aquele filme horrível de aviões com você. O mínimo que você pode fazer é
ver o meu filme favorito comigo.
— Você disse que era uma versão diferente de uma história de amor
clássica.
— Cinderela é um clássico — pontua, cruzando os braços. — Para
de ser chato e assiste. Aposto que você vai gostar.
Faço bico.
— Impossível. 
Anne suspira alto.
— O protagonista é jogador de futebol americano.
— Ele é?
Ela assente.
— Por isso que eu sei que você vai gostar. Agora dá play, Reed. A
gente está perdendo tempo e daqui a pouco os meninos vão chegar.
— Com uma condição — digo, baixando o tom de voz.
Anne vira o rosto para mim, o cenho franzido.
— Quando esse clichê ambulante acabar, você vai me deixar te levar
para um encontro de verdade.
— Você está falando sério?
Uso a ponta dos dedos para afastar uma mecha que escapou do seu
coque e aproveito para acariciar a bochecha corada. Anne fecha levemente
as pálpebras e pousa a cabeça no encosto do sofá, se desfazendo diante de
mim. Nada de muros impenetráveis entre a gente hoje, então.
— O novo acordo permite esse tipo de coisa, eu espero.
Ela entreabre as pálpebras e me encara sobre os cílios compridos.
— Permite isso e muito mais — murmura, baixinho.
Resfolego.
— Não me dê ideias, Annie.
Anne se remexe no sofá e os joelhos afundam no estofado. O coque
no cabelo é desfeito e as mechas loiras caem ao redor dos ombros expostos,
em um tipo de véu. Assisto, compenetrado, a visão diante de mim.
— Não estou dando ideias. — A ponta dos dedos passeiam por
minha perna. — Estou te dando passe livre.
Pela primeira vez em anos, não reajo de imediato. Ergo as vistas e
procuro pelas de Anne. Elas dizem um milhão de coisas, me convidando
para entrar. Dessa vez, não há nenhum tipo de medo ou insegurança.
Então, a compreensão da situação me atinge feio um raio.
Anne está cedendo para mim.
— Puta merda.
Empurro a vasilha de pipoca para longe e a puxo para o meu colo. A
risada dela é logo calada pela minha boca afundando de encontro a sua. Não
quero saber de mais nada, porque tenho ansiado por esse momento há
tempo demais.
De um jeito nada gentil, rodeio os dedos ao redor do pescoço esguio
e faço uma mínima pressão. Anne entreabre os lábios, ofegando em
surpresa, e aproveito para deslizar a língua sobre a sua.
Devoro o seu sabor, a sua boca teimosa e a minha vontade de fodê-
la contra a parede.
Meu corpo queima na sua presença.
As unhas de Anne se entremeiam no meu couro cabeludo e curvo o
quadril para cima, permitindo que ela sinta o que causa em mim. Meu pau
endurece, aos poucos, embaixo da calça, desejando saltar para fora e
afundar dentro dela, até o fundo.
Não sei quanto tempo vamos aguentar essa situação. Na real, não sei
quanto tempo o meu pau vai aguentar essa tortura. Anne Scott um dia ainda
vai acabar comigo.
Ela parece compartilhar do mesmo pensamento, porque os joelhos
se espaçam mais e a bunda rebola em meu colo, fazendo círculos com um
único objetivo: me deixar louco de tesão.
Afugento um gemido angustiado e aperto a sua cintura em um sinal
de aviso. Os olhos se abrem e ela me encara cheia de tesão. Anne
praticamente está implorando para que eu arranque a sua calcinha com os
dentes e foda a sua boceta gulosa.
— Você quer que eu pare?
— Nem pense nisso, Anne.
Ela estremece sobre mim quando escuta o seu nome verdadeiro ser
proferido.
— Eu gosto quando você me chama assim — murmura, empurrando
a pélvis contra a minha. Meu pau está duro feito aço. — Faz parecer real.
Dedilho a sua barriga e continuo a tracejar a pele até alcançar os
seios escondidos pela fina regata. Os mamilos se destacam no tecido e eu os
prendo entre os dedos, fazendo uma pequena pressão. Anne geme de
imediato, o pescoço arqueando para trás.
— Se eu te fizer gozar assim, vai parecer ainda mais real?
Anne mordisca o cantinho do lábio inferior e assente. Mas eu não
quero só isso. Quero que ela diga com todas as palavras. Quero ouvi-la
entoar cada uma das sílabas para que eu jamais possa me esquecer desse
momento.
Separo os seus lábios com os meus e uso a língua para brincar com
o cantinho deles.
— Sim ou não? — Circulo o polegar ao redor do mamilo,
acompanhando o ritmo exato do seu quadril. — Estou esperando você me
dizer o que, exatamente, devo fazer.
— Sim — sibila com dificuldade. — Vai ficar real pra cacete se
você fizer me gozar com as suas mãos, Reed.
Sorrio em satisfação e volto a devorá-la. Anne devolve o beijo de
forma esfomeada e perigosa, nos puxando em direção a um limite que vai
ser difícil de resistir. Meu pau lateja e sinto a gota do pré-gozo umedecer a
minha cueca.
Deixo que ela assuma, parcialmente, o controle da situação.
Enquanto meus dedos brincam com os seios, Anne empurra a minha
camiseta alguns centímetros para cima e arranha o meu abdômen. A
sensação arranca um gemido abafado da minha garganta e a sinto sorrir
entre o beijo.
Mesmo envolvidos em uma nuvem de luxúria, ainda gostamos de
provocar um ao outro.
E eu adoro isso pra caralho.
Mordisco um lugarzinho em especial do pescoço que a faz revirar os
olhos e, quando estou prestes a sussurrar algo em seu ouvido, paraliso.
Tem alguém descendo as escadas.
Anne compreende de imediato. No entanto, diferente de mim, ela
pensa rápido. Me puxa para mais perto do seu corpo, me prendendo em um
tipo de casulo, e nos empurra em direção ao chão.
Estou tão perdido que acabo cedendo sem perceber. Só me dou
conta que caímos no tapete quando minha bunda quica e Anne rola para o
lado, quase parando embaixo da mesinha de centro.
Que porra?
— O que vocês estão fazendo aí no chão?
Apoio os cotovelos no chão e lanço um olhar sobre o sofá para
Mason. Ele mantém os braços cruzados na altura do peito e nos observa em
desconfiança. Se tivéssemos nos enrolado um segundo a mais, teria dado
merda.
Afugento uma risada com o pensamento e digo a primeira coisa que
me vem à cabeça:
— Estamos procurando o brinco da Anne.
Mason move o olhar para Anne e as sobrancelhas se franzem.
— Ela está usando os dois.
— Ah, é outro brinco — Anne quem responde. — Meu brinco da
sorte.
Meu amigo balança a cabeça repetidas vezes e agradeço
mentalmente pelo sofá impedir que ele veja o volume no meio das minhas
pernas. Não teria como inventar uma mentira a respeito de um pau duro.
— Aham, sei. — Inspeciona a televisão com o filme pausado, a
pipoca na vasilha e as almofadas bagunçadas. — Estou de olho em vocês,
seus esquisitões.
Mason vai embora, provavelmente seguindo para a cozinha, e
quando temos a certeza que estamos novamente sozinhos, Anne e eu
caímos na gargalhada.
— Brinco da sorte, hein?
Ela me dá o dedo do meio e flexiona os joelhos, se levantando.
Quando vê o meu pau se destacando no tecido da calça jeans, uma risada
arrogante é liberada.
— Se eu fosse você, daria um jeito nisso aí.
— Pode apostar que darei, joaninha. — Me apoio no sofá e fico de
pé também. — E vou me certificar de que você ouça.
 
“Geme para eu ouvir, aproveita que ninguém está aqui.
Dentro de você, quero sentir, desce como eu peço pra eu assistir”
202 | Kweller (part. Enzo Cello)
 

 
O começo da semana passa como um borrão. Faço minha inscrição
no estágio do PK Journal, trabalho exaustivamente na lanchonete, visito a
minha mãe em Sunbay, ligo para o meu irmão e entrego dois trabalhos de
Jornalismo Econômico. Agora, na quinta, estou sentada com Claire na
cafeteria do campus, ajudando-a a acertar os principais detalhes sobre o
desfile.
É um processo cansativo, mas sei que vai valer a pena no final.
Nesta tarde, a nossa mesa está uma bagunça. Claire se mantém
debruçada sobre o seu caderno de desenhos enquanto eu converso com um
fotógrafo por e-mail. Já redigi também um briefing e fiz anotações sobre os
detalhes mais importantes do evento.
Brinco com a caneta entre os dedos e bebo um gole do café.
Minha amiga faz o mesmo, empurrando o caderno para longe e
deitando a cabeça no meu ombro. Assim como eu, Claire está exausta. Há
olheiras inchadas demarcando a sua pele negra-escura que nem mesmo a
maquiagem foi capaz de esconder.
— Eu daria de tudo para dormir, sei lá, 12 horas seguidas e acordar
com tudo resolvido. — Suspira. — Preciso de uma folga.
— Você precisa descansar, amiga. Vai para casa e relaxe. Assista o
seu filme favorito e pede uma pizza — aconselho-a. — Você não vai
conseguir trabalhar desse jeito. Vejo seus olhos pesando daqui.
Ela faz um biquinho em decepção, mas acaba concordando com um
aceno. 
— Acho que é melhor mesmo. Minha cabeça está prestes a explodir.
— Eu te mando um e-mail depois com todos os detalhes do desfile,
não se preocupe — digo. — E se eu souber que ficou acordada até tarde
trabalhando escondido, vou puxar o seu pé à noite quando menos esperar.
Claire dá risada, mas sabe que estou falando sério. Ela ajeita as
coisas dentro da bolsa, pede mais um café para o garçom e vai embora
alguns minutos depois, se despedindo com beijinhos.
Estou dando uma última checada nos documentos quando o meu
celular vibra em cima da mesa. Meu coração galopa quando vejo a
notificação brilhando na tela. Abro a mensagem sentindo um tipo esquisito
de frio na barriga. 
Zangão: Tô aqui no vestiário do time. Vem pra cá.
Anne: O treino já acabou?
Zangão: Acabou faz tempo, mas eu fiquei treinando até depois com
o Turner.
Franzo o cenho, desconfiada, e mais uma mensagem chega.
Zangão: Vem logo, joaninha. Tenho uma surpresa para você.
Anne: Envolve comida?
Os pontinhos embaixo do nome de Reed pulam para cima e para
baixo por vários segundos, depois param e voltam.
Que merda ele está aprontando?
Zangão: Depende do seu ponto de vista.
Faço um bico com os lábios, embora ele não possa ver.
Anne: ?????
Zangão: Vem logo. Não tenho o dia todo, porra.
Dou risada ao ler a mensagem e, mesmo achando suspeito, faço
exatamente o que ele pede. Guardo o meu computador dentro da bolsa e
bebo o restante do café, deixando uma gorjeta em cima da mesa.
A última vez que estive no vestiário do time foi quando o boato
explodiu na minha cara e na de Reed. Naquele dia, eu não prestei atenção
ao meu redor de tanta raiva, mas agora, enquanto empurro a porta de metal,
noto que o lugar se encontra silencioso, exceto pelo barulho do chuveiro.
Deixo a minha bolsa em um dos bancos de metal e sigo para a parte
de trás dos armários, que é onde ficam as cabines de banho. Dessa vez, não
há cheiro de suor pungente ou de cuecas molhadas.
— Reed? — chamo, ficando na ponta dos pés, mas não recebo
nenhuma resposta.
Caminho a passos lentos até o fim das cabines, encontrando-o na
última. Ele está de costas para mim enquanto lava o cabelo, os músculos
das costas se contraindo em conjunto com os bíceps.
Pigarro alto o bastante para ele me escutar.
— Você me chamou aqui para eu te ver tomando banho? — Arqueio
a sobrancelha. — Porque, se sim, essa é uma surpresa horrorosa.
Reed se vira e abre um sorriso de covinhas quando me vê. Empurra
o cabelo molhado para trás e apoia os braços na parte superior da porta, me
analisando da cabeça aos pés.
Instantemente, me contraio por dentro diante da intensidade do seu
olhar. Ele nem se esforça para disfarçar o que está passando na sua cabeça.
— Te chamei para relembrarmos os velhos tempos.
— Isso inclui o treinador aparecendo de surpresa?
Ele discorda e faz um sinal com a mão.
— Vem cá, Annie.
Não me oponho. Como aconteceu na noite do hotel, eu caminho até
onde ele está. Reed está com boa parte do corpo coberto, mas ainda há uma
quantia generosa de pele exposta — e molhada. Dá para ver o contorno do
seu peitoral e o desenho das clavículas com gotículas de água implorando
para serem lambidas.
A diferença, da primeira vez que estive aqui, é que agora posso
fazer isso e muito mais. Posso não só lamber, como também chupar.
— Quero fazer hoje uma coisa que não pude fazer da primeira vez
que você esteve aqui — Reed diz e diminui a intensidade da água do
chuveiro. Os pingos caem lentamente no piso. — Você tem que prometer
fazer silêncio.
— Você está com medo que eu seja do tipo barulhenta?
A risada repercute pelo vestiário e a porta da cabine é destrancada
em um clique. O barulhinho faz o meu estômago se contrair. Quando ergo
as vistas, Reed me encara em um tipo de fome que conheço como a palma
da minha mão.
— Abre a porta — exige. — E entra aqui.
Puta merda.
Mordisco a ponta da minha língua, hesitando. O vestiário se
encontra vazio, exceto por nós dois, e como Reed disse, o treino acabou faz
tempo, então até mesmo o treinador já deve ter ido embora.
Engulo em seco e fecho meus dedos ao redor do pequeno trinco,
puxando a porta. Reed dá um passo para trás, me dando espaço e, antes que
eu tenha a oportunidade de desistir, a mão molhada se estreia ao redor da
minha cintura e sou puxada para dentro, a porta da cabine fechando em um
estrondo.
Minhas costas atingem a parede de azulejos e a umidade do
chuveiro se entremeia no tecido da minha camiseta. Reed apoia os dois
braços ao redor da minha cabeça, me encurralando como da primeira vez
que estive aqui. O perfume que emana do seu corpo se infiltra em minhas
narinas e faz os dedos formigarem.
— Posso te contar um segredo? — Reed questiona enquanto pingos
de água caem do seu cabelo em minhas bochechas. Não as seco; me limito
apenas a assentir timidamente. — Tenho pensado em você mais do que
gostaria de admitir. E de jeitos que não estavam em meus planos.
Mantenho meus olhos nos seus. Se eu olhar para baixo, não vou
conseguir criar nenhum pensamento coerente dentro das próximas horas.
— Posso te contar um segredo também? — Agrupo o máximo de ar
e exalo, criando coragem quando ele concorda da mesma forma que eu fiz.
— Eu tenho pensado a mesma coisa. E sabe qual a pior parte? Não sei
como parar.
Os dedos longos se firmam com mais força ao redor da minha
cintura e um sorriso convencido cresce na boca dele. Sem querer, me vejo
retribuindo o mesmo sorriso.
— Então, não pare, Annie. Porque eu também não vou.
Tenho que engolir o gemido quando sinto algo cutucar a minha
barriga. E, contrariando a mim mesma, eu olho para baixo. Minúsculas
gotículas de água escorrem pelos gominhos do abdômen e terminam no V
do seu quadril. Continuo a descer o olhar até terminar no meio de suas
pernas.
O pau de Reed está ereto, apontando para cima e com gotas de pré-
gozo umedecendo a sua glande. As veias proeminentes se destacam e fazem
a minha boca salivar para senti-lo dentro de mim, me fodendo nesse
chuveiro com o risco de sermos pegos por qualquer um.
Surpreendendo a mim mesma, essa ideia me excita pra caralho.
— Qual a chance de sermos descobertos? — pergunto em um tom
rouco.
Reed dá uma risadinha e pega a minha mão, colocando-a sobre o seu
pau. Sinto a excitação umedecer a ponta dos meus dedos e, só para provocá-
lo, começo a movimentá-los em uma carícia feita quase em câmera lenta.
Fecho, então, a palma ao redor da sua extensão e o gemido angustiado
perfura os meus ouvidos.
— A ideia de ser pega te deixa excitada?
As pupilas se fixam nas minhas e eu concordo com um aceno.
— Você não faz ideia do quanto, Reed.
Ele pragueja um palavrão quando começo a me abaixar, ficando de
joelhos diante do seu pau. A água do piso umedece o tecido da minha calça
jeans, mas pouco me importo. O desejo de tocá-lo é tão devastador que o
meu clitóris incha dentro da calcinha, tão ansioso quanto eu.
Umedeço os lábios com a pontinha da língua e movimento minha
mão para cima e para baixo. Meus dedos quase não se fecham ao redor do
membro grosso e inchado. Reed estica a coluna para trás e,
inconscientemente, empurra a pélvis para frente, o pau ficando a poucos
centímetros da minha boca.
O corpo dele implora, sem vergonha, pelo meu.
Levanto o rosto e pisco as pálpebras de um jeito inocente, minha
palma subindo e descendo por seu eixo. Uso o polegar para acariciar a
glande e espalhar o líquido pela ponta, deixando-o ainda mais molhado e
pronto para mim.
Não espero que Reed diga alguma coisa.
Apenas abro a minha boca e engulo o seu pau.
Ele assobia alto e apoia o braço no azulejo.
— Puta merda, Anne.
Sorrio internamente e rodeio a cabeça com a ponta da minha língua,
sentindo o gosto salgado. A água do chuveiro continua a cair, molhando
agora não somente a minha calça, como também a minha camiseta e o meu
cabelo. O vapor se condensa ao nosso redor, criando gotículas de suor atrás
da nuca.
Reed abaixa a cabeça e me encara de cima, enquanto eu empurro
seu pau cada vez mais para dentro da minha boca, saboreando-o. Volto para
a glande e a lambo com lentidão. Uso a mão livre para deslizar por seu
comprimento e reprimo a vontade de esfregar o meu clitóris para me aliviar.
— Você gosta do perigo, então — ele formula a frase com
dificuldade, as pálpebras tremendo. — Gosta de pensar que existe a
possibilidade de alguém entrar aqui e saber que você está com a boca no
meu pau, me deixando louco?
Pisco os olhos, assentindo.
Minha confirmação é o que basta para que Reed feche as mãos em
punho ao redor do meu cabelo molhado e empurre gentilmente a minha
cabeça para trás, me afastando. Eu choramingo em derrota.
— Sim — confesso.
Ele aperta o músculo do maxilar e usa o polegar para empurrar o
meu lábio inferior para baixo. Mordisco a pontinha e chupo seu dedo,
rodando com a minha língua. Reed se afasta logo em seguida e segura o
próprio membro na mão, a água deixando que o movimento fique ainda
mais escorregadio.
— Faça a gente ser ouvido, Scott — rosna, aproximando mais o
quadril do meu rosto. — Quero que a merda dessa universidade inteira
escute o que você consegue fazer comigo.
Abro um sorrisinho arrogante e dou a ele exatamente aquilo que está
me pedindo. Entreabro os lábios e o levo até o fundo da minha garganta,
alcançando um ponto que faz nós dois revirarmos os olhos ao mesmo
tempo. Ele aperta o punho ao redor dos meus cabelos e começa a guiar a
minha cabeça para frente e para trás, ditando o próprio ritmo.
— Você me deixa louco — sibila entre uma arfada outra,
bombeando em minha boca. — E um dia vai acabar comigo. Estou te
avisando, Anne.
Afasto a minha boca e lambo o seu pau por inteiro. Uso as mãos
para acariciar as suas bolas inchadas e suspiro entre uma lambida e outra.
Minha boceta se contrai dentro da calcinha, querendo também receber a
atenção que estou dando a Reed.
— Eu aguento — declaro e movo meu dedo para o seu ânus,
acariciando gentilmente, mas sem penetrar de fato. — A pergunta que fica
é: você aguenta?
Não quero ouvir a merda de nenhuma resposta.
Pego-o de surpresa e levo o seu pau o mais fundo que consigo e nós
dois assumimos o controle, mesmo que de um jeito bagunçado. Ele aperta
meu cabelo com mais força e busca apoio na parede, implorando para que
eu vá adiante.
Enquanto isso, eu me dedico a chupá-lo e massageá-lo, meus olhos
já começando a lacrimejar, assim como meus joelhos que estremecem em
cansaço. Reed estica o braço e abre mais o chuveiro para abafar os próprios
gemidos.
Ele não tem vergonha de mostrar o que está sentindo.
Reed se entrega de corpo e alma para mim.
— Se você não quer que eu goze na sua boca, você precisa parar.
Os olhos castanhos duelam, esperando por uma resposta negativa da
minha parte, mas eu me mantenho no mesmo lugar. Essa é a confirmação
que ele precisa para investir dentro da minha boca uma única vez e explodir
em um xingamento alto, mesclado com um gemido que a água do chuveiro
não é capaz de abafar.
O gozo quente enche a minha boca e eu engulo, ainda mantendo
minhas mãos em seu corpo. Vê-lo se desfazer diante de mim é um tipo de
cena que vai ser difícil de esquecer. A minha boceta parece concordar,
porque sinto a umidade inundar a minha calcinha.
Se Reed for checar com os próprios dedos, vai descobrir que estou
pingando e mais do que pronta para também gozar em sua língua.
— Acho que você já tem a sua resposta, Anne — ele relembra a
minha pergunta de segundos atrás quando abre os olhos e desfaz o punho ao
redor dos meus cabelos. — Eu não aguento.
O seu gosto está impregnado em minha boca e passo a língua pelos
lábios, não deixando que nenhuma gota do seu gozo fique para trás.
— Bom saber que posso acabar com você do mesmo jeito que você
acaba comigo.
Reed está prestes a me dar uma resposta e me ajudar a ficar de pé,
mas seu corpo congela diante de mim. Eu aguço meus ouvidos, procurando
ouvir algo, mas o vestiário se encontra silencioso.
Até um pigarro alto ecoar pelo pescoço.
— Achei que já tinha ido para casa, Rollins — o treinador Turner
entoa com frieza.
Eu me seguro para não dar risada. O pau de Reed está a poucos
centímetros do meu rosto, as veias saltadas e proeminentes por causa do
gozo recente. Tem até mesmo uma gotinha na ponta, implorando para não
ser esquecida.
— Já estava de saída, treinador — Reed diz. — Eu só vou terminar
o meu banho.
Reviro os olhos com a mentira mal elaborada e lambo a cabeça do
pau dele, me afastando logo em seguida. O joelho vacila, pego
desprevenido, e eu abafo uma risada com a palma da mão.
— Seja rápido. Se quer um banho que dure meia hora, vá gastar a
água da porra da sua casa — ele troveja e, escuto-o se afastar, mas acaba
parando. — E diga um olá para a sua namorada, a propósito. Eu sei que ela
está de joelhos entre as suas pernas, Rollins.
Reed não faz nenhum comentário e, segundos depois, me ajuda a
levantar. Minhas coxas estão dormentes, e a minha roupa, molhada. Estou
terrível da cabeça aos pés, mas nada se compara à expressão de pavor que
decora o rosto diante de mim.
— Não acredito que ele sabia que você estava aqui.
Dou de ombros.
— Ele não só sabia, como deve ter ouvido. — Fico na pontinha dos
pés e beijo rapidamente a sua boca. — Não era isso que você queria? Que
toda a universidade soubesse que você gozou gostoso na minha boca?
Reed chacoalha a cabeça e me abraça pela cintura, nos direcionando
para debaixo do chuveiro.
— Exceto o treinador Turner. É esquisito pra cacete — assinala. —
Ah, e a gente tem um jantar com o meu pai para ir.
Eu murcho em seus braços.
— Você sabe mesmo como acabar com um clima, Reed.
Ele dá uma risada e pega o sabonete, fazendo espuma e ensaboando
os meus braços nus.
— É que, se eu não esfriar a minha cabeça, vou acabar fazendo algo
que vou me arrepender.
Crispo as sobrancelhas.
— E o que seria?
A mão cheia de espuma se esconde por debaixo da minha camiseta e
sobe em direção aos meus seios, os massageando. O tecido branco está tão
molhado que consigo ver os meus bicos escurecidos se destacarem, como
também os dedos de Reed os apertarem entre si. 
— Te foder.
Apoio minha mão em seu peitoral. O coração bate aceleradamente.
— Eu não iria me opor. Você sabe disso, certo?
Reed exala a respiração em um sopro longo e descansa a testa contra
a minha. Nos encaramos através de uma pequena fenda, o castanho líquido
se chocando de encontro ao verde escuro.
Neste pequeno segundo, eu pertenço por inteira a ele. Deixaria ele
me foder em qualquer posição e arrancar cada pedaço da minha alma sem
nenhuma hesitação.
— Não nesse vestiário. — A boca encosta levemente na minha em
um beijo tímido demais para o que acabou de acontecer. — Os seus
gemidos são meus. Não quero que mais ninguém os ouça além de mim.
Sou incapaz de formular qualquer tipo de argumento que possa fazê-
lo mudar de ideia. A única coisa que faço é puxá-lo para um beijo enquanto
a água do chuveiro recai sobre os nossos corpos cansados.
 
 
“Estou cansado de amar de longe e nunca estar onde você está”
Car ’s Outside | James Arthur
 

 
A animação dentro do vestiário após o treino de sexta é contagiante.
Amanhã é Halloween, então boa parte do time já está garantindo a sua
presença na festa organizada pela Martial Kappa Tau, a fraternidade que
Dave faz parte.
— Você vai na festa, certo? — Mason pergunta, ao chacoalhar a
cabeça molhada do banho. — Não sei se confio no Keeran para voltar para
casa vivo.
Dou risada e visto a camiseta.
— Tenho que ver com a Anne. A gente nem lembrou dessa festa.
A real é que eu tenho estado desligado dos acontecimentos ao meu
redor. Minha cabeça anda confusa pra caralho depois que Anne ficou de
joelhos e me fez gozar nesse vestiário como se a sua vida dependesse disso.
Foi a melhor chupada que já recebi.
Mason prende os incisivos no lábio inferior e ergue a sobrancelha. A
expressão é idêntica à de quando viu Anne e eu caídos no tapete da sala.
— Sei... Vocês andam esquisitos. Vai me contar o que está rolando?
— Não está rolando nada — minto, torcendo para minha voz não
me denunciar. — Estamos mais próximos, só isso.
Ele assente e fecha a porta do armário.
— E acharam o brinco da sorte?
Desvio o olhar, para evitar dar uma risada.
— Encontramos. Tudo sob controle.
Mason volta a balançar a cabeça em concordância e encaixa a mão
no meu ombro. Nessa posição, sou obrigado a encará-lo de frente. Quero
dar um chute no tornozelo dele ao notar o sorriso de escárnio direcionado
para mim. 
— Se esforce para pensar em uma mentira melhor, Reed. —
Empurra meu ombro de brincadeira para trás, mas sem aplicar força o
suficiente. — Porque não vou fingir acreditar da próxima vez.
Faço um sinal de positivo com a cabeça e Mason contorna o meu
corpo, rumando para a saída do vestiário. Eu solto um suspiro e apoio a
testa no armário, sabendo que é uma questão de tempo para que Keeran e
Dave venham também me encher o saco.
Eles não vão pegar leve.
O burburinho de conversas ao meu redor se torna insignificante
quando escuto meu celular vibrar. Pego-o de dentro do armário e vejo uma
mensagem de Anne. A gente quase nunca troca mensagens, mas nos
últimos dias, isso tem mudado. Há uma necessidade latente de sempre
estarmos em contato um com o outro.
Joaninha: Você pode vir aqui? Estou na área de convivência.
Franzo o nariz diante da mensagem.
Reed: Aconteceu alguma coisa?
Ela rapidamente digita uma resposta.
  Joaninha: Para o seu azar, eu ainda não morri. Não é nada
importante, só vem logo.
Estou com fome.
Rio.
Reed: Se estivesse morta, pode ter certeza que eu não estaria
trocando mensagem com você.
O que quer comer?
Joaninha: Meu espírito que iria falar por mim. Ele vai te perturbar
até o fim da vida.
Sanduíche de atum e suco de laranja.
Faço uma careta diante do pedido envolvendo atum.  
Reed: Que sorte a minha, porque vou ter você só para mim até o
fim da vida.
Beleza, vou comprar.
Mais alguma coisa?
As bolinhas embaixo do nome de Anne saltitam por um longo
tempo. Aproveito a demora para vestir a jaqueta e fechar o meu armário.
Despeço-me do time com um aceno, fugindo do olhar curioso de Mason, e
quando estou saindo do complexo, o celular vibra novamente.
Joaninha: Você gosta mesmo de mim, hein? E eu pensando que ia
ficar feliz ao se livrar de mim.
Nada mais, só traz logo sua bunda para cá.
Um sorriso quase rasga as minhas bochechas ao ler a última parte da
mensagem.

Encontro Anne sentada em um dos bancos da área de convivência


da USVL quinze minutos depois. Alheia à minha presença, é quando
desnudo cada um dos seus detalhes. O cabelo loiro está preso em uma
trança lateral e alguns fios recaem ao redor do rosto fino. Por causa da baixa
temperatura, ela usa uma calça branca e um blusão vermelho de lã, além das
inseparáveis botas.
O principal diferencial, e que faz a minha mente se agitar, é o batom
vermelho escuro. A cor idêntica a aquela maldita lingerie que a vi usando
semanas atrás. Acho que irei morrer e não vou superar.
Assovio e Anne se vira no banco de madeira, me encontrando a
poucos passos de distância. Ao me sentar no espaço vago, ela puxa o saco
de comida da minha mão, quase pulando de alegria.
— Se você demorasse mais cinco minutos, eu ia cair dura no chão
de tanta fome.
— Que dramática. — Cruzo a perna sobre o joelho e estico o braço
no encosto do banco. — Foi para isso que você me chamou aqui? Já te
aviso que esse lance de te alimentar não é muito o meu lance.
Anne ergue a sobrancelha ao abrir o saco de papelão e puxar o
sanduíche embrulhado de dentro.
— Não foi isso que você deixou evidente quando comprou várias
caixas de donuts para mim.
— Era uma recompensa por você ser uma boa garota.
Anne ergue o queixo para cima daquele jeito teimoso que eu adoro.
— Considere, então, o lanche de hoje como um agradecimento por
eu ter te chupado e feito você ter o melhor orgasmo da sua vida.
Solto uma tossida, pego de surpresa.
  — Quem disse que foi o melhor?
Anne me entrega o copo de suco lacrado e faz um sinal para que o
abra. Tiro o lacre de proteção e coloco o canudo, bebendo um gole. 
— Vai negar? Porque os seus olhos não mentem, Reed.
— Você é irritante.
Os ombros se erguem em divertimento.
— Você não negou, então eu tenho razão.
Ela sopra um beijo para mim e faz um sinal com o queixo.
Aproximo o copo e ela bebe um gole, mas sem tirá-lo da minha mão.
— Às vezes, posso não ter negado só para evitar uma discussão.
— Você está tentando convencer a mim ou a você? Porque eu não
acredito.
Solto um muxoxo e uso a mão livre para puxar as suas pernas para o
meu colo. Anne empurra a bunda um pouco para mais perto, nossos braços
roçando com o contato. Essas interações têm ficado tão rotineiras entre a
gente que nem noto o momento em que ela deita a cabeça no meu ombro e
meus lábios beijam seus cabelos.
— Sim, joaninha. Foi o melhor de todos — digo baixinho e sinto
Anne sorrir contra mim. — Só acho que, para sermos justos, eu deveria
também ser recompensado.
— E o que você quer? — pergunta de boca cheia e eu evito dar
risada.
— Você usando aquela lingerie vermelha, talvez?
Ela levanta o rosto e me observa com os olhos astutos.
— O que você acha de uma lingerie vermelha nova?
Semicerro as pálpebras.
— Nova?
Um calor rosado atinge as bochechas magras.
— Eu comprei uma nova quando estávamos em West Falmouth.
Meu pau se contorce dentro da cueca. A cada dia a mais na presença
de Anne, eu me aproximo da minha morte iminente. Esse deve ter sido o
plano dela desde o início.
— Annie...
A palma quente pousa em meu peitoral em sinal de alerta. Olho para
baixo e puxo a mão dela para a minha boca, beijando a ponta dos dedos e
depois o interior do pulso.
— Quando você vai me mostrar?
Anne dá uma longa olhada para a minha boca e depois morde mais
um pedaço do sanduíche. Estou prestes a arremessar esse copo de suco em
uma lixeira e a puxar para um beijo, mesmo que o sabor de atum vá me
aterrorizar por semanas.
— Quando você merecer, é claro.
— Pois não duvide da minha capacidade de mover a porra do
mundo inteiro só para vê-la usando essa lingerie.
O arquejo de surpresa lhe escapa e envolvo o corpo dela com a mão
livre, não deixando espaço para que fuja de mim.
— Você faria isso? — pergunta.
— Você não faz ideia das coisas que eu faria em seu nome, Annie.
Ela dá um sorriso para mim.
— Usar uma cuequinha do Batman está incluso?
Dou um peteleco no seu nariz e automaticamente me lembro da
festa na fraternidade. Eu não estou no clima para ir, mas se ela quiser, tudo
bem. A gente dá um jeito de encontrar uma fantasia de última hora.
— Você quer ir de Mulher-Gato amanhã?
Anne murcha em meus braços.
— Eu tenho que trabalhar. Uma das garçonetes do turno da noite
ficou doente e Becky viajou para a casa da namorada em Mountain City
hoje de manhã. — Ela gira um farelo de pão entre os dedos. — Mas você
pode ir, se quiser. Mas de preferência sem a fantasia do Batman.
— Posso ir de Troy Bolton.
A testa dela cria pequenos vincos.
— O quê?
— Em homenagem a aquela cena quando a Gabriella vai embora do
clube e deixa ele sozinho na ponte. Uma vibe meio de homem abandonado.
É assim que vou me sentir se for nessa festa sem você.
Anne faz uma careta engraçada, as orbes girando em um círculo
perfeito.
— Você fala de mim, mas é tão irritante quanto.
— Não consigo resistir quando estou com você. — Abraço-a e
deposito um beijo em sua bochecha. — Achei que já soubesse disso.
— Esse é seu jeito de tentar me convencer a ir? Porque não vai
funcionar. Meu corpo não aguenta um turno de trabalho e mais uma festa de
fraternidade.
— Se ele aguenta a minha presença há quase dois meses, também
vai aguentar essa festa.
— Reed...
Pouso o polegar em sua boca, calando-a.
— Estou brincando, joaninha. Nada de Batman, Mulher-Gato e
Troy Bolton para você. — Entrego a ela o copo de suco praticamente
intacto. — Agora termina logo esse sanduíche horroroso. Estou quase
vomitando com esse fedor.
A resposta que recebo é um xingamento acompanhado de um
beliscão nas costelas.

— E como estão os jogos? Eu tenho acompanhado algumas notícias


sobre as partidas da temporada.
A voz da minha mãe inunda o silêncio do quarto. Estamos
conversando há cerca de dez minutos e eu faço possível para atualizá-la
sobre a minha vida.
— O time está detonando. O treinador Turner está confiante que
vamos conseguir chegar aos playoffs desta vez. — Penteio o meu cabelo
para trás. — O próximo jogo é alguns dias antes do Dia de Ação de Graças,
então vou conseguir te visitar.
Vejo minha mãe abrir um sorriso na tela do celular que está apoiado
na pia do banheiro. A gente não se vê desde o feriado de Quatro de Julho,
então estou com saudades dela.
— Maravilha! A gente pode sair para almoçar em um dos seus
restaurantes favoritos, o que acha? — sugere.
Puxo o celular para mais perto e observo o seu rosto. Noreen está
com os cabelos castanhos presos em um rabo de cavalo e o colar de pérolas
brilha tanto quanto o abajur ao fundo. A animação é evidente e reúno
coragem dentro de mim para despejar a informação que tem coçado para ser
dita desde que atendi a ligação.
— Eu acho que vou levar uma garota comigo.
— Você está saindo com alguém?
Saio do banheiro e apago a luz, seguindo para o armário. Abro a
gaveta e visto uma camiseta de manga comprida.
— Digamos que sim. É meio confuso, na real — falo. Sem chance
de eu contar para minha mãe que Anne e eu temos um acordo de namoro
falso. — Mas seria legal se você a conhecesse. Ela é importante para mim. 
— Vocês se conhecem há quanto tempo?
— Quase dois anos, mas ela me odiava no começo.
Noreen dá risada.
— Acho que ela estava odiando o Rollins errado. — O comentário
me faz rir também. — Vou deixar tudo preparado para vocês dois, então.
Estou ansiosa para conhecê-la.
— Aposto que ela também está.
Tirando o fato de que, mais uma vez, estou fazendo planos sem
avisá-la. Até o fim desse acordo, Anne vai dar um jeito de me acertar um
soco no nariz. Primeiro, o encontro duplo com Angel, depois o jantar na
casa do meu pai e agora o Dia de Ação de Graças na casa da minha mãe.
Sou um desastre ambulante.
Minha mãe e eu conversamos por mais alguns minutos e ela se
despede dizendo que vai sair com Kirsten para conhecer um restaurante que
inaugurou na cidade. Prometo, pela milésima vez, que irei ligar mais vezes.
Aaron, como de costume, não respondeu às suas mensagens.
Continuo a me arrumar e, quando olho para a porta do quarto,
encontro Keeran com o ombro encostado no batente vestindo uma fantasia
que não reconheço. Ele sempre faz a proeza de escolher por personagens
que quase ninguém conhece.
— E aí — diz e entra no quarto, se sentando na cadeira em frente a
escrivaninha. — Que fantasia horrorosa é essa?
Olho para baixo. Estou usando uma calça jeans desbotada — a
minha favorita —, uma camiseta de manga longa e tênis. É a roupa que
escolho todos os dias.
Levanto as mãos e Keeran acompanha o movimento, a sobrancelha
erguida em um arco desconfiado.
— Não estou fantasiado, Flanagan.
Pego o celular e as chaves do carro, guardando os dois dentro do
bolso.
— Você não vai à festa?
Aperto a ponta do nariz e fico de frente para ele. Só agora noto que
um colete no tom azul marinho adere ao peitoral largo, além de um cinto
acima do quadril com uma faca de mentira encaixada ao lado.
— Não.
— Como assim? Eu achei que você iria. É a festa da fraternidade do
Dave, porra — reclama. — É um crime contra a humanidade não ir.
Reprimo a vontade de contrariá-lo. Keeran não consegue se
desprender da ideia que a vida deve ser regada, inteiramente, por festas
universitárias e garotas aleatórias.
Essa vida jamais combinou comigo e duvido que algum dia
combine.
Lanço a ele um olhar duro e tombo a cabeça para o lado em um
gesto displicente.
— Que se dane a festa, Keeran. Tenho algo muito mais importante
para fazer.
 
 
“Eu simplesmente não consigo tirar você da minha cabeça”
Pretty Great | Fickle Friends
 

 
Meus pés latejam de dor dentro dos patins.
Mas isso não é nenhuma novidade.
Tenho trabalhado loucamente nas últimas horas, atendendo vários
clientes e mantendo o sorriso cordial. Cobrir o turno de Jane é um pé no
saco, mas a sorte é que tenho Mally comigo, embora ela passe mais tempo
nos fundos da lanchonete bebendo milkshake e trocando mensagens com o
padrasto.
O pensamento me faz lembrar de Reed. Quando saí de casa, ele
estava no chuveiro, então não nos despedimos. Já Mason e Keeran estavam
na cozinha, e pelo o que entendi, eles vão fantasiados de Príncipe Phillip e
José Bezerra.
A ideia de Reed ir na festa da Martial Kappa Tau não deveria me
incomodar, no entanto... O bichinho do ciúme não para de me perturbar.
Xingo um palavrão e giro sobre as rodinhas. Emito um grito
assustado quando vejo Reed Rollins sentado na banqueta do balcão diante
de mim, um sorriso divertido dançando em sua boca irritante.
Porra.
Devo estar alucinando.
— O que você está fazendo aqui? — gaguejo e isso só faz os lábios
se curvarem para cima, exibindo as covinhas.
— Onde ficam os uniformes?
Franzo o cenho.
— Você não ia estar na festa?
Reed cruza os braços sobre o balcão e me analisa. Mesmo usando o
vestido e o avental, me sinto nua diante do seu olhar.
— Nenhuma festa tem graça se você não estiver comigo, Annie. —
Meu nome é dito de forma quente, as sílabas se arrastando. — Agora você
pode me dizer, por favor, onde ficam os uniformes?
Ele pisca as pálpebras inocentemente e uma risada escapa pelo meu
nariz.
— Acho que nenhum vestido vai caber em você.
Reed dá risada e se levanta da banqueta em um pulo, contornando o
balcão e me encurralando. Fico presa no casulo que seus braços formam e
meu pulso acelera, extasiado por saber que ele não está em nenhuma festa.
Ele está aqui comigo.
Em uma noite de Halloween.
E determinado a ficar ao meu lado quando poderia estar com os seus
amigos.
O que isso significa? Não sei se quero saber.
— Azul não combina com a minha pele — provoca e beija a
pontinha do meu nariz. — Mas um avental já é bom o bastante.
Meio grogue, indico o armário ao meu lado. Reed se abaixa e
procura pelo avental de número maior. Ao encontrá-lo, passa por cima da
cabeça e pega também o bloquinho de notas e uma caneta, colocando-a
atrás da orelha.
— Nada de patins?
Os olhos castanhos descem para os pés e um sorriso envergonhado é
direcionado para mim.
— Sou jogador de futebol americano, Annie, não de hóquei. As
minhas habilidades se limitam a um par de chuteiras.
— Está na hora de aumentar essa sua lista, Reed. — Bato com o
bloquinho no seu peitoral musculoso e aponto para a última vez que acabou
de ficar cheia de adolescentes. — Me mostre suas habilidades de garçom
encantador.
Ele apruma os ombros e ruma em direção à mesa que indiquei. É
impossível de não notar que uma das garotas, a que está sentada na última
cadeira, deixa escapar um suspiro ao ver Reed diante de si.
E, infelizmente, eu não posso ignorar o fato de que ele está gostoso
demais usando um avental com a logo do Brooklyn Blues estampado no
centro e abusando de um sorriso cordial nos lábios.
Em outro mundo, eu até poderia me apaixonar por ele.
Um assovio discreto me faz desviar o olhar e encontrar Mally
parada ao meu lado. Ela também está encarando Reed de um jeito nada
discreto.
— Desde quando a Adele está contratando novos funcionários?
Cruzo os braços e chuto, de brincadeira, o patins dela com o meu.
— Desde nunca. Ele veio ajudar a gente essa noite.
Mally coça a pontinha do nariz, o piercing do septo ficando torto, e
retorna a atenção para mim. Ela possui pequenos olhos cor de avelã e uma
pele branca salpicada de inúmeras sardas. Os lábios imitam o formato de
um coração e o cabelo castanho é raspado em uma das laterais, dando a ela
um visual meio punk.
— E quem é ele?
Suspiro alto e me viro. Pela janelinha, consigo notar Adele nos
observando com um vinco entre as sobrancelhas, o nariz sujo de trigo. Ela
também está curiosa a respeito de Reed.
Vai ser uma longa noite, pelo visto.
— Meu namorado.
Seu namorado de mentira, meu consciente me corrige com uma
careta amarga que eu afasto com uma safanão. Hoje ele pode calar a boca.
Mally arqueja em surpresa e vira o rosto para mim, os olhos
arregalados. Ela é péssima em disfarçar a incredulidade.
— O quê?
Me escapo de dar uma resposta porque Reed retorna com o
bloquinho rabiscado e empurra o papel pela janelinha que dá acesso à
cozinha. Adele me olha desconfiada, mas não diz nada.
— Sobre o que vocês estão conversando?
Mally gagueja e contorce os dedos uns nos outros, sem coragem de
olhar para Reed. É inacreditável que ele cause essa reação nas pessoas. É só
um estudante feito de vários quilos de músculos e um sorriso de covinhas.
Dá para resistir.
— Mally perguntou quem é você.
Reed dá um passo para frente e estende o braço, esperando que ela
entenda o gesto. Quando os dedos finos se fecham ao redor da grande mão,
ele dá uma piscadela e posso jurar que ela quase cai dura no chão.
— Reed Rollins, o namorado.
Fuzilo-o com o olhar, mas sou ignorada.
— Mally O’Neal, a garçonete.
— É um prazer conhecer você, Mally.
Ela formula uma resposta confusa e se afasta, indo atender uma
mesa que acabou de ser ocupada por um casal. Eu cruzo os braços na altura
do peito e bato com a rodinha do patins no piso que imita um tabuleiro de
xadrez.
— Você era assim na escola também? Saía conquistando todas as
garotas?
Reed apoia preguiçosamente o tornozelo no joelho oposto e brinca
com uma mecha do meu cabelo. Essa noite, eu decidi manter alguns fios
soltos, dispensando o coque elaborado. Adele queria que a gente
experimentasse algo diferente por causa do Halloween, então caprichei na
maquiagem escura e coloquei também uma meia arrastão.
— Só aquelas que valiam a pena.
— E quem, exatamente, eram elas?
— Nenhuma delas como você, pode apostar — aponta e,
discretamente, a mão se encaixa ao redor da minha bunda. O que nos
mantém escondidos é a altura generosa do balcão no formato de U. —
Guardei as minhas energias para te conquistar.
— Você está flertando comigo, Rollins?
A sua risadinha debochada chega em meus ouvidos e o sininho
anunciando que o pedido está pronto nos interrompe. No entanto, antes de
Reed voltar para a mesa dos adolescentes, ele me escrutina em câmera lenta
e mordisca o lábio inferior.
— Não houve um único dia que eu não tenha flertado com você,
Scott.

Ao final da noite e de um longo expediente, estamos sentados em


um dos bancos de madeira do píer de Sunbay. Reed comprou para mim um
hambúrguer de bacon com batatinhas no Jackson House e duas latinhas de
refrigerante. Já ele optou por manter a dieta esportiva, já que tem um jogo
daqui a algumas semanas — o último antes do Dia de Ação de Graças.
Isso me faz lembrar que o feriado está próximo e não fiz nenhum
plano a respeito. Eu e minha mãe costumamos comemorar ao lado de Alex
e Soren em North Groove, mas não sei quais são os objetivos desse ano,
porque, da última vez que conversei com o meu irmão, ele disse que iria
viajar para conhecer a família de Soren.
Talvez esse ano seja apenas eu a minha mãe.
— O que você vai fazer no Dia de Ação de Graças? — Reed
pergunta, como se fosse capaz de ler os meus pensamentos.
— Não faço a mínima ideia. E você?
Reed se acomoda melhor no banco e estica as pernas, meio nervoso.
Arqueio a sobrancelha, desconfiada, e ele solta uma risada esganiçada.
— Eu falei para minha mãe que ia te levar para conhecê-la.
Quase deixo a latinha de refrigerante cair no chão.
— O quê?
— A gente conversou antes de eu vir para cá. Eu prometi que iria
comemorar o feriado na casa dela e então... Acabei falando de você. — Ele
coça a nuca, envergonhado. — Se você não quiser ir, eu vou entender.
Mordo o interior da bochecha, receosa.
— Você vai me apresentar como sua namorada?
Reed inclina a cabeça para o lado, me encarando.
— Como você quer ser apresentada, joaninha?
Coloco a latinha de refrigerante no chão, pensando em uma
resposta. Não faço ideia do que está rolando entre mim e Reed. Não é um
namoro de verdade — nem de longe —, mas também não somos apenas
meros amigos. Buscar uma definição me deixa nervosa.
— Não sei. O que você disse para ela?
Ele cruza os braços e desvia o olhar do meu, voltando a observar o
oceano escuro que nos cerca.
— Eu disse que você era uma garota com quem eu estava saindo e
queria que ela conhecesse. Não mencionei sobre o nosso acordo.
Suspiro aliviada.
— Então, diremos isso para ela. Estamos nos conhecendo melhor.
Nada de namorados de mentira.
Reed abre um sorriso discreto.
— Isso quer dizer que você vai comigo?
— Você não me deu muita escolha, não é?
Ele solta um muxoxo e se vira para mim novamente, diminuindo a
distância. Escrutino o seu rosto, memorizando os detalhes que compõem as
feições, desde o nariz reto, as sobrancelhas grossas e a pequena cicatriz
quase invisível. Quando chego aos lábios, me pego sorrindo, porque sei
exatamente o gosto que eles vão ter se eu beijá-los agora.
— É claro. Estou te amarrando e te levando amordaçada até
Mountain City — provoca.
— O lance da mordaça não me parece uma má ideia.
Reed solta um tipo de murmúrio que faz o meu músculo cardíaco se
contrair. Flertar com ele se tornou um dos meus passatempos favoritos,
porque as suas reações sempre dão a sensação de que ele está por um fio de
me empurrar contra a parede e me foder sem um pingo de paciência.
E saber disso me excita em proporções preocupantes.
— Você não pode falar essas coisas quando estamos fora de casa,
Annie.
Finjo um semblante inocente e dou uma mordida no hambúrguer.
Adele e Jackson podem ser concorrentes, mas não posso ignorar o fato de
que o lanche é delicioso.
— Essa é a minha vingança quando você faz planos sem me avisar.
— Não tenho culpa se não consigo ficar longe da sua presença.
Abaixo o lanche e apoio meu ombro no encosto do banco, ficando
de frente para ele também.
— Qual versão de Reed Rollins está dizendo isso?
— A versão verdadeira — diz e encaixa a mão ao redor do meu
pescoço. — Não há nenhum fingimento neste momento, Annie. Até porque
acho que já perdi a capacidade de fingir qualquer coisa quando estou com
você.
— Não sei o que você quer que eu diga — murmuro baixinho,
torcendo para que Reed não escute. Mas ele é um pé no saco, então é óbvio
que ouviu, porque o polegar massageia suavemente o meu couro cabeludo.
— Não sou muito boa nessa coisa de...
A cabeça balança de um lado para o outro, negando.
— Não preciso que você diga nada.
— O que você quer que eu faça, então?
Reed usa a mão livre para me puxar para mais perto. Minhas pernas,
novamente, são colocadas sobre as coxas musculosas. O calor do corpo
imenso aquece o meu e, se ele quisesse, poderia me manter acolhida ao
redor dos seus braços. Sou uma formiguinha indefesa ao seu lado.
— Me beijar pode ser uma boa ideia, quem sabe.
Dou risada e enlaço a mão livre ao redor da sua nuca, aproximando
os nossos rostos. Reed nem disfarça a malícia que inunda os seus
pensamentos quando escorrega os dedos por baixo do meu vestido,
apertando de forma provocadora a minha coxa nua.
A pele se arrepia e não é por causa do frio.
Afugento um suspiro e resvalo, propositalmente, meus lábios nos
seus, mas não dando exatamente o que ele quer. Brinco também com a
língua e o aperto em minha coxa se intensifica, fazendo minha cabeça
inundar em pensamentos que questionam como Reed é na cama.
Ele é do tipo exigente? Ele vai ser bruto comigo? Ou vai deixar que
eu assuma o controle da situação?
A ideia agita a minha ansiedade e enrosco meus dedos na aba do
boné, jogando-o para trás do banco. Antes que Reed possa fazer alguma
reclamação, eu prendo meus pés ao redor das suas pernas e impulsiono o
corpo para cima, o beijando. Ele geme em minha boca, pego de surpresa.
No entanto, diferente de mim, que tento manter o ritmo lento, Reed
se afoga em minha boca, quase arrancando um pedaço da minha sanidade.
A mão se desloca para a curva da minha coxa, enquanto a outra passeia pelo
meu cabelo, me puxando para mais perto.
Mesmo com a droga de um hambúrguer entre a gente, ele não se
importa. O único pensamento de Reed, neste momento, é em me devorar.
Ele me beija de forma sedutora, contando algo que palavras não são capazes
de traduzir.
Reed diz, através desse beijo, que me quer.
Não de mentira.
Não de brincadeira.
Ele quer de verdade.
E eu o quero também.
Quando nos afastamos, ele me observa com um tipo de devoção que
faz os meus dedinhos do pé se contraírem.
— Foi um beijo bom o bastante para compensar a minha falta de
resposta? 
Ele finge pensar, fazendo um biquinho.
— Não sei, talvez você tenha que me beijar de novo.
Empurro o ombro largo de brincadeira e a risada dele corta o
silêncio do píer. A sorte é que estamos sozinhos, já que, com o fim da
temporada de verão, Sunbay se torna praticamente deserta de turistas.
Somos apenas Reed e eu — e uma porção de batatinhas já murchas.
Pesco uma delas e mordisco a ponta. Quanto ao outro pedaço, Reed
acaba pegando para ele, quase levando um pedaço do meu dedo junto. A
energia dele está tão descontraída que fico até desanimada em levar adiante
o que estou prestes a perguntar.
— Você provavelmente vai me odiar, mas...  Quando vai ser o jantar
na casa do seu pai?
Reed murcha no banco, mas tenta disfarçar usando os polegares para
massagear os meus tornozelos.
— Na próxima semana. Ele mora em North Groove, então talvez a
gente tenha que passar a noite lá.
— Na casa dele?
— É uma casa grande o bastante que ele nem vai se lembrar da
gente quando estiver dormindo. Isso é um problema para você?
— Não sei. Deveria ser? Eu não sei nada sobre o seu pai além dele
ser uma estrela do esporte que ninguém consegue esquecer.
O peito de Reed sobe e desce de acordo com a respiração lenta.
Falar sobre Ricky não é um assunto fácil para ele. Estou um pouco
preocupada em como vai ser esse jantar, porque tenho a leve impressão de
que as coisas não vão se desenvolver bem.
— É o que você precisa saber. Ricky não vale o seu esforço.
— E não deveria valer o seu também, Reed.
Minha frase faz ele encolher os ombros.
— Ele ainda é o meu pai, infelizmente. Não sei se odiá-lo a esse
ponto me levaria a algum lugar.
A confissão carrega um tom tão amargo que não digo nada que
possa tornar a situação ainda pior. A relação que Reed e Ricky possuem é
complicada demais e eu não tenho o direito de me intrometer dessa forma
na vida dele. Já é um grande esforço ele ter me contado que as coisas não
são o que aparentam.
O resto ele deve compreender sozinho — e encontrar uma forma de
resolver.
— Vai dar tudo certo, Reed. E se não der, pelo menos você tem a
mim.
Ele ri e beija o topo da minha cabeça.
— Não tem como dar errado, então.
 
 
 
 
 
“Você poderia encontrar uma maneira de me decepcionar aos poucos?
Eu espero que você possa me mostrar um pouco de simpatia comigo”
Let Me Down Slowly | Alec Benjamin
 

 
Quando a sexta chega, eu me sinto péssimo.
É uma tarefa árdua ignorar o aperto na boca do meu estômago que
me acompanha desde que acordei pela manhã. Na hora do almoço, nem
consegui prestar atenção no que Dave e Claire estavam debatendo. Minha
cabeça se manteve focada o tempo inteiro no jantar com o meu pai.
Respiro profundamente, obrigando meus pensamentos a se
manterem tranquilos, e empurro a porta, entrando no quarto de Anne. O
ambiente está uma bagunça, com roupas jogadas em cima da cama e vários
itens de maquiagem espalhados pela escrivaninha.
Parece que um furacão passou por aqui. 
— O que aconteceu aqui dentro? 
Anne surge do banheiro usando um roupão. O rosto está maquiado,
deixando-a mais velha do que realmente é, e o cabelo loiro cai em ondas ao
redor dos seus ombros. Ela está linda, como sempre.
— Estou um pouco nervosa — diz, afobada. — Nunca conheci os
pais do meu namorado de mentira. Na verdade, nunca tive um namorado.
Abro um sorriso e fecho a porta.
— Eu também nunca tive uma namorada. Isso vai ser uma novidade
para nós dois.
Anne engole em seco e empurra os cabelos para trás das orelhas.
Lentamente, ela se aproxima de onde estou.
— Como você está?
Não é uma pergunta qualquer. É uma pergunta que envolve não
somente o meu estado de humor, mas também como estou me sentindo
diante dessa situação. A preocupação de Anne é genuína. 
— Já tive dias melhores. Não fico nervoso assim nem quando tenho
um jogo importante, então acho que estou meio na merda.
Anne dá uma curta risada e ajeita a gola da minha camisa.
— Somos duas merdas ambulantes, Reed.
— Esse é o seu conselho para mim? Porque foi terrível.
— Sou horrível com conselhos. Não espere muito de mim.
— A sorte é que sempre espero o mínimo de você, Annie.
A resposta dela é me mostrar a língua igual uma criança petulante e
voltar a se arrumar. Eu assisto cada um dos seus movimentos, admirando a
maneira que ela desliza sobre os sapatos de salto.
Fico chateado por ver que Anne se esforçou para esse jantar, porque
não importa o quanto ela tente, meu pai não vai gostar dela. Ele já a detesta
sem terem trocado nenhuma palavra apenas pelo simples fato dela
representar uma ameaça para a minha carreira.
Mal sabe ele que Anne representa tudo na minha vida, menos isso.
Escondo as mãos dentro do bolso da calça jeans e vejo-a pegar um
vestido azul escuro e rumar para o banheiro. Dez segundos depois, a porta é
novamente aberta e ela me direciona um olhar pidão que me dá vontade de
sorrir.
O azul combina tão bem com o tom da sua pele branca que fico
fascinado.
É surreal que essa garota seja minha namorada — mesmo que de
mentira. Devo ter feito algo bom pra cacete na vida passada. Não há outra
explicação.
— Você me ajuda com o zíper?
Gaguejo uma resposta e me aproximo, ficando a centímetros de
distância das suas costas. Anne respira com dificuldade, os ombros
acompanhando o ritmo acelerado. Não duvido que a pulsação dela esteja a
mil por hora, porque a minha também não está diferente.
Empurro o cabelo para o lado e puxo o zíper para cima com
cuidado, a ponta dos meus dedos roçando na pele macia. É uma carícia
inocente, mas que faz nós dois ofegarmos quando o zíper é fechado por
completo. Anne gira sobre os calcanhares e trocamos um olhar silencioso.
De repente, cogito a possibilidade de desistir desse jantar e levá-la
para o encontro que prometi que teríamos.
— Se algo ruim acontecer...
Ela balança a cabeça, me calando.
— O que de ruim poderia acontecer, Reed? — questiona. — Tem
algo que eu precise saber antes de irmos?
Sim.
Minha garganta coça para contar da discussão que tive com o meu
pai na semana passada, mas não consigo. Sou um fraco. É por esse motivo
que não enfrento Ricky como deveria. As consequências me perseguem.
— Não.
Ela assente e segura meu rosto entre as mãos, me oferecendo um
sorriso consolador que dói no meu coração.
— Então não há motivo para se preocupar. E se algo der errado, a
gente pode ir embora. Não precisamos ficar lá.
Concordo com um aceno, desejando que ela esteja certa e que esse
jantar não termine em mais uma discussão envolvendo o futebol americano.
Embora, bem lá no fundo, eu saiba que as probabilidades são minúsculas.
A casa que meu pai reside em North Groove fica localizada na área
nobre da cidade, em um condomínio formado inteiramente por celebridades
e empresários. Morei aqui praticamente a minha vida inteira, mas desta vez,
ao cruzarmos os portões de ferro após o porteiro autorizar a nossa entrada,
eu não sinto nenhum tipo de saudades ou nostalgia.
Me sinto frio e vazio.
Olho de soslaio para Anne, sentada ao meu lado com as mãos
cruzadas sobre o colo. Ela tenta manter as expressões neutras, mas há um
traço de admiração presente ali. Não quero que ela se deslumbre, porque
nada disso é real. É apenas uma imagem criada para agradar aos outros.
Estico o braço e afago a coxa coberta pelo vestido. Estou a um passo
de dar a ré com o Jeep e ir embora daqui quando a imensa casa surge a
frente, a estrutura imponente cercada de pinheiros e com uma escadaria
digna de um cartão postal.
— O futebol americano dá tanto dinheiro assim? — Anne questiona,
o olhar queimando em mim enquanto estaciono o carro no caminho de
cascalho.
— Meu pai esteve envolvido em outros projetos além do futebol
americano. Depois que ele se aposentou, o patrimônio aumentou de forma
considerável — explico. — Mas ele comprou essa casa logo depois que se
divorciou da minha mãe. O divórcio trouxe mais visibilidade para a carreira
dele.
Anne assente e solta o cinto de segurança. Acho que ela vai sair
correndo a qualquer momento.
— Ele sabe que sou filha de um pescador falecido e que minha mãe
trabalha em uma lavanderia?
— Annie...
— Ele sabe, Reed? — insiste, a voz aumentando algumas oitavas.
— Ele sabe que eu não sou uma menininha rica com um futuro garantido?
As palavras cortam o ar e me livro do cinto também, ficando de
frente para ela. Os olhos de Anne estão marejados e eu pouso o indicador
em seu queixo, obrigando-a a manter a atenção em mim.
— Ele não sabe quase nada sobre você e, mesmo que soubesse, não
tem direito de defini-la por causa do dinheiro ou da profissão dos seus pais
— murmuro. — Essa merda nem deveria importar, Annie.
— Acho que aquele papo do seu pai me oferecer dinheiro para me
afastar de você agora não parece assim tão cabulosa. Ele, com certeza, vai
fazer isso assim que formos embora daqui.
A risada amarga lhe escapa e eu acabo a acompanhando, não
acreditando que as coisas tomaram esse rumo. E a gente ainda nem entrou
naquela casa.
— E você vai aceitar?
Ela faz um biquinho.
— Você me prometeu o dobro. — Dá um tapinha no meu ombro,
soando brincalhona. — Confio no seu potencial em me manter na sua vida
por uma quantia exorbitante de dinheiro.
Sacudo a cabeça em negação e lhe dou um rápido beijo, apreciando
a sensação de ter a boca na minha. No entanto, não deixo o momento se
prolongar. Se vamos fazer isso, temos que fazer direito e não vai pegar bem
a gente aparecer para esse jantar com o cabelo bagunçado e uma cara de
quem acabou de dar uns amassos no banco de trás.
— Nem todo o dinheiro do mundo seria o suficiente, Annie. —
Indico a casa com o queixo. — Pronta? Prometo que, pelo menos, a comida
vai ser boa. Talvez até tenha alguma coisa com atum, do jeito que você
gosta.
Anne finge uma animação e salta para fora do carro. Eu faço o
mesmo e contorno o para-choque, entrelaçando as nossas mãos.
Caminhamos em direção à grande porta de entrada e, a cada degrau que
subimos, gotículas de suor escorrem por minha nuca.
Toco a campainha e, segundos depois, a porta é aberta. Quem nos
recebe é o mordomo do meu pai, o senhor Norton. Ele já é um senhor de
idade, com rugas marcando as pálpebras e vários fios grisalhos. Faz tantos
anos que Norton trabalha para a família Rollins que já deve ter virado uma
peça da mobília.
— Reed. — Ele me cumprimenta cordialmente, mas com um sorriso
alegre. — Há quanto tempo não te vejo, garoto! Por onde esteve?
— Treinando e jogando muito, você sabe — digo e ele dá um passo
para trás, nos convidando para entrar. — O objetivo desse ano é chegar nos
playoffs, então tenho estado mais ocupado que o normal.
Norton me ajuda a tirar o casaco.
— Ocupado com a sua namorada também, eu suponho.
Anne cora ao meu lado e eu engulo a vontade de fazer um
comentário maldoso quando passos ecoam pelo espaço. Sigo o som do
barulho e vejo uma mulher elegante descendo os degraus da grande escada
de mármore.
É a Dianna, com certeza.
Ela exala beleza e simpatia com os cabelos dourados puxados em
um coque no topo da cabeça e um sorriso doce adornando os lábios
desenhados com batom escuro.
Da mesma forma que Anne, Dianna usa um vestido que valoriza o
seu tom de pele. Não parece ser mais velha que a gente, talvez esteja na
casa dos trinta anos — quase a idade do meu irmão. Nova demais para
Ricky, mas isso não é nenhuma novidade.
— Não acredito que estou tendo a oportunidade de conhecer vocês
dois! Seu pai me falou tanto de você, Reed. — Ela se vira para Anne. — E
você deve ser a Anne. A notícia desse namoro pegou a gente de surpresa.
Eu imagino.
— É um prazer conhecê-la. — Anne sorri, a mão ainda entrelaçada
na minha. — E acho que o namoro pegou todo mundo de surpresa. Nem eu
esperava por isso.
O duplo sentido por trás da última frase me obriga a morder a língua
para não dar uma gargalhada.
— Foi um pedido de namoro inesperado, então?
— Acho que foi como o amor costuma ser. Ele não avisa quando
decide bater na nossa porta.
Dianna suspira, apaixonadamente, e as duas engatam em uma
conversa animada. Elas se dão bem de imediato e eu, surpreendentemente,
não detesto a noiva do meu pai logo de cara. Diferente das outras ex-
esposas, ela não parece preocupada em ser perfeita. Só está sendo ela
mesma.
Um pigarro alto interrompe o tom animado que nos cerca. Ao
direcionar o meu olhar para o topo das escadas, encontro meu pai descendo
os degraus em câmera lenta. O olhar duro e a mandíbula tensa são a sua
marca registrada.
Os cabelos foram penteados para trás e a camisa de manga longa
adere aos músculos do seu peitoral, feita sob medida, assim como a calça
social. No pulso, ele usa o inseparável relógio Rolex.
Ricky puxa todos os olhares para si e, ao alcançar o último degrau,
caminha até onde estamos, consciente de que ninguém consegue desviar a
atenção da sua presença. Esse é um tipo de dom que nunca vou conseguir
dominar.
— Reed.
Movimento a cabeça em um gesto positivo.
— Pai.
Os olhos analíticos recaem, demoradamente, em Anne. Ele a analisa
da cabeça aos pés, não esboçando nenhuma reação além de um leve
contorcer de lábios. Nada de cumprimentos e sorrisos. Dianna fica
desconfortável, mas Anne permanece com o queixo empinado para cima,
nada abalada.
Eu, no entanto, já estou ficando de mau humor.
— O que você acha de uma bebida antes do jantar? — Dianna
sugere para Anne e faz um sinal para Norton acompanhá-la. — A gente
pode se conhecer um pouco melhor enquanto isso.
Ela concorda com um aceno, soltando a minha mão e seguindo o
mordomo em direção ao corredor adjacente. As vozes vão perdendo o som
até que resta somente o silêncio entre mim e o meu pai. Ele passa a mão
pela barba e suspira alto.
— Essa é a garota, então.
— Eu já disse para chamá-la pelo nome, pai.
— Vai vir com esse papo de defendê-la para cima de mim de novo, é
isso?
Aperto os lábios com força.
— Por que a Anne te incomoda tanto? Você nem a conhece.
— Não preciso conhecer para saber que ela é um risco na sua
carreira, Reed.
— Não existe nenhum risco na minha carreira — resmungo. —
Estou cumprindo a agenda de treinos, a temporada está ótima e as chances
do time chegar aos playoffs são altas. O que mais você quer?
Ricky dá um passo, ficando de frente para mim. Trocamos um olhar
duro, ninguém disposto a ceder.
— Você não entende os riscos que ela representa — fala
pausadamente. — Está apaixonado demais para entender que, por causa de
uma garota insignificante, tudo o que construí está perto de ceder.
Tudo o que construí.
As palavras se repetem em minha cabeça e agem como um balde de
água fria. Qualquer respeito e admiração que eu poderia ter por Ricky acaba
de desaparecer.
— Tudo o que construímos, você quis dizer — corrijo-o. — Porque,
se me lembro bem, você agora é um jogador aposentado. Quem está sempre
treinando, levando porrada nos jogos e com os pés fincados no gramado sou
eu.
O músculo do maxilar pulsa em raiva e ele dá mais um passo,
encurtando a nossa distância. A respiração bate no meu rosto, mas eu não
me afasto.
— Você não seria nada sem mim, Reed — cospe. — E se continuar
com essa garota, pode ter certeza que nem mesmo o meu sobrenome vai
conseguir te salvar.
Uma risada irônica me escapa.
— O que você quer?
— Eu quero que você termine com ela.
Mil facas atravessam a minha garganta quando engulo a espessa
saliva. Anne estava certa. Não tenho dúvidas de que após esse jantar, ele vai
dar um jeito de suborná-la de alguma forma.
O que Ricky não sabe é que há uma mentira muito maior
envolvendo esse relacionamento.
— E você espera que eu faça isso?
Ricky pousa a mão sobre o meu ombro em um gesto acolhedor, mas
que só me causa o pior tipo de repulsa. Estou com nojo de mim mesmo e
por ter trazido Anne para dentro dessa casa. Era óbvio que as coisas dariam
errado.
— Não só espero, como eu sei que você vai fazer.
Permaneço quieto, sem dar uma resposta. Escrutino o homem diante
de mim, me questionando como deixei a minha vida chegar a esse ponto.
Como permiti que meu pai controlasse os meus passos em vez de me apoiar
nas decisões e deixei que o seu sobrenome falasse mais alto que o meu
talento.
Se eu for realmente bom, não preciso dele.
Não quero que minha carreira esteja sempre atrelada a quem Ricky
foi um dia. Quero ser merecedor das minhas próprias conquistas, porque o
futebol americano — junto do jornalismo — é tudo o que tenho. Sem eles,
eu não faço ideia de qual rumo tomar daqui alguns anos.
E eu não vou deixar que meu pai tire isso de mim.
— Não. Eu não vou terminar com ela.
Os dedos afundam em meu ombro e um traço de impaciência cruza
as íris castanhas.
— Você ao menos sabe quem ela é, Reed? — A voz aumenta várias
oitavas e uma veia do seu pescoço pulsa. — Ela é a merda de uma
garçonete que trabalha em uma lanchonete em Sunbay, com um pai morto e
uma mãe que não deve nem receber a merda de um salário decente. É esse
tipo de pessoa que você quer na sua vida? — Agora ele está gritando na
minha cara. — Uma pessoa que não tem nada de bom a oferecer? Ela é uma
vadia inútil.
Ela é uma vadia inútil.
Esse é o meu limite.
Eu explodo.
Empurro-o pelo peitoral até que as suas costas batem na parede e a
mão esbarra no aparador, derrubando um vaso no chão. O barulho é alto o
bastante para chamar a atenção. Pressiono o antebraço contra a garganta
dele e ofego alto. Meu peito sobe e desce em adrenalina, cada parte minha
ardendo em um tipo de raiva que eu nem sabia que poderia sentir.
— Você não vai ofender a minha namorada de novo — sibilo,
rangendo os dentes. — E se você abrir essa boca para chamá-la de qualquer
coisa que não seja o próprio nome, eu não vou pensar duas vezes em
arrebentar a sua cara, porque estou pouco me fodendo se você é a merda do
meu pai.
— Você vai se arrepender disso, Reed.
— Não. Eu não vou. — Faço pressão contra sua garganta uma
última vez. — Porque, diferente de você, eu priorizo as pessoas que eu amo
na minha vida. Você já não é uma delas.
Me afasto dando um passo trêmulo para trás e quando olho para o
lado, encontro Anne parada, com Dianna no seu encalço. Os lábios pintados
de batom estão rígidos e os olhos esverdeados tremulam. Não noto que uma
lágrima me escapou até que sinto o gosto salgado em minha boca.
Não acredito que isso acabou de acontecer.
Anne reage antes que eu. Ela se afasta de Dianna e caminha até
mim. Lentamente, entrelaça os dedos nos meus e faz uma mínima pressão,
me passando a segurança que preciso através de um pequeno gesto. Então,
direciona um olhar frio para Ricky.
Ele permanece encostado na parede, inexpressivo.
— Foi um prazer conhecer a sua noiva, Ricky. Infelizmente, já não
posso dizer o mesmo sobre você — murmura. — E pode ficar tranquilo, a
carreira do seu filho nunca vai ser estragada por uma vadia inútil como eu.
E dito isso, nós vamos embora.
Bastou um cartão de crédito e alguns telefonemas para que
encontrássemos um hotel para passar a noite em North Groove.
Eu caminho de um lado para o outro dentro do quarto, sentindo a
fúria palpitar em cada uma das minhas células. Os músculos estão tensos e
posso jurar que ainda consigo sentir o calor da respiração de Ricky e o
último olhar que ele dirigiu para nós antes que sumíssemos pela porta.
Acho que não tem mais volta agora.
Me sento na cama e afundo os dedos no couro cabeludo. Segundos
depois, o colchão range e Anne se acomoda ao meu lado, massageando os
meus ombros. Não trocamos nenhuma palavra desde que embarcamos no
Jeep.
— Você quer conversar? — pergunta em um sussurro.
Levanto a cabeça.
— Não queria que você tivesse ouvido nada daquilo.
Ela crispa os lábios e empurra uma mecha do meu cabelo para longe
da testa.
— Não ligo para o que ele disse sobre mim, Reed. A opinião de
poucas pessoas são relevantes e Ricky não está nessa lista — diz. — Mas eu
não sou a sua namorada de verdade. Me defender daquele jeito foi...
Solto um sopro pelo nariz e me viro na cama. Seguro o rosto de
Anne entre as mãos, não deixando que ela desvie o olhar do meu.
— Sendo a minha namorada de verdade ou não, você é importante
para mim, Annie. Não vou deixar que ninguém fale qualquer merda sobre
você. Não é assim que as coisas funcionam comigo.
Mesmo contrariada, vejo sua cabeça se mover em concordância. As
mãos voltam a deslizar pelas minhas costas, mas eu não consigo desligar a
minha mente. Ela está latejando, de tanto repetir os últimos acontecimentos
em um looping.
As chances do meu pai me tratar como Aaron são altíssimas.
— Eu sei de uma coisa que pode fazer você relaxar — Anne declara
e se levanta da cama. — Eu já volto.
Ela se move pelo quarto e some dentro do banheiro. Escuto o
registro ser ligado e o barulho de portas sendo abertas e fechadas. Minutos
depois, Anne retorna com um sorriso singelo nos lábios. Chega a ser um
pecado ela ter se arrumado tanto por causa dessa noite terrível.
— Tira a roupa — diz, apontando para a minha camisa.
— O quê?
— Tira a roupa, Reed.
Arqueio a sobrancelha.
— A gente vai transar?
Ela faz uma careta.
— Não acho que seja um bom momento para isso.
— Por que você quer que eu tire a roupa, então?
Anne bate com a ponta do sapato no chão, impaciente.
— Só tira a roupa logo. A água vai esfriar.
Ergo as mãos em rendição e tiro a camisa, depois os sapatos e, por
último, a calça. Mantenho a cueca, porque não faço ideia do que me espera
dentro daquele banheiro. Com Anne Scott, não dá para se brincar.
Quando ela se vê satisfeita, sou puxado para dentro do cômodo
iluminado. Fico surpreso ao encontrar a banheira cheia de espuma e uma
vela aromática acesa no balcão da pia. O aroma no ar é uma combinação
entre baunilha e lavanda.
— Uma banheira? Esse é o seu plano para que eu relaxe?
— Um banho de banheira — me corrige, petulante. — E não faça
essa careta feia para mim. Banhos de banheira são revigorantes. Você não
vai conseguir pensar em outra coisa que não seja a água quentinha batendo
na sua bunda.
Rio.
— Você é tão patética. — Testo a temperatura e, mesmo achando a
ideia péssima, eu entro na banheira. É grande o bastante para que eu não
precise ficar com as pernas encolhidas, o que já é um ponto positivo. —
Uma massagem no meu pau já estava ótimo.
Anne revira os olhos e despeja um negócio líquido dentro da água,
fazendo mais espuma. Eu estico o braço e fecho os dedos ao redor do seu
pulso, não querendo que ela vá embora. Se a gente veio para esse jantar
juntos, é justo que ela relaxe também.
— Entra comigo, joaninha.
— Na banheira?
Olho ao redor do banheiro e paro no rosto dela novamente. As
bochechas avermelhadas fazem meu coração esquentar.
— Sim.
— Não acho que seja uma boa ideia.
— Por que? — Miro seu vestido azul escuro. — Você está sem
calcinha?
O vermelhidão desce para o pescoço esguio.
— Não.
— Tira logo a roupa, então. — Brinco com a espuma entre os dedos.
— Prometo que não vou olhar para a sua bunda gostosa.
Anne gagueja uma resposta e se ajoelha na beirada da banheira,
pedindo a minha ajuda com o zíper. Com a mão molhada, eu afasto
novamente o cabelo para o lado e deposito um suave beijo na curva da sua
nuca. Depois, empurro o zíper para baixo, revelando o sutiã de renda e a
curva sutil da coluna.
— Prontinho.
Os joelhos se flexionam para cima e o tecido desliza pelas coxas
torneadas. Inspiro o ar em uma lufada ao notar a calcinha preta e o sutiã da
mesma cor. Analiso, com admiração, o tamanho dos seus seios, a barriga
plana e a boceta escondida por uma renda minúscula. Retorno para o rosto
dela e a encontro mordiscando o lábio inferior.
Levanto a palma para cima para ajudá-la. Me acomodo mais para
trás, deixando que ela se encaixe entre as minhas pernas. Quando sinto a
bunda pressionar o meu pau, circulo a cintura dela com as mãos, abraçando-
a e pousando o queixo em seu ombro.
— Está confortável assim para você?
— Sim. E para você?
Inspiro o costumeiro perfume de morango e fecho os olhos.
— Duvido existir um lugar mais confortável que esse.
Não vejo o rosto de Anne, mas aposto que há um sorriso convencido
sendo direcionado para mim.
— Eu disse que banhos de banheira eram poderosos.
Beijo o seu ombro nu.
— Apenas se for na sua companhia — murmuro contra a pele dela.
— Se eu estivesse sozinho, seria um tédio imenso.
A mão de Anne serpenteia por debaixo da água e pousa em minha
coxa, desenhando círculos imaginários da mesma forma que fez em minhas
costas minutos atrás.
— Sobre o que aconteceu hoje...
— Não vamos falar do meu pai agora — peço. — Mas eu queria te
agradecer por estar comigo e por não me dar as costas. Sei que é uma
situação merda que não estava inclusa no nosso acordo e...
Anne se mexe dentro da banheira e curva os ombros de uma
maneira que consegue pousar o dedo indicador sobre a minha boca, me
calando.
— Não preciso de acordo nenhum para estar com você, Reed.
— Não?
Ela nega.
— É claro que não. — Encosta a testa na minha. — Porque você
também é importante para mim. E a gente faz isso pelas pessoas que
gostamos.
 
 
 
 
 
 
 

 
 
 
 
 
 

 
 
“Eu quero secar aquelas lágrimas, beijar aqueles lábios.
Isso é tudo que eu tenho pensado”
Can I Be Him | James Arthur
 

 
No começo de novembro, Claire e eu estamos, mais uma vez, na
cafeteria do campus. Esse lugar virou o nosso ponto de encontro semanal. O
que fez também a gente viciar nos cupcakes temáticos e nos frappuccinos
de caramelo.
Eu já devo estar no meu segundo copo.
Claire brinca com o canudinho enquanto faz anotações no
computador. Falta um mês para o desfile, então boa parte dos detalhes já
foram acertados, mas isso não significa que a ansiedade dela esteja sob
controle.
— O que você vai fazer no Dia de Ação de Graças? — pergunto.
Minha amiga mantém o olhar na tela do computador, digitando
furiosamente. Como estamos no final do outono, e com a temperatura
gradativamente baixando, os inseparáveis vestidos coloridos foram
dispensados, dando lugar a um casaco com vários corações vermelhos
estampados, uma calça preta e botas que alcançam a altura dos joelhos. O
grande destaque está na peruca: é azul-escura, com mechas loiras nas
laterais.
— Acho que o tom do vestido azul pode ser melhorado — murmura,
presa nos próprios pensamentos. — Não gostei do jeito que ele ficou nas
fotos.
— Claire?
— Talvez adicionar mais uma camada de tecido resolva.
— Estou falando com você, Claire.
— O que você acha?
Praguejo e empurro a tela do seu computador para baixo. Claire dá
um pulinho, assustada. Mesmo maquiada do jeito perfeito de sempre, o
cansaço é evidente. Pelo visto, o meu sermão da semana passada não serviu
de nada. Ela continua passando as noites em claro.
— Você está estressada demais. Vai entrar em parafuso se continuar
trabalhando desse jeito. — Dou a ela o meu cupcake, fazendo um sinal para
que coma. — Já estamos com quase tudo pronto. Faltam apenas os detalhes
finais. Não tem como você fracassar a essa altura. O pior já passou.
Ela lambuza o dedo com a cobertura e leva aos lábios,
experimentando.
— E se algo der errado?
— Não tem como dar. Pelas fotos que me mostrou, as roupas estão
lindas. Principalmente o vestido azul, que você não para de colocar defeito.
Agora vamos esquecer um pouco esse assunto. O que você vai fazer no Dia
de Ação de Graças?
Claire limpa a boca com o guardanapo, um sorriso animado
surgindo.
— Vou viajar para Trenton no feriado com o Dave. Ele finalmente
vai conhecer a minha família completa. Vamos todos passar alguns dias
juntos, então ele está meio nervoso. Minha mãe já ama ele, agora só falta
conquistar o meu pai e a minha avó.
— A sua avó?
— Ela é rabugenta. Não gosta de quase ninguém e o único que
conquistou o seu coração é um gato que tem quase a idade dela. — A frase
me arranca uma risada. — E você? Vai para...
O meu celular vibra em cima da mesa, me impedindo de ouvir o
restante da pergunta. Ao ver o número no identificador de chamadas, posso
jurar que meu coração vai sair para fora do peito e cair bem em cima dos
meus pés.
Estendo o braço sobre a mesa, sentindo os dedos tremerem e
gotículas de suor se formarem na palma.
Se for mesmo o que estou pensando que seja, vou desmaiar bem
aqui no meio da cafeteria.
Quando atendo a chamada, ouvindo atentamente o que a pessoa está
dizendo do outro lado da linha, chego à conclusão que, sim, meu coração já
não faz mais parte do meu organismo.

Entro no vestiário masculino do time, pouco me importando com os


olhares assustados que recebo. Nem ligo para as bundas molhadas, os
abdomens sarados e o cheiro de suor. Não faço nem uma careta quando vejo
Chad Eaton saindo do chuveiro com o pau mole de fora.
Vou me arrepender para o resto da vida por ter transado com ele.
Contorno o seu corpo alto e fico na ponta dos pés, procurando por
Reed. Ao encontrá-lo em frente aos armários, não usando nada além de uma
toalha no quadril, corro em sua direção. Ele nem tem tempo de se preparar
para o baque quando pulo em suas costas, prendendo os braços ao redor do
pescoço.
— Eu consegui!
— O quê?
— Eu consegui, Reed! — Enterro a bochecha em suas costas. —
Puta merda, eu consegui!
— Ei, ei! — Reed dá um tapinha no meu joelho e eu desço de suas
costas, ficando de frente. — Você conseguiu o quê?
Estou tão afobada que não consigo organizar meus pensamentos de
uma forma coerente, mas, com esforço, consigo controlar a vontade
desenfreada de sair gritando pelos corredores da USVL.
— O PK Journal acabou de me ligar. Passei na primeira fase e tenho
uma entrevista daqui duas semanas. — Rio entre as lágrimas de felicidade.
— Eu consegui, Reed! Não consegui a vaga, é claro, mas já é metade do
caminho e...
Minha frase morre no ar, porque as mãos de Reed se encaixam ao
redor do meu rosto e a boca afunda de encontro a minha. Meu momento de
susto dura um curto segundo, porque minhas mãos se fecham ao redor dos
seus bíceps e me desfaço ao redor do seu corpo, deixando que cada parte
minha pressione a sua.
O beijo é diferente.
Não sei definir com exatidão, mas ele tem um tipo de sentimento
que nenhum dos outros teve até agora.
É mais íntimo.
É como se ele conhecesse cada parte de mim.
O vestiário ovaciona em gritos e assovios e eu me afasto, as
bochechas coradas. Reed dá um beijinho na ponta do meu nariz e sorri.
— Eu estou tão orgulhoso de você, joaninha. E mesmo que ainda
não seja a vaga de fato, eu sei que é apenas uma questão de tempo. Porque
você é extraordinária pra cacete e, se eles não perceberem isso, vão cometer
um erro terrível.
— Você me dá crédito demais, Reed.
— Estou falando a verdade, Annie. — Abaixa a cabeça, diminuindo
a distância. — E não digo isso porque sou seu namorado.
Reed me dá uma piscadela maliciosa e eu faço um biquinho que ele
beija também, me prendendo em um abraço de urso. Estou tão feliz que os
olhares curiosos não são nada incômodos. Vejo até Chad Eaton em um
canto, nos observando com um vinco curioso entre as sobrancelhas.
— O que você acha da gente...
A frase morre no ar quando o assovio alto do treinador ecoa pelo
vestiário. Eu me encolho entre os braços de Reed. Turner, em breve, vai
instaurar uma lei que me proíbe de entrar no vestiário dos seus jogadores.
— Mais uma vez aqui, Scott?
Levanto a mão, acenando de um jeito que faz as pálpebras do
treinador se semicerrar em descontentamento. A mera lembrança dele saber
que fiz Reed gozar em uma das cabines do chuveiro me faz ter vontade de
cavar um buraco no chão. 
— Eu já estava de saída, treinador.
Turner assente diante da minha resposta e o aperto de Reed ao redor
do meu corpo se afrouxa. Eu pego a minha bolsa que caiu no chão e rumo
para a saída. No entanto, antes que eu possa sair do vestiário, a mão do
treinador pousa em meu ombro, me parando.
Ele abaixa a cabeça e diz, baixinho, para que ninguém mais possa
ouvir:
— Parabéns pela conquista, Scott.

Ao final do dia, estou deitada na cama do quarto de Reed,


estudando. Minhas pernas se mantêm cruzadas em posição de yoga e o
computador repousa sobre uma almofada, enquanto faço anotações sobre o
artigo que acabei de ler sobre Jornalismo Econômico.
Tive um dia longo trabalhando na lanchonete e conversei com Adele
sobre a probabilidade de que, talvez, ela precise procurar por outra
garçonete para me substituir. O tom de felicidade em sua voz, por saber que
estou conseguindo correr atrás dos meus sonhos, fez o meu coração inchar
de alegria.
Assim como Adele, estou torcendo para que a entrevista seja um
sucesso daqui a duas semanas e que eu consiga o estágio que tanto almejo.
Aproveitei também e mandei uma mensagem para Alex. Ele me respondeu
com um meme de gatinho e vários emojis de parabéns.
Ainda não conversamos sobre o Dia de Ação de Graças, mas esse é
um problema para a Anne do futuro resolver.
Por enquanto, decido me concentrar nas palavras diante de mim. O
objetivo, infelizmente, escorre pelas minhas mãos quando a porta é aberta e
Reed sai do banheiro.
Eu já o vi sem camisa, no mínimo, cinco vezes — não que eu esteja
contando —, mas toda vez, sem exceção, ele consegue me tirar o fôlego. O
contorno do peitoral, os gominhos em destaque e o V que leva diretamente
para o seu pau causam um formigamento comum na minha língua.
Reed passa as mãos pelo cabelo úmido e se joga na cadeira da
escrivaninha. O perfume de cravo com sândalos inunda o quarto e qualquer
tentativa de me concentrar evapora.
— O que você acha da gente ver um filme? — sugere, esticando as
pernas.
— Não sei se é uma boa ideia.
Ele arqueia a sobrancelha, mantendo o olhar no meu.
— Por quê?
— Porque você tem um péssimo gosto para filmes. — Aponto para
o pôster de Missão Impossível pregado do lado oposto do quarto. — E uma
fixação nada saudável pelo Tom Cruise.
— Tom Cruise é uma lenda. Na próxima vida, se eu tiver sorte,
quero ser ele.
Dou risada e abaixo as vistas para a tela do computador. Entretanto,
o olhar de Reed queima em mim. Há dias, uma atmosfera diferente nos
envolve, se espalhando pelas veias e seguindo para as nossas terminações
nervosas. Não sou a única a sentir isso, porque Reed é péssimo em disfarçar
o que se passa na própria cabeça.
Mordisco o cantinho do lábio inferior e olho de soslaio para onde
ele está sentado. Reed usa o apoio de braço para sustentar o cotovelo,
enquanto a ponta dos dedos coçam a barba rala. Ele me desnuda sem
nenhum pingo de vergonha, começando pela camiseta larga que uso e
terminando nos shorts de malha que mal cobrem a minha bunda direito.
— Para de me olhar assim, Reed.
— Assim como? — Arqueia a sobrancelha, o desafio escorrendo por
sua voz rouca.
Respiro fundo e abaixo a tela do computador. A leitura desse artigo
vai ficar para depois. 
— Como se quisesse me foder. 
Meu coração bobo erra uma batida quando Reed impulsiona a
cadeira para frente, até ficar no pé da cama. A tensão dentro do quarto
começa a mudar gradativamente.
— E você vai me impedir?
Um longo silêncio se estende entre nós. Mantenho as mãos
repousadas sobre os joelhos, enquanto os meus incisivos mordiscam o lábio
inferior.
— Não.
Reed range os dentes e encaixa as mãos sobre os meus tornozelos,
me puxando para a beirada da cama. Dou um gritinho estridente, misturado
com uma risada. Vejo-o sorrir diante do som.
— Estou começando a achar que você é do tipo barulhenta —
murmura ao me acomodar de frente para si. Meus pés descansam no
minúsculo espaço livre do assento da cadeira.
— E eu acho que você é do tipo que fala muito, mas não age —
retruco.
A mão grande desliza por minha perna e sobe, parando no interior
da coxa. O toque me arranca um suspiro.
— Tem certeza? — Dedilha a região. — Porque se eu me lembro
bem, você não reclamou quando eu te chupei até você gozar naquele
banheiro de hotel.
— Eu fingi — digo, lutando contra a vontade de gemer.
— Acho que você fingiu mal. Porque eu senti o seu gozo na minha
língua.
— Você é sujo.
Ele abre um sorriso e beija suavemente o canto dos meus lábios. O
beijo, no entanto, não dura mais que curtos segundos. 
— E você adora.
Resmungo em desacordo e empurro a cadeira para trás. Minhas
pernas pendem para baixo e Reed fica de pé com facilidade, me olhando de
cima. As íris brilham idênticas a um caleidoscópio, enchendo minha cabeça
de lembranças de quando ele se ajoelhou entre as minhas pernas e chupou a
minha boceta.
— Você discorda? — Apoia as mãos no colchão, me encurralando
com o seu porte atlético enorme. — Será que vou ter que comprovar a
verdade com os meus próprios dedos, mais uma vez?
Abro um sorriso sacana.
— Existem outros jeitos de você fazer isso, Reed.
— Está me desafiando, Annie?
Me afasto para longe da sua presença entre risadas e me acomodo
entre os travesseiros. A coberta abraça cada parte do meu corpo do jeito que
eu gostaria que Reed fizesse comigo.
Quero ele aqui.
Em cima de mim.
Ou embaixo.
A posição pouco importa.
— Por que você não vem aqui? — convido, manhosa. — Prometo
que não vou te morder.
Reed suspira, hesitante.
— Você me morder é uma das minhas últimas preocupações.
A consciência dele parece duelar com o que realmente quer, mas
acaba cedendo. Quase gentil demais, ele se acomoda ao meu lado no
colchão. Antes que qualquer comentário possa escapar da sua boca, eu fico
de joelhos e subo no seu colo, espalmando as mãos no peitoral nu.
— Você se preocupa demais, Reed.
— Você que me tira de órbita.
Faço um biquinho.
— Não sei se isso é um elogio ou um insulto.
— Quando eu te elogiar, pode ter certeza que você vai saber.
Ergo as sobrancelhas, desacreditada. Ele acabou de insinuar isso
mesmo?
Porra.
— Eu odeio você, Rollins.
Faço menção de sair de cima dele, mas o aperto em minhas coxas é
um aviso para que eu não me mexa. 
— Você me tira de órbita porque não sei até onde você está disposta
a ir — explica. — Quem não garante que você não vai sair por essa porta e
fingir que nada aconteceu? Esse é um risco que não quero correr de novo.
Ah. É sobre isso.
— Eu disse para você que não iria a lugar nenhum.
Ele me olha com desdém.
— Nem mesmo quando a gente atravessar essa linha em específico?
Inclino a coluna para frente, encurtando a distância.
Demoradamente, meus lábios passeiam por seu queixo, em uma dança que
não quero que chegue ao fim. Eu o quero tanto que chega a doer em lugares
que eu nem sabia que existiam.
— Acho que as linhas já estão bem bagunçadas — murmuro, a boca
encostada no pescoço dele. 
— Não é essa a resposta que estou pedindo.
Levanto a cabeça e o encaro com cautela. As pupilas dilatadas
denunciam a camada de luxúria que nos recobre.
— O que você quer que eu diga?
— Você sabe o que eu quero.
Engulo em seco. O que Reed está me pedindo... É algo que nunca
dei a ninguém. As pessoas com quem transei eram passageiras na minha
vida e sabiam o que eu estava disposta a oferecer.
Reed, no entanto, está me prensando contra a parede e querendo que
eu vá além. Que eu deixe ele entrar.
— Esse é o seu jeito de dizer que me odeia também? — Meu tom é
desesperado.
Ele discorda com um murmúrio angustiado.
— Esse é o meu jeito de dizer que quero você. Mas eu preciso saber:
você me quer, também?
Encosto a testa na dele, procurando uma forma de controlar o frio
que se espalha dentro de mim. As palavras se embolam na língua e eu devo
estar sendo a pessoa mais patética do mundo por causa disso. Desnudar os
meus sentimentos não é uma tarefa fácil.
Ainda sim, eu despejo para fora.
— Eu quero que você me queira o tanto quanto eu quero você —
gaguejo, baixinho, como um segredo que somente nós dois podemos ouvir.
— Porque eu não vou embora, Reed. Porque, enquanto estivermos juntos,
eu sou sua. E eu deixo você fazer o que quiser comigo desde que também
seja meu.
As pálpebras dele se fecham, como se estivesse com dor.
— Anne...
— Não me faça implorar, porque eu não vou aguentar.
Reed libera uma risada pelo nariz e afunda os dedos na carne da
minha bunda, me empurrando para frente para alcançar o ponto exato em
que seu pau duro está, escondido somente pela calça de moletom.
— Eu só quero te ver implorar quando eu estiver prestes a te foder
bem do jeito que eu gosto. Enquanto esse momento não chega, a sua
resposta já basta.
Não tenho a chance de responder. Reed inverte as nossas posições,
ficando por cima de mim, e morde a minha boca em um tipo de beijo que
não é nada gentil. Ele me pega pelo pescoço, fazendo uma mínima pressão,
enquanto empurra o quadril de encontro ao meu.
Procuro sua língua e me desfaço diante do sabor quente de sua boca.
É difícil manter os pensamentos coerentes depois disso, principalmente
quando a mão livre escorrega por baixo da minha camiseta. Como não estou
usando sutiã, Reed encontra com facilidade os meus seios.
Os mamilos intumescidos se encaixam com perfeição entre os dedos
e eles são massageados demoradamente. Eu me contorço embaixo do seu
corpo enorme, desejando que não haja nenhuma camada de tecido entre
nós.
Reed, no entanto, não atende ao meu pedido. Ele continua a descer
até encontrar o elástico do meu shorts. A mão se infiltra por dentro dele e o
polegar acaricia o meu clitóris escondido pela calcinha rendada. Estou
molhada pra cacete e ele percebe isso, porque abre um sorriso.
— Você nem tenta esconder, não é? — indaga e dá uma mordida
que, com certeza, vai deixar uma marca no meu pescoço amanhã. — Qual é
a cor, Anne?
— O quê?
— Qual é a cor da sua calcinha?
Demoro para pensar na resposta.
— Vermelha.
Reed arqueja em alto e bom som e fica de pé novamente. Lanço a
ele um olhar desesperador, mas qualquer frase coerente que eu pudesse
formular se desfaz na minha garganta quando sou puxada para a beirada da
cama com um tipo de brutalidade que gosto muito.
Ao olhar para baixo, encaro Reed se ajoelhando diante de mim.
— Se vamos fazer isso... Vamos fazer do jeito certo — explica. —
Deite-se, Anne. Porque eu vou te chupar do jeito que você merece.
 
 
“Quero que você saiba o quão fundo meu amor vai”
All I Need | Lloyd
 

 
As palavras sussurradas de Anne, e carregadas de uma
vulnerabilidade extrema, mexem com a minha cabeça. Elas foram a
confirmação que eu precisava para seguir em frente com a certeza de que,
quando acordar amanhã, não vou encontrar apenas os rastros da sua
presença.
— Da última vez eu não mereci?
O questionamento, escondido em um ofegar agonizante, me faz
sorrir. A visão de Anne caída na cama, palpitando de desejo, é uma imagem
que vai me assombrar por anos. A realidade não chega nem perto do que
imaginei. É infinitamente melhor.
— Dessa vez, você merece o dobro. — Deslizo o tecido por suas
coxas e Anne o chuta para longe. Quando volto a olhar para ela, perco o ar.
A calcinha dá uma visão pequena da sua boceta depilada e molhada para
mim. — Porque você foi uma boa garota.
Os cotovelos se apoiam na cama, o tronco se erguendo.
— Esse é mais um dos seus presentes para mim?
Mordo um sorriso.
— Podemos chamar assim, se você quiser. — Olho para a calcinha
vermelha e depois para o seu rosto. Meu sangue ruge nos ouvidos. —
Embora eu prefira definir de outro jeito.
— Ah, é? E qual seria?
Tombo a cabeça para o lado em um gesto provocador e abro seus
joelhos, me acomodando entre as coxas. Resvalo o nariz no interior delas,
inspirando o perfume que parece habitar cada parte da sua pele. Anne dá
um gemido que me instiga a continuar subindo, até parar na altura da boceta
molhada. O tecido rendado é o mesmo que habita as minhas mais perversas
memórias.
— Esse sou eu fazendo você sujar os meus lençóis. — Uso o
polegar para acariciar o clitóris escondido pela calcinha. — Bem do jeito
que eu gosto.
Qualquer chance que Anne tenha de formular algum tipo de resposta
coerente se esvai da boca teimosa quando eu empurro o tecido rendado para
o lado e lambo as suas dobras molhadas. O prazer escorre em um tipo de
súplica que eu conheço muito bem.
Subo para o clitóris e o sugo, rodando com a língua ao redor dele.
Anne se remexe na cama, ansiosa para controlar os meus movimentos.
Gemo em desacordo e uso a mão livre para segurar a sua bunda com força,
mantendo-a quieta.
— Sossega essa bunda gostosa, Scott — aviso, afastando meu rosto
minimamente e usando o polegar para dar a devida atenção ao ponto que já
começa a inchar. — Caso contrário...
Ela entreabre os olhos e me fita de canto.
— Caso contrário, você vai bater na minha bunda?
Sufoco uma lamúria e desço meus dedos para a sua entrada. Anne
está tão lubrificada que eles deslizam com facilidade para dentro dela. As
paredes me apertam e imagino como será quando for meu pau. Vou gozar
tão forte que, se não estivéssemos sozinhos em casa, Keeran e Mason
ouviriam.
— Sim. — Giro o dedo, tocando um ponto que a faz revirar os olhos
e apertar o cobertor entre os dedos. — Eu vou bater até que minha palma
fique formigando e a sua bunda doendo por horas.
Começo a movimentar os dedos para dentro e para fora em um
ritmo que acompanha as batidas do meu coração. Inclino a cabeça pra frente
e levo novamente o clitóris aos lábios, chupando-o e dando uma leve
mordidinha.
As unhas compridas de Anne se fecham ao redor dos meus fios e
empurram a minha cabeça, não deixando que eu saia do lugar. Não que eu
fosse sair daqui. Só vou ficar de pé novamente quando sentir o seu gozo
escorrer de sua boceta e se misturar a minha saliva.
A calcinha começa a me irritar e, sem nenhum aviso, eu a rasgo.
Anne exala surpresa ao ver o tecido ser jogado para cima da cama, a renda
desfiada.
— Eu achei que era a sua favorita.
Rio e discordo com um balançar de cabeça.
— Eu gosto muito mais de ver a sua boceta sem nada. —
Acrescento mais um dedo, que se junta ao outro que já está dentro dela,
completamente melado. — Você não faz ideia de como é linda assim ... —
Beijo o osso proeminente do quadril. — Completamente entregue para mim
e pulsando de desejo para que eu te foda logo.
Anne murmura um punhado de palavras incompreensíveis.
— E eu amo o seu gosto. — Para comprovar a minha frase, eu
lambo a sua extensão por completo, me deliciando com o sabor salgado. —
Amo tanto que poderia ficar horas aqui, dando a atenção que você merece.
A impaciência dela alcança o ápice, porque sou puxado para cima.
Anne me fuzila com um olhar que dói feito uma queimadura.
— Para de falar e me faz gozar logo, Reed.
Giro os dois dedos dentro dela e as orbes se reviram em
contentamento.
— Hoje nós vamos fazer as coisas do meu jeito. — Beijo
suavemente a sua boca, deixando que ela sinta o próprio gosto em meus
lábios. — Eu vou te fazer gozar quando eu quiser.
— Então, talvez, eu acabe fazendo o serviço por conta própria.
Xingo um palavrão e afasto mais as suas pernas. A boceta se abre
para mim e meu pau se anima dentro da cueca, tão ansioso quanto Anne.
Por cima da calça, eu o massageio, já sentindo a gota do pré-gozo umedecer
o tecido.
Estou louco para fodê-la de uma vez por todas.
— Sempre tão teimosa... — Solto um muxoxo e me agacho
novamente, voltando a movimentar os dedos dentro dela, sentindo-a se
contrair. — O que eu vou fazer com você?
As respostas para essa pergunta são encontradas quando Anne
impulsiona as pernas para cima e as encaixa sobre os meus ombros. Ela é
ousada, o que me faz abrir um sorriso e dar o que tem implorado através do
girar descontrolado do quadril.
Durante os próximos minutos, me dedico exclusivamente a fazê-la
gozar.
Fodo-a com os dedos, indo até o fundo e depois brincando com o
seu clitóris inchado.
Penetro-a com a língua e abro as suas dobras com os dedos,
enquanto me masturbo.
Infiltro a mão dentro da cueca e aperto o meu pau, imaginando que
seja a sua boceta.
— Reed, por favor!
O gemido sofrido, combinado do subir e descer do seu quadril ao
ritmo das minhas investidas, é o sinal de que Anne está perto de gozar. As
pernas se apertam ao redor da minha nuca e os seios, ainda cobertos pela
camiseta, se mexem de acordo com a respiração acelerada.
Posso jurar que escuto seu coração acelerado.
Enfio os meus dedos por completo e os curvo dentro dela,
alcançando aquele ponto em específico, e, com um impulso único, ela goza
na minha boca.
Um gemido alto é proferido. 
E ele é magnífico, exatamente como nós dois.
Fico de pé, olhando-a de cima e apreciando a maneira em que o
prazer faz os seus músculos relaxarem e um sorriso crescer. As bochechas
se encontram coradas, os lábios levemente inchados e os olhos capazes de
incendiar uma floresta inteira.
— Você é tão linda. Tão linda que chega a doer.
Cubro seu corpo com o meu e resvalo minha boca na dela. O beijo é
lento, o completo oposto dos anteriores. Um sopro de calmaria diante da
névoa bagunçada que habita os pensamentos. Os lábios se movimentam em
sincronia com os meus e dou uma leve mordidinha.
Ajudo Anne tirar a única peça que resta e, quando os seios apontam
para fora, livres da camiseta, o quarto inteiro congela em um único
segundo. Tudo o que vejo é ela e cada detalhe que a compõe. As aréolas um
pouco mais escurecidas que a pele branca e os mamilos durinhos, esperando
para serem venerados como merecem.
— Agora falta você.
Abro um sorriso e me desfaço da calça juntamente da cueca. Anne
contempla cada uma das peças caindo no chão. Meu pau pulsa, as veias
proeminentes, adorando a atenção que está recebendo. Ele é um canalha
egoísta, assim como eu.
— Nada mal, Rollins — elogia. — Acho que vai servir.
Minha garganta arranha em um grunhido.
— Você se acha muito engraçadinha, huh?
As coxas se apertam entre si conforme um sorriso cresce, maléfico.
— Só quando estou com você.
Reviro os olhos em desgosto e volto a me aproximar da cama.
Espalmo as mãos ao redor da sua cintura, apoiando-as no colchão, e vou
descendo lentamente. Anne me acompanha, até que as costas estejam
tocando a superfície da coberta. As coxas se enroscam ao redor da minha
bunda.
— Como você quer que seja? — pergunto, lambendo o pescoço dela
de cima a baixo, depois beijando a curva dos seios e, por fim, a ponta do
queixo. — Quer que eu te foda devagar, com o meu pau tocando um ponto
bem fundo dentro de você ou... — Expiro o ar quente nos mamilos. — Quer
que eu seja bruto, até que essa boceta gostosa peça por mais e deixe o meu
pau todo lambuzado?
— Eu quero os dois, Reed.
Porra.
— Você ainda vai me matar, sabia? — digo e estico o braço, abrindo
a primeira gaveta da cabeceira. Tiro de lá um preservativo e entrego a ela.
— Coloca em mim.
Ela assente com um discreto concordar e abre o pacote laminado.
Antes de colocá-lo em meu pau, ela desfere um beijinho na cabeça e pisca
as pálpebras, daquele jeito inocente que mexe com a minha sanidade.
Quando o preservativo cobre o meu membro por completo, eu inverto as
nossas posições, colocando-a sobre mim.
O meu pau toca um ponto específico entre as suas pernas, a glande
se aconchegando com perfeição entre as suas dobras. Trocamos um olhar
silencioso, como se estivéssemos nos questionando se o que está prestes a
acontecer é real mesmo ou fruto da nossa imaginação.
— Anne.
— Reed.
Aconchego minhas mãos ao redor do seu quadril e Anne rebola
contra o meu pau, mas sem ainda estar dentro. A sensação me deixa sem ar.
Quando eu, finalmente, afundar dentro dela, não sei se vou conseguir
manter o controle.
— Se for demais, me avise.
Anne firma as mãos sobre os meus ombros.
— Se for pouco, pode ter certeza que vou avisar também.
Não faço nenhum tipo de aviso.
Apenas a penetro em um impulso.
Duro.
Cru.
Nós dois trememos.
Meu pau se aconchega com perfeição dentro dela. Como se tivesse
sido feito para estar ali. Para sempre. Deixo que ela se acostume com o
meu tamanho, as paredes se alargando conforme afundo cada vez mais para
dentro, até que eu esteja enterrado por completo.
Anne não me dá a chance de controlar o formigamento que se
alastra por minha barriga. Começa a movimentar o quadril em círculos, meu
pau tocando pontos internos que a fazem revirar os olhos e arquear o
pescoço para trás.
Neste pequeno fragmento de segundo, Anne Scott se torna o meu
mundo.
Impulsiono-a para cima e ela compreende o que quero. Com uma
facilidade incrível, começa a quicar sobre o meu membro, ao mesmo tempo
em que sons gostosos são proferidos. Dedilho a sua coluna e, ao chegar ao
cabelo, prendo-o entre os dedos, puxando cada fio para trás.
As orbes esverdeadas, quase invisíveis por causa das pupilas
dilatadas, procuram pelas minhas. A nossa diferença de altura nunca foi tão
vantajosa quanto agora. Empurro para dentro dela, sincronizando minhas
estocadas.
A boceta molhada me engole, toda gulosa.
Mesmo que eu adore ter controle sobre ela, não existe nada mais
excitante que ver Anne ditando o ritmo que quer que eu a foda. Antes de
mais nada, quero entender como o seu corpo corresponde ao meu antes que
eu possa fodê-la do jeito que eu quero.
Traço os mamilos com a ponta da língua, para depois chupá-los.
Eles se encaixam impecavelmente em minha boca. Ela geme meu nome e
finca as unhas compridas em meus ombros. Ela não sabe me empurra para
longe ou se me puxa para mais perto.
— Reed, eu...
Desfiro um tapa alto contra a sua nádega direita e paraliso os seus
movimentos.
— Não, Anne. Você ainda não vai gozar.
Saio de dentro dela, ouvindo um choramingo tristonho, e viro-a de
barriga para baixo. Anne não demora para entender. Os joelhos se espaçam
e a bunda empina-se para cima, pedindo por meu pau. A boceta está
vermelha e molhada.
— Hoje, você vai gozar pra mim de quatro — murmuro, beijando
suavemente a sua coluna. Alinho meu pau na sua entrada e entro devagar. A
posição me faz ir mais fundo que antes. — E vai acordar amanhã ainda me
sentindo dentro de você, porque se eu esperei todo esse tempo para te
comer, pode ter certeza que vou fazer ser inesquecível.
Se Anne me dá uma resposta, eu não ouço.
A única coisa que faço é agarrar a sua cintura e começar a fodê-la.
Apoio um dos joelhos no colchão, enquanto o outro se mantém flexionado
para cima, e toco um ponto bem fundo. Entro e saio. Repetidas vezes,
procurando encontrar um ritmo que faça nós dois ficarmos pendurados no
limite do desejo.
Anne agarra o travesseiro e geme de forma abafada contra o tecido.
Gotículas de suor escorrem pela curva da coluna dela e percebo, tarde
demais, que jamais vou superar esse momento. Tenho esperado por tanto
tempo que a mera possibilidade de não poder tê-la novamente em meus
braços é assustadora.
Meus músculos reclamam, mas eu mantenho o ritmo. Minhas bolas
batem de encontro à sua bunda e Anne entreabre mais as pernas. A boceta
se arreganha para mim, implorando para que seja fodida várias vezes.
— Mais forte, Reed.
Ela se contrai ao meu redor e eu quase gozo.
Mas faço exatamente o que ela pede.
Enrolo os cabelos ao redor do meu punho e vou o mais fundo que
consigo. Eu a fodo como se estivéssemos em nossos últimos segundos de
vida. Eu a fodo como se cada parte sua pudesse, realmente, ser minha. Eu a
fodo como se não houvesse a merda de um acordo pairando acima de
nossas cabeças e impedindo que eu diga tudo o que penso.
Saio e entro de forma veloz.
Ofegamos juntos.
— Tenho uma nova cláusula para o nosso acordo.
Anne xinga.
— Você está pensando nisso agora?
A sua boceta molhada faz um barulho gostoso conforme deslizo
para dentro e para fora. A visão é bonita demais.
— Sim, agora. — Viro o rosto dela para o lado, obrigando o seu
olhar a encontrar o meu. Não há nenhuma camada de segurança os
cobrindo. — E você tem que prometer que vai cumprir.
Anne rebola o quadril e eu dou um puxão em seu cabelo em um
sinal de alerta.
— Não quero que ninguém te foda além de mim. Não quero que
essa boceta acomode outro pau além do meu — ordeno, a voz soando mais
rude do que eu gostaria. — Não enquanto eu estiver na porra da sua vida.
— E se eu não concordar?
Dou um tapa estalado em sua bunda e tiro meu pau totalmente para
fora, para depois entrar em um único impulso. Anne arqueja em alto e bom
som, a bochecha pressionada contra o travesseiro. O cabelo gruda em sua
nuca.
— Eu vou me certificar de que você se arrependa.
Anne profere um murmúrio irritado.
— Eu odeio você, Reed.
— Eu também odeio você, Anne.
Os gemidos, que são proferidos em conjunto, são a resposta que
buscamos para o acordo que nos une. Anne acompanha os meus
movimentos. Eu bato cada vez mais fundo. A gente se perde em uma dança
que não possui um condutor.
Eu me perco dentro dela.
— Eu vou gozar — aviso, em um ranger sofrido.
— Eu também.
O formigamento se alastra por minha espinha. Anne contrai os
músculos da boceta, me afogando. Ela pressiona a palma da mão contra a
boca e, num grito abafado, ela goza lindamente, se desfazendo em mil
pedacinhos em minhas mãos.
Em uma última bombeada, eu gozo dentro dela, inundando a
camisinha.
A visão escurece nas laterais e meus músculos tremem em um tipo
de libertação que nunca senti antes. O coração palpita nos ouvidos e meu
pulso lateja, devido à força que segurei os seus cabelos. Até mesmo o meu
pulmão dói.
Saio de dentro dela e Anne se vira no colchão, esparramando o
corpo. Cada parte sua está desgastada, suada e cansada. Fodidamente
esgotada após ser fodida por mim bem do jeito que prometi. Ao notar que
estou olhando-a, ela abre um sorriso e aponta para o peitoral.
— Sim, Reed, eu concordo.
Franzo o cenho, confuso.
— Com o quê?
Ela abraça uma dos travesseiros, ficando de lado. Quero que essa
cena jamais seja esquecida. Vou revivê-la até os últimos segundos da minha
vida.
— Com a sua nova cláusula do acordo — diz, manhosa. —
Enquanto você estiver na minha vida, eu deixo você me ter do jeito que
quiser.
Eu abro a porra de um sorriso.
O sorriso mais sincero de todos.
Porque, de um jeito bem esquisito, Anne Scott é minha.
 
“Agora você está escorrendo pelo meu corpo, temos horas para ocupar”
Chills | Mickey Valen (feat. Joey Myron)
 

 
Acordo na manhã seguinte com o som do despertador.
E a presença de um corpo ao meu lado.
A perna está enroscada na minha e a mão sendo pressionada na
minha cintura, como se quisesse se certificar que eu não fugiria durante a
noite. Há também o calor da sua respiração aquecendo o meu pescoço e o
perfume no ar que já reconheço a milhas de distância.
Pois é.
Eu transei com Reed Rollins.
E acabei de acordar na cama dele.
A vida é meio engraçada, às vezes, não é?
Se alguém, meses atrás, tivesse me dito que isso aconteceria, eu
certamente teria mostrado o dedo do meio e mandado a pessoa tomar
naquele lugar. Agora, no entanto, a minha cabeça se dedica a rebobinar cada
fragmento da noite passada. É quase um sonho.
Um gemido preguiçoso ecoa no meu ouvido e Reed desliga o
despertador com um resmungo, para depois me apertar contra o seu corpo.
Dá pra sentir o seu pau cutucando a minha bunda enquanto os lábios
deslizam pelo meu pescoço e beijos são distribuídos.
— Bom dia, joaninha.
Agradeço aos céus por ele não poder ver o meu sorriso feliz.
— Bom dia, zangão.
Reed dá um jeito de me virar no colchão, de forma que fiquemos de
frente um para o outro. Há um tipo de felicidade gigantesca estampando a
face dele. E o meu sorriso, que eu estava com medo que ele visse, é idêntico
ao que dança em sua boca.
— Como você está? — pergunta, ao colocar uma mecha do meu
cabelo bagunçado atrás da orelha.
— Como se tivesse acabado de transar.
Uma risada lhe escapa.
— Olha só que coincidência... Estou me sentindo da mesma forma.
Dou um beliscão nas suas costelas e ele finge uivar de dor. Os
braços me circulam em um abraço que me torna quase invisível entre os
músculos. Quando eu disse que Reed era imenso, nunca tinha parado para
pensar na logística da coisa.
Acaricio o bíceps e beijo a ponta do seu queixo.
— Você é tão chato. Acorda assim todas as manhãs?
— Apenas se você estiver comigo.
Reviro os olhos e me aconchego. Não estamos usando nenhuma
roupa, então cada parte minha pressiona uma parte dele. Um longo silêncio
se estende, sem nenhuma palavra sendo dita. É estranhamente reconfortante
ter a presença de Reed ao meu lado e, vez outra, ele beija as minhas
clavículas.
Eu estava falando sério na noite passada quando disse que não iria
para lugar nenhum. O que mais me pegou de surpresa, entretanto, foi aceitar
a nova cláusula sem hesitar. Foi tão natural quanto respirar.
Reed aconchega a cabeça no meu ombro e suspira.
— Quais são os seus planos para hoje?
— Tenho aula de Jornalismo Político pela manhã e vou trabalhar na
lanchonete até umas seis horas. E você?
— Aula e treino para o jogo da semana que vem. Você quer que eu
te busque em Sunbay? Nós podemos ir ao Jackson House depois.
Sorrio.
— Você sabe que o Jackson House é concorrente do Brooklyn Blues,
certo?
Reed apoia as palmas no colchão, criando sustento para o corpo que
pende sobre mim. Minha mente ferve em imagens ao imaginá-lo me
penetrando exatamente nessa posição.
— Se você não contar para a Adele, eu também não conto.
— Se eu perder o meu emprego, a culpa será totalmente sua.
— Eu confio no seu potencial de guardar segredo.
Franzo a testa e Reed desfaz as ruguinhas, me dando um beijo na
ponta do nariz antes de se levantar da cama. Tombo a cabeça para o lado, o
admirando sem nenhuma peça de roupa. A visão fica ainda melhor quando
ele se vira de costas e estica os braços para cima, se espreguiçando.
Droga.
Por que ele tinha que ser tão gostoso?
Como se compreendesse o rumo dos meus pensamentos, Reed me
lança um olhar sobre o ombro. Ele também me admira esparramada na
cama, demorando-se por mais tempo nos seios descobertos.
Se ele quiser transar agora, eu não vou reclamar.
— Agora é sua vez de parar de olhar assim para mim, Annie.
— Por quê? Está com medo de ser devorado?
— Pelo contrário. — Se abaixa e ajunta as nossas peças de roupa.
Diferente de mim, Reed gosta das coisas organizadas. O seu quarto é o
maior exemplo disso. — Estou a um passo de te devorar. De novo. Esse é o
meu medo.
— Eu aguento, sabia? Não sou feita de cristal, Reed.
A ponta da língua umedece o cantinho dos lábios e ele agarra os
meus tornozelos, me trazendo para a beirada da cama. Eu dou um gritinho,
mas não me esquivo do toque possessivo.
— Não é esse o problema.
— Qual é, então?
Reed empurra o meu lábio inferior para baixo, me olhando com uma
intensidade dolorosa.
— Meu medo é que eu não vá aguentar — confessa, baixo. — Você
acaba comigo, Scott.
Fico sem reação e antes que um clima esquisito possa pairar sobre
nós, Reed se afasta, dando um passo para trás. No entanto, antes de entrar
no banheiro, ele arremessa algo em minha direção.
Quando olho para baixo, é a calcinha vermelha.
A minha calcinha favorita.
A calcinha que ele rasgou sem pensar duas vezes.
— Eu ainda não acredito que você fez isso.
Ergo o tecido na ponta do indicador. Há um rasgo bem no centro e a
renda virou um punhado de fios.
— Prometo comprar uma nova para você. Várias, na verdade. Meu
conselho é que você comece a andar por aí sem calcinha. Para poupar meu
tempo.
Arremesso um travesseiro na sua direção e a gargalhada reverbera
pelo quarto. E mesmo a contragosto, me pego rindo de um jeito que não
fazia há anos.

Estudar o mesmo curso que Reed é bom e, ao mesmo tempo, ruim.


Na verdade, é mais ruim que bom.
Quando entramos no auditório para uma palestra sobre Jornalismo
Político, ele insiste que fiquemos sentados o mais distante possível das
pessoas. Eu deveria desconfiar que há algum tipo de plano maligno por
trás? É claro que sim.
Mas eu ainda estou me recuperando da noite passada, então minha
linha de pensamento está lenta pra cacete. Portanto, quando Reed se
acomoda ao meu lado e empurra o apoio de braço para trás para que nada
fique entre nós, eu não vejo malícia nenhuma por trás do ato.
Grande iludida, hein, Anne.
As luzes são apagadas e os convidados da palestra são apresentados.
O auditório está lotado, mas Reed e eu somos os únicos acomodados no
topo. Há um grupo de meninas três fileiras abaixo e uma dupla de amigos
do lado oposto delas, mas fora isso, somos só nós dois.
— Para qual editoria você está tentando a vaga de estágio? — Reed
pergunta baixinho.
O tornozelo está apoiado no joelho oposto em uma pose
descontraída. O braço esquerdo repousa sobre o encosto da minha cadeira e
o perfume de sândalos com cravo, desta vez, não está somente nele, mas
também impregnado em mim. Nem mesmo um banho foi capaz de tirar o
cheiro de Reed Rollins da minha pele.
— Factuais.
Reed concorda e o assunto me faz lembrar de algo. Esse é,
provavelmente, um dos seus últimos semestres no curso de Jornalismo. Não
sei se fico feliz ou triste ao saber que, ano que vem, ele não estará mais
aqui. A ideia antes me faria pular de alegria, mas agora...
— E você? Tentaria qual?
— Esportes.
— Não há nenhuma chance de você se formar?
O rosto pende para o lado, me procurando através da escuridão.
Reed pondera uma resposta, abrindo e fechando a boca várias vezes, até que
volta a prestar atenção no trio de palestrantes.
— Depois do que aconteceu no jantar da semana passada, eu já não
sei. Não falo com meu pai desde que fomos embora, mas é apenas uma
questão de tempo para que ele me procure. — Ele parece envergonhado. —
A inscrição para o draft vai acontecer de todas as formas. A única coisa que
posso fazer é negar, caso algum time me queira.
Faço uma pausa antes de perguntar:
— E você vai?
— Negar? — Ele ri baixinho, não querendo chamar a atenção dos
outros alunos. — Não pensei a respeito ainda. Eu amo o futebol americano,
mas também amo o Jornalismo. É uma decisão difícil.
— Eu sinto muito.
A cabeça dele balança de um lado para o outro, achando graça.
— Pelo o quê?
— Não sei. — Tapo os olhos com as mãos e espio-o através de um
buraquinho entre os dedos. — Por você não saber o que fazer do futuro?
— Não se preocupe, joaninha. Mesmo que eu vá para o outro lado
dos Estados Unidos, eu ainda vou encontrar um jeito de te encher o saco. E
caso eu fique aqui...
A voz, carregada de um tom malicioso, vai perdendo som até que os
lábios repousam sobre os meus. O beijo é lento, mas de um tipo diferente.
Reed chupa a minha língua e, quando eu acho que vai avançar, o ritmo
diminui novamente. Ele faz essa brincadeira por vários segundos, me
deixando impaciente.
— Eu odeio quando você faz isso — murmuro quando a boca se
afasta minimamente, para então se dedicar ao lóbulo da minha orelha. — E
a palestra...
— Que se dane a palestra.
Fecho os olhos ao sentir a língua tocar um ponto específico do meu
pescoço que faz o sangue pulsar em expectativa. Agarro a beirada do
assento ao sentir um suspiro se formar. Não vou deixar ele escapar.
— Não acho que seja uma boa ideia, Reed.
— O que não é uma boa ideia? — indaga, tão baixo que quase não
consigo ouvir.
— O que estamos prestes a fazer.
— Não estou fazendo nada demais. — Ronrona feito um gato. —
Estou apenas te beijando.
— Já é mais do que o suficiente.
Ele sacode a cabeça e estica o braço, desfazendo o aperto dos meus
dedos contra o tecido da poltrona. Ele entrelaça as nossas mãos, enquanto
com a outra, dedilha o meu joelho coberto pela meia calça ¾. Como hoje a
temperatura não estava tão baixa, eu achei que era uma boa ideia vir de
vestido de manga longa, meia calça e botas.
Agora vejo que a escolha serviu apenas para facilitar a vida de Reed.
Ele vai subindo, traçando um caminho tortuoso que tem como único
objetivo acelerar a minha respiração. O coração bate com força contra a
caixa torácica e a expectativa inunda as minhas veias. Eu sei o que vai
acontecer e a ideia me deixa mais excitada do que deveria.
— Eu acabei de me lembrar do dia que você me disse que a ideia de
ser pega te deixava molhada. — Reed inclina o corpo para o lado e sobe
mais alguns centímetros com os dedos, brincando com a barra da meia-
calça que chega na metade das minhas coxas. — Se eu enfiar meus dedos
dentro de você, agora mesmo, quão pronta vai estar para mim, Anne?
Tombo a cabeça para o lado.
Os palestrantes são um borrão colorido.
Sou incapaz de formular qualquer tipo de resposta que não passe de
um choramingo angustiado.Sou uma vergonha. Basta um toque para que
Reed me desmonte por inteira.
— Pelo seu silêncio, vou entender que está pronta pra cacete.
A mão se infiltra por debaixo da saia do vestido e o polegar brinca,
fazendo círculos, com o interior da minha coxa, até alcançar o meu centro.
Reed fica estático quando constata a ausência de qualquer tecido cobrindo o
meu íntimo.
— Puta que pariu — chia e eu abro mais as pernas, deixando que ele
sinta tudo. — Você está sem calcinha. Por quê?
Entreabro os olhos e sorrio, lasciva. Eu sabia que ignorar a peça pela
manhã, após tomar banho, valeria a pena de alguma forma.
— Não faça perguntas para as quais você sabe a resposta, Rollins.
— Você vai acabar comigo um dia desses, esteja avisada — sibila e
circula o meu clitóris, que incha em resposta, extasiado com a atenção que
tem recebido nas últimas horas. — Talvez agora eu, realmente, tenha que
comprar um punhado de calcinhas.
— Vai ser tempo perdido. Vou continuar não as usando.
Ele me fuzila com um olhar que chega a ser palpável de tão
maldoso. Essa versão de Reed Rollins mexe com os meus neurônios.
— Quando estiver comigo, não quero que você use nada mesmo.
Um pigarro, vindo de algumas poltronas abaixo, faz as minhas
bochechas arderem de vergonha. Reed pede desculpas para as garotas e
move os dedos embaixo da minha saia, abrindo as minhas dobras.
— Acho que vamos ter que fazer silêncio a partir de agora.
Mordo o interior da bochecha.
— Isso é culpa sua por...
A linha de raciocínio se perde de imediato.
Perco até a minha voz.
A sensação que me acomete é tão boa que preciso tapar a boca com
a mão para não gemer. Basta um barulho e o auditório inteiro vai saber o
que Reed está fazendo entre as minhas pernas.
— Sempre tão gulosa, Anne. — O dedo médio, acompanhado do
indicador, mergulha dentro da minha boceta com uma facilidade
surpreendente. Estou mais excitada do que gostaria. — Tão gostosa. Tão
minha. Não consigo pensar em outra coisa que não seja em você.
Aperto com mais força a sua mão contra a minha e,
involuntariamente, começo a rebolar contra os dedos compridos. Ele toca
um ponto fundo que me deixa com uma vontade absurda de subir em seu
colo e implorar para ser penetrada por seu pau.
Os estudantes ao nosso redor riem em uníssono do que os
palestrantes estão dizendo.
Eu não escuto nada.
Ignoro o que acontece ao nosso redor. Foco unicamente no vai e
vem dos dedos de Reed dentro de mim que me levam para um lugar
distante demais da realidade. Ele sabe exatamente qual pressão aplicar e eu
me contraio ao seu redor, lutando contra o formigamento que começa a
crescer em meu ventre.
O polegar faz, novamente, pressão no meu clitóris e pontos
escurecidos se formam no canto da minha visão, me puxando para aquele
limiar em que meu desejo palpita descontroladamente. Afugento uma
suspirada e entreabro mais as coxas, querendo sentir ele ir mais fundo.
Reed ri no meu ouvido e acrescenta mais um dedo, atendendo ao
meu desejo.
Ele me fode com a mão sem se importar que possamos ser pegos.
Jogo a cabeça para trás e procuro pelo pau de Reed. O tecido da
calça jeans não é o suficiente para cobrir a excitação que nos inunda. Assim
como eu, ele mantém a mandíbula travada, evitando que qualquer palavra
seja dita. Masturbo-o, procurando seguir os movimentos combinados dos
dedos dentro da minha boceta e do polegar em meu clitóris.
— Você está perto de gozar? — questiona, as sílabas rasgando a
garganta.
— Sim — gaguejo, entre uma ofegada e outra.
A minha confirmação faz o vai e vem frenético aumentar dentro de
mim. Manter os olhos abertos já é impossível para mim. Meu quadril sobe e
desce, o tecido da saia mantendo minha intimidade escondida, e o
conhecido pinicar surge no começo da minha espinha, descendo para a
ponta dos pés e fazendo os dedinhos de contraírem dentro das botas.
Basta mais uma estocada e eu vou gozar na porra do auditório
durante uma palestra de Jornalismo Político.
Então, de repente, os dedos de Reed param.
E desaparecem.
Porra.
Olho para ele, desesperada por ter o meu orgasmo negado e a visão
que encontro me deixa ainda mais irritada. Reed chupa os próprios dedos, a
língua brincando com a minha umidade que os deixou molhados.
— Você não fez isso.
Um sorriso de covinhas surge, aumentando a minha vontade de
chutá-lo no nariz.
— Eu poderia ter feito muito pior. — Abaixa os ombros, procurando
por meus olhos que inflam em brasa. — Quando a gente chegar em casa, eu
termino isso. Porque seus gemidos são meus, Anne. Não quero que
ninguém, além de mim, os escute.
O músculo do meu maxilar pulsa em ódio e frustração.
— Saiba que vai ter vingança, Rollins.
Ele beija o interior do meu pulso, ainda mantendo as nossas mãos
juntas.
— Eu vou esperar ansioso por isso, Scott.
 
“Porque quando você vê quem eu realmente sou e diz que me ama
e olha nos meus olhos, você é a perfeição, minha única direção”
Fire On Fire | Sam Smith
 

 
O sol queima sobre as nossas cabeças.
Novembro não costuma ser um mês de altas temperaturas, mas isso
não significa que o sol dê descanso. E como o gramado dos treinos do time
são feitos a céu aberto, os raios solares tendem a aquecer a pele e contribuir
para que mais gotículas de suor escorram pela nuca.
— Como você acha que vai ser o jogo de sexta? — Keeran
pergunta, ao jogar água no rosto corado.
— Espero que não seja tão difícil quanto o anterior.
Mason concorda com um gargarejo e cospe a água no gramado aos
nossos pés. Assim como Keeran, o rosto dele está vermelho e a camisa do
time gruda nos músculos do peito.
— Nem me fale. Da última vez, quase levei um chute nas bolas de
um defensive tackle. — Mason choraminga. — Minhas chances de construir
uma família estiveram por um fio.
Rio.
— Ainda existe a adoção, sabia? E você pode ser um pai solteiro,
também.
Mason faz um beicinho, pensativo. Keeran, como nunca perde a
oportunidade de encher o saco, dá um tapa na cabeça do amigo e se senta ao
meu lado no banco. Dave está do outro lado do gramado, repassando os
passos com o treinador Turner. Já Bradley e Cooper estão a poucos metros
de nós, treinando a defensiva. O jogo de sexta vai requerer mais da nossa
capacidade, visto que estamos próximos dos playoffs.
— Acho que está meio cedo para pensar nesse lance de pai solteiro.
— Massageia a nuca e dá o dedo do meio para Keeran por causa do tapa. —
Mas preservar as minhas bolas não é uma má ideia. Quero chegar vivo até o
fim da temporada.
— Você vai chegar, Henderson. Jogadores ruins são os menos
atingidos durante os jogos.
A provocação de Keeran faz os dois entrarem em uma lutinha de
socos e chutes. Mason termina com a bochecha pressionada no gramado e
xingando alto. Ele pode ser grande, mas Keeran consegue vencer qualquer
um por causa da força.
— Você é um babaca, Flanagan. Não sei porque sou seu amigo.
Keeran dá um sorriso e se levanta, limpando a grama na calça
branca.
— Porque eu sou o único que aguenta as suas merdas.
Ao longe, o treinador apita e Dave corre de um lado para o outro,
feito um caranguejo. Nas últimas semanas, ele tem se dedicado fielmente
aos treinos. Como o quarterback do time, é o seu dever ser um exemplo
para o restante dos jogadores.
Já não posso dizer o mesmo de Chad Eaton. Ele é a maior decepção
de todas. O único motivo que ainda o mantém nos Rebels Of Horizon é o
fato dele ser um bom jogador — infelizmente. Por mim, ele poderia cair
fora e parar de falar merda todas as vezes que abre a boca.
Ainda não entendo como Anne transou com ele.
Ao pensar nela, meus pensamentos se desligam da realidade. Como
eu havia prometido, depois que a busquei ontem no trabalho, fomos comer
no Jackson House e ainda cantamos Mamma Mia no karaokê. E quando
chegamos em casa, ela não hesitou em me puxar para dentro do seu quarto e
rebolar no meu pau como uma mulher sedenta e louca para gozar.
Minha vida nunca esteve tão boa quanto agora.
Exceto a confusão envolvendo o meu pai.
Mas esse é um problema que não quero pensar no momento. Porque,
não tenho dúvidas, ele vai estar no jogo contra os Fox Barnes. É a última
partida antes do feriado de Dia de Ação de Graças e, se eu conheço bem
Ricky, ele não vai perder a chance de estar na arquibancada para me
intimidar.
A diferença é que, desta vez, não vai funcionar.
— Ei, Rollins. Estou falando com você, porra.
Ergo o rosto ao ouvir a voz de Keeran. Meu amigo está parado
diante de mim, com as mãos no quadril, e criando uma sombra por causa
dos ombros largos. Mason está a alguns passos atrás, com o pescoço sujo de
terra.
— Não escutei. Foi mal. O que foi agora?
— Ricky comentou algo com você sobre o centro esportivo em
North Groove?
Faço um esforço para me lembrar.
— Acho que sim. Ele falou que iria participar da inauguração, se
não me engano. Por quê? Você vai estar lá?
Keeran dá um suspiro e se acomoda novamente ao meu lado no
banco.
— O treinador Turner me convidou para participar de forma
voluntária. O centro esportivo vai oferecer aulas gratuitas de futebol
americano para crianças carentes — explica. — Ainda estou na dúvida se
aceito.
— Pode ser legal. Eu aceitaria, se fosse você.
Mason resmunga em concordância, esfregando o pescoço para se
livrar da sujeira que se impregnou também no tecido da camiseta suada.
— Talvez — murmura, pensativo. Às vezes, eu gostaria de saber
mais sobre Keeran Flanagan. Afinal, a gente mora junto. Ele pode ser um
serial killer e não quer contar para ninguém. — Não levo jeito para criança.
— As mulheres adoram homens que levam jeito para criança.
Experimenta andar com um bebê na rua para ver o que acontece.
Keeran faz uma careta.
— Esse é o lance do Dave. Esse negócio de criança, esposa, aliança
e família não é para mim. — Um arrepio faz ele tremer da cabeça aos pés.
— Vocês sabem que eu prezo pela solteirice.
— Mal sabe o que está perdendo, Flanagan.
Minha frase, dita inocentemente, faz Mason e Keeran virarem os
rostos em uníssono. O primeiro me observa com curiosidade, um vinco
criando rugas entre as sobrancelhas. Já o segundo esboça um sorriso que
não é nada discreto. As intenções de Flanagan são tão claras como a água
dentro de um copo.
— O que, especificamente, estou perdendo, Rollins? — questiona,
cruzando os braços. — Você e Anne transando quando nenhum de nós está
em casa?
Sim.
— Foi por isso que vocês dois ontem chegaram tarde da noite?
Estavam transando no banco do carro? — Meu outro amigo arregala os
olhos, a realidade o atingindo.
— Não seja inocente, Henderson — Keeran diz. — Aposto que eles
transaram bem abaixo de nossas cabeças. E ainda cuidando para não
fazerem barulho. Estou certo, não?
Sufoco uma risada e aperto os cadarços da minha chuteira, me
levantando do banco em um pulo.
— Eu não faço ideia do que vocês estão falando — falo e, antes que
um deles possa me derrubar no chão, eu corro para onde Dave está
treinando há minutos e exclamo: — Anne e eu não somos nada além de
amigos!
Keeran explode em uma risada e passa a língua pelos dentes,
exibindo uma expressão de quem sabe das coisas.
— Vou me lembrar disso quando ver ela se esgueirando para dentro
do seu quarto durante a noite — grita, chamando a atenção dos outros
jogadores. — Você não me engana!
Afugento um palavrão.
Acho que esse é um sinal para que Anne e eu sejamos mais
discretos.
Ou para que ela gema mais baixo quando eu estiver fodendo-a de
quatro contra a cabeceira enquanto nossos colegas de casa, supostamente,
dormem.

Como sou um homem que cumpre as suas promessas, após o fim do


treino, estou estacionando o Jeep em frente uma loja de lingeries em Maple
Hills.
Não achei que faria isso tão cedo, mas a imagem de Anne segurando
na ponta do dedo a calcinha de renda rasgada não sai da minha cabeça. E o
fato dela ter ido para a palestra sem usar absolutamente nada já é motivo
grande o bastante para que compre um estoque inteiro.
Só para poder rasgar tudo novamente depois.
Entro na loja e fico embasbacado diante de tantas opções. Eu nem
sabia que isso era possível. Vermelho. Azul. Roxo. Preto. Branco. Tem até
uma calcinha com um pingente que, se eu estiver imaginando, certo, fica
bem naquele lugar.
Agora eu entendo porque Anne ficou triste. Enfrentar uma loja
dessas não deve ser nada fácil.
Eu deveria ter chamado Dave para vir comigo. Aposto que ele
entenderia melhor desse negócio do que eu, já que compra presentes para
Claire desde que consigo me lembrar.
Depois de ser atendido por uma funcionária que sorria até as
orelhas, estou saindo da Sweet Ass com um novo estoque de cinco
calcinhas. Uma para cada dia da semana. Afinal, no sábado e no domingo,
Anne pode usar nada além do meu pau dentro dela.
Assim que meus pés pisam na calçada, um corpo tromba de
encontro ao meu.
— Caramba! — a pessoa exclama, assustada.
Uso minhas mãos para mantê-la de pé e arfo em surpresa ao
identificar a garota diante de mim.
Faz semanas que não ouço falar de Angel Peterson. Desde aquele
jantar desastroso com o seu namorado babaca, não a vi mais pelo campus, e
nenhuma mensagem mais foi enviada. E como eu estava ocupado, nem
mesmo me lembrei de ligar para ela.
Sou um amigo de merda.
— Angel?
— Reed! Não vi que era você!
Analiso o seu semblante e um nó se aperta ao redor da minha
garganta. Angel, neste momento, não se parece em nada com a garota que
conheci durante o verão. O cabelo está preso em um rabo de cavalo baixo,
não há nenhuma maquiagem cobrindo as olheiras roxas e as costumeiras
roupas que traziam tanto da personalidade dela foram substituídas por um
moletom que cobre todas as curvas e calças largas que devem ser, no
mínimo, dois números maiores que ela.
— Você está bem?
— Sim. Por que não estaria? — Abre um sorriso tímido. — Foi só
um esbarrão.
Semicerro os olhos, desconfiado.
— Não tenho mais visto você pelo campus. Sei que tenho estado
ausente, mas se tiver algo de errado, você sabe que pode falar comigo,
certo?
Angel abraça o próprio corpo e assente.
— É claro que sei. Tenho estado ocupada com alguns projetos
pessoais, além do novo emprego. Ele me cansa demais.
— Novo emprego?
Ela mordisca o cantinho do lábio inferior.
— Achei que o Aaron tinha lhe contado, mas eu saí da banda com as
meninas faz um mês, mais ou menos. Elas continuam tocando para ele, mas
estão procurando por uma nova guitarrista. Se você conhecer alguém, pode
ser de grande ajuda.
Fico momentaneamente confuso. Nas poucas semanas que Angel e
eu passamos juntos, ela havia me contado que a banda era como uma
segunda família e que não tinha dúvidas de que, um dia, elas conseguiriam
ir muito mais além do que somente os pubs do Condado de San Valley.
— Por quê? — O cenho franzido dela me faz refazer a pergunta. —
Por que você saiu da banda? Achei que fosse algo importante para você.
— A banda era, sim, algo importante para mim. Mas as coisas
mudam, Reed. — Ela cruza os braços sobre o peito, como se estivesse na
defensiva. — Mudaram para você também nos últimos meses, não? Você
até mora com a sua namorada e, sinceramente, nem eu, que te conheço
razoavelmente bem, imaginei que poderia acontecer.
Minha língua pinica para dizer que não é exatamente isso que ela
está pensando. Porque a realidade é uma bola de neve gigante repleta de
acordos, xingamentos e sentimentos confusos pra cacete.
Entretanto, eu me limito a assentir com um único movimento.
— A vida gosta de surpreender a gente.
Angel imita o meu gesto e ajeita a mochila ao redor dos ombros,
soando exausta. O aspecto cansado começa a fazer sentido. A saída da
banda, que deve ter mexido com ela; o novo emprego, que deve estar sendo
cansativo; e a rotina de estudos que, a gente bem sabe, não costuma pegar
leve.
Fico um pouco menos preocupado ao saber que não é nada sério
demais. Ela vai passar por essa fase, como já passou por tantas outras.
— Foi legal reencontrar você. — Afaga o meu antebraço. —
Qualquer dia desses, quando a minha vida se acalmar, a gente pode tomar
um café. Micah disse que abriu uma cafeteria perto da USVL e que eles têm
cupcakes deliciosos de chocolate.
— Me avisa, então. A Anne vai adorar se eles tiverem donuts
também.
Angel aquiesce com um balançar de cabeça e se despede com dois
beijinhos na minha bochecha e um abraço desengonçado. Penso em
relembrar a ela que, se precisar, pode contar com a minha ajuda. No
entanto, quando olho para o outro lado da rua, vejo que Micah está
esperando-a dentro do carro.
Antes dela atravessar a rua, assovio. Angel para no meio do
caminho e me lança um olhar sobre o ombro.
— E quanto ao meu irmão, Angel?
Ela demora para entender que estou falando sobre a questão dela
sair da banda sem deixar uma substituta. Pelo o que sei, as músicas que elas
tocam ao vivo são uma das principais atrações durante a semana. Deve ser
uma merda deixar Aaron na mão. Ele não é do tipo que leva as coisas numa
boa.
— Ele vai sobreviver sem mim.
Angel não espera pela minha resposta. Gesticula em despedida e
atravessa a rua, entrando dentro do carro.
A última coisa que vejo é Micah acenando para mim com aquele
sorriso que eu daria de tudo para quebrar cada um dos dentes.
 
“Gostaria que você me deixasse ficar”
Friends | Chase Atlantic
 

 
Nem toda temporada é feita de vitórias. O jogo de hoje é o maior
exemplo disso. A partida contra os Fox Barnes terminou com o placar
empatado. Não é uma notícia ruim, mas também não é algo que arranque
sorrisos do treinador Turner. Ao final da partida, ele se limitou a nos
cumprimentar com um aceno de cabeça.
O treino de segunda vai ser uma merda, não tenho dúvidas.
— London Foot Pub para comemorar? — Bradley brada para o
vestiário inteiro ouvir.
JP se encosta no armário, que fica ao lado do meu, e ergue a
sobrancelha direita em um gesto debochado.
— Comemorar o quê, Powell?
— A sua solteirice que não é, JP.
Keeran dá risada, mas se cala de imediato diante do olhar que recebe
do colega de time. Bradley, no entanto, não se deixa abalar. Ele engata o
braço ao redor da nuca de JP e dá um peteleco no nariz dele.
— Comemorar mais um jogo. Não é porque não detonamos com a
cara dos Fox Barnes que não podemos beber algumas cervejas, certo? —
Diante do silêncio, ele olha para mim. — O seu irmão está esperando pela
gente, não é, Rollins?
Ocasionalmente eu penso que a existência de Bradley é um tipo de
castigo decorrente da vida passada. Não sei como o coitado do Cooper
aguenta a presença dele. Deve ser difícil ser o melhor amigo do cara e ainda
morar na mesma casa.
— Acho que sim.
Bradley me dá o dedo do meio e se dedica, durante os próximos
minutos, a tentar convencer o restante do time a ir com ele no pub. Dave,
como de costume, vai para a fraternidade com a Claire, enquanto JP e Chad
também dispensam o convite.
Keeran concorda de prontidão, porque ele é um babaca que não
consegue sossegar a bunda. Mason acaba topando ir também. Cooper não
tem nem opção de negar. E eu? Eu não sei. Tudo depende de Anne.
— Eu vou ver com a Anne e qualquer coisa aviso a vocês — digo
colocando a mochila nas costas e trancando o armário. — Se eu não
aparecer, vocês já sabem a minha resposta.
Bradley reclama, mas eu não lhe dou ouvidos. Saio do vestiário e
rumo para o estacionamento que, para a minha sorte, já está bem vazio.
Encontro Anne encostada contra a lataria do Jeep, conversando com
Dave e Claire. Ao me notar, ela abre um sorriso feliz que eu retribuo ao
notar que está usando a minha camiseta. Dessa vez, nem precisei pedir. Ela
veio por livre e espontânea vontade.
— Ei! — Cumprimento-a com um beijo na bochecha e aceno para
Claire. Assim como Anne, ela também usa uma camiseta com o sobrenome
de Dave estampado nas costas. — Um pessoal do time quer ir comemorar
no pub do meu irmão. Você quer ir?
Anne faz uma expressão confusa.
— Comemorar o quê?
— O fato de termos empatado, eu acho — Dave diz, o queixo
apoiado no topo da cabeça de Claire. — O Bradley não tem umas ideias
muito coerentes.
— É só uma desculpa para ele poder beber cerveja e encher a
barriga de anéis de cebola. — Claire concorda, dando risada.
Rio também e Anne se vira para mim. Fico um pouco sem reação
quando ela, timidamente, entrelaça a mão na minha. Eu ainda não contei
para Dave que as coisas avançaram desse jeito entre a gente, mas Claire
parece saber, porque me direciona um sorrisinho.
— Você quer ir?
— Eu vou, se você for.
Ela revira os olhos e direciona a pergunta para o casal de
namorados:
— E vocês? Vão comemorar o empate com a gente?
Claire nega e os óculos de grau, provavelmente de leitura,
escorregam por seu nariz largo. Nos últimos dias, ela tem estado super
ocupada com o desfile que vai acontecer daqui a algumas semanas e Dave,
como é o último romântico do mundo, não vai deixá-la passar a noite de
sexta sozinha.
— Tenho que acertar os últimos detalhes do desfile. — Ela levanta
as mãos em rendição para Anne. — E eu prometo que não vou dormir
tarde! Dave vai garantir que eu durma igual uma princesa.
Dave coça a nuca, envergonhado, mas dá uma piscadela para Anne.
— Não se preocupe, Scott. Deixa comigo — assegura e aponta para
nós dois. — Vocês podem ir comemorar. Bebam cerveja pela gente e
comam todos os anéis de cebola do Bradley.
Anne gargalha e nos despedimos deles. Anne faz Claire jurar de
dedinho que vai se esforçar para parar de pensar tanto no desfile e Dave me
dá dois tapinhas nas costas. Eles entram na caminhonete e vão embora.
Quando o carro desaparece, Anne me analisa com cuidado. Os
dedos empurram uma mecha do meu cabelo para trás, enquanto a outra
pousa sobre o meu peitoral. Com um impulso, ela beija a ponta do meu
queixo, sem conseguir alcançar a minha boca.
Reprimo um comentário sarcástico e agarro a sua bunda, colocando-
a sentada sobre o capô. As alturas, agora igualadas, permitem que ela me
beije sem nenhuma dificuldade. Os lábios se movimentam timidamente,
mas com aquela fagulha que sempre crepita dentro de nós.
Agarro a cintura fina e me acomodo entre as suas pernas. Estar com
Anne é sempre uma experiência única e a mera possibilidade de pensar que
há uma pequena chance disso acabar entre a gente, eu me sinto vazio.
— Você está linda, sabia? — murmuro contra a boca dela e a sinto
sorrir. — Gostosa pra cacete. Chega a ser um crime levar você para um pub
cheio de caras babacas.
— Pelo o que eu me lembro, você era um desses caras até uns meses
atrás.
— Você está muito engraçadinha. Não sei se gosto disso ou acho
que é um tipo de vingança para o meu lado.
— É uma vingança por você não ter me deixado gozar naquela
palestra.
O nariz se arrebita para cima, teimosa bem do jeito que eu gosto.
— Gozar em uma palestra vai além dos meus limites da safadeza —
provoco-a e beijo a pontinha do seu nariz, seguindo para a orelha e puxando
o lóbulo entre os dentes. — Já te falei, Annie. Não quero que ninguém ouça
as reações que eu provoco em você. Cada maldito gemido é meu. — Passo
a língua por um pontinho da sua nuca que faz as pernas se engancharem ao
lado do meu quadril. Meu pau resvala de encontro à boceta coberta. —
Você é minha.
— Não sei se concordo com isso.
— A sua sorte é que sou ótimo em fazer as pessoas mudarem de
opinião. Especialmente você.
Anne rosna um xingamento que a deixa ainda mais linda. Vê-la com
os braços cruzados, em uma posição que reflete a sua teimosia, mas ainda
mantendo o corpo colado no meu, serve apenas para fazer meu coração se
expandir em felicidade.
— Eu odeio tanto você, Rollins.
— Eu sei. — Beijo-a suavemente, mas me afasto antes que
possamos prolongá-lo. — É o que torna tudo ainda mais divertido.
A reação de Anne é bufar e abaixar as pernas. Aproveito a
oportunidade para trazê-la para a beirada do capô. Observo-a com cautela,
desde as maçãs do rosto magras, os lábios livres de batom — que já
conheço o gosto — e as íris esverdeadas que, nesta noite, se parecem com
uma floresta obscura.
Direciono a ela um pequeno sorriso e, aos poucos, ela começa a se
desfazer em meus braços. A tensão é deixada para trás e as feições relaxam,
dando lugar a uma Anne que não tem nenhum muro impenetrável ao seu
redor.
Eu sou apaixonado por esse lado dela.
— Posso te contar uma coisa? — pergunto e ela assente. Respiro
fundo, criando coragem. — Faz mais de dez anos que jogo futebol
americano. Não houve uma única partida que meu pai não estivesse lá, me
vigiando. Hoje, para a minha surpresa, o assento dele estava vazio.
Anne faz menção de dizer algo, mas eu prossigo, dizendo:
— E sabe o que isso significa, joaninha? Que essa foi a primeira
vez que joguei por mim e não por ele.
E eu fico feliz pra cacete que você estava lá, na arquibancada,
torcendo por mim, mesmo que diga me detestar.
As pálpebras piscam diversas vezes, até que ela entrelaça as mãos
ao redor da minha nuca e abre um dos sorrisos mais bonitos que já vi.
— Eu sempre vou torcer por você, Reed — confidencia, baixinho.
— Mesmo quando eu não te detestar mais.

São quase duas horas da manhã quando estaciono o Jeep na


garagem.
A comemoração no London Foot Pub não foi ruim, mas a
experiência costuma ser mais divertida após uma vitória de verdade. Um
jogo empatado significa que precisamos melhorar. E não é na cerveja e
numa porção de anéis de cebola que vamos conseguir isso.
— Você está meio desanimado — Anne comenta conforme
atravessamos o gramado. — É por causa do seu pai?
Discordo e dou um beijo no dorso de sua mão, procurando seus
olhos. Anne me encara com uma pequena ruga presente no centro da testa,
as linhas denunciando a preocupação que tenta disfarçar.
— Ele é um problema para depois.
Subimos os degraus da varanda e insiro a chave na fechadura.
Entretanto, antes de entrarmos, Anne pousa a mão sobre a minha, me
impedindo.
— Qual é o problema, então?
— Estava pensando no resultado do jogo. Ter empatado não foi uma
coisa boa. Mas não vou preocupar você com isso. Quem deve se estressar,
se vamos chegar ou não aos playoffs, é o treinador.
A menção aos playoffs faz as íris de Anne tremularem.
— Vocês vão conseguir — assegura e empurra a porta, fugindo do
meu toque e de qualquer pergunta que eu possa fazer envolvendo o nosso
acordo. — Esse ano o time está excelente nos jogos.
Arqueio a sobrancelha e entro em casa. Acendo as luzes do
vestíbulo e apoio o ombro no batente, observando Anne se livrar das botas e
do casaco grosso, ficando somente com a minha camiseta e a calça jeans
que evidencia o contorno da sua bunda.
— Eu achei que você não tinha visto nenhum jogo até eu te arrastar
para eles.
A risadinha dela ecoa pelo espaço.
— E eu não vi. Só te elogiei para que você não chorasse no banho
hoje antes de dormir.
Balanço a cabeça de um lado para o outro, desacreditado com a
resposta debochada. Anne é especialista em despertar um lado meu que
quer puni-la de diferentes maneiras durante o sexo.
— Pode ter certeza que eu vou fazer muitas coisas no banho hoje,
Annie. — Dou um passo para dentro e fecho a porta. — Chorar pelo empate
não é uma delas.
Minha voz sai áspera e profunda, escondendo as minhas reais
intenções com uma cortina de fumaça. Anne está consciente disso, porque
caminha em câmera lenta, os pés descalços raspando pelo piso. Quando
para diante de mim, minha boca se contrai em um sorriso maldoso.
— E o que, exatamente, você vai fazer? — ronrona, as pálpebras
abaixadas e fixas na minha boca. — Me conte, Reed. Porque, talvez, eu
também te conte o que eu vou fazer no banho hoje, depois que subirmos
para os nossos quartos.
Trinco os dentes, desacreditado com a audácia dela, e inverto nossas
posições, imprensando-a contra a porta. Os seios, cobertos pela camiseta,
roçam no meu peitoral e juro que posso sentir o meu pau se comprimir
dentro da cueca.
— Eu vou te contar o que eu vou fazer, Anne. Na verdade, vou te
contar o que já fiz mais vezes do que você gostaria de saber — sussurro e
obrigo-a a espaçar os joelhos, deixando que minha perna se acomode entre
as suas coxas. — E, quem sabe, eu te convide para se juntar a mim.
As pupilas se dilatam diante da minha frase e eu escondo o meu
sorriso satisfeito.
— Eu vou me masturbar pensando em você. Vou imaginar que a
água caindo em minhas costas são as suas mãos tocando a minha pele.
Desnudando cada parte e me levando para um lugar onde não existe nada e
nem ninguém além de nós dois — confidencio, abaixando o timbre da voz.
— Depois, eu vou segurar o meu pau e vou bombeá-lo com as mãos,
desejando que seja a sua boca ali. Me chupando. Me sugando. Me levando
até o fundo da garganta.
Anne ofega e deslizo minha boca, parando na altura da orelha.
— E então, eu vou aumentar a intensidade dos meus movimentos, a
ponto de um gemido alto me escapar. Não vou economizar nos barulhos,
porque a água do chuveiro vai abafar cada um deles. — Preciso me conter
para que um arquejo não seja proferido diante da intensidade do olhar que
Anne me direciona. — Vou precisar me apoiar na parede quando os meus
músculos se contraírem de tanto tesão e, no momento que eu fizer uma
pressão dos dedos ao redor do meu pau, vou gozar forte.
— E você vai me imaginar ali, de joelhos com o seu pau batendo na
minha cara e seu gozo enchendo a minha boca?
O sorriso, que dessa vez não contenho, curva os meus lábios. A
imaginação de Anne é tão boa quanto a minha. E eu amo isso pra cacete.
— Sim. Na minha cabeça, vai acontecer bem desse jeito. — Resvalo
o nariz no seu pescoço, apreciando o perfume de morango que bagunça a
minha cabeça. — E como vai ser com você, Annie? Vai me imaginar te
fodendo com os dedos?
A ponta da língua brinca com o cantinho da boca, em uma
provocação que aquece as minhas veias, e entreabre mais as pernas. Meu
pau se acomoda na altura da sua barriga, a extensão pressionando o tecido
da camiseta. Acho que essa é uma resposta mais do que positiva.
— A primeira coisa que eu vou fazer é garantir que a minha
calcinha não seja rasgada — murmura, divertida. — Depois disso, eu vou
aquecer a água da banheira até que ela esteja na temperatura ideal. Quando
eu entrar, vou desejar que você esteja ali também, me olhando daquele jeito
que não deixa espaço para dúvidas e que me faz ter certeza que está me
imaginando nua.
Puta merda.
Minha mão afunda na sua cintura e empurra a barra da camiseta
para cima. A pele quente e macia desliza pela ponta dos meus dedos.
— Eu vou começar massageando os meus seios e brincando com os
mamilos do mesmo jeito que você faz — continua a falar, o ar ficando mais
pesado ao nosso redor. — Vou apertá-los juntos, imaginando que o seu pau
está entre eles. Vou gemer Reed baixinho, implorando por algo que nem eu
sei exatamente o que é. — Ela movimenta sutilmente o quadril, deixando
que meu membro se mova para cima e para baixo. — Depois, vou
escorregar minha mão pela barriga até que ambas fiquem submersas na
água.
Não consigo conter as imagens que surgem na minha cabeça.
Primeiro, Anne com os seios molhados, a espuma criando um rastro
ao redor dos mamilos. Eles estão inchados, naquela proporção que cabe
perfeitamente na minha boca. A segunda imagem é dela com as pernas
espaçadas, me dando uma visão nublada da sua boceta quente e molhada. A
terceira, e última, é dela arqueando o pescoço para trás quando o orgasmo
faz as orbes revirarem de satisfação.
— E o que mais?
Os lábios resvalam no meu queixo. 
— Eu vou esfregar o meu clitóris em círculos com o polegar,
enquanto os outros dedos vão deslizar por minha extensão até estarem
afundados dentro de mim. — Resfolega e eu a acompanho. Sou obrigado a
apoiar uma das mãos na parede para não perder o equilíbrio. — Vou curvá-
los até sentir que eles estão tocando aquele ponto que faz um arrepio
percorrer a minha coluna.
Anne me beija suavemente, deixando que eu sinta o sabor da sua
boca que, bem suavemente, tem o gosto do drinque sem álcool que
bebemos juntos, horas atrás. Ela chupa a minha língua, fazendo um
barulhinho gostoso com a garganta, e se afasta novamente.
— E sabe qual vai ser a melhor parte de tudo isso, Reed? —
pergunta. — Quando os meus dedos estiverem me fodendo e o orgasmo me
atingir, a ponto de estrelas surgirem no teto, a única pessoa em que terei
pensado será você.
Algo dentro de mim desperta em um rugido.
E eu avanço para cima de Anne.
A boca se choca de encontro à minha, pega de surpresa, mas não
encontra nenhuma dificuldade em pegar o ritmo. As mãos se prendem no
meu couro cabeludo, puxando os fios, ao mesmo tempo em que impulsiono
o corpo dela para cima, firmando as palmas na sua bunda.
O beijo é violento.
É necessitado.
É até doentio.
Ele grita em vários idiomas o quanto estamos ardendo de tesão um
pelo outro.
— Essas coisas que você disse... — Respiro fundo, tentando
controlar a minha respiração acelerada. — Já se tocou pensando em mim,
Scott?
— Se eu disser que sim, também vai dizer que já gozou imaginando
que eu estivesse ali, com você?
— Ainda tem dúvida sobre isso? — Levanto seu queixo, alinhando
nossos olhares. — Você está na minha cabeça a todo momento. Cada
maldito segundo. É como a merda de uma maldição, Anne.
Assim como eu reagi anteriormente, Anne libera um gemido do
fundo da garganta e volta a me beijar. Conforme sinto a pressão dos lábios
sugando os meus, a ironia da situação me atinge. Meses atrás, quando bati
na porta do apartamento em que ela dividia com Sidney e fiz a proposta do
acordo, a possibilidade de avançarmos em qualquer tipo de relação — que
não fosse o namoro de mentira — era praticamente nula.
E agora aqui estamos.
Eu, Reed Rollins, estou beijando a garota que jurou que nunca
tocaria um dedo em mim. E Anne Scott está se desmanchando em meus
braços, implorando para que cada uma das palavras que dissemos se torne
verdade.
Sem nenhuma dificuldade, firmo o aperto ao redor da sua bunda e
caminho pela casa escura. A sorte é que conheço cada cômodo como a
palma da minha mão, então chegar até a cozinha é questão de poucos
segundos. Sento-a sobre o balcão e acendo somente os pendentes.
Não dizemos absolutamente nada por um longo tempo. Minhas
palmas repousam sobre o granito, ao redor das coxas de Anne. Os cílios
tocam suavemente o topo das maçãs coradas e uma sutil risadinha é
proferida.
— No que você está pensando? — pergunto.
— Que você é muito mais bonito do que eu gostaria de admitir.
— Até umas semanas atrás, eu achei que você não conseguia elogiar
ninguém.
Anne dá um leve empurrão no meu ombro e, ao mesmo tempo, me
puxa pela gola da camisa.
— Cala a boca e me beija de uma vez, Reed.
Rio.
— Desde quando você é assim tão mandona?
— Desde que um jogador de futebol americano irritante entrou na
minha vida.
Dou a ela um último olhar antes de descer minha atenção para a
camiseta que recobre seu tronco. O tecido arranha a ponta dos dedos
conforme o empurro para cima, revelando primeiro a barriga nua e depois o
contorno dos seios, até escapar pela cabeça.
O seio adere perfeitamente ao tecido, dando mais volume. A renda é
tão fina que não faço ideia de como eles passaram a noite ali, escondidos,
sem escaparem para fora.
Jogo a camiseta em cima do balcão e dedilho a pele arrepiada,
escutando-a suspirar quando empurro uma das alças do sutiã para baixo.
— É esse tipo de cena que você imagina — digo, não deixando
espaço para que uma resposta seja dita. — Meu pau entre os seus peitos, ao
mesmo tempo em que fodo a sua boceta com os meus dedos?
— Sim — ela consegue confessar em um grunhido. — É bem isso
que imagino.
Sorrio.
— Garota safada.
Abaixo a outra alça e abro o feixe das costas, liberando os seios por
completo. Os mamilos estão duros e arrepiados, parecendo ainda mais
bonitos do que quando os vi da última vez.
— É, Anne. Tenho uma notícia ruim para te dar.
— Hum?
— Depois de hoje, não quero que mais ninguém te veja assim. —
Beijo as suas clavículas. — Quero que cada detalhe seja conhecido somente
por mim. Não quero nem pensar na possibilidade de outro homem ter o que
é meu.
O murmúrio que escapa de Anne é o incentivo que preciso para
seguir em frente. Abocanho um dos seios, apreciando a textura macia.
Brinco com a língua.
Circulando.
Chupando.
Mordiscando.
Com a outra mão, prendo o mamilo oposto entre os dedos bem do
jeito que ela disse que gosta que eu faça. Um barulhinho de aprovação é
liberado e eu prossigo com os movimentos, cada som servindo para que eu
também fique excitado.
A cabeça do meu pau pulsa, ansioso para estar dentro dela logo.
Beijo o vão entre os seus seios e dou atenção ao outro. Repito a
mesma sequência, apreciando a maneira perfeita com que eles se encaixam
em minha boca e em minhas mãos. É como se Anne tivesse sido feita para
mim.
Levanto a cabeça e gravo cada detalhe. O quadril se remexe
sutilmente contra o mármore, buscando algum alívio. O cabelo solto recai
feito um véu ao redor dos seus ombros e os lábios se encontram
entreabertos, deixando a cena ainda mais erótica.
Não sei como vou sobreviver sem essa mulher na minha vida.
— Reed, por favor — suplica, baixinho, arranhando o meu couro
cabeludo. — Eu preciso de mais.
Afasto a boca do seu mamilo.
— Mais do quê?
— Mais de você. Mais da sua boca. Mais de tudo.
Seguro sua bunda e a puxo para a beirada do balcão. Desabotoo o
botão da calça jeans e ela não hesita em arquear o corpo para cima, me
ajudando a descer o tecido por suas pernas. Quando ele não passa de um
amontado no chão, eu volto a olhar para Anne.
Perco o ar.
Meu coração erra uma batida.
E um comichão se espalha por minha espinha.
Anne é a coisa mais linda que já vi nessa vida e as luzes de baixa
intensidade contribuem para que eu tenha certeza disso. É como uma obra
de arte escondida em um museu em algum canto remoto do mundo.
Não aguento mais ficar nenhum segundo longe dela e dou um passo,
me aproximando, mas ela me impede. A cabeça sacode em negação e o
queixo aponta para o meu corpo.
— Uma vez, você me disse que, se eu quisesse ver você sem roupas,
era só pedir. — O desafio implícito é evidente. — Mas, desta vez, não vou
pedir. Eu vou mandar. Não quero ver nada te cobrindo.
Levo as mãos ao primeiro botão da camisa.
— Seu pedido é uma ordem, Anne Scott.
Em movimentos que chegam a ser quase lentos demais, eu
desabotoo cada um dos botões. Empurro o tecido para trás, descendo-o
pelos braços, e o deixo cair no chão. Faço o mesmo com a calça jeans.
Quando o tecido pesado se junta às outras peças, e faço menção de tirar a
cueca, Anne emite um estalo com a boca.
— Deixa que essa eu tiro.
Ela pula do balcão e se ajoelha diante de mim. Não acho que seja
possível, mas eu fico ainda mais duro quando meu pau é gentilmente
tocado, ainda coberto. A carícia é lenta, me obrigando a fechar os olhos e
praguejar um palavrão.
— Se você não está com pressa, tudo bem. Mas eu não sei se vou
aguentar.
Anne dá uma risadinha e engancha os polegares ao redor do
elástico.
— Por quê? Eu achei que você durasse mais que dois minutos.
Ranjo os dentes.
— Você é a pior pessoa desse mundo, sabia?
Anne pisca os olhos, daquele jeito inocente que me deixa excitado
pra caralho, e empurra a cueca para baixo com um único movimento. O
meu pau salta para fora, batendo na altura do umbigo. O pré-gozo pinga da
ponta inchada.
— E mesmo assim, você continua aqui.
Minhas cordas vocais não tem nem a chance de proferirem algum
tipo de resposta. Anne leva meu membro para os lábios e chupa a glande. A
mão direita dedica-se a acariciar minha extensão, se completando com os
movimentos de entrar e sair da sua boca. A saliva torna o vai e vem muito
mais fácil e eu preciso firmar os meus pés no chão para não cair.
— Não há nenhum maldito lugar que eu queira estar que não seja
aqui.
Meu pau é engolido e fica difícil abrir mão do controle da situação.
Meus tendões coçam para se fechar ao redor do seu cabelo e empurrar a
cabeça mais pra frente, a fim que eu toque o fundo da sua garganta. Mas eu
me contenho. Quero que essa situação seja prazerosa para ela também.
Abaixo as vistas e contemplo Anne ajoelhada diante de mim, as
pernas espaçadas e as pupilas dilatando, quase fazendo o anel esverdeado
desaparecer. Aposto que a boceta dela está latejando, porque a expressão
em seu rosto é de quem sente cada partícula do corpo incendiar feito um
caldeirão.
De repente, a possibilidade de me queimar não parece tão ruim.
— Puta merda, Anne.
Ela empina o traseiro, a coluna se curvando em uma posição
perfeita, e tira o meu pau da boca. A saliva escorre pelo canto da boca. Ela
não se incomoda, a mão continuando a bombeá-lo. A outra desliza por sua
barriga, até alcançar o clitóris.
Um gemido em conjunto nos escapa.
Minhas bolas pesam quase que instantemente. Ver Anne se tocando
diante de mim, sem nenhum pingo de vergonha, e ainda deslizando a mão
para cima e para baixo do meu pau, serve apenas para que um milhão de
formigamentos se espalhem por cada parte esquecida minha.
Estou doido para fodê-la nessa maldita cozinha e deixar que a
vizinhança inteira escute.
Anne volta a cobrir o meu comprimento com a boca e a língua
brinca em lentidão, enviando espasmos diretamente para as veias
proeminentes. Estou latejando a cada maldita batida do meu coração. E ela
parece saber disso, porque usa a pontinha dos dentes para me arrancar um
gemido alto, ao mesmo tempo em que o seu indicador mergulha para dentro
da boceta.
Ela é uma desgraçada manipuladora.
Cedo e fecho minha mão em punho ao redor do cabelo loiro,
puxando a cabeça para trás. Anne me encara com astúcia, as orbes exalando
luxúria. Ela está gostosa pra cacete com os seios empinados e a mão
fazendo círculos contra a intimidade. Minha boca saliva só com a
possibilidade de poder sentir o gosto dela novamente. 
— Isso é algum tipo de tortura pelo o que aconteceu no auditório?
Anne abre um sorriso.
A merda de um sorriso.
— Sim — confirma e as pálpebras tremem. Noto que ela
acrescentou mais um dedo. O polegar continua a acariciar o clitóris.
Faço pressão com os dedos e os olhos dela se arregalam em prazer.
Ela está amando ter a minha mão apertando o seu pescoço e o meu pau
pulsando em resposta. Somos dois sedentos por controle durante o sexo.
Não posso deixar que ela chegue ao orgasmo assim. Não sem que eu
esteja dentro dela para poder sentir.
— Não desta vez — rosno e puxo-a para cima. O choramingo ecoa
pelo silêncio da casa. — Hoje, nós dois vamos gozar. Juntos. Que se foda
essa vingança, Anne.
Os dentes mordiscam os meus e eu agarro o seu pulso, tirando os
dedos melados de dentro daquele lugar quente que já se tornou um dos
meus favoritos. Levo-os até a minha boca e chupo cada um, sentindo o
gosto inundar a minha língua.
O olhar que recebo de Anne é um sinal de que ela quer mais.De que
nada dessa merda é suficiente quando se trata de prazer.
— Você é uma desgraça e ainda assim eu não consigo ficar longe de
você. — Dou um tapa na sua bunda. O barulho é como música para os
ouvidos. — O que você está fazendo comigo, porra?
— O mesmo que você está fazendo comigo, Reed — diz, a voz tão
baixa quanto um sussurro. — Nos arruinando para todas as outras pessoas
que virão.
Se existe algum limite, ele acaba de ser destroçado.
Rasgo a sua calcinha com um único puxão e aponto para o balcão.
— Apoie as mãos ali e empine essa bunda gostosa para mim, porque
hoje eu vou te comer por trás.
Anne faz exatamente o que eu peço.
Os seios são esmagados pelo mármore e um arrepio percorre a pele
branca, arrepiando-a por inteira. Tombo a cabeça para o lado e passo a
língua pelos dentes, contemplando a visão diante de mim.
Pego uma camisinha dentro do bolso da calça jeans caída no chão e
fico por trás. Beijo a curva da sua coluna e depois os dois lados da bunda
empinada. A boceta pulsa logo abaixo.
Molhada.
Sedenta.
Quente.
Convidativa.
— Você é fissurado por bundas?
A pergunta feita de repente quase me faz rir.
— Não. — Meus dedos passeiam por suas dobras, mas nunca
chegando no lugar que realmente quer ser trocado. — Sou fissurado na sua.
Somente na sua.
— Já entendi, então. — Me lança um olhar sobre o ombro. — Você
é fissurado por mim.
Franzo a pontinha do nariz e rasgo a camisinha, vestindo o meu pau.
— Não sabíamos que estávamos confessando o óbvio um para o
outro.
— Meus pensamentos nunca são óbvios — retruca.
Afasto as pernas de Anne e deslizo meu pau por sua entrada.
Afundo só um pouquinho da cabeça, deixando nós dois no limite. Ela xinga
um palavrão e fecha os olhos. A bochecha se mantém grudada no mármore
gelado.
— Pois os meus são mais do que óbvios. — Saio de dentro e ela
gagueja em fraqueza. Está bem perto de implorar. — Me conta no que você
está pensando.
Anne respira fundo e gira o quadril, procurando silenciosamente por
mim. Eu bato novamente na sua bunda, mandando-a ficar quieta.
— Se você não me falar, eu não vou te foder.
Eu entro um único centímetro e permaneço parado. Minha mão a
mantém estática no lugar. Dá para ver que ela está ficando impaciente.
— Se você quer que eu confesse algo, vai ter que se esforçar mais.
— Às vezes, eu penso que odiar você talvez não seja uma má ideia.
Um sorriso é direcionado para mim.
— Eu recomendo a experiência. É libertador.
Empurro o seu cabelo para o lado e beijo os seus ombros. Entrelaço
também as nossas mãos e afundo mais um pouquinho. É para ser uma
tortura para ela, mas está se tornando uma para mim também.
— Você até pode dizer que me odeia, Anne — sussurro em seu
ouvido. — Mas a sua boceta não concorda com isso.
Entro dentro dela em uma única remetida, comprovando o sabor das
minhas palavras.
Gememos alto em uníssono.
Estamos presos em um abismo que, nesta noite, vai terminar com
nós dois caindo em sincronia.
Meu pau é sugado para dentro da sua boceta e meu coração pulsa,
mais do que satisfeito. As paredes internas me pressionam e firmo minhas
mãos ao redor da sua cintura, controlando os meus movimentos. Quero
começar devagar, sentindo a sua textura e os sons que são executados por
sua boca safada.
Contemplo a maneira com que me encaixo perfeitamente dentro
dela, pelo barulho que fazemos a cada vez que estoco fundo e na
vermelhidão que se destaca na sua nádega devido aos dois últimos tapas.
É a melhor visão do mundo.
— Não seja um babaca comigo, Reed. — Anne resfolega e empina
mais a bunda, ficando na ponta dos pés. — Me fode com força.
Abro um sorriso de escárnio e abro mais as pernas dela, indo fundo.
Engancho uma das mãos na coxa, levantando-a em um ângulo para que a
cabeça do meu pau toque naquele ponto que faz nós dois perdermos o ar.
Cada impulso arranca um pedaço da minha alma.
Cada vez que Anne rebola, acompanhando as minhas remetidas, eu
me aproximo mais do orgasmo.
Minhas bolas batem contra o seu quadril e as unhas dela se firmam
na beirada da bancada. Os nós ficam brancos e ela resmunga algo
impossível de entender. O ar entra com dificuldade nos meus pulmões e eu
me dedico a cumprir com a minha palavra: fazer nós dois gozarmos juntos.
— Goza comigo, Anne — peço, deitando meu corpo sobre o dela e
beijando seu pescoço. — Mostra para mim o quanto somos bons juntos,
independentemente se existe um acordo entre nós ou não.
— É isso que você quer que eu confesse? — questiona, ao mesmo
tempo em que fricciono o seu clitóris, seguindo o ritmo das minhas
investidas em sua entrada molhada.
— Não. Eu quero que você sinta isso. — Procuro por seu rosto e o
encontro entre um emaranhado de fios suados. — Sinta o quanto eu quero
você. O quanto não consigo imaginar minha vida sem ter você comigo. —
Anne se contrai ao meu redor em um aviso de que está perto. Faço mais
pressão contra o clitóris que incha. — Quero que saiba o quanto é
maravilhosa, porque não há nada tão bom quanto você.
Minhas últimas palavras são o suficiente para que estrelas surjam no
canto dos olhos e um raio nos atinja, puxando o orgasmo para a beirada.
Anne tremula embaixo de mim, gozando de corpo e alma. Eu continuo a
remeter dentro dela, buscando pela minha libertação.
Quando ela finalmente chega, eu gemo o nome de Anne. Digo mais
um punhado de elogios que saem bagunçados. A camisinha se enche do
meu gozo e distribuo pequenos beijos nas costas de Anne antes de sair de
dentro dela. O arquejo denuncia a sensibilidade em sua área íntima.
Viro-a para mim, firmando seus pés descalços no chão, e empurro o
cabelo loiro para trás. Estamos os dois suados e cheirando a sexo.
— Você está bem?
Anne dá um sorrisinho cansado e entrelaça os braços ao redor da
minha nuca.
— Talvez você deva perguntar isso depois. Ainda estou sentindo os
fogos de artifício.
Rio.
— Guarde-os para o Ano Novo, joaninha.
Ela me dá um peteleco no nariz e deita a cabeça em meu peitoral.
Desenho círculos imaginários em suas costas, seguindo o contorno da
coluna.
— Você é tão babaca — resmunga. — E como você está?
Estico o pescoço para trás e encaro o teto. Eu penso em dizer para
ela aquilo que está entalado na minha garganta há meses e que faz a minha
garganta arranhar em impaciência.
Entretanto, ao procurar pelo par de olhos esverdeados que estão tão
expostos e vulneráveis, eu desisto. Nenhum de nós vai aguentar o peso da
verdade.
Sendo assim, contento-me com a resposta mais simples de todas:
— Melhor impossível.
 

 
“Eu acho que o amo, embora eu saiba que não é certo”
Met Him Last Night | Demi Lovato (feat. Ariana Grande)
 

 
O golpe de realidade me atinge antes do que eu esperava.
Na terceira semana de novembro, poucos dias antes do Dia de Ação
de Graças, eu estou saindo da minha entrevista no PK Journal. Essa é a
segunda etapa do processo, ao qual cheguei bem perto de esmagar o meu
cérebro para conseguir responder as perguntas feitas.
Estou confiante? Um pouco.
Vou conseguir a vaga? Espero que sim.
Charles, o entrevistador, me garantiu que daqui a algumas semanas
eles vão entrar em contato. Quero manter as expectativas baixas, embora eu
já esteja sonhando em andar pelos corredores com o meu crachá pendurado
ao redor do pescoço igual uma coleira.
— Como foi? — Claire pergunta, assim que saio por entre as portas
giratórias.
Ela me deu uma carona até North Groove para a entrevista na sede
da empresa e está exibindo um sorriso animado no rosto maquiado. A pele
negra-escura contém pequenos pontinhos de glitter por causa do iluminador
e a peruca branca, com os fios enrolados na ponta, a fazem parecer uma
fada.
— Acho que fui bem. Na verdade, acho que fui muito bem. — Solto
uma risada. — Algumas perguntas eram difíceis, mas outras eram tão
óbvias que fiquei até com preguiça.
Claire engancha o braço no meu e começamos a caminhar por entre
as ruas. Conhecendo-a tão bem, sei que está à procura de uma cafeteria.
— Você vai conseguir essa vaga, não tenho dúvidas. É inteligente,
esforçada e a futura estrela do jornalismo. Quem ainda não sabe disso, é
uma pessoa sem noção.
— Você acha que sou uma super estrela, hein?
— Eu só aceito ser amiga de super estrelas como eu. — Me dá uma
piscadela. — Então, sim, Anne, você também é uma.
Abro um sorriso divertido e indico uma cafeteria do outro lado da
rua. É bem pequenina, com mesas expostas na calçada e uma fachada
charmosa. Nos acomodamos em uma das cadeiras e uma garçonete vem
anotar os nossos pedidos.
Eu peço um Macchiato e Claire opta por um Frappuccino de
abóbora.
Quando a atendente vai embora, eu torço as mãos umas nas outras, a
voz do entrevistador ainda ecoando na minha cabeça. Há uma parte em
específico que tem me preocupado mais do que deveria. Não sei se quero
pensar na possibilidade de falar disso, mas esconder algo de Claire é uma
tarefa difícil.
— Que cara é essa? — questiona, a sobrancelha direita arqueada. —
Tem alguma coisa que você não está me contando?
Suspiro alto e despejo a informação:
— Charles, o entrevistador, disse que se eu conseguir a vaga de
estágio, é para a sede aqui em North Groove...
— Você se mudaria para cá — conclui, completando a minha frase.
— Sim. É apenas uma possibilidade, porque não é certeza que vou
ser selecionada, mas ainda é uma coisa a se pensar.
Claire faz um biquinho, pensativa.
Diferente de mim, que optei por roupas sociais, minha amiga é um
ponto colorido dentro da cafeteria. O vestido verde-limão de gola alta e os
sapatos de salto baixo com presilhas de pérolas são itens que eu nunca
imaginaria usar, mas nela ficam perfeitos.
— E o Reed?
Gelo da cabeça aos pés.
— O que tem ele?
— Você vai contar para ele sobre essa parte?
Cruzo as pernas por debaixo da mesa, agradecendo mentalmente
pela garçonete que volta com os nossos pedidos. Encho a minha boca de
café, como se isso fosse capaz de adiar a minha resposta.
Claire não se deixa abalar. A expressão que ela me direciona é fria
feito lascas de gelo.
— Não tem o que contar, porque ainda não aconteceu nada —
retruco, soando mais na defensiva do que gostaria. — Se eu conseguir a
vaga, vou contar. Enquanto isso não acontece, ele não precisa saber de
nada.
Minha amiga dá um longa respirada e assente, encarando as pessoas
ao nosso redor.
Imagino que, se eu me mudar para cá, as nossas tardes na cafeteria
da USVL não serão mais tão frequentes. Meu tempo livre vai diminuir
consideravelmente e, se eu já acho meu horário de trabalho na lanchonete
de Adele cansativa, o estágio tende a ser ainda pior.
— E o meu acordo com ele também já está acabando — relembro e
Claire move novamente o rosto na minha direção. — Essa oportunidade
veio na hora certa. Procurar por apartamentos em North Groove é mais fácil
do que em Maple Hills. E aposto que ele também vai ficar feliz por se livrar
de mim.
A risada sem humor que ela me direciona causa um rebuliço na boca
do estômago.
— Reed pode querer tudo, menos se livrar de você, Anne.
Nego com um chacoalhar de cabeça.
— Essa mentira que concordamos em participar foi só para acabar
com os boatos envolvendo a Angel e a falta de um teto para mim. Nada
além disso. Não era um acordo para estarmos juntos até estarmos com pés
de galinha.
— Você vai chutá-lo para fora da sua vida? É isso?
Ignorar a presença de Reed é algo que jamais vou conseguir fazer.
Mas uma pequena parte de mim está consciente de estarmos avançando por
um caminho em que logo irei me sentir pressionada demais. No ano que
vem, nossas vidas serão diferentes. Ele vai ser draftado por um time e as
chances de mantermos qualquer tipo de contato são pequenas.
Não quero me manter presa nesse tipo de relação, seja ela qual for.
É confuso demais e desgastante em níveis que não estou disposta a
enfrentar.
— Não foi isso que eu disse, Claire — murmuro, semicerrando os
olhos para a minha melhor amiga. — A vida das pessoas seguem rumos
diferentes e nós dois não vamos ser a exceção. Vai ser incrível ver ele
jogando por um time da NFL? É claro que sim. Mas também vai ser
maravilhoso, eu alcançar os meus objetivos dentro do jornalismo.
— Você pode ter os dois. Sabe disso, certo?
Reprimo a vontade de me esconder dentro do casaco que estou
usando. Claire sabe, melhor do que ninguém, o quanto esse tópico é
sensível para mim. Não consigo ver as coisas com a mesma facilidade que
ela.
Cruzo os braços, me protegendo. Do quê? Não faço ideia. Da
verdade, talvez. Do olhar intenso de Claire, também. Conversar com ela
sobre assuntos como esse é como uma montanha-russa com um milhão de
descidas. 
— Não sei onde você quer chegar com essa conversa.
Claire pressiona os lábios em uma linha reta e permanece taciturna
por um longo período que contribui para meu estômago se contorcer em
posições nada confortáveis.
— O que você sente por ele, Anne?
O questionamento age como uma faca sendo apunhalada no meu
coração. Se eu pudesse, sairia correndo dessa cafeteria e ignoraria o
assunto. Entretanto, sei que Claire não vai se dar por satisfeita.
Meu consciente se encolhe em um cantinho, não gostando de ser
pressionado. Já meu coração galopa no peito a mil por hora. Repasso
mentalmente cada momento que tive ao lado de Reed desde que entramos
nesse acordo improvável.
No começo, eu realmente não o suportava. Mas, conforme os meses
foram se passando, percebi que Reed era muito mais do que aquele garoto
filho de uma estrela do esporte com uma carreira incrível esperando por ele
no futuro.
Reed Rollins é incrível.
É a pessoa mais extraordinária que tive ao meu lado.
O verdadeiro Reed Rollins não chega nem perto daquele que tive o
desprazer de conhecer, quase dois anos atrás. A versão que criei na minha
cabeça é deturpada demais. Não faz jus à realidade que ele me mostra dia
após dia.
— Ele é importante para mim. Eu me importo com ele e quero que
tenha a carreira dos sonhos. Posso não estar na arquibancada, como estive
nesses últimos jogos, mas ainda vou estar torcendo por ele do outro lado da
tela da televisão.
Claire assente.
— E o que mais?
Bufo.
— Precisa ter mais?
— Deve haver algo a mais, Anne.
Sua calmaria é uma bomba relógio para a minha impaciência. Estou
perto de chamar a garçonete para pedir uma rodada inteira de cupcakes,
porque essa conversa está mexendo com o meu estômago.
— Eu gosto dele. Gosto bem mais do que imaginei que poderia
gostar um dia — antes que ela possa me interromper, eu prossigo: — Mas
eu não posso deixar que as coisas avancem além disso. Ter aceitado em
termos esse acordo colorido já foi um grande passo. A única razão de eu
não ter negado é que posso terminar quando quiser.
Claire murcha na cadeira, mas disfarça com um movimento tímido
de ombros.
— E você vai terminar?
Bem lá no fundo, eu sei a resposta.
Claire também sabe.
Mas, ainda assim, acho que ela espera que eu mude de ideia.
— Quando chegar a hora certa, sim.
— E quando vai ser?
— Não existe a hora exata, Claire. Mas, se eu conseguir a vaga de
estágio, não vou ter outra escolha — declaro. — Vou me mudar para North
Groove e dar fim ao nosso acordo.
— North Groove não é tão longe. Ainda dá para vocês estarem
juntos.
Balanço a cabeça em negação.
— Não é essa a questão, Claire. Eu não terei tempo para ele, quem
dirá para mim.
Minha amiga encolhe o corpo na cadeira e despeja a única pergunta
que tem me assombrado:
— E se, por algum azar, você não conseguir a vaga? O que vai
fazer?
A possibilidade mexe comigo, latejando dolorosamente do lado
esquerdo da minha cabeça.
— Então, vai ser Reed quem vai terminar comigo. Porque não
haverá espaço para mim na vida dele.

Depois de várias semanas trocando curtas mensagens e rápidas


ligações, decido fazer uma visita à minha mãe.
Ela me recebe com um abraço e uma xícara de chá de hibisco, como
de costume. Depois de ajudá-la a preparar uma fornada de cookies, estamos
agora sentadas na varanda.
— Como você está?
Daisy dá uma breve olhada para mim e serve o chá em duas xícaras.
— Fui visitar aquela galeria de arte que te falei com a Beth e até
consegui convencê-la a fazer algumas aulas comigo — diz, me entregando
a bebida quente. — Ela disse que o Sagan está ocupado demais em Dublin.
Você teve notícias dele?
A pergunta me faz lembrar que, desde que desliguei na cara dele,
não conversamos mais. Sagan deve me achar uma babaca por não mantê-lo
atualizado sobre a minha vida e das outras pessoas de Sunbay.
— Faz umas boas semanas. E Clio?
Minha mãe aperta os lábios, pensativa.
Assim como a maioria das pessoas de Sunbay, ela também
acompanhou o relacionamento curto, mas intenso, entre Sagan e Clio. A
despedida foi dolorosa, o que me faz ter ainda mais certeza de que manter
um relacionamento dessa forma jamais funcionaria para mim.
— Ela está em Boston. Beth disse que o clima está meio ruim na
editora. Não entendi direito, mas ela vai vir para cá no Dia de Ação de
Graças. — Ao mencionar a data, uma luz se acende acima da cabeça da
minha mãe. — Conversei com seu irmão na semana passada, a propósito.
Tudo certo para irmos para North Groove?
Merda.
Faço um beicinho que Daisy entende de imediato. As sobrancelhas
se erguem, quase alcançando o couro cabeludo.
— Você tem outros planos?
— Digamos que sim.
— Anne...
Dou risada e sinto o calor aquecer as minhas bochechas.
— Um amigo me convidou para passar o feriado na casa da mãe
dele, em Mountain City — explico, torcendo para que ela não fique triste.
— Espero que não seja um problema para você.
Daisy me analisa com atenção. Primeiro, meu rosto, depois o
conjunto de casaco de moletom e calça larga e, por fim, os tênis gastos. Ao
retornar para os meus olhos, há uma certa felicidade oculta nas feições
levemente enrugadas.
— Um amigo? Ou seria um namorado?
Reprimo a vontade de revirar os olhos para ela. Minha mãe está
ficando igual a Claire, imaginando um cenário que está bem longe da
realidade.
— Você sabe que esse dia está bem longe de acontecer.
Daisy não se aguenta e bufa, do mesmo jeitinho que eu faço. Chega
a ser engraçado o quanto somos parecidas, mesmo que ela diga que sou
uma cópia exata da personalidade do meu pai.
— As minhas esperanças são as últimas que morrem — assinala e
beberica um gole do chá.
— Somos apenas amigos, nada além.
— Okay. — Finge ceder e me entrega o prato com os cookies. —
Pode ir para Mountain City, danadinha. Vai ser diferente comer peru sem
você, mas Alex e Soren são ótimas companhias. Você soube que seu irmão
foi convidado para trabalhar no centro esportivo que vai inaugurar em
North Groove?
— Sério? Ele não me contou nada.
Minha mãe faz um movimento de desdém com a mão.
— Ele adora guardar segredos da gente. Quem me contou foi o
Soren em uma das ligações. Aquele jogador famoso de futebol americano
foi convidado para a inauguração.
Aquele jogador famoso de futebol americano.
Nem preciso perguntar para saber de quem ela está falando.
Minha mãe, diferente de mim, sabe um pouco mais sobre futebol
americano, mas não é uma enciclopédia ambulante como Claire. Ela
conhece os termos, algumas regras e acompanha, vez ou outra, os jogos do
time que Alex treina.
— Não faço ideia de quem seja. — Me faço de desentendida. —
Mas parece que vai ser algo importante para a carreira do Alex.
Minha mãe assente com um gesto de cabeça e gesticula para o meu
peito.
— E como foi a entrevista de estágio no PK Journal?
— Foi melhor do que eu esperava. Estou confiante, mas não quero
sonhar alto demais. Se eles decidirem que sou boa o bastante, vou ter que
me mudar para North Groove.
A xícara, que estava sendo levada aos lábios de Daisy, paralisa.
— Você vai morar sozinha?
— Não sei ainda. São apenas possibilidades no momento, mas acho
que vou acabar dividindo o aluguel com alguém. Esse lance de morar
sozinha acaba ficando pesado demais para o meu bolso, mesmo que o
salário no PK Journal seja considerado bom.
— E o emprego na lanchonete?
— Adele já sabe da possibilidade de eu pedir demissão. Vai levar
numa boa — digo e dou uma mordida no cookie. — Ela sabia, desde o
início, que o Brooklyn Blues era algo temporário na minha vida.
Pensar em me despedir de Adele e Becky faz o meu coração se
apertar. Não as conheço há anos, mas é como se fôssemos amigas desde
sempre. É triste pensar que não passarei mais as tardes conversando com
elas e bebendo milkshake de morango quando o movimento de clientes
estiver monótono.
Um fungado me faz virar o rosto. Minha mãe bem que tenta
disfarçar, mas dá para notar os olhos marejados e uma tímida lágrima
escorrer por sua bochecha. Ela não tem tempo de limpar antes que eu feche
minhas mãos ao redor dos seus pulsos.
— O que foi?
— Seu pai teria muito orgulho de você, danadinha. — Afaga uma
das minhas bochechas com a ponta dos dedos. — Me dói no fundo da alma
saber que ele não está aqui para ver você se tornando essa pessoa incrível
que vai conquistar o mundo inteiro através do seu talento.
Um nó aperta a minha garganta.
— Mãe...
A cabeça dela oscila de um lado para o outro.
— Nunca deixe ninguém apagar o seu brilho, okay? — pede, como
se fosse capaz de saber da conversa que tive com Claire na cafeteria. —
Porque você merece somente coisas extraordinárias, Anne. Não se esqueça
disso.
Sorrio e enlaço meus braços ao redor dos ombros dela, abraçando-a
com cada fibra do meu ser.
— Não vou deixar, mãe. Não se preocupe.
 
“Não diga que não é justo,
você claramente não estava ciente de que me deixou miserável”
Happier Than Ever | Billie Eilish
 

 
— Vai querer uma cerveja?
Ergo a cabeça, encontrando o meu irmão atrás do balcão do London
Foot Pub. O pano de prato está pendurado no seu ombro e o boné, com a
aba virada para trás, esconde os cabelos castanhos.
Olho para o relógio atrás dele.
— São três horas da tarde, Aaron.
Os lábios se curvam no que julgo ser um sorriso.
— Estou apenas fazendo o meu trabalho. Se você aceitar a bebida, o
problema já não é meu.
— Eu tinha me esquecido o quanto você é um chato de 30 anos.
Prefiro nem saber como vai ser quando chegar aos 50.
— Espero estar vivendo em uma ilha paradisíaca. Conviver com
você é bem desgastante.
Dou a ele o dedo do meio e Aaron gira os tornozelos, me entregando
um cestinho com amendoins. Mordisco um, enquanto analiso os traços do
seu rosto, ponderando se devo contar sobre o que aconteceu na casa de
Ricky.
Foda-se.
— Ricky e eu brigamos.
Aaron paralisa e uma veia do pescoço pulsa em resposta.
— Ele disse um monte de merda sobre a Anne e eu simplesmente...
Não consegui mais aguentar. Quando vi, estava prestes a dar um soco na
cara dele — continuo a falar. — A gente não conversou mais desde então.
— O que ele disse?
Empurro a espessa saliva pela garganta, odiando a ideia de reviver a
memória.
— Disse que ela iria acabar com a minha carreira e que não tinha
nada de bom para oferecer. Uma vadia inútil com um pai morto e uma mãe
que não recebe rios de dinheiro.
A quietude domina o interior do pub por um longo tempo até que
Aaron fecha o armário em que guarda os copos e apoia os braços no balcão
interno.
— Acho que já está na hora de Noreen saber, Reed.
— Sobre o quê?
— Sobre tudo. — Gesticula para o meu peito. — Você já é
responsável o bastante para tomar as próprias decisões. Não pode viver
eternamente na sombra de Ricky apenas porque acha que isso vai garantir a
você um futuro no esporte. Nós dois sabemos que não é assim que funciona.
O sentimento de querer desaparecer é gigante. Por longos anos, vi
meu pai como um herói. Aquele que era um exemplo para se seguir e quem
eu gostaria de me tornar um dia. Agora, ser uma cópia de Ricky Rollins é
um peso que não quero carregar.
— Ele pode cortar o meu dinheiro. E não tem como eu me manter
no esporte se não houver a merda do dinheiro dele envolvido.
Aaron discorda.
— Ele não vai fazer isso. Você acha mesmo que Ricky vai permitir
que o filho dele, o projeto de anos, seja um fracasso no esporte?
— Há sempre um risco, Aaron.
— O único risco que Ricky corre é o de você desistir do esporte. E
você não vai desistir, certo?
— Não.
A mera possibilidade de me ver longe do futebol americano já me
apavora. Ricky pode ter me colocado em uma posição que me obriga a ser
perfeito, mas o esporte jamais vai se tornar um castigo. Nunca vou deixar
que ele estrague algo tão importante na minha vida.
Aaron acena em concordância e contorna o balcão, ficando de frente
para mim.
— Você já tem 22 anos, Reed. — Coloca a mão no meu ombro
coberto pela jaqueta dos Rebels Of Horizon. — Não é mais aquele garoto de
dez anos que queria agradar o pai a todo custo. A única pessoa que você
deve dedicar toda essa atenção é você mesmo. Você é bom demais como
running back para deixar que Ricky estrague tudo.
— E se eu falhar?
Dar voz à minha maior insegurança torna a situação real.
Uma grande parte minha é confiante o bastante para saber que posso
ser tão bom quanto Dave e Bradley nos gramados. No entanto, há aquela
minúscula parte que acredita que, se não houver Ricky ao meu lado, não irei
conquistar porra nenhuma.
— Se você falhar, o que eu duvido que aconteça, eu vou estar lá. Eu.
Noreen. Dave. Até mesmo a sua namorada de mentira. — A última pessoa
me faz abrir um sorriso nada discreto. — As pessoas que amam você de
verdade não vão soltar a sua mão diante do primeiro fracasso.
Pisco os olhos várias vezes, afastando o pinicar que antecede a um
choro. É desgastante perceber que levei anos para conseguir reagir diante
dos insultos de Ricky. Que foi preciso eu chegar no meu limite para,
finalmente, cortar o fio que me mantinha preso a ele. 
Aaron parece compreender o turbilhão de sentimentos que me
acomete, porque me puxa para um abraço apertado. Um abraço que diz, nas
entrelinhas, que cada um entende o que o outro já passou na presença de
Ricky.
Ele nunca foi um pai de verdade para nós e duvido que algum dia
consiga ser. Não enquanto estiver depositando em nós tudo aquilo que ele
deseja viver novamente. Aaron foi o primeiro a sofrer com isso. E eu me
escondi quando passou a ser comigo.
— Você vai contar para Noreen, certo? — Aaron pergunta minutos
depois, com nós dois ainda abraçados de um jeito que não fazíamos há
milhões de anos.
Falar com minha mãe vai ser uma tarefa difícil, mas sei que é o
certo a ser feito, mesmo que tenhamos que enfrentar uma longa conversa.
— Sim.
Aaron assente e se afasta. Ao inclinar a cabeça para o lado e
balançar sugestivamente a sobrancelha esquerda, já tenho a certeza que ele
vai dizer alguma merda bem sem noção.
— Agora você aceita uma cerveja?
Reviro os olhos.
— Me dá logo a merda dessa bebida, Aaron.
Pela primeira vez em anos, ouço meu irmão rir de verdade.E eu rio
de volta, sentindo uma pequena parte do peso de anos abandonar as minhas
costas.

Volto para casa perto do começo da noite.


Largo as chaves em cima do aparador e escuto vozes animadas
vindas da sala. Sigo a direção do som e vejo Anne e Claire sentadas no sofá,
rindo. Claire, desta vez, dispensou a peruca e exibe os cabelos que já
cresceram alguns bons centímetros.
Já Anne... Eu sempre perco o fôlego quando olho para ela, não
importa quantas semanas ou meses se passam.
 
Como se houvesse um tipo de imã nos puxando, Anne estica o
pescoço e me encontra parado com o ombro apoiado na parede. Um sorriso
bonito acaba surgindo, me deixando ainda mais encantado.
— Você acabou de chegar?
Concordo com um murmúrio e Claire acompanha o som, me
procurando. O aspecto cansado ao redor dos seus olhos deu um descanso.
— Como o Aaron está?
— O humor dele continua uma merda, como de costume. Mas fora
isso, tudo certo. — Enfio as mãos dentro do bolso da jaqueta. — E o Dave
se meteu por onde?
— Estou aqui!
Dave entra na sala assoviando e segurando duas vasilhas de pipoca.
Assim como eu, ele está usando a jaqueta do time. A diferença é que os
dreads estão escondidos pelo boné do Las Vegas Raiders, o time em que ele
sonha em ser draftado.
— Vocês mudaram a noite de filme para hoje e não fiquei sabendo?
Claire dá risada.
— A gente acertou os últimos detalhes do desfile e Anne sugeriu
que viéssemos para cá ver um filme — explica. — Não escolhemos nenhum
ainda, então você pode fazer essa terrível escolha para a gente.
— Eu tenho um ótimo gosto para filmes, Howard.
— Eu não sei se concordo — Anne argumenta com uma risadinha e
faz um sinal para que eu me sente no espaço vago do sofá. Dave entrega
para cada uma delas uma das vasilhas de pipoca e se acomoda ao lado da
namorada. — Da última vez, a gente assistiu um filme horroroso sobre uma
mulher que acorda no hospital depois de ter ficado em coma.
Dave bate com o dedo no queixo.
— Acho que conheço uns dez filmes com esse tipo de enredo. Zero
criatividade.
Xingo um palavrão.
— Kill Bill é uma das melhores histórias de vingança. Vocês é que
não estão preparados para isso.
Claire faz um barulhinho de discordância com a boca e Anne entra
na dela, retrucando:
— Você fala isso de todos os filmes que assistimos, mas a verdade é
que todos são péssimos.
Aperto a cintura de Anne, arrancando uma risada alta dela. As
pernas se agitam em cima do sofá, em uma tentativa de fugir de mim.
Agarro os tornozelos e a puxo para a beirada, enchendo-a de cócegas. Ela
implora para parar, mas continuo torturando-a. Os gritinhos me fazem
gargalhar e ouço Dave e Claire rirem também.
— Você nunca cansa de me insultar, joaninha? — Distribuo beijos
molhados no seu pulso. — Será que terei que tomar providências e te
amarrar?
— Talvez não seja uma má ideia — retruca, maliciosa.
— Não me provoque, Annie. Você sabe muito bem o que posso
fazer quando estivermos sozinhos.
É o pigarro que me faz desviar a atenção de Anne. Dave e Claire
permanecem no mesmo lugar de antes, mas com farelos de pipoca no
queixo.
— Se a gente estiver atrapalhando... Podemos ir embora. — Claire
prolonga as sílabas daquele jeito que só ela sabe fazer. — Assistir na
fraternidade é um saco, mas a gente aguenta.
— De jeito nenhum! — Anne salta para trás e abraça uma das
almofadas, criando uma barreira entre nós dois. — Essa é a nossa última
noite juntos antes do feriado. Vamos aproveitar.
O comentário faz Dave estremecer. Neste Dia de Ação de Graças,
ele vai passar pelo maior perrengue de todos: conhecer a família da
namorada. Se eu estivesse no lugar dele, já estaria sofrendo de dor de
barriga. A sorte é que, pelo o que dizem, a família Howard é super de boa.
Aposto que eles vão adorar o Dave. Ele é uma super estrela do
esporte universitário e com um futuro brilhante pela frente. É, basicamente,
o sonho de qualquer garota.
— Preparado para enfrentar os pais da Claire? — pergunto para
Dave enquanto me sento ao lado de Anne. Pouso a mão sobre o seu ombro,
puxando-a para mais perto de mim. Ela se aconchega no meu peito e a mão
repousa em minha coxa. — Se ele não aguentar, vou querer uma foto,
Claire.
Ela ri.
— Ele vai resistir. É um muro de músculos, vai ser difícil derrubá-
lo. — Dá dois tapinhas no peitoral largo de Dave.
— Você diz isso porque não é você que vai precisar impressionar
um cirurgião cardíaco com anos de carreira. Seu pai vai me picar em vários
pedacinhos com o bisturi afiado dele.
Dessa vez, todos nós rimos.
— Você é tão dramático. — Claire revira os olhos. — Todos vão te
amar, até mesmo o meu pai. É impossível alguém não gostar de você. Digo
isso por experiência própria. Me apaixonei logo que botei os olhos em você
e nada mudou isso, nem mesmo quando descobri que você tem chulé.
— Porra. — Abraça a namorada com mais força, beijando-a na
bochecha. — Eu passo boa parte do meu dia treinando, gata. Seria
impossível eu não feder chulé.
— Pelo o que eu sei, o Reed não fede chulé.
Três pares de olhos recaem sobre mim, mas mantenho a atenção fixa
em Anne. Existe um tipo de receio cintilando em suas íris, embora ela esteja
fazendo um esforço para esconder. Quero muito perguntar do que se trata,
mas essa não parece ser a melhor hora. Não quando acabei de ter uma longa
conversa com meu irmão sobre Ricky Rollins.
Quero resolver as coisas por partes. E embora eu esteja ansioso para
conversar com Anne sobre a situação em que estamos nos encaminhando,
prefiro esperar o momento certo. Afinal, ainda faltam boas semanas para o
nosso acordo chegar ao fim.
Até lá, quero aproveitar o tempo que nos resta.
— Não sei — respondo. — Acho que você deve perguntar para a
Annie.
Anne dá um sorrisinho de quem não vai perder a oportunidade de
me sacanear.
— Reed fede a bunda suada.
Dessa vez, não me contenho e a encho de cócegas. Ela se contorce
embaixo de mim, mas não consegue fugir porque meu corpo cria uma
espécie de muralha ao seu redor. Nessas horas, eu agradeço pelos treinos
intermináveis.
Quando ela para de se agitar, eu empurro seus braços para cima,
prendendo-os através dos pulsos. A posição me causa um déjà-vu mais do
que bem-vindo. Nós dois sorrimos um para o outro, alheios à presença de
Dave e Claire.
— Estou começando a achar que você é fissurada na minha bunda,
hein?
— Nada mais justo, não acha? Você é fissurado na minha e eu sou
na sua.
— Então, acho que devemos concordar que a sua bunda também
fede.
Anne xinga um palavrão e desfaço o aperto ao redor dos seus
pulsos, para logo em seguida enlaçar os braços ao redor da sua cintura.
Enterro o nariz em seu pescoço, inspirando o perfume e me prendendo na
sensação de tê-la tão perto de mim.
— É, Dave, não vai ter jeito pelo visto — Claire cantarola, nos
relembrando a sua presença. — Vou ter que conviver com o seu chulé.
Dave ri, daquele jeito contido dele, e leva um punhado de pipoca à
boca antes de dizer:
— A sorte é que o amor verdadeiro aguenta tudo. Até mesmo o
cheiro de bunda suada e chulé.
 
“Ninguém sabe como é sentir esses sentimentos como eu sinto”
Behind Blue Eyes | Limp Bizkit
 

 
— Há algo que eu precise saber?
Essa é a primeira pergunta que Anne faz assim que entramos no
carro com destino a Mountain City. A viagem é relativamente longa, mas
não muito. Três horas e meia de viagem, se estivermos com sorte. Quatro,
se o trânsito estiver uma merda.
— O que você quer saber?
— Não sei absolutamente nada sobre a sua mãe. Uma ficha
catalográfica talvez ajude.
Rio.
— Ela se divorciou do meu pai quando eu ainda era criança. Foi um
momento conturbado, ainda mais que Ricky estava no auge da carreira.
Noreen sempre foi o tipo de pessoa que preza pela privacidade e a mídia
arrancou isso dela — discorro, odiando a ideia de tirar essas memórias do
fundo da mente. — Acho que esse foi um dos motivos que levou ao fim do
casamento.
— Ela nunca te falou sobre o que, de fato, aconteceu?
— Não. Tenho várias suspeitas, mas a real merda por trás... Nem
Aaron deve saber. Noreen sempre foi muito boa em esconder as coisas,
principalmente os sentimentos.
Ela assente, soando pensativa. O assunto é um lembrete silencioso
de que não sei quase nada sobre a família da minha namorada de mentira.
Assim como minha mãe, Anne é boa em fingir que certos assuntos não
existem.
— E a sua mãe? — Uso um tom descontraído. — Me conte algo
legal sobre ela.
— Ela trabalha em uma lavanderia em Sunbay. Não consigo me
lembrar de uma única vez que eu não a tenha visto trabalhando pra cacete
para conseguir sustentar a mim e ao Alex — fala. — Ela faz o tipo mãe que
quer dar o melhor para os seus filhos, custe o que custar.
— E o seu pai?
O clima dentro do carro se torna um cubo de gelo. Leva bons
minutos até que Anne diga, com a voz entrecortada:
— Ele morreu quando eu era criança.
Droga.
— Não precisa dizer nada — Anne prossegue, não me dando a
chance de consolá-la. — Eu quase não me lembro de Gustaf. O pior das
memórias ficou com minha mãe e Alex. A saudade deles é três vezes maior
que a minha.
— A saudade não se mede pelo tempo em que passamos com uma
pessoa, Annie.  Mesmo que você não tenha o conhecido tanto quanto o
resto da sua família, ainda tem o direito de se sentir sozinha e de desejar
que ele estivesse aqui, te acompanhando em cada passo.
Ela assente, com um movimento tímido, e enxuga a única lágrima
que escorreu. Não sei como é perder alguém tão importante como um pai
ou uma mãe, mas deve ser devastador. O tipo de dor que ninguém merece
sentir, tampouco uma criança.
— Posso saber como aconteceu?
Anne funga e desvia o olhar, mirando a paisagem que passa pela
janela.
— Ele trabalhava como pescador, junto com outros pescadores da
região. Era um grupo de oito pessoas. Houve uma tempestade em alto mar
durante a temporada de pesca e ele simplesmente... Escorregou, bateu a
cabeça e caiu no mar. Nunca encontraram o corpo e minha mãe só ficou
sabendo quando o grupo voltou, quase uma semana depois.
Um nó aperta a minha garganta. Foi mil vezes pior do que eu
poderia ter imaginado.
— Annie...
— Eu sei, é uma merda. Eu lembro que estava voltando da praia e
quando cheguei em casa... O clima tinha mudado e ninguém nem precisou
me falar nada — relembra. — Levou um bom tempo para que minha mãe
conseguisse seguir em frente. Às vezes, eu ainda tenho a impressão que
uma parte de Daisy vai estar eternamente presa no passado. Naquele último
segundo em que ela foi se despedir dele no porto. Uma despedida que durou
para sempre.
Procuro por sua mão e entrelaço os nossos dedos. Faço uma mínima
pressão, passando a ela o conforto que não sou capaz de colocar em
palavras.
— Não deveria ter sido assim — digo, a atenção fixa na estrada. —
Mas, para o nosso azar, a vida gosta de dar essas rasteiras na gente.
Anne inclina a cabeça para o lado e arqueia a sobrancelha daquele
jeito debochado.
— Seu conselho foi bem ruim, Reed.
Rio.
— Sou péssimo nesse lance, me desculpe. Ainda assim, se precisar
de um ombro para chorar, um amigo para encher a cara do seu lado ou um
abraço, eu sempre estarei aqui para você.
Direciono a ela um sorriso e me permito dar uma rápida olhadinha
na sua direção. Anne também exibe um sorriso. Quase pequeno demais,
mas está lá, exclusivamente para mim.
— Obrigada, Reed — agradece. — Agora, sobre a sua mãe...
Reviro os olhos.
— Fica tranquila, Scott. Ela vai adorar te conhecer. Até porque é
impossível não amar você.

Como eu suspeitei, Noreen não só adorou Anne, como as duas


viraram possíveis melhores amigas.
Já posso ver as duas conversando horas e mais horas pelo celular,
trocando mensagens e experiências. Minha mãe é do tipo que adora lotar a
caixa postal das pessoas e Anne é a sua próxima vítima.
— O que vocês acham da gente ir almoçar no Flueban? — Noreen
sugere, de costas para mim e Anne. Chegamos de viagem há cerca de duas
horas e o peru vai ser preparado somente amanhã. — É o restaurante
favorito de Reed e eles tem um Fettuccine com Molho Marzano
maravilhoso.
Minha barriga ronca só de imaginar o sabor da comida na boca.
— Me parece delicioso — Anne concorda, sorridente. — O que
você acha, Reed?
— Negar comida? Jamais.
Minha mãe bate palmas, animada, e puxa o celular de dentro do
casaco.
— Perfeito. Vou convidar a Kirsten também. — Há um traço de
insegurança na voz dela que costuma ser tão confiante. — Tudo bem para
vocês?
— Sem problemas, mãe. — Pouso as mãos nos ombros de Anne, os
acariciando. A viagem e o primeiro contato com Noreen parecem tê-la
deixado tensa. — A gente vai subir com as malas, trocar de roupa e já
descemos. Pode ser?
— Claro. — Sorri, e contorna o balcão da cozinha, me dando um
beijo estalado na testa. Flexiono os joelhos para baixo, facilitando. Eu
deixei de ser menor que ela há anos. — Vou me arrumar também. Vista
aquele suéter que te dei de Natal, que tal? Azul escuro combina com seus
olhos.
Mostro a língua para irritá-la e levo Anne comigo.
Diferente da casa que dividimos com Keeran e Mason, a residência
da minha mãe é pequena, contando com dois quartos, dois banheiros e uma
sala conjugada com a cozinha. Cada cômodo tem a sua personalidade e,
diferente da mansão que meu pai vive, aqui é estranhamente aconchegante.
Pego a nossa bagagem no vestíbulo e indico o meu quarto para
Anne. Ela abre a porta e me ajuda a colocar uma das malas em cima da
cama. O colchão é de casal e a janela dá uma visão bonita do jardim dos
fundos. Tem, também, uma poltrona cinza escura em um canto e uma
estante com vários porta-retratos.
Anne caminha até lá, os analisando com curiosidade. A maioria
deles mostram eu e Aaron crianças, antes do divórcio. Pouquíssimas
fotografias trazem a imagem do meu pai. Uma em específico é a mais
especial, embora agora eu a ache detestável: o primeiro jogo de futebol
americano da liga juvenil que participei. Levei várias pancadas do time
adversário, mas o meu sorriso era de quem estava feliz pra caralho.
— Você é bem parecido com o seu pai quando jovem — Anne
constata, segurando o porta-retrato. — Vocês não conversaram mais desde
aquela noite?
Abaixo a vista para a fotografia. É difícil acreditar que aquele Reed
ali, cheio de sonhos para o futuro, conheceria o lado mais feio do seu pai
antes mesmo de poder viver uma pequena parcela do sonho que eles
idealizaram juntos.
— O silêncio dele é resposta o bastante, pelo menos por enquanto.
Acredito que ele vai aparecer no último jogo antes dos playoffs.
— E vocês vão conversar?
— É o certo a se fazer. — Pego o porta-retrato de suas mãos e
coloco de volta na estante. Se eu pudesse, o esconderia debaixo do colchão.
— Mas, antes, eu vou conversar com a minha mãe. Ela precisa saber a
verdade e, quem sabe, encontremos uma solução melhor.
Anne mordisca o cantinho do lábio inferior e acaricia o meu rosto. O
gesto me faz inclinar a cabeça para o lado, apreciando a sensação.
— A solução você já sabe qual é, Reed — relembra. — Mas
conversar com a sua mãe é importante. Não pode deixar que as coisas
fiquem dessa forma entre vocês. E eu tenho certeza que ela vai te apoiar,
independentemente da decisão que tome.
— Acho que ela vai odiar a ideia de eu botar fogo na coleção de
troféus dele — brinco e Anne dá risada. — E xingá-lo no casamento, na
frente de todos, também não me parece algo que ela apoiaria.
Sou surpreendido quando Anne não diz nada, somente me enlaça em
um abraço apertado. Apoio a ponta do queixo no topo de sua cabeça e
aperto os dedos ao redor da cintura, relaxando.
— Eu apoio a gente reunir o time inteiro e chutar a bunda dele. E
depois a gente pode comemorar no pub do seu irmão.
— Me soa perfeito, joaninha.
— Combinado, zangão.
O apelido me arranca um sorriso e encaixo o polegar embaixo do
seu queixo, erguendo-o. Anne me encara através dos cílios maquiados.
— Posso? — pergunto, mantendo o foco em sua boca.
— O quê?
— Eu posso te beijar, Anne?
Ela me direciona um sorriso debochado que faz algo dentro de mim
se agitar.
— Você ainda pergunta?
Dou de ombros.
— Gosto de bancar o cavalheiro. Mesmo com você dizendo que não
sou.
— Para de ser babaca e me beija de uma vez, porra.
Rio contra os seus lábios.
— Como quiser, minha donzela.
Rodeio o seu pescoço com uma das mãos, usando a outra para puxá-
la para mais perto, e faço exatamente aquilo que Anne me pediu: beijo-a
com cada fibra do meu ser.
Expresso, através do movimentar de nossas línguas, o quanto me
sinto atraído por ela. Por cada parte sua, até mesmo aquelas que não são
assim tão bonitas e que desejamos manter escondidas nas sombras.
Expresso, entre um gemido baixo e um ofegar curto, que amo cada um dos
seus pontos fortes e fracos.
Procuro, acima de tudo, fazer Anne entender, por esse beijo, que não
importa o que aconteça quando nosso acordo chegar ao fim, eu sempre vou
estar aqui para ela.

O Flueban é um restaurante localizado na região nobre de Mountain


City, ficando no topo da montanha. Como minha mãe está determinada a
impressionar Anne, ela reservou uma mesa que nos permite uma vista
panorâmica da cidade. É de tirar o fôlego e um dos motivos de eu gostar
tanto de almoçar aqui.
A única parte triste é que eu não costumo visitar Noreen com
frequência e o motivo disso acontecer é que, por causa de toda a merda
envolvendo o meu pai, eu evitei manter um contato mais íntimo com medo
de que ela descobrisse a verdade por trás.
Não quero que minha mãe se preocupe comigo da mesma forma que
faz com Aaron. Dá para perceber, de longe, o quanto isso mexe com ela e a
possibilidade de ter que lidar com dois filhos, não somente um, tendo uma
péssima relação com Ricky seria demais.
— Kirsten deve estar logo chegando — Noreen diz ao se sentar de
frente para mim e Anne. — Estou ansiosa para ela conhecer vocês dois.
— Eu já vi ela alguma vez, não? — pergunto, entregando o cardápio
para Anne e esticando meu braço sobre a sua cadeira. — Pelo o que me
lembro, ela esteve em algum dos eventos do seu trabalho.
— Sim, mas ela não teve a chance de conhecer você de verdade. —
O sorriso é tão animador que me vejo retribuindo, mesmo sem saber o
motivo. — E agora tem a Anne também. Vai ser divertido.
— Ela é advogada também, como você?
Minha mãe nega, o cabelo castanho balançando de um lado para o
outro. Ela se produziu pra cacete para este almoço. Está exibindo no
pescoço um colar de pérolas, um vestido cor de rosa com botões perolados
no busto e sapatos de salto fino que combinam com o tom dos seus olhos.
Não sei porque ela não se casou novamente. Noreen Newman
poderia conquistar todos os homens desse restaurante com um simples
sorriso e um piscar de olhos.
— Não, ela trabalha como assessora do prefeito aqui da cidade. Ele
estava se divorciando da esposa e eu cuidei de todo o processo na época.
Foi assim que acabamos nos conhecendo.
Anne assente e, pelos próximos curtos minutos, elas conversam
sobre o trabalho da minha mãe. É irônico pensar que foi através do seu
divórcio conturbado com Ricky que ela decidiu seguir na Vara de Família.
Hoje, o seu dia a dia é feito inteiramente de casamentos infelizes e casais
amargurados.
— Oh, ela chegou! — Noreen se levanta da cadeira e, pelo canto do
olho, vejo uma mulher se aproximar da nossa mesa. — Estou tão feliz que
tenha conseguido vir, Kirsten.
As duas se abraçam de forma bem íntima.
— O convite foi de última hora, mas eu não poderia perder essa
oportunidade. — Gira sobre os saltos, encarando a mim e a Anne. — E
você deve ser o Reed. — Abre um sorriso cordial. — Me lembro vagamente
de conhecer você em um dos eventos da sua mãe. Ainda jogando futebol
americano?
— Firme e forte no esporte.
Ela assovia em aprovação e move a atenção para a Anne. As duas se
apresentam, trocando também um abraço, e logo em seguida Kirsten se
acomoda na cadeira vaga restante, cruzando as mãos sobre a mesa.
Kirsten deve ter quase a mesma idade que a minha mãe. O cabelo é
castanho escuro, quase preto, e os olhos são angulados e estreitos, estando
maquiados de forma marcante. Ela deve ter ascendência coreana, se eu
estiver certo. Também está trajando um vestido que exibe a pele livre de
imperfeições e que exibe uma tatuagem no formato de libélula.
— Já fizeram os pedidos? — Kirsten pega o cardápio restante. —
Me disseram que o Capeletti in Brodo daqui vale a carteira inteira.
— Isso porque você não experimentou ainda o Fettuccine com
Molho Marzano. É uma obra de arte em formato de comida.
Kirsten dá risada e gosto dela imediatamente. Ela aparenta ser
aquele tipo de pessoa carismática que aproveita cada segundo da vida, não
deixando que arrependimentos futuros atrapalhem. 
— Serei obrigada a pedir esse, então. — As íris na cor avelã se
movem para a minha mãe. — E você, querida, vai pedir o quê?
As duas engatam em uma debate sobre qual prato escolher e eu
aponto para o cardápio nas mãos de Anne.
— Vai arriscar ou vai querer o Fettuccine com Molho Marzano?
Anne me dá aquele sorriso sapeca que eu adoro.
— Até parece que você não me conhece. Vou arriscar, mas quero a
sua opinião. O que você sugere?
Leio as diversas opções. Como o Flueban é um restaurante voltado
para a culinária italiana, a maioria dos pratos envolvem algo que Anne já
provou. A macarronada é clássica, mas como ela quer inovar, eu aponto
para o penúltimo item da sessão de pratos variados.
— Arancini de Bacalhau? — Há um traço de surpresa em sua voz.
— Experimentei no meu aniversário de 21 anos e tenho certeza que
você vai gostar. Se odiar, a gente pode pedir outra coisa. É por conta da
casa.
— Nem fodendo que vou deixar você pagar.  
— Ah, você vai sim. — Beijo a linha do seu maxilar. — Você pode
me agradecer no quarto depois. Garanto que as paredes da casa da minha
mãe são bem grossas.
Recebo um chute por debaixo da mesa e engulo uma gargalhada.
— Vou concordar que você pague pelo Arancini de Bacalhau apenas
se me deixar escolher o seu prato.
— Não tem Fettuccine ao Molho Odeio Reed Rollins no cardápio.
Lamento informar, Annie.
Anne me mostra a língua e retorna a atenção para o cardápio.
— Antepasto de Berinjela me soa perfeito. O que você acha?
Deixo escapar um suspiro de alívio. Com berinjela, eu consigo lidar.
— Eu acho que vai ser o gosto da minha segunda paixão.
A sobrancelha loira se ergue em um arco.
— A primeira é o Fettuccine com Molho Marzano?
Nego.
— O Fettuccine está bem longe de ser o primeiro, joaninha. —
Deslizo a mão por debaixo da mesa, tocando o seu joelho. Empurro o tecido
do vestido para cima, deixando que meu dedos subam alguns centímetros
pelo interior da coxa. — Tem algo muito melhor que isso.
— Ah, é? E você vai me contar ou vai ficar nesse mistério todo?
Desenho um círculo ao longo da pele dela, arrancando um gemido
baixo que faz o meu pau se animar dentro da calça. Aproximo a boca da sua
orelha e sussurro, ciente de que Noreen e Kirsten assistem a nossa interação
com um pingo de interrogação:
— Vou deixar você descobrir por conta própria.
 
“Porque eu sei que é delicado”
Delicate | Taylor Swift
 

 
Ao final do dia, depois de passar a tarde apresentando a cidade para
Anne e tirando foto nos principais pontos turísticos, nós retornamos para
casa.
Kirsten esteve ao nosso lado a maior parte do tempo e tenho que
concordar que ela é uma pessoa muito mais legal do que eu havia
imaginado. Fez brincadeiras, perguntou sobre a USVL e ainda nos contou
algumas histórias envolvendo a sua vida antes de se mudar para Mountain
City.
— Kirsten é divertida — digo distraidamente, ajudando a minha
mãe a colocar a louça no lava-louças. Anne foi para o quarto, nos dando um
tempo a sós. — Fico feliz que você tenha uma amiga como ela.
A última frase faz minha mãe apertar os dedos ao redor da taça. O
seu semblante é confuso e não sei o que ele quer dizer. Uma combinação
estranha entre medo e insegurança, talvez.
— É sobre isso que quero conversar com você — declara, a voz
tremulando.
Fico preocupado na mesma hora.
— O que está acontecendo?
Noreen respira fundo e coloca a taça dentro do lava-louças, para
logo depois, indicar uma das cadeiras que ficam em frente à janela. A mesa
é minúscula e minhas pernas mal cabem embaixo dela. Estou com os nervos
explodindo. A possibilidade dela estar doente...
— Eu estou bem, Reed. — Pousa a mão sobre o meu ombro e puxa
a cadeira vaga, se sentando de frente para mim. As íris estão doces demais
para quem está envolvida em um problemão, o que já é um ponto positivo.
— Mas há algo que você precisa saber. Eu queria ter lhe contado há um
bom tempo, mas por telefone não me parecia uma boa ideia e esse foi um
dos motivos pelos quais te convidei para passar o feriado comigo.
— Mãe...
Noreen estende o braço sobre a mesa e aperta os meus dedos em um
gesto reconfortante.
— Kirsten é muito mais que uma amiga para mim.
Fico momentaneamente confuso.
Para mim, ao longo do dia de hoje, elas pareciam próximas, como se
soubessem os segredos uma da outra e se compreendessem através de um
mínimo olhar. Teria sido tudo um fingimento, como eu e Anne?
Ao notar as minhas feições, Noreen abre um pequeno sorriso, quase
impartível.
— Kirsten é a minha namorada, Reed.
Silêncio.
Um longo e gigantesco silêncio se estende entre nós.
Posso até ouvir o tum tum tum do meu coração ecoar nos ouvidos.
— Eu sei que é algo inesperado para você, mas não queria mais
guardar segredo sobre uma pessoa que é tão importante na minha vida —
discorre, mantendo o olhar baixo. — Eu levei bons anos para compreender
os meus próprios sentimentos e o que eles representavam para mim. Foi um
longo processo para entender que, sim, há uma definição: bissexualidade.
Eu me casei com o seu pai porque fui apaixonada por ele, mas também sou
apaixonada pela Kirsten. 
Permaneço quieto, deixando que ela prossiga. Dá para notar que é
um assunto sensível e que necessita de toda a coragem do mundo para ser
dito em voz alta. 
— Sou uma mulher bissexual com quase 50 anos e que demorou
décadas para conseguir poder afirmar isso sem medo do que os outros irão
pensar.
Minha mãe abre um sorriso que faz meus olhos lacrimejarem.
— Desde quando vocês estão juntas?
Os lábios se curvam ainda mais para cima, fazendo as covinhas
surgirem nas bochechas.
— Desde que fiz aquela viagem logo depois do Quatro de Julho.
Começamos a sair algumas vezes, nada sério. Até que, numa caminhada
pelo parque, eu percebi que estava apaixonada por ela. E acho que ela
percebeu a mesma coisa, porque dava para notar através dos olhos dela que
havia algo gigante crescendo entre nós duas — conta, animada. Não vejo
minha mãe dessa forma há anos. — Você ter gostado dela já me deixa feliz.
E eu sei que é ainda tudo muito recente, mas seria incrível se nós
pudéssemos passar mais tempos juntos. Eu, você, Anne e Kirsten. Tenho
certeza que ela vai adorar falar de filmes com você.
Rodeio os dedos magros junto dos meus e dou uma apertadinha,
obrigando-a a olhar para mim. Quando Noreen levanta o rosto, me
observando através de uma expressão cheia de esperança, eu posso jurar
que meu coração aumenta de tamanho. Vê-la assim, com um sorriso de
orelha a orelha, é o maior presente que eu poderia pedir.
— Você não vai dizer nada, Reed? — Franze a pontinha do nariz e
solta o ar em uma lufada longa. — Talvez eu tenha me precipitado e ...
— Mãe — interrompo-a e os olhos encontram os meus, receosos.
Tento tranquilizá-la, massageando o dorso de sua mão. — Eu quero saber
apenas de uma coisa.
— O quê?
— Você está feliz?
Uma única lágrima escorre por sua bochecha.
— Nunca estive tão feliz na minha vida quanto agora, Reed.
Limpo a lágrima com o polegar e acaricio a pontinha do seu nariz,
bem do jeitinho que ela fazia comigo quando criança.
— Isso é o mais importante para mim. — Encosto a testa na sua. —
Ver você feliz acima de qualquer outra coisa.
Noreen funga baixinho.
— Você não está chateado?
Nego.
— Jamais, mãe. — Me levanto da cadeira e indico com o queixo
para que ela faça o mesmo. — Mas você tem que me prometer uma coisa.
Ela encaixa as palmas ao redor do meu rosto, fazendo uma pequena
pressão e deixando os meus lábios no formato de um bico de pato
horroroso.
— Não me venha com gracinhas para cima de mim.
Dou uma risada debochada.
— Nada disso por hoje — garanto. — A promessa é simples: não
deixe Kirsten falar mal dos meus filmes favoritos e, o mais importante,
garanta que ela não vá quebrar o seu coração.
Minha mãe revira os olhos.
— E se eu quebrar o coração dela?
— Aí a gente vai ter que bater um papo bem sério sobre isso.
Noreen belisca uma das minhas bochechas.
— Não precisa se preocupar. O meu coração e o da Kirsten estão a
salvo. — A palma dela desliza, parando na altura do meu peito. — Eu quero
saber sobre o seu coração. Como ele está?
— Batendo, para a minha sorte.
— Não foi isso que eu perguntei. — Dá um passo para trás e retorna
para a lavadora de louças. Ainda há resquícios do jantar espalhados pela
cozinha. — Quero saber sobre Anne e o relacionamento de vocês.
Apoio o quadril na bancada em um gesto descontraído.
— É complicado. Não sei se tem ao certo uma definição.
— Vocês, jovens, são difíceis de entender. — Se abaixa e fecha a
lavadora, ligando-a. O barulho da água esguichada preenche a casa
silenciosa. — Você gosta dela?
Gostar é eufemismo, mãe.
— Mais do que eu gostaria.
Noreen abre um sorriso e procura uma garrafa de vinho na pequena
adega ao lado da geladeira. Pega duas taças e me entrega uma.
— E o que ela sente?
Mordisco a ponta da língua, não sabendo ao certo o que dizer. Anne
e eu nunca tivemos essa conversa e eu também não fiz questão de tocar no
assunto porque sei que, quando acontecer, ela vai se trancar dentro de si
própria e dar uma resposta evasiva que não vai nos levar a lugar nenhum.
— Espero que ela sinta o mesmo que eu.
— Você não sabe?
Sacudo os ombros, sentindo os músculos ficarem tensos.
— Bom, eu suspeito que ela sinta o mesmo que você — diz. —
Mesmo que a relação de vocês seja diferente do que estou acostumada, ela
não teria viajado até aqui se não houvesse algum sentimento envolvido. E
eu vi o jeito que ela olha para você...
— De que jeito?
A taça está tremendo em minhas mãos. Ter essa conversa não era
bem o que eu tinha planejado para o fim desta noite.
— Do mesmo jeito que eu olho para a Kirsten. — Inclina a cabeça
para o lado, me olhando com sabedoria. — Como se estivesse determinada
a dar o mundo para essa pessoa. É assim que ela te olha, Reed.

Ao retornar para o quarto, encontro Anne deitada na cama com um


livro na mão. Fecho a porta e me recosto na madeira, cruzando os braços.
Os cabelos dela estão um pouco molhados na raiz e o pijama, composto por
uma camiseta da USVL e uma calça de moletom estampada, a deixam
incrivelmente fofa.
— Como foi a conversa com a sua mãe?
— Longa, mas boa. — Tiro a jaqueta jeans e a penduro no encosto
da cadeira. O quarto está inundado com o perfume de Anne. — Foi
esclarecedor de diferentes maneiras.
Anne fecha o livro, deixando-a sobre a cabeceira. Se conheço bem a
capa, é Adagas & Segredos da Clio McGoy.
— O que ela disse sobre seu pai?
Respiro fundo e me sento na beirada da cama, tirando os sapatos.
— Não falei sobre ele.
— Como assim?
— Não acredito que seja a hora certa em falarmos sobre esse
assunto. Fiquei um bom tempo pensando em como tocar no assunto, mas
desisti. — Empurro os sapatos para debaixo da cama e encaro as minhas
mãos. — Por que, o que ela vai fazer? Ligar para ele e discutir? Não é essa
solução. Eu quero resolver essa situação por conta própria e, somente
depois disso, contar para ela. Estou cansado de viver na sombra de alguém e
não enfrentar os meus problemas por conta própria.
Os lábios de Anne ficam rígidos e as narinas dilatam um pouquinho.
Pelo silêncio, acredito que ela esteja absorvendo o que acabei de dizer.
Nunca fui tão sincero na minha vida quanto agora.
É bom perceber, mesmo que tarde demais, que sou independente.
Que não preciso ter sempre a mão de alguém me amparando e impedindo
que eu tropece na primeira pedra que surgir ao longo do caminho.
— Você, melhor do que ninguém, sabe qual é a melhor decisão a ser
tomada — fala e cruza as pernas em posição de yoga. — Mas se não vai
conversar com a sua mãe... Qual é o próximo passo?
— Conversar com o meu pai. — Trago um dos travesseiros para
mais perto e me deito ao lado dela, esticando as pernas. — Quanto antes eu
resolver isso, melhor. Esse silêncio dele está me matando.
Anne assente.
Eu estendo o braço e toco os seus joelhos. Ela ergue as vistas e
trocamos um olhar que, se tivesse som, estaria acima de vários decibéis.
Tento decifrar algo por trás da face serena. Procuro pela maldita intensidade
que minha mãe mencionou e que, segundo ela, é visível para qualquer um.
Entretanto, não encontro absolutamente nada.
— Obrigado por ter vindo até aqui comigo. Esse lance de conhecer
os pais é uma merda, mas...
Anne pousa o indicador sobre a minha boca, me calando. Inclina o
corpo para frente e se aconchega ao meu lado, se encolhendo feito um
tatuzinho. Beijo o topo da cabeça dela e fecho os olhos, apreciando a
sensação de tê-la em meus braços.
— Sua mãe é incrível. Eu precisava desse tempo longe de Maple
Hills. — A voz soa distante, meio tensa até. — E amanhã vai ser ainda
melhor. Eu estou doida para me afogar em um pernil.
Evito gargalhar alto demais.
— Essa frase não soou muito bem.
Ela cutuca as minhas costelas e eu me contorço, quase caindo para
fora da cama.
— Você é tão chato. É difícil acreditar que exista algum tipo de
inteligência dentro dessa sua cabeçona irritante.
— Voltamos com as ofensas e não fiquei sabendo?
— As ofensas nunca acabaram, Rollins. — Ergue o queixo, me
fitando de baixo. Eu olho para a sua boca. A boca que eu poderia passar um
milhão de anos beijando e, ainda assim, não perderia a graça. — Você que
baixou a guarda.
Não me contenho e abro a porra de um sorriso. Toco a ponta do
nariz arrebitado e depois entremeio os dedos ao redor dos cabelos úmidos.
Inspiro o perfume e aproximo minha boca da sua, resvalando os lábios
propositalmente, para então soprar as seguintes palavras:
— E foi a melhor coisa que eu poderia ter feito, joaninha.
A resposta dela é, simplesmente, me dar o melhor beijo do mundo.
 
“O destino está te levando pra muito longe e pra fora do meu alcance”
Rewrite The Stars | James Arthur & Anne-Marie
 

 
Dois dias após o Dia de Ação de Graças, estou na cozinha
preparando o café da manhã. Keeran está sentado em uma das banquetas,
com o celular em mãos. O prato de panquecas integrais está intacto à sua
frente.
— Ficou ruim?
Ele levanta o olhar do celular com um vinco entre as sobrancelhas.
— O quê?
— As panquecas. — Indico a montanha redondinha. — Ficaram
ruins?
— Se eu disser que sim, você vai preparar outras para mim?
Mostro a ele o dedo do meio e encho a minha xícara de café.
— É claro que não. Cala a boca e come de uma vez, Flanagan.
Keeran dá risada e guarda o celular no bolso. Corta um pedaço e
espeta uma das panquecas, experimentando. O ruído fingido de um vômito
me dá vontade de chutá-lo para fora da banqueta. Os amigos de Reed são
tão irritantes quanto ele.
— E como foi a viagem até Mountain City? A mãe do Reed é uma
gata.
Se eu estivesse com o café dentro da boca, certamente teria cuspido.
— Você sempre tem que dar em cima de todo mundo?
As sobrancelhas dele dançam em resposta.
Diferente dos outros dias, hoje ele está vestido igual a um bad boy:
jaqueta de couro, camiseta preta, calças rasgadas no joelho e um par de
coturnos. Flanagan não passa a energia de um jogador de futebol
americano, nem de longe. Diferente de Reed, que exala por todos os poros
possíveis.
— Apenas de quem vale a pena. — Sorri. — Eu, por exemplo, não
daria em cima da sua mãe.
Franzo o cenho.
— Você nem a conhece, Keeran.
— Não é preciso. Eu já conheço você, gatinha.
Arremesso o pano de prato na sua cabeça e Keeran explode em uma
gargalhada, pegando-o no ar com um único movimento. Estou prestes a
proferir uma sequência feia de xingamentos quando o meu celular começa a
vibrar em cima do balcão.
Olho de relance para o identificador de chamadas e um frio
arrebatador me congela da cabeça aos pés.
Puta merda.
— Você não vai atender?
Ergo o rosto ao som da voz de Keeran.
A descontração já foi deixada para trás.
Concordo com um aceno, nervosa, e aceito a chamada, levando o
celular ao ouvido. Fico em silêncio por um milésimo de segundo. As
batidas do meu coração estão tão altas quanto uma caixa de som em uma
festa.
— Alô?
A voz quase esquecida de Charles pinica no fundo da minha cabeça.
Ele fala por um longo tempo.
E fala mais um pouco.
Charles fala tanto que até me esqueço da presença de Keeran na
cozinha.
Depois de eu murmurar várias respostas monossilábicas que devem
ter soado tão perdidas quanto eu estou neste momento, Charles desliga em
uma despedida ensaiada.
Abaixo o celular, as mãos tremendo e, quando olho novamente para
Keeran, não sei o que dizer.
A única coisa que meu cérebro consegue processar é que consegui a
vaga de estágio no PK Journal.

Saí de casa antes mesmo que Mason tivesse a oportunidade de


experimentar as panquecas que preparei. Também dei uma desculpa
qualquer para Keeran e me desviei de qualquer pergunta que ele pudesse
fazer a respeito da ligação.
E, ao chegar na USVL, evitei a presença de Reed durante o almoço.
A minha sorte é que não tínhamos nenhuma aula em comum, o que facilitou
para que eu pudesse pegar um ônibus até Sunbay e contar para Adele sobre
a novidade sem precisar lidar com o peso de uma mentira.
Agora, horas mais tarde após a ligação que se repetiu durante a
minha cabeça o dia inteiro, eu estou bebendo um milkshake de caramelo e
comendo um pedaço da minha torta favorita do Brooklyn Blues.
Becky está radiante com a notícia, rodopiando sobre os patins
dizendo que tinha razão que eu conseguiria o emprego, enquanto Adele
exibe um dos sorrisos mais orgulhosos que já vi.
— Considere hoje a nossa despedida para você — Adele diz,
animada. — E não precisa mais se preocupar em vir trabalhar. Vamos
encontrar outra garota para o seu cargo.
Levo a mão ao coração.
— Você já está me demitindo, Adele?
As bochechas magras dela assumem um tímido tom rosa, que se
mescla com o blush marcado que ela adora usar.
— Estou garantindo que você possa se organizar com calma para
esse começo repleto de boas oportunidades. Aproveite North Groove por
nós. Morar no coração de San Valley é o sonho de qualquer morador do
Condado. Faça valer a pena.
— Prometo que vou conhecer todas as lanchonetes temáticas da
cidade e passar as receitas secretas deles para você.
— Eu ficaria honrada, minha querida. — A expressão brincalhona
faz Becky rir ao nosso lado. — Estou disposta a usar de todas as armas que
tenho para derrubar o império do Jackson.
Becky revira os olhos.
— Para de mentir para si mesma, vovó. Todo aqui sabe que você
daria de tudo para se deitar em cima do império do Jackson Cooney.
Adele dá um tapa de brincadeira no braço da neta.
— Olhe como você fala comigo, Becky!
Minha parceira de trabalho direciona um olhar de desdém para a avó
e cruza os braços sobre os seios.
— E eu estou mentindo, por acaso? Eu vi vocês dois de papinho
esses dias! E parecia ser uma conversa bem íntima para duas pessoas que
são concorrentes.
— Você anda me espionando?
Becky empina o queixo para cima do mesmo jeito que eu aprendi a
fazer quando ainda era criança.
— E você anda fazendo coisas escondidas, vovó?
Adele semicerra as pálpebras e levanta as mãos em rendição, dando
um passo para trás. Diferente da gente, que ainda está com os patins nos
pés, ela não abre mão das sandálias de salto quadrado e é uma fiel defensora
do vestido azul de bolinhas.
— Eu desisto dessa conversa com vocês. Vou buscar mais um
pedaço de torta. Quer alguma outra coisa, Anne?
— Apenas a torta está ótima para mim. — Antes que ela possa ir
para a cozinha, assovio. Adele me direciona um olhar atento sobre o ombro.
— Só tenho uma pergunta: se a gente entrar aí, não vamos encontrar o
Jackson escondido embaixo da mesa, certo?
Becky explode em uma gargalhada, ao mesmo tempo em que Adele
resmunga algo que não conseguimos entender e desaparece por entre as
portas vai e vem, nos deixando sozinhas.
— Você é terrível, Anne. Se não fosse pelo estágio, ela teria te
demitido depois dessa — comenta risonha e se acomoda ao meu lado. Um
pedaço da minha torta é espetado. — E aí? Está animada para se mudar para
North Groove?
A resposta que Becky espera é bem diferente da que está coçando o
céu da minha boca. Ao mesmo tempo em que estou radiante com a notícia,
e me sentindo a pessoa mais foda do mundo por conseguir o emprego que
sempre quis... Me sinto pressionada a contar a verdade para Reed, além de
precisar colocar um fim em nosso acordo.
Não quero que essa relação esquisita entre a gente alcance
patamares maiores. E não vou permitir, de forma nenhuma, que meus
sonhos fiquem para trás por causa de qualquer sentimento envolvendo Reed
Rollins.
— Animada e com medo. — Opto pela versão resumida da verdade.
— Estou acostumada com a calmaria de Sunbay e Maple Hills.
— Se você quiser, eu posso ir junto com você — Becky cantarola.
— Posso segurar a sua mão enquanto desbravamos North Groove juntas.
Deito a cabeça no ombro dela e solto um longo sopro de ar.
— É sua obrigação me visitar lá, Becky. Nós podemos beber cerveja
barata, passear no parque e, quem sabe, descobrir alguma forma de você
estar lá comigo. Não me esqueci do seu sonho de dominar os palcos.
— Não sei se estou pronta para me jogar nesse sonho.
Levanto a cabeça, procurando por seu rosto. Assim como eu, Becky
está com os cabelos presos em um penteado que imita um rabo de cavalo
volumoso e uma maquiagem que deixa as bochechas mais delineadas.
— Eu também não estou pronta, Becky. Mas as melhores coisas da
vida acontecem exatamente desse jeitinho: quando a gente não está
preparada e muito menos esperando — aconselho-a. — Então, se arrisque.
Se arrisque e faça o que o seu coração está dizendo, mesmo que não passe
de um sussurro.
Becky assente e aconchega o corpo ao redor do meu em um abraço
caloroso. A sorte é que estamos sentadas, porque eu cairia com esses patins
pesados do jeito mais feio possível. Nem acredito que vou poder me livrar
deles.
Um pigarro alto faz nós duas nos afastamos. Adele está de volta à
lanchonete, com uma fatia imensa de torta em um prato e na outra uma
fornada de cookies com gotas de chocolate.
— As despedidas já começaram?
Becky enxuga as lágrimas que eu nem havia percebido terem sido
derramadas.
— Ainda não. Estamos esperando o Jackson chegar.
Desta vez, Adele não pensa duas vezes em dar um tapa de
brincadeira em nossas cabeças.

Depois do fim do meu último expediente no Brooklyn Blues, estou


escondida dentro do meu quarto, com as luzes apagadas e usando um
pijama quentinho. A casa se encontra silenciosa, exceto pelo som da
televisão no andar de baixo. Acho que Keeran e Mason estão jogando uma
partida no Xbox.
Quanto a Reed, não o vejo há boas horas. Quando cheguei, meio
desconfiada, Mason disse que ele tinha saído, mas não me informou para
onde. Depois, na hora que fui pegar o jantar na geladeira — o que tinha
restado do café da manhã —, ele estava no banho.
Não sei se isso é um golpe de sorte ou a vida facilitando para que a
gente não tenha a pior conversa de todas. Porque, bem lá no fundo da minha
consciência, eu estou ciente de qual decisão tomar, mas, ao mesmo tempo,
gostaria de ouvir uma segunda opinião.
Alguém que já tenha passado pelo mesmo que eu.
Suspiro de um jeito bem dramático e pauso o episódio de Gilmore
Girls que eu estava vendo. Procuro o celular entre as cobertas e disco o
número de Sagan. O fuso-horário não facilita, mas torço internamente para
que ele não esteja ocupado ou dormindo, no pior dos casos.
Para a minha sorte, ele atende no quinto toque. Dessa vez, nada de
chamadas de vídeo.
— An-An? — A surpresa é evidente no tom de voz.
— Ei! Sei que faz tempo que a gente não conversa e ...
Sagan ri do outro lado da linha.
— Tempo é eufemismo. Da última vez, você desligou na minha cara
e me mandou uma mensagem no dia seguinte dizendo que conversaria
quando as coisas se acalmassem.
Argh. Sou horrível.
— Ainda estão meio bagunçadas, na verdade. Me desculpa. É que
eu ando ocupada pra cacete.
— Não precisa pedir desculpas. Se a sua vida está um caos, prefiro
nem falar sobre a minha aqui em Dublin — lamenta e posso imaginar com
facilidade a expressão de cansaço dele. — Como você está?
Uso os próximos minutos para falar sobre o desfile de Claire, a
aprovação do estágio no PK Journal e da USVL. Começar já falando de
Reed não me soa como uma ótima ideia, mas Sagan gosta justamente da
fofoca, porque me interrompe, perguntando:
— E esse lance de você estar namorando o Reed?
Sinto vontade de afundar a cabeça contra o travesseiro e gritar para
Maple Hills inteira ouvir.
— É uma longa história. Ele fingiu ser o meu namorado em uma
festa da fraternidade no começo do semestre por causa de um cara que
estava me perturbando, então surgiu um boato no campus que estávamos
namorando. No meio disso, fui despejada do apartamento que eu dividia
com a Sidney e a Angel, uma garota que Reed se envolveu durante o verão,
pediu a sua ajuda. Acabou que uma coisa levou a outra e concordamos em
manter um relacionamento de fachada por um tempo.
— E agora?
Franzo o cenho.
— E agora o quê?
— Como vocês estão agora? Porque acredito que algo tenha
acontecido desde que ele apareceu na câmera do seu celular me chamando
de coroa e essa ligação inesperada que você está me fazendo.
— Posso te fazer uma pergunta? — Desvio do assunto, torcendo
para que a minha hesitação não esteja tão evidente. Posso sentir meus dedos
tremendo enquanto seguram o celular contra a orelha.
— Sim.
Sagan fala de uma forma tão tranquila que quase me desfaço. Não
acho que um coração possa diminuir de tamanho, mas a sensação que tenho
é que o meu está se encolhendo, murchando e perdendo a vida.
Engulo o nó invisível que pressiona a minha traqueia e faço a
pergunta que pode mudar tudo ou encerrar de uma vez as minhas
inseguranças:
— Você se arrepende de ter escolhido se mudar para Dublin em vez
de ficar aqui com a Clio?
Pode parecer loucura, mas Sagan tomou o tipo de decisão que eu
também tomaria. Por minha carreira, eu não pensaria duas vezes em deixar
tudo para trás.
O amor nos prende da pior forma possível e eu não quero isso para
mim.
— Não havia escolha para mim, Anne. Eu tive que vir porque nunca
houve outra alternativa além dessa.
A frase me atinge feito uma bala de canhão. Meus pensamentos se
tornam um emaranhado de fios confusos e bagunçados.
— O que...
— Guarde o que eu vou te dizer — pede, em um tom de súplica que
nunca vi ele usar antes. — Quando você encontrar a pessoa certa, você não
vai precisar escolher entre ela e a sua carreira. E sabe por quê? Porque ela
vai apoiar os seus objetivos e sonhar ao seu lado. Esse é o amor de verdade
que todos nós merecemos.
Encaro o teto escuro. Estou confusa pra cacete.
— Não sei o que você quer dizer com isso.
Sagan ri baixo e quase posso imaginá-lo aqui, diante de mim, com
as mãos escondidas dentro do bolso da calça jeans e com um sorriso que
marca as linhas de expressão de sua face.
— Acho que você sabe bem o que eu quero dizer.
Bufo, irritada.
— Odeio quando fala em enigmas comigo.
Ele debocha fazendo uma piada de mau gosto e, minutos depois,
quando está prestes a desligar, eu faço a última pergunta que tem batucado
na minha cabeça desde que começamos a falar sobre Reed e o nosso
namoro falso.
— E se eu estiver cometendo um erro?
Não sei se Sagan entende o que existe por trás da minha frase. Nem
eu mesma sei ao certo. Apesar disso, ele responde: 
— Não está. Eu confio em você e sei que vai tomar a decisão certa.
 
“Você desenhou estrelas ao redor das minhas cicatrizes,
mas agora estou sangrando”
Cardigan | Taylor Swift
 

 
— Essa camiseta ficou horrível em você, Bradley.
— Nada fica feio em mim, cara. — Bradley passa a mão pelo cabelo
bagunçado. — Mas se você quiser, posso tirá-la. Eu fico ainda mais gostoso
mostrando o meu tanquinho.
Keeran faz uma ânsia de vômito.
— Eu dispenso. Ver a sua bunda todos os dias no vestiário já é o
suficiente para mim.
— Sempre tão romântico, Flanagan. É assim que você conquista as
suas garotas?
Dave ri ao meu lado ao ouvir a conversa entre Keeran e Bradley.
Eles estão a poucos metros de distância da gente, parados em frente a um
balanço que Cooper mandou instalar na área de lazer da fraternidade.
Não faço ideia do que eles vão fazer com esse balanço.
— Por quê? Está precisando de algumas aulas? — Keeran rebate. —
Ou o lance de encontrar a sua princesa dos contos de fada está indo de mal
a pior?
Bradley xinga Keeran de um palavrão bem feio e se senta no
balanço, fazendo um bico. Parece uma criancinha de cinco anos esquecida
no parque porque os pais estavam ocupados demais discutindo sobre o
casamento fracassado.
Desvio o olhar e foco em Dave.
Ele está descontraído, exibindo um sorriso babaca que reflete os
dentes brancos e alinhados. Com os dreads torcidos em um coque para trás,
o sol ilumina totalmente a sua pele negra-retinta e a pequena cicatriz
próxima da orelha causada em um jogo na temporada passada.
— Você vai me contar o motivo desse seu sorriso feio aí ou eu vou
ter que perguntar?
Meu amigo dá uma curta risada, daquele jeito tímido dele, e bebe
um gole do suco verde esquisito que Mason fez para o time. Não vou
arriscar, porque não quero ficar com dor de barriga.
— Não querendo me gabar, mas conquistei o pai da Claire.
— Quer dizer então que aquela aliança bonita vai parar no dedo do
velhote?
Dave acaba cuspindo um pouco do suco verde. Aposto que está com
gosto de verdura esquecida na última gaveta da geladeira.
— Vai parar dentro da sua bunda, pode apostar.
Sufoco uma risada e me estico na espreguiçadeira. A fraternidade
tem uma área de lazer de dar inveja. Piscina aquecida, quiosque com
churrasqueira, espreguiçadeiras espalhadas no grande deque de madeira e
uma casa na árvore. Agora tem também a porra do balanço.
— Minha bunda vai aceitar de bom agrado um pedido de casamento
assim tão exótico.
Dave suspira tão alto que não sei como o pulmão dele não salta para
fora. Bebe mais um gole do suco verde, contendo uma careta. A aparência
do negócio dentro do copo me faz questionar o que Mason colocou ali
dentro.
— E como foi o Dia de Ação de Graças com a sua mãe? Soube que
Anne foi com você.
Ao mencionar o nome de Anne, uma pedra pesando uma tonelada se
aloja bem no meio do meu peito. Ela está me evitando há exatos três dias e
eu não sei o porquê.
Vários motivos me passaram pela cabeça, mas nenhum soou
convincente o bastante, não depois de termos comemorado o feriado
assando o pernil na cozinha da minha mãe e dando risada sobre as histórias
de vida dela. Kirsten também estava lá, rindo das confusões que Noreen se
metia quando adolescente.
— Foi divertido. Foi a primeira vez de Anne em Mountain City,
então deu para a gente sair em alguns lugares legais. — Não menciono
sobre a conversa que tive com minha mãe. — A gente foi naquele meu
restaurante favorito também.
— Pediram o Fettuccine?
— Não dessa vez. Experimentei o Antepasto de Berinjela.
A careta que cresce no rosto do meu amigo é impagável.
— Não sei o que é pior. Saber que você comeu algo envolvendo
berinjela ou esse suco verde horroroso.
— Aposto que esse suco. Vai saber o que Mason colocou aí dentro.
Ele não é muito confiável quando o assunto envolve dotes culinários.
Dave empurra o copo para longe e limpa o canto da boca com o
dorso da mão.
— Você poderia ter me dito isso antes de eu tomar esse negócio
verde, Reed.
— Eu não ter aceitado já deveria ser um sinal de alerta para você.
Morris se encolhe na espreguiçadeira e tira o celular do bolso ao
ouvi-lo vibrar. Pelo canto do olho, noto que é Claire. O contato dela está
salvo com incontáveis corações vermelhos. Os dedos teclam com rapidez
uma resposta e então a tela do celular é virada para mim.
Claire tirou uma selfie dela com Anne e uma pilha de roupas no
fundo. Pelo tom das paredes e o pôster gigante no fundo de As Patricinhas
de Beverly Hills, as duas estão no quarto da irmandade que a namorada de
Dave faz parte.
Mesmo me esforçando, não consigo desviar o olhar do rosto
sorridente de Anne. Ela está radiante, mesmo com os cabelos bagunçados e
a pele livre de maquiagem.
— Elas estão acertando a última prova das roupas antes do desfile
— Dave explica, bloqueando o celular e o guardando novamente dentro do
bolso. — A maioria das modelos são da irmandade, mas há também outras
garotas que se voluntariaram.
— Como a Claire está?
— Cansada, estressada e ocupada. Quase não temos passado muito
tempo juntos. A viagem foi uma exceção, já que fiz ela prometer que não
falaria desse desfile durante o feriado, mas agora ela está a todo vapor
trabalhando para que tudo fique perfeito.
A informação despejada por Dave me faz pensar. Assim como
Claire, Anne também tem estado bem ausente e, pelo o que ela me contou,
as duas têm trabalhado juntas em vários detalhes do desfile. Deve ser por
isso que não conversamos direito nos últimos dias.
Ela está imensamente ocupada e, quando chega em casa, a exaustão
é tão grande que só quer saber de um banho e uma cama quentinha.
Eu sei bem como é se sentir assim.
Os próximos treinos do time, se vencermos o próximo jogo, serão
exatamente dessa maneira. Não terei tempo para quase nada e, nas poucas
horas que estiverem livres, vou usar para estudar e dormir até babar no
travesseiro.
Sendo assim, não há motivo para eu me preocupar.
Certo? Certo.
— Claire vai arrasar. Aposto que vai deixar todo mundo de queixo
caído..
— Espero que sim. Ela está dando um duro danado. O mínimo é que
as pessoas reconheçam o talento dela.
— Elas irão, Morris. Pode ter certeza.
Meu amigo assente. Não temos a chance de dar continuidade no
assunto, porque Keeran e Bradley se acomodam nas duas espreguiçadeiras
ao nosso lado com dois copos de suco verde. Aparentemente, ninguém tem
amor à vida por aqui.
— Preparados para o último jogo?
É Bradley quem pergunta. Os cabelos estão presos em um tipo de
coque samurai e, infelizmente, tenho que concordar com Keeran. A
camiseta de uma ação social envolvendo a adoção de cachorros não
combinou com ele.
— Mais preparado, impossível. O treinador pegou pesado nos
treinos nessas últimas semanas. — Keeran estala os dedos tatuados. —
Achei que minhas pernas não fossem aguentar.
Dave concorda com um murmúrio. Turner está determinado que
consigamos a vitória contra os UCL Ducks. Na temporada passada, foi por
uma diferença mínima de pontos que eles não chegaram aos playoffs.
Aposto que este ano, estão determinados a vencer.
— E o draft? Já decidiram se vão se inscrever?
A pergunta de Bradley age como um balde de água fria.
Antes da discussão com o meu pai, os planos estavam estabelecidos:
desistir do curso de Jornalismo, ser draftado por um time importante e
seguir carreira no esporte. Agora que as coisas mudaram entre nós, não sei
o que pensar do futuro.
Pela primeira vez, depois de vários anos, tenho autonomia para
tomar uma decisão por conta própria, sem sofrer influência de ninguém.
Se eu quiser, posso me inscrever, como sei que Dave irá. Ou posso
esperar até o último ano do curso, como boa parte do time, incluindo
Keeran, irão fazer.
Mas, antes de qualquer coisa, quero ter uma última conversa com
meu pai. A gente deve isso um para o outro e preciso que ele saiba, de uma
vez por todas, que não irei mais acatar aos pedidos dele. Se vou me dedicar
ao futebol americano profissionalmente, quero fazer isso por mim mesmo.
— Com certeza — Dave responde, orgulhoso. — E vocês?
— Quero terminar o curso antes, mesmo que eu tenha certeza que a
minha vaga em um time grande está garantida. — Bradley abre um
daqueles sorrisos que deve fazer as bochechas doerem. — Vou deixar o
Dave brilhar dessa vez.
Eles trocam uma sequência engraçada de xingamentos, até que
Keeran se vira para mim.
— E você, Rollins? — Aponta para o meu peitoral. — Vai estrelar
nos gramados ano que vem?
Sim.
Não.
Ao mesmo tempo em que quero muito me inscrever no draft e
passar por esse processo ao lado de Dave, também não me sinto preparado.
A voz de Ricky ressoa em um sussurro na minha cabeça, me lembrando
que, sem o apoio dele, não vou conquistar merda nenhuma.
Sei que é mentira.
Mas a mera possibilidade disso acontecer me assusta pra cacete.
— Não pensei a respeito do assunto ainda — murmuro, ignorando o
formigamento no fundo da minha garganta. — Tenho umas coisas mais
importantes para resolver antes disso.
Dave me direciona um olhar preocupado, porque sabe dos meus
antigos planos envolvendo o draft. Para eu mudar de ideia assim, é porque
algo aconteceu.
Dou a ele uma discreta piscadela, indicando que esse é o assunto
que vamos conversar mais tarde. Ouvir a opinião do meu melhor amigo,
certamente, vai me ajudar.

Após uma conversa repleta de conselhos e questionamentos por


parte de Dave, estou estacionando o Jeep na vaga de sempre. A moto de
Keeran não está na garagem e, quando entro no vestíbulo, também não há
nenhum sinal da presença de Mason.
A casa se encontra silenciosa, exceto pelo som de passos no andar
superior. O que significa apenas uma coisa: Anne já voltou da irmandade.
Um incômodo frio se apodera do meu estômago a cada passo que
dou em direção às escadas. Cada degrau é uma batida pulsante do meu
coração. Nunca me senti dessa forma antes, nem mesmo antes de um jogo
importante.
Respiro fundo e fecho a mão em punho, dando duas batidas na
porta. Como não obtenho nenhuma resposta, empurro o trinco para baixo e
entro dentro do quarto iluminado.
Segundos atrás, eu não fazia ideia do porque meu coração estava
batendo de um jeito tão esquisito.
Agora eu sei.
Acho que ele já estava me preparando para a cena que viria a seguir.
O quarto de Anne está uma bagunça. A porra de uma bagunça com
caixas espalhadas para todos os lados, uma mala de viagem aberta em cima
da cama e roupas empilhadas em cima da escrivaninha. Os itens de
decoração desapareceram e a única coisa que resta é um rastro de poeira
sobre os móveis que comprei meses atrás.
Mesmo que eu saiba com exatidão o que está acontecendo, a
pergunta me escapa entre um grunhido angustiado:
— O que é isso?
O som da minha voz faz Anne se sobressaltar. Ela gira sobre os pés
e me encara com uma expressão fria pra cacete. Não há nenhum tipo de
calor nas íris esverdeadas. Estão congeladas feito um lago durante o inverno
rigoroso de Minnesota.
A caixa, com algo escrito no centro, treme nas mãos pequenas. Os
lábios são pressionados em uma dura linha reta e o silêncio cresce entre
nós. É como se as muralhas que Anne extinguiu nas últimas semanas
estivessem de volta.
Mais fortes.
Mais resistentes.
Mais impenetráveis.
Há um muro gigantesco entre nós dois e não há absolutamente
nenhuma chance de eu conseguir atravessá-lo.
— Você está indo embora? — consigo murmurar, mal reconhecendo
a minha voz.
Anne coloca a caixa em cima da poltrona e cruza os braços sobre o
peito, assumindo uma posição protetora. O ar descontraído que vi na foto
com Claire, tirada horas atrás, deixou de existir. Não sei que merda está
acontecendo aqui.
— Eu fui aceita no estágio do PK Journal — declara e, antes que eu
possa encontrar uma forma de parabenizá-la, ela emenda: — A vaga é na
sede em North Groove. Estou me mudando para lá.
O mundo parece paralisar nesse milésimo de segundo.
De repente, a ausência gritante dela começa a fazer sentido. Anne
talvez estivesse ocupada cuidando dos últimos detalhes envolvendo o
desfile de Claire daqui três dias, mas sua maior dedicação foi em me evitar
em todas as circunstâncias.
Ela é especialista em fugir.
E eu fui um babaca por não perceber os sinais.
— E essa notícia ainda veio em uma ótima hora para a gente. Os
playoffs estão perto de começar, Angel se livrou dos boatos e fui aceita no
estágio — Anne continua a dizer, despejando as frases para cima de mim.
— Nós dois conseguimos o que queríamos com esse acordo. Não tem mais
nenhum motivo para mantê-lo.
Estou com vontade de soltar um palavrão.
Procuro algum traço de sentimento em suas feições, mas ela não
demonstra nada. O único vulnerável aqui sou eu. Anne tem o meu coração
nas mãos e o está estraçalhado sem nenhuma dose de remorso. É como se
tudo o que tivéssemos vivido desde o começo dessa confusão não tivesse
significado nada.
— Você encontrou outro lugar para ficar?
Anne dá um passo para trás.
— Ainda não.
Arqueio a sobrancelha.
— E você vai embora mesmo assim? Sem ter nem encontrado a
merda de um novo apartamento?
O palavrão dito com raiva faz o cenho dela se franzir em vários
vincos.
— É apenas uma questão de tempo, Reed. Eu quero agilizar as
coisas enquanto isso.
Concordo, lacônico, com um aceno.
O desapontamento queima em minhas veias.
— E você iria encaixotar as suas coisas e fazer a mudança sem me
avisar?
O silêncio que recebo, seguido de um olhar envergonhado, é
resposta o suficiente.
Afundo os dedos no couro cabeludo e solto um grunhido em alto e
bom som. O canto da minha visão está vermelho, e, bem lá no fundo, sinto
o meu olho pinicar em um desconforto que conheço como a palma da
minha mão.
Caminho de um lado para o outro dentro do quarto. As caixas
dominam cada maldito espaço. Não importa para onde eu olhe. Anne está
desejando na minha cara que o nosso tempo juntos acabou.
E o que a minha mãe disse dias atrás, sobre ela sentir alguma coisa
por mim, começa a deixar de ser uma certeza.
Não existe nada aqui.
— Por que você está fugindo de novo? 
— Não estou fugindo. — Começa a colocar os livros da estante
dentro da caixa. — Estou seguindo os nossos planos. Não era esse o nosso
acordo?
— Então vai acabar assim? — Gesticulo em sua direção. — A gente
finge um namoro, contamos da vida um para o outro, transamos e vamos
embora? Era esse o seu plano desde o início?
Os questionamentos, despejados um a um, fazem o rosto de Anne se
contrair e o lábio inferior tremular.
— Eu disse para você não tornar as coisas maiores do que elas eram.
Bufo.
— Porra, Anne, não faz isso comigo.
— Não estou fazendo nada com você, Reed! — exclama e joga os
livros dentro da caixa, perdendo a paciência. — Estou fazendo isso por
mim! Pela minha carreira, pelo meu sonho e pelos objetivos que quero
conquistar. Não quero ninguém no meio do caminho.
Encaro os seus olhos marejados. Se o meu coração está se partindo
ao meio, o dela está apenas com uma mínima rachadura.
— Eu estou atrapalhando você — concluo, a voz arranhando a
garganta. — É isso que você quer me dizer? Fala de uma vez, Anne. Fala o
motivo real de você estar encaixotando a merda dessa mudança e indo
embora sem hesitar.
Anne respira fundo, os ombros se encolhendo dentro do moletom. A
vulnerabilidade não dura por tempo o bastante para que eu acredite que a
situação irá melhorar.
Estamos despencando em um abismo em que não há nenhuma
garantia de sobrevivência.
Lentamente, ela empina o queixo para cima, daquele jeito que
conheço tão bem e diz:
— Ter você na minha vida é um risco que não quero correr.
Ignoro o impacto que a confissão representa e me aproximo. A cada
passo que dou para frente, Anne dá um para trás. As costas dela batem na
parede oposta, ao mesmo tempo em que fico diante do seu corpo. A
diferença de tamanho a obriga manter o rosto erguido.
— É isso que você quer?
Olho para a boca livre de batom e repito a pergunta que fiz para ela
semanas atrás, quando concordarmos em aumentar as cláusulas do nosso
acordo. Novamente, estou dando a ela o controle da situação.
Permanecer ou recuar.
Ficar aqui ou ir embora.
Ela engole em seco, a garganta acompanhando o movimento.
Longos minutos se passam e nenhum de nós desvia o olhar. Estou torcendo
internamente para que ela fique. Que todo esse medo e necessidade de fugir
seja passageiro.
Quero que Anne sinta o mesmo que eu estou sentindo.
Porque, porra, eu poderia me ajoelhar aqui e implorar para ela
jamais sair da minha vida. Que permaneça todos os dias, com acordo ou não
— pouco me importa. Ele já deixou de fazer sentido há muito tempo. Achei
que o final de semana que passamos em Mountain City tivesse deixado isso
claro.
— Sim — profere com uma calmaria que não combina com a
gravidade da confissão. — Eu quero colocar um fim em nosso acordo.
Fecho os olhos e obrigo meus pés a se moverem para trás.
Ao abrir novamente as pálpebras, encontro Anne ainda encostada na
parede, os braços pendendo ao lado do corpo. Ela está inalcançável. Os
cabelos loiros empurrados para trás, o moletom da USVL escondendo as
suas curvas que conheço tão bem e a boca pressionada em uma linha rígida.
Meus dedos formigam tocar em seu rosto uma última vez e beijar os
seus lábios para gravar na memória o sabor que eles têm. Uma despedida de
verdade, talvez.
No entanto, a única ação que tomo é assentir com um movimento de
cabeça e girar sobre os tornozelos, rumando para a porta que deixei
entreaberta.
Ao sair do quarto, a consciência de que esta é a primeira vez que
dou as costas para Anne Scott atinge em vários golpes o meu coração,
tornando a sensação dez vezes pior.
 
“Esse medo dentro de você irá amenizar, dê tempo ao tempo”
Hold My Hand | Lady Gaga
 

 
Na sexta, após longos meses de planejamento e muito trabalho,
Claire vai exibir para a universidade inteira seu talento como estudante de
Moda. A Davis Corporation, principal parceira deste projeto, ofereceu para
minha amiga todas as regalias possíveis. E, como Claire é apaixonada por
organizar qualquer tipo de evento, este aqui tem a sua essência em cada
detalhe.
O espaço alugado fica aqui no campus da USVL, mas a decoração
está tão bonita que se torna quase irreconhecível.
Há um lustre pendente no centro que imita àquele da Bela e a Fera
na cena da icônica dança, um buffet com vários aperitivos, garçons
circulando de um lado para o outro com bandejas de bebidas e uma
passarela montada para que as garotas possam desfilar com os modelitos
desenhados por Claire.
— Porra. — Keeran assovia ao meu lado, encarando também o
espaço iluminado. — Eu achei que era um simples desfile de roupas. Isso
está mais parecendo o Fashion Week.
Rio.
— Não sabia que você conhecia isso.
— Eu posso ser um pouco alienado, mas não tanto.
Um garçom passa ao nosso lado e entrega para nós duas taças de
champanhe. Experimento apenas um golinho, enquanto Keeran vira o
conteúdo de uma única vez. Ele faz uma careta e limpa os lábios com o
dorso da mão.
— Eu detesto champanhe — explica diante do meu olhar curioso.
— Quanto antes acabar, melhor.
Reprimo a vontade de fazer um comentário debochado e perlustro o
lugar ao nosso redor, visualizando as pessoas. A maioria do time está aqui.
Até mesmo o treinador Turner deu o ar da sua presença. Ele conversa com
Claire, rindo de um jeito que eu nunca vi acontecer antes. 
Bradley e Mason estão em frente ao buffet, enchendo a boca de
camarões em uma disputa de comida que é a cara deles. Já no canto oposto,
próximo à porta, estão Dave e Cooper usando um conjunto de paletó e
gravata que combina com o tom de suas peles.
— Ele não veio.
Viro o rosto e encontro Keeran me observando. Assim como boa
parte dos convidados, ele usa uma camisa de botões branca, calça social e
sapatos brilhantes na ponta. Os cabelos foram penteados para trás e a barba
aparada.
— Eu...
Tento formular a frase, mas minhas cordas vocais não obedecem ao
comando. Depois da péssima conversa no meu quarto, não tive mais
notícias de Reed. Três longos dias se passaram sem eu ouvir o som da sua
voz ou sentir o costumeiro perfume de sândalo no ar.
Nem mesmo quando deixei um envelope com o dinheiro em cima da
escrivaninha do seu quarto obtive algum tipo de resposta. O silêncio da
parte dele é longo e perturbador.
Mas eu mereço. A decisão que eu tomei implicava exatamente
nisso: com ele desaparecendo da minha vida.
— Aconteceu algo? — Keeran me pressiona com o questionamento.
— Ou alguma coisa que eu precise saber?
Respiro fundo e dou mais um gole no champanhe, desejando fugir
dessa conversa. Keeran não me parece ser o tipo de pessoa em que a gente
abre o coração e despeja os problemas. Ele passa a vibe de amigo que te
leva para beber em um bar ruim de Maple Hills e depois te traz de volta
para casa em segurança.
— Eu consegui um estágio em North Grove.
Tão rápido quanto surge o seu sorriso, ele desaparece.
— Você está se mudando.
Não é uma pergunta, mas a constatação de um fato. Mesmo assim,
eu concordo com um aceno e desvio o olhar. Não estou no clima para entrar
em outra discussão sobre esse assunto. Keeran, no entanto, não se deixa
abalar pela minha expressão.
Um grunhido escapa da sua garganta.
— Olha, Scott, eu não sou uma pessoa que se ofende fácil, mas você
está sendo bem filha da puta.
Giro o rosto quase que automaticamente.
— O quê?!
— A gente aceitou você na nossa casa, mesmo que não fossemos
muito íntimos. O Reed mobiliou um quarto inteiro do jeito que achou que
você gostaria. A gente deixou você entrar nas nossas vidas e te tratamos
bem pra caralho — diz. — E então, você decide ir embora sem avisar. Não
espere que eu concorde com essa atitude.
Encaro seu rosto, me atentando por mais tempo à expressão
magoada. As suas palavras estão agindo como uma faca cortando a minha
pele em carne viva.
— Eu iria avisar.
Ele arqueia a sobrancelha.
— Não. Você não iria — retruca. — Eu conheço esse
comportamento, Scott.
Mordo o interior da bochecha com força e escrutino novamente o
ambiente, não gostando nem um pouco da verdade que Keeran acabou de
despejar para cima de mim. É como um tapa na cara.
Noto, de relance, um fotógrafo conversando com Claire e, logo em
seguida, ela caminha para onde Keeran e eu estamos. Torço internamente
para que ele não faça nenhum comentário a respeito do que acabou de
acontecer. Não quero discutir com ninguém hoje.
Esboço o meu melhor sorriso quando ela dá dois beijos nas
bochechas de Keeran e depois me abraça. O vestido adere às curvas dela e é
feito de um tecido suave que muda de cor dependendo da iluminação. A
maquiagem em tons dourados evidencia o contorno das maçãs do rosto e o
formato dos olhos. Desta vez, ela exibe os cabelos naturais. Nada de
perucas.
— Vocês estão maravilhosos! — elogia e arruma a gola do colarinho
da camisa de Keeran. Quando está satisfeita, dá um tapinha na bochecha
dele e se vira para mim. — Você pode vir aqui um instantinho?
Assinto e me despeço de Keeran com um sorriso amarelo.
Caminhamos por entre as pessoas até chegarmos em um local mais afastado
da multidão. Aqui, o espaço exala mais privacidade. As mesas contam com
plaquinhas de reservado e uma dupla de seguranças se mantém de pé de
forma estratégica.
Claire aperta o meu braço e aponta, discretamente, para um casal
que está conversando a poucos metros de nós.
— Você sabe quem são eles? — ela pergunta e eu nego, o que rende
a Claire um biquinho fofo. — Aqueles são Kaycee Cross e Frankie Rivera.
Se eu não estiver enganada, eles são os editores-chefes do PK Journal em
North Groove.
Perco o ar.
— Talvez vocês possam conversar hoje, já que você é uma das
pessoas que me ajudou a organizar esse evento.
— Claire...
Ela abre um sorriso.
— Tive que batalhar para convencê-los a virem até aqui, mas acho
que vai valer a pena no final — diz, de um jeito carinhoso. — Não quero
vê-la triste.
Trinco os dentes.
— Não estou triste, apenas cansada. Foi uma longa semana.
Minha amiga cruza os braços e ergue sugestivamente uma das
sobrancelhas. Não contei ainda para ela sobre a decisão em dar um fim no
meu acordo com Reed.
O dia de hoje não é sobre mim e minhas inseguranças.
É sobre Claire Howard e o projeto que ela batalhou por tantos
meses. Não vou ter essa conversa quando, na verdade, ela deveria estar
dando entrevistas e conquistando um estágio na Davis Corporation.
— Tem certeza? A gente pode encher a cara depois de sairmos
daqui. Dave conhece um ótimo bar que cura corações partidos.
Rio de forma nasalada.
— Eu dispenso. Depois daqui, a gente vai comemorar o seu
sucesso!  — Engancho o braço ao redor do seu e puxo-a para longe de
Kaycee Cross e Frankie Rivera. — Será que o Dave conhece um lugar que
serve Margaritas e Mojitos de Morango?
Um sorriso curva a boca dela para cima e um brilho cintila no fundo
das íris. Pelo visto, ela já tem planos em mente.
— Se ele não souber, eu conheço o bar perfeito — exclama,
animada. — E eles ainda servem os melhores petiscos do mundo.
— Será que eles tem algo com atum?
Claire finge uma ânsia de vômito e eu gargalho pela primeira vez
desde que a ausência de Reed se tornou uma constante da minha vida. Nesta
noite, vou fazer o que estiver ao meu alcance para que ele habite o lugar
mais profundo e distante da minha consciência.
Eu tomei uma decisão.
E vou ser firme com ela até o fim.
Mesmo que haja uma rachadura aumentando de tamanho bem no
meio do meu coração a cada dia que passa.

O desfile de Claire foi de um sucesso gigantesco. Ela foi aplaudida


de pé após fazer um discurso emocionante e cada uma das peças
desenhadas tinha um traço de sua personalidade.
A minha favorita foi a que mais deu trabalho: o vestido inspirado no
que a Cinderela usou no baile no castelo do Príncipe. As camadas imitavam
um céu estrelado em uma noite de lua cheia e os detalhes em azul e lilás
trouxeram a ele uma delicadeza de tirar o fôlego.
E a melhor parte foi ver Dave emocionado ao meu lado na plateia.
Deixou explícito, através do rio de lágrimas, que vai estar ao lado de Claire
independentemente do que aconteça.
Agora, depois de uma longa sessão de fotos e uma entrevista
exclusiva para o PK Journal, estamos todos reunidos no bar que Claire
mencionou. É tão chique que poderia, facilmente, estampar um cartão
postal de Maple Hills. Eu nem sabia que esse lugar existia.
— Pode me ver um Mojito de Morango — peço para o garçom
engravatado e me sento em uma das várias banquetas vagas. — E uma
porção de iscas de frango crocantes.
Ele concorda e desaparece atrás do balcão. O meu momento sozinha
não dura mais que cinco segundos, porque mãos grandes repousam sobre os
meus ombros e uma lambida infantil é deixada na minha bochecha.
Reconheço esse cumprimento há mil milhas de distância.
— Alex!
Meu irmão assovia em aprovação e se acomoda ao meu lado.
A gente não se vê desde que a confusão envolvendo o boato com
Reed iniciou — ou seja, desde setembro. Mas isso não é nenhuma novidade
na nossa relação. Desde que ele se mudou para North Groove, sua agenda
se tornou uma confusão. Alex mal consegue passar um tempo com a nossa
mãe, quem dirá de me visitar em Maple Hills.
— O que você está fazendo aqui?
— Claire me convidou. Recebi o convite de última hora e por isso
não consegui vir para o desfile. Ela me mandou uma mensagem horas atrás
para encontrar vocês aqui. — Perlustra o local com atenção. — Desde
quando você frequenta o Black Rose?
— Desde hoje. Não é muito a minha cara, mas Claire me garantiu
que eles servem ótimos petiscos.
— Ah, pode apostar que sim. — Concorda e faz um sinal para o
garçom. Ele entende de imediato sem que Alex diga absolutamente nada. —
Eu vim aqui algumas vezes com o Soren. Ele tem uma história de paixão
antiga com esse lugar.
Estico o pescoço, procurando pelo namorado do meu irmão, mas
não há nenhum sinal dele.
— E onde Soren está?
— Ele precisou viajar para West Falmouth — explica. — Eu até iria
junto, mas estou envolvido na inauguração do centro esportivo, já que me
convidaram para ser um dos treinadores da liga infantil.
Não sei quais são os planos de carreira do meu irmão, mas um
convite como esse é importante pra cacete. Pelo o que eu soube, esse centro
esportivo vai oferecer aulas e treinos de diferentes esportes, principalmente
de futebol americano, para crianças carentes de todo o Condado de San
Valley.
— Daisy me contou! — Sorrio. — Como você está com a notícia?
As bochechas do meu irmão assumem um tom rosado e ele dá um
pequeno apertão no meu joelho. Alex, como de costume, está vestido
daquele jeito que o faz parecer um riquinho milionário. Nosso pai estaria
orgulhoso por ver seu filho conquistar algo tão importante.
— Estou tentando manter os pés no chão, mas estou eufórico —
sacode os ombros, entusiasmado. — E um passarinho usando roupas
coloridas por aí me contou que você conseguiu a vaga de estágio no PK
Journal.
— Claire e a sua língua grande. — Finjo um tom irritado e me viro
na banqueta, de forma que fiquemos de frente um para o outro. — Eles me
ligaram no começo dessa semana. Devo começar assim que as festas de
final de ano acabarem. Vou usar esse tempo para encontrar um apartamento
e cuidar da mudança.
— Você pode ficar comigo e com o Soren, se quiser. A gente tem
um quarto vago.
— E estragar a intimidade de vocês como casal? Nem fodendo. —
O garçom retorna e nos entrega os pedidos. Alex tem diante de si o famoso
Cuba Livre e uma porção de queijo coalho. — Estou considerando ter uma
colega de apartamento. Quero muito morar sozinha, mas acho que, nessa
fase de adaptação, ter alguém para dividir as despesas é mais seguro. North
Groove não é uma cidade universitária como Maple Hills e as minhas
economias também estão escassas.
Mesmo com Reed dizendo que não aceitaria nenhum dinheiro da
minha parte, eu fiz questão de devolver cada dólar que ele gastou
mobiliando o quarto para mim. Eu não iria conseguir ir embora sabendo que
estava devendo algo. Já basta as outras coisas que ele pagou para mim sem
eu pedir.
— Posso te ajudar a encontrar um lugar legal. Quando Soren e eu
compramos o nosso apartamento, visitamos alguns que podem caber no seu
orçamento de aluguel.
— Você sendo bonzinho assim comigo até me deixa desconfiada.
Vou ter que devolver o favor depois?
Alex dá risada e leva um queijo coalho à boca. Mastiga e bebe um
gole do drinque logo em seguida.
— Você me conhece tão bem, irmãzinha. — Pisca um dos olhos e
limpa os dedos engordurados com o guardanapo. — E onde está o seu
namorado de mentira? Estou curioso para conhecer o tão falado Reed
Rollins. Ele joga tão bem quanto o pai?
Murcho por dentro, mas por fora mantenho a expressão indecifrável.
Meu objetivo é manter Reed o mais afastado possível da minha mente e
tudo o que diz respeito a ele.
— Ele não é mais o meu namorado de mentira.
Alex suspira, resignado.
— Ele é seu namorado de verdade agora?
Semicerro os olhos em um sinal de alerta. 
— Não. Ele não é nada meu. Nunca foi, na verdade.
— Anne...
Ignoro a preocupação escondida no tom de voz.
Alex é um romântico incorrigível. Essa é uma das nossas maiores
diferenças. Se fosse ele no meu lugar, estaria embaixo da janela de Reed
fazendo uma serenata e o esperando com uma caixa de chocolates com a
melhor declaração já dita nas histórias de amor. 
Eu, no entanto, sou como um bloco de gelo esquecido em um canto
remoto do Alasca.
— Não vamos falar disso, okay? — peço em uma súplica. —
Amanhã, a gente pode conversar sobre isso. Hoje eu quero aproveitar a
noite sem pensar nos meus problemas.
Minha cabeça zune com a batida da música e o emaranhado confuso
de pensamentos são um alívio. Estou torcendo para que o Mojito de
Morango contribua para que essa sensação se estenda por toda a noite.
— E como você vai fazer isso?
Levanto o copo de bebida, convidando-o a fazer o mesmo. Só vou
voltar para casa quando minha visão não passar de um borrão.
— Bebendo! — Um grande gole do drinque desce queimando pela
minha garganta. — É assim que pretendo me divertir.
 
“Você não sabe que eu não sou boa para você?”
When The Party’s Over | Billie Eilish
 

 
Acordo com o som de uma chaleira apitando.
Minha cabeça parece que vai explodir ao ouvir o som. É como mil
facas perfurando o crânio. O gosto de bile em minha boca também não é
agradável. Mesmo que eu tenha dormido, a sensação é de que passei a noite
em claro.
Abro primeiro um dos olhos e depois o outro. A parede diante de
mim tem uma televisão sustentada no centro, um aparador na cor amarela
com vários itens de decoração e um imenso vaso de flor em um dos cantos.
Há também um porta-retrato do meu irmão com Soren em que os dois estão
sorrindo para a câmera.
— Que horas são? — pergunto, grogue de sono, e me sento no sofá.
— Perto das dez — Alex responde da cozinha. — Eu ia te acordar
daqui a pouco.
— A sua chaleira barulhenta acabou com o meu sono.
Meu mau humor matinal, combinado com a ressaca, não abala em
nada meu irmão. Alex faz um sinal para que eu sente em uma das banquetas
a sua frente. Meio cambaleando, faço o que ele pede.
— Não fale mal dela. Foi um presente da mãe do Soren — reclama
e se vira de costas, dando atenção para a frigideira. — Como você está?
— Como se tivesse passado a noite enchendo a cara.
Alex dá uma risadinha e me lança um olhar sobre o ombro.
— Que ironia, porque foi exatamente assim que você passou a noite
— diz em brincadeira e desliga a chama do fogão. — Tive que colocá-la no
carro enquanto você ria sem motivo. Como eu não sabia onde você estava
morando, te trouxe para cá.
Me encolho dentro da camiseta gigante com o Clark Kent
estampado no centro.
— Desculpa pela noite passada. Acho que exagerei.
— Estou aqui para isso. — Se vira e empurra um prato com uma
pilha de panquecas sorridentes. — Mesmo que eu ache que afogar as
mágoas em Mojitos de Morango seja uma ideia ruim, meu ombro está aqui
para você chorar quando quiser.
— Não há pelo o que chorar.
Ele grunhe em discordância e me entrega os talheres, voltando para
o fogão. Assim como Daisy, ele também possui uma paixão nada secreta
por chás. O meu é preparado em questão de segundos e colocado diante do
meu prato. É um tipo de gesto que, se Gustaf estivesse vivo, prepararia para
mim.
O pensamento me deixa triste.
— Você sempre gostou de bancar a durona, mesmo quando todo
mundo sabia que estava de coração partido ou com o joelho machucado,
cheio de sangue — diz, me analisando com sabedoria. — Mas você não
precisa ser sempre assim, Anne.
— O que você quer dizer com isso?
Alex se debruça sobre o balcão. Os olhos sondam os meus e,
embora eu queira desviar o olhar, me mantenho firme.
— Quero dizer que, quando você precisar deixar esse peso para trás,
eu vou estar aqui. — Segura minha mão livre entre as suas. — Eu também
tenho os meus momentos de vulnerabilidade. Não dá para ser forte para
sempre. Você tem que se deixar sentir.
A vontade de chorar aperta a minha traqueia.
De repente, estou novamente deitada ao lado de Alex, escondendo o
rosto na curva do seu braço enquanto escutamos Daisy chorar baixinho no
quarto. Nenhum de nós tinha coragem de bater na sua porta quando os
momentos de luto chegavam.
A gente deixava ela sozinha. E talvez ter feito isso tenha sido um
tremendo erro.
— Não sei como fazer isso — confesso e tento me afastar, mas ele
intensifica o aperto ao redor dos meus dedos. — Alex, por favor...
— Fala comigo, Anne — pede, baixinho, abaixando a cabeça e me
encarando com cuidado. É o mesmo olhar que ele me dava quando me
encontrava sozinha no quarto. — Me diz o que está acontecendo.
Abaixo a cabeça. As panquecas sorridentes são quase uma piada de
mau gosto para o estado caótico em que me encontro.
— Nem sei por onde começar.
Alex dá uma risadinha.
— Pelo começo é uma ótima ideia.
Respiro fundo, deixando que o ar relaxe os meus músculos. Me
esforço para encontrar uma forma de tocar no pior assunto de todos sem que
Alex me julgue, mesmo que eu duvide muito que ele faça isso.
Abrir o coração é um gesto que exige uma coragem absurda da
minha parte.
Fecho os olhos e despejo a confissão mais sincera de toda a minha
vida:
— Eu não quero acabar como Daisy.
Um longo silêncio se estende entre a minha frase e o arquejo de
surpresa de Alex. Posso ouvir minha pulsação acelerar conforme os
segundos avançam, me empurrando cada vez mais fundo para dentro da
minha zona segura.
É difícil demais sair dela.
— O que você quer dizer com isso?
Coloco uma mecha do meu cabelo atrás da orelha e estico o pescoço
para trás.
— Antes de nossa mãe conhecer Gustaf... Ela tinha objetivos. Uma
vida inteira de metas para serem realizadas. Um mundo inteiro para
conquistar. Daisy queria visitar a tia-avó na Austrália, ser uma pintora de
sucesso e conhecer a Itália na primavera. — Cada sílaba saí rasgando. —
Então...
— Então, ela conheceu Gustaf.
Concordo com um aceno.
— E os sonhos ficaram para trás. Cada um deles foram esquecidos
dentro de uma caixinha e ignorados para sempre. — Brinco com uma das
amoras no prato. Não olhar para o rosto de Alex torna essa conversa mais
fácil. — Eles se apaixonaram, se casaram, tiveram nós dois como seus
filhos e, de uma hora para a outra, os sonhos que eles começaram a ter
juntos foram arrancados com a morte de Gustaf.
Alex permanece quieto, a mão ainda pressionando a minha em um
incentivo doloroso. Confessar cada uma dessas coisas em voz alta está
arrebentando o meu coração ao meio. A dor chega a ser insuportável.
— Daisy mergulhou em um poço profundo de tristeza por causa do
luto. Mesmo com ela nos criando da melhor forma possível, eu sei que não
foi fácil. Demorei muito tempo para perceber isso. — Fungo, as lágrimas
descendo pelas bochechas. — E mesmo que ela diga que está feliz com a
vida que tem hoje, não consigo deixar de pensar que tudo poderia ter sido
diferente. Que ela merecia mais — gaguejo com o choro doloroso. — Daisy
merecia muito mais, Alex.
A constatação de que estou tremendo me acomete quando Alex
contorna o balcão e me enlaça em um abraço. Meu rosto afunda no tecido
da camiseta dele e as lágrimas descem sem nenhuma dificuldade. Deixo
escapar um soluço e prendo meus dedos em suas costas, sentindo que cada
parte minha está se partindo ao meio.
É uma dor que não pode ser descrita em palavras.
É uma dor que esteve por tanto tempo escondida que nunca me dei
conta da proporção que ela dominava de mim.
Ela está presa em cada parte minha.
Em cada sorriso.
Em cada lágrima.
Em cada atitude.
— Eu não quero que isso aconteça comigo. — Balanço a cabeça
repetidas vezes, os cabelos grudando nos lábios por causa do choro. — Não
quero que o Reed ocupe um espaço tão importante na minha vida. Porque
se algo der errado... — Prendo a respiração, buscando controlar o tremor na
voz. — Se eu me deixar perder no caminho, não vou saber lidar. Eu não
quero ser Daisy Scott.
Alex massageia as minhas costas, os lábios pressionados em meus
cabelos. Ele deposita um pequeno beijo ali e depois usa a ponta dos dedos
para limpar as minhas lágrimas.
O semblante dele é tranquilo, mas ao mesmo tempo preocupado. As
íris exibem um tipo de sabedoria que duvido conseguir alcançar algum dia.
Assim como eu, ele também deve ter suas questões envolvendo a morte de
Gustaf e a ausência curta de Daisy. Não tem como passar ileso.
— Você não vai acabar como ela, Anne. A sua vida não é uma
repetição da história de Gustaf e Daisy.
— Como você pode ter certeza?
— Eu não tenho certeza de nada, mas gosto de pensar que cada uma
das pessoas tem a sua própria história. Você está escrevendo uma história
diferente. Eu também estou — diz. — Eu tenho medo de perder Soren?
Claro que sim, mas a possibilidade de não estar ao lado dele me soa ainda
mais doloroso. Quero que cada segundo com ele valha a pena, mesmo que,
no futuro, haja a possibilidade de nossos caminhos serem diferentes.
— Isso não te apavora?
— Pra cacete. — Ri baixinho e volta a me abraçar, apoiando o
queixo no topo da minha cabeça. — A morte do nosso pai mexeu muito
comigo, Anne. Você não faz ideia do quanto. Mas, com o passar dos anos,
eu entendi que essa é uma parte que sempre vou carregar comigo. Uma
insegurança que Soren hoje também consegue entender. Assim como eu
entendo as questões particulares dele.
Solto um pesado sopro de ar. Aos poucos, começo a me acalmar,
embora minha cabeça ainda esteja uma confusão. Essas novas informações
são difíceis de assimilar.
— E o que você acha que eu devo fazer?
Alex dá um passo para trás e volta a observar o meu rosto. Devolvo
o olhar, notando que há uma certa cumplicidade agora entre nós.
Em todos esses anos, não tivemos a oportunidade de conversar sobre
muitas coisas. Mas agora que me permiti abrir essa porta, acho que ele
também vai abrir a sua. Vai me deixar entrar, como eu também estou
deixando.
— Eu acho que você deve conversar com Daisy — aconselha. —
Me ajudou em uma época em que estava passando por uma situação
semelhante.
A confissão me pega desprevenida.
— E por que você não me contou?
Ele encolhe os ombros e contorna novamente o balcão, ficando de
costas. 
— Pelo mesmo motivo que você demorou todo esse tempo em
contar para mim.
Não tenho a chance de responder, porque ele me entrega a calda de
chocolate e aponta para as panquecas sorridentes.
— Agora come — manda. — Sua cara de ressaca está bem
desagradável e estragando as boas energias da minha cozinha. Essas
panquecas vão ser a sua salvação.
Mostro-lhe o dedo do meio, fingindo uma irritação. Antes que ele
possa sair do cômodo para arrumar a bagunça que fiz na sala, eu o chamo.
Alex se vira sobre os calcanhares descalços, um pequeno sorriso sendo
direcionado para mim.
— Muito obrigada. Não só pelas panquecas, mas por cuidar de mim
durante todos esses anos. Nunca agradeci você de verdade.
A cabeça dele tomba para o lado, os cabelos loiros seguindo o
movimento.
— Eu sempre vou estar aqui, Anne. Basta você me chamar e eu dou
um jeito. É para isso que servem os irmãos.
Ao final da tarde, Alex estaciona o carro em frente à casa em que
crescemos. Fico um bom tempo olhando para a fachada, determinada a
encarar uma conversa que deveria ter tido há muito tempo.
Deixei a situação se estender demais.
Não quero mais carregar esse peso em meus ombros.
Estou cansada da existência dele.
— Se precisar de qualquer coisa, me liga — Alex diz ao desligar o
motor. — Se quiser ficar lá em casa alguns dias, é só me avisar. Tenho um
quarto sobrando, como te falei. E o Soren vai adorar compartilhar as
receitas malucas dele com alguém.
Sorrio e solto o cinto de segurança.
— Vou pensar a respeito. Obrigada mais uma vez, viu?
Alex me dispensa com um gesto e aponta para a casa.
— Vai logo, sua chata. Antes que eu me arrependa de ser um irmão
tão bonzinho.
Xingo-o e me despeço com um beijo estalado na bochecha. Saio do
carro e fecho a porta, mas antes que Alex possa ir embora, eu me inclino
sobre a janela aberta. Ele ergue a sobrancelha direita do mesmo jeito que vi
nas fotografias Gustaf fazer inúmeras vezes. A semelhança entre os dois é
surreal.
— Não sei como o Soren te aguenta. Aposto que vai pedir o
divórcio assim que descobrir que você tem uma coleção de miniaturas do
Clark Kent.
Ele me dá o dedo do meio, entre risadas, e vai embora buzinando.
O som é o prelúdio para que eu reúna a coragem necessária e
caminhe em direção a pequena casa. Respiro fundo e aperto a campainha.
Longos segundos se passam até que a porta é aberta. Os olhos cintilantes de
Daisy se arregalaram em surpresa diante da minha presença.
— Anne?
Abro um sorriso tímido, não querendo apavorá-la.
— Oi, mãe. A gente pode conversar?
Ela gagueja em concordância e dá um passo para trás, me deixando
entrar. Penduro a bolsa no gancho atrás da porta e tiro o casaco recém
comprado. Como eu não quis aparecer aqui usando a roupa da noite
passada, Alex e eu passamos em uma loja perto da sua casa.
— Aconteceu alguma coisa? — Daisy pergunta, me analisando.
Apesar dos meus esforços para melhorar a aparência, as olheiras causadas
pela noite de bebedeira permanecem evidentes. — Você foi assaltada?
Expulsa do apartamento? Fez algo de errado?
— Nada de errado. Quero apenas conversar com você. — Encaro
meus pés. — Sobre mim.... Nós... Sobre tudo, na verdade.
A compreensão inunda o rosto bonito de minha mãe.
Gentilmente, ela me leva até a sala e se senta ao meu lado. Há uma
bandeja com duas xícaras de chá em cima da mesinha, indicando que ela
estava esperando alguém.
— Beth vai aparecer daqui a pouco — explica ao notar o meu olhar
curioso para o bule. — Posso mandar uma mensagem e dizer para ela vir
mais tarde.
— Não precisa. Prometo que vai ser rápido.
— Anne...
Cruzo minhas mãos sobre a almofada e direciono minha atenção
para o porta-retrato na estante. Depois da conversa que tive com Alex, a
percepção de todas as coisas estão diferentes. Ao olhar para os sorrisos
eternizados de Daisy e Gustaf, não sinto mais aquele frio desagradável na
boca do estômago.
Sinto carinho.
Sinto saudades.
Sinto a intensidade do amor que eles compartilharam durante os
anos em que viveram juntos.
— Você disse que não se arrepende da vida que construiu ao lado de
Gustaf.
— Como eu poderia? Ele me deu o maior presente de todos: você e
o seu irmão.
— E a morte dele?
Daisy se acomoda melhor no sofá. Estamos ambas com o olhar fixo
no porta-retrato. Na cabeça dela, deve estar passando um punhado de
memórias.
— Me despedir do seu pai foi doloroso de um jeito que só quem já
passou por isso vai ser capaz de entender — explica, com calma. — Mas
não havia nada que pudesse ser feito. Não tem como controlar certos
acontecimentos em nossa vida. A vida, por si só, é um risco a ser
enfrentado.
As palavras agem como mais uma porta sendo destrancada e aberta.
Giro o pescoço e encontro minha mãe já me fitando. Sustento o peso do seu
olhar, não me sentindo incomodada por ela perceber a minha
vulnerabilidade.
— E os seus sonhos? O que aconteceu com eles?
— Eles nunca deixaram de existir, apenas se adaptaram. Mudaram.
Outros também surgiram com o passar do tempo. Eu não deixei de ter meus
próprios objetivos só porque encontrei o amor e me casei — diz,
entendendo as entrelinhas por trás da minha pergunta. — Quando a gente
ama uma pessoa verdadeiramente, a gente sonha ao lado dela. Gustaf e eu
realizamos muitas coisas, Anne. Juntos e de forma individual.
Juntos e de forma individual.
A frase é semelhante a que Sagan me disse dias atrás. A diferença é
que eu tenho a escolha de permanecer ao lado de Reed. De sonhar sozinha e
com ele. Não há nada que nos impeça de estarmos juntos, exceto a mim
mesma. Porque o meu coração sabe que, por ele, o nosso acordo não teria
terminado dessa forma.
A constatação desse fato me arranca um gemido angustiado.
— Você não deixou a sua vida de lado por causa do amor, então?
— Muito pelo contrário. A minha vida se tornou infinitamente
melhor por causa dele.
Daisy acaricia o meu rosto, enxugando as lágrimas que eu nem
havia me dado conta de ter derramado. O olhar que ela me direciona é
semelhante ao que Alex me deu hoje de manhã. Não é fácil de descrevê-lo,
mas eu consigo entender. Consigo sentir o que ele quer dizer, mesmo que
nenhuma palavra seja proferida.
Abraço com mais força a almofada contra o peito, começando a
perceber que, durante esses anos, tive a percepção errada sobre a minha
mãe. Por ter lembranças dela sofrendo com a morte de Gustaf, associei a
ideia de que, por causa das lágrimas derramadas na calada da noite, ela
havia se fechado dentro da própria casca.
Mas, na realidade, quem fez isso durante todos esses anos foi eu.
Eu criei uma fortaleza ao meu redor.
Eu afastei as pessoas.
Eu me impedi de ser feliz por completo porque achei que ser feliz
por metade me garantiria uma vida muito mais segura.
Eu disse que Reed era um erro, quando, na realidade, ele foi o
melhor acerto nesses últimos meses.
Ter noção de cada uma dessas informações me deixa com vontade
de pegar o primeiro ônibus para Maple Hills e consertar a bagunça que fiz.
Consertar as merdas que falei, as mentiras que contei e os sentimentos que
escondi. Quero que Reed saiba que ele pode ser muitas coisas, mas jamais
um erro.
— Eu acho que tomei a decisão errada, mãe.
As sobrancelhas finas dela se erguem.
— Sobre o quê?
— Sobre o amor. Por anos, eu acreditei que ele era uma fraqueza.
Que se eu confiasse demais nele, ele teria o poder de me machucar como
machuca tantas pessoas. Como machucou você — digo, brincando com a
costura do casaco. — Eu achei que se eu deixasse ele entrar, ele iria apagar
o meu brilho.
— Eu nunca disse que você não poderia brilhar com alguém ao seu
lado, Anne — explica, relembrando o conselho que deu anteriormente e que
eu entendi errado do jeito mais vergonhoso possível. — Brilhe sozinha, mas
brilhe também se encontrar o amor.
Abro um sorriso fraco.
— Eu acho que o encontrei, mas talvez eu tenha complicado um
pouco as coisas.
Minha mãe dá um peteleco no meu nariz, do mesmo jeito que fazia
quando Alex e eu éramos crianças, e depois se aconchega ao meu lado.
— E houve alguma vez que o amor não fosse complicado?
Rio.
— Mas dessa vez é complicado pra cacete. — Ganho um beliscão
diante do palavrão e eu arquejo, me esquivando. — Falei algumas coisas
que podem tê-lo magoado. Nunca estive apaixonada por ninguém. Não sei
nem se o que estou sentindo é amor. 
Daisy abre a palma sobre a minha coxa, me convidando a segurar a
sua mão. Entrelaço os nossos dedos, sentindo os anéis pressionarem a
minha pele. A aliança de casamento continua descansando em seu anelar.
— Você sabe, danadinha, e o seu coração também. A única coisa
que falta agora é descobrir o que esse garoto sente por você.
Reprimo a vontade de revirar os olhos. Reed vai fechar a porta na
minha cara e dizer que a vida é muito melhor sem mim. Se fosse eu no
lugar dele, ouvindo o que ele ouviu, reagiria assim. Até pior.
— Acho que ele me odeia, mãe.
Daisy profere um muxoxo.
— Então, ele te ama.
— Mãe...
— Confie no que estou te dizendo, Anne — murmura. — Eu li os
livros da Clio McGoy, sei do que estou falando.
Dessa vez, caio na gargalhada, ao mesmo tempo em que torço para
que ela esteja certa.
 
 
“Eu me lembro do dia, até anotei a data que me apaixonei por você
e agora está riscado em vermelho, mas ainda não consigo esquecer,
mesmo se eu quisesse”
Here’s Your Perfect | Jamie Miller
 

 
Hoje é oficialmente o grande dia.
Depois de uma longa temporada de treinos, finalmente chegamos ao
jogo que vai decidir a vaga do time nos playoffs, em janeiro. Estou
confiante de que vamos vencer, mas sempre há a possibilidade de algo dar
errado, o que me assusta pra caralho.
Não vou me perdoar se sair daqui como um perdedor.
— Nervoso?
A pergunta me faz erguer a cabeça. Dave está sentado no banco de
metal, amarrando as chuteiras. Assim como o restante do time, há um traço
de preocupação em sua voz.
— Parece que meu coração vai sair pela boca a qualquer momento.
E você?
— Prestes a me cagar nas calças — diz e dá dois toques no joelho,
se levantando. — E quanto ao resto?
Pego o capacete e fecho a porta do armário.
— Que resto?
Meu melhor amigo dá um pesado suspiro e cruza os braços. A
camiseta do time adere aos músculos tonificados do peitoral. Dave tem o
porte de um jogador de futebol americano profissional. Parece uma muralha
gigantesca.
— Você não responde as mensagens de ninguém, fica até uma hora
depois dos treinos, não apareceu no desfile da Claire e ainda dispensou o
meu convite para irmos ao Cheers Bar depois daqui. Que merda está
acontecendo, Reed?
— Está me vigiando, Morris?
— Não venha com essa merda para cima de mim. Estou preocupado
com você, cara.
Sugo o ar das bochechas e apoio meu pé no banco, amarrando as
chuteiras. Não quero ter essa conversa antes do jogo. Abrir o meu coração
enquanto o vestiário está lotado de jogadores ansiosos não me parece uma
boa escolha.
Eu quero apenas focar no que importa. Pensar em Anne é a pior das
distrações.
— Estive ocupado, apenas isso — minto.
Dave semicerra as pálpebras, desconfiado. Ele me conhece como
ninguém mais, então sei que, depois que o jogo terminar, vou ser
confrontado sobre o assunto.
— Ocupado uma merda. — Mason se intromete no meio da
conversa. Está sem camiseta, usando apenas a calça branca do uniforme e
os pads. — Quando voltamos do desfile, você estava dormindo no sofá.
Capotado feito um caminhão em beira de estrada.
— Ocupado e cansado — acrescento. 
Mason bufa e Dave coça o queixo, a barba escura cobrindo boa
parte da pele negra-retinta.
— Ocupado, cansado e de mau humor. — Meu colega de casa
retruca e abre o próprio armário. — Quando vai contar para a gente o que
está rolando? Brigou com a namorada?
Brigou com a namorada.
Se eu pudesse, esconderia minha cabeça dentro de um buraco e não
sairia de lá.
— Não. Não briguei com ninguém.
— Por que não vimos mais ela, então?
— Se estão tão curiosos, podem perguntar para ela — digo, tentando
soar descontraído. — Ela vai estar lá na arquibancada, torcendo pela gente e
usando a minha camiseta. Vai ser fácil de vê-la.
As palavras queimam na língua. Eu sei que Anne não vai estar aqui
hoje. E, se houver uma garota usando uma camiseta com o meu número,
com certeza não vai ser ela.
Anne deve estar em North Groove, conhecendo apartamentos e
iniciando a nova vida que tanto almejou. Não há espaço para Reed Rollins,
treinos de futebol, jogos de temporada e, tampouco, acordos improváveis.
Mason me dá uma longa olhada antes de assentir e vestir a camiseta
azul escura com a águia bordada na manga do antebraço.
— A gente vai comemorar no Cheers Bar hoje?
É a voz de Keeran que preenche o vestiário. Alguns jogadores
gritam em aprovação, enquanto outros não estão tão confiantes da nossa
vitória. Diferente dos jogos anteriores, não havia problema em perder um
ponto ou outro.
Mas o de hoje é decisivo pra caralho. Um erro pequeno e podemos
perder a vaga nos playoffs.
E o pior: eu sei que meu pai vai estar na arquibancada. Ricky vai
assistir cada uma das minhas jogadas, analisar cada um dos meus lances e
memorizar cada uma das minhas falhas. Como Aaron disse, ele não vai
esquecer tão fácil a ideia de me tornar uma extensão do seu sucesso.
Solto o ar pelo nariz e pego a garrafa de água, rumando para os
bebedouros fora do vestiário. A conversa alta entre o pessoal do time está
fazendo a minha cabeça latejar.
Estou subindo o lance de escadas quando escuto um assovio
característico. Ao olhar para trás, vejo Dave me seguindo. Ele já está com o
equipamento completo, exceto o capacete e o protetor bucal.
— Como foi o desfile? — Puxo assunto, antes que ele tenha a
oportunidade de me fazer qualquer pergunta. — Foi mal não ter ido. Eu
estava ocupado com outras coisas.
Dave assente, não parecendo chateado.
— Foi muito bom. Estou confiante que Claire vai receber uma
proposta de estágio. Ela estava maravilhosa e as roupas tinham a
personalidade dela. Você teria se divertido. A gente foi comemorar no Black
Rose depois.
O Black Rose é um dos melhores bares de Maple Hills. Eles tem
uma ótima cartela de drinks e petiscos. É a cara da Claire ter encerrado a
noite por lá.
— E o pedido de casamento? — Relembro da conversa que tivemos
no ônibus do time, semanas atrás. — Achei que você fosse pedir no dia do
desfile por ser um momento especial. Desistiu da ideia?
Dave encaixa a garrafa na boca do bebedouro.
— Não desisti, mas aquele era o momento da Claire. Sobre ela e
todo o seu talento — explica. — Quero encontrar o momento em que o
nosso amor brilhe de forma exclusiva. Vai ser nesse dia que vou colocar um
joelho no chão e abrir o meu coração para ela. E aí a gente vai poder brilhar
junto.
Eu odeio como Dave consegue ser romântico. Ele faz parecer fácil,
como se abrir o seu coração para alguém fosse um gesto do cotidiano.
Para Dave Morris e Claire Howard, o amor é tão fácil quanto
respirar.
E eu odeio saber que não vou ter a oportunidade de viver essa
experiência ao lado de Anne.
Abro um sorriso amarelo, que não deve convencê-lo em nada, e
apoio o ombro na parede.
Ao longe, dá para ouvir a barulheira que vem das arquibancadas e a
música alta. Hoje o estádio vai estar lotado. Os UCL Ducks são um dos
times universitários mais influentes. Eles colecionam tantas vitórias quanto
os troféus que tenho nas prateleiras.
— Mesmo que você vá morar para o outro lado do país, não esquece
de me convidar para ser o padrinho, huh?
— Desde que você não me leve para uma despedida de solteiro com
strippers usando calcinhas fio dental.
Rio pela primeira vez em dias.
— Isso eu já não posso prometer. Strippers fazem parte do pacote.
Dave me cutuca com o cotovelo e se afasta do bebedouro. Eu imito
a posição anterior dele, encaixando a garrafa de água no bocal.
— Se a Claire me largar no altar, a culpa vai ser sua.
— Não se preocupe. Vou garantir que ela não fuja para lugar algum.
Ele resmunga daquele jeito incompreensível e eu inspiro,
aguardando que a minha ferida seja cutucada.
— Reed...
Fecho os olhos.
— Você tem tido notícias dela?
Não preciso especificar de quem estou falando. Dave entende na
hora e inclina levemente o rosto para o lado, não querendo me chatear.
— Faz alguns bons dias.
Concordo com um aceno. Nenhum sentimento me atinge. Nem
mágoa, tristeza e tampouco chateação. Acho que cheguei em um ponto que
nada mais me afeta.
— Certo. Acho que isso já quer dizer bastante coisa.
— Vocês brigaram, então?
Tiro a garrafa do bebedouro e bebo um gole. Gostaria que a água
fosse capaz de afogar o nó que aperta a minha traqueia.
— Acho que brigar não é a palavra certa. Ela me deu um pé na
bunda. — Dave reage com um franzir da testa, pego de surpresa. — Não
sou bom o bastante para ela. Na real, acho que não sou bom o bastante para
ninguém. Não importa o quanto eu me esforce, nunca é o suficiente.
Meus pés se movem para trás, mas Dave aperta os dedos ao redor do
meu braço, me impedindo. Ele escrutina o meu rosto minuciosamente,
chateado.
— Ela não acha isso de você, Reed. Não depois de tudo o que
aconteceu entre vocês.
Balanço a cabeça, negando. Não tenho nem forças para discutir com
ele. Esse assunto me deixa irritado pra caralho e foi por isso que evitei falar
com qualquer pessoa durante esses dias.
— Ela é boa em fingir. — Desfaço o aperto dos seus dedos e me
movo um passo para trás. — E melhor ainda em fugir. É isso que Anne faz.
E eu estou cansado de insistir. Cansado de tentar.
— Reed... — Ele tenta de novo, mas eu grunho em discordância. —
Não pode acabar assim entre vocês.
— Já acabou, Dave.
Não espero para ouvir a sua resposta. Dou-lhe as costas e caminho
em direção à saída do complexo lotado. Mas antes de entrar no campo e
jogar como fiz durante todos esses anos, tenho um assunto importante para
resolver.

Ricky Rollins está de braços cruzados e com o corpo apoiado na


lataria da sua BMW X5. A posição passa aquela confiança que ele domina
como ninguém.
Eu me aproximo a passos determinantes. Cada passada é um
lembrete de que não vou mais me permitir ser manipulado. Que cada
decisão, a partir de agora, vai ser tomada somente por mim. Não haverá
mais nenhuma influência dele na minha vida. Estou exausto pra caralho.
Paro a alguns poucos metros de distância e o encaro da cabeça aos
pés. Me pergunto, mentalmente, se daqui a alguns anos, eu serei como ele.
A aparência é quase certeza, mas o restante... Não sei se vou conseguir
conquistar uma carreira tão célebre quanto a dele.
Ricky é inesquecível. Todo mundo vai falar dele por décadas. É um
nome que marca presença e que vai me acompanhar para o resto da vida,
mesmo que eu não queira.
— Espero que tenha seguido o meu conselho e terminado com a
garota.
Fecho as mãos em punho, as veias pulsando.
— Não vim falar disso com você.
A sobrancelha grisalha se arqueia em um traço de desinteresse.
Qualquer coisa que não esteja relacionada ao futebol americano e suas
imposições não lhe despertam nenhum tipo de curiosidade. Para o meu pai,
eu sou uma máquina programada para viver, inteiramente, do esporte. Nada
de distrações.
— Eu não vou me inscrever no draft. — Despejo a informação que
vai abalá-lo até o último fio de cabelo. — Vou continuar cursando
Jornalismo até o último ano, porque ter esse diploma é importante para
mim.
— Reed...
O sinal de alerta em sua voz faz minha confiança aumentar e eu
avanço um passo, encurtando a nossa distância.
— Vou prosseguir com os treinos e continuar no time. O futebol
americano ainda é a minha prioridade — prossigo, não me deixando abalar.
— Mas eu não quero mais você como meu treinador. Não quero mais ver
você na arquibancada me julgando durante os jogos e depois apontando os
meus erros como se eu fosse um fracasso. Também não quero mais ouvir
nenhuma merda sobre Anne, sobre a minha carreira ou sobre qualquer outro
assunto.
O músculo do maxilar de Ricky pulsa. As íris me fuzilam de forma
tão raivosa que posso sentir a pele queimando. Mas eu me mantenho firme.
Não me afasto. Não me acovardo. Não deixo a porra do medo de
dominar.
— Você está me expulsando da sua vida, é isso?
— Não. Estou dizendo que não quero mais que você me trate como
o seu projeto. Não vou ser uma segunda versão sua. Se eu vou ser um
jogador de futebol, quero fazer isso por conta própria — murmuro. — Não
quero que meu sucesso seja associado ao seu, porque eu não sou você, pai.
Nunca vou ser e está na hora de nós dois admitirmos isso. 
Ricky permanece em silêncio por longos minutos. Não dá para saber
o que se passa na sua cabeça, mas não deve ser algo positivo. Meu pai não é
bom em aceitar mudanças e tampouco abrir mão de algo, mesmo que esse
algo seja o seu filho. Não sou um bem material.
— Ela te influenciou a tomar essa decisão?
Ela.
É irônico constatar que, mesmo distante, Anne ainda exerce um
grande impacto na minha vida.
— Ninguém me influenciou em nada.
Ele impulsiona o corpo para frente e dá um passo, se aproximando.
— Você vai se arrepender disso, Reed. — O tom de voz é aquele
que me acompanhou durante anos. A diferença é que, desta vez, não vou
me deixar ser influenciado. — Eu sei do que estou falando.
Nego e repouso a mão sobre o seu ombro largo.
— Não tem como eu me arrepender — digo com uma tranquilidade
que surpreende a nós dois. — Porque estou pedindo que você seja apenas o
meu pai. Nada além disso.
As minhas palavras exercem um tipo de golpe certeiro contra Ricky.
Ele ofega e se afasta. Minha mão cai ao redor do corpo. Meu coração erra
uma batida. A tensão se alivia em meus ombros. É como acordar de um tipo
de pesadelo que te perseguiu durante toda a noite.
A cabeça dele balança repetidas vezes e frases impossíveis de
entender são resmungadas. Um tipo de dor cruza o seu semblante e as mãos
afundam no couro cabeludo, bagunçando o cabelo.
Por fim, Ricky aperta a ponte do nariz e me encara de soslaio.
Eu o encaro de volta.
Há um tipo de conversa silenciosa se estendendo entre a gente.
Um laço se rompendo.
Um ponto final.
Ricky não diz absolutamente nada. Ele apenas concorda com um
aceno e entra novamente na BMW X5. A porta bate em um barulho que se
espalha por todo o estacionamento do complexo.
O vidro do motorista não é abaixado e o ronco do motor é tão baixo
quanto o respirar de uma criança.
Meu pai dá ré e vai embora. Sem hesitar. Sem nenhum remorso.
Sem nenhum tipo de arrependimento pelo o que aconteceu em todos esses
anos em nossa relação como pai e filho.
Não sei o que vai acontecer daqui para frente.
Não sei se ele vai aceitar as minhas condições.
Mas é um começo.
O começo do fim.
 
“Então, jamais pense que preciso de mais. Já tenho a única por quem viver.
Ninguém mais servirá. Estou te dizendo”
Over And Over Again | Nathan Sykes
 

 
— O que você acha de um cheesecake de frutas vermelhas?
Alex faz um barulhinho de aprovação e enche a boca com os
cookies que minha mãe acabou de tirar do forno. Desde que ele chegou, no
dia anterior, ela não para de cozinhar para a gente. Meu estômago ainda
nem se recuperou das outras receitas que ela fez.
Estou há uma semana em Sunbay, fingindo que ignorar Reed Rollins
é uma boa opção, no momento. Ele está ocupado demais com o último jogo
que vai garantir a vaga do time nos playoffs. Não quero ser um empecilho.
E aposto que, se nos vermos, Reed vai dar um jeito de me chutar
para fora da sua vida, bem do jeitinho que eu tentei fazer com ele.
A conversa que tive com Daisy foi esclarecedora de muitas formas.
Me fez enxergar a situação de outra perspectiva e entender que ter Reed ao
meu lado não é um erro. É possível amar mais do que uma coisa.
Eu amo o jornalismo.
Eu amo a minha liberdade.
Eu amo sanduíche de atum.
Eu amo donuts de framboesa.
E eu também amo Reed Rollins.
Sorrio para a xícara de café diante de mim. Admitir isso para mim
mesma não soa como pisar em um prego enferrujado. Também não faz o
meu coração se encolher. Agora ele está transbordando de sentimentos que
achei que não poderia sentir por alguém algum dia.
Sempre me achei meio vazia. Agora eu sinto que estou
transbordando de tudo aquilo que guardei durante anos dentro de mim.
— Já falou com ele?
Alex interrompe a linha dos meus pensamentos ao jogar o corpo na
cadeira da cozinha.
— Não.
— Por que não?
Pego um dos cookies do prato e mordo a pontinha.
— Porque não acho que seja a hora certa. Hoje ele tem um jogo
importante contra o UCL Ducks. Eu queria ter ido, mas não sei se ele quer
me ver depois do que falei. Ainda mais em um dia importante com esse. Eu
seria um para-raios de azar.
— O que você disse para ele que foi assim tão ruim?
Minha mãe coloca uma caneca de chá diante do um irmão e beija o
topo dos seus cabelos. Ela faz o mesmo comigo, mas faz uma careta diante
da xícara de café. Daisy detesta cafeína. É defensora número um dos chás.
— Eu disse que tê-lo na minha vida era um tipo de risco que não
queria correr — confesso. — Que ele estava me atrapalhando em seguir os
meus próprios sonhos.
Daisy e Alex fazem caretas idênticas.
— Você pegou pesado.
— Se eu falasse isso para o Gustaf, acho que ele pedia o divórcio.
— Pedia nada. O velho era gamadão em você, mãe — Alex
responde, dando um gole no chá e retornando a atenção para mim. — Mas o
que você falou foi golpe baixo. Você vai ter que encontrar um bom pedido
de desculpas.
— Eu sei. Por isso que estou procurando o momento certo para
conversar com ele. Não quero deixar as coisas piores do que já estão.
Minha mãe concorda e massageia minhas clavículas.
— Você vai encontrar, danadinha.
O momento de conforto é interrompido com o vibrar insistente do
meu celular em cima da mesa. O nome de Claire brilha na tela, o que me
deixa apreensiva. Ela não deveria estar no jogo? Minha amiga não faz o
tipo de namorada que perde um evento importante como esse.
E se aconteceu algo com Reed? E se ele brigou novamente com o
pai, mas dessa vez na frente da USVL inteira?
Puta merda.
— Anne?
Percebo que estou tremendo quando a mão de Alex segura o meu
pulso, fazendo pressão. Ergo o olhar, procurando fixar na imagem do seu
rosto. A preocupação dele é fácil de notar.
Prendo a respiração e pego o celular, atendendo a ligação. Os gritos
característicos da torcida ecoam ao fundo, juntamente da música alta. As
arquibancadas devem estar lotadas feito uma lata de sardinha.
— Claire?
Ela exclama alguma coisa, mas é difícil de entender. Repito o nome
dela diversas vezes, o que serve apenas para que o aperto na boca do meu
estômago fique insuportável.
— O Reed se meteu em uma briga durante o segundo quarto de
tempo! — grita, de forma afobada, a voz tentando se sobressair aos
barulhos.
Meu corpo inteiro gela.
— O quê? Com quem? Como aconteceu?
—Vem pra cá urgentemente!
Ela nem responde às minhas perguntas, apenas desliga na minha
cara.
Afasto o celular da orelha e olho novamente para Alex e minha mãe.
Os dois me observam com curiosidade, os dedos do meu irmão ainda
rodeando meu pulso. Gaguejo sobre a situação, ainda tentando assimilar as
informações. Reed não é do tipo que se mete em discussões, então algo
muito sério deve ter acontecido.
Merda.
Eu quero gritar.
— Pega o meu carro. — Alex puxa a chave do Ford Maverick de
dentro do bolso. — Que se dane a hora certa, Anne. Você tem que ir para
esse jogo agora.
Não tenho a chance de retrucar.
A chave pousa em minhas mãos e os próximos minutos se tornam
um borrão de acontecimentos em que eu funciono no automático.

Entrar no vestiário dos Rebels Of Horizon em um dos jogos mais


importantes da temporada foi mais difícil do que imaginei.
Tive que enganar, no mínimo, cinco seguranças e duas pessoas que
me abordaram no meio do caminho. Usei as desculpas mais horripilantes
possíveis e abusei do meu sorriso cordial. Me doeu as bochechas, mas o que
realmente importa é que me trouxe até aqui.
Atravesso aos tropeços o corredor que dá acesso aos vestiários e
empurro a porta com força. Meu coração parece que vai sair pela garganta e
mal consigo sentir as minhas pernas. Estou tremendo da cabeça aos pés.
E posso jurar que vou cair de joelhos ao ver Reed sentado em um
dos bancos. As costas largas estão curvadas e um saco de gelo é
pressionado contra a têmpora esquerda. A expressão corporal dele é
péssima, como quem foi jogado para fora do carro em uma noite chuvosa.
— Reed?
Minha voz nem soa como a minha. Ela se encontra vulnerável,
tímida e insegura, quase como uma extensão de mim mesma.
Reed ergue a cabeça ao som da minha voz. Há um roxo se formando
próximo do seu olho e uma sobrancelha cortada. O sangue já está seco,
indicando que a briga deve ter acontecido quase uma hora atrás. Levei mais
de vinte minutos para dirigir até aqui e mais uns cinco para conseguir
encontrar uma vaga no estacionamento. Entrar no complexo foi pior ainda.
— O que você está fazendo aqui?
Avanço um passo e fecho a porta. Não quero que nenhum segurança
entre aqui e me leve embora a pontapés. Essa é a única chance que eu tenho
de consertar a cagada que causei.
— Eu que te pergunto. — Cruzo os braços e dou mais um passo, me
aproximando. — O que você está fazendo aqui no vestiário?
Ele desvia o olhar e pressiona o saco de gelo com mais força,
soltando um gemido de dor.
— Reed — chamo-o novamente, cada um dos meus passos
acompanhando a pulsação acelerada, até que estou parada de frente para
ele. — O que aconteceu no jogo?
A cabeça é inclinada para trás, me dando uma visão completa dos
danos causados. Não está tão feio. O olho provavelmente vai inchar e um
roxo horroroso vai se mesclar com a pele branca. A sobrancelha cortada se
recupera rápido. Existem também pequenos arranhões na bochecha, um tufo
de grama no cabelo e manchas de terra no uniforme.
Estendo a mão em sua direção, mas paraliso na mesma hora.
— O que você acha? — Abaixa o saco de gelo e passa a mão pelo
cabelo bagunçado. O tufo de grama cai aos seus pés. — Fiz o que sempre
faço quando se trata de você: te defendi na frente do time inteiro. O resto
você pode imaginar como terminou.
Franzo o cenho, odiando a ideia dele ter me dado informações tão
rasas. Uma discussão que terminou em briga e com Claire me ligando não
me soa assim tão simples. Existe mais por trás.
— Não. Eu não posso imaginar como terminou.
Reed geme e me encara no fundo dos olhos. O castanho se encontra
diluído, em um tom muito semelhante ao preto. Mal consigo identificar as
pupilas.
— O jogo estava indo bem. Começamos pontuando para cima dos
UCL Ducks sem nenhuma dificuldade, mas então o Chad Eaton veio para
cima de mim perguntando se o motivo de termos terminado foi porque a sua
boceta perdeu a graça para mim. — As palavras cortam o ar, sujas e
indecentes, como Chad Eaton foi desde que nos conhecemos. — Como eu
não falei nada, ele continuou me provocando, dizendo que transou com
você por pena, porque sabia que você era uma foda ruim. Uma coitada que
perdeu o pai e ... — Reed engole em seco e fecha a mão livre em punho. —
E quando eu me dei conta, estava socando o nariz dele na frente da USVL
inteira.
Eu não ligo para o que Chad Eaton pensa de mim. Por mim, ele
pode ir para a puta que pariu. Mas deixar que Reed se meta na merda dessa
confusão por causa de uma coisa que um babaca falou sobre mim me deixa
com raiva.
— Por que você sempre faz isso? — Arranco o saco de gelo da sua
mão e pressiono eu mesma o machucado. — Me defende como se eu fosse
a sua namorada de verdade? Por que, Reed?
Reed respira fundo e encaixa a mão ao redor da minha cintura, me
puxando para perto. Meus joelhos batem contra as suas coxas e me apoio
em um dos ombros, pega de surpresa com o movimento. Ao olhar para o
rosto diante de mim, a vontade de chorar me atinge. Estamos há quase duas
semanas afastados e a sensação que tenho é de que se passaram meses. Não
vou conseguir ir embora daqui.
— Não acredito que você ainda não entendeu o motivo.
— Não tem como eu entender se você não me falar.
As pálpebras dele tremulam e os lábios se prendem em uma linha
rígida, não deixando espaço para que o bom humor surja. Nada de
piadinhas. Nada de provocações. Nada de comentários irônicos. Reed me
desnuda com tanto afinco que não há camada de roupa neste mundo capaz
de me manter escondida.
Os dedos dedilham a minha cervical e a outra mão se encaixa por
trás da minha coxa. O tecido do vestido é empurrado minimamente para
cima e eu não faço nenhuma objeção. Deixo que o toque me leve
novamente para aquelas lembranças em que estávamos juntos por causa de
um boato.
  Me concentro em cada detalhe da sua face, vendo-o lutar contra os
próprios sentimentos.
— Porque eu sou apaixonado por você, porra. Como você não
consegue perceber isso, Anne?
Como um golpe inesperado, a sua confissão me arranca o ar.
Me deixa zonza.
Me deixa perdida.
Me deixa sem reação.
— Desde quando?
Sou puxada para mais perto, de forma que agora eu posso sentir
cada parte minha se conectando à sua. A possibilidade de Reed estar
apaixonado por mim, tanto quanto eu estou por ele, me deixa sem chão.
— Desde a noite dos calouros. — Os dedos deslizam, procurando
pelos meus e os entrelaçando. — Fiz merda atrás da merda em todos esses
meses, mas meus sentimentos nem chegaram perto de mudar.
— Eu...
Reed aperta os dedos ao redor dos meus.
— Te defendi todas essas vezes porque não posso deixar alguém
falar merda sobre a pessoa que amo — murmura. — Eu já te disse uma vez,
mas vou repetir: você não faz ideia das coisas que eu faria em seu nome,
Anne. O mundo é pouco para tudo o que eu quero dar para você.
Paraliso.
Meus joelhos voltam a tremer e minha língua amortece dentro da
boca.
Não sei o que dizer.
Vacilo um passo para trás e a dor cruza o semblante de Reed. As
mãos caem ao redor do corpo e um longo suspiro é proferido. Posso sentir a
decepção sendo empurrada contra mim, me deixando dolorosamente
desesperada.
— Esquece o que eu falei. — Sacode a cabeça. — Nada é bom o
bastante para você. Já entendi.
Reed faz menção de levantar, mas aperto seu braço, empurrando-o
de volta para o banco. O movimento repentino o pega desprevenido e, por
estar acostumado a agir no automático, sou puxada para cima do seu colo.
Não tenho nenhuma dificuldade em me acomodar sobre as coxas torneadas
e firmar os pés no piso emborrachado.
— Não dá para esquecer, Reed — contesto e pouso o polegar
embaixo do seu queixo, levantando-o. — Você é mais do que bom. É
perfeito até demais.
— Então por que você fugiu de mim?
Respiro fundo, obrigando meu corpo a manter a calma, e volto a
pegar o saco de gelo, pressionando contra o machucado. Com a outra mão,
acaricio os detalhes que aprendi a memorizar nos últimos meses. Sou
apaixonada pela cicatriz quase invisível, pelas covinhas tímidas e pelo
sorriso sacana.
Reed é bom por inteiro.
— Quando meu pai morreu naquele acidente em alto mar, eu ainda
era uma criança. Não entendi, de imediato, o impacto que o falecimento de
uma pessoa pode ter em nossa vida. Minha mãe estava vivendo o luto da
forma mais intensa possível, então ela não estava lá para me ajudar a
entender. Eu tinha apenas o Alex e ele também era uma criança — conto,
deixando que cada confissão venha sem dificuldade. Quero que Reed
entenda quem eu sou de verdade. — O jeito que a gente passou a enxergar
os relacionamentos a partir desse acontecimento é complicado e marcado
por inseguranças.
Reed massageia um ponto atrás do meu pescoço, me incentivando a
continuar.
— Acreditei, por tempo demais, que minha mãe havia abdicado de
seus sonhos para se casar com Gustaf. Que os planos que ela havia feito
anos antes haviam ficado para trás e que a morte dele só serviu para que
esses sonhos fossem esquecidos de forma definitiva. Comecei a encarar os
relacionamentos como um risco. Um atraso permanente na minha vida
porque não fui capaz de perceber que Daisy ainda conseguiu realizar o que
havia planejado. Sozinha e com o meu pai.
— Foi por isso que você disse aquilo sobre eu ser um atraso na sua
vida.
Me encolho ao redor dos seus braços.
— Sim, mas porque meus sentimentos estavam confusos. Eu achei
que, se deixasse você entrar na minha vida, não haveria mais espaço para eu
conquistar o que queria. E ainda haveria o risco de você ir embora e eu
esquecer quem eu era antes de conhecê-lo.
Os lábios dele se curvam em um sorriso que se tornou o meu
favorito do mundo inteiro.
— Eu não vou a lugar nenhum, Annie. — O apelido me arranca um
sorriso. — Porque meu lugar é com você. Não consigo pensar em nenhum
lugar para estar que não seja aqui. Ou em qualquer outro que você decidir
estar.
As lágrimas pinicam para serem derramadas.
— Reed...
— Annie. — Ele beija a pontinha do meu nariz e depois o canto dos
meus lábios. — Eu estou aqui e vou continuar pelo tempo em que você
quiser que eu esteja. Vou te apoiar em cada um dos seus sonhos, vou vibrar
pelas grandes e pequenas conquistas e vou comprar todas as caixas de
donuts possíveis nas derrotas. Irei segurar a sua mão quando você decidir
atravessar o mundo e, se quiser, vou garantir que sempre haja um assento
reservado para você na arquibancada.
Enrolo meus dedos ao redor dos cabelos dele. Reed me observa com
tanta paixão no olhar que me sinto uma boba por ter considerado a
possibilidade dele não sentir o mesmo por mim. Dá para perceber de longe.
Ele grita em todos os idiomas que sempre foi meu, mesmo quando eu não
sabia que era dele também.
— Você não está magoado comigo?
Ele tira o saco de gelo da têmpora e o deixa em cima do banco, para
então beijar a ponta dos meus dedos gelados. Desce para o pulso e depois
retorna para o dorso.
— Um pouco, mas discussões fazem parte de qualquer
relacionamento, mesmo aqueles que são de mentira.
Deixo escapar uma risadinha. A tristeza que habitava o semblante de
Reed agora deu espaço para uma felicidade que se assemelha a aquela que
cresce dentro de mim. Se eu soubesse que a conversa seria tão
esclarecedora, não teria deixado que intermináveis dias tivessem se
passado.
— O que nós vamos fazer agora? Eu não sei como funciona esse
lance de namorar de verdade.
Reed faz um biquinho fofo e entrelaça as nossas mãos. Encaro-as,
admirando como meus dedos se encaixam com perfeição ao redor dos seus.
Ainda pareço uma formiguinha ao seu lado, mas uma formiguinha feliz pra
cacete.
— A gente descobre junto, joaninha. Mas você pode me beijar, se
quiser. Nos filmes, o final feliz costuma ser assim. 
Faço um comentário engraçadinho e resvalo minha boca na sua,
sentindo a maciez. O perfume inunda as minhas narinas, abraçando o meu
corpo em uma carícia invisível e cerro as pálpebras, deixando que as
sensações me dominem. As mãos de Reed passeiam por meus ombros e
descem até a minha cintura, me puxando para mais perto.
A respiração quente se junta à minha e pressiono os seios em seu
peitoral, mesmo que haja várias camadas de tecido nos separando. Mas isso
não me impede de senti-lo por inteiro. Posso sentir cada parte que
corresponde a minha. Cada parte que se encaixa com perfeição em mim.
Cada parte que foi feita minuciosamente para ser tocada somente por mim e
por mais ninguém.
Quando a boca se junta à minha, uma explosão de fogos de artifício
ocorre no gramado em que o jogo está acontecendo. Reed sorri entre o
beijo. Não sei se pela vitória do seu time ou por eu estar em seus braços. Eu
torço pelas duas opções, porque agora eu sei que dá para amar duas coisas.
A língua brinca com a minha, não aprofundando o beijo do jeito que
eu quero. Me remexo em seu colo, desejando que ele entenda que não quero
que esse momento seja lento.
Quero que seja quente, como nós dois sempre fomos juntos.
Meu lábio inferior é repuxado entre os dentes e, antes que eu possa
agarrar os ombros dele e beijá-lo como se estivesse procurando por uma
gota de água no deserto, Reed se afasta. Abro os olhos, observando as íris
fixas nas minhas. Estrelas brilham ali, mesmo que haja a porra de um sol
iluminando o céu de dezembro.
— Isso é você finalmente cedendo para mim, Scott?
— Isso sou eu dizendo que estou apaixonada por você, Rollins.
Reed, depois de tanto esperar, me dá o que pedi desde o começo: o
beijo digno de um filme de comédia romântica. Não há gotas de chuva
caindo do céu como na cena final de Uma Nova Cinderela, mas existe o
sentimento, tão forte quanto o de Austin Ames e Sam Montgomery.
Eu sei que vamos ter discussões em nosso relacionamento.
Vamos brigar.
Vamos perdoar.
Vamos conhecer os limites.
Vamos, acima de tudo, descobrir como funcionamos juntos.
Mas eu estou disposta a amadurecer ao seu lado, crescer
profissionalmente e intelectualmente. Quero estar na arquibancada, daqui a
alguns anos, torcendo por ele e usando a droga da camiseta com o seu nome
estampado nas costas.
Quero ser feliz.
Porque nós dois merecemos isso.
Eu mereço Reed Rollins.
— Eu esperei muito tempo por isso — Reed murmura, se afastando
e encarando a minha boca. — Não acredito que um boato precisou surgir
para eu conseguir te beijar.
Abro um sorriso arrogante que sei que o tira do sério.
— Isso é você dizendo que não se garante sozinho?
Ele morde a ponta do meu queixo.
— Esse sou eu dizendo que todos os boatos do mundo me levariam
até você, joaninha.
E eu sorrio.
Sorrio do jeito mais apaixonado possível porque o acordo, que
começou do jeito mais improvável de todos, terminou sendo a melhor coisa
que poderia ter acontecido na minha vida.
E não tem como eu me arrepender disso.
Não mais.
 
 
 

 
Existem pequenos detalhes que ninguém conta sobre estar
namorando.
A primeira delas é que você, normalmente, não começa um
relacionamento fingindo que ele é de verdade.
A segunda é que o vício de sua namorada em donuts de framboesa e
sanduíche de atum pode ser preocupante.
A terceira, e mais importante, é que comemorar um ano de namoro é
um desafio.
Não porque você passou ileso de inúmeros assassinatos nos últimos
doze meses — o que é um pouco o meu caso —, mas porque teve que
descobrir uma forma de surpreender a sua namorada quando já esgotou de
todas as opções possíveis desde que decidiram transformar o
relacionamento de mentira em um relacionamento de verdade.
Anne Scott é exigente.
E eu sou um bobo apaixonado por ela.
— Mantenha os olhos fechados — peço em seu ouvido, ajudando-a
a contornar as mesas vazias do Bistrô Boucherie. — Isso, só mais alguns
passos.
Anne resmunga, os olhos escondidos pela venda. Os sapatos de salto
batucam contra o piso encerado que poderia refletir até a minha alma, se
quisesse.
— Você está dizendo isso há quase meia hora, Reed. Daqui a pouco,
vou ter atravessado os Estados Unidos inteiro.
— Não seja tão impaciente. Se continuarmos assim, vou terminar o
próximo ano com cabelos brancos por sua causa.
Ela finge um choramingo e aperta os dedos ao redor dos meus,
preocupada em perder o equilíbrio.
Desvio de uma torre de taças e giro seu quadril, mudando a direção.
Na minha cabeça, montar um jantar romântico à luz de velas soava incrível.
Agora me soa como uma ideia desastrosa. A falta de uma iluminação
decente está fazendo o percurso durar além do que deveria.
— Eu acho cabelos brancos um charme. Vão te deixar com um cara
de velho gostoso.
Faço uma careta diante da sua frase.
— Tem algo que você queira me contar, Annie?
Anne dá aquela risadinha que se tornou frequente nesse último ano
do nosso relacionamento e vira levemente o rosto para o lado, seguindo o
som da minha voz. Há um sorriso brincando em sua boca pintada de batom
vermelho. Estou ansioso para ver esses lábios envolvidos ao redor do meu
pau.
A cena tem se repetido por longos dias desde que ela me chupou de
surpresa após o treino dos Rebels Of Horizon no banco de trás do meu Jeep.
O batom borrado, combinado com o sutiã vermelho que comprei, deixou-a
ainda mais gostosa — e eu achei que isso nem fosse possível.
— Nada, não. Eu apenas andei assistindo Uma Linda Mulher em
looping desde que a Claire se mudou para Los Angeles.
A mudança de Claire foi um acontecimento que pegou todos nós
desprevenidos. Após o desfile, que conquistou a atenção de pessoas
importantes, ela recebeu uma proposta de estágio meses depois. Como
Dave também foi draftado pelo Las Vegas Raiders, a proposta caiu como
um presente dos céus na vida deles.
Eles estão mais felizes do que nunca, embora Anne sinta saudades
de Claire e a ausência de Dave no time é um buraco difícil de preencher,
mesmo que o novo quarterback seja tão bom quanto ele foi.
— Prometo que, daqui a alguns meses, a gente pode viajar para
visitá-los.
Anne se empolga ao redor dos meus braços e eu preciso apertá-la
para que não tropecemos. Vejo, ao longe, a mesa que Gina preparou para a
gente e contenho o alívio. Mais um segundo andando no escuro e vou
arrancar os meus cabelos.
— Eu já disse que te amo hoje? — Anne diz, manhosa.
— Talvez, mas eu não vou reclamar de ouvir mais um milhão de
vezes.
Se não estivesse usando a venda, aposto que ela reviraria os olhos
esverdeados para mim. Vê-la feliz e realizar os seus desejos se tornou
praticamente um passatempo para mim. O sorriso que recebo todas as vezes
é recompensador para caralho e me faz ter a certeza de que me apaixonei
pela garota certa.
— Nós já estamos chegando? — pergunta ao dar um passo e parar
ao sentir o salto enroscar no tapete. — Reed? Que merda você está
aprontando? Se isso aqui for um clube de strippers, saiba que eu não vou
tirar a roupa. Eu vim sem calcinha.
Engulo uma risadinha.
— Isso é você pedindo, de novo, para que levante a sua saia e
afunde os dedos na sua boceta quente e gulosa?
Ela geme de um jeito sofrido.
— Os seus dedos e o seu pau, por favor.
Solto um arquejo, surpreendido com a sua boca suja, e paro os
nossos passos diante da mesa com o candelabro aceso. Gina caprichou na
decoração, como eu pedi. As taças de vinho repousam sobre a mesa e os
pratos de entrada esperam pela gente no carrinho dourado. Há também
pequenos pisca-pisca colocados no teto, imitando o céu estrelado de
Sunbay.
Tiro a venda dos olhos de Anne e um suspiro extasiado preenche o
silêncio do bistrô.
— O que é isso?
Pouso as mãos nos ombros descobertos pelo vestido de alcinhas e
sopro o ar quente em seu pescoço. Os cabelos foram presos em um coque
elaborado, me dando livre acesso a uma das partes favoritas do seu corpo.
— Um presente.
— Por eu te chupar depois de um treino difícil?
Sorrio.
— Pode ser também. Mas, principalmente, por ser a melhor
namorada do mundo. Embora seus gostos alimentares sejam um tanto
quanto preocupantes, eu ainda não consigo imaginar uma vida sem que
você esteja ao meu lado.
Anne gira sobre os saltos, ficando de frente para mim. Contemplo
cada detalhe que a compõe. Os cabelos loiros, os olhos brilhantes e astutos,
os lábios perfeitamente desenhados e as maçãs do rosto magras.
Anne é como um anjo.
— Eu ainda sou péssima com declarações.
— Eu não me importo. — Uno as nossas mãos e a pouso sobre o
lado esquerdo do meu peito. — Eu sei o que você sente, porque eu também
sinto. Desde o momento em que acordo até que vou dormir, é em você que
eu penso, Annie. Não há espaço para outra pessoa no meu coração. 
Ela aperta os lábios em uma linha reta e se aconchega em meus
braços, deitando a cabeça bem no lugar em que está o meu coração. Ele
bate por ela há tanto tempo que nem sei como é imaginar uma vida sem
Anne Scott. Estou acostumado a tê-la em cada maldito segundo em que
respiro. A cada pulsar. A cada amanhecer e anoitecer.
— Meu coração também é seu, Reed. — A voz dela soa levemente
abafada. — E eu posso ser ruim falando dos meus sentimentos, mas eu
quero que saiba que eu amo você. Amo tanto que chega a doer. Amo
quando assisto algum filme brega dos anos 90, quando passo em frente a
uma loja de lingeries e quando vejo um Jeep passando nas avenidas de
North Groove. Eu amo que você esteja marcado em cada parte minha.
Encaixo a mão ao redor do seu pescoço e puxo sua boca para um
beijo. Movimento os lábios e faço o mínimo de pressão possível, consciente
de que os beijos lentos sempre a deixam sedenta por mais. Quero ouvir
Anne gemendo o meu nome baixinho para que depois, quando todos os
pratos forem servidos, eu possa fodê-la em cima da mesa do bistrô.
Eu fechei o estabelecimento justamente para isso. Para que ninguém
escute o que eu faço com ela. Para que ninguém escute o som dos seus
gemidos. Para que ninguém saiba que meu pau se encaixa com perfeição
dentro da sua boceta.
— Feliz um ano de namoro, joaninha.
Ela entreabre os olhos, meio trêmula, e franze a pontinha do nariz.
— Do namoro de mentira?
Acho graça. A inocência dela me deixa com vontade de beijá-la
novamente.
— Não tem nada de mentira no quanto eu te amo. — Passo a língua
pelo cantinho da sua boca e uso a mão livre para apertar a sua bunda. Como
ela disse, não há a merda de nenhuma calcinha encobrindo sua boceta. — A
única mentira que vamos ter que contar é sobre o que viemos fazer aqui.
Um sorriso eleva as bochechas coradas.
— Não viemos aqui para jantar?
— Só se o jantar for você.
Anne me dá um beliscão e solta um gritinho quando encaixo meus
braços por debaixo de suas coxas e a pego no colo. A risada animada atinge
em cheio o meu coração apaixonado, me dando a certeza de que essa noite é
sobre nós dois e o nosso amor infinito.
Mas também é sobre a ausência de calcinhas.
 
 
 
 
Esse é o quarto livro que eu escrevo.
E a sensação de ter concluído mais uma história é sempre diferente.
Anne Scott e Reed Rollins surgiram de outra forma. Não foi como
aconteceu com os meus outros personagens. Eles fizeram a sua primeira
aparição em Antes de Você Dizer Adeus e, logo no primeiro diálogo, eu
soube que eles seriam protagonistas. Eles tinham aquela vibe que eu amo e
que fica impossível de apagar da cabeça. Quando me dei conta, eu tinha um
título provisório, um enredo e uma pasta no Pinterest.
Mas eu decidi esperar. Comecei a escrever outro livro, porque achei
que não era a hora deles. Eu não podia estar mais enganada. Era a hora
deles, sim, porque Anne e Reed não paravam de fazer barulho na minha
cabeça. Eu acordava e dormia pensando deles. Então, abri um novo arquivo
no Word e deixei as palavras fluírem. Deixei eles contarem a história deles.
Deixei, durante seis meses, eles serem os meus maiores companheiros.
Deixei que eles falassem comigo, chorassem, desabafassem e mudassem o
enredo que planejei.
Deixei que Anne e Reed tivessem o seu felizes para sempre.
E agora, depois de meses, vocês tiveram a oportunidade de ler e
conhecer mais sobre esses dois personagens tão incríveis e maravilhosos.
Mas nenhuma página desse livro existiria se não fosse pelas várias
pessoas que tenho ao meu lado diariamente, seja presencialmente ou do
outro lado do computador. Seja para me apoiar, me incentivar a não desistir
ou para dizer que a minha ideia é um lixo e que preciso pensar em outra
coisa — sim, vocês sabem que estou falando de vocês!
Meu maior agradecimento é para os melhores pais que esse mundo
poderia ter me dado. A escrita desse livro aconteceu, quase que
inteiramente, na casa de vocês e eu não poderia ser mais grata por todo o
suporte que me dão diariamente. Obrigada por acreditarem no meu
potencial, nos meus sonhos e na minha vontade de escrever. Compartilhar
da vida ao lado de vocês, como a família feliz que somos, é o motivo do
meu maior sorriso. Amo vocês!
E por falar em família, não posso deixar de falar da pessoa que
entrou de mansinho na minha vida e se tornou como uma irmã para mim.
Maria Clara, você ocupa um espaço tão importante no meu cotidiano que
nem sei colocar em palavras. Esse ano tivemos a oportunidade de nos
conhecermos pessoalmente e isso só me deu ainda mais a certeza que a
gente tem um encontro de almas! Obrigada pelos conselhos, pelos puxões
de orelha, pelos jogos de futebol americano que assistimos juntas, pelos
livros lidos em conjunto e pelos áudios zoados. O processo de escrever se
torna muito mais divertido com você ao meu lado. Te amo, cara de bunda!
À Sofia Degan (@eulimaisum), a amiga mais incrível que o mundo
da escrita poderia ter me dado. Anne e Reed não existiriam, nem em um
1%, se não fosse por você. Obrigada pelas ideias de enredo, pelas sugestões
de hot, pelos surtos em cada capítulo lido durante a madrugada e pela
amizade diária, apesar dos blocks. Compartilhar desse processo ao seu lado
me incentivou a não desistir. Agora a gente pode encher a cara e sair
beijando 60 pessoas! Eu te amo, sua chata!
À Anaju, a melhor beta (e treinadora) do mundo inteiro que me
acompanha desde a época do Wattpad. Nossas conversas no WhatsApp são
sempre uma bagunça e nossa saúde é de centavos, mas a nossa amizade é de
milhões. Obrigada por desacreditar (risos) que Anne e Reed NÃO
mereciam um livro inteiro e por apontar cada defeito que deveria ser
melhorado. Estou ansiosa para o nosso encontrinho em um bar insalubre.
TE AMU!
À Leonor Carvalho, a minha portuária favorita! Fizemos alguns
pequenos sprints de escrita, surtamos juntas e trocamos várias ideias de
enredo quando tudo aqui ainda era mato. Agradeço infinitamente por ter
você ao meu lado, por sua amizade de milhões de euros e por sermos tão
diferentes, mas tão iguais. Te amo pra cacete e venha visitar as Fifis logo,
por favor!
À Beatriz (@brennellygram), a responsável pelo título deste livro!
Um Acordo Improvável vai carregar para sempre um pedaço seu e eu
espero, do fundo do meu coação, que Anne e Reed conquistem um espaço
no seu coração como Dakota e Dean. Eu te amo muito muito e sou grata por
todo o apoio que você me dá diariamente.
Ao Vitor Matheus, o número um em acompanhar meus surtos de
escrita, meus problemas de vida pessoal e o revisor que faz todos os meus
livros ficarem perfeitinhos em cada detalhe. Obrigada por esses infinitos
anos de amizade, pelos deboches e por jogar verdades na minha cara! (Eu
sei que mereço).
À Isabeli e Julia, os meus amorzinhos do coração. Ter vocês
acreditando em mim, apesar da distância, sempre vai me arrancar os
maiores sorrisos. Estou ansiosa para a gente se ver novamente, beber vinho,
fofocar sobre a vida e chorar as pitangas e cantar até que a vizinha venha
bater na porta pedindo silêncio (risos nervosos). Amo vocês!
À Mariane, que acompanha meu processo sempre de longe, mas que
nunca deixa de me influenciar de alguma forma. Obrigada por ser essa
pessoa incrível durante todos esses anos de amizade. Te amo muito!
Por último, mas não menos importante, a todos os meus leitores que
me acompanham desde a época do Wattpad, que vieram de SHE, que me
conheceram através de ADVDA ou que estão aqui pela primeira vez. O
apoio de vocês me incentiva a não desistir, mesmo quando o que mais quero
é fugir de qualquer coisa relacionada à escrita. Se cada uma das minhas
histórias existem, é por causa de vocês!
Muito obrigada por me apoiarem através de posts no Instagram,
Reels, Tik Toks, stories e mensagens no privado. Amo vocês até o infinito!
E se você chegou até aqui, agradeço pela leitura! Espero que Um
Acordo Improvável tenha lhe tocado de alguma forma.
A gente se vê em breve com a história de um certo personagem aí
(hehehehe).
 

 
 
 
[1] É o responsável por receber a bola lançada pelo quarterback.
[2] O quarterback é o principal jogador do time, responsável por passar a bola e arquitetar as jogadas
ofensivas.
[3] O cornerback joga nas laterais do campo e é responsável por seguir o wide receiver do time rival
pelo campo e derrubá-lo em caso de recepção;
[4] Período de folga da NFL;
[5] Os defensive tackle ficam no meio da linha defensiva e são responsáveis por bloquear as corridas
do adversário;
[6] Os defensive ends jogam nas extremidades da linha defensiva e tem por objetivo sacar o
quarterback do time adversário e impedir a corrida pela lateral do campo;
[7] Pads são peças de plásticos revestidas de borracha. Elas são utilizadas em bolsos internos da calça
para proteger coxa, quadril e cóccix; 
[8] É o ato de derrubar o quarterback adversário antes mesmo que ele consiga entregar a bola a um
companheiro de ataque;
[9]  Pontuação máxima no futebol americano. É quando um time consegue chegar até a endzone do
adversário;
[10] O running back é o corredor do time. Pode ser half-back (correm com a bola) ou fullback (são
bastante usados para bloqueio);
[11] Originário da era pré-colombiana, esse prato é basicamente uma sopa ou guisado feito de milho
que leva também carne de porco ou de galinha.
[12] Os Licuados são sucos de frutas misturados com leite ou iogurte.  
[13] No Brasil, o título foi traduzido para “O Plano Imperfeito”.

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