TCC CADE Rafael - 230112 - 194338
TCC CADE Rafael - 230112 - 194338
TCC CADE Rafael - 230112 - 194338
Florianópolis
2022
Rafael Assumpção Momm
Florianópolis
2022
Rafael Assumpção Momm
Este Trabalho Conclusão de Curso foi julgado adequado para obtenção do Título de “Bacharel
em Direito” e aprovado em sua forma final pelo Curso de Graduação em Direito da
Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.
________________________
Prof. Dr. Luiz Henrique Cademartori
Coordenador do Curso
Banca Examinadora:
________________________
Prof. Dr. Everton das Neves Gonçalves
Orientador
Universidade Federal de Santa Catarina
________________________
Ma. Amanda Karolini Burg
Membra
PPGD/UFSC
________________________
Me. André Luiz Silveira de Lima Júnior
Membro
PPGD/UFSC
Aos meus pais, por todo o incondicional amor e apoio.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente e, de modo indubitável, mais importante, aos meus pais Luiz Cláudio
Momm e Márcia Assumpção Lima Momm, por todo o incondicional amor e apoio durante
toda a minha jornada. Desde pequeno, deram-me todos os incentivos possíveis para que eu
pudesse alcançar meus objetivos. Sem vocês dois absolutamente nada seria possível.
Estendo tais palavras, de similar modo, aos meus avôs, madrinha e padrinho, os
quais, inevitavelmente, participaram também dessa conquista de modo marcante.
À minha namorada Beatriz Figueredo Will, por todo o suporte durante a reta final
dessa trajetória acadêmica. E palavras positivas. E mais incentivos. Sua chegada em minha
vida ocorreu em excelente momento.
Aos meus amigos, os quais abdico de individualizar, mas semelhantemente
relevantes em minha trajetória, sejam aqueles que estão comigo desde o extinto Colégio Vida
& Cor, ou até mesmo aqueles que fiz na Universidade Federal de Santa Catarina, por todas as
experiências, alegrias, encontros e, de modo geral, pelo carinho e sentimento de
pertencimento sempre ofertado a mim.
Ao meu orientador Dr. Everton das Neves Gonçalves, em primeiro lugar, pela paixão
pela matéria concorrencial, a qual despertou, em mim, o anseio de escrever sobre a temática
antitruste na presente pesquisa e, igualmente, pela ampla disponibilidade para discorrer sobre
a disciplina e auxiliar na monografia.
Não menos relevante, faz-se necessário tecer agradecimentos aos Desembargadores
Alexandre d´Ivanenko e João Batista Goés Ulysséa, do Tribunal de Justiça do Estado de Santa
Catarina, e suas respectivas equipes, por abrirem as portas profissionais para mim e
auxiliarem-me profundamente nas minhas primeiras oportunidades de convivência com o
universo jurídico na prática.
Finalmente, à Coordenadoria de Recursos Criminais do Ministério Público do Estado
de Santa Catarina, representada nas pessoas dos Procuradores de Justiça Abel Antunes de
Mello e Ary Capella Neto, por todos os ensinamentos transmitidos durante estes últimos dois
anos.
Fusões são como casamentos. São a união de dois indivíduos. Se você não se casaria
com alguém pelas “eficiências operacionais” oferecidas no funcionamento
doméstico, então porque você combinaria duas companhias com culturas e
identidades singulares por esse motivo? (SINEK, 2010, tradução nossa)1.
1
Mergers are like marriages. They are the bringing together of two individuals. If you wouldn´t marry someone
for the “operational efficiencies” they offer in the running of a household, then why would you combine two
companies with unique cultures and identities for that reason?
RESUMO
The present Final Paper aims to analyze and understand the performance of the
Administrative Council for Economic Defense when judging merger operations submitted to
its scrutiny, more specifically in the hypothesis of restrictions agreement to approve the
operation. In this sense, in the first Chapter, its necessary to comprehend the evolution of the
competition discipline in Brazil, from the legal diplomas sanctioned since the Brazilian
Constitution of 1934, adressing, mainly, the Law n. 4.137/62, the Law n. 8.884/94 and
catching up, finally, the Law n. 12.529/11. In other hand, the second part of the monograph is
dedicated to the understanding of the criteria used for the merger control in Brazil and,
therfeore, the analysis of such parameters from the perspective of the Law n. 8.884/94 and the
Law n. 12.529/11, in addition to a commercial oversight of merger and of incorporation under
the Civil Code of Brazil of 2002. The bibliography used go through, mostly, the lessons of
Paula A. Forgioni and Roberto Domingos Taufick. Lastly, in the third Chapter, it is taken
place a case study, through jurisprudential examination on the website of the National
Antitrust Agency, in order to identify the merger operations approved with restrictions during
2020 and, consequently, examine each one of these decisions, aiming to indetify the criteria
utilized by the Autarchy to enforce the restrictions to the merging companies, as well as the
remedies imposed to extenuate the negative effects to the competition provoked by such
transactions. The methodology used in the essay, therefore, is the deductive.
AC Ato de concentração
ACC Acordo em Controle de Concentrações
CADE Conselho Administrativo de Defesa Econômica
CC Código Civil
CC/02 Código Civil do Brasil de 2002
CEUB/37 Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937
CFRB/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
CREUB/34 Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934
DEE Departamento de Estudos Econômicos
HHI Índice Herfindahl-Hirschman
OPS Operadoras de planos de saúde
PL Projeto de Lei
RICADE Regimento Interno do Conselho Administrativo de Defesa Econômica
SAMP SAMP Espírito Santo Assistência Médica Ltda.
SBAH São Bernardo Apart Hospital S.A.
SBDC Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência
SBS Casa de Saúde São Bernardo S.A.
SDE Secretaria de Direito Econômico
SEAE Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade
SG Superintendência-Geral
SNDE Secretaria Nacional de Direito Econômico
TADE Tribunal Administrativo de Defesa Econômica
TCC Termo de Compromisso de Cessação
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 13
1.1 OBJETIVOS .......................................................................................................... 14
1.1.1 OBJETIVO GERAL ........................................................................................... 15
1.1.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ............................................................................. 15
2 O SISTEMA BRASILEIRO DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA .............. 16
2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS DA CONCORRÊNCIA NO BRASIL ..................... 16
2.1.1 A LEI N. 4.137/62 ................................................................................................ 20
2.1.2 A LEI N. 8.884/94 ................................................................................................ 23
2.2 A LEI N. 12.529/11 ............................................................................................... 27
3 O CONTROLE DOS ATOS DE CONCENTRAÇÃO NO BRASIL .............. 32
3.1 O HISTÓRICO DOS CRITÉRIOS NORMATIVOS NA LEI N. 8.884/94 .......... 33
3.2 ATOS DE CONCENTRAÇÃO ECONÔMICA NA LEI N. 12.529/11 ............... 37
3.3 VISÃO COMERCIAL DA INCORPORAÇÃO E DA FUSÃO A PARTIR DO
CÓDIGO CIVIL ....................................................................................................................... 47
4 OS ATOS DE CONCENTRAÇÃO APROVADOS COM ACORDO PELO
CADE EM 2020 ...................................................................................................................... 50
4.1 BRINK´S E TECNOGUARDA ............................................................................ 51
4.2 THE WALT DISNEY COMPANY E TWENTY-FIRST CENTURY FOX ........ 54
4.3 ATHENA SAÚDE ESPÍRITO SANTO, CASA DE SAÚDE SÃO BERNARDO
E SÃO BERNARDO APART HOSPITAL............................................................................. 57
4.4 HYPERA E BOEHRINGER INGELHEIM .......................................................... 61
4.5 SUPERMERCADOS BH E COMÉRCIO E DISTRIBUIÇÃO SALES ............... 63
4.6 GRUPO SBF E NIKE DO BRASIL ...................................................................... 66
4.7 PROSEGUR E SACEL ......................................................................................... 69
4.8 A ATUAÇÃO DO CADE PARA APROVAÇÃO COM ACORDO DAS
OPERAÇÕES ........................................................................................................................... 72
5 CONCLUSÃO ...................................................................................................... 76
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 78
13
1 INTRODUÇÃO
2
Vide reportagem do G1, “Cade aprova compra de parte da Embraer pela Boeing” (2020).
3
Vide reportagem da Telepadi/Folha, “Cade aprova compra da FOX Sports pela Disney com 3 anos de garantia
do canal” (2020).
4
Vide reportagem do Estadão, “Cade firma acordo com Nike e Centauro para aprovar operação entre empresas”
(2020).
14
matéria concorrencial como um todo, tanto a sua parte procedimental, quanto material, não se
dedicando apenas a partes da temática.
Em sequência, passar-se-á a análise dos critérios fixados, anteriormente, pela Lei n.
8.884/94 e, atualmente, pela Lei n. 12.529/11 para a análise dos atos de concentração levados
ao conhecimento do CADE, bem como das medidas a serem aplicadas nos casos em que a
Autarquia identificar que a operação tenha a possibilidade, em alguma medida, de ocasionar
desequilíbrios competitivos no mercado relevante, favorecendo, ainda que indiretamente, a
formação de oligopólios ou, até mesmo, monopólios. Do mesmo modo, far-se-á apresentação
sobre os institutos da incorporação e da fusão pelo prisma do Código Civil do Brasil de 2002
(CC/02).
Por fim, em busca de solucionar a problemática desse trabalho, quais sejam os
requisitos e condições específicos que direcionam o CADE a aprovar, com restrições,
determinados atos de concentração submetidos à sua análise, e quais remédios aplicados para
tanto, em busca da defesa da concorrência, realizar-se-á pesquisa jurisprudencial das decisões
do Órgão, durante o ano de 2020 (período de 01-01-2020 até 31-12-2020), disponibilizadas no
seu website, a fim de desvendar a sua atuação e a fundamentação nos casos concretos.
1.1 OBJETIVOS
5
Trata-se de expressão utilizada para denominar as empresas envolvidas em atos de concentração, vide, por
exemplo, os Atos de Concentração n. 08012.000212/2002-30, entre PepsiCo e CBB, e n. 08012.012223/1999-
60, entre WL Cumbica, Warner-Lambert e Kraft Lacta, bem como a dissertação de mestrado de Levi Borges de
Oliveira Veríssimo, “Killer acquisitions: Teoria das aquisições eliminatórias e proteção da inovação nos
mercados digitais sob a ótica da defesa da concorrência” (2021), e de Luiz das Neves, “O modelo Antitruste
Brasileiro (Lei n° 12.529/2011)” (2015).
15
De outra parte, no art. 142 da Carta de 37, dispunha-se que a legislação fomentaria a
economia popular, assegurando-lhe garantias especiais, bem como crimes contra essa esfera
serão equiparados aos crimes contra o Estado.
18
Ainda sobre a ordem econômica, a Constituição de 1937, em seu art. 144, previu a
possibilidade de nacionalização progressiva, a partir de previsão em lei, de indústrias
consideradas básicas ou essenciais à defesa econômica do Brasil.
No ano seguinte, houve a entrada em vigor do Decreto-lei n. 869/38, de 18 de
novembro, originado no Poder Executivo, o qual tratou, majoritariamente, sobre as condutas
econômicas que seriam consideradas ilícitas, com penas de até 10 anos de prisão e altas
multas, em busca de salvaguardar a constitucional economia popular (BRASIL, 1938).
Nesse diapasão, pela primeira vez no Brasil foram aprovadas normas antitruste que
perduram até as mais recentes leis concorrenciais, como, por exemplo, a manipulação da
oferta e da procura (art. 2°, I e II), a venda de mercadorias abaixo do preço de custo a fim de
impedir a concorrência (art. 2°, V) e o ajuste entre empresas para fixação de preços (art. 3°, I)
(FORGIONI, 2005, p. 115).
Outro ponto relevante no Decreto-lei supracitado é a inclusão da conduta de
“promover ou participar de consórcio [...] ou fusão de capitais, com o fim de impedir ou
dificultar, para o efeito de aumento arbitrário de lucros, a concorrência em matéria de
produção, transporte ou comércio” (art. 2°, III) como delito contra a economia popular
(BRASIL, 1938).
Sete anos depois, foi aprovado o Decreto-lei n. 7.666/45, conhecido popularmente
como “Lei Malaia”, projeto do político Agamenon Magalhães. Nesse diapasão, afirma
Forgioni (2005, p. 120) que esta lei modificou completamente o rumo da matéria
concorrencial no Brasil, disciplinando a matéria não mais de modo diluído ou esparso, mas,
sim, “de forma específica, sistemática, voltando-se de forma firme e direta contra o abuso de
poder econômico”.
Ademais, pode-se dizer que o surgimento do antitruste no Brasil foi extremamente
pautado pelas noções de nacionalismo e protecionismo, em que o poder econômico derivado
do capital estrangeiro colocaria em xeque a soberania e estabilidade pátrias. Não apenas isso,
denota-se a conexão da referida política com o discurso de que havia necessidade do Estado
atuar firmemente para garantir a livre concorrência entre os atores econômicos (FORGIONI,
2005, pp. 117/119).
Dentre os pontos mais relevantes trazidos pelo Decreto-lei n. 7.666/45 (BRASIL,
1945) estão, logo no art. 1°, os atos considerados contrários aos interesses da economia
nacional e, no art. 5°, as práticas consideradas nocivas ao interesse público.
19
Art. 11. Não terão validade, senão depois de aprovados e registrados pela C.A.D.E.
os atos, ajustes, acordos ou convenções entre empresas comerciais, industriais ou
agrícolas, de qualquer natureza ou entre pessoas ou grupo de pessoas vinculadas a
tais empresas ou interessadas no objeto de seus negócios, que tenham efeito: a)
equilibrar a produção com o consumo; b) regular o mercado; c) estabilizar preços; d)
padronizar ou racionalizar a produção; e) estabelecer uma exclusividade de
distribuição em detrimento de outras mercadorias do mesmo gênero ou destinadas à
satisfação de necessidades conexas.
No mesmo ano, contudo, poucos dias após a deposição do então Presidente Getúlio
Vargas, em 9 de novembro, o Decreto-lei n. 8.176/45 foi exarado, por José Linhares, à época
Presidente do Supremo Tribunal Federal e, brevemente, Presidente da República por
convocação, revogando as disposições da Lei Malaia.
Não obstante o pequeno desenvolvimento ocorrido no tocante à regulamentação da
matéria concorrencial no Brasil até 1945, somente 16 anos após a promulgação da
Constituição de 1946 é que o País se deparou com novos avanços da disciplina, a partir da Lei
n. 4.137/62.
Art. 74. Não terão validade, senão depois de aprovados e registrados pelo CADE os
atos, ajustes, acordos ou convenções entre as empresas, de qualquer natureza, ou
entre pessoas ou grupo de pessoas vinculadas a tais empresas ou interessadas no
objeto de seus negócios que tenham por efeito: a) equilibrar a produção com o
consumo; b) regular o mercado; c) padronizar a produção; d) estabilizar os preços; e)
especializar a produção ou distribuição; f) estabelecer uma restrição de distribuição
em detrimento de outras mercadorias do mesmo gênero ou destinadas à satisfação de
necessidades conexas.
6
Tal enunciado, contudo, foi alterado por meio da Lei n. 8.158/91.
7
Trata-se, em verdade, da Emenda Constitucional n. 1, de 17 de outubro de 1969, popularmente chamada de
“Constituição de 1969”.
22
similarmente, sobre a repressão ao abuso do poder econômico, sendo este descrito como o
domínio dos mercados, a pulverização da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros.
Todavia, como é notório, não houve eficácia relevante do CADE durante a vigência
da Lei n. 4.137/62, muito por conta da falta de credibilidade do Órgão perante a sociedade e o
empresariado, bem como pelas constantes “intromissões” do Poder Judiciário nas decisões do
Conselho e pela baixa preocupação do Governo em fomentar as atividades e os objetivos do
Órgão.
Forgioni (2005, p. 141), sobre a efetiva relevância e aplicação da Lei n. 4.137/62,
assim se manifestou:
Ao que tudo indica, em seu período de vigência, sem embargo de alguns breves
“surtos” ou “ondas” de aplicabilidade, a Lei Antitruste de 1962 não encontrou uma
maior efetividade na realidade brasileira, não sendo possível identificar qualquer
atuação linear e constante de uma política econômica que se tenha corporificado em
uma política da concorrência (2005, p. 141).
Tal fato, então, ensejou a necessidade de discussão e redação de uma nova lei
antitruste, a qual entraria em vigor tão somente no final da primeira metade da década de
1990.
Durante os debates sobre a temática, no entanto, em 8 de janeiro de 1991, foi
promulgada a Lei n. 8.158/91, pelo então Presidente da República Fernando Collor de Mello,
originado do Projeto de Lei de Conversão (CN) n. 61, de 1990, de autoria da Comissão Mista
do Congresso Nacional.
Para além de determinar a competência da Secretaria Nacional de Direito Econômico
(SNDE), a fim de propiciar melhores condições a apurar condutas contrárias à livre
concorrência, a disposição de maior destaque deste Diploma foi a alteração do art. 74 da Lei
n. 4.137/62 (BRASIL, 1991), que passou a dispor sobre a análise dos atos de concentração
com a seguinte redação:
Art. 74. Os ajustes, acordos ou convenções, sobre qualquer forma manifestados, que
possam limitar ou reduzir a concorrência entre empresas, somente serão
considerados válidos desde que, dentro do prazo de trinta dias após sua realização,
sejam apresentados para exame e anuência da SNDE, que para sua aprovação deverá
considerar o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos: a) tenham por
objetivo aumentar a produção ou melhorar a distribuição de bens ou o fornecimento
de serviços ou propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico
ou incrementar as exportações; b) os benefícios decorrentes sejam distribuídos
equitativamente entre os seus participantes, de um lado, e os consumidores ou
usuários finais, do outro; c) não sejam ultrapassados os limites estritamente
necessários para que se atinjam os objetivos visados; d) não implique a eliminação
da concorrência de uma parte substancial do mercado de bens ou serviços
pertinentes.
23
8
Isso porque, em que pese tenha disposto sobre a competência da SNDE e alterado o art. 74 da Lei n. 4.137/62,
pouco inovou quanto à disciplina da matéria antitruste no Brasil, mormente no que toca ao seu processo
administrativo, e adequação à recém promulgada Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
24
se vislumbrar ‘surtos’ de aplicação da Lei Antitruste, mas sim uma linha contínua de
atuação”.
Octaviani (2018), do mesmo modo, apontou que “A partir deste diploma, a política
de defesa da concorrência foi operacionalizada de forma sistemática pelo CADE, que ganhou
operacionalidade prática, dotou-se de procedimentos internos e alcançou considerável
margem de reconhecimento por parte dos atores econômicos”.
Observa-se, de outra parte, que se passaram seis anos para que a Legislação
Antitruste Pátria entrasse em conformidade com a Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988 (CRFB/88), a qual possui um Título específico para tratar sobre a Ordem
Econômica.
Esta, por sua vez, é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa e
tem por fim assegurar a todos existência digna, consoante os preceitos da justiça social, nos
termos do caput do art. 170.
Ademais, para a consecução dos objetivos econômicos estipulados na Lei Maior,
foram enumerados diversos princípios a serem observados em sua aplicação, como, com
maior destaque, o da propriedade privada, o da função social da propriedade, o da livre
concorrência e o da defesa do consumidor, previstos, respectivamente, nos incs. II, III, IV e V
do art. 170.
Nesse mesmo sentido é a dicção da Lei n. 8.884/94 (BRASIL, 1994), em seu art. 1°,
ao elucidar que “dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem
econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre
concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do
poder econômico”.
De outra parte, o art. 173 da CRFB/88 (BRASIL, 1988) prescreve que “a exploração
direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos
imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo”, consoante definição
legal, sendo ressalvados certos casos previstos na própria Carta.
Expressivo à pesquisa, porém, é o parágrafo 4° do supramencionado dispositivo, que
prevê que a lei reprimirá o abuso do poder econômico que almeje a dominação dos mercados,
a eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros, em termos similares àqueles
previstos nas Constituições pátrias anteriores.
O então Ministro de Estado da Justiça Maurício Corrêa, na Exposição de Motivos n.
184, de 24 de abril de 1993, referente ao Projeto de Lei em questão, apontou que tal parágrafo
25
é “peça importante para a livre concorrência, capaz de trazer saudáveis consequências para a
produção e o consumo” (BRASIL, 1993).
Grau (2005, p. 8), ademais, ao tratar sobre esse tema no prefácio da obra de Forgioni,
preceitua que “[...] a concorrência, no Brasil, não é um fim em si mesmo, mas um instrumento
que deve ser utilizado tendo-se em vista a realização dos objetivos do Brasil (art. 3°), e da
ordem econômica (art. 170)”.
É dizer; pode-se afirmar que, certamente, a concorrência opera no País, sob o manto
da CRFB/88, como um mecanismo para alcançar os objetivos previstos nos arts. 3° e 170 da
Carta, quais sejam, por exemplo, o desenvolvimento nacional e a redução das desigualdades
regionais e sociais.
Portanto, ainda que de modo diverso do contexto anterior de proteção à economia
popular, “os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência são instrumentais da
promoção da dignidade humana” (FORGIONI, 2005, p. 191).
Isso, contudo, não significa que a defesa social impeça a atuação do livre mercado e
da concorrência, mas tão somente que, em casos específicos, poderá deixar estes princípios
em menor evidência em face de considerável impulso àquela, a partir de orientação da
administração pública do seu almejado processo de desenvolvimento (FORGIONI, 2005, pp.
192/195).
O SBDC, então, passou a ser organizado pelo CADE, pela SDE, vinculados ao
Ministério da Justiça, e pela SEAE, vinculada ao Ministério da Fazenda, consoante a
expressão dos arts. 3° e 13 e a leitura do art. 26, respectivamente.
Em busca de solucionar os problemas concorrenciais existentes na Lei n. 4.137/62, o
Ministro Maurício Corrêa, durante a Exposição de Motivos do Projeto de Lei em análise
(BRASIL, 1993, p. 9), aduziu que a legislação anterior possuía “[...] meios substantivos para
que se implemente essa repressão. Mas, para dar-lhe efetividade, é preciso dotar o Poder
Público de instrumentos hábeis, suficientes para superar alguns problemas essenciais”.
Para tanto, identificou, o Ministro, cinco principais problemas principais na Lei n.
4.137/62 a serem solucionados, quais sejam, em síntese, (i) a falta de quadros especializados
para identificação dos abusos de poder econômico, (ii) os frequentes questionamentos das
decisões administrativas sobre a temática perante o Poder Judiciário, (iii) a falta de meios que
permitam que os próprios agentes econômicos sejam alertados quanto às condutas abusivas
que praticarem, (iv) a carência de satisfatória previsão legal para combater certos tipos de
ilícitos econômicos, como o aumento arbitrário de preços e (v) a ausência de discriminação
26
9
Em tradução livre, “empresa-mãe”, ou seja, aquela que controla a(s) demais empresa(s) do grupo.
10
“Entidade econômica única”, em tradução livre.
28
concentração que não possam provocar efeitos competitivos, mesmo que indiretos, sobre a
ordem econômica, do Brasil, sequer devem ser submetidos a apreciação”.
Na justificação do Projeto de Lei inicial, o Parlamentar Cadoca (BRASIL, 2004, p.
11), também sobre a urgente necessidade de alteração dos critérios de notificação dos atos de
concentração econômica, desse modo se manifestou:
Para tanto, passou-se a incluir como critério para as empresas notificarem o CADE
que, cumulativamente ao faturamento da maior companhia do grupo envolvido na operação –
de R$ 400.000.000,00, consoante o inciso I do art. 88 da Lei n. 12.529/11 –, outra parte
abrangida deverá, ao menos, registrar faturamento bruto anual ou volume de negócios total no
Brasil, no ano anterior, de R$ 30.000.000,00, vide o subsequente inciso II, sendo possível a
adequação desse montante.
E, em 2012, por meio da Portaria Interministerial n. 994, foi isso que ocorreu, com
atualização do valor para R$ 75.000.000,00, bem como alterou o maior numerário para R$
750.000.000,00.
Ainda pertinente à análise dos atos de concentração pelo CADE foi a abolição do
critério de notificação de operações baseado apenas na parcela de mercado relevante, quando
superior a 20% antes da concentração. Assim discorreu Cadoca (BRASIL, 2004, p. 12) ao
tratar sobre a necessidade da mudança:
Ademais, a partir da fixação de prazo máximo para análise dos atos de concentração,
vide o disposto no art. 88, §§ 2° e 9°, da Lei, bem como pelo reforço às instituições antitruste
brasileiras, o tempo médio, em 2021, para avaliação das fusões e aquisições foi de 32,4 dias,
um dos menores prazos do mundo (CADE, 2021).
A permanência do Presidente e dos Conselheiros do Conselho, por exemplo, por
mais tempo no cargo, com seus mandatos sendo estendidos para quatro anos – eram dois –,
segundo o Deputado Cadoca (BRASIL, 2004, p. 8), permitem que estes possam “aproveitar o
seu conhecimento no julgamento de casos por mais tempo”. Assim, solidificam-se as decisões
da Corte Antitruste e, ao mesmo tempo, tornam o trâmite mais célere do que na hipótese de
constantes trocas de cargos.
Não apenas isso, em busca de reforçar as estruturas dos órgãos antitruste nacionais e
tornar possível os objetivos supramencionados, sem que ocorresse um enorme acúmulo no
número de atos de concentração para análise, observou-se que a carência de recursos humanos
e materiais deveria ser observada, como o aludido Parlamentar colacionou, a partir do
Documento de Trabalho n. 26, de dezembro de 2002, da SEAE do Ministério da Fazenda
(BRASIL, 2004, p. 9):
No entanto, uma vez que as leis que versam sobre criação, função ou emprego
público na administração direta e autárquica, bem como a instituição de órgãos da
administração pública, são de iniciativa privada do Presidente da República, consoante o art.
61, § 1°, II, “a” e “e”, da CRFB/88, tais conjuntos de medidas, legislativamente, restam
impraticáveis.
E, no intuito de solucionar essas questões, de modo alternativo, foi proposto no PL n.
3.937/04 (BRASIL, 2004, p. 10), que, após um período de dois meses após a notificação do
ato de concentração ao CADE:
[...] não havendo manifestação de qualquer uma das duas Secretarias (SDE/MJ e
SEAE/MF), ratificada pelo CADE, ou manifestação do próprio CADE, indicando
haver uma probabilidade razoável de intervenção após uma análise mais completa e
deixando claro às empresas envolvidas o que elas não podem fazer (na linha do que
está definido na Resolução que criou o APRO), a operação pretendida poderá ser
concretizada sem restrições. Isso não impediria uma intervenção a posteriori do
SBDC, mas cabe requerer dos órgãos envolvidos relatório a parte com explicação de
31
porque não se pôde prever, [...], que havia uma probabilidade razoável de algum tipo
de intervenção.
§ 3° Incluem-se nos atos de que trata o caput aqueles que visem qualquer forma de
concentração econômica, seja através de fusão ou incorporação de empresas,
constituição de sociedade para exercer o controle de empresas ou qualquer forma de
agrupamento societário, que implique participação de empresa ou grupo de empresas
resultantes em vinte por cento de um mercado relevante, ou em que qualquer dos
participantes tenha registrado faturamento bruto anual no último balanço equivalente
a R$ 400.000.000,00.
Observa-se, portanto, que havia duas hipóteses para que um ato de concentração
econômica devesse ser submetido à avaliação do CADE: (i) as partes envolvidas detivessem,
antes da operação, participação de 20% ou mais do mercado relevante; e (ii) em que um dos
36
Se os atos especificados neste artigo não forem realizados sob condição suspensiva
ou deles já tiverem decorrido efeitos perante terceiros, inclusive de natureza fiscal, o
Plenário do CADE, se concluir pela sua não aprovação, determinará as providências
cabíveis no sentido de que sejam desconstituídos, total ou parcialmente, seja através
de distrato, cisão de sociedade, venda de ativos, cessação parcial de atividades ou
qualquer outro ato ou providência que elimine os efeitos nocivos à ordem
econômica, independentemente da responsabilidade civil por perdas e danos
eventualmente causados a terceiros.
temática da análise dos atos de concentração econômica, com especial enfoque para o agora
controle prévio das operações, possibilidade de aprovação diretamente pela SG do CADE e a
necessidade do preenchimento de mais requisitos para a submissão de transações à apreciação
da Autarquia.
Art. 90. Para os efeitos [...] desta Lei, realiza-se um ato de concentração quando: I -
2 (duas) ou mais empresas anteriormente independentes se fundem; II - 1 (uma) ou
mais empresas adquirem, direta ou indiretamente, por compra ou permuta de ações,
quotas, títulos ou valores mobiliários conversíveis em ações, ou ativos, tangíveis ou
intangíveis, por via contratual ou por qualquer outro meio ou forma, o controle ou
partes de uma ou outras empresas; III - 1 (uma) ou mais empresas incorporam outra
ou outras empresas; ou IV - 2 (duas) ou mais empresas celebram contrato
associativo, consórcio ou joint venture.
[...]
V - aprovar os termos do compromisso de cessação de prática e do acordo em
controle de concentrações, bem como determinar à Superintendência-Geral que
fiscalize seu cumprimento;
[...]
39
No entanto, cumpre citar que tais acordos em controle de concentração devem ser
propostos pelos Conselheiros do Tribunal, em especial o Relator do processo, vide art. 11, inc.
IX, e, após aprovados pelo Pleno, competirá ao Presidente do Órgão, assinar tais acordos,
consoante o disposto no art. 10, VII, da Lei.
A Superintendência-Geral (SG), de igual modo, detém certas competências,
elencadas no art. 13 da Lei em exame (BRASIL, 2011), dentre elas:
ou reprovar atos de concentração. Por sua vez, o segundo procedimento visa apurar a
necessidade de submissão de determinada operação não notificada (GONÇALVES; BURG,
2019, p. 5).
E, na tramitação de processos no CADE, os atos de concentração terão prioridade
sobre o julgamento de outras matérias, como dispõe o art. 51, I, da Lei Antitruste.
Coelho (2016, pp. 25/26) aborda a matéria e a relevância da célere atuação do SBDC,
apontando que “o CADE atua [...] na esfera preventiva. Algumas operações societárias (fusão
ou aquisição de empresas) não são eficazes enquanto não forem aprovadas pelo CADE. O
objetivo é evitar a concentração de atos que poderiam limitar ou reduzir a concorrência
(LIOE, art. 88)”.
Nesse sentido, deverão, consoante dispõe o art. 88 da Legislação em questão
(BRASIL, 2011), ser submetidos à apreciação do CADE, pelas partes envolvidas, todos os
atos de concentração em que, cumulativamente:
O parágrafo 1° do supracitado artigo, por sua vez, aduz que os valores mencionados
nas hipóteses acima poderão ser readequados por indicação do Plenário do Conselho, por
meio de Portaria Interministerial do Ministro da Fazenda (desde 1° de janeiro de 2019, da
Economia)11 e do Ministro da Justiça.
Em 30 de maio de 2012, com a expedição da Portaria Interministerial n. 994,
assinada pelos então Ministros José Eduardo Cardozo, da Justiça, e Guido Mantega, da
Fazenda, foram majorados os valores dispostos no citado art. 88, sendo que a monta para o
inciso I foi alterada para R$ 750.000.000,00, enquanto que o montante disposto no inc. II foi
convertido para R$ 75.000.000,00.
Sobre as inovações da novel Lei da Concorrência, Burg e Gonçalves (2019, p. 11)
apontam que “a clareza e a taxatividade inerentes ao novo texto permitem que o controle de
estruturas se dê de forma mais eficiente, na medida em que o administrado pode identificar de
11
Em 1° de janeiro de 2019, por meio da Medida Provisória n. 870/19, posteriormente convertida na Lei n.
13.844/19, o Ministério da Fazenda foi transformado em Ministério da Economia, consoante o art. 57, I, desta
última.
41
Todavia, caso o disposto acima não seja cumprido, com as empresas envolvidas
consumando a operação antes da devida apreciação, pode ser decretada a nulidade do ato,
com imposição de multa pecuniária de valor não inferior a R$ 60.000,00 e não superior a R$
60.000.000,00, sem prejuízo da abertura de processo administrativo, vide o § 3° do art. 88.
Tal prática é conhecida como gun jumping12 e o grau da sua punição, evidentemente,
depende de certas premissas, como, por exemplo, a condição econômica dos envolvidos, a
possível má-fé das partes e o potencial anticoncorrencial da operação.
Taufick (2017, p. 571), no tocante às penalidades fixadas no parágrafo em questão,
assim se posicionou:
12
Como aponta Silva (2018, p. 76-78), tal expressão é oriunda dos Estados Unidos e pode ser traduzida como
“precipitar-se” ou “queimar a largada”. O gun jumping, de mais a mais, pode ser processual, quando os agentes
deixam de comunicar ao Órgão Antitruste uma operação de notificação obrigatória, ou substantivo, em que as
partes principiam o processo de coordenação de suas ações antes mesmo da consumação do ato de
concentração.
42
Caso o Órgão identifique que a operação em análise é complexa, por meio de decisão
fundamentada, poderá determinar a realização de instrução complementar, determinado as
diligências a serem realizadas, como preceitua o art. 56 da Lei.
43
Não obstante, o art. 91 da Lei afirma que a aprovação tratada no art. 88 poderá ser
revista pelo Tribunal, ex officio ou mediante provocação da SG, caso a decisão seja baseada
em informação falsa ou enganosa prestadas pelo interessado, mas, principalmente, se ocorrer
o descumprimento de quaisquer obrigações assumidas ou se não forem alcançados os
benefícios visados.
Munidos de todos os requisitos e hipóteses legais para a análise dos atos de
concentração, deve a Autarquia passar a buscar identificar possíveis concentrações
expressivas nas operações de sua competência.
E, muito relevante para tais averiguações é o Índice Herfindahl-Hirschman (IHH; ou
HHI, em inglês), responsável por calcular o nível de concentração do mercado pré-operação e
também pós-operação, tornando possível identificar o quanto o ato submetido à análise é
prejudicial à competição.
Trata-se de fórmula matemática que calcula a concorrência nos mercados relevantes
examinados, podendo variar de “1” a “10.000” pontos, sendo que, quanto mais elevado o
escore, mais concentrado é o setor, aproximando-se de uma posição monopolista.
Nessa lógica, o mercado será considerado não concentrado se o HHI ficar abaixo de
1.500 pontos, reputado moderadamente concentrado, nos casos em que o HHI restar entre
1.500 e 2.500 pontos, além de identificado como altamente concentrado nas hipóteses em que
o HHI situar-se acima de 2.500 pontos.
Não basta, todavia, que o mercado relevante reste fixado em uma das duas últimas
classificações para que o ato de concentração gere preocupações concorrenciais, segundo o
Guia de Análise de Atos de Concentração Horizontal do CADE (BRASIL, 2016), mas,
também, que:
Findada a breve análise da atual Lei Antitruste vigente, relevante apresentar o art. 92,
a título de curiosidade, tendo em vista que este foi vetado pelo Presidente da República, por
meio da Mensagem n. 536, de 30 de novembro de 2011 (BRASIL, 2011).
O dispositivo em questão previa:
Sabe-se que o Código Civil de 2002 possui Capítulo reservado para tratar sobre
operações entre sociedades, dentro do Título que aborda o Direito de Empresa, apresentando
normas sobre transformação, incorporação, fusão e cisão destas, sendo relevantes, neste
momento, por conta da similaridade com as espécies de operações presentes na Lei Antitruste,
a segunda e a terceira supracitadas.
48
Descreve o CC/02, em seu art. 1.116, que “Na incorporação, uma ou várias
sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações,
devendo todas aprová-la, na forma estabelecida para os respectivos tipos” (BRASIL, 2002).
Ainda, sobre a operação, Ramos (2016, p. 434) aduz que, “Na incorporação,
portanto, haverá a extinção da(s) sociedade(s) incorporada(s), mas não surgirá uma nova
sociedade. Apenas a sociedade incorporada desaparecerá, e será sucedida em todos os seus
direitos e obrigações pela sociedade incorporadora”.
Ademais, ressalva que a deliberação dos sócios da sociedade incorporada deverá
aprovar as bases da operação e o projeto de reforma do ato constitutivo, na forma do art.
1.117 do CC, sendo que tal companhia tomará conhecimento deste e, se o aprovar, autorizará
os administradores a praticar as ações necessárias à incorporação.
Cumpre ressaltar, ainda, que a deliberação dos sócios da incorporadora
compreenderá a nomeação dos peritos para a avaliação do patrimônio líquido da sociedade a
ser incorporada, vide o parágrafo 2° do dispositivo em questão.
O art. 1.118, por sua vez, determina que aprovados os atos da incorporação, a
sociedade incorporadora declarará extinta a incorporada, promovendo a respectiva averbação
no registro próprio.
Sobre as normas relativas à incorporação no CC/02, assim elenca Diniz (2013, p.
608):
[...] como nos alerta Paulo Checoli, para a incorporação, ter-se-á uma sequência de
atos: deliberação da operação pelos sócios das sociedades envolvidas; nomeação em
assembleia ou reunião de sócios ou em documento a latere do contrato social, de
peritos para avaliar patrimônio líquido da sociedade que será incorporada por outra;
deliberação dos sócios da incorporada, após ciência das bases da operação, com
autorização para que haja a prática dos atos necessários pelos administradores;
aprovação pela incorporadora das bases de operação e do projeto de modificação do
ato constitutivo; declaração da extinção ex lege da incorporada e tomada de
providências pela incorporadora para averbação do ato de incorporação no registro
competente, para que tenha efeitos erga omnes.
49
De outra parte, no que toca à fusão, no art. 1.119 do CC/02 (BRASIL, 2002) está
disposto que “A fusão determina a extinção das sociedades que se unem, para formar
sociedade nova, que a elas sucederá nos direitos e obrigações”.
Denota-se, assim, que, “[...] enquanto na incorporação não há o surgimento de uma
nova sociedade, na fusão há o surgimento, sim, de uma nova sociedade, resultado da união
das sociedades fundidas” (SANTA CRUZ, 2016, p. 435).
Ainda, resta estabelecido que a fusão será decidida pelas sociedades que pretendam
se unir, na forma estabelecida para os respectivos tipos. E, durante reunião ou assembleia dos
sócios de cada sociedade, será deliberada a fusão e aprovado o projeto do ato constitutivo da
nova companhia, além do plano de distribuição do capital social, sendo nomeados peritos para
avaliação do patrimônio da sociedade, consoante o art. 1.120, caput e § 1°, do CC.
Após a apresentação dos laudos, os administradores irão convocar assembleia ou
reunião dos sócios, para que estes tomem conhecimento acerca daqueles, bem como decidam
sobre a constituição definitiva da nova sociedade, sendo vedado votar o laudo de avaliação do
patrimônio da sociedade que façam parte, como dispõem os parágrafos 2° e 3° do dispositivo
em análise.
Posteriormente à aprovação e constituída a nova sociedade, os administradores
devem fazer inscrever, no registro da sede, os atos relativos à fusão, vide art. 1.121 do CC/02.
Observa-se, por fim, como apresentado por Burg (2019, p. 139), que a fusão:
De modo geral, cumpre acautelar, pela disposição do art. 1.122 do CC, todavia, que
até noventa dias publicados os atos relativos tanto à incorporação, quanto à fusão, o credor
anterior, pelo ato de concentração prejudicado, poderá promover judicialmente a anulação
deles.
Realizada essa análise sobre as operações de incorporação e fusão pelo prisma do
CC/02, passa-se, enfim, à análise dos atos de concentração econômica aprovados com acordo
durante o ano de 2020 no SBDC.
50
13
Optou-se pelo ano de 2020 como objeto dessa pesquisa, não somente pela maior proximidade temporal com o
momento em que esta foi realizada, mas também por dispor de mais julgamentos aprovados com restrições do
que nos quatro anos imediatamente anteriores.
14
Segundo o Balanço anual do CADE de 2017 e os Anuários dos anos posteriores, o número de atos de
concentração julgados pela Autarquia foi de 440 (2013), 442 (2014), 406 (2015), 390 (2016), 378 (2017), 405
(2018) e de 442 (2019).
51
Absolutamente, (i) deve-se definir o(s) mercado(s) relevante(s) ao caso. Após, (ii)
passa-se à análise do nível de concentração horizontal, em que se demonstra a possibilidade
da empresa exercer o seu poder de mercado. Então, (iii) gradua-se a probabilidade de uso do
poder de mercado adquirido, a partir de possíveis entradas tempestivas e do nível de
rivalidade restante no setor. Em seguida, (iv) avalia-se o poder de compra existente no
mercado. E, por fim, (v) há uma ponderação das eficiências econômicas do ato de
concentração.
Posteriormente a todos esses exames é que os Conselheiros do Órgão Antitruste irão
entender (i) por sua aprovação ou não; em caso afirmativo, (ii) pela necessidade de aplicação
de remédios estruturais e/ou comportamentais para minorar os efeitos negativos à
concorrência decorrentes da operação; e (iii) quais restrições devem ser aplicadas na hipótese
em análise.
Adentra-se, então, à análise15 propriamente dita dos sete julgados aprovados com
acordo de controle de concentrações pelo CADE no ano de 2020.
O primeiro ato de concentração aprovado com ACC em 2020 pelo CADE foi entre a
Brink´s Segurança e Transporte de Valores Ltda. (“BRINK´S”) e a Tecnoguarda Vigilância e
Transporte de Valores Ltda. (“TECNOGUARDA”), julgado em 19 de fevereiro e autuado sob
o n. 08700.002138/2019-86, de relatoria do Conselheiro Maurício Oscar Bandeira Maia. A
empresa Tecnologia Bancária (“TECBAN”) era terceira interessada.
Cuida-se, no presente caso, da aquisição de ativos, como carros-fortes, armamentos e
contratos de prestação de serviços relativos ao transporte de valores pela Brink´s.
O Relator definiu (BRASIL, 2020, 4./13.)17 que o mercado relevante, sob a
perspectiva do produto, era o de transporte e custódia de valores, englobando o deslocamento
de numerário, bens e valores, sendo fixado, quanto à dimensão geográfica, nos estados de
Goiás e do Mato Grosso.
15
Ressalta-se que todas as informações apresentadas a seguir serão extraídas dos respectivos acórdãos.
16
Disponível em:
<https://sei.cade.gov.br/sei//modulos/pesquisa/md_pesq_documento_consulta_externa.php?mYbVb954ULaA
V-MRKzMwwbd5g_PuAKStTlNgP-
jtcH5MdmPeznqYAOxKmGO9r4mCfJlTXxQMN01pTgFwPLudA0MIHrHlUp5nfLC-pfXcxu-hZIIfjSi2xJS-
P1QMcocf%22>.
17
Nesse capítulo, ao serem efetivadas as citações, em vez de se utilizar da “página” do acórdão, será listado o
tópico em que o argumento se encontra na decisão analisada, em busca de facilitar a verificação.
52
18
Disponível em:
<https://sei.cade.gov.br/sei//modulos/pesquisa/md_pesq_documento_consulta_externa.php?mYbVb954ULaA
V-MRKzMwwbd5g_PuAKStTlNgP-
jtcH5MdmPeznqYAOxKmGO9r4mCfJlTXxQMN01pTgFwPLudAxbKJV_Rldf1FjsjIUy5Bnk4mLjwve2R7t5
CXohjEX96%22>.
55
dos canais “Fox Sports”, e não permitiu que a TWDC financiasse ou subsidiasse qualquer
aquisição relativas ao produto (BRASIL, 2020, 30.).
O fundamento legal para tal medida de reavaliação encontra-se no art. 91 da Lei n.
12.529/11 e, para esses casos, o Guia de Remédios Antitruste do CADE (BRASIL, 2018)
aduz que se pode proceder à alteração de obrigações do acordo ou, até mesmo, à revogação da
autorização para o ato de concentração.
Funciona o instituto como um aperfeiçoador dos dispositivos do ACC. E, ademais
disso, alerta que a revisão não pode ser utilizada ao mero desejo das Requerentes, como forma
de descumprir o pacto previamente firmado, mas tão somente se comprovados os genuínos
esforços por partes destas em cumprir o acordo.
Definiu o Relator (BRASIL, 2020, 22.), portanto, que a revisão de ACC somente é
possível quando demonstrado que (i) o remédio anteriormente estabelecido é totalmente
inviável ou desproporcional e (ii) existem alternativas viáveis e proporcionais que solucionem
ou minorem o problema concorrencial de modo similar ao da medida previamente escolhida,
premissas preenchidas no presente caso.
Em decorrência das elucidações acima expostas e da superveniência da pandemia da
Covid-19, tornar-se-ia necessário, então, reestruturar o supramencionado negócio
desinvestido, em busca de torná-lo viável a possíveis compradores, a partir do equilíbrio
financeiro dos produtos.
Aliado a isso, um dos três interessados ao desinvestimento não convenceu o Tribunal
do CADE (BRASIL, 2020, 65./66.) de que preenchia os requisitos para “abocanhar” o pacote
em questão, enquanto que os outros dois pretendentes listaram a pandemia como
inviabilizadora do negócio, mormente ante os efeitos interruptivos ocasionados no mundo
esportivo, a troca dos canais de televisão por assinatura para serviços de streaming e a
desvalorização do real frente ao dólar americano e ao euro.
Ademais, o objetivo da venda dos canais “Fox Sports”, em síntese, era (i) evitar o
aumento do nível de concentração obtido com a presente operação e (ii) manter a diversidade
dos produtos disponíveis no mercado de canais esportivos básicos (BRASIL, 2020, 76.). No
entanto, ante as circunstâncias, deve-se tornar a defrontar tais adversidades concorrenciais.
Nessa conjuntura, indicou-se, inicialmente, a inadequação do encerramento de linhas
de produtos, ou seja, a devolução de exploração dos canais “Fox Sports”, porquanto tal
medida acentuaria a preocupação com diversidade de programação esportiva e, ainda,
56
canais. E, após a data em questão, tais eventos deverão ser transmitidos em algum canal
afiliado da Concentrante, até o encerramento do atual contrato.
4. A TWDC, igualmente, compromete-se a devolver antecipadamente a marca “Fox
Sports”, caso, após 1°-1-2022, opte por encerrar a distribuição deste canal. Fica, todavia, livre
para ser utilizada por qualquer outro grupo interessado, mediante acordo com o proprietário.
Não fosse isso, relembra o Relator que a marca “Fox” e suas derivações não foram
adquiridas na presente operação, razão pela qual poderão ser utilizadas pela Disney até 2024
para cumprimento das obrigações firmadas.
4.3 ATHENA SAÚDE ESPÍRITO SANTO, CASA DE SAÚDE SÃO BERNARDO E SÃO
BERNARDO APART HOSPITAL19
19
Disponível em:
<https://sei.cade.gov.br/sei//modulos/pesquisa/md_pesq_documento_consulta_externa.php?mYbVb954ULaA
V-MRKzMwwbd5g_PuAKStTlNgP-
jtcH5MdmPeznqYAOxKmGO9r4mCfJlTXxQMN01pTgFwPLudAxOvaFC6ikN86daujXWjw3Qm7kJT9I5K-
yrS49uHBRQD%22>.
58
saúde e hospitais gerais nos municípios de Colatina e Serra; e (ii) planos de saúde e serviços
de apoio à medicina diagnóstica nos municípios de Colatina, Serra, Vila Velha e Vitória.
Ademais, compreendeu (BRASIL, 2020, 9.) que a aquisição geraria concentrações
elevadas no mercado de planos de saúde coletivos empresariais em 26 grupos municipais do
Espírito Santo, dificultando a entrada de concorrentes efetivos no setor, bem como o
crescimento dos atuais. O DEE se manifestou no mesmo sentido (BRASIL, 2020, 20.).
Significativo à avaliação da operação, ainda, é a integração vertical entre o mercado
de hospitais gerais e de planos de saúde. Isso pois instalações da SBAH e da Athena ES,
conjuntamente, poderiam reforçar o poder de mercado das companhias em ambos os setores
supracitados, levando, consequentemente, ao fechamento destes.
Não bastasse, quanto ao setor de serviços de apoio à medicina diagnóstica, em que
pese consensual a inocorrência de sobreposição horizontal, é necessária a análise de uma
possível integração vertical entre o mercado em questão e o de planos de saúde.
Em continuidade, realizou-se análise do ponto mais complexo da presente operação,
qual seja a definição dos mercados relevantes do setor de planos de assistência à saúde.
O Conselheiro Relator (BRASIL, 2020, 50.-59.), nesse ponto, fez questão de
segmentar os planos individuais dos planos coletivos e, nesse último, subdividi-lo entre os
planos empresariais e aqueles por adesão. E, no presente caso, são a SBS, do Grupo SBS, e a
SAMP Espírito Santo Assistência Médica Ltda. (“SAMP”), do Grupo Athena ES, as
operadoras de planos de saúde (OPS) com atuação no Espírito Santo.
Nesse sentido, em que pese as Concentrantes tenham arguido que as duas empresas
possuem distinções em sua atuação no setor de planos de saúde, a SG não entendeu pela sua
razoabilidade e o DEE apontou que, independentemente do cenário, não haveria discrepâncias
significativas à análise do ato de concentração (BRASIL, 2020, 72.-76.).
De outra parte, ante a substituibilidade da oferta, ainda que existam diferenças de
preços e serviços quanto aos planos ambulatoriais e de cobertura total, não há que se falar na
divisão destes em dois mercados relevantes distintos, mormente por possuírem mesma
finalidade unitária aos consumidores, perfazendo o mercado de planos coletivos empresariais.
Quanto à dimensão geográfica dos mercados relevantes, o CADE, nos termos da
posição das Requerentes e da SG, analisou-os sob a perspectiva de clusters20 de municípios.
20
Clusters, segundo o Dicionário Cambridge, são agrupamentos, ou seja, um conjunto de coisas similares. E, no
caso concreto, o Relator, em vez de analisar os municípios relevantes separadamente, optou por examiná-los
em clusters, ou seja, em diversos conjuntos.
59
Não obstante nesse tipo de mercado relevante leve-se em conta a “Regra das 100
vidas”21, o Relator entendeu (BRASIL, 2020, 218./219.) pela sua inaplicabilidade no presente
caso, ante a defasagem que tal critério imporia na análise, de modo que todos os municípios
do Espírito Santo em que houver sobreposição horizontal serão analisados na operação, quais
sejam (i) 32 municípios, para planos individuais/familiares; (ii) 47 cidades, para planos
coletivos por adesão; e (iii) 68 municipalidades para planos coletivos empresariais.
Isoladamente, então, passou-se à análise de quais municípios, dentre os previamente
indicados, mereceriam atenção do CADE, a partir de participação conjunta de mercado da
SAMP e da SBS superior a 20% e/ou variação do HHI superior a 200 pontos e/ou HHI do
mercado superior a 1.500 pontos.
No tocante aos planos de saúde individuais/familiares, apenas as cidades de (i)
Cariacica, (ii) Serra, (iii) Viana, (iv) Brejetuba, (v) Santa Leopoldina e (vi) Vila Valério
preenchiam tais requisitos e, portanto, apenas quanto a esses locais é que o Conselho deveria
despender maior atenção.
Não obstante, foi identificado que, quanto aos clusters (ii) a (vi), inexistem
preocupações concorrenciais causadas pela presente operação, mormente por conta de baixa
participação de mercado, variação do índice HHI no patamar de 100 pontos, bem como
possibilidade de contestação do exercício de mercado por outras concorrentes, de modo que a
análise somente prosseguiu quanto à Cariacica (BRASIL, 2020, 272/273.).
Com relação ao mercado de planos de saúde coletivos por adesão, a primeira triagem
do CADE limitou a relevância concorrencial do ato de concentração a 19 clusters. E, após
análise de sobreposições horizontais, entendeu-se pela necessidade de prosseguir com a
análise em 12 grupos, quais sejam: (i) Águia Branca, (ii) Cariacica, (iii) Pancas, (iv) Santa
Teresa, (v) São Domingos do Norte, (vi) Serra, (vii) Viana, (viii) Afonso Cláudio, (ix)
Aracruz, (x) Fundão, (xi) Marechal Floriano e (xii) Santa Leopoldina (BRASIL, 2020, 346.).
Por fim, no que toca ao campo de planos de saúde coletivos empresariais, mesmo ao
analisar mais profundamente as sobreposições horizontais, agruparam-se os 68 municípios em
47 clusters, dos quais em apenas um não foi identificada preocupações competitivas, sendo
que nos demais conjuntos, por conta do mercado altamente concentrado e de a operação gerar
variação de HHI superior a 100 pontos, tornou-se imperativa uma análise mais rebuscada
(BRASIL, 2020, 454.).
21
Segundo o próprio Conselheiro Relator durante o voto, a “Regra das 100 vidas”, normalmente, significa que
somente os municípios em que as empresas requerentes possuam 100 ou mais beneficiários serão considerados
concorrencialmente relevantes e, portanto, analisados durante o ato de concentração.
60
22
Disponível em:
<https://sei.cade.gov.br/sei//modulos/pesquisa/md_pesq_documento_consulta_externa.php?mYbVb954ULaA
V-MRKzMwwbd5g_PuAKStTlNgP-
jtcH5MdmPeznqYAOxKmGO9r4mCfJlTXxQMN01pTgFwPLudA1PZC3oge-
6cJEcSCs3Yf2Uw1MdRIt783kkSA3MVtwA9%22>.
62
resultaria em aumento de concentração e que tal transferência deve ser irretratável, não
devendo retornar às Concentrantes.
Tal transação, ademais, deve ser firmada sem qualquer obrigação presente ou futura
de preferência ou exclusividade para com os grupos econômicos das Requerentes deste
processo. É dizer; há completo repasse de negócios, desimpedidos de qualquer vínculo
comercial ou cível criado pelo processo de venda.
A partir desses itens, entendeu o Conselheiro (BRASIL, 2020, 37.) que o acordo é
eficaz para remover as preocupações concorrenciais decorrentes do presente ato de
concentração, mormente com relação aos setores de antiespasmódicos combinados e de
antiespasmódicos, de modo que, nesses termos, poderia ser aprovada a operação.
23
Disponível em:
<https://sei.cade.gov.br/sei//modulos/pesquisa/md_pesq_documento_consulta_externa.php?mYbVb954ULaA
V-MRKzMwwbd5g_PuAKStTlNgP-
jtcH5MdmPeznqYAOxKmGO9r4mCfJlTXxQMN01pTgFwPLudA9KNork6IpO1kXdUot4ZplXV8jgbl9OJ7Q
wkgn-86YI6%22>.
64
atuava no ramo, razão pela qual o ato foi aprovado, no ponto, sem preocupações
concorrenciais (BRASIL, 2020, 10.).
Do mesmo modo, pelo fato da Requerente não atuar no setor de supermercados nos
municípios de Barbacena, Muriaé, Santos Dumont, São João del Rei e Ubá, localidades onde
foram adquiridas unidades, a análise também não prosseguiu, por ausência de preocupações
concorrenciais (BRASIL, 2020, 13.).
De outra parte, denota-se que há sobreposição horizontal, como apontado pela SG-
CADE e confirmado pelo Conselheiro Relator, no mercado relevante de venda integrada em
autosserviço oferecido por supermercados, em Belo Horizonte (raio), Juiz de Fora (raio),
Contagem (raio), município de Carandaí e município de Conselheiro Lafaiete.
Para análise da possibilidade de exercício de poder de mercado, o Conselheiro
Relator utilizou do faturamento de cada unidade para calcular a participação de mercado, em
vez de valer-se do número de caixas de cada supermercado, em uma estimativa, inclusive,
mais segura – ou conservadora.
Com relação à unidade Sales de Belo Horizonte, denota-se que existem 14
estabelecimentos de autosserviço num raio de 1,7 km. Desses, três são das Requerentes e,
assim, atingem 20-30% de market share. De outra parte, uma unidade da concorrente “Extra”
também alcança a mesma porcentagem, outros dois mercados (um da “Makro” e um da “EPA
Plus”) abarcam 10-20% da participação de mercado, enquanto os outros oito comércios
participam com 0-10% do mercado, incluindo outra loja da “EPA Plus” (BRASIL, 2020, 27).
Ainda que se ultrapasse 20% do mercado relevante, configurando posição
dominante, vide o art. 36, § 2°, da Lei Antitruste, restou definido que, ante a alta rivalidade
dentro da localidade – BH, Extra, Makro e EPA Plus –, aliadas as possíveis novas entradas no
mercado e de projetos de expansão das concorrentes, a operação, no ponto, não detém
capacidade de gerar impactos concorrenciais.
Na região de Juiz de Fora, de forma similar, as Requerentes possuem uma unidade
cada, dentre as 10 lojas existentes no raio, possuindo 30-40%, conjuntamente, da participação
de mercado pelo faturamento, constituindo posição dominante (BRASIL, 2020, 31.).
Não obstante, assim como na Capital, a considerável rivalidade e variedade de
players – BH, Bahamas, Bretas e Fortaleza –, com ao menos 10-20% de participação de
mercado, aliadas ao considerável número de entradas no mercado nos últimos anos, não se
identifica potencial relevante de impactos concorrenciais danosos em Juiz de Fora.
65
mínimo de cinco anos, salvo alteração da situação concorrencial na localidade, o que deverá
ser aprovado pelo CADE em ato de concentração.
O Conselheiro Relator, então, considerou (BRASIL, 2020, 72.) que “os
compromissos assumidos pelas Requerentes se mostram proporcionais e suficientes para
mitigar os impactos concorrenciais identificados” e, ademais, em busca de assegurar a
aplicabilidade do pacto, estabeleceu algumas cláusulas, como, por exemplo, o monitoramento
do cumprimento dos termos por um terceiro, com a apresentação de relatórios periódicos e de
documentação comprobatória.
Não bastasse isso, o acordo também possui a previsão de penalidades na hipótese de
descumprimento, quais sejam a abertura de processo administrativo para apuração de possível
infração à ordem econômica e a aplicação de multas, estipuladas para descumprimentos de
quaisquer partes do ACC.
24
Disponível em:
<https://sei.cade.gov.br/sei//modulos/pesquisa/md_pesq_documento_consulta_externa.php?mYbVb954ULaA
V-MRKzMwwbd5g_PuAKStTlNgP-
jtcH5MdmPeznqYAOxKmGO9r4mCfJlTXxQMN01pTgFwPLudA9uJoc-
rp2HoBAYc3r6pS5CciPTUhRJ3FqIhlViQm-fw%22>.
67
afirma (BRASIL, 2020, 33.) que tais garantias alinham os interesses do Grupo SBF/Centauro
e da Nike, não necessariamente salvaguardando um bom funcionamento do mercado.
A partir desse ponto, então, após novas solicitações, as Concentrantes informaram,
por exemplo, que os colaboradores do Grupo SBF terão acesso tão somente às informações
estritamente necessárias ao cumprimento de suas funções e obrigações da empresa, o que o
Conselheiro entendeu como razoável para desencorajar eventuais condutas anticoncorrenciais.
O Tribunal do CADE, assim sendo, entendeu pertinente reunir todas as providências
necessárias a serem tomadas pelas Requerentes à defesa concorrencial e os mecanismos de
desestímulo das condutas anticompetitivas em um ACC, por meio das medidas a seguir
descritas (BRASIL, 2020, 39.):
1. Separação das unidades de negócio da Centauro e da Nike do Brasil: (a) Os
colaboradores da equipe comercial da Nike não poderão prestar serviços à Centauro, deverão
assinar acordos de confidencialidade e estarão sujeitos à quarentena para eventual
transferência para a Centauro; (b) a remuneração dos servidores será predominantemente
vinculada ao desempenho de sua respectiva unidade de negócio; (c) informações e
documentos da atuação comercial da Nike serão mantidas separadas das bases de dados da
Centauro, dentro dos sistemas do Grupo SBF; (d) informações concorrencialmente sensíveis
repassadas ao Grupo SBF apenas serão acessadas por funcionários que tenham assinado termo
de confidencialidade; (e) impossibilidade de alteração de determinadas cláusulas do contrato
de distribuição entre Nike Global e Nike do Brasil sem anuência prévia do CADE; e (f)
manutenção de mecanismos, pelo Grupo Nike, para supervisionar atividades da SBF, sendo
que esta expedirá relatórios de modo a possibilitar a supervisão do cumprimento do contrato
de distribuição e das políticas globais da Nike.
2. Canal de denúncias: O Grupo SBF possuirá um canal de denúncias independente
para que terceiros e colaboradores reportem eventuais práticas discriminatórias ou
anticompetitivas, bem como o acesso a informações sensíveis do ponto de vista concorrencial.
3. Obrigações do Grupo Nike: Esta se compromete a cumprir e fazer cumprir as
obrigações assumidas no contrato de distribuição, prezando pela isonomia e não
discriminação anticompetitiva.
4. Monitoramento externo: As obrigações assumidas no acordo serão monitoradas
por um monitor externo (trustee) independente, o qual apresentará relatórios com informações
sobre o cumprimento dos compromissos, eventuais discriminações concorrenciais e troca de
informações sensíveis entre as Requerentes.
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5. Prazo e multas: O acordo será válido pelo prazo de três anos, renovável por mais
dois, caso constatado o descumprimento parcial ou total do ACC, sem prejuízo da aplicação
de multas e outras medidas previstas na Lei n. 12.529/11. Ademais, na hipótese de
descumprimento total, será possível a revisão do próprio compromisso.
6. Anexos: Importante, ainda, citar que o ACC traz apêndices, por exemplo, para os
procedimentos a serem obedecidos caso haja denúncia de discriminação anticompetitiva.
Com tudo isso, entendeu o Tribunal do CADE pela possibilidade de aprovação da
operação.
25
Disponível em:
<https://sei.cade.gov.br/sei//modulos/pesquisa/md_pesq_documento_consulta_externa.php?mYbVb954ULaA
V-MRKzMwwbd5g_PuAKStTlNgP-jtcH5MdmPeznqYAOxKmGO9r4mCfJlTXxQMN01pTgFwPLudA-
u4SlmKJ3cBzu6JjtnHoDBHquY0t_8jMbP_tURDZaRI%22>.
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26
Tal Substitutivo, como descrito pelo Relator no julgado Prosegur-Sacel, almeja vedar a participação de
instituições financeiras no capital de empresas especializadas em segurança privada. Tal medida, no atual
cenário do setor, tornaria ainda mais difícil a entrada de novos agentes no mercado de transporte e custódia de
valores.
74
Prosegur - Sacel
Fonte: Autor
5 CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
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TERMO DE APROVAÇÃO
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Prof. Dr. Everton das Neves Gonçalves
Professor Orientador
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Ma. Amanda Karolini Burg
Membro de Banca
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Me. André Luiz Silveira de Lima Júnior
Membro de Banca
Universidade Federal de Santa Catarina
Centro de Ciências Jurídicas
COORDENADORIA DO CURSO DE DIREITO
Eu, Rafael Assumpção Momm, acima qualificado; venho, pelo presente termo,
assumir integral responsabilidade pela originalidade e conteúdo ideológico
apresentado no TCC de minha autoria, acima referido.
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Rafael Assumpção Momm