A Companhia Carris de Ferro de Lisboa (1901-1926) - Política, Rede de Transportes Públicos e Evolução Urbana
A Companhia Carris de Ferro de Lisboa (1901-1926) - Política, Rede de Transportes Públicos e Evolução Urbana
A Companhia Carris de Ferro de Lisboa (1901-1926) - Política, Rede de Transportes Públicos e Evolução Urbana
MARÇO 2018
1
2
A Companhia Carris de Ferro de
Lisboa (1901-1926). Política, rede de
transportes públicos e evolução
urbana
3
Em memória da minha mãe
4
Agradecimentos
Aos meus colegas e amigos da Companhia Carris de Ferro de Lisboa, que pela
resistência, abnegação, força e coragem demonstradas ao longo da crise económica e
social recente, me deram um estímulo adicional para a realização deste trabalho.
5
A Companhia Carris de Ferro de Lisboa (1901-1926). Política, rede de
transportes públicos e evolução urbana
Resumo:
6
se conceber uma orientação possível para esta problemática. Em suma, a partir
importância estratégica da mobilidade urbana, analisa-se o impacto da Companhia
Carris de Ferro em Lisboa, nomeadamente, na qualidade de agente de mudança,
inovação e modernidade.
Abstract:
This Master's thesis focuses on the origins and impact of Companhia Carris de
Ferro in Lisbon, from the beginning of the 20th Century until the end of the 20’s, but
with a slight detour by the end of the 19th Century. There is no in-depth research about
this company that leads to other, more developed, works, there is no series of articles
that allow for a line of investigation to shed some light on this economy sector and the
role it plays in the development of Lisbon. However, this shortfall is puzzling if, for
instance, we take into account the results of the innovations applied to urban
transportation and the, not always positive, results it caused on the city’s mobility.
Despite these testimonies about the development of the transportation network and the
arrival of the electric traction, there is little explanation about the why, how and when of
these changes.
7
importance of urban mobility, the impact of Companhia Carris de Ferro in Lisbon is
analysed as an agent of change, innovation and modernity.
8
Índice
Abreviaturas…………………………………………………………………….10
Introdução………………………………………………………………………11
Fontes e metodologia…………………………………………………………...23
Conclusão……………………………………………………………………...122
Apêndice documental…………………………………………………………130
Bibliografia……………………………………………………………………168
9
Abreviaturas
10
Introdução
Esta tese tem como fio condutor a ideia de que a expansão da rede projetada pela
Companhia Carris de Ferro de Lisboa ao longo dos primeiros 26 anos do século XX foi
mais do que uma soma de propostas avulsas com o objetivo único servir a população
residente através da atividade económica, sendo que, desde a sua fundação a Companhia
Carris procurou a hegemonia sectorial. Estudar a Companhia Carris de Ferro, tendo por
base a circunstância de implantação do sistema elétrico, em 1901, como meio de
locomoção, é essencial para entender a obtenção do monopólio comercial e para a
compreensão da evolução da cidade de Lisboa.
1
Cf. Fernando Rosas, Lisboa revolucionária, 1908-1975, Lisboa, Tinta da China, 2010.
11
Nesta pesquisa, abordar-se-á, não só as dinâmicas de expansão da rede da
Companhia Carris, mas também, sem abandonar o objeto de estudo, pretende-se
compreender o seu impacto na história de Lisboa. Deste modo, a cidade de Lisboa é o
nosso campo de investigação e interpretação. No nosso entender, esta análise deve ser
constituída em três escalas: a nível do município, compreendendo todas as
contingências, variações, características e mutações de uma metrópole macrocéfala e
recetora de milhares de migrantes, muitos deles sem quaisquer raízes familiares ou de
outro género2, na cidade que os acolhe; a nível nacional, abarcando a urbe, como capital
de um país periférico europeu, disposta num complexo e instável quadro político,
económico e social interno que caracteriza este período, e a nível internacional, como
capital de um Império cronicamente deficitário na sua balança comercial e dependente
dos fluxos capitais estrangeiros3, insuficientemente industrializado, com a generalidade
da sua população empregue no sector primário e maioritariamente analfabeta4. Em
suma, e como refere Fernando Rosas, Portugal era, ao tempo, “um vasto oceano de
ruralidade quase estagnada”5.
2
Entre outros, David Pereira, “A sociedade”, in História da Primeira República, (coord. Fernando Rosas
e Maria Fernanda Rollo), Lisboa, Tinta da China, 2009.
3
Cf. Álvaro Ferreira da Silva, “O processo económico”, in História Contemporânea de Portugal: 1808-
2010. A crise do Liberalismo 1890-1930, (coord. Nuno Severiano Teixeira), vol. III, Lisboa, Objectiva,
2014.
4
Cf. David Pereira, op. cit.
5
Fernando Rosas, op. cit., p. 18.
12
Companhia Carris de Ferro de Lisboa, possibilitou o recurso a um conjunto de
abordagens temáticas, que vão desde o estudo global da evolução económica e
financeira da Carris e das empresas que a constituíram6, às questões tecnológicas com
que se defrontavam, facilitou uma interpretação sobre as relações sociais que o emprego
de uma enorme quantidade de mão-de-obra e especialização profissional
proporcionaram no quotidiano citadino ou pelo estudo das relações entre a edilidade e
os órgãos sociais da Carris ao longo da cronologia 1901-19267.
6
Como se sabe, a Companhia Carris de Ferro, ao longo da sua história foi adquirindo outras empresas
concorrentes até garantir o monopólio da exploração terrestre na cidade de Lisboa. O assunto será
desenvolvido ao longo desta Tese de Mestrado. Cf. Francisco Santana e António Pedro Vicente, “Lisboa,
uma cidade em crescimento – De Ressano Garcia a Duarte Pacheco”, in História da Companhia Carris
de Ferro de Lisboa em Portugal (1901-1946), (coord. Manuela Mendonça), vol. II, Lisboa, Companhia
Carris de Ferro de Lisboa, S. A. e Academia Portuguesa de História, 2006.
7
Cf. Ângela Sofia Garcia Salgueiro, A Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses 1859-1891,
Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova
de Lisboa, 2008.
8
Veja-se, por exemplo, o guia de Londres levado ao prelo por Ian Allan, ABC, London Transport
Services, 1944. E, do mesmo autor, ABC, London´s Transport: Trams and Trolley-buses, Londres, S.L.
People, 1948.
13
estudo das empresas de transporte urbano conheceu um progresso importante, não só
em termos de prática e análise empresarial, como também das temáticas abordadas9. Um
dos ensaios iniciais sobre a temática dos transportes públicos, oriundo da historiografia
anglo-saxónica, do qual, pelo seu carácter inovador, é este trabalho é amplamente
devedor, saiu do prelo em 1976, com John P. Mckay, e a obra Tramways and Trolleys:
The Rise of Urban Mass Transport in Europe10. Esta monografia examina a difusão dos
transportes públicos sob o ponto de vista da implementação da energia elétrica como
meio de tração e as consequências que o seu uso implicou nas dinâmicas sociais,
culturais e económicas das cidades, comparando-os com espaços onde não tinha
chegado, muito menos como meio de locomoção. Ainda assim, não esconde
antagonismos presentes entre o desenvolvimento tecnológico e as resistências que a
implementação de um sistema de rede aérea eletrificada originaria na paisagem urbana
europeia, diferenciando-se do pragmatismo económico das cidades americanas, caso
exemplar de crescimento do transporte urbano tendo por base o sistema de tração
elétrica11. Este foi um importante esforço para desviar do anonimato historiográfico esta
temática particular, que desde então e até meados da década de 80, deteve mais algumas
incursões, privilegiando a perspetiva económica e política empresarial12 destacando-se,
neste aspeto, os trabalhos de Barbara Schmucki13.
9
Para o caso norte-americano veja-se: H. J. Dyos, Victorian Suburb: a study of the growth os
Camberwell, Leicester, Leicester Univerty Press, 1961; S. B. Werner, Streetcar Suburbs: the process of
growth in Boston 1870-1900. Cambridge, Harvard University Press, 1962.
10
John P. Mckay, Tramways and Trolleys: The Rise of Urban Mass Transport in Europe, Princeton,
Princeton University Press, 1976.
11
Idem, ibidem.
12
Veja-se, para o caso português, os estudos de António Lopes Vieira.
13
Barbara Schmucki, “The Machine in the City: Public Apropriation of the Tramway in Britain and
Germany, 1870-1915”, in Journal of Urban History, vol. 36, nº 6, pp. 1060-1093.
14
francês as pesquisas de Anthony Sutcliff14 e Dominique Larroque15, reflexões de que
este estudo é devedor. A escoltar esta nova geografia, desde os finais da década de 80
do século XX, nota-se um alargamento temático, abandonando apenas a vertente
económica do estudo, e abarcando outro tipo de perspetivas como a política e social,
tornando-se complementar. Assim, os novos trabalhos serão inovadores, sobretudo,
porque permitem explorar novas temáticas, como o estudo do fenómeno associativo e
sindical no seio das companhias de transportes.
14
Anthony Sutcliff , “Du cheval au tramway. Lá mécanisation des transports urbains. 1850-1900”, in Les
Annales de la recherche urbaine: les réseaux techniques urbains, vol. 23, nº 1, 1984, pp. 5-16;
15
Dominique Larroque, “L’expansion des tramways urbains en France avant la Première Guerre
Mondiale”, in Histoire, économie et société, ano 9, nº 1, 1990, pp. 135-168.
16
António Lopes Vieira, Os Transportes públicos de Lisboa entre 1830 e 1910, Lisboa, Impr.
Nacional/Casa da Moeda, 1982, e de António Ventura e Manuela Mendonça (coord.), História da
Companhia Carris de Ferro em Portugal, 3 volumes, Lisboa, Companhia Carris de Ferro de Lisboa e
Academia Portuguesa de História, 2006.
15
urbano”17. Porém, na maior parte dos casos, são referências vagas e que se limitam à
mera informação, sem uma análise de conjunto, onde se reflitam as tendências
económicas e políticas da Companhia no período em estudo, nunca descurando a
influência que os, muitos, conflitos sociais da época detiveram na empresa. Assim,
apesar dos testemunhos sobre o que terá sido o papel da Companhia Carris ao longo das
três primeiras décadas de novecentos, pouco se diz sobre o porquê, o como e o quando,
dessa relevância. Resta saber, com algum tipo de certeza, se efetivamente a expansão da
rede desempenhou um papel essencial no crescimento da cidade de Lisboa, ou pelo
menos, na forma como foi estruturado. O que levou a Companhia Carris de Ferro, ainda
sob alçada de administrações portuguesas e numa fase de grande instabilidade
económica, a investir na adaptação do sistema “americano” por tração elétrica? Quais
foram as razões para a oferta de transporte da Companhia alcançar zonas, que se
afastavam do núcleo urbano primitivo, como o Lumiar ou Carnide e que de certa forma
surpreenderam os contemporâneos como fica, de resto, demonstrado pelos estudos
coevos da Câmara Municipal de Lisboa18? Que ligações existiam entre os órgãos
camarários e a direção da Companhia Carris? De que forma o poder político municipal
usou a Carris? E como e em que momentos?
17
Álvaro Ferreira da Silva; Ana Cardoso de Matos e Bruno Cordeiro, “Ciência, tecnológica e indústria
nos primórdios da eletricidade em Portugal”, in Momentos de inovação e engenharia em Portugal no
século XX, vol. II, (coord. Manuel Heitor, José Maria Brandão, Maria Fernanda Rollo), 3 vols., Lisboa,
Publicações Dom Quixote, 2004, pp. 69-71.
18
Referimo-nos ao estudo elaborado pela Câmara Municipal de Lisboa em 1938. Cf. Elementos para o
estudo do Plano de Urbanização da Cidade de Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa. Direção dos
Serviços de Urbanização e Obras, 1938, p. 21.
19
Cf. Eric Hobsbawm, Age of Extremes: The Short Twentieth Century, 1914-1991, Great Britain, Abacus,
1995, p. 6.
16
para a extensão da oferta? Que pontos de contacto houve com o que neste domínio se ia
operando na Europa, não apenas nos processos de fabrico do material circulante, mas no
que diz respeito ao próprio projeto de desenvolvimento da frota e da rede?
20
Cf. António Lopes Vieira, op. cit.
21
António Ventura e Manuela Mendonça (coord.), História da Companhia Carris de Ferro em Portugal,
op. cit.
22
Para este assunto, entre outros: Fernando Catroga, O Republicanismo em Portugal, da formação ao 5
de Outubro de 1910, Lisboa, Editorial Notícias, 2000.
23
Cf. Idem, ibidem, pp. 71 e 72.
24
O conceito de Urbanização aqui aplicado deve muito a Charles Tilly, em que promove uma extensa
comparabilidade no espaço e tempo, precisa o desenvolvimento urbano como o resultado da estruturação
de funções em aglomerações populacionais, ou seja, a Urbanização é entendida como o resultado da
coordenação de atividades em larga escala de tipo económico, administrativo e religioso. Cf. Charles
Tilly, The Vendée, Cambridge, Harvard University Press, 1964, pp. 16-21.
17
Enquadramento, objetivos e plano de estudos sobre a Companhia Carris de
Ferro de Lisboa
A escolha de 1901 como baliza inicial para esta investigação, tendo em conta o
que se afirmou nas linhas anteriores, não foi difícil, pois a introdução do modo elétrico
como forma de tração veio modificar totalmente a realidade do sistema de transporte
urbano de passageiros em Lisboa25. De facto, a data escolhida exprime uma alteração
radical com o passado colocando Portugal, e particularmente Lisboa, em rota de
aproximação com outras capitais europeias em matéria de transporte. Não obstante, se
em termos políticos, económicos e sociais, e sobretudo pelas dinâmicas empresariais, o
estudo podia recuar, sem dificuldades de maior, ao início da década de noventa de
oitocentos, a introdução permanente da energia elétrica como forma de tração em 1901,
− e a metamorfose na rede explorada a que tal inovação obrigou − justifica a baliza
cronológica para a abordagem aqui desenvolvida.
25
Neste sentido seguem: Álvaro Ferreira da Silva; Ana Cardoso de Matos; Bruno Cordeiro, “Ciência,
tecnológica e indústria nos primórdios da eletricidade em Portugal”, in Momentos de inovação e
engenharia em Portugal no século XX, vol. I, (coord. Manuel Heitor, José Maria Brandão, Maria
Fernanda Rollo), 3 vols., Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2004, pp. 69-71.
26
Cf. Paulo Jorge Fernandes, “A vida política”, in História Contemporânea de Portugal: 1808-2010. A
crise do Liberalismo, 1890-1930, (dir. António Costa Pinto e Nuno Gonçalo Monteiro), vol. III, Lisboa,
Objectiva, 2014, pp. 63-85; A. H. Oliveira Marques, “A conjuntura”, in Nova História de Portugal. Da
Monarquia para a República, (coord. A. H. Oliveira Marques), vol. XI, Lisboa, Editorial Presença, 1991,
pp. 728-737; Fernando Rosas, História de Portugal. O Estado Novo, (dir. José Mattoso), vol. VII, Lisboa,
Círculo de Leitores, 1994, p. 151 e ss.
27
Cf. Fernando Rosas, Lisboa…, op. cit., pp. 65-77; Luís Farinha, “Sindicalismo livre e I República.
Percursos paralelos, convergências efémeras (1908-1931)”, in Greves e conflitos sociais em Portugal no
século XX, (coord. Raquel Varela, Ricardo Noronha, Joana Dias Pereira), Lisboa, Edições Colibri, 2012,
pp. 92-96.
18
década de 20, não se deveu apenas aos efeitos da guerra e da crise financeira global,
mas ao facto de a própria empresa necessitar de se ajustar económica e financeiramente
após um intervalo de forte investimento na rede e na aquisição de material circulante.
Nesse sentido, de um ponto de observação mais amplo, o período entre o final da
Grande Guerra até ao golpe de 28 de maio de 1926, demonstrou ser o mais indicado
como ponto final do estudo, uma vez que, as dificuldades económicas e financeiras
ditaram a desaceleração do crescimento da rede elétrica, mas facilitaram o avigoramento
do monopólio da exploração do transporte na cidade.
É certo que as motivações para estas opções variam, mas têm um traço comum,
uma linha condutora evidente que se traduz no abrandamento, ou quase paralisação, do
investimento na rede fruto de uma significativa retração dos mercados a nível
internacional28 com implicações em termos de capacidade tecnológica, apenas retomado
na década de quarenta do século passado. E por isso, achamos que aprofundar as
consequências da crise económica, financeira e social dos anos 20 em Portugal e na
Companhia Carris de Ferro de Lisboa é pertinente e por isso mesmo se justifica a sua
inclusão no estudo. Nessa perspetiva, fica justificado o corte temporal final,
apresentando-se o ano de 1926 como termo da abordagem desenvolvida. Ainda assim,
tratam-se de limites cronológicos que serviram de base ao estudo, ultrapassados sempre
que a pesquisa o justifique, e que contribuíram para a organização temporal que uma
dissertação exige.
28
Cf. Maria Inês Pires Soares da Costa Queiroz, A Companhia Portuguesa Rádio Marconi na Rede
Mundial de Comunicações (1906-1936), Tese de Doutoramento em História Contemporânea apresentada
à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 2015, p. 190.
19
importância da Companhia Carris, fora dos limites da cidade Lisboa. Não que um
ensaio com essas características fosse despropositado, e que certamente merecerá
atenção futura, mas essa abordagem tornaria o estudo demasiado vasto, afastando-se da
análise das perspetivas económicas exercidas na Companhia.
29
Cf. Vítor Matias Ferreira, “Modos e caminhos da urbanização de Lisboa: a cidade e a aglomeração de
Lisboa, 1890-1940”, in Ler História, nº 7, 1986, p. 106 e ss.
30
Cf. David Pereira, op. cit., pp. 79-90.
20
Por exemplo, uma atenção mais congruente da perspetiva familiar, das relações de
trabalho no seio da Companhia, das relações sindicais, ou da vida cultural e social dos
seus funcionários. Perspetivas que, apesar de igualmente relevantes, não foram
consideradas neste estudo, do mesmo modo, que este possibilita, somente, uma análise
parcial da história da Carris.
Na segunda parte do trabalho que aborda a cronologia definida para este estudo,
que denominámos “Construir a Rede”, vai ser aplicada quase na totalidade ao estudo da
estrutura da rede, − à sua desconstrução e explicação − entre 1901 e 1926. Nesta,
procuraremos encontrar paralelismos entre a expansão da cidade de Lisboa e a rede de
transportes que a servia. A viagem começa então em 1901 e, sendo conhecida a
dimensão da rede, parece-nos da maior importância abordar de forma metódica e
sistematizada cada uma das suas novas linhas, percorrendo os principais traços
evolutivos. Neste percurso, no entanto, serão destacados alguns momentos-chave para a
história da rede explorada pela Companhia Carris, quer pela sua relevância simbólica e
respetiva herança deixada, quer pelo maior significado económico e social. Os anos que
21
medeiam a inauguração do carro elétrico como forma de transporte privilegiado, entre
1901 e 1908, serão estudados em pormenor, até pelas dificuldades técnicas que o uso da
inovação tecnológica impôs. Nesta fase inicial, o desenvolvimento da rede é muito
rápido, com a multiplicação de carreiras e prolongamentos sistemáticos acompanhando
a eletrificação da rede, não se denotando perturbações de monta. O período entre 1908 e
1918 é também relevante, pois entre a inauguração da primeira linha inteiramente a
tração elétrica e a primeira tentativa de revisão das tarifas, em 1914, com o consequente
estudo e aprovação de novos projetos de alargamento da rede pela Câmara Municipal de
Lisboa, ocorrem um conjunto de modificações e ações que vão levar a uma maior
estabilidade e consolidação da rede. Ainda neste ponto, parece-nos fundamental
destacar os contributos e obstáculos que a mudança de políticas municipais, sobretudo,
após a vitória republicana no município lisboeta, em 1908, colocou aos projetos
monopolistas da Carris. Esta análise cronológica cruzará múltiplos aspetos que vão
possibilitar entender a própria história da Carris no período anterior à Primeira Guerra,
nomeadamente, através do enquadramento da sua função no que eram as práticas da
época, ou seja, entender como a lenta caminhada para o conflito mundial, e após a sua
deflagração, os seus efeitos, influíram no dia-a-dia da empresa. Por fim, num terceiro
momento, estará em destaque o período 1918-1926 pretendendo-se conhecer que Carris
emergiu do conflito mundial, e dos constantes antagonismos sociais e políticos por
aquele provocados e que estratégias foram adotadas pela administração da empresa. A
guerra e o sidonismo tinham sido ultrapassados, mas as cicatrizes, por eles deixados
permaneceram31 e, por isso, um estudo detalhado da rede ao longo dos últimos anos da
República, são determinantes não apenas para a pormenorização da oferta, mas também,
para suprir o vazio de conhecimento sobre de que forma a frágil situação económica e
financeira do país do pós-guerra afetou a Companhia, e impossibilitou a reformulação
da rede, travando a sua dinâmica expansionista, sendo que, concomitantemente, não
inviabilizou a renovação do material circulante.
31
Cf. António José Telo, Decadência e Queda da Iª República Portuguesa, vol. I, Lisboa, A Regra do
Jogo, 1980, p. 105.
22
desenvolvimento e inovação das redes urbanas de transportes, e como se relacionaram e
pressionaram o poder municipal e central. Na medida do razoável, será executada uma
aproximação ao panorama europeu, entendendo as especificidades do contexto
português, apresentando-se com um auxílio primordial para compreender a
configuração da rede de elétricos em Lisboa. É tendo em consideração estes aspetos,
que um estudo sobre as prioridades políticas, comerciais, e de inovação, −
condicionadas, limitadas ou impulsionadas pela economia do país e pelas idiossincrasias
dos agentes económicos − é necessária e justifica-se plenamente, para além do seu
indubitável interesse enquanto legado patrimonial e histórico da cidade. Na realidade, o
processo de introdução da tração elétrica na rede de transportes na urbe lisboeta
enquadrou-se no conjunto de exigências de natureza económica que se foram
desenhando, à semelhança da prática nacional32, mas viradas para o contexto europeu.
Destas exigências resultou uma profunda alteração de natureza tecnológica, financeira e
paisagística, cujos impulsos foram promovidos por agentes internos que importa
conhecer. Nesta categoria, implica ter presente o embate, não somente dos processos de
transferência de tecnologia, inovação e desenvolvimento científico, mas também de
modernização e organização das redes de transporte.
Fontes e metodologia33
O papel central dado à Companhia Carris de Ferro de Lisboa nesta tese tem
origem, como se entende, na sua evolução ao longo da fase final do Regime
Monárquico e durante de toda a Primeira República, como instituição que, após uma
fase inicial pouco auspiciosa, conseguiu, com o passar dos anos, apresentar-se como a
32
Cf. Inês Queiroz, op. cit., p. 4.
33
Ao longo de toda a Tese, que se apresenta, foi adaptada a grafia das fontes utilizadas respeitando o
Acordo Ortográfico aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011.
23
empresa de transportes de referência da capital. Contudo, este entendimento também se
foi estabelecendo à medida que a pesquisa de fontes sobre o objeto foi devolvendo
resultados, em especial após descobrir que grande parte das fontes pertencentes ao
Arquivo privado da Companhia Carris se encontram inéditas e com informação
relevante, e a possibilidade de fazer um estudo baseado na empresa que, por força do
seu valor histórico e da sua imagem representa a cidade, obrigou a uma reflexão sobre a
centralidade da rede de transporte da Companhia Carris, quer na sua formulação
inaugural, como depois, após a inclusão da tração elétrica. A definição do ponto central
de observação deste trabalho baseado no estudo das redes exploradas pela Companhia
Carris de Ferro permite entrar em contacto com duas perspetivas essenciais de análise:
por um lado, a intersecção com investigações e aspetos metodológicos da história
económica e social34, da história local35, da história da tecnologia36, e história do
património37; por outro, as relações estratégicas e sua contextualização38, os contextos
34
Por exemplo, Vasco Pulido Valente, Estudos sobre a crise nacional, Lisboa, Impr. Nacional-Casa da
Moeda, 1980; António Alves Caetano, “Configuração económica das freguesias de Lisboa. Ensaio de
caracterização.”, Ler História, nº 37, 1999; Maria Eugénia Mata, As Finanças Públicas Portuguesas. Da
Regeneração à Primeira Guerra Mundial, Lisboa, Banco de Portugal, 1993; Pedro Lains, Os Progressos
do atraso. Uma nova História Económica e Social (1842-1992), Lisboa, ICS, 2003; Nuno Valério, As
finanças publicas portuguesas entre as duas guerras, Lisboa, Cosmos, 1994.
35
Entre outros, de César Oliveira, História dos Municípios e do Poder Local: dos finais da Idade Média à
União Europeia, Lisboa, Círculo de Leitores, 1996; José Amado Mendes, “História local e memórias: do
Estado-Nação à época da globalização” in Revista Portuguesa de História, t. XXXIV, Lisboa,
FLUL,2000; Graça Maria Soares Nunes, “A História Regional e Local – Contributos para o estudo das
identidades locais” in Caderno de Sociomuseologia, nº 8, Lisboa, Universidade Lusófona,1996; Francisco
Ribeiro da Silva, História local: objetivos, métodos e fontes, FLUP, Porto, 1999; Magda Pinheiro,
Biografia de Lisboa, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2011; Lewis Mumford, A cidade na História, suas
origens, transformações e perspetivas, Lisboa, Martins Fontes, 1998; José Augusto França, Lisboa.
História física e moral, Lisboa, Livros Horizonte, 2008; José Sarmento de Matos, Lisboa à beira Tejo:
1860-2010, EGEAC, 2010; Vítor Matias Ferreira, A cidade de Lisboa: de capital do Império a centro da
metrópole, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1987; Fernando Rosas, Lisboa…, op. cit.
36
AA.VV., Momentos de inovação e engenharia em Portugal no século XX, 3 vols., (coord. Manuel
Heitor, José Maria Brandão, Maria Fernanda Rollo), Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2004; Heitor,
Manuel; Brito, José Maria Brandão De; Rollo, Maria Fernanda, Engenho e obra: engenharia em Portugal
no séc. XX: [memória de uma exposição], Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2003; Ilídio Mariz Simões;
Abílio Fernandes, Lisboa e a Eletricidade, Lisboa, EDP, 1992; Ana Paula Pires; Maria Fernanda Rollo;
Inês Queiroz (coord), História das Telecomunicações em Portugal. Da Direção Geral dos Telégrafos do
reino à Portugal Telecom, Lisboa, Tinta da China, 2009;
37
Vide, José Manuel Fernandes, Lisboa: Arquitetura & Património, Lisboa, Livros Horizonte, 1989; AA.
VV., O Município de Lisboa e a Dinâmica Urbana (Séculos XVI-XX): Atas das Sessões do I Colóquio
Temático, (org. Alice Branco), Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, 1997; Jaime Fragoso de Almeida,
Elevadores, ascensores e funiculares de Portugal, Lisboa, CTT, 2010; João Azevedo, Lisboa – 125 anos
sobre carris, Lisboa, Roma Editora, 1998; Frederico Ressano Garcia, Lisboa de Frederico Ressano
Garcia, 1874-1909, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1989; Inês Queiroz, A Companhia…,op. cit.
38
Veja-se entre muitas obras, Fernando Rosas, O Estado Novo nos anos trinta, 1928-1938, Lisboa,
Editorial Estampa, 1986; António Costa Pinto; Nuno Severiano Teixeira (coord), A Primeira República
Portuguesa: entre o Liberalismo e o Autoritarismo, Lisboa, Colibri/IHC, 2000; José António Telo, A
Primeira República: Do sonho à Realidade, vol. I, Amadora, Presença, 2010; Idem, A Primeira
República: como cai um regime, vol. II, Amadora, Presença, 2011; Fernando Rosas; Maria Fernanda
Rollo (coord.), História da Primeira República Portuguesa, Lisboa, Tinta da China, 2010.
24
de crise e guerra39, e a introdução de novos sistemas de comunicação40. Qualquer um
destes pontos de exame era capital para abranger a atividade da Companhia, as suas
conexões com os múltiplos poderes e a evolução do posicionamento dos seus dirigentes,
pelo que privilegiar apenas uma perspetiva de análise sobre a centenária empresa Carris,
não só pareceu despropositado, como era contraditório tendo em conta a multiplicidade
de fontes, relativamente alcançável, e que possibilita caracterizar a Companhia no plano
histórico.
25
direções ao longo do período em estudo, que manifestavam, em parte, as perspetivas dos
sócios maioritários, constituindo uma fonte muito interessante para o entendimento
sobre as posições cívicas e táticas, por exemplo, na medida que, estas variavam face à
instabilidade do sistema político; c) as listas de mapas da rede, de que resistiram poucos
exemplares, sobretudo para a fase anterior a 1901, mas que serviram para complementar
um conjunto de dados muito relevantes para reconstituição das carreiras da Companhia
Carris, bem como, para conhecer a Lisboa nos momentos anteriores e posteriores do
período em estudo; d) por fim, a numerosa correspondência dos órgãos administrativos,
e esclarecimentos trocados com múltiplas entidades, de carácter inédito e onde eram
apresentadas informações úteis para o desempenho da empresa, a sua função na
sociedade, as suas aspirações e exigências. Além destas quatro séries primárias,
utilizámos outras que detinham informação complementar aos objetivos traçados para o
estudo e que só, circunstancialmente, foram usadas como são o caso das séries
documentais que correspondem aos Livros de Contratos; Ordens de Direção; Pedidos de
Autorização, e Esclarecimentos.
Toda esta documentação, produzida pela CCFL, constituía, pelo seu valor, um
volume de informação que permitia analisar, exclusivamente, as escolhas económicas
das diferentes direções da Companhia. A par do ACCFL, central para a investigação,
importa destacar o contributo do Arquivo Municipal de Lisboa/Arco do Cego onde se
privilegiou o acesso às atas da Câmara Municipal de Lisboa, onde se procurou tornar a
análise o mais representativa possível de acordo com o que seriam os propósitos das
vereações ao longo do período 1895-192641. Esta metodologia, justificada pelo tempo
disponível para a pesquisa, viabilizou a consecução de alguns dos objetivos deste
trabalho como, por exemplo, verificar as posições de uma parte dos elementos das
vereações, contextualizando as suas opções com as suas atividades profissionais (em
alguns casos acumulavam a função de vereadores com a administração da Companhia
Carris). Por fim, um distinto grupo de fontes foi, identicamente, consultado neste
41
Foram consultados 38 livros de Atas da Câmara Municipal de Lisboa que se encontram distribuídos
pela BNP, no AHML/AH e no ACML/AC. Todavia, o seu acesso nem sempre se mostrou fácil, uma vez
que estes volumes se encontram, na BNP, divididos entre o elemento de descrição Archivo Municipal de
Lisboa/Câmara Municipal de Lisboa (1895-1904) (doravante citado como Archivo, seguido de dia, mês e
ano), Atas das Sessões da Câmara Municipal de Lisboa, (1907-1926) (doravante citado como Sessões,
seguido de dia, mês e ano) e Boletim da Câmara Municipal de Lisboa, (1927-1933) (doravante citado
como Boletim, seguido de dia, mês e ano). Os anos 1905-1906 estão apenas disponíveis no AHML/AH e
no AHML/AC.
26
arquivo constituído, sobretudo, por plantas da cidade, correspondência, projetos de rede,
inspeções, e autorizações camarárias.
42
Este periódico não se encontra disponível para consulta na BNP. Para tal, foi usado o ACCFL.
43
A par desta escolha é necessário ter presente a própria alteração de tendência política dos jornais ao
longo dos anos, que não poderia de ficar à parte desta investigação.
44
Obra que permanece inédita no arquivo ACCFL a aguardar publicação.
27
movimento, 1850-1920, (1994) edição da Lisboa 94, que destaca os momentos mais
marcantes da atividade da Companhia Carris ao longo do seu percurso inicial.
28
É relativamente consensual na historiografia internacional, a ideia de que o
espaço urbano condiciona e molda a rede de transportes que o serve45. Mas alterações
de ordem tecnológica determinaram a localização da economia local e, sobretudo, a
expansão urbana46, existindo uma relação umbilical de sujeição entre a rede e a cidade
em qualquer momento da História47. Nesse sentido, o melhoramento das infraestruturas
nas redes de transporte faz-se partindo do centro da cidade ou dos vários centros que se
vão moldando (político, económico, financeiro, por exemplo) e as zonas limítrofes, e a
sua organização circunscreve a distribuição espacial das atividades comerciais e
sociais48. Por outras palavras, a política urbanística, de finais do século XIX e durante as
primeiras três décadas de novecentos, esteve dependente de uma comensuração paralela
entre a localização dos centros de negócios, valorização imobiliária, crescimento urbano
e as redes de transporte49.
45
Para o caso de Londres, veja-se: Teo C. Barker; Michael Robbins, A History of London Transport, 2
vols., Londres, Routledge Library Editions – The city, 1963 e 1974.
Na Alemanha, segundo os autores abaixo descritos, as principais cidades, como Berlim, Estugarda,
Leipzig, Nuremberga e Frankfurt, foram planeadas com base as suas redes de transporte. Veja-se, John P.
Mckay, op. cit., pp. 117, 209, 222-3; Hans Kollhoff, “Construction: engineering structures in Berlin,
1871-1914”, in Berlin/New York: like and unlike: essays on architecture and art from 1870 to the
presente, (dir. Josef Paul Kleichues; Christina Rathgeber), Nova Iorque, Rizzoli, 1993, pp. 47 e ss.
Para o caso francês temos, Richard H. Turner, “Tramways for rural France. The rise and fall of the
Tramways of Loir-et-Cher, 1880-1934”, in Journal of Transport History, vol. 20 (2), 1999, pp. 107-125.
46
Cf. Jesús Mirás-Araujo, “The Spanish tramway as a vehicle of urban shaping. La Coruña, 1903-1962”,
in Journal of Transport History, vol. 26 (2), 2005, p. 20.
47
Cf. Genevieve Giuliano; Henneth A. Small, “Is the Journey to Work Explained by Urban Structure?”,
in Urban Studies, vol. 30, nº 9, 1993, p. 1499.
48
Cf. Jesús Mirás-Araujo, op. cit., p. 21.
49
Para o caso nacional, veja-se a reflexão de Vítor Matias Ferreira sobre as consequências que o fim do
Passeio Público implicou em Lisboa: “A partir de então, o centro histórico da cidade – baixa pombalina
– deixa de ser a exclusiva componente urbana centralizadora de todo o processo de urbanização. Novos
elementos, de amplo significado socio-urbanístico, irão surgir no seguimento da rutura daquele tampão
ao crescimento urbano de Lisboa. A cidade deixa de estar exclusivamente virada para o seu umbigo
pombalino, ao mesmo tempo que as urbanizações dispersas, situadas no exterior daquele centro
pombalino, tenderão a uma progressiva integração no conjunto urbano da cidade”. Cf. Vítor Matias
Ferreira, A cidade de Lisboa: de cidade do Império a centro da Metrópole, Lisboa, Publicações Dom
Quixote, 1987, p. 84.
50
Em Portugal, são múltiplos os exemplos das dificuldades financeiras vividas pelas empresas de
transporte até à fundação da CCFL. Para o caso britânico temos, entre outros, A. D. Achojna, “The
29
cidades, no último terço do século XIX, possibilitou o seu emprego no transporte
citadino consolidando-o como o meio de deslocação primordial. Mais rápido e eficaz,
este sistema foi, sintomaticamente, um produto do desenvolvimento industrial e da
tecnologia que tornou a mobilidade urbana e interurbana a base das alterações
económicas locais. De facto, o layout da maioria das cidades europeias foi estabelecido
com base numa relação entre desenvolvimento industrial e crescimento demográfico
local51, proporcionando o avanço das áreas urbanas para zonas rurais ou semiperiféricas,
a criação de subúrbios destinados, geralmente, à classe burguesa enriquecida, e a
multiplicação de bairros e vilas circundando as novas zonas industriais, com reduzidas
condições de higiene e habitabilidade52. Ainda assim, uns e outros, ricos e pobres,
pretenderam estabelecer-se perto de linhas de transporte53, muitas vezes projetadas
ainda antes da urbanização dos solos se efetuar, acompanhando a valorização dos
terrenos e a especulação imobiliária.
influence of local and national on the development of urban passenger transport in Britain, 1850-1900”, in
Journal of Transport History, vol. 4, (3), 1978, pp. 125-146.
51
Cf. Jesús Mirás-Araujo, op. cit., p. 21.
52
Para o caso da cidade de Lisboa, vide entre outros: Nuno Teotónio Pereira, “Prédios e Vilas de Lisboa”,
in AA. VV., O município de Lisboa e a Dinâmica Urbana (séculos XVI-XIX), Atas das sessões do I
Colóquio Temático, (org. Alice Branco), Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa. Pelouro da Cultura, 1995,
p. 177; Idem, “Pátios e vilas de Lisboa, 1870-1930: a promoção privada do alojamento operário”, in
Análise Social, vol. XXIV, (3º), nº 127, 1994, p. 509 e ss; Daniel Alves, “Uma cidade em mudança: A
evolução do comércio de retalho de Lisboa no final da Monarquia”, in Arquivo Municipal de Lisboa. Um
Acervo para a História, (eds. Aurora Almada Santos; Edite Martins Alberto; Maria João Pereira
Coutinho), Lisboa, Arquivo Municipal de Lisboa, 2015, p. 259.
53
Cf. Jesús Mirás-Araujo, op. cit., p. 21.
54
Sentida, sobretudo, nas cidades norte-americanas. Vide, Holt, G.E. “The changing perception of urban
pathology. An essay on the development of mass transit in the United States”, in Cities in American
History, (ed. Jackson, K.T; Schultz, S.K.), Nova Iorque, Knopf, 1972.
55
Cf. Arnulf Grübler, The Rise and Fall of Infrastructures. Dynamics of evolution and technological
Change in transport, s. l., Physica-verlag Heidelberg, 1990, p. 198.
56
Cf. H. J. Dyos, Victorian Suburb: a study of the growth of Camberwell, Leicester, Leicester University
Press, 1961; S. B. Werner, Streetcar Suburbs: the process of growth in Boston 1870-1900. Cambridge,
Harvard University Press, 1962.
57
Cf. António Doménech, “Tramways Revisited: Na analysis of the role of tramways in urban
transportation duting the twentieth century”, in Geography, vol. 92, nº 2, 2007, p. 107.
30
Contrato de 1888 entre a Companhia Carris de Ferro e a Câmara Municipal de Lisboa, é
fundamental ter presente, entre outros fatores58, a dimensão da urbe lisboeta e a relação
com as congéneres europeias, a evolução das estruturas urbanísticas, a topografia, o
crescimento demográfico constante de todo o período59 e a tecnologia aplicada, uma vez
que, “as cidades são modeladas pelos seus sistemas de transporte, mas estes dependem
das particularidades urbanísticas”60.
58
Não podemos deixar de assinalar enormes similitudes entre a implementação deste sistema de
transporte em Lisboa e outras cidades europeias. Cf. Alberte Martínez López; Jesús Mirás Araujo, “El
transporte urbano y su modernización em España, 1850-2010”, in Vie e mezzi di comunicazione in Italia e
Spagna in età contemporânea”, (dir. Carlos Barciela López; Antonio di Vittorio; Giulio Fenicia; Nicolia
Ostuni), s. l., Rubbertino, 2013, p. 192 e ss.
59
Cf. Idem, ibidem.
60
Arthur B. Gallon; Simon Eisner, The Urban Pattern. City planning and design, Londres, Van Nostrand
Company, 1993, pp. 63-64.
61
São vários os autores que destacamos dentro desta linha interpretativa, com origem nas transformações
sociais e económicas de Portugal durante a segunda metade do século XIX e que se prolonga até,
sensivelmente, ao 28 de maio de 1926. Entre outros: Manuel Villaverde Cabral, Portugal na Alvorada do
Século XX. Forças sociais, poder político e crescimento económico de 1890 a 1914, Lisboa, Regra do
Jogo, 1979; Fernando Medeiros, A Sociedade e a Economia Portuguesas nas Origens do Salazarismo,
Lisboa, A Regra do Jogo, 1978; Fernando Rosas, Pensamento e Ação Política. Portugal Século XX
(1890-1976), Lisboa, Editorial Notícias, 2004.
31
contribuído para a sua aproximação aos influentes diretores da Companhia, e em que
momentos aconteceu.
62
Cf. Teresa Barata Salgueiro, “Os transportes no desenvolvimento das cidades portuguesas”, in Povos e
Culturas. A cidade em Portugal: onde se vive, (dir. Artur Teodoro de Matos e Carlos Laranjo Medeiros),
vol. XII, nº 2, Lisboa, 1987, p. 125.
63
Teresa Barata Salgueiro diz-nos que para a “época contemporânea tem-se assistido a um crescente
aumento da mobilidade individual. Todavia, diversos estudos mostram que a mobilidade depende de um
certo número de variáveis. Se as crianças e idosos são os grupos etários com menos mobilidade, o sexo
também traz limitações, uma vez que as mulheres tendem a deslocar-se a menores distâncias do que os
homens”, in A cidade em Portugal. Uma Geografia Urbana, Lisboa, Edições Afrontamento, 1999, p. 370.
32
resíduos urbanos e prevenir e escudar de catástrofes tais como epidemias, incêndios ou
inundações. Para isso puderam recorrer a um conjunto de novas, ou não tão recentes,
tecnologias: de transporte (navegação marítima, ferrovia, elétrico e trolley,
metropolitano e automóvel); de abastecimento (redes de distribuição de águas, gás e
eletricidade); de administração pública (prisões, hospitais, sistemas burocratizados de
polícia, justiça e governo municipal); e de informação (imprensa, rádio, cinema,
telégrafo e telefone)64.
64
Cf. José Maria Cardesin Díaz; Jesús Mirás Araujo, “La modernización de las ciudades españolas entre
el ocaso de la Restauración y la Guerra Civil”, in Storia Urbana. Città e território in Spagna: il processo
di modernizzazio fra Ottocento e Novecento, nº 119, 2008, p. 6.
65
Veja-se, entre outros, Álvaro Ferreira da Silva, “Modos de Regulação da Cidade: a mão visível na
expansão urbana”, in Revista Penélope. Fazer e desfazer a História, nº 13, 1994, p. 121 e ss. No entanto
este autor destaca o papel desempenhado por Josef Konvitz que na obra The Urbam Millenium, “foi quem
de forma mais perentória realçou a crescente subordinação da expansão e transformação das cidades a
intervenções institucionais”.
66
Josef W. Konvitz, The Urban Millenium: The city Buillding process from the Early Middle Ages to the
Present, Carbondale, Southern Illinois University Press, 1985.
67
Para o caso lisboeta, Teresa Barata Salgueiro, considera que “o planeamento assume um papel
fundamental na determinação do preço do solo. O zonamento, ao afetar áreas a certos usos, faz uma
distinção quase arbitrária, que arrasta imediatamente uma valorização diferente”, in “Bairros
clandestinos na periferia de Lisboa”, Finisterra, Revista Portuguesa de Geografia, vol. XII, nº 23, Lisboa,
1977, p. 34.
68
Esgotos, banhos públicos, escolas, mercados, habitação social, abate de animais, os talhos, as
farmácias, são alguns exemplos onde a intervenção do Estado, por via dos Municípios de fazia sentir.
Ainda assim, Álvaro Ferreira da Silva encontra cinco grandes grupos de razões para que a intervenção do
poder central ocorra: os problemas de higiene e saúde pública que assolam as cidades europeias; a
atomização das atividades empresarias em áreas sensíveis do ambiente; a evolução tecnológica das
infraestruturas urbanas; as dificuldades financeiras dos municípios; e a necessidade de medidas sociais
dirigidas a um corpo eleitoral urbano mais alargado. Cf. Álvaro Ferreira da Silva, “Modos…op. cit., p.
123, 125-126.
33
Um segundo momento decorre do processo de transformação radical no plano de
urbanização, iniciado no dealbar do século XX nos EUA69, e que vai promover um
contínuo alargamento dos limites das urbes, ainda que não com a mesma dinâmica em
todos os países, servindo, mormente, para acolher um tipo de população
financeiramente privilegiada. Contudo, o facto de a urbanização, aqui, preceder o
edifício, permite a difusão daquelas novas tecnologias e autoriza o abastecimento
urbano; ou seja, as redes de saneamento e água potável, as linhas de gás e eletricidade,
que aprovam a progressiva iluminação pública e das habitações, a organização de novas
vias públicas. No fundo, “o planeamento urbano constitui a expressão mais acabada de
controlo administrativo sobre a organização da cidade”70, sugerindo a obrigatoriedade
da intervenção do Estado, a bem do interesse público, na regulamentação e provisão de
bens essenciais, e que foram tão bem refletidas em Principles, de John Stuart Mill71.
Diz-nos Magda Pinheiro que “se as cidades não são fenómenos separáveis do
contexto geográfico, demográfico, social, económico, político em que se inserem, difícil
seria encarar a História Urbana do Portugal oitocentista sem a relacionar, com os
meandros e os constrangimentos da História do país neste período”72. Desse modo,
Portugal era, em 1890, um país pouco povoado, com cerca de cinco milhões meio de
habitantes73, maioritariamente agrícola e analfabeto74, onde apenas 28,6% dos residentes
se encontravam numa região urbana (14,7% em locais com mais de 5000 habitantes) e
69
Cf. Josef W. Konvitz, op. cit.
70
Álvaro Ferreira da Silva, “Modos…op. cit., p. 124.
71
Cf. John Stuart Mill, Principles of Political Economy with some of their Applications to Social
Philosophy, Londres, Longmans Green & Co, 1909,
disponível em: http://www.econlib.org/library/Mill/mlP.html. Consultado a 1/2/2018.
72
Magda Pinheiro, “Crescimento e modernização das cidades no Portugal Oitocentista”, in Ler História,
nº 20, 1990, p. 79.
73
Segundo os dados estatísticos, em 1890, a população portuguesa a residir em Portugal Continental e
ilhas da Madeira e dos Açores, era de 5.049.729 habitantes. Relativamente às áreas urbanas o número de
habitantes ascendia aos 1.445.032 (cf. Censos da População Portuguesa, 1890, (doravante citado como
Censos, seguido do ano de estudo). Não obstante, face à precariedade do estudo estatístico, os
investigadores não conseguiram estabelecer um consenso quanto ao total da população portuguesa: se
Sacuntala Miranda segue os Censos de 1890 (in “A base demográfica”, in Nova História de Portugal,
(coord. de A.H. de Oliveira Marques), vol. XI, Lisboa, Editorial Presença, 1991, p. 15), Rui Ramos e
Jorge Pedreira apresentam-nos outros valores quantitativos, de 5.103.000 e 5.102.891, in História de
Portugal. A segunda fundação (1890-1926), (dir. José Mattoso), vol. VI, Lisboa, Círculo de Leitores,
1994, p. 31 e “População e Sociedade”, in História Contemporânea de Portugal, 1808-2010. A
Construção Nacional, 1834-1890, (coord. Pedro Tavares de Almeida), vol. II, Lisboa, Editora Objetiva,
2013, p. 162, respetivamente.
74
Cf. Ibidem, p. 176 e ss.
34
sendo que destes, mais de metade residia nos dois centros urbanos mais relevantes – e
dignos desse nome à escala europeia − Lisboa e Porto75.
75
Cerca de 12%. Cf. Sacuntala de Miranda, op. cit., p. 14.
Entre 1878 e 1890 a população da capital regista uma taxa de crescimento de 2,3% ao ano. Cf. Álvaro
Ferreira da Silva, “A construção residencial em Lisboa: evolução e estrutura empresarial (1860-1930)”, in
Análise Social, vol. XXXI, nº 136-137, 1996, p. 600.
76
Englobava o atual distrito de Setúbal e tinha cerca de 611.168 habitantes. Cf. Nuno Valério (coord.),
Estatísticas Históricas Portuguesas, vol. I, Lisboa, Instituto Nacional de Estatística, 2001, p. 57.
77
Segundo os dados apurados por Teresa Ferreira Rodrigues, a evolução percentual da população do
distrito de Lisboa nas primeiras três décadas do século XX cifrou-se entre os 13,1% para 1900; 11,4% em
1911; 12,2% em 1920 e 13,3% em 1930. Cf. Teresa Ferreira Rodrigues (coord.), História da População
Portuguesa, Porto, Edições Afrontamento, 2009, p. 439.
78
Cf. Álvaro Ferreira da Silva, “A evolução da rede urbana portuguesa, (1801-1940)”, in Análise Social,
vol. XXXII, nº 143-144, 1997, p. 779.
79
Segundo Manuel Teixeira, “a industrialização na segunda metade do século XIX fez aumentar a
procura de habitação de baixo custo nas principais cidades. Em 1890 perto de um terço da população de
Lisboa era constituída por pessoas de origem rural”. Manuel C. Teixeira, “As estratégias de habitação
em Portugal, 1880-1940”, in Análise Social, vol. XXVII, nº 115, 1992, p. 65.
80
Cf. Censos, 1890. Não obstante, ressalvamos o facto da alteração de nomenclatura e do real significado
dos conceitos de Cidade, Centro Urbano, Urbanização e Urbanismo influírem decididamente na
contabilização dos moradores da cidade de Lisboa. Cf. Teresa Ferreira Rodrigues (coord.), op. cit., pp.
348-349.
81
Cf. Censos, 1900.
82
Lei de 18 de julho de 1885 e 22 de julho de 1886, respetivamente.
83
Cf. Planta da cidade de Lisboa e seus arredores, Lisboa, [1885?] - Biblioteca Nacional Digital,
acedido 28 de abril de 2017, disponível em http://purl.pt/3647/3/.
84
A Lei de 18 de julho de 1885 estendeu a área do Município de Lisboa e, concomitantemente a cidade.
Esta seria delimitada, segundo o artigo 1º da citada Lei, pela linha de circunvalação que, partindo da
estrada de Sacavém passava “pelo vale de Chelas, entroncava com a estrada militar entre a Ameixoeira e
o Lumiar, siga deste ponto a estrada militar até Benfica, e abrangendo esta povoação, e percorrendo a
margem esquerda da ribeira de Algés, termine na ponte do mesmo nome”. Augusto Vieira da Silva, “Os
Limites de Lisboa”, in Revista Municipal, nº 6, 1940, pp. 14-15.
85
Já no início do século XX, pelo Decreto de 21 de novembro de 1903, uma nova variação da zona
administrativa transportaria os tentáculos da capital de Algés até Xabregas, circulando pelo Vale do
Forno, Calçada de Carriche, Quinta do Cabeço e Braço Prata estabelecendo o perímetro do concelho de
Lisboa tal como hoje existe, mas perdendo 14,8 Km2, a oriente, para o concelho de Loures. Sobre este
tema e entre outros, Daniel Alves, “Using a GIS to reconstruct the nineteenth century Lisbon parishes”, in
Humanities, Computers and Cultural Heritage. Proceedings of the XVIth international conference of the
Association for History and Computing, Amesterdão, 2005, pp. 12-17.
Segundo Teresa Barata Salgueiro, estes limites “foram traçados tendo em vista o aumento da tributação
fiscal, numa série de tentativas para minorar o endividamento municipal, pouco significando em termos
de área efetivamente construída, processo chamado de “expansão urbana sem urbanização” (Teresa
Barata Salgueiro, A cidade em Portugal. Uma geografia urbana, Lisboa, Edições Afrontamento, 1999, p.
35
conjunto da cidade é inteligível se entendermos o que foi o comportamento demográfico
da urbe ao longo do derradeiro terço do século XIX, sendo notório um desenvolvimento
significativo para o período 1878-1890, diminuindo entre 1890 e o censo sequente, para
acelerar ao longo da primeira década de 190086.
89). De encontro com esta análise segue Sande e Castro que, para este período, menciona a pouca
densidade populacional das novas áreas sob administração do Município de Lisboa, relacionando esta
medida com a questão fiscal: “nem a metade [da nova área urbana] se achava edificada e, muito menos
urbanizada”. Cf. António Paes de Sande e Castro, A Carris e a Expansão de Lisboa. Subsídios para a
História dos Transportes Colectivos na Cidade de Lisboa, Lisboa, 1956, p. 6.
86
Cf. Daniel Alves, A República…, op. cit., p. 60.
87
Magda Pinheiro estima que em 1890 cerca de 34,9% dos moradores tinham nascido noutro distrito e
8,8% noutro concelho do distrito de Lisboa. Cf. Magda Pinheiro, Biografia…, op. cit., p. 248.
88
Fernando Rosas, Lisboa…, op. cit., p. 19.
89
Cf. Teresa Barata Salgueiro, A cidade…, op. cit., p. 84. Veja-se, também, Ana Filipa da Conceição
Prata, Atlas Portuário Nacional: Contributos Metodológicos para a sua elaboração, Dissertação de
Mestrado apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa,
2012.
90
Álvaro Ferreira da Silva, “A evolução…”, op. cit., p. 812.
91
Veja-se, João Bonança, Encyclopedia de Applicações Usuais, Lisboa, 1903.
92
Cf. Idem, Ibidem.
36
Foi a um surto industrial que se assistiu na segunda metade do século XIX 93 mas, como
referiu António José Telo, “à portuguesa, o que quer dizer que foi original, modesto,
inconsequente e incompleto”94.
93
Estima-se que no final do século XIX, a cidade de Lisboa, concentrava cerca de 30% do emprego
industrial e 80% da potência-vapor no país. Cf. Regina Salvador e Thierry Dias Coelho, “Lisboa na
geografia económica do Portugal republicano”, in Pensar a República, 1910-2010, (org. Ana Paula Pires,
et alia), Lisboa, Almedina, 2014, pp. 288-289.
94
António José Telo, “População e Sociedade”, in História Contemporânea de Portugal, 1808-2010. A
Crise do Liberalismo, 1890-1930, (coord. Nuno Severiano Teixeira), vol. III, Lisboa, Editora Objetiva,
2014, p. 175.
Manuel Teixeira refere que “o desenvolvimento industrial em Portugal não foi uma revolução industrial
no sentido convencional”. Manuel C. Teixeira, op. cit., p. 65.
95
Vítor Matias Ferreira salienta que “em relação a Lisboa, aquele pulo demográfico entre 1878 e 1890, é
contemporâneo da própria intervenção urbanística da cidade, ao romper para norte – a custa da
destruição do passeio público – os limites urbanos da capital do país. Uma tal intervenção abria para
novos bairros possíveis e para uma penetração urbanística na direção norte”. Vítor Matias Ferreira, op.
cit., p. 112.
96
O Inquérito Industrial de 1890 indica-nos a existência de 18.500 trabalhadores na indústria de Lisboa.
Cf. Jorge M. Pedreira, op. cit., p. 184.
97
Regra geral e segundo Teutónio Pereira, os senhorios edificavam “nas traseiras dos seus prédios casas
abarracadas para alugar a operários [aproveitando] caves insalubres para o mesmo efeito, sempre com
acesso pelas traseiras”. Nuno Teotónio Pereira, “Pátios e vilas de Lisboa, 1870-1930: a promoção
privada do alojamento operário”, in Análise Social, vol. XXIV, (3º), nº 127, 1994, p. 511.
98
Referimo-nos à Portaria de 6 de junho de 1865, constante no Plano Geral dos Melhoramentos da capital
de 13 de janeiro do mesmo ano. Cf. Maria Helena Castel-Branco Lisboa, Os engenheiros em Lisboa,
urbanismo e arquitetura: 1850-1930, 2 vols., Tese de Mestrado apresentada à Faculdade de Ciências
Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 1996, pp. 119-120.
Segundo Margarida de Sousa Lôbo, este plano tratou-se da primeira tentativa de legislar o planeamento
urbanístico em Portugal, embora de forma incipiente, sendo definido como “pré-urbanismo
regulamentar”. Cf. Margarida de Sousa Lôbo, Planos de Urbanização: a época de Duarte Pacheco,
Porto, Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto, 1995, p. 16.
37
incremento da procura, levou à construção de vilas99 e de pátios100 operários101,
essencialmente, localizados ao longo do eixo pobre das ruas da Palma e avenida
Almirante Reis e no lado ocidental102, no Calvário, Santos e Alcântara103, por oposição
socialmente mais favorecido, das avenidas da República e “Avenidas Novas”104. Como
refere Vítor Matias Ferreira, em Lisboa “a lógica do processo de urbanização tenderá,
deste modo, a organizar-se em função, também, daquelas componentes periféricas, mas
agora no sentido Centro-Periferia e organizando, todo o espaço, para além dos limites
meramente administrativos da cidade”105.
99
No Roteiro de Lisboa do Anuário Geral de Portugal, edição de 1979, foram enumeradas 350 vilas. Cf.
Nuno Teotónio Pereira, “Pátios…”, op. cit., p. 510.
100
Em 1905 contabilizaram-se cerca de 233, com um total de 2.278 habitações e alojando 10.487 pessoas.
Cf. Manuel C. Teixeira, op. cit., p. 69.
101
Para este tema vide também Rui Ramos, A segunda…, op. cit., p. 241.
102
Teotónio Pereira refere que nos bairros pobres e periféricos de Lisboa, era habitual a existência de
pequenas construções de um só piso com dois fogos, “e que terão existido mesmo em bairros mais
antigos, nas quais o aumento de densidade levou a erguer novos pisos sobre o primitivo”. Nuno Teotónio
Pereira, “Pátios…”, op. cit., p. 512.
103
A imprensa descrevia desta forma as condições de habitabilidade nos pátios da capital em comparação
com as sumptuosas Avenidas Novas: “um quadro realista da miséria duma grande cidade que cuida mais
das ruas espetaculosas e das obras magníficas, do que da higiene e da saúde pública (…). Por fora,
avenidas de 60 metros de largura que se abrem antes de se construírem, outras mais modestas e mais
necessárias, para recreio dos ricos e favorecidos da fortuna, para satisfação das vaidades ou realização
de operações financeiras bem combinadas (…). Por dentro os bairros de Alfama e Mouraria, as
vergonhas do Aterro, os perigos da canalização, a incúria dos pavimentos das ruas, os pátios imundos
em que se permite o suicídio lentos de milhares famílias pobres (…). Só a muita miséria leva os seus
moradores a abrigarem-se em tais espeluncas, sem ar puro, sem luz, sem o possível asseio. Com
cubagem de ar superior a 20 metros cúbicos só há 36 pátios. Alguns desses recintos formam escolas
terríveis de imoralidade, acumulando com isto o estiolamento duns desgraçados cuja aparência bem
demonstra a sua miséria em todos os sentidos”. Gazeta dos Caminhos-de-Ferro de Portugal e Espanha, 1
de março de 1903.
104
Cf. Maria de Lurdes Ribeiro, “As vésperas da modernidade: do Intendente à Rua dos Anjos (1898-
1908), in Cadernos do Arquivo Municipal, (coord. Jorge Mangorrinha e Nuno Ludovice), nº 4, 2000, p.
106. Veja-se, também, Paula Alexandra Teixeira e Rui Manuel Matos, “Teorias e modelos de habitação
operária. O caso de lisboa (1880-1920)”, in AA. VV., O Município de Lisboa e a Dinâmica Urbana
(séculos XVI-XIX). Atas das sessões do I Colóquio Temático, Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa.
Pelouro da Cultura, 1995.
105
Vítor Matias Ferreira, op. cit., p. 106.
38
caminhos-de-ferro; ajudante de serralheiro; cocheiro; carroceiro; soldador, e militar, por
exemplo106. À medida que os imóveis disponíveis foram rareando, a população migrante
viu-se obrigada trocar as freguesias comuns por outras mais distantes do núcleo urbano
primitivo; a médio prazo, depois da introdução do transporte regular que, assim,
abreviou distâncias, o incremento da procura de casa fomentou a construção e obras
públicas nas zonas dos Anjos, São Jorge e São Sebastião107. A Lisboa finissecular foi,
desta forma, impelida para norte com o transporte urbano e − como demonstraremos ao
longo desta monografia − não devido a este108.
106
Frédéric Vidal, “Fatores de diferenciação social em Alcântara no início do século XX. A análise de
uma lista de declarações profissionais”, in Sociologia, Problemas e Práticas, nº 45, 2004, p. 54.
107
Cf. Teresa Ferreira Rodrigues, op. cit., p. 408.
108
António Lopes Vieira associou o desenvolvimento dos transportes, em Lisboa, como “determinante no
processo de urbanização e não o seu complemento”, (veja-se António Lopes Vieira, Os transportes…, op.
cit., p. 48.) Contudo, não refere que o processo de urbanização da cidade esteve dependente de outros
fatores, nomeadamente de rentabilização económica e de especulação imobiliária, de que o serviço de
transporte foi apenas mais um condicionante.
109
São vários os autores que aplicam o conceito “Revolução” para a alteração de paradigma na utilização
dos transportes nas cidades que é concomitante ao crescimento urbano. Entre eles, José Luis Oyón,
referindo que a utilização regular do transporte levou a que “todas as classes sociais entrassem, à vez,
num processo de democratização”. Cf. José Luis Oyón, “Transporte caro y crecimiento urbano. El trafico
tranviario en Barcelona, 1872-1914”, in Ciudad y território: Revista de Ciencia Urbana, nº 94, 1992, pp.
107-108.
Neste sentido, segue Alberte Martinez, que considera a eletrificação das redes como “uma das mais
importantes inovações no transporte urbano”. Cf. Alberte Martinez, “Energy, inovation and transport: the
eletrification of trams in Spain, 1896-1935”, in Journal of Urban Technology, nº 19:3, p. 3.
Finalmente, é Anthony Sutcliffe que sublinha a ideia que “o século XIX ficou marcado pelo
desenvolvimento dos transportes urbanos [sobretudo, após] a eletrificação dos tramways”. Cf. Anthony
Sutcliffe, op. cit., p. 5.
110
Veja-se Quadro 1.
111
Para este assunto, veja-se Jesús Mirás-Araujo, op. cit., p. 24.
De facto, os tramways a tração animal não tiveram o acolhimento que se esperava, gerando críticas nos
moradores das principais cidades europeias. Depois da sua inauguração ao público ter ocorrido em Nova
Orleães (1835), e se terem propagado a Nova Iorque em 1851, chegaram à capital francesa em 1853 e só
doze anos depois se estrearam em Berlim. Na Grã-Bretanha iniciaram a sua operação regular em 1869, na
cidade de Liverpool, mas a sua difusão só ocorreu na década de setenta do século XIX, inclusivamente na
cidade de Londres. Cf. Barbara Schmucki, op. cit., p. 1061.
112
A CCFL foi fundada a 12 de setembro de 1872 na cidade do Rio de Janeiro, pelo Decreto nº 5087 de
18 de setembro de 1872 (cf. Diário Oficial do Império do Brasil, nº 215, de 21 de setembro de 1872).
Todavia, logo em 1870 a CML abriu um concurso para a instalação de empresas de transporte na capital
do país, e em março de 1870 era o Governo, por intermédio do Decreto-Lei de 28 de março, que concedia
39
portuguesa dependia, muito mais da generosidade dos pequenos proprietários com
reduzidas condições de investimento e vulneráveis às flutuações de mercado, do que de
uma organização empresarial robusta, moderna e eficiente. Ainda assim, desde
relativamente cedo, as várias empresas que serviam a urbe lisboeta procuraram adotar
um sistema de serviço que conciliasse as áreas tradicionalmente industriais a oriente e a
ocidente do centro urbano, e este com os múltiplos locais, rurais e semirrurais, que
circundavam a cidade. Tendo em conta os dados que nos chegaram através de João
António Peres Abreu para 1865113 e sabendo através dos livros de tarifas aplicadas, o
percurso das carreiras e o valor de cada trajeto, então é possível, num cálculo
simplificado, sistematizar a evolução do serviço de transportes e a importância das
localidades afastadas do centro, percebendo, à partida, o cômputo das carreiras e de
percursos aplicados.
a Francisco Maria Cordeiro de Souza e ao irmão Luciano Cordeiro, a devida licença para a “instalação
de caminhos-de-ferro para transporte de passageiros e mercadorias”. Archivo, 14 de fevereiro de 1873.
113
João António Peres Abreu, Roteiro do Viajante no Continente e nos Caminhos-de-ferro de Portugal
em 1865, Coimbra, 1865.
114
Cf. Idem, ibidem, pp. 78-87.
40
de que a evolução dos transportes urbanos da cidade de Lisboa e, principalmente, os
resultados económicos das companhias, não se afastaram do que terá sido, em traços
alargados, o desenvolvimento macroeconómico do país na mesma época. Antes
concorre para fortalecer e melhorar a perceção da mesma amplamente esboçada na
historiografia mais recente115.
115
Para uma confirmação do suprarreferido, Conceição Martins refere que “o crescimento do setor
comercial deve ter sido à medida do próprio crescimento económico nacional”. Conceição Andrade
Martins, “Trabalho e condições de vida em Portugal (1850-1913)”, in Análise Social, vol. 142, nº 3, 1997,
p. 497.
116
Pedro Lains, “A crise financeira de 1891 em seus aspetos políticos”, in Crises em Portugal nos séculos
XIX e XX: atas, (coord. Sérgio Campos de Matos), Lisboa, Centro de História da Universidade de Lisboa,
2002, p. 59.
117
Maria Eugénia Mata; Nuno Valério, História Económica de Portugal. Uma perspetiva global, Lisboa,
Editorial Presença, 2003, pp. 162-178.
118
Cf. Conceição Andrade Martins, op. cit., p. 484.
119
Cf. Daniel Alves, A República atrás do Balcão. Os Lojistas de Lisboa na fase final da Monarquia
(1870-1910), Dissertação de Doutoramento apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da
Universidade Nova de Lisboa, 2010, p. 57, nota 119.
120
Cf. Conceição Andrade Martins, op. cit., pp. 484-485.
41
vantagem e segurança para o público”121, e que de pressões oriundas quer da vereação
camarária, quer da diretoria da CCFL, para que o Governo122 autorizasse a substituição
da tração animal por elétrica123. Esta auscultação fortalece a necessidade de análise das
opções económicas da empresa Carris, perante as alterações de ordem económico-
financeiras a nível local e nacional.
121
ACCFL, Contratos e Acordos celebrados entre a Companhia Carris de Ferro e a Câmara Municipal
de Lisboa, 1873-1938, ano de 1888, condição 16ª (doravante citado como Contratos, seguido de ano,
condição e alínea).
122
As câmaras municipais, perante o Código Administrativo de 1895-96, em matéria de concessões,
apenas poderiam deliberar, carecendo de ratificação pela instância superior. Cf. Código Administrativo.
Decreto de 2 de março de 1897, Porto, Livraria Portuense, Editora, 1895, art.º 50, alínea 13ª.
Veja-se também, Rui Ramos, João Franco e o Fracasso do Reformismo Liberal (1884-1908), Lisboa,
ICS, 2013, pp. 72-73.
123
Cf. Archivo, 24 de março de 1897.
124
Em 1894 as empresas concorrentes da CCFL, que concentravam o seu raio de ação no antigo núcleo
urbano, eram: a Nova Companhia de Ascensores Mecânicos de Lisboa; a Empresa Silvestre da Silva; a
Empresa João José dos Santos e a Empresa David dos Santos. Com deslocações para fora do perímetro
antigo da cidade, nomeadamente Benfica, Lumiar e Cruz Quebrada, e efetuando concorrência importante
à CCFL existia, apenas, a Empresa Jacinto Gonçalves. Cf. A Chave de Lisboa, horário oficial dos
Vapores Lisbonenses, Companhia Carris de Ferro de Lisboa, Carros Jacintos, etc., comboios,
ascensores, trens de praça, informações diversas, Lisboa, Typografia do Comercio, 1894, pp. 17-19.
125
Para uma análise sistematizada das carreiras existentes em 1894, os seus percursos, frequência e custos
de utilização, veja-se o Quadro 2. Adaptado a partir de ibidem, pp. 1-17.
Para uma análise ao número de passageiros transportados, nos anos de 1892, 1893, 1894, 1895, 1896,
1897, 1898, a partir dos dados disponíveis, veja-se Gráfico 3. Cf. Relatórios e Contas da Direção e
parecer do Conselho Fiscal apresentados à Assembleia Geral, vários anos (doravante citado como
Relatórios, seguido de ano respetivo).
126
Magda Pinheiro, Biografia…, op. cit., pp. 258-259.
127
Cf. João António Peres Abreu, op. cit., pp. 85-86.
42
Portugal, e as opções tecnologicamente viáveis, (o vapor, o sistema de tramway-cabo128,
ou o sistema funicular129) serem impraticáveis na maioria dos exíguos arruamentos da
urbe. Em suma, a oferta da CCFL na sua fase pré-elétrica, estava limitada a zonas
planas ou de reduzida declividade, propensas ao uso do sistema “tramway”, ou seja, a
tração animal sobre carris.
128
Sistema que utiliza uma linha férrea urbana onde rodam carros movidos por meio de um cabo sem-fim.
129
Mecanismo de cabos associados por força externa, colocados num plano inclinado.
130
Contratos de 23 de janeiro de 1873; 10 de abril de 1888; 27 de junho de 1892; 5 de junho de 1897 e 16
de agosto de 1898.
131
Linha um: de Santa Apolónia a Algés, pelo Cais do Sodré, Caçada da Pampulha até Alcântara,
seguindo para Belém; linha dois, do Corpo Santo ao Rato com passagens pelo largo de S. Paulo e com
desdobramentos para a Estrela e para o Príncipe Real; linha três, do Rossio à antiga igreja dos Anjos. Cf.
ACCFL, Contratos, 1873.
43
novos interesses e novas necessidades que aconselham a oportunidade de levar a essas
ruas, e aos pontos de interesses mais afastados do centro da cidade, os benefícios da
viação férrea”132.
132
ACCFL, Contratos, 1888, texto introdutório.
133
Cf. Ibidem, condição 1ª e 29ª.
Apesar de António Lopes Vieira, ter suscitado algumas dúvidas quanto ao tempo de duração do convénio
entre a CCFL e a CML, alegando que “o interesse da comunidade” tinha ficado submetido aos “interesses
sectoriais e individuais”, à “vigarice” e à “corrupção da administração pública”, ultrapassando
“largamente os prazos geralmente concedidos pelas autoridades municipais doutras cidades da Europa”
(António Lopes Vieira, op. cit., p. 119), os estudos desenvolvidos por Alberte Martínez López e Jesús
Mirás Araujo, já neste século, definiram que o propósito das longas concessões visavam “a unificação e
eletrificação das redes” não sendo, deste modo o caso de Lisboa uma exceção. Cf. Alberte Martínez
López; Jesús Mirás Araujo, “El transporte urbano y su modernización en España, 1850-2010”, in Vie e
mezzi di comunicazione in Italia e Spagna in età contemporânea, (dir. Carlos Barciela López; Antonio Di
Vittorio; Giulio Fenicia; Nicola Ostuni), San Casciano Val Di Pesa, Editor Rubbettino, 2013, p. 197.
134
ACCFL, Contratos, 1888, condição 39ª.
135
Idem, ibidem.
136
Ibidem, condição 16ª.
137
Ibidem, condições 12ª e 14ª.
138
Foram várias as experiências realizadas pela CCFL no sentido por em prática formas de tração
mecânica. Em 1877 e depois entre 1889 e 1892, decorreram os trabalhos com motores a vapor, e em
1887-88, realizaram-se as primeiras tentativas com motores elétricos, por acumuladores, de origem
alemã. Todavia, se relativamente à tração a vapor os ensaios foram positivos, outras foram as causas para
a questão elétrica. Nos Relatório e Contas correspondentes ao biénio 1888-1889, contata-se que “o
problema da tração elétrica se acha resolvido sob o ponto de vista técnico e de segurança para o
público. Mas não é menos certo ainda afirmar a sua resolução sob o ponto de vista económico”,
referindo-se no ano seguinte que “a tração elétrica não parece ter chegado a um termo que prove a sua
utilidade e economia relativamente a qualquer outra tração”. Relatórios, 1888, p. 9, e Relatórios, 1889,
p. 49.
Quanto ao sistema funicular a ser aplicado “nas ruas do Alecrim, largo de S. Roque, de S. Pedro de
Alcântara, de D. Pedro V, praça de Príncipe Real e Rua da Escola Politécnica” (ACCFL, Contratos,
1888, condição 4ª, alínea 3ª), nunca foi posto em prática pela Companhia devido à impossibilidade de
44
estabelecer de uma forma criteriosa, todas as linhas a explorar e definia, em doze
alíneas, aquelas a construir. Assim, a condição 5ª determinava, no prazo máximo de três
anos139, a construção de:
45
carros”142: no plano económico, a CCFL desenvolveu uma estratégia de tarifas a preços
reduzidos com vista à diminuição dos impactos diretos na empresa que a concorrência e
a crise financeira nacional provocavam. Assim, em maio de 1889, foram minorados os
preços das tarifas nas carreiras do centro urbano de Primeira Zona de Intervenção143,
denotando-se a preferência pelas ligações entre o núcleo urbano, as freguesias centrais
mais habitadas144 e as zonas industriais, gerando um aumento de receita e de
passageiros145, suficientemente consistentes para que no ano subsequente apenas as
viagens com destino Algés, iniciadas no “centro histórico”, e Lisboa com origem em
Belém, excedessem os cinquenta réis por viagem146. Apesar dos ganhos, as
transformações na bilhética possibilitaram, ainda, a adoção de um sistema de tarifas de
cinco zonas no interior do concelho lisboeta, onde se privilegiava as viagens curtas em
detrimento das que tinham como destino locais situados nos limites do concelho de
Lisboa147. As medidas revelaram-se eficazes e os resultados operacionais em contraciclo
com a restante condição financeira do país148, assumindo-se, no Relatório e Contas de
1890, que em face “dos bons resultados da redução de tarifas, (…) o público terá uma
nova redução e a companhia lucrará com a simplificação de um dos seus mais
importantes serviços”149. Contudo, as alterações não se limitaram à bilhética.
142
Relatórios, 1889, pp. 6-7.
143
Vide Quadro 4. A redução de preços das tarifas foi insuficiente, uma vez que as empresas concorrentes
praticavam valores na ordem dos 10 réis a viagem. Cf. Francisco Santana, “Lisboa e os Transportes”, in
História da Companhia Carris de Ferro de Lisboa em Portugal (1901-1946), vol. I, (coord. Manuela
Mendonça), Lisboa, Companhia Carris de Ferro de Lisboa, S. A. e Academia Portuguesa de História,
2006, p. 118.
144
Cf. Teresa Rodrigues, Nascer e Morrer na Lisboa Oitocentista, Lisboa, Cosmos, 1995, pp. 73 e 77.
145
De março a dezembro de 1889 foram transportados nos carros da Companhia 5.583.731 passageiros,
havendo um aumento de 1.317.515 face ao período homólogo. Cf. Relatórios, 1889, p. 9.
146
Como forma de comparação, podemos assinalar que o preço do trigo ao produtor era, no ano de 1889,
comprado a 34 réis, o litro. Globalmente, durante o período de 1872 a 1889 o preço médio do trigo ficou
pelos 34,8 réis por litro com um desvio padrão de 4,57. Na década de 1890 a 1900, estes dois valores
foram, respetivamente, de 45 réis e 3,86. Cf. Jaime Reis, “A «Lei da Fome»: as origens do protecionismo
cerealífero (1889-1914)”, in Análise Social, vol. XV (60), 1979 -4º, pp. 754.
147
Cf. Relatórios, 1890, p. 9.
148
As receitas, de março a dezembro, aumentaram em 30.572$270 réis face ao igual período do ano de
1888, apesar das “desfavoráveis circunstâncias em que essas reduções foram feitas”. Cf. Relatórios,
1889, p. 6.
Sobre as condições económicas de Portugal veja-se, Pedro Lains, Os Progressos do atraso…, op. cit. p.
33 e ss.
149
Relatórios, 1890, p. 8
150
Inicialmente, a transformação do carril estava prevista para as linhas a construir obrigando a dois tipos
de rodados nos carros, despesa que se achou inconveniente. Cf. Relatórios, 1889, p. 14.
46
desenvolvimento de “carros de propósito para explorarem os rails, pois semelhante
largura [não permitia] a estabilidade dos veículos fora das linhas”152. Paralelamente, e
de acordo com o contrato de 1888, “no intuito de melhorar o serviço de tração”,
sobretudo nos dias de maior afluência, foi testada em serviço regular a máquina a
vapor153 na linha de maior movimento, Cais do Sodré – Algés, com resultados
operacionais globais francamente positivos154 que aprovavam “para um período não
muito distante a completa transformação da tração animal em tração mecânica [uma
vez que] a economia do emprego da locomotiva sobre a atração animal é de tal
maneira evidente que por si própria se impõe”155.
151
Segundo Sande e Castro, a utilização da via-férrea por outras empresas concorrentes, chegou a atingir
os 120% relativamente aos carros empregados pela Carris ao longo do ano de 1891. Cf. Sande e Castro,
op. cit., p. 52.
152
Ibidem, 1889, p. 9.
153
Semelhante ao sistema Larmanjat, já colocado ao serviço em Lisboa no início da década de setenta,
mas com pouco sucesso. Vide, Jaime Fragoso de Almeida, O Incrível Comboio Larmanjat, Lisboa,
Mediatexto, 2004.
154
Segundo os dados recolhidos, o uso deste sistema de tração possibilitou à Companhia uma poupança
de cerca 50% por dia, face à tração animal.
155
Relatórios, 1890, pp. 11-12.
156
Cf. Fernando Rosas, Portugal Siglo XX: 1890-1976. Pensamiento y acción política, Mérida, Editora
Regional de Extremadura, 2004, p. 12.
157
Cf. Leonor Freire Costa; Pedro Lains; Susana Münch Miranda, História Económica de Portugal,
1143-2010, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2012, p. 358.
158
Cf. Álvaro Ferreira da Silva, “O processo…”, op. cit. P. 134.
O Jornal do Comércio dividia as causas da crise financeira em “duas categorias: os deficits nos
orçamentos, provenientes de gastos exagerados na metrópole e nas colónias, e a injusta repartição e
deficiente sistema de cobrança de impostos (…) e os conflitos com a Inglaterra, a campanha de
descrédito, a má administração da Companhia dos Caminhos e Ferro Norte e Leste e do Banco Lusitano,
os manejos revolucionários no Porto e a falta de remessas do Brasil”. Jornal do Comércio (supl.), de 1
de janeiro de 1892.
159
Cf. José Miguel Sardica, Terminar a Revolução. A Política Portuguesa de Napoleão a Salazar,
Lisboa, Temas e Debates, 2016, p. 154.
47
públicos) e desvalorização monetária160,− tiveram reflexos imediatos na Companhia,
levando ao abrandamento das receitas161, por força do crescimento do desemprego e do
preço dos bens de consumo, ao aumento do serviço da dívida da Companhia nas praças
inglesas, e ao crescimento, substancial, dos deficits anuais162.
Nos dois momentos observados, a distribuição geral das carreiras não parece ter
sofrido uma substancial alteração em face dos prévios acordos com a CML. Permanecia
a maior concentração de percursos no eixo Praça do Comércio − Praça D. Pedro IV −
Cais do Sodré, nas freguesias adjacentes e zona ribeirinha, em especial na parte
ocidental de Lisboa, opondo-se a uma área ainda fundamentalmente em crescimento
urbanístico e, por vezes, predominantemente campesina, na qual o número de
carreiras/dia é reduzido, em particular a zona norte de Benfica e o “sítio” do Areeiro.
Esta observação não aparenta trazer grande novidade em relação à distribuição das
carreiras da Carris pela cidade. Mesmo nesses mapas, é observável que o modelo estava
a admitir algumas transformações, à entrada do último decénio de oitocentos. Assim, é
possível atestar, em termos relativos, que as freguesias centrais tinham uma superior
160
Cf. Maria Fernanda Rollo, “Da insustentabilidade do modelo à crise do sistema”, in História da
Primeira República Portuguesa, (coord. Fernando Rosas e Maria Fernanda Rollo), Lisboa, Tinta da
China, 2010, p. 37.
161
Sobretudo durante os anos de 1891-92. Veja-se o Gráfico 5 desta nossa tese.
162
Veja-se Gráfico 4 da nossa tese.
163
Elaborado com base na informação da já citada A Chave de Lisboa..., op. cit.
164
ACCFL, Contratos, 1892, condição 7ª.
165
Cf. Daniel Alves, A República…, op. cit., pp. 61- 62.
48
oferta do serviço de transporte sobre exploração da CCFL. Contudo, as alterações de
ordem populacional do núcleo urbano para zonas em desenvolvimento a norte e oriente
de Lisboa, motivado pelo crescimento demográfico e pelo preço das rendas das casas no
centro da cidade, obrigaram a Companhia, através do contrato de 1892, a manter um
serviço regular diário para esses locais podendo, inclusivamente, ser reforçado em
épocas de maior afluência, como eram os domingos ou os dias santos166.
166
Cf. ACCFL, Contratos, 1892, condição 7ª.
Ainda assim, a lotação dos veículos foi diversas vezes alterada, tentando corresponder à numerosa
afluência. Cf. Archivo, 28 de abril de 1897.
167
Cf. ACCFL, Contratos, 1892, condição 1ª.
168
Até essa data as taxas anuais para “veículos e cavalgaduras empregadas na condução de pessoas”
tinham a seguinte disposição: “carros dos elevadores, 50$000; carros americanos, 10$000; carros
Riperts e quaisquer outros que possam conduzir mais de seis pessoas, ou sejam puxados por mais de
duas cavalgaduras, 8$000”. Cf. Legislação Municipal. Código de Posturas do Município de Lisboa
conforme a última edição acrescentado com um apêndice contendo todas as resoluções municipais
referentes ao mesmo Código e Publicadas posteriormente a ele”, Lisboa, Typ. do jornal O Lojista, 1893,
tabela nº 7.
169
Cf. ACCFL, Contratos, 1892, condição 8ª.
170
Neste ano a CML obrigou, também, os cocheiros das restantes companhias a executarem provas de
aptidão de condução de veículos. Cf. Ibidem, art. 49º.
49
de carreiras exploradas maioritariamente por um concessionário, a gerar um vigoroso
sentimento de perturbação tendo em conta o que os operadores marginais consideravam
ser o maior ativo do seu negócio, a manutenção de uma clientela fiel e específica. Deste
modo, entende-se a crítica declarada ao convénio por parte dos mais variados
quadrantes políticos e disso fazendo conta a imprensa da época. No progressista171
Correio da Noite, lia-se que por força das suas consequências e do reduzido debate
público de que foi alvo, a Câmara Municipal de Lisboa deveria “mandar suspender o
contrato”172, sendo, inclusivamente, apoiado pelo regenerador173 Diário Popular onde
se censurava o facto que por força do alcançado “monopólio, esta companhia tenciona
acabar com os passes” anuais (no valor de 50$000 réis) previstos na condição 8ª174
encarecendo os encargos para o público. No campo republicano175 foram os periódicos
A Vanguarda e O Século, que coincidiram no tom de dramatismo a esta discussão com a
possibilidade da existência de uma “transação (…) pela quantia de 250 contos” para a
“concessão do monopólio de viação”176 entre a direção da CCFL e os órgãos camarários
que visava a eliminação da concorrência sendo, por esse motivo, “contrário ao interesse
público”177. Contudo, foi o Jornal do Comércio quem produziu as críticas mais
contundentes resumindo na edição de 6 de maio que “o monopólio não agradou nem
aos que são contrários a todos os monopólios, nem aos que os aceitam, sob certas
reservas. E no caso presente, aos inconvenientes materiais do contrato celebrado pela
Câmara, acresceu a forma de que usou, omitindo entregar à prévia discussão pública o
texto de um diploma que de tão importante interessava ao município”178, da mesma
forma que exigia a suspensão do processo como, de resto, chegou a suceder durante
algumas semanas.
Tanto quanto as fontes permitem apurar não é possível avaliar esta dinâmica e
qualificá-la em exatidão, mas um exame de certos indicativos possibilita elevar uma
suposição no discurso da variada imprensa da época. Através da análise do contrato
provisório, de 4 de abril de 1892, que serviu de base à discussão ao documento
definitivo aprovado em Assembleia Camarária, ratificado pelo Governo de Dias Ferreira
171
Cf. A. H. Oliveira Marques, Guia de História da Primeira República Portuguesa, Lisboa, Editoria
Estampa, 1981, pp. 24 e 25
172
Correio da Noite, 4 de maio de 1892.
173
Cf. A. H. Oliveira Marques, Guia…, op. cit., pp. 24-25.
174
ACCFL, Contratos, 1892, condição 8ª.
175
Cf. A. H. Oliveira Marques, Guia…, op. cit., p. 25.
176
O Século, 6 de março de 1892.
177
A Vanguarda, 10 de maio de 1892.
178
Jornal do Comercio, 6 de maio de 1892.
50
e válido por quinze anos179, podemos observar que na condição 2ª estava prevista que
“no caso da Companhia Carris de Ferro de Lisboa adquirir pelo menos nove décimas
partes do total das empresas que exploram essa espécie de viação na cidade, facultando
à parte restante a sua aquisição nas mesmas condições porque tratou as outras, (…) a
Companhia obriga-se a pagar à Câmara ou quatro por cento da sua receita bruta, ou
vinte e cinco por cento dos lucros líquidos, ou o mínimo de 12.000$000 de réis por
ano”180, o que, em tempo de crise, era muito mais do que a Câmara arrecadaria pela
exploração da viação na cidade. É óbvio que à CML apenas caberia o rendimento se a
Carris gerasse lucros anuais, sendo a quantia calculada depois “de deduzidas as
despesas de exploração e de administração, as contribuições para o Estado e os
encargos das obrigações, se as houver, ou de quaisquer títulos de dívida”181, mas
explorando a cidade deserta de concorrência era mais que previsível. É imprescindível,
ainda, referir que a elaboração deste projeto de contrato precipitou acordos unilaterais
com algumas companhias tendo em vista a aquisição de toda a propriedade (móvel)182,
ainda antes da sua ratificação definitiva, não sendo por acaso que uma boa parte das
empresas acorreu aos apelos da Companhia Carris tentando diminuir os impactos da
primeira greve de funcionários, em maio de 1892183. Apesar dos esforços, este
movimento revelou-se infrutífero, uma vez que, “todo o auxílio presentado pelo pessoal
das empresas Ripert184, Viação e Salazar” não permitiu “por em todo o dia mais de 63
carros, pois o número dos carros em serviço diário é aproximadamente de 100”185.
179
Cf. ACCFL, Contratos, 1892, condição 14ª.
António Lopes Vieira associa a curta duração deste convénio com a existência de pressões camarárias
para “acelerar experiências e adotar outras fontes de energia” não especificando como estas se
processaram. (António Lopes Vieira, Os transportes…, op. cit., p. 134). Ora, tendo em conta a situação
financeira da Companhia, amplamente diagnosticada ao longo do trabalho, era muito improvável que a
duração do contrato estivesse relacionada com a imposição de uma opção estratégica. A nosso ver, a
vigência por quinze anos garantia, por meio da taxa prevista na cláusula 1ª, que as empresas que se
mantivessem no ativo cumpriam com os regulamentos propostos pela CML, especificados a baixo.
180
ACCFL, Contratos (provisório), 1892, condição 2ª.
181
Ibidem, § 1º.
182
O periódico Tempo referia que após a conclusão da greve “a empresa Lusitana vendeu os carros e
gado por 4.200$000 e que idêntica transação fez Eduardo Jorge por 4300$000 réis”. Cf. Tempo, 23 de
junho de 1892.
Sande e Castro aponta que a “cartada” da CCFL, com a conclusão do convénio, possibilitou a aquisição
de “dez empresas”. Cf. Sande e Castro, op. cit., p. 53.
183
Para os motivos que levaram a esta greve, e que por força da economia necessária a um trabalho como
este não poderá ser alvo de análise de fundo vejam-se, entre outros, os periódicos A Vanguarda, Tempo,
O Século, O Diário Ilustrado, e o Jornal do Comércio durante o mês de maio de 1892.
184
Com posição acionista na empresa CCFL apesar de concorrente.
185
A Vanguarda, 10 de maio de 1892.
51
XIX. Estas empresas concorrentes não tiveram outra solução senão vender a sua
propriedade à CCFL e tentar rentabilizar o pouco património de que dispunham. A
exacerbar este sentimento de crise no seio dos mais diversos industriais, estava o facto
da disposição para o melhoramento tecnológico estar dependente de um conjunto de
investimentos que lhes estavam vedados, isto apesar da primeira metade da década
representar um período de perdas para todos. O processo parece assemelhar-se ao
ocorrido aos vários países europeus onde o crescimento urbano, a multiplicação da
oferta e os aperfeiçoamentos tecnológicos, com as consequentes ruturas e
transformações estabelecidas, acabou por levar a algumas tentativas monopolistas das
empresas mais cotadas. Em Lisboa, a Carris aproveitou a disponibilidade de capital da
sua carteira de acionistas, mas, sobretudo, a utilização do seu Fundo de Reserva de
cerca de 80 contos186 financiando-se para concretizar a aquisição das restantes
companhias concorrentes. Apesar da consciência e da obstinação de uma certa ideia de
crise ao longo da década de noventa, baseada num conjunto de fatores que, como referiu
Fernando Rosas, não são estritamente económicos187, o que hipoteticamente terá
acontecido, em termos genéricos, é que à medida que as espectativas de mercado
melhoravam e a economia mostrava sinais positivos, sensivelmente a partir de 1896188,
a Companhia Carris estava agora completamente preparada para reiniciar negociações
com a Câmara Municipal de Lisboa, tendo em vista o aperfeiçoamento do método de
tração, revisão das condições de exploração e o aumento de oferta.
186
Veja-se, para o efeito, a diminuição do valor Fundo de Reserva em 41.115$108 réis entre a Relatórios
e Contas de 1892 e 1893. Cf. Relatórios, 1892, p. 17; 1893, p. 15.
187
Cf. Fernando Rosas, Portugal Siglo XX…, op. cit., p. 12.
188
Cf. Magda Pinheiro, Biografia…, op. cit., p. 260.
189
Pedro Lains aponta para o facto do Portugal finissecular ter ultrapassado as dificuldades financeiras e
económicas, independentemente da instabilidade política vivida após 1897. Cf. Pedro Lains, “A crise….”,
op. cit., p. 79.
190
Cf. Gráfico 3.
52
rendimento das linhas191, os resultados financeiros nunca foram suficientemente sólidos
para confirmarem a recuperação económica192. Mais significativo é que apesar do
investimento na oferta, os balanços anuais da Companhia continuavam francamente
negativos sendo que, a grande despesa estava concentrada no modo de tração, com
gastos consideráveis no tratamento de animais, na sua alimentação, e cuidados
médicos193, devido à opção por forragens mais pobres em termos da sua composição
com consequências ao nível da saúde dos animais. Todavia, se é sabido que este pode
ser um indicativo das complexidades que, eventualmente, estariam a desassossegar a
Companhia Carris de Lisboa, não deixa de ser necessário tentar ir mais além do que a
simples leitura qualitativa dos resultados operacionais e enquadrá-los na análise.
191
Cf. Gráfico 5.
192
Cf. Gráfico 4.
193
Cf. Relatórios, anos 1896, 1897, 1898, e 1899.
194
Cf. Alberte Martínez López; Jesús Mirás Araujo, “El transporte…”, op. cit., p. 192.
53
afluência do público o exija”195, e nos meses de verão, nas carreiras do Serviço Central
da cidade196. A consciência destas limitações levou à necessidade de eletrificação das
linhas, muito embora tenha sido um processo moroso devido à desconfiança que este
método causava nos órgãos decisórios, e na enorme afetação de recursos exigidos. Não
obstante, para que a viação elétrica chegasse, finalmente, a Lisboa, faltava ainda mais
um passo, assinatura dos contratos de 1897/98 que confirmaram a opção pela viação
elétrica e, concomitantemente, o monopólio da Companhia Carris de Ferro.
1.3 O monopólio:
A visão geral dada pela historiografia leva a crer quase de uma forma
determinista, que a opção da CCFL pela energia elétrica era inevitável e que esta era a
consequência lógica do processo de expansão da rede e da cidade197. Contudo, uma
análise atenta dos Gráficos 4 e 5, conjugada com a leitura dos Relatórios e Contas
apresentados anualmente e com os Livros de Atas do Conselho de Administração da
CCFL, possibilita compreender que a crise da década de 1890 afetou de forma pungente
as finanças da empresa tornando inviável, sem alterações de fundo, a modificação de
tração. Desta forma promoveu-se por um lado, a regulamentação e reorganização do
transporte que forçasse à seleção das empresas a concorrer no mercado, ideia
transmitida tanto pela diversidade dos sucessivos Códigos de Posturas camarários198
produzidos ao longo da década, assim como pelos contratos outorgados pela CML e
pela CCFL. Por outro lado, sem ignorar as óbvias discrepâncias entre a CCFL e as
195
ACCFL, Contratos, 1892, condição 7ª.
196
Carreiras do Serviço Central: Conde Barão-largo do Intendente; Conde Barão-Avenida da Liberdade;
Conde Barão-Caminhos de Ferro; Caminhos de Ferro-Intendente; Caminhos de Ferro-Avenida da
Liberdade. Cf. Idem, Ibidem.
197
Veja-se, por exemplo, António Lopes Vieira, op. cit., p. 166.
Para esta questão também muito contribuiu Sande e Castro que, na sua obra A Carris e a Expansão de
Lisboa, atribui ao permanente aumento populacional e às especificidades orográficas da cidade, fatores
decisivos para a implementação da tração elétrica.
198
No início de junho de 1897, os constantes atropelos ao plano de carreiras levou mesmo a uma acesa
discussão em sessão camarária, referindo-se “ao facto de as empresas de viação pública da cidade
desprezarem os horários que apresentam à Câmara, em contrário do que estipula o contrato celebrado
entre esta e a Companhia Carris de Ferro de Lisboa, em 27 de junho de 1892, parecendo às empresas ser
simples formalidade a apresentação dos horários, e não podendo ser, a tais casos, aplicado o disposto
nos artigos 130 e 131 do Código de Posturas, por que as respetivas empresas não possuem nos
respetivos pontos de partida as necessárias instalações, julga de absoluta necessidade a substituição dos
citados artigos por uma nova postura pela qual se obriga a coibir, quanto possível, tal irregularidade.”
Archivos, 1 de junho de 1897.
54
empresas no ponto de vista económico-financeiro e organizativo (algo permanente e que
é indispensável à análise de contexto), observáveis na classificação de rendimentos
anuais que certamente possibilitam a obtenção de um quadro explicativo e interpretativo
das suas posições financeiras, acaba por ressaltar outros aspetos que, tendencialmente,
promovem uma maior perceção de identificação entre a CML e as díspares vereações, e
os órgãos diretivos da Companhia Carris.
Uma leitura ponderada dos contratos entre a CCFL e a CML de 1897/98 faz
antever uma alteração muito significativa das prerrogativas da Companhia Carris,
consequência provável da quebra de rendimento no período imediatamente anterior. No
que diz respeito ao convénio que possibilitou a substituição do sistema de viação pela
tração elétrica, vinha no seguimento de uma tendência geral no plano europeu e
respeitava o acordo de 1888199.Todavia, tendo em conta que a derradeira década de
oitocentos foi penalizadora no plano económico-financeiro para a Companhia Carris, é
credível que aquilo que aparenta ser uma opção estratégica pela inovação e tecnologia,
tenha afinal decorrido das necessidades económicas a curto prazo, promovendo a
entrada de capital na Companhia.
199
Cf. ACCFL, Contratos, 1888, condição 14ª, 16ª e 17ª.
200
Relatórios, 1896, p. 6
201
Cinquenta ações a partir de 1896. Sobre o desempenho de Alfredo da Silva na Companhia Carris veja-
se Miguel Figueira de Faria (coord.), Alfredo da Silva. Biografia, 1871-1942, Lisboa, Bertrand Editora,
2004, pp. 52-54 e 87-91.
202
Detinha uma posição importante com 100 ações. A empresa Henry Burnay & C.ª era detentora de 110
ações. O Banco Burnay, fundado em 1875, tinha participações na Companhia dos Tabacos, era detentora
da Sociedade Naval do Oeste, da Empresa Industrial Portuguesa e Empresa Metalúrgica, detinha uma
parte da Companhia União Fabril de Alfredo da Silva, para além de explorações mineiras e investimentos
nas antigas colónias. Cf. Fernando Medeiros, op. cit., p. 96.
55
e a sua empresa Henry Burnay & C.ª, e ainda pelo político e administrador da CCFL,
Zófimo Consiglieri Pedroso203,− filho do edil Zófimo Pedroso Gomes da Silva204,
Presidente da Câmara Municipal de Lisboa durante o biénio 1987/98 205,− foi um dos
proponentes da alteração do sistema de tração em 1897 206 e, concomitantemente, da
materialização definitiva do monopólio da viação na urbe lisboeta durante o ano
subsequente207.
Henry Burnay foi, igualmente, diretor membro do Conselho de Administração da CCFL até à sua morte.
Cf. ANTT – Arquivo Burnay, Correspondência, cx. 37, nº 218, doc. 729.
203
Nasceu em Lisboa em 1851, era filho de Zófimo Pedroso da Silva, foi médico e vereador da CML. Foi
eleito deputado em 1884 e 1887 pelo PRP mantendo-se como uma segunda linha do partido praticamente
até à sua morte, em 1910. A posição acionista de Zófimo Consiglieri Pedroso era relativamente
secundária e variou entre as 50 e as 70 ações. Contudo, permaneceu como administrador entre 1889 e
1901, sendo presidente do Conselho de Administração durante o biénio 1900 e 1901. Para uma análise
sobre a sua vida política veja-se, Lucília Rosa Mateus Nunes, Zófimo Consiglieri Pedroso. Vida, Obra e
ação política, Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da
Universidade Nova de Lisboa, 1993.
204
Destacado membro do Partido Progressista, foi vereador à CML durante os anos de 1871-1878; 1886-
1890 e 1892-1896, chegado a assumir a sua presidência durante o biénio 1897-1899. Não se conhece a
data oficial de nascimento, mas faleceu em fevereiro de 1913. Cf. Maria Filomena Mónica (coord.),
Dicionário Biográfico Parlamentar, 1834-1910, vol. III (N-Z), Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais,
2006, pp. 735-737 (exceto na data da sua morte onde se pode encontrar em Gazeta dos Caminhos-de-
Ferro de Portugal e Espanha, 1 de fevereiro de 1911).
205
Cf. Maria do Rosário Santos; Inês Morais Viegas (coord.), A Evolução Municipal de Lisboa: Pelouros
e Vereações, Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa. Imprensa Municipal, 1996, p. 114.
206
O pedido de alteração do sistema de tração tem data de 17 de fevereiro de 1896 e fez-se acompanhar
com a seguinte nota explicativa: “para se vencerem as ingremes rampas que existem na cidade, e
estabelecer um serviço regular de tramways, com todas as condições de segurança, velocidade, conforto
e asseio, só a adoção da tração elétrica por fios aéreos poderá satisfazer a esses resultados, conforme
praticamente tem sido evidenciado em todas onde este novo sistema foi estabelecido. O novo sistema de
tração, permite uma maior extensão nas linhas, para que estas possam servir não só os seus subúrbios,
assegura a permanência de carreiras frequentes com pequenos intervalos, em carros que acomodam
maior número de passageiros de que os atuais e que são iluminados pela eletricidade”. ACCFL, O
suposto Monopólio da Viação em Lisboa. Representação dirigida ao Governo pela Nova Companhia dos
Ascensores Mecânicos de Lisboa, Sociedade Anónima de responsabilidade limitada, 1906, 87-D-1266.
207
As relações entre a CCFL e a CML durante o consulado deste administrador carecem de uma análise
específica e prolongada, que em face da sua complexidade, apenas nos permite abordar de forma
superficial.
208
ACCFL, Contratos, 1897, condição 6ª.
209
Ibidem, condição 2ª.
210
Cf. Ibidem, condição 15ª e 18ª.
56
em vigor: se a fixação de um rendimento anual em trinta contos de réis, − referente “às
licenças sobre os carros de viação para transporte de passageiros em comum”, em que
a Companhia Carris se obrigava a garantir depois “de cobradas todas as licenças dos
carros pertencentes a quaisquer empresas ou particulares que não tenham contrato
especial com a Câmara”211, − permanecia em conjunto com a taxa de 4% sobre os
lucros brutos detendo, agora, um limite anual fixado em “700 contos de réis por ano”, a
que se somava um adicional de 8% “a todos os excessos desta quantia”212, o contrato
instituía uma verba de “doze contos de réis [para] a conservação do pavimento das ruas
e não aos estragos com os consertos, modificações ou novas construções” e estipulava
“que todas as linhas de tração elétrica, com o seu respetivo material fixo e circulante,
que vierem a ser construídas (…) pertencerão à Câmara terminado o prazo de 99
anos”213. A Carris assegurava, desta forma, a eletrificação da rede e a CML garantia a
sua exploração com um mínimo de rendimento (que viria a ser determinante nas
relações bilaterais entre as duas entidades, num futuro não muito longínquo) apesar da
contestação e desconfiança que a sua sanção gerou.
211
Ibidem, condição 7ª e 8ª.
212
Ibidem, condição 10ª. O contrato incluía limites pelos quais podia ser cobrado “ficando expressamente
estipulado que, enquanto a receita da Companhia não atingir a quantia superior a 700 contos de réis,
não poderá ser exigida quantia superior a 48 contos por este imposto”.
213
Ibidem, condição 12ª e 15ª.
214
Archivo, 26 de maio de 1897.
215
Veja-se, AA. VV., A Eletricidade em Portugal: dos primórdios à 2ª Guerra Mundial, EDP/Museu da
Eletricidade, 2004.
216
Cf. Archivo, 23 de junho de 1897.
57
de contestação pública denegou o projeto, suportando o ato na ausência dos pareceres
indispensáveis do Ministério das Obras Públicas, do Conselho Superior das Obras
Públicas e Minas e Direção Geral dos Correios e Telégrafos217. Só após a ratificação
destes organismos e já durante o consulado progressista de José Luciano de Castro218 o
contrato foi aprovado, ainda que, com as devidas reservas219.
Através do estudo das fontes, foi possível verificar que as resistências à mudança
de tração pelo sistema elétrico foram importantes, diversas e contrariam a ideia de que
foi aceite de uma forma quase natural220 muito devido ao argumento da perigosidade
que o sistema elétrico poderia implicar221. Este facto, à primeira vista, pode levar a crer
numa abundância de opções à semelhança do que ocorria em alguns países europeus e
nos Estados Unidos da América. Ora, acontece tal não era possível devido às
especificidades da urbe lisboeta, como é discutível, também, que o sistema “americano”
fosse viável financeiramente a curto prazo, sendo, precisamente, esta a causa da
urgência na sua transformação. Contudo, o convénio de 1897 esse determinante quer
para a história da Companhia Carris de Ferro, quer para a história do transporte na
cidade de Lisboa e não apenas pela inovação tecnológica, mas igualmente pela
contestação que originou, sobretudo, no campo republicano, não pode ser alvo de
análise de forma isolada.
217
Cf. Ibidem, 24 de março de 1897.
A 26 de maio, o Governo Civil emite novo despacho fazendo depender a aprovação do contrato à
“aprovação do Ministério das Obras Públicas pela Direção dos Serviços Telégrafos Postais”. Cf.
Ibidem, 26 de maio de 1897.
218
Nasceu no ano de 1834 e faleceu em março de 1914. Bacharel em Direito, foi na política que se
destacou mais. Regenerador na sua fase inicial, passou pelo Partido Histórico onde foi terceira figura
depois de Loulé e Braamcamp. A seguir ao Pacto da Granja, esteve permanentemente na cena política,
sendo célebres os debates com Hintze Ribeiro com quem executou o Rotativismo perfeito. Cf. Maria
Filomena Mónica (coord.), Dicionário Biográfico Parlamentar, 1834-1910, vol. I (A-C), Lisboa,
Imprensa de Ciências Sociais, 2004, pp. 836-839.
219
A deliberação camarária com vista a alteração do sistema de viação, datada de 11 de junho de 1896, só
foi aprovada a 19 de maio de 1897 pelo Governo Civil de Lisboa. Cf. Ibidem, 26 de maio de 1897.
220
As resistências à mudança em Lisboa não são caso singular. Quer em Londres como em Berlim, vários
foram os protestos contra a aplicação das linhas férreas, numa primeira fase, e depois na sua eletrificação.
Cf. Barbara Schmucki, “The Machine…”, op. cit., p. 1063.
Veja-se, por exemplo, o Diário Ilustrado, 27 de maio de 1897 ou Sande e Castro, op. cit., p. 61.
221
ACCFL, Certidão do ofício de 27 de fevereiro de 1896 dirigido pela CCFL à CML, in O suposto…, p.
59, 87-D-1266.
222
Assim depreciado pelas empresas concorrentes e pelo Partido Republicano, viria a ser um documento
fundamental para a história da CCFL durante a Primeira República e que pela sua relevância irá, ao longo
deste trabalho, ser citado várias vezes. Cf. ACCFL, Cópias de acordos, despachos, relatórios e mais
documentos e decretos de consulta frequente, 86-D-1041.
58
férreas223 “dentro da antiga e nova área da cidade de Lisboa”224, veio reforçar a
posição da CML na parte que lhe competia dos lucros da empresa, por força dos
contratos anteriores225, através do adiantamento de rendimentos226 e salvaguardava
futuras despesas “por estragos causados nos pavimentos das ruas em consequência das
obras de construção, conservação e reparação das novas linhas e seus desvios e
resguardos concedidos”227, cabendo à Companhia a respetiva compensação. Ainda
assim, este convénio não permitiu apenas a transformação e ampliação da rede, como
apresentou uma nova restrição municipal (como já havia feito em 1892), impedindo,
pela condição 7ª do referido acordo, a CML de outorgar qualquer “nova concessão ou
licença de viação por tração mecânica para exploração de transportes coletivos de
passageiros dentro do prazo desta concessão [e] dentro da rede geral concedida à
Companhia salvo acordo prévio com a mesma”228. No entanto, aquando da
apresentação, discussão e aprovação das bases do contrato em Assembleia Camarária,
elaborado pela comissão especial escolhida para o efeito, o vereador-relator Martinho
Guimarães, não reproduz a condição na forma como foi transcrita no contrato final
assumindo-se, somente, que “nenhuma nova concessão de viação por tração mecânica
poderá ser feita pela Câmara dentro do perímetro da rede geral concedida à
Companhia, salvo acordo prévio com a mesma Companhia”229.
59
monografia centrada na evolução da rede após a implementação da tração elétrica231.
Para se compreenderem melhor os efeitos políticos deste contrato, temos que analisar as
divisões que provocou no seio da vereação camarária logo em 1898 e ainda antes da sua
ratificação, anunciadoras de atritos profundos232. Não é de estranhar, portanto, que
várias críticas tenham surgido sobre as prerrogativas que o convénio concedia à
Companhia, e que apesar dos alertas do vereador Patrocínio Marques sobre a matéria233,
este tenha sido aprovado. A receita imediata que o contrato provia à CML na ordem dos
100.000$000 réis pela concessão de 26 quilómetros de linhas234, que num momento de
crise financeira profunda dependia de empréstimos do Estado e da cobrança, possível,
de receita fiscal, atenuava as necessidades financeiras momentâneas da Câmara
Municipal de Lisboa.
231
E como, de resto, consta num relatório interno da Companhia Carris. Cf. ACCFL, Cópias…, 86-D-
1041.
232
Cf. Archivo, 5 de janeiro de 1898.
233
Em sessão plenária o vereador Patrocínio Marques vincou a sua posição afirmando que: “discordava
do estudo da comissão, pois reputa este contrato um acrescentamento do anterior, constituindo-se assim
um exclusivismo que se lhe afigura contrário aos interesses municipais; que desejaria antes que a
Câmara, feito o plano de viação, abrisse concurso publico para a sua execução; que não tem por
vantajosa a verba de cem contos de réis por uma concessão de 99 anos, o que priva o município de
qualquer benefício ou progresso na viação”. Idem, ibidem.
234
Cf. ACCFL, Contratos, condição 12ª.
235
Em Sessão Camarária, Patrocínio Marques “declarou que não aceitava tal doutrina, pois que tendo a
Câmara assentado, com um representante da Companhia sobre determinadas bases e sendo estas
alteradas pelas estações superiores, tem necessariamente a Câmara que apreciar, aliás, terá de abdicar
do direito de intervir num assunto de toda a sua competência”. Archivo, 28 de julho de 1898.
60
largura da rua, contada entre as arestas dos passeios laterais, for pelo menos
quadrupla da largura da via simples; [sendo] evidente era que não haveria quem
concorresse sabendo que só nas Avenidas Novas e em raras ruas existentes podia
assentar linhas”, desse tipo236. Não obstante, na opinião do vereador, a assinatura deste
contrato não se tratava de um “sacrifício” para a CML, porque na consequência dos
acordos anteriores237 a “Câmara só da Companhia passou a 1.062$000 réis que recebeu
em 1891, a receber até fim de novembro de 1897, 20.556$678 réis; que a Companhia
pelas licenças dos seus carros desde 1873 a 1891 tinha pago à Câmara 6.945$920 réis
e a contar de 1892 a novembro de 1897, 90.126$069 réis”238. No fundo, as ligações
políticas CCFL/CML/Estado, que iam muito além do setor dos transportes, e a crise
financeira promoveram o monopólio na cidade estando, por essa via, esclarecidos os
motivos que levaram à sua concretização.
236
Ibidem, 5 de janeiro de 1898.
237
Veja-se nota 120.
238
Archivo, 13 de janeiro de 1898.
239
A NCAML carece, ainda, um estudo exaustivo não havendo, até ao momento qualquer estudo sobre a
sua História. Parte da informação sobre a sua constituição e desenvolvimento que integra esta monografia
é resultado da interpretação possível das fontes disponíveis no ACCFL, BNP e AML/AC.
240
ACCFL, O suposto…, op. cit., pp. 3-4, 87-D-1266.
241
Ibidem, pp. 4-5.
61
“o sentir da Câmara e do Governo, que apenas queriam conceder o exclusivo do
sistema de tração mecânica que utiliza a eletricidade por condutores aéreos como
motor”242. Ainda assim, à medida que outros industriais do setor tomavam
conhecimento da proposta de contrato243, também em conjunto com a Associação de
Classe dos Condutores e Cocheiros organizaram um comício para “representar e
protestar contra o sindicato da tração elétrica que a Câmara quer conceder à CCFL”
fazendo constar numa moção apresentada ao Ministério do Reino que “o povo
considerando que uma das questões em que o público da capital vai ser largamente
prejudicado é sem duvida no absurdo contrato que se pretende aprovar a favor da
CCFL, em que é dado o exclusivo de toda a tração mecânica inventada, e por inventar,
durante quase um século, procurando assim safar da ruina essa Companhia e
conseguintemente arruinar a Lusitana244, criada pelo povo da capital para defender os
interesses do público e salvar da miséria centenas de famílias de honrados
trabalhadores, escorraçados brutalmente da poderosa Companhia”245. Para os autores
da moção era relativamente secundário se a CCFL continuava ou não a “mover os seus
carros por meio de eletricidade ou que ponha o seu pessoal a puxar por eles. O que não
[podia] deixar sem protesto é o facto de pretenderem tolher à Lusitana por em
circulação carros em harmonia com os processos modernos, jamais depois de se ter
descoberto que os carros mecânicos tanto transitam sobre calhas de ferro como sobre
calçada”246. Apesar das duras críticas de que o monopólio foi alvo em vários
quadrantes247 e durante bastante tempo248, o contrato de 1898 foi sancionado249
242
Ibidem, pp. 16 e 18-19.
243
Vejam-se as reclamações apresentadas à CML in, Archivo, 11 de agosto de 1898.
244
A empresa Lusitana foi criada em 1893, por antigos funcionários da CCFL despedidos no seguimento
de um período de greves. Esta empresa carece, também, de um estudo específico.
245
A Vanguarda, 1 de agosto de 1898.
246
Ibidem.
247
O periódico Tempo faz referência à posição da CML que “concedera o monopólio à Companhia dos
americanos para receber por uma só vez 100 contos de réis, e que a Lusitana, continuando as coisas
como estão, daqui a dez anos daria à Câmara todos os anos 250 contos de réis”, in Tempo, 2 de agosto
de 1898.
Também na Câmara dos Pares do Reino o convénio foi alvo de críticas não havendo, no entanto,
alterações de última hora. Cf. Câmara dos Pares do Reino, nº 52, 19 de junho de 1899.
248
Em 1902, a Gazeta dos Caminhos-de-Ferro de Portugal e Espanha referia-se, desta forma, ao contrato
de 1898: “[o] que se fez em Lisboa, quando se pretendeu cobrir a cidade com os arames da tração
elétrica, se quis encher as suas ruas com os lindos postes que conhecemos? Por cá resolveu-se, decretou-
se, fez-se o negociozinho muito em família, e o público que se aguente”, in Gazeta dos Caminhos-de-
Ferro de Portugal e Espanha, 16 de fevereiro de 1902.
249
Foi aprovado em Decreto de 20 de outubro de 1898, e publicado em Diário do Governo, I Série, nº
238, de 24 do mesmo mês.
62
possibilitando uma exclusividade de tipo novo no setor dos transportes da capital do
país.
250
Cf. Alberte Martínez, “Energy…”, op. cit., p. 1.
251
Até 1899 o Conselho de Administração da CCFL era composto por três elementos (no caso, Alfredo
da Silva, Carlos Krus e Zófimo Consiglieri Pedroso) que após a revisão estatutária de 1899 consagrou a
presença de um quarto elemento nomeado pela LETL. Cf. ACCFL, Estatutos. 1889 a 1926, 83-D-011.
252
ACCFL, Atas das Reuniões da Direção da Companhia Carris de Ferro de Lisboa, 2 de agosto de
1899 (doravante citado como Reuniões, seguido de dia, mês e ano).
253
Relatórios, 1899, p. 5.
254
Ibidem, condição 7ª, pp. 5-6.
255
Ibidem, condição 8ª, p. 6.
63
garantida”256. Não tenhamos dúvidas, no entanto, que o contrato de concessão à
companhia Wernhem, Beit & C., de 7 de julho257, era francamente vantajoso para as
duas partes, sendo apenas possível depois de estar concluído o processo burocrático de
transformação e ampliação da rede, pois as regalias concedidas aos investidores
portugueses, isentando-os de prejuízos futuros e concedendo-lhes uma “renda finda
anual, ou dividendo de 6%”258, só fariam sentido se a possibilidade de obtenção de
lucros fosse bastante alta.
256
Ibidem, p.6.
257
Assinado por Julius Wernher, Alfred Beit, Max Michaelis, Ludwing Breitmeyer e Leonel Phillips,
sócios da firma Wernher, Beit & C. e por John Forster Cooper, representante mandatado da CCFL, em
Londres. Cf. ACCFL, Reuniões, 19 de julho de 1899.
258
Archivo, 5 de julho de 1899.
259
ACCFL, Leis das Companhias de 1862 a 1898 e Lei da Companhia de 1948, condição 3 a), 86-D-
1040.
260
Ibidem, condição 3 b).
261
Ibidem, condição 3 c).
262
Ibidem, condição 3 w).
64
política liberal novecentista263. Contudo, em face das obrigações já contratualizadas
com a CML, − salvaguardadas através de uma declaração de cumprimento264, − e com
os acionistas portugueses, a nova concessionária pouco mais poderia fazer do que
executar a expansão da rede, agora com tração elétrica, e esperar que o monopólio se
concretizasse, por venda ou falência das empresas concorrentes.
263
Cf. Rui Ramos, “Sobre o carácter revolucionário da Primeira República portuguesa (1910-1926): uma
primeira abordagem”, in Polis: Revista de Estudos Jurídico-Políticos, nº 9/12, 2003, p. 12.
264
O Governo, para aprovar os contratos de 7 e 27 de junho, exigiu que a Lisbon fizesse uma declaração
onde se tornaria responsável e solidária com Companhia Carris de Ferro de Lisboa no cumprimento de
todas as obrigações e encargos a que esta companhia está sujeita pelos contratos de 10 de abril de 1888,
27 de junho de 1892, 5 de junho de 1897, 16 de agosto de 1898, e Decreto de 20 de outubro do mesmo
ano, ficando ainda sujeita para este efeito à jurisdição dos tribunais portugueses. Cf. ACCFL, Reuniões,
18 de outubro de 1899.
265
O investimento foi feito pela importância do passivo exigível da Companhia, ou seja, réis
833.670$726, e creditado pela importância do ativo realizável, ou réis 139.531$392, dando assim em
saldo a seu débito de réis 694.139$334. Cf. Ibidem, 18 de outubro de 1899.
266
Ibidem, 2 de agosto de 1899.
267
Veja-se Gráfico 4.
268
Relatórios, 1899, p. 11.
269
Ibidem, 1899, p. 7.
65
grandes grupos económicos, que estavam longe de se limitar ao setor do transporte
urbano.
270
Archivo, 20 de abril de 1899.
271
Ibidem, 14 de setembro de 1899.
272
Em 7 de novembro de 1899 é entregue na Câmara Municipal de Lisboa uma declaração em que a
direção da CCFL assumia todos os seus compromissos passados: “por este documento tomamos e
assumimos diretamente para com a Câmara Municipal de Lisboa, a responsabilidade solidária com a
dita Companhia Carris de Ferro de Lisboa, pelas obrigações e encargos a que esta última Companhia
está sujeita, segundo os contratos vigentes de 16 de abril de 1888, 27 de julho de 1892, 5 de julho de
1897 e 16 de agosto de 1898 e Decreto de 20 de outubro de 1898, e que para este efeito a dita
Companhia, arrendatária ficará sujeita à jurisdição dos tribunais portugueses”. Sande e Castro, op. cit.,
p. 67.
273
Lia-se no despacho do Governo Civil de Lisboa que: “que tendo a Lisbon Tramways assumido para
com a Câmara Municipal de Lisboa responsabilidade solidária pelas obrigações, a que a Companhia
Carris de Ferro está adstrita pelos seus contratos em vigor, e havendo-se sujeitado à jurisdição dos
tribunais portugueses, não há, visto o despacho ministerial de 23 de outubro último, obstáculo a que a
mesma Câmara possa reconhecer a sobredita companhia como responsável para com o município para
os efeitos do contrato de locação que esta celebrou com a Carris”. Archivo, 26 de outubro de 1899 e 7 de
dezembro de 1899.
66
tempo, à substancial redução de preços, sobretudo, nas viagens de curta duração,
aumento da velocidade comercial, maior regularidade no serviço, conforto e fiabilidade.
A sua aplicação requereu uma nova estratégia empresarial caracterizada pelo
investimento massivo, gestão moderna e o uso da tecnologia mais recente. Nos países
periféricos, como Portugal, esse tipo de investimento só logrou ser realizado através de
grupos financeiros ligados aos mercados mais fortes como o alemão, o inglês e o
belga274. O arrendamento à LETL implicou um alto nível de investimento e obrigou a
um conjunto de inovações quer em matéria de legislação, quer no âmbito da tecnologia,
inédito em matéria de transporte urbano em Portugal. Nunca uma empresa de transporte
tinha criado, exclusivamente com o propósito de autoabastecer-se, uma central
elétrica275 e jamais tinha levado à formulação de legislação específica para o negócio
que realizava quer do campo de ação industrial276, quer do âmbito viário277. Também no
que diz respeito ao setor do movimento, a aplicação de uma gestão eficaz e moderna
levou à conceção de normas para a proteção no trabalho, e a assistência médica e social
quer durante a vida ativa do trabalhador, como após a retirada dos funcionários do ativo.
O crescimento da cidade, o aumento populacional e a expansão da rede levaram,
também, à construção de novas estações à medida que as regras do mercado, assim o
exigiam. Não obstante, essas matérias escapam ao objetivo deste primeiro capítulo,
sendo amplamente analisadas na segunda parte do trabalho.
274
Cf. Alberte Martínez, “Energy…”, op. cit., p. 1.
275
Cf. ACCFL, Reuniões, 3 de janeiro de 1900.
276
Para uma súmula sobre a organização e fiscalização das indústrias elétricas e regulamento para o
estabelecimento e exploração de instalações elétricas vejam-se, entre outros, os Decreto-lei de 24 de
dezembro de 1901; Decreto-lei de 30 de dezembro de 1901; Decreto-lei de 30 de novembro de 1912 e
Decreto-lei de 24 de outubro de 1913.
277
Cf. ACCFL, Cópia do Regulamento para o serviço de tração elétrica, publicado no nº 60 do Diário
do Governo de 17 de março de 1903, 89-D-1407-06.
67
identicamente mencionado que essas tendências eram influenciadas por uma vivência
empresarial muito particular e por um avolumar de ligações políticas singulares que
determinaram a assinatura dos vários convénios entre a CCFL e a CML na última
década do século XIX, e que no seu todo conduziram ao monopólio de exploração por
via mecânica na urbe lisboeta, consumado nas duas primeiras décadas do século
passado. Com este capítulo da tese pretende-se sublinhar, precisamente, a importância
dos contratos assinados com a Câmara Municipal de Lisboa e as particularidades do
desenvolvimento da rede nas dinâmicas económicas, sociais e políticas urbanas e a sua
interdependência com a aplicação da tecnologia e do conhecimento no transporte
citadino. Por outro lado, sobretudo após a eclosão da Grande Guerra, serão alvo de
análise os efeitos económicos, financeiros e sociais que longe de serem exclusivamente
nacionais, vão condicionar a ação da Companhia, em todas as vertentes, até meados da
década de 30, mas com especial incidência até 1926.
278
O Decreto que permitiu a instituição das associações de classe data de 9 de maio de 1891 assinalando-
se, portanto, a relativa prematuridade no caso da CCFL.
279
Fundada por Alvará de 23 de setembro de 1884.
68
O texto que se segue pretende, finalmente, ser um contributo mais para colmatar
as lacunas da historiografia portuguesa, na qual a análise sobre a vida das empresas nas
primeiras décadas do século XX ocupa um lugar, praticamente, inexistente sendo que
algumas das mais recentes incursões na matéria são estudos sobre as distintas linhas de
carreira numa perspetiva de análise integral do fenómeno e não na vertente destacada
tendo por base a cidade de Lisboa, crescimento e transformação.
280
O auto da posse foi realizado no dia 16 de abril do mesmo ano. Cf. Sande e Castro, op. cit., p. 98.
281
No momento da sua aquisição, após a realização de um leilão (prédio nº 1 da lista 1314-B) no
Ministério da Fazenda, o terreno tinha a seguinte descrição: “superfície de seis mil cento e dois metros
quadrados e apresenta a figura de um trapézio sujos lados paralelos são os de leste e oeste, tendo o lado
leste a extensão de cento e um metros e fica a distância de seis metros e vinte e oito centímetros do muro
norte da vedação do entreposto de Santos o qual é paralelo. O lado oeste tem a extensão de setenta e
nove metros e fica encostado ao passeio da rua, de treze metros de largura, que se dirige
perpendicularmente ao externo leste ou rampa do entreposto. O lado do trapézio perpendicular a estes
dois mede sessenta e sete metros e oitenta centímetros e é paralelo à encosta do muro do cais do
entreposto do qual dista vinte e quatro metros. O quarto lado oblíquo aos dois primeiros mede setenta e
oitenta e dois centímetros”. Cf. Idem, Ibidem.
282
ACCFL, “Oficio de 7 de novembro de 1910”, in Copiador de Cartas – Correspondência com a CML,
nº 3. De 19-8-1910 a 3-7-1914, 96-E-350
69
total de 61.025$000 réis. Neste espaço, iria nascer a primeira central elétrica com o
propósito único de fornecer energia elétrica a toda a rede viária sendo caso ímpar a nível
nacional e, certamente, um dos poucos no panorama europeu, mas que estava dentro dos
planos de ressurgimento económico e financeiro implementados pelos diferentes
governos dos derradeiros anos da Monarquia Constitucional284, e que possibilitaram um
“crescimento razoável do setor industrial”285, colocando o país em rota com a grande
maioria das economias europeias em desenvolvimento. Para a sua história e memória
ficaram os momentos, durante os primeiros anos da Grande Guerra, em que por força
das dificuldades de abastecimento ao país teve, apenas pelos seus próprios meios e a
pedido da CML286, que fornecer luz elétrica a grande parte da cidade de Lisboa287.
283
Cf. ACCFL,” Notas sobre construção de linhas, material circulante, edifícios”, in Coleção de diversos
documentos desordenados relativos a pessoal, admissões, salários, organização e instrução do pessoal
do movimento, edifícios e terrenos, linhas e calçadas, carros e tarifas, 89-E-3260.
284
Cf. Ana Paula Pires, “As letras de uma revolução: a implementação da República em Portugal a 5 de
outubro de 1910”, in Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 30, nº 61, maio-agosto 2017, p. 334.
285
Idem, ibidem.
286
No ofício apresentado à CML a propósito das longas discussões sobre o aumento das tarifas dizia-se
que a “Companhia (…) que ao Estado emprestou carvão quando este o não tinha e que já iluminou as
ruas da cidade quando estavam às escuras”. ACCFL, “Ofício de 11 de junho de 1921”, in Copiador de
Cartas – Correspondência com a CML, nº 6. De 27-10-1919 a 11-6-1921, 86-E-353.
287
Cf. Sessões, 30 de novembro de 1916.
288
Cf. “A ligação da Central de Santos à Rede Elétrica Nacional”, in ACCFL, Coleção de diversos…, 89-
E-3260.
289
Permanecendo assim até à década de oitenta do século passado.
290
Eram as estações de S. Amaro, A. Do Cego, Amoreiras, e os pontos de apoio da Glória e Poço dos
Bispo, sendo, mais tarde, prolongados à CNE-Sacavém. No que diz respeito a esta última subestação, a
sua ligação à Central de Santos era feita por um esquema simples de ligação por cabo de 92 mm 2 de
secção a 31,5kV, ligando-se uma das celas de saída da subestação ao primário de um transformador de 10
MVA, 31,5/6,6 kV. O secundário deste transformador ficava ligado às barras de Santos. Veja-se Mapa 1.
291
As máquinas a vapor, que constituíram o coração da fábrica, não chegaram em simultâneo sendo que
as duas primeiras estiveram em testes em dezembro de 1900, e as restantes em fevereiro do ano seguinte.
Daqui se presume que a direção da CCFL não tinha intenção de efetuar uma transformação acelerada das
linhas tentando, numa primeira fase, a obtenção de alguns lucros. Cf. Sande e Castro, op. cit., p. 100.
292
Idem, ibidem.
70
sujeita, ao longo do seu tempo útil de vida, a constantes beneficiações em espaço e da
sua capacidade energética, tendo reforçado o número de caldeiras293, turbinas e
geradores em funcionamento, ao longo das três primeiras décadas do século XX, à
medida que a rede de viação ia crescendo.
293
Até ao deflagrar da Grande Guerra, estariam onze caldeiras a funcionar.
294
ACCFL, ”Notas…”, 89-E-3260.
295
As relações com a Companhia Real dos Caminhos de Ferro, nesta fase, tiveram momentos de grande
animosidade. Só a intervenção do Governo de Hintze Ribeiro, desbloqueou a situação com a celebração
de um acordo entre as partes onde se reconheciam e estabeleciam os limites de exploração e das partes.
Cf. ACCFL, Reuniões, 10 de junho de 1901.
296
Os seus efeitos serão longamente dissecados ao longo da segunda parte desta tese.
297
Cf. Sande e Castro, op. cit., p. 101.
71
2.2 A Rede Elétrica: o exórdio
298
Cf. Gazeta dos Caminhos-de-Ferro de Portugal e Espanha, 16 de julho de 1902.
299
ACCFL, Contratos, 1898, condição 2ª.
300
Expressão popularizada pela imprensa da época (Gazeta dos Caminhos-de-Ferro de Portugal e
Espanha, 1 de outubro de 1902). As primeiras carreiras, de carácter “provisório” e detendo parte do
percurso a preços reduzidos, circularam entre o Conde Barão ao Intendente, e ao Caminho-de-ferro. Veja-
se, por exemplo a Gazeta dos Caminhos-de-Ferro de Portugal e Espanha, 16 de setembro de 1903.
301
Um serviço de bilhetes a “meio preço” com carros onde era possível entrar “em qualquer traje”. Cf.
Filipe Cruz, Do Dafundo ao Poço do Bispo, Lisboa, Gráfica 99, 2016, p. 7.
302
Foi também decidido colocar atrelados nestas carreiras unicamente a preços reduzidos. Cf. ACCFL,
Reuniões, 6 de julho de 1903.
303
Todavia, o recurso a carreiras mais económicas não foi consensual nesta fase, levantando protestos de
alguns vereadores camarários devido à suposta redução de lucros da empresa. Cf. Archivo, 6 de novembro
de 1902.
304
Regina Salvador e Thierry Dias Coelho, op. cit., p. 289.
305
Prolongada ao Dafundo em 8 de agosto de 1901. Cf. ACCFL, Carreiras e Linhas, Elementos para a
sua História até 1950, 83-E-235.
A colocação dos rails, que serviam esta carreira, iniciou-se no Poço do Bispo durante o ano de 1900 com
9.180 metros de linha simples, sendo acompanhado do outro extremo, em Belém, com mais 4.778 metros
de linha simples, tendo ambas como ponto de confluência a Praça do Comércio. Segundo dados da época,
estas duas linhas representavam 7.390 metros de carreira numa distância de 11.900 metros entre o Poço
72
refletia bem a aceitação geral deixando algumas considerações sobre a nova forma de
transporte, definindo os veículos306 como “muito cómodos e amplos”, a “velocidade
magnifica, gast[ando-se] no percurso a Algés metade do tempo que se gastava pela
tração animal”, tendo a CCFL “um largo futuro e a cidade logo que tenha prontas as
linhas de penetração atingirá um desenvolvimento grande para norte, para onde
precisa estender-se, porque a faixa paralela ao mar já não se pode estender mais”,
descrevendo o redator a tração elétrica como “um melhoramento de largo alcance para
a capital”307.
do Bispo e Belém. Cf. ACCFL, ”Notas sobre construção de linhas, material circulante, edifícios”, in
Coleção de diversos…op. cit.
306
A Gazeta dos Caminhos-de-Ferro de Portugal e Espanha, na edição de 1 de agosto descreveu, desta
forma, o teste realizado durante o mês de julho: “o carro oferece comodidade bastante e descreveu as
curvas sem oscilações, indo ao travão o Sr. Rommel, diretor técnico dos trabalhos de assentamento da
via. O modelo desse carro é elegante e, até mesmo, luxuoso, bem iluminado a luz elétrica, com um
grande farol em cada topo, perto do chão, além de outros faróis vermelhos de petróleo e de um
candeeiro, também de petróleo, no caso de haver transtorno com o sistema e iluminação”. Gazeta dos
Caminhos-de-Ferro de Portugal e Espanha, 1 de agosto de 1901.
307
Tempo, 1 de setembro de 1901.
308
Sande e Castro, op. cit., pp. 102-103.
309
Prolongada ao Rossio (15/9/01) e aos Caminhos-de-Ferro (29/9/01). A partir de janeiro de 1904 a
março de 1922 circulou como “Carro do Povo”. Cf. ACCFL, Carreiras e Linhas…, op. cit.
310
Com prolongamento ao Dafundo em 8/9/1901 e à rua Alexandre Herculano a 15/9/1901. Esta carreira
iria, rapidamente, ser dividida em duas carreiras, a 8 e 8A, com horários diferentes, mas fazendo o mesmo
73
Herculano (15/9/1901)311; Santo Amaro – Intendente (2/11/1901)312, Poço do Bispo –
Rossio (17/11/1901)313 e Belém – Intendente (22/12/1901)314. Não obstante, a
transformação do sistema viário315 levou a que a CCFL dispusesse de um complexo
sistema de substituição de carreiras tendo que recorrer aos carros volantes puxados por
animais nas ruas onde o serviço estava a ser permutado316, o que não impediu a
supressão de percursos menos rentáveis como o de Carnide317, levando à apresentação
de reclamações junto da vereação camarária318 dos “proprietários e moradores”, visto
que, privava os “habitantes daquela localidade de transporte para Lisboa que há
muitos anos disfrutavam”319. Uma vez que a rota ficou prevista no contrato de 1888320,
fora do plano de carreiras estabelecido no contrato de 1892 em vigor no início do século
XX321, impediu que a CML compelisse a Carris à sua reposição, não restando outra
solução à vereação camarária do que colocar a concurso a exploração da linha, ficando
percurso e terminando no Rossio aos fins-de-semana. Cf. ACCFL, Horários das carreiras de elétricos da
Companhia Carris de Ferro de Lisboa, Lisboa, Santo Amaro, 1914; ACCFL, Carreiras e Linhas…, op.
cit.
311
Prolongada à Rua do Alecrim e passando a serviço de circulação após pedido da CML. Cf. Idem,
ibidem.
312
Carreira circulava na então apelidada Linha da Pampulha, sendo assim referida na imprensa da época
(Cf. Idem, ibidem.). Foi prolongada ao Arco do Cego (22/2/1902), a partir do largo do Intendente e
avenida D. Amélia, após a inauguração da linha respetiva a 6/2/1902. Cf. ACCFL, Carreiras e Linhas…,
op. cit.
313
Relativamente a esta carreira, as fontes do ACCFL não são explícitas quanto ao seu percurso original.
Se numa primeira fase o terminal no Rossio parece certo, terá sido prolongada até ao Campo Pequeno em
1902/04, via Avenida, rua do Arco do Cego, rua Tomás Ribeiro e avenida Ressano Garcia após a
execução de um projeto da CCFL, apresentado em 1902, que ligava a linha da praça Duque de Saldanha à
estrada da Circunvalação. (Cf. Archivo, 2 de outubro de 1902.) No caminho inverso, seguia pela avenida
Duque d’Avila, Rotunda, rua das Pretas, Rossio, Caminhos-de-Ferro, Xabregas e Poço do Bispo. Em
1914, esta carreira seria, novamente, dividida em três, Poço do Bispo – Rossio, Campo Pequeno –
Caminhos de Ferro e Campo Pequeno – Terreiro do Paço. Cf. Idem, ibidem e ACCFL, Carreiras e
Linhas…, op. cit.
314
Circulava pelo Rossio, Conde Barão, Alcântara, Belém. De janeiro de 1904 a março de 1922 circulou
como “Carro do Povo”. Cf. ACCFL, Carreiras e Linhas…, op. cit.
315
A transformação do sistema viário obrigou, igualmente, à aquisição de 80 carros elétricos. Adquiridos
à empresa J. C. Brill Company durante o ano de 1900, dispunham de dois motores General Electric de 25
cavalos de potência, estando preparados para as íngremes colinas da cidade, uma vez que dispunham de
três sistemas independentes e complementares de travagem, às rodas, ao carril e um elétrico acionado no
controler. Estas viaturas eram abertas nas laterais. (Veja-se Imagem 1. Cf. ACCFL, Monografia: carros
elétricos motores. Séries nº 203 a 282, 00-E-3846). Em 1901 foram adquiridas mais 76 viaturas com
características mecânicas semelhantes, desta feita, fechadas. Cf. ACCFL,” Notas sobre construção de
linhas, material circulante, edifícios”, in Coleção de diversos…, op. cit.
316
Cf. Archivo, 13 de dezembro de 1900.
317
Cf. Idem, 14 de junho de 1901. Todavia, não deixa de ser sintomático, que o bairro de Carnide era um
dos maiores contribuintes nos recenseamentos eleitorais o que pode indicar outro tipo de leituras para a
reduzida utilização do transporte público. Cf. Nuno Miguel Lima, Os «homens bons» do Liberalismo. Os
maiores contribuintes de Lisboa (1867-1893), Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de
Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2007, p. 73 e ss.
318
Veja-se, por exemplo, Archivo, 30 de julho de 1902.
319
Idem, 14 de agosto de 1901.
320
ACCFL, Contratos, 1888, condição 5ª, alínea e.
321
Cf. ACCFL, Contratos, 1892, condição 7ª.
74
estipulado que reverteria para a Carris quando esta o desejasse322. Noutro aspeto, foi
com a introdução do sistema elétrico que se consolidou a organização do serviço e do
respetivo sistema de paragens que por proposta do Conselho de Administração da CCFL
à CML, se estabeleceu em consonância com o “que se pratica[va] nas principais
cidades onde funcionam Tramways, determinados pontos de paragem, que deverão ser
no centro da cidade de distancia de 250m, e fora de 300m, informando-a de que a
Companhia do Gás e Eletricidade, permitem se use dos candeeiros para colocação de
sinais”323.
Não seriam de estranhar estes investimentos, pois o ano de 1901 ficou marcado,
também, pela entrega à 3ª Repartição de Obras Públicas da CML, a competência para
elaborar um plano geral de melhoramentos da capital324. Doravante, “verificou-se um
deslocar da competência da planificação urbanísticas de Lisboa exclusivamente da
CML”325, com especial significado após 29 de dezembro de 1903 quando Ressano
Garcia, diretor da 3ª Repartição, entrega o plano de desenvolvimento das áreas anexadas
após 1885, optando-se “por iniciar os trabalhos pela zona norte de Lisboa, justificando
esta prioridade com o facto de ser nesta parte da cidade que se achavam em vias de
execução os grandes melhoramentos já aprovados”326.
322
Lia-se na condição 2ª do acordo que a vereação lisboeta estabeleceu com a CCFL: “esta carreira será
efetuada por um carro com horário aprovado pela CML, ao preço máximo de 40 réis por passageiro e
pagando esse carro à Câmara a taxa de licença anual de 10$000 réis, igual à que pelo Código de
Posturas Municipais, pagavam os carros de viação para transporte de passageiros em comum antes do
referido contrato de 27 de junho de 1892”, Archivo, 14 de agosto de 1901.
A CCFL contribuía, inclusive, com 250$000 réis, correspondendo a metade do valor da taxa anual por
viatura que efetuasse a exploração do serviço público de passageiros. Esta carreira seria retomada, anos
mais tarde, por um sistema de autocarros que então se reintroduziam em Portugal. Cf. ACCFL, Reuniões,
8 de julho de 1901.
323
ACCFL, Reuniões, 7 de março de 1900.
Os sinais de paragem foram afixados nos postes de iluminação das Companhias Reunidas de Gás e
Eletricidade. Cf. Tempo, 21 de setembro de 1901.
324
Cf. Maria Helena Barata Moura, Os engenheiros em Lisboa, Urbanismo e Arquitetura (1850-1930),
Lisboa, Livros Horizonte, 2002, pp. 119-120.
325
Idem, ibidem.
326
Ibidem, p. 119.
327
Cf. ACCFL,” Notas sobre construção de linhas, material circulante, edifícios”, in Coleção de
diversos…, op. cit.
75
Linhas Ponto inicial Ponto final Distância em Metros
Mas foi no ano de 1902 que a oferta da CCFL se consolidou. Agora, eram as
zonas limítrofes, fora da primeira Estrada da Circunvalação, a meta da inovação no
transporte indo ao encontro da ideia da organização do território inclusivo proposta pela
328
Veja-se Daniel Alves, A República…, op. cit.
329
Como deixaram antever, a nosso ver mal, Francisco Santana e António Pedro Vicente, “O elétrico”, in
História da Companhia Carris de Ferro de Lisboa em Portugal, vol. II, op. cit., p. 51.
330
Numa primeira fase, foram adaptados os antigos carros americanos (ANTT – Arquivo Burnay, cx. 46,
nº 228). Contudo, a opção por carreiras a preços económicos obrigou à aquisição de 45 novas viaturas
devido à sua enorme procura, entre os anos de 1906 e 1907. Construídas na fábrica da J. G. Brill, eram
equipados com dois motores General Electric de 25 cavalos, e de dois travões (um reostático e o outro
mecânico) independentes e complementares, medindo cerca de 12 metros de cumprimento e com uma
lotação de 62 passageiros dos quais 31 sentados. Cf. ACCFL, Monografia: carros elétricos motores.
Séries nº 323 a 342; 343 a 362 e 363 a 367, 00-E-3251.
76
CML, “para unificar os diversos conjuntos e núcleos históricos de expressão e
identidade urbanas ou de dimensão e perfil ainda rural”331, oficializada através do
Plano Geral de Melhoramentos de Lisboa, em 1904. De facto, a abertura oficial da linha
do Lumiar332 em 30/7/1902333, cuja autorização para a sua eletrificação em linha dupla
data de 26/4/1898334, representou um novo paradigma na oferta que a compra de novos
carros elétricos não é alheia335. Esta linha, prevista pelo contrato de 1888, obrigou a
uma profunda remodelação do espaço urbano a norte do núcleo primitivo, uma vez que
não só ligaria o Rossio ao Lumiar336, como previa que distintas linhas, nomeadamente, a
do Campo Pequeno, a do Rego e outras que serviriam a antiga zona da Palhavã e
Estrada de Benfica, se unissem viabilizando o acréscimo de opções com a rua do
Lumiar onde se situava o fim da concessão da Carris.
331
Paula Alexandra Teixeira e Rui Manuel Matos, op. cit., p. 181.
332
A linha entre o Campo Grande e o Lumiar foi examinada e aprovada pela CML a 29 de julho de 1902
(Cf. ACCFL, Reuniões, 4 de agosto de 1902) com exceção na zona de Entrecampos onde, devido há
existência da linha de comboio só foi “permitida depois de estabelecidos os sinais necessários para que a
exploração se faça com toda a segurança”. Gazeta dos Caminhos-de-Ferro de Portugal e Espanha, 1 de
setembro de 1902.
333
Numa primeira fase do Rossio, Arco do Cego com transbordo no Campo Pequeno e depois via
Avenida, Arco do Cego e Entrecampos. Cf. ACCFL, Carreiras e Linhas, op. cit.
334
Cf. ACCFL, Linhas. Elementos para a sua História, 89-E-2759.
335
Em 1902 entraram ao serviço da Carris 40 novos carros. Construídos nos Estados Unidos da América,
eram equipados com dois motores General Electric de 25 cavalos de potência, possuindo um único travão
às rodas acionado por manivela e controller. Distinguidos pelo considerável cumprimento de 11,35m,
foram apelidados pela população lisboeta de “aventesmas formidáveis”, circulando apenas nas carreiras
longas e pouco sinuosas. Veja-se Imagem 2. (Cf. ACCFL, Monografia: carros elétricos motores. Séries
nºs 283 a 292 e 293 a 322, 00-E-3248). Mais tarde (1905 e 1908-1908), em face da grande procura, foram
adquiridos atrelados de 7,12 metros de comprimento, para as carreiras longas e pouco sinuosas. No
mesmo ano, foram postos em circulação mais 75 elétricos todos fechados com a mesma motorização que
os anteriores, mais curtos tendo 8,12 metros de comprimento, os “São Luís”. Cf. ACCFL, “Notas sobre
construção de linhas, material circulante, edifícios”, in Coleção de diversos…, op. cit.
336
Com transbordo no Campo Pequeno, “onde estariam 4 carros, que forçaram a passagem, limitados ao
percurso do Campo Grande até à passagem de nível de Entrecampos” devido à linha do comboio e a
inexistência de “um aparelho para manobra elétrica e automática das cancelas, que só estariam abertas
quando não houvesse comboios próximos”, in Gazeta dos Caminhos-de-Ferro de Portugal e Espanha, 16
de julho de 1902.
337
A carreira circulava vinda do Rossio, Rotunda, rua Tomás Ribeiro, A. do Cego, Entrecampos, Campo
Grande, Rua António Stromp, Alameda das Linhas de Torres, rua do Lumiar. Cf. ACCFL, Horários das
carreiras de elétricos da Companhia Carris de Ferro de Lisboa, Lisboa, Santo Amaro, 1914.
338
Temos de incluir a saída da estação e o percurso até ao início da carreira que, por regra, era feita em
serviço. Cf. Idem, ibidem.
77
zonas da cidade que, grosso modo, tenderam a deslocalizar a sua habitação para locais
onde os preços dos arrendamentos eram mais acessíveis339. Se tivermos presente as
múltiplas alterações de que a linha do Lumiar beneficiou nos anos subsequentes, com a
duplicação de linhas na então rua de Entrecampos, ou nas várias sugestões da CML com
vista ao assentamento de carris nas ruas ocidental e oriental da avenida Ressano Garcia
(atual avenida da República) ou, mais tarde, em 1926, do seu prolongamento até ao final
da Calçada de Carriche reclamado pela Câmara Municipal de Loures340, ficamos com
uma ideia clara da sua relevância no contexto do transporte urbano da capital do país.
339
Segundo Eunice Marisa Martins Relvas, “foi o 3º Bairro Administrativo que apresentou o maior
aumento de residentes (3,5%), entre 1911 e 1925. Era a zona por excelência de expansão urbanística
(que englobava as Avenidas Novas) devido ao crescimento da alta e média burguesia; mas também de
freguesias rurais como a Charneca e Lumiar”, in Eleições Municipais em Lisboa na Primeira República
(1910-1926), Tese de Doutoramento apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da
Universidade Nova de Lisboa, 2014, p. 54.
340
Cf. ACCFL, Linhas…, op. cit. e AHML/AH, Sessões, 26 de julho de 1906.
341
Apenas com algumas alterações quanto ao terminal sul. No Rossio até 19/7/1904 e depois em
Caminhos-de-Ferro até 1/12/1926, onde passou a terminar na Praça da Figueira. Circulava por Areeiro,
Arroios, Santa Bárbara, Intendente, Rossio, Caminhos-de-Ferro. Cf. ACCFL, Horários das
carreiras…op. cit.
342
Também aqui, surgem-nos semelhanças com o caso espanhol. Como referiram Alberte Martínez e
Jesús Mirás, “este tipo de linhas tinham como missão ligar o centro urbano com o seu hinterland, onde se
instalava a burguesia urbana. Esta fator e a obstinação dos conselheiros das companhias em manter a
exploração apesar do carácter deficitário, levam a pensar que estas decisões foram tomadas, em boa
medida, pensando na promoção dos interesses imobiliários das cidades”. Cf. Alberte Martínez López;
Jesús Mirás Araujo, op. cit., p. 200.
343
O projeto de linha do Arco do Cego a S. Sebastião da Pedreira e Benfica foi autorizado pela CML em
6/10/1888 sendo este, também um reflexo do convénio de 1888 entre a CCFL e a CML. Cf. ACCFL,
Linhas…, op. cit.
78
similarmente um marco na relação simbiótica entre a CCFL e a cidade que servia.
Sendo conjeturada pelo convénio de 1888, principiava nas antigas portas do Arco do
Cego, “seguindo pela antiga estrada da Circunvalação até S. Sebastião da Pedreira, e
daí até Benfica pela respetiva estrada”344. Ora, numa primeira fase, a ligação
estabeleceu-se, justamente, até ao Jardim Zoológico345 pelo Arco do Cego (20/4/1902),
sendo prolongada um mês depois a Benfica (25/5/1902)346, efetuando o itinerário pelo
largo Manuel Emídio da Silva; Estrada de Benfica até à avenida Grão Vasco onde
invertia o percurso347.
344
ACCFL, Contratos, 1888, condição 5ª, aliena e.
345
Na altura, no Parque da Palhavã onde hoje se situa a Fundação Gulbenkian.
346
Cf. ACCFL, Reuniões, 26 de maio de 1902.
347
Em 1921, o terminal sul seria encurtado aos Restauradores descongestionando o Rossio. Cf. ACCFL,
Carreiras e Linhas, op. cit.
348
A CML autoriza a utilização da linha além da rua Alexandre Herculano, “indo em torno da Rotunda”,
a 26/11/1901. Cf. ACCFL, Correspondência com a Câmara Municipal de Lisboa, 89-E-2766.
349
Cf. ACCFL, Carreiras e Linhas, op. cit.
350
Cf. Archivo, 17 de outubro de 1901. O curto tempo de vida desta empresa e as escassas informações
que as fontes transmitem, não nos permite analisar a fundo a sua atividade. Contudo, podemos acrescentar
que fora constituída a partir de outra empresa, a Companhia Viação Urbana a Vapor, cujos proprietários
denominavam-se Sindicato Sanches de Baena. Cf. Idem, 2 de outubro de 1902.
351
Cf. ACCFL, Horários das carreiras…1914, op. cit.
352
Este bairro, terminado em 1910, foi formado por um conjunto de setenta habitações, dispostos em
blocos de dois pisos que estavam destinados aos operários. Numa outra parte do bairro existiam moradias
unifamiliares destinadas aos encarregados da fábrica. Cf. DGPC | Pesquisa Geral. Disponível em
79
cidade, com uma opção viável para as suas atividades diárias. Não é, pois, estranho que
numa época posterior, nomeadamente no ano de 1926, os moradores da Amadora
tenham instado quer à CCFL como à CML, sob uma petição, a ampliação da linha de
Benfica até àquela localidade353, ou que, a Carris tenha ajustado os seus horários para
que os utilizadores das empresas que serviam aquele concelho pudessem utilizar os
transportes com destino a Lisboa.
http://www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/patrimonio/patrimonio-imovel/pesquisa-do-
patrimonio/classificado-ou-em-vias-de-classificacao/geral/view/74406.
consultado em 24 de agosto de 2017
353
A 11/1/1928 a CCFL responde à Câmara Municipal de Oeiras, rejeitando a proposta por falta de
disponibilidade de matéria-prima e por ainda se encontrar a desenvolver a oferta no interior da cidade. Cf.
ACCFL, Linhas…, op. cit.
354
Veja-se o Quadro 6 desta tese. Cf. “Extensão total das linhas da Companhia”, in Coleção de diversos
documentos desordenados relativos a pessoal, admissões, salários, organização e instrução do pessoal
do movimento, edifícios e terrenos, linhas e calçadas, carros e tarifas, 89-E-3260.
355
Após a revisão da área fiscal de 1903. Veja-se nota 82 desta tese.
356
Inaugurado a 19 de abril de 1884.
357
Entrou em funções a 24 de outubro de 1885.
358
Inaugurado em junho de 1892, circulava desde a rua Fernandes da Fonseca, pela Rua dos Cavaleiros e
Calçada da Graça até ao largo da Graça. Sobre a discussão em torno do sistema de tração deste ascensor,
veja-se João Manuel Costa, Um caso de património local. A tomada de Lisboa pelos ascensores,
Dissertação de Mestrado apresentada à Universidade Aberta de Lisboa, 2008, pp. 102-106.
359
Desde o largo Camões pela Calçada do Combro, rua do Poço dos Negros e Calçada da Estrela até ao
largo da Estrela. Construído no seguimento do contrato de 1888 entre a NCAML e a CML, esteve no
ativo 24 anos com este sistema de tração, entre agosto de 1890 e julho de 1913.
360
Inaugurado a 26 de março de 1893, circulou até 25 de maio de 1913 com este sistema de tração pelas
ruas Fernandes da Fonseca, dos Cavaleiros, Calçada de Santo André, Calçada da Graça, largo da Graça e
rua da Graça.
361
A transferência da concessão da NCAML para a CCFL foi concluída apenas em 12 de novembro de
1926 com a “integração no regímen das estipulações vigentes dos contratos sobre viação elétrica entre a
Câmara e a CCFL” (ACCFL, Contratos, 1926, condição 3ª) devido a uma questão de aplicação da Lei,
então em vigor que obrigaria à reformulação dos contratos em vigência com a CML, ou então, se tal não
fosse exequível, à possibilidade de existência de um veto concelhio impedindo a união das empresas.
Sabendo da sua posição de fraqueza numa futura de negociação, é nosso entendimento que o processo foi
propositadamente interrompido pela direção da CFFL preferindo manter as duas empresas separadas,
tendo membros do Conselho de Administração em comum. Cf. Gazeta dos Caminhos-de-Ferro de
Portugal e Espanha, 1 de janeiro de 1909.
80
Neste sentido, foram apresentados à CML362 três troços de linha com a função
de servir os bairros da Estrela, de Santos e de Campo de Ourique363, pelas ruas do largo
da Estrela ao largo do Rato, pelas ruas da Estrela, S. Luís, S. João dos Bem-casados
(atual rua das Amoreiras) e Amoreiras; Santos por Buenos Aires, e do largo da Estrela
ao largo do Rato, pelas ruas Domingos Sequeira, Ferreira Borges e do Sol ao Rato,
respetivamente364. Aprovada a empreitada e rapidamente executada pela CCFL, ao
longo do biénio 1904-1905 foram estabelecidas duas carreiras de circulação365 tendo por
base comum a passagem pelo largo da Estrela, servindo por um lado Campo de Ourique
pelo largo do Rato366 (2/6/1905)367, a “completar pela rua Alexandre Herculano logo
que esteja concluída, [ligando] a linha Estrela – Rato por essa rua com a linha que já
ali existe, melhorando o serviço Avenida – Rato – Estrela”368 e, por outro, o bairro de
Santos pelo Rossio, Santos-o-Velho e Lapa (7/12/1904)369. Foi, concomitantemente,
desenvolvido um “serviço especial” para a Estrela e vice-versa, do largo das Duas
Igrejas (atualmente o largo do Chiado) “para defesa das receitas e em face da redução
de preços da NCAML na sua carreira do Ascensor da Estrela”370, transformado em
carreira regular desde 20/8/1906 mas de âmbito “extraordinário”371, ligando com os
percursos de S. Bento – Conde Barão – largo das Duas Igrejas (13/7/1902) e com a
362
Veja-se a memória justificativa para a construção destas linhas: “A ligação da linha da Estrela com o
Rato é indispensável para as conveniências duma boa exploração, e confia esta direção que a Exª
Câmara, a bem dos interesses dos moradores dos populosos bairros de Buenos Aires, Estrela, Campo de
Ourique e Campolide, que são servidos por esta linha, e a bem dos interesses do próprio município
fortemente interessado por uma elevada percentagem das receitas brutas desta Companhia que estas
linhas vão aumentar, se dignará dar pronta e rápida aprovação a estes projetos apresentados em
conformidade com os nossos contratos. A execução das novas linhas vai por cobro ao atual estado de
coisas que desde há muito trás estes importantes e populosos bairros privados dos benefícios da tração
elétrica, e com ele dá esta Companhia uma prova evidente que deseja bem servir o público, e resolve o
problema da tração elétrica naqueles bairros, independentemente da sempre prometida e nunca efetuada
construção da linha dos Ascensores Mecânicos pela rua da Estrela e rua dos Bem-casados”, in idem, 1
de agosto de 1904.
363
Cf. Archivo, 23 de julho de 1904.
364
Idem, ibidem.
365
Cf. ACCFL, Carreiras e Linhas, op. cit.
366
Projeto aprovado após uma longa discussão camarária sobre os direitos de exploração entre a CCFL e
a NCAML, uma vez que pelo contrato celebrado a 18 de abril de 1888 entre a CML e a NCAML, cabia à
última a construção e exploração dos troços em questão. Cf. Archivo, 28 de janeiro e 23 de julho de 1904.
367
Cf. ACCFL, Carreiras e Linhas, op. cit.
368
Gazeta dos Caminhos-de-Ferro de Portugal e Espanha, 1 de fevereiro de 1905.
Esta carreira entrou ao serviço na sua extensão máxima a 2/6//1905.
369
Cf. ACCFL, Carreiras e Linhas, op. cit.
370
A NCAML, tentando combater a concorrência feroz da CCFL, criou um serviço de bilhetes de
correspondência para os elevadores da Glória, Chiado e Carmo, ao preço de 50 réis. Cf. AHML/AH,
Sessões, 25 de maio de 1905.
371
Após a tomada de posição acionista da LETL na NCAML, a CCFL tentou suprimir esta carreira, não
sendo autorizado pela CML. Esta discussão subsistiu até setembro de 1921, ano em “que por falta de
material” deixou de circular. Cf. ACCFL, Carreiras e Linhas, op. cit.
81
carreira de circulação S. Bento – Alecrim – S. Bento (10/9/1902)372. Por fim, a 1 de
outubro de 1906 a CCFL adquire, por arrendamento, a exploração373 do elevador do
Carmo374 que em conjunto com a recém-formada carreira do largo do Carmo – São
Roque/Príncipe Real (10/11/1906)375, prolongada a Campolide no ano seguinte
(2/11/1907)376.
372
Cf. Idem, ibidem.
373
As negociações para a transferência da gestão da empresa Elevador do Carmo tiveram início em
janeiro de 1906, tendo o processo de compra do elevador do Carmo terminado, apenas, em 1938 com a
passagem de todo o material para a CCFL. Cf. ACCFL, Monografia Elevador do Carmo, 00-E-3842 e cf.
Gazeta dos Caminhos-de-Ferro de Portugal e Espanha, 16 de janeiro de 1906.
374
Cf. AHML/AH, Sessões, 27 de dezembro de 1906. Como resultado desta deste arrendamento, todos os
carros da CCFL que funcionaram “entre o Terreiro do Paço e a rua das Pretas ou vice-versa, [vendiam]
bilhetes de correspondência para o dito elevador a 30 réis e no elevador bilhetes para aqueles pontos por
igual preço”. Idem, 20 setembro de 1906.
375
Cf. Gazeta dos Caminhos-de-Ferro de Portugal e Espanha, 16 de novembro de 1906.
376
Cf. ACCFL, Carreiras e Linhas, op. cit.
377
Apresentado à CML, foi aprovado na sessão de 10 de novembro de 1904 (cf. Archivo, 10 de novembro
de 1904). Este projeto sofreria uma variante (aprovado em sessão camarária de 26 de janeiro de 1905. Cf.
AHML/AH, Sessões, 26 de janeiro de 1905), que consistiu no assentamento de linha entre a travessa de
São Tomé e o largo de São Vicente, pela rua das Escolas Gerais e Calçada de São Vicente, ainda em
funcionamento. Cf. ACCFL, Carreiras e Linhas, op. cit.
378
Cf. Archivo, 10 de novembro de 1904.
379
Cf. Linhas…, op. cit.
380
Projeto entregue para apreciação camarária em janeiro de 1902. Cf. ACCFL, Livro do Copiador de
Correspondência Expedida. Diversos. De agosto de 1901 a julho de 1902, 83-E-034.
381
Pela rua Barata Salgueiro em 20/12/1905, e por São Lázaro a 17/7/1906. Cf. ACCFL, Carreiras e
Linhas, op. cit.
382
Cf. Sande e Castro, op. cit., p. 120.
383
Não há registos oficiais, pelo que a será a data provável de entrada em circulação.
82
em circulação até dezembro de 1914 sendo, então, repartida em duas384 devido aos
constantes problemas que as cargas e descargas na zona provocavam na circulação dos
elétricos385. Na sua fase inicial, tudo indica que circularia apenas até ao Rossio (via Sé)
e, depois da instalação de linhas que uniam a “avenida da Liberdade com a linha já
existente na rua Gomes Freire, pelas ruas de Santa Marta e Conde Redondo”386, por S.
Tomé; rua da Conceição; Desterro; rua Gomes Freire; Santa Marta; Rossio; Santo
António da Sé, retornando ao largo dos Quatro Caminhos servindo os bairros Andrade,
América e as áreas populares do Castelo, Alfama, Mouraria e Graça.
384
Graça – Rossio e vice-versa, e Terreiro do Paço – Gomes Freire com carros a subir São Lázaro e
outros a circular pela Avenida. Cf. ACCFL, Carreiras e Linhas, op. cit. e Gazeta dos Caminhos-de-
Ferro de Portugal e Espanha, 31 de dezembro de 1914.
385
Cf. “Oficio de 18 de dezembro de 1914”, in CCFL, Copiador de cartas – Correspondência com a
CML, nº 4. De 3-7-1914 a 27-10-1919, 96-E-35.
386
Gazeta dos Caminhos-de-Ferro de Portugal e Espanha, 1 de janeiro de 1906.
387
Veja-se o Gráfico 2 desta tese.
388
Em 1908, a CCFL explorava 107,998km de linha. Veja-se o Quadro 6 desta tese.
389
António Lopes Vieira alega que em 1905 a “tração animal aplicada aos transportes públicos de
passageiros em Lisboa [tinha] desaparecido completamente” (A. L. Vieira, op. cit., p. 207). Contudo, tal
não nos parece correto; primeiro porque a CCFL, até bastante tarde, continuou a dispor de animais para
carros sem motor chegando, inclusive, a criar um prémio para “os carroceiros com melhores provas
apresentarem do bom tratamento dado aos animais de que são condutores”, em 1912 (ACCFL, “Ofício
de 5 de setembro de 1912”, in Copiador de cartas – correspondência com a CML, nº 3. De 19-8-1910 a
3-7-1914, 96-E-350); em segundo, porque a empresa Lusitana reiniciou a exploração do transporte
público a tração animal em 1907 (a proposta de concessão foi defendida em sessão camarária por
Pinheiro Chagas em 14 de agosto de 1907), no mesmo ano foi apresentada à CML um requerimento pelos
“negociantes” Alfredo Meneres, Manuel Joaquim Alves Dinis, Francisco de Almeida Grandella e Luís
Diogo da Silva, pedindo monopólio da tração animal por 75 anos, (cf. Sessões, 29 de maio de 1907) e, por
fim, em 1921 a CML volta a publicar uma postura a regular as taxas anuais a aplicar carruagens puxadas
por animais, significando que o modelo de transporte era visto como uma alternativa de valor ao elétrico.
Cf. Código de Posturas do Município de Lisboa de 30 de dezembro de 1886. Atualizado em harmonia
com as posturas municipais posteriormente publicadas, Lisboa, Tipografia da Empresa Nacional de
publicidade, 1929, pp. 91-92.
390
Em 1906/1907 decorreram movimentações para a formação de uma “grande cooperativa de viação na
cidade de Lisboa” que se propunha “estabelecer carreiras por toda a capital, com a inovação de só
poderem transitar nestes automóveis os sócios que têm de apresentar aos respetivos condutores bilhetes
de identidade mencionando-se já os preços de réis 10 para o serviço entre o largo das Duas Igrejas e o
Rossio, e em automóveis para 10, 20 e até 36 passageiros de lotação” o que valeu vários protestos por
parte da direção da CCFL uma vez que colocava em causa “a condição 7ª do contrato de 1898 e que,
portanto, não lhe pode ser concedida a concessão ou licença para o serviço que se pretende, ou melhor,
se diz pretender explorar”. Cf. “Ofício de 9 de agosto de 1906, para o Presidente da Câmara Municipal de
Lisboa”, in ACCFL, caixa nº 1, 86-E-460.
83
capital em 1908, acarretaria uma nova forma de ver a cidade e traria um avolumar de
problemas, onde a instabilidade nas relações com os órgãos administrativos da CCFL
foi permanente. Apesar do forte investimento e da utilidade para o público que a tração
elétrica implicou, o futuro da CCFL, e sobretudo da LETL como sua concessionária,
chegou mesmo a estar em jogo, na medida em que várias composições camarárias
tentaram coartar a sua área de operação ou impedirem a sua expansão apontando,
especialmente, aos convénios, tendencialmente monopolizadores, efetuados com a CML
a origem dos problemas. Estes e outros assuntos serão abordados nas próximas páginas
desta tese.
391
Sobre este tema veja-se, entre outros, Fernando Catroga, op. cit. e Ernesto Castro Leal (coord.),
Manifestos, Estatutos e Programas republicanos portugueses: 1873-1926. Antologia, Lisboa, Imprensa
Nacional-Casa da Moeda, 2014.
84
iniciado após o regicídio de 1 de fevereiro de 1908392, mais do que em que condições a
mesma se produziu393. Evidentemente, este modelo teórico ganha um desdobramento
fundamental do Estado liberal e as formas de participação popular na dinâmica política,
e, por outro lado, investiga a configuração de poder do Estado na sua relação com os
agentes económicos e autoridades que as preconizam394.
Para Charles Tilly, de outra maneira, uma definição mais genérica de revolução
– por oposição a uma mais restrita, em que o evento revolucionário concordaria com a
ideia de raridade, porque apenas era possível em condições excecionais395 – tem a
vantagem de levantar interrogações como, por exemplo, de que modo se narram as
alterações gerais na organização dos Estados com a revolução396. O ponto de partida é,
pois, a perceção de que é necessária uma observação metódica e fundamentada
historicamente, que relacione os processos revolucionários (distinguindo-os do ponto de
vista da situação e do resultado397) com o modo de formação do Estado e com a
contestação política398. Assim, afigura-se como certo que os processos sociais no meio
envolvente do Estado afetam a perspetiva e o carácter da revolução, de forma indireta e
de três maneiras399: primeiro, porque os processos sociais são responsáveis pela
definição da estrutura do Estado, condicionando a sua relação com a população que lhe
está sujeita400; segundo, porque os processos sociais determinam os atores da
comunidade e a sua predisposição para o combate político; e, em conclusão, porque os
processos sociais influenciam as pressões exercidas sobre os órgãos do Estado401.
Nestes contextos, as revoluções estão sempre dependentes da geografia (relação cidade-
campo) e da situação social e económica das populações que tendem a apoiar ou a
reprimir o ato.
392
Cf. Rui Ramos, “Sobre o carácter revolucionário…”, op. cit., p. 42 e ss.
393
Cf. Diego Palácios Cerezales, Estranhos corpos políticos: protesto e mobilização no Portugal do
século XIX, Barreiro, Unipop, 2014, pp. 9-12.
394
Idem, ibidem.
395
Cf. Hannah Arendt, Da Revolução, Brasília, Editora Ática, 1988.
396
Cf. Charles Tilly, As Revoluções Europeias, 1492-1992, Lisboa, Editorial Presença, 1996, pp. 24-25.
397
Cf. Diego Palácios Cerezales, op. cit., pp. 31-38.
398
Cf. Idem, p. 25.
399
Cf. Charles Tilly, op. cit., p. 27.
400
Idem, ibidem.
401
Idem, ibidem.
85
de vereadores402 na cidade de Lisboa403. De facto, os próprios republicanos tinham
consciência da singular oportunidade404 uma vez que podiam mostrar “o que “valiam”
no microcosmo autárquico, na administração da Res pública, introduzindo na gerência
da câmara padrões de competência e dinamismo que fizessem esquecer as vereações
anteriores e provassem a superioridade do ideal republicano”, ou seja, “o ensaio, na
capital, de um projeto político de governo de âmbito claramente nacional”405. Nesse
sentido, as negociações com a CCFL seriam por um lado uma prova de fogo para
asseverar da sua própria força política com vista à renegociação dos contratos em
vigência406 por forma a impedir a continuação de um odiado monopólio na área dos
transportes407 e, por outro, num quadro nacional, davam mostras à opinião pública da
opção estratégica de liberalização da economia408. Assim, se após a implantação da
República não decorreu uma alteração das políticas económicas herdadas dos governos
monárquicos409 havendo apenas medidas específicas sobre o papel do Estado na
economia, o mesmo não se poderá dizer da política camarária em relação aos
transportes na cidade e sobre quem detinha o direito de definir a concessão.
402
Sobre a composição das vereações da CML, ainda que globalmente a obra apresente algumas falhas,
veja-se, Maria do Rosário Santos; Inês Morais Viegas (coord.), A Evolução Municipal de Lisboa:
Pelouros e Vereações, Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa. Imprensa Municipal, 1996.
403
O PRP concorreu às eleições da autarquia lisboeta tendo apenas o Partido Socialista (PS) como
opositor. Sobre este assunto veja-se, Eunice Relvas, op. cit., p. 40 e ss.
404
Para além de Lisboa, o PRP saiu vitorioso em várias localidades da Margem Sul do Tejo passando a
ter doze câmaras municipais e larga representação em mais 21 autarquias. Cf. Maria Alice Samara, As
Repúblicas da República. História, Cultura Política e Republicanismo, Dissertação de Doutoramento
apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 2010, pp. 264-
266.
405
Cf. Ana Cristina Leite, “Lisboa elege a sua primeira vereação republicana”, in À urna pela lista
republicana de Lisboa, op. cit., p. 58. Neste sentido vai, igualmente, Maria Alice Samara, op. cit., pp.
264-266.
406
Como ficou bem patente, mais tarde, no discurso do deputado Alfredo Ladeira na Assembleia
Constituinte. Cf. Diário da Assembleia Constituinte, 23 de junho de 1911.
407
Contudo, os republicanos nunca propuseram um modelo económico diferente daquele que a
Monarquia Liberal desenhou havendo um discurso do período da propaganda que se distingue da prática,
após a chegada ao poder. Cf. Amadeu Carvalho Homem, A ideia republicana em Portugal. O contributo
de Teófilo Braga, Coimbra, Minerva História, 1988, p. 254.
408
Cf. Amadeu Carvalho Homem, op. cit., p. 253. Neste campo veja-se, igualmente, Ana Paula Pires,
Portugal e a I Guerra Mundial…, op. cit., p. 27.
409
Cf. Ana Paula Pires, Portugal e a I Guerra Mundial…, op. cit., p. 28.
410
Cf. Sessões, 3 de dezembro de 1908.
86
primeiros dias após a sua eleição, a CML notificou a CCFL da intenção da derrogação
do contrato de 1892411 e com ele, todas as cláusulas que tornavam excessivamente
onerosa412 a exploração do transporte413, propondo-se a formação de uma comissão de
vereadores414 com vista à revisão e “unificação” dos contratos de 10 de abril de 1888,
27 de junho de 1892, 5 de junho de 1897 e 16 de agosto de 1898, estabelecendo-se, para
o efeito, as seguintes premissas de negociação:
411
A vigência do contrato estava definida por, somente, 15 anos até 27 de junho de 1907, sendo
prorrogado pela CML em sessão de 29 de maio de 1907, sete dias antes da sua dissolução (cf. Sessões, 29
de maio de 1907). Em resposta à derrogação do contrato, a CCFL, aumentou de imediato as tarifas das
carreiras do Serviço Central da cidade, onde se incluíam os trajetos da NCAML. Cf. Sessões, 7 de janeiro
de 1909.
412
Referimo-nos à condição 1ª que obrigava aos detentores de empresas de viação para a exploração do
transporte que não usufruíssem de “contrato especial com a CML”, ao pagamento de uma taxa no valor
de 500$000 réis por cada carro. Cf. ACCFL, Contratos, 1892, condição 1ª.
413
Impondo-se, agora, uma taxa de 25$000 por viatura, numa primeira fase (cf. Sessões, 10 de dezembro
de 1908) alterando-se para 50$00 em 1909 (cf. Sessões, 28 de janeiro de 1909). Contudo, até ao 5 de
outubro de 1910, a decisão não iria passar pelo crivo do Governo, ficando todas as taxas em vigor. Cf.
Sessões, 11 de março de 1909.
414
Comissão composta pelos vereadores Augusto Vieira da Silva, Cunha e Costa e Carlos Alves.
415
Cf. Sessões, 17 de dezembro de 1908.
87
(garantindo-se o apoio do operariado da Companhia417), assegurando a Comissão de
Vereadores que “um acordo entre nós terá de realizar-se em poucos dias ou não se
realizará nunca. Esta Câmara não pode sancionar um mau contrato. Ela não
comprometerá a viação na cidade e só neste poderão ser conduzidas as nossas
negociações. Todas as alegações da Câmara representam fielmente a economia e
admissão de absoluta intransigência e a repressão absoluta da verdade”418.
Nesse sentido, para não hostilizar a Companhia, foi entendido que lhe caberia a
apresentação de uma proposta de contrato, que acabou por ser entregue nos primeiros
dias de 1909419, onde constavam, sumariamente, todas as premissas anteriores que
garantiam o monopólio de exploração à Carris, como a exigência sobre “o exclusivo de
toda a área presente e futura da cidade de Lisboa” e a extensão do contrato por mais
vinte anos para além dos 99 estipulados na condição 1ª em 1888. Em troca destas
pretensões, que representavam a concretização do monopólio por 119 anos de toda a
viação na cidade sobre a via pública, a CCFL propunha meramente o pagamento dos
direitos adquiridos pela CML pelos contratos de 10 de abril de 1888 e 16 de agosto de
1898, correspondendo a “um rendimento mínimo e anual de 80 contos de réis, dos quais
há que deduzir 12 contos de réis para conservação do pavimento das ruas; a
participação desta câmara nas receitas brutas da Companhia Carris de Ferro, à razão
de 4% até 700 contos e de 8% sobre todos os excessos desta quantia; a redução de 20%
em 200 bilhetes de assinatura destinados exclusivamente a empregados municipais”.
Como seria de esperar, a proposta foi alvo da mais forte censura camarária, uma vez
que, na ótica da vereação, o projeto não satisfazia nenhuma das “reclamações da
opinião pública”420 que, em síntese, exigiam a redução do tarifário e aumento e
extensão da oferta.
416
A direção da CCFL era composta por vários elementos do mundo dos negócios, sendo um deles o
conhecido industrial e ex-deputado “franquista” Alfredo da Silva. Cf. Paulo Jorge Fernandes, “Da
República ao Sidonismo”, in Alfredo da Silva. Biografia, (coord. Miguel Figueira de Faria), Lisboa,
Editora Bertrand, 2004, p. 141.
417
Cf. Ana Paula Pires, Portugal a e I Guerra Mundial…, op. cit., p. 30.
418
Sessões, 24 de dezembro de 1909.
419
Idem, 7 de janeiro de 1909.
420
Idem, ibidem.
88
inerentes à manutenção dos arruamentos por onde estavam assentes os carris421.
Decretada, de forma unilateral, a caducidade do contrato de 1892, – que obrigava a
Companhia Carris a dispor de um conjunto de carreiras e viagens obrigatórias422 para
vários pontos da cidade423, – a CCFL prosseguiu com a reorganização do serviço que
havia começado após a aquisição de parte do capital da NCAML em 1908, deixando
antever um futuro atribulado. Num ofício destinado à edilidade camarária, Alfredo da
Silva e William Clark, na altura o representante inglês LETL em Portugal, justificavam
o procedimento remetendo para a própria Companhia o direito de estruturar a sua rede
alegando, para o efeito, que quanto às “tarifas e horários das linhas concedidas pelo
contrato de 1898” dizia respeito, “nenhuma disposição existe sobre este assunto e
nenhuma condição deste contrato mandava aplicar às linhas concedidas por ele as
disposições do contrato de 1888”424.
421
O contrato de 1892 atribuía à CCFL a obrigatoriedade de um pagamento anual de 12.000$000 de réis
para a conservação do pavimento (Cf. ACCFL, Contratos, 1892, condição 4ª). A caducidade deste
contrato, levava a que se aplicassem as taxas em vigor, segundo as condições 22ª; 23ª; 24ª e 25ª do
contrato de 1888.
422
Cf. ACCFL, Contratos, 1892, condição 7ª.
423
Consulte-se o Quadro 3 desta tese
424
Sessões, 11 de fevereiro de 1909.
425
O vereador Miranda do Vale, relator do parecer da Comissão responsável pelo estudo dos serviços de
transporte em comum, referiu que interessava a ambas as partes “negociar todos os acordos a que se
referem os contratos, começando pelos que são obrigatórios e terminando pelos facultativos”, in Sessões,
14 de outubro de 1909.
426
Disso deu conta o vereador republicano Cunha e Costa referindo que não “existia questão alguma
entre a Câmara e a CCFL, mas sim entre a CML e Alfredo da Silva, que tanto contribuiu para irritar a
questão, e o mesmo sucede com a estação tutelar com o sr. Artur Fevereiro [Secretário de Estado dos
Negócios do Reino, cf. Câmara dos Senhores Deputados da Nação Portuguesa, nº 31, 18-05-1909
(doravante citado como DCSDNP)] a única estação tutelar conhecida desde que se fundou a CCFL”.
Sessões, 23 de junho de 1909.
427
De facto, o Código Administrativo de 1895-1896, então em vigor, previa direito de veto
governamental sobre decisões das vereações camarárias em matérias de fazenda e segurança. Sobre este
assunto veja-se, João B. Serra, “As reformas da administração local”, in Análise Social, vol. XXIV, nº
89
3.1 A CCFL na Primeira República
103-104, 1988, p. 1057; Fernando Farelo Lopes, Poder Político e Caciquismo na 1ª República
Portuguesa, Lisboa, Editora Estampa, 1993, p. 99 e Jorge Fernandes Alves, “Primeira República, poder
local e a saga parlamentar para um novo Código Administrativo”, in Revista da Faculdade de Letras.
História, III Série, vol. 11, Porto, pp. 33-61.
428
Cf. Sessões, 7 de abril de 1909.
429
Cf. Fernando Martins, “O 5 de outubro: Anatomia, Natureza e Significado de uma Revolução”, in
outubro: A Revolução Republicana em Portugal (1910-1926), (org. Luciano Amaral), Lisboa, Edições 70,
2011, pp. 93-96.
430
Cf. Rui Ramos (coord.), História de Portugal, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2009, p. 577.
431
CCFL,” Oficio de 20 de janeiro de 1911”, Copiador de cartas – Correspondência com a CML, nº 3.
De 19-8-1910 a 3-7-1914, 96-E-350.
432
Concretizada em 1914 num contrato que, apesar de amplamente discutido, foi reprovado pelo Senado
Municipal. Cf. BNP, Parecer da comissão do estudo do projeto de contrato entre a Câmara Municipal de
Lisboa, a Companhia Carris de Ferro de Lisboa e a Nova Companhia dos Ascensores Mecânicos de
Lisboa, Lisboa, 1914 e Gazeta dos Caminhos-de-Ferro de Portugal e Espanha, 1 de fevereiro de 1914.
433
Projeto aprovado a 19 de maio do mesmo ano. Contudo, para a aprovação ter efeito a vereação
presidida por Anselmo Braamcamp Freire, obrigou a NCAML à celebração de um novo contrato entre as
partes sendo concluído a 31 de dezembro de 1912 e que, entre outros pontos, obrigava à conclusão das
obras num prazo de dois anos. Cf. Sessões, 15 de fevereiro de 1912 e 3 de outubro de 1912.
90
itinerário Sete Rios – Carnide, interrompido anos antes434 (e que a Carris tentou adiar,
sine die, por se achar pouco lucrativa435);
434
Cf. Idem, 16 de fevereiro de 1911.
435
ACCFL, “Oficio de 20 de abril de 1910”, in ACCFL, Copiador de Cartas – Correspondência com a
CML, nº2. De 1906 a 18-8-1910, 86-G-349.
436
Como “pessoal do movimento” entendia-se “não só o que trabalha na condução dos carros como
aqueles cujos serviços são indispensáveis para a regularidade e segurança da circulação, arrecadação
de receitas e limpeza dos veículos”. Assim o “pessoal do movimento” tinha direito a um dia de descanso
semanal (que podia ser retirado em face das necessidades” e de doze dias de férias remuneradas anuais, a
que se somavam três dias sem vencimento se o trabalhador o exigisse. Cf. ACCFL, “Ofício de 25 de
fevereiro de 1911”, in Copiador de cartas – Correspondência com a CML, nº 3. De 19-8-1910 a 3-7-
1914, 96-E-350.
437
Como apontou João Dias, os sindicatos das empresas ou organizações de classe como também eram
conhecidos, utilizavam maioritariamente a negociação coletiva e o uso da greve para reivindicações no
local de trabalho. Ora, é sabido que a Carris já dispunha de uma organização de classe desde o último
quartel do século XIX e as exigências pelas oito horas de serviço (“altura”) e tempos entre serviços (horas
de refeições) inferiores a duas horas, são pelos menos, anteriores a 1905. Curiosamente, estas exigências
continuam a ser atuais. Cf. João Dias, “A organização no trabalho”, in História Económica de Portugal,
1700-2000, vol. III, (org. Pedro Lains e Álvaro Ferreira da Silva), Lisboa, ICS, 2012, pp. 373-374.
438
Após a revolução, irromperam um conjunto de greves, mais ou menos violentas, levando a que a
Companhia revisse em alta os ordenados dos seus trabalhadores. Só a intervenção do então Ministro do
Interior António, José de Almeida, “um cavalheiro quem que a direção tem total confiança”, possibilitou
o fim da greve, (cf. ACCFL, Reports and Accounts of the Lisbon Electric Tramways, Limited, to be
presented at the Ordinary General Meeting of the Company, 1910, 84-D-441 (doravante citado como
Reports, seguido de ano respetivo). A sua intervenção, permitiu a publicação de uma Sentença Arbitral no
Diário do Governo, de 19 de novembro do mesmo ano, onde se estabeleciam as bases do acordo entre a
direção da Companhia e a sua classe representativa. Cf. Diário do Governo, I Série, nº 39, 19 de
novembro de 1910.
439
Cf. António José Telo, “A busca frustrada do desenvolvimento”, in Portugal Contemporâneo (1910-
1926), (dir. António Réis), vol. III, Lisboa, Alfa, 1990, p. 143.
440
Mas com antecedentes ao mês de março do mesmo ano. Veja-se o Quadro 5.
441
Para uma súmula das exigências do pessoal do “movimento” veja-se, O Século, 29 e 30 de maio de
1912. São de igual importância os livros de Atas das Sessões da CML. Cf. Sessões, 3 e 20 de junho de
1912.
91
movimento grevista desse ano442, saldando-se em várias dezenas de feridos e detidos,
após uma resolução ministerial ter colocado navios de guerra de prevenção no estuário
do Tejo ordenando, concomitantemente, o desembarque de 50 praças do corpo de
marinheiros que em conjunto com a Guarda Nacional Republicana ocuparam a estações
de Santo Amaro, de Santos, do Arco do Cego e a sede da Associação dos Empregados
da CCFL, situada na rua das Janelas Verdes443.
Mas este período não ficou, somente, marcado por um clima de forte
instabilidade social na Companhia Carris acompanhando, de resto, o universo do
operariado na cidade de Lisboa. A mudança de regime implicou a cisão definitiva entre
a CCFL e o seu pessoal, com o regresso da luta pela melhoria das condições de trabalho,
aumento de vencimentos, a luta pela jornada de 8 horas diárias e por direito a dias de
folga e férias. A República traria, igualmente, um crescimento anémico de novas linhas
de elétricos apesar dos inúmeros projetos apresentados à CML444, registando-se a
construção de apenas mais quatro quilómetros até 1916, não ultrapassando os cinco
quilómetros se contabilizarmos todo o período da guerra445. Ainda assim, a 28 de
outubro de 1912, num ofício dirigido à vereação lisboeta, a CCFL solicitava a
concessão de um serviço experimental de automóveis de passageiros na cidade de
Lisboa por forma a colmatar as “necessidades de viação” dos bairros de Carnide, Ajuda
e Alto do Pina446. Nesse sentido, a par de sete carreiras de operação sazonal, em
“excursões em automóvel”447 que ligariam o centro da cidade a locais tão distantes
como Sintra, Loures, Mafra, Caneças, Ericeira, Bucelas e Alenquer 448, a carreira de
serviço regular de autobus circulou, desde agosto de 1914449, no trajeto Sete Rios –
442
A direção da CCFL estimou que a greve tenha produzido um prejuízo financeiro na ordem das 20.000
libras, só em receitas de tráfego. Cf. ACCFL, Reports, 1912, 84-D-446.
443
Cf. Sessões, 22 de junho de 1912. Contudo, esta medida foi tomada após uma decisão da CML que
autorizou que veículos automóveis particulares substituíssem a CCFL no transporte público de
passageiros. Cf. Idem, 20 de junho de 1912.
444
Entre outros, veja-se Sessões, 19 de junho de 1913.
445
Cf. o Quadro 6 e Gráfico 7 desta monografia.
446
Cf. Sessões, 14 de novembro de 1912.
447
Cf. Idem, 16 de janeiro de 1913.
448
Percursos: 1ª – Lisboa, Sintra, Cascais, Lisboa; 2ª – Lisboa, Lumiar, Loures, Malveira, Mafra, Pero
Pinheiro, Sabugo, Belas, Lumiar; 3ª – Lisboa, Mafra, Sintra, Lisboa; 4ª – Lisboa, Caneças, Sabugo, Pero
Pinheiro, Pedra Furada, Lisboa; 5ª – Lisboa, Mafra, Ericeira, Sintra, lisboa; 6ª – Lisboa, Cabeço de
Montachique, Dois Portos, Sobral, Arruda, Bucelas, Lisboa; 7ª – Lisboa, Bucelas, Arruda, Alenquer,
Sobral, Loures, Lisboa. Preços, em escudos, por carreira respetivamente: 2$; 2$5; 2$5; 2$; 3$; 3$; 3$50.
Cf. “Ofício de 14 de dezembro de 1912”, Copiador de cartas – correspondência com a CML, nº 3. De 19-
8-1910 a 3-7-1914, 96-E-350.
449
E não em 1912 como adiantam Francisco Santana e António Pedro Vicente, “Do elétrico ao
autocarro”, in História da Companhia Carris de Ferro de Lisboa em Portugal (1901-1946), vol. II,
92
Carnide450, (circulando com intervalos “não superiores a 60 minutos e os preços: 50
réis (vice-versa)”451). O relativo sucesso com que as populações acolheram a novidade
levaram, menos de um mês depois, a CCFL a apresentar uma nova proposta de duas
novas carreiras de autocarros ligando o largo dos Jerónimos ao largo da Boa-Hora452 e o
Intendente ao Alto de S. João453. Era uma micro revolução no transporte urbano. A
redução do esforço de construção de novas linhas, durante a fase inicial da República,
levou à adoção de novas opções e só e os ventos de guerra vindos da Europa que
aceleradamente chegaram a Portugal, impediram a sua efetivação como serviço regular
levando a Companhia Carris a adiar os projetos, até 1944.
(coord. Manuela Mendonça), Lisboa, Companhia Carris de Ferro de Lisboa, S. A. e Academia Portuguesa
de História, 2006, p. 77.
450
Cf. Sessões, 4 de agosto de 1914.
451
Sendo reduzido a 40 réis durante 1914. ACCFL, “Ofício de 28 de outubro de 1912”, in Copiador de
cartas – correspondência com a CML, nº 3. De 19-8-1910 a 3-7-1914, 96-E-350.
452
Na primeira destas carreiras o itinerário foi, subida: Largo dos Jerónimos – Calçada do Galvão –
Travessa da Memória – Calçada da Ajuda – Travessa da Bica – Rua de D. vasco – Travessa da Boa-Hora
– Largo da Boa-Hora. Descida: Largo da Boa-Hora – Travessa da Boa-hora – Calçada da Ajuda –
Travessa da Memória – Calçada do Galvão – Largo dos Jerónimos. Percursos a “40 réis com intervalos
entre carreiras de 20 minutos às horas de movimento e de 60 minutos às horas de menor movimento”. Cf.
ACCFL, “Ofício de 7 de novembro de 1912”, in Copiador de cartas – correspondência com a CML, nº 3.
De 19-8-1910 a 3-7-1914, 96-E-350.
453
Percurso: Largo do Intendente –avenida Almirante Réis – rua Morais Soares – rua Sabino de Souza –
rua Barão Sabrosa – rua Morais Soares – Alto de S. João. Descida: Alto de S. João – rua Morais Soares –
avenida Almirante Réis – largo do Intendente. Percursos a 50 réis com intervalos de 40 minutos entre
carros. Cf. Idem, ibidem.
454
ACCFL, Carreiras e Linhas…, op. cit.
455
Cf. ACCFL, Linhas, Elementos…, op. cit.
456
Cf. José-Augusto França, Lisboa, História…, op. cit., p. 655.
93
tornando a ligação mais rápida por via do menor número de paragens a efetuar,
suprimindo-se a venda de bilhetes para as três primeiras zonas das carreiras 457. Muito
pouco, por comparação aos anos de maior expansão.
457
Cf. Gazeta dos Caminhos-de-Ferro de Portugal e Espanha, 1 de junho de 1918.
458
Ana Paula Pires, Portugal e a I Guerra Mundial…, op. cit., p. 187.
459
Apesar de algumas medidas esporádicas como a criação dos Armazéns Gerais Industriais e da
Comissão das Subsistências pelos Decretos nº 766 e 767, publicados no Diário do Governo, I Série, nº
145 de 18 de agosto de 1914, e da Junta Reguladora da Situação Cambial pelo Decreto nº 886, Diário do
Governo, I Série, nº 173 de 24 de setembro de 1914.
460
Recordamos que, em 1913, o volume de importações portuguesas cifrou-se na ordem dos 26,40% da
Inglaterra, 17,80% da Alemanha e 11,12% dos Estados Unidos da América sobre o total das importações.
Cf. Ana Paula Pires, “A economia…”, op. cit., p. 324.
461
Ana Paula Pires, “A economia de guerra: a frente interna”, in História da Primeira República
Portuguesa, (coord. Fernando Rosas e Maria Fernanda Rollo), Lisboa, Tinta da China, 2010, p. 321.
94
passageiros transportados devido à extinção de empresas concorrentes462. Contudo, o
aumento é ilusório uma vez que, os números não representam os efeitos da inflação463 –
provocada pelo aumento da circulação fiduciária como forma a sustentar o esforço de
guerra464, do açambarcamento e da aquisição no mercado negro de produtos de primeira
necessidade,465 – nem da desvalorização cambial do escudo face à libra esterlina466 –
levando a um agravamento do índice oficial do custo de vida467 – produziram na
sociedade portuguesa e nos resultados da operação na CCFL em particular.
462
As consequências da guerra foram fatais para a empresa Eduardo Jorge. Cf. Sessões, 26 de dezembro
de 1917.
463
Vejam-se as mesmas conclusões para as importações. Cf. António José Telo, “A busca frustrada do
desenvolvimento”, in op. cit., p. 144.
464
Cf. A. H. Oliveira Marques e Maria Fernanda Rollo, “Finanças Públicas”, in Nova História de
Portugal. Da Monarquia para a República, (coord. A. H. Oliveira Marques), vol. XI, Lisboa, Editorial
Presença, 1991, p. 240 e ss. em particular as pp. 264-271.
465
Cf. Nuno Valério, As finanças publicas portuguesas entre as duas guerras mundiais, Lisboa, Edições
Cosmos, 1994, p. 458.
466
Cf. Idem (coord.), Estatísticas Históricas Portuguesas, vol. II, Lisboa, INE, 2001, p. 737.
467
Cf. Ana Bela Nunes e Nuno Valério, “Moeda e bancos”, in História Económica de Portugal, 1700-
2000, vol. III, (org. Pedro Lains e Álvaro Ferreira da Silva), Lisboa, ICS, 2012, pp. 228 e 256.
468
Como por exemplo o Decreto-lei nº 4056, de 6 de abril de 1918 onde se criava um adicional de 50%
sobre parte do Imposto de Selo sobre as tarifas vendidas “enquanto durasse o Estado de Guerra”,
alargado pelo Decreto-lei nº 4213, de 25 de abril de 1918 obtendo-se assim alterações das Pautas
Aduaneiras sob produtos importados. Este Imposto de Selo viria a sofrer um novo aumento pelo Decreto
nº 7772, de 3 de novembro de 1921.
469
Gazeta dos Caminhos-de-Ferro de Portugal e Espanha, 1 de fevereiro de 1915.
470
O ascensor da Glória retomou o serviço em 3/9/1915; do Lavra em 5/12/15; da Bica, apenas, em
2/6/1927 após longos anos de reparações. Cf. ACCFL, Carreiras e Linhas…, op. cit.
95
Companhias Reunidas de Gás e Eletricidade a cortar para metade a iluminação a gás nas
ruas da cidade e suprimindo o fornecimento nas vias de pouco movimento471.
Nesse sentido, a Carris foi impelida pelo Governador Civil de Lisboa a cumprir
o Decreto-lei nº 2.922 de 30 de dezembro de 1916, onde se proibia a circulação de
viaturas de tração elétrica472 a partir das 23 horas473 como forma de poupança de carvão
(que, a conta gotas chegava a Lisboa e já vinha faltando desde finais de 1916474 por
incapacidade da incipiente “marinha mercante”475 portuguesa476) o que implicou a
supressão de “algumas carreiras, que pelo pequeno rendimento que dão, mostram não
ser de absoluta necessidade para o publico”, como foram o caso dos trajetos “de
Caminho de Ferro para Intendente e Areeiro, e do Lavra para o Jardim Zoológico”477.
Para além disto, o carvão que a Companhia tinha como excedente, foi empregado no
“auxílio” prestado às Companhias Reunidas do Gás e Eletricidade aquando da avaria em
uma das suas turbinas geradoras, uma vez que dispunha “de material de reforço,
normalmente em repouso, cujo aproveitamento para iluminação seria amplamente
justificado”478. Não é, pois, estranho que quando as dificuldades de abastecimento se
acentuaram e o custo do combustível, por via da sua escassez, teve um aumento
galopante, a CCFL teve que encontrar linhas de crédito com vista a suprir as suas
necessidades urgentes e encarecer o preço das suas tarifas e dos seus passes individuais.
471
Cf. Jornal do Comércio, 6 de agosto de 1914.
472
Cf. Diário do Governo, nº 257, Decreto-lei nº 2922, de 30 de dezembro de 1916, art.º 5º.
473
Cf. Gazeta dos Caminhos de Ferro de Portugal e Espanha, 1 de abril de 1917.
474
A Companhia foi mesmo obrigada pelas autoridades do Porto de Lisboa, onde tinha guardadas as suas
reservas, a usar ou a mudar de local o stock excedente sob pena de confisco o que aconteceu em finais de
1916 para um terreno “entre a rua 24 de julho e a vedação da linha férrea de Cascais”. Cf. Sessões, 23
de novembro de 1916 e CCFL, “Ofício de 9 de janeiro de 1917”, in Copiador de Cartas –
Correspondência com a CML, nº 4. De 3-7-1914 a 11-7-1917, 96-E-35.
475
Entre 1913 e 1918, as importações portuguesas desceram para 1/5 da situação pré-guerra, com especial
dificuldade durante o biénio 1916-1917. Cf. José António Telo, A Primeira República: como…, op. cit.,
p. 95.
476
Cf. Ana Paula Pires, Portugal e a I Guerra Mundial…, op. cit., p. 65. Nesse sentido veja-se, também,
António José Telo, “A busca frustrada do desenvolvimento”, in Portugal contemporâneo (1910-1926),
(dir. António Réis), vol. III, Lisboa, Alfa, 1990, p. 144.
477
CCFL, “Ofício de 23 de março de 1917”, in Copiador de cartas – Correspondência com a CML, nº 4.
De 3-7-1914 a 11-7-1917, 96-E-35.
478
Sessões, 30 de novembro de 1916.
479
Cf. Idem, 26 de dezembro de 1917.
480
DCSDNP, nº 123, 18/8/1917.
96
assinado o tratado de paz, todo o aumento de preços de tarifas ou assinatura para o
transporte de passageiros e carga nos carros de viação geral distrital ou municipal”481,
– a operacionalidade dos equipamentos e a possibilidade de manutenção da oferta; numa
segunda fase, isto é, no período pós Grande Guerra, consistiu, sobretudo, na
manutenção da paz social interna onde o operariado, não poucas vezes, conseguiu
aumentos substanciais de ordenado e melhorias nas condições internas de serviço e de
auxílio na reforma e na doença que, como é conhecido, tinha afetado Lisboa
provocando milhares de mortos482, à custa do encarecimento dos títulos de transporte
em vários momentos ao longo do ano civil. Até 1925, ano da primeira redução de
tarifas, por diversas vezes a CCFL teve em convulsão interna acompanhando o
panorama político nacional. Será esse o período a seguir dissecado.
481
Diário do Governo, I Série, nº 106, Lei nº 715, de 30 de junho de 1917, artigo 1º.
Contudo esta lei era no mínimo ambígua, uma vez que no artigo 3ª declarava-se a suspensão “durante o
prazo fixado no artigo 1º, somente no tocante ao pagamento de tarifas, suspensão ou supressão de
bilhetes, os contratos existentes entre o Estado, os corpos administrativos e as sociedades ou empresas,
singulares ou coletivas, exploradoras de serviços de transporte”. Ou seja, impedia-se o aumento das
tarifas de bordo permitindo-se, por omissão, a subida de preços dos bilhetes anuais e semestrais.
482
Cf. Maria da Conceição Tiago, “Bairros sociais da I República: projetos e realizações”, in Ler
História, nº 59, 2010, p. 251.
97
forma, a vida política e económica do país adotivo. Conquanto, neste momento, parece-
nos oportuno afirmar que a produção historiográfica, anteriormente elencada, sobre este
tema particular nunca geraram uma explicação definitiva sobre seguintes questões: o
que motivou o recrudescimento do movimento grevista na Carris a seguir à guerra
quando as dificuldades de ordem económica e financeira são anteriores? Teria a
administração da Companhia interesse particular nessa matéria? Ou então, de que forma
e porque razões aconteceram? Foram as condições económico-financeiras do país o
fundamento primeiro para instabilidade interna? Foram os trabalhadores da Companhia
usados como arma social, económica e financeira? Como, e por quem e em que
situações? Não sendo nosso interesse fechar a investigação sobre a matéria, ainda numa
fase embrionária e que deverá ser explorada num patamar de investigação posterior
procuraremos, ainda assim, chegar a algumas conclusões prévias que nos sirvam de base
futura.
483
A proposta sobre o primeiro aumento dos bilhetes foi concluída em dezembro de 1917, com a
aprovação da atualização dos “preços das suas tarifas de assinatura a 70$00 anuais e a 40$00
semestrais, até 6 meses depois de assinado o contrato de paz”, indexando-se o aumento à reposição das
“carreiras de carros do povo, que suprimiu nas linhas do Caminho de Ferro, Intendente, Belém e
Almirante Réis, a preços anteriores” (cf. Sessões, 26 de dezembro de 1917). Ainda assim, a
obrigatoriedade da reposição de carreiras de preços reduzidos fora de uma janela temporal previsível fez
com que a CCFL rejeitasse “a proposta votada pela CML a parte em que se defere além do requerido,
marcando-se preços de tarifas de bilhetes de assinatura para um período de tempo além de 1918, para o
qual ninguém pode prever as condições da exploração ou o poder liberatório da nossa moeda, e ainda
clausulando a aprovação de preço dada com o restabelecimento de certas carreiras extraordinárias de
carácter temporário”. Cf. ACCFL, “Ofício de 29 de dezembro de 1917”, in Copiador de Cartas –
Correspondência com a CML, nº 5. De 11-7-1917 a 27-10-1919, 86-E-352.
484
Durante os meses de janeiro e fevereiro de 1918, foram várias as greves em Lisboa com especial
destaque para os setores da estiva, manutenção naval, tabacos, construtores de carruagens, caixoteiros,
latoeiros e trabalhadores das Companhias Reunidas de Gás e Eletricidade.
485
Cf. Sessões, 24 de janeiro de 1918.
486
Carros ordinários por zona: $03; $04; $05; $06; $07; $08, e $09. Carros do povo: $01; $02; $03; $04;
$05 e $06. Bilhetes de correspondência: $05. Tarifa Algés – Dafundo: $03. Bilhetes de assinatura: ano –
50$00; semestre – 35$00. Bilhetes de $09 eram vendidos aos domingos em determinadas carreiras. Cf.
ACCFL, “Nota resumida das tarifas e diversas alterações havidas, 1914 a 1959”, in Assuntos diversos
para consulta frequente, 86-E-1080.
98
de apoio, levou a direção da Companhia, em particular Alfredo da Silva, a radicalizar a
sua ação em duas frentes: em primeiro lugar, depois de tentar a revisão ou abolição da
Lei487, instrumentalizou a Associação de Classe488 “preparando novas greves, novas
exigências do seu pessoal e novas pressões” durante o primeiro terço de 1918489 e, num
segundo momento, ao nível de governo e presidência, onde o “ferrenho sidonista”490
Alfredo da Silva, exerceu influência política na Câmara Alta da República Nova como
representante da Associação Industrial Portuguesa491. Não é de estranhar, portanto, que
com o alto patrocínio da Presidência da República, com quem o industrial se encontrou
várias vezes durante a negociação492, a CML e a CCFL tenham chegado a um princípio
de acordo493 durante os meses de abril/maio de 1918, para o aumento imediato das
tarifas praticadas, segundo as pretensões da Carris494. Não se pense, porém, que esta
anuência seria duradoura. O sidonismo rapidamente cairia em desgraça perante o
operariado que se sentia defraudado quanto ao projeto político e os meios de o aplicar, e
agravando-se a crise económica e financeira por motivos endógenos e exógenos, nem
um ano volvido, a Companhia tornaria à carga.
487
Alfredo da Silva terá reunido com o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Vieira Soares para
esse fim, comprometendo-se, o Ministro, a “empregar as suas diligências para que o Governo tomasse a
iniciativa ou apoiasse a revisão, modificação ou mesmo a anulação da Lei 715”. ACCFL, Reuniões, 22
de agosto de 1917.
488
Em 1919 a direção da Companhia tomaria uma decisão inédita ao financiar os funcionários em greve
através de subvenção diária de 60 centavos. Cf. “Oficio de 30 de dezembro de 1919”, in CCFL, Copiador
de Cartas – Correspondência com a CML, nº 6. De 27-10-1919 a 27-10-1919, 86-E-353.
489
Cf. Gazeta dos Caminhos-de-Ferro de Portugal e Espanha, 1 de maio de 1918.
490
António José Telo, Decadência e Queda…, op. cit., p. 149.
491
Cf. Miguel Figueira de Faria (coord.), Alfredo da Silva…, op. cit., p. 157.
492
ACCFL, Reuniões, 4 de junho de 1918.
493
Disso deu conta a Gazeta, referindo que “grandes influências se devem ter exercido junto da CML,
para que esta reconsiderasse a posição de dia 1 de março pela qual negara deferimento ao pedido da
Companhia para aumentar o preço das suas carreiras”. Gazeta dos Caminhos-de-Ferro de Portugal e
Espanha, 1 de maio de 1918.
494
Carros ordinários por zona: $04; $05; $07; $08; $10; $11 e $13. Carros do povo: $01; $02; $03; $04;
$05 e $06. Bilhetes de correspondência: $07. Tarifa Algés – Dafundo: $04. Bilhetes de assinatura: ano –
70$00; semestre – 40$00. A partir da quinta zona as tarifas eram alvo de imposto de selo no valor de $02.
Veja-se Anexo 1 desta monografia e ACCFL, “Nota resumida das tarifas e diversas alterações havidas,
1914 a 1959”, in Assuntos diversos para consulta frequente, 86-E-1080.
495
Cf. Álvaro Ferreira da Silva, “O processo económico”, op. cit., p. 153.
99
repercussões nos meios empresariais e ao nível do emprego”496, inviabilizando, a
reposição dos equilíbrios financeiros prévios ao conflito militar e tornando as poupanças
em moeda portuguesa desinteressantes, produziu efeitos devastadores no custo de vida
da população497. Como referiu Rui Ramos, “a alta dos preços de 1918 não foi só
provocada pela escassez ou pela diminuição da produção agrícola, mas também pela
abundância de dinheiro”498. A queda do valor do escudo face às importações vindas,
sobretudo, da Inglaterra499 intensificou a escassez de matérias-primas no mercado e na
economia500, já de si frágil devido a problemas endógenos, e a inflação galopante
promovida pelo continuado aumento da circulação fiduciária501 matava de fome a
população, particularmente, das grandes cidades. A situação era “desesperada, caótica e
deprimente”502.
496
Álvaro Ferreira da Silva e Luciano Amaral, “A economia portuguesa na I República”, in História
Económica de Portugal, 1700-2000, vol. III, (org. Pedro Lains e Álvaro Ferreira da Silva), Lisboa, ICS,
2012, p. 286.
497
Cf. Gráfico 8 desta tese.
498
Rui Ramos, A segunda fundação…, op. cit., p. 598.
499
Veja-se Gráfico 6.
500
Obrigando o Governo de António Maria Batista a limitar o consumo de energia elétrica para empresas
e particulares por intermédio do Decreto 6.624, de 19 de maio. Cf. Diário do Governo, nº 104 de 19 de
maio de 1920.
501
Cf. Luís Farinha, Cunha Leal, Deputado e Ministro da República. Um notável rebelde, Lisboa,
Edições Assembleia da República, 2009, p. 90 e ss.
502
O Século, 5 de janeiro de 1920.
503
Depois da queda de Sidónio Pais, a União Operária Nacional (UON) viria a conseguir um
protagonismo importante junto dos trabalhadores da Carris, reforçada com a criação da Confederação
Geral dos Trabalhadores (CGT) em setembro de 1919. A agitação social que lhe seguiu não pode ser
interpretada sem uma leitura nacional da sua ação.
504
Segundo um relatório do início de 1920, “as receitas, em milhares de escudos, subiram de 1910 a
1918 de 119% ou em £ ouro de 35%, sendo em ouro que a Companhia tem de pagar a maior parte das
suas compras e os dividendos. As despesas, essas subiram no mesmo período e nas mesmas condições de
365% papel e de 124% ouro, a percentagem das despesas sobre as receitas, passou de 56 em 1910 a 93
100
criada sobre bases difíceis de aplicar505, inviabilizou um princípio de acordo e
determinou o fim de venda de bilhetes semestrais a curto prazo506. Mas, se numa
primeira fase a Companhia suportou os custos de um novo aumento dos salários
exigidos pelos trabalhadores507 − depois de mais uma paralisação dos empregados da
Carris só resolvida após a intervenção direta do Governo de Sá Cardoso508, fazendo
análoga medida em março de 1920 novamente sob ultimato da Associação de Classe
dos Empregados da Carris509 −, em abril/maio do mesmo ano tais exigências achar-se-
iam incomportáveis sem majoração dos preços dos bilhetes. O cerco sindical apertava-
se e, financeiramente, a CCFL estava depauperada.
101
Desde 1917 que a CCFL não remunerava os seus acionistas e investidores510.
Não tendo, por isso, condições para efetuar um aumento de capital em moeda
estrangeira511 foi proposto à CML a atualização das tarifas que suprisse as necessidades
urgentes de capital por forma a acomodar o preço do carvão nos mercados512, e as
exigências dos trabalhadores. Assinado a 31 de maio de 1920, o princípio de acordo que
tendia a “resolver a greve”513 (que se prolongava já por dez dias514) e estabelecer
preceitos para a retoma da venda dos bilhetes de assinatura anuais e semestrais – apesar
dos protestos da oposição socialista na Câmara515 e da Associação dos Industriais do
Transporte, – autorizava em 50% o alargamento do número de passageiros permitidos
nos carros (sendo que além das 23 horas esse número não era limitado na plataforma da
retaguarda516), mas também a concessão de aumentos no valor de 80 centavos (50% do
exigido) para a maioria dos trabalhadores, a justificação dos dias em falta por greve com
remuneração e a composição de uma Caixa de Socorros para todo o pessoal517, tudo isto
ancorado num aumento de 95% das tarifas de bordo518.
510
Cf. ACCFL, Reports, 1917, 84-D-457.
511
Cf. O Século, 6 de dezembro de 1919.
512
De 1914 a 1920, o preço do carvão comprado em Inglaterra passou de 5 escudos para 175 escudos a
tonelada. Sobre este assunto, veja-se a longa carta aberta da direção da CCFL, que de certa forma tende a
justificar o pedido de aumentos publicada em, Idem, 22 de maio de 1920.
513
Veja-se Anexo 2.
514
Cf. Quadro 5.
515
A oposição do PS à CCFL foi intensa tentando, mesmo, municipalizar os serviços de transporte com
gerência da CML, com capitais ingleses e portugueses (cf. Idem, 26 de maio de 1920). A CCFL terá
convertido a intenção da CML numa oferta concreta que envolveria todo o material circulante “pelos
preços de antes da guerra” que, como se entende, em face da crise económica e financeira eram
proibitivos para a CML. Ainda assim, a proposta para a municipalização do serviço foi, amplamente,
rejeitada pelo órgão representante dos trabalhadores. Sobre este assunto veja-se, O Século, 4 e 7 de agosto
de 1920. Para uma leitura das posições socialistas na CML sobre esta matéria veja-se, Sessões, 28 de
maio de 1920.
516
Cf. O Século, 18 de maio de 1920.
517
Para uma súmula das reclamações do pessoal, veja-se o documento transcrito em Anexo 2.
518
Carros ordinários por zona: $08; $10; $12: $15; $20. Carros do povo: $05; $08; $10; $11; $12; $15.
Tarifa Dafundo de Santos e P. M. Pombal: $17; $25. A partir da segunda zona dos carros ordinários as
tarifas eram alvo de Imposto de Selo no valor de $02. Para os “Carros do Povo”, o Imposto de Selo era
cobrado desde a terceira zona. Algés – Dafundo: $05 (desde 3/6 fora da área da cidade). Elevador do
Carmo: $05 subida, $03 descida. Foram abolidas as correspondências. Cf. ACCFL, “Nota resumida das
tarifas e diversas alterações havidas, 1914 a 1959”, in Assuntos diversos para consulta frequente, 86-E-
1080.
519
Cf. Sessões, 28 de maio de 1920.
102
junho, ao considerar revogado (a 30 do mesmo mês520) o acordo que havia ratificado521
no final do mês de maio522. De nada valeram os esforços da Carris nem da Associação
Industrial Portuguesa523 com vista à efetivação do documento, e só depois de mais uma
intervenção do Presidente do Ministério, António Maria da Silva, foi possível
estabelecer as premissas para um “modus-vivendi que longe de satisfazer as justas
reclamações que de há muito tempo [a CCFL] vinha fazendo à Exma. Câmara, apenas
incluía nos seus quatro números os pontos essenciais que deveriam servir de base a um
acordo provisório”, fixando o prazo de 31 de dezembro de 1920 como data limite para a
negociação do valor dos passes e da renegociação dos contratos524.
520
Cf. Idem, 25 de junho de 1920.
521
Cf. Idem, 29 de julho de 1920.
522
Cf. ACCFL, “Ofício de 17 de julho de 1920”, in Copiador de Cartas – Correspondência com a CML,
nº 6. De 27-10-1919 a 27-11-6-1921, 86-E-353.
523
Para a observância do desempenho da AIP neste processo veja-se A Capital, 18 de agosto de 1920.
524
Idem, ibidem.
525
Para conhecimento das posições de base da CML veja-se, Sessões, 12 de julho de 1920.
526
Os quatro pontos, que se apresentam, foram elaborados com as seguintes premissas de negociação:
a) “Não teve a Companhia intenção de coartar à Câmara o direito de larga discussão da revisão
do contrato e apesar desta discussão de alastrar desde outubro de 1919, nenhuma dúvida tem em
concordar que para se ultimar a revisão dos seus contratos se fixe o prazo a decorrer até 31 de
dezembro.
b) Atenta a declaração da Câmara de que a manutenção integral das concessões da Companhia
resulta da própria letra e espírito dos seus contratos.
c) A Companhia concorda em que se não se inclua no modus vivendi a obrigação de emitir bilhetes
de assinatura eliminando-se tal declaração sem prejuízo da sua situação jurídica.
d) Julga indispensável que se diga que um dos objetivos desta revisão será o estabelecimento de
regras e preceitos iniludíveis para a revisão das tarifas aumentando-as ou diminuindo-as conforme o
saldo liquido da exploração for inferior ou superior a determinados limites a complementar a condição
41ª do contrato de 1888. (…) não é propósito da Companhia que o Tribunal Arbitral decida sobre a
alteração de tarifas, mas espera a Companhia que a Câmara concordará com o principio liberal de que
também a esse tribunal deverão ser submetidas as duvidas e desacordos que a tal respeito possam
suscitar.
e) Diz a Câmara no seu parecer que não compreende o espírito da conciliação porque esta fixa no
modus vivendi o preço de 180 escudos para o bilhete de assinatura quando o projeto de contrato aceitava
os preços de 100 e 150 escudos.
f) A Companhia o seu espírito de conciliação ao ponto de reduzir a 80$00 escudos pelos 6 meses,
dobro do preço anterior.
g) O aumento proposto nas zonas mais afastadas justifica-se pela necessidade de compensar a
diminuição proposta incluindo o imposto de selo e acabando-se com as atuais dificuldades dos trocos.
Mas ainda neste ponto a Companhia aceita as tarifas atuais.” Cf. Idem, ibidem.
103
a) Mantenha integralmente as concessões por parte da
Companhia, de bilhetes pessoais de assinatura por preços
calculados em proporção das tarifas ordinárias;
b) Inclua a obrigação da concessão por parte da Companhia de
bilhetes pessoais de assinatura por preços calculados em proporção
das tarifas ordinárias;
c) Estabeleça regras e preceitos iniludíveis para a revisão das
tarifas dos bilhetes ordinários e de assinatura aumentando-as ou
diminuindo-as, conforme o saldo líquido da exploração for inferior
ou superior a determinados limites;
d) Preceitue sobre a organização de um tribunal arbitral para
resolver todas as dúvidas e desacordos que porventura possam
suscitar-se entre a Câmara Municipal e a Companhia Carris quer
sejam de interpretação das clausulas do contrato, da execução dos
serviços ou alteração das tarifas.
2º Durante o prazo a que se refere o nº 1, a Companhia cobrará
nos seus carros as seguintes tarifas:
Carros ordinários por zona: $08; $10; $12; $15; $20;
Carros do povo por zona: $05; $08; $10; $13; $15;
3º A Companhia, aceitando as condições do nº 1 e 2 concorda
em conceder bilhetes pessoais de assinatura, ao preço de 45$00,
válidos só pelo prazo que trata o nº 1.
4º Durante o prazo de que trata o nº 1, a Nova Companhia dos
Ascensores Mecânicos de Lisboa cobrará nos seus carros as
seguintes tarifas:
1ª zona $05; 2ª $8; 3ª $10 (bilhetes ordinários)”527
104
Companhia, mas foi irredutível na que se referia ao preço dos
passes. De modo que a Companhia, no pleno uso do seu direito, vai
cumprir o convénio assinado em maio findo entre ela e os
representantes da Câmara, no qual não há clausula alguma que se
obrigue a conceder passes”.528
528
A Capital, 29 de julho de 1920.
529
Cf. Idem, 1 de agosto de 1920.
530
Veja-se Quadro 5.
531
Sobre este assunto veja-se, Ernesto Castro Leal e Teresa Nunes, António Granjo. República e
Liberdade, Lisboa, Edições Assembleia da República, 2012, pp. 90 e ss.
532
O Século, 31 de agosto de 1920.
533
Veja-se o acordo celebrado pelas três partes em Anexo 3.
534
ACCFL, Contratos, 1920, alínea a).
535
Ibidem, alínea d).
536
Ibidem, alínea f). Sobre este assunto veja-se Anexo 4.
537
Ibidem, alínea g)
538
Ibidem, aliena b).
105
centavos, onde “a diferença entre o preço de uma zona e $10 que for paga pelo
passageiro revertia a favor da Câmara Municipal”539. Esta cadeia de conflitualidade
culminou na realização de um empréstimo junto do Banco de Portugal na ordem dos
“400 contos” para fazer face à greve das áreas do movimento e secções de apoio
(enfermeiros, mecânicos, barbeiros, etc.), tendo o aval do Ministro das Finanças,
Inocêncio Camacho, a 1 de setembro de 1920 que formalizou a constituição de uma
comissão com o intuito de “informar o Governo sobre a situação financeira da
Companhia e modo de a remediar quer pela alteração da tarifa, quer por quaisquer
outros meios que indicar”540. Como contrapartida, o empréstimo era pago a “letras de
seis meses”541, assegurando os serviços da Companhia a devolução da “importância dos
mínimos resultantes da cobrança do Imposto de Selo pertencente ao Estado nos bilhetes
de passagens de preço não inferior a dez centavos nem superior a quarenta
centavos”542, área onde a administração central tinha sérias dificuldades na recolha de
receitas.
539
Ibidem, alínea i).
540
ACCFL, “Ofício do Ministério das Finanças, de 1 de setembro de 1920”, in Resumo das negociações
com a Câmara Municipal de Lisboa. Outubro 1919-Julho 1920, 89-E-2802.
541
ACFFL, “Carta de Inocêncio Camocho para Adrião de Seixas”, in idem.
542
ACCFL, “Despachos de 1 e 4 de setembro de 1920 sobre o levantamento do Banco de Portugal dos
400 contos”, in Cópias de acordos, despachos, relatórios e mais documentos e decretos de consulta
frequente, 86-D-1041.
543
Lei nº 1369, de 21 de setembro de 1922.
544
Ana Catarina Pinto, A Primeira República e os conflitos da modernidade (1919-1926). A esquerda
republicana e o bloco radical. Casal de Cambra, Caleidoscópio, 2011, p. 71.
545
Cf. António José Telo, Economia e Império no Portugal Contemporâneo, Lisboa, Edições Cosmos,
Lisboa, 1994, p. 90.
106
Isso mesmo revelaram os Relatórios e Contas da CCFL546 onde em face das
“desastrosas condições monetárias do período em análise”547, foi necessário recorrer a
mais um aumento das tarifas de bordo. O processo foi em tudo semelhante aos
anteriores. Contudo, o escopo deste trabalho obriga-nos a expor os motivos específicos,
de vivência interna, que levaram a CCFL a exigir mais uma revisão no preço das tarifas.
546
Cf. ACCFL, Reports, 1920, 86-D-873.
547
Idem, ibidem.
548
Cf. Ricardo Revez, António Maria da Silva. O Engenheiro da República, Lisboa, Edições Assembleia
da República, 2015, p. 182.
549
Cf. Diário do Governo, II Série, nº 211, de 25 de setembro de 1920.
550
Onde se incluiu a nova formula de cálculo da percentagem a pagar à CML na ordem dos 8% sobre o
valor bruto da operação.
107
exceção do ano de 1919, em que descem um pouco fruto do final da guerra, mas para
subir a 49,1%, quase metade da receita desse ano.
30
Valores em %
20
10
0
Pessoal Combustível Encargos com a CML
1913 1914 1915 1916 1917 1918
551
Idem, Ibidem.
552
ACCFL, “Ofício de 28 de março de 1921”, Copiador de Cartas – Correspondência com a CML, nº 6.
De 27-10-1919 a 27-11-6-1921, 86-E-353.
553
Adaptado de idem, ibidem.
108
Percentagem da despesa com o pessoal, combustível e encargos para a CML
sobre a receita total554:
50
Valores em %
40
30
20
10
0
Pessoal Combustível Encargos com a CML
1913 1914 1915 1916 1917 1918 1919 1920 (a sete meses)
554
Idem, ibidem.
555
Idem, ibidem.
109
Logo nos primeiros meses de 1921, os indicadores económicos mostravam a
previsão de um déficit na exploração da rede de elétricos na ordem dos 297 contos
anuais. Por forma a evitar a continuação da atividade com saldos negativos, e atendendo
ao facto do Fundo de Reserva já estar esgotado, e o recurso à banca iria hipotecar, ainda
mais, o futuro da Companhia, foi solicitada, numa atmosfera de emergência financeira,
uma redução dos encargos com a CML (que representavam, em média, um encargo de
16,5% sobre as receitas anuais)556 enquanto se discutiam um novo aumento de tarifas
que rondaria os 100% a unidade557. A permanente irredutibilidade da vereação
camarária, bem expressa na entrevista ao Diário de Notícias do edil socialista José dos
Santos, viria a confirmar as posições da CML. O vereador relator da Comissão de
Viação responsável pela revisão das contas da Companhia opunha-se quer à diminuição
da percentagem sobre os lucros da Companhia, como ao aumento das tarifas558 com
base num relatório da sua autoria559 reforçando, dias mais tarde, numa entrevista ao
jornal O Século, onde o discurso tomava outro tipo de robustez atacando-se, desta feita,
o monopólio da Companhia com um só propósito: “o seu fim”560. Imperava um
radicalismo sem precedentes nas posições.
Não podendo aumentar as tarifas, pedido que foi mais uma vez ignorado pela
CML a 26 de abril de 1921, numa carta de 28 de abril de 1921 destinada ao Presidente
da Comissão Executiva da Câmara Municipal de Lisboa a direção da Companhia fazia
constar o seu plano de ação imediato. Para além do ajuste na exploração “aos limites
que lhe são afixados pelos seus contratos” significando, portanto, uma enorme redução
na oferta ao público561, e não podendo dessa forma considerar as exigências da
Associação de Classe que pediam a atualização dos vencimentos devido à “formidável
depreciação da moeda”, a Companhia preparava, igualmente, um despedimento
coletivo do pessoal, considerado excedentário562 e um corte substancial nos serviços
sociais da empresa como, por exemplo, a extinção das barbearias e do transporte grátis
556
Cf. ACCFL, “Ofício de 19 de janeiro de 1921”, in Copiador de Cartas – Correspondência com a
CML, nº 6. De 27-10-1919 a 27-11-6-1921, 86-E-353.
557
Cf. Diário de Notícias, 17 de abril de 1921.
558
Cf. Idem, Ibidem.
559
Cf. A Capital, 4 de junho de 1921.
560
Cf. O Século, 24 de abril de 1921.
561
Ainda que a ameaça não tenha sido cumprida na totalidade, podemos observar no Quadro 7
importantes reduções na oferta entre os anos de 1920 e 1923. Como forma de atenuar as dificuldades para
o público foram introduzidos uma importante quantidade de carros extraordinários que, à semelhança de
hoje em dia, tendiam a circular nas horas de maior movimento.
562
Cf. ACCFL, “Ofício de 28 de abril de 1921”, in Copiador de Cartas – Correspondência com a CML,
nº 6. De 27-10-1919 a 27-11-6-1921, 86-E-353.
110
para todos os funcionários que se tinham que deslocar para iniciarem o seu serviço.
Perante a falta de consenso, eram os trabalhadores a pagar a crise. Por esse motivo, e
talvez com o beneplácito da direção da CCFL que sentia no preço dos combustíveis um
dos principais fatores do crescente prejuízo das suas contas desejando, da mesma forma,
retomar as negociações com o interlocutor do Governo, o pessoal do movimento entrou
em greve a 3 de junho permanecendo até ao final desse mês.
563
Os documentos mais relevantes sobre este processo negocial encontram-se transcritos em Anexo 5.
564
Cf. A Capital, 18 de junho de 1921.
565
Nomeada por Portaria de 4 de julho de 1921. Cf. Diário do Governo, II Série, nº 152, de 5 de julho de
1921.
566
Lia-se no jornal A Capital: “há quem queira ganhar mais, o há quem resista a essa pretensão. Por
poder ou não querer? Por um destes motivos, ou até ambos. Mas a questão é clara, não dá margem a
confusão e, em geral, o conflito decide-se, capitulando-se ou transigindo qualquer das partes. Neste caso
não. Quando o público imagina que só duma questão de salário se trata, questão simples, e que por isso
não poderá protelar-se, surge outra questão imediatamente a essa complicada, difícil, complexa,
embrulhadíssima: a do contrato entre a Companhia e a Câmara”. A Capital, 15 de junho de 1921.
567
ACCFL, “Relatório da Comissão nomeada por Portaria de 4 de julho de 1921, sobre a situação da
Companhia Carris de Ferro de Lisboa”, in Cópias de acordos, despachos, relatórios e mais documentos e
decretos de consulta frequente, 86-D-1041.
111
Imposto de Selo ao Estado. Neste sentido, propunham que a importância de valor de
dois centavos correspondentes ao imposto “ficasse provisoriamente na posse da
Companhia o qual ela restituiria ao Estado logo que o seu estado financeiro lho
permitisse”, com a exceção da parte que cabia ao Banco de Portugal pelo empréstimo
realizado568 diminuindo, concomitantemente, o valor das contribuições para a CML a
valores de 1914.
568
Idem, Ibidem.
569
ACCFL, “Ofício da direção da Companhia Carris de Ferro de Lisboa para o Presidente do Conselho de
Ministros, de 17 de outubro de 1921”, in Greves, Contratos com a CML; Comissão Arbitral de Tarifas
1921-1923; Documentos diversos, 89-E-2797.
570
Idem, Ibidem.
571
Bruno Cardoso Réis, “Da Nova República Velha ao Estado Novo (1919-1930)”, in outubro: A
Revolução Republicana em Portugal (1910-1926), (org. Luciano Amaral), Lisboa, Edições 70, 2011, p.
314.
572
Sobre estes acontecimentos veja-se, Armando Malheiro da Silva; Carlos Cordeiro; Luís Filipe Torgal,
Machado Santos. O intransigente da República, (1875-1921), Lisboa, Edições Assembleia da República,
2013.
112
extremando posições tanto à direita como à esquerda do espetro político 573, diríamos,
que de forma determinante574.
573
Cf. Ricardo Revez, op. cit., p. 204.
574
Cf. Bruno Cardoso Réis, op. cit., p. 310. Para uma visão de conjunto sobre a “Noite Sangrenta” veja-
se, entre outros, Maria Alice Samara, “Um fantasma que encheu a noite de pavor”, in História, nº 39,
2001.
575
Sobre a pressão que os representantes do Comércio exerceram junto do Governo com a finalidade de
terminarem com a greve nos transportes veja-se, A Capital, 24 de junho de 1921.
576
Cf. ACCFL, Reports, 1920-1921, 86-D-873.
577
Lia-se no artigo 1º: “Três dias depois da publicação deste Decreto, sobre cada bilhete de passagem
nos carros da Companhia Carris de Ferro é lançada a sobretaxa de $05, cobrada pelo pessoal da
Companhia, e destinada a constituir receita do Estado, à custa da qual se fará face à subvenção de 50$
por cada maior de dezoito anos e de 30$ por cada menor de dezoito anos”.
Artigo 2º: “O empréstimo de 60$ feito pela Companhia ao seu pessoal, como adiantamento aos seus
vencimentos, quando da última greve [junho de 1921], será satisfeito pela receita criada pelo artigo
anterior”.
Artigo 3º: “A importância da sobretaxa criada pelo artigo 1º, será, semanalmente, pela Companhia,
depositada no Banco de Portugal, à ordem do Governo, para satisfação dos encargos do artigo anterior,
ficando uma terça parte do saldo à disposição do Ministério da Guerra para reforço dos fundos da
Direção Geral dos Transportes quando esta tenha de entrar em ação…”
(…)
Artigo 4º: “Sobre a sobretaxa a que se refere o artigo 1º, não recairá o Imposto de Selo nem a
percentagem de 8% que, nos termos do contrato, é cobrada pela Câmara Municipal de Lisboa”. Cf.
Diário do Governo, I Série, nº 16, Decreto-lei nº 7.984, de 23 de janeiro de 1922.
578
ACCFL, “Ofício da direção da CCFL à CML” (sem data, mas tendo em conta o assunto, seguramente
no primeiro mês de 1922), in Greves, Contratos com a CML; Comissão Arbitral de Tarifas 1921-1923;
Documentos diversos, 89-E-2797.
579
Idem, Ibidem.
113
continua desvalorização monetária580, e intrometia-se naquilo que eram as prerrogativas
camarárias uma vez que a fração que cabia à Companhia não constituía parte da
percentagem de 8% sobre os resultados brutos que impendiam sobre a CML581. Por
estes motivos, o Decreto ficou longe de agradar as partes, sendo a CML a principal
lesada582.
580
Veja-se o Gráfico 6, desta monografia.
581
Cf. Diário do Governo, I Série, nº 16, Decreto-lei nº 7.984, de 23 de janeiro de 1922, art.º 4º.
582
O vereador democrático César Santos num tom quase profético resumiria, desta forma, a ação do
Governo de Cunha Leal: “o Governo transato, sem procurar sanar a situação antes a agravou,
publicando um decreto inconstitucional, em parte, não tendo rebuço em declarar que procedia
ilegalmente, esbulhando o Município da quota parte da exploração que os contratos estipulam, e
exercendo como que uma tutoria sobre dinheiros que não são do Estado, e criando como que um imposto
novo o que só ao parlamento compete. A Câmara protestou em tom firme e enérgico contra o referido
decreto e viu, com pesar, a questão complicar-se mais. É que a época não vai muito propícia a que se
revoguem direitos incontestáveis com crises nervosas contidas”. Sessões, 15 de março de 1922.
583
Ricardo Revez, op. cit., p. 211.
584
Cf. Diário do Governo, I Série, nº 211, Decreto nº 8413, de 9 de outubro de 1922.
585
A ideia já não seria totalmente nova. Em sequência da greve de junho de 1921, o periódico A Capital,
já alertava para a necessidade da formação de um órgão de negociação comum tripartido. Cf. A Capital,
27 de junho de 1921.
586
A Gazeta dos Caminhos-de-Ferro descreve-nos, desta forma, os desenrolar dos acontecimentos da
greve de fevereiro de 1922, a última que estendeu por mais de uma semana, até abril de 1974: “há dez
dias que a capital esta sofrendo as consequências da paralelização do serviço dos carros elétricos, com
todo o seu cortejo de prejuízos, de atrasos no curso normal das vidas.
É a quinta greve do pessoal dos elétricos e diga-se sem, rebuço a mais condenável de todas que esse
pessoal tem feito (…). Parecia que, por um longo período, em que é de esperar as condições de vida não
se agravem mais do que já estão, estaríamos livres de nova greve daquele lado; quando, inopinadamente,
rebentou novo movimento de pessoal, e desta vez com manifestas tendências revolucionarias, sendo
sabotados os carros quase todos de Santo Amaro e no Arco do Cego, levando os grevistas peças de
motores, só uma pequena parte das quais a policia ainda teve meio de apreender a alguns…”. Gazeta dos
Caminhos de Ferro de Portugal e Espanha, 1 de março de 1922.
587
Cf. Sessões, 15 de março de 1922.
588
Cf. Idem, Ibidem.
114
1922589. A nova Comissão Arbitral de Tarifas composta pelo Diretor Geral dos
Transportes do Ministério da Guerra (com direito de veto e voto de qualidade), e mais
dois elementos em representação da CML e da CCFL/NCAML590 foi constituída “para
resolver definitivamente os futuros desacordos entre a Câmara e a Companhia sobre o
aumento ou diminuição dos preços das tarifas”591, estabelecendo-se um prazo máximo
de trinta dias para tanto a CML como a CCFL/NCAML, se pronunciarem sobre a
decisão tomada em sede de negociação ordinária592 (diminuindo para os “quinze dias
seguintes àquele em que a decisão for reclamada por qualquer das partes”593), sendo
que, para evitar delongas e boicotes à negociação, todas as propostas seriam
consideradas aprovadas se as partes não notificassem a sua deliberação nos prazos
definidos594. Não é, pois, estranho que a formação deste mecanismo de negociação, –
estando subjacente a vinculação decisória caso a Comissão se pronunciasse, – tenha
tornado todo o processo de revisão tarifária mais célere e eficaz, ao que o novo aumento
das passagens595, a 5 de abril desse ano596, foi a consequência imediata.
589
Cf. ACCFL, Contratos, 1922.
590
Acordo semelhante com a NCAML foi ratificado pelas partes a 15 de julho de 1922.
591
Cf. ACCFL, Contratos, 1922, art.º 4º.
592
Cf. Ibidem, Titulo II, art.º 6º.
593
Ibidem, art.º 2º e 14º.
594
Cf. Ibidem, Titulo II, art.º 7º e 13º.
595
Tarifas por zonas: $14,9; $25; $30; $35, $39,9, com Imposto de Selo a partir da segunda zona ao valor
de $02.
596
Cf. CCFL, “Ofício de 4 de abril de 1922 para a CML”, in Copiador de Cartas – Correspondência com
a CML, nº 7. De 11-6-1921 a 12-9-1923, 86-e-354.
597
Cf. António José Telo, A Primeira República: como cai…, op. cit., p. 238.
598
É de assinalar, no entanto, que a Companhia tentou sempre usar os bilhetes de assinatura (competência
da sua exclusividade) como ferramenta de negociação com a CML. Só a partir de 7 de julho de 1924, a
CML tornou a sua emissão obrigatória. Cf. ACCFL, “Nota resumida das tarifas e diversas alterações
havidas, 1914 a 1959”, in Assuntos diversos para consulta frequente, 86-E-1080 e Contratos, 7 de julho
de 1924, art.º 1º.
599
A 19/5/22 foi aprovado o projeto da mudança das linhas da Praça D. Pedro IV; a 1/9/22 foi aprovado o
projeto de ligação entre as avenidas Duque d’Ávila e as avenidas da República e António Augusto
Aguiar; a 4/9/22 aprovação da modificação das linhas do Rossio e Restauradores. Cf. ACCFL, Copiador
de Cartas – Correspondência com a CML, nº 7. De 11-6-1921 a 12-9-1923, 86-e-354.
115
melhoria económica e financeira goraram-se rapidamente e no final de abril de 1922 o
Ministro das Finanças Portugal Durão, apresentou um projeto de reforma tributária com
o objetivo de “eliminar o deficit que há anos vem avolumando a nossa dívida flutuante
e determinando um aumento da nossa circulação fiduciária”600 e “apressar o
melhoramento do sistema tributário”601, ou seja, o aumento da receita por meio da
cobrança de novos impostos sobre as transações, aplicação de capitais602 e rendimentos,
em combinado com a revisão da contribuição industrial cessando-se,
concomitantemente, outros tributos considerados obsoletos ou de coleta duvidosa603.
Não querendo entrar na discussão sobre dos resultados do pacote legislativo de Portugal
Durão, que estão fora do escopo deste trabalho e que podem ser revistos parcialmente
noutras monografias604, longe de satisfazerem os representantes da indústria e do
comércio que, colando-se à direita parlamentar boicotaram a sua aplicação desde o
primeiro momento605, podemos aferir que em consequência da sua aprovação a direção
da Companhia remeteu à CML uma nova proposta de aumento do tarifário
(penalizando, particularmente, as carreiras longas fora do núcleo primitivo606), acoberto
da desvalorização do escudo nas receitas e aumento do custo de vida para os
trabalhadores607, mas com o objetivo claro de fazer face à recomposição da carga
600
DCSDNP, nº 32, 28/4/1922.
601
Idem, nº 130, 11/8/1922.
602
Cf. Ricardo Revez, op. cit., p. 225.
603
Sobre este assunto veja-se, entre outros, António José Telo, Decadência e Queda…, op. cit., pp. 220-
221 e Ricardo Revez, op. cit., pp. 225-227.
604
Sobre o assunto, entre outros: António José Telo, Decadência e Queda…, op. cit.; Idem, Economia e
Império no Portugal Contemporâneo, Lisboa, Edições Cosmos, Lisboa, 1994; Ricardo Revez, op. cit.;
Pedro Lains e Álvaro Ferreira da Silva (org.), História Económica de Portugal, op. cit.;
605
Cf. António José Telo, Decadência e Queda…, op. cit., p. 220.
606
Novas tarifas por zona, a 1 de dezembro de 1922: $25; $40; $50; $60; $70.
Algés-Dafundo: $15; Correspondências: 1 zona – S. Tomé $25 ($15 para a CCFL + $10 para a NCAML);
2 zonas – Graça $40 ($31,5 para a CCFL + $08,5 para a NCAML).
607
Cf. Sessões, 2 de novembro de 1923.
116
fiscal608 e à diminuição do número de passageiros transportados que estavam em valores
de 1916609.
608
Pode ler-se na correspondência da CML desse ano, remetida à CML: “As novas leis tributárias vêm
também agravar a situação financeira da Companhia e se a Exma. Câmara quiser permitir nos termos
do nº 4 do artigo 3º da Lei nº 1368 [regulava os seguintes impostos: imposto sobre o valor das transações,
contribuição industrial, contribuição predial, imposto sobre a aplicação de capitais, imposto pessoal de
rendimento, contribuição de registo por título oneroso, e outras disposições gerais sobre a matéria] o
aumento nas tarifas da importância provável do imposto devido por transações haverá que acrescer à
soma às custas de exploração a soma de 500 contos”. ACCFL, “Ofício da CCFL à CML”, in Greves,
Contratos com a CML; Comissão Arbitral de Tarifas 1921-1923; Documentos diversos, 89-E-2797.
Para consulta da Lei e análise crítica, Diário do Governo, I Série, nº 197, Lei nº 1368, de 21 de setembro
de 1921 e Ana Bela Nunes, “A Reforma Fiscal de 1922”, in Os Impostos no Parlamento Português.
Sistemas fiscais e doutrinas fiscais nos séculos XIX e XX, (coor. Nuno Valério), Lisboa, Publicações Dom
Quixote, 2005, pp. 99 e ss.
609
Veja-se Gráfico 2 desta tese.
610
Cf. ACCFL, Reports, 1923, 86-D-878. Veja-se Gráfico 1 A.
611
A “questão das calçadas”, processo que se arrastou durante mais de vinte anos nos tribunais, sobre a
que entidade cabia a reparação e manutenção dos pavimentos onde estavam instalados os carris. A 4 de
abril e a 2 de maio de 1923, a CML e a CCFL assinaram, finalmente um acordo. Cf. ACCFL, Contratos,
4 de abril de 1923 e 2 de maio de 1923.
612
Cf. António José Telo, Economia e Império…, op. cit., p. 90.
613
Cf. Gráfico 6.
614
Cf. Marcelo Caetano, A depreciação da moeda depois da guerra, Coimbra, Coimbra Editora, 1931.
615
Em falta de uma investigação específica e atualizada sobre a política financeira dos anos 20 do século
passado veja-se uma súmula em, António José Telo, Decadência e Queda…, op. cit., pp. 113-114.
117
A CCFL, agora enquadrada pela Associação Comercial de Lisboa na União dos
Interesses Económicos, que representava o patronato cada vez mais insatisfeito com os
sucessivos aumentos de impostos propostos pelos governos de esquerda e que
paulatinamente foi ganhando espaço e intervenção na vida política616 em especial junto
de setores da ala à direita do campo político, iria retomar os ciclos de aumentos no
tarifário remenicando às exigências dos trabalhadores, sobretudo no que a ordenados e
pensões dizia respeito617, manter a paz social, fazer face às despesas com o carvão e
renovação do material618 circulante, mas, especialmente, visando acomodar a carga
fiscal que, entretanto, era majorada. A pressão do patronato e o medo de uma revolução
conservadora vão possibilitar que, entre 1923 e 1925, as sucessivas revisões do tarifário
tenham decorrido sem problemas de maior apesar constante recurso à Comissão Arbitral
de Tarifas619. Pela primeira vez desde a implantação do regime republicano, e perante a
crescente organização das “forças vivas da nação”, decorreu um largo período sem
qualquer dia de greve na Companhia contrariando, desta forma, a ideia de contestação
generalizada no operariado620.
616
Como é de conhecimento, um dos grandes financiadores da UIE foi Alfredo da Silva que se mantinha,
à data, um dos principais sócios da CCFL.
617
Em 1924, foi ampliada a caixa de pensões de acordo com a Decreto-lei nº 5.638, de 10 de maio de
1919, que isentava da inscrição de seguro social obrigatório todos “os salariados ou empregados de
quaisquer empresas que tenham asseguradas pensões para os casos de invalidez, velhice e sobrevivência,
continuando as caixas de pensões e reformas criadas por essas empresas ou entidades com a sua atual
organização sujeitas à fiscalização direta do Estado”. Diário do Governo, 8º Suplemento, I Série, nº 98,
Decreto-lei nº 5638, de 10 de maio de 1919, artigo 4º, § 1º.
618
A 10 de julho de 1923, foi enviado um ofício à CML com vista à montagem de “alguns carros
motores”. Estes carros fariam parte da série nº 508 a 531 e entrariam ao serviço ao longo do biénio
1925/1926 estando em circulação até ao final dos anos sessenta do século XX. Cf. ACCFL, Monografia:
carros elétricos motores. Série nº 508 a 531, 00-E-3252.
619
As tarifas foram revistas em 7 de outubro de 1923: $35; $50; $60; $70, $80.
Algés – Dafundo: $20; Correspondências: 1 zona – S. Tomé $35 ($20 para a CCFL + $15 para a
NCAML); 2 zonas – Graça $50 ($40 para a CCFL + $10 para a NCAML).
Com nova revisão a 27 de março de 1924: $50; $80; $90; 1$00; 1$10.
Algés – Dafundo: $30; Correspondências: 1 zona – S. Tomé $50 ($30 para a CCFL + $20 para a
NCAML); 2 zonas – Graça $75 ($60 para a CCFL + $15 para a NCAML). Cf. ACCFL, “Nota resumida
das tarifas e diversas alterações havidas, 1914 a 1959”, in Assuntos diversos para consulta frequente, 86-
E-1080.
620
Neste sentido, António José Telo, A Primeira República: como cai…, op. cit., p. 254.
621
Cf. Nuno Valério, As finanças publicas…, op. cit., p. 474.
118
conter a marcha da inflação622 em 1924 e travar a depreciação do escudo, com ganhos
absolutos de 40% em relação à libra até 1926. Neste sentido, estando os preços dos
bilhetes associados ao andamento do escudo no mercado de câmbios, ao abrigo do
acordo de julho de 1924 entre a CML e a CCFL623, a edilidade lisboeta vai propor e
concretizar a primeira redução de tarifário em maio de 1925624.
622
Cf. Álvaro Ferreira da Silva e Luciano Amaral, “A economia portuguesa na I República”, op. cit., p.
282
623
A revisão do tarifário de 1924 implicou a formulação de um critério para o cálculo da tarifa que ficou
assente nos seguintes termos:
“Art.º 4º – Serão tidos como justificados os aumentos ou diminuições de tarifas, necessários para se obter
a atualização, ao câmbio médio dos últimos três meses, das tarifas-base, fixadas para o câmbio de dois
três oitavos pelo acórdão de 25 de março de 1924, da Comissão Arbitral de Tarifas.
§ único – A diminuição das tarifas nas condições deste artigo só se efetuará depois da Companhia haver
pago a sua dívida aos portadores de ações preferenciais”.
Contudo, este contrato deu, igualmente, importantes vantagens à CML, onde se previa que “o pagamento
das percentagens sobre a receita bruta, de que tratam das condições 9ª e 10ª do contrato de 5 de junho
de 1897, fosse pela Companhia efetuado mensalmente em relação à receita bruta obtida no mês
precedente” (art.º 2º) e a que se acrescentou um mínimo de 150 passes pessoais gratuitos para a Câmara
Municipal de Lisboa para serviços externos (art. 3º). ACCFL, Contratos, 7 de julho de 1924.
624
Cf. Sessões, 26 de maio de 1925.
625
Cf. ACCFL, Contratos, 7 de julho de 1924, art.º 4º, § único.
626
Cf. CCFL, “Ofício de 20 de agosto de 1924”, in Copiador de Cartas – Correspondência com a CML,
nº 6. De 12-9-1923 a 23-11-1925, 86-E-355.
627
Cf. Sessões, 26 de junho de 1925.
628
“Art.º 4º – Os preços da tarifa da viação elétrica da Companhia terão que ser atualizados, em função
de câmbio sobre Londres, sempre que as oscilações cambiais neles influam, produzindo o preço de duas
zonas da tarifa em vigor um aumento ou diminuição superior à menor moeda em curso que permitir a
facilidade de trocos.
119
resto, nos mostra o quadro a baixo. Para terminar, resta referir que o convénio seria
válido até 31 de dezembro de 1932629, concluindo a longa “questão tarifária”, e a
conflitualidade política que lhe estava subjacente, e que ocupou grande parte da década
de 20 do século passado630.
§ 1º − As atualizações a que houver lugar nos termos deste artigo, serão obtidos multiplicando os preços
da tarifa base fixada no artigo seguinte pelo quociente entre o câmbio médio dos últimos três meses e o
câmbio a que a mesma tarifa-base foi estabelecida.
§ 2º − Os preços dos bilhetes serão multiplicados da mesma moeda que tiver curso fácil, e para este
efeito os preços da nova tarifa obtidos pelo cálculo da atualização, serão arredondados para os
múltiplos mais próximos.
(…)
Art.º 5 −A tarifa-base a que se refere o § 1º do art.º 4º será de $40 para uma zona; $60 para duas zonas;
$70 para três zonas; $78 para quatro zonas e $85 para cinco zonas, para o câmbio de 80$00 por libra, e
será de futuro alterada para mais ou para menos, por forma a atender aos aumentos ou diminuições
justificadas dos encargos que forem previstos e admitidos no cálculo da referida tarifa”. ACCFL,
Contratos, 30 de junho de 1925.
629
Cf. Art.º 5º, § 2º. Cf. Ibidem.
630
Sobre a evolução tarifária veja-se, em forma de súmula, os Quadro 8 e 9.
631
Retirado de Sessões, 26 de junho de 1925.
120
De facto, a reta final da primeira década do século passado foi envolta em
polémicas que se revelaram preponderantes para a definição de posições antagónicas
entre a Companhia e a corrente republicana, e que persistiram ao longo da curta vida do
regime. Por um lado, os métodos utilizados pela Carris em estabelecer o monopólio em
Lisboa através de diversos contratos que perpetuavam a sua atividade em exclusividade,
permitiram-lhe projetar e estender a oferta até aos limites do concelho lisboeta sem que
sentisse necessidade de se preocupar com a concorrência que, na verdade, depois da
entrada de capital da LETL na Nova Companhia de Ascensores Mecânicos de Lisboa
em 1908, principal concorrente e que durante alguns anos ombreou com a CCFL na
exploração do transporte em Lisboa, poucos problemas causava. Em 1926, ano da
transferência da concessão da NCAML para a CCFL assinada a 12 de novembro632, a
Companhia era já a única operadora na cidade, e não fora o auxílio das vereações
republicanas aos pequenos operadores privados durante a década de dez, muitos dos
quais utilizavam, ainda, a tração animal como forma de locomoção, é nosso entender
que a concorrência teria desaparecido ainda mais cedo633.
Por outro lado, os primeiros sintomas da crise financeira que atravessa toda esta
fase e que ganha outra dimensão após 1918, levou a Companhia a redefinir estratégias
de investimento e a remunerar, quando possível, os seus investidores. Consolidada a sua
posição como operador de excelência na cidade, a CCFL optou por reajustar a expansão
da oferta às necessidades imediatas, fazendo somente pequenos investimentos em
material circulante e cirúrgicas alterações como foi o caso da breve, mas importante,
introdução da tração por sistema de combustão.
Por fim, nunca será demais relembrar os efeitos devastadores que a Grande
Guerra e que a crise social, económica e financeira subsequente provocou em toda a
sociedade portuguesa, levou a que a CCFL no dealbar dos anos 30, fosse uma empresa
hegemónica, senhora da cidade que a acolheu, mas com investimento praticamente
estagnado.
Conclusão
632
Cf. ACCFL, Contratos, 1926.
633
A exceção fora a aprovação de um projeto privado de metropolitano, a 16 de abril de 1924, que visava
atacar o monopólio da Carris. Cf. Sessões, 16 de abril de 1924.
121
A história da Companhia Carris de Ferro de Lisboa e da forma como
revolucionou o transporte em Lisboa é, igualmente, uma história de processos graduais,
de âmbito tecnológico, industrial e político, que lograram alterar progressivamente a
economia e os padrões culturais da cidade. Este estudo, dentro das particularidades
próprias que um trabalho deste tipo exige e que condicionam irremediavelmente o
investigador, permitiu compreender como a tecnologia e inovação, sobretudo na forma
como interage tanto no plano económico como na realidade política, pode ser
condicionada e transformada por exigências que lhe são exteriores.
122
sua construção e exploração fosse normalmente concessionada ao setor privado e, em
muitos casos, a grupos multinacionais634.
634
Cf. Jesús Miras Araujo, “El tranvia como vehículo de configuración urbana. La localizacion de la
actividad económica en la ciudad de A Coruña durante la primera mitad del siglo XX”, in II Congreso de
História Ferroviária, Aranjuez, 2002.
635
Cf. Daniel Alves, A República…, op. cit., p. 58 e ss.
636
Veja-se o estudo introdutório.
637
Cf. Mapa 2.
123
No nosso caso de estudo verificamos que, numa primeira fase, o crescimento
contínuo da população a viver em Lisboa638 e expansão da oferta para as zonas
limítrofes da urbe no final do século XIX, ainda com o modo “americano”, possibilitou
um incremento muito substancial da procura639.Contudo, o uso do sistema elétrico
implicou uma considerável mudança de paradigma dado que, para além de tornar o
sistema de transporte mais fiável e regular, consolidou a procura tendo como
consequência o ininterrupto aumento do número de passageiros, pelo menos, até ao
deflagrar da Grande Guerra havendo, posteriormente, algumas oscilações que nos
remetem para o período de crise que se lhe seguiu.
638
Cf. Gráfico 3.
639
Cf. Gráfico 2
640
Cf. Gráfico 4.
124
operadores para a falência ou, na globalidade dos casos, para a venda do material a
preços reduzidos.
Quanto à oferta de carreiras, notamos que essa dinâmica é menos notória, mas,
em tudo, verdadeira. A data da entrada dessas carreiras ao serviço movidas pelo novo
sistema de tração remonta, na sua grande maioria, à década inaugural de 1900, havendo
alguns prolongamentos, desdobramentos ou ajustes na circulação nos anos
subsequentes, muitas vezes fomentados, como demos conta, tanto pelo crescimento da
procura como pela insuficiência de recursos642. Efetivamente, sobre a rápida
modificação do sistema de tração, juntou-se a opção pelo sistema de carreiras a preços
reduzidos sobretudo em zonas de forte implantação operária, incentivando a procura nas
camadas sociais mais desfavorecidas e que habitualmente não utilizavam o transporte
para as suas deslocações diárias, bem como a prática de horários alargados que se
estendiam pela maior parte do dia, ligando o centro da cidade a áreas semirrurais ou
rurais da zona urbana lisboeta. Assim, à medida que a rede elétrica se instalava,
cresciam os indicadores de utilização643 e de volume de negócios644, corroborando a
ideia de fidelização do público e de atração de novas camadas de população.
641
Cf. Mapa 3 desta tese.
642
Podemos acrescentar que, para o serviço de elétricos, até ao final dos anos 20 apenas duas carreiras se
estrearam, a Ajuda – Rossio (2/8/1927) e Carnide – Restauradores (14/4/1929) estando, todavia, o seu
percurso projetado desde o início do século XX (Cf. ACCFL, Carreiras e Linhas, op. cit.). Estas carreiras
foram o resultado de um novo projeto de alargamento da oferta, já em tempo de Ditadura Militar, em que
a CML autorizou a construção de um conjunto de novos troços. Cf. ACCFL, Contratos, 23 de junho de
1926.
643
Cf. Gráfico 1.
644
Cf. Gráfico 2.
125
De facto, indubitavelmente constatamos que a concessão da CCFL ao consórcio
inglês garantida durante o ano de 1899 e o fluxo de investimento que se lhe seguiu foi
determinante, não só, para o crescimento da rede de carris de bitola nova, mas também
para uma profunda transformação estrutural que visou a importação de conhecimento e
tecnologia, a reorganização fabril, a produção mecanizada baseada no emprego
crescente da força gerada pelo vapor, especialização da produção, e na adoção das mais
básicas regras de apoio social aos seus empregados. Neste momento decisivo, o
Conselho de Administração da Companhia Carris evidenciou-se pela capacidade de
aceleração na mudança, investimento e estratégia, garantindo a penetração da inovação
com saber, participando de forma decisiva na construção de uma rede de transportes que
a montante seria a espinha dorsal da evolução urbanística da cidade de Lisboa.
645
Cf. Jorge Fernandes Alves, op. cit., p. 38.
126
As dissemelhanças que se constatam entre estes dois períodos, − com uma
ligeira interrupção durante a fase inicial do ministério de Sidónio Pais por força das
relações de proximidade que se estabeleceram com o operariado − não sendo elementos
isolados, são fundamentais para perceber os anos posteriores à Grande Guerra e o
combate à crise económica, financeira, política e social que se lhe sucedeu. Fase de
imensa instabilidade na sociedade portuguesa, tendo palco principal em Lisboa valeu,
não poucas vezes, a irregularidade ou a suspensão do serviço por largos períodos, fruto
quer da contestação e ação direta (e muitas vezes com enorme grau de violência) dos
sindicatos ou da Associação de Classe na Companhia646 mas também, da guerra jurídica
que a CCFL travou com a CML com vista à sua própria sobrevivência enquanto
empresa independente e autónoma.
646
Cf. Quadro 5.
647
Cf. Ana Paula Pires, Portugal e a I Guerra Mundial…, op. cit., p. 369.
127
inflação e ao aumento dos preços no mercado, a CCFL impunha a atualização das
tarifas de bordo como condição sob pena de suspensão de serviço por motivo de greve
sem termo previsto. Disso são exemplo os dados que recolhemos e que nos permitiram
construir os Quadro 5, 8 e 9 sublinhando-se, portanto, este paralelismo.
Por fim, resta sublinhar que a construção da rede de carris na cidade de Lisboa
só pode ser entendida na estreita proporção entre os meios tecnológicos, capacidade
financeira, atividade comercial e ligações políticas em que se integraram, por um lado, e
as limitações que estiveram relacionadas com o seu crescimento e desenvolvimento, por
outro. A tudo isto se associa, necessariamente, o papel fundamental desempenhado pelo
investimento inglês na evolução da rede da CCFL, mas também os voluntarismos de
alguns investidores individuais viabilizando a formação de uma empresa capaz de gerar
capital humano e tecnológico, a partir do qual se sustentou uma rede moderna de
transportes. A CCFL ao longo do período em estudo foi, igualmente, hábil em se
adaptar aos distintos contextos políticos, cruzando, é certo, mais constrangimentos do
que estímulos à inovação, mas participou e foi parceiro ativo e permanente no
crescimento da cidade de Lisboa pelos contextos de modernização que colocou ao
serviço da população, não se estendendo só ao campo tecnológico, mas também social,
cultural e político.
128
estratégias comuns, reunindo também os requisitos financeiros necessários para o salto
tecnológico seguinte que, não fora a crise da Grande Depressão teria, certamente,
ocorrido mais cedo: o autocarro como meio de transporte complementar na cidade de
Lisboa.
129
Apêndice documental
130
Quadro 1
Grã-
935 200 68 1,202 77,8 16,6 5,6
Bretanha
648
Cf. Alberte Martinez, “Energy, inovation and transport: the eletrification of trams in Spain, 1896-
1935”, in Journal of Urban Technology, nº 19:3, p. 3.
131
Quadro 2649
649
A Chave de Lisboa, horário oficial dos Vapores Lisbonenses, Companhia Carris de Ferro de Lisboa,
Carros Jacintos, etc. comboios, ascensores, trens de praça, informações diversas, Lisboa, Typografia do
Comercio, 1894.
132
Quadro 3
Carreira G 30 viagens da estação de Santo Amaro para a rua dos Caminhos de Ferro,
e vice-versa;
133
Carreira 30 viagens da Praça de D. Pedro IV para Benfica, e vice-versa.
M
134
Quadro 4
Belém Lisboa 60
Belém Algés 30
Lisboa Algés 80
135
Quadro 5
136
1923 dezembro 1 Tentativa revolucionária
1924 maio 1 Feriado do operariado
1927 fevereiro 2 Revolução
1928 julho 1 Revolução
1931 agosto 1 Revolução
137
Quadro 6
Extensão total das linhas da Companhia Carris de Ferro de Lisboa, medida como
via-simples, (linha em terreno municipal, linha de Algés/Estádio, e linha dentro das
estações, incluindo desvio, passagens e raquetes)650.
2 88,806 19 121,032
4 93,071 21 121,032
5 102,231 22 120,963
6 106,085 23 123,185
7 105,822 24 124,071
8 107,998 25 126,282
9 114,001 26 132,687
11 114,763 28 140,548
12 115,509 29 147,380
14 118,580 1 147,535
15 119,005 2 147,365
16 119,206 3 147,829
17 119,452 4 148,014
650
ACCFL, “Extensão total das linhas da Companhia”, in Coleção de diversos documentos desordenados
relativos a pessoal, admissões, salários, organização e instrução do pessoal do movimento, edifícios e
terrenos, linhas e calçadas, carros e tarifas, 89-E-3260.
138
Quadro 7
Caminhos de Ferro –
Caminhos de Ferro – Belém 10 __ 10 10
Belém
Praça do Brasil –
Praça do Brasil – Alecrim 5 __ 5 __
Alecrim
651
ACCFL, Copiador de Cartas – Correspondência com a CML, nº 6. De 27-10-1919 a 11-6-1921, 86-E-
353.
652
Cf. Sessões, 26 de fevereiro de 1924.
139
Estrela – Santos 12 3 Estrela – Santos 12 3
Campo Pequeno –
Campo Pequeno –
3 __ Caminhos de 3 __
Caminhos de Ferro
Ferro
Circulação – S.
Circulação – S. Sebastião
4 __ Sebastião e Duque 4 __
e Duque de Saldanha
de Saldanha
Gomes Freire –
Gomes Freire – Avenida 10 3 10 __
Avenida
Poço do Bispo –
10 4
Rossio
Poço do Bispo – Rossio 10 6
Graça – Rossio 12 __
Dafundo – Algés –
S. Tomé – Rossio 3 Rossio – C. 15 28
Pequeno
Dafundo – Algés – Caminhos de
15 21 10 __
Rossio – C. Pequeno Ferro – Belém
Santo Amaro –
Alto Pina – Santo Amaro 6 __ 19 12
Arco do Cego
Praça Rio de
Santo Amaro – Arco do
19 16 Janeiro (Príncipe 4 __
Cego
Real) – Avenida
Praça Rio de Janeiro
Praça Rio de
(Príncipe Real) – 4 __ 4 __
Janeiro – Alecrim
Avenida
653
Cf. Idem, Ibidem.
654
Cf. Idem, Ibidem.
140
Praça do Brasil
Praça Rio de Janeiro –
4 __ (Largo do Rato) – 5 __
Alecrim
S. Bento
Praça do Brasil (Largo Praça do Brasil –
5 __ 5 __
do Rato) – S. Bento Alecrim
Estrela – Camões 5 __
Caminhos de Ferro –
Caminhos de Ferro – Belém 10 __ 10 10
Belém
655
Cf. Idem, Ibidem.
656
Cf. Idem, Ibidem.
141
Almirante Reis – Belém 24 12 Almirante Reis – Belém 24 11
Praça do Brasil –
Praça do Brasil – Alecrim 5 __ 5 __
Alecrim
dezembro de 1923
Veículos
em Serviço
Carreira
serviço extraordinario
normal
Benfica – Rossio 9 23
Lumiar – Rossio 9 10
Areeiro – Rossio 3 __
Graça – Rossio 12 __
657
Cf. Idem, Ibidem.
142
S. Tomé – Rossio 3 __
Carmo – Campolide 7 2
Estrela – Santos 12 4
Estrela – Avenida 12 7
Estrela – Camões 5 1
143
Quadro 8
Evolução do preço das tarifas de bordo para os carros ordinários entre 1918 e
1925
Fonte: ACCFL, “Nota resumida das tarifas e diversas alterações havidas, 1914 a 1959”, in
Assuntos diversos para consulta frequente, 86-E-1080.
144
Quadro 9
01/01/1921 - 120$00 -
11/04/1922 - 315$00
01/12/1922 - 367$50 -
23/01/1924 - 550$00 -
Fonte: ACCFL, “Nota resumida das tarifas e diversas alterações havidas, 1914 a 1959”, in
Assuntos diversos para consulta frequente, 86-E-1080.
145
Gráfico 1
1800000
1600000 1614410,046
1569590,45
1499318,338
1454045,843 1472788,194
1400000 1368477,321
1200000 1191026,034
1115722,067
valor em réis
1000000
966175,142
800000
600000
400000
200000
0
1902 1903 1904 1905 1906 1907 1908 1909 1910
146
Gráfico 1 A
70000000
65000000
60000000
55000000
50000000
45000000
valores em escudos
40000000
35000000
30000000
25000000
20000000
15000000
10000000
5000000
0
1910 1912 1914 1916 1918 1920 1922 1924 1926 1928
Anos
Gráfico adaptado a partir de ACCFL, Reports and Accounts of the Lisbon Electric Tramways,
Limited, to be presented at the Ordinary General Meeting of the Company, anos 1910-1928.
147
Gráfico 2
118824952
125002462
121592852
118725708
118810509
112874963
104581427
97422768
92143345
89687293
89566215
83782431
83626321
80806364
80567940
76620194
76434362
75862877
67101249
63758037
58840923
40065125
34067573
30945317
26487573
11412864
10029466
1904
1929
1900
1901
1902
1903
1905
1906
1907
1908
1909
1910
1911
1912
1913
1914
1915
1916
1917
1918
1919
1920
1921
1922
1923
1924
1925
1926
1927
1928
1930
1931
1932
1933
Gráfico adaptado a partir de Relatórios e Contas da Direção e parecer do Conselho Fiscal
apresentados à Assembleia Geral, 1900-1908 e ACCFL, Reports and Accounts of the Lisbon Electric
Tramways, Limited, to be presented at the Ordinary General Meeting of the Company, anos 1913-1933.
148
Gráfico 3
16000000
14000000
12000000
12096647
11381747
10000000
9670808
8000000 8951259
8204576
11686871
7291349 8955744
6000000 6792149
5583731
4000000 4924612
2000000
0
1888 1889 1890 1891 1892 1893 1894 1895 1896 1897 1898
149
Gráfico 4
60000
53922,579
49008,417
40000
37977,896
20000 46460,386
VALORES EM RÉIS
12984,321
0
1888 1889 1890 1891 1892 1893 1894 1895 1896 1897 1898 1899
-20000 -26904,555
-29190,187 -28495,935
-41115,108 -38982,167
-40000
-58591,047
-60000
-80000
150
Gráfico 5
572776,46
534812,91
521586,76
472546,545
452340,17 453755,475
VALORES EM RÉIS
401595,612
376262,065
448876,725
302413,042
410491,793
418128,953
1888 1889 1890 1891 1892 1893 1894 1895 1896 1897 1898 1899*
* VALORES A 30 DE JUNHO
151
Gráfico 6
150
140
130
120
110
100
Valor do Escudo
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
1914 1915 1916 1917 1918 1919 1920 1921 1922 1923 1924 1925 1926 1927 1928 1929 1930 1931 1932 1933
Libra 5,663 6,746 7,032 7,726 7,901 8,196 18,33 39,38 65,08 109,7 134 99,21 94,77 108,4 108,3 108,3 108,3 109,4 100,1 109,1
Valor da Libra
Gráfico adaptado a partir de Instituto Nacional de Estatística e Ana Bela Nunes; Nuno Valério,
“Moeda e bancos”, in História Económica de Portugal, 1700-2000, vol. III, (org. Pedro Lains e Álvaro
Ferreira da Silva), Lisboa, ICS, 2012, p. 256.
152
Gráfico 7
150
140
130
120
110
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35
Anos
1901 a 1935
Gráfico adaptado a partir de ACCFL, “Extensão total das linhas da Companhia”, in Coleção de
diversos documentos desordenados relativos a pessoal, admissões, salários, organização e instrução do
pessoal do movimento, edifícios e terrenos, linhas e calçadas, carros e tarifas, 89-E-3260.
153
Gráfico 8
2600
2500
2400
2300
2200
2100
2000
1900
1800
1700
1600
1500
1400
1300
1200
1100
1000
900
800
700
600
500
400
300
200
100
0
Gráfico adaptado a partir dos estudos do Instituto Nacional de Estatística, Ana Bela Nunes e
Nuno Valério, “Moeda e bancos”, in História Económica de Portugal, 1700-2000, vol. III, (org. Pedro
Lains e Álvaro Ferreira da Silva), Lisboa, ICS, 2012, pp. 259-260 e Nuno Valério, “Os preços em
Portugal”, in História do crescimento económico em Portugal, (org. Jaime Reis, Fátima Sequeira Dias e
Hélder Adegar Fonseca), Ponta Delgada, Associação Portuguesa de História Económica e Social, pp.
247-267.
154
Imagem 1658
658
ACCFL, Monografia: carros elétricos motores. Séries nº 203 a 282, 00-E-3846.
155
Imagem 2659
659
ACCFL, Monografia: carros elétricos motores. Séries nºs 283 a 292 e 293 a 322, 00-E-3248.
156
Mapa 1
660
AFCCFL, Ligação da Central de Santos à Rede Elétrica Nacional, novembro de 1955.
157
Mapa 2
661
AFCCFL, sem cota.
158
Mapa 3
159
Anexo 1
Pasta nº 1, documento 61
Exmos. Srs.
Já que o agravamento do custo de vida demonstra bem claro que, não há quem
possa por cobro, já que a vida das classes proletárias tem dia a dia, agravamento de alto
exagero, o que provado está à evidência, que não há maneira possível ao alcance do
operariado em geral, fazer para a vertiginosa carreira sem escrúpulos, em que os preços
do indispensável à vida , chegaram e continuaram a sua démarche, injustificável em
parte até certo ponto, e tendo nós operários conscientes a ditosa satisfação de que, tais
fins em nada concorremos, lançamos mão, e sem outro recurso, pedir sem dúvida um
terço do que nos era preciso para podermos viver, e criar nossos filhos, que sem dúvida,
amanhã constituirão a força muscular que, como condenados a escravos em face da
organização da sociedade atual, serão futuro desenvolvimento dos vossos capitais, e o
amparo altivo e único sustentáculo na vida dos vossos filhos também.
Deveis compreender senhores, que pugnando nós pelo indispensável pão de cada
dia para estes, equivale a dizer que pretendemos construir a fonte da riqueza das vossas
industrias, que representará decerto, o bem-estar dos vossos descendentes.
Baseando-nos apenas neste ponto, e pugnando ainda pelo direito à vida, que
cabe aos nossos também, que pretendemos deixar de ouvir da boca dos nossos
pequeninos entes a frase “quero pão” tal frase proferida pelos lábios dos nossos entes
queridos, para quem trabalhamos, dá margem e impele-nos de encontro a todos os
revezes e obstáculos que porventura na vida se nos depare.
160
1º - Pedem, pois, os empregados da Companhia Carris de Ferro de Lisboa, um
aumento de $80 diários, extensivo a todo o pessoal desta Companhia;
4º - Que a todo o pessoal supra662 do Movimento lhe seja garantido o seu dia de
trabalho, desde a sua apresentação ao serviço da Companhia, até terminar 8 horas, isto
em dias que se encontrem fora de escala663, e que iguais direitos sejam concedidos aos
auxiliares;
A Comissão:
Julião Custódio
António da Silva
José de Sousa
e José d’Almeida
662
Pessoal tripulante sem serviço fixo atribuído.
663
Serviço “às ordens”, ou seja, a aguardar atribuição de serviço.
161
Anexo 2
Pasta nº 1, documento H3
1º - A Companhia aceita pagar 50% dos aumentos pedidos pelo pessoal com data de 27
do corrente, a partir de 1 de junho, e bem assim o pagamento integral dos
mesmos aumentos logo que seja firmado o contrato em elaboração entre a
Câmara e a Companhia para substituir os atuais contratos em vigor de no caso de
demora quando a Câmara Municipal autorize novo aumento de tarifas cuja
necessidade seja reconhecida pela Comissão nomeada para fiscalizar a aplicação
dos aumentos de tarifas e preparar as modificações convenientes.
3º - A Companhia, como é sua norma, não exercerá quaisquer represálias por motivo da
greve.
4º - Enquanto não for assinado o novo contrato ou modificadas as tarifas, não serão pela
Companhia vendidos bilhetes de assinatura anuais ou semestrais.
162
6º - À Comissão fiscalizadora toma o encargo de dar o seu parecer a novas tarifas no
mais curto prazo não excedendo o dia 30 de junho próximo se até esta data não
houver resolução alguma sobre o novo contrato.
7º - Logo que o novo contrato esteja assinado ou que a Câmara Municipal tenha
autorizado novo aumento de tarifas que seja reconhecido necessário ao
funcionamento da industria da Companhia, o pessoal será indemnizado dos 50%
que completam a totalidade da tabela de salários pelo mesmo pedido e relativo
ao mês de junho.
Almeida Santos
A. A. Freire de Andrade
A. Batista Coelho
O. Kolkhorst
163
Anexo 3
5º – Por sua parte a Companhia declara que, não obstante a Câmara entender o
contrário, os contratos vigentes não a obrigam a emitir bilhetes de assinatura, e que por
isso expressamente ressalva todos os seus direitos a tal respeito, mantendo-os nos
precisos termos dos mesmos contratos e da sua reclamação administrativa.
Sem data
164
Anexo 4664
165
R. dos Anjos – Arco do Cego 1.727
Belém – Belém – St. Amaro 2.273
Caminhos de
Ferro
St. Amaro – Santos 2.466
Santos – P. do Comércio 1.821
P. do Comércio – Caminhos de Ferro 1.773
Areeiro – Rossio Rossio – R. dos Anjos 1.357
R. dos Anjos – Av. Almirante Réis 1.130
Av. Almirante Réis – Areeiro 1.391
Carmo – L. do Carmo – P. do Brasil (Rato) 1.713
Campolide
P. do Brasil – Campolide 1.161
166
Santos – Estrela 1.509
167
Bibliografia
Fontes
1. Arquivos privados
ACCFL665
Diário do Senado
3. Arquivos públicos
4. Publicações periódicas
A Capital;
A Vanguarda;
Dário de Lisboa;
Diário de Notícias;
Ilustração Portuguesa;
665
Segue em infra listagens de documentos consultados no ACCFL.
168
Jornal do Comércio;
O Dia;
O Mundo;
O Século;
Tempo.
5. Fontes Impressas
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169
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Câmara Municipal de Lisboa. Direção dos Serviços de Urbanização e Obras, 1938;
6. Estudos
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7. Recursos on-line
ACCFL
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Monografia: carros elétricos motores. Séries nºs 283 a 292 e 293 a 322, 00-E-
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AFCCFL
185
186