Sociedades Comerciais - Pedro Da Palma Gonçalves PDF
Sociedades Comerciais - Pedro Da Palma Gonçalves PDF
Sociedades Comerciais - Pedro Da Palma Gonçalves PDF
Apontamentos das aulas teóricas do Professor Doutor Paulo Olavo Cunha, das aulas práticas
da Professora Mestre Elisabete Reis e das Lições do Professor Doutor Paulo Olavo Cunha
2018
1. Generalidades
• As sociedades comerciais são o sujeito mais importante do Direito Comercial e um dos
atores mais relevantes da vida social e económica contemporânea. Por tudo isso, merecem
uma disciplina dedicada ao seu tratamento autónomo. O regime societário é lógico e
coerente, intuitivo de compreender.
• Contactos do Professor: poc@ucp.lisboa.pt ou poc@vda.pt
• Início das aulas práticas: 26 de março.
• Teste: 26 de abril.
• Manuais de referência:
o Direito das Sociedades Comerciais – Paulo Olavo Cunha (POC);
o Sociedades - Volume II – Coutinho de Abreu;
o Direito das Sociedades – Engrácia Antunes (!);
o Manual de Direito das Sociedades - Menezes Cordeiro;
o CSC Conimbricense (Coutinho de Abreu) – 7 Volumes (principalmente, 1º);
o CSC Anotado – Menezes Cordeiro.
2
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
3
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
4
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
5
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
6
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
• Lei (Cont.) - Sabemos que do contrato de sociedade resultam disposições que regularão
toda a atividade futura da sociedade comercial. Todavia, nunca um contrato social é
exaustivo na sua regulamentação, operando comummente por remissão para as regras
legais pertinentes. Isto pode levantar sérios problemas que cumpre, sucintamente, referir:
o A revogação da legislação societária coloca graves problemas de aplicação da lei
no tempo. Todas as sociedades nascem num dado momento histórico. Uma
sociedade criada (1950) regia-se, obviamente, pelas regras de então, enquadradas
na autonomia privada relativa aos efeitos jurídicos permitidos. Regras antigas
moldavam essa vontade constitutiva. Que sucede quando um contrato de
sociedade remete para uma regra existente (explicitamente, por remissão
expressa, ou implicitamente, por simples não regulação particular especial),
e essa regra foi revogada ou regulada especialmente posteriormente? Isto é
especialmente sensível quando as regras supletivas legais mudam imenso de um
regime para outro (ex. 1983 vs. 1989). O nosso CSC não foi feliz na regulação
deste problema. Nas normas do diploma que aprovou o CSC, fez-se uma
revogação sistemática, revogando as soluções antigas e todas as que
contrariassem as novas, dispondo o artigo 4º do DL 262/86 (diploma que aprovou
o CSC) que os casos omissos eram resolvidos, no plano dispositivo, pela nova
lei. Nos contratos sociais antigos isto foi um problema grave, pela divergência
quanto às normas supletivas aplicáveis. Como tratar quanto à aplicação da lei no
tempo os efeitos futuros (pós-1 de novembro de 1986) de um facto passado
(constituição da sociedade previamente)? Como aplicar o CSC às sociedades
constituídas regularmente no passado, quando não se previa a alteração de
regime? Passará a solução pelo artigo 12º CC? Sim e não, pois estas regras
jurídicas de força e tradição praticamente supraconstitucional, devem ser sempre
articuladas com o último Título do CSC que estabelece regras especiais que
derrogam esse regime geral em vários pontos. Originariamente, o CSC tinha 545º
artigos, mas hoje subsistem dúvidas quanto à força vinculativa o caducidade de
muitos regimes e regras, como o 544º (parte especial).
• Lei (Cont.) - Mas há outras sociedades que estão sujeitas a leis especiais, função do
respetivo objeto. No plano social, a sua atividade pode ser de tal maneira relevante, que
a sociedade fica sujeita a um conjunto normativo mais rigoroso e mais desenvolvido que
as normas gerais do CSC. Falamos nisso, por exemplo, quando têm um especial impacto
na economia, como as sociedades financeiras, seguros, bancos, etc. Objetos banais não
são regulados em lei especial, mas quanto maior a complexidade, maior a probabilidade
de sujeitar a normas especiais. Para lá do CSC, que outros diplomas relevam?
o CVM (Códigos dos Valores Mobiliários) – com relevância para objeto de
direitos (VM) e não pelo sujeito (SC), com incidência sobre a Sociedade
Anónima Aberta (13º-29ºA). O CSC regula as ações como espécie de VM,
enquanto participações em sociedades anónimas (39º-107º CVM); este diploma
regula ainda vicissitudes dos VM, quanto ao modo de emissão e de transmissão
– ofertas públicas (108º a 197º CVM). Se se suscitar uma oferta pública de
sociedade aberta, ela é regulada pelo CVM. A 1 de março entrou em vigor o
CVM e foi objeto de inúmeras alterações.
o CRCom (Código Registo Comercial) – visa dar publicidade a atos relevantes que
devem ser objeto de atos públicos; que operações revem ser inscritas para dar a
conhecer ao público em geral? Este CRC responde a esta questão.
o CC (Código Civil) – 980º e ss., quanto à regulação do contrato de sociedade civil,
pois o CSC remete, por vezes, para essas disposições legais.
7
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
o CPC (Código do Processo Civil) – diploma que efetiva o direito de ação judicial
para tutela de direitos e posições jurídicas; nomeadamente os artigos 380º a 382º
e 1048º a 1071º.
o CIRE (Código da Insolvência e Recuperação de Empresas) – importa a empresas
e pessoas singulares, mas é relevante para as sociedades comerciais em especial.
o Regime jurídico da SAE;
o Lei da Concorrência;
o DL 160/87 de 3 de abril (emissão de obrigações no âmbito das SPQ);
o RNPC (nomeadamente, quanto à firma e denominações);
o Regime jurídico das SGPS;
o DL 111/2005 (Constituição imediata de sociedades)
o DL 125/2006 (Constituição on-line)
o DL 129/98 (Registo Nacional de Pessoas Coletivas)
o Outros diplomas avulsos que permitam efetivar certar regras quanto a outros tipos
sociais – como o diploma que permite às sociedades por quotas emitir obrigações.
• Jurisprudência – não se reconhece, no nosso ordenamento, qualquer vinculatividade de
precedente à jurisprudência, como nos regimes anglo-saxónicos, mas isso não significa
que não estejamos perante um modo de revelação de normas jurídicas (não de formação
ou criação). Os tribunais servem o importante desígnio de clarificar o conteúdo de normas
pouco claras ou precisas. A jurisprudência dá-nos o modo como as decisões sem
suscetibilidade de recurso entendem em cada momento o ordenamento jurídico. Os
cultores do Direito não são tanto os alunos ou os Professores, mas os que decidem, os
juízes dos tribunais superiores;
• Doutrina – a doutrina é constituída pela opinião dos jurisconsultos, construída com base
em tudo o que cada um dos juristas cria em estudos seus. A doutrina societária antes do
CSC era bastante incipiente e as fontes eram muito escassas – muito pouca gente escrevia
a matéria, primeiro Professor Pinto Coelho (desde 1911 Lisboa) e o Professor Ferrer
Correia (Coimbra), Vasco da Gama Lobo Xavier, Fernando Olavo (títulos de crédito e
comercial) e Raúl Ventura, curiosamente, professor de história do Direito e pai do CSC,
maior comercialista societário de sempre em Portugal; Paulo Sendin, Paulo Olavo Cunha,
Engrácia Antunes, Fátima Ribeiro, Armando Triunfante, Daniela Batista, Fátima Gomes,
na FDL os comercialistas têm base civilista, como Menezes Cordeiro e Pais de
Vasconcelos, Ana Perestrelo de Oliveiro, na Nova Rui Pinto Duarte, Caetano Nunes,
Coimbra, Coutinho de Abreu, Cassiano Santos, Pedro Maia, etc. Novamente, estamos
perante uma fonte de mera revelação de normas, não de criação.
O CSC foi objeto de muitas revisões - todas descritas no Manual do Professor - mas que
faremos, agora, algumas referências:
8
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
• Fator pessoal - no qual, para além do trabalho de uma comunidade de pessoas que na
direção e na produção asseguram o seu funcionamento, releva a própria conceção do
empresário na sua estruturação, ou seja, na organização dos diferentes fatores produtivos
de modo a integrá-los numa mesma finalidade funcional;
9
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
• Fator patrimonial - constituído por todos os bens e elementos com valor económico
unificados pela função unitária a que estão adstritos.
Compreendemos, assim, que a sociedade comercial é a forma jurídica da empresa
comercial – organização de fatores produtivos destinada ao mercado para distribuição de
produtos, seja mercado primário ou secundário (produtiva ou retalhista). Esta noção
apriorística funda-se no regime basilar do artigo 230º CCom, que somente exige que a empresa
se “proponha” à realização de atos de comércio, antecipando, assim, a qualificação de todos os
atos jurídico-mercantis, O regime fundamental desse artigo garante, desse forma e
simultaneamente, uma dupla qualificação: da empresa, como empresa comercial, e dos seus atos,
como atos de comércio.
A empresa comercial prossegue uma atividade comercial e o 230º CCom visa alargar
este escopo - o escopo dos atos de comércio da empresa. Repita-se que o artigo 2º nada interessa
para a matéria relativa às sociedades comerciais. Assim, cada potencial comerciante deve
encontrar a forma jurídica adequada à atividade económico-lucrativa que quer prosseguir, por
forma a promover o ganho. A sociedade comercial implica um objeto que potencie o lucro ou,
pelo menos, que o permita. É verdade que existem autores que dispensam o lucro como
característica da sociedade (Evaristo Mendes) – e, de facto, pode-se ser sociedade só para criar
outra, mas deve-se, pelo menos, potenciar o lucro, ainda que não o crie direta e necessariamente.
O lucro está sempre presente.
Toda a atividade “socialmente” comercial pode ser tratada por sociedades comerciais e
ser, como tal, juridicamente comercial? Não. Nem tudo. Por exemplo, as atividades agrícolas
têm um objeto que impede a sua qualificação subjetiva - o que nos é dito, desde logo, pelos
parágrafos excludentes do 230º CCom. Estes parágrafos desempenham a função fundamental de
nos esclarecer que a empresa comercial se funda, essencialmente, no chamado risco de capital,
assumido pelo empresário. Isto prende-se pelo facto dos parágrafos negativos do 230º excluírem
do seu rol uma série de atividade que não se caracterizam pelo risco de capital, mas por riscos
diversos, tais como o risco do fator trabalho ou do fator terra/clima.
Contudo, existem muitas entidades que se designam como tal e parecem verdadeiras
sociedades comerciais (ex. “sociedade agrícola do vinho casalinho”). Uma sociedade que
explora uma atividade vitivinícola, produz vinho e o comercializa é uma empresa acessória
ou essencial? É uma empresa acessória à empresa agrícola, pois é esta que suporta o risco da
terra, da colheita. Contudo, nem uma nem outra são empresas comerciais por culpa da referida
ausência do risco de capital. As entidades agrícolas não são sociedades comerciais, mas
sociedades civis sob forma comercial, cuja consequência de regime resulta do artigo 1º nº4
– aplicação do CSC em tudo o permitido pela teleologia, a partir do artigo 980º CC.
Apesar da importância do regime do 230º e da fundamentalidade dogmática das suas normas
excludentes, a realidade demonstra-nos que, cada vez mais, a forma qualifica a substância. A
relevância dos fatores distintivos acima enumerados tem vindo a perder importância, e
verificando-se o predomínio da forma sobre a substância estamos perante uma modulação
radical de toda a estrutura económica – se eu constituir a empresa como sociedade
comercial, posso fazê-lo por si só, independentemente da verificação se estou perante uma
pequena empresa ou grande empresa ou se o fator clima é mais determinante do que o fator
capital. Assim, a realidade económica demonstra-nos que existem diversas empresas que
encaixariam nas alíneas excludentes do 230º mas que funcionam plenamente e reconhecidamente
sob a forma de sociedade comercial, extraindo todas as consequências de tal qualificação.
O artigo 980º avança um conceito de sociedade comercial, mas o Professor menoriza a
sua relevância. O mesmo faz o artigo 1º nº2 CSC, como as sociedades que tenham a prática de
10
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
atos comércio como objeto (contratos comerciais, potencialmente lucrativos, ainda que em
concreto possam não ser, se os custos ultrapassarem o retorno) e uma forma societária concreta.
Assim, deve ser proposto um outro conceito, segundo Paulo Olavo Cunha: A sociedade será
comercial quando se proponha à realização de atos de comércio (celebração de contratos
comerciais) ou de uma atividade económica empresarial nos termos do artigo 230º, com fins
lucrativos. O conceito de sociedade comercial engloba, assim, quatro elementos:
11
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
12
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
1.5.5. Sumário
De entre todas estas, qual o modelo de referência? O regime paradigmático será o regime
das sociedades anónimas, sendo que muitas respondem aos problemas por remissões para o seu
13
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
regime. Por outro lado, também se remete imenso para o regime muito desenvolvido das
sociedades por quotas. São estas duas as mais importantes sociedades do nosso ordenamento
jurídico-societário.
14
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
15
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
Estas sociedades unipessoais têm mais um aspeto relevante. No contrassenso ontológico está
o facto de que o ato constitutivo é um contrato apesar de ser subscrito por um titular somente, não
havendo diversificação de efeitos, no máximo existem dentro do sócio único e da entidade
autónoma. As sociedades unipessoais podem converter-se em sociedades plurais. Pode ser
alargada, sendo que dos primeiros passos prendem-se com a atualização da firma, para tutela de
terceiros.
Nota: Atenção ao regime do 84º!
16
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
assim, mas somente ficam assim quando fazem um IPO (initial public offering), ou um
aumento público de capital, ou uma oferta pública de venda.
• Sociedade Anónima Simples – dificilmente acessível ao público em geral, de subscrição
fechada. É ainda possível identificar subtipos desta modalidade, quanto à
transmissibilidade:
o Sociedades Anónimas Familiares – são bastante fechadas e podiam, na realidade,
ser facilmente substituídas pelas sociedades por quotas, pois usam as exceções à
livre transmissibilidade (328º e 329º).
o Sociedades Anónimas Paradigmáticas – as que não sendo grandes, correspondem
ao essencial deste tipo social, caracterizada pela total liberdade de circulação.
A partir da Reforma Societária de 2006 acrescentaram-se subtipos:
• Sociedade anónima (tout court), qualquer que seja a sua dimensão – familiar (328º e
329º), pequena ou média -, disciplinada pelas normas do CSC, com exceção daquelas que
forem unicamente aplicáveis à “grande” sociedade anónima ou à cotada.
• Grande sociedade anónima, à qual se aplica o CSC em geral, com as especificidades
impostas pela razão da respetiva dimensão (em especial, 413º nº2 a), 374º-A, 396º nº1,
414º nº4 e nº5, 423º-B, nº4);
• Sociedade anónima aberta (não cotada) regulada pelas disposições do CSC e sujeita
ao regime mais rigoroso do CVM (13º a 29º);
• Sociedade anónima aberta cotada, à qual se aplicam, para além dos preceitos
normativos comuns a qualquer grande sociedade anónima ou sociedade aberta, as regras
próprias e específicas constantes do CSC (77º nº1, 414º nº6 e 423º-B nº5).
17
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
• Modelo clássico ou latino – esquema que existiu desde sempre no nosso ordenamento,
nomeadamente desde 1888: AG, CA, CF. Submodelos (diferentes quanto à fiscalização):
o Modelo clássico simples – Com uma AG, composta por um sub-órgão da mesa
da AG, presidente e secretário (374º). A AG escolhe os órgãos sociais, no modelo
clássico isto é sempre assim: escolhe o órgão de gestão e o órgão de fiscalização.
O órgão de gestão pode ter composição singular ou plural, para ser singular,
precisa de ter capital social inferior a 200 mil euros (composição do CA – 390º
nº2). É muito adequado a sociedades anónimas familiares. O conselho de
administração tem um mínimo de 2 membros, naturalmente. O nº de
administradores deve ser adequado à dimensão da sociedade anónima. Quando o
18
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
19
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
20
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
Nota: 8º CSC – sociedades comerciais formadas por cônjuges. Fixa o regime que os cônjuges
podem participar na mesma sociedade comercial se só um deles tiver responsabilidade limitada.
21
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
perante sociedades comerciais (objeto prática de atos de comércio). Esta participação não
é especialmente relevante quando as outras sociedades empreendem uma atividade
análoga, pois não diversificam a atividade económica. Por isso a lei distingue entre os
artigos 11º nº4 e nº5, entre participações com objeto análogo à participante e com objeto
distinto. Se um supermercado compra participações nos media, exerço diretamente a
atividade de supermercado e indiretamente a atividade de media. Este tipo de
investimento diversificado merece maior cuidado da lei, pois os sócios não podem ser
surpreendidos com a diferença no objeto da atividade principal prosseguida pela
sociedade. Nos artigos 481º e ss. consta este regime, mas limita-lo a certos tipos
societários e ao espaço geográfico sujeito às regras. Em princípio, as regras desta norma
e das seguintes iriam-se aplicar essencialmente a situações que envolvem apenas o espaço
jurídico português, para colidir com ordens jurídicas estrangeiras, através da participação
deslocalizada por diversos ordenamentos jurídicos. Quanto aos tipos societários a lei foi
clara e limitou a aplicação do fenómeno às sociedades de responsabilidade limitada
(quotas, anónimas e comanditas por ações quanto aos sócios comanditários), pois o que
se está a afirmar é que os sócios respondem somente por um limitado património, a
participação que subscrevem no capital social da sociedade. A sociedade em si tem
sempre uma responsabilidade ilimitada por todos os atos que praticam. Se apresenta um
património superior ao capital social, é normal que para a satisfação das dívidas concorra
o património. Veremos isto quando tratarmos o património e o capital social, mais
adiante. Como se diferencia, aqui, o fenómeno jurídico e o fenómeno económico? No
passado, o que caracterizava os grupos societários com objeto diferente era serem detidos
pelos mesmos participantes sem que nenhuma das sociedades participasse no capital de
outras, apenas uma relação indireta pela titularidade de participações. O fenómeno de
grupos teve uma base essencialmente económica. Sociedades podem ter os mesmos
sócios e ser diferentes, sem qualquer ligação entre si. Os grupos económicos evoluem
para os grupos jurídicos e para a participação de Direito, agora permitia-se que uma
sociedade detivesse participações noutra sociedade, sujeitando ambas a um conjunto de
regras diferentes às sociedades isoladamente consideradas. A lei vai configurar de forma
diferente as situações de coligação, partindo da admissibilidade da relevância de situações
muito simples que se consubstanciam nas chamadas relações de simples participação no
capital de outra sociedade, para situações em que podemos na realidade reconhecer que
a relação nas sociedades envolvidas é articulada, movendo-se como se tivessem interesses
comuns, formando um grupo de sociedades em sentido jurídico. Grupos de sociedades
podem participar:
o Simples – 483 e 481º - para o nosso direito há relação se uma sociedade de
responsabilidade ilimitada detiver uma participação de 10% ou mais no capital
de outra, podendo haver uma relação de participações recíprocas, no capital uma
da outra, com o relevo dos 10% do capital social pelo menos (485º), ou mesmo
uma relação de domínio, quando uma sociedade pode influenciar
dominantemente o exercício de outra (486º, nomeadamente as presunções do nº2,
onde a primeira presunção é a participação maioritária no capital, a segunda é a
maioria dos direitos de votos, a terceira é o poder por influencia de um
instrumento alheio poder designar os órgãos de administração – importa ter em
conta que esta sociedade terá outros interesses a atender, importando articular os
interesses dos demais sócios ou acionistas, pois ainda que minoritários merecem
uma determinada proteção),
o Complexos ou totais:
▪ Detenção da totalidade do capital da sociedade participada (ex. 488º e
270º a));
22
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
▪ Não obstante não ser participar no capital da outra, existe articulação por
outro instrumento que pode ter uma configuração estritamente técnico-
jurídica, designadamente de natureza contratual. Uma sociedade ter a
direção societária de sociedade que não é por ela participada mas que
tem relação de subordinação, ou seja, em que tem poder de direção sobre
a atividade da outra (493º);
• (Cont.) a lei distingue o domínio total (ex. primeira sociedade a adquirir na sua formação
– “sociedade subsidiária integral” - ou sociedade com domínio total superveniente; tudo
tem a ver com o facto de se considerar que uma sociedade participe em outra com pelo
menos 90% faz sentido que possa adquirir o remanescente – a chamada “aquisição
potestativa” que não viola o direito fundamental de propriedade, mediante fixação de
preço ao valor de mercado por um ROC -, designadamente por efeitos de aquisição de
participações sociais – é o chamado domínio quase total (194º e 197º - OPA). Quem tem
as participações minoritárias de 10%, tem direito de vender as suas participações com
maior facilidade à sociedade maioritária participante. Uma das principais questões que se
coloca quanto a este problema tem a ver com outros dois fenómenos:
o Um diz respeito precisamente à configuração da gestão das sociedades
dominantes em situação de grupo e à configuração do proprio interesse social da
sociedade participada e à responsabilidade do sócio único. Se há uma identidade
entre a participante e a participada ou entre a diretora e dirigida ou entre a
subordinante e subordinada, então todos os efeitos que seriam exigidas, devem
ser depostos para a gestão da dominante, a qual tem poder de dar instruções
vinculantes à sociedade participada. Se a gestão da participada não quiser, a
sociedade de trás pode ordenar, e os administradores de baixo só podem obedecer
ou resignar. O interesse social da participada e a sua posição frequentemente se
desloca para a esfera da sociedade dominante, pois aí não há interesses de
acionistas para satisfazer. Se a sociedade for totalmente participada ou dominada,
significa isto que não terei de atender aos interesses de outros sócios ou acionistas
– 413º nº2 al. a).
o Se alguém é socio único, tem poder total, logo tem de ter um regime diferente de
responsabilidade, e aqui entra o artigo 83º (responsabilidade solidária) e 84º
(responsabilidade civil por obrigações contraídas na pendência do seu domínio
total se se provar que não houve o rigor contabilístico exigível às situações
passivas da sociedade dominada – houve confusão de patrimónios e não
permitiram que os bens que participaram na dominada deviam ser afeitos à
satisfação de participações sociais). A aplicação do disposto nos artigos 501º e
504º por efeito ou remissão do 491º propugnam a responsabilidade do sócio único
de uma sociedade dominada subsidiária integral. Isto aplica-se numa situação de
domínio quase total, mas a relação de grupo cessa nos termos do 489º nº4.
Nota: 3 momentos do domínio societário.
Nota: Relação de grupo paritária, quando há igualdade de poder.
Nota: Criar uma intuição própria – compreender os conceitos, não decorar.
Qual a diferença, então, entre SGPS e grupos de sociedades? Elas diferenciam-se em
função do objeto – as SGPS têm um objeto exclusivo de uma sociedade económica indireta,
mantendo-as com a estabilidade e montantes mínimos enumerados acima. Nos grupos, há
diferenças de objeto, pois têm um objeto comercial imediato e direto.
23
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
24
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
da SC). Por outro lado, é preciso considerar que a lei estabelece limites no 6º nº3 à
contração de garantias reais ou pessoais quando não tiver interesse próprio ou não
haver relação de grupo com a sociedade garantida. Claro que a garantia pode estar
associada a interesse próprio, se adequada a prosseguir o interesse social da SC – mas
inexistindo justificação para favores a terceiros com ganhos próprios a lei entende
que não é admissível, violando normas imperativas, o que padece de vício de
nulidade. Mas o próprio 6º estabelece que as cláusulas do contrato de sociedade ou
as deliberações tomadas pelos sócios e que estabelecem a obrigatoriedade da
sociedade prosseguir um determinado objeto não constituem obstáculo à prática de
atos pela sociedade pelo que não limitam a sua capacidade. Simplesmente, tais
cláusulas constituem os representantes da sociedade em respeitarem e não excederem
os poderes consagrados na previsão – mas se as cláusulas criassem restrições à
capacidade da sociedade, ela podia validamente eximir-se a assumir-se os efeitos
jurídicos negativos de negócio celebrado, por isso o 6º nº4 diz-nos que a restrição não
afeta a capacidade jurídica.
11. Nacionalidade
É o vínculo político de cidadania entre uma entidade singular ou coletiva e um Estado.
Qual é o problema da nacionalidade? É saber qual a ordem jurídica a que ela esteja sujeita, quais
as normas materiais a que ela se encontra sujeita. A forma de compreender pode ser a inscrição
no registo comercial. O artigo 3º define a lei pessoal que rege as SC pela sua sede principal e
efetiva de administração. A sede estatutária não pode ser invocada para ludibriar a direção efetiva
da sociedade (33º CC).
O aspeto mais importante tem a ver com a alteração da sede da sociedade para um espaço
jurídico diferente do da Constituição, obriga uma reapreciação do contexto onde ela vive, o que
pode alterar as regras direta e indiretamente aplicáveis, pois ela terá de adaptar a lei fundamental
interna, o contrato social às exigências da nova ordem jurídica. Daí a lei obrigar a uma fasquia
elevada (3º nº5, de ¾ do capital social) para autorizar a transferência. A própria lei na mesma
norma permite que os desagradados possam exonerar-se: direito unilateral do sócio se afastar da
sociedade e receber uma contrapartida financeira correspondente à sua participação na sociedade.
25
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
opção de estilo, pois as expressões designam realidades, agora, idênticas: a lei fundamental da
sociedade. Ainda assim, deve-se distinguir hoje entre:
• Tipo Social e identificação das partes – o tipo social adotado (1º nº3 CSC) deve ser
explicitado, como decorrência do princípio da tipicidade. Nomes ou firmas e outros dados
de identificação de todos os sócios fundadores também devem ser inseridos (9º nº1 a) e
b) CSC);
• Firma – nome ou denominação que individualiza o comerciante ou empresário mercantil
no exercício da sua atividade comercial, bem como a empresa coletiva ou sociedade
comercial. A sua adoção constitui uma obrigação mercantil (18º CCom e 9º nº1 c) CSC).
A firma está sujeita ao princípio da verdade, da unidade e da exclusividade ou novidade.
A firma pode revestir dois significados:
o Sentido objetivo – logótipo – caracteriza o local onde comerciante desenvolve a
sua atividade (antigo nome do estabelecimento).
o Sentido subjetivo – nome – elemento identificador e individualizador do
comerciante (sociedade) na respetiva atividade comercial e em função do qual
ele beneficia de uma determinada tutela. A “firma-nome” costuma implicar o
nome dos sócios fundadores, por exemplo. Diferentemente, a “firma-
denominação” costuma individualizar a sociedade por referência à sua atividade
especificamente desenvolvida.
• Objeto social – nos termos do artigo 9º nº1 d) e 11º nº1 e nº2 CSC, o contrato social deve
nomear a atividade económica específica a desenvolver pela sociedade que, em
determinadas circunstâncias, permite determinar a sua comercialidade (por exemplo, se
fizer referência a "agrícola”, poderá não ter natureza comercial). Contudo, nada impede
a sociedade de adotar um objeto social bastante indeterminado (ex. Importação e
exportação de mercadorias diversas) ou mesmo múltiplo (múltiplas CAE – classificações
de atividades económicas), não obstante deva existir sempre um principal, para efeitos de
tributação da sua atividade;
• Sede – o contrato de sociedade deve mencionar a sede ou domicílio da sociedade (9º nº1
e) e 12º), devendo corresponder ao centro da vida da sociedade, ao local onde se tem por
contactada sempre que for necessário, nomeadamente através de meios oficiais que
26
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
27
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
possa vir a gerar meios em montante superior aos custos que venha a enfrentar – ou seja, garantir
esse diferencial positivo, permitindo não apenas ressarcir os investidores pelo investimento, mas
também distribuir os ganhos obtidos.
No momento do arranque, o capital social confunde-se com o património social e com o
capital próprio da sociedade, formado pelas disponibilidades feitas pelos sócios suscetíveis
de avaliação pecuniária. A sociedade tem os bens que são necessários para custear os custos de
arranque. Contudo, esta coincidência não se verifica necessariamente, como veremos, a propósito
do ágio ou prémio de emissão.
Como o capital social é uma cifra constante e imutável expressa em moeda corrente, ele
mantém-se, pois faz parte do contrato de sociedade e as variações que possa ser objeto,
positivamente ou negativamente, são variações que implicam uma alteração do contrato social.
As variações positivas são os aumentos de capital social, e as variações negativas são
reduções do capital social. Quando se começa, planeia-se quanto é que se vai precisar,
propriamente ou de terceiros, para arrancar o negócio. Depois, pode suceder uma de duas coisas:
que se venha a verificar, por qualquer razão, que aqueles montantes disponibilizados não são
suficientes para ela prosseguir a atividade, vou precisar de mais meios e vou pedir aos sócios que
se aumente o capital (por exemplo, de 1M para 2M). Estas variações positivas parecem simples
de compreender.
No entanto, as variações negativas também podem ocorrer. Que funções têm essas reduções
de capital? Porque é que acontecem? Sucedem em duas situações opostas:
• Libertar bens que existam em excesso (1M inicial mas não precisava de tanto, porque as
receitas são tão rápidas que o milhão nem foi gasto) – reembolsar o que os sócios pagaram
a mais, pois a sociedade não precisas deles, são improdutivos;
• Ocorrência de perdas patrimoniais enormes, com um desgaste muito acelerado do
património da SC, que se situa francamente aquém do capital social (1M inicial que nunca
se vai recuperar pela atividade normal, somente restando 250 mil). É a sociedade a dizer
ao mercado que aquela cifra já não reproduz a realidade, para compatibilizar com o
património societário subsistente, cobrindo os prejuízos que sobrevieram. É os sócios a
reconhecer que perderam uma parte do investimento. Isto não se confunde com o write
off, uma declaração de incumprimento.
Exemplo: Vamos imaginar que formamos uma SC (5 pessoas). Temos um projeto para uma
atividade que queremos desenvolver. Combinamos afetar um dado montante em dinheiro ou
espécie que entregamos à sociedade de modo a que essa sociedade tenha um património social de
arranque igual ao capital social – montante que nos permitirá concluir se estará predisposta para
uma maior ou menor dimensão. 50.000.00€ será uma pequena SA, se for 500.000.00€ será uma
grande sociedade. O património começa a sofre variações desde o primeiro dia, todas as variações
constantes do cumprimento de atos jurídicos necessárias à prossecução das suas finalidades
(trabalhadores, imóveis, seguros, etc.). É evidente que não se vai gastar tudo de uma vez. O capital
não tem de ser realizado de uma vez, Os cinco fundadores subscreveram esse capital, mas pode-
se prever que inicialmente só se aplica 20%, depois de um ano mais 30%, depois os restantes
50%, etc. Se ela ficar sobrecapitalizada, esse capital será improdutivo, o que é mau para os
investidores. Podem acordar que põem o mínimo necessário e o mais virá com as receitas que se
espera obter. O património varia sempre e constantemente, mas o capital social não varia, pois é
a cifra constante e imutável correspondente às entradas iniciais dos sócios. Quanto às variações
de capital, há uma certa analogia entre o contrato de sociedade e o casamento – só ao início é que
é fácil obter um consentimento generalizado, depois disso fica cada vez mais complicado. Só
28
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
pode haver diferimento nas entradas em dinheiro, os bens em espécie têm de ser obrigatoriamente
prestados à entrada. Já é fácil perceber que, se a sociedade sofre um revés e tiver uma grande
dívida, não será à custa dessa cifra que a dívida é satisfeita, mas do património (conjunto de
bens expurgados das situações jurídicas de sinal negativo ou conjunto de direitos e
vinculações suscetíveis de avaliação pecuniária).
Nota: No regime do CSC, os sócios só entram em mora quando interpelados pela sociedade para
cumprir, estejamos ou não perante uma obrigação a prazo – no regime geral, ou são a prazo e o
devedor entra logo em mora, ou deve ser interpelado a cumprir para se entrar no regime de mora.
No momento de arranque, os custos vão superar as receitas da sociedade, logo estes custos e
despesas devem ser assumidos e suportados pelos bens que correspondem ao capital social.
Quando a sociedade não dispuser de bens suficientes para a atividade que necessita, está
subcapitalizada. Com o passar do tempo, normalmente, as coisas começam a correr melhor.
Começa-se a observar o ganho ao 3º ou 4º ano, quando as receitas começam a superar as despesas
e o investimento é recuperado (o capital social é recuperado, colocando-se de novo o património
ao nível do capital social). A sociedade só tem lucros para distribuir quando o património
superar o capital social. Só se pode distribuir ganhos quando isto acontecer, pois se se
dispusesse do capital social para remunerar o mesmo, perdia-se ainda mais. Isto significa
que o capital social é intangível (!!!).
O capital social tem duas vertentes relevantes:
29
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
com o património societário e este deve ser conservado em detrimento das pretensões diretas dos
credores pessoais dos acionistas, ficando somente ao alcance dos credores sociais. O capital
social é o ponto de referência da situação económica da sociedade, funcionando como
medida, em relação à qual se determina se no decurso do funcionamento da sociedade
resultou acréscimo ou diminuição do património social. Quando o património se encontra
acima dessa medida, dizemos que a sociedade registou lucros, quando o património se
regista abaixo dessa medida, diz-se que sofreu perdas.
Nota: Com a liberalização do capital das SQ (DL 33/2011), o qual passou a ser meramente
simbólico, os credores deixaram de estar adequadamente garantidos pela regra legal que consagra
a intangibilidade do capital social (32º) para passarem a encontrar apoio somente no regime do
33º, que limita, em dadas circunstâncias, o reembolso de bens aos sócios. Isto leva-nos a
questionar a justificação prática do princípio da intangibilidade do capital social no âmbito das
SQ, dada a sua potencialidade de posicionamento no mercado com uma responsabilidade quase
nula. Neste sentido, pouca lógica terá defender a intangibilidade para as SQ.
É verdade que nos primórdios doutrinários, quando se concebeu a intangibilidade do
capital social, este não tinha esta função, mas sim um desígnio mais básico. Antigamente, havia
dificuldade em isolar o património das pessoas singulares do das pessoas coletivas com
património autónomo. Originariamente, o que este princípio fez foi dizer aos credores pessoais
dos sócios de uma sociedade que se tivessem um crédito sobre esses sócios não podiam acionar
o património da sociedade pois ele era in(a)tangível por todos - menos pelos credores sociais.
No máximo, o credor pessoal de um acionista pode executar as participações sociais,
fazendo suas as ações detidas pelo devedor, tornando-se, então, sócio, também tutelado pelo
princípio da intangibilidade do capital social.
Depois de constituído o capital social, os sócios devem, por imposição legal, reforçá-lo,
proteger esse capital social de uma maneira simples, recorrendo todos os anos o capital social a
uma reserva (obrigatória por lei), para cumprir prejuízos que possam vir (295º e 296º). A lei
determina que os sócios devem todos os anos deliberar a afetação de uma parte do lucro de
exercício não inferior a 5% para uma reserva legal obrigatória, o que é mesmo que reforçar o
dique com sacos de areia. Quando se prevê uma catástrofe natural, tenta-se remendar com meios
tradicionais. Os sacos de areais são as reservas legais obrigatórias, que devem ir até 1/5 do capital
social (5% dos ganhos de cada ano até perfazer 20% do capital social). As reservas não
distribuídas também estão sujeitas a intangibilidade (32º). Esta matéria será adiante desenvolvida.
O aumento do capital social pode ocorrer por uma dupla via:
30
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
• Posição do Professor - é melhor constituir logo a reserva legal e distribuir o resto como
lucros do exercício. Esta solução é melhor porque se fica mais próximo do momento de
distribuição aos sócios, adiando-se o pagamento dos prejuízos.
• Contabilistas - deve-se cobrir logo o prejuízo.
Do interesse da sociedade extraímos que se se constituir uma reserva legal e se se for obrigado
a reforçá-la sempre, atrasamos a distribuição de resultados e obrigamo-nos a ter mais bens antes
de lucrar os investidores. Mas depois dos prejuízos cobridos, e afetados 5% ao reforço da reserva
legal, o que faço com o remanescente que está acima do dique? Esses lucros são distribuíveis,
pois não são necessários para reforçar reservas legais ou pagar prejuízos. Distribuo pelos sócios
ou acionistas na proporção das entradas ou posso não dispor deles, entregar metade e subscrever
o resto a reservas livres, constituídas voluntariamente pelos sócios (para enfrentar uma situação
de crise, investir, distribuir a qualquer momento).
Se uma sociedade comercial constitui-se reunindo os bens necessários para o exercício
da atividade económica que visa prosseguir, isso significa que a primeira preocupação é de se
capitalizar devidamente. Esta é uma realidade que não se sente de igual modo em todas as
sociedades comerciais, mas mais nas que se baseiam numa aglutinação de meios.
Há circunstâncias que implicam a variação do capital social, que é menção obrigatória do
contrato social e que só pode mudar com regras específicas. Sabemos do Direito das Obrigações
que os contratos alteram-se por consenso dos intervenientes na sua criação. No Direito das
Sociedades Comerciais iremos ver que o conjunto das regras básicas constantes do pacto social
que rege a sociedade alteram-se com maiorias variáveis – desde a unanimidade nas SNC, como a
maioria relativa ou qualificada nas SA. Isto é outra concretização do princípio da intangibilidade
do capital social. O que acontece é que uma modificação da cifra constante e imutável expressa
em euros que reflete a soma das participações iniciais dos sócios, para mais ou para menos, vai
carecer da participação ativa dos sócios. Ela não diz só que os credores pessoais dos sócios
“não podem mexer no património social, somente no património pessoal dos sócios”, mas
também que os próprios sócios não podem mexer nos bens societários se eles não forem
suficientes para cobrir o capital social e as reservas que se tenham constituído que servem
para reforço desse mesmo capital social.
31
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
ou a sociedade pode procurar um desequilíbrio entre o custo de participação social individual dos
sócios, dizendo que todos devem realizar o capital social mas parte deles irão suportar um custo
adicional que constitui um acréscimo patrimonial sobre o montante que irá ser destinado ao capital
social.
Exemplo: Imagine-se que vamos afetar um montante com um custo ao capital social, que outros
não terão de suportar. Tenho um capital social de 1M e posso dizer que para além deste milhão
todos irão contribuir, dentro das suas parcelas de 1 euro, com a realização de mais 50 cêntimos
por cada uma das participações. Neste caso, o prémio será constituído por meio milhão. Cada
sócio, por cada participação social individual que vale 1 euro, terá de prestar mais 50 cêntimos,
como prémio. Assim, a sociedade terá um capital social de 1M e 500 mil euros, recebidos a título
de prémio ou ágio. Qual é a vantagem disto?
• É que o capital social (1M) é intangível, ao passo que o montante do prémio (500 mil)
integra as reservas legais e pode seguir diversos fins:
o Incorporação no capital social ou conversão em bens disponíveis como reservas
livres, o que confere muito maior espaço de manobra à sociedade comercial –
pois a sociedade pode arrancar com milhão e meio, mas, a dada altura,
compreende que precisa de muito menos do que isso para funcionar. A prestação
do prémio ou ágio só faz sentido no momento fundacional se for prestado por
apenas alguns acionistas e não por todos, caso contrário só é lógica nos momentos
subsequentes. Assim, o ágio, em regra, tem relevância em sede de acerto do valor
económico das participações sociais.
O capital social é intangível, mas ele não é guardado no cofre, ele existe para ser usado,
para ser aplicado. Ele existe como cifra do contrato social, mas como também enforma o
património social da empresa, pode desaparecer na prática, ainda que por breves momentos, para
dar vida à sociedade no seu momento fundacional. Ao ser utilizado ele vai variar, de forma
negativa, depois começa a haver perspetivas de rendimento e ele retorna, etc. No final faz-se o
balanço, e diz-se que a sociedade obtém um ganho quando os resultados espelharem uma situação
superior ao seu arranque.
Só muito dificilmente é que, iniciada a sociedade, ela volta a estar numa situação igual à
fundacional, de coincidência entre o património e o capital social. A sociedade não pode retirar
bens dela enquanto não se superar o valor da cifra, do capital social, enquanto os bens não
transbordem o dique – isto é a essência do princípio da intangibilidade.
(1) Caso prático para perceber a intangibilidade do capital social: Por isso, se o capital se
perder – se se constitui uma sociedade com capital social de 1M e a dado momento regista um
imóvel de 500 mil euros, depósitos de 150 mil e não tem dívidas; o que lhe aconteceu? Se
decorreram uns anos, esta sociedade teve uma vida positiva ou negativa? O que é que ela ganhou?
Começou com um milhão e tem 650 mil de ativo. A situação é negativa, a sociedade ainda não
ganhou dinheiro nenhum. Porque é que o capital social, contabilisticamente, se inscreve no
passivo, no quadro do balanço? Porque o capital social só é distribuído quando o ativo transbordar
o capital social – isto visa assegurar que no ativo existam bens em valor superior para que possa
ocorrer uma distribuição lícita aos sócios. Só a sua inscrição no passivo evita que o valor
correspondente seja entregue aos sócios, como se de lucros realizados se tratasse, antes mesmo
de serem satisfeitos os credores pela importância equivalente. No nascimento, os sócios fazem
um “depósito à ordem” na sociedade, neste caso, de 1M. Se a vida correr bem, o que sucede? As
receitas da sociedade são maiores que os custos – a certa altura acrescentamos mais 1M ao
património. Começamos com 1M e temos mais 1M, ou seja, ao todo, 2M! Registo na rubrica de
resultados transitados: neste caso, de 1M. Se vivêssemos apenas com a intangibilidade do capital
social única e exclusivamente centrado no mesmo, o que sucederia? Diríamos que quando
32
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
chegássemos a esta situação, teríamos 1M de euros para distribuir. Se fosse esta realidade na
máxima simplicidade, a intangibilidade significaria que se poderia dispor de 1M ao final do ano.
Contudo, a lei diz-nos que a sociedade tem de gerar bens que constituam uma reserva de valor a
acrescentar ao capital social. A lei impõe, no 295º (LER) que essa reserva seja correspondente a
5% do lucro do exercício, reserva essa, indisponível. Por outras palavras, está sujeita ao mesmo
regime do capital social (32º também refere). Assim, em vez de ter resultados transitados de 1M,
sem ter prejuízos para cobrir, tenho de colocar na reserva legal obrigatória 50 mil e obtenho
resultados transitados de 950 mil. Os 50 mil das reservas legais obrigatórias acrescem ao 1M do
capital social, englobando a mesma rubrica – tenho o capital social e uma reserva legal intangível.
O capital social é garante dos credores (sendo que o garante real é o património) pois significa
que se a sociedade está a distribuir lucros, dele consta uma parcela reservada à satisfação das
dívidas sociais, correspondente a 5% dos lucros. Ademais, diz que a sociedade está de boa saúde,
a distribuir lucros e a gerar capital próprio significativo. Quando a reserva atingir o montante de
1/5 do capital social, então não tenho mais nada a reservar e posso distribuir tudo! Tudo isto para
saber se a sociedade tinha uma vida feliz. Tínhamos visto que não. Se tem só 650 mil, quando o
capital social era de 1M, então averba prejuízos de 350 mil. A vida corre-lhe mal – compreender
isto é basilar.
(2) Caso prático para perceber a intangibilidade do capital social: vamos supor que a
sociedade em vez de ter um depósito de 150 mil tem um depósito de 650 mil - isto significaria
que a existência da sociedade seria feliz. A sociedade tinha ganho 150 mil euros de lucros (650
mil + 500 mil). Vamos supor que tem dívidas a um terceiro, no valor de 1M e 200 mil e o terceiro
quer executar a dívida resultante de mútuo – ele sabe que a sociedade tem um capital social de
1M, depósitos à ordem de 650 mil e um imóvel de 500 mil. O que é que ele pode fazer? Mobilizar
o património social para pagar a dívida – só poderá pagar 1M e 150 mil, ficando “a arder” em 50
mil. A cifra é APENAS um valor de referência. O CAPITAL SOCIAL NÃO PAGA DÍVIDAS,
ainda que tenha correspondência no ativo, claro, porque foi aplicado. Neste caso, a vida corria
mal porque perdeu tudo o que se investiu e ainda ficou a arder em 50 mil. O capital social “não
existe”! Existe no momento fundacional, reflete-se no ativo e é rubricado no passivo.
O património social, que está em permanente mutação, é, em sentido amplo, o conjunto
de direitos e vinculações suscetíveis de avaliação pecuniária – é ele que responde, sempre, pela
pelas dívidas sociais, constituindo a sua garantia efetiva.
O património líquido ou capital próprio (aquele que nos interessa) é a diferença
aritmética entre os créditos (ativo ou património ilíquido) e as dívidas (passivo) sociais.
Há somente uma única ocasião em que o capital social é tangível e paga dívidas: se ele
ainda não foi totalmente realizado pelo sócio participante, revestindo, assim, uma dívida do
sócio para com a sociedade, que esta pode e deve acionar em caso de incumprimento para
com terceiros. Aqui sim, a sociedade pode procurar sacar o dinheiro a cada um, pelo qual são
responsáveis. Este é o único desvio, quando o capital social não fio realizado/entregue na íntegra.
O capital social não garante aos credores no pagamento de dívidas. Por isso, os sócios podem
querer aumentar o capital, para se tornar mais fácil obter um efeito positivo para eles e mais difícil
fica para os credores acionarem, mas podem querer reduzir o capital para mais facilmente
disporem dos bens excendentários. As reservas existem para cobrir os prejuízos, mas podem
desaparecer quando se registe um ano desastroso – tal como o capital social, são valores fictícios,
cifras, que representam valores aplicados.
O capital nos diversos tipos societários é diferente. Ele é essencial nos tipos de
responsabilidade limitada onde não pode haver entradas de indústria (SQ e SA), mas menos
importante nas SNC ou SC. Como nos dizem os artigos 277º nº1 e 202º nº1, todas as entradas têm
de ser em dinheiro ou em espécie (271º e 197º nº1). Nos tipos inicialmente indicados, existe um
33
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
mínimo de realização. Como iremos ver, o capital pode ser realizado em dinheiro ou em bens em
espécie: bens que não dinheiro, mas penhoráveis, suscetíveis de avaliação pecuniária. Uma vez
afetos passam a fazer parte da titularidade dessa sociedade. Nas SA, os acionistas devem realizar
o mínimo de 30% do montante mínimo do capital social em entradas em dinheiro, que é 50 mil
euros (275º nº3 e nº5). Nas SQ, o capital social pode ser simbólico e pode ser de 1€ por cada
sócio. Ser dotado de uma estrutura forte é um grande passo para a credibilidade social da empresa.
Como referimos, o ágio ou prémio de emissão é algo que tem mais sentido a propósito
dos movimentos positivos do capital social e do seu reforço, porque é um expediente utilizado
para introduzir correções. Os ágios são mencionados no 295º nº2 a) como reservas legais
especiais, pois irão integrá-las para depois seguirem diversos caminhos que resultam do 295º nº3.
Em regra, o ágio se se reportar a entradas de capital como ações deve ser de montante
correspondente ao diferencial entre o valor nominal ou de emissão das ações e a quantia que os
respetivos subscritores disponibilizarem à sociedade.
Exemplo: Se eu como acionista, realizar uma ação com o valor nominal de 1 euro, posso
disponibilizar à sociedade uma quantia adicional e suportar 50 cêntimos a títulos de prémio de
emissão. Porque é que devo ter de suportar mais do que o valor da ação? Em termos aritméticos
é indiferente, entregar 1€ ou 1,50€ a título seja do que for - e vai tudo para a sociedade, indo parte
para rúbrica das reservar legais obrigatórias e o resto para a rúbrica do capital social. Mas se
olharmos para o 296º e 32º, vemos que a distribuição estará condicionada aos bens que superem
a soma do capital social e das reservas que a lei ou contrato não permitam distribuir aos sócios.
Portanto, se a reserva especial não for composta por bens livremente disponíveis, os bens são
também protegidos.
O ágio utiliza-se para introduzir correções com base no princípio atinente ao facto de que
devendo a participação social exprimir-se num dado valor designado valor nominal – por regra,
o valor da sua realização, impera que todas as participações da sociedade devem ser do mesmo
valor nominal – todas as criadas no momento da constituição e todas as criadas no momento do
aumento de capital social. Com capital social de 1M e 1M de ações, cada ação tem o valor nominal
de 1€ (valor nominal da ação = capital social a dividir pelo nº de ações). Se amanhã quiser reforçar
o capital para ter mais bens, devo emitir ações com o mesmo valor nominal das existentes.
Exemplo: Imaginemos que a sociedade se constitui nestas condições e no momento seguinte (2
ou 3 anos depois, não interessa), as ações apresentam um valor real (de mercado) de 1,50€. Isto
é, o valor real aumentou, ou seja, a sociedade está mais valiosa: valia 1M no momento da
constituição e agora vale 1M e meio (valor de 1 ação =1,50 x 1M de ações com valor nominal de
1€). Assim, as ações tiveram uma valorização de 50%. Por cada ação de 1 euro que vendesse,
pagavam-me 1,50€. Mas eu quero continuar nesta sociedade e quero valorizá-la. Vou ao mercado,
pois os que constituíram a sociedade já não têm bens e tento fazer aumento de capital social para
angariar bens, cativando todos os interessados a participar na sociedade. Se vou ao mercado à
procura de outro milhão, para ter capital social de 2M, se for junto do mercado procurar a
subscrição do capital social pelo valor nominal, significa que vou ao mercado emitir 1M de novas
ações, ou seja, os novos acionistas que não integravam a sociedade vão pagar 1€ pelas novas
ações. Isto é bom? Sim, porque estão a ter acesso a uma sociedade saudável a um baixo valor de
mercado. E para quem já era acionista? Para estes, é um mau negócio, pois perdem poder e valor
nominal relativo. Assim, passamos a ter 2M e meio de valor real de participações o que, com 2M
de participações, significa 1,25€ de valor nominativo. Assim se demonstra que os sócios que
entraram adquiriram ações a valor vantajoso e os sócios que já existiam perderam valor. 1,25€
pois se antes se tinha 1M de ações que valiam 1,5M, com 2,5M de ações, o seu capital deve ser
dividido por 2, perfazendo 1,25€. Antes, tinha 1M de ações e valia 1M e meio, cada ação valendo
1,50€. Acrescentei 1M por cima, valendo não 1,5M mas 2,5M. Assim, quem está na sociedade
perde 0,25€ e quem entra ganha 0,25€. Entre o 1M de arranque e o 1,50 do primeiro resultado
34
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
houve somente uma valorização da empresa, porque a vida lhe corria bem. Todas as ações, todas
as partipações sociais valorizaram. Valiam 1€ (valor nominal) e passaram a valer 1,50€ (valor
real), pois a sociedade valorizou-se de 1M para 1,5M (valor do ativo societário). Depois a
sociedade pediu mais capital, porque quer crescer, logo vai à procura de acionistas, mas só posso
emitir ações com o mesmo valor nominal das existentes (1€) e se eu for ao mercado vendê-las a
terceiros, permito que eles se aproveitem do acréscimo de valor que já estava na sociedade, por
isso o terceiro percebe que é uma ótima oportunidade de negócio. A ser assim, só um grande
samaritano faz a operação. Isto é masoquismo. Não posso oferecer de bandeja 0,25 a quem entra
na festa a meio. Tenho de dizer que isto é muito bom, por isso vendo-o por um valor justo. Coloco
1M no mercado, mas quem vier, paga 1€ mais 1 prémio de 50 cêntimos (valor real) – paga ágio
de 50 cêntimo e 1,50€ por cada ação. Assim, em vez de ficar com uma sociedade a valer 2,5M
após o aumento de capital, fico com uma sociedade a valer 3M (valor real 1,5 x 2M, e já somente
vezes 1M de ações), e então no momento seguinte ao aumento de capital, já não tenho o que tinha,
1M de ações a valer 1,50€ cada uma, mas 2M de ação a valer 1,5M cada uma, pois divido aqueles
500 mil para igualar a introduzir correções. O tal ágio foi para uma reserva legal especial
pertencente a todos os sócios, tanto dos novos como dos velhos. Se o aumento de capital fosse
feito apenas com os sócios iniciais na proporção das suas participações, era indiferente, pois tinha-
se mais ações mas com menor valor relativo de cada uma. Por isso, a lei prevê que quando haja
um aumento de capital exista um direito legal de preferência dos sócios/acionistas previsto nos
266º e 458º frente a terceiros, para se houver algum desequilíbrio, tal não venha a acontecer, de
facto. O que era normal era que os que entrassem não pagassem um ágio de apenas mais 50, pois
ainda assim é ótimo negócio! Eles não arriscam nada porque a sociedade já arrancou, já carbura,
por isso o ágio existe para haver um ganho indireto de quem já está a bordo e compensar
negativamente quem entra para a festa quando esta já bomba. Por isto mesmo, no momento de
arranque não faz sentido haver ágio, porque todos suportam os mesmos riscos, a operação é
sempre neutra.
2.1.2. Reservas
Por princípio, não existem desde o início, pois correspondem a contribuições que vão
sendo feitas para reforçar os meios financeiros da sociedade e proporcionar assim uma maior
estabilidade, representando, em alguns casos, o adiamento da distribuição dos lucros após
resultados positivos. As reservas são reguladas no CSC nos artigos 295º e 296 (SA) e 218º (SQ)
por remissão para as SA. São várias as reservas/contribuições que a lei considera ou equaciona:
35
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
5% dos lucros de cada exercício até ter 2500€ de reserva legal obrigatória. Estas reservas
legais obrigatórias podem ser usadas para:
o Cobrir os prejuízos que resultem do balanço e que não possa se coberto pelos
lucros do exercício;
o Aumentar o capital social por incorporação das reservas (que, posteriormente,
deverão ser refeitas) – o que pode parecer paradoxal, pois falamos de aumentos
por incorporação de reservas legais, não reservas livres…;
• Reservas legais especiais – Tem-se especialmente em atenção o regime do artigo 295º
nº2, onde se prevê a criação de reservas especiais para diversos efeitos:
o Nº2 al. a) e nº3 e nº4 - Ágios obtidos na emissão de ações, ou obrigações com
direito a subscrição de ações, ou obrigações convertíveis em ações, em troca
destas por ações e em entradas em espécie;
o Nº2 al. b) - Saldos positivos de reavaliações monetárias que forem consentidas
por lei, na medida em que não forem necessários para cobrir prejuízos já acusados
no balanço;
o Nº2 al. c) - Importâncias correspondentes a bens obtidos a título gratuito, quando
não lhes tenha sido imposto destino diferente, bem como acessões e prémios que
venham a ser atribuídos a títulos pertencentes à sociedade;
o Nº2 al. d) - Diferença entre o resultado atribuível às participações financeiras
reconhecido na demonstração de resultados e o montante dos dividendos já
recebidos ou cujo pagamento possa ser exigido relativamente às mesmas
participações.
• Basicamente, podem resultar de três caminhos:
o De determinadas contribuições feitas para a sociedade que a lei impõe um regime
legal dado, para que não sejam utilizadas pela própria sociedade;
o De reavaliações que sejam efetuadas ao abrigo de uma determinação legal e que
aumentem o valor de bens de que a sociedade dispõe num determinado momento;
o Da própria lei, que imponha que para assegurar determinados bens que a
sociedade tenha, ou determinados direitos de que seja titular, essas reservas sejam
constituídas em dado montante (295º e outros do CSC).
• (Cont.) Também se reconduz a reserva especial os montantes correspondentes a
participações próprias da sociedade (ações ou quotas da própria sociedade, o que não
pode suceder no início da sua vida) – 324º nº1 b), in fine (via 220º nº4). Este princípio
conhece uma outra aplicação no âmbito do CSC no domínio das SA, mais concretamente
no artigo 463º nº2 b), in fine, segundo o qual é possível deliberar a redução do capital
social por extinção de ações próprias se forem extintas unicamente ações liberadas,
adquiridas por meio de bens distribuíveis, e desde que seja constituída reserva especial,
sujeita ao regime do 296º, em montante correspondente ao valor nominal das ações
extintas. Contudo, à cabeça destas reservas estão os ágios, suportados pelos sócios para
ter acesso ao capital da sociedade (custo adicional). Os ágios podem não apenas resultar
de entradas em dinheiro relativas a ações, mas podem também ser prémios pagos pela
subscrição de ações de uma sociedade (operação de emissão de dívida). A questão mais
interessante quanto a estas reservas, que também podem ser constituídas no montante de
bens gratuitamente disponibilizados à sociedade, é que a reserva legal especial está sujeita
ao mesmo regime da legal obrigatória (296º) - isto apesar de não visar assegurar ou
garantir como contrapartida uma determinada situação contabilística, mas sim impedir
que os bens que lhes correspondam sejam mal empregues. Se a sociedade tiver ágios,
nada impede os sócios ou acionistas de promover um aumento de capital para as integrar
no mesmo, e depois fazerem uma redução por libertação de excesso, para poder distribuir.
Isso significa que posso usar reservas legais (especiais) para as tornar reservas livres?
Olhamos para o 296º e tal não parece ser possível. Mas pode-se aumentar o capital social
36
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
por incorporação de reservas legais especiais (91º e ss.), e isso podia ser ludibriado por
redução de capital (94 e ss.). Posso fazer isto, não obstante a reserva legal especial visar
que os bens que lhes correspondem não sejam disponíveis pelos sócios, pela proximidade
que tem com o próprio capital social (contributos dos acionistas com ágios). Sempre que
a reserva de capital não vise garantir uma situação contabilística (ex. 324º b), via 296º) –
o ágio ou se transforma em reserva livre e é distribuído, ou cobre perdas, ou é incorporado
em capital social para se fazer uma redução e ser distribuído -, tal será possível. Certos
tipos de sociedades, como as instituições de crédito podem estar legalmente obrigadas a
possuir reservas legais superiores (97º nº2 RGIC).
• Reservas livres – correspondem aos lucros de cada exercício que sejam distribuíveis mas
não foram distribuídos aquando da aplicação de resultados de cada exercício.
Representam a acumulação de lucros, a não ser que resultem da conversão de reservas
legais especiais. A todo o tempo podem:
o Ser distribuídas, por deliberação dos sócios (31º nº1);
o Cobrir prejuízos do exercício ou transitados de exercícios anteriores (296º b) e
c));
o Ser incorporadas no capital social (91º nº1, nº2 e nº4 c)).
• (Cont.) Designam-se livres, por poderem ser livremente distribuíveis (dentro do princípio
da intangibilidade do capital social) e não estão sujeitas ao regime das reservas legais.
• Reservas estatutárias – o contrato de sociedade pode impor que uma parte do lucro de
exercício possa ser aposta a uma reserva até perfazer um dado montante, que pode
constituir o reforço da reserva legal, ou a afetação obrigatória de uma percentagem do
lucro para um “fundo de reserva estatutária”. São, hoje, muito raras e o CSC nem sequer
as menciona autonomamente.
• Reservas ocultas –. Decorre do facto de os bens da sociedade não estarem avaliados pelo
seu valor real de mercado atual. Latentemente existe um montante que não está inscrito
no balanço, pois os seus bens sociais podem ter sido objeto de uma subvalorização
contabilística. O seu valor poderá ser superior ao capital de arranque! Há mecanismos
que visam garantir que os bens não sejam sub nem sobrevalorizados. Se forem sobre,
tenho património inferior ao capital social, mas se foram sub, tenho património superior
ao capital social. Estas reservas ocultas são indesejadas, logo a lei exige que os bens em
espécie sejam avaliados por um ROC independente. Em vida da sociedade, podem
sempre vir a crescer reservas ocultas, pois os bens sempre valorizam e desvalorizaram.
Neste momento, tudo é mais volátil e é compreensível que suceda – por exemplo, no
mercado imobiliário. A lei, contudo, não permite sem mais que se disponha destas
reservas, pelo que para serem declaradas deve haver uma reavaliação dos bens, que só
sucede mediante leis especiais (ex. lei que revalorize valores de imóveis). Não podem,
tão pouco, ser distribuídas pelos sócios enquanto não forem objeto de avaliação no
balanço – 33º nº3 CSC (Paulo de Tarso Domingues extrai deste preceito um princípio
geral de inadmissibilidade deste tipo de reservas).
o Reservas de reavaliação - são a diferença positiva entre o valor dos bens que se
tinha antes e os que se registam depois da reavaliação, podendo seguir o regime
das reservas legais. Só constituem uma categoria autónoma quando utilizadas
para cobrir prejuízos (295º nº2 b)). Estas reservas resultantes da reavaliação
positiva de bens no ativo imobilizado da sociedade podem ser convertidos em
reservas livres mediante deliberação dos sócios ou acionistas? O Professor
entende que sim, visto que podem ser incorporadas no capital social por aumento
de capital e depois distribuídas por redução subsequente (libertação do excesso)
– com salvaguarda, sempre, da reserva legal mínima (95º nº1 – 1/5 do capital
social da sociedade comercial).
37
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
• Reservas de fusão – quando duas sociedades fazem uma fusão (união total de ambos os
património), elas juntam os capitais sociais e as duas cifras correspondentes. Se não
sofreram qualquer reajuste, pode-se determinar um novo capital social que pode não
corresponder à soma aritmética das sociedades fusionadas. Se isso acontecer, a diferença
entre a soma pura e o novo capital, integrará a rubrica das reservas de fusão. Estas podem
ser convertidas em reservas livres e ser distribuídas. É uma operação contabilística.
38
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
39
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
▪ Capital de risco;
▪ Project finance;
▪ Garantia mútua.
Nota: O mais habitual é, no começo da vida da sociedade, haver adiantamentos de tesouraria que
se converterão em contratos de suprimento.
Isto contrapõem-se à sobrecapitalização – o problema é qual? É que o que está a mais não
se usa, é improdutivo, logo podia estar a render; quando isto acontece, reembolsa-se quem o
prestou, por uma de várias razões:
• Má previsão ab initio;
• Conjuntura especialmente favorável;
• Redimensionamento negativo – planeavam explorar 5 mercados, mas ficam por 4.
Nota: A “lavagem de dinheiro” é o único motivo para fazer uma sobrecapitalização consciente,
pelo menos em grande escala. Em pequena escala, até pode fazer sentido, para impressionar a
competidores ou investidores.
40
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
qualidade pessoal, difere bastante do modo como as sociedades de ações são perspetivadas,
caracterizadas por unidades de valor estandardizadas, constituídas por um complexo de direitos e
vinculações. Um jurista alemão diz que nas SA há um direito social de participação autónomo,
logo uma pessoa é tantas vezes sócio quanto o nº de ações que detiver em cada momento, pois os
direitos são das ações e não das pessoas em concreto que as possuem à partida, quanto mais ações
se detiver, de maior prorrogativas nos revestiremos. Já nas SQ, por terem a pessoa do sócio como
eixo determinante, a amplitude da intervenção será praticamente indiferente independentemente
do montante da participação que detenha.
Ainda assim, há exceções. Não obstante o direito se endereçar às ações, existe o direito do
artigo 385º (unidade de voto) – cada acionista tem de utilizar as ações para manifestar a sua
vontade num mesmo sentido. Isto é um pendor pessoalista no seio da realidade objetiva das SA.
Através de uma lógica diferenciada, concluímos que o fundamento das sociedades comerciais
não é uniforme. Em todas as sociedades de pessoas (releva a qualidade de sócio), quando a
sociedade é constituída ela é organizada e estruturada em razão dos seus sócios, para que através
dessa organização, desse ato constitutivo, determinada pessoa se torne sócio e tenha um estatuto
concreto. É nítido nas SNC ou mesmo nas SQ. Em outros tipos, como as SA, o que releva é o
investimento financeiro – não tem interesse em desenvolver pessoalmente a atividade, mas querer
arriscar capital para obter um retorno financeiro satisfatório, seja certa (dividendos) ou incerta
(diferença entre valor de compra e de venda da participação) a mais-valia. É só isto que
fundamenta as SA? Não, nem quanto às pequenas e médias sociedades anónimas nem quanto às
grandes, pois no momento da constituição pode haver um verdadeiro interesse em prosseguir uma
dada atividade, seja como quem for, mas é sempre isso que sucede no momento de variação
positiva do capital social em vida de qualquer SA. Em vida da sociedade essa diferenciação é
gritante em todos os que entram a meio da festa. Como nas SQ só se pode ter uma quota (salvo,
por exemplo, aquisição de uma quota social por aquisição derivada translativa mortis causa), a
sociedade não funciona tanto em torno destas.
As razões justificativas da aquisição da qualidade de sócio ou - para poder abranger também
uma correta caracterização das SA - as razões justificativas da aquisição da participação social,
são as seguintes:
• Aquisição do estatuto de sócio como meio adequado para o obter o próprio estatuto;
• Aquisição do estatuto de sócio como investimento financeiro para obter um ganho certo
ou incerto.
Uma pequena nota para dois princípios determinantes no domínio societário, que são
particularmente importantes no plano do sócio acionista:
• Igualdade de tratamento dos sócios – a lei não faz referência específica a este princípio,
embora o trate sempre, pois em razão dos direitos e vinculações todos devem ter um
tratamento equitativo e não se deve avantajar um em relação a outros – só no âmbito das
SA (321º) releva explicitamente, a propósito da aquisição da sociedade das ações
próprias. Quando a lei diz que todas as participações devem ser tratadas de igual forma,
segundo o 302º, por concederem direitos idênticos, isso significa que não devem ser
discriminadas – salvo se a tanto a própria natureza do caso obstar (321º, in fine), por
exemplo, quando estivermos perante ações de categorias diferentes. Então, em geral,
numa SA, todas as ações de uma categoria merecem o mesmo tratamento. Isto é que está
subjacente ao aumento do capital e a participação nesses aumentos por parte de cada sócio
em razão da sua participação no capital da sociedade. Esta matéria também tem
afirmações no CVM, como o artigo 15º, 112º, 197º. Este princípio também releva
41
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
42
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
Se as coisas não estiverem a correr bem, ele pode não fazer nada, simplesmente desinteressar-
se pela sociedade – ela não tem qualquer dever de cuidar do bem. Não este que não devesse existir
de iure condendo, mas de iure condito não faz sentido porque aumenta a responsabilidade.
Em suma, podemos concluir que a situação do sócio nas SA é de uma crescente objetivização
da participação social (contratualismo), ao passo que se verifica uma crescente pessoalização nas
SQ (institucionalismo). Os tipos sociais afastam-se, gradualmente, um do outro. É
suficientemente ilustrativo o facto de que nas SQ os direitos são, por via de regra, distribuídos
por igual e indiscriminadamente a todos os sócios (ex. 214º nº1, 216º, 248º nº2 e 24º nº3), ao
passo que nas SA o exercício de determinados direitos pode depender da detenção de um dado
número de participações sociais (288º nº2, 291º nº1, 379º nº1 e 2 e 24º nº4 e 6).
Independentemente de tudo isso, o derradeiro fundamento redunda sempre na autonomia privada.
• Cumprir as entradas:
o De indústria;
o De capital:
▪ Em dinheiro (inclui cheque);
▪ Em espécie (bens avaliáveis pecuniariamente e penhoráveis).
• Quinhoar nas perdas.
Nota: Exemplo de ónus (posições omitidas que podem despoletar consequências negativas para
quem as omitiu) – propositura de uma ação de anulação no prazo de 30 dias após a AG, sob pena
de caducidade do direito de impugnar a deliberação ferida de anulabilidade. Exemplo de
expetativa jurídica – sempre que a lei o permitir, como a situação que existe entre a deliberação
de aprovação de um balanço e contas do exercício do qual resultam lucros distribuíveis e a
deliberação de aplicação de resultados relativamente a esse mesmo exercício (direito aos lucros –
regra geral, 50%, como veremos – 217º e 294º).
• Prestações acessórias;
43
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
• Prestações suplementares.
Os direitos mais relevantes – situações jurídicas ativas - são (21º):
44
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
45
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
46
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
47
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
48
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
49
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
Nota: Não importa falar nas classificações das obrigações dos sócios, apenas saber que umas são
imprescindíveis e outras não.
• Direitos sociais gerais – caracterizam a situação jurídica típica do sócio ou acionista pelo
seu conteúdo;
• Direitos sociais especiais – não caracterizam a situação jurídica típica e não são
atribuídos a todos os sócios, consubstanciando situações jurídicas de vantagem de uns
sócios relativamente a outros.
A lei estabelece de forma imperativa os direitos que correspondem à estrutura essencial da
sociedade (ex. 21º nº1 a) – direito aos lucros), que são indispensáveis ao seu funcionamento (ex.
21º nº1 b) – direito de voto) e, supletivamente, outros direitos, impondo-lhes, em certos casos,
limites legais imperativos (ex. direito de exoneração).
Esquematizemos os direitos gerais (21º SC), com base no seu conteúdo:
50
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
51
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
52
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
53
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
são, de um modo geral, atribuídas a pessoas com especial relação com a sociedade, nomeadamente
na sua fundação (sócios fundadores ou promotores). A especialidade como o grande critério de
diferenciação, reside precisamente nessa satisfação de interesses pessoais (em sentido diverso,
Ac. TRL 19.04.1988). Estas vantagens especiais são previstas pelo artigo 16º e 279º nº6 al. b) e
nº8. Falemos em particular quanto às SQ, porque nas SA dependem das categorias de ações (24º
nº1 e nº4 CSC) – adiante desenvolvidas.
Nas SQ, são em regra direitos que atribuem uma situação de vantagem a um ou alguns sócios
e que em princípio só podem ser alterados com o seu consentimento, devem constar do contrato
de sociedade, que deve escrever inequivocamente que se traduz duma situação de vantagem. Não
se deve generalizar o direito especial e torná-lo comum, sob pena de se perder o seu caráter
diferenciador (24º nº4). Naturalmente que a inderrogabilidade não poderá fazer parte do conceito
de direito especial. Todavia, constitui, pelo menos, um vetor de estabilidade contratual, pois só
pelo consentimento do sócio titular ele pode ser alterado, suprimido ou derrogado em vida da
sociedade.
Esta modificação será feita pela alteração do contrato social – se o direito foi determinante
para o sócio entrar, é natural que ele tenha de consentir na sua extinção por forma a aceitar
continuar – ele não pode estar à mercê da maioria, mesmo qualificada (24º nº5, salvo se se
prescindir, expressamente, do consentimento do seu titular, in fine). Quando este artigo fala em
“regras legais em contrário”, remete-nos para disposições como o 257º nº3, in fine e o 531º nº2.
Do 24º nº6 consta uma norma especial que regula este “consentimento” no seio das SA, tendo em
vista a viabilização do seu normal funcionamento (389º nº2, 383º nº2 e 386º nº3). Caso a
deliberação não obtenha o consentimento do respetivo titular, tem-se por ineficaz (55º) quanto ao
titular do direito especial. Se ele ignorar a deliberação, ela será inexistente até ao momento da sua
hipotética ou eventual confirmação.
A incorporação de direitos especiais é substancialmente mais simples na fundação da
sociedade, pois que em vida, a alteração do contrato social nesse sentido não avantaja somente o
sócio agraciado, mas comprime ablativamente as posições de todos os demais - por exemplo,
quanto ao direito a quinhoar nos lucros - numa altura de difíceis consensos (ao inverso do que se
passa na fundação, em que todos “remam para o mesmo lado”). Há quem equacione, numa
posição de não parece absurda ao Professor, a aplicação analógica do regime do 86º nº2 em defesa
de todos os que vêm as suas posições insuportavelmente comprimidas com uma alteração
estatutária em favor de um determinado sócio – todos os demais ficam quantitativamente
enfraquecidos, ainda que qualitativamente na mesma. Claro que esta reflexão releva somente para
os direitos especiais de cariz patrimonial.
Pode haver casos em que a própria lei ou sócio queiram limitar os direitos especiais. No
contrato de sociedade podem ser atribuídos direitos especiais de forma temporária – que
derrogabilidade só depende de consentimento até um prazo específico. Exemplos de direitos
especiais:
54
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
55
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
qualquer vantagem relativa para adquirir especialidade por não ser alterável sem o
consentimento dos respetivos titulares (todos os sócios), salvo justa causa. Outro direito
especial muito próximo deste, mas que dele se distingue, é um direito que visa assegurar
ao respetivo titular o controlo na escolha da gerência. Falamos no direito especial de
designação de gerentes: um sócio poderá indicar, normalmente por períodos limitados no
tempo, correspondentes à duração contratual do mandato, um ou mais gerentes.
• Direito especial de ser nomeado liquidatário em caso de cessação de atividade (151º)
– em conclusão, este direito pode ser concedido a um sócio, sob a forma de direito
especial. No entanto, este direito decorre supletivamente para todos os gerentes em caso
de liquidação da sociedade na falta de previsão contratual.
Nos termos do artigo 24º nº3, salvo disposição contratual diversa, os direitos especiais de
conteúdo patrimonial são transmissíveis com a respetiva quota. A cessão de quotas arrasta consigo
os direitos sociais especiais de cariz patrimonial. Os outros, que padeçam de conteúdo
patrimonial, sendo eminentemente intuitus personae, não se transmitirão com a quota. Todos os
direitos são, em princípio, são transmissíveis, mas o contrato social pode estabelecer
diferentemente. O “salvo estipulação em contrário” aplica-se à parte final do artigo, onde se
postula a intransmissibilidade dos direitos sociais especiais de cariz não patrimonial? Em
princípio não, aplica-se só à possibilidade que a lei concede de não se transmitir os patrimoniais,
não os demais (não obstante a natureza intuitu personae de ambos).
56
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
referência). O lucro é o benefício da atividade social resultante das contas – a diferença positiva
entre as receitas geradas num certo exercício e as despesas e custos suportados em igual período.
A distribuição de lucros tem de ser objeto de deliberação dos sócios (31º), que devem deliberar
autonomamente sobre a aplicação de resultados gerados no exercício anterior (376º nº1 b)) e
podem deliberar, a todo o tempo, sobre a partilha de lucros acumulados, sob a forma de reservas
livres, que não tenham sido oportunamente distribuídos.
Importa fazer uma distinção entre os conceitos de lucro do exercício e lucro distribuível:
• Lucro do exercício – diferença positiva entre início e fim do exercício social, no que se
refere ao balanço entre as receitas e os custos e despesas registados. O período respeitante
ao lucro de exercício pode ser, pelo 9º i) e 65º-A, diferentemente balizado, ou seja, não,
necessariamente, pelo ano civil. Há certas atividades que não devem coincidir com o ano
civil, quando o período de maior laboração é o final do ano, ou quando é participada por
outras sociedades que também não adotam o ano civil.
• Lucro distribuível – Nem todos os lucros, assumindo que existem, são livremente
distribuíveis no final do exercício – desde logo, pois podem sobrevir prejuízos transitados
a cobrir ou reservas legais obrigatórias (ou estatutárias) a constituir ou reforçar. Se depois
de tudo isto ainda sobrar dinheiro, esse montante constitui o nosso lucro distribuível.
Esses são aqueles que se possam livremente dispor por referência com o acréscimo
patrimonial, subtraindo os prejuízos transitados no exercício anterior e as quantias
afetadas às reservas legais ou contratuais ou obrigatórias (mínimo de 5% dos lucros do
exercício – 295º e 218º).
Quando é que os lucros distribuíveis coincidem com os lucros do exercício? Quando a
sociedade se encontra numa situação patrimonial em que não tem prejuízos transitados e já
completou a constituição de reservas obrigatórias. Nesse momento, eles podem fazer o que
quiserem com esse valor: podem distribuir entre si ou conservar na sociedade (reservas livres,
pois formadas por lucros acumulados não oportunamente distribuídos mas distribuíveis).
O direito ao lucro do exercício não se confunde com o direito ao lucro em geral – aquele
decorre dos resultados de um determinado exercício, de um dado ano social, ao passo que o direito
ao lucro em geral pode reportar-se a um dado exercício, mas também a qualquer outro ganho
acumulado e não distribuído. O CSC não estabelece regras imperativas sobre a distribuição de
lucros, limitando-se a avançar com soluções supletivas, nos artigos 217º nº1 e 294º nº1.
Se falamos do direito ao lucro, o que nos deve importar é a que percentagem o sócio terá
direito? Que garantias terá ele quanto ao que a SC gerar anualmente? Fundamentalmente, quando
a SC regista um dado resultado, o sócio, tendo capacidade, em função desse resultado aferirá qual
a afetação obrigatória que terá. Ele olha para o resultado do exercício e vê que houve resultado
positivo e vê quanto é que tem de afetar a reservas e a distribuição. Se corre bem, não há prejuízos
transitados. Se corre muito bem, nem isso, salvo aumento de capital, porque a reserva legal se
computa nesse valor.
Qual o montante que irá ser afetado à distribuição sob a forma de lucros do exercício?
Até a sociedade deliberação a aplicação de resultados, não passa de uma expetativa jurídica. A
sociedade trata este regime de uma maneira especialmente restritivo (21º nº1 a), 31 nº1) – por
regra, no silêncio do contrato, impera a regra da proporcionalidade do artigo 22º (!), que trata do
direito a dispor dos lucros, direito exclusivo dos sócios, salvo os casos em que a lei admita que
tal não suceda, como no 217º, 294º e 297º. Analisemos estes regimes.
Tanto o 217º, quanto às SQ, como o 294º, quanto às SA, nos seus nº1, cuja única diferença é
a troca de “sócios” por “acionistas”, dizem-nos o seguinte:
57
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
58
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
interesse social. O caso especial das ações privilegiadas com direitos patrimoniais
acrescidos será tratada posteriormente.
o Só poderá não haver distribuição ou haver distribuição de menos de 50% dos
lucros do exercício verificada a maioria de ¾ e aposta uma fundamentação sólida
à deliberação, baseada no superior interesse social e nos princípios fundadores
do sistema societário. Caso tal não se verifique, teremos uma deliberação abusiva
que, nos termos do 58º nº1 b), estará viciada de anulabilidade.
• (Cont.) Constituída e alicerçada a sociedade, não havendo planos para grandes
investimentos, não se justifica continuar a aforrar e a não distribuir pelos sócios os
resultados. A não distribuição sucessiva visa sempre prejudicar os sócios minoritários, já
que os grandes sócios costumam obter alguma remuneração pelo seu desempenho nos
órgãos sociais da sociedade. O Professor exceciona as SC a prazo, em que se poderá
guardar tudo para a distribuição de lucros finais ou de exploração, sem nunca descurar os
tramites exigidos pelo 217º e 294º, pois que a lei não excecionou as sociedades a prazo
no seu clausulado.
o Esta posição leva-nos onde? Quando se conclui pela existência de lucros, já sei
que vou quinhoar em metade dos lucros. Se a sociedade encerra o exercício com
resultados positivos mas delibera, sem observância dos requisitos acima
apontados, não distribuir ou distribuir menos, como podem os sócios lesados
reagir? À partida, os sócios poderiam propor a anulação da deliberação,
destruindo todos os seus efeitos, repondo a legalidade, mas isso não realizaria
todos os seus interesses. Como poderão retirar um efeito útil do direito aos
lucros? Para tal, os sócios deverão interpor, junto do tribunal, uma ação de
execução específica da deliberação de aplicação dos resultados de acordo com o
conteúdo mínimo obrigatório (afim ao 830º CC). Se se tivesse apenas o direito
de impugnar a deliberação de não distribuição, tal seria pouco e errado, porque
se se anular, por exemplo, a decisão de distribuição de 25%, a invalidação gera a
distribuição de 0€. Se o contrato de sociedade for omisso, aplica-se sempre o
conteúdo mínimo do resultado. Tem-se 30 dias para impugnar e repor o direito
social (nº2), por isso é melhor receber alguns lucros e depois impugnar, para
nunca prescindir do que tenho direito e que foi atribuído, para não ficar ainda
pior. Esta posição salvaguarda os interesses de todas as partes envolvidas (sócios
e sociedade).
Nota: O que se trata nas AG anuais (376º): Aprovação das contas do exercício; Deliberar sobre a
aplicação de resultados; Apreciação da administração.
O artigo 22º nº3 proíbe o chamado pacto leonino. A lei não permite que um sócio ou mais
fiquem com a parte do leão, a parte maior, em lesão dos demais. Rejeita-se a possibilidade de
alguém se apropriar da totalidade ou da quase totalidade dos lucros e dos outros serem despojados.
Podem haver lucros beneficiados, mas com razoabilidade: um direito especial a uma parte
favorecida nos lucros não pode ser de tal modo amplo que corresponda a um pacto leonino. Esta
regra é imperativa e deve ser objeto de interpretação extensiva, nomeadamente aos casos de
redução absurda de um direito aos lucros que fique, na prática, inutilizado, pois irrisório.
A matéria do direito aos lucros não fica compreendida antes de se analisarem dois regimes
importantes: o limite legal de distribuição de bens aos sócios e os lucros e reservas não
distribuíveis aos sócios (32º e 33º, respetivamente). A violação destes preceitos é sancionada
criminalmente pelo 514º.
O 32º diz-nos – saltando a sua entrada - não podem ser distribuídos aos sócios bens da
sociedade quando o capital próprio desta, incluindo o resultado líquido do exercício, tal como
59
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
resulta das contas elaboradas e aprovadas nos termos legais, seja inferior à soma do capital
social e das reservas que a lei ou o contrato não permitem distribuir aos sócios ou se tornasse
inferior a esta soma em consequência da distribuição. Este artigo é, como sabemos, o fundamento
do princípio da intangibilidade do capital social. O capital social constitui a garantia dos credores
– não no sentido de que ele “paga dívidas”, coisa que sabemos que não se passa, mas no sentido
de que só quando existam bens em valor superior à soma do capital com as reservas legais
obrigatórias é que poderá haver distribuição legítima de bens (lucros ou dividendos).
O 33º deve-se articular com o 32º nº1, pois expande-o, restringindo mais a distribuição:
• 33º nº1 – os resultados positivos do exercício não são distribuíveis enquanto existirem
prejuízos de exercícios anteriores por cobrir ou reservas por constituir. Este postulado
deve ser articulado com o disposto em especial para as reservas de cada SC,
nomeadamente os artigos 218º e 295º-296º (sendo que só estes importam, pois o primeiro
opera uma remissão em bloco para os segundos):
o Em princípio, as reservas legais – quer obrigatórias, as que se formam
paulatinamente à custa dos lucros do exercício (295º nº1), quer especiais, isto é,
as que se constituem por determinação legal e que se destinam a assegurar a
cobertura de determinadas aplicação da sociedade ou se constituem através da
recolhe de prémios de emissão (295º nº2) – são indisponíveis e apenas podem ser
destinadas a integrar aumentos do capital social (296º c)), para além da sua
normal função, de reforço, que é a cobertura de prejuízos (296º a) e b)). No
entanto, após o preenchimento do mínimo de 1/5 do capital social e a cobertura
de determinadas rubricas em conformidade com exigência legais, através de
reservas especiais, nomeadamente as formadas por ágios, não repugna aceitar que
o excesso dessas reservas seja convertido em reservas livres, por deliberação dos
sócios e, posteriormente, seja distribuído entre os mesmos como lucros (o
mecanismo de aumento de capital e posterior redução para libertação do excesso
não ser revelaria, neste caso, necessário).
• 33º nº2 – inclui nos lucros não distribuíveis a cobertura de determinadas despesas que,
correspondendo a uma inscrição no ativo, vão sendo amortizadas ao longo dos anos.
Falamos de despesas de constituição, de investigação e de desenvolvimento. Salvo se
houver outras reservas que as garantam, não pode haver aí distribuição dos lucros;
• 33º nº3 – proíbe a distribuição de reservas ocultas;
• 33º nº4 – as reservas que eventualmente forem entregues aos sócios, pela distribuição,
devem ser explícitas.
Tratemos do problema dos lucros ou dividendos fictícios – lucros recebidos em
contravenção com o disposto na lei ou no contrato. Esta matéria vem regulada no artigo 34º. Se
os sócios não receberem com má-fé ou em falta grave não são obrigados a restituir. “Má-fé” é o
conhecimento da irregularidade da distribuição, o conhecimento de que que aquelas quantias que
receberam a título de lucros não constituem lucros reais. “Falta grave” existe quando os sócios
devessem ter podido determinar que aqueles lucros não existiam e, não o fazendo, tiveram uma
atuação negligente. Nos termos do 34º nº3 e nº4, o ónus de demonstração destes elementos caberá
à sociedade ou aos credores sociais que pretendam acionar os valores de tais lucros fictícios (Ac.
STJ 10.05.2011). Aquilo que resulta do regime legal é a obrigação de restituição de tais lucros.
Os gestores envolvidos nestas operações podem ser sancionados civilmente (72º, 73º, 34º nº3, 78º
e 79º) e mesmo criminalmente (514º).
Até agora, abordou-se a deliberação de distribuição, o direito aos lucros e dividendos, mas
falta o que na prática é o mais importante, que é receber o dinheiro: o pagamento dos lucros.
Esta matéria é regulada, fundamentalmente, pelo artigo 31º (para lá dos 217º e 294º).
60
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
Essencial ao pagamento dos lucros é que haja uma deliberação dos sócios destinada à
respetiva atribuição, máxime enquadrada na aplicação de resultados, isto é, que determinado o
lucro, com referência às contas aprovadas, haja uma deliberação que tenha por finalidade
promover a respetiva distribuição. Se a deliberação de aprovação das contas estiver inquinada de
qualquer vício, em princípio arrastará necessariamente a deliberação de aplicação de resultados
que é aprovada na mesma assembleia. O contrário já não será verdade. Se a deliberação e
aprovação de contas for correta pode haver um vício exclusivo da deliberação de aplicação de
resultados e só esta poderá ser atacada.
Há um momento no exercício em que os lucros são distribuídos. É o momento que se segue
à Assembleia Geral Anual. Nesse momento, suscitam-se as questões do quanto do quando é
que a sociedade irá disponibilizar aos seus sócios. Já tratamos, atrás, do quanto. Já quanto ao
quando, o direito de crédito sobre o montante nasce no trigésimo dia após a assembleia geral,
dia em que se vence, salvo se a sociedade não tem liquidez, ou o sócio concorda com o
diferimento, ou a própria sociedade deliberar que o prazo dos 30 dias habitualmente respeitado
seja prolongado por um prazo máximo de 60 dias (217º nº2). Quanto à questão de saber se é
possível distribuir antes dos 30 dias a lei é omissa. Evidentemente que se os sócios estiverem de
acordo, nada impede que eles próprios deliberem que a gestão proceda à distribuição logo que
possível. O 294º tem uma regra adicional: “sem prejuízo de disposições legais que proíbam o
pagamento antes de observadas certas formalidades” – pensa-se, por exemplos, em elementos
mínimos de informação e publicidade.
O direito a receber os lucros ou dividendos pode ser um direito disponível. Esse direito, no
vencimento assume uma natureza extracorporativa, autonomizando-se face à relação societária.
Podem os gestores da sociedade serem pagos com base nos lucros que a sociedade gera?
Sim! Os gerentes e os administradores podem ser remunerados com base nos lucros do exercício
desde que o montante máximo afeto a essa remuneração se encontre contratualmente previsto,
especialmente nas SA. Esta matéria aparece regulada nos artigos 217º nº3 e 294º nº3. Este
montante pode ser determinado de forma fixa ou ser indexado a uma percentagem dos lucros.
Esta possibilidade resulta do 255º nº3, 399º nº2 (429º), respetivamente, para cada tipo societário.
Este valor deve ser ponderado com razoabilidade, para não comprimir em demasia os direitos ao
lucro dos demais sócios (ainda que não impeça que se cifre em valores tão grandes como 40% ou
50% dos lucros do exercício). O 217º nº3 e 294º nº3 preveem um mecanismo de pagamentos
precípuos aos sócios e acionistas, pelo que esse valor só será afetado aos administradores uma
vez garantidas as posições relativas de todos os demais interessados.
O lucro do exercício verifica-se no final de um determinado período que seja socialmente
relevante. Será possível, por conta dos resultados que se perspetiva gerar no final do exercício,
antecipar parte desses mesmos resultados? A isto chama-se distribuição de dividendos
antecipados ou de lucros antecipados. Atenção que não tratamos da distribuição de lucros
acumulados não distribuídos, que só devem respeitar a intangibilidade do capital social, mas da
distribuição de lucros durante o próprio exercício e antes da aprovação de contas e deliberação
de aplicação de resultados do exercício. Naturalmente que tal hipótese só seria equacionada num
ano económico evidentemente especialmente favorável.
O artigo 297º regula esta matéria e impõe que a norma estatutária que autoriza a distribuição
de dividendos antecipados esteja contratualmente consagrada. Se eu constituir uma SA com um
contrato de sociedade no qual não inclua esta autorização, se vier a incluí-la em vida da sociedade
só posso acioná-la no período referente ao exercício seguinte. Este é o regime regra, com a
exceção das SA que tiverem sido constituídas antes de 1 de Novembro de 1986. O. 537º CSC é
uma norma transitória que prevê que nessas sociedades a distribuição de dividendos antecipados
61
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
não careça de autorização contratual, uma vez que esse era o regime vigente à época. Este será o
regime no âmbito das SA.
No regime das SQ não encontramos nada quanto à questão de saber se pode haver lugar
a distribuição antecipada. O Professor considera que não há lugar à distribuição de lucros
antecipados no domínio das SQ e que uma cláusula com esta natureza num contrato de SQ é nula.
Não é pelo facto de não estar previsto no título relativo às SQ, mas sim por considerar que o
regime do 297º não pode ser transposto por analogia ao regime das SQ, pois a antecipação dos
lucros, por definição, mesmo quando autorizada, é uma medida verdadeiramente excecional (11º
CC). Ademais, habitualmente nas SQ não há órgão de fiscalização. Enquanto a distribuição dos
lucros é da competência exclusiva dos sócios como regra, a distribuição dos dividendos
antecipados é da competência exclusiva do órgão de gestão. O próprio art. 31º CSC prevê que
esta seja uma exceção. Isto porque é a administração que sabe, no curso do exercício social, se
aquele resultado que ela vai deliberar afetar aos sócios é um resultado sólido, se isso não
compromete o futuro da sociedade. O art. 297º exige que o órgão de fiscalização dê um parecer
favorável. Nas SQ não há órgão de fiscalização em regra. Não tem de haver um órgão de
administração institucionalizado de funcionamento colegial. Enfim, os lucros, por definição, só
se contabilizam no termo do exercício, pelo que antecipa-los constitui, sempre uma exceção à
regra que só se justifica em sociedades de grande dimensão, onde existe uma rigorosa fiscalização.
Com as inúmeras alterações do CSC que já existiram, se fosse intenção do legislador consagrar
essa possibilidade, muito provavelmente já o haveria feito.
Considerando que um dia a sociedade pode ter um fim, no direito a quinhoar nos lucros (21º
nº1 a) está englobado o direito dos sócios a participar nos lucros finais ou de exploração, como já
referido. Este também se designa por direito à quota de liquidação – 156º nº4). Naturalmente
que este direito só se faz valer após satisfeito o passivo social e o reembolso do capital social.
O risco de capital deve ter como contrapartida o lucro. Este é um dos postulados fundamentais
do direito societário. Mas há direitos que não correspondem a esta essência pois são
instrumentais face ao funcionamento da sociedade.
Antes de mais, temos o direito de voto, uma das vertentes do direito de participar nas
deliberações sociais. Pelo artigo 21º nº1 b) todos os sócios têm direito a participar na deliberação,
sem prejuízo das restrições presentes na lei. Isto significa que, a priori, não é possível instituir
restrições de caráter estatutário – de que restrições legais falamos, então?
• Quando a lei entende que o sócio seja detentor de um nº x de participações sociais para
estar presente e votar em AG (384º nº2 a));
• Quando o sócio está perante um conflito de interesses (251º e 384º nº6);
• Quando é admissível que como contrapartida de um direito especial, não se confira o
titular o direito de voto (341º e ss.) – ações preferenciais.
Recordemos que o direito a participar nas deliberações de sócios, sem prejuízo das
restrições previstas na lei, 248º nº5, 343º nº1 e 379º nº1 – 21º b) – tinha três vertentes, apresentadas
por ordem de pressuposição lógica:
• Direito de presença nas deliberações dos sócios ou AG - 248º nº5 e 379º nº1 e nº2 - aceder
ao fórum;
• Direito de intervenção na discussão desses assuntos – 248º nº5 e 379º nº1 e nº2 - alguém
pode ter a faculdade de aceder, fazer ouvir os seus pontos de vista ainda que, porventura,
não possa votar dado assunto;
• Direito de voto – 250º e 384º nº1 - contributo para a formação da vontade societária por
cada sócio – ele pode estar presente, pode intervir, mas pode estar em conflito de
62
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
interesses e não lhe ser reconhecido o direito de voto na deliberação – a lei prevê esses
impedimentos nos artigos 251º e 384º nº6 – desenvolvamo-lo, então, como prometido.
Antes de mais, importa distinguir os planos-base das SQ e das SA, o que se justifica pela
lógica e natureza jurídica dos tipos sociais em confronto. Umas são sociedades pessoais, ainda
que de responsabilidade limitada às configuração das suas posições jurídicas, as outras
participações são determinadas pelas partes em que se fraciona o capital social, logo a participação
é objetivada e os sócios são titulares de tantos direitos e deveres quantas as ações que detêm:
• Nas SQ, o elemento pessoal faz a diferença, regendo o artigo 250º. Quando as
deliberações são formadas na AG, todos os sócios da SQ (248º nº5, 21º nº1 b)) têm o
direito de estar presentes. Por cada cêntimo, o sócio tem um direito de voto, sendo o
mínimo de cada quota 1€, cada sócio tem no mínimo, 100 votos (250º nº1). Por princípio,
as deliberações serão tomadas por maioria relativa.
• Nas SA, o direito de voto é contemplado no artigo 384º, que parte do princípio cada ação,
cada voto. O 384º nº1 admite um desvio, legalmente contemplado (21º nº1 b), de novo).
O artigo 379º esclarece que têm direito a estar na AG quem tenha pelo menos 1 voto. Se
não houver regra estatutária, todos os sócios podem estar na AG, independentemente do
valor nominal ou da quantidade de ações. Qual o problema do princípio cada ação, cada
voto? O 384º trata desse problemas consagrando, no nº2, duas limitações estatutárias,
sentido oposto, que não existem no artigo 250º:
o Al. a) Num caso, admite-se que o contrato de sociedade faça corresponder um só
voto a um certo número de ações, desde que nunca exija que, para se ser titular
de um voto, se tenha de ter ações cujo valor nominal global seja superior a 1.000€.
Exemplo: “ a cada lote de 200 ações corresponde 1 voto”. Isto visa requerer que
o acionista seja titular de um nº de ações mínimo que justifique a sua participação
ativa na vida societária. Esta faculdade, em articulação com o artigo 21º nº1 b),
costuma ser complementada com o disposto no 379º nº1 (sublinhe-se o nº5, que
dispõe que os acionistas se podem agrupar entre si para perfazer a participação
mínima necessária). É comum esta regra ser empregue – mas e se as ações não
tiver valor nominal, se não forem dotadas de valor de emissão? Quando é que se
preenche esta regra? Esta vicissitude criou-se em maio de 2010 com a revisão do
CSC, que dispensou a necessidade de valor nominal das participações sociais.
Estamos perante uma lacuna.
o Al. b) Noutro caso, a lei permite o chamado “teto estatutário do voto”, ou seja,
admite-se a possibilidade de o contrato de sociedade prever que, em relação a um
mesmo acionista atuando em nome próprio e em representação de outrem, não
possam ser contabilizados votos acima de um determinado limite (ex. 10% ou
20% do capital social). Isto é uma cláusula de blindagem da sociedade comercial
face ao domínio absoluto de um punhado de sócios, pois promove a dispersão do
voto e desencoraja a aquisição de lotes dominantes, por exemplo, por OPA (ainda
que, naturalmente, quanto maior for a participação, maiores serão os lucros a
quinhoar). Esto teto estatutário cria um problema – se ele existir ab initio não se
suscitam problemas, pois quem entra na sociedade sabe ao que vai e que existe
essa limitação – se adquiriu 30%, a responsabilidade é sua, até porque essa
cláusula só se introduz por unanimidade (exceto nas sociedades abertas). Mas a
introdução em vida da sociedade, por alteração do contrato, levanta muitas
questões, nomeadamente perda de poder e de liquidez. Que sucede quando
subscreve 30% ao início, para ter um grande poder, e agora desvalorizo em 20%,
pois o teto estatutário do voto passou para 10%? Esta situação é bastante
semelhante ao disposto no artigo 86º nº2 – inoponibilidade das obrigações criadas
em vida da sociedade. Isto subverte todas as expetativas dos participantes na
63
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
sociedade. Têm, contudo sido criados mecanismos que visam combater o teto
estatutário do voto e revestir de maior importância os votos dos maiores
acionistas – isto até pode criar problemas graves de liquidez (situação de 90%+1
– para ter o controlo absoluto). Procurou-se responder a este problema pela
transposição de uma diretiva europeia (13ª Diretiva, 2004/25/CE) que instituiu a
breakthrough rule: quando alguém por uma OPA adquire uma percentagem
superior a 75% (182º-A CVM), não pode ficar sujeita a limitações de teto
estatutário. Se se quiser conquistar uma sociedade aberta ao mercado, desde que
adquira 75% do capital social, posso ignorar os tetos estatutários, desde que o
contrato se sociedade não preveja a suspensão das restrições ao direito de voto.
No RGICSC (Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades
Financeiras), foi acolhida há cerca de 2 anos uma regra relativa ao teto estatutária
das sociedades instituições de crédito. De 5 em 5 anos, os acionistas são
obrigados a revisitar o teto numa votação sem teto estatutário (caso contrário,
seria uma fraude), a ponderar se ele ainda faz sentido, o que assegura a plena
vontade na sua permanência. Se nada se fizer, ele caducará, nos termos do artigo
13º-C RGICSC (norma especial face ao CSC), que o Professor acha que deveria
ser alargado a todas as sociedades comerciais.
Tratemos do voto plural. Haverá a possibilidade uma mesma fração de capital social ter
um número de votos superior a outras frações idênticas? Será isso que se trata no 250º nº2, para
as SQ? Sim, mas só para as SQ – imagine-se que um chef de grande talento se associa a um
capitalista e quer criar uma SQ, mas garantir um grande poder independentemente de não ter
muito capital para entrar. Este é o exemplo típico. Falamos de voto plural quando uma mesma
fração de capital social pode conferir mais votos ao sócio do que outras frações idênticas.
Nas SQ, um sócio pode ter dois votos por cada 0,01€ de valor nominal de quota, contanto que
esses direitos atribuídos contratualmente não ultrapassem 20% do capital social. Estamos
perante um direito especial de voto duplo. A lei permite esta desproporção entre o valor da
participação social e os votos que ela representa (sendo que não pode ultrapassar o dobro nem o
limite de 20% dos do capital social).
Na SA, esta questão do voto plural colocou-se mais cedo, e ações com o mesmo valor
nominal podiam representar uma quantidade diferente de votos. Isto foi possível no passado, até
à entrada em vigor do CSC, sendo hoje proibido pelo artigo 384º nº5. Era permitido
anteriormente porque houve um período de grande crise económica e enfraquecimento do poder
compra. Assim, para conservar as empresas em mãos nacionais, o legislador abriu a porta para
que cada participação social (portuguesa) fosse atribuído um número de votos superior. Esta
situação foi criada no princípio do séc. XX e permitia que os países conservassem o controlo
sobre empresas-chave para a sua economia.
A economia globalizou-se e começou-se a olhar com desconfiança para este tipo de
mecanismo, dado o desincentivo empreendedor que representava este tipo de mecanismo. Por
isso mesmo, veio a ser banido pelo atual CSC (proibição do privilégio de voto nas SA, contando
que todas as ações têm o mesmo valor nominal). Contudo, para as SA que tinham no estatuto a
possibilidade de criação de voto plural (possível até à entrada em vigor do atual CSC, a 1 de
novembro de 1986), a lei estabeleceu a regra transitória do artigo 531º, conferindo a possibilidade
de deliberar a sua extinção (porém, não explicou como é que as pessoas com voto plural votavam).
A eliminação atual deste privilégio aparece facilitada pelo 531º nº2. Esta norma também se aplica
às SQ, desde que também esteja em causa qualquer voto superior ao duplo. O 531º nº3 prevê uma
compensação para quando os direitos de voto tivessem sido atribuídos como contrapartida de
determinado esforço financeiro. Mas o 531º olvidou um problema bicudo: como se processará a
votação prevista no 531º para alteração dos estatutos no que toca a esta cláusula de voto plural?
64
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
65
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
66
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
• Grandes acionistas ou acionistas agrupados (pelo menos 10% do capital social) – 291º
(outras informações por escrito) – sociedade tem 15 dias para responder, caso contrário
têm-se por recusadas (291º nº5); o que difere do estipulado para as SQ (214º nº1, in fine);
para além de todas as informações do 288º e 289º nº3, 289º e 290º.
O regime do 291º nº2, in fine e nº4 determina que, por regra, os pedidos de informação
não possam ser recusados. Isto só não será assim quando forem pedidos abusivos
(diferentemente se passa nas SQ, em que o direito poderá ser mais amplamente regulado pelo
contrato social). Uma recusa injustificada comina num vício de invalidade na modalidade de
anulabilidade da deliberação (290º nº3, 214º nº7, 58º nº1 c) e nº4, 59º)
Se o artigo 291º estabelece um prazo há ilações a retirar do incumprimento. A administração
pode não prestar nos casos em que essa informação vá ser indevidamente utilizada. Nessas
circunstâncias essa informação deve ser recusada. Mas se for recusada injustificada e
indevidamente, deve ser dada essa informação de forma coerciva — processo de inquérito
judicial (216º e 292º) – processo de jurisdição voluntária.
O inquérito judicial é um processo previsto nos arts. 1048º a 1052º do CPC. Pode existir por
recusa ilegítima. O art. 216º refere-se especificamente. O art. 450º fala de uma situação específica.
O principal elemento do direito à informação é o relatório de gestão, obrigatório em todas
as sociedades comerciais (65º, nº4, 66º, 67º nº2 e nº4, 70º-A a contrario, 376º nº1 a), 70º nº2
CRCom) e os documentos de prestação de contas que, uma vez aprovados em AG (376º nº1
a)), deverão ser depositados na Conservatória do Registo Comercial, via IES (Informação
Especial Simplificada). Esses são os documentos em que periodicamente (anualmente) a
sociedade dá a conhecer o relatório de gestão (principais atos e factos que decorreram no seu
exercício) e também os documentos de prestação de contas, os que condensam numericamente
tudo o que foi a atividade da sociedade (despesas, custos, etc.).
Depois do art. 64º, logo no art. 65º estabelece-se um dever específico muito relevante de
periodicamente relatar a gestão, no interesse dos sócios e os stakeholders (credores em
particular). O art. 66º contempla, no seu nº5, o conteúdo do relatório de gestão. Todas as
sociedades devem elaborar um documento com essas características. O art. 66º é dotado de
alguma complexidade. O seu nº5 revela que são muitos os parâmetros que devem ser
contemplados, para que os terceiros possam apreciar a situação em que a sociedade se encontra.
O relatório deve ser publicado no sítio da sociedade. Desde 2017, a lei dispensa o relatório de
gestão às chamadas microentidades — empresas com dimensão tão reduzida que este tipo de
informação será manifestamente excessiva para o tipo de atividade que elas têm (superam 66º nº6
CSC e 9º SNC):
67
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
68
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
4. A participação social
Analisadas algumas das situações jurídicas que caracterizam as participações sociais, iremos
agora encarar a participação como um todo. Vamos olhar da perspetiva do objeto e não do sujeito.
A participação social designa a situação jurídica característica do sócio (seu titular) perante a
sociedade (relação de socialidade), os outros sócios e terceiros, e identifica um bem jurídico, visto
que é objeto de direitos e obrigações, designadamente de direitos reais, como o usufruto e o
penhor, nos termos do 23º. Este objeto ganhará autonomia, como acontece com a ação
relativamente à SA. Nos outros tipos societários, independentemente de se conseguir autonomizar
o bem jurídico, há identificação entre esse bem jurídico e o próprio sócio - a relação socialidade
exprime-se na participação social porque em princípio a cada sócio caberá apenas um bem e só
esse. Nas SA há tantas relações de socialidade quantas ações existirem na sociedade.
Comecemos pela análise sucinta dos conceitos de participação para efeitos dos dois tipos
societário de maior pendor pessoalista. Nas SNC a participação social é apenas designada como
parte social (182º, 183º, 187º e 188º). Nas SQ as participações sociais designam-se simplesmente
por quotas (197º nº1). A parte social e a quota correspondem a bens imateriais incorpóreos (176º
nº2 e 219º nº7), cuja transmissibilidade está sujeita a forma escrita simples (182º nº2 e 228º nº1)
e a registo comercial) 3º nº1 e) e c) CRCom e 188º-A, 242º-A a F CSC), e no caso das SNC
necessariamente a consentimento unanime dos demais sócios (182º nº1) – o que fazem dela um
tipo especialmente fechado (fora das hipóteses de exoneração expressa ex lege).
O caráter imaterial das partes sociais e das quotas costumava ser um caráter distintivo destas
face às ações, tradicionalmente documentadas em títulos de crédito. Contudo, com o fenómeno
de desmaterialização das ações, esta característica deixou de ser um traço distintivo entre estas
modalidades de partipações sociais. Não só não costuma estar como não pode ser documentada,
a quota (219º nº7). Esta participação - que é divisível por valores de um euro (221º nº1 in fine),
correspondendo cada cêntimo a um voto (250º nº1) – tinha um valor mínimo de 100 euros que
passou para o valor simbólico de 1 euro (219º nº3). Em princípio, a cada sócio cabe uma única
quota que corresponde à sua entrada na sociedade (219º nº1), salvo os casos do artigo 221º e 219º
nº2 (contitularidade necessária). O último posto de forte distinção entre estas sociedades e as SA
é a de que as quotas e o seu montante quanto aos diversos sócios devem ser expressamente
mencionadas no contrato de sociedade, o que implica que a cessão de quotas, ou seja, transmissão
inter vivos com caráter oneroso, requeira alteração formal do contrato social (não material, pois
isso seria dizer que o consentimento da maioria teria de deliberar e aprovar essa cessão, o que não
se pretende). A transmissão das participações dentro destas duas sociedades mais pessoalistas é
livre dentro da própria sociedade, mas fortemente restringida relativamente a terceiros não
potenciais sucessores legitimários do titular.
Foquemos, agora, nas participações sociais das SCA e das SA: as ações. As ações são o mais
importante valor mobiliário (1, 39º e ss. CVM). O capital da SA expressa-se em ações (271º).
Qual o conceito de ação? Segundo Paulo Olavo Cunha, poderemos partir de três conceitos:
• Totalmente válido: ação como participação social – ação exprime uma situação jurídica
complexa relativamente que decorre da titularidade por parte de uma determinada pessoa
ou entidade, a que chamamos acionista, de uma parte homogénea de uma sociedade
comercial. A ação exprime a posição jurídica de todos os titulares desse tipo de
instrumentos – de todos aqueles que se vêm a considerar, por efeitos da detenção de esse
valor mobiliário uma relação de socialidade e consequentemente a posição de acionista.
Porque este tipo de situações exprime situações judiciar homogéneas idênticas às demais,
quando se é titular de muitas ações, é como se fosse mais que uma vez acionista. Mas é
69
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
característica das SA, segundo esta definição, que é com estes instrumentos que se
encontram os direitos e vinculações dos titulares de participações sociais. Este conceito
vê a ação como estatuto, como complexo de direitos e deveres da posição de sócio.
• Alguma validade: ação como fração do capital social – se ele se expressa em ações, em
princípio esse capital social divide-se em ações e elas representam uma fração do capital
social. Pela ação se determina a posição absoluta e relativa de uma pessoa no seio da SA
(capital social subscrito e importância correspondente).
o Crítica – ações sem valor nominal puras (no par value shares¸ permitidas no
nosso ordenamento desde o DL 49/2010, de 19 de maio): ações que não
exprimem uma certa fração de capital social, mas sim uma percentagem do valor
patrimonial da sociedade, designadamente por se referirem a um valor de
referência relativamente ao património da sociedade. Esse valor de referência é,
muitas vezes, a cifra constante e imutável do capital social – esta alteração
legislativa visa, precisamente salvaguardar a fortalecer o seu conceito. Apenas se
exige que a sociedade opte por ter todo o capital social representado por ações
com ou sem valor nominal, não admitindo misturas. Não obstante, o artigo 276º
nº4 parece vir conferir alguma força a este critério, ao ressalvar que (possuindo
valor nominal ou não), todas as ações devem representar a mesma fração do
capital social.
o Crítica – ações de fruição – antes de 2010 já existia no nosso ordenamento uma
situação relativamente excecional em que coexistiam ações ordinárias e ações
reembolsadas, que haviam sido objeto de reembolso prioritário através de uma
operação de amortização sem redução do capital social (376º nº4). Estas ações de
fruição são ações diminuídas e que, embora sem valor nominal (porque a lei
assim o impunha), já não representam uma fração efetiva do capital social.
• Conceito abandonado: ação como título de crédito – a ação é o documento no qual se
incorpora uma determinada situação jurídica com os elementos necessários e
imprescindíveis para exercer os direitos subjetivos e impondo as obrigações que exigisse
(literalidade – do título devem imediatamente resultar todos os direitos e deres
incorporados). O que sucede é que a sua literalidade remetia para o próprio contrato de
sociedade (literalidade por referência ou indireta) a concretização desses direitos e
vinculações. Ela pode ser título de crédito mas somente quando forem tituladas.
o Crítica - a desmaterialização das ações: as ações escriturais por meros registo
informático bem como os simples registos em conta do adquirente, não existindo
um título (é documento segundo 362º CC, mas não título).
A ação, no direito português, tem fundamentalmente quatro características:
70
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
• Sujeito ativo:
o Emissão – ato de vontade da sociedade
o Subscrição – ato de vontade de acionistas ou de terceiros.
• Momento:
o Emissão – 1º momento - corresponde ao ato decisório de colocar no mercado
participações sociais novas;
o Subscrição – 2º momento - corresponde ao ato pela qual um ou mais sujeitos ou
entidades se comprometem a realizar o capital correspondente a uma ou mais
ações. A subscrição é uma aquisição originária da participação. Por isso se diz
que caracteriza uma operação de mercado primário, pois pela primeira vez toma
contacto com o mercado.
▪ Cautelas - Neste momento, inicial de circulação dos títulos de capital
podem ser emitidas cautelas que representem de algum modo essas
ações. Olhando para o artigo 304º, vê-mos que este permite a criação de
títulos provisórios, em regra, durante 6 meses, prazo durante o qual
devem ser emitidos títulos definitivos (304º nº3 CSC e 96º CVM). Este
regime revela-se anacrónico. Isto sucedia porque antigamente as
sociedades não eram impressas na sociedade mas fora dela, tendo até
71
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
• Tituladas vs. Escriturais – 272º d) CSC e 44º e 46º CVM – as ações podem ser tituladas,
ou seja, documentadas em suporte de papel, ou escriturais, ou seja, desmaterializadas,
correspondendo a meros registos informáticos. Tradicionalmente, como bem se
72
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
• Nominativas vs. Ao portador – quanto ao seu modo de circulação são nominativas, hoje,
sempre – 272º d) – em 2017, a Lei 15/2017 de 3 de maio, complementada pelo DL
123/2017 de 25 de setembro e que entrou em vigor em 6 de novembro de 2017, extinguiu
as ações ao portador na OJ portuguesa, convertendo todas as mesmas em ações
nominativas. A Diretiva que tal ditou não obrigava necessariamente a isto, mas somente
à necessidade de se saber, a cada momento, quem as tinha. Antigamente, nas ações ao
portador, o seu titular determinava-se pela posse do título, comprovando-se todos os seus
direitos pela posse do mesmo e transmitindo-se a participação pela mera entrega material
do título em que se consubstancia. Hoje, numa ação nominativa, única espécie permitida,
encontra-se averbada a sua respetiva titularidade, transmitindo-se por endosso,
averbamento da pertença e inscrição no respetivo livro (ex-livro de registo de ações, atual
registo de emissões). Sublinhe-se o paradoxo de que a sociedade anónima é cada vez
menos anónima… As ações nominativas podem revestir duas modalidades:
o Com valor nominal vs. Sem valor nominal – 271º e contrato de sociedade –
ações podem ser sem valor nominal ou com, mas antes tinham sempre de ter, só
em 2010 isto se tornou assim. Na versão original do CSC, todas as participações
nas SA tinham valor necessariamente nominal, à semelhança do que acontecia
com todas as participações de capital nos diversos tipos societários -, o qual
correspondia à contribuição do acionista para o capital social (ergo, a soma do
valor nominal de todas as ações determinavam o valor do capital social).
Paralelamente, com a igualdade de valor nominal, existia o princípio de que as
ações não poderiam ser subscritar abaixo do par, isto é, por valor inferior ao seu
valor nominal. Por isso, sempre que uma sociedade carecia de colocar um
aumento de capital no mercado para prosseguir a sua atividade, deveria
previamente proceder a um saneamento das suas perdas, reduzindo o seu capital
social para o nível do montante dos seus capitais próprios, pois de outro modo
nenhum terceiro subscreveria o aumento por valor (nominal) superior ao valor
real das participações.
▪ Por exemplo, se as ações tinham valor nominal de 1 euro e o seu valor
real era de 50 cêntimos estando numa situação de necessidade de capital
líquido, deveria primeiro operar uma redução do capital social para
saneamento de perdas ou prejuízos e, só depois, fazer o aumento do
capital social, vendendo as ações ao preço real de mercado (idêntico ao
seu valor nominal). É o que se designa por “operação harmónio”, que
73
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
74
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
outras têm mero registo informático (95º e ss.). Se as ações escriturais forem detidas por
entidades cotadas então eles têm ser integradas num sistema centralizado, que determina
quantas ações existem no mercado e quais as ações que se reportam (61º e ss. CVM). As
ações tituladas de empresas cotadas em bolsa também têm de ser centralizadas. Só assim
não acontece no caso excecional em que todas as ações são representadas por um título,
caso que o título deve ser depositado junto de um intermediário financeiro (99º nº2 e nº1
al. a) CVM). O registo de emissão de ações tituladas faz-se nos termos da Portaria
290/2000, de 25 de maio, que determinou a substituição do livro de registo de ações pelo
registo de emissão.
Desenvolvamos um pouco o conceito de ações escriturais e o que às mesmas subjaz. As ações
escriturais partem de uma ideia de facilitação que subjaz à criação de ações escriturais, pela sua
desmaterialização, que supera as dificuldades da sua existência física (destruição, deterioração ou
desapossamento). Há sociedades que têm milhões de euros por distribuir e não sabem a quem,
porque os titulares perderam os títulos – as ações escriturais resolvem esse problema, depositam
necessariamente os dividendos creditados em conta e facilitam a transmissão de participações. O
Estado tem o controlo a todo o momento da detenção de ações tituladas. A lei não nos oferece um
conceito de ações escriturais nem tinha de o fazer, limitando-se a distinguir entre valores
mobiliários escriturais titulados, nos termos do artigo 46º CVM, por serem representados por
registo em conta e não por documentos em papel. Toda a evolução aponta para que todas as ações
se tornem escriturais. A lógica hoje é simples:
75
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
• Ações ordinárias – são as que se caracterizam por atribuir aos titulares os direitos e
vinculações que imperativa e supletivamente, qualitativa e quantitativamente decorrem
da lei para as ações em geral. É importante fazer este esforço dogmático de caracterizar
as ações ordinárias pela positiva, e não como mera categoria residual, não obstante a lei
não lhes conferir relevo específico (ex. 389º nº3). As ações ordinárias exprimem a
situação típica comum do acionista de uma dada SA e costumam ser as mais numerosas.
• Ações privilegiadas ou preferenciais vs. Ações diminuídas – as primeiras atribuem aos
respetivos titulares situações jurídicas de vantagem ou privilegio relativamente à situação
típica comum que se verifica no quadro da sociedade – 302º nº2 e 24º nº1, nº4 e nº6, 341º
a 345º, 389º e 531º CSC; as segundas atribuem aos seus titulares menos direitos do que
aqueles que resulta da situação típica comum dizemos que são diminuídas. Estas últimas
são bastante raras, mas as primeiras são relativamente comuns. A lei tem preocupação
em reconhecer precisamente este fenómeno diferencial. Fá-lo a propósito da constituição
da própria sociedade comercial (272º) no âmbito do conteúdo obrigatório do contrato de
sociedade de uma SA. Se caracterizam um conjunto de ações, da atribuição de direitos
especiais surgem categorias de ações diferentes. Mas pode suceder que numa SA existam,
para além das ações ordinárias, diversas categorias de ações privilegiadas com privilégios
de natureza diversa. Para além do 24º e do 302º, que se focam nos aspetos referidos, há
outras regras que existem em função das ações privilegiadas:
o Umas porque tipificam certas categorias de ações privilegiadas (341º e ss.) onde
são reguladas as ações preferenciais sem direito de voto;
o Outras, como a regra que prevê o modo como os titulares das ações privilegiadas
irão conduzir-se sempre que estiver em causa promover uma alteração ao
conteúdo da sua participação. Regula o 389º as AG especiais para efeitos do
disposto no 24º nº6. Para tal, serão precisas 2 deliberações autónomas que operam
conjugadamente para serem eficazes:
▪ Deliberação da sociedade que envolve todas ações com direito de voto
no sentido de aprovar a alteração do contrato de sociedade para promover
uma modificação do direito especial de um sócio;
76
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
77
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
78
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
dividendo preferencial pode ser inferior (0,5%), se a respetiva atribuição não pressupuser, como
contrapartida, a perda do direito de voto. Sublinhe-se que para além do dividendo prioritário não
inferior a 1% (valor supletivo), podem ainda conferir aos seus titulares um direito a participar nos
dividendos remanescentes em pé de igualdade com as demais ações (341º nº3, in fine), se tal
estiver expressamente previsto no contrato de sociedade. Sim, estatutariamente pode prever-se
que, existindo lucros distribuíveis, as ações preferenciais tenham direito a receber em dois
momentos: 1% do respetivo valor nominal antes das demais e adicionalmente ao que todas podem
vir a receber. Assim, depois de se pagar o dividendo preferencial, não se paga, simplesmente, o
dividendo equivalente às demais ações ordinárias, mas sim partilhar o saldo remanescente do
lucro distribuível do exercício por todas as categorias de ações.
Para além do dividendo prioritário sobre o valor nominal ou sobre o valor de emissão, estas
ações também conferem um direito ao reembolso prioritário do seu valor nominal ou do seu valor
de emissão aquando da liquidação da sociedade (341º nº2, in fine). Este direito, mais facilmente
se revela um privilégio, pois a sociedade costuma liquidar-se quando se encontra em situação
financeira complicada. Isto prende-se pelo facto de que, após o pagamento prioritário do saldo de
liquidação, pode não sobrar qualquer ativo social para os demais acionistas quinhoarem.
Estas ações padecem de limitações quantitativas constantes do artigo 341º nº1: estão
confinadas a metade do capital social e devem ser autorizadas pelo contrato social.
Nota: Existe um regime específico que pode limitar o dividendo prioritário ao dividendo máximo
a receber, no caso de investidores qualificados (30º CVM).
O que sucede quando o dividendo preferencial não for pago? Se, por exemplo, não são
distribuídos lucros? Esta questão é premente pois estamos perante um dividendo
assegurado, na contrapartida de uma pesada perda: a ausência do direito de voto. O que é
que sobra para o acionista que se vê sem qualquer direito político ou patrimonial? Devemos
reconhecer que não deixamos de estar perante um investimento, uma participação que não deixa
de ter um conteúdo variável, característico do direito aos lucros e não dos direitos de crédito
obrigacionais. Neste campo, importa distinguir entre diferentes não distribuições de dividendos
prioritários:
• Opção dos acionistas – se em total violação do direito especial destas ações a lei os
acionistas deliberarem a não distribuição de lucros, os titulares de tais ações preferenciais
possuem um direito de execução específica do direito ao recebimento (342º nº5, in fine).
Falamos, pois, da execução específica da deliberação de aplicação de resultados.
• Insuficiência ou inexistência de lucros distribuíveis – se o pagamento do dividendo
não ocorrer por falta de lucros distribuíveis, a quantia que lhe corresponderia é
acumulável com os lucros dos três exercícios subsequentes se o contato de sociedade não
estabelecer prazo maior para a acumulação (342º nº2). Deve ser pago sempre antes do
dividendo relativo a esses exercícios, naturalmente. Se o dividendo não tiver sido
integralmente pago durante dois exercícios consecutivos, então o titular das ações
preferenciais sem direito de voto adquire o direito de voto, passando a poder intervir
ativamente na vida da sociedade até ao exercício seguinte àquele em que lhe forem pagos
os dividendos em atraso (342º nº3). O dividendo preferencial é cumulativo, devendo ser
pago nos três exercícios seguintes ao que diz respeito, posto que prescreve, sem prejuízo
do contrato poder dispor diversamente (ex. quanto a investidores qualificados).
o Questão – se estas ações concedem um direito preferencial sobre 1% do valor
nominal ou valor de emissão líquido de prémio respetivo sobre os lucros
distribuíveis, isso significa que este direito, na realidade, não pode estar
dependente de deliberação sobre a aplicação de resultados. Admitir tal condição
seria restringir significativamente o seu conteúdo. Sublinhe-se a faculdade do
79
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
80
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
Na verdade, a lei já prevê diversos instrumentos que visam evitar que alterações na estrutura
da sociedade se façam em prejuízo de alguns acionistas:
81
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
82
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
As ações de fruição surgem na sequência de uma deliberação dos acionistas, formada por
maioria de 2/3 dos votos emitidos, que determina o reembolso da totalidade do capital investido,
recebendo, por isso, os acionistas o valor nominal das ações subscritas (346º nº1, 1ª parte). Este
reembolso far-se-á à custa dos meios que possam ser distribuíveis (32º e 33º), não implicando
redução do capital social (346º nº1, in fine e nº2) e ficando salvaguardados os interesses dos
credores sociais.
Na falta de estipulação em contrário, a amortização deve visar a totalidade das ações –
consequentemente, a sociedade pode prosseguir a sua atividade apenas com ações de fruição, pois
os direitos que se conservam na sua integralidade são suficientes para assegurar a sua subsistência.
Enquanto não for deliberado o aumento do capital social com emissão de ações ordinárias ou
conversão das ações de fruição nelas, mantêm-se os direitos patrimoniais, ainda que com as
restrições resultantes das alíneas a) e b) do nº4 do artigo 346º. As ações de fruição podem ser
convertidas em ações de capital (ordinárias), por deliberação da assembleia especial dos
respetivos titulares (346º nº6), já que formam uma categoria autónoma. A maioria exigida é a
necessária à alteração do contrato de sociedade (346º nº6, in fine), idêntica à requerida para
deliberar a amortização e a consequente transformação das ações ordinárias em ações de fruição.
A transformação das ações de fruição em ações ordinárias de capital não requer forma
notarial, sendo suficiente que conste de ata, embora as deliberações que lhes deram causa devam
ser registadas e publicadas (346º nº10 CSC e 34º j) e 70º nº1 a) CRCom).
Transitemos para a análise da titularidade de quotas e ações. Por titularidade entenda-se o
nexo de pertença efetiva de um direito a um determinado sujeito. Em sociedades comerciais,
impera a regra geral de que cada ação e cada quota tenham um único titular Em princípio, no que
diz respeito à titularidade, ela costuma referir-se a um determinado sujeito. Isto não implica que
a lei não permita a contitularidade (a mesma participação pertence a mais do que um sujeito).
Contudo, há muitas diferenças entres as SA e as SQ. Desde logo, quanto à sua repartição:
• Ação – indivisível (276º nº4 e 6), pressupondo-se que titular e possuidor são a mesma
pessoa. As ações estão sujeitas a um princípio de indivisibilidade, pelo seu valor nominal
mínimo ser inferior ao de outras participações (0,01 euros). Esta indivisibilidade não se
confunde com a possibilidade de, por alteração do contrato, puderem ser as participações
renumeravizáveis, e uma participação poder dar lugar a várias participações;
• Quota – divisíveis (221º), sendo suficiente que tenham, em regra, o valor mínimo de 1,00
euro (219º nº3).
A titularidade não coloca especiais problemas quanto às pessoas singulares. Não há grandes
restrições às pessoas singulares, sempre que exista capacidade de gozo, que é genérica (com
ressalva da situação resultante dos artigos 273º nº1 e 488º nº1!).
Quanto às pessoas coletivas em geral e às sociedades em especial, pergunta-se se poderão
ser titulares de participações sociais. A resposta é, obviamente positiva, com a simples limitação
da sua capacidade de gozo. Há um princípio de especialidade (160º CC e 11º nº4 CSC): as pessoas
coletivas têm uma aptidão para direitos e vinculações necessários para a realização do seu objeto
e dos fins para os quais são constituídas. Têm uma capacidade de gozo funcionalizada ao seu fim.
Será que o artigo 160º CC obriga a que conste do contrato de sociedade que a respetiva entidade
pode adquirir participações noutra? Em que termos pode uma sociedade participar noutra?
Deveremos distinguir quatro situações diferentes:
83
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
84
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
Seja como for, a lógica é conservar a sociedade fechada (223º nº2). As situações de contitularidade
são situações relativamente raras. Um exemplo importante é a sucessão a título universal
(heranças, legado, etc.). Quando as partes sucedem por morte, acabam por suceder na totalidade
dos bens, e até que se entendam quanto ao destino dos bens (partilha), elas tornam-se titulares da
totalidade desses bens.
A deliberação dos contitulares forma-se nos termos do 224º, sendo aprovada por maioria –
aplicando-se aqui, por remissão expressa do CC, as regras da compropriedade (985º CC e 1407º
nº1 CC). A quota detida em contitularidade pode ser parcialmente amortizada, devendo ser
dividida com essa finalidade (238º).
Tratemos da matéria relativa às participações próprias, ou seja, dos casos em que temos
uma sociedade detentora de parte de si mesma. Isto parece um contrassenso, e faz lembrar a
imagética da “pescadinha de rabo na boca”. Explicaremos porque é que esta situação pode fazer
sentido, e como a lógica permite enquadrá-la na admissibilidade:
• Por um lado, compreende-se que esta situação nunca poderá suceder ab initio uma vez
que uma entidade recém-criada não dispõe de valores para investir em si mesma. Esta
situação só se equaciona, então, no decurso da vida da sociedade;
• Por outro lado, a aquisição de participações próprias tem de ser limitada a uma certa parte
de si mesma, caso contrária seria, pura e simplesmente, “engolida por si mesma”.
A partir daqui, devemos distinguir entre o regime das participações próprias no seio das SQ
e no seio das SA, sendo que se revela de maior relevo no segundo, até porque o regime das SQ é
tributário da solução das SA por remissão expressa (220º nº4 para 324º).
Nas SQ, onde faz mais sentido se falar em “quota própria”, porque, por regra, a cada sócio
caberá uma única quota, a sociedade só pode adquirir quotas próprias nas três circunstâncias
legalmente tipificadas nos artigos 220º nº2 (preceito restritivo):
85
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
86
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
• Direito à informação (293º e 214º nº8) – usufrutuário tem-no sempre que tiver direito de
voto. Este direito é exercido conjunta e simultaneamente ao titular de raiz;
• Direito de participar nos aumentos de capital por entradas em dinheiro (462º) – o seu
exercício caberá, ainda, ao nu proprietário, na falta de acordo que determina a conjunção
ou a atribuição ao usufrutuário (269º e 462º nº2 e 1). Novamente, tudo, o que poderá
afetar a substância da posição do titular de raiz. Deve-lhe ser, por princípio, atribuído. O
exercente da preferência ficará titular pleno da participação social, a não ser que haja
acordo quanto à permanência da distribuição (462º nº4).
A forma e constituição do usufruto das participações sociais em vida da sociedade
corresponde à forma exigida e às limitações estabelecidas para a respetiva transmissão (23º nº1):
• Quotas - Assim, o usufruto constitui-se por documento escrito, forma requerida para a
transmissão de quotas (23º nº1 e 228º nº1 e 4º-A), na medida da transmissibilidade da
quota por negócio inter vivos e de todas as suas limitações. A constituição ou transmissão
de usufruto de quota está sujeita a registo comercial obrigatório (3º nº1 f) CRCom), do
qual depende a sua eficácia (23º nº1 e 228º nº2).
• Ações – importa conjugar o 23º com o CVM. Antes de mais, depende da forma de
representação da ação e do regime a que esta está sujeita:
87
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
• Penhor de quotas (3º f) CRCom e 242º-A CSC) – constitui-se por documento particular
e torna-se efetivo com o respetivo registo comercial, passando a ser oponível a terceiros;
• Penhor de ações:
o Tituladas não integradas em sistema centralizado – livre, desde que não existam
restrições à transmissibilidade dessas ações (328º nº2). Ele constitui-se por
declaração, escrita no título, e registo subsequente junto da sociedade emitente
ou de intermediário financeiro que a represente (23º nº3 CSC e 103º e 102º nº1
CVM).
o Escriturais e tituladas em sistema centralizado (81º nº1 e 2, e 105º CVM) –
constitui-se pelo registo na conta do titular dessas ações, com indicação da
quantidade de ações dadas em penhor, da garantia e da identificação do
beneficiário, podendo ser constituído por registo na conta do credor pignoratício,
quando este tiver o direito de voto.
A constituição do penhor confere ao credor pignoratício o direito de se faze pagar
preferencialmente pelo valor dos bens ou direitos de créditos empenhados, em caso de
incumprimento. O credor deve informar ou notificar a administração da sociedade de que as ações
se encontram a caucionar um determinado crédito e para que esta tenha possibilidades de reagir
quanto a vicissitudes é necessário que tal ocorrência dependa da intervenção da própria sociedade,
por exemplo, por registo da transmissão.
De que negócios jurídicos pode a participação social ser objeto? Abordaremos,
essencialmente, quatro:
88
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
• Quotas e ações escriturais – sendo objetos incorpóreos, não serão depositáveis (1185º CC
e 403º a 407º CCom), mas somente registáveis;
• Ações tituladas – sendo objetos corpóreos, são depositáveis, em regra, junto de
intermediário financeiro.
No que respeita ao empréstimo das participações sociais, o mesmo supõe a cedência do gozo
da participação social durante um certo prazo, a título gratuito ou mediante retribuição. À partida,
este negócio afigura-se-nos como desconforme com a posição de sócio na sua natureza. Ela pode
adquirir diferente configuração consoante esse bem seja fungível ou infungível – por efeito da sua
fungibilidade, dir-se-ia que a figura mais apropriada do empréstimo seria o mútuo. A lei configura
o mútuo e o comodato como, respetivamente, empréstimo de dinheiro ou outra coisa fungível
(1142º CC) e empréstimo de coisas infungíveis (1129º CC). De novo, distingamos:
• Quota – não é, por regra, admissível, pois incompatível com a posição de sócio;
• Ações – expressamente admitida pelo CVM (350º). O mútuo de ações com transferência
da titularidade equivale, essencialmente, a um reporte sem pagamento do preço (477º a
479º CCom). A CMVM deveria ter desenvolvido este regime através de Regulamento –
não o fez, pelo que só a propósito da liquidação podemos encontrar uma norma
regulamentar que se aplica ao registo de valores mobiliários objeto de empréstimo.
Assim, sublinhando as reticências na permissão de que um terceiro se sirva do status de
sócio de outrem, o Professor considera que a objetivização da participação social nas SA
justifica a sua admissibilidade. Com dois limites:
o Nunca dobrar a titularidade das participações sociais (que de transfere);
o Nunca iludir as regras restritivas da sua transmissibilidade (que permanecem).
Finalmente, chegámos à figura do aluguer (convention de portage) de participações sociais.
De facto, não obstante noutros ordenamentos seja uma realidade, mediante contrato de locação
de ações – aquisição provisória da titularidade de uma participação que se compromete a revender
(à contraparte alienante ou a terceiro), num certo prazo e com um certo ganho (afim ao contrato
de locação temporária ou reporte com obrigação de revenda). O Professor rejeita esta figura, pois
89
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
à luz do nosso ordenamento há restrições gerais e específicas à titularidade do bem, para além de
não se coadunar com a definição do estatuto de sócio. A ocorrer, estaríamos perante um mútuo
sem transferência de titularidade. Em conclusão, a admitir-se, seria um contrato de locação de
ações que preencha os requisitos do contrato de reporte (477º a 479º CCom), não repugnando que
a obrigação de revenda respeite a beneficiário terceiro. A renda do negócio corresponderá ao
diferencial de preço pago e a receber pelo adquirente-revendedor.
90
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
• Se a cessão for livre - por determinação estatutária nesse sentido - ou porque efetuada
entre sócios ou em favor de herdeiros legitimários (228º nº2, in fine) -, há que observar a
forma legalmente exigível e proceder subsequentemente ao registo e comunicações,
incluindo publicidade, que forem devidas;
• Se a cessão estiver sujeita a consentimento (228º nº2, 1ª parte) - o que acontecerá na maior
parte dos casos - este terá de ser solicitado nos termos em que se encontra previsto no
contrato de sociedade. A lei admite que em certos casos o consentimento possa ser dado
de forma tácita. Ex.: aceitação da participação na AG de novo sócio (230º nº6), sem que
a deliberação seja impugnada com esse fundamento. Essa forma de consentimento prova-
se, para efeitos de registo da cessão, pela ata da deliberação (230º, nº6, in fine).
Normalmente, os contratos de sociedade por quotas são generosos nas cláusulas relativas à
cessão e a sua regulamentação, explicando como tudo se deve passar e como é que se deve pedir
autorização. Não pode o contrato de sociedade fazer depender a cessão da verificação de
determinadas circunstâncias (229º nº5).
• Deve ser solicitado por escrito, com indicação do cessionário e de todas as condições da
cessão (230º nº1), não pode ser condicionada (230º nº3);
• Deve ser dado por deliberação dos sócios sempre que for expresso (230º nº2). Nesta
deliberação pode participar o sócio cedente, porquanto não se encontra impedido de votar,
não obstante estar em causa um interesse pessoal seu. O contrato de sociedade não
corresponde ao interesse social, mas ao interesse de alguns sócios, que pretendam manter
a sociedade fechada, pelo que não há conflito de interesses relevante. O interesse social
operaria em abstrato para permitir as substituições que correspondam à real vontade dos
91
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
sócios. O sócio cedente pode ter um interesse conflituante com outros sócios, mas não
necessariamente com o interesse da sociedade, pelo que, em rigor, um sócio minoritário
consegue sempre transmitir a sua participação sem restrições, salvo se tiver sido
estipulado, entre os sócios, um direito de tag along.
Não devemos confundir o consentimento da sociedade, necessário para a transmissão a
favor de estranhos, com o direito de preferência (convencional ou estatutário) dos sócios, e,
ou, da sociedade, relativamente às transmissões projetadas. O direito de preferência encontra-
se no contrato de sociedade e não em simples acordo parassocial, porque neste caso não é oponível
à sociedade, gerando mera responsabilidade obrigacional entre as partes do acordo. Nada obsta a
que o contrato não preveja a preferência, surgindo na cessão inúmeros problemas com a simulação
de preço inerente à transmissão da participação social.
Quando a cessão está sujeita ao consentimento da sociedade, esta não pode, sem mais
nem menos, recusar esse consentimento. Ela deverá sugerir alternativas, propor ou fazer
adquirir a quota por um terceiro ou adquirir ela própria a quota, ou ainda proceder à respetiva
amortização nos termos do artigo 231º.
Nota: A boa técnica aconselharia que o consentimento e o direito de preferência fossem objeto
de regulamentação estatutária em separado, de forma a evitar qualquer confusão entre os
institutos. Mas normalmente os contratos de sociedade dedicam uma só cláusula à cessão,
sujeitando-a simultaneamente à preferência dos sócios e, subsidariamente, ao consentimento da
sociedade.
O Professor entende que a preferência convencional deve sobrepor-se ao eventual
consentimento da sociedade para a transmissão, ou recusa dele, uma vez que a intervenção da
sociedade deve ser feita numa lógica de evitar a participação de novos sócios na sociedade e tal
só se equacionará se a preferência (estatutária) não for, entretanto, manifestada e concretizada.
Naturalmente que a sujeição da transmissão ao consentimento da sociedade, tem pleno cabimento
quando o contrato não atribui aos sócios o direito de preferência, porque nestas circunstâncias é
a única forma que a sociedade tem de evitar a entrada de estranhos. Admitimos, contudo e já que
nada o impede, que o contrato configure a preferência como subsidiaria, nos seguintes termos:
• Em primeiro lugar, a sociedade (o coletivo dos sócios) deve ser consultada sobre o
consentimento;
o Depois, se recusar, tem de adquirir a quota, fazê-la adquirir ou amortizá-la.
o Se a sociedade não se opuser a essa transmissão, haverá que consultar os sócios,
que têm preferência, relativamente à mesma;
• Finalmente, se nenhum deles exercer o seu direito, então a cessão pode efetuar-se
livremente.
A concessão do direito de preferência à sociedade, normalmente subordinada ao não exercício
da preferência pelos sócios, não parece, a priori, fazer muito sentido, visto que a sociedade,
recusando o seu consentimento à transmissão projetada, poderia sempre propor-se adquirir ou
fazer amortizar a quota.
Contudo, poder-se-á sempre argumentar que, caso haja um desequilíbrio financeiro manifesto
entre os sócios que obste a que um ou mais exerçam a preferência, reconhecê-la à sociedade, em
primeiro lugar (antes da preferência dos sócios), poderá evitar que a concretização desse
desequilíbrio venha a ocorrer pelo exercício da preferência por parte de apenas alguns sócios. Não
faz sentido que a preferência da sociedade seja subsidiária da preferência dos sócios e que seja
ponderada antes do próprio consentimento da sociedade, uma vez, nessa circunstâncias, se
confunde com ele.
92
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
93
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
São raras as cláusulas contratuais que regulam a sucessão mortis causa. Se o contrato for
omisso, entende-se que a sucessão opera em conformidade com as regras legais, transmitindo-se
a quota para os herdeiros ou legatário do sócio falecido. Contudo, poderá suceder que o contrato
de sociedade condicione a transmissão dentro de determinados parâmetros (225º), devendo a
sociedade adquirir ou fazer adquirir a quota ou amortizá-la (225º nº2). Por vezes, o contrato de
sociedade coloca na dependência da vontade dos sucessores do sócio falecido a transmissão da
quota, admitindo que estes possam exigir a amortização ou declarar que não aceitam a transmissão
(226º).
14.3.2. Pressupostos
A amortização deverá respeitar três requisitos:
• Permitida por lei (art.232º, nº1, art.225º, nº2, 231º, nº1, 240º, nº3, in fine);
• Contratualmente autorizada (compulsiva: art.232º e 233º, nº1);
• Expressamente consentida pelo sócio (art.233º, nº1 e 3).
94
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
assembleia, sendo a comunicação dirigida ao sócio afetado, uma condição da eficácia desse ato
(234º nº1); e só no momento em que o sócio tem conhecimento da deliberação de amortização
cessam os seus direitos e obrigações.
14.3.4. Modalidades
A amortização de quotas pode ser:
14.3.5. Efeitos
A amortização implica a redução do capital social sempre que:
• Recaia sobre quotas que não estejam inteiramente liberadas (232º, nº3);
• A situação líquida da sociedade resultar inferior à soma do capital social e da reserva
legal, após o pagamento da contrapartida.
Quando a amortização não determinar redução do capital social, provoca o aumento
proporcional das quotas sobrantes, exceto se o contrato de sociedade estabelecer que a quota
figure no balanço como amortizada (237º).
95
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
96
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
sentido fazer, a propósito da transmissão das ações, é entre a transmissão de ações escriturais e a
transmissibilidade de valores titulados.
As ações admitidas à negociação em mercado regulamentado, maxime em bolsa, são
obrigatoriamente integradas em sistema centralizado (105º e 62º do CVM). Tal obrigação não
interfere, contudo, na forma de transmissão, mas apenas no modo de efetuar a transferência entre
contas (71º nº2 do CVM, aplicável às ações tituladas por força do 105º do CVM).
Feita esta introdução, importa aprofundar os termos da distinção entre ações tituladas e ações
escriturais.
97
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
justifica uma formalização especifica, embora convencional, e da qual a transmissão das ações
constitui elemento instrumental.
• Nas sociedades abertas, quem adquira ações ou reduza a sua participação, em montante
suficiente para fazer variar a partir de ou abaixo de 10%, 20%, 1/3, 50%, 2/3 ou 90% dos
direitos de voto correspondentes ao capital social fica obrigado a comunicar que atingiu
(ou ultrapassou) esses níveis ou caiu abaixo deles (art.16º, nº1 do CVM).
• Caso as ações representativas do capital da sociedade estejam admitidas à negociação em
mercado regulamentado (situado ou a funcionar em Portugal), as comunicações são
obrigatórias para as variações a partir dos limites de 2%, 5% e 15% (art.16º, nº2 do CVM).
98
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
Nota: há circunstâncias que, embora não representem uma limitação à transmissão de ações,
dificultam-na na prática, como são os casos de oneração de participações (constituídas em penhor
ou usufruto – 23º).
14.4.4.2. Convencionais
A natureza das limitações convencionais varia consoante as mesmas:
99
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
• As ações tituladas são convertidas em escriturais pela inscrição em conta, mediante prévia
entrega à sociedade ou depositados junto da entidade que prestará o serviço do registo
após a conversão (50º nº1 e 2).
• Sentido próprio, que se retira do artigo 347º e corresponde, no plano das SA, à figura,
idêntica, prevista para as SQ;
• Sentido impróprio, extrai-se do artigo 346º e não determina a extinção da ação, dando
lugar às chamadas ações de fruição.
14.6.2.2. Modalidades
100
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
direitos patrimoniais reduzidos – podem qualificar-se, pois, por contraposição, como já vimos,
com as ações ordinárias, como ações diferidas ou diminuídas.
O contrato de sociedade pode prever expressamente a criação de ações de fruição, embora a
própria AG tenha legalmente competência para o efeito (346º nº1).
101
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
as ações serem entretanto transmitidas em favor de terceiros, sem que seja legítimo vir a opor-
lhes pelo desconhecimento que forçosamente terão da vicissitude aquando da aquisição, a
aplicação da amortização.
O Professor considera que não é por isso admissível equacionar a aplicação por analogia de
uma medida radical como a da exclusão judicial de sócio, qualquer que seja a conduta que a
justifique (Coutinho de Abreu: diferentemente, admitindo a possibilidade de aplicação de sanção
de exclusão às SA, por analogia). Com efeito, a estrutura da participação societária revela-se no
domínio das SA, incompatível com uma sanção desta natureza. Todavia, admite como possível a
amortização de ações com base em incumprimento contratual, nomeadamente de obrigações
sociais. Por exemplo, se os estatutos contemplarem a possibilidade de os acionistas deliberarem
a amortização das ações em caso de incumprimento das respetivas obrigações.
No limite, poder-se-ia discutir a exclusão do acionista, nomeadamente por deliberação da AG,
com base em incumprimento grave das suas obrigações estatutárias e legais, mas sempre com
fundamento em norma contratual expressa. Se tal sucedesse, em aproveitamento do disposto no
artigo 287º nº4, a exclusão não seria impeditiva da reaquisição da qualidade de acionista, tendo
em conta que a SA é, por natureza, aberta.
O argumento interpretativo que se extrai da exceção contemplada no artigo 287º nº4 - no
sentido de ser admissível a exclusão do acionista com base na violação de deveres estatutários,
em caso de expressa previsão contratual, é decisivo, para rejeitar a exclusão judicial sem
fundamento contratual (porque legal não existe). Mesmo nas pequenas SA, nas quais a presença
do acionista infrator pode incomodar (diversamente, considerando que o contrato de sociedade da
SA pode conter uma cláusula que preveja a exclusão judicial, Daniela Baptista).
102
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
ao longo do século XX, começou a procurar profissionais na gestão destas empresas. Os gestores
não arriscam capital na empresa, são assalariados da sociedade que conferia forma jurídica à
empresa comercial. Os acionistas começaram a colocar-se na retaguarda, observando a gestão.
Estas pessoas seriam vendedores profissionais ou licenciados em economia e finanças. Nasceu a
figura do gestor. Sendo os órgãos da sociedade, esses profissionais começaram a reclamar que a
sua retribuição tivesse que ver não apenas com a disponibilidade temporal, mas também com os
próprios resultados da empresa. Queriam colocar-se na posição dos investidores da empresa.
Ou seja, criou-se a relação entre os resultados da empresa e a remuneração dos
profissionais que a geriam. Isto fez com que os gestores procurassem grandes resultados a curto
prazo ainda que sem realidade substantiva que o justifique. Isto requereu um controlo efetivo
sobre o modo como a sociedade era efetivamente gerida.
Isto tem mais sentidos nas grandes sociedades, sobretudo na SA, que é a forma jurídica
da grande empresa. Quando atinge uma determinada amplitude, quando ficam aberto ao
investimento do público, todas as cautelas de proteção dos investidores devem ser redobradas.
Quem aposta tudo na sociedade deve ver as suas posições tuteladas.
Na procura de dotar a sociedade de boa gestão, criaram-se:
103
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
104
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
• 75º - conjugada com o 375º nº2 e 23 nº1 a) – ação de responsabilidade contra a sociedade,
que numa sociedade cotada deve ser proposta por 2% dos acionistas e no plano de
qualquer SA não cotada deve ser aprovada por 5% dos acionistas. Está em causa a
apresentação numa AG uma proposta que tende a ser intentada contra administradores
que ocasionou danos contra a própria sociedade. Esta atuação nem sempre é aceitável
porque estes administradores podem ser acionistas relevantes ou foram designados por
acionistas relevantes. Isto tende ao fracasso quando apresentada por pequenos acionistas.
105
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
106
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
O que é, então? Uma declaração de vontade da sociedade ou imputada à sociedade que tenha
sido constituída pelo núcleo maioritário das declarações de vontade existentes nessa mesma
sociedade ou por um número suficiente de declarações de vontade adequado para aprovar uma
determinada proposta. Importa caracterizar as deliberações formadas por maioria simples e as que
são formadas por maioria qualificada quando a lei ou o contrato de sociedade o exigir. É preciso
procurar o núcleo dominante. Estamos perante um NJ unilateral, em regra plural (pode ser
unipessoal). Não obstante ser formado por declarações contraditória ou mesmo divergentes, na
realidade irá prevalecer o sentido para que aponta o maior número possível das declarações
(votos) ou o número de votos suficientes atendendo ao teor da proposta em causa. Desta
declaração da sociedade, ainda que formada por declarações distintas, surge um efeito jurídico
único e diferenciado para todo o universo societário.
Que outras deliberações sociais podem ser formadas? Pode haver deliberações em todos os
sócios de composição colegial ou plural. Por isso, há deliberações do CA, do CF ou dos órgãos
de Fiscalização. Não há deliberações sem composição colegial, nesses, há decisões (um
interveniente – SuQ ou sociedade subsidiária integral). Há ainda deliberações de categoria de
ações, reguladas no artigo 389º, onde pode estar em causa a alteração de um direito especial no
âmbito das SA (por assembleia especial, ainda que remita para as regras da AG genéricas), ou
deliberações dos obrigacionistas, que ainda que decorram à margem da sociedade, inteiramente
ou parcialmente, a verdade é que se toma por referência à sociedade; deliberações que ocorrem à
margem da sociedade mas muitos importantes, como as deliberações dos contitulares das
participações sociais (poucos casos em que vamos da SA para as SQ – 303º, 223º e 224º, pois nas
SQ isso sucede muitos mais vezes).
Deliberações dos sócios. Estas podem assumir muitas formas, mas antes havia só uma forma,
a deliberação unanime por escrito (54º). Se tem de ser assumida por todos depende do universo.
Se tiver milhares de acionistas isso é muito difícil. Uma AG pode ser realizada desde que todos
os sócios e acionistas estejam presentes e todos se manifestem o acordo de se constituir em AG
mesmo que não tenham sido convocados; A deliberação de AG totalitária ou geral também existe
para todos, bem como a deliberação unanime por escrito.
O 53º nº1 estabelece a regra geral. Temos de ir a todos os tipos societários e ver quais se
admite em cada tipo. Por exemplo, a deliberação por voto escrito (247º - SQ) – consiste na
consulta de todos os sócios para saber se estão disponíveis para se pronunciar sobre determinada
proposta da competência da AG por escrito, sem necessidade de realizar AG; se nenhum dos
sócios se recusar a participar nesta modalidade de deliberação, então a proposta é colocada à
votação. Eles aprovam/rejeitam ou abstém-se; a deliberação é aprovada pelas regras que se
aplicariam a igual natureza nas AG. Em tudo é idêntico mas sem unanimidade, face às referidas
atrás. LER 247º - nomeadamente em articulação com o 218º CC, para efeitos dos efeitos
declarativos do silêncio. O 56º nº3 estabelece a nulidade de violação destas regras. O efeito das
deliberações por voto escrito é idêntico a todas as outras deliberações, exceto quanto às unanimes.
Pode haver deliberações por votos escritos nas SA? Sobretudo hoje quando as ações são
nominativas? Não, pois a lei não admite – 373º parece omisso, mas não prevê (56º diz que só
podem ser tomadas as deliberações previstas para cada tipo societário “só”).
A deliberação por voto escrito não se confunde com o voto por correspondência (384º nº9 e
10) – porquê? Porque a deliberação por voto escrito é uma forma de deliberação dos sócios
enquanto o voto por correspondência é a forma de exercício do direito de voto no âmbito da AG
quando não se pode estar presente.
Artigo 54º diz que se pode formar estas deliberações:
107
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
108
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
Entre essas modificações do contrato social estão a variação do capital social, pelo seu
aumento ou redução – esta é a principal competência do órgão de gestão em termos
esporádicos. O contrato também pode prever a amortização das participações (pode ser
uma sanção), ou a distribuição de lucros acumulados (pode ocorrer a qualquer momento,
sob a forma de reservas livres, decidir que já não é necessário conservar esse bens – 31º).
Pode haver uma competência específica de natureza contratual ou estatutária. Esta
competência deve-se cingir a um desvio a uma competência que naturalmente seja atribuída a
outro órgão social. Os contratos de sociedade só o podem fazer se não sacrificarem o princípio da
tipicidade orgânica da sociedade comercial em conformidade com o tipo em questão. A tipicidade
que nos diz que temos de optar por diversos modelos de sociedade vai-se expressar e repercutir
nos órgãos desses modelos, que não podem ser desvirtuados. A SC tem competência de cv de
bens imóveis – quem o faz é o conselho de administração (405º e 406º). Pode suceder que haja
um bem imóvel específico que não possa ser alienado sem o consentimento dos sócios – como a
primeira sede. Nestes casos, pode-se incluir uma cláusula no contrato de sociedade que faça
depender este contrato do parecer favorável dos acionistas. O que não se pode é ter uma sociedade
de cv de imóveis situada no Porto – não posso dizer que todas as cv de imóveis a Sul do Mondego
dependem de aprovação dos sócios, pois isso seria desvirtuar a competência do órgão de gestão
(ergo, do princípio da tipicidade dos tipos societários).
A AG deve ter uma competência extraordinária em matéria de gestão (373º nº3). Só nos casos
em que essas matérias forem solicitadas pelo órgão de gestão, e não por qualquer administrador:
é pelo coletivo. A AG também tem uma competência residual (373º nº2 in fine).Isto significa que
cabe aos sócios deliberar sobre todas as matérias que legal e contratualmente não forem da
competência de outro órgão. Por exemplo, um regulamento que se queira criar.
Nos termos do 246º, no âmbito das SQ, a competência de gestão dos sócios é muito maior do
que na SA. O órgão de gestão das SQ é muito menos competente que nas SA – 259º: é a gerência
que detém a competência residual em matéria de gestão e não os sócios. Pelo 256º, quanto à
competência dos sócios (equivalente ao 373º) vemos que há uma série de matérias que a lei atribui
ao coletivo dos sócios, da AG. Supletivamente, a lei atribui competências do 246º nº2 à AG mas
o contrato pode desviar para a gerência. Dentro dessas faculdades, estão faculdades importantes,
algumas pouco usadas, como o poder de designar gerentes substitutos (análogo ao 393º nº3 al b)),
no 246º nº2 temos ainda a alienação e oneração de bens imóveis, que em princípio é dos sócios
nas SQ, mas pode ser da gerência (caso não seja esse o objeto da sociedade, se for – 259º). Porque
é que o 246º nº2 não fala na aquisição de bens imóveis (interessante problema de interpretação)?
O mesmo se diga a alienação e aquisição de participações sociais - esta alínea c) deve ser
articulada com o 11º nº4 e nº5.
Aqui chegados, devemos adiantar mais uma nota acerca da assembleia geral anual (AGA). O
artigo 376º, que também se aplica às SQ por força do disposto no artigo 248º nº1, deve ser
articulado com diversas disposições instrumentais: direito à informação em sede de AG em ambas
as sociedades (ex. 289º). A sociedade toma deliberações anualmente relevantes:
109
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
é quanto às suas restrições (384º nº2 a) – desde que tenha pelo menos 1000 euros em
valores nominal na sua participação, pode-se limitar o seu direito de voto, sem prejuízo
do direito de agrupamento); outras entidades também poderão estar na AG, por exemplo,
os acionistas titulares de ações preferenciais sem direito de voto, mas a lei admite que o
contrato de sociedade limite, sem prejuízo de estarem presentes os seus representantes,
como os representantes dos obrigacionistas (379º).
Finalmente, chagamos à representação nas assembleias: 380º e 381º (SA) 249º (SQ). A
representação é uma substituição de vontades (um dos dois meios de superação da incapacidade
de exercício, a par da assistência, que determina a conjugação de vontades). Em que termos pode
haver representação do sócio que não quer ou não pode participar? Pode haver meios para superar
a ausência, por exemplo, por via do voto por correspondência, já tratado. Mas imagine-se que o
sócio prefere, deliberadamente, delegar em alguém da sua confiança a sua representação? Para
ele, não lhe basta emitir um voto seco por escrito, ele quer transmitir ideias opiniões.
111
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
registada, é possível que se realize dentro de 21 dias (377º nº4). Assim, o prazo só pode ser de 21
dias em dois casos. Só pode ser feita a convocatória eletronicamente se tal convocação for aceite
eletronicamente por emissão de recibo. Estes prazos estão completamente anacrónicos, pois
exceto o prazo de 21 dias para as SA abertas já existiam desde o tempo em que o Professor
aprender sociedades comerciais. Um prazo de 15 dias, no máximo, hoje em dia seria lógico.
Como é que funciona a AG? Em princípio, na sede da sociedade. É aí que tudo se deve passar
(377º nº6 a)). A sede é importante por ser o domicílio da sociedade, é onde se dão por produzidos
os efeitos comunicacionais expedidos para a sociedade. Mas nem sempre é possível realizar na
sede. A própria lei admite que a AG se reúna em sítio diferente, com os limites pelo abuso de
convocação – deve ser justificado, desde logo por condições logísticas (se tem milhares de
acionistas, faz sentido que a sociedade não possua um pavilhão gigante para o fazer). O 377º nº6
b) admite as AG telemáticas, não se encontrando presentes mas se reunindo por meios
informáticos. A doutrina discute-se se a AG pode ser realizada em termos mistos – semi-
telemática ou absolutamente em termos iguais. Os sócios devem comparecer, os sócios rubricam
uma lista de presenças (SA) ou é passada uma ata que é subscrita e assinada (SQ).
A lista de presenças é essencial para determinar o quórum constitutivo – número de sócios
suficiente para realizar AG. Em regra, nas SC não há quórum constitutivo. Mas pode haver
especialmente ex lege quanto a certas matérias, implicitamente ou explicitamente – explícito
quando a lei determina que a AG só possa funcionar se se encontrarem presentes um determinado
número de votos. Um exemplo disso é o 383º (alteração do contrato social da SA – 1/3 de votos
correspondentes ao capital social, ¾ nas SQ – 265º, em fuga à regra do 250º nº3). Nas SQ,
curiosamente para idêntica matéria, há um quórum constitutivo implícito. Isto é seguido de um
quórum deliberativo, que é o número de votos que deve ser verificado no sentido da proposta
apresentada para que a mesma seja aprovada. 386º nº1 diz-nos que a AG delibera por maioria dos
votos emitidos, não se considerando as abstenções – maioria simples relativa. Para a alteração do
contrato de SA, as abstenções contam-se como votos desfavoráveis. A apresentação de propostas
de temas de ordem do dia é muitas vezes feita pelos sócios. A proposta é objeto de discussão e a
palavra costuma ser dada a quem as apresentou. No final, declara-se se a proposta foi aprovada e
com que percentagem de votos.
Iniciada a AG coloca-se um problema interessante, podem os seus trabalhos ser suspensos
(387º)? Podem, muitas vezes por determinação do Presidente da Mesa, por curta (consultas,
buscas de consensos, reflexões, necessidades) ou longa duração, por exemplo se for feita uma
pergunta a que o CA não quer responder sem reunião prévia. Mas o 387º permite que a AG se
possa suspender por um máximo de 2 vezes, mediante proposta destes, sendo que deve ser
concluída num prazo máximo de 180 dias (duas prorrogações de 90 dias). A realização da AG em
segunda convocação, que sucede essencialmente quando a AG está sujeita a quórum constitutivo,
que tanto pode ser legal como estatutário (ex. 50% +1), isto visa proteger os acionistas
maioritários de uma AG que não previam (383º nº3 e nº4). Entre a primeira e a segunda têm de
medear 15 dias, prazo que o Professor considera manifestamente pequeno.
Vicissitudes nas deliberações dos sócios, o que sucede? Quando não são adequadamente
formadas com a lei ou estatutos, importa saber o que fazer. A reação natural do meio legal é
procurar inutilizar o que não respeita a lei ou o contrato.
A lei prevê um contrato relativo aos vícios que venham a ocorrer no domínio das deliberações
dos sócios que importa ponderar. Importa explicar que os artigos 55º e ss. que o regime regra da
invalidade das deliberações dos sócios é o regime da anulabilidade (58º). Impera a regra-base do
58º nº1 a). Na falta de previsão especial, as deliberações sociais são anuláveis, não nulas. No civil,
concluímos que o regime geral da invalidade civilista é o da nulidade (294º CC – violação de
norma com valor geral imperativo), que se discute se é extensível a todos os ramos. O Professor
112
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
defende que isto se aplica às sociedades, mas não nas deliberações, onde impera a anulabilidade,
pelo artigo 58º. Qual o motivo para esta distinção? Se se pudesse declarar deliberação nula sem
dependeência de prazo, signifcada que uma vez verificada essa vicissitude, isso significa que
mesmo com prazo longo de espera, podia ser destruída com ação de declaração de nulidade, o
que destruiria a original e todas as que dela dependessem. Por exemplo, se aprovei as contas,
todas as contas posteriores seriam afetadas. Porque todos os atos sociais se encontram encadeados,
então a lei tratou de fixar a anulabilidade – o prazo para questionar a deliberação é muito mais
curto (regra, 30 dias). No direito civil, para anular negócios de menores, teríamos 1 ano, o que é
substancialmente diferente. Isto também se justifica por estarem em causa, essencialmente,
interesses disponíveis dos sócios.
As deliberações anuláveis são as do artigo 58º, entre duas grandes categorias:
113
Pedro da Palma Gonçalves Universidade Católica Portuguesa 2018
Faculdade de Direito
• Praticar os atos que se enquadram no objeto social; podem ser objeto de alargamento?
o 405º, 406º e 431º.
No plano das SQ, a competência do órgão de gestão está subordinada aos interesses dos
sócios (259º). Os sócios podem intrometer-se nos assuntos de gestão.
Já no artigo 405º, compete ao CA gerir as atividades da sociedade devendo subordinar-se
aos sócios APENAS nos casos em que lei ou contrato ou determinar. Os acionistas só se podem
imiscuir em assuntos de gestão quando a lei o permitir ou o contrato. 405º - OBJETO.
O 406º visa alargar as competências de gestão, mas tudo o que escapa dele não cai para a
AG sempre, pode cair para o 405º nº1. Ver alínea n).
431º nº1, in fine
405º nº2 – este é o órgão que deve representar, mas o 407º admite no nº3 que, por
permissão estatutária ou contratual se delegue poderes.
407º nº8 – 407º todo.
A gerência é designada e representada por um ou mais gerentes – pode ter base singular
ou plural. Ou são pelo contrato ou por eleição, ou por direito especial.
Administradores podem ser nomeados contratualmente ou pela AG.
Competência para eleger costuma ser a mesma para destituir.
Funcionamento da gerência (252º) – não existe como órgão coletivo institucionalizado,
mas a composição pode ser singular ou plural, singular o poder de gestão confunde-se com o
poder de decisão, parecido com a sociedade unipessoal por quotas; quando tem dois ou mais
elementos, 261º, quando a composição do órgão de gestão das SA, o CA, eles reúnem e deliberam,
havendo completa separação entre a vontade e a declaração. Com subjacente à decisão está a
maioria, está tudo de acordo com o sentido do próprio ato. Pode a gerência funcionar como de um
conselho se tratasse? Sim, se o contrato o permitir, desde que não se ponha em causa o princípio
da tipicidade das formas de gestão societária. Os gerentes podem reunir? Sim, desde logo quando
está em causa a delegação de poderes.
Como funciona o CA? 410º - depende de convocação, pelo presidente e administradores.
Em princípio, devem ocorrer uma vez por mês, mas o contrato pode dizer diferente.
114