Trabalho Final

Fazer download em docx, pdf ou txt
Fazer download em docx, pdf ou txt
Você está na página 1de 11

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

Faculdade de Letras
Programa de Graduação

Ana Luiza de Souza Macedo

Literatura, Paraliteratura e Cânone Literário:


uma percepção da valorização e consagração
da escrita através do tempo

Belo Horizonte, 08 de julho de 2021


Ana Luiza de Souza Macedo

Literatura, Paraliteratura e Cânone Literário:


uma percepção da valorização e consagração
da escrita através do tempo

Versão Final

Dissertação baseada em pontuações presentes nas reflexões teóricas dos textos de


ROSENFELD, Anatol - Reflexões sobre o romance moderno;
PERRONE MOISÉS, Leyla – O Cânone dos escritores críticos
EALETON, Terry – O que é Literatura;
ECO, Humberto – Sobre algumas funções da Literatura;
ÍSER, Wolfgang – Os atos de fingir ou o que é fictício no texto ficcional;
enfatizando a co-relação existente entre os conceitos de Literatura, Paraliteratura, Ficção
e Cânone Literário.

Orientador: Reinaldo Martiniano Marques

Belo Horizonte
8 de Julho de 2021
Índice

1. Introdução: Literatura ou Paraliteratura? ________________ 1


2. Existe afinal, uma Literatura consagrada? ________________ 2 e 3
3. O Cânone Literário e sua relação de sentido para o leitor ________________ 4
4. Ficção pode ser considerada parte da Literatura? Como ela se relaciona com a ideia
de “cânone literário”? ________________ 5
5. Conclusão ________________ 6
6. Bibliografia _______________ 7
Introdução: Literatura ou Para-literatura?
Para o filósofo e crítico literário britânico Eagleton Terry, Literatura, é “algo” difícil de
se ler, sendo considerada até mesmo uma ciência elitista. Ainda assim, para ele, numa
era aonde computadores, tablets e celulares prendem a atenção de várias pessoas
cotidianamente, é interessante falar que ainda há pessoas que demonstram interesse em
aprender e ler sobre a Teoria Literária. Em seu texto, “Teoria da Literatura: Uma
Introdução”, o autor enfatiza que os vários alunos das escolas primárias e secundárias
que se queixam em não entender a Literatura, chamando a Teoria de difícil ou
ininteligível, são os mesmos alunos que ao chegarem às faculdades, também não
compreendem os textos dos livros das Engenharias ou Biologias. A Literatura, portanto,
não é ininteligível. Ela é apenas, uma ciência que requer um apelo mais emocional para
sua total compreensão, contando com a sensibilidade e conhecimento de mundo do
leitor, intrínseco à um entendimento não-denotativo do texto.
A interpretação da abordagem conotativa da linguagem, muitas das vezes, é de
responsabilidade do leitor e não do autor que escreveu a obra, já que a leitura dá
margem à múltiplas interpretações, sendo este, o real apelo do escritor, o que põe em
pauta as seguintes questões: Será mesmo a Literatura uma ciência de tão difícil
entendimento ou falta ao leitor conhecimento de mundo prévio? Será a função do leitor,
visto neste contexto como “apreciador da arte” , justamente a realização de conexões
entre temas diversos, tornando sua leitura mais compreensível?
Por outro lado, a chamada “Para-literatura” é a denominação para classificar textos que
não se enquadram neste consenso literário propriamente dito: os quadrinhos, as novelas,
as fotonovelas, as letras de músicas e demais produções que não recebem uma
denominação de renome nem tampouco são classificadas como “obras épicas”,
“romancistas”, “surrealistas”. Comparados às obras clássicas, à sonetos, poemas, odes,
elegias, dentre tantas outras obras literárias “clássicas, consagradas e até mesmo
elitistas”, as para-literaturas, demandam do leitor um esforço significativamente menor
para que sejam entendidas em seu real significado.
A distinção de questões que fazem contrapontos entre a Literatura e a Para-literatura é
um dos pontos centrais deste trabalho, no qual se embasará na problematização e na
discussão da existência de uma Literatura que deve ser considerada “consagrada” para
alguns ou “rejeitada” por outros, assim como o sentido que o “Cânone Literário” possui
para os autores e leitores de mais diversos níveis. Será o cânone, a composição que
explicita um caráter excludente social da Literatura? Ou será a Literatura uma simples
forma de demonstrar como nós nos relacionamos com a escrita?

1
Existe afinal, uma “Literatura Consagrada”?

Para o crítico de arte brasileiro Anatol Rosenfeld, existe um certo “Zeitgeist”, uma
espécie de um “espírito unificador” que tem a função de realizar a comunicação de
todas as manifestações culturais entre si. Para Rosenfeld, as esferas das Artes, Ciências
e Filosofias, nacionais ou internacionais, apresentam uma interdependência mútua e
tornam-se três formas distintas de produção de conhecimento, não únicas, mas sim, que
se complementam de forma não obrigatória e se reorganizam originando um novo
conceito artístico-literário.
Ao partir dessa premissa, tomando-se como exemplo as obras literárias, os leitores que
possuem certa bagagem de leitura, são aqueles capazes de apreciar e entender as
interrelações (mesmo que implícitas) presentes nos diversos textos. O conceito de
“intertextualidade”, não se apresenta isoladamente em uma única obra já que é ele que
dá vida às diversas criações e co-criações literárias tanto brasileiras quanto estrangeiras.
Assim, pode-se ratificar a ideia de Antonie-Laurent de Lavoisier de que “nada se cria,
nada se perde, tudo se transforma”: tanto na química quanto (especialmente) na
literatura, as obras se dialogam entre si, os autores utilizam-se conceituações e ideias já
pré-existentes e delas partem-se para novas colocações ou novos pontos de vistas, o que
torna eminente o caráter intertextual da Literatura. Um exemplo, é a retomada do poema
“Canção do Exílio”, de Gonçalves Dias na paráfrase de Murilo Mendes, “Canção do
Exílio”, no qual Mendes deu um tom mais crítico à poesia, dando ênfase à elementos
satíricos.
Ao levar em consideração que o diálogo intertextual constrói a literatura, percebe-se
que não existe um “certo” ou um “errado” em considerar esta ou aquela obra como “a
mais importante” , “a obra consagrada” ou até mesma ser considerada como “cânone
literário”. O que é levado em consideração, é o fato de que determinadas obras ou
autores, devido à sua profundidade e magnitude, podem vir a se tornar representantes do
período literário ao qual se está pondo em pauta: Cruz e Souza, por exemplo, com seus
versos “vozes veladas veludosas vozes volúpias dos violões, vozes veladas, vagam nos
vórtices velozes”, representa um exemplo clássico de aliteração na Literatura e, por este
poema (“Violões que choram”), tornou-se um autor referência ao estudar-se o
movimento Simbolista. Será Cruz e Sousa um “autor consagrado”? Os demais autores
do Simbolismo teriam sua menoridade afirmada por não terem escrito “Violões que
choram”? A resposta é sim e ao mesmo tempo, não. Cruz e Sousa é hoje sim,
reconhecido mundialmente como um dos principais representantes do Simbolismo
Brasileiro, porém, é inadmissível dizer que outros autores seriam categorizados à
menoridade ou até mesmo à excludência. A Literatura visa dar oportunidade para que
toda e quaisquer obras literárias sejam apreciadas, tanto que, obras escritas nos séculos
XVIII ou XIX, são hoje, no século XIX, lidas, relidas e discutidas por outros tantos
autores e leitores, que têm capacidade de perpetuarem colocações e críticas diversas aos
textos. Essa “consagração” da Literatura, se deu puramente, pois, em épocas distintas,
haviam modelos de escolas literárias à serem seguidas, e os autores que seguiam o
parâmetro do tipo de linguagem empregada, as intenções do escritor, o leitor, os temas,
o modo de ler e a reflexão ou efeito produzido pela leitura, era supervalorizados. Assim,
hoje, a Literatura, com tantas escolas representantes e outras tantas obras que pontuam
questões atuais, não pode ser distinguida entre “Literatura consagrada” e
“menosprezada”: há apenas as obras que marcaram uma época literária devido à
importância que os leitores e a crítica deram ao enredo da obra, assim como há obras

2
que quase ninguém cita, mas que com certeza, atingiram a vida e o íntimo de
determinado leitor, devido à sua intensa identificação com a história, mas que nem por
isso, deixa de fazer parte de uma classificação de “literatura boa ou ruim”, “consagrada
ou não”.

3
O Cânone Literário e sua relação de sentido para o leitor

O epíteto “clássico”, aparece pela primeira vez na obra romana “Noctes Atticae”, de
Aulo Gélio, capítulo XIX,8,15. Esta é uma classificação que se dá aos cidadãos
conforme o seu grau de riqueza: os ricos, que fazem parte da primeira classe da
sociedade, são vistos como os “clássicos”, enquanto os proletários, não pertencem à
classe alguma que pague imposto.
De modo informal e bastante geral, o “cânone literário” abarca as obras clássicas da
Literatura. Esmiuçando o conceito, percebe-se que o “cânone” inclui o conjunto de
obras consideradas como referência num determinado período, estilo ou cultura. A
cunho exemplificativo, as obras “Macunaíma”, de Mário de Andrade ou “Grande
Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa, podem ser vistas como cânones da literatura
brasileira, ambas sendo destaques no Modernismo nacional.
O enredo das duas produções literárias acima citadas, relacionam-se à identidade do
cidadão brasileiro, às lutas e à forma de sobrevivência no sertão brasileiro, à seus medos
e ao amor reprimido da personagem principal. Considerando-se estas informações,
pode-se dizer que são enredos com características “universais”, as quais quaisquer
pessoas poderiam vivenciar. O caráter de universalização impresso nas obras, a
permissividade que a obra transpassa ao leitor para que nele sejam reproduzidos valores
e a imposição de critérios que lhe permitam se sentir incluído ou excluído do discurso
da obra, faz com que o leitor seja atraído pelo enredo da história, pois ele se identifica
com as situações ali retratadas. Esta identificação, por sua vez, denota um sentido
especial da obra no íntimo do leitor, que passa a considerá-la “especial”, “grandiosa” e a
valorização da literatura problematiza a essência da vida.
A Literatura não é uma linha de estudo objetiva e que se dá meramente por
formalidades. O texto considerado literário, apresenta em si, a essência da descrição de
quaisquer diálogos, discursos ou textos oriundos de uma comunidade, atingindo assim,
uma função de representatividade social e até mesmo histórica. É importante frisar que
texto algum nasce, necessariamente classificado como canônico, o que também não
significa que, com o passar dos séculos e com as mudanças de escolas literárias, que
este texto será sempre enquadrado na classificação de “literário”. Terry Eagleton diz
que “Tudo pode ser literatura e tudo o que é visto como inalterável é
inquestionavelmente literário”.
Portanto, tomando-se o caráter atemporal da Literatura, é possível sim, que as obras
canônicas se mantenham vivas no cotidiano de leitores e perdurem por muitas e muitas
décadas, justificando assim, a existência dos chamados “grandes nomes da Literatura”.

4
Ficção pode ser considerada parte da Literatura? Como
se relaciona com a ideia de “cânone literário”?

Parafraseando Umberto Eco, os mundos ficcionais podem ser lidos como se fossem a
vida e a vida pode ser lida como se fosse ficção? A resposta é sim!
Geralmente, os textos iniciados em “Era uma vez” são ficcionais. Você contaria uma
história que aconteceu contigo com “Era uma vez”? Provavelmente não, seria mais
correto dizer que sua história, teria uma frase como “assim como aconteceu comigo”.
Os textos ficcionais, remetem à um determinado mundo com enredo, cenário,
personagens próprios, no qual o autor dá vida à toda a história desenhada total ou
parcialmente em sua mente. Tomando o pensamento de que “Literatura é uma ciência
elitista”, só poderíamos considerar como texto literário, a ficção que retratasse, por
exemplo, a vida e os costumes de uma sociedade hierárquica, à exemplo do romance
“Orgulho e Preconceito”, de Jane Austen, que lida com problemas de uma jovem
inserida na sociedade aristocrática inglesa do século XIX. Considerando as ideias de Ísis
Wolfgang, a obra de Austen poderia ser interpretada e plenamente situada no campo
ficcional: através da concepção e exaltação da existência das classes sociais, Austen
“finge” que aquele universo existe quando na realidade, sua obra ficcional é uma
recriação de parte de questões sociais existentes na sociedade inglesa, que detinha uma
rígida distinção entre pessoas pertencentes à classes distintas. A criação de personagens
imaginativos, recriou situações reais e desta forma, pontuou críticas as quais passam a
perturbar o leitor. Visto sua função literária, o texto ficcional cumpre sua função de
questionar e sistematizar situações cotidianas de uma forma menos agressiva, do que
teria sido caso fosse pontuada em outro estilo textual. Desta forma, o leitor atento, está
inserido na função social que a Literatura cumpre de formar cidadãos criticistas, com
uma visão de mundo mais ampla e de se tornarem cidadãos mais abertos e receptivos
aos dilemas éticos e morais pontuados por nossa sociedade.
Relacionando-se a “ficção” ao “cânone literário” vê-se que as diversas obras canônicas
brasileiras, também cumpriram uma função análoga à da obra de Jane Austen:
“Macunaíma”, ao tratar tempo e espaço arbitrariamente, mesclou tradições, mitos e
narrativas orais num teor crítico em relação às ciências humanas, anteriormente
esboçado no entendimento da construção do Nacionalismo do século XIX, ao retratar o
povo brasileiro por meio de um personagem nascido negro e que se transforma em
branco, evidenciado a miscigenação racial do país. Além disso, o personagem,
preguiçoso, vaidoso e que se entrega aos prazeres carnais, é uma representatividade de
quaisquer seres humanos, que em algum momento da vida, já se comportaram como tais
características. O leitor pode sim, julgar como certo ou errado o comportamento da
personagem, porém, a o modo individualista ao qual este julgamento será feito,
demonstra o caráter universal da literatura: basicamente todos encontrarão alguma
característica ou algum episódio ao qual se identifiquem nas obras canônicas, e é
devido à este aspecto, que a ficção pode sim, ter através de seu caráter particular de
apresentar um enredo com um mundo fantasioso, a classificação como obra literária
canônica.
5

Conclusão

A para-literatura, insere os leitores num universo de entendimento um pouco mais fácil


que as obras canônicas, caso consideremos a linguagem a ser utilizada nos textos, assim
como o tempo o qual a obra está situada. Geralmente, para-literaturas estão inseridas no
contexto atual, o que remonta ao século XXI, porém, isto não é fator que impeça que
obras clássicas escritas em séculos anteriores, sejam ditas como inteligíveis: o bom da
Literatura, são as conexões intertextuais as quais podemos fazer com o enredo da
história, e assim, ampliar nosso conhecimento de mundo, tornando passível o
entendimento de toda e quaisquer obras que lermos. O leitor, neste caso, tem a função
de esmiuçar, de imaginar e de viver o enredo, tornando a história atraente para ele
próprio, criando conexões e reconexões com as mais diversas obras e até mesmo
situações ou sentimentos por eles vivenciados. Eis uma das funções mais importantes da
Literatura: “dar ao leitor liberdade na interpretação e propor um discurso com muitos
planos de leitura”, Eco, Humberto , 1932 - Sobre a literatura, p.12.
A Literatura também não deve ser taxada como “boa” ou “ruim”, o importante é
sempre destacar qual a função que o texto escrito visava exercer e qual o público (ou até
mesmo crítica) que o autor visava atingir, sendo a relatividade da crítica, fator de
extrema importância. Considerar o tempo o qual a obra foi escrita é tão relevante quanto
um crítico que pese medidas, e desta forma, a inserção de elementos intertextuais nas
obras, facilita o entendimento e o trabalho do leitor (seja ele crítico ou não),
enriquecendo o trabalho do autor.
Por fim, diz-se que a Literatura, tão rica e vasta, é permissiva à confluência de gêneros,
devido às suas indagações e reflexões sobre a problemática do tema escolhido para
ilustrar determinada obra, seja ela qual for. As semelhanças entre as realidades de
quaisquer cenários (fictícios ou não), presentes no enredo, com a realidade do leitor, é a
qualificação da crítica que busca revelar uma verdade (pré-definida de acordo com o
tema central da obra), mesmo que esta verdade proporcione ao leitor um sabor amargo
de reconhecer-se nas páginas da ficção.
6

Referências Bibliográficas

ROSENFELD, Anatol - Reflexões sobre o romance moderno; 76-78, 86-87, 96-97


PERRONE MOISÉS, Leyla – O Cânone dos escritores críticos; 61-65, 78-80, 82-83
EALETON, Terry – O que é Literatura em Teoria da Literatura, 1-17
ECO, Humberto – Sobre algumas funções da Literatura, 9-15
ÍSER, Wolfgang – Os atos de fingir ou o que é fictício no texto ficcional, 957-960, 969,
971
7

Você também pode gostar

pFad - Phonifier reborn

Pfad - The Proxy pFad of © 2024 Garber Painting. All rights reserved.

Note: This service is not intended for secure transactions such as banking, social media, email, or purchasing. Use at your own risk. We assume no liability whatsoever for broken pages.


Alternative Proxies:

Alternative Proxy

pFad Proxy

pFad v3 Proxy

pFad v4 Proxy