O PADRE - Historias Proibidas - Mila Wander
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Padre Benício
Maria Luísa
Padre Benício
Maria Luísa
Padre Benício
Maria Luísa
Padre Benício
Maria Luísa
Padre Benício
Maria Luísa
Padre Benício
Maria Luísa
*****
Padre Benício
Maria Luísa
Padre Benício
Maria Luísa
Padre Benício
Maria Luísa
Padre Benício
Deixar a igreja em pleno domingo não era uma tarefa fácil, mas
a presença do delegado assustou as irmãs e demais funcionários, o
que tornou a minha saída possível, sem muitos questionamentos.
Ninguém sabia o que estava acontecendo, por isso tentei os
acalmar e deixei claro que nada daquilo deveria se tornar uma
fofoca entre os fiéis, mesmo sabendo que pedir algo assim em São
João do Paraíso era inútil.
Entrei na viatura do delegado Moura me sentindo esquisito,
sobretudo porque, ao conferir cada item dentro da caixa preta, ele
ficou mudo, com o semblante muito sério e imerso em reflexões.
Não teceu qualquer comentário mais elaborado, apenas perguntou
onde a caixa tinha sido encontrada e o motivo de estar comigo na
igreja. A minha resposta sincera fezcom que soltasse um resmungo
e só. Eu não sabia se tinha enrolado a corda no meu próprio
pescoço, nem se pioraria a situação de Luísa. Apenas ouvi meu
instinto, que costumava funcionar com relação às pessoas.
Delegado Moura me fez entrar em sua sala assim que
chegamos à delegacia. Pediu que eu me sentasse e depositou a
caixa preta sobre sua mesa, analisando-a com bastante atenção.
Colocou o revólver dentro de uma sacola transparente, tomando o
cuidado de pegá-lo com um pano, bem como os outros itens.
— Nós nos deparamos com essa mulher na festa da casa do
prefeito — comentei quando ele segurou a fotografiapornográfica.
Saquei o celular do bolso e mostrei a foto que tirei durante a
festividade. — Não sabemos quem ela é, mas olhou para Luísa de
um jeito bem estranho, como se a reconhecesse. O senhor sabe de
quem se trata?
Delegado Moura assentiu, com o queixo apoiado na mão,
pensando. A expressão que fez exalava a mais completa confusão e
espanto. Talvez soubesse de algo que nem eu ou Luísa sabíamos, e
ainda assim não encontrava respostas.
— O senhor sabe quem é esse rapaz com ela? — questionei,
já que ficou em silêncio. Tentei conter a curiosidade, afinal, quanto
menos soubesse, melhor, mas se era para proteger Luísa, eu
deveria buscar os fatos em totalidade.
Delegado Moura soltou um longo suspiro, em seguida abriu um
meio sorriso.
— Ele é estudante de Direito na Universidade de Paraíso. Um
filhinhode papai que só arranja confusãoe ex-namorado da filhado
prefeito. — Delegado Moura mudou a expressão para o
descontentamento, e fiqueime perguntando o motivo. Certamente já
teve trabalho com esse rapaz. A chegada do campus na cidade
trouxe avanços e modernidade, mas também trouxera problemas
sobretudo entre os jovens. — Um idiota.
Aquiesci, movendo a cabeça lentamente. Não deixei de
pensar no Toninho, que cursava o primeiro semestre de Teologia, e
na forma como saiu da igreja. O meu coração estava apertado e
entristecido, carregado de culpa e muitas emoções misturadas. Eu
precisava conversar com ele, mas de nada adiantaria naquele
momento. Sua raiva precisava passar, acalmar um pouco.
— Ela é professora e coordenadora na Universidade. —
Quando aquelas palavras saíram da boca do delegado, meus olhos
arregalaram e quase perdi o fôlego. Um estudante e uma
professora? Meu santíssimo. Um segundo depois, considerei a mim
mesmo um grande hipócrita e percebi o quanto era fácil julgar os
outros. — Mônica Teixeira. Irmã mais nova do prefeito. Ela é
discreta, não participa muito do mundo político. — O homem olhou
para a fotografia. — Nem tão discreta assim, pelo visto.
O meu assombro se intensificou consideravelmente. A irmã
do prefeito se relacionando com o ex-namorado da sobrinha?
Parecia coisa de novela das nove. Sem contar que eu sabia muito
bem que a esposa do político dormia com o vizinho. Aquela família
era mesmo muito esquisita, no mínimo, e era óbvio que estavam
envolvidos na morte de Samuel. Tanta traição num só lugar não
poderia dar em nada bom.
Mas como relacionar toda essa gente ao Luís? O meu
cérebro estava se enroscando entre tantas informações distintas.
— Delegado, o que tudo isso significa?— questionei, com os
pensamentos desvairados, formulando as mais loucas teorias para
justificar o assassinato. — A família do prefeito parece estar
vinculada ao Samuel de alguma forma. Tem alguma coisa muito
errada em toda essa história.
— Amanhã, quando o advogado de Luísa aparecer, irei
interrogá-la. Ela deve saber mais do que o senhor a respeito desta
caixa.
Dei de ombros.
— Ela sabe tanto quanto eu, inclusive pensava que o senhor
sabia das falcatruas do prefeito e estava envolvido nisso.
Claramente, o homem detestou as minhas palavras, porque
resmungou e balançou a cabeça em negativa, coçando o queixo em
sinal de perturbação.
— Não sei de porra nenhuma, padre Benício. Neste
momento, não saber dessa merda está me enervando. Achava que
era um caso simples de crime passional.
— O senhor deveria soltá-la imediatamente, está óbvio que
não teve nada a ver com a morte do marido.
Ele balançou a cabeça em negativa.
— Nada disso aqui prova alguma coisa, padre. São indícios,
não fatos.O fato é que tem digitais de Luísa na arma do crime e ela
não tem álibi. — Prendi a respiração diante daquelas palavras. Eu
não sabia nada sobre a questão da arma do crime, mas acreditava
piamente na inocência dela. Precisava confiar, ainda que de forma
meio cega, já que nos conhecíamos tão pouco. O delegado
prosseguiu com seriedade: — Luísa poderá ser solta apenas com o
habeas corpus, mas não consigo um advogado da defensoria hoje,
num domingo. Pela minha experiência, o juiz provavelmente vai
liberar uma fiança, mas duvido que ela possa pagar a quantia, já
que estamos falando de assassinato.
Aquela possibilidade me carregou de assombro. Não tinha
pensado nisso, pois não era acostumado a conviver com essas
coisas da lei. Desconhecia os procedimentos.
— E quanto seria? — perguntei, chocado e temendo a
resposta.
Ele coçou a cabeça, refletindo.
— Coisa de quarenta mil reais, por aí. Depende do juiz... O
advogado pode recorrer para tentar diminuir, mas não creio que
fique menos de uns trinta mil.
— Meu Deus.
Fiquei olhando para o sujeito com o coração em frangalhos.
Soube que Luísa não tinha dinheiro, e eu também não, sobretudo
por causa dos meus votos de pobreza, mas podia ligar para os
meus pais e reunir algum valor para pagar a fiança. Eu não
permitiria que aquela mulher ficasse enjaulada por um crime que
não cometeu.
— Ainda assim, ela terá que responder em liberdade. — O
delegado continuou explicando: — Se for julgada e condenada,
voltará para a prisão pelo tempo estipulado em julgamento. Neste
caso, serão longos anos, padre.
Meu coração batia tão forte que era difícil manter a
respiração. Estava à beira do colapso enquanto imaginava a minha
garota cumprindo uma pena extensa. Sua vida seria destruída,
perdida dentro da cadeia.
— O senhor precisa encontrar o assassino antes disso,
delegado.
A verdade precisava surgir para que Luísa fosse inocentada
de uma vez.
— Estou intrigado quanto ao vizinho, o tal de Luís. —
Delegado Moura se apoiou no encosto da cadeira e suspirou.
Percebi que não voltou a culpar Luísa. Provavelmente mudou de
ideia quando viu os objetos, o que já era alguma coisa. — Tem
muita coisa estranha acontecendo ao mesmo tempo com relação a
esse caso. — Olhou-me fixamente, muito sério. — Fez bem ao me
entregar essa caixa, padre. Não colocarei seu nome no relatório.
Hoje fizemos a busca e apreensão na casa da viúva, então colocarei
tudo isso como recolhimento dessa ação.
— Eu não tenho objeções. Se o senhor achar por bem me
envolver no caso, aceito perfeitamente, pois já estou envolvido
demais.
Ele me olhou de cima a baixo.
— Estou vendo. — Sorriu com certo desdém, certamente se
referindoao meu envolvimento com Luísa. — Padre, eu entendo... A
mulher é linda, uma gostosa, tem a boca afiada e olhos
hipnotizantes, mas o senhor não pode prosseguir com essa merda.
Falei uma vez e reafirmo, se continuar com isso, vai sobrar para o
senhor. Olha a confusãoem que ela já te enfiou!— Apontou para os
itens distribuídos sobre a mesa.
Não gostei da forma como se referiu a Maria Luísa. O ciúme
extremo dominou o meu corpo e, por um instante, me vi enrolando
os dedos ao redor da garganta do delegado, bem como tinha feito
com o Luís. Fechei os punhos para manter o controle. A reação da
minha mente me assustou tanto que me mantive calado, com a
mandíbula presa pelo desgosto e pelo nervosismo. A única coisa
que sabia era que não podia deixá-la.
— Eu quero vê-la. É possível?
Delegado Moura fez uma careta e soltou um xingamento
baixo.
— Não deveria. Por que o senhor não aproveita e se afasta
de vez?
— Porque eu não vou fazer isso, delegado. — A convicção foi
tanta que ele se espantou um pouco. Ainda que eu estivesse de
batina, pois não tive tempo de removê-la, quem estava ali diante
dele não era o padre, mas o homem que lutaria pela mulher que o
tocou profundamente.— Luísa é inocente e o senhor vai chegar até
a verdade, se Deus assim permitir.
— Uma hora a cidade vai descobrir que está apaixonado pela
viúva, principalmente se continuar se comportando desta forma.
Será um escândalo medonho.
— Que assim seja — eu disse baixo, como o fim de uma
oração.
Delegado Moura me analisou por alguns instantes, depois se
ergueu e me levou para o local onde estavam as celas, no coração
da delegacia. Policiais passaram por nós e estranharam a minha
presença, porém não comentaram nada. Assim que alcançamos o
ambiente escuro onde Luísa estava, acuada como um animal
indefeso, o meu coração apertou tanto que parecia sangrar.
Ela estava sentada sobre uma cama metálica decaída, com
as pernas recolhidas, envolvidas pelos braços e a cabeça abaixada.
Delegado Moura abriu a cela, fazendo um barulho alto, mas Luísa
não se mexeu, o que me encheu de desespero. Entrei naquele lugar
impensável e corri até me ajoelhar diante dela. Só então ergueu o
rosto e, ao me encontrar ali, deixou vários soluços escaparem.
Puxei-a para mim, abraçando-a com toda força reunida.
— Não matei o Samuel, não fui eu... — Soltou mais soluços
sofridos.Ela me puxava em vários pontos, nunca se decidindo, e eu
a enlaçava no meu corpo como se nunca mais fosse capaz de
afastá-la. — Não fui eu, juro, não fui...
— Shhh, eu sei. Não se preocupe. Estou contigo.
Luísa afundou o rosto no meu pescoço e permaneceu
inconsolável durante vários minutos. Eu não sabia o que fazer para
tirá-la dali. A entrega da caixa não havia funcionado. Segundo o
delegado, poderia existir uma fiança a ser paga, mas ainda não
passava de uma possibilidade, que geraria mais um empecilho:
dinheiro. Era difícil demais acreditar que Luísa teria que ficar
naquele lugar terrível por mais tempo.
Passei os dedos pelo seu rosto, enxugando algumas
lágrimas.
— Vai dar tudo certo, confie em Deus — sussurrei, ainda que
não tivesse certeza se Ele nos ouviria, depois do que fizemos
naquela semana. Perceber a minha fécomeçando a falharme tirava
todo o chão. Eu não era mais o mesmo.
Luísa negou com a cabeça, em pleno desespero, e enfim se
afastou.
— O senhor não deveria estar aqui — disse num choramingo.
Toquei seu braço, mas ela recuou de repente, ainda em lágrimas.
Seu afastamento me deixou terrivelmente entristecido, sobretudo
por ter me chamado daquele jeito. Culpei a presença da batina.
Devia tê-la confundido. — Eu vou mofar na prisão. Não tenho como
provar nada e nem me defender dessa gente.
— A verdade virá, Luísa.
Ela continuou negando.
— Eu não tenho o direito de... — Olhou-me com atenção,
mas as lágrimas ainda escorriam. Sua aflição evidente me
arrebentava por dentro. Vê-la daquela forma me deixava irritado
pela minha impotência. — O senhor precisa sair daqui. Não pode se
meter nessa confusão. Eu não valho tanto assim.
— Você vale tudo. — Toquei a lateral do seu rosto, e ela
fechou os olhos. Enxuguei mais uma lágrima com o polegar. — Eu
não vou te deixar. Não te fiz minha à toa, Luísa — reafirmei,
convicto, aproximando nossos rostos para fazer com que
entendesse de uma vez. — Acha que tenho medo de ir ao inferno
contigo? Não mais. Aquela carta está sendo escrita e em breve
nada vai me impedir de ter você.
— Ben... — Ela arquejou, soluçando. — Não é justo.
— Vou te tirar daqui. Prometo.
Dei um beijo em seu nariz e a abracei de novo. Luísa veio,
sem mais objeções, visivelmente enfraquecida por toda aquela
situação que nos rodeava. Delegado Moura avisou, com a voz
grave, que o meu tempo tinha acabado e eu precisava deixar a cela.
Fiz isso, mas não antes de dar um último abraço bastante apertado
em Luísa e plantar um beijo no topo de sua cabeça. Mesmo sem
querer, eu a deixei aos prantos, sentindo o meu coração bater
rápido em plena angústia.
— Concordo com ela, o senhor deve ir embora daqui, agora
— o delegado comentou enquanto voltávamos pelo mesmo
corredor.
— Retornarei ao fim da última missa do dia.
Ele suspirou, hesitante.
— Já que vai voltar, ao menos disfarce a preocupação com
uma fiel comum. Traga roupas limpas e produtos de higiene, ela vai
precisar.
Eu deveria ter pensado no bem-estar de Luísa antes de
qualquer coisa, por isso me indignei com meu próprio descaso.
Claro que precisaria de roupas, inclusive, ainda estava usando as
de Sofia, que claramente não a deixavam confortável. Pretendia
retornar mais preparado. Luísa precisava de um bom advogado, e
não era difícil, para mim, pedir um favor a alguém da cidade. Muitas
vezes rogava por auxílio de profissionais que se voluntariavam para
ajudar as pessoas que precisavam.
Delegado Moura me acompanhou até a recepção, mas
paralisei ao me deparar com ninguém menos que o Luís, o irritante
vizinho mexeriqueiro. Os olhos dele se abriram em espanto, iguais
aos meus, depois se afunilaram em descrença. A minha expressão
se fechou no mesmo instante, e então não consegui me manter
calmo. Cheguei ao limite.
— O que está fazendo aqui? — perguntei, arrogante, focado
naquele homem. A delegacia pareceu ter sido tragada ao meu redor.
Luís arquejou num resmungo, dando de ombros e colocando
as mãos nos bolsos.
— Atualmente trabalho na administração da empresa da
minha família — ele disse, impassível, encarando o delegado ao
meu lado. — Mas sou advogado por formação. Não atuante, porém
devidamente credenciado. — Voltou a olhar para mim. A expressão
exalava uma frieza que muito me desagradava. — Enquanto o
senhor vem rezar por ela, padre, eu venho tirá-la daqui. —
Praticamente cuspiu as palavras. — Quem o senhor acha que é
mais útil?
Prendi os punhos com tanta força que doeu, e impulsionei
para frente, pronto para perder todas as estribeiras. Teria acabado
com a raça daquele homem dentro da delegacia se o delegado
Moura não tivesse segurado meu braço e se colocado na minha
frente.
— Então o senhor é o advogado de Maria Luísa Cortês? — A
voz saiu dura, imponente, deixando claro que tomaria as rédeas da
situação, e que eu não deveria me meter em briga dentro da
delegacia. Seria muita burrice, embora não fosse má ideia ficar com
ela dentro da cela.
Continuei encarando o Luís e, Deus que me perdoasse, não
conseguia nutrir nada bom com relação a ele. Não havia piedade,
compaixão, amor ao próximo... Nada do que um padre deveria
sentir. Em vez disso, a raiva me dominava, a revolta, o ciúme.
Sentia um gosto amargo dentro da minha boca, por isso engoli em
seco.
— Se ela assim desejar — o vizinho respondeu, implacável.
— Ela não deseja — resmunguei, nutrindo mais ira a cada
segundo. Entrar novamente em contato com aquele pecado capital
me desestabilizava. Eu não me reconhecia e, ao mesmo tempo, não
podia agir diferente. Não conseguia.
Luís guiou o olhar pelo meu rosto, avaliando-me.
— Agora o senhor fala por ela? — Bufou, exalando
descontentamento. — Achei que falasse apenas por Deus. — E
virou-se para o delegado: — Já acionei o juiz de plantão e estou
com a papelada pronta. Se Luísa desejar, sequer precisará dormir
numa cela essa noite. Mas pelo visto tem gente que quer que ela
fique presa.
Luís voltou a me encarar e eu soltei um rosnado gutural,
advindo das profundezas do meu ser. Novamente, quase avancei,
mas o delegado interveio.
— Certo, vamos resolver isso o quanto antes. — Virou-se
para mim. — Padre, creio que o senhor tem compromissos na
igreja. — Ele acenou de leve, fazendo-me compreender que ficaria
de olho naquela situação esquisita.
Delegado Moura estava visivelmente encafifado com a
presença do vizinho ali, mas eu ainda não sabia se podia confiar
totalmente. Para mim, Luís era um fortesuspeito e tinha denunciado
Luísa depois de ele próprio ter enterrado a arma do crime. Como era
possível que aparecesse para salvá-la? Estava fazendo de
propósito, para ser o salvador da pátria? Eu não duvidava nem um
pouco, porém, era necessidade sair dali. Não era de minha alçada
prender aquele homem, nem mesmo conseguir provas.
O que eu podia fazer?
Sentir-me inútil, incapaz de ajudar Luísa e ainda deixá-la nas
mãos daquele homem me revoltava muito. Não ter qualquer escolha
também me destruía por dentro. Eu tinha certeza, mais do que
nunca, de que não era capaz de realizar nenhuma celebração.
Considerava aqueles sentimentos de amargura, de ódio e raiva
muito piores que qualquer ato de luxúria. Porém, continuava sem
alternativa. A força dos acontecimentos me levava como uma
pequena folha flutuando na superfície de um rio.
Relanceei o delegado e, em seguida, o Luís. Com a
expressão fechada, saí da delegacia sem acreditar no rumo que a
minha vida tomou. Voltei para a igreja andando e acalmei as irmãs
quanto a minha saída. As atividades prosseguiam e eu precisava
me preparar de uma forma ou de outra. Não ver Toninho por perto
foi mais um fator que me deixou imerso numa onda cruel de aflição.
Tranquei-me na sacristia e peguei meu celular, desesperado,
a fim de ligar para os meus pais. Eu não tinha nada em meu nome
além de uma reserva pequena de dinheiro, um valor proporcional e
permitido pela igreja, o que não dava para muita coisa.
Se aquele imbecil conseguiria a fiança, então eu estaria
preparado para pagar e ser útil na vida de Luísa. Ser mais do que
uma pessoa que até então lhe oferecera apenas sexo.
Minha mãe atendeu no segundo toque, contente pela minha
ligação.
— A senhora vai achar estranho, mas... — Suspirei. —
Preciso que venda a minha casa. — Na semana retrasada ela tinha
arranjado um comprador para o imóvel, eu que neguei o trâmite por
puro apego às memórias de Sofia. Meus pais não sabiam que eu
ainda o usava, mas compreendiam que a existência dele me fazia
sofrer muito. Não viam sentido em mantê-lo. — Imediatamente.
Claro que a residência valia muito mais do que a fiança. Só
que eu tinha direção certa para o que restasse: usaria para retomar
a minha vida de verdade, fora da igreja. Afinal, o que tinha a
oferecer a Luísa? Ela precisava de mais do que momentos de
desejo. Mais até do que qualquer sentimento que eu pudesse nutrir,
e que ainda não sabia nomear. Tornar-me um homem em sua
completude era fundamental para merecê-la um dia.
PARTE 20
Advogado do diabo
Maria Luísa
Padre Benício
Maria Luísa
Padre Benício