Huanddi Neijing Lingshu Ysao Yamamura
Huanddi Neijing Lingshu Ysao Yamamura
Huanddi Neijing Lingshu Ysao Yamamura
INTRODUÇÃO
1
Referência clássica de Shén, in Frauehalf, All Diseases come from the heart: The Pivotal Role of the Emotions in
Classical Chinese Medicine, www.classicalchinese medicine.org, acessado em 23/10/2010.
2
O termo “força configuradora” foi retirado de Porkert, M. The Theoretical Foundations of Chinese Medicine.
Massachusetts The MIT Press, 1974, p. 181.
12
A parte direita, Shēn 申, significa “estender, esticar, explicar”. Na escrita primitiva, vêem-se
duas mãos puxando uma corda, dando a idéia de expansão. Outras inscrições mostram um
homem de pé enrolando uma faixa na cintura, usando ambas as mãos. A combinação das duas
partes seria provavelmente fonética. Para Jarrett (2000), a parte esquerda do ideograma
indicaria o desejo de Tiān 天 ,Céu, se revelando à humanidade e a parte direita duas mãos
tomando uma direção inferior, estendendo uma corda e passando a idéia de expansão. Como
um todo, diz que o ideograma dá a noção de Tiān 天 , Céu, estendendo seu desejo sobre Dì
地, Terra, e à consciência da humanidade. Eyssalet (2003) afirma que a alternância Tiān 天,
Céu e Dì 地,Terra na parte esquerda indicariam “as influências vindas do alto, um tanto como
no sentido de Espírito, uma alternância entre o impulso criador das leis celestes e seu poder de
realização concreto nas energias e nas formas sutis (luz)”. Poderia sugerir também a
alternância Yīn Yáng 陽 陰 . Ainda segundo o autor, a parte direita poderia simbolizar a
possibilidade incluída em cada homem de “ser um lugar de passagem das trocas entre o Céu e
a Terra, um traço-de-união consciente entre os princípios, as realizações com retorno
constante”. Como um todo, diz que o ideograma representaria “a instância criadora que
concebe o ser, o indivíduo, a partir das forças celestes dirigidas para a terra”.3
3
Eyssalet, J.M. Shen ou o Instante Criador. São Paulo: Gryphus, 2003, pp.164-166.
13
Racionalidades Médicas
5
Entre as publicações destacam-se: Artigo: Racionalidades Médicas: Medicina Tradicional Chinesa, de Daniel Luz,
publicado na Série Estudos em Saúde Coletiva, n° 72, 1993; Relatórios anuais da Linha de Pesquisa Racionalidades
Médicas abordando questões da Medicina Chinesa, desde 1991; Dissertação de Mestrado: Da Panacéia Mística à
Especialidade Médica. A Construção do Campo da Acupuntura no Brasil, 1997, de Marilene Cabral do Nascimento;
Artigo:
WÚ JÍ: Primeiros Contatos com as Representações da Cosmogonia Daoísta na Medicina Chinesa, de Dennis W. V.
Linhares Barsted e Madel T. Luz, publicado na Série Estudos em Saúde Coletiva n° 200, 2000; Tese de Doutorado: WÚ JÍ:
O Vazio Primordial. Cosmologia Daoísta e Medicina Chinesa, 2003, de Dennis W. V. Linhares Barsted; Tese de Doutorado:
Entre a Conversão e o Ecletismo: de como médicos ocidentais tornaram-se ‘çhineses’, 2003, de Maria Inês Nogueira. E
outros aguardando publicação: A Grama é Verde? Linguagem e Pensamento na Medicina Clássica Chinesa, de Dennis W.
V.
Linhares Barsted, a ser publicado na Série Estudos em Saúde Coletiva; Coletânea “As Duas Faces da Montanha, estudos
sobre Medicina Chinesa e Acupuntura”, organizada por Marilene Cabral Nascimento, publicada pela editora HUCITEC, em
2006; Artigo: SHÉN 神: Categoria Estruturante da Racionalidade Médica Chinesa, de Claudia S. Ferreira e Madel T. Luz,
publicado na Revista Ciência e Saúde de Manguinhos, vol.14, n.3, jul-set, 2007. Dissertação de Mestrado: SHÉN 神:
Categoria Estruturante da Racionalidade Médica Chinesa, de Claudia S. Ferreira, 2007. Artigo: Nutrindo a vitalidade; a
promoção da saúde na Medicina Chinesa, de Eduardo F. A. A. Souza e Madel Luz, publicado em Estudos em Saúde
Coletiva, v. 223, 2008; Tese de Doutorado: Nutrindo a Vitalidade, questões contemporâneas sobre Racionalidade Médica
Chinesa e seu desenvolvimento histórico cultural, de Eduardo F. A. A. Souza, 2008.
16
uma categoria específica de seu corpo teórico e prático, como no caso de Shén 神, mas sim,
de acepções de diferentes momentos históricos convivendo num dado momento, algumas
mais, outras menos presentes, mas todas representativas de uma determinada realidade sócio-
cultural.
Por um período de 3.500 anos, sete sistemas de conceituação se desenvolveram na
Medicina Chinesa: Terapia Oracular, Medicina dos Demônios, Cuidados Religiosos, Terapia
com Medicamentos, Medicina Budista, Medicina das Correspondências Sistemáticas e, mais
recentemente, o modelo ocidental, a Biomedicina. A história desses sistemas de conceituação
não seguiu um padrão linear de sucessão. Ao contrário, novas idéias eram desenvolvidas ou
introduzidas, enquanto antigas visões continuavam sendo utilizadas (UNSCHULD, 1985).
Traços de atividade terapêutica são reconhecidos a partir da dinastia Shāng 商 (1766 a
1122 AC) e até o final da Dinastia Zhōu 周 (1122 a 255 AC), quando baseava-se em
concepções mágicas de adoecimento e cura. Até então eram os sacerdotes quem exerciam os
rituais de cura. Após um período de transição, é na Dinastia Hàn 傼 (206 AC a 220 DC) que
se conclui uma extensa sistematização na medicina, chamada por Unschuld (1985) de
“Medicina das Correspondências Sistemáticas”, refletindo as idéias e a estruturação sócio-
política que tentavam superar o caos deixado pelo longo período de Guerra entre os Estados
(481-221 AC) que antecedeu o surgimento da unificação da China e a fundação de um
império que durou até 1911.
Nesta sistematização da medicina, as concepções mágicas de adoecimento e cura
perderam força. Passou-se a valorizar a intrincada correspondência e interferência mútua entre
os fenômenos naturais e o homem. A ressonância entre micro e macro cosmos passou a ser
fundamental. Micro cosmos referindo-se ao sensorial, aos pensamentos, aos sentimentos, ao
funcionamento corporal individual e o macro cosmos ao universo entendido como as sutis
variações de estações climáticas, movimentos dos astros e forças cósmicas revelados por uma
rigorosa observação (Birch & Felt, 1999). As teorias, Yīn Yáng 陰陰, Wǔ Xíng 五行, Cinco
Fases, a concepção de Qì 氣 e a teoria Zàng-Fǔ 贓腑, Órgãos e Vísceras, se organizaram e
fundamentaram o novo pensamento.6 Nesse período foram compilados os dois textos clássicos
mais relevantes da Medicina Chinesa o Huáng Dì Nèi Jīng 黃 帝 内 經 em dois volumes o
Huáng Dì Nèi Jīng Sù Wèn 黃帝内經素問 e Huáng Dì Nèi Jīng Líng Shú 黃帝内經靈樞
(300 a 100 AC), além do Nan Jīng 難經 (100 AC a 100 DC), o Clássico das Dificuldades.
Todo o arcabouço teórico e prático formado na Dinastia Hàn é conhecido como
6
Essas noções serão abordadas ao longo desta tese.
17
Medicina Clássica Chinesa, Gǔ Dài Zhōng Yī 古代中醫. Seu declínio começou a ocorrer na
Dinastia Qīng 情(1644 -1911 DC), quando um desejo de aproximação com a ciência ocidental
se instalou no meio acadêmico chinês. Essa aproximação com o pensamento ocidental teve
em interesses comerciais seu maior estímulo. Era a época da expansão do ópio e dos contatos
da China com o resto do mundo. Em 1886, foi fundada a primeira escola de Medicina
Ocidental na China e ao final da Dinastia Qīng só existia uma escola de Medicina Clássica
Chinesa destinada tão somente à leitura de textos clássicos. Em 1927, a prática da Medicina
Chinesa chega a ser proibida, só sendo reabilitada em 1949, quando Máo Zédōng 毛 澤 東
chega ao poder e cria a República Popular da China (UNSCHULD, 1986).
A Medicina Chinesa desenvolvida a partir daí passou a ser conhecida como Medicina
Tradicional Chinesa, Zhōng Yì 中 醫 , consiste em uma sistematização e unificação da
Medicina Clássica Chinesa com a ciência e valores ocidentais. Tornou-se hegemônica na
China e no ocidente, no campo da Medicina Chinesa. Uma de suas características é, até hoje,
a busca de legitimação junto à ciência ocidental, reinterpretando, e até negando, na teoria e na
prática, alguns conceitos da Medicina Clássica em função desta legitimação.7
A Racionalidade Médica Chinesa hoje se disseminou pelo mundo, principalmente
através da acupuntura, seguindo, em grande parte, as referências da Medicina Chinesa
Contemporânea, Dāng Dài Zhōng Yī 當代中醫. Questões como as fontes de aprendizado ou a
tradução dos textos têm sido levantadas por autores como Unschuld, Fruehauf e Birch, que
reiteram a necessidade de desvendar o contexto em que o conhecimento é criado e
disseminado para que se apreendam seus reais sentidos, sob pena de comprometer a prática da
racionalidade.
Fruehauf, um dos críticos da Medicina Chinesa Contemporânea, é alemão, sinólogo e
pesquisador da civilização chinesa e Medicina Chinesa há 30 anos. Seu interesse na
preservação da Medicina Clássica Chinesa levou-o a desenvolver um banco de dados
dedicado ao arquivamento do conhecimento clássico, especialmente acerca das ervas
chinesas. Fruehauf tem sido um dos mais ferrenhos críticos à Medicina Chinesa
Contemporânea questionando sua eficácia e acusando-a de não preservar características
tradicionais da Medicina Chinesa, em nome do progresso e advertindo que o núcleo básico da
Medicina Chinesa vem sendo afetado, comprometendo seus resultados terapêuticos
(FRUEHALF, 1999).
7
A linha da Medicina Tradicional Chinesa é chamada de Escola TCM (Tradictional Chinese Medicine School) por alguns
autores como Linhares Barsted e Fruenhalf, este último utilizando-se por vezes também do termo Contemporany Chinese
Medicine. Nesta tese usaremos, para efeito de simplificação de entendimento, o termo Medicina Chinesa Contemporânea.
18
Essa discussão, levantada por Fruehalf, acerca das divergências entre Medicina
Chinesa Contemporânea e Medicina Clássica Chinesa, pode ser exemplificada na citação
abaixo, que fala sobre a compreensão da relação entre corpo e aspectos subjetivos da
existência, como as emoções, por parte dessas duas tendências e pode dar a dimensão da
distância teórica que as separa. Fruehalf assim se manifesta:
10
Para resolução completa ver: http//www.craerj.org.br
20
cefaléia, por exemplo, pode ser expressão de uma lesão profunda a ser pesquisada. Caso a
lesão não seja encontrada ou não haja uma terapêutica objetiva a ser determinada, o sintoma é
classificado como “funcional”, ou até “psico-somático” e sua supressão a base de drogas
passa a ser o único remédio. Portanto, para a Biomedicina, a expressão do sintoma, no caso a
cefaléia, só tem valor se for representativa de uma nosologia médica consistente. A respeito
da valorização dos sintomas, Eberhardt afirma:
um pode não ser para outro. Na Racionalidade Médica Chinesa, o conceito de normalidade
não é utilizado como na Biomedicina, pois não está centrado na entidade “doença” e, sim, no
binômio “equilíbrio x desequilíbrio” que cada pessoa consegue alcançar. Assim, a análise
semiológica serve para avaliar o quanto cada pessoa consegue manter-se em equilíbrio frente
às adversidades a que possa estar submetido. O que está em jogo na Racionalidade Médica
Chinesa é uma “definição positiva de saúde” e não a entidade doença (LUZ, 1996).
O equilíbrio ou desequilíbrio, objetos de análise da dimensão Diagnose, apóiam-se na
idéia de Vitalismo, como característica particular de cada pessoa. A idéia que “a energia
organiza a matéria (e as estruturas vivas) e não vice-versa” seria um aspecto fundamental da
perspectiva vitalista. Nas Racionalidades Médicas baseadas nesta perspectiva (como as
Racionalidades Orientais e Homeopatia), há uma crítica ao reducionismo biológico e ao
mecanicismo, rejeitando uma postura antagônica frente a doença, como uma necessidade de
combatê-la por ser proveniente de uma invasão exterior. Ao contrário, estas Racionalidades
Médicas entendem a doença como um processo proveniente de algum desequilíbrio interior
que permitiu sua instalação. Na perspectiva vitalista, é fundamental o “doente” e não a
“doença” (QUEIROZ, 2006).
Na dimensão Terapêutica, há certa divergência de categorias entre as diferentes
Racionalidades Médicas.
Para a Biomedicina, a categoria de “controle” é básica buscando a eliminação e/ou o
controle da doença. Nessa Racionalidade Médica, haveria certo descompasso entre Diagnose
e Terapêutica. O desenvolvimento tecnológico na busca pelo diagnóstico, nem sempre
encontra repercussão na terapêutica, o que tem lhe valido o título de “medicina das doenças”.
Talvez pela crença de que descobertas todas as “causas”, todas as “doenças” iriam se
extinguir, com isso a terapêutica não se faria necessária, terminando por prescindir até a
concepção de ser humano, de sofrimento e de saúde (SAYD, 1998).
O grande mérito da Terapêutica na Biomedicina estaria no manejo daquelas doenças
que necessitam de intervenção imediata, que ameaçam a vida ou daquelas que necessitam
algum tipo de reabilitação técnica. Para as doenças crônicas, que acometem grande parte da
população mundial, a terapêutica medicamentosa como única opção é uma escolha perigosa.
Levaria a grande especificidade entre doenças e drogas e uma necessidade crescente de novas
drogas, algumas para tratar seus efeitos colaterais.
Almeida (2002) defende que a Terapêutica não deve ser entendida como um campo
dependente da Diagnose, uma vez que tem alto grau de empirismo, apoiando-se, muitas vezes
na experiência do terapeuta, na cultura ou na vida sócio-econômica. Acrescenta, ainda, que
23
considera como Terapêutica qualquer etapa do ato médico seja “escutar, examinar, solicitar
exame complementar, o aconselhamento, a interdição, a dietética e a prescrição” e lembra que
até mesmo a Diagnose pode assumir papel terapêutico, principalmente nas sociedades
altamente medicalizadas onde o “saber o que tenho’” costuma ser a primeira demanda do
paciente.
Nas Racionalidades Orientais e na Homeopatia, a categoria “cura” é entendida como
restituição da saúde, relacionada à capacidade de restabelecer o equilíbrio, o vitalismo. Esse
conceito de “cura” busca o “sofrer” de cada sujeito e não somente uma categorização de sinais
e sintomas de doença a serem eliminados ou controlados. Nesse caso a Terapêutica busca
aliviar o sofrimento, caracterizando-se como “arte de curar” (LUZ, 2000). 14
A Terapêutica vista dessa maneira implica em uma Diagnose também particularizada.
Assim, pessoas com mesmas queixas podem ter diagnósticos e técnicas terapêuticas
diferentes, segundo o padrão particular de desequilíbrio que desenvolvem.
sem a qual não se pode falar de uma população, de um grupo específico ou de uma pessoa
com saúde” (LUZ, 2010, p.397).. Esta nova maneira de ver a saúde através de uma
positivação trouxe algumas consequências, ainda segundo a autora: (a) a percepção da
inadequação do modelo biológico (centrado no binômio saúde/doença) para expressar a saúde
humana e os fenômenos relativos à saúde da população; (b) a visão da saúde humana como
resultante de situações coletivas de existência (como educação, condições de habitação,
alimentação, atenção à saúde); (c) a necessidade de ampliação de saberes e práticas no campo
da saúde.
O conjunto dessas consequências, que serão desenvolvidas a seguir, abre espaço para a
incorporação de novos conceitos e práticas para atuar na atenção à saúde, como outras
Racionalidades Médicas e práticas ditas alternativas e complementares.
Embora ainda de maneira limitada, se comparada à Biomedicina, as Práticas
Complementares ganham espaço institucional.
No Brasil, a inserção da acupuntura no serviço público de saúde vem se dando desde
os anos 80, porém sem uma regulamentação federal concisa. Um conflito de interesses
corporativistas profissionais, principalmente representados pela classe médica, vem se
desenvolvendo no campo. Como ressalta Nascimento (1997), até meados da década de 70,
predominava a associação da acupuntura com o misticismo e o charlatanismo. Hoje, se busca
“conferir à acupuntura um caráter científico” e o modelo hegemônico de medicina ocidental, a
Biomedicina, luta para monopolizar sua prática. O que contribui para uma prática da
Medicina Chinesa cada vez mais distanciada de seus preceitos clássicos e cada vez mais em
sintonia com a ciência ocidental.
Contudo há no país uma Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares
(PNPIC), no Sistema Único de Saúde (SUS), que, a partir de 2006, recomenda a estruturação
de sistemas médicos diferenciados na prevenção, promoção, manutenção e recuperação da
saúde, como forma de atenção humanizada e centrada nas diretrizes da integralidade.
Promoção da saúde e Integralidade são temas relevantes no campo da Saúde Coletiva.
Não é objetivo de esta tese discutir definições e indefinições acerca das estratégias de
promoção de saúde e integralidade nas instituições de saúde monopolizadas pela atuação da
Biomedicina. Reconhece-se que há um amplo debate entre autores do campo (LACERDA;
VALLA, 2004; FAVORETO; CAMARGO, 2002) que questionam como esta Racionalidade
Médica poderia dar conta de propostas tão ampliadas de atuação, sem ações verdadeiramente
transformadoras. Ações que contemplassem os diferenciados saberes e crenças envolvidos na
relação entre equipe de saúde e a clientela que busca por atenção ao seu sofrimento, sem
25
lançar mão de medidas puramente normativas e, muitas vezes, ineficazes.15 Para isso seria
preciso buscar estratégias de transformações na atenção a saúde e na própria concepção de
doença.16 17
Tanto nas diretrizes de promoção da saúde, quanto da integralidade preconizado pelo
Ministério da Saúde valoriza-se a busca por uma concepção ampliada do processo de saúde-
doença e seus determinantes, concepção que dê conta das diversas complexidades dos
problemas das pessoas e das questões sociais que estão ao seu redor, articulando saberes
técnicos e populares na busca de soluções (TESSER, 2009; TESSER; LUZ, 2008).
15
A Organização Mundial de Saúde definiu em 1998 sete princípios norteadores das ações de promoção da saúde: (1) a
concepção holística; (2) a intersetorialidade; (3) o emponderamento; (4) a participação social; (5) a equidade; (6) as ações
multi- estratégicas; e (7) a sustentabilidade. Disponível em:
http://www.who.int/healthpromotion/Milestones_Health_Promotion_05022010.pdf, acessado em 05/02/2011.
16
Não é objetivo desta tese discutir as diferentes frentes de atuação para a integralidade na atenção à saúde, reconhece-se
que iniciativas como o projeto Clínica Ampliada, a capacitação de agentes comunitários de saúde, as reformulações do
pensar diagnóstico e terapêutico da Biomedicina poderiam ser estratégias de atuação.
17
A respeito da revisão do conceito de doença ver Camargo, J. K.R., 2003 e 2004.
26
urbanos, entre outras. Nem unicamente no campo das ciências sociais ou das ciências
humanas, para onde estes fatores exteriores ao corpo físico acabam sendo analisados. E a justa
posição desses três campos: da saúde que se ocupa do corpo, das ciências sociais que se ocupa
da análise das condições de vida e das ciências humanas que buscam entender as condições
emocionais subjacentes ao adoecimento, acaba por gerar uma visão reducionista que não
consegue dar conta dos problemas das pessoas, que continuam sofrendo e buscando ajuda nos
serviços de saúde.
Ciente da limitação de qualquer método terapêutico em lidar com a complexidade do
processo “saúde-doença” e da impossibilidade de “curar” o adoecimento e o sofrimento da
população, é possível, no entanto, pensar em formas de cuidado que levem alívio aos sujeitos,
ajudando-os a construir novas perspectivas para enfrentar os problemas do cotidiano
(LACERDA; VALLA, 2004).
Nesse sentido, o campo da Saúde Coletiva vem ajudando a repensar valores e crenças
tanto da parte da clientela envolvida, quanto da equipe de saúde, como nas estratégias de
“humanização do atendimento” e de “clínica ampliada”, o Programa de Saúde da Família,
para citar alguns exemplos.
Uma das iniciativas descritas pela OMS para a promoção da saúde é o que chama de
fomento às “Concepções Holísticas”, entendidas como iniciativas que contemplem a “saúde
física, mental, social e espiritual” (WHO, 1998). Não se sabe o que a OMS entenderia por
“saúde espiritual”, mas pode-se imaginar tratar-se do campo da subjetividade e do simbólico.
A concepção ampliada dos processos de adoecimento e incorporação da subjetividade
e do simbólico é campo bem estruturado na Racionalidade Médica Chinesa, que traz em seu
arcabouço teórico a indicação de investigar a pessoa de maneira ampliada considerando sua
maneira de ser estar no mundo. Aborda-se uma série de interações com fatores ambientais,
emoções, vivências em comunidade, hábitos de vida, hábitos alimentares ou atividade física
para, a partir de então, indicar uma terapêutica apropriada e individualizada.
O olhar da Racionalidade Médica Chinesa oferece uma oportunidade de lidar de
maneira diversa da convencional para pensar e atuar dos processos de adoecimento das
pessoas. O equivalente à entidade “doença” é visto nesta racionalidade como um processo de
“desequilíbrio” que poderia ser corrigido por técnicas terapêuticas, como a acupuntura. Além
da técnica terapêutica escolhida como mais apropriada, haveria a necessidade de reconhecer
os fatores desencadeantes do problema a ser tratado. Daí o incentivo a eventuais mudanças de
posturas diante da vida, como hábitos alimentares, posturas emocionais ou ritmo de trabalho,
para citar alguns, entendidos como possíveis fontes desses “desequilíbrios” e que se não
27
destacando-os de um contexto teórico amplo. Estes fatos colocam em risco seu papel na
contribuição à promoção da saúde e integralidade. A esse respeito, Tesser (2009) reafirma a
necessidade de fomentar no SUS e na Saúde Coletiva pesquisas e estudos que busquem nas
racionalidades médicas diferenciadas da Biomedicina seus valores na promoção da saúde e
integralidade.
Reconhece-se, no entanto, que, como característica intrínseca da Medicina Chinesa e,
de alguma maneira, do conceito de Racionalidades Médicas, sempre haverá certo hibridismo e
sincretismo entre as diferentes linhas da Medicina Chinesa e entre as diferentes
racionalidades. Assim, o processo de “cientificização” referido acima, presente na Medicina
Chinesa praticada nos serviços de saúde, continuará a existir, porém isso não pode ser
justificativa para deixar de lado um corpo de conhecimento que se aplica tão bem ao cuidado
das pessoas que buscam os serviços de Medicina Chinesa para alívio de seu sofrimento.
Neste sentido, entende-se que o estudo de categorias clássicas da Racionalidade
Médica Chinesa, que vem sendo renegadas pela Medicina Chinesa Contemporânea,
hegemônica no mundo, como Shén, especialmente nas dimensões Diagnose e Terapêutica,
poderia marcar espaço de valor desta racionalidade na promoção da saúde e integralidade. As
especificidades do cuidado dispensado aos pacientes, pelo estreito vínculo terapeuta-paciente,
a visão ampliada sobre a origem do adoecimento e a forma de entender o corpo de maneira
indissociável tanto dos aspectos subjetivos, como da relação de cada pessoa com seu meio,
sendo todas essas, características inerentes à Doutrina Médica da Racionalidade Médica
Chinesa e fortemente expressas nos sentidos atribuídos à Shén, apontam para a necessidade de
aprofundar o entendimento desta categoria nas dimensões Diagnose e Terapêutica, que
tratariam diretamente da demanda de pacientes nos serviços de saúde. Constrói-se assim, o
objeto de estudo desta tese: a análise dos sentidos atribuídos a categoria Shén nas dimensões
Diagnose e Terapêutica da Racionalidade Médica Chinesa.
Questões metodológicas
ajudaram a desbravar o caminho e encontrar uma solução.18 Algumas destas questões já foram
levantadas por Linhares Barsted (2003), Ferreira (2007) e Souza (2008):
3) A tradução de termos chineses escolhida por diferentes autores costuma estar imbuída da
visão de mundo do autor e do contexto histórico no qual a Medicina Chinesa está sendo
focalizada. Como em Shén 神. Os autores representantes da Medicina Clássica Chinesa, como
18
Referência às teses de doutorado de Dennis W. V. Linhares Barsted: Wu Ji, o vazio primordial, cosmologia daoísta e
Medicina Chinesa em 2003; e de Eduardo A. A. Souza: Nutrindo a Vitalidade: questões contemporâneas sobre a
Racionalidade Médica Chinesa e seu desenvolvimento histórico cultural, em 2008.
19
Conforme Wiseman, 1995, pp.522, 523, 525. No original: “capital; penis; eye; channel; essence”. Tradução da autora.
20
Porkert, 1974, p. 193. No original “structive force”e” structive capacity”. Tradução da autora.
21
Wiseman, 1995, p. 549. No original: “spirit, sacred, magic”. Tradução da autora.
31
Claude Larre, costumam traduzir esta categoria como “Espírito”, talvez por sua formação
como padre jesuíta. Já os autores representantes da Medicina Chinesa Contemporânea, como
Giovani Maciocia, traduzem comumente como “Mente”, numa clara alusão à proximidade
com categorias da ciência ocidental, embora este autor em particular reconheça Shén 神
como categoria conceitual ampla, presente na Medicina Clássica Chinesa.
A partir dessas questões, propõem-se as diretrizes que devem ser utilizadas nesta tese:
2) Manter sempre o uso do termo em Pin Yin, com acentuação tônica. Exceto nos casos de
transcrição de fontes documentais que não possuam em sua origem a referida acentuação.
4) Apesar de utilizar sempre que possível a descrição dos ideogramas chineses tradicionais,
não se efetuará a análise do símbolo e o estudo etimológico de cada um deles de maneira
indiscriminada. Essa analise será feita naqueles ideogramas que evocarem sentidos relevantes
para a elaboração do objeto de pesquisa.
5) Nos casos de tradução consensual entre diferentes autores, quando necessário, manter a
tradução para o português entre vírgulas. Caso não haja tradução consensual ou a tradução
usual tenha sido alvo de questionamentos quanto aos seus sentidos, deixar apenas o termo Pin
Yin e o ideograma. Como é o caso de Qì 氣 e de Shén 神.
7) Assim, a forma de inserção dos termos chineses ao longo do texto seguirá o padrão: Pin
Yin, ideograma e tradução, sendo o termo Pin Yin e a tradução iniciados por caixa alta.
Exceção feita nos casos em que esta disposição interfira na fluência da leitura do texto. Como
no exemplo:
“Assim, grande parte das referências à categoria Shén 神, abordadas neste trabalho, foram
provenientes das vertentes Gǔ Dài Zhōng Yī 古代中醫 (Medicina Clássica Chinesa) e Zhōng
Yī 中醫 (Medicina Tradicional Chinesa)”.
Nesse caso a tradução virá precedendo o ideograma e o termo Pin Yin virá entre
parênteses, passando a:
“Assim, grande parte das referências à categoria Shén 神, abordadas neste trabalho, foram
provenientes das vertentes da Medicina Clássica Chinesa 古代中醫 (Gǔ Dài Zhōng Yī) e da
Medicina Tradicional Chinesa 中醫 (Zhōng Yī)”.
Estas recomendações serão seguidas em todo corpo da tese. É preciso alertar, porém,
que esta forma, considerada a mais adequada será utilizada apenas na primeira inserção do
termo em cada capítulo, não se repetindo a cada nova aparição do termo no texto, pois se
entende que prejudicaria a fluência do texto, salvo quando for necessário reiterar uma idéia ou
categoria citada por diferentes autores.
No trabalho anterior da autora, ao longo do total de 157 páginas o termo Shén com seu
respectivo ideograma 神 teve 640 aparições, Qì e seu respectivo ideograma 氣, 93 aparições.
Entende-se que a aparição do ideograma, ao lado do termo Pin Yin, além de obedecer a um
rigor metodológico, teria também um valor informativo, sendo fonte de conhecimento e
consulta para o leitor e para trabalhos futuros. Porém o uso excessivo parece desnecessário e
obstrui o desenvolvimento da leitura. Consultando diferentes autores, reconhecidos por seu
rigor filológico, como Jean Marc Eyssalet e Paul Unschuld, percebe-se que eles também
utilizam esta maneira de descrever os termos chineses.
Assim, em resumo: a forma completa: Pin Yin + ideograma+tradução (quando houver)
aparecerá na primeira inserção em cada capítulo. Depois será descrito: Pin Yin+tradução. Nos
casos em que sejam necessárias muitas repetições do termo: somente Pin Yin, pois entende-se
que seria uma conduta mais fiel ao sentido chinês e que o leitor já estaria familiarizado com a
possível tradução.
Além do mais, esta forma de descrever os termos chineses vai ao encontro das normas
33
Os textos
a) Huáng Dì Nèi Jīng Sù Wèn 黃帝内經素問 e Huáng Dì Nèi Jīng Líng Shú 黃帝内經靈樞
(300 a 100 AC):
Textos médicos de maior relevância para a Medicina Chinesa. Unschuld (2003)
compara a importância destes textos clássicos para a medicina com os textos hipocráticos no
ocidente, com a diferença dos escritos de Hipócrates terem tornado-se obsoletos e os referidos
textos chineses serem até hoje fonte de consulta para a teoria e prática da medicina.
Será utilizada a interpretação de Unshuld, considerado o autor de maior rigor
filológico e as diversas leituras e interpretações de Claude Larre e Elisabeth Valléé sobre
capítulos imprescindíveis à compreensão do objeto de estudo desta tese, como o capítulo 8 do
Líng Shú que trata especificamente dos sentidos de Shén. Além de outros citados ao longo da
coleção dos autores sobre as referências clássicas aos Zàng Fǔ 贓腑, Órgãos e Vísceras, entre
outros de sua vasta obra.
e) Zhuàng Zǐ 壯子
Faz parte da coletânea daoísta Huái Nán Zǐ, é também considerada uma coletânea do
início da dinastia Hàn. É frequentemente citado por Claude Larre e Elisabeth Vallée.
Além do critério filológico na busca dos autores, é preciso também reconhecer que se
trata de categorias de sentidos amplos e que, mesmo obedecendo a um rigor nas traduções de
textos originais, poderia haver algum grau de interpretação pessoal por parte dos autores,
segundo sua visão de mundo e seus pressupostos teóricos, como foi sugerido ao tratar de
questões de tradução.
Além disso, as categorias do Pensamento Chinês que permeiam o pensamento médico
representam diferentes momentos históricos e são carregadas de imagens e debates entre
pensadores dessas diferentes épocas. Algumas perdendo valor ou sendo re-interpretadas ao
longo do tempo, como é o caso de Guǐ 鬼 e Shén 神, como será discutido adiante.
Sabe-se que o contexto cultural e sócio-histórico do autor sempre pode interferir em
sua análise, seja lá qual for o idioma estudado. No entanto, no idioma chinês isto é ainda mais
marcante devido a características intrínsecas da língua, que possui uma multiplicidade de
sentidos evocados pelos termos chineses, além de uma afeição pelo culto do implícito e do
sutil presente no idioma (BARSTED, 2003).
Essa característica de diferentes interpretações pessoais pode ser encontrada no caso
das apreensões sobre os sentidos de Shén. Claude Larre, um autor de grande relevância na
tradução e interpretação de textos clássicos chineses, devido a sua formação jesuítica muitas
vezes apreende os sentidos de categorias chinesas através de um viés cristão. Em uma de suas
muitas publicações, na tentativa de ilustrar os supostos movimentos de Shén, compara-os com
uma passagem atribuída a São Francisco de Assis (LARRE; VALLÉE, 2006). Da mesma
maneira, Jean Marc Eyssalet, outro autor de grande relevância nos estudos de textos clássicos,
um daoísta, aborda, frequentemente, o tema “karma”.22
Ainda em relação aos autores estudados, percebe-se uma diferenciação na atribuição
de valor aos sentidos de certas categorias como Shén, entre os autores que se dedicam mais
aos estudos da dimensão Cosmologia, em relação ao que estudam as dimensões Diagnose e
Terapêutica da Racionalidade Médica Chinesa. Esta diferenciação teria consequências na
apreensão de sentidos dessas categorias, assim como seu uso na Racionalidade Médica
Chinesa. Este tema será abordado subsequentemente.
Alguns autores se destacam no campo da Medicina Chinesa para desvendar os
sentidos de Shén, na elaboração desta tese: Claude Larre e Elisabeth Vallée, Jean Marc
Eyssalet, Giovani Maciocia, Lonny Jarret, Paul Unschuld e J. R. Worsley.
22
Segundo a crença no karma, e no renascimento toda ação humana teria uma conseqüência boa ou má para o resto da
existência.
36
Estes dois autores são abordados juntos por serem parceiros na maioria de suas obras.
Claude Larre, padre jesuíta, sinólogo e professor de Filosofia Chinesa, doutorado em
Filosofia e Sinologia pela Universidade de Paris. Estudou chinês em Beijing e Shanghai de
1947 até 1952, quando foi expulso pelo regime comunista. Viveu no Japão e Vietnã, voltando
a Paris em 1965. Escreveu extensivamente sobre diferentes aspectos da cultura chinesa,
especializando-se na tradução de textos médicos chineses e daoistas. Fundador do Instituto
Ricci, em 1972, com tradição nos estudos de daoísmo e Medicina Chinesa. Em 1989, voltou a
Pequim. Foi diretor da Escola Européia de Acupuntura. Morreu em 2001 em Paris.
Elisabeth Rochat De La Valleé é professora da Escola Européia de Acupuntura com
formação em Filosofia e profunda conhecedora de textos médicos clássicos chineses.
Trabalhou com Larre por mais de vinte anos como pesquisadora e tradutora. Dá aulas sobre
Pensamento Chinês antigo no Instituto Ricci e continua coordenando o grupo de pesquisa de
estudos asiáticos do instituto. Entre os muitos livros escritos em conjunto com Larre,
destacam-se: The Secret Treatise of the Spiritual Orquid. Su Wen, Capítulo 8; The Seven
Emotions, Psycology and Health in Ancient China; Rooted in Spirit, The Heart of Chinese
Medicine. Huangdi Neijing Lingshu, Capítulo 8; Essence, Spirit, Blood and Qi; Way of
Heaven: Su Wen 1, 2; The Eight Extraordinary Meridians;The Lung; The Liver; The Heart;
The Heart Master and The Triple Hearte; TheSpleen and Stomach; The Kidney. Depois da
morte de Larre, Elisabeth Vallée continua a produção literária, destacando-se: Pregnancy and
Gestation in Chinese Classics; The Essential Woman; Jing Shen, a translation of Huainanzi
chapter 7;Wu Xing, the five elements in Chinese Classical Texts .
Giovanni Maciocia
Lonny Jarrett
Estuda Medicina Chinesa desde 1980, foi aluno de J.R.Worsley. Ensina e escreve sobre
Medicina Chinesa, enfocando a linha “Tradição Interna”. Autor dos livros: Nourishing
Destiny, the Inner Tradition of Chinese Medicine e The Clinical Practice of Chinese
Medicine.
Paul Unschuld
J. R. Worsley
Autor de grande relevância no Ocidente, tendo sido formador de vários outros autores
que seguiram e reinterpretaram sua obra. Foi professor de Medicina Chinesa na China,
Coréia, Inglaterra, Estados Unidos e França. Instituiu o The Worsley Institute of Classical
Five Element Acupuncture e foi autor de diversos livros, entre os quais destacam-se:
Traditional Chinese Acupuncture: volume I, Meridians and Points; Traditional Acupuncture:
volume ll, Traditional Diagnosis; e Classical Chinese Acupuncture: volume lll – The Five
Elements and The Officials.
A estrutura da tese:
O texto será dividido em duas partes. A primeira, formada por três capítulos, fornece
as bases de compreensão para a segunda parte, também, formada por três capítulos. No
primeiro capítulo, apresentam-se as categorias relevantes do Pensamento Chinês, diretamente
aplicáveis à compreensão da Racionalidade Médica Chinesa. No segundo capítulo, são
elaboradas, à luz do Pensamento Chinês, categorias presentes nas diferentes dimensões da
Racionalidade Médica Chinesa, imprescindíveis para a apreensão dos sentidos de Shén. O
terceiro capítulo aborda os sentidos de Shén aplicáveis às dimensões Diagnose e Terapêutica,
à luz do que foi esclarecido nos capítulos antecedentes. No quarto capítulo, são demonstrados
os possíveis mecanismos fisiopatológicos das desarmonias envolvendo Shén. O quinto
capítulo trata diretamente da Diagnose envolvendo Shén e, o sexto capítulo da Terapêutica da
Racionalidade Médica Chinesa envolvendo Shén, em suas diferentes abordagens,
especialmente, acupuntura, matéria médica, práticas corporais e dietética energética chinesa.
Deve-se ressaltar que apesar de os dois últimos capítulos tratarem de conteúdo
específico, buscou-se não atribuir-lhes valor “informativo”, com referências técnicas
aplicáveis na prática, mas sim se procurou discuti-los à luz dos preceitos teóricos levantados
nos três primeiros capítulos, objetivando o raciocínio diagnóstico e terapêutico envolvendo
Shén, em detrimento de indicações precisas de atuação. Os conteúdos de teor mais técnico
foram destacados do corpo do texto e colocados em “apêndice” ao final.
39
Para dizer “paisagem”, o chinês (ainda o chinês moderno) diz “montanha(s) – água (s)”
(shan-shui) “ou montanha (s) – rio (s)” (shan-chuan). [...] o ponto de vista expresso na língua
é aquele não mais de uma identificação e delimitação aspectual, mas da interação entre
pólos: os do Alto e do Baixo, do vertical e do horizontal, do compacto (maciço: a montanha)
e do fluido (intangível: a água), ou ainda do opaco e do transparente, do imóvel (a montanha,
dizem proverbialmente, “não se mexe”) e do movente etc. “Montanha(s) – água(s)”
simboliza outras tantas oposições complementares, tensionando o mundo e as trocas infinitas
delas resultantes. [...] a “paisagem” chinesa opera a globalidade funcional de elementos ou
antes de fatores (vetores) em interação (JULLIEN, 2009, p.187).
Esta descrição, além de deixar clara a idéia de que palavras não são simples signos
para os chineses, demonstra o leque de idéias que elas podem evocar. Ao demonstrar como o
chinês entende a palavra “paisagem” (uma tradução) o autor toca em alguns dos pontos
centrais do Pensamento Chinês, como as noções de polaridade (alto / baixo, maciço / fluido e
fixo / movente), de processo (a interação entre montanha e água) e de totalidade (não há
como entender o que seria paisagem sem considerar todos os seus elementos formadores).
43
Assim, ao escolher a palavra “paisagem” como termo de tradução ignora-se todas estas
noções implícitas no termo em chinês.
Uma palavra em chinês evoca múltiplos sentidos, segundo o contexto sócio-cultural
em que está inserida. O que implica na necessidade de buscar algum conhecimento e
familiaridade com esses possíveis contextos e um conhecimento prévio do assunto que está
sendo ou será tratado, para que se consiga apreender os sentidos evocados por estas palavras e
seja possível utilizá-las corretamente. A esse respeito Lavier (1983) ainda acrescenta que a
própria grafia dos ideogramas chineses se altera ao longo da história, conforme o
entendimento dos diferentes escribas de diferentes épocas, que perpetuaram os conceitos da
cultura chinesa pela escrita.
Trazendo essa discussão para o campo médico, reitera-se o fato de a tradução de
termos médicos chineses para línguas ocidentais poder implicar em acepções errôneas. A esse
respeito Wiseman (1995) afirma que as condições físicas que um médico chinês vê o objeto
de sua atuação, seja a doença ou o sintoma, ou o substrato fisiológico, podem ser as mesmas
que um ocidental vê, mas a concepção que cada um tem deste objeto é sempre diversa.
A tradução que faz a simples transposição de termos pode, portanto, levar a uma
compreensão errônea e danificar a integridade do sistema de conhecimento que está buscando
traduzir. Como nos casos em que se traduz Qì como “energia”. O uso da palavra “energia” é
uma tentativa de ajudar o ocidental a acessar o sentido de uma categoria sem correspondência
em seu imaginário. No entanto, este é um uso metafórico da palavra, já que os cientistas não
conhecem qualquer forma de energia que pudesse dar conta dos fenômenos complexos
atribuídos pelos chineses a Qì 氣.
Mas como proceder para fazer inteligíveis temas de culturas diversas?
François Jullien (2009) afirma que as culturas são plurais e não são estáticas, mas
estão sempre em vias de se homogeneizar e se heterogeneizar, se confundindo e se
demarcando. Por isso, não acredita que o mundo esteja caminhando para uma cultura
globalizada e única. Segundo o autor, a compreensão acerca de culturas de diferentes países e
continentes não deve ser vista com curiosidade e exotismo através do que chama de
“pequenas amostras e espetáculos”, mas, ao contrário, através do olhar próximo e profundo e
através do diálogo, apontando para o respeito ao multiculturalismo.
Neste sentido, o autor qualifica a língua como um fator primordial no entendimento e
no diálogo entre as diferentes culturas. E, num estilo típico de expressão de um sinólogo que,
portanto, conhece bem o Pensamento Chinês, Jullien afirma que o diálogo entre as culturas
44
deve advir do que chama de uma “inteligência partilhada: de que cada cultura, cada pessoa,
torne inteligíveis em sua própria língua os valores da outra e, por conseguinte, reflita-se a
partir deles [...]” (Jullien, 2009, p.178).
O que não quer dizer que o autor não valorize o rigor das traduções, ao contrário,
valoriza enormemente a necessidade de entendimento acerca da forma de expressão e
peculiaridades das diferentes línguas. Assim, as traduções que se preocupam com a
compreensão das diferentes maneiras de apreensão da realidade de uma língua são
fundamentais, segundo Jullien, para a aproximação entre as culturas.
O que Jullien chamou de “inteligência partilhada, tornando inteligível em sua própria
cultura os valores da outra” seria, no caso das diferenças entre as línguas, o entendimento
acerca de todas as imagens e valores evocados pelo chinês na tradução de “paisagem”, como
visto na citação acima, e não a simples transposição de termos, usando o termo “paisagem”
com os sentidos ocidentais.
O autor ainda afirma, no mesmo texto, que só conhecendo outras culturas para se dar
conta da própria e diz que ele mesmo só compreendeu verdadeiramente sua cultura, a
européia, conhecendo a cultura chinesa. Como se, sem desapropriar-se de nenhuma delas,
pudesse de alguma maneira, comparar, aceitar as singularidades e realizar a evidência, da
própria cultura.25
Transpondo esta idéia para a língua, só conhecendo o que o chinês entende por
“paisagem”, voltando ao exemplo inicial, seria possível saber o que o ocidental entende por
“paisagem” e, num movimento contínuo, entender, mais profundamente ainda, o que o chinês
deseja expressar com o uso do termo.
25
“Realizar a evidência” é uma expressão característica do Pensamento Chinês, algo como aperceber-se do
óbvio, como será visto adiante.
45
categorias. À moda chinesa, provavelmente seus sentidos só serão claros ao final, quando
todas já tiverem sido abordadas.
Ao invés de uma filosofia, a China antiga desenvolveu uma sabedoria expressa por
diferentes pensadores e suas escolas, transmitindo, oralmente, conhecimentos sobre diferentes
temas, entre eles os que vão iluminar a medicina.
O desenvolvimento de uma sabedoria em lugar de uma filosofia traz algumas
consequências fundamentais para a apreensão do Pensamento Chinês. Não se pretende aqui,
no entanto, fazer uma oposição destas duas categorias, nem tampouco buscar convergências e
divergências entre as representações orientais e ocidentais, salvo quando for relevante uma
comparação elucidativa.26 No entanto, é de interesse levantar questões pertinentes à sabedoria
que possam ser relevantes para a apreensão do objeto de estudos dessa tese.
A sabedoria não apreende a realidade como objeto, assim não opõe sujeito e objeto,
ao contrário, busca as ligações entre eles num sentimento de unidade. Consequentemente, a
sabedoria não elabora a realidade sob a forma de conceitos que expressem verdades. Não é
preciso conhecer “o que é” ou “o que não é”, não há falso ou verdadeiro. Não há definições
das coisas, não há preocupação com o “ser”. O próprio verbo “ser” sequer existe no chinês
clássico (Jullien, 1989; 2000). Se não há conceito, não há concepção intelectual dos
fenômenos a serem apreendidos para a sabedoria, há, sim, um “deixar-se perceber”, um
realizar, “to realize” no idioma inglês. A esse respeito Jullien (2000) afirma:
“Realizar” é, assim, mais preciso do que o simples “tomar consciência” [...]: realizar é tomar
consciência não do que não se vê ou do que não se sabe, mas, ao contrário, do que se vê, do
que se sabe, ou mesmo do que se sabe demais – do que se tem diante dos olhos; realizar, em
outras palavras, é tomar consciência da evidência. Ou, para nos atermos o máximo possível à
palavra, realizar é tomar consciência do caráter real do real. Por exemplo, que o tempo passa
que envelhecemos – ou simplesmente que estamos “vivos”. Porque ninguém realiza de fato,
quero dizer completamente, que está fadado a morrer, apesar de todos o saberem (JULLIEN,
2000, p.77).
Assim, o Pensamento Chinês não lida com verdades, nem busca a percepção das
partes, interessa perceber, ou realizar, a totalidade dos fenômenos. Quando Jullien fala da
“consciência da evidência” pode também sugerir mais uma importante característica do
Pensamento Chinês que é a relação do homem com a natureza.
Na tradição religiosa chinesa, não há a idéia de um ser transcendental, um deus. Na
ausência de uma conceituação transcendental, os antigos pensadores chineses se voltaram
para o mundo natural, pois estudando a natureza poderiam compreender a si mesmos e a
26
Para uma análise comparativa entre Filosofia e Sabedoria, ver Jullien 2000.
46
Assim, ao não manter-se fixo em nenhum dos pólos de uma mesma totalidade
permite-se conhecer diferentes realidades e perceber que elas são sempre processuais. No
Pensamento Chinês o real é algo em constante transformação, em processo.
E, assim, aspectos opostos que se complementam vão formando uma totalidade. Yīn
Yáng 陰陽; Tiān 天, Céu, Dì 地, Terra; Xuè 血 Qì 氣; Shén 神 Jīng 精, categorias que serão
estudadas no próximo capítulo e são exemplos dessas noções de polaridade, processo e
totalidade, verdadeiros emblemas do Pensamento Chinês.
27
Estas categorias serão discutidas subsequentemente.
47
Vê-se, então, que o mundo para os chineses é relacional e simbólico, nada existe em si
mesmo, mas apenas sob o foco da relação entre os fenômenos. A linguagem é um de seus
temas mais emblemáticos como demonstrado na discussão acima acerca do idioma chinês.
As imagens presentes na linguagem representam categorias de pensamento que vão se
associando e evocando novas imagens, de maneira a não haver delimitação, precisão ou
definição, pois a associação de idéias vai se fazendo naturalmente, dando uma visão
processual e não factual às situações.
Até os números teriam um valor simbólico e relacional, pois não expressariam um
sentido puramente quantitativo. Como esclarece Granet:
Os números permitem classificar as coisas, mas não à maneira de simples números de ordem
– nem tampouco, aliás, definindo coleções quantitativamente. Os chineses não se
preocupam, ora em atribuir uma categoria que seja apenas uma categoria, ora em estabelecer
uma decomposição do simples ponto de vista da quantidade. Eles se servem dos números
para exprimir as qualidades de certos grupos ou para indicar uma ordenação hierárquica. A
distinção de um emprego cardinal, ordinal ou distributivo dos números não tem para os
chineses um interesse essencial. Recorre-se aos números para classificar porque eles podem
servir para situar e representar concretamente. São emblemas (GRANET, 1997, p.102).
28
Cf: Granet, 1997, cap. V, pp. 100-187.
48
“Sete” evoca o sentido de “manifestação”, algo que pode se manifestar depois de organizado.
E complementam afirmando que:
Este não é só o número de emoções, mas o número natural para as emoções. O caractere para
(Qi 七) é desenhado com uma linha horizontal, a terra, e do fundo da terra, alguma coisa está
se empurrando e saltando adiante (LARRE & VALÉE, 1996, p.23, tradução da autora). 29
Como até a organização temática de capítulos dos textos clássicos obedece aos
sentidos qualitativos dos números, o capítulo de número “Sete” do texto clássico Huái Nán Zǐ
淮 南 子 trata da categoria chamada Jīng Shén 精 神 , que demonstra os sentidos de
manifestação da organização do ser vivo. Neste texto, encontra-se a descrição do que seria o
desenvolvimento embriológico humano. No sétimo mês de vida intra-uterina, segundo este
clássico, o feto estaria formado, totalmente organizado e, por causa disso, as emoções
poderiam existir. Assim, “Sete” expressaria as emoções porque, por um lado, elas só
poderiam se manifestar e cumprir seu papel no desenvolvimento pessoal a partir da
organização do ser e, por outro, elas próprias seriam a manifestação dessa organização. Esta
manifestação seria como a planta que brota do chão, quando organizada, impossível de ser
contida, como simboliza “Sete”.
Assim o fato de conhecer a existência de cada uma das Sete Emoções seria tão
importante quanto saber que elas são em número de Sete, porque este número expressa a
organização do ser humano, o que só pode acontecer a partir das emoções.30
29
No original: “This is not just the number of emotions, but the number natural for emotions. The character for seven
(qi) is drawn with a horizontal line, the earth, and from underground something is pushing itself up and springing
forth.”
30
As Sete Emoções serão discutidas subsequentemente. São elas Nù 怒 (Anger/Raiva), Kǒng 恐 (Fear/Medo), Xǐ Lè
喜樂 (Elation and Joy/Alegria), Bēi 悲 (Sadness/Tristeza), Sī 息(Overthinking/Pensamento), Láo (Weakness/Fraqueza) e
Jīng 驚 (Fright/Susto). Larre &Vallée, 1996, passim.
49
Assim, em relação o tema central desta tese, Shén, é comum a pergunta, “mas, afinal,
o que é Shén? Espírito? Mente? Alma? Emoção?” Segundo o que acabou de ser demonstrado
acerca do Pensamento Chinês, deve-se responder que não é possível definir Shén ou,
tampouco, buscar seu verdadeiro sentido. Tudo que os textos de diferentes eras abordam
sobre esta categoria faz parte de uma dinâmica de sentidos que se revela ao longo do tempo.
Quanto mais sentidos se conhecem, mais se pode realizar Shén como algo evidente, mas
impossível de ser definido.
Apesar de tomar como exemplo Shén, este tipo de análise, certamente, pode ser
aplicado a muitas outras categorias da Racionalidade Médica Chinesa. Assim, comparar
categorias chinesas com outras da Biomedicina, como Shén e Cérebro ou Xuè e Sangue,
poderia levar ao risco de percepções parciais ou inadequadas.
O fato de o Pensamento Chinês ver a realidade como um processo contínuo e não
como uma sucessão descontínua de fatos, também traz implicações ao pensamento médico. É
difícil para um iniciante nos estudos de Medicina Chinesa entender que não existem
definições das coisas e que, se em um momento, uma categoria apresenta um aspecto, em
outro momento, apresenta outro aspecto, todos, porém, expressões de uma realidade em
processo que expressa uma totalidade, como será visto no próximo capítulo acerca das
ressonâncias entre Qì, Xuè, Jīng e Shén.
dos pulsos, sem que sequer seja ouvida a queixa do paciente, como é praticado pelos antigos
chineses. Ou ainda, casos em que a Diagnose é feita apenas pela queixa do paciente, sem
proceder ao interrogatório ou, quando muito, feitas poucas perguntas direcionadas à queixa,
sem sequer proceder à palpação dos pulsos. Todas as formas de expressão e prática da
Medicina Chinesa podem ser ainda encontradas por todo o mundo na atualidade.
Mais adiante, no capítulo V, será discutida, em detalhes, cada uma das etapas da busca
pelo diagnóstico, por enquanto, pretende-se discutir as implicações do Pensamento Chinês na
Diagnose, conforme discutido ate agora.
A “Observação” é uma etapa significativa da Diagnose, pois, através dos sinais
apresentados e interpretados, fornece indícios objetivos dos desequilíbrios. Ela ocorre durante
todo o encontro com o paciente e é feita através de todos os seus sentidos sensoriais e
cognitivos do terapeuta. Talvez seja a etapa de maior relevância na Diagnose. Foi através
dela, que os chineses desenvolveram todas as correlações entre fenômenos corporais e entre
estes e a natureza, compondo todo o seu conhecimento médico.
É neste ponto que se pode ampliar a compreensão acerca da Dimensão Diagnose à luz
de categorias do Pensamento Chinês.
Quando se fala na etapa de “observação”, tende-se a pensar em Inspeção (Wàng Zhěn
望 診 ). Realmente, Maciocia (2005) descreve a etapa de “observação” como Wàng 望 . No
Dicionário Médico Blakiston (s/d, 570) de termos ocidentais, “Inspeção” é descrito como “o
exame visual do paciente, no todo ou em parte”. Assim, quando se pensa em observação,
consequentemente, se pensa em observação visual dos sinais, em algo perceptível pelo sentido
da visão.
No entanto, quando se fala em “observação” à luz do Pensamento Chinês os sentidos
se ampliam. Jullien (2000, p. 49) chama a observação de o “estatuto da sabedoria. Uma
observação não tem por missão dizer a verdade [...]. Mas sublinha o que poderia escapar,
chama a atenção do interessado. [...]. Sua função não é definir (ou construir), mas apontar.” E
afirma, ainda, que idéias formadas a priori podem nublar a observação dos sinais que se
procura.
Assim, o que se apreende na etapa de observação da semiótica chinesa não pode ser
entendido somente como aquilo que é perceptível ao sentido visual, como a etapa de
Inspeção, conforme a semiótica ocidental. O Pensamento Chinês lida com o sutil, com aquilo
que não se mostra que não dá sinal, mas que poderia ser perceptível. Não se trata de
“intuição”, mas de algo próprio do Pensamento Chinês, algo como apoderar-se da mente vazia
para que o observável possa aparecer.
51
Como visto acima, a sabedoria como categoria do Pensamento Chinês não opõe
sujeito e objeto, ao contrário, busca as ligações entre eles num sentimento de unidade,
consequentemente não elabora conceitos que expressam verdades. Se a “Observação” é
entendida como “estatuto da sabedoria” ela não serviria para apontar verdades, mas caminhos
pelos quais se pudesse apreender a realidade.
Transpondo essa discussão novamente para a semiótica chinesa, pode-se pensar que
sejam estes os argumentos que justificam as discrepâncias diagnósticas em casos idênticos,
conforme se observa na prática clínica, embora, muitas vezes, os praticantes não os
reconheçam. Se a observação for feita através do sentido visual objetivo que busca “uma”
verdade, ou se for feita através do que se “deixa observar”, como a “observação como estatuto
da sabedoria”, os resultados podem ser diferentes.
Nesse contexto, gravitam outras categorias do Pensamento Chinês, quais sejam
imanência e evidência. Como os opostos sempre se articulam para se expressar, o sentido de
evidência se articula com o de oculto. O que é oculto para o Pensamento Chinês não é o que
está em segredo ou em mistério, mas, ao contrário é aquilo que, de tanto se expor pode passar
despercebido, o que não se presta atenção e não se vê mais. Assim, a evidência possui uma
dimensão oculta, como afirma Jullien:
Essa evidência é a da imanência. Como ela se expõe em toda parte e a todo o momento,
como ela é ao mesmo tempo mais comum e mais ordinária, já que tudo, no mundo, não passa
de processo, que tudo, e nós em primeiro, está sempre ‘atravessado’ por ela, a imanência não
tem lugar próprio, não é localizável [...] sua sutileza nos escapa. [...] O oculto da sabedoria é
o oculto da evidência (da imanência); e o mais difícil de ver – ou o mais difícil de dizer – é
da ordem do próximo, do raso, do cotidiano. [...] De fato é tamanha a evidência da imanência
que não conseguimos vê-la [...] (JULLIEN, 2000, p.65-66).
1.3.2. DimensãoTerapêutica
Como foi visto acima, o Pensamento Chinês não elabora as situações sob o foco do
conceito sobre as coisas. Não coloca, de um lado, o conhecimento e, de outro lado, a ação,
motivo pelo qual desconhece relação entre teoria e prática (Jullien, 1998). Não há, portanto,
uma postura intervencionista, ao contrário, interessa ao Pensamento Chinês a percepção do
processo decorrente da interação entre fatores e a partir daí atuar no potencial das situações,
tirando proveito dele. Os chineses antigos pensavam além da ação, pensavam na
transformação dos fenômenos. Não havia necessidade de uma postura ativa, o que não quer
dizer que assumissem posição passiva, mas o menor gasto de energia seria a melhor
estratégia. “Se esforçar é perder a força”, diz um antigo ditado chinês.
Este tipo de descrição é muito comum nos textos que abordam as estratégias de
guerra. Os melhores estrategistas eram aqueles que não criavam grandes ações nas batalhas,
mas que ganhavam a guerra sem dificuldade. A história da China desconhece as epopéias.
Como argumenta Jullien:
O estrategista faz que a situação evolua em seu proveito do mesmo modo que a natureza faz
a planta crescer ou que o rio não cessa de escavar seu leito. Como nessas modificações
naturais, a transformação que ele opera é ao mesmo tempo difusa e discreta, imperceptível
em seu curso, mas manifesta por seus efeitos. Mais do que na transcendência da ação, os
chineses crêem na imanência da transformação: não nos vemos envelhecer, não vemos o rio
escavar seu leito, e, no entanto é a esse desenvolvimento imperceptível que se deve a
realidade da paisagem e da vida (JULLIEN, 1998, p,78).
1. Nas Racionalidades Médicas Orientais, o que poderia ser entendido como a categoria
“cura” seria a restituição da saúde, relacionada à capacidade de restabelecer o equilíbrio
corporal, o vitalismo. O equilíbrio que leva à saúde, conforme entendido pelos chineses, não
seria algo imbuído de valor ou normativo, não uma regra, mas uma regulação, algo sob a
perspectiva do desenvolvimento de um processo de coerência interna, como característico no
Pensamento Chinês.
Não foram encontradas referências diretas ao que se denomina no ocidente como
“cura”, o que faz pensar que tal categoria não existia no Pensamento Chinês clássico, assim
como não existia a categoria “doença”. No entanto, Larre & Vallèe (2001) descrevem duas
categorias, confirmadas por Wiseman (1995) que podem ajudar a compreender os sentidos da
Terapêutica no Pensamento Chinês, são elas:
Zhì 治, que tem o sentido de “regulação”, como um ato de governar ou saber como
agir numa determinada situação. Na medicina é usado no sentido de “tratar ou controlar”.
Píng 平 tem o sentido de ser forte calmo e equilibrado, capaz de eliminar tudo que
passe do limite. Na medicina tem o sentido de restaurar o equilíbrio adequado entre todos os
tipos de Qì, traduzido como calma e equilíbrio.
Como se vê pelo sentido dessas duas categorias, a terapêutica não seria um combate,
não poderia ser encarada como uma intervenção, como um plano traçado de ante-mão e
aplicável de fora para dentro. Tanto Zhì como Píng são termos que passam a idéia de saber
como agir com calma, sentidos, possivelmente, oriundos de categorias do Pensamento Chinês,
como, processo, eficácia e potencial, conforme descrito acima.
A Terapêutica como “arte de curar” buscaria condições para que o corpo, lançando
mão de seu vitalismo se restabelecesse. As técnicas terapêuticas chinesas, Acupuntura e
Moxabustão, Massoterapia, Práticas Corporais, Dietética ou Matéria Médica, frequentemente
utilizadas em associação, não possuem em sua forma de atuação uma lógica de “combate”,
tão presente no pensamento ocidental em frases como “luta contra o câncer” ou “combate a
AIDS”. Não há, na dimensão Terapêutica da Racionalidade Médica Chinesa, um “princípio-
ativo” neutralizador. Todas as suas técnicas terapêuticas atuam sobre a vitalidade corporal,
buscando formas de dar condições para que advenha o efeito terapêutico.
2. A terapêutica visa apoiar-se nas condições corporais e favorecer sua cura. Como o
exemplo da acupuntura. O objetivo inicial desta técnica é ter acesso ao fluxo de Qì presente
nos Jīng Luò 經絡, Canais. O terapeuta, ao fazer a escolha de pontos a serem aplicados, busca
54
o melhor caminho para aquele paciente, naquele dado momento, para isso, se apóia em
determinadas condições avaliadas na diagnose, como a análise do pulso e da língua. O que se
busca, em primeira instância, é restabelecer o fluxo de Qì. Não há um input de Qì. Nesse caso,
o terapeuta apóia-se no potencial vital de cada pessoa. O alcance de resultados positivos vai
variar de pessoa para pessoa, dependendo do potencial de cada um. Não se pode esperar que
todos reajam da mesma maneira, mas há que se reconhecer os resultados individuais e, por
vezes, sutis de cada tratamento dispensado a cada paciente.
Assim, espera-se que tenham sido fornecidas as bases sobre as quais se pretende
discutir os sentidos de Shén nas dimensões Diagnose e Terapêutica. Por sua natureza sutil e
implícita, não seria possível falar sobre Shén sem deixar claro essas noções. No próximo
capítulo, ao discutir as suas ressonâncias com outras categorias do pensamento médico, essas
noções poderão ser mais bem esclarecidas.
32
Cf. “Shén 神, categoria estruturante da Racionalidade Médica Chinesa” de Claudia Ferreira, dissertação de Mestrado sob
orientação da professora Madel Luz, concluída em 2007 no Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio
de Janeiro.
56
sentido chamado pelo autor de “religioso” e só a partir do século IV AC, passou a assumir
sentido também na fisiologia médica.
Assume-se, ainda, que esta interlocução pretendida, entre a Cosmologia e a Diagnose
e Terapêutica, não é uma tarefa fácil. Talvez por esta dificuldade, respeitáveis autores
costumam fixar-se mais em um ponto, ou em outro, em seus estudos sobre Shén. Como
nesses dois exemplos:
Giovani Maciocia, em seu mais recente trabalho The Psyque in Chinese Medicine,
Treatment of Emotional and Mental Disharmonies with Acupuncture and Chinese Herbs,
onde se propõe a abordar Shén na Diagnose e na Terapêutica e Jean Marc Eyssalet em sua
obra Shén, ou L’Instant Créateur, que se propõe a abordar Shén no corpo, segundo
referências à cosmologia daoista. Ambos, além de contribuir teoricamente no campo da
Medicina Chinesa, possuem vivência clínica, deparando-se cotidianamente com a Diagnose e
a Terapêutica.33
Maciocia, talvez seja, no mundo contemporâneo, o autor de maior relevância para a
formação de acupuntura do Ocidente, com vasta obra publicada e com grande experiência na
prática da Acupuntura e da Matéria Médica.34
Em sua mais recente produção, Maciocia aborda os sentidos de Shén em três aspectos,
que chama de “Espírito”, “Alma” e “Mente”.35 Entende “Espírito” como uma categoria
indissociável do corpo e, qualifica-os como aspecto menos e mais “material”,
respectivamente. Utiliza o termo “Espírito” para expressar os chamados “aspectos” de Shén,
quais sejam Shén 神, Hún 魂, Pò 魄, Yì 意 e Zhì 志 ligados aos Zàng Fǔ 贓腑, Órgãos e
Vísceras.36
Utiliza o termo “Alma” para qualificar Hún e Pò, que chama, respectivamente, de
“Alma Etérea” e “Alma Corpórea”37.
Utiliza, por fim, o termo “Mente” como o aspecto de Shén ligado a Xīn 心, Coração,
responsável, segundo ele, pela consciência, cognição, pensamento e vida emocional. Ao final
da descrição de cada uma dessas instâncias, qualifica o conjunto como formadores do que
denomina de “psique” e faz comparações com categorias da psicologia ocidental, como o
conceito de “Self”. A partir daí, o texto se detém mais enfaticamente nos sentidos daquilo que
33
A Psique na Medicina Chinesa. Tratamento das Desarmonias Emocionais e Mentais com Acupuntura e Ervas Chinesas e
Shén, ou o instante criador. Tradução da autora.
34
Ver referências à sua formação na Introdução desta tese.
35
“Spirit”, “Soul” e “Mind”. Tradução da autora.
36
As relações com os Zàng Fǔ , Órgãos e Vísceras, são: Shén 神 com Xīn 心, Coração; Pò 魄 com Fèi 肺 , Pulmão; Hún
魂 com Gān 肝, Fígado; Yì 意 com Pí 脾 , Baço e Zhì 志 com Shèn 肾, Rim, conforme será descrito no próximo capítulo.
37
“Ethereal Soul” e “Corporeal Soul”. Tradução da autora.
57
38
Casos que serão vistos ainda nesta tese, nos capítulos que abordarão, respectivamente, Shén na Diagnose e Shén na
Terapêutica.
58
Mas já se sabe que o caminho para alcançar esse desafio é árduo e vai exigir uma
leitura, obedecendo-se, mais uma vez, a característica do Pensamento Chinês que diz que o
sentido de um texto só pode ser apreendido ao final, quando já se conhece o todo.
Assim, os sentidos aplicáveis às categorias chinesas são sempre contextuais e podem
mudar conforme inseridos em um ou outro discurso. Além da visão contextual é preciso
enfatizar a característica de totalidade nos aspectos que compõem os sentidos de Shén
aplicáveis nas dimensões Diagnose e Terapêutica. E lembrar, ainda, que o fato do olhar
lançar-se por um determinado ângulo de visão, não quer dizer que outras visões subjacentes
não estejam presentes.
Serão abordados neste capítulo aspectos que, por efeitos didáticos, precisam ser
descritos em separado, mas que devem ser entendidos dentro do sentido de uma totalidade. A
afirmação de Eyssalet, a seguir pode ajudar a entender este sentido.
Shén é uma maneira de reunir múltiplas experiências que sabemos serem todas qualitativa e
secretamente ligadas entre si, sem que possamos, apesar disso, apreender a ligação concreta
delas [...] (EYSSALET, 2003, pp. xxxiii-xxxiv).
Por “múltiplas experiências”, Eyssalet refere-se aos eventos que ocorrem ao longo da
vida de uma pessoa que, de alguma maneira, estariam ligados e fariam sentido em algum
momento presente ou futuro. Assim, as categorias que serão agora abordadas alicerçando os
sentidos de Shén, seriam todas interligadas e representativas de uma totalidade. E, avançando
um pouco no desenvolvimento do texto, vê-se, que mais do que formar uma totalidade, elas
poderiam umas, assumir os sentidos das outras, como Qì 氣 mostrando-se como Shén ou
Shén mostrando-se como Xuè 血, Sangue ou Jīng 精, Essência, mostrando-se como Shén e,
assim, numa dinâmica de interpenetração de sentidos irem se re-significando.
Será feita agora uma breve síntese de noções fundamentais aplicáveis à Medicina
Chinesa. Algumas comumente descritas na dimensão Cosmologia. É preciso, no entanto,
lembrar que não é objetivo desta tese um aprofundamento da discussão acerca de categorias
da Cosmologia Chinesa, o que, por sua importância e extensão já foi motivo de muitos
estudos e outras teses. Intenciona-se apenas demarcar os pressupostos teóricos que dão
sentidos às categorias aplicáveis ao discurso médico, como Qì, Xuè, Jīng, Yīn /Yáng 陰陽.
Assim, sugere-se ao leitor obras como Wu Ji: O Vazio Primordial, a Cosmologia
Daoísta e a Medicina Chinesa, de Linhares Barsted; Disputers of the Tao, de Graham e
59
Nourishing Destiny, the Inner Tradition of Chinese Medicine, Jarret, como referências para
aprofundamento dos temas discutidos a seguir.39
2.1. Dào 道; Wú Jí 無極, Vazio Extremo; Yīn Yáng 陰陽; Tiān 天 , Céu; Dì 地 ,
Terra;
Xiān Tiān 先天, Céu Anterior; Hòu Tiān 後天 , Céu Posterior
Todas são categorias fundamentais para o pensamento daoísta, muito influente nas
acepções da Medicina Clássica Chinesa (Gǔ Dài Zhōng Yī 古代中醫).
Dào 道 costuma ser traduzido como “Caminho”. É uma categoria de difícil expressão
de sentidos e de múltiplos aspectos, que Linhares Barsted resume da seguinte maneira:
Dào 道 seria indefinível, somente podendo ser apreendido em seus múltiplos aspectos. Seria
um princípio simultaneamente transcendental e imanente. Seria algo subjacente à mudança e à
transformação de todas as coisas, o processo espontâneo a regular o ciclo natural do universo.
Neste processo, no Dào 道, aquilo que chamamos de mundo, a criação da qual somos parte
integrante, encontra sua unidade (LINHARES BARSTED, 2003, p.65).
39
Referência completa no final da tese.
60
É uma categoria descrita no texto clássico chinês Zhùang Zǐ 壯子(139 AC) e também
originária do daoísmo. Através de Gǎn Yìng 感 應 , Ressonância, todos os fenômenos do
universo estariam relacionados via Dào. Linhares Barsted, assim entende esta categoria:
61
Gǎn Yìng seria um fenômeno através do qual todas as coisas do universo seriam consideradas
inter relacionadas e se influenciariam mutuamente de acordo com padrões pré estabelecidos,
de tal modo que a interação aparece como espontânea e não como tendo sido causada por
algum agente externo, manifestando-se nos fenômenos naturais e sociais, inclusive na
política. [...] Estaria relacionado com Qì, com a dinâmica Yin/Yang e com Dào. [...] uma
direta e imediata apreensão das coisas, uma correspondência e união [...] que precede
qualquer consciência refletida sobre o mundo (LINHARES BARSTED, 2003, p.84-87).
O sentido de Gǎn Yìng, Ressonância, pode ser apreendido a partir de Dào. Quando do
surgimento do universo, no início, tudo era uma coisa só. Depois se separou, porém, cada
coisa guardaria em si uma ressonância com o todo, tendo o poder de se afetar mutuamente e,
seguindo as leis de Dào, gerar Hé 和, Harmonia. Assim, as ressonâncias entre as fases da lua
e as marés ou a interação espontânea entre órgãos internos seriam exemplos de uma
ressonância recíproca entre todas as coisas.40 Algo como a vibração de som que acontece
quando dois instrumentos são colocados lado a lado e ao tocar uma nota em um o outro vibra
na mesma nota (Le Blanc, 1985).
Esta noção de correlação mútua entre as coisas vai permear muitos grupos de
categorias como Yīn /Yàng e o Ciclo Wǔ Xíng 五 行 , Cinco Fases, e mostra-se, ainda
fundamental para a abordagem que será dada às categorias em ressonância com Shén. Afinal,
se tudo no universo pode estar em ressonância, também estariam Shén e as demais categorias
aplicáveis ao discurso médico, como Qì, Xuè, Jīng, entre outras.
2.3. Tiān Mìng 天命, Mandato Celeste; Dè 德, Virtude; Shén Míng 神明, Brilho de Shén
Um dos sentidos assumidos por Tiān 天, Céu, é aquele de algo onipotente e poderoso,
com o poder de atribuir uma espécie de projeto de vida a cada pessoa, no momento da sua
concepção, que poderá, ou não, ser cumprido. Este projeto seria Tiān Mìng 天命 , Mandato
Celeste, (Eyssalet, 2003).41
O cumprimento do Tiān Mìng, Mandato Celeste, de cada pessoa estaria na
dependência da possibilidade do cultivo de Dé 德 , Virtude, de cada um.42 Segundo o texto
clássico Dào Dé Jíng 道 德 經 , Dè, Virtude, teria sentidos diversos conforme aplicados na
criança ou no adulto. Na criança, seria a natureza original, ainda não maculada pelas
40
Xiàng Gǎn 相感,Ressonância Recíproca, talvez pudesse ser a categoria mais correta, a ser utilizada no sentido que
está sendo descrito nesta tese, o de ressonância entre todas as coisas. Seria uma espécie de variação de Gǎn Yìng 感應,
Ressonância, esta, por sua vez mais apropriada ao sentido de sincronicidade presente em Dào. No entanto, não foi
possível encontrar referências suficientemente esclarecedoras a esse respeito. Assim, o sentido de Gǎn Yìng 感應
Ressonância, foi o prioritariamente usado. Agradeço a Dennis Linhares por estes esclarecimentos.
41
É comum encontrar, na cosmologia da Racionalidade Médica Chinesa, associações de sentidos entre Tiān 天,Céu,
Tiān Míng 天命, Mandato Celeste, e Shén 神.
42
Dé 德, é também traduzida como “Potência” por Graham, 1989. “Virtude” é uma tradução de Jarret, 2000 e Harper, 1998.
62
HUǑ
(Fogo)
MÚ
(Madeira) TǓ
(Terra)
SHUǏ JĪN
(Água) (Metal)
(2009) afirma que classificar as coisas em posições definidas, como acontece em cada uma
das fases Wǔ Xíng, não deve ser encarado como se elas fossem estáticas. Em tudo haveria
sempre um movimento de Qì e, portanto, uma possibilidade de influenciar e ser influenciado.
Assim, cada uma das fases teria ação e movimento e, segundo a autora, o que se chama de
“fases”, seriam diferentes modalidades de Qì em interação. E acrescenta que os cinco Zàng Fǔ
贓腑, Órgãos e Vísceras, representados em cada fase representariam essas modalidades de Qì
se manifestando no corpo, nos aspectos emocionais, no comportamento, em todo o ser. E por
fim, que apenas reconhecendo este fluxo de Qì, é que se poderia entender a fisiologia e,
consequentemente, a patologia.47
Essas considerações da autora não invalidam a classificação das coisas em fases, como
se vê na tabela, mas seriam fundamentais, pois, além de incorporar Qì, dando um caráter de
totalidade ao assunto, mostram a interação dinâmica e processual entre elas. Assim, pensar
nas características de uma fase seria pensar na interação dinâmica, através de Qì daquilo que
essa fase representa no corpo.
47
A “Acupuntura dos Cinco Elementos”, criada por J. Worsley é uma expressão dessa visão de manifestação do
Qì em vários aspectos da pessoa, como será discutido no capítulo V.
65
Salgado
Sistemas Yīn 陰 Gān 肝, Fígado Xīn 心 ,Coração Pí 脾,Baço Fèi 肺, Pulmão Shèn 肾,Rim
A categoria Sān Bǎo 三寶, Três Tesouros, é constituída pela tríade Shén 神, Jīng 精 e
Qì 氣 , categorias que também não devem ser encaradas como isoladas, mas, sim, como
categorias com sentidos que se associam e estão em constante ressonância.
Historicamente, segundo Harper (1998) Shén, Jīng e Qì eram consideradas categorias
de ordem religiosa. Depois, ainda segundo ele, teriam passado a compor também a fisiologia
humana, com uma série de concepções que buscaria fundir o “físico” e o “espiritual”. Os
termos Jīng e Shén teriam sido antes usados para qualificar as coisas puras e refinadas do
universo, entendidas como as “coisas essenciais”. No sentido religioso, espíritos externos
poderiam descer aos seres humanos ou ser evocados através de Dé, Virtude, a potência de
cada pessoa. Quando essas concepções foram trazidas para a fisiologia, passou a relacionar
Jīng, Shén e Qì. Assim, a “coisas essenciais” existiriam também dentro de cada pessoa,
formando sua base vital, o que culmina com a criação de uma série de técnicas terapêuticas e
de cultivo da vitalidade, finaliza Harper.
Linhares Barsted (2003), reafirmando o caráter indissociável dessas categorias, propõe
que Shén precisaria de Jīng e Qì para se manifestar e assumir Xíng 形, Forma, e estes, por sua
vez, precisariam do direcionamento de Shén. Por sua vez, Jīng poderia ser visto como Qì
armazenado, o que só aconteceria sob a ação do próprio Qì e direcionamento de Shén.
2.5.1 Jīng 精
Como as demais categorias formadoras da totalidade Sān Bǎo , Três Tesouros, Jīng 精,
frequentemente traduzido como “Essência”, encontra-se em ressonância com outras
categorias abordadas até agora, especialmente Tiān / Dì , Xiān Tiān / Hòu Tiān e Tiān Míng.
Jīng individual poderia lembrar os sentidos de Tiān Ming, Mandato Celeste, em cada
pessoa, dando-lhe as características específicas particulares de cada ser, as quais, por sua vez,
só poderiam ser expressas sob ação de Shén. Há aqui uma clara ressonância de Tiān com Shén
e de Dì com Jīng. De fato, Larre (1994), numa interpretação atribuída ao Capítulo 1, do Sù
Wèn, afirma que, na pessoa, Tiān se manifestaria por Shén, assim como Dì se manifestaria
por Jīng.
Jarret (2000) relacionando Tiān e Shén, afirma que, no momento da concepção, Tiān
se dirigiria aos humanos imprimindo no Jīng de cada pessoa uma espécie de “marca
registrada”, concedendo-lhes sua constituição e seu Tiān Ming, Mandato Celeste. A partir
67
daí, então, nasceria o Shén de cada pessoa. Vê-se aqui uma alusão também a Xiān Tiān, Céu
Anterior, como aquilo que cada pessoa traria consigo no momento do nascimento, momento
que marcaria a passagem de Xiān Tiān para Hòu Tiān.
Na Medicina Chinesa, Jīng é frequentemente referido diferenciando-se entre “Jīng
Ancestral” e “Jīng Adquirida”, numa correlação ao que provém de Xiān Tiān, Céu Anterior, e
de Hòu Tiān, Céu Posterior, respectivamente. Jīng Ancestral se relacionaria com o estado
anterior à manifestação, a criação das formas, com a pré-disposição para a existência. Jīng
Adquirida se relacionaria com a manifestação, com a existência.
Mas o que seria preciso grifar é a íntima relação, que poderia até ser qualificada como
uma espécie de ambivalência, entre Shén e Jīng.
Jīng manifestar-se-ia sob a ação de Shén como categoria interdependente, muitas
vezes denominada Jīng Shén 精 神 . Shén viabilizaria e dirigiria o processo que vai dar
origem à forma, cujo substrato seria dado por Jīng. Shén precisaria de Jīng para se expressar.
Porkert (1974, p.196) afirma que, em certos contextos, poderiam até ser usadas como
sinônimos. Utiliza-se do termo Jīng Shén e qualifica Shén como “força configurativa” e Jīng
como “força estrutural”. Larre & Vallée (1999, pp.15 e 39) também falam de Jīng Shén,
descrevendo como “Espírito Vital, certamente o mais alto nível da vida humana” e referindo-
se à fisiologia corporal, os autores ressaltam a interdependência entre Jīng e Shén, chamando
atenção para a necessidade de uma boa atuação de cada um deles para que Jīng Shén, como
categoria autônoma, funcione e coordene todas as atividades corporais.
Mas essa interdependência Jīng Shén costuma não estar presente nos textos de
Medicina Chinesa que tratam da Diagnose e da Terapêutica, de maneira tão enfática como
encontramos em textos que tratam da Cosmologia, embora estes enfatizem a mesma
correlação corporal de entidades cosmológicas.
O que é mais comumente encontrado em relação ao Jīng corporal é que se armazena
em Shèn 腎 , Rim, e estaria relacionada com a forma física (constituição física, ossos,
aparência), com todos os líquidos corporais e com a função reprodutora. “Jīng Ancestral”
seria representada pela constituição orgânica, que, numa leitura contemporânea, costuma ser
comparada à herança genética. “Jīng Adquirida” seria representada pelo que se recebe a partir
dos alimentos ingeridos, do ar que se respira e das vivências sócio-afetivas, que contribuiriam
para o aprendizado e maturidade emocional (Jarrett, 2000).48 Estaria em relação direta com a
qualidade de saúde, nível de adoecimento e tempo de vida de cada pessoa. Quanto maior o
48
Jarret, 2000, p. 43. A descrição de Jīng Adquirida incluindo vivências sócio-afetivas descrita pelo autor difere
da maioria dos outros autores, que consideram, apenas, os alimentos e o ar como fontes de Jīng Adquirida.
68
desgaste dos Zàng Fǔ 贓, Órgãos e Vísceras, através de Qì, maior seu consumo e mais breve
se tornaria a vida de cada pessoa, daí a necessidade de cuidar das instâncias que se referem
“Jīng Adquirida”, como alimentação e respiração. Nesse discurso, portanto Jīng Ancestral não
seria reposta, mas poderia ser poupado se Jīng Adquirido cumprisse seu papel.
Se, na referência à Cosmologia, Shén e Jīng estão tão estreitamente relacionados ao
ponto de serem qualificados como Jīng Shén, então é preciso repensar a forma de elaborar o
raciocínio da Diagnose e da Terapêutica quando se pensa em Jīng. Quando, no discurso
médico, como é comumente encontrado, se fala somente em constituição como fator inato
para abordar “Jīng Ancestral”, ou em dieta e respiração para abordar “Jīng Adquirida”,
rompe-se com as referências cosmológicas e descarta-se a possibilidade de incluir o que se
poderia chamar de uma espécie de “Fator Shén”, na qualificação de Jīng. Se Shén é o que
configura e se Jīng é o que estrutura, desta maneira seria possível pensar que Shén seria
determinante na qualidade de Jīng, fato que não poderia ser descartado nas dimensões
Diagnose e Terapêutica.
Talvez esta seja uma forma de explicar casos clínicos de difícil solução, encontrados
na prática clínica. Como aqueles de pessoas, que, à revelia de péssimos hábitos alimentares,
mantêm-se saudáveis e com uma constituição forte por longos anos. Ou, ainda, aqueles casos
de mulheres em idade avançada que conseguem ainda conceber naturalmente. Ou aqueles de
pessoas que, a despeito de criteriosos hábitos alimentares mostram-se frágeis e, sempre
doentes. E os casos de mulheres jovens e saudáveis, porém inférteis.
Em cada uma dessas possibilidades clínicas, a relação entre Jīng Ancestral e Jīng
Adquirida estaria severamente comprometida, no entanto, não se expressam como seria
esperado. Haveria interferência de Shén, atuando sobre a expressão de Jīng?
Seria interessante examinar categorias como Tiān Míng, Mandato Celeste, Dé,
Virtude, ao longo da vida de cada uma dessas pessoas. Indagar como teria se formado o Rén
Shén, Shén Pessoal, de cada uma delas ao ser impresso em seu Jīng, de maneira a determinar
seu perfil de saúde e doença. Assim, transitando entre as referências da Cosmologia e da
Diagnose e da Terapêutica, talvez fosse possível compreender melhor e atuar sobre Jīng e
Shén de maneira mais assertiva. Ou então, considerar as limitações prognósticas do caso.
2.5.2 Qì 氣
69
Não é fácil falar sobre Qì 氣, categoria com diversos significados que se modificam
segundo diferentes contextos. De forma geral, pode-se dizer tratar-se de uma totalidade
dinâmica, algo em constante movimento, com múltiplas formas, presente em toda a natureza e
no homem. Representaria tudo que é vivo e que é capaz de assumir movimento e de
transformar-se, influenciando todas as coisas. Há diversas tentativas de traduzir Qì, como
“Força Vital”, “Energia”, “Energia Vital”, “Pneuma”, “Influências”, “Espírito”, “Energia
Configuracional”, “Sopro”, “Vapor” e “Respiração”, nenhuma delas satisfatoriamente capaz
de evocar seus sentidos (Linhares Barsted, 2003).
Eyssalet (2003) afirma não haver uma apreensão de sentidos possível para Qì, por
serem inumeráveis as circunstâncias às quais se aplica. Afirma que seria o movimento, o
dinamismo da própria vida e que, na cosmologia, estaria associado ao início da vida e a partir
do qual tudo poderia se derivar.
Qì assumiria diferentes aspectos na pessoa, assim como diversas denominações, sendo
as mais comumente encontradas na literatura médica chinesa:
Zōng Qì 宗氣 ,Qì Ancestral
Wèi Qì 衛氣 , Qì Defensivo
Yuán Qì 元氣 , Qì Original
Yǐng Qì 營氣 , Qì Construtivo
Wèi Qì 胃氣 , Qì Do Estômago
Zhēn Qì 真氣 , Qì Verdadeiro
Zhèng Qì 正氣 , Qì Correto
Zhōng Qì 中氣 , Qì Central
Dà Qì 大氣 , Qì Grande. 49
Dentre os diferentes aspectos de Qì, destaca-se Yuán Qì 元氣, Qì Original, descrito
como primeira forma de manifestação de Qì no processo de surgimento do universo e,
também, da espécie humana, presente em tudo que manifesta vida (Linhares Barsted, 2003).
Pode-se dizer que, entendido dessa maneira, Yuán Qì estaria associado a Xiān Tiān, Céu
Anterior, e a Jīng Shén, parecendo haver grande ressonância de sentidos entre essas categorias
formadoras de Sān Bǎo,Três Tesouros, como encontrado no Líng Shú 靈樞 (300 a 100 AC),
capítulo 8, comentado por Larre & Vallée:
49
Classificação de Larre & Vallée, 1999. Designação de termos de Wiseman, N. English-Chinese, Chinese-English
Dictionary of Chinese Medicine.Beijing: distribuído por China International Book Trading Corporation, 1995.
70
O que os Espíritos, os Shén, fazem? Eles guiam Qì. [...] Qì dentro de mim não são
indiferenciados; eles são individualizados. O aspecto de individualização é chamado
Essência (Jīng)(LARRE & VALLÉE, 1995, p.5, tradução da autora). 50
50
Estes autores utilizam “Espíritos”, no plural, ao se referirem a Shén. Consideram os Guǐ 鬼 na mesma categoria de
“Espíritos” autores. Claude Larre era padre jesuíta. No original: What do the Spirits, the Shen, do? They lead (...) Qi. Qi
within me are not undifferentiated; they are individualized. The aspect of individualization is called the Essences Jing.”
51
O brilho dos olhos seria chamado Shén Míng 神明 (Eyssalet, 2000; Jarret, 2000).
71
Tesouros, e o quanto esse fato poderia ter consequências sobre as dimensões Diagnose e
Terapêutica.52
Neste momento, entende-se que não seria necessário abordar Shén como terceiro
elemento constituinte de Sān Bǎo, por ser este o tema desta tese e motivo de discussão do
próximo capítulo.
2.5.3 Xuè 血
Segundo Líng Shú, capítulo 17, apesar dessa semelhança de formação entre Xuè e Jīn
Yè, Fluidos, somente Xuè passaria por Xīn, Coração, e, devido a isso, só ele ganharia a cor
vermelha, associada à fase Huǒ 火, Fogo, a qual Xīn, pertenceria.
No capítulo 18, do mesmo texto clássico, esta importância seria reafirmada e
enaltecida devido ao fato de Xīn “abrigar” Shén. Assim como Xīn, Xuè manter-se-ia em
constante movimento e carregaria consigo a presença tanto de Xīn, quanto de Shén por todo o
corpo, o que implicaria em carregar todas as atribuições destas duas categorias. Assim, este
capítulo do referido clássico conclui que Xuè carregaria consigo todas as atribuições de Shén,
sendo a mais importante a “consciência”.54
Estes capítulos do Líng Shú podem ajudar a esclarecer a relação entre Xuè, Xīn e Shén
encontradas em diversos textos de Medicina Chinesa que abordam a Diagnose e a
Terapêutica, quando afirmam que Xuè serviria de base “material” para Shén. Dito dessa
forma passaria a falsa idéia de uma dualidade Xuè e Shén, um “ajudando” o outro.
Não parece ser o sentido dado pelo Líng Shú, quando descreve estas duas categorias.
Portanto, seria mais adequado afirmar que Xuè e Shén estariam em constante ressonância, de
maneira a permear seus sentidos. Em Xuè, haveria Shén, assim como em Shén, haveria Xuè.
A esse respeito, Jarret (2000, p.309) afirma que a capacidade de Xīn “embeber o
sangue” com Shén daria a capacidade de insight e consciência a cada pessoa. O que, mais
uma vez, demonstraria a idéia de ressonância de sentidos entre Xuè e Shén.
No Líng Shú, capítulo 55, e no Sù Wèn, capítulo 20, na interpretação de Larre e
Vallée (1999), essa idéia de Xuè em ressonância com Shén se manteria e discute-se, ainda, a
participação de Qì através da categoria Xuè Qì 血氣. Buscando referências na cosmologia, o
Sù Wèn afirma que Xuè Qì seria a melhor expressão da harmonia de organização da vida em
ressonância com as dualidades Tīan Dì e Yīn Yáng. O Líng Shú afirma que Xuè Qì seria
mais do que uma justaposição de duas categorias, mas algo que se expressaria em diversos
níveis. Em ressonância com a dinâmica Yīn Yáng no universo, se expressaria no corpo, dando
a base estrutural para a vida e se expressaria, ainda, de uma maneira mais refinada, própria
dos humanos, dando-lhes conhecimento e consciência.
Larre & Vallée (1999) expressam essa visão comparando Xuè Qì entre humanos e
animais. Afirmam que todos carregariam um tipo de conhecimento mais ou menos refinado.
Médio na captação de Gǔ Qì 谷氣, Qì do Alimento, por Pì 脾, Baço. A partir daí seguuiria a Fei 肺(Pulmão) e combinar-
se-ia com Qì captado pela respiração, o Tiān Qì 天氣, Qì Celeste, formando Yíng Qì 贏氣, Qì que constrói. Neste ponto
diferenciar-se-ia entre Xué 血 e Jīn Yè 津液, sendo o primeiro direcionado a Xin 心,Coração e envolvido por Shén 神, o
que lhe daria a cor vermelha e as atribuições de carregar a consciência a penetrar por todo o ser e o segundo dispersado
como Fluido por todo o corpo.
54
“Consciência” como categoria do Pensamento Ocidental.
73
Ilustram com numa situação hipotética, onde um casal de pássaros estaria lado a lado e um
deles fosse morto, o outro, por um instante o procuraria ao redor percebendo que algo
acontecera, mas sem se dar conta das consequências daquele evento. Segundo os autores, a
capacidade de percepção seria dada pelo fato de os pássaros possuírem Xuè Qì, o que lhes
daria um tipo de conhecimento, embora menos refinado. No entanto, Xuè Qì presente no
humano seria qualitativamente diferente. Estes teriam mais do que conhecimento, teriam
consciência. Ainda, em comparação com os animais, afirmam que a incompatibilidade
sanguínea entre humanos e animais estaria relacionada também a este nível de consciência
carregado por Xuè Qì. E concluem dizendo que Xuè Qì seria a melhor forma de expressão de
Shén.
Estas formas de descrever Xuè desautorizam qualquer tipo de redução ao sentido de
único de “Sangue” como costuma ser entendido no ocidente. Xuè, que também expressaria
este sentido, seria visto pelos textos clássicos descritos, como algo que ajudaria a formar uma
espécie de individualidade de cada um, o que só se daria por sua ressonância com Shén.
De acordo com esta perspectiva de sentidos de Xuè, Porkert (1974) o qualifica como
individually specific structive energy, algo que expressaria toda a essência vital da pessoa.
Afirma que a etimologia do caractere antigo de Xuè remeteria ao sentido do sangue de um
animal sacrificado em um ritual e oferecido como forma de essência vital da vítima. 55
Assim, Xuè poderia ser entendido como aquele que carrega toda a possibilidade de
“ser” de uma pessoa, algo como a possibilidade de incorporar todas as experiências de vida. A
esse respeito, Jarrett (2000) associa a categoria Dé, Virtude, descrita no início deste capítulo,
Qì e Xuè. Segundo o autor, Qì daria a capacidade de atuar no caminho da busca por Dè,
Virtude, numa relação com a ação; e Xuè fortaleceria a capacidade de sentir e ser consciente
de Dè, Virtude, de cada um, algo como sentir-se bem consigo mesmo e com isso fortalecer-se.
Os capítulos dos textos clássicos citados acima são impactantes e deixam evidente a
impossibilidade de dissociação de sentidos entre as categorias Shén, Xuè e Qì, trazendo sérias
repercussões, uma vez que, em última análise, seria sobre o Qì que diz-se focar as etapas de
Diagnose e Terapêutica.
Na etapa da Diagnose de “Palpação dos Pulsos Periféricos” que será abordada mais
adiante, essas concepções precisam ser consideradas. Ao palpar os pulsos, sobre o fluxo de
Xuè Qì nas artérias, se estaria tocando também nos sentidos de Shén. Empiricamente, isso já é
observável, quando se percebe alteração na qualidade da palpação dos pulsos, de acordo com
55
Porkert, 1974, p. 185. Prefere-se não traduzir a terminologia utilizada pelo autor por não encontrar tradução que expresse
adequadamente seu sentido.
74
Uma vez que no Pensamento Chinês não caberia uma definição formal sobre Shén 神
faz-se necessário buscar seus sentidos e os contextos nos quais esta categoria seria utilizada,
para que possa ser melhor compreendida.
Foi discutido, no capítulo anterior, que Shén encontra-se em constante ressonância
com outras categorias de vital importância no discurso da Medicina Chinesa, como Qì 氣 ,
Jīng 精 e Xuè 血. Não seria possível pensar em qualquer uma delas, sem pensar nas demais,
pois estariam em constante ressonância. Desta forma, fica entendido que os sentidos
atribuídos a categoria Shén já vem, de alguma maneira, sendo feita ao longo de toda esta tese.
No entanto, interessa agora determinar os sentidos amplos, mais comuns atribuídos a Shén e,
frequentemente, traduzidos pelos autores ocidentais de medicina chinesa, como “espírito”,
“emoção” e “mente”, como será discutido a seguir.
Antes de qualquer coisa, é preciso criticar o uso deste termo para expressar Shén.
“Espírito” remete a um sentido ocidental de não materialidade e de dualidade em relação ao
corpo, fato que não existiria no Pensamento Chinês, onde Shén e corpo seriam indissociáveis.
Granet (1997) afirma que os chineses não acreditam que a alma ou o espírito dêem vida ao
corpo e que se deve evitar o termo “alma” quando se deseja falar de aspectos sutis da
existência humana. Assim, não haveria, para os chineses, qualquer conotação religiosa ou
metafísica para justificar o sentido de Shén como “Espírito”. O problema é que parece não
haver no pensamento ocidental, qualquer terminologia que pudesse ser utilizada para
expressar Shén, como representante daquilo que poderia ser ao mesmo tempo sutil, oculto e
material. Por isso, o pensamento ocidental acaba remetendo-se à equivocada idéia de
dualidade para atribuir o sentido de “Espírito” à Shén.
A atribuição do termo “Espírito” a Shén é mais comum em textos ocidentais sobre
Cosmologia chinesa, em sua maioria, leituras e interpretações da Medicina Clássica Chinesa
(Gǔ Dài Zhōng Yī 古 代 中 醫 ). Nesses textos, aparecem os sentidos de Shén referentes ao
processo de surgimento de todas as coisas no universo, numa associação a Tiān 天 , Céu.
Neste caso, Shén é visto como uma espécie de poder ordenador ou “força configuradora”,
implicado na criação das formas de todos os seres a partir de Jīng e dos ciclos de vida e morte
de todos os seres.56
56
Força configuradora é uma terminologia cunhada por Porkert, 1974.
76
Foi visto acima, que Rén Shén 人 神 , Shén Pessoal, sob a ação do Shén universal,
surgiria na passagem de Xiān Tiān 先天, Céu anterior, reservatório dos princípios precursores
que podem dar origem a forma, para Hòu Tiān 後天, Céu Posterior, a manifestação de todas
as coisas no momento da concepção do novo ser, no encontro dos Jīng 精 materno e paterno.
Eyssalet (2003) faz interessante conclusão a esse respeito.
O autor ainda complementa afirmando que, quando Jīng do pai e da mãe se encontram,
isso não é mais Jīng, mas, sim, Rén Shén e que, para que este encontro ocorra, Shén atuaria
antes, determinando o encontro, a aproximação e a atração entre os pais em algum momento
de suas vidas.57
Portanto, nesta visão Shén seria visto como princípio organizador do macrocosmos, o
universo, determinando o que acontece no microcosmos, a pessoa. Nesse sentido Willmont
(1999), numa visão daoísta, afirma que o Shén pessoal teria dois aspectos: Shí Shén 實神 e
Yuán Shén 元 神 . Segundo o autor, Shí Shén teria o sentido de “Shén substancial”, seria
obtido no nascimento e seria responsável pela percepção, sentimentos e pensamentos. Yuán
Shén teria o sentido de “a fonte de Shén”, existiria antes do nascimento, como parte da força
do universo em cada pessoa, mas seria encoberto pela consciência a partir do nascimento.
Além disso, outras categorias, como Líng 靈 , poderiam estar implicadas neste
processo. Como será abordado a seguir, Líng é entendido como aspecto Yīn 陰 de Shén e diz
respeito a um potencial existente em cada pessoa capaz de interferir nos movimentos do
universo. Se assim for, Líng poderia estar implicado nas atitudes e comportamentos do pai e
da mãe, interferindo no fluxo das coisas, no universo, de tal maneira que criasse situações,
que determinassem, até mesmo, o encontro entre eles e, com isso, abrisse caminho para que a
nova pessoa fosse concebida, a partir do encontro dos Jīng paterno e materno.
A partir desse encontro e surgimento do Rén Shén, este se desenvolveria sob
diferentes aspectos, os chamados Wǔ Shén 五神: Shén 神, Hún 魂, Pò 魄, Yì 意 e Zhì 志,
associados a aspectos sutis dos diferentes Zàng Fǔ 贓腑 , Órgãos e Vísceras58, contribuindo
57
O que remete a ideia de Tiān Mìng 天命, o projeto para cada pessoa elaborado por Shén.
58
Autores franceses como Faubert chamam de “entidades viscerais”. Os daoístas chamam de Wù Jīng Shén 五精神, termo
77
com a dinâmica corporal através do incentivo às suas atribuições menos manifestas, como
será, também, visto a seguir.
Além dos Wú Shén, a atribuição do termo “Espírito” a Shén também é encontrada em
referência aos Guǐ 鬼 e a Líng 靈, categorias não tão presentes nos textos médicos, mas em
ressonância com Shén. Por isso, alguns autores costumam utilizar o termo “espíritos” no
plural, quando falam de Shén, para dar conta de todas estas apresentações.59
Nesta tese, sempre que possível será usado “Shén” e não “Espírito” na abordagem aos
sentidos de Shén, como:
- “força configuradora”;
- em ressonância com Tiān 天, Céu;
-determinante nas relações macro e microcosmos;
-Wǔ Shén 五神;
-dualidade com Guǐ 鬼;
-relação com Líng 靈.
No entanto, em alguns momentos, por efeito de dificuldade de expressão da língua,
poderá ser usado o termo “Espírito”, entre aspas, ressaltando a limitação de seu sentido.
Inicialmente, serão abordados os sentidos de Guǐ e Líng por serem categorias que
ajudam a compreender os sentidos dos Wǔ Shén 五 神 , Cinco Shén, que serão descritos
subsequentemente.
3.1.1. Guǐ 鬼
Guǐ entendido como “Demônio” fazia parte de uma lógica de pensamento médico,
onde lhe era atribuída a origem de todos os males. Paul Unschuld criou o termo “Medicina
dos Demônios” definindo o período que durou cerca de 2.500 anos e antecedeu o que este
historiador e sinólogo alemão, denomina “Medicina das Correspondências Sistemáticas”, a
sistematização por que passou a Medicina Clássica Chinesa na dinastia Hàn 漢.
A “Medicina dos Demônios” imperava na Dinastia Zhōu 周 (1050-256 a.C.), período
de intensas batalhas (Guerra dos Estados 481-221 a.C.) e que levou a milhares de mortes. A
morte exposta pela guerra fazia parte da rotina da população e fez surgir à crença de que as
boas relações entre vivos e mortos havia sido desfeita, e, portanto, os Guǐ exerceriam o mal
levando doenças às pessoas. Para combatê-los, exorcistas ou shamans corriam as cidades
apontando lanças em suas supostas direções, na intenção de eliminar os Guǐ, além disso,
fariam orientações à população sobre como expulsar os males causados por estas entidades
(Unschuld, 2008).60 Os Guǐ eram vistos como “Espíritos” que poderiam brotar da terra, onde
se escondiam.
Desse processo histórico, restou a idéia de Guǐ e Shén, como entidades que
formariam, não propriamente um antagonismo, mas uma polaridade em ressonância com
categorias, respectivamente, de caráter mais material e mais etéreo, como Dì 地, Terra e Tiān
天, Céu, Pò e Hún. Desta forma, Guǐ poderia ser entendido como “entidade terrestre” e Shén
como “entidade celeste”.
Esse sentido cosmológico de Guǐ associado a Shén, foi, de alguma maneira levado
para o discurso da Medicina Clássica Chinesa, onde passaram a fazer uma dualidade. Guǐ
estaria associado, não aos mortos, mas, às características mais “densas e pesadas” da
existência humana, aquelas mais estáticas e Shén, às características mais “sutis”, mais
refinadas, mais passíveis de transformação ao longo da existência. Neste sentido, Eyssalet
(1990, p.24) entende que esta dualidade Guǐ Shén expressaria “tensões, conflitos e
contradições que operam em cada um de nós, os poderes sutis e obscuros que nos dão as
formas corporais ou psíquicas”.
Assim, se poderia imaginar que, em relação à forma de ser de cada pessoa, Guǐ e Shén
operariam como uma espécie de metáfora dos aspectos negativos e positivos de sua
personalidade e forma de ser, formando, respectivamente, todas as características inerentes a
existência humana.
Guǐ está presente nos ideogramas de Pò 魄 e de Hún 魂 , ambos aspectos de Shén
60
O autor não descarta a possibilidade de a acupuntura ter surgido como método para expulsar estes males, relacionando a
semelhança das lanças com as agulhas de acupuntura.
79
relacionados, respectivamente, a Fèi 肺 , Pulmão e a Gān 肝 ,Fígado. Pò, assim como Guǐ,
refere-se à tomada de forma física ou psíquica, e a tudo que há de mais material na fisiologia
corporal, como as fezes. A idéia de que Pò permaneceria junto ao corpo físico após a morte,
sendo com ele enterrado, viria do sentido de Guǐ, como “entidade terrestre”, habitando a
profundidade da terra. Hún, por sua vez, seria associado à Shén, dando-lhe movimento. É
possível que a presença de Guǐ no ideograma de Hún expresse uma característica de
movimento de ar, já que como será visto adiante, sua etimologia estaria associada à idéia de
nuvens.
Guǐ está presente no nome de diversos pontos de acupuntura, como será abordado no
último capítulo desta tese.
Além disso, há na teoria da Medicina Clássica Chinesa uma área corporal que poderia
fazer referência direta a Guǐ, a área Gāo Huāng 膏 肓 . Esta área estaria localizada,
anatomicamente, entre a base do coração e o músculo diafragma, que separa abdome e tórax.
Acreditava-se que haveria uma relação entre esta área e os Guǐ, que aí buscariam refúgio, para
em algum momento, sorrateiramente atacar o corpo, gerando doenças. Costuma ser citada em
textos que remetem à chamada “medicina dos demônios”, sem apresentarem, no entanto, um
desenvolvimento suficientemente esclarecedor acerca de seus possíveis sentidos.
O que se vê em textos clássicos como Líng Shú e Nán Jīng são referências a Gāo 膏
como uma espécie de gordura de característica fluida que estaria sob o coração,
desenvolvendo-se desde os primórdios da evolução embriológica, enquanto Huāng 肓 seria
uma membrana de conexão, mas também podendo ser entendida como o próprio músculo
diafragma sob o coração.61
Segundo interpretação de Eyssalet (2006), esses textos clássicos fariam, ainda, a
relação de Gāo Huāng com Jīng 精. Assim, segundo o autor, Gāo seria entendido, como uma
espécie de gordura fluida, que preencheria os ossos, tonificaria e enriqueceria o cérebro e as
medulas e descenderia, se escoando em direção aos “membros Yīn”, este último entendido
como o pênis. Por sua vez, continua Eyssalet, Huāng seria descrito como o espaço entre os
órgãos, e entre os ossos e a carne, aludindo a Sān Jiāo 三焦, Triplo Aquecedor, revestindo o
interior, a membrana do diafragma, os espaços de órgãos e vísceras. Nesses locais, Qì e Jīn
Yè, 津 液 , Fluidos, transformados pela digestão teriam função de aquecimento e se
concentrariam. Este texto clássico sublinharia, ainda, finaliza o autor, o fato de a produção de
61
Referências aos textos clássicos em Matsumoto & Birch (1988) e Eyssalet (2006).
80
gorduras fluidas do diafragma depender diretamente da qualidade do conjunto das trocas com
o “meio e de seus produtos conjugados” numa provável alusão ao Jīng Adquirido.
Esta descrição não tocaria diretamente em Guǐ, mas implicitamente poderia referir-se
às suas ressonâncias com tudo aquilo que é mais corporal daí as referências a Jīng e ao
próprio sentido de Gāo Huāng, entendido como estruturas de preenchimento e como
membranas. Isso poderia sugerir uma reinterpretação por parte desses textos clássicos, a
respeito de Guǐ, deixando de ser aquele que se ocultaria nesta área para produzir doenças,
passando a ser referido a partir de suas ressonâncias com Jīng.62
Fica, então a idéia de Guǐ em ressonância com tudo de características mais Yīn, como
Dì,Terra, Jīng, Pò, quando comparado às características Yáng de Shén, Tiān, Céu, Hún.
3.1.2. Líng 靈
62
A área Gāo Huāng 膏肓 voltará a ser abordada no último capítulo.
63
Estes últimos termos são utilizados por Porkert, 1974, p. 193 como “structive force” e “structive capacity”, tradução da
autora.
81
escritos de Zhang Jiebin (1563-1640), Shén apareceria como aquele que se relaciona com
Tiān, Céu, que tem movimento capaz de dar início a todos os processos do universo, enquanto
Líng apareceria como aquele que tem a capacidade de desenvolver as coisas iniciadas por
Shén. Assim, Líng seria uma espécie de influencia ou impulso exercido sobre Shén.64.
Dessa maneira, Líng costuma ser associada a Jīng 精. Porkert (1974) caracteriza Líng
como complementar a Shén e como “substrato para concretizar as influências a que ele é
exposto”. Nesse sentido, aproxima-se realmente do conceito de Jīng, como a capacidade de
dar forma ao poder configurador de Shén.65 Como será visto adiante, Pò, aspecto de Shén,
relaciona-se com a tomada de forma, por isso, Líng relaciona-se com Pò.
Associando Líng a Jīng, Jarret (2000) afirma que a melhor forma de compreender esta
categoria seria entendê-la como uma espécie de “emanação espiritual” contida em Jīng, que
transformada internamente faria surgir Líng. Complementa que esta transformação
aconteceria na medida em que o Tiān Mìng 天 命 , Mandato Celeste, de cada um fosse
cumprido e só assim Líng poderia exercer seu papel e influenciar o universo.
A ressonância entre diversas categorias pode, à primeira vista, interferir na
compreensão de seus sentidos, mas é muito interessante perceber como se associam. Assim:
-Líng não poderia ser entendida sem Shén, nem sem Jīng.
-Sua ressonância com Jīng a faria ser considerada aspecto Yīn de Shén.
-Jīng e Líng seriam características inatas que não poderiam ser acrescidas, cada pessoa
nasceria com seu perfil que poderia, ou não, se desenvolver ao longo da vida.
Infelizmente, não há referências a Líng nos textos oriundos da Medicina Chinesa
Contemporânea (Dāng Dài Zhōng Yī 當代中醫). A esse respeito Jarrett (2000) acusa a visão
materialista da China atual de refutar qualquer conceito que questione seu regime de governo.
Segundo ele, a ideia de Líng poderia ser uma ameaça, pois demonstraria a possibilidade de
cada pessoa evocar, através de sua postura pessoal, mudanças em seu destino, levando a
questionamentos sociais, o que, segundo o autor, poderia colocar em risco um regime
totalitário.
Apesar de praticamente ausente nos textos médicos mais conhecidos, assim como Guǐ,
Líng também figura em alguns dos nomes de pontos de acupuntura, como será visto no último
capítulo desta tese.
64
A interpretação do texto clássico foi feita por Vallée, 2007.
65
No original: “substratum to make concrete the active influences to which it is exposed.” Porkert, 1974, p.193. Tradução da
autora.
82
Wǔ Shén 五神 são entendidos como aspectos de Shén relacionados aos Zàng Fǔ 贓腑,
Órgãos e Vísceras. Apresentam as seguintes correspondências:
mundo físico para cumprir seu “destino” através do corpo. O autor não fala sobre os aspectos
de Shén, mas seria mais uma interpretação a respeito da formação de Rèn Shén.
Larre & Vallée (1999) afirmam que o processo de formação de Rèn Shén, seria
contínuo e que não seria possível demarcar quando um ou outro de seus aspectos, Hún, Pò, Yì
e Zhì estivessem prontos. Afirmam, ainda, que podem ser encontradas, nos diferentes textos
clássicos, diferentes versões acerca da formação dos aspectos de Shén durante a vida intra
uterina. Com base em interpretações do Nèi Jīng, Larre & Vallée afirmam:
Se Shén e Hún são realmente as forças que dirigem o movimento necessário para a vida
dentro da unidade do ser que emerge do vazio, então eles devem estar lá no começo deste
ser. Há textos não-médicos que dizem que Pò vem antes e depois vem Hún, mas isso
[quando se vê tal tipo de descrição] é só para dizer que Jīng tem que estar lá para produzir a
estrutura de um ser, para dar um código para a estrutura e para carregar junto todos os
constituintes para um ser. [...] Então se os Hún expressam esse movimento de difusão ou
circulação de vida, e se eles são a expressão ativa de, e para, Shén, então eles devem
necessariamente estar lá no momento em que esta força toma forma. Não há o que é real
antes ou depois no sentido de tempo, há apenas o mistério de um ser, o mistério da vida que
é individual para um ser e que pode apenas ser expresso através desta dupla ação dos Hún e
Pò. [...] O nascimento é apenas um estágio no processo da vida, embora um estágio muito
importante (LARRE & VALLÉE, 1999, pp 73-74).66
Pela descrição dos autores já se pode perceber a importância capital dos aspectos Pò e
Hún na formação da vida. Além disso, percebe-se a impossibilidade de definição de papéis
estanques entre as categorias Shén, Jīng, Hún e Pò.
Ciente desta limitação, no entanto, dentro de um enfoque daoísta, em seu livro, “Le
Secret de la Maison des Ancétres, Essay sur la Conception Traditionnelle Chinoise de la
Formation de la Personne” Eyssalet, discute a formação do corpo físico e de Rèn Shén, Shén
Pessoal desde a concepção até além do nascimento, o que poderia dar uma dimensão da
ressonância e atuação dos Wǔ Shén. Eyssalet afirma ter utilizado em sua longa descrição sete
textos clássicos, entre eles, Sù Wèn, Líng Shú, vários textos daoístas e um texto tibetano
(Rgyud-Bzi), além de dois textos de embriologia ocidental.
Eyssalet (1990) propõe que, após o surgimento do Rèn Shén, a partir do encontro dos
Jīng paterno e materno, o Shén da mãe seria ligado ao Pò da criança que dirigiria todas as
transformações ocorridas nos nove meses de gravidez, o que faz de Pò o principal gestor de
Jīng, mobilizando ou estocando em função da necessidade. Xuè 血 materno, estimulado por
66
No original: If the Shén and the Hún are really the powers which direct the movement necessary for life within the
unity of the being which emerges from the void, then they must be there at the beginning of that being. There are non-
medical texts which say that the Pò come first and then Hún, but this is just to say that the Jing has to be there in order to
produce the structure of a being, to give a code for the structure and to bring together all the constituents of a being. […]
So if Hún express the movement of diffusion or circulation of life, and if they are the active expression of and for the
Shén, then they must necessarily be there at the moment when this power takes form. There is no real before or after in
the sense of time, there is only the mystery of a being, the mystery of life which is individual to a being and which can
only be expressed through this double action of the Hún and the Pò. […] The birth is only a stage in the process of life,
albeit a very important stage.” Tradução da autora.
84
Pò, é quem veicularia Jīng para a formação corporal da criança, assim o Pò de cada mãe
modelaria o Pò de cada criança em função do Jīng ancestral materno.67
Hún estaria envolvido com o trabalho de parto em todas as suas etapas, desde as
primeiras contrações uterinas até a expulsão da criança pelo canal vaginal. O momento da
abertura dos olhos do bebê, junto com seu primeiro grito, aconteceria pela atuação de Hún e
seria sua primeira forma de expressão no universo extra uterino. Depois, Hún se estabeleceria,
plenamente, apenas no terceiro mês após o nascimento, a partir do momento em que a criança,
ao sorrir, ganhasse de seu pai um Míng 名,Nome, categoria entendida como uma espécie de
identidade.68 O sorriso seria uma expressão de Shén e, a partir deste momento, Hún estaria
para sempre aliado a Shén, seguindo todos os seus movimentos por toda vida e, também, após
a morte.
Yì estaria relacionado com o desenvolvimento psicomotor da criança, com todas as
aquisições feitas na interação com os familiares, na observação e apreensão de todas as
palavras que lhe são dirigidas na infância. Seria o aspecto de Shén em constante relação com
o meio social, com interferência da cultura moldando padrões de comportamento.
E por fim, Zhì estaria presente desde o início, tratar-se-ia de um poder realizador ou
organizador de Shén, que, desde o início da existência, já teria um propósito para cada pessoa,
a ser desenvolvido pelo potencial individual de cada um para o cumprimento de seu Tiān
Ming, Mandato Celeste.69
Com essa descrição de Eyssalet, se poderia ter uma idéia de determinados campos de
atuação dos Wǔ Shén, porém sem deixar de perceber sua ação conjunta, como veremos a
seguir.
Os Wǔ Shén são termos de difícil tradução e compreensão, sem correspondência única
e direta no pensamento médico ocidental, embora alguns autores contemporâneos 70 busquem
aproximações com o que denominam de as “funções psíquicas” dos Zàng Fǔ. Postura que não
parece apropriada, já que poderia desviar o pensamento para uma forma de entendimento
ocidental e convidar a uma limitação de sentidos de categorias em constante ressonância.
Certamente, as atribuições psíquicas, conforme entendimento ocidental poderia estar contido
nos sentidos assumidos por estas categorias, como será abordado adiante, porém isso não as
explica por completo.
67
A associação entre Pò e Jīng é muito comum e serve para entender este aspecto de Shén, como veremos adiante.
68
A discussão sobre Míng 名, Nome, é destacada nos textos daoístas. Não caberia, neste trabalho, um aprofundamento no
tema. Para maior conhecimento ver Eyssalet, 1990, p.389.
69
Eyssalet, 1990, pp.33-556, passim.
70
Autores como Dechar (2006), Rossi (2007) e Maciocia (2009).
85
Além da ressonância entre Shén e cada um dos Wǔ Shén, é possível perceber, nos
textos consultados, que haveria uma relação em pares, Pò e Hún e Yì e Zhì, de forma que
conhecendo o sentido de um se apreende o sentido do outro. Além disso, percebe-se maior
número de descrições a respeito de Pò e Hún, em comparação com Yì e Zhì.
Pò e Hún costumam ser descritos como aspectos Yīn e Yáng de Shén,
respectivamente. Como se sabe, Yīn Yáng, entendidos como dualidade estariam em
ressonância com diversas categorias do universo. Assim, Pó visto como aspecto Yīn de Shén,
se relacionaria com características como quietude, corpo, matéria e Jīng, próprias do Yīn. E,
Hún visto como aspecto Yáng de Shén, se relacionaria com características como movimento,
mente, etéreo e Shén, próprias do Yáng. O que parece imprescindível observar, é que essas
características só existiriam umas em relação às outras, assim como Yīn e Yáng. Além do
mais, não se deve perder a perspectiva de que Pò e Hún são descritos como “aspectos” de
Shén, o que equivaleria dizer que falar de cada um destes aspectos seria como falar de Shén,
só que olhando por diferentes ângulos de observação a partir dos Zàng Fǔ, Órgãos e Vísceras,
relacionados a cada um deles.
Parece importante, portanto, lembrar que se lida com categorias da Medicina Chinesa,
ancoradas no Pensamento Chinês, onde tudo se expressa através de uma totalidade e de um
processo.
Neste sentido, Hún, dotado de movimento (por estar em ressonância com as
características de movimento da fase Mú 木, Madeira), precisaria de Pò, que se relaciona com
a estrutura e a forma material (por estar relacionado com as características da fase Jīn 金,
Metal), para contê-lo.
Larre & Valée (2001), citando o texto clássico Lǎo Zǐ falam da relação entre Pò e Hún
na descrição acerca do surgimento da vida. Segundo eles, Hún, com sua capacidade de
movimento “nutre e infunde a vida”, numa alusão ao sentido de dar a vida, provavelmente,
por seu estreito vínculo com Shén. Pò, por sua vez, não teria a capacidade de dar a vida, mas,
sim, de estruturá-la, ele “serve à vida”, numa referência a atividades mais e menos nobres de
um e de outro. De qualquer forma, a vida só seria possível pela parceria entre eles.
Assim, seguindo descrição do Líng Shú, capítulo 8, Jīng, Shén, Hún e Pò seriam
entendidos formando dualidades Jīng / Shén e Pò / Hún, sendo a segunda dualidade
subordinada à primeira, Hún só existiria através de Shén e Pò só existiria através de Jīng. O
texto também afirma que a pessoa não escolheria seu Jīng ou seu Shén, mas são eles que a
fariam ser o que é.71
71
A referência ao texto clássico foi encontrada na interpretação de Larre & Vallée, 1995.
86
Aquele que vem e vai com Shén é chamado Hún, aquele que entra e sai com Jīng é chamado
Pò, aquele que se ocupa com as coisas é chamado coração [Xīn], aquilo que o coração [Xīn]
se lembra é chamado Yì, a persistência de Yì é chamada Zhì (ROSSI, 2007, p. 63, tradução
da autora).72
3.1.3.1. Shén 神
Todas essas várias noções [Shén, Pò, Hún, Yì e Zhì], cada um é controlado por um Zàng
particular; no entanto, todos nascem no coração [Xīn], pois todos os Zàng são apenas
72
No original: “That which comes and goes with Shén is called Hún, that which enters and exits with Jing is called Pò, that
which occupies itself with things is called is called heart, that which the heart remembers is called Yì, the persistence of
Yì is called Zhì”.
87
auxiliares e agentes, xiāng shǐ 相使, e o coração é o mestre supremo, o absoluto chefe, zhǔ
zai 主宰 (LARRE & VALLÉE, 1995, p.155, tradução da autora).73
Este texto devota superioridade e controle de Xīn sobre os demais Wǔ Shén. Esta
superioridade viria de sua possibilidade de receber Shén. Porém para que continuasse
desempenhando essas nobres funções, precisaria de um estado de calma e quietude. Este
3.1.3.2. Pò 魄
鬼. O primeiro, caractere fonético, expressaria a alvorada ou, também, podendo ser entendido
como a cor branca. Representaria os primeiros raios de sol que surge na alvorada e que
evidencia as formas, como o raio de sol no horizonte mostrando a forma da terra. O outro
caractere é Guǐ 鬼.
Nos livros de origem ocidental, costuma ser traduzido como “Alma Corpórea”, “Alma
Animal”, “Alma Vegetativa”, “Alma Instintiva”.
A principal idéia contida no ideograma de Pò seria a de um aspecto de Shén
relacionado com a forma corporal, expressando seu poder organizador. Por isso, seria
entendido como aquele que se relaciona com Jīng, concebido como tendo uma característica
mais “material”, quando comparado com Shén, que seria mais “etéreo”. Seria entendido como
o aspecto Yīn de Shén.
Pò teria, portanto, forte ligação com o corpo físico, com a delimitação deste corpo com
o exterior através da pele, com a vida vegetativa, com os movimentos viscerais, com a
percepção corporal, com os movimentos instintivos e com o instinto de auto-preservação. Por
isso, é dito que Pò associar-se-ia com os ossos, a parte mais material do corpo e a última a
desaparecer.75 A tradução encontrada de Pò como “Alma Vegetativa ou Instintiva”, 76
poderia
aludir ao que se entende no ocidente por sistema nervoso neurovegetativo ou autônomo,
regulador dos movimentos e das reações orgânicas involuntárias, como os movimentos
peristálticos, pulmonar ou batimentos cardíacos. Pò relacionar-se-ia com a introspecção, a
mágoa e qualquer tipo de estado emocional que possa levar a isolamento em relação ao
mundo exterior.
Após a morte, desceria pelo ânus, chamado Pò Mén 魄 門 , Portão do Pò, indo para
baixo da terra, numa referência a Guǐ, como “espírito terrestre”. Na terra, Pò teria função
fertilizadora para o desenvolvimento de outras formas de vida, o que poderia ser uma alusão
a Jīng 精.77
Pò seria o aspecto de Shén em Fèi 肺 e Dà Cháng 大腸, Pulmão e Intestino Grosso, o
que faria relacionar-se, diretamente, com Qì e, portanto, com a respiração. Sù Wèn, nos
capítulos 23 e 62, afirma que Fèi, Pulmão, armazena Qì, e que Qì é a morada de Pò. Esta
relação com Qì daria dinamismo a Pò através do processo respiratório.78 Segundo Maciocia
(2009), ao observar a respiração seria possível conhecer a condição de Pò. De fato, nas
75
No fundo da terra os ossos sempre parecem brancos, a cor da Fase Jīn 金, Metal, com a qual Pò é associado.
76
Larre & Valée, 1995, p. 38.
77
Esta ação fertilizadora de Pò é associada ao princípio ativo terapêutico presente nas plantas medicinais, como será visto no
capítulo VI.
78
Referência ao texto clássico em Larre & Vallée, 1995.
89
3.1.3.3. Hún 魂
coisas, dessa maneira, os Wù Shén, Hún, Pò, Yì e Zhì atuariam no sentido de preservá-lo. Daí
talvez a função de Hún em dar-lhe movimento.
Hún seria o aspecto de Shén em Gān 肝 e Dǎn 膽, Fígado e Vesícula Biliar, com forte
relação com seus aspectos Yīn 陰, especialmente Xuè. Sù Wèn, nos capítulos 10 e 23, afirma
que Gān estocaria Xuè e que, quando a pessoa está em repouso, Xuè retornaria a Gān, e,
conclui que Xuè seria a morada de Hún.80
Esta referência do texto clássico traz algumas consequências importantes: a primeira é
que, como foi visto anteriormente, Xuè também é descrito como morada de Shén. Se assim
como Shén, Hún faria de Xuè sua morada, então ficaria evidenciada uma estreita relação Shén
Hún; a segunda é que devido a sua característica de movimentação ascendente e dispersiva,
Hún precisaria de Xuè, para fixar-se ao corpo e, ainda, poderia sofrer com eventuais
desarmonias de Xuè. Assim, o quadro Xuè Xū 血 虛 , Deficiência de Xuè, poderia levar a
quadros de apatia e depressão, demonstrando perda de vitalidade de Hún; como terceira
conseqüência, a relação de Hún com Xuè estaria em polaridade Yīn Yáng com a relação de Pó
com Qì, demonstrando suas inter-relações.
Larre & Vallèe (1999), baseando-se no Nèi Jīng, afirmam que a relação entre Hún e
Shén seria muito estreita, mas a diferença básica seria que Shén seria livre e Hún se adaptaria
e se movimentaria, seguindo as diretrizes de Shén e com a intenção de dar-lhe movimentação.
Shén estaria em todos os lugares, sendo símbolo da quietude e perfeição, estando além de uma
expressão Yīn ou Yáng. Pò e Hún, como aspectos Yīn e Yàng de Shén, respectivamente,
seriam, segundo os autores, uma espécie de arquétipos do trabalho de Yīn e Yáng no corpo.
Um exemplo poderia deixar mais claro esta noção. Assim, segundo os autores:
O estado cataléptico do homem santo em meditação ocorre quando Hún deixou o corpo para a
jornada mística. Ele tem visões estéticas através de Hún, enquanto o corpo vive um estado
vegetativo. Ele tem todas as funções que garantem a manutenção do seu corpo, mas ele está
quase sem atividade. Ele já não fala, ele já não vê e já não tem nenhuma expressão. A função
de Hún é, então, explicada por sua ausência. Mas, através dessa jornada, Hún coloca a pessoa
em meditação em contato com a grande e profunda realidade da vida. Isso é possível devido à
íntima conexão entre Hún e Shén, onde Hún [seria] ministro e auxiliar de Shén. É possível
que, durante o sono e através dos sonhos, quando Gān e Hún exercem papel fundamental, que
haja o mesmo contato com a profunda realidade do seu ser. Na morte, Hún é levado embora
por seu movimento natural de ascensão, expansão e difusão. Quando não há mais nada para
manter-los junto, para trazer de volta e para segurar, então há a dissociação entre Pó e Hún, e
isso é a morte (LARRE & VALLÉE, 1999, p.70, tradução da autora).81
80
Referência ao texto clássico em Larre & Vallée, 1995.
81
No original: “The cataleptic state of the saintly man in meditation occurs when the hun have left the body for the mystic
journey. He journeys with an aesthetic vision through the hun, whilst living a vegetative life. He has the activities of life
which ensure the maintenance of his body, but he is almost in suspended animation. He can no longer speak, he no longer
sees, and he no longer has any means of expression. The function of the hun is thus explained by their absence. But
through these journeys the hun puts the mediator in contact with the great and profound reality of life. This is possibly
because of the close connection between the hun and the shen where the hun are ministers and auxiliaries of the shen. It is
possible that through sleep and through dreams, where the liver and the hun play a fundamental role, that there is this same
of your being contact with the deep reality of your being. At death the hun are carried away by their natural movement of
rising, expanding and diffusing. When there is no longer anything more to keep then together, to bring then back and hold
92
A bela descrição dos autores deixa clara a capacidade de Hún, e até mesmo de Pò, em
estar servindo Shén durante a vida. Numa típica descrição amparada no Pensamento Chinês,
entender-se-ia Hún através da descrição de sua própria ausência. Os autores mencionam,
ainda, algumas das possibilidades de atuação de Hún amplamente discutidas nos textos
chineses, como a seguir.
1. Sonhos e imaginação: Hún se relacionaria com Gān, que se abriria nos olhos. Sonhar seria
ver de olhos fechados, imaginar seria ver de olhos abertos. Neste sentido, Eyssalet (1990)
lembra a importância de Xuè, pois, através da nutrição dos olhos, durante o dia, permitiria a
visão e à noite, daria o que chama de a visão “para dentro”.
Assim, Hún se relacionaria com a inspiração, as idéias, a criatividade, a inspiração
artística e com a capacidade intuitiva, como uma possibilidade de perceber aquilo que não é
obvio. Como se devido à sua capacidade de movimentar-se indo e vindo, Hún estivesse
sempre disposto a experimentar novas realidades, novas imagens, que apresentadas a Shén
poderiam se configurar - esta uma tarefa de Shén. Daí, então, a capacidade de criatividade
dada a Hún.
2. Por suas idas e vindas, estaria implicado também nos contatos pessoais, nos
relacionamentos humanos, na possibilidade de uma pessoa impressionar-se, positiva ou
negativamente, num primeiro contato pessoal. Neste sentido, daria a possibilidade, ou não, de
as pessoas se encararem olhando nos olhos umas das outra. Desvio de olhar, falar olhando
para o alto ou em diferentes direções e olhar que parece trêmulo, seriam sinais de Hún
enfraquecido.
confrontando-se com o medo e com os possíveis riscos. Assim, se o medo for maior, não
haverá coragem e Hún não poderia planejar. Esta dinâmica colocaria em relação Hún e Zhì,
assim como, Gān, Fígado e Shèn, Rim.
4. Equilíbrio das emoções: devido a sua capacidade de dar movimento a Shén, Hún manteria
o movimento das emoções. Faria uma espécie de regulação entre elas, evitando que uma se
sobressaia mais do que a outra (Rossi, 2007).
O grande número de atribuições dado a Hún poderia ser explicado por seu estreito
vínculo com Shén, aquele que tudo comanda.
3.1.3.4. Yì 意
83
Tradução de Wiseman, 1995.
94
3.1.3.5. Zhì 志
84
Foi visto anteriormente que Hún também participa dos processos criativos.
95
1. Seria responsável pela vontade, desejo e força vital para realização de projetos. Neste
sentido, remete à discussão anterior sobre Hún, como aquele responsável pelo planejamento.
2. Com Jīng, ajudaria Shén a concretizar o seu projeto destinado a cada pessoa, ao longo da
vida, recorrendo a idéia de Tiān Míng, Mandato Celeste.
Wù Qíng 五情, Cinco Emoções, refere-se às emoções intrínsecas a cada Zàng Fǔ. São
também chamadas de Wù Zhì 五 志 , Cinco Zhì, com o sentido de algo que surge de cada
Zàng, servindo-lhes de estímulo. São elas: Xǐ Lè 喜 樂 , Alegria; Nù 怒 , Raiva; Bēi 悲 ,
Tristeza; Sī 息, Pensamento; Kǒng 恐, Medo. Assim associadas a cada Zàng Fǔ:
TABELA 3: WÙ QÍNG 五情, CINCO EMOÇÕES E ZÀNG FǓ 贓腑 ÓRGÃOS E VÍSCERAS
WÙ QÍNG ZÀNG FǓ
Fèi 肺 e Dà Cháng 大肠
Bēi 悲, Tristeza Pulmão e Intestino Grosso
Xīn 心 e Xiǎo Cháng 小肠
Xǐ Lè 喜樂 , Alegria Coração e Intestino Delgado
Gān 肝 e Dǎn 膽
Nù 怒,Raiva Fígado e Vesícula Biliar
Pí 脾 e Wèi 胃
Sī 息, Pensamento Baço e Estômago
85
Zhì, como aspecto de Shèn, com ressonâncias com Shèn 腎, Rim e com Jīng, categorias fundamentais na formação e
manutenção da vida.
98
3.2.2.1. Nú 怒, Raiva
3.2.2.3. Sī 息 , Pensamento
Segundo Larre & Valléé (1996, 2004), o ideograma contém, encima a imagem
do cérebro dentro do crânio e o embaixo Xīn 心 , Coração. O ato de pensar,
segundo estes autores, seria uma comunicação livre entre Xīn e o cérebro.
Esta seria a concepção básica de Sī 息 , Pensamento, e ainda segundo os autores,
pensar não significaria somente o ato de ter uma idéia, mas, sim, ser capaz de desenvolver
todo o processo para sua elaboração e reflexão, o que dependeria de Shén.
Recebe traduções de “Meditação”, “cogitação”, “contemplação” e “preocupação”, em
101
textos ocidentais.
Sī 息, Pensamento seria associado a Pí 脾, Baço e Wèi 胃, Estômago. Assim como no
processo digestivo, desempenhado por esses Zàng Fǔ, que transformariam os alimentos em
Qì, também as situações e impressões provenientes do exterior poderiam sofrer transformação
em idéias. Assim, Sī, ganharia o sentido de algo criado a partir de uma determinada situação,
algo que tenha despertado algum tipo de interesse e, com isso, consiguisse elaborar uma nova
idéia. Por isso, Eyssalet (1990) afirma que Sī, estaria relacionado à noção de julgamento, no
sentido de uma escolha feita e que poderia tomar forma e se afirmar, o que, por sua vez,
estaria na dependência de Zhì aspecto de Shén 神 em Shèn, Rim, atuando como força
realizadora. Como foi visto acima, uma forma de escapar de Kǒng, Medo, seria através de Sī,
que apontaria possíveis caminhos a seguir.
Em casos patológicos, nos quais Sī se torna exagerado e obsessivo, a categoria Lü 廘,
Reflexão, dar-lhe-ia força para manter-se e estabelecer projetos e planos em relação aos seres
e às coisas em diferentes momentos da vida.
Caso Sī se torne obsessivo faria com que Shén e Qì perdessem sua capacidade de
movimento; Shén ficaria aprisionado em Xīn perdendo sua capacidade de discernimento
daquilo que está ao seu redor e a pessoa tornar-se-ia incapaz de adaptar-se a situações
adversas (Larre & Vallée, 1996).
Segundo Wilder & Ingran (1974), o ideograma é formado na parte superior por
Fēi 非, que denota intensa negação ou oposição, e, na parte inferior, vê-se Xīn
心, Coração. O sentido seria de algo que não está de acordo com o desejo da pessoa, causando
tristeza.
É traduzido em textos ocidentais também como “mágoa”, “angústia”, “melancolia”,
“solidão” e “pesar”.90
Bēi, Tristeza, seria a emoção de Fèi 肺, Pulmão. Afetaria, ainda, diretamente, Xīn, por
dois motivos:
1. Pela natureza contraditória entre Bēi, Tristeza e Xǐ Lè, Alegria. Bēi teria tendência a situar-
se no centro do corpo, tenderia a diminuir os movimentos de Qì e Xuè. Já Xǐ Lè, teria
tendência à expansão em todas as direções e ao aceleramento dos movimentos corporais.
Assim, Bēi impediria esta atividade de Xīn.
2. No Sù Wèn, capítulo 39, e no Líng Shú, capítulo36, há referência aos efeitos de Bēi sobre
Xīn rompendo com seu sistema de conexão a todos os outros Zàng Fǔ. Sistema chamado Xīn
Xì, 心系, Ligação do Coração, assim entendida por Larre e Vallée (1996):
Todas as conexões e redes de animação por onde o coração se liga ao corpo inteiro,
90
Todas são traduções feitas por Ross, 1994. “Pesar” é uma tradução de Maciocia, 1996.
103
especialmente usadas para a influência direta do coração como mestre, às partes mais
profundas da vitalidade dos outros zang. É um tipo de organização da vida mental,
psicológica e espiritual (LARRE & VALLÉE, 1996, p. 131, tradução da autora).91
Esta rede poderia ser entendida, ainda, como uma via de transmissão de Shén. Os
autores não descartam a possibilidade de esta rede conter todas as outras redes que saem de
Xīn, como os Xuè Mài 血脉,Vasos Sanguíneos, e a rede Xīn Bào Luò 心胞包絡.92
O fato é que Bèi bloquearia este fluxo. Com este bloqueio Fèi que deveria descender os
Jīn Yè 津液, Fluidos, e Qì não conseguiria atuar. Assim, os Jīn Yè ascenderiam e, uma das
consequências, seria extravasarem pelo alto, sob a forma de lágrimas. Este estado que não
poderia ser mantido por muito tempo, sob pena de provocar maiores danos aos outros Zàng
Fǔ, em função da ausência de Qì e Jīn Yè, seria logo interrompido por meio de diferentes
mecanismos de defesa, como tosse ou choros em soluços (Larre & Vallée, 1989).
O aspecto positivo de Bèi na fisiologia seria sua capacidade de levar Qì ao centro do
corpo, o que poderia se contrapor a tendência dispersiva de Xǐ Lè, resgatando assim, uma
capacidade de introspecção.
O ideograma pode ser interpretado como o terror que um cavalo sente quando
percebe alguma coisa mais forte do que ele mesmo o ameaçando (Wilder &
Ingran, 1974). Refere-se a um estado de susto, como um estado de tensão
interna que pode gerar uma reação, variando de leve intensidade até uma convulsão. Poderia
acometer Xīn, Gān e Dǎn.
3.2.2.7. Lào, 勞
91
Original: “All the connections and network of animation by which the heart is linked to the whole body, and especially
used for the direct influence of the heart as a master on the very inner part of the vitality in the other zang. It is a kind of
organization of the mental, psychological and spiritual life”. Tradução da autora.
92
Este tema será abordado no capítulo V.
104
Jīng e Lào são descritas em conjunto para expressar estados reativos a estímulos
exteriores que se manifestam de forma oposta, um, com grande excitação, de natureza Yàng e
outro com fraqueza, de natureza Yīn. Não se encontram muitas referências a respeito, talvez
por serem descritas com outros nomes ou por não serem descritas em separado, mas em
associação com outras emoções.
Atribui-se, com grande frequência, o sentido de “Mente” a Shén nos textos médicos
chineses traduzidos para idiomas ocidentais, especialmente naqueles oriundos de autores
representantes da Medicina Chinesa Contemporânea (Dāng Dài Zhōng Yī 當代中醫).
Nestes casos, descarta-se, considerando como metafísica, qualquer associação a Shén
que não valorize seus possíveis sentidos psíquicos e neurobiológicos.
Maciocia assim define as atribuições do que chama de “Mente”:
93
No original: “The “Mind” residing in the Heart or Heart-Mind is responsible for many different mental activities
including:
thinking, memory, consciousness, insight, emotional life, cognition, sleep, intelligence, wisdom, ideas.”
94
Não cabe entrar na discussão contemporânea, presente na neurociência ocidental, acerca dos possíveis sentidos associados
à “mente”. Reconhece-se que há uma discussão entre autores do campo questionando sentidos de “mente” puramente
orgânicos e anatomicamene definidos. No entanto, parece que a Medicna Chinesa Contemporânea segue alheia e este
debate.
105
comentário que desejassem fazer a respeito de seu próprio corpo (e seu Shén).
Estudando outras formas de transmissão do conhecimento da Medicina Chinesa, a
autora afirma ainda, que Shén assumia grande relevância e sentidos polissêmicos, no contexto
da transmissão pessoal do conhecimento por um experiente mestre chinês, que se colocava em
lugar de destaque junto aos seus seguidores, por deter tal conhecimento. Em outro contexto, o
da prática terapêutica do Qì Gōng aplicada por um médico aos seus pacientes, as informações
acerca da condição de Shén, eram consideradas mais importantes do que qualquer informação
biomédica sobre o paciente, além de ser fundamental na definição do prognóstico. Neste caso,
os pacientes eram encorajados a tomar parte no processo de cuidados à saúde, pois
dominavam a linguagem usada pelo médico. Mas, não sua prática.
Essas considerações de Hsu demonstram que os sentidos de Shén variam conforme o
contexto em que é utilizado, com determinação social e cultural. Demonstram ainda, que nos
grandes centros formadores das grandes cidades, os sentidos de Shén estão cada vez mais
próximos dos sentidos de “Mente” ou “Cérebro”, conforme definição ocidental. 96
O que se viu na abordagem a Shén como “Espírito” ou como “Emoção” foi uma
constante interpenetração de sentidos, por vezes confundindo sua apreensão individual. Os
sentidos de Wǔ Shén se associam entre si, como nos casos de Hún e Shén, com as Qíng,
Emoções, como no caso de Nù, Raiva e Hún. Todos se associam, ainda, com categorias como,
Jīng, Qì e Xuè.
Todas essas associações evidenciariam, por sua vez, categorias do Pensamento Chinês
como totalidade, realidade processual e a ausência de definições e verdades, mas sim,
tendências.
Nos sentidos de Shén como “Mente” a descrição seria mais clara, não havendo
interpenetração de sentidos, o que se explica por sua aproximação ocidental de sentidos.
No próximo capítulo serão discutidos os caminhos em que se construiriam as
desarmonias envolvendo Shén.
96
Em recente visita e curso prático de Qì Gōng na China continental, um ex-aluno da autora contou que seu mestre, proibira
qualquer forma de gravação digital de suas aulas teóricas, quando frequentemente, recorria aos sentidos mais amplos e
sutis de Shén. Alegava que este tipo de conhecimento não poderia ser repassado de forma escrita nem gravada, mas
apenas por transmissão individual, na China contemporânea.
107
4.1. Biàn Zhèng 辧証, Padrões de Desarmonia, envolvendo Qì 氣, Xuè 血, Jīng 精 e Shén
108
São descritos na literatura médica chinesa como Wài Yīn 外因, Fatores Externos, Nèi
Yīn 内因, Fatores Internos e Bù Nèi Wài Yīn 不内外因, Fatores nem Internos nem Externos
ou Fatores Mistos.
Wài Yīn, Fatores Externos, são representados pelos fatores climáticos, Lìu Qì 六氣,
Seis Qì:
Fēng 風, Vento,
Hán 寒, Frio,
Rè 热, Calor,
Shī 濕, Umidade,
Zào 璪, Secura,
Shǔ 署, Calor do Verão.
Nèi Yīn 内因, Fatores Internos, são representados pelas Qíng 情, Emoções:
Xǐ Lè 喜樂, Alegria,
Nù 怒, Raiva,
Bēi 悲,Tristeza,
Sī 息, Pensamento,
Kǒng 恐, Medo.
Bù Nèi Wài Yīn 不内外因, Fatores nem Internos nem Externos ou Fatores Mistos, são
relacionados à herança constitucional, ao estilo de vida, aos hábitos alimentares, à intensidade
de trabalho, à intensidade de atividade física, à vida sexual, aos traumas, aos parasitas entre
outros.
Deve ser destacado que a lógica de causa e efeito não é própria do Pensamento Chinês,
109
que vê a realidade sempre sob a forma de processos em transformação, dentro deles focaliza
fenômenos onde busca compreender o potencial gerador de determinados efeitos, que, por sua
vez, poderiam interferir no curso das coisas e na configuração da situação a ser analisada.
Portanto, é importante frisar que no Pensamento Chinês, os diferentes fatores
apresentados não devem ser encarados como estímulos isolados gerando reações específicas.
Ao contrário, deve-se pensar de maneira processual, considerando que a resposta orgânica não
seria consequente a um único fator etiológico, mas, sim à dinâmica resultante da presença e
combinação deles. Assim, num quadro orgânico debilitado, por uma dieta inadequada, a
pessoa se tornaria mais suscetível à invasão de fatores externos.
Deve ser destacado, também, que a magnitude de cada fator e sua capacidade de
agressão dependeria da dinâmica vital de cada pessoa. No discurso da Medicina Chinesa, a
exposição Wài Yīn, Fatores Externos, torna-se fonte de agressão quando as defesas corporais
não são suficientemente eficazes para combatê-lo. Assim, diferentes indivíduos expostos ao
mesmo fator reagiriam de diferentes maneiras em função de suas características especificas.
Portanto, a dinâmica de adoecimento seria vista como um processo individual, onde a
partir de um estímulo, seja ele um fator climático ou fator alimentar ou emocional, uma série
de reações seriam desencadeadas, associando-se umas com as outras, gerando, ou não, uma
desarmonia ao final.
Referências diretas a Wài Yīn, Fatores Externos, influenciando Shén não são
facilmente encontradas na literatura. Fēng, Vento, e Rè, Calor, são entidades mais comumente
mencionadas. Referências à Zào, Secura, Hán, Frio, e Shī, Umidade, são encontradas apenas
indiretamente. Há, por exemplo, referências sobre os males causados pela falta de harmonia
com o meio ambiente, através da exposição inadequada a fatores climáticos ou ao
comportamento inadequado durante as diferentes estações do ano, o que levaria a
perturbações no corpo, na “Mente” e no “Espírito”.97
97
Unschuld (1985). Como consta no Comprehensive Treatise on the Regulation of the Spirit in Accordance with the Four
Seasons (Tzu-ch’i t’iao-Shén ta-lun), incluído no Huáng Dì Nèi Jīng Sù Wèn, compilado do século II AC ao século VIII
DC por Wang Bing e outros autores desconhecidos. Unscuhld faz referência ainda à interferência de Fatores Patogênicos
Externos às Qìng, Emoções, como encontrado no Symptomatology of Ascending Influences (Shang-ch’i hou), no Chu-ping
110
Yuan Hou Lun, escrito no início do século XVII, por Ch’ao Yuan-fang. Unschuld utiliza a romanização Wade Giles e não
Pin Yin.
98
Yì 悥 traduzido pelo autor como “Propósito” diz respeito ao aspecto de Shén em Pì 脾, Baço.
99
Rossi, 2007 apresenta os textos: Jingyue Quanshu (The Complet works of Jingyue), de Zhang Jiebin, 1640 e Lingzhen
Zhinan Yian (Guiding Cases in Clinic), de Ye Tianshi, 1766.
111
desarmonias de Qì e dos Zàng Fǔ. Neste caso, Rè, Calor, seria fator mais frequentemente
associado a Shén. Tal fato se deve, provavelmente, à sua relação com a fase Huǒ 火, Fogo, e
deste com Xīn 心 , Coração, e com Shén, dentro da perspectiva da “Medicina das
Correspondências Sistemáticas”, conforme nomenclatura de Unschuld.
No Sù Wèn, capítulos 26, 27 e 54, há uma longa descrição da interferência dos Wài
Yīn, Fatores Externos, sobre a circulação de Qì e Xuè e, consequentemente, desta sobre Shén,
relacionadas aos ciclos naturais, como fases da lua, movimento das marés, ciclos do dia e
noite, estações, alterações de temperatura, frio, calor que acontecem no planeta (Rossi, 2004).
4.1.1.2. Bù Nèi Wài Yīn 不内外因, Fatores nem Internos nem Externos
Rossi (2007) entende que as emoções seriam elas mesmas os próprios movimentos
internos de Qì na pessoa e, apoiando-se no Sù Wèn, capítulo 54, afirma que o fluxo de Qì
100
As descrições do Sù Wèn citadas foram traduzidas e comentadas por Unschuld 2003.
113
seria, dentro de cada pessoa, responsável pela resposta espontânea, chamado de Yīng 应, aos
estímulos externos, algo que aconteceria antes mesmo do pensamento ser evocado e que esta
resposta espontânea faria referência às emoções. A autora afirma, ainda, que uma resposta
emocional inadequada aos estímulos, seja excessiva ou deficiente, seria o campo para
instalação de doenças.
Há que se questionar se a autora poderia estar se referindo a Zhì 志, como aspecto de
Shén e responsável pelo impulso vital para a liberação das emoções a partir dos Zàng Fǔ.
Afinal a descrição parece bastante semelhante.
Pensar em emoção associada ao próprio fluxo de Qì abre uma perspectiva valiosa de
qualificação de Shén nos processos vitais, já que emoção é um dos sentidos por ele
assumidos. Se assim for, Shén se mostraria como categoria fundamental para a manutenção da
vitalidade e contra o desenvolvimento de doenças. A esse respeito Larre & Vallée (1996)
afirmam que:
101
No original: “ The most important thing to emphasize in the emotions is the circulation of qi, because when
you have an emotion, as a result you have a distortion in the good circulation of qi. The second point is that if
you are in such a state that, due to other causes, you have these movements of qi and blood, little by little you
feel the emotions. It is your feelings responding to the actual state of your organism. Psychological causes of
disease can lead to somatic effects and somatic diseases can lead to psychological effects. In Chinese medicine
this is all explained by the movement of qi.Tradução da autora.
114
102
O autor chama de “preocupação ou melancolia” a emoção Sī, ligada a Pì, Baço.
115
“Depressão de Qì”, tem sido utilizado por alguns autores ocidentais para atribuir o caráter
desta disfunção no fluxo de Qì nos processos corporais e mentais (Rossi, 2007). Nesta tese,
será adotada a nomenclatura de Zhì Qì, Estagnação de Qì.
O padrão Zhì Qì, Estagnação de Qì, na Medicina Chinesa, é o fator desencadeante de
outros: acúmulo de Rè, Calor, gerando Huǒ, Fogo; formação Tán Yǐn, Fleuma e Xuè Yū,
Estase de Xuè.
Zhì Qì, Estagnação de Qì, poderia, ainda, ser consequente a um padrão de Qì Xū,
Deficiência de Qì, uma vez que seria o próprio Qì quem deveria estimular o movimento de
Qì.103
Haveria outras origens dos quadros Rè, Calor, que poderiam atingir Shén descritas por
Rossi (2007), baseado na leitura de textos chineses escritos entre 1120 e 1640. De maneira
geral, todos falam de quadros Rè, Calor, gerados a partir de emoções excessivas com
consequente acometimento de Shén de diferentes maneiras:
2. Através da ascensão de Rè, Calor, por uma debilidade na fase Tǔ 土, Terra, devido a Pí 脾,
Baço e Wèi 胃,Estômago, não conseguiriam conter o Rè, Calor, por sua vez, proveniente do
Yīn Xū 陽虛,Vazio de Yīn, que se tornaria agressivo sob a forma de Yīn Huǒ 陽火, Fogo Yīn
.105
103
Há referência à Síndrome Yù Zhèng 郁証 elaborada na Dinastia Yuan (1260-1368) que aborda uma variedade de casos
clínicos provenientes dos padrões Estagnação de Qì, Estase de Xuè, Acúmulo de Fleuma, todos consequentes à
depressão do fluxo de Qì (Rossi, 2007).
104
Idéia descrita pelos médicos Líu Wán Sù (1120-1200) no texto Su Wen Xuanji Yuanbingshi (An Examination of the
circumstances that give origen to illnesses of the mysterious mechanism of the Su Wen) e por Zhu Danxi no texto Gezhi
Yulun (Extra Tract Based on the Investigation of Things de 1347), tradução de Rossi, 2007, p. 85 e 88.
105
Idéia do padrão Fogo Yīn descrito por Li Dongyuan no texto Pi Wei Lun (Tractate on Spleen and Stomach), de 1249,
Tradução de Rossi, 2007, p. 87. A autora não desenvolve a idéia de Yuán Qì associada à fase terra.
Sabemos que esta categoria é entendida como a primeira manifestação de Qì a partir do surgimento do universo na
Cosmologia. No corpo, estaria relacionado ao Shèn, rim.
106
Idéia descrita por Zhang Jiebin no texto Jingyue Quanshu de 1640 (Complete Works of Jingyue), tradução de Rossi,
2007, p. 90.
117
Maciocia (2009) afirma que uma das fontes de Rè, Calor, no caso de problemas
emocionais poderia ter origem em Míng Mén 命門, que perderia sua capacidade fisiológica
de fornecer calor para o corpo e para Shén e passaria à agressão, numa alusão a disfunção
entre as fases Huǒ, Fogo e Shuǐ, Água.
O que se observa em todas estas descrições é que a fisiopatologia associada a Shén
envolveria alteração da emoção e surgimento de calor interferindo em Shén. A expressão
clínica consequente ao calor interferindo em Shén cursa com sinais e sintomas com
características de calor, como agitação física e inquietação mental. Rossi (2009) cita algumas
possíveis síndromes associadas:
-Fán Zào 煩躁. Fán 煩 expressando agitação mental com impaciência e irritação e Zào 躁
agitação física, como pernas inquietas, dificuldade de a pessoa ficar parada.
- Shǐ Mián 矢眠, Insônia 107.
-Doenças psiquiátricas como a esquizofrenia (Diān Kuáng 癲狂).
Os padrões originários do processo fisiopatológico consequente à ação das emoções
são sumarizados na figura abaixo. As manifestações clínicas referentes à cada padrão serão
abordas abaixo, porém alerta-se que serão descritas apenas as manifestações associadas a
Shén em cada padrão, por entender serem as demais manifestações amplamente divulgadas
em diferentes livros textos de acupuntura.
107
Ou: Bù Mián 不眠, Bú Méi 不媒 ou Bù Dé Wò 不得卧 (Idem, 2007, p. 104)
118
- Xīn QìZhì 心氣滞, Estagnação do Qì em Xīn, Coração, e Fèi Zhì Qì 肺滞氣 Estagnação de
Qì em Fèi, Pulmão:
Os sintomas seriam tristeza, depressão, tendência a chorar. A atuação sobre Pò 魄 ,
aspecto de Shén em Fèi, levaria a uma intensa sensibilidade a influências emocionais
externas.
9. Fēng 風, Vento:
120
- “Mente Obstruída” corresponderia a uma limitação do fluxo de Qì, como Zhì Qì, Estagnação
de Qì, que considera como mais frequente, Xuè Yū, Estase de Xuè ou Tán Yǐn , Fleuma, que
considera o mais grave. Em casos raros, poderia ser ocasionada por Rè, Calor, nos casos de
doenças febris. Segundo ele, a estagnação do fluxo de Qì limitaria os movimentos de Shén.
Maciocia afirma que, nestes casos, aconteceria uma “obstrução dos orifícios da Mente”,
embora não explique como isso aconteceria, nem, tampouco o que significaria,111 mas, se
caracterizaria por pensamento confuso e lento, esquecimento de palavras, memória fraca,
dificuldade de concentração, zumbidos, incapacidade de discernimento das situações de vida,
comportamento alterado. Ocorreria em diferentes graus de intensidade, podendo apresentar-se
como discreta alteração de comportamento ou, até, doenças mentais graves.
109
Este padrão foi introduzido por Li Dong Yuan em seu livro Discussions of Stomach and Spleen (Pi Wei Lun, 1246),
conforme já mencionado anteriormente neste capítulo.
110
Maciocia, 2009, p. 196. No original: Mind Obstructed, Mind Unsettled e Mind Weakened. Tradução da autora.
111
Este assunto será novamente abordado no capítulo V, ao descrever a rede Xīn Báo Luò 心包絡.
121
Huǒ, Fogo,
-“Mente Fraca” corresponderia a uma grande Qì Xū, Deficiência de Qì, Xuè Xū, Deficiência
de Xuè e Yīn Xū, Deficiência de Yīn. Poderia ser consequente a uma doença grave ou sérios
problemas emocionais. Caracterizar-se-ia por exaustão física e mental, depressão, falta de
vontade e iniciativa, insônia, ansiedade, memória fraca, falta de vontade de falar, pessimismo.
Há que se ter um olhar cuidadoso ao estudar a classificação de Maciocia. O que se vê
é uma série de sinais e sintomas semelhantes ocasionados por padrões que se repetem, de tal
modo, que dificultaria bastante a precisão diagnóstica. Talvez a maior contribuição dada pelo
autor tenha sido o estudo dos padrões os sindrômicos e a dinâmica fisiopatológica direcionada
a Shén. No entanto, por aproximar-se muito de uma maneira ocidental de pensar, imprime
uma lógica de causa e efeito que se distancia sobremaneira do Pensamento Chinês e da forma
como Shén vem sendo entendido até o momento nesta tese.
Estas síndromes clínicas são descritas a partir de diferentes capítulos do texto clássico
Jīn Kuì Yào Lüè 金 匱 要 略 , 220 AC, e são utilizadas até hoje na diagnose. Estudos
contemporâneos costumam, referir-se a elas na abordagem às doenças psicológicas e
122
psiquiátricas. 112
Zàng Zào 臟 躁
Pode ser traduzida como “Agitação nos Órgãos” (Maciocia, 2009; Rossi, 2007).
Considerado comum entre mulheres se caracterizaria pelo prazer em sentir-se triste e chorar,
agir como se estivesse “possuída” e bocejar com frequência, além de desejar se esticar. A
origem desta síndrome estaria associada ao quadro de Yīn Xū, Deficiência de Yīn,
consequente a Xuè Xū , Deficiência de Xuè, que, por sua vez, poderia ser originada no útero
(Zǐ Zàng 子 臟 ). Estes padrões atingiriam Xīn, Coração, afetando Shén, provocando os
sintomas de prazer na tristeza e no choro. Há referências, também, a um possível
acometimento de Shèn 腎, Rim, e Zhì 志, aspecto de Shén 神 neste Zàng. Os bocejos e o
desejo de se esticar estariam relacionados com a tentativa de Shèn, Rim, levar Qì para baixo,
para suprir uma deficiência. Rossi (2007) acrescenta que os sintomas expressariam um
acometimento de Shén, mostrando uma espécie de dissociação entre o que corpo sente e o que
Shén interpretaria a seu respeito, como uma sensação gratificante em sofrer, daí a sensação da
mulher de estar possuída. É usada na Medicina Chinesa Contemporânea para explicar os
casos de histeria e ansiedade.
Esta síndrome costuma ser traduzido como “Qì do Porquinho que Corre”, passando a
idéia de algo que corre e não é possível controlar. 113 É usado em diferentes textos para
expressar o movimento interno de Qì comum a diferentes doenças. O Nán Jīng, O Clássico
das Dificuldades, descreve: “Surge no baixo ventre e investe para cima em direção a garganta.
Quando ela se desenvolve a pessoa deseja morrer, mas ela pode também voltar para baixo e
parar. Contrai-se essa doença por causa do terror ou medo” (Unschuld, 2003, p. 315).
É considerada comum nas mulheres. Envolveria Shèn, Rim e também em Gān,
Fígado, ou, ainda, poderia relacionar-se com tratamento médico incorreto. Há, ainda,
referências à participação do Canal Extraordinário Chōng Mài 衝 脈 no processo
fisiopatológico, possivelmente através de seu trajeto de abdome inferior até o tórax (Maciocia,
112
Divergência na tradução do título do texto clássico: Prescriptions of the Golden Chamber’s (Rossi,2007, p.141);
Essencial Prescriptions of the Golden Chest. (Maciocia 2009, p.11).
113
No original: “Qì of the running puglet”. Tradução da autora.
123
2009). Mas a descrição que mais se aproxima de Shén é aquela extraída de Rossi (2007):
Bentun [...] começa a partir do terror, medo, angústia, preocupação [...] Terror e medo
prejudicam o Shén, o coração guarda o Shén, angústia e preocupação prejudicam zhi, o rim
guarda zhi. Se Shén e zhi são prejudicados, eles movem o qi com acúmulo no rim e o qi
descende e ascende e se move como um porquinho que corre de maneira desordenada [...]
(ROSSI, 2007, p. 149).114
Esta síndrome costuma ser traduzida como “Doença dos 100 Encontros ou das 100
Convergências”.115 O significado do nome tem diferentes explicações. A síndrome envolveria
muitos canais e, se todos têm uma mesma origem, no caso de doença que acometesse esta
origem, todos ficariam comprometidos. Outra explicação refere-se ao nome de um
medicamento (Bǎi Hé Bulbus Lilii) que seria utilizado no seu tratamento. A explicação que
mais se enquadra na discussão acerca de Shén diz que o nome indicaria uma síndrome clínica
com poucos sinais físicos, mas com muitas alterações de comportamento, o que a qualifica
como uma síndrome envolvendo Shén. Há descrições sobre sua origem como associada a
doenças febris.
A manifestação clínica passaria por uma alteração de comportamento, especificamente
por contraposição de comportamentos e atitudes, como um desejo de querer deitar-se, mas
não conseguir, querer comer, mas não ter fome, querer andar, mas não conseguir. Além disso,
os medicamentos usados levariam a vômito e diarréia, tendo que ser suspensos.
Há referências quanto ao seu surgimento em associação aos quadros de Fèi Xū,
Deficiência em Féi, Pulmão Pì Xū, Deficiência em Baço, e os quadros emocionais a eles
associados, como ressalta Rossi (2007):
Em pessoas que pensam muito sem pausa, se as emoções qingzhi não são assistidas ou se
surgem o terror ou outras circunstâncias inesperadas, então o corpo e Shén, ambos adoecem
e a pessoa pode ter sintomas desse tipo (ROSSI, 2007, p. 153).116
114
De Chao Yauan Fang, Zhu Bing Yuan Huo Lun (Treatise on the origin and synptoms of illness, 610) section Qi Bing Zhu
Hou (All the symptoms of the illness of the qi), chapter ‘Bentur Qi Hou’. “ Bentun […] starts from fright, fear
anguish, worry […] Fright and fear injure the Shén, the heart stores the Shén, anguish and worry injure the zhi, the kidney
stores the zhi. If Shén and zhi are injured they move qi with accumulation in the kidney and the qi goes down and up and
moves like a running piglet which runs in a disorderly fashion […]”. Tradução da autora.
115
Rossi (2007, p.151) afirma: “Bai means ‘one hundred’, He means ‘reunion, meeting’, Bing signifies
‘illness'.Tradução da autora. Maciocia (2009, p.10) chama de Lilium Syndrome.
124
É importante lembrar que a síndrome deve ser vista como temporária e não como um
perfil de personalidade, portanto, poderia ser revertida ao corrigir seus condicionantes.
Méi Hé Qí 梅核氣
Esta síndrome costuma ser traduzida como Qì do “Caroço de Ameixa”. 117 Manifestar-
se-ia com a sensação de algo preso na garganta. Tende a ser entendido como problema
característico das mulheres. Sua origem estaria relacionada com repressão de emoções. O
principal padrão relacionado é o de Zhì Qì, Estagnação de Qì gerando Tán Yǐn, Fleuma.
É bastante comum a referência às mulheres em cada uma dessas síndromes clássicas, o
que desperta a curiosidade acerca da existência de peculiaridades nos sentidos de Shén
quando referidos às mulheres. Nelas, sobressair-se-iam características de natureza Yīn,
quando comparadas aos homens, principalmente nos aspectos de personalidade, forma física,
movimentos internos de Qì e Xuè, dentre outras. Talvez esteja nestas últimas a explicação
para tantas referências ao feminino quando se fala de síndromes clássicas associadas a Shén.
Foi visto, a importância devotada a Xuè como aquele que carrega as influências de
Xīn, Coração e, consequentemente de Shén. A esse respeito, Vallée (2007, p.8) afirma: “a
presença do sangue significa a presença do espírito e a expressão da consciência, percepção e
conhecimento. É através de nosso sangue e de nosso Qì que nós somos responsáveis por
nossas próprias vidas [...].”
Como a fisiologia feminina seria marcada pela presença de Xuè, através dos ciclos
menstruais, da fertilidade e da capacidade de ter gestações, e, como Xuè mostra-se como
expressão de Shén, imagina-se que estudar questões próprias do feminino, seja da ordem do
fisiológico ou do psicológico, poderia ser um bom campo para aprofundar mais o
conhecimento de Shén. O que, por sua abrangência não caberia nesta tese, mas poderia
acontecer em estudo futuro. Por hora, fica demarcada a possível relevância de gênero para
conhecer Shén.
O que se viu ao estudar as desarmonias envolvendo Shén é que a categoria chave
desse processo seria Qì. Alteração do seu fluxo, especialmente pelo padrão Zhì Qì 滞 氣 ,
Estagnação de Qì, deflagraria toda a cascata fisiopatológica. Shén seria afetado pelos quadros
116
Extraído por Rossi, 2007, de Zhang Luzhuan, Zhangshi Yitong (General Medicine according to Master Zhang, 1695).
No original: “In people who think a lot without pause, if the emotions qingzhi are not seconded or if fright or unexpected
circumstances arise, then the body and the shen both fall ill and one can have symptoms of this type.”
117
Rossi (2007, p.154) chama de “Plum Stone Qì”. Maciocia (2009, p. 11) chama de “Plum Stone Syndrome”. Tradução da
autora.
125
conexões desses sistemas internos com o exterior, com o clima, com as estações e muito mais.
O corpo vivo é a expressão de um movimento constante de suas diversas partes entre si e
delas com o meio externo. O que faria este movimento e esta interação seria Qì 氣 , a
expressão de tudo aquilo que é vivo.
Nesse sentido, Vallée (2009) afirma que seria sempre necessário avaliar o fluxo de Qì,
entendendo sua atividade e interatividade dentro de contextos específicos para proceder a
Diagnose adequada. Diagnosticar seria avaliar os movimentos de Qì.
Este capítulo irá investigar os sentidos de Shén 神 na dimensão Diagnose da
Racionalidade Médica Chinesa. A análise será feita analisando de que maneira esta categoria
poderia ser encontrada nas diferentes etapas da técnica diagnóstica, Observação,
Interrogatório e Palpação, diretamente ou através de outras categorias pelas quais pudesse se
expressar. Como foi amplamente demonstrado até agora, Shén estaria em ressonância com
várias outras categorias do pensamento médico chinês e, especialmente com Qì. Se
diagnosticar seria avaliar os movimentos de Qì, a partir dessa ressonância, se poderia dizer
que diagnosticar seria avaliar os movimentos de Qì e Shén.
Será analisado, ainda, como a chamada “Acupuntura dos Cinco Elementos”, método
criado por Worsley, baseando-se em textos clássicos chineses como Huáng Dì Nèi Jīng Sù
Wèn 黄帝內經素問, Huáng Dì Nèi Jīng Líng Shū 黄帝內經靈樞 e Nàn Jīng 難經, abordaria
a teoria Zàng Fǔ, valorizando sentidos sutis e estabelecendo, portanto, uma estreita relação
com Shén.
Alguém que olha a cor da face [de uma pessoa] e sabe sua doença, pode ser chamado de
iluminado. Alguém que palpa os vasos [de uma pessoa] e sabe sua doença, pode ser chamado
de espíritos. Alguém que pergunta [ao paciente] sobre sua doença e então sabe sua
localização, pode ser chamado de artesão.118
“Os olhos representam o princípio vital dos cinco órgãos e das seis entranhas.
O princípio vital ativado pelas energias dos cinco órgãos e das seis entranhas eleva-se
reunido e se une nos olhos, é o que chamam de Jīng. A nidação de Jīng é o olho.
No céu há o sol e a lua, já o homem tem seus dois olhos.
A cabeça é o palácio do Jīng Míng.” (EYSSALET, 2003, p.108-112)
128
“Lustro” equivaleria ao reflexo de Shén na cútis, nos cabelos e nos olhos, dando brilho
e vigor.
A normalidade destes parâmetros teria como significado clínico o bom funcionamento
dos Zàng Fǔ, de Qì , Xuè 血, Jīng, Yīn 陰 e Yáng 陽, elementos importantes no vitalismo.
Shén “forte”, segundo Maciocia, expressaria boa corporificação, vitalidade e lustro e
daria um bom prognóstico no caso de doenças.
Shén “fraco”, ao contrário, teria estes parâmetros comprometidos, possivelmente
significando danos à vitalidade corporal, tendência a desequilíbrios físicos e emocionais e, no
caso de doença, prognóstico ruim.
Shén “falso” surgiria ao longo do curso de uma doença crônica e grave, quando o
paciente, subitamente, pareceria alegre e revitalizado, sem que tivesse passado por um período
gradativo de restabelecimento, retomando seu apetite, fala, desejando ver os familiares. Isso
seria um péssimo prognóstico, sinal de morte iminente.
As considerações de Maciocia aproximam-se das categorias Jīng Míng e Shén Míng,
presentes nos textos clássicos chineses discutidos acima, responsáveis pelas características de
vitalidade citadas.
Haveria diversas nuances de cor, textura e outros parâmetros nos olhos e na face,
associadas às desarmonias internas, como pode ser facilmente encontrado em textos de
semiologia médica chinesa.120 Serão discutidos, a seguir, os aspectos relevantes da avaliação
dos olhos e da face diretamente ligados à Shén.
5.1.1. Mù 目, Olhos
“Os olhos são os embaixadores do Coração. O Coração é o abrigo do espírito Individual” 121
120
Para uma descrição detalhada da diagnose de olhos e face, inclusive com detalhamento de micro sistemas ver Maciocia,
2005, parte 1, capítulos 3, 4 e 5.
121
Eyssalet, 2003, p. 111, citando Líng Shú, cap. 80. No original: Mù Zhě Xīn Shi Yě 目者心使也 Xīn Zhě Shén Zhī She
Yě 心者柛之舍也 .
130
sabe, teria estreito vínculo com Shén.122 Os Jīng Luò, Canais, por sua vez, veiculariam Qì,
Xuè, Jīng, categorias intrinsecamente ressonantes com as Qíng, Emoções.
Citando o Líng Shú, capítulo 17, Larre & Vallée (1997) afirmam:
Os olhos são o ponto de encontro para as essências, mas também o ponto de encontro para
todos os meridianos yang e também a morada e recepção para a expressão dos espíritos,
sendo os olhos mensageiros e expressão da profundidade de Coração. A referência aos
espíritos e aos olhos não é somente um símbolo, mas também o lugar real para esta função.
Todos os ritmos do Qi nutritivo e defensivo são ligados a esta área e ao cérebro, ao
funcionamento do Du Mai [canal extraordinário], ao meridiano da Bexiga e etc. É por isso
que é também dado [aos olhos] o nome de Portão da Vida (Ming Men 命門), a manifestação
visível de como se é capaz de lidar com a própria vitalidade, a conjunção do yin e do yang
em cada um desses níveis, e a expressão do próprio espírito (LARRE & VALLÉE, 1997, p.
187).123
A citação, portanto, não deixa dúvidas quanto ao fato de os olhos expressarem tanto
Jīng, quanto Shén. A relação dos olhos com o cérebro124 também seria importante, dada a sua
localização de proximidade anatômica e ao fato de ser o cérebro entendido como “mar das
medulas”, numa referência a um pleno “preenchimento” de Jīng.
Na semiologia clínica, buscar-se-ia avaliar a coloração dos olhos e das pálpebras,
presença de manchas, posicionamento do globo ocular, se afundado ou protraído, presença de
intumescimento ou secreções e lacrimejamento. Avaliar-se-ia, ainda, a condição do brilho,
vitalidade do olhar e os movimentos dos olhos, todos diretamente relacionados a problemas
emocionais acometendo Shén, conforme a tabela abaixo.
Vergonha Olhos embaçados e sem controle de movimentos, ao ponto de não conseguir olhar
os outros enquanto fala
122
Ver apêndice 1 sobre os Jīng Luò 經絡, Canais, que se relacionam com os olhos.
123
No original: “The eyes are the meeting point for essences, but also the meeting point for all yang meridians
and also the dwelling place and the reception for the expression of the spirits, the eyes being the messenger and
expression of the depths of the heart. The reference to the spirit and the eyes is not only a symbol but also a
real and actual place for this function. All the rhythms of nutritive and defensive qi are linked to this area to the
brain, the functioning of du mai and the bladder meridian and so on. That is why this is also given the name of
The Gate of Life (Ming Men 命門), the visible manifestation of how you are able to manage your vitality, the
conjunction of the yin and yang at each level, and the expression of your spirits.” Tradução da autora.
124
Nǎo 腦, Cérebro.
131
cérebro, Qí dos canais Yàng que ascenderiam até está região provenientes dos Zàng Fǔ, tudo
se passando com a presença de Shén (Larre & Vallée, 1997). Do ponto de vista da Diagnose,
esta informação é importante, pois não é raro encontrar na prática diária da Medicina Chinesa,
pessoas com vermelhidão, prurido ou edema nesta região, o que poderia expressar uma
importante alteração fisiopatológica na ressonância entre Jīng, Qì e Shén.
Destaca, ainda, que mesmo que a coloração da face estivesse alterada, “seu Shén”
poderia estar presente, o que favoreceria positivamente o prognóstico. Assim, fica claro que
os parâmetros de avaliação do Shén da face, não seriam, necessariamente, físicos. Maciocia
não explica o que entende por “para fora” e “para dentro”. Pode-se sugerir tratar-se de uma
relação Yáng 陽(fora), Yīn 陽(dentro). Por extensão uma relação Shén 神 Jīng 精. A face
considerada normal deveria ter lustro que a deixasse ligeiramente brilhosa, clara e luminosa,
com coloração variável dependendo da etnia, mas, também, ligeiramente avermelhada e com
um grau de hidratação que a deixasse firme.
O “Shén da face” parece ser uma informação bastante relevante na Diagnose, mas
também bastante difícil de ser apreendida de maneira objetiva. Parâmetros como cor, brilho e
umidade ajudariam, mas não explicariam como avaliar. A sensibilidade do terapeuta e sua
126
Maciocia, 2009, p. 171, citando Yu Chang em ‘Princípios da Prática Médica’ de 1658.
127
Será usado o termo “face” na referência a Miàn Sè 面色.
133
Uma língua viçosa e úmida indica um bom suprimento de fluidos corporais. Uma língua seca
e murcha indica o esgotamento dos fluidos corporais. O viço é chamado ‘ter espíritos’ e
indica brilho, cor clara, frescura e cor vermelho clara. Todos esses atributos indicam vida; a
ausência deles indica morte. Uma língua brilhante, úmida e da cor do sangue indica vida;
uma língua escura, murcha, sem a cor do sangue indica morte (MACIOCIA, 2003, p. 43).
134
Outras características na língua relacionadas com Shén são descritas por Maciocia
(2009):
-Ponta vermelha: Indicaria problemas emocionais em qualquer Zàng Fǔ, normalmente
problemas crônicos.
-Rachadura central rasa estendendo-se por toda a língua até a ponta, podendo ou não,
apresentar a ponta bífeda: Indicaria problemas emocionais ou tendência constitucional a
problemas emocionais. Se esta característica de rachadura se combina com uma área mais
profunda no centro indicaria maior gravidade e grande stress emocional;
-Coloração avermelhada nas laterais: Indicaria raiva e frustração afetando Gān, Fígado e Xīn,
Coração.
Todos estes parâmetros seriam mais graves se combinados com alteração da coloração
do corpo da língua e de intensidade, hidratação e coloração da saburra.
Fǔ, em suas, supostas diferentes posições sobre a artéria, de Yīn e Yáng e, ainda, o
prognóstico do caso.128
Foram discutidas, no capítulo II as ressonâncias entre essas categorias e Shén. Naquele
momento foi ressaltada a categoria Xuè Qì 血氣, que mais do que a condição de Qì e Xuè em
associação, representaria a condição total de Yīn/Yáng corporal, uma vez que Xuè seria
composto de todos os Jīn Yè 津液, Fluidos, Qì estaria implicado tanto na formação de Xuè,
quanto na fisiologia de todos os Zàng Fǔ. Todas essas categorias seriam evidenciadas nas Mài
Xiàng, Imagens do Pulso.
Larre & Vallée (1999), ressaltam, que o objetivo maior de toda a diagnose deveria ser
sempre a busca da condição de Xuè Qì. Interpretam da seguinte maneira o Sù Wèn, capítulo
26:
O praticante observa o corpo. Isto significa que ele observa a técnica de puntura. O
praticante superior observa os espíritos. Isso significa que ele observa o sangue e qi do
homem, tonificando e dispersando, conforme deficiência ou excesso. (...) O sangue e o qi são
os espíritos do homem (LARRE & VALLÉE, 1999, p. 121-122).
Esta seria então a correlação que interessa apreciar entre Qì, Xuè e Shén para abordar
a palpação dos pulsos. Fica evidente, na citação acima, a ressonância entre estas categorias.
Qì e Xuè mostram-se como uma forma de expressão de Shén. Assim como, de maneira
mútua, Shén, como poder ordenador que é, daria a tônica de manifestação de Xuè Qì.
Se o que é palpado nos pulsos assume o sentido de Xuè Qì, categoria em estreita
relação com Shén, então se pode inferir que, ao palpar os pulsos, se avaliaria, diretamente, a
condição de Shén.
No caso de algum acometimento de Shén, como um eventual desequilíbrio
emocional, Xuè Qì ficaria alterado. Isto é frequentemente verificado na prática da palpação
dos pulsos, quando se percebe mudanças na qualidade da palpação, frente a diferentes quadros
emocionais. Muitas vezes, durante uma consulta, ao abordar algum assunto que desencadeie
no paciente alguma emoção, seu pulso rapidamente se transforma e o terapeuta experiente
sabe que deverá tomar seu pulso várias vezes para ter um diagnóstico fiel.
Da mesma maneira, caso Xuè Qì estivesse enfraquecido, seja por comprometimento
na sua formação ou por alguma causa externa, Shén sofreria as consequências. A
interpretação de Larre & Vallée (1995, p. 4-5) do Líng Shú, capítulo 8, pode ajudar a entender
a correlação Shén / Xuè Qì: “Sangue, Xuè 血 e os trajetos de animação, Mài 脈, constituem a
rede de circulação que mantém a vida no corpo sob a direção dos espíritos (...)”.129
128
Ver Apêndice 1.
129
No original: “Blood xue 血 and the pathways of animation mai 脈 constitute the network holding the circulation that
136
manifests life in the body under the direction of the Spirits.” Tradução da autora.
137
categorias que estão implicadas na palpação dos pulsos, pelo que foi descrito até agora.
Donde se poderia concluir a relevância da palpação dos pulsos para a diagnose associada a
Qīng e, consequentemente a Shén.
Assim, pretende-se demonstrar que, para entender as implicações de Shén na palpação
dos pulsos periféricos seria mais importante conhecer toda essa dinâmica fisiológica, do que
buscar características específicas de um ou de outro Zàng Fǔ, ou qualificar com nomes
chineses um ou outro tipo de palpação de pulso. Uma coisa parece claro, Shén estaria sempre
expresso no pulso, independentemente da análise em posições específicas ou da qualificação
dada ao pulso como um todo.
Ciente disso serão feitas algumas breves considerações a respeito de algumas
especificidades da palpação dos pulsos em relação à Shén.
Maciocia (2009) afirma que o pulso da posição representativa de Xīn, Coração, é o
pulso específico mais importante no diagnóstico de problemas de ordem mental ou
emocional, pela íntima relação entre este Zàng e Shén. Segundo ele, no caso de problemas
emocionais, este pulso seria sempre percebido como mais amplo em relação aos demais.
Poderia ser o pulso Sè 澀, Áspero, no caso de emoções reprimidas, como tristeza, mágoa ou
preocupação, ou ainda, ser o pulso Xū 虛, Vazio, nos casos de tristeza e mágoa.
Assim, ainda segundo Maciocia, os tipos de pulsos mais representativos de Shén,
seriam:
- Sè 澀, Áspero: indicaria fundamentalmente tristeza.
-Xián 弦 , Corda: indicaria raiva e outras emoções relacionadas, como frustração,
ressentimento, ódio ou fúria. Poderia assumir intensidades diferentes nas diferentes posições,
indicando acometimento de outros Zàng Fǔ, além de Gān, Fígado.
-“Triste”: Este não é um dos chamados 28 pulsos qualitativos chineses. Foi descrito por um
médico chinês chamado J.H. F. Shén, mestre de Maciocia e Hammer. Possuiria características
muito semelhantes ao pulso Sè 澀, Áspero. Indicaria tristeza.
Wén 聞診, Escuta e Olfação, refere-se ao exame de ruídos e odores corporais, como os
ruídos respiratórios e odores exalados pela pele ou hálito.
Wèn Zhěn 問診, Anamnese, refere-se ao momento em que o paciente falaria sobre seu
problema, o que aconteceria tanto de uma maneira livre, como através de perguntas diretivas.
138
A anamnese seria a etapa da busca pelo sintoma.130 Neste momento, a audição seria o sentido
mais usado pelo terapeuta. É o momento, especialmente valorizado na prática da
Racionalidade Médica Chinesa no ocidente, onde o paciente expressaria seu sofrimento de
maneira singular e os vínculos terapeuta e paciente seriam estreitados.131
Este é o foco que se pretende analisar. Como se daria a interação terapeuta paciente e
que influência poderia exercer Shén, neste momento.
130
Conforme discutido na Introdução desta tese, na Racionalidade Médica Chinesa a categoria “sintoma”
é entendida como a expressão particular do sofrimento de cada pessoa.
131
Nessa etapa haveria, ainda, uma série de perguntas objetivas dirigidas ao paciente a respeito de sua dinâmica
corporal.
139
através do corpo. Mesmo ao procurar um serviço médico para tratar de problemas, por eles
considerados como de causa emocional, os expressam através do corpo. O que fez Zhang
afirmar que não há, como no ocidente, uma “psicologização” acerca das emoções e da
subjetividade, mas sim, uma “somatização”.
Citando um caso emblemático, Zhang conta que uma senhora havia sido internada
numa unidade cardiológica hospitalar de Biomedicina, com quadro de doença coronariana
durante um mês inteiro. Tão logo deixou o hospital recorreu à clínica de medicina tradicional
chinesa afirmando que de nada adiantara sua internação hospitalar, pois seus sintomas, como
aperto no peito e palpitação haviam piorado, e tinha certeza que não havia qualquer problema
nas coronárias, mas, sim, que seus problemas relacionavam-se à raiva, diagnóstico que fora
confirmado pelo médico, embora sem desvalorizar, nem desestimular a continuidade do
tratamento dado pela Biomedicina.
É interessante perceber que diferentemente do modelo ocidental de atendimento, não é
o médico que precisa trazer à tona a subjetividade como argumento para explicar as doenças,
ao contrário, em muitos casos, é o paciente quem faz esta correlação e espera que o médico
use seu conhecimento para tratá-lo, não com palavras, mas com ervas, agulhas e o que mais
julgar necessário.
Zhang ainda observou que os pacientes costumam permanecer durante muitos meses
em tratamento, sendo reavaliados, de tempos em tempos por diferentes médicos, fato que em
nada os incomoda, pois, embora reconheçam o valor do conhecimento médico, depositam na
medicina, e não nos médicos, a expectativa de cura de seus problemas.
Este estudo de Zhang foi realizado em clínicas de grandes centros urbanos e em
serviços de medicina chinesa representativos da chamada Medicina Chinesa Contemporânea,
que, como se sabe, renega, ou deturpa, todo e qualquer conhecimento proveniente da
Medicina Clássica Chinesa que contemple temas como Shén.132 Mesmo assim, é intrínseca ao
escopo de conhecimento da Racionalidade Médica Chinesa, a íntima associação de sentidos
entre “corpo” e “mente” como descreveu Zhang através de suas observações etnográficas.
Pelo que foi discutido até agora acerca dos sentidos de Shén, suas descrições remetem aos
seus sentidos de não dissociação com o corpo.
132
Em outro trabalho etnográfico contemporâneo, Hsu (2000) estudou o uso feito do termo de Shén em diferentes contextos
da prática médica: um serviço de formação de medicina chinesa; um médico conceituado com clientela formada por
pessoas da alta sociedade chinesa; e um mestre de Qì Gōng em área rural. Percebeu que em todos eles a
expressão do termo Shén refletia “status” de notoriedade e poder. No curso de formação eram enaltecidos os amplos
sentidos de Shén logo nas primeiras aulas, embora na prática clínica seu sentido se reduzisse ao de “cérebro”. Ao mestre
de Qì Gong era depositada a admiração da clientela por ser ele o único capaz de acessar e “tratar” Shén, reconhecido por
todos como categoria nobre; e o médico bem sucedido lhe era creditado o discurso sobre os sentidos de Shén, com certo
exotismo, o que impressionava sua clientela.
141
[...] ao tratar nobres eles me olham de cima, das culturas de suas posições distintas, e eu sou
tomado pela apreensão de que possa não agradá-los. Embora as agulhas de acupuntura
exijam a medida precisa, com eles erro com frequência. Fico sobrecarregado com um
Coração cheio de temor, limitado por uma força de vontade reduzida. Portanto, a intenção
(Yì) não está completamente presente. Considere que influência isso tem no tratamento do
distúrbio. Essa é a razão pela qual não consigo realizar a cura (HICKS, HICKS & MOLE,
2007, p. 44).
atuar sobre seu paciente e dizem que esta tensão não seria uma ansiedade, mas uma vitalidade
assertiva para a percepção do Shén do paciente, por trás de toda a diagnose.
Assim, todas estas citações clássicas demonstram o valor dado à dinâmica vital interna
do terapeuta em interação com seu paciente. O quanto seu fluxo de Qì, seu Shén, determinaria
sua possibilidade de diagnosticar e tratar
Outro aspecto a considerar seria a relevância do terapeuta ter sentido em algum
momento de sua vida, de alguma maneira, algo parecido ao que sentem seus pacientes. “Não é
bom médico aquele que nunca ficou doente”, é uma máxima que pode ser aplicada. 133 Seria
difícil o terapeuta ver em seus pacientes, situações emocionais que ele próprio bloqueia em
seu interior. E, de outra maneira, não seria razoável um terapeuta que nunca sentiu, em seu
próprio corpo, o Dé Qì 得 氣 , a sensação de acessar o fluxo de Qì quando as agulhas são
inseridas, achar que iria reconhecê-lo ao tratar de seu paciente. Por isso, para tratar do outro
seria preciso, antes de qualquer coisa, se tratar.
No entendimento da “Acupuntura dos Cinco Elementos”, que será abordada a seguir,
seria fundamental o desenvolvimento da sensibilidade do terapeuta para que ele pudesse ser
assertivo na diagnose. Como afirma Worsley:
Na prática, apesar de não sermos capazes de evitar ver o que eles [os pacientes] querem que
nós vejamos, devemos nos preocupar com o que eles não querem que nós vejamos. Assim,
vamos ver coisas que eles não têm consciência [...]. Ver com os olhos da mente é tão forte
que, as vezes, nubla nossa habilidade de ver com o espírito. Ainda que seja esse o sentido
que, acima de tudo, nos conecta com o espírito do paciente. Ver o espírito, com os olhos do
espírito nos diz quem o paciente é, e nos leva ao Coração da natureza do paciente. Não há
técnica que nós possamos aprender que nos capacite a isso [...]. Ver com o espírito significa
tocar no espírito. Esta comunicação pode vir durante o diagnóstico, só quando nós
estabelecemos uma boa relação com o paciente, quando nós o capacitamos a confiar que nós
não o estamos julgando. Eles, então, se sentem livres para ser honestos com eles mesmos,
não têm medo de permitir que os vejamos exatamente como são por trás de suas máscaras
que sempre usam. É frequentemente, nos olhos do paciente que nós vemos esta abertura e
confiança mais claramente (WORSLEY, 1990, p. 59).
Por fim, segundo a Cosmologia, Shén seria um princípio configurador, que regeria a
pessoa sob todos os seus aspectos físicos, emocionais e relacionais específicos de cada um
com o mundo. Pensando assim, Shén poderia determinar a relação terapeuta-paciente e com
isso as possíveis aquisições que pudessem advir desse encontro. Eyssalet afirma que a
dinâmica terapeuta-paciente seria uma bela estratégia do que chama de “re-orquestração Shén
a Shén”, uma oportunidade de profunda interação e evolução no caminho do cumprimento de
Tiān Mìng 天命, Mandato Celeste. Como se através do contato pessoa a pessoa se pudesse
progredir qualitativamente na existência.134
133
Hicks, Hicks & Mole, 2007, p. 45.
134
Informações colhidas pela autora através de comunicação oral, em palestra proferida por Jean Marc Eyssalet
em10/09/2009, no Rio de Janeiro.
143
É mais importante conhecer o tipo de paciente que tem a doença, do que o tipo de doença
que tem o paciente.135
Uma das linhas teóricas da Medicina Chinesa que contemplaria os sentidos de Shén 神
nas dimensões Diagnose e Terapêutica, é a chamada Acupuntura dos Cinco Elementos (ou
“Cinco Constituições da Acupuntura” ou “Acupuntura Constitucional dos Cinco Elementos”),
136
que busca correspondências de cada uma das fases do Wǔ Xíng 五行, Cinco Fases, com
padrões de constituição física, mental e emocional, formando assim os chamados “tipos
constitucionais”.
Há referências a padrões constitucionais associados a cada uma das fases Wǔ Xíng no
Líng Shú, no Sù Wèn e no Nàn Jīng. É, ainda, uma prática bastante difundida no Japão, neste
caso sendo mais comum relacionar características apenas físicas aos chamados “tipos
constitucionais” (Hicks, Hicks e Mole, 2007; Requena, 1990).
No ocidente, autores como Nguyen Van Ngui, Ives Requena e J. R. Worsley se
destacaram no campo da acupuntura baseada na teoria Wǔ Xíng, Cinco Fases. Dentre eles, o
inglês J.R. Worsley foi o autor de maior destaque no tema. Desenvolveu o método que
chamou “Five Elements Acupuncture” nas décadas de 60 e 70, época em que a teoria Wǔ
Xíng era bastante difundida no ocidente. Seu método ficou conhecido no Reino Unido,
Europa e Estados Unidos, sendo por ele ensinado e praticado no Colégio de Acupuntura
Tradicional, em Leamington, na Inglaterra e, a partir daí por muitos de seus seguidores.
135
Worsley (2 007) , frase atribuída a William Osler, MD.
136
Nesta tese será utilizada a nomenclatura Acupuntura dos Cinco Elementos, conforme descrição de Worsley, mas a
tradução “cinco fases”.
144
A Acupuntura dos Cinco Elementos (ACE) tem suas raízes no daoísmo e busca
entender e tratar a origem dos desequilíbrios integrando corpo e aspectos sutis, como emoções
e padrões de personalidade. Segundo este método, cada pessoa teria tendência a desequilíbrio
em uma das fases do ciclo Wǔ Xíng e através das diversas ressonâncias implícitas em cada
fase com todas as coisas do universo, iria se caracterizando um “tipo constitucional”, de
forma a determinar suas características físicas e de personalidade.
É preciso esclarecer que apesar da teoria criada por Worsley adaptar-se perfeitamente
aos sentidos de Shén, como categoria indissociável do corpo, o autor jamais utiliza o termo
“Shén”. Ao contrário, aborda sempre um tipo de descrição ocidental, de “corpo”, “mente” e
“espírito”.137 Entende-se, no entanto, que este talvez seja um recurso mais de natureza gráfica
do que semântica, e serve, ao contrário, para deixar evidente o quanto valoriza os aspectos
sutis da pessoa em conjunção com o corpo. Como esclarece Worsley (1990):
Se o corpo está doente, a mente se preocupa e o espírito se entristece, se a mente está doente, o
corpo e o espírito vão sofrer dessa confusão; se o espírito está doente, não haverá nenhuma
vontade de cuidar do corpo ou da mente. Como eu tenho enfatizado várias vezes,
desequilíbrios, e doenças surgindo deles, são sempre experimentados em todos os níveis
(WORSLEY, 1990, p. 185, tradução da autora).138
137
Outros termos da Dinâmica Vital da Medicina Chinesa também não são encontrados na descrição de Worsley, que
costuma usar a seguinte possível transposição de termos: “espírito”, “mente” e “corpo” são utilizados no lugar de Shén 神,
“energia” no lugar de Qì 氣 “sangue” no lugar de Xuè 血. Além disso, não toca no nome de outras categorias relevantes
na
fisiologia chinesa, como Yīn 陰 Yáng 陽, Jīng 精 ou Jīn Yě 津夜.
138
No original: “If the body is sick, the mind worries and the spirits grieve. If the mind is sick, the body ands the spirit will
suffer from its confusion; if the spirit is sick, there will be no will to care for body or mind. As I have emphasized over
and over again, imbalances, and the illness arising from them, are always experienced at all levels.” Tradução da autora.
145
A idéia básica na teoria dos Oficiais, presente na ACE, é que, como num reino, todos
têm atribuições específicas e trabalham em conjunto para o bem estar de todos. O todo
poderia ser visto como a natureza e o trabalho conjunto, como as múltiplas ressonâncias que
todos guardariam entre si e com a natureza. Por isso, o funcionamento orgânico visceral,
poderia ser a expressão do que estaria acontecendo em diversas outras esferas da pessoa em
140
A ACE não utiliza, porém a mesma nomenclatura com Wù Qíng, Cinco Emoções, mas incluem comportamentos e
sentimentos outros.
147
interação com o mundo, com suas emoções e subjetividades. O exemplo a seguir pode
facilitar esse entendimento.
A fase Mú 木 , Madeira, seria responsável pelo planejamento, que, na natureza se
relacionaria com a estação do ano primavera, época de transição para que o solo se prepare e
ofereça o que será amadurecido e colhido, uma espécie de planejamento na natureza. No
“corpo”, o Oficial responsável pelo planejamento seria Gān, Fígado. No seu aspecto corporal,
este Oficial atuaria como aquele que recebe as substâncias provenientes do processo digestivo
e as encaminha para executar diferentes funções. Seria, também, este Oficial que determinaria
outros planejamentos corporais como a cascata hormonal, os ciclos menstruais ou o processo
de coagulação sanguínea. No nível da “mente” e do “espírito”, esta capacidade de
planejamento seria demonstrada na clareza de idéias, nos projetos de vida e sua concretização.
A diagnose se daria pela observação de como características de cada Oficial, em
ressonância com a fase Wǔ Xíng, estaria se apresentando em cada instância da pessoa,
representadas pelos níveis do “corpo”, da “mente” e dos “espíritos”.
A organização dos Oficiais, assim como no reino, possuiria atribuições específicas e
seria classificada hierarquicamente. Embora os autores da ACE não abordem dessa maneira,
vê-se, por exemplo, que o Oficial Xīn, Coração, seria o soberano e suas atribuições seriam
muito mais numerosas e valorizadas do que as de Dà Cháng 大 腸 ,Intestino Grosso, por
exemplo. Que fique claro, no entanto, que não se quer com isso, desqualificar Dà Chang.
Mas, na própria descrição que será feita a seguir pode-se ver que são reservadas fartas
referências a alguns, enquanto a outros Oficiais são feitas pequenas descrições. A soberania
de Xīn, Coração, certamente está calcada em sua relação estreita com Shén, este superior na
“hierarquia fisiológica”, como vem sendo demonstrado.
A seguir serão analisadas as fases Wǔ Xing e seus respectivos Oficiais, priorizando-se
a descrição dos aspectos relativos à Shén em cada uma delas. Neste sentido, serão utilizadas
outras referências pertinentes, além da referência de Worsley e seus seguidores, especialmente
as que se referem aos textos clássicos chineses, fonte de conhecimento da ACE. Neste caso,
serão usadas leituras e interpretações de diferentes capítulos do Líng Shú, Sù Wèn e Nán Jīng,
traduzidos e interpretados por Larre & Vallée. Deve-se alertar, ainda, que não serão
destacados os aspectos relativos às formas corporais ressonantes a cada fase Wǔ Xíng.
Entende-se que, especificamente a este respeito, há disponível grande número de referências a
serem consultadas.141
141
Como Requena, Y. Acupuntura e Psicologia, São Paulo, Andrei, 1974; Maciocia, G. Os Fundamentos da Medicina
Chinesa. Um Texto Abrangente Para Acupunturistas e Fitoterapeutas, São Paulo: ROCA, 1996; Ross, J. Acupuncture
148
5.2.1.1. Huǒ 火, Fogo: Xīn 心, Coração, Xīn Bāo 心胞, Protetor do Coração,
Xīn Zhǔ 心主, Mestre do Coração, Xīn Bāo Luò 心胞絡, Tán Zhōng 壇中, Xiǎo Cháng 小
肠, Intestino Delgado e Sān Jiāo 三焦 , Triplo Aquecedor
Pelo grande número de Oficiais ligados a esta fase Wǔ Xing, já daria para perceber
sua relevância no processo corporal. A ACE descreve detalhadamente sinais e sintomas dos
quatro Oficiais associados à fase Huǒ, embora esta forma de descrição não seja comum nos
textos chineses. Neles, Xīn Bāo 心 胞 , Protetor do Coração, Xīn Zhǔ 心 主 , Mestre do
Coração, Xīn Bāo Luò 心胞絡 e Tán Zhōng 壇中 não costumam ser estudados em separado.
Sān Jiāo 三 焦 , Triplo Aquecedor é outro Oficial pouco presente em textos chineses
convencionais. Esta ausência de descrições poderia ser explicada pela originalidade destas
categorias, em comparação com a fisiologia ocidental. Espera-se que a descrição a seguir
possa esclarecer esse assunto.
É uma fase estreitamente relacionada, no contexto da Medicina Chinesa, com Shén,
por isso, ocupará a mais longa descrição dos Oficiais.
Huǒ 火 , Fogo, seria representado por chamas que se expandem. A idéia básica
associada a esta fase seria, portanto, a expansão. Suas ressonâncias demonstram esta idéia de
expansão, representadas pelo calor, pelo verão, pela risada, pelo odor de queimado que se
espalha, pelo sabor amargo, pela alegria, pelo sangue e pelos vasos sanguíneos que, assim
como a natureza do fogo, se expandem e alcançam todo o corpo.
Huǒ, através do oficial Xin 心, Coração, seria associado ao monarca que, como o sol,
tudo alcança em seu reino. No corpo, Huǒ proveria o calor necessário à sobrevivência,
contribuindo para que Qì se distribua. Daria vivacidade à “mente”, clareando pensamentos e
memória, facilitando a comunicação (Worsley, 1998).
Xīn, Coração, seria o principal Oficial desta fase. Teria como acoplado Xiǎo Cháng
小肠, Intestino Delgado. Pertenceriam também a esta fase as expressões de Xīn Bāo 心胞,
Protetor do Coração, e seu acoplado Sān Jiāo 三焦, Triplo Aquecedor.142
As características desta fase tocam em sentidos de Shén. Assim como o fogo que se
expande, Shén tudo controla. O fogo seria a expressão do Yáng 陽 , da luz, do calor, do
Point Combinatios. The Key to Clinical Success. Singapore: Churchill Livingstone, 1995.
142
Sù Wèn e Líng Shú não mencionam Xīn Bāo, Protetor do Coração, como um Oficial, mas, sim, como um
aspecto de Xīn, Coração. Nán Jīng Dificuldade 39, afirma que existem cinco Zàng, Órgãos, e não inclui Xīn
Bāo, Protetor do Coração (Larre & Vallée, 1998).
149
movimento. Shén, entendido como de natureza Yáng, costuma ser associado à Míng 明 ,
brilho, entendido como claridade, e remete à categoria Shén Míng 柛 明 , entendida como
claridade ou brilho de Shén, expressa nos olhos.
Abaixo, serão detalhados os Oficiais associados a esta fase.
143
A descrição de Xīn sob estado Wù Wèi não está presente no discurso da ACE. No entanto, esteve presente
diversas vezes em leituras e interpretações de textos clássicos estudados e parece bastante relevante para apreensão dos
sentidos de Shén.
144
Mais detalhes adiante.
150
quando em desequilíbrio, Xīn poderia atuar de maneira equivocada, invadindo outros órgãos,
gerando desequilíbrios tais que poderia culminar com falência múltipla e morte (Worseley,
1998).
Essas descrições demonstram que Xīn seria o mais nobre Oficial na dinâmica
corporal, o que se expressaria através de sua possibilidade de alcançar outras áreas corporais,
através da circulação de Qì e Xuè, de suas redes de atuação na dinâmica corporal Xīn Zhǔ,
Mestre do Coração, e Xīn Bāo Luò, Protetor do Coração e de sua mais nobre função, a de
receber Shén, que tudo controla. Não é à toa que em várias culturas é o símbolo da vida.
As próximas três descrições, Xīn Bāo, Xīn Zhǔ e Xīn Bāo Luò fazem parte dos
sentidos de Xīn, vistos com seus aspectos de atuação corporal.
• Xīn Bāo 心胞, Protetor do Coração, possui diversas outras traduções no ocidente:
Pericárdio e Envoltório do Coração são as mais comuns. Muita confusão tem sido feita no
ocidente em relação aos sentidos atribuídos a este Oficial. Suas traduções fazem referência à
função do pericárdio, como estrutura anatômica de proteção ao coração, conforme
entendimento no ocidente, o que seria um equívoco. Larre & Vallée (1987, 1998) acreditam
ser este um erro histórico de interpretação, talvez pela dificuldade de entendimento acerca de
algo sem correlação anatômica direta no ocidente. Lembram que Xīn Bāo não é mencionado
no Sù Wèn e é raramente citado pelo Líng Shú. No entanto, estes dois textos clássicos
detalham os sentidos de Xīn Bāo Luò 心 胞 絡 , Xīn Zhǔ 心 主 e Tán Zhōng 壇 中 , como
aspectos de Xīn, os autores finalizam afirmando que qualquer um deles poderia ser entendido
como aquilo que se traduz no ocidente por “Protetor do Coração”.
O entendimento de Xīn Bāo como Oficial isolado parece ser tardio na história da
Medicina Chinesa, só ocorrendo na dinastia Míng 明 , por volta de 1624, num tratado de
Zhang Jie Bin, quando foi, inclusive, associado a uma posição anatômica na palpação dos
pulsos radias (Hammer, 2005).
•Xīn Zhǔ 心 主 , expressaria a função ativa do mestre, aquele que preside com
autoridade para desempenhar diferentes tarefas. Portanto, expressaria Xīn como “mestre”,
encarregado de alguma tarefa, como aquela relativa à Xuè, a Qì e aos Xuè Mài, Vasos
Sanguíneos. Neste sentido, Xīn, Coração, apareceria realizando tarefas concretas (Larre &
Vallée, 1998). Xīn Zhǔ poderia, portanto, ser entendido como uma função ativa de Xīn.
151
•Tán Zhōng 壇中, é citado no capítulo 8, no Sù Wèn, ao contrário de Xīn Bāo Luò,
e Xīn Zhǔ que não são citados. É traduzido no ocidente como “Mar do Qì Ancestral” (Zōng
Qì Hǎi 宗氣海).145
Considerado localizado entre as mamas, no centro do tórax, seria algo mais “visível”
do que o suposto “vazio” de Xīn, porém sua atuação seria mais importante que sua
localização. Seria uma espécie de mensageiro de Xīn, levando as determinações de Shén aos
Zàng Fǔ, como um ponto de partida de todo o Qì que circula no corpo.
Zōng Qì 宗氣, seria o Qì ligado a esta região. Seria entendido como a maneira pela
qual todo Qì produzido pelo corpo seria conservado e distribuído para a manutenção da vida.
É descrito como aquele que carrega um pouco da característica dos ancestrais de cada pessoa,
145
Segundo tradução de Larre & Vallée, 1998.
152
ajudando a compor a personalidade de cada um. Seria o Zōng Qì que faria Xīn bater e Fei 肺 ,
Pulmão, se movimentar na captação e distribuição do ar (Larre & Rochat, 1992).
As diferenças de sentidos entre Xīn Zhǔ, Xīn Bāo Luò, e Tán Zhōng são sutis e
interligadas. Poderiam ser encaradas como diferentes aspectos da fase Huǒ, Fogo, em uma
dinâmica de atuação em diferentes áreas. Mais uma vez, remeteria à idéia de totalidade,
característica do Pensamento Chinês.
Talvez fossem, ainda, diferentes maneiras de expressar a mesma realidade em
diferentes textos ao longo dos séculos.
De qualquer modo, o que interessa é que essas diferentes formas de apresentação da
fase Huǒ teriam implicações práticas. Na terapêutica com acupuntura, por exemplo, poderia
estimular o uso mais frequente de pontos próprios do canal de Xīn Bāo, quando se deseja
tratar de Xīn, uma vez que, pelo que foi demonstrado, ele participaria de todas as suas
atribuições e parece, ainda, ser primeiramente acometido no caso de desarmonias nesta fase.
Segundo a ACE, Xīn Bāo protegeria Xīn de maneira abnegada contra invasão de
outros Oficiais, protegeria das emoções exageradas e traumas que pudessem acometer Xīn.
Cuidaria para que Xīn pudesse manter o livre fluxo de Shén. Permitiria que Qì e Xuè
chegassem a todas as partes do corpo. De maneira metafórica, entende-se que, através da
circulação do Qì, conduziria também as características de Huǒ, como calor, alegria, ternura,
generosidade, amor, compaixão etc. Nos casos de desequilíbrio interferindo nas funções de
Xīn Bāo, este fluxo de condução se perderia, deixando as pessoas emocionalmente
vulneráveis, expondo-se sem defesas. Poderiam, também, parecer frias, distantes e
indiferentes, embora sofredoras no seu íntimo por não conseguirem desfrutar das benesses do
Coração (Worsley, 1998).
Apesar de a ACE só referir-se a Xīn Bāo 心胞, sem citar os outros aspectos de Xīn
vistos acima, vê-se a presença de seus sentidos de proteção, de condução de Qì e Xuè pelo
corpo e uma via de comunicação de Shén, conforme aquelas expressas por Xīn Zhǔ, Xīn Bāo
Luò e Tán Zhōng.
• Sān Jiāo 三焦, Triplo Aquecedor, é uma das idéias de mais difícil compreensão,
não só por não ter correspondência com nenhum órgão ou víscera na medicina ocidental, mas
por ser de grande complexidade também para os chineses. É comumente descrito como uma
via de transmissão e regulação de Qì e Jīn Yè 津液, Fluidos, que percorreriam todo o corpo
para manutenção de suas funções.146 Possuiria estreita ligação com Míng Mèn 命門 e com
146
Birch & Matsumoto (1988) fazem uma longa descrição baseando-se em textos clássicos sobre os sentidos de Sān Jiāo 三
焦, Triplo Aquecedor, associados a membranas internas, como peritônio, mesentério e as fascias. A área Gāo Huāng 膏肓
154
Tán Zhōng 壇中, o que faz este Oficial ser entendido como um distribuidor de calor através
do Qì (Larre & Vallée, 1998).
Eyssalet (2006) faz uma profunda avaliação acerca de Sān Jiāo, baseando-se em
diversos textos clássicos, onde relaciona as redes de ligação de Xīn, Xīn Bāo Luò, Xīn Zhǔ e
Tán Zhōng,como espécies de redes, pelas quais Sān Jiāo atuaria. Segundo o autor, nele
haveria movimentos de troca entre o que vem do alto e o que vem de baixo, nesse sentido
aludindo a Tiān 天, Céu, e a Dì 地, Terra, que no corpo estariam representados por Shén e
Jīng 精, respectivamente. Segundo ele, as trocas dinâmicas feitas por estas redes estariam na
dependência de Qì, impulsionado por Fèi 肺, Pulmão, através da função respiratória.
Associando, Sān Jiāo às redes oriundas de Xīn, anteriormente descritas, o autor ajuda
e evidenciar a característica de expansão presente na fase Huǒ, Fogo, e trazem, mais uma vez,
a idéia de uma rede por onde Shén circularia.
Na ACE, Sān Jiāo é visto como uma via de movimentação, procedendo a
transformações entre dois pólos (superior e inferior). Isso se referiria não só aos alimentos e
líquidos a serem absorvidos e excretados, mas, de uma maneira metafórica, também a
capacidade de recepção de influências externas e a eliminação de tudo que não seja mais
integrado e assimilado à existência. Assim como teria função de regulação sobre a
temperatura corporal, também regularia “mente’ e “espírito” para o equilíbrio de vínculos
afetivos desenvolvidos ao longo da vida. Quando em desequilíbrio, além de alterações de
temperatura corporal levaria a destempero nos vínculos afetivos com dificuldade nos
relacionamentos, com distanciamento, desinteresse ou frieza, que poderiam ser alternados
com excitação (Worsley, 1998).
O grande número de Oficiais associados à fase Huǒ, Fogo, enaltece sua qualificação
como aquela mais nobre para o funcionamento corporal, não é à toa que é associada ao
soberano do reino. O que se vê é que por sua nobreza, teria muitos Oficiais a seu serviço. Xīn,
soberano, controlaria tudo, mas não estaria diretamente envolvido nas atividades quotidianas,
como as de permitir que Qì e Xuè chegassem a todas as partes, garantir que todos recebessem
seu calor e segurança, administrar conflitos, evitando que emoções exacerbadas colocassem
em risco a segurança de todos. Os sentidos de Xīn e Shén, muitas vezes se confundem,
quando se usa a metáfora do soberano. O que importa é perceber o sentido de totalidade
impresso nessas relações, de forma que falando das atribuições de um Oficial, se toca em
outro, sem perceber seus claros limites de atuação. Talvez por isso, no ocidente haja tanta
citada anteriormente estaria relacionada com estas possíveis membranas e seria uma via de distribuição de Qì.
155
dificuldade em interpretar sentidos de categorias como Sān Jiāo, Xīn Bāo ou o próprio Shén.
Importante perceber, ainda, que na prática clínica seus sentidos estarão sempre associados.
• Pí 睥, Baço, seria o Oficial responsável pela transformação dos alimentos para obtenção de
Qì, além do seu transporte para que seja aproveitado por todo o “corpo”, “mente” e
“espírito”. A Acupuntura dos Cinco Elementos entende que, em desequilíbrio, Pì, não
desempenharia as funções de transformação e transporte, levando a sintomas físicos como
cansaço, problemas digestivos e extremidades frias, devido a não nutrição. Poderia, ainda,
ocorrer formação de nodulações, acúmulo de “secreções” pela dificuldade de transporte.147
As repercussões na “mente” expressar-se-iam por dificuldade de raciocínio, sensação
de “branco” na memória, dificuldade de concentração, ansiedade e preocupação, excesso de
pensamentos e, ainda, dificuldade na concretização de idéias (Hicks, Hicks & Mole, 2007, p.
130).
A Pì seria atribuída a tarefa de poder organizador de Tǔ, Terra, sobre o corpo humano,
dando a forma corporal e a estrutura de pensamento. Eyssalet (1988, p. 247) afirma que Pì
seria o “aspecto terra das forças configuradoras de Shén”. Esta concepção parece fazer
alusão à concepção cosmológica em que Shén seria a força configuradora e Jīng, a força
organizadora. Pì seria associado a Tǔ, Terra, que por sua vez teria ressonância com Jīng.
Os Oficiais associados a esta fase relacionar-se-iam com o processo corporal digestivo
e, consequentemente com a qualidade do alimento ingerido que poderia dificultar ou facilitar
este processo. Embora a ACE não aborde, diretamente este tema, mas qualifique a dieta
como um dos elementos que poderiam interferir na expressão do “fator constitucional”, como
se viu anteriormente, poderia ser questionado o papel da dieta na expressão “mental” ou
“espiritual” dos acometimentos a esta fase.
• Fèi 肺, Pulmão, seria descrito pelo Sù Wèn como “ministro” ou “chanceler”. Recebe esta
denominação por sua relação com Xīn, Coração. Fèi, Pulmão, teria atribuição de ajudar o
soberano Xīn, além de protegê-lo, dada sua localização tão próxima.
Larre & Vallée (2001), em sua interpretação do Sù Wèn, capítulo 8, afirmam ser a
atribuição de “chanceler” dada a Fèi, mais adequada, por representar a função daquele que
controla tudo que entra ou sai e está próximo do soberano. Afirmam que Fèi teria autoridade,
dada por sua capacidade de governar Qì, captando-o e distribuindo-o pelo corpo, sendo
capaz, portanto, de exercer o papel de uma rede de proteção e de distribuição para Xīn.
Mais uma vez, se vê referência às possíveis redes de proteção e distribuição de Xīn,
anteriormente discutidas, acerca de Xīn Bāo Luò, Xīn Zhǔ, e Tán Zhōng, agora incluir-se-ia
também Fèi, como aquele que estaria a serviço de Xīn, o que reforça a idéia de totalidade no
Pensamento Chinês, vendo todas estas atribuições como interconectadas e interdependentes.
Segundo a ACE, este Oficial estaria envolvido em governar a respiração, sem a qual
não há vida. Reporia o vazio deixado pela função de eliminação feita por Dà Cháng,Intestino
Grosso. Assim, trabalhariam em harmonia, um eliminaria e outro renovaria. Neste sentido, o
termo “inspiração”, utilizado no ato físico de captação do ar, seria também usado,
metaforicamente, para aludir a novas idéias e sentimentos, trazendo a conotação de
renovação.
158
Através da captação do ar, a fase Jīn, Metal, manteria conexão direta com Tiān, Céu,
captando Qīng Qì 清氣, Qì puro, que seria entendido como uma possibilidade de lembrar a
cada pessoa seu Tiān Mìng, Mandato Celeste. Worsley (1990) afirma que, quando Fèi está
enfraquecido em sua função de conexão com o Qì puro, a pessoa experimentaria uma
sensação de vazio interior, sua vida pareceria sem sentido, sem emoção. A falta de conexão
com Tiān, Céu, poderia dar a sensação de falta de propósito ao “espírito”, consequentemente,
a pessoa poderia assumir uma eterna busca por conexões superiores, migrando por diferentes
rituais, credos, religiões, encantando-se com gurus e pessoas que prometem poderes
supremos.148Uma sensação de impureza poderia levar a um comportamento obsessivo por
limpeza e arrumação de ambientes.
Em equilíbrio, a pessoa com características da fase Jīn, Metal, relacionaria o apego
como aspecto positivo, importante na valorização das conquistas pessoais nos diferentes
momentos da vida. Conseguiria conectar-se com o Tiān, Céu, como fonte de inspiração
artística ou como canal para meditação e orientação espiritual.
148
“Propósito” é uma das possíveis traduções para Yì 意, aspecto de Shén em Pí 脾, Baço.
159
• Páng Guāng 膀 胱 , Bexiga, é entendida na ACE, como o Oficial que teria atribuições
semelhantes àquelas entendidas na Medicina Ocidental em relação ao controle da água
corporal e eliminação de impurezas. No entanto, seria refletido, ainda nos aspectos subjetivos
da pessoa. As “escolhas” e “decisões” controladas por este Oficial, no metabolismo da água
corporal seriam vistas também nos aspectos “mentais” e “espirituais”.
Em relação aos aspectos físicos, Páng Guāng interferiria no funcionamento corporal
como um todo, equacionando os volumes de líquidos que permaneceriam e que seriam
eliminados, contribuindo para a harmonia dos demais Oficiais, que contariam com suas
reservas. O fato de possuir o mais extenso Jīng Mài, Canal, poderia expressar sua influência a
todas as partes.
A ação de Páng Guāng sobre outros Oficiais, se expressaria na “mente” e no
“espírito”, como um sentimento de segurança acerca das reservas energéticas de que cada um
poderia contar ao desempenhar suas funções. Assim, quando Páng Guāng estivesse em
deficiência, a pessoa sentiria medo e insegurança quanto ao futuro e à própria sobrevivência,
o “stress”, gerado pela ameaça à sobrevivência, levaria a um comportamento de auto-
referência, que ocuparia toda sua atenção, deixando de perceber os que estão à sua volta
(Worsley, 1998). Poderia, ainda, ocorrer um comportamento de intensa agitação e insônia,
associados ao medo de morte (Jarrett, 2000).
São encontradas referências a Páng Guāng como responsável pelo sentimento de
ciúme (Maciocia, 1996), embora não se explique esta relação. Pode-se pensar que estivesse
relacionada com o desejo de manutenção de um sentimento de segurança nos
relacionamentos, de modo que a aproximação de outras pessoas gerasse ameaça, daí o ciúme.
• Shèn 腎, Rim, trabalharia em completa integração com Páng Guāng, Bexiga, mantendo a
reserva e distribuição de água para todo o corpo. Shèn, Rim, também seria visto como aquele
que tem as reservas de Jīng 精 para suprir as necessidades do “corpo”, “mente” e “espírito”.
Já foi estudado, anteriormente as ressonâncias Shén Jīng 神 精 relativas ao
surgimento, desenvolvimento e manutenção da vida. Shén seria visto como o “poder
configurador” e Jīng como “poder organizador”. Seria natural que se estas duas categorias
estivessem em pleno vigor , “corpo”, “mente” e “espírito” também estariam.
Nos casos de consumo de Jīng, a ACE valoriza os problemas de ordem emocional,
“mental” e “espiritual” como sendo mais importantes do que aqueles de ordem corporal. Para
empreender mudanças de posturas de vida e seguir o caminho de cada um com perseverança e
160
determinação, seria preciso boas reservas de Jīng em Shèn, Rim. No caso deste Oficial,
mostrar-se deficiente, os efeitos sobre a “mente” e o “espírito” apresentar-se-iam na forma de
medo do futuro, como se a pessoa soubesse que suas reservas são baixas e temesse por sua
sobrevivência. Poderia, também, assumir um comportamento de negação ou resignação em
relação aos seus problemas, por saber que não teria energia para solucioná-los (Worsley,
1998).
149
Ver capitulo III sobre as ressonâncias entre Dǎn, Vesícula Biliar, Gān 肝, Fígado, e Hún 魂.
161
• Gān 肝, Fígado, teria do lado esquerdo do ideograma, o radical de carne, demonstrando que
faz parte do corpo e do lado direito um pilão, dando o sentido de triturar, destruir, opor-se
moralmente, uma demonstração de força, numa alusão à figura do general, comandante da
tropa. A força expressa pelo caractere poderia relacionar-se com a força empreendida para o
início das coisas, como o ato de brotar dos vegetais ou a força necessária na defesa da vida
(Weiger, 1965; Larre & Vallée, 1987).
Gān também teria ressonância com Xīn, Coração. O Sù Wèn, capítulo 8, afirma que a
relação entre esses dois Oficiais é feita através do que chama de “forças musculares” (Jin 筋).
Ao interpretar esta afirmação, Larre & Vallée (1999) dizem que as “forças musculares”
seriam a expressão de Qì de Gān em todas as direções.150 Em relação a Xīn essas “forças”
seriam dirigidas para proteger a “quietude” que este Zàng necessita para cumprir sua nobre
função de controle e recebimento de Shén. Comparam com a imagem do olho do furacão, o
lugar de quietude reservado a Xīn dentro das “forças musculares” de Gān.
Esta descrição é interessante e parece demonstrar mais um Oficial a serviço de Xīn.
Assim como as redes de conexão vistas na fase Huǒ, Fogo, e as conexões em Fèi, Pulmão,
agora Gān, Fígado, dedica sua proteção a Xīn. Neste caso, parecendo expressar-se com uma
qualidade de “força” e “movimento” presentes no entendimento da fase Mù, Madeira.
No corpo, segundo a ACE, o planejamento executado por Gān poderia se expressar nas
correlações de intrincadas reações hormonais, digestivas, aproveitamento e uso de substâncias
adquiridas no processo digestivo, entre outras. Com o envelhecimento, muitas funções
ficariam inoperantes, como os ciclos menstruais na mulher ou o metabolismo da insulina
como resultado de uma falta de habilidade de Gān desempenhar seu papel (Worsley, 1998).
Na “mente” e nos “espíritos”, Gān daria a capacidade de fazer projetos e planos de vida
e executá-los, ou a possibilidade de buscar outras metas quando os planos não saíssem da
maneira esperada. Daria a visão apurada de situações de vida e clareza de idéias. “Visão”
como aspecto sensorial, mas também subjetivo, como a “visão” de vida. Esta forma de
entender esta Oficial lembra bastante as descrições de Hún, aspecto de Shén associado a esta
fase, discutido anteriormente, embora, como se sabe, a ACE não aborde dessa maneira.
Por fim, algumas das características da Diagnose discutidas neste capítulo, como a
valorização das informações implícitas, as ressonâncias entre as diferentes categorias
150
Os autores a firmam que estas “forças musculares” se expressariam sob a direção de um “músculo ancestral”
(Zong Jin 宗筋) que daria direcionamento e força a todos os músculos em uma única direção. Estaria
localizado no períneo e comandaria tudo que se conecta com a força muscular do corpo. A região do períneo
expressa o movimento da força vital através d a ereção masculina, um movimento forte e que empurra para o
alto, precisamente comparado ao movimento da vida.
162
151
The Journal of Chinese Medicine, UK, JCM, 1979-2004. 1 CD ROM.
152
Segundo Wisemam (1995, p. 242) os termos em chinês que expressam “dor” seriam: Téng 疼; Tóng 痛;Téng Tóng 疼痛;
Tóng Chǔ 痛楚.
165
Volto a insistir que as emoções como a raiva, por exemplo, têm muito a ver com as nossas
dores. Você briga com alguém e quer bater nessa pessoa, não pode, começa a doer o braço.
Fica com raiva e não desabafa, se resigna, ai vem as doenças dos órgãos, coração, fígado... O
sentido que a mente deu para essa emoção, a raiva, é que vai trazer a doença.153
A idéia básica do método, segundo Yamamura, é que cada pessoa daria um sentido
aos seus traumas emocionais e suas vivências ao longo da vida. Esses sentidos poderiam soar
como uma re-significação de condições de vida e estímulo ao crescimento pessoal, neste caso
não causariam doenças. Ou então, poderiam assumir sentidos que interferiria na dinâmica
corporal, como marcas que não se conseguiu retirar, neste caso ocasionando doenças. Haveria
uma clara referência à ressonância Shén Jīng 神精 no método terapêutico de Yamamura.
Assim, muitos pacientes que procuram o serviço de pronto atendimento com queixa de
dor, são atendidos e encaminhados ao serviço ambulatorial de “Mobilização de Qì Mental”.
Os resultados terapêuticos são animadores, observando-se baixo índice de recorrência dos
quadros de dor, além de outros ganhos em outras áreas de sua saúde e de sua vida.154
O serviço oferecido pela UNIFESP é uma experiência inovadora e que merece ser
destacada, quando se fala em conhecer os sentidos de Shén na terapêutica.
Este capítulo não pretende ser um bulário, onde se encontraria indicações terapêuticas
dirigidas a queixas específicas, através de prescrições precisas. Isso não seria coerente com a
expressão do Pensamento Chinês, nem com o enfoque que se buscou identificar ao longo de
153
Disponível em <http://www.unifesp.br/centros/cehfi/bmhv/index.php/entrevistas/entrevistas-do-projeto-
75x75/67- ysao-yamamura> acesso em 2/02/2011.
154
Essas informações foram também obtidas pela autora através de comunicação verbal em curso no curso de “Qì Mental”
e participação do serviço da UNIFESP no ano de 2006 e 2007. A técnica terapêutica da “Mobilização do Qì Mental”
consistiria em provocar um estado superficial de relaxamento no paciente e a partir daí buscar informações verbais
relevantes acerca de vivências que pudessem ter levado a quadros patológicos. Ao mesmo tempo buscar formas de re-
significar estas vivências através de imagens mentais diferenciadas, mudando sentidos e significados antigos.
166
toda a tese, nos sentidos de Shén. Como já foi discutido, categorias como processo, potencial,
transformação e eficácia seriam centrais para o Pensamento Chinês e aplicáveis à terapêutica.
Não haveria uma postura ativa e combativa nesta forma de pensar e atuar, ao contrário, o mais
eficaz seria sempre apoiar-se no potencial de transformação de todas as coisas. Daí a
inadequação de pensar em pontos de acupuntura, ervas, alimentos ou, qualquer outro recurso
terapêutico, que pudesse agir combativamente, através de Shén. Portanto, buscar-se-á
destacar os sentidos assumidos por Shén, nas diferentes técnicas terapêuticas da
Racionalidade Médica Chinesa, dentro do sentido de totalidade, conforme uma das premissas
do Pensamento Chinês.
Tomando como exemplo o que foi discutido no capítulo IV acerca das desarmonias de
Shén, naquele momento foi evidenciado o papel marcante de Qì 氣 e do padrão Zhì Qì 滞氣,
Estagnação de Qì, no desenvolvimento da fisiopatologia envolvendo Shén. Portanto, pode-se
concluir que interferir na resolução deste padrão, através de conduta com acupuntura ou outra
técnica terapêutica apropriada, seria interferir em Shén. Foi visto, ainda, a estreita ressonância
entre Qì, Xuè 血 e Shén, portanto, usando o mesmo raciocínio, atuar sobre o fluxo de Qì e
Xuè equivaleria a atuar sobre Shén.
O que se quer deixar claro é que não haveria uma terapêutica especial, específica e
diferenciada para atuar sobre Shén. Ao contrário, pelo que foi demonstrado, nas ressonâncias
e sentidos de Shén, o mais importante seria o terapeuta perceber que todo e qualquer ato
terapêutico envolveria Shén, em algum nível. O que, por outro lado, não quer dizer que não
existiriam caminhos terapêuticos mais ou menos direcionados a Shén, especialmente
utilizados quando se deseja atuar sobre as desarmonias específicas envolvendo esta categoria.
São esses caminhos que serão discutidos a partir de agora. Inicialmente serão
abordados temas gerais que envolveriam Shén na dimensão Terapêutica, como é o caso da
Possessão e, daquilo que os daoístas chamam de Yǎng Shēng, 飬 生 , Nutrir a Vitalidade.
Depois, será feita uma discussão a respeito de como Shén poderia ser encontrado em cada
uma das diferentes técnicas terapêuticas da Racionalidade Médica Chinesa.
6.1. Possessão
155
ocidentais de Medicina Chinesa, em associação à chamada “Medicina dos Demônios” ,
expressando os possíveis danos à saúde ocasionados por entidades exteriores ao corpo.
Unschuld (1985, p. 301), criador do termo “Medicina dos Demônios”, baseando-se em
descrições clássicas sobre a origem e os sintomas das doenças descreve Possessão como uma
“fixação, ou seja, uma aflição que se estabeleceu permanentemente”.156 O “mal” que atingiria
a pessoa poderia, ainda, ser retransmitido às outras pessoas, depois que a vítima caísse doente.
Unschuld afirma, ainda, que há descrições afirmando que este “mal” atingiria cada pessoa, na
dependência de seu estado orgânico de deficiência e fraqueza, fatores predisponentes à sua
penetração.
Esta maneira de pensar o adoecimento, e que permaneceu por muitos séculos, hoje é
vista com uma conotação mística, difícil de ser apreendida.
Strickmann (2002) diz que o “mal” que vem de fora, tenderia a acometer,
especialmente, as mulheres jovens, por serem mais frágeis. Neste sentido, foram discutidas no
capítulo IV, algumas síndromes clássicas envolvendo Shén, muito frequentes em mulheres,
uma delas, Zàng Zào 臟 躁, Agitação nos Órgãos, hoje entendida como quadros de histeria e
ansiedade, seria também, entendida como um caso de Possessão (Rossi, 2007).
No capítulo 8, do Líng Shú, há, no entanto, uma descrição sobre o que seria a
Possessão, de maneira bastante coerente com formulações do Pensamento Chinês.
Segundo este texto clássico, na interpretação de Larre & Vallée (1995), Zì Dé 自得,
seria entendido como “obter a possessão de si mesmo” e Zì Shī 自 失 , como “perder a
possessão de si mesmo”. Estas seriam expressões aplicáveis aos possíveis danos tanto ao
corpo, quanto a Shén, como consequência de agressões emocionais. Embora, o texto clássico,
dê mais ênfase a Shén, entendido como aquele que garantiria a “auto-possessão”. Nesse texto,
portanto, o “mal” não seria visto como exterior ao corpo.
Ainda segundo o mesmo texto, garantir a “auto-possessão” poderia ser entendido
como a possibilidade que cada pessoa teria em manter-se viva, através da expressão do seu
“eu”. No caso de danos a Jīng 精 e a Shén, ocasionados por choque emocional, a pessoa
perderia a posse de si mesma. Isso levaria a toda sorte de males, até mesmo a morte
prematura. Neste caso, “morte prematura” não significaria, necessariamente, morrer jovem,
mas desperdiçar a própria vitalidade. Haveria sinais físicos, que demonstrariam a ausência de
Jīng e Shén. Sinais gerais na forma de compleição debilitada, nos pêlos corporais
155
Terminologia criada por Paul Unschuld para expressar um período na Medicina Chinesa da época Dinastia Zhōu 周
(1050-256 A.C.) e que antecedeu o que o historiador qualifica de “Medicina das Correspondências Sistemáticas.
156
No original: “Possession signifies settlement, namely, that an affliction has settled down permanently.” Tradução da
autora.
168
enfraquecidos, na pele sem tônus e com palidez, além de outros sinais específicos,
demonstrando danos aos Zàng Fǔ.
E o texto clássico finalmente conclui afirmando que o equilíbrio e a presença de Shén,
só dependeriam do “eu” de cada pessoa, assim como o que cada um poderia ser na expressão
de seu “eu”, só dependeria de Shén. E afirma, ainda que:
As doenças que me tocam vêm da cegueira dos Espíritos [Shén]; elas vão, finalmente, causar
a morte prematura. Uma morte [que] não estava na minha natureza original, no meu dom
celeste ou em minhas possibilidades de prosperidade (LARRE & VALLÉE, 1985, p. 115).157
157
No original: “The ills that touch me come from a blinding of the Spirits; they will finally cause a premature death. Such a
death was not in my original nature, in my heavenly endowment or in my possibilities of flourishing.” Tradução da
autora.
169
em pontos que despertariam os “dragões”, figura mítica bastante usada na China na intenção
de proteger os lares e as pessoas.
Haveria dois conjuntos de pontos, os “Dragões Externos” e os “Dragões Internos”. Os
primeiros seriam utilizados em casos de possessões ocasionadas por fatores considerados
externos, como uso de drogas, álcool ou exposição excessiva a fatores ambientais. Os
“Dragões Internos” seriam utilizados quando houvesse possessão relacionada às emoções.
DM 20 (Bǎi Huì,百會)
B11 (Dà Zhù, 大杼)
B23 (Shèn Shū, 腎俞)
B61 (Pú Cān, 撲參)
Um ponto extra localizado no canal Rèn Mài 任 脈 , entre RM14 (Jù Què, 巨 闕 ) e
RM15 (Jiū 鳩 Wěi 尾)
E25 (Tiān Shū, 天樞)
E32 (Fú Tù, 伕兔)
E41 (Jiě Xī, 解谿)
158
Método de “sedação” é entendido como uma técnica de inserção de agulhas que irá dispersar o fator patogênico que
estaria levando à desarmonia. Pode ser realizada de várias maneiras, segundo o tempo de manutenção das agulhas no
corpo, ou através de técnicas específicas de manipulação.
171
de Fēng 風 , Vento, Hán 寒 , Frio e Shī 濕 , Umidade. Nos casos de fatores internos, as
fórmulas aromáticas seriam as mais indicadas. Neste caso, indica a Guizi Tang (Caldo de
Haste de Canela) para mulheres que estariam sob Possessão, consequente a traumas sexuais,
como abuso.
Talvez fosse possível combinar as informações do Capítulo 8, do Líng Shú, com
aquelas da Acupuntura dos Cinco Elementos, especialmente no tocante à sua terapêutica, para
tratar os casos de Possessão, identificados na prática diária, como debilidades emocionais de
difícil abordagem, resistência à terapêutica, pessoas que parecem alheias ao seu processo
terapêutico ou à sua própria vida.
159
Segundo Wiseman (1995), “nourish” e “engender” pp. 628 e 724. Nutrir e engendrar. Tradução da autora.
160
A esse respeito ver Souza, 2008.
172
Minha vida tem um fim, porém o conhecimento não: com aquilo que tem um fim, perseguir
o que não tem é perigoso (exaustivo); e quando é perigoso (exaustivo), querer
permanentemente colocar em prática o conhecimento é permanentemente exaustivo...
(JULLIEN, 2007, p.18).161
Esta citação deixa clara, também, a opção pelo vitalismo e não pelo racionalismo.
Nutrir a vida assumiria o sentido de preservação. Mas, ao contrário do que pudesse
parecer, preservar não seria esforçar-se para aumentar e prolongar. Ao contrário,
despreocupando-se com o tema da longevidade, com a própria vida, seria possível viver e
permitir que a vitalidade se renovasse e não fosse obstruída. O apego à vida seria entendido
como uma forma de não viver, não desfrutar a vida e dificultar seus ciclos naturais (Jullien,
2007). Mais uma vez aqui é possível perceber as noções de processo e potencial.
Do ponto de vista da dinâmica corporal, a referência feita à vitalidade remeteria à idéia
de Jīng 精 e poderia demonstrar a relação também com Shèn 腎 , Rim, e com Kǒng 恐 ,
Medo, emoção a ele relacionada. O apego à vida, expressando o medo da morte, consumiria
Jīng e poderia abreviar a vida.162
Assim, nutrir a vitalidade assumiria sentido de nutrir aquilo que expressa a vida, ou
seja, o corpo. Daí haveria diferentes prescrições sobre formas de estimular a longevidade,
administrando o potencial vital de cada um. Essas prescrições envolveriam cuidados com
alimentação, uso de medicamentos, desenvolvimento de percepção acerca dos fenômenos
naturais que pudessem exercer algum tipo de influência sobre a saúde e desenvolvimento da
percepção em reconhecer pequenos desvios que pudessem expressar o começo de
enfermidades (Jullien 2007).
Algumas dessas prescrições serão discutidas ao longo deste capítulo, especialmente
em relação à Dietética, Práticas Corporais e Matéria Médica. Por hora, é importante demarcar
como algumas noções do Pensamento Chinês, presentes no texto clássico Zhùang Zǐ,
poderiam se expressar nas bases da dimensão terapêutica.
A seguir serão abordadas as diferentes técnicas terapêuticas da Racionalidade Médica
Chinesa.
161
No original: “Mi vida tiene um final, pero El conocimiento no: com aquello que tiene um fin, perseguir lo que no
tiene es peligroso (agotador); y quando es peligroso (agotador), querer permanentemente poner em práctica el
conocimiento es permanentemente agotador...” Tradução da autora.
162
Esta forma de pensar lembraria aquela discutida anteriormente sobre a Possessão, conforme descrição do Líng Shú.
Perder a Possessão sobre si mesmo, perder a vitalidade e desperdiçar a vida.
173
1. Nèi Dān Gōng 内丹功 - Traduzido por Alquimia Interna, seria um conjunto de saberes e
práticas que integram cosmologia, meditação e liturgia. Pode ser considerada como núcleo
do desenvolvimento das técnicas de meditação, sendo mais básicas utilizadas com fim
terapêutico [...];
2. Qì Gōng 氣功 Dào Yǐn 導引, Artes Marciais e Danças – São artes de Yǎng Shēng 飬生,
cultivo da vitalidade, que enfatizam o desenvolvimento do corpo;
3. Yì Jīng 易 經 , Astrologia, Cosmologia – É considerado o ramo oracular do sistema
Daoísta;
4. Terapias Corporais – Acupuntura, Massagens e Transmissão de Qì 氣 e Moxabustão;
5. Fáng Zhōng Shù 房中術 – As artes sexuais;
6. Fēng Shuǐ 風水 – Sistemas de “arquitetura” que buscam harmonizar a força vital entre o
ser humano e seu ambiente;
7. Wài Dān 外丹 – Traduzido por Alquimia Externa, é o conjunto de saberes e práticas
relacionados com a transformação e uso de substâncias para o cultivo da vitalidade. Na
classificação daoísta a Dietética é parte desse ramo;
8. Artes – Música, Caligrafia, Pintura, Escultura, Mitologia e Contos (SOUZA, 2008, p.
130).
Algumas das práticas descritas por Souza fazem parte da Alquimia Daoísta, tema que
não será discutido nesta tese pela profundidade e especificidade do tema.164
Há várias descrições em textos clássicos chineses ressaltando a importância de
qualquer terapêutica ter como objetivo básico, acessar Shén, sem o que nenhuma delas seria
efetiva.165 É o que será discutido a respeito de cada uma dessas práticas.
163
O objetivo em abordar as diferentes práticas terapêuticas é conhecer suas possíveis relações com Shén. Como não foram
encontrados esclarecimentos suficientes, a esse respeito, nas fontes consultadas, acerca da prática isolada das Massagens,
este item não será abordado. Trata-se de diferentes técnicas manuais sobre os Jīng Luò 經絡, Canais, e áreas corporais.
164
Ver Souza, 2008.
165
Como citam Larre & Vallée (1987) e (1995) nas interpretações do Huáng Dì Nèi Jīng Sù Wèn e Líng Shú,
respectivamente. Ou Eyssalet (2003), também interpretando Sù Wèn.
174
...no sétimo dia do sétimo mês lunar colha sete partes de flor de lótus (ouhua 藕 華 ). No
oitavo dia do oitavo mês lunar colha oito partes da raiz de lótus (ougen 藕根). No nono dia
do nono mês lunar junte nove partes da semente de lutus (oushi 藕 實 ). Junte tudo para
preparar. (...) ingira uma polegada-quadrada de uma espátula cheia. Ingira por cem dias e
pare. Seu senhor interior (zhu 主) irá surgir e sua vida interior será enriquecida. Seu Qi será
forte e irá nutrir seu Shén. Você não terá fome e irá expelir as cem doenças. Depois de longo
tempo ingerindo seu corpo ficará leve. (...) não envelhecerá e se transformará em um espírito
imortal (shenxian 神仙 )( ARTHUR, 2009, p. 51).166
166
No original: “On the 7 day of the 7 lunar month collect seven parts of lotus flowers (ouhua 藕華). On the 8 day of 8 the
lunar month collect eight parts of the root (ougen 藕根). On the 9 day of the 9 lunar month collect gather nine parts of
lotus seeds (oushi 藕實). Mix the plants stuffs together to prepare (…), ingest an inch-square spatula full. Ingest for one
hundred days and stop. Your inner lord (zhu 主) will arrive and your inner being will be enhanced. Your qi will get strong
and will nourish your shen. You will not hunger and will expel the one hundred illnesses. After a long time of ingesting,
your body will become light. (…), not grow old, and then turn into a spirit immortal (shenxian 神仙 ).”
176
Em sua tradução e interpretação da compilação do Shén Nóng Běn Cǎo Jīng 神農本草
經 , considerado o mais relevante texto de farmacologia da Medicina Clássica Chinesa,
Unschuld (1986) conta que, na China antiga, a atividade farmacêutica fazia parte da educação
geral das pessoas, transmitida oralmente. Com isso, todos tinham autoridade para pensar a
respeito e publicar suas conclusões, assim a maioria dos textos farmacêuticos era oriunda de
pessoas comuns. Talvez isso explique a grande abrangência da Matéria Médica Chinesa e sua
enorme popularidade.
Optou-se por utilizar o termo “Matéria Médica” e não “Herbologia” ou “Fitoterapia”,
como forma de expressar o sentido de Běn Cǎo 本草, uma vez que haveria um grande número
de recursos terapêuticos utilizados nesta técnica terapêutica, englobando o uso de substâncias
vegetais, minerais e do reino animal.
A Matéria Médica Chinesa é categorizada nos textos de Medicina Chinesa, em geral
em relação à:
- sua natureza e efeitos no corpo: aquecer, esfriar, amornar, resfriar;
- seu sabor: doce, salgado, picante, azedo e amargo;
- seus efeitos quando em combinação com outras substâncias: seria uma dinâmica
bastante complexa, assumindo funções específicas nas formulações terapêuticas, como
agonista, antagonista, neutralizador etc;
- quanto ao possível estímulo de direcionamento de Qì que poderia deflagrar:
ascensão, descendência, flutuação e afundamento;
A Matéria Médica é classificada no Shén Nóng Běn Cǎo Jīng, conforme sua atuação
em três níveis, superior, médio e inferior, como mostra Unschuld:167
167
Embora Unschuld não cite, foram encontrados em Engelhardt (2001) os termos: Shang Pin 上品, Zhong Pin 中品
e Xia Pin 下品, para descrever os níveis superior, médio e inferior, respectivamente.
177
-aquelas de nível superior não teriam efetividade terapêutica, seu uso prolongado seria
inofensivo. Seriam indicadas com intenção da busca da longevidade. Seriam exemplos o
Cinabre, o Casco de Tartaruga e os Ossos de Dragões.
-de nível médio não teriam característica específica. Este nível poderia ter sido
incluído, apenas para obedecer aos três níveis descritos na cosmologia, Tiān Rèn Dì 天 人 地
Céu, Homem, Terra.
-de nível inferior seriam as drogas genuinamente terapêuticas, com eficácia terapêutica
esperada.
Nesse texto clássico, segundo Unschuld, os pensadores da época elaboravam a Matéria
Médica sem preocupar-se com seus fins terapêuticos específicos, no sentido do tratamento das
doenças, mas, sim, objetivavam a prevenção.
No entanto, Hsu (1986), Johnson (2002) e Jarrett (2000) têm uma interpretação
diversa daquela de Unschuld em relação ao significado dos três níveis de classificação das
substâncias presentes no Shén Nóng Běn Cǎo Jīng. Todos concordam que o nível superior se
relacionaria com uma forma superior de cuidado e que as substâncias, aí relacionadas, seriam
indicadas no sentido do alcance da longevidade e da imortalidade, ajudando o paciente a
cumprir seu Tiān Mìng 天命, Mandato Celeste.
Johnson (2002) ainda afirma que seriam substâncias com poder de fortalecer Shén 神 e
Líng 靈 , e acrescenta que os antigos daoístas acreditavam que elas poderiam alimentar e
restaurar Qì, Jīng, Shén e, especialmente, os Wǔ Shén 五神: Shén 神, Hún 魂, Pò 魄, Yì 意 e
Zhì 志 . Seriam dispensadas àqueles que tivessem atingido certo grau de desenvolvimento
interior. Este autor cita ainda, como exemplo, as substâncias: mushrooms, folhas, resinas e
raízes de pinheiro, árvore de cipreste, caroço de certas ameixas, sementes de cássia, árvore de
canela, entre outras.168
Em relação ao nível médio, os mesmos autores entendem que seria um nível de
cuidado dispensado, especificamente, ao corpo. Johnson (2002) afirma que seria o nível de
substâncias tanto para cura de doenças, quanto para o fortalecimento da constituição física e,
ainda, cita como exemplos o Ginseng, Angélica sinensis, Cebolina etc.
O nível inferior é entendido pelos autores, como substâncias indicadas para o
tratamento das doenças. Johnson (2002) cita como exemplo o Acônito, Pêssegos, Ameixas
etc.
168
As plantas citadas têm função ilustrativa. Deve-se considerar que o autor não forneceu os nomes científicos das referidas
plantas e que a nomenclatura de espécies vegetais é bastante variável em diferentes regiões do mundo.
178
A visão de Johnson (2002) merece algumas considerações, por ser a que mais se
aproxima do objeto de estudo desta tese. O autor argumenta, baseando-se, segundo ele, em
antigos ensinamentos de textos daoístas da dinastia Sòng 宋 (960-1279 AD), que as plantas e
as árvores teriam Jīng 精, Qì 氣 e Shén. Viveriam, cresceriam e morreriam como as pessoas.
Nessas espécies vegetais, a presença de Shén, que o autor chama de “Substância Alma”, seria
explicada como resultado de uma espécie de infusão feita pelo cosmos, que chama de “Alma
Yang”, a partir de Líng 靈.169
Johnson (2002) afirma, ainda, que a qualidade de Líng que se manifesta na
“Substância Alma” de cada planta, através de suas propriedades terapêuticas seria transmitida
de volta às pessoas, quando as utilizassem para algum tipo de tratamento. Dessa forma, essas
propriedades terapêuticas seriam o resultado direto da possibilidade de interação individual
que cada pessoa teria, através de seu Líng, de interagir com a “Substância Alma” das plantas.
O autor ainda afirma que algumas categorias de plantas, quando estivessem próximas
de corpos de pessoas mortas, receberiam seu “espírito”, numa provável alusão a Pò, aspecto
de Shén associado a Fèi 肺, Pulmão. E, ainda, que essa transferência estaria na dependência
do quanto o morto havia cultivado seu Shén durante a vida.170 Outras categorias de plantas se
caracterizariam por ter recebido um forte Líng e, por isso, poderiam fortalecer Qì e Shén de
quem as consumisse, sendo usadas para o alcance da longevidade e da imortalidade.
Há, certamente, algumas questões a explicar, como a terminologia utilizada pelo autor,
nem sempre com os referidos ideogramas e a afirmação de que as plantas teriam Shén. Não se
sabe a que sentido de Shén estaria se referindo. É discutível entre os diferentes autores a
existência de Shén em outras espécies que não a humana e, obviamente, outros reinos.
Maciocia (2009) afirma que Shén seria próprio da espécie humana. Que haveria, sim, tipos
diferentes de Hún, aspecto de Shén associado a Gān 肝, Fígado, presentes nas plantas e nos
animais e que um tipo, que chama de “vegetativo”, seria comum às plantas, animais e a
espécie humana. A afirmação de Maciocia em nada esclarece a questão de Shén em outros
reinos, alias, poderia até suscitar mais dúvidas. Por que Hún, aspecto de Shén, estaria presente
em outros reinos se ele afirma que Shén é próprio da espécie humana?
De qualquer modo, essas considerações são interessantes e demonstram o quanto a
relação das pessoas com a natureza impregnava o Pensamento Chinês. Uma relação que não
era de dominação, mas, sim, de integração, de forma que todos os seres seriam percebidos em
169
Cabe esclarecer, conforme foi discutido no capítulo III, que Líng seria um dos sentidos assumidos por Shén. Seria
entendido como aspecto Yīn de Shén e referir-se-ia ao potencial que todas as pessoas teriam de influencia no universo.
170
Cultivar o Shén poderia ser entendido como cultivar Yǎng Shēng 飬生, Nutrir a Vitalidade.
179
ressonância com tudo que faz parte do universo.171 Suscitam pensar, ainda, uma possível
correlação com os diversos efeitos terapêuticos nas pessoas, quando tratadas com plantas
medicinais. É notório, na prática clínica, que pessoas com maior interação com a natureza,
com o meio ambiente, respondem melhor a esse tipo de terapêutica. Como os pacientes
moradores de área rural, ou aqueles que cultivam plantas em suas casas, ou ainda que
receberam ensinamentos a esse respeito de seus antepassados. Diferentemente daqueles que
vivem em centros urbanos, afastados de qualquer contato com a natureza, que respondem pior
a esse tipo de terapêutica. O Líng de cada pessoa ao influenciar as plantas, através de seu
contato mútuo, poderia ser refletido no efeito terapêutico que elas exerceriam sobre as
pessoas.
Esta poderia não ser a única explicação, mas, através das considerações vistas acima,
poderia ser, pelo menos, uma delas.
Outras possíveis correlações da Matéria Médica com Shén, poderiam se expressar
através do efeito terapêutico de algumas substâncias sobre o fluxo de Qì, Xuè e
funcionamento dos Zàng Fǔ e suas respectivas ressonâncias com Shén.
É comum encontrar formulações indicadas para o tratamento de problemas
emocionais, referindo-se aos sentidos de Shén como “Mente” descritos como “calmantes” ou
“sedativas”.
Maciocia (2009) descreve uma série de indicações de substâncias que poderiam ser usadas
nos desequilíbrios envolvendo cada um dos aspectos de Shén, Hún, Pò, Yì e Zhì.
Infelizmente, no entanto, o autor não apresenta os ideogramas originais referentes a cada uma
dessas substâncias, nem seu nome científico e, dada sua grande variedade e o grande número
de palavras homônimas em chinês, não seria confiável reproduzir suas indicações.172 De
qualquer forma, o autor chama atenção para o fato que, devido ao caráter indissociável entre
os Zàng Fǔ e os Wǔ Shén 五神, Cinco Shén: Shén 神, Hún 魂, Pò 魄, Yì 意 e Zhì 志, as
substâncias indicadas para atuar nas desarmonias Zàng Fǔ seriam, consequentemente,
indicadas para atuar no Wǔ Shén.
Nesse sentido, Souza (2008) afirma que haveria um grupo de cogumelos chamados
Líng Zhī 靈芝 que atuaria sobre os Wǔ Shén, Shén, Pó, Hún, Yì e Zhì. Seriam classificados
por cor, conforme relação com os Wǔ Xíng, Cinco Fases, da seguinte maneira:
171
Como demonstra a Teoria Wǔ Xíng 五行, Cinco Fases.
172
Estas indicações podem ser vistas em Maciocia, G. The Psyque in Chinese Medicine. Treatment of Emotional and
Mental
disharmonies with Acupuncture and Chinese Herbs, London: Churchill Livingstone, 2009, pp. 45-6, 61, 69.
180
1. Fase Mú 木, Madeira
Cogumelos Qīng Zhī 青芝(Genoderma viridis) e Lóng Zhī 龍芝(Genoderma dragão):
atuariam sobre Gān 肝. Atuaria nos olhos e aquietaria Hún.
3. Fase Tǔ 土, Terra
Cogumelo Huáng Zhī 黃芝 e Jīn Zhī 金芝(Genoderma áurea): Atuaria sobre Pì 脾, Baço.
Tonificaria Qì.
Observa-se que a atuação sobre Wǔ Shén, Cinco Shén, aconteceria através da atuação
aos Zàng Fǔ a eles associados, conforme afirma Maciocia.173
174
Outras práticas corporais como Lian Gong e Tài Jí Quán 太極拳 utilizadas em serviços de saúde no ocidente, não serão
abordadas. A restrição à abordagem de Qì Gōng, se faz por ser a mais amplamente utilizada nos serviços médicos
chineses e por ser a que mais se aproxima dos sentidos de Shén.
182
175
Esta ação terapêutica esperada com a prática do Qì Gōng, lembra aquela da “Possessão”, em que os pacientes
tratados restabeleciam os cuidados sobre suas próprias vidas.
183
Embora haja grande variação, entre diferentes autores, acerca dos nomes dos pontos
de acupuntura, a primeira coisa que chama atenção é a presença em seu título de caracteres de
Shén, Líng e Guǐ em um grande número deles. Seriam pontos com algum tipo de indicação
no tratamento de problemas envolvendo Shén e, em suas traduções ocidentais haveria sempre
o termo “Espírito”.
Muitos desses pontos possuem nomes “alternativos” (Ellis, Wiseman & Boss, 1989) e
seriam nesses nomes que estariam contidos os referidos caracteres. Ver Anexo 2.176
6.3.4.2. Acupuntura dos Cinco Elementos (ACE)
176
Os pontos de acupuntura têm frequemente mais de uma designação, embora uma delas costuma ser a mais dominante,
tendo sido adotada pela WHO/OMS em 1989.
186
procedendo-se da seguinte maneira, segundo Jarrett (2003) e Hicks, Hicks & Mole (2007):
Com o paciente sentado inserir agulhas, superficialmente, nos pontos Shū dorsais
correspondente aos Záng, Órgãos, e a 2,5 cm de distância de cada um deles, lateralmente,
inserir uma agulha, no mesmo nível de profundidade, que serviria como uma espécie de
“controle”. Nos pontos Shū dorsais em que se formasse um halo de vermelhidão, mas não na
agulha “controle” haveria presença de “Energia Agressiva” no Záng correspondente a este
ponto Shū. As agulhas deveriam, então, ficar retidas até que a vermelhidão desaparecesse, o
que poderia acontecer de 30 segundos até 1 hora, quando só então a “Energia Agressiva” teria
se dissipado. Sem proceder a esse tipo de tratamento, qualquer terapêutica seria inócua,
segundo os autores.
Além de considerar os fatores limitantes à terapêutica, a ACE valoriza a técnica de
inserção de agulhas. Hicks, Hicks & Mole (2007) afirmam que a melhor técnica seria a
“tonificação”, uma vez que se trataria de casos crônicos associados a quadros Xū 虛, Vazio.
Para isso, recomendam que a agulha seja inserida com precisão, para que alcance o Qì do
paciente e, tão logo isso aconteça seja retirada. A técnica duraria 2 a 3 segundos, e os pontos
escolhidos seriam aqueles referentes ao “Fator Constitucional” do paciente.
Recomendam ainda especificações técnicas de puntura para alcançar, o que chamam
de, “nível físico” ou “nível espiritual”, como se vê na tabela abaixo.
177
Ciclos descritos no capítulo II.
187
Os “Pontos Shén” são traduzidos por autores como Willmont, Jarrett, Worsley, Moss e
Hicks como “Spirit Points”. São pontos que interfeririam diretamente sobre Shén. Há
divergências, no entanto, acerca de suas origens e indicações específicas.
Embora os autores afinados com a ACE não utilizem o termo “Shén”, chamando-os de
“Spirit Points”, afirmam tratar-se de um tipo de terapêutica profunda e fundamental para o
paciente promover mudanças de postura pessoal em relação ao mundo e em relação à própria
existência. Para isso, o acupunturista não poderia encarar esse tipo de prescrição como uma
receita a ser aplicada a todas as pessoas da mesma maneira. Ao contrário, afirmam que
deveria buscar através de um desenvolvimento pessoal, com intenção de acessar
profundamente o mecanismo de adoecimento de cada paciente, lançando mão, para isso, de
sua intuição e de sua competência técnica.178 O paciente, por sua vez, também deveria ter um
desenvolvimento, ou uma pré-disposição colocando-se receptivo ao tratamento que poderia
lhe trazer profundas mudanças de vida.
Os pontos escolhidos para o tratamento seriam, em sua maioria, localizados nos Jīng
Luò, Canais, associados ao diagnóstico do “Fator Constitucional” de cada pessoa. Na
TABELA 7 estão listados os pontos indicados pela ACE, como “Spirit Points”:
Qualquer ponto poderia ter interferência em Shén, por isso, na ACE haveria descrição
de boa diversidade de “Spirit Points”. Jarrett chega a convidar o leitor a criar seus próprios
178
Nesse sentido, parecem referir-se às descrições clássicas que afirmam que, para tratar o terapeuta deve mobilizar seu
próprioYì, aspecto de Shén associado a Shén, frequentemente traduzido como “Intenção” no ocidente.
188
pontos, segundo suas observações pessoais da prática clínica (Hicks, Hicks & Mole 2007;
Jarrett, 2003).
Essa discussão, no entanto, ganha outro teor quando é abordada por autores daoístas.
O mais expressivo é Willmont (1999), em seu livro chamado “The Twelve Spirit Points of
Acupuncture”. Numa complexa discussão, aborda doze pontos que seriam usados no
tratamento e na prevenção de doenças. Recorre à cosmologia e apóia-se em textos clássicos
como Líng Shú e pilares daoístas como Dào Dé Jíng 道 德 經 . Aborda preceitos da
numerologia chinesa para explicar o conjunto dos doze pontos.179
Segundo ele, Shén passaria por quatro estágios de desenvolvimento em sua integração
com o corpo:
- incepção (nascimento, Shén entraria no corpo);
- instalação (Shén migraria para a região torácica);
- estabelecimento (Shén se estabeleceria em Xīn, Coração)
- conexão (Shén faz a conexão com o corpo para cumprir seu Míng, Destino).180
Willmont defende que os doze “Spirit Points” serviriam para ajudar esta evolução
através desses quatro estágios de desenvolvimento de Shén. Cada estágio teria três pontos
fundamentais para tratamento.
Seriam eles assim distribuídos, segundo o autor:
1. Incepção:
RM 8 (Shén Què 神闕), DM 6 (Shén Zōng 神中), RM 15 (Shén Fǔ 神符).
2. Instalação:
VB13 (Běn Shén 神本), R 23 (Shén Fēng 神封), VB 24 (Shén Guāng 神光).
3. Estabelecimento:
B 44 (Shén Táng 神堂), DM 11 (Shén Dào 神道), R 25 (Shén Zang 神藏).
4. Conexão:
DM 24 (Shén Tíng 神庭), DM 23 (Shén Táng 神堂), C 7 (Shén Mén 神門).
179
Não caberia esse detalhamento aqui. Cf: Willmont, 1999, pp.1-6.
180
O autor usa Ming, Destino, numa referência a Tiān Mìng 天命, Mandato Celeste.
189
Depois disso, o autor faz uma detalhada discussão da função de cada um desses
pontos. De maneira geral, diz que serviriam para:
1. Afetar o que chama de 10 aspectos de Shén: Shén; Guǐ; Jīng; Jīng Shén; Shén
Míng; Xìng 性, Natureza Humana; Qíng, Emoção; Xīn, Coração; Míng 命,
Destino; Xíng 形, Forma.
2. Problemas de ordem psico-emocional que prejudicassem a percepção que cada um
tem de si mesmo no universo e a percepção do mundo ao redor.
3. Bloqueio na intuição.
4. Fortalecer Jīng Shén.
Comparando a visão de Willmont e dos autores da Acupuntura dos Cinco Elementos,
observa-se semelhanças quanto ao objetivo da terapêutica, ambos tocando em temas
relativos ao desenvolvimento pessoal, cumprimento de Tiān Míng, Mandato Celeste,
embora a Acupuntura dos Cinco Elementos não fale nesses termos.
Ao comparar a indicação de pontos dos dois métodos, chama atenção na Acupuntura
dos Cinco Elementos, a ausência dos pontos relacionados aos Wǔ Shén, Cinco Shén, Shén,
Hún, Pó, Yì e Zhì, localizados no Jīng Mái Páng Guāng 膀胱, Canal da Bexiga. Willmont
cita apenas um deles, o B44, Shén Táng. Isso poderia demonstrar que Ponto Shén não seria,
necessariamente, ponto com ação direta sobre Shén, mas talvez houvesse algum tipo de
característica que escapa ao esclarecimento dado pelos autores.
De qualquer modo, haveria uma diversidade de pontos qualificados como pontos Shén
a serem experimentados na prática clínica quando se deseja atuar sobre Shén. Como se vê
abaixo.
•Pontos do segundo ramo do Jīng Mài 經脈 Páng Guāng 膀胱, Canal da Bexiga:
190
181
Estes pontos estão localizados paralelamente aos pontos Shū dos Zàng Fǔ.
Relacionados aos Wǔ Shén, Cinco Shén, Pò, Shén, Hún, Yì e Zhì.
B 42 魄戶, Pò Hù
B 44 神堂, Shén Táng
B 47 魂門, Hún Mén
B 49 意舍,Yì Shè
B 52 志室, Zhì Shì
Esses pontos atuariam sobre os Wǔ Shén, Cinco Shén, e poderiam ser usados em
conjunto com os pontos Shū dos Zàng Fǔ correspondentes sempre que se desejasse atuar mais
fortemente sobre seus aspectos de Shén ligados aos Zàng Fǔ, especialmente as Wǔ Qíng,
Cinco Emoções.
Conforme foi discutido no capítulo III, as Qìng teriam um caráter intrínseco associado
ao funcionamento dos Zàng Fǔ, especialmente estimuladas por Zhì, aspecto de Shén
associado a Shèn, Rim, sendo por isso, também chamadas de Wǔ Zhì. De modo que, tanto
sofreriam com as desarmonias dos Zàng Fǔ, quanto os agrediriam, nos casos de
comprometimento emocional, numa via de “mão dupla”.
As Wǔ Qíng, Cinco Emoções, são relacionadas aso Nèi Yīn 内因, Fatores Internos de
adoecimento, considerados os principais fatores implicados nas desarmonias internas e,
desenvolvimento de problemas crônicos de saúde.
Dessa maneira, parece que se os pontos descritos como atuantes sobre os Wǔ Shén,
Cinco Shén, Shén, Hún, Pò, Yì e Zhì atuam sobre os aspectos sutis ligados aos Zàng Fǔ,
podendo ser utilizados nos casos de problemas emocionais; se as Wǔ Qíng, Cinco Emoções,
são as principais implicadas nos quadros de desarmonias internas crônicas, então seria
adequado o uso desses pontos sempre que se quisesse atuar sobre os Zàng Fǔ, nos problemas
crônicos de saúde, o que, na prática clínica corresponderia à grande maioria dos casos.
Assim, pode-se propor como estratégia terapêutica, o uso regular desses pontos, em
associação com os pontos Shū dos Zàng Fǔ correspondentes, em todos os casos crônicos
tratados, independentemente se a queixa do paciente for ou não direcionada a alguma questão
emocional. A escolha dos pontos estaria na dependência do Zàng Fǔ mais implicado no
diagnóstico.
181
Pontos Shū, traduzidos como “Pontos de Transporte Posterior” seriam pontos localizados no canal da Bexiga, na região
dorsal e que guardariam relação com os Zàng Fǔ.
191
182
Algumas indicações foram retiradas de Maciocia (2009), outras da experiência clínica da autora.
192
R16 肓俞 Huāng Shū: Ponto de conexão anterior da área Gāo Huāng 膏肓, o espaço
entre o coração e o diafragma. Conecta-se internamente com o ponto B17 膈 俞 , Gé Shū,
considerado ponto que atuaria diretamente sobre o diafragma, e com Xīn, Coração.
Hún She: Ponto considerado Extra, fora dos Jīng Mái. Atuaria sobre Hún, localizado 1
cun, bilateralmente ao umbigo.183
E25 天俞 Tiān Shū: Atuaria sobre Hún e Pò. Maciocia (2009) indica como um dos
pontos para “abrir os orifícios da mente” e, ainda para os casos de agitação mental,
ansiedade, esquizofrenia e mania quando há uma desarmonias com quadro de Rè, Calor, em
Wèi, Estômago.
Jarrett (2003) afirma que VC8, R16 e E25 se relacionariam com Shén por estar junto
ao umbigo, ponto, segundo ele, central da existência humana, por ser por onde se receberia
“Qì Primordial” durante a gestação.184
Segundo Jarrett (2003), o conjunto desses pontos teria atuação sobre Shén e Líng,
fazendo o equilíbrio entre os aspectos Yīn Yàng, uma vez que Shén e Líng formariam uma
polaridade Yīn Yáng.
R23 神 封 , Shén Fēng: Seria indicado para o caso em que a pessoa não consegue
manifestar seu potencial inato, parecendo não ter autoridade sobre nenhum aspecto de sua
vida.
R24 靈墟, Líng Xū: Seria usado quando Líng, aspecto Yīn de Shén, não conseguisse
manifestar seu potencial na vida, a pessoa pareceria sem entusiasmo, poderia ter em
associação consumo de Jīng.
R25 神藏, Shén Cáng, teria indicações semelhante aos pontos acima.
183
Não foi encontrada nenhuma referência a mais sobre este ponto, nem tampouco a descrição do caractere. Esta referência é
de Maciocia (2009).
184
Esta forma de qualificar Qì, foi usada anteriormente na descrição da captação de Qì pelo Qì Gōng e segundo Hsu
(1999)
é uma terminologia usada pelos daoístas e refere-se a uma qualidade refinada de Qì “primordial” que cada um traria ao
nascer, o que deixaria Shén e o corpo “puros’.
193
Jarrett faz descrições muito originais acerca desses pontos, com muitas interpretações
pessoais, sem indicar suas referências, provavelmente ancoradas em sua experiência pessoal.
De qualquer modo, são interessantes apreensões sobre Shén.
Esta área, localizada entre o diafragma e o coração, já foi descrita anteriormente. Não
seriam pontos usualmente descritos como atuantes sobre Shén, porém nas suas indicações
sobre atuação desses pontos se costuma encontrar referências a Shén.
Segundo Jarret (2003) os pontos a ela relacionados seriam:
O ponto diretamente relacionado a essa área seria B43 膏肓俞, Gāo Huāng Shū
RM14, 巨闕 Jù Què,
RM15, 鳩尾 Jiū Wěi,
RM17 膽中 Dàn Zhōng,
R16 肓俞 Huāng Shū,
R21 幽門 Yōu Mén,
R22 步廊 Bù Lang,
CS1 天池 Tiān Chí,
Este último através de trajeto interno.185 R16 seria descrito como raiz da área Gāo
Huāng. Segundo ele, problemas nessa região estariam relacionados com conflitos entre o
“propósito de cada um na vida” e “questões ancestrais”, associando com questões “karmicas”.
Não caberia entrar nessa discussão de raízes de ordem religiosa. O fato é que esta região
possuiria pontos que, frequentemente, encontram-se doloridos à palpação, o que poderia
significar dificuldade na circulação de Qì no local.
Se como foi visto, o padrão de Zhì Qì 滞氣, Estagnação de Qì, seria o mais relevante
nas desarmonias de Shén, seria razoável pensar que os pontos dolorosos, nesse caso, seriam
pontos a serem tratados. Além do mais seria uma área próxima ao centro do peito,
coincidindo com a área Tán Zhōng 壇中,aí localizada e referente àquela rede de distribuição
de Xīn, Coração.
Tán Zhōng seria entendida como uma espécie de mensageiro, levando as
185
Birch & Matsumoto (1988, p. 57-61), descrevendo o trajeto interno dos canais mostra que haveria conexões internas entre
R16, RM 14, R21 e CS1. E ainda, que o canal do Rim envolveria todo o coração, como um “envelope” ao passar por ele.
O que poderia explicar as correlações entre os pontos citadas acima e, ainda, as relações conhecidas entre Rim e Coração.
194
determinações de Shén aos Zàng Fǔ, seria um ponto de partida de todo o Qì que circula no
corpo. Zōng Qì 宗 氣 , o Qì ligado a esta região, é descrito como aquele que carregaria um
pouco da característica dos ancestrais de cada pessoa, ajudando a compor a personalidade de
cada um.186
Talvez Jarrett tenha se inspirado nessas considerações para dizer que a área Gāo
Huāng esteja relacionada com conflitos entre o “propósito de cada um na vida” e “questões
ancestrais”. O fato é que há indícios que os pontos relacionados a essa região poderiam ajudar
a tratar desarmonias associadas a Shén.
O ponto CS1, em conexão com estes pontos, poderia ser ainda, uma forma de incluir
Xīn Bāo 心胞 nesta discussão.187
Falar do invisível e do sutil de maneira palpável não foi tarefa fácil. Como falar de
uma área de conhecimento que, embora rica de sentidos demonstrava-se pobre sob o olhar da
prática médica?
Shén 神 , como categoria indissociável do corpo, deveria ser objeto de profundos
estudos sobre sua aplicabilidade na medicina. Não é o que acontece. A influência da Medicina
Chinesa Contemporânea e sua afeição por valores ocidentais reduziram aos sentidos de
“mente”, uma categoria que segundo o pensamento clássico chinês se faria presente antes
mesmo do encontro dos gametas, direcionaria seu desenvolvimento e toda a forma de ser e
estar de cada pessoa, configurando sua existência nos níveis “físico”, “emocional”, “mental” e
“espiritual”. O problema era entender como isso poderia se dar, sem cair na interpretação
considerada metafísica que afastou os amplos sentidos de Shén das dimensões práticas da
Racionalidade Médica Chinesa, resguardando-os a sua cosmologia. Esse foi o desafio desta
tese.
O apoio a algumas premissas do Pensamento Chinês foi fundamental para dar a
segurança necessária a essa empreitada. Antes de qualquer coisa, era preciso admitir que
pudesse existir uma forma diferenciada de pensar sobre todas as coisas, diferente da forma
ocidental. Depois tentar associar o pensamento médico a essa forma diferenciada de pensar. A
partir daí, buscar os sentidos que Shén pudesse assumir, quando se pensa de maneira coerente
com premissas do Pensamento Chinês, aplicável tanto na fisiologia, quanto na patologia. Só
197
alguma forma, interferindo sobre todas as outras. Assim, mesmo que não se utilizasse os
sentidos de Shén na prática clínica, como faz a Medicina Chinesa Contemporânea, a atuação
sobre Qì ou Xuè ou Jīn Yè ou Jīng levaria a Shén.
Levanta-se a hipótese de este ser o motivo de resultados terapêuticos tão
diferenciados, mesmo em quadros clínicos idênticos. As pessoas têm Shén diferentes umas
das outras, talvez, por isso respondessem diferentemente, umas das outras, às terapêuticas,
uma vez que Shén estaria direcionando os processos corporais.
Ao recorrer à cosmologia, entende-se que cada pessoa traria no nascimento Tiān
Mìng 天 命 , Mandato Celeste, uma determinação impressa em cada um. Esta determinação
estaria na dependência de Dè 德 , Virtude, de cada um, que facilitaria ou dificultaria o
cumprimento de Tiān Mìng. Há referências de ressonância de sentidos entre Shén e Tiān
Mìng na cosmologia, talvez isso pudesse explicar Shén como característica única de cada
pessoa. Outra forma de explicar seria através das relações Shén Jīng. Jīng trazido dos
ancestrais atuaria como aquele que iria organizar a forma determinada por Shén, o
configurador. Jīng ao longo da vida poderia se transformar, a partir de aquisições pessoais,
mas Shén seria sempre aquele que dirigiria esse processo, embora precisasse de Jīng para
demonstrar-se. De qualquer modo, Shén, Jīng, Tiān Míng e Dè seriam categorias implicadas
no que cada pessoa pode ser no mundo, determinando atitudes e reações frente a todas as
situações. Por que não, também, na terapêutica dispensada a sua saúde?
Em relação aos processos fisiopatológicos seria preciso assumir que haveria sempre a
atuação de diferentes categorias em seu desencadeamento, mesmo que em graus
diferenciados. A principal categoria envolvida nos quadros emocionais seria Qì. As emoções
atuariam sobre Qì alterando seu fluxo e levando a quadros de Zhì Qì 滞氣, Estagnação de Qì.
O que teria consequências como geração de Rè 热 , Calor, formação de Tán Yǐn 痰 飲 ,
Fleuma, Xuè Yū 血瘀, Estase de Xuè que, por sua vez, poderiam atuar sobre Shén.
Acontece que “emoção” também seria um dos sentidos assumidos por Shén. Se ela
afeta Qì que vai interferir em Shén e se “emoção” pode ser um dos sentidos de Shén, então
haveria um quadro de interferência mútua, onde todas as categorias se afetariam e seriam
afetadas. O que seria coerente com a premissa da não causalidade presente no Pensamento
Chinês. Tudo aconteceria dentro de uma dinâmica de processo e ressonância entre as partes
formadoras da totalidade.
Então, talvez não fosse correto afirmar que a “emoção” afetasse Qì que afetaria Shén,
essa seria uma maneira ocidental de pensar a relação entre as coisas. Os chineses interessam-
199
se mais pelo processo do que pelo efeito das coisas. Talvez fosse mais adequado pensar que:
um quadro de emoção alterada poderia se expressar como alteração de Qì e alteração de Shén.
O que também poderia ser dito como: um quadro de Shén alterado poderia se expressar como
alteração da emoção e alteração de Qì. Ou ainda, um quadro de Qì alterado poderia se
expressar como alteração de Shén e alteração da emoção. Sob qualquer foco, a dinâmica
fisiopatológica seria a mesma.
Porém, isso não quer dizer que não existissem fatores desencadeantes de processos
patológicos. Eles não seriam entendidos como fatores “causais”, mas como uma espécie de
influências na dinâmica corporal desencadeando determinados efeitos, que seriam maiores ou
menores dependendo da propensão de cada um. A propensão seria uma forma de aproveitar o
fluxo das coisas. Aproveitar para melhorar ou para piorar as coisas.
Levando essas categorias do Pensamento Chinês para a Diagnose e a Terapêutica,
talvez se pudesse associar efeitos mais ou menos agressivos consequentes a dieta ou hábitos
de vida sobre as pessoas, dependendo da propensão de cada um. No discurso médico, a
categoria que costuma esbarrar nessa forma de pensar é Jīng. No entanto, pelas ressonâncias
entre Qì, Shén, Tiān Míng, Mandato Celeste, Dè, Virtude, parece que Jīng não seria a única
implicada na propensão.
Parece, portanto, que nesta linha do Pensamento Chinês o ângulo pelo qual se olha as
coisas determinaria os sentidos que elas assumiriam. Esse ângulo de visão traria, ainda, as
representações sociais, culturais e históricas do período em que foram criadas.
A categoria Wù Wèi 無 為 , entendida como um estado fisiológico de vazio ou
quietude, citada diversas vezes ao longo da tese, teria seus sentidos encontrados em
associação ao que se chama de “Vazio de Xīn 心 , Coração”, descrito como um estado
saudável e necessário para que esse Zàng 贓, Órgão, conseguisse manter sua nobre relação
com Shén. Foram encontradas algumas explicações para esse estado Wù Wèi. Uma seria
como um jeito de dar calma e quietude para que Shén pudesse resguardar-se em Xīn, Coração,
de forma a exercer seu controle sobre todas as coisas com calma e tranquilidade. Diz-se que
Shén seria perfeito e não poderia ser incomodado, precisando da quietude de Xīn. Daí, as
técnicas meditativas que buscariam alcançar esse estado.
Outra maneira de explicar Wù Wèi, seria em relação às Qíng 情, Emoções. Nesse caso
haveria duas visões: uma referente a um estado facilitador ao fluxo das Qíng para os Zàng-Fǔ
贓腑, Órgãos e Vísceras, tarefa que seria, por sua vez, desempenhada pelos Wǔ Shén, 五神,
Cinco Shén, como “condutores” das Qíng, Emoções, para os Zàng-Fǔ. Outra maneira de
200
entender seria como um estado facilitador dado por Shén, ao bom funcionamento dos Zàng-
Fǔ, nesse caso, os Wǔ Shén, Cinco Shén também atuariam como representantes de Shén.
Nessas descrições não haveria referência à rede Xīn Bāo Luò 心胞絡, que também é
citada com atribuições semelhante aos Wǔ Shén no sentido de promover o funcionamento
orgânico, preservando, assim, o estado Wù Wèi de Xīn. Percebe-se, portanto uma
transferência de sentidos entre as categorias, até mesmo entre Xīn e Shén, confundindo-se
frequentemente, talvez fossem diferentes visões de diferentes momentos históricos da China.
Portanto, se o terapeuta não estiver devidamente alertado sobre todas essas questões,
teria dificuldade de entender a Dinâmica Vital da Racionalidade Médica Chinesa, o que
poderia comprometer as dimensões Diagnose e Terapêutica.
Entende-se que apesar de haver um capítulo específico para a Diagnose e outro para a
Terapêutica, as questões centrais implicadas nessas duas dimensões foram discutidas ao longo
de toda a tese. Nesses primeiros capítulos, de ordem mais explicativa, as dimensões
Cosmologia, Doutrina Médica e Dinâmica Vital da Racionalidade Médica Chinesa estiveram
no foco central da discussão. Mais do que as dimensões Diagnose e Terapêutica, estas motivo
do objeto de pesquisa da tese. Porém, se a intenção era fazer um equilíbrio entre todas as
dimensões, de modo a apreender os sentidos de Shén, esse foi o melhor caminho a seguir.
Nos dois capítulos finais, onde se discutiu a Diagnose e a Terapêutica, buscou-se uma
sistematização do conhecimento construído nos capítulos precedentes. Não foi objetivo desses
capítulos, no entanto, fornecer regras e prescrições a serem seguidas. Na abordagem à
Diagnose procurou-se apontar caminhos por onde se pudesse perceber a presença de Shén,
que levassem a uma possível atuação terapêutica.
Procurou-se, ao longo da exposição sobre a dimensão Diagnose, um não
aprisionamento a detalhes técnicos, como as especificidades de palpação dos pulsos
periféricos, por exemplo, mas, sim, apontar como o processo fisiopatológico subjacente a
palpação dos pulsos envolveria Shén, através das ressonâncias Qì Xuè Shén.
A relação terapeuta-paciente foi também valorizada no capítulo sobre Diagnose.
Concluiu-se que, nessa forma de ver as coisas, buscando o sutil e o implícito através de Shén,
faz-se necessário uma atenção à maneira de cada um ser e estar no mundo. O terapeuta
também tem Shén! Nele, também se passariam dinâmicas que poderiam lhe escapar. Como
“re-conhecer” o que não se conhece? Apontou-se, então, a necessidade do aprimoramento
pessoal e técnico do terapeuta.
201
A prática do Qì Gōng 氣 功 foi vista como uma das mais próximas aos sentidos de
Shén. Mesmo que, na China atual, os mestres sejam substituídos por máquinas, como contou
Elisabeth Hsu, elas não têm Shén. E, na contra mão dessa forma de praticar o Qì Gōng
terapêutico na China, esta prática corporal vem se tornando bastante divulgada pelo mundo,
sem máquinas, mas com pessoas praticando-a em busca do auto-cuidado e da saúde.
Ao final, o que se viu é que Shén estaria presente em todos os processos
fisiopatológicos, em todas as dimensões e técnicas terapêuticas da Racionalidade Médica
Chinesa. Mas, então, tudo é Shén? Se assim for e se, como se disse, pouco tem sido estudado
a respeito, quando se fala em diagnose e terapêutica, como estaria se dando prática da
Medicina Chinesa pelo mundo? Será que toda a crescente demanda de pacientes que busca
esse tipo de cuidado estaria sendo enganada ou “sub-terapeuticamente” tratada? Parece que
não. Estudos mostram que as pessoas melhoram de suas queixas e sentem-se efetivamente
satisfeitas com seu tratamento.
Deve-se admitir, portanto, que é possível praticar a Medicina Chinesa sem considerar
Shén. Afinal, não é o que vem fazendo a Medicina Chinesa Contemporânea? Porém, a
questão a ser discutida não deve ser a pertinência ou a eficácia. Mas, sim, como o ocidente, e
a própria China estariam se apropriando de um conhecimento milenar para tratar das pessoas
e, além disso, em que áreas do adoecimento humano o estariam utilizando.
Quando se usa os conceitos de Shén como “mente” e ampara-se na Biomedicina para
escolher o que tratar através da Medicina Chinesa, rejeita-se uma forma diferente e muito
interessante de pensar no adoecimento das pessoas, renegando aquele conhecimento milenar.
É claro que o conhecimento vai adaptando sua ação ao longo do tempo. Não se usa mais Shén
para tirar “demônios” das pessoas quando elas adoecem. Porém, devem-se valorizar
experiências como aquela da UNIFESP, no serviço de acupuntura do Dr. Ysao Yamamura,
que utiliza Shén para tratar casos de dor, primeiro motivo de atendimento com acupuntura no
ocidente. Dr. Ysao entendeu que faria uma significativa diferença na qualidade da vida das
pessoas se, além da acupuntura para tratar as queixas de dor, utilizasse uma terapêutica que as
fizesse entender e transformar o motivo pelo qual manifestavam seu sofrer através da dor.
Assim, como característica milenar da Racionalidade Médica Chinesa, ela vai
continuar sendo praticada no mundo de diferentes formas: como a Medicina Clássica, como a
Medicina Chinesa Contemporânea, como auxiliar à Biomedicina, valorizando Shén, negando
Shén e outras mais. O que importa é que se mantenha ativa a discussão sobre essas diferentes
formas de atuação e não se renegue um conhecimento em detrimento do outro na composição
de sua Doutrina Médica, onde estão as bases teóricas de seu conhecimento.
203
Espera-se, por fim, que essa tese tenha contribuído para uma reconciliação entre as
dimensões Diagnose, Terapêutica e Cosmologia, fortalecendo o valor da Racionalidade
Médica Chinesa. Espera-se que os esclarecimentos sobre Shén tenham contribuído para essa
reconciliação. Espera-se, ainda, que tenha se constituído um material de investigação para a
prática dessa racionalidade no ocidente, contribuindo para melhorar a saúde das pessoas.
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Dè 德, Virtude
Dian Kuang 癫抂, Síndrome Maníaco Depressiva
Diān Kuáng 癲狂, Esquizofrenia
Dian Xian 癫嫻 , Epilepsia
Dì 地 , Terra
Fán Zào 煩躁 , Agitação mental e física
Fèi 肺, Pulmão
Fēng 風, Vento
Gān Yìng 感應, Ressonância
Gān 肝, Fígado
Gǔ Dài Zhōng Yī 古代中醫 , Medicina Clássica Chinesa
Guǐ , 鬼
Gǔ 骨, Ossos
Hán 寒, Frio
Hàn 漢 , Dinastia Chinesa
Hé 和 , Harmonia
Huái Nán Zǐ 淮南子
Huáng Dì Nèi Jīng Líng Shú, 黃帝内經靈樞
Huáng Dì Nèi Jīng Sù Wèn, 黃帝内經素問
Hún 魂
Huǒ 火, Fogo
Jīn Kuì Yào Lüè 金匱要略
Jīn Yè 津液, Fluidos
Jīng Bié 經别, Canal Divergente
Jīng Jīn 經筋, Canal Tendino -Muscular
Jīng Luò 經絡, Canais
Jīng Mái 經脈, Canal Principal
Jīng Míng 精明
Jīng Shén 精神
Jīng 精
216
Qī 七, Sete
Qiè Zhěn 切診 , Palpação
Qíng 情, Emoções
Qì 氣
Rén Mài 任脈
Rén Shén 人神, Shén Pessoal
Rén 人, Homem, Pessoa
Rè 热 , Calor
Sān Bǎo 三寚 , Três Tesouros
Sān Jiāo 三焦, Triplo Aquecedor
Shāng 蔏 , Dinastia Chinesa
Shé Zhěn 舌診 , Análise da Língua
Shén Guǐ 神鬼
Shén Míng 神明, Brilho de Shén
Shén Nóng Běm Cǎo Jīng 神農本草經, Tratado de Matéria Médica Chinesa
Shén Zhū 神珠 , Globo ocular
Shēng 生 , Geração
Shén 神
Shèn 腎, Rim
Shǐ Mián 矢眠, Insônia
Shí Shén 實神, Shén substancial
Shí 實, Plenitude
Shī 濕, Umidade
Shuǐ 水, Água
Shǔ 署, Calor do Verão
Sì Zhěn 四診 , Quatro Exames
Sī 息, Pensamento
Suǐ 髓 , Medula
Tán Huǒ 痰火, Fleuma Fogo
Tán Yǐn 痰飲, Fleuma
218
Yì 意
Yǒu Shén 有, Ter Shén
Yōu 優, Ansiedade
Yù Qì 郁氣, Depressão de Qì
Yu Zheng 郁证
Yuán Qì 元氣 , Qì Original
Yuán Shén 元神, Fonte de Shén.
Zàng Zào 臟 躁 Agitação nos Órgãos
Zàng-Fǔ 贓腑 , Órgãos e Vísceras
Zào 璪, Secura
Zhēn Qì 真氣 , Qì Verdadeiro
Zhèng Qì 正氣, Qì Correto
Zhì Qì 滞氣, Estagnação de Qì
Xué Yū 血瘀, Estase de Sangue
220
Zhì 志
Zhōng Qì 中氣, Qì Central
Zhōng Yì 中醫, Medicina Tradicional Chinesa
Zhōu 周 , Dinastia Chinesa
Zhùang Zǐ 壯子, Texto Clássico Chinês
Zǐ Zàng 子臟, Útero
Zōng Qì 宗氣, Qì Ancestral
APÊNDICES
APÊNDICE A:
CAPÍTULO V
SHÉN 神 NA DIMENSÃO DIAGNOSE DA RACIONALIDADE MÉDICA CHINESA
abdome, genitais, quatro membros, pernas e pele (Maciocia, 2005). Cada um destes itens
teria significado próprio, traduzido em um desequilíbrio interno e, em conjunto com os
demais, estruturaria a Diagnose.
5.1.1. Mù 目, Olhos
Palpados bilateralmente sobre a artéria radial com os dedos anular, médio e indicador.
Cada dedo percebe qualidades específicas.
São analisadas três posições longitudinais e três profundidades. As posições
longitudinais, que recebem o nome de Sān Bù 三 部 são chamadas, Cùn 寸 , Anterior ou
Polegada, Guān 關, Média ou Portão e Chǐ 尺, Posterior ou Pé, e refletiriam a condição de um
Zàng 贓, Órgão, na profundidade e de um Fǔ 腑, Víscera, na superfície. As três profundidades
se referem aos níveis superficial, médio e profundo e expressariam a condição de Qì 氣/Yáng
陽, de Xuè 血/ Yīn 陰 corporal, respectivamente.
Há alguma divergência entre os textos clássicos de diferentes épocas quanto à
identificação de cada uma das posições longitudinais de cada lado, mas, de maneira geral,
podem ser entendidas conforme a tabela abaixo.
Em outro tipo de avaliação, entendida como qualitativa, são descritos 28 ou 29 tipos
diferentes de pulsos, cada um com um nome e um significado diagnóstico próprio. Neste
caso, se avalia parâmetros como profundidade, velocidade, diâmetro da artéria, ritmo, grau de
estabilidade, frequência, forma, volume, força, profundidade, que compõem a qualidade do
pulso
A terminologia utilizada para qualificar cada um destes pulsos refere-se à sensação
táctil obtida à palpação, o que acarreta muita divergência na tradução para as línguas
ocidentais e confusão de sentidos.
223
Para identificação do FC, o método apóia-se em quatro fatores diagnósticos: cor (face,
especialmente têmporas), som (voz), odor (corporal) e emoção (de mais oculta expressão).
Conforme tabela abaixo.
trabalho ou, às vezes, melhoras em sintomas que não haviam sequer sido citados como
queixas (Worsley, 1987).
Cor: A idéia básica seria que, tão logo a pessoa se tornasse desequilibrada uma
coloração surgiria em sua face, visualmente nas têmporas, abaixo dos olhos, na prega do
sorriso e ao redor da boca.
Odor: Ao entrar em desequilíbrio, a pessoa passaria a emitir odor característico da fase
Wǔ Xíng 五行, Cinco Fase afetada. Porém, esta seria uma etapa de difícil avaliação.
Som: Sons de voz característicos de cada fase Wǔ Xíng. Estes sons poderiam ser
avaliados durante a fala do paciente, observando-se sua coerência com o que o paciente fala
no momento, com sua expressão facial, com o olhar que apresenta no momento, caso
contrário não expressariam o real elemento em desequilíbrio. O som relacionado ao FC, em
geral, torna-se evidente nos momentos de “stress” ou quando a pessoa fala sobre momentos
traumáticos de sua vida. Estes sons podem ser expressos, não necessariamente na voz do
paciente, mas através de sons que acompanham sua fala, como risadas ou gemidos (Worsley,
1990).
Emoção: Dos quatro FC investigados, a emoção seria o mais difícil e importante de
ser avaliado. Este item foi discutido no corpo da tese.
APÊNDICE B:
CAPÍTULO VI
SHÉN 神 NA DIMENSÃO TERAPÊUTICA DA RACIONALIDADE MÉDICA
CHINESA
Pontos indicados por Macioica (2009) como atuantes sobre Shén 神 nos diferentes Jīng
Luò 經絡, Canais:
Pulmão
P3,Tiān Fǔ 天府; P7, Liè Quē 列缺; P10, Yú Jì 魚際.
Intestino Grosso
IG4, Hé Gǔ 合谷; IG5, Yáng Xī 陽谿; IG7, Wēn Liù 溫溜.
Estômago
227
E25, Tiān Shū 天樞; E40, Fēng Lóng 豐隆; E41, Jiě Xī 觧谿; E42, Chōng Yáng 沖陽; E45,
Lì Duì 厲兌.
Baço
BP1,Yǐn Bái 隱白; BP3,Tài Bái 太白; BP4, Gōng Sūn 公孫; BP5, Shāng Qiū 商丘; BP6, Sān
Yīn Jiāo 三陰交
Coração
C3, Shào Hǎi 少海; C4, Líng Dào 靈道, C5, Tōng Lǐ 通里, C7, Shén Mén 神門; C8, Shào Fǔ
少府; C9, Shào Chōng 少沖.
Intestino Delgado
ID5, Yáng Gǔ 陽谷; ID7, Zhī Zhèng 支正; ID16, Tiān Chuāng 天窗.
Bexiga
B10, Tiān Zhù 天柱; B13, Fèi Shū 肺俞; B15, Xīn Shū 心俞; B23, Shén Shū 腎俞; B42, Pò
Hù 魄戸; B44, Shén Táng 神堂; B47, Hún Mén 魂門; B49, Yì Shè 意舍; B52, Zhì Shì 志室;
B62, Shēn Mài 申脈.
Rim
R1, Yǒng Quán 湧泉; R3,Tài Xī 太谿; R4, Dà Zhōng 大籦; R6, Zhào Hǎi 照海; R9, Zhú Bīn
築賓; R16, Huāng Shū 肓俞.
Circulação-Sexo
CS3, Qū Zé 曲澤; CS4, Xī Mén 郗門; CS5, Jiān Shǐ 閒使; CS6, Nèi Guān 内闗; CS7, Dà
Líng 大陵; CS8, Láo Gōng 勞宮.
Triplo Aquecedor
TA3, Zhōng Zhǔ 中渚; TA10, Tiān Jǐng 天井.
Vesícula Biliar
VB9, Tiān Chòng 天衝; VB12, Wán Gǔ 完骨; VB13, Běn Shén 本神; VB15, Tóu Lín Qì 頭
臨泣; VB17, Zhèng Yíng 正營; VB18, Chéng Líng 承靈; VB19, Nǎo Kōng 腦空; VB40, Qiū
Xū 丘墟; VB44, Zú Qiào Yīn 足竅陰.
Fígado
F2, Xíng Jiān 行間; F3,Tài Chōng 太沖.
Ren Mai
228
RM4, Guān Yuán 關原; RM8, Shén Què 神闕; RM12, Zhōng Wǎn 中脘; RM14, Jù Què 巨
闕; RM15, Jiū Wěi 鳩尾.
Du Mai
DM4, Mìng Mén 命門; DM10, Líng Tái 靈台; DM11, Shén Dào 神道; DM12, Shēn Zhù 身
柱; DM14, Dà Zhuī 大椎; DM16, Fēng Fǔ 風府; DM17, Nǎo Hù 腦戸; DM18, Qiáng Jiān 強
間; DM19, Hòu Dǐng 後頂; DM20, Bǎi Huì 百會; DM24, Shén Tíng 神庭.
Pontos Extras: Hun She e Yin Tang.
Pontos indicados por Maciocia (2009) para atuar sobre os Wǔ Shén, Cinco Shén Pò 魄,
Hún 魂, Yì 意, Zhì 志:
• Pò 魄
B42, Pò Hù 魄戸;
P7, Liè Quē 列缺 com R6, Zhào Hǎi 照海;
B13, Fèi Shū 肺俞;
VG12, Shēn Zhù 身柱;
VG19, Hòu Dǐng 後頂.
• Hún 魂
B47, Hún Mén 魂門;
229
Sonhos: F8, Qū Quán 曲泉; RM4, Guān Yuán 關原; BP6, Sān Yīn Jiāo 三陰交.
Visão: VB37, Guāng Míng 光明; F2, Xíng Jiān 行間; B18, Gān Shū, 肝俞.
Estimulam seu movimento: VB40, Qiū Xū, 丘墟; CS6, Nèi Guān 内關; DM20, Bǎi Huì,百會.
Restringem seu movimento: F3, Tài Chōng 太沖; B47, Hún Mén; CS7, Dà Líng 大陵;
Hunshe.
• Yì 意
B49 Yì Shè, 意
B45, Yì Xī 譩譆
B20, Pí Shū 脾俞
B21, Wèi Shū 胃俞
DM20, Bǎi Huì,百會
E36, Zú Sān Lǐ 足三里
BP3, Tài Bái 太白
• Zhì 志
a) num ciclo de 12 anos, Shén ficaria por um ano inteiro em determinada área corporal, e
após este período mudaria seguindo a sequência: coração; garganta; cabeça; ombros;
dorso superior; dorso inferior; abdômen; pescoço; pé; joelho; orifícios anal e genital;
coxa. Segundo Zheng-Cai, durante o período visitado por Shén, a área relacionada não
deveria ser agulhada, conseqüentemente haveria uma indicação por idade das áreas
proibidas à acupuntura.
Cabeça 1h às 3h
Ouvidos 3h às 5h
Face 5h às 7h
Pescoço 7h às 9h
Ombros 9h às 11h
Peito e lateral das costas 11h às 13h
Abdômen 13h às 15h
Coração 15h às 17h
Joelhos 17h às 19h
Parte inferior das costas 19h às 21h
Coxas 21h às 23h
Fonte: Adaptado de Zheng-Cai, L. 1999, p. 119.