Revista Falo Magazine 1
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Revista Falo Magazine 1
# I
WIM ADRIAENSSENS
OMER GA’ASH
Lucien Freud
Nudez masculina:
o mal-estar
Vocabulário peniano
FALO© é uma publicação bimestral.
março 2018.
ISSN 2675-018X
versão 09.04.20
Sumário
edição, redação e design: Filipe Chagas
Editorial de História). No fim do artigo, uma obra
corpo editorial: Dr. Alcemar Maia Souto.
4
N
site: Pedro Muraki de outro pintor conhecido e estabelecido APRESENTAÇÃO
para ratificar a presença do nu masculi-
capa: Nããão!, acrílica sobre tela de Wim Adriaenssens o ano passado, com o fe- Os olímpios
chamento da exposição no na arte (Falo em Foco).
BLASFÊMIA!
UM ESCÂNDALO!
Acima: Olímpia. Na página ao lado, de cima para baixo: Vênus de Urbino e A maja desnuda.
O pintor chegou a se isolar, mas (ainda bem) foi
tirado do ostracismo pelos impressionistas capi-
taneados por Berthe Morisot, Camille Pissarro e
Claude Monet (que foi responsável por comandar
uma campanha em 1890 para que a tela fosse
comprada e doada para coleções públicas).
Podem me colocar diante de um juiz. Eu sei que eu não fiz Eu estava trabalhando, e minha função é essa: perturbar a
6 paisagem controlada dos sentidos. O meu corpo afronta os 7
nada de errado nem nada pelo qual eu deva me envergonhar.
seus canais entupidos, o seu ódio contido, mesmo estando
parado. Porque vocês nunca vão me controlar e eu pagarei
o preço, eu sei, eu sempre paguei. Porque parado ali, nu,
imóvel no meio da praça, suas vozes me atravessam, suas
piadas estúpidas tentam me derrubar, sua indiferença me
faz rir, seu embaraço me dá dó, mas eu continuo em pé.
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Wim
Adriaenssens
por Filipe Chagas Deitado, óleo sobre tela. Série Learning to Fly.
Como pintor, Wim é figurativo, mas parece usar os materiais quase como a parte da tela que é interessante para contar sua história; o resto
de forma abstrata, com um toque bem gestual. Isso se deve ao fato das é deixado com as manchas de suas pinceladas energéticas ocorridas
telas estarem no chão ao pintar para aproveitar seu próprio movimento naturalmente durante a pintura.
(influência da Action Painting de Pollock). Com isso, ao mesmo tempo
que são decorativas, suas obras possuem intensa carga emocional. Ele acredita que sua opção de pintar o corpo humano venha de sua
relação com a Moda, pois realizou constantes estudos da anatomia
Em sua pesquisa por materiais, Wim encontrou a terebintina vene- e criou inúmeras coleções masculinas. Porém, Wim ainda se sente
ziana, um antigo diluente para tinta óleo, que acabou se tornando o intrigado com o desconforto das pessoas a partir da visão do nu mas-
diferencial na sua pintura. culino, principalmente na Arte:
Seu uso da tela é muito particular, pois remete ao “Princípio de Wu Eu não entendo, porque já há séculos é comum ver mulheres
Wei”, onde nada é artificial ou exclusivamente voluntário. Wim usa nuas na arte. E às vezes tem consequências, como por exem- Wim em seu ateliê.
plo, ser bloqueado no Facebook em 2018… Não há nada
anormal em retratar um pênis. É parte do corpo humano!
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Pop up (porcelana). Na página anterior: Queda livre 3 (óleo sobre tela). Série Learning to Fly.
Não quero ver, óleo sobre tela.
Olhe as estrelas, porcelana. Série Mute conversations.
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Por acreditar que a Arte ainda é uma exceção social que pode
abrir as portas para uma discussão sobre o nu masculino, Wim
pretende continuar a produzir e expôr seus trabalhos, indepen-
dente de repercussões negativas ou bloqueios virtuais.
O
mer Ga’ash é quase um nômade. Nascido em feve-
reiro de 1983 na cidade de Haifa, Israel, se mudou
inúmeras vezes ao longo de sua vida, fosse por con-
ta do exército, de seus estudos em Design e Arqui-
tetura ou de sua vida profissional. Hoje possui seu
próprio estúdio (OMG Studio) em Israel, onde trabalha com de-
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sign gráfico, UX/IX design, startups, tecnologia e muito mais.
Prefere que os modelos sejam dançarinos, pois sabe que eles – além
de manterem a forma física – sabem como movimentar seus corpos e
acrescentam ao processo criativo.
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O corpo masculino é a escolha de Omer não somente por sua orientação Seu projeto atual Nude Texture
sexual, mas por considerar sua familiaridade com as formas do gênero tem o objetivo eliminar o medo da
e sua capacidade de tirar o máximo delas: nudez. Para Omer: Será sempre esquisito ser
o único nu no meio da
É mais fácil pra mim e eu me sinto mais confortável, mas não multidão. Porém, quando
quero apenas trabalhar necessariamente o corpo masculino.
Quero trabalhar com todo mundo!
todo mundo está nu, fica
menos estranho.
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Dessa forma, ao multiplicar a nudez, Omer eli-
mina questionamentos sexuais e a devolve à
naturalidade do dia-a-dia. As formas criadas
pelos corpos tornam-se estampas moduladas
e alteram nossa percepção. É preciso um olhar
metonímico, onde a parte representa todo.
NY SIGHTSEEING
ereto). Porém, deixa claro que se a composição
fotográfica ou da textura pedir o nu frontal, ele
irá usar.
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Sessão fotográfica do projeto Nude Texture. (foto:
Xnet) que resultou, por exemplo, em uma almofada.
Apesar da carga religiosa, Israel é um local de TRANSFER 29
boa aceitação das formas expressão individuais
e coletivas, facilitando o desenvolvimento artís-
tico de Omer. Recentemente fez uma parceria
PHOTOGRAPHY
VIDEO
com o cantor e pintor David D’Or no projeto
Canvas the Movement: D’or pintou em gran-
des telas no chão e, sobre elas, foi colocado um
Projeto Canvas the Movement. modelo masculino que também foi pintado; en-
quanto isso, Omer fazia direção e fotografia a
partir de uma composição vista de cima. As fo-
tografias foram impressas em vidros e acrílicos We truly LOVE what WE do and WE want to serve YOU whenever YOU want.
em grandes formatos para uma exposição que
percorreu vários países.
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Lucien Freud
1922 - 2011
Homem nu com rato, óleo sobre tela, 1977.
F
ilho de pais judeus – o arquiteto Ernst
Ludwig Freud e Lucie Brasch –, Lucien
Michael Freud nasceu na Alemanha em
1922. Para escapar do nazismo, sua fa-
mília fugiu para Londres em 1934 e obti-
veram a cidadania britânica em 1939. E sim… o
sobrenome é o mesmo de seu avô, Sigmund Freud!
U
ma das principais características do homem contempo- Na verdade, o homem, quando se sente desconfortável em relação ao
râneo é que ele se sente extremamente desconfortável corpo do homem, está quase sempre desconfortável com outro homem,
diante do corpo do homem contemporâneo. não com ele.
Não, não como as mulheres que, expostas a séculos de Perceba. No banheiro, temos regras implícitas para o uso do mictó-
padrões de beleza irreais e uma sociedade que cobra padrões estéticos rio – você nunca deve usar aquele ao lado de um que já esteja sendo
um tanto quanto opressivos, acabam questionando a própria beleza e utilizado se puder usar outro. Temos momentos de desconforto em
se cobrando de maneiras absolutamente injustas. Não, o homem con- vestiários, porque um desvio de olhar num momento inadequado –
temporâneo não se sente tão desconfortável diante do próprio corpo – “queria só ver onde tinha deixado minhas meias” – pode gerar mo-
ainda que eu, com essa barriga, provavelmente devesse me sentir. mentos constrangedores.
Beijamos no rosto apenas pais e avôs, damos abraços apenas em ami-
gos de longuíssima data, cumprimentando amigos normais com abra-
ços tímidos, colegas com apertos de mão e conhecidos com acenos de
cabeça que, quando usados em demasia, parecem um tique nervoso.
Isso acontece pelos mais diversos motivos, claro. Vivemos em uma cul-
tura que, por muito tempo, viu demonstrações de afeto e de sentimen-
tos como algo feminino. Homem não chora, homem não abraça e, se
abraçar, não coloca a cabeça no ombro do amigo. Isso seria esquisito.
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Brincando (mas falando sério), o ator Kevin Bacon lançou a hashtag #FreeTheBacon para aumentar a presença de nu
masculino em Hollywood:
Em tantos filmes e programas de TV, vemos desnudez feminina gratuita, e isso não é OK. Bem, é OK, mas não
é justo para as atrizes, e não é justo para os atores, porque queremos estar nus também. Cavalheiros, é hora
de libertar o bacon! E, por bacon, é claro, quero dizer seu pau, suas bolas e sua bunda.
Em vídeo no YouTube, ele ainda cita Game of Thrones e 50 Tons de Cinza como oportunidades justificadas de ir além da
bunda masculina e mostrar também o pau. E não é que ele tem razão?
FALORRAGIA É só ter um formato cilíndrico (como o cacete) que
alguém já chama, enxerga ou pensa em um falo. Se
P
estrovenga s.f. 3. BA MG GO tab. O pênis.
ênis, pau, pica, piroca, pinto, rola, caralho… São
jeba s.f. B. S. tab. órgão genital masculino, pênis. ETIM. orig.obsc.
vários os termos usados para nomear a genitá-
lia masculina e esses são os mais comuns. E não
O interessante é que algumas dessas palavras estão no dicionário com
podemos esquecer de: anaconda, aríete, banana,
um verbete que as relacionam com a genitália. Mesmo que possu-
benga, bengala, berinjela, cacete, caceta, cajado,
am seus próprios significados, já caíram na linguagem coloquial. Por
50 cassetete, caule, chibata, cobra, cobra-cega, drosoba, espada, 51
exemplo, banana, chibata e minhoca estão no dicionário como pênis.
espiga, estaca, estrovenga, jeba, mastro, membro, minhoca,
Não podemos esquecer que pau, pinto e rola podem ser, respectiva-
neca, piça, pingolim, piupiu, tarugo, tico, ticão, tora, vara,
mente, um pedaço de madeira, um filhote de galinha e uma peque-
varinha, verga, vergalhão, vergalho, viga… muito menos de
na ave columbiforme, mas estão tão arraigados em nossa linguagem
FALO, o nome dessa revista.
que, em um texto como esse, se remetem automaticamente ao pênis.
pica s.f. 3. (1813) tab. m.q. Pênis. Só que, dentre todos os termos, falo é, sem dúvida, o mais interessante:
verga /ê/ s.f. 7. tab. O pênis; mem- falo s.m. 1. Imagem do órgão reprodutor masculino, esp. a que
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bro viril. era carregada nos antigos festivais em honra a Dioniso, tb. dito
Baco, para simbolizar o poder gerador da natureza. 2. ANAT. O
Aliás, pênis é científico, assim como sua pênis ou o clitóris, ou o órgão embrionário sexualmente não dife-
explicação: renciado que os origina. 3. ANAT ANAT ZOO. m.q. pênis. 4.
PSICN. Função simbólica representada pelo pênis. ETIM. lat.
pênis s.m.2n. (1858 cf. MS) 1. phallus,i ‘figura que representava as partes sexuais do homem e
ANAT. Órgão genital masculino que, nas festas de Baco, levava-se como símbolo da geração’, do gr.
dos vertebrados superiores que, phallós,oû ‘pênis’; cp. f.erud. fálus.
nos mamíferos, é ger. constituído
por dois corpos cavernosos e um O falo recebe função simbólica e ritualística:
tubo central, por onde passa a ele ganha poder. Não quero entrar em dis-
uretra, tendo em sua extremidade cussões políticas de gênero falocráticas (até
a glande peniana, onde termina o porque, se você leu acima, viu que falo tam-
meato urinário; membro genital. bém é clitóris), apenas acho importante re-
2. ANAT. ZOO. Órgão copulador gistrar que o pau era celebrado por sua capa-
masculino de um animal inverte- cidade de geração. Festivais (Falofórias) na
brado. ETIM. lat. pênis,is ‘cauda Grécia antiga tinham sacerdotes (falóforos)
(dos quadrúpedes); membro viril’; carregando um falo em procissão; o Japão
f.hist. 1858 pènis. SIN/VAR. falo, mantém até hoje o Festival do Falo de Aço
falus, pene. HOM. penes(fl.penar) (Kanamara matsuri) com a mesma ideia de
e pênis(pl.pêni[s.m.]). Noção de fertilidade e abundância.
‘pênis’, usar antepos. fal(o)-.
Claro que usar o termo falo como nome da moN U m en t o
revista não teve por objetivo criar uma seita
que endeusa o pau. Mas, pela analogia com
a flexão do verbo “falar”, a ideia é ser um
espaço de discussão sobre a nudez masculina
que nos liberte de pudores que interferem na
naturalidade da forma.
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PS.: Falorragia – o nome dessa coluna – significa “hemorragia peniana”. Ok, isso deve
ser bem dolorido… Mas esqueça o “escoamento de sangue fora dos vasos sanguíneos” e
pense num escoamento de ideias fora da minha cabeça. Despir.
Modelo: Filipe Chagas. (selfie)
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ISSN 2675-018X
falonart@gmail.com